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FREUD, PIAGET E A RAZÃO

Fabio Thá
Psicólogo
Psicanalista
Mestre em Lingüística / UFPR
Doutorando em Estudos Lingüísticos / UFPR
Professor Adjunto da Universidade Tuiuti do Paraná
Autor do livro: Uma semântica para o ato falho (Annablume, 2001)

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FREUD, PIAGET E A RAZÃO
Fabio Thá
n. 02, Curitiba, jul. 2003
www.utp.br/psico.utp.online
RESUMO
O texto discute brevemente o alcançe da idéia de racionalidade, entendida como um padrão de
operações mentais formais e universais que ocorre independentemente das experiências concretas
dos sujeitos, idéia que está na base da separação entre mente e corpo. Indica também a presença
dessa idéia em algumas teorias que combinam a epistemologia genética e a psicanálise. Finalmen-
te argumenta que conceitos elaborados por teorias contemporâneas, que procuram ultrapassar
essa dicotomia, já estão presentes na obra de Freud.
Palavras-chave: razão formal, epistemologia, psicanálise.

ABSTRACT
This text discuss the limits of the idea of rationality meaning a pattern of formal and universal
mental operations, that goes on without the concrete experiences of beings, a background ideia
that reflects the mind-body separation. It shows that this ideia rules some theories that blend
genetic epistemology and psychoanalysis. Finally, argue that contemporary concepts of theories,
wich goal is overtake that dicotomy, are already in the freudian work.
Key words: formal reason, epistemology, psychoanalysis.

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FREUD, PIAGET E A RAZÃO
Fabio Thá
n. 02, Curitiba, jul. 2003
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Já faz quase um século que Freud (1925: 274) elencou os três golpes desfechados pela ciência
no amor próprio humano. O primeiro, o cosmológico, retirou o homem do centro do universo. O
segundo, o biológico, pôs abaixo a barreira arrogante erguida entre os homens e os animais. O tercei-
ro, o psicológico, destronou a racionalidade consciente do centro da vida psíquica. O que temos a dizer
hoje disso?
Me parece bastante evidente que hoje em dia, ao menos nos círculos científicos, ninguém
duvida de que a terra não é o centro do universo ao redor do qual giram os corpos celestes, nem que
o ser humano está inscrito na série evolutiva, compartilhando da mesma sorte e das mesmas deter-
minações biológicas que outros seres vivos. Essas descobertas, que foram consideradas revolucio-
nárias e subversivas em sua época, são hoje parte da cosmovisão do senso comum. Mas o mesmo
não se pode dizer do terceiro golpe. A idéia do homo rationalis, um ser consciente, racional, lógico e
dono de seu nariz, continua soberana e reinou incólume durante grande parte do Século XX.
Essa idéia está profundamente enraizada no pensamento ocidental e, no século passado to-
mou a forma do paradigma lógico-formal. No curso do pensamento epistemológico pode-se vê-la
combinada com o ideal de objetividade, levando à concepção de que a mente pode representar
objetivamente a realidade, concepção que Richard Rorty (1988) chama “a razão como espelho da
natureza”.
Esta visão objetivista da racionalidade leva a uma tendência, presente em pensadores de ori-
entações radicalmente diferentes, de situar uma certa hiância na experiência humana, que muitas
vezes se materializa em dicotomias recorrentes. Supõe-se que exista uma hiância entre o lado cognitivo,
racional, conceitual e formal do ser humano e seu lado corporal, perceptual, material e emocional.
Assim, o pensamento lógico, conceitual e racional ficam alinhados com a dimensão do mental,
enquanto que a percepção, imaginação e os sentimentos com o lado corporal. Como resultado
disso, as estruturas da experiência concreta, que se traduzem em imagens mentais, na capacidade
imaginativa, nos sentimentos, enfim, em todas as nuançes da experiência subjetiva, são vistas como
não tendo lugar numa teoria do pensamento racional.
Tomemos o exemplo de Kant que situou sua dicotomia dentro das faculdades cognitivas,
separando o componente formal (conceitual e intelectual) por um lado e o componente material
(perceptual e sensível) por outro. O componente material está identificado com os processos cor-
porais enquanto que o componente formal contém os a-prioris da razão pura que organizam as
atividades do entendimento. O conhecimento deve ser conhecimento dos objetos que todos podem
experimentar. Para que o conhecimento empírico e objetivo exista, deve haver um material vindo de
fora, através dos sentidos, cujos conteúdos são organizados pelos padrões da razão pura. A
estruturação do material fornecido pela sensibilidade pelos conceitos formais resulta numa experi-
ência de realidades objetivas que todos podem compartilhar, porque todos compartilham dos mes-
mos conceitos. Isso significia que a razão é uma espécie de filtro transcendente e universal que
estrutura a experiência concreta dos seres humanos.
É importante notar que Kant é apenas mais um autor que segue a tradição de situar uma
dicotomia entre o conceitual e o corporal. Tratada de forma mais lógica e menos epistemológica,
essa mesma hiância se manifesta claramente no pensamento contemporâneo e pode ser claramente
observada nas obras de Frege, Russell, Wittgenstein, Chomsky, entre outros.

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Em resumo: a racionalidade humana consiste nos elementes formais da cognição, distintos de
qualquer conteúdo material das sensasões, de qualquer conteúdo imaginário, de qualquer conteúdo
emocional e de qualquer processo corporal. A incidência da natureza de quem está raciocinando, de
seu corpo e da maneira como ele funciona, é irrelevante e deve ser cuidadosamente deixada de lado.
A razão é transcendental, transcende a natureza e as limitações de qualquer ser em particular.
Uma versão psicológica dessas teses, e que tem enorme influência nas teorias e práticas da
psicologia educacional, é a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget. Seu ponto de partida,
que estrutura toda sua investigação e toda a teoria formulada a partir dela, é o pensamento formal,
mais especificamente, como o homem chega até ele. Em Psicologia da inteligência (1972), Piaget obser-
va que o lógico procede como um matemático quanto constrói dedutivamente seu sistema axiomático,
enquanto que o psicólogo age como um físico que mede o espaço do mundo real. “Que a lógica seja
o espelho do pensamento e não o inverso é o ponto de vista para o qual fomos conduzidos... Isso
significa tornar a dizer que a lógica é uma axiomática da razão, da qual a psicologia da inteligência é
a ciência experimental correspondente”. (1972: 52) Isso quer dizer que o pensamento lógico-formal
é o cume de um processo de desenvolvimento durante o qual a inteligência dos seres humanos se
desgarra cada vez mais do corporal inicialmente e do concreto em seguida, para atingir os níveis
abstratos do estágio operatório formal cuja característica é o pensamento hipotético dedutivo. Nes-
se estágio os esquemas conceituais são abstratos, o pensamento é flexível e a formulação de hipóte-
ses se dá sobre proposições, sem necessidade da constatação de suas referências concretas.
Não vou discutir aqui se Piaget conseguiu ou não superar essa dicotomia. O fato é que muitos
piagetianos a retomam franca e claramente, incluindo também a Freud nessa tradição. Os distúrbios
do desenvolvimento cognitivo acabaram impondo a necessidade de evocar o outro lado, o famoso
lado emocional. Se há algo que não funciona, esse algo deve ser um obstáculo ao desenvolvimento.
Muitos piagetianos foram buscar na psicanálise uma teoria que os ajudasse a compreender esse
‘outro lado’. Assim. Charles Odier (1980), por exemplo, afirma que Freud e Piaget percorreram o
mesmo rio do desenvolvimento humano, mas cada um por uma margem. É necessário construir
pontes entre as margens do intelectual e do afetivo, aproveitando cada cotovelo do rio, ou seja, cada
estágio bem determinado do desenvolvimento. Há, por exemplo, toda uma corrente psicopedagógica
(Visca, 1987), muito influente atualmente, que propõe uma convergência entre a epistemologia
genética, a psicanálise de Freud e a psicologia social de Pichon Rivière para poder explicar os
obstáculos, epistêmicos (cognitivos), epistemológicos (sociais) e epistemofílicos (emocionais) que
impedem no processo de aprendizagem. O problema dessas abordagens é que elas mantém as duas
margens do rio, logo, continuam pressupondo o ideal de racionalidade formal para o ser humano e
consideram os ‘problemas emocionais’ como obstáculos ao alcançe desse objetivo.
De fato, Freud não estava inteiramente livre do preconceito do homo rationalis. Prova disso é
que adscreveu a uma ‘outra lógica’, que não a lógica racional e consciente, os mecanismos que
descobriu na formação dos sonhos: o deslocamento, a condensação e a transformação em imagens.
Chamou esse tipo de pensamento de processo primário em oposição ao processo secundário, que
comanda o pensamento racional. Mas frisou também que o processo secundário nada mais é do que
um desvio do processo primário. Além disso, chamou esse pensamento de ‘mais primitivo’ e até
propôs uma certa evolução da libido através de fases de desenvolvimento que culminariam na fase

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fálica. Mas frisou que esta última não é uma síntese que supera as anteriores, pelo contrário, as
enterra no esquecimento em função do advento da castração. Uma leitura desenvolvimentista da
psicanálise valorizou de maneira parcial esses conceitos e transformou a psicanálise freudiana numa
psicologia do desenvolvimento afetivo, condenando o id aos infernos instintivos e elevando o ego
às alturas celestiais da razão coerente, equilibrada e parcimoniosa.
Como diz Lacan (1966), esses desvios da teoria freudiana tem uma origem nobre. E essa
origem é sensível em qualquer página do texto de Freud: que qualquer produção humana, individual
ou coletiva, nada mais é do que uma expressão de pensamentos impregnados de desejo. Por exem-
plo, ao cabo da análise do sonho que apresenta como modelo em seu texto Sobre os sonhos (1901) diz:
“No ponto em que agora cheguei, sou levado a encarar o sonho como um substituto para os proces-
sos de pensamento, pleno de significado e emoção, aos quais cheguei após o término da análise”.
(1901: 678) Esta afirmação pode ser aplicada, não apenas aos sonhos, mas às demais formações do
inconsciente. Note-se que nesta frase, Freud analoga o sonho, ou seja, a cena onírica constituida
fundamentalmente por imagens, a processos de pensamento. Ou seja, ‘sonhar = pensar’. Eis o
sujeito freudiano pensando com imagens, utilizando elementos concretos para elaborar questões
abstratas. O sintoma é como o sonho: inscreve, em uma parte do corpo por exemplo, uma questão
que é, em essência, racional. Lacan observa isso com muita propriedade no seguinte comentário:

Em outros termos, a maneira pela qual se revela a entrada no mundo da questão do ser,
da pergunta: ‘que sou eu no mundo?’, nem sempre é coisa mental. O filósofo se dedica
a ela, mas, coisa surpreendente, esta espécie de privilégio e de coroa que adquiriu, está
obrigado a compartilhar com o neurótico, que é, ele mesmo, inteiramente, dos pés à
cabeça, a pergunta, e a pergunta colocada em forma. (1985: 64)

Isso quer dizer que, o que Freud descobriu foi que o homem pensa com seu corpo, com sua
imaginação, com sua percepção, enfim, que pensar não é puramente coisa ‘racional e formal’. E o
mais interessante de tudo é que essas constatações freudianas são inteiramente compatíveis com
observações e teorias que estão sendo propostas atualmente sobre a cognição humana. Recente-
mente, principalmente a partir dos anos 70, as pesquisas em campos diversos como os da psicologia
cognitiva, da antropologia, da filosofia, da lingüística e semântica cognitiva e das neurociências, tem
apresentado evidências experimentais que questionam radicalmente as teses formalistas da cognição,
do significado e da razão. Seus achados podem ser resumidos como segue (segundo Mark Johnson,
1990):
1 - O pensamento é corporificado, ou seja, as estruturas envolvidas em nossos sistemas conceituais
derivam-se a partir das experiências corporais do sujeito e de suas relações com o mundo.
Além disso, o coração dos sistemas conceituais humanos está enraizado na percepção, nos
movimentos do corpo e em experiências de caráter físico e social.
2 - O pensamento é imaginativo, tendo essa afirmação um sentido duplo. Por um lado as imagens
mentais participam das atividades racionais, ou seja, há um pensar com imagens. Por outro
lado, os raciocínios abstratos, que não estão diretamente enraizados na experiência corporal,
utilizam conceitos derivados dela por processos analógicos, metafóricos e metonímicos.

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3- O pensamento tem propriedades gestálticas, ou seja, considerar o raciocínio como uma atividade
composicional que de unidades atômicas constrói unidades maiores, é apenas uma parte da
questão e não esgota todo o funcionamento mental.
4 - O pensamento inclui conteúdos. O conteúdo semântico dos conceitos desempenha um papel
relevante e fundamental no raciocínio, o que mostra que a capacidade racional não se esgota
na manipulação de símbolos e regras de combinação sintáticas.
Voltando à metáfora do rio, é bom lembrar que as duas margens são apenas emergências
aparentes de uma só coisa, o leito do rio, que é a estrutura que permite que a água, como a vida, flua
de um ponto a outro do espaço-tempo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, S. (1901/1972). Sobre os sonhos. Ed. Standard Brasileira, vol. V Rio: Imago. (1925/1976) As
resistências à psicanálise. Ed. Standard, vol.XIX. Rio:Imago.
JOHNSON, M. (1990). The body in the mind. The bodily bases of meaning, imagination and reason. Chicago:
The University of Chicago Press.
LACAN, J. (1966). La direction de la cure et les principes de son pouvoir. In: Écrits. Paris: Ed. du
Seuil. (1985) Diálogo con los filósofos franceses. In: Intervenciones y textos. Buenos Aires: Manantial.
ODIER, C. (1980). La angústia y el pensamiento mágico. México: Fondo de Cultura.
PIAGET, J. (1972). Psicologia da inteligência. Rio: Fundo de Cultura.
RORTY, R. (1988). A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Dom Quixote.
VISCA, J. (1987). Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas

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