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Discurso de Posse

15 nov. 1889 Quintino Antônio Ferreira de Sousa Bocaiúva


26 fev. 1891 Justo Pereira Leite Chermont
30 nov. 1891 Fernando Lobo Leite Pereira
12 fev. 1892 Inocêncio Serzedello Corrêa
11 dez. 1892 Antonio Francisco de Paula Souza
22 abr. 1893 Felisbello Firmo de Oliveira Freire
30 jun. 1893 João Felipe Pereira
06 out. 1893 Carlos Augusto de Carvalho
26 out. 1893 Alexandre Cassiano do Nascimento

15 nov. 1894 Carlos Augusto de Carvalho

01 set. 1896 Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira

15 nov. 1898 Olinto de Magalhães

03 dez. 1902 José Maria da Silva Paranhos Júnior

15 fev. 1912 Lauro Severiano Müller

08 mai. 1917 Nilo Procópio Peçanha

16 nov. 1918 Domício da Gama

29 set. 1919 José Manuel de Azevedo Marques

15 nov. 1922 José Félix Alves Pacheco

15 nov. 1926 Otávio Mangabeira

24 out. 1930 Afrânio de Melo Franco


30 jan. 1934 Félix de Barros Cavalcanti de Lacerda

26 jul. 1934 José Carlos de Macedo Soares

31 ago. 1937 Mário de Pimentel Brandão

15 mar. 1938 Oswaldo Euclides de Souza Aranha

30 out. 1945 Pedro Leão Veloso

31 jan. 1946 João Neves da Fontoura

07 dez. 1946 Raul Fernandes

01 fev. 1951 João Neves da Fontoura

01 jul. 1953 Vicente Rao

26 ago. 1954 Raul Fernandes

12 nov. 1955 José Carlos de Macedo Soares

03 jul. 1958 Francisco Negrão de Lima

10 ago. 1959 Horácio Lafer

31 jan. 1961 Afonso Arinos de Melo Franco

11 set. 1961 Francisco Clementino de San Tiago Dantas

16 jul. 1962 Afonso Arinos de Melo Franco

24 set. 1962 Hermes Lima


18 jun. 1963 Evandro Cavalcanti Lins e Silva

22 ago. 1963 João Augusto de Araujo Castro

06 abr. 1964 Vasco Tristão Leitão da Cunha

17 jan. 1966 Juracy Montenegro Magalhães

15 mar. 1967 José Magalhães Pinto

30 out. 1969 Mário Gibson Alves Barboza

15 mar. 1974 Antônio Francisco Azeredo da Silveira

15 mar. 1979 Ramiro Elysio Saraiva Guerreiro

15 mar. 1985 Olavo Egydio Setúbal

14 fev. 1986 Roberto Costa de Abreu Sodré

15 mar. 1990 José Francisco Rezek

13 abr. 1992 Celso Lafer

05 out. 1992 Fernando Henrique Cardoso

31 ago. 1993 Celso Luiz Nunes Amorim

1995 - Discurso do Embaixador Luiz Felipe Lampreia por ocasião de sua posse
como Ministro de Estado das Relações Exteriores, no Palácio Itamaraty, em

02 de janeiro de 1995
Quero agradecer ao Senhor Presidente da República a confiança com que me distinguiu
ao indicar-me para o cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores. Diplomata
de carreira, filho, neto e bisneto de diplomata essa é a maior honra a que eu jamais
poderia aspirar. E ela se torna ainda maior pelo momento em que ocorre - um momento
de expansão da alma brasileira, em que a confiança do país se renova e o futuro que
sempre nos prometemos parece mais próximo e seguro.
Encaro esta missão como a oportunidade sem paralelo de contribuir, do posto mais alto
da nossa Chancelaria, engrandecido por tantos que me antecederam, para que o
Itamaraty continue a desempenhar o papel de excelência que conquistou na administra-
ção pública brasileira, como paradigma de órgão do Estado.
Conhecendo o Presidente Fernando Henrique Cardoso e sabendo do seu entusiasmo
pela politica externa e do seu apreço pelo Itamaraty, essa indicação só pode dar-me um
grande orgulho. Ao mesmo tempo, a familiaridade do Presidente com a diplomacia que
exerceu no melhor estilo, com urna habilidade que cativou a todos nós, torna presente,
em toda a sua extensão, a enorme responsabilidade que, agora ainda mais, o cargo traz
consigo. Temos um Presidente que conhece a nossa instituições, suas virtudes e seus
desafios, como nenhum outro Presidente na História do Brasil. A responsabilidade re-
dobrada não é apenas do Chanceler, é de todos nós, diplomatas e funcionários desta
Casa.
Aprendi a admirar ainda mais o Presidente Fernando Henrique quando tive a oportuni-
dade de assessorá-lo, como Secretário-Geral. Foram tempos de mudança, tempos de
grande criatividade e responsabilidade, que marcaram unia profunda alteração de rumos
no Brasil, na política externa como vetor do nosso projeto nacional e no Itamaraty como
instituição. Tempos em que se resgatou a dignidade da função pública e o orgulho de vi-
vermos em uma democracia que mostrou todo o seu vigor a nós mesmos e ao mundo;
tempos em que tivemos de reconstruir a nossa projeção internacional enquanto
recomeçávamos, no plano interno, a luta por um Brasil melhor, sob a condução honrada
e dedicada do Presidente Itamar Franco.

E, no Itamaraty, foram tempos de uma aberta reflexão sobre os métodos de trabalho e a


estrutura administrativa da Instituição, uma reflexão feita pelo colegiado da CAOPA, a
Comissão cujas recomendações servirão de base para um necessário e urgente trabalho
de renovação interna do Ministério das Relações Exteriores.

Ninguém melhor do que Fernando Henrique para estar então à frente d o Itamaraty, a
que imprimiu um ânimo novo, construído ou reforçando amizades sólidas entre nós,
projetando-se ainda mais no plano internacional, em que já figurava como referência
obrigatória nas ciências sociais e nos estudos latino-americanos, e estendendo ojá amplo
domínio que sempre teve sobre os te- mas que interessam à causa do nosso
desenvolvimento econômico e social e de uma melhor inserção do Brasil no mundo.

Escolhido agora seu Chanceler, espero responder à altura a essa mostra de confiança em
mim, pessoalmente, e na instituição que com tanto orgulho represento .
Nos Chefes que ajudaram a minha for- mação, especialmente nas figuras de Antônio
Francisco Azeredo da Silveira, Ramiro Guerreiro, George Álvares Maciel, Paulo Tarso
Flecha de Lima e Ronaldo Costa, com quem tive o privilégio de trabalhar no Brasil e no
exterior, e na pessoa sempre presente do meu pai, o Embaixador João Graci e Lampreia,
que aqui homenageio com devoção e carinho, busco a inspiração e o exemplo para
guiar-me no cumprimento desta responsabilidade que me impõe agora o Presidente
Fernando Henrique.

Senhor Ministro Celso Amorim,

Agradeço muito sensibilizado as expressões de apreço e amizade que me dirigiu. Vindas


do meu caro amigo Celso Amorim, cujas qualidades pessoais, intelectuais e pro-
fissionais eu sempre admirei, essas palavras cobram um sentido único de incentivo .
Substituir um colega na cadeira de Rio Branco tem um significado especial nos rituais
do Itamaraty. O Presidente honrou mais uma vez a nossa instituição ao entregar a um
profissional a sua condução, quando tinha todos os motivos - do seu próprio êxito como
Chanceler à qualidade dos demais membros da sua equipe meticulosamente construída -
para seguir um caminho diverso.
Esta passagem de cargo se fez, pois, com um sentido exemplar de continuidade e
inovação.
De continuidade, porque exercerei meu cargo construindo sobre um patrimônio de
realizações da gestão que hoje se conclui.
De inovação, porque é próprio do trabalho humano que se olhe para o futuro com a
certeza de que as transformações são possíveis e com a coragem de vê-las como
necessárias e mesmo urgentes : com a convicção de que o passado, ainda o mais
recente, pode e deve servir de matéria-prima para o continuado aperfeiçoamento das
instituições humanas e da ação dos Governos e das sociedades.
A você, Celso, desejo todas as felicitações na sua nova e importante missão. Estou certo
de que, em Nova York, você prosseguirá a contribuição expressiva que sempre trouxe
ao Itamaraty ao longo da sua carreira. Seu êxito será parte do nosso próprio sucesso. Sei
que interpreto o sentimento de todos os nossos colegas, seus amigos, ao manifestar o
agradecimento, a você e aos seus colaboradores mais diretos, pelo expressivo trabalho e
reconhecida dedicação neste ano e meio de realizações que já constituem um legado da
nossa diplomacia e que saberemos utilizar e levar adiante em proveito do Brasil.

Senhoras e Senhores,

Em seu discurso de posse e em seu programa de Governo, o Presidente Fernando


Henrique expôs uma visão do mundo e do Brasil e a forma como concebe o trabalho da
diplomacia brasileira sob a sua orientação. Esses são, a partir de agora, textos de
referência obrigatória na concepção das estratégias e na ação do Itamaraty. Nesses
textos e em outras ocasiões em que tratou da política externa do seu Governo, o
Presidente deu-nos diretrizes claras. Essas diretrizes emanam da sua própria concepção
do desenvolvimento brasileiro e do papel que ele vê para o seu mandato na consolidação
da estabilidade econômica e na retomada do crescimento em bases sustentáveis e com
justiça e eqüidade.

A política externa será assim o resultado de uma visão orgânica do mundo e do Brasil,
em plena sintonia com um projeto de Governo que recebeu o mais consagrador dos
avais, o mandato outorgado pelo expressivo sufrágio popular que elegeu o Presidente.

O Brasil inaugura este quadriênio de Go- verno com uma nova projeção internacional,
graças à combinação da estabilidade em consolidação com a retomada do crescimento
em patamares compatíveis com as nossas necessidades e aspirações. Temos agora
condições não apenas de aprofundar nossos vínculos regionais, a partir do Mercosul ,
mas também de ver nos pólos dinâmicos da economia mundial - a América do Norte, a
União Européia e a Ásia Pacífico - as parcerias que podemos aprimorar e desenvolver.

É certo que temos ainda de lidar com muitos constrangimentos próprios de uma
sociedade injusta, como a violência , a má distribuição social e regional de renda, o
analfabetismo, a doença, a baixa qualificação profissional de uma grande massa de
trabalhadores. Esses constrangimentos marcam de forma profunda a nossa agenda
interna e a nossa agenda internacional. A diplomacia só será eficiente se tiver uma visão
realista do país, de seus acertos e de seus problemas. Melhorar as condições da nossa
inserção internacional é um instrumento básico no processo de transformação
qualitativa da sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que essa transformação
qualitativa será uma alavanca fundamental para a melhoria do padrão dessa inserção
externa do Brasil.

Temos agora um conjunto novo de qualificações que nos cabe explorar, projetar e
desenvolver, expandindo um patrimônio sem temor de inovar, sem receio de atualizar
métodos, concepções e estratégias onde couber.

Graças a um esforço dos próprios brasileiros, consolidamos nossa democracia, abrimos


nossa economia em condições de competitividade e conquistamos a estabilidade da
nossa moeda, ao mesmo tempo em que retiramos da agenda de prioridades brasileiras o
penoso item representado pela dívida externa.

Ao contrário do que poderiam apontar os que consideram precipitada ou irrefletida a


maior exposição da nossa economia à competição internacional, a indústria brasileira dá
mostras de responder adequadamente ao desafio. Em 1994, em uma situação de plena
abertura de mercado, o carro-chefe da nossa industrialização, o setor automobilístico,
dobrou a produção em relação a 1992.

Contamos com uma auto-confiança que há muito não se via no país, com a diferença de
que hoje as razões objetivas para esse sentimento são sólidas e duráveis. Com a
estabilidade política e econômica do Brasil , produto do nosso próprio esforço, demos
uma contribuição decisiva para que a América Latina de fato passasse a guiar-se
majoritariamente pela duas forças que conduzem o mundo do pós-Guerra Fria a
democracia, de que são corolários a transparência de objetivos e a qualidade das
intenções dos Governos e sociedades tanto no plano interno quanto no plano
internacional, e a liberdade econômica com preocupação social. E, graças a um
consenso interno pacientemente construído, embora ainda em vias de consolidar-se,
removemos um dos últimos sinais negativos que marcaram as considerações sobre o
Brasil nos últimos anos - a noção de que éramos incapazes de combater a inflação e
arrumar a casa em nosso próprio beneficio.

Somos um grande país, com tradição de crescimento e uma longa história de


participação, muitas vezes protagônica, na construção da convivência internacional e
regional. Estamos engajados em parcerias internacionais que ampliam a nossa presença
no mundo e melhoram as condições para alcançarmos melhores resultados
econômicos e sociais. Somos um "mercador global" e um "ator global", mas essas
qualidades não de- vem induzir-nos à inércia , nem tolher-nos a criatividade, porque há
espaços a ocupar, há uma competição saudável em curso e podemos melhorar ou alterar
nosso desempenho .

Com a economia mais aberta , conseqüência de um processo refletido de maior


exposição à competição internacional em beneficio dos consumidores brasileiros e da
nossa própria competitividade, temos melhores condições de buscar e mesmo exigir
acesso mais desimpedido ao mercado internacional e práticas leais e transparentes em
matéria de comércio, transferência de tecnologia e investimentos .

Ternos uma agenda interna mais defini- da, com a atenção posta no crescimento e na
busca de maior eqüidade social e na qual as reformas assumem prioridade porque têm
uma função a cumprir na consolidação da estabilidade na retomada do crescimento com
mais justiça social. Nossos compromissos em matéria de direitos humanos, proteção
ambiental, combate à criminalidade e ao narcotráfico e proteção das minorias dão-nos
um vigor novo para lidar com uma agenda renovada no plano externo, buscando
parcerias, a cooperação e o diálogo construtivo necessários para avançar essa agenda
internamente .
Somos mais confiáveis e temos mais credibilidade internacional , porque soubemos, ao
seu próprio tempo e sem comprometer princípios ou sacrificar visões de longo prazo em
favor de benefícios conjunturais duvidosos, fazer as alterações de política que melhor
respondiam às mudanças em curso no mundo, no nosso Continente e no próprio país. E
essas alterações prosseguirão, como tem apontado o Presidente Fernando Henrique,
reforçando nosso capital político e nosso instrumental de atuação
Somos vistos como um ator importante, mas que soube atualizar-se e que desperta
interesse e atenção em nossos parceiros e nos agentes econômicos dos pólos dinâmicos
da economia mundial. Temos uma projeção internacional muito significativa, que deve
traduzir-se cada vez mais em uma presença ativa e produtiva em todos os lugares e
acontecimentos que importam , indo além da simples presença de representante
diplomático permanente ou do formalismo das relações entre Chancelarias.

Pelas próprias dificuldades, até mesmo materiais que vinham tolhendo nossa projeção
externa, há áreas em que estamos apenas começando a explorar o potencial de
relacionamento que passaram a oferecer - áreas relativamente novas para nós, como a
Ásia-Pacífico e partes da extinta União Soviética, ou áreas virtualmente recuperadas
para um convívio internacional mais produtivo e em que temos que refazer a nossa
presença como o Oriente Médio ou a África do Sul pós-apartheid.

Graças ao Mercosul, que a partir de ontem constitui a realidade palpável de uma união
aduaneira, contamos, como Nação, com um reforço substancial da nossa própria
circunstância, da nossa identidade . Nossa personalidade jurídica e política internacional
se ampliou, nossa dimensão latino-americana se fortaleceu, nossa parceria com os
vizinhos ganhou contornos decisivos, ancorada em sólidas relações comerciais que já
fazem do Mercosul nosso terceiro parceiro comercial, depois da União Européia e dos
Estados Unidos, com cerca de 13% do nosso comércio externo.

E o potencial da participação do Brasil em outros esquemas ampliados de integração


regional, na América do Sul e no conjunto do Hemisfério, nas bases assentadas
recentemente na Cúpula de Miami, dá a medida do perfil novo que se desenha para o
Brasil em sintonia com as transformações que marcam o cenário internacional
contemporâneo e que constituem marcos novos e catalisadores importantes para a nossa
diplomacia.

Nesse panorama de renovação do Brasil e de consolidação de novas credenciais para


operarmos no plano externo, contamos com um Presidente que tem uma manifesta
disposição de estar à frente da política externa, participando intensamente da diplomacia
de Chefes de Estado e Governo que é a marca das relações internacionais
contemporâneas e uma característica particularmente importante da diplomacia
hemisférica .

Por suas qualidades de intelectual e cidadão do mundo, nosso Presidente nos dá


condições de participação e acesso inigualáveis no diálogo de alto nível. Jamais em toda
a História do Brasil o Itamaraty terá contado com uma circunstância comparável para a
execução da política externa.

Senhoras e Senhores,

A diplomacia opera a ponte que liga a Nação ao mundo. Ao ltamaraty, em permanente


diálogo com a sociedade, cabe estar na linha de frente da compreensão da verdadeira
natureza das transformações que estão ocorrendo no cenário internacional, trazendo
oportunidades e desafios.
Temos uma conjunção de fatores favoráveis nunca vista:
- a retomada do crescimento nos países desenvolvidos, ainda que a taxas
modestas;
- uma América Latina que tem crescido com abertura comercial e estabilidade
econômica na qual nos reacomodamos plena mente, com evidentes vantagens
mútuas;
- o fim da confrontação ideológica e o encaminhamento da solução de velhos e
persistentes focos de conflito que afetavam regiões potencialmente ricas e
promissoras para o intercâmbio internacional, corno o Oriente Médio, Angola e
a República da África do Sul.
- a preeminência, também no cenário internacional, de valores caros ao povo
brasileiro, corno a democracia, as liberdades individuais e o respeito aos direitos
humanos, e a evidência de que, apesar de retrocessos localizados, o mundo está
engajado em um processo d e cresci mento da civilização e de melhoria das
relações entre os Estados;
- a conclusão bem-sucedida da Rodada Uruguai, na qual tive a grande honra se ser
o negociador pelo Brasil, e que se corporifica na implantação da Organização
Mundial de Comércio; consolidou-se assim o multilateralismo no comércio
internacional de bens e ser- viços, em um processo no qual o Brasil teve um
papel relevante, atuando como elemento facilitador nas negociações, na busca de
um consenso construtivo. Contribuímos, assim, para que se atualizassem e se
universalizassem regras fundamentais para que os países possam lidar de forma
leal, transparente e eficaz com o fenômeno da globalização da economia e com a
crescente competitividade entre as economias e os agrupamentos regionais;
- a própria convivência harmoniosa entre o fortalecimento do multilateralismo sob
a égide da OMC e a realidade dos processos de integração regional;
- a criação e a operação de novos foros e coalizões, em obediência a forças de
agregação diferentes daquelas tradicionalmente geradas pelas clivagens Leste-
Oeste e Norte-Sul , impondo escolhas para os Estados e políticas novas para
retirar desses exercícios o melhor proveito .
É um cenário basicamente positivo, talvez dos mais positivos com que poderíamos
contar, ainda que muitas alterações se imponham para que se democratize o processo
decisório e sobretudo para que se distribuam melhor os frutos do progresso material
científico e tecnológico entre os povos do mundo. No mundo de hoje, o poder cada vez
mais se mede por outros fatores que não o pode- rio estratégico e militar.

Países e povos que dominam a agenda econômica internacional e avançam em


progresso material, bem-estar social e, sobretudo, nível e qualidade de emprego,
mostram caminhos claros para o desenvolvimento e para uma melhor inserção
internacional : a competitividade, o acesso a mercados, o acesso desimpedido a
tecnologias avançadas, a abertura aos investimentos, o nível educacional e técnico da
mão-de-obra, o investimento em ciência e tecnologia, a capacidade de promover no
exterior a marca de qualidade da sua produção, a habilidade de estar à frente na criação
e comercialização de novos pro- dutos e serviços A essas qualidades, soma-se a
formação de novas parcerias operacionais, que transcendam o diálogo político para
situar-se na esfera dos resulta- dos práticos em termos de comércio, investimentos,
geração de empregos, ampliação da escala das economias, transferência de
conhecimentos e tecnologia.

Um processo decisório mais ágil e descentralizado caracteriza as relações internacionais


de hoje, que se definem cada vez mais como um jogo feito em diversos tabuleiros, mais
aberto à participação dos países, mesmo que em condições menos vantajosas de saída,
desde que se conte - a exemplo do que nós estamos crescentemente fazendo - com as
capacidades adequadas. A melhor inserção do Brasil nesse processo decisório - e
portanto a escolha refletida das instâncias de que podemos e devemos participar - é um
desafio que alcança hoje a dimensão de imperativo, especialmente porque as escolhas
pressupõem a capacidade de não promover exclusões .

Senhoras e Senhores,

O papel da diplomacia brasileira e particularmente do ltamaraty é o de coadjuvar os


esforços do Brasil por uma nova inserção internacional, que responda de forma adequa-
da e produtiva à inédita combinação de fato- res positivos e de desafios nos planos
interno e internacional.
Nossos objetivos são claros:
- ampliar a base externa para a consolidação da estabilidade econômica e a
retomada do desenvolvi mento em forma sustentável e socialmente eqüitativa,
abrindo mais e melhores acessos aos mercados, ajudando a proteger a nossa
economia de práticas desleais de comércio, atraindo investimentos e tecnologia,
melhorando as condições de acesso ao conhecimento;
- melhorar o padrão das relações do Brasil com seus parceiros, alargando o leque
dessas parcerias operacionais e diversificando o relaciona mento ;
- dar ênfase à cooperação internacional que nos permita melhorar nossa
competitividade e produtividade e que nos auxilie a progredir no tratamento de
temas, como direitos humanos, proteção ambiental, combate ao narcotráfico e ao
crime organizado, que figuram em lugar de destaque na nossa agenda interna e
na agenda internacional; e
- buscar uma maior e mais adequada participação no processo decisório regional e
mundial , tanto nos foros políticos como nos foros econômicos .

Com esses objetivos em mente, o Presidente Fernando Henrique pediu-me que


acompanhasse com atenção especial alguns temas que adquirem sentido de premência e
de particular importância em seu projeto de Governo. Listo-os de forma não exaustiva,
sem que essa necessária priorização signifique qualquer diminuição da importância
relativa de outras áreas que compõem o conjunto de uma política externa que se quer
universal e ativa:
- o processo de consolidação do Mercosul e sua eventual ampliação com a
incorporação de novos parceiros;
- as relações com nossos vizinhos Latino-americanos e o processo de integração
hemisférica, especialmente a partir do aprofundamento das relações com a
América do Sul;
- as relações com o centro dos três pólos de poder econômico mundial, os Estados
Unidos, a União Européia e o Japão;
- as relações com a região da Ásia-Pacífico, com especial atenção aos novos
parceiros emergentes na região, integrantes da ASEAN;
- as relações com os três países continentais, a China, a Rússia e a Índia;
- as relações com nossos parceiros econômicos tradicionais na África, acrescidos
agora da África do Sul pós- apartheid;
- a Organização Mundial de Comércio e a operacionalização dos resultados da
Rodada Uruguai;
- a proteção internacional dos direitos humanos e o diálogo construtivo com
Organismos Internacionais e Organizações Não-Governamentais sobre o
assunto;
- a proteção ambiental, a cooperação para o desenvolvimento sustentável e muito
particularmente o cumprimento dos compromissos assumidos, no mais alto
nível, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento;
- a reforma das Nações Unidas;
- os foros políticos e econômicos de consulta e concertação de que o Brasil faz
parte ou tem interesse em integrar, como o Grupo do Rio, a OCDE, o Grupo dos
15, a Conferência Ibero- Americana e a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa;
- o desenvolvimento das relações fronteiriças com nossos vizinhos;
- a proteção e a assistência aos brasileiros no exterior; e
- a adequação da estrutura da nossa diplomacia, na Secretaria de Estado e no
exterior, na busca de mais eficiência e maior presença para fazer face aos de-
safios representados pela necessidade de avançar em todas essas e em outras
áreas de interesse da diplomacia brasileira.
E um projeto ambicioso, mas responde ao imperativo de sermos um instrumento eficaz
de um projeto de Governo comprometido com um substancial progresso econômico e
social do país e com uma mudança qualitativa nas formas de operar do Estado
brasileiro.

Sei também que o Itamaraty se renova a cada desafio, porque tem em seus quadros,
permanentemente sintonizados com o mundo, a força que vem da experiência do
profissionalismo e do orgulho de servir.

Nosso patrimônio diplomático está-se enriquecendo com o exercício regular do diálogo


com a sociedade civil, através dos sindicatos e associações de classe, dos partidos
políticos e do Congresso, dos formadores de opinião, do empresariado, dos meios
acadêmicos, das Organizações Não-Governamentais, dos Governos dos Estados e dos
Municípios. Democracia e federalismo são hoje vetores da formulação e da ação
diplomática. Quero contribuir para aprofundar ainda mais esse processo de consolidação
de uma diplomacia pública, que tanto nos beneficia. Quanto maior a transparência e a
capilaridade do processo de formulação e implementação da nossa diplomacia, melhor
estaremos respondendo aos anseios nacionais em relação ao mundo exterior.
Quando fui Secretário-Geral, procurei ser, como todos, um profissional a serviço do
interesse do país, um trabalhador tão dedicado quanto os funcionários mais modestos ou
o colega mais novo e cheio de entusiasmo pela carreira. Agora que volto para ocupar o
posto mais alto do Itamaraty, nada mudou em minha forma de ser. Juntos mais uma vez,
estamos novamente a serviço do mesmo Chefe, o Presidente Fernando Henrique, que
tanto fez e tanto fará pelo nosso Itamaraty.

Sei que posso contar com todos, meus colegas e funcionários, próximos de mim ou no
mais distante posto no exterior. Nossa Casa só pode ser a soma do que nós somos.
Quero diálogo e participação e por isso instruí meus colaboradores e toda a Chefia da
Casa a buscar idéias novas, a conversar com os que estão na linha de frente do trabalho
diplomático ou, nas divisões e departamentos da Secretaria de Estado, lidam
diretamente com os temas, refletindo sobre eles com o conhecimento mais aprofundado
e identificando melhor, por isso mesmo, os problemas, os gargalos que tolhem nossa
ação e prejudicam nossa eficiência .

Amanhã, ao dar posse ao novo Secretário-Geral, ampliarei minhas idéias sobre a gestão
da Casa.
No Itamaraty, o tempo é marcado pelo relógio do continuado iniciar de novas missões.
O cargo de Ministro das Relações Exteriores, que agora assumo, é a maior missão que
já recebi. Aceitei-o como uma missão de todos nós.
Por isso mesmo, como um piloto que assume o leme da nau, sinto-me à vontade para
conclamar a todos, desde já, para juntos fazermos esta travessia em que o mar é
desafiador, mas a marinhagem é experiente e o nosso comandante, que também já foi
piloto, conhece seus caminhos.
Muito obrigado.

2001 - DISCURSO PRONUNCIADO PELO SENHOR CELSO LAFER,


MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, AO ASSUMIR A
DIREÇÃO DO ITAMARATY, EM 29 DE JANEIRO DE 2001

Aceitei, com entusiasmo, o honroso convite que me formulou o Presidente Fernando


Henrique Cardoso para retornar ao Itamaraty, oito anos após meu primeiro período à
frente do Ministério.
"Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio". Sei que volto a um Itamaraty que, como
o Brasil, transformou-se com as significativas mudanças internas e externas que
marcaram a última década. Volto a um Itamaraty que, como o Brasil, mudou para
melhor. Volto a esta instituição que tanto prezo com o desafio e a responsabilidade de
levar a cabo uma política externa que saiba, no momento atual, e com visão de futuro,
traduzir criativamente necessidades internas em possibilidades externas.
Esta tradução exige, numa democracia, mecanismos permanentes de consulta com a
sociedade civil. Em minha gestão aprofundarei os canais de interação entre o Itamaraty
e os diversos atores da vida nacional o Legislativo, os partidos políticos, a mídia, os
estados que integram a nossa Federação, os sindicatos, os empresários e suas
associações, as universidades e o mundo intelectual, as organizações não-
governamentais que compõem, no seu pluralismo, o grande mosaico brasileiro.
A dinamização desses canais é fundamental para a sustentabilidade das ações da política
externa. Numa época de diplomacia global, é necessário transparência e participação.
A operação do mundo através de redes é uma das conseqüências do processo de
globalização e dos desenvolvimentos técnicos recentes que encurtaram distâncias,
aceleraram os tempos e diluíram os limites entre o "interno" e o "externo", entre o país e
o mundo.
É sob a perspectiva do interesse nacional que o Brasil busca sua inserção no mundo.
Entre os fatores de continuidade que determinam o interesse nacional destaco: o dado
geográfico da América do Sul, que é a nossa circunstância diplomática; o positivo e
pacífico relacionamento com os nossos muitos vizinhos; a experiência de um "povo
novo", fruto da confluência de variadas matrizes e tradições, amalgamada pela unidade
da língua portuguesa; o componente latino-americano da nossa identidade cultural; a
escala continental que nos dá um papel na tessitura da ordem mundial; a relativa
distância dos focos de maior tensão no cenário internacional; o desafio do
desenvolvimento e o imperativo do resgate da dívida social, que é o passivo da nossa
História. Este conjunto de elementos caracteriza-nos no pluralismo do mundo.
As interdependências e as afinidades, assim como as aspirações em torno de uma ordem
mundial regida por uma razão abrangente de humanidade - que pode encontrar
expressão no conceito de "globalização solidária" - não eliminam a importância dos
estados na dinâmica da vida internacional. Os seres humanos projetam suas expectativas
e reivindicações sobre as nações a que pertencem e seu bem-estar está vinculado ao
desempenho dos países em que vivem. A legitimação dos governos apoia-se cada vez
mais na sua eficácia em atender as necessidades e anseios dos povos que representam.
No mundo contemporâneo os estados e os governos permanecem indispensáveis
instâncias públicas de intermediação.
No plano da política externa brasileira, tal intermediação assinala-se por uma conduta
que reflete a associação positiva e coerente entre a democracia e a tradição de um
internacionalismo de vocação pacífica, valores com os quais me identifico, no melhor
espírito da minha Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Como um processo
contínuo de diálogo, de pressão e de negociação voltado para a promoção dos interesses
nacionais, a diplomacia está em sintonia com a maneira pela qual se constrói a
convivência democrática. Assim o determina a Constituição, que estabelece o
compromisso do Brasil com a solução pacífica das controvérsias na ordem interna e
internacional.
Depois da consolidação jurídica das fronteiras nacionais, que devemos a Rio Branco, o
tema forte da política externa do Brasil tem sido o desenvolvimento do país, trabalhado
à luz de distintas conjunturas internas e externas, por meio de uma inserção soberana no
mundo.
O fim da Guerra Fria e seus desdobramentos trouxeram com a diluição do papel
econômico das fronteiras uma efetiva internalização do mundo na vida brasileira. Por
esta razão, no século XXI são distintos os meios para tornar operacionais o valor do
desenvolvimento e assegurar sua sustentabilidade econômica, financeira, política,
social, ambiental. Hoje a autonomia objetivo permanente da nossa política exterior
requer participação no mundo.
A diplomacia presidencial constitui, nesse contexto, elemento indispensável da política
externa brasileira e lida de maneira criativa, na sua abrangência, com o impacto da
"internalização" do mundo na vida brasileira.

Tem a sustentá-la a consolidação da democracia e a importância de uma economia


aberta, estabilizada pelo Plano Real e revigorada pelo retorno do crescimento e dos bons
indicadores macroeconômicos.

Um dos itens críticos da pauta brasileira é a política de comércio exterior. Por ser um
imperativo interno é conseqüentemente uma política do Governo como um todo. Cabe
ao Itamaraty dar uma contribuição, dentro de sua área de competência, com vistas a
ampliar a participação do Brasil nos mercados internacionais.

O futuro do comércio exterior brasileiro passa pelas negociações multilaterais, regionais


e inter-regionais em curso, que ocorrem em um mundo de contrastes econômicos e de
insegurança social, como conseqüência das assimetrias da globalização. Como já
observou o Presidente Fernando Henrique, é preciso que o sistema internacional em
construção abra espaço para que cada país, sem prejuízo da responsabilidade fiscal e da
coerência macroeconômica, alcance níveis adequados de bem-estar, emprego e
desenvolvimento social, assim como a integração dos segmentos que permanecem à
margem da sociedade organizada.

Tais negociações comerciais, que são de responsabilidade do Itamaraty, vão muito além
das simples trocas de concessões tarifárias. No presente, dizem respeito à elaboração de
normas internacionais voltadas para a regulamentação de um número crescente de
matérias que antes estavam exclusivamente na esfera de competência interna dos
Estados. As normas sanitárias e padrões técnicos; os incentivos governamentais; a
defesa comercial e a propriedade intelectual são exemplos concretos da "internalização"
do mundo na vida brasileira -- e na vida de outras nações. Daí a complexidade das
negociações na OMC, na ALCA e as que estão contempladas no acordo Mercosul-
União Européia.

Lidar com essa complexidade requer uma "diplomacia do concreto". Exige uma
avaliação rigorosa do impacto econômico interno de normas jurídicas internacionais e
uma informação precisa sobre como as diversas cadeias produtivas são afetadas por
alterações na tarifa aduaneira. Em outras palavras, uma "diplomacia do concreto" passa
não apenas por uma visão macroeconômica, mas também por um apropriado
entendimento da microeconomia.

Em todas as negociações comerciais, a interação com o setor privado é indispensável. É


também essencial coordenação fluida e eficaz, com espírito de equipe, entre todos os
órgãos de governo. Só assim se gera o necessário entendimento para a definição do
interesse nacional.

Cresci e vivi no meio empresarial. Não são para mim conceitos abstratos os obstáculos
enfrentados pelos setores produtivos com os entraves burocráticos; as barreiras externas
aos nossos produtos e serviços; e as diversas facetas do "custo Brasil", em especial o
efeito negativo das distorções na estrutura tributária sobre a competitividade das
exportações brasileiras.

Pretendo, nesta linha, estimular a atuação do Comitê Empresarial Permanente. O


Ministério está buscando implementar um novo modelo de atuação neste campo, que
reflita a evolução das demandas da sociedade e os desafios mundiais.

Vejo a nova CAMEX como uma indispensável instância de coordenação e operação da


ação governamental neste âmbito. É uma sinalização inequívoca da prioridade que está
sendo conferida pelo Governo à área de comércio exterior.
Darei atenção especial às atividades de promoção comercial. O Departamento de
Promoção Comercial do Itamaraty trabalhará em sintonia com a Agência de Promoção
de Exportações APEX e com todas as áreas do Governo relacionadas com o aumento
quantitativo e qualitativo de nossas exportações. Na continuação dessa tarefa, tenho
presentes as palavras de Horácio Lafer, Chanceler de Juscelino Kubitschek, em seu
discurso de posse: "onde houver um cliente possível para o Brasil, ali estará vigilante o
Itamaraty".

A defesa eficaz dos interesses nacionais na OMC, na ALCA e nas negociações com a
União Européia exige o fortalecimento do MERCOSUL, um dos maiores êxitos
diplomáticos na história de nossa região. A ocasião é favorável. Em 2001, pela primeira
vez desde a crise asiática, as economias do Brasil e da Argentina voltarão a crescer ao
mesmo tempo.

Ressalto a aliança estratégica com a Argentina como uma das linhas mestras da política
exterior do Presidente Fernando Henrique. Constitui um fator decisivo para a evolução
do MERCOSUL e fornece um dos dados-chave da equação sul-americana.

Estaremos em breve comemorando os dez anos da assinatura do Tratado de Assunção.


Queremos marcar essa data dando novo impulso à consolidação e aprofundamento do
MERCOSUL. Os problemas devem ser enfrentados com visão de futuro e consciência
do alcance histórico da obra que estamos construindo. A agenda de curto prazo do
MERCOSUL determina o estabelecimento de área de livre comércio com a
Comunidade Andina, que estará sendo negociada ainda neste semestre.

Promover a identidade latino-americana é uma orientação permanente da política


externa brasileira, estabelecida na Constituição.

As fronteiras de nossa região não são nem devem ser vistas como fronteiras de
separação, mas sim como fronteiras de cooperação. Trata-se de fazer a economia de
nossa geografia; de criar sinergias e eixos de integração da infra-estrutura; de
estabelecer condições de segurança e tranqüilidade para enfrentar o desafio comum do
desenvolvimento. A recente e inédita Reunião de Presidentes da América do Sul dá
enfoque inovador a essas questões.

Se as questões regionais de nosso entorno sul-americano e as grandes negociações


comerciais que se avizinham constituem para mim uma primeira ordem de
preocupações, são igualmente prioritários outros assuntos de política exterior, que, por
sua relevância para a sociedade, integram a agenda da opinião pública.
Meu percurso pessoal está ligado ao tratamento das questões dos direitos humanos, do
meio ambiente, do desarmamento, da não-proliferação e eliminação de armas de
destruição em massa. Por suas credenciais e por mandato de sua sociedade, o Brasil
deseja e deve continuar a ter um papel ativo nas iniciativas e negociações multilaterais
relativas a esses temas, que este ano incluem, entre outros tópicos relevantes, mudanças
climáticas, biodiversidade e combate ao racismo.

Deveremos, igualmente, envidar esforços ainda mais intensos de cooperação


internacional para fazer frente às novas ameaças que representam o tráfico de drogas, o
crime organizado e a lavagem de dinheiro.
O desenvolvimento de uma atuação mais destacada e participativa em todos esses assim
como em outros temas da agenda política internacional, particularmente no âmbito das
atividades das Nações Unidas, deve ser condizente com um país do peso específico do
Brasil e com nossas responsabilidades na cena internacional.

No campo da assistência e proteção dos direitos do cidadão brasileiro no exterior -


vertente essencial de nossa ação externa - o Itamaraty continuará a oferecer seu melhor
desempenho para responder às exigências da cidadania.

A diplomacia cultural é elemento necessário para uma presença qualitativa do Brasil no


mundo. Sua implementação requer, nas circunstâncias atuais, atividades em parceria
com a sociedade. Não deixarei de procurar meios inovadores de incentivar a divulgação
da cultura brasileira no exterior, estimulado por minha condição de professor e
inspirado pelo alcance do ensinamento de Norberto Bobbio, "a política divide, a cultura
une".

Para levar adiante as importantes tarefas que temos à frente, contarei como tive a
felicidade de contar no passado com a competência, a dedicação e o espírito público de
todos os funcionários do Itamaraty. O prestígio internacional e a excelência deste
Ministério estão baseados na qualidade dos seus quadros. Tenho conhecimento das
necessidades materiais desta Casa e sensibilidade em relação aos problemas atuais da
carreira, em especial da motivação de seus integrantes. A essas questões darei atenção e
foco, com a preocupação de preservar e aumentar a capacitação do Brasil no trato da
agenda diplomática.

Senhoras e senhores,

Em 1992, tive a felicidade de contar com a esclarecida e sólida colaboração do meu


amigo Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa na Secretaria-Geral do Ministério. O
"equilíbrio de virtudes" que o caracteriza, para tomar emprestada uma formulação de
Joaquim Nabuco sobre o Visconde do Rio Branco, foi posto à prova nas experiências
subseqüentes que teve na chefia de importantes embaixadas e no renovado exercício das
funções de Secretário-Geral e de Ministro Interino. Reitero minha satisfação com sua
aceitação do convite que lhe fiz para permanecer como Secretário-Geral e continuar
dando ao Itamaraty a contribuição de sua inteligência e dedicação.

Não é a primeira vez que sucedo ao Ministro Luiz Felipe Lampreia. Isso já acontecera
na Missão em Genebra, quando foi nomeado Chanceler pelo Presidente Fernando
Henrique. Fomos colegas quando estive à frente do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio, e naquelas funções sempre tive seu irrestrito apoio.

Trabalhamos juntos há muitos anos. Nossas afinidades profissionais se desenvolveram


particularmente na área do comércio internacional, de que o Ministro Lampreia é
profundo conhecedor. Acompanhei-o em várias reuniões de alto nível e sou testemunha
do reconhecimento internacional de suas habilidades negociadoras e da maneira firme
com que defende os interesses nacionais. Admiro sua capacidade de perceber com
clareza o relevante e a precisão de sua inteligência.
O Ministro Lampreia construiu para o Itamaraty um patrimônio de realizações voltadas
para a presença do Brasil em um mundo em mudança. Buscarei preservar e aperfeiçoar
esse patrimônio, de acordo com as novas conjunturas.

Em nome de todos, transmito a Lenir e Luiz Felipe a grande admiração pelos muitos
anos de trabalho que ambos dedicaram a esta Casa e ao Brasil. Juntamente com Mary e
com os muitíssimos amigos que têm nesta Casa, expresso votos de felicidade e certeza
de sucesso nos muitos anos de realizações que têm à frente.

Meus amigos,
O convite que recebi para chefiar este Ministério me proporciona uma oportunidade de
voltar a dar minha contribuição ao País e ao Governo. O Presidente e a Dra. Ruth são
velhos e queridos amigos. Trata-se de uma amizade de décadas que tem sua origem na
Universidade de São Paulo, a nossa casa comum, e tem sólidas raízes em afinidades
éticas e intelectuais. Acompanho solidariamente desde seu início a atuação pública do
Presidente. Sua trajetória e nossa parceria política são para mim motivo de orgulho.

O retorno a esta Casa faz-me sentir, para repetir os versos da canção de Gilberto Gil,
"como se ter ido / fosse necessário para voltar". À frente do Itamaraty, mobilizarei todas
as minhas energias, conhecimentos e experiência para responder à tarefa que me foi
confiada, com o inquebrantável ânimo de servir ao Brasil.

2003 - Discurso proferido pelo Embaixador Celso Amorim por ocasião da


Transmissão do Cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores
02 de Janeiro de 2003 - 17h57
http://www.itamaraty.gov.br/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-das-
relacoes-exteriores-discursos/7547-discurso-proferido-pelo-embaixador-celso-amorim-
por-ocasiao-da-transmissao-do-cargo-de-ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores
Excelentíssimo Senhor Ministro Celso Lafer

Excelentíssimos Senhores Ministros

Senhoras e Senhores Membros do Corpo Diplomático

Senhoras e Senhores,

Desejo agradecer ao Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a


confiança em mim depositada.

É com satisfação que recebo o cargo do Professor Celso Lafer.

Com a eleição do Presidente Lula, o povo brasileiro expressou de forma inequívoca o


desejo de ver realizada uma profunda reforma política e social, dentro de um marco
pacífico e democrático, com ampla participação popular na condução dos assuntos do
Estado. Coerentemente com os anseios manifestados nas urnas, o Brasil terá uma
política externa voltada para o desenvolvimento e para a paz, que buscará reduzir o
hiato entre nações ricas e pobres, promover o respeito da igualdade entre os povos e a
democratização efetiva do sistema internacional. Uma política externa que seja um
elemento essencial do esforço de todos para melhorar as condições de vida do nosso
povo, e que esteja embasada nos mesmos princípios éticos, humanistas e de justiça
social que estarão presentes em todas as ações do Governo Lula.

Convoco todos os diplomatas e servidores do Ministério das Relações Exteriores a


participarem ativamente deste grande projeto.

A política externa não é só responsabilidade do Itamaraty, ou mesmo do Governo. Ela


envolve a sociedade como um todo. Para definir o interesse nacional em cada situação
concreta, reforçarei a coordenação com outros órgãos governamentais e com os diversos
setores sociais - trabalhadores, empresários, intelectuais - e entidades da sociedade
civil.

Senhoras e Senhores,

O povo brasileiro deu uma grande demonstração de auto-estima ao manifestar sua


crença na capacidade de mudar criativamente a realidade. Temos que levar esta postura
de ativismo responsável e confiante ao plano das relações externas. Não fugiremos de
um protagonismo engajado, sempre que for necessário para a defesa do interesse
nacional e dos valores que nos inspiram. Como disse o Presidente Lula, precisamos
traduzir, de forma persistente, nossos interesses e valores em pontos da agenda
internacional.

O cenário em que teremos de realizar essa tarefa é complexo e nem sempre amistoso. A
economia mundial está estagnada. Os fluxos financeiros se comportam de forma errática
e segundo uma lógica perversa que penaliza os países em desenvolvimento. A despeito
das muitas promessas, os mercados dos países desenvolvidos continuam fechados a
grande parte dos nossos produtos. Práticas comerciais predatórias dos países ricos nos
privam dos benefícios de nossa competitividade. No plano político, conflitos que se
supunha estarem em vias de solução recrudesceram, alimentados pela intolerância e o
fanatismo. Atos terroristas de indescritível barbárie provocam reações e suscitam
posturas que têm o potencial de afetar os princípios do multilateralismo. O risco de
guerra volta a pairar sobre o mundo. Tudo isso se reflete em crises econômicas,
financeiras e políticas, que tendem a ser mais graves nos países pobres. Nossa região - a
América do Sul - também sofre os efeitos desses abalos.

Senhoras e Senhores,

O aumento das exportações, a busca de tecnologias e investimentos produtivos serão


elementos importantes da estratégia nacional de crescimento e da redução da
vulnerabilidade externa. Participaremos empenhadamente das diversas negociações
comerciais movidos pela busca de vantagens concretas, sem constrangimento de nos
apresentarmos como país em desenvolvimento e de reivindicarmos tratamento justo.
Saberemos nos articular, sem preconceitos, com as nações que compartilham conosco
interesses e preocupações. Atuaremos em cada momento norteados pela necessidade de
assegurar a compatibilidade do que está sendo proposto com as políticas nacionais.
Lutaremos para preservar o espaço de flexibilidade para que possamos decidir,
soberanamente, qual o modelo de desenvolvimento que mais nos convém.

Combateremos práticas protecionistas que tanto prejudicam nossa agricultura e nossa


indústria. Trataremos de ampliar os mercados consumidores de bens primários ou semi-
elaborados, que continuam a ter um papel importante em nossa pauta. Mas daremos
ênfase especial àqueles bens e serviços de maior valor agregado e conteúdo de
conhecimento. Para fazermos isso de forma sustentável, teremos que nos empenhar
profundamente na verdadeira batalha pela eliminação de barreiras e subsídios que hoje
distorcem brutalmente o comércio e privam os países em desenvolvimento de suas
vantagens comparativas (as naturais ou aquelas obtidas através do esforço e engenho
criativo).

É neste contexto de busca de oportunidades que vemos as grandes negociações


comerciais em curso. Não queremos um Brasil fechado em si mesmo, imune aos ventos
do progresso e da competição. Na ALCA, nas negociações MERCOSUL-União
Européia e na Organização Mundial do Comércio trataremos de ampliar mercados para
os produtos e serviços em que somos competitivos, procurando corrigir distorções do
passado e evitando restrições excessivas à nossa capacidade de fomentar políticas
sociais, ambientais, industriais e tecnológicas.

Ainda que nada esteja acordado em definitivo, os pressupostos em que se baseiam estes
processos de negociação vão muito além de meras rebaixas tarifárias. Envolvem
aspectos normativos sobre praticamente todos os campos da atividade econômica. Por
isso mesmo, devem ser analisados com cuidadosa atenção, sem prejulgamento. A
despeito dos prazos desconfortavelmente estreitos de algumas dessas negociações,
pretendemos discutir amplamente com empresários, trabalhadores e outros setores
sociais e com o Congresso Nacional as posições que devemos tomar, tendo em vista a
vasta gama de interesses envolvidos e as complexas articulações que se fazem
necessárias, a começar no âmbito do MERCOSUL.

No Governo Lula, a América do Sul será nossa prioridade.

O relacionamento com a Argentina é o pilar da construção do MERCOSUL, cuja


vitalidade e dinamismo cuidaremos de resgatar. Reforçaremos as dimensões política e
social do MERCOSUL, sem perder de vista a necessidade de enfrentar as dificuldades
da agenda econômico-comercial, de acordo com um cronograma preciso. Temos que
enfrentar com determinação as questões da Tarifa Externa Comum e da União
Aduaneira, sem as quais a pretensão de negociar em conjunto com outros países e
blocos é mera ilusão. Fundamental para a recuperação do MERCOSUL é a revitalização
do Fórum Econômico-Social. Devemos impulsionar igualmente a Comissão
Parlamentar Conjunta de modo a reforçar a participação da sociedade no processo de
integração. Atribuiremos importância à construção de instituições comuns, de políticas
sociais, de parcerias na área educacional e cultural, da livre circulação de pessoas e de
mecanismos financeiros e monetários que promovam o comércio e a integração.

Consideramos essencial aprofundar a integração entre os países da América do Sul nos


mais diversos planos. A formação de um espaço econômico unificado, com base no
livre comércio e em projetos de infra-estrutura, terá repercussões positivas tanto
internamente quanto no relacionamento da região com o resto do mundo. Vários de
nossos vizinhos vivem situações difíceis ou mesmo de crise. O processo de mudança
democrática por que o Brasil está passando com o Governo Lula pode ser elemento de
inspiração e estabilidade para toda a América do Sul. Respeitaremos zelosamente o
princípio da não intervenção, da mesma forma que velaremos para que seja respeitado
por outros. Mas não nos furtaremos a dar nossa contribuição para a solução de situações
conflituosas, desde que convidados e quando considerarmos que poderemos ter um
papel útil, tendo em conta o primado da democracia e da constitucionalidade.

Uma América do Sul politicamente estável, socialmente justa e economicamente


próspera é um objetivo a ser perseguido não só por natural solidariedade, mas em
função do nosso próprio progresso e bem-estar.

Com os Estados Unidos da América partilhamos valores e interesses. Pretendo explorar


ao máximo nossa história de amizade, fortalecendo as bases para o entendimento
construtivo e a parceria madura. O diálogo fluido com os Estados Unidos da América é
de fundamental importância não só em questões econômico-comerciais do nosso
interesse imediato, mas também para assegurarmos influência no encaminhamento dos
grandes temas da agenda internacional, de forma compatível com nossas dimensões e
valores.

O Brasil manterá uma relação próxima e construtiva com a União Européia.


Reconhecemos a longa história de êxito da União Européia na construção da paz e da
prosperidade pela via da integração. No plano político, o diálogo com a União Européia
e os países que a constituem é importante também com vistas a fortalecer os elementos
de multipolaridade do sistema internacional. A cooperação com o Japão e outros países
desenvolvidos será também fortalecida.

Forjaremos alianças com grandes países em desenvolvimento. Reforçaremos o diálogo


com a China, a Rússia, a Índia, o México e a África do Sul, entre outros.
Desenvolveremos, inclusive por meio de parcerias com outros países e organizações,
maior cooperação com os países africanos. Angola e Moçambique, que passaram por
prolongados conflitos internos, receberão atenção especial. Valorizaremos a cooperação
no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (a CPLP), inclusive com o
seu mais novo membro, o Timor Leste.
Nossa política externa não pode estar confinada a uma única região, nem pode ficar
restrita a uma única dimensão. O Brasil pode e deve contribuir para a construção de uma
ordem mundial pacífica e solidária, fundada no Direito e nos princípios do
multilateralismo, consciente do seu peso demográfico, territorial, econômico e cultural,
e de ser uma grande democracia em processo de transformação social. O Brasil atuará,
sem inibições, nos vários foros internacionais, regionais e globais. Incentivaremos a
promoção universal dos direitos humanos e o combate a todas as formas de
discriminação. Lutaremos para viabilizar o desenvolvimento sustentável e para eliminar
a pobreza. Apoiaremos a cooperação internacional para o meio ambiente, em especial a
implementação do Protocolo de Kyoto e da Convenção de Biodiversidade.
Promoveremos o banimento das armas de destruição em massa e daremos impulso aos
esforços pelo desarmamento, sobretudo o nuclear. Participaremos da luta contra o
terrorismo e o crime organizado, com base na cooperação e no Direito internacionais.

A solução pacífica de controvérsias é um dos pilares da diplomacia brasileira. Após um


encaminhamento que despertou tantas esperanças, é triste ver a deterioração da situação
no Oriente Médio, onde vivem populações com as quais temos vínculos profundos. Não
se pode, de forma alguma, abandonar a via pacífica e do diálogo, sob pena de perpetuar-
se o sofrimento das populações envolvidas e de desencadear forças incontroláveis com
enorme potencial desestabilizador para a região e para o mundo. É preciso resgatar a
confiança nas Nações Unidas. O Conselho de Segurança da ONU é o único órgão
legalmente habilitado a autorizar o uso da força, este recurso extremo a ser utilizado
apenas quando todos os outros esforços e possibilidades se tenham efetivamente
esgotado. Mas é igualmente importante para a credibilidade do Conselho em sua tarefa
de manter a paz que suas resoluções sejam fielmente cumpridas. Defenderemos a
ampliação do Conselho de Segurança com a inclusão de países em desenvolvimento
entre seus membros permanentes, de modo a reforçar sua legitimidade e
representatividade.

***

O crescente número de brasileiros que vivem e trabalham no exterior torna


imprescindível uma vigorosa política consular e cultural capaz de assisti-los e de manter
vivos seus vínculos com o País.

As políticas cultural, de cooperação técnica, científica e tecnológica serão elementos


essenciais da política externa do Governo Lula.

Senhoras e Senhores,

Considero a honrosa indicação com que o Senhor Presidente da República me


distinguiu como sinal de reconhecimento da excelência e patriotismo dos quadros do
Serviço Exterior Brasileiro. A imagem pública que se tem da vida diplomática costuma
ressaltar apenas os aspectos de maior brilho. Mas há um outro lado, de traumas pessoais
e familiares, representados pelas constantes mudanças, readaptações forçadas e, em
muitos casos, o enfrentamento de situações críticas, do ponto de vista material e
psicológico. Tais dificuldades geram necessidades que não podem ser desatendidas.

No caso da carreira diplomática, enfrenta-se um complexo desafio: como conciliar a


valiosa experiência acumulada com a justa e necessária renovação nos postos de chefia.

Estou consciente de que as tarefas que temos diante de nós somente podem ser
executadas a contento com a participação engajada de todas as categorias de servidores
do Itamaraty. Examinarei sempre com atenção e boa vontade suas sugestões e
reivindicações.

Senhoras e Senhores, meus colegas,

Não só o Brasil, mas todo o mundo está consciente de que o País vive um grande
momento de sua história. Pude testemunhar isso pessoalmente. Não são poucos os
analistas, intelectuais ou ativistas políticos de variadas tendências que pensam que do
êxito brasileiro depende não só o nosso próprio futuro, mas o de outras nações, que,
como nós, buscam a via do desenvolvimento com democracia e justiça social.

Sou tentado a dizer, como o poeta, que tenho duas mãos e o sentimento do mundo. Mas
o que me dá confiança é a certeza de que, desta feita, serão muitas mãos a colaborar. A
tarefa é grandiosa. O Itamaraty não falhará na sua parte dessa missão.
Muito obrigado.

2011 - Discurso do Ministro Antonio de Aguiar Patriota por ocasião da cerimônia de


transmissão do cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores - Brasília, 2 de
janeiro de 2011
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/4572-discurso-do-ministro-antonio-de-aguiar-patriota-
na-cerimonia-de-transmissao-do-cargo-de-ministro-de-estado-das-relacoes-
exteriores#por
Minhas primeiras palavras são de agradecimento à Senhora Presidenta da República
pela honra com que me distingue ao nomear-me Ministro das Relações Exteriores.
Com entusiasmo antecipo a distinção de servir à primeira mulher a presidir o Brasil. A
eleição de uma Presidenta é um acontecimento de importância intrínseca: é mais uma
expressão concreta dos ideais de justiça, eqüidade e democracia que nos unem a todos
como cidadãos brasileiros. Nossa Presidenta, Dilma Rousseff, representa honestidade
intelectual, espírito público, destemor em face de desafios de qualquer tamanho,
sensibilidade e humanismo. Para o Itamaraty, representa a certeza de que o Brasil
continuará a afirmar-se como um interlocutor cada vez mais ouvido e respeitado no
plano internacional.
Querido Embaixador Celso Amorim, meu Chefe por tantos anos – e sempre amigo.
Vossa Excelência foi e seguirá sendo, para mim e para muitos de nós, fonte permanente
de estímulo e inspiração. Foi na gestão de Vossa Excelência que o Brasil se consolidou,
a um só tempo, como um país sul-americano convicto e um ator de influência mundial.
Seu legado será referência incontornável em nossa História Diplomática. Faço votos de
que, ao lado de nossa querida Ana Maria, seja muito feliz nesta nova etapa da vida.
Ainda que de formas distintas, tenho certeza de que o Brasil continuará contando com a
força de seu intelecto e sua coragem moral.
Para corresponder à confiança em mim depositada pela Presidenta Dilma Rousseff,
dependerei de esforços coletivos, que envolverão necessariamente a valiosa colaboração
e dedicação de todos os colegas: funcionários diplomáticos e administrativos, na
Secretaria de Estado e nos Postos no exterior.
Aproveito esta cerimônia de transmissão de cargo para oficializar o convite ao
Embaixador Ruy Nogueira para assumir a Secretaria-Geral das Relações Exteriores. Sua
vasta experiência, seu profissionalismo, sua integridade pessoal serão particularmente
apreciados neste momento em que enfrentamos uma agenda externa crescentemente
ampla e complexa, e capacitamos o Itamaraty para defender os interesses de um novo
Brasil.
Atuarei em estreita cooperação com o Secretário-Geral, com os Senhores Subsecretários
e demais Chefias da Casa para levar adiante uma gestão inclusiva e integradora. Uma
gestão que continue a valorizar a nossa principal vantagem comparativa, que são os
recursos humanos, e que busque valer-se das novas tecnologias da informação para
modernizar nossos métodos de trabalho.
Acredito que a escolha de um diplomata de carreira para o cargo de Ministro das
Relações Exteriores pode ser interpretada como uma demonstração de respeito pelos
quadros especializados deste Ministério e de reconhecimento por nosso compromisso
com o Estado brasileiro – um Estado que se coloca cada vez mais a serviço da sociedade
como um todo, e dos menos favorecidos em primeiro lugar.
Senhoras e Senhores, caros colegas,
Orientaremos a ação externa do Brasil preservando as conquistas dos últimos anos e
construindo sobre a base sólida das realizações do Governo do Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
O Brasil mudou muito em relativamente pouco tempo. Em um ambiente de liberdade de
expressão e participação crescente de setores antes excluídos no processo político,
logrou-se conciliar crescimento econômico com distribuição de renda, em contexto de
aprofundamento de nossa democracia. Foram obtidos avanços no respeito aos direitos
humanos, na valorização da cidadania, na modernização da atividade econômica, na
promoção de um desenvolvimento mais justo e ambientalmente sustentável.
Deixamos para trás o tempo em que um acúmulo de vulnerabilidades nos limitava o
escopo de ação internacional. Não subestimamos o muito que ainda precisamos realizar
para garantir a cada brasileiro e brasileira educação e saúde de qualidade, segurança e
oportunidades dignas de trabalho. Mas adquirimos uma autoridade natural para nos
engajarmos em todos os grandes debates e processos decisórios da agenda internacional
– políticos, econômicos, comerciais, ambientais, sociais, culturais.
É possível afirmar que, entre os pólos que configuram a nova geopolítica deste início de
século, o Brasil, com sua tradição de paz e tolerância, se posiciona como um ator que
reúne características privilegiadas para a promoção de modelos mais inclusivos de
desenvolvimento e para o fortalecimento da cooperação entre as nações por intermédio
de mecanismos de governança mais representativos e legítimos.
Permaneceremos atentos para evitar que os círculos decisórios que se formam em torno
das principais questões contemporâneas reproduzam as assimetrias do passado,
ignorando as aspirações legítimas dos que não os integram. Os G-20s e outros
agrupamentos restritos só conseguirão consolidar sua autoridade se permanecerem
sensíveis aos anseios e interesses dos mais de 150 países que não se sentam em suas
reuniões.
Precisamos nos preparar para uma demanda por mais Brasil em todos os temas da frente
externa. Dispomos para isso de uma apreciável rede de Postos no exterior, cujo ritmo de
expansão tenderá a desacelerar-se. Mas precisaremos continuar a formar quadros que
nos garantam um nível de profundidade reflexiva autônoma e de eficácia operacional
compatíveis com nosso perfil de ator global.
Devemos ter presente que, como a sétima economia do mundo, e havendo
implementado um conjunto de políticas econômicas e sociais que têm produzido
resultados tangíveis, o Brasil gera uma expectativa natural, em searas de cooperação as
mais diversificadas, junto a países menos desenvolvidos – na América Latina e no
Caribe, na África, no Oriente Médio e na Ásia. Nossa capacitação em termos de
prestação de cooperação técnica, de assistência na adoção de políticas públicas bem
sucedidas ou de ajuda humanitária – não obstante os avanços consideráveis dos últimos
anos – precisará modernizar-se para atender a essa demanda.

Deparamo-nos hoje com um mundo em que os consensos de outras eras são cada vez
mais questionados e os antigos formadores de opinião encontram dificuldade crescente
para fazer prevalecer suas idéias. As aventuras militares e as práticas econômicas
irresponsáveis que desestabilizaram a ordem internacional nos últimos anos exigem que
cada participante do sistema assuma plenamente seu papel no tratamento de questões
que afetam a todos indiscriminadamente. O Brasil não se furtará a defender interesses
nacionais específicos e imediatos, mas tampouco deixará de afirmar sua identidade em
função de objetivos sistêmicos amplos, vinculados a valores que nos definem como
sociedade. Continuaremos a privilegiar o diálogo e a diplomacia como método de
solução de tensões e controvérsias; a defender o respeito ao direito internacional, à não-
intervenção e ao multilateralismo; a militar por um mundo livre de armas nucleares; a
combater o preconceito, a discriminação e a arbitrariedade; e a rejeitar o recurso à
coerção sem base nos compromissos que nos irmanam como comunidade internacional.
Um breve olhar sobre o mundo que nos envolve nos revelará o acerto das opções dos
últimos anos na promoção de agendas de ordem sub-regional, regional e global que se
complementam ao mesmo tempo em que se ampliam – o que não impede que
busquemos adaptações e reconsideremos certas ênfases, em função de desdobramentos
nos planos interno e externo.
Ancorados em nosso entorno sul-americano, teremos a nossa disposição um
MERCOSUL robusto e uma UNASUL crescentemente coesa. Compete-nos completar a
transformação da América do Sul em um espaço de integração humana, física,
econômica, onde o diálogo e a concertação política se encarregam de preservar a paz e a
democracia. Onde os elos que vimos estabelecendo entre nossas classes políticas,
nossos setores privados e nossas sociedades contribuirão para uma região cada vez mais
unida no propósito de oferecer melhores condições de vida a nossa gente.
Central nesse empreendimento é a relação Brasil-Argentina, que vive hoje um momento
de plenitude e avança em um vasto espectro de iniciativas que incluem áreas como a
cooperação em matéria espacial e dos usos pacíficos da energia nuclear. E cada vizinho
na América do Sul receberá uma atenção crescentemente diferenciada. Caberá aos
Governos trabalhar mais e melhor para cobrir as lacunas de conhecimento e interação
que ainda caracterizam o relacionamento entre os países da região. Nosso destino
comum exige que conheçamos melhor a História, a demografia, o potencial econômico
e a cultura uns dos outros – da Terra do Fogo à Ilha de Margarita. Não se faz integração
sem diálogo permanente, sem engajamento intelectual e até mesmo, diria eu, sem
emoção e idealismo. É nessa direção que precisamos trabalhar.
Para além da América do Sul, o processo que teve origem na Cúpula América Latina e
Caribe da Costa do Sauípe se consolida na Comunidade de Estados Latino-Americanos
e Caribenhos – a CELAC. Continuaremos engajados na pauta de cooperação com os
países caribenhos, tendo como marco principal a Cúpula Brasil-CARICOM. Nosso
compromisso com o Haiti, que enfrenta renovados desafios, insere-se nesse contexto.
A prioridade atribuída à vizinhança não se dará em detrimento de relações estreitas com
outros quadrantes do Sul ou do mundo desenvolvido. Interessa-nos intensificar relações
com uma pluralidade de parceiros nas esferas do comércio, dos investimentos, do
diálogo político, entre muitas outras. Em um mundo no qual não se dissiparam ainda
totalmente as dicotomias Norte-Sul, a ação diplomática do Brasil pode contribuir para a
promoção de relações mais equilibradas em torno a interesses compartilhados. Nossos
próprios imperativos de desenvolvimento econômico, social e tecnológico orientarão a
busca de parcerias em uma variedade de temas, que incluirão a educação, a inovação, a
energia, a agricultura, a produtividade industrial, a defesa; sem descuidarmos do meio
ambiente, da promoção dos direitos humanos, da cultura, das questões migratórias.
Não enumerarei todas as parcerias estratégicas já estabelecidas, ou todos os mecanismos
de aproximação inter-regional desenvolvidos nos últimos anos, sob a chefia do
Embaixador Celso Amorim, que continuaremos a cultivar e aprimorar. Singularizo o
IBAS, pelo seu valor emblemático como “mecanismo ponte” entre três grandes
democracias multiétnicas do Sul. Acrescento que conversei com a Presidenta Dilma a
respeito de um programa de viagens presidenciais para os próximos meses, que incluirá
visitas aos países vizinhos e a alguns de nossos principais parceiros econômicos e
comerciais, como Estados Unidos e China.
A Cúpula da ASPA, a realizar-se na capital peruana no próximo mês de fevereiro,
constituirá uma valiosa oportunidade de contato da Presidenta com líderes da América
do Sul e do mundo árabe. Comprometo-me ademais a manter uma agenda ativa com
nossos parceiros na África – intensificando nossa cooperação e nosso diálogo com o
continente irmão.
O comparecimento à posse da Presidenta Dilma de altos representantes de uma
variedade de países, vários dos quais hoje aqui presentes – sejam de nossa região, da
Europa, da África, do Oriente Médio ou do Extremo Oriente –, só pode ser visto como
uma manifestação recíproca do interesse de Governos de todas as partes do mundo e de
todos os níveis de desenvolvimento em fortalecer seus vínculos com o Brasil. Com
relações diplomáticas que se estendem a virtualmente todos os países membros das
Nações Unidas, o Brasil pode afirmar que pratica, hoje, uma diplomacia
verdadeiramente universal.
Em paralelo à prioridade regional, à diversificação inclusiva de parcerias e ao
aperfeiçoamento da governança global, não poderia deixar de mencionar a importância
que continuaremos a atribuir às comunidades brasileiras no exterior. Seguiremos
valorizando as atividades consulares e daremos continuidade a iniciativas pioneiras
como a do Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior.

A par dos progressos já alcançados, cumpre reconhecer que muito resta por realizar para
que o Brasil se afirme como o País socialmente justo e democrático com que sonhamos;
para que seu lugar no mundo reflita plenamente nossa vocação para o diálogo e a
cooperação. Em última análise, esse será sempre um projeto inacabado, em que uma
geração transfere para a seguinte as suas conquistas e as aspirações ainda não realizadas.
Surgirão desafios nas áreas econômica, financeira, comercial, ambiental que exigirão
cuidadosa coordenação interna envolvendo diferentes setores do Governo e contatos
com o setor privado, sindicatos, sociedade civil. A preocupação com a competitividade
de nossa indústria e com a composição de nossa pauta exportadora requererá estratégias
capazes de oferecer oportunidades para que conciliem interesses ofensivos e defensivos.
Manteremos contato com a presidência francesa do G-20 Financeiro e outros
interlocutores, entre os quais os BRICS, para assegurar um ambiente propício à
sustentabilidade da recuperação econômica e infenso a pressões protecionistas. Com o
mesmo objetivo trabalharemos por resultados ambiciosos e equilibrados nas
negociações da Rodada de Doha.
Senhoras e Senhores,
Comprometo-me a fazer o necessário para desenvolver uma comunicação abrangente
com as diferentes Pastas do Executivo com as quais não podemos deixar de trabalhar
em sintonia, como Justiça, Defesa, Indústria e Comércio, Fazenda, Direitos Humanos,
Meio Ambiente, entre outras. O mesmo com relação ao Legislativo e ao Judiciário e, em
sentido amplo, à sociedade civil, à comunidade empresarial, ao cidadão comum.
Gostaria de ver o Itamaraty em contato com todos os Estados da Federação. Na verdade,
a política externa serve a todas as esferas governamentais, e a todas as regiões do País.
Por essa mesma razão, não devemos ser tímidos ao postularmos a alocação de recursos
adequados para levarmos adiante nosso trabalho.
Importante também dizer que devemos à opinião pública, em cada circunstância
específica, esclarecimentos sobre como encaramos o mundo e em que espírito
interagimos com ele. Assim contribuiremos para o debate aberto e honesto que
desejamos continuar promovendo sobre nossa política externa.
Senhoras e Senhores Embaixadores, caros colegas, amigo todos,
Temos diante de nós muito trabalho, em muitas frentes. Mas herdamos um País em
excelentes condições econômicas e políticas; dispomos de uma Chancelaria que inspira
respeito mundo afora; nos beneficiamos de um período de liderança particularmente
inspirada e criativa. Sem minimizar os desafios do futuro, quero assegurar-lhes que
dedicarei minha energia física e mental, o compromisso de uma vida inteira dedicada à
diplomacia e alguma sabedoria e bom humor que terei adquirido no convívio com
minha mulher, Tania, e com meus filhos, Miguel e Thomas, para contribuir para um
Brasil, uma América do Sul e um mundo cada vez mais prósperos, justos e
democráticos.
Muito obrigado.

2013 - Discurso do Ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado por ocasião da


cerimônia de posse do Ministro de Estado das Relações Exteriores – Brasília, 28 de
agosto de 2013
28 de Agosto de 2013 - 12h41
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/4539-discurso-do-embaixador-luiz-alberto-figueiredo-
machado-na-cerimonia-de-posse-do-ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores-palacio-
do-planalto-28-de-agosto-de-2013
Com muita honra, aceitei o convite da Excelentíssima Senhora Presidenta da República
para assumir o cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores.

A tarefa é desafiadora. Trata-se de suceder a um dos maiores talentos da diplomacia


brasileira, meu amigo, Antonio Patriota. Nele me inspiro para enfrentar as variadas e
complexas questões internacionais que cabem a um país do porte do Brasil.

Muito me orgulha também ser chamado a dirigir uma instituição que é uma referência
no Estado brasileiro. O Itamaraty talvez seja até mais conhecido por suas tradições, no
entanto, é o seu dinamismo, sua qualidade e sua capacidade de abrir-se para os desafios
dos Brasil contemporâneo que pretendo reforçar.

Assumo tamanha responsabilidade com espírito de colaborar para a consecução das


diretrizes do Governo da Presidenta Dilma Rousseff, que tem privilegiado o
crescimento econômico com inclusão social e proteção ambiental como objetivos
primordiais. Crescer, incluir e proteger.

Esses objetivos tem dado identidade e peso internacional ao Brasil. Tem reforçado a
nossa credibilidade externa. Sou testemunha pela minha experiência na área de
desenvolvimento sustentável, mais especificamente na Conferência Rio+20, que o
Brasil é ator fundamental e líder na cena internacional. Em minha passagem pela missão
junto à ONU, pude perceber o respeito e a consideração com que as posições brasileiras
são recebidas pela comunidade internacional. A relevância do Brasil, Presidenta, está
aqui para ficar.

Comprometo-me, seguindo as diretrizes de Presidenta Dilma Rousseff, tornar o


Ministério das Relações Exteriores cada vez mais útil ao Governo e mais próximo ao
Parlamento e à sociedade civil. A oportunidade de trabalhar pelo Brasil é, sempre, e será
sempre, um privilégio.

Não posso deixar hoje de me referir aqui ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como
aquele que me elevou ao cargo de Embaixador e em cuja gestão tive a oportunidade de
assessorar a então Ministra Dilma Rousseff nas negociações sobre mudança do clima.

Não creio que eu cometo uma inconfidência, Presidenta, ao referir-me ao fato de que, ao
longo dos últimos anos, a Senhora sempre esteve particularmente engajada em orientar
de perto as delegações às conferências do clima, mesmo quando tinha de ser consultada
em horários inadequados. Nunca faltou a orientação precisa e oportuna.

Este exemplo de dedicação é o que eu levo para a minha gestão no Itamaraty. É com
sentido de missão e com a vontade de fazer o melhor possível que prometo empenho,
trabalho e dedicação, para contribuir para o futuro do Brasil.

Muito obrigado.

2015 - Discurso do Ministro Mauro Vieira por ocasião da cerimônia de


transmissão do cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores – Brasília, 2
de janeiro de 2015
02 de Janeiro de 2015 - 19h23
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/6398-discurso-de-sua-excelencia-o-senhor-
embaixador-mauro-luiz-iecker-vieira-por-ocasiao-da-cerimonia-de-transmissao-do-
cargo-de-ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores
Brasília, 2 de janeiro de 2015

Foi com profunda honra que recebi o convite da Senhora Presidenta da República,
Dilma Rousseff, para assumir o cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores. O
seu mandato popular que se renova confere-lhe força moral e liderança para conduzir-
nos no caminho da prosperidade e da felicidade, sentido maior do projeto nacional
brasileiro.
A ela expresso a minha gratidão pela confiança que esse gesto representa, pela honra
que me confere de estar ao seu lado nessa tarefa maior. E afirmo o meu compromisso de
trabalhar intensamente para corresponder à confiança em mim depositada.
A exemplo das funções que desempenhei anteriormente na Secretaria de Estado e no
Exterior, aceitei este desafio com encantamento e grande sentido de responsabilidade e
lealdade à Presidenta, consciente do que representa na vida de um veterano servidor do
Itamaraty e do Estado brasileiro sentar-se na cadeira do Barão do Rio
Branco. Compartilho esse sentido de dever a serviço da Nação com todos os meus
colegas desta Casa, diplomatas e funcionários integrantes das carreiras do Itamaraty, a
quem anima sempre a divisa do Barão, “Ubique Patriae memor” – "em toda parte, a
lembrança da Pátria".
Assumo esse desafio com imensa determinação para executar as diretrizes da Política
Externa determinadas pela Senhora Presidenta da República. Vou amparar-me nas
melhores tradições desta Casa, no apoio e no engajamento de todos os seus
funcionários, no patrimônio diplomático que já construímos e na memória que dele
guardamos - no projeto permanente, enfim, que sempre animou a diplomacia brasileira:
definir e projetar no mundo a identidade do Brasil, identificar e defender os interesses
do País em meio a um universo crescente de oportunidades, desafios e riscos.
Tenho o privilégio de suceder o Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, amigo
querido, cujas qualidades humanas, talento e experiência enriqueceram a função de
Chanceler e serão fundamentais para o exercício da nova e alta função que lhe será
confiada pela Senhora Presidenta da República.
Sob a condução do Embaixador Figueiredo, o Itamaraty continuou a ser instrumento
para que o Brasil aprofunde sua inserção internacional como protagonista nas mais
distintas áreas temáticas, sempre em harmonia com a nossa identidade sul-americana, o
multilateralismo e a prevalência do direito internacional. Conto, caro Figueiredo, com
seus conselhos ao longo do trajeto que hoje se inicia e desejo-lhe muitas felicidades e
realizações na nova etapa que se inicia em sua vida pessoal e profissional.
Quero dizer uma palavra de agradecimento também ao Secretário-Geral, Embaixador
Eduardo dos Santos, contemporâneo dos bancos do Instituto Rio Branco e amigo
querido desde sempre, cuja experiência e sabedoria tanto têm ajudado na condução dos
assuntos desta Casa.
Senhoras e Senhores,
Defino-me essencialmente como um profissional da diplomacia. Vejo os Chefes da
Casa e as novas gerações hoje aqui reunidas, e identifico-me com cada um dos meus
colegas. Ao longo dos meus 40 anos de carreira diplomática, senti-me sempre inspirado
pelo exemplo das gerações anteriores que construíram esta instituição, patrimônio
nacional, reconhecida como uma das melhores e mais profissionais Chancelarias do
mundo, cuja alma se constitui de carreiras de Estado solidamente ancoradas na
experiência e no ideal do constante aprimoramento profissional.
Em diferentes momentos e funções, tive a felicidade de trabalhar com alguns dos mais
destacados diplomatas brasileiros das últimas décadas, entre os quais, pela proximidade
que mantivemos e a intensidade do que com eles compartilhei, quero destacar Celso
Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e Luiz Felipe de Seixas Corrêa. Com todos eles
aprendi a admirar a maneira pela qual expressam seu compromisso inalienável com o
Brasil, conduzindo o Itamaraty na função de Estado que esta Casa exerce desde a sua
criação: identificar, recolher, sintetizar, interpretar, promover e proteger as mais altas e
legítimas aspirações e interesses nacionais, em permanente interação com o mundo
exterior. Também tive o privilégio de trabalhar fora do Itamaraty, sob a liderança do
saudoso Ministro Renato Archer, que tanto me ensinou sobre o nosso país, no momento
da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 1985.
Mesmo em meio a dificuldades e frustrações, o trabalho cotidiano de todos nós, no
Brasil e no exterior, jamais deixou de ter o sentido último que nos fez optar por uma
profissão singular, que nos movimenta constantemente pelas paisagens do mundo –
contribuir, pela melhor articulação do País com a sua região e o mundo, para
engrandecer a Nação, para tornar o Brasil real cada vez mais parecido com o país
sonhado por nós.
Somos herdeiros orgulhosos daqueles que ajudaram a fundar a nossa soberania, a
consolidar a nossa Independência, a definir o nosso território e a projetar cada vez mais
a nossa presença no mundo. Orgulhamo-nos de ser os instrumentos da ação
internacional de um grande país que encara o mundo e seus parceiros com uma visão de
cooperação, de ajuda recíproca, de compromisso com o desenvolvimento social e
humano e, portanto, de compromisso com o aprimoramento das instituições da
governança global e regional no melhor interesse dos povos.
Senhoras e Senhores, meus colegas,
Em seu discurso de posse perante o Congresso Nacional, ontem, a Senhora Presidenta
traçou as linhas gerais da política externa que deseja ver executada em seu segundo
mandato. Mais que isso, a Presidenta traçou as linhas gerais das políticas públicas que
pretende desenvolver, deixando claro para a diplomacia brasileira que papel deverá
desempenhar para coadjuvar os esforços do Governo no plano interno, para fazer das
relações internacionais do Brasil um instrumento de apoio e impulso a essas políticas, a
começar pela política macroeconômica.
É um discurso que valoriza a agenda internacional do Brasil e a encara com sentido de
pragmatismo e de projeto nacional. Ele será o nosso plano de trabalho, a partir do qual
consolidaremos ou alteraremos estratégias de atuação a fim de atuar em plena sintonia
com os objetivos do Governo.
Essa agenda internacional impõe hoje ao Brasil grandes desafios. Devemos enfrentá-los
com determinação, com criatividade e, sobretudo, com a consciência plena da nossa
identidade de nação-continente e de país sul-americano, com uma história de dedicação
à paz e ao desenvolvimento econômico e social em todo o mundo – uma história da qual
podemos nos orgulhar cada vez mais e de que o Itamaraty sente-se guardião.
Os Governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma Rousseff têm sido fundamentais
na reafirmação dessa identidade e do próprio do Brasil, dessa aspiração de sermos
grandes, respeitados, influentes, sem perder de vista, jamais, a visão do outro, única
forma de agir com equilíbrio e sabedoria diante dos desafios.
As relações exteriores constituem um campo fundamental para alcançar o
desenvolvimento nacional entendido no sentido mais amplo, o sentido que lhe dá a
Presidenta Dilma Rousseff, um conceito onde se conjuga o crescimento econômico, a
justiça social, o respeito aos direitos humanos, o acesso à educação e aos serviços
básicos, o direito ao trabalho digno, em suma: a participação de todos os brasileiros na
tarefa de construir esta Nação e nos frutos dessa tarefa comum.
A inter-relação entre os assuntos internos e os internacionais é cada vez maior. O
mundo globalizado diluiu as fronteiras entre a política externa em sua concepção
clássica e as outras esferas da ação estatal, criando uma interconexão entre as dimensões
doméstica e internacional. Em cada grande tema da política externa, administrar essa
interconexão não depende apenas do Itamaraty. Mas cabe fundamentalmente ao
Itamaraty operar em sintonia com as diferentes áreas do Governo, gerando as sinergias
que reforçarão a ação e a posição negociadora do Brasil no mundo.
O Itamaraty tem papéis muito claramente definidos no âmbito do Governo e perante a
sociedade brasileira. Como fazem todas as diplomacias no mundo, somos a primeira
linha de representação e de negociação do país lá fora. Temos também uma vocação
especial para ajudar a sociedade e os agentes econômicos e sociais brasileiros a melhor
compreender o mundo, nossos interesses e a própria agenda diplomática brasileira. São,
sem dúvida, tarefas extremamente complexas. A elas esta Casa tem-se dedicado
historicamente, adaptando-se aos novos desafios quando foi necessário. Assim
continuaremos a operar.
O apelo por uma sociedade mundial mais justa e coesa, menos hierárquica, corresponde
à luta do Brasil e de tantas nações por criar, dentro de suas próprias fronteiras, uma
sociedade democrática e participativa. Esse sempre foi e continuará sendo o sentido do
engajamento do Brasil para ajudar na busca de uma fórmula que viabilize a reforma do
Conselho de Segurança, de modo a torná-lo mais representativo e legítimo e, portanto,
mais eficiente.
De fato, as vitórias que o Brasil tem obtido, internamente, nos campos da igualdade e da
inclusão social, credenciam-nos ainda mais a propugnar por esses mesmos valores no
plano internacional. A consolidação desses avanços fortalece o poder suave do Brasil,
que se manifesta crescentemente por meio da cooperação com países amigos. A
cooperação internacional constitui um instrumento único que nos permite, a um só
tempo, compartilhar experiências inovadoras e incorporar e divulgar o desenvolvimento
técnico e tecnológico dos setores produtivo e científico brasileiros. Fortalecer a área da
cooperação internacional como instrumento da política externa brasileira e, portanto, do
desenvolvimento tecnológico e econômico do país constitui tarefa central, a exigir do
Itamaraty pleno engajamento.
A agenda que nos espera em 2015 e nos próximos anos é ampla e promissora, como
indicou a Senhora Presidenta em seu discurso de posse. De acordo com nossa
tradicional linha de ação, a um tempo regional e universalista, trataremos de consolidar
a América do Sul como espaço de integração em todos os âmbitos e ampliar esforços no
mesmo sentido com o restante da região; os laços com o mundo desenvolvido – Estados
Unidos, União Européia e Japão; as relações com os BRICS e com os países
emergentes; com nossos irmãos da África e do Oriente Médio, em especial com os
países de língua portuguesa; com todos os membros da comunidade internacional.
Continuaremos atuando com grande engajamento nas Nações Unidas, na OMC, no G-
20, nas negociações sobre o Clima e sobre a governança da Internet, entre tantas outras
frentes.
Atuaremos serenamente em todas as frentes novas e tradicionais da diplomacia
brasileira. Seguiremos um princípio básico, o de que nossos interesses são geográfica e
tematicamente universais e, portanto, não apresentam contradições entre si, nem
aceitam exclusivismos.
Não há, para o Brasil, dicotomias nem contradições de interesses nas nossas relações
com os países desenvolvidos, emergentes ou em desenvolvimento, como não há
contradições nem dicotomias em perseguirmos uma ampla agenda econômica, social,
humanitária e de direitos humanos nos planos multilateral e regional.
Senhoras e Senhores, caros colegas,
É preciso que a agenda comercial externa reflita essa realidade. Redobraremos esforços
na área do comércio internacional, buscando desenvolver ou aprimorar as relações com
os mercados externos – todos os mercados externos. Assim, uma linha mestra da
atuação do Itamaraty no segundo mandato da Presidenta Dilma Rousseff será colaborar
intensamente para abrir, ampliar ou consolidar o acesso mais desimpedido possível do
Brasil a todos os mercados do mundo, promovendo e defendendo o setor produtivo
brasileiro e coadjuvando suas iniciativas e ajudando, onde for possível, a captar
investimentos.
Ao olhar para o mundo, o Itamaraty vê antes de tudo os cidadãos brasileiros. Cabe a ele
zelar pelo bem-estar de nossos nacionais que estão no exterior, em caráter permanente
ou temporário. Vou empenhar-me para que a política consular brasileira receba recursos
humanos e materiais para responder adequadamente à crescente demanda por serviços e
assistência, decorrente do aumento significativo do número de brasileiros que vivem no
exterior ou ali circulam a turismo, trabalho, estudo e tantas outras razões. Meu objetivo
é trabalhar intensamente para que o Governo brasileiro ofereça um serviço consular de
qualidade cada vez melhor para os seus cidadãos no exterior.
Assim como no cenário comercial e na área consular e de brasileiros no exterior,
teremos projetos e propostas construtivas em todas as demais áreas de atuação da
diplomacia.
O Brasil continuará a exercer seu papel de ator global, pois esse papel corresponde à sua
realidade e às aspirações profundas do seu povo. E o Itamaraty continuará contribuindo
para articular os múltiplos vetores de nossa inserção internacional que recaem sob a sua
responsabilidade. Faremos isso em coordenação com todos os órgãos de Governo e em
consulta com o Congresso, a sociedade civil e os agentes econômicos. E saberemos
sempre informar da nossa ação e prestar contas do que fazemos.
Caros colegas, Senhoras e Senhores,
Para bem exercer sua vocação e manter-se habilitado a operar num mundo em veloz
transformação, o Itamaraty necessita constantemente adaptar sua organização interna.
Quero afirmar aqui meu compromisso com o aprimoramento e modernização dos
métodos de trabalho do Itamaraty, com o fortalecimento e o aprimoramento da Carreira
Diplomática e das demais carreiras do Serviço Exterior.
Juntos, procuraremos soluções práticas para os problemas que são específicos do
Serviço Exterior em razão da sua natureza única dentro do Serviço Público. As questões
centrais de seleção, formação, progressão funcional, remuneração, circulação entre
postos e aperfeiçoamento profissional ao longo da carreira, precisam ser enfrentadas, à
luz dos objetivos e do alcance da política externa, com o propósito de preservar e
valorizar o extraordinário capital humano do Ministério e dele extrair o melhor
rendimento para o conjunto da sociedade.
Nessa tarefa, em consulta sempre com a Casa, contaremos também com as ideias que
foram reunidas em ampla consulta promovida pelo Ministro Figueiredo. Darei especial
atenção aos anseios dos colegas mais jovens, cuja dedicação entusiasmada sempre foi
um dos esteios fundamentais do Itamaraty e sem a qual não teríamos a força de trabalho
e o espírito de renovação que nos distingue.
Renovar a instituição é fortalecê-la. E não há renovação possível sem o aporte criativo
das novas gerações, que suprem, com o seu entusiasmo e engajamento, o que o
aprendizado da experiência ainda não lhes tenha ensinado.
Quero transmitir uma palavra especial aos colegas do Serviço Exterior que se encontram
por todo o mundo, nas trincheiras da nossa diplomacia, muitas vezes sob a pressão de
imensas dificuldades e sentindo-se distantes.
Buscarei apoiá-los em tudo o que estiver ao meu alcance para que possam enfrentar os
permanentes desafios materiais que vivem os Postos no exterior.
Nossa rede, como todos sabem, expandiu-se de forma sem precedentes, e constitui um
extraordinário instrumento de promoção dos interesses nacionais que precisamos gerir.
Estaremos atentos às necessidades de cada posto, às suas prioridades de atuação, às
instruções que devem receber, ao papel insubstituível de cada Embaixada, Missão ou
Consulado na estratégia externa que o Brasil deve seguir.
Terei sempre em mente que não basta estarmos presentes no mundo, é preciso sermos
atuantes. O valioso simbolismo da presença não pode substituir uma diplomacia de
resultados, e resultados, que se medem com números, se obtêm com consciência da
missão, com ação, com engajamento, com meios, enfim.
Os desafios que a Instituição enfrenta em seu funcionamento não são novos, e não são,
no Brasil ou no mundo, exclusivos do Itamaraty. São comuns a muitas das grandes
chancelarias, que como a nossa buscam adaptar-se às grandes transformações em curso
e servir de forma pragmática aos interesses nacionais. Para fazer face a essas mudanças,
contamos com recursos que são finitos. Precisamos, portanto, concentrar nossos
recursos, nossa força de trabalho, onde ela é mais necessária em cada momento, e para
tanto precisamos de flexibilidade, agilidade, versatilidade.
Tenho certeza de que nosso recurso mais precioso, o empenho e dedicação de todos os
funcionários, não faltará. Trabalharei para que esse patrimônio humano insubstituível
seja em todos os momentos valorizado e incentivado, em todos os níveis funcionais, em
todas as unidades, em todos os Postos.
Trabalharei de forma incessante, sob a orientação da Senhora Presidenta da República,
para dotar o Ministério das Relações Exteriores, tanto a Secretaria de Estado quanto os
Postos no Exterior, dos meios necessários à sua missão. Para que a nossa presença no
mundo, hoje universal, se faça mais atuante, produzindo mais resultados concretos para
o País.
Ao aceitar o seu honroso convite, recebi da Presidenta Dilma Rousseff, pessoalmente, a
garantia de seu total apoio. Esse engajamento da Chefe de Estado deve tranqüilizar-nos
e ajudar-nos a encarar com determinação as tarefas que nos aguardam.
Também convoquei para essa tarefa, na condição de meu Secretário-Geral, o
Embaixador Sérgio França Danese, atual Subsecretário-Geral das Comunidades
Brasileiras no Exterior. O Embaixador Danese, amigo de muitos anos, foi meu colega
em quatro diferentes postos no exterior e no Brasil, e conhece bem o meu pensamento
e minha forma de atuar. Estou seguro de que a Casa o acolherá nessa função com plena
compreensão do significado da minha escolha.
Caros colegas, Senhoras e Senhores,
É para mim uma imensa responsabilidade e um honroso privilégio assumir hoje a
direção desta grande instituição, à qual já dediquei dois terços da minha vida. Para estar
à altura desse desafio, conto com todos e cada um dos funcionários desta Casa, cujo
espírito público e dedicação ao Brasil se tem comprovado ao longo da História. E, para
que possamos todos continuar a trabalhar em harmonia e com pleno sentido de
realização pessoal e profissional, quero que contem comigo, sempre.
Muito obrigado.

2016 - Discurso do ministro José Serra por ocasião da cerimônia de transmissão do


cargo de ministro de estado das Relações Exteriores – Brasília, 18 de maio de 2016
18 de Maio de 2016 - 14h40
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/14038-discurso-do-ministro-jose-serra-por-ocasiao-
da-cerimonia-de-transmissao-do-cargo-de-ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores-
brasilia-18-de-maio-de-2016
Queria saudar inicialmente o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal;
O presidente do STJ, ministro Francisco Falcão;
Ministro Herman Benjamin, ministro Rogério Schietti e ministro Paulo Moura;
Queria cumprimentar, e através dele todos os deputados aqui presentes, o presidente da
Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Pedro Vilela;
E o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, meu colega do Senado,
Aloysio Nunes, através de quem cumprimento todos os nossos queridos amigos
senadores;
Queria saudar excelentíssimo ex-presidente da República, José Sarney, que, considero,
teve um papel fundamental no processo de redemocratização do nosso país e merece ser
reconhecido em todos os tempos por este papel.
Quero cumprimentar o senhor núncio apostólico, dom Giovanni d´Aniello, em nome de
quem cumprimento os demais embaixadores estrangeiros acreditados junto ao governo
brasileiro;
E dar aqui o meu abraço ao embaixador Mauro Vieira, ex-ministro de estado das
Relações Exteriores, a quem agradeço a prestatividade, diria assim, e toda a colaboração
nesse processo de transição do comando do Ministério. Quero dizer a ele que o
considero um homem que teve uma trajetória pública exemplar e digno discípulo de um
amigo meu, um amigo nosso em comum, o ministro Renato Archer.
Quero agradecer também, muito enfaticamente, ao presidente Michel Temer pela
confiança ao convidar-me para assumir este ministério, bem como pela paciência de
revisar e pela aprovação deste Delineamento da Nova Política Externa Brasileira, que
apresentarei hoje. O presidente leu ao meu lado, linha por linha, fazendo seus
comentários, que naturalmente levei em conta. Quero dizer que trinta e três anos de
convivência com Michel Temer, seja no mesmo lado ou em lados diferentes da vida
política, foram sempre acompanhados de uma relação constante de amizade, respeito
mútuo e permanente diálogo.
E quero por último, aqui agradecer a presença dos meus colegas de Ministério, são
muitos, eu os saúdo em nome do ministro Romero Jucá, que, quis o destino, vai ter um
papel junto comigo fundamental para a recuperação das finanças do Itamaraty.
Creio que os outros ministros entenderão por que escolhi o ministro Jucá para
representá-los nesta saudação.
Deixe-me dizer também de minha alegria em passar a integrar uma instituição de grande
tradição e de marcada contribuição histórica ao nosso país. Deixe-me dizer também da
satisfação em conviver com um corpo de funcionários de reconhecida competência e
espírito público. Eu espero aqui transmitir algumas ideias essenciais a respeito da nova
política externa brasileira. Tenho e terei, como sempre em minha vida pública, os olhos
voltados para o futuro e não para os desacertos do passado.
Primeira diretriz:
A diplomacia voltará a refletir de modo transparente e intransigente os legítimos valores
da sociedade brasileira e os interesses de sua economia, a serviço do Brasil como um
todo e não mais das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e de
seus aliados no exterior. A nossa política externa será regida pelos valores do Estado e
da nação, não do governo e jamais de um partido. Essa nova política não romperá com
as boas tradições do Itamaraty e da diplomacia brasileira, mas, ao contrário, as colocará
em uso muito melhor. Medidas que, em outros momentos, possam ter servido ao
interesse nacional, quero dizer, podem não ser mais compatíveis com as novas
realidades do país e com as profundas transformações em curso no cenário
internacional.
Segunda diretriz:
Estaremos atentos à defesa da democracia, das liberdades e dos direitos humanos em
qualquer país, em qualquer regime político, em consonância com as obrigações
assumidas em tratados internacionais e também em respeito ao princípio de não-
ingerência.
Terceira diretriz:
O Brasil assumirá a especial responsabilidade que lhe cabe em matéria ambiental, como
detentor na Amazônia da maior floresta tropical do mundo, de uma das principais
reservas de água doce e de biodiversidade do planeta, assim como de matriz energética
limpa e renovável, a fim de desempenhar papel proativo e pioneiro nas negociações
sobre mudança do clima e desenvolvimento sustentável. Lembro que, se fizermos bem a
lição de casa, poderemos receber recursos caudalosos de entidades internacionais
interessadas em nos ajudar a preservar as florestas e as reservas de água e
biodiversidade do planeta, uma vez que o Brasil faz a diferença nessa matéria.
Quarta diretriz:
Na ONU e em todos os foros globais e regionais a que pertence, o governo brasileiro
desenvolverá ação construtiva em favor de soluções pacíficas e negociadas para os
conflitos internacionais e de uma adequação de suas estruturas às novas realidades e
desafios internacionais; ao mesmo tempo em que se empenhará para a superação dos
fatores desencadeadores das frequentes crises financeiras e da recente tendência à
desaceleração do comércio mundial. O comércio mundial está se contraindo a galope,
eu diria.
Quinta diretriz:
O Brasil não mais restringirá sua liberdade e latitude de iniciativa por uma adesão
exclusiva e paralisadora aos esforços multilaterais no âmbito da Organização Mundial
do Comércio, como aconteceu desde a década passada, em detrimento dos interesses do
país. Não há dúvida de que as negociações multilaterais da OMC são as únicas que
poderiam efetivamente corrigir as distorções sistêmicas relevantes, como as que afetam
o comércio de produtos agrícolas. Mas essas negociações, infelizmente, não vêm
prosperando com a celeridade e a relevância necessárias, e o Brasil, agarrado com
exclusividade a elas, manteve-se à margem da multiplicação de acordos bilaterais de
livre comércio. O multilateralismo que não aconteceu prejudicou o bilateralismo que
aconteceu em todo o mundo. Quase todo mundo investiu nessa multiplicação, menos
nós. Precisamos e vamos vencer esse atraso e recuperar oportunidades perdidas.
Sexta diretriz:
Por isso mesmo, daremos início, junto com o Ministério da Indústria, Comércio e
Serviços, com a cobertura da CAMEX e em intensa consulta com diferentes setores
produtivos, a um acelerado processo de negociações comerciais, para abrir mercados
para as nossas exportações e criar empregos para os nossos trabalhadores, utilizando
pragmaticamente a vantagem do acesso ao nosso grande mercado interno como
instrumento de obtenção de concessões negociadas na base da reciprocidade
equilibrada. Nada seria mais equivocado, errôneo, nesta fase do desenvolvimento
brasileiro, do que fazer concessões sem reciprocidade. Não tem sentido.
Sétima diretriz:
Um dos principais focos de nossa ação diplomática em curto prazo será a parceria com a
Argentina, com a qual passamos a compartilhar referências semelhantes para a
reorganização da política e da economia. Junto com os demais parceiros, precisamos
renovar o Mercosul, para corrigir o que precisa ser corrigido, com o objetivo de
fortalecê-lo, antes de mais nada quanto ao próprio livre-comércio entre seus países
membros, que ainda deixa a desejar, de promover uma prosperidade compartilhada e
continuar a construir pontes, em vez de aprofundar diferenças, em relação à Aliança
para o Pacifico, que envolve três países sul-americanos, Chile, Peru e Colômbia, mais o
México. Como disse Enrique Iglesias, muito bem observado, não podemos assistir
impassíveis à renovação de uma espécie de Tratado de Tordesilhas, que aprofundaria a
separação entre o leste e o oeste do continente sul-americano. Em relação ao México,
será prioritário aproveitar plenamente o enorme potencial de complementaridade
existente entre nossas economias e hoje das nossas visões internacionais.
Oitava diretriz:
Vamos ampliar o intercâmbio com parceiros tradicionais, como a Europa, os Estados
Unidos e o Japão. A troca de ofertas entre o Mercosul e a União Europeia será o ponto
de partida para avançar na conclusão de um acordo comercial que promova maior
expansão de comercio e de investimentos recíprocos, sem prejuízo aos legítimos
interesses de diversos setores produtivos brasileiros. Como disse o ministro Mauro,
houve a troca de ofertas, nós vamos agora examinar quais são as ofertas da União
Europeia. Com os Estados Unidos, nós confiamos em soluções práticas de curto prazo
para a remoção de barreiras não-tarifárias, que são, no mundo de hoje, as essenciais. No
mundo de hoje não se protege, do ponto de vista comercial, com tarifas. Se protege com
barreiras não-tarifárias. Quero dizer que o Brasil nesse sentido é o mais aberto do
mundo. Nós não temos nenhuma barreira não-tarifária, ao contrário de todos os outros
que se apresentam como campeões do livre comércio. Com os Estados Unidos,
confiamos em soluções práticas de curto prazo, eu repito, para a remoção de barreiras
não-tarifárias, e de regulação que entorpecem o intercâmbio. Daremos igualmente
ênfase às imensas possibilidades de cooperação em energia, meio ambiente, ciência,
tecnologia e educação.
Nona diretriz:
Será prioritária a relação com parceiros novos na Ásia, em particular a China, este
grande fenômeno econômico do século XXI, e a Índia. Estaremos empenhados
igualmente em atualizar o intercâmbio com a África, o grande vizinho do outro lado do
Atlântico. Não pode esta relação restringir-se a laços fraternos do passado e às
correspondências culturais, mas, sobretudo, forjar parcerias concretas no presente e para
o futuro. Ao contrário do que se procurou difundir entre nós, a África moderna não pede
compaixão, mas espera um efetivo intercâmbio econômico, tecnológico e de
investimentos. Nesse sentido, a solidariedade estreita e pragmática para com os países
do Sul do planeta terra continuará a ser uma diretriz essencial da diplomacia brasileira.
Essa é a estratégia Sul-Sul correta, não a que chegou a ser praticada com finalidades
publicitárias, escassos benefícios econômicos e grandes investimentos diplomáticos. É
importante ter a noção clara de que os diferentes eixos de relacionamento do Brasil com
o mundo não são contraditórios nem excludentes, sobretudo dado o tamanho da nossa
nação. Um país do tamanho do Brasil não escolhe ou repele parcerias, busca-as todas
com intensidade, inspirado no seu interesse nacional. Vamos também aproveitar as
oportunidades oferecidas pelos foros inter-regionais com outros países em
desenvolvimento, como por exemplo os BRICS, para acelerar intercâmbios comerciais,
investimentos e compartilhamento de experiências. E, com sentido de pragmatismo,
daremos atenção aos mecanismos de articulação com a África e com os países árabes.
Décima diretriz:
Nas políticas de comércio exterior, o governo terá sempre presente a advertência que
vem da boa análise econômica, apoiada em ampla e sólida consulta com os setores
produtivos. É ilusório supor que acordos de livre comércio signifiquem necessariamente
a ampliação automática e sustentada das exportações. Só há um fator que garante esse
aumento de forma duradoura: o aumento constante da produtividade e da
competitividade. Se alguém acha que basta fazer um acordo e abrir, que isso é condição
necessária suficiente, está enganado. É preciso investir no aumento constante da
competitividade e da produtividade. Daí a ênfase que será dada à redução do custo
Brasil, mediante a eliminação das distorções tributárias que encarecem as vendas ao
exterior e a ampliação e modernização da infraestrutura por meio de parcerias com o
setor privado, nacional e internacional. O custo Brasil hoje é da ordem de 25%, ou seja,
uma mercadoria brasileira idêntica a uma mercadoria típica média dos países que são
nossos parceiros comerciais, custa, por conta da tributação, dos custos financeiros, dos
custos de infraestrutura, dos custos tributários, 25% a mais. Imagine-se o desafio que
nós temos por diante. E apenas assumi o ministério, eu me dei conta, conversando com
nosso embaixador na China, o Roberto Jaguaribe, do esforço de nossas embaixadas para
atrair investimentos nestes setores básicos da economia. O Roberto estava trabalhando
inclusive para seduzir os capitais chineses a virem ao Brasil, investir em parceria com o
Estado brasileiro nas obras de infraestrutura. Esse esforço será multiplicado, tenho
certeza, com sucesso.
Aqui encerro as diretrizes, mas se eu tivesse que acrescentar uma a mais, me alongar,
que valeria a pena se alongar, eu citaria uma que temos que cumprir, colaborando com
os ministérios da Justiça, da Defesa e da Fazenda, no que se refere à Receita Federal: a
proteção das fronteiras, hoje o lugar geométrico do desenvolvimento do crime
organizado no Brasil, vamos ter isso claro, que se alimenta do contrabando de armas,
contrabando de mercadorias, que é monumental, e do tráfico de drogas. Em especial,
nos empenharemos em mobilizar a cooperação dos países vizinhos para uma ação
conjunta contra essas práticas criminosas que tanto dano trazem ao nosso povo e à nossa
economia.
Por último, não menos importante, quero reafirmar meu compromisso com as
comunidades brasileiras no exterior e o bom funcionamento de nosso serviço consular.
Continuaremos a dar atenção prioritária à garantia dos direitos dos cidadãos brasileiros,
onde quer que eles estejam.
Dirijo-me agora ao corpo de funcionários do ministério. Nós vamos recuperar a
capacidade de ação do Itamaraty, acreditem. Num período de grandes transformações e,
por que não dizer, incertezas no cenário internacional e de promissoras mudanças
internas, a nossa diplomacia, não tenho dúvida, terá de, gradualmente, atualizar-se e
inovar, e até mesmo ousar, promovendo uma grande reforma modernizadora nos
objetivos, métodos e técnicas de trabalho. A diplomacia do século XXI não pode
repousar apenas na exuberância da retórica e no tom auto-laudatório dos comunicados
conjuntos. Precisa ter objetivos claros e ser a um só tempo discurso político e resultado
concreto.
Os diplomatas brasileiros despertam o orgulho do país e o respeito dos parceiros do
Brasil no exterior. Quero valorizar a carreira diplomática, assim como as demais
carreiras do serviço exterior. Respeitar o critério do mérito. Não discriminar em favor
dos amigos do rei ou de correligionários de um partido político. Quero
progressivamente retirar o Itamaraty da penúria de recursos em que foi deixado pela
irresponsabilidade fiscal que dominou a economia brasileira nesta década. Quero
reforçar a casa, e não enfraquecê-la. Vamos restaurar o orgulho das novas gerações em
servir ao Itamaraty e, sobretudo, ao Brasil. A Casa será reforçada, e não enfraquecida. E
no governo do presidente Temer, o Itamaraty volta ao núcleo central do governo.
Meu programa de ação corresponderá à minha tradição na vida pública: trabalhar muito,
apresentar e receber ideias, tomar iniciativas, delegar responsabilidades, cobrar
resultados e promover negociações efetivas, bem como ter presença marcante, longe de
cumprir um calendário de visitas inócuas, para “cumprir tabela”.
Estes são compromissos que apresento hoje. Este é o convite que faço a todos os
servidores desta Casa, a fim de que façamos um esforço comum para valorizar o
Itamaraty e pelo êxito de um governo que enfrentará, como todos sabemos, desafios
imensos, mas que criará, se Deus quiser, as condições para a reconstrução do sistema
político, o fortalecimento da representatividade da nossa democracia e a volta do
crescimento da produção e do emprego.
Muito obrigado, mãos à obra, vamos em frente.

2017 - Texto-base para o discurso de posse do Ministro de Estado das Relações


Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira – Palácio Itamaraty, 7 de março de 2017
07 de Março de 2017 - 19h30
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/15828-texto-base-para-o-discurso-de-posse-do-
ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores-aloysio-nunes-ferreira-palacio-itamaraty-7-
de-marco-de-2017
Querido amigo José Serra, mais uma vez nos encontramos nesta mesma longa estrada
de vida pública que desde jovens decidimos trilhar, e a cujo percurso sempre dedicamos
o melhor de nossas energias.
Você é, sem dúvida, um dos mais destacados líderes políticos de nossa geração. Tive a
honra de trabalhar sob sua direção na Prefeitura de São Paulo e no Governo de nosso
Estado, e testemunhei de perto, até com sacrifício de minhas rotinas domésticas, a sua
devoção à causa pública, o rigor na administração, sua capacidade de reunir e
entusiasmar as equipes ao seu redor e a solidariedade fraterna com que você sempre
distinguiu a todos, e a mim pessoalmente.
Agora, no Ministério das Relações Exteriores, eu vou entrando e você vai saindo. Mas
deixa aqui um legado que constituiu uma base sólida para o cumprimento da missão que
me foi atribuída pelo presidente Temer. Você acaba de produzir uma prestação de
contas que demonstra cabalmente o sentido da reorientação do Itamaraty nessa nova
fase da vida brasileira e das relações internacionais do nosso País. Não preciso insistir
sobre isso: minha ação, à frente do ministério, na sequência e na atualização de sua
orientação, falarão mais do que eu poderia dizer nesse discurso de transmissão do cargo.
O que é certo é que, com o mesmo denodo que você, tratarei de assegurar que nossa
política externa esteja sempre alinhada com os reais valores e os legítimos interesses
nacionais.
Cada vez mais está presente na consciência dos cidadãos brasileiros a ideia da
inseparabilidade entre política externa e política interna. Sempre foi assim. Sem me
alongar sobre o tema, permito-me uma lembrança da nossa história e recorro a dois
autores que, entre outros, assinalaram claramente essa conexão, Synésio Sampaio Góis e
Gabriela Nunes Ferreira. A definição do “corpo da Pátria”, o que ele contém, quais os
seus limites, onde ele termina e onde começa o dos seus vizinhos, essa definição que
garantiu foros de legitimidade à ação multissecular de bandeirantes, religiosos, soldados
e povoadores foi obra de diplomatas e dos condutores da nossa política externa. Uma
ação levada a cabo com energia e paciência, e que foi inseparável da própria
consolidação do Estado Nacional. Os setores mais informados da opinião, no início da
República, compreendiam bem a conexão entre esses dois processos: é o que explica,
penso eu, em grande parte, a imensa popularidade de que desfrutou o Barão do Rio
Branco.
Volto aos dias recentes e evoco a última campanha presidencial da qual tive a honra de
ser candidato a vice-presidente, ao lado de Aécio Neves, esse extraordinário líder
político, a quem sou ligado por amizade e admiração que só fizeram crescer de lá para
cá. No calor dos debates, na imprensa, no Congresso, onde quer que se reunissem
eleitores nessa campanha apaixonante, despontava sempre a discussão sobre temas que,
a rigor, dizem respeito à política externa. Como promover uma nova inserção, mais
competitiva, nos grande fluxos de comércio, de investimentos e de intercâmbio
tecnológicos no mundo globalizado? Como revigorar o Mercosul, afirmar seu propósito
inicial de se constituir uma área de livre comércio, multiplicar seus acordos com outros
países e blocos? Como valorizar, aos olhos do mundo e aos nossos próprios olhos, o
fato de sermos uma grande potencia agroindustrial, nossas conquistas ambientais e esse
extraordinário passaporte que é a cultura brasileira? De que forma poderemos fazer da
nossa política externa um instrumento para buscar novas oportunidades para o
desenvolvimento material de nosso país? Trata-se de uma exigência de sempre, mas
particularmente premente, para superarmos a atual crise que nos assola e que impõe
mais do que nunca a distinção entre nossos interesses permanentes e os alinhamentos
partidários e ideológicos contingentes. Reafirmo o que tem sido dito desde o início do
governo Temer: a política externa tem que estar a serviço do País e não dos objetivos de
um partido, qualquer que seja ele. Não posso deixar de lembrar a preocupação, cada vez
mais presente, com a escalada autoritária do governo venezuelano, que nos últimos anos
esteve presente entre os grandes temas em debate. A nossa posição frente à Venezuela é
emblemática do papel que queremos desempenhar na América Latina e no mundo.
Nossa solidariedade irrestrita com aqueles que lutam pela liberdade nesse país irmão é a
reafirmação do princípio constitucional da prevalência dos direitos humanos nas
relações internacionais do Brasil democrático.
As preocupações que acabo de mencionar, presentes também em um amplo espectro de
opiniões políticas, proporciona –espero- uma base para o entendimento entre os atores
políticos, que ultrapassa os limites das atuais situação e oposição. Essa é, aliás, uma das
lições que tiro de minha participação na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional.
Agradeço ao Presidente Michel Temer a confiança que, mais uma vez, deposita em
mim. Depois da liderança do governo no Senado, agora para ajudá-lo a conduzir a
política externa do Brasil.
Conheci Michel Temer em 1963 quando entrei na Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco. Nunca o perdi de vista. Somos colegas na Procuradoria Geral do Estado de
São Paulo e vim a conviver com ele, mais de perto, já no governo Montoro. Fui seu
colega na Câmara, seu companheiro nas fileiras do PMDB. Michel Temer nunca mudou
de lado no seu compromisso com a democracia, com a ordem jurídica e com a justiça
em todas as suas dimensões. É uma honra estar ao seu lado nesse momento em que,
com constância, sem ceder às tentações fáceis do populismo, vem dando rumo ao
Brasil, de modo a superarmos a crise e entregarmos em 2018 um País mais organizado
institucionalmente, mais próspero, voltando a gerar empregos e respeitado na área
internacional.
É uma honra assumir a chefia do Itamaraty, instituição que tem dado ao país, ao longo
da história, contribuição valiosa que a nação brasileira reconhece e respeita. Essa
instituição é animada pela convicção de que uma boa política externa deve conciliar a
primazia do interesse nacional com o papel que cabe a um País da estatura do Brasil,
por suas dimensões, seu peso, sua história, como membro da comunidade internacional.
O Brasil anseia por seu desenvolvimento pleno e os brasileiros demandam a aceleração
desse processo. Encaramos a interação com os demais povos e com as economias de
todo o mundo como veículo para o nosso progresso. Estamos, pois, determinados a
ampliar e aprofundar nossa participação integrada na economia mundial, por meio de
negociações que produzam resultados equilibrados e atendam aos interesses de todas as
partes. Não podemos, porém, fazer prova de ingenuidade voluntarista e de curto prazo
das concessões unilaterais: a regra do jogo é e deve continuar a ser a da reciprocidade –
particularmente, mas não somente, na frente econômico-comercial.
Ainda nesse terreno, a intensificação do trabalho de promoção comercial e promoção de
investimentos, reforçado pela vinculação da APEX ao Itamaraty, foi uma prioridade
central da gestão de José Serra que tenciono manter intacta e levar adiante com todo
empenho.
Os sinais de melhora na economia e a força parlamentar do governo abrem
oportunidades para uma ação externa mais vigorosa; uma política externa que projeta,
sem rodeios ou hesitações, um País cuja solidez institucional foi testada e aprovada na
recente crise do impeachment, um povo que hoje recupera sua confiança em si e anseia
por parcerias que nos ajudem na retomada do crescimento e na busca da prosperidade.
Pretendo reunir-me com as chefias do ministério, de todas as áreas, para uma conversa
aberta, uma desinibida circulação de ideias sobre os desafios que enfrentamos e sobre o
que se vem fazendo e terá de ser feito. Precisamos partir de um entendimento objetivo e
cuidadosamente refletido da conjuntura internacional. Há muitas incertezas no
horizonte, tendências preocupantes que se acumulam: o protecionismo repaginado, o
aumento da retórica anti-imigração, a atribuição a causas externas de problemas cuja
solução, na verdade, depende muitas vezes de remédios de natureza e aplicação local.
O Brasil não deve se acanhar – ou, ao contrário, se abespinhar – diante dessa
conjuntura. Possuímos inquestionáveis ativos de caráter permanente: grande território e
população, uma das maiores economias do mundo, recursos naturais e ambientais
estratégicos, indústria diversificada, agricultura moderna e possante, imenso mercado
interno, oportunidades atraentes de investimento.
Somos a um só tempo uma potência agrícola, que ajuda a alimentar o mundo, e um dos
países com maior cobertura florestal e de matriz energética mais limpa e diversificada,
com participação de cerca de 40% de fontes renováveis. Esses atributos conferem ao
Brasil papel de relevo no encaminhamento das questões de meio ambiente, de mudança
do clima e de desenvolvimento sustentável.
Temos tradição e credibilidade nos organismos multilaterais e na diplomacia bilateral.
Nas Nações Unidas, o Brasil sempre foi apreciado e respeitado pela qualidade
substantiva, pelo sentido agregador e construtivo de sua atuação. Continuaremos a
buscar que a ONU, ainda que com atraso, reflita em suas instâncias centrais,
particularmente no Conselho de Segurança, a realidade do mundo em que vivemos hoje.
O Secretário-Geral António Guterres sabe que conta com o apoio do Brasil.
Na OMC, da mesma forma, onde o embaixador Roberto Azevêdo acaba de ser
reconduzido para mais um mandato de quatro anos como Diretor-Geral, também temos
sido um ator-chave. O Sistema Multilateral de Comércio continua a ser um dos pilares
centrais da ordem econômica mundial. Não interessa a ninguém retroceder aos tempos
da lei da selva.
Devemos também reforçar nossa atuação – a defesa de nossos interesses e a promoção
de nossas ideias e valores – em foros como o G-20, onde se gestaram depois da crise de
2008 importantes ajustes na governança das instituições financeiras internacionais,
assim como no BRICS e no IBAS (Índia, Brasil e África do Sul).
Encontraremos as oportunidades e criaremos os espaços que melhor atendam às nossas
aspirações, valores e interesses, na região e além dela, com a consciência de que o
Brasil é um ator global que continuará a assumir suas responsabilidades sem titubeios.
Continuaremos a dar a necessária prioridade ao nosso relacionamento com as nações da
América do Sul, da América Central, do conjunto da América Latina e do Caribe.
Amanhã mesmo viajarei a Buenos Aires para um encontro com os chanceleres da
Argentina, Paraguai e Uruguai. Manterei, assim, a boa tradição de que logo ao assumir
os chanceleres brasileiros visitem a vizinha nação irmã, parceira maior e prioritária do
Brasil. Em nossa região, a coincidência de visões políticas e de práticas econômicas
favorece uma ampliação significativa de nosso intercâmbio comercial e de
investimentos. Enseja uma imprescindível renovação do Mercosul.
Quero dar seguimento às ações de maior aproximação entre o Mercosul e os países da
Aliança do Pacífico. Está marcado para o começo de abril um encontro nosso com os
chanceleres de Chile, Colômbia, México e Peru.
A situação na Venezuela continua a nos preocupar. Queremos uma Venezuela próspera
e democrática, sem presos políticos e com respeito à independência dos poderes, um
país irmão capaz de reencontrar o caminho do progresso para o bem de sua gente.
As ações com nossos vizinhos para garantir a segurança e o desenvolvimento na faixa
de fronteira são uma das importantes iniciativas do ministro Serra. A explosão de
violência criminosa em nossas cidades, em nossos presídios, está intimamente ligada ao
que se passa – literalmente – ao que passa por nossas fronteiras, nos dois sentidos.
Amanhã me reunirei com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, para debatermos
formas de aprofundar a cooperação entre o Itamaraty e o Ministério da Defesa. Se o
crime é crescentemente transnacional, também o combate que lhe damos há de sê-lo.
As relações com os Estados Unidos também podem ampliar-se de forma expressiva, em
bases mutuamente benéficas. Nossos governos e nossas comunidades empresariais têm
claro interesse na expansão de investimentos recíprocos, na facilitação de comércio, no
aumento da cooperação cientifica e tecnológica, nos projetos comuns em energia, na
indústria de defesa. O desafio está em fazer andar acordos e projetos desenhados há
anos, mas que só agora começam a ser implementados.
Nosso relacionamento com a Europa está prestes, espero, a adquirir uma nova
dimensão. O acordo entre o Mercosul e a União Europeia está na ordem do dia e poderá
propiciar um salto qualitativo nas nossas relações com a Europa e que, por isso mesmo,
não pode ser visto apenas como a desgravação de algumas linhas tarifárias. Ao falar de
Europa, não podemos deixar de mencionar o leste europeu e a Rússia, um parceiro
tradicional que continuaremos a valorizar.
Fato novo e relevante, nas últimas décadas, tem sido o extraordinário aumento do
comércio e dos investimentos com a Ásia, particularmente com o Japão, também com a
Coreia, e muito acentuadamente com a China. O avanço foi grande e o potencial, com
esses e outros países da região, tais como a Índia e a Indonésia, evidentemente ainda
maior. Precisamos conhecer melhor e fazer mais com esses parceiros. As relações com a
China merecem uma atenção condizente com a escala e a natureza singular do
intercâmbio, inclusive com vistas à identificação e estruturação de novas áreas de
cooperação. Com o Japão, nosso parceiro mais tradicional na Ásia, temos o desafio de
renovar sempre um relacionamento que já deu e continuará dando muitos e bons frutos.
Não devemos esquecer o compromisso histórico e o interesse cada vez maior pelas
relações com nossos parceiros no mundo em desenvolvimento. Sem descuidar das
convergências que temos entre nós, é hora de concretizar as muitas oportunidades para
um comércio ampliado, para investimentos recíprocos e para parcerias empresariais.
O caso da África é uma ilustração deste fato. O continente africano cresceu nas últimas
décadas quase o dobro do que a América Latina. As mais expressivas lideranças
africanas têm deixado claro que não buscam compaixão assistencial, mas investimentos
e parcerias empresariais e tecnológicas. Como potência agrícola, o Brasil está pronto a
compartilhar sua tecnologia agrícola, por exemplo, com parceiros e amigos mediante
arranjos inovadores, maior cooperação entre entidades de pesquisa, intercâmbio de
especialistas, investimentos e parcerias empresariais. Pretendo visitar países da África
ainda neste semestre.
São fortes e conhecidos, também, nossos laços históricos, humanos, econômico-
comerciais com países do Oriente Médio, que devem ser – e serão – objeto de esforço
contínuo de aproximação nesses e em todos os campos.

Senhoras e senhores,
O Itamaraty continuará a dar atenção prioritária ao apoio às comunidades de brasileiros
que vivem no exterior – é uma responsabilidade fundamental do Itamaraty para com
nossos compatriotas emigrados.
A propósito, ressalto que o Brasil continuará a ser um país aberto aos estrangeiros e
mais ainda, porque a nova Lei de Imigração, de minha iniciativa, que revoga
dispositivos herdados do período autoritário coloca o País na vanguarda do direito
humanitário.
Assim como o Serra, passei anos da minha vida no exilio sob a proteção do alto
comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e Apátridas, assim como do direito
dos países que nos abrigaram. Nos orgulhamos de que o Brasil seja uma terra de asilo,
dotado de um estatuto dos refugiados, de cuja elaboração tive a honra de participar
como deputado federal ao tempo do governo de Fernando Henrique, e que e um dos
mais generosos do mundo.
Trataremos igualmente de aprimorar práticas destinadas a facilitar a vida de quem nos
quer visitar, como faremos ainda este ano com a implantação do visto eletrônico para
nacionais de alguns países que exigem vistos de cidadãos brasileiros. Conciliar o
princípio fundamental da reciprocidade com o primado da eficiência sempre foi algo
que a diplomacia brasileira quis e soube fazer, nos mais diversos campos.
Quero concluir com uma mensagem de compromisso ao corpo de servidores do
Itamaraty. Ao longo dos últimos nove meses, tive o gosto de apoiar José Serra –
inclusive como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado – na tarefa
que ele cumpriu de restabelecer as condições de espaço político e disponibilidade de
recursos para que este ministério pudesse voltar a ocupar o lugar que sempre lhe coube
no centro das decisões e das políticas mais estratégicas do Brasil. isso não será
revertido, muito pelo contrário: o Itamaraty continuará a ser um ministério central na
defesa e promoção dos interesses nacionais.
Contem com meu empenho para valorizar as carreiras do Serviço Exterior Brasileiro,
bem como as demais categorias de servidores do ministério, nos limites angustiantes das
atuais restrições orçamentárias. Vou dar atenção especial a questões da administração
do Itamaraty. Estou determinado a assegurar os meios adequados para que o Ministério
possa cumprir suas obrigações com eficiência e para tanto conto com o mesmo respaldo
que o Ministro teve de seus, agora meus colegas na Esplanada.
Política externa é política pública. Política pública estratégica e prioritária, da qual o
Brasil irá necessitar cada vez mais. É uma politica cuja execução exige cada vez mais a
integração do Itamaraty com outras áreas do governo e especialmente, no que tange ao
comércio exterior, com o Ministério da Indústria Comercio e Desenvolvimento. Sempre
sob a alta direção do presidente da República.
Política externa é o honroso ofício dos servidores do Itamaraty e, a partir de hoje,
também o meu.

Discurso formatura
2002 - Discurso do Ministro Celso Lafer, no Dia do Diplomata, por ocasião da
cerimônia de formatura da Turma Antônio Houaiss - Palácio Itamaraty, 12 de
junho de 2002
12 de Junho de 2002 - 13h20
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/10610-discurso-do-senhor-ministro-de-estado-das-
relacoes-exteriores-professor-celso-lafer-no-dia-do-diplomata-por-ocasiao-da-
cerimonia-de-formatura-da-turma-antonio-houaiss-instituto-rio-branco-12-de-junho-de-
2002
É para mim motivo de grande satisfação participar, uma vez mais, na qualidade de
Ministro de Estado das Relações Exteriores, da cerimônia de formatura de uma nova
turma do Instituto Rio Branco.

O poder da diplomacia é, em larga medida, o poder da palavra. Ela é o instrumento


privilegiado de contato com a realidade de que dispõe o Diplomata. Cultivá-la e
dominá-la é, pois, cultivar e dominar a própria essência do fazer diplomático.

A força agregadora da língua portuguesa é um dado inarredável da nossa unidade e da


nossa identidade nacional. Seu código e repertório são as antenas da nossa percepção do
mundo.

Antonio Houaiss - que com toda justiça empresta seu nome à turma do Instituto Rio
Branco que hoje se forma - dedicou sua vida às palavras e deixou como testemunho
dessa devoção uma obra que honra a língua portuguesa e o Brasil, ampliando nosso
repertório e nossa capacidade de nomear as coisas. A decisão de homenagear esse
grande lexicólogo, tradutor e diplomata, cuja carreira viu-se truncada em "tempos
sombrios", é, pois, também uma homenagem à língua portuguesa. Ela implica o
compromisso e a responsabilidade de cultivar, com igual paixão e cuidado, o "rio
difícil" das palavras, para falarmos com Drummond, poeta especialmente caro a
Antonio Houaiss.

A turma Antonio Houaiss foi feliz também na escolha de seu paraninfo, o Conselheiro
José Humberto de Brito Cruz, Diplomata e professor de reconhecida capacidade
intelectual, que goza da merecida admiração de todos seus colegas.

Senhoras e senhores,

O respeito de que desfruta o Itamaraty no Brasil e no mundo é caudatário do sólido


patrimônio de realização que nos legou o Barão do Rio Branco. Tendo consolidado, por
meios pacíficos, nosso mapa de País de escala continental, o Barão é um raro exemplo
histórico de diplomata reconhecido como herói nacional.
Há 100 anos, mais precisamente em 3 de dezembro de 1902, Rio Branco iniciava sua
fecunda gestão no Itamaraty, que se estendeu por dez anos e configurou traços básicos
da leitura brasileira da realidade internacional.

O diplomata, no entanto, necessita hoje de uma amplitude de conhecimentos que vai


além do que era o saber tradicional de seu campo de atuação, quando prevalecia a
dimensão predominantemente interestatal na dinâmica do funcionamento do sistema
internacional.

Por essa razão, com a decidida colaboração recebida da Direção do Instituto Rio
Branco, primeiramente na pessoa do Embaixador André Amado e agora na do Ministro
João Almino, tenho procurado - na dupla condição de professor e de Ministro -
aparelhar a academia diplomática brasileira com meios mais efetivos de atuação.

Ao preparar diplomatas para enfrentar os novos desafios do século XXI, temos a


responsabilidade de levar adiante a tradição de apreço à preparação de seu pessoal
diplomático, mantendo o rigor na seleção, atualizando seus currículos e realizando o
indispensável treinamento profissional.

O curso básico do Instituto Rio Branco funciona hoje como um Mestrado em


Diplomacia. A formação dos novos diplomatas enriquece-se agora com seminários e
painéis que reúnem importantes pensadores contemporâneos brasileiros. Além disso,
persegue-se um esforço de treinamento profissional, por meio de cursos especializados,
como os de negociações comerciais.

O recrutamento dos diplomatas brasileiros tem seguido uma trajetória de


democratização crescente, baseada no mérito, no concurso, na formação.

Seguindo as diretrizes traçadas por Vossa Excelência, Senhor Presidente, com a criação
do Programa de Ação Afirmativa para afro-descendentes o Itamaraty dá um passo
adicional no sentido da democratização no recrutamento dos diplomatas, ao contribuir,
com 20 Bolsas-Prêmio de Vocação para a Diplomacia, para uma maior igualdade de
oportunidades na preparação para um concurso sabidamente exigente. O programa, que
já está operacional desde o dia 14 de maio, visa a contribuir para que nossa diplomacia
seja mais representativa dos vários segmentos que, na pluralidade de suas origens,
compõem a sociedade brasileira e constituem traço básico de nossa identidade nacional.

Senhoras e senhores,

O mundo do século XXI, sobretudo para um país como o Brasil, já não pode ser
administrado como uma externalidade, como se pôde fazer durante boa parte do século
XX, graças ao legado do Barão do Rio Branco, que definiu nossas fronteiras e
equacionou, assim, o primeiro item de uma clássica agenda diplomática, que é a
distinção entre o "interno" e o "externo". No mundo contemporâneo, diluíram-se as
diferenças entre a política nacional e a política internacional. Tal diluição engendrou
novas realidades e essas, por sua vez, têm colocado desafios inéditos aos atores que
atuam na cena internacional, deles exigindo novas e criativas soluções.

Os atentados terroristas de 11 de setembro e seus desdobramentos na cena internacional


demonstraram que a História não perdeu sua capacidade de surpreender. Ao contrário,
ela continua a nos oferecer material permanente para reflexão e análise. É por isso que
Hannah Arendt gostava de citar Proudhon, que falava da "fecundidade do inesperado".

Os atentados impactaram fortemente as relações internacionais. Eles demonstraram


também, e de forma dramática, até mesmo para os EUA, que são hoje a única
superpotência do sistema internacional, que o processo de globalização, para além dos
seus efeitos mais imediatos nos campos econômico e social, conduziu à inexorável
internalização na vida dos países dos conflitos e das tensões de um mundo que opera
por meio de uma multiplicidade de redes - governamentais e transnacionais.

A resposta dos EUA à percepção - para eles inédita - de sua própria vulnerabilidade e do
impacto do terrorismo no funcionamento do sistema internacional é, hoje, dado de
grande importância do processo de configuração da ordem mundial. Com efeito, a
segurança internacional que, no correr da Guerra Fria, foi trabalhada, na perspectiva dos
grandes, por meio dos conceitos de contenção e dissuasão, requer hoje, diante do
desafio da "sublevação dos particularismos", generalizados e aceitos processos e
procedimentos de consulta e cooperação, de que é exemplo, no plano regional, a
invocação do TIAR e a aprovação da resolução daí decorrente.

Indo do mais geral para a nossa conjuntura, penso que a internalização do mundo na
vida nacional e a consolidação da democracia brasileira fizeram que a política externa
adquirisse relevância cada vez maior na agenda da opinião pública. Em razão disso, os
temas de política externa ganharam redobrada visibilidade, que é, na lição de Norberto
Bobbio, uma das regras do jogo democrático. O debate em torno desses temas tornou-
se, assim, rapidamente mais público, mais intenso e menos consensual.

O diplomata deve, por isso, estar preparado para lidar com uma realidade onde a
construção do consenso é mais difícil. Entre os temas que comparecem de maneira
recorrente no debate nacional estão as diversas negociações econômicas internacionais,
regionais e multilaterais de que estamos participando.

Como lidar analiticamente com as razões de sua dimensão conflitiva, que é o que cabe
fazer, no tempo de reflexão - do parar para pensar - apropriado ao contexto de uma
discussão numa academia diplomática como é o Instituto Rio Branco?

A política externa é uma política pública. Ela consiste, como tenho dito reiteradas vezes,
em traduzir necessidades internas em possibilidades externas.

Num conhecido estudo sobre o processo de negociações econômicas internacionais nos


EUA, Theodore J. Lowi identifica, com vistas a detectar sua maior ou menor dimensão
conflitiva, três tipos de políticas públicas: regulatórias, distributivas e redistributivas.

Instigado por essa análise, diria que as negociações econômico-comerciais em que


estamos envolvidos, ao lidarem com a questão do protecionismo versus não-
protecionismo - onde uns ganham e outros perdem - atuam como políticas
redistributivas. Por outro lado, essas negociações hoje não se limitam à medida de
fronteira, que é a tarifa. Implicam em um processo de internalização de normas
internacionais - por exemplo, em matéria de subsídios, de defesa comercial, de
propriedade intelectual. São, dessa forma, políticas regulatórias, delimitadoras de
capacidade operacional de soberania, de declarar, em última instância, a positividade da
lei.
Por isso, as múltiplas negociações econômico-comerciais que configuram a atuação dos
países na cena internacional possuem, no plano interno, uma dimensão que se
caracteriza por um componente conflituoso. Requerem, por conseguinte, como assinala
Robert Putnam, "dois níveis de análise", o externo e o interno. Especialmente no caso
de países como Brasil, Estados Unidos, os integrantes da União Européia, Japão e Índia,
em que as estruturas econômicas e sociais são diversificadas e, conseqüentemente, cujos
interesses comerciais são múltiplos e complexos, a participação em negociações
internacionais envolverá, necessariamente, dois processos complementares: um
processo negociador para dentro, isto é, junto à sociedade, com o propósito de definir o
interesse nacional e, em função dele, as posições negociadoras e sua margem de
flexibilidade; e um processo negociador para fora, frente aos parceiros externos
propriamente ditos. Esse processo negociador para fora exige aprofundado preparo
técnico e é extremamente complexo em função das assimetrias de poder econômico e
político prevalecentes no mundo e das dificuldades decorrentes tanto das antigas quanto
das recentes medidas protecionistas, de variada natureza, postas em marcha pelos países
desenvolvidos.

Senhoras e senhores,

Gostaria de terminar com uma referência à qualidade da atuação do Presidente Fernando


Henrique Cardoso no plano internacional e o significado de sua diplomacia
presidencial.

Expressão da excelência inovadora da diplomacia presidencial foi a I Reunião de


Presidentes da América do Sul, realizada em Brasília, em agosto e setembro de 2000. O
alcance dessa Reunião foi dar nova visão a um tema permanente de nossa diplomacia,
ou seja, o relacionamento com nossos múltiplos vizinhos, promovendo não apenas a
política, mas também a economia da nossa geografia, de que é exemplo o leque de
projetos de integração física dotados de sustentabilidade no seu sentido amplo e de
sinergias baseadas numa perspectiva geoeconômica do espaço regional.

A reunião aprofundou a cooperação já existente em nosso espaço comum, convertendo-


o num projeto in fieri, que tem como objetivo ampliar a capacidade dos países da região
no encaminhamento do desafio comum do desenvolvimento.

A capacidade de lidar, no campo interno, com a complexidade e as peculiaridades do


nosso equilíbrio federativo e a fragmentação do nosso sistema partidário, bem como
com as demandas de uma sociedade civil sempre mais ativa e participante, conduzida
com a habilidade e o senso de direção permeados pelas convicções democráticas
próprias do Presidente Fernando Henrique Cardoso, desdobra-se em seu Governo
também no plano externo. Daí a ênfase dada aos temas dos direitos humanos e do meio
ambiente, presentes hoje, de forma marcante, tanto na agenda da opinião pública,
quanto na agenda governamental. Em todas essas frentes, a atuação do Presidente
Fernando Henrique Cardoso notabiliza-se pela mesma capacidade de administrar as
diferenças, angariando credibilidade e ajudando no processo de adensamento das
relações, tanto nos planos bilateral e regional, quanto multilateral.

Na liderança, como indicou de Jouvenel, existem dois componentes básicos que se


associam de acordo com a especificidade de cada personalidade: a dimensão rex, que
pacífica e harmoniza, e a dimensão dux, que inova e transforma. Na história brasileira,
D. Pedro I foi dux, ao promover a independência; já D. Pedro II, ao consolidar a
unidade nacional, foi um exemplo de rex. Antecipei, antes das eleições que dariam ao
Presidente Fernando Henrique Cardoso seu primeiro mandato, que seu governo seria
pautado por uma virtuosa combinação de dux e rex. O Governo do Presidente Fernando
Henrique confirma esse vaticínio. Ele soube mesclar com sabedoria essas duas
dimensões, que são a expressão da estratégia de sua personalidade e a marca de sua
liderança política.

Cornelius Castoriadis, como nos recorda Octavio Paz, definia a prudência "como a
capacidade de orientar-se na História". Exercer essa capacidade, tem sido a nota
identificadora da trajetória política e intelectual do Presidente Fernando Henrique
Cardoso. Ela será o grande desafio que se colocará para seu sucessor, tanto no plano
interno quanto no plano internacional, que é tão importante para a capacidade do Brasil
de manter e ampliar a configuração do seu destino.
2005 - Discurso do Ministro Celso Amorim por ocasião da Cerimônia de
Formatura da Turma de 2002 do Programa de Formação e Aperfeiçoamento do
Instituto Rio Branco – Palácio Itamaraty, 1 de setembro de 2005
01 de Setembro de 2005 - 15h03
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/7746-discurso-do-ministro-de-estado-das-relacoes-
exteriores-embaixador-celso-amorim-na-cerimonia-de-formatura-da-turma-de-2002-do-
programa-de-formacao-e-aperfeicoamento-do-instituto-rio-branco
Senhor Presidente, eu não vou fazer uma dissertação sobre política internacional porque
creio que na sua presença, que é o nosso guia e mentor nestes temas, seria pouco
apropriado de minha parte. Mas não posso deixar de comparar como o primeiro
Chanceler que fui, não dessa vez mas ainda quando o Presidente Itamar Franco me
confiou o cargo, como primeiro Chanceler que fui formado pelo Instituto Rio Branco, -
mais uma ressalva não primeiro da carreira porque outros foram da carreira mas
antecederam o Instituto Rio Branco - , não posso deixar de comparar o momento de
hoje com o momento que vivíamos a cerca de 40 anos atrás, 41 anos atrás para ser mais
preciso. Hoje o Brasil vive um clima de plena democracia, o Brasil vive um clima em
que as instituições funcionam plenamente, hoje o Brasil vive um clima em que procura
se afirmar na realidade internacional sem subordinações, sem dogmas ideológicos de
uma natureza ou de outra.

Senhor Presidente. O desafio que hoje existe para os diplomatas brasileiros é muito
diferente daquele que os da minha geração, o Embaixador Samuel entre eles, e o
Embaixador Fernando Reis também, tiveram que enfrentar. Nós naquela época tivemos
que nos adaptar a um momento sombrio da história brasileira, um momento em que as
liberdades eram cerceadas, em que a própria política externa sofria de maneira bastante
evidente o impacto do obscurantismo. E nós tivemos que procurar, digamos assim nos
interstícios da ditadura, formas de poder expressar de maneira patriótica aquilo que nós
achávamos que era o interesse nacional. Hoje os formandos encontram uma situação
totalmente diversa. Encontram um país democratizado, que luta por afirmar-se no
cenário internacional, um país que busca transformações sociais de maneira acelerada, e
os desafios são portanto muito diferentes.

Naquela época, 80% das exportações do Brasil eram compostas por café. Hoje o Brasil
vende aviões, ônibus, serviços sofisticados, continua vendendo café, felizmente,
vendendo outros produtos agrícolas também, mas diversificou totalmente a sua pauta.
Naquela época, nosso comércio era quase exclusivamente com os países desenvolvidos,
com a Europa e com os Estados Unidos e um pouco com o Japão. Hoje, se nós
tomarmos os sete primeiros meses do ano de 2005, 52% das nossas exportações se
dirigem a países em desenvolvimento. Isso não é pouca coisa, é uma mudança muito
grande. Durante anos e anos o Brasil teve uma postura um pouco amesquinhada nas
relações internacionais, apesar dos esforços de grandes Embaixadores e de grandes
Ministros que teve também, mesmo naqueles momentos. Devido a situação interna nós
tínhamos hipotecas muito graves, o nosso telhado era um telhado de vidro, era um
telhado de vidro no social, como continua a ser apesar dos esforços que têm sido feitos,
sobretudo neste governo, mas era também um telhado de vidro no político, nos direitos
humanos e isso tudo diminuía nossa capacidade de ação internacional. Felizmente com
a democracia, com os avanços que fizemos em vários campos, na área industrial, na
área econômica, e com os esforços que temos feitos na área social para corrigir essa
mazela enorme que é a má distribuição de renda de que o Brasil padece -um dos piores
índices do mundo -, nós podemos falar hoje de igual para igual.

Já disse que não ia entrar nos temas específicos da política externa porque creio que isso
é algo que o Presidente vá se referir de maneira muito mais apropriada do que eu. Mas
há algo sim que quero dizer, porque isso diz respeito, de certa maneira, a nossa auto-
estima. Peço desculpas aos membros da mídia que já me ouviram ontem, não vou
repetir tudo o que disse, mas vou repetir uma coisa que disse ontem no Senado Federal a
propósito de uma pergunta feita por um outro representante da mídia, um
correspondente estrangeiro no Brasil que me fez a seguinte pergunta: "Ministro, porque
será que a política externa brasileira que é tão elogiada, em alguns momentos até objeto
de inveja, de comentários positivos no mundo inteiro é as vezes criticadas com tanta
ferocidade no Brasil? Eu não me atrevi a responder porque eu não tenho os dotes
sociológicos, psicológicos ou antropológicos que me permitissem dar essa resposta.
Mas a própria pergunta, de certa maneira, já foi um elemento de grande estímulo para
mostrar que nós sim estamos caminhando da maneira correta, que a percepção que
existe sobre o Brasil hoje é a percepção de um interlocutor válido, de um interlocutor
importante, em todos os temas, temas que vão do desarmamento ao comércio, da
reforma da ONU à integração continental. Em todas estas ações é difícil imaginar
alguma atividade, seja no plano nacional, seja no plano internacional, em que a palavra
do Brasil não seja buscada. Talvez mais do que em qualquer outra delas, no combate a
fome e a pobreza que Vossa Excelência iniciou de maneira clara.

Queria dizer uma outra coisa. É que freqüentemente se procura imputar motivações de
natureza ideológica à política externa. Se procura dizer que a política externa foi,
digamos, tomada de assalto por certos partidos políticos. Quero dizer Presidente, como
alguém que está a 40 anos na carreira diplomática, como alguém que passou por aqueles
momentos de obscurantismo, eles sim ideológicos porque eram ideológicos e
repressores, que a política externa que Vossa Excelência persegue é uma política
externa que está de acordo com objetivos permanentes que o Brasil tem perseguido.
Vossa Excelência apenas tem perseguido com mais ênfase, com mais determinação, e
aduzindo um elemento novo de reforma, que a sua trajetória de vida, que a sua trajetória
política nos trouxe e que vem como uma grande contribuição. Lhe digo isso não como
seu Ministro apenas, porque não teria grande mérito em dize-lo, mas como um
diplomata que completa aproximadamente 40 anos de carreira e que viu durante esses
40 anos muitas coisas ocorrerem, mas que raramente viu, não digo que nunca, mas que
raramente viu a política externa brasileira tão ativa, tão presente, tão respeitada por esse
mundo afora.

Nós todos sabemos os dados de comércio, nós todos sabemos que isso não é retórica,
que essas questões são realidade. Então o desafio meus jovens e queridos colegas que
entram para o Itamaraty, agora de maneira plena, é contribuir para essa política externa.
Desenvolvê-la, criticá-la inclusive, porque nós sempre temos dito, ao contrário do que
ocorreu no passado, que a crítica é bem vinda. Nós achamos que na política externa, na
diplomacia, não há liderança por imposição, a liderança vem da inspiração. È isso que
recebo do Presidente Lula e é isso que procuro transmitir, com o apoio do Secretário-
Geral e dos outros chefes da casa, para meus colegas. É pela inspiração que nós
podemos exercitar alguma liderança, se é que cabe falar de liderança.

Presidente, nós enfrentamos ainda grandes desafios. Muitos deles vem, naturalmente,
Vossa Excelência sabe, da dificuldade de recursos. Sabemos do apoio que Vossa
Excelência tem procurado dar ao Itamaraty em momentos difíceis. Nós também
sabemos da contribuição que devemos dar a metas que dizem respeito ao país como um
todo, que possibilitem, inclusive, um esforço adicional em relação a área social. Mas
contamos e seguiremos contando com a sua compreensão, para que possamos fazer
aquilo que é indispensável.

Não vou cansá-lo Presidente, nem cansar os meus colegas com estatísticas, mas nós
fizemos uma pequena comparação e se os números não tiverem exatos eles poderão ser
corrigidos, mas é mais ou menos o que vou disser: na sua gestão, em dois anos e meio, o
senhor recebeu mais ou menos o dobro do número de presidentes estrangeiros que
foram recebidos no mesmo período pelo seu antecessor. O número de viagens de
Ministros, de outras pastas, ministro da saúde, ministro do comércio, outros ministros
ao exterior é infinitamente superior ao número anterior. Tudo isso exige apoio,
dedicação de nosso colegas, exige trabalho e exige também recursos materiais. Um
número que dizia antes Presidente, que não mencionei antes, creio que Vossa
Excelência também não mencionará, tudo isso trás resultados concretos, não são
questões abstratas, as pessoas costumam criticar as viagens do Presidente, ou as visitas
estrangeiras aqui, mas eu fiz uma estatística, olhando até casualmente os números, que
entre os trinta maiores mercados brasileiros - e portanto não se pode dizer que a base
inicial é baixa, - os dez que mais cresceram, se compararmos o primeiro semestre desse
ano com o primeiro semestre do ano passado, são países em desenvolvimento. E todos
eles Presidente, ou o senhor visitou ou recebeu visita do Chefe de Estado ou do Chefe
de Governo correspondente. Então quando se fala em aumento do saldo comercial, na
diminuição da vulnerabilidade externa, a política externa não é estranha a isso. Ela não é
o único fator certamente. Os nossos empresários tem aprendido a vender, outros
ministérios tem trabalhado ativamente, mas o contexto que Vossa Excelência tem criado
para o relacionamento internacional do Brasil é fundamental para isso.

Óviamente política externa não se faz só com números, ela se faz também com ações de
paz, com ações de solidariedade e creio que o Brasil tem muito do que se orgulhar
nessas áreas. Me recordo, logo no início do seu Governo, da postura firme e clara e sem
confrontações que Vossa Excelência tomou, que nós tomamos seguindo orientação de
Vossa Excelência, em relação à Guerra do Iraque e nós hoje estamos vendo o que está
ocorrendo no Iraque. Nós estamos vendo o que está sofrendo o povo iraquiano e o que
estão sofrendo inclusive as tropas que lá estão presentes. Se nós tivéssemos buscado, ou
persistido um pouco mais, nós digo a humanidade, em uma solução pacífica teríamos
talvez algo mais a comemorar.

Senhor Presidente, há, portanto, esse aspecto que é preciso ter presente: política externa
se faz principalmente com o cérebro das pessoas, com a dedicação das pessoas. Nós não
fazemos escolas, salvo uma ou outra talvez em algum país da África, nós não fazemos
estradas, nós não produzimos navios, nós não produzimos aviões. Mas a política externa
tem algo a ver com toda essa dimensão que o Brasil tem ganho internacionalmente e
tudo isso resulta também em postos de trabalho, em melhores condições para o povo
brasileiro, em mais respeito pelas nossas posições, em qualquer assunto, quando temos
que defender a família de um brasileiro morto brutalmente em Londres, quando temos
que tratar de outros brasileiros que as vezes são humilhados em outros países. Tudo
isso, Presidente, exige, portanto, recursos materiais e também recursos humanos. E eu
queria mencionar por que isso é uma verdade que tem que ser apreciada e sei que
contarei com seu apoio para isso. Nós não poderemos aparelhar essa carreira para
enfrentar os desafios, e eu não digo nem os da sua política externa, que introduziu um
grande dinamismo, mas até para os desafios de ontem com os recursos que nós temos
hoje. Nós temos mais ou menos o mesmo número de diplomatas que tínhamos há vinte
anos atrás. Há vinte anos atrás havia talvez 300, 400 mil brasileiros no exterior, hoje são
4 milhões. O Brasil não se relacionava como se relaciona hoje com países da África,
com países árabes, com tantos outros países que Vossa Excelência visitou ou cujos
governantes Vossa Excelência recebeu aqui. Por isso nós necessitamos de seu apoio.
Em breve Vossa Excelência estará recebendo, espero contar com o apoio rápido do
Ministério do Planejamento para termos um projeto de medida provisória sobre este
tema, sabemos das dificuldades da medida provisória mas se trata de algo que diz
respeito à estrutura do Executivo apenas, e portanto mereceria este tratamento.

Essa medida provisória Presidente, apenas para que saibam nossos colegas também, tem
dois ou três aspectos: um é o aumento dos quadros. Não podemos viver mais com os mil
diplomatas que tínhamos, até porque muitos estão em outros ministérios (ontem na
Comissão Mista com Moçambique olhei para a primeira fila do lado brasileiro,
teoricamente eram representantes de outros ministérios, e todos eram do Itamaraty,
todos sem exceção. Nós damos esta contribuição com muita alegria e acho que é motivo
de orgulho porque na realidade o Itamaraty é a única escola de Governo no Brasil. Mas
isso tem um custo para nós e precisamos aumentar os quadros.
Precisamos também Presidente e eu me permito falar diretamente aos meus colegas,
melhorar as oportunidades, a perspectiva de ascensão funcional para os colegas que
entram na carreira. Presidente, eu não fui dos mais jovens Embaixadores. Tive percalços
políticos na minha carreira, ainda assim, cheguei a Embaixador com 47 anos. Hoje,
quando chega um Embaixador com 50, 51 anos é considerado muito moço, porque a
média é 56, 57 anos. Isso tem que mudar. Nós temos que dar perspectivas de acesso aos
jovens e uma das coisas que nós fizemos na nossa reforma, que será submetida a Vossa
Excelência, é facilitar a aceleração do fluxo de diplomatas na carreia e isso é algo muito
importante. Faremos outra coisa também Presidente que é importante: os Ministro
viajam e verificam que há dificuldades até de apoio a eles. Outro dia eu ouvia o
Ministro Furlan falando, de forma bem intencionada como não poderia deixar de ser,
sobre o apoio reduzido que teve em uma Embaixada africana. Sei disso e ninguém pode
ignorar isso. Já passei por isso muitas vezes e Vossa Excelência mesmo passou. Mas é
porque não há estímulos suficientes. Nós temos que criar estímulos suficientes,
estímulos de carreira, estímulos pecuniários, estímulos em ajuda a educação, que é
preciso ter. O brasileiro tem teoricamente pela constituição direito e acesso à educação.
O brasileiro diplomata não tem por que ele vive no exterior. Alguns podem compensar
isso se eles estão em um país onde a vida é mais fácil, mas há países onde isso não é
possível. Eles não podem ter os filhos em escolas públicas, eles têm que der em escolas
privadas, é certamente o caso de grande parte dos países africanos. Então, precisamos
encontrar solução para estas questões e sei que contaremos com Vossa Excelência.

Presidente, também tenho que mencionar que além destes estímulos, e isso é um desafio
para mim mesmo e para o Secretário Geral, nós não conseguimos encontrar uma
solução para isso, nós temos que assegurar a renovação. Os quadros da minha geração e
das outras tem que compreender quando chegou o momento de ceder o passo aos mais
jovens. Digo isso como um diplomata, não tanto como Ministro. Há um momento em
que nós temos que entender que nossa experiência terá que ser usada de outra forma,
seja dirigindo o Instituto Rio Branco, como está hoje fazendo o brilhante Embaixador
Fernando Reis, seja como um Assessor Especial para assuntos delicados e difíceis como
o Embaixador Ouro Preto, seja em áreas onde a sabedoria é importante mas a energia da
juventude já não seja tão importante. Nós temos que apreender, como em todas as
carreiras, que há um momento de ceder o passo. E esse é um dos grandes desafios que
nós temos pois a legislação e os mandatos de segurança não nos favorecem, mas nós
temos que encontrar um caminho para isso.

Presidente me desculpe, me alonguei mais do que queria. Queria falar de coração da


minha alegria, da minha gratidão. Nunca esquecerei o momento, que talvez tenha sido,
eu já havia sido Ministro antes como o senhor sabe, tenho muita honra de ter servido
sob a orientação do Presidente Itamar Franco, um homem de grande integridade que
contribuiu muito para a transição democrática do Brasil, mas eu nunca esquecerei talvez
o momento de maior alegria profissional que tive que foi o momento em que Vossa
Excelência me convidou para ser Ministro de um Governo com a promessa de
renovação do Brasil, com a promessa de que o Brasil será um país não só democrático o
que nós queremos que ele continue a ser, com instituições fortes, mas um país
socialmente mais justo, um países que sabe se respeitar e porque sabe se respeitar é
também respeitado no resto do mundo. Obrigados meus colegas bem-vindos ao
Itamaraty.

2007 - Discurso do Ministro Celso Amorim por ocasião da Cerimônia de


Formatura da Turma Vinicius de Moraes do Instituto Rio Branco – Brasília, 2 de
maio de 2007
02 de Maio de 2007 - 18h05
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/7626-discurso-do-ministro-das-relacoes-exteriores-
embaixador-celso-amorim-na-cerimonia-de-formatura-da-turma-vinicius-de-moraes-do-
instituto-rio-branco
Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Geral das Relações Exteriores,
Embaixador João Almino, Diretor do Rio Branco,
Ministro Rubem Barbosa, Paraninfo da Turma Vinícius de Moraes,
Secretário Rubem Mendes, orador da turma,
minha querida Suzana, que hoje aqui representa o nosso querido e saudoso Vinícius,
meus caros formandos e familiares.

Normalmente, nessas ocasiões solenes trabalha-se com discursos prontos, até mesmo
para evitar os riscos de todos os improvisos. Mas, Presidente, eu creio que hoje, como
todos os dias, mas hoje, mais do que nunca, a casa é sua e a audiência está aqui para
ouvir o senhor. Por isso vou me limitar a alguns poucos comentários que me vêm da
própria situação e de algumas coisas que foram ditas. Ao fazê-lo, vou procurar não ser
excessivamente auto-referente. Mas não posso, desde o início, deixar de lembrar que
são quarenta anos da época em que eu passava do primeiro para o segundo ano do
Instituto Rio Branco. Eu, como muitos outros aqui presentes, havíamos entrado para a
diplomacia brasileira sob o signo de Santiago Dantas, sob o signo de Afonso Arinos,
sob o signo de Araújo Castro, sob o signo da democracia, e assumimos a carreira num
momento extremamente difícil. Um momento que foi marcado pelo que então se definiu
como fronteiras ideológicas, em que o interesse nacional era colocado num segundo
plano em relação a uma ideologia que tudo subordinava a um conflito entre leste e
oeste.

Não posso deixar, também, de, num momento como este, lembrar que Vinícius de
Moraes foi muito mais do que poeta e diplomata. Foi, também, uma fonte de inspiração
para muitos de nós, e permito-me, Senhor Presidente, numa nota também pessoal,
lembrar que o Embaixador Ruy Nogueira, hoje Subsecretário de Cooperação e há até
pouco tempo Embaixador em Caracas, lia para nós poemas do Vinícius de Moraes, de
quem ele era especialmente adepto, e conquistava nossos corações, mesmo que hoje não
fosse sábado.

Presidente, eu queria dizer que, como outros que estão aqui, nós vivemos um momento
muito especial. Não só em contraste com esses quarenta anos que se passaram - minha
turma, aliás, foi a primeira turma do Instituto Rio Branco que nem sequer formatura
teve porque o governo de então não concordou nem com o paraninfo, nem com o teor
do discurso que seria feito na posse dos alunos... mas não só em contraste a isso, mas
mesmo com tempos mais recentes. Creio que devemos ao senhor - e me permita chamar
de senhor e não de Vossa Excelência, como talvez o protocolo mandasse, porque uma
vez já numa reunião ministerial, o senhor mesmo foi o primeiro a cortar com as "Vossas
Excelências" e permita-me nesse sentido dizer que é um privilégio muito grande estar
trabalhando, eu creio que um privilégio de todos, mas muito especialmente meu, pela
proximidade - e falo não só como ministro, mas como velho diplomata, com já 40 anos
de serviço, praticamente -servir sob a sua orientação. Porque, como o senhor mesmo
gosta de dizer, o seu governo estará voltado, antes de tudo, para devolver a auto-estima
ao Povo brasileiro.

E eu creio que a política externa tem sido uma parte, uma parte não pequena, não
desprezível dessa recuperação da auto-estima. É claro, passamos por períodos diversos,
mesmo durante períodos militares, tivemos ministros brilhantes; tivemos, nós
diplomatas, muitos, envolvidos de alguma maneira em algum tipo de resistência, pelo
menos aos piores abusos do Governo militar. E participamos também com alegria dos
momentos em que parecíamos retomar o fio da meada de uma diplomacia voltada para o
desenvolvimento da nação. Posteriormente, veio a democracia, em sua plenitude, e
tivemos também pessoas ilustres dirigindo não só o Itamaraty, como o próprio País.
Mas, citando algo que o Ministro Ciro Gomes gosta de dizer, talvez no curto período - e
eu sou suspeito para falar, por ter sido Ministro do Presidente Itamar Franco - talvez
nesse período, sobretudo no período após a eleição direta, em muitos momentos, a nossa
preocupação principal, a preocupação principal da diplomacia brasileira era, digamos,
de como sermos eficientes em nossa inserção no mundo - uma preocupação válida, mas
não uma preocupação que devesse ser exclusiva.

Muito se falou, e eu próprio falei várias vezes, em inserção competitiva do Brasil na


economia mundial. O que eu creio que o seu Governo trouxe de novo é a busca não
apenas de uma inserção competitiva, mas de uma inserção digna, altiva, coerente com o
projeto de nação, um projeto que, durante muito tempo, pareceu, senão abandonado,
pelo menos diluído nas brumas da globalização. Não que a globalização não seja um
fato, como, logo depois de 64, nos acordavam então os arautos daquela época, a
interdependência também era um fato. Era um fato, mas era utilizada para contrastar
com a independência, da mesma maneira que muitas vezes a globalização é hoje usada,
não como um fato - e é algo que de fato existe -, mas para contrastar contra qualquer
veleidade de autonomia, de identidade nacional, de busca de um projeto próprio. Eu
acho que o seu Governo, Presidente, nas suas mais variadas vertentes, nos trouxe de
volta essa visão de que é preciso termos um projeto de nação. Isso vale para o campo
interno e o senhor renova essa visão todos os dias; e todos os dias o senhor nos
surpreende com coisas novas. Digo que talvez o maior privilégio que tenho é o convívio
com o senhor e poder tentar traduzir na área diplomática e na área das relações
internacionais esse mesmo pensamento que eu sinto nortear todas as suas ações.
Outro dia, lembrava o senhor em uma conversa entre poucos membros do Governo a
importância que tem para o Brasil, a importância que tem para a nossa estabilidade
econômica, a recuperação da nossa credibilidade, credibilidade sobretudo com os
credores, tanto nacionais quanto internacionais.

Mas o senhor lembrava, também, que um grande número de credores é freqüentemente


esquecido, os credores que são a gente pobre e trabalhadora do Brasil, que são aqueles
com quem nós temos a maior dívida, com quem a elite brasileira tem a maior dívida. E é
por isso que a diplomacia brasileira, a política externa brasileira, tem que estar voltada
essencialmente para o resgate dessa dívida, e eu creio que o senhor tem tocado nesse
ponto de maneira clara em todos os seus pronunciamentos.

Eu não vou me alongar, porque como já disse, é natural, o dia é seu, mas chamemos as
coisas pelo nome - não chamando-as por eufemismos tecnocráticos que as organizações
internacionais criaram - lembrando que o grande flagelo do mundo é a fome, e a fome
tem esse nome próprio, não é apenas 'pobreza extrema', não é 'pobreza relativa', é a
fome, é a ausência de alimento. E a ausência de alimento, como a ausência de liberdade,
como a ausência de paz, são coisas que as pessoas só percebem quando não têm.

E o nosso orador mencionava, também, o fato de que iniciara os seus estudos sob o
impacto do "onze de setembro". Digo isso porque muitas vezes ouço de pessoas,
inclusive ilustradas, até de colegas, que o Brasil não deveria se envolver em certas
situações, não deveríamos dar opinião sobre certas situações, e este Governo nunca
temeu dar a sua opinião sobre situações. Eu acho que há aí um engano fundamental, um
engano que reside em crer que a paz é um dado, como a liberdade é um dado. Eu vivi
antes de 64 e achava que a liberdade era um dado, que tudo o que nós devíamos
transformar era a democracia, numa democracia mais consciente dos problemas sociais,
porque a liberdade era um dado. Mas a liberdade não era um dado, e ela foi suprimida.
A paz não é um dado, e se nós não trabalharmos por ela no dia-a-dia das relações
internacionais, nos conflitos, manifestando-nos sobre eles, condenando toda ação que
esteja fora dos parâmetros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, todas as ações
que contrariam as resoluções da ONU - como tem ocorrido recentemente no Oriente
Médio - se não nos manifestarmos sobre isso, estaremos contribuindo, pela nossa
indiferença, para que as forças do conflito prevaleçam sobre as forças da paz. E para
que as forças da opressão prevaleçam sobre as forças da liberdade.

Da mesma maneira que no plano econômico, e isso faz parte, Senhor Presidente, do seu
combate à fome, temos que lutar por melhores condições não só de acesso aos nossos
produtos, aos mercados internacionais, mas, também, de espaços para podermos realizar
internamente as políticas que são necessárias, como diz o senhor freqüentemente, não só
para combate emergencial à fome, mas para o combate a longo prazo da fome - que só
se obtém pelo desenvolvimento e pelo crescimento econômico. Isso nós sabemos: que
somente eles poderão trazer, também, o crescimento de emprego e a sensação de
integração e inserção plena do indivíduo na cidadania. Não existe indivíduo livre sem
nação livre, já dizia, creio eu, Maquiavel.... Dos meus tempos de professor de ciência
política, recordo-me disso. E não há nação livre que não seja capaz de negociar
(felizmente não temos tido guerras que nos tenham atingido diretamente), de negociar
no dia-a-dia com altivez, com coragem, sem bravatas, sem necessariamente aceitar
outras agendas que nos são impostas como sendo agendas absolutas.

E é esse apoio, Presidente, que o senhor tem me dado em todos os momentos, que quero
de maneira muito especial agradecer ao Senhor. Porque é nesse apoio que hoje se traduz
uma política externa verdadeiramente altiva, verdadeiramente digna, que faça parte....
Creio, hoje, sinto isso - não quero ser presunçoso, absolutamente, porque sei que essas
coisas não se dirigem a mim, dirigem-se ao senhor. Mas já fui Ministro em outra
ocasião - e me orgulho daquele momento em que fui Ministro - mas vejo hoje nas ruas e
na gente do povo o interesse na política externa e o interesse sempre voltado, sempre
voltado, como disse ao senhor, para essa idéia de que a política externa faz parte do
projeto nacional. A política externa ajuda a refletir a nossa imagem, mas não apenas
aquela imagem que nós temos, mas a imagem do Brasil que desejamos. Por tudo isso,
Presidente, pelo apoio que o senhor tem dado ao Itamaraty, inclusive em meio às
dificuldades econômicas, ampliando, ainda que ligeiramente, a nossa estrutura,
mantendo o nosso orçamento em termos reais e até aumentando um pouquinho em
termos nominais, por todas essas ajudas que o senhor tem nos dado, e sobretudo por
esse apoio que jamais tem faltado em momentos difíceis em que há críticas - bem
intencionadas, devo imaginar pelo menos, mas muitas vezes ferinas, muitas vezes
ignorando fatos - esse apoio que não nos tem faltado, é, sem dúvida alguma, o que de
mais importante nós temos, e aquilo pelo que de coração lhe quero agradecer. E creio
que esse apoio deve servir de inspiração também aos jovens diplomatas, que hoje
entram para a carreira, não só num clima de democracia, mas num clima em que a
prioridade ao combate à fome, a restituição de dignidade a todos os cidadãos e cidadãs
brasileiras, qualquer que seja a raça, qualquer que seja o sexo, é uma prioridade
fundamental.

Muito obrigado, Senhor Presidente.

NISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES – DISCURSOS


2008 - Discurso do Ministro Celso Amorim por ocasião da formatura da Turma
2005-2007 do Instituto Rio Branco – Brasília, 29 de abril de 2008
29 de Abril de 2008 - 18h19
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/7975-discurso-do-ministro-das-relacoes-exteriores-
embaixador-celso-amorim-na-cerimonia-de-formatura-da-turma-2005-2007-do-
instituto-rio-branco-brasilia-df-29-04-2008

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,


Excelentíssimo Senhor Embaixador Fernando Reis, Diretor do Instituto Rio Branco e
paraninfo da turma,
Pais e familiares dos jovens formandos,
Meus colegas, novos colegas e antigos colegas,
Ana, minha mulher, a quem cumprimento, assim como a todos os cônjuges dos
diplomatas, que também têm de passar por muitos sacrifícios na vida.

Presidente, recentemente eu fiz uma palestra na COPPE, que comemorava seus 45 anos,
sobre criação e inovação na política externa brasileira. E foi até uma ocasião
interessante - e como eu não tive ocasião de mencionar ao Senhor em privado,
menciono-o publicamente - porque na realidade o homenageado daquela sessão era o
Oscar Niemeyer, e o Oscar Niemeyer disse que já recebeu muitas homenagens na vida e
não estava querendo outra homenagem centrada absolutamente nele. Então pediu que
fosse feita uma palestra sobre política externa brasileira, uma vez que ele, grande
admirador seu e do seu Governo, via na política externa brasileira também um dos
pontos altos, na opinião dele, do momento atual que nós estamos vivendo. Eu acho que
um cumprimento desses, de um brasileiro, talvez um dos mais ilustres brasileiros vivos,
é a melhor gratificação que podemos receber.

Mas por que eu escolhi o tema de criação e inovação na política externa para aquela
ocasião? Será que eu acho que isso é apropriado para os jovens que ingressam - já
ingressaram, na realidade, mas seu ingresso hoje se formaliza - no curso do Rio Branco?
É porque a criação e a inovação são absolutamente necessárias na nossa profissão. O
mundo muda constantemente. Desde minha época, da época do Embaixador Fernando
Reis, até hoje, o mundo mudou de maneira extraordinária. E o Brasil também mudou.
São mudanças - algumas palpáveis, algumas muito visíveis, como, por exemplo, a
queda do muro de Berlim. Mudanças a que o Brasil, os brasileiros, em sua grande
maioria, assistimos de maneira passiva, porque era um evento que extravasava a nossa
capacidade de ação.

Mas há também outras mudanças e outros muros que estão sendo derrubados nos quais
nossa ação é fundamental. O muro de Berlim, a queda do muro de Berlim marcou o fim
do conflito Leste-Oeste. Mas existe também uma antiga separação, que é a separação
Norte-Sul, um muro, como eu disse na ocasião daquela palestra, talvez mais espesso,
porque a derrubada será mais difícil, mais lenta e mais complexa, que não vai atrair a
atenção da mídia, mas nem por isso um muro menos importante que o muro Norte-Sul.
Na derrubada desse muro, nós não somos apenas espectadores, olhando as nossas
câmeras de televisão. Nós somos atores e o Governo do Presidente Lula tem sido um
ator particularmente participante desse processo.

Então, eu acho que isso é um símbolo, entre muitos outros, desse novo mundo que os
nossos novos colegas vão encontrar.

Acho que um dos piores defeitos que pode haver em alguém que esteja voltado para a
ação, para a ação prática e a ação política, em especial, é ver as coisas novas com olhos
velhos. Olhar, por exemplo, as questões da integração da América do Sul como se elas
fossem ainda as questões das rivalidades em torno da Bacia do Prata.

Hoje a nossa realidade é outra. O que antes era competição, rivalidade; hoje, o nome do
jogo é solidariedade. Solidariedade sem nunca perder de vista, naturalmente, o interesse
nacional. Mas dentro da convicção de que o interesse nacional é melhor servido se nós
pudermos entender que vivemos em um conjunto, que não haverá um Brasil próspero e
desenvolvido se não houver uma América do Sul próspera e desenvolvida. Essa tem
sido a política do Presidente Lula que nós temos executado.

Agora, essa política suscita muito mais desafios, porque o Brasil é chamado a atuar de
maneira muito mais freqüente. E eu penso que o mundo mudou e o Brasil também
mudou.

O Embaixador Fernando Reis - que me deu o privilégio de ler o seu discurso - vai
mencionar também um outro Dantas, além do Souza Dantas, que é o patrono, muito
bem escolhido, de vocês. Ele vai mencionar o San Tiago Dantas. E eu lembro que gesto
de ousadia enorme, que símbolo de independência admirável foi a abstenção praticada
por San Tiago Dantas na votação das sanções contra Cuba, na Reunião de Punta del
Este!

Hoje, a abstenção pareceria pouco. Hoje, o Brasil certamente votaria contra uma decisão
desse tipo. Não porque o Brasil concorde ou discorde de tudo que se passa nesse ou
naquele país, mas porque hoje a nossa convicção é de que o engajamento construtivo é
muito mais importante e muito mais eficaz - inclusive para a própria democracia no
continente - do que o isolamento ou a mera indiferença.

A esse respeito, eu gostaria de comentar algo que nós temos mencionado nos últimos
anos: que a nossa política - que continua a ser, como sempre foi, uma política de não-
intervenção - , com o passar do tempo, dado o próprio crescimento da influência do
Brasil, teve de ver nessa não-intervenção um tempero novo. E o tempero novo, que não
altera o princípio, é a não-indiferença. Nós agimos de maneira não-indiferente quando
criamos o Grupo de Amigos da Venezuela. Nós agimos de maneira não-indiferente
quando participamos, da maneira que temos participado, na tentativa de reconstituição
não só da ordem pública, mas do desenvolvimento e da prosperidade no Haiti. E nós
agimos de maneira não-indiferente quando atendemos a um apelo da Bolívia - e vamos
participar juntos, nesse caso, com a Argentina e a Colômbia - do Grupo de Amigos que
procura uma solução, pelo diálogo, para esse nosso país vizinho.
Eu queria também dizer a vocês que isso é uma inovação. Não é uma inovação
decorrente do tempo, mas há muitas outras inovações e seria muito longo eu me
estender sobre todas elas nesse momento em que todos querem escutar, naturalmente, o
nosso Presidente, o paraninfo e o orador. Mas eu gostaria de deixar claro que dentro
desse processo de inovação a nossa aproximação com a África é um fato novo. Não que
seja inédito, porque nunca tenha havido antes, mas, como diziam alguns filósofos do
século XIX, a quantidade altera a qualidade, a quantidade, freqüentemente, se
transforma em qualidade, e a determinação, a insistência mesmo com que o Brasil, sob a
orientação do Presidente Lula, tem procurado se reaproximar da África é um dos pontos
mais notáveis da nossa política externa. Eu estou mencionando dois pontos, mas poderia
me estender aqui e falar da Ásia, falar da nossa parceria estratégica com a União
Européia, falar das nossas excelentes relações com os Estados Unidos - mas iríamos
muito longe.

Eu quero só deixar a vocês a seguinte noção: o Brasil é, hoje, um ator de grande relevo
na política internacional. Até havia uma frase, que tiramos aqui de um discurso escrito:
que o Brasil precisa ir "além de suas sandálias", além daquilo que as pessoas
consideram ser as suas sandálias. O Brasil precisa realmente se afirmar. Não deve ter
vergonha de se afirmar.

Entre muitos outros estudos que eu poderia mencionar, eu me referirei a um, porque está
hoje na imprensa. É um artigo do Wall Street Journal, reproduzido em um jornal
brasileiro. Ele se refere claramente ao fato de que o Brasil se transformou em um
mediador, inclusive no jogo das grandes potências, pelo menos na área comercial. É
algo que nós não poderíamos prever. Quem acompanhou a Rodada Tóquio - e vejo aqui
o Embaixador João Gualberto -, quem acompanhou a Rodada Uruguai, como eu mesmo
lá estive, nós sabemos que a nossa capacidade de reação era limitada. Entre os países
em desenvolvimento, nós éramos até um dos países ouvidos. Mas ouvidos no
finalzinho, para transformar um til em um acento circunflexo, transformar uma vírgula
em um ponto-e-vírgula, não mais do que isso. Hoje, todos sabem que aquilo que o
Brasil disser vai ter uma influência muito grande no próprio processo das negociações.

Isso não ocorreu de graça. Isso ocorreu porque o Brasil mudou, porque o Brasil hoje é
uma democracia pujante, porque o Brasil é visto em todo mundo como parte da solução
dos problemas, inclusive nas questões tão importantes como do biocombustível e dos
alimentos, e não como parte do problema, porque o Brasil atendeu e está atendendo as
necessidades sociais de seu povo e porque o Brasil tem também uma política externa
que é, ao mesmo tempo, desassombrada e pragmática. Desassombrada, porque ela não
tem medo; pragmática, porque ela busca resultados concretos. Ela não está apenas
querendo fazer volteios ou malabarismos, sem objetivos específicos.

Eu queria dizer, portanto, que isso é verdade para todos os temas. Eu me referi à OMC,
mas isso é verdade para o clima, é verdade para a energia, é verdade para a questão de
alimentos, para os grandes temas globais - está aqui também o Ministro Figueiredo, que
preside o grupo negociador sobre clima. É um orgulho para todos nós que o Brasil seja
sempre trazido a essas posições.

Então eu queria, com sua permissão, Presidente, mais uma vez, ter o prazer de receber
oficialmente mais uma turma de colegas, formados pelo Instituto Rio Branco, essa
instituição de excelência. E, falando de excelência, eu queria apenas fazer um último
comentário: essas mudanças que têm ocorrido no País e no mundo exigem mudanças
também no Ministério. O Itamaraty tem que se renovar, o Itamaraty tem que se
rejuvenescer, o Itamaraty tem que ser um reflexo do que é a sociedade brasileira - seja
na maior participação das mulheres, seja na maior participação das minorias, em todos
os postos. E tem que fazer isso sem perder a excelência. Esse é o grande desafio que nós
temos. Esse é o desafio que vocês enfrentarão. Essa é a grande história da diplomacia
brasileira. E nessa história vocês não serão apenas espectadores, mas serão atores e
autores. Bem-vindos!
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES – DISCURSOS

2012 - Discurso do Ministro Antonio de Aguiar Patriota por ocasião da cerimônia


do Dia do Diplomata - formatura da turma de alunos do Instituto Rio Branco –
Brasília, 20 de abril de 2012
20 de Abril de 2012 - 10h59
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/4622-discurso-na-cerimonia-do-dia-do-diplomata-
formatura-da-turma-de-alunos-do-instituto-rio-branco-brasilia-20-de-abril-de-2012
É uma honra contarmos com a presença da Senhora Presidenta da República no
Itamaraty no Dia do Diplomata.
Hoje é o dia da formatura dos nossos novos colegas, todos já plenamente integrados e
desempenhando funções nas diferentes áreas do Itamaraty.

Estamos lidando com as realidades de um mundo novo e de um Brasil novo.

Está em curso um processo de redistribuição do poder nas relações internacionais. E o


Brasil atual – o Brasil da democracia e dos direitos humanos, o Brasil do crescimento
econômico, da inclusão social e da consciência ambiental – é ator de crescente
influência nesse processo.

Desde o início de 2011, temos envidado esforços em favor de uma política externa que
reflita as diretrizes e linhas de ação definidas pela Senhora Presidenta da República.
Diretrizes e linhas de ação que colocam a política externa a serviço do desenvolvimento
nacional em que estamos todos engajados.

Tem sido intensa, como Vossa Excelência sabe melhor que ninguém, a agenda de
visitas a outros países e a participação em eventos multilaterais. Da mesma forma, têm
sido numerosas as autoridades estrangeiras recebidas em Brasília, que é hoje uma das
capitais do mundo com maior atividade diplomática.

Na cerimônia de hoje, não caberia passar em revista tudo que foi feito nestes últimos 16
meses. Gostaria, sim, de assinalar algumas ênfases e idéias que vão traçando o perfil da
atuação externa do Brasil na Presidência Dilma Rousseff.

Começaria por mencionar a prioridade atribuída a ciência, tecnologia e inovação, com


vistas a contribuir para a ascensão do Brasil a um novo estágio de desenvolvimento,
fundado em uma economia mais flexível e competitiva. Esta ênfase reflete-se, por
exemplo, no temário de várias das visitas realizadas e na cooperação educacional
impulsionada pelo “Ciência sem Fronteiras”. Nossas Embaixadas e Consulados estão
mobilizados na identificação de oportunidades no exterior para estudantes e
pesquisadores brasileiros.
Outra ênfase diz respeito ao contato com o setor privado e o conjunto da sociedade civil.
A agenda internacional de Vossa Excelência tem-se caracterizado por uma interlocução
estreita e sistemática com representantes de empresas brasileiras que, em número
crescente, dirigem seu olhar e seus investimentos para outros países. Assim foi em
Hannover, Washington e Havana.

Há pouco mais de um mês, na viagem presidencial a Hannover, um empresário


brasileiro da área de tecnologia da informação comentou que traços distintivos da
competitividade brasileira são a criatividade e a imaginação. Precisamos aprender a
melhor aproveitá-las.

É possível dizer que uma certa criatividade tem estado presente em contribuições
conceituais do Brasil para importantes debates internacionais. Em alguns casos temos
conseguido algo que, sabidamente, não é trivial: incluir novos temas na agenda global.

Nas Nações Unidas, em setembro do ano passado, Vossa Excelência lançou o conceito
de “responsabilidade ao proteger”, como complemento necessário da chamada
“responsabilidade de proteger”. Trata-se de maneira inovadora de dirigir a atenção para
aspectos obscurecidos em muitas das discussões sobre o uso da força para a proteção de
civis, deixando clara a responsabilidade de quem protege: em hipótese alguma poderá
causar mais destruição e instabilidade do que pretende evitar.

Também na esfera das relações comerciais e financeiras introduzimos idéias inovadoras.


Em linha com as manifestações públicas de Vossa Excelência, o Brasil ajudou a trazer
para a OMC a questão dos efeitos do câmbio sobre o comércio. Após vencermos
resistências de todo tipo, conseguimos abrir caminho para o tratamento de tema que
passa a ser amplamente reconhecido como atual e relevante.

Essa confluência de ênfases e idéias está no cerne do esforço para a preparação da


Conferência Rio+20. O caminho percorrido pelo Brasil na conformação de um novo
modelo de desenvolvimento com inclusão social e consciência ambiental; a prioridade
atribuída, também na ação externa, a ciência, tecnologia e inovação; a incorporação
crescente, ao nosso trabalho, da perspectiva do setor privado e da sociedade civil; nossa
capacidade criativa nos posicionam como anfitrião capaz de fazer da Rio+20 momento
histórico na consolidação de um novo paradigma de desenvolvimento.

Senhora Presidenta, caros formandos,


O Brasil quer ajudar a construir uma ordem internacional mais justa e conducente ao
progresso econômico e social.

Como observou a oradora da turma, a transformação do sistema internacional não é um


movimento natural, pelo qual se possa esperar passivamente. Há que se trabalhar por
uma transformação que leve ao surgimento de um sistema internacional mais
cooperativo, melhor capacitado para promover o desenvolvimento e a paz.

Estamos especialmente bem posicionados para esse objetivo.

Temos relações diplomáticas com todos os países das Nações Unidas.

Estamos ampliando os quadros do serviço exterior, tanto na carreira de diplomata como


na de oficial de chancelaria.

Contamos com uma rede de representações diplomáticas e consulares que figura entre
as maiores do mundo.

A partir dessa base institucional, que procuraremos sempre fortalecer, o Itamaraty


empenha-se em contribuir para a inserção internacional de um Brasil que articula dois
imperativos: o aprofundamento da integração sul-americana, nossa prioridade, e a
ampliação de nossa presença em escala global.
No primeiro caso, além da atenção diferenciada à relação bilateral com cada vizinho,
nos valemos de processos dinâmicos e abrangentes de integração, como o MERCOSUL,
a UNASUL a CELAC.

No segundo caso, trata-se de reforçar parcerias com o mundo desenvolvido e em


desenvolvimento: isso envolve não somente um olhar especial sobre a África, nosso
vizinho atlântico, como a consolidação das relações bilaterais com os pólos da ordem
internacional que se desenha, sejam potências estabelecidas, sejam emergentes, e a
interlocução com o IBAS e o BRICS.
Costumo dizer que os diplomatas brasileiros precisam ser mais sul-americanos e mais
multipolares. Precisam ser mais multilíngües. Precisam da visão de conjunto e,
simultaneamente, de conhecimento técnico.

Quero registrar meu reconhecimento ao Embaixador Georges Lamazière, que tem


introduzido alterações curriculares para modernizar nossa formação profissional.

Assegurar a vitalidade desse espírito de aperfeiçoamento de nosso profissionalismo é a


melhor homenagem que podemos prestar ao legado do Barão do Rio Branco, cujo
centenário de morte lembramos este ano.
Senhoras e Senhores,

Felicito os formandos pela escolha de seu paraninfo.

O Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães é um talentoso diplomata, um respeitado


intelectual, um incansável professor. Como Secretário-Geral, teve uma gestão marcada
pelo empenho no fortalecimento institucional do Itamaraty. Continuo a inspirar-me no
seu exemplo e na sua visão de um Brasil próspero, justo, democrático e soberano.

Felicito a turma, também, pela justa homenagem que fazem a Milena Oliveira de
Medeiros, jovem diplomata cujo desaparecimento prematuro foi profundamente sentido
por todos nesta Casa.
Ao cumprimentar seus familiares, quero dizer que a Secretária Milena deixou
lembranças indeléveis em todos que pudemos privar de seu convívio. Não me
esquecerei de nosso encontro em Malabo, na Guiné Equatorial, durante a reunião
ministerial da ASA, quando pude descobrir uma jovem talentosa e determinada, e
conversar sobre sua carreira e sua paixão pela música.

Caros formandos,

Vocês escolheram uma profissão que, abraçada com entusiasmo e espírito público,
oferece oportunidades de realização pessoal e profissional praticamente ilimitadas.
A preservação e ampliação do patrimônio da diplomacia brasileira agora é também
tarefa de Vocês.

Muito obrigado.

2013 - Discurso do Ministro Antonio de Aguiar Patriota por ocasião da cerimônia


do Dia do Diplomata – Brasília, 17 de junho de 2013
17 de Junho de 2013 - 08h00
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/3504-discurso-do-ministro-antonio-de-aguiar-patriota-
por-ocasiao-da-cerimonia-do-dia-do-diplomata-brasilia-17-de-junho-de-2013
É uma honra novamente contar com a presença da Senhora Presidenta da República na
celebração do Dia do Diplomata.
Formalizamos hoje a incorporação ao Serviço Exterior brasileiro de mais uma turma
egressa do Instituto Rio Branco – a turma Oscar Niemeyer.
Aos que se associam formalmente ao Itamaraty, minhas mais calorosas boas-vindas.
Parabéns pela trajetória para chegar até aqui.
Parabéns às famílias que prestigiam esta cerimônia e que têm justificadas razões para
compartilhar a alegria deste momento.
Estimados formandos,
No trabalho que realizarão – ou, na verdade, já realizam – como diplomatas, Vocês
terão a responsabilidade e o privilégio de representar um País que, neste início de
século, se afirma como uma democracia voltada para o desenvolvimento sustentável,
com crescimento econômico, redução das desigualdades e consciência ambiental; como
um ator que vive a paz e privilegia o diálogo; como uma sociedade multicultural
crescentemente engajada com o mundo.

Um País cujo Governo conquista resultados tangíveis no caminho da erradicação da


pobreza e contempla novos horizontes em termos de bem-estar social, de padrões
educacionais sempre mais elevados, de avanços científicos e tecnológicos, de respeito
inegociável aos direitos humanos. Que tem na construção da plena cidadania seu
objetivo maior.
Vocês servirão a um País que reflete em sua política externa os mesmos valores e as
mesmas prioridades que o mobilizam no plano doméstico. Um País que, sob a condução
de Vossa Excelência, Senhora Presidenta, se projeta no mundo de forma aberta e plural,
como aberta e plural é a sociedade brasileira.
Senhora Presidenta,
Em 2011, celebramos o centenário de nascimento de San Tiago Dantas.
No ano passado, recordamos o centenário de morte do Barão do Rio Branco.
Este ano quero lembrar que, há cinco décadas, outro ilustre Chanceler do Brasil, João
Augusto de Araujo Castro, pronunciava, perante a Assembleia-Geral das Nações
Unidas, um discurso memorável.
Araujo Castro, um dos artífices da Política Externa Independente, apontava um caminho
novo, que deveria ir além das polarizações ideológicas da Guerra Fria. Um caminho que
se construiria com uma agenda formada por “três D's” que se tornariam famosos: o
desenvolvimento, o desarmamento e a descolonização.
Passadas três décadas, em 1993, outro Chanceler brasileiro, dotado de sensibilidade não
menos aguçada para a dinâmica dos tempos em mudança, propôs-se uma reinterpretação
da agenda dos “três Ds”.
Também perante a Assembleia Geral da ONU, o Embaixador Celso Amorim – que a
turma Oscar Niemeyer teve a sabedoria de escolher como Paraninfo – revisitou o mote
de Araujo Castro, recordando que a luta pela descolonização, que mantém sua
relevância, se traduz de forma mais completa, em nossos dias, na valorização da
democracia.
Celso Amorim atualizou, então, os “três D's”. E passamos a falar, com ele, em
desenvolvimento, desarmamento e democracia.
Ao fazer essa digressão, recordo, sempre em perspectiva histórica, que há dez anos
estabelecíamos, sob a liderança do ex-Presidente Lula e do então Chanceler Amorim –
já em sua segunda gestão à frente do Itamaraty –, um conjunto de objetivos e de
iniciativas que ainda hoje ajuda a estruturar nosso trabalho como diplomatas.
Trata-se de plataforma que inclui:
- o aprofundamento de nosso compromisso com a integração regional, a partir de uma
atenção diferenciada para com cada um de nossos vizinhos, em especial no âmbito do
MERCOSUL, da UNASUL e, mais recentemente, também da CELAC;
- o olhar atento para as alterações aceleradas, em escala mundial, na distribuição do
poder econômico e geopolítico, alterações que nos aproximam dos demais integrantes
de foros como o IBAS e os BRICS;
- a projeção universal de nossa diplomacia, com ênfase na criação de novas e efetivas
parcerias com o mundo em desenvolvimento, particularmente na América Latina, no
Caribe e na África, e também no Oriente Médio, na Ásia e no Pacífico;
- a modernização de uma agenda de diálogo e de cooperação com os polos estabelecidos
da economia global, como são os Estados Unidos, a Europa, o Japão, o Canadá, a
Oceania;
- o engajamento com o multilateralismo em suas múltiplas vertentes – a comercial, a
financeira, a ambiental, a social, a da paz e da segurança.
Essa plataforma se consolida e se atualiza, sob a orientação da Presidenta Dilma
Rousseff, (i) na ocupação crescente de espaços na cena internacional; (ii) na
contribuição continuada aos grandes debates políticos e conceituais da atualidade; (iii)
na defesa de interesses específicos por intermédio da dinamização de relações com um
número cada vez maior de parceiros em matéria de comércio, de investimentos, de
inovação; e (iv) no aprofundamento da integração regional.
Uma das manifestações concretas da ocupação de espaços a que me refiro se traduz na
eleição ou indicação para importantes cargos internacionais de personalidades
brasileiras que demonstram ter o País liderança a desempenhar em uma ampla gama de
temas. Sem ser exaustivo, não quero deixar de mencionar a escolha de José Graziano
para a Direção da Organização para Agricultura e Alimentação – a FAO; de Bráulio de
Souza Dias para a Secretaria-Executiva da Convenção sobre Diversidade Biológica; de
Roberto Caldas e de Paulo Vannuchi para a Corte e a Comissão Interamericanas de
Direitos Humanos; e, de forma especialmente paradigmática, de Roberto Azevêdo para
a Organização Mundial do Comércio. São conquistas que revelam uma capacidade
propositiva em campos tão diversos quanto a segurança alimentar, os direitos humanos,
a cooperação econômica e comercial.
É possível afirmar que já não existe debate internacional de sentido estratégico em que
as impressões digitais da política externa brasileira não estejam presentes: da
democratização das estruturas de governança global e da consolidação do conceito de
desenvolvimento sustentável, na Rio+20, ao impacto de oscilações cambiais sobre o
comércio e às questões políticas e morais relacionadas com a proteção de civis em
situações de conflito, para mencionar apenas alguns exemplos.
Ao mesmo tempo, são nítidos os dividendos obtidos em decorrência do aumento do
número de Embaixadas, no estabelecimento de relações intergovernamentais com todos
os membros das Nações Unidas. Dividendos que vão além da dimensão estritamente
política, já em si de relevância intrínseca: a ampliação do alcance da ação diplomática
representa, também, maior capacidade de apoio ao setor privado e a outros atores da
sociedade brasileira com interesses que ultrapassam nossas fronteiras; condições
aprimoradas de identificação de oportunidades de comércio e de investimentos; maior e
melhor intercâmbio de conhecimento, inclusive ao abrigo do programa Ciência sem
Fronteiras.
No plano regional, prioridade por definição, continuamos a sedimentar o espaço sul-
americano como uma zona de paz e de cooperação, que tem na democracia um
compromisso político irrenunciável, um requisito essencial dos processos de integração
em curso. Continuamos, também, a promover, em nosso entorno imediato, uma zona de
crescimento econômico com justiça social, em que as relações econômicas estão a
serviço do desenvolvimento inclusivo que é nosso propósito comum. Nessa matéria, o
MERCOSUL já representa um patrimônio de realizações de grande significado prático.
O bloco ampliou-se e fortaleceu-se, com o ingresso da Venezuela como membro pleno.
A Bolívia assinou Protocolo de Adesão para também tornar-se membro pleno. O
Presidente do Equador oficializou publicamente a intenção de trilhar o mesmo caminho.
E a Guiana e o Suriname se estão tornando Estados Associados. Ao valorizarmos o
acervo do MERCOSUL – que traz ganhos decisivos para nossa indústria, que gera
empregos de qualidade –, trabalhamos olhando para a frente. Trabalhamos para fazer
mais e melhor. E, para além do MERCOSUL, mas sempre a partir dele, levamos
adiante, desde há muito tempo, esforços de integração econômico-comercial com toda a
nossa região – destino, não é demais lembrar, da maior parcela de nossas exportações de
produtos manufaturados. Sob a égide da ALADI, negociamos uma rede de acordos que
cobre, ou cobrirá, no futuro próximo, a quase totalidade das trocas em nossa parte do
mundo. Essa já é uma realidade, que temos que administrar e sobre a qual seguiremos
construindo.
As novas frentes abertas em nossa política externa, na região e no mundo, adquirem
especial ressonância nos contatos que mantemos com o conjunto da sociedade
brasileira. Com o Congresso, com o Judiciário e com os mais diversos segmentos
sociais que, no País, buscam crescente participação nas dinâmicas de alcance
internacional.
Especificamente quanto aos contatos com a sociedade civil, que já são frequentes,
estamos agora trabalhando para institucionalizá-los.
A abertura ao diálogo, o saber ouvir e o fazer-se entender são parte integral do Governo
democrático liderado pela Senhora Presidenta da República.
A experiência da Comissão Nacional Preparatória para a Rio+20, valiosa e efetivamente
valorizada por todos os que dela participaram, nos anima a persistir nessa direção. Essa
experiência nos encoraja a atrair a sociedade civil em suas múltiplas dimensões – e, eu
diria, a juventude em particular – para os grandes debates relativos à política externa
brasileira.
Antes do fim do ano, Senhora Presidenta, proporei a Vossa Excelência projeto, já em
gestação, para que se crie um foro permanente de diálogo com a sociedade civil sobre
política externa.
Está claro que a extensão de nossa presença no mundo nos traz, ao Itamaraty,
responsabilidades acrescidas.
Faço questão de ressaltar nosso dever de assistência a brasileiros no exterior. A
intensificação das relações do Brasil com outros países acentua a importância da
atividade consular. É com satisfação que presto aqui uma homenagem de
reconhecimento ao trabalho, tantas vezes difícil e tantas vezes silencioso, dos
funcionários que se desdobram para garantir a nossos concidadãos que se encontram
distantes do País, sempre que necessário, o melhor apoio possível e a adequada
observância de seus direitos.
Senhora Presidenta,
Colegas de todas as gerações,
Senhoras e Senhores,
Algumas breves palavras sobre a escolha, pela turma que se forma, de Oscar Niemeyer,
como seu Patrono, e de Celso Amorim, como seu Paraninfo.
É fácil, neste Palácio, fazer o elogio do grande arquiteto.
Com o passar dos anos, e o crescente reconhecimento de seu talento, Niemeyer tornou-
se parte indissociável da imagem do Brasil no exterior, onde teve atuação profissional e
presença destacada.
Entre tantas outras realizações, integrou o seleto comitê dos onze arquitetos que
elaboraram o projeto do edifício-sede das Nações Unidas, um dos marcos da paisagem
urbana de Nova York.
Fica, assim, de Niemeyer não somente o que ajudou a construir aqui no Brasil. Fica
também a imagem brasileira que ele ajudou a projetar no exterior, a imagem verdadeira
de um país que encarou de frente a modernidade, que teve a ousadia de sonhar novas
formas de convivência.
Celso, colega e amigo de tantos anos – como Chanceler, Você deixou um exemplo que
perdurará como referência para todos nós.
Seu conhecimento aprofundado dos dossiês, sua experiência, sua visão da grandeza do
Brasil e do lugar que lhe cabe no mundo, todas essas são marcas indeléveis de seu
legado como Ministro das Relações Exteriores.
Vocês não poderiam haver escolhido melhor Paraninfo.
Meus caros formandos,
Não faltam desafios, obstáculos, situações de tensão a exigir, de cada um,
discernimento, preparo, tenacidade, imaginação, sangue frio.
Em conversa recente com um grupo de alunos do Instituto Rio Branco, eu observava
que a diplomacia é uma carreira que envolve a personalidade em seu conjunto: a
capacidade de iniciativa, de relacionamento humano, de lidar com imprevistos e com
adversidades.
A formação intelectual, o rigor nas análises e nos pronunciamentos, esses são, sem
dúvida, traços que permanecem essenciais para o bom desempenho das variadas funções
que lhes serão atribuídas. Mas a disposição de enfrentar desafios, a coragem e a
persistência na promoção dos valores e dos interesses do Brasil também o são.
E concluo com uma citação do escritor moçambicano Mia Couto, que há poucos dias,
em Lisboa, recebeu, das mãos da Presidenta Dilma Rousseff e do Presidente Cavaco
Silva, o Prêmio Camões de 2013.
Em conferência dirigida a professores e a alunos de uma instituição de ensino em seu
país natal, afirmou esse expoente da literatura lusófona, e eu cito:
"Vocês são jovens. Ser jovens é uma condição inerente, que se exerce sem esforço.
Mais do que jovens, sejam diferentes. Tragam para nosso tempo o inesperado, o que é
novo, o que é historicamente produtivo. [...] [Não sejam] jovens de alma envelhecida.
[...] [O] nosso futuro como nação não se constrói senão com ousadia, com vitalidade e
um infinito respeito pelos outros."
Muito obrigado.
2014 - Discurso do Ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado por ocasião da
cerimônia de formatura da Turma Nelson Mandela (2012-2014) do Instituto Rio
Branco – Brasília, 30 de abril de 2014
30 de Abril de 2014 - 17h11
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/5927-discurso-proferido-pelo-ministro-de-estado-das-
relacoes-exteriores-luiz-alberto-figueiredo-machado-na-cerimonia-de-formatura-da-
turma-nelson-mandela-2012-2014-do-instituto-rio-branco-brasilia-30-de-abril-de-2014
É uma grande honra para o Itamaraty receber a Senhora Presidenta da República para
presidir a cerimônia de formatura de nova turma do Instituto Rio Branco.

Esta cerimônia – com a presença de autoridades do Governo, das chefias do Itamaraty e


dos familiares dos alunos – representa um rito de passagem. Marca não apenas o fim de
um período de formação, mas, sobretudo, o ingresso definitivo nesta Casa como agentes
de política externa e servidores de carreira do Estado brasileiro. É com esse espírito de
satisfação e orgulho que o Itamaraty os acolhe hoje.

Faço aqui meu reconhecimento aos familiares dos formandos, fonte essencial de apoio
nessa árdua jornada que costuma ser o ingresso na carreira diplomática. As senhoras e
os senhores têm todos os motivos para estarem orgulhosos.

Ao se integrarem agora plenamente ao Itamaraty, adianto aos formandos que os aguarda


uma profissão das mais desafiadoras e complexas.

Ser diplomata é ser incumbido da grande responsabilidade de compreender o seu país e


de bem representá-lo no exterior. Vocês serão a voz do Estado brasileiro no mundo e,
por isso, precisam ter uma consciência profunda do que o Brasil é e deseja ser no
cenário internacional.

Ao lado das muitas responsabilidades, terão o privilégio de representar um país


solidamente democrático, cada vez mais próspero, cada vez menos desigual e a cada dia
mais relevante no mundo. Nem todas as gerações anteriores de diplomatas tiveram essa
honra.
A força da sociedade brasileira é a unidade na diversidade. Apesar dos grandes desafios
econômicos e sociais que ainda enfrentamos, o Brasil é uno no orgulho de sua pátria e
em seu desejo de desenvolvimento. Aqui convivem brasileiros de todas as etnias e de
todas as origens. Somos a maior nação afrodescendente fora do continente africano.
Temos uma importante herança europeia e asiática. Árabes e judeus vivem lado a lado
em nossas cidades. É esta experiência de unidade em meio à diversidade que
fundamenta a diplomacia brasileira e lhe dá força no exterior.

O Brasil é um dos 11 países do mundo que se relacionam com todos os Estados-


membros das Nações Unidas. Dialogamos com todos porque respeitamos as diferenças.
Mas também porque sabemos que é por meio do diálogo que melhor promovemos
nossas visões e nossos valores. O compromisso genuíno do Brasil com a paz e a
convivência harmoniosa entre os povos é, ao mesmo tempo, o reflexo de sua sociedade
e a sua fonte principal de influência no mundo.

Nos últimos anos, emergiu uma nova faceta da imagem internacional do Brasil, também
solidamente assentada na realidade interna do País. Passamos a ser reconhecidos como
um país que, graças à execução de um corajoso e eficiente conjunto de políticas
públicas, logrou êxitos expressivos no combate à fome e à pobreza e na inclusão social.

De receptor, passamos a ser um país prestador de cooperação. A cooperação praticada


pelo Brasil beneficiou, nos últimos anos, 98 países do mundo em desenvolvimento, com
efeitos positivos que se irradiam para outros campos de nossa ação internacional.
Compartilhamos, sem qualquer imposição ou condicionalidade, a experiência brasileira
na formulação e execução de políticas com impacto social.

O Brasil também tem sido decisivo nos debates globais sobre a erradicação da pobreza e
sobre a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável que concilia
crescimento econômico, inclusão social e proteção ambiental. Somos um dos
responsáveis pela prioridade atribuída a estes temas na agenda internacional. O papel da
liderança brasileira está claramente lastreado nos avanços que registramos nesses
campos dentro do Brasil.

O Brasil projeta-se neste início de século XXI como um país cada vez mais inclusivo e
apegado aos valores da sustentabilidade. Um de nossos principais desafios será o de
maximizar as possibilidades diplomáticas decorrentes dessa nova realidade interna, em
benefício da realização plena de nossos valores e interesses externos.

Caros colegas,

Vocês serão representantes do Brasil num mundo em constante transformação.

O poder internacional atravessa um processo de desconcentração. Vão-se desenhando os


contornos de uma configuração multipolar da geopolítica e da geoeconomia globais. O
mundo testemunha um acirramento da competição econômica, em que o hiato de
conhecimento tecnológico constitui um dos principais fatores a separar países. A agenda
internacional tem ganhado em amplitude e complexidade. As causas da paz e do
desenvolvimento sustentável permanecem no topo dos desafios prementes.

O objetivo central e prioritário de nossa política externa, conforme diretriz expressa de


Vossa Excelência, Presidenta, tem sido o de contribuir para o desenvolvimento do País
por meio de sua projeção no quadro global. Na busca do desenvolvimento, o Brasil vem
seguindo uma política externa ativa e diversificada. A diversidade é, mais do que nunca,
a palavra de ordem. No mundo multipolar em formação, não há espaços para opções ou
parcerias excludentes. O desafio reside em operar simultaneamente em múltiplos
planos, sem alinhamentos automáticos.

O reforço das relações e da integração na América do Sul, em particular no


MERCOSUL, é elemento fundamental dessa estratégia diversificada. Com um entorno
estável e próspero asseguramos melhores condições para nosso desenvolvimento e para
nossa inserção internacional. A América do Sul tem logrado dar respostas próprias aos
desafios enfrentados pela região nos mais variados campos. A recente atuação da
UNASUL como garante do diálogo na Venezuela é mais um exemplo da unidade sul-
americana em torno dos valores democráticos e da não-violência.

Senhoras e senhores,

Ao mesmo tempo em que o Brasil ganha mais projeção e espaço no mundo, aumenta o
interesse pelos temas de política externa no País. Trata-se de desenvolvimento muito
positivo de nossa democracia.

O Itamaraty tem estado atento a esse desenvolvimento. Tenho buscado assegurar que o
Ministério se aproxime cada vez mais da Esplanada e da sociedade como um todo.
Como bem disse em seu discurso o Secretário Pedro Ivo Ferraz da Silva, o Itamaraty
tem procurado cada vez mais "ouvir e ser ouvido por seus mais diversos
interlocutores."

Ao longo dos meses de fevereiro, março e abril, determinei que o Itamaraty abrisse suas
portas para um ciclo de debates intitulado "Diálogos sobre Política Externa".
Participaram mais de 300 debatedores, representando os três poderes e os diversos
segmentos da sociedade civil: academia, imprensa, movimentos sociais, empresariado,
sindicatos e organizações não-governamentais.

A série de eventos incluiu quatorze painéis temáticos, que trataram, em quase sessenta
horas, de questões centrais da política externa brasileira.

No momento, o Itamaraty está dedicado à elaboração de um Livro Branco da Política


Externa, um documento de reflexão que procurará registrar e divulgar os princípios, as
prioridades e as principais linhas de ação da política externa brasileira. É uma forma de
o Itamaraty contribuir para aprofundar o debate público e o conhecimento da sociedade
sobre os diversos aspectos da política externa.

O orador da turma se referiu às turmas que se formaram em silêncio. Eu fiz parte de


uma delas. E o Itamaraty que eu quero não é o do silêncio. É o da participação, do
diálogo, do engajamento e da paixão na defesa do interesse nacional.
Estou também comprometido com um processo de modernização interna dos
procedimentos e métodos de trabalho do Itamaraty. Realizamos há pouco uma consulta
ampla dentro do Ministério sobre as condições e necessidades de carreira, trabalho e
vida dos nossos funcionários e de suas famílias. Buscamos idéias sobre como aprimorar
e aperfeiçoar nosso serviço exterior. Tivemos um grau de participação extraordinário,
com mais de 1.000 contribuições recebidas.
Os funcionários do serviço exterior brasileiro são o corpo e a alma do Itamaraty. Suas
opiniões e sugestões são insumos indispensáveis para o aperfeiçoamento das atividades
do Ministério e da ação externa do Brasil.
As iniciativas dos Diálogos, do Livro Branco e da consulta interna refletem um
propósito comum de ouvir e de engajar. Refletem uma política de maior abertura para
dentro e para fora do Ministério, com o objetivo de reforçar uma diplomacia apta a
enfrentar os desafios do século XXI.

Nesse esforço de modernização, o Itamaraty está comprometido com a formação


contínua dos diplomatas. O aprendizado permanente, a capacidade de combinar a
formação generalista com a especialização e de entender a fundo os temas novos e
emergentes serão cada vez mais determinantes para uma atuação externa eficaz.

A modernização passa, igualmente, pela valorização do papel das divisões do Itamaraty


como unidades fundamentais de trabalho, de pensamento e de formulação. As divisões
precisam estar bem lotadas e devem ser chefiadas por diplomatas experientes, que
saibam formar, orientar e incentivar as novas gerações.

No dia de minha posse nesta função, Senhora Presidenta, Vossa Excelência me orientou
expressamente sobre sua visão do papel do Itamaraty. Nessa orientação, ficou claro seu
desejo de que o Itamaraty reforçasse sua capacidade de planejamento estratégico e
pensamento de política externa de longo prazo.

Nesse sentido, acho fundamental estimular e aprofundar a capacidade de reflexão crítica


e estratégica dos quadros do Ministério. Daí a decisão que tomei, logo que assumi
minhas funções, de reformular a Secretaria de Planejamento Diplomático do meu
Gabinete. Sem pensamento estratégico e planejamento, como claramente ressaltou
Vossa Excelência, perde-se a visão de conjunto e a política externa torna-se apenas
reativa.

Reitero que a Casa inteira, todas as unidades, em especial as divisões, precisam ser
fontes de formulação e de pensamento estratégico sobre a política externa.

O tema da ascensão funcional é central. Estou empenhado em assegurar um grau maior


de previsibilidade na perspectiva de carreira, sempre tendo como preocupação
fundamental recompensar o mérito.

O Itamaraty precisa modernizar-se para estar à altura dos grandes desafios que tem
diante de si. É amplamente reconhecida a qualificação de nossos quadros, o que
confirmo diariamente. Nosso desafio está em continuar a aperfeiçoar essas
competências e em estimular da melhor maneira possível as energias e capacidades
deste Ministério.

Senhora Presidenta,

Senhoras e senhores,

Na Turma 2012-14, temos 7 formandos de Minas Gerais, 6 de São Paulo, 5 do Rio de


Janeiro, 2 da Bahia, 2 do Distrito Federal, 2 do Paraná, 1 do Ceará, 1 de Goiás, 1 do
Mato Grosso do Sul, 1 de Pernambuco e 1 de Santa Catarina. Suas formações são
variadas: Relações Internacionais, Direito, Engenharia, Letras e Comunicação Social.
São 9 mulheres, 21 homens.
No passado, as turmas de diplomatas eram compostas majoritariamente por bacharéis
em Direito do eixo Rio-São Paulo. Somos hoje um Itamaraty mais parecido com o
Brasil. Mas precisamos fazer mais. Temos buscado divulgar a carreira e o concurso nos
mais diversos cantos do País. E nosso programa de ação afirmativa vem beneficiando a
formação de candidatos afrodescendentes.

Gostaria, nesse sentido, de registrar meu reconhecimento ao Embaixador Gonçalo


Mourão, Diretor do Instituto Rio Branco, que tem sido incansável no aprimoramento da
formação dos nossos diplomatas.

Caros formandos,

A escolha que fizeram do patrono e do paraninfo da turma é rica e simbólica em muitos


aspectos. O patrono, Nelson Mandela, dispensa predicados. Da força com que lutou
contra o apartheid ao espírito de conciliação com que exerceu a presidência da África do
Sul, a vida de Mandela ensina muito. A determinação não é sinônimo de inflexibilidade,
e a capacidade de conciliar os opostos pelo diálogo não é sinal de fraqueza ou de inação,
mas de visão de longo prazo e de sabedoria política.

Mandela dizia que a arma mais poderosa não é a violência, mas, sim, a conversa entre
as pessoas. Preconizava a elevação do tema da erradicação da pobreza ao topo das
prioridades globais. Valorizava, antes de tudo, a diversidade no mundo.

Não é necessário ressaltar a enorme afinidade que essa visão guarda com aspectos
essenciais das posições tradicionais da diplomacia brasileira.

A paraninfa, Luiza Helena de Bairros, Ministra de Estado Chefe da Secretaria de


Políticas de Promoção da Igualdade Racial, tem lutado incansavelmente, no Brasil e no
exterior, contra o racismo. Lidando com questões raciais e de gênero, e enfrentando o
racismo ostensivo ou disfarçado, a trajetória da Ministra tem inspirado o
reconhecimento do Brasil que somos e do Brasil que desejamos ser. Parabéns à turma
pela escolha mais do que merecida.

Caros colegas,

Vocês apenas começam a descobrir as implicações da vida que escolheram. É uma vida
marcada pela mudança permanente. Aspecto que, por um lado, a torna dinâmica, rica e
fascinante, mas, por outro, é fonte de desafios para o diplomata e seus familiares.

Espero que guardem sempre consigo a vocação original que os inspirou a prestar o
exame do Instituto Rio Branco. Mantenham sempre o profissionalismo, a excelência, o
respeito ao outro, o espírito público, o desejo, acima de tudo, de servir ao Brasil que
esta Casa ensina e inspira. Tenham sempre presente que, nesta Casa, já não há lugar
para discriminações de qualquer espécie e assédios contra quem quer que seja.

Nisso tem de residir a força do Itamaraty, que hoje vocês passam a integrar plenamente.

Representar o Brasil no mundo é uma honra e um privilégio. E são melhores diplomatas


aqueles que trazem o Brasil dentro de si.
Dizia Nelson Rodrigues: “Já descobrimos o Brasil e não todo o Brasil. Ainda há muito
Brasil para descobrir. Não há de ser num relance, num vago e distraído olhar, que
vamos sentir todo o Brasil. Este país é uma descoberta contínua e deslumbrante.”

Para melhor servir ao nosso País, precisamos estar plenamente comprometidos com seu
destino, com seu futuro. Sigamos juntos neste caminho que nos levará a uma
permanente e fascinante descoberta, de tudo o que é o Brasil e do potencial que tem por
realizar.

Muito obrigado.

2015 - Discurso do Ministro Mauro Vieira por ocasião da cerimônia de formatura


da turma ‘Paulo Kol’ (2013-15) do Instituto Rio Branco – Brasilia, 12 de agosto de
2015
12 de Agosto de 2015 - 12h47
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/11884-discurso-do-ministro-mauro-vieira-por-
ocasiao-da-cerimonia-de-formatura-da-turma-paulo-kol-2013-2015-do-instituto-rio-
branco-brasilia-12-de-agosto-de-2016
É uma grande honra para o Itamaraty voltar a receber a Senhora Presidenta da
República para esta cerimônia de formatura de mais uma turma do Instituto Rio Branco.
Este evento é uma importante tradição de nossa Casa. É, também, uma oportunidade
para refletirmos sobre o presente e o futuro de nossa política externa.
O momento é ainda mais especial por celebrarmos o septuagésimo aniversário do
Instituto Rio Branco, que, desde sua criação, ajuda a assegurar o profissionalismo de
nosso Ministério. É lá que começamos a adquirir as competências técnicas
indispensáveis ao exercício de nossa profissão e à defesa dos interesses de nosso País no
exterior. É lá onde se lançam as bases do prestígio internacional do Itamaraty.
O Instituto representou uma etapa importante no processo de modernização do Estado
brasileiro, assentada na meritocracia, na formação profissional contínua e no sentido de
dever para com a sociedade brasileira. O ideal de uma carreira de Estado preparada para
a defesa dos interesses do País ainda nos move e dá o sentido de missão inerente aos
diplomatas brasileiros.
É, portanto, com o pano-de-fundo do significado institucional e histórico desta
cerimônia, que parabenizo as formandas, os formandos e suas famílias. Em 1975, há 40
anos, eu mesmo tive o privilégio de participar de cerimônia semelhante com os colegas
de minha turma. Todos sabemos das dificuldades e dos desafios que se apresentarão ao
longo da carreira que ora se inicia para vocês, mas sabemos também que o futuro lhes
reserva a oportunidade e a honra de servir ao Brasil. Serão guiados pelo exemplo de
homem público, negociador hábil e servidor incansável que o Barão do Rio Branco nos
legou.

Senhoras e senhores,
Há 52 anos, também numa cerimônia como esta, San Tiago Dantas afirmou que
“desenvolver-se é, sempre, emancipar-se”. Emancipar-se não apenas externamente, mas
também internamente, por meio de uma “sociedade aberta, com oportunidades
equivalentes para todos e uma distribuição social da renda apta a assegurar níveis
satisfatórios de igualdade”.
A articulação entre as dimensões interna e externa, entre desenvolver-se internamente e
projetar-se externamente, constitui um dos fundamentos de toda política externa
comprometida com a sociedade a que deve servir. Um país determinado a promover o
pleno desenvolvimento social, econômico, político e cultural de seus cidadãos estará
mais apto a afirmar-se no mundo.
Mais inclusão interna significa maior projeção externa.
Esta verdade é especialmente evidente no Brasil de hoje. Não é coincidência que, ao
haver-nos tornado um país mais inclusivo, aumentamos nossa capacidade de influenciar
a ordem internacional, refletindo melhor, assim, os valores e interesses do Brasil. A
política externa, como as demais políticas públicas, deve servir, antes e mais que tudo,
ao desenvolvimento integral do Brasil e de seu povo.
Com base nessa orientação fundamental que recebo da Senhora Presidenta Dilma
Rousseff, tenho procurado imprimir um viés eminentemente pragmático à ação do
Itamaraty, com o objetivo de obter resultados significativos e perceptíveis para o País,
na forma de mais comércio, mais investimentos, mais tecnologia. Buscamos
oportunidades e parcerias fundadas no melhor interesse nacional, sem exclusivismos,
sem dogmatismos.
O Itamaraty tem trabalhado também por manter e ampliar a capacidade do Brasil de
influenciar processos decisórios internacionais relevantes para a sociedade brasileira.
Este elemento de nossa política reveste-se de importância crescente à medida que as
agendas interna e externa relacionam-se de modo cada vez mais profundo.
As recentes visitas de Vossa Excelência, Senhora Presidenta, ao México, aos Estados
Unidos, à Bélgica, ao Panamá e à Rússia, bem como as visitas agendadas proximamente
para a Colômbia, Suécia, Japão e Vietnã, para citar apenas alguns exemplos,
demonstram seu envolvimento direto e pessoal na tarefa de dar concretude e visibilidade
a uma política externa que é, cada vez mais, um fator do desenvolvimento do País.
Uma política externa assim concebida deve saber nutrir-se do inédito interesse pelos
assuntos internacionais que se observa nos mais distintos setores da sociedade
brasileira. Deve apoiar-se efetivamente numa diplomacia pública e envolver uma
variada gama de atores: o Congresso Nacional, os diversos órgãos de Governo, a
sociedade civil, o setor produtivo e os entes federados.
É a ligação profunda entre nação e diplomacia que permite que a voz do Brasil seja
escutada e respeitada e, assim, influencie o tratamento dos principais temas da agenda
internacional. É a conexão com a sociedade que torna possível a tarefa de garantir ao
Brasil um lugar no mundo condizente com sua importância.
Nesse contexto, é natural que nossa política externa seja de índole reformista. Do
mesmo modo que, internamente, o Brasil avançou na superação de desigualdades,
externamente, o País não aceita uma ordem internacional ainda marcada por resquícios
do passado, que não reflete adequadamente o peso dos países emergentes.
O Brasil, por exemplo, tem a quinta maior população, o quinto maior território e a
sétima maior economia do planeta. Tem uma população e uma cultura diversificadas.
Dispõe de grandes reservas de recursos naturais. Tem atuação destacada nos vários
foros multilaterais, como a ONU e a Organização Mundial do Comércio. Somos parte
de agrupamentos políticos dotados de capacidade de reformar a governança global,
como o BRICS, IBAS, o BASIC, o G-4 e os G-20 econômico-financeiro e comercial.
Somos um tradicional e importante contribuinte de tropas para operações de
manutenção da paz e o país que, ao lado do Japão, mais vezes foi eleito membro não-
permanente do Conselho de Segurança.

Senhoras e senhores,
Nossas demandas por uma ordem internacional inclusiva, fundada na paz e na
prosperidade compartilhada, exigem de nós a capacidade de articular e propor uma
visão de futuro tão abrangente quanto possível.
Na visão de futuro que propomos, a ordem internacional deve fundar-se no binômio paz
e desenvolvimento, com pleno respeito aos direitos humanos. Cabe aqui a imagem do
binômio porque ambos os conceitos – paz e desenvolvimento – são interdependentes e
se reforçam mutuamente. Não há paz verdadeira em meio à exclusão, assim como a
superação da exclusão é grandemente facilitada por um ambiente de paz.
Todo e qualquer sistema internacional que se pretenda estável e funcional deve
contribuir para o desenvolvimento sustentável dos países. Isso implica, antes de tudo,
reformar foros e estabelecer marcos legais e estruturas institucionais que apoiem
ativamente os esforços nacionais de desenvolvimento.
Nesse contexto, a erradicação da pobreza em escala mundial deve ser o principal
objetivo da comunidade internacional nos próximos anos, a tarefa central a cumprir-se
no âmbito da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015.
Nosso compromisso com o futuro exige especial cuidado com o meio ambiente, como
demonstramos na Rio+20 e voltaremos a fazê-lo na Conferência de Paris sobre
Mudança do Clima, em dezembro. Devemos todos contribuir para a superação do
desafio – que a todos se impõe – de promover a prosperidade atual com crescimento
econômico, inclusão social e respeito ao meio ambiente. É indispensável fazê-lo com
equidade, reconhecendo a desigualdade dos níveis de desenvolvimento entre os países.
No caso da mudança do clima, o princípio de responsabilidades comuns porém
diferenciadas é absolutamente indispensável.
O segundo elemento daquele binômio – a paz – exige atenção permanente,
especialmente num quadrante da história em que se agravam conflitos, crises, injustiças
e violações dos direitos humanos, frequentemente alimentados pela pobreza, pela
fragilidade das instituições estatais, por extremismos de toda ordem e por ódios étnicos
e religiosos. São alimentados também pela grande dificuldade da comunidade
internacional de coadjuvar eficazmente esforços de paz e entendimento político, no que
tenho chamado de "déficit de diplomacia" no mundo.
Não deixa de impressionar que, a despeito de desdobramentos promissores recentes,
ainda persista uma atitude de desvalorização da negociação, de banalização do uso da
força e de recurso fácil a sanções, com resultados muitas vezes desastrosos. Num
desafio aberto às lições da história recente, vozes influentes em círculos decisórios
mundo afora ainda sustentam que a resposta à violência é mais violência, que as causas
dos problemas políticos podem ser enfrentadas por meio da força.
Nesse cenário, o acordo sobre o programa nuclear do Irã e a retomada das relações
diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos fortalecem nossas esperanças na
revalorização do diálogo e da diplomacia. O Governo brasileiro, que tem defendido há
anos a via da negociação em ambos os casos, saudou as lideranças que tiveram a
coragem política e a determinação para apostar no entendimento.
A prevalência dos direitos humanos – econômicos, sociais, políticos e culturais - é, a um
só tempo, condição e consequência do desenvolvimento e da paz. É, portanto, parte
constitutiva da visão de futuro que o Brasil propõe para a ordem internacional.
Outra característica essencial da ordem que queremos é o multilateralismo. Este se
assenta na multipolaridade em gestação, mas vai além, pois deve gerar instâncias
decisórias internacionais condizentes com a realidade geopolítica e os imperativos
éticos próprios de nossa era.
Assim, é cada vez mais urgente uma reforma que torne mais representativa e eficaz a
Organização das Nações Unidas, que completa, em 2015, 70 anos. Seu Conselho de
Segurança, cuja composição atual não tem mais cabimento no século XXI, deve passar
por mudanças em sua estrutura, para que possa lidar de maneira mais efetiva com os
principais desafios relacionados à paz e à segurança internacionais. Como a Senhora
Presidenta Dilma Rousseff tem reiterado nos discursos de abertura da Assembleia Geral
da ONU, o Brasil é reconhecidamente um ator que pode contribuir para os trabalhos de
um Conselho de Segurança expandido e renovado, com legitimidade reforçada pela
presença de novos atores.
A reforma das instituições de governança econômico-financeira também é premente. A
crise econômica internacional é um alerta para a necessidade de que os países em
desenvolvimento tenham maior peso no processo decisório, inclusive porque esses
países têm dado importante contribuição para a retomada do crescimento mundial.
A recente constituição do Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente
de Reservas do BRICS, por exemplo, é uma demonstração clara de que nossa visão de
futuro é plenamente realizável.
O que propomos como visão de futuro já nos guia na construção do presente, a começar
pela busca da paz.
Em nossa região, temos uma longa tradição de convivência harmônica com nossos
vizinhos, que não nos foi legada, e sim conquistada ao longo de muitos anos de atuação
diplomática. Nosso objetivo é fortalecer ainda mais os mecanismos de construção de
consensos políticos e solução pacífica de diferenças. Bem o demonstra a UNASUL, que
é um importante instrumento para o encaminhamento pacífico de problemas políticos no
continente.
Nossa parte do mundo é também, e cada vez mais, um espaço de desenvolvimento
sustentável e integração, de que é exemplo o MERCOSUL. Em nossa região, é clara a
convicção de que todos temos muito a ganhar se unirmos forças.
No plano extrarregional, estamos dedicados a diversificar, ainda mais, nossas parcerias.
Demos novo ímpeto ao universalismo característico da política externa e que faz do
Brasil um dos poucos países do mundo que se pode orgulhar de manter relações com
todos os Estados-membros das Nações Unidas.

Senhoras e senhores,
O Itamaraty é uma das mais respeitadas instituições do Estado brasileiro. Ao longo dos
anos, a atuação de nossa diplomacia contribuiu para a definição do território nacional,
para assegurar a paz em nosso continente e para a promoção de nosso desenvolvimento
socioeconômico.
Uma das atribuições fundamentais de nosso Ministério é defender o cidadão brasileiro
no exterior e promover nossos interesses econômicos no plano internacional.
No primeiro caso, trabalhamos constantemente para aumentar a eficiência e a qualidade
de nossos serviços consulares, com foco na defesa dos grupos mais vulneráveis e na
elaboração de normas internacionais que assegurem os direitos fundamentais dos
migrantes.
No segundo caso, o Itamaraty tem atuado diligentemente para promover a exportação de
bens e serviços brasileiros. Neste ano em que o nosso Departamento de Promoção
Comercial completa seu cinquentenário, é com orgulho que avaliamos a longa e bem-
sucedida experiência do Ministério em matéria de promoção comercial e atração de
investimentos. São atividades que geram empregos no Brasil e ajudam a ampliar e a
diversificar nossas exportações, em conformidade com o propósito de uma política
externa efetivamente voltada para o desenvolvimento do País.
Em linha com esse propósito, valorizamos a diplomacia econômica, com especial
atenção às economias dinâmicas em diferentes partes do mundo. Abrem-se perspectivas
de negociação de acordos comerciais e avança o estabelecimento de uma rede de
acordos de cooperação e facilitação de investimentos, instrumentos de nova geração
concebidos e aperfeiçoados pelo Brasil.
Outra importante área de atuação do Ministério tem sido a diplomacia pública, em
particular no que se refere à realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de
Janeiro. Iniciamos intenso diálogo com a mídia internacional, em que enfatizamos o
estágio avançado das obras e a qualidade do projeto dos Jogos como indutor de
desenvolvimento e de transformação urbana do Rio de Janeiro.

Caros colegas,
Com o apoio da Senhora Presidenta da República, tenho o compromisso de seguir
fortalecendo nosso Ministério, para que disponha dos recursos humanos e materiais
indispensáveis ao cumprimento de suas atribuições. Tenho contado e seguirei contando,
nessa tarefa, com o auxílio do Secretário-Geral, Embaixador Sérgio Danese, que tem
sido incansável no diálogo com os Ministérios pertinentes. Tem também dialogado com
a Casa no sentido de elevar a eficiência dos gastos na Secretaria de Estado e nos Postos,
com prioridade para o atendimento ao cidadão brasileiro, a cooperação internacional, a
difusão cultural, a promoção comercial, as atividades de política bilateral e a
participação em negociações internacionais.
Continuaremos a modernizar nossa administração e a valorizar nosso principal ativo, os
integrantes do Serviço Exterior Brasileiro. Seguiremos envidando esforços para
atualizar, permanentemente, nossos métodos de trabalho e processos decisórios.
Seguiremos racionalizando e dando maior eficiência a nossos gastos, em meio ao
esforço mais amplo que vem sendo realizado por todos os setores do Governo
brasileiro. Queremos também conferir maior previsibilidade e estabilidade a nossa
gestão de recursos e de pessoal.
Seguiremos atentos às principais questões relativas à ascensão funcional e à
qualificação profissional de nossos funcionários e manteremos diálogo constante com
todas as categorias do serviço exterior. Todos os que estão a serviço do Brasil aqui e no
exterior, muitas vezes enfrentando situações de adversidade e de sacrifício pessoal,
continuarão a contar com a atenção, o apoio e o empenho das chefias da Casa.
A abertura ao diálogo é também uma exortação a que permaneçamos unidos em torno
do interesse comum de fortalecer o Ministério. É a união de todos que nos permitirá
atingir o objetivo comum de um Itamaraty mais vigoroso e eficaz na defesa dos
interesses fundamentais do País no exterior. A coesão é componente essencial do
cimento que faz do Itamaraty uma instituição sólida e respeitada.
Senhora Presidenta, caros formandos,
A turma que hoje conclui o curso de formação é um reflexo de um novo Brasil e,
portanto, de um novo Itamaraty. Os 32 formandos são originários de 15 Estados e
concluíram 11 cursos universitários diferentes, no campo das ciências humanas, exatas e
biológicas. Essa diversidade de origens e de formação enriquece e renova nossa
instituição.
O orador, Secretário João Lucas Ijino Santana, tem uma trajetória representativa de
nossa nova realidade: concluiu seu curso universitário no interior da Bahia, foi
beneficiário do Programa de Ação Afirmativa na preparação para o concurso do
Instituto Rio Branco, no qual foi aprovado com amplos méritos, e partirá em breve para
cumprir missão no Haiti, um dos países que mais simbolizam o esforço brasileiro em
promover a paz e o desenvolvimento.
Orgulhamo-nos muito deste novo Ministério, que é cada vez mais representativo de
nosso País. Orgulhamo-nos da energia e disposição das novas gerações para enfrentar os
desafios da carreira. Tenho a confiança de que vocês, diplomatas que agora se formam,
manterão esse ânimo ao longo de suas carreiras e trabalharão pelo Brasil com grande
entusiasmo, como as gerações anteriores.
Agradeço ao Embaixador Gonçalo Mourão seu dedicado trabalho à frente do Instituto
Rio Branco.
Felicito também a turma pela escolha de seu patrono, o professor José Paulo Tavares
Kol, mestre que legou um exemplo de profissionalismo e de amor ao trabalho.
Manifesto aos familiares e amigos do Professor Kol meus sinceros sentimentos por sua
perda prematura.
Congratulo os formandos também pela escolha do Embaixador José Alfredo Graça
Lima como paraninfo. Conheço-o há mais de três décadas e sou testemunha e admirador
de suas qualidades de grande diplomata, um de nossos expoentes no campo da
diplomacia econômica e comercial. Como professor do Instituto Rio Branco, deu
também grande contribuição para o treinamento das novas gerações de diplomatas e
para a compreensão dos desafios inerentes ao sistema multilateral de comércio e à
economia internacional. Os conhecimentos e a grande experiência do Embaixador
Graça Lima nos inspiram neste momento em que buscamos incrementar a presença do
Brasil no mundo.
Ao concluir, transmito à turma que agora se forma meus votos de felicidade pessoal e
êxito nesta nova etapa.
Mantenham sua energia criativa e sua capacidade de inovar, inspirados por autêntico
espírito público. Vocês são o futuro do Itamaraty e terão papel importante na execução
de uma política externa sempre voltada à defesa dos interesses de nosso País.
O ex-Chanceler João Augusto de Araújo Castro, cujo falecimento completará, em breve,
40 anos, nos lembra que não podemos permitir-nos a apatia e a indiferença e que “em
qualquer ordem mundial do futuro, o Brasil terá de reclamar o lugar que corresponde a
suas imensas potencialidades”.
Acreditar no futuro do Brasil é o dever de todos nós diplomatas. Viver e moldar esse
futuro será um privilégio de vocês, jovens formandos.
Não tenho dúvidas de que se dedicarão com afinco à empreitada, que é da vida toda, de
contribuir para que tenhamos um País cada vez mais justo, próspero e respeitado entre
as nações.
Agradeço, uma vez mais, à Senhora Presidenta da República a honra que nos concedeu
de presidir esta cerimônia.
Muito obrigado.

2016 e 2017 - Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes


Ferreira, por ocasião da cerimônia de formatura das turmas D. Paulo Evaristo
Arns (2014-2016) e Bertha Lutz (2015-2017), do Instituto Rio Branco – Palácio
Itamaraty, 20 de abril de 2017
20 de Abril de 2017 - 11h35
Excelentíssimo senhor Presidente da República, Michel Temer;
Senhor Presidente do Congresso Nacional, meu caríssimo colega, Senador Eunício
Oliveira;
Senhores ministros, senhora ministra;
Meus colegas de Ministério;
Senhor Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador Marcos Galvão;
Senhor embaixador do Brasil em Buenos Aires, paraninfo das turmas Paulo Evaristo
Arns e Bertha Lutz, Embaixador Sérgio França Danese;
Senhor Diretor-Geral do Instituto Rio Branco, Embaixador José Estanislau do Amaral
Souza Neto;
Meus prezados colegas do Itamaraty;
Senhoras formandas;
Senhores formandos;
Familiares dos formandos aqui presentes, inclusive o jovem Bernardo, que
choramingava ainda há pouco aqui no nosso auditório, e que saudava a presença aqui
entre nós de sua mãe.
Meus amigos;
O Itamaraty celebra hoje, 20 de abril, com a honrosa presença do senhor presidente da
República, o Dia do Diplomata. É um dia que marca o nascimento do barão do Rio
Branco, e a formatura de novos diplomatas.
A observância dessa data é uma das tradições mais caras ao Itamaraty, e ela é retomada
hoje, com a presença do presidente da República entre nós, depois de um hiato de cinco
anos. Nós estamos voltando à normalidade.
E que sejam as minhas primeiras palavras as de agradecimento ao senhor presidente
Michel Temer, por ter recolocado o Itamaraty no centro da formulação e da execução da
política externa brasileira, seguindo uma rota que conquistou, para nossa diplomacia,
respeito e apreço no Brasil e no mundo. Essa é a orientação que recebi e que todos nós
recebemos do presidente Temer: executar uma política de estado que, sendo
universalista por vocação e também por tradição, tem os seus olhos voltados para o
nosso entorno regional. Até porque esse é um mandamento da nossa constituição:
buscar a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina.
A nossa diplomacia há de ser sempre um instrumento a serviço da modernização e da
prosperidade do nosso país; uma política de estado em prol da estabilidade da nossa
região e do mundo.
Em uma conjuntura marcada pela imperiosa tarefa de recuperar a economia brasileira, a
política externa está empenhada em ajudar no processo da retomada do crescimento.
Mas erra, minhas senhoras e meus senhores, quem pensa que as relações internacionais
são feitas apenas de interesses. Sem a argamassa dos valores e dos princípios, aliás,
todos eles fixados, meu caro presidente, na nossa constituição, no artigo 4º da nossa
constituição; sem a argamassa desses princípios, o edifício das relações entre países não
resiste à primeira intempérie.
Nós ganhamos consistência na nossa atuação internacional quando refletimos as
preocupações com os direitos humanos, com a democracia e com a sustentabilidade. E
fazemos isso porque é isso que espera de nós a sociedade brasileira.
É com muita alegria que nós celebramos hoje a formatura das turmas 2014-2016 e
2015-2017, uma delas conhecida como a turma dos 18 de Copacabana. Aliás, todos
sobreviveram às etapas da sua formação e terão pela frente uma vida longa e feliz.
Eu quero dar as boas-vindas a cada um dos jovens colegas aos quadros do Itamaraty,
felicitá-los pela escolha que fizeram e pelo êxito que alcançaram em um dos concursos
mais competitivos, mais duros do Brasil, e pelo curso que acabam de concluir.
Eu recebi ontem famílias dos nossos formandos, senhor presidente. E eu penso que essa
é a festa dos formando, mas é sobretudo a festa das famílias. A alegria que eu vi em
cada um deles, a emoção que eu vi em cada um dos parentes, dos amigos por essa
conquista foi algo que me tocou, me tocou profundamente. Cheguei a me lembrar, meu
caro presidente, do momento em que eu conclui o meu curso na nossa faculdade de
direito, uma extraordinária proeza.
Pois saibam que se apresentam, nos concursos do Itamaraty, cerca de cinco a seis mil
candidatos para trinta vagas. É um concurso muito difícil, porque são todos muito bem
preparados. Às vezes se apresentam mais de uma vez; duas, três vezes, até conseguirem
ingressar e alcançar o seu objetivo. E à medida que o tempo vai passando, que o Brasil
vai mudando, os concursos acolhem, com seu resultado, pessoas das mais diferentes
regiões e dos diferentes estados do Brasil. É claro que nossos novos ingressantes
estavam concentrados, há até alguns anos, há até algumas décadas atrás, no Rio de
Janeiro, onde ficava o Itamaraty, em São Paulo, em Minas Gerais, nos estados mais
populosos. Hoje, os ingressos estão distribuídos pelo país inteiro e as nossas promoções
refletem a diversidade do nosso país. São o retrato do Brasil. Um retrato que precisa ser
ainda mais focado. Precisamos aprimorar, ainda, os nossos mecanismos de apoio à
diversidade e à inclusão. Mas o fato é que os formandos são um retrato do nosso país.
Há algum tempo, os formandos vinham de famílias de diplomatas, seguindo a vocação
que conquistaram no convívio com seus familiares. Filhos e netos de diplomatas
prestavam o concurso e ingressavam no Itamaraty. Assim como eu, que sou filho e neto
de advogados, vi nascer em mim a vocação para a carreira jurídica. Hoje, não mais. Há
uma enorme diversidade nas famílias de onde provêm nossos jovens diplomatas, que
estão iniciando hoje uma carreira que é única, como já foi bem ressaltado aqui pelos
oradores das turmas e pelo Embaixador Danese, que envolve mudanças, sacrifícios e
dedicação, mas traz também uma enorme satisfação de servir ao Brasil e ao nosso povo.
Uma carreira que é uma espécie de sacerdócio laico, porque vocês já notaram que
ingressaram em uma corporação, no bom sentido da palavra, que atua segundo códigos
regulamentares e que cultiva tradições, para poder cumprir com eficiência as suas
tarefas e atribuições.
Eu, quando cheguei aqui, me deparei inclusive com uma terminologia própria:
telegrama. Não se faz mais telegrama. Mas recebemos telegramas dos postos no
exterior, alguns deles contendo análises primorosas, os quais envio à Vossa Excelência.
Quando peço alguma informação para me orientar, para me subsidiar no contato com
autoridades de outro país, eu recebo "papéis", não informações. É um claro exemplo de
antonomásia. Há até pouco tempo, esses telegramas ficavam armazenados em caixas
chamadas "sarcófagos".
Há um estilo, um modo de falar, que eu aprecio muito, porque é uma expressão que
busca traduzir, na fala, um pensamento bem articulado, disciplinado, elegante. Uma
elegância que não se confunde com esnobismo, mas com bom gosto, equilíbrio. Um
estilo alheio à hipérbole, aos exageros, mas que não deixa de ser muito firme na defesa
dos interesses nacionais. É um estilo conciliatório, mas que busca resultados concretos e
a projeção dos valores da sociedade brasileira.
Eu valorizo a tradição, sem me deixar aprisionar por ela. E esta é uma Casa que valoriza
a tradição. Vocês irão incorporar, na vida cotidiana, a tradição diplomática, que é o que
garante a continuidade na defesa dos objetivos permanentes do estado, a começar por
aqueles que estão inscritos na nossa Constituição Federal. Essa tradição rejeita o
voluntarismo diplomático.
Ficou entre nós a lição de Joaquim Nabuco, escrita em seu Diário, a propósito da missão
de Rui Barbosa em Haia: "não se fica grande por dar pulos. Não podemos parecer
grandes, senão o sendo".
Isso quer dizer que, na defesa de nossos interesses globais, é preciso granjearmos, cada
vez mais, poder para influir de modo decisivo. Essa influência se conquista com esforço
metódico, com avanços econômicos, mas também científicos, culturais, tecnológicos e
de cooperação, capazes de imprimir densidade em nossas relações com outros países. E
a conquista dessas condições passa, necessariamente, como lembra Rubens Ricupero,
em obra editada pela Fundação Alexandre de Gusmão, pelo processo de
desenvolvimento.
Uma prioridade da nossa tradição diplomática, inscrita nos nossos códigos de conduta,
nos nossos objetivos, desde a década de 1930, pelo menos.
A atuação de nosso país no mundo tem a seu favor um atributo essencial, que é a
credibilidade lastreada em uma nítida identidade nacional. Vocês já têm ocasião de
constatar, a forma como o Brasil é visto no exterior. Quando nos perguntam quem é o
Brasil, nossa resposta está naquilo que nós fazemos, na forma como nós nos
comportamos.
O Brasil é visto como uma grande democracia, um país amante da paz, comprometido
com o direito internacional e a solução pacífica de controvérsias.
O nosso território, imenso território, foi delineado por atos jurídicos, por acordos e
tratados diplomáticos, que consolidaram não apenas a herança que recebemos dos
portugueses, mas também a conquista territorial laboriosa dos nossos povoadores, dos
nossos sacerdotes, e que foi sacramentada pelos nossos diplomatas.
É um país que se pauta pelo respeito às instituições multilaterais e pela busca concertada
de soluções para os grandes desafios globais, em áreas como comércio e finanças, paz e
segurança, democracia, direitos humanos e mudança do clima.
Nós somos admirados não apenas pela palavra empenhada, pela força da palavra
empenhada, mas, sobretudo, por nossas ações como disse demonstradas em operações
de paz de que participamos, na liderança do processo que permitiu a adoção do acordo
de Paris sobre a mudança do clima, nas negociações em curso para assegurar o
desarmamento nuclear, nos esforços para integrar a nossa região na democracia.
Nós somos admirados também por uma cultura vibrante, pela diversidade da nossa
população, pela força da nossa democracia, pela indústria forte, uma agricultura
competitiva, e esse ativo estratégico extraordinário que é nossa biodiversidade.
Vocês vão representar, meus caros formandos, um país cada vez mais respeitado, um
país que não foge das suas responsabilidades como ator global, de crescente influência
internacional.
Um país que reconhece seus próprios desafios, mas que os enfrenta com desassombro e
sem ter medo de assumir o lugar que lhe cabe no concerto das nações.
É com esse mesmo desassombro que cada um deverá encarar o seu papel ao longo da
vida profissional.
Faço votos de que aproveitem cada etapa da caminhada que elegeram, preservando,
como aconselhou ainda há pouco o Embaixador Danese, o necessário equilíbrio entre os
objetivos profissionais e a realização de uma vida pessoal, que se constrói nos afetos, na
solidez da amizade e no convívio familiar.
Essa carreira a que vocês agora seguem, meus caros amigos, é motivo de orgulho para
todos nós. Felicito-os pela escolha não apenas do paraninfo, mas também do nome do
cardeal D. Paulo Evaristo Arns que, e eu não exagero, foi um herói na luta pela
democracia no Brasil, pelo respeito pelos direitos humanos, e da batalha pela dignidade
humana. E a turma que recebeu o nome de Bertha Lutz também homenageia uma
pessoa, que aliás dá o nome a um dos prêmios instituídos pelo Congresso Nacional para
agraciar as pessoas que se distinguiram na luta pela igualdade das mulheres, o nome de
Bertha Lutz.
Meus caros amigos, eu gostaria de encerrar na lembrança de um discurso que li,
pronunciado por Graciliano Ramos, que foi transcrito pelo seu filho, Ricardo, em um
perfil que traçou do seu pai. Graciliano Ramos, depois de dar várias voltas no seu
discurso de paraninfo, concluiu como eu concluo agora: eu desejo que vocês sejam
muito felizes.

2018 - Discurso proferido pelo ministro Aloysio Nunes Ferreira durante a


formatura da Turma Marielle Franco (2016-2018), por ocasião do dia do
diplomata – Palácio Itamaraty, 20 de abril de 2018
20 de Abril de 2018 - 18h03
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/18699-discurso-proferido-pelo-ministro-aloysio-
nunes-ferreira-durante-a-formatura-da-turma-marielle-franco-2016-2018-por-ocasiao-
do-dia-do-diplomata-palacio-itamaraty-20-de-abril-de-2018
Excelentíssimo senhor Presidente da República, Michel Temer;
Senhor secretário-geral das Relações Exteriores, embaixador Marcos Galvão;
Senhor diretor-geral do Instituto Rio Branco, embaixador José Estanislau do Amaral;
Embaixadora Tereza Quintela, paraninfa da Turma Marielle Franco;
Professora Sarah Walker;
Senhora Marinete da Silva e senhor Antônio da Silva Neto, pais da nossa patrona dessa
formatura, Marielle Franco,
Ministros de Estado aqui presentes;
Minhas senhoras, meus senhores pais dos formandos;
Meus caros formandos.

Eu quero começar por agradecer, Presidente Temer, a sua honrosa presença nesta
cerimônia. Desde o ano passado, vossa excelência retoma essa tradição que é um
orgulho para nós: a presença do Presidente da República nessa data tão relevante para a
vida dessa instituição. A data em que comemoramos – basicamente comemoramos –
comemoramos a formatura dos novos diplomatas e também celebramos o aniversários
da figura tutelar da diplomacia brasileira que é o Barão do Rio Branco. Aliás, eu queria
mencionar uma passagem do belo discurso que fez hoje o orador da turma quando ele se
refere à necessidade permanente que nós, que nos dedicamos à política externa, de nos
comunicarmos com a sociedade, de fazermos com que a opinião pública se apodere dos
temas de política externa, mostrando-lhes a vinculação – mostrando aos nossos
compatriotas a vinculação íntima que existe entre os desafios que o Brasil enfrenta no
exterior, como superá-los e a superação dos nossos problemas, as nossas dificuldades, e
dos obstáculos ao nosso desenvolvimento. E o Barão de Rio Branco foi capaz de fazer
isso. Ele foi ministro de Relação Exteriores durante muitos anos e ao mesmo tempo foi
figura cultuada no Brasil. Todas as vezes que chegava ao Brasil depois da sua
participação em conferências internacionais nas quais ajudou a moldar, a definir os
nossos limites, ele era recebido com manifestações de enorme gaudio popular. E quando
faleceu foi objeto também de uma extraordinária manifestação do povo de homenagem
a ele, que de alguma forma foi homenagem também ao papel da diplomacia na
construção do nosso país.
Eu não quero, Senhor Presidente, não seria adequado fazer nesse momento um balanço
daquilo que temos feito sob sua direção no Ministério das Relações Exteriores. Penso
que procuramos aqui no ministério sintonizar a política exterior brasileira, os rumos que
temos imprimido a ela ao ambicioso programa de reformas que Vossa Excelência
empreende na Presidência da República. Eu penso que hoje sobretudo, da minha parte, é
momento de ressaltar esta alegria daqueles que hoje ingressam nessa carreira e
celebrarmos através dos formandos essa boa tradição de perseguir o interesse nacional
através da sua ação diplomática. Busca do interesse nacional que não se desvincula do
culto de valores, que são valores, como Vossa Excelência já se referiu na cerimônia do
ano passado, expressos na própria Constituição brasileira: a independência nacional, a
busca de solução pacífica das controvérsias, o primado do direito internacional, uma
política externa que contribua para o desenvolvimento do país, uma política externa que
promova a integração da América Latina do ponto de vista econômico, cultural,
político. Enfim, uma política externa que, baseada em ideias e valores simples, claros,
nos fornecem esses valores guias para nos mover em situações complexas, como é a da
situação do mundo de hoje.
Vocês, meus queridos formandos, ingressam hoje numa corporação que é muito ciosa
da sua organização, da sua tradição, do seu valor e da contribuição que presta ao país. E
o discurso do orador da turma foi todo ele orientado nessa linha. Um corpo de
servidores do estado, recrutados em um concurso duríssimo – e é mais uma razão para
celebrarmos hoje essa conquista de vocês e de seus parentes. Uma carreira orientada
pelo princípio do mérito, uma carreira estruturada em regras claras e que precisam
tornar-se cada vez mais claras e transparentes.
Nesse sentido, Senhor Presidente, nós estamos elaborando um anteprojeto que vamos
submeter a Vossa Excelência, de uma nova Lei do Serviço Exterior brasileiro, que
busca exatamente alcançarmos esse objetivo: uma carreira que seja previsível, uma
carreira onde a pessoa que ingressa sabe quais são os passos que deve ultrapassar para
ter a progressão na sua carreira, que haja igualdade de oportunidades a todos na
ocupação de postos importantes, que possa fazer o equilíbrio entre a presença do
diplomata em outros países e a presença aqui na Secretaria de Estado, uma carreira
previsível imune a ingerências que possam provocar a tão detestada carona daquele que
ultrapassa o mérito, a avaliação interna, a avaliação hierárquica em razão de proteções
que não levam em conta o mérito das pessoas. Esse é o sentido que Vossa Excelência
imprime à sua gestão e eu agradeço imensamente o fato de que o senhor, ao longo
desses anos, desse tempo em que estou aqui no ministério, tenha sempre prestigiado
esse critério da impessoalidade de do mérito, mas que é preciso aperfeiçoar.
O discurso da nossa paraninfa nos faz alguns alertas. Nós temos hoje nessa turma um
terço de mulheres. O embaixador Estanislau já me disse que na turma que entra a
proporção aumenta e ultrapassamos 40%. Mas além do ingresso é preciso que as
mulheres tenham oportunidade na carreira para que elas possam ascender sem precisar
servir de troféu para ser exibido aos outros, como apanágio da igualdade. Não se trata
apenas de ingressar – e ingressar já é difícil – mas ascender, ocupar postos de relevo
onde possam ter voz que seja escutada e levada em conta. Esse ingresso, embaixadora
Tereza Quintela, ocorreu em 1918 – a primeira diplomata – e ocorreu em razão de uma
medida judicial, a partir de um parecer de Rui Barbosa.
Rui Barbosa, Presidente, que exarou esse parecer a pedido da candidata que foi a
primeira diplomata, valeu-se da gramática para abrir a porta para esse primeiro ingresso.
A lei dizia que o Serviço Exterior Brasileiro estava aberto para brasileiros, e se entendia
que brasileiros eram do sexo masculino. Rui Barbosa então, com recurso à gramática,
elucidou a questão e deu razão à postulante – brasileiros e brasileiras. O que é
dramático, senhor Presidente, é que ontem me dizia a embaixadora Tereza Quintela, é
que durante um período entre 1938, se não me engano, e 1954, as mulheres não podiam,
por disposição expressa da lei, ingressar no serviço diplomático. O serviço diplomático
estava aberto apenas a homens. Sexo masculino. E também foi mediante um recurso
judicial que essa porta foi aberta. Foi aberta por pessoas valorosas como a senhora e
outras tantas diplomatas que souberam afirmar o seu valor ao longo do percurso da vida
profissional. Mas o seu discurso é realmente um alerta, nos coloca diante da
preocupação constante de levarmos em conta essa necessidade de abrir espaço para que
as mulheres possam contribuir para a carreira diplomática, para a vida dessa instituição,
na medida do seu valor.
Eu queria, senhor Presidente, fazer uma referência também muito emocionado aos pais
da Marielle Franco, que aqui estão presentes. Tive a ocisão de conhecê-los quando
chegava agora ao ministério acompanhado da minha mulher. Eu queria dizer aos
senhores que também sou pai, sou avô, e a perda de um filho, especialmente nas
condições em que perderam Marielle é algo.. é uma ferida que não se fecha nunca. E eu
espero que essa homenagem que prestamos à sua filha possa de alguma maneira
confortá-los e dar-lhes a certeza de que aqueles que tentaram matar a Marielle pela
segunda vez não prevalecerão. Tentaram matar Marielle pela segunda vez ao espalhar
sobre ela a baba nojenta da calúnia. Saibam que o nome desta turma fará com que o
nome dela seja lembrado aqui no instituto e no Itamaraty. Ele não desaparecerá da nossa
memória. Não apenas porque a figura dela – a figura de uma pessoa que lutou
corajosamente pelos ideais da igualdade, da justiça, da não-discriminação, da não-
violência, da dignidade da pessoa humana (e que por isso mesmo morreu) – o nome
dela não será esquecido. Mesmo porque os valores que ela defendeu são valores hoje
amplamente compartilhados pela sociedade brasileira. São valores que vêm do fundo da
sociedade brasileira. O Brasil não aceita, não aceitará discriminação, violência,
intolerância. O Brasil quer viver uma sociedade livre, democrática, aberta, onde o
preconceito não prevaleça, onde as pessoas possam ser valorizadas por elas mesmas.
Não apenas o preconceito, como o privilégio, é algo que não aceitamos mais. O povo
brasileiro não aceita mais. Nessa medida, sua filha Marielle é muito representativa desse
país novo que vai lutando para se livrar de coisas antigas, velhas, arcaicas, carcomidas,
e quer se afirmar como país que todos nós queremos construir aqui entre nós e que
vocês, caros amigos, formandos, novos diplomatas, contribuirão certamente para
fortalecer ao longo de sua atividade.
Eu desejo que vocês sejam sobretudo muito felizes. Aproveitem a carreira. Aproveitem
os postos desafiadores. Não se deixam acomodar pelo culto dos processos que se
esgotam em novos processos. Que não se deixem embotar pela burocracia. Vocês já
demonstraram serem muito representativos do país, pela origem geográfica, pela origem
social, pela formação prévia que tiveram antes de ingressar no Rio Branco – vi ontem
filósofos, médicos, militares, engenheiros que ingressaram na nossa careira e que
poderão a partir dessa formação, da sensibilidade que trazem do Brasil, fazer com que
realmente com que vocês sejam, como disse o orador, a voz do povo brasileiro. Meus
parabéns, felicidades a todos.
Aula inaugural
Aula Inaugural do Ministro Mauro Vieira no Instituto Rio Branco – Brasília, 18 de
janeiro de 2016
18 de Janeiro de 2016 - 10h00
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/12895-aula-inaugural-do-ministro-mauro-vieira-no-
instituto-rio-branco-brasilia-18-de-janeiro-de-2016
Embaixador Gonçalo Mourão, Diretor-Geral do Instituto Rio Branco,
Senhores Subsecretários,
Senhoras e Senhores Professores,
Caríssimos alunos da Turma de 2015,

É com grande alegria que venho proferir esta aula inaugural aos diplomatas que iniciam
o seu curso de formação no Instituto Rio Branco.
Quero em primeiro lugar dar-lhes as boas-vindas, felicitando-os pelo ingresso nesta que
é uma das mais importantes carreiras do Estado brasileiro.
Estou certo de que, como eu, cada um dos colegas mais antigos na carreira aqui recorda
com emoção e afeto seu primeiro dia de aula no Rio Branco.
Como servidores do Itamaraty, vocês terão o grande privilégio de trabalhar em prol do
desenvolvimento do Brasil e de defender os interesses de nosso País no mundo. O
serviço exterior implica, como é natural, alguns desafios e sacrifícios, mas também
oferece excepcionais possibilidades de realização e de crescimento pessoal e
profissional.
O Itamaraty é uma instituição com uma longa história e com quadros reconhecidamente
qualificados, que, nos últimos 70 anos, passaram por esses mesmos bancos hoje
ocupados por vocês. O Instituto Rio Branco tornou-se uma referência por seu trabalho
pioneiro na formação e aperfeiçoamento constante de nossos quadros, na produção de
trabalho intelectual sobre nossa política externa e na cooperação com universidades e
centros de pesquisa do Brasil e do mundo.
Vocês devem orgulhar-se de fazer parte, agora, dessa instituição. A carreira diplomática
exige não só apurada formação intelectual, mas também, e acima de tudo, sensibilidade
para a realidade, os problemas e os desafios de nosso País. É esse o sentido de missão
que inspira a todos nós diplomatas. E é esse o legado deixado por gerações de
servidores que têm representado, promovido e defendido nosso País no mundo.
O Chanceler Azeredo da Silveira afirmou em seu discurso de posse, em 1975, que a
“melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”. De tão utilizada, essa frase tornou-se
quase uma divisa oficial.
Isto porque reflete uma realidade inescapável: a de que a carreira exige, a todo
momento, que nos reinventemos e ajustemos nossa capacidade de atuar. Ou, como
também formulou o Chanceler Azeredo da Silveira, exige que nos inspiremos no
passado, que vivamos corajosamente o presente e que nos projetemos no futuro.
O diplomata brasileiro do século 21 – cada um de vocês – é um custódio dessas
tradições. De nós se requer, além de sólida formação intelectual, dedicação, espírito
público, criatividade, reponsabilidade e sentido de dever.
A partir dessa base sólida, o Itamaraty pode orgulhar-se de ser cada vez mais
representativo da sociedade brasileira, como se comprova novamente nesta nova turma.
Temos alunos de origens e formações diversificadas, que retratam a pluralidade de
nosso País. Isso é resultado não apenas de nossas transformações sociais, mas também
de um trabalho deliberado do Ministério das Relações Exteriores, por meio de
iniciativas como o pioneiro Programa de Ação Afirmativa, estabelecido há mais de dez
anos, e a realização de exames de admissão em diferentes capitais do Brasil.
Estamos determinados a continuar valorizando o principal ativo do Itamaraty, que é o
seu material humano.
Continuaremos buscando assegurar aos jovens diplomatas um horizonte claro de
progressão funcional e de oportunidades de trabalho no Brasil e em nossa rede de
Postos no exterior. Em 2015, foram introduzidas mudanças tanto nos critérios de
promoção na classe de Secretário como no mecanismo de remoções, de modo a
reconhecer e valorizar o empenho daqueles que estão iniciando sua carreira. O
Itamaraty tem apenas a ganhar ao contar com o entusiasmo, energia e capacidade de
iniciativa de suas novas gerações.
Saúdo a presença de alunos estrangeiros, que mantem viva a tradição do Instituto de
intensa cooperação com países amigos. Temos na nova turma colegas da Argentina, de
Guiné-Bissau, do Japão, do Kuwait, do Mali, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe
e do Timor Leste. Essa lista reflete tanto a prioridade atribuída pelo Brasil à nossa
tradicional proximidade com a Argentina e com os países lusófonos, como a diversidade
da rede de cooperação estabelecida pelo Instituto Rio Branco, aqui evidenciada pela
presença dos colegas do Japão e do Kuwait e do Mali.
Saibam que sua participação no curso de formação de diplomatas muito nos honra.
Estou certo, igualmente, de que constituirá excelente oportunidade para uma frutífera
troca de experiências.
Gostaria de valer-me desta ocasião para deixar registrado o meu reconhecimento pelo
valioso trabalho realizado nos últimos anos pelo Diretor-Geral do Instituto Rio Branco,
Embaixador Gonçalo Mourão, que no futuro próximo assumirá importante função no
exterior.
O Embaixador Gonçalo Mourão é um colega altamente respeitado por sua trajetória em
nossa instituição. Sua ética impecável e suas qualidades profissionais e humanas foram
mais uma vez demonstradas em sua gestão à frente do Instituto Rio Branco.

Caros alunos,
Vocês dão início a suas trajetórias como diplomatas num momento em que o sistema
internacional enfrenta um conjunto de novos e sérios desafios, num mundo ainda
marcado por guerras, pela pobreza e por ameaças à segurança e ao meio ambiente.
No último quarto de século testemunhamos uma preocupante desvalorização do
arcabouço de normas multilaterais que regulam questões como a paz e a segurança
internacional, com o crescente recurso a medidas coercitivas, inclusive a força militar,
como instrumento principal para a resolução de conflitos.
Logo após o fim da Guerra Fria, chegou a predominar a expectativa de que certo
espírito de cooperação prevaleceria, motivado pela percepção de que passaríamos a
contar com um conjunto de valores hegemônicos e de que não haveria mais espaço para
o choque entre grandes potências.
A mitigação das rivalidades tradicionais parecia apontar para uma revalorização da
diplomacia e para a superação de impasses que impediram, durante décadas, o bom
funcionamento do Conselho de Segurança.
Tais expectativas não puderam realizar-se em sua plenitude.
Muitos supunham que as “velhas ameaças” decorrentes da hostilidade entre Estados e
da possibilidade de um cataclismo nuclear haviam desaparecido e cedido lugar às
“novas ameaças” representadas pela atuação de atores não estatais, das quais o grave
fenômeno do terrorismo é o principal exemplo.
É com preocupação que nos deparamos, hoje, com uma perigosa combinação de
“velhas” e “novas” ameaças. Ao lado do terrorismo, da degradação ambiental, da
mudança do clima e da pobreza, temos um progressivo retorno aos antagonismos entre
Estados, ou, para usar uma expressão cada vez mais em voga, a volta da geopolítica.
Um mundo de geopolítica mais perigosa, porém. Em alguns casos temos agora uma
pluralidade de potências atuando em diferentes cenários, sem coordenação entre si,
mesmo quando supostamente perseguem os mesmos objetivos. A geopolítica da
contenção recíproca entre duas superpotências parece ter sido substituída, em boa
medida, pela anomia e imprevisibilidade da ação de múltiplos atores.
É o que vem ocorrendo na Síria, exemplo mais evidente da volta dessa lógica de disputa
por zonas de influência que se supunha superada pelo fim da Guerra Fria.
O drama dos refugiados é um dos mais visíveis, e dramáticos, efeitos dos conflitos de
nossos tempos. Ele expõe a dimensão humana da tragédia e obriga a comunidade
internacional a redobrar os esforços para fazer valer seus princípios mais fundamentais,
como a promoção da paz e dos direitos humanos.
O Brasil não se satisfaz em apenas indicar esses problemas. Nosso discurso e nossa ação
têm sido perfeitamente coerentes com nossos valores tradicionais.
A gravidade das crises atuais requer da comunidade internacional atuação coordenada e
devidamente respaldada no âmbito das instituições multilaterais.
Apenas soluções negociadas, inclusivas e com a chancela legitimadora das organizações
multilaterais poderão trazer paz duradoura ao nosso mundo.
Repudiamos com veemência o terrorismo em todas as suas formas e manifestações.
Devemos combater esse flagelo não apenas por meio de medidas repressivas, hoje
indispensáveis pela gravidade do momento, mas também lançando mão de uma
estratégia abrangente, que contemple o tratamento de suas principais causas estruturais,
como a pobreza, a destituição, a proliferação de armas, a intolerância e os discursos de
ódio.
Rechaçamos discursos e narrativas simplificadoras ou xenófobas, que contribuem tão-só
para o fortalecimento do extremismo. Não devemos associar o terrorismo a religiões ou
grupos específicos. Não devemos criar barreiras e muros que nos separarão cada vez
mais, nem abrir mão de liberdades e direitos que conquistamos ao longo de décadas de
esforço.
Esses desafios pendentes na esfera da paz e da segurança internacional, e as patentes
dificuldades que a comunidade internacional demonstra para lidar adequadamente com
eles, evidenciam a necessidade de uma reforma estrutural dos processos decisórios no
seio das organizações internacionais, especialmente do Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
É necessário uma ONU forte para fazer frente ao unilateralismo, à descoordenação e ao
imediatismo que ameçam se tornar prática corrente.
É fundamental que o Conselho de Segurança seja expandido e se torne mais legítimo. O
Brasil continuará, com seus parceiros do G-4, a lutar para que esse objetivo, hoje
compartilhado pela maioria dos membros das Nações Unidas, torne-se realidade no
futuro próximo.

Estimados colegas,
Não obstante a dimensão dos desafios correntes do sistema internacional, não podemos
cair na tentação de uma visão pessimista ou resignada do futuro. Apenas no mês
passado tivemos três exemplos auspiciosos das possibilidades de revitalização da
diplomacia e da negociação multilateral.
O primeiro deles foi o acordo logrado no âmbito da Conferência das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima, realizada em Paris. O Brasil empenhou-se a fundo para a
obtenção de um acordo justo e equilibrado, tendo trabalhado com êxito para preservar a
diferenciação de responsabilidades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Demos nossa contribuição, amplamente reconhecida. Países de diferentes regiões, a
começar pelos anfitriões, recorreram ao Brasil como interlocutor confiável e construtor
de consensos.
Um segundo exemplo foram os resultados da última Conferência Ministerial da
Organização Mundial do Comércio, em Nairóbi. A despeito de enormes dificuldades e
muito ceticismo, pudemos finalmente avançar num dos temas mais caros aos países em
desenvolvimento, a agricultura, com a obtenção de acordo para a eliminação dos
subsídios à exportação e o disciplinamento de medidas equivalentes.
É claro que ainda há muito o que fazer para uma efetiva liberalização do comércio de
produtos agrícolas, mas a simbologia desse primeiro passo, obtido com pragmatismo e
grande esforço de convencimento, não deve ser desprezada.
Um terceiro exemplo foi a adoção, pelo Conselho de Segurança, da Resolução 2254
sobre a Síria, a primeira dedicada exclusivamente à obtenção de uma solução política
para o conflito. Embora tardia, a decisão indica que os principais atores internacionais
começam a tomar consciência da impossibilidade de que a guerra civil tenha um
desfecho militar.
Ainda é cedo para avaliarmos a eficácia da resolução, porém mais uma vez estamos
aqui diante de um caso em que os aspectos simbólicos têm grande significado, ao
representarem uma importante mudança na estratégia das principais potências.
O Brasil, como se sabe, vem desde o início preconizando justamente a busca de uma
solução negociada. A decisão do Conselho de Segurança dá finalmente abrigo a essa
posição, que defendemos abertamente desde a eclosão da guerra civil, há cinco anos.
Esses eventos recentes e outros que também ocorreram no ano passado – como a
reaproximação entre Cuba e Estados Unidos, o acordo sobre o programa nuclear
iraniano e o avanço do processo de paz na Colômbia – alentam esperanças no
revigoramento da diplomacia e nos horizontes que se abrem para que tenhamos um
mundo mais seguro.
Os casos da Conferência sobre Mudança do Clima e da OMC constituem exemplos de
como o Brasil pode dar contribuição valiosa, como interlocutor dotado de peso e
singularidade própria no cenário mundial.
Nossa contribuição se estende naturalmente à segurança internacional. Na expressão do
Ministro Celso Amorim, um dos maiores arquitetos de uma política ativa nesse campo,
o Brasil é um país “provedor de paz”.
Uma imagem muito nítida disso se produziu em setembro do ano passado, quando
marinheiros embarcados na Corveta Barroso, que navegava rumo ao Líbano para se
incorporar à componente naval da Unifil, resgataram mais de 200 refugiados à deriva no
mar Mediterrâneo.
O Brasil tem o quinto maior território, a quinta maior população e a sétima maior
economia do planeta. Somos um país que sempre recebeu imigrantes e hoje tem política
exemplar de acolhimento de refugiados de diversas partes do mundo. Contamos com
uma indústria e um setor primário avançados. Somos, ao mesmo tempo, um país em
desenvolvimento, que tem a determinação de reduzir suas desigualdades internas.
Dispomos de uma longa tradição de política externa assentada em princípios claros e na
valorização da diplomacia. Somos um dos poucos países do planeta com uma política
externa verdadeiramente global, como o demonstra o fato de mantermos relações
diplomáticas com todos os membros das Nações Unidas.
Vivemos em paz com nossos vizinhos e somos protagonistas da integração regional.
Fazemos parte de uma diversidade de alianças e coalizões, como o BRICS, o G-4, o G-
20 econômico-financeiro, o IBAS e o BASIC. E, sobretudo, temos grande capacidade
de proposição e de inovação conceitual, de sugerir ideias e soluções criativas.
Esse conjunto de fatores permite que sejamos vistos como uma espécie de articulador de
consensos, um mediador confiável e respeitado, apto a dialogar de igual para igual com
países desenvolvidos e em desenvolvimento, e a oferecer propostas que aproximem as
visões de distintos grupos de países, sem perder de vista a defesa dos nossos interesses
nacionais.
Como diplomatas vocês logo perceberão o privilégio, a honra e a responsabilidade que é
representar nosso País.

Embaixador Gonçalo Mourão, colegas,


Quero referir-me brevemente a algumas das prioridades da diplomacia brasileira.
Nossa política externa é conformada por uma série de princípios básicos que se
consolidaram ao longo de nossa história e estão consignadas na Constituição Federal.
É claro que cada governo terá a necessária latitude na execução dessas orientações, mas
o ponto que quero reforçar é o de que a política externa é edificada a partir dos alicerces
já estabelecidos ao longo de muitos anos e que nos deram a credibilidade de que hoje
desfrutamos na cena internacional.
A política externa não é, portanto, criada e recriada ano após ano, embora as ênfases da
ação e do discurso possam, e devam, adaptar-se às necessidades de seu tempo. É esse
ajuste de prioridades que devemos realizar permanentemente, à luz da constante
evolução do cenário internacional e dos próprios interesses de um Brasil que está em
processo de transformação desde que se constituiu como Nação independente.
Tendo em mente essa necessidade de atualização de nossa política externa, ao amparo
sempre dos princípios básicos que a regem, mencionarei aqui três desafios importantes.
O primeiro desafio é o do fortalecimento da vertente globalista de nossa ação externa,
com vistas a contribuir ainda mais para o processo de desenvolvimento econômico do
Brasil.
Essa natureza global ou universal da política externa brasileira remonta ao começo dos
anos 60, mas foi especialmente nos últimos anos que logramos avanços significativos
no aprofundamento de nossas relações com países em desenvolvimento. O BRICS é
apenas um dos resultados mais visíveis dessa nova dinâmica. O aprofundamento da
cooperação Sul-Sul permitiu diversificar nossas relações comerciais e melhor assegurar
nossos interesses nos foros multilaterais.
A diversificação de parcerias e a busca de novas oportunidades em países em
desenvolvimento e em regiões como a África, a Ásia e o Oriente Médio não ocorre, de
nenhuma forma, em detrimento de nossas relações tradicionais com países
desenvolvidos. Esse é um falso antagonismo, pois, como disse, empreendemos há
décadas uma política externa globalista.
Esse amplo espectro de parcerias ajuda a atender as necessidades do Brasil, ampliando
comércio, investimentos, e acesso a ciência, tecnologia e inovação, por meio da
cooperação com países desenvolvidos e em desenvolvimento, sem exclusões. É esse o
espírito da política externa da Presidenta Dilma Rousseff: instrumentalizar a ação
externa como fator de promoção do desenvolvimento de nosso País nos mais diversos
campos.
Temos de trabalhar, nesse cenário, para ampliar o acesso a mercados que ajudem a
diversificar nossa pauta comercial e torná-la mais representativa de nosso grande
potencial inovador. Isso significa hoje buscar uma inserção diversificada, menos
concentrada em termos de regiões e bens, com maior exportação de produtos de alto
valor agregado. A política externa comercial, nas suas vertentes de política comercial e
de promoção comercial, é importante ferramenta para impulsionar esse processo,
inclusive no apoio à internacionalização de nossas empresas.
Ainda como parte desse processo, deveremos também buscar novas modalidades de
fortalecimento da integração regional. A Presidenta Dilma Rousseff esteve em 2015 no
México e na Colômbia e estabeleceu as bases para a ampliação dos acordos comerciais
e de investimento com esses países. Assinamos inclusive acordos de cooperação e
facilitação de investimentos no marco do chamado “modelo brasileiro”.
Por outro lado, o caminho está sendo pavimentado para fortalecermos o relacionamento
externo do MERCOSUL, principalmente por meio da negociação de acordos com a
União Europeia e com outros países-chave, como Índia, Canadá e a Associação
Europeia de Livre-Comércio, a EFTA, além de intensa articulação com a Aliança do
Pacífico.
Queremos um bloco que esteja cada vez mais integrado às principais cadeias de valor,
mas que ao mesmo tempo contribua para o desenvolvimento econômico de nossos
países.
A contribuição do MERCOSUL nesse campo não pode ser menosprezada: desde sua
criação, o comércio intrazona expandiu-se mais de 10 vezes, saltando de US$ 4,5
bilhões em 1991 para mais de US$ 50 bilhões nos últimos anos. Mais de 70% dos
produtos exportados pelo Brasil e mais de 80% de suas importações dos Estados Partes
são compostas por produtos industrializados, inclusive em segmentos de alto valor
agregado, como o automotivo.
Ademais do desafio econômico-comercial, um segundo desafio diz respeito à
implementação da recém-adotada Agenda 2030, que contempla os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável.
Vemos a Agenda 2030 como um importante resultado da longa atuação do Brasil em
prol da redução das assimetrias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Sua
aplicação será universal e o primeiro dos objetivos estabelecidos é justamente a
erradicação da pobreza, área em que o Brasil se tornou uma referência.
Acreditamos que o debate sobre a realização dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável permitirá lançar luz sobre a importância do combate à pobreza e da
promoção do desenvolvimento de maneira integrada, em suas dimensões econômica,
social e ambiental.
Tendo em vistas as inter-relações entre paz e desenvolvimento, confiamos em que o
êxito na implementação da Agenda 2030 ao longo dos próximos quinze anos contribuirá
para que tenhamos um mundo mais estável, sem as tragédias potencializadas pela
pobreza e pelos desequilíbrios ambientais.
Permanecem atuais, por isso, as palavras do poeta Augusto Frederico Schmidt, que há
quase 60 anos, em discurso no plenário da Assembleia Geral das Nações Unidas,
assinalou que política de cooperação internacional para o desenvolvimento “é a política
do futuro, a política da esperança”, e que, num mundo com tantos recursos técnicos e
científicos, a pobreza constitui um “crime contra o espírito”.
Por fim, menciono um terceiro e último desafio, o de formular e justificar a política
externa no plano interno.
O processo de elaboração de políticas públicas no Brasil mudou muito nos últimos anos.
Nossa política externa é a de um país democrático, cuja concepção torna-se mais
complexa pela crescente interação com atores de dentro e fora do Governo. Trata-se de
um fenômeno que enriquece e dá maior legitimidade às posições do Brasil.
Nosso dever é assegurar um Itamaraty aberto e transparente, reforçando a percepção da
sociedade brasileira de que temos uma instituição profissional e altamente qualificada,
um patrimônio de nosso País e um baluarte na defesa de seus interesses mais
fundamentais.
Orgulhamo-nos do crescente apoio que temos dispensado à grande comunidade
brasileira no exterior, inclusive no que diz respeito à proteção de seus segmentos mais
vulneráveis. Continuaremos trabalhando para ampliar a oferta, a qualidade e a eficiência
de nossos serviços consulares em todo o mundo.
Temos também de assegurar a fluidez nos contatos com os demais órgãos do Poder
Executivo, com o Congresso Nacional, com as unidades da federação, com as
organizações não governamentais, de modo a estar em sintonia com as aspirações da
sociedade brasileira e assegurar os meios necessários para bem formular e executar
nossa política externa. Nesse processo, tenho contado, em minha gestão, com o valioso
apoio do Secretário-Geral, Embaixador Sergio Danese, bem como de todas as chefias da
Casa.
Em síntese, cada vez mais temos de olhar não só para fora, mas também para dentro do
País, mesmo porque o Itamaraty somente preservará sua capacidade de atuação e sua
importância como instituição de Estado na medida em que bem defender e refletir os
anseios e as aspirações da população brasileira.

Caros colegas,
É em tempos difíceis que a diplomacia adquire ainda maior relevância, como
instrumento para a promoção da paz, dos direitos humanos e do desenvolvimento
econômico.
Devemos sempre, em qualquer circunstância, manter o entusiasmo em nossa capacidade
de colaborar para a construção de um Brasil mais próspero, mais justo e mais inclusivo.
Munidos dessa convicção, trabalharemos sempre para que o nosso País continue
projetando seus valores na cena internacional. Nossas armas devem ser a criatividade, o
espírito público, a dedicação e o esmero no cumprimento do dever.
Como disse a Presidenta Dilma Rousseff na última formatura do Instituto Rio Branco,
cabe a vocês, jovens diplomatas, ter presente “suas responsabilidades de representantes
de uma nação democrática, que aposta na igualdade de seus filhos, que aposta na paz e
na solidariedade internacional”.
Hoje vocês dão o primeiro passo, como diplomatas, de uma jornada que desejo seja
longa, plena e feliz.
Contem, para isso, com o decidido apoio da Chefia desta Casa, que é agora também de
vocês.
Muito obrigado.

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