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PUCRS

CURSO DE DIREITO

NELSON MONTEIRO SARMENTO SILVA

A NULIDADE RELATIVA NO PEDIDO DE DEMISSÃO

Porto Alegre
2017

NELSON MONTEIRO SARMENTO SILVA


A NULIDADE RELATIVA NO PEDIDO DE DEMISSÃO

Trabalho de conclusão apresentado à banca


examinadora como requisito à obtenção do
grau de Bacharel em Direito pela Faculdade
de Direito da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof.Me. Prof. Joao Vicente Rothfuchs

Porto Alegre
2017
NELSON MONTEIRO SARMENTO SILVA

A NULIDADE RELATIVA NO PEDIDO DE DEMISSÃO

Trabalho de conclusão apresentado à banca


examinadora como requisito à obtenção do
grau de Bacharel em Direito pela Faculdade
de Direito da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.

Aprovado em:......... de.............................de 2017.

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________

Prof. Me. Prof. Joao Vicente Rothfuchs


(Orientador)

_____________________________________

Profa. XXXXXXXXXXXXXXXXXX
Examinadora

_____________________________________

Prof. XXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Examinador

Porto Alegre
2017
RESUMO

O presente trabalho aborda a nulidade do pedido de demissão no âmbito da


dissolução contratual para o Direito do Trabalho, mais especificamente com relação
aos vícios de consentimento que podem levar à invalidade do negócio jurídico em
tela. Trata-se aqui, portanto, da nulidade referente à cessação contratual por uma
via excepcional: a dissolução por resilição de iniciativa do operário, que dá-se o
nome de demissão. Ademais, a doutrina e a Jurisprudência apontada argumentam
com base no princípio da continuidade. O princípio da continuidade visa atribuir à
relação de emprego a mais ampla duração possível. O presente labor examina de
modo cuidadoso o Ato Jurídico em seu Plano da Validade, bem como procura
classificar os diversos vícios de consentimento implicados no tema. Os julgados dos
Tribunais Trabalhistas e da Instância Superior têm reconhecido que a vontade do
empregado, muitas vezes, está viciada na formulação do pedido de demissão. A
Jurisprudência colacionada demonstra que o empregado muitas vezes é incitado,
por parte do empregador, a pedir demissão; outras vezes é compelido a pedi-la por
conta de irregularidades cometidas em desacordo com a legislação trabalhista e
contra a dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Pedido de demissão. Nulidade relativa. Ato jurídico. Plano da


Validade. Vícios. Princípio da Continuidade. Consolidação das Leis do Trabalho
(C.L.T). Lei nº 13.467.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................6

2 OS ATOS JURÍDICOS..............................................................................................8
2.1 Planos da existência, validade e eficácia...............................................................8
2.2 O vício de vontade como causa de nulidade dos atos jurídicos..........................22
2.2.1 Do erro...............................................................................................................22
2.2.2 Do dolo..............................................................................................................24
2.2.3 Da coação.........................................................................................................26
2.2.4 Do estado de perigo..........................................................................................29
2.2.5 Da lesão............................................................................................................30
2.2.6 Da fraude contra credores.................................................................................32

3 O PEDIDO DE DEMISSÃO.....................................................................................34
3.1 O princípio da continuidade da relação de emprego............................................34
3.2 Dissolução contratual por resilição de iniciativa do operário................................37
3.3 O vício de vontade no pedido de demissão.........................................................39

4 CONCLUSÃO.........................................................................................................44

REFERÊNCIAS..........................................................................................................47
6

1 INTRODUÇÃO

Ao falar da nulidade do pedido de demissão realizado pelo empregado


estamos diante de alguns problemas centrais a serem resolvidas. Primeiramente,
quais as razões que podem levar à invalidade desse ato jurídico perfeito (o pedido
de demissão)? Em quais princípios do Direito fundamentam-se tais razões? Por
último, a quem cabe o ônus de provar o vício de consentimento do pedido de
demissão?
A resposta a tais perguntas não se mostram indiferentes no plano fático.
Quando o empregado pede demissão não terá, necessariamente, o direito ao valor
do aviso prévio, à multa de 40% sobre o FGTS e o direito de saque do FGTS e nem
poderá solicitar o seguro-desemprego. Ademais, o empregado que pede demissão
sem o cumprimento do aviso prévio terá descontado o valor correspondente a um
salário de suas verbas rescisórias, de acordo com o art. 487 da C.L.T.
Por outro lado, a prática trabalhista demonstra que o empregado muitas vezes
é incitado, por parte do empregador, a pedir demissão; outras vezes é compelido a
pedi-la por conta de irregularidades cometidas em desacordo com a legislação
trabalhista e contra a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, os julgados dos
Tribunais Trabalhistas têm reconhecido que a vontade do empregado, muitas vezes,
está eivada de vício no momento da formulação do pedido de demissão. Assim, por
exemplo, os pedidos de nulidade do pedido de demissão têm tomado até um quarto
da pauta das varas do Trabalho do Tribunal de São Paulo1.
A divergência jurisprudencial neste tema também é constante. Situações
trabalhistas similares que originam reclamatórias sob a alegação de nulidade do
pedido de demissão têm decisões divergentes entre os julgados. Relatos que
caracterizam vício de consentimento para alguns Magistrados, não caracterizam
para outros. Assim, a exemplo, para a Sétima Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região, em Acórdão publicado em 25 de maio de 2012, o pedido de
demissão “formulada sob a ameaça de dispensa por justa causa do empregado
conforma-se à espécie tratada no art. 151 do Código Civil, tornando o ato anulável.
Afasta-se o pedido de demissão, por vício de consentimento, acolhendo-se a

1
FORTES, Olga Vishnevsky. Revista Consultor Jurídico, 6 de dezembro de 2015, 7h23.
<http://www.conjur.com.br/2015-dez-06/olga-fortes-interpretacao-ampliada-clt-efeito-indesejado>
7

modalidade de despedida sem justa causa”2; enquanto para a Décima Segunda


Turma do Tribunal Regional da 2ª Região, em Acórdão publicado em 08 de Outubro
de 2009, por sua vez, em caso análogo, o entendimento foi que “a iniciativa do
empregador de ameaçar o empregado de dispensá-lo por justa causa por si só não
configura coação á luz do disposto no art. 153 do Código Civil. Independente da
veracidade ou não da acusação de cometimento de falta grave, a simples ameaça
de dispensar o trabalhador por justa causa não configura coação”3.
A fim de explicar tais divergências é mister conceituar e classificar
adequadamente o que seria o pedido de demissão no plano jurídico, o que é o
objetivo do presente trabalho. Ora, o pedido de demissão é um negócio jurídico, o
que, por sua vez, é uma espécie do gênero ato jurídico lato sensu. No Direito
Romano a questão das nulidades dos atos jurídicos resolvia-se de forma distinta. O
ato jurídico inválido era considerado como inexistente. Não se tratava, portanto, de
deficiência do suporte fático, como temos agora no Direito pátrio, senão em sua
insuficiência, quer dizer, o suporte fático não entrava no mundo jurídico.
Pontes de Miranda explica, por outro lado, como se deu a evolução moderna,
in verbis:

“Quando a mudança de filosofia introduziu a diferença entre não-existir e


não-valer, a alteração consistiu em que se concebeu como podendo entrar
no mundo jurídico o suporte fáctico que antes não poderia entrar: a nulidade
passou a ser deficiência, e não insuficiência. Antes, somente, o que poderia
ser cassado, cair (caducidade), revogado, rescindido, resolvido, é que
entrava no mundo jurídico. O tido pro non scripto não era: não entrava no
mundo jurídico; nem hoje entra”4.

No direito pátrio há dois graus de invalidade: a nulidade absoluta e a nulidade


relativa. Prescinde-se aqui, neste aspecto, a discussão terminológica, adotando-se
simplesmente a distinção amplamente admitida pela Jurisprudência trabalhista,
embora ciente que não há uniformidade nem doutrinária nem legislativa quanto a
isso. Apenas registra-se que a nulidade absoluta muitas vezes é designada como
meramente nulidade e a nulidade relativa como anulabilidade.

2
TRT-3 - RO: 00843201101503000 0000843-28.2011.5.03.0015, Relator: Marcelo Lamego Pertence, Setima
Turma, Data de Publicação: 25/05/2012,24/05/2012. DEJT. Página 110. Boletim: Não.
3
TRT-2 - RECORD: 3734200609002009 SP 03734-2006-090-02-00-9, Relator: MARCELO FREIRE GONÇALVES,
Data de Julgamento: 08/10/2009, 12ª TURMA, Data de Publicação: 16/10/2009
4
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo IV (atualizado por Marcos Bernardes de
Mello e Marcos Ehrhardt Jr), 2013, pp. 62-63.
8

O presente trabalho restringe-se ao estudo da nulidade relativa, eis que no


âmbito dos pleitos trabalhistas a nulidade requerida, nos mais das vezes, é em razão
de algum vício de vontade. Por outra parte, o Código Civil, nos incisos de seu art.
171, apresenta sete causas de nulidade relativa, enquanto as seis últimas referem-
se aos chamados vícios da vontade, in verbis:

“Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio


jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou


fraude contra credores”.

Como se depreende da inteligência do artigo em tela, além desses citados, é


causa de nulidade relativa os defeitos dos atos resultantes de expressa imposição
legal. O presente trabalho aprofundará cada causa de nulidade relativa, bem como
referirá os defeitos dos atos jurídicos resultantes de expressa imposição da lei,
indicando, inclusive, o possível confronto doutrinal e jurisprudencial existente.

2 OS ATOS JURÍDICOS

2.1 Planos da existência, validade e eficácia

Ao nascermos e nos formarmos dentro de uma sociedade somos compelidos


a nos adequarmos a diversos valores e normas inseridos nesta mesma sociedade.
O homem é um animal social, e como tal não pode viver isolado perante à
sociedade. Essa conformação do nosso eu individual com relação à sociedade é o
que explica a necessidade do direito. O homem sozinho não tem necessidade do
direito, enquanto que o homem na presença de outro homem ou de alguma
comunidade qualquer torna as normas jurídicas imperiosas. Há diversos interesses e
possibilidades de conflitos e choques presentes nas relações humanas, pelo que se
fazem necessárias normas de condutas obrigatórias, para que a sociedade não se
torne caótica.
9

Disso decorre que a comunidade jurídica necessita valorar os fatos que


ocorrem no mundo, e destes delimita os que têm relevância para o relacionamento
humano. Desta decantação surgem os chamados fatos jurídicos. Segundo Lourival
Villanova os fatos jurídicos hão de ser subdivididos em eventos e condutas. O
doutrinador Marcos Bernardes de Mello explica a classificação adotada pelo critério
do referido pensador nos seguintes termos:

“(a) eventos são os puros fatos da natureza, aqueles que acontecem


independentemente de atuação humana ou, quando há presença dessa
atuação em sua concreção no mundo, essa resulta, exclusivamente, de sua
condição natural, biológica (como na concepção, no nascimento, na morte
de alguém, por exemplo); e (b) conduta, os atos humanos volitivos ou
mesmo avolitivos que não sejam decorrência exclusiva de sua natureza
animal”5.

Quando um fato interfere no relacionamento humano, a comunidade juridica


ditará uma norma para que se possa regular esse fato de importância na vida
humana em sociedade, além disso, atribui-lhe efeitos que refletem no plano da
convivência em sociedade. Mesmos os puros fatos da natureza podem possuir
importância e significado nas relações inter-subjetivas. Por exemplo, o fato da
avulsão em razão da repercusão que pode ter no relacionamento humano, vez que
há transferência de propriedade entre uma pessoa a outra por conta da terra avulsa,
é um fato jurídico em virtude da imputação que a norma jurídica lhe faz. Por outro
lado, por exemplo, a mera cortersia de um cumprimento entre vizinhos não cria
situação jurídica. Este mesmo fato em se tratando de militares, onde pode ser
punido o subordinado que se recusar a prestar continência, possui resultados
jurídicos. Pelo que é possível concluir que exlucivamente o fato que é regulado por
normas jurídicas pode ser considerado um fato jurídico. Em outras palavras: um fato
que gera direitos, deveres, pretenções, obrigações ou qualquer outro efeito jurídico.
O fato jurídico não é senão consequência da incidência da norma jurídica em
relação ao seu suporte fático quando, portanto, concretizado no mundo dos fatos.
Assim, por exemplo, o art. 2º do Código Civil que em sua primeira parte diz que “a
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida” constitui-se norma
jurídica que imputa ao fato do nascimento com vida de um ser humano o efeito

5
DE MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico – Plano da Existência, ed. 17ª, 2011, Saraiva, p. 38.
10

jurídico de reputá-lo pessoa para os fins de direito. Neste sentido, assim leciona o
ilustre doutrinador Marcos Bernardes de Mello:

“Quando dizemos que a norma jurídica em si é algo abstrato, queremos


destacar que ela consubstancia a previsão de uma hipótese em que se
estima a ocorrência de certa situação fáctica. Nada impede, porém, que os
fatos por ela previstos jamais se concretizem no mundo e, em decorrência,
as consequências jurídicas a eles imputadas (eficácia jurídica) nunca virão a
realizar-se. Isso, no entanto, é raro, raríssimo, podemos dizer. De ordinário,
a norma jurídica se realiza no mundo social pela concreção do seu suporte
fáctico (= ocorrência dos fatos previstos) e pelo comportamento social de
acordo com os seus ditames (= realização das consequências)”6.

Ao se falar do plano da existência do fato jurídico é mister, portanto, o estudo


dos elementos estruturais da Normas Jurídica, quais sejam: suporte fático e
preceito. Neste sentido importa, primeiramente, tratar do conceito, das espécies e
dos elementos nucleares, complementares e integrativos do suporte fático.
O suporte fático é o que se tornou objeto da normatividade jurídica por ter
ocorrido no mundo e ter sido avaliado como relevante para a sociedade humana.
Daí é imperioso concluir que o suporte fático é um conceito do mundo dos fatos e
não do mundo jurídico, vez que apenas quando os seus elementos se concretizam
na realidade nascerá o fato jurídico, e desse modo se poderá falar em conceitos
jurídicos. Ademais, a insuficência na formação do suporte fático obsta o nascimento
do fato jurídico, pelo que não se pode atribui-lhe qualquer efeito jurídico.
Há duas espécies de suporte fático. A primeira espécie designa o
componente do enunciado lógico da norma em que se traça a situação do fato
relevante condicionante de sua incidência. Isto é, o suporte fático é considerado
como descrito no enunciado lógico da norma. Esta espécie recebe o nome de
suporte fático hipotético ou abstrato. A segunda espécie refere ao suporte fático
quando materializado, isto é, quando os fatos que estavam previstos somente como
hipótese tornam-se realidade no mundo. Aqui, portanto, se nomeia o fato enquanto
materializado concretamente no mundo.
O suporte fático é composto por elementos nucleares e complementares. Os
elementos nucleares subdividem-se em cerne e completantes. Estes últimos
elementos possuem uma implicação fundamental sobre a existência do fato jurídico,
de maneira que a sua ausência não permite que se repute os fatos concretizados

6
Ibid., p. 43.
11

como suporte fático suficiente à incidência da norma jurídica. O cerne não é senão o
fato principal previsto pela norma jurídica, ainda que não expressamente
mencionado. É determinante na configuração final do suporte fático. Além disso, o
cerne fixa a concreção do suporte fático no tempo. O elemento completante, por sua
vez, completa o cerne. Para exemplificar: no contrato de compra e venda o acordo
das vontades é o cerne, enquanto a qualidade do bem e preço determinado ou
determinável são os elementos completantes.
Os elementos complementares do suporte fático apenas complementam o
núcleo deste, não o integrando, portanto. Referem-se apenas perfeição de seus
elementos. São elementos complementares os relativos ao sujeito, ao objeto e à
forma da manifestação da vontade. Destaca-se que os elementos complementares
apenas dizem respeito aos pressupostos de validade ou eficácia dos negócios
jurídicos, sem qualquer influência quanto à existência do fato jurídico. Conclui-se
desse modo que tais elementos exclusivamente interessam a atos jurídicos lícitos
lato sensu.
O preceito ou disposição está relacionado com a eficácia jurídica. Ele consiste
na parcela da norma jurídica onde são prescritos os efeitos atribuídos aos fatos
jurídicos. Explica Marcos Bernardes de Mello neste sentido:

“Na determinação do fato jurídico estima-se a relevância dos fatos da vida


para o relacionamento social e, com base nela, lhe são imputadas as
consequências que constituem a sua eficácia jurídica. Porque a definição de
qual seja o fato jurídico e prescrição de sua eficácia a comunidade jurídica
atua segundo os valores que a inspiram em determinado momento histórico,
têm elas (definição e prescrição) um caráter relativo, no tempo e no espaço
social, o que explica por que um mesmo fato da vida pode ser tratado
diferentemente em grupos sociais diversos e também por que, no mesmo
grupo social, pode variar, no tempo, o tratamento que lhe é dado”7.

Há dois sentidos a serem considerados pela acepção preceito, um abstrato e


outro concreto. O primeiro corresponde ao que foi definido na norma jurídica,
enquanto o segundo traduz à efetivação do preceito previsto em abstrato pela norma
jurídica. Por exemplo, a obrigação de indenizar pelo cometimento de ato ilícito em
razão da ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que culmine na
violação do direito de outrem e lhe cause dano, não é senão um preceito
abstratamente estabelecido pelo art. 186 do Código Civil. Mas concretamente, se

7
Ibid., p. 103.
12

uma pessoa queimar a propriedade de outra ficará obrigada a ressarcir os prejuízos


que deu caso, daí extraímos o preceito concreto da norma.
Há três espécies de fatos jurídicos: fato jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico
e ato jurídico latu sensu. A primeira espécie se caracteriza por ter seu suporte fático
integrado por meros fatos da natureza ou do mundo animal. A duas últimas espécies
se caracterizam por possuir à base do suporte fático a presença da conduta humana
volitiva, quer dizer, o ato humano é cerne do suporte fático. A segunda espécie, no
entanto, ainda que tenha a conduta humana como essencial a sua existência, o
direito não considera relevante a circunstância de ter havido vontade de praticá-la,
dando, no lugar, mais ênfase ao resultado fático que dela decorre do que a ela
própria. A terceira espécie subdivide-se em ato jurídico stricto sensu e negócio
jurídico.
Um suscinto e substancial conceito de ato jurídico stricto sensu pode-se ler no
mesmo Marcos Bernardes de Mello, isto é:

“o fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fáctico


manifestação ou declaração unilateral de vontade cujos efeitos jurídicos são
prefixados pelas normas jurídicas e invariáveis, não cabendo às pessoas
qualquer poder de escolha da categoria jurídica ou de estruturação do
conteúdo das relações jurídicas respectivas”8.

Assim, por exemplo, o art. 70 do Código Civil estabelece que “o domicílio da


pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo”.
Ora, ao estabelecer num lugar sua residência com ânimo definitivo a pessoa natural
manifesta, assim, uma vontade, constituindo-se esta a porção volitiva do suporte
fático de um fato jurídico, onde o efeito é considerar-se o lugar como domicílio da
pessoa.
No negócio jurídico, por outro lado, a vontade manifestada compõe o suporte
fático de certa categoria jurídica, à escolha, onde os efeitos jurídicos tanto podem
ser predeterminados, como deixados à liberdade. Como exemplo pode-se citar o
contrato de compra e venda, cujas condições ou termos ou estipulações diversas
dão ao negócio jurídico o sentido pretendido. O exímio doutrinador Pontes de
Miranda assim explica o surgimento do conceito de negócio jurídico:

8
Ibid., p. 200.
13

“O conceito surgiu exatamente para abranger os casos em que a vontade


humana pode criar, modificar ou extinguir direitos, pretensões, ações, ou
exceções, tendo por fito esse acontecimento no mundo jurídico.
Naturalmente, para tal poder fático de escolha supõe-se certo auto-
regramento de vontade, dito “autonomia da vontade”, por defeito de
linguagem (nomos é lei); com esse auto-regramento, o agente determina as
relações jurídicas em que há de figurar como termo”9.

Passando-se, agora, para o plano da validade do ato jurídico não mais


interessará a suficiência do suporte fático, senão sua deficiência invalidante. Na
explicação de Pontes de Miranda:

“O ordenamento jurídico somente atribui validade do ato jurídico que


corresponde a suporte fáctico que é suficiente e eficiente, isto é, suficiente e
não-deficiente ou não deficitário: porque é suficiente, entra no mundo
jurídico como negócio jurídico ou como ato jurídico stricto sensu; se bem
que seja deficiente. Quando se trata de saber quais são os negócios
jurídicos, ou os atos jurídicos stricto sensu, válidos, o que importa é
arrolarem-se os pressupostos de validade, que o mesmo é dizer-se de não-
ocorrência de causas de nulidade ou de anulabilidade”10.

Com efeito, é importante mencionar os pressupostos de validade do ato


jurídico lato sensu para daí adentrar ao tópico dos graus da sanção de invalidade. O
Código Civil em seu art. 104 menciona os seguintes pressupostos da validade do ato
jurídico: capacidade do agente, a licitude, possibilidade e determinabilidade do
objeto e a obediência à forma prescrita ou não defesa em lei. No entanto, Marcos
Bernardes de Mello entende que essa enumeração legal é incompleta, uma vez que
não menciona todas as causas que podem levar a invalidade de atos jurídicos. O
doutrinar, no entanto, apresenta da seguinte forma os pressupostos da validade dos
atos jurídicos:

9
MIRANDA. Pontes de. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo III, atualizado por Vilson Rodrigues Alves,
1ª ed, Editora Bookseller, 2000, p. 29.
10
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo IV, atualizado por Marcos Bernardes de
Mello e Marcos Ehrhardt Jr., Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 62.
14

“Se o legislador expressou-se com imperfeição, cabe à doutrina corrigi-lo,


sistematizando a matéria, segundo os critérios da precisão científica. Com
esse objetivo podemos classificar os pressupostos de validade dos atos
jurídicos em três categorias, quanto: (a) ao sujeito; (b) ao objeto; e (c) à
forma da exteriorização da vontade.

(a) A primeira categoria se refere ao problema da manifestação da vontade,


visando a resguardá-la em relação à sua consciência e autenticidade. Tem
cunho protectivo das pessoas e de seu patrimônio.

(b) A segunda tem por fundamento a consonância do ato jurídico com o


direito ou com a natureza das coisas, considerando-se aí a licitude, a
moralidade, a determinabilidade e a possibilidade do seu objeto.

(c) E, finalmente, a terceira se baseia no pressuposto de que certos atos


jurídicos, pela sua relevância, devem ser praticados segundo solenidades
especiais e obedecendo a determinada forma capaz de melhor documentar
a conclusão do negócio, facilitando a sua prova”11.

Os pressupostos de validade relativos ao sujeito dividem-se em capacidade


de agir e perfeição da vontade manifestada. A capacidade de agir do agente se
refere à capacidade jurídica, ou seja, a possibilidade de ser sujeito de direito. O art.
2º do Código Civil sobre isso preceitua: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres
na ordem civil”. Frisa-se, no entanto, que o conceito da capacidade jurídico não
retringe-se ao de personalidade civil. Por exemplo, o nascituro, ainda que não
possua personalidade civil, possui os direitos hereditários, da herança jacente. Por
outra banda, a capacidade de agir é uma espécie do gênero capacidade jurídica.
Significa aquela, por sua vez, a capacidade de praticar, pessoalmente, os atos
jurídicos que precisar. Incapacidade se refere a aqueles que lei declara incapazes.
Há dois graus de incapacidade: incapacidade absoluta e incapacidade
relativa. São absolutamente incapazes as pessoas que por si mesmas não podem
praticar quaisquer atos jurídicos. Nesta categoria inclui-se o menor de dezesseis
anos e o deficiente mental, cuja deficiência obscurece a lucidez, com exclusão da
capacidade de discernir. São relativamente incapazes, por sua vez, as pessoas que
possuem restrição, exclusivamente, a certos atos ou ao modo de praticá-los. Assim,

11
BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do Fato Jurídico – Plano da Validade, 14ª Ed., Editora Saraiva, 2015, p.
58.
15

naqueles atos que os relativamente incapazes não podem praticar sozinhos deverão
ser assistidos por seus pais, tutor ou curador, e não representados por estes. Nesta
categoria inclui-se a pessoa de dezesseis anos aos dezoitos anos, o deficiente
mental, cuja deficiência prejudica ou reduz o entendimento, no entanto, sem eliminá-
lo, e o sulvícola, enquanto não integrado à comunidade nacional. O direito pátrio
considera nulo o ato praticado pelo absolutamente incapaz, diretamente, e anulável
quando praticado pelo relativamente incapaz sem, porém, a presença de quem o
deva assistir.
O segundo pressuposto de validade relativo ao sujeito é a perfeição da
vontade, que é o mesmo que a ausência de defeitos invalidantes. O doutrinador
Marcos Bernardes de Mello conceitua a perfeição da manifestação da vontade da
seguinte forma:

“A manifestação da vontae para integrar o suporte fáctico do ato jurídico há


de ser (a) autêntica, (b) íntegra e hígida, no sentido de que tenha sido
manifestada pelo próprio figurante ou por alguém que, negocial ou
legalmente, o represente, e que não contenha defeitos que a afetem em sua
perfeição”12.

A autenticidade é elemento que está inserido no cerne do suporte fático, por


isso está relacionado à existência do ato jurídico e não à sua validade. Na
autenticidade da autoria da vontade interessa saber se aquele a quem se atribui a
vontade é, de fato, o figurante do ato jurídico.
A perfeição da vontade manifestada, por outro lado, é elemento
complementar do suporte fático dos atos jurídicos. Os defeitos que afetam a
perfeição da vontade são chamados de vícios da vontade, a simulação, a fraude
contra credores e a falta de assentimento de alguém, quando o assentimento é
imperioso segundo a lei. Os vícios contra a vontade são: erro substancial, dolo,
coação, estado de perigo e lesão. Aqui, por sua vez, há relação com a validade do
ato jurídico e não com sua existência.
Por outra banda, ao se falar dos pressupostos relativos ao objeto é
necessário antes, contudo, definir o que é objeto. Objeto se refere as consequências
atribuídas pelas normas jurídicas ao ato juírico que compõem seu conteúdo. Tais

12
Ibid., p. 77.
16

como: direitos e deveres, pretensões e obrigações, ações e exceções. O mesmo


doutrinador Marcos Bernardes de Mello conceitua o objeto do ato jurídico da
seguinte maneira:

“Por isso, em rigor, é possível conceituar-se o objeto do ato jurídico como a


atribuição específica que as normas jurídicas lhe imputam, portanto, as
alterações que ocorrem nas esferas jurídicas dos figurantes por força da
criação, modificação ou extinção de relações jurídicas dele (ato jurídico)
resultantes”13.

Deve-se incluir no tratamento do objeto do ato jurídico a licitude, a


possibilidade e a determinabilidade do objeto da prestação. O art. 166 do Código
Civil é muito claro nesse sentido: “É nulo o negócio jurídico quando (...) II. for ilícito,
impossível ou indeterminável o seu objeto”. A ilicitude é a não conformidade com o
direito, pelo que não é limitada à lei, mas também ao aspecto da moralidade e o
respeito à ordem pública. A impossibilidade do objeto, segundo ensina Pontes de
Miranda, pode ser cognoscitiva, lógica, moral, física e jurídica. Neste sentido vale
transcrever sua explicação sobre cada uma dessas espécies:

“O art. 145, II, in fine, fala de ser nulo o negócio jurídico se fôr “impossível” o
seu objeto. A impossibilidade pode ser: cognoscitiva, lógica, moral, jurídica,
ou física. O que não pode ser conhecido não pode ser objeto de negócio
juridico ou de ato jurídico stricto sensu: não há negócio jurídico, se o objeto
do negócio foi atuar, com o pensamento, na lua, ou em alguma estrêla; nem
ato jurídico stricto sensu, em tais circunstâncias de impossibilidade. A
impossibilidade lógica dá-se quando há invencível contradição, e o negócio
jurídico ou o ato jurídico stricto sensu existe, caindo a parte contraditória,
como se não estivesse escrita; ou não existe o negócio jurídicio, se a
contradição invencível o apanha todo. Ocorre o mesmo com a manifestação
de vontade ininteligível.

A impossibilidade física não impede a entrada do elemento, que a ela


corresponde, no mundo jurídico: o negócio jurídico todo, ou parte dêle,
existe, mas é nulo (alieter, quanto às condições); e bem assim, no tocante
aos atos jurídicos stricto sensu. Dá-se o mesmo quanto à impossibilidade
jurídica.

13
Ibid., p. 79.
17

Cumpre distinguirem-se a impossibilidade física ou jurídica ao tempo da


conclusão do ato jurídico e a impossibilidade física ou jurídica posterior. No
primeiro caso, a prestação não pode ser feita, coisa diferente de vir a não
poder ser feita. No segundo, o negócio jurídico encontra obstáculo jurídico.
Aquela é a que se chama impossibilidade inicial, originária, ou liminar, em
contraposição a impossibilidade superveniente. Se o que se promete não
existiu nunca, ou não existe mais, a promessa entra no mundo jurídico, mas
é nula. A técnica legislativa em verdade sòmente tinha de escolher entre
tratar o impossível como obstáculo à entrada no mundo jurídico (e essa foi a
solução romana, Impossibilium nulla obligatio est, L. 185, D., de diversis
regulis iuris antiqui, 50, 17, em que “nulla est” = “não existe”), ou como
causa de nulidade. Seria de repelir-se, de início, a solução da simples
anulabilidade: far-se-ia depender da eventual impugnação o que já de
comêço se tem por causa invencível de imprestabilidade. A impossibilidade
jurídica não é mais nem menos significativa: concerne ao que, devido ao
direito, não pode ser construído; o negócio jurídico é nulo, por ser
impossível o seu objeto, devido a regras jurídicas: retirada da ação privada
quanto a crime de ação pública: transferência da propriedade imobiliária a
quem já consta do registro ser o proprietário (a promessa disso teria de ser
interpretada, em conversão, como a renúncia à ação contra o proprietário);
constituição de direito real que não poderia ser inscrito, esceto se devido a
não ser direito real no sistema jurídico, porque, então, o negócio não entra
no mundo jurídico”14.

A indeterminabilidade do objeto, por sua vez, diz respeito a impossibilidade de


se identificar o objeto do próprio negócio jurídico ou da prestação. O Doutrinador
Marcos Bernardes Mello refere que a indeterminação capaz de acarretar a nulidade
do negócio jurídico há de ser absoluta, in verbis:

“Como o Código Civil refere-se a ser indeterminável o objeto, é de se


entender que a indeterminação capaz de acarretar a nulidade do negócio
jurídico há de ser absoluta, de modo que, embora não discriminado
especificamente, se o objeto é passível de determinação, o negócio jurídico

14
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo IV, atualizado por Marcos Bernardes de
Mello e Marcos Ehrhardt Jr., Editora Revista dos Tribunais, 2013, pp. 254-255.
18

deve ser considerado válido. A indeterminação relativa, portanto, não


constitui causa de invalidade dos atos jurídicos em geral”15.

Por último, há os pressupostos de validade do ato jurídico relativos à forma da


exteriorização da vontade. Nas palavras do art. 166 do Código Civil: “É nulo o
negócio jurídico quando: (...) IV. não revestir a forma prescrita em lei”. Como explica
Pontes de Miranda não há manifestação de vontade sem alguma forma:

“Não há manifestação de vontade sem forma; algumas podem ser em


formas diferentes; outras de si-mesmas, exigem certa forma, ou certas
formas. Juridicamente, os sistemas jurídicos soem conter regras jurídicas
cogentes, que estabelecem qual a forma que deve revestir o negócio
jurídico. Longe estão eles de ser acordes: a forma, que aqui se exige a
determinado negócio jurídico, ali se dispensa e se exige a outro, para o
qual, aqui, não é essencial”16.

No Direito pátrio a forma do ato jurídico, em geral, tem natureza de elemento


complementar do suporte fático. No Direito Romano, no entanto, a forma era
considerada elemento completante, isto é, pressuposto de existência do ato jurídico.
Ainda hoje há alguns poucos casos em que a forma é considerada elemento
completante do núcleo do suporte fático. Por exemplo, nos negócios jurídicos reais,
onde se não houver a tradição do objeto, considerada esta a forma, não haverá
negócio jurídico.
É fácil depreender por tudo o que já foi exposto que a invalidade não é senão
uma sanção que o legislador adota para punir certa espécie de ato contrário ao
direito. Na explicação de doutrinador Sérgio Pinto Martins:

“(...) é a sanção determinada pela lei, que priva o ato jurídico de seus efeitos
normais, em razão do descumprimento das formas mencionadas na norma

15
BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do Fato Jurídico – Plano da Validade, 14ª Ed., Editora Saraiva, 2015, p.
163.
16
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo IV, atualizado por Marcos Bernardes de
Mello e Marcos Ehrhardt Jr., Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 221.
19

jurídica. A função das nulidades é de assegurar os fins destinados às


formas e que podem ser atingidos por intermédio de outros meios”17.

Há dois graus de invalidade: a nulidade absoluta e a nulidade relativa. A


nulidade absoluta é também chamada de nulidade simplesmente, enquanto a
nulidade relativa é reconhecida por vezes como anulabilidade. O sistema jurídico
impõe um ou outro grau de invalidade considerando a gravidade da infração e
também o interesse que se quer resguardar.
A nulidade absoluta ocorre quando o ato jurídico afeta a própria ordem
pública, implicando em violação de normas jurídicas cogentes. Neste sentido,
explana Sergio Pinto Martins:

“A nulidade absoluta é ditada por fins de interesse público, de ordem pública


absoluta. Não tendo as partes poder de disposição desse interesse, que é
determinado por normas de interesse público, sua infringência acarretará
nulidade absoluta. Quando a existência da nulidade pode ser declara de
ofício pelo juiz, fundado em norma de interesse público, de ordem pública
absoluta, ainda que as partes estejam de acordo com o ato praticado, há
nulidade absoluta”18.

Além disso, o vício da nulidade absoluta é insanável, razão pela qual o ato
jurídico não pode ser convalidado mediante confirmação. Há exceções, no entanto.
A nulidade de atos de constituição de pessoas jurídicas bem como de sua
administração colegiada são sanáveis pela caducidade, conforme artigos 45 do
Código Civil, § único e 48, § único.
A nulidade absoluta pode ser decretada de ofício pelo juiz, quando este tiver
conhecimento do ato jurídico ou ainda de seus efeitos nefastos e entendê-los
provados. Também pode ser alegável por qualquer interessado e mesmo pelo
Ministério Público, quando a este couber a interferência no feito. Em outras palavras,
a nulidade absoluta opera-se ipso iure. Por isso a nulidade absoluta se caracteriza
por ser uma nulidade de pleno iure. As exceções nesta característica também estão
presentes. Exemplo: As decisões dos órgãos colegiados das pessoas jurídicas

17
MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho, 32ª ed., Editora Atlas, 2011, p. 165.
18
Ibid., p. 167.
20

quando afetadas de nulidade por conta de violação da lei, simulação ou fraude


somente pode ser alegada por associados ou sócios.
Também opera efeito erga omnes, quer dizer, contra todos, por conta da
emergência da ordem pública. É por isso mesmo que o juiz pode reconhecer a
nulidade ex officio, independente da manifestação de qualquer pessoa, como
referido acima.
Além disso, contra o ato de nulidade absoluta é cabível ação declaratória de
nulidade, que não flui prazo prescricional. Justifica-se a imprescritibilidade em razão
da nulidade absoluta envolver preceitos de ordem pública, pelo que impede-se que o
ato convalesça pelo de curso do tempo. Excetua-se desta regra, no entanto, as
espécies de caducidade previstas nos artigos 45,§ único e 48, § único, já tratadas
acima.
Na nulidade absoluta o efeito da sentença implicada é ex tunc, quer dizer,
retroage desde a data da prática do ato. Em outros termos: no plano fático devem
ser considerados nulos todos os atos celebrados nesse lapso temporal. Razão pela
qual é desde sempre ineficaz, salvo caso de putatividade.
A nulidade relativa, por outro lado, acontece quando o ato jurídico lesa
diretamente uma pessoa em seu interesse particular, privado, e em razão de suas
consequências ilícitas, não pode ser admitido no mundo jurídico como perfeito. Nas
palavras de Sergio Pinto Martins:

“Ocorre a nulidade relativa quando o interesse da parte for desrespeitado e


a norma descumprida tiver por base o interesse da parte e não o interesse
público, sendo o vício sanável. É uma ordem pública relativa, direcionada,
direcionada para a parte e não para o juiz”19.

O vício referente à nulidade relativa, por sua vez, é sanável, podendo o ato
jurídico ser convalidado mediante confirmação. Por exemplo, se a parte não está
nem representada e nem assistida ou autorizada se trataria de nulidade relativa,
onde o juiz daria prazo para parte sanar o ato.
A nulidade relativa não pode ser pronunciada de ofício pelo juiz e nem por
qualquer interessado e pelo Ministério Público. A alegabilidade cabe somente aos
interessados diretos, pois aqui há predominância de interesses particulares, sendo
19
Ibid., 168.
21

necessária, portanto, a provocação da parte. Por isso, tal nulidade é chamada de


nulidade dependente de alegação e não de pleno iure, tal qual a nulidade absoluta.
Ademais, a sentença na nulidade relativa opera os efeitos somente a quem
alegar, pois é pronunciada em atenção ao interesse do interessado, excetuando-se,
porém, caso de solidariedade ou indivisibilidade, conforme dispõe o art. 177 do
Código Civil.
A sentença que julga a nulidade relativa do ato jurídico chama-se constitutiva,
que tem efeito ex nunc, isto é, não retroage ao momento da formação do ato
jurídico. Além disso, a ação contra ato jurídico de nulidade relativa possui prazo
prescricional, a depender do que dispõe a lei, sendo o prazo prescricional de quatro
anos regra geral. Neste sentido, Sergio Pinto Martins, diz:

“Parece não haver dúvida de que quanto ao ato anulável existe a prescrição
por depender de provocação da parte interessada a declaração da
anulabilidade e por não se tratar de norma de ordem pública”20.

Passando-se agora para o plano da eficácia do ato jurídico deve-se dizer que
eficácia jurídica refere-se aos efeitos imputados pelas normas em relação ao fato
jurídico. Portanto, a eficácia jurídica não é senão decorrência específica e exclusiva
de fato jurídico. Como se nota, há irradiação de consequências jurídicas,
constituindo-se, em imputação que a norma jurídica traduz a fatos da vida por sua
importância para o homem em sociedade.
Há limitação que a eficácia jurídica sofre de ordem pessoal, espacial,
temporal, contenuística, bem como restrições impostas pela vontade, por conta do
poder de autoregramento que pode lhe ser reconhecido. As limitações de ordem
pessoal se referem à limitação na esfera jurídica do próprio sujeito de direito. O
limite espacial diz respeito a um limite de atuação que é coincidente com o âmbito
da valência do sistema jurídico. O limite temporal, por sua vez, refere-se ao término
temporal da vigência da norma, todavia, pela simples circunstância da norma jurídica
perder sua vigência não são desconstituídos os fatos jurídicos.

20
MARTINS, Sérgio Pinto. Ato nulo e prescrição no Direito do Trabalho, pp. 182, em Revista de Direito do
Trabalho, ano 32, abril-junho, 2006.
22

A ineficácia jurídica, por outra banda, pode ser definida com as seguintes
palavras que tomamos de empréstimo de Marcos Bernardes de Mello:

“Ineficácia jurídica é possível ser definida como a inaptidão, temporária ou


permanente, do fato jurídico para irradiar os efeitos próprios e finais que lhe
são imputados pela norma jurídica. A expressão ineficácia jurídica pode ser
empregada:

(a) em sentido lato, quando se refere a toda e qualquer situação em que o


fato jurídico não produz efeito, ou ainda não produziu, como ocorre em
casos em que a ineficácia é inerente ao próprio fato jurídico ou decorre de
certas vicissitudes a que não estão sujeitos os atos jurídicos, v. g., nulidade,
anulabilidade, resolubilidade; ou

(b) em sentido estrito, quando diz respeito às espécies em que a eficácia


própria e final não se irradiou ainda (testamento, antes da morte do
testador, negócio jurídico sob condição suspensiva, negócio jurídico
dependente de elemento integrativo do suporte fáctico, e. g.) ou, se já
produzida, foi excluída do mundo jurídico”21.

Tendo sido exposto os princípios basilares do ato jurídico, desde sua


existência até a sua eficácia, resta analisar o vício de consentimento como causa de
nulidade que implique à nulidade relativa, tema que notoriamente interessa ao
presente trabalho.

2.2 O vício de vontade como causa de nulidade dos atos jurídicos

2.2.1 Do erro

O erro, como vício da vontade, é comumente classificado pela doutrina como


a representação psicológica falsa da realidade. Isso equivale a dizer que se a
pessoa tomasse conhecimento da realidade não teria expressado sua vontade ou,
talvez, teria manifestado sua vontade em sentido diverso. Pelo que se conclui que,
neste vício, a falsidade da representação é o fator determinante do conteúdo da
vontade manifestada.

2121
BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do Fato Jurídico – Plano da Eficácia 1ª parte, 7ª Ed., Editora Saraiva,
2011, p. 75.
23

Há de se distinguir erro da ignorância. Como explicado acima, o primeiro diz


respeito a um conhecimento falso quanto à realidade; o segundo, por outro lado,
caracteriza-se pela ausência do conhecimento. Salienta-se, por outro lado, que o
direito pátrio não faz qualquer distinção entre erro e ignorância, tratando os
vocábulos como sinônimos. A este respeito bastará ver o título dado à Seção I do
Capítulo IV do Título I do Livro III do Código Civil: “Do erro ou ignorância”.
O erro não é senão a desconformidade entre a vontade do manifestante e
aquilo que efetivamente manifesta. Tal desconformidade poderá concretizar em erro
em três casos: em relação ao conteúdo da própria declaração de vontade; em erro
de exteriorização de vontade que não corresponde àquilo que se queria, na
realidade, manifestar; por transmissão sem exatidão da vontade através de terceiro,
representante, por exemplo, ou pelo meio empregado, anúncio de jornal, por
exemplo.
No primeiro caso, o conteúdo daquilo que o manifestante da vontade
expressa não corresponde à realidade, ainda que o manifestante da vontade
exteriorize o que realmente deseja. Assim, pode-se dar pelo errôneo entendimento
de palavras que expressam significados diferentes. Por exemplo, o alqueire mineiro
é uma medida maior em comparação ao alqueire paulista. Um contrato de compra e
venda em que cada uma das partes tem em mente uma medida de área de alqueire
está fadado ao erro.
Este primeiro caso ainda pode ocorrer em razão de engano quando se
expressa a vontade, não obstante o meio de sua expressão não seja equívoco, nem
desconhecido daquele que manifesta a vontade. Para exemplificar, imagine-se que
um indivíduo oferece à venda o seu vídeo-game Playstation, julgando erroneamente
encontrar-se na sua loja de revenda o Playstation 1, quando, verdade, o vídeo-game
que está na loja é o Playstation 4, eis que outro dia havia levado para casa o
primeiro e havia esquecido. Como se pode notar, as palavras empregadas são
insuficientes para revelar toda a vontade.
No segundo caso, há ocorrência do erro quando há sentido equívoco nas
palavras, sejam escritas ou faladas, empregadas, ou quando se faz entrega de coisa
diferente daquela que se deveria entregar. Poderá se dar quando alguém assina
sem ler documento que ditou, por julgar que o documento materializava aquilo que
foi ditado, neste caso, portanto, há erro substancial. Há ocorrência do erro no
24

segundo caso, também, quando alguém assina um documento em branco e este é


preenchido de modo diverso daquilo que foi ajustado.
É preciso destacar que nem todo erro, do ponto de vista jurídico, constitui
causa de nulidade dos atos jurídicos. Somente o erro substancial torna invalidante o
ato jurídico e não o erro acidental. O erro substancial se dará quando o erro for
relativo à natureza do negócio (error in negotio), quando o erro for relativo ao objeto
principal da declaração (error in corpore); quando o erro for relativo à identidade ou à
qualidade essencial da pessoa da qual se referida a declaração da vontade (error in
persona); quando o erro for de direito e versar sobre o motivo único ou principal do
negócio jurídico; quando o erro se dá pela falsidade quanto aos motivos
determinantes do negócio jurídico (erro quanto aos motivos relevantes). O erro
acidental, por sua vez, versará sobre as qualidades secundárias.

2.2.2 Do dolo

O dolo consiste, nas palavras de Marcos Bernardes de Mello, “na ação ou


omissão intencionais de um dos figurantes, ou de terceiro, neste caso com o
conhecimento de um deles, com a finalidade de induzir, fortalecer ou manter o outro
figurante em falsa representação da realidade, visando, em benefício próprio ou de
terceiro, a que pratique ato jurídico que não realizaria se conhecesse a verdade” 22.
Como se vê, no dolo há o elemento de induzir, manter ou fortalecer a falsa
representação da realidade ao figurante com relação às circunstâncias referentes ao
negócio jurídico. Ademais, o dolo constitui causa eficiente do negócio, de maneira
pela qual de outro modo o negócio, ainda que anulável, não teria ocorrido. A
distinção entre erro e dolo é patente. No último caso necessariamente há
provocação ou estimulação de uma das partes para levar ou manter outro a erro. No
erro invalidante, por sua vez, a falsa representação se dá de forma espontânea pela
pessoa.
Outra característica dolo invalidante é que este unilateral, isto é, apenas um
dos figurantes do negócio jurídico agiu de modo doloso. O dolo bilateral não constitui
causa de invalidade, como refere o art. 150 do Código Civil: “Se ambas as partes

22
BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do Fato Jurídico – Plano da Validade, 14ª Ed., Editora Saraiva, 2015, p.
215.
25

procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar
indenização”.
Marcos Bernardes de Mello explica também que há o chamado dolo
incidental, que não é invalidante:

“Além do dolo causal, que é invalidante, se há dolo, mas o figurante que


dele foi vítima concretizaria o negócio, ou o faria por outro meio, se
conhecesse a realidade, não há anulabilidade, mas simples dever de
indenizar, havendo danos. Este é o dolo incidental ou acidental (dolus
incidens), de que trata o art. 146 do Código Civil”23.

Vale referir que a legitimação para a ação própria de anulação do ato jurídico
por dolo se transmite aos herdeiros, legítimos ou testamentários, da vítima, que
podem iniciar a demanda, como, inclusive, prossegui-la, se já proposta
anteriormente. Ademais, quem praticou o dolo de maneira algum pode alega-lo para
obter a anulação do negócio jurídico, porque, é princípio do Direito que “ninguém
pode se beneficiar da própria torpeza” e também que não há direito a ação àquele
que agiu com improbidade, princípio que nos veio do Direito romano (Nemo de
improbitate sua consequitur actionem).
Cabe a vítima de dolo, isto é, o deceptus, o ônus de prova, eis que o dolo não
se presume, assim, é preciso a demonstração de que não teria realizado o negócio
jurídico se conhecesse a verdade. Por outro lado, o direito não exige rigor para
provável, contentando-se com presunções, vez que trata-se de manifestação de má-
fé. O Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, neste sentido, versou em
seu art. 252: “O dólo, a fraude, a simulação e, em geral, os atos de má fé poderão
ser provados por indícios e circunstâncias”.
O dolo invalidante pode se dar inclusive através de omissão. Como explica
Pontes de Miranda para que a omissão “possa ser dolosa é preciso que haja dever
de falar ou de esclarecer, e tal dever – que, assim referido, seria vago – há de
resultar do uso do tráfico, inclusive dos princípios de boa fé, que impõem dever de
falar a verdade”24.

23
Ibid., p. 221.
24
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo IV, atualizado por Marcos Bernardes de
Mello e Marcos Ehrhardt Jr., Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 447
26

2.2.3 Da coação

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves a coação “é toda ameaça ou


pressão injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a
praticar um ato ou realizar um negócio. O que a caracteriza é o emprego da
violência psicológica para viciar a vontade”25. O mesmo autor também explica que
não é a coação, em si mesma, que é um vício da vontade, mas o temor que lhe
inspira, e torna, por conseguinte, defeituosa a manifestação de vontade da parte26.
Neste sentido explica:

“Corretamente, os romanos empregavam o termo metus (mentis trepidatio)


e não vis (violência), porque é o temor infundido na vítima que constitui o
vício do consentimento e não os atos externos utilizados no sentido de
desencadear o medo. Nosso direito positivo, entretanto, referindo-se a esse
defeito, ora o chama de coação (art. 171, II), ora de violência (art. 1.814,
III)”27

Há uma distinção importante a considerar sobre a violência existente na


coação. Quando a violência elimina completamente a vontade (vis absoluta) torna
inexistente o ato praticado sob ela, portanto, não se há de falar aqui de vício da
vontade, mas de inexistência do ato jurídico. Por outro lado, quando há violência de
cunho moral esta vicia a manifestação da vontade (vis compulsiva), tornando
anulável o ato jurídico.
Na coação alguém incute medo a outro de vir sofrer um dano físico ou moral
em sua pessoa ou de sua família ou em seu patrimônio e este dano é iminente e
considerável. Assim dispõe o art. 151 sobre o assunto: “A coação, para viciar a
declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano
iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens”. O parágrafo
único do mesmo artigo acrescenta: “Se disser respeito a pessoa não pertencente à
família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação”.

25
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1 : parte, 10ª ed., Saraiva, 2012. Versão Kindle.
26
Ibid.
27
Ibid.
27

Ainda que possamos falar em violência na coação invalidante ela é tão


somente moral, com natureza exclusivamente psicológica, assim, a vítima, de fato,
manifesta uma vontade, ainda que com conteúdo diverso daquele que quereria
manifestar se não estivesse sob o domínio da coação. Por outro lado, a coação em
si mesma não tolhe totalmente a liberdade do indivíduo, eis que ainda lhe resta a
possibilidade fazer ou deixar de fazer o ato, arcando com as consequências de sua
decisão. Evidentemente a coação limita, injustamente, a liberdade.
Há pressupostos caracterizadores da coação que implica em vício de
consentimento, vez que não é toda a ameaça que o constitui. Aqui se segue de
perto os pressupostos elencados por Marcos Bernardes de Mello28. Tais
pressupostos são extraídos do próprio art. 151, que versa sobre a coação
invalidante.
O primeiro pressuposto é o fundado temor de mal resultante da ameaça. A
ameaça deve ser capaz de incutir medo ao paciente das consequências que viriam
caso não atendesse a ameaça. Não é qualquer ameaça suficiente para caracterizar
a coação. A ameaça deve incutir medo de um grave mal que se ameaça causar.
Não há, por outro lado, parâmetros predeterminados para estabelecer a gravidade
da ameaça e a intensidade do temor incutido. O art. 152 do Código Civil, ao menos,
traz algumas considerações para serem levadas em conta, senão vejamos: “No
apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o
temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na
gravidade dela”. Evidentemente para se apreciar a gravidade da ameaça importa
sopesar as circunstâncias subjetivas e objetivas que estão envolvidas no caso
concreto.
Outro pressuposto da coação invalidante é que esta seja a causa do ato
jurídico. Portanto, há necessidade que haja uma relação de causa-e-efeito entre o
ato jurídico praticado e a ameaça que o demandou. Não há necessidade que seja a
única causa presente, todavia, é imperioso que sem ela a vontade não teria se
manifestado naquele sentido. Interessante notar que mesmo a ameaça por gracejo
por ser tida por coação se o paciente a toma verdadeira. Assim, uma arma de
brinquedo pode, perfeitamente, tornar existente a coação.

28
BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do Fato Jurídico – Plano da Validade, 14ª Ed., Editora Saraiva, 2015,
pp. 231-234.
28

Outro pressuposto é a contrariedade a direito do fim que se quer obter por


meio da coação. Assim, se a ameaça leve o paciente a praticar ato que não tem o
dever ou que não quer praticar, mesmo que os meios empregados sejam lícitos, há
coação. Por exemplo, ainda a denúncia de um crime seja ato lícito, a ameaça feita
ao criminoso de denunciar seu crime considera-se coação, se se quer extorquir dele
ato que não é devido. Pontes de Miranda assim explica sobre o tema:

“O fim da coação, de que se trata, há de ser contrário a direito, mas basta


que se exerça contrariamente a direito a coação que em si seria legal, ou
que se dirija à eficácia contrária a direito a coação legal, exercida segundo a
lei. O que pode prender, mas deixa de prender porque empregou a coação
legal para fim estranho a lei penal, comete coação viciante, segundo o art.
98. Não se precisa tratar de coação ilegal, ou contrária a direito; não é o
coagir que tem de ser ilegal, ou contrário a direito”29.

Ademais, exige-se que ameaça de dano seja dirigida à própria pessoa que
sofre a coação, à família do coagido ou mesmo à patrimônio, não necessariamente
ao seu próprio, mas inclusive de pessoas da família; igualmente a ameaça pode ser
dirigida a terceiro que não integre a família, desde que o juiz entenda presentes as
circunstâncias de afeição e amizade requeridas, para daí falar-se em coação. O
relacionamento com o terceiro ameaçado deve ter uma profundida de relação
pessoal capaz de influenciar a psiquê do coagido de modo tão intenso que o
conduza a ceder à coação.
Como pressuposto da coação invalidante o medo que inflige o coagido há de
ser atual, isto é, presente na ocasião da prática do ato. Assim, se depois de
cessada a ameaça se pratica o ato que se pretendia anteriormente obter pela
coação, não se pode falar em anulabilidade. Por outro lado, não é necessário que o
mal que se ameaça seja atual, eis que ele pode ser futuro, como igualmente o dano
que se ameaça causar pode ser futuro. Portanto, é o medo que precisa existir no
momento da realização do ato e não o mal receável.
Por último pressuposto, tem-se que o medo precisa ser fundado, quer dizer,
não é qualquer receio de consequências desagradáveis que constitui ameaça. Daí

29
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo IV, atualizado por Marcos Bernardes de
Mello e Marcos Ehrhardt Jr., Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 476.
29

que o temor reverencial não baste para compor o temor que fala o art. 153 do
Código Civil, senão vejamos: “Não se considera coação a ameaça do exercício
normal de um direito, nem o simples temor reverencial”.
Vale referir que nem toda coação configura espécie de ato ilícito indenizativo,
embora constitua ilícito invalidante, pelo que não se deve confundir. Onde a coação
foi exercia sem consciência da parte do coator, ainda que exista invalida, não se há
de falar em ilícito indenizativo. Por outro lado, quando há consciência do coator há
dever de indenizar, por conseguinte, não havendo necessidade de apurar culpa
daquele. Assim explica Pontes de Miranda sobre o assunto:

“Só há indenização se o prejuízo era previsível pelo que coagiu ao ato


jurídico. Os danos que provieram de circunstâncias imprevistas não são
indenizáveis. A ação de anulação prende-se ao ato jurídico; dele, por seu
defeito, nasce. Não assim a ação de indenização fundada no art. 159, que é
oriunda, sem qualquer fato intercalar, do ilícito da coação, que é delitual. Os
deveres, que se violam, são deveres concernentes à vida de relação, e não
a algum ato jurídico. O dever de indenizar nasce com o ato jurídico anulável.
Ninguém pode, sem consequências, coagir a atos jurídicos.30”

Destaca-se que o coator não pode alegar a coação para obter anulação do
ato. Valendo os mesmos princípios do dolo na coação. A coação também não se
presume, cabendo ao coacto o ônus da prova que não se restringe a prova da
ameaça, mas também dos outros pressupostos essenciais que caracterizam a
coação invalidante.

2.2.4 Do estado de perigo

O estado de perigo, segundo a definição de Marcos Bernardes de Mello, se


caracteriza “quando alguém, premido pela necessidade de salvar-se, ou a pessoa de
sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação
excessivamente onerosa”31. O estado de perigo também pode estar relacionado a
pessoa que não faça parte da família do figurante, ficando à decisão do juiz a

30
Ibid., p. 494.
31
BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do Fato Jurídico – Plano da Validade, 14ª Ed., Editora Saraiva, 2015, p.
240.
30

consideração se havia razão suficiente a justificar, conforme as circunstâncias.


Assim dispõe o parágrafo único do art. 156 sobre a matéria: “Tratando-se de pessoa
não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”.
A causa de nulidade relativa em razão do estado de perigo igualmente possui
pressupostos essenciais. O principal pressuposto é a existência de risco de dano
pessoal que esteja exposto o próprio figurante do negócio jurídico ou pessoa de sua
família. O dano há de ser pessoal, pelo que se exclui o prejuízo de ordem
patrimonial.
Ademais, a gravidade do dano e a atualidade do risco são dados essenciais
para que se configure o estado de perigo invalidante. Para que o dano seja grave é
necessário que exista perigo à vida ou de prejuízos sérios à saúde ou à integridade
física das pessoas.
Outro pressuposto presente é a existência de relação direta entre o estado de
perigo e o negócio jurídico, vez que a obrigação excessivamente onerosa deve ser
resultado desta relação, de maneira pela qual se não surgisse o temor dele
decorrente, o negócio jamais teria sido concluído. Em outras palavras: o temor do
figurante do negócio jurídico quanto à efetivação do risco é o motivo do negócio
jurídico.
Além disso, a intenção dolosa do agente, que deseja obter vantagem
indevida, sempre está presente no estado de perigo invalidante, vez que há
necessidade que o temor do risco seja do conhecimento do outro figurante do
negócio jurídico. De outra forma, a ignorância quanto à ocorrência de perigo elimina
a nulidade relativa.
Por fim, requer-se que a obrigação assumida pelo figurante contenha
excessiva onerosidade. Fundamenta-se na considerável desproporção entre o valor
real do serviço prestado para findar o estado de perigo daquele pago por imposição
da outra parte que se beneficia do negócio jurídico.

2.2.5 Da lesão

O Código Civil atual incluiu a lesão invalidante dentre as causas de nulidade


relativa, considerando elementos de ordem subjetiva como matiz, isto é, a premente
necessidade ou inexperiência por parte daquele que sofre a lesão. A lesão encontra
justificativa na forma de proteção ao contratante em estado de inferioridade, que, por
31

premências várias perde a noção do real valor e realiza negócio grandemente sem
proporção do ponto de vista econômico, o que evidencia que esta vontade está
viciada. O art. 157 assim versa sobre o tema: “Ocorre a lesão quando uma pessoa,
sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.
O primeiro parágrafo do art. 157 acrescenta que na apreciação da
desproporção das prestações se levará em conta os valores que são vigentes ao
tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. O segundo parágrafo, por sua vez,
admite possibilidade que seja oferecido suplemento suficiente ou redução do
proveito para que a nulidade relativa não seja decretada.
Evidentemente constitui pressuposto essencial para a caracterização da lesão
invalidante a assunção por um dos figurantes a negócio jurídico de obrigação onde
há valor manifestamente desproporcional ao da contraprestação. É um negócio
absurdo do ponto de vista econômico. A Legislação brasileira não estabeleceu
critérios objetivos para a avaliação da desproporção indicada, apenas requerendo a
presença de manifesta desproporção.
No entanto, não é o bastante que exista manifesta desproporção, como
explica Marcos Bernardes de Mello:

“Não basta, porém, que haja uma manifesta desproporção qualquer, mas
que seja ela significativa, importante (para usar a linguagem do Código de
Québec), a ponto de causar sério prejuízo ao lesado. Isto também não quer
dizer que precise ser enorme, tal como exagerada desproporção exigida
pelo Código Francês na compra e venda de imóveis. A significância da
desproporção deve ser valorada segundo o prudente arbítrio do juiz,
decidindo em juízo de equidade, considerando, sempre, os valores vigentes
ao tempo da concretização do negócio”32.

O segundo e último pressuposto é que o negócio desvantajoso tenha sido


formalizado pelo figurante ou forçado por grave estado de necessidade ou por
inexperiência no mundo dos negócios jurídicos. Não é preciso que esses dois dados
ocorram simultaneamente, bastando um deles para ocorrência da lesão invalidante.

32
Ibid., pp. 248-249.
32

Portanto, se o prejudicado não produzir prova de um dos dois dados, ainda que a
desproporção seja manifesta, não se configura a lesão invalidante.
Ademais, a premente necessidade não deve ser vista apenas sobre o prisma
da questão econômica, mas pode ter caráter meramente moral. Pense-se no caso
de alguém que precisa locar um apartamento para abrigar-se com sua família de
modo urgente e acaba por aceitar a locação por valor exorbitante por razão da
necessidade.
A inexperiência, por sua vez, não deve ser confundida com o nível cultural da
pessoa, mas em suas habilidades e conhecimento para lidar com a espécie de
contrato. Mesmo uma pessoa com muita cultura e com experiência em economia,
pode ser lesada, desde que não tenha experiência ao negócio específico que
contratou. Evidentemente que uma pessoa ignorante será mais facilmente exposta à
lesão, mas isto não é uma regra necessária.
O ônus da prova cabe ao lesado, que precisa demonstrar a existência de
estado necessidade ou a experiência ao negócio, igualmente que contraiu a
obrigação forçado por um destes dados; e, além disso, a significativa desproporção
entre a sua prestação e a contraprestação. É essencial, evidentemente, a
demonstração do nexo causal entre o estado de necessidade ou a inexperiência e a
conclusão do negócio, ou seja, que o negócio foi realizado somente por conta
daquelas circunstâncias.

2.2.6 Da fraude contra credores

Na definição de Marcos Bernardes de Mello a fraude contra credores é “todo


ato de disposição e oneração de bens, créditos e direitos, a título gratuito ou
oneroso, praticado por devedor insolvente, ou por ele tornado insolvente, que
acarrete redução de seu patrimônio, em prejuízo de credor preexistente” 33. A fraude
contra credores ocorre quando o devedor, não necessariamente com a intenção de
inadimplir a obrigação assumida perante seu credor, firma contrato com terceiro
alienando algo que garantiria sua solvência com o primeiro. Como se nota, o
negócio é realizado em prejuízo do credor.

33
Ibid., p. 253.
33

É característico da fraude contra credores a diminuição patrimonial do


devedor em detrimento de outros credores, sem, portanto, poder o devedor solver
suas dívidas. Incluem-se neste conceito a alienação de bens, a remissão de dívidas,
a constituição de direitos reais de garantia em favor de dívidas que existam sem
garantia real, pagamento antecipado de credor quirografário e a renúncia de herança
ou de outros direitos reais ou pessoais economicamente mensuráveis 34. Portanto,
não importa a espécie do negócio jurídico, necessitando-se apenas que haja
diminuição de patrimônio do devedor a ponto de ficar sem recursos para adimplir
suas dívidas.
Para caracterização da fraude contra credores é necessário, inclusive, que o
negócio seja praticado por devedor insolvente ou que torne-se insolvente por conta
do negócio que realizou. Se não há insolvência, por outro lado, ainda que a
diminuição patrimonial seja considerável, não se há de falar em fraude contra
credores. Daí que, por exemplo, se um devedor alienou um bem que o deixou
insolvente perante antigo credor se, porventura, recebe herança suficiente para
satisfazer a dívida antiga, obviamente, desaparece a possibilidade de anulação do
ato de disposição.
Pelo que explicado, conclui-se que os credores constituídos após o ato não
podem, evidentemente, pleitear a sua anulação, vez que não há de ser falar em
fraudado o que nem existia. Outro pressuposto essencial é que haja prejuízo do
credor decorrente do ato de disposição. Sem prejuízo do credor não haverá fraude
contra credores. A isto chama-se eventos damni, quer dizer, evento danoso.
Não há necessidade, no entanto, que exista consilium fraudis, isto é, que o
devedor tenha intuito de fraudar seus credores com a alienação efetivada, nem que
tenha consciência tal alienação o deixará insolvente. Pouco importa, portanto, a
existência de conluio entre o devedor e terceiro contra o credor. Igualmente não é
pressuposto essencial da existência da fraude contra credores a presença de
scientia fraudis, isto é, que o figurante beneficiário tenha conhecimento da
insolvência do devedor.

34
Ibid., p. 254.
34

3. O PEDIDO DE DEMISSÃO

3.1 O princípio da continuidade da relação de emprego

O princípio da continuidade entende-se aquele que pretende que se atribua a


mais extensa duração possível da relação de emprego. O objetivo principal desse
princípio é muito claro: dar segurança econômica ao trabalhador. Portanto, presume-
se que o contrato de trabalho terá validade por tempo indeterminado, sendo
exceções à regra contratos por prazo determinado e o contrato de trabalho
temporário.
O doutrinador Luciano Martinez explica-nos:

“A continuidade sugere também a ausência de intenção do empregado em


pôr fim ao contrato que o arrima. Por isso, presume-se, sempre, que a
terminação de um vínculo deu-se por iniciativa patronal e sem causa justa
em lugar de por iniciativa operária ou com justa causa. Também em virtude
da continuidade, vale dizer, da repetibilidade da prestação do serviço ou do
simples reconhecimento da existência desse, presume-se ocorrência de
uma relação de emprego, cabendo ao tomador dos serviços o ônus
demonstrativo da formulação de um contrato de trabalho em sentido lato”35.

Claro está que este princípio visa a tranquilidade e segurança do trabalhador,


vez que notou-se que a instabilidade era sinônimo de insegurança. Indubitavelmente
é consagrada na dogmática do Direito do Trabalho a questão da estabilidade na
convivência humana. Pressupondo-se sempre um regime em que as condições
estáveis de vida impera nas relações de trabalho. Foi próprio da Revolução
Industrial o clima de instabilidade, onde os trabalhadores se sujeitavam a condições
cada vez mais desumanas para não serem mandados embora.
Não à toa a tal princípio foi empregado a expressão “estabilidade” e
“permanência”, caindo em desuso a primeira nomenclatura em razão de existir um
instituto concreto com esse nome no Direito do Trabalho.
Segue-se, então, que esse princípio está intimamente ligado ao tema que nos
interessa, qual seja, a nulidade do pedido de demissão, eis que em caso de dúvida,

35
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho, 3ª ed. 2012. Editora Saraiva. p. 97.
35

prevalece o principio da continuidade da relação de emprego, uma vez que a


validade do pedido de demissão há de resultar inequívoca, traduzindo-se na livre
manifestação de vontade do empregado.
Neste sentido, veja-se o entendimento cristalizado pelo TST:

“SÚMULA 212 do TST. DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA. O ônus de


provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de
serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da
continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao
empregado (Res. 14;1985, DJ 19-9-1985)

A Jurisprudência pátria, nesse sentido, aprofunda-nos nessa senda. Veja-se,


por exemplo, o seguinte julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:

“EXTINÇÃO CONTRATUAL - PEDIDO DE DEMISSÃO/DISPENSA SEM


JUSTA CAUSA - PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE
EMPREGO I - O princípio da continuidade da relação de emprego milita
sempre a favor do empregado. Quando há controvérsia acerca da forma de
extinção do contrato de trabalho, com a empregadora alegando que o
empregado pediu demissão e este defendendo que foi dispensado por
aquela, é ônus probatório exclusivo da empresa a prova de suas alegações,
em resguardo ao indigitado princípio laboral. II - No caso vertente, a parte ré
alegou que foi a autora quem pediu demissão, mas, tendo a autora afirmado
o oposto, isto é, que foi demitida injustificadamente, competia àquela provar
suas alegações, o que não foi feito a contento. III - Recurso conhecido e
parcialmente provido”36.

Vale destacar a explicação ementada do seguinte julgado do Tribunal Regional


do Trabalho da 5ª Região:

CONTRATO DE EMPREGO. PEDIDO DE DEMISSÃO. PRINCÍPIO DA


CONTINUIDADE. FORMA EXPRESSA NO ART. 477, § 1º DA CLT. ÔNUS
DE PROVA DO EMPREGADOR. No Direito do Trabalho vigora o princípio
da continuidade do contrato de emprego, que milita em favor do empregado

36
TRT-1 - RO: 00109855720135010054 RJ, Relator: EVANDRO PEREIRA VALADAO LOPES, Data de Julgamento:
02/06/2015, Quinta Turma, Data de Publicação: 17/06/2015.
36

a presunção de que deseja manter o vínculo, por ser sua fonte de


subsistência. Ao alegar que o empregado pediu demissão, por ser
modalidade excepcional de extinção da relação empregatícia, o empregador
atrai para si o ônus de provar suas alegações, que não pode deixar margem
a dúvidas. Ademais, o pedido de demissão requer procedimento e forma
expressa, conforme estabelece o art. 477, § 1º, da CLT. Quando não
observada, leva a reconhecer, no contexto das demais provas produzidas
no feito, que a dispensa se operou sem justa causa”37.

Portanto, é certo que o princípio da continuidade da relação de emprego


corresponde-se na presunção favorável ao trabalhador, traduzindo-se em relação ao
tema que nos ocupa na obrigação do empregador de provar que o empregado
efetivamente pediu demissão de maneira livre e consciente; do contrário, a
invalidade do pedido de demissão pode ser arguida em sede de Justiça do Trabalho.
Evidentemente este princípio foi estabelecido em favor do trabalhador.
Portanto, tal princípio pode nem mesmo ser invocado nem exercido pelo obreiro, se
por circunstância qualquer julgar preferível não fazê-lo. Ademais, o empregador não
pode invocar este princípio com vista de se opor à renúncia ou ao abandono de
emprego pelo empregado.
É consequência deste princípio que o contrato por tempo indeterminado não
pode ser convertido em um contrato de duração determinada. Assim se expressa
Américo Plá Rodriguez sobre o tema:

“A conversão de um contrato de duração indeterminada em um contrato de


duração determinada equivale a pôr fim a um contrato que deveria durar
indefinidamente. Em lugar de fazê-lo cessar de imediato, como ocorre
quando se rescinde unilateralmente o contrato, faz-se com que termine
após o prazo de tantos meses ou anos, ou seja, quando acaba o período
durante o qual perdura o novo contrato ou prazo”38.

Ademais, a tendência de conservação do contrato de trabalho faz com que


cláusulas nulas existentes no contrato de trabalho, não anulem o contrato de
37
TRT-5 - RecOrd: 00011183520125050031 BA 0001118-35.2012.5.05.0031, Relator: MARGARETH RODRIGUES
COSTA, 1ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 22/10/2014.
38
RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, 3ª ed., Editora LTr, 2000, p. 255.
37

trabalho em si. E isso se dá até mesmo se a cláusula nula se referia a elementos


importantes da relação contratual de trabalho, como o é a remuneração, no caso
deste estar abaixo do salário mínimo. Isso ocorre mesmo diante de contratos que
são nulos, mas já findados, onde prevalece a realidade do trabalho sobre a norma,
preservando-se todos os direitos do trabalhador.
Evidentemente o direito do empregador de despedir o funcionário não está
impedido, ainda que tal princípio leve a decisão tornar-se dificultosa e onerosa em
relação ao empregador. Assim, haverá obrigação de aviso prévio e de indenização
por despedida, bem como o pagamento por danos e prejuízos por despedida
abusiva. Essas medidas servem como restrições, cuja eficácia dependerá,
fundamentalmente, de sua onerosidade, isto é, quanto mais gravosas sejam as
sanções implicará menos despedidas arbitrárias.
Como o princípio presume a continuidade do pacto laboral cabe ao
empregador provar que o empregado, efetivamente, pediu demissão. Uma vez
provada essa etapa por parte do empregador, inverte-se o ônus de prova cabendo
ao empregado comprovar qualquer vício de consentimento no pedido de demissão.

3.2 A dissolução contratual por resilição de iniciativa do operário

Dá-se o nome de pedido de demissão à cessação do contrato de emprego por


via excepcional chamada dissolução por resilição. Esta dissolução é por iniciativa
uniliteral do empregado, pois do contrário, falar-se-ia em despedida. O doutrinador
Luciano Martinez define da seguinte maneira:

“Entende-se por resilição de iniciativa operária o ato jurídico unilateral do


qual o empregado leva ao conhecimento do empregador o desejo de
terminar o contrato entre eles firmado. É, portanto, um ato de liberdade do
empregado”39.

O pedido de demissão deve ser acompanhado de aviso-prévio ou pré-aviso. O


fim desta exigência é que se previnam possíveis consequências de uma ruptura
abrupta do contrato de trabalho, embora o aviso-prévio não seja um requisito
necessário à validade do pedido de demissão. A falta do aviso, por outro lado,
39
Ibid., p. 519, nota 7.
38

comina na obrigação do empregado indenizá-lo, conforme dispõe o § 2º do art. 487


da C.L.T: “A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o
direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo”.
Com o pedido de demissão há várias verbas rescisórias que o empregado não
receberá. O doutrinador Maurício Godinho Delgado, neste sentido, explica-nos:

“O pedido de demissão, pelo empregado, suprime-lhe praticamente quase


todas as verbas rescisórias, que ficam restritas ao 13° salário proporcional e
às férias proporcionais com 1/3. O demissionário não receberá aviso-prévio,
caso não o trabalhe efetivamente; não terá liberado FGTS, nem receberá os
40% de acréscimo ao Fundo; perde a proteção das garantias de emprego;
não recebe guias para saque do seguro-desemprego. Recorde-se que.
tradicionalmente, a jurisprudência, com base na CLT (arts. 146 e 147),
considerava incabível a parcela proporcional de férias em caso de pedido
de demissão ocorrido em contrato inferior a doze meses (antigo Enunciado
261). Desde a Res. 121/2003 do TST, a nova redação da súmula. com
suporte na Convenção 132 da OIT, considerou eliminada tal restrição”40.

Com a reforma trabalhista, aprovada no dia 11 de julho pelo Senado Federal,


aparece a figura de uma nova categoria de dissolução contratual, a chamada
“demissão consensual”. Está prevista no art. 484-A da Lei 13.467/2017, que altera a
C.L.T.: “O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e
empregador(...)”. Nesta modalidade de dissolução contratual o aviso prévio, se
indenizado e a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço serão devidos pela metade; nem terá direito ao seguro-desemprego.
É evidente que esta nova modalidade representa um perigo potencial para a
existência constantes coações nas relações de emprego, onde o empregado será
incitado pelo empregador a aceitar a suposta extinção consensual. O trabalhador por
estar numa relação de hipossuficiência possivelmente, em muitos casos, aceitará a
dissolução nesta modalidade, para que ao menos receba alguma coisa em na
rescisão contratual, ainda que aquém do querido.

40
GODINHO, Maurício. Curso de Direito do Trabalho, 14ª Ed. Editora LTr. 2015. p. 1.270.
39

3.3 O vício de vontade no pedido de demissão

Como verificado no estudo até aqui apresentado o pedido de demissão


formulado pelo empregado é ato jurídico perfeito e acabado, somente passível de
nulidade nos casos previstos em lei, competindo ao mesmo a produção de prova da
ocorrência de vício de consentimento. O pedido de demissão é um ato de
liberalidade do trabalhador, portanto, é passível de vício de vontade.
Como explicado anteriormente o pedido de demissão é um negócio jurídico, o
que, por sua vez, é uma espécie do gênero ato jurídico lato sensu. Ora, no negócio
jurídico a vontade manifestada certamente compõe o suporte fático de certa
categoria jurídica, à escolha, onde os efeitos jurídicos tanto podem ser
predeterminados, como deixados à liberdade.
Segundo a legislação brasileira, o vício de vontade é passível de nulidade
relativa, pelo que o pedido de demissão eivado de vício também é passível. Como
explica Ari Pedro Lorenzetti a nulidade relativa não implica em inexistência do
negócio no mundo jurídico:

“Convém esclarecer, ainda, que a anulação não importa a eliminação do ato


defeituoso do mundo jurídico, mas tão-somente a cassação de sua força
jurígena, em face da imperfeição de que padece. E, por se tratar de
consequências de um défice verificado na constituição do ato, além de
tolher sua capacidade para gerar novos efeitos, pela anulação, tornam-se
insubsistentes também os efeitos já produzidos por ele. Aniquila-se, assim,
desde a sua origem, a aptidão para produzir efeitos jurídicos”41.

Em se tratando de vícios de consentimento o prazo para invalidar o pedido de


demissão é de quatro anos. Este prazo é decadencial e sua contagem começa no
dia em que o negócio jurídico se realizou, exceto, no entanto, nos casos de coação,
onde o prazo começa a contar no dia em que a coação cessa, conforme dispõe o
inciso I do art. 178 do Código Civil.
Como explica Ari Pedro Lorenzetti “a violência psicológica verificada na
execução do contrato de trabalho tem merecido cada vez mais atenção da doutrina

41
LORENZETTI, Ari Pedro. As nulidades no Direito do Trabalho. Editora LTr, 2008, p. 365.
40

e já vem repercutindo nos tribunais, tanto para impor reparações cabíveis, quanto
para anular atos, como a rescisão do contrato por iniciativa do
trabalhador”42(grifei). Os seguintes julgados são exemplificativos do tema:

ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO. CARACTERIZAÇÃO.


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDA. O assédio moral
caracteriza-se pela prática de variados artifícios levados a efeito no
ambiente de trabalho pelo assediador, superior hierárquico ou não do
assediado, que, de forma deliberada e sistemática, repetitiva e/ou
continuada, comete violência psicológica contra a vítima, com o objetivo de
ir minando a sua autoestima, dignidade e reputação, até destruir, por
completo, a capacidade de resistência dessa pessoa. Existindo provas nos
autos acerca de atos abusivos de que foi vítima o obreiro, resta
caracterizado o efetivo dano moral, sendo devido o pagamento da
indenização pleiteada”43.

“PEDIDO DE DEMISSÃO SOB COAÇÃO. NULIDADE DO ATO. Hipótese


em que restou demonstrada a alegada coação. O constrangimento que a
reclamante vinha sofrendo de suas colegas, obrigadas pelo empregador a
dela se afastarem, quando ciente este de que aquela se encontrava grávida,
caracteriza a coação”44.

Ressalta-se, além disso, que o assédio moral pode se dar por variadas formas,
desde coação positiva, como gestos, palavras ou atos, quanto em abstenção
proposital para obter o fim desejado, desde que prejudique o trabalhador e o incite a
pedir demissão. Assim refere Ari Pedro Lorenzetti sobre isso:

“E no contexto do assédio moral, a hostilização pode perfeitamente decorrer


de atos omissivos, como ignorar a presença do trabalhador no ambiente de
trabalho, deixá-lo sem tarefas para executar, negar-se a cumprimentá-lo,
não lhe dirigir a palavra, passar-lhe as ordens apenas por escrito ou por
intermédio de outra pessoa, não dar ouvidos a suas sugestões ou
comentários etc. O assédio moral, no entanto, também pode revelar-se
mediante condutas comissivas, como a divulgação de boatos maldosos, os
ataques à reputação do obreiro ou à sua família, as gozações sobre seus

42
Ibid., p. 172.
43
TRT18, RO - 0010111-41.2012.5.18.0052, Rel. ELVECIO MOURA DOS SANTOS, 3ª TURMA, 02/04/2014.
44
TRT 4ª Região, RO 96.022110-7, Ac. 6ª T., 11.12.97, Rel. Juíza Teresinha Maria Delfina Signori Correia. DJE
26.1.98.
41

defeitos físicos, a imputação de erros inexistentes, a emissão de


orientações, ordens ou instrunções contraditórias e imprecisas, as críticas
ou advertências em público, a delegação de tarefas flagrantemente
superiores ou inferiores à sua capacidade, a imposição de horários, tarefas
ou volumes de serviço que exijam esforços além do razoável, as cobranças
de urgência desnecessária, a supressão de documentos ou informações
importantes para a realização de seu trabalho, a ridicularização das
convicções religiosas ou políticas, ou dos gostos do trabalhador, destre
várias outras. Com práticas dessa estirpe o empregador vai minando a
resistência do obreiro até dobrar sua vontade para a prática de atos que não
eram de seu interesse, como um “pedido de demissão”, uma renúncia a
uma promoção, a aceitação de uma transferência de localidade e assim por
diante. As condutas referidas, evidentemente, afetam, a livre manifestação
da vontade, tornando anuláveis os atos a que derem ensejo”45 (grifei).

Segundo observa o mestre paranaense Dallegrave Neto a coação é o mais


frequente dos vícios da vontade no âmbito trabalhista. Consoante o doutrinador,
“infelizmente é comum a conduta abusiva do empregador que, extrapolando os
limites de seu poder disciplinar e diretivo, acaba coagindo o empregado a aceitar
inúmeras imposições, tais como assinar documentos e recibos em branco, autorizar
descontos salariais e, em alguns casos, subscrever documentos intitulados
‘pedido de demissão’46”(grifei).
Interessante para exemplificação da doutrina exposta é o recente Acórdão do
Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu a nulidade do pedido de demissão
feito pela empregada sob ameaça de que em caso contrário seria levada à
delegacia:

“RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. PEDIDO DE


DEMISSÃO. COAÇÃO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO CARACTERIZADO.
CONVERSÃO EM DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. Hipótese em que
constou expressamente do acórdão recorrido trecho do depoimento da
testemunha em que se afirma que “a reclamante foi obrigada a pedir
demissão, caso contrário, iriam para a delegacia”. Sem embargos da
comprovação de envolvimento da reclamante em eventual atividade ilícita
ou cometimento de falta grave ensejadora do rompimento do pacto laboral,
entende-se que a ameaça de ir à delegacia, longe de compreender

45
LORENZETTI, Ari Pedro. As nulidades no Direito do Trabalho. Editora LTr, 2008, p. 173.
46
DALLEGRAVE NETO, José Affonso, Contrato individual de trabalho: uma visão estrutural. São Paulo: LTr, 1998,
p. 123, Citado em LORENZETTI, Ari Pedro. As nulidades no Direito do Trabalho. Editora LTr, 2008, p. 174.
42

exercício normal de direito do reclamado, configura abuso do exercício do


seu poder empregatício. A reclamada, no exercício regular do seu direito,
poderia, de fato, ter ido diretamente à delegacia a fim de apurar os fatos
ocorridos, como poderia também ter dispensado por justa causa a autora se
presentes os requisitos para configuração da falta grave, entretanto,
ameaçou a empregada, forçando-a a pedir demissão para atingir o seu
intento (ruptura do liame contratual), circunstância que, além de extrapolar o
seu poder patronal, retira a espontaneidade da manifestação de vontade,
elemento necessário para configuração do pedido de demissão. Recurso de
revista conhecido e provido”47.

Na mesma linha, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região reconheceu a


nulidade do pedido de demissão por vício de consentimento por ser formulado por
orientação e objetivo de atender manifesto interesse patronal:

“PEDIDO DE DEMISSÃO. NULIDADE É nulo o pedido de demissão, por


vício de consentimento, quando este é formulado por orientação e com o
objetivo de atender manifesto interesse do empregador”48.

Ademais, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região também reconheceu a


nulidade do pedido de demissão por vício de consentimento por ser formulado sob
ameaça de despedida por justa causa:

“EMENTA: NULIDADE DO ATO DEMISSIONAL. VÍCIO DE


CONSENTIMENTO. Alegando o trabalhador vício na sua manifestação de
vontade, externada formalmente no sentido de se demitir do emprego, a ele
cumpre demonstrar a ocorrência do alegado fato ensejador do vício de
consentimento. Comprovado que a empregada não tinha alternativa a não
ser o desligamento da empresa, por demissão, conclui-se pela ausência de
espontaneidade e a existência de vício de consentimento”49.

47
Acórdão, 2ª Turma. Processo nº TST-RR-1202-32.2014.5.02.0263. Data 26/10/2016.
48
TRT-4 - RO: 00100355820125040811 RS 0010035-58.2012.5.04.0811, Relator: JOÃO PEDRO SILVESTRIN, Data
de Julgamento: 29/11/2012, 1ª Vara do Trabalho de Bagé.
49
TRT-3 – RO: 00699201210703006, Relator: JOSÉ MARLON DE FREITAS, Data de Julgamento: 16/04/2013.
43

Quando a nulidade do pedido de demissão é decretada, normalmente, os


Tribunais têm convertido o pedido de demissão em dispensa imotivada ou em
rescisão indireta, quando outras vezes requerem a reintegração do trabalhador,
como as seguintes Ementas demonstram:

Ementa. CONVERSÃO DE PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO


INDIRETA. - Ainda que a Autora tenha optado pelo caminho que, na
ocasião, pareceu-lhe mais razoável - pedir demissão - nada impede que,
posteriormente, possa obter o reconhecimento judicial de que as condições
de trabalho autorizavam a ruptura do contrato por culpa da empregadora,
como na hipótese dos autos. Somente o cumprimento das obrigações do
contrato pela empregadora pode afastar a possibilidade de conversão do
pedido de demissão em rescisão indireta. A vontade da empregada
somente seria livremente manifestada se a empresa não houvesse incorrido
em qualquer falta que justificasse o rompimento contratual, isto é, se toda a
cadeia de fatos que antecederam a ruptura contratual não estivesse
contaminada pela ilicitude. REVISTA DE BOLSAS. DANO MORAL. ABUSO
DO PODER DIRETIVO. Há na revista dos empregados uma total inversão
do princípio de que todos somos inocentes até prova em contrário. Não se
investiga o empregado suspeito ou mesmo um furto específico, mas o
simples fato de ser empregado já o torna suspeito, independentemente
mesmo de existir furto. A revista assim realizada ofende e expõe o
trabalhador, que inevitavelmente fica ciente de que não é merecedor da
confiança do empregador. Recorrentes: Thalita Sarno de Carvalho Rdlay
Centro Moda Feminina Ltda Recorridos: Os mesmos Relatora: Giselle
Bondim Lopes Ribeiro”50.

“Ementa. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACUSAÇÃO DE FURTO.


PEDIDO DE DEMISSÃO. CONVERSÃO DA DESPEDIDA PARA SEM
JUSTA CAUSA. PARCELAS DEVIDAS. Havendo prova do constrangimento
experimentado pela trabalhadora no local de trabalho, cuja acusação de
furto desencadeou o seu pedido de demissão, é ela credora de uma
indenização por danos morais e tem reconhecida a conversão para

50
TRT-1. Recurso Ordinário : RO 00013157520145010501 RJ. Data de Julgamento 22 de Julho de 2015. Acesso
25/10/2017.
44

despedida imotivada, com pagamento de aviso prévio, FGTS e indenização


de 40%. Recurso negado. (...)”51.

Ementa. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. DEMISSÃO A


PEDIDO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ANULAÇÃO POR DEFEITO DO
ATO JURÍDICO. REINTEGRAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. MULTA
DIÁRIA PELO DESCUMPRIMENTO. I - O direito à estabilidade provisória
conferido à gestante pela norma constitucional não impede o pedido de
demissão da obreira e a renúncia do direito ao benefício. Todavia,
constatado que a vontade manifestada mostra-se marcada por vício de
consentimento, na medida em que a reclamante assinou o pedido de
demissão com uma noção inexata, não verdadeira, com uma falsa idéia
acerca de seu real significado e objetivo, conforme restou provado nos
autos, impõe-se a anulação do ato jurídico viciado, reconhecendo-se a
demissão sem justa causa, o direito à estabilidade à gestante e a imediata
reintegração no emprego. II - Justifica-se a antecipação da tutela no caso
em tela, com a imposição de multa diária pelo descumprimento da
obrigação de fazer, uma vez que a medida visa assegurar a efetivação da
reintegração da gestante no emprego, como forma de resguardar a
maternidade e o próprio nascituro, bem como a imediata satisfação dos
créditos de natureza alimentar”52.

4 CONCLUSÃO

Diante de toda matéria exposta no presente trabalho é fácil deduzir as


implicações no âmbito da cessação contratual por iniciativa do empregado. O pedido
de demissão é um negócio jurídico e o empregado é a parte hipossuficiente da
relação empregatícia. O tema torna-se claramente atual diante da Reforma
Trabalhista que foi aprovada pelo Senado, tornando-se Lei 13.467/17.
Como todos reconhecem a Reforma Trabalhista visou equilibrar as relações
entre trabalhador e empregador, sobrepesando a hipossuficiência do primeiro com
mais autonomia de contratação e rescisão contratual. Apresenta-se a nova figura de
cessação contratual por acordo entre as partes. Todo o debate, que ainda fará correr

51
TRT-4 - Recurso Ordinário : RO 19513320105040231 RS 0001951-33.2010.5.04.0231. Data de Julgamento 13
de Julho de 2011. Acesso 25/10/2017.
52
TRT -14 - RECURSO ORDINARIO : RO 46920074031400 RO 00469.2007.403.14.00. Data de Julgamento 7 de
Novembro de 2007.
45

rios de tinta, poderá culminar na alteração de disposições da própria Lei aprovada,


naquilo que futuramente for entendido anticonstitucional.
Os vícios de vontade na relação contratual tendem a aumentar com toda a
autonomia e liberalidade que a Lei supracitada dispõe. É tarefa do Judiciário fulminar
os excessos que, porventura, ocorrerem, em nome da Lei, balanceando os poderes
e harmonizando tal atualização. O pedido de demissão continuará sendo um ponto
delicado na vida do empregado, que depende do trabalho para sustentar-se e a sua
família. Obviamente, suscetível de abusos e intromissões, demandará reclamatórias
trabalhistas com o mesmo objeto de ver decretada a nulidade relativa do pedido de
demissão eivado de vício.
O Direito do Trabalho tem por finalidade maior a tutela dos trabalhadores, e
não é possível interpretar suas normas em sentido diverso, extraindo-se delas um
fator de desproteção àqueles a quem a ordem jurídica preocupou-se em conferir
maior segurança. Ademais, conforme salientam os autores do projeto da C.L.T., “só
por uma expressão clara e nunca por uma interpretação sutil e dúbia pode ser
aplicada uma lei de proteção, como o é a lei trabalhista, em detrimento daquele a
que, primeiro que tudo, visa proteger”53.
O segundo capítulo deste trabalho visou estudar minuciosamente os planos da
existência, validade e eficácia do ato jurídico. Alcançou-se uma definição e
explicação adequadas dos elementos estruturais da Norma Jurídica, quais sejam:
suporte fático e preceito. Em seguida distinguiu-se as espécies de suporte fático.
Passou-se, então, a explicação da composição do suporte fático, isto é, combinação
de elementos nucleares e complementares.
Na sequência foram explicadas as três espécies de fatos jurídicos: fato
jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico e ato jurídico latu sensu. Foi dada uma
atenção especial à terceira espécie, que subdivide-se em ato jurídico stricto sensu e
negócio jurídico, pois é o negócio jurídico que, sobretudo, interessa neste labor.
A seguir, o estudo deteve-se na explicação dos pressupostos de validade do
ato jurídico lato sensu para daí adentrar ao tópico dos graus da sanção de
invalidade. Certa distinção entre os dois graus de invalidade, a saber, nulidade

53
SÜSSEKIND, Arnaldo; LACERDA, Durval de; VIANNA, J. de Salgadas. Direito brasileiro do trabalho, v. 2, Rio de
Janeiro: Livraria Jacinto Editora, 1943, p. 27-8; Citado em LORENZETTI, Ari Pedro. As nulidades no Direito do
Trabalho. Editora LTr, 2008, p. 226, nota 67.
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absoluta e a nulidade relativa, foi necessária para, na sequência, estudar o vício de


vontade como causa de nulidade, tema essencial do presente estudo.
O terceiro capítulo visou aplicar os princípios apreendidos anteriormente no
pedido de demissão, negócio jurídico, que esteja eivado de vício de vontade. Para
tanto foi necessário a conceituação do que seria o próprio pedido de demissão. Na
sequência foi pertinente tratar do princípio da continuidade da relação de emprego,
uma vez que está intimamente ligado com o tema, em razão da presunção pela
continuidade da relação de emprego. Para, enfim, aplicar a doutrina até então
estudada à nulidade do pedido de demissão.
O presente trabalho pretendeu trazer à luz uma gama de julgados dos
Tribunais Trabalhistas que exemplificaram e justificaram toda a doutrina exposta. As
soluções dos Tribunais vêm a confirmar que o pedido de demissão, muitas vezes,
não expressa realmente a real vontade do trabalhador. Como referido anteriormente
não é pouca a demanda de reclamatórias trabalhistas que visam a nulidade do
pedido de demissão, razão pela qual não se pode ignorar tal pretensão.
Apesar da precariedade de bibliografia específica sobre o tema, buscou-se um
esforço na direção de construir uma fundamentação profunda e coesa para o tema
do trabalho. É verdade que o próprio assunto de nulidade dos atos jurídicos em geral
possui pouco material doutrinário, mas isso não impediu que todos os pressupostos
necessários para a conclusão do trabalho fossem consultados em obras de autores
de renome e de competência indubitável. A própria Jurisprudência, como fonte do
Direito, foi um meio riquíssimo para o conhecimento da matéria.
47

REFERÊNCIAS

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14ª Ed., Editora Saraiva, 2015.

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TRT 4ª Região, RO 96.022110-7, Ac. 6ª T., 11.12.97, Rel. Juíza Teresinha Maria
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Acórdão, 2ª Turma. Processo nº TST-RR-1202-32.2014.5.02.0263. Data


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TRT-4 - RO: 00100355820125040811 RS 0010035-58.2012.5.04.0811, Relator:


JOÃO PEDRO SILVESTRIN, Data de Julgamento: 29/11/2012, 1ª Vara do Trabalho
de Bagé. Acesso 12/10/2017. Acesso 10/10/2017. <https://trt-
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100355820125040811-rs-0010035-5820125040811>

TRT-3 – RO: 00699201210703006, Relator: JOSÉ MARLON DE FREITAS, Data de


Julgamento: 16/04/2013. Acesso 10/10/2017.
<https://www.escavador.com/diarios/21070/TRT-3/J/2013-04-
26/18676702/movimentacao-do-processo-0000699-3520125030107>

TRT-1. Recurso Ordinário : RO 00013157520145010501 RJ. Data de Julgamento 22


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49

TRT-4 - Recurso Ordinário : RO 19513320105040231 RS 0001951-


33.2010.5.04.0231. Data de Julgamento 13 de Julho de 2011. Acesso 25/10/2017. <
https://trt-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20070163/recurso-ordinario-ro-
19513320105040231-rs-0001951-3320105040231>

TRT -14 - RECURSO ORDINARIO : RO 46920074031400 RO


00469.2007.403.14.00. Data de Julgamento 7 de Novembro de 2007. Acesso
25/10/2017. <https://trt-14.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4434917/recurso-ordinario-
ro-46920074031400-ro-0046920074031400>
50

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