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cesso secular de desenvolvimento humano , como em cultura c tomates, por exemplo o de desenvolvimento intelectual, espiri -
civilização europeia * tual e estético; um modo de vida específico; e o nome que descre-
Durante o romantismo* em especial na Inglaterra e na Ale - ve as obras e prá ticas de atividades art ísticas.
manha, passou a ser usada cm oposição a seu antigo sinónimo, civi
. - Uma das coisas que ficam evidentes nesse apanhado r á pido
lização » como uma maneira de enfatizar a cultura das nações e do das mudanças de significado de cultura é que o sentido das pala -
folclore e» logo, o dom í nio dos valores humanos em oposição ao vras acompanha as transforma ções sociais ao longo da hist ó ria e
car á ter mecâ nico da “ civilização" que começava a se estruturar com conserva , em suas nuan ças e conotações, muito dessa histó ria. Na
a Revolu ção Industrial. Traca-se de uma virada sem â ntica not ável , % Inglaterra dos anos 1950, momento de estruturação da disciplina
que d á not ícia de uma intensa transformação social . £
de estudos culturais, o debate sobre a cultura parece concentrar
“ Cultura" e “ civilização” sã o palavras a um s ó tempo descri - I muito do sentido de mudança em uma sociedade que se reorga -
tivas (como em civilizaçã o asteca ) e normativas: denotam o que ? niza no segundo pós-guerra. Raymond Williams ( 1921 1988) , -
é, mas também o que deve ser ( basta pensar no adjetivo “ civili - Ç-
dialmente ideológica ou econó mica, "As grandes oposições entre as complexas, no mundo das artes c das id é tas. É quando tentamos cor -
espécies humanas e a fome dominante dos conflitos serão cultu- relacionar uma mudan ça como esta com as mudan ças enfocadas em
rais" \ É claro que Huntington pressupõe aí que a cultura é dissocia- disciplinas como a pol í tica , a economia e as comunica ções que desco -
brimos algumas das quest ões rnais complicadas mas també m as de
da da economia , da ideologia e da hist ória. Ironicamente , é a inter - maior valor humano /
penetração cada vez maís evidente dessas esferas que marca nossa era
da cul tura , quando o poderio económico se entrecruzacom a expan-
—
são cultural basta pensar no cinema de Hollywood ou na amcrica-
nização do modo dc vida de largas faixas du planeta - e a produção
J á est á claro também aí que as disciplinas então exist entes não
comportam as quest ões que interessa formular . Para lidar com as
económica com o convencimento ideológico - mercadorias e pro- novas complexidades da vida cultural é preciso um novo voca -
paganda são duas faces da mesma compulsão de criar novas necessi - bul á rio e uma nova maneira de trabalhar: j á est á dado nesse
dades em muitos e dar a poucos a possibilidade de sattsfazê-las momento o passo que leva à estruturaçã o dos estudos culturais.
*
No obra de Williams esse passo implica um mergulho hist órico
J á na década de 1950, ficou claro para Raymond Williams a
necessidade de tomar uma posição sobre a cultura e de intervir no nos modos pelos quais a cultura foi sendo concebida ao longo da
debate para demonstrar as conexões entre as diversas esferas e sal- hist ó ria inglesa moderna. Antes de deslocar as concep ções e
vaguardar o conceito para um uso democrá tico que contribuísse ê nf ases do debate sobre a cultura, é preciso m apear seu desenvol -
para a mudança social O ponto de vista da imer- relaçlo entre vimento hist ó rico.
fenômenos culturais e sodoeconômicos e o ímpeto da luta pela
transformação do mundo são o impulso inicial de seu projeto inte- A TRADI ÇÃO "CULTURA E SOCIEDADE”
lectual Escrevendo em 1961 , diz: O estudo clássico de reconstituição hist ó rica dos discursos pre-
ponderantes sobre a cultura na tradição brit â nica é o livro de 1958
.
( ..) nessa altura ficou ainda mais evidente que n ã o podemos entender Culture and Society, 1780- 1950 \ de Raymond Williams; ao lado
o processo dc transformaçã o em que estamos envolvidos se nos limi - dele temos The Uses of Literacy de Richard Hoggart (1957) , e The
y
tarmos a pensaras revoluções democrá tica , industrial e cultural como Making of the English Working Class (1963) *, de Edward P,
processos separados. Todo nosso modo de vida , da forma de nossas -
Thompson os tr ês considerados, n ão por acaso, os livros fun-
comunidades; à organizaçã o c conte ú do da educaçã o, e da estrutura da dantes da nova disciplina.
fam ília ao estatuto das artes e do entretenimento , está sendo profun - O livro de Williams examina as ideias sobre cultura e socieda-
dam ente afetado pelo progresso e pela intera çã o da democracia e da de enfeixadas na mudan ça do significado de termos como os pró-
ind ústria, c pela extensão das comunicações. À intensificação da revo -
lu çã o cultural é uma parte importante de nossa experiê ncia mais sig -
nificativa, e está sendo interpretada e contestada , de formas bastante . .
* Raymond Williams. The Long Revolution Londres , Outro and Windkis 1% ] , p. *i .
* Liens, Culture and Society; 1780 1950 !1958]. Londres, The Hogguth Pres* 1993. .
[ Edição brasileira: Cultura e sociedade, 1780-1950. Trad Ijcoiaitki H - R . Hegenborg. Sio
.
Paulo, Companhia Ed nora Nacional I %9.|
4
-
Citado cm Perry Anderson. A civilização e sens significadas. In praga Rmstoi de Ettudm 6 Edição brasileira;
A formaçáo da clout trabalhadora ingles*. Trad de Rena to Bussaco Nero .
.
n. 2 São Paula. Rut ran pa, 1997, p. 27.
,
Claudia Rocha de Almeida e Denise Bauman. 2 volt, São Paulo, Paz eTerra, 1988.
P R li H E I R L I Ç Ã O 1 5
1 4 E S T U D O S C U L T U R A I S *
estes se revoltassem , c que éresponsabilidade de toda a sociedade
prios cultura e sociedade, e mais industria , classe e arte desde os
primeiros anos dc consolidação da Revolução Industrial at é UG cuidado c a cultura” de todos; e de Robert Owen ( 1771 1858) ,
um dos fundadores do socialismo e do cooperativismo, para quem
-
1950. O foco do interesse nas mudanças sem â nticas é que elas
encapsulam e informam reações às intensas mudanças sociais. As a natureza humana n ão é um dado est á tico, mas o produto de um
nuan ças de significado desses termos sáo vistas como um registro e modo de vida , de uma cultura. Com os poetas rom â nticos, em
uma rea çã o às modificações sociais causadas pela Revolu ção Indus - especial William Wordsworth ( 1770 - 1850 ) e Samuel Taylor
trial e pela implantação de uma ordem capitalista hegem ónica na Coleridge ( 1772-1834) , encra com for ça a acepção de cultura
Inglaterra a partir do século XVIII. hoi com esse livro que ficou como * nas palavras de Wordswort ht o espírito encarnado de um
estabelecida a existência de uma tradição inglesa de debate sobre a povo \ a medida da excelência humana , o tribunal perante o qual
qualidade da vida social: de diferentes pontos de vista políticos, os eram julgados os valores reais em oposi ção aos valores “ fict ícios” do
pensadores agrupados nessa tradição vão constituindo um discur - mercado e de outras operações similares do comércio e da ind ús-
so de cr í tica em relação à nova sociedade industrial. .
tria - Se por um lado essa accpçao eleva o conceito c conduz, a uma
Williams localiza a tradi ção cm obras de autores que o saber tra- visã o ativa da cultura como intervenção na sociedade, por outro a
dicional estuda em separado: estão l á analistas pol í ticos, publicis- coloca como um absoluto, um dom ínio tin íco » serrado das relações
tas, poetas, romancistas, cr í ticos liter á rios. As linhas principais da reais e materiais.
tradi ção já estão dadas nos anos 1700. Por um lado Edmund Burke Um ponto alto dessa tradição é a figura de Matthew Arnold
( 1822 1898) . Vá rios de seus temas e direções encontram expres -
-
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( 1729 1797) » o feroz opositor da Revolu ção Francesa , e por outro
s ão em sua obra . Como os pensadores que o precederam » Arnold
William Cobbet (1763-1835), o polemista defensor de uma clas -
se trabalhadora que scorganiza. Deixando de lado a oposição usual tem de se haver com as rupturas e crises de uma sociedade cada
da histó ria das idéias entre um conservador e um radical , Williams vez mais indusrrializada. As injusti ças na distribuição das rique-
demonstra que ambos zas inerentes a um sistema que concentra a renda nas m ã os de
poucos alimenta a divisão social . A religi ã o » poderoso elemento
( ,, , ) crici çam a nova Inglaterra a partir de sua experiência da velha apaziguador das tensões sociais, começa a ser desacreditada pela
Inglaterra , e d áo in ício com seus trabalhos a tradições fortes de crí tica da
,
visã o secukfizáda da ciê ncia. É nesse momento que a cultura é
nova democracia e do novo industrialismo, tradições que em meados do chamada a desempenhar um novo papel social , o de apaziguar e
século XX ainda sao ativas c relevantes. organizar a anarquia do mundo real dos conflitos e disputas
-
sociais Confrontando as irrupções sociais dos anos 1860 » quan -
Na linhagem traçada por Williams* a tradi ção iniciada por do as classes trabalhadores exigem o direito do voto, ele faz suas
Burke e Cobbet continua nas obras de Robert Southey (1774- recomendações para o restabelecimento da paz social:
1843), um dos fundadores do novo conservadorismo, para quem
o Estado devia cuidar da sa ú de física e moral dos pobres antes que -
Permitam me recomendar a cultura como um de nossos principais auxi-
liares diante das dificuldades atuais , a cultura como a busca da perfeição
por meio do conhecimento , cm todas as questões relevantes , do melhor
7 Raymond Williams. Çidture arid S&titty...t op. cic. p. 4.
¥
I 6 E S T U D O S CULTURAIS P R I M E I R A L I Ç AO ! 7
que foi pensado e dito no mundo, e, por meio desse tonhcdmonto, a diz respeito àquele livre tratamento especulativo de todas as coisas, qm
capacidade de dedicar um pensamento renovado e livre a nossas noções pode um dia trazer benefícios a essa esfera, mas de uma forma neutra e
e h á bitos corriqueiros/ portanto ir resist ível /°
Para a coesão social , o melhor remédio não ê a justiça, mas a E o que vai encontrar o cr ítico com sua linguagem inocente?
poesia: Nada mats nada menos do que se esconde para todos os outros: a
A poesia tem um giande futuro, porque é na poesia , quando é digna
verdade e a cultura, O crítico vai vigiar o campo do humano e pre -
servado das; investidas dos jacobinos e dos partidários da ciência e
de seu elevado destino , que nossa raça , à medida que passa o tempo ,
do progresso material. Enquanto o mundo concreto n ão estiver
vai encontrar u nu apoio cada vez mm firme, N ío h á urna só cren ça que
nlo seja abalada , nem um só dogma que n ío seja question á vel , nem pronto para receber o humano, recorra se à força. Sua m áxima -
uma tradição que n ã o ameace se dissolver. Nossa religiã o se materiali - pol ítica vai embasar a posição reacioná ria de muito da crítica sub -
zou cm um fato, em um faio suposto, ela ligou a emoção a esse fato e ça até que o direito esteja pronto, e até que o
seq íiente: “ Use a for
agora esse fato está sendo desafiado, Mas para a poesia a id é ia é tudo: direito esteja pronto a ordem vigente das coisas é justificada, é o
governante legítimo” '.
1
o resto é um mundo de ilusão, de ilusio divina , A poesia lifp a emoção
I idéias a idéia é o fato / Com Arnold a tradição completa o processo de abstração do sen -
tido de cultura e a definição do papel do crítico: a verdadeira crítica
O preço a ser pago para que â cultura em geral e a poesia em par - é isenta; sua função, embora social , está apartada de todas as esferas
ti colar se desincusnbam desse papel também j á est á claro em .
onde efetivamente se dá a vida real Cabe a esse mundo de ‘"doçura e
Arnold . É preciso separar as esferas da cultura das da política e da lux \ pela ação do cr ítico, salvaguardar o campo do humano.
pr á tica. Para assegurar seu direito de ser a expressão de toda a Nas colocações de Arnold vai se forjando o molde que dar á
humanidade* a cr ítica da cultura, que na maioria dos casos para forma à pr á tica critica subsequente. Está montada aí a estrutura
Arnold é sinó nimo da critica literá ria, deve encontrar uma lingua - que perm li irá a disj unção de base da atuação da crítica da cultura
gem “ inocente” . Assim ele se expressa em seu The Function of Cri - em geral e da literá ria em particular: é o tribunal onde se aferem os
ticism at the Present Time (1864): valores de uma sociedade, sem no entanto se imiscuir nas polêmi -
cas e nos conflitos que definem esses valores, Est á dado o caminho
Onde poderemos encontrar uma linguagem que seja inocente o bastan-
que leva a um certo conformismo militante da cr ítica literá ria: é
te para evidenciar a pureza sem manchasde nossas inten ções? lenho para
mim que o crítico deve se manter afastado da prá tica imediata na esfera -
uma inst ância que se auto representa como radical, como de opo-
pol ítica, social e humanitá ria * se quiser estabelecer uma posição no que
sição aos valores vigentes, mas, na medida mesma em que se refu -
gia na abstração, sua atuação se dá no sentido de manter o estado
de coisas a que pensa se opor. Nesse sentido, a cr ítica da cultura nos
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.
Matmew Arnold- Culture andAuarrhy 11849) Republicado cm S. Cdllini (mg.). Culture
and Anarchy and ai& fr Cambridge, Cambridge University Press * 1.993» p. 53-1SB.
9 idem. The Smtfy vf Pbetry, Republicado cm Selected Writings* Ha*mmaiidjworth, Penguin.
lft
-
Idem * ibidem, p , 147 6 .
1970* p. 340 . 11 Idem * ibidem, p. 138.
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moldes preconizados por Arnold realiza os ideais dc Burke, para ditos grandes, o poeta concede: cultura é mais do que literatura e
quem era preciso que a cultura ajudasse a conter “ a multid ão imun - as outras artes, é , como queriam os de ímpetos mais democratizan-
da” que estaria pronta para pisotear "a luz e o saber ” . tes, nao o apan ágio de uns poucos homens cultos, mas de todo um
Nao é a toa que Arnold é considerado o fundador da crítica lite- modo de vida Esse um argumento dos que pretendiam valorizar,
*
rá ria inglesa contempor â nea, a figura que faz a ligação histó rica dos por exemplo, as produções culturais das classes trabalhadoras. Mas
temas da cultura e da sociedade Como Burke, ele insiste no papel
* essa ê nfase democr á tica , de estender o conceito para abarcar todas
da tradição cultural de funcionar como um cimento social, ligan - as estruturações de significados c valores de uma sociedade, logo é
do partes em conflito. Como os poetas rom â nticos, reserva um anulada por meio da introdução de graus de acesso e de treinamen-
papel especial íssimo para a literatura . Corno Coleridge, separa cul- to. Para cura dos males da sociedade contemporâ nea , Eíiot defen -
—-
tura o mundo dos valores espirituais e da criatividade e civili
za çã o o mundo material e mecâ nico da mesmice. Defende ,
— - de um sistema hierá rquico que, lido hoje, d á not ícia da força da
ideologia de raça e indivíduos superiores que tanto dano causou
ainda, a cria ção de uma casta, a reedição da clerezia preconizada durante a Segunda Guerra Mundial:
por Coleridge, a classe que deveria ser treinada para manter vivo o
mundo da doç ura e da luz. Parccer - mc-ia que na medida cm que aperfeiçoarmos os modos de iden -
A geração seguinte à dc Arnold , enfocada na Parte II de Culture tificar na mais tenra idade, educar para seu papel no fururo, c colocar cm
and Society, que cobre os anos de 1880 a 1914, mantém as linhas posições dc comando esse* indivíduos que formaria as elites, todas as dis -
gerais da tradição. É no século XX, com o exame de como essa tradi- tin ções anteriores <k classe c de hierarquia se tomarã o um mero vest ígio
ção desemboca no trabalho de pensadores influentes como o poeta, ou simples sombra , e a ú nica distin ção de n ível social ser á entre as elites e
o resto da comunidade, a menos que, como pode ocorrer, vá haver uma
crítico e teatrólogoT S Eliot e dos crí ticos literá rios F, ÍL Leavis e I ,
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