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ANO XXV - Setembro 2018 - Nº 101

Coordenação Editorial:
Vicky Safra
caixa em prata para
etrog, decorada com
Assistentes de Coordenação:
cenas da festa de sucot. Clairy Dayan
londres, 1867 Fortuna Djmal
Assessora Internacional:
Muriel Sutt Seligson
Supervisão Religiosa:
Rabino Y. David Weitman
Rabino Efraim Laniado
Rabino Avraham Cohen
Jornalista Responsável:
Desirée Nacson Suslick
MTb 13603
Colaboradores especiais:
Esther Chaya Levenstein
Jaime Spitzcovsky
Reuven Faingold
Tev Djmal
Zevi Ghivelder
Revisão e tradução de texto:
Lilia Wachsmann
Consultor:
Marcello Augusto Pinto
Coordenação de Marketing:
Hillel de Picciotto
Produção Gráfica:
Joel Rechtman
JR Graphiks - Tel: 3873 0300
Projeto Gráfico:
LEN - Tel: 3815 7393
Serviços Gráficos:
C&D Editora e Gráfica - Tel: 3862 8417
Tiragem: 28.750 exemplares

A distribuição é gratuíta sendo sua comercialização


expressamente proibida. Morashá significa Herança
Espiritual; contém termos sagrados. Por favor, trate-a
com o devido respeito. Os artigos assinados são de
inteira responsabilidade de seus autores, não refletindo
necessariamente a opinião da revista. É proibida a
reprodução dos artigos publicados nesta revista sem prévia
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Tel: 11 2597 2812
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Carta ao leitor
Um dos principais temas da festa de Rosh Hashaná, Em Rosh Hashaná, diferentemente de Yom Kipur,
Ano Novo Judaico, é o Shofar, que se tornou o próprio não se mencionam erros, pecados ou transgressões.
símbolo da festividade e constitui seu principal Antes de bater no peito e confessar uma longa lista de
mandamento. De acordo com Maimônides, nosso transgressões, o homem deve primeiro prestar contas a
maior filósofo e um dos grandes legisladores da Torá, D’us acerca das decisões que tomou por meio do livre
o Shofar é um despertador de D’us para todos nós, arbítrio que lhe foi concedido. E um dos motivos para
transmitindo a mensagem de que devemos sair da o fato de Rosh Hashaná anteceder Yom Kipur é que as
letargia e atentar para as possibilidades que D’us nos grandes decisões precisam ser tomadas antes de se lidar
concede e assim contribuir ao mundo. Por meio dos com os detalhes.
toques do Shofar, D’us nos conclama a consertar este
mundo fraturado. Na tradição judaica, a data dos aniversários não é
um dia de festejos, com bolo e velas, mas um dia de
Rosh Hashaná é o início do ano judaico e também o exame de consciência e de uma prestação espiritual de
aniversário da humanidade. Um dos principais temas contas. Da mesma forma, Rosh Hashaná, o aniversário
da festa é o fato de que o ser humano é o centro da do homem, é o dia em que a humanidade deve fazer
Criação. A Torá nos ensina que entre todas as obras uma avaliação honesta de quão bem está cuidando do
de D’us, somente o homem foi criado à Sua imagem. mundo que D’us nos confiou.
Significa que ao homem foi dado um poder Divino: o
livre arbítrio. Nem os animais e nem mesmo os anjos Rosh Hashaná é tanto uma festa alegre como um dia
mais elevados receberam tal dádiva. que deve invocar sentimentos de reverência, pois
é a data em que D’us julga o mundo, individual e
Este dom foi o maior presente de D’us para o coletivamente. Mas Maimônides nos ensina que D’us
homem. O livre arbítrio faz com que o ser humano se considera o conjunto da obra. Se a maioria de nossos
assemelhe ao seu Criador, pois lhe dá a liberdade de ser atos foram benéficos e de boa fé, seremos julgados
dono de seu destino e a oportunidade de influenciar o favoravelmente. Além disso, em Rosh Hashaná, o
curso do mundo. Contudo, isto representa ter poder, Todo Poderoso, que conhece os segredos de todos
e ter poder significa ter grandes responsabilidades. os corações, leva em conta nossas boas intenções e
Graças ao livre arbítrio que D’us nos confiou, podemos resoluções para o ano que se iniciou.
tanto ser construtores quanto destruidores de mundos.
Permite-nos, também, elevar-nos espiritualmente aos Assim sendo, fazemos votos de que D’us nos
mais altos níveis ou afundar-nos aos níveis mais baixos. conceda sabedoria, força e compaixão para que, em
Na Torá e ao longo da História, houve inúmeros Rosh Hashaná, tomemos boas decisões e resoluções –
homens e mulheres que superaram enormes obstáculos para o nosso bem e para o bem de nossa comunidade,
e se tornaram gigantes espirituais. Por outro lado, de nosso país e do mundo como um todo.
houve filhos de reis e profetas e justos que, a despeito
de sua família, berço e educação, optaram por se Shaná Tová Umetucá!
afundar, moral e espiritualmente. Um ano bom e doce para todos!
Já que apenas o homem foi agraciado com o livre
arbítrio, apenas ele é responsabilizado por suas decisões
e ações. Rosh Hashaná, o aniversário da humanidade,
é também o Dia do Julgamento: data em que D’us
convoca o ser humano a prestar contas de quão bom
uso ele fez do dom Divino do livre arbítrio.
ÍNDICE

12 22

42 53

56 68
03 carta ao leitor 22 nossas grandes festas
Sucot: As Nuvens de Glória
06 nossas grandes festas e as Quatro Espécies

Por que tocamos o Shofar em 27 israel
Rosh Hashaná Segredos guardados da Guerra
12
Dez Ensinamentos para os do Yom Kipur
Dez Dias de Teshuvá por zevi ghivelder

20
nossas LEIS 36
antissemitismo
Algumas leis relacionadas Judeus na “Guerra de Malvinas” - 1982
a Yom Kipur por reuven faingold

4
REVISTA MORASHÁ i101

06

27
42 comunidades 64
shoá
Judeus na Argélia Francesa
Biblioteca Wiener, um dos
maiores acervos da Shoá
53
destaque
O antissemitismo no
Partido Trabalhista britânico 68
HISTÓRIA
por JAIME SPITZCOVSKy
Os heróis esquecidos
da Operação Tocha
56
shoá
O segredo de 74 cartas
Jacob Sztejnhauer

5 setembro 2018
nossas grandes festas

Por que tocamos o Shofar


em Rosh Hashaná

O principal mandamento da festa de Rosh Hashaná,


Ano Novo Judaico, é ouvir os toques do Shofar. Trata-se
de um mandamento bíblico. Todas as demais leis e costumes
de Rosh Hashaná, como as refeições festivas, as maçãs
imersas no mel e, mesmo as orações, têm importância
secundária. Em Rosh Hashaná, a prioridade para todos os
judeus deve ser ouvir os toques do Shofar.

A
Torá não nos explica por que devemos ouvir É em Rosh Hashaná que D’us decide se os seres
o Shofar em Rosh Hashaná, primeiro dia do humanos estão cumprindo seu propósito neste mundo
mês de Tishrei. Todos os mandamentos da e se Ele ainda está interessado em ser seu Rei. Se D’us
Torá estão acima da razão humana. Têm decidisse ter perdido o interesse em ser Melech HaOlam
origem Divina, são produto da vontade – Rei do Mundo –, o universo e tudo o que nele há
e sabedoria Divinas e, assim como D’us é infinito e reverteria ao nada – como tudo era, antes da Criação.
insondável, também o são Suas Leis. Cumprimos os
mandamentos da Torá, como ouvir o Shofar em Rosh A decisão Divina depende de nós. É o homem,
Hashaná, pela simples razão de que D’us nos ordenou e principalmente o Povo Judeu, quem deve tentar
fazê-lo. Contudo, a Torá nos estimula a investigar convencer a D’us que é válido que Ele continue a
o significado de seus mandamentos. Nossos Sábios manter o mundo. Vale lembrar que nosso
revelaram algumas das razões pelas quais a Torá nos relacionamento com D’us é unilateral: somos totalmente
ordena ouvir os toques do Shofar em Rosh Hashaná. dependentes d’Ele, ao passo que Ele não depende de
ninguém nem de nada. Em Rosh Hashaná, o Povo Judeu
A Coroação do Rei se aproxima de D’us, pedindo-Lhe que continue sendo
nosso Rei e Rei de todo o universo. E o destino do
Rosh Hashaná é o aniversário da humanidade. Celebra mundo depende de Sua concordância.
o sexto dia da Criação, Yom HaShishi – dia em que D’us
criou Adão e Eva. Em nossas orações, nos referimos Quando um rei é coroado, soam as trombetas. Em Rosh
a Rosh Hashaná como o início da Criação porque o Hashaná, tocamos o Shofar para anunciar o ininterrupto
mundo apenas se tornou relevante no dia em que reino de D’us. Seus toques indicam que estamos
o homem nasceu. O ser humano é o ponto alto da coroando D’us como nosso Rei.
Criação; e, para ele, D’us criou o mundo. Se o homem
parasse de cumprir o propósito para o qual foi criado, o Já deve estar claro por que razão ouvir o toque do Shofar
mundo deixaria de existir. é o principal mandamento de Rosh Hashaná.

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REVISTA MORASHÁ i 101

Se não proclamamos a coroação não ao seu próprio (Maimônides, Despertador Divino


do Rei – se não conseguimos levar Leis dos Reis, 2:6).
D’us a continuar em seu papel de Maimônides, o maior dos filósofos
Senhor do Universo –, o mundo Tocamos o Shofar em Rosh Hashaná judeus, ensina que o Shofar é o
não existiria além de Rosh Hashaná. para coroar D’us como Rei: para dar despertador de D’us, que nos deve
Nessa festividade, desejamos uns as boas-vindas a Seu Reinado sobre despertar do “sono apático” em
aos outros um ano bom e doce, mas nós e sobre o mundo todo. que vivemos grande parte de nossa
isso não teria nenhum valor se não vida. Ele explica que geralmente
houvesse um novo ano por vir. Em desperdiçamos nosso tempo com
Rosh Hashaná, pedimos que D’us coisas que “nem nos ajudam nem
nos inscreva no Livro da Vida, mas nos salvam”. Desperdiçamos nosso
nossa principal preocupação deveria tempo, apesar de esse ser o maior
ser se Ele concordará em continuar presente Divino para nós.
sendo nosso Rei.
O Rebe de Lubavitch disse: “Dizem
A ideia de um rei pode parecer que tempo é dinheiro. Eu digo
infantil e anacrônica. Pensamos nos que tempo é vida”. Tempo é, de
reis como seres gananciosos, loucos fato, vida, e, diferentemente do
pelo poder, déspotas cruéis. No dinheiro, não se ganha de volta o
entanto, na tradição judaica, como tempo perdido. São tantas as coisas
ensina Maimônides, o rei é um servo extraordinárias que a pessoa pode
do povo, cuja única preocupação fazer … mas o dia tem apenas
é fazer esse povo viver em paz 24 horas, a semana sete dias, e um
e harmonia. Suas leis e decretos SHOFAR E TALIT.
número de anos que é muito curto,
apenas visam ao bem de seu povo, ISRAEL MUSEUM, JERUSALéM ainda que se viva mais de 100 anos...

7 SETEMBRO 2018
nossas grandes festas

ensinam os Ouvimos o toque do Shofar em recompensa grande e o Mestre de


Rosh Hashaná, o primeiro dia do ano tudo nos apressa’” (Avot 2:20)
cabalistas que os judaico, que também é o primeiro
sons chorosos dos Dez Dias de Teshuvá, para O Shofar no Monte Sinai
despertar-nos de nossa apatia.
do Shofar simbolizam O Shofar é o recurso Divino que O evento mais grandioso na
o pranto soluçante nos conclama a examinar nossos história humana foi a Revelação
de um coração atos e repensar a maneira como Divina no Monte Sinai
passamos nosso tempo para que não – única instância em que D’us
judeu que anseia nos arrependamos de como vivemos Se revelou explicitamente a um
por se conectar, quando já for muito tarde. número muito grande de pessoas
reunidas. D’us se apresentou
crescer e se realizar O Talmud nos ensina: “Quando o perante toda a geração de judeus
julgamento vem de baixo, não há que deixaram o Egito – 600.000
(Tikunei Zohar – 20-21, 49a).
necessidade de julgamento do Alto”. homens com suas famílias –,
Isso significa que se despertarmos, proclamou os Dez Mandamentos
não haverá necessidade de que D’us e iniciou o processo de transmissão
nos desperte. Todos precisamos da Torá a Moshé.
fazer uma avaliação honesta para
saber se estamos aproveitando a Conta-nos a Torá que um toque
vida ao máximo. O toque do Shofar muito alto de Shofar se fez ouvir
em Rosh Hashaná deve fazer-nos no Monte Sinai quando D’us Se
recordar as palavras atemporais revelou ao Povo Judeu. Recitamos as
do Pirkei Avot: “Rabi Tarfon disse, seguintes palavras durante a oração
‘O dia é curto, o trabalho grande, de Mussaf, em Rosh Hashaná: “E no
os trabalhadores preguiçosos, a terceiro dia, ao raiar a manhã, houve

shofar e seu ESTOJO. MARCUS JONAS. CALIFÓRNIA, 1870

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REVISTA MORASHÁ i 101

trovões e relâmpagos, e uma pesada


nuvem estava sobre o monte e um
som de Shofar muito forte; e todo o
povo que estava no acampamento
estremeceu” (Êxodo 19:16).

Em Rosh Hashaná, tocamos o


Shofar para recordar o evento mais
extraordinário na história humana,
quando a existência Divina se fez
conhecer, tornando-se fato histórico
e não mais dependendo da fé pessoal.
O toque do Shofar lembra-nos que
devemos nos dedicar à Torá – a seu
estudo e ao cumprimento de seus
mandamentos. O poderoso som
do Shofar serve, também, para nos
defender perante o Trono Celestial,
recordando o vínculo eterno forjado
por D’us com Seu povo, no Monte
Sinai.

Profecia

O Shofar relembra a voz de nossos


Profetas, que exortava nossos
antepassados para que corrigissem
seus caminhos, seguindo os
Rosh Hashaná, Elena Flerova
mandamentos Divinos e tendo
comportamento exemplar perante
seus semelhantes. toques. O Talmud explica, no colheita com alegria” (Salmo 126).
Tratado de Rosh Hashaná, que o Devemos traduzir o choro do
Há milênios, o Povo Judeu teve toque de Teruá é o som do choro. Shofar em ações significativas no
muitos profetas que transmitiam o ano que se inicia, para que nosso
que D’us esperava deles, lembrando- Em Rosh Hashaná, muitos olham pranto se transforme em júbilo.
lhes que deviam aperfeiçoar seu para o ano que terminou e
modo de vida. Hoje, já não temos percebem que não conseguiram O sacrifício de Yitzhak
profetas, mas o toque do Shofar deve viver a vida em todo o seu
sacudir nossa alma, forçando-nos potencial. Desperdiçaram tempo e O Shofar é feito do chifre de
a reexaminar nossa vida, corrigir oportunidades. Isso os faz soluçar um carneiro. Este foi o animal
nossos erros e melhorar, ainda mais, – é seu coração quem chora. que Avraham sacrificou em lugar
o que está certo. Ensinam os cabalistas que os sons de seu filho, Yitzhak, no famoso
chorosos do Shofar simbolizam o episódio da Torá conhecido como
O pranto soluçante pranto soluçante de um coração Akedat Yitzhak.
de um coração judeu judeu que anseia por se conectar,
crescer e se realizar (Tikunei Zohar O Sacrifício de Yitzhak é um dos
São dois, basicamente, os sons do – 20-21, 49a). temas principais de Rosh Hashaná.
Shofar. Tekiá é o som longo e Teruá Lemos essa passagem da Torá no
uma série de sons curtos em staccato. O Rei David escreveu em seus segundo dia da festa e tocamos o
Em Rosh Hashaná, ouvimos ambos, Salmos: “…Os que ora semeiam Shofar, chifre de um carneiro, para
mas Teruá constitui a maioria dos em lágrimas, hão de chegar à recordar D’us da devoção sem

9 SETEMBRO 2018
nossas grandes festas

paralelo e do autossacrifício dos Em Rosh Hashaná, quando D’us está Que assim possa a Tua compaixão
dois primeiros Patriarcas do Povo no Trono Celestial do Julgamento, reprimir Tua ira contra nós, e
Judeu, Avraham e Yitzhak. tocamos o Shofar para recordar o em Tua infinita bondade, deixes
Sacrifício de Yitzhak e, dessa forma, tua severa ira contra Teu povo se
O Sacrifício de Yitzhak é relevante fazer chegar ao Juiz Supremo que: desfazer…”.
para Rosh Hashaná por outra razão. “Se Avraham, simples ser humano
Avraham, segundo nossos Sábios, mortal, pôde reprimir sua emoção A Infinitude Divina
era o paradigma da bondade e para cumprir a Tua Vontade, Tu,
compaixão. De acordo com a também, o Onipotente, podes O som do Shofar tem poder
Cabalá, ele personifica a Sefirá de reprimir Tuas emoções, caso sejam indescritível. Em Rosh Hashaná, seus
Chessed – bondade, generosidade e de ira”. Recitamos durante o Mussaf sons nos preenchem de reverência
amor. Pedir a um pai que sacrifique de Rosh Hashaná: “Lembra-te, em e humildade ao contemplar a
seu próprio filho, mesmo se o nosso benefício, ó D’us Eterno, infinitude do Rei que neste dia tem
pedido vem do Todo Poderoso, é o pacto, a bondade e a promessa Sua coroação.
o mais difícil dos pedidos – para que fizeste a Avraham, nosso
qualquer pai, mas especialmente Patriarca, no Monte Moriá; deixa Infinitude é um conceito que nós,
para Avraham, personificação da aparecer diante de Ti a Akedá, seres humanos, não conseguimos
entender, totalmente – pois somos
criaturas finitas, em um mundo
finito. Empregamos o conceito
de infinito em Matemática, mas
raramente paramos para pensar em
suas implicações.

A Matemática nos ensina que


comparado ao infinito todos os
tamanhos e medidas são iguais.
Comparados ao infinito, não
há diferença entre o grande e o
pequeno. Isso significa que para
um D’us Infinito, não existe o
mais e o menos importante: tudo
é igualmente importante – o que
explica por que o Judaísmo nos
ensina que cada detalhe da Criação,
inclusive nossa vida pessoal, tem
tanta relevância para o Altíssimo.

Ser Infinito não significa apenas que


D’us é Todo Poderoso. Significa,
também, que Ele está em toda parte,
sempre, e está ciente de tudo, mesmo
de cada um de nossos pensamentos,
palavras e atos.
O SHOFAR, MARC CHAGALL

Uma das razões para o Shofar nos


bondade. Contudo, Avraham quando Avraham, nosso Patriarca, encher de reverência é o fato de nos
teve forças para reprimir seu amarrou seu filho Yitzhak sobre o fazer lembrar que D’us Infinito nos
sentimento de compaixão e amor altar e reprimiu sua compaixão a observa, a todo instante. Como nos
a fim de cumprir a Vontade de fim de cumprir Tua Vontade, com diz o Pirkei Avot: “Mantém teu olhar
D’us. um coração puro e conformado. sobre estas três coisas e não pecarás:

10
REVISTA MORASHÁ i 101

o chamado do shofar, BEN SHAHN

Conhece o que está acima de ti: os residentes da Terra: quando em que nascia o homem, ele
um Olho que tudo vê e um Ouvido nas montanhas for erguido um transgrediu a Vontade Divina e
que tudo escuta, e todas as tuas estandarte (da reunião de Israel), D’us o baniu do Jardim do Éden.
ações estão gravadas em um livro” todos o vereis; e quando soar o toque Seu pecado trouxe morte e toda
(Avot 2:1). do Shofar, o ouvireis. E nesse dia forma de sofrimento ao mundo.
será tocado um grande Shofar, que
Anunciando a chegadA atrairá os que se perderam na terra O propósito da humanidade,
do Mashiach da Assíria e os que foram dispersos especialmente do Povo Judeu,
pela terra do Egito, e virão adorar é retificar o pecado de Adão e
O som do Shofar transmite muitas o Eterno no sagrado monte de Eva, para que o mundo volte a
mensagens, uma das quais é a Jerusalém” (Isaías 18-3; 27:13). ser o Jardim do Éden. É esse o
liberdade. significado da Era Messiânica.
Rosh Hashaná celebra o nascimento Em Rosh Hashaná, tocamos o
Quando chegar o Mashiach, ensinam da humanidade. No mesmo dia Shofar não apenas para compelir
nossos Sábios, o Shofar anunciará D’us a renovar o mundo por
sua chegada. A Era Messiânica será mais um ano, mas para lhe trazer
um tempo de paz e liberdade para redenção e salvação.
todos os seres humanos. Quando
o Mashiach estiver entre nós, a
humanidade estará livre de qualquer BIBLIOGRAFIA
forma de escravidão e opressão – Lightstone, Mordechai - 11 Reasons Why
We Blow the Shofar on Rosh Hashanah
livre de sofrimento, guerras, pobreza,
https://www.chabad.org/library/article_
doenças e, até mesmo, da morte. cdo/aid/2311995/jewish/11-Reasons-
Why-We-Blow-the-Shofar-on-Rosh-
Durante o Mussaf de Rosh Hashaná, Hashanah.htm
Simmons, Rabbi Shraga. Symbolism of the
recitamos as seguintes palavras Shofar
do profeta Isaías: “Ó vós, todos http://www.aish.com/h/hh/rh/shofar/
os habitantes do mundo, todos Shofar_Symbolism.html

11 SETEMBRO 2018
nossas grandes festas

Dez Ensinamentos para


os Dez Dias de Teshuvá
Os Dez Dias de Teshuvá, também conhecidos como os Yamim
HaNorayim (“Dias Temíveis”), iniciam-se em Rosh Hashaná – o Ano
Novo Judaico – e terminam no final de Yom Kipur. O Talmud
ensina que esses dez dias constituem um período de julgamento
Divino. Os Yamim HaNorayim são, pois, uma época de profunda
introspecção que deve ser dedicada a orações, exame de
consciência e tomada de boas resoluções.
Neste artigo, preparamos dez ensinamentos que tocam alguns
dos temas relevantes para os Dez Dias de Teshuvá.

1o Dia: Rosh Hashaná: o destino Portanto, erra quem pensa em Rosh Hashaná como o
do mundo está em nossas mãos dia 1o de janeiro judaico. Nosso ano novo não é um
momento de se estourar champanha e festejar. Pelo
Contrariamente ao que muitos pensam, Rosh Hashaná não contrário, os dois dias de Rosh Hashaná são os mais
é o aniversário da Criação do mundo, mas sim, de Adão e cruciais do ano. Rosh Hashaná é, por certo, um Yom Tov,
Eva. Em nossas preces, muitas vezes nos referimos a Rosh e, como em todos os dias sagrados, devemos nos alegrar,
Hashaná como o dia que marca a gênese do universo, mas vestir nossas melhores roupas e realizar refeições festivas.
apenas por que o homem é seu ponto alto e propósito No entanto, devemos nos comportar em Rosh Hashaná
de sua criação. Rosh Hashaná – Ano Novo Judaico – é o com a seriedade que a data requer. Nesses dois dias, o
aniversário da humanidade. É, também, Yom HaDin: Dia destino do mundo está em jogo. Nosso comportamento
do Julgamento. É em Rosh Hashaná que D’us decide se nessa festividade – nossas preces, nossa atenção plena e
renovará Seu contrato com o mundo para mais um ano: nossas resoluções – influenciarão o curso do ano inteiro,
se manterá sua existência ou não. D’us decreta o destino para nós mesmos e para o mundo.
de todo o universo – e de todos aqueles que nele habitam
– em Rosh Hashaná. 2o Dia: uma oportunidade de se ter um
julgamento Divino mais favorável
Quando nós, Povo Judeu, vamos à sinagoga em Rosh
Hashaná, e oramos e ouvimos o toque do Shofar, estamos Rosh Hashaná é celebrado durante dois dias, mesmo
compelindo D’us a continuar sustentando o mundo em Israel. Há razões técnicas para a festa ser observada
durante mais um ano. A Humanidade pode não perceber durante dois dias mesmo na Terra Santa. Estas são,
isto, mas os Céus decidem seu destino em Rosh Hashaná. também, profundas e místicas. A Cabalá ensina que
D’us confiou ao Povo Judeu a missão de sermos os agentes o primeiro dia de Rosh Hashaná está associado com a
de toda a Criação. Nenhum de nós pode descuidar-se Sefirá de Guevurá – o Divino atributo de força, justiça e
dessa responsabilidade. Nos ombros de cada um de nós, severidade. Se D’us apenas julgasse o mundo no primeiro
judeus, repousa o destino do mundo no ano por vir. dia de Rosh Hashaná, Ele o faria de acordo com Seu

12
REVISTA MORASHÁ i 101

adão e eva expulsos do paraíso, 1954-1967. óleo sobre tela. marc chagall

atributo de Guevurá – a justiça guardarmos o segundo dia de Rosh recitar todo o Livro dos Salmos
rígida. Se assim fosse, é possível que Hashaná com igual respeito como no duas vezes durante esses dois dias.
muitos de nós – e talvez o mundo primeiro. Como os dois dias de Rosh Hashaná
todo – não fôssemos atendidos. influenciam todos os outros dias
D’us, portanto, deu-nos um São muitos os judeus que passam do ano, cada um de seus minutos é
segundo dia de Rosh Hashaná – um os dois dias da festividade imersos precioso. Assim sendo, reduzimos
dia adicional de julgamento – para em oração. Há um costume de se as horas de sono e evitamos
atenuar qualquer Decreto Celestial conversas triviais. Rosh Hashaná
severo que porventura tenha sido são os dois dias no ano em que
emitido no primeiro dia da festa. precisamos dar o melhor de nós,
O segundo dia de Rosh Hashaná é espiritualmente.
uma dádiva da misericórdia Divina,
que todos nós tanto necessitamos, 3o Dia: O Jejum de
quer estejamos em Israel ou na Guedália: o propósito
Diáspora. de um jejum segundo o
Judaísmo
Muitos judeus observam apenas
o primeiro dia de Rosh Hashaná. O dia após Rosh Hashaná é o
Costumam ir à sinagoga apenas no Jejum de Guedália. Trata-se de
primeiro dia porque creem já ser um meio-jejum: diferentemente
suficiente. Grave erro. O segundo de Yom Kipur e Tisha b’Av, inicia
dia da festa é uma oportunidade antes do sol nascer e termina após
de se conseguir um Julgamento o pôr-do-sol. As razões para nossos
Divino mais favorável, para nós e toque dO shofar, na sinagoga. óleo Sábios terem instituído o Jejum de
para o mundo todo. É aconselhável sobre tela, 1860. edouard moyse Guedália vão além do escopo deste

13 setembro 2018
nossas grandes festas

artigo. Mas, têm relevância para uma maior compaixão e um sentido


nossa discussão algumas das razões de responsabilidade pelos menos
por que o Judaísmo nos ordena afortunados.
jejuar em certas ocasiões, ao longo
do ano. 4o Dia: Shabat Shuvá e o
verdadeiro significado
Muitos erroneamente creem da Teshuvá
que o jejum seja uma forma de
autopunição. Na realidade, como O Shabat que cai entre Rosh
ensina Maimônides, o dia de Hashaná e Yom Kipur é conhecido
jejum é uma oportunidade de como Shabat Shuvá – o “Shabat do
introspecção e arrependimento. O Retorno”. O nome vem da Haftará
dia em que deixamos de comer e que é lida nesse Shabat, que se inicia
beber – quando temporariamente com a palavra Shuvá: “Volta”! O
nos abstemos das necessidades Shabat Shuvá é também chamado
da vida física – é o momento de de Shabat Teshuvá – o “Shabat do
refletirmos sobre nossa posição Arrependimento” –, um jogo de
espiritual e nosso comportamento. palavras que revela a verdadeira
O Judaísmo ensina que um dos definição de Teshuvá.
objetivos do jejum – e, de fato, de
qualquer forma de aflição – é a O fato de as palavras
elevação espiritual. Shuvá (Retorno) e Teshuvá
(Arrependimento) serem quase
O processo de busca interior idênticas, do ponto de vista
e crescimento espiritual é semântico, nos ensina
particularmente relevante durante que a Teshuvá genuína
os Dez Dias de Teshuvá. Um dos não significa culpa ou
propósitos do Jejum de Guedália é auto recriminação, como
nos forçar a intensificar o processo muito acreditam. Significa
de autoanálise moral e espiritual, um retorno ao caminho
para que estejamos prontos para o correto: às nossas raízes,
grande jejum – Yom Kipur, o Dia ao âmago de nossa alma e
da Expiação – que ocorre uma a D’us. De acordo com o
semana depois. Judaísmo, as transgressões,
quer por comissão
O Talmud ensina que um dos quer por omissão, são o
méritos de se cumprir o jejum resultado da opção por um
está em dar ao necessitado o caminho estranho à alma
dinheiro que usaríamos para judaica. Teshuvá significa
comer e beber, se não estivéssemos retornar ao caminho
jejuando. A Torá nos ordena correto, que deve resultar
transformar a privação física em aperfeiçoamento,
e o desconforto de um dia de crescimento espiritual,
jejum em atos de generosidade e equilíbrio e paz interior.
bondade. Ademais, jejuar alguns
dias ao ano nos mostra as dores É significativo que a
da fome, para que possamos palavra Shabat tenha a
começar a compreender o terrível mesma raiz semântica
sofrimento de muitos, no mundo, que Shuvá e Teshuvá. Isso
que frequentemente sentem fome. nos transmite um dos
O jejum deve inculcar em nós propósitos e o poder do

14
REVISTA MORASHÁ i 101

Shabat. Nossos Sábios ensinam 5o Dia: Os Dez Dias de preguiçosos, estamos desperdiçando
que quem guarda o Shabat tem Teshuvá correspondem nossos poderes de Netzach.
os pecados cometidos contra às Dez Sefirot
D’us perdoados. Sendo assim, o Um dos propósitos da Teshuvá é
cumprimento do Shabat é um meio Um dos ensinamentos fundamentais o reequilíbrio e realinhamento das
de Shuvá – de retorno a D’us e ao da Cabalá é a noção de que D’us Sefirot de nossa alma. A Torá e seus
Judaísmo – e, portanto, à Teshuvá. criou e mantém o mundo por meio mandamentos nos ajudam a melhor
das Sefirot, que são canais de energia utilizar as Dez Sefirot para que
Muitos podem surpreender-se Divina. Tudo o que existe e acontece tenhamos uma vida mais produtiva,
ao saber que é mais importante no universo são manifestações das proativa e espiritualmente mais
guardar o Shabat do que Yom Kipur. Sefirot. saudável. Os Dez Dias de Teshuvá
É inegável o fato de que o Dia da são um período de reflexão sobre
Expiação é o mais sagrado do ano – Ensina a Cabalá que D’us criou o quão bem estamos usando as
e, para muitos judeus, a única ocasião o mundo com dez Sefirot. Três Dez Sefirot de nossa alma, para
em que vão à sinagoga. No entanto, delas são intelectuais: Chochmá que possamos refinar nossos
no que concerne a Lei Judaica, o (Sabedoria), Biná (Compreensão) pensamentos, palavras e atos.
Shabat é até mais importante do que e Da’at (Conhecimento). As
Yom Kipur. E o Shabat Shuvá, que cai outras sete são emocionais: 6o Dia: O Shofar nos
durante os Dez Dias de Teshuvá, é Chessed (Bondade, Generosidade ensina que o progresso
um Shabat particularmente especial, e Expansividade), Guevurá (Poder, espiritual requer
que os judeus devem se esforçar Contenção e Severidade), Tiferet sacrifícios
para guardar da melhor maneira que (Compaixão, Harmonia e Beleza),
puderem. Netzach (Vitória, Ambição e O mandamento mais importante
Eternidade), Hod (Humildade, da festa de Rosh Hashaná é ouvir
Submissão e Glória), os toques do Shofar. Uma das várias
Yessod (Carisma) e Malchut razões para esse mandamento
(Liderança e Autoridade). é que o Shofar é o chifre de um
A alma de todo ser humano carneiro – o animal que nosso
é formada por essas dez Patriarca Avraham sacrificou
Sefirot, e cada um de em lugar de seu filho, Yitzhak,
nossos pensamentos, no famoso episódio da Torá
palavras e atos são uma conhecido como Akedat Yitzhak.
manifestação de uma ou Os sopros com o chifre de
mais dentre elas. carneiro “relembram” a D’us
da extraordinária devoção dos
Os Dez Dias de Teshuvá primeiros dois Patriarcas do Povo
correspondem às Dez Judeu. Para atender o mandamento
Sefirot porque os erros, Divino, Avraham estava pronto
pecados e transgressões, a sacrificar seu filho e, de igual
seja por comissão ou por maneira, Yitzhak estava pronto
omissão, são resultado de a ser sacrificado por seu pai.
uso indevido que fazemos A extraordinária devoção de
dessas dez faculdades da Avraham e de Yitzhak a D’us é
alma. Por exemplo, quando fonte de eterno mérito para seus
perseguimos algo que a descendentes – o Povo Judeu. Em
Torá nos proíbe, estamos Rosh Hashaná, quando os Céus
fazendo mau uso de Chessed; nos julgam, invocamos o mérito
quando somos cruéis e da Akedat Yitzhak como fonte
mesquinhos, estamos de bênção e proteção, seja por
usando inadequadamente mencioná-la em nossas preces, seja
Guevurá; quando somos por ouvir os toques do Shofar.

15 setembro 2018
nossas grandes festas

O sacrifício tem sido tema comum fogueiras da Inquisição, campos 7o Dia: Yom Kipur:
ao longo de toda a História Judaica. de extermínio nazistas e nem um jejum festivo no
Desde o nascimento de nosso povo, gulags soviéticos. Para a maioria “Shabat Shabaton”
inúmeros judeus se sacrificaram dos judeus de hoje, o sacrifício
para santificar o Nome de D’us pelo Judaísmo talvez signifique Para a grande maioria das pessoas,
e salvar o Judaísmo daqueles que acordar mais cedo do que de jejuar é uma experiência muito
queriam extirpá-lo. Muitos judeus costume para ir à sinagoga e rezar desagradável. É por isso que a Torá
personificaram Avraham e Yitzhak, em companhia de um Minyan ou nos proíbe jejuar no Shabat – dia
especialmente durante a Inquisição dar um pouco mais de Tzedacá a sagrado de deleite espiritual e físico.
e o Holocausto. Ainda hoje, no cada mês; pode significar passar Não jejuamos nem mesmo em
Estado de Israel, milhões de judeus menos tempo assistindo à televisão Tisha b’Av se a data cair em um
estão dispostos a se sacrificar em e mais tempo estudando a Torá. Shabat: adiamos o jejum para o dia
defesa do Povo Judeu e da Pátria Em nossa geração, a maioria de seguinte. Há apenas um cenário
Judaica. No entanto, para muitos nós não é chamada para morrer possível no qual a Torá não só
judeus que vivem confortavelmente pelo Judaísmo; mas, se quisermos permite como nos ordena jejuar
na Diáspora, particularmente avançar espiritualmente, temos que no Shabat – e é quando Yom Kipur
em países como o Brasil e os estar prontos a viver pelo Judaísmo cai nesse dia sagrado. Isto porque
Estados Unidos, a ideia de – e isso requer certos sacrifícios. a Torá chama Yom Kipur de Shabat
sacrificar sua própria vida em
prol do Judaísmo é, graças a D’us,
um conceito estranho. Em nossa
geração pós-Holocausto,
pós-êxodo dos países
árabes, pós-União
Soviética, grande parte do
Povo Judeu vive em relativa
paz e segurança. Mesmo as
ameaças enfrentadas pelos
judeus em Israel e em certos
países europeus são leves se
comparadas com o que nosso povo
enfrentou quando não tinha seu
país nem seu exército.

Nossa geração é privilegiada de


viver em uma época em que a
grande maioria dos judeus não
precisam dar sua vida em prol do
Judaísmo. Ainda assim, o som
do Shofar transmite a mensagem
de que D’us exige alguma forma
de sacrifício de cada um de nós,
judeus. Esse sacrifício é necessário Quando ouvimos os toques Shabaton – o Shabat dos Shabatot – o
para nosso crescimento e progresso do Shofar em Rosh Hashaná, Shabat Supremo.
espiritual. Para a maioria dos devemos recordar o Sacrifício
judeus de hoje, os sacrifícios que se de Yitzhak e o que esse episódio Jejuamos no Shabat se Yom Kipur
exigem nada são em comparação nos ensina. Devemos inculcar em cai nesse dia sagrado porque jejuar
com o que se exigiu das gerações nosso íntimo a ideia de que D’us no Dia da Expiação é diferente
que nos precederam. O sacrifício espera que deixemos nossa zona de deixar de comer e beber em
em prol do Judaísmo, hoje, não de conforto e façamos sacrifícios qualquer outro dia do ano. O jejum
significa enfrentar legiões romanas, diários. do Yom Kipur é único, especial, por

16
REVISTA MORASHÁ i 101

ser um jejum alegre. Apesar de a


Torá nos ordenar “afligir nossa
alma” nesse dia, o prazer espiritual
de Yom Kipur deve ofuscar o
desconforto do jejum. Abster-se
do alimento e bebida em Yom
Kipur é uma oportunidade de
elevação espiritual. Nesse dia, os
judeus são comparados a anjos, que
transcendem a fisicalidade deste
nosso mundo.

O Talmud ensina que


Yom Kipur deve ser o dia mais
feliz do ano por ser a ocasião
mais propícia para que os judeus
purifiquem sua alma de qualquer
mancha espiritual que possa
ter-se acumulado durante o ano.
Não devemos considerar o
jejum de Yom Kipur um ônus – o
preço a pagar pelos nossos pecados
–, mas, uma oportunidade de
renovação e purificação espiritual.
Yom Kipur é o dia mais propício
do ano para se fazer Teshuvá –
retornar ao caminho adequado e
mudar nossa vida para melhor.

8o Dia: Yom Kipur


e o poder do estudo
da Torá
judeus na sinagoga em Yom Kipur, Óleo sobre tela,1878. Maurycy Gottlieb
Na época do Templo Sagrado de
Jerusalém, o ponto culminante do
serviço de Yom Kipur era a entrada replicar a experiência de entrar no Esse ensinamento talmúdico é
do Sumo Sacerdote, o Cohen Kodesh HaKodashim – e não apenas estupendo. Surpreende muitas
Gadol, no Kodesh HaKodashim – o em Yom Kipur, mas a qualquer dia pessoas porque a maioria de
Sagrado dos Sagrados –, câmara do ano. nós não aprecia o imenso
mais interna e sagrada do Beit poder do estudo da Torá. Não
HaMikdash. Apenas em Yom Kipur, Ensina o Talmud que quando percebemos que seja a experiência
dia mais sagrado do ano, o Cohen um judeu estuda a Torá, ele se extraordinariamente mística que
Gadol, o mais sagrado dos judeus, assemelha ao Cohen Gadol ao entrar é. Mas, a bem da justiça, devemos
podia entrar no local mais sagrado no Sagrado dos Sagrados em Yom perguntar: Se o estudo da Torá
da Terra, o Kodesh HaKodashim. Kipur. Estudar a Torá significa é tão potente, por que a maioria
abraçar e ser abraçado pelo Divino. de nós não sente seu fogo Divino
O privilégio de entrar nesse recinto O grau de proximidade a D’us que ao estudá-la? Por que, quando
foi concedido a pouquíssimos se atinge ao estudar a Torá equivale estudamos a Parashá da semana ou
judeus, em toda a nossa História. a entrar no Kodesh HaKodashim – tentamos entender uma passagem
No entanto, sempre houve uma local tão sagrado que nem mesmo do Talmud, não nos sentimos como
maneira de qualquer judeu poder os anjos podiam entrar. o Cohen Gadol entrando no Kodesh

17 setembro 2018
nossas grandes festas

HaKodashim? Uma das respostas 9o Dia: Yom Kipur e os


da Cabalá a essa pergunta é que cinco níveis da alma
nossa falta de sensibilidade face ao
estudo da Torá é um escudo que Ensina a Cabalá que são cinco
nos permite estudá-la sem ficarmos os níveis da alma: Nefesh, Ruach,
estupefatos por seu fogo espiritual. Neshamá, Chayá e Yechidá. Os
Se sentíssemos a força do estudo da três primeiros residem dentro de
Torá, não íamos querer fazer outra nosso corpo; os dois últimos o
coisa na vida. Ficaríamos viciados transcendem. Na maioria dos dias
com esse estudo e impossibilitados do ano, podemos acessar apenas os
de realizar as obrigações mundanas primeiros três – uma das razões para
do cotidiano, necessárias para nossa orarmos três vezes ao dia: Shacharit,
existência física e a manutenção do Minchá e Arvit. Em certos dias,
mundo. como o Shabat e Rosh Chodesh (o
novo mês judaico), podemos acessar
fivela de cinto em prata, para uso em A maioria de nós não sente o o quarto nível da alma, Chayá,
yom kipur. polônia, início séc. 20
intenso fogo e poder do estudo razão pela qual temos uma oração
da Torá, mas temos que ter bem adicional no dia – Mussaf. O único
claro em nossa mente que estudar dia no ano em que temos livre acesso
a Palavra de D’us se assemelha a ao quinto nível da alma, Yechidá,
entrar no Kodesh HaKodashim em é Yom Kipur. Por essa razão, Yom
Yom Kipur. Isso é algo que todos nós, Kipur é o único dia no ano em que
judeus, podemos fazer em todos os recitamos uma quinta prece – a Neilá
dias de nossa vida. –, a última oração do dia.

Muitos judeus que não frequentam


a sinagoga ao longo do ano – no
Shabat, feriados judaicos e nem
mesmo em Rosh Hashaná – vão à
sinagoga na oração de Neilá. A razão
para esse fenômeno é que o quinto
nível, o mais elevado de sua alma,
Yechidá, brilha durante a oração de
Neilá, forçando-os a ir à sinagoga.
O poder da Yechidá desperta muitos
judeus que estão adormecidos
espiritualmente, levando-os à
sinagoga, apesar de não entenderem
bem nem poderem explicar o que os
leva a fazê-lo.

A agitação do mais alto nível


de nossa alma é uma poderosa
experiência. A oração de Neilá tem
feito muitos judeus iniciarem o
processo de Teshuvá. No entanto,
temos que saber que ir à sinagoga
na hora da Neilá não compensa
nossa ausência no restante do ano.
Ir à sinagoga uma vez ao ano é
melhor do que não ir nunca, claro.

18
REVISTA MORASHÁ i 101

E a Neilá, em geral, é o último é difícil se encontrar um lugar Os Dez Dias de Teshuvá – os


elo entre muitos judeus e seu vazio nessa hora, dificilmente se Yamim HaNorayim –, que se
cumprimento do Judaísmo. Mas, consegue um Minyan – um grupo iniciam em Rosh Hashaná e
ir à sinagoga uma vez ao ano não de dez homens judeus – nas orações terminam na conclusão de
é o mesmo que fazê-lo uma vez matinais do dia seguinte a Yom Yom Kipur – são o período mais
por semana – no Shabat –, ou Kipur. No dia mais sagrado do ano, intenso espiritualmente do
melhor – diariamente. O brilho da muitas sinagogas ficam lotadas; no calendário judaico. Contudo, o
nossa Yechidá não deve ser relegado dia seguinte, praticamente vazias. Judaísmo não se resume a uma
a uma única experiência no ano, questão de dez dias – requer estudo
mas deve ser um trampolim para A verdadeira medida de crescimento e prática diários. Se queremos
um relacionamento mais forte e espiritual e de Teshuvá se toma não dominar qualquer coisa na vida –
profundo com D’us e Sua Torá. em Yom Kipur, mas no dia seguinte. uma arte, um esporte ou qualquer
É relativamente fácil ser religioso área do conhecimento –, precisamos
10o Dia: O dia que se em Yom Kipur – o único dia no ano estudar e praticar continuamente.
segue a Yom Kipur: em que podemos acessar todos os O mesmo é válido para o Judaísmo.
verdadeira medida cinco níveis da alma e o dia em que
de Teshuvá milhões de judeus, mundo afora, se O caminho para a sabedoria e o
unem em oração. A melodia do domínio espiritual é um empenho
Em Yom Kipur, as sinagogas ao Kol Nidrei e as palavras das orações contínuo e duradouro que requer
redor do mundo estão lotadas. de Neilá têm o poder de derreter até um esforço tremendo e sacrifícios
No dia mais sagrado do ano, a o coração mais duro. Mas, é muito diários. A verdadeira medida da
sinagoga pode receber centenas mais difícil sentir-se inspirado e Teshuvá e dedicação ao Judaísmo
ou até milhares de pessoas, religioso no dia seguinte: acordar não é evidenciada nos dez dias
especialmente, como vimos acima, cedo apesar do cansaço provocado entre Rosh Hashaná e Yom Kipur,
na hora da Neilá. Contudo, em pelo jejum para ir à sinagoga, colocar mas do dia após Yom Kipur até Rosh
muitas das sinagogas em que os Tefilin e fazer parte do Minyan. Hashaná do ano seguinte.

19 setembro 2018
NOSSAS LEIS

Algumas leis
relacionadas a Yom Kipur
Neste ano, Yom Kipur se inicia na TERÇA-feira,
18 de setembro, e termina na noite de QUARTA-FEIRA,
19 de setembro .

C
ostuma-se fazer Veshel Yom HaKipurim”. Se a mulher
caparot – abate de um quiser locomover-se de automóvel
galo, para um homem, ou usar o elevador antes do início de
e uma galinha, para Yom Kipur, deverá, antes de acender
uma mulher, no dia as velas, fazer uma ressalva dizendo
9 de Tishrei de madrugada, dia que não está recebendo Yom Kipur
18 de setembro, por um shochet com o ato de acendimento das velas.
qualificado. Também é possível É, porém, necessário antecipar o
cumprir este costume com dinheiro, recebimento de Yom Kipur para
doando-o para Tzedacá. antes do pôr-do-sol.

É proibido jejuar no dia que É costume os pais abençoarem os


precede Yom Kipur, mesmo se este filhos, pedindo que estes sejam
jejum for por Taanit Halom. É, ao selados no Livro da Vida e que, em
contrário, uma mitzvá fazer uma seus corações, permaneça sempre o
refeição adicional. A refeição que amor a D’us. Convém também ir à
antecede o jejum deve ter pão sinagoga antes do pôr-do-sol, para
e pratos de fácil digestão e ser poder participar do Kol Nidrei, a
concluída 20 minutos antes do “anulação dos votos”.
pôr-do-sol. Bebidas alcoólicas são
proibidas. Restrições durante
Yom Kipur
As mulheres devem acender as velas
antes de ir à sinagoga, dizendo a Yom Kipur é o Shabat dos Shabatot e,
bênção “Lehadlik Ner Shel Shabat portanto, todo trabalho profano deve

20
REVISTA MORASHÁ i 101

Seguem-se os horários do início


e término do jejum de Yom Kipur,
em algumas cidades brasileiras.
interior de uma sinagoga durante serviço religioso.
séc. 18, óleo sobre tela Nas demais, sugerimos que sejam
consultadas as sinagogas locais:
cessar e todas as leis do Shabat devem ser respeitadas.
Assim como no Shabat, é proibido carregar qualquer Recife:
objeto durante Yom Kipur. Além de observar as Início às 17:25 n Término às 18:15
leis do Shabat, em Yom Kipur outras cinco restrições
Salvador:
são acrescidas: “Não comer, não beber, não trabalhar, não
se lavar e nem massagear a pele (perfumes, Início às 17:11 n Término às 18:02
cremes etc.), não calçar couro, não ter relações conjugais”. Manaus:
Início às 17:39 n Término às 18:28
O jejum diz respeito tanto aos homens quanto às Belém:
mulheres, mesmo grávidas ou amamentando. Início às 17:53 n Término às 18:42
Só em caso de doença ou onde haja algum perigo
Rio de Janeiro:
à vida, o jejum pode ser suspenso (consulte seu rabino).
Início às 17:29 n Término às 18:22
As crianças de 9 a 10 anos podem jejuar algumas
horas, e, a partir dos 11 anos, conforme avaliação dos São Paulo:
pais, podem jejuar o dia todo. Mas o jejum torna-se Início às 17:43 n Término às 18:36
obrigatório aos 12 anos, para meninas, e aos 13, para Belo Horizonte:
meninos. Início às 17:32 n Término às 18:26
Brasília:
O uso de sapato, sandálias ou tênis de couro é proibido Início às 17:49 n Término às 18:40
tanto para homens como para mulheres.
Curitiba:
As crianças também devem ser orientadas neste sentido.
Início às 17:53 n Término às 18:46
Ao término de Yom Kipur, a Havdalá deve ser feita sem Porto Alegre:
bessamim, e a Bênção da Luz deve ser feita sobre uma Início às 18:00 n Término às 18:55
vela que permaneceu acesa desde o dia anterior.

21 SETEMBRO 2018
nossas grandes festas

Sucot: As Nuvens de Glória


e as Quatro Espécies

Sucot, festa de sete dias que se inicia no dia 15 do mês judaico


de Tishrei, celebra a proteção que D’us ofereceu ao Povo
Judeu durante sua jornada de 40 anos a caminho da Terra
Prometida. Em nossas orações, nos referimos a Sucot como
Zman Simchateinu – “Época de nosso júbilo” – porque o tema
da festa é o amor Divino por nós e Sua preocupação com
nosso bem-estar.

o
nome dessa festividade, Sucot, ainda que as Nuvens da Glória tenham acompanhado
literalmente significa “cabanas”. o Povo Judeu na saída do Egito, elas desapareceram
Alguns comentaristas explicam que após o pecado do Bezerro de Ouro. Somente quando
a Torá nos ordena habitar nas Sucot D’us concordou em novamente residir em meio ao
durante a festividade para relembrar Povo Judeu e se iniciou o trabalho da construção do
as tendas nas quais o Povo Judeu habitou durante Mishkan, o Tabernáculo, as Nuvens voltaram.
os longos 40 anos em que viveram no deserto, e que
lhes deu abrigo e proteção. Outros afirmam que as A cronologia dos eventos é a seguinte: em Yom Kipur,
cabanas nas quais habitamos durante a festa de Sucot dia 10 de Tishrei, D’us perdoou nosso povo pelo
simbolizam as milagrosas Ananei HaKavod, as Nuvens pecado do Bezerro de Ouro e concordou em voltar
de Glória, que conduziram, abrigaram e protegeram Sua Presença ao nosso meio, no deserto. Naquele
os Filhos de Israel durante aqueles anos. Quer o nome mesmo dia, Moshé desceu do Monte Sinai trazendo
Sucot se refira às tendas, quer às Nuvens de Glória as Segundas Tábuas e informou ao povo sobre a ordem
ou a ambas, trata-se de uma festa que recorda a de construir o Mishkan. No dia seguinte, dia 11 de
proteção e o abrigo provido por D’us ao Povo Judeu no Tishrei, Moshé ordenou ao Povo Judeu que trouxesse
Deserto de Sinai. os materiais para a construção do Tabernáculo.
Eles o fizeram durante os dois dias seguintes
O Gaon de Vilna pergunta: se o tema de Sucot é a (v. Êxodo 36:3). No 14o dia de Tishrei, Moshé disse ao
celebração da proteção de D’us aos judeus após o povo que não mais trouxesse material para o Mishkan.
Êxodo do Egito, por que razão essa festa cai no mês E finalmente, em 15 de Tishrei, começaram a construir
de Tishrei e não em Nissan – mês em que celebramos o Tabernáculo. Foi então que as Nuvens de Glória
Pessach? E ele responde que se Sucot comemora as retornaram. Como Sucot também celebra as Nuvens
Nuvens de Glória – uma visão aceita por Rashi em de Glória que abrigaram nosso povo no Deserto
seu comentário no Chumash –, a data de 15 de Tishrei do Sinai, faz todo o sentido que essa festa se inicie
para o início da festividade está correta. E explica: em 15 de Tishrei – data em que esse abrigo Divino

22
REVISTA MORASHÁ i 101

sucot em jerusalém. gravura colorida à mão, AUSBURG, alemanha, séc. 18

sobrenatural voltou a proteger o Lulav que recitamos ao cumprir o


Povo Judeu, permanecendo com mandamento das Quatro Espécies
eles durante sua longa jornada pelo O Midrash compara o Lulav à apenas mencione o Lulav. Não
deserto. coluna vertebral devido a seu mencionamos nenhuma das outras
comprimento e formato. Chama três espécies nessa bênção. Isso
As Quatro Espécies a atenção o fato de que a bênção indica que, de certa forma, o Lulav
– Arbaat HaMinim é a espécie destacada.

Os dois mandamentos principais da O Lulav lembra a coluna vertebral,


festa de Sucot são habitar na Sucá e tão importante para o corpo humano
segurar as Quatro Espécies. já que sem ela, cérebro e corpo não
se poderiam comunicar. A coluna
O Midrash encontra muitos é o caminho para os impulsos do
simbolismos no mandamento das corpo ao cérebro e vice-versa. Junto
Quatro Espécies. Um deles é o com o cérebro, a coluna vertebral
seguinte: o Etrog (cidra amarela ou controla as funções do corpo
citrus medica) se parece ao coração; o humano, inclusive seu movimento e
Lulav (folha de palmeira), à coluna comportamento.
vertebral; o Hadass (murta), aos
olhos; e o Aravá (ramo de salgueiro), O Lulav nos transmite várias lições.
aos lábios. Ao utilizar as Quatro Uma delas é a importância de um
Espécies em conjunto, estamos relacionamento saudável entre
simbolizando a necessidade que o cérebro e o restante do corpo.
temos de fazer bom uso de nossas Nossos Sábios ensinam que se o ser
faculdades a serviço de D’us. na sucá, ILYA SCHOR. humano deseja ser justo e íntegro

23 SETEMBRO 2018
nossas grandes festas

e viver uma vida com moralidade e Muitas pessoas de boa índole podem
propósito, sua mente deve comandar ser dominadas por sentimentos de
seu corpo. A racionalidade deve ciúmes, inveja e ressentimento ou
prevalecer sobre nossos instintos e mágoa. O Ayin HaRá, infelizmente,
impulsos. A sabedoria deve ditar é um fenômeno comum entre os
nosso comportamento. seres humanos. Além do mais, temos
a tendência de julgar erroneamente
Hadass aqueles de quem não gostamos. É
comum não darmos aos outros o
As folhas do Hadass, a murta, se benefício da dúvida.
parecem com o olho humano.
Essa espécie nos ensina o quão Quem não combate a inveja e o
importante é ver os outros com um ciúme e é rápido em julgar os demais
olhar bondoso e generoso. As obras deve ter em mente que a energia
sagradas do Judaísmo usam o olho espiritual negativa se volta contra
como metáfora para descrever as quem a carrega. O Talmud ensina
percepções humanas, os sentimentos que os Céus julgam as pessoas da
e desejos em relação aos demais. mesma forma como esta pessoa julga
Por exemplo, o Ayin HaRá, o “olho os demais. Quem julga os outros
A Horá do chá na Sucá.
Tela em tinta, grafite e guache,1906. gordo”, é um famoso conceito que favoravelmente é julgado também
SOLOMON J. SOLOMON denota inveja e ciúme, e que, como favoravelmente pelos Céus; e o
ensina o Talmud, é um fenômeno oposto também é verdadeiro. De
real – veículo de poder espiritual forma semelhante, o Baal Shem
que pode afetar a vida de outras Tov, mestre da Cabalá e fundador
pessoas. Por outro lado, ter um “olhar do Movimento Chassídico, ensinava
bondoso” significa desejar o bem dos que “um suspiro emitido em virtude
demais e julgá-los favoravelmente. da dor de um outro rompe todas
as barreiras impenetráveis dos
acusadores celestiais. E quando a
examinando o LULAV. óleo sobre tela. LEOPOLD PILICHOWSKI
pessoa se alegra com o júbilo de seu
amigo e o abençoa, ela é tão querida
a D’us e por Ele aceita como as
preces de Rabi Yishmael, o Sumo
Sacerdote, no Kodesh HaKodashim”.
Em outras palavras: o Altíssimo está
mais aberto às preces daqueles que
sentem a dor de outras pessoas e se
alegram com a felicidade e o sucesso
delas.

Aravá

As folhas alongadas do Aravá se


parecem com os lábios. Os ramos
do salgueiro nos transmitem um
dos mais sábios ensinamentos do
mais sábio dentre os homens, o
Rei Salomão, que escreveu em seus
Provérbios: “A vida e a morte estão
sob o poder da língua...” (Provérbios
18:21).

24
REVISTA MORASHÁ i 101

Nossos Sábios ensinam que uma das e realizar grandes feitos; pode
razões para a Torá usar a metáfora restaurar relacionamentos rompidos
da fala para descrever a Criação e construir novos. Não surpreende
Divina do Universo é mostrar que as o fato de que alguns dos principais
palavras podem construir mundos. mandamentos do Judaísmo sejam
No entanto, podem também os cumpridos com palavras: a leitura
destruir. Uma ou outra palavra e o estudo da Torá e a recitação de
errada, mesmo se dita, por vezes, orações e bênçãos, para citar apenas
de forma descuidada, pode destruir alguns.
um casamento, uma antiga amizade,
o bom nome de uma pessoa e a
reputação e solidez de uma empresa.
Palavras maldosas já destruíram
muitas esperanças, sonhos e vidas.
Palavras maldosas já resultaram em
guerras e genocídios.

Ensina o Talmud que não há pecado


maior do que o de Lashon HaRá –
“a má língua”. Aos olhos da Torá,
assassinar um caráter ou assassinar
uma pessoa são atos que guardam
incrível semelhança.

Por outro lado, palavras que


expressam sabedoria e bondade
têm o poder de erguer vidas e
mundos – criando novas realidades.
Uma palavra animadora pode curar
um coração ferido e restaurar uma
alma desprovida de esperança;
pode instilar fé e coragem; pode hoshaná rabá, 7º dia de sucot, na sinagoga de amsterdã. os fiéis dão sete voltas
levar a pessoa a seguir seus sonhos com as Quatro Espécies na mão. Bernard Picart, 1722

25 SETEMBRO 2018
nossas grandes festas

O Aravá nos ensina que devemos pessoas possuem forte coluna


escolher com muito cuidado nossas vertebral (Lulav) – são sábias e de
palavras. A pena é de fato muito conduta reta; um olhar bondoso
mais potente do que a espada – (Hadass) – não guardam rancor,
assim como o são as palavras que inveja ou ciúme dos demais; e
saem de nossos lábios. bons lábios (Aravá) – não falam
mal dos outros. Mas, apesar disso,
Etrog não têm coração. Não fazem mal
a ninguém, mas tampouco fazem
A Torá se refere ao Etrog, a cidra o bem. Não guardam ódio ou
amarela, como um belo fruto. falam mal dos outros, mas não
Entre as Quatro Espécies, é o que se preocupam com ninguém.
mais atrai por sua aparência. Por Falta-lhes amor, calor humano e
seu formato, esse fruto simboliza o compaixão.
coração.
O Etrog é o fruto da beleza
O Etrog nos ensina que a beleza copo de kidush, prata. porque não há nada mais atrativo
verdadeira está no coração. Muitas ausburg, alemanha, c. 1730 no ser humano do que um bom
coração. Bem verdade, o amor
não cura todos os males e as
boas intenções não substituem
a sabedoria. Mas se em nosso
mundo houvesse mais corações
bondosos, viveríamos em um lugar
bem mais bonito.

No Pirkei Avot, cujas palavras


deveriam ser gravadas no coração
e na mente de todo judeu, ecoa o
seguinte ensinamento atemporal:
“(Rabi Yochanan) disse a (seus
alunos): Procurem saber qual o
melhor traço de caráter que a
pessoa deve possuir. Respondeu
Rabi Eliezer: Um olhar bondoso.
Disse Rabi Joshua: Ser um bom
amigo. Disse Rabi Yossi: Ser um
bom vizinho. Disse Rabi Shimon:
Ser alguém que se preocupa com
o resultado de suas ações. Disse
Rabi Elazar: Ter um bom coração.
(Rabi Yochanan) lhes respondeu:
Prefiro as palavras de Elazar, filho
de Arach, às vossas, pois suas
palavras incluem todas as vossas”
(Avot 2:10).

BIBLIOGRAFIA
Interlinear Chumash – The Schottenstein
Edition – Vayikra – Artscroll Mesorah

26
ISRAEL

SEGREDOS GUARDADOS
DA GUERRA DO YOM KIPUR
POR ZEVI GHIVELDER

Um campo de batalha tem pouco a ver com as cenas que nos


acostumamos a ver no cinema. A rigor, por causa da distância
que separa os combatentes, quem está do lado de cá não sabe o
que está acontecendo do lado de lá. A guerra só se faz presente
quando se ouve o estrondo de um tiro de canhão e, em seguida,
há o sopro de um vento quente, resultante do disparo. Eu sei que
é assim porque estive no canal de Suez e no campo de batalha das
colinas do Golã, 45 anos atrás, durante a Guerra do Yom Kipur.

h
á cinco anos, 40 anos depois da Guerra Na manhã do dia 2 outubro, portanto quatro dias antes
do Yom Kipur, o governo de Israel tornou do início do conflito, Golda Meir teve que fazer uma
público um de seus mais importantes viagem a Estrasburgo, França, para participar de um
documentos confidenciais. Trata-se do encontro com o Conselho da União Europeia. No
depoimento prestado por Golda Meir, à aeroporto, antes de embarcar, foi informada de que a
época chefe do governo, perante a Comissão Agranat, Síria tinha reunido grande quantidade de tropas junto
a comissão presidida por Shimon Agranat, então juiz à sua fronteira com o Golã e o Egito tinha feito o
da Suprema Corte de Israel. Competia a essa comissão mesmo na margem do canal de Suez. Entretanto, ao
apurar as responsabilidades individuais e coletivas mesmo tempo, um relatório do serviço de inteligência
referentes aos antecedentes e desdobramentos daquela dizia que a movimentação síria se devia ao temor
guerra que custou as vidas de 2.500 militares da ativa e de um ataque por parte de Israel e que o Egito não
da reserva das Forças Armadas de Israel. poderia empreender qualquer agressão antes de duas
semanas.
Golda declarou que tinha uma intuição no sentido
de que, em outubro de 1973, uma guerra com o Golda regressou a Israel pouco depois da meia-noite
Egito era iminente, mas se absteve de ordenar e convocou uma reunião para a manhã seguinte com
um ataque preventivo. No seu entender, conforme Dayan, Ministro da Defesa, os generais Elazar e Shalev,
testemunhou, se Israel disparasse o primeiro tiro, do Estado-Maior, e Benny Peled, comandante da Força
decerto seria reprovado pelos Estados Unidos que Aérea. Todos concordaram que não havia um perigo
não se envolveriam para ajudar Israel caso uma guerra imediato de guerra. Golda, então, convocou
se concretizasse. Mas, de fato, no posterior decorrer Eli Zaira, chefe do serviço de inteligência militar, para
do conflito, Israel recebeu dos Estados Unidos 6 mil uma reunião na manhã seguinte à da celebração do
toneladas de armamentos e equipamentos, além de Yom Kipur. Nesse meio tempo, enfatizou, era preciso
40 aviões do tipo Phantom e 35 caças Skyhawk de concluir a lista de pedidos a ser encaminhada ao
combate. presidente Nixon e acentuar que a remessa era urgente.

27 SETEMBRO 2018
ISRAEL

Porém, antes do dia acertado, Na véspera da eclosão do conflito, insistindo nisso”. Às quatro horas da
Zaira foi ao encontro de Golda houve uma reunião do gabinete manhã de sábado, Golda ordenou a
e lhe disse ter recebido uma israelense. Golda informou que convocação dos reservistas, por causa
notícia preocupante: as famílias estava pensando em convocar os do relatório assinado por Zamir, que
dos consultores e assessores reservistas, que constituíam 80 lhe havia sido entregue pelo chefe de
soviéticos estavam partindo às por cento das forças armadas, mas gabinete do Mossad. Às duas horas
pressas do Cairo e de Damasco. nenhum ministro concordou. da tarde os sírios e egípcios partiram
para o ataque contra Israel.

Sadat e Assad tinham objetivos


bélicos diferentes. Para Sadat, a
guerra era uma opção desesperada,
mas ele não ele via outra saída se o
Egito quisesse recuperar o orgulho
nacional ferido após a derrota
sofrida na Guerra dos Seis Dias.
Sadat não pretendia recapturar
militarmente todo o Sinai, mas
queria desferir um golpe certeiro que
servisse para solidificar ainda mais
sua posição diplomática no plano
externo e sua política no âmbito
interno do país. Ele se arriscava
numa jogada complexa, destinada
a algum dia, num futuro próximo,
sentar-se à mesa de negociações
com Israel numa posição de maior
igualdade. Assad, por sua vez, via a
guerra apenas como um veículo para
Golda Meir e David Elazar
reconquistar, pela força, o território
do Golã perdido em 1967 e, ao
Zaira acrescentou estar surpreso em O general Bar Lev lhe disse: “Você mesmo tempo, ratificar sua recusa
face do comportamento do chefe está aqui cercada pelos militares em reconhecer o direito de Israel à
do Mossad, Zvi Zamir, que havia mais experientes do país. Nenhum existência.
deixado o país horas antes, ainda deles julga conveniente chamar a
de madrugada. Golda ignorava que reserva. Só você, que é civil, está O primeiro passo que Síria e Egito
Zamir estava fora de Israel numa deram na direção de um confronto
hora tão crucial, mas imaginou que bélico foi a reestruturação de seus
decerto ele tinha ido ao encontro exércitos e modernização de seus
de alguma fonte muito importante, armamentos. Em abril de 1972, a
o que de fato foi o que aconteceu, CIA chegou a alertar Israel sobre
conforme se ficou sabendo anos mais o aumento e a modernização do
tarde. poderio militar daqueles dois países,
mas os israelenses não deram a
O juiz Agranat perguntou a Golda devida importância à informação.
se era comum o chefe do Mossad Não só isso, como no dia 25 de
deixar o país sem dar conta de seus setembro o rei Hussein, da Jordânia,
passos à Chefe do Governo. Ela fez uma viagem secreta a Tel Aviv,
respondeu que era algo realmente onde, numa casa preparada pelo
inusitado, porém justificado pela Mossad, se encontrou durante uma
premência das circunstâncias. hora com Golda Meir. O monarca

28
REVISTA MORASHÁ i 101

TANQUES ISRAELENSES NO GOLÃ DURANTE A GUERRA

advertiu a primeira-ministra que Para os dois países inimigos, a


tudo indicava que o Egito e a Força Aérea israelense representava
Síria fariam uma incursão militar o maior perigo, já que nas guerras
contra Israel. A conversa foi ouvida anteriores seus extraordinários
numa sala contígua pelo coronel pilotos haviam imposto grandes
Keniezer, encarregado pelos assuntos perdas aos adversários. Para tentar
jordanianos no serviço militar de resolver o problema, egípcios e
inteligência. Este comunicou o sírios instalaram um amplo sistema
que ouvira a seu superior, o general de defesa antiaérea, equipado com
Shalev. Porém, por algum motivo mísseis superfície-ar de fabricação
insondável, o assunto ali ficou parado. soviética. No Golã, os consultores
e técnicos soviéticos assumiram
Nos meses anteriores à guerra, a a tarefa de integrar um conjunto
União Soviética tinha vendido à desses mísseis apontados para
Síria e ao Egito grande quantidade diferentes altitudes, radares e
de modernos armamentos, sistemas óticos de controle de
incluindo equipamentos para visão disparos
noturna, uma nova geração de
veículos de infantaria e os mísseis sadat, à esq., e mubarak diante dos Apesar de todos os cuidadosos
antitanques Sagger, que podiam ser planos de guerra preparativos militares, o fator
manejados por um único artilheiro. surpresa seria o elemento-chave
Israel soube que a Síria e o Egito Entretanto, assim que irrompeu a da estratégia. Se conseguissem
tinham recebido aqueles mísseis, mas guerra, ficou claro que eles eram uma surpreender Israel com um ataque
as forças armadas não demonstraram ameaça à  superioridade dos tanques simultâneo em duas frentes – no
grande interesse nos Sagger. israelenses no campo de batalha. Sinai e no Golã – sírios e egípcios

29 SETEMBRO 2018
ISRAEL

Líderes do Congresso dos Estados Unidos em reunião para debater a Guerra de Yom Kipur, Washington, 10 de outubro de 1973

ganhariam preciosas horas de vitorioso porque tinha obtido


vantagem para avançar e consolidar ganhos territoriais e suas forças
suas posições antes que Israel armadas tinham-se posicionado a
pudesse reagir de forma decisiva. uma estratégica distância do Cairo
e de Damasco. Mesmo assim, duas
Foi devido às circunstâncias semanas depois da divulgação do
das indecisões que o governo chamado Relatório Agranat, Golda
israelense achou por bem instituir Meir renunciou a seu posto, dizendo
a Comissão Agranat, composta não suportar a mágoa e a revolta
ministro das relações exteriorES
por cinco membros: dois juízes da opinião pública pelos mortos na do egito, Ismail Fahmi (à esq.),
da Suprema Corte, Agranat e guerra. presidente Nixon (centro) e Henry
Kissinger, secretário de estado,
Landau, o controlador das finanças 31 de outubro de 1973
do Estado, Itzhak Nebenzahl, e Assim como Golda, o general David
dois ex-chefes do Estado-Maior “Dado” Elazar também renunciou à
das Forças Armadas, Ygal Yadin sua posição no exército. Nascido em
e Chaim Laskov. Depois de Sarajevo, de origem sefaradi, Dado
examinar centenas de documentos chegou à antiga Palestina em 1940.
e ouvir dezenas de testemunhos, Lutou na Guerra da Independência
eles recomendaram o afastamento e teve importante atuação na Guerra
de cinco militares de alta patente, dos Seis Dias, quando assegurou a
incluindo o general-chefe do posse das colinas do Golã. Cumpriu
Estado-Maior, David Elazar, uma brilhante carreira militar e, com
responsabilizados por não terem a patente de general, foi nomeado
tomado providências efetivas nos chefe do Estado-Maior em 1972.
dias que antecederam a Guerra do
Yom Kipur. Moshe Dayan e Golda Aqui abro um parênteses. Conheci
Meir foram inocentados. David Elazar no Rio de Janeiro em
novembro de 1975. Acho que tinha
A Comissão apresentou suas ganhado uma espécie de prêmio de
conclusões em fevereiro de 1974, seis consolação por parte do governo de
meses depois do conflito, acentuando Israel, que lhe havia permitido dar forças egípcias cruzam o canal de suez,
que Israel podia considerar-se uma volta ao mundo. Veio ao Rio 7 de outubro de 1973

30
REVISTA MORASHÁ i 101

sozinho, sem nenhuma escolta, um não era comum, porque Marwan


turista anônimo. Encontramo-nos tinha o hábito da pontualidade.
num fim de tarde na minha sala na Finalmente o egípcio apareceu e os
Manchete, onde conversamos por três homens se sentaram em volta
mais de duas horas. Eu o conhecia de uma mesa. Marwan estava tenso
por fotografias e por tê-lo visto e logo começou a falar: “Eu passei
de longe, duas ou três vezes, em a tarde inteira na nossa embaixada,
Israel. Em 1973, ano da Guerra do em Kensigton, de onde telefonei
Yom Kipur, Dado exibia um vigor muitas vezes para o Cairo a fim
físico fantástico, completado por de obter o maior número possível
seus cabelos negros e porte atlético. de informações. Agora posso lhes
Não foi esta a pessoa que encontrei dizer que Sadat vai desfechar uma
DAVID ELAZAR, chefe do estado-maior,
no Rio. Estava quase grisalho e a gal. YITZHAK HOFI e cel. ADAM YEKUTIEL.
guerra amanhã”. Ante a surpresa de
voz parecia ter sumido. Cada vez Dubi e Zamir, o próprio egípcio se
que fiz menção a algum aspecto da surpreendeu. Ele achava que Israel já
Guerra do Yom Kipur, respondia horas antes do começo da guerra. possuía essa informação. Na verdade,
com monossílabos, ou mudava de Ele ia ao encontro do egípcio quando Zamir soube que as famílias
assunto ou recorria a evasivas. Era Ashraf Marwan, que fora genro do dos soviéticos estavam sendo
um homem irremediavelmente ditador Gamal Abdel Nasser e era evacuadas, concluiu que uma ação
triste. Eu tinha curiosidade de saber do círculo próximo a Anwar Sadat. militar era iminente, mas não num
sua opinião sobre o polêmico Arik Por incrível que pareça, desde os espaço de tempo tão imediato.
Sharon, que era meu amigo e que anos 70, Marwan vinha atuando
tinha virado o curso da guerra a como espião a favor de Israel, sob Naquele momento, Zamir ficou
favor de Israel, quando atravessou o o codinome Anjo. Mas seu único cético. Em primeiro lugar porque em
canal de Suez na direção do Cairo. contato com Jerusalém era um outras ocasiões Marwan informara
Respondeu sobre Arik com poucas agente do Mossad estacionado no sobre ataques que não aconteceram.
restrições e poucos elogios. Reino Unido, conhecido como Em segundo lugar porque a
Dubi. Eram dez horas da noite em informação que estava transmitindo
Depois da divulgação das conclusões Londres, no dia 4, quando Zamir e se baseava em telefonemas. Ele
da Comissão Agranat, a opinião Dubi chegaram a um apartamento não tinha falado pessoalmente
pública de Israel se dividiu com fortemente protegido. Esperaram com nenhuma fonte válida de
relação a Dado. Houve quem lhe durante uma hora e meia, o que credibilidade. Marwan retrucou,
atribuísse culpa por ter hesitado no
início do conflito e também quem
o justificasse, argumentando que
ele nada poderia ter feito contra as
decisões do gabinete ministerial.
David Elazar morreu em Tel Aviv
no dia 25 de abril de 1976, com
apenas 51 anos de idade. Seus
amigos dizem que a causa da morte
não foi um ataque do coração, mas
deveu-se a seu coração partido por
grande sofrimento.

Dentre os segredos referentes à


Guerra do Yom Kipur, somente
há pouco tempo foi desvendado
o mistério da viagem do chefe do
Mossad, Zvi Zamir, para o exterior,
reunião do estado-maior na “sala de guerra”. MOSHé DAYAN, ministro da defesa;
na quinta-feira, 4 de outubro, 48 gal. rehavan zeevY e gal. SHMUEL GONEN

31 SETEMBRO 2018
ISRAEL

paraquedistas israelenses marcham na estrada do canal de suez ao cairo

dizendo que estivera no Cairo na Israel. Ao final do encontro, Zamir também julgava que a eclosão de um
semana anterior, que frequentara os tinha a cabeça feita: de fato, Síria e conflito era uma questão de horas.
corredores do poder, e que sentiu que Egito estavam prestes a atacar Israel. Zamir, então, mandou a seguinte
ali havia uma atmosfera diferente do mensagem criptografada para seu
habitual. Zamir insistiu: “Mas você Zamir e Dubi se dirigiram para chefe de gabinete: ”Parece que a
tem certeza que havia preparativos o escritório do Mossad, a dez empresa pretende assinar o contrato,
para uma guerra?” Marwan irritou- minutos a pé. O chefe do Mossad nas condições que já conhecemos,
se e elevou o tom de voz: “O Sadat fervilhava: e se nada viesse a antes do anoitecer. A empresa sabe
não bate bem. Tem horas que ele acontecer? Será que ele deveria que amanhã é feriado. Falei com
diz que vai avançar, manda todo o mesmo relatar tudo para Golda? o gerente; ele ainda depende da
mundo avançar, e depois volta atrás”. No escritório encontrou-se com decisão de outros gerentes, mas está
Enfim, o chefe do Mossad concluiu Zvi Malhin, agente encarregado disposto a manter o trato.
que não tinha alternativa a não ser da segurança de sua entrevista A empresa quer evitar que o contrato
acreditar em Marwan. O que o com Marwan. Experiente, Malhin se torne público antes da assinatura
afligia é que estava há muitas horas
longe de Israel e não sabia se àquela
altura o gabinete já tinha decidido
convocar os reservistas. Ele mesmo,
na condição de ex-general, estava
certo de que a convocação já deveria
ter sido ordenada. Marwan não
trouxera nenhum documento, mas
passou a reconstituir de memória
os telefonemas que havia feito para
o Cairo. Disse que a infantaria
egípcia atravessaria o canal de Suez
numa extensão de dez quilômetros
no rumo Norte; que a Força Aérea
faria incursões no Sinai de modo a
dificultar a aproximação de tropas
israelenses até o canal de Suez;
que aviões do tipo Tupolev iriam
bombardear, em Tel Aviv, o quartel-
general das Forças de Defesa de Golda Meir , Moshe Dayan e Israel Galili no Sinai

32
REVISTA MORASHÁ i 101

tanque israelense no golã durante a guerra

porque teme que seus acionistas mensagem. O destino de Israel


possam pensar de maneira diferente. dependia daquela transmissão.
Eles têm parceiros fora da região.
Segundo informação de Mr. Anjo, A Guerra do Yom Kipur foi travada
a chance de assinatura é de 99 por no auge da guerra fria entre os
cento”. De manhã cedo, Dubi levou Estados Unidos e a União Soviética.
a mensagem para a embaixada de Como os russos estavam firmemente
Israel em Palace Green, em cuja engajados do lado árabe, incluindo
sala de comunicações enviaria o assessores militares, Israel sempre
conteúdo para Tel Aviv. Contudo, julgou que, num momento de
por causa do Yom Kipur, a sala estava grande perigo, poderia contar com
fechada e levou um bom tempo os Estados Unidos. Mas, embora
até que achassem o funcionário os americanos viessem a fornecer
encarregado de abri-la e enviar a voando de helicóptero para o Sinai grande quantidade de armas e
equipamentos para Israel, Golda
e seu gabinete sofreram enorme
angústia entre os dias 6 e 13 de
outubro, primeira semana do
conflito. Desde o começo da guerra,
Israel havia perdido um quinto de
sua força aérea e as forças terrestres
começavam a acusar falta de
munição.

A Casa Branca já recebera a


lista enviada por Golda, mas o
Pentágono se opunha à liberação dos
armamentos. O embaixador de Israel
em Washington, Simcha Dinitz,
mantinha bom relacionamento com
Henry Kissinger, que era favorável
ao auxílio a Israel. Apesar das
posições do Secretário de Defesa e
Israel e Egito assinam cessar-fogo, 11 de novembro de 1973 do Pentágono americanos, Kissinger

33 SETEMBRO 2018
ISRAEL

fez valer sua influência junto ao sitiado e conversar com alguns de ocorridos durante a Guerra do Yom
presidente Nixon para que fosse seus oficiais. Foram todos cordatos e Kipur, sobre os quais já escrevi aqui
atendido o pedido da lista. Um nenhum deles manifestou qualquer na Revista, outros dois me foram
dos segredos da Guerra do Yom sintoma de ódio, nem mesmo de marcantes durante a cobertura
Kipur, até hoje não desvendado, raiva, com relação a Israel. do conflito. O fotógrafo Paulo
dá conta de que no dia 12 de Scheunstuhl, meu companheiro
outubro Kissinger teria recebido Estavam conformados com aquela de jornada, chegara a Israel um
uma informação segundo a qual situação e pressentiam que alguma dia antes do que eu. Rumou para
Golda havia mandado armar solução seria encontrada em seu a batalha no Golã e lá viu um
artefatos atômicos para enfrentar benefício. De fato, havia mais gente cinegrafista americano sendo
uma situação que caminhava para preocupada com eles, a começar por atingido por um estilhaço de
ser desesperadora. Verdade ou Leonid Brejnev, o poderoso chefão granada. O rapaz sangrava e dizia
que estava sentindo muito frio.
O Paulo tirou sua jaqueta de couro
e cobriu o jovem, logo levado por
uma ambulância. Só mais tarde
se deu conta de que no bolso da
jaqueta estava seu passaporte. No dia
seguinte, já na minha companhia,
quando descemos do Golã fomos
para o hospital Rambam, em Haifa,
onde nos disseram que deveria estar
internado o americano ferido. Fomos
recebidos pelo administrador, muito
gentil, que prometeu fazer o possível
para localizar o passaporte.

E agora? Bem, sem o passaporte, só


restaria ir à Embaixada do Brasil
e pedir algum documento válido
para sair do país. Três dias depois,
estávamos no Beit Sokolov, o centro
de imprensa em Tel Aviv, tarde da
O general Ariel SHARON e o Ministro da Defesa, o General Moshe DAYAN na ponte
noite, quando apareceu um oficial do
do Canal de Suez em outubro de 1973 exército procurando pelo Paulo para
entregar-lhe o passaporte perdido.
não, o fato é que, a partir do dia 13 do Kremlin. Brejnev mandou uma Naquele momento, pensei comigo
de outubro, a remessa de aviões, mensagem para Nixon, dizendo mesmo, que, se em meio àquele
veículos blindados e toneladas de que se Israel não abrisse passagem conflito tão sombrio, um militar
munições começou a ser feita para para os egípcios, ele mandaria israelense ainda havia se empenhado
Israel. tropas e paraquedistas para libertá- para ir ao encontro de um aflito
los. Kissinger interpretou aquele jornalista brasileiro, então não tinha
Outro segredo da guerra é referente ultimato como o prenúncio de como Israel perder aquela guerra.
ao destino do Terceiro Exército uma guerra mundial. Chamou o
egípcio, que tinha atravessado o embaixador Dinitz e praticamente O outro episódio é pungente e me
canal de Suez, mas não pode mais se ordenou que ele tomasse uma emociona até hoje, tantos anos
mover, porque as tropas israelenses providência imediata. Ao final do depois. Uma bizarrice do conflito
estavam na sua retaguarda, do que poderia ser um grave entrevero, em Israel era que a cobertura
outro lado do canal, e à sua frente nenhum soldado egípcio do Terceiro jornalística tinha que ser feita com
no Sinai. Tive a oportunidade de Exército sofreu sequer um arranhão. um carro alugado em cujo para-
observar de perto aquele exército A par de alguns outros episódios brisa colocávamos a palavra “Press”

34
REVISTA MORASHÁ i 101

primeira reunião em jerusalém da comissão de inquérito (Comissão Agranat) que investigou a conduta na guerra de
yom kipur. da esq. à dir.: Ygal YADIN, MOSHE LANDO, SHIMON AGRANAT, Itzhak Nebenzahl e Chaim LASKOV

com letras grandes. As viagens me a história que transcrevo, sem


de Tel Aviv até o canal de Suez, acrescentar uma vírgula.
atravessando todo o deserto do
Sinai, eram penosas: pelo menos “Quando os alemães começaram
sete horas numa estreita estrada de a arrasar o gueto de Vilna, fui
asfalto, a cada momento bloqueada levada com meu marido e um
por tanques e outros veículos filho pequeno para o campo de
militares. Quando passávamos junto Maidanek. Na chegada, fiquei
a esses veículos, muitos soldados separada do meu marido e nunca
nos interrompiam. Vinham até mais o vi. Meu filho ficou comigo
nosso carro e nos entregavam pouco tempo no barracão das
pequenos pedaços de papel nos prisioneiras. Um dia, foi levado
quais escreviam o telefone de suas com outras crianças e também
casas, nomes femininos, e me nunca mais o vi. Sobrevivi à
pediam, já que eu entendia o básico Zevi Ghivelder na ponte sobre o
guerra e desembarquei sozinha
do hebraico: “Quando voltar para canal de Suez em Haifa três semanas depois da
Tel Aviv, por favor telefona para a independência. Aqui casei com
minha mãe, diz que eu estou vivo e uma mulher da qual me recordo um rapaz sefaradi de sobrenome
bem”. apenas o sobrenome: Pinto. Depois Pinto e temos um filho, o que
do susto, quando ela soube em você encontrou no Sinai. Olha,
Como eu regressava ao hotel já de que hotel eu estava, disse que viria se este filho não voltar, não vou
madrugada, deixava os telefonemas se encontrar comigo para colher chorar, porque vou saber porque
para o dia seguinte. Era uma tarefa um depoimento ao vivo, já que ele morreu. Mas choro todos os
difícil, primeiro porque eu mal morava ali por perto.Não sei mais dias pelo que ficou em Maidanek.
falava hebraico, segundo porque as descrevê-la com pormenores. Só Choro porque nunca vou saber por
pessoas que atendiam aos telefones lembro que tinha pouco mais de que ele morreu”.
se assustavam na certeza de que 50 anos, olhos negros e as mãos
iriam receber uma péssima notícia. pequenas. Depois de perguntar sobre
Um daqueles telefonemas foi para o filho uma dúzia de vezes, contou- ZEVI GHIVELDER É ESCRITOR E JORNALISTA

35 SETEMBRO 2018
ANTISSEMITISMO

Judeus na
“Guerra de Malvinas” - 1982
POR REUVEN FAINGOLD

As cicatrizes ainda continuam abertas e as controvérsias


entre argentinos e britânicos sobre as Malvinas seguem
marcadas por provocações e tensões, basicamente pela
importância econômica e relevância territorial para cada
uma das partes. A seguir, um breve estudo sobre a repercussão
deste conflito na vida de toda uma comunidade judaica.

PANO DE FUNDO soberania”, razão pela qual o tema não era discutido.
A visita às ilhas era permitida apenas a veteranos de
As Malvinas, ou Ilhas Falklands, em inglês, eram guerra e seus parentes, que podiam chorar seus mortos
desabitadas quando foram descobertas pelos nos cemitérios militares. Viu-se esta situação no filme
holandeses, no século 18. As potências colonialistas “Iluminados por el fuego” (Argentina-Espanha 2005):
que travaram lutas pelas mesmas foram Espanha O jornalista Esteban Leguizamón recebe a informação
e, depois, Argentina. Em 1833 essas terras foram de que seu amigo Alberto tentou matar-se. Esteban
invadidas pelo Império Britânico, com o objetivo de vai até o hospital e encontra Alberto em coma. Em
servir de apoio para a abertura de rotas de navegação flashbacks, o espectador vê que os dois soldados haviam
no Atlântico Sul. lutado juntos, 20 anos antes, na Guerra das Malvinas.
Ambos voltaram do front com suas cicatrizes, como
No entanto, os governos argentinos nunca lembrança do horror e do inferno. Alberto nunca se
abandonaram a ideia de manter sua soberania sobre recuperou. A depressão que o levou à tentativa de
as ilhas, no que sempre contaram com o apoio da suicídio é mais um crime da ditadura militar argentina.
diplomacia brasileira. Tratava-se de uma luta pelo Em 1982, a ditadura tentou perpetuar-se no poder
nacionalismo e a integridade do território, fortalecida apelando ao patriotismo dos argentinos: enviaram
a partir de 1930-1940, quando a aliança com os milhares de jovens para lutar contra o poderio militar
britânicos começou a ser questionada na Argentina. britânico nas Malvinas. 
Durante a 2ª Guerra, a principal atividade econômica
local era a criação de carneiros. A ascensão dos Kirchner, na década de 2000, trouxe
em seu bojo o retorno do forte nacionalismo argentino,
Na década de 1980, Argentina e Inglaterra cortam encontrando expressão em conflitos territoriais e
relações diplomáticas, que foram retomadas durante na exploração de recursos naturais. Isso levou ao
a presidência de Carlos Menem. Sua política para recrudescimento das disputas pela soberania argentina
as Malvinas foi denominada de “Guarda-chuva da em Malvinas.

36
REVISTA MORASHÁ i 101

memorial aos soldados argentinos da guerra das malvinas, PLAZA MALVINAS, USHUAIA

A importância dessas ilhas para a se podia abandonar o direito de em suas fileiras. Porém, desde sempre
exploração da Antártida crescia em autodeterminação dos kelpers (como foi hostil o comportamento das
relevância. E a descoberta local de eram chamados os habitantes das Forças Armadas com os judeus. E
reservas de petróleo e gás e a alta no Falklands) e o primeiro-ministro durante a Guerra das Malvinas não
preço dos hidrocarbonetos aguçaram David Cameron chegou a afirmar: foi diferente.
os embates com os britânicos. “Colonialistas são os argentinos”.
Estes reagiram pela mídia: para lá Em 11 de abril de 1982, o jovem
enviaram o príncipe William (2º na Dito isso, analisemos a repercussão judeu argentino Silvio Katz
sucessão do trono), despertando a que esse conflito teve na vida dos chega às Malvinas junto com seus
atenção da imprensa. Despacharam, judeus argentinos. companheiros do 3º Regimento de
também, um navio de guerra e um Infantaria Mecanizada (RIMec 3),
submarino armados com mísseis Judeus argentinos localizado na localidade de Tablada.
nucleares. Eram gestos simbólicos lutaM na Guerra Silvio, de apenas 19 anos, havia
para demonstrar a capacidade de das Malvinas poucos dias tomara conhecimento
poder que, dificilmente, a combalida de que a Argentina retomara as ilhas,
economia britânica teria como Vale ressaltar um dado importante: mas nunca poderia imaginar ser
sustentar. na Argentina é obrigatório o transportado até lá num avião sem
alistamento militar. Todos os assentos, partindo da Base Aérea de
A estratégia argentina foi denunciar cidadãos devem servir o exército. Palomar apenas com roupa de verão
na ONU a permanência dos Há um sorteio para  isentar os e um fuzil que não funcionava.
britânicos nas Malvinas como uma chamados “número baixos”, mas em
situação colonial, criticando o que geral judeus e não-judeus devem Ainda sem se acostumar ao frio,
chamaram de “militarização dos servir indistintamente. Assim, os Silvio foi trazido por seu subtenente
recursos naturais do Atlântico Sul”. contingentes militares sempre Eduardo Flores Ardoino à dura
Já o Reino Unido afirmava que não contaram com judeus e não judeus realidade militar. Mais de 30 anos

37 SETEMBRO 2018
ANTISSEMITISMO

Sílvio Katz como seu “inimigo”. Ele publicado no 30º aniversário do


era argentino, mas era judeu. Pelo conflito. Mesmo sem saber o número
contrário, com o passar dos dias, exato de combatentes judeus,
descarregava todas suas tensões Dobry conseguiu localizar 25 deles,
intensificando os maus tratos. O sendo que 10 deram depoimentos
jovem judeu passava noites inteiras reveladores.
sem dormir pelo intenso ruído das
bombas, acumulando-se também dias Em meio aos bombardeios, enquanto
e dias sem comer, pois seu superior ingleses destruíam as defesas
lhe negava alimentos. antiaéreas argentinas, um suboficial
argentino ficou surpreso ao saber que
SILVIO KATZ
Enquanto preparava o grupo para o Pablo Macharowski, do 4º Grupo de
combate, Flores Ardoino conseguia Artilharia Aerotransportada, lutara
uma garrafa de uísque e colocava até cair ferido. Numa ocasião, diz:
depois de encerrado o conflito, ele todos os soldados enfileirados. Dava, “É estranho que você, um judeu,
se lembra das torturas impostas a seguir, um trago a cada um deles, esteja combatendo aqui”. O jovem
por esse subtenente: “Castigava-me mas ao chegar a Katz, dizia: “Você Macharowski respondeu: “Sou
todos os dias da minha vida por ser não vai beber, você será morto”. argentino e nada tem a ver minha
judeu. Congelava minhas mãos na O soldado judeu se recorda de ter condição de judeu ou não”.
água, jogava minha comida dentro pensado que seria melhor morrer e
do lixo... e lá eu tinha que buscá-la torcia para que fosse logo. Encerrada A poucos quilômetros de
com a boca... Dizia que os judeus a guerra, Katz denunciou o militar à Macharowski, Claudio Alejandro
são medrosos, além de outras mil justiça. Szpin, do 3º Regimento de
palavras ofensivas. Ele curtia, ficava Infantaria Mecanizada (RIMec
feliz me vendo sofrer. Eu podia NAZISMO EM MALVINAS 3), vivia situação similar enquanto
apenas dizer aos demais soldados fazia guarda com seu amigo Vainroj.
que eles experimentariam o mesmo Por mais terrível que pareça, a Para alguns dos seus superiores, ser
(sofrimento) se fossem judeus como história de Silvio Katz não é a única judeu impossibilitava ser totalmente
eu”. acerca da raiva dos oficiais contra “argentino” – como se isto fosse
os soldados judeus nas Malvinas. excludente. E, os oficiais que assim
Nem os bombardeios ingleses em 1º Relatos e denúncias fazem parte pensavam, faziam de tudo para
de maio de 1982 fizeram com que do livro do jornalista judeu Hernán tornar a vida dos soldados judeus um
Flores Ardoino deixasse de tratar Dobry, “Los Rabinos de Malvinas”, inferno.

No continente, grupos de soldados


se preparavam para cruzar até
as Malvinas e combater. Alguns
viajavam durante a noite, voando
perto da água para não serem
detectados e derrubados pelos
radares britânicos. Em 3 de junho de
1982, Marcelo Eddi, do Regimento
de Infantaria Patrícios (RIP 1) já
estava em Comodoro Rivadavia.
Nessa pequena cidade, seu superior
lhe ordenou que fizesse guarda
frente ao galpão dormitório. Ali
anunciaram aos soldados que, nesse
dia, a seção de morteiros sairia rumo
Soldados do exército argentino leem jornais em Port Stanley, durante a
às ilhas. Já prestes a partir, o chefe
Guerra das Malvinas da unidade afastou Marcelo Eddi do

38
REVISTA MORASHÁ i 101

grupo, dizendo-lhe que “não partiria


por ser judeu”.

Eddi fez tudo o que estava a seu


alcance para viajar às Malvinas,
trocando de lugar com outro soldado
que estava apavorado de embarcar.
Em 6 de junho chegou ao cerro Dos
Hermanas na primeira linha de fogo.
Ele comenta: “O 1º Tenente que
nos acompanhava parecia ser filho
de Hitler; era um nazista, vestia-se
como ele e penteava o cabelo com gel
como ele”. Eddi foi colocado de lado.
Então, esse tenente se aproximou
dele e lhe disse: “Vou levar todos
os soldados criollos1, mas jamais um soldados argentinos NAS Malvinas
judeu”. Então Eddi, ironicamente,
lhe respondeu: “Não há problema.
Acontece que por aqui todos são perguntaram: “E os judeus não O trato a ele dado não mudou
valentes como o senhor”. O tenente o virão? Quem aqui é judeu? ao chegar às Ilhas Malvinas e,
repreendeu forte por ter dito aquilo, Soldado Kogan, um passo à muito menos, após o início dos
dizendo: “Não me conteste, soldado”. frente... e quando mencione o bombardeios. Ao sentir-se mal,
Eddi, sem nada a perder, replicou: nome Fernandez, diga ‘Presente’”. ficava na sua trincheira e evitava ir à
“O que vai me acontecer? O senhor Assim, o judeu Kogan foi enfermaria para não ser maltratado.
vai me bater ou me pôr na cadeia?”. obrigado a usar outro sobrenome Num depoimento em seu diário
O tenente, irritado, o ofendeu com e assim substituir outro soldado pessoal, registrou: “Mesmo nas horas
palavrões. Desta forma acabou uma que sequer havia chegado ao de maior dor evitei ir à enfermaria
das várias conversas agressivas entre grupo. Fernandez não estava na para não ouvir a fala agressiva de
um soldado judeu e seu superior. lista original dos que viajariam às meu superior”.
Malvinas, e o judeu Kogan acabou
Uma situação parecida experimentou sendo seu substituto. AGRESSÕES ABSURDAS
Sigrid Kogan, também do 1º
Regimento de Infantaria. Sua Muitas vezes, as ofensas beiravam o
unidade estava ainda em formação, absurdo. Adrián Hasse, um soldado
em Palermo, e os oficiais passavam do 6º Regimento de Infantaria
com listas selecionando os soldados Mecanizada (RIMec 6), localizado
que iriam às Malvinas. Mais uma na cidade de Mercedes, comenta
vez, o fato de ser judeu foi motivo que, em meio aos bombardeios
de deboche e ódio por parte dos ingleses sobre o Monte Goat Ridge,
superiores. Os oficiais confinaram confessou a seu superior: “Um dia
todos os soldados num lugar desses o Subtenente Frinko me disse:
de agrupamento e, de repente, ‘Sabe uma coisa? Eu odeio judeus’”.
Adrián, ainda estupefato pela
observação, ousou perguntar-lhe:
1
Na América espanhola, criollo, em geral, “Por quê?”. E Frinko lhe retrucou:
designa os descendentes de europeus “Não sei, mas os odeio”.
nascidos na América. O termo era, na
época, usado como sinônimo para todo
aquele que nascesse fora de seu país de O antissemitismo não era
origem. Atualmente, o termo apresenta dissimulado e, por vezes, se
várias nuances desse significado original,
dependendo de cada país ou região. manifestava abertamente com

39 SETEMBRO 2018
ANTISSEMITISMO

extrema violência e desprezo. Essa essa postura existiu com bastante


postura antijudaica se intensificava frequência.
com o passar dos dias, acentuando-
se ainda mais quando começaram os As hostilidades incluíam insultos
bombardeios britânicos. Era como e maus-tratos físicos, sobrecarga
se os bombardeios legitimassem as de tarefas, especialmente aquelas
agressões contra soldados judeus. que eram insalubres. Jorge
Carlos Sztaynberg, soldado da
Receber encomendas de casa era 10ª Companhia de Engenheiros
excelente pretexto para despertar Mecanizada, baseada na província
a ira dos oficiais. Sergio Vainroj de Buenos Aires, lembra haver
comenta que, em junho de 1982, suboficiais especialmente nomeados
recebeu uma encomenda e o para chutar e maltratar judeus.
sargento lhe ordenou: “Traga
isso para cá”. Olhou o pacote e Havia soldados judeus que eram
desabafou: “Judeu maldito, te convocados para as sessões de
enviam encomendas, não? Como TORTURAS E “BAILES” “baile” (tortura), as vezes em
pode ser que teu sargento não receba terrenos pedregosos ou sob
nada? ”. O sargento gritava palavras Alguns soldados judeus que baixas temperaturas. “Éramos
de baixo calão e, fervendo de ódio, receberam maus-tratos nas Malvinas cinco soldados judeus e éramos
acusou Vainroj de insubordinação não se surpreenderam com a perseguidos. Às 2h da manhã nos
perante o capitão. Ele ainda “chegou violência, a intolerância e os abusos acordavam e nos torturavam apenas
a solicitar que o enviassem ao front, de poder reinantes nas fileiras do de cuecas, ceroulas e camisetas. Isto
na primeira fileira de combatentes”. exército argentino. A discriminação se realizava em lugares inóspitos, no
O soldado Claudio Alejandro Szpin, contra judeus não era diferente para campo, obrigando-nos a aplaudir
citado anteriormente, apanhou os soldados nascidos em 1962 e 1963. com cactos nas mãos, arrastar-nos
por intervir e querer defender seu Desde décadas anteriores, era hostil na lama e no chão pedregoso de
amigo Vainroj. A história de Vainroj o comportamento dos membros granito. Todos tínhamos os cotovelos
teve um final feliz, pois através da das Forças Armadas. Não podemos e pés sangrando”, lembra Gustavo
intervenção de outro superior foi afirmar que se trate de um fenômeno Guinsburg, soldado judeu da 11ª
deixado longe da frente de batalha. institucional, mas certamente Brigada de Infantaria Mecanizada,
de Rio Gallegos. Sílvio Katz também
concorda: “Durante o serviço militar
(Colimba) torturavam todos nós,
judeus, uma ou duas vezes por
semana”.

Parte dos castigos aplicados aos


judeus encontravam “explicação” na
religião, vinculando-os à acusação
de que os judeus haviam crucificado
Jesus. “Recebíamos maus-tratos, nos
chamavam de ‘judeus malditos’, e
diziam que era preciso matar-nos,
a todos. O oficial Kauffmann, dizia
que nós (judeus) havíamos matado
Jesus, e que tínhamos toda a culpa
nesta vida; éramos traidores e ele
(Kauffmann) iria me converter ao
Cristianismo. Ele me ordenava ir à
Margaret Thatcher com as tropas britânicas nas Falklands, 1982 missa. Eu ficava do lado de fora da

40
REVISTA MORASHÁ i 101

capela e escutava. Certa vez, disse-


me: ‘Você será um coroinha’. Eu
aceitei, para sua surpresa. Colocou
em mim a túnica e fui para o lado
do padre. ‘Muito bem, farei de você
um bom cristão’. E eu lhe respondi:
‘O único que fiz foi ajudar um padre,
mas continuarei sendo judeu’”, relata
Cláudio Alejandro Szpin.

O antissemitismo que pairava no


exército argentino era intenso,
inclusive com fortes ameaças de
morte e lembranças dos nazistas e
de Hitler. “Realmente não entendo
como vocês (judeus) ainda estão
aqui, pois os nazistas já deveriam ter
matado todos”, lembra ter ouvido reintegrá-los à vida normal. Vários em 17 de novembro de 2011, quando
o soldado Marcelo Laufer do 1º procuravam retomar estudos ou os soldados Szpin, Vainroj e Katz
Regimento de Infantaria. buscar trabalho. Muitos entraram em foram até Donzis e “cobraram” sua
depressão. Atualmente, estatísticas homenagem, solicitando também
Pablo Kreimer, fez um discurso demostram que, entre 1982 e realizar visitas nas escolas judaicas e
similar: “Havia um cabo que, 2012, o número de suicídios de contar suas histórias do front.
enquanto fazíamos a instrução ex-combatentes superou àquele de
militar básica, passava o dia inteiro soldados mortos em combate na Passou-se outro ano e somente em
cantando a seguinte estrofe: ‘Aí vem própria guerra. 20 de abril de 2012 esses soldados
Hitler pelo paredão, matando judeus foram finalmente reconhecidos por
para fazer sabão’. Certo dia, esse As instituições da comunidade seus atos de bravura e heroísmo. A
cabo comentou com muito orgulho: judaica não se preocuparam pelo comunidade judaica argentina pode
‘Sabia que Hitler também foi cabo?’. estado psicológico-emocional dos estar orgulhosa de ter em suas fileiras
E Laufer lhe respondeu: “Isso não soldados judeus. Entidades como judeus orgulhosos de fazer parte de
é coincidência, pois ele [Hitler] não DAIA e AMIA nem tomaram nosso povo milenar.
dava para nada melhor do que isso, conhecimento do delicado
como o senhor”. momento quando eles voltaram
para casa; muito menos da forma BIBLIOGRAFIA
O RETORNO DE Alonso Piñeiro, A., Historia de la Guerra
em que cada um deles continuou de Malvinas. Editora Planeta.
MALVINAS sua vida particular. O desinteresse Buenos Aires 1992.
comunitário provocou uma forte dor Ben Dor, Graciela, Católicos, nazis y judíos.
Em 14 de junho de 1982, o general entre os ex-combatentes judeus. La Iglesia argentina en los tiempos del Tercer
Reich. Editora Lumière. Buenos Aires 2003.
Mario Benjamín Menendez (1930- Dobry, Hernan, Los Rabinos de Malvinas.
2015) assinou a rendição argentina. Diante dessa situação, o jornalista Editora Vergara. 1ª edición. Buenos Aires
O clima entre os soldados judeus Hernan Dobry propôs ao então 2012.
era de ódio e dor pela morte de Presidente da DAIA, Aldo Donzis, Lotersztain, Gabriela, Los judíos bajo el
terror: 1976-1983. Ejercitar la Memoria.
companheiros, e sossego e alívio organizar um ato oficial para Buenos Aires 2008.
pelo encerramento de três meses de homenagear os combatentes judeus, Lvovich, Daniel, Nacionalismo y
sofrimento. reconhecendo-lhes sua bravura antisemitismo en la Argentina. Editora
Vergara. Buenos Aires 2003.
nas Malvinas. Nessa ocasião, seria
Porém, poucos imaginavam que distribuída uma lista com os dados Prof. Reuven Faingold é historiador
o sofrimento dos soldados não de cada soldado. Esse ato, no entanto, e educador; PHD em História e História
Judaica pela Universidade Hebraica de
acabara: seus correligionários, judeus não foi realizado. A campanha Jerusalém. é responsável pelos projetos
educacionais do “Memorial da Imigração
argentinos, pouco fizeram para comunitária foi retomada somente Judaica e do Holocausto” de São Paulo.

41 SETEMBRO 2018
comunidades

Judeus na Argélia FRANCESA

A vida dos judeus da Argélia mudou drasticamente no


século 19. A conquista do país pela França, em 1830, iniciara o
último capítulo da história judaica argelina. Aos poucos, os
judeus se “afrancesaram”, tornando-se cidadãos franceses.
A independência da Argélia, em 1962, marcou o fim de dois mil
anos de sua presença no país. Os judeus, em grande maioria,
foram para a França. Hoje não há judeus na Argélia.

N
ão se pode negar que houve melhoras diplomáticos que resultaram na tomada de Argel
substanciais na vida da população judaica por forças francesas. O incidente diplomático
durante o período colonial. Para eles, chamado de “pá mata-moscas”, ocorreu em 1827
a derrota otomana significara o fim do quando Hussein Dey, então governador da Regência de
sofrimento, humilhações e arbitrariedades Argel, convocou o cônsul francês, Pierre Deval, exigindo
impostas pelos Deys, como eram chamados os um posicionamento em relação à dívida francesa em
governantes da Regência de Argel, parte do Império aberto.
Otomano após 1671. Contudo, não se tornou um “mar
de rosas”, já que na Argélia francesa era profundo e Na década de 1790, o governo francês costumava
declarado o antissemitismo dos colonizadores franceses comprar à crédito trigo argelino, quase sempre através
e europeus, os colons, popularmente chamados de de duas famílias judias dedicadas ao comércio, os
“pieds-noirs”, principalmente antes e durante a 2a Busnach e os Baqri. Na virada do século, a França
Guerra Mundial. No entanto, os judeus argelinos devia aos dois fornecedores vários milhões de francos.
sempre mantiveram a imagem da França em suas Estes, por sua vez, não tinham como pagar os impostos
dimensões ideais: sua cultura, seu espírito de tolerância exigidos pelo governantes. As dívidas continuavam em
e de respeito pela liberdade pessoal. Acreditavam aberto quando, em 1818, Hussein sobe ao poder.
em sua “pátria”, embora nem sempre essas virtudes
estivessem presentes na conduta dos assuntos de Convocado, então, pelo Dey, o cônsul Deval
interesse nacional. desconversou altivamente sobre as exigências de
pagamento. Não contendo sua fúria, Hussein o golpeia
Invasão e colonização francesa no rosto com uma pá mata-moscas que tinha em mãos.
A França considerou o incidente “uma ofensa à honra
Dívidas contraídas por Napoleão na Argélia, durante francesa” e, em represália, declarou um bloqueio ao
a campanha no Egito, e não pagas pelos sucessivos porto de Argel. A resposta de Hussein foi destruir os
governos, provocaram o primeiro dos incidentes entrepostos comerciais franceses em seu território.

42
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FONTE NA PLACE DES VICTOIRES. Orã, Argélia

A tensão chegou ao ponto de não consegue, no entanto, Forças francesas ampliam as áreas
ruptura, três anos mais tarde, salvar a monarquia. Na França, de ocupação. A forte resistência
quando os argelinos atacam o manifestações e levantes culminam por parte da população muçulmana
navio francês que levava a bordo na Revolução de 1830. Após as leva a França a enviar forças
um embaixador portador de uma chamadas “jornadas gloriosas de adicionais. A retirada dos franceses
proposta de negociação para o Dey. julho”, Carlos X abdica e seu primo, da Argélia provaria ser bem mais
Carlos X, rei da França, decide Louis Philippe, é proclamado rei da difícil do que sua conquista, pois,
então adotar uma ação militar França pela Assembleia Nacional. apesar das divergências políticas
contra a Regência de Argel. Entre os membros do novo governo, dos governos sucessivos, todos
Os ataques à honra francesa não muitos eram contrários à invasão mantiveram a ocupação, que durou
eram, porém, a principal razão por da Argélia, mas uma comissão 130 anos.
trás dessa decisão. O Rei queria parlamentar concluiu que a
desviar a atenção dos franceses da ocupação deveria seguir em frente, Durante a conquista, inclusive no
impopularidade de seu governo. para manter o “prestígio nacional”. decorrer da chamada “penetração
pacífica” – quando a França expandiu
Em 12 de junho de 1830, os sua presença do litoral até as
franceses iniciam a ação áreas rurais, ao sul – os franceses
militar contra a Regência. saqueiam e massacram aldeias
Após intenso bombardeio inteiras, destruindo mesquitas e
naval, 34 mil soldados franceses profanando cemitérios.
desembarcam a oeste de Argel,
em Sidi Ferruch, e, três semanas Em 1834, a França anexa as áreas
mais tarde, em 5 de julho, conquistadas como colônia, e
tomam a cidade. determina que será administrada
O êxito da ação militar por um governo militar – o

43 setembro 2018
comunidades

Régime du Sabre. Nos anos que francês para disponibilizar mais Os judeus sob
se seguem, a Argélia se torna o propriedades. As autoridades, domínio francês
destino preferido para milhares de então, passam a confiscar terras e
imigrantes franceses e europeus, propriedades muçulmanas. Quando os franceses desembarcaram
conhecidos como colons. na Argélia, viviam no país entre
O assentamento colonial é Em 12 de novembro de 1848, a 15 mil a 17 mil judeus – estima-
realizado através de expropriação Argélia é oficialmente declarada se que 6.500 em Argel, 3.000 em
ou compra de terras a preços baixos “território francês” e, até a Constantina, 2.000 em Orã e 1.500
dos argelinos muçulmanos. independência argelina em 1962, em Tlemcen. Havia, também,
A maioria dos colons visava toda a região mediterrânea do pequenas comunidades nos oásis, ao
enriquecer através da “obtenção” país será administrada como parte Sul – os judeus de M’zab e Laghouat.
ou compra de todo tipo de integrante da França.
propriedades, principalmente terras Três “territórios civis” – Argel, Orã A conquista francesa foi bem
cultiváveis, a preços irrisórios. e Constantina – são organizados recebida pela população judaica, já
Nas décadas de 1840 e 1850, como unidades administrativas, sob que sob domínio dos Deys viviam sob
o estatuto de dhimmis. Considerados
súditos de 2ª classe, sua vida fora
marcada por muito sofrimento
e humilhação. De imediato, os
franceses abolem esse estatuto, e
eles passam a ter direitos iguais aos
muçulmanos.

Antes da chegada dos franceses, o


estilo de vida, idioma e vestuário
da população judaica eram
semelhantes aos dos muçulmanos,
mas logo a influência francesa se
fez sentir em seu dia a dia. No
plano econômico, porém, a maioria
continuou a exercer seus ofícios
tradicionais - alfaiataria, relojoaria,
tecelagem, ourivesaria. Ainda
Entrada dos franceses em Argel
havia uma pequena minoria mais
abastada, formada por comerciantes
e financistas. Esse segmento da
para incentivar esse assentamento um governo civil. Apenas o vasto população judaica foi o que mais
nas áreas rurais, a política oficial interior, árido e desértico, nunca rapidamente adotou o estilo de
da França era oferecer concessões é tratado como parte da França e vida e a cultura francesa. Assim
de terra por pequena soma, com sua administração permanece sob o que as primeiras escolas francesas
a promessa de que o governo se “Regime do Sabre”. foram abertas, em 1831, judeus
ocuparia das melhorias necessárias. mais abastados enviaram seus filhos
Os cidadãos das unidades para lá estudar. No ano seguinte,
Entre os primeiros a se assentar administrativas passam a eleger seus nas principais comunidades foram
estavam os soldados franceses, próprios conselhos administrativos abertas escolas judaicas, onde o
juntando-se a eles imigrantes das e prefeitos. Os muçulmanos, porém, idioma de ensino era o francês.
regiões empobrecidas da França, eram nomeados, e não podiam deter
Itália e Espanha, em sua maioria mais do que um terço dos assentos No início do domínio francês,
camponeses ou operários. À medida nesses conselhos. Tampouco podiam as comunidades continuaram
que cresce o número de colonos, ocupar os cargos de prefeito e vice- se autogovernando, mas essa
aumenta a pressão sobre o governo prefeito. autonomia foi de curta duração.

44
REVISTA MORASHÁ i 101

Com a anexação da Argélia a França, Como era de se esperar, a medida argelinos ficam sob o comando do
em 1848, alguns cargos foram provocou grandes atritos com as Consistório Central dos Judeus da
abolidos, como, por exemplo, o de autoridades rabínicas locais. Entre França, alçando o seu Rabino Chefe
muqadam, encarregado de chefiar as atribuições dos rabinos-chefes da França a Rabino Chefe da França
as comunidades judaicas, que foi franceses estava a implementação e Argélia.
substituído por um vice-prefeito. do “ponto de vista consistorial” entre
Nos conselhos administrativos os judeus argelinos. Isso significava Educação secular
municipais e nas câmaras de seu afastamento das ricas tradições francesa
comércios um ou dois de seus judaicas norte-africanas.
membros eram judeus. Em países muçulmanos, o objetivo
A influência do judaísmo francês da Alliance Israélite Universelle
A influência dos cresce ainda mais após 1867, quando (AIU), criada na França em 1860,
judeus franceses a França determina a extinção do era a alfabetização em francês
Consistório Central de Argel. Após das crianças judias. Mas não foi o
Após a conquista da Argélia, a essa data, todos os consistórios caso da Argélia, onde a educação
comunidade judaica francesa procura
avaliar as “necessidades” dos judeus
argelinos. Em 1842, dois judeus
franceses, Jacques Isaac Altaras e
Joseph Cohen, são incumbidos pelo
governo de ir à Argélia para estudar
o procedimento a ser adotado na
“reforma” das comunidades judaicas.
Os relatórios desses enviados
apontavam a “vontade dos judeus
argelinos de se aproximar da
civilização francesa” e continham
propostas radicais. Entre outras, a
extinção dos tribunais rabínicos,
a obrigatoriedade de frequentar
escolas sob controle do Estado,
e a proibição dos trajes tradicionais.
FALTA
A principal, e que iria modificar SINAGOGA DE MILIANA, ARGÉLIA, ÉDOUARD-MOYSE
o judaísmo argelino, era a criação
do“ sistema conciliar”, à exemplo
do que vigorava na França, com a
criação de consistórios – conselhos de crianças judias sempre ficou a
de rabinos e leigos responsáveis cargo das escolas públicas francesas.
pela administração dos assuntos Nesse país, a AIU se encarregava
comunitários. unicamente da educação religiosa.

O governo francês decide instituir A educação francesa, apesar de suas


o sistema conciliar na Argélia em vantagens, levou muitos judeus
novembro de 1845. É então criado argelinos a se afastarem do judaísmo
um consistório central em Argel e tradicional. Sua aculturação foi
outros dois em Orã e Constantina. extremamente rápida. Em pouco
Rabinos-chefe franceses tempo, adotam o francês como idioma
asquenazitas, nomeados e pagos e o estilo de vida, cultura e valores da
pelo governo francês, são enviados burguesia francesa. Para tentar frear
rabINO abraham enkaoua
para tomar conta dos consistórios. mascara, 1880 a total aculturação, foram abertas em

45 setembro 2018
comunidades

muitas cidades, escolas tradicionais forçado a abdicar. Chega ao fim o


de Talmud Torá (ensino religioso) e Segundo Império, sendo proclamada
gráficas judaicas em Argel, em 1853, e a Terceira República, um regime
Orã, em 1856 e 1880. republicano que vigoraria até 1940.

A assimilação não chega, no Adolphe Crémieux, político judeu


entanto, aos níveis do que ocorre e membro do Governo de Defesa
na comunidade judaica francesa, Nacional, assume o cargo de
pois na Argélia vai surgindo uma ministro da Justiça, que ocuparia
intelectualidade judaica, que, apesar até fevereiro de 1871. Crémieux,
de aculturada, consegue manter também presidente da AIU, era um
suas tradições. Seus membros foram defensor das liberdades universais,
os primeiros a seguir profissões e, principalmente, da causa
liberais. A proporção de judeus judaica. Como ministro, em 1870
entre tais profissões foi bem maior assina um decreto, que mais tarde
do que entre a população geral; no bairro judaico, em constantina.
ficaria conhecido como o Decreto
eles abraçaram a cultura francesa, THEODORE CHASSERIAU, 1851 Crémieux, pelo qual todos os
consumindo e produzindo arte. 35 mil judeus da Argélia são
Pressionado pelos judeus franceses, naturalizados coletivamente,
Decreto de Crémieux o governo consulta as autoridades tornando-se cidadãos franceses
religiosas judaicas argelinas sobre plenos, com todos os direitos.
A intelectualidade judaica argelina, sua posição na eventualidade de O decreto não se aplica aos judeus
assim como os judeus e os liberais uma naturalização coletiva. do Mzab e, a seguir, uma lei exclui
franceses, queria que a França Estas acabam concordando com a os judeus nascidos na Tunísia ou
naturalizasse os judeus argelinos. naturalização coletiva. Marrocos.
Em 14 de julho de 1865, um
decreto do governo abre a judeus e Na época, a França passava por O fato da naturalização coletiva
muçulmanos da Argélia o direito um período político conturbado. não ter sido estendida aos
à naturalização individual. Mas, Derrotado na guerra franco- muçulmanos – como o desejava
para se tornar cidadão francês, o prussiana, no dia 2 de setembro Crémieux – é explicado pela
indivíduo teria que abrir mão de seu de 1870, Napoleão III assina a hostilidade dos militares franceses e
estatuto religioso – ou seja, teria que rendição e, dois dias depois, é dos colonos, que recusavam qualquer
se sujeitar às leis seculares francesas concessão aos muçulmanos.
e servir o exército. É interessante
lembrar que, sob os otomanos, como O Decreto Crémieux, seguido pelas
a lei islâmica (shaaria) não tem leis de Jules Ferry1, torna o ensino
jurisdição sobre não-muçulmanos, as obrigatório e gratuito na Argélia e na
minorias religiosas eram entidades França. Esse ensino laico foi a causa
legais, podiam autogovernar-se e, mais importante do “afrancesamento”
cada minoria possuía seus próprios dos judeus da Argélia.
tribunais, onde eram julgados de
acordo com suas leis. Mais “permeáveis” às influências
francesas do que os muçulmanos,
Poucos judeus e muçulmanos se os judeus passam a se vestir como
naturalizaram. A maioria não quis europeus. E nomes franceses
renunciar a seu estatuto religioso. substituem os hebraicos ou árabes.
O “afrancesamento” dos judeus pode
1
No cargo de Ministro da Educação, ser notado no vocabulário muitas
Jules Ferry (1832-1893) tornou a escola vezes usado para marcar as etapas
francesa laica e republicana. Em 1881, da vida judaica. Utilizavam, por
torna o ensino primário gratuito; e, em
1882, obrigatório. Adolphe Crémieux exemplo, o termo “batizado”,

46
REVISTA MORASHÁ i 101

para se referir à Brit Milá, e Ademais, na própria França, no À medida que antissemitas
“comunhão”, para o Bar Mitzvá. final do século 19, o “nascimento” contumazes assumem seus cargos,
do antissemitismo político e o Caso eles passam a tomar “atitudes”
Embora mais pronunciada do que Dreyfus desestabilizaram a posição contra a população judaica. Em
na Tunísia ou no Marrocos, essa dos judeus. O antissemitismo Constantina, por exemplo, por
assimilação não chega aos níveis da político era um “mix ideológico” do decisão do vice-prefeito Émile
observada entre os judeus na França. anti-judaísmo “tradicional”, a judeu- Morinaud, pacientes judeus não
São raros os casamentos mistos; eles fobia anticapitalista da esquerda e a eram admitidos em hospitais. A
continuam sendo um grupo distinto. pseudociência das teorias raciais, que ilegalidade das medidas, juntamente
Não há uma integração com os colons afirmava ser a “raça ariana” superior à com o fato de que não tiveram
e tampouco com os muçulmanos. “raça judaica”. o apoio dos muçulmanos, levou
Essa identidade separada judaica foi à extinção, em 1902, do partido
mantida por duas fortes razões: o O Affaire Dreyfus, que teve início antissemita.
antissemitismo dos “pieds-noirs” e o na França em 1894, é um fator
sistema inerente à sociedade islâmica, incandescente na campanha anti- No entanto, conforme piora a
no qual religião e família eram os judaica na Argélia. É criado um situação econômica dos muçulmanos,
fatores determinantes de seu status notadamente na agricultura, eles
social – e não a nacionalidade formal passam a acusar os judeus de
e o comportamento cultural. Na contribuir para seu fracasso. Ademais,
Argélia, um judeu continuava sendo, a política colonial fomentava a
apenas, um judeu, e não um “francês”. oposição entre árabes e judeus.

O antissemitismo Uma das particularidades do


judaísmo argelino era o fato de ser
Com a naturalização coletiva, “quase que totalmente hermético
os judeus passam a ter o mesmo à atividade sionista”, apesar das
estatuto jurídico que os colonos, e atividades da WIZO (Organização
isso provoca uma violenta reação Sionista Internacional das Mulheres)
antissemita. Esta se deve, em grande e outras entidades no país, devido
parte, ao medo de uma quebra da à sua estreita ligação com a França.
hierarquia colonial, permitindo Essa especificidade fez com que a
que elementos “inferiores” – imigração para Israel (Aliá) sempre se
como os judeus, ou ainda pior, os mantivesse em níveis reduzidos.
muçulmanos – se tornassem parte da
classe dominante. As décadas antes da
2a Guerra Mundial
Na década de 1880 uma onda
de violência anti-judaica tomou A 1a Guerra Mundial causara um
conta da Argélia: os judeus foram antissemitismo argelino temporário apaziguamento ao
atacados em Tlemcen, em 1881; em anti-judaísmo dos colons, com a
Argel, em 1882, 1897 e 1898; em mobilização de todos os franceses,
Orã e Sétif em 1883. As agressões partido antissemita e vários de inclusive os da Argélia, judeus e não
alcançaram seu auge em 1897, em seus notórios membros conseguem judeus. Morrem em combate 2.850
Mostaganem. Até 1900, em todas as eleger-se. Entre eles, Max Régis judeus da Argélia. Mas, “a calmaria”
cidades e aldeias onde viviam foram torna-se prefeito e Édouard dura pouco – em 1921 irrompe, em
registrados saques e assassinatos; Drumont, representante parlamentar Orã, nova onda de ódio.
numerosas sinagogas foram de Argel. Drumont é autor de
saqueadas e Sefarim profanados. La France Juive. Essa famigerada Com a subida de Hitler ao poder,
É importante enfatizar que, nesse “obra”, publicada em 1886, ajudou a saudada com júbilo por muitos colons,
período, a onda de antissemitismo disseminar pelo mundo a “nova face” uma forte corrente antissemita toma
partiu dos colons. do antigo ódio aos judeus. vulto entre os “pieds-noirs”, como

47 setembro 2018
comunidades

O primeiro conjunto de leis


antissemitas de Vichy (o “Estatuto
Judaico”), aprovado em outubro de
1940, determina que a religião dos
avós definia quem era judeu. Ainda
no início daquele mês, o governo
de Vichy repudia o “Decreto
Crémieux”, sendo, portanto,
revogada a cidadania francesa de
judeus argelinos. O antissemitismo
entre os colonos franceses iria
facilitar a instauração de leis
antissemitas, aplicadas com grande
severidade na Argélia.

FAMÍLIA JUDAICA NA ARGÉLIA Os 17 mil judeus que viviam no


país, em 1940, são excluídos da vida
econômica, financeira, profissional e
testemunho da manchete do jornal O governo de Vichy passa de funções públicas. E apenas 2% do
antissemita “Le Petit Oranais”: a administrar as possessões total de profissionais liberais podiam
“É preciso colocar enxofre, piche francesas, no norte da África: ser judeus. A eles é proibido lecionar,
e, se possível, o fogo do inferno Argélia, Marrocos e Tunísia. Os bem como estudar em escolas e
nas sinagogas e escolas judaicas, judeus nesses locais são sujeitos universidades públicas.
apropriar-se de seu capital e caçá-los a leis que levam à discriminação
a céu aberto, como a cães furiosos”. política e jurídica, injustiça Em resposta, a comunidade
econômica e, em inúmeros casos, judaica estabelece e custeia seu
As campanhas contra judeus prisão, trabalhos forçados, danos próprio sistema educacional, com
resultaram, entre outros, em um físicos e morte. professores judeus. Tais escolas eram
massacre em Constantina, em
1934. A crise recrudesceu em 1936,
quando Léon Blum, judeu, torna-se
Primeiro Ministro da França.

Período do Holocausto

Em 1940, o exército francês foi


fulminantemente derrotado por
tropas nazistas. Após a Terceira
República do Marechal Pétain se
render, foi assinado um armistício
com Hitler, segundo o qual a França
seria dividida: o Norte ficaria sob
controle direto da Alemanha e,
no Sul, os alemães permitem o
estabelecimento de um governo
colaboracionista que tinha Vichy
como capital. O Marechal Pétain,
homem forte da França de Vichy,
como o novo regime é conhecido,
prega uma união entre França e
Alemanha nazista. o “chefe de estado” francês e o primeiro governo do regime de vichy

48
REVISTA MORASHÁ i 101

administradas pelos Consistório


de Argel, Orã e Constantina –
embora fossem regulamentadas pela
legislação do governo de Vichy.
Esse infame regime também procede
à “arianização” das propriedades
judaicas. Uma lei, de julho de 1941,
determina o confisco dos bens
imóveis da população judaica, exceto
suas moradias.

As autoridades coloniais prendem


e enviam para campos de detenção
milhares de judeus. Mais de 4 mil
refugiados judeus são despachados
para campos no sul do Marrocos
e da Argélia para efetuar trabalho
escravo na construção da ferrovia Casal de judeus argelinos

subsaariana. Graças a uma


combinação única de fatores Entidades e personalidade judaicas detenção e de trabalhos forçados.
políticos, militares, estratégicos e argelinas e norte-americanas Em dezembro daquele ano de
geográficos os judeus que viviam passam a pressionar para que 1942, aprisionam os jovens judeus
no norte da África não foram fossem restabelecidos os direitos argelinos que haviam neutralizado
sistematicamente assassinados e civis dos judeus. Mas, com a Argel, permitindo o desembarque
tampouco enviados para campos de cumplicidade de Robert Murphy, aliado.
extermínio da Europa Oriental. principal conselheiro de Roosevelt
para questões da África do Norte, Perante a situação paradoxal, é
A resposta de muitos jovens as autoridades francesas de Vichy iniciada uma campanha mundial
judeus foi entrar na Resistência haviam sido mantidas no poder. contra a colaboração dos Aliados
contra Vichy. Entre seus líderes E elas não pretendiam abolir as leis na Argélia junto aos membros do
estavam José e Colette Aboulker, discriminatórias, tampouco libertar regime de Vichy que haviam sido
Raphaël Aboulker, Roger e Pierre os judeus presos nos campos de mantidos no poder. Jornais, como
Carcassone, Jean Dreyfus, Jean
Gozlan e Roger Jais.

Em Argel, a Resistência, em sua


maioria judeus liderados por José
Aboulker, levou a cabo, em 8 de
novembro de 1942, a insurreição
de Argel. Os jovens conseguiram
neutralizar a capital enquanto os
americanos desembarcavam no país,
como parte da Operação Tocha (Ver
artigo na pág. 68).

Mas, ao contrário do que


acreditavam, o desembarque dos
Aliados no norte da África, em
novembro de 1942, não resultou em
uma melhoria na vida dos judeus da manchete do jornal le matin, em 19/10/1940: anúncio da promulgação do
Argélia. “estatuto judaico”

49 setembro 2018
comunidades

o The New York Times, passaram a organizações judaicas. Entre elas, a para descrever os raids realizados
pedir a abolição das leis raciais e a Federação das Comunidades Israelitas pelo exército, como “um pente
dispensa de Robert Murphy. da Argélia, reunindo 60 diferentes fino” ou um rastelo passado em
grupos comunitários. cidades e vilarejos, não poupando
Em março de 1943, Henri Giraud, nada. Durante oito anos, até a
um general do regime de Vichy A Escola Rabínica da Argélia inicia independência da Argélia em
que ocupava o posto de Comissário suas atividades em 1948; o Comitê 1962, o exército francês e os
Superior para a África Francesa, Judaico-Argelino de Estudos Sociais, colonos lutaram contra grupos pró-
afirma repudiar oficialmente o criado após a 1ª Guerra Mundial, independência. Não se sabe quantos
governo de Vichy e abole as leis retoma suas atividades nesse mesmo morreram. As estimativas vão de 300
racistas e discriminatórias. Porém ano. mil a mais de um milhão de pessoas.

Em 1954, quando o conflito eclodiu,


judeus, sobretudo nas grandes
cidades, especialmente Argel
e Orã, se viram entre duas forças
violentamente opostas. Sua posição
marginal na sociedade local os
expunha a constante perigo. No
decorrer do conflito, a estrutura
comunitária oficial argelina foi-se
desintegrando. Cada comunidade
passou a girar em função dos
costumes e tradições locais.

Quando irrompe a guerra, a


comunidade judaica não toma
partido, mantendo cautela em
assumir uma posição política. Se,
de um lado, ainda sentiam na pele
o antissemitismo dos colonos e o
bairro judeu, Orã sofrimento dos anos de Vichy, do
outro mantinham uma forte ligação
cultural e emocional com sua “pátria”.
Giraud, antissemita convicto, não Os judeus durante a
restaura o Decreto Crémieux, Guerra da Argélia Mas os nacionalistas muçulmanos
afirmando, injustamente, que ele queriam um posicionamento. No
diferenciava os muçulmanos dos O fim da presença judaica na início de novembro de 1954, a
judeus. Somente após meses de Argélia foi determinado pela FLN “convida” todos os habitantes,
uma ferrenha campanha por parte luta nacionalista argelina pela independentemente de sua religião, a
do Congresso Judaico Mundial, independência. A Guerra da Argélia lutar contra o exército francês. Dois
Congresso Judaico Norte- se iniciou em novembro de 1954, anos mais tarde, lança um apelo
Americano, Comitê Francês para a quando a Frente de Libertação específico aos “argelinos de origem
Liberação Nacional e da intervenção Nacional (Front de Libération judaica”, que “ainda não venceram
do Presidente Roosevelt, dos EUA, Nationale - FLN) lançou ataques sua consciência perturbada, ou
o Decreto é revalidado, em 20 de contra instalações militares e não se decidiram sobre que lado
outubro de 1943. policiais francesas, e iniciou uma escolher” a “optar pela nacionalidade
campanha de terror contra colonos. argelina”. A resposta da comunidade
No pós-guerra, os judeus Os franceses responderam com judaica foi: “Somos franceses, somos
reorganizam sua vida e suas prisões, torturas, bombardeios republicanos, somos liberais, somos
comunidades, criando várias aéreos e ratissages – jargão usado judeus”.

50
REVISTA MORASHÁ i 101

Nos anos que se seguiram, os


assassinatos e ataques contra os
judeus, bem como a profanação
e destruição de sinagogas por
integrantes do movimento nacional
argelino, fazem com que cada vez
mais se posicionem a favor da
França. Em 1955, o rabino de Batna
é agredido. No ano seguinte uma
sinagoga de Orã é incendiada. Dois
rabinos, um de Nedroma, em 1956,
e um de Médéa, no ano seguinte, são
assassinados.

Em maio de 1956, o Mossad executa sinagoga da rua dijon, em ruínas sinagoga de médéa, em ruínas.
uma ação de represália contra os
muçulmanos de Constantina. Era
um aviso aos muçulmanos argelinos mais temem que o ódio muçulmano Na França, a Guerra da Argélia
para não envolver os judeus em sua contra o colonialismo francês seja provocou uma verdadeira guerra
luta com os franceses. direcionado contra eles, não apenas civil entre grupos a favor e contra a
como europeus, mas como judeus presença francesa na colônia. Causou
Os temores judaicos aumentam e sionistas. Consequentemente, estragos suficientes para provocar
quando, em 18 de fevereiro de apesar da comunidade não ter o colapso da Quarta República e
1958, dois emissários da Agência adotado uma posição oficial a instalação da Quinta República,
Judaica são assassinados pela FLN. contra a independência, em chefiada por Charles de Gaulle.
Em dezembro de 1960, a grande março de 1961 uma delegação Em 1962, de Gaulle promove um
sinagoga de Argel e o cemitério do Comitê Judaico-Argelino referendo sobre a autodeterminação
judaico de Orã são, mais uma insiste que as negociações entre a argelina, que é aprovada pela
vez, profanados. E uma granada França e os grupos nacionalistas maioria da população, na França e
é lançada em uma sinagoga de incluam o reconhecimento oficial na Argélia. Finalmente, em 18 de
Boghari. O filho de William Levy, sobre a natureza francesa de sua março de 1962, são assinados os
líder judeu, é morto pela FLN. comunidade. Acordos de Évian, trazendo consigo
Em seguida, o próprio Levy é uma nova Argélia independente e
assassinado pela OAS (Organisation pondo fim a oito anos de guerra.
Armée Secrète).
Após a independência do país, todos
O reinado de terror e os judeus com cidadania francesa
contraterrorismo da FLN e decidem mantê-la. No fim de julho
OAS, em 1961 e 1962, tiveram de 1962, 70 mil judeus já haviam
consequências catastróficas. deixado a Argélia para a França e
Atentados são realizados nos bairros outros 5 mil para Israel. A França
judeus em 1957, 1961 e 1962, em tratou os judeus argelinos em pé de
Orã e Constantina. E, em junho igualdade com os repatriados não-
de 1961, Cheikh Raymond Leyris, judeus.
cantor do estilo maalouf e sogro de
Enrico Macias, é assassinado em O regime de Mohamed
Constantina por um muçulmano. Ahmed Ben-Bella, no poder
Os eventos abalaram os judeus de 1962 até 1965, manteve um
argelinos. Cada vez mais a lealdade relacionamento amigável com os
emocional e as predisposições judeus, apesar de ter aprovado
culturais são francesas. Cada vez sinagoga e mercado randon o Código de Nacionalidade de

51 setembro 2018
comunidades

década de 1990, apenas 50, todos


em Argel. Havia uma sinagoga em
funcionamento, porém sem rabino.
As demais foram desapropriadas e
usadas como mesquitas, ou caíram
em ruínas.

Desde 2005, o governo argelino


vem tentando reduzir a
discriminação contra os judeus,
aprovando uma lei que reconhece
a liberdade de credo. Também
permitiu peregrinação judaica
aos locais judaicos sagrados mais
importantes, proibida desde
Antiga sinagoga de Orã, hoje uma mesquita, sendo atualmente reformada pelo
1962. Em 2014, o Ministro para
governo argelino Assuntos Religiosos, Mohammed
Eissa, anunciou que o governo do
1963, que concedia a cidadania se apenas uma, e as converte em país promoveria a reabertura de
apenas a muçulmanos cujos pais mesquitas. A Suprema Corte sinagogas – o que nunca se tornou
e avós paternos também fossem declara também que os judeus já não realidade.
muçulmanos. estavam sob a proteção da lei.
Nesse ano de 2018, 80 anos após
Mas, após a subida ao poder Dos aproximadamente 130 mil terem sido perseguidos pelos
de Houari Boumédienne, em judeus que deixam a Argélia, após a nazistas e pelo Regime de Vichy,
1965, a situação rapidamente independência, estima-se que cerca cerca de 25 mil judeus argelinos
se deteriora. Os judeus voltam de 80% deles se estabelecem na foram declarados “vítimas do
a ser perseguidos, enfrentando França. Os judeus marroquinos nazismo” pelo governo alemão.
discriminação política e social, que viviam na Argélia e os do Vale Há muito Israel admitiu que
além de pesados impostos. de M’zab, no Saara argelino, que os judeus argelinos também
não possuíam cidadania francesa, foram vítimas do Terceiro Reich,
Em junho de 1967, ao eclodir e um pequeno grupo de judeus mas não o governo alemão, até
a Guerra de Seis Dias, a mídia argelinos de Constantina, emigram agora. Tão importante quanto o
argelina lança um violento ataque para Israel. montante em dinheiro que irão
contra Israel e os judeus. As receber, é o reconhecimento de seu
paredes das sinagogas de Argel e A Argélia adota uma atitude sofrimento. Ainda que não fossem
outras comunidades judaicas são extrema anti-Israel, dando total assassinados, os judeus argelinos
totalmente pichadas. Cemitérios apoio aos terroristas palestinos. foram privados de seus direitos e
judaicos do país são novamente Em 23 de junho de 1968, a FPLP humilhados sob as leis antissemitas
depredados. (Frente Popular de Libertação da de Vichy.
Palestina) sequestra um avião da
Após a independência, a Argélia El Al e pousa na Argélia, com a
se filiara à Liga Árabe e, em junho aprovação do governo. O avião, BIBLIOGRAFIA
de 1967, juntamente com outros tripulação e passageiros israelenses Gilbert, Martin, In Ishmael’s House:
países árabes, declara guerra a do sexo masculino são detidos A History of Jews in Muslim Lands.
Israel, enviando ajuda militar. durante semanas. E só são libertados eBook Kindle
Até a aceitação do cessar-fogo em troca de terroristas presos em Bertrand, Jean Marc, Algeria Pre -colonial
History, Colonial Era, and self-governance:
pelo Egito foi denunciada pelas Israel. Religious information, ethnic groups,
multidões argelinas. Naquele ano, government and politics . eBook Kindle
o governo desapropria todas as Em 1969, menos de mil judeus Masters, Bruce, Christians and Jews in
the Ottoman Arab World: The Roots of
sinagogas do país, excetuando- ainda permaneciam na Argélia e, na Sectarianism. eBook Kindle

52
DESTAQUE

O antissemitismo no Partido
Trabalhista britânico
POR JAIME SPITZCOVSKY

Fantasma a rondar novamente a Europa, sobretudo nos últimos


anos, o antissemitismo encontrou mais um ambiente para brotar:
a liderança do Partido Trabalhista britânico. Jeremy Corbyn,
a dirigir a oposição desde 2015, destila preconceitos, enfrenta
críticas de setores de sua agremiação e da mídia, e joga luzes
sobre um fenômeno em expansão: visões antissemitas em grupos
de esquerda.

E
m abril, Rabi Lord Jonathan Sacks, que próximo ao antissemitismo, sob o manto do chamado
foi rabino-chefe do Reino Unido de 1991 antissionismo”. Os intelectuais prosseguiram: “Embora
a 2013, falou sobre o ressurgimento do os antissionistas busquem se dizer livres de intenções
antissemitismo em solo europeu. “Ocorre antissemitas, o antissionismo frequentemente recorre às
devido à ascensão de extremismo político à calúnias do clássico ódio ao judeu”.
direita e à esquerda e devido a políticas populistas, que
manipulam os temores das pessoas, buscando bodes Na missiva, Montefiore, Schama e Jacobson apontaram:
expiatórios a serem responsabilizados pelos problemas “Acusações da conspiração judaica internacional e
sociais”, comentou Sacks em um programa de rádio da de controle da mídia ressurgiram para alicerçar as
BBC. “Ao longo de mil anos, os judeus foram atingidos falsas comparações de sionismo com colonialismo e
por serem uma minoria e porque eram diferentes, mas imperialismo”. A observação corresponde a uma precisa
é a diferença que nos faz humanos. Uma sociedade que radiografia de posições disseminadas por integrantes
não oferece espaço à diferença, não oferece espaço à de grupos esquerdistas, como a liderança de Jeremy
humanidade”. Corbyn no Partido Trabalhista.

O discurso do rabino Sacks se somou a uma Corbyn, embora se defina como um “socialista
avalanche de críticas à liderança e militantes do democrático”, não vê problemas em se aproximar
Partido Trabalhista. Em novembro do ano passado, do regime teocrático iraniano ou em elogiar os
três dos mais prestigiosos escritores britânicos fundamentalistas do Hamas ou do Hezbolá. Em 2012,
publicaram uma carta no The Times, condenando apoiou Raed Salah, líder islâmico em Israel, conhecido
atitudes racistas de integrantes da oposição britânica. por seus discursos antissemitas.
Escreveram Simon Sebag Montefiore, Simon Schama
e Howard Jacobson: “Estamos alarmados pelo fato Quatro anos atrás, Corbyn esteve numa cerimônia
de, nos últimos anos, críticas construtivas a governos na Tunísia para homenagear, com coroa de flores,
israelenses se terem transformado em algo mais terroristas responsáveis pelo assassinato de atletas

53 SETEMBRO 2018
DESTAQUE

israelenses na Olimpíada de Trabalhista não vai desaparecer? ” de diferenciar, quando a ouve, uma
Munique, em 1972. “Imagine se e argumentou: “A acusação contra crítica legítima a Israel do discurso
um político israelense colocasse Corbyn é que ele permaneceu tanto de ódio contra judeus britânicos.
flores no túmulo de assassinos que tempo nos extremos do movimento Adicione-se ao problema o fato de
mataram pessoas em Londres ou na pró-palestino que se tornou incapaz alguns dos mais vocais apoiadores
Inglaterra – como o povo britânico de Corbyn em redes sociais (...)
aceitaria isso?”, declarou Ankie frequentemente repetirem falas
Spitzer, cujo marido foi morto no antissemitas”.
atentado ocorrido na Alemanha.
Um dos maiores escândalos foi
Recentemente, um blogueiro protagonizado por Ken Livingstone,
britânico postou vídeo de uma prefeito de Londres entre 2000 e
entrevista de Jeremy Corbyn ao 2008. O político, conhecido por suas
canal iraniano PressTV, realizada posições extremadas à esquerda,
em 2011, quando o político chegou a disparar, numa entrevista
britânico afirmou que a BBC inaceitável e estapafúrdia, que Adolf
demonstra um viés “ao dizer que Hitler havia apoiado o sionismo. Em
Israel tem o direito de existir”. 2016, foi suspenso por dois anos do
Partido Trabalhista e, em maio deste
Especialista em assuntos ligados ao ano, pediu desligamento do vínculo
trabalhismo, o jornalista britânico partidário.
Stephen Bush escreveu, em agosto,
texto no The New York Times, No trabalhismo britânico, vozes
sob o título “Por que o escândalo pedem agora a saída de Corbyn da
de antissemitismo no Partido Jeremy Corbyn liderança. A deputada Margaret

54
REVISTA MORASHÁ i 101

Hodge, numa reunião do partido, dos judeus britânicos, declarou


declarou a Corbyn: “ (O problema) sobre as restrições: “A decisão
não é o que você diz, mas o que da executiva nacional do Partido
você faz, e por suas ações você Trabalhista e a mensagem enviada
já demonstrou ser um racista à comunidade judaica britânica é
antissemita”. totalmente desprezível. O dano a
ser imposto em nossa credibilidade
As principais lideranças judaicas do como partido político antirracista é
Reino Unido, em março, também responsabilidade da liderança.
se posicionaram, ao lançar uma E apenas dela”.
carta aberta, e apontaram o fato
de Corbyn se encontrar “repetidas Em sua fala recente à rádio BBC,
vezes ao lado de pessoas com visões Rabi lord jonathan sacks o rabino Jonathan Sacks observou:
descaradamente antissemitas, mas “Venho fazendo o programa
argumenta jamais ouvi-las ou lê- Pensamento para o Dia há trinta
las”. O texto acrescentou: “De forma A AIMH, se transformou numa anos, mas jamais pensei que, em
recorrente, Jeremy Corbyn fica ao referência internacional no trabalho 2018, eu teria ainda que falar sobre
lado dos antissemitas, em vez de se voltado à educação e combate ao antissemitismo”. No final, o rabino
posicionar ao lado dos judeus”. racismo. fez um alerta: “Onde houver ódio,
a liberdade morre, e é por isso que
Numa tentativa de aplacar a pressão No entanto, a direção do Partido cada um de nós, especialmente nós,
e as críticas, a liderança do Partido Trabalhista gerou novo capítulo na líderes, precisamos agir contra o
Trabalhista aceitou endossar crise ao rejeitar, até agosto, quatro poder corrosivo do ódio”.
a definição de antissemitismo dos 11 artigos da definição de
da Aliança Internacional para antissemitismo feita pela entidade
a Memória do Holocausto, baseada em Berlim. Wes Streeting,
organização criada em 1998 por deputado e co-presidente do Jaime Spitzcovsky foi editor
internacional e correspondente da
Goran Persson, ex-premiê da Suécia. grupo parlamentar suprapartidário Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim

Protesto contra o aumento do sentimento antijudaico no Reino Unido e na Europa

55 SETEMBRO 2018
shoá

O segredo de
Jacob Sztejnhauer

A família Sztejnhauer jamais poderia imaginar a importância


da participação de seu patriarca, Jacob, junto a Chiune
Sugihara e Jan Zwartendijk, respectivamente, cônsules do
Japão e da Holanda, na Lituânia, durante a 2a Guerra Mundial.
Seu papel foi fundamental no salvamento DE milhares de
judeus do Leste Europeu. A revelação dessa história mudou a
vida da família para sempre.

S. Paulo, setembro de 1995 Sem entender o que a mãe queria, Joy perguntou:
“Eu não sei de ninguém que tenha conhecido esse
No andar superior do número 648 da Rua José Paulino, cônsul. E a senhora? ”. Ao que a mãe respondeu: “Sei,
no Bom Retiro, o interfone toca, interrompendo o sim. Seu pai”. Mal sabia Joy, então com 37 anos, que ele
trabalho de Joy Sztejnhauer, que conferia a produção da e sua irmã, Michaela, estavam prestes a ouvir o relato de
fábrica de roupas femininas, que seus pais, Jacob e Básia, um segredo de família, guardado durante tantos anos...
haviam fundado anos antes. Do outro lado da linha, sua
mãe pedia que ele a encontrasse na loja, no térreo da Pano de Fundo: Vilna, 1940
fábrica. Ela tinha algo para lhe mostrar.
Após o fim da 1a Guerra Mundial, em 1918, vitoriosos,
Joy foi ver a mãe, que lhe exibiu o anúncio publicado França e Reino Unido decidiram restabelecer dois
em um jornal em iídiche, voltado para a comunidade Estados nacionais: Polônia e Lituânia. As duas nações
judaica do Leste Europeu que vivia no Brasil. Nele, um passaram a disputar um território que compreendia a
pedido para que pessoas que tivessem conhecido Chiune cidade de Vilna, ou Vilnius. Em 1920, durante a Guerra
Sugihara, cônsul do Japão na Lituânia, no início da polaco-lituana, as forças polonesas ocuparam a cidade.
2a Guerra Mundial, comparecessem a uma homenagem Quando um cessar-fogo foi assinado, Vilna estava em
a ele no clube A Hebraica, na qual estaria presente sua mãos polonesas e foi incorporada à Polônia.
viúva, Yukiko Sugihara. Chiune Sugihara havia sido
responsável por salvar 4,5 mil judeus da Lituânia1. Em 1o de setembro de 1939 estoura a 2ª Guerra
Mundial. No final do mês, de acordo com o Pacto
1
De acordo com a fundação Sugihara House, com sede em Kovno,
Nazi-soviético, pacto secreto de não-agressão assinado
Lituânia, o cônsul salvou a vida de 6 mil judeus. Entretanto, numa nove dias antes entre a Alemanha e a URSS, Vilna,
entrevista dada pelo próprio Sugihara, em 1977, e recuperada pelo juntamente com a região leste da Polônia, é ocupada
Yad Vashem, ele afirma que concedeu cerca de 4,5 mil vistos. De
acordo com a Jewish Virtual Library, ele foi o segundo na lista de pelos soviéticos. O restante da Polônia fica em mãos
não-judeus a salvar judeus na Shoá. alemãs. Em 28 de setembro, após serem estabelecidas

56
REVISTA MORASHÁ i 101

memorial DO GUETO DE VILNA

as linhas divisórias entre Alemanha e No verão de 1940, durante uma as estradas estavam bloqueadas
URSS, Stalin cede Vilna à Lituânia viagem à datcha da família (em russo, pelo exército soviético. Em 21
após concluir um pacto com este casa de campo), Básia Sztejnhauer de julho todo o território lituano,
país, assim como com a Letônia entendeu que a Guerra estava inclusive Vilna, foi incorporado à
(Latvia) e a Estônia, obtendo desses prestes a chegar à Lituânia. União Soviética, tornando-se uma
países direito a estabelecer bases das Repúblicas da URSS. Forças
militares em seus territórios. O retorno a Vilna já prenunciava os soviéticas são então enviadas à
tempos difíceis: foi feito a pé, pois Lituânia, e um governo pró-
O número de judeus que viviam em soviético é instalado.
Vilna ao eclodir a Guerra girava
em torno de uns 60 mil2. A eles De volta a Vilna, Básia soube
se juntaram milhares de judeus que o novo governo determinara
poloneses – estimados entre 12 e 20 que cada família teria sua casa ou
mil – que haviam fugido da Polônia apartamento dividido em quatro
sob domínio alemão. Os judeus partes, tendo direito a ocupar apenas
de Vilna mal podiam acreditar uma delas.
nos relatos desses refugiados sobre
o tratamento que os alemães Os Sztejnhauer, Básia, Jacob e seus
reservavam para os judeus – os maus dois irmãos, Lova e Lipman, porém,
tratos, os confiscos, os trabalhos ficaram em situação um tanto
forçados, as mortes sumárias.... melhor. O Dr. Lova era renomado
médico e diretor do hospital local,
e, por isso, a família teria direito
2
A população judaica de Vilna, em 1939,
varia entre 55 mil e 70 mil, dependendo a duas partes, sendo uma delas
da fonte. Michaela e Joy Sztejnhauer transformada em consultório.

57 SETEMBRO 2018
shoá

Naqueles dias, eram constantes as de saída que iriam autorizar


reuniões no Sindicato dos Peleteiros. os judeus a embarcar no trem
E um desses peleteiros era Jacob Transiberiano que cruzava todo o
Sztejnhauer. Num desses encontros, território soviético. O coronel avisou
no dia 30 de julho, um coronel a Jacob que estava autorizado a
da NKVD3 chegou de surpresa e emitir os vistos de saída somente
perguntou quem ali dominava os àqueles judeus que já possuíssem o
idiomas lituano, iídiche, polonês, visto de trânsito do Japão, fornecido
alemão e russo. Ainda que assustado pelo Cônsul Chiune Sugihara.
com o “recrutamento” inesperado,
Jacob se apresentou. Ao que o Durava cerca de um mês a viagem
coronel ordenou: “Amanhã, às 7h, no trem Transiberiano com destino
quero você na sede da NKVD”. ao fim da linha, Vladivostok, cidade
No dia seguinte, no horário marcado, LOVA Sztejnhauer soviética no Oceano Pacífico. De lá,
Jacob estava diante do oficial. A os judeus seguiriam para o Japão e,
partir daquele encontro, sua vida a princípio, para Curaçao, uma ilha
ganharia outro sentido. Para sempre. burocracia para deixar a Lituânia holandesa no Mar do Caribe.
era imensa. Era necessário um
A Missão passaporte, um visto de saída A bem da verdade, não era
soviético, um visto de trânsito e, necessário visto de entrada
Milhares de judeus queriam deixar finalmente, um visto de entrada no para Curaçao, mas o governador
a Lituânia, vendo os avanços dos país que os tivesse aceitado. local precisava conceder uma
exércitos de Hitler com preocupação. “permissão” de desembarque –
Além disso, a vida judaica sob os Boquiaberto, Jacob ouviu o que algo que raramente acontecia.
soviéticos não era fácil. Mas, a deveria fazer a partir daquele O cônsul da Holanda na Lituânia,
31 de julho. Ficaria sob sua Jan Zwartendijk, decidiu fornecer
responsabilidade cuidar de um dos aos judeus permissões de entrada
3
NKVD: Comissariado do Povo para pré-requisitos para que os judeus – por sua própria conta e risco,
Assuntos Internos ou Ministério do
Interior da União Soviética, embrião da pudessem deixar o país. Ele seria pois a Holanda havia sido tomada
KGB. o responsável por emitir os vistos pelos alemães em maio de 1940.
Os dizeres das permissões eram
propositadamente “diferentes”.
Neles constava que “Não é
necessário visto de entrada para
estrangeiros no Suriname, Curaçao
e outras possessões holandesas na
América”, mas era omitida a frase
“… necessitam da permissão do
Governador local”...

Como vimos acima, o visto de


trânsito do Japão era indispensável
para um judeu embarcar no trem
Transiberiano. Quando, em julho
de 1940, as autoridades soviéticas
determinaram que todas as
embaixadas estrangeiras deixassem
Kovno de imediato, o cônsul do
Japão, Chiune Sugihara, obteve
autorização para permanecer mais
Lipman, Jacob e Basia Sztejnhauer, no Uruguai algum tempo. Como relatado no

58
REVISTA MORASHÁ i 101

livro “Passaporte para a Vida”, coronel a se apresentar na sede da


escrito por sua viúva, Yukiko NKVD. “Yasha ( Jacob, em russo),
Sugihara, o cônsul passou a trabalhar não emita mais vistos. Você vai
de manhã à noite, sem parar, sair daqui acompanhado por dois
emitindo o maior número possível soldados meus. Eles vão levá-lo até
de vistos de trânsito. Jacob seguia no uma floresta. De lá, você deverá fugir
mesmo ritmo, escrevendo sem parar e não voltar mais para casa. Quanto
vistos de saída. a mim, saiba que sou judeu. Mas
não se aflija. Minha filha conhece
Salvar o maior número possível uma pessoa importante no governo
de judeus embarcando-os no trem soviético. Estou protegido. Mas se
Transiberiano era uma corrida o pegarem, os soviéticos o matarão”.
contra o relógio. O ritmo de trabalho “Então, coronel, o que fizemos até
era tão frenético, que Jacob chegou agora foi ilegal? ”, perguntou Jacob,
atrasado ao próprio casamento Chiune Sugihara já desconfiando da resposta que
religioso, celebrado no dia 13 de receberia. “Sim”, assentiu o oficial.
agosto, na clandestinidade, já que ia Jacob deixou a sala do coronel ciente
contra as leis soviéticas. A cerimônia estava marcada para de que ajudara a salvar milhares
as 20h, mas o noivo só chegou de correligionários. Mas... ele não
à 1h do dia 14. “Não podia parar. obedeceu às ordens do oficial e
Cada minuto era uma vida que eu voltou ao endereço onde vivia com
ajudava a salvar”, costumava dizer a família. Jacob e Básia, Lova e
Jacob. Lipman tinham aberto mão do
direito aos vistos para deixar Vilna,
A operação de salvamento durou a fim de que outros judeus fossem
29 dias, encerrando-se em 28 de salvos em seu lugar. Eles confiavam
agosto de 1940, quando Jacob que D’us os protegeria... Como, de
foi novamente convocado pelo fato, aconteceu.

1. Papel timbrado da Ferrovia


Transiberiana, produzido pelo
Escritório Intourist, com o caminho
da ferrovia, 1940-1941
2.Visto de trânsito emitido para
Feiga Market, em lituano, com
japonês, russo, inglês e francês.
Kaunas (Kovno), Lituânia, 1940

2.

59 SETEMBRO 2018
shoá

O gueto de Vilna Em 6 de setembro, os nazistas Em 1o de outubro, dia de Yom


ordenaram a transferência de Kipur, foram presos os judeus que
A Alemanha nazista invadiu a União todos os judeus para um Gueto, não possuíam essas permissões
Soviética em 22 de junho de 1941. estabelecido no bairro judaico. Eles de trabalho, sendo, em seguida,
Eram fortes os sinais de que os dividiram a área em Gueto Grande liquidado o Gueto Pequeno. Os que
alemães se preparavam para invadir, (I) e Gueto Pequeno (II), separados não foram assassinados durante as
porém, Stalin, iludido pelo Pacto, por um corredor “neutro”. No Gueto “ações” foram levados a Ponary e
recusou-se a crer nas evidências Grande foram trancafiados 29 mil mortos a tiros.
apresentadas por seus generais e não judeus e, no Gueto Pequeno, entre
ordenou uma mobilização militar. 9 e 11 mil. As condições de vida As “ações” nazistas pararam em
Quando a Alemanha desfechou eram infernais: o trabalho escravo, as dezembro e o gueto entrou em um
o ataque, o avanço foi rápido pelo surras, a fome, a falta de aquecimento, período de “estabilidade”. Passara
território soviético. de higiene, de medicamentos, as a ser um gueto de trabalho. Sua
epidemias, tudo era parte do dia a dia população havia sido reduzida aos
O exército alemão entrou em Vilna dos judeus do Gueto de Vilna. Até 12.500 judeus com permissões de
em 26 de junho de 1941, seguido dezembro de 1941, as matanças eram trabalho válidas e havia cerca de
pelos esquadrões da morte dos uma constante. Com regularidade, 3 mil escondidos, não se sabendo ao
Einsatzkommando. Com extrema os Einsatzkommando e colaboradores certo quantos tinham conseguido
rapidez, os alemães começam a lituanos entravam no Gueto para fugir.
pôr em prática seus planos para a realizar operações-surpresa, chamadas
“Solução Final”. Acredita-se que de Aktionen, levando milhares à de Volta aos
as primeiras execuções em massa morte em Ponary. Sztejnhauer
dos judeus de Vilna ocorreram em
4 de julho em Ponary, que ficava a Para “reduzir” o número de judeus Básia, Jacob, Lova e Lipman estavam
10 Km da cidade. Desde a chegada de forma “eficiente”, mantendo os entre os sobreviventes quando
dos Einsatzkommando até a criação que podiam trabalhar para eles, o Gueto entrou no “período de
do Gueto de Vilna, no dia 6 de os nazistas passaram a emitir estabilidade”. Continuaram vivendo
setembro, mais de 20 mil judeus permissões de trabalho (schein) aos em parte do apartamento da família,
foram assassinados. A maioria era considerados “produtivos”. Os judeus que ficava dentro do Gueto Grande,
executada a tiros, em massa, e jogada considerados “improdutivos” foram ao lado do muro. Eles contavam
em valas comuns em Ponary. rapidamente “eliminados”. com certa “proteção”, devido ao
cargo administrativo do Dr. Lova no
hospital local, como vimos acima.

Básia trabalhava com artigos de couro


e graças a esses produtos conseguiu
escapar da morte. Certo dia, estava
manipulando suas peças quando
nazistas invadiram o prédio. O oficial
que primeiro entrou onde estavam
manuseando o couro usava botas,
luvas e casaco de um couro negro
reluzente. Ao ver a produção de
Básia, seu rosto se transformou em
admiração e ele deu ordens para que
aquelas pessoas não fossem evacuadas.

Com o cerco aos judeus se fechando,


Básia, Jacob, Lova e Lipman
buscavam uma forma de fugir do
Policial lituano, colaborador dos nazistas, com prisioneiros judeus, 1941 gueto. Conseguiram convencer

60
REVISTA MORASHÁ i 101

uma mulher lituana, Stashia, que


respeitava muito o Dr. Lova e
trabalhara durante anos para a
família Sztejnhauer, a escondê-los
no porão da casa onde vivia. Mas ela
impôs a condição de não trazerem
Básia. O temor da lituana era que,
sendo mulher, Básia não seria
capaz de controlar suas emoções
e poderia revelar o esconderijo. Se
isso acontecesse, todos, inclusive
ela, seriam fuzilados. Os nazistas
consideravam crime punido com ENTRADA DO GUETO DE VILNA, C. 1941-1943
a morte esconder ou ajudar algum
judeu.
da janela, do lado de fora, do nível foram embora, sem desconfiar das
A decisão que os Sztejnhauer teriam da calçada, veria apenas madeiras presenças “indesejáveis” ...
que tomar era terrível, mas Lova empilhadas. Como viviam cercados
tinha certeza de que convenceria de lenha, eles corriam sérios riscos Em 13 de julho de 1944, após uma
Stashia a mudar de ideia – o que de morrer carbonizados, já que luta ferrenha com as forças alemãs,
de fato aconteceu. Logo após se os alemães incendiavam as casas os soviéticos entraram em Vilna.
mudarem para o esconderijo Básia se quando havia alguma suspeita de A cidade havia sido libertada. Mas,
juntou a eles. Apenas Lipman estava haver judeus escondidos. Por causa dentre todos os judeus da cidade,
em outro local. Um padre o ajudara de um desses incêndios, Stashia teve apenas uns 2 a 3 mil judeus haviam
a se esconder atrás do altar de uma de pedir ajuda aos vizinhos para sobrevivido à fúria nazista. Dentre
igreja. acionar um hidrante antigo, evitando eles, os Sztejnhauer: Básia, Jacob,
que as chamas chegassem a seu Lova e Lipman.
O período de estabilidade dentro porão e consumissem sua “valiosa”
do gueto durou até agosto de 1943, madeira (cujo real “valor” só ela Finalmente, sairam de seus
quando os alemães reiniciaram sabia). Milagrosamente, o hidrante esconderijos. Mas, enquanto
as deportações. Os nazistas enferrujado funcionou. caminham pela calçada, Jacob
“liquidaram” o Gueto de Vilna nos e Básia são surpreendidos por
dias 23 e 24 de setembro, enviando E assim se passaram meses, durante soldados soviéticos. O casal afirma
os judeus remanescentes para os os quais Jacob, Básia e Lova serem judeus. “Mentira!”, refutam
campos de trabalho na Estônia e as aprenderam a conhecer as pessoas os soviéticos. “Não sobraram judeus
câmaras de gás de Maidanek. que andavam pela calçada através por aqui! ”. Acusados de serem
de seus sapatos. Stashia levava colaboracionistas, de terem ajudado
Os Sztejnhauer, porém, haviam alimentos uma vez ao dia. os alemães, são levados a um paredão
conseguido se salvar. Básia, Jacob Os banhos aconteciam mensalmente, para serem fuzilados. Mas, devido
e Lova continuavam escondidos quando o trio era escoltado, sob o ao russo perfeito falado por Jacob,
no porão da casa de Stashia. Eles mais absoluto silêncio, para dentro conseguem se salvar, mais uma vez.
viviam em silêncio absoluto para da casa onde ela vivia com a mãe Em troca de sua vida, ele, Lova e
não despertar a atenção de vizinhos (que não desconfiava do “crime” Básia são obrigados a recolher os
e transeuntes. Para manter afastados cometido pela filha). cadáveres espalhados pelas ruas da
possíveis curiosos, Stashia ainda cidade.
espalhou nas redondezas o “boato” Numa dessas ocasiões, oficiais
de que seu porão estava infestado nazistas chegaram à casa delas Os Sztejnhauer decidiram deixar
de ratos gigantes. Habilidoso, Jacob exigindo comida e bebida. a Lituânia e recomeçar a vida em
usou a lenha que havia no porão Rapidamente, os Sztejnhauer se outro lugar. O Dr. Lova fez Aliá,
para construir um cercado em seu esconderam embaixo das camas. estabelecendo-se como médico em
interior, de modo que quem olhasse Stashia serviu os soldados, que Israel. Lipman, Básia e Jacob, após

61 SETEMBRO 2018
shoá

pelas que não conseguira salvar,


como a de seus pais e sogros. Seu
coração não aguentaria reviver
tudo aquilo, como, de fato, não
aguentou...”, revela o filho, Joy.

Voltando no tempo:
Um cônsul com alma
de samurai

Era o ano de 1940, milhares de


judeus tentavam deixar a Lituânia.
Assim que a população judaica de
Kovno ficou sabendo da possibilidade
Jacob e Basia Sztejnhauer com Sra. Sugihara de conseguir vistos de trânsito para
o Japão, aglomerou-se em frente
ao Consulado do Japão, na cidade.
deixar a Lituânia, foram para a Mas a emoção foi grande demais De centenas, a multidão chegou a
Romênia, dividindo o espaço para seu coração. Ao deixar a festa, milhares. O então cônsul Sugihara
em um vagão de trem de gado. ele disse ao filho que não se sentia foi informado de que uma delegação
Dali, seguiram para a Itália bem. Seguiram para o Hospital judaica pedia para vê-lo. Era chefiada
e o Uruguai, onde nasceu a Israelita Albert Einstein, onde por Zerach Warhaftig, que, anos
primogênita de Básia e Jacob, Ana Jacob sofreu um AVC. Anos depois, depois, foi um dos signatários da
Michaela (Anita), e, finalmente, ele gravou um depoimento, com Declaração de Independência de
se estabeleceram no Brasil, onde sequelas do AVC ainda visíveis, para Israel e se tornou Ministro dos
tiveram outro filho, Joy. Lipman o “Survivors of the Shoah”, projeto Serviços Religiosos, de 1961 a 1974.
veio com eles, casou-se com uma idealizado e realizado pelo diretor Comovido com o desespero daquelas
israelense, chamada Sharona, mas Steven Spielberg4. pessoas, Sugihara pediu autorização
não teve filhos. ao governo de seu país para emitir os
Jacob Sztejnhauer morreu em 2003, vistos – o que lhe foi sumariamente
Antes de deixar a Europa, Jacob aos 90 anos. Sua Básia faleceria em negado por três vezes.
se apossou de fotografias, provas 2014, aos 91. “Ele não gostava de
concretas dos crimes cometidos relembrar aqueles acontecimentos... Sugihara encontrava-se em um
pelos nazistas. Ele as trouxe consigo Embora tenha ajudado a salvar dilema. Ou seguia obedecendo as
e as guardou. tantas vidas, acho que se cobrava ordens que recebera de seu país,

S. Paulo, Brasil,
Com a família, Shiune Sempo Sugihara (sentado, à dir.) e a esposa Yukiko (à esq.)
20 de setembro de 1995

A noite no clube A Hebraica havia


sido maravilhosa. Pela primeira
vez, Jacob ficara frente a frente com
Yukiko Sugihara, a viúva do Cônsul.

4
De 1994 a 2002, Spielberg coletou
depoimentos de sobreviventes do
Holocausto e os disponibilizou na USC
Shoah Foundation - Institute for Visual
History and Education, inaugurada por
ele na Universidade do Sul da Califórnia,
em 1994, com o intuito de manter viva a
memória da Shoá.

62
REVISTA MORASHÁ i 101

agindo, dessa maneira, de acordo


com a disciplina e educação rígidas
sob as quais havia crescido, ou cedia
aos apelos de sua ancestralidade
de samurai, cuja filosofia milenar
ensina: “Nem mesmo um caçador
pode matar um pássaro que voa
em sua direção, buscando abrigo”.
Sugihara optou pelo segundo
caminho.

Assim, como vimos acima, de 31


de julho a 28 de agosto de 1940,
ele e sua esposa passaram horas
escrevendo e assinando vistos de Sharona, Jacob, Básia, Alter e Tova Bernstein, pais de Sharona, e Lipman Sztejnhauer
trânsito. Foram emitidos cerca de
4,5 mil vistos. Quando atingiu a
marca dos 2 mil, o cônsul parou Yehoshua Nishri. Em pouco tempo, parque havia decidido que seriam
de registrá-los e de cobrar a taxa centenas de judeus se apresentaram cerejeiras, símbolo do Japão. Mas,
oficial. No final de agosto os creditando sua vida ao cônsul de última hora, escolheram os
soviéticos fecharam o consulado. japonês. Seus depoimentos foram cedros – tanto para a árvore quanto
Mesmo assim, Sugihara continuou colhidos em todo o mundo e, então, para o bosque no parque. Por sua
a emitir vistos no quarto do hotel Yad Vashem distinguiu seus atos resistência e conotação sagrada5,
onde estava hospedado e, até de coragem. Em 1985, Sugihara e seriam uma espécie mais apropriada
mesmo de dentro do trem que o cônsul holandês Jan Zwartendijk para homenagear a bravura daquele
deixou Kovno rumo a Berlim, em foram reconhecidos como “Justos homem. O fato espantou a Sra.
1º de setembro de 1940. Quando entre as Nações”. Yukiko e seu filho caçula, já que,
o trem partiu, Sugihara ainda “Sugihara”, em japonês, quer dizer
jogava vistos pela janela e entregou Já muito doente e idoso, Sugihara bosque de cedros!
seu carimbo a um judeu, para que não conseguiu viajar a Israel para a
pudesse salvar ainda mais vidas. homenagem, enviando sua esposa Naquele dia, ficou claro que a
e seu filho caçula, Nobuki, para Hashgachá Pratit (Providência
Atualmente, calcula-se em mais representá-lo. Chiune Sugihara Divina) também homenageava
de 40 mil o número de pessoas faleceu em 31 de julho de 1986, aos Sugihara.
que devem a vida aos seus esforços. 86 anos – cinco dias antes de que o
Profissional de carreira, Sugihara Japão, por meio de seu então vice-
sofreu as consequências de sua ministro das Relações Exteriores,
escolha. Em 1945, o governo Muneo Suzuki, admitisse a grandeza BIBLIOGRAFIA
japonês o demitiu do serviço de seu ato humanitário, pedindo Entrevista  exclusiva concedida a Morashá
pelo Sr. Joy Sztejnhauer, São Paulo, julho
diplomático. Depois da guerra, a desculpas formais à família. Sua de 2018
exemplo de Jacob Sztejnhauer, ele viúva, Yukiko, morreu em 8 de Sugihara, Yukiko, Passaporte para a Vida
nunca mencionou seus feitos. outubro de 2008, aos 95 anos, em (Ed. Notícias, Portugal, 1995)
Fujisawa, no Japão. Reportagem “Cônsul violou regras para
salvar vidas”, jornal Folha de S. Paulo de 24
Apenas em 1979, seus atos de setembro de 1995
seriam lembrados por um homem Na homenagem que recebeu Site United States Holocaust Memorial
a quem havia ajudado a salvar, de Israel, Sugihara ganhou Museum, de Washington: www.ushmm.org
(“Vilna”)
uma árvore plantada no
Site Yad Vashem: www.yadvashem.org
Yad Vashem e em um bosque num (“Interview with Chiune Sugihara, recorded
parque em Jerusalém, com seu on August 4, 1977, in a Moscow hotel by
5
O cedro foi a árvore da qual se extraiu Mr. Michinosuke Kayaba, the bureau chief
a madeira usada na construção do
nome. A comissão responsável pela of Fuji TV, Moscow” e “The Righteous
Mishkan, o santuário móvel do deserto. escolha da espécie a ser plantada no Among The Nations: Sugihara Family”)

63 SETEMBRO 2018
shoá

Biblioteca Wiener, um dos


maiores acervos da Shoá

Em Londres, Praça Russel, Bairro de Camden, uma construção


em meio a tantas casas de classe média alta abriga um dos
mais antigos e maiores acervos sobre o regime nazista e o
Holocausto - a Biblioteca Wiener, criada na Alemanha em 1920
e reinaugurada na Inglaterra, em 1939, na mesma época em que
as tropas alemãs invadiam a Polônia. Soma atualmente mais de
um milhão de itens.

Assim denominada em homenagem ao seu fundador, o de itens incluindo artigos de jornais, análises inéditas,
alemão Alfred Wiener, herói da 1ª Guerra Mundial – estudos acadêmicos, fotografias e depoimentos de
condecorado com a Cruz de Ferro, a Biblioteca é fruto pessoas que testemunharam um dos períodos mais
da determinação de um homem em coletar informações sombrios da história da Humanidade. Como parte de sua
sobre o crescimento do antissemitismo no Partido agenda de atividades desenvolve uma série de projetos
Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães1, o para incentivar a pesquisa, o ensino e a divulgação de
Partido Nazista, em outros grupos alemães e no seio da fatos e dados ligados à Shoá, suas causas e consequências.
sociedade entre os anos 1910 e 1930. Foi um homem
que conseguiu antever o trágico futuro das comunidades Atualmente é, também, um elemento fundamental
judaicas sob domínio nazista e deixou seu país em 1925, no combate ao antissemitismo e a outras formas de
instalando-se primeiro na Holanda e, mais tarde, em preconceito e intolerância. Sua reputação baseia-
Londres. se principalmente na independência e objetividade
acadêmica. Tendo como público alvo pesquisadores, a
Nada no estilo arquitetônico do local revela o peso mídia e o público de modo geral, tornou-se um memorial
da história que suas paredes encerram. vivo da história da Shoá para as gerações futuras.
É internacionalmente reconhecida por estudiosos
como uma fonte singular de informação sobre Como começou
os primeiros passos do nacional-socialismo, no
continente europeu, e o seu desenvolvimento até o As origens da biblioteca, antes mesmo de ser assim
final da 2ª Guerra Mundial. Possui mais de um milhão considerada, remontam à Alemanha da década de
1920, quando Wiener retornou ao seu país ao término
da 1ª Guerra Mundial. Ele nasceu em Potsdam, em
1
Em Alemão: Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei 1885, em uma próspera família judaica. Ao término de
(abreviado NSDAP). O termo Nazi é alemão e decorre seu doutorado em Literatura Árabe na Universidade
do Nationalsozialist. de Heidelberg, trabalhou por um curto período como

64
REVISTA MORASHÁ i 101

jornalista antes de se alistar em uma continuidade de uma vida judaica Após anos tentando alertar a
unidade de artilharia. Lutou nas em território alemão. Conseguiu comunidade e, vislumbrando
frentes oriental e ocidental sendo convencer membros da comunidade o trágico futuro cada vez mais
condecorado com a Cruz de Ferro. da importância de organizar um próximo, Wiener e sua família
arquivo sobre a situação e sobre deixaram a Alemanha em 1933,
Ao retornar, em 1920, assumiu os nazistas, procurando, com instalando-se inicialmente em
a função de secretário do Grupo estas informações, combater o Amsterdã, Holanda. Levou consigo
Judaico de Direitos Civis, quando antissemitismo. Uma tarefa árdua e seus arquivos. Após a Noite dos
pôde acompanhar, horrorizado, o sem muitos resultados. Cristais, em 9 de novembro
crescimento do antissemitismo no de 1938, Wiener começou os
país baseado na perigosa alegação de preparativos para transferir sua
que os judeus eram os responsáveis coleção para a Grã-Bretanha, onde
pela derrota alemã no conflito. chegou logo após a invasão da
Passou a escrever artigos, proferir Polônia pelas tropas de Hitler, em
palestras e alertar a opinião pública, 1 de setembro de 1939. Ao longo
principalmente a judaica, sobre o da 2ª Guerra Mundial, o Escritório
que ocorria na Alemanha antes atuou como centro de informação
mesmo que o Partido Nazista para o governo britânico, que a
assumisse o poder. ele se referia como “Biblioteca do
Dr. Wiener”, nome que acabou
A partir de 1925, data em que Hitler sendo adotado posteriormente.
publicou sua famigerada “obra” Mein Wiener tinha um acordo com
Kampf, percebeu no discurso dos departamentos do governo inglês
partidários do nazismo e de outros para mantê-lo informado sobre os
Dr. AlFred Wiener em seu gabinete,
grupos a ameaça cada vez maior à na Biblioteca, 1953 acontecimentos na Alemanha.

65 SETEMBRO 2018
shoá

No entanto, a biblioteca
permaneceu anos esquecida em
um espaço alugado, mantida
graças ao apoio de patronos
judeus e um grupo dedicado
de voluntários empenhados em
conservar o acervo e atualizá-
lo constantemente. Até que,
em 2011, foi transferida
para o número 29 na Praça
Russel, uma casa restaurada
em estilo georgiano, dentro da
Universidade de Londres, dando
início a um programa patrocinado
pelo Heritage Lottery Fund cujo
Alfred Wiener, no centro, com colegas da Biblioteca, em Londres objetivo é tornar mais fácil o
acesso.

Com o fim da Guerra e a divulgação por crianças, traduções oficiais Desde a mudança, são realizadas
dos horrores cometidos por Hitler do Julgamento de Nuremberg e visitas guiadas para professores,
e seus asseclas, o Escritório assumiu depoimentos de vítimas da Noite educadores e estudantes.
mais um papel importante: ser fonte dos Cristais também fazem parte de Importante destacar que seu
de informação para o Julgamento sua coleção. Entre os acadêmicos, há acervo inclui temas ligados ao
de Nuremberg. Em seu acervo o consenso de que o acervo Wiener currículo nacional de História,
foram encontrados documentos ajudou a delinear os primeiros incluindo a ascensão do nazismo
inéditos da propaganda nazista, fundamentos para os estudos da na Alemanha, propaganda,
depoimento de sobreviventes, Shoá. Seu acervo continua a crescer antissemitismo e crimes de guerra.
artigos e livros sobre a filosofia desde então, levando à necessidade Há, também, vasto material sobre
nazista, fotos e outros documentos. de um local mais adequado à sua religião, política, estudos alemães,
Panfletos antinazistas, livros escritos importância. cidadania e artes. Propaganda

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e Genocídio, A Experiência dos


Refugiados Judeus, Resistência e
Resgate são temas de programas
especiais oferecidos pela biblioteca,
quando solicitados.

Em 2012, logo após a inauguração


das novas instalações, a Biblioteca
realizou a sua primeira exposição
aberta ao público: “A, de Adolf:
Ensinando os Valores Nazistas
a Crianças”. Como parte da
mostra, uma prateleira com livros
coloridos, um jogo de tabuleiro
com cores fortes e uma fotografia
de crianças rindo. Ao olhar mais Sua Alteza Real, a Princesa Anne, na sala de leitura da nova sede da Biblioteca
atentamente, o visitante podia Wiener

perceber que as crianças da foto


estavam ao redor de um bolo 2000, processou o escritor inglês Desde 2012 a Biblioteca Wiener
decorado com uma suástica. David Irving que afirmava que é sede do International Tracing
o Holocausto nunca aconteceu. Service, um arquivo que Anne
O jogo de tabuleiro exposto é Para ele, o acervo de Wiener foi Webber, então vice-presidente da
uma versão alemã do clássico fundamental nesse processo. Comissão para a Arte Saqueada
Parchesi, criado em Dresden, na Europa, chama de “o mais
em 1936, chamado Juden Raus! Dan Plesch, autor da obra America, importante arquivo sobre o
(Fora Judeus!), no qual vence o Hitler and the UN, afirmou Holocausto na Europa”.
jogo quem primeiro conseguir que a Biblioteca é uma fonte
caçar seis judeus fora do gueto. surpreendente de informações. Guardado por décadas pelo
Em outra estante, um jogo para Professor da Escola de Estudos Comitê Internacional da Cruz
adolescentes com fichas mostrando Orientais e Africanos, da Vermelha, o arquivo “possui tanto
rostos de líderes nazistas com Universidade de Londres, disse que importância humanitária quanto
perguntas sobre os personagens. E, ao fazer pesquisas na Biblioteca acadêmica”. Foi somente em 2007
finalmente, um lindo livro ilustrado encontrou uma declaração datada que a Cruz Vermelha permitiu o
para ensinar o alfabeto para de 17 de dezembro de 1942 dos acesso a tais documentos.
meninos e meninas no qual “A” governos britânico, americano
aparece com a explicação “Adolf ”. e soviético que parecia sugerir Atualmente a Biblioteca
conhecimento detalhado prévio Wiener mantém parcerias
“Com um acervo que combina sobre o Holocausto alertando que estratégicas com o Centro para
depoimentos, testemunhos, jornais “as autoridades alemãs estavam Educação do Holocausto
e trabalhos de pesquisadores, executando, de fato, a repetida do Instituto de Educação da
a Biblioteca Wiener tem intenção de Hitler de exterminar o Universidade de Londres,
desempenhado um papel único povo judeu na Europa”. Instituto Pears para Estudo do
para os historiadores”, disse Antissemitismo, Museu Judaico
Richard J. Evans, professor Desde a mudança de local, defendida de Berlim, European Holocaust
emérito de História Moderna pela professora Joana Bourke, da Research Infrastructure,
na Universidade de Cambridge Universidade de Londres, o número Aktion Sühnezeichen
e autor de três volumes sobre de visitantes triplicou. Ela enfatiza, Friedensdienste, Association
História do Terceiro Reich. Ele ainda, que o acervo não se limita of Jewish Refugees (AJR)
foi a testemunha principal de ao Holocausto ou aos judeus da Imperial War Museum, ITS -
defesa da acadêmica americana Europa, mas a inúmeros temas de International Tracing Service,
Deborah E. Lipstadt, que, em interesse histórico. entre outras instituições.

67 SETEMBRO 2018
história

OS HERÓIS ESQUECIDOS DA
OPERAÇÃO TOCHA
argel, manhã de 8 de novembro de 1942. Liderados por
Bernard Karsenty e José Aboulker, 377 combatentes da
Resistência anti-Vichy, praticamente desarmados, tomam pontos
estratégicos e paralisam as forças de Vichy. O levante facilita
a entrada na cidade de tropas norte-americanas da Operação
Tocha. A grande maioria dos combatentes e seus líderes eram
judeus. Esses jovens destemidos jamais receberam crédito por
sua bravura. Simplesmente foram esquecidos pela História.

O
peração Tocha é o nome da manobra Em Argel, graças à atuação dos combatentes da
militar aliada que visava o desembarque Resistência local, os Aliados tomaram a cidade com
de forças estadunidenses e britânicas facilidade, mas, por algum motivo, o episódio foi
na costa norte-africana, entre 8 e 11 de relegado a um mero rodapé na história da 2ª Guerra
novembro de 1942, e a tomada de três Mundial.
alvos-chave: Argel, Orã e Casablanca. Havendo sucesso,
os Aliados avançariam até a Tunísia. No comando da Quando textos históricos que descrevem a Operação
Operação estava o general Eisenhower, futuro presidente Tocha mencionam o “Episódio de Argel”, fazem-no
dos Estados Unidos1. As complexas preparações e os de forma sucinta como sendo um dos atos de heroísmo
detalhes da execução dessa Operação, considerada entre dos partisans franceses. O relato oficial do exército dos
as mais brilhantes da 2ª Guerra Mundial, vão além de Estados Unidos sobre o envolvimento militar de seu
nosso intuito. Mas, em linhas gerais, os objetivos Aliados país na África do Norte apenas registra que “A Argélia
eram abrir mais uma frente de luta contra a Alemanha, caiu sob controle dos combatentes clandestinos da
aliviando, assim, a pressão que os soviéticos estavam Resistência francesa à época em que se iniciaram os
sofrendo; expulsar as tropas do Eixo do continente desembarques”.
norte-africano e consequentemente controlar o Mar
Mediterrâneo, preparando o terreno para uma invasão Mas esses relatos e praticamente todos os demais deixam
no sul da Europa, em 1943. de fora um aspecto crucial sobre o Coup d’Argel. Não
apenas 315 dos 377 combatentes da Resistência eram
judeus, entre quais os seus líderes, mas eles estavam
motivados a lutar precisamente porque, sendo judeus,
Dwight David “Ike” Eisenhower - Comandante Supremo
1

das Forças Aliadas na Europa, comandou e supervisionou a estavam sendo perseguidos e discriminados e lhes
invasão do Norte da África durante a Operação Tocha, entre haviam sido retirados todos os seus direitos.
1942 e 1943. Logo depois, assumiu o planejamento da invasão
da França e da Alemanha entre 1944 e 1945, no Fronte O movimento de Resistência a Vichy na Argélia era,
Ocidental. portanto, em seu cerne, um movimento de resistência

68
REVISTA MORASHÁ i 101

Convés de pouso do USS Santee, com bombardeiros SBD-3 e aviões de caça F4F Wildcat destacados para a Operação Tocha,
no Norte da África, nov. 1942. No piso do deck, informações de alvo escritas a giz

judaica. Podemos encontrar esta Resistência na Argélia em seguida severas medidas


informação apenas em alguns livros discriminatórias anti-judaicas
da História e em sites de museus Em outubro de 1940 o governo (Ver artigo à pág. 42). Mas, entre
judaicos sobre a Shoá, mas ainda colaboracionista de Vichy na os judeus, havia muitos que
assim de forma bem sucinta. Argélia anulou a cidadania francesa não estavam dispostos a aceitar
dos judeus argelinos, instituindo passivamente as perseguições e a
No entanto, ainda que o Levante violência. Entre os que se filiaram
do Gueto de Varsóvia e outras à Resistencia havia vários oficiais
lutas da Resistência Judaica, na do Exército francês – jovens
Europa nazista, tenham tido maior com treinamento militar que
importância política e psicológica, haviam lutado pela França antes
especialmente no sentido de da rendição do país à Alemanha,
ajudar a refutar a imagem de e que o Regime de Vichy
“passividade” dos judeus, o Coup desmobilizara por serem judeus.
d’ Argel foi o que mais ajudaria a
mudar o curso da guerra. E foi, Encabeçavam a Resistência
também, o único movimento de argelina vários membros da família
resistência judaica que salvou a Aboulker: Henri Aboulker,
vida de soldados aliados. Como professor na Universidade da
escreveu Léon Poliakov, gigante Argel e herói de guerra;
entre os historiadores franceses que seus filhos José e Colette;
trataram da 2ª Guerra, “O papel Dr. Raphaël Aboulker e seu irmão
do pequeno grupo de Aboulker foi Stéphane; e Bernard Karsenty,
extremamente decisivo na Guerra, primo de José Aboulker. Cultos e
em momento especialmente crucial”. Dwight David “Ike” Eisenhower financeiramente bem-sucedidos,

69 setembro 2018
história

militar, Henri d’Astier iria ser


uma das peças-chave da rebelião.
Ele era um dos membros do
“Comitê dos Cinco”, criado em 1941
por figuras importantes no governo
da Argélia Francesa. Apoiavam o
regime de Vichy, mas odiavam os
nazistas.

Em agosto, Roger Carcassonne


reúne-se com José Aboulker, em
Argel. Os dois concordam em
estreitar os contatos e tomar as
providências necessárias para
preparar a luta armada.

Aliados traçam
os planos

Depois que os Estados Unidos


entram na 2ª Guerra, logo endossam
Um jipe ​​sai de um barco de desembarque, durante a Operação Tocha
os planos britânicos de invadir o
Norte da África.
os Aboulker ocupavam lugar de Na cidade de Orã, a Resistência
destaque na comunidade judaica de havia sido organizada por Roger Nos meses de setembro-outubro
Argel, e eram muito atuantes nas Carcassonne e seu irmão Pierre, de 1942, o presidente Franklin
organizações comunitárias. primos de José Aboulker. Roger D. Roosevelt nomeia Robert
passa a desviar fundos de sua Murphy seu Representante pessoal.
Em Argel, os primeiros passos da empresa para custear o movimento. Assumindo também o cargo de
Resistência foram dados no clube Em março de 1941, um amigo o Cônsul dos EUA na Argélia, ele
esportivo chamado Géo Gras apresentou a Henri d’Astier de tem como missão secreta determinar
onde foi criada uma organização la Vigerie. Oficial da inteligência o estado de espírito das forças
de defesa que incluía cerca de francesas de Vichy e fazer contato
250 jovens judeus. Para melhor com elementos que pudessem apoiar
encobrir suas reais atividades, os uma futura invasão aliada na África
jovens chegaram até a contratar um do Norte. Murphy foi bem-sucedido,
técnico não judeu, que não tinha recrutando vários oficiais franceses.
a menor ideia do que realmente Entre eles, o general Charles
acontecia naquele clube. Divididos Mast, comandante-em-chefe francês
em pequenos grupos, os jovens na Argélia. Conseguiu também o
começaram a sair em defesa de apoio do “Comitê dos Cinco”. Além
judeus atacados e a executar de Astier de la Vigerie, o tenente-
manifestações de resistência em coronel Germain Jousse também
pequena escala. Sinais de “V”, mantinha contato com a Resistência.
de Vitória, surgem nas paredes,
da noite para o dia, seguidos por Uma reunião clandestina foi
pôsteres contrários a Vichy. As realizada em Cherchell, na Argélia,
notícias que recebiam por rádio na noite de 21-22 de outubro de
de Londres eram transcritas em 1942. Nessa ocasião foram traçados
panfletos clandestinos. E nas docas os planos para o desembarque norte-
ocorriam atos de sabotagem. JOSÉ Aboulker americano e a rebelião em Argel.

70
REVISTA MORASHÁ i 101

Estavam presentes na reunião, entre Exército de Vichy, tomar o


outros, o general Charles Mast e porto, paralisar as comunicações
Henri d’Astier de la Vigerie, do e tomar edifícios considerados
lado francês, e o general Mark W. importantes, inclusive a
Clark – um os comandantes seniores residência oficial do governador.
de Eisenhower. Bernard Karsenty Eles teriam, porém, que
era o único judeu. O general Clark enfrentar forças militares
desembarca de um submarino superiores e bem armadas:
britânico, trazendo consigo uma mais de que 11 mil soldados
carabina que foi entregue a Karsenty das tropas de Vichy, mais 2 mil
com promessas de que estavam por integrantes da milícia da Ordem
vir mais metralhadoras, granadas e Legionária e várias centenas
outros. de fascistas do Partido Popular
Francês (PPF).
As promessas de armamentos
nunca se concretizaram, mas os Na última hora, para piorar a
conspiradores estavam irredutíveis. situação dos rebeldes,
Eles iriam adiante com os planos. metade deles não aparece.
Dominariam a cidade, prenderiam Muitos deram para trás ao
os generais, almirantes e prefeitos de perceber que a luta ia ser
Vichy, cortariam as comunicações totalmente desproporcional e
com o mundo exterior e que as armas prometidas não
imobilizariam milhares de soldados haviam chegado. Somente 377
franceses em seus barracões. Depois, rebeldes, dos quais 312 eram judeus, Ruff e quinze homens ficam em
era só entregar Argel aos Aliados. estavam prontos para iniciar o coup. controle da central da Companhia
Nem que tivessem que fazer isso Telefônica.
com facas, pistolas e antiquados Conforme os planos acertados
rifles do século 19, o que de fato em Cherchell, às 0 horas de 8 Entre outros que também se
aconteceu... de novembro, apesar de estarem destacaram naquela noite estavam
praticamente desarmados, os um grupo de alunos do Lycée
A noite de sábado combatentes atacam. José Aboulker Ben Haknoun, guiados por um
conseguira formulários em branco cadete, chamado Pauphilet. Eles
No dia 7 de novembro de 1942, a assinados pelo general Mast, haviam cercado a Villa des Olives e
BBC transmite a ordem codificada: nos quais havia datilografado capturado o general Alphonse Juin,
«Alô, Robert... Franklin chegou». autorizações para que tomassem de comandante-em-chefe das forças
Era a senha decidida em Cherchell assalto os edifícios públicos. Alguns francesas na África do Norte. Com
para confirmar o desembarque de ônibus velhos os levariam ao teatro ele também foi preso o Almirante
soldados norte-americanos nas de operações. François Darlan, o segundo na
praias perto de Argel. hierarquia do regime de Vichy,
Eles conseguem neutralizar todos que, coincidentemente, estava na
A Resistência recebe o aviso via os centros de comando civil e Argélia.
transmissor de rádio instalado na militar de Argel. Os grupos sob o
casa de Henri Aboulker, que se comando de Henri d’Astier de la Para surpresa deles próprios,
havia tornado o quartel-general dos Vigerie e José Aboulker tomam esse bando de jovens combatentes,
combatentes na noite de 7-8 de alvos-chave, incluindo a Delegacia munidos de garra, coragem e
novembro. Central de Polícia, o quartel do 19º iniciativa, teve sucesso.
Corpo Militar, estações de rádio e a Às 3 da manhã de domingo,
De acordo com o plano original residência do governador. Maurice a cidade de Argel estava em
haveria ao menos 800 combatentes Hayom, um jovem advogado, lidera mãos dos insurgentes. Não
divididos em grupos. As ordens o grupo que tomou o Palais d’Été, menos surpreendente foi o fato
eram neutralizar a 19ª Tropa do sede do governador geral. Paul de conseguirem manter sua

71 setembro 2018
história

supremacia durante mais cinco horas da França na região, ele garantiria a aprisionados por aqueles a quem,
cruciais, facilitando às tropas aliadas cessação das hostilidades e o acesso horas antes, tinham imobilizado para
a entrada na cidade, algo que não irrestrito dos Aliados ao Marrocos e ajudar as forças invasoras...
acontecera em Casablanca e Orã. Argélia. Os Aliados teriam assim o
caminho livre para atacar os alemães Um desses combatentes judeus,
Os insurgentes tiveram que fazer na Tunísia. Murphy e o general o Dr. Paul Molkhou, que, à época,
de tudo para manter as posições por Mark Clark, aceitam a proposta e os tinha apenas 19 anos, recorda o
mais tempo, pois houve atraso das combatentes da Resistência depõem momento quando, após a situação
forças aliadas na chegada a Argel. as armas. Quinze horas após o início ter virado e os homens de Vichy
O tenente-coronel Jousse e o general da invasão, a cidade de Argel estava estarem de novo no comando, um
Mast tiveram que ir ao encontro da em mãos dos Aliados, e, três dias dos altos oficiais que ele mantivera
34a Divisão de Infantaria, instando- depois, o Marrocos e toda a Argélia. sob custódia prometeu vingança.
os a apressar a entrada na cidade, Molkhou nunca iria esquecer-se “do
onde as forças de Vichy estavam E o que significou para os judeus rosto enfurecido do Secretário Geral
recuperando o controle. o acordo fechado pelos norte- do Governo de Vichy, ao lhe dizer:
americanos com Darlan, que ‘Você é um terrorista gaullista; você
No início da tarde, as forças Roosevelt chamou de “recurso será julgado e fuzilado’”. Poupado do
de Vichy haviam conseguido temporário”? Com o explícito pior, Molkhou foi preso na infame
reconquistar os pontos neutralizados endosso norte-americano, os prisão Barbarossa de Argel, junto
durante a noite. Tentam, então, fascistas de Vichy reteriam o poder com uma dezena de camaradas.
impedir o avanço dos soldados na região. Argel continuaria em
norte-americanos despachando mãos de Vichy. Os americanos As autoridades militares norte-
as tropas para o Leste. Não tampouco protegeram os corajosos americanas, já em controle de Argel,
conseguiram. O capitão Guy partidários judeus e não judeus defrontavam-se com perguntas
Pillafort e seus 47 companheiros, da Resistência argelina contra cruciais: o que fazer com as centenas
após se terem apoderado de as ameaças de retaliação feitas de conspiradores judeus que haviam
inúmeros pontos vitais na pelos oficiais de Vichy. Uma vez arriscado a vida para apoiar a invasão
cidade, haviam erguido barreiras, concretizado o acerto com Darlan, aliada e a quem os homens de Vichy
impossibilitando qualquer circulação. muitos dos combatentes foram viam como traidores? O que fazer
Mas, perderam seu capitão, que foi com os milhares de judeus – e outros
abatido mortalmente. antifascistas – que definhavam nos
campos de concentração de Vichy
Nesse ínterim, Robert Murphy e com as dezenas de milhares
se dirigira à residência do general de outros judeus que se tinham
Juin, levando uma mensagem do tornado apátridas devido às leis
Presidente Roosevelt que lhe dizia discriminatórias do marechal Pétain?
que ordenasse a rendição e se
juntasse aos Aliados. Juin respondeu A resposta dos oficiais norte-
dizendo que a mensagem devia ser americanos na Argélia, endossada
entregue ao Almte. Darlan. por seus superiores em Washington,
Apesar de ser colaborador dos era curvar-se à conveniência
alemães, Darlan era, sobretudo, da situação. Manter o status-
um oportunista que rapidamente quo facilitava a vida dos aliados
reconhecera que a invasão poderia interessados em prosseguir a luta
mudar a balança de poder na África contra os alemães, mais do que em
do Norte. Assim sendo, propôs um resolver “questões locais”, apesar
trato: em troca do reconhecimento de seu comprometimento com
de seu status como Alto Comissário a liberdade dos povos. Contudo,
francês para a África Ocidental e seria um erro alegar que não havia
do Norte, e comandante de todas as pessoas contrárias a essa visão
forças terrestres, marítimas e aéreas COLLETE ABOULKER no Departamento de Estado

72
REVISTA MORASHÁ i 101

dos EUA. Alguns diplomatas na


Argélia odiavam o jogo duplo e a
desonestidade que caracterizavam
a política pós-Operação Tocha
dirigida aos judeus e outros partisans
anti-Vichy.

Para os judeus, as consequências


foram paradoxais e dramáticas.
A Argélia estava em mãos aliadas,
mas as leis nazistas anti-judaicas
continuavam vigorando. Em 15 de
novembro, o general Giraud ordena
o alistamento dos jovens judeus, mas
apenas nos batalhões de trabalho,
onde não poderiam portar armas.
As crianças judias continuaram
proibidas de frequentar os colégios,
assim como os profissionais judeus Tropas americanas entraram em Argel em 1942
não tinham permissão para exercer
a profissão. Mais de mil judeus
estavam em campos de detenção, (OSS)2 salva-lhes a vida. Arthur os prisioneiros, libertados. Com isso,
juntamente com republicanos Roseborough, que dirigia a OSS as medidas anti-judaicas foram, aos
espanhóis, nacionalistas argelinos e na Argélia, vai, então, a Robert poucos, desaparecendo.
comunistas. Todos eram sujeitos a Murphy, pedindo sua ajuda para
trabalhos forçados, fome, tortura e libertar o grupo. “A honra americana Terá valido a pena? O golpe de
morte. está em jogo”. “Velho amigo”, Argel foi a vitória mais subvalorizada
responde Murphy, “se você não tem da 2a Guerra Mundial. Mas,
Ao entardecer de 24 de dezembro nada melhor a fazer na África do diferentemente de seus irmãos judeus,
de 1942, o jovem Fernand Bonnier que se preocupar com esses judeus que, seis meses depois, levantar-
de La Chapelle, de 20 anos, atira e comunistas que nos ajudaram, se-iam em Varsóvia, os membros
no almirante Darlan, em Argel, por que não aproveita e volta para da Resistência na Argélia não
matando-o. O jovem é executado. casa?”... escolheram morrer como mártires
Giraud assume a posição de Darlan para não serem exterminados.
como Alto Comissário. Colette Aboulker conseguiu escapar Os judeus da Argélia lutaram
da prisão e também entrou em bravamente ao lado dos Aliados pela
Antissemita convicto, ele e os contato do Robert Murphy, que França e pela liberdade, e ajudaram,
fascistas que o cercavam decidem nada fez. Mas ela também falou valentemente, a derrotar o Terceiro
livrar-se, de uma vez por todas, dos com jornalistas ingleses, na Argélia. Reich.
judeus participantes na Resistência, O Primeiro Ministro Churchill
pois os resistentes não judeus já já havia escrito diretamente a
estavam em liberdade. Mandou Roosevelt em 9 de dezembro, BIBLIOGRAFIA

prendê-los, entre eles José Aboulker mostrando sua inquietação com o Artigo de Jacques Karoubi “L’opération
Torch et l’action de la résistance juive à
e seu pai, enviando-os para um fato de que organizações fascistas Alger” publicado no site
local remoto no deserto onde continuassem ativas na Argélia, www.judaicalgeria.com
seriam executados. Mas, à última enquanto simpatizantes dos Aliados Artigo de Sidney Chouraqui
“L’Opération “Torch” – Alger 8 nov 1942”
hora, a intervenção de agentes do eram presos. Finalmente, em vista Artigo de Robert Satloff “The Jews Will
Gabinete de Serviços Estratégicos da preocupação internacional com a Have to Wait” publicado no site www.
questão e a substituição do regime mosaicmagazine.com . Robert Satloff
é o diretor executivo do Washington
2
Operação clandestina de inteligência de Giraud pela França Livre de De Institute for Near East Policy e o autor
americana além-mar. Gaulle, os campos foram fechados e de diversos livros no Médio Oriente

73 setembro 2018
cartas REVISTA MORASHÁ i 93

Vinte e cinco anos da revista Morashá difundindo


o judaísmo. Muito mais do que parabéns, um
agradecimento pelo belo trabalho e o prazer de ler
e curtir o conteúdo de cada edição. Para mim são
100 edições de qualidade editorial, não só pelos
artigos como também pela excelência da edição. Mas,
certamente, todas as borbulhas do champanhe dQe
100 edições devem ser brindadas para a competente
equipe da publicação. Nunca é demais... Parabéns.
Max Nahmias
Rio de Janeiro - RJ

Minha coleção da revista Morashá, Recebemos a edição dos 25 anos da Parabenizo os envolvidos na
após a encadernação, ficará na Morashá. Está maravilhosa, rica em publicação da revista Morashá,
Biblioteca da Sinagoga de Passo matérias do interesse judaico e sionista. pelo esforço, carinho e elegância
Fundo, para estudo e pesquisa. Parabéns pelo único e fantástico nas publicações. Talvez vocês não
Jaime Freitag
trabalho em prol do nosso povo e mensurem o impacto e mudanças
Passo Fundo - RS tradições. Um grande Yeshar Koach. na vida das pessoas que folheiam
Suzy e Osias Wurman a publicação.Lembro-me que vi a
Sempre recebo a Morashá em minha Cônsul Honorário de Israel revista pela primeira vez na Biblioteca
casa, e é com muito prazer que leio e Rio de Janeiro - RJ do Centro Cultural de São Paulo.
aprecio cada edição. Tenho uma coleção Chamou-me atenção, de imediato, a
bem vasta desta excelente revista e as Sinto-me muito privilegiado e extraordinária capa, mas quando vi o
reportagens me são muito caras. abençoado por D’us por ser um dos conteúdo tornou-se amor à primeira
28.750 recebedores desta revista que vista. Por incrível que pareça, ontem,
Maria de Fátima Falcão completa sua 100ª edição. Com
Tocantins - to no Centro Cultural, deparei-me com
certeza, devem ser mais de 100 mil a edição nº 100 de 25 anos. Fiquei
leitores, pois quem a recebe, assim emocionado.
Conheci o site www.morasha.com.br
como eu, compartilha seus artigos com
após pesquisar sobre costumes judaicos João Antonio dos Santos
um círculo de amigos e admiradores
antigos. Gostei bastante de um artigo São Paulo - SP
do judaísmo, da cultura e sabedoria do
sobre a Sinagoga Judaica. Quero
povo do livro. Parabéns a toda a equipe Em 1960, ano do meu barmitzvá,
parabenizá-los pelo conteúdo muito
Morashá, que brinda seus leitores com assisti ao filme “O julgamento
enriquecedor.
este primor de revista. Que D’us possa do Capitão Dreyfus”. Foi um dos
Sávio Freitas multiplicar mil vezes mais edições e
Acre - ac meus primeiros contatos com
leitores. filmes abordando o antissemitismo,
Recebo a edição 100 da Morashá Tiago S Bithencourt e que me marcou. Cumprimento a
e, emocionada, envio nossas
Por e-mail revista Morashá pela matéria
congratulações à Equipe. Nós também Com grande gratidão escrevo para sobre o Capitão Dreyfus. Se a França
somos muito gratos pelo trabalho tão agradecer o envio das revistas. Fiquei da época de Dreyfus estava dividida
elucidativo e histórico, riquíssimo em muito feliz ao receber esta 100ª entre forças reacionárias contra os
informações, de textos bem elaborados edição… seu conteúdo está precioso, judeus e os republicanos liberais a
por profissionais capacitados e fotos. aliás, como sempre tem sido com a favor, atualmente, lamentavelmente,
Temas diversos e pesquisas que nos Morashá nestes 25 anos. Todá rabá. verifica-se que naquele país o
enriquecem e ensinam muitas coisas antissemitismo perdura, fazendo
Marcelo Martins
que ignoraríamos não fosse pelos envios Por e-mail com que muitos judeus franceses
destes 25 anos da revista. Morashá é abandonem a França e rumem para
uma revista que não se descarta nunca. Recebi e agradeço a Morashá 100, Israel. Espero que esta
Precioso patrimônio da nossa Herança excelente documento histórico e matéria abra os olhos de muitos
Espiritual, é orgulho de nossa colônia! cultural, do judaísmo e da vida. antijudeus.
Shelly Rasel Salfatis Ilson Enk Isaac Menda
São Paulo - SP Porto Alegre - RS Porto Alegre - RS

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REVISTA MORASHÁ i 101

Quero lhes felicitar por chegarem Parabéns, mil parabéns pela edição 100, Informamos o recebimento de doação
aos 25 anos. De vossa revista podemos e pelos 25 anos de dedicação e trabalho. de exemplares da revista Morashá
ler artigos que podem nos interessar Achei interessante e bem bolada a linha 25 anos (edição 100, jun. 2018).
mais ou quem sabe menos, mas todos do tempo, e todos os artigos excelentes: Reconheço a importância dessa doação
têm um nível fantástico. Na edição “A Torá e os Profetas”, “Os 25 anos para a atualização e enriquecimento
nº 100 da Morashá li com atenção o da Lista de Schindler” e “Kissinger: do acervo da biblioteca Pública do
artigo sobre “A Lista de Schindler”, a libertação de Ahlem”. Esse, em Espírito Santo.
um filme que moveu o piso embaixo particular, me deixou de queixo caído, Ana Maria da Silva
de nossas existências. Sou da primeira não podia imaginar. Meus sinceros Gerente do Sistema Estadual de Bibliotecas

geração pós-guerra, meus pais se votos que vosso empenho e dedicação Públicas do Espírito Santo
Diretora da Biblioteca Pública Estadual do
conheceram já na América do Sul. durem por muitos e muitos anos. Sem Espírito Santo
Minha mãe saiu de Viena depois do a Morashá o judaísmo do Brasil ficaria Vitória - ES
Anschluss, e como meu avô não tinha bem mais pobre.
se naturalizado austríaco por ter Rafael Cohen
A Morashá permite que eu continue
documentos poloneses foi enviado a Rio de Janeiro - RJ aprendendo e ensinando a cultura do
um campo de trânsito na fronteira nosso povo.
com a Polônia, de onde pôde sair para Parabenizo toda a equipe e comunidade Audrei Pina
a América do Sul, pois um cunhado pelos 25 anos e 100ª edição de Recife - PE
havia conseguido 16 vistos. Morashá.
A família completa pôde chegar aqui. Parabenizo a todos os Diretores,
Victor Leon Ades
Minha mãe foi entrevistada pela São Paulo - SP· funcionários e colaboradores da
Fundação de Steven Spielberg por Morashá pela expressiva marca
ter sobrevivido à guerra... Eu levo Tenho a alegria de ser assinante da atingida com a edição nº 100! É um
em mim cicatrizes que meus pais Morashá. Esta 100ª edição está orgulho ser leitor da revista e desfrutar
me transmitiram e sinto a 2ª Guerra absolutamente perfeita. Parabéns. do conteúdo sempre muito interessante.
Mundial como uma página aberta. A qualidade é outro predicado, com sua
Marcelo Kalfelz Martins
Há cinco anos me armei de coragem e São Paulo - SP apresentação sempre ao melhor nível.
viajei para a Alemanha, ir a Dachau foi Gilberto Guelmann
uma ferida que se abriu... A esposa de Nosso agradecimento pelo recebimento Curitiba - PR
Schindler, Helen, vivia na Argentina regular da revista Morashá, de
e a B’nai B’rit e outras instituições Nós, da Biblioteca Pública Municipal
relevantes temas históricos do povo
judaicas a ajudavam financeira e de Salto, agradecemos a gentileza de
judeu e textos de grande importância
psicologicamente. Ela tampouco foi nos enviarem a revista Morashá.
para pesquisa e consulta na nossa
abandonada por seus Schindlerjuden e Biblioteca. Carlos Eduardo Chagas Lima
por aqueles que já sabiam, de antes do Biblioteca Pública Municipal
Aruza de Holanda Salto - SP
filme, quem ela era. Ela também tinha Coordenadora
ajudado judeus a escapar. Obrigada por Biblioteca Instituto Ricardo Brenand A revista Morashá é maravilhosa,
este artigo. Recife - PE
acho que não tem igual. Muito, muito
Eva Sondermann obrigada.
Montevidéu, Uruguai Morashá é uma linda revista cujos
temas judaicos me permitem seguir a Ivette Kabani
Jerusalém - Israel
Parabéns pela edição Morashá 100. tradição. Parabéns.
Excelentes matérias e artigos. Ricardo Teruchkin Não posso lhes contar a quantidade
Semy Glanz
Curitiba - PR infinita de conhecimento que a revista
Rio de Janeiro - RJ Morashá me ofertou durante os anos
Parabéns à bela revista Morashá que
em que a recebi, um tesouro que eu
completa um quarto de século. Kol Tuv.
Meus sinceros parabéns pelos 25 anos e devorava com muita atenção.
100 edições de Morashá. Ivo Koschland Com profunda gratidão, enviei-lhes um
Jerusalém - Israel
Cada exemplar desta revista é uma obra exemplar do meu romance, “Marrana!
de arte que enriquece nossa cultura. Essa revista é tão boa, que merece ser Amor e Intolerância em Tempos de
Maravilhosa. lida e guardada para a posteridade. Inquisição .
Hans Freudenthal Fernando G. Oliveira Kátia Pessanha
Por e-mail Belo Horizonte, MG Paulínia - SP

75 SETEMBRO 2018

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