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Eduardo Moreira Assis

A CIDADE E O “MAL NECESSÁRIO”:


PROSTITUIÇÃO E MARGINALIDADE SOCIAL
EM POUSO ALEGRE-MG (1969-1988)

Mestrado em História Social

PUC-SP
2005
ERRATA

PÁGINA ONDE ESCREVE-SE LEIA-SE

2 vivida vividas
7 sócio-espacial social
10 Hist[oria História
11 por si. Comumente por si, comumente
Mocovici Moscovici
15 diferente diferentes
17 marginalidade sócio-espacial marginalidade social
41 Fio Foi
80 Fui que quem fiz Fui eu quem fiz
96 e que momento algum e que em momento algum
101 braço braços
107 por pôr
108 sobre sob
estabelecidos estabelecido
um dos outros uns dos outros
112 onde à alimentação onde a alimentação
113 Ao 16 anos Aos 16 anos
115 eram esses era um desses
116 Loteamento Aeroporto. Que Loteamento Aeroporto, que
118 a vista à vista
120 ao boato, estabelecer ao boato, de estabelecer
havia haviam
muitas as muitas das
121 prostitutas de "donas de casa" prostitutas e "donas de casa"
128 quam quem
131 temos termos
132 Ia para domingo Ia parar domingo
as mulheres conversassem as mulheres que conversassem
_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução
total ou parcial desta dissertação/ tese por processos de fotocopiadoras ou
eletrônicos.

Assinatura _________________________________________________
Local e data ________________________________________________
EDUARDO MOREIRA ASSIS

A CIDADE E O “MAL NECESSÁRIO”:


ZONA DE PROSTITUIÇÃO E MARGINALIDADE
SOCIAL EM POUSO ALEGRE-MG
(1969-1988)

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
como exigência parcial para a
obtenção do título de MESTRE em
História Social, sob orientação da
Professora Doutora Estefânia Knotz
Canguçu Fraga.

SÃO PAULO
2005
HUMAN BEHAVIOUR

if you ever get close to a human


and human behaviour
be ready be ready to get confused

there's definitely definitely definitely no logic


to human behaviour
but yet so yet so irresistible

and there's no map to human behaviour

they're terribly terribly terribly terribly moody


then all of a sudden turn happy
but, oh, to get involved in the exchange
of human emotions
is ever so ever so satisfying

and there's no map


and a compass wouldn't help at all

Björk – Debut
AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos iniciais são endereçados às professoras

Andréa Silva Domingues, por iluminar o caminho das primeiras discussões

e esforços de pesquisa; Estefânia K. C. Fraga pela imensa paciência e

orientações imprescindíveis para o andamento deste trabalho; Célia Regina

Toledo Lucena, pelos diálogos sobre o oficio do historiador, pelas

indicações de eventos acadêmicos e autores e, acima de tudo, pelas

leituras dos esboços desta dissertação que, além de abrir novos horizontes,

foram, não raro, responsáveis por colocar o trabalho de volta nos eixos; e

Heloísa de Faria Cruz pelas contribuições indispensáveis dadas no exame

de qualificação.

À CAPES e ao CNPq, agradeço o financiamento que permitiu a

realização desta pesquisa e o retorno de dois anos de dedicação e estudo à

sociedade. Nesse sentido, expresso também minha gratidão infinita a meu

pai pelo auxílio anterior às bolsas, essencial para o sucesso dessa

empreitada e de minha carreira.

Para com meus depoentes, todos eles, carrego uma dívida de

gratidão que não consigo descrever. Suas falas, trabalhadas direta ou

indiretamente ao longo das páginas a seguir tornaram possível, de uma


maneira significativa, a construção de uma história marginalizada à qual era

reservado o silêncio e o picaresco enquanto invólucros.

Agradecimentos devem ser feitos ainda à Fátima Bellani, secretária

da Câmara Municipal de Pouso Alegre, ao senhor Alexandre Araújo, diretor

do Museu Histórico Municipal de Pouso Alegre e aos departamentos de

Patrimônio e de Obras e Infra-Estrutura da Prefeitura Municipal de Pouso

Alegre.

Ao longo de pouco mais de dois anos, pessoas mais que especiais

estiveram sempre perto de mim dando-me esperança, acalmando-me,

ressaltando as minhas capacidades e méritos, minhas conquistas e meus

sonhos, sendo companheiras de uma jornada que definiu meus objetivos

para o futuro, dividindo indagações, dificuldades, desafios, experiências e

interesses, momentos de descontração e de preocupação. Por isso, a

Micheline Reinaux de Vasconcelos, Leonara Lacerda Delfino, David

Shigueo Tamamoto, Helena Maria de Souza Matos e Eduardo Silveira Neto

Nunes e Gustavo Aciolli meus agradecimentos mais fraternais.

Por fim, as muitas noites de sono mal-dormidas ou não-dormidas, os

dias de estresse, toda expectativa e curiosidade em torno da realização

deste trabalho, a torcida pelo meu sucesso e pela superação dos

obstáculos enfrentados no percurso da pesquisa, que tiveram por mim as

minhas irmãs Ita e Cynthia, não podem ser esquecidas aqui. Sem o apoio

das duas tudo teria sido muito mais árduo, e muito menos compensador e

satisfatório do que foi. Por isso dedico a elas este trabalho.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................... 01

CAPÍTULO I

Prazeres entre fronteiras:


Preconceito, intolerância e marginalidade social nas
relações entre cidade e Zona de Prostituição. ................................... 20

CAPÍTULO II

Em nome da moral e dos bons costumes:


Moralização, fiscalização, higienização e
especulação imobiliária. ................................... 60

CAPÍTULO III

A cidade que muda de cara, mas não muda de alma:


Referenciais do passado sobre os caminhos do .................................. 99
futuro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................. 135

FONTES .................................. 140

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................. 155

ANEXOS .................................. 164


RESUMO

Entre 1969 e 1988, a cidade sul-mineira de Pouso Alegre-MG


industrializava-se. Valores como “modernidade”, “desenvolvimento” e
“progresso” eram construídos pela imprensa local que, juntamente com os
moralistas e opositores à Zona de Prostituição, passou a considerá-la um
entrave ao crescimento urbano, travando uma campanha de moralização
pelo fim da prostituição na região central, cujos resultados refletiram a
necessidade de construção de um espaço, afastado do centro, destinado a
confinar a prostituição, e que se tornou vizinho nos anos 1980 de um
Conjunto Habitacional, iniciando assim novas relações de sociabilidade
entre os sujeitos que buscavam afirmar suas identidades.

A dissertação A cidade e o “mal necessário”: Zona de Prostituição e


marginalidade social em Pouso Alegre-MG (1969-1988) busca refletir sobre
a construção da Zona de Prostituição enquanto território urbano e explorar
as tensões que permearam as relações estabelecidas entre cidade e a
Zona no decorrer dos anos, resultando e legitimando um processo de
exclusão e o recurso aos preconceitos no reforço de fronteiras simbólicas
construídas nas relações entre os sujeitos sociais como critérios de
diferenciação entre eles.

A narrativa da pesquisa foi construída com o recurso às fontes orais,


que permitiram apreender experiências dos diferentes sujeitos sociais que
viveram esse processo de exclusão e construção da marginalidade da
Zona, estabelecendo um diálogo constante com diferentes tipos de fontes,
como a imprensa local do período, fontes legislativas, cartográficas, oficiais
e memórias escritas, no sentido de construir uma história multifacetada
capaz de desmistificar as múltiplas imagens pesavam sobre a Zona de
Prostituição e apresentar um outro lado daquele território marginal,
culturalmente construído, dono de valores e regras próprias abordado pela
primeira vez historiografia pouso-alegrense.

Palavras-chave: Zona de Prostituição, território, cultura, experiência,


História Oral, imprensa, preconceito, marginalidade social.
ABSTRACT

From 1969 to 1988, Pouso Alegre, a southern Minas Gerais state


city, had lived the very beginning of it’s industrial process. Values such as
“modernity”, “development” and “progress” were under construction by the
local press, where both, the morality defenders and people opposed to the
Prostitution Zone, had considered it an obstacle to urban growth, thus
raising a moral campaign which demanded the prostitution’s end at the city
center. Such results reflected the need of another Prostitution Zone, far
away from downtown and with the purpose of the prostitution confinement,
which came afterwards to be a residential area’s neighbor in the 1980’s.
This way new social relationships among the ones who tried to stabilize
their identities with each other, were started.

The dissertation The city and the ‘necessary evil’: Prostitution Zoning
and social marginality in Pouso Alegre city, Minas Gerais state (1969-1988)
aims to reflect on the Prostitution Zone construction as an urban territory to
explore the tense relationships established between the city spaces and the
Zone along the years. It had resulted and rightfully became a process of
social exclusion and the prejudice resource was reinforced by a symbolic
borderline among their social relationship as a way of differing themselves.

The narrative of the research was built up with the contribution of Oral
History, which allowed the capture of experiences from those who lived the
process of social exclusion and marginality construction of the Zone.
Therefore establishing a continuous dialogue with different kinds of legal,
official-documented, cartography, written-memory sources and the local
press with the purpose of making up a multi-faced history, able to
deconstruct the several images that were attached to the Prostitution Zone
as well as presenting another view of that marginal territory, culturally
constructed with its own rules and values, for the first time presented by the
Pouso-Alegrense historiography.

Key-words: Prostitution Zone, territory, culture, experience, Oral History,


press, prejudice, social marginality.
INTRODUÇÃO

A cidade é uma pessoa, feita de pessoas que ela modela.

Jacques Le-Goff

Em Pouso Alegre, Sul de Minas Gerais, quando o assunto é

prostituição, há sempre alguém com um conhecido que viveu alguma

aventura, em algum momento do passado, em uma das Zonas que a cidade

teve. Mas nunca há alguém disposto, efetivamente, a remexer esse

passado, retirando-o do picaresco ou da atmosfera onde todas as imagens

parecem já estar cristalizadas e os discursos prontos e acabados.

Na historiografia local a Zona sempre apareceu com nitidez através

dos silêncios e das omissões oficiais que permeiam os trabalhos dos seus

memorialistas, enterrada pelo saudosismo que a história dos grandes

homens, grandes acontecimentos e das famílias tradicionais tratou de

preservar e de contar através dos tempos.

Envolta por uma aura de mistério, a um único homem parece ter

cabido falar sobre o meretrício pouso-alegrense. Quando as questões sobre

Zona, sobre prostitutas, “donas de casa” e, mais ainda, sobre suas práticas

e sua clientela, se multiplicavam, mais o nome de Moacyr Honorato Reis

1
era recomendado como “doutor honoris causa em Zona”, conforme indicou

um destacado memorialista, informalmente, nos primeiros passos desta

pesquisa.

Na medida em que a Reis coube o que pode ser conceituado como

“memória oficial” dos prazeres ilícitos, muito, sobre muitos, bem como muito

sobre ele próprio, foi abafado pelo tempo, restando para ser conhecido, e

isto a quem interessar pudesse, uma história de grandes nomes e grandes

acontecimentos também dentro da prostituição: poderosas “donas de casa”,

as prostitutas mais famosas, as sanções mais duras, as polêmicas mais

ruidosas, os vestígios de grandes freqüentadores e a atuação do próprio

narrador como herói dentro da Zona, registradas em acordo com o ponto de

vista das “memórias de um bom malandro”1.

Questões como as mencionadas acima apenas refletem a trajetória

desta dissertação, como da própria temática na historiografia2, cujos

primeiros esforços de pesquisa tiveram início ainda nos tempos de

1
Moacyr Honorato Reis chegou a publicar um livro onde conta a sua vida e as aventuras vivida nas
Zonas Boêmias de Pouso Alegre, de São Paulo e do Rio de Janeiro, intitulando-o de “Memórias de
um bom malandro”. Cf. REIS, Moacyr H. Memórias de um bom malandro. Pouso Alegre:
Grafcenter, 1993.
2
O francês Alain Corbin foi o primeiro em seu país a realizar uma pesquisa sobre prostituição, em
1974, intitulada Les filles de noce: Misère sexuelle et prostituition. A trajetória do tema na História
em seu país, onde todas as pesquisas são indexadas num livro de referências de temas abordados,
marcava a inexistência do termo ‘prostituição’ nessa Bibliographie annuelle de l’histoire de France,
embora constasse dela quase um quatro de milhão de temas explorados. Até que desenvolvesse sua
pesquisa, nada seria mudado. Alain Corbin, nesse sentido desenvolve um trabalho que recorre a
diversas fontes, inclusive literárias, no sentido de formar um tecido narrativo que desse conta das
prostitutas de uma outra forma, que não “esgotos seminais”, como o havia feito o médico Parent-
Duchâtelet, numa pesquisa quantitativa que viria dar origem ao confinamento regulamentarista das
prostitutas e “casas alegres”. Para tanto, ver CORBIN, Alain. Women for hire: prostitution and
sexuality in France after 1850. Translated by Alan Sheridan. Cambridge, London: Harvard
University Press, 1990. pp.vii-xv. e L’historien et la prostituée in CORBIN, Alain. Historien du
sensible. Entretiens avec Gilles Heuré. Paris: Éditions La Découverte, 2000. pp.39-55.

2
graduação3, cabendo aqui algumas observações relativas às dificuldades

enfrentadas pela pesquisa, pois que a documentação sobre prostitutas,

“donas de casa” e todo esse universo marginal que representou a Zona de

Prostituição havia trilhado um caminho de silêncio e desconsideração, o

qual impôs desafios que muitas vezes mostraram-se intransponíveis.

Grande parte da documentação oficial não existia mais quando foi

procurada. Na Delegacia de Polícia, a exemplo de outros registros, os

prontuários da Delegacia de Costumes tinham sido incinerados anos antes

dos primeiros passos trilhados para a construção desta pesquisa por falta

de espaço nos arquivos da Polícia Civil. Quando as fontes não haviam sido

destruídas, o acesso a elas era negado, como foi o caso dos processos

judiciais que permitiram à Zona de Prostituição driblar legalmente a ação

dos moralistas que pediam seu fechamento com obstinação4. Ou então,

dificultado pela má organização e entraves burocráticos dos arquivos dos

vários departamentos da Prefeitura Municipal5.

3
A trajetória desta reflexão começa em 2002 com a pesquisa empreendida na construção do trabalho
de conclusão de curso intitulado Outras Visões, Outras Versões: prostituição, cotidiano e memória
na cidade de Pouso Alegre-MG (1945-1990)3 cujo propósito era descortinar o cotidiano no interior
das Zonas de Prostituição pouso-alegrenses ao longo de quarenta e cinco anos, tomando como objeto
de pesquisa a Prostituição. Com o fim do TCC, uma série de outras indagações ganhou fôlego, das
quais emergiu a cidade enquanto questão e a necessidade de fazer da Zona objeto de estudo.
4
Durante o período estudado houve várias tentativas de fechamento da Zona. O Projeto de Lei 1.704,
de 1972, previa a interdição de todas as “casas” do meretrício em 48 horas quando foi apresentado à
Câmara dos Vereadores na primeira votação, sendo rechaçado e obrigatoriamente submetido a outras
votações, onde, em cada uma delas, solicitava um prazo diferente para o mesmo propósito: de 48
horas passou para 10 dias, depois para 30, depois para 45 e por fim, para 90, porém, a Zona nunca foi
fechada. Suas ocupantes, chegaram, inclusive a contratar um advogado, de nome Jorge Beltrão, o
qual chegou a ser procurado no sentido de conceder um depoimento. No fórum local, era necessário
a autorização por escrito do advogado, que designava o número do processo, para acesso a tal
documentação. Entretanto, motivos de saúde impossibilitaram o senhor Beltrão de colaborar com a
pesquisa, tendo sido descartada a sua participação e o trabalho com os processos.
5
A título de exemplo, para que o conjunto de documentos que falavam sobre a venda dos terrenos da
nova Zona da cidade, criada em 1973 pela própria Prefeitura Municipal na tentativa de colocar um
fim à cruzada dos moralistas contra o meretrício, fosse acessado, fez-se necessária requisição formal

3
Outros impedimentos, por sua vez, disseram respeito aos depoentes,

ou melhor: à dificuldade em encontrar pessoas dispostas a falar sobre suas

experiências na Zona, em particular antigos clientes, muitos deles, hoje,

homens públicos atuantes. Da mesma maneira que ex-prostitutas e ex-

“donas de casa”, que, com seus “bons casamentos” ou conversão em outra

fé, “esqueceram-se” do passado. Dificuldades estas responsáveis pelas

maiores lacunas do trabalho, ou seja, pela quietude da Zona falando de si e

por si mesma em diversos momentos ao longo dos capítulos – faltam cenas

cotidianas dos exames médicos, da atuação da polícia, da interação com a

cidade, cenas do ponto de vista das moradoras da Zona central,

especialmente.

Todos os desafios e todas as limitações que serão observadas a

seguir, no entanto, servem para reforçar o pioneirismo deste trabalho, que

volta suas atenções para os anos mais importantes na constituição da

identidade atual da cidade, visto que entre os anos do recorte, 1969 e 1988,

é nítida a alteração de sua vocação político-econômica, bem como sua

“cara”: de cidade voltada para o cultivo de arroz, milho e para a pecuária

leiteira, para cidade industrial e forte pólo regional, cuja população, entre

1970 e 1980 praticamente dobra com a instalação das primeiras fábricas no

município.

Não obstante, é imprescindível aqui ressaltar que este é um trabalho

sobre Zona de Prostituição, e não sobre a industrialização do município,

à documentação duas vezes, tendo transcorrido um prazo de seis meses do registro protocolar à
xerocópia dos documentos pela Prefeitura.

4
servindo esta como pano de fundo com o qual se imbricam questões

culturais: as tensas e polêmicas relações entre o meretrício confinado e

suas ocupantes com os espaços “decentes” da cidade foram capazes de

refletir sobremaneira os choques culturais entre a Pouso Alegre que

mudava e a Pouso Alegre que insistia em permanecer a mesma, apesar

das rupturas – crescimento urbano, industrialização, enriquecimento com

captação de impostos etc., e as inconsistências dos moralistas nesse

sentido, os quais, apoiando-se no discurso do progresso que criava as

imagens de desenvolvimento e prosperidade para o município, pediam a

manutenção de valores como virgindade e a segregação dos corpos mal-

sãos em espaços de reclusão, disciplina e saneamento, trazendo à tona

uma disputa pelos espaços da cidade e a constatação de que o progresso

era para os “eleitos”. Eleitos que excluíam as moradoras da Zona através

do preconceito enraizado, responsável pelo estabelecimento de fronteiras

simbólicas entre os territórios “decentes” e o território da “imoralidade”,

“moralmente corrompido”, que ameaçava o centro da cidade.

O ano de 1969 coloca para Pouso Alegre o início de uma campanha

de “moralização dos costumes” conduzida pela imprensa, pelo fechamento

do meretrício, enclausurado desde a década de 1940, quando às prostitutas

foi vedado o footing como prática de socialização e a praça principal, por

conseqüência, em nome de uma moral cristã e machista, que visava à

honra da mulher e da família pouso-alegrenses, o ordenamento dos

espaços e sua higiene social. Higiene social que por sua vez era mantida

com o recurso à Zona enquanto espaço disciplinar, saneador, amparado

5
pelo chavão do “mal necessário”, sobre o qual foram estabelecidas as

relações estreitas entre “donas de casa” e sua clientela e entre esta e

algumas das mulheres confinadas.

Até 1988, quando a Prefeitura intervém modificando o nome da rua

da antiga Zona de Prostituição, chamada David Campista6, para Dr.

Joaquim Coelho Júnior7, colocando fim à disputa pela região do meretrício,

muitas tensões permearam a campanha moralizante, merecendo destaque

a atuação do vereador Sebastião Alves da Cunha, que leva o problema

para dentro da Câmara dos Vereadores ao cobrar das autoridades uma

posição clara sobre o que pensavam e o que deveria ser feito com relação

à Zona no centro da cidade.

Na única vez em que a Zona aparece na historiografia local

tradicional8, ela é apresentada enquanto lugar de “má fama”, porque lugar

das “meretrizes” e avizinhada por “barracos de gente pobre”, na década de

6
A necessidade de mudança no nome da rua decorreu do processo de significação espacial que se
deu com a presença das prostitutas e “casas” na rua da Zona Central de Pouso Alegre. David
Morethson Campista, que batizava a rua, nasceu no Rio de Janeiro em 22 de Janeiro de 1863.
Bacharelou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (1883). Deputado Federal. Em 1898
assumiu o cargo de Secretário das Finanças de Minas Gerais. Nomeado Ministro da Fazenda foi um
de seus primeiros atos a criação da Caixa de Conversão para a qual foram transferidos os fundos de
resgate e de garantia do papel-moeda instituídos em 1899. Ao deixar o Ministério foi nomeado
representante diplomático do Brasil na Dinamarca onde faleceu em 12 de Outubro de 1911. Cf.
http://www.fazenda.gov.br/portugues/institucional/ministros/rep013.asp
7
Conforme foi descoberto através de depoimento informal, a mudança no nome da rua David
Campista gerou muita controvérsia nos bastidores do poder local. Como o batismo de uma via
pública estava revestido por toda uma manifestação de prestígio do homenageado, não houve em
Pouso Alegre ninguém além do ex-prefeito Rômulo Coelho, disposto a ceder nome de familiar para
renomear a famosa rua da Zona. Joaquim Coelho Júnior foi membro da família Coelho, ilustre na
cidade, tendo exercido a profissão de advogado, falecendo em 1987, um ano antes da aprovação da
lei que colocaria fim à Zona no centro da cidade.
8
Cf. GOUVÊA, Octávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre, Grafcenter, 1998.
p.230.

6
1920, sendo conhecida como “Quatro Cantos” 9 pela própria maneira como

as relações sociais foram impressas no desenho da cidade: a disposição da

rua David Campista, fechada pelas ruas Coronel Pradel e do Rosário, na

vertical, e pela rua da Tijuca, na horizontal superior10 constituía um

quadriculamento11 que, nominalmente, já expressava a exclusão sócio-

espacial que viria estabelecer-se no decorrer dos anos. E ser reforçada em

1973, quando o próprio Poder Executivo sanciona lei que criava uma nova

Zona do Meretrício, cinco quilômetros distante do centro, institucionalizando

a prostituição e legitimando a exclusão.

Contudo, como Pouso Alegre era colocada face a face com o

desenvolvimento industrial e com o crescimento urbano que lhe foi inerente,

os contornos dessa nova Zona foram desenvolvidos com a criação de um

Conjunto Habitacional, cuja missão era dar moradia para mais de duas mil

pessoas. Como a cidade mudava de cara, mas não de alma, novas tensões

foram iniciadas e novas relações de sociabilidade também foram

estabelecidas, bem como o processo de construção das referências

culturais que deveriam deixar nítidas as diferenças entre a Zona e aquele

bairro residencial.

9
Cf. REVISTA Pouso Alegre 150 anos. s.n. Pouso Alegre, Ipsis, 1998, p.9.
10
Ver em anexo mapa da região central onde constam grifos vermelhos assinalando as ruas citadas
no corpo do texto.
11
Os mapas anexados cumprem função meramente ilustrativa, visando localizar o leitor no espaço da
cidade, sendo aqueles relativos aos bairros da cidade extraídos do Guia Pouso Alegre 2003. Com
relação ao mapa rodoviário, trata-se de uma gentileza de uma casa de cópias local, haja visto que
durante a pesquisa, a própria Prefeitura Municipal não contava com mapa geral da cidade em seu
acervo cartográfico. Os mapas disponíveis diziam respeito a alguns bairros, mas não à cidade como
um todo. Foram consultados, inclusive, as unidades locais do DNER e do IBGE, onde não constava
nenhum material nesse sentido. Cf. GUIA Pouso Alegre 2002/2003. s.n. Pouso Alegre: FAMA
Publicidade e Pesquisa LTDA., 2002.

7
A fragmentação da cidade em lugares produzidos e ocupados por

diferentes sujeitos, cada qual com os seus usos, as suas intenções e os

seus interesses, permitem perceber o espaço urbano como um tabuleiro de

tensões, local de ‘fronteiras simbólicas’, um emaranhado de divisões bem

demarcadas por uma linha invisível, por um aviso simbólico, uma linguagem

codificada sutilmente captada por seus habitantes, constituídas pelas

relações dos seus ocupantes uns com os outros, processo que ficou

particularmente visível com a lei que mudou o nome da rua David Campista

delineando a importância das fronteiras simbólicas na construção dos

territórios urbanos: como a lei visava legislar sobre a memória da antiga

região da Zona, nela ainda eram perceptíveis, por conseguinte, as marcas

que fazem parte da história do grupo que as constituiu e que estão sendo

rejeitadas por outros sujeitos sociais, donos de uma identidade diferente, a

qual precisa impor-se sobre vincos culturais tão profundos, os quais não

conseguiram atingir a superação nem pela força de um decreto.

A cidade, portanto, não é apenas o palco de transformações, não é a

arena na qual desenrolar-se-iam as tensões que encontraram no discurso

do progresso e na industrialização do município o pretexto para fazer da

Zona um de seus grandes problemas. Não é o cenário dos choques entre

as moradoras da Zona e sua vizinhança, entre elas e os poderes

constituídos: mais que palco, a cidade é personagem, espaço vivenciado e

vivificado pelos intercâmbios entre os sujeitos que nela circulam; é produto

porque essas relações contribuem para com o seu caráter indefinível e

8
mutante, pois em construção permanente12. “Categoria da prática social”13,

a cidade vem exibir a maneira como as relações entre os sujeitos históricos

foram tecidas, através da articulação, distribuição e circulação deles sobre

seus espaços: exemplo disso é a segregação que recaía sobre as

ocupantes da zona legitimando e justificando a manutenção de uma ordem

da qual elas não faziam parte de outra forma que apontadas como

instrumento de “higienização social” dos espaços “decentes”.

Se se objetivou mudar o nome da rua e mesmo assim, pouco mais

de quinze anos transcorridos, ela é ainda lembrada como ‘rua da Zona’

pelos habitantes de Pouso Alegre, houve, então, um significativo processo

de subjetivação. E se a Zona aparece o tempo todo problematizada

enquanto território14 trata-se de um espaço vivido. Sua grafia, por

conseguinte, não pode ser outra que não em maiúsculas: é um nome

próprio, denomina não só um conjunto de experiências e memórias, mas

também representa e apresenta um modelo de dominação cultural que

atravessou o tempo permitindo ao homem definir a conduta moral da

mulher “honesta” pela relação antagônica desta com a “mulher de zona”,

12
ROLNIK, Raquel. Cada um no seu lugar! (São Paulo, início da industrialização: geografia do
poder). São Paulo, 1981. 217 f. Dissertação (Mestrado em História Urbana) – Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo – Universidade de São Paulo. pp.21-22.
13
RONCAYOLO, Marcel. Cidade in Enciclopédia Einaudi: Região. Vol.8. [S.l.]: Imprensa Nacional
– Casa da Moeda, 1986. p.400.
14
O conceito de território compreende uma categoria de análise que permite pensar os espaços em
termos de identidades, já que neles grupos e sujeitos, através de suas relações sociais e experiências
de vida imprimem as marcas, a memória e a história que lhes permitem viver um sentimento de
pertencimento e reconhecimento nesses lugares. Cf. ROLNIK, Raquel. História Urbana: História na
cidade? in FERNANDES, Ana e GOMES, Marco Aurélio a. de Filgueiras (Org). Cidade e História.
Modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX. Salvador: UFBA, 1992. pp.27-29.

9
referencial de “má conduta” como a alteridade15 expressa pela maioria das

fontes trabalhadas na pesquisa refletindo essa relação, posto que

prostitutas e “donas de casa” aparecem referidas sempre por termos como

“decaídas”, “mundanas”, “escravas do sexo”, “infelizes”, entre tantos outros

nomes responsáveis pela acentuação do contraste com a “mulher casada”,

com as “senhoras” e as “moças de família”. Foram, justamente, estes

contrastes percebidos nas fontes os responsáveis por descortinar e

justificar a Zona como “mal necessário”, revelando as ambigüidades que

envolveram-na no decorrer do recorte e os tipos de tratamento que lhe

foram reservados.

Problematizar todos os antagonismos que perpassam o interior deste

trabalho significou tomar as fontes da pesquisa por reflexos e elementos

que corroboraram a constituição das relações sociais16. Dessa maneira,

optou-se por uma documentação variada, capaz de desvendar as maneiras

pelas quais os sujeitos constituíram a si próprios, suas práticas e o conjunto

mesmo de documentos que as refletem17, estudando-se o tema através da

articulação dos diferentes tipos de fontes na tentativa de apreender e

15
BEAUVOIR. Simone. Op.cit.O Segundo Sexo. vol.1 – Fatos e Mito. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980. p.11.
16
Para Jacques Le Goff as fontes trabalhadas pelo historiador constituem monumentos pois foram
deixadas à posteridade com o propósito de refletir as representações dos grupos sociais que estiveram
por trás de sua produção, sendo que nessa representação estão contidas as dinâmicas das relações
desses grupos com outros em uma sociedade e período, cabendo ao historiador percebê-las e analisa-
las criticamente. Cf. LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento in Hist[oria e Memória. Coleção
Lugar da História. Vol.2. Lisboa: Edições 70, 2000. pp.103-115.
17
KHOURY, Yara Aun. Narrativas Orais na investigação da História Social in Revista Projeto
História n.22. São Paulo: Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP – EDUC,
2001. p.81.

10
desvendar as imagens18 que os diferentes sujeitos formularam de si

próprios e dos outros com os quais interagiram durante determinado

processo histórico, imprimindo nesse ato de confiança a construção dos

sentidos para seus atos, legitimando-os ou justificando-os.

Como na documentação tradicional às ocupantes da Zona não foi

permitido falar de si e por si. Comumente, essa fala é atravessada e

reformulada pela figura masculina, responsável pela produção de grande

parte dos documentos que trataram delas, documentos que as vêem sob

uma espécie de “prisma deformador”, viciado na ênfase à deploração, do

mal-estar, ao sofrimento, ao fracasso, à dor e à infelicidade, não

apresentando espaço para ‘um outro lado’, onde possam ser revelados

aspectos positivos da atividade19, como é objetivo aqui. Afinal, a Zona

representa para vida de todas as depoentes entrevistadas, um substituto

para relações parentais tensas ou inexistentes, baseado na fraternidade e

compreensão que a fragilidade desse território permite serem construídas

rapidamente, bem como ideal de liberdade, através do confinamento, que

encarna, por sua vez, as referencias mesmas de identidade com as quais

encontram-se, sentem-se confortáveis, seguras e amparadas.

18
De acordo com a teoria de Serge Mocovici, as representações sociais constituem um instrumento
de interpretação da realidade, formulado por um grupo social, visando informá-lo acerca de um dado
desconhecido através da construção de referências particulares capazes de transformar o não-familiar
em algo familiar e, assim, passível de compreensão. Em acordo com o conceito de Moscovici, no
trabalho as representações sociais serão evocadas pelo termo imagens, suscitando os mesmos
esquemas de interpretação. Cf. MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em
psicologia social. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2004. pp.167-214.
19
Cf. CORBIN, Alain. L’historien et la prostituée in: Historien du sensible. Entretiens avec Gilles
Heuré. Paris: Éditions La Découverte, 2000. p.44-45. No original, lê-se:
“Le mal-être, la souffrance, la doleur, l’échec laissent des traces parce qu’ils suscitent la deploration,
la doléance. En revanche, lê bien-être, lê bonheur, lê paisir sont très peu producteurs de textes… Ce

11
Da mesma maneira era necessário descobrir-se os significados da

Zona de Prostituição enquanto espaço disciplinador, bem como enquanto

espaço na cidade que se voltava ao sexo masculino, as relações

estabelecidas entre as esferas de poder e o meretrício, e seus impactos no

cotidiano pouso-alegrense, as relações estabelecidas entre os espaços da

cidade e a Zona, através da construção de uma imagem que identificasse

suas ocupantes e os papéis sociais e, a partir daí, como foram construídas

e mantidas, pelo menos na intenção, as fronteiras simbólicas que

garantiram a não-mistura dos corpos.

Igualmente importante é desmistificar a campanha de moralização e

os usos do discurso do progresso como justificativas tão empregadas e

arraigadas pela imprensa, dando sentido às arbitrariedades que pontuaram

a retirada da prostituição do centro da cidade, desvendando como se deu o

processo, quais expedientes foram usados, de que maneira,

desmanchando também o próprio espaço da Zona o qual, por si só, cercado

de mistérios e de pré-conceitos, alimentava na população um misto

intrigante de fascínio e repulsa, curiosidade e medo, integração e rejeição,

atingido e adentrado com auxílio da História Oral enquanto metodologia de

pesquisa.

Para tanto, foram levantados e entrevistados depoentes cujas

trajetórias tocaram o tema em maior ou menor intensidade, como ex-

proprietários dos jornais trabalhados, os ex-prefeitos que administraram a

déséquilibre créé celui dês traces. L’historien se trouve confronte à des ensaembles massifs de
documents qui ressassent lê mal-être et la doleur.”

12
cidade ao longo do recorte, o próprio vereador redator do Projeto de Lei que

pedia o fechamento da Zona, alguns de seus vizinhos, comerciantes e

prestadores de serviços – manicuras, babás, lavadeiras, tanto na Zona

central, como no Loteamento Aeroporto – e pessoas que conheciam

histórias de Pouso Alegre, sobre a Zona, além, obviamente, de ex-

prostitutas e ex-“donas de casa”20, formando assim, através da diferença,

um todo coerente de informações21.

Compartilhando dessa metáfora elaborada por Portelli, as entrevistas

não foram trabalhadas e nem percebidas aqui enquanto um sucedâneo de

acontecimentos. Elas constituíram um trabalho de interpretação realizado

incessantemente pelos depoentes enquanto narravam, pois, ao recordarem,

e contarem, estavam depositando no interior mesmo de suas falas, suas

interpretações dos acontecimentos dos quais haviam ou não participado e

de suas trajetórias de vida, registrando através da narrativa, os traços que

definiram suas identidades no presente22.

Ao percorrerem caminhos antigos e já conhecidos, os depoentes

fizeram por onde reconstruir o passado, submetendo as ações nele

empreendidas a um re-exame, sobre o qual pesou consideravelmente o

hoje, pulsando em suas narrativas a percepção de que suas vidas haviam

20
De modo a aliviar o texto da introdução, foi preferido o posicionamento da relação dos depoentes
trabalhados ao final da dissertação junto ao elenco das demais fontes trabalhadas. No decorrer do
texto, entretanto, e na medida em que forem aparecendo, para cada depoente, nas notas de rodapé,
constará um resumo de sua história contextualizando o leitor.
21
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na
História Oral in Revista Projeto História n.15. São Paulo: Programa de Estudos Pós-Graduados em
História da PUC-SP – EDUC, 1997. p.16.
22
PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias
e nas fontes orais in: Revista Tempo. v.1, n.2. Rio de Janeiro: Relume-Dunara, 1996. p.60.

13
mudado muito, bem como eles próprios, em função dos novos valores e das

novas idéias que lhes atribuíam outra percepção de mundo e maturidade23.

Tornar, nesse sentido, pública, uma série de experiências através de

um depoimento gravado e transcrito, acabou colocando muitas vezes o

entrevistado numa posição de resguardo próprio, onde os silêncios, as

criações e as representações funcionaram ora como escudos protetores,

ora como reveladores da vulnerabilidade dos próprios depoentes,

demonstrando como a subjetividade é intrínseca à construção dos

depoimentos e porquê ela pode ser pensada enquanto a característica mais

marcante da História Oral24.

Considerados estes aspectos, a História Oral permitiu apreender

então não só as experiências que o indivíduo viveu, mas também aquelas

tantas outras que acreditou ter vivido, introduziu subjetividades e o

simbólico como matérias-primas para o ofício de historiador, contando mais

sobre os significados dos acontecimentos que sobre os acontecimentos em

si25, tendo sido trabalhadas em diálogo constante com outros tipos de fonte,

em especial, com os jornais do período, levantados no Museu Histórico

Tuany Toledo, à partir de um acervo que preservou exemplares dos

principais jornais impressos em Pouso Alegre desde o final do século XIX26.

23
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 9.ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001. p.55.
24
Ver POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio in Revista Estudos Históricos.
volume2, numero3. Rio de Janeiro: Cpdoc/FGV, 1989. p.13.
25
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente in Projeto História 14. São Paulo:
Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP – Educ, 1997. p.31-32.
26
Com relação ao acervo do Museu Tuany Toledo, cabe mencionar que este foi todo constituído
através de doações de habitantes da cidade, bem como pela coleção do próprio diretor da instituição,

14
Em face às dificuldades de manuseio e análise no recinto do arquivo,

os jornais publicados no período estudado foram xerocopiados em papel A3

no seu todo e analisados posteriormente, sendo eles compreendidos pel’O

Jornal de Pouso Alegre, A Folha de Pouso Alegre e A Gazeta de Pouso

Alegre, cujo critério de seleção obedeceu ao grau de envolvimento que

demonstraram com a questão da Zona, sua campanha de moralização e

com o apoio destinado ao discurso do progresso e à industrialização da

cidade, todos eles apresentando um conteúdo distribuído por pequenas

notas, artigos, colunas e matérias sobre a cidade e a região, embora O

Jornal de Pouso Alegre e A Folha de Pouso Alegre, cujos ex-proprietários

foram entrevistados, utilizassem-se de linguagem mais moderada, em

contraste com o tom agressivo que marcou A Gazeta.

A necessidade de prismas diferente sobre as questões que incidiam

sobre a cidade colocou para a pesquisa a recorrência às Atas da Câmara

de Vereadores, levantadas e previamente analisadas com o intuito de

descortinar a maneira como a Zona entrou naquela Casa, sua repercussão

e as providências tomadas com relação à Zona Boêmia e as

transformações da cidade, sob o ponto de vista dos bastidores do poder.

Procedeu-se, então, ao levantamento dos tomos no Museu Municipal, sua

leitura e fichamento prévios, que compreenderam os livros de atas das

sessões realizadas semanalmente ao longo das décadas de 1960, 1970 e

1980, tendo sido, mediante protocolo de solicitação registrado em papel

decorrendo daí a ausência de vários exemplares, um dos maiores problemas enfrentados com relação
a esse tipo de fonte.

15
timbrado da PUC-SP, liberados para reprodução em papel alcalino A4 os

tomos 121, 123 e 124, com as atas referentes aos anos de 1972 a 1974, de

1975 a 1977 e de 1977 a 1978, respectivamente.

Os dados obtidos através da leitura dos jornais e das atas da

Câmara de Vereadores selecionados firmam um diálogo especial com as

fontes estatísticas revelando aspectos e dimensões do crescimento da

população urbana de Pouso Alegre no decorrer dos anos 1970, 1980 e

1990, tendo sido coletadas tabelas junto à página do IBGE na Internet cujos

dados informam sobre população rural e urbana total, masculina, feminina e

geral do município para o que foi explorada a situação urbana e rural, em

número de habitantes e sem distinção de sexo.

No Departamento de Obras e Planejamento Urbano foram

localizados, coletados e xerocopiados os projetos, disponíveis para retirada,

de alguns bairros da cidade, inaugurados na década de 1970, e também do

Conjunto Habitacional São Cristóvão, que desenvolveu a região para onde

foi mudada a Zona Boêmia. Foram bairros representativos para o

crescimento da cidade devido ao modo como foram articulados à

localização de algumas indústrias instaladas em Pouso Alegre. Já no

Departamento de Patrimônio da Prefeitura Municipal, foram identificadas e

reproduzidas em xerocópia cerca de sessenta e cinco certidões de venda

relativas aos terrenos que compuseram o Loteamento Aeroporto, cuja

análise do conjunto revelou desocupação descompassada da zona central,

com início em 1973, crescimento até 1976 e declínio, a partir dessa data até

16
nulidade após 1987. No Departamento em questão também foi levantado e

reproduzido o processo de doação do terreno que viria a sediar a nova

Zona Boêmia de Pouso Alegre e o Conjunto Habitacional São Cristóvão.

Compondo ainda a documentação oficial, diversas Leis Municipais que

incidiram sobre desde a criação do Loteamento Aeroporto, até a alteração

no nome da rua David Campista.

Pela impossibilidade de análise nos ambientes em que foram

identificados e pela complexidade que abrigavam, posto que em seus textos

as informações são posicionadas nas entrelinhas, foram necessárias a

xerocópia dos mesmos em papel A4 e a utilização de um método de

entrecruzamento de diversas fontes no sentido de revelar significados e

motivos que resultaram na existência de tal material, especialmente em se

considerando que muitas leis não apresentaram justificativas – como a que

dispões sobre criação do Loteamento Aeroporto. Em contra-partida, o texto

do Projeto de Lei que pediu o fechamento da Zona de Prostituição chegou a

listar as razões pelas quais as trabalhadoras do sexo deveriam ser

removidas do centro da cidade, introduzindo queixas formais de instituições

religiosas e educacionais da cidade e apresentando as relações de

distância entre as ruas da Zona de Prostituição com os principais pontos da

cidade.

Apresentadas as fontes, a narrativa da dissertação foi tecida em três

capítulos, cada qual construído sem subdivisões de modo a facilitar o

encadeamento das idéias. Assim, no primeiro deles, intitulado “Prazeres

entre fronteiras: Preconceito, intolerância e marginalidade sócio-espacial

17
nas relações entre cidade e Zona de Prostituição”, é estudada a tensa

relação entre a cidade e a Zona de Prostituição central, com ênfase no

preconceito como fator responsável pela manutenção das fronteiras morais,

mesmo quando essas caminhavam em um sentido que pendia para a

frouxidão, na medida em que os anos avançavam e o crescimento da

cidade permitia a flexibilização das separações e a mistura dos sujeitos

sociais nos espaços considerados decentes, para o que respondeu com

força e arbitrariedade a campanha moralizadora, tornada cruzada pessoal

do vereador Sebastião Alves da Cunha, com seu Projeto de Lei, fio

condutor do segundo capítulo, “Em nome da moral e dos bons costumes:

Moralização, fiscalização, higienização e especulação imobiliária”. Nesse

capítulo, também se buscou desconstruir e problematizar a especulação

imobiliária disfarçada pelo discurso progressista, o qual, por seu turno, era

empregado pelo discurso moralista como argumento legitimador da

manutenção das fronteiras morais que estavam lentamente desaparecendo.

Por fim, no capítulo final desta dissertação, cujo nome é “A cidade

que muda de cara, mas não muda de alma: referenciais do passado sobre

os caminhos do futuro”, buscou-se descortinar a construção da Zona

enquanto território, espaço vivido e vivificado por prostitutas e “donas de

casa”, especificamente a Zona do Capim Gordura, pelo fato de ter sido

possível acessar a trajetória de algumas das primeiras pessoas a

explorarem a prostituição nela. Percebendo as mudanças pelas quais

passou a cidade e os impactos do fechamento do meretrício à rua David

Campista, foi problematizada a relação entre o novo Conjunto Habitacional

18
e a nova Zona, territórios antagônicos, mas que, com o tempo, foram

interpenetrando-se, colocando novas necessidades e desafios um para o

outro, bem como tensões que desestabilizaram a prostituição, impondo

para o modelo da Zona o início de sua falência, no fim da década de 1980,

e outras formas de exploração do comércio do sexo para Pouso Alegre.

19
CAPÍTULO I

Prazeres entre fronteiras:


Preconceito, intolerância e marginalidade social nas relações entre cidade e
Zona de Prostituição

Universo povoado por muitos estereótipos e


clichês, tudo aí é muito antigo e já conhecido, pois
acredita-se no senso comum, e não apenas nele,
que a prostituição “é a profissão mais antiga do
mundo”: reatualizações intemporais. Os lugares
estão bem demarcados, as explicações prontas e
as imagens projetadas sobre os personagens –
prostitutas seminuas, caftens desalmados, caftinas
gordas e endurecidas pelo tempo, fregueses
devassos – parecem ter aderido aos corpos e se
cristalizado.

Margareth Rago

A interdição dos diversos pontos que exploravam a prostituição à rua

David Campista e mesmo seu fechamento definitivo, tão ambicionados no

decorrer de toda a década de 1970, foram idéias que nunca estiveram

longe das intenções dos moralistas nos anos anteriores. Mas para que isso

ocorresse, fazia-se necessário um pretexto forte o suficiente para mobilizar

a opinião pública contra a Zona de Prostituição pouso-alegrense. Pretexto

esse que apareceu em 1969, com a construção da estação rodoviária e de

20
sua subseqüente e “ameaçadora” proximidade com as “casas” do

meretrício, argumento explorado pel’A Folha de Pouso Alegre em

Novembro de 1969. No jornal em questão, lia-se:

“Ligada à estação rodoviária, teremos como cartão de visita de

nossa cidade, a imoralidade, a imundice e a corrupção de

costumes, problema social que tôdas (sic) as cidades vêm

cuidando de sanar, enquanto aguardamos novas perspectivas

para nossa terra.

Enquanto o problema se resumia às infelizes que se vêem na

contingência de suportar tal calamidade, porque suas posses

não permitem que fujam em busca de um lugar decente onde

possam educar seus filhos, não esperávamos nada de melhor,

mas agora que o meretrício se estende para o centro de nossa

cidade, ficando a 100 metros de nossa Estação Rodoviária,

duvidamos que as autoridades não tomem uma medida

drástica e saneadora com respeito à moralização de nossos

costumes.

Não podemos admitir que visitantes e passageiros levem

daqui a impressão de terem aportado em uma terra onde a

moral, a dignidade e o decoro (sic) público é representado por

tal classe de elementos sociais... [grifo meu]”27

27
A ZONA do meretrício é um cancro no coração da cidade: onde estão as autoridades competentes?
A Folha de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 14/09/1969.

21
No momento em que o meretrício estendeu-se rumo à região central,

tornando-se não mais “problema de alguns”, mas perceptível a todos por

conta do “progresso” alcançado por Pouso Alegre, a moralização dos

costumes – vide fechamento da Zona – emergiu como solução irremediável,

assinalando, e de maneira marcante, uma disputa pelos usos que os

diferentes “elementos sociais” pudessem fazer do centro, “... uma espécie

de sinal do caráter da cidade, cartão de visitas, imagem que a cidade exibe

para fora, mas, sobretudo, que o poder urbano exibe para a totalidade da

cidade”28. Afinal de contas, passageiros e visitantes não podiam levar de

sua passagem pelo município, a “impressão de terem aportando em uma

terra onde a moral, a dignidade e o decoro público” fossem representados

pela Zona de Prostituição e suas moradoras. Era imprescindível que a

impressão de um lugar “sem ordem”, “corrompido”, fosse varrida desse

“cartão de visitas” que estava sendo construído cuidadosamente para

Pouso Alegre.

Para tanto, e escrito de modo a revestir a questão da localização do

meretrício pouso-alegrense de uma conotação moral que o colocava como

pivô de uma polêmica cujo destino era tornar-se cada vez maior, o artigo

apresentou a Zona à população como uma ameaça à imagem de

modernidade que deveria relacionar-se à cidade através da nova rodoviária,

bem como para a sua “higiene social”, instaurando, com isso, um paradoxo.

22
Ora, àquele mesmo espaço, o qual deveria ser combatido e eliminado do

centro, coube confinar as trabalhadoras e empresárias do sexo, de modo a

impedir a perigosa circulação de seus corpos pelos espaços da cidade

freqüentados pelas pessoas “honradas”.

O universo de personagens que circularam e povoaram a Zona de

Prostituição foi, então, submetido a um ordenamento espacial que os

observou isolando-os do núcleo pouso-alegrense “decente”, definindo uma

espécie de “quem-é-quem” e “a-quem-cabe-qual-lugar” nesse contexto,

onde predominavam as mais variadas formas de barreiras.

Para completar, o confinamento das moradoras da Zona possibilitou,

ainda, uma atuação das instituições repressoras mais direta, mais eficiente,

e ao mesmo tempo mais espetacular, pois foi preciso fazer com que as “...

técnicas que [permitissem] ver [induzissem] a efeitos de poder, e onde, em

troca, os meios de coerção [tornassem] claramente visíveis aqueles sobre

quem se aplicam”29. A punição das prostitutas que se aventuravam pelos

espaços da cidade que lhes eram vedados foi marcante para Pouso Alegre.

A espetacularização das punições faz parte da memória de muitos dos mais

antigos habitantes da cidade, tanto que o memorialista Octávio Gouvêa

chega a lembrar de um caso, apresentando, inclusive, com riqueza de

explicações, o motivo de ações tão ruidosas. Segundo suas palavras,

28
ROLNIK, Raquel. São Paulo na virada do século: territórios e poder in A cidade e a rua. Cadernos
de História de São Paulo 2. São Paulo: Museu Paulista da Universidade de São Paulo, dez/jan.1993.
p.44.
29
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 26.ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
pp.143.

23
“Naquele tempo, o lugar onde se reunia a rapaziada, a

juventude, era no jardim. Então davam volta no jardim, os

rapazes por fora e as moças por dentro. Então, havia aquele...

Os olhares se cruzavam: andando, fazendo a volta, um

flertava com o outro e dali que surgiam os namoros, etc. E

algumas mulheres, dessas da Zona, se aventuravam a entrar

no meio do footing, andar, tudo... eu me lembro até de um

fato... uma dessas tava andando no jardim e o, um moleque

qualquer mexeu com ela. E ela veio com a bolsa, batendo. Foi

um escândalo. Na mesma hora veio a polícia e prendeu ela e

tudo. Foi um rolo medonho...”30

Marcando o início de vários namoros, o footing praticado nos

arredores da praça principal, vizinha da Avenida Doutor Lisboa, era vedado

às “mulheres da Zona”, pois que representavam a possibilidade de macular

a “juventude sadia” da cidade. A praça era um ponto de encontro, mas não

de todos os moradores do núcleo urbano, e assim o seria por muitos anos.

Ocorre que, embora pesassem sobre a região do meretrício as

fronteiras morais, a circulação de trabalhadoras e empresárias do sexo

pelos espaços da cidade foi, na medida do possível, tolerada, até a década

30
OCTÁVIO MIRANDA GOUVÊA nasceu em Pouso Alegre na década de 1920, tendo falecido em
2003. Dentista aposentado, foi um dos mais importantes escritores sobre a história de Pouso Alegre,
tendo publicado alguns livros na cidade sobre o assunto, dos quais destaca-se A História de Pouso
Alegre.

24
de 1940, quando, conta Alexandre Araújo, a situação das ocupantes da

Zona mudou, visto que, em suas palavras:

“... [o] delegado, na década de 40, proibiu elas de descerem

na Avenida, porque era reclamação das famílias. Nessa

época, na Avenida e nas outras ruas... na minha casa, por

exemplo: minha mãe punha três, quatro, cinco cadeiras na

porta... e as mulheres da vida passando por ali, pra cima e pra

baixo. Então, houve reclamação geral junto... à delegacia pra

que elas não descessem a Avenida. Mas mesmo assim, de

vez em quando, elas iam, e o meretrício era restrito naquele

setor lá, na rua... rua David Campista, que hoje é Joaquim

Coelho Júnior.”31

Mesmo que sobre a Zona já houvesse o peso de uma moral

proveniente de uma sociedade conservadora e marcada pela grande

atuação da Igreja Católica desde seus primórdios32, a quem coube a

31
ALEXANDRE ARAÚJO é Pouso-alegrense. Nasceu em 17 de Abril de 1922. Serviu o Exército de
1939 a 1941. Em 1950 foi admitido pelo DNER, trabalhando na instituição até 1978. Foi secretário
executivo da Câmara Municipal de 1964 a 1989, intercalando o ofício com suas funções no DNER
até 1978, quando passa a dedicar-se exclusivamente ao seu ofício na Câmara dos Vereadores de
Pouso Alegre. Em 1984 funda a Galeria da Câmara, para exposição de documentos históricos da
cidade, mas é a partir de 1989 que assume a coordenação do Museu Municipal Tuany Toledo, tendo
sido todo o seu o acervo reunido e organizado por ele, sendo o responsável pela instituição.
32
A história de Pouso Alegre tem começo em meados do século XVIII com as bandeiras que deram
origem às minas de Santana do Sapucaí, atual Silvianópolis, em 1746, e de Ouro Fino, em 1749, as
quais passaram a integrar o caminho que ligava Vila Rica a São Paulo, percorrendo também cidades
como São João del-Rei e Campanha. Parte desse trajeto, o povoado que se tornaria a cidade de Pouso
Alegre acabou sendo parada obrigatória para viajantes e exploradores, pois que no período das
chuvas as cheias do Mandu, denominação tupi para peixe amarelo, rio que cortava o lugar,
impediam-nos de seguir suas jornadas forçando a permanência em um rancho existente em suas

25
implementação e direção das instituições educacionais mais importantes de

Pouso Alegre33, a década de 1940 assinala para a cidade o fim dos tempos

de tolerância e a implementação do confinamento das “mulheres de vida

fácil”. Foi então que a cidade fechou-se para as moradoras da Zona

legitimando o preconceito e a descriminação. Pois, quando a região do

meretrício se transformou em lugar de isolamento, passou a vigorar então

um mecanismo disciplinar que foi capaz de controlar a “perigosa” mistura

proximidades até que as águas baixassem, resultando daí o primeiro nome do lugar: Pouso do
Mandu. Esse primeiro núcleo ocupacional composto por uma fazenda de criar, algumas casas, um
rancho de paragem e uma venda, recebeu por volta do ano de 1755, conforme designação do
governador da Capitania de Minas Gerais, um posto de fiscalização, chamado de Registro, cujo
objetivo maior era evitar o contrabando e controlar o fluxo de metais preciosos extraídos das minas
de Santana do Sapucaí e Ouro Fino. Foi quando o “Pouso do Mandu” viu surgir novas necessidades,
e a criação de uma igreja dentro de seus limites representando a principal delas, visto que o exercício
da vida religiosa dos moradores do povoado dependia do deslocamento desses até a Freguesia de
Santana do Sapucaí. Em decorrência disso, a partir de 1797, com recursos doados pelos moradores
do povoado, nas terras cedidas pelo fundador da cidade, Antônio José Machado, a capela foi erguida
e depois reconhecida pelo Príncipe Regente de Portugal Dom João no ano de 1799, tendo sido
consagrada ao Senhor Bom Jesus dos Mártires ou do Matozinho, contribuindo para que o Pouso do
Mandu passasse a ser conhecido por arraial do Matozinho do Mandu. O arraial seria elevado à
freguesia, em 1810, e alçado à categoria de paróquia, em 1811, tendo sido presidida pelo padre José
Bento Ferreira de Mello, tido pela tradição local como figura central de toda a história da cidade.
Anos mais tarde, em 19 de Outubro de 1848, em decorrência do seu crescimento, a vila foi
emancipada politicamente, tornando-se cidade, o que rendeu fôlego à construção da Santa Casa de
Misericórdia e também às obras da Igreja Matriz, concluídas em 1857. Cf. GOUVÊA, Octávio
Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Graficenter, 1998 e MODESTO, Janaína Célia.
Pouso Alegre ou um Triste Pouso? Como a industrialização mudou nossa cidade. Pouso Alegre,
1997. p.13.
33
Figurando nas páginas dos livros de história local também como um dos seus marcos de progresso,
a criação do o bispado foi responsável pelo estabelecimento no município de instituições de ensino e
de assistência social, bem como a fundação de um jornal oficial da Igreja Católica que fizeram de
Pouso Alegre um importante centro letrado no sul de Minas Gerais. Em 1899, eram instalados em
Pouso Alegre o Ginásio e o Seminário Diocesanos. Com a virada do século e a elevação da cidade à
categoria de Diocese, o bispado empreendeu a reforma e ampliação das instalações destas duas
instituições voltadas para a ordenança e à educação de meninos da elite sul-mineira e a instalação de
outras instituições como a casa de congregação dos Missionários do Sagrado Coração de Maria entre
1901 e 1905, a fundação do jornal oficial da igreja local, chamado Semana Religiosa, em 1902, bem
como um colégio para meninas dirigido pelas Irmãs da Visitação, a Escola Agrícola Francisco Sales.
Também proporcionou a vinda das Irmãs Dorotéias, de Portugal, e a instalação de sua Escola Normal
Santa Dorotéia, em 1911 e a construção de seu novo prédio entre 1918 e 1919, no qual estudavam as
meninas da elite pouso-alegrense33. Além disso, foram realizadas obras de assistência social através
da construção de uma escola de ensino primário voltada somente a garotos carentes, juntamente com
a Escola Profissional Delfim Moreira, em 1917, o Orfanato Nossa Senhora de Lourdes, em 1920, e o
Asilo São Vicente de Paulo, em 1939. Cf. GOUVÊA, Octávio Miranda. Op.cit., pp.125-128, 181-
187.

26
dos corpos nos espaços da cidade – mistura percebida enquanto ameaça à

honra das “mães de família” e das “mocinhas honestas” da sociedade

pouso-alegrense, de maneira que pudesse compartimentar o núcleo

urbano, demarcar os territórios e seus limites e posicionar os habitantes da

cidade, cada indivíduo, em seu devido lugar34.

Confinadas em um espaço disciplinar, as prostitutas e “donas de

casa” recebiam da polícia, não raro, uma punição-espetáculo, de modo que

a atuação das instituições repressoras fosse amplamente conhecida pela

população geral, que as outras moradoras da Zona tivessem na violência

aplicada objeto de temor e que as “moças de família” encontrassem na

sanção às prostitutas – tidas como “audazes”, por circularem em um espaço

que lhes era proibido estar – mais um motivo para zelarem por suas honras;

conforme esclarece Moacyr dos Reis, “antigamente, a moça que saia fora

da... que se perdia antes do casamento, como a cidade era pequena, então,

a turma toda ficava sabendo... do acontecimento e aí, ela era execrada em

praça pública como biscate, quer dizer, uma mulher qualquer. Todo mundo

apontava!” 35.

De maneira bastante sutil, a essência das punições públicas que o

próprio confinamento permitia serem aplicadas deveria ser exemplar o

34
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 26.ed. Petrópolis: Vozes,
2002. pp.122-123.
35
MOACYR HONORATO REIS: Pouso alegrense, nascido em 07/12/1930, casado e “pai de
família”. Na atualidade, escreve para alguns jornais da cidade, mas houve um tempo em que seu
passado boêmio e briguento apenas lhe fechava portas na cidade. Aprendeu o ofício de barbeiro aos
16 anos e em 1949 foi embora de Pouso Alegre, tendo vivido experiências boêmias nas zonas de
Meretrício de São Paulo e do Rio de Janeiro. Em 1962 retorna à Pouso Alegre, quando é preso e
condenado por agressão. Uma das formas de sua punição foi trabalhar junto à polícia durante um

27
suficiente para nortear igualmente as “mulheres decentes”, afinal, segundo

Leme, “a presença espetacularizada da prostituta na cidade também

[servia] de instrumento para reprimir e controlar o cotidiano das mulheres

‘honestas’, preservadas, segundo os padrões morais e cristãos, a

assumirem seus futuros papéis de esposas e mães”36. Assim, era o medo

da associação de comportamentos que contava como regulador moral;

fugindo da norma da época, mulheres da “sociedade”, “honradas”, poderiam

ser apontadas, em praça pública, como “mulheres quaisquer”, manchando

não somente a própria reputação, mas, por extensão, a de sua família.

A partir de regras não ditas e fronteiras estabelecidas através de

relações complexas entre a cidade e Zona, prostitutas, “donas de casa” e o

próprio meretrício reservado, formavam um conjunto que encarnava “...

consciente ou inconscientemente”, como argumenta Ilnar de Souza, “a má

consciência de uma sociedade às voltas com um puritanismo cristão de que

a história brasileira está repleta”37, principalmente quando se observa que

ao espaço disciplinador de confinamento também coube uma função social:

a de instrumento de contenção e preservação da ordem nos espaços

urbanos que investia a prostituição de um caráter regulador de tensões

sociais em potencial, como revela Sebastião Alves da Cunha ao explicar

que

ano. Tinha fama de briguento, por isso seu apelido, Moacyr Bocudo, e nunca negou seu passado
boêmio, referindo-se a si próprio como gigolô e malandro.
36
LEME, Edson José Holtz. Faces ilícitas de uma cidade: representações da prostituição em
Londrina (1940-1966). Assis: 2001. 275f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de
Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista – campus de Assis. p.17.
37
SOUZA, Francisca Ilnar de. O Cliente: o outro lado da prostituição. São Paulo/ Fortaleza:
Annablume/ Governo do Estado do Ceará – Secretaria da Cultura e do Desporto, 1998. p.77.

28
“... em 1970, 30 anos, 32, 33 anos atrás, a freqüência dos

jovens era mais, mais via zona, essas coisas... pra evitar de

ter uma tragédia fora [grifo meu]. Não seria o caso de hoje,

porque, hoje ta aí na rua, à vontade, né?! Mas naquela época,

não. Era difícil. Havia um medo, até das autoridades, de não

ter e as pessoas começarem a partir pra outro campo, usar de

outras vias [grifo meu]. Então, por isso que dizia que era um

‘mal necessário’... que na época era um problema

seriíssimo!”38

A Zona, lugar da prostituição por excelência dentro do recorte,

assumindo grande importância na iniciação e vida sexual da maioria dos

homens pouso-alegrenses era imediatamente percebida como necessária

para a preservação da honra das mulheres, refletindo a cultura de uma

sociedade machista, cujos argumentos ao mesmo passo que execravam o

“mau exemplo” das “decaídas”, legitimavam a prostituição ao conceituá-la

como mal-necessário39, do mesmo modo, a permanência e o cultivo de um

forte moralismo controlando e condenando a iniciação sexual da jovem

38
SEBASTIÃO ALVES DA CUNHA: Nascido em Pouso Alegre no dia 27 de Maio de 1943,
casado, é comerciante atualmente, possuindo uma casa de materiais para pesca à rua Silviano
Brandão. Conhecido por Tião Elias, foi eleito vereador em 1970 e apenas deixou o posto em 1989,
tendo sido reeleito várias vezes, sucessivamente. Na sua carreira como vereador, lutou pela
industrialização do município e pela solução de seus problemas. No que concerne à Zona de
Meretrício, foi particularmente o vereador mais combativo, não medindo esforços para a sua
remoção da rua David Campista através da redação do Projeto de Lei 1.704 e da sua mudança para a
rua da Zona no sentido de acelerar a desocupação das “casas” e a moralização da vizinhança.

29
antes do casamento. Some-se a isso, ainda, o recorrente recurso à imagem

do homem como um animal sexual “incontrolável”, a ponto de ser

considerada a possibilidade de “uma tragédia fora” – da Zona, é claro –

produzida e bem utilizada no e pelo chavão do “mal necessário” e obtém-

se, portanto, uma receita de contrastes, onde as imagens das “moças de

família” aparecem como contra-ponto, apresentando-as como detentoras de

uma castidade que deve ser – pretensão moralista – inatingível.

Entremeando essa receita de imagens e papéis sociais, as

prostitutas aparecem como corpos à disposição das descargas libidinais

dos homens. Entretanto, não dá para ser esquecido o fato de que elas

mesmas, as prostitutas, são mulheres; mulheres dentro de um modelo que

negava às “moças de família”, “direitas” e “honestas” o direito à descoberta

do sexo antes/ fora do casamento, mas que, apesar de mal vistas pela

sociedade, preservavam a virgindade e a reputação dessas mesmas moças

“honradas” que não podiam misturar-se a elas. A prostituta era vista como

“desregrada”, “decaída”, era chamada “mariposa”, era o antimodelo, mas

bem servia à sociedade que as condenava e fechava seus espaços

urbanos com muros invisíveis construídos pelo preconceito, amalgamados

pela hipocrisia, que caminha junto com o chavão do “mal necessário”.

Fosse como fosse, ou porque assim o queriam os moralistas e assim

“rezavam” os costumes, entre o aceito e o condenável, sobre as moradoras

da Zona, em especial a prostituta, pesaram sempre rótulos e proibições

39
RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São
Paulo (1890-1930). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. pp.168-169.

30
suficientes para destinar a elas a posição de “párias” na sociedade. Dessa

forma, excluídas por uma fronteira moral, a Zona de Prostituição abria-se

como morada, e ao mesmo tempo fechava-se em uma prisão sem grades.

Encampou, assim, um espaço de contenção, que, espremido entre dois

mundos distintos e em constante distinção entre si, separaram-se por uma

divisão visivelmente invisível que definia o território dos “bons costumes”,

de um lado, e o território da “degradação” e da “imoralidade”, de outro,

como pode desprender-se da fala de Rubens Laraia, ao dizer que a Zona

“... era um lugar que era proibido para moças de família. Se

uma moça de família fosse vista andando pela região, achava

que era uma prostituta, podia ser abordada como uma

prostituta por um homem que estivesse por ali. Então, não era

um lugar para ser freqüentado por moças de família... [risos] É

um cotidiano muito diferente do de hoje, uma sociedade que

zelava muito pela virgindade da mulher, uma sociedade

conservadora, naquela época.”40

Se o centro da cidade se fechava às trabalhadoras do sexo com

violência, igualmente a Zona e suas imediações também foram se fechando

com o passar dos anos e o crescimento da cidade, tolhendo a liberdade das

“mulheres honestas” de uma maneira diferente.

40
RUBENS DE BARROS LARAIA é natural de Pouso Alegre, nascido em 06 de Abril de 1948. É
atualmente professor universitário e funcionário público municipal. Graduou-se em História e
Direito, trabalhou para o IBGE como agente do CENSO, na década de 1970. antes disso, em 1967,
havia cumprido o serviço militar obrigatório tendo sido um dos recrutas designados para
patrulhamento da Zona de Prostituição. É casado e pai de dois filhos.

31
Era o receio da abordagem de homens que freqüentavam o

meretrício que dava o tom à circulação dos vizinhos da Zona com filhas

jovens. Neste sentido, Neuza Maria da Silva é quem permite explorar

melhor essa questão ao relembrar seus temores com relação à livre

movimentação de suas filhas pelas ruas vizinhas à Zona. De acordo com

ela,

“... quando as minhas meninas saiam pra rua, eu saia junto,

sabe? A gente ficava preocupada, mas nunca aconteceu

nada. Sempre houve respeito, nunca houve nada. Só na

cabeça da gente que a gente ficava preocupada, né?! Elas

saiam, a gente saia junto, voltava junto. Eu não deixava as

meninas ficar sozinha. Eu não sei dizer pr’ocê qual era o

temor, só que eu achava que dava mais proteção pras

meninas. Eu ficava pensando, achava que podia ter algum

desrespeito. É porque tinha as casa lá em cima e a gente

morava aqui [na rua Silviano Brandão] e a gente não sabe o

que vai se passar. Vai que alguma briga lá, alguma coisa... A

preocupação da gente era essa.”41

41
NEUZA MARIA DA SILVA é natural de Cruzeiro, interior de São Paulo, divorciada, nascida em
15 de Abril de 1933. Veio para Pouso Alegre à procura de novas oportunidades, pois havia
conhecido a cidade a passeio e decidiu-se por morar aqui, em 1973, por conta do crescimento da
cidade, tendo aberto uma loja de roupas chamada A Barateira, na rua Silviano Brandão, que
funcionou por 25 anos. É uma das moradoras mais antigas da rua. É mãe de seis filhos.

32
Mas não era somente a possibilidade dos freqüentadores da Zona

Boêmia faltarem com o respeito às “moças honestas” que preocupava os

moradores das cercanias das casas de prostituição. O medo de brigas no

meretrício também aparece como motivo de inquietação, pois se trata de

um território inconstante e, por isso mesmo, constantemente vigiado pela

polícia, passível de interdições violentas que pudessem confundir

transeuntes com moradoras da Zona e resultar em prisão ou algum tipo de

ação que fosse revertida em prejuízo moral para essa “moça de família”, a

qual corria o risco, como diz Laraia, de ser confundida com uma moça do

meretrício.

Tais fronteiras estabelecidas e constantemente reforçadas pelo viver

urbano ao definirem os territórios traduziam a emergência dos perigos que

a Zona colocava para a vizinhança, imersa em uma outra cultura que não

era a da reclusão e a da marginalidade social. A afirmação dos temores, a

constante negação dos espaços da cidade às moradoras da Zona, ou

mesmo as tentativas que visavam esta negação, e a preocupação vigilante

dos pais com relação à circulação de seus filhos pelas tênues divisões com

o universo “fascinante” e “obscuro” das “casas”, suas moradoras e

freqüentadores, trazem à tona turbulências, evidenciam a existência de

brigas e desses perigos que rondavam a Zona, mas que surgem nos

depoimentos de maneira discreta, muitas vezes apenas como

“possibilidades”.

Porém, as “possibilidades” e os temores eram reflexos das brigas

ruidosas que freqüentemente ocorriam por conta da competição entre as

33
ocupantes das “casas” pelos clientes – sem hora para ocorrer, fosse dia,

fosse noite – como recorda Jasmina Ferreira.

Conhecida como Dona Geni, moradora da região da rua David

Campista dede a década de 1930, a depoente ainda completa a justificativa

às preocupações expressas implicitamente na fala de Neuza Maria da Silva

mencionando outros conflitos, dessa vez entre os próprios clientes, com

ênfase especial no cabaré de sua amiga Margarida Leite, aquecidas pelo

álcool, tendo como pivôs a conquista das mulheres e a disputa de egos e

masculinidades feridas, embaladas pela música alta. Segundo Dona Geni,

não era nenhuma raridade tais confusões lhe baterem, durante as

madrugadas, e literalmente, à parede-meia, responsável pela separação de

sua casa e do cabaré de Margarida42.

Território que não permitia ser decifrado, compreendido e dominado

com facilidade43, devendo pesar sobre ele, por esse mesmo motivo,

vigilância constante, a Zona de Prostituição de Pouso Alegre, Minas Gerais,

aparece ainda hoje, mais de vinte anos passados desde seu fechamento na

região central da cidade, sempre cercada por algum tipo de vigilância ou

controle externos na memória dos moradores mais antigos do município.

De todas as imagens construídas em torno de um “controle oficial”

sobre o meretrício, ou seja, exercido diretamente por aparelhos de

42
JASMINA FERREIRA é natural de Muzambinho, trabalhava em Guaxupé quando foi convidada
por sua patroa a mudar-se para Pouso Alegre e servir-lhe como dama-de-companhia. Aos 19 anos
muda-se para a rua David Campista, vizinhança a qual nunca abandonou. No decorrer de sua vida,
assume uma pensão de mulheres na rua da Zona, o que lhe rendeu fama na cidade. Foi casada, à
peoca em que foi “dona de casa” na David Campista. Conhecida por Dona Geni, seu marido faleceu
à década de 1990. atualmente, mora sozinha em uma casa na rua do Rosário.
43
ROLNIK, Raquel. Op.cit. p.42.

34
repressão e segurança, a que mais chama a atenção associa a

manutenção da ordem nas imediações e interior da Zona à ronda noturna

praticada pelo Exército instalado em Pouso Alegre44, sendo significativa a

fala de Maria Ruth Vilela, pois, de acordo com ela,

“... tinha muito pouca polícia aqui em Pouso Alegre. Até o

Exército, que ajudava a fazer o patrulhamento da cidade e na

zona. Sabe por quê? Porque tinha muito poucos policiais aqui,

acho que era uns quatro, cinco só. Então, o exército ajudava a

patrulha na Avenida e na Zona, pra ver se tinha algum soldado

na rua fora de hora. Eles prendiam e ajudavam a fazer o

patrulhamento.”45

Dialogando com o depoimento acima, Rubens de Barros Laraia conta

que, quando serviu o Exército no quartel local, em 1967, era comum a

patrulha do Regimento percorrer as ruas de Pouso Alegre, a partir das 22

horas, para que fosse evitada a perturbação da ordem pelos soldados

liberados. Isso porque, de acordo com ele,

44
Em 1918 é instalado em Pouso Alegre o 8º Regimento de Artilharia Montada, tomando parte nas
Revoluções de 1930 e 1932. Durante o período da II Guerra Mundial, houve contingente destinado a
compor as forças brasileiras em confronto na Europa. Em 1959, o Regimento passa por uma reforma
e tem seus equipamentos renovados, sendo re-batizado como 4º Regimento de Obuses. No ano de
1972 passa a ser denominado 14º Grupo de Artilharia de Campanha, sendo dotado de armamento
pesado. Em 1987, recebe sua denominação atual: Grupo Fernão Dias. Cf. GOUVÊA, Octávio. Op.cit.
pp.83-84.
45
MARIA RUTH VILELA: nascida em Pouso Alegre no dia 25 de Mio de 1928, de família humilde,
trabalhou como secretária até casar-se com o advogado José Villela, ilustre na cidade, um dos

35
“... o quartel tinha muitos soldados... e esses homens soltos na

cidade poderiam provocar brigas, arruaças. E a polícia não

podia prender um soldado... seria a patrulha que prendia eles.

Então, não era só na Zona do Baixo Meretrício. Na Zona do

Baixo Meretrício era exatamente onde havia a bagunça

maior... havia bebedeira em bares, essas coisas. E era

proibido freqüentar esses ambientes.”

O meretrício ao abrigar e isolar tanto prostitutas e “donas de casa”,

bem como seus freqüentadores e clientes, igualmente marginalizados pela

sociedade, encarnava um território de contenção das “máculas” que os

outros espaços da cidade não deveriam ou gostariam de estampar. Sobre a

Zona de Prostituição recaíam fortemente imagens que a construíam ou

reforçavam-na enquanto lugar instável, de brigas, degradação moral e de

vícios, dando suporte para que à ronda da patrulha do Regimento fosse

associada a função de mantenedora da ordem no espaço urbano e,

especificamente, na região do meretrício.

Não que sua função tivesse sido outra. Como o depoimento de

Rubens Laraia revela, a intenção era essa mesma, porém, o Exército como

espécie de “tutor” da Zona tornou-se pensamento corrente e enraizado por

conta do escasso efetivo policial responsável pela segurança da cidade,

conforme emerge da fala de Maria Ruth Vilela.

fundadores do Campo de Aviação de Pouso Alegre. É uma das moradoras mais antigas da cidade e
uma das mais antigas também da vizinhança residencial da Zona. Viúva.

36
Esse cuidado todo especial com o território das prostitutas, “donas de

casa” e dos prazeres sexuais voltados à satisfação de um público

masculino, através da mencionada necessidade de vigilância constante,

deu margem para práticas de diferentes formas de violência contra suas

ocupantes, e contribuiu sobremaneira para assinalar as diferenças entre a

Zona e os outros espaços da cidade.

Não obstante, quando os pais decidem acompanhar suas filhas pelas

ruas próximas ao meretrício como recurso que garantisse a máxima

distinção e a não-confusão entre os papéis, se colocava também uma outra

questão: a prática revela silenciosamente já não ser mais tão simples a

diferenciação entre uma mulher “da Zona” e uma mulher “honesta”, algo

que se reforça com o depoimento de Margarida Miranda, ex-prostituta e ex-

“dona de casa”, já que, através de sua fala foi possível observar que na

década de 1970 o cruzamento das fronteiras da Zona já não acompanhava

mais a mesma rigidez no controle, sendo possível a circulação das

moradoras da Zona pelas ruas da cidade sem as formas de repressão

“exemplares” praticadas em décadas anteriores por aparelhos repressores.

Entretanto, para que isso ocorresse, era preciso que alguns cuidados

fossem tomados, fazendo da ida ao centro, aos territórios onde

prevalecesse a “decência”, uma espécie de “transformação”, já que,

segundo Margarida Miranda:

“Pra trabalhar era assim: uma mini-saia mesmo, sapato, bem

vestida, né?! Tem que andar bem vestida. Pra sair pra rua, na

37
cidade, já era uma calça comprida, uma saia mais longa.

Quando eu cheguei aqui em Pouso Alegre, as mulher usava

muito vestido longo... nas casas que eram mais chiques, as

mulher punha os vestido longo46

A roupa acabava sendo a máscara da trabalhadora do sexo, que, na

mudança delas, encarnava duas personalidades diferentes. Primeiro, a

“mulher da Zona”, a qual, no ambiente de trabalho investe na utilização de

roupas mais curtas, valorizando o corpo, com o qual faz seu dinheiro, e

também das mais longas, ou mesmo de trajes de festa, revelando uma

nítida distinção entre os estabelecimentos do meretrício. Depois, surge a

imagem da “mulher direita”, através de um cuidado no vestir-se que

privilegiava o comprimento maior das roupas e a não-exposição do corpo.

O que toda essa atenção em torno da vestimenta faz é descortinar

“as caricaturas que as prostitutas assumem de si mesmas, na oposição

exclusiva de ‘mulheres comuns’ e ‘prostitutas’, [remetendo] aos sofisticados

esquemas de controle social desenvolvidos nas sociedades

contemporâneas”47 pelos aparelhos disciplinares, cujas intenções, conforme

46
MARGARIDA MIRANDA: natural de São José dos Campos, nascida em 15 de Outubro de 1943,
mãe solteira de quatro filhos, trabalhou como doméstica até onde viu ser possível a manutenção da
vida dos filhos. Em 1972 vem para Pouso Alegre, tendo como referência a irmã, para trabalhar na
Zona. Deixa os filhos com babá e na rua David Campista começa como prostituta, passando a dona
de bar pouco tempo depois. Em 1974 deixa o bar aos cuidados de uma inquilina sua e muda-se para
Jundiaí, onde trabalhou como prostituta. Com o dinheiro proveniente do trabalho em Jundiaí
construiu uma boate na nova Zona Boêmia, retomando as atividades como ‘dona de casa’ em 1978,
no Capim Gorduro. Investiu o dinheiro da Zona na compra de diversos lotes e casas pela cidade,
inclusive a sua residência, no bairro São Cristóvão.
47
CASTRO, Ricardo Vieiralves de. Representações Sociais da prostituição na cidade do Rio de
Janeiro in SPINK, Mary Jane Paris. O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na
perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995. p.158.

38
explica Foucault, visavam introduzir no indivíduo uma sensação de

vigilância constante, pois que internaliza os mecanismos e as formas de

controle praticadas externamente, as mesmas que buscam a sua retidão

comportamental, fazendo com que “... a vigilância seja permanente em seus

efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação...”48.

Em outras palavras, as ocupantes da Zona de Meretrício

encontraram na prostituição confinada, incluindo aí todos os instrumentos

que reforçam seu caráter disciplinar, uma espécie de “panóptico”, um

artifício que lhes submete constantemente a um controle. Através do auto-

policiamento de suas próprias escolhas e ações, tornavam-se duas a cada

vez que tinham de sair da Zona e, mais ainda, preservavam a condição de

“párias” que o sistema lhes impunha, reafirmando a segregação existente

entre o meretrício e os outros espaços da cidade, entre trabalhadoras do

sexo e “pessoas decentes”, questão revelada por Margarida Miranda

quando relembra que “... a rua inteira lá era [residencial], então as pessoas

que eram ‘donas de casa’ não se misturavam com os vizinhos e nem os

vizinhos se misturavam com a gente49”.

Embora prostitutas e “donas de casa” estivessem começando a

desfrutar de uma frouxidão no controle das saídas da Zona de Prostituição,

voltando a circular pelos espaços da cidade no início da década de 1970,

desta vez, sem as intervenções ruidosas e ocasionais, as fronteiras morais,

por outro lado, já se mostravam por demais cristalizadas no cotidiano da

48
FOUCAULT, Michel. Op.cit.,pp.166-167.
49
Margarida Miranda, Op.cit

39
população, cercando as relações com as ocupantes do meretrício de todo

um cuidado que prolongava a sensação de não-pertencimento que o

“território da decência” impunha às “mulheres da Zona”.

A soma de receios, a segregação e as punições direcionadas às

moradoras da Zona são apenas alguns reflexos de que o meretrício

confinado na região central incomodava, e muito, a sociedade pouso-

alegrense com as suas práticas, a qual, por sua vez, sempre foi generosa

nas demonstrações de intolerância a esses indivíduos marginais, não

sabendo conviver com eles de outra forma que não estivesse pautada na

estereotipia e na segregação, na distribuição da diferença incômoda em


50
compartimentos isolados, classificados, destino dos “dejetos sociais” .

Essa necessidade de classificar-se para excluir, segundo Heller, faz com

que

“o homem predisposto ao preconceito [rotule] o que tem diante

de si e o [enquadre] numa estereotipia de grupo. Ao fazer isso,

habitualmente passa por cima das propriedades do indivíduo

que não coincidem com as do grupo. Mesmo quando chega a

percebê-las, registra-as como se se tivessem produzido

apesar da integração do indivíduo em seu grupo, contra [grifo

da autora] essa integração. (...) o homem predisposto não se

50
GUATTARI, Félix. Cartografias do Desejo. Petrópolis: Vozes, 1986. p.122 apud CASTRO,
Ricardo Vieiralves de. Representações Sociais da prostituição na cidade do Rio de Janeiro in SPINK,
Mary Jane Paris. O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da
psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995.

40
deixa impressionar sequer pelas qualidades éticas do

indivíduo.” 51

Horma Valadares Meireles, ex-diretora do Conservatório Estadual de

Música de Pouso Alegre relata uma história de exclusão que revela a

profundidade do preconceito como fronteira.

Lembrando seus anos à frente da instituição, a depoente conta que

um grupo de três moradoras da Zona Boêmia havia procurado por ela, certa

vez, com a iniciativa de se matricular na escola de artes e continuar os seus

estudos. Porém, a inclusão dessas novas alunas daria início a um grande

mal-estar envolvendo a ex-diretora, suas alunas e as autoridades

constituídas. Nas palavras de Horma;

“Quando começaram a freqüentar as aulas, a coisa foi tão feia!

Eu fui chamada em tudo que era canto. Deu pra perceber que

a sociedade não aceitava. Nossa! Fio uma coisa muito

dolorosa pra mim... uma coisa muito triste, muito triste. Muito

triste pra mim mesmo, porque eu achava que elas, entrando

lá, podiam ter outros horizontes de vida, por serem habilidosas

e até mudar a vida delas. Mas infelizmente eu perdi essa

batalha. As autoridades falavam: ‘Olha, você está fazendo

mal. Você está misturando com pessoas da sociedade que

51
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Série Interpretações da História do Homem vol.2.
6.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p.57.

41
freqüentam. E eles não vão gostar da mistura, gente de certo

nível. [grifo meu] Não vão gostar!’. Tive que respeitar: não era

eu, de fora, não-pouso-alegrense que iria vir aqui e impor as

minhas regras” 52.

No mesmo sentido, vale acrescentar outra história de exclusão,

tendo como cenário, dessa vez, um salão de beleza pouso-alegrense.

Josefina Francisca de Almeida esclarece que em Pouso Alegre, durante as

décadas de 1960 e 1970, existiam quatro salões de beleza, tendo sido mais

famoso o ‘Salão da Ilma’.

Freqüentado por pessoas de várias classes sociais, nele, contudo,

havia um dia reservado somente para o atendimento das moradoras da

Zona Boêmia, prática iniciada devido à reação da clientela “decente”.

Josefina relembra a história da seguinte maneira:

“... naquela época, a gente não trabalhava com hora marcada.

Então às vezes tinham oito a dez pessoas, esperando pra

fazer unha, pra ser atendida, e no salão elas eram muito

discretas. Não falavam quase nada. Mas a gente sabia. E as

outras pessoas, elas não gostavam muito. Mas a Ilma sempre

dizia: ‘Eu tô de portas abertas, não posso deixar de atender.

52
HORMA DE SOUZA VALADARES MEIRELES. Nascida em São Paulo-SP, na década de 1930,
filha de viajantes, suas memórias da infância evocam sempre Pouso Alegre, cidade onde tinha
parentes próximos e onde passava as férias. Graduou-se em Direito pela PUC-SP e em Canto. Foi
com a instrução em canto que conseguiu lecionar e estar à frente do Conservatório Estadual de

42
Enquanto elas estiverem respeitando o ambiente eu vou

atendendo. O dia que elas não respeitarem eu peço pra elas

se retirarem’. Mas isso nunca aconteceu. Então elas [as

freguesas ‘decentes’] ficava reclamando... e elas também

tinham medo de doença. Até que no final dos tempos, a Ilma

marcava um dia só pra elas... acho que era dia de semana,

começo de semana que era mais folgada. Numa segunda ou

terça, e elas [as moradoras da Zona] acharam bom. Não

acharam ruim não.”

Ambos os depoimentos trazem lugares freqüentados por uma

diversidade de pessoas muito grande, democratizados e abertos à mistura

social, mas não moral. Abruptamente, são introduzidos elementos de

exclusão através do preconceito com relação às trabalhadoras do sexo. A

questão levantada era justamente o perigo da mistura dos corpos.

No caso do Conservatório, permitir que mulheres da Zona

freqüentassem um mesmo espaço do qual fazia parte “gente de um certo

nível”, “da sociedade” significava um rebaixamento moral da instituição, a

qual autorizava o convívio combatido durante décadas entre as “decaídas”

e a “fina flor” da cidade. Significava, também, o risco de confusão dos

papéis e uma ameaça à moral das mulheres “decentes”, que poderiam ter

suas condutas associadas às das trabalhadoras do sexo tão somente por

Música da cidade de 1961 a 1984. Também lecionou na Faculdade de Direito do Sul de Minas. Foi
eleita vereadora na década de 1990, atuando na comissão que redigiu a Lei Orgânica do município.

43
estarem sob um mesmo teto durante um curto espaço de tempo. O mal-

estar foi tamanho que se tornou motivo da intervenção das autoridades

pouso-alegrenses, no sentido de dar um fim àquela mistura que se

mostrava inconcebível e que rompia com uma tradição de segregação.

Já no salão de beleza, o preconceito foi mais longe. Era explícita a

relação entre a mistura dos corpos e o risco do contágio por doenças,

sendo associadas às trabalhadoras do sexo, como notavelmente revela o

depoimento, imagens de degradação, de potenciais vetores de doenças.

Além disso, ali, naquele espaço onde todas deveriam esperar a sua vez

para serem atendidas, era mais do que necessário o exercício do papel de

“mulher decente” por parte das moradoras da Zona, posto que o respeito

era condição primeira para que fossem incluídas naquele estabelecimento e

toleradas.

Toleradas, apenas, não respeitadas; o respeito por parte do outro

lado da fronteira, do lado “decente”, não era hábito dos mais comuns,

conforme revelam as entrelinhas do depoimento de Josefina de Almeida,

visto que quando da escolha de um dia em separado para o atendimento de

prostitutas e “donas de casa”, estas receberam a “novidade” não com

revolta, mas com aprovação.

Permeando essa tensa e complexa relação entre a cidade e a

prostituição encontrava-se uma massificação das diferenças, uma

homogeneização dos comportamentos e do caráter de cada pessoa a quem

cumpria o confinamento na Zona de Prostituição. Não interessava, em

nenhum momento, se as trabalhadoras do sexo quisessem retomar os

44
estudos ou se elas sentir-se-iam incomodadas com o estabelecimento de

um único dia para cuidar de sua aparência, isoladamente, em um salão de

beleza freqüentado por pessoas de “nível” em Pouso Alegre. Menos ainda

se elas, as prostitutas e “donas de casa”, eram saudáveis,

independentemente de qual trabalho desempenhavam. O que importava

era o rótulo que pesava sobre elas, atribuindo-lhes “procedência” – a “má

procedência”, no caso – e a imagem de degradação que sempre procurou-

se deixar nitidamente associada ao meretrício, no sentido de afirmar as

fronteiras morais existentes entre os territórios urbanos e as práticas

culturais que foram marcas de cada um deles.

Neste sentido, ambos os depoimentos descortinam uma sociedade

extremamente conservadora, moralista e julgadora habituada a passar por

cima de liberdades e direitos individuais em nome de uma exclusão que

privilegiava a manutenção de uma ordem que ruía silenciosamente com os

anos e com as mudanças no cotidiano da cidade53. Uma sociedade que

buscava amparar suas práticas elitistas e de exclusão naquilo que Agnes

Heller conceituou como “preconceito de grupo”, ou seja, “... preconceitos

53
A instalação das indústrias na cidade dependia da doação de terrenos com toda a infra-estrutura
disponível, ou seja, água e esgoto, energia elétrica e telefonia. Os terrenos eram escolhidos entre
propriedades particulares e submetidos à avaliação da empresa. Depois, a Prefeitura Municipal
captava recursos junto ao Governo Estadual, através de empréstimos da Caixa Econômica Estadual,
comprando a área e doando-a à industria interessada em instalar-se em Pouso Alegre. Todos esses
procedimentos eram discutidos na Câmara dos Vereadores, analisados por uma comissão de finanças
interna e submetido a votações que aprovavam as doações por unanimidade. Cf. ATAS da Câmara
Municipal. Pouso Alegre, 05 de Junho de 1972. Museu Municipal Tuany Toledo – Câmara
Municipal de Pouso Alegre, tomo 121, p.06-10 verso.

45
contra membros de um grupo, tão-somente pelo fato de serem membros

desse grupo” 54.

Ao mesmo passo, a tão apregoada necessidade de “não-mistura”

entre os habitantes “decentes” e os marginalizados pelo trabalho na

prostituição contribuía para a existência e o reforço de uma curiosidade

acerca do meretrício, estimulada por uma vontade de saber o que se

passava do “lado de lá”, que, nas explicações de Octávio Gouvêa, já eram

nutridas desde muito cedo pelo caráter proibitivo que envolvia a Zona nas

palavras dos pais. Segundo ele;

“Desde criança a gente tinha curiosidade. Ouvia falar naquilo

como se fosse um lugar, um lugar proibido. A gente era até

ensinado pelos pais, pelos irmãos, parentes, pra evitar aquilo

lá, que não era um bom lugar, né?! Então, a gente já cresceu

com aquela mentalidade, achando que aquilo era um lugar

pecaminoso e que, de fato, pela época, era mesmo! Porque a

educação naquela época era muito diferente... a Igreja tinha

muita força, a família idem. Então, os rapazes não tinham essa

liberdade de freqüentar a zona. Freqüentava, mas escondido.

E com medo da repercussão, de alguém ficar sabendo...” 55

54
HELLER, Agnes. Op.cit. p.56.
55
Octávio Miranda Gouvêa, Op.cit.

46
Com relação às “moças de família” as imagens da moradora da Zona

deixavam também suas marcas, através de uma inquietação que tocava o

exercício de uma sexualidade contida pelo moralismo, como revela

Valquíria de Castro Corrêa. Segundo ela;

“A gente tinha um misto de admiração e de pena. A gente

pensava assim: ‘Nossa, os homens olham pra elas quando

elas passam...’. Toda mulher tem aquela vaidade diferencial

dela, de ser olhada. Nossa, eu lembro direitinho; eu, a Dora, a

Ana, tudo assim moça de família e a gente dizia que nunca vai

ser olhada assim! ‘Os homens olham pra elas de forma

diferente!’ Eu lembro direitinho, por exemplo, da turminha na

porta do colégio Santa Dorotéia... os molequinhos... passa

uma mulher assim, eles cochichava, mexia, falava, assoviava.

E as meninas, não. Tinham que falar direitinho. Certinho,

pronto, acabou!”56

Embora também tocasse aos rapazes, mas de uma forma menos

direta, mas não menos complexa, que em relação às mulheres, a atuação

de um moralismo que lhes explicava a Zona enquanto um “mau lugar”

colocava para eles a necessidade de freqüentá-la às escondidas, já que o

56
VALQUÍRIA DE CASTRO CORRÊA: natural de Pouso Alegre, nascida no final da década de
1940 foi aluna do colégio Normal Santa Dorotéia, regido por Freiras da Congregação das Dorotéias.
Casada, mãe de um casal de filhos, é professora desempregada e graduada em História.

47
conservadorismo da sociedade envolvia a visita às trabalhadoras do sexo

de segredo, dando margem ao “medo da repercussão” e “de alguém ficar

sabendo”, especialmente se se observa que o meretrício era assunto

freqüente nas rodas de conversa reunidas diante do Fórum, do Clube

Literário e Recreativo e do Bar Recreio, localizado na Avenida Doutor

Lisboa57.

Para as “moças honestas”, a figura da trabalhadora do sexo na

cidade dava margem para o confronto entre a sexualidade contida e a moral

que, trabalhando nesse sentido, preservava suas honras, produzindo,

então, uma confusão de valores que fazia com que nutrissem por elas ao

mesmo tempo admiração, por causa do exercício de uma sensualidade

“não contida”, e pena, decorrente de toda uma atuação da moral cristã em

sua educação.

Através dos depoimentos de Gouvêa e Corrêa é possível perceber,

parafraseando Foucault, o poder “... como uma rede produtiva que

atravessa todo o corpo social muito mais que uma instância negativa que

tem por função reprimir”58. Isto porque os mesmos instrumentos de

proibição simbólicos que carregavam o meretrício de estigmas e clichês,

eram permissivos o suficente para que fosse nutrido o interesse sempre

presente sobre aquele universo misterioso que encerrava a Zona,

permitindo o surgimento e o desenvolvimento de inquietações no restante

57
De acordo com o senhor Moacyr Honorato Reis, era bastante comum os homens se reunirem
diante desses pontos da cidade, muitas vezes antes mesmo de o freqüentador, tema do assunto,
acordar, fazendo com que a notícia repercutisse rapidamente e em vários círculos.
58
FOULCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 16.ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001. pp.7-8.

48
da cidade, cujos reflexos eram vividos no cotidiano de sua população,

descortinado um outro lado desse poder legitimador da disciplinarização, da

ordem e da reclusão expressas pelos territórios, e que vai muito além da

noção do caráter proibitivo que lhe é associado: a Zona faz parte do folclore

urbano da cidade, suas personagens e personalidades são mitificadas, sua

freqüência, existência e menção foram tabus, e para muitos dos depoentes

entrevistados, a memória fez por onde preservá-los. Não obstante, por mais

que o moralismo obrigasse a cidade a se fechar e a vedar a Zona, a Zona

imbricava-se com a cidade de uma forma significativamente complexa,

formando uma teia tão apertada que o recrudescimento das críticas sobre a

Zona e a lentidão em seu fechamento apenas comprovaram sua solidez e a

total ignorância de sua força pelos moralistas ansiosos por uma rápida

ruptura.

A própria questão do “mal necessário” descortina todo um discurso

produzido por esse poder que “... não pesa só como uma força que diz

não...”59, mas que ampara e legitima a relação de tolerância que cercou a

existência da Zona de Prostituição e a maneira como foram tecidas suas

relações com as autoridades da cidade. Relações que podem ser

exploradas através da figura mais legendária do meretrício pouso-

alegrense: a da “dona de casa” Margarida Leite.

Conforme conta Moacyr Honorato Reis, referindo-se a ela como a

”cafetina mais poderosa da cidade”, suas articulações com as autoridades

eram feitas na base dos presentes: garrafas de champanhe e a

49
60
“apresentação” das novas “inquilinas” que chegavam em sua casa, de

modo que:

“... ela deitava e rolava na cidade, a Margarida. Ela tinha o

judiciário, o legislativo e o executivo na mão dela [grifo meu].

Ela arrumava aquelas meninas novas, bonitas e os velhos,

ocê sabe... a carne nova pro velho é uma beleza! [risos] então

ela falava com eles, aí mandava pra eles num local

combinado. Então, ela tinha tudo na mão” 61

Embora não seja possível estabelecer quando foi que Margarida

Leite iniciou sua atuação como “dona de casa” em Pouso Alegre, nem

mesmo suas origens62, o certo é que sua presença mexeu com os ânimos

de muita gente na cidade. É particularmente uma nota de jornal, a ser

mencionada a seguir, que chama a atenção para tal questão de maneira

especial. De acordo com o texto:

59
Ibid, idem.
60
“Inquilinas” é um termo comumente empregado para designar as mulheres que trabalhavam como
prostitutas nas “casas”. Como elas se submetiam a um regime de pensionato, recebiam essa
denominação da dona ou chefe da casa, a quem deveria pagar aluguel do quarto e gerar lucro através
da venda de bebidas, induzindo seu cliente a consumir o máximo de bebidas alcoólicas (o lucro da
“dona de casa’) quanto fosse possível. Em geral, não eram bem vistas as inquilinas que bebiam junto
com a clientela ou que eram briguentas, do mesmo modo que mulheres acima de 30 anos de idade,
ou a longa permanência em uma única casa, sendo importante a rotatividade como fator importante
no aumento da lucratividade da prostituta.
61
Ver Moacyr Honorato Reis.
62
Não foi possível identificar ao certo a procedência de Margarida Leite ou a data de sua chegada na
cidade. A maioria dos depoentes que manteve contato com ela não soube precisar, mas dizia ser ela
carioca. Segundo eles, Margarida Leite era uma mulher de personalidade forte e de muitos inimigos,
dentro e fora da Zona. Depoimentos informais contaram sobre a sua expulsão da cidade, na década
de 1950, por conta do aliciamento de três menores, as quais fugiram de sua casa, mas foram
capturadas por seu parceiro em uma das saídas da cidade, tendo ela sido denunciada por um médico

50
“[Margarida Leite] há quinze anos explora o lenocínio em

nossa cidade e quando aparece alguém com a intenção de

prendê-la por causa de badernas em sua boite, sempre surge

um ‘anjo da guarda’ que a protege. Como há sempre uma

pessoa que lhe dá guarida (não vale o trocadilho), essa

Margarida alega que nunca foi presa [grifo meu]. Também

pudera! Com guardião de todo lado, quem não evitaria isto?

[grifo meu] No dia 13 do corrente, (o dia da urucubaca) tudo

caiu por terra e o velho tabu foi quebrado...

(...)

No dia seguinte, o pessoal foi colocado em liberdade graças à

intervenção de pessoas conhecidíssimas na cidade [grifo

meu]...”63

Contatos com pessoas “conhecidíssimas na cidade” além de

impedirem várias vezes a sua prisão, ainda possibilitaram-lhe a compra da

boate Novo Mundo64, o único cabaré da Zona, cujo proprietário, até 25 de

Janeiro de 1966, era o “ilustre” vereador Argentino de Paula65.

pouso-alegrense e indiciada, fugindo para o Rio de Janeiro. Na década seguinte, ela retorna à cidade
e retoma as suas atividades de empresária do sexo com a aquisição do cabaré Novo Mundo.
63
SOCYETE às avessas. A Folha de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 23/11/1969.
64
ESCRITURA de compra e venda de imóvel urbano. 25/01/1966. 1º Tabelionato da Comarca de
Pouso Alegre, livro 98, fls.45-46.
65
Argentino de Paula era “filho ilustre e de tradicional família” pouso-alegrense, os Paula,
proprietários de grandes extensões de terras que cercavam a cidade. Partiu dele a doação dos terrenos
para a construção tanto da Faculdade de Direito do Sul de Minas, no fim da década de 1950, como
para a da Faculdade de Medicina, no final da década de 1960. Também possuiu forte atuação política

51
Contudo, toda essa articulação complexa, no sentido de prover uma

bem costurada rede de relações que lhe valia contatos com membros de

todas as esferas do poder constituídas em Pouso Alegre, encontrava

justificativa na maneira como a própria Margarida Leite estava habituada a

explorar o comércio dos prazeres sexuais, revelou Jasmina Ferreira, ao

esclarecer a referida necessidade de amparo por parte das autoridades.

Segundo a depoente,

“... era por causa de trazer menor de fora pra por aí dentro. O

negócio dela era isso: ia lá e passava a conversa nas

meninas, punha dentro do automóvel e trazia pra cá. E depois

que tá aqui, o que elas iam fazer? Muitas caia fora, muitas

fugia e voltavam, mas muitas coitadas ia ficando...”66

De modo a garantir o funcionamento de seus negócios, Margarida

Leite procurou desenvolver o máximo de vínculos possíveis com figuras da

sociedade pouso-alegrense. A ilegalidade de suas atividades enquanto

“dona de casa” fosse, pelo sigilo nas informações sobre alguns

“destacados” freqüentadores de seu cabaré, submetida à vista grossa das

autoridades, desafiava a própria conceituação de “mal-necessário”,

no município, tendo cumprido mais de seis mandatos como vereador, resultando em mais de vinte
anos na vereança sem ser derrotado. Na década de 1950, foi responsável pela inauguração do cabaré
Novo Mundo, na Zona Boêmia, tendo mantido-o até 1966, quando o vende. De acordo com
depoimentos informais, era conhecido como “vereador das prostitutas”. Cf. COMO vai o Legislativo
e o que tem realizado. O Jornal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 12/10/1968; COROADA de êxito a
VI Festa dos Cartões de Prata. O Jornal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 10/03/1973.
66
Jasmina Gubiotti Ferreira, Op.cit.

52
estendendo os limites da tolerância além do permitido, bem como o da

impunidade67.

Para tanto, os resultados finais da cruzada contra a Zona iniciada em

1969 pelo jornal A Folha de Pouso Alegre, só puderam ser obtidos

totalmente através do assassinato da cafetina em 198268, porque mesmo

tendo acompanhado a transformação da rua da Zona em rua estritamente

residencial, Margarida insistiu na manutenção do que havia restado de seu

cabaré em funcionamento, driblando as visitas policiais e as reclamações

correntes dos novos vizinhos, através da mesma rede de contatos com

alguns poderosos de outrora.

Estendida entre os anos de 1969 e 1982, a briga pelo fim da Zona no

centro da cidade acompanhou, por sua vez, as transformações que

definiram o novo perfil econômico de Pouso Alegre, do qual a expansão do

67
Apesar de patente, essa ligação estreita entre representantes dos poderes locais e a Zona de
Prostituição, é preciso, contudo, ressaltar não ter sido via de regra para a maioria das outras “donas
de casa” à rua David Campista, de modo que Margarida Leite é encarada aqui como um caso à parte
por duas razões. A primeira e mais importante delas diz respeito à característica maior de seu
negócio, que era um cabaré, numa época em que não existiram outros estabelecimentos com a
mesma estrutura que o seu à rua David Campista, ou mesmo durante todo o período em que lhe foi
destinado confinar a prostituição na cidade. Em seguida, há que se considerar o crescimento de bares
e pensões na Zona Central no decorrer de toda a década de 1970 e a articulação de várias “donas de
casa”, claramente desinteressadas em abandonar o Centro, em torno de Margarida Leite, ao longo de
toda a campanha moralizante pelo fim da prostituição na região central.
68
Margarida Leite foi assassinada em 1982 por um descendente de árabe chamado Mohamed, que
era companheiro de uma de suas “inquilinas”. Conforme contaram Moacyr H. Reis e Jasmina
Ferreira, o rapaz devia grande soma de dinheiro à empresária do sexo, por conta de empréstimos
tomados e não pagos, mas freqüentemente cobrados. Não se sabe o motivo exato do crime, mas
conta-se que a vítima foi espancada até a morte com uma cadeira. Segundo João Evaristo Pinto, foi
preciso que Margarida Leite morresse para que a rua David Campista tornasse-se totalmente
residencial, pois a recusa dela em abandonar o seu ofício tornou-se legendária. Seu corpo foi achado
por sua filha adotiva, no horário do almoço.

53
núcleo urbano e as modificações infra-estruturais implementadas no

município foram reflexos69.

Particularmente, após o Golpe Militar de 1964 e a implementação de

sua agenda de governo70, os últimos anos da década na cidade foram

marcados pelo aumento na criação de novos loteamentos, a abertura de

novas avenidas e ruas e o asfaltamento das já existentes, a construção de

novos prédios para as repartições municipais, de galerias pluviais e

canalizações de córregos, obras exploradas no sentido de transformar

essas modificações infra-estruturais no veículo de uma imagem que as

divulgava, ao mesmo passo, como sintomas do “progresso” e da

“modernidade” de Pouso Alegre71.

Atreladas a um discurso que procurava informar e justificar aos

moradores a necessidade dessas transformações por que passava a

cidade, os jornais buscaram infundir no pouso-alegrense uma consciência

que, por um lado, deveria informar acerca de sua nova importância regional,

bem como dessa pretensa modernidade que começava a ser traçada como

69
De acordo com o depoimento do ex-prefeito Breno Coutinho, Pouso Alegre não possuía condições
de manter as fábricas em funcionamento por conta da baixa capacidade das instalações elétricas do
município. Com base nessa dificuldade, e por intercessão do generalato instalado na cidade, foi
providenciada a melhoria da rede de transmissão de energia através de cabos que vinham direto da
represa de Furnas. Outro problema que o ex-prefeito menciona diz respeito às ligações telefônicas a
longa distância, que não poderiam ser completadas antes que o cabo fosse desocupado por cidades
como Varginha e Itajubá. Assim, foi instalado, novamente com a ajuda dos militares, o DDD
automático através de um cabo de telecomunicações que atendia somente as necessidades de Pouso
Alegre.
70
Os modelos de desenvolvimento colocados em prática pelo Governo Militar pautaram-se na
industrialização do país através das facilidades concedidas às multinacionais, dentre as quais se
destacam as do setor automobilístico, e na alta dependência de capital externo, como garantia para o
crescimento econômico através de grandes empréstimos internacionais, e das importações de
petróleo. Cf. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ed. São Paulo: Edusp, 2002. pp.485-488 e 495-
498.
71
ATUAL administração de Pouso Alegre: Novas avenidas nascem na cidade. O Jornal de Pouso
Alegre. Edição Especial de Aniversário da Cidade. Pouso Alegre, 12 de Outubro de 1968.

54
seu destino inevitável. E que, por outro lado, resultasse de maneira eficiente

em um esforço conjunto capaz de construir uma unidade de interesses em

torno do desenvolvimento de Pouso Alegre72.

Como argumento desse discurso voltado para o progresso emerge a

localização geográfica do município que, somada ao papel das várias

rodovias que passaram a cortá-lo73, foi responsável por estabelecer o

binômio inseparável que justifica até os dias de hoje todo o processo de

industrialização do município74.

Introduzindo uma nova “vocação”, que não estivesse ou fosse

associada ao atraso, o discurso do progresso embasou uma nova “política

geral de verdade” para o município ao afirmar a representação da fábrica

como a única chave para o progresso, o desenvolvimento e a promissão. Já

as modificações do espaço público foram re-significadas e re-introduzidas

para os munícipes como sendo o resultado mais palpável do processo de

industrialização pouso-alegrense, ou seja, do progresso, devendo ser

associadas à melhoria na qualidade de vida na cidade, embora

72
BELTRÃO, Jorge. POUSO Alegre e o seu progresso. O Jornal de Pouso Alegre. Pouso Alegre,
12/10/1968.
73
Pouso Alegre está localizada no cruzamento das seguintes rodovias: pela BR-381, que liga Belo
Horizonte a São Paulo e pelas MG-459, que faz a ligação entre Lorena e Poços de Caldas; MG-179,
Pouso Alegre a Alfenas; MG-290, Pouso Alegre – Monte Sião; MG-010, Pouso Alegre –
Silvianópolis; MG-025, Pouso Alegre – Paraisópolis; MG-090, Pouso Alegre – Espírito Santo do
Dourado; MG-410, Pouso Alegre – Estiva. Cf. REVISTA Pouso Alegre 150 anos. Op.cit., p.16. Para
tanto, conferir mapa Pouso Alegre rodoviário em anexo, gentileza de uma casa de xerocópias da
cidade.
74
A industrialização de Pouso Alegre é iniciada com as negociações empreendidas pelo então
prefeito Breno Coutinho com empresários paulistas durante sua gestão. Através das informações da
Secretaria de Industria e Comércio de São Paulo, em 1970, soube-se que algumas fábricas tinham
intenção em transferir-se para o interior do Brasil. Organizando jantares com empresários, a
Prefeitura Municipal conseguiu fechar o acordo para que em 1972 começasse a funcionar
definitivamente no município uma unidade da Refinações de Milho Brasil .

55
encampassem, na verdade, estratégias de atração de investimentos não

direcionadas exclusivamente ao consumo local 75.

Nesse sentido, o discurso do progresso projetava a modernidade

para os moradores do município, vinculada a uma imagem de “cidade

vitrine”, um lugar, cuja prosperidade deveria ser expressa nas ruas, através

das novas construções, através dos limites que se expandiam; como em

toda vitrine, prevaleceu uma estética que expôs e referenciou apenas o lado

harmonioso homogeneizando o cotidiano e as diferentes tensões que

pontuavam esse espaço urbano, as quais, como observa Maria Izilda

Matos, “... emergem vivenciadas de forma fragmentada e diversificada por

seus habitantes, o que contrasta com as representações nos estudos

acadêmicos, técnicos e nas fontes oficiais, nas quais a cidade se apresenta

como uma unidade: na realidade, a cidade se mostra múltipla.” 76

Tal multiplicidade da cidade acabou sendo a última coisa que

importava quando a nova estação rodoviária foi entregue à população.

Embora antes da inauguração de suas instalações, em 19 de Outubro de

1969, ou mesmo de seu funcionamento definitivo, a obra já fosse vista

como expressão de mudança e exemplo de um novo tempo para Pouso

Alegre, recaía sobre ela a função de refletir todo o todo o progresso que o

município pudesse desfrutar a partir de seu “surto de desenvolvimento”,

principalmente em se considerando a maneira como a localização

75
ARANTES, Antônio. Augusto. Paisagens Paulistanas: transformações do espaço público.
Coleção Espaço e Poder. Campinas: Editora da UNICAMP / Imprensa Oficial SP, 2000. p.155.
76
MATOS, Maria Izilda Santos. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. Bauru: EDUSC,
2002. p.34

56
geográfica foi apontada pelos jornais como a responsável por fazer da

cidade “o maior centro rodoviário do sul de Minas, com um movimento de

mais de 130 horários de ônibus diários” 77.

Portanto, a quem chegasse, ou mesmo passasse pela cidade sul-

mineira, a imagem a ser levada era a de um lugar convidativo, “ordeiro” e

de futuro promissor, no que auxiliava sobremaneira tal objetivo a existência

de um regulamento interno que organizava e controlava os indivíduos em

seus espaços proibindo a circulação de bêbados, pedintes, vendedores

ambulantes e agenciadores de pensões, bem como a ocorrência de

quaisquer tumultos nos limites daquela obra78 anunciada como “mais um

marco de progresso para Pouso Alegre... e uma visão de progresso de


79
nossa cidade para os visitantes” . No entanto, não muito longe dali, a

cerca de 100 metros de distância, estava a Zona de Prostituição pouso-

alegrense.

Moralistas, desenvolvimentistas e opositores de longa data da

prostituição, mais especificamente da Zona de Prostituição, encontraram no

discurso do progresso o tão cobiçado pretexto para que fosse fechada

definitivamente. Transformada em inimiga pública da cidade, a Zona

Boêmia entravava a “revitalização” do Centro pouso-alegrense e o claro e

conseqüente uso dos terrenos da rua David Campista e adjacências, os

77
ESTAÇÃO Rodoviária. O Linguarudo. Pouso Alegre, 03/12/1969.
78
POUSO ALEGRE. Projeto de Lei 1.491, de 11 de Novembro de 1969. Dispõe sobre o regimento
interno da Estação Rodoviária de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Câmara Municipal de Pouso Alegre/
Prefeitura Municipal de Pouso Alegre, 1969. 12 p.
79
RODOVIÁRIA começa a funcionar dia 25. A Folha de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 23/11/1969.

57
quais, por estarem relacionados à “degradação moral”, por serem lugar de

“má fama” e “má vizinhança”, tinham valor de mercado baixo.

Era, enfim, a união do útil ao agradável. A chance de expulsão da

Zona de Meretrício da cidade, o aumento súbito no valor dos imóveis antes

ocupados por prostitutas e “donas de casa” e o enriquecimento fácil de seus

antigos proprietários, mudanças especulativas que apareciam justamente

no momento em que a modernidade colocava para a cidade novos desafios

urbanos, apontando para aquelas áreas, antes desconsideradas, como

setores de destacada importância para a continuidade do desenvolvimento

político-econômico e o estabelecimento de uma população em crescimento,

resultado da implementação das primeiras indústrias em Pouso Alegre.

Por essa série de razões, ao longo de toda a década de 1970 as

tensões entre o meretrício e os moralistas pelos usos dos espaços da

cidade tomaram contornos inesperados, resultando em um processo

complexo e demorado. Tão complexo que chegou até mesmo a mobilizar,

muito à contra-gosto, o legislativo municipal e algumas das autoridades

constituídas em Pouso Alegre, igualmente por força das pressões, que não

cessavam, contra a Zona Boêmia, da mesma maneira que produziu

estratégias de luta e resistência por parte de muitas ocupantes da Zona,

contrárias a sua remoção da rua David Campista e às inúmeras

arbitrariedades que pontuaram a campanha de moralização do centro da

cidade até o efetivo fechamento de todas as “casas” que exploraram o

comércio dos prazeres sexuais, responsáveis pela fama de um dos maiores

centros de divertimentos voltados para o sexo masculino de toda a região

58
do Vale do Sapucaí, pontos explorados com mais profundidade a seguir, na

segunda parte deste trabalho.

59
CAPÍTULO II

Em nome da moral e dos bons costumes:


Moralização, fiscalização, higienização e especulação imobiliária.

Pode-se sempre descer mais baixo e mais


baixo e ainda mais baixo. É sem fundo.

Simone de Beauvoir

At Last The Secret is Out


At last the secret is out, as it always must come in the end,
The delicious story is ripe to tell to the intimate friend;
Over the tea-cups and in the square the tongue has its desire;
Still waters run deep, my dear, there's never smoke without fire.

Behind the corpse in the reservoir, behind the gost on the links,
Behind the lady who dances and the man who madly drinks;
Under the look of fatigue, the attack migraine and sigh
There is always another story, there is more than meets the eye.

For the clear voice suddenly singing, high up in the convent wall,
The scent of elder bushes, the sporting prints in the hall
The croquet matches in summer, the handshake, the cough, the kiss,
There is always a wicked secret, a private reason for this.

W. H. Auden – Selected Poetry

Quando o jornal A Folha de Pouso Alegre deu início à campanha de

moralização da Zona Boêmia, explorando a “danosa” proximidade entre a

rodoviária e o meretrício na edição de 14 de Setembro de 1969, as

60
mensagens que veiculava através de suas colunas e notas deram margem

para que uma série de abaixo-assinados começasse a cobrar das

autoridades uma solução, “... no sentido de que as mesmas [tomassem] as

providências cabíveis”80.

Das autoridades responsáveis pela higiene da cidade, a exemplo de

um dos documentos levantados, era exigido “uma revisão sanitária nas

casas de tolerância situadas na zona do baixo meretrício (...) iniciativa

rigorosa em prol da saúde pública de pouso Alegre (sic)”81. Já dos militares,

por sua vez, os dois requerimentos obtidos pediam a intervenção dos

comandantes do quartel instalado na cidade junto às autoridades pouso-

alegrenses de modo a pressioná-las para que o fechamento do meretrício

deixasse de ser pretensão e se consumasse.

Os três abaixo-assinados mencionados acima, no entanto, revelam

que a campanha de moralização da Zona de Prostituição não encontrou

envolvimento das autoridades a quem eram dirigidos os apelos, tendo sido

observados intervalos de cerca de um ano entre eles, datados de novembro

de 1969, dezembro de 1970 e novembro de 1971, respectivamente.

No caso dos abaixo-assinados endereçados aos generais em

comando na cidade, o que chama atenção para essa questão do não-

envolvimento é o fato de que o texto e suas reivindicações foram

exatamente os mesmos. Explorando a localização das casas de prostituição

em detrimento de seus vizinhos, os quais viviam “... verdadeira calamidade

80
OCORRÊNCIAS Policiais. A Folha de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 18/04/1970.

61
para criarem seus filhos” e assinalando que as ocupantes e os

freqüentadores da Zona seguiam sem serem “molestados pela autoridade

policial, pela moral pública”, os documentos terminam de forma significativa,

informando o seguinte:

“Junto a este requerimento segue fotocópias, com várias

assinaturas do povo da cidade em prol do desaforamento da

Zona Boêmia do centro de Pouso Alegre... fora entregues na

época os originais destes requerimentos fotocopiados a todas

as autoridades competentes da cidade onde até agora

nenhuma providência foi tomada no sentido ao menos de

moralizar a citada. Contando com o alto espírito de

compreensão e justiça de V. Excia. (sic) em prol das famílias

apelantes, deixamos aqui os nossos sinceros

agradecimentos.” 82

Se desde de 1969 as reivindicações eram recebidas com vista-

grossa por seus destinatários, o abaixo-assinado de 1971, ao ser dirigido

pela segunda vez ao comandante do Exercito de Pouso Alegre, pode ser

traduzido como um apelo. Isto porque, em se considerando que o país vive

sob um Regime Militar, o encaminhamento de um pedido de resolução no

81
ABAIXO-ASSINADO encaminhado ao Sr. Dr. Jésus R. Pires: Autoridade Sanitária de Pouso
Alegre. Pouso Alegre, 1/11/1969.
82
ABAIXO-ASSINADO encaminhado ao Exmo. Sr. General Francisco Mattos Junior: D.D. Cmt.
(sic) da AD/4 e Guarnição Militar de Pouso Alegre, MG. Pouso Alegre, 16 de novembro de 1971 e

62
qual é mencionado que “nenhuma providência foi tomada no sentido ao

menos de moralizar a [Zona de Prostituição]” encarna uma boa dose de

insatisfação por parte dos moralistas com relação à maneira que a questão

estava sendo conduzida. Solicitar a intervenção dos generais significava

para os opositores do meretrício recorrer à maior instância de poder dentro

do país, e por conseqüência, dentro do município, enxergando neles um

recurso à força na tomada das decisões que acelerariam a resolução da

questão. Ocorreu que, conforme mostra a própria reincidência do

documento, em 1971, tal iniciativa continuou sem render os frutos

esperados83.

Dessa forma, como que em resposta à inércia das autoridades no

sentido de moralizar o meretrício pouso-alegrense, a atuação do vereador

Sebastião Alves da Cunha, seu opositor mais ferrenho, conseguiu levar o

problema para dentro da Câmara Municipal, cobrando de seus colegas

vereadores uma maneira de resolver o impasse de uma vez por todas.

Através de reuniões realizadas à parte das sessões oficiais, Alves da

Cunha tinha como proposta o fechamento imediato e definitivo da Zona

Boêmia, após cumprido um prazo de 48 horas para que as diversas “casas”

fossem desocupadas pelas ocupantes da Zona central.

ABAIXO-ASSINADO encaminhado ao Exmo. Sr. General Francisco Mattos Junior: D.D. Cmt. (sic)
da AD/4 e Guarnição Militar de Pouso Alegre, MG. Pouso Alegre, 16 de novembro de 1971.
83
Os documentos mencionados são cabeçalhos de abaixo-assinados redigidos por Moacyr Honorato
Reis e foram localizados já na fase final da pesquisa. Trata-se de papéis que serviram de modelo a
outras solicitações, bem como reforçaram as realizadas anteriormente. Por uma questão de tempo,
tais fontes não foram devidamente exploradas, mas mostrou-se importante a menção delas no texto e
um trabalho preliminar de modo a trazer a tona algo que era mencionado pelos depoentes, mas nunca
comprovado.

63
Como o prazo de 48 horas não foi bem recebido dentro da Câmara, o

resultado conferido nas atas que registraram a reunião foi uma forte

oposição por parte dos outros vereadores que encararam a desocupação

em questão de horas como um grande problema para a cidade. Assim,

quando a polêmica da Zona aparece na pauta das discussões do

Legislativo Municipal pela primeira vez84, o debate e as trocas de

acusações que se notaram a partir de então, trouxeram à tona

preocupações com relação ao fim da prostituição e seus significados para a

cidade, no que deve ser destacado o trecho a seguir onde lê-se parte da

sessão:

“(...) O Dr. Samuel: ‘Devemos proteger o povo pouso-

alegrense e não a prostituição. O povo está conosco. Quem

está contra está protegendo o lenocínio. Não queremos a

contaminação pelo mau cheiro. Os senhores estão

defendendo este caso imundo.’ [grifo meu] Exaltado, retruca o

Sr. Célio: ‘Não estamos defendendo o lenocínio. V. Excia. (sic)

está agravando este tumor [grifo meu]. Não sou contra a

pretensão de retirada do meretrício daquele local, mas

devemos olhar o lado humano’. (...) O senhor Agnaldo Falcão

84
Foram consultados os livros de atas da Câmara Municipal de Pouso Alegre relativos aos anos de
1969 a 1978, tendo sido efetivamente reproduzidas e analizadas, após sondagem de conteúdo de
acordo com a problemática da pesquisa, as sessões registradas nos tomos de número 121, 123 e 124,
as quais cobrem o período que se estende entre 1972 e 1978. Dentre todos os registros verificados, a
polêmica relativa à Zona Boêmia aparece apenas quatro vezes: nas sessões de 22 de Maio, 19 e 26 de
Junho e 03 de Julho de 1972, respectivamente.

64
faz referências ao problema do meretrício, inclusive quanto às

alegações que fecharia em 48 horas a zona boêmia da cidade:

‘O problema não pode ser resolvido assim na valentia e sim

com entendimento de maneira racional e leviana [sic].’”

As divergências continuam e o vereador Argentino de Paula pede a

palavra, dizendo:

“‘... Admito que se tire a zona boêmia de lá, quando todos se

reunirem para construírem instalações e médicos para aquelas

infelizes. Só assim estarei de acordo. A cidade está infestada

de mais de 500 moças decaídas [grifo meu]. (...) Devemos

respeitar os direitos dessas mulheres que são martirizadas

pela polícia. Não tenho procuração para defendê-las, mas vou

pelo lado humano. Sou contra a retirada das mulheres de lá.

Todos somos iguais perante a lei e devemos tomar

precauções sobre o assunto. Elementos com mais de 10 lotes

naquele setor defendem seus interesses pessoais. (...) A

prostituição é um mal necessário. Construindo-se prédio, darei

meu voto favorável. Sem um meio de sobrevivência, sou

contra [grifo meu].’”85

85
ATAS da Câmara Municipal. Pouso Alegre, 22 de Maio de 1972. Museu Municipal Tuany Toledo
– Câmara Municipal de Pouso Alegre, tomo 121, p.01-03 verso.

65
É significativo notar que a Zona aparece referenciada pelos

vereadores como uma infecção danosa ao corpo da cidade. Somada à

imagem de “cancro no coração da cidade” que lhe destinou A Folha de

Pouso Alegre, o meretrício encarna novamente uma perigosa doença para

a cidade, um “tumor” tão contagioso que é capaz de contaminar “pelo mau

cheiro”, sendo as prostitutas o principal meio de transmissão desse mal,

pois, como disse Argentino de Paula, Pouso Alegre estava, na época,

“infestada de mais de 500 decaídas”.

Todas essas referências construídas em torno da doença, porém,

assumem um propósito, pois, ao ser tomada enquanto metáfora, através

dela designa-se sempre um mal, exibe-se sempre algo a ser combatido e

extirpado, e, nesse sentido, embasa-se algum argumento que aponta para

o dano de uma sociedade86. A evocação do tumor, do câncer, da infecção,

estabelece uma imagem radical de deterioração que, segundo Susan

Sontag, é particularmente útil “... para aqueles que precisam transformar

campanhas em cruzadas, para os fatalistas (câncer=morte)...”87. O que as

discussões entre os vereadores fazem, é apontar justamente nessa direção,

transformando a polêmica em torno do meretrício em uma cruzada sob o

nome da moral e dos bons costumes, da família, e em defesa do povo

pouso-alegrense, ameaçado por um “cancro social”

86
SONTAG, Susan. A doença como metáfora. 3.ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002. p.91.
87
Ibid. p.106.

66
Porém, percebe-se que a cruzada, para alguns, não era pelo fim do

meretrício, mas pela mudança na localização, embora para o vereador

Sebastião Alves da Cunha fosse pelo seu fechamento definitivo, para o que

exigia um prazo de desocupação, cujos traços de expulsão das mulheres

que trabalhavam na Zona traria para a cidade a temida desestabilização da

ordem, por isso, era considerável a preocupação acerca do destino das

prostitutas e “donas de casa” após o fim do confinamento, entre os

vereadores.

Apesar de não ser possível confirmar a projeção de quinhentas

mulheres trabalhando na prostituição em Pouso Alegre, sugerida por

Argentino de Paula, pode-se conferir que o destino delas acabou se

cruzando com o destino da própria cidade, já que a circulação “perigosa”

desses corpos marginais pelos espaços urbanos colocaria em risco a

“saúde moral” tanto das “moças de família”, que poderiam ser associadas à

prática da prostituição, quanto da própria cidade, cujos referenciais de

modernidade ainda em construção corriam o risco de serem corrompidos

pela ausência de ordem.

O grande problema que a discussão levanta diz respeito,

exatamente, ao controle desses corpos, revelando que a proposta de Alves

da Cunha significaria o colapso das funções sociais que à Zona era

necessário cumprir: o de espaço de contenção, portanto, de “higienizador

social”, e, o de instrumento necessário para a preservação da honra das

“mulheres decentes” de Pouso Alegre.

67
Além disso, a inexistência do confinamento enquanto aparelho

disciplinar responsável pela manutenção da ordem colocava para a cidade

a iminência e os perigos da livre circulação de prostitutas e “donas de

casa”, as quais poderiam estabelecer-se em pontos difusos, dificultando o

controle por conta das instituições repressoras, parte de um aparato cujos

objetivos eram, apontou Foucault, maximizar os efeitos da organização e

repressão sobre os indivíduos, gerando um retorno eficaz sob os menores

custos, resistências e insucessos possíveis88

Para a maioria dos vereadores, a solução que o problema pedia não

era o fim da Zona, como queria Sebastião Alves da Cunha, mas sim sua

mudança de endereço, sem acarretar rupturas expressivas com relação à

maneira como a sexualidade masculina era praticada e a feminina era

preservada e sem o prejuízo do ordenamento espacial e social que

permeava a vida cotidiana pouso-alegrense no período.

Assim, no ano de 1972, por intermédio da Secretaria de Obras, a

própria Prefeitura Municipal sugeriu o projeto de um loteamento a ser

erguido em terrenos “... de propriedade da Prefeitura, localizados nas


89
imediações do aeroporto” , cujos lotes deveriam destinar-se à construção

de casas de prostituição, intervindo diretamente na polêmica na tentativa de

viabilizar a desocupação do centro da cidade pelas trabalhadoras e

empresárias do sexo, como queriam seus opositores, dando condições para

88
FOUCAULT, Michel. e Punir: história da violência nas prisões. 26 ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
pp.179-180.
89
ATAS da Câmara Municipal. Pouso Alegre, 19 de Junho de 1972. Museu Municipal Tuany Toledo
– Câmara Municipal de Pouso Alegre, tomo 121, p.11-11 verso.

68
que o meretrício se instalasse, de acordo com o então presidente da

Câmara Municipal, Simão Pedro de Toledo, em uma região “... longe das

casas de família...”, e destinada a sediar as instalações de pequenas

indústrias90, como retíficas de motores, fábricas de artefatos de cimento e

toldos91.

Em outras palavras, a retirada da prostituição do centro de Pouso

Alegre, acompanhada pela manutenção do confinamento, consenso entre

os vereadores, preservaria o confinamento do comércio do sexo sob o

chavão do “mal necessário”, evidenciando que a Zona Boêmia, àquela

altura, havia se tornado mecanismo fundamental para o bom funcionamento

da cidade.

A maneira como a Prefeitura Interveio na resolução dos impasses

descortina uma medida que, tomada às pressas, no sentido de por um fim à

polêmica que tirou da “invisibilidade” aquele território intocável da cidade,

sobre o qual, oficialmente, pouco se falou até então, veio coroar a

institucionalização da Zona de Prostituição, através da Lei Municipal que

aprovou a construção de um novo espaço de confinamento estruturado em

90
SIMÃO PEDRO DE TOLEDO: nasceu em Pouso Alegre em 11 de Junho de 1939. Bacharelou-se
em Direito na cidade de São José dos Campos e lecionou na Faculdade de Direito do Sul de Minas
durante mais de vinte e cinco anos a partir de 1964. Ingressou na vida pública na década de 1970,
partidário do MDB: foi vereador, presidente da Câmara Municipal e prefeito de Pouso Alegre entre
1973 e 1976 e depois, pelo PTB, entre 1983 a 1987. Pelo mesmo partido foi eleito deputado estadual
duas vezes. Hoje ocupa cargo de presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais pela
segunda vez consecutiva.
91
POUSO ALEGRE. Secretaria de Obras e Planejamento Urbano. Loteamento Aeroporto. s.n.t. [sem
escala].

69
torno da satisfação do prazer masculino92, reafirmando o caráter de

utilidade pública do meretrício confinado para o município.

Nesse sentido, visando acelerar a desocupação do centro por parte

das trabalhadoras e empresárias do sexo, o vereador Sebastião Alves da

Cunha apresentou um projeto de Lei Municipal, acatando as decisões com

relação à transferência para o loteamento, denominado Loteamento

Aeroporto, onde, além de introduzir um prazo de desocupação de 10 dias,

desenvolvia argumentos que referendavam a necessidade da transferência

da Zona o quanto antes fosse possível93.

De acordo com o texto do projeto, o meretrício pouso-alegrense,

entre o final de 1971 até Junho de 1972, havia crescido “assustadoramente”

ao apresentar um aumento de 18 para 52 casas entre um ano e outro, para

em seguida argumentar que, por não existirem mais Zonas de Prostituição

nas cidades vizinhas, seus “... maus elementos, os alcoólatras, os

traficantes de drogas proibidas e outros...” encontravam na Zona de Pouso

Alegre um local onde compareciam nos fins de semana “para as suas

orgias e comércios ilegal (sic)... perturbando o silêncio tão necessário a

92
POUSO ALEGRE. Lei nº 1.228, 18 de junho de 1973. Loteamento.
93
O Loteamento Aeroporto foi criado no sentido de acalmar os ânimos dos vereadores que pediam
solução imediata para o problema na Zona. A Prefeitura Municipal havia desapropriado de Anardino
Delfino da Silva uma extensão territorial que deveria sediar pequenas industrias, mas a polemica em
torno da Zona Central fez com que se procurasse uma área distante do centro para alojar as ‘casas’ da
David Campista. De acordo com depoimentos informais, os terrenos do Loteamento Aeroporto eram
vendidos pela Prefeitura a um preço simbólico, com o objetivo de acelerar a desocupação e facilitar a
aquisição por parte das ocupantes da Zona. Dizia-se que os terrenos deveriam ser vendidos apenas a
mulheres. As terras que circulavam o Loteamento Aeroporto seriam desenvolvidas a partir da
segunda metade da década de 1970, com a construção do Conjunto Habitacional S. Cristóvão, o qual
foi inaugurado em 1980, sete anos após a criação da Nova Zona.

70
(sic) família pouso-alegrense, e disrespeitando-a (sic) com palavrões de

tôda a espécie de imoralidade etc.”94.

Nessa articulação dos argumentos, a expansão da Zona através do

aumento no número de seus pontos vem representar um grande risco à

cidade porque seu crescimento trazia a diminuição das distâncias que

separavam o meretrício do centro, cada vez mais ameaçado pela

freqüência de tipos que não eram bem vindos e bem vistos circulando em

seus espaços, mas que encontravam na Zona lugar no qual pudessem

divertir-se em detrimento da ordem, do sossego, do “silêncio tão necessário

à família pouso-alegrense”.

Apresentando números no sentido de endossar a necessidade de

colocar-se um fim à Zona e aos perigos que passava a trazer para a cidade,

em seu depoimento, Sebastião Alves da Cunha relata ter chegado até eles

através de caminhadas pelas ruas do meretrício, nas quais contabilizava as

casas de prostituição e traçava um panorama das alterações pelas quais

passava o comércio do sexo na cidade95.Com isso, um maior número de

“casas” significava também maior número de mulheres e, por conseguinte,

94
As palavras entre aspas são citações extraídas do Projeto de Lei de Alves da Cunha, não tendo sido
possível checar a veracidade das informações, que são citadas com o propósito de embasar os
argumentos do vereador, radicalmente contra a localização da Zona no centro de Pouso Alegre, e
acelerar a desocupação da região. CUNHA, Sebastião Alves da. Projeto de Lei Municipal 1.704:
dispõe sobre o fechamento da zona do meretrício. Pouso Alegre, 19/06/1972. Câmara Municipal de
Pouso Alegre. p.1.
95
Ver Sebastião Alves da Cunha.

71
maior circulação de clientes, homens geralmente mal vistos, rotulados como

“violentos”, “pervertidos”, associados à baixa instrução ou à criminalidade96.

Reunindo as razões que visavam enfatizar o problema, as

justificativas para a remoção da Zona Boêmia da região central acabam por

revelar, nas entrelinhas, sua importância para a região, descortinando uma

dimensão do meretrício desconsiderada pelo vereador Sebastião Alves da

Cunha, a qual atribui ao conjunto de casas de prostituição pouso-

alegrenses o papel de importante centro de divertimentos voltado para o

sexo masculino.

Segundo conta Moacyr Honorato Reis, ao longo de todo o período

sob estudo, “a maior zona da região aqui era Pouso Alegre... falava na zona

na região, era Pouso Alegre”, um lugar freqüentado por todo tipo de cliente,

indo contra uma visão pejorativa que homogeneíza a clientela das casas de

prostituição sob o estigma da violência e da criminalidade. Em seu

depoimento, ele inclusive chega a lembrar que, com a inauguração da

Faculdade de Direito do Sul de Minas, em 1959;

“... os hotéis ficavam lotados de estudante e após as aulas, na

época, então, eles iam aonde? Não tinha nada, lazer nenhum!

Era aqui. Eles vinha pra cá, vinha pra cá e ficava aí,

amanhecia na farra aí. Conheci muitos deles. Era gente boa,

96
SOUZA, Francisca Ilnar de. Op.cit, p.78.

72
respeitadora, sabe? Vinha pra cá porque não tinha aonde ir,

né?! Freqüentaram até mais ou menos na hora de sair daqui e

a maioria era de São Paulo. Aqui eles deitavam e rolavam. E

inclusive o pessoal da soçaite também... Tinha que vir pra

cá...” 97

Atraídos para a cidade com o auxílio de um corretor de alunos,

estudantes de outras regiões, majoritariamente, como revela o depoente, de

São Paulo vinham a Pouso Alegre estudar Direito em um curso de fim de

semana98. Com isso, a cidade recebia uma população flutuante que nos

momentos de descanso deparava-se com um lugar onde predominavam

clubes fechados e exclusivistas, como o Clube Literário e Recreativo, no

qual eram realizadas as festas e bailes mais tradicionais da cidade, por

conta de sua “alta envergadura, como também pela fina sociedade que o

freqüenta”, bem como os Clubes de Campo Pouso Alegre e Fernão Dias,

fundados em 1959 e no começo da década de 1960, respectivamente99,

além de outros pontos de lazer, tais como o Clube 28 de Setembro,

freqüentado majoritariamente pela comunidade negra da cidade,

97
Ver Moacyr H. Reis
98
Ver Simão Pedro Toledo.
99
POUSO Alegre – reduto de sociedade alegre e sadia. O Jornal de Pouso Alegre. Pouso Alegre,
12/10/1968.

73
responsável pela promoção de bailes e folguedos de carnaval100, e os

cinemas Eldorado, Glória, Avenida e Santuário101.

Mas na medida em que a cidade se fechava, através de formas de

diversão que privilegiavam um isolamento entre as classes sociais, a Zona

abria-se como um espaço “democrático” ao fazer circular em um mesmo

território estudantes universitários, moradores das cidades vizinhas e

pessoas da sociedade, como recorda Moacyr Reis. Com isso, a Zona

Boêmia se transformava em ponto de encontro, constituindo lugar

importante de sociabilidade, sem deixar, claro, de oferecer opções que

visassem satisfazer os impulsos e fantasias sexuais dos homens que

freqüentavam seus estabelecimentos, pois eram essas “práticas licenciosas

que contrariavam a exclusividade sexual imposta pela ordem, tanto quanto

encontros, brincadeiras e jogos que ocorriam nos cabarés e ‘pensões

alegres’ da cidade [que] conformavam um espaço importante de interação

social”102, misturando diferentes grupos masculinos.

Nesse sentido, quando o projeto de Lei, a exemplo de outras fontes

da pesquisa, como depoimentos e os jornais, ignora a heterogeneidade dos

freqüentadores das casas de prostituição pouso-alegrenses em função de

uma imagem negativa do cliente das trabalhadoras e empresárias do sexo,

apagam-se as fronteiras morais e a especificidade dos papéis sociais que

estabelecem a diferença entre o homem “honesto” e o “marginal”, porque

100
GOUVÊA, Octávio Miranda. Op.cit.. p.199-200.
101
Ibid, Idem. p.153.
102
RAGO, Margareth Luzia. Op.cit.. p.186.

74
“... os cidadãos que se aventurassem cruzar os limites de determinados

espaços da cidade, caracterizados como ‘antros’ de malandros e

prostitutas, perderiam, mesmo que temporariamente, o estatuto de homens

honestos”103.

É a Zona Boêmia enquanto espaço estigmatizado que atribui o mal-

caráter de seus freqüentadores, mesmo que a eles não corresponda a

imagem negativa que os discursos moralizantes lhes destinam. Pois, o

objetivo é justamente a homogeneização como recurso que facilita a

condenação e a intervenção combativa e repressora nesses territórios mal-

vistos.

A Zona, portanto, é um território que confunde e perturba. E sua

proximidade com a região central coloca cada vez mais perto a condenada

mistura dos corpos e a confusão dos papéis, tanto para as mulheres quanto

para os homens. Assim, o vereador Sebastião Alves da Cunha classifica o

fechamento do meretrício em Pouso Alegre como uma necessidade que

atende à ”... tranqüilidade da família pousoalegrense (sic), o respeito da

moral, ao direito alheio, as leis em vigor e o bom nome de nossa cidade


104
[grifo meu]” , tendo recorrido ao Ato Institucional número 5, o AI-5, como

recurso que validasse a proposição do projeto de fechamento em 10 dias,

pois, conforme explica Sebastião Alves da Cunha, a atitude,

103
LEME, Edson José Holtz. Op.cit.. pp.101-102.

75
“... foi a única solução que eu tive, porque todos eram contra.

Delegado era contra, o juiz era contra, tudo contra. Então se

eu não fosse por essa via, eu não tinha conseguido nada. O

AI-5 era uma lei que quando ocê chegava numa certa, num

determinado comportamento, ocê tinha que recorrer ao AI-5,

porque ele era uma lei soberana [grifo meu]. Então, a gente

tinha que ir por aí mesmo. E depois, exigia também no

período: até as autoridades gostavam de coisa pra fechar o

cerco mesmo, né?!”105

Quando o jornal O Estado de São Paulo noticiou a intenção da

Secretaria de Segurança Publica de Minas Gerais em promover uma

reestruturação do corpo da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais,

batizando-a de “Operação Revista”, a qual tomava como base o AI-5,

Sebastião Alves da Cunha encontrou na reportagem a inspiração para

basear nele também, o texto de seu projeto, já que os objetivos da

Operação visavam “... tornar mais rigoroso o combate à corrupção, aos

jogos contravencionais, à exploração da prostituição, ao tráfico e uso de

entorpecentes e ao contrabando e furto de veículos...” 106.

104
CUNHA, Sebastião Alves da. Projeto de Lei Municipal 1.704: dispõe sobre o fechamento da zona
do meretrício. Pouso Alegre, 19/06/1972. Câmara Municipal de Pouso Alegre. p.2.
105
Sebastião Alves da Cunha, Op.cit.
106
Não foi possível localizar o nome da matéria, nem a data em que a mesma foi publicada no jornal
O Estado de São Paulo, pois o jornal foi recortado e grampeado como anexo do projeto de Lei 1.704.
Para tanto, o artigo consta em anexo ao final do trabalho tal qual foi encontrado anexado ao
documento.

76
Contudo, não observou que o Ato Institucional nº.5 havia sido usado

pela Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais para restringir os

direitos dos policiais de modo que a corrupção fosse combatida de dentro

para fora da PM. No caso do projeto de Lei, o AI-5 foi reivindicado para

passar por cima da oposição dos vereadores e empurrar sua aprovação,

refletindo a insatisfação com a maneira pela qual muitas autoridades

estavam dando andamento ao processo de moralização da prostituição

pouso-alegrense.

No projeto de Lei 1.704, Alves da Cunha chega a mencionar, nesse

sentido, que, ainda em 1972, a Prefeitura havia dado carta branca para o

fechamento da Zona em 15 dias, ao que “... o Sr. Delegado de Polícia não

deu cumprimento aquela (sic) missão que lhe foi confiada”107. Segundo

recorda em diversos trechos de seus depoimentos, isso ocorria porque, a

exemplo de alguns de seus colegas na vereança e de um coronel do

Exército, o próprio delegado incumbido de fechar o meretrício mantinha

uma amante na Zona Boêmia.

Tais atitudes de descaso que muitas vezes eram notadas por parte

daqueles que deveriam proporcionar a ordem e o bom funcionamento da

sociedade eram justificadas pelos laços estreitos que eram estabelecidos

entre as várias autoridades constituídas e algumas das ocupantes da Zona

Boêmia, dando margem para que fosse difícil para esses homens discutir a

107
CUNHA, Sebastião Alves da. Projeto de Lei Municipal 1.704: dispõe sobre o fechamento da zona
do meretrício. Pouso Alegre, 19/06/1972. Câmara Municipal de Pouso Alegre. p.2.

77
prostituição de forma publica, argumento que em parte explica as

reticências dos responsáveis por tais questões108

Para o depoente, a exemplo dos opositores da Zona, a conivência

com a prostituição era um desafio que precisava ser superado de alguma

forma, do contrário, sua moralização jamais seria efetivada, justificando por

que o AI-5 acabou sendo encarado pelo vereador como um mecanismo

capaz de anular os entraves às ações contra as casas que exploravam o

comércio do sexo, já que suas determinações, ao restringirem uma série de

liberdades, individuais, políticas e de imprensa, permitiram ao Regime

Militar agir diretamente contra os seus opositores, e passar por cima,

inclusive, do Congresso, através de seu fechamento, em 13 de dezembro

de 1968109.

Por conta de tais expedientes, no momento em que o projeto foi

submetido à apreciação dos demais vereadores, a alegação de

inconstitucionalidade deu o tom das discussões, marcadas, mais uma vez,

pela oposição ao prazo de desocupação de dez dias. Submetido a três

votações, o texto de Alves da Cunha foi aprovado por 8 votos a favor e

108
Cf. CORBIN, Alain. Women for hire: prostitution and sexuality in France after 1850. Translated
by Alan Sheridan. Cambridge, London: Harvard University Press, 1990. p.315. No original:
“In the first place, a large number of parliamentarians were themselves clients of venal women and
therefore found it difficult, if not disagreeable, to discuss prostitution in public. This argument,
which was often put forward by contemporaries, partly explains the legislators’ reticence.”
109
O Ato Institucional número 5 foi baixado pelo presidente Costa e Silva em 13 de dezembro de
1968 com o objetivo de sufocar a oposição ao Regime Militar, aumentando a “linha dura” e
institucionalizando práticas de violência como a tortura e as mortes dos presos,políticos, disfarçadas
pelos desaparecimentos dos inimigos da Ditadura. O AI-5 durou até o ano de 1979, mostrando-se, ao
contrário dos outros Atos Institucionais baixados pelo Regime nos anos anteriores, uma medida de
longa duração.Cf. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10.ed. Coleção Didática vol.1. São Paulo:
EDUSP, 2002. PP.4479-480.

78
110
quatro contra, na sessão de 26 de Junho de 1972 , para retornar,

novamente a uma última apreciação no dia 3 de Julho de mesmo ano, onde

ficou decidido, por sugestão do próprio redator do projeto a alteração do

prazo de desocupação para 90 dias, tendo sido aprovado, depois de três

votações, e em todas elas, novamente por 8 votos a favor e 4 contra111.

Os esforços do vereador Sebastião Alves da Cunha, no entanto, não

ficaram vinculados apenas à apresentação do projeto de Lei 1.704 aos seus

colegas, nem aos debates travados nas sessões acerca do assunto na

Câmara Municipal, tendo buscado estratégias que forçaram a oposição da

cidade à Zona, transtornando o cotidiano de suas ocupantes.

No rastro de sua atuação, muitas estratégias de repressão e controle

foram adotadas no sentido de reafirmar o fim do meretrício na região

central, suscitando, por sua vez, a resistência das moradoras da Zona

conquanto à remoção, à contragosto, de seus pontos de trabalho para o

Loteamento Aeroporto, na periferia da cidade, contribuindo para tornar o

fechamento da Zona Boêmia central um processo que se estendeu por

mais de uma década.

Ocorre que quando o vereador Sebastião Alves da Cunha colocou a

questão da Zona na pauta de discussões da Câmara Municipal, em 1972,

estava expressando com isso apenas parte de seu envolvimento com a

campanha de moralização do centro de Pouso Alegre.

110
ATAS da Câmara Municipal. Pouso Alegre, 26 de Junho de 1972. Museu Municipal Tuany
Toledo – Câmara Municipal de Pouso Alegre, tomo 121, p.17 verso-18.

79
Entre 1970 e 1971, visando à desocupação do meretrício por parte

das trabalhadoras e empresárias do sexo e em face à maneira como as

autoridades vinham conduzindo o problema, Alves da Cunha buscou criar

condições que reforçassem a necessidade de interdição e fechamento das

casas que exploravam a prostituição na cidade viabilizando a construção de

um grupo escolar nas imediações do meretrício. Segundo ele,

“... pra ter uma ajuda maior, eu consegui um terreno com um

parente meu. E inclusive eu comprei um terreno dele e

construí uma casa no próprio problema. Conseguimos fazer

um grupo escolar que tem até hoje, na travessa Joaquim Alves

da Cunha, que é o nome do meu pai.... Eu doei um terreno na

época, na David Campista, que inclusive é uma travessa que

leva o nome do meu pai... aquele terreno fui eu quem doei pra

fazer uma escola. Inclusive, os tijolos fui eu que puxei tudo.

Fui que quem fiz, porque, se ali tivesse uma escola bloqueava

um pouco. Porque se tivesse ali uma escola, ficava difícil para

o crescimento da Zona.”112

A escola aparece para o vereador como expediente capaz de dar

crédito as suas ações contra a Zona, tanto que em seu projeto de lei as

casas de prostituição são mencionadas como estando “a 40m do Grupo

111
ATAS da Câmara Municipal. Pouso Alegre, 26 de Junho de 1972. Museu Municipal Tuany
Toledo – Câmara Municipal de Pouso Alegre, tomo 121, p.19 verso-24 verso.

80
Escolar recém construído”113, dando crédito a uma imagem que faz delas

uma ameaça à moral pública e às crianças pouso-alegrenses. Contudo, sua

ação apresentou outros significados nas entrelinhas, pois, embora visasse

“bloquear” o “crescimento da Zona”, acabou por subverter o ordenamento

silencioso que fazia da região destinada ao confinamento da prostituição

um espaço de contenção e higienizador social ao forçar a mistura dos

corpos, os quais teriam de transitar pelos contornos da Zona para

chegarem ao Grupo Escolar.

Neste sentido, essa transposição de limites ganha ainda mais força

no momento em que Alves da Cunha também opta por mudar-se para a

região do meretrício, expressando novamente seu profundo envolvimento

com a questão e a intenção de, juntamente com a escola, moralizar a

região através da inserção de elementos comuns aos espaços “decentes”

naquele que era tido como um espaço “imoral”.

Porém, essa transposição dos limites não foi aceita de forma passiva

pelas ocupantes da Zona, que, já irritadas com a atuação do vereador,

retaliaram suas investidas contra a prostituição através da depredação de

sua casa, conforme conta Alves da Cunha ao dizer;

“Até pra bem da verdade, se fosse pra mim mexer hoje eu não

fazia. Porque quebraram uma casa minha que eu fiz aí na

coisa. Eu quase perdi uma filha. Arrebentaram com a minha

112
Sebastião Alves da Cunha, Op.cit.

81
casa, entendeu? Me trouxe um problema sério, que a minha

menina ficou... hoje não, graças a Deus, hoje ela ta bem, né?!

Mas eu tive um problema sério. Quebraram a minha casa e

quase puseram fogo na minha residência...”114

A agressão contra a casa do vereador refletiu uma estratégia de

resistência adotada pelo meretrício. Expressando a não conformidade com

o destino que os moralistas reservavam para as ocupantes da Zona de

Prostituição, o recurso à força bate de frente com a atuação de Alves da

Cunha no sentido de amedrontá-lo e fazer com que desistisse de sua

cruzada. Entretanto, a atuação do vereador tornou-se mais combativa na

medida em que as dificuldades aumentavam, tendo buscado uma série de

argumentos que lhe permitissem viabilizar a moralização da Zona Boêmia

reunidos no Projeto de Lei 1.704, dentre os quais merece destaque um

conjunto de declarações assinadas pelos representantes das principais

instituições de ensino da cidade, nas quais eram mencionados os perigos e

os prejuízos que lhes eram causados devido à localização das casas de

prostituição.

Entre os dias 13 e 19 de Junho de 1972 foram produzidas sete

declarações, as quais constam anexadas ao seu projeto de lei, cujos

conteúdos aparecem carregados de imagens de “mulheres semi-despidas,

113
CUNHA, Sebastião Alves da. Projeto de Lei Municipal 1.704: dispõe sobre o fechamento da zona
do meretrício. Pouso Alegre, 19/06/1972. Câmara Municipal de Pouso Alegre. p.2.
114
Sebastião A. Cunha, Op.Cit

82
em estado de embriagues”115 colocando as crianças em constante risco de

“perder a sua inocência e de ofender a Deus!”116. Dentre estes documentos,

no entanto, três conseguem destacar-se ao apresentarem o mesmo texto,

onde lê-se:

“Declaro, para os fins que se tornarem necessários, que

muitos dos alunos [da instituição a que se endereçava o

documento] desta cidade, para freqüentarem o

Estabelecimento (sic), são obrigados a trasitar (sic) pela ‘Zona

Boêmia’, presenciando, freqüentemente, cenas degradantes e

recebendo muitas vezes convites de participação de

bebedeiras e depravações das mais torpes.

Declaro, ainda, que a propósito já foram feitas inúmeras

solicitações às autoridades competentes no sentido de liberar

a região de tão nefastos moradores, para que se torne

possível às famílias e às Escolas desta região, educar a sua

juventude dentro dos princípios de uma moral sadia e

cristã.”117

115
DECLARAÇÃO. Pe. Eusébio [ilegível]. Pouso Alegre, 13/06/1972.
116
DECLARAÇÃO. Irmã Maria Carmélia Cavalcanti – Colégio Normal Santa Dorotéia. Pouso
Alegre, 1/06/1972.
117
Os textos são os mesmos nos seguintes documentos: DECLARAÇÃO. Horma de Souza
Valadares Meireles – Conservatório Estadual de Música de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 13/06/1972;
DECLARAÇÃO. Áurea Souza – Grupo Escolar Professor Joaquim Queiroz. Pouso Alegre,
13/06/1972; DECLARAÇÃO. Professor João Batista Rezende – Colégio Comercial São José. Pouso
Alegre, 19/06/1972;

83
Uma das signatárias dos documentos, a ex-diretora do Conservatório

Estadual de Musica, Horma Valadares relembra sob quais circunstâncias a

declaração havia chegado até ela. De acordo com a depoente, o texto lhe

foi entregue redigido, obedecendo a uma minuta que deveria ser adaptada

de acordo com o estabelecimento de ensino a que se dirigia118.

A eminência parda por trás da produção desses documentos era o

vereador Sebastião Alves da Cunha, para quem as declarações cumpriam

objetivos especiais dentro de seu trabalho contra a Zona. Analisando os

documentos, o depoente revelou ter recorrido a pessoas responsáveis por

instituições educacionais pelo fato de terem “mais influência”. Segundo ele:

“... não que os outros que assinaram não tivessem, mas eram

pessoas que mexiam com crianças, certo? As crianças que

transitavam... Porque essas pessoas davam mais

credibilidade, davam uma prova de que existia mesmo o

problema aqui. Porque se eu não faço isso, esse tipo de coisa

aqui, eu ia passar por ridículo. Então, isso era uma prova de

que eu tava batendo numa coisa que precisava mexer.”119

As declarações obedecem a um modelo que explora e enfoca a

fragilidade das crianças. As assinaturas dos responsáveis pelas instituições

educacionais são utilizadas no sentido de embasar o argumento do

118
Horma de Souza Valadares Meireles, Op.cit.
119
Sebastião Alves da Cunha, Op.cit.

84
vereador de que a Zona precisava ser desativada, assinalando um contexto

marcado pela preocupação com a moralidade pública, no qual a campanha

contra a Zona ganha fôlego através, “... da denúncia de locais de

prostituição e da exigência de uma tomada de decisão dos poderes

públicos contra a presença das meretrizes próxima às famílias, nas ruas e

praças”120.

Reunindo artifícios considerados fundamentais para a resolução do

problema, o projeto de lei 1.704 é apresentado na Câmara com o objetivo

de por um fim à inércia das autoridades com relação ao problema da Zona

no centro da cidade, descortinando uma das primeiras tentativas de

fechamento do meretrício, que coube ao delegado de polícia à época.

Contudo, o não-envolvimento do delegado e o fracasso da ordem de

interdição do meretrício em 15 dias121 vêm traduzir a articulação da

prostituição com os poderes na cidade como um dos expedientes de

resistência empregados pelo meretrício no sentido de garantir-lhe meios de

driblar a lei, especialmente quando se leva em consideração a versão

contada por Moacyr Reis em seu livro de memórias.

Segundo Reis, o delegado à época, Eduardo Alvim Barbosa, deu um

ultimato às trabalhadoras e empresárias do sexo para que fechassem seus

pontos de trabalho e desocupassem o meretrício. Em virtude das

circunstâncias, as ocupantes da Zona recorreram a um advogado de modo

a impedir o fechamento de suas casas, bem como ao auxílio de um

120
SOUZA, Francisca Ilnar de. Op.cit.. p.59.

85
deputado estadual, que chamou o delegado para uma reunião em uma das

casas que exploravam a prostituição, após a qual “... ficou decidido que a

zona iria continuar do jeito que estava. A decisão foi feita na base da

coação contra o delegado, que depois da ameaça do deputado de removê-

lo da cidade, foi obrigado a voltar atrás em sua intenção de desativar a

Zona do centro da cidade”122.

O que se observa, seja através da versão contada por Moacyr Reis,

seja através das tentativas de Alves da Cunha de por fim ao meretrício

pouso-alegrense, é que a resistência de prostitutas e “donas de casa”

esteve sempre contida nas estratégias e nos exercícios de poder que

visavam agir sobre elas. Nesse sentido, conforme argumenta Foucault, “...

lá onde há poder há resistência e, no entanto, (ou melhor, por isso mesmo)

esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder”


123
, até porque, o isolamento e o preconceito que marcaram a tensa relação

entre a Zona e suas ocupantes e os outros espaços da cidade que lhes

faziam fronteira, foram os responsáveis pela constituição de uma teia de

articulações que garantiu sua sobrevivência numa atmosfera de repressão

e controle, que buscou ser reforçada, pouco tempo depois de o projeto de

lei 1.704 ser discutido na Câmara, pelas diretrizes da Delegacia de

Costumes às mulheres do meretrício, publicadas n’A Folha de Pouso Alegre

de 26 de Junho de 1972, as quais determinavam:

121
CUNHA, Sebastião Alves da. Projeto de Lei Municipal 1.704: dispõe sobre o fechamento da zona
do meretrício. Pouso Alegre, 19/06/1972. Câmara Municipal de Pouso Alegre.
122
REIS, Moacyr Honorato. Op.cit. p.171.
123
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. vol.1 – A vontade de saber. 14.ed. Rio de Janeiro:
Graal, 2001. p.91.

86
“1 – Que todas as mulheres devem ser fichadas na Delegacia,

providenciar um exame médico de 15 em 15 dias, ou no

mínimo uma vez ao mês.

2 – Que não permita a entrada de menores na casa.

3 – Que os elementos que se encontrarem dentro da casa

estarem (sic) sujeitos doravante a identificação geral e

possível busca de armas.

4 – Que as proprietárias de casas de tolerância deverão

providenciar o registro de entradas e saídas das mulheres, de

onde veio (sic), dia, hora, nome próprio, nome de guerra, se

mora na casa ou não.

5 – Que as mulheres não poderão permanecer em portas ou

janelas em trajes atentatório (sic) à moral pública.”124

As determinações acima mencionadas aparecem no sentido de

controlar rigidamente o ambiente da Zona de Prostituição, fazendo de suas

ocupantes, do mesmo modo como seus pontos de trabalho, elementos “...

totalmente transparentes à vigilância panóptica da polícia de costumes e da

polícia médica”125, para o que, nesse sentido, merecem ser observados os

124
DELEGACIA de Costumes Determinam às proprietárias de casas de tolerância o seguinte: A
Folha de Pouso Alegre, Pouso Alegre, 26/06/1972.
125
RAGO, Margareth. Op.cit.. p.93.

87
itens de número 1 e 4, pois seus objetivos desnudam a produção de um

saber que se debruçou sobre o meretrício indagando-o acerca de todas as

movimentações e de todos os segredos da trabalhadora do sexo, tomando

como seu instrumento o exame, seja médico ou do jogo de perguntas e

respostas, para cumprir seus propósitos de situar os indivíduos numa “...

rede de anotações escritas [que] compromete-os em toda uma quantidade

de documentos que os captam e os fixam”126.

Apesar disso, o fichamento aparece para a moradora da Zona como

possuidor de uma outra função, como revela Margarida Miranda ao

relembrar que

“Teve uma época lá na David Campista que todas as meninas

tinha que fazer uma ficha na delegacia. Aí, tinha que

apresentar o documento. Tinha que levar o documento pra

fazer ficha e levar o documento. Porque essas meninas saem

de outra cidade e se sofre um acidente, não tem como avisar a

família. Então, teve uma época que todas tinha que fazer a

ficha. Mas era uma ficha direitinho, não era assim... era até

bom, porque, se eu morresse, sabia como avisar a minha

família. E era o que acontecia com as meninas, porque senão,

se morresse, era como indigente. Não era uma ficha, assim,

criminal. Era só pra isso mesmo.”127

126
FOUCAULT, Michel. Op.cit. p.157.
127
Margarida Miranda, Op.cit.

88
A diferença estabelecida entre o documento da Delegacia de

Costumes e outras formas de entrada na polícia ficava por conta do

conteúdo, que, para a depoente, não funcionava como um registro criminal,

mas como um meio de “avisar a família” em casos de acidentes e evitar o

enterro como indigente, em casos de morte.

Entretanto, através desse documento a trabalhadora do sexo

passava a constituir para a polícia um dado, a partir do momento em que o

exame tornava seu corpo:

“... objeto descritível, analisável, não contudo para reduzi-lo a

traços ‘específicos’... mas para mantê-lo em seus traços

singulares, em suas aptidões e capacidades próprias, sob o

controle de um saber permanente; e por outro lado a

constituição de um sistema comparativo que permite a medida

de fenômenos globais, a descrição de grupos, a

caracterização de fatos coletivos, a estimativa dos desvios

entre si, sua distribuição numa população.”128

Produzir todo um saber em torno do corpo da mulher que trabalhava

no meretrício pouso-alegrense, tornava-se, assim, instrumento de um poder

que agia diretamente sobre esse corpo, contendo-o, barrando-o,

128
FOUCAULT, Michel. Op.cit,p.158.

89
diretamente, através do exame ginecológico129, que peneirava as

trabalhadoras do sexo sãs e doentes, restringindo-lhes o trabalho e também

a exposição do corpo como forma de propaganda, como o exige o item 5

das restrições.

Além disso, ao serem publicadas na primeira página do jornal, as

restrições ao meretrício vinham dar uma satisfação à sociedade sobre quais

providências estavam sendo tomadas para “sanear” o problema da

prostituição, embora, na prática fosse difícil quebrar com uma dinâmica

onde predominava um alto fluxo de clientes, para o que Poliana de Andrade

comenta:

“Lá era bom. Tinha homem o dia inteirinho! Lá era o centro,

né?! Era a rodoviária, então, tinha muito homem... Lá, parece

que, parece que os homens, os freguês, era mais chique,

mais... Por exemplo: lá tinha uns que vinha e se gostasse da

mulher vinha toda semana.”130

Dessa forma, quando foi criada a nova Zona de Prostituição em

Junho de 1973, longe do centro da cidade, o chamado Capim Gordura ou

129
Havia, no período estudado um órgão de saúde responsável pela execução desses exames, de
acordo com depoimentos informais. Embora não tenha sido possível levantar quaisquer registros
desses atendimentos, as depoentes entrevistadas e que trabalharam na Zona central recordavam
pouco desses exames. Segundo elas, as exigências eram feitas pelas autoridades de saúde, mas o
cumprimento era esporádico, caindo a freqüência ao posto de saúde gradativamente até a não
realização dos exames.
130
POLIANA DE ANDRADE: natural do interior de São Paulo, pediu para não ser identificada pelo
nome real na pesquisa. Trabalhou como prostituta na David Campista e como “dona de casa” no
Capim Gordura”.

90
Loteamento Aeroporto, as trabalhadoras e empresárias do sexo recusaram-

se a sair de seus pontos centrais, deixando uma grande demanda para trás.

Principalmente quando se leva em conta a associação feita pela depoente

entre a rodoviária e o meretrício, lembrando, portanto, que a Zona pouso-

alegrense constituía para a região um importante pólo de divertimentos

voltado ao sexo masculino, onde muitos homens tornavam-se clientes fixos

de seus estabelecimentos comerciais por conta das mulheres que lhes

agradavam.

No decorrer das tentativas de fechamento da Zona da rua David

Campista, as mulheres da Zona articularam-se em torno do seu

advogado131 e através dele ofereceram a Sebastião Alves da Cunha somas

em dinheiro para que desistisse de levar a cruzada contra o meretrício à

frente. Conforme conta o depoente:

“O juiz decretava: “fecha a zona”... Então tinha um aí, meu

amigo, que tá... advogado, nem vou citar nomes que não seria

necessário. Mas ele vinha aqui na época e mandava abrir.

Tava dentro do papel dele: era advogado na época e mandava

abrir. Pegava um papel com o juiz e abria. Mandava abrir.

Então fechava, abria, fechava, abria... Aí chegaram, me

ofereceram uma barbaridade na época, pra mim largar mão.

131
O advogado, chamado Jorge Beltrão, foi procurado para conceder depoimento. Num primeiro
momento, concordou em ceder sua fala, entretanto mudou de idéia e começou a evitar a entrevista
adiando a data de sua realização sucessivamente. Em decorrência de graves problemas de saúde sua
contribuição foi descartada pela impossibilidade de realização de entrevista.

91
Me ofereceram, me ofereceram tudo né?! Só que... eu nunca,

aqui: eu posso ser o que for, mas eu nunca, eu não abro mão

dos meus pensamento. Eu sou eu mesmo e nunca

escorreguei na minha vida. E se Deus quiser, vai ter certeza

que nunca vai acontecer.”

Embora nada o demovesse de sua campanha contra a Zona, os 111

lotes disponibilizados no Loteamento Aeroporto ficaram sem compradores

até o mês de Agosto de 1973, quando os quatro primeiros interessados

procuraram a Secretaria de Fazenda Municipal, entre os dias 07 e 10 de

Agosto de 1973, adquirindo um total de 15 terrenos. Depois, disso, nos

meses de Abril, Maio, Junho, Agosto e Outubro de 1974 seriam registradas

novas vendas, com um comprador para cada mês, para que, a partir de

Junho de 1975 os terrenos do Loteamento Aeroporto começassem a ser

negociados com freqüência pela Prefeitura Municipal, tendo sido observado

que o grosso das transações se dá no ano de 1976, com 28 registros de

venda132, decrescendo em número, de acordo com os anos seguintes: 11

certidões registradas em 1977, 1 em 1983, e por fim, 2; 1 em 1987 e outra

em 1988.

A exposição acima, a princípio, revela uma desocupação/ ocupação

lenta e descompassada do centro da cidade e do Loteamento Aeroporto,

respectivamente. Entretanto, é necessário que seja feita uma ressalva por

92
conta da atuação de Moacyr Honorato Reis nesses processos de compras

mencionados, pois que aplicou um golpe imobiliário com a ajuda do chefe

do Departamento de Obras à época, Walter Noronha. Em seu depoimento,

Moacyr Reis explica o ocorrido da seguinte forma:

“Ninguém [referindo-se às ocupantes da Zona] queria sair

daqui do centro, aí, ficou os lotes lá, né?!Ficou os lotes lá uns

seis meses e ninguém queria! Aí, eu tinha um amigo que

trabalhava na Prefeitura, ele era o chefe lá dessa parte. Daí

ele falou: ‘olha Moacyr, se ocê tiver um dinheirinho, compra

uns lotes lá, porque daqui uns anos... ‘ Aí eu fui comprando. O

cara chamava Walter Noronha. Ele era chefe lá. Aí eu fui

comprando e atingiu mais ou menos uns 60 lotes. [Comprava]

de dois em dois, três em três. Comprava no nome de uma

mulher e, por exemplo: dava pra ela uma gorjeta, ela me

passava uma procuração e eu chegava lá no cartório e fazia a

escritura. (...) Aí, com as vendas dos lotes, das negociatas

fraudulentas, vamos assim dizer, eu comprei essa casa aqui e

o resto do dinheiro dos lotes eu não sei pra onde foi...”133

132
Foram identificadas e xerocopiadas 72 certidões de venda de terrenos do Loteamento Aeroporto,
registradas entre 1973 e 1988, arquivadas e indisponíveis para consulta no Departamento de
Patrimônio da Prefeitura Municipal de Pouso Alegre.
133
Moacir H. Reis, Op.cit.

93
Embora tenha sido difícil fazer o levantamento, a partir dos registros

obtidos, de todas as mulheres contatadas por Moacyr para a realização das

transações com os lotes na Prefeitura, foi possível identificar um total de

sete certidões de compra dos terrenos registradas nos nomes de Cleuza

Gusmão Vilas Boas, esposa de Moacyr Reis, bem como de duas cunhadas

suas, Maria das Graças Gusmão Vilasboas e Glória Vilasboas, 3 delas

datadas de 1974, outras 3 de 1977 e uma de 1983, contabilizando 10 lotes

no total.

De acordo com a fala do depoente, o golpe especulativo que aplicou

com a aquisição de vários terrenos lhe deu os recursos para a compra de

sua atual residência, à rua Francisco Sales. Antes disso, Moacyr Reis

residia nas imediações da Zona Boêmia, tendo se dedicado particularmente

ao seu fechamento vestindo-se de Zorro, percorrendo a rua David Campista

à cavalo e de chicote na mão, investindo contra os clientes das casas de

prostituição e amedrontando suas ocupantes. Assim o descreve em seu

livro de memórias:

“O horário nobre de encarnar a figura do Zorro era sempre aos

15 minutos para a meia-noite, quando eu vestia a fantasia do

Zorro que deixava guardada no porão da minha casa e lá ia

pegar o cavalo no pasto, saindo em seguida montado. Assim

que chegava na entrada da zona dava dois tiros pro alto e

metia o cavalo pra cima dos malandros, os quais saiam em

disparada de dentro da zona. Os bares e inferninhos iam logo

94
fechando suas portas pela presença do mascarado e temido

Zorro no pedaço.”134

Sobre a atuação do Zorro da Zona, Margarida Miranda relembra o

episódio, dizendo:

“Ocê conhece o Moacyr Bocudo, né?! Ele se vestia de Zorro e

saia de cavalo na rua. Ninguém sabia quem era, mas depois

tudo comentava que era ele que fazia aquilo. Vestia de Zorro

pra assustar as mulher na rua. Pra lá e pra cá, de cavalo, pra

assustar. Aí elas começaram a ficar com medo e acabaram

saindo. Agora eu não sei, acho que ele queria que acabasse

aquilo, né?! Ele morava pra cima um pouquinho, quase dentro

da Zona também, na Francisco Sales. E eu acho que ele fazia

isso pra acabar tudo lá.”135

O depoimento de Margarida Miranda descortina as intenções por

detrás das investidas do Zorro contra a Zona. Na tentativa de acelerar a

moralização do meretrício, através da desocupação das casas pelas

mulheres, Moacyr Honorato Reis, de uma vez só, acelerava a ocupação do

Capim Gordura e a compra dos lotes de sua propriedade, bem como

viabilizava a valorização dos imóveis localizados nas imediações da rua

134
REIS, Moacyr Honorato. Op.cit., p.173.
135
Margarida Miranda, Op.cit.

95
David Campista, tanto como na própria, com o fim da prostituição na região

e o desenvolvimento residencial do setor.

O empenho demonstrado pelo depoente na remoção das

trabalhadoras e empresárias do sexo do centro da cidade, no entanto, foi

justificado por ele próprio como fruto de uma atitude de defesa da moral

pública, para o que afirma sempre ter sido “metido a moralista”, se

incomodando com “... caras passando e falando palavrões, fazendo

encenações, falando bobagens, mulheres descompostas, homens urinando

no meio da rua, famílias, mulheres e crianças passando e vendo tudo

isso...” 136.

Ocorre que, pesando contra suas afirmações está todo um passado

de experiências vividas no interior de Zonas de Prostituição – na de Pouso

Alegre, na do Rio de Janeiro e na de São Paulo – e que momento algum é

negado pelo depoente, que gosta, inclusive, de referir-se a si próprio como

“gigolô” e “bom malandro”, conforme mostra o título de suas memórias, que

chegaram a ser publicadas, detendo o que se pode caracterizar de discurso

oficial sobre a prostituição na cidade137.

O que se percebe na atitude de Moacyr Reis é a recusa em ter a

Zona enquanto vizinha, especialmente quando se observa que, na época

em que reside na rua Francisco Sales havia adotado uma menina, tendo se

tornado, então, “pai de família”. Contudo, a atitude do depoente frente à

136
Moacyr Honorato Reis, Op.cit.
137
O assunto Zona de Prostituição para muitos depoentes do sexo masculino pareceu, no decorrer do
levantamento das fontes, ser algo intocável. Na medida em que as conversas se aproximavam do
tema nas entrevistas, a indicação do senhor Moacyr Honorato Reis como “doutor honoris causa em
Zona”, como se referiu a ele Alexandre de Araújo, era freqüente.

96
Zona, serve de exemplo de muitas outras, todas interessadas

particularmente na valorização dos imóveis a partir da moralização da Zona,

que passou, assim, a ser explorada pela imprensa e pelo discurso do

progresso como entrave ao desenvolvimento do centro da cidade.

Na medida em que a década de 1980 se aproximava, as prostitutas e

“donas de casa” desenvolviam mais interesse em possuir imóvel no Capim

Gordura, tendo muitas comprado, inclusive, de Moacyr Honorato Reis seus

terrenos, conforme contou Margarida Miranda138, pressionadas pelos

investimentos residenciais feitos pelos novos moradores após a

desativação da quase totalidade dos bares e pensões da rua David

Campista, incentivadas ou pela própria dinâmica da prostituição, que

permitiu a muitas prostitutas alçar à categoria de “donas de casa”, ou

mesmo pelo sucesso de concorrentes que resolveram apostar na nova

Zona.

Na virada da década, Pouso Alegre já se firmava como pólo

industrial, conhecendo um aumento populacional que praticamente dobrou

o numero de habitantes do núcleo urbano. Assim, a inauguração de novos

bairros atendia a uma demanda crescente por moradias, desenvolvendo,

por sua vez, áreas cada vez mais distantes.

Nesse contexto particular, a nova Zona foi cercada outra vez por uma

vizinhança residencial, dando margem para novos conflitos e tensões, às

tentativas de manutenção das mesmas fronteiras morais que vigoraram no

centro da cidade por décadas a fio e à construção de novos laços de

97
sociabilidade e dependência comercial entre os dois bairros cujas

identidades diferiam tanto, revelando rupturas e permanências com relação

a várias práticas engendradas no meretrício confinado da rua David

Campista, responsáveis pela conceituação de Zona enquanto território,

para o que as experiências de vida das moradoras do Capim Gordura

servirão de ponto de partida e referência para as discussões do terceiro e

ultimo capítulo.

138
Margarida Miranda, Op.cit.

98
CAPÍTULO III

A cidade que muda de cara, mas não muda de alma:


Referenciais do passado sobre os caminhos do futuro.

Moralidade é simplesmente uma atitude que


adotamos frente às pessoas que não gostamos.

Oscar Wilde

Em 1988, a rua David Campista encontrava, oficialmente, um fim. O

polêmico processo envolvendo sua moralização, iniciado nos idos de 1969

pela imprensa local, incluindo aí os esforços dos moralistas pela

desativação das “casas”, pelo fim da Zona de Prostituição central, bem

como pelo estabelecimento de uma vizinhança estritamente “decente”,

coroava-se de êxito com a aprovação de uma lei municipal que autorizava

mudança no nome da “rua da Zona”, em cujo texto, especificamente no

artigo 1º, lê-se, então que:

99
“[Passava] a denominar-se ‘Rua Dr. Joaquim Coelho Júnior” –

(Advogado: 1902/ 1987) a ‘Rua David Campista’, em toda a

sua extensão, rua esta localizada no centro, com início na

‘Rua Cel. Pradel’ e com fim na ‘Rua do Rosário’.”139

A necessidade de uma intervenção legislativa no sentido de modificar

o nome da rua refletiu, sobremaneira, a intransigência e a preocupação dos

moralistas com relação à nova identidade da rua David Campista,

ameaçada pela “má fama” que pesava sobre a via pública desde a década

de 1920140. Buscando atuar sobre a memória local legislando sobre ela, os

poderes públicos municipais tentaram apagar as marcas culturalmente

construídas e enraizadas por décadas de marginalidade social imposta às

prostitutas e “donas de casa”, conforme é possível perceber através das

palavras de João Evaristo Pinto141, para quem:

“Mudou o nome pelo seguinte, tinha que mudar né?! A gente

saía, por exemplo, minhas filhas e as famílias que moravam,

que mudaram pra cá, às vezes ia num lugar, pra fazer um

cadastro, um currículo, qualquer coisa, aí perguntava: ‘Ocê

139
POUSO ALEGRE. Lei Municipal n.2.287/88, de 26 de Outubro de 1988. Denominação de via
pública: “Rua Dr. Joaquim Coelho Junior” – (Advogado: 1902/1987).
140
Não foi possível constatar-se quando a Zona Boêmia é criada em Pouso Alegre. Na historiografia
local, a região aparece pela primeira vez em 1920 e mesmo assim, sem referências documentais
mencionadas. Cf. GOUVÊA, Octávio Miranda. Op.cit. p.230.
141
JOÃO EVARISTO PINTO: pouso-alegrense, casado, três filhos. Nascido em 31 de Maio de 1946,
foi motorista de táxi e atualmente trabalha como barbeiro num salão à rua Dr. Joaquim Coelho
Junior, antiga David Campista, tendo sido um dos primeiros moradores a estabelecer residência na
antiga rua da Zona no sentido de “moralizá-la”.

100
mora aonde?’. Falava: ‘Rua David Campista’. Aí Ficava meio

suspeito, porque rua David Campista era meio suspeito. Aí

mudou de nome, melhorou. Aí já ficou... acabou aquela

suspeita. ‘Onde ocê mora?’ ‘Na rua Joaquim Coelho Junior!’

Melhorou, mas até hoje ainda usa Joaquim Coelho Junior

como antiga David Campista. Mas todo mundo sabe que aqui

não tem mais nada. Faz vinte anos que acabou, então não

existe mais, hoje a rua é familiar. Tem uma igreja aqui, ó

[sinalizando com um dos braço]: a igreja Assembléia de Deus.

Então, hoje não tem nada, tem comércio aí. Então, hoje, não

tem nada suspeito aqui.”

É significativo perceber que nem mesmo os mais de vinte anos da

desativação da Zona no centro da cidade foram capazes de atenuar seu

sentido para Pouso Alegre. Apesar das residências, pontos comerciais e da

igreja evangélica, que agora lhe são referências culturais, como ressalta o

depoente, a rua Doutor Joaquim Coelho Júnior continuou sendo associada

àquela rua “suspeita”, que estigmatizava mesmo os seus novos moradores,

“decentes”, com o peso do passado que lhe foi característico, evidenciando

a lentidão que acompanha a construção dos novos referenciais de

identidade e o papel da lei nesse processo, cujo propósito não foi outro

senão acelerá-la: ao que parece, sessenta anos de Zona deveriam

desaparecer por completo, tão logo se procedesse à aprovação. Até

porque, após a morte de Margarida Leite, em 1982, e o fechamento de sua

101
“casa”, a única que insistia em funcionar no centro, o crescente número de

residências teve de conviver com os clientes de outras cidades, que,

desinformados, até meados da década de 1980 indagaram os novos

moradores sobre o silêncio reinante naquela rua que outrora era envolvida

por uma sonoridade constituída por gargalhadas, gritos e música alta,

gerando a necessidade de afixar-se faixas onde fosse possível ler-se “casa

de família”, ao que recorreu o próprio João Evaristo142.

Entretanto, na nova Zona, no Loteamento Aeroporto, essa mesma

mistura de sons embalava as boates que começaram a surgir por lá a partir

de 1974, com o estabelecimento e sucesso comercial da “dona de casa”

Silvinha, fora da David Campista, algo que serviu de alento às ocupantes da

Zona cuja preocupação principal era o abandono dos pontos tradicionais e

a perda de trabalho e rendimentos143, conforme explicou Margarida

Miranda, ela mesma um exemplo dessa preocupação e das possibilidades

que o Capim Gordura significou para muitas pessoas envolvidas com a

prostituição.

No Loteamento Aeroporto a estrutura das “casas” já era

marcadamente diferente do Centro, onde funcionavam majoritariamente

baseadas na relação de dependência estabelecida entre os bares e as

pensões. Desse modo, a rua David Campista apresentava bares

funcionando o dia todo, cuja função principal era a venda de bebidas,

alguns deles, inclusive, com somente um quarto, explorado e ocupado por

142
João Evaristo Pinto, Op.cit.
143
Margarida Miranda, Op.cit.

102
um número sempre maior de mulheres, as quais precisavam capitalizar o

tempo com os clientes, no sentido de que houvesse a rotatividade do

cômodo e oportunidades para todas as inquilinas do estabelecimento.

Tais pensões apresentavam apenas a estrutura de dormitório, sendo

prática corrente as prostitutas residentes captarem seus fregueses na rua

da Zona, convidando-os para ir ao bar e depois fazer o programa144. No

Capim Gordura, porém, as casas não eram mais pensões, mas sim boates,

e mesmo as menores eram dotadas de um salão, com uma jukebox145, um

balcão de bebidas – de onde a “dona da casa” controlava o fluxo de

dinheiro, suas funcionárias e o bom funcionamento da empresa, todas as

noites146 - além de uma cozinha, dispensa e de um número maior de

quartos, já usualmente proporcional ao número de inquilinas abrigadas.

Embora muitas boates chamassem atenção pelo tamanho, nenhuma

delas era luxuosa, tampouco era o luxo um referencial de qualidade da

“casa”, pontos em que concordaram todas as depoentes que trabalharam

com prostituição. Para elas, o que fazia de uma boate um bom lugar era a

capacidade das funcionárias e do próprio estabelecimento em saber tratar

bem o cliente, conversando e criando assim um ambiente de descontração,

oferecendo a ele motivos para que retornasse, para que se tornasse cliente

144
Margarida Miranda, Op.Cit.
145
Jukebox era uma máquina de música que apresentava vários títulos, de vários intérpretes,
funcionando somente mediante a compra de fichas junto ao “balcão” da boate, ou seja, junto à dona
da “casa”. As fichas tinham valor alto e assim como o consumo de bebidas, cabia à inquilina fazer
com que o cliente escutasse músicas e bebesse o máximo possível, dinheiro que ia para o lucro do
estabelecimento, à parte do programa e do aluguel do quarto, que não era fixo.
146
MARIA ANTONIA DE SOUZA: vinda de São Paulo-SP, a depoente vem trabalhar no Capim
Gordura no balcão em 1980, para, em 1982 estabelecer sua própria boate. A depoente pediu para não
ser identificada na pesquisa, tendo sido, a exemplo de Poliana de Andrade, utilizado pseudônimo.

103
regular, no que influía decisivamente a ausência de brigas. Por essa razão,

as prostitutas que costumavam beber demais ou causar transtornos à

clientela, gerando brigas violentas, eram comumente mal-vistas, como

explicou Maria Antônia de Souza, pelas “donas de casa”.

Segundo a depoente, no Loteamento Aeroporto sempre foi marcante

a presença de mulheres vindas da Zona de Campinas, tidas como as mais

perigosas pelo envolvimento amoroso manifesto com assaltantes

profissionais. Habituadas, geralmente, a uma outra relação com o cliente,

diz, Maria Antônia;

“... assim que elas ia pro quarto com o cliente, acabava

roubando o cliente. Era conivente com o namorado, então era

menina toda com um passado tenebroso. Então, muitas vezes

(...) elas ia pro quarto com o cliente, combinava uma coisa e

quando chegava no quarto... Geralmente esse tipo de mulher

levava uma cerveja pro quarto e quando chegava lá entravam

em atrito, em discussão de preço, porque elas combinavam

uma coisa lá fora e lá no quarto elas queriam outra. Aí, já

arrebentavam a garrafa e ia pra cima do cliente com a garrafa

quebrada, né?! E o homem naquela hora pagava o que a

mulher queria, mas depois... depois ele sustava o cheque. E

naquela hora, muitas vezes por problema de som alto, quando

na parada do som a gente escutava aquela confusão, quando

104
vê, chegava lá, não tava tudo no lugar, guarda roupa...

Quantas vezes não aconteceu isso!? Então, é uma guerra:

você acaba aprendendo a lidar com esse tipo de coisa

também...”147

A Zona de Prostituição desdobrava-se, então, em campo de batalha

que desafiava suas ocupantes constantemente, colocando-lhes desafios

que precisavam ser superados diariamente. A comparação com uma

“guerra” é feita tanto pela “dona de casa”, que precisa manter tudo em bom

funcionamento, zelando pela qualidade da casa ao zelar pela preservação

do próprio cliente, bem como pela prostituta, que costuma batizar o seu

trabalho como “batalha”, elucida Maria José Juarez:

“Batalha [diz ela] é que nem luta. Eu entendo assim! Quem

batalha, luta, né?! Porque se a gente for batalhar... batalhei

muito hoje. Não sei explicar pro’cê direito, mas eu vou lutar,

então eu vou trabalhar. Acho que éa mesma coisa. Por

exemplo: hoje eu tenho uma conta pra pagar. Eu tenho que

batalhar, eu tenho que achar um meio de... Só não posso

matar. Nem roubar! Então, eu tenho que batalhar um meio,

147
Idem.

105
lavar uma roupa... sei lá, ou até mesmo, se pintar um cara aí,

fazer um programa, entendeu?”148

Batalha, portanto, é luta, é vida vivida, é sobrevivência. Escapar à

quebradeira dos quartos, resolver os impasses entre o cliente ultrajado e a

inquilina mal intencionada, e vice versa, buscar meios de manter-se

cotidianamente, eram traduzidos pelas ocupantes da Zona enquanto

estratégias que transformavam a experiência no meretrício em luta e

processo de conquista constante, respeitando regras internas, fosse o zelo

pelo freguês, fosse o zelo pela prostituta, fosse, ainda o respeito a regras

mais gerais como não roubar ou não matar.

Entretanto, a própria diferença na maneira de pensar colocava as

dificuldades dessa vida marginalizada. Poliana de Andrade, neste sentido,

traz à tona uma experiência que traduziu bem essa questão. De acordo

com ela, certa vez, já década de 1980, no Capim Gordura, havia sido

chamada junto com outras “donas de casa” a dar satisfações à polícia com

relação à livre circulação das prostitutas pelo Conjunto Habitacional São

Cristóvão. No retorno à Zona, à distância, reconheceu uma de suas

inquilinas vestida com roupas curtas circulando pela entrada do bairro

residencial, para a qual logo transferiu a advertência recebida, dizendo a

ela:

148
MARIA JOSÉ JUAREZ: nascida em Nepomuceno em 5 de Mio de 1961, mãe solteira, chegou à
Zona do Capim Gordura seqüestrada por um cafetão mais três capangas, aos 16 anos. Encontrou na
Zona maior adaptabilidade que ao seu lar, não tendo voltado mais. Sempre trabalhou no Capim
Gordura, como prostituta e como “dona de casa”.

106
’Pode tirar! A gente acabou de vir da Delegacia!’ E sabe o que

ela me respondeu? ‘Não sabia que eu tinha arrumado outra

mãe na Zona!?’ É pr’ocê ver! ‘Eu não sabia que eu tinha

arrumado outra mãe na zona!’ [grifo meu] Mas na hora, eu

tenho que falar! Ela tava indo tudo com a roupa muito curta,

uai?! Ela tava com um shortinho curto e uma camiseta

comprida que parecia que tava só de camiseta! Aí o delegado

passou e disse assim: ‘Vai por roupa! Já era pra estar de

roupa! Não vai lá pra cima assim, não!’ Lá pra cima, ali nas

casa popular bem, nas casas popular ali ó, onde tem família.

Era só aqui que podia, mas as mulher daqui ia lá comprar as

coisa, só que tinha que ir lá com a roupa direita né?! Não

pode... foi bom, porque as mulher respeita, né?!”149

Com a nova vizinhança, os anos transcorridos sem residências por

perto que não fossem as próprias boates encerradas ou o bar de João

Raimundo do Nascimento, fora da Zona, constituíram por sua vez, um

referencial de liberdade. A Zona permitia a exposição do corpo das

mulheres dentro dos seus limites, como aparece bem destacado na fala de

Poliana. Fora, com os novos limites, a liberdade acabava e remetia às

mesmas formas de condicionamento que marcaram a transição das

fronteiras entre a rua David Campista, no centro, para as regiões “decentes”

107
da cidade. A cultura da Zona dava margem para práticas que eram

efêmeras, que se desfaziam com o simples cruzar de uma rua. A

interiorização das regras da Zona não podia valer para o mundo que lhe era

exterior, sobre o risco de ofender os vizinhos residenciais e serem

sancionadas por isso. Vizinhos residenciais que impuseram uma outra

dinâmica para a Zona sem perceber que eles próprios já haviam

estabelecidos elos que os colocavam cada vez mais próximos um dos

outros, através da dependência comercial estabelecida.

No depoimento de João Raimundo do Nascimento é especialmente

claro o incômodo que causavam essas ligações entre o meretrício

confinado do Capim Gordura e os primeiros habitantes “decentes” do setor

vizinho. Em sua entrevista, realizada junto de sua esposa, João Raimundo

tratou de minimizar os impactos negativos dessa relação, que era tensa,

dizendo que “o problema deles era pra lá e o problema da gente era pra

cá”150. Sua mulher, entretanto, rompendo um silêncio que acompanhava a

fala do marido até então, começou a explicar de outra maneira, dizendo:

“Eles [os moradores da Zona] pediam pro João comprar, ceder

até bife, pra fazer pra eles... Era difícil, porque era o único

barzinho que tinha era aqui, então era bem movimentado. Mas

149
Poliana de Andrade
150
JOÃO RAIMUNDO DO NASCIMENTO e MARIA DE LOURDES DO NASCIMENTO:
casados desde 1958, naturais de Santa Rita do Sapucaí e Brasópolis, de 23 de Agosto de 1934 e 20 de
Janeiro de 1940, respectivamente, foram os primeiros vizinhos da Zona e são apontados como os
primeiros moradores do São Cristóvão, sendo proprietários de um bar/mercearia local existente desde
o fim da década de 1970, quando, pela impossibilidade de freguesia e pelo caráter remoto do lugar,

108
tinha respeito por nós, graças a Deus. De vez em quando que

tinha umas que eu falava, ‘Não vem com essa roupa aqui,

não! Porque tenho família, eu sempre tenho visita.” Dizia

assim: ‘Ah! Tia, nós não vamo vim mais...” No outro dia vinha

com uma roupa melhor, porque era meio aberta assim, sabe?,

sem costa, era aberto. As bermudas, tão curtinhas que só se

vendo...”151

As fronteiras morais estavam lançadas. As roupas curtas

perturbavam, ameaçavam a família, que precisa ser assinalada como

critério de distinção entre as gentes. As “bermudas, tão curtinhas que só

vendo” precisavam ser trocadas, era a exigência que se fazia aos únicos

clientes do bar, que ajudaram João Raimundo e Maria de Lourdes a

manterem suas despesas sob controle antes de o bairro São Cristóvão

desenvolver-se completamente.

O que chama a atenção no depoimento do casal, contudo, não é a

maneira como eles fixaram as suas regras ao seu espaço, mas a maneira

como as fronteiras da cidade se colocaram para eles quando da mudança

para o São Cristóvão, já que moravam perto do centro da cidade. Logo,

seus antigos vizinhos trataram de dizer a eles que estavam loucos, porque

“’Com essas quatro meninas aí, ir pra lá [para o Chapadão]!? Aí eu [Maria

de Lourdes] falei que quem vive aqui, quem sabe da vida da gente é a

era freqüentado pelas moradoras da Zona. Moravam no centro, na região do bairro de Fátima e por
isso sofrera críticas dos vizinho sobre a decisão de morar no São Cristóvão.

109
gente! Que a mulher que vinha aqui a gente tratava bem!”152. Para o que

completa João Raimundo ao explicar que “ocê ouvia muita conversa de

fora, de que não era pra vir pra cá, porque era perto da Zona, por isso,

aquilo, aquilo outro. Que muitos vieram pra cá e mudaram logo, venderam,

foram embora. E hoje, muitos que vendeu a casa aqui se arrepende”153.

Era incômodo e ameaçador ter como vizinha a Zona do Meretrício. O

perigo da corrupção moral rondava o tempo todo, no senso comum, as

famílias com moças, que cresceriam perto daquele ambiente “imoral”.

Assim, todo esse medo refletia tanto o rápido desenvolvimento da cidade

como também assinalava a manutenção de preconceitos arraigados,

mesmo em moradores que residiam bem longe da David Campista, na

época em que a Zona ainda funcionava no centro da cidade.

Em outras palavras, a cidade mudava de cara, mas não mudava de

alma, afinal, nessa época, década de 1980, a população urbana de Pouso

Alegre havia crescido para a casa dos 50 mil habitantes154 por conta da

rápida industrialização implementada na década de 1970155, colocando

151
Idem.
152
Idem.
153
Idem.
154
De acordo com dados do IBGE, na década de 1970 a população urbana de Pouso Alegre era de
29.224 habitantes, praticamente dobrando este número na década de 1980, quando atingiu a marca de
50.826 habitantes. No campo, decréscimo: em 1970, a população rural era compreendida por 8.846
habitantes para, na década de 1980, chegar ao patamar de 6.536 habitantes. Apesar de serem
observados a nível nacional os fenômenos do êxodo rural e do grande crescimento das cidades no
período estudado, os dados estatísticos relativos a Pouso Alegre revelam descompasso, já que o
crescimento urbano foi extremamente desproporcional à diminuição de moradores da zona rural. Cf.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA-IBGE. Tabela 202 – população
residente por sexo e situação (1970, 1980, 1991). Disponível in http://www.sidra.ibge.gov.br em 18
de Março de 2005.
155
O crescimento do número de moradores urbanos e sua expansão podem ser relacionados ao afluxo
de novos moradores, provenientes em sua maioria do estado de São Paulo, conforme Freitas, em
decorrência do rápido processo de industrialização e a abertura de novos postos de trabalho, para os
quais não havia mão de obra qualificada. Cf. FREITAS, José Maurício de. Migrantes Paulistas no

110
necessidades antes desconhecidas, como a criação de novas áreas de

lazer – com a construção de praças públicas e de um complexo

poliesportivo municipal, de importantes avenidas – como a Avenida

Perimetral156, de novos bairros em “áreas estratégicas para o

desenvolvimento da cidade”, nas explicações do ex-prefeito João Batista

Rosa157, destacando-se aí o Conjunto Habitacional São Cristóvão158,

vizinho à Zona do Loteamento Aeroporto, bem como a necessidade de se

organizar o desenvolvimento da cidade – com a construção de um distrito

que pudesse congregar todas as indústrias interessadas em instalar-se em

Pouso Alegre a partir da década de 1980159.

Bairro da Árvore Grande. Pouso Alegre; 2003. 47fls. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso
em História Social). Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Eugênio Pacelli-Universidade do Vale
do Sapucaí.
156
A Avenida Perimetral foi concebida na administração João Batista Rosa 1976-1982 com o intuito
de retirar a circulação de veículos pesados do núcleo urbano, preservando as construções particulares
e públicas e a fragilizada rede de esgoto, que viria a ser reformada na mesma administração, como
também pelas posteriores. Cf. POUSO Alegre, terra de trabalho, fé e otimismo. A Gazeta de Pouso
Alegre. Pouso Alegre, 19/10/1980.
157
Foram criados novos bairros em áreas afastadas da cidade, com destaque para a região que cruza o
rio (ver mapa da articulação urbana em anexo), onde foram explorados os espaços entre as fábricas
no sentido de situar a mão-de-obra necessária ao funcionamento delas o mais próximo quanto fosse
possível. São exemplos dessa nova articulação da cidade a criação do bairro Cidade Industrial,
rebatizado Jardim Olímpico em virtude da praça poli-esportiva e do Conjunto Habitacional São
Cristóvão. Cf. JOÃO BATISTA ROSA: João Batista Rosa nasceu em Estiva, em 29 de Janeiro de
1933. Formado em Direito pela PUC-SP, construiu toda uma carreira advogando em causas criminais
e internacionais antes de entrar para a vida política. Em 1976 disputa a eleição para a Prefeitura de
Pouso Alegre, sendo eleito com grande apoio popular. Foi presidente da Câmara dos vereadores,
prefeito de Pouso Alegre, por dois mandatos, deputado federal, e atualmente cogita lançar-se
candidato, mais uma vez, pela Prefeitura Municipal de Pouso Alegre, pelo PTB. Foi em sua gestão
1976-1982 que se deu a transferência da Zona Boêmia para a periferia da cidade e o aumento das
obras infra-estruturais que modificariam o espaço urbano de Pouso Alegre.
158
O Conjunto Habitacional São Cristóvão, também conhecido como Chapadão por ser uma região
naturalmente plana, foi inaugurado em 19 de Outubro de 1980 pelo Governador do Estado de Minas
Gerais Francelino Pereira e pelo prefeito João Batista Rosa, tendo como objetivo prover abrigo a
cerca de 2.185 habitantes, num total de 437 residências construídas em parceria entre o município e a
COHAB-MG. Idem.
159
A criação de um Distrito Industrial foi anunciada pela primeira vez na imprensa em 1979. Sua
construção ocorreu no início da década de 1980, tendo sido inaugurado, conforme depoimento do ex-
prefeito Simão Pedro de Toledo, em 1985. Não foi localizado na Prefeitura qualquer documento
sobre o Distrito Industrial. Nos arquivos da Câmara Municipal, as leis referentes ao DI não constam

111
A construção do Distrito Industrial, contudo, representou para o

Capim Gordura, tempos de prosperidade. Maria Antônia de Souza recorda

que engenheiros e peões responsáveis pelos andamentos da parte infra-

estrutural daquele que deveria ser o setor das novas fábricas da cidade

dividiam os espaços disponibilizados pelas boates da Zona com os

caminhoneiros, haja visto que tanto o Capim Gordura como O São

Cristóvão configuravam para a cidade uma de suas saídas, desembocando

na BR 381, em cujas margens localizar-se-ia o D.I..

Para Maria Antônia, essa clientela foi importante pela seguinte razão:

“Esse pessoal que vem trabalhar em empreiteiras, vem sem

família e... eles iam lá pra casa, eu fazia janta pra eles e fazia

pipoca. Agradava nesse sentido aí... Muita coisa eu não

cobrava. Por exemplo:cobrava carne... não cobrava, tipo, uma

salada; fazia um arroz, cobrava uma porção. Não cobrava,

assim, explorando. E ali tinha tudo: tinha divertimento e tinha

janta pra eles, né?!, fim de semana fazia um churrasco...”160

A Zona precisava ser flexível com relação aos seus clientes, não

podendo oferecer somente sexo, pois muitas vezes, o que os clientes

estavam à procura era de referências domésticas, onde à alimentação e a

companhia feminina supriam tais carências. Quanto melhor a “casa” os

do acervo e têm paradeiro desconhecido. Cf. IMPLANTAÇÃO do DI “Setor Industrial”. A Gazeta de


Pouso Alegre. Pouso Alegre, 19/10/1979.

112
tratasse, melhor o era para suas proprietárias: a relação de troca era

constante. Mas não só para os clientes, como também para as próprias

moradoras do Capim Gordura.

Cada qual com uma história, essas mulheres constituíam entre si

laços de proteção, de solidariedade, os quais, podiam ser desfeitos em

brigas por clientes ou mesmo brigas por meninas, que trocavam de “casa”

constantemente. Laços que substituíam as relações com a família e o

carinho dos pais, como exemplifica a trajetória de vida de Maria José

Juarez.

Natural de Nepomuceno, sul de Minas Gerais, Maria José

compartilhou em seu depoimento uma história de violência doméstica e

trabalhos forçados que lhe tiravam o tempo de brincadeiras e lhe dava o

balde para encher de água ou as louças e roupas para lavar. Ao 16 anos,

sua vida mudou por causa da Zona, quando foi seqüestrada, ela mais três

amigas, e trazida à força para o Capim Gordura, conforme recorda:

“A gente saiu pra passear né, à noite em Varginha e logo

encontramos uns cara, que ofereceu, convidou a gente pra

jantar e a gente foi junto. Dali a pouco ele levou a gente num

restaurante de beira de estrada. A gente comeu, terminou de

comer ele ameaçou a gente. Disse que ninguém podia sair de

perto senão morria naquele cantão ali, né? Então, quer dizer,

fomos, né? Uma noite chuvarosa e tudo. E aí eles falaram que

160
Maria Antônia de Souza, Op.cit.

113
nenhuma das três vai escapar, porque é o seguinte: ‘vou levar

vocês pra um lugar, pr’ocês ganhar dinheiro, pr’ocês... Ocês

ficam aí nessa vida unha de fome...”, e trouxe a gente aqui.”161

Maria José continua:

“Daí encontrei, sei lá...foi aquela coisa medonha, terrorista ao

mesmo tempo. Aí a gente foi, foi, foi, devido os dias que tava

ali, as pessoa vinha conversando, trocava idéia. A dona da

casa falava: ‘Não precisa ficar com assustada, a gente vai te

ajudar. Ajudar todas vocês’ É lógico que ela mandou a gente

tomar banho, emprestou umas roupa bonita, maquiou a gente.

Nós ficou muito chique, sabe? Aí ela ensinou como é que

é...ela falou: ‘Quando chegar um moço aí, ocês pede cigarro.

Pede um drink e tal’’”162

Apesar de todo o terror que lhe afligiu naquela noite e que emerge

em seu depoimento, à Zona foram atribuídos significados que se

mostravam mais confortantes que a vida familiar. Assim, naquele espaço

segregado e segregador, ela encontrou, em suas próprias palavras, “uma

família que eu não tive’163.

161
Maria Jose Juarez, Op. cit.
162
Idem.
163
Idem.

114
Embora sobre o meretrício pesassem as imagens de um lugar

danoso, que corrompia a vizinhança pela proximidade e marcado por brigas

– muitas dessas imagens reforçadas pela imprensa com a campanha

moralizante do centro da cidade – havia, perpassando toda a sua

articulação, elementos que lhe davam força e que lhe atribuíam um caráter

especial, de contraposição aos territórios “decentes”, mas que não eram

perceptíveis a ele: ou seja, a discriminação, já tão recorrente e tão

banalizada, eram esses elementos que estruturavam a organização desse

espaço que as mantinha “... em locais (e com pessoas) em que sempre

deveriam estar e de onde jamais deveriam sair”164. Assim, as marcas que

deixaram no meretrício, enquanto território vivido, reafirmaram-se para

muitas delas, que não conseguiram sair do Capim Gordura, ou que não

quiseram trocar a vizinhança antiga por outra, quando do fechamento da

rua David Campista165 elas próprias.

Outras, conseguiram mudar da Zona, mas a Zona não saiu de dentro

delas, estando envolvidas com o meretrício até os dias atuais, como é o

caso de Maria Antônia de Souza, que em 1988 inaugura um novo modelo

de comércio do sexo na cidade de Pouso Alegre: o da boate individual,

reclusa às margens das rodovias, retirando-se do núcleo, já urbanizado

demais.

164
MARTIN, Denise. Riscos na prostituição: um olhar antropológico. São Paulo: HUMANITAS –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP - FAPESP, 2003.
165
Jasmina Ferreira é um exemplo dessa questão. Moradora da antiga região da Zona desde 1935,
recusa-se até hoje a mudar-se da rua do Rosário, onde estabeleceu-se após de casada e manteve-se
mesmo após a morte do marido, pagando alto aluguel. Seus vizinhos aconselham-na a deixar o local
e procurar por uma casa mais barata, para o que se recusa, pois seus referenciais estão ali, nas pedras
das ruas e nas paredes das casas onde já morou.

115
Essa alteração nas práticas não rompe radicalmente, não obstante,

com o modelo de boate do Loteamento Aeroporto. Que já não mostrava,

por seu turno, ruptura nenhuma com a estrutura do cabaré de Margarida

Leite, na David Campista. O que muda, nesse sistema novo entre aspas –

até porque a prostituição é atividade em constante reinvenção, como pode

ser apreendido desde o primeiro capítulo, da mesma forma como os

preconceitos que a envolvem – é a maneira como a prostituta e a “dona de

casa” vivem o seu lugar de trabalho. O confinamento permanece, não por

imposição direta, mas por escolha que visa a própria salvaguarda, que visa

a própria sobrevivência do negócio.

Para Maria Antônia, como para Margarida Miranda e Tereza Landro,

o que assinalou a derrocada do Capim Gordura foi a entrada de travestis na

prostituição. Não que os travestis não fizessem parte desse universo. No

entanto, a maneira como participavam era bem outra: embora muitos deles

fossem “donas de casa’, durante algum tempo suas casas lidaram apenas

com mulheres. Na medida em que deixam de executar os trabalhos que

compreendiam uma rotina doméstica e passam a assumir o papel de

concorrentes, são vistos como prejudiciais às “casas”.

Esse caráter “prejudicial” do travesti encontra na fala de Marcílio

Mendes de Souza, conhecido como Gina, a sua razão de ser, o qual explica

que

“Quando eu vim pra cá, eu vim pra batalhar... Aí, passado uma

semana, ela me chamou pra trabalhar com ela lá, porque tava

116
precisando de pessoa pra ajudar, pra cozinhar pras mulheres,

lá. Aí, eu achei que era mais vantagem trabalhar do que ficar

na noite. Aí eu fui trabalhar pra ela, porque a gente dorme

mais cedo, não precisa ficar bebendo por causa de homem. A

gente trabalha durante o dia, à noite podia passear lá pro

Centro, depois voltava e ia embora pra minha casa dormir. Por

isso que eu achava mais vantagem. A gente ganhava mais

batalhando né?! Mas, pelo menos... Na nossa época nós

ganhava mais. Não ganhava tanto mais, não. Mais ou menos

igual. E aqui como travesti, nós ganhávamos mais que as

mulher. Eu acho que os homens dava preferência pra nós, do

que... Os homens gostam de coisas diferentes, né?! E mulher

é aquele negócio, vai lá, é só ‘papai-mamãe’. E eles gostam

de coisas mais... É onde eu acho que a gente ganhava mais.”

Ou seja, a concorrência era “desleal” porque o travesti oferecia

outras formas de prazer ao homem que buscava sexo e companhia na

Zona, atendendo a uma nova demanda. O que ocorria, nessa relação de

concorrência, era a atribuição ao travesti das imagens de violência que

faziam parte do meretrício: os roubos, as agressões, passaram a recair

sobre eles166, na medida em que o Loteamento Aeroporto assumia uma

166
Foi notada uma unanimidade na atribuição ao travesti das “dores da Zona” nos depoimentos das
mulheres que trabalharam com prostituição na cidade até a década de 1990, especificamente em
1999, quando Poliana de Andrade decidiu fechar a sua casa. Embora o bar de Gina ainda abra suas
portas hoje, não há clientela, mais.

117
outra cara com o aumento no numero das casas de travestis167. De acordo

com Maria Antônia de Souza, uma boa casa não trabalha com travestis.

Pelo menos não como inquilina, já que era considerado excelente no

desempenho das funções domésticas, por ter muita disposição para lavar e

cozinhar, sem reclamar, como era comum às prostitutas, como explicou

Tereza da Silva Landro em seu depoimento168.

Retomando à fala de Gina, é possível apreender-se que as fronteiras

morais estão cada vez mais diluídas nessa cidade em expansão: um

travesti circulava pelos espaços urbanos centrais, os quais, vinte anos

antes eram muito bem preservados em detrimento das liberdades

individuais das moradoras da Zona.

O próprio São Cristóvão caminhava em direção a essas mudanças,

mas não sem antes muita confusão, como relembra Vera Lúcia. Até que as

separações invisíveis fossem derrubadas ou pelo menos submetidas a vista

grossa, muitos se opuseram ao seu “pioneirismo” no sentido de estabelecer

relações que colocaram o Capim Gordura dentro de sua casa. Quando

decidiu colocar na porta de sua residência um aviso onde se fazia conhecer

ser ela manicura, logo prostitutas e “donas de casa” puseram-se fora da

Zona a procurar seus serviços. Conforme ela mesma lembra, tudo

caminhou a passos lentos: primeiro, uma inquilina bateu à sua porta

167
De acordo com os depoentes, havia, como “donas de casa” os travestis Juarez, Cris, Estrela e Luz
Del Fuego, famosos no Capim Gordura no decorrer da década de 1980.
168
TEREZA DA SILVA LANDRO: nascida em Belo Horizonte em 8 de Fevereiro de 1937, criada
no Mato Groso, casou-se com um encarregado da empreiteira Camargo Correia, mudou-se para Ilha
Solteira, depois Campinas e depois Ipatinga. Foi abandonada pelo marido com três filhos. Começou
a trabalhar na Zona para sustentar a casa. Foi prostituta em Cambuí, Ouro Fino, todas essas cidades

118
perguntando-lhe se ela era bem vinda em sua casa, se ela poderia tornar-

se sua cliente, em seguida espalhando o ofício informal de Vera na Zona,

que passou a receber um grande número de mulheres as quais não só

cuidavam se suas unhas, como também se produziam para o trabalho, mais

à noite, nas “casas” do Loteamento aeroporto. Estava lançado o incômodo

não no sentido de que elas se prostituíssem nos limites do Conjunto

Habitacional, mas no sentido de que Vera Lúcia, com a sua

“permissividade”, estava colocando em risco a moral das mulheres

honestas do Chapadão169, para o que reagiram de diversas formas, como

relembra:

“No começo, quer ver, acho que durou uns 3 anos. Uns 3 anos

durou essa rixa, que elas não podiam passar aqui. Só que na

minha casa eu falei: ‘Não! A casa é minha, vocês vão poder ir

sim! E quero ver quem vai impedir de ocês entrar na minha

casa!” Às vezes elas tinha até medo de subir lá pra cima, de

fazer compra, comprar alguma coisa. Aí depois parou, sabe?

Porque as mulher do Chapadão tava pior, tava pior

mesmo...Aí pararam de implicar. Então eles falaram que as

pessoas não podia ser amigado, tinha que ser casado. Mas,

que a gente tava aqui, muitos...eu conhecia muitas pessoas

em Minas Gerais, vizinhas a Pouso Alegre, para cuja Zona veio em 1983, estabelecendo-se em
definitivo. Ainda mora no Capim Gordura.
169
Chapadão era outra denominação extra-oficial do Conjunto Habitacional São Cristóvão,
construído em uma região da cidade naturalmente plana, onde, na década de 1960 foi estabelecido
um clube de aviação e o seu campo de pouso.

119
que não eram casadas, era amigada. Aí depois foi onde que a

gente vai ficando sabendo.”

A sobreposição dos limites simbólicos causou nos moradores do São

Cristóvão uma revolta que foi traduzida por estratégias de manutenção da

ordem e da higiene social que foram comuns ao centro antes da existência

do Capim Gordura. Tratou-se, assim, pelo recurso ao boato, estabelecer

uma identidade para o conjunto habitacional que deixava claro para as

prostitutas que aquele era um território de “mulheres decentes”, cujo

argumento era o seguinte: não poderia haver casais unidos extra-

oficialmente no bairro. Era necessária uma união registrada, oficializada,

em contraposição às mulheres de “vida fácil” que moravam do outro lado do

bairro. Entretanto, a própria depoente foi constatando, na medida em que

suas relações com os vizinhos se tornavam mais profundas, que a

vizinhança “residencial” e “decente”, “oficialmente unida” ficava somente no

plano teórico, pois na prática havia muitos casais “amigados” espalhados

pelas ruas que abrigavam cerca de 2.185 pessoas.

A situação conhece mudança somente quando os moradores

reconhecem que eles podem ganhar dinheiro na relação entre os territórios,

percebendo as dificuldades relativas à Zona, no sentido de que muitas as

moradoras do Loteamento Aeroporto prescindiam dos serviços de babá,

lavadeira, manicura e depois de cozinheira, como revelou Vera Lucia.

Contudo, como ser cozinheira demandava estar dentro da Zona, as

tensões recrudesceram por conta de uma confusão dos papéis sociais e

120
das identidades de cada bairro, posto que era a moradora do Conjunto

Habitacional, “decente”, que se deslocava para dentro da Zona, lugar de

“corrupção moral”, e não mais o contrário, como o faziam as prostitutas de

“donas de casa” ao irem atrás de manicuras e babás. Assim, mais uma vez,

a controvérsia e variadas reações visando impedir a tão buscada não-

mistura dos corpos nas fronteiras entre o Capim Gordura e o Chapadão

tomaram corpo quando a vizinhança incomodada agiu, no caso de Vera

Lúcia, abordando uma de suas filhas para dizer-lhe que sua mãe não

estava exercendo a função de cozinheira no Capim Gordura, mas estava se

prostituindo sob esse pretexto. Conforme conta a depoente, entretanto, a

história não passou em brancas nuvens, pois a situação foi resolvida na

padaria do bairro. Nas palavras de Vera Lúcia:

“...um dia cheguei aqui em casa, a Valéria [sua filha, então

com 12 anos] chorando, chorando. Todo dia uma, uma e meia

já tava aqui em casa, já, pra poder cuidar deles aqui, das

minha coisas. Aí cheguei aqui, Valéria chorando. Ela tava indo

pra cidade, aí a mulher falou besteira. Aí ela voltou pra casa

chorando. Ela falou que eu não tava lá trabalhando. Custei

conseguir que ela falasse. Só chorando. Aí ela falou que... ‘Ela

falou que a senhora ta lá é...’, sabe? Falou palavrão pra ela

sabe? Aquilo pra mim foi mesmo que ter dado um tapa na

minha cara. Nossa Senhora Aparecida! Aí peguei, terminei de

fazer o serviço aqui. Aí...4 horas eu desci. E...Fiquei fazendo

121
as coisa lá, preparando a janta, não queria conversa com

ninguém! (...) Ah, menino de Deus! Nossa! Mas deu um

bafafá! Um rolo danado! Na mesma hora, ela [a patroa de

Vera Lúcia] falou ‘Apaga o fogo das panela aí. Vamo subir!’ e

disse: ‘Vamo subir. Vamo tirar esse negócio à limpo!’ Aí veio

eu, ela e a Inês, chegamo na padaria. Nossa Senhora

Aparecida! O negócio ficou feio na padaria!”

A exclusão manifestava-se de formas diversificadas sobre aqueles

moradores que desafiavam os preconceitos e os tabus. A padaria torna-se

palco de uma confusão que busca o respeito às moradoras da Zona,

contrariando a exclusão, inclusive daquelas pessoas que apenas

trabalhavam no Capim Gordura, questionando os artifícios usados para

preservá-la, especialmente em se considerando que tal posição de revolta e

de enfrentamento, fosse como fosse, jamais teria sido seria aceita nos

moldes da David Campista. Os tempos eram outros e as reivindicações

substituíam o medo das repressões exemplares, pelo menos fora da Zona.

Dentro da Zona, no entanto, a polícia exibia o seu poder através das

suas batidas procurando menores de idade, tóxicos e contraventores. A

chegada às casas era, costumeiramente, violenta. Aos gritos mandavam

abrir as portas, janelas e portões e caso algum deles estivesse trancado ou

fosse recusada a abertura, logo vinha abaixo170. A presença da polícia, por

170
VERA LÚCIA DA SILVA: natural de Itabirú-MG, nascida em 17 de Dezembro de 1946, ajudava
seu pai na construção do Clube de Campo Pouso Alegre exercendo a atividade de pintora. Casou-se e

122
sua vez, diminuía a atuação de cafetões e gigolôs, de acordo com Poliana

de Andrade, para quem as batidas eram “de estalo”, já que na Zona “tinha

detetive, delegado, era cheio aqui, Dava cada batida feia. Vinham dar

batida, mas tinha uns que gostava do lugar! [gargalhadas] Arrumava mulher

e aí...” Prosseguindo, ela detalha uma ação. Narrando que:

“Eles [os policiais] entravam! Iam revistar. Naquela casa ali em

cima, eu não estava... acho que estava viajando... as mulheres

falaram que acharam um sujeito. E que as mulheres falava:

‘Nossa, ele é tão bonzinho, coitado!’. E levou, né?! Levou na

hora. Que a polícia respondeu pra elas assim: ‘É bonzinho,

mas na hora de sujar ocês aí, né?!’. Eu nunca deixei. É ruim.

Fica ruim pra casa: primeiro os negócios, mas acobertar as

coisas? Eu não!”171

As batidas de estalo denunciavam a presença constante da polícia,

inclusive disfarçada, nos ambientes da Zona. Muitas vezes o disfarce

servia, realmente de máscara para as pretensões dos policiais, eles

próprios, não raro, envolvidos com alguma mulher do meretrício,

demonstrando a estreiteza dos vínculos entre a prostituição e a polícia,

entre reprimido e repressor. Mesmo no Capim Gordura, o sistema de

foi embora ela, marido e seus pais, retornando para Pouso Alegre quatro meses depois da mudança.
Estabeleceu-se no Chapadão, onde exerceu atividades informais como manicura, lavadeira, babá e
cozinheira numa boate do Capim Gordura. É casada e mãe de cinco filhos.
171
Poliana de Andrade, Op.cit.

123
punições exemplares era praticado, guardadas as suas proporções com

relação ao contexto do centro. Isso porque, conforme conta Tereza Landro,

havia mulheres que mantinham seus filhos menores no Capim Gordura, sob

a vista grossa da polícia. A punição exemplar, entretanto, dizia respeito

apenas ao popolo minuto, aquelas que não tinham condições, ou se

recusavam, a entrar no esquema de compra de silêncio, como ocorreu com

a depoente. Ela diz:

“Um dia eu revoltei. Lá embaixo era menor que aparecia por lá

e aí eu fervi com um policial ali. Era investigador, comissário

de menor. Só pegava... e um dia eles chutaram o meu menino.

Ele tinha dezessete anos, vinha vindo do serviço e ia passar

aqui pra tomar banho e jantar e ia embora, porque não podia

era dormir. Eu vi ele com as mãos na parede e chutaram o

menino. Ah! Eu fiquei revoltada com aqui e um dia eu desço

pra baixo, naquelas ultimas casas, tinha uma menina de

dezenove anos que era amiga dele. Eu, na hora que ele

chegou, eu fervi. Eu falei: ‘O negócio é o seguinte; eu sou a

menor aqui, e eu não tenho pra molhar a mão de vocês, mas

quem tem, óia lá, alá a menina de menor! O meu chegou pra

almoçar, cinco horas da tarde e foi chutado. Por que ela ta aí?

Eu vou levar pro conhecimento do juiz!’. E fui mesmo! Nossa,

pediu pelo amor de Deus... pediu até de joelho, mas eu falei:

124
‘Não! O que é pra um é pra todos. Só que agora os meus filho

vão ficar na minha casa, e não vai ter expulsão.”

Tereza Landro desafia o comissário de menor172 ao afirmar que seu

filho, menor de idade, ficaria, sim com ela em sua casa e com isso mostra

as brechas que a relação com a polícia vinha apresentando e um

posicionamento mais consciente de seus direitos, adotados pelas

prostitutas do Capim Gordura, acrescentando Margarida Miranda, neste

sentido, que

“A polícia, quando cheguei em Pouso Alegre não respeitava as

mulher da Zona, não! Tinha policial que chegava, batia nas

mulheres sem motivo nenhum. Chegava a invadir as casas,

batia, levava presa sem motivo. Depois que mudou pra cá,

não: aqui a lei é outra! Já mudou e as mulher ficaram mais

espertas. Agora, por exemplo, se um policial quer entrar aqui

na “casa” e fazer o quem bem entende, as mulher denuncia

ele. Porque eles não podem fazer isso sem uma ordem

judicial. Antigamente eles fazia isso e não tinha lei para as

mulheres...”173

172
Todas os depoentes que trabalharam no Capim Gordura relatam ser proibida a presença de
menores de idade dentro da Zona, relatando casos em que, por determinação legal, os chamados
comissários de menores retiravam as crianças de prostitutas de suas guardas, colocando-as sob tutela
judicial.
173
Margarida Miranda, Op.cit.

125
Como não houvesse lei para as mulheres do meretrício central, no

sentido de prover-lhes amparo, a rua David Campista aparece como

“território de ninguém”, um lugar governado pela violência, a qual, vista de

fora, parecia fazer parte do cotidiano de seus moradores, embora, quando

vista do lado de dentro dos muros invisíveis do confinamento, celebravam a

injustiça e a arbitrariedade. Como também o parece ter celebrado a padaria

enquanto aglutinador da intolerância e catalisador da violência. Na relação

entre Zona e Chapadão, a padaria, como já apareceu na entrevista de Vera

Lúcia, tornou-se o cenário de confrontos ao ser novamente referenciada

como o lugar onde melhor se praticava a exclusão. Contando um desses

casos, Benedito Pereira de Andrade, reforça:

“Tinha discriminação. Era discriminado... Ah! Se elas [as

mulheres da Zona] estivessem na padaria, uma mulher que

era dona-de-casa, e chegasse uma menina, assim, que era da

Zona, elas ia embora e xingava, saía de perto. Depois foi

respeitando mais, mas discriminava. Tem uma até que eu

esqueço o nome dela, uma tal de Gaúcha: ela foi expulsa de

dentro da padaria... ela foi expulsa de dentro da padaria! Vi

muitas delas apanhar das moradoras. Apanhar das moradoras

por cause de ciúme dos maridos. Não conseguia segurar os

126
maridos, né?!, aí batiam nelas. Depois apanhavam do marido

[risadas] e o marido ia pra outro lugar”174.

O que é mais importante nas falas anteriores a de Benedito Pereira,

de Tereza e Margarida é o rompimento com as práticas de repressão

injustificadas: seja o suborno, seja a invasão das casas. Tudo então era

questionado, submetido à dúvida, levado às autoridades responsáveis pela

punição desses agentes que deveriam regular a segurança do local, e não

desestabilizá-la como prática de longa data.

A busca pelo respeito permeia praticamente todas as falas relativas à

ocupação do Capim Gordura. A mudança da Zona e a polêmica contra a

desativação da David Campista sinalizam, nesse sentido, para a formação

de uma consciência de si – no caso de Landro e Miranda, de grupo – no

caso das prostitutas e “donas de casa” que se sublevaram contra o

fechamento da Zona recorrendo à justiça.

Para uma cidade habituada com a descriminação e o moralismo, não

fica difícil perceber, olhando deste ponto privilegiado, por que os opositores

das Zonas se sentiam tão ultrajados com aquelas mulheres que, até onde

se praticava, “não possuíam direitos” como os de qualquer cidadão. Afinal,

quando a polícia não intervinha ou as leis passavam por cima, ignorando as

174
BENEDITO PEREIRA DE ANDRADE: nascido em 18 de Outubro de 1945 na cidade de Estiva-
MG, aposentou-se como montador de tela de cinescópio. Serviu o quartel local, abandonando-o por
conta da perseguição militar aos contrários à Ditadura. Casou-se, tem 8 filhos vivos de um total de
11. trabalhou em São Paulo na Fiat e na Pirelli. Residem em Pouso Alegre, na Zona especificamente,
há mais de 20 anos, em 1984. foi um dos primeiros a mudar-se para o interior da Zona de
Prostituição do Capim Gordura. Atualmente reside no São Cristóvão.

127
Zonas, buscava-se uma maneira de fazer-se justiça com as próprias mãos,

como o caso da padaria. O caso, não: os casos.

O mais surpreendente, contudo, é perceber como os preconceitos

foram sendo derrubados, para não dizer que a hipocrisia reinava nos

espaços do Chapadão, que, pouco a pouco, tornava-se cada vez mais

dependente das necessidades que o meretrício apresentava as suas

ocupantes: mais e mais moradoras tornavam-se babás, lavavam roupas de

moradoras do Capim Gordura ou iam trabalhar em seus espaços. Trabalhar

não mais no mesmo sentido praticado por Vera Lúcia, mas prostituir-se. De

acordo com Vera Lúcia, os moradores do São Cristóvão achavam que

“Eles iam ser donos, quem que ia, quam que não ia morar, a

exigir quem morava. Eles falava, as escutar deles lá, não. Mas

depois melhorou, porque daonde que eles ia ganhar dinheiro?

Eles precisava ganhar dinheiro também! Aí já começou.

Depois que eu comecei a olhar menino, começou muita gente.

Começou muita gente a querer olhar criança, lavar roupa,

porque na hora que viu que tinha que ganhar dinheiro também

começou gente a pegar roupa pra lavar, olhar criança. Tinha

mulher que morava na rua de lá [aponta na direção do bairro]

e começou a fazer ponto lá!”

Igualmente o dinheiro foi o responsável também pela modificação de

dentro para fora da Zona, com o estabelecimento de casas residenciais no

128
seu interior, visto que os terrenos no Capim Gordura possuíam uma das

mais baixas cotações imobiliárias de toda a cidade, motivo o qual contribuiu

sobremaneira para que Raimundo Borges Carvalho instalasse a sua

pequena fábrica de plástico ao lado das boates, em 1986. Como conta, era

freqüente escutar:

“’Por que você comprou lá?’ ‘Porque o lugar é mais em conta’.

Então, na época quando eu comprei o terreno eu queria um de

mil e quinhentos metros a dois mil metros. O único lugar que

eu achei e que eu tinha condições de comprar era aqui. Então,

foi até o primeiro terreno que eu vi na época foi esse aqui, fui e

comprei...”175

A instalação de uma fábrica na Zona obedeceu ao mesmo processo

de questionamento pelo qual passaram as pessoas decididas a construir

suas vidas no Conjunto Habitacional, nos seus primeiros anos de existência

desde a inauguração no início da década de 1980. O grande problema para

moradores com perfis tão distintos entre si era o meretrício como vizinho, a

má fama que pesava sobre o local. Assim, quando João Raimundo do

Nascimento instalou-se no Capim Gordura, até mesmo sua esposa

reprovara a localização de seu investimento e seu sogro, Dídero Pessin, foi

175
RAIMUNDO BORGES CARVALHO: Nascido m Silvianópolis-MG em 18 de Outubro de 1948,
separado, pai de cinco filhos, engenheiro químico, pequeno empresário dono de uma fábrica de
plásticos, implementada nos terrenos da Zona do Capim Gordura em 1986. em 1987, estabeleceu-se
no centro da cidade com a família. Seu sogro foi responsável pela vigia do galpão de sua fábrica.

129
pego de surpresa, já que a ele caberia a coordenação e vigia do barracão

em construção. Já para que ela entrasse em funcionamento, depois de

pronta, foram necessárias algumas alterações na estrutura dos lotes,

compreendidas pela adequação dos geradores locais à necessidade de

consumo das máquinas que produziam os plásticos.

Depois, houve também a necessidade de instalação de linha

telefônica, que, de tão distante do centro, possuía custo exorbitante de

instalação por ser considerada rural176. A rede de saneamento básico

disponibilizada não incluía água encanada aos moradores da Zona, tendo

sido corrente a todas as casas a abertura de poços artesianos para atender

às necessidades do abastecimento de água. A energia elétrica era a

mínima necessária para o funcionamento de alguns eletrodomésticos.

Na atualidade, no entanto, o cenário não é menos desolador. Dos

111 lotes disponibilizados desde 1973, os quais, segundo a Prefeitura

Municipal, tinham toda a infra-estrutura necessária para o estabelecimento

das prostitutas e “donas de casa” removidas do centro, restaram muitos

sem comprador, tornando-se terrenos baldios. Neles e ao redor dos

paralelepípedos enfiados nas ruas de terra batida, o mato cresce e a

Prefeitura, em diferentes administrações parece esquecer a existência do

Loteamento Aeroporto.

Ainda em se tratando de novos vizinhos, em 1988 seria a vez de o

20º Batalhão de Polícia de Minas Gerais instalar-se no terreno de frente à

Zona e juntar-se à paisagem que passou a fechá-la à visibilidade de que

130
desfrutava ante a Avenida Prefeito Olavo Gomes de Oliveira. A construção

de um quartel da polícia foi apontada como o fim da Zona, tendo sido isso

declarado às prostitutas e “donas de casa” enquanto o prédio era erguido.

Mais uma vez, não o foi. Para descontentamento dos moralistas, os

pedreiros responsáveis pela construção do quartel freqüentavam o que

restava, e gradualmente, fechava, em temos de boate. Além disso, depois

de pronto, os próprios soldados pulavam os muros que separavam o

complexo da casa de Tereza Landro, lá permanecendo algumas horas em

companhia de suas inquilinas177. Quando a Zona do Capim Gordura

adentra a década de 1990, tinha-se, por certo uma outra cidade cujas

administrações se esqueceram do Capim Gordura.

Nesse sentido, o ato mesmo de se penetrar naquele território onde

antes pulsava uma Zona de prostituição causa impacto. As ruas, até hoje

sem qualquer tipo de calçamento, nos períodos de chuva tornam-se

lamaçais e nos períodos de calor fazem levantar uma poeira avermelhada e

incômoda, da qual não é possível se livrar. A Prefeitura Municipal alega

para os moradores que não há investimentos no setor porque eles não

pagam impostos, entretanto, todos eles afirmam pagar, sim, IPTU.

O que mais surpreende nesta experiência, porém, é perceber que

todo o som fica retido do lado de fora da Zona: o espaço está isolado e

parece ter sido hermética a vedação, pois todo o som de automóvel,

pessoas conversando e qualquer barulho é engolido por um silêncio ritmado

176
Maria Antonia de Souza, Op.cit.
177
Tereza Silva Landro, Op.cit.

131
pelas máquinas da fábrica de plásticos, ao fundo da rua, com seus ruídos

abafados. Sem contar que reforça essa sensação o fato de que, em volta

de todas as ruas do Loteamento Aeroporto, o asfalto faz surgir uma espécie

de “ilha urbana” a qual, nem de longe, dá indícios de que foi a rua

barulhenta que Dídero Pessin descreveu em seu depoimento:

“Olha nos... principalmente nos dois primeiros anos [de

residência na Zona, iniciada em 1986] era fora de série dia de

sexta feira, sábado e domingo. Essa rua era carro daqui até lá

em cima. Sexta feira, duas horas da tarde já começava as

máquinas funcionar e ali ia sábado, domingo. Ia para domingo

de tarde e amanhecia sem parar. Sem parar, porque parava

numa casa, começava na outra e assim ia... Uns dois anos foi

assim. Muito movimento certo, principalmente no tempo de

calor, em dia comprido e noite curta. Conforme a casa, fazia

churrasco e já começava a dançar e a beber e dançava

porque dentro das casas tinha lá seu salão...”178

A relação estabelecida entre Pessin e os habitantes da Zona,

conforme ele conta em outros momentos de seu depoimento, foi uma

relação de quase isolamento. Era comum que as mulheres conversassem

com ele buscassem certa proximidade, tentando manter uma relação de

132
conveniência, pois utilizavam o telefone da fábrica sempre que precisavam,

bem como recorriam aos serviços de encanador do depoente quando

alguma torneira apresentava problema.

A necessidade de distância refletiu o choque de Pessin com o

ambiente em que moraria, mas o choque foi superado com o tempo, tendo

ele inclusive se envolvido com uma inquilina do Capim Gordura, já no fim da

década de 1990. Da mesma maneira como as relações entre Benedito de

Andrade e a Zona, iniciadas em 1984, mostraram que, embora imersos no

mesmo território, cada um vivia a sua cultura, obedecendo a um certo

isolamento segundo o qual “eles vive o mundo deles, né? E a gente vive o

da gente... então, ali é muito bom para morar”.

Tudo na teoria. Na prática, a proximidade entre os mundos diferentes

separados por uma parede ou muro baixo, colocava umas sobre as outras a

vida de cada um deles. Tanto que o próprio Benedito chegou a comentar ter

acolhido em sua casa uma prostituta agredida, que, sem recursos, não

tinha para onde ir. Sem mencionar-se, claro, ter ele próprio vivido na Zona

durante dezesseis anos corridos.

As prostitutas e “donas de casa”, por seu turno estabelecidas na

região desde a década de 1980 mantiveram com o Capim Gordura uma

relação complexa através do processo de significação do lugar onde

viveram, transformando-o em território, do qual tiraram e fizeram as

condições que ora salvaram seus filhos do abandono e das dificuldades

178
DÍDERO PESSIN: natural de Laranjal Paulista, nascido em 1 de Maio de 1934, veio para Pouso
Alegre para trabalhar como vigia e coordenar a construção da fábrica de plástico do sogro. Pedreiro

133
financeiras179, de relações familiares tensas180, de grandes desilusões

amorosas181, bem como a si mesmas, desenvolvendo nelas força e

coragem para enfrentar os preconceitos que o mundo tem de sobra.

aposentado e divorciado, estabeleceu-se no Capim Gordura em 1986.


179
Tereza Silva Landro, Maria Antônia de Souza e Margarida Miranda, Op.cit.
180
Maria José Juarez e Marcílio Mendes, Op.cit.
181
Poliana de Andrade, Op.cit.

134
CONSIDERAÇÕES FINAIS

How much more important divisions between


people are than between countries.

Virginia Woolf

Ao final da ultima linha escrita, do ultimo capítulo, percebe-se que

este foi um trabalho, mais que qualquer outra coisa, sobre exclusão.

Manifesta, disfarçada, direta ou indireta, praticada de múltiplas formas, por

sujeitos variados, e que, por seu turno, foram expressas no desenho de

uma cidade que pretendeu alcançar um ideal de modernidade escolhendo

aqueles que deveriam participar dele.

Através de parte da história de sua Zona, ou das suas Zonas, de

Prostituição foi possível perceber o quanto a Pouso Alegre delineada pelo

trabalho com as fontes é uma cidade que não suporta a visibilidade da

diferença e menos ainda a sua integração. O quanto ela é uma cidade

provinciana que acreditou, conforme desejo de alguns “notáveis”, ser

importante em virtude de um rápido e descompassado crescimento, sem

perceber que ele próprio foi agente de transformação cultural e, portanto

135
desestabilizador das fronteiras rígidas, mas simbólicas, que costuravam

separando os territórios da cidade. Enfim, aumento de população urbana

que trouxe para a cidade a diluição das fronteiras que constituíram os

referenciais de pertencimento e que, mesmo depois de desfeitos, na

prática, foram mantidos na memória dos moradores mais antigos.

Dezessete anos se passaram desde a aprovação da nova

nomenclatura da antiga rua David Campista e quase trinta anos separam o

início da campanha de moralização da atualidade. Apesar de tanto tempo,

em cada linha de depoimento transcrita nestas páginas, a Zona aparece

como tabu para a cidade, viva na memória de seus habitantes até hoje. É

quando ela exibe a sua importância desconsiderada.

Em meio a toda a polêmica que a envolveu, foi significativo

apreender o quanto a “modernidade” e a industrialização mexeram com a

imaginação e com o comportamento pouso-alegrenses. De maneira tal, que

legitimaram ações pautadas no egoísmo e no preconceito, responsáveis

pela transformação de prostitutas e “donas de casa” em vilãs dos bons

costumes, da moral e do progresso, em dejetos sociais, em fantasmas,

cujos direitos eram a clausura e a invisibilidade, mas apesar de tudo,

necessárias ao seu bom funcionamento.

Os impactos da Zona de Prostituição na e para a historiografia da

cidade são minimizados. São submetidos à vista grossa, ao picaresco pelos

historiadores oficiais e memorialistas em suas histórias tradicionais.

Entretanto, é impossível dissociar a cidade de suas Zonas ao longo de todo

o período estudado, sendo ela mesma um referencial para a região, mais

136
que o próprio desenvolvimento que a imprensa local fazia questão de

divulgar.

Se a Zona não fosse tão importante, tão destacada e tão significativa

para Pouso Alegre, não haveria a necessidade de se travar uma campanha

moralizante contra ela, pois o tempo encarregar-se-ia de minimizá-la. Foi o

que os moralistas pensaram: ação rápida pelo fechamento e o peso do

tempo contribuindo para com seu esquecimento.

Em sua pequenez marginal, não raro, a Zona de Prostituição foi

maior que a cidade industrial a caminho: aparelho disciplinador e

higienizador social, território de divertimentos voltados ao público

masculino, personagem de destaque no imaginário local. A Zona foi tão

significante em sua “insignificância” que a população da cidade disse mais

sobre ela, para a pesquisa, que suas ocupantes, resultando nas muitas

lacunas e falhas existentes neste trabalho.

Enquanto personagem da cidade, à Zona, contudo, foi destinado

todo o tipo de imagem que tentasse compreendê-la, decifrá-la. Muitas delas

já prontas e acabadas, as quais precisaram ser desmistificadas,

desconstruídas, para depois, juntando os cacos, construir uma história

multifacetada que mostrou, dentro de suas possibilidades, a Zona não

somente como lugar de brigas, pois elas haviam, mas como território de

sociabilidades complexas e vulneráveis, como lugar de descontração,

identificação, dono de outros valores que a segregação permitiu serem

vividos, com regras e práticas particulares, desconhecidas do senso

comum.

137
Uma das maiores contribuições desta pesquisa, assim, fica em seu

ineditismo e na dificuldade imensa que foi trabalhar um objeto de estudo

sobre o qual ninguém nunca tinha se debruçado antes na cidade, através

de uma quantidade de fontes tão diversa, que, a cada entrecruzamento

apresentava uma complexidade progressivamente aumentada pela

multiplicidade de questões que deixava em aberto. Ou seja, este trabalho

termina deixando um corredor de portas abertas, expressas em termos de

fontes a serem estudadas e lugares de pesquisa, bem como em termos de

problemáticas a serem discutidas, lembrando este ter sido um trabalho

sobre Zona enquanto território urbano.

Olhando-se para trás, nas páginas que foram viradas, descortinou-se

um modelo de sexualidade no qual o homem encontrou todos os elementos

possíveis e imaginários para satisfazer suas fantasias e suas necessidades,

fossem elas de prazer sexual, fossem elas de referencias de família, amor,

carinho, inclusão, solidariedade etc. sob a anuência do chavão do “mal

necessário”, conceito que soava tão anacrônico para uma cidade “moderna”

às portas da década de 1980, mas que, em contrapartida, revelou o quão

importante foram o moralismo e o conservadorismo de uma sociedade

alicerçada sob instituições religiosas, na formação da cultura local,

evidenciando o enraizamento e a cristalização do preconceito.

Em dezenove anos de recorte, muitas decepções. Pelas fontes que

não foram acessadas e pelas tantas recolhidas, que, por indisponibilidade

de tempo, não foram trabalhadas. Pelas questões e possibilidades não

138
exploradas pela necessidade óbvia de se delimitar a pesquisa e suas

elucubrações constituintes.

Por último, e a mais significativa de todas as decepções enfrentadas

até a escrita deste parágrafo, pelo próprio descortinar de uma cidade que

muda, mas continua a mesma, com problemas de sociabilidade e práticas

exclusivistas e segregacionistas, que, guardadas as proporções e os

contextos, parecem tão semelhantes aos problemas envolvendo

preconceito, vividos na Pouso Alegre da década de 2000.

A cidade mudou de cara, porém, parece nunca ter mudado de alma.

139
FONTES

FONTES ORAIS

Alexandre Araújo, 82 anos, casado, aposentado como secretário executivo

da Câmara Municipal de Pouso Alegre, é atualmente coordenador do

Museu Municipal Tuany Toledo e reconhecido memorialista de Pouso

Alegre. 10/04/2002.

Benedito Pereira de Andrade, 59 anos, casado, aposentado e,

atualmente, lavrador. Estabeleceu residência dentro da Zona do

Loteamento Aeroporto, na década de 1980. 09/07/2003.

Breno José de Carvalho Coutinho, falecido (1919-2004), advogado e

professor universitário aposentado. Foi prefeito de Pouso Alegre pela

ARENA entre janeiro de 1971 e janeiro de 1973. 12/12/2003.

Didero Pessin, 70 anos, divorciado, pedreiro aposentado. Antigo morador

do Loteamento Aeroporto. 08/01/2003.

Eduardo Toledo, 61 anos, casado, advogado, jornalista, escritor e ex-

Secretário de Cultura de Pouso Alegre. Foi proprietário do periódico O

Jornal de Pouso Alegre, que circulou entre 1967 e 1978. 03/07/2003.

140
Firmo da Mota Paes, falecido (1937-2004). Foi farmacêutico, jornalista,

advogado e vereador por quase trinta anos pelo MDB e pelo PMDB. Esteve

à frente do jornal A Folha de Pouso Alegre entre os anos de 1969 a 1983.

05/07/2003.

Horma de Souza Valadares Meireles, 71 anos, casada, natural de São

Paulo-SP. Foi diretora do Conservatório Estadual de Musica de Pouso

Alegre durante a década de 1961 a 1984. 02/12/2003.

Jasmina Gubiotti Ferreira, 88 anos, natural de Muzambinho, aposentada.

Também conhecida como Geni, foi dona de uma pensão de mulheres na

Zona Boêmia central. 07/09/2002.

João Batista Rosa, 71 anos, viúvo, advogado, natural de Estiva. Foi

prefeito de Pouso Alegre pela ARENA 2 entre 1976 e 1982 e entre 1993 e

1997. 25/04/2003.

João Evaristo Pinto, 58 anos, casado, barbeiro. Filho de um ex-

proprietário de bar na rua David Campista, foi um dos primeiros a se mudar

para a Zona central desativada visando colaborar com sua moralização.

02/07/2003.

João Raimundo do Nascimento, 70 anos, casado, aposentado, dono do

bar mais antigo do Conjunto Habitacional São Cristóvão. 17/01/2003.

Josefina Francisca de Almeida, 55 anos, solteira, natural de Borda da

Mata, formada em Administração de Empresas. Trabalha como manicura

em Pouso Alegre desde 1965. 02/12/2003.

141
Maria Antônia de Souza, 55 anos, solteira. Empresária da noite, tendo

começado seus negócios no Capim Gordura. 13/09/2003.

Maria José Juarez, 43 anos, solteira, mãe de três filhas, natural de

Nepomuceno-MG. Foi trabalhadora do sexo na Zona do Loteamento

Aeroporto. 10/01/2003.

Marcílio Mendes de Sousa, 38 anos, solteiro, dono de bar, também

conhecido por Gina. Trabalhou como doméstica no Capim Gordura até abrir

uma casa de prostituição especializada em travestis. 16/07/2003.

Maria Ruth Vilela dos Santos, 76 anos, viúva, dona de casa, natural de

Pouso Alegre. Uma das moradoras mais antigas da região da Zona Boêmia.

11/12/2003.

Margarida Miranda, 60 anos, solteira, dona de casa, natural de São José

dos Campos. Foi trabalhadora e empresária do sexo na rua David

Campista, onde foi dona de um bar. Na Zona do Loteamento Aeroporto

continua explorando o comércio do sexo através de uma boate. 16/07/2003,

21/01/2004.

Moacyr Honorato Reis, 74 anos, barbeiro aposentado, natural de Pouso

Alegre. Ex-gigolô, de acordo com ele próprio, detém uma espécie de

discurso oficial sobre a prostituição na cidade. 10/05/2002, 28/05/2002,

21/12/2003.

142
Neuza Maria da Silva, 71 anos, divorciada, natural de Cruzeiro-SP. Mudou-

se para Pouso Alegre em 1973, residindo à rua Silviano Brandão, onde

manteve desde então, um ponto comercial até 1999. 04/12/2003.

Octávio Miranda Gouvêa, falecido (1928-2003), dentista aposentado e

destacado memorialista pouso-alegrense, tendo publicado alguns livros

sobre a história da cidade. 06/09/2002.

Poliana de Andrade, 65 anos, solteira, costureira aposentada, natural do

interior de São Paulo. Ex-trabalhadora do sexo na rua David Campista e ex-

empresária da noite, tendo mantido uma casa na Zona do Loteamento

Aeroporto até 1999. 09/01/2003.

Raimundo Borges Carvalho, 55 anos, divorciado, proprietário de uma

fábrica de plástico localizada no Loteamento Aeroporto. 10/12/2003.

Rubens de Barros Laraia, 56 anos, casado, professor universitário, natural

de Pouso Alegre. Em seu período de serviço militar, entre 1966 e 1967, foi

designado uma vez para fazer o patrulhamento noturno da cidade. Na

década de 1970, trabalhou como recenseador para o levantamento do

IBGE. 10/12/2003.

Sebastião Alves da Cunha, 61 anos, casado, proprietário de uma casa de

pesca. Foi vereador de 1971 a 1989, tendo sido o mais ferrenho adversário

da Zona de Meretrício no centro da cidade. 21/07/2003, 22/01/2004.

143
Simão Pedro de Toledo, 65 anos, casado. Atual presidente do Tribunal de

Contas do Estado de Minas Gerais. Foi presidente da Câmara Municipal

entre 1971 e 1972 e prefeito de Pouso Alegre por dois mandatos, o

primeiro, de 1973 a 1976 e o segundo, de 1983 a 1988. 23/01/2004.

Tereza da Silva Landro, 66 anos, abandonada pelo marido, atualmente é

dona-de-casa. Foi trabalhadora e empresária do sexo na Zona do

Loteamento Aeroporto. 17/07/2003.

Valquíria de Castro Corrêa, 50 anos, professora primária desempregada,

casada, mãe de dois filhos. Foi aluna da Escola Normal Santa Dorotéia.

09/09/2002

Vera Lúcia da Silva, 58 anos, dona de casa, casada. Uma das primeiras

moradoras do Conjunto Habitacional São Cristóvão que estabelece vínculos

com as ocupantes da nova Zona de Prostituição. 16/01/2003.

FONTES IMPRESSAS

O JORNAL DE POUSO ALEGRE. Pouso Alegre: 1967-1978. tiragem de

1500 exemplares por semana

A FOLHA DE POUSO ALEGRE. Pouso Alegre: 1969-1983. tiragem de 1500

exemplares por quinzena.

A GAZETA DE POUSO ALEGRE: Pouso Alegre: 1977-?. Tiragem de 2000

exemplares por quinzena.

REVISTA POUSO ALEGRE 150 ANOS. s.n. Pouso Alegre; Ipsis, 1998.

144
FONTES ESTATÍSTICAS

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA-IBGE. Tabela

202 – população residente por sexo e situação (1970, 1980, 1991).

Disponível in http://www.sidra.ibge.gov.br em 18 de Março de 2005.

MEMÓRIAS ESCRITAS

Um ensaio Histórico da OPM. s.n. Pouso Alegre; Polícia Militar do Estado

de Minas Gerais/ 20º Batalhão de Polícia Militar, s.d.

REIS, Moacir Honorato. Memórias de um bom malandro. Pouso Alegre;

Graficenter, 1993.

TOLEDO, Eduardo A. O. Estórias do Mandu. Pouso Alegre; Academia

Pouso Alegrense de Letras, 1998.

ABAIXO-ASSINADOS

ABAIXO-ASSINADO encaminhado ao Sr. Dr. Jésus R. Pires: Autoridade

Sanitária de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 1/11/1969.

ABAIXO-ASSINADO encaminhado ao Exmo. Sr. General Francisco Mattos

Junior: D.D. Cmt. (sic) da AD/4 e Guarnição Militar de Pouso Alegre, MG.

Pouso Alegre, 16 de novembro de 1971

ABAIXO-ASSINADO encaminhado ao Exmo. Sr. General Francisco Mattos

Junior: D.D. Cmt. (sic) da AD/4 e Guarnição Militar de Pouso Alegre, MG.

Pouso Alegre, 16 de novembro de 1971.

145
FONTES OFICIAIS

Atas da Câmara Municipal:

ATAS da Câmara Municipal. Pouso Alegre, 22 de Maio de 1972 a 29 de

Março de 1974. Museu Histórico Municipal Tuany Toledo/ Câmara

Municipal de Pouso Alegre, tomo 121.

ATAS da Câmara Municipal. Pouso Alegre, 09 de Dezembro de 1975 a 28

de Março de 1977. Museu Municipal Histórico Municipal Tuany Toledo/

Câmara Municipal de Pouso Alegre, tomo 123.

ATAS da Câmara Municipal. Pouso Alegre, 04 de Abril de 1977 a 17 de

Abril de 1978. Museu Histórico Municipal Tuany Toledo/ Câmara Municipal

de Pouso Alegre, tomo 124.

Documentos de arquivo:

ORDEM de serviço 96. Pouso Alegre, 07/08/1973. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 97. Pouso Alegre, 07/08/1973. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 98. Pouso Alegre, 08/08/1973. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 100. Pouso Alegre, 10/08/1973. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 204. Pouso Alegre, 22/04/1974. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

146
ORDEM de serviço 224. Pouso Alegre, 20/06/1974. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 247. Pouso Alegre, 08/08/1974. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 260. Pouso Alegre, 30/08/1974. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 265. Pouso Alegre, 01/10/1974. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 266. Pouso Alegre, 01/10/1974. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 276. Pouso Alegre, 08/11/1974. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 308. Pouso Alegre, 12/06/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 322. Pouso Alegre, 08/07/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 323. Pouso Alegre, 10/06/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 347. Pouso Alegre, 11/09/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 359. Pouso Alegre, 24/09/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 360. Pouso Alegre, 24/11/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

147
ORDEM de serviço 364. Pouso Alegre, 14/11/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 370. Pouso Alegre, 14/11/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 371. Pouso Alegre, 04/11/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 372. Pouso Alegre, 13/11/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 392. Pouso Alegre, 17/12/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 415. Pouso Alegre, 27/11/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 416. Pouso Alegre, 27/11/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 417. Pouso Alegre, 16/12/1975. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 412. Pouso Alegre, 17/02/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 413. Pouso Alegre, 18/02/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 414. Pouso Alegre, 18/02/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 418. Pouso Alegre, 12/02/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

148
ORDEM de serviço 419. Pouso Alegre, 01/02/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 428. Pouso Alegre, 23/02/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 429. Pouso Alegre, 23/02/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 436. Pouso Alegre, 09/03/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 437. Pouso Alegre, 09/03/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 388. Pouso Alegre, 22/01/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 389. Pouso Alegre, 03/02/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 394. Pouso Alegre, 03/02/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 526. Pouso Alegre, 02/09/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 540. Pouso Alegre, 21/09/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 541. Pouso Alegre, 21/09/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 549. Pouso Alegre, 04/10/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

149
ORDEM de serviço 574. Pouso Alegre, 04/11/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 575. Pouso Alegre, 04/11/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 525. Pouso Alegre, 02/09/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 528. Pouso Alegre, 31/08/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 527. Pouso Alegre, 02/09/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 564. Pouso Alegre, 18/10/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 591. Pouso Alegre, 30/11/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 592. Pouso Alegre, 30/11/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 593. Pouso Alegre, 30/11/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 594. Pouso Alegre, 30/11/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 598. Pouso Alegre, 06/10/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 608. Pouso Alegre, 07/12/1976. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

150
ORDEM de serviço 623. Pouso Alegre, 18/01/1977. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 622. Pouso Alegre, 21/01/1977. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 625. Pouso Alegre, 25/01/1977. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 633. Pouso Alegre, 03/01/1977. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 634. Pouso Alegre, 03/01/1977. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 635. Pouso Alegre, 03/01/1977. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 636. Pouso Alegre, 03/01/1977. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 640. Pouso Alegre, 24/01/1977. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 641. Pouso Alegre, 26/01/1977. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 984. Pouso Alegre, 22/07/1983. Prefeitura Municipal de

Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 1331. Pouso Alegre, 13/08/1987. Prefeitura Municipal

de Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

ORDEM de serviço 1381. Pouso Alegre, 30/10/1987. Prefeitura Municipal

de Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

151
ORDEM de serviço 1414. Pouso Alegre, 03/05/1988. Prefeitura Municipal

de Pouso Alegre, Departamento de Patrimônio.

Documentos cartoriais:

1º TABELIONATO DA COMARCA DE POUSO ALEGRE. Escritura. Livro

099, folhas 10, 20/12/1965. Maise Moreira Miranda Swerts, tabeliã do

Primeiro Tabelionato desta cidade, certifica a pedido de parte interessada,

que, revendo em suas notas o livro 99, as folhas n° 10, encontrou lavrada

uma escritura do seguinte teor: escritura de compra e venda de imóvel

urbano que faz Dolores Maria de Jesus a Margarida Leite, no valor de

Cr$280.000 (duzentos e oitenta mil cruzeiros).

1º TABELIONATO DA COMARCA DE POUSO ALEGRE. Escritura. Livro

98, folhas 045 e 046, 25/01/1966. Maise Moreira Miranda Swerts, tabeliã do

Primeiro Tabelionato desta cidade, certifica a pedido de parte interessada,

que, revendo em suas notas o livro 98, as folhas n° 045/046, encontrou

lavrada uma escritura do seguinte teor: escritura de compra e venda de

imóvel que fazem Argentino de Paula e Margarida Leite, no valor de

Cr$2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil cruzeiros).

TABELIONATO DO 7º OFÍCIO DE NOTAS. Escritura pública de doação,

1292, livro SO-D, folhas 107 vº, 18/10/1976. escritura pública de doação

que o Estado de Minas Gerais faz à Companhia de Habitação do Estado de

Minas Gerais – COHAB-MG.

152
REGISTRO DE IMÓVEIS. Escritura pública de desapropriação. 39770, livro

3-AF, folhas 251, 24/07/1973. escritura pública de desapropriação do imóvel

neste distrito, passada em 04 de julho de 1973 por Anardino Delfino da

Silva, viúvo, a Prefeitura Municipal de Pouso Alegre.

Leis e Projetos de Leis:

POUSO ALEGRE. Lei Municipal n. 1.228, de 18 de Junho de 1973.

Loteamento. Prefeitura Municipal de Pouso Alegre.

POUSO ALEGRE. Lei Municipal n. 1.635, de 18 de Outubro de 1977.

Dispõe sobre a doação de terreno para a instalação do Comando de Área

da Polícia Militar de Minas Gerais. Prefeitura Municipal de Pouso Alegre.

POUSO ALEGRE. Lei Municipal n.2.287/88, de 26 de Outubro de 1988.

Denominação de via pública: “Rua Dr. Joaquim Coelho Junior” –

(Advogado: 1902/1987).

POUSO ALEGRE. Projeto de Lei n. 1.490, de 17 de Novembro de 1969.

Dispõe sobre o funcionamento e organização da estação rodoviária.

Câmara Municipal de Pouso Alegre. 20 p.

POUSO ALEGRE. Projeto de Lei n.1508, de 09 de Março de 1970.

Regulamento do Serviço Municipal de Higiene e Saúde de Pouso Alegre.

Câmara Municipal de Pouso Alegre/ Comissão de Finanças, Justiça e

Legislação/ Comissão de Educação, Saúde e Assistência à Infância. 76 p.

POUSO ALEGRE. Projeto de Lei n.1.704, de 03 de Julho de 1972. Dispõe

sobre o fechamento da zona do meretrício. Câmara Municipal de Pouso

Alegre. 12 p.

153
Mapas:

CARVALHO, Fábio. Projeto Urbanístico: Conjunto Habitacional João Batista

Pereira Bernardes – Chapadão. Modelo 4.1. S.l.: COHAB-MG, 1977. Escala

1:1000.

POUSO ALEGRE-MG. BASE AEROFOTOGRAMETRIA E PROJETOS S.

A. Carta digital planialtimétrica 2710-1UR. S.l.: fevereiro/ 2001. Escala

1:2000.

POUSO ALEGRE-MG. BASE AEROFOTOGRAMETRIA E PROJETOS S.A.

Carta digital planialtimétrica 2710-1VM. S.l.: fevereiro/ 2001. Escala 1:2000.

PREFEITURA MUNICIPAL DE POUSO ALEGRE. Loteamento Aeroporto.

s.n.t.

154
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ABRÃO, Janete. Pesquisa e História. Coleção História vol.51. Porto Alegre:


EDIPUCRS, 2002.

ADLER, Laure. A vida nos bordéis de França 1830-1930. Coleção Pequena


História. Lisboa: Terramar, 1993.

AMADO, Janaína. O grande mentiroso: tradição, veracidade e imaginação


em história oral inRevista História - 14. São Paulo: Universidade Estadual
Paulista, 1995. pp.125-136.
_______. A culpa nossa de cada dia: ética e história oral in Revista Projeto
História n.15. São Paulo: Programa de Estudos Pós-Graduados em História
da PUC-SP – Educ, 1997. pp.145-155.

ANSART, Pierre. História e memória dos ressentimentos in BRESCIANI,


Maria Stella e NAXARA, Márcia (Org). Memória e (res) sentimento:
indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Editora da UNICAMP,
2001. pp.15-36.

ARANTES, Antonio Augusto. Paisagens Paulistanas: transformações do


espaço público. Campinas: Editora da UNICAMP – Imprensa Oficial, 2000.

ASSIS. Eduardo Moreira. Por trás da mudança, uma nova cidade:


prostituição e discurso do progresso na cidade de Pouso Alegre-MG in
Anais do V CIEIA – Congresso Internacional de Estudos Ibero-Americanos.
Programa de Pós-Graduação em História/ PUC-RS. Setembro de 2003.
Porto Alegre-RS.
______. Outras Visões, Outras Versões: prostituição, cotidiano e memória
na cidade de Pouso Alegre-MG (1945-1990). Pouso Alegre: 2002. 51f.
Monografia (TCC em História Social) – Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras Eugênio Pacelli – UNIVÁS-Universidade do Vale do Sapucaí.

155
AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de Nomes Termos e
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163
ANEXOS

Os anexos a seguir obedecem a seguinte seqüência:

1- Mapa rodoviário, gentileza de uma casa de xerocópias da cidade.

2- Mapa da articulação urbana de Pouso Alegre, extraído de Guia Pouso

Alegre 2003. Ver sessão Fontes.

3- Mapa da região da Zona Boêmia central, com grifo em vermelho sobre a

rua David Campista e as demais vias que lhe cortavam ou lhe eram

paralelas, extraídos do Guia Pouso Alegre 2003. Ver sessão Fontes.

4- Mapa da região central da cidade de Pouso Alegre, complementação do

mapa anterior. Extraído de Guia Pouso Alegre 2003, ver sessão Fontes.

5- Mapa do Bairro São Cristóvão e do Loteamento Aeroporto, destacado

por um retângulo que delimita sua articulação, visto que não constava

indicação do nome do bairro. Extraído de Guia Pouso Alegre 2003, ver

sessão Fontes.

6- Declarações anexadas ao texto do Projeto de Lei 1.704, num total de

três, sendo elas idênticas entre si e nos seus propósitos.

7- Recorte de jornal anexado ao texto do Projeto de Lei 1.704, o qual não

foi localizado no Arquivo do Estado de São Paulo por uma questão de

tempo, não se tratando do documento enquanto prova, mas sim uma

prova da existência do documento e da lacuna deixada pela pesquisa.

164

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