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Macunaímas
04 de setembro de 2010 | 0h 00
Às vésperas de se definirem pelo voto os novos dirigentes do Brasil, cabe perquirir sobre a
relação que se estabelece entre o sistema eleitoral e os personagens que atuam nesta
trama denominada eleição. O primeiro personagem é, sem dúvida, o eleitorado, nossa
gente.
No século 21, a situação nos planos intelectual e moral ainda é preocupante. Dados do
Tribunal Superior Eleitoral mostram que, dos eleitores brasileiros, 8 milhões são
analfabetos e 19 milhões apenas sabem ler e escrever sem terem frequentado uma escola,
considerados, portanto, como de alfabetização rudimentar; 73,3 milhões de eleitores, ou
58,26% do total, não conseguiram completar o ensino fundamental. Excluídas as categorias
anteriores, são 46 milhões de analfabetos funcionais, isto é, têm capacidade de decodificar
minimamente as letras, de escrever uma pequena carta, mas não têm , todavia,
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capacidade de compreender textos, interpretá-los e analisá-los.
O sistema eleitoral, por sua vez, só complica a situação, pois não vincula o candidato a
deputado a interesses do eleitor, como ocorreria no voto distrital misto. São milhares de
candidatos a deputado, sem coloração partidária alguma, mesmo porque os partidos e seus
próceres se misturam e se igualam, sem disputas ideológicas ou programáticas, sem
sequer divergências pessoais. Tudo se confunde.
O eleitor médio, sem poder de crítica, é, no caso da escolha para o Executivo, envolvido
pelo clima emocional e na opção para deputado, levado a votar em nome conhecido de
cantor, artista, jogador de futebol ou de chefete do reduto em que vive. A questão moral é
indiferente: corruptos e mensaleiros foram e serão eleitos.
Um país sem heróis virtuosos adota como figura popular um presidente que reproduz
Macunaíma, ao colocar a captação do eleitor, a esperteza, acima de qualquer outro
interesse. Prova do que digo está no fato de o menino Leandro, do conjunto habitacional
Nelson Mandela, ter desnudado o rei. Leandro gravou diálogo com Lula acerca da prática
de esporte naquele local:
Lula, então, volta-se para Sérgio Cabral e diz: O dia que a imprensa vier aí e pegar um
final de semana com essa porra fechada, o prejuízo político será infinitamente maior que
colocar dois guardas aí. Coloca dois guardas aí. Coloca o bombeiro para tomar conta e abre
isso.
O popular presidente, cujo estilo debochado tem sucesso, mostrou, sem querer, mais que
um modo de ser, desprezo pelo bem do povo. Como se viu, ao presidente pouco importa a
população poder usufruir a piscina. É de relevo apenas evitar o malefício político de uma
reportagem negativa: "Coloca dois guardas aí", que o prejuízo é muito menor que o
desgaste político da denúncia do descaso. Atender à população é de somenos, o que vale é
evitar o escândalo eleitoralmente desastroso. Mas o povo é indiferente a esta enorme
amoralidade, à esperteza presidencial, que recebe aprovação maciça de uma população
sem capacidade de crítica.
É dentro deste universo, pintado com realismo, que se definirá o nosso futuro. Que os
políticos de bem a serem eleitos tenham a coragem e a indignação necessárias para resistir
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à eventual tomada do poder pelos macunaímas do século 21.
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