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Candace Clark
É preciso pouco esforço para sentir pena dos fracassos de outro homem.
(George Eliot, Middlemarch, I872)
O que era mais irritante na conduta dela era o modo como ela demonstrava simpatia
ante minha situação. Então, ela dizia coisas como “Oh, deve ser difícil ser solteira
no subúrbio”. Suponho que se ela tivesse oferecido isto no contexto correto, teria sido
bom (...) Mas ela despejava isso a qualquer momento. Aparentemente, ela estava
oferecendo apoio, mas esse era um modo pelo qual ela reestabelecia sua posição
como Aquela Que Tinha Um “Namorado”. (...) Eu me sentia, de algum modo,
atacada, colocada na defensiva. Oferecer sua simpatia, quando eu não precisava
dela, fazia com que eu sentisse, “nossa, isto é um problema. Talvez eu esteja
realmente chateada com isso”. Então eu me afastava, transtornada, sentindo raiva
dela. E eu sentia culpa por não estar aceitando a gentileza dela. (Entrevista e “escrita
livre”, com uma jovem e bem sucedida profissional judia)
Relembro, vividamente, uma cena que ocorreu há trinta e cinco anos atrás. Pouco
antes do Dia de Ação de Graças, minha escola de ensino médio do subúrbio organizou
um movimento para coleta de enlatados, alimentos de cesta básica e dinheiro, para
comprar perus para as famílias pobres. Fui, de algum modo, selecionada para ser parte do
grupo que entregaria a comida à família Grant. Em uma manhã de sábado, quatro de nós
se espremeram entre caixas e sacolas de comida dentro de meu Volkswagen. Dirigimos
para o endereço especificado, numa rua não-asfaltada em uma vizinhança pouco familiar
para nós, do outro lado da cidade. Carregando caixas e sacolas três degraus acima de uma
pequena escada, batemos à porta da minúscula casa de madeira, que um dia já fora pintada
de branco. Olhamos em volta, de olhos bem abertos, e esperamos. Algumas crianças
vestindo roupas gastas, três ou quatro anos mais jovens do que nós, brincavam
silenciosamente no quintal lamacento e fingiam nos ignorar.
A Sra. Grant abriu a porta, e nos convidou a entrar. Levamos nossa oferenda à
estreita sala de estar, amontoada pela mobília gasta e de baixo custo. Folhas de jornal, tão
desbotadas quanto o vestido da Sra Grant, haviam outrora sido coladas como “papel de
parede”. Hoje, tinham descascado. Então, isso era a pobreza. Tínhamos lido David
Copperfield e Vinhas da Ira na escola, mas aquilo ali era real, e estávamos embaraçados
por nossa intrusão naquele ambiente. A Sra Grant fingiu não notar os olhares de surpresa
em nossos rostos. Meus colegas estavam silenciosos, e eu tentei agir como porta-voz, da
maneira mais respeitosa e profissional que pude. Sim, estávamos fazendo uma entrega, e
esperávamos que estivesse satisfatória para ela. Ela nos agradeceu como se tivéssemos de
fato feito algo significativo, como se tivéssemos feito algum tipo de sacrifício. O marido
dela estaria presente ali também se pudesse, ela disse, mas ele se encontrava fora,
respondendo a um anúncio de oferta de emprego. Eu estava chocada pelo fato da Sra
*
CLARK, Candace (2018 [1997]). Simpatia, Micro-hierarquia e Micropolítica. Belo Horizonte, FAFICH/
UFMG. Tradução para uso didático por Leandro de Oliveira. [do original em língua inglesa, "Simpathy,
Microhierarchy and Micropolitics" in Misery and company: sympathy in everyday life. Chicago;
London: The University of Chicago Press, 1997].
Grant se mostrar tão deferente e tão grata a nós, adolescentes. Não sei se ela estava sendo
sincera, mas ela estava certamente atenta a seus modos, e demonstrou sua apreciação de
forma muito afável.
Senti muita culpa e muito desprezo por mim mesma; senti embaraço por causar
embaraço. E senti um rompante de simpatia/ empatia pela Sra Grant1. Como pudera eu –
uma jovem de 17 anos dirigindo seu próprio carro, vestindo a última moda adolescente e
o penteado estiloso da época, levando açúcar, latas de milho e abóboras que familiares do
outro lado da cidade tinham doado apenas porque de fato não as queriam – ter a ousadia
de pisar ali? Por outro lado, como eu era capaz de ser tão presunçosa ao ponto de assumir,
automaticamente, que minha vida era tão melhor que a dela? Talvez eu devesse sentir
culpa por estar sentindo pena. O que meus companheiros estavam sentindo, eles
guardaram para si. Emoções rodopiando, fizemos uma veloz retirada. Mas esta cena não
se apagou de minha mente.
O ato de caridade começara como uma boa ação ‘em abstrato’, e como uma chance
de estar junto com meus amigos em uma manhã de sábado – éramos muito menos nobres
que a Dorotéia de George Eliot. Nossa simpatia preliminar e distanciada pelos pobres se
transformou em simpatia, plena e totalmente ativa, pela Sra. Grant. E ambas a rebaixavam
e humilhavam. Será que para a Sra Grant, ou para as crianças no quintal lamacento, o
peru e as duas ou três caixas de comida compensavam pela degradação de ter adolescentes
secundaristas invadindo seu mundo daquele modo? Eu jamais saberei. Mas naquela
manhã de novembro, em 1962, eu compreendi um fragmento da micropolítica da
simpatia.
A micropolítica é um lado da simpatia que muitas pessoas preferem ignorar. Ainda
assim, como espero ter deixado claro, expressar simpatia pela condição ou situação ruim
vivida por um outro pode rebaixar essa pessoa. No capítulo 05, vimos que as pessoas alvo
de simpatia/compaixão se tornam devedoras pelas dádivas que receberam; no capítulo 06,
vimos que elas, pelo simples fato de parecerem precisar de simpatia/compaixão, podem
ser consideradas portadoras de problemas ou inabilidades pelos quais elas podem ser
culpabilizadas. As pessoas que expressam simpatia, por outro lado, estão em melhor
situação. Elas estão na posição de credor, tendo situações de vida menos problemáticas,
e ao oferecerem sua compaixão a outros, elas elevam seu status moral e social. Mesmo
quando elas não têm esta intenção consciente, oferecer sua simpatia pode ter
consequências micropolíticas. Ironicamente, uma transação de simpatia, na economia
socioemocional, pode tornar as pessoas mais próximas e ao mesmo tempo alargar o
abismo que as separa. Isto pode explicar um paradoxo sociológico fundamental: todos os
grupos humanos são simultaneamente coesos e estratificados. A simpatia, ao lado de
1
A noção norte-americana de sympathy possui sentidos e modos de uso distintos de seu correlato em
português brasileiro. A noção de sympathy é frequentemente empregada para assinalar a expressão de
empatia por uma condição ou situação ruim que outra pessoa esteja atravessando – um ato de expressão
que pode ou não ser “sincero”. O termo “simpatia”, em língua portuguesa, é usado para nomear a expressão
e impressão de afinidade por (e/ou reconhecimento da gentileza de) outra pessoa em situações interpessoais
muito plurais, comportando usualmente apenas conotações positivas, como quando dizemos que “fulano é
uma pessoa muito simpática”. Esta distinção deve ficar mais clara ao longo do texto, a partir dos exemplos
de situações em que a noção de sympathy é empregada que são oferecidos pela autora (Nota do Tradutor).
outras dádivas emocionais, pode contribuir simultaneamente para a coesão e a
estratificação.
Corro certo risco, ao focar as implicações micropolíticas da simpatia. O leitor
poderia inferir que acredito que todas as pessoas que oferecem sua simpatia estão –
consciente e cinicamente – usando a expressão de simpatia para promover seu próprio
interesse pessoal. Não estou, de modo algum, afirmando isto. Sofrimentos genuínos
podem gerar simpatia genuína, constituída por profunda empatia e profunda
intersubjetividade. Neste tipo de situação, quando as partes são iguais entre si, ambas se
percebem elevadas e gratificadas.
Contudo, as relações sociais raramente são tão simples. Em primeiro lugar, a
igualdade é rara, enquanto a desigualdade está em toda parte a nossa volta. Nem mesmo
amigos, amantes e cônjuges ocupam posições sociais totalmente idênticas. Em um dado
momento, uma pessoa está one-up,2 para usar a expressão feliz de Stephen Potter (1952).
Uma troca de simpatias pode sublinhar, intensificar ou reverter o grau de desigualdade.
Prestar atenção aos aspectos micropolíticos das trocas emocionais nos alerta para o fato
de que a economia socioemocional está atrelada a intricados arranjos micro-hierárquicos.
Explorar estes arranjos podem ajudar a elucidar os laços entre processos
macrossociais e microssociais. Randall Collins (1981), Anthony Giddens (1984, 1991),
Pierre Bourdieu (1990), Thomas Scheff (1990), George Ritzer (1990) e inúmeros outros
na nova geração de teóricos sociais ofereceram versões de teoria sociológica que reavalia
processos em um nível macro como estratificação, modernização e patriarcado à luz dos
achados de pesquisas microssociológicas sobre interação simbólica, análise de
conversação e etnometodologia. Aparentemente, o trabalho de Erving Goffman
convenceu esta nova geração (dentro da qual me incluo) de que o microcosmo é, de pleno
direito, um importante objeto de estudo e uma chave para a compreensão do macrocosmo.
“Lugar” e micro-hierarquia
Os atores sociais, via de regra, sabem onde estão pisando, e onde querem pisar,
com relação a outros atores em seus encontros cotidianos. Se eles não agem de forma
apropriada a seu “lugar”, serão lembrados disto por terceiros. Quer se trate de uma estrela
ou um figurante, um superior ou um inferior, alguém íntimo ou um estrangeiro, as pessoas
“sabem o seu lugar” ou são “colocadas no seu devido lugar” caso violem a ordem das
coisas. Aquilo que estou chamando de “lugar” é o equivalente, em um nível micro, do
status social no sistema de estratificação de uma sociedade. Enquanto o status social é
uma posição em um nível macro sobre a qual existe consenso coletivo (Merton, 1957, p.
368; p. 381-384), um lugar é uma posição muito menos definida, situada em nível micro.
É claro que o status social de um ator influencia o lugar dele ou dela em uma micro-
hierarquia, mas nas sociedades modernas, pelo menos, a correspondência entre status e
lugar não é perfeita.
2
A expressão comporta o sentido geral de ‘estar por cima’, acima de outra(s) pessoa(s), sinalizando sucesso,
vantagem ou superioridade relativas, em um dado contexto ou situação (N. do T.).
As pessoas nas sociedades modernas se movem entre muitos lugares no decorrer
de um dia, ocupando pelo menos um para cada uma de suas relações ou encontros. O
senso subjetivo de lugar de uma pessoa é um colaborador efêmero da concepção de si ou
“identidade”. O senso de lugar emerge em um contexto interacional particular (ou em um
contexto imaginado). É a consciência momentânea de “quem eu sou e como devo agir
neste momento neste encontro”, parte do self situado.
Acima disto, lugares sociais são arranjados hierarquicamente, encompassando
diferenças naquilo que os sociólogos chamam de “poder” (Henley, 1977. Kemper, 1978,
1991), “status face-a-face” (Ridgeway, Berger e Smith, 1985), e “distância social”, o
oposto da intimidade (Bogardus, 1953). Micro-hierarquias são mais precárias que
sistemas de estratificação social, e raramente equilibradas. Relações de lugar estão em
um constante estão de fluxo, ajuste e alinhamento. Em questão de instantes, o vão entre
as partes pode se ampliar ou se estreitar. O superior se torna o inferior. No tocante a isto,
o lugar de uma pessoa em um encontro é menos estável que o status que ela ou ele ocupa.
Os atores sociais podem não estar cientes de suas tentativas de se situar em relação
a outros ou das tentativas dos outros em relação a eles, mas estas ainda assim ocorrem
(Goffman, 1951). Em cada encontro e relacionamento, cada participante questiona
(dentre outras coisas) quem tem um lugar social mais alto e, pelo menos em um dado
momento, cada um responde a essa questão a sua própria maneira. Os seres humanos
possuem mecanismos comparativos inatos que constantemente pesam objeto contra
objeto, ideia contra ideia, grupo contra grupo e indivíduo contra indivíduo (Sherif e
Hovland, 1961; Wolf, 1990, p. 229-230). Assim, comparação e contraste não são
necessariamente atos que expressam vontade pessoal, mas parte do funcionamento
normal de nosso equipamento intelectual. A comparação evoca emoções, e as emoções
fornecem informação sobre onde estamos pisando.
Paralelamente, a preservação de uma auto-imagem aceitável depende em parte da
habilidade dessa pessoa em reivindicar lugares aceitáveis na variedade de situações,
encontros e relações que constituem um “espaço de vida”. Como Scheff e Retzinger
notaram, os seres humanos são extremamente sensíveis a possível rejeição, não somente
por aquilo que a rejeição diz sobre o eu de alguém, mas também por aquilo que ela diz
sobre o laço entre o eu e o outro (1992, 64-65). Monitorar o posicionamento em lugares
envolve monitorar laços. Em suma, prestar atenção às menores diferenças de lugar social
é uma necessidade perceptiva, social e de autoproteção.
Estar sintonizado a arranjos micro-hierárquicos de lugares sociais também
possibilita a um ator social saber que linhas de ação tomar ante outros na economia
socioemocional. Uma miríade de regras não-escritas de interação se torna objeto de
ajustes, de modo a dar conta até mesmo das menores diferenças em poder e lugar. O porte
adequado ante alguém que é muito superior é diferente do porte adequado alguém que é
razoavelmente superior, ou um pouco superior, ou em algum grau inferior (ver, por
exemplo, Whyte, 1943; Goffman, 1967; Schwartz, 1967, 1973). Por exemplo, Schwartz
(1973) mostrou que monopolizar o tempo de outros fazendo com que eles esperem reflete
e reforça diferenças de poder. Ele também descreve as mensagens de poder inerentes na
doação de dádivas (1967, p. 2-4), por exemplo, “meu presente caríssimo mostra que tenho
mais riqueza que você” ou “eu sei que tipo de presente é bom para você”. Ou seja, os
atores não podem adotar junto a uma pessoa em lugar superior a mesma linha que elas
adotariam com uma pessoa em lugar inferior. Elas não adotam a mesma linha com uma
pessoa que tem valor moral ou social mais baixo e com aquelas cujo valor social ou moral
é mais alto. Pessoas ocupando lugares mais altos frequentemente têm mais capital cultural
e social, e assim, mais estima e privilégio. Elas têm um numero maior e distinto de direitos
na interação. Por exemplo, elas podem avaliar outras, fazer perguntas pessoais, dar
conselhos, sinalizar nossas falhas, ter suas opiniões levadas em consideração, chegar
atrasados, ouvir segredos, “ter algo mais importante pra fazer”, ignorar o outro, e assim
por diante. E seus lugares sociais as protegem dos abusos e intrusões alheios (Hochschild,
1983).
Evidentemente, as pessoas por vezes se engajam em comportamentos
inapropriados a seu lugar, como quando um subordinado faz perguntas pessoais a seu
chefe, ou quando o chefe tenta em excesso agir como “um de nós”. Além disto, nem todos
leem os arranjos micro-hierarquicos de forma correta. Uma pessoa pode acreditar que ela
própria, ou outra, está posicionada mais alto ou mais baixo do que é de fato o caso. Nós
chamamos pessoas que repetidamente ambos os tipos de erro de socialmente ineptas, sem
tato, ou mesmo chatas e “sem-noção”.
Contudo, mesmo as pessoas socialmente aptas podem interpretar erroneamente as
configurações de lugar, porque os lugares específicos que as pessoas podem ocupar em
uma situação particular são frequentemente misturados ou elusivos. Isto, por sua vez, se
deve em parte ao fato de que as distâncias entre lugares não são uniformes. Mas há mais:
os lugares se sobrepõem uns aos outros, e eles mudam. Eles são propriedades
naturalizadas, multiplamente definidas e situacionalmente negociadas.
Uma das razões pelas quais os atores podem ter dificuldade em discernir
configurações de lugar é que a extensão do vão que separa os lugares de duas pessoas é
variável. Um vão pode ir desde a distância imensa (como entre o executivo da corporação
e a datilógrafa, o dono de terras branco e o trabalhador rural afroamericano no Sul dos
EUA) à distância imperceptível (entre amigos). Mesmo se os atores são claramente pares
ou íntimos, como os “tenentes” entre os rapazes da esquina de William Foote-Whyte
(1943), uma pessoa em um dado momento está situada mais alto que as outras. Em suma,
a pessoa A pode estar um passo acima, três passos acima, ou meramente um décimo acima
com relação à pessoa B. Em geral, distâncias maiores entre lugares são mais fáceis de
detectar (e, talvez, de manter).
Além disto, quando muitos atores estão presentes, cada um deles ocupa
simultaneamente vários lugares sociais. Em uma família ou grupo de colegas de trabalho,
por exemplo, cada membro é em algum grau superior ou inferior a cada um dos outros
membros (num dado momento). Aferir múltiplas distâncias simultaneamente pode ser
difícil, especialmente naqueles pontos quando a configuração interconectada inteira
estiver em fluxo. Certas vezes, como quando um chefe e um trabalhador são amigos, uma
pessoa pode ocupar simultaneamente dois ou mais lugares de relacionamento na conexão
a apenas uma outra pessoa.
Além disto, desde que as pessoas concordem sobre certa distância entre elas, elas
podem com frequência interagir livremente, e até mesmo com “intimidade”, dentro de
uma configuração de lugar hierárquica. Grupos dispostos em hierarquias paternalistas
(Van den Berghe, 1978), tal como brancos e negros no sul dos EUA, na África do Sul de
início dos anos 1990, ou entre pais e filhos em uma família, substituem a distância
geográfica pela distância social visando perpetuar seus lugares desiguais. Observadores
externos podem não perceber a total extensão do vão, e as partes envolvidas podem
naturalizá-lo e deste modo não acreditar que ele existe.
A leitura de lugares sociais é complexificada, também, pelas múltiplas
perspectivas acerca do lugar de uma mesma pessoa. Ao mesmo tempo em que situamos
a nós mesmos e aos outros, os outros estão tentando nos posicionar. Existem, portanto,
visões “subjetivas” (autoconstruídas) e “objetivas” (construídas pelo outro) sobre o lugar
de cada pessoa. Lugares objetivos não são aqueles que as pessoas gostariam de ocupar ou
pensam que ocupam, mas aqueles a que os outros nos alocam pela concessão de atenção,
estima, deferência e honra – ou pela falta destas. O lugar objetivo que outros constroem
pode colorir o senso subjetivo que uma pessoa tem de “onde estou situado nesta relação”,
mas não o determina totalmente. Algumas pessoas resistem ao lugar que os outros
definem para elas, enquanto outras aceitam esse lugar.
Não é surpreendente, portanto, que a leitura das configurações de lugar possa ser
desnorteante. Se ela fosse apenas uma tarefa cognitiva de prestar atenção a “lembretes de
status” (Goffman, 1951) ou expectativas (ver, por exemplo, Ridgeway, Berger e Smith,
1985), ela seria ainda mais difícil. Acredito que, com frequência, é uma deixa emocional
– um rompante de pretensiosidade, uma leve ansiedade, uma sensação de mágoa ou
mesmo uma pontada de culpa – que informa ao ator social qual é o lugar dele ou dela, ou
como esse lugar mudou, por vezes antes que tome ciência de outras pistas. As pessoas
constantemente experimentam e provocam emoções na interação (Kemper, 1978;
Wentworth e Ryan, 1992): parece razoável supor que estas emoções façam algo
significativo. Ou seja, tanto as emoções orientadas para si (como o orgulho e a vergonha)
e as emoções orientadas para os outros (como a reverência e o desdém) costumam servir
para marcar o lugar da própria pessoa. Com frequência, emoções positivas sobre si (como
a satisfação ou o orgulho) e emoções negativas sobre os outros (como o desprezo e o
nojo) assinalam um senso subjetivo de superioridade ou poder. Emoções negativas sobre
si (embaraço, por exemplo) marcam um senso de inferioridade. A despeito disto, uma
emoção negativa sobre si (por exemplo, a culpa) pode indicar um senso de poder sobre o
destino de outra pessoa ao mesmo tempo em que assinala um fracasso pessoal. Deste
modo, de maneiras complexas, algumas emoções marcam lugares, registrando a posição
relativa de uma pessoa em sua psique e soma.
O caso da entrega de comida no dia de ação de graças, que descrevi no início deste
capítulo, oferece uma ilustração. A gratidão da Sra. Grant (mesmo que insincera)
assinalava seu próprio lugar inferior, e minha simpatia marcava um lugar superior. Ao
mesmo tempo, eu estava desconfortável por ser alocada a um lugar superior, e sentia culpa
por simpatizar com a situação dela. Até mesmo minha culpa registrava minha posição
superior. Outro doador, uma Lady Bountiful3, poderia ter assinalado sua posição superior
com simpatia ou pena somente, sem culpa.
3
A expressão “Lady Bountiful”, em língua inglesa, é usada para se referir a uma mulher generosa que
ostenta sua caridade mais preocupada com o juízo que fazem dela que com a situação dos donatários.
Micropolíticas
1. Obviamente, um ator social pode exibir emoções negativas e assim fazer outro
ator se sentir inferior ou rebaixado. Por exemplo, a raiva ou o escárnio de um
professor ou de um chefe pode produzir humilhação em estudantes ou
trabalhadores. Esta estratégia é usualmente empregada por superiores junto a
inferiores ou subordinados, dado que ela poderia ter resultados desastrosos caso
alguém tentasse utilizá-la na direção inversa.
2. Um ator social pode conceder uma dádiva emocional, tal como a paciência, a
gratidão ou a simpatia, de uma maneira que sublinha a fraqueza, os problemas ou
a posição inferior do destinatário, fazendo com que ele ou ela se sinta
autoconsciente e inadequado.
3. Um ator pode reduzir o vão em um arranjo de lugares direcionando emoções
positivas para outra pessoa lisonjeando, bajulando e “caindo nas graças” dessa
pessoa.
Duas estratégias adicionais se impõem na evocação de emoções sobre terceiros:
4. Uma pessoa pode ressaltar seu lugar relembrando a outra uma obrigação ou dever,
ou criando um sentimento de obrigação, se este não existia anteriormente. Se bem
sucedida, esta estratégia provoca no outro sentimentos de culpa por não ter
cumprido tal obrigação, e induz uma sensação de urgência a agir em favor da
primeira pessoa. Por exemplo, um pai ou mãe pode sinalizar para um filho que o
baixo rendimento em avaliações é uma retribuição inadequada por tudo que os
pais fizeram pelo filho. Um marido pode chegar em casa, se sentar em uma mesa
de jantar vazia e direcionar um olhar queixoso à esposa, notificando-a sobre o fato
óbvio de que o jantar não está pronto. Uma esposa pode emitir um profundo
suspiro enquanto ela tenta pagar as contas, relembrando ao marido que ele não
tem cumprido a contento o papel de provedor. Em todos estes casos, se a deixa
emocional funciona, o alvo é inferiorizado.
5. Uma pessoa pode sair na vantagem mantendo um monopólio sobre o autocontrole
enquanto evoca emoções em terceiros. Adolescentes norte-americanos utilizam
deliberadamente esta estratégia quando tentam obter de seus pais um aumento na
mesada, ou de um professor a elevação na nota de uma avaliação. Utilizada por
um superior, tal estratégia rebaixa ainda mais o subordinado. Utilizada por um
subordinado, ela diminui (ao menos temporariamente) a distância que os separa.
Homens relatavam com frequência que eles recebiam de terceiros pouca simpatia
de qualquer espécie – muito menos uma simpatia indesejável e depreciativa. Por exemplo,
um jovem homem branco, contador, escreveu: “não consigo me imaginar em uma
situação como essa”. Contudo, alguns respondentes pareciam expressar uma ideologia
cultural (ou um wishful thinking) ao invés de relatar situações de interação, como uma
mulher branca de 22 anos, secretária, que escreveu: “as pessoas não fazem esse tipo de
coisa. Elas não oferecem simpatia às outras, a não ser que de fato estejam sentindo isso”.
De fato, com muita frequência, as pessoas não estão cientes dos aspectos
micropolíticos de uma demonstração de simpatia, e fracassam na tentativa de decodificá-
los. Ainda assim, na escrita livre, algumas pessoas forneciam pistas sobre como elas se
engajavam no exame interior, evidenciando que a dádiva da simpatia requer
interpretação. Por exemplo, um gerente de meia idade, branco, casado, na casa dos 50
anos, escreveu: “Você tem que descobrir porque o outro está com pena de você. Porque
esta pessoa está fazendo um comentário desse tipo, e quais são os motivos por trás disto?”.
Eles sinalizaram alguns problemas: o quão sincera é a simpatia ofertada? Quais são os
motivos da pessoa que a oferta? O que a pessoa que oferta a simpatia está sugerindo
acerca das habilidades daquela que é alvo de sua simpatia? A oferta de simpatia pode ter
a intenção de confortar ou de depreciar a pessoa que a recebe. O sujeito que oferece sua
simpatia pode também estar tentando elevar a si mesmo, sendo bom e gentil. Ele pode
gerar obrigações a serem cobradas mais tarde.
O caso da jovem profissional citado no início deste capítulo evidencia algumas
das dificuldades envolvidas na interpretação. A simpatia da colega de trabalho dela
sublinhava seus problemas, era uma espécie de lisonja, e ao mesmo tempo a deixou
transtornada. Em adição a isto, a colega de trabalho aumentou seu próprio capital social.
Ainda assim, foram necessários diversos encontros com a gentil colega de trabalho antes
que a mulher aprendesse a confiar no que ela chamou de seu “barômetro emocional
interno” e percebesse que ela tinha se sentido diminuída. Suas reações confirmam que
receber a simpatia alheia pode estimular emoções que marcam um lugar inferior.
Sentimentos de inadequação assinalavam o lugar inferior dela, e os sentimentos de mágoa
e raiva sinalizavam que algo no relacionamento não estava corretamente equilibrado.
Além disto, as reações dela mostram que as pessoas estão condicionadas a encarar a
simpatia como uma dádiva ou benefício, e não como um ataque ou forma de depreciação.
Assim, as pessoas podem se descobrir confundidas pelo micropolítico simpático, e sentir
culpa em rejeitar a dádiva, quaisquer que sejam os termos implicados na oferta. Outra
mulher, uma assistente administrativa hispânica de 22 anos, escreveu: “aquilo que os
outros pensam não é muito importante. Mas é importante para mim como os outros
fizeram com que eu me sentisse... Acho que eu me magoo facilmente. Talvez eu seja
excessivamente sensível”. Prestar atenção aos próprios sentimentos durante uma
interação pode fornecer dados úteis para decifrar as intenções da pessoa que oferece sua
simpatia.
O caso da pessoa que oferta simpatia sem zombar, mas ainda assim deprecia, é
um pouco mais confuso. Este tipo de pessoa simpática pode estar fingindo simpatia, como
no caso abaixo descrito por uma mulher casada, WASP,4 profissional da área de redação
técnica:
Lembro que uma vez eu usei de simpatia com a intenção de colocar uma pessoa no seu
devido lugar. Eu tinha um chefe que estava sempre, de maneira semi-gentil, dizendo e
fazendo coisas que me rebaixavam. Me cansei daquilo, e dei o troco. Eu estava na sala
dele, e disse: “Oh, Sr. Wall, veja todos esses relatórios pendentes que o senhor ainda
precisa fazer. Sinto muito pelo senhor. Eu não gostaria, por nada neste muito, de ter o teu
emprego”. Ele mudou de cor, e pude ver que ele estava com raiva. Ele apenas disse “Oh,
eu consigo fazer isso em um minuto. Não é nada demais”, e me enxotou da sala dele.
Normalmente teríamos batido um pouco de papo. Então, eu dei uma bela alfinetada nele.
(notas de campo)
4
A sigla WASP (White, Anglo-Saxon and Protestant) possui usualmente uma conotação pejorativa nos
EUA, sendo usada para rotular pessoas que são simultaneamente brancas, anglo-saxãs, protestantes,
conservadoras, com elevado poder aquisitivo e/ou patrimônio.
Os respondentes relataram que quando eles estavam cientes de receber simpatia
calculada e insincera que sublinhava seus problemas, experimentavam ressentimento. Por
exemplo, a assistente administrativa de 22 anos anteriormente citada explicou: “algumas
pessoas dizem que ‘sentem muito por você’ intencionalmente, pra te derrubar, de modo
que você não consiga alcançar todo seu potencial. Elas te sabotam, fazendo com que você
se sinta incapaz”. Outra jovem mulher branca advertiu que deveria se perguntar “é ‘sentir
muito’ por pena, e eles estão te depreciando pessoalmente?”. E uma mulher branca mais
jovem escreveu: “talvez eles estejam dizendo que ‘sentem muito’ para me levar a criar
caso”. Se os respondentes sentiam que a pessoa que oferece simpatia estava
deliberadamente depreciando, eles frequentemente reportavam um sentimento de raiva.
A raiva pode conduzir uma pessoa a responder com alegações voltadas a proteger um
lugar ameaçado.
É comum que as pessoas utilizem esta estratégia de maneira menos egoísta. Em
sua imaginação, as pessoas se engajam profundamente na demonstração de simpatia por
outros poderosos ou ameaçadores. Alguns respondentes relataram que eles lidavam com
chefes desagradáveis, clientes ou cônjuges substituindo sua raiva ou irritação por
simpatia. Ao fazer isto, eles diminuíam, em suas mentes, o lugar dos outros. Esta
estratégia é também ilustrada por atendentes de vôo no estudo de Hochschild (1983, p.55),
que mantinham controle sobre seu humor encontrando razões para sentir pena por seus
passageiros encrenqueiros.
Ainda assim, mesmo quando a pessoa que concede simpatia não está
intencionalmente tentando depreciar, ela pode irritar – especialmente se houver uma
comparação implícita entre as respectivas situações da pessoa que oferece e a da que é
alvo de simpatia. Como uma mulher branca casada, designer gráfica no campo editorial,
escreveu: “Uma pessoa deve se achar muito superior para lamentar pela situação de
outra”. O empreiteiro Frank DeLucca explicou que, justamente por este motivo, ele se
mantinha calado sobre seus problemas pessoais:
Nos primeiros anos de escola em que trabalhei, o dinheiro não dava pra muita coisa. Acho
que inúmeras vezes, em casa com meus pais ou irmãos, eu poderia ter tocado nesse
assunto e dito que eu não tinha dinheiro pro gás e coisas do tipo. Eu podia ter dito: “Eu
realmente não tenho dinheiro algum. Gostaria muito de ter, mas não tenho”. Naquelas
circunstâncias, sem sombra de dúvida, é provável que eles tivessem respondido “Bem,
aqui, tome – pegue aqui algum dinheiro”. Mas eu sentia (talvez fosse uma coisa de ego),
“Vou conseguir por conta própria. Eu não vou morrer. Tem carne suficiente nos meus
ossos. Vou sobreviver. Amanhã eu consigo. Se eu preciso do dinheiro, vou trabalhar em
algum outro lugar, vou tentar e vou conseguir”.
Aceitar a simpatia e ajuda dos pais teria ferido seu “ego”, e reduzido seu senso de
lugar dentro da família.
Ao mesmo tempo, de forma consciente ou não-consciente, as pessoas que
concedem simpatia podem estar tentando sublinhar ou elevar seu próprio lugar superior
se exibindo como pessoas morais e boas. A narrativa de um homem de negócios, casado,
WASP e de meia idade, ilustra este tipo de situação:
Tendo sofrido uma lesão no tendão de Aquiles, e andando em muletas por três semanas e
meia, fui alvo de um bocado de simpatia (...). É isso que as pessoas deficientes enfrentam
todo dia (...) aquelas que tentam te ajudar você, quando você sente que poderia fazer algo
por conta própria, isso era muito irritante (...) Mas eu guardava isso dentro de mim, e
deixava que elas fizessem o bem. (Entrevista)
Consultei um novo médico porque eu tenho Lupus, e também tenho câncer. Até esse dia,
eu nunca tinha encontrado essa mocinha [que trabalhava no consultório do médico], e ela
me escreveu uma carta de seis páginas sobre como ela sentia pena por mim. Eu estava
totalmente chocado, porque trabalhando na área de saúde por tanto tempo quanto eu
trabalhei, eu jamais teria feito uma coisa daquelas. Colocar uma coisa dessas no papel é
colocar seu emprego em risco. Meu arquivo era confidencial, e ela o abriu e pegou meu
endereço. Primeiro, isto me assustou porque eu não sabia o que pensar – o que é isso, essa
mulher é louca? Eu entendi que ela era Testemunha de Jeová, e suponho que ela sentiu
que estava fazendo a coisa certa, mas eu jamais teria feito algo assim.
Muitas vezes as pessoas falam para mim, “Oh, pobre Raul!”. Bem, eu posso ser pobre,
mais estou me virando muito bem. Riqueza material, não tenho, mas fora isso... Tenho
muitos amigos, meus filhos estão indo bem, e tenho um punhado de netos. Então, de
outras formas, sou um homem muito rico. E embora eu more sozinho, na verdade nunca
estou solitário. Eu não sinto pena de mim mesmo (Entrevista).
Selina [a Sra Plymdale] recebeu [Harriet Bulstrode] com uma afetividade patética (...)
Antes, a sra. Bulstrode pensara que questionaria a sra. Plymdale antes de qualquer outra
pessoa, mas ela descobriu, para sua surpresa, que uma velha amiga nem sempre é a pessoa
em quem é mais fácil confiar: havia a barreira imposta pela lembrança da comunicação
sob outras circunstâncias. Havia a sensação desagradável de ser alvo de pena, recebendo
a má notícia por alguém que, desde longa data, costumava permitir sua superioridade.
(Eliot [1872] 1981, 726)
Para o desprazer de Harriet Bulstrode, a Sra Plymdale fora capaz de equilibrar
uma relação entre “pares” que, desde longa data, sempre fora desigual. Para algumas
pessoas, toda simpatia pode ser odiosa. Por exemplo, o programador Juan Carvajal disse:
Não gosto de oferecer simpatia a outras pessoas, e não gosto quando outras pessoas me
oferecem a simpatia delas. Gosto de lidar pessoalmente com meus problemas, se eu tiver
algum. E é por isto, acho, que eu nunca lamento pelos problemas dos outros – porque se
eu posso resolver meus próprios problemas, eles também podem resolver os deles. É isto
que eu gosto de fazer: solucionar meus próprios problemas.
Uma mulher, branca, casada, no início da casa dos 30, escreveu: “pode chamar de
orgulho ou teimosia, mas eu sinto raiva. Não faço questão de ter gente sentindo esse tipo
de coisa por mim (...) Não sou a coitadinha de ninguém, e não faço a menor questão de
ser afagada dessa maneira” (escrita livre). Uma mulher branca, casada, de meia idade,
assistente administrativa, expressou inquietação semelhante: “simpatia por minhas
imperfeições mentais ou físicas (...) Eu sentiria ressentimento porque ninguém deveria
olhar para uma pessoa que não é perfeita com tristeza ou pena”. Outra mulher branca de
meia-idade afirmou “Guarde sua tristeza e sua simpatia para aquelas pessoas
desaventuradas que realmente precisam dela, e as ajude”. Uma jovem mulher branca
começou a questionar as implicações micropolíticas de sua própria simpatia, ao longo de
sua escrita livre: “Eu disse que para minha amiga Wendy que sentia muito pela situação
dela, e agora me pergunto se isto a magoou. Ela está infeliz com sua situação, e eu estou
feliz com a minha. Eu só digo “sinto muito” porque sei que ela poderia estar melhor. Mas
isto é apenas meu ponto de vista pessoal. O ponto de vista dela, eu não sei”. As palavras
dela me lembraram de minhas próprias reações, tantos anos atrás, a simpatia que senti
pela Sra Grant.
Ele queria que eu começasse a contar todos os meus problemas para ele. Pensei comigo
mesma, “Não quero ter qualquer proximidade a mais com você. Não quero te contar nada
a mais sobre mim. E o que te faz pensar que você poderia me ajudar? (...) Sei
perfeitamente o que eu estava fazendo: estava tentando preservar meu lugar de
professora” (Notas de campo, mulher WASP solteira)
O jovem talvez não tivesse a intenção de rebaixar a professora a seu próprio nível,
ou de se elevar ao dela, mas ela estava ciente e alerta ante essa possibilidade. De modo
similar, uma colaboradora da pesquisa disse, através de escrita livre, que ela deveria ter
se aberto quando colegas de trabalho tentaram se aproximar dela oferecendo simpatia,
mas ela simplesmente não conseguiu, e “se fechou como uma ostra”. Uma recepcionista
branca de 23 anos de idade, que se descobriu em situação parecida, disse: “Eu os tranquei
do lado de fora, totalmente. Eu hibernei, me afastei totalmente de todos” (escrita livre).
Estes casos, novamente, ilustram o argumento de que os lugares originais das
partes na hierarquia impactam o sentido que elas atribuem a uma demonstração de
emoção. Pessoas em lugar de subordinação, inferioridade ou ausência de intimidade que
não permanecem em seu devido lugar podem sofrer retaliações. Ofertas semelhantes,
quando feitas por pessoas em lugar igual ou superior, ou com as quais exista intimidade,
podem não ser rejeitadas com tanta facilidade. Mas há mais. Embora a simpatia simbolize
tanto a proximidade quanto a igualdade, este ideal confunde as coisas porque algumas das
pessoas que expressam simpatia podem ter motivos ulteriores.
Dado que a expressão de simpatia é um ato de gentileza que confere valor moral
ao doador, uma pessoa que expressa simpatia pode fazê-lo visando, de modo consciente
ou não-consciente, deixar o destinatário – ou a comunidade – em dívida. Alguns
contribuintes do Neediest Cases Appeal (“Ajuda aos Mais Necessitados”) explicitaram
esta estratégia. Ao longo dos anos, cartas publicadas por alguns doadores indicaram que
eles tinham a expectativa de contar com a retribuição da caridade de terceiros, caso
encarassem má sorte no futuro (Atwater & Robboy, 1972). O público e os sujeitos alvos
de simpatia deviam a seus benfeitores deferência, gratidão e simpatia futuras.
O recebimento de simpatia alheia pode colocar a pessoa agraciada não somente
um, mas dois degraus abaixo: primeiro, por ter seus problemas sublinhados; segundo, por
contrair uma dívida. O ator que se encontra dois degraus abaixo pode ter bastante
dificuldade em recuperar seu lugar. Jim Mulcahy descreveu a estratégia usada por sua
mãe para induzir culpa: ela, de vez em quando, oferecia simpatia a ele para sublinhar sua
incapacidade de atender a solicitações dela. Quando ele sentia culpa, ele tentava reverter
a estratégia dela:
Minha mãe dizia “Faz tempo que não tenho notícia tua. Está tudo bem? (...) Então ela
dizia, “estou com uma gripe horrível”, ou algo assim (...) Você se sentia muito mal. Você
se sentia péssimo. Você sentia tipo “Porque eu não telefonei para ela ontem à noite, ao
invés de esperar até hoje?”. Eu tentava passar por cima disso rápido, e falar de outra coisa:
“Você foi ao cabelereiro hoje? O que mais você está fazendo?”. Eu gostava de fazer com
que ela parasse de lamentar por si mesma, para que eu não tivesse que me sentir tão mal
por não ter telefonado, ou por não expressar simpatia pelo que ela estava sentindo. Talvez
eu estivesse devolvendo o fardo de volta pra ela.
Jim também se sentia em dívida por dádivas anteriores de sua mãe. Nas palavras
dele: “mães são, provavelmente, um bom exemplo [de pessoas às quais alguém deve
simpatia], particularmente a medida que elas ficam mais velhas. É provável que na
juventude elas nunca pedissem isso. Tudo era doação. Então, quando ela foi ficando mais
velha, ela gostava de receber essas gentilezas, coisa que é natural”
Ainda assim, pessoas que recebem simpatia alheia frequentemente consideram a
dívida questionável. A profissional cujos comentários abriram este capítulo ofereceu
nítida evidência deste tipo de reação. Ela sentia que devia gratidão pela confusa e dolorosa
exibição de simpatia de sua colega de trabalho. A sensação de estar devendo a outra
pessoa, e os futuros envolvimentos que isto implicava, talvez seja parte da razão pela qual
se rejeita a simpatia oferecida por pessoas das quais não se é íntimo.
Uma mulher irlando-americana de 22 anos, solteira, estudante de graduação
trabalhando em empregos de meio-expediente, relatou um exemplo incomumente público
de geração de dívida pela oferta de simpatia. Seu pai, um músico de jazz divorciado de
quase 50 anos, desenvolvera um tumor maligno no cérebro. Ele não tinha meios para
sustentar a si mesmo, e não tinha seguro médico para cobrir as crescentes despesas com
cirurgias e cuidado médico de rotinha:
Certa noite, recebi um telefonema de Fred, outro músico que costumava tocar com meu
pai anos atrás. Fred, até então, não sabia que meu pai estava doente, e quando soube,
decidiu pegar um vôo saindo da Califórnia e realizar um concerto surpresa beneficente
por meu pai. Estávamos muito contentes – meu tio, minha avó e eu. Cerca de trezentos
músicos de todo o país, músicos famosos que todo mundo conhece, estavam vindo, por
respeito a meu pai. O modo como a coisa aconteceu, contudo, foi frustrante. Meu pai
estava muito fraco, mas meu tio o levou ao salão, e ele ficou sentado a noite inteira em
uma mesa longe da banda, de modo que o som não o deixasse com dor de cabeça. Quando
as pessoas chegavam, elas se aproximavam e entregavam cheques em mãos a ele ou a
uma pessoa da família, e depois não sabiam o que dizer. Elas tentavam não olhar para
meu pai, para não demonstrar o quão chocadas elas estavam pelo fato de ele estar em um
estado tão ruim. A pior parte era que a única coisa sobre a qual eles falavam era como
Fred era maravilhoso. Ele estava sendo tão generoso, em dedicar tempo à realização do
concerto! Ele era um anjo! Aquela acabou se tornando a noite de Fred, ao invés de meu
pai. A família inteira simplesmente sentou à mesa, e ficávamos dizendo uns para os
outros, “Como poderemos um dia retribuir por tudo isto?”. Antes mesmo da metade da
noite, meu tio disse: “Temos que começar imediatamente a planejar algo para retribuir a
todos”. Tentei agradecer a Fred tanto quanto pude, e a todos os outros também, mas de
fato, a família jamais vai superar a sensação, o fardo, de fato, de dever tanto a ele. O peso
disso seguramente toma muito de nós (Notas de campo).
O magnânimo Fred conseguiu fortalecer seu próprio lugar (estratégia 02) e reduzir
o lugar do homem sendo ostensivamente honrado.
Outros casos de expressar simpatia para gerar dívida envolviam colegas de
negócio, conhecidos, e até mesmo membros da família que oferecem simpatia a pessoas
que recentemente se tornaram viúvas, na expectativa de lucrar materialmente com isto.
Estas ofertas de simpatia tentam gerar uma dívida que poderia ser apagada através de
retribuição com bens materiais, dinheiro vivo ou outros favores. Por exemplo, alguns
respondentes contaram histórias sobre parentes pagando mais do que pretendiam por
caixões ou serviços funerários porque achavam que eles deviam algo a agentes funerários
solícitos e que expressavam simpatia. Uma gerente de pessoal aposentada, WASP, na
casa dos 50, falou sobre como a simpatia pela morte recente de seu marido a deixava
desconfiada e desconfortável:
De início, eu estava em negação, e todas essas pessoas continuavam mandando cartões e
telefonando. Eu ficava dizendo para mim mesma, “Ei, eu estou viva. Eu tenho dinheiro o
suficiente. Nós, de qualquer maneira, não tínhamos um bom casamento. Porque você está
lamentando pelo que aconteceu comigo? Eu consigo dar conta disto”. Algumas destas
pessoas eram sinceras, acho, mas outras estavam indo ao funeral para comer e participar
de uma festa. E alguns queriam que eu ficasse em dívida com eles. Por exemplo, o
vereador da cidade. Ele era, de certo modo (suponho), um colega de Bill. Mas sejamos
francos. Tudo que ele queria de fato era meu voto. Suponho que ele pensou que eu acharia
especial o fato de ele ter prestado atenção em mim, e que ele poderia contar comigo na
próxima eleição.
Então, algumas pessoas me ofereciam falsa simpatia, de modo a me vitimizar. Por
exemplo, o suposto melhor amigo de Bill. Ele me chamou e disse: “oh, eu o amava como
a um irmão. Se houver qualquer coisa que eu possa fazer por você (qualquer coisa no
mundo), eu farei. Deixe que eu compre o carro de Bill de você”. Então eu disse: “quanto
você me daria por ele?”. Ele respondeu: “Querida, o melhor que posso fazer por você são
treze mil dólares. É o melhor que posso fazer”. Bem, aquele carro tinha rodado apenas 28
milhas. Respondi que eu não precisava tanto assim daqueles treze mil dólares.
Sinto uma ponta de culpa por te contar sobre este outro incidente, mas enfim. Quando
retornei a minha casa após o funeral, eu estava igual um zumbi. Então, Charlie e Janice
vieram do outro lado da rua, dizendo, “Meu Deus! É tão terrível! Deixa a gente te ajudar”.
Charlie queria me ajudar a tirar as coisas de dentro do carro. Ninguém, em todos os anos
anteriores, jamais me ajudara a trazer as compras pra dentro de casa. Porque estavam me
ajudando agora? Veja, para início de conversa, nós não tínhamos essa proximidade toda.
O corpo de meu marido nem tinha esfriado, e Charlie aparece querendo uns livros da
coleção de livros raros de Bill. Ele veio depois e falou: “Deixe nós, homens daqui de
perto, te ajudar”. O que ele queria de fato dizer era: “você tem que ter um homem aqui
para te ajudar”. Com uma insinuação sexual. Bill costumava andar com Charlie, e me
contara que ele flertava muito com as mulheres da vizinhança. Então, isso me assustou, e
me deixou bastante desconfortável (Notas de Campo).
Outra estratégia que pode melhorar o lugar de alguém (ou diminuir o lugar do
outro) é a criação de um desequilíbrio emocional. Os atores podem exibir simpatia que
evoca mais emoção nos outros do que aquela que eles próprios sentem. Este tema possui
algumas variações. A oferta simpatia ante, digamos, a perda de um ente querido, uma
cirurgia iminente, uma deficiência ou algo que desfigure a pessoa, impele estes problemas
ao primeiro plano na interação. Como resultado, a pessoa com o problema pode começar
a sentir novamente a tristeza, preocupação ou humilhação que ele ou ela cuidadosamente
comprimiu sob a superfície de modo a seguir com a vida cotidiana. Ideias e sensações
sobre o problema podem povoar nossos pensamentos sobre eventos mais próximos.
Exibições emocionais como lágrimas, agitação ou rubor podem ocorrer, colocando a
pessoa em desvantagem na interação, no momento presente e no futuro. Ela pode se sentir
insegura e duvidar de si mesma. Como disse Jim Mulcahy, “Fico desconfortável quando
as pessoas chegam e expressam simpatia. Me desligo disso rapidamente e vou fazer outra
coisa. Estou em paz com a morte de minha mãe. Isto foi duas semanas atrás. Não quero
remoer os aspectos sofridos disto. Não quero sentar e falar sobre tristeza”.
Mesmo que a pessoa que é alvo de simpatia não reviva emocionalmente seu
problema, ela pode se sentir perturbada ou surpresa e se tornar mais emocional que a
pessoa que oferece simpatia. Deste modo, é possível destruir a compostura da pessoa que
recebe simpatia. Como Stephen Potter (1948, 1950, 1952) assinalou, tempos atrás – em
seus bem humorados porém reveladores livros sobre alcançar a vitória usando artimanhas
questionáveis porém não ilícitas (gamesmanship), sobre obter sucesso na vida
aparentando sucesso (lifemanship), e sobre como conquistar prestígio inferiorizando o
próximo (one-upmanship) – provocar o descontrole em outra pessoa pode inferiorizá-la
no plano da interação. Uma mulher branca de 44 anos descreveu esta estratégia em termos
gerais: “A simpatia é o grande put-down.5 Quando alguém diz que lamenta por mim, e eu
sei que ela quer me por para baixo, fico com raiva mas frequentemente machuca. Certas
vezes, me sinto inadequada e ‘defensiva-ofensiva’ (...) Eu ataco de volta, e depois sinto
raiva por ter sentido tanta raiva” (escrita livre). Jim Mulcahy nos oferece um exemplo
disto:
Já vi situações em que não eram de simpatia transbordando, mas de uma pessoa tentando
jogar um jogo de poder com você. Um cara chega e diz “nossa, você está bem?”, e de
súbito você diz pra si mesmo “Eu pareço não estar bem?”, ou algo parecido. Tinha um
cara que entrava todo dia de manhã dizendo “nossa, você tá se sentindo bem?”. Eu
respondia, “estou bem sim”. E eu pensava, porque preciso me justificar para este FDP a
essa hora da manhã?6 Ele não estava chateado por mim. Talvez ele não estivesse jogando
comigo, mas eu não me sentia convencido.
Dado que a simpatia pode rebaixar de diversas maneiras, a oferta de simpatia pode
criar ou perpetuar hierarquias. Como a profissional citada no início deste capítulo, a
pessoa que é alvo da simpatia pode se sentir diminuída e aceitar essa leitura das
configurações de lugar. Por exemplo, quando se acredita que o outro não está agindo de
forma proposital, os destinatários da simpatia frequentemente relatam que se sentiam
magoados ou feridos. A mágoa é uma emoção demarcadora de lugar, que sinaliza maior
inferioridade ou distância do que o esperado. Outros sujeitos mencionaram sentir
embaraçadas, incompetentes, inferiores e atordoadas: emoções que assinalam ou
instituem um lugar inferior.
A oferta de simpatia também pode ter consequências ruins para uma relação. Por
exemplo, uma jovem mulher branca que trabalhava como contadora descreveu uma
amizade que desmoronou:
Uma das últimas vezes em que uma pessoa disse que lamentava pelo que eu estava
passando acabou se tornando um conflito entre a pessoa e eu. Fiquei imediatamente
5
“Put-down” é um comentário ou ato de menosprezo, considerado frequentemente intencional, que visa
rebaixar a pessoa à qual esse se dirige.
6
No texto original “Why do I have to justify myself to this SOB first thing in the morning?”, SOB é um
acrônimo para a expressão “son of a bitch”.
furiosa e defensiva, e comecei a questionar porque essa pessoa se sentia dessa maneira.
Eu não queria que essa pessoa sentisse qualquer simpatia por mim (...). Fiquei com tanta
raiva de que alguém pudesse se sentir daquele modo e falar aquilo sem considerar como
eu estava me sentindo (...). Por vezes, “dizer algo” é diferente de “dizer algo acreditando
no que se está falando” (...). Isso feriu meu orgulho. (Escrita livre).
A solução a que ela se refere, neste caso, foi levar o assunto ao superintendente
escolar, reafirmando seu lugar e rebaixando o diretor condescendente.
* * *