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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, N° 12, pp. 125 - 140, 2002.

URBANIZAÇÃO, CIDADE E MEIO AMBIENTE

Nelba Azevedo Penna *

RESUMO
Este texto tem o objetivo de abordar o meio ambiente urbano a partir de uma ótica que não
se restringe à preservação/proteção da "natureza" e dos recursos ambientais, mas,
considera o ambiente construído pela apropriação e produção do urbano e do ambiente. A
preocupação aqui apresentada, é vincular a problemática ambiental e urbana por intermédio
das questões habitacionais, do crescimento urbano através da expansão das periferias. A
abordagem urbano ambiental, dentro de uma perspectiva integrada da complexidade social
e espacial, permite ultrapassar uma análise simplesmente política do papel do Estado na
reprodução e crise da cidade, para compreender a produção de relações sociais nos termos
da urbanização presente e introduz a produção da degradação do meio ambiente no seio da
discussão do espaço geográfico apreendido na apropriação vivida da experiência cotidiana.
PALAVRAS-CHAVE:
Urbanização, Cidades, Meio Ambiente Urbano, Produção do Espaço, Periferia.

ABSTRACT:
This text has the objective of approaching the urban environment from a point of view that
is not restricted to the preservation/protection of "nature" and the environmental resources,
but considers the environment constructed by the appropriation and production of the urban
areas and the environment. The concern here presented is to entail the environmental and
urban problem through the habitational questions, of the urban growth through the
expansion of the peripheries. The urban environmental approach, in an integrated
perspective of the social and spatial complexity, allows the surpassing of an analysis purely
political of the role of the State in the reproduction and crisis of the city, to comprehend the
production of social relations in the terms of present urbanization and introduces the
production of degradation of the environment in the core of the discussion of the geographic
space apprehended in the appropriation that the every-day experience goes through.
KEY WORDS:
Urbanization, Cities, Urban Environment, Space Production, Periphery.

* Professora Doutora do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília


e-mail: nelba@ unb.br
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Intodução práticas sociais, que envolvem a extensão


das cidades. "É ordem e, ao mesmo
Este texto tem o objetivo de abordar tempo, violência, econômica e política:
o meio ambiente urbano a partir de uma exploração, expropriação e dominação"
ótica que não se restringe à preservação/ (Damiani, 1999:118). Esta interpretação,
proteção da "natureza" e dos recursos do sentido da produção social do espaço,
ambientais (proteção dos mananciais, permite ultrapassar uma análise simples­
áreas de reserva ambiental, etc.), mas, mente política do papel do Estado na
considera o ambiente construído pela reprodução e crise da cidade, para com­
apropriação e produção do urbano e do preender a produção de relações sociais, a
ambiente. A preocupação aqui apresen­ partir da sua própria ação.
tada é vincular a problemática ambiental e O ambiente, construído e natural, da
urbana por intermédio das questões cidade é um espaço que possui uma
habitacionais, do crescimento urbano ocupação política intencional, tanto pelo
através da expansão das periferias. Estas Estado quanto pela sociedade. O que faz
dimensões da realidade urbana têm sido com que o espaço seja produtivo,
tratadas separadamente, permanecendo valorizado, é o seu uso. Mesmo os espaços
uma dicotomia, ao serem abordadas fora ditos "vazios" estão cheios de intenciona-
da questão da produção social do espaço e lidades de usos, subordinados aos interes­
da natureza. Este estudo preocupa-se com ses de valor Os valores de uso são
a questão urbano ambiental como produto criados de acordo com as possibilidades do
da intervenção da sociedade sobre a mundo da mercadoria e são, ao mesmo
natureza, acentuando as contradições da tempo, valores de troca, que estão na
produção, consumo e apropriação social base do processo de fragmentação do
do espaço. espaço.
A abordagem urbano ambiental, O que torna estes lugares um
dentro de uma perspectiva integrada da elemento de análise importante para o
complexidade social e espacial, introduz a entendimento da produção do espaço
produção da degradação do meio ambien­ urbano é o fato de seu uso, ou seja, o fato
te no seio da discussão do espaço geográ­ de terem se tornado um "território usado",
fico apreendido na apropriação vivida da uma vez que "a sociedade não atua sobre
experiência cotidiana, e não apenas como a natureza em si", e sim a partir de um
meio ambiente, quando "perde suas determinado "valor que é dado àquele
substâncias e significados" (Rodrigues, pedaço de natureza - valor atual e futuro"
2001:213). (Santos, 1999:18).
A produção da espacialidade da
sociedade urbana não pode ser entendida 1. Meio Ambiente Urbano: a produção
apenas no sentido econômico, mas da cidade e da natureza
também pelo seu conteúdo como uma
produção social, política e cultural, nos Tanto a natureza quanto a totalidade
termos da urbanização presente. É preciso do ambiente urbano, transformam-se em
compreender que a cidade é produzida em espaços políticos, inseridos nas estratégias
relação a um conjunto complexo de de ocupação e de expansão da cidade.
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Tornam-se fragmentados porque são e os comportamentos em relação à cidade


produtos da ação social que articula o (Carlos, 1996:58).
ambiente circundante à cidade para a As moradias periféricas espalham-se
produção e reprodução das relações no tecido urbano, criando um ambiente
sociais, de modo funcional e dissociado, produzindo a degradação
hierarquizado. ambiental, porque representam a ruptura
Os lugares valorizados da cidade, e a cissão entre o habitar e o habitante,
não são somente os privilegiados pela que possuíam uma unidade e uma
beleza da arquitetura, da qualidade de simultaneidade que foi substituída por
vida, da tecnologia e do desenho urbano, uma rede de malhas desiguais. O
onde o paisagismo estético substitui a momento para a expansão periférica da
natureza, mas todos os lugares estão cidade tornou-se viável porque houve o
valorizados pelo processo que produz a desaparecimento da realidade urbana
apropriação do seu espaço. Tanto os perceptível: desapareceram os espaços
lugares periféricos, menos qualificados para o encontro, porque também o tempo
técnica e socialmente (que ainda não para o encontro, das ruas, das praças dos
possuem os chamados bens de consumo bares, desapareceu com a escalada da
urbano: rede de água, luz, esgoto, violência. Aumenta o tempo gasto com o
telefone, etc.), quanto as reservas trabalho, que assume o ritmo do
ambientais, ainda pouco ocupadas, estão computador, transformando também a
repletos de valores que fragmentam e residência em dormitório.
hierarquizam funcionalmente todo seu A periferia produzida em relação a
território, numa imensa mancha urbana, uma centralidade (do centro urbano)
onde se localizam os projetos de expansão torna-se uma realidade vivida no cotidiano
urbana, propondo novas áreas de dos habitantes da cidade ao estabelecer a
adensamento nas áreas de proteção apropriação de um espaço de reserva
ambiental, apropriando-se destes lugares ambiental para o uso habitacional, resti-
para fins de moradia urbana, expandindo tuindo-lhe um outro valor de uso que não
e fragmentando o tecido urbano. a "preservação" O fato concreto do uso
A fragmentação do espaço se define torna-se uma garantia para a indução ao
como um processo sócio-espacial porque consumo da "natureza", efetivada pelo
na cidade encontra-se o espaço merca­ desejo de habitar em contato com áreas
doria, submisso à troca e à especulação, verdes, longe da agitação e do caos urba­
produzindo um constante movimento de no. A própria diferenciação do ambiente
atração e de repulsão da população do construído estimula novas construções.
centro para a periferia, que possui como Portanto, a efetivação do uso constitui-se
resultado uma determinada morfologia da em estratégia para a transformação do
cidade, que é definida e valorizada de conteúdo social que se expressa em novas
maneira diferencial. Este processo, que se formas espaciais, marcadas pelas novas e
caracteriza pelas necessidades de dinâmicas práticas sociais, redefinindo
expansão do capital, produz um espaço uma nova morfologia caracterizada pelos
urbano transformando os seus referenciais novos usos, passíveis de serem apreen­
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didos na malha urbana descontínua da adquirem um novo significado - espaços


cidade, porém fortemente integradas. residenciais em potencial, que determinam
A análise da expansão e crescimento o paradoxo entre o consumo do meio
urbano sobre áreas de proteção ambien­ ambiente pelo urbano causando sua
tal, de mananciais e bacias hidrográficas, degradação.
expõe os conflitos e contradições presen­ A análise da crise urbana e
tes na realização deste processo. As áreas ambiental, definida pelo esgotamento e
de proteção ambiental, reservas ambien­ poluição dos chamados recursos naturais,
tais, até então pouco transformadas pela evidencia cada vez mais a escassez destes
ação social, ainda objetos da política de "bens naturais", porque eles deixam de
preservação, estão presentes no território estar disponíveis a todos, como "bens
como um dado significativo para o comuns", e passam a ser regidos pelas leis
entendimento do processo de fragm en­ de propriedade. Os elementos antes
tação, expansão e uso da terra urbana. naturais e abundantes (ar puro, luz do sol,
O discurso da carência de espaços vegetação farta) passam a ser definidos
urbanizados e da falta de políticas habi­ por novas condições econômicas e sociais
tacionais abrangentes, possui um signi­ em relação a uma centralidade urbana,
ficado e um caráter social e econômico que transforma a natureza em fator de
bem definidos: capturados pelo mercado, valorização diferencial dos lugares na
o espaço urbano e a natureza, incorporam cidade, reforçando as desigualdades
as leis do valor e da mercadoria. O (Santana, 1999).
processo de fragmentação do espaço No processo de crise da cidade,
urbano ocorre porque "A ação presente, os elementos da natureza, como a água, são
interesses sobre parte do território, a introduzidos no grupo das necessidades
cobiça, e mesmo as representações urbanas sob uma nova ótica de consumo e
atribuídas a essa parte do território tem distribuição - da apropriação individual. A
uma relação com o valor que é dado ao água, bem comum distribuído principal­
que está ali presente" (Santos, 1999:18). mente por organismos estatais, torna-se
Entre as relações para a produção um bem que pode ser adquirido indivi­
do espaço, o ambiente construído e natu­ dualmente (ou por pequenos grupos), por
ral adquirem uma importância cada vez meio da construção de poços artesianos. A
maior, destacando a natureza como recur­ produção da habitação também sai da
so e como valor de uso, reforçando os construção pública e coletiva (financiada
ambientes naturais como valor para a pelo BNH e FGTS até ser extinto em 1986)
produção de um novo espaço, transfor­ para o domínio privado, particular e
mando-os em áreas urbanizáveis. bancário - instala-se o domínio da
Assim, pelo uso e apropriação pri­ periferia auto construída, apropriando-se
vada da beleza do verde da paisagem, do de áreas destinadas a preservação
ar puro, da água, entre outros valores que ambiental. Esse novo e escasso espaço
se espacializam, localizando-se e consti- necessita ser produzido, entrando para o
tuindo-se em lugares de maior valori­ circuito da reprodução das relações
zação, eles são produzidos em relação a sociais, tornando a apropriação dos ele­
uma centralidade, tornando-se "raros" e mentos da natureza importantes para a
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diferenciação da qualidade dos em preen­ surgem como alternativas para a


dimentos imobiliários e para a realização satisfação da "nova demanda", criada em
da valorização diferencial do espaço relação aos espaços que respondam aos
urbano. anseios de melhoria da vida urbana, não
A valorização do espaço das cidades, apenas em relação a atenção da qualidade
ao ser fragmentado por empreendedores ambiental, mas também econômica, em
imobiliários, adquire a forma de lote relação a importância da propriedade
urbano cujo acesso e uso se submetem ao particular As formas urbanas centrais
mercado, definidos pelo estabelecimento tendem a se expandir por meio de padrões
da propriedade privada da terra. Desse a serem reproduzidos nas áreas de
modo, o processo de fragmentação vai preservação ambiental.
ocorrer no espaço urbano como resultado Desta forma, a análise do processo
dos conflitos entre a propriedade privada e de expansão do espaço urbano sobre
a produção socializada da cidade, áreas protegidas ambientalmente, não é
resultado do trabalho social (Carlos, um fim em si mesma, e nem o ponto de
1996:60). Essa fragmentação que se chegada desta reflexão. Constitui-se em
aprofunda pelo parcelamento do espaço um ponto de partida para abrir um debate
em lotes que são comprados e vendidos sobre a cidade e analisar as suas
no mercado, resulta de atividades cada possibilidades de transformação social e
vez mais estratégicas, que contribuem espacial, e para redimensionar os
para ocultar a percepção de que o conteúdos sociais da urbanidade. O
processo de fragmentação está rela­ esforço teórico e empírico para com preen­
cionado com as estratégias da política e do der as práticas sociais da produção do
mercado, da terra urbana como valor de espaço urbano está fundamentado na
troca, valorizando de forma diferencial o necessidade de avaliar os processos de
ambiente urbano. distribuição desigual dos equipamentos e
A diferenciação social, espacial e infra estruturas urbanas e sociais, para
econômica, que caracteriza a hetero- permitir o acesso mais eqüitativo a
geneidade da ocupação sobre a periferia, melhores condições de vida nas cidades,
começa a ser definida segundo cada proporcionadas por um meio ambiente
padrão de uso socioespacial, e sobre as urbano de "qualidade", e para discutir os
leis de mercado, de acordo com as elementos que fundamentam a questão da
estratégias imobiliárias e, também pelo cidade sustentável.
nível de degradação/conservação ambien­
tal, muitas vezes substituindo a vegetação 2. Meio ambiente da cidade
nativa pelo paisagismo estético. A crise
urbana ambiental imprime no espaço os Novas áreas de expansão urbana
lugares onde os elementos ambientais se estão se constituindo na periferia das
mostram com maior ou menor grau de cidades, como um novo e dinâmico
degradação, também como forma de mercado imobiliário, tanto em áreas de
diferenciação espacial. especial beleza natural, relativamente
Os assentamentos periféricos, condo­ plana, de fácil ocupação urbana, alta
mínios ou bairros em áreas ambientais, acessibilidade e proximidade ao centro,
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quanto em lugares deficitários de infra- condições de vida da população urbana,


estrutura e/ou com alta declividade. São principalmente com a desintegração do
lugares que possuem valor hídrico especial Sistema Financeiro Habitacional (SFH), a
por abrigar inúmeras nascentes de rios, partir da década de 80. Portanto, a análise
lagos de represas, constituindo um meio da atual crise do sistema urbano, está
ecológico frágil, por ser de fácil erosão e inserida na relação Estado-urbano, com a
contaminação pelo esgoto, resíduos sóli­ perda da capacidade de financiamento
dos e lixo, devendo observar rígidas(!) pelo Estado, provocando mudanças nas
normas e leis para ocupação e uso da relações de acesso à cidade, principal­
terra, tanto para fins de habitação, quanto mente devido à possibilidade da auto
para outros tipos de manejo, apontando construção nos condomínios, de moradia e
para os diferentes problemas de risco e de infra-estrutura urbana, fortalecendo os
vulnerabilidades a que estão sujeitas as processos de produção privada da cidade,
populações urbanas ricas e pobres. estabelecendo várias ordens de conflitos
A mediação de acesso à moradia se sociais, ambientais, econômicos e
estabelece por intermédio do mercado políticos.
imobiliário e realiza-se pela exaltação do Na ausência de políticas urbanas
discurso ecológico, que permite vender o compatíveis com a problemática desta
"verde" como objeto de desejo, status e nova ordem, surge a presença de outros
felicidade. O próprio governo local é bens financiáveis de modo mais factível,
capturado por este discurso, quando como o automóvel, que se incorpora aos
chama a atenção, da comunidade que objetos de primeira necessidade, por
habita estas áreas, para a importância da permitir tornar mais curto o percurso e o
preservação da qualidade ambiental do tempo para a casa própria (no sentido da
lugar. Essa qualidade passa para a mídia maior facilidade de financiamento) e
como um evento diferenciado em relação devido as possibilidades de auto constru­
ao caos urbano. ção na periferia, tomada em sua ampla
Esse conjunto de novos elementos de heterogeneidade. Estes fatores represen­
transformação e alteração das regras da tam as possibilidade de produção de uma
produção do espaço mostra as novas centralidade na periferia. Daí a neces­
articulações em torno dos interesses sidade de se refazer os percursos na
fundiários, para o jogo das articulações cidade: acessos (pontes, viadutos e
políticas e sociais sobre o território. Essas alargamento das vias e abertura de novas
articulações revelam a contradição em ruas), energia, telefone, água, etc.
relação ao uso e à apropriação da terra A desordem na produção do espaço
entendida, simultaneamente, como valor oculta a ordem da oposição entre a
de troca (mercadoria) e valor de uso produção pública e a produção privada da
(Carlos, 2001). cidade: uma se define em relação a outra
A cidade se estende no território e contra a outra. A análise imediata dos
provocando mudanças no modelo de processos desordenados são apresentados
expansão da periferia vinculada à crise da como caos. Na realidade, apenas não
cidade, às transformações nas relações reconhece na paisagem urbana as próprias
econômicas e políticas que modificaram as condições de sua existência. Essa lógica
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põe em evidência que a realidade urbana manter e reproduzir essas relações de


desapareceu, mutilada pela lógica da poder no espaço (definidas pela relação
mercadoria e da especulação imobiliária. entre espaço e poder) tornou-se neces­
Esta ordem política estratégica fica sário criar uma forma adequada de
ocultada pelas análises da cidade desor­ distribuição espacial para a manutenção
denada, da periferia desorganizada e da cidade como um espaço político,
segregadora. E apenas diante da análise hierarquizado e fragmentado (Penna,
simplificada da realidade que a contra­ 2000 ).
dição é desordem, para tornar necessária Assim, destaca-se a importância da
a restauração da ordem, da coerência e da reflexão a respeito desses novos processos
harmonia na realidade caótica por inter­ intervenientes na produção do espaço
médio da ação burocrática governamental. urbano que consolidam novas táticas do
Nesse sentido, a análise exclusiva da mercado para a fragmentação privada de
paisagem aparente da cidade é uma áreas ambientais que se legitimam com a
arbitrariedade, reduzindo uma totalidade regularização das moradias, e principal­
complexa e em constante transformação a mente proporcionam a expansão das
um de seus momentos. áreas para uso residencial, como o
Os governos locais perdem o domínio aumento da oferta de imóveis, o que
sobre a produção da periferia porque não permite o crescimento do mercado
são capazes de transformar as orientações imobiliário.
e concepções adotadas pela economia de O processo de fragmentação
mercado, ao tomar para si a gestão constitui-se na mudança do significado
pública da cidade, atribuindo-lhe outros conceituai, político e social da periferia
papeis, funções e condições, que a tornas­ produzida que é fundamental para
se realmente livre das especulações do entender sua profundidade e influência
mercado e da política. Desta forma abriu- na política governamental e urbana,
se o caminho para a elaboração de uma sobre a forma espacial, e sobre a socie­
estratégia de ocupação do espaço que dade urbana, bem como assinalar os
privilegia uma classe, tendo como resul­ limites para a sua expansão.
tado uma cidade segregada, desenvol­ Portanto, é necessária a intervenção
vendo uma "urbanização desurbanizante e do poder político, e como lugar e meio da
desurbanizada" (Lefebvre, 1969), refor­ reprodução das relações sociais, para
çando as contradições que se expressam estender a produção do espaço urbano,
no ambiente urbano, além da propriedade por meio de políticas urbanas de regula­
pública e privada, do legal/ilegal, plane­ rização da propriedade privada, regulando
jado/não planejado, centro/periferia. as tendências de acesso, apropriação e
O acesso à cidade e ao uso da uso do espaço da cidade. O poder público,
cidade, o acesso à terra como valor de enquanto lugar e meio da reprodução das
troca sujeitam-se às estruturas de poder e relações sociais, reproduz o espaço urbano
da segregação social. O uso do espaço fica de acordo com as relações sociais que o
condicionado às estruturas e às esferas do suportam. Ele intervém para modificar e
poder político, de acordo com sua funcio- transformar o espaço com o objetivo de
nalização e hierarquização sociais. Para controlar o todo, porque modifica as
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relações de domínio e de poder sobre o domínio da burocracia estatal, plane­


território, para atender aos seus jada ou não, na produção do território
propósitos. do DF.
A implantação de uma nova cidade
3. Os processos da produção urbano com objetivos políticos e estratégicos bem
ambiental em Brasília definidos como ser a capital do país e
servir de elemento de articulação de um
De acordo com esta análise, o espaço vasto território ao capital nacional e
urbano é entendido num amplo processo internacional em um clima de moderni­
histórico e social, concreto e dinâmico, zação do espaço e da sociedade, muda
que surge como produto de contradições significativamente as categorias de escala
intrínsecas ao conflito entre as neces­ e dimensão desse território. Esse espaço
sidades do capital e as necessidades da que se encontrava em um processo de
sociedade como um todo, quando o Estado dimensões relativamente indefinidas (de
assume a produção política de relações grandes latifúndios improdutivos, com
sociais, como articulador das condições baixa densidade demográfica, e a presen­
gerais de produção e reprodução do ça de terras devolutas), foi elevado até
capital, e como regulador das relações de uma dimensão bastante definida pela
reprodução da vida da sociedade. implantação do Distrito Federal (quadri­
A análise da relação entre urbani­ látero com 5.800 km2), como uma
zação, cidade e meio ambiente urbano nos primeira etapa do processo de domínio e
permite uma melhor compreensão das incorporação desse espaço ao projeto de
articulações da política urbana para a integração nacional. No âmbito local,
formação do território do Distrito Federal houve a apropriação e a distribuição de
(DF), tornando-se necessário explicar as um espaço que se tornou restrito e
bases da implantação da sua política bastante definido (social, espacial e
fundiária e suas conseqüências para a politicamente) pela nova cidade, que
produção do espaço urbano em Brasília. proporcionou a passagem da terra das
Com esse objetivo se estabelecerá um condições de abundância relativa a um
recorte metodológico, cujo objetivo é bem limitado, escasso que ficou restrito
separar a problemática específica da aos limites desenhados pelo Plano Piloto.
relação entre urbanização, planejamento e Essas novas dimensões, do território e da
meio ambiente, para compor uma síntese cidade, deixam para trás aquela idéia de
desse processo, explicando seus aspectos grandes vazios demográficos, e vão influir
fundamentais, e para compreender as significativamente sobre o processo social,
transformações atuais do processo urba­ histórico e político, no qual se produziu
no, que se realiza por meio dos seguintes toda a apropriação da terra, urbana e
aspectos: rural, do Distrito Federal e de seu Entorno.
Esse processo, cada vez mais,
3.1. A relação entre propriedade aprofunda-se em direção à escassez dos
pública e propriedade privada elementos do espaço projetado, limitado e
estabelece o Estado como único restrito do Plano Piloto, influenciando
mediador do acesso à cidade, com o sobremaneira a apropriação histórica e
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social da terra que veio se desenvolvendo estatal, planejada ou não, na produção do


em Brasília, cuja tendência é a crescente território do DF.
privatização do espaço. A ação do governo sobre a produção
Essa tendência a privatização do do território se caracterizou pelo predo­
espaço, decorrente da apropriação priva­ mínio da política habitacional, legitimando,
da, passa a reforçar uma concentração construindo e adensando as Cidades Saté­
espacial da cidade (antes polinucleada lites e assentamentos na periferia sul do
pelos assentamentos públicos) não mais DF, sendo a grande maioria dirigida para a
dentro dos limites estabelecidos pelo população de baixa renda, através de
governo, mas a partir de uma ampliação políticas urbanas de planejamento terri­
do espaço da cidade. A reprodução do torial - Planídro/ 1970; PEOT/1975; PDOT/
espaço do capital, inicialmente ocorre por 1996-97; Brasília Revisitada, entre outros
uma grande periferia de expansão, exemplos - Tais processos, que exam i­
proporcionada pela dimensão e desenvol­ naremos no item seguinte, vão resultar no
vimento de um mercado especulativo direcionamento das políticas habitacionais
sobre as terras localizadas na periferia da e urbanas no DF
cidade destinadas à preservação ambien­
tal. Assim, no desenvolvimento da apro­ 3.2. Unicidade da direção da ação de
priação das terras no DF houve a neces­ planejamento e política urbana e
sidade de transformação das articulações habitacional sobre o DF, fundamen­
políticas sobre o espaço para liberar e tada nos seguintes aspectos:
expandir terras para a produção do espaço A) Programas de assentamento para
urbano, reunindo os interesses do merca­ populações de baixa renda: criando,
do capitalista sobre a terra, impondo uma adensando e consolidado núcleos urbanos
nova dimensão à escassez da terra e da habitacionais distantes do Plano Piloto;
moradia, alargando os limites da cidade e B) Licitações para o mercado privado de
ampliando as áreas de uso urbano. projeções e áreas para diversos usos e
Esta lógica se manifesta amplamente funções, localizadas em diversas áreas do
contrária a ocupação inicial do Território Plano Piloto e Cidades Satélites.
no DF, o qual foi concebido para ser um O caráter localizado da ação
espaço homogêneo e funcional, onde ficou governamental, de expansão ao sudeste e
estabelecida a propriedade estatal da nas duas direções de política urbana
terra, ao qual caberia realizar o planeja­ acima, revela a utilização de uma raciona­
mento e o parcelamento para a ocupação lidade técnica que fragmenta o espaço em
racional e organizada na cidade. Esse fato diversos núcleos de assentamentos,
é uma questão específica do DF, porque habitats, separados do núcleo central por
torna o Governo do DF o único a organizar áreas institucionais de controle da ocu­
um banco de terras para o gerenciamento pação. Esse processo consolida a desigual­
de seu território. Este fato estabeleceu o dade como estratégia. Assim, o Governo
Governo do DF como único agente media­ do Distrito Federal, por intermédio de seu
dor do acesso à cidade e a moradia, aparato institucional, condiciona e orienta
implantando o domínio da burocracia todos os processos de formulação e
implementação das ações e das políticas
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(públicas e urbanas) para a gestão do produz uma funcionalidade espacial e uma


território. valorização como resultante desse proces­
O poder público agindo na socie­ so, por meio das ações de planejamento e
dade por intermédio do planejamento organização do território.
centralizado (Programas, Planos e Nor­ Neste contexto, o processo de produ­
mas), que representa suas estratégias ção do espaço urbano de Brasília vem se
concretas de reprodução do espaço, cria realizando pela fragmentação, loteamento
na cidade um processo de centralização do e venda da terra, inicialmente de caráter
poder político, pelo controle da demanda estatal e planejada, que possibilitou a
social e da organização hierárquica do formação de um mercado fundiário dupla­
território (Samambaia e Setor Sudoeste). mente oligopolizado - tanto pelo GDF,
A gestão do território ocorre por inter­ quanto pelo mercado privado - e
médio das políticas e ações elaboradas no capturado pelas esferas do poder político,
âmbito de uma tecnocracia comparti- que mantêm e aprofundam suas contra­
mentalizada, centralizada pelo governo. dições. O Governo Distrito Federal
Essa setorização tem como conseqüência projetado para ser o proprietário das
uma ação institucional setorial e desarti­ terras urbanas e rurais do território,
culada sobre a cidade, produzindo uma realiza na propriedade da terra o controle
quantidade de leis, decretos e normas, e poder políticos sobre a apropriação e o
muitas vezes conflitantes e inoperantes uso da cidade, exercendo seu domínio
para a organização do território. Deve-se hegemônico sobre a terra.
salientar que, nesse processo, as inconsis­ A racionalidade do urbanismo moder­
tências e as disfunções estão sempre no que produz a cidade, quantitativa e
presentes nas ações das burocracias qualitativamente, é dominante tanto no
governamentais que se apresentam confli­ plano da realidade (da prática espacial e
tuosas, de difícil articulação e de pouca social), quanto no plano ideológico (do
transparência política. planejado) e atinge a totalidade social e
Assim, no contexto da reprodução espacial em cada um de seus elementos,
ampliada do sistema urbano torna-se subvertendo-a à lógica da mercadoria e da
necessária e central a intervenção do GDF troca (lote) em detrimento do uso e da
na organização do território do Distrito preservação ambiental. O espaço institu­
Federal porque será ele o condutor e cionalizado, concebido e garantido para a
formulador das políticas gerais e setoriais funcionalidade do Estado, fragmenta-se:
de organização do território do DF fragmentado abre as possibilidades para
O processo de planejamento e orga­ ser produzido livremente pelo mercado.
nização do território pelo Estado dissimula Este raciocínio analítico permite
a questão do poder político gerando entender o processo de fragmentação
conflitos à medida "que produz uma como a ruptura do espaço estatal, homo­
hierarquia dos lugares centrado no proces­ gêneo, devido a sua vulnerabilidade em
so de acumulação" (Carlos, 1996: 49), relação às ações dos agentes privados,
produzida pela centralização do poder, que formando um novo vetor de crescimento
valoriza e desvaloriza lugares dentro e urbano acelerado, desvinculados do eixo
fora da cidade, porque o poder público de crescimento proposto pelo governo no
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PEOT/1975 e atualmente legitimado pelo daqueles da preservação, ao qual estavam


PDOT/1996 (eixo sudoeste). restritos.
Estes espaços de ruptura do espaço Inicialmente, a delimitação de áreas
homogêneo foram surgindo nos lugares de proteção ambiental ficou conhecida
onde se instalaram as condições para a como "anel sanitário", e refere-se a área
fragmentação privada do espaço urbano, que circunda o Plano Piloto, foi instituída
dando lugar ao surgimento e desenvol­ por dois instrumentos complementares de
vimento de um mercado de terras por planejamento do território: I o - Código
intermédio da grilagem, ocupação e parce­ Sanitário do DF (Lei N° 5.027 de
lamento ilegais da terra, tanto pública 14.06.66), que restringe a instalação de
quanto particular, que foram sendo aos núcleos habitacionais de qualquer espécie
poucos destinadas para uso residencial. em zonas a montante do Lago Paranoá e
Atualmente, esse processo se cons­ nas proximidades dos cursos de água da
titui na produção de um novo espaço sua bacia, quando estes não ofereçam, a
urbano possibilitando, principalmente, critério da autoridade sanitária, garantia
uma nova forma de expansão privada da de recolhimento de sistemas de dejetos e
periferia, cuja mediação para o acesso à de detritos capazes de evitar a poluição e
terra não mais se realiza pela intervenção a contaminação do seu manancial hídrico;
do planejamento estatal, e sim pelo 2o Plano Diretor de Água, Esgoto e
mercado. Controle da Poluição - PLANIDRO (CAESB,
1970), que define a capacidade de
3.3. Paralelismo entre o planejamento abastecimento e esgotamento sanitário
territorial e ambiental presente nos para o DF Considerando o seu cresci­
planos governamentais de ordena­ mento urbano, recomenda a não urbani­
mento do território. zação da área localizada dentro da Bacia
O planejamento ambiental no DF do Paranoá, de forma a evitar a
caracterizou-se por conceber uma natu­ eutrofização do Lago Paranoá. Na
reza intocável, ao mesmo tempo que realidade, estes amplos espaços de baixa
deveria ser preservada, deveria preservar densidade demográfica, destinados ao uso
as concepções urbanísticas do projeto do rural e as áreas de proteção ambiental,
Plano Piloto, formando um cinturão que estrategicamente circundam o Plano
"verde", isolando o Plano Piloto das áreas Piloto (cerca de 50% do território do DF
periféricas (Cidades Satélites e outros está constituído por Áreas de Proteção
assentamentos, cujo padrão arquitetônico Ambiental - APAs), se configuraram em
difere do modernismo do Plano Piloto). O espaços vulneráveis, suscetíveis de
planejamento ambiental se desenvolve ocupação e de fragmentação pelo merca­
mostrando meio ambiente e cidade conce­ do. Coincidentemente, ou não, esses
bidos de forma paralela nos planeja­ lugares de ruptura do poder público e de
mentos e no macrozoneamento do territó­ fragmentação do espaço são justamente
rio, e atualmente se confundem no terri­ as áreas onde não se completou o
tório para formar novos usos da "natu­ processo de desapropriação (iniciado para
reza" na malha urbana, diferentes a criação do DF e construção da cidade),
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que restaram como enclaves de proprie­ de urbanização dinâmica. Pelo contrário, a


dade privada (urbana e rural), desde o classificação das cidades satélites de
inicio da construção da cidade, e/ou que Sobradinho, Planaltina e São Sebastião
foram transformadas em Áreas de Prote­ como "núcleos de crescimento restrito",
ção Ambiental, e que, segundo as normas, tenta impedir o desenvolvimento de um
não poderiam ser parceladas (Penna, processo que já se encontra em ritmo
2000 ). acelerado de parcelamento das áreas de
O poder público ao planejar essas proteção ambiental.
áreas para preservação (de natureza
intocada, com sentido de apreciação 3.4. Mudança no modelo de expansão
estética e protegida contra o desenvol­ da periferia fortalecendo o mercado
vimento urbano-industrial) e uso restrito, como importante mediador do acesso
luta contra a ocupação urbana dessas à cidade e as novas direções de
áreas. Porém, ao mesmo tempo em que expansão da malha urbana sobre as
tenta organizar a regularização das áreas áreas de proteção ambiental.
já tomadas pelo uso habitacional, perde o O governo perde o domínio sobre a
domínio sobre estas áreas ambientais, que produção do espaço que se fragmenta em
formavam uma periferia estética, porque relação ao espaço concebido para ser
não foi capaz de transformar as orien­ homogêneo e funcional, devido à formação
tações e concepções adotadas pela econo­ de uma periferia heterogênea, abrigando
mia de mercado, ao tomar para si a não somente famílias de baixa renda, mas
propriedade pública no DF, atribuindo-lhe atingindo, principalmente, famílias de
outros papeis, funções e condições, que a médias e altas rendas, em ocupações
tornasse realmente livre das especulações horizontais e unifamiliares.
do mercado. É assim que, em Brasília, a peri­
Esse novo padrão de expansão priva­ feria passa pelo processo de "atração" de
da da periferia provoca, como conse­ população, ao se produzir um espaço
qüência, modificações na forma urbana da diferencial - os condomínios privados
estrutura territorial polinucleada, com a (para a média e alta renda, dando um
diminuição dos interstícios entre os sentido de heterogeneidade para a
núcleos urbanos, com significativa altera­ produção desta periferia) que requalificam
ção na malha urbana, principalmente nas estes lugares periféricos, refuncionali-
terras situadas a leste do Plano Piloto zando-os. A periferia deixa de ser área
(Área de Preservação Ambiental do Rio rural ou de proteção ambiental para ser
São Bartolomeu). transformada ilegalmente pelo mercado
Portanto, a partir desse novo proces­ imobiliário em áreas para moradia,
so de produção privada do espaço urbano, diferenciando-se da periferia dos assenta­
está surgindo uma nova territorialidade mentos realizados pelo poder público. A
urbana onde as principais tendências de forma da ocupação, para fins urbanos em
expansão e adensamento urbanos, ilus­ áreas destinada ao uso rural e à proteção
tram o conflito entre o governo e o setores ambiental, que refuncionaliza os espaços
privados: a zona de incidência de parcela­ periféricos com a implantação dos condo­
mentos privados, não é reconhecida como mínios privados para a moradia de classes
Urbanização, cidade e meio ambiente, pp. 125 140. 137

de maior poder aquisitivo, estão loca­ para o setor improdutivo, para o


lizados principalmente na APA da Bacia Rio investimento em terras, formando um
São Bartolomeu, próximos do Lago mercado imobiliário especulativo, que tem
Paranoá e do Setor Habitacional Individual como fator marcante a presença do grupo
Sul - Lago Sul). social burocrático mais influente (como
Sobre a formação de um mercado cita a CPI da Grilagem). Desta maneira, o
especulativo em Brasília, Schmidt (1985) espaço urbano fica marcado pelo
apoiado pela teoria webberiana, a define "parasitismo econôm ico"1 e pela inversão
como um centro político e cidade especulativa da poupança interna.
"burocrático-esta mental", relacionando-a É importante observar para essa
ao modelo de cidade tipicamente análise do poder do GDF sobre a
"oriental", isto é, que despreza as organização do espaço da cidade, a
determinações do mercado econômico crescente submissão dos governos locais à
para esclarecer as relações complexas União, no que se refere à implantação de
entre o poder político e o desenvolvimento políticas urbanas, tanto no plano finan­
dos processos sócio-espaciais que concor­ ceiro (sistema de subvenções, de em prés­
reram para a implementação da cidade. timos, financiamentos e contribuições)
Segundo este autor, Brasília "como quanto da formulação de políticas gerais e
representação e instrumentação do Estado setoriais: Lei Orgânica, Planos de Desen­
precede à sociedade civil e sua funda­ volvimento, Planos Diretores, dentre
mentação econômica crucial, o mercado" outros. No DF este fator é bastante signifi­
(Schmidt, 1985, p. 32). A característica cativo porque as receitas financeiras são
fundamental que faz o autor aproximar obtidas por intermédio de rapasses feitos
Brasília da cidade oriental é o surgimento pelo Governo Federal. O governo local é
de uma cidade originada pela vontade extremamente dependente desses recur­
política e a formação de uma sociedade sos para efetuar os pagamentos porque
tipicamente de consumidores, e não de sua arrecadação é deficitária.
produtores. Esse fato implica mudanças nas
O autor argumenta que Brasília foi ações estratégicas e políticas do mercado
consolidada ao longo de sua história, privado, redefinindo o espaço de suas
tendo sob o domínio do Estado o controle ações, bem como em relação aos d e m ais
de "ampla massa de recursos fiscais, agentes, redesenhando os lugares no
exatamente aqueles gerados pela renda espaço da cidade, requalificando-os e
de autoridades e do corpo burocrático que destacando-os dentro da própria periferia,
faz funcionar o aparelho de Estado" para abrigar população de rendas mais
(Schmidt, 1985, p. 33). Como na cidade elevadas (médias e altas), abrindo um
oriental o consumo dos brasilienses estaria mercado de maior valor imobiliário na
baseado nas rendas das autoridades e periferia. Até o momento da formulação
funcionários de modo geral. A base dessas de políticas para as regularizações dos
rendas é a receita fiscal, sobre uma condomínios privados, a periferia estava
produção que não é gerada localmente restrita à ocupação e parcelamento
(impostos). Portanto, forma-se um capital, segundo às políticas públicas urbanas e
uma poupança interna que é canalizada rurais do GDF, principalmente para abrigar
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população de baixa renda. córregos; compactação e asfalto das vias -


A cidade produzida pelo uso urbano enchentes; poluição, contaminação - do
das áreas de preservação ambiental entra ar, da água, do solo; pobreza, violência,
em conflito e em enfrentamento com a marginalidade. Enfim é a generalização,
cidade concebida pelo projeto estatal, e se tanto da devastação ambiental, quanto
torna uma realidade vivida no cotidiano social.
dos habitantes da cidade ao atribuir à Como as cidades não param de
natureza um outro valor que não a crescer, principalmente as grandes, pode-
preservação. A efetivação do uso urbano se dizer que as perspectivas de soluções
se constitui na estratégia para a trans­ para o enfrentamento da crise urbana e
formação do conteúdo social, que se ambiental, já se encontram diagnos­
expressa em novas formas espaciais. ticadas. Como por exemplo, a Agenda 21,
Tanto a natureza, quanto a totalidade do recomenda que o planejamento ambiental
ambiente urbano, se transformam em realizado pelos governos, deverá:
espaços políticos, porque são produtos das - fornecer sistemas de infra-estrutura,
relações sociais que articulam a cidade ambientalmente saudáveis, atrelados à
numa totalidade concreta. "A intensa disponibilidade de água e qualidade do ar;
relação entre forma e conteúdo, marcada fornecer sistemas de drenagem, de
por novas e dinâmicas práticas sociais, serviços sanitários e para recolher rejeitos
redefine uma nova morfologia caracte­ de lixo sólido e perigoso; promover a
rizada por um novo padrão de descon- obtenção de energia mais eficientes e
centração territorial, redesenhando uma baratas (como solar e eólica); incentivar o
malha urbana integrada, porém descon­ transporte público; incentivar o sistema
tínua, que se expande intensamente" educacional público e os padrões de
(Penna, 2001). desenvolvimento industrial sustentáveis,
nos diversos níveis de atividade, etc. ...
4. Considerações finais: Os elementos Enfim, a lista de sugestões é grande
da cidade Sustentável: e bastante conhecida dos governantes.
Muitas perspectivas de superação da
De acordo com as leituras problemática urbana e ambiental são
sustentáveis da cidade, a solução para a colocadas. A questão que se apresenta é
crise urbana pode ser pensada a partir do de uma decisão política e social de
desenvolvimento sustentável do ambiente, estabelecer localmente as prioridades,
segundo a qual a qualidade de vida nas formular e desenvolver projetos no atual
cidades poderá ocorrer com o planeja­ contexto político, econômico e cultural,
mento e administração sustentável do uso conforme discutidos acima, de dificuldades
do solo, de acordo com o estabelecimento decorrentes da nova territorialidade
de um tipo de uso mais adequado do solo. extensiva da cidade: - perda do domínio
Segundo esta perspectiva, as cidades político e da capacidade financeira do
parecem não representar o uso mais governo sobre a produção da espacia-
adequado que se pode fazer do solo: lidade urbana; a necessidade do uso social
destruição da vegetação; canalização, efetivo dos lugares na cidade, que
assoreamento e poluição dos rios e transformam o conteúdo da periferia em
Urbanização, cidade e meio ambiente, pp. 125 - 140. 139

formação; e a apropriação das áreas de cidade na medida em que envolvem a


proteção ambiental, para o consumo recuperação não somente da qualidade
urbano, inseridas nas estratégias do ambiental, mas, principalmente, da quali­
mundo da mercadoria. dade de vida e de cidadania. "Pouco se
O paradoxo se instala na medida em somaria à sustentabilidade de um am bien­
que os projetos de desenvolvimento te com sistemas de infra-estrutura saudá­
urbano devem possibilitar o enfrenta- veis e eficientes serviços sanitários, se
mento dos problemas da crise urbana e social e culturalmente continuam a forma-
ambiental, para recuperar a qualidade de rem-se redutos de violência, pobreza e
vida e de cidadania, uma vez que nem exclusão, enfim a insustentabilidade social
toda a crise é da cidade, mas ocorre na da cidade" (Ferreira e Penna, 2002, 3).

Notas

1. O setor que ocupa o maior n° de pessoas é transformação e da construção civil


o de Serviços com 53,5%, seguido pela ocupam juntas apenas 10% das pessoas
Administração Pública com 21,1% e pelo ocupadas (Fonte: Paviani, 1997 Dados
Comércio com 14,2%. A indústria de referentes a janeiro de 1997).

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Concluído em: maio de 2002

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