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Resumo
Introdução
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referências teóricas e técnicas compatíveis com as novas diretrizes políticas de atenção à
saúde mental.
No campo da reforma psiquiátrica, onde se percebe a atuação de diversos
saberes, encontra-se a formulação de programas baseados no modelo de reabilitação
psicossocial, em que são oferecidos aos indivíduos incapacitados e debilitados a
“oportunidade de atingir o seu nível potencial de funcionamento independente na
comunidade. (...) Inclui assistência no desenvolvimento das aptidões sociais, interesses e
atividades de lazer que dão um senso de participação e de valor pessoal” (Organização
Mundial de Saúde, 2001, p. 94).
De acordo com a nova legislação brasileira de saúde mental, fundamentada na Lei
10.216, de autoria do deputado Paulo Delgado (PT-MG), que entrou em vigor em 6 de abril
de 2001, o sistema de atendimento a pessoas com transtorno mental passa a ter como
princípio norteador a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por recursos extra-
hospitalares, tais como os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e NAPS (Núcleo de
Atenção Psicossocial), Lares Abrigados, Casas de Acolhimento e Hospitais Gerais. Nesse
sentido, busca-se oferecer aos pacientes psiquiátricos um tratamento mais amplo e de
melhor qualidade, em que a internação só ocorra quando os recursos extra-hospitalares se
mostrarem insuficientes. Para tanto, é primordial um maior investimento na rede de apoio
social no intuito de que esta se implique no tratamento, já que toda pessoa portadora de
transtorno mental deve “ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no
trabalho e na comunidade” (Ministério da Saúde, 2004, p. 17).
Essa reorientação do modelo de assistência em saúde mental inaugura, dessa
forma, um novo olhar sobre as abordagens dos transtornos mentais marcado pela crítica ao
reducionismo biologizante, em que a internação dos pacientes e a utilização indiscriminada
dos psicofármacos se constituem na única estratégia terapêutica eficaz. Assim, o progresso
das neurociências e da psicofarmacologia apontam para a importância de se demarcar um
limite ético no questionamento das práticas que incidem sobre o sofrimento do paciente
psiquiátrico (Assad et all, 2003).
A abordagem psicossocial, nesse contexto, mostra-se como peça chave no trato
com a loucura, em virtude de uma das principais questões que se colocam diante do sujeito
psicótico dizer respeito à formação de vínculos e conseqüente exclusão social. Esse sujeito,
por ter uma acentuada dificuldade de estar no mundo com o outro, tende a formar vínculos
sociais muito frágeis. Acrescido a isso, há o próprio embaraço do outro em lidar com ele, já
que o louco torna flagrante a loucura que há em cada um. Esses dois fatores favorecem a
exclusão do psicótico através de sua internação em hospitais psiquiátricos. Esse
afastamento do convívio social e as precárias condições de tratamento, por sua vez,
cronificam o quadro patológico, tornando o retorno do paciente à sociedade ainda mais
árduo.
A vulnerabilidade relacional do psicótico está alicerçada na forma de estruturação
psíquica desse sujeito. Bleger (1977) considera que o homem, no início de seu
desenvolvimento enquanto sujeito, passa por um período de indiferenciação primitiva, em
que não consegue estabelecer um limite entre si e o mundo externo. Ainda que não haja
essa distinção, cabe salientar que se trata não de um estado de indiferenciação, mas de
uma organização particular que inclui, sempre, o sujeito e o meio que o circunda. Quando a
personalidade adulta organiza-se a partir da persistência de núcleos dessa etapa inicial
(núcleos aglutinados), tem-se o surgimento de uma personalidade ambígua, com traços,
simultaneamente, de simbiose e autismo.
Para uma melhor compreensão desses dois fenômenos, faz-se necessário um
breve comentário acerca dos conceitos de depositante, depositado e depositário, oriundos
dos estudos de Pichon Rivière (apud Bleger, 1977). O tripé por ele formulado é composto
por um sujeito (depositante) que projeta determinado conteúdo (material depositado) sobre o
outro ou si mesmo (depositário), uma vez que a introjeção do mesmo pode causar
desestabilização psíquica (BLEGER, 1977).
Por considerar o outro ou como um enigma ou como uma extensão de si mesmo, o
psicótico tem visíveis dificuldades vinculares, orientando-se ora por uma postura autista ora
por uma simbiótica. Bleger (1977) postula que a primeira caracteriza-se por um isolamento
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do ambiente externo e predomínio relativo ou absoluto da vida interior, que reflete uma
conduta defensiva diante de situações persecutórias. O vínculo, nesse caso, é,
fundamentalmente, de caráter narcísico, pelo fato de predominar uma relação com objetos
internos.
A conduta simbiótica, em contrapartida, é marcada por um vínculo de dependência
intensa com um objeto externo, ocorrendo uma projeção de parte do ego do indivíduo nesse
objeto. Há, na realidade, uma identificação projetiva entre o psicótico e o objeto, que tem por
finalidade manter um certo nível de organização e satisfazer as necessidades do âmbito
mais primitivo da personalidade do sujeito (Bleger, 1977).
Tanto a simbiose quanto o autismo são exemplos de vínculos narcísicos e,
portanto, constituem relações com objetos internos, que objetivam assegurar a satisfação do
princípio do prazer e proteger tais objetos da intromissão da realidade externa. Ambas
coexistem no modo de funcionamento do sujeito psicótico, podendo haver três formas de
ascendência de uma sobre a outra: ou há predomínio absoluto ou relativo, havendo ainda a
possibilidade de ambas se alternarem no modo de funcionamento psíquico do sujeito
(Bleger, 1977, p. 20).
Entendendo a psicose como um fenômeno psíquico de intensas ressonâncias
sociais, em que a questão da vinculação dos sujeitos se coloca de forma crítica, considera-
se a necessidade de intensificação de cuidados direcionados a reforçar os laços sociais
destes indivíduos em seus contextos relacionais. A reconstrução da cidadania dessas
pessoas visa a assegurar-lhes uma participação digna, honesta e verdadeira, consistindo na
tentativa de criação de um espaço em que possam expressar a dimensão política do seu
discurso (Garfunkel, s.d., p. 21).
Para tanto, o trabalho do PIC é realizado com base nos princípios do
acompanhamento terapêutico, que consiste num novo modo de manejo clínico, pautado nas
reflexões de Winnicott acerca das intervenções no campo da Psicanálise. Nessa
abordagem, a atuação do terapeuta se dá não só através da palavra, mas também pela
utilização de objetos da cultura. O manejo clínico objetiva possibilitar ao sujeito a
simbolização de alguma questão existencial e/ou o desenvolvimento de alguma função
psíquica (Barreto, 2000, p. 17) por meio de uma intervenção que não se restrinja à prática
puramente clínica, alcançando um caráter também social.
O acompanhamento terapêutico constitui-se, portanto, numa peça fundamental à
desinstitucionalização dos pacientes, ao se utilizar dos espaços públicos como alargamento
do campo possível de tratamento e, desse modo, dar visibilidade à doença mental, além de
possibilitar a reorganização subjetiva e social dos pacientes através de dispositivos e
estratégias terapêuticas descentradas de seu antigo aspecto assistencial (Pelliccioli,
Guareschi & Bernardes, s.d.).
Barreto (2000) descreve onze funções inerentes ao trabalho do acompanhante
terapêutico: holding, continência, apresentação de objeto, handling, desilusão, interdição,
interlocução dos desejos e angústias, discriminação de campos semânticos, função
especular, função de aliviar as ansiedades persecutórias e função de servir de modelo de
identificação.
A função de holding refere-se ao apoio e amparo, tanto físicos quanto psíquicos,
oferecidos pelo acompanhante terapêutico (AT) como forma de propiciar ao acompanhado a
experiência de constância e continuidade através de uma atitude empática. A continência,
por sua vez, embora guarde semelhanças com a função anteriormente descrita,
corresponde à capacidade de o AT ajudar a manter as experiências do sujeito dentro de
limites suportáveis, por lhe apresentar novas possibilidades de simbolização. Do contrário,
corre-se o risco de transbordamento de afetos, emoções e impulsos, como se, por exemplo,
o sujeito fosse possuído por sua ansiedade e não apenas a possuísse (Barreto, 2000).
Outra função, a de apresentação de objeto, diz respeito ao oferecimento, por parte
do AT, de possibilidades de que o acompanhado entre em contato com um dado objeto,
permita-se utilizá-lo e possa, por fim, separar-se dele sem que isso se constitua numa
experiência disruptiva. As experiências do sujeito passam, portanto, a ser vivenciadas de
modo completo, isto é, passam a ter inicio, meio e fim. Já a função de manipulação corporal
(handling) trata da leitura do corpo do acompanhado a partir do próprio corpo, possibilitando
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que ele vivencie suas necessidades corporais de modo a integrar psique e soma (Barreto,
2000).
A desilusão ou capacidade de discriminação relaciona-se à possibilidade de
utilização de uma situação potencialmente frustrante e desagregadora, como forma de
enriquecer o campo de experiências do acompanhado. Assim ele torna-se capaz de
suportar suas angústias e frustrações, ao tempo em que pode alcançar uma melhor noção
de realidade subjetiva e realidade compartilhada. Como auxiliar do processo anterior existe
a interdição, que ocorre quando o AT exerce a função paterna, barrando uma situação
potencialmente satisfatória. Para que essa ação tenha o efeito desejado, é necessário que o
sujeito já tenha vivenciado uma experiência de satisfação anterior (Barreto, 2000).
A função de interlocução de desejos e angústias trata do processo por meio do
qual, através de conversas, o acompanhado pode elaborar seus conteúdos e questões
subjetivas. Por meio da discriminação de campos semânticos, o AT pode auxiliar o sujeito a
ampliar sua consciência a respeito de si e do mundo, ao lhe apresentar novas categorias de
significação. A função especular efetiva-se no momento em que o acompanhado identifica
no AT, ou em algum objeto da cultura, algum aspecto de si mesmo. Já o apaziguamento das
ansiedades persecutórias consiste no aumento, por parte do acompanhado, da percepção
de si e do mundo e conseqüente redução dos fenômenos alucinatórios. Por fim, a função do
AT como modelo de identificação opera na ampliação dos repertórios de vinculação e dos
mecanismos de defesa, fornecendo ao acompanhado diferentes modos de atuar e reagir
diante dos percalços que permeiam seu cotidiano (Barreto, 2000).
Metodologia
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uma mudança na forma de lidar com o mesmo, já que os cuidadores podem vislumbrar
novas possibilidades de interação e deixar de lado vícios adquiridos ao longo dos anos,
muitas vezes nocivos ao desenvolvimento da sociabilidade e autonomia do paciente.
Nas atividades externas, são realizados, periodicamente, passeios terapêuticos em
diversos locais da cidade, iniciativas legitimadoras do convívio social e do exercício dos
direitos e deveres, que viabilizam o aumento da autonomia e o sentimento de pertença
grupal dos pacientes. Estas vivências objetivam ainda dar visibilidade à psicose,
possibilitando uma diminuição do estigma social que a envolve, ao levá-la a espaços
públicos como shoppings, praias, museus, cinema, zoológico etc.
É realizado, igualmente, acompanhamento a consultas psiquiátricas, que se
apresenta como um importante espaço de interlocução entre saberes que atuam na saúde
mental, possibilitando uma maior compreensão do fenômeno da psicose, por promover uma
interação entre seus aspectos fisioquímico e psicossocial.
Devido às dificuldades enfrentadas pelos pacientes no manejo de questões
relativas à cidadania, também é prestado um auxílio nessa área. Os participantes do
programa são acompanhados pelos estagiários em tarefas como tirar documentos, dar
entrada a benefício e aposentadoria, além de serem realizadas denúncias ao Ministério
Público em casos de abandono.
Por fim, ocorrem, excepcionalmente, atendimentos individuais nos casos em que
são percebidas demandas por este tipo de serviço, seja por meio de atendimentos
psicoterápicos seja pela participação em oficinas terapêuticas ocupacionais.
Para dar suporte teórico às atividades desenvolvidas, acontece, semanalmente,
durante três horas, supervisão coletiva com o Professor do Departamento de Psicologia da
UFBA e Doutor em Saúde Coletiva Marcus Vinicius Oliveira e a Professora de Terapia
Ocupacional Eduarda Santos (FDC). Nesta atividade, são apresentados, pelos estagiários,
seminários teóricos acerca do tema da psicose, acompanhamento terapêutico, encontros
grupais, etc.; sendo realizadas discussões sobre o texto exposto. Além disso, os casos
atendidos pelo programa são apresentados e debatidos.
Resultados e Discussão
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legal. Embora não tenha havido essa modificação de tutela, o irmão do paciente foi obrigado
a repassar-lhe os recursos necessários a sua sobrevivência digna.
Ainda é digna de nota a experiência dos grupos semanais, realizados no Hospital
Especializado Mario Leal, que evidencia a importância desses encontros na criação e
fortalecimento de laços sociais entre os pacientes, na promoção de discussões sobre temas,
em geral, relacionados ao transtorno mental e suas repercussões na vida dos pacientes e
familiares; e, por fim, na produção de continência, que constitui uma experiência psíquica de
contorno, limite, possibilitada pela alteridade, ajudando o sujeito a se sentir mais organizado.
Ademais, vale salientar que a atuação no Programa de Intensificação de Cuidados
permite aos estudantes um amadurecimento pessoal e profissional, uma vez que é possível
entrar em contato com diferentes realidades sociais e sobretudo subjetivas. Isso porque se
deparar com a psicose nos põe diante da nossa própria fragilidade, sendo esta condição
fundamental à compreensão da fragilidade do outro. Dessa forma, pode-se obter um
entendimento mais abrangente do ser humano e de suas idiossincrasias, o que enriquece
muito a nossa formação, conferindo-lhe consistência e uma gama de conhecimentos mais
coesa. Além disso, é possível adquirir uma visão consonante com as novas diretrizes
políticas de atuação em saúde mental e devidamente voltada para a influência dos aspectos
sociais na vida e subjetividade dos indivíduos.
Conclusão
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Referências
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