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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

Condições da mulher negra: Uma análise do pensamento da Angela Davis


sobre raça e classe nos séc. XIX e XX nos EUA

Nazaré da Mata, 2017

1
UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

Condições da mulher negra: Uma análise do pensamento da Angela Davis


sobre raça e classe nos séc. XIX e XX nos EUA

Trabalho apresentado como requisito


à obtenção de nota na eletiva de
Tópicos Especiais em História da
América I no Curso de Licenciatura em
História, ministrada pelo Prof. Dr. Igor
Lapsky na Universidade de
Pernambuco.

Nazaré da Mata, 2017

2
Condições da mulher negra: Uma análise do pensamento da Angela Davis
sobre raça e classe nos séc. XIX e XX nos EUA

Melissa Alves Vila Nova De Souza1

Resumo
Este artigo tem por objetivo apresentar uma análise acerca de questões raciais e classistas
pertinentes à mulher negra nos séc. XIX e XX a partir da perspectiva da autora Angela Davis
no contexto da Escravidão, da Guerra da Secessão e do Movimento Sufragista nos EUA,
utilizando de sua bibliografia como base para as discussões, com o intuito de desenvolver uma
crítica quanto às condições da mulher negra no mundo contemporâneo.

Palavras-chaves: Mulher negra; Angela Davis; EUA; Raça e Classe.

Abstract
This article aims to present an analysis about race and class issues pertinent to black women in
the 19th and 20th century. From the perspective of the author Angela Davis in the context of
Slavery, War of Secession and Suffragist Movement in the USA, using its bibliography as basis
for the discussions, with the purpose of developing a critique about the conditions of the black
woman in the contemporary world.

Keywords: Black woman; Angela Davis; USA; Race and Class.

1
Graduanda no curso de Licenciatura em História pela Universidade de Pernambuco
3
Sumário

Introdução.....................................................................5

Capítulo 1: A mulher negra e a herança da escravidão nos EUA


.........................................................................6
Capítulo 2: Trabalho, racismo e movimento sufragista feminino
.........................................................................9
Considerações finais.......................................................14
Bibliografia ......................................................................15

4
Introdução

Este artigo apresenta uma discussão em cima de uma problemática sobre a condição
da mulher negra no mundo contemporâneo e tem por objetivo difundir uma crítica sobre a
mesma. Utilizando-se de metodologia teórica, tem como base a autora Angela Davis e propaga
ideias centradas em fatos históricos correspondentes dos séc. XIX e XX nos EUA, nos quais a
mulher negra esteve inserida, como a herança da escravidão, o racismo institucional dentro do
movimento sufragista feminino e todo o problema que esse racismo firmado com o sexismo
dentro do movimento trouxe para as mulheres negras da classe trabalhadora. Analisando e
discutindo sobre todas essas ideias, o presente artigo pretende apresentar convicções acerca de
todas as opressões e lutas da mulher negra passou durante todos os fatos apresentados. Com o
propósito de se criar uma perspectiva crítica em cima de toda a controvérsia da mulher negra
no período de escravidão, dentro do movimento sufragista e em relação com o trabalho, este
artigo demonstra uma imensa aspiração para levantar debates a respeito da mulher negra, da
sua condição e da sua laboração em relação aos sofrimentos mantidos por dois séculos e seu
fervor até os dias de hoje para superar as sequelas de tais sofrimentos.

5
1. A mulher negra e a herança da escravidão nos EUA
O período de escravidão nos EUA se deu desde o séc. XVII e terminou no ano de 1863,
com o Ato de Emancipação assinado pelo presidente Abraham Lincoln. Muito se foi discutido
no século seguinte sobre a escravidão por muitos acadêmicos e historiadores e isso gerou vários
debates sobre como a escravidão se desenvolveu e em como influenciou a vida pós-abolição
dos negros e negras levados para os EUA. No entanto, de acordo com a autora Angela Davis,
nada se discutia sobre as condições da mulher escrava durante a escravidão e no pós-abolição
também. No seu livro Mulher, Raça e Classe2, a autora abre uma discussão sobre como era a
vida das mulheres escravas durante a escravidão e em como muitos autores não conseguiram
compreender a mulher negra em toda sua situação durante o período escravocrata. No que se
refere à mulher negra, ela não tinha gênero quando se tratava de trabalho escravo, ela era como
o homem, apenas unidades de trabalho lucrativo. Então na questão de trabalho nas lavouras 3,
as mulheres tinham os mesmos direitos dos homens, apesar de que isso mudaria de acordo com
o local. Muitas vezes a visão do senso comum em relação às mulheres escravas, não só nos
EUA, mas também no Brasil é a de que a mulher escrava era apenas a arrumadeira, a ama de
leite, cozinheiras e entre outros. A mulher negra não era só uma empregada doméstica ou babá,
ela era considerada de igual força e produtividade que nem um homem, e essa questão de
igualdade entre homens e mulheres negras foi muito pouco explorada pelos historiadores do
inicio do séc. XX, tanto que a autora Angela Davis cita vários deles e faz menção a obra deles,
desmistificando muito do que eles diziam sobre a mulher escrava e por vezes complementando
o discurso de alguns, pois não se davam a devida atenção ás mulheres negras e escravas. A
partir dessa conjuntura escravista nos EUA de que a mulher era tratada como igual ao homem
na questão de trabalho pois a opressão era a mesma sob as ameaças com o açoite, pois as
mulheres e os homens eram castigados de forma basicamente igual, no entanto Angela Davis
nos diz o seguinte sobre isso:

“Mas as mulheres também sofriam de forma diferente, porque eram vítimas


de abuso sexual e outros maus-tratos bárbaros que só poderiam ser infligidos
a elas. A postura dos senhores em relação às escravas era regida pela
conveniência: quando era lucrativo explorá-las como se fossem homens, eram
vistas como desprovidas de gênero; mas, quando podiam ser exploradas,
punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas às mulheres, elas eram
reduzidas exclusivamente à sua condição de fêmeas. (DAVIS, 1981, p. 25)”

Isto nos diz que não importasse como fossem tratadas dentro do campo de trabalho,
não importa se eram exploradas como os homens, elas sempre em algum momento iriam ter
sua condição de mulher explorada como forma de opressão.

2
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. S.Paulo: Boitempo, 2016 [1981]
3
O trabalho escravo nos anos de escravidão nos EUA era predominantemente agrícola, principalmente no Sul.
Kenneth M. Stampp, The Peculiar Institution: Slavery in the Antebellum South (Nova York, Vintage, 1956), P.
343.
6
Não só sexualmente, como psicologicamente também, como por exemplo, quando foi
proibido o tráfico de escravos e isso ameaçou a expansão da indústria de algodão, as mulheres
negras começaram a ser exploradas para a manutenção do número de escravos, ou seja, sua
capacidade reprodutiva era valorizada de agora em diante como um meio de manter e até
aumentar o quantitativo de mão de obra escrava4.

Apesar de tudo isso, uma característica que definiu bem a situação da mulher negra era a
diferença gritante com as mulheres brancas em relação a sua autonomia dentro do lar. Por
incrível que pareça, as mulheres eram mais lucrativas que os homens, pois os industriais do Sul
consideravam sua força de trabalho igual e seu custo menor. Assim, totalizando a mulher negra
como uma força de trabalho apenas, não importando se era feminina demais para tais
incumbências, de modo que atividades como puxar vagões nas minas, cortar lenha, cavar valas
e outras atividades pesadas lhes eram concebidas sem o menor pudor. Um escritor chamado
Robert S. Starobin, autor do livro Industrial Slaveryin the Old South, falou bastante do papel
da mulher no trabalho escravo em comparação com outros autores, ele cita várias situações
onde as escravas eram exploradas de maneira bruta e em grande quantidade. Em comparação
com as escravas do Sul dos EUA, temos as mulheres brancas em igualdade terrível de uso para
o trabalho pesado na Inglaterra no séc. XIX, como descreveu Karl Marx em seu livro O
Capital5:

“Na Inglaterra, ocasionalmente ainda se utilizam, em vez de cavalos, mulheres


para puxar etc. os barcos nos canais, porque o trabalho exigido para a
produção de cavalos e máquinas é uma quantidade matematicamente dada, ao
passo que o exigido para a manutenção das mulheres da população excedente
está abaixo de qualquer cálculo.” (MARX, 2013, p. 467)

Outra característica que evidencia o estado da mulher negra no séc. XIX no período
de escravidão nos EUA é a sua condição de ‘cabeça’ do lar no seio da família negra. No que
tange as tentativas Pré-Guerra Civil de implantar um sistema industrial, a privação das
experiências de trabalhos produtivos além do lar para as mulheres brancas intervém totalmente
na visão de feminilidade do séc. XIX. As mulheres brancas passaram a ser vistas como
indivíduos dentro de uma esfera totalmente distante do mundo do trabalho. O capitalismo
industrial desagregou a economia domestica e a economia pública de forma que intensificou a
inferioridade feminina de uma forma institucional muito forte. A mulher era vista apenas como
um sinônimo de “mãe” e “dona de casa”, o que era bastante inferior visto que essas condições
tornavam as mulheres brancas apenas detentoras de capacidade para cuidar do lar, tirando
totalmente suas competências fora desse âmbito. Porém isso não resvalou sobre as relações
homem-mulher no interior da família escrava, segundo Angela Davis (2016, p. 30), “Muito tem
sido dito sobre o modo como os proprietários de escravos definiam a família negra: uma
estrutura biológica matrilocal.”, desse modo podemos ver que a mulher negra tinha um papel
totalmente diferente dentro da instituição familiar. Apesar de serem escravas, as mulheres
negras tinham um papel mais importante dentro do lar que os homens.

4
Barbara Wertheimer, We Were There: The Story of Working Women in America
(Nova York, Pantheon, 1977), p. 108, 109.
5
O capital: Crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do capital, trad. Rubens.
Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013.
7
Muitos estudos acadêmicos enalteciam as mulheres e diminuíam os homens, por não
conseguirem exercer seu papel paterno e de autoridade (supremacia masculina) dentro do lar.
O papel da mulher escrava como mãe “a aproximava muito mais da criança escrava do que o
do pai. Ela controlava as poucas atividades – cuidar da casa, preparar os alimentos e criar os
filhos – que restavam para a família escrava” 6, mesmo com a figura do homem dentro de casa.
O autor Kenneth Stampp (1956, p. 344.), por exemplo, foi mais longe nesse pensamento,
segundo ele “a típica família escrava era matriarcal em sua estrutura, pois o papel da mãe era
muito mais importante do que o do pai.”, trazendo assim uma reflexão sobre como funcionava
a família negra e em como a mulher era de vital importância para a manutenção da família
escrava.

“A família envolvia uma parcela significativa de responsabilidades


que tradicionalmente pertenciam às mulheres, como limpar a casa, preparar a
comida, costurar roupas e criar os filhos. O marido era, quando muito, o
ajudante da esposa, seu companheiro e parceiro sexual. Era quase sempre visto
como propriedade dela [o Tom da Mary], assim como a cabana em que viviam.”
(1956, p. 344.)

Pontuando sobre a vida doméstica nas senzalas, e discordando um pouco de Kenneth


Stampp, Angela Davis diz que os afazeres domésticos eram de igual necessidade e não
chegavam a ser hierárquicos. Segundo Eugene D. Genovese (1974, parte II) “(...) ao que tudo
indica, a divisão de trabalho entre os sexos nem sempre era rigorosa; às vezes, os homens
trabalhavam na cabana e as mulheres podiam cultivar a horta ou mesmo participar da
caça.”,tendo toda uma questão de que o autor em muitas de suas análises discorria sobre a
participação feminina de forma que se dava a entender um pouco de supremacia masculina, no
geral ele diz que a mulher era uma figura importante e que mesmo sendo tão grandes dentro da
família elas entendiam que deveriam defender não só a si como mulheres, mas também os
homens, pois eles sendo diminuídos elas também o seriam e assim a comunidade negra
conseguiu realizar um ato tão valoroso, transformaram a opressão sofrida em igualitarismo nas
suas relações sociais. O autor ainda diz que a possível “supremacia” feminina era só um modo
de se chegar a uma igualdade sexual maior do que era possível encontrar entre a população
branca e até entre o povo negro pós-Guerra Civil. Em todo esse contexto, a literatura
abolicionista pecava bastante ao mostrar uma mulher negra e escrava totalmente diferente da
realidade. Uma das obras mais populares dessa literatura é A cabana do Pai Tomás, de Harriet
Beecher Stowe, o romance trata a mulher negra de maneira totalmente distorcida, trazendo
numa personagem principal uma mulher quase negra (pois não possuía sangue apenas negro e
nem uma aparência negra mais realista) marcada pela figura maternalmente e religiosamente
branca, culturalmente enaltecida na época que foi escrito e também no tempo que foi escrito.

Apesar de todo o seu peso para a História7, A Cabana do Pai Thomás não foi um forte
aliado dos militantes da causa abolicionista.

6
Stanley Elkins, Slavery, cit., p. 130.
7
“(...) livro que reuniu um grande número de pessoas – e mais mulheres do que nunca – em torno da causa
antiescravagista. Abraham Lincoln chegou a se referir casualmente à autora como a mulher que deu início à
Guerra Civil” DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. S.Paulo: Boitempo, 2016 [1981], p. 40
8
Os negros e negras da época não se sentiram representados pelo romance, pela sua
romantização da escravidão e por não mostrar de fato a luta e resistência das mulheres e homens
escravos para abolir escravidão nos EUA. A representação da mulher negra no livro não
equivale ao verdadeiro retrato da mulher escrava, aquela que batalhou sob a ameaça do açoite,
aquela que lutou bravamente contra a escravidão e foi espancada, estuprada, tirada de sua
família, explorada da forma mais cruel possível, porém nunca subjugada pelos seus senhores.
Esse é o legado que a escravidão deixou para as mulheres negras que viveram essa labuta e esse
é o legado que elas deixaram para suas descendentes: um legado de luta, perseverança,
autossuficiência e acima de tudo, resistência. Essa é a herança que contribuiu para a condição
da mulher negra no pós-abolição e no século seguinte, quiçá, até os dias atuais.

2. Trabalho, racismo e movimento sufragista feminino


Nos EUA o movimento sufragista desde seu inicio, anterior a Guerra da Secessão8,
teve um viés abolicionista. As sufragistas acreditavam que juntando a causa da população negra
(não só mulheres como também homens) e o sufrágio feminino e apoiando o Partido
Republicano do Norte contra o Sul, estariam elas fazendo com que no fim da guerra, seus
esforços seriam recompensados e elas garantiriam seu espaço na política. Porém estavam
enganadas, os homens do Partido Republicano estavam visando com o fim da escravidão a
possibilidade de dar o direito ao voto aos homens negros e assim conseguir mais poder e
controle no Sul dos EUA.

“Os republicanos, claro, não apoiaram o sufrágio feminino depois que a União
venceu. Mas não exatamente porque eram homens, e sim porque, como
políticos, estavam em débito com os interesses econômicos dominantes da
época. Na medida em que o confronto militar entre o Norte e o Sul foi uma
guerra para derrotar a classe escravocrata do Sul, foi também uma guerra
conduzida basicamente pelos interesses da burguesia do Norte, isto é, de
jovens e entusiasmados capitalistas industriais que encontraram sua voz
política no Partido Republicano. O líder republicano no Senado, Charles
Sumner, havia sido um entusiasmado defensor do sufrágio feminino até que o
período do pós-guerra provocou uma súbita mudança em sua postura. A
extensão do voto às mulheres, ele insistia então, era uma demanda
“inoportuna”. Em outras palavras, “os republicanos não queriam que nada
interferisse na conquista de 2 milhões de votos dos homens negros para seu
partido”.” (DAVIS, 2016, p. 86)

Durante a guerra, muitos apoiavam a causa das mulheres e as encorajavam a lutar pela
causa abolicionista, porém nunca com o intuito de visar o lado humano da causa, a questão de
empatia, mas sim a visão da questão política.

As mulheres sufragistas viram esse ato depois da guerra como uma amostra de
supremacia masculina e entenderam que os homens negros iriam ter mais direitos do que elas

8
Também conhecida como Guerra Civil Americana, durou entre 1861 e 1865 nos EUA.
9
e iriam ficar acima delas, então claramente consideraram a causa abolicionista um tanto
“inimiga” do movimento sufragista feminino.

“Mas uma coisa parece clara: na defesa dos próprios interesses enquanto
mulheres brancas de classe média, elas explicitavam – frequentemente de
modo egoísta e elitista – seu relacionamento fraco e superficial com a
campanha pela igualdade negra do pós-guerra.” (DAVIS, 2016, p. 87)

E dessa forma se da inicio ao racismo institucional no movimento sufragista, por mais que as
mulheres brancas estivessem indignadas com a possível propensão do homem negro ao voto,
isso resvalaria na mulher negra de igual modo. Tanto que pouco tempo depois de toda essa
questão, as grandes líderes do movimento sufragista ficaram indiferentes ás mulheres negras,
de tal forma que ignoravam suas tentativas de participar do movimento. O argumento era a de
que permitindo a entrada de mulheres negras no movimento, elas perderiam grandes forças no
Sul (que era onde havia grande segregação pela parte das mulheres brancas sulistas em relação
aos negros em geral).9 De qualquer forma, com a chegada do século XX, uma união entre
racismo e sexismo se instaurou de uma forma assustadora. A supremacia branca e a supremacia
masculina, que sempre se cortejaram com facilidade, estreitaram os laços e consolidaram
abertamente a fantasia. Durante os primeiros anos do novo século, as ideias racistas ganharam
influência como nunca. A atmosfera intelectual, mesmo nos círculos progressistas, parecia estar
fatalmente contaminada por noções irracionais sobre a superioridade da raça branca. Essa
crescente promoção do racismo era acompanhada por uma promoção igualmente acelerada de
ideias que manifestavam a inferioridade feminina. As mulheres – quer dizer, as mulheres
brancas – eram rigorosamente representadas como figuras maternais, cuja razão de ser
fundamental era nutrir os machos da espécie. Mulheres brancas estavam aprendendo que, como
mães, elas carregavam uma responsabilidade muito especial na luta para salvaguardar a
supremacia branca. Afinal, elas eram as “mães da raça”. Em 1901, a Nawsa10 promoveu uma
convenção onde sua atual presidenta Carrie Chapman Catt, proferiu um discurso no qual dizia
que havia três coisas que atrapalhavam o movimento feminino sufragista: o militarismo, a
prostituição e

“[...] a inércia na expansão da democracia, que surge como uma reação aos
movimentos agressivos que, com uma precipitação provavelmente
imprudente concederam o direito de voto aos estrangeiros, aos negros e aos
indígenas. Condições arriscadas, que parecem ser consequência da introdução
no corpo político de grandes números de cidadãos irresponsáveis, tornaram a
nação fraca.” (HARPER, 1902, p. 6)

A partir dai, um embate entre classe trabalhadora negra classe trabalhadora branca era
inevitável devido aos discursos proferidos em convenções da Nawsa e outros espaços políticos
da época.

9
Ida B. Wells, Crusade for Justice: The Autobiography of Ida B. Wells (org. Alfreda M. Duster, Chicago/Londres,
University of Chicago Press, 1970), p. 228-9.
10
National American Woman Suffrage Association
10
Muitos argumentos eram usados, como por exemplo, o argumento de que instruindo a
população negra, a “raça branca” seria dominada por “4,5 milhões de ex-escravos, analfabetos
e semibárbaros” 11, e assim defendiam que uma hora ou outra essas classes iriam se enfrentar.
Com esse racismo velado, os capitalistas da época queriam que a população branca mais pobre
fosse contra qualquer tipo de bem-estar aos negros, com o objetivo de intensificar as tensões e
antagonismos no interior da classe trabalhadora multirracial, e assim contribuir para a
supremacia branca. Uma sufragista chamada Belle Kearney alegou saber o que fazer para não
acontecer uma guerra entre classe trabalhadoras de diferentes raças, caso contrário, seria
inevitável.

“Para evitar essa culminação terrível, a concessão do direito de voto às


mulheres deverá ser levada a cabo, e um requisito para o voto deverá ser
aplicado em termos de educação e posses [...]. A concessão do direito de voto
às mulheres garantiria a imediata e duradoura supremacia branca, alcançada
de modo honesto; pois, como indicam dados oficiais inquestionáveis, “em
todos os estados do Sul, com exceção de um, há mais mulheres instruídas do
que todos os eleitores analfabetos, brancos e negros, nativos e estrangeiros,
somados”.” (PAPACHRISTOU, cit., p. 144)

O argumento estagnado e o apelo à exigência de instrução haviam sido ouvidos muitas


vezes pelas delegadas das convenções anteriores da Nawsa. A sugerir a propriedade de bens
como requisito para o voto, Kearney reproduziu ideias contrárias à classe trabalhadora que,
infelizmente, ganharam um lugar seguro no movimento sufragista. Por anos e anos, as líderes
sufragistas haviam justificado a indiferença da agregação em relação à causa da igualdade racial
invocando o argumento da conveniência. Agora, o sufrágio feminino era representado como o
meio mais conveniente de alcançar a supremacia racial. Involuntariamente, a Nawsa foi
capturada em sua própria armadilha – a armadilha da conveniência, que deveria ter capturado
o voto. Uma vez que o padrão de rendição ao racismo passou a dominar – e especialmente
naquela conjuntura histórica, em que a nova e implacável expansão monopolista exigia formas
mais intensas de racismo –, foi inevitável que as sufragistas acabassem feridas por seu tiro que
saiu pela culatra.

“Assim como é certo que o Norte será forçado a buscar no Sul a salvação da
nação, é certo que o Sul será obrigado a ver em suas mulheres anglo-saxãs o
meio para conservar a supremacia da raça branca sobre a africana.”
“Graças a Deus pela libertação do homem negro!”, ela exclamou com uma
deliberada arrogância racista. “Desejo a ele toda a felicidade e todo o
progresso possíveis, mas não por meio da invasão do espaço sagrado da raça
anglo-saxã [...].” (PAPACHRISTOU, cit., p. 144)

11
Ida B. Wells, Crusade for Justice: The Autobiography of Ida B. Wells (org. Alfreda M. Duster, Chicago/Londres,
University of Chicago Press, 1970),, cit., p. 144
11
Como diz Marx, “o trabalho é o fogo vivo, conformador; a transitoriedade das coisas,
sua temporalidade, como sua conformação pelo tempo vivo” 12, e assim a mulher negra
visualizava seu trabalho, como algo que a dignificava. Isso vem desde os tempos da escravidão,
quando um viajante daquela época observou escravas e escravos que voltavam para casa após
o trabalho no campo, no Mississipi, e relatou que o grupo incluía

“quarenta das maiores e mais fortes mulheres que já vi juntas; todas


vestiam um uniforme simples, xadrez azulado; suas pernas estavam
nuas e os pés, descalços; elas tinham uma postura altiva, cada uma com
uma enxada no ombro, e caminhavam com um passo livre, firme, como
soldados [chasseurs] em marcha.” 13

E com essa persistência, elas mostraram que deviam ter consciência de seu enorme
poder – sua capacidade de produzir e criar, e assim perpassaram essa força de vontade para suas
sucessoras do séc. XX e deste modo a mulher negra não caiu na luta pelos seus direitos como
mulher. Mas, contudo, a questão de classe e raça durante nesse período era mais forte que
qualquer coisa, e com a ideologia burguesa implantada nas mulheres brancas, foi provavelmente
devido aos poderes enganadores da mesma que elas não conseguiam perceber que tanto as
mulheres da classe trabalhadora quanto as mulheres negras estavam fundamentalmente unidas
a seus companheiros pela exploração de classe e pela opressão racista, que não faziam
diferenciação de sexo. Mesmo que o comportamento sexista de seus companheiros precisasse,
ser contestado, o inimigo real e comum era o patrão, o capitalista ou quem quer que fosse
responsável pelos salários miseráveis, pelas insuportáveis condições de trabalho e pela
discriminação racista e sexista no trabalho. Das 8 milhões de mulheres que integravam a força
de trabalho na primeira década do século XX, mais de 2 milhões eram mulheres negras. Na
condição de mulheres que sofriam com a combinação de discriminação de sexo, raça e classe,
elas tinham um poderoso argumento pelo direito ao voto. Mas o racismo operava de forma tão
profunda no interior do movimento sufragista feminino que as portas nunca se abriram de fato
às mulheres negras. As políticas excludentes da Nawsa não dissuadiram inteiramente as
mulheres negras de apresentar suas reivindicações pelo voto. Ida B. Wells, Mary Church Terrell
e Mary McLeod Bethune estavam entre as sufragistas negras mais conhecidas. Margaret
Murray Washington, uma líder de um movimento chamado Associação Nacional das Mulheres
de Cor, entendia que se a mulher de cor, tanto quanto os homens de cor percebessem que por
meio do voto eles iriam conseguir igualdade em vários âmbitos e vice-versa.14
Quando a Federação de Agremiações de Mulheres Negras do Nordeste apresentou seu
pedido de filiação à Nawsa, já em 1919 – apenas um ano antes da conquista do voto –, a resposta
das líderes foi repetir a mesma rejeição que, um quarto de século antes, havia imposto às
sufragistas negras.

Mesmo assim, as mulheres negras estavam mais do que dispostas a colaborar com suas
atribuições de observação e julgamento para a criação de um movimento multirracial pelos

12
“Die Arbeit ist das lebendige, gestaltende Feuer; die Vergänglichkeit der Dinge, ihre
Zeitlichkeit, als ihre Formung durch die lebendige Zeit”, Karl Marx, Grundrisse der
Kritik der politischen Okonomie (Berlim, Dietz, 1953), p. 266 [ed. bras.: Grundrisse:
manuscritos econômicos de 1857-1858 – Esboços da crítica da economia política, trad.
Mario Duayer et al., São Paulo, Boitempo, 2011, p. 288].
13
Frederick Law Olmsted, A Journey in the Back Country (Nova York, [Mason
Brothers,] 1860), p. 14-5, citado em Kenneth M. Stampp, The Peculiar Institution, cit.,
p. 34.
14
Gerda Lerner (org.), Black Women in White America, p. 446.
12
direitos políticos das mulheres. Mas, a cada tentativa, elas eram traídas, menosprezadas e
rejeitadas pelas líderes do branco como leite movimento sufragista feminino. A violência da
Ku Klux Klan em alguns estados causou ferimentos e mortes de mulheres e crianças negras.
Em outros lugares, elas foram proibidas de exercer o novo direito de forma mais pacífica. Em
Americus, na Geórgia, por exemplo, “mais de 250 mulheres de cor foram às urnas para votar,
mas [...] acabaram rechaçadas ou tiveram suas cédulas recusadas pelos supervisores eleitorais
[...]” 15.
Tanto para as sufragistas quanto para as integrantes do movimento associativo, as
mulheres negras eram seres meramente dispensáveis quando se tratava de conquistar o apoio
das brancas do Sul. Quando os votos pela décima nona emenda foram totalizados, os estados
do Sul ainda estavam alinhados no campo da oposição, e, de fato, quase conseguiram derrotar
a emenda. Depois da aguardada vitória do sufrágio feminino, as mulheres negras do Sul foram
violentamente impedidas de exercer seu direito recentemente adquirido. Fazendo de toda sua
luta uma causa quase perdida, pois mesmo com todas essas adversidades, a mulher negra nunca
se deixou derrotar pelo racismo e pelo ódio gratuito a sua cor e sua classe.

Considerações finais
15
The Crisis, v. 10, ago. 1915, p. 314-5.
13
Por fim, este artigo teve por objetivo central difundir as condições da mulher negra no
período do séc. XIX e XX, sob todo um contexto de fatos históricos que marcaram a sua
trajetória que vai da Escravidão nos EUA ao Movimento Sufragista Feminino. Considerando
toda a base teórica do mesmo, pode-se entender que a mulher negra passou por diversas formas
de opressão e mesmo com tudo isso se manteve firme em sua luta por direitos e em sua
resistência ao capitalismo, ao patriarcado e ao racismo como principais estopins para tanta
desigualdade social, econômica e sexual enfrentada por elas. Desenvolvendo argumentos
baseados em obras de literatura abolicionista e em autores da época pré e pós-abolição, foi visto
que a mulher negra quando escrava nos EUA era totalmente interpretada de maneira errada, era
condicionada a sofrer diferentes tipos de castigos só pelo fato de ser mulher, porém
demonstrava grande obstinação em enfrentar sua condição de escrava, era considerada como
maior autoridade dentro da família escrava e também foi mal exposta por muitos e muitas
escritoras(es) da época. Contudo, a mulher negra superou a escravidão e deixou uma herança
de luta, resistência e perseverança para suas descendentes. Também foi visto como o racismo
adentrou o Movimento Sufragista Feminino nos EUA, como funcionou a questão de relação
entre sexismo e racismo e em como isso afetou a classe trabalhadora negra. As mulheres negras
lutaram com fervor para conseguir seus direitos ao voto, mas uma onda de racismo maior e
mais violenta tomou todo o país e tirou não só os direitos de muitas mulheres negras, como
também suas vidas. E com isso, o trabalho aqui feito perfaz uma crítica à problemática da
mulher negra no senso comum e incita a um louvor à mulher negra e sua capacidade de
dedicação, resistência e fé na luta pelos direitos das mulheres.

Bibliografia
14
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. S.Paulo: Boitempo, 2016 [1981]

STAMPP, Kenneth M. The Peculiar Institution: Slavery in the Antebellum South (Nova York,
Vintage, 1956)

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York, Pantheon, 1977)

MARX, Karl. O capital: Crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do


capital, trad. Rubens. Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013

WELLS, Ida B.. Crusade for Justice: The Autobiography of Ida B. Wells (org. Alfreda M.
Duster, Chicago/Londres, University of Chicago Press, 1970)

MARX, Karl. Grundrisse: Manuscritos econômicos de 1857-1858 – Esboços da crítica da


economia política, trad. Mario Duayer et al., São Paulo, Boitempo, 2011

OLMSTED, Frederick Law. A Journey in the Back Country (Nova York, [Mason Brothers,]
1860)

LERNER, Gerda (org.). Black Women in White America, s. n.

15

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