Vous êtes sur la page 1sur 2

Escola mais justa

O ensino de História e cultura afro‐brasileira e africana dá os primeiros passos


Amilcar Araujo Pereira
13/1/2011

E lá se vão mais de seis anos desde a sanção presidencial à Lei 10.639, em 9 de janeiro de 2003. Muitas
águas já rolaram depois do marco inicial para o processo de implementação dessa lei que tornou
obrigatório o ensino de História e cultura afro‐brasileira e africana em todas as escolas do país. As
“Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico‐Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro‐Brasileira e Africana” foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e publicadas pelo
Ministério da Educação em outubro de 2004. Projetos e programas, principalmente para a “capacitação” de
professores da Educação Básica, foram criados em âmbito nacional e por governos estaduais e municipais
em várias partes do país.

Mas uma coisa é consenso para todos que trabalham nesse campo de estudo: há muito o que ser feito em
termos de pesquisa e ensino para que a Lei 10.639/03 (agora ampliada pela Lei 11.645/08, com a inserção
da obrigatoriedade do ensino de história e cultura dos povos indígenas) seja implementada de fato e possa
alterar o aspecto eurocêntrico ainda tão presente no ensino de História nas escolas brasileiras.

É importante lembrar que muita coisa aconteceu antes de 2003 para que essa lei pudesse existir e fosse
sancionada pelo presidente Lula, então recém‐eleito. Foram muitas as tentativas do movimento social
negro, organizado politicamente ao longo de quase todo o século XX, para que fosse feita uma “reavaliação
do papel do negro na História do Brasil” e para que houvesse de fato a “valorização da cultura negra” em
nossa sociedade, reivindicadas, em 1978, na “Carta de Princípios” do Movimento Negro Unificado (MNU),
uma organização criada naquele mesmo ano. Ao longo das últimas décadas, esse movimento social vem
apresentando suas demandas à sociedade e às diferentes instâncias do poder público, e, em vários
aspectos, tem alcançado algumas importantes vitórias. A Lei 10.639/03 é uma delas.

Todos nós, professores, presenciamos casos de manifestação de preconceitos diversos nas escolas. Daí o
resultado da pesquisa realizada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) a pedido do Inep
(Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e divulgada recentemente,
indicando que 99,3% das pessoas no ambiente escolar demonstram algum tipo de preconceito étnico‐racial,
socioeconômico, de gênero, geração, orientação sexual ou territorial. Sendo que, entre estes, 94,2% têm
preconceito étnico‐racial. Assim, compreendendo que, como diz a sabedoria popular, “é preciso conhecer
para respeitar”, acredito que o maior benefício que a Lei 10.639/03 pode nos trazer é a valorização das
diferenças, elemento fundamental para combatermos as hierarquizações étnico‐racial e cultural,
alimentadas por “pré‐conceitos” e ignorância, e ainda tão presentes em nossas escolas. Há muito trabalho
pela frente para uma verdadeira reeducação das relações étnico‐raciais em nosso país. Para isso, é
importante que as identidades individuais e coletivas sejam vistas como construções culturais, por isso,
históricas e relacionais. Neste sentido, o conhecimento das histórias dos diferentes grupos populacionais é
fundamental.

Embora seja evidente a necessidade de se pesquisar muito mais sobre as histórias da África e do negro no
Brasil, ainda pouquíssimo estudadas, hoje já podemos encontrar pesquisas acadêmicas e materiais didáticos
– alguns gratuitos e disponíveis na Internet – para nos auxiliarem nessa empreitada. Por outro lado, muitos
professores têm se organizado e trabalhado com o objetivo de apresentar diferentes histórias que
permitam aos estudantes conhecer, respeitar e valorizar a matriz africana e afro‐brasileira de nossa
sociedade.

Um bom exemplo foi a experiência que acompanhei e analisei em minha dissertação de mestrado,
defendida na Uerj em 2006. Trabalhei com o cotidiano da Escola Municipal Professor Paulo Silva antes,
durante e depois do evento chamado “Movimentar”, realizado em uma semana, no mês de julho de 2005.
Para esse evento, os estudantes fizeram esquetes teatrais, músicas, jornais, cartazes, poesias, jograis
etc., para contar a história de Paulo Silva (1892‐1967), o patrono da escola, que quase todos desconheciam
até poucos meses antes. Paulo Silva foi um grande maestro, autor de vários livros, professor emérito da
Escola de Música da UFRJ e formador de várias gerações de grandes músicos brasileiros, como Tom Jobim
(1927‐1994) e Paulo Moura. Entrevistei alunos, professores e a diretora cerca de seis meses após o evento,
e eles relataram uma grande diminuição dos casos de racismo, graças ao fato de todos conhecerem a
história daquele que dava nome à escola: um homem negro, descendente de escravos, ex‐aluno interno da
Escola Quinze (incorporada em 1964 pela Fundação Estadual do Bem‐Estar do Menor, Febem), mas que,
vencendo inúmeras barreiras, contribuiu muito para a construção da nossa cultura, tornando‐se um
importante personagem da História do Brasil.

Uma aluna negra contou em entrevista que suas notas haviam melhorado após o evento, e que a partir de
então resolvera estudar música. Realizado com poucos recursos e a partir de um elemento presente na vida
daqueles jovens (o nome da escola onde estudam), esse evento conseguiu gerar uma transformação no
cotidiano da instituição.

Outro exemplo interessante é um trabalho realizado no Colégio de Aplicação (CAP) da UFRJ em 2009, a
Ciranda Literária Ventos Africanos, que envolve professores e alunos de várias áreas e é coordenada pela
pedagoga que atua junto à biblioteca do colégio. Como parte desse evento, professores e licenciandos de
História montaram o projeto “Tombuctu: a cidade dos livros”, que tem como objetivo apresentar aos
alunos da escola essa magnífica cidade do Sudão Ocidental, no atual Mali, que durante os séculos XIII e XIV
foi um dos principais centros de produção de conhecimento do mundo. Lá havia uma universidade para onde
afluíam sábios de lugares distantes, como o Egito e o Magreb. Enquanto em Tombuctu, nesse momento, os
livros chegaram a ser a mercadoria mais valiosa, na mesma época eles eram queimados em grande parte da
Europa medieval. Tombuctu, assim como inúmeros outros elementos da História e das culturas africanas,
nos leva a outras possibilidades de se olhar para a África, para além dos estereótipos da miséria, das
doenças, das guerras etc.

E esse, a meu ver, é o principal objetivo da Lei 10.639/03: permitir que nós, brasileiros, vejamos a África,
os africanos, os afro‐brasileiros e o próprio Brasil com outros olhares, conhecendo e respeitando todas as
matrizes formadoras da nossa sociedade. O estudo das histórias e culturas dos africanos, dos afro‐
brasileiros, assim como dos povos indígenas, é absolutamente necessário para a construção de um Brasil
mais justo e democrático.

Amilcar Araujo Pereira é professor de ensino de história na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
e organizador, com Verena Alberti, de "Histórias do movimento negro no Brasil" (Pallas, 2007)

Saiba Mais ‐ Bibliografia

HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula. São Paulo: Selo Negro, 2005.
PEREIRA, Amilcar Araujo. Paulo Silva e as relações raciais no Brasil: uma experiência sobre identidades
construídas no espaço escolar. Dissertação de mestrado em Ciências Sociais: Uerj, 2006. www.uerj.br
PEREIRA, Amauri Mendes. Por que estudar História da África? Rio de Janeiro: Ceap, 2006.
SOUZA, Marina de Mello. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2006.

Vous aimerez peut-être aussi