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s 0 E S T U D O S C U L T u H * I S P f t I M E l f t A L I Ç Ã O 1 1

cesso secular de desenvolvimento humano , como em cultura c tomates, por exemplo o de desenvolvimento intelectual, espiri -
civilização europeia * tual e estético; um modo de vida específico; e o nome que descre-
Durante o romantismo* em especial na Inglaterra e na Ale - ve as obras e prá ticas de atividades art ísticas.
manha, passou a ser usada cm oposição a seu antigo sinónimo, civi
. - Uma das coisas que ficam evidentes nesse apanhado r á pido
lização » como uma maneira de enfatizar a cultura das nações e do das mudanças de significado de cultura é que o sentido das pala -
folclore e» logo, o dom í nio dos valores humanos em oposição ao vras acompanha as transforma ções sociais ao longo da hist ó ria e
car á ter mecâ nico da “ civilização" que começava a se estruturar com conserva , em suas nuan ças e conotações, muito dessa histó ria. Na
a Revolu ção Industrial. Traca-se de uma virada sem â ntica not ável , % Inglaterra dos anos 1950, momento de estruturação da disciplina
que d á not ícia de uma intensa transformação social . £
de estudos culturais, o debate sobre a cultura parece concentrar
“ Cultura" e “ civilização” sã o palavras a um s ó tempo descri - I muito do sentido de mudança em uma sociedade que se reorga -
tivas (como em civilizaçã o asteca ) e normativas: denotam o que ? niza no segundo pós-guerra. Raymond Williams ( 1921 1988) , -
é, mas também o que deve ser ( basta pensar no adjetivo “ civili - Ç-

figura central na fundação dos estudos culturais, conta como a


zado” c seu oposto » “ bá rbaro” ). No decorrer dos processos radi
cais de mudanças sociais da Revolu ção Industrial * í oi ficando
- I palavra cultura começa a ser cada vez mais usada como eixo dos
debates desses rumos. No processo, uma de suas acepçõcs de
cada vez mais evidente que o tipo de "desenvolvimento huma - antes da guerra, a da distin çã o social , cultura como posse por
no” em curso em uma sociedade como a inglesa n ã o era necessa- parte de um grupo seleto » começa a desaparecer e a dar lugar à
riamente algo a ser recomendado. O fato det em especial ao preponder â ncia do uso antropológico , cultura como modo de
longo do século XIX » a palavra ter adquirido uma conotação vida. O outro sentido dc cultura , designando as artes e, no con-
imperialista ( “ civilizar os bá rbaros" era um mote que justificava texto inglês em especial » a literatura, se in flete com a predomi-
a conquista e a exploração de outros povos) contribuiu para a nâ ncia da cr ítica sobre a cria ção * um dos eixos do projeto intelec -
virada de sentido. É nesse processo que “ cultura", a palavra que
. tual dominante na academia inglesa , o Cambridge English ,
designava o treinamento de faculdades mentais, se transformou, assunto de nossa próxima liçã o.
ao longo do século XIX » no termo que enfeixa uma reação e uma O que Williams percebia nessa concentração do debate eram os
-
cr í tica cm nome dos valores humanos - ã sociedade em ptoccs - primeiros passos gigantescos da nossa “ era da cultura” » assim deno -
so acelerado de transforma çã o. A aplica çã o desse sentido às minada pelo predom í nio dos meios de comunicaçã o de massa e
artes, como as obras e pr á ticas que representam e d ã o sustenta- pelo desvio do conflito político e econó mico para o cultural » mar -
ção ao processo geral de desenvolvimento humano, é preponde- cas do tempo presente. Um bom exemplo para se entender essa últi-
rante a partir do século XX. ma tendência é a ê nfase de um estrategistamilitar, Samuel Hunting-
Em meados desse século os sentidos preponderantes da palavra ton, que, em um ensaio para a revista Fo reignAffãirs de 1993\ prevê
eram , alé m da acepção remanescente na agricultura cultura de
— que a fonte fundamental dos conflitos em nossos dias n ão é primor -
1Ver a ííí C respeito Raymond Williams. Keywords A Votabvtary yf Culture and Switiy . 1 Samud Hunringron . The Clash of Clviliia í ian In Famgn Ajfitm , n , 72 ( 3) 1993 , p 22,
.

Londres , Fontana, [ Edi âo brasileira : O C ÍNNJU í daf


^ .
Rio die janeiro Objetiva , J 997 ]
P
1 2 I $ T u p os C U L T U R A I S PFMMCIRA L I Ç À Q 1 3

dialmente ideológica ou econó mica, "As grandes oposições entre as complexas, no mundo das artes c das id é tas. É quando tentamos cor -
espécies humanas e a fome dominante dos conflitos serão cultu- relacionar uma mudan ça como esta com as mudan ças enfocadas em
rais" \ É claro que Huntington pressupõe aí que a cultura é dissocia- disciplinas como a pol í tica , a economia e as comunica ções que desco -
brimos algumas das quest ões rnais complicadas mas també m as de
da da economia , da ideologia e da hist ória. Ironicamente , é a inter - maior valor humano /
penetração cada vez maís evidente dessas esferas que marca nossa era
da cul tura , quando o poderio económico se entrecruzacom a expan-

são cultural basta pensar no cinema de Hollywood ou na amcrica-
nização do modo dc vida de largas faixas du planeta - e a produção
J á est á claro também aí que as disciplinas então exist entes não
comportam as quest ões que interessa formular . Para lidar com as
económica com o convencimento ideológico - mercadorias e pro- novas complexidades da vida cultural é preciso um novo voca -
paganda são duas faces da mesma compulsão de criar novas necessi - bul á rio e uma nova maneira de trabalhar: j á est á dado nesse
dades em muitos e dar a poucos a possibilidade de sattsfazê-las momento o passo que leva à estruturaçã o dos estudos culturais.
*
No obra de Williams esse passo implica um mergulho hist órico
J á na década de 1950, ficou claro para Raymond Williams a
necessidade de tomar uma posição sobre a cultura e de intervir no nos modos pelos quais a cultura foi sendo concebida ao longo da
debate para demonstrar as conexões entre as diversas esferas e sal- hist ó ria inglesa moderna. Antes de deslocar as concep ções e
vaguardar o conceito para um uso democrá tico que contribuísse ê nf ases do debate sobre a cultura, é preciso m apear seu desenvol -
para a mudança social O ponto de vista da imer- relaçlo entre vimento hist ó rico.
fenômenos culturais e sodoeconômicos e o ímpeto da luta pela
transformação do mundo são o impulso inicial de seu projeto inte- A TRADI ÇÃO "CULTURA E SOCIEDADE”

lectual Escrevendo em 1961 , diz: O estudo clássico de reconstituição hist ó rica dos discursos pre-
ponderantes sobre a cultura na tradição brit â nica é o livro de 1958
.
( ..) nessa altura ficou ainda mais evidente que n ã o podemos entender Culture and Society, 1780- 1950 \ de Raymond Williams; ao lado
o processo dc transformaçã o em que estamos envolvidos se nos limi - dele temos The Uses of Literacy de Richard Hoggart (1957) , e The
y

tarmos a pensaras revoluções democrá tica , industrial e cultural como Making of the English Working Class (1963) *, de Edward P,
processos separados. Todo nosso modo de vida , da forma de nossas -
Thompson os tr ês considerados, n ão por acaso, os livros fun-
comunidades; à organizaçã o c conte ú do da educaçã o, e da estrutura da dantes da nova disciplina.
fam ília ao estatuto das artes e do entretenimento , está sendo profun - O livro de Williams examina as ideias sobre cultura e socieda-
dam ente afetado pelo progresso e pela intera çã o da democracia e da de enfeixadas na mudan ça do significado de termos como os pró-
ind ústria, c pela extensão das comunicações. À intensificação da revo -
lu çã o cultural é uma parte importante de nossa experiê ncia mais sig -
nificativa, e está sendo interpretada e contestada , de formas bastante . .
* Raymond Williams. The Long Revolution Londres , Outro and Windkis 1% ] , p. *i .
* Liens, Culture and Society; 1780 1950 !1958]. Londres, The Hogguth Pres* 1993. .
[ Edição brasileira: Cultura e sociedade, 1780-1950. Trad Ijcoiaitki H - R . Hegenborg. Sio
.
Paulo, Companhia Ed nora Nacional I %9.|
4
-
Citado cm Perry Anderson. A civilização e sens significadas. In praga Rmstoi de Ettudm 6 Edição brasileira;
A formaçáo da clout trabalhadora ingles*. Trad de Rena to Bussaco Nero .
.
n. 2 São Paula. Rut ran pa, 1997, p. 27.
,

Claudia Rocha de Almeida e Denise Bauman. 2 volt, São Paulo, Paz eTerra, 1988.
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1 4 E S T U D O S C U L T U R A I S *
estes se revoltassem , c que éresponsabilidade de toda a sociedade
prios cultura e sociedade, e mais industria , classe e arte desde os
primeiros anos dc consolidação da Revolução Industrial at é UG cuidado c a cultura” de todos; e de Robert Owen ( 1771 1858) ,
um dos fundadores do socialismo e do cooperativismo, para quem
-
1950. O foco do interesse nas mudanças sem â nticas é que elas
encapsulam e informam reações às intensas mudanças sociais. As a natureza humana n ão é um dado est á tico, mas o produto de um
nuan ças de significado desses termos sáo vistas como um registro e modo de vida , de uma cultura. Com os poetas rom â nticos, em
uma rea çã o às modificações sociais causadas pela Revolu ção Indus - especial William Wordsworth ( 1770 - 1850 ) e Samuel Taylor
trial e pela implantação de uma ordem capitalista hegem ónica na Coleridge ( 1772-1834) , encra com for ça a acepção de cultura
Inglaterra a partir do século XVIII. hoi com esse livro que ficou como * nas palavras de Wordswort ht o espírito encarnado de um
estabelecida a existência de uma tradição inglesa de debate sobre a povo \ a medida da excelência humana , o tribunal perante o qual
qualidade da vida social: de diferentes pontos de vista políticos, os eram julgados os valores reais em oposi ção aos valores “ fict ícios” do
pensadores agrupados nessa tradição vão constituindo um discur - mercado e de outras operações similares do comércio e da ind ús-
so de cr í tica em relação à nova sociedade industrial. .
tria - Se por um lado essa accpçao eleva o conceito c conduz, a uma
Williams localiza a tradi ção cm obras de autores que o saber tra- visã o ativa da cultura como intervenção na sociedade, por outro a
dicional estuda em separado: estão l á analistas pol í ticos, publicis- coloca como um absoluto, um dom ínio tin íco » serrado das relações
tas, poetas, romancistas, cr í ticos liter á rios. As linhas principais da reais e materiais.
tradi ção já estão dadas nos anos 1700. Por um lado Edmund Burke Um ponto alto dessa tradição é a figura de Matthew Arnold
( 1822 1898) . Vá rios de seus temas e direções encontram expres -
-
-
( 1729 1797) » o feroz opositor da Revolu ção Francesa , e por outro
s ão em sua obra . Como os pensadores que o precederam » Arnold
William Cobbet (1763-1835), o polemista defensor de uma clas -
se trabalhadora que scorganiza. Deixando de lado a oposição usual tem de se haver com as rupturas e crises de uma sociedade cada

da histó ria das idéias entre um conservador e um radical , Williams vez mais indusrrializada. As injusti ças na distribuição das rique-
demonstra que ambos zas inerentes a um sistema que concentra a renda nas m ã os de
poucos alimenta a divisão social . A religi ã o » poderoso elemento
( ,, , ) crici çam a nova Inglaterra a partir de sua experiência da velha apaziguador das tensões sociais, começa a ser desacreditada pela
Inglaterra , e d áo in ício com seus trabalhos a tradições fortes de crí tica da
,
visã o secukfizáda da ciê ncia. É nesse momento que a cultura é
nova democracia e do novo industrialismo, tradições que em meados do chamada a desempenhar um novo papel social , o de apaziguar e
século XX ainda sao ativas c relevantes. organizar a anarquia do mundo real dos conflitos e disputas
-
sociais Confrontando as irrupções sociais dos anos 1860 » quan -
Na linhagem traçada por Williams* a tradi ção iniciada por do as classes trabalhadores exigem o direito do voto, ele faz suas
Burke e Cobbet continua nas obras de Robert Southey (1774- recomendações para o restabelecimento da paz social:
1843), um dos fundadores do novo conservadorismo, para quem
o Estado devia cuidar da sa ú de física e moral dos pobres antes que -
Permitam me recomendar a cultura como um de nossos principais auxi-
liares diante das dificuldades atuais , a cultura como a busca da perfeição
por meio do conhecimento , cm todas as questões relevantes , do melhor
7 Raymond Williams. Çidture arid S&titty...t op. cic. p. 4.
¥
I 6 E S T U D O S CULTURAIS P R I M E I R A L I Ç AO ! 7

que foi pensado e dito no mundo, e, por meio desse tonhcdmonto, a diz respeito àquele livre tratamento especulativo de todas as coisas, qm
capacidade de dedicar um pensamento renovado e livre a nossas noções pode um dia trazer benefícios a essa esfera, mas de uma forma neutra e
e h á bitos corriqueiros/ portanto ir resist ível /°

Para a coesão social , o melhor remédio não ê a justiça, mas a E o que vai encontrar o cr ítico com sua linguagem inocente?
poesia: Nada mats nada menos do que se esconde para todos os outros: a
A poesia tem um giande futuro, porque é na poesia , quando é digna
verdade e a cultura, O crítico vai vigiar o campo do humano e pre -
servado das; investidas dos jacobinos e dos partidários da ciência e
de seu elevado destino , que nossa raça , à medida que passa o tempo ,
do progresso material. Enquanto o mundo concreto n ão estiver
vai encontrar u nu apoio cada vez mm firme, N ío h á urna só cren ça que
nlo seja abalada , nem um só dogma que n ío seja question á vel , nem pronto para receber o humano, recorra se à força. Sua m áxima -
uma tradição que n ã o ameace se dissolver. Nossa religiã o se materiali - pol ítica vai embasar a posição reacioná ria de muito da crítica sub -
zou cm um fato, em um faio suposto, ela ligou a emoção a esse fato e ça até que o direito esteja pronto, e até que o
seq íiente: “ Use a for
agora esse fato está sendo desafiado, Mas para a poesia a id é ia é tudo: direito esteja pronto a ordem vigente das coisas é justificada, é o
governante legítimo” '.
1
o resto é um mundo de ilusão, de ilusio divina , A poesia lifp a emoção
I idéias a idéia é o fato / Com Arnold a tradição completa o processo de abstração do sen -
tido de cultura e a definição do papel do crítico: a verdadeira crítica
O preço a ser pago para que â cultura em geral e a poesia em par - é isenta; sua função, embora social , está apartada de todas as esferas
ti colar se desincusnbam desse papel também j á est á claro em .
onde efetivamente se dá a vida real Cabe a esse mundo de ‘"doçura e
Arnold . É preciso separar as esferas da cultura das da política e da lux \ pela ação do cr ítico, salvaguardar o campo do humano.
pr á tica. Para assegurar seu direito de ser a expressão de toda a Nas colocações de Arnold vai se forjando o molde que dar á
humanidade* a cr ítica da cultura, que na maioria dos casos para forma à pr á tica critica subsequente. Está montada aí a estrutura
Arnold é sinó nimo da critica literá ria, deve encontrar uma lingua - que perm li irá a disj unção de base da atuação da crítica da cultura
gem “ inocente” . Assim ele se expressa em seu The Function of Cri - em geral e da literá ria em particular: é o tribunal onde se aferem os
ticism at the Present Time (1864): valores de uma sociedade, sem no entanto se imiscuir nas polêmi -
cas e nos conflitos que definem esses valores, Est á dado o caminho
Onde poderemos encontrar uma linguagem que seja inocente o bastan-
que leva a um certo conformismo militante da cr ítica literá ria: é
te para evidenciar a pureza sem manchasde nossas inten ções? lenho para
mim que o crítico deve se manter afastado da prá tica imediata na esfera -
uma inst ância que se auto representa como radical, como de opo-
pol ítica, social e humanitá ria * se quiser estabelecer uma posição no que
sição aos valores vigentes, mas, na medida mesma em que se refu -
gia na abstração, sua atuação se dá no sentido de manter o estado
de coisas a que pensa se opor. Nesse sentido, a cr ítica da cultura nos
1
.
Matmew Arnold- Culture andAuarrhy 11849) Republicado cm S. Cdllini (mg.). Culture
and Anarchy and ai& fr Cambridge, Cambridge University Press * 1.993» p. 53-1SB.
9 idem. The Smtfy vf Pbetry, Republicado cm Selected Writings* Ha*mmaiidjworth, Penguin.
lft
-
Idem * ibidem, p , 147 6 .
1970* p. 340 . 11 Idem * ibidem, p. 138.
1 8 E S T U D O S C U L T U R A I S P R I M E I R A L I Ç Ã O 1 9

moldes preconizados por Arnold realiza os ideais dc Burke, para ditos grandes, o poeta concede: cultura é mais do que literatura e
quem era preciso que a cultura ajudasse a conter “ a multid ão imun - as outras artes, é , como queriam os de ímpetos mais democratizan-
da” que estaria pronta para pisotear "a luz e o saber ” . tes, nao o apan ágio de uns poucos homens cultos, mas de todo um
Nao é a toa que Arnold é considerado o fundador da crítica lite- modo de vida Esse um argumento dos que pretendiam valorizar,
*

rá ria inglesa contempor â nea, a figura que faz a ligação histó rica dos por exemplo, as produções culturais das classes trabalhadoras. Mas
temas da cultura e da sociedade Como Burke, ele insiste no papel
* essa ê nfase democr á tica , de estender o conceito para abarcar todas
da tradição cultural de funcionar como um cimento social, ligan - as estruturações de significados c valores de uma sociedade, logo é
do partes em conflito. Como os poetas rom â nticos, reserva um anulada por meio da introdução de graus de acesso e de treinamen-
papel especial íssimo para a literatura . Corno Coleridge, separa cul- to. Para cura dos males da sociedade contemporâ nea , Eíiot defen -
—-
tura o mundo dos valores espirituais e da criatividade e civili
za çã o o mundo material e mecâ nico da mesmice. Defende ,
— - de um sistema hierá rquico que, lido hoje, d á not ícia da força da
ideologia de raça e indivíduos superiores que tanto dano causou
ainda, a cria ção de uma casta, a reedição da clerezia preconizada durante a Segunda Guerra Mundial:
por Coleridge, a classe que deveria ser treinada para manter vivo o
mundo da doç ura e da luz. Parccer - mc-ia que na medida cm que aperfeiçoarmos os modos de iden -
A geração seguinte à dc Arnold , enfocada na Parte II de Culture tificar na mais tenra idade, educar para seu papel no fururo, c colocar cm
and Society, que cobre os anos de 1880 a 1914, mantém as linhas posições dc comando esse* indivíduos que formaria as elites, todas as dis -
gerais da tradição. É no século XX, com o exame de como essa tradi- tin ções anteriores <k classe c de hierarquia se tomarã o um mero vest ígio
ção desemboca no trabalho de pensadores influentes como o poeta, ou simples sombra , e a ú nica distin ção de n ível social ser á entre as elites e
o resto da comunidade, a menos que, como pode ocorrer, vá haver uma
crítico e teatrólogoT S Eliot e dos crí ticos literá rios F, ÍL Leavis e I ,
«

ordem de preced ê ncia c prest ígio entre as pró prias elites.


A. Richards, que fica clara a intervenção política que motiva o pro-
jeto de Williams. O movimento do livro mostra como a tradição
A outra posição dominante no cená rio intelectual inglês, a do
de cultura e sociedade ataca o status quo em nome dc uma socieda-
grupo da revista Scrutiny, liderado pela íf gura-chave do estudo da
de mais orgâ nica . Com o tempo, essa posição vai se enfraquecen -
mais influente das disciplinas da época, o Cambridge English , E R.
do e se estruturando como nostalgia de um passado sociocultural
Leavis, n ão diferia muito desta . Para Leavis, legí timo herdeiro de
irremediavelmente perdido e asserção da cultura como um absolu-
Arnold, a cultura era posse de uma minoria , que deveria preservar
to , um dom í nio separado das relações reais e materiais. No contexto
da Inglaterra dos anos 1950 esses ideais embasam as posições que -
os valores humanos e difundi los por meio da educa ção, como
forma de minorar o$ males da civilização moderna*
precisam ser deslocadas para que se possa levar o debate para o campo
Estas são as posições que Williams tem de deslocar para poder
dc uma pol ítica cultural mais democrá tica e militante.
dar um passo adiante cm rela ção à tradi ção de cultura e sociedade.
Uma das primeiras providencias é demonstrar o que se esconde
Sua proposição é de uma cultura em comum . Essa concepção
por trás da linguagem “ inocente” dc um dos livros mais influentes
da é poca , o Notes Towards the Definition of Culture ( 1948) , de Eliot.
No tom elevado que caracceriza os pronunciamentos dos homens 12 T- S. Elion. Notts Towards the Dtfmnou of Culture. Londres, Faber and Faber, I 94H . p. 36-7.
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depende de uma visão que ele não inclui na da tradição , a de que a -


E. E Thompson (1924 1993) » vindo do Partido Comunista -
cultura è de todos, que não existe uma classe especial , ou um grupo de que se afastou após a invasão da Hungria em 1956 é autor de
de pessoas, cuja tarefa seja a criação de significados e valores, seja em um dos livros que mudou a forma de fazer história na Inglaterra.
sentido geral , seja no sentido específico das artes e do conhecimen - 7he Making of the English Working Class, publicado cm 1963, é um
to; estes seriam uma codificação de uma posse comum. O exemplo dos momentos fortes da tradição de recuperar a “ histó ria dos de
ruais claro cia depend ê ncia da cria ção de processos que são comuns baixo*'* n ã o como mero ap ê ndice da historiografia oficial, mas
k toda a sociedade é a linguagem ; ela é uma pr ática social cujo signi- como um movimento impulsionador da hist ória geral Ao lado de
ficado é estendido eaprofundado por certos indivíduos > cuja criati
vidade depende do grupo social para sua inteligibilidade. A criação
- Williams e muitos outros, Thompson foí membro influente da
New Left, um dos movimentos intelectuais mais fecundos da histó-
de significados e valores é comum a todos, e suas realizações são ria cultural inglesa do século XX.
.
parte de uma herança comum a todos Em oposiçã o à ideia de uma Richard Hoggart ( 1918-) , como Raymond Williams, vinha da
minoria que decide o que é cultura c depois a difunde entre uas mas - classe trabalhadora e tinha formaçã o em literatura. Em 1957 publi-
sas” , Williams propõe a comunidade de cultura em que a questão cou seu livro mais conbcddo, The Uses of Literacy, onde estuda as tra-
central é facilitar o acesso de todos ao conhecimento e aos meios de dições culturais da classe trabalhadora urbana e o impacto da cultura
produ ção cultural. A idéia de uma cultura em comum é apresenta- de massas sobre seus hábitos e costumes, que estariam sendo destruí-
da como uma cr ítica e uma alternativa à cultura dividida e fragmen - dos pela vulgaridade e pelo baixo n ível das novas manifestações. Sua
tada que vivemos. Trata-se de uma concepção baseada não no prin - atenção detida aos procedimentos da imprensa popular, do cinema e
cí pio burgu ês de rela ções sociais radicadas na supremacia do dos costumes da vida cotidiana faz de seu livro um dos primeiros
indivíduo * mas no princípio alternativo da solidariedade que exemplos do tipo dc investigação que marcaria os estudos culturais.
Williams identifica com a classe trabalhadora. Em 1964, quando era professor de Literatura Inglesa Moderna na
Esse o ponto desuperação da tradição d e cultura e sociedade. O Universidade de Birmingham» fundou o Centro dc Estudos Culturais
livro de Williams pode ser visto como o primeiro passo necessário Contemporâneos (CCCS), dc que foi diretor até 1968. Esse centro
para deslocar esse discurso e conformá-lo à nova paisagem social da concentrou muitas das figuras importantes da nova disciplina, como
Inglaterra do segundo pós-guerra. Est ão dadas as condições para Stuart Hall, Dick 1 lebdige e, mais recentemente, Paul Gilroy.
que membros da classe que Burke temia e Arnold queria conter A proximidade biográfica - ambos sao da classe trabalhadora ,
com a doçura e a luz da cultura deem sua própria versão da tradi - conseguiram bolsas de estudo para a universidade onde estudaram
ção que os exclui. Letras - e dc á rea dc interesse - os dois se interessam por manifes-
taçõ es que a tradição da alta cultura relega à confusão conceituai de
A CULTURA DA SOLIDARIEDADE -
cultura popular, de massas , da classe trabalhadora c são co respon -
O olhar sobre a cultura do ponto de vista da classe trabalhadora sáveis pela instituição da nova disciplina de estudos culturais- tem
une os representantes mais not áveis da tradi çã o de cultura e socie- levado muitos a confundir as duas figuras, ensejando a referê ncia
dade posterior aos anos 1950: Richard Hoggart, E, P. Thompson bem -humorada ao mito como “ Raymond Hoggart ” .
e o pró prio Williams. Mas de fato há diferenças grandes de estatura e de posições teó-

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