O trabalho realizado pelo Sociólogo Carlos Roberto Winckler e o Economista
Bolívar Tarragó Moura Neto faz uma análise dos gastos sociais do Governo Estadual do Rio Grande do Sul, buscando inserir a gestão da política social a nível regional no padrão de política social brasileiro e recorrendo à comparação desses indicadores regionais na década de 80 com os dados da esfera Federal.
Para eles, no capitalismo contemporâneo, o Estado tem assumido uma
importância maior na reprodução da força de trabalho, já que os serviços que o Estado oferece estão ligados à satisfação das necessidades da população, especialmente da classe trabalhadora. Nesse cenário, o estado assume, de um lado, a função de financiador da acumulação de capital, e de outro, de financiador da reprodução da força de trabalho, concedendo benefícios à classe trabalhadora. Em um esforço para identificar a possibilidade de estabelecimento de critérios de classificação de sistemas de Estados de Bem-Estar Social, alguns conceitos trazidos à luz, como o de Estado-Providência, ou Estado de Bem-estar, entendido como o financiamento público de despesas sociais com saúde, educação, seguro-desemprego, moradia e assistência de diversas formas às camadas mais vulneráveis da população. As classificações de Estados de Bem- Estar, de um modo geral dão conta das formas de operação dos sistemas, abrangendo tipos de financiamentos e acesso aos programas, autores como Draibe (1990) produzem análises nesse sentido, mas enfrentam críticas. Uma delas é a de Vianna (1991), que argumenta que essa tipologia apresenta uma visão “endogenista”, vista prioritariamente pelo lado das demandas sociais. Esse enfoque endogenista tende à minimização da estrutura socioeconômica e subestima a análise política na diferenciação de sistemas. Os autores ressaltam que trazer a dimensão política introduz a noção de cidadania e evoca um retorno à visão de T.H. Marshal, que entendia a cidadania como incorporação progressiva de direitos civis, políticos e sociais, compreendendo que igualdade, pertencimento, direitos e obrigações são definidos historicamente. Foi após a 2ª Guerra mundial, com a concepção do trabalho como atividade social que se manifestam preocupações distributivas. Nesse cenário, o Welfare State se associa ao surgimento dos partidos, sindicatos, trabalhadores organizados, que o aproximou da Socialdemocracia. Com a influência da obra de Keynes, o Welfare state vai ganhando contornos cada vez mais próximos de uma política Estatal, não mais associado à burguesia. É por isso que os autores afirmam que o Welfare State é uma forma histórica de relacionamento da economia de mercado capitalista e das demandas democráticas, o Estado cumpre então, um papel estabilizador na tensão entre a democracia e o mercado.
Como seria possível, então, conceituar um Welfare State no Brasil? Aqui, a
política social se constitui com algumas peculiaridades. A política Social é utilizada como um instrumento de participação em um contexto de limitação ao estabelecimento de uma ordem democrática. Desde os anos 1920 e especialmente a partir dos anos 1930, o Estado se converte na principal alavanca de modernização, selando uma aliança entre a burguesia industrial e os grupos agrários. O Estado se estabelece como um mediador, acolhendo as demandas populares, adequando-as aos interesses da indústria burguesa e protegendo os interesses gerais da sociedade civil, essa é a chamada “cidadania regulada”, que não foi suficiente para resolver os problemas sociais no Brasil. O período de transição para a Nova República é marcado uma crise, que recoloca a análise das políticas sociais como um problema de eficácia gerencial e social das políticas públicas, conceitos defendidos pelo Banco Mundial, entretanto, a Nova República não foi capaz de efetivar políticas sociais definidas e de real significado. Nesse período, as intervenções estatais se deram duas áreas de extrema importância à época: o emprego e nutrição. Uma grande mudança de paradigma ocorre com a constituição de 1988, que rompe com o padrão conservador meritocrático e particularista, que vai em diração a um modelo institucional redistributivo, sob forte pressão da sociedade civil organizada. A compreensão sobre a atuação do Estado Regional na área social é resultado do padrão de política social estabelecido no Brasil, que tem como característica uma concentração do gasto a nível federal, definindo dessa forma, a distribuição de recursos. Pode-se dizer que a política social estadual é uma reprodução da gestão federal. A década de 80 é marcada por uma crise econômica mundial, que teve reverberações severas na América Latina. O Brasil precisou enfrentar esse período turbulento no mesmo período em que se estabelecia também a democratização do país. Nesse período, a taxa de investimentos foi reduzida significativamente, resultado da inversão do movimento de capitais, com uma transferência acentuada de recursos para o exterior além do desequilíbrio das finanças do Estado, que teve queda em sua poupança. Somado a isso, o segundo choque do petróleo seguido da elevação das taxas de juros internacionais e da recessão mundial, se instaura um cenário onde se fazia necessário um ajuste interno e externo. Aos poucos, com o avanço da democracia, a economia passa a ensaiar uma recuperação, há uma redução na inflação, um crescimento da renda e do emprego, mas o setor público permanecia fragilizado, com um grande endividamento e aumento dos gastos públicos. O Estado do Rio Grande do Sul também se insere nessa crise nacional e, devido à dependência excessiva da gestão federal, mergulha nessa conjuntura econômica.
Os autores traçam um panorama da crise nas finanças na década de 80 no
estado do Rio Grande do Sul, e apontam para uma queda dos recursos destinados às políticas sociais e um agravamento da fragilidade do setor público estadual. A queda na arrecadação de um modo geral, especialmente o ICMS, fez com o governo recorresse a operações de crédito que geravam ainda mais endividamentos. Essa condição gera um conflito entre a gestão financeira do Estado e seus gastos sociais com os gastos de estímulo à acumulação de capital.
No Brasil, o financiamento das políticas sociais na década de 80 assume um
caráter regressivo, com uma recaída na manutenção do sistema de proteção social, já que essa se fundava na capacidade produtiva do trabalhador, em baixa nesse período. Os fundos de origem previdenciária e os patrimoniais (Fundo de Previdência e Assistência Social, FGTS, PIS/PASEP, etc) oneram os trabalhadores, já que os tributos são repassados ao valor das mercadorias. O estado do Rio Grande do Sul, apesar da crise nacional, se situa em um lugar privilegiado em relação ao restante do país, já que o nível de renda e infraestrutura social apresentam resultados mais favoráveis se comparados às outras regiões do país. Uma análise mais detalha é apresentada pelos autores, que apresentam dados sobre investimentos em Educação, com significativo aumento nesse período; Saúde, com algumas oscilações durante a década, mas mantendo um relativo aumento na década e Habitação e Urbanismo, que demonstra que, embora o estado esteja em uma situação mais favorável em relação à maioria dos estados, houve ainda um déficit significativo.
O histórico das políticas sociais no Brasil vai desde o autoritarismo, que
incorporou a visão populista do direito social como uma espécie de privilégio, passando pelas crises nas décadas de 70 e 80 e permanece ainda hoje, carente de financiamento adequado. Os autores do trabalho apontam como uma possível solução a este problema a superação da crise em que o próprio estado se encontra, equacionando a dívida pública, reduzindo o peso dos juros, acompanhado de uma reforma no sistema tributário, tornando-o mais progressivo e capaz de financiar os investimentos necessários. Medidas de descentralização e controle social garantem uma maior participação da população nas tomadas de decisões relativas ao uso dos recursos.