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O DESENVOLVIMENTO DO NEOPENTECOSTALISMO BRASILEIRO: ESBOÇOS SOBRE A

POSITIVIDADE DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA NOS DIAS DE HOJE.

Nina Gabriela Rosas 1


rosasnina@gmail.com

Considerações iniciais

Chama atenção nos dias de hoje a ampla gama de possibilidades evangélicas. Desde protestantes
mais clássicos como presbiterianos e batistas (considerados históricos) a grandes igrejas pentecostais,
pequenos desdobramentos oriundos da cisão ou fusão de ambas, além de entidades paraeclesiásticas.
Mas ainda assim, o cenário religioso contemporâneo é dos neopentecostais (conceito que será
trabalhado mais adiante que consiste na vertente pentecostal surgida a partir da década de 70).
Disparadamente, esse novo pentecostalismo cresce em número, em visibilidade, nas estratégias de
discurso, no tamanho e majestade das igrejas. Algumas análises de dados do IBGE (feitas por Ricardo
Mariano, 1999; Pierucci, 2000 e 2006; Cardoso, A., Leite C. e Nogueira, R., 2002) mostram que
atualmente no Brasil o crescimento de evangélicos _ por evangélicos, o IBGE classifica protestantes
fiéis de igrejas oriundas da Reforma Protestante, pentecostais e neopentecostais _ é bem maior que
nos anos anteriores. Apesar de um terço da população brasileira se declarar católica, os evangélicos
nas últimas décadas cresceram 67,3%, elevando sua taxa de crescimento médio anual para 7,9%.
Segundo mostram várias interpretações do Censo, em 1940, os evangélicos perfaziam apenas 2,6% do
total da população brasileira, já em 2000, totalizavam 15,4%. Tal crescimento, contudo, não se deveu
às igrejas do protestantismo histórico. Estas, ao contrário, apresentaram taxa de crescimento negativa,
de -0,4%. Em contraste, o pentecostalismo aumentou e tem aumentado vertiginosamente o número de
fiéis, atingindo a cifra de 8.179.666 adeptos, ou seja, 65% dos cristãos evangélicos do Brasil.
O fenômeno do pentecostalismo brasileiro chama atenção também pela visibilidade que tem
alcançado pela aparição na mídia e pelo envolvimento freqüente de alguns de seus fiéis na política
partidária. Imagina-se também que seu sucesso é em parte devido ao fato de possuir diversos traços
de continuidade com o catolicismo popular latino-americano (Mariano, 1999). Antenados e talvez
tocados por seu crescimento eminente, vários pesquisadores da sociologia e da antropologia da
religião têm se dedicado ao estudo desse grupo. E inúmeros são os esforços da literatura (digo aqui
especialmente sociológica) para classificar e tipologizar as igrejas pentecostais. Há um relativo
consenso no que tange às igrejas denominadas de pentecostais clássicas (história do pentecostalismo
no Brasil retirada de Ricardo Mariano, 2005). As classificações do CEDI (Centro Ecumênico de

1
Mestranda em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, bolsista CNPq.
Documentação e Informação), as análises de Mendonça de 1989 e as de Brandão de 1980, para além
das peculiaridades de suas categorizações, atestam que as primeiras igrejas pentecostais a chegarem
ao Brasil em 1910- 1911 , sendo elas a Congregação Cristã do Brasil fundada pelo missionário italiano
Louis Francesco, em São Paulo e no Paraná e a Assembléia de Deus, fundada por Gunnar Vingren e
Daniel Berg, suecos que se instalaram em Belém do Pará, sendo os três, discípulos de William H.
Durham em Chicago. Ricardo Marino, pautado na classificação de Paul Freston divide o
desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil em três ondas, e é essa classificação que é seguida
nesse trabalho. Portanto, essa é a primeira onda, caracterizada pelas igrejas Assembléia de Deus e
Congregação Cristã que se caracteriza por agregar membros de pouca escolaridade e pequena renda,
apresentar forte resistência com o catolicismo, acreditar na volta imediata de Cristo e no paraíso como
redenção dos sofrimentos terrenos e dar grande ênfase ao dom de línguas. Além disso, esses crentes
apresentavam um comportamento radical de sectarismo e ascetismo de rejeição do mundo.
Já a segunda onda é marcada pela implantação de outras igrejas no território brasileiro na
década de 50. Contrário a algumas classificações, Marino mostra que essas igrejas de segunda fase
do pentecostalismo não foram oriundas de cisões das igrejas já existentes, antes, foram fragmentação
denominacional fruto da Cruzada Nacional de Evangelização coordenada pelos missionários
americanos Harold Williams e Raymond Boatright, ex-atores de filmes faroestes e vinculados à
International Church of Foursquare Gospel, que trazida para o Brasil foi chamada de Igreja do
Evangelho Quadrangular. Essa campanha da Cruzada enfatizava a cura divina centrada no
evangelismo de massa e atingia a camadas mais pobres da população. No sucesso desse proselitismo
surgiram: a igreja Brasil para Cristo, em São Paulo, no ano de 1955, a igreja Deus é Amor, também em
São Paulo, em 1962, a Casa da Benção, em Belo Horizonte, em 1964 e várias outras de expressões
menores. De acordo com Beatriz Muniz de Souza (apud Mariano, 2005) o núcleo teológico-doutrinário
dessas igrejas quase não apresentou mudanças em relação às igrejas da primeira onda, salvo na
ênfase nos dons do Espírito, que enquanto a Assembléia de Deus e a Congregação cristã enfatizavam
a glossolalia, as igrejas que surgiram em torno da década de 50 enfatizavam o dom de cura divina.
Com exceção da crença na predestinação que era mantida pela Congregação Cristã do Brasil, a
proximidade teológica entre essas igrejas pode ser atribuída pelo fato da igreja Quadrangular vinda dos
EUA (que deu origem à segunda onda), compartilhar das mesmas doutrinas dos missionários
estrangeiros que fundaram as igrejas de primeira onda.
O neopentecostalismo é chamado de novo pentecostalismo no Brasil por diferir em muito das
características das igrejas de primeira e segunda onda. Ricardo Mariano não se aborrece em usar o
termo neopentecostais. Esse termo já tem se consolidado ao tratar desse assunto na sociologia da
religião e quase não corre o risco mais de ser confundido com movimentos norte-americanos, visto que
atualmente nos EUA os dissidentes pentecostais de igrejas protestantes são denominados
carismáticos. Essa terceira onda aparece em meados dos anos 70 e 80 com o surgimento da igreja
Universal do Reino de Deus e Internacional da Graça de Deus, além das igrejas Renascer em Cristo e
Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra. Os neopentecostais, contrariamente aos pentecostais das
primeiras ondas, promoveram grande liberdade quanto às representações em torno do corpo,
exacerbaram a guerra contra o diabo, aderiram e acentuaram a pregação da Teologia da Prosperidade
_ de que se deve usufruir dos bens que Deus reservou aos seus filhos ainda na terra. Como exemplo,
na página online da Igreja Universal (26/11/2007) constava os seguintes dizeres: “Medo. É exatamente
o que impede muita gente de sair da caverna. Diz a Bíblia que Gideão se revoltou, partiu para o tudo ou
nada, arriscando a própria vida". Essa era uma das chamadas da Novena que sempre acontece aos
domingos. E ainda continuava: “Deus se sente indignado, revoltado, porque as pessoas que não têm
absolutamente nada a ver com Ele estão aí, vivendo bem, comendo do bom e do melhor, e o Seu povo,
comendo das migalhas, vivendo na mais completa miséria”, ressaltava o bispo, orientando a todos que
estavam nessa condição a não aceitarem mais o fracasso, tendo em vista a grandeza do Deus que
serviam. Ainda, as pessoas eram convidadas a participarem da Fogueira Santa de Israel, onde faziam
sacrifícios (especialmente de origem financeira) para a “materialização da fé para a conquista do
impossível”. Apesar de a Igreja Universal ser a mais citada (e talvez a mais radical nesses pontos
colocados) nas outras igrejas do neopentecostalismo também é possível notar o uso crescente de
objetos sagrados, a ampla liberdade das emoções e expressões e a acentuada catarse individual e
coletiva. Outra característica que aparece paralela à guerra contra o diabo, à pregação da teologia da
prosperidade e à ruptura com o sectarismo e ascetismo pentecostal tradicional, é a estruturação
empresarial dessas igrejas, algumas inclusive com fins lucrativos. Outra novidade ainda mais
acentuada nessa nova experiência religiosa é a realização crescente de obras sociais, a participação
na política partidária, nos postos de poder e nos setores público e privado e o uso religioso da TV e do
rádio. Diferentemente dos pentecostais, há um rompimento com a relação de dependência entre estado
de santidade (estar cheio do Espírito) e as distinções ascéticas de aparência. De fato, já não se
distingue mais alguns evangélicos por hábitos como deixar de usar maquiagem, saias longas, recusa a
ouvir músicas “do mundo” ou a participar de um churrasco de faculdade. Há um crescente processo de
“mundanização”, em que as fronteiras do mundo e da igreja estão cada vez menos acentuadas. Ao
invés de rejeitarem o mundo, esse novo pentecostalismo passa a afirmá-lo, uma vez que o principal
sacrifício exigido por Deus são os dízimos e ofertas polpudas. Nesse ínterim, as igrejas do
protestantismo histórico também tem se deixado afetar pelo movimento do Espírito Santo trazido pela
onda pentecostal. Em 1996, a pesquisa “Novo Nascimento” do ISER criou a categoria “históricas
renovadas” para se referir a outras denominações que acreditavam na contemporaneidade dos dons do
Espírito, denominações essas oriundas de cisões de igrejas protestantes históricas a partir da década
de 60. Wania Mesquita ressalta que essa nova forma de religiosidade, essa distinta configuração
pentecostal, é um ajustamento ao mundo moderno, uma acomodação à cultura de consumo. Afastando
os fiéis das raízes sectárias e ascéticas próprias ao pentecostalismo de primeira e segunda onda, o
neopentecostalismo é quase incapaz de promover inovações sociais, se envolvendo em um processo
de assimilação cultural, de rivalidades com outras religiões, de importações das teologias norte
americanas, de distanciamento do protestantismo, conforme afirma Ricardo Mariano.
A proposta desse trabalho consiste em retornar (essa idéia de retorno pós-moderno está
presente em Otávio Velho, 1995) ao neopentecostalismo, no sentido de se fazer revolver e repensar
posições teóricas algumas muito aceitas e bem vistas, outras tidas por ultrapassadas, e ainda outras
desconsideradas no que tange aos estudos dessa experiência contemporânea de religiosidade
evangélica. O esforço desse trabalho está em trazer outras abordagens para a compreensão do
fenômeno neopentecostal, “oxigenando” as perspectivas correntes, abrindo à discussão essa
expressão religiosa, apresentando outro diálogo que não tem a pretensão de fazer uma crítica ou
falsear as proposições atuais, mas antes, de erguer _ não novas _ mas diferentes possibilidades de
debate. De todo modo, para além da defesa dos neopentecostais _ o que não caberia, nem se tem a
intenção de assim o fazer _ esse trabalho tenta esboçar, aguçar, perturbar essa visão doxal que tem se
estabelecido sobre a experiência religiosa (neo) pentecostal abrindo mal da tentativa de acordar ou
refutar e ariscando apontar a positividade da perspectiva do sujeito _ mesmo que parcialmente
responsável _ ativo e reativo em sua religião. Para fazer esse exercício, é trazido um pouco do
pensamento de Gianni Vattimo, filósofo e fiel à religião.
Faz-se necessário fazer um registro quanto à proveniência desse trabalho. Antes de qualquer
coisa e acima de tudo é preciso agradecer aos alunos de pós-graduação e à Prof. Dra. Léa Freitas
Perez, pelas discussões enriquecedoras e instigantes de sua parte na disciplina _ “Religião e
Sociedade” cursada nesse primeiro semestre de 2009, no Programa de Pós Graduação em Sociologia
da UFMG. Todo esse trabalho não seria possível fora desse contexto e oportunidade singular da qual
uma enorme gratidão é aqui registrada.

Vattimo, o sentido outro de religião


Pensar em religião se tornou distinto a partir do contato com a obra de Gianni Vattimo. Seu
pensamento não deixa de lado o contexto italiano e sua condição de militante, homossexual e
comunista, mas traz uma filosofia marcada pela escrita pessoal de experiência religiosa que é “boa
para pensar”. De antemão, inúmeras implicações estariam em jogo ao utilizar das noções de retorno,
positividade, ontologia débil e caridade _ propostas por Vattimo _ para pensar o movimento
neopentecostal no Brasil. Ainda sim, isso não é um contra-senso, problema ou anacronismo. Uma das
possibilidades propostas pelo autor consiste no fato de a religião se constituir na abertura à
interpretação, tradução, discussão; o que conduz esse trabalho à reflexão sobre diversos significados
do que é ser, e de quais são as decorrências da vivência neopentecostal.
Vattimo tem uma grande obra da qual a maior parte das observações que aqui se fazem são
referentes a duas delas: “Acreditar em Acreditar” e “O futuro da religião”. Assumindo que o estudo da
religião requer sempre uma escrita pessoal e comprometida, o autor faz uma leitura dos dias de hoje
(assim como diversos outros estudiosos das religiões) como momento em que há um ressurgimento da
sensibilidade religiosa. E para ele, o retorno da religião não se trata de reencontrar uma origem perdida
ou esquecida ou de afirmar um verdadeiro, tornando o passado inteiramente presente; mas antes, de
“recordar que ela (origem) sempre foi esquecida e que a recordação desse esquecimento e dessa
distância é aquilo que constitui a única experiência religiosa autêntica” (Vattimo, 1996). A religião se
percebe como uma construção na qual os alicerces estão bem longe das vistas. Sendo assim, a
proposta de retornar ao neopentecostalismo não trata de sugerir uma nova perspectiva de
compreensão dos neopentecostais, mas sim de pensar uma outra percepção, ciente de que tal tarefa
não exclui a possibilidade de modificação do seu próprio ponto de vista (conforme já preconizou
Bakthin na obra O pesquisador e seu outro). E é exatamente isso que faz Vattimo, em toda sua relação
com a religião, visto principalmente no que tange à defesa da interpretação das Escrituras, algo que o
próprio cristianismo solicita que seja feito.
No exercício de retorno à religião, o autor percebe a permanente discrepância da não
coincidência do fórum interior com o mundo exterior levando a reações diversas das quais se destaca a
renúncia da tentativa de ajustar essa diferença. Aparece assim a esperança de que essa coincidência
irrealizável no tempo histórico possa se realizar num tempo diferente. Isso parece trazer a idéia de uma
esperança cristã em que o cumprimento da redenção não está em descontinuidade com a história de
vida média dos seres humanos e com os projetos terrenos. Outra ligação da religião como retorno
aparece frente à grande quantidade pouco resolúvel de problemas da modernidade tardia, tais como
questões biotécnicas, ecológicas e de violência, entre outras. Além disso, valendo das próprias
palavras desse autor: “... o regresso de Deus na cultura e na mentalidade contemporânea tem a ver
também com as condições de derrota em que parece situar-se a razão diante de tantos problemas que
aumentaram nos tempos mais recentes...” (Vattimo, 1996).
A crise da modernidade apontada pelo autor significava também para ele uma crise das
principais correntes filosóficas vigentes. Frente a isso, hoje, as religiões não são mais experiências
residuais, mas aparecem novamente como guias para o futuro. Vattimo se inspira na filosofia de
Nietzsche e Heidegger e no que tange a tais interpretações e discussões esse trabalho confessa sua
ignorância e se limita apenas a reproduzi-las conforme o autor e no que importaria na tentativa de
trazer à discussão as decorrentes contribuições do pensamento de Vattimo para o repensar da religião
neopentecostal. Gianni Vattimo toma o niilismo como “ponto de chegada da modernidade” e o pensa
em seu sentido positivo que “nada mais é do que o enfraquecimento das categorias caras ao
pensamento onto-teológico, logo-fonocêntrico e etnocêntrico em sua variante ocidental moderna”
(Perez, s/data). A consciência disso é o fim da metafísica, a não existência de um mundo verdadeiro, a
não aceitação do pensamento que identifica o ser com o objeto diante do qual se assume uma atitude
contemplativa, de silêncio maravilhado. O ser e a realidade são produtos e posições do sujeito uma vez
que caem as estruturas fortes da certeza do real exterior, o que não implica na proposição de uma
visão mais verdadeira que a do ser como objeto, mas antes, na tentativa de sair desse horizonte de
pensamento que se mostra inimigo da liberdade e da historicidade do existir (Vattimo, 1996). Frente a
isso Vattimo abandona as grandes visões metafísicas globalizantes, e mais consciente dos limites que
elas apresentavam, pensa um “pensamento débil”, o que implica numa “teoria débil como traço
constitutivo do ser na época do fim da metafísica”. Ele pensa o ser como não identificado em sentido
nenhum como o objeto. Ele faz dessa leitura da história do ser e da metafísica um fio condutor, a saber,
o debilitamento das estruturas fortes como transcrição da doutrina cristã da encarnação do filho de
Deus. Isso, em outras palavras, é o sentido da relação entre filosofia e mensagem cristã na medida da
secularização, ou seja, na medida de uma ontologia do debilitamento anunciada pela encarnação do
filho de Deus, que é a kenósis. Com isso, Vattimo traz outro sentido à encarnação, apontando que
Jesus não havia vindo para ser uma vítima à ira de Deus, mas sim, a fim de romper com nexo entre a
violência e o sagrado e a sua morte foi como um reflexo da não tolerância da humanidade a sua
mensagem, tamanha a tradição do vínculo entre religiões sacrificiais e violência. A perspectiva vitimária
de Jesus que ainda é sustentada nas igrejas hoje seria para o autor apenas resquícios de religiões
naturais ainda persistentes em algumas expressões do cristianismo. Isso exemplifica e sustenta com
rigor a tese de Vattimo de que a revelação ainda está em curso, e objetivando a dissolução do sagrado
enquanto ente violento e causador de desavenças, sabe-se assim, que ela não está inteiramente
concluída. A partir dessa perspectiva é possível contemplar o fim da religião enquanto uma natural
propensão do homem para se pensar dependente de um ser supremo que passa a ser concebido como
uma projeção dos desejos humanos; mas isso não significa o fim da fé cristã. Nesse ponto vale uma
reprodução integral das palavras de Vattimo demonstrando as características do Deus pós-metafísico e
rebaixado:
“A encarnação, isto é, o rebaixamento de Deus a nível do homem,
aquilo que o Novo Testamento chama a kenosis de Deus (em nota de
rodapé: Cfr. Paulo, Carta aos Filipenses 2:7), deverá ser interpretada
como sinal de que o Deus não violento e não absoluto da época pós-
metafísica tem como traço distintivo a mesma vocação para o
debilitamento de que fala a filosofia de inspiração heideggeriana”
(Vattimo, 1996, p. 30).

A partir dessa afirmação sobre a experiência kenótica o autor resgata que a noção de
secularização _ processo de deriva que promove a libertação das origens sagradas _ não é um modo
de afastamento do Cristo, mas sim de aproximação, uma vez que se traduz no efeito positivo dos
ensinamentos de Jesus. A sociedade moderna se assenta sobre a égide da herança hebraico-cristã,
sobre uma ontologia débil, ou seja, a secularização em seu sentido positivo. Dessa ontologia débil
deriva uma ética da não violência e por atuar uma ética da não violência os homens são conduzidos a
uma ontologia débil. Essa circularidade promovida pelo autor é de suma importância a fim de que se
reconheça a história do ser em seu sentido redutor, não pensando Deus como o violento opressor, mas
como um amigo que revela as coisas essências aos pequeninos. O pensamento já não é mais pensado
como o reflexo de estruturas fortes (objetivas), mas se arisca na interpretação outra das Escrituras e do
ser. A secularização ressalta-se novamente, não implica no afastamento do cristianismo, mas sim em
sua realização plena, purificando a fé cristã pela dissolução progressiva dos elementos de religiosidade
natural, realizando-se no rebaixamento da divindade, prosseguindo a obra de educação não individual
dos homens na medida em que os aproxima da caridade enquanto uma modalidade ética. A
secularização percebe-se, está na base de toda a essência do cristianismo, e é a ela que é devido a
interpretação da intensa relação entre Deus e a humanidade, que é a caridade.
A interpretação da história da salvação feita por Vattimo ressalta a necessidade de
interpretação, imperativo proposto pelas próprias escrituras. No cristianismo não se encontra um
patrimônio de doutrinas e preceitos claramente definidos que indicam o que fazer, antes, o que é
encontrado é a incitação a uma contínua interpretação da mensagem bíblica. E o que Vattimo
reencontra nesse retorno à religião é “uma doutrina que tem sua chave na kenósis de Deus e, portanto,
na salvação entendida como dissolução do sagrado natural-violento” (Vattimo, 1996). O reencontro
com o cristianismo não pode, portanto ser pautado em inferências metafísicas, mas sim em uma
postura kenótica, secularizada, limitada apenas pelo princípio da caridade, a saber, o amor de Deus
pelas criaturas. O mandamento do amor não ordena algo peremptoriamente determinado, mas orienta
aplicações que se devem inventar em diálogo com as situações e à luz das Escrituras. A secularização
permite voltar a ouvir os conteúdos da revelação bíblica. O mandamento da caridade re (forma) os
preceitos e profecias não violentas cunhando a expressão dessa fraternidade como o reconhecimento
de novos direitos a fim de reduzir a violência objetiva contra alguém. Toda a história da bíblia, inclusive
mítica diz respeito à formação do indivíduo em relação ao amor de Deus e ao próximo _ próximo aqui
entendido como a aparência sobre a qual Deus se apresenta aos homens. Para o autor é possível
deslumbrar a possibilidade de ser a caritas a responsável pelo não esquecimento das inúmeras
histórias que são transmitidas e que fazem parte da origem das pessoas. O princípio da caridade
prescreve uma atenção caritativa em relação à tradição (que é para Vattimo a comunidade viva dos
crentes) e ao não fornecer princípios dogmáticos reinterpreta a mensagem evangélica. A caridade é
uma espécie de norma destinada a permanecer mesmo quando a fé e a esperança já não se fizerem
mais necessárias visto que o reino de Deus estará realizado completamente. Várias outras pontuações
do pensamento de Vattimo poderiam ser trazidas à baila pela grandiosidade de suas idéias, mas tais
proposições levariam a discussão para outro foco. O que permanece de extrema valia tanto para fins
heurísticos quanto para pensar a religião em termos de uma experiência pessoal é a “filosofia pós-
cristã da modernidade” (segundo Perez), é a religião sem teístas ou ateístas (Tiago Zanbala, 2006), é a
morte de Deus no tocante aos fundamentos absolutos, é a experiência kenótica de Deus que por
encarnação e humanização purificou a fé possibilitando uma experiência religiosa contemporânea
baseada na rejeição da violência pelo mandamento supremo de Cristo que é caridade. E esse é um
processo em curso cujo traço distintivo é a secularização limitada pelo princípio último da caridade. A
salvação, portanto, é uma busca não individual e sim alcançada pela aceitação do debilitamento, da
experiênica da kenósis. Jesus veio não para pagar vitimadamente e fazer expiação pelo pecado e pela
culpa da humanidade; ele veio a fim de mostrar a nulidade do pecado (traduzido pelo autor pela
expressão “que pena!” como perda de uma ocasião, como uma amizade que acabou); e se alguma
redenção existe, ela consiste proveniente da caridade como organizadora da convivência.

Considerações finais
Diferentemente da doxa corrente na sociologia da religião, essa concepção presente em
Vattimo do indivíduo pós-moderno, (que pode ser visto no crente neopentecostal) apresenta o sujeito
niilista e não vítima das grandes estruturas. O que está presente em Vattimo é uma posistividade no
que tange às experiências religiosas dos dias de hoje. A cultura pós-moderna cria e recria o sagrado
num momento histórico em que tudo pode se tornar sagrado. O neopentecostalismo aparece assim, no
cenário das religiões, como participando ativamente dessa fabricação e recriação, tornando sagrados
diversos profanos e autenticando que a religião não se tornou invisível ou chegou a seu fim, mas antes,
se acomodou no mercado de consumo dissipando-se em diversos complexos quase ou não religiosos.
A religião retorna (no sentido de Vattimo) ao cenário das sociabilidades contemporâneas, mas de forma
viva, não prevista, que convida a pensar e repensar sobre ela, já não no sentido das discussões
metafísicas sobre a Verdade ou o Absoluto, mas incitando a pensar sobre sua “debilidade”, se
enfraquecimento aparente, sua outra significação. Pensar o neopentecostal por essa via mostra a
abertura, flexibilidade, a constante interpretação instigada pela experiência com o sagrado, a
discussão, a ação, a contextualização. A irredutível pluralidade da sociedade secularizada apresenta o
sujeito religioso em cena, a positividade da experiência religiosa pós-moderna, no sentido de uma
experimentação que constrói ou qualifica algo em uma relação de sujeito e não de sujeição. O
racionalismo moderno, levado às vias de fato, quando confrontado com a realidade se vê constrangido
a fazer compromissos e a realizar acomodações.
No neopentecostalismo, a liberalização, o quase abandono dos usos e costumes de santidade
ascética que eram mantidos pelos pentecostais são mudanças oriundas das transformações culturais
das quais “ninguém ficou imune” (Mariano, 1999) liberaram os fiéis para saírem com amigos a
shoppings, teatros e cinemas, participarem de festas, irem a jogos em estádios, assistirem televisão,
ouvirem músicas que não evangélicas, enfim, “viverem uma vida normal”. Mariano afirma que face à
cultura de hoje, a religião quase não cria um modo de vida particular, mas antes, é capaz de reorientar
os meios com vistas a atingir fins seculares, tornando-se apenas mais uma mercadoria de consumo. As
práticas dessa forma de religiosidade parecem incapazes de promover inovações por estarem cada vez
mais domesticadas e aculturadas. Contudo, isso não precisa ser necessariamente um problema. A
estetização da vida cotidiana (tornar a vida uma obra de arte) levando à acomodação cultural dos
neopentecostais não torna a religião empobrecida. Ao contrário, apresenta a religião (uma outra forma
de religar) como uma vasta e mutante rede de significados, símbolos e imagens que não podem ser
meramente tidos como profanos, como já apontou Featherstone (1995); a cultura cria e recria o
sagrado, o consumo da atualidade está religiosamente moldado, a religião, enquanto mercadoria,
mostra o fiel em sua posição de sujeito, ativamente participando das formatações de sua rede de
consumo, não como vítima de uma cultura de massas, mas como escolhendo na religião “guias” para
seu futuro. O neopentecostalismo pode até não promover inovações sociais, se for tomado como social
a exclusão do campo religioso, contudo como promove inovações religiosas! Nesse mesmo sentido,
Maria dos Dores Campos Machado, em seu livro Carismáticos e Pentecostais, demostra que o
emocionalismo, o misticismo, o proselitismo, a ênfase na igualdade espiritual entre homens e mulheres,
o uso da Bíblia em sua forma literal, a busca pela santificação eram características que ela via
presentes tanto na tradição católica quanto na protestante, o que sugeria uma crescente influência do
pentecostalismo no campo religioso. A autora mostra que os estudos de D'Epinay, Boff, Oliveira,
Libânio, Rolim analisava os pentecostais a partir de um ideal de participação na vida pública, e
percebiam a moralidade familiar e o emocionalismo desses fiéis como uma forma de alienação política
das camadas menos favorecidas da população, mas, contudo, não procuravam ouvir essas pessoas e
suas motivações particulares que os levassem a gostar tanto desse tipo de espiritualidade,
principalmente entre as mulheres. A autora propõe ver a atração que o pentecostalismo exerce sobre
as mulheres também com uma ótica distinta. Ela não enxerga nessa vertente evangélica a afirmação
da opressão feminina nem mesmo a oferta de soluções mágicas para problemas cotidianos, ao
contrário, sugere que é possível que as mulheres encontrem nessa religião formas objetivas e
subjetivas diferentes, de apoio. O neopentecostalismo, não se restringe à simples reprodução das
relações de gênero da sociedade, mas de modo mais complexo, redefine as imagens dos papéis
masculinos e femininos de modo a significar um ganho positivo para as mulheres.
De outro lado, os neopentecostais parecem se exasperar na guerra contra o diabo (exorcismo)
crendo que apenas a libertação do diabo pode garantir cura, sucesso e fortuna. Já apontava Mariano
que Deus e o Diabo aparecem, com diferença de poder, como parceiros inseparáveis; conotando
universo afro e seus deuses sob a lente do neopentecostalismo, fazendo-os sendo percebidos e
classificados como demônios que precisam ser exorcizados. Mas essa prática corrente desde metade
do século XX entre os pentecostais trouxe a nova roupagem do enfrentamento por parte dos fiéis. Com
isso, a relação entre os crentes dessa vertente com os cultos afro-brasileiros e seus fiéis passou a ser
uma “guerra santa” que segundo Mariano causou estranheza por parte de um grupo religioso de
“abertura” democrática. Mas toda essa rivalidade é vista por Luiz Eduardo Soares como a continuidade
de “universos simbólico-axiológicos em confronto, como “conflito que separa com radicalidade, para
unir, estabelecer relações, construir pontes, fundar as bases de uma nova experiência de sociabilidade,
identificada por um renovador igualitarismo, associado a uma postura cultura excludente e
diferenciadora” (Soares apud Perez, 2003). Essa perspectiva não vê o conflito como fonte de
intolerância e violência, mas constituindo uma rede de interações que cria pautas comuns, como
relações de reciprocidade. Não se trata aqui de tecer uma justificativa frente à “guerra santa” ou à
hostilidade do neopentecostal, mas sim de ver a positividade do conflito, no que tange a certa
relativização a fim de tomar o conflito enquanto reciprocidade, enquanto complementaridade, enquanto
inovação.
Os adeptos desse outro pentecostalismo pregaram com grande ênfase a Teologia da
Prosperidade, que defende o usufruto dos bens que Deus reservou aos seus filhos ainda nessa terra.
Esse tipo de abordagem surgiu no Brasil na década de 70 e segundo Mariano tem promovido uma
inversão de valores ao trazer a fé como meio de se obter saúde, dinheiro, felicidade ao invés da crença
nas promessas de uma vida plena e da redenção após a morte. Os dízimos e as ofertas são desafios a
Deus, testes que colocam à prova não só a divindade como grande parte dos salários e patrimônios
desses fiéis. O autor citado considera ironia a Teologia da Prosperidade e seu universo mágico que
renega o velho ascetismo protestante de natureza ética que seria capaz de alcançar a tão sonhada
prosperidade material (Mariano, 1996). Ressalvas a essa interpretação à parte, a dimensão da dádiva
(asserções sobre a dádiva retiradas de Perez, Apgaua e Oliveira, 2000), mesmo que aparente, parece
em muito ignorada. O sagrado não está sendo contaminado pelo profano, como se ao negociar com
Deus o potencial de consumo dos fiéis estivesse sendo alimentado. Voltando na primeira pontuação
dessas últimas considerações, mesmo que assim o fosse, os adeptos dessa religião são sujeitos de
sua relação com sua divindade, modelando-a de acordo com seus interesses. A relação dos fiéis para
com Deus é uma relação de dádiva, da “incondicionalidade condicional”, em que se deve dar tudo, mas
ainda sim é possível cair na desconfiança, é o paradoxo da liberdade e da confiança. Não se dá para
receber, mas se dá para que o outro dê (Lefort), e esse outro pode ser o Deus, os pastores, os fiéis. E
essa troca se dá para se entrar, se religar, se conectar a rede, uma vez que a igreja não é apenas um
“supermercado da fé”, mas sim um complexo reticular de constante interação, é um “nódulo de dádiva”.
Por isso o neopentecostalismo pode ser considerado como uma das engrenagens do fim da
religião. Mas esse fim deve ser visto como o fenecimento da propensão natural do homem de se ver
dependente de um ser supremo; sua positividade consiste não no fim do cristianismo, mas em sua
purificação no sentido de acabar com o aspecto violento e opressor da religiosidade natural impetuosa
em suas exigências. Enfim:
“Se quiser ser fiel à sua condição de possibilidade, que é o fim da
metafísica, a religião, que se reapresenta em nossa cultura, deve
abandonar a idéia de poder fundar a ética religiosa sobre o
conhecimento das essências naturais assumidas como norma, e mirar
mais a livre estipulação dialética; que, com certeza, não corre no vazio
do arbítrio individual, mas acompanha razões menos absolutas e mais
historicamente definidas e se constitui por meio da mobilização da
cultura compartilhada e da crítica desta com base em critérios
imanentes” (Vattimo, 2004, p. 114).

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