Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
1995 - Discurso do Embaixador Luiz Felipe Lampreia por ocasião de sua posse
como Ministro de Estado das Relações Exteriores, no Palácio Itamaraty, em
02 de janeiro de 1995
Quero agradecer ao Senhor Presidente da República a confiança com que me distinguiu
ao indicar-me para o cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores. Diplomata
de carreira, filho, neto e bisneto de diplomata essa é a maior honra a que eu jamais
poderia aspirar. E ela se torna ainda maior pelo momento em que ocorre - um momento
de expansão da alma brasileira, em que a confiança do país se renova e o futuro que
sempre nos prometemos parece mais próximo e seguro.
Encaro esta missão como a oportunidade sem paralelo de contribuir, do posto mais alto
da nossa Chancelaria, engrandecido por tantos que me antecederam, para que o
Itamaraty continue a desempenhar o papel de excelência que conquistou na administra-
ção pública brasileira, como paradigma de órgão do Estado.
Conhecendo o Presidente Fernando Henrique Cardoso e sabendo do seu entusiasmo
pela politica externa e do seu apreço pelo Itamaraty, essa indicação só pode dar-me um
grande orgulho. Ao mesmo tempo, a familiaridade do Presidente com a diplomacia que
exerceu no melhor estilo, com urna habilidade que cativou a todos nós, torna presente,
em toda a sua extensão, a enorme responsabilidade que, agora ainda mais, o cargo traz
consigo. Temos um Presidente que conhece a nossa instituições, suas virtudes e seus
desafios, como nenhum outro Presidente na História do Brasil. A responsabilidade re-
dobrada não é apenas do Chanceler, é de todos nós, diplomatas e funcionários desta
Casa.
Aprendi a admirar ainda mais o Presidente Fernando Henrique quando tive a oportuni-
dade de assessorá-lo, como Secretário-Geral. Foram tempos de mudança, tempos de
grande criatividade e responsabilidade, que marcaram unia profunda alteração de rumos
no Brasil, na política externa como vetor do nosso projeto nacional e no Itamaraty como
instituição. Tempos em que se resgatou a dignidade da função pública e o orgulho de vi-
vermos em uma democracia que mostrou todo o seu vigor a nós mesmos e ao mundo;
tempos em que tivemos de reconstruir a nossa projeção internacional enquanto
recomeçávamos, no plano interno, a luta por um Brasil melhor, sob a condução honrada
e dedicada do Presidente Itamar Franco.
Ninguém melhor do que Fernando Henrique para estar então à frente d o Itamaraty, a
que imprimiu um ânimo novo, construído ou reforçando amizades sólidas entre nós,
projetando-se ainda mais no plano internacional, em que já figurava como referência
obrigatória nas ciências sociais e nos estudos latino-americanos, e estendendo ojá amplo
domínio que sempre teve sobre os te- mas que interessam à causa do nosso
desenvolvimento econômico e social e de uma melhor inserção do Brasil no mundo.
Escolhido agora seu Chanceler, espero responder à altura a essa mostra de confiança em
mim, pessoalmente, e na instituição que com tanto orgulho represento .
Nos Chefes que ajudaram a minha for- mação, especialmente nas figuras de Antônio
Francisco Azeredo da Silveira, Ramiro Guerreiro, George Álvares Maciel, Paulo Tarso
Flecha de Lima e Ronaldo Costa, com quem tive o privilégio de trabalhar no Brasil e no
exterior, e na pessoa sempre presente do meu pai, o Embaixador João Graci e Lampreia,
que aqui homenageio com devoção e carinho, busco a inspiração e o exemplo para
guiar-me no cumprimento desta responsabilidade que me impõe agora o Presidente
Fernando Henrique.
Senhoras e Senhores,
A política externa será assim o resultado de uma visão orgânica do mundo e do Brasil,
em plena sintonia com um projeto de Governo que recebeu o mais consagrador dos
avais, o mandato outorgado pelo expressivo sufrágio popular que elegeu o Presidente.
O Brasil inaugura este quadriênio de Go- verno com uma nova projeção internacional,
graças à combinação da estabilidade em consolidação com a retomada do crescimento
em patamares compatíveis com as nossas necessidades e aspirações. Temos agora
condições não apenas de aprofundar nossos vínculos regionais, a partir do Mercosul ,
mas também de ver nos pólos dinâmicos da economia mundial - a América do Norte, a
União Européia e a Ásia Pacífico - as parcerias que podemos aprimorar e desenvolver.
É certo que temos ainda de lidar com muitos constrangimentos próprios de uma
sociedade injusta, como a violência , a má distribuição social e regional de renda, o
analfabetismo, a doença, a baixa qualificação profissional de uma grande massa de
trabalhadores. Esses constrangimentos marcam de forma profunda a nossa agenda
interna e a nossa agenda internacional. A diplomacia só será eficiente se tiver uma visão
realista do país, de seus acertos e de seus problemas. Melhorar as condições da nossa
inserção internacional é um instrumento básico no processo de transformação
qualitativa da sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que essa transformação
qualitativa será uma alavanca fundamental para a melhoria do padrão dessa inserção
externa do Brasil.
Temos agora um conjunto novo de qualificações que nos cabe explorar, projetar e
desenvolver, expandindo um patrimônio sem temor de inovar, sem receio de atualizar
métodos, concepções e estratégias onde couber.
Contamos com uma auto-confiança que há muito não se via no país, com a diferença de
que hoje as razões objetivas para esse sentimento são sólidas e duráveis. Com a
estabilidade política e econômica do Brasil , produto do nosso próprio esforço, demos
uma contribuição decisiva para que a América Latina de fato passasse a guiar-se
majoritariamente pela duas forças que conduzem o mundo do pós-Guerra Fria a
democracia, de que são corolários a transparência de objetivos e a qualidade das
intenções dos Governos e sociedades tanto no plano interno quanto no plano
internacional, e a liberdade econômica com preocupação social. E, graças a um
consenso interno pacientemente construído, embora ainda em vias de consolidar-se,
removemos um dos últimos sinais negativos que marcaram as considerações sobre o
Brasil nos últimos anos - a noção de que éramos incapazes de combater a inflação e
arrumar a casa em nosso próprio beneficio.
Ternos uma agenda interna mais defini- da, com a atenção posta no crescimento e na
busca de maior eqüidade social e na qual as reformas assumem prioridade porque têm
uma função a cumprir na consolidação da estabilidade na retomada do crescimento com
mais justiça social. Nossos compromissos em matéria de direitos humanos, proteção
ambiental, combate à criminalidade e ao narcotráfico e proteção das minorias dão-nos
um vigor novo para lidar com uma agenda renovada no plano externo, buscando
parcerias, a cooperação e o diálogo construtivo necessários para avançar essa agenda
internamente .
Somos mais confiáveis e temos mais credibilidade internacional , porque soubemos, ao
seu próprio tempo e sem comprometer princípios ou sacrificar visões de longo prazo em
favor de benefícios conjunturais duvidosos, fazer as alterações de política que melhor
respondiam às mudanças em curso no mundo, no nosso Continente e no próprio país. E
essas alterações prosseguirão, como tem apontado o Presidente Fernando Henrique,
reforçando nosso capital político e nosso instrumental de atuação
Somos vistos como um ator importante, mas que soube atualizar-se e que desperta
interesse e atenção em nossos parceiros e nos agentes econômicos dos pólos dinâmicos
da economia mundial. Temos uma projeção internacional muito significativa, que deve
traduzir-se cada vez mais em uma presença ativa e produtiva em todos os lugares e
acontecimentos que importam , indo além da simples presença de representante
diplomático permanente ou do formalismo das relações entre Chancelarias.
Pelas próprias dificuldades, até mesmo materiais que vinham tolhendo nossa projeção
externa, há áreas em que estamos apenas começando a explorar o potencial de
relacionamento que passaram a oferecer - áreas relativamente novas para nós, como a
Ásia-Pacífico e partes da extinta União Soviética, ou áreas virtualmente recuperadas
para um convívio internacional mais produtivo e em que temos que refazer a nossa
presença como o Oriente Médio ou a África do Sul pós-apartheid.
Graças ao Mercosul, que a partir de ontem constitui a realidade palpável de uma união
aduaneira, contamos, como Nação, com um reforço substancial da nossa própria
circunstância, da nossa identidade . Nossa personalidade jurídica e política internacional
se ampliou, nossa dimensão latino-americana se fortaleceu, nossa parceria com os
vizinhos ganhou contornos decisivos, ancorada em sólidas relações comerciais que já
fazem do Mercosul nosso terceiro parceiro comercial, depois da União Européia e dos
Estados Unidos, com cerca de 13% do nosso comércio externo.
Senhoras e Senhores,
Senhoras e Senhores,
Sei também que o Itamaraty se renova a cada desafio, porque tem em seus quadros,
permanentemente sintonizados com o mundo, a força que vem da experiência do
profissionalismo e do orgulho de servir.
Sei que posso contar com todos, meus colegas e funcionários, próximos de mim ou no
mais distante posto no exterior. Nossa Casa só pode ser a soma do que nós somos.
Quero diálogo e participação e por isso instruí meus colaboradores e toda a Chefia da
Casa a buscar idéias novas, a conversar com os que estão na linha de frente do trabalho
diplomático ou, nas divisões e departamentos da Secretaria de Estado, lidam
diretamente com os temas, refletindo sobre eles com o conhecimento mais aprofundado
e identificando melhor, por isso mesmo, os problemas, os gargalos que tolhem nossa
ação e prejudicam nossa eficiência .
Amanhã, ao dar posse ao novo Secretário-Geral, ampliarei minhas idéias sobre a gestão
da Casa.
No Itamaraty, o tempo é marcado pelo relógio do continuado iniciar de novas missões.
O cargo de Ministro das Relações Exteriores, que agora assumo, é a maior missão que
já recebi. Aceitei-o como uma missão de todos nós.
Por isso mesmo, como um piloto que assume o leme da nau, sinto-me à vontade para
conclamar a todos, desde já, para juntos fazermos esta travessia em que o mar é
desafiador, mas a marinhagem é experiente e o nosso comandante, que também já foi
piloto, conhece seus caminhos.
Muito obrigado.
Um dos itens críticos da pauta brasileira é a política de comércio exterior. Por ser um
imperativo interno é conseqüentemente uma política do Governo como um todo. Cabe
ao Itamaraty dar uma contribuição, dentro de sua área de competência, com vistas a
ampliar a participação do Brasil nos mercados internacionais.
Tais negociações comerciais, que são de responsabilidade do Itamaraty, vão muito além
das simples trocas de concessões tarifárias. No presente, dizem respeito à elaboração de
normas internacionais voltadas para a regulamentação de um número crescente de
matérias que antes estavam exclusivamente na esfera de competência interna dos
Estados. As normas sanitárias e padrões técnicos; os incentivos governamentais; a
defesa comercial e a propriedade intelectual são exemplos concretos da "internalização"
do mundo na vida brasileira -- e na vida de outras nações. Daí a complexidade das
negociações na OMC, na ALCA e as que estão contempladas no acordo Mercosul-
União Européia.
Lidar com essa complexidade requer uma "diplomacia do concreto". Exige uma
avaliação rigorosa do impacto econômico interno de normas jurídicas internacionais e
uma informação precisa sobre como as diversas cadeias produtivas são afetadas por
alterações na tarifa aduaneira. Em outras palavras, uma "diplomacia do concreto" passa
não apenas por uma visão macroeconômica, mas também por um apropriado
entendimento da microeconomia.
Cresci e vivi no meio empresarial. Não são para mim conceitos abstratos os obstáculos
enfrentados pelos setores produtivos com os entraves burocráticos; as barreiras externas
aos nossos produtos e serviços; e as diversas facetas do "custo Brasil", em especial o
efeito negativo das distorções na estrutura tributária sobre a competitividade das
exportações brasileiras.
A defesa eficaz dos interesses nacionais na OMC, na ALCA e nas negociações com a
União Européia exige o fortalecimento do MERCOSUL, um dos maiores êxitos
diplomáticos na história de nossa região. A ocasião é favorável. Em 2001, pela primeira
vez desde a crise asiática, as economias do Brasil e da Argentina voltarão a crescer ao
mesmo tempo.
Ressalto a aliança estratégica com a Argentina como uma das linhas mestras da política
exterior do Presidente Fernando Henrique. Constitui um fator decisivo para a evolução
do MERCOSUL e fornece um dos dados-chave da equação sul-americana.
As fronteiras de nossa região não são nem devem ser vistas como fronteiras de
separação, mas sim como fronteiras de cooperação. Trata-se de fazer a economia de
nossa geografia; de criar sinergias e eixos de integração da infra-estrutura; de
estabelecer condições de segurança e tranqüilidade para enfrentar o desafio comum do
desenvolvimento. A recente e inédita Reunião de Presidentes da América do Sul dá
enfoque inovador a essas questões.
Para levar adiante as importantes tarefas que temos à frente, contarei como tive a
felicidade de contar no passado com a competência, a dedicação e o espírito público de
todos os funcionários do Itamaraty. O prestígio internacional e a excelência deste
Ministério estão baseados na qualidade dos seus quadros. Tenho conhecimento das
necessidades materiais desta Casa e sensibilidade em relação aos problemas atuais da
carreira, em especial da motivação de seus integrantes. A essas questões darei atenção e
foco, com a preocupação de preservar e aumentar a capacitação do Brasil no trato da
agenda diplomática.
Senhoras e senhores,
Não é a primeira vez que sucedo ao Ministro Luiz Felipe Lampreia. Isso já acontecera
na Missão em Genebra, quando foi nomeado Chanceler pelo Presidente Fernando
Henrique. Fomos colegas quando estive à frente do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio, e naquelas funções sempre tive seu irrestrito apoio.
Em nome de todos, transmito a Lenir e Luiz Felipe a grande admiração pelos muitos
anos de trabalho que ambos dedicaram a esta Casa e ao Brasil. Juntamente com Mary e
com os muitíssimos amigos que têm nesta Casa, expresso votos de felicidade e certeza
de sucesso nos muitos anos de realizações que têm à frente.
Meus amigos,
O convite que recebi para chefiar este Ministério me proporciona uma oportunidade de
voltar a dar minha contribuição ao País e ao Governo. O Presidente e a Dra. Ruth são
velhos e queridos amigos. Trata-se de uma amizade de décadas que tem sua origem na
Universidade de São Paulo, a nossa casa comum, e tem sólidas raízes em afinidades
éticas e intelectuais. Acompanho solidariamente desde seu início a atuação pública do
Presidente. Sua trajetória e nossa parceria política são para mim motivo de orgulho.
O retorno a esta Casa faz-me sentir, para repetir os versos da canção de Gilberto Gil,
"como se ter ido / fosse necessário para voltar". À frente do Itamaraty, mobilizarei todas
as minhas energias, conhecimentos e experiência para responder à tarefa que me foi
confiada, com o inquebrantável ânimo de servir ao Brasil.
Senhoras e Senhores,
Senhoras e Senhores,
O cenário em que teremos de realizar essa tarefa é complexo e nem sempre amistoso. A
economia mundial está estagnada. Os fluxos financeiros se comportam de forma errática
e segundo uma lógica perversa que penaliza os países em desenvolvimento. A despeito
das muitas promessas, os mercados dos países desenvolvidos continuam fechados a
grande parte dos nossos produtos. Práticas comerciais predatórias dos países ricos nos
privam dos benefícios de nossa competitividade. No plano político, conflitos que se
supunha estarem em vias de solução recrudesceram, alimentados pela intolerância e o
fanatismo. Atos terroristas de indescritível barbárie provocam reações e suscitam
posturas que têm o potencial de afetar os princípios do multilateralismo. O risco de
guerra volta a pairar sobre o mundo. Tudo isso se reflete em crises econômicas,
financeiras e políticas, que tendem a ser mais graves nos países pobres. Nossa região - a
América do Sul - também sofre os efeitos desses abalos.
Senhoras e Senhores,
Ainda que nada esteja acordado em definitivo, os pressupostos em que se baseiam estes
processos de negociação vão muito além de meras rebaixas tarifárias. Envolvem
aspectos normativos sobre praticamente todos os campos da atividade econômica. Por
isso mesmo, devem ser analisados com cuidadosa atenção, sem prejulgamento. A
despeito dos prazos desconfortavelmente estreitos de algumas dessas negociações,
pretendemos discutir amplamente com empresários, trabalhadores e outros setores
sociais e com o Congresso Nacional as posições que devemos tomar, tendo em vista a
vasta gama de interesses envolvidos e as complexas articulações que se fazem
necessárias, a começar no âmbito do MERCOSUL.
***
Senhoras e Senhores,
Estou consciente de que as tarefas que temos diante de nós somente podem ser
executadas a contento com a participação engajada de todas as categorias de servidores
do Itamaraty. Examinarei sempre com atenção e boa vontade suas sugestões e
reivindicações.
Não só o Brasil, mas todo o mundo está consciente de que o País vive um grande
momento de sua história. Pude testemunhar isso pessoalmente. Não são poucos os
analistas, intelectuais ou ativistas políticos de variadas tendências que pensam que do
êxito brasileiro depende não só o nosso próprio futuro, mas o de outras nações, que,
como nós, buscam a via do desenvolvimento com democracia e justiça social.
Sou tentado a dizer, como o poeta, que tenho duas mãos e o sentimento do mundo. Mas
o que me dá confiança é a certeza de que, desta feita, serão muitas mãos a colaborar. A
tarefa é grandiosa. O Itamaraty não falhará na sua parte dessa missão.
Muito obrigado.
Deparamo-nos hoje com um mundo em que os consensos de outras eras são cada vez
mais questionados e os antigos formadores de opinião encontram dificuldade crescente
para fazer prevalecer suas idéias. As aventuras militares e as práticas econômicas
irresponsáveis que desestabilizaram a ordem internacional nos últimos anos exigem que
cada participante do sistema assuma plenamente seu papel no tratamento de questões
que afetam a todos indiscriminadamente. O Brasil não se furtará a defender interesses
nacionais específicos e imediatos, mas tampouco deixará de afirmar sua identidade em
função de objetivos sistêmicos amplos, vinculados a valores que nos definem como
sociedade. Continuaremos a privilegiar o diálogo e a diplomacia como método de
solução de tensões e controvérsias; a defender o respeito ao direito internacional, à não-
intervenção e ao multilateralismo; a militar por um mundo livre de armas nucleares; a
combater o preconceito, a discriminação e a arbitrariedade; e a rejeitar o recurso à
coerção sem base nos compromissos que nos irmanam como comunidade internacional.
Um breve olhar sobre o mundo que nos envolve nos revelará o acerto das opções dos
últimos anos na promoção de agendas de ordem sub-regional, regional e global que se
complementam ao mesmo tempo em que se ampliam – o que não impede que
busquemos adaptações e reconsideremos certas ênfases, em função de desdobramentos
nos planos interno e externo.
Ancorados em nosso entorno sul-americano, teremos a nossa disposição um
MERCOSUL robusto e uma UNASUL crescentemente coesa. Compete-nos completar a
transformação da América do Sul em um espaço de integração humana, física,
econômica, onde o diálogo e a concertação política se encarregam de preservar a paz e a
democracia. Onde os elos que vimos estabelecendo entre nossas classes políticas,
nossos setores privados e nossas sociedades contribuirão para uma região cada vez mais
unida no propósito de oferecer melhores condições de vida a nossa gente.
Central nesse empreendimento é a relação Brasil-Argentina, que vive hoje um momento
de plenitude e avança em um vasto espectro de iniciativas que incluem áreas como a
cooperação em matéria espacial e dos usos pacíficos da energia nuclear. E cada vizinho
na América do Sul receberá uma atenção crescentemente diferenciada. Caberá aos
Governos trabalhar mais e melhor para cobrir as lacunas de conhecimento e interação
que ainda caracterizam o relacionamento entre os países da região. Nosso destino
comum exige que conheçamos melhor a História, a demografia, o potencial econômico
e a cultura uns dos outros – da Terra do Fogo à Ilha de Margarita. Não se faz integração
sem diálogo permanente, sem engajamento intelectual e até mesmo, diria eu, sem
emoção e idealismo. É nessa direção que precisamos trabalhar.
Para além da América do Sul, o processo que teve origem na Cúpula América Latina e
Caribe da Costa do Sauípe se consolida na Comunidade de Estados Latino-Americanos
e Caribenhos – a CELAC. Continuaremos engajados na pauta de cooperação com os
países caribenhos, tendo como marco principal a Cúpula Brasil-CARICOM. Nosso
compromisso com o Haiti, que enfrenta renovados desafios, insere-se nesse contexto.
A prioridade atribuída à vizinhança não se dará em detrimento de relações estreitas com
outros quadrantes do Sul ou do mundo desenvolvido. Interessa-nos intensificar relações
com uma pluralidade de parceiros nas esferas do comércio, dos investimentos, do
diálogo político, entre muitas outras. Em um mundo no qual não se dissiparam ainda
totalmente as dicotomias Norte-Sul, a ação diplomática do Brasil pode contribuir para a
promoção de relações mais equilibradas em torno a interesses compartilhados. Nossos
próprios imperativos de desenvolvimento econômico, social e tecnológico orientarão a
busca de parcerias em uma variedade de temas, que incluirão a educação, a inovação, a
energia, a agricultura, a produtividade industrial, a defesa; sem descuidarmos do meio
ambiente, da promoção dos direitos humanos, da cultura, das questões migratórias.
Não enumerarei todas as parcerias estratégicas já estabelecidas, ou todos os mecanismos
de aproximação inter-regional desenvolvidos nos últimos anos, sob a chefia do
Embaixador Celso Amorim, que continuaremos a cultivar e aprimorar. Singularizo o
IBAS, pelo seu valor emblemático como “mecanismo ponte” entre três grandes
democracias multiétnicas do Sul. Acrescento que conversei com a Presidenta Dilma a
respeito de um programa de viagens presidenciais para os próximos meses, que incluirá
visitas aos países vizinhos e a alguns de nossos principais parceiros econômicos e
comerciais, como Estados Unidos e China.
A Cúpula da ASPA, a realizar-se na capital peruana no próximo mês de fevereiro,
constituirá uma valiosa oportunidade de contato da Presidenta com líderes da América
do Sul e do mundo árabe. Comprometo-me ademais a manter uma agenda ativa com
nossos parceiros na África – intensificando nossa cooperação e nosso diálogo com o
continente irmão.
O comparecimento à posse da Presidenta Dilma de altos representantes de uma
variedade de países, vários dos quais hoje aqui presentes – sejam de nossa região, da
Europa, da África, do Oriente Médio ou do Extremo Oriente –, só pode ser visto como
uma manifestação recíproca do interesse de Governos de todas as partes do mundo e de
todos os níveis de desenvolvimento em fortalecer seus vínculos com o Brasil. Com
relações diplomáticas que se estendem a virtualmente todos os países membros das
Nações Unidas, o Brasil pode afirmar que pratica, hoje, uma diplomacia
verdadeiramente universal.
Em paralelo à prioridade regional, à diversificação inclusiva de parcerias e ao
aperfeiçoamento da governança global, não poderia deixar de mencionar a importância
que continuaremos a atribuir às comunidades brasileiras no exterior. Seguiremos
valorizando as atividades consulares e daremos continuidade a iniciativas pioneiras
como a do Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior.
A par dos progressos já alcançados, cumpre reconhecer que muito resta por realizar para
que o Brasil se afirme como o País socialmente justo e democrático com que sonhamos;
para que seu lugar no mundo reflita plenamente nossa vocação para o diálogo e a
cooperação. Em última análise, esse será sempre um projeto inacabado, em que uma
geração transfere para a seguinte as suas conquistas e as aspirações ainda não realizadas.
Surgirão desafios nas áreas econômica, financeira, comercial, ambiental que exigirão
cuidadosa coordenação interna envolvendo diferentes setores do Governo e contatos
com o setor privado, sindicatos, sociedade civil. A preocupação com a competitividade
de nossa indústria e com a composição de nossa pauta exportadora requererá estratégias
capazes de oferecer oportunidades para que conciliem interesses ofensivos e defensivos.
Manteremos contato com a presidência francesa do G-20 Financeiro e outros
interlocutores, entre os quais os BRICS, para assegurar um ambiente propício à
sustentabilidade da recuperação econômica e infenso a pressões protecionistas. Com o
mesmo objetivo trabalharemos por resultados ambiciosos e equilibrados nas
negociações da Rodada de Doha.
Senhoras e Senhores,
Comprometo-me a fazer o necessário para desenvolver uma comunicação abrangente
com as diferentes Pastas do Executivo com as quais não podemos deixar de trabalhar
em sintonia, como Justiça, Defesa, Indústria e Comércio, Fazenda, Direitos Humanos,
Meio Ambiente, entre outras. O mesmo com relação ao Legislativo e ao Judiciário e, em
sentido amplo, à sociedade civil, à comunidade empresarial, ao cidadão comum.
Gostaria de ver o Itamaraty em contato com todos os Estados da Federação. Na verdade,
a política externa serve a todas as esferas governamentais, e a todas as regiões do País.
Por essa mesma razão, não devemos ser tímidos ao postularmos a alocação de recursos
adequados para levarmos adiante nosso trabalho.
Importante também dizer que devemos à opinião pública, em cada circunstância
específica, esclarecimentos sobre como encaramos o mundo e em que espírito
interagimos com ele. Assim contribuiremos para o debate aberto e honesto que
desejamos continuar promovendo sobre nossa política externa.
Senhoras e Senhores Embaixadores, caros colegas, amigo todos,
Temos diante de nós muito trabalho, em muitas frentes. Mas herdamos um País em
excelentes condições econômicas e políticas; dispomos de uma Chancelaria que inspira
respeito mundo afora; nos beneficiamos de um período de liderança particularmente
inspirada e criativa. Sem minimizar os desafios do futuro, quero assegurar-lhes que
dedicarei minha energia física e mental, o compromisso de uma vida inteira dedicada à
diplomacia e alguma sabedoria e bom humor que terei adquirido no convívio com
minha mulher, Tania, e com meus filhos, Miguel e Thomas, para contribuir para um
Brasil, uma América do Sul e um mundo cada vez mais prósperos, justos e
democráticos.
Muito obrigado.
Muito me orgulha também ser chamado a dirigir uma instituição que é uma referência
no Estado brasileiro. O Itamaraty talvez seja até mais conhecido por suas tradições, no
entanto, é o seu dinamismo, sua qualidade e sua capacidade de abrir-se para os desafios
dos Brasil contemporâneo que pretendo reforçar.
Esses objetivos tem dado identidade e peso internacional ao Brasil. Tem reforçado a
nossa credibilidade externa. Sou testemunha pela minha experiência na área de
desenvolvimento sustentável, mais especificamente na Conferência Rio+20, que o
Brasil é ator fundamental e líder na cena internacional. Em minha passagem pela missão
junto à ONU, pude perceber o respeito e a consideração com que as posições brasileiras
são recebidas pela comunidade internacional. A relevância do Brasil, Presidenta, está
aqui para ficar.
Não posso deixar hoje de me referir aqui ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como
aquele que me elevou ao cargo de Embaixador e em cuja gestão tive a oportunidade de
assessorar a então Ministra Dilma Rousseff nas negociações sobre mudança do clima.
Não creio que eu cometo uma inconfidência, Presidenta, ao referir-me ao fato de que, ao
longo dos últimos anos, a Senhora sempre esteve particularmente engajada em orientar
de perto as delegações às conferências do clima, mesmo quando tinha de ser consultada
em horários inadequados. Nunca faltou a orientação precisa e oportuna.
Este exemplo de dedicação é o que eu levo para a minha gestão no Itamaraty. É com
sentido de missão e com a vontade de fazer o melhor possível que prometo empenho,
trabalho e dedicação, para contribuir para o futuro do Brasil.
Muito obrigado.
Foi com profunda honra que recebi o convite da Senhora Presidenta da República,
Dilma Rousseff, para assumir o cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores. O
seu mandato popular que se renova confere-lhe força moral e liderança para conduzir-
nos no caminho da prosperidade e da felicidade, sentido maior do projeto nacional
brasileiro.
A ela expresso a minha gratidão pela confiança que esse gesto representa, pela honra
que me confere de estar ao seu lado nessa tarefa maior. E afirmo o meu compromisso de
trabalhar intensamente para corresponder à confiança em mim depositada.
A exemplo das funções que desempenhei anteriormente na Secretaria de Estado e no
Exterior, aceitei este desafio com encantamento e grande sentido de responsabilidade e
lealdade à Presidenta, consciente do que representa na vida de um veterano servidor do
Itamaraty e do Estado brasileiro sentar-se na cadeira do Barão do Rio
Branco. Compartilho esse sentido de dever a serviço da Nação com todos os meus
colegas desta Casa, diplomatas e funcionários integrantes das carreiras do Itamaraty, a
quem anima sempre a divisa do Barão, “Ubique Patriae memor” – "em toda parte, a
lembrança da Pátria".
Assumo esse desafio com imensa determinação para executar as diretrizes da Política
Externa determinadas pela Senhora Presidenta da República. Vou amparar-me nas
melhores tradições desta Casa, no apoio e no engajamento de todos os seus
funcionários, no patrimônio diplomático que já construímos e na memória que dele
guardamos - no projeto permanente, enfim, que sempre animou a diplomacia brasileira:
definir e projetar no mundo a identidade do Brasil, identificar e defender os interesses
do País em meio a um universo crescente de oportunidades, desafios e riscos.
Tenho o privilégio de suceder o Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, amigo
querido, cujas qualidades humanas, talento e experiência enriqueceram a função de
Chanceler e serão fundamentais para o exercício da nova e alta função que lhe será
confiada pela Senhora Presidenta da República.
Sob a condução do Embaixador Figueiredo, o Itamaraty continuou a ser instrumento
para que o Brasil aprofunde sua inserção internacional como protagonista nas mais
distintas áreas temáticas, sempre em harmonia com a nossa identidade sul-americana, o
multilateralismo e a prevalência do direito internacional. Conto, caro Figueiredo, com
seus conselhos ao longo do trajeto que hoje se inicia e desejo-lhe muitas felicidades e
realizações na nova etapa que se inicia em sua vida pessoal e profissional.
Quero dizer uma palavra de agradecimento também ao Secretário-Geral, Embaixador
Eduardo dos Santos, contemporâneo dos bancos do Instituto Rio Branco e amigo
querido desde sempre, cuja experiência e sabedoria tanto têm ajudado na condução dos
assuntos desta Casa.
Senhoras e Senhores,
Defino-me essencialmente como um profissional da diplomacia. Vejo os Chefes da
Casa e as novas gerações hoje aqui reunidas, e identifico-me com cada um dos meus
colegas. Ao longo dos meus 40 anos de carreira diplomática, senti-me sempre inspirado
pelo exemplo das gerações anteriores que construíram esta instituição, patrimônio
nacional, reconhecida como uma das melhores e mais profissionais Chancelarias do
mundo, cuja alma se constitui de carreiras de Estado solidamente ancoradas na
experiência e no ideal do constante aprimoramento profissional.
Em diferentes momentos e funções, tive a felicidade de trabalhar com alguns dos mais
destacados diplomatas brasileiros das últimas décadas, entre os quais, pela proximidade
que mantivemos e a intensidade do que com eles compartilhei, quero destacar Celso
Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e Luiz Felipe de Seixas Corrêa. Com todos eles
aprendi a admirar a maneira pela qual expressam seu compromisso inalienável com o
Brasil, conduzindo o Itamaraty na função de Estado que esta Casa exerce desde a sua
criação: identificar, recolher, sintetizar, interpretar, promover e proteger as mais altas e
legítimas aspirações e interesses nacionais, em permanente interação com o mundo
exterior. Também tive o privilégio de trabalhar fora do Itamaraty, sob a liderança do
saudoso Ministro Renato Archer, que tanto me ensinou sobre o nosso país, no momento
da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 1985.
Mesmo em meio a dificuldades e frustrações, o trabalho cotidiano de todos nós, no
Brasil e no exterior, jamais deixou de ter o sentido último que nos fez optar por uma
profissão singular, que nos movimenta constantemente pelas paisagens do mundo –
contribuir, pela melhor articulação do País com a sua região e o mundo, para
engrandecer a Nação, para tornar o Brasil real cada vez mais parecido com o país
sonhado por nós.
Somos herdeiros orgulhosos daqueles que ajudaram a fundar a nossa soberania, a
consolidar a nossa Independência, a definir o nosso território e a projetar cada vez mais
a nossa presença no mundo. Orgulhamo-nos de ser os instrumentos da ação
internacional de um grande país que encara o mundo e seus parceiros com uma visão de
cooperação, de ajuda recíproca, de compromisso com o desenvolvimento social e
humano e, portanto, de compromisso com o aprimoramento das instituições da
governança global e regional no melhor interesse dos povos.
Senhoras e Senhores, meus colegas,
Em seu discurso de posse perante o Congresso Nacional, ontem, a Senhora Presidenta
traçou as linhas gerais da política externa que deseja ver executada em seu segundo
mandato. Mais que isso, a Presidenta traçou as linhas gerais das políticas públicas que
pretende desenvolver, deixando claro para a diplomacia brasileira que papel deverá
desempenhar para coadjuvar os esforços do Governo no plano interno, para fazer das
relações internacionais do Brasil um instrumento de apoio e impulso a essas políticas, a
começar pela política macroeconômica.
É um discurso que valoriza a agenda internacional do Brasil e a encara com sentido de
pragmatismo e de projeto nacional. Ele será o nosso plano de trabalho, a partir do qual
consolidaremos ou alteraremos estratégias de atuação a fim de atuar em plena sintonia
com os objetivos do Governo.
Essa agenda internacional impõe hoje ao Brasil grandes desafios. Devemos enfrentá-los
com determinação, com criatividade e, sobretudo, com a consciência plena da nossa
identidade de nação-continente e de país sul-americano, com uma história de dedicação
à paz e ao desenvolvimento econômico e social em todo o mundo – uma história da qual
podemos nos orgulhar cada vez mais e de que o Itamaraty sente-se guardião.
Os Governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma Rousseff têm sido fundamentais
na reafirmação dessa identidade e do próprio do Brasil, dessa aspiração de sermos
grandes, respeitados, influentes, sem perder de vista, jamais, a visão do outro, única
forma de agir com equilíbrio e sabedoria diante dos desafios.
As relações exteriores constituem um campo fundamental para alcançar o
desenvolvimento nacional entendido no sentido mais amplo, o sentido que lhe dá a
Presidenta Dilma Rousseff, um conceito onde se conjuga o crescimento econômico, a
justiça social, o respeito aos direitos humanos, o acesso à educação e aos serviços
básicos, o direito ao trabalho digno, em suma: a participação de todos os brasileiros na
tarefa de construir esta Nação e nos frutos dessa tarefa comum.
A inter-relação entre os assuntos internos e os internacionais é cada vez maior. O
mundo globalizado diluiu as fronteiras entre a política externa em sua concepção
clássica e as outras esferas da ação estatal, criando uma interconexão entre as dimensões
doméstica e internacional. Em cada grande tema da política externa, administrar essa
interconexão não depende apenas do Itamaraty. Mas cabe fundamentalmente ao
Itamaraty operar em sintonia com as diferentes áreas do Governo, gerando as sinergias
que reforçarão a ação e a posição negociadora do Brasil no mundo.
O Itamaraty tem papéis muito claramente definidos no âmbito do Governo e perante a
sociedade brasileira. Como fazem todas as diplomacias no mundo, somos a primeira
linha de representação e de negociação do país lá fora. Temos também uma vocação
especial para ajudar a sociedade e os agentes econômicos e sociais brasileiros a melhor
compreender o mundo, nossos interesses e a própria agenda diplomática brasileira. São,
sem dúvida, tarefas extremamente complexas. A elas esta Casa tem-se dedicado
historicamente, adaptando-se aos novos desafios quando foi necessário. Assim
continuaremos a operar.
O apelo por uma sociedade mundial mais justa e coesa, menos hierárquica, corresponde
à luta do Brasil e de tantas nações por criar, dentro de suas próprias fronteiras, uma
sociedade democrática e participativa. Esse sempre foi e continuará sendo o sentido do
engajamento do Brasil para ajudar na busca de uma fórmula que viabilize a reforma do
Conselho de Segurança, de modo a torná-lo mais representativo e legítimo e, portanto,
mais eficiente.
De fato, as vitórias que o Brasil tem obtido, internamente, nos campos da igualdade e da
inclusão social, credenciam-nos ainda mais a propugnar por esses mesmos valores no
plano internacional. A consolidação desses avanços fortalece o poder suave do Brasil,
que se manifesta crescentemente por meio da cooperação com países amigos. A
cooperação internacional constitui um instrumento único que nos permite, a um só
tempo, compartilhar experiências inovadoras e incorporar e divulgar o desenvolvimento
técnico e tecnológico dos setores produtivo e científico brasileiros. Fortalecer a área da
cooperação internacional como instrumento da política externa brasileira e, portanto, do
desenvolvimento tecnológico e econômico do país constitui tarefa central, a exigir do
Itamaraty pleno engajamento.
A agenda que nos espera em 2015 e nos próximos anos é ampla e promissora, como
indicou a Senhora Presidenta em seu discurso de posse. De acordo com nossa
tradicional linha de ação, a um tempo regional e universalista, trataremos de consolidar
a América do Sul como espaço de integração em todos os âmbitos e ampliar esforços no
mesmo sentido com o restante da região; os laços com o mundo desenvolvido – Estados
Unidos, União Européia e Japão; as relações com os BRICS e com os países
emergentes; com nossos irmãos da África e do Oriente Médio, em especial com os
países de língua portuguesa; com todos os membros da comunidade internacional.
Continuaremos atuando com grande engajamento nas Nações Unidas, na OMC, no G-
20, nas negociações sobre o Clima e sobre a governança da Internet, entre tantas outras
frentes.
Atuaremos serenamente em todas as frentes novas e tradicionais da diplomacia
brasileira. Seguiremos um princípio básico, o de que nossos interesses são geográfica e
tematicamente universais e, portanto, não apresentam contradições entre si, nem
aceitam exclusivismos.
Não há, para o Brasil, dicotomias nem contradições de interesses nas nossas relações
com os países desenvolvidos, emergentes ou em desenvolvimento, como não há
contradições nem dicotomias em perseguirmos uma ampla agenda econômica, social,
humanitária e de direitos humanos nos planos multilateral e regional.
Senhoras e Senhores, caros colegas,
É preciso que a agenda comercial externa reflita essa realidade. Redobraremos esforços
na área do comércio internacional, buscando desenvolver ou aprimorar as relações com
os mercados externos – todos os mercados externos. Assim, uma linha mestra da
atuação do Itamaraty no segundo mandato da Presidenta Dilma Rousseff será colaborar
intensamente para abrir, ampliar ou consolidar o acesso mais desimpedido possível do
Brasil a todos os mercados do mundo, promovendo e defendendo o setor produtivo
brasileiro e coadjuvando suas iniciativas e ajudando, onde for possível, a captar
investimentos.
Ao olhar para o mundo, o Itamaraty vê antes de tudo os cidadãos brasileiros. Cabe a ele
zelar pelo bem-estar de nossos nacionais que estão no exterior, em caráter permanente
ou temporário. Vou empenhar-me para que a política consular brasileira receba recursos
humanos e materiais para responder adequadamente à crescente demanda por serviços e
assistência, decorrente do aumento significativo do número de brasileiros que vivem no
exterior ou ali circulam a turismo, trabalho, estudo e tantas outras razões. Meu objetivo
é trabalhar intensamente para que o Governo brasileiro ofereça um serviço consular de
qualidade cada vez melhor para os seus cidadãos no exterior.
Assim como no cenário comercial e na área consular e de brasileiros no exterior,
teremos projetos e propostas construtivas em todas as demais áreas de atuação da
diplomacia.
O Brasil continuará a exercer seu papel de ator global, pois esse papel corresponde à sua
realidade e às aspirações profundas do seu povo. E o Itamaraty continuará contribuindo
para articular os múltiplos vetores de nossa inserção internacional que recaem sob a sua
responsabilidade. Faremos isso em coordenação com todos os órgãos de Governo e em
consulta com o Congresso, a sociedade civil e os agentes econômicos. E saberemos
sempre informar da nossa ação e prestar contas do que fazemos.
Caros colegas, Senhoras e Senhores,
Para bem exercer sua vocação e manter-se habilitado a operar num mundo em veloz
transformação, o Itamaraty necessita constantemente adaptar sua organização interna.
Quero afirmar aqui meu compromisso com o aprimoramento e modernização dos
métodos de trabalho do Itamaraty, com o fortalecimento e o aprimoramento da Carreira
Diplomática e das demais carreiras do Serviço Exterior.
Juntos, procuraremos soluções práticas para os problemas que são específicos do
Serviço Exterior em razão da sua natureza única dentro do Serviço Público. As questões
centrais de seleção, formação, progressão funcional, remuneração, circulação entre
postos e aperfeiçoamento profissional ao longo da carreira, precisam ser enfrentadas, à
luz dos objetivos e do alcance da política externa, com o propósito de preservar e
valorizar o extraordinário capital humano do Ministério e dele extrair o melhor
rendimento para o conjunto da sociedade.
Nessa tarefa, em consulta sempre com a Casa, contaremos também com as ideias que
foram reunidas em ampla consulta promovida pelo Ministro Figueiredo. Darei especial
atenção aos anseios dos colegas mais jovens, cuja dedicação entusiasmada sempre foi
um dos esteios fundamentais do Itamaraty e sem a qual não teríamos a força de trabalho
e o espírito de renovação que nos distingue.
Renovar a instituição é fortalecê-la. E não há renovação possível sem o aporte criativo
das novas gerações, que suprem, com o seu entusiasmo e engajamento, o que o
aprendizado da experiência ainda não lhes tenha ensinado.
Quero transmitir uma palavra especial aos colegas do Serviço Exterior que se encontram
por todo o mundo, nas trincheiras da nossa diplomacia, muitas vezes sob a pressão de
imensas dificuldades e sentindo-se distantes.
Buscarei apoiá-los em tudo o que estiver ao meu alcance para que possam enfrentar os
permanentes desafios materiais que vivem os Postos no exterior.
Nossa rede, como todos sabem, expandiu-se de forma sem precedentes, e constitui um
extraordinário instrumento de promoção dos interesses nacionais que precisamos gerir.
Estaremos atentos às necessidades de cada posto, às suas prioridades de atuação, às
instruções que devem receber, ao papel insubstituível de cada Embaixada, Missão ou
Consulado na estratégia externa que o Brasil deve seguir.
Terei sempre em mente que não basta estarmos presentes no mundo, é preciso sermos
atuantes. O valioso simbolismo da presença não pode substituir uma diplomacia de
resultados, e resultados, que se medem com números, se obtêm com consciência da
missão, com ação, com engajamento, com meios, enfim.
Os desafios que a Instituição enfrenta em seu funcionamento não são novos, e não são,
no Brasil ou no mundo, exclusivos do Itamaraty. São comuns a muitas das grandes
chancelarias, que como a nossa buscam adaptar-se às grandes transformações em curso
e servir de forma pragmática aos interesses nacionais. Para fazer face a essas mudanças,
contamos com recursos que são finitos. Precisamos, portanto, concentrar nossos
recursos, nossa força de trabalho, onde ela é mais necessária em cada momento, e para
tanto precisamos de flexibilidade, agilidade, versatilidade.
Tenho certeza de que nosso recurso mais precioso, o empenho e dedicação de todos os
funcionários, não faltará. Trabalharei para que esse patrimônio humano insubstituível
seja em todos os momentos valorizado e incentivado, em todos os níveis funcionais, em
todas as unidades, em todos os Postos.
Trabalharei de forma incessante, sob a orientação da Senhora Presidenta da República,
para dotar o Ministério das Relações Exteriores, tanto a Secretaria de Estado quanto os
Postos no Exterior, dos meios necessários à sua missão. Para que a nossa presença no
mundo, hoje universal, se faça mais atuante, produzindo mais resultados concretos para
o País.
Ao aceitar o seu honroso convite, recebi da Presidenta Dilma Rousseff, pessoalmente, a
garantia de seu total apoio. Esse engajamento da Chefe de Estado deve tranqüilizar-nos
e ajudar-nos a encarar com determinação as tarefas que nos aguardam.
Também convoquei para essa tarefa, na condição de meu Secretário-Geral, o
Embaixador Sérgio França Danese, atual Subsecretário-Geral das Comunidades
Brasileiras no Exterior. O Embaixador Danese, amigo de muitos anos, foi meu colega
em quatro diferentes postos no exterior e no Brasil, e conhece bem o meu pensamento
e minha forma de atuar. Estou seguro de que a Casa o acolherá nessa função com plena
compreensão do significado da minha escolha.
Caros colegas, Senhoras e Senhores,
É para mim uma imensa responsabilidade e um honroso privilégio assumir hoje a
direção desta grande instituição, à qual já dediquei dois terços da minha vida. Para estar
à altura desse desafio, conto com todos e cada um dos funcionários desta Casa, cujo
espírito público e dedicação ao Brasil se tem comprovado ao longo da História. E, para
que possamos todos continuar a trabalhar em harmonia e com pleno sentido de
realização pessoal e profissional, quero que contem comigo, sempre.
Muito obrigado.
Senhoras e senhores,
O Itamaraty continuará a dar atenção prioritária ao apoio às comunidades de brasileiros
que vivem no exterior – é uma responsabilidade fundamental do Itamaraty para com
nossos compatriotas emigrados.
A propósito, ressalto que o Brasil continuará a ser um país aberto aos estrangeiros e
mais ainda, porque a nova Lei de Imigração, de minha iniciativa, que revoga
dispositivos herdados do período autoritário coloca o País na vanguarda do direito
humanitário.
Assim como o Serra, passei anos da minha vida no exilio sob a proteção do alto
comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e Apátridas, assim como do direito
dos países que nos abrigaram. Nos orgulhamos de que o Brasil seja uma terra de asilo,
dotado de um estatuto dos refugiados, de cuja elaboração tive a honra de participar
como deputado federal ao tempo do governo de Fernando Henrique, e que e um dos
mais generosos do mundo.
Trataremos igualmente de aprimorar práticas destinadas a facilitar a vida de quem nos
quer visitar, como faremos ainda este ano com a implantação do visto eletrônico para
nacionais de alguns países que exigem vistos de cidadãos brasileiros. Conciliar o
princípio fundamental da reciprocidade com o primado da eficiência sempre foi algo
que a diplomacia brasileira quis e soube fazer, nos mais diversos campos.
Quero concluir com uma mensagem de compromisso ao corpo de servidores do
Itamaraty. Ao longo dos últimos nove meses, tive o gosto de apoiar José Serra –
inclusive como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado – na tarefa
que ele cumpriu de restabelecer as condições de espaço político e disponibilidade de
recursos para que este ministério pudesse voltar a ocupar o lugar que sempre lhe coube
no centro das decisões e das políticas mais estratégicas do Brasil. isso não será
revertido, muito pelo contrário: o Itamaraty continuará a ser um ministério central na
defesa e promoção dos interesses nacionais.
Contem com meu empenho para valorizar as carreiras do Serviço Exterior Brasileiro,
bem como as demais categorias de servidores do ministério, nos limites angustiantes das
atuais restrições orçamentárias. Vou dar atenção especial a questões da administração
do Itamaraty. Estou determinado a assegurar os meios adequados para que o Ministério
possa cumprir suas obrigações com eficiência e para tanto conto com o mesmo respaldo
que o Ministro teve de seus, agora meus colegas na Esplanada.
Política externa é política pública. Política pública estratégica e prioritária, da qual o
Brasil irá necessitar cada vez mais. É uma politica cuja execução exige cada vez mais a
integração do Itamaraty com outras áreas do governo e especialmente, no que tange ao
comércio exterior, com o Ministério da Indústria Comercio e Desenvolvimento. Sempre
sob a alta direção do presidente da República.
Política externa é o honroso ofício dos servidores do Itamaraty e, a partir de hoje,
também o meu.
Discurso formatura
2002 - Discurso do Ministro Celso Lafer, no Dia do Diplomata, por ocasião da
cerimônia de formatura da Turma Antônio Houaiss - Palácio Itamaraty, 12 de
junho de 2002
12 de Junho de 2002 - 13h20
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/10610-discurso-do-senhor-ministro-de-estado-das-
relacoes-exteriores-professor-celso-lafer-no-dia-do-diplomata-por-ocasiao-da-
cerimonia-de-formatura-da-turma-antonio-houaiss-instituto-rio-branco-12-de-junho-de-
2002
É para mim motivo de grande satisfação participar, uma vez mais, na qualidade de
Ministro de Estado das Relações Exteriores, da cerimônia de formatura de uma nova
turma do Instituto Rio Branco.
Antonio Houaiss - que com toda justiça empresta seu nome à turma do Instituto Rio
Branco que hoje se forma - dedicou sua vida às palavras e deixou como testemunho
dessa devoção uma obra que honra a língua portuguesa e o Brasil, ampliando nosso
repertório e nossa capacidade de nomear as coisas. A decisão de homenagear esse
grande lexicólogo, tradutor e diplomata, cuja carreira viu-se truncada em "tempos
sombrios", é, pois, também uma homenagem à língua portuguesa. Ela implica o
compromisso e a responsabilidade de cultivar, com igual paixão e cuidado, o "rio
difícil" das palavras, para falarmos com Drummond, poeta especialmente caro a
Antonio Houaiss.
A turma Antonio Houaiss foi feliz também na escolha de seu paraninfo, o Conselheiro
José Humberto de Brito Cruz, Diplomata e professor de reconhecida capacidade
intelectual, que goza da merecida admiração de todos seus colegas.
Senhoras e senhores,
Por essa razão, com a decidida colaboração recebida da Direção do Instituto Rio
Branco, primeiramente na pessoa do Embaixador André Amado e agora na do Ministro
João Almino, tenho procurado - na dupla condição de professor e de Ministro -
aparelhar a academia diplomática brasileira com meios mais efetivos de atuação.
Seguindo as diretrizes traçadas por Vossa Excelência, Senhor Presidente, com a criação
do Programa de Ação Afirmativa para afro-descendentes o Itamaraty dá um passo
adicional no sentido da democratização no recrutamento dos diplomatas, ao contribuir,
com 20 Bolsas-Prêmio de Vocação para a Diplomacia, para uma maior igualdade de
oportunidades na preparação para um concurso sabidamente exigente. O programa, que
já está operacional desde o dia 14 de maio, visa a contribuir para que nossa diplomacia
seja mais representativa dos vários segmentos que, na pluralidade de suas origens,
compõem a sociedade brasileira e constituem traço básico de nossa identidade nacional.
Senhoras e senhores,
O mundo do século XXI, sobretudo para um país como o Brasil, já não pode ser
administrado como uma externalidade, como se pôde fazer durante boa parte do século
XX, graças ao legado do Barão do Rio Branco, que definiu nossas fronteiras e
equacionou, assim, o primeiro item de uma clássica agenda diplomática, que é a
distinção entre o "interno" e o "externo". No mundo contemporâneo, diluíram-se as
diferenças entre a política nacional e a política internacional. Tal diluição engendrou
novas realidades e essas, por sua vez, têm colocado desafios inéditos aos atores que
atuam na cena internacional, deles exigindo novas e criativas soluções.
A resposta dos EUA à percepção - para eles inédita - de sua própria vulnerabilidade e do
impacto do terrorismo no funcionamento do sistema internacional é, hoje, dado de
grande importância do processo de configuração da ordem mundial. Com efeito, a
segurança internacional que, no correr da Guerra Fria, foi trabalhada, na perspectiva dos
grandes, por meio dos conceitos de contenção e dissuasão, requer hoje, diante do
desafio da "sublevação dos particularismos", generalizados e aceitos processos e
procedimentos de consulta e cooperação, de que é exemplo, no plano regional, a
invocação do TIAR e a aprovação da resolução daí decorrente.
Indo do mais geral para a nossa conjuntura, penso que a internalização do mundo na
vida nacional e a consolidação da democracia brasileira fizeram que a política externa
adquirisse relevância cada vez maior na agenda da opinião pública. Em razão disso, os
temas de política externa ganharam redobrada visibilidade, que é, na lição de Norberto
Bobbio, uma das regras do jogo democrático. O debate em torno desses temas tornou-
se, assim, rapidamente mais público, mais intenso e menos consensual.
O diplomata deve, por isso, estar preparado para lidar com uma realidade onde a
construção do consenso é mais difícil. Entre os temas que comparecem de maneira
recorrente no debate nacional estão as diversas negociações econômicas internacionais,
regionais e multilaterais de que estamos participando.
Como lidar analiticamente com as razões de sua dimensão conflitiva, que é o que cabe
fazer, no tempo de reflexão - do parar para pensar - apropriado ao contexto de uma
discussão numa academia diplomática como é o Instituto Rio Branco?
A política externa é uma política pública. Ela consiste, como tenho dito reiteradas vezes,
em traduzir necessidades internas em possibilidades externas.
Senhoras e senhores,
Cornelius Castoriadis, como nos recorda Octavio Paz, definia a prudência "como a
capacidade de orientar-se na História". Exercer essa capacidade, tem sido a nota
identificadora da trajetória política e intelectual do Presidente Fernando Henrique
Cardoso. Ela será o grande desafio que se colocará para seu sucessor, tanto no plano
interno quanto no plano internacional, que é tão importante para a capacidade do Brasil
de manter e ampliar a configuração do seu destino.
2005 - Discurso do Ministro Celso Amorim por ocasião da Cerimônia de
Formatura da Turma de 2002 do Programa de Formação e Aperfeiçoamento do
Instituto Rio Branco – Palácio Itamaraty, 1 de setembro de 2005
01 de Setembro de 2005 - 15h03
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/7746-discurso-do-ministro-de-estado-das-relacoes-
exteriores-embaixador-celso-amorim-na-cerimonia-de-formatura-da-turma-de-2002-do-
programa-de-formacao-e-aperfeicoamento-do-instituto-rio-branco
Senhor Presidente, eu não vou fazer uma dissertação sobre política internacional porque
creio que na sua presença, que é o nosso guia e mentor nestes temas, seria pouco
apropriado de minha parte. Mas não posso deixar de comparar como o primeiro
Chanceler que fui, não dessa vez mas ainda quando o Presidente Itamar Franco me
confiou o cargo, como primeiro Chanceler que fui formado pelo Instituto Rio Branco, -
mais uma ressalva não primeiro da carreira porque outros foram da carreira mas
antecederam o Instituto Rio Branco - , não posso deixar de comparar o momento de
hoje com o momento que vivíamos a cerca de 40 anos atrás, 41 anos atrás para ser mais
preciso. Hoje o Brasil vive um clima de plena democracia, o Brasil vive um clima em
que as instituições funcionam plenamente, hoje o Brasil vive um clima em que procura
se afirmar na realidade internacional sem subordinações, sem dogmas ideológicos de
uma natureza ou de outra.
Senhor Presidente. O desafio que hoje existe para os diplomatas brasileiros é muito
diferente daquele que os da minha geração, o Embaixador Samuel entre eles, e o
Embaixador Fernando Reis também, tiveram que enfrentar. Nós naquela época tivemos
que nos adaptar a um momento sombrio da história brasileira, um momento em que as
liberdades eram cerceadas, em que a própria política externa sofria de maneira bastante
evidente o impacto do obscurantismo. E nós tivemos que procurar, digamos assim nos
interstícios da ditadura, formas de poder expressar de maneira patriótica aquilo que nós
achávamos que era o interesse nacional. Hoje os formandos encontram uma situação
totalmente diversa. Encontram um país democratizado, que luta por afirmar-se no
cenário internacional, um país que busca transformações sociais de maneira acelerada, e
os desafios são portanto muito diferentes.
Naquela época, 80% das exportações do Brasil eram compostas por café. Hoje o Brasil
vende aviões, ônibus, serviços sofisticados, continua vendendo café, felizmente,
vendendo outros produtos agrícolas também, mas diversificou totalmente a sua pauta.
Naquela época, nosso comércio era quase exclusivamente com os países desenvolvidos,
com a Europa e com os Estados Unidos e um pouco com o Japão. Hoje, se nós
tomarmos os sete primeiros meses do ano de 2005, 52% das nossas exportações se
dirigem a países em desenvolvimento. Isso não é pouca coisa, é uma mudança muito
grande. Durante anos e anos o Brasil teve uma postura um pouco amesquinhada nas
relações internacionais, apesar dos esforços de grandes Embaixadores e de grandes
Ministros que teve também, mesmo naqueles momentos. Devido a situação interna nós
tínhamos hipotecas muito graves, o nosso telhado era um telhado de vidro, era um
telhado de vidro no social, como continua a ser apesar dos esforços que têm sido feitos,
sobretudo neste governo, mas era também um telhado de vidro no político, nos direitos
humanos e isso tudo diminuía nossa capacidade de ação internacional. Felizmente com
a democracia, com os avanços que fizemos em vários campos, na área industrial, na
área econômica, e com os esforços que temos feitos na área social para corrigir essa
mazela enorme que é a má distribuição de renda de que o Brasil padece -um dos piores
índices do mundo -, nós podemos falar hoje de igual para igual.
Já disse que não ia entrar nos temas específicos da política externa porque creio que isso
é algo que o Presidente vá se referir de maneira muito mais apropriada do que eu. Mas
há algo sim que quero dizer, porque isso diz respeito, de certa maneira, a nossa auto-
estima. Peço desculpas aos membros da mídia que já me ouviram ontem, não vou
repetir tudo o que disse, mas vou repetir uma coisa que disse ontem no Senado Federal a
propósito de uma pergunta feita por um outro representante da mídia, um
correspondente estrangeiro no Brasil que me fez a seguinte pergunta: "Ministro, porque
será que a política externa brasileira que é tão elogiada, em alguns momentos até objeto
de inveja, de comentários positivos no mundo inteiro é as vezes criticadas com tanta
ferocidade no Brasil? Eu não me atrevi a responder porque eu não tenho os dotes
sociológicos, psicológicos ou antropológicos que me permitissem dar essa resposta.
Mas a própria pergunta, de certa maneira, já foi um elemento de grande estímulo para
mostrar que nós sim estamos caminhando da maneira correta, que a percepção que
existe sobre o Brasil hoje é a percepção de um interlocutor válido, de um interlocutor
importante, em todos os temas, temas que vão do desarmamento ao comércio, da
reforma da ONU à integração continental. Em todas estas ações é difícil imaginar
alguma atividade, seja no plano nacional, seja no plano internacional, em que a palavra
do Brasil não seja buscada. Talvez mais do que em qualquer outra delas, no combate a
fome e a pobreza que Vossa Excelência iniciou de maneira clara.
Queria dizer uma outra coisa. É que freqüentemente se procura imputar motivações de
natureza ideológica à política externa. Se procura dizer que a política externa foi,
digamos, tomada de assalto por certos partidos políticos. Quero dizer Presidente, como
alguém que está a 40 anos na carreira diplomática, como alguém que passou por aqueles
momentos de obscurantismo, eles sim ideológicos porque eram ideológicos e
repressores, que a política externa que Vossa Excelência persegue é uma política
externa que está de acordo com objetivos permanentes que o Brasil tem perseguido.
Vossa Excelência apenas tem perseguido com mais ênfase, com mais determinação, e
aduzindo um elemento novo de reforma, que a sua trajetória de vida, que a sua trajetória
política nos trouxe e que vem como uma grande contribuição. Lhe digo isso não como
seu Ministro apenas, porque não teria grande mérito em dize-lo, mas como um
diplomata que completa aproximadamente 40 anos de carreira e que viu durante esses
40 anos muitas coisas ocorrerem, mas que raramente viu, não digo que nunca, mas que
raramente viu a política externa brasileira tão ativa, tão presente, tão respeitada por esse
mundo afora.
Nós todos sabemos os dados de comércio, nós todos sabemos que isso não é retórica,
que essas questões são realidade. Então o desafio meus jovens e queridos colegas que
entram para o Itamaraty, agora de maneira plena, é contribuir para essa política externa.
Desenvolvê-la, criticá-la inclusive, porque nós sempre temos dito, ao contrário do que
ocorreu no passado, que a crítica é bem vinda. Nós achamos que na política externa, na
diplomacia, não há liderança por imposição, a liderança vem da inspiração. È isso que
recebo do Presidente Lula e é isso que procuro transmitir, com o apoio do Secretário-
Geral e dos outros chefes da casa, para meus colegas. É pela inspiração que nós
podemos exercitar alguma liderança, se é que cabe falar de liderança.
Presidente, nós enfrentamos ainda grandes desafios. Muitos deles vem, naturalmente,
Vossa Excelência sabe, da dificuldade de recursos. Sabemos do apoio que Vossa
Excelência tem procurado dar ao Itamaraty em momentos difíceis. Nós também
sabemos da contribuição que devemos dar a metas que dizem respeito ao país como um
todo, que possibilitem, inclusive, um esforço adicional em relação a área social. Mas
contamos e seguiremos contando com a sua compreensão, para que possamos fazer
aquilo que é indispensável.
Não vou cansá-lo Presidente, nem cansar os meus colegas com estatísticas, mas nós
fizemos uma pequena comparação e se os números não tiverem exatos eles poderão ser
corrigidos, mas é mais ou menos o que vou disser: na sua gestão, em dois anos e meio, o
senhor recebeu mais ou menos o dobro do número de presidentes estrangeiros que
foram recebidos no mesmo período pelo seu antecessor. O número de viagens de
Ministros, de outras pastas, ministro da saúde, ministro do comércio, outros ministros
ao exterior é infinitamente superior ao número anterior. Tudo isso exige apoio,
dedicação de nosso colegas, exige trabalho e exige também recursos materiais. Um
número que dizia antes Presidente, que não mencionei antes, creio que Vossa
Excelência também não mencionará, tudo isso trás resultados concretos, não são
questões abstratas, as pessoas costumam criticar as viagens do Presidente, ou as visitas
estrangeiras aqui, mas eu fiz uma estatística, olhando até casualmente os números, que
entre os trinta maiores mercados brasileiros - e portanto não se pode dizer que a base
inicial é baixa, - os dez que mais cresceram, se compararmos o primeiro semestre desse
ano com o primeiro semestre do ano passado, são países em desenvolvimento. E todos
eles Presidente, ou o senhor visitou ou recebeu visita do Chefe de Estado ou do Chefe
de Governo correspondente. Então quando se fala em aumento do saldo comercial, na
diminuição da vulnerabilidade externa, a política externa não é estranha a isso. Ela não é
o único fator certamente. Os nossos empresários tem aprendido a vender, outros
ministérios tem trabalhado ativamente, mas o contexto que Vossa Excelência tem criado
para o relacionamento internacional do Brasil é fundamental para isso.
Óviamente política externa não se faz só com números, ela se faz também com ações de
paz, com ações de solidariedade e creio que o Brasil tem muito do que se orgulhar
nessas áreas. Me recordo, logo no início do seu Governo, da postura firme e clara e sem
confrontações que Vossa Excelência tomou, que nós tomamos seguindo orientação de
Vossa Excelência, em relação à Guerra do Iraque e nós hoje estamos vendo o que está
ocorrendo no Iraque. Nós estamos vendo o que está sofrendo o povo iraquiano e o que
estão sofrendo inclusive as tropas que lá estão presentes. Se nós tivéssemos buscado, ou
persistido um pouco mais, nós digo a humanidade, em uma solução pacífica teríamos
talvez algo mais a comemorar.
Senhor Presidente, há, portanto, esse aspecto que é preciso ter presente: política externa
se faz principalmente com o cérebro das pessoas, com a dedicação das pessoas. Nós não
fazemos escolas, salvo uma ou outra talvez em algum país da África, nós não fazemos
estradas, nós não produzimos navios, nós não produzimos aviões. Mas a política externa
tem algo a ver com toda essa dimensão que o Brasil tem ganho internacionalmente e
tudo isso resulta também em postos de trabalho, em melhores condições para o povo
brasileiro, em mais respeito pelas nossas posições, em qualquer assunto, quando temos
que defender a família de um brasileiro morto brutalmente em Londres, quando temos
que tratar de outros brasileiros que as vezes são humilhados em outros países. Tudo
isso, Presidente, exige, portanto, recursos materiais e também recursos humanos. E eu
queria mencionar por que isso é uma verdade que tem que ser apreciada e sei que
contarei com seu apoio para isso. Nós não poderemos aparelhar essa carreira para
enfrentar os desafios, e eu não digo nem os da sua política externa, que introduziu um
grande dinamismo, mas até para os desafios de ontem com os recursos que nós temos
hoje. Nós temos mais ou menos o mesmo número de diplomatas que tínhamos há vinte
anos atrás. Há vinte anos atrás havia talvez 300, 400 mil brasileiros no exterior, hoje são
4 milhões. O Brasil não se relacionava como se relaciona hoje com países da África,
com países árabes, com tantos outros países que Vossa Excelência visitou ou cujos
governantes Vossa Excelência recebeu aqui. Por isso nós necessitamos de seu apoio.
Em breve Vossa Excelência estará recebendo, espero contar com o apoio rápido do
Ministério do Planejamento para termos um projeto de medida provisória sobre este
tema, sabemos das dificuldades da medida provisória mas se trata de algo que diz
respeito à estrutura do Executivo apenas, e portanto mereceria este tratamento.
Essa medida provisória Presidente, apenas para que saibam nossos colegas também, tem
dois ou três aspectos: um é o aumento dos quadros. Não podemos viver mais com os mil
diplomatas que tínhamos, até porque muitos estão em outros ministérios (ontem na
Comissão Mista com Moçambique olhei para a primeira fila do lado brasileiro,
teoricamente eram representantes de outros ministérios, e todos eram do Itamaraty,
todos sem exceção. Nós damos esta contribuição com muita alegria e acho que é motivo
de orgulho porque na realidade o Itamaraty é a única escola de Governo no Brasil. Mas
isso tem um custo para nós e precisamos aumentar os quadros.
Precisamos também Presidente e eu me permito falar diretamente aos meus colegas,
melhorar as oportunidades, a perspectiva de ascensão funcional para os colegas que
entram na carreira. Presidente, eu não fui dos mais jovens Embaixadores. Tive percalços
políticos na minha carreira, ainda assim, cheguei a Embaixador com 47 anos. Hoje,
quando chega um Embaixador com 50, 51 anos é considerado muito moço, porque a
média é 56, 57 anos. Isso tem que mudar. Nós temos que dar perspectivas de acesso aos
jovens e uma das coisas que nós fizemos na nossa reforma, que será submetida a Vossa
Excelência, é facilitar a aceleração do fluxo de diplomatas na carreia e isso é algo muito
importante. Faremos outra coisa também Presidente que é importante: os Ministro
viajam e verificam que há dificuldades até de apoio a eles. Outro dia eu ouvia o
Ministro Furlan falando, de forma bem intencionada como não poderia deixar de ser,
sobre o apoio reduzido que teve em uma Embaixada africana. Sei disso e ninguém pode
ignorar isso. Já passei por isso muitas vezes e Vossa Excelência mesmo passou. Mas é
porque não há estímulos suficientes. Nós temos que criar estímulos suficientes,
estímulos de carreira, estímulos pecuniários, estímulos em ajuda a educação, que é
preciso ter. O brasileiro tem teoricamente pela constituição direito e acesso à educação.
O brasileiro diplomata não tem por que ele vive no exterior. Alguns podem compensar
isso se eles estão em um país onde a vida é mais fácil, mas há países onde isso não é
possível. Eles não podem ter os filhos em escolas públicas, eles têm que der em escolas
privadas, é certamente o caso de grande parte dos países africanos. Então, precisamos
encontrar solução para estas questões e sei que contaremos com Vossa Excelência.
Presidente, também tenho que mencionar que além destes estímulos, e isso é um desafio
para mim mesmo e para o Secretário Geral, nós não conseguimos encontrar uma
solução para isso, nós temos que assegurar a renovação. Os quadros da minha geração e
das outras tem que compreender quando chegou o momento de ceder o passo aos mais
jovens. Digo isso como um diplomata, não tanto como Ministro. Há um momento em
que nós temos que entender que nossa experiência terá que ser usada de outra forma,
seja dirigindo o Instituto Rio Branco, como está hoje fazendo o brilhante Embaixador
Fernando Reis, seja como um Assessor Especial para assuntos delicados e difíceis como
o Embaixador Ouro Preto, seja em áreas onde a sabedoria é importante mas a energia da
juventude já não seja tão importante. Nós temos que apreender, como em todas as
carreiras, que há um momento de ceder o passo. E esse é um dos grandes desafios que
nós temos pois a legislação e os mandatos de segurança não nos favorecem, mas nós
temos que encontrar um caminho para isso.
Normalmente, nessas ocasiões solenes trabalha-se com discursos prontos, até mesmo
para evitar os riscos de todos os improvisos. Mas, Presidente, eu creio que hoje, como
todos os dias, mas hoje, mais do que nunca, a casa é sua e a audiência está aqui para
ouvir o senhor. Por isso vou me limitar a alguns poucos comentários que me vêm da
própria situação e de algumas coisas que foram ditas. Ao fazê-lo, vou procurar não ser
excessivamente auto-referente. Mas não posso, desde o início, deixar de lembrar que
são quarenta anos da época em que eu passava do primeiro para o segundo ano do
Instituto Rio Branco. Eu, como muitos outros aqui presentes, havíamos entrado para a
diplomacia brasileira sob o signo de Santiago Dantas, sob o signo de Afonso Arinos,
sob o signo de Araújo Castro, sob o signo da democracia, e assumimos a carreira num
momento extremamente difícil. Um momento que foi marcado pelo que então se definiu
como fronteiras ideológicas, em que o interesse nacional era colocado num segundo
plano em relação a uma ideologia que tudo subordinava a um conflito entre leste e
oeste.
Não posso deixar, também, de, num momento como este, lembrar que Vinícius de
Moraes foi muito mais do que poeta e diplomata. Foi, também, uma fonte de inspiração
para muitos de nós, e permito-me, Senhor Presidente, numa nota também pessoal,
lembrar que o Embaixador Ruy Nogueira, hoje Subsecretário de Cooperação e há até
pouco tempo Embaixador em Caracas, lia para nós poemas do Vinícius de Moraes, de
quem ele era especialmente adepto, e conquistava nossos corações, mesmo que hoje não
fosse sábado.
Presidente, eu queria dizer que, como outros que estão aqui, nós vivemos um momento
muito especial. Não só em contraste com esses quarenta anos que se passaram - minha
turma, aliás, foi a primeira turma do Instituto Rio Branco que nem sequer formatura
teve porque o governo de então não concordou nem com o paraninfo, nem com o teor
do discurso que seria feito na posse dos alunos... mas não só em contraste a isso, mas
mesmo com tempos mais recentes. Creio que devemos ao senhor - e me permita chamar
de senhor e não de Vossa Excelência, como talvez o protocolo mandasse, porque uma
vez já numa reunião ministerial, o senhor mesmo foi o primeiro a cortar com as "Vossas
Excelências" e permita-me nesse sentido dizer que é um privilégio muito grande estar
trabalhando, eu creio que um privilégio de todos, mas muito especialmente meu, pela
proximidade - e falo não só como ministro, mas como velho diplomata, com já 40 anos
de serviço, praticamente -servir sob a sua orientação. Porque, como o senhor mesmo
gosta de dizer, o seu governo estará voltado, antes de tudo, para devolver a auto-estima
ao Povo brasileiro.
E eu creio que a política externa tem sido uma parte, uma parte não pequena, não
desprezível dessa recuperação da auto-estima. É claro, passamos por períodos diversos,
mesmo durante períodos militares, tivemos ministros brilhantes; tivemos, nós
diplomatas, muitos, envolvidos de alguma maneira em algum tipo de resistência, pelo
menos aos piores abusos do Governo militar. E participamos também com alegria dos
momentos em que parecíamos retomar o fio da meada de uma diplomacia voltada para o
desenvolvimento da nação. Posteriormente, veio a democracia, em sua plenitude, e
tivemos também pessoas ilustres dirigindo não só o Itamaraty, como o próprio País.
Mas, citando algo que o Ministro Ciro Gomes gosta de dizer, talvez no curto período - e
eu sou suspeito para falar, por ter sido Ministro do Presidente Itamar Franco - talvez
nesse período, sobretudo no período após a eleição direta, em muitos momentos, a nossa
preocupação principal, a preocupação principal da diplomacia brasileira era, digamos,
de como sermos eficientes em nossa inserção no mundo - uma preocupação válida, mas
não uma preocupação que devesse ser exclusiva.
Eu não vou me alongar, porque como já disse, é natural, o dia é seu, mas chamemos as
coisas pelo nome - não chamando-as por eufemismos tecnocráticos que as organizações
internacionais criaram - lembrando que o grande flagelo do mundo é a fome, e a fome
tem esse nome próprio, não é apenas 'pobreza extrema', não é 'pobreza relativa', é a
fome, é a ausência de alimento. E a ausência de alimento, como a ausência de liberdade,
como a ausência de paz, são coisas que as pessoas só percebem quando não têm.
E o nosso orador mencionava, também, o fato de que iniciara os seus estudos sob o
impacto do "onze de setembro". Digo isso porque muitas vezes ouço de pessoas,
inclusive ilustradas, até de colegas, que o Brasil não deveria se envolver em certas
situações, não deveríamos dar opinião sobre certas situações, e este Governo nunca
temeu dar a sua opinião sobre situações. Eu acho que há aí um engano fundamental, um
engano que reside em crer que a paz é um dado, como a liberdade é um dado. Eu vivi
antes de 64 e achava que a liberdade era um dado, que tudo o que nós devíamos
transformar era a democracia, numa democracia mais consciente dos problemas sociais,
porque a liberdade era um dado. Mas a liberdade não era um dado, e ela foi suprimida.
A paz não é um dado, e se nós não trabalharmos por ela no dia-a-dia das relações
internacionais, nos conflitos, manifestando-nos sobre eles, condenando toda ação que
esteja fora dos parâmetros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, todas as ações
que contrariam as resoluções da ONU - como tem ocorrido recentemente no Oriente
Médio - se não nos manifestarmos sobre isso, estaremos contribuindo, pela nossa
indiferença, para que as forças do conflito prevaleçam sobre as forças da paz. E para
que as forças da opressão prevaleçam sobre as forças da liberdade.
Da mesma maneira que no plano econômico, e isso faz parte, Senhor Presidente, do seu
combate à fome, temos que lutar por melhores condições não só de acesso aos nossos
produtos, aos mercados internacionais, mas, também, de espaços para podermos realizar
internamente as políticas que são necessárias, como diz o senhor freqüentemente, não só
para combate emergencial à fome, mas para o combate a longo prazo da fome - que só
se obtém pelo desenvolvimento e pelo crescimento econômico. Isso nós sabemos: que
somente eles poderão trazer, também, o crescimento de emprego e a sensação de
integração e inserção plena do indivíduo na cidadania. Não existe indivíduo livre sem
nação livre, já dizia, creio eu, Maquiavel.... Dos meus tempos de professor de ciência
política, recordo-me disso. E não há nação livre que não seja capaz de negociar
(felizmente não temos tido guerras que nos tenham atingido diretamente), de negociar
no dia-a-dia com altivez, com coragem, sem bravatas, sem necessariamente aceitar
outras agendas que nos são impostas como sendo agendas absolutas.
E é esse apoio, Presidente, que o senhor tem me dado em todos os momentos, que quero
de maneira muito especial agradecer ao Senhor. Porque é nesse apoio que hoje se traduz
uma política externa verdadeiramente altiva, verdadeiramente digna, que faça parte....
Creio, hoje, sinto isso - não quero ser presunçoso, absolutamente, porque sei que essas
coisas não se dirigem a mim, dirigem-se ao senhor. Mas já fui Ministro em outra
ocasião - e me orgulho daquele momento em que fui Ministro - mas vejo hoje nas ruas e
na gente do povo o interesse na política externa e o interesse sempre voltado, sempre
voltado, como disse ao senhor, para essa idéia de que a política externa faz parte do
projeto nacional. A política externa ajuda a refletir a nossa imagem, mas não apenas
aquela imagem que nós temos, mas a imagem do Brasil que desejamos. Por tudo isso,
Presidente, pelo apoio que o senhor tem dado ao Itamaraty, inclusive em meio às
dificuldades econômicas, ampliando, ainda que ligeiramente, a nossa estrutura,
mantendo o nosso orçamento em termos reais e até aumentando um pouquinho em
termos nominais, por todas essas ajudas que o senhor tem nos dado, e sobretudo por
esse apoio que jamais tem faltado em momentos difíceis em que há críticas - bem
intencionadas, devo imaginar pelo menos, mas muitas vezes ferinas, muitas vezes
ignorando fatos - esse apoio que não nos tem faltado, é, sem dúvida alguma, o que de
mais importante nós temos, e aquilo pelo que de coração lhe quero agradecer. E creio
que esse apoio deve servir de inspiração também aos jovens diplomatas, que hoje
entram para a carreira, não só num clima de democracia, mas num clima em que a
prioridade ao combate à fome, a restituição de dignidade a todos os cidadãos e cidadãs
brasileiras, qualquer que seja a raça, qualquer que seja o sexo, é uma prioridade
fundamental.
Presidente, recentemente eu fiz uma palestra na COPPE, que comemorava seus 45 anos,
sobre criação e inovação na política externa brasileira. E foi até uma ocasião
interessante - e como eu não tive ocasião de mencionar ao Senhor em privado,
menciono-o publicamente - porque na realidade o homenageado daquela sessão era o
Oscar Niemeyer, e o Oscar Niemeyer disse que já recebeu muitas homenagens na vida e
não estava querendo outra homenagem centrada absolutamente nele. Então pediu que
fosse feita uma palestra sobre política externa brasileira, uma vez que ele, grande
admirador seu e do seu Governo, via na política externa brasileira também um dos
pontos altos, na opinião dele, do momento atual que nós estamos vivendo. Eu acho que
um cumprimento desses, de um brasileiro, talvez um dos mais ilustres brasileiros vivos,
é a melhor gratificação que podemos receber.
Mas por que eu escolhi o tema de criação e inovação na política externa para aquela
ocasião? Será que eu acho que isso é apropriado para os jovens que ingressam - já
ingressaram, na realidade, mas seu ingresso hoje se formaliza - no curso do Rio Branco?
É porque a criação e a inovação são absolutamente necessárias na nossa profissão. O
mundo muda constantemente. Desde minha época, da época do Embaixador Fernando
Reis, até hoje, o mundo mudou de maneira extraordinária. E o Brasil também mudou.
São mudanças - algumas palpáveis, algumas muito visíveis, como, por exemplo, a
queda do muro de Berlim. Mudanças a que o Brasil, os brasileiros, em sua grande
maioria, assistimos de maneira passiva, porque era um evento que extravasava a nossa
capacidade de ação.
Mas há também outras mudanças e outros muros que estão sendo derrubados nos quais
nossa ação é fundamental. O muro de Berlim, a queda do muro de Berlim marcou o fim
do conflito Leste-Oeste. Mas existe também uma antiga separação, que é a separação
Norte-Sul, um muro, como eu disse na ocasião daquela palestra, talvez mais espesso,
porque a derrubada será mais difícil, mais lenta e mais complexa, que não vai atrair a
atenção da mídia, mas nem por isso um muro menos importante que o muro Norte-Sul.
Na derrubada desse muro, nós não somos apenas espectadores, olhando as nossas
câmeras de televisão. Nós somos atores e o Governo do Presidente Lula tem sido um
ator particularmente participante desse processo.
Então, eu acho que isso é um símbolo, entre muitos outros, desse novo mundo que os
nossos novos colegas vão encontrar.
Acho que um dos piores defeitos que pode haver em alguém que esteja voltado para a
ação, para a ação prática e a ação política, em especial, é ver as coisas novas com olhos
velhos. Olhar, por exemplo, as questões da integração da América do Sul como se elas
fossem ainda as questões das rivalidades em torno da Bacia do Prata.
Hoje a nossa realidade é outra. O que antes era competição, rivalidade; hoje, o nome do
jogo é solidariedade. Solidariedade sem nunca perder de vista, naturalmente, o interesse
nacional. Mas dentro da convicção de que o interesse nacional é melhor servido se nós
pudermos entender que vivemos em um conjunto, que não haverá um Brasil próspero e
desenvolvido se não houver uma América do Sul próspera e desenvolvida. Essa tem
sido a política do Presidente Lula que nós temos executado.
Agora, essa política suscita muito mais desafios, porque o Brasil é chamado a atuar de
maneira muito mais freqüente. E eu penso que o mundo mudou e o Brasil também
mudou.
O Embaixador Fernando Reis - que me deu o privilégio de ler o seu discurso - vai
mencionar também um outro Dantas, além do Souza Dantas, que é o patrono, muito
bem escolhido, de vocês. Ele vai mencionar o San Tiago Dantas. E eu lembro que gesto
de ousadia enorme, que símbolo de independência admirável foi a abstenção praticada
por San Tiago Dantas na votação das sanções contra Cuba, na Reunião de Punta del
Este!
Hoje, a abstenção pareceria pouco. Hoje, o Brasil certamente votaria contra uma decisão
desse tipo. Não porque o Brasil concorde ou discorde de tudo que se passa nesse ou
naquele país, mas porque hoje a nossa convicção é de que o engajamento construtivo é
muito mais importante e muito mais eficaz - inclusive para a própria democracia no
continente - do que o isolamento ou a mera indiferença.
A esse respeito, eu gostaria de comentar algo que nós temos mencionado nos últimos
anos: que a nossa política - que continua a ser, como sempre foi, uma política de não-
intervenção - , com o passar do tempo, dado o próprio crescimento da influência do
Brasil, teve de ver nessa não-intervenção um tempero novo. E o tempero novo, que não
altera o princípio, é a não-indiferença. Nós agimos de maneira não-indiferente quando
criamos o Grupo de Amigos da Venezuela. Nós agimos de maneira não-indiferente
quando participamos, da maneira que temos participado, na tentativa de reconstituição
não só da ordem pública, mas do desenvolvimento e da prosperidade no Haiti. E nós
agimos de maneira não-indiferente quando atendemos a um apelo da Bolívia - e vamos
participar juntos, nesse caso, com a Argentina e a Colômbia - do Grupo de Amigos que
procura uma solução, pelo diálogo, para esse nosso país vizinho.
Eu queria também dizer a vocês que isso é uma inovação. Não é uma inovação
decorrente do tempo, mas há muitas outras inovações e seria muito longo eu me
estender sobre todas elas nesse momento em que todos querem escutar, naturalmente, o
nosso Presidente, o paraninfo e o orador. Mas eu gostaria de deixar claro que dentro
desse processo de inovação a nossa aproximação com a África é um fato novo. Não que
seja inédito, porque nunca tenha havido antes, mas, como diziam alguns filósofos do
século XIX, a quantidade altera a qualidade, a quantidade, freqüentemente, se
transforma em qualidade, e a determinação, a insistência mesmo com que o Brasil, sob a
orientação do Presidente Lula, tem procurado se reaproximar da África é um dos pontos
mais notáveis da nossa política externa. Eu estou mencionando dois pontos, mas poderia
me estender aqui e falar da Ásia, falar da nossa parceria estratégica com a União
Européia, falar das nossas excelentes relações com os Estados Unidos - mas iríamos
muito longe.
Eu quero só deixar a vocês a seguinte noção: o Brasil é, hoje, um ator de grande relevo
na política internacional. Até havia uma frase, que tiramos aqui de um discurso escrito:
que o Brasil precisa ir "além de suas sandálias", além daquilo que as pessoas
consideram ser as suas sandálias. O Brasil precisa realmente se afirmar. Não deve ter
vergonha de se afirmar.
Entre muitos outros estudos que eu poderia mencionar, eu me referirei a um, porque está
hoje na imprensa. É um artigo do Wall Street Journal, reproduzido em um jornal
brasileiro. Ele se refere claramente ao fato de que o Brasil se transformou em um
mediador, inclusive no jogo das grandes potências, pelo menos na área comercial. É
algo que nós não poderíamos prever. Quem acompanhou a Rodada Tóquio - e vejo aqui
o Embaixador João Gualberto -, quem acompanhou a Rodada Uruguai, como eu mesmo
lá estive, nós sabemos que a nossa capacidade de reação era limitada. Entre os países
em desenvolvimento, nós éramos até um dos países ouvidos. Mas ouvidos no
finalzinho, para transformar um til em um acento circunflexo, transformar uma vírgula
em um ponto-e-vírgula, não mais do que isso. Hoje, todos sabem que aquilo que o
Brasil disser vai ter uma influência muito grande no próprio processo das negociações.
Isso não ocorreu de graça. Isso ocorreu porque o Brasil mudou, porque o Brasil hoje é
uma democracia pujante, porque o Brasil é visto em todo mundo como parte da solução
dos problemas, inclusive nas questões tão importantes como do biocombustível e dos
alimentos, e não como parte do problema, porque o Brasil atendeu e está atendendo as
necessidades sociais de seu povo e porque o Brasil tem também uma política externa
que é, ao mesmo tempo, desassombrada e pragmática. Desassombrada, porque ela não
tem medo; pragmática, porque ela busca resultados concretos. Ela não está apenas
querendo fazer volteios ou malabarismos, sem objetivos específicos.
Eu queria dizer, portanto, que isso é verdade para todos os temas. Eu me referi à OMC,
mas isso é verdade para o clima, é verdade para a energia, é verdade para a questão de
alimentos, para os grandes temas globais - está aqui também o Ministro Figueiredo, que
preside o grupo negociador sobre clima. É um orgulho para todos nós que o Brasil seja
sempre trazido a essas posições.
Então eu queria, com sua permissão, Presidente, mais uma vez, ter o prazer de receber
oficialmente mais uma turma de colegas, formados pelo Instituto Rio Branco, essa
instituição de excelência. E, falando de excelência, eu queria apenas fazer um último
comentário: essas mudanças que têm ocorrido no País e no mundo exigem mudanças
também no Ministério. O Itamaraty tem que se renovar, o Itamaraty tem que se
rejuvenescer, o Itamaraty tem que ser um reflexo do que é a sociedade brasileira - seja
na maior participação das mulheres, seja na maior participação das minorias, em todos
os postos. E tem que fazer isso sem perder a excelência. Esse é o grande desafio que nós
temos. Esse é o desafio que vocês enfrentarão. Essa é a grande história da diplomacia
brasileira. E nessa história vocês não serão apenas espectadores, mas serão atores e
autores. Bem-vindos!
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES – DISCURSOS
Desde o início de 2011, temos envidado esforços em favor de uma política externa que
reflita as diretrizes e linhas de ação definidas pela Senhora Presidenta da República.
Diretrizes e linhas de ação que colocam a política externa a serviço do desenvolvimento
nacional em que estamos todos engajados.
Tem sido intensa, como Vossa Excelência sabe melhor que ninguém, a agenda de
visitas a outros países e a participação em eventos multilaterais. Da mesma forma, têm
sido numerosas as autoridades estrangeiras recebidas em Brasília, que é hoje uma das
capitais do mundo com maior atividade diplomática.
Na cerimônia de hoje, não caberia passar em revista tudo que foi feito nestes últimos 16
meses. Gostaria, sim, de assinalar algumas ênfases e idéias que vão traçando o perfil da
atuação externa do Brasil na Presidência Dilma Rousseff.
É possível dizer que uma certa criatividade tem estado presente em contribuições
conceituais do Brasil para importantes debates internacionais. Em alguns casos temos
conseguido algo que, sabidamente, não é trivial: incluir novos temas na agenda global.
Nas Nações Unidas, em setembro do ano passado, Vossa Excelência lançou o conceito
de “responsabilidade ao proteger”, como complemento necessário da chamada
“responsabilidade de proteger”. Trata-se de maneira inovadora de dirigir a atenção para
aspectos obscurecidos em muitas das discussões sobre o uso da força para a proteção de
civis, deixando clara a responsabilidade de quem protege: em hipótese alguma poderá
causar mais destruição e instabilidade do que pretende evitar.
Contamos com uma rede de representações diplomáticas e consulares que figura entre
as maiores do mundo.
Felicito a turma, também, pela justa homenagem que fazem a Milena Oliveira de
Medeiros, jovem diplomata cujo desaparecimento prematuro foi profundamente sentido
por todos nesta Casa.
Ao cumprimentar seus familiares, quero dizer que a Secretária Milena deixou
lembranças indeléveis em todos que pudemos privar de seu convívio. Não me
esquecerei de nosso encontro em Malabo, na Guiné Equatorial, durante a reunião
ministerial da ASA, quando pude descobrir uma jovem talentosa e determinada, e
conversar sobre sua carreira e sua paixão pela música.
Caros formandos,
Vocês escolheram uma profissão que, abraçada com entusiasmo e espírito público,
oferece oportunidades de realização pessoal e profissional praticamente ilimitadas.
A preservação e ampliação do patrimônio da diplomacia brasileira agora é também
tarefa de Vocês.
Muito obrigado.
Faço aqui meu reconhecimento aos familiares dos formandos, fonte essencial de apoio
nessa árdua jornada que costuma ser o ingresso na carreira diplomática. As senhoras e
os senhores têm todos os motivos para estarem orgulhosos.
Nos últimos anos, emergiu uma nova faceta da imagem internacional do Brasil, também
solidamente assentada na realidade interna do País. Passamos a ser reconhecidos como
um país que, graças à execução de um corajoso e eficiente conjunto de políticas
públicas, logrou êxitos expressivos no combate à fome e à pobreza e na inclusão social.
O Brasil também tem sido decisivo nos debates globais sobre a erradicação da pobreza e
sobre a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável que concilia
crescimento econômico, inclusão social e proteção ambiental. Somos um dos
responsáveis pela prioridade atribuída a estes temas na agenda internacional. O papel da
liderança brasileira está claramente lastreado nos avanços que registramos nesses
campos dentro do Brasil.
O Brasil projeta-se neste início de século XXI como um país cada vez mais inclusivo e
apegado aos valores da sustentabilidade. Um de nossos principais desafios será o de
maximizar as possibilidades diplomáticas decorrentes dessa nova realidade interna, em
benefício da realização plena de nossos valores e interesses externos.
Caros colegas,
Senhoras e senhores,
Ao mesmo tempo em que o Brasil ganha mais projeção e espaço no mundo, aumenta o
interesse pelos temas de política externa no País. Trata-se de desenvolvimento muito
positivo de nossa democracia.
O Itamaraty tem estado atento a esse desenvolvimento. Tenho buscado assegurar que o
Ministério se aproxime cada vez mais da Esplanada e da sociedade como um todo.
Como bem disse em seu discurso o Secretário Pedro Ivo Ferraz da Silva, o Itamaraty
tem procurado cada vez mais "ouvir e ser ouvido por seus mais diversos
interlocutores."
Ao longo dos meses de fevereiro, março e abril, determinei que o Itamaraty abrisse suas
portas para um ciclo de debates intitulado "Diálogos sobre Política Externa".
Participaram mais de 300 debatedores, representando os três poderes e os diversos
segmentos da sociedade civil: academia, imprensa, movimentos sociais, empresariado,
sindicatos e organizações não-governamentais.
A série de eventos incluiu quatorze painéis temáticos, que trataram, em quase sessenta
horas, de questões centrais da política externa brasileira.
No dia de minha posse nesta função, Senhora Presidenta, Vossa Excelência me orientou
expressamente sobre sua visão do papel do Itamaraty. Nessa orientação, ficou claro seu
desejo de que o Itamaraty reforçasse sua capacidade de planejamento estratégico e
pensamento de política externa de longo prazo.
Reitero que a Casa inteira, todas as unidades, em especial as divisões, precisam ser
fontes de formulação e de pensamento estratégico sobre a política externa.
O Itamaraty precisa modernizar-se para estar à altura dos grandes desafios que tem
diante de si. É amplamente reconhecida a qualificação de nossos quadros, o que
confirmo diariamente. Nosso desafio está em continuar a aperfeiçoar essas
competências e em estimular da melhor maneira possível as energias e capacidades
deste Ministério.
Senhora Presidenta,
Senhoras e senhores,
Caros formandos,
Mandela dizia que a arma mais poderosa não é a violência, mas, sim, a conversa entre
as pessoas. Preconizava a elevação do tema da erradicação da pobreza ao topo das
prioridades globais. Valorizava, antes de tudo, a diversidade no mundo.
Não é necessário ressaltar a enorme afinidade que essa visão guarda com aspectos
essenciais das posições tradicionais da diplomacia brasileira.
Caros colegas,
Vocês apenas começam a descobrir as implicações da vida que escolheram. É uma vida
marcada pela mudança permanente. Aspecto que, por um lado, a torna dinâmica, rica e
fascinante, mas, por outro, é fonte de desafios para o diplomata e seus familiares.
Espero que guardem sempre consigo a vocação original que os inspirou a prestar o
exame do Instituto Rio Branco. Mantenham sempre o profissionalismo, a excelência, o
respeito ao outro, o espírito público, o desejo, acima de tudo, de servir ao Brasil que
esta Casa ensina e inspira. Tenham sempre presente que, nesta Casa, já não há lugar
para discriminações de qualquer espécie e assédios contra quem quer que seja.
Nisso tem de residir a força do Itamaraty, que hoje vocês passam a integrar plenamente.
Para melhor servir ao nosso País, precisamos estar plenamente comprometidos com seu
destino, com seu futuro. Sigamos juntos neste caminho que nos levará a uma
permanente e fascinante descoberta, de tudo o que é o Brasil e do potencial que tem por
realizar.
Muito obrigado.
Senhoras e senhores,
Há 52 anos, também numa cerimônia como esta, San Tiago Dantas afirmou que
“desenvolver-se é, sempre, emancipar-se”. Emancipar-se não apenas externamente, mas
também internamente, por meio de uma “sociedade aberta, com oportunidades
equivalentes para todos e uma distribuição social da renda apta a assegurar níveis
satisfatórios de igualdade”.
A articulação entre as dimensões interna e externa, entre desenvolver-se internamente e
projetar-se externamente, constitui um dos fundamentos de toda política externa
comprometida com a sociedade a que deve servir. Um país determinado a promover o
pleno desenvolvimento social, econômico, político e cultural de seus cidadãos estará
mais apto a afirmar-se no mundo.
Mais inclusão interna significa maior projeção externa.
Esta verdade é especialmente evidente no Brasil de hoje. Não é coincidência que, ao
haver-nos tornado um país mais inclusivo, aumentamos nossa capacidade de influenciar
a ordem internacional, refletindo melhor, assim, os valores e interesses do Brasil. A
política externa, como as demais políticas públicas, deve servir, antes e mais que tudo,
ao desenvolvimento integral do Brasil e de seu povo.
Com base nessa orientação fundamental que recebo da Senhora Presidenta Dilma
Rousseff, tenho procurado imprimir um viés eminentemente pragmático à ação do
Itamaraty, com o objetivo de obter resultados significativos e perceptíveis para o País,
na forma de mais comércio, mais investimentos, mais tecnologia. Buscamos
oportunidades e parcerias fundadas no melhor interesse nacional, sem exclusivismos,
sem dogmatismos.
O Itamaraty tem trabalhado também por manter e ampliar a capacidade do Brasil de
influenciar processos decisórios internacionais relevantes para a sociedade brasileira.
Este elemento de nossa política reveste-se de importância crescente à medida que as
agendas interna e externa relacionam-se de modo cada vez mais profundo.
As recentes visitas de Vossa Excelência, Senhora Presidenta, ao México, aos Estados
Unidos, à Bélgica, ao Panamá e à Rússia, bem como as visitas agendadas proximamente
para a Colômbia, Suécia, Japão e Vietnã, para citar apenas alguns exemplos,
demonstram seu envolvimento direto e pessoal na tarefa de dar concretude e visibilidade
a uma política externa que é, cada vez mais, um fator do desenvolvimento do País.
Uma política externa assim concebida deve saber nutrir-se do inédito interesse pelos
assuntos internacionais que se observa nos mais distintos setores da sociedade
brasileira. Deve apoiar-se efetivamente numa diplomacia pública e envolver uma
variada gama de atores: o Congresso Nacional, os diversos órgãos de Governo, a
sociedade civil, o setor produtivo e os entes federados.
É a ligação profunda entre nação e diplomacia que permite que a voz do Brasil seja
escutada e respeitada e, assim, influencie o tratamento dos principais temas da agenda
internacional. É a conexão com a sociedade que torna possível a tarefa de garantir ao
Brasil um lugar no mundo condizente com sua importância.
Nesse contexto, é natural que nossa política externa seja de índole reformista. Do
mesmo modo que, internamente, o Brasil avançou na superação de desigualdades,
externamente, o País não aceita uma ordem internacional ainda marcada por resquícios
do passado, que não reflete adequadamente o peso dos países emergentes.
O Brasil, por exemplo, tem a quinta maior população, o quinto maior território e a
sétima maior economia do planeta. Tem uma população e uma cultura diversificadas.
Dispõe de grandes reservas de recursos naturais. Tem atuação destacada nos vários
foros multilaterais, como a ONU e a Organização Mundial do Comércio. Somos parte
de agrupamentos políticos dotados de capacidade de reformar a governança global,
como o BRICS, IBAS, o BASIC, o G-4 e os G-20 econômico-financeiro e comercial.
Somos um tradicional e importante contribuinte de tropas para operações de
manutenção da paz e o país que, ao lado do Japão, mais vezes foi eleito membro não-
permanente do Conselho de Segurança.
Senhoras e senhores,
Nossas demandas por uma ordem internacional inclusiva, fundada na paz e na
prosperidade compartilhada, exigem de nós a capacidade de articular e propor uma
visão de futuro tão abrangente quanto possível.
Na visão de futuro que propomos, a ordem internacional deve fundar-se no binômio paz
e desenvolvimento, com pleno respeito aos direitos humanos. Cabe aqui a imagem do
binômio porque ambos os conceitos – paz e desenvolvimento – são interdependentes e
se reforçam mutuamente. Não há paz verdadeira em meio à exclusão, assim como a
superação da exclusão é grandemente facilitada por um ambiente de paz.
Todo e qualquer sistema internacional que se pretenda estável e funcional deve
contribuir para o desenvolvimento sustentável dos países. Isso implica, antes de tudo,
reformar foros e estabelecer marcos legais e estruturas institucionais que apoiem
ativamente os esforços nacionais de desenvolvimento.
Nesse contexto, a erradicação da pobreza em escala mundial deve ser o principal
objetivo da comunidade internacional nos próximos anos, a tarefa central a cumprir-se
no âmbito da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015.
Nosso compromisso com o futuro exige especial cuidado com o meio ambiente, como
demonstramos na Rio+20 e voltaremos a fazê-lo na Conferência de Paris sobre
Mudança do Clima, em dezembro. Devemos todos contribuir para a superação do
desafio – que a todos se impõe – de promover a prosperidade atual com crescimento
econômico, inclusão social e respeito ao meio ambiente. É indispensável fazê-lo com
equidade, reconhecendo a desigualdade dos níveis de desenvolvimento entre os países.
No caso da mudança do clima, o princípio de responsabilidades comuns porém
diferenciadas é absolutamente indispensável.
O segundo elemento daquele binômio – a paz – exige atenção permanente,
especialmente num quadrante da história em que se agravam conflitos, crises, injustiças
e violações dos direitos humanos, frequentemente alimentados pela pobreza, pela
fragilidade das instituições estatais, por extremismos de toda ordem e por ódios étnicos
e religiosos. São alimentados também pela grande dificuldade da comunidade
internacional de coadjuvar eficazmente esforços de paz e entendimento político, no que
tenho chamado de "déficit de diplomacia" no mundo.
Não deixa de impressionar que, a despeito de desdobramentos promissores recentes,
ainda persista uma atitude de desvalorização da negociação, de banalização do uso da
força e de recurso fácil a sanções, com resultados muitas vezes desastrosos. Num
desafio aberto às lições da história recente, vozes influentes em círculos decisórios
mundo afora ainda sustentam que a resposta à violência é mais violência, que as causas
dos problemas políticos podem ser enfrentadas por meio da força.
Nesse cenário, o acordo sobre o programa nuclear do Irã e a retomada das relações
diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos fortalecem nossas esperanças na
revalorização do diálogo e da diplomacia. O Governo brasileiro, que tem defendido há
anos a via da negociação em ambos os casos, saudou as lideranças que tiveram a
coragem política e a determinação para apostar no entendimento.
A prevalência dos direitos humanos – econômicos, sociais, políticos e culturais - é, a um
só tempo, condição e consequência do desenvolvimento e da paz. É, portanto, parte
constitutiva da visão de futuro que o Brasil propõe para a ordem internacional.
Outra característica essencial da ordem que queremos é o multilateralismo. Este se
assenta na multipolaridade em gestação, mas vai além, pois deve gerar instâncias
decisórias internacionais condizentes com a realidade geopolítica e os imperativos
éticos próprios de nossa era.
Assim, é cada vez mais urgente uma reforma que torne mais representativa e eficaz a
Organização das Nações Unidas, que completa, em 2015, 70 anos. Seu Conselho de
Segurança, cuja composição atual não tem mais cabimento no século XXI, deve passar
por mudanças em sua estrutura, para que possa lidar de maneira mais efetiva com os
principais desafios relacionados à paz e à segurança internacionais. Como a Senhora
Presidenta Dilma Rousseff tem reiterado nos discursos de abertura da Assembleia Geral
da ONU, o Brasil é reconhecidamente um ator que pode contribuir para os trabalhos de
um Conselho de Segurança expandido e renovado, com legitimidade reforçada pela
presença de novos atores.
A reforma das instituições de governança econômico-financeira também é premente. A
crise econômica internacional é um alerta para a necessidade de que os países em
desenvolvimento tenham maior peso no processo decisório, inclusive porque esses
países têm dado importante contribuição para a retomada do crescimento mundial.
A recente constituição do Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente
de Reservas do BRICS, por exemplo, é uma demonstração clara de que nossa visão de
futuro é plenamente realizável.
O que propomos como visão de futuro já nos guia na construção do presente, a começar
pela busca da paz.
Em nossa região, temos uma longa tradição de convivência harmônica com nossos
vizinhos, que não nos foi legada, e sim conquistada ao longo de muitos anos de atuação
diplomática. Nosso objetivo é fortalecer ainda mais os mecanismos de construção de
consensos políticos e solução pacífica de diferenças. Bem o demonstra a UNASUL, que
é um importante instrumento para o encaminhamento pacífico de problemas políticos no
continente.
Nossa parte do mundo é também, e cada vez mais, um espaço de desenvolvimento
sustentável e integração, de que é exemplo o MERCOSUL. Em nossa região, é clara a
convicção de que todos temos muito a ganhar se unirmos forças.
No plano extrarregional, estamos dedicados a diversificar, ainda mais, nossas parcerias.
Demos novo ímpeto ao universalismo característico da política externa e que faz do
Brasil um dos poucos países do mundo que se pode orgulhar de manter relações com
todos os Estados-membros das Nações Unidas.
Senhoras e senhores,
O Itamaraty é uma das mais respeitadas instituições do Estado brasileiro. Ao longo dos
anos, a atuação de nossa diplomacia contribuiu para a definição do território nacional,
para assegurar a paz em nosso continente e para a promoção de nosso desenvolvimento
socioeconômico.
Uma das atribuições fundamentais de nosso Ministério é defender o cidadão brasileiro
no exterior e promover nossos interesses econômicos no plano internacional.
No primeiro caso, trabalhamos constantemente para aumentar a eficiência e a qualidade
de nossos serviços consulares, com foco na defesa dos grupos mais vulneráveis e na
elaboração de normas internacionais que assegurem os direitos fundamentais dos
migrantes.
No segundo caso, o Itamaraty tem atuado diligentemente para promover a exportação de
bens e serviços brasileiros. Neste ano em que o nosso Departamento de Promoção
Comercial completa seu cinquentenário, é com orgulho que avaliamos a longa e bem-
sucedida experiência do Ministério em matéria de promoção comercial e atração de
investimentos. São atividades que geram empregos no Brasil e ajudam a ampliar e a
diversificar nossas exportações, em conformidade com o propósito de uma política
externa efetivamente voltada para o desenvolvimento do País.
Em linha com esse propósito, valorizamos a diplomacia econômica, com especial
atenção às economias dinâmicas em diferentes partes do mundo. Abrem-se perspectivas
de negociação de acordos comerciais e avança o estabelecimento de uma rede de
acordos de cooperação e facilitação de investimentos, instrumentos de nova geração
concebidos e aperfeiçoados pelo Brasil.
Outra importante área de atuação do Ministério tem sido a diplomacia pública, em
particular no que se refere à realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de
Janeiro. Iniciamos intenso diálogo com a mídia internacional, em que enfatizamos o
estágio avançado das obras e a qualidade do projeto dos Jogos como indutor de
desenvolvimento e de transformação urbana do Rio de Janeiro.
Caros colegas,
Com o apoio da Senhora Presidenta da República, tenho o compromisso de seguir
fortalecendo nosso Ministério, para que disponha dos recursos humanos e materiais
indispensáveis ao cumprimento de suas atribuições. Tenho contado e seguirei contando,
nessa tarefa, com o auxílio do Secretário-Geral, Embaixador Sérgio Danese, que tem
sido incansável no diálogo com os Ministérios pertinentes. Tem também dialogado com
a Casa no sentido de elevar a eficiência dos gastos na Secretaria de Estado e nos Postos,
com prioridade para o atendimento ao cidadão brasileiro, a cooperação internacional, a
difusão cultural, a promoção comercial, as atividades de política bilateral e a
participação em negociações internacionais.
Continuaremos a modernizar nossa administração e a valorizar nosso principal ativo, os
integrantes do Serviço Exterior Brasileiro. Seguiremos envidando esforços para
atualizar, permanentemente, nossos métodos de trabalho e processos decisórios.
Seguiremos racionalizando e dando maior eficiência a nossos gastos, em meio ao
esforço mais amplo que vem sendo realizado por todos os setores do Governo
brasileiro. Queremos também conferir maior previsibilidade e estabilidade a nossa
gestão de recursos e de pessoal.
Seguiremos atentos às principais questões relativas à ascensão funcional e à
qualificação profissional de nossos funcionários e manteremos diálogo constante com
todas as categorias do serviço exterior. Todos os que estão a serviço do Brasil aqui e no
exterior, muitas vezes enfrentando situações de adversidade e de sacrifício pessoal,
continuarão a contar com a atenção, o apoio e o empenho das chefias da Casa.
A abertura ao diálogo é também uma exortação a que permaneçamos unidos em torno
do interesse comum de fortalecer o Ministério. É a união de todos que nos permitirá
atingir o objetivo comum de um Itamaraty mais vigoroso e eficaz na defesa dos
interesses fundamentais do País no exterior. A coesão é componente essencial do
cimento que faz do Itamaraty uma instituição sólida e respeitada.
Senhora Presidenta, caros formandos,
A turma que hoje conclui o curso de formação é um reflexo de um novo Brasil e,
portanto, de um novo Itamaraty. Os 32 formandos são originários de 15 Estados e
concluíram 11 cursos universitários diferentes, no campo das ciências humanas, exatas e
biológicas. Essa diversidade de origens e de formação enriquece e renova nossa
instituição.
O orador, Secretário João Lucas Ijino Santana, tem uma trajetória representativa de
nossa nova realidade: concluiu seu curso universitário no interior da Bahia, foi
beneficiário do Programa de Ação Afirmativa na preparação para o concurso do
Instituto Rio Branco, no qual foi aprovado com amplos méritos, e partirá em breve para
cumprir missão no Haiti, um dos países que mais simbolizam o esforço brasileiro em
promover a paz e o desenvolvimento.
Orgulhamo-nos muito deste novo Ministério, que é cada vez mais representativo de
nosso País. Orgulhamo-nos da energia e disposição das novas gerações para enfrentar os
desafios da carreira. Tenho a confiança de que vocês, diplomatas que agora se formam,
manterão esse ânimo ao longo de suas carreiras e trabalharão pelo Brasil com grande
entusiasmo, como as gerações anteriores.
Agradeço ao Embaixador Gonçalo Mourão seu dedicado trabalho à frente do Instituto
Rio Branco.
Felicito também a turma pela escolha de seu patrono, o professor José Paulo Tavares
Kol, mestre que legou um exemplo de profissionalismo e de amor ao trabalho.
Manifesto aos familiares e amigos do Professor Kol meus sinceros sentimentos por sua
perda prematura.
Congratulo os formandos também pela escolha do Embaixador José Alfredo Graça
Lima como paraninfo. Conheço-o há mais de três décadas e sou testemunha e admirador
de suas qualidades de grande diplomata, um de nossos expoentes no campo da
diplomacia econômica e comercial. Como professor do Instituto Rio Branco, deu
também grande contribuição para o treinamento das novas gerações de diplomatas e
para a compreensão dos desafios inerentes ao sistema multilateral de comércio e à
economia internacional. Os conhecimentos e a grande experiência do Embaixador
Graça Lima nos inspiram neste momento em que buscamos incrementar a presença do
Brasil no mundo.
Ao concluir, transmito à turma que agora se forma meus votos de felicidade pessoal e
êxito nesta nova etapa.
Mantenham sua energia criativa e sua capacidade de inovar, inspirados por autêntico
espírito público. Vocês são o futuro do Itamaraty e terão papel importante na execução
de uma política externa sempre voltada à defesa dos interesses de nosso País.
O ex-Chanceler João Augusto de Araújo Castro, cujo falecimento completará, em breve,
40 anos, nos lembra que não podemos permitir-nos a apatia e a indiferença e que “em
qualquer ordem mundial do futuro, o Brasil terá de reclamar o lugar que corresponde a
suas imensas potencialidades”.
Acreditar no futuro do Brasil é o dever de todos nós diplomatas. Viver e moldar esse
futuro será um privilégio de vocês, jovens formandos.
Não tenho dúvidas de que se dedicarão com afinco à empreitada, que é da vida toda, de
contribuir para que tenhamos um País cada vez mais justo, próspero e respeitado entre
as nações.
Agradeço, uma vez mais, à Senhora Presidenta da República a honra que nos concedeu
de presidir esta cerimônia.
Muito obrigado.
Eu quero começar por agradecer, Presidente Temer, a sua honrosa presença nesta
cerimônia. Desde o ano passado, vossa excelência retoma essa tradição que é um
orgulho para nós: a presença do Presidente da República nessa data tão relevante para a
vida dessa instituição. A data em que comemoramos – basicamente comemoramos –
comemoramos a formatura dos novos diplomatas e também celebramos o aniversários
da figura tutelar da diplomacia brasileira que é o Barão do Rio Branco. Aliás, eu queria
mencionar uma passagem do belo discurso que fez hoje o orador da turma quando ele se
refere à necessidade permanente que nós, que nos dedicamos à política externa, de nos
comunicarmos com a sociedade, de fazermos com que a opinião pública se apodere dos
temas de política externa, mostrando-lhes a vinculação – mostrando aos nossos
compatriotas a vinculação íntima que existe entre os desafios que o Brasil enfrenta no
exterior, como superá-los e a superação dos nossos problemas, as nossas dificuldades, e
dos obstáculos ao nosso desenvolvimento. E o Barão de Rio Branco foi capaz de fazer
isso. Ele foi ministro de Relação Exteriores durante muitos anos e ao mesmo tempo foi
figura cultuada no Brasil. Todas as vezes que chegava ao Brasil depois da sua
participação em conferências internacionais nas quais ajudou a moldar, a definir os
nossos limites, ele era recebido com manifestações de enorme gaudio popular. E quando
faleceu foi objeto também de uma extraordinária manifestação do povo de homenagem
a ele, que de alguma forma foi homenagem também ao papel da diplomacia na
construção do nosso país.
Eu não quero, Senhor Presidente, não seria adequado fazer nesse momento um balanço
daquilo que temos feito sob sua direção no Ministério das Relações Exteriores. Penso
que procuramos aqui no ministério sintonizar a política exterior brasileira, os rumos que
temos imprimido a ela ao ambicioso programa de reformas que Vossa Excelência
empreende na Presidência da República. Eu penso que hoje sobretudo, da minha parte, é
momento de ressaltar esta alegria daqueles que hoje ingressam nessa carreira e
celebrarmos através dos formandos essa boa tradição de perseguir o interesse nacional
através da sua ação diplomática. Busca do interesse nacional que não se desvincula do
culto de valores, que são valores, como Vossa Excelência já se referiu na cerimônia do
ano passado, expressos na própria Constituição brasileira: a independência nacional, a
busca de solução pacífica das controvérsias, o primado do direito internacional, uma
política externa que contribua para o desenvolvimento do país, uma política externa que
promova a integração da América Latina do ponto de vista econômico, cultural,
político. Enfim, uma política externa que, baseada em ideias e valores simples, claros,
nos fornecem esses valores guias para nos mover em situações complexas, como é a da
situação do mundo de hoje.
Vocês, meus queridos formandos, ingressam hoje numa corporação que é muito ciosa
da sua organização, da sua tradição, do seu valor e da contribuição que presta ao país. E
o discurso do orador da turma foi todo ele orientado nessa linha. Um corpo de
servidores do estado, recrutados em um concurso duríssimo – e é mais uma razão para
celebrarmos hoje essa conquista de vocês e de seus parentes. Uma carreira orientada
pelo princípio do mérito, uma carreira estruturada em regras claras e que precisam
tornar-se cada vez mais claras e transparentes.
Nesse sentido, Senhor Presidente, nós estamos elaborando um anteprojeto que vamos
submeter a Vossa Excelência, de uma nova Lei do Serviço Exterior brasileiro, que
busca exatamente alcançarmos esse objetivo: uma carreira que seja previsível, uma
carreira onde a pessoa que ingressa sabe quais são os passos que deve ultrapassar para
ter a progressão na sua carreira, que haja igualdade de oportunidades a todos na
ocupação de postos importantes, que possa fazer o equilíbrio entre a presença do
diplomata em outros países e a presença aqui na Secretaria de Estado, uma carreira
previsível imune a ingerências que possam provocar a tão detestada carona daquele que
ultrapassa o mérito, a avaliação interna, a avaliação hierárquica em razão de proteções
que não levam em conta o mérito das pessoas. Esse é o sentido que Vossa Excelência
imprime à sua gestão e eu agradeço imensamente o fato de que o senhor, ao longo
desses anos, desse tempo em que estou aqui no ministério, tenha sempre prestigiado
esse critério da impessoalidade de do mérito, mas que é preciso aperfeiçoar.
O discurso da nossa paraninfa nos faz alguns alertas. Nós temos hoje nessa turma um
terço de mulheres. O embaixador Estanislau já me disse que na turma que entra a
proporção aumenta e ultrapassamos 40%. Mas além do ingresso é preciso que as
mulheres tenham oportunidade na carreira para que elas possam ascender sem precisar
servir de troféu para ser exibido aos outros, como apanágio da igualdade. Não se trata
apenas de ingressar – e ingressar já é difícil – mas ascender, ocupar postos de relevo
onde possam ter voz que seja escutada e levada em conta. Esse ingresso, embaixadora
Tereza Quintela, ocorreu em 1918 – a primeira diplomata – e ocorreu em razão de uma
medida judicial, a partir de um parecer de Rui Barbosa.
Rui Barbosa, Presidente, que exarou esse parecer a pedido da candidata que foi a
primeira diplomata, valeu-se da gramática para abrir a porta para esse primeiro ingresso.
A lei dizia que o Serviço Exterior Brasileiro estava aberto para brasileiros, e se entendia
que brasileiros eram do sexo masculino. Rui Barbosa então, com recurso à gramática,
elucidou a questão e deu razão à postulante – brasileiros e brasileiras. O que é
dramático, senhor Presidente, é que ontem me dizia a embaixadora Tereza Quintela, é
que durante um período entre 1938, se não me engano, e 1954, as mulheres não podiam,
por disposição expressa da lei, ingressar no serviço diplomático. O serviço diplomático
estava aberto apenas a homens. Sexo masculino. E também foi mediante um recurso
judicial que essa porta foi aberta. Foi aberta por pessoas valorosas como a senhora e
outras tantas diplomatas que souberam afirmar o seu valor ao longo do percurso da vida
profissional. Mas o seu discurso é realmente um alerta, nos coloca diante da
preocupação constante de levarmos em conta essa necessidade de abrir espaço para que
as mulheres possam contribuir para a carreira diplomática, para a vida dessa instituição,
na medida do seu valor.
Eu queria, senhor Presidente, fazer uma referência também muito emocionado aos pais
da Marielle Franco, que aqui estão presentes. Tive a ocisão de conhecê-los quando
chegava agora ao ministério acompanhado da minha mulher. Eu queria dizer aos
senhores que também sou pai, sou avô, e a perda de um filho, especialmente nas
condições em que perderam Marielle é algo.. é uma ferida que não se fecha nunca. E eu
espero que essa homenagem que prestamos à sua filha possa de alguma maneira
confortá-los e dar-lhes a certeza de que aqueles que tentaram matar a Marielle pela
segunda vez não prevalecerão. Tentaram matar Marielle pela segunda vez ao espalhar
sobre ela a baba nojenta da calúnia. Saibam que o nome desta turma fará com que o
nome dela seja lembrado aqui no instituto e no Itamaraty. Ele não desaparecerá da nossa
memória. Não apenas porque a figura dela – a figura de uma pessoa que lutou
corajosamente pelos ideais da igualdade, da justiça, da não-discriminação, da não-
violência, da dignidade da pessoa humana (e que por isso mesmo morreu) – o nome
dela não será esquecido. Mesmo porque os valores que ela defendeu são valores hoje
amplamente compartilhados pela sociedade brasileira. São valores que vêm do fundo da
sociedade brasileira. O Brasil não aceita, não aceitará discriminação, violência,
intolerância. O Brasil quer viver uma sociedade livre, democrática, aberta, onde o
preconceito não prevaleça, onde as pessoas possam ser valorizadas por elas mesmas.
Não apenas o preconceito, como o privilégio, é algo que não aceitamos mais. O povo
brasileiro não aceita mais. Nessa medida, sua filha Marielle é muito representativa desse
país novo que vai lutando para se livrar de coisas antigas, velhas, arcaicas, carcomidas,
e quer se afirmar como país que todos nós queremos construir aqui entre nós e que
vocês, caros amigos, formandos, novos diplomatas, contribuirão certamente para
fortalecer ao longo de sua atividade.
Eu desejo que vocês sejam sobretudo muito felizes. Aproveitem a carreira. Aproveitem
os postos desafiadores. Não se deixam acomodar pelo culto dos processos que se
esgotam em novos processos. Que não se deixem embotar pela burocracia. Vocês já
demonstraram serem muito representativos do país, pela origem geográfica, pela origem
social, pela formação prévia que tiveram antes de ingressar no Rio Branco – vi ontem
filósofos, médicos, militares, engenheiros que ingressaram na nossa careira e que
poderão a partir dessa formação, da sensibilidade que trazem do Brasil, fazer com que
realmente com que vocês sejam, como disse o orador, a voz do povo brasileiro. Meus
parabéns, felicidades a todos.
Aula inaugural
Aula Inaugural do Ministro Mauro Vieira no Instituto Rio Branco – Brasília, 18 de
janeiro de 2016
18 de Janeiro de 2016 - 10h00
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-
das-relacoes-exteriores-discursos/12895-aula-inaugural-do-ministro-mauro-vieira-no-
instituto-rio-branco-brasilia-18-de-janeiro-de-2016
Embaixador Gonçalo Mourão, Diretor-Geral do Instituto Rio Branco,
Senhores Subsecretários,
Senhoras e Senhores Professores,
Caríssimos alunos da Turma de 2015,
É com grande alegria que venho proferir esta aula inaugural aos diplomatas que iniciam
o seu curso de formação no Instituto Rio Branco.
Quero em primeiro lugar dar-lhes as boas-vindas, felicitando-os pelo ingresso nesta que
é uma das mais importantes carreiras do Estado brasileiro.
Estou certo de que, como eu, cada um dos colegas mais antigos na carreira aqui recorda
com emoção e afeto seu primeiro dia de aula no Rio Branco.
Como servidores do Itamaraty, vocês terão o grande privilégio de trabalhar em prol do
desenvolvimento do Brasil e de defender os interesses de nosso País no mundo. O
serviço exterior implica, como é natural, alguns desafios e sacrifícios, mas também
oferece excepcionais possibilidades de realização e de crescimento pessoal e
profissional.
O Itamaraty é uma instituição com uma longa história e com quadros reconhecidamente
qualificados, que, nos últimos 70 anos, passaram por esses mesmos bancos hoje
ocupados por vocês. O Instituto Rio Branco tornou-se uma referência por seu trabalho
pioneiro na formação e aperfeiçoamento constante de nossos quadros, na produção de
trabalho intelectual sobre nossa política externa e na cooperação com universidades e
centros de pesquisa do Brasil e do mundo.
Vocês devem orgulhar-se de fazer parte, agora, dessa instituição. A carreira diplomática
exige não só apurada formação intelectual, mas também, e acima de tudo, sensibilidade
para a realidade, os problemas e os desafios de nosso País. É esse o sentido de missão
que inspira a todos nós diplomatas. E é esse o legado deixado por gerações de
servidores que têm representado, promovido e defendido nosso País no mundo.
O Chanceler Azeredo da Silveira afirmou em seu discurso de posse, em 1975, que a
“melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”. De tão utilizada, essa frase tornou-se
quase uma divisa oficial.
Isto porque reflete uma realidade inescapável: a de que a carreira exige, a todo
momento, que nos reinventemos e ajustemos nossa capacidade de atuar. Ou, como
também formulou o Chanceler Azeredo da Silveira, exige que nos inspiremos no
passado, que vivamos corajosamente o presente e que nos projetemos no futuro.
O diplomata brasileiro do século 21 – cada um de vocês – é um custódio dessas
tradições. De nós se requer, além de sólida formação intelectual, dedicação, espírito
público, criatividade, reponsabilidade e sentido de dever.
A partir dessa base sólida, o Itamaraty pode orgulhar-se de ser cada vez mais
representativo da sociedade brasileira, como se comprova novamente nesta nova turma.
Temos alunos de origens e formações diversificadas, que retratam a pluralidade de
nosso País. Isso é resultado não apenas de nossas transformações sociais, mas também
de um trabalho deliberado do Ministério das Relações Exteriores, por meio de
iniciativas como o pioneiro Programa de Ação Afirmativa, estabelecido há mais de dez
anos, e a realização de exames de admissão em diferentes capitais do Brasil.
Estamos determinados a continuar valorizando o principal ativo do Itamaraty, que é o
seu material humano.
Continuaremos buscando assegurar aos jovens diplomatas um horizonte claro de
progressão funcional e de oportunidades de trabalho no Brasil e em nossa rede de
Postos no exterior. Em 2015, foram introduzidas mudanças tanto nos critérios de
promoção na classe de Secretário como no mecanismo de remoções, de modo a
reconhecer e valorizar o empenho daqueles que estão iniciando sua carreira. O
Itamaraty tem apenas a ganhar ao contar com o entusiasmo, energia e capacidade de
iniciativa de suas novas gerações.
Saúdo a presença de alunos estrangeiros, que mantem viva a tradição do Instituto de
intensa cooperação com países amigos. Temos na nova turma colegas da Argentina, de
Guiné-Bissau, do Japão, do Kuwait, do Mali, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe
e do Timor Leste. Essa lista reflete tanto a prioridade atribuída pelo Brasil à nossa
tradicional proximidade com a Argentina e com os países lusófonos, como a diversidade
da rede de cooperação estabelecida pelo Instituto Rio Branco, aqui evidenciada pela
presença dos colegas do Japão e do Kuwait e do Mali.
Saibam que sua participação no curso de formação de diplomatas muito nos honra.
Estou certo, igualmente, de que constituirá excelente oportunidade para uma frutífera
troca de experiências.
Gostaria de valer-me desta ocasião para deixar registrado o meu reconhecimento pelo
valioso trabalho realizado nos últimos anos pelo Diretor-Geral do Instituto Rio Branco,
Embaixador Gonçalo Mourão, que no futuro próximo assumirá importante função no
exterior.
O Embaixador Gonçalo Mourão é um colega altamente respeitado por sua trajetória em
nossa instituição. Sua ética impecável e suas qualidades profissionais e humanas foram
mais uma vez demonstradas em sua gestão à frente do Instituto Rio Branco.
Caros alunos,
Vocês dão início a suas trajetórias como diplomatas num momento em que o sistema
internacional enfrenta um conjunto de novos e sérios desafios, num mundo ainda
marcado por guerras, pela pobreza e por ameaças à segurança e ao meio ambiente.
No último quarto de século testemunhamos uma preocupante desvalorização do
arcabouço de normas multilaterais que regulam questões como a paz e a segurança
internacional, com o crescente recurso a medidas coercitivas, inclusive a força militar,
como instrumento principal para a resolução de conflitos.
Logo após o fim da Guerra Fria, chegou a predominar a expectativa de que certo
espírito de cooperação prevaleceria, motivado pela percepção de que passaríamos a
contar com um conjunto de valores hegemônicos e de que não haveria mais espaço para
o choque entre grandes potências.
A mitigação das rivalidades tradicionais parecia apontar para uma revalorização da
diplomacia e para a superação de impasses que impediram, durante décadas, o bom
funcionamento do Conselho de Segurança.
Tais expectativas não puderam realizar-se em sua plenitude.
Muitos supunham que as “velhas ameaças” decorrentes da hostilidade entre Estados e
da possibilidade de um cataclismo nuclear haviam desaparecido e cedido lugar às
“novas ameaças” representadas pela atuação de atores não estatais, das quais o grave
fenômeno do terrorismo é o principal exemplo.
É com preocupação que nos deparamos, hoje, com uma perigosa combinação de
“velhas” e “novas” ameaças. Ao lado do terrorismo, da degradação ambiental, da
mudança do clima e da pobreza, temos um progressivo retorno aos antagonismos entre
Estados, ou, para usar uma expressão cada vez mais em voga, a volta da geopolítica.
Um mundo de geopolítica mais perigosa, porém. Em alguns casos temos agora uma
pluralidade de potências atuando em diferentes cenários, sem coordenação entre si,
mesmo quando supostamente perseguem os mesmos objetivos. A geopolítica da
contenção recíproca entre duas superpotências parece ter sido substituída, em boa
medida, pela anomia e imprevisibilidade da ação de múltiplos atores.
É o que vem ocorrendo na Síria, exemplo mais evidente da volta dessa lógica de disputa
por zonas de influência que se supunha superada pelo fim da Guerra Fria.
O drama dos refugiados é um dos mais visíveis, e dramáticos, efeitos dos conflitos de
nossos tempos. Ele expõe a dimensão humana da tragédia e obriga a comunidade
internacional a redobrar os esforços para fazer valer seus princípios mais fundamentais,
como a promoção da paz e dos direitos humanos.
O Brasil não se satisfaz em apenas indicar esses problemas. Nosso discurso e nossa ação
têm sido perfeitamente coerentes com nossos valores tradicionais.
A gravidade das crises atuais requer da comunidade internacional atuação coordenada e
devidamente respaldada no âmbito das instituições multilaterais.
Apenas soluções negociadas, inclusivas e com a chancela legitimadora das organizações
multilaterais poderão trazer paz duradoura ao nosso mundo.
Repudiamos com veemência o terrorismo em todas as suas formas e manifestações.
Devemos combater esse flagelo não apenas por meio de medidas repressivas, hoje
indispensáveis pela gravidade do momento, mas também lançando mão de uma
estratégia abrangente, que contemple o tratamento de suas principais causas estruturais,
como a pobreza, a destituição, a proliferação de armas, a intolerância e os discursos de
ódio.
Rechaçamos discursos e narrativas simplificadoras ou xenófobas, que contribuem tão-só
para o fortalecimento do extremismo. Não devemos associar o terrorismo a religiões ou
grupos específicos. Não devemos criar barreiras e muros que nos separarão cada vez
mais, nem abrir mão de liberdades e direitos que conquistamos ao longo de décadas de
esforço.
Esses desafios pendentes na esfera da paz e da segurança internacional, e as patentes
dificuldades que a comunidade internacional demonstra para lidar adequadamente com
eles, evidenciam a necessidade de uma reforma estrutural dos processos decisórios no
seio das organizações internacionais, especialmente do Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
É necessário uma ONU forte para fazer frente ao unilateralismo, à descoordenação e ao
imediatismo que ameçam se tornar prática corrente.
É fundamental que o Conselho de Segurança seja expandido e se torne mais legítimo. O
Brasil continuará, com seus parceiros do G-4, a lutar para que esse objetivo, hoje
compartilhado pela maioria dos membros das Nações Unidas, torne-se realidade no
futuro próximo.
Estimados colegas,
Não obstante a dimensão dos desafios correntes do sistema internacional, não podemos
cair na tentação de uma visão pessimista ou resignada do futuro. Apenas no mês
passado tivemos três exemplos auspiciosos das possibilidades de revitalização da
diplomacia e da negociação multilateral.
O primeiro deles foi o acordo logrado no âmbito da Conferência das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima, realizada em Paris. O Brasil empenhou-se a fundo para a
obtenção de um acordo justo e equilibrado, tendo trabalhado com êxito para preservar a
diferenciação de responsabilidades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Demos nossa contribuição, amplamente reconhecida. Países de diferentes regiões, a
começar pelos anfitriões, recorreram ao Brasil como interlocutor confiável e construtor
de consensos.
Um segundo exemplo foram os resultados da última Conferência Ministerial da
Organização Mundial do Comércio, em Nairóbi. A despeito de enormes dificuldades e
muito ceticismo, pudemos finalmente avançar num dos temas mais caros aos países em
desenvolvimento, a agricultura, com a obtenção de acordo para a eliminação dos
subsídios à exportação e o disciplinamento de medidas equivalentes.
É claro que ainda há muito o que fazer para uma efetiva liberalização do comércio de
produtos agrícolas, mas a simbologia desse primeiro passo, obtido com pragmatismo e
grande esforço de convencimento, não deve ser desprezada.
Um terceiro exemplo foi a adoção, pelo Conselho de Segurança, da Resolução 2254
sobre a Síria, a primeira dedicada exclusivamente à obtenção de uma solução política
para o conflito. Embora tardia, a decisão indica que os principais atores internacionais
começam a tomar consciência da impossibilidade de que a guerra civil tenha um
desfecho militar.
Ainda é cedo para avaliarmos a eficácia da resolução, porém mais uma vez estamos
aqui diante de um caso em que os aspectos simbólicos têm grande significado, ao
representarem uma importante mudança na estratégia das principais potências.
O Brasil, como se sabe, vem desde o início preconizando justamente a busca de uma
solução negociada. A decisão do Conselho de Segurança dá finalmente abrigo a essa
posição, que defendemos abertamente desde a eclosão da guerra civil, há cinco anos.
Esses eventos recentes e outros que também ocorreram no ano passado – como a
reaproximação entre Cuba e Estados Unidos, o acordo sobre o programa nuclear
iraniano e o avanço do processo de paz na Colômbia – alentam esperanças no
revigoramento da diplomacia e nos horizontes que se abrem para que tenhamos um
mundo mais seguro.
Os casos da Conferência sobre Mudança do Clima e da OMC constituem exemplos de
como o Brasil pode dar contribuição valiosa, como interlocutor dotado de peso e
singularidade própria no cenário mundial.
Nossa contribuição se estende naturalmente à segurança internacional. Na expressão do
Ministro Celso Amorim, um dos maiores arquitetos de uma política ativa nesse campo,
o Brasil é um país “provedor de paz”.
Uma imagem muito nítida disso se produziu em setembro do ano passado, quando
marinheiros embarcados na Corveta Barroso, que navegava rumo ao Líbano para se
incorporar à componente naval da Unifil, resgataram mais de 200 refugiados à deriva no
mar Mediterrâneo.
O Brasil tem o quinto maior território, a quinta maior população e a sétima maior
economia do planeta. Somos um país que sempre recebeu imigrantes e hoje tem política
exemplar de acolhimento de refugiados de diversas partes do mundo. Contamos com
uma indústria e um setor primário avançados. Somos, ao mesmo tempo, um país em
desenvolvimento, que tem a determinação de reduzir suas desigualdades internas.
Dispomos de uma longa tradição de política externa assentada em princípios claros e na
valorização da diplomacia. Somos um dos poucos países do planeta com uma política
externa verdadeiramente global, como o demonstra o fato de mantermos relações
diplomáticas com todos os membros das Nações Unidas.
Vivemos em paz com nossos vizinhos e somos protagonistas da integração regional.
Fazemos parte de uma diversidade de alianças e coalizões, como o BRICS, o G-4, o G-
20 econômico-financeiro, o IBAS e o BASIC. E, sobretudo, temos grande capacidade
de proposição e de inovação conceitual, de sugerir ideias e soluções criativas.
Esse conjunto de fatores permite que sejamos vistos como uma espécie de articulador de
consensos, um mediador confiável e respeitado, apto a dialogar de igual para igual com
países desenvolvidos e em desenvolvimento, e a oferecer propostas que aproximem as
visões de distintos grupos de países, sem perder de vista a defesa dos nossos interesses
nacionais.
Como diplomatas vocês logo perceberão o privilégio, a honra e a responsabilidade que é
representar nosso País.
Caros colegas,
É em tempos difíceis que a diplomacia adquire ainda maior relevância, como
instrumento para a promoção da paz, dos direitos humanos e do desenvolvimento
econômico.
Devemos sempre, em qualquer circunstância, manter o entusiasmo em nossa capacidade
de colaborar para a construção de um Brasil mais próspero, mais justo e mais inclusivo.
Munidos dessa convicção, trabalharemos sempre para que o nosso País continue
projetando seus valores na cena internacional. Nossas armas devem ser a criatividade, o
espírito público, a dedicação e o esmero no cumprimento do dever.
Como disse a Presidenta Dilma Rousseff na última formatura do Instituto Rio Branco,
cabe a vocês, jovens diplomatas, ter presente “suas responsabilidades de representantes
de uma nação democrática, que aposta na igualdade de seus filhos, que aposta na paz e
na solidariedade internacional”.
Hoje vocês dão o primeiro passo, como diplomatas, de uma jornada que desejo seja
longa, plena e feliz.
Contem, para isso, com o decidido apoio da Chefia desta Casa, que é agora também de
vocês.
Muito obrigado.