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1 – INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo situar o problema do ser-para-a-morte em Martin Heidegger
na perspectiva de uma investigação fenomenológica e existencial, onde pretendemos abordar os
conceitos heideggerianos de Dasein, com seus modos de ser, (ser-de-angústia, ser-de-projeto e
particularmente, ser-para-a-morte), com seus conceitos existenciais (Heidegger não se vale do
termo conceito para os modos de ser do ser-ai, em suas abordagens, mas existenciais),
determinado pela real possibilidade de finitude, que pode ser um caminho de encontro da
autenticidade e também os conceitos de ser-no-mundo e ser-com-outro.
Nosso propósito é abordar o pensamento heideggeriano a partir de Ser e Tempo,
considerada a principal obra de sua primeira fase, no qual procuramos fazer uma leitura do ser-
para-a-morte, entendida como uma possibilidade inevitável que permite que o existente possa
projetar-se e abrir-se a uma existência autêntica.
O ser-para-a-morte sabendo que a morte existe, vive intensamente, enfrentando a angústia
e assumindo a construção da vida de forma autêntica, pensando sobre os acontecimentos e
projetando-se no tempo sempre em direção ao futuro, com um olhar crítico sobre sua existência. E
dizer, compreendendo que a angústia que o faz desperto para a possibilidade real da morte,
entendida em seu caráter verdadeiro, como a última possibilidade de realização efetiva do homem,
como completude da existência humana, quando tudo acaba e que sua existência não mais existe,
permite que ele construa uma vida de forma autêntica, liberta para a possibilidade de uma existência
como ser-no-mundo que vai levá-lo para a morte como um ser-de-projeto que é.
Fosse de forma inautêntica, o ser negaria a morte e a colocaria como algo distante, fugindo
da angustia e recusando-se a refletir sobre os acontecimentos, mantendo-se como parte de uma
massa confortavelmente alienada que critica a existência do outro e se esquece de sua própria.
2.1 – DASEIN
1[1] Heidegger, Sobre o Humanismo”, 1947, Zollikoner Seminare, pp.156 ss. Apud Giacoia Jr., Oswaldo. Heidegger
Urgente. 2013, p 64.
2[2] Heidegger, Martin. Ser e Tempo. Trad. Maria Sá Cavalcante Schuback. 7 Ed. Petrópolis:Vozes, 2012, pp.24-26
uma resultante de dois elementos, uma palavra composta, onde “Da” significa “ai” e “sein” significa
“ser”, entendendo que o “ser-ai” é um ente privilegiado, um ente para o qual o ser se torna uma
questão, um ser que lida em essência, com o fato de ser, um ser que sendo, coloca para si mesmo
a questão do ser.
Para Heidegger, a filosofia tradicional canaliza a investigação do ser para uma antropologia,
onde a metafísica ignora o que separa o ser e o ser dos entes, tendo a esperança ilusória de elevar
o valor, a ideia acima do ser, um equívoco que para ele permeia toda a tradição filosófica ocidental,
começando por Platão que dissocia o ser do homem, colocando-o no mundo das ideias e se estendo
até Nietzsche que se perde ao criar um super-homem que decide soberanamente a história da
verdade. Assim, no seu entender, desde os gregos, o pensamento não teria distinguido
adequadamente a diferença entre ente e o ser, entre o que existe simplesmente como uma coisa e
entre o que é enquanto ser.
Para tentar explicar melhor este pensamento tradicional, que Heidegger renega, faremos
abaixo uma breve consideração sobre o que se entendia por ser:
Partindo de uma análise da linguagem, podemos dizer que o infinitivo português "ser"
pretende traduzir o particípio substantivo grego "tò ov" ou o particípio latino "ens", "ente", ou, de
modo mais preciso ainda, "alguma coisa que é". O ser é, portanto, alguma coisa que tem por
determinação própria ou por atualidade o existir.
Para compreender melhor este conceito, comecemos por estudar Parmênides, filósofo
grego, natural de Eléia, uma cidade cujas ruínas encontram-se na região de Salerno, Itália, que
viveu aproximadamente entre 530 e 460 a.C., com quem teria nascido aquilo que chamamos
ontologia, o conhecimento do ser. Ele teria, em sua obra, formulado pela primeira vez os dois
princípios lógicos fundamentais do pensamento:
- o princípio de identidade: o ser é o ser e
- o princípio da não contradição: se o ser é, o seu contrário, o não ser, não é.
Em seu poema "Sobre a Natureza", que introduziu o hábito de expor argumentos,
conclusões calcadas em premissas, ele descreve de forma metafórica uma experiência de renúncia
e de revelação, apresentando como conteúdo principal, aquilo que foi revelado, a via da verdade.
Neste poema ele explora dois possíveis caminhos para que se possa encontrar a verdade onde, no
primeiro, o homem deixando-se levar pela razão, é levado à evidência de que "o que é, é, e não
podia deixar de ser". No segundo caminho, a via da opinião, pelo fato de se atentarem para os fatos
empíricos (baseados apenas na experiência), pelas informações obtidas através dos sentidos, o
homem não chegaria à verdade e à certeza, permanecendo preso no nível instável das opiniões.
Neste poema, ele associa o caminho da verdade, da razão, à luz do dia, onde a luz desnuda o
mistério e, em contraponto, associa o caminho da opinião à noite, cuja escuridão esconde a
realidade e nos induz a imaginar e a mistificar.
Platão, por sua vez, exemplificando que a essência (o conceito) de cão nada tem a ver com
qualquer cão determinado, consistindo no elemento ideal (eidos) presente em todo o cão, que não
é perceptível pelos sentidos, apenas discernido pelo intelecto, deu a isso o nome de ideia, entidade
de um mundo metafísico, puramente inteligível.
Na sequência, para tentar compreender melhor o ser, recorreremos a Aristóteles e ao seu
quadro lógico das oposições, um diagrama em que cada uma das quatro proposições do sistema
está relacionada às outras três.
2.2 – SER-NO-MUNDO
A expressão composta “ser-no-mundo”, já na sua cunhagem mostra que pretende ... referir-
se a um fenômeno de unidade. Deve-se considerar este primeiro achado em seu todo. A
impossibilidade de dissolvê-la em elementos, que podem ser posteriormente compostos, não exclui
a multiplicidade de momentos estruturais que compõem esta constituição. [...] O “em-um-mundo”;
com relação a este momento, impõe-se a tarefa de indagar sobre a estrutura ontológica de “mundo”.
E determinar a ideia de mundanidade como tal. O ente que sempre é, segundo o modo de ser no
mundo.[...] O ser-no-mundo é, sem dúvida, uma constituição necessária e a priori da presença, mas
de forma nenhuma suficiente para determinar por completo o seu ser. [...] Um ente só poderá tocar
um outro ente simplesmente dado dentro do mundo se, por natureza, tiver o modo de ser-em, com
sua presença, já se lhe houver sido descoberto um mundo. [...] Ademais, porque ser é, numa
primeira aproximação, compreendido apoiando-se ontologicamente no ente como ente
intramundano, tenta-se compreender esta relação entre os entes mencionados com base nestes
entes e no sentido de seu ser, isto é, como ser simplesmente dado. (HEIDEGGER, 2012, pp 99-
105)
E dizer, o homem é um ser mergulhado no mundo, um ente para quem as coisas estão
presentes, cujos objetos são inseparáveis do “ser-ai”, cujo significado depende de sua utilidade
(Zuhandenheit).
O modo de ser médio e quotidiano do homem, de que decidimos partir, apresenta-se, antes de
mais, como ser-no-mundo. [...] Que as coisas sejam antes de mais instrumentos, não quer dizer
que sejam todas meios que empreguemos efetivamente, mas sim que coisas se nos apresentam,
antes de mais nada, dotadas de certo significado relativamente à nossa vida e aos nossos fins. [...]
O homem está no mundo sempre como ente referido às suas próprias possibilidades, isto é,
assumindo-as, num sentido amplo, como instrumentos. [...] A simples-presença revela-se aqui como
um modo derivado da prestabilidade e da instrumentalidade, que é o verdadeiro modo de ser das
coisas. (VATIMO, 1996, pp. 26-29)
2.3 – SER-COM-OUTRO
Como pudemos constatar, o “ser-ai”, que se revela em sua primeira manifestação como um
ser-no-mundo (in-der-wet-sein), um ser que se projeta nele deixando-se absorver pelos entes que
vêm ao seu encontro de uma forma permanente e em construção, acaba por constituir-se por suas
relações com o ambiente de coisas e de pessoas, em um mundo que também se manifesta e que
não se apresenta apenas como instrumentos ou objetos, mas como outros entes, outros Dasein,
outros seres-aí, o que Heidegger denomina ser-com (mitsein), estar-aí (mitdasein) e seres-com-os-
outros (miteinandersein), de onde surge a compreensão, a interpretação, o discurso e a linguagem,
tudo ao mesmo tempo, juntos e de forma não sequencial.
Nesta ideia de preocupação, num sentido negativo de que o Dasein se antecipe à existência
do outro, tirando-a dele, acabando, muitas vezes em assumir o seu lugar, substituindo-o em seu
sofrimento e responsabilidades, esquecendo-se de si mesmo, ele assume a forma de uma
impessoalidade, preocupando-se mais com o outro e com o que se pensa, esquecendo-se do
verdadeiro sentido de sua própria existência, momento em que ocorre uma perda do Dasein no
espaço da “opinião pública” que determina o que cada um deve fazer.
Essa degeneração do ser-com-outros para ser-entre-outros, provoca a sua inautenticidade,
o que para Heidegger se dá quando o Dasein não possui a si mesmo, quando ignora a peculiaridade
de ser ele mesmo o intérprete do mundo, agindo como se fosse, apenas, mais uma entidade ou
existência com as quais se depara no cotidiano da experiência.
Heidegger não entende esta inautenticidade como defeito, mas como uma estrutura
necessária à nossa existência como entidades auto interpretantes que não podem evitar interpretar
a si mesmos de forma não apropriada em relação ao mundo.
Desta forma, podemos concluir que, segundo Heidegger, o mitsein, que se expressa pela
preocupação, pelo cuidado com o outro, se manifesta sob duas direções: a autêntica, onde
ajudamos o outro a lidar com a sua própria liberdade e a inautêntica, quando cuidamos dele,
suprimindo-lhe a oportunidade de cuidar de si mesmo.
Nessas condições, orientar a análise pelo fenômeno da decadência não exclui, em princípio, a
possibilidade de se fazer uma experiência ontológica da presença que se abre nesse fenômeno.
[...] A possibilidade de se chegar ao ser da presença, interpretando-se numa repetição e num
acompanhamento o compreender dado na disposição, cresce ainda mais quanto mais originário for
o fenômeno que funciona metodologicamente como disposição de abertura. De início, dizer que a
angústia fornece uma condição desse tipo não passa de mera afirmação. [...] Não há dúvida de que
o nexo entre angústia e medo é ainda obscuro. Mas é claro que, entre ambos, existe um parentesco
fenomenal. [...] Chamamos de “fuga” de si mesmo o decair da presença no impessoal e no “mundo
3[3] Maria de Sá Cavalcante, na sua tradução, vale-se do termo cura para expressar este conceito
das ocupações’. [...] O caráter de fuga tem apenas o retirar-se, baseado no medo daquilo que
desencadeia o medo, isto é, do ameaçador. [...] Para se compreender o que se quer dizer com fuga
decadente de si mesma, inerente à presença, é preciso lembrar que a constituição fundamental da
presença é ser-no-mundo. Aquilo com que a angustia se angustia é o ser-no-mundo como tal. [...]
Por isso, a angustia também não “vê” um “aqui” e um “ali” determinados, de onde o ameaçador se
aproximasse. Que o ameaçador não se encontre em lugar nenhum, isso é o que caracteriza o
referente à angústia. Ela não sabe o que é aquilo com que se angustia. [...] O angustiar-se abre, de
maneira originária e direta, o mundo como mundo. [...] A angústia se angustia pelo próprio ser-no-
mundo. Na angústia perde-se o que se encontra à mão no mundo circundante, ou seja, o ente
intramundano em geral. Pertence, na verdade, à essência de toda disposição abrir, cada vez, todo
o ser-no-mundo, segundo todos os seus momentos constitutivos (mundo, ser-em, ser-próprio). Só
na angústia subsiste a possibilidade de uma abertura privilegiada uma vez que ela singulariza. Essa
singularização retira a presença de sua decadência, revelando-lhe a propriedade e impropriedade
como possibilidades de seu ser. (HEIDEGGER, 2012, pp. 251-257)
Sendo o Dasein um ser-em, sempre lançado no mundo, ele assume esse ser-lançado no
projeto, consciente de sua situação de abandono, lançado no mundo para existir, consciente de sua
liberdade e colocado diante de suas possibilidades pelo sentimento da angústia.
É esse poder-ser, enquanto possibilidade de autenticidade que lhe permite tomar uma
decisão resoluta, antecipante, autêntica e projetada para o futuro do seu plano de vida, o que lhe
permite transcender diante de suas possibilidades, suas capacidades.
Assim, concluindo o terceiro tópico deste trabalho, podemos resumir os assuntos abordados
até aqui, com a seguinte reflexão:
Diante da aceitação do fato de que somos seres finitos, contingentes, cujo projeto de vida
se completa no advento da morte, e que esta, como possibilidade real se dá de forma nem sempre
planejada, o homem sofre um processo de confrontação temporal frente ao mundo dado, que o
angustia, onde, na maior parte de sua existência, ele procura fugir desta angústia, vivendo uma vida
inautêntica, negando-se a própria finitude, embora reconhecendo de forma impessoal a de todos os
outros.
Para Heidegger, a morte não é o fim da existência, mas a sua completude, entranhada no
ser do homem como estar-ai, como ser-no-mundo e como ser-de-projeto.
“Ela é a possibilidade da impossibilidade de qualquer possibilidade”.
Ao colocar-se diante da possibilidade de lidar com a morte, o homem pode fazê-lo sob dois
aspectos: o Impessoal e o Pessoal.
No aspecto impessoal, ela torna-se um aspecto banal reduzido a rituais e cerimônias que
fazem dela um fato anônimo. A morte é sempre a morte de um outro, um cadáver reduzido a uma
Vorhandenheit, que nada tem a ver com ele.
No aspecto pessoal, autêntico, ela é enfrentada sem máscaras, diante a certeza de sua
soberania, colocando-se como o encontro com o nada que aparece no princípio e no fim da
existência.
Diante do ser-para-a-morte o Dasein é impulsionado a decidir-se perante as demais
possibilidades que se apresentam a ele, escolhendo de forma autêntica e livre a maneira de existir,
pois ao chegar à ela, toda possibilidade será definitivamente retirada, sejam elas quais quer que
sejam.
Esta capacidade que o Dasein tem de se antecipar à morte é um sinal de que ele é possuidor
do seu futuro, embora isso exija que ele firme os pés no presente, para que possa projetar-se em
suas potencialidades.
Ou seja, estando ciente de sua finitude, como uma consciência intencional, de forma livre e
autêntica, ele presentifica o passado e antecipa, pelo projeto o seu futuro.
5 – CONCLUSÕES
Como esperamos haver mostrado, Martin Heidegger, como um dos principais expoentes da
filosofia, em sua obra Ser e Tempo, apresentou-nos um brilhante trabalho sobre a possibilidade
existencial do homem, como ser-para-a-morte, como ser que nasce condenado à morte, poder viver
de forma intensa, livre, autêntica e soberana, tudo aquilo que suas capacidades lhe permitirem
realizar.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- GIACÓIA JR., Oswaldo. Heidegger Urgente. Introdução a um novo pensar. São Paulo: Três
Estrelas, 2013
- HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 7.ed. Petrópolis – RJ:
Vozes, 2012