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Programa de Intensificação de Cuidados a Pacientes

Psicóticos: Uma experiência de intervenção psicossocial

Autoria: Allann da Cunha Carneiro - allannc@hotmail.com


Lygia Silva Pedreira de Freitas - lspdf@yahoo.com.br
Marcus Vinícius Oliveira – matraga2@uol.com.br
Instituição: Universidade Federal da Bahia – UFBA, Brasil

Resumo

Este artigo objetiva descrever o Programa de Intensificação de Cuidados, vinculado


ao Hospital Especializado Mário Leal e cuja duração já passa de um ano e meio. Esse
programa coaduna-se com as novas diretrizes políticas de atenção à saúde mental e atende
pacientes psicóticos, jovens, sem muitas perdas cognitivas; que tenham alguém de
referência e um histórico de reinternações freqüentes, sobretudo por motivações sociais. A
clientela é proveniente da internação e ambulatório do HEML, selecionada e indicada pelos
profissionais destes setores, com base nos critérios supracitados. Tem-se como perspectiva
teórica e prática uma clínica psicossocial da psicose, que visa a proporcionar aos pacientes
inscritos uma ação intensiva dirigida aos aspectos da sociabilidade e das vinculações
sociais, com vistas à melhoria da continência social e da qualidade de vida dos mesmos.
Para tanto, são realizados encontros de grupo semanais, visitas domiciliares, reuniões com
cuidadores, etc. Os resultados dessa experiência têm apontado para uma melhora
significativa no quadro clínico dos pacientes, com aumento de sua autonomia e redução das
internações e das crises; busca por outros recursos terapêuticos que não a internação,
fortalecimento dos vínculos sociais e ampliação das redes sociais de apoio, além de um
significativo amadurecimento pessoal e profissional dos estagiários.

Introdução

O Programa de Intensificação de Cuidados (PIC) foi inaugurado em janeiro de


2004 no Hospital Especializado Mário Leal, situado no bairro do IAPI, em Salvador. O PIC
integra o programa de estágio supervisionado de Psicologia e Terapia Ocupacional, a partir
de uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia e a Fundação para
Desenvolvimento das Ciências com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Uma equipe
multidisciplinar, que inicialmente era composta por estudantes de Psicologia (UFBa) e
Terapia Ocupacional (FDC) e atualmente conta também com um estudante de medicina
(UFBA), atende, há mais de um ano e meio, pacientes psicóticos que já utilizavam serviços
tradicionais em saúde mental do S.U.S., como internações, emergências e serviços
ambulatoriais psiquiátricos.
Este programa insere-se na perspectiva de uma clínica psicossocial da psicose e
tem por objetivo proporcionar aos pacientes inscritos uma ação intensiva dirigida aos
aspectos da sociabilidade e das vinculações sociais, com vistas à melhoria da continência
social e da qualidade de vida dos mesmos. Busca-se, sob esta perspectiva, interferir na
dinâmica da “carreira manicomial” dos pacientes, diminuindo a recorrência das internações;
fortalecer as redes sociais dos mesmos, ampliando os suportes extra-assistenciais de base
familiar e comunitária; colaborar com os objetivos assistenciais da unidade por via da
promoção de discussões e seminários teóricos, bem como ampliar os recursos humanos
disponíveis por via do trabalho dos estagiários e supervisores; e, por fim, contribuir para a
formação profissional dos estagiários no campo da clínica psicossocial, oferecendo as

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referências teóricas e técnicas compatíveis com as novas diretrizes políticas de atenção à
saúde mental.
No campo da reforma psiquiátrica, onde se percebe a atuação de diversos
saberes, encontra-se a formulação de programas baseados no modelo de reabilitação
psicossocial, em que são oferecidos aos indivíduos incapacitados e debilitados a
“oportunidade de atingir o seu nível potencial de funcionamento independente na
comunidade. (...) Inclui assistência no desenvolvimento das aptidões sociais, interesses e
atividades de lazer que dão um senso de participação e de valor pessoal” (Organização
Mundial de Saúde, 2001, p. 94).
De acordo com a nova legislação brasileira de saúde mental, fundamentada na Lei
10.216, de autoria do deputado Paulo Delgado (PT-MG), que entrou em vigor em 6 de abril
de 2001, o sistema de atendimento a pessoas com transtorno mental passa a ter como
princípio norteador a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por recursos extra-
hospitalares, tais como os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e NAPS (Núcleo de
Atenção Psicossocial), Lares Abrigados, Casas de Acolhimento e Hospitais Gerais. Nesse
sentido, busca-se oferecer aos pacientes psiquiátricos um tratamento mais amplo e de
melhor qualidade, em que a internação só ocorra quando os recursos extra-hospitalares se
mostrarem insuficientes. Para tanto, é primordial um maior investimento na rede de apoio
social no intuito de que esta se implique no tratamento, já que toda pessoa portadora de
transtorno mental deve “ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no
trabalho e na comunidade” (Ministério da Saúde, 2004, p. 17).
Essa reorientação do modelo de assistência em saúde mental inaugura, dessa
forma, um novo olhar sobre as abordagens dos transtornos mentais marcado pela crítica ao
reducionismo biologizante, em que a internação dos pacientes e a utilização indiscriminada
dos psicofármacos se constituem na única estratégia terapêutica eficaz. Assim, o progresso
das neurociências e da psicofarmacologia apontam para a importância de se demarcar um
limite ético no questionamento das práticas que incidem sobre o sofrimento do paciente
psiquiátrico (Assad et all, 2003).
A abordagem psicossocial, nesse contexto, mostra-se como peça chave no trato
com a loucura, em virtude de uma das principais questões que se colocam diante do sujeito
psicótico dizer respeito à formação de vínculos e conseqüente exclusão social. Esse sujeito,
por ter uma acentuada dificuldade de estar no mundo com o outro, tende a formar vínculos
sociais muito frágeis. Acrescido a isso, há o próprio embaraço do outro em lidar com ele, já
que o louco torna flagrante a loucura que há em cada um. Esses dois fatores favorecem a
exclusão do psicótico através de sua internação em hospitais psiquiátricos. Esse
afastamento do convívio social e as precárias condições de tratamento, por sua vez,
cronificam o quadro patológico, tornando o retorno do paciente à sociedade ainda mais
árduo.
A vulnerabilidade relacional do psicótico está alicerçada na forma de estruturação
psíquica desse sujeito. Bleger (1977) considera que o homem, no início de seu
desenvolvimento enquanto sujeito, passa por um período de indiferenciação primitiva, em
que não consegue estabelecer um limite entre si e o mundo externo. Ainda que não haja
essa distinção, cabe salientar que se trata não de um estado de indiferenciação, mas de
uma organização particular que inclui, sempre, o sujeito e o meio que o circunda. Quando a
personalidade adulta organiza-se a partir da persistência de núcleos dessa etapa inicial
(núcleos aglutinados), tem-se o surgimento de uma personalidade ambígua, com traços,
simultaneamente, de simbiose e autismo.
Para uma melhor compreensão desses dois fenômenos, faz-se necessário um
breve comentário acerca dos conceitos de depositante, depositado e depositário, oriundos
dos estudos de Pichon Rivière (apud Bleger, 1977). O tripé por ele formulado é composto
por um sujeito (depositante) que projeta determinado conteúdo (material depositado) sobre o
outro ou si mesmo (depositário), uma vez que a introjeção do mesmo pode causar
desestabilização psíquica (BLEGER, 1977).
Por considerar o outro ou como um enigma ou como uma extensão de si mesmo, o
psicótico tem visíveis dificuldades vinculares, orientando-se ora por uma postura autista ora
por uma simbiótica. Bleger (1977) postula que a primeira caracteriza-se por um isolamento

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do ambiente externo e predomínio relativo ou absoluto da vida interior, que reflete uma
conduta defensiva diante de situações persecutórias. O vínculo, nesse caso, é,
fundamentalmente, de caráter narcísico, pelo fato de predominar uma relação com objetos
internos.
A conduta simbiótica, em contrapartida, é marcada por um vínculo de dependência
intensa com um objeto externo, ocorrendo uma projeção de parte do ego do indivíduo nesse
objeto. Há, na realidade, uma identificação projetiva entre o psicótico e o objeto, que tem por
finalidade manter um certo nível de organização e satisfazer as necessidades do âmbito
mais primitivo da personalidade do sujeito (Bleger, 1977).
Tanto a simbiose quanto o autismo são exemplos de vínculos narcísicos e,
portanto, constituem relações com objetos internos, que objetivam assegurar a satisfação do
princípio do prazer e proteger tais objetos da intromissão da realidade externa. Ambas
coexistem no modo de funcionamento do sujeito psicótico, podendo haver três formas de
ascendência de uma sobre a outra: ou há predomínio absoluto ou relativo, havendo ainda a
possibilidade de ambas se alternarem no modo de funcionamento psíquico do sujeito
(Bleger, 1977, p. 20).
Entendendo a psicose como um fenômeno psíquico de intensas ressonâncias
sociais, em que a questão da vinculação dos sujeitos se coloca de forma crítica, considera-
se a necessidade de intensificação de cuidados direcionados a reforçar os laços sociais
destes indivíduos em seus contextos relacionais. A reconstrução da cidadania dessas
pessoas visa a assegurar-lhes uma participação digna, honesta e verdadeira, consistindo na
tentativa de criação de um espaço em que possam expressar a dimensão política do seu
discurso (Garfunkel, s.d., p. 21).
Para tanto, o trabalho do PIC é realizado com base nos princípios do
acompanhamento terapêutico, que consiste num novo modo de manejo clínico, pautado nas
reflexões de Winnicott acerca das intervenções no campo da Psicanálise. Nessa
abordagem, a atuação do terapeuta se dá não só através da palavra, mas também pela
utilização de objetos da cultura. O manejo clínico objetiva possibilitar ao sujeito a
simbolização de alguma questão existencial e/ou o desenvolvimento de alguma função
psíquica (Barreto, 2000, p. 17) por meio de uma intervenção que não se restrinja à prática
puramente clínica, alcançando um caráter também social.
O acompanhamento terapêutico constitui-se, portanto, numa peça fundamental à
desinstitucionalização dos pacientes, ao se utilizar dos espaços públicos como alargamento
do campo possível de tratamento e, desse modo, dar visibilidade à doença mental, além de
possibilitar a reorganização subjetiva e social dos pacientes através de dispositivos e
estratégias terapêuticas descentradas de seu antigo aspecto assistencial (Pelliccioli,
Guareschi & Bernardes, s.d.).
Barreto (2000) descreve onze funções inerentes ao trabalho do acompanhante
terapêutico: holding, continência, apresentação de objeto, handling, desilusão, interdição,
interlocução dos desejos e angústias, discriminação de campos semânticos, função
especular, função de aliviar as ansiedades persecutórias e função de servir de modelo de
identificação.
A função de holding refere-se ao apoio e amparo, tanto físicos quanto psíquicos,
oferecidos pelo acompanhante terapêutico (AT) como forma de propiciar ao acompanhado a
experiência de constância e continuidade através de uma atitude empática. A continência,
por sua vez, embora guarde semelhanças com a função anteriormente descrita,
corresponde à capacidade de o AT ajudar a manter as experiências do sujeito dentro de
limites suportáveis, por lhe apresentar novas possibilidades de simbolização. Do contrário,
corre-se o risco de transbordamento de afetos, emoções e impulsos, como se, por exemplo,
o sujeito fosse possuído por sua ansiedade e não apenas a possuísse (Barreto, 2000).
Outra função, a de apresentação de objeto, diz respeito ao oferecimento, por parte
do AT, de possibilidades de que o acompanhado entre em contato com um dado objeto,
permita-se utilizá-lo e possa, por fim, separar-se dele sem que isso se constitua numa
experiência disruptiva. As experiências do sujeito passam, portanto, a ser vivenciadas de
modo completo, isto é, passam a ter inicio, meio e fim. Já a função de manipulação corporal
(handling) trata da leitura do corpo do acompanhado a partir do próprio corpo, possibilitando

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que ele vivencie suas necessidades corporais de modo a integrar psique e soma (Barreto,
2000).
A desilusão ou capacidade de discriminação relaciona-se à possibilidade de
utilização de uma situação potencialmente frustrante e desagregadora, como forma de
enriquecer o campo de experiências do acompanhado. Assim ele torna-se capaz de
suportar suas angústias e frustrações, ao tempo em que pode alcançar uma melhor noção
de realidade subjetiva e realidade compartilhada. Como auxiliar do processo anterior existe
a interdição, que ocorre quando o AT exerce a função paterna, barrando uma situação
potencialmente satisfatória. Para que essa ação tenha o efeito desejado, é necessário que o
sujeito já tenha vivenciado uma experiência de satisfação anterior (Barreto, 2000).
A função de interlocução de desejos e angústias trata do processo por meio do
qual, através de conversas, o acompanhado pode elaborar seus conteúdos e questões
subjetivas. Por meio da discriminação de campos semânticos, o AT pode auxiliar o sujeito a
ampliar sua consciência a respeito de si e do mundo, ao lhe apresentar novas categorias de
significação. A função especular efetiva-se no momento em que o acompanhado identifica
no AT, ou em algum objeto da cultura, algum aspecto de si mesmo. Já o apaziguamento das
ansiedades persecutórias consiste no aumento, por parte do acompanhado, da percepção
de si e do mundo e conseqüente redução dos fenômenos alucinatórios. Por fim, a função do
AT como modelo de identificação opera na ampliação dos repertórios de vinculação e dos
mecanismos de defesa, fornecendo ao acompanhado diferentes modos de atuar e reagir
diante dos percalços que permeiam seu cotidiano (Barreto, 2000).

Metodologia

O PIC conta com a participação, preferencialmente, de pacientes psicóticos,


jovens, sem muitas perdas cognitivas; que tenham alguém de referência (alguém de sua
rede social que invista nele) e um histórico de reinternações freqüentes, sobretudo por
motivações sociais. A clientela é de baixa renda e proveniente da internação e ambulatório
do HEML, selecionada e indicada pelos profissionais destes setores, com base nos critérios
acima definidos.
O Programa de Intensificação de Cuidados efetiva-se por meio de algumas
atividades tais como: visitas domiciliares, encontros grupais, reuniões com cuidadores,
acompanhamento a consultas, atividades externas, assessoria em questões de cidadania e
atendimentos individuais.
As visitas domiciliares consistem em contatos sistemáticos com a dinâmica familiar
e o entorno social mais próximo dos pacientes. Cada um deles é visitado regularmente por
uma dupla de estagiários que cuida de forma mais próxima e intensa das peculiaridades de
cada caso. Essa aproximação possibilita intervenções mais fundamentadas nas interações
desses pacientes junto a seus familiares, amigos e cuidadores. Assim, torna-se possível
interferir nos padrões de relacionamento objetais que podem estar trazendo dificuldades à
sociabilidade. Além disso, pode-se também apreciar os recursos sociais e institucionais aos
quais os cuidadores recorrem em momentos de crise e, dessa forma, intervir de modo mais
eficaz no manejo destas situações.
Outra atividade desenvolvida no programa diz respeito aos encontros grupais, que
constituem espaços de troca de experiências semanais cujo objetivo é ampliar o espaço de
convivência entre os participantes do programa, além de estimular e fortalecer sua
sociabilidade. Para tanto, são realizadas diversas atividades, que incluem vivências
corporais através de dança e dramatizações, trazendo à tona aspectos significativos do
cotidiano dos participantes; e discussões sobre temas variados, como autonomia, projetos
de vida, relações familiares, uso e efeitos das medicações, dentre outros.
Ainda são efetuadas reuniões mensais com cuidadores, em que a troca de
experiências abre espaço para o compartilhamento de dúvidas, preocupações, crenças e
sugestões acerca do manejo da psicose. É muito freqüente familiares relatarem vivências
que são comuns a outros participantes, criando, assim, um ambiente de acolhimento e
cumplicidade que favorece sobremaneira o convívio deles com os que estão sob seus
cuidados. Ao mesmo tempo, viabiliza-se uma relativa desmistificação do transtorno mental e

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uma mudança na forma de lidar com o mesmo, já que os cuidadores podem vislumbrar
novas possibilidades de interação e deixar de lado vícios adquiridos ao longo dos anos,
muitas vezes nocivos ao desenvolvimento da sociabilidade e autonomia do paciente.
Nas atividades externas, são realizados, periodicamente, passeios terapêuticos em
diversos locais da cidade, iniciativas legitimadoras do convívio social e do exercício dos
direitos e deveres, que viabilizam o aumento da autonomia e o sentimento de pertença
grupal dos pacientes. Estas vivências objetivam ainda dar visibilidade à psicose,
possibilitando uma diminuição do estigma social que a envolve, ao levá-la a espaços
públicos como shoppings, praias, museus, cinema, zoológico etc.
É realizado, igualmente, acompanhamento a consultas psiquiátricas, que se
apresenta como um importante espaço de interlocução entre saberes que atuam na saúde
mental, possibilitando uma maior compreensão do fenômeno da psicose, por promover uma
interação entre seus aspectos fisioquímico e psicossocial.
Devido às dificuldades enfrentadas pelos pacientes no manejo de questões
relativas à cidadania, também é prestado um auxílio nessa área. Os participantes do
programa são acompanhados pelos estagiários em tarefas como tirar documentos, dar
entrada a benefício e aposentadoria, além de serem realizadas denúncias ao Ministério
Público em casos de abandono.
Por fim, ocorrem, excepcionalmente, atendimentos individuais nos casos em que
são percebidas demandas por este tipo de serviço, seja por meio de atendimentos
psicoterápicos seja pela participação em oficinas terapêuticas ocupacionais.
Para dar suporte teórico às atividades desenvolvidas, acontece, semanalmente,
durante três horas, supervisão coletiva com o Professor do Departamento de Psicologia da
UFBA e Doutor em Saúde Coletiva Marcus Vinicius Oliveira e a Professora de Terapia
Ocupacional Eduarda Santos (FDC). Nesta atividade, são apresentados, pelos estagiários,
seminários teóricos acerca do tema da psicose, acompanhamento terapêutico, encontros
grupais, etc.; sendo realizadas discussões sobre o texto exposto. Além disso, os casos
atendidos pelo programa são apresentados e debatidos.

Resultados e Discussão

No decorrer destes quase dois anos de Programa de Intensificação de Cuidados,


pode-se observar uma relevante melhora no quadro clínico da maioria dos pacientes
acompanhados, merecendo destaque a redução das reinternações e o aumento de sua
autonomia, assim como o fortalecimento de laços sociais. Mesmo nos casos em que houve
crises, os familiares, com a ajuda dos Ats, puderam lidar com a situação de uma forma mais
compreensiva e acolhedora, buscando outros recursos terapêuticos que não a internação.
Passaram a procurar o auxílio de autoridades religiosas de referência, como pastores e
padres; vizinhos e parentes; dos próprios acompanhantes terapêuticos; e da emergência
psiquiátrica. Com isso, a recuperação dos pacientes tem se tornado mais rápida, e diminui
não apenas no tempo em que ficam desestabilizados, como a intensidade das crises.
Pode-se perceber também um gradual e relevante incremento na autonomia e
inserção social de muitos pacientes. Alguns, por exemplo, que não saíam de casa ou só
saíam acompanhados passaram a freqüentar lugares públicos com maior regularidade e
grau de ansiedade reduzido. Houve um caso, inclusive, em que um paciente foi sozinho à
formatura de seus antigos acompanhantes. Outra paciente, cuja relação com a família e o
ex-marido era conflituosa em virtude da falta de compreensão, por parte deles, dos
problemas associados ao seu transtorno; deu início a um processo de reconciliação, e hoje
os visita com freqüência no interior da Bahia, onde residem.
Também tem se tornado possível notar as repercussões positivas da atuação dos
estagiários junto aos pacientes em questões relativas à cidadania. Um determinado
paciente, por exemplo, recebia uma aposentadoria da Marinha, mas permanecia vivendo em
situação precária, em razão de seu irmão, responsável judicialmente pelo recebimento da
quantia em questão, não arcar com as despesas relativas às suas necessidades básicas. Os
acompanhantes, então, entraram com uma ação no Ministério Público denunciando o
abandono sofrido pelo paciente e requerendo a substituição de seu irmão por outro tutor

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legal. Embora não tenha havido essa modificação de tutela, o irmão do paciente foi obrigado
a repassar-lhe os recursos necessários a sua sobrevivência digna.
Ainda é digna de nota a experiência dos grupos semanais, realizados no Hospital
Especializado Mario Leal, que evidencia a importância desses encontros na criação e
fortalecimento de laços sociais entre os pacientes, na promoção de discussões sobre temas,
em geral, relacionados ao transtorno mental e suas repercussões na vida dos pacientes e
familiares; e, por fim, na produção de continência, que constitui uma experiência psíquica de
contorno, limite, possibilitada pela alteridade, ajudando o sujeito a se sentir mais organizado.
Ademais, vale salientar que a atuação no Programa de Intensificação de Cuidados
permite aos estudantes um amadurecimento pessoal e profissional, uma vez que é possível
entrar em contato com diferentes realidades sociais e sobretudo subjetivas. Isso porque se
deparar com a psicose nos põe diante da nossa própria fragilidade, sendo esta condição
fundamental à compreensão da fragilidade do outro. Dessa forma, pode-se obter um
entendimento mais abrangente do ser humano e de suas idiossincrasias, o que enriquece
muito a nossa formação, conferindo-lhe consistência e uma gama de conhecimentos mais
coesa. Além disso, é possível adquirir uma visão consonante com as novas diretrizes
políticas de atuação em saúde mental e devidamente voltada para a influência dos aspectos
sociais na vida e subjetividade dos indivíduos.

Conclusão

Durante o desenvolvimento do Programa de Intensificação de Cuidados, a


proximidade com a psicose, a precariedade do SUS na Bahia, o persistente predomínio da
lógica manicomial e realidades sociais muito distintas com as quais estamos acostumados a
lidar possibilita-nos um aprendizado único, não só em termos profissionais como pessoais.
O contato com pacientes, em sua maioria psicóticos, gera um conhecimento desse
fenômeno psicossocial que ultrapassa em muito o obtido nos bancos da universidade.
Afinal, por mais fundamentação teórica que se adquira sobre esse saber, dificilmente ele
será contemplado de modo tão vasto quanto o é com a convivência cotidiana junto à
loucura.
Em relação às novas diretrizes políticas de assistência aos portadores de
transtorno mental, vale dizer que, na Bahia, por mais boa vontade que, eventualmente, se
tenha, o modelo de atenção em saúde mental ainda deixa muito a desejar. Não raro, os
pacientes ficam sem os medicamentos, em virtude de estarem em falta na farmácia do
hospital; sem falar nas consultas psiquiátricas, cujo intervalo entre uma e outra é muito
espaçado (em geral de quatro a cinco meses), todos esses fatores contribuindo para
dificultar a interação entre o tratamento médico e o psicossocial e, em conseqüência, o
sucesso terapêutico.
Assim, fica clara a persistência da lógica manicomial, pelo fato de, dadas as
dificuldades de se conseguir medicação e atendimento psiquiátrico, as crises psicóticas
terem maior probabilidade de acontecer, o que leva a família e os próprios hospitais
especializados a, em alguns casos, recorrerem em, primeira instância, ao internamento
como forma de conter e tratar os pacientes em surto.
Ademais, cabe ressaltar a dificuldade de enfrentamento de situações em que a
pobreza é alarmante, impondo uma necessária flexibilização e manejo por parte dos
acompanhantes terapêuticos. Houve ocasiões, por exemplo, em que alguns pacientes nos
pediam dinheiro emprestado, porque não tinham o que comer. Em outras, as circunstâncias
eram tão graves que exigiam providências urgentes, como quando uma paciente estava
com a casa para cair, em razão das fortes chuvas que assolavam a cidade. Esses casos
denotam a importância de se levar em conta os aspectos sociais que constituem, também, a
subjetividade dos indivíduos quando o que se pretende é o alcance de um tratamento
diferenciado e de qualidade.
O Programa de Intensificação de Cuidados funda, na Bahia, uma possibilidade de
construção de novas formas de intervenção, pensamento e reflexão acerca da assistência
em saúde mental, evidenciando a relevância de uma abordagem psicossocial para a
consecução deste objetivo.

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Referências

ASSAD et all. A Clínica da Psicose: Uma Articulação Necessária entre a Extensão


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www.prac.ufpb.br/anais/anais/saude/psicose.pdf. Acesso em: 10 de setembro de 2005.

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GARFUNKEL, J. L. Inclusão/Exclusão: Limites e Possibilidades desse Conceito. Instituto de


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GUARESCHI, N. M. F. ; BERNARDES, Anita Guazzelli ; PELLICCIOLI, Eduardo C . O


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Florianopólis : Rizoma, 2003.

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