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Mudança garantiu avanços nacionais em termos de inclusão, mas São Paulo ainda

se recusa a estabelecer ações afirmativas para negros, pardos e indígenas


Por Igor Carvalho

Alunos da USP protestam pedindo cotas na universidade (Foto Agência Brasil)

Em 1997, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros, entre 18 e 24 anos cursavam ou


tinham concluído um curso de graduação no Brasil. O baixo índice indicava que algo
precisava ser feito. “Pessoas estavam impedidas de estudar em nosso país por sua cor de
pele ou condição social. Se fazia necessário, na época, uma medida que pudesse abrir
caminho para a inclusão de negros e pobres nas universidades”, lembra a pesquisadora e
doutora em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Teresa
Olinda Caminha Bezerra.
A solução encontrada para que se diminuísse o déficit histórico de presença de negros e
pobres nas universidades brasileiras foi a adoção de ações afirmativas por meio de
reservas de vagas, que ficaram conhecidas como cotas. Porém, por todo o país, houve
resistências à sua implementação.
Em 2003, a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul começou a usar fotos enviadas
por estudantes para decidir quais poderiam ter acesso às vagas, que foram determinadas
por uma lei aprovada pela assembleia legislativa daquele estado. O “fenótipo” exigido era
composto por “lábios grossos, nariz chato e cabelo pixaim”. A ação gerou protestos de
movimentos negros. Ainda na Uems, em 2004, o professor de Física Adriano Manoel dos
Santos se tornou réu em um processo na Justiça do estado por racismo. Ele teria dito, na
sala de aula, que a universidade deveria “nivelar por cima, e não por baixo” o ensino,
fazendo alusão aos cotistas presentes na sala, entre eles o estudante Carlos Lopes dos
Santos, responsável pela ação judicial.
No Rio de Janeiro, em 2004, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciou
que rejeitaria uma possível política de cotas. O conselho de ensino da instituição, formado
por professores, alunos e funcionários rejeitou a ação afirmativa. E o Ministério Público
Federal (MPF) do Paraná entrou, em 2004, com um recurso na Justiça pedindo que a
Universidade Federal do Paraná (UFPR) não adotasse o sistema de cotas em seu
vestibular. O Judiciário paranaense freou a prática entendendo que a reserva de cotas
afrontava “o princípio constitucional de isonomia e reforça práticas sociais
discriminatórias.”
Já em 2012, quando a Universidade de Brasília (UnB) já havia completado oito anos de
distribuição de vagas pelo sistema de cotas, o Partido Democratas (DEM) entrou com
recurso no Superior Tribunal Federal contra a medida, alegando, inclusive “racismo”.
Mas a resistência às cotas não se dava somente no âmbito de conselhos das instituições
ou do Judiciário, e muitas vezes se dava por meio de atitudes racistas. Durante um torneio
esportivo envolvendo faculdades de Direito, em 2005, torcidas adversárias se referiam à
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) como “Congo”, por sua diversidade racial.
A alcunha foi adotada pelos alunos da instituição carioca, e até hoje o país africano é
símbolo de suas equipes.
Após algumas universidades estaduais e federais aderirem à sistemas de cotas, os
números apresentados no começo da matéria começaram a apresentar melhoras. Subiu
de 2,2% para 11% a porcentagem de pardos que cursam ou concluíram um curso superior
no Brasil; e de 1,8% para 8,8% de negros. Os números são do Ministério da Educação
(MEC), em levantamento de 2013. Parte dos movimentos negros questiona os números,
considerados “tímidos”. “Não podemos nos conformar com esses dados, são baixos ainda.
Há avanços, mas estão muito longe de significar os resultados que buscamos”, afirma
Douglas Belchior, do conselho geral da UneAfro e da Frente Pró Cotas Raciais.
Uerj, o motor propulsor
Em 2013, foram completados 10 anos da primeira experiência brasileira com cotas. A Uerj
autorizou, no vestibular de 2002, que Pretos, Pardos e Indígenas (PPI) autodeclarados
solicitassem suas vagas por meio do sistema e a distribuição das matrículas ficou assim:
20% para negros, 20% para alunos de escola pública e 5% para portadores de
necessidades especiais. Em 2007, o governador Sérgio Cabral determinou que no
percentual de 5% deveriam ser inseridos os filhos de policiais, bombeiros e agentes
penitenciários mortos.
De 2003 a 2012, já ingressaram na Uerj, pelo sistema de cotas, 8.759 estudantes. Destes,
4.146 são negros autodeclarados, outros 4.484 usaram o critério de renda, enquanto 129
pelo percentual de portadores de deficiência, índios. “O desempenho da UERJ é
excelente. Os cotistas derrubaram o mito de que o nível cairia nos cursos, o desempenho
deles é ótimo”, elogia Teresa Olinda Caminha Bezerra, que produziu, em parceria com o
professor de Administração Pública, também da UFF, Cláudio Gurgel, o artigo “A política
pública de cotas nas universidades, desempenho acadêmico e inclusão social”, de agosto
de 2011.
Neste estudo, Teresa e Gurgel ajudam a derrubar um dos mitos do discurso anti-cotas.
Dos 32 cursos oferecidos pela UERJ, seis são analisados no artigo, todos da turma
ingressante no ano de 2006, e apontam para uma equivalência de notas no desempenho
entre cotistas e não-cotistas, que contrapõe os valores alcançados no vestibular. No curso
de Administração, os cotistas tiveram uma média de 30,48 pontos no vestibular, contra
56,02 dos não cotistas, quase o dobro de diferença. Porém, o desempenho durante o
curso mostra um crescimento no rendimento dos cotistas, que chegam à média de 8,077
contra 8,044 dos não cotistas.

Fonte: “Política de cotas em universidades e inclusão social: desempenho de alunos cotistas e sua aceitação no
grupo acadêmico”. Tese de doutoramento de Tesesa Olinda Caminha.
A superação demonstrada pelos alunos cotistas é considerada “espetacular” por Teresa.
“Eles rompem barreiras como preconceito e o histórico de ensino precário, mostrando que
esse mito do ‘nível’ é apenas isso, um mito, sem qualquer base cientifica que se
justifique.” Outro preceito desmentido no estudo é o da evasão (ver tabela abaixo), o que
configuraria um “fracasso escolar”, nas palavras de Teresa e Gurgel. Nos seis cursos
avaliados, a evasão de não cotistas é sempre maior.

Fonte: “Política de cotas em universidades e inclusão social: desempenho de alunos cotistas e sua aceitação no
grupo acadêmico”. Tese de doutoramento de Tesesa Olinda Caminha
Hoje, dez anos depois da experiência da Uerj, 32 das 38 universidades estaduais já
adotaram modelos de ações afirmativas. No princípio, leis estaduais obrigavam as
instituições a oferecem cotas, caminho seguido por 16 delas. Porém, com o passar do
tempo, a outra metade das adesões foi espontânea, se dando por meio de resoluções dos
conselhos universitários.

““A USP tenta mascarar os números, aliás os números falam o que você quiser. Os 28% apresentados pela
USP são uma mentira apresentados assim”, afirma Silvio de Almeida (Foto: Instituto Luis Gama)

Alckmin e as “ilhas do privilégio branco”


Entre as 32 instituições que tem ações afirmativas há uma divisão importante. Enquanto
30 delas se utilizam do modelo de cotas para a inclusão de negros, alunos de escolas
públicas e portadores de deficiência, somente a Universidade de São Paulo (USP) e a
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) optaram pelo sistema de bônus.
O formato é criticado por especialistas e movimentos sociais. “O bônus é horrível porque
não reserva vagas, não estabelece uma condição para que o estudante negro possa
acessá-las. As alternativas que foram colocadas, do College até a atual bonificação são
ineficazes, elas não reconhecem o elemento racial como fundamental para a garantia do
direito ao acesso às universidades”, explica Douglas Belchior.
“Os números que eles [USP e Unicamp] mostram são autoexplicativos, é uma política
equivocada. Política pública tem que ser pragmática, se ela não produz resultado, não deu
certo. O bônus você pode regular para fazer diferença, mas nessas universidades não
querem que se faça a diferença”, afirma o cientista político do Instituto de Estudos Sociais
e Políticos (Iesp) da Uerj e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação
Afirmativa (Gemaa) João Feres Júnior.
Na USP, a bonificação oferecida à alunos PPI é de apenas 5% na média. Porém, o
estudante só terá acesso ao benefício se for aprovado na primeira fase do vestibular. O
sistema funciona desde 2006, quando foi criado o Programa de Inclusão Social
(Inclusp). Números divulgados pela USP mostram que desde 2006 o índice de
ingressantes na universidade por meio do Inclusp variou entre 24% e 29%, sendo que o
maior índice foi alcançado em 2009. Em 2012, último ano com dados compilados, o índice
ficou em 28%.
Porém, a instituição paulista não desmembra os dados, impossibilitando que se saiba
quantos negros e pardos conseguiram entrar na universidade. “A USP tenta mascarar os
números, aliás os números falam o que você quiser. Os 28% apresentados pela USP são
uma mentira apresentados assim. 28% quem? Quantos são negros? Em quais cursos eles
ingressaram?”, pergunta Silvio de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama. Em matéria
de junho de 2012, o jornal O Estado de S. Paulo revela que, em 2011, dos 26% de
aprovados pelo Inclusp, apenas 2,8% eram negros e 10,6%, pardos, totalizando 1.409
alunos, entre os 90 mil da universidade.
Na Unicamp, o sistema de bonificação oferece 20 pontos ao candidato que se autodeclarar
PPI e mais 60 para os que pedem acesso por ter baixa renda. Porém, a média de nota da
universidade de Campinas é de 500 pontos, chegando a 700 pontos em cursos como o de
Medicina. O resultado da política de inclusão da Unicamp é um índice baixo de negros,
pardos ou índios que acessaram a universidade. Desde 2003, quando o modelo foi
adotado, o percentual variou entre o mínimo de 10,7% no primeiro ano e o máximo de 16%
em 2005. No ano de 2013, apenas 13,2% de PPIs entraram na Unicamp.
A culpa para o fraco desempenho é do governo paulista, para Douglas Belchior. “Em São
Paulo, há um interesse político, que vem de cima, de manter a USP e a Unicamp como
ilhas do privilégio branco. A tropa conservadora do [governador Geraldo] Alckmin tem
maioria absoluta na Alesp, onde não se consegue instalar nem mesmo uma CPI sobre o
cartel do Metrô, que é um escândalo absurdo. Nas universidades, os conselhos são
dominados por educadores ligados ao PSDB e ao Alckmin.” A terceira estadual de São
Paulo, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) reservou pela primeira vez, em dezembro
de 2013, vagas para cotistas. Foram apenas 391 vagas para negros, pardos e indígenas,
do total de 7.259 disponíveis.
A Frente Pró-Cotas Raciais, de São Paulo, iniciou uma campanha com o objetivo de
conseguir 200 mil assinaturas para que um Projeto de Lei de iniciativa popular seja
encaminhado e votado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). No
documento, o movimento pede que o estado separe 25% das vagas disponíveis nas
universidades.
Sudeste inclui menos
Geraldo Alckmin (PSDB), tentou, em 2013, aprovar o Programa de Inclusão com Mérito no
Ensino Superior Público Paulista (Pimesp), projeto que foi massacrado por parlamentares
e ativistas, que o consideravam racista, sendo derrotado nos conselhos universitários. O
Pimesp propunha que os alunos aprovados no vestibular, na modalidade cotas,
passassem a integrar um colégio comunitário que teria o intuito de nivelar os alunos
considerados, pelo estado, mais “fracos”. Eram os chamados “colleges”.
Segundo o estudo “As políticas de ação afirmativa nas universidades estaduais”, de
novembro de 2013, do Gemaa, coordenado por João Feres Júnior, a inércia paulista
coopera para que a região Sudeste (16,7%) seja a que menos inclui no país, contra 40,2%
do Centro-Oeste, 32,6% do Nordeste, 29% do Sul e 26,6% do Norte. “São Paulo tem
estaduais gigantes que não incluem. O Rio de Janeiro tem uma estadual eficiente e que é
pioneira, mas é pequena. Minas Gerais tem um sistema “vagabundo”. Voltando para São
Paulo, a USP não funciona, a Unicamp também e a Unesp nunca gerou vagas. O Alckmin
nunca criou uma regulamentação decente. O Sudeste, mesmo nas federais, quando
aprovada a lei (leia abaixo), foi muito resistente em aceitá-la”, afirma Feres Júnior.
Silvio de Almeida lamenta que Alckmin não siga o mesmo prumo da maioria das
universidades estaduais do país. “Ao se colocar numa postura de resistências às políticas
de inclusão, que já se provaram eficientes, o governo paulista se coloca de maneira
totalmente contrária aos interesses de uma parcela significativa de São Paulo.”
Lei obriga adesão de política de cotas nas federais
No segundo semestre de 2004, a Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição
de ensino superior federal a adotar o modelo de cotas raciais como política de ação
afirmativa. À época, se reservou 20% das vagas para quem se autodeclarasse como PPI.
Somente em 2012 foi aprovada a Lei 12.711, determinando que as universidades federais
devem destinar 50% de suas matrículas para estudantes autodeclarados negros, pardos,
indígenas – conforme definições usadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE-, de baixa renda, com rendimentos igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita,
e que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. O número de
cotas para negros, pardos e indígenas é estipulado conforme a proporção dessa
população em cada estado, segundo último Censo do IBGE, em 2010.
Dados apresentados pelo Gemma em seu estudo “O impacto da Lei 12.711 sobre as
universidades federais”, de novembro de 2013, indica um crescimento no número de
estudantes negros as universidades comandadas pela União. “Em 2003, pretos
representavam 5,9% dos alunos e pardos 28,3%, em 2010 esses números aumentaram
para 8,72% e 32,08%, respectivamente”, aponta o documento.
Antes da lei ser aprovada, 18 das 58 universidades federais do país ainda resistiam em
aplicar alguma política de cotas ou bônus. Desde o vestibular de 2013, por força da
legislação, todas as instituições já aderiram, ampliando o número disponível de vagas para
cotistas de 140 mil para 188 mil. Silvio de Almeida, assim como a Frente Pró-Cotas
Raciais, entende que a lei federal precisa ser revista, ampliando o número de vagas para
cotistas. “Se vamos levar em consideração o percentual da população paulista de negros
para estabelecer a quantidade de vagas, isso tem que ser feito em cima dos 100% das
vagas, e não dos 50%, porque não seremos, no caso de São Paulo, 34,6% de negros na
universidade, mas sim metade desse número. As demais vagas, continuarão nas mesmas
mãos.”
O argumento é reforçado por Feres Junior, do Gemaa. “A Lei federal de cotas foi muito
difícil de aprovar, acho que politicamente é difícil que os movimentos sociais consigam
modificar esse percentual agora. Porém, eles tem razão, da forma como está, você tem
um teto baixo. É claro que existem negros entrando pela ampla concorrência, mas ainda é
um número tímido.”
Foto de capa: Blogue “Negro Belchior”

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