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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA

RAFAEL SERRA DE RESENDE

“ATENAS BRASILEIRA”: REPRESENTAÇÕES SOBRE O MITO (1840-


1880).

Orientador: Fábio Henrique Monteiro Silva.

SÃO LUÍS-MA
2007

10
RAFAEL SERRA DE RESENDE

“ATENAS BRASILEIRA”: REPRESENTAÇÕES SOBRE O MITO (1840-


1880).

Monografia apresentada como parte dos requisitos para


obtenção do título de graduação no curso de História
Licenciatura Plena da Universidade Estadual do
Maranhão.

Orientador: Fábio Henrique Monteiro Silva.

SÃO LUÍS-MA
2007

11
RESENDE, Rafael Serra de.

“Atenas Brasileira”: representações sobre o mito (1840-


1880)/Rafael Serra de Resende – São Luís, 2007.

85 f.

Monografia (graduação em História) – Universidade Estadual


do Maranhão, 2007.

1. Atenas Brasileira 2. Literatura Romântica 3. Singularidade


4. Historiografia I. Título.

CDU: 94(81) “1840/1880”

12
RAFAEL SERRA DE RESENDE

“ATENAS BRASILEIRA”: REPRESENTAÇÕES SOBRE O MITO


(1840-1880).

Monografia apresentada para obtenção do


título de graduação no curso de História
Licenciatura Plena da Universidade Estadual
do Maranhão.

Área de concentração: História Licenciatura Plena

Aprovada em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________
Fábio Henrique Monteiro Silva
orientador

___________________________________
Msc. José Henrique de Paula Borralho

____________________________________
Msc. Carlos Alberto Ximendes

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AGRADECIMENTOS

Ao supremo criador de todas as coisas. Por entender que tudo foi feito por Ele,
Nele e para Ele. Ao Senhor a minha eterna gratidão.
Aos meus pais, pela educação, pelo amor, pela dedicação, pelo apoio
incondicional quando “decidi” fazer história, pelas noites de sono perdidas no trabalho que foi
responsável por me manter durante os anos da graduação, pelo esforço em me fazer um
homem com valores.
Ao meu amigo Nelson Alexandre Por ter me Convencido a fazer o curso de
História na Universidade Estadual do Maranhão.
Aos meus orientadores: Marcelo Cheche, que durante tanto tempo me auxiliou na
pesquisa de iniciação científica; Henrique Borralho e Fábio Monteiro, que em diferentes
momentos desta pesquisa me ofereceram o suporte necessário ao entendimento de meu objeto
de estudo.
Aos professores do curso, que durante quatro anos maravilhosos não se furtaram
em oferecer uma ampla formação aos alunos, construindo um referencial teórico de
excelência, foram eles os responsáveis pelo amadurecimento e término deste trabalho.
Aos funcionários do curso de história: Edílson, Márcio e Roberta. Responsáveis
pela organização da nossa burocrática vida acadêmica.
Aos meus amigos de turma: Tatiane, Marco Aurélio, Lellia, Alana, Silvia,
Cleonice, André, “Netinho”, pela amizade oferecida ao longo desses anos, pela compreensão,
em especial de Pollyanna Lima por me fazer entender o valor existente em um amigo.
À Claudia Fernandes, pela amizade, força, apoio, sinceridade, lealdade, de alguém
que mostrou ser mais do que uma amiga, tornou-se uma companheira. Buscar adjetivos para
definir seu papel neste trabalho ou para descrever o quanto lhe sou grato, seria uma injustiça
frente toda dedicação e afeto que ela tem me oferecido.
À Claudia Neves, Alda Garros, Jerry Araújo, Hayla Devane, e Rômulo Corrêa, por
terem sido meu sustentáculo na resolução do maior problema que tive durante a elaboração
deste trabalho: a ausência de um computador. Os meus sinceros agradecimentos a estes que

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abriram as portas de suas residências por me oferecer todo o suporte necessário para a
finalização desta monografia.
À Edyene Moraes, amiga fiel,dedicada, sincera; Eloy Abreu e Gabriela Melo, pelo
apoio, pela amizade sincera em um dos momentos mais difíceis da graduação.
À Eduardo Gomes, pelo auxilio teórico e bibliográfico oferecido durante todo o
período da pesquisa.
À Roberta Lobão, pelo longo tempo oferecido e disponibilizado a me ouvir, me
apoiar, me criticar, e me oferecer os mais verdadeiros sentimentos de amizade.
À Arlindyane Santos, com quem debati durante tão prolongado tempo sobre este
assunto, oferecendo-me valiosas críticas sobre a maneira como deveria tratar os elementos
teóricos do meu texto.
À todos os amigos que conquistei durante a graduação. Em especial aos
companheiros fiéis que compuseram o quadro de monitores dos eventos organizados pelo
curso de história. Obrigado por me mostrarem as diversas faces de uma amizade.
Àqueles que de alguma maneira contribuíram para a realização deste trabalho, o
meu muito obrigado.

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RESUMO.

Este trabalho é uma abordagem sobre o mito da “Atenas brasileira”. Com um caráter de
destaque literário, esta construção simbólica colocou-se como ícone da identidade dos
maranhenses, como sinônimo de superioridade cultural, como uma distinção no campo das
letras. A elaboração deste símbolo cultural, entendido como tradição inventada, foi fruto de
uma série de representações construídas no século XIX a respeito da excelência da terra e da
gente do Maranhão. A existência de alguns literatos que atuavam no cenário da literatura
nacional foi fundamental para o fortalecimento desta categoria conceitual chamada “Atenas
brasileira”. A literatura romântica do grupo maranhense foi o mecanismo legitimador das
criações poéticas sobre a grandeza do Maranhão, tendo destaque as personalidades de
Gonçalves Dias, Odorico Mendes, João Lisboa e Sotero dos Reis. A historiografia do
maranhão colocou a obra Pantheon Maranhense como o símbolo maior desta distinção de
identidades. Os postulados da critica literária e da sociologia conduziram ao entendimento de
que a “Atenas brasileira” era um conceito específico ao modo de percepção dos letrados, isto
é, só fazia sentido para os indivíduos que detinham os mecanismos necessários para
decodificar este conceito enquanto um bem cultural de natureza simbólica. O conjunto da
população maranhense não estava inserido nesta forma de pensar sobre a Província do
Maranhão.

Palavras-chaves: Atenas brasileira; Literatura romântica; Singularidade; Historiografia.

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ABSTRACT

This works is a boarding about the myth of the “Brazilian Athens”. With a character of literary
detach, this symbolic construction was placed as icon of the maranhense’s identity, as
synonymous of cultural superiority, as a distinction in the letters area. The elaboration of this
cultural symbol, understood like invented tradition, was consequence of a series of
representations constructed in nineteenth century regarding the excellency of the earth and the
Maranhão people. The existence of some literates who actuated in the national literature scene
was fundamental to strengthening of this conceptual category called “Brazilian Athens”. The
romantic literature of the maranhense group was way legitimator of the poetical creations
about Maranhão greathness, detaching the personalities as Gonçalves Dias, Odorico Mendes,
João Lisboa e Sotero dos Reis. The Maranhão historiography placed the literary work
Pantheon Maranhense as biggest symbol of this distinction of identities. The of criticize
literary and of sociology postulates had lead to understanding that the “Brazilian Athens” was
a specific concept to the man of letter’s perception way, in other words, made sense only for
the individuals that detained the forms necessaries to decode this concept while a cultural
element of symbolic nature. The set of the maranhense population was not inserted in this
thinking away about the Maranhão Province.

KEYWORDS: Brazilian Athens; Romantic literature, Singularity, historiography.

17
SUMÁRIO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.....................................................................................09

2. DOS CRONISTAS À DECADÊNCIA: UM OLHAR HISTORIOGRÁFICO.........15

3. CANTOS ROMÂNTICOS DO GRUPO DE “ATENAS”..........................................36

4. HISTÓRIA E LITERATUA NO PANTHEON DA ATENAS BRASILEIRA.........58

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................75

REFERÊNCIAS.................................................................................................................80

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

O século XIX foi o período em que as características identitárias do Maranhão na


contemporaneidade foram definidas. Tanto que as referências ao período em questão tratam
esta época como idade de ouro. As mais variadas simbologias foram elaboradas no sentido de
proporcionar ao Maranhão uma imagem que distinguisse esta província das demais do
Império. Assim, não raramente, tipologias de opulência e grandeza foram postuladas como
sinônimo da identidade maranhense.
O que se configurou como a identidade do Maranhão teve suas características
básicas direcionadas e utilizadas para os mais diversos propósitos dentro da organização social
da província. Nesta perspectiva, uma representação em específico sobressaiu no processo de
determinação das bases da identidade maranhense. Esta representação chamou-se “Atenas
Brasileira”. Para a historiografia maranhense este processo foi resultado da combinação de
progresso econômico e desenvolvimento cultural, ou seja, era oriundo dos lucros obtidos com
a grande lavoura de agro-exportação, que proporcionou aos filhos da elite estudar em grandes
centros de conhecimento na Europa, fomentando, quando do seu retorno, um ambiente de
efervescência cultural na capital da província do Maranhão.
Neste trabalho o enfoque direcionou-se a perceber os diferentes “lugares” que na
historiografia clássica do Maranhão, fomentaram este ideal de “Atenas Brasileira”, além é
claro das representações de singularidade inerentes a este processo. O entendimento aqui
colocado foi de que tal arquétipo identitário era um elemento restrito à elite do Maranhão no
século XIX, não sendo estendido às demais camadas da população devido às profundas
contradições sociais da cidade de São Luís no período assinalado. Ao contrário de pretender
elaborar uma dicotomia maniqueísta pró, ou contra, a existência de uma “Atenas Brasileira”
na capital maranhense, esta narrativa pretendeu analisar os mecanismos que lhe conferiam
legitimidade e as idéias que proporcionaram propagação a este tipo de categoria.
Indiscutivelmente, nos últimos dez anos vislumbrou-se na capital maranhense um
processo sólido de renovação historiográfica. As bases que sustentavam nossa compreensão
sobre o que era a história do Maranhão foram rediscutidas, repensadas, resignificadas, afinal,
ela estava sendo escrita novamente. Semelhantemente a este processo de novos olhares sobre a
História maranhense, o presente enredo tratou de oferecer uma outra visão sobre um fenômeno

19
histórico que parecia estar hermeticamente consolidado, inquestionável, distante e não
suscetível a problematizações.
A compreensão que diferenciou esta análise foi exatamente o entendimento de que
a consolidação da “Atenas Brasileira” foi um processo essencialmente historiográfico, produto
da escrita dos sujeitos históricos do século XIX e de sua forma de pensamento. Neste sentido,
esta narrativa se configurou como uma concisa análise historiográfica, no sentido de que se
entendeu a historiografia, isto é, a produção de obras históricas, como igualmente postuladoras
de identidades e práticas sociais 1.
Muito embora a noção de identidade cultural estivesse em grande medida
localizada nas páginas deste texto, a idéia de “Atenas Brasileira” não foi tratada como
elemento de segundo plano para as problematizações identitárias no Maranhão. Antes, fora
tratada em sua especificidade, como fenômeno particularizado, igualmente permeado por uma
visão de mundo que também foi a responsável por estruturar a identidade maranhense.
Assim, a organização dos capítulos do presente trabalho deu-se de maneira a
contemplar da forma menos lacunar possível os desmembramentos, também conceituais, das
elaborações culturais no Maranhão.
O primeiro capítulo dessa narrativa representou um inventário da historiografia
sobre o tema, isto é, uma proposta de mapeamento das idéias produzidas pelos autores
clássicos do Maranhão no tratamento da questão de “Atenas Brasileira”. Desta maneira não foi
forçoso afirmar a existência de certa convergência conceitual e epistemológica por parte dos
indivíduos que discutiram o tema; entre eles: Mário M. Meireles em Panorama da Literatura
Maranhense (1955); Jomar Moraes nos Apontamentos de Literatura (1976); e Rossini Correa
na sua Formação Social do Maranhão: o presente de uma arqueologia (1993), estando em
comum acordo nas afirmativas acerca da prodigalidade intelectual da província em se tratando
da erudição e refinamento, e também sobre sua concepção da efervescência na produção
literária local.

1
Por historiografia, entendemos não somente a coletânea, reunião de obras históricas que se remetem a um
período ou temática, mas, sobretudo uma marca, uma forma, uma característica de pensamento, de escola, de
tradição, de objetivos, etc. de como encarar, analisar os períodos históricos, os fatos históricos, dando-lhes um
sentido de como devem ser pensados.

20
Nestas páginas os autores citados foram confrontados entre si no objetivo de
identificar quais elementos teóricos e conceituais eram comuns aos seus enredos e destacar
que caracteres lhes eram peculiares, a fim de explicitar tanto a relação entre a produção
historiográfica e seu meio, quanto as bases fomentadoras destes discursos de singularidade na
produção histórica sobre o Maranhão.
Por toda a narrativa os conceitos de “lugar social”, ou lugar de fala, ou ainda lugar
de produção, foram colocados no sentido de caracterizar o elemento legitimador do sujeito
agente da narrativa, assim, especificou-se ser a narrativa, o texto, isto é, o enredo, quer de
livros ou jornais, o lugar próprio destas construções.
Como base comum aos relatos produzidos nas obras citadas, encontrou-se entre
outras coisas, uma mesma compreensão acerca do desenvolvimento literário da província e do
papel desta literatura produzida na construção deste ambiente de efervescência cultural. No
enredo, as representações sobre a grandeza da terra do Maranhão e da sua gente foram
identificadas desde os cronistas viajantes do início do século XIX, perpassando pelos relatos
nos jornais de época e sendo modernamente reproduzidos pelos autores anteriormente citados.
Além disso, colocou-se a relação existente entre as obras históricas e literárias na
elaboração de práticas sociais. Para tanto, conceitos como imaginário social e representação
foram utilizados no intuito de identificar os mecanismos através dos quais os textos, isto é, as
narrativas engendraram atitudes socialmente determinadas.
Assim, a trajetória construída no primeiro capítulo deste trabalho, partiu das
representações elaboradas pelos cronistas do início do século XIX, passando à importância da
consolidação literária da província com o Grupo Maranhense, e posteriormente o
desenvolvimento, ou fragmentação desta grandeza no campo das letras, deixando claro o tom
historiográfico da abordagem.
O segundo capítulo do trabalho foi onde se concentrou a discussão prioritária na
narrativa. Ao contrário do primeiro capítulo, onde a pretensão era fazer um panorama do
caminho trilhado pela idéia de “Atenas Brasileira”, nesta parte do trabalho as noções
conceituais que direcionaram o trabalho foram melhor desenvolvidas. Entre outras coisas, o
entendimento de que a “Atenas Brasileira” fora uma criação literária produto do pensamento
romântico no contato com os elementos arcadistas ainda presentes nos enredos históricos e

21
poéticos. A perspectiva da criação literária como o elemento que conferiu dinamicidade à
tipologia ateniense da capital da província do Maranhão.
Neste sentido, mostramos que a elaboração de um símbolo de tal proporção fazia
parte de um processo um pouco mais amplo de definição dos elementos nacionais e da
identidade da nação. Neste caso, o mecanismo através da qual esta nova base foi estabelecida
e consolidada foi a literatura romântica. Dito isto, afirmou-se a “Atenas Brasileira” como
sendo o equivalente espiritual da liberdade lograda com a independência e com a nova
configuração do elemento nacional. Fora responsabilidade do “Grupo Maranhense” a
responsabilidade de elaborar os vínculos necessários a esta pretendida unidade identitária. Tal
tarefa não lhes foi legada de forma deliberada, mas fora resultado do valor criado em torno de
suas obras e de sua ação intelectual enquanto literatos e ativos na vida política do império.
Detivemos-nos nas representações gestadas ao redor do “Grupo Maranhense”2 na
condição de supostos idealizadores desta idéia de “Atenas Brasileira”. A referida tipologia foi
abordada como uma elaboração que visava legitimar a produção literária local no cenário das
letras nacionais. Neste sentido, foram as perspectivas criadas pela literatura romântica que
legitimaram o ponto de vista presente nesta narrativa, entre elas, a idéia de fundação, o
conceito de criação poética, imaginação literária, entre outras.
Fatos importantes como a criação de sociedades e grupos literários por todo o
Brasil, ou a publicação de obras importantes para a literatura pátria, não foram
desconsideradas na abordagem. Sua importância estava relacionada à caracterização deste
ambiente de erudição das letras vivenciado pelos letrados do Maranhão no século XIX. Em
contraponto a estas imagens de grandeza, buscou-se nos relatos satíricos de João Francisco
Lisboa, o olhar crítico de um indivíduo que entendia o seu tempo. Em meio aos relatos sobre a
festa de “Nossa Senhora dos Remédios”, Lisboa ofereceu importantes elementos para a
compreensão das profundas disparidades sociais existentes nesta província que se pretendia
ilustrada.
No terceiro capítulo a proposta foi contrapor dois ícones literários profundamente
representativos para a compreensão do modo como a “Atenas Brasileira” foi elaborada. Foram

2
Foram eles a 1ª geração de grandes intelectuais e literatos assinalado pela historiografia literária: Odorico
Mendes, Sotero dos Reis, João Lisboa e Gonçalves Dias, respectivamente; o tradutor de “Ilíada e Odisséia” para
o Português, escritor do Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira, fundador do também mensário “Tímon
Maranhense” e, poeta que escreveu “Os timbiras”.

22
eles: a obra Pantheon Maranhense, escrita por Antonio Henriques Leal em 1873, e a obra
chamada Um Livro de Crítica redigida por Frederico José Correa em 1878. A primeira se
propunha a realizar ensaios biográficos sobre os maranhenses ilustres já falecidos. A segunda
pretendia fazer uma crítica tanto ao Pantheon Maranhense e seu autor, quanto à maneira como
a produção de obras literárias se dera nesta província, colocando em questão a singularidade
produzida sobre a idéia de “Atenas Brasileira”.
Para tal empreendimento foi necessária a utilização de um denso aparato
conceitual proveniente da sociologia de Pierre Bourdieu, da crítica literária de Hayden White,
das análises sobre história da literatura de Antonio Candido e Alfredo Bosi, além é claro, das
profundas abordagens sobre a relação entre história e literatura feitas por Antoine Compagnon.
Este amálgama de conceitos se fez útil na medida em que mostrou o papel desempenhado
pelas narrativas históricas e literárias no processo de criação de distinções e singularidades.
Dos autores da história da literatura foram extraídas as noções de desenvolvimento
da literatura nacional e a importância do “Grupo Maranhense” nesse contexto. Em Hayden
White buscou-se o conceito de história que direcionou e guiou todo este trabalho. As noções
de campo de produção, bens simbólicos e habitus, encontrados na sociologia de Bourdieu,
proporcionaram por meio das obras por eles produzidas, o entendimento de que havia certa
autonomia dos literatos em relação à sociedade, proporcionando desta forma, a compreensão
do aspecto restrito e arbitrário da idéia de “Atenas Brasileira”.
De maneira específica, procuramos mostrar as representações criadas ao redor da
morte dos letrados do chamado “Grupo Maranhense” e a sua importância para a cristalização
de conceitos como “idade de ouro” e o ideal de que São Luís era uma cidade excelente,
conhecida por ser um celeiro de grandes poetas. Apontou-se a morte dos literatos como o
elemento responsável por tê-los colocado na esfera do transcendente, direcionando-os à
glorificação.
Para estes fins, utilizou-se um conjunto bastante diverso de fontes históricas. Na
maioria dos casos as fontes utilizadas foram jornais e obras de época. Destacaram-se as folhas
políticas e literárias: o Jornal de Instrução e Recreio (1845), o Jornal da Sociedade
Filomática Maranhense (1846), a folha literária O Arquivo (1846), O Publicador Maranhense
(1850-1860), O Progresso (1847-1860), O País (1870), entre outros periódicos levantados que
possibilitaram uma compreensão clara sobre o ambiente “cultural” da cidade de São Luís.

23
Entre os livros raros usados nesta pesquisa, destacam-se: Compêndio Histórico-
Político dos Princípios da Lavoura no Maranhão (1818) de Raimundo José de Sousa Gaioso;
Viagem pelo Brasil: 1817- 1820 (1823) de Johann Baptist Von Spix; Curso de Literatura
Portuguesa e Brasileira (1866-1868) de Francisco Sotero dos Reis, Mosaico: poesias
traduzidas (1868) de Joaquim Serra, Obras Póstumas de Gonçalves Dias (1868), Obras
Completas de João Lisboa (1991), Pantheon Maranhense (1873-1875) de Antonio Henriques
Leal e Um Livro de Crítica (1878) de Frederico José Correa.
De maneira geral, a documentação levantada possibilitou abranger um período
considerável de tempo e de acontecimentos na província do Maranhão. As fontes se
concentraram nas décadas de 1840 até 1880, possibilitando um mapeamento da trajetória
trilhada por esta idéia de “Atenas Brasileira”.

24
2. Dos Cronistas à Decadência: um olhar historiográfico.

Maranhão. Visto ou lido em sua história, carrega consigo certas lembranças de


grandeza. Região opulenta das ricas terras da América, cujo ímpeto e fulgor não se viram
igual. Muitos dizem haver um clima doce e suave, que favoreceu a formação de uma notável
cidade. Lugar de grandes idéias, com inteligências livres de serem corrompidas, grandiosa por
sua cultura, acolhedora cidade de poucas gentes, fez-se notada por inúmeros feitos de sua
intelectualidade. O Maranhão foi terra de invocações e tradições, pensada a partir de seu
esplendor (MEIRELES, 1955, pp. 179-181).
A construção de um tipo de análise sobre o Maranhão responde a certas
responsabilidades de auto-afirmação, ou seja, de identidade, que pretende ter múltiplas
utilidades, desde servir como marco de um tipo de cosmovisão sobre si mesma, até como
elemento legitimador e diferenciador do espaço de reprodução social. Em tudo, a narrativa
dos sujeitos históricos sobre o Maranhão parece harmônica, entretanto algumas indagações são
necessárias. Qual a legitimidade de pensar culturalmente esse espaço de produção social3
sacralizado como singular nos idos do século XIX? Por qual via refletir sobre as atitudes dos
maranhenses perante a construção de uma nova realidade? O que significaram seus
comportamentos? O que mostra seu sistema explicativo? Qual a lógica existente em duas
formas de sociabilidade? Que modelo de mundo foi esse que consagrou sua terra e sua gente
como superiores? Quais as aplicabilidades dessas categorias? Estas indagações nos permitem
compreender como em diferentes momentos a realidade do Maranhão foi construída,
elaborada e simbolizada.
Entre outras coisas, as classificações, divisões e delimitações que organizam a
apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e de apreciação do
real (CHARTIER, 1990, p. 17) não devem ser analisadas como elementos distanciados da
própria realidade social, como se fossem externas a elas ou simples produto de inferências a
posteriori de si próprias, pois antes de tudo foram variáveis referentes a uma complexa
dinâmica social representada e simbolizada de diversas maneiras. De alguma perspectiva,
foram esses os elementos que construíram as imagens ou signos pelas quais determinados

3
Para Bourdieu o espaço social se configura como um território multidimensional de posições no quais os
agentes sociais distribuem o peso relativo de seu capital cultural e simbólico.

25
momentos ou eventos históricos adquiriram sentido. Se tomarmos a história como um enigma,
constatamos que são estas categorias as vias ou meios por onde a História maranhense pôde
ser decifrada.
No Maranhão, estas representações foram produzidas com maior incidência pelos
cronistas viajantes que aportaram pelas terras do norte do Brasil nos primeiros anos do século
XIX. Desde 1811 até 1865, naturalistas desenvolveram trabalhos de mapeamento das terras e
gentes do Brasil, elaborando uma maneira muito particular de representar uma outra realidade
e de consolidar uma estrutura descritiva própria do contato do europeu com seus ideais de
civilização e do habitante do novo mundo.
Entre estes viajantes destacam-se nomes como Henry Koster, Spix, Martius,
Daniel Kinder, Augusto Biard e Louis Agassiz, entre outros. Neste sentido, é de grande
importância procurar apreender o modo como os viajantes que passaram pelo Maranhão em
vários momentos do século XIX descreveram aspectos dessa região, uma vez que esses relatos
foram construções representativas acerca da realidade social do Maranhão. A busca por
compreendê-los é uma parte significativa sobre a elaboração imagética do que se pensou sobre
esta província e sua gente, enquanto opulenta e excepcional, respectivamente; é a partir das
representações forjadas pelos viajantes oitocentistas que se fortalece um tipo de visão de
grandeza sobre o Maranhão e seu povo (CALDEIRA, 1991, p. 10).
Neste trabalho o destaque foi dado aos relatos de Johann Baptist Von Spix e Carl
Friedrich Philipp Von Martius, que estiveram em terras brasileiras do período de 1811 a 1820
e no Maranhão em 1819, realizando a coleta de dados específicos sobre o meio social e a
economia, esta última em menor escala, das relações políticas e da própria escravidão. José de
Ribamar C. Caldeira, em O Maranhão na Literatura dos Viajantes do Século XIX, elabora
algumas considerações acerca destes relatos e assegura que por se apresentarem
fragmentados, suas descrições não podem ser utilizadas na reconstrução da sociedade
maranhense, nem para a compreensão (...) histórica desta no decorrer do século XIX
(CALDEIRA, 1991, p. 11). Tal afirmativa desconsidera os aspectos representativos da
narrativa destes viajantes, resguarda a problemática do conceito de reconstrução e anula a
validade de relatos que se consolidaram como propagadores da riqueza, da opulência e da
grandiosidade da província do Maranhão.

26
Spix e Martius foram dois dos sacralizadores de uma imagem de singularidade e
diferenciação sobre esta província, em suas palavras, São Luís do Maranhão merece à vista de
sua população e riqueza, o quarto lugar entre as cidades brasileiras (SPIX e MARTIUS,
1981, p. 274). Estiveram figurando na narrativa desses alemães, descrições sobre o núcleo
citadino, a disposição das freguesias e a precariedade das guarnições da área urbana, até então
pouco organizada e estruturada.
Entre outras coisas é costume no Maranhão mandar estudar em Portugal as jovens
de famílias abastadas; os rapazes não raro vão formar-se na Inglaterra e em França (SPIX e
MARTIUS, 1981, p. 271) fomentando, segundo eles, um ambiente de polidez e de esforço dos
maranhenses em copiar os hábitos europeus, tanto no vestuário quanto nas outras instâncias da
sociabilidade. Os relatos destes sujeitos cristalizaram uma tendência em enfatizar no
Maranhão um apego às tarefas que requeriam capacitação intelectual e estavam destinadas a
suprir determinadas carências das classes abastadas e ricas da cidade de São Luís
(CALDEIRA, 1991, p. 14).
Apesar de pouco organizada do ponto de vista urbanístico, a disposição dos
segmentos sociais na sociedade ludovicense apresentava-se nitidamente elaborada e com seus
agentes e suas funções bem definidas, tendo destacado o elemento étnico para definir a divisão
dos grupos de indivíduos na cidade. Mesmo com discordâncias entre os autores e as
disparidades dos dados, é possível traçar um panorama da complexa rede de classes sociais na
capital da província do Maranhão.
De autores como Spix e Martius, Daniel Kinder, Augusto Biard, Louis Agassiz e
Henry Koster, colhe-se dados de que o contingente populacional variou de 20 mil a 33 mil
habitantes na capital, entre 1810 a 1841; mesmo que não estivesse tão clara a forma como este
conjunto de indivíduos estava disposto, é notório o consenso de que na província do
Maranhão, e não só em São Luís, o número de escravos era de aproximadamente 80 mil
indivíduos; sendo flagrantes as inúmeras contradições deste contexto social (SPIX e
MARTIUS, 1981, p. 274).
A obra do fazendeiro Raimundo José de Sousa Gaioso, Compendio Histórico dos
Princípios da Lavoura no Maranhão, é um dos mais importantes trabalhos realizados no
século XIX, precisamente no ano 1813, que trata entre outras coisas da organização da
sociedade ludovicense. Os grupos eram dispostos de duas maneiras, a maioria dos grupos

27
sendo de ordem elitista e aristocrática e os demais compostos de despossuídos. Reinois,
nacionais, portugueses, mulatos e escravos foram os grupos assim definidos por Gaioso, sendo
portugueses natos que ocupavam importantes cargos na burocracia administrativa da
província, senhores de grandes lavouras, donas de casas comerciais, filhos de europeus e
negros e elementos do trabalho nas fazendas, respectivamente; além é claro dos indígenas,
sempre excluídos da contabilização do numero geral de habitantes (GAIOSO, 1970, pp.115-
121).
Segundo Henry Koster, as principais riquezas da região estão nas mãos de poucos
homens, possuidores de propriedades próprias, com extensão notáveis grupo de escravos e
ainda são comerciantes (KOSTER apud CALDEIRA, 1991, p. 23). Característica de uma
organização social densamente aristocratizada, a exploração de atividades nos grandes
latifúndios de algodão conferia aos senhores de terra grandes prestígios entre os seus pares no
começo do século XIX, entre outras coisas, pela enorme quantidade de escravos que era
necessário para execução das atividades agrícolas, que além de lucrativas eram sinônimo de
refinamento e luxo por parte de quem dela usufruía. Destaca-se ainda, que mesmo envoltos
por um ambiente sobremaneira europeizado de características marcadamente elitistas, Koster
ressalta o raro gosto dos altos segmentos da sociedade ludovicense pela leitura (KOSTER
apud CALDEIRA, 1991).
São os relatos dos cronistas viajantes que nos possibilitaram apreender em que
proporção determinadas representações sobre a capital da província ascenderam ao estatuto de
realidade; também foram eles que nos permitiram saber quando as representações tomaram o
lugar das coisas representadas e como o relato substituiu a história. Foram os cronistas os
responsáveis por consolidar emblemas como o de que a população de brancos do Maranhão
foi conhecida e valorizada por sua elegância e educação diferenciada, aplicados no ímpeto de
em tudo imitar os hábitos europeus, que entre outras coisas, fez de São Luís um dos lugares
onde é mais agradável a permanência (A. D’ORBIGNY, apud CALDEIRA, 1991, p. 27).
Se por um lado, os relatos de quão agradáveis eram as condições da estada na
capital da província, por outro lado, também são notórias nesse tipo de narrativa, as
referências sobre o grau de desenvolvimento intelectual e moral por parte dos provincianos,
estando estes comparáveis aos europeus do império (CALDEIRA, 1991, p. 28). Estes e outros

28
elementos corroboraram a idéia de que estava em formação um espaço diferenciado de todos
os outros do Brasil.
As representações elaboradas em torno da sociedade ludovicense, mesmo
pretendendo o resgate de um conjunto de elementos que se pretendem reais, são sempre
determinadas pelos interesses do grupo que as forjam (CHARTIER, 1990, p. 17). De maneira
alguma, tais discursos ou relatos elaborados pelos cronistas viajantes do século XIX se
configuram enquanto proposições neutras ou imparciais, isto é, desprovidas de uma
intencionalidade. Segundo Roger Chartier, estes elementos discursivos são produtores de
estratégias e práticas sociais que estão no limiar de uma profunda e tênue relação de poderes e
se comportam como produtores ou legitimadores de um tipo de autoridade de um grupo que se
pretende hegemônico sobre os demais. Para usar um termo de Chartier, foram as lutas de
representações4 que possibilitam compreender as maneiras pelas quais um determinado
segmento social objetiva impor uma visão de mundo específica, que ao mesmo tempo é o
reflexo de seus valores e sinônimo de seu domínio (CHARTIER, 1990, p. 17)
O que torna frutífera a problematização sobre tais representações as quais se
comportaram como sustentáculo de um discurso sobre a realidade do Maranhão, é a
objetividade de construir, elaborar, de forjar um determinado arquétipo que está no limiar da
consolidação e dos desmembramentos de um complexo de identidades que se pretende
hegemônica e comum a todos. O elemento diferencial apresentado pela História Cultural para
refletir sobre os símbolos consolidados representivamente no Maranhão, é que o conceito de
representação torna possível a compreensão das formas e dos motivos (...) que, a revelia dos
atores sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que (...)
descreve a sociedade tal como pensa que ela é ou como gostaria que fosse (CHARTIER,
1990, p. 19).
Esta análise sobre a importância das representações na construção de um passado
de glórias sobre o Maranhão, nos remete a uma prática ligada à atividade de conhecer, isto é,
quando o objeto ausente (neste caso, o passado glorioso) é reapresentado ao estado de
consciência por intermédio de uma imagem que se pretende símbolo, que se pretende modelo,

4
É preciso considerar que as formas produzem sentido, e que um texto investe-se de uma significação e de um
estatuto diferenciados quando mudam os dispositivos que o propõem à leitura.

29
um arquétipo. O que está aqui postulado, é que os viajantes do século XIX tiveram uma
profunda participação nesse processo inventivo. Em outras palavras, o Maranhão não era
aquilo que Spix e Martius verificaram e relataram, mas as imagens perpetuadas por seus
escritos, imagens legitimadas simbolicamente e metamorfoseadas pelo sujeito no ato da
resignificação do passado. Desta forma a representação é instrumento (...) que faz ver um
objeto ausente através de sua substituição por uma imagem capaz de o reconstruir e de o
figurar tal como ele é (CHARTIER, 1990, p. 20) ou como pensassem que ele fosse.

Estas elaborações representativas não compõem em si mesmas um conjunto auto-


explicativo e auto-definível no que se refere ao contínuo histórico sobre o Maranhão. Os
autores da historiografia clássica que se debruçaram no estudo desta província a fim de
compreendê-la em sua historicidade, são unânimes, salvaguardando os elementos de sua
escrita marcadamente ideológica, em afirmar que este ambiente diferenciado de relações
sociais e mentais tão longamente narrado pelos viajantes do início do século XIX, só teria sido
possível de ser construído graças à implantação da Companhia Geral de Comércio do Grão-
Pará e Maranhão no início da segunda metade do século XVIII, que inserira o Maranhão no
cenário do progresso e do desenvolvimento. Não nos cabe aqui mensurar em que proporção tal
evento histórico influencia no curso dos acontecimentos durante o século XIX, mas perceber
minimamente que a criação de tal companhia foi erigida como um marco na história de glórias
a ser trilhada pela província do Maranhão e por seus filhos (MEIRELES, 1960, pp. 174-186).

Criada com o objetivo de (...) animar-lhes o comércio, fomentando a agricultura


(MEIRELES, 1960, p. 184), foi concedida a tal companhia a responsabilidade de dinamizar e
modernizar a economia do Maranhão, que até então se encontrava em um estágio prematuro.
Mário Martins Meireles assegura que o após a consolidação deste empreendimento, o
Maranhão saíra de um estágio de apatia para colocar-se em um nível de opulentas negociações
com os grandes centros comerciais da Europa. Estas afirmativas postulam ainda que fora a
partir das políticas do Marquês de Pombal, através de sua ação na Cia. de Comércio, que se
deu a consolidação de um Maranhão moderno, e entre outras coisas, possibilitaram à elite
mecanismos de uma maior acumulação de riquezas, derivadas da agro-exportação, gerando,
em última instância, o hábito de mandar estudar na Europa os filhos e filhas da nobreza.

30
A este processo inventivo, Alfredo Wagner B. de Almeida (1983) confere a
nomenclatura de Periodização Ortodoxa, e retoma os clássicos como Raimundo José de Sousa
Gaioso (1818), Garcia de Abranches (1822) e Francisco de N. S. dos Prazeres (1820) para
balizar a análise. Teria sido com base na colocação da economia maranhense no contexto
mercantil da produção algodoeira, aproximadamente por volta do ano de 1760, que os ideais
foram elaborados, sendo caracterizados como um marco de opulência, nas palavras de
Abranches, a aurora da prodigiosa opulência e engrandecimento desta província
(ABRANCHES, apud ALMEIDA, 1983, p. 49). Não debalde, esta narrativa foi elaborada
como explicação da dinâmica econômica da região, fazendo oposição a um período de
relações instáveis e um outro denominado de prosperidade. Estava em questão práticas e
valores marcadamente políticos.

O que estava em curso era a legitimidade da ordem política e econômica


estabelecida e também sua manutenção pelo campo de poder através da subordinação dos
intérpretes a esta esfera elitista da organização social. Neste sentido, destacamos a
cristalização da data de 1756, referente à implantação das políticas pombalinas, como a
inquestionável ação de elementos e interesses de cunho marcadamente políticos na narrativa
elaborada pelos sujeitos sociais em questão.

Em outras palavras, atrelar as imagens de prosperidade e opulência à esfera do


poder político é uma prática que justifica o status quo dos lavradores enquanto grupamento
social legítimo para agir na referida esfera da economia local. A posteriori destes
acontecimentos, o sucesso individual obtido pelos lavradores foi interpretado como esplendor
econômico de toda a região, em decorrência da grande fortuna e riqueza dos bens produzidos a
esta época (ALMEIDA, 1983, pp. 52-53). Novamente a memória dos fatos sobre a trajetória
da província do Maranhão se confundiu com a ação de um grupo específico, neste caso os
lavradores, que institucionalizou o destacado período como sendo um fausto econômico
marcado pela opulência, riqueza e prosperidade (GAIOSO, 1970).

O fato é que o binômio prosperidade/decadência se consolidou como uma


ferramenta legítima de explicação da dinâmica social, tanto por parte dos letrados a discorrer
sobre o Maranhão ou dos políticos a concretizar em suas respectivas gestões este tal parâmetro

31
explicativo. A questão se dá na proporção em que a idéia sobre a decadência da província era
vista como um elemento inquestionável, independentemente do período ou localidade em
questão.

A relação existente entre estas duas categorias é íntima e direta, haja vista que uma
depende da outra para existir. A decadência seria originária e contraposta à prosperidade, isto
é, de 1755 até os anos iniciais do século XIX, tido como o período mais prodigioso da
economia local, ambas se consolidam através da negação da outra, gerando em contra partida
um outro mito: a idade de ouro da província do Maranhão. Não problematizamos o fato de
que a categoria decadência foi sempre utilizada no tempo presente de quem escrevia. Contudo,
ainda assim vale destacar que a idade de ouro (...) desta província data do estabelecimento da
Companhia de Comércio [sendo que] até esta época a produção da capitania de São Luís
eram insignificantes e nenhum o seu comércio (CRUZ MACHADO apud ALMEIDA, 1983,
p. 82), consolidando o ideário de que o período vivido teria sido superior ao antecedente.

Se por um lado, a idade de ouro esteve cronologicamente coincidente com o


período de maiores exportações e de maior arrecadação por parte dos lavradores, por outro,
carrega consigo sua contradição, isto é, o período de prosperidade teria sido firmado sobre
bases pouco sólidas e que não seriam de longa duração. Em comum a este antagonismo, a
efemeridade da opulência da lavoura e certo continuísmo da decadência enquanto elemento
explicativo da realidade social.

Ainda nesta relação de eventos que confluem para resultados comuns, coube-nos o
destaque de que no referente às relações entre os vários segmentos sociais, a propagação dos
ideais de uma terra excelente e de uma gente excepcional do ponto de vista de sua
intelectualidade, se comportou, como resultado direto dos relatos dos cronistas viajantes do
início do século XIX, em uma prática de imposição, quase incontestável, de que os habitantes
de tal província integravam um diferenciado e nobre espaço de harmonia social, resultando
evidentemente, que tais prerrogativas estavam mais relacionadas a uma vivência e
pensamentos referentes à hegemonia do europeu do que propriamente a uma consciência da
singularidade desse povo (CORREA, 1993, p. 48).

32
Para os mais nostálgicos e saudosistas, o império foi a idade de ouro do Maranhão
(MEIRELES, 1960, p. 280). Afinal, em conseqüência desta suposta modernização trazida
pelas ações pombalinas, teria sido possível a abertura da lavoura e do comércio para um
período de progresso e enriquecimento material atrelado ao aprimoramento intelectual da
sociedade ludovicense, que teria culminado no aparecimento de uma elite de latifundiários,
uma vez que durante o período assinalado, a província maranhense foi marcadamente
escravocrata e agrária, com destaque para o cultivo do algodão e do arroz. O mito da idade de
ouro foi resgatado no período do império e difundido como sinônimo de prosperidade e
opulência para a província (MEIRELES, 1960, pp. 283-289).

Rossini Correa foi enfático ao afirmar que a conseqüência espiritual do


algodoeiro e da rizicultura denominou-se Atenas brasileira. Desde os idos do século XIX foi
consensual a relação entre progresso econômico e fulgor cultural para explicar a trajetória de
glória que conduziu o Maranhão até a consagração como Atenas do Brasil (CORREA, 1993,
p. 83).

O que cabe destacar é que uma relação simplista entre progresso econômico e um
suposto desenvolvimento cultural não é suficientemente completa para abarcar uma rede de
significação tão complexa quanto os presentes nos símbolos culturais. Indiscutivelmente é o
imaginário coletivo que fundamenta a explicação sobre o processo de transição de elementos
culturais de um patamar representativo para o nível imaginário ou simbólico, pois na segunda
metade do século XIX fortalece-se uma concepção de que o real está para além de
representações, mitos e crenças, estando inserido em instâncias imaginárias (BACZKO, 1985).

Não teria sido as imagens sobre a grandeza do Maranhão, o elemento condicional


de existência simbólica deste aspecto de diferenciação? Estas representações não guiam
práticas? Não são elas modeladoras de comportamentos? As respostas a estas questões
comportam-se como elementos esclarecedores da mitologia ateniense do Maranhão. De
maneira específica, compete-nos perceber a ocorrência de um verdadeiro mapa social para
representações que trouxeram os elementos simbólicos para a realidade e os legitimaram
enquanto existentes de forma autônoma. Em outras palavras, um sistema de representações
traduz e legitima a ordem estabelecida da mesma maneira que levanta sujeitos responsáveis

33
pelo manejo das representações e símbolos em questão, ou seja, é prerrogativa do imaginário
social a consolidação de mitologias como elementos de um tipo específico de identidade, uma
vez que o mito (...) assegura a coesão social ao legitimar as hierarquias sociais
rigorosamente definidas (BACZKO, 1985, p. 300).

O imaginário é um olhar sobre si mesmo no mundo5. Neste amálgama de


representações (ora a opulência, ora a grandeza das gentes, ora o fulgor cultural e também os
costumes europeus) produzidos no século XIX, e nos quais os discursos sobre o Maranhão
adquirem unidade, o que se chama de verdadeiro (ou real) e o ilusório (também chamado de
imaginário), não estão separados ou dissociados, pois é através das ilusões que uma época
alimenta a respeito de si própria, que ela (...) esconde sua verdade (BACZKO, 1985, p. 303).

Entre outras coisas, está menos confuso o fato de que cada grupo social elabora
imagens que exaltam seu papel histórico e sua posição na sociedade e servem como
parâmetros reflexivos sobre si mesmo através destas representações. São as imagens que a
sociedade elabora sobre si mesmas que oferecem as respostas de seus conflitos mais latentes.
A elaboração de simbologias (como a Atenas Brasileira) está ancorada em necessidades de
afirmação e terminam por comportar-se como a razão de ser e agir do grupamento social
envolvido em tal processo criativo, afinal, cabe às tais funções introduzir valores, modelar os
comportamentos6 e construir a existência própria da experiência criativa dos sujeitos sociais
(BACZKO, 1985).

É interessante destacar que a explicação que confere legitimidade à construção


simbólica da qual estamos falando, está pautada na relação entre história e literatura, mas não
só pela profícua contribuição que a crítica literária e a própria teoria da literatura trazem para
esta reflexão, mas pelo fato de que os ciclos literários maranhenses se confundem com a
própria gênese da odisséia ateniense dos letrados do Maranhão, alem é claro, do momento
primeiro da formação das terras desta província, que foi também representado pela literatura.

5
É a imaginação que torna o homem um sujeito exteriorizado de si próprio, na medida em que determina a
própria existência a partir de imagens que representam uma reflexão mais sobre si que sobre o outro, no nosso
caso, criando uma esfera de excepcionalidade e prodígios intelectuais.
6
Mesmo as representações coletivas mais sólidas só têm existência, isto é, só são verdadeiramente tais, na
medida em que comandam atitudes sociais.

34
Se por um lado, um tipo de análise que prioriza a correlação entre os ciclos
econômicos e as produções literárias se consolida como elemento de respaldo da trajetória de
grandeza das terras do Maranhão, ou seja, de certo fulgor e brilho intelectual na província, por
outro, o elemento criativo próprio da narrativa literária nos oferece possibilidades de sinalizar
que representações igualmente emblemáticas, foram criadas e apropriadas da literatura, para
consolidar um desenvolvimento vultoso desde o fausto econômico de meados do século XVIII
até o decadentismo dos anos finais do século XIX, no que se refere à produção literária
maranhense (MEIRELES, 1955).

Este postulado é tão significativo para a história da literatura do Maranhão, que os


marcos fundamentais que demarcam o início e término de determinado ciclo literário, estão
ornados de adereços narrativos que nos remetem sempre a uma representação imagética de
grandeza e prosperidade. Em outras palavras, em fins do século XVIII, o Maranhão
encontrava-se distanciado por completo do fortalecimento da estética e dos ideais arcadistas
que sedavam no sul da colônia, para só despertar de tão letárgico sono, em princípios do
século XIX com o Romantismo 7 e uma literatura mais autônoma (MORAES, 1976, pp. 37-
51).

Da combinação imaginária entre opulência econômica e ilustração intelectual fruto


da excelência da terra maranhense, teria surgido com ímpeto vanguardista, o Grupo
Maranhense, tido como a maior representatividade da literatura do Maranhão no cenário das
letras nacionais. Neste sentido, se outrora destacou-se o caráter criativo dos viajantes a
elaborar relatos sobre o que seria a cidade de São Luís e a rotina de seus habitantes, na mesma
medida, foi em torno do Grupo Maranhense que se consolidaram imagens acerca de uma
efervescente produção literária nesta província. Genericamente imputa-se a Odorico Mendes,
João Francisco Lisboa, Gonçalves Dias, Sotero dos Reis, Gomes de Sousa, entre outros, a
responsabilidade de inserir o Maranhão definitivamente no roteiro da produção poético-
romântica, então em evidência.

7
Com o advento do Romantismo, grupos de jovens poetas organizaram-se no sentido de promover a formação de
uma literatura “nacional”. Nas províncias mais expressivas do império surgiram grupos que tomaram a frente de
tal processo de produção literária. No Maranhão, esta concepção sobre um Grupo Maranhense na literatura
romântica foi utilizada como justificativa para uma outra construção literária, a idéia de Atenas brasileira, que foi
erigida pela produção local como símbolo da singularidade e prodigalidade da província no campo das letras.

35
Tanto Mário Martins Meireles em Panorama da literatura maranhense, quanto
Jomar Moraes em Apontamentos de literatura, são convergentes em afirmar a inauguração de
um período literário diferenciado dos demais pelo romantismo do Grupo Maranhense. Em
outras palavras, mostram que no Maranhão teria havido uma convergência do advento do
Romantismo com o período de inserção do Maranhão no cenário das letras nacionais de tal
forma, que chamando a atenção de todo o pais (...) para este recanto do Brasil onde se
manifestaram (...) tantos engenhos, que se lhes comparou com (...) à capital da velha Grécia,
chamando-a de Atenas Brasileira (MEIRELES, 1955, p. 64). Neste aspecto, o surgimento
desses letrados no início do século XIX se confunde com a própria gênese desta noção de
singularidade cultural, porque nas palavras de Jomar Moraes,

No Maranhão, os contemporâneos de Gonçalves Dias, conhecido na história da


literatura brasileira pela antonomásia de Grupo Maranhense, dariam ao Brasil,
como expressão de vida literária tão eloqüente testemunho de cultura e talento, que
justificariam, (...) o cognome de Atenas Brasileira (MORAES, 1976, p. 49).

A aparição do Grupo Maranhense neste cenário das letras é sobremaneira


significativa, a ponto de ser postulado a inexistência de uma literatura do Maranhão antes
deste advento. Segundo Mário Meireles, só no começo do século XIX, nas vésperas do
surgimento espetacular do ‘Grupo Maranhense’, aquela plêiade gloriosa e imortal que
conquistou e nos legou o título invejável de Atenas Brasileira, é que volta a se manifestar de
maneira sensível, ligeiramente sensível à nossa própria literatura (MEIRELES, 1955, pp. 38-
39); tanto que em torno deste grupamento de letrados elaboraram-se as significações mais
diversas para legitimar um arquétipo de grandeza para o Maranhão, de tal forma que teria sido
supostamente com o Grupo Maranhense que a sociedade ludovicense chegara a um nível
consideravelmente diferenciado de desenvolvimento intelectual e refinamento educacional,
graças à ação primorosa de Odorico Mendes, Sotero dos Reis, entre outros.

Se por um lado, a ação engajada e politizada do Grupo Maranhense poderia ser


considerada motivo suficiente para justificar aos seus contemporâneos o brilhantismo superior
que a posteridade afirmou que eles possuíam, e da mesma forma, através do volátil imaginário
social maranhense, se consagraram como herdeiros do ideal clássico da Atenas grega, por

36
outro, é igualmente verdadeiro o florescimento acelerado de inúmeros periódicos e jornais,
que em tese, ilustram o esplendor literário vivido ‘por todos’ nesta parte das terras do Brasil.

O marco inicial para esta explosão de publicações é, indiscutivelmente, a


instalação da Tipografia Imperial Nacional, nas primeiras décadas do século XIX, em terras do
Maranhão. Legou-se como responsabilidade de tal tipografia, um verdadeiro nervosismo
editorial e intelectual que seria palco, motivo e cenário dos mais diversos embates entre a elite
pensante de São Luís.

Assim, enumero abaixo em ordem cronológica, os mais importantes trabalhos


tipográficos dos primeiros anos do século XIX em São Luís, com destaque para jornais,
periódicos e revistas: Argos da Lei (1825) de Manoel Odorico Mendes; O Censor (1825) de
Garcia d’Abranches; O Farol Maranhense (1827) de Candido Moraes; O Despertador
Constitucional, de Odorico Mendes; O Brasileiro (1832), Eco do Norte (1834), de João
Francisco Lisboa; O Investigador Maranhense (1838) de Sotero dos Reis; Chronica
Maranhense (1838) de João Lisboa; A Revista (1839) de Sotero dos Reis; Jornal Maranhense
(1841); Publicador Maranhense (1842); Jornal de Instrucção e Recreio (1845); O Arquivo
(1846); A Imprensa (1847) de Antonio Rego; O Progresso (1847); O Observador (1847) de
Candido de Mendes; Nova Época (1856) de Luís Antonio Vieira da Silva; A Conciliação
(1856) de Antonio Henriques Leal; entre outros periódicos e folhas literárias publicados a
partir do ano de 1821 na província do Maranhão (JORNAIS MARANHENSES, 1821-1873).

Neste ambiente de considerável atividade editorial, destacaram-se, ao que tudo


indica, as ações daqueles que compunham o Grupo Maranhense: João Lisboa, atuando como
crítico da sociedade maranhense; Gonçalves Dias, decantado como ilustre do Romantismo
brasileiro, gênio; Odorico Mendes, por seus escritos clássicos, consagrado como exímio
tradutor; Sotero dos Reis, gramático da língua portuguesa; entre tantos, que por suas
atividades individuais ou em grupos literários, realizaram importantes trabalhos para a história
da literatura do Maranhão.

Os poetas deste grupo foram estudados, analisados e consagrados como deuses,


gênios ilustres, ‘vates’ supremos da nossa literatura, dotados de um talento que estaria acima

37
do bem e do mau, ou nas palavras de Mário Meireles: estes homens que fizeram do Maranhão
a Atenas Brasileira! A eles a nossa eterna veneração (MEIRELES, 1955, p. 69). Enfim,
estava consumada a tarefa, quase que messiânica, de salvação do Maranhão das ignorâncias
dos incultos através da letra e da pena redentora dos ilustres e supremos membros do Grupo
Maranhense, ou seja, os caprichos intelectuais destes sujeitos transformaram-se em mito de
existência e bem viver no Maranhão.

Até aqui mostramos minimamente o modo como a historiografia clássica do


Maranhão narrou e consolidou a trajetória do Grupo Maranhense rumo à um suposto destino
de grandeza e glória, assim como também a maneira pela qual a representação elaborada em
torno deste grupo se estabeleceu no imaginário ludovicense como um elemento de
diferenciação existencial. Os intelectuais anteriormente citados, tiveram também sua trajetória
marcada por uma ação política atuante de profundas críticas à organização social do
Maranhão, à semelhança de João Francisco Lisboa.

Neste ponto sinalizamos o que os teóricos da história literária do Maranhão


chamaram de segundo ciclo da literatura maranhense, demarcando seu fim junto ao término da
circulação do periódico o Semanário Maranhense, erigido como símbolo da produção poética
destes letrados até os princípios da segunda metade do século XIX (MORAES, 1976, p. 117).

Da década de 1860 a 1890, inaugurou-se o terceiro momento da produção literária


maranhense, ou no dizer dos mais nostálgicos, a segunda geração de intelectuais e poetas do
Maranhão, muito embora considere este momento como parte integrante de um mesmo
fenômeno histórico iniciado, construído e expandido nos anos iniciais do século XIX. Afinal,
no que se configurou como a segunda geração de letrados, ainda figuravam personalidades
como Frederico José Correa, Sousândrade, Candido Mendes, Antonio Henriques Leal, César
Marques, Temístocles Aranha, entre outros, cuja estética e narrativa ainda apresentavam
aspectos marcadamente românticos, apesar de posteriormente vivenciarem a transição de
movimentos como o realismo, passando pelo naturalismo, até chegar ao parnasianismo.

Neste sentido, há a presença de elementos que diferenciaram este novo período do


anterior, de que os homens de letras no Maranhão não mais ficaram na terra natal e nem dela

38
saíram depois de firmado o nome intelectual, mas procuraram muito cedo migrar para as
metrópoles maiores do sul, mesmo que mal ensaiassem os primeiros versos, crônicas ou
comédias, indo confirmar lá fora a fama de Atenas Brasileira (MEIRELES, 1955, p. 120). Dito
de outro modo, foi o período em que os intelectuais do Maranhão se consagraram como
literatos nacionais, de um lado levando teoricamente a imagem da terra natal aos cenários
nacionais da produção poética, e de outro promovendo certa estagnação ou marasmo na
atividade literária local.

Por outro lado, os poetas migrantes continuavam a ser tratados pela história
literária local como precursores de um grande empreendimento artístico, pois como
continuadores da odisséia trágica da Atenas do Brasil (devido à morte da maioria dos poetas
do chamado Grupo Maranhense), se constituíram como herdeiros de um passado glorioso e
sublime que legitimava sua produção poética presente, enfim, uma idealização digna do
romantismo. Este grupamento de indivíduos consolidou com suas ações uma trajetória de
intervenções sociais através, tanto da publicação de suas obras, quanto de sua prática política
para perpetuar um modelo que os legitimava do ponto de vista da produção literária e que os
singularizava da perspectiva do seu status quo, a Atenas Brasileira.

Não seria por falta de celebridades que o Maranhão seria extirpado do cenário das
letras, pois ainda contava-se com a presença de grandes personalidades, como: Raimundo
Correa, que juntamente com Olavo Bilac fortaleceram o parnasianismo brasileiro, sendo ele
poeta em toda a sua extensão (MEIRELES, 1955, p. 122); Teixeira Mendes, um forte
expoente do positivismo no Brasil; Celso Magalhães, exímio prosador e folclorista; Aluízio
Azevedo, ícone nacional do realismo; Coelho Neto, conhecido como o príncipe dos prosadores
brasileiros pela opulência de seus escritos; Graça Aranha, pré-modernista sensível ao embate
político e Artur Azevedo, teatrólogo e dramaturgo. Talvez à exceção de Aluízio Azevedo,
todos os demais literatos tiveram suas obras marcadas com poesias, crônicas ou dramas acerca
do Brasil, provavelmente prendendo-se ao Maranhão pelos laços de nascimento, e
desenraizados por algum tipo de regionalismo literário, pelo menos a posteriori (MORAES,
1976).

39
O ponto a ser aqui destacado é a inexistência de vínculos dos letrados com a sua
terra natal, uma vez que a maioria destes abandonou-na. Para o Rio de Janeiro partiram
Teófilo Dias aos 20 anos, Artur Azevedo aos 18 e seguindo-o alguns anos mais tarde, seu
irmão Aluízio. Raimundo Correa é o caso mais emblemático, já que deixou as terras timbiras8
aos três anos de idade e não mais regressou. Graça Aranha parte aos 21 anos e apenas Celso
Magalhães, por ter morrido muito jovem, não migrou (MORAES, 1976, pp. 123-124).

Mesmo com esses exemplos notórios de desvínculo dos letrados com a decantada
terra e até mesmo, da inexistência de um ambiente intelectualizado na província do Maranhão,
foram criadas representações em torno deste amálgama de letrados que simbolizaria a
‘essência’ maior da identidade maranhense, o que é na verdade, uma elaboração fruto de uma
relação de forças que tende a comportar-se como reguladora da vivência dos maranhenses,
definindo para a elite lugares diferenciados, pretendendo criar em contra partida, lugares de
conflito que legitimariam o próprio lócus ocupado pela elite.

Novamente a literatura nos oferece o suporte para compreender a existência de


alguns elementos nesse período de transição na literatura nacional. Se por um lado, os
românticos elaboraram um sentido de ligação com a terra-mãe e até um excesso de patriotismo
atrelado a uma constante modificação dos objetos que os rodeia, por outro, a crítica literária
realista coloca em questão esse complexo mítico-literário dos românticos em função da
impessoalidade dos objetos e de uma nova tendência interpretativa desta realidade socialmente
construída, dando ênfase ao cotidiano do homem bem sucedido das cidades através de uma
narrativa obscura como os elementos comportamentais desta burguesia citadina, cinzenta
como a própria existência nas cidades imersas na poesia fatalista de Aluízio Azevedo, Raul
Pompéia e Raimundo Correa (BOSI, 2004, p. 168).

O que estava em curso na década de 1870 era uma clara reação anti-romântica, que
na ficção foi denominada de Realismo, depois de Naturalismo, na poesia chamou-se
Parnasianismo e Materialismo e Positivismo na filosofia. Esse novo olhar dos literatos sobre a
sociedade promoveu uma verdadeira cruzada contra os elementos míticos do Romantismo, e

8
Terras Timbiras é uma referência ao poema Os Timbiras de Gonçalves Dias, publicado em Primeiros Cantos
no ano de 1846.

40
iniciou uma reflexão sobre o período conhecido como o fundador da Atenas Brasileira, e com
esta reflexão, uma leitura mais acurada sobre as recentes obras do Romantismo e sua crítica
quase que automática.

Estes elementos nos levam à compreensão de que não foi o mero acaso o
responsável pelo grande fluxo de intelectuais maranhenses à cidade do Rio de Janeiro. Durante
os últimos anos do século XIX, especificamente em 1870, quando da ênfase das campanhas
pró-abolição, grande parte da produção literária nacional se dava na cidade do Rio, por esta
concentrar parte sensível do mercado de trabalho para os homens de letras, em função,
também, da Academia Brasileira de Letras. Desde a segunda metade do século XIX que a
literatura não se comportava mais como a arte pela arte dos realistas, estando envolvidos com
os elementos de um intenso fluxo cultural, os intelectuais integraram um inovador processo de
grandes transformações (SEVCENKO, 2003).

Não é de surpreender que os poetas e cronistas do Maranhão tenham se tornado


literatos de cunho nacional e muito menos que tenham se radicado no Rio de Janeiro, uma vez
que nessa cidade existiam todas as condições para um satisfatório desenvolvimento intelectual,
condições estas que não existiam em São Luís. Entre outras atividades, o grupo de letrados
emigrados do Maranhão compôs juntamente com outros, o grupo de fundadores da Academia
Brasileira de Letras.

Da ação desses letrados em pleno fulgor da poesia ficcional realista, abstrai-se


uma literatura que se comporta como fator de mudança social, buscando um campo autônomo
de ascensão na expectativa de consolidar a pena e a prática da escrita como um outro poder
igualmente legítimo na condução da sociedade, apesar de os elevados índices de analfabetismo
se colocarem como dificuldade nesse processo de manipulação. Estes letrados refletem sobre o
país e sua província de origem como se sua vontade fosse o centro próprio de onde emanava o
poder de decidir os rumos do estado não então em desenvolvimento (SEVCENKO, 2003).

Este outro grupamento de poetas e literatos, cuja formação intelectual se deu quase
que majoritariamente na Faculdade de Direito do Recife, teve sua participação na vida
maranhense caracterizada pela difusão de ideais abolicionistas e de implantação da república,

41
além de cristalizar sua trajetória pessoal como naturalmente tendendo às atividades do espírito,
consolidando uma espécie de culto ao chamado Grupo Maranhense. Possivelmente, o
elemento mais representativo desta veneração do grupo institucionalizador da ‘Atenas
Brasileira’ seja a obra Terras e Homens (1948) de Raul Azevedo, quer por sua escrita
saudosista ou pelo conteúdo nostálgico de suas idéias. Em Terras e Homens encontramos a
seguinte idéia:
Chamam-te, meu Maranhão, de Atenas Brasileira! Em todo este vasto país, (...)
eras e és conhecido pela alta intelectualidade, a Atenas nacional. (...) foste o berço
da civilização patrícia.
És também, minha terra, uma das sentinelas e do falar a amada língua portugueso-
brasileira! Todos respeitam o teu apuramento no dizer, a dicção correta e formosa,
a linguagem escorreita e pura, a riqueza suntuosa e invulgar dos vocábulos, a
elegante sinfonia da frase, (...) alinhando idéia perfeita! (AZEVEDO apud
MEIRELES, 1955, pp. 180-181).

Ao que tudo indica, parece que estava muito claro na compreensão dos herdeiros
da ‘Atenas Brasileira’, que eles compunham um espaço intelectualizado sobremaneira e
privilegiado socialmente.

Em o Semanário Maranhense (1867-1868), agonizaram os últimos esforços em


conservar certo ritmo de produção e até mesmo de vivência intelectual por parte dos
remanescentes ainda na ilha do Maranhão. Segundo Antonio Lobo, foi o canto de cisne da
brilhante geração literária, que em meados do século findo, no Maranhão viveu e trabalhou,
explorando com maestria e fulgor, quase todos os variadíssimos departamentos da produção
mental (LOBO, 1909, p.13), não só por parte dos primeiros literatos que hora passavam pelo
tempo e pelas gerações como mestres, mas também por outros indivíduos que ascendiam em
meio ao grupo de poetas.

Se por um lado, O Semanário Maranhense desaparece, e com ele todo aquele


conjunto de poetas que em maioria tiveram outras localidades como destino, por outro, a
própria ação do tempo, isto é, a morte, pôs fim a nomes como Odorico Mendes (Inglaterra,
1864), Joaquim Franco de Sá (Rio de Janeiro, 1861), João Francisco Lisboa (Portugal, 1863),
Gomes de Sousa (Inglaterra, 1863) e Gonçalves Dias (Maranhão, 1864), o que do ponto de
vista prático, significou a fragmentação do referencial simbólico dos poetas que ainda estavam
produzindo. Antonio Lobo mostra que tal período da história literária do Maranhão

42
comparava-se a uma triste e calamitosa noite nas quais as letras locais foram imersas, tendo
como conseqüência imediata a obliteração das glórias do passado (LOBO, 1909, p. 14).

O princípio do século XX foi o último período desta epopéia que tem sua gênese
no Grupo Maranhense. Estes anos iniciais teriam sido marcados pelo ímpeto de restabelecer na
capital o mesmo ambiente intelectual dos anos da primeira metade do século XIX. Apesar de
muito assombrados pelo fantasma do esplendor que passou, e talvez perdidos junto à morte
dos românticos do Maranhão, estavam cientes de que a capital do estado não se configurava
mais como o centro de excelência do conhecimento que outrora fora, e que seus literatos
pertenciam agora à nação. Tentaram de todas as formas conservar, consagrar, cristalizar a
fama da ‘Atenas Brasileira’ para si e para seus escritos, afinal, ser bom poeta era ser herdeiro
da tradição de ‘Athenas’ (MEIRELES, 1955, p. 163).

Por entre folhetins, jornais, associações e grêmios literários, os novos poetas


fizeram tudo o que era possível para manter a poesia que os fazia diferentes. Esforçaram-se em
vão, a Atenas estava perdida e em seu lugar restara apenas a lembrança, ou talvez a saudade,
mas certamente estavam cheios de uma autopiedade decadentista que ocupou o palco da
grande epopéia dos letrados do Maranhão. Se antes havia esplendor, glória, opulência, brilho,
embalados pelos ventos fortes da literatura romântica, em seu presente, porém, restara a
decadência, o ofuscar, o fracasso, as letras opacas de uma ‘poesia sem vida’ e por fim, as
lágrimas que representavam a nostalgia de um tempo que não voltaria (LOBO, 1909).

Longe de vislumbrar-me pelo fenômeno histórico que pretendi analisar, as linhas


acima simbolizaram um mapeamento da maneira como esta concepção de singularidade e
diferenciação, se consolidou enquanto um viés unilateral de explicação e análise do ser
maranhense, e por outro lado, comporta-se como tarefa duplamente árdua, do ponto de vista
do método, por se tratar de representar elementos já representados, quer na literatura ou na
própria história, sendo de imprescindível cautela, o olhar lançado sobre as narrativas referentes
à ‘Atenas Brasileira’.

Sendo o ofício do historiador uma tarefa essencialmente narrativa, e a reflexão


sobre o fenômeno histórico uma atividade interpretativa, o historiador que trabalha com a

43
elaboração de símbolos culturais está no limiar da representação, por entre textos, objetos,
práticas e bens simbólicos dela decorrentes. Desta forma, a análise sobre a construção do ideal
de Atenas do Brasil poderia ser feita com base no estudo de um segmento particular de objetos
impressos, como: os relatos dos cronistas viajantes do século XIX; os folhetins de jornais
sobre a atividade intelectual dos poetas na capital da província e pela Europa ou ainda, com
fundamentação na prática de leitura e de reescrita deste material impresso, na tentativa de
mensurar as possibilidades de produção de significados do texto enquanto categoria
dependente dos elementos e do meio a ele receptivo ou como produto de um processo
historicamente determinado pela própria prática social (CHARTIER, 1991, p. 178).

Roger Chartier afirma claramente que a leitura é sempre uma prática encarnada
em gestos, espaços e hábitos, e que é por meio desta prática que o texto adquire sentido. Esta
ênfase dada ao exercício da leitura enquanto atividade interpretativa produtora de significação,
é de fundamental importância para compreender o modo como os textos produzidos pelos
clássicos do século XIX foram erigidos enquanto ícones de um espaço diferenciado
intelectualmente e como marcos legitimadores da ateniensidade do Maranhão, destacando que
new readers make new texts, and their meanings are a function of their new form9
(CHARTIER, 1991, p. 178).

O que está proposto é uma tentativa de compreender como as fontes históricas, e


neste caso, prioritariamente textos, foram diversamente apreendidos, entendidos e
manipulados, convergindo para os interesses do grupo social que se pretende hegemônico pela
produção e manuseio de um discurso de grandeza, afinal, a leitura é também uma relação com
o outro (CHARTIER, 1991, p. 181). O elemento a nos intrigar, é que sendo o texto um
discurso produzido historicamente e permeado de uma intencionalidade, produto dos objetivos
do autor a qual o elaborou, provavelmente os textos produzidos no século XIX, sejam eles
folhetins, poesias, cartas, memórias, tiveram um uso não pretendido pelos seus respectivos
autores, e é esta perspectiva a condutora das nossas interpretações sobre a idéia de São Luís ter
sido representada como Atenas Brasileira.

9
Novas Leituras fazem novos textos, e seus significados são uma função de sua nova forma.

44
Dessa maneira, estamos diante de uma elaboração identitária que se comportou
como produto do conflito entre representações impostas pela elite intelectual, que produzia as
mais variadas classificações, e as construções que a sociedade elabora sobre si mesma. E com
base na trajetória trilhada através dos textos desde os cronistas até os poetas decadentistas do
fim do século XIX, é que está menos confusa a compreensão de que sentir-se singular, de
pensar-se enquanto ateniense, é mais fruto da relação de representações das narrativas com o
imaginário social do que uma vontade deliberada de seus supostos agentes históricos.

45
3. Cantos Românticos do Grupo de “Atenas”.

A História é uma vitrine e nela estão expostas identidades sociais; sempre voláteis,
múltiplas, dinâmicas, mas nunca dadas, em hipótese alguma, acabadas, terminadas,
concluídas; elas estão sempre em formação. Identidade social é diferenciação quer de um
outro período localizado no tempo, ou distinto de outras sociedades, mas não desligamento,
pois é o lugar da ambigüidade entre o evento (chamado de real) e o relato (chamado de
discurso), que reside legitimidade do trabalho histórico. Por um lado, a história comporta-se
como o olhar lançado de uma época sobre suas origens, afirmando em relação aos seus
precedentes eu não sou isso, e acima de tudo, postulando a multiplicidade própria de
elementos identitários, no sentido de que uma geração pensa a si mesma como algo superior
ao que pretende ser, sendo determinada pelos elementos que nega e não legitima (DE
CERTEAU, 2006, p. 56).

Esta é a história. Um jogo da vida e da morte prossegue no calmo desdobramento


de um relato, resistência e denegação da origem, desvelamento de um passado
morto e resultado de uma prática presente. Ela reitera (...) os mitos que (...) fazem
da linguagem o vestígio sempre remanescente de um começo tão impossível de
reencontrar quanto de esquecer.
O discurso histórico não é senão uma cédula de uma moeda que se desvaloriza.
Afinal de contas não é mais de que papel. (...) o texto da história sempre o retoma,
(...) articulado com aquilo que não é (CERTEAU, 2006, pp. 57-58).

Colocou-se o que Michel de Certeau chamou de o lugar do morto, no sentido de


ser a história responsável por evidenciar uma população de mortos – personagens,
mentalidades, práticas, memórias... A escrita, segundo Certeau, representaria um tipo de rito
de sepultamento, em outras palavras, de abstração de temporalidades em favor da colocação
dos fenômenos sociais na esfera do discurso, adquirindo, portanto, um aspecto simbolizador
dos eventos trasladados do real para o simbólico através da narrativa. Neste sentido, a relação
existente entre a emergência de grupos literários e a elaboração de um certo tipo de identidade
cultural no Maranhão do século XIX, foram analisados nos parâmetros da dinâmica da escrita
como elemento criador de sentidos históricos.
Nesta parte do trabalho demos destaque à emergência do Grupo Maranhense
enquanto padrão necessário para compreender a representatividade que houve na formação da

46
“Atenas Brasileira” como um sinônimo de grandeza dos literatos maranhenses. Esta parte da
narrativa foi centralizada em temas como a historiografia em torno da literatura produzida pelo
chamado Grupo Maranhense do Romantismo brasileiro.
O contraponto imediato ao Romantismo, foi sem dúvida, o fim do Arcadismo.
Sem pretender uma justaposição maniqueísta dos dois modelos, cabe mostrar que se por um
lado, os arcadistas buscavam explicações universalistas para o fluxo de processos sociais, por
outro, o Romantismo surgiu como uma nova proposta de entendimento do mundo, mais
direcionada a particularismos ou especificidades, que em última instância comportaram-se
como delineadores de identidades.
Neste sentido, por considerar a distinção entre manifestação literária e produção
literária propriamente dita, foi possível identificar com o advento da literatura romântica o
aparecimento de produtores literários mais conscientes de seu papel, e que compreenderam a
literatura por meio de mecanismos simbólicos sistêmicos, pelas quais as veleidades intrínsecas
aos indivíduos transformaram-se em pontos de contato entre os vários sujeitos sociais (cientes
ou não de sua ação) produtores de múltiplas apreensões da realidade (CANDIDO, 1975, vol.
1, pp. 23-24).
Ainda neste aspecto, afirmamos que foi a partir dos árcades, profundos em sua
ilustração, que surgiram letrados convergentes na elaboração de grupos intelectuais
comprometidos e engajados no interesse de elaborar uma literatura brasileira. Antonio
Candido mostrou que o início da nossa verdadeira literatura foi localizada na fase arcádica,
pois foram estes que vislumbraram a produção literária brasileira como um elemento de
expressão da realidade local e caractere indispensável na construção da nacionalidade. Mais
do que isso, o que estava em pauta era a elaboração de uma literatura própria e não um simples
caminho rumo à autonomia da produção, mas uma definição ontológica de que os brasileiros
possuíam a mesma competência que os europeus julgavam ser possuidores para produzir uma
literatura que fosse uma mostra de sua identidade (CANDIDO, 1975, vol. 1, p. 26).
No Maranhão, apenas em 1823 foi declarada a independência. O que se chamou de
adesão à independência do Brasil comportou-se como uma ação forçada, conflitante e
exógena à realidade social e política da província. Possivelmente a relação direta da província
com a coroa portuguesa tenha conduzido a esta diferenciação do ideal político de então, no

47
que se referia à independência. Antonio Henriques Leal, ao escrever a biografia de Antônio
Gonçalves Dias sem suas Obras Póstumas mostrou que

Se (...) de todas as províncias do império brasileiro não fosse a do Maranhão a que


oferecesse mais tenaz resistência ou em que se ferissem os mais sangüíneos
combates pela causa da independência, ainda assim não foi sem luta prolongada e
porfiosa, às vezes encarniçada e com efusão de muito sangue (...) que os lidadores
da pátria conseguiram varrer de nossos solos o domínio, e plantar nele a viridante
árvore da liberdade (DIAS, 1868, p. 21).

Após a independência, a vertente da autonomia literária se aprofundou, levando a


atividade criadora da literatura a ser vista como parte integrante do empreendimento de
construção de um país livre, em consonâncias a um tipo de programação estabelecida pelos
letrados visando a diferenciação e particularização dos temas desta nova literatura chamada de
romântica e das maneiras diferentes de exprimi-la. Nesta perspectiva, destacamos o
aparecimento de uma espécie de racionalismo artístico produto das condições históricas muito
específicas do século XIX, e balizadas na autonomia e na pretensa unidade de um nascente
estado-nação. Foram estas características que marcaram os primeiros anos da vida literária no
Maranhão, salientando o esforço de glorificação dos valores locais, revitalizando as formas de
expressão e oferecendo significação a formas de comportamento.
A independência foi de fundamental importância para a compreensão dos
desmembramentos da idéia romântica, deslocando a expressão de uma nova ordem de
sentimentos por parte do indivíduo em relação ao seu papel na sociedade (a uma espécie de
harmonia consigo mesmo) e com relação à pátria; a criação de uma literatura também
independente, diversa e múltipla que buscasse novos modelos explicativos relacionados com a
liberdade; e a noção de que a atividade intelectual era sinônimo do exercício de elaboração de
um espaço diferenciado, de um ambiente nacional (CANDIDO, 1975, vol. 2, p. 11). Em outras
palavras, ambicionava-se que a literatura romântica fosse para o Brasil a mesma coisa que a
independência representou no âmbito da política.
Apesar de tratarmos do mesmo fenômeno histórico-literário, o Romantismo
comportou-se de maneira diversa tanto na Europa quanto no Brasil. René Wellek mostra que

Se examinarmos as características da literatura que se chamou a si mesma de


romântica em todo o continente, encontraremos pela Europa as mesmas concepções

48
de poesia e dos produtos e natureza de imaginação poética, a mesma concepção de
natureza e sua relação como homem, e basicamente o mesmo estilo poético, com
emprego de imagens, símbolos e mitos claramente distintos do emprego do
neoclassicismo do século XVIII (WELLEK, 1963, p. 145).

Por outro lado, para evitar olhar o romantismo de maneira acrítica, convém
realizar algumas sinalizações referentes aos desmembramentos do Romantismo no Brasil, pois
em meio à uniformidade do amor à pátria, diferentemente da Europa, a expressão romântica
brasileira foi localizada e mostrou-se de maneira múltipla por diversos grupos.
Entre estes, cabe oferecer destaque ao ‘Grupo fluminense’(também conhecido
como grupo de Niterói) composto por Gonçalves de Magalhães, Porto Alegre, Francisco
Adolfo de Varnhagen, destacando poesia, teatro e historiografia em sua produção; o ‘Grupo
paulista’ composto basicamente por estudantes de Direito que foram influenciados pelas
idéias de Fernand Denis e Almeida Garret; o ‘Grupo Maranhense’, com características ainda
clássicas de linguagem e liberais na política, composto por nomes como Francisco Sotero dos
Reis, João Francisco Lisboa, Antônio Gonçalves Dias e Manoel Odorico Mendes e por fim o
‘Grupo de Pernambuco’ entre os quais figuravam outras personalidades da faculdade de
Direito de Olinda (BOSI, 2004, pp. 154-155).
Mesmo com uma ação localizada por partes dos grupos específicos de literatos em
relação à produção romântica, a ligação destes letrados com a Europa, especificamente
Portugal, era um mecanismo de legitimidade de seus escritos. Era a Universidade de Coimbra,
o centro para onde convergiam os maranhenses que ambicionavam aprofundar os estudos, e
foi ao que se atribui o gosto dos mesmos pela leitura dos clássicos como o exemplo de Manoel
Odorico Mendes - intérprete de Homero e Voltaire - e João Francisco Lisboa e Sotero dos
Reis, ambos exímios tradutores.
Se com o Romantismo afloraram as novas temáticas de poesia e uma outra
compreensão de realidade social e do papel do artista na sociedade, no Maranhão, o
aparecimento do Grupo Maranhense teria sido responsável por consolidar a produção literária
local no cenário das letras nacionais.
Os autores que atingiram a maturidade durante os primeiros anos da regência,
compõem um conjunto de grande importância para a história da literatura brasileira. A
tautologia, própria das narrativas históricas, instiga em todos, uma evocação coletiva do grupo

49
Niterói, formado pelos maiores expoentes do movimento romântico, esquecendo-se, porém, de
que entre estes incluem-se não só Gonçalves Dias, mas o Grupo do Maranhão, que valeu o
cognome famoso à capital da província, do qual se destacam Francisco Sotero dos Reis e
João Francisco Lisboa (CANDIDO, 1975, vol. 2, p. 47).
Entre os integrantes do referido grupo, uns se destacaram mais que outros. Entre
eles, figuraram personalidades como Odorico Mendes, jornalista e político liberal, que se
destacou nacionalmente por sua mente ilustrada e ainda clássica, humanista conhecido pela
tradução de grandes epopéias clássicas como Eneida e Ilíada que alguns afirmaram ser um
tanto indigestas e às vezes incompatíveis pelas disposições de suas formas liberais, destacando
ainda sua ação ativa na reflexão dos elementos nacionais então em evidência através do olhar
crítico das páginas do Argos da lei (1825).
João Francisco Lisboa, jornalista liberal e historiador, figurou como um dos
maiores prosadores, além de ser ele o elaborador de uma das matrizes historiográficas
brasileiras, representou uma verdadeira ruptura das fronteiras da então literatura nacional. Por
entre as páginas de seu Jornal de Tímon (publicado entre os anos de 1852 e 1854) ou suas
Obras Completas (1864 e 1865), encontramos um vívido crítico dos costumes da sociedade
maranhense, desde sua organização política até sua sociabilidade festiva. Lisboa foi posto
como um dos maiores maranhenses.
Sotero dos Reis, figura, sem dúvida, emblemática para a formação intelectual da
nação. Filósofo e gramático foi o primeiro a sistematizar a organização gramatical e lexical da
língua e da literatura portuguesa e brasileira. De inclinação conservadora, Sotero foi mestre de
toda uma geração de letrados, o que não impediu a rivalidade deste com João Lisboa tanto na
política quanto em outras instâncias da sociabilidade, estando, portanto, quebrada a idéia de
que teria existido um Grupo Maranhense; o que houve foi a ação localizada de cada literato na
esfera de produção maranhense.
Gonçalves Dias compõem o quarto baluarte da formação do chamado Grupo
Maranhense. Colocado como uma personalidade inconfundível no cenário das letras nacionais
foi visto como o verdadeiro consolidador do movimento romântico no Brasil. Entre o grupo
também figuraram Frederico José Correia, Gentil Braga, Trajano Galvão, Joaquim Serra,
Gomes de Sousa, Candido Mendes, entre outros.

50
Foi em torno do romantismo das quatro principais personalidades acima citadas,
que se gestou o ideal de diferenciação dos maranhenses através da literatura e posteriormente
do mito da Atenas Brasileira. Na narrativa elaborada pelo grupo, coloca-se como característica
em suas poesias a explicitação de uma determinada visão de mundo, comum a toda obra
literária, fruto da transição do Arcadismo para o Romantismo atuando como parâmetro
estético e pelo qual seria possível entender as funções próprias da obra literária produzida,
afinal, foram estes os elementos que determinaram análise da criação literária romântica como
um produto de elaboração do grupamento social que se pretendia culturalmente hegemônico,
segundo um viés explicativo que lhe fora particular.
Não nos cabe aqui uma análise maniqueísta a respeito das elaborações que
fomentaram e legitimaram a criação da Atenas do Brasil - muito menos tornar-me uma espécie
de juiz dos infernos, encarregado de distribuir o elogio ou o vitupério aos heróis mortos
(BLOCH, 2001, p. 125). Não era lícito verbalizar o veredicto do clamor às glórias da terra do
Maranhão, ou do enobrecimento de suas raízes atenienses, e muito menos promover a
elaboração de uma narrativa pseudamente desconstrucionista, que desconsiderasse elementos
históricos importantes neste processo de invenção de identidades. Em vez de criar marcos
fundantes, ou mesmo origens para este fenômeno literário, parece ser mais coerente mostrar a
importância desta construção simbólica para a trajetória identitária no Maranhão, na busca de
desmembrar o status representativo que legitimou a produção da literatura local.
A elaboração da Atenas Brasileira se configurou como o resultado do processo de
integração do Maranhão ao cenário de unidade nacional que então se gestava. Ser ateniense
era ser integrante de um espaço de reprodução social dominante que discriminava a essência
do ‘ser maranhense’. Se as afirmações em torno do caráter identitário da Atenas do Brasil
geram controvérsias, parece muito claro que esta idéia de Atenas Brasileira se comportou
como um elemento de integração social dos letrados ainda no século XIX e posteriormente de
uma parcela considerável da população maranhense no século XX. Neste sentido, mais do que
promover a unidade, a integração, ou mesmo representar um elemento de identidade, a
elaboração desta distinção cultural foi uma tentativa da elite local de fortalecer seus domínios
e posses e consolidar-se a posteridade como filhos ilustres de uma terra próspera, afinal, não
sem razão a formação dos jovens poetas da província era majoritariamente jurídica, pois os
jovens bacharéis eram o vínculo entre a aristocracia e as esferas de poder local.

51
A princípio, foi a concepção de criar vínculos entre as separadas esferas de poder,
tanto o político quanto o intelectual, que impulsionou a juventude, ou melhor, os pais destes
jovens a ingressar na carreira jurídica. Após a formação, estes personagens, os filhos da
aristocracia, formaram um conjunto de sujeitos específicos, tratados como criadores,
portadores de idéias superiores e que com o passar do tempo fomentaram um suposto
ambiente de intelectualidade na província do Maranhão.
Não houve como negar que de algum modo, os letrados da província na primeira
metade do século XIX no Maranhão, a exemplo de Gonçalves Dias, João Lisboa, Odorico
Mendes, e Sotero dos Reis, não tenham cumprido o seu papel de elite intelectual, ou seja,
como indivíduos a quem foram atribuídos a tarefa de elaborar uma determinada visão de
mundo, de transmitir um ideário de conhecimentos que acabaram por se consolidar como um
sistema explicativo de determinada época. Em outras palavras, foi a ação específica dos de
personalidades como as do chamado Grupo Maranhense, que possibilitou a elaboração a
posteriori da simbologia da “Atenas Brasileira”.
Esta elaboração simbólica, entre outras coisas, mostrou que as várias atitudes dos
letrados maranhenses em relação à vida provincial correspondiam às diversas maneiras pelas
quais ao longo dos primeiros anos do século XIX, segmentos da elite elaboraram
representações que modelassem a realidade da província segundo os seus próprios interesses,
ou seja, a criação da singularidade da província através da “Atenas Brasileira” representou
uma estratégia de mascarar as contradições do Maranhão oitocentista.
Tal processo de elaboração de respostas aos anseios pessoais, ou de pretender
construir uma outra realidade que fosse simbolicamente representada, foi desempenhado pelo
próprio ato de criação dos letrados através de sua obra, afinal, por intermédio de suas obras os
intelectuais também exercem um poder, ainda que mediante a persuasão e não a coação, nas
formas extremas de manipulação dos fatos por meio de uma verdadeira psicologia (BOBBIO,
1997, p.112). Em outras palavras, a ação organizacional dos letrados se deu em suas atividades
políticas na capital da província e fora dela, e acima de tudo, na relação direta com as esferas
de poder. Esta relação foi perceptível quando João Francisco Lisboa e Odorico Mendes
ocuparam importantes cargos na estrutura burocrática do estado ou quando Francisco Sotero
dos Reis rivalizou com Lisboa na elaboração de uma outra concepção de política, debate este

52
que se travou entre a Chronica Maranhense e a Revista, de propriedade de Lisboa e Sotero,
respectivamente.
O que estava em questão não era o status de ocupar uma função política, mas o
controle de poder em sua esfera simbolizada. Dito de outro modo, não colocamos em questão
qual a função de cada letrado na estrutura de poder, mas a compreensão de que o letrado tinha
de inferir na realidade social e reconstruí-la através de sua ação tanto política quanto poética, e
desta maneira mostrar as formas pelas quais as suas idéias influenciaram um certo conjunto de
ações sociais, ou de maneira inversa, pensar as razões da ausência de uma relação direta entre
a ação do letrado enquanto sujeito esclarecido de sua função social, e a reação do conjunto da
sociedade.
Neste sentido, foram alguns destes elementos e os caracteres contidos nesta
análise, que nos sinalizaram o fato de que possivelmente a noção de Atenas Brasileira só faria
sentido dentro da lógica específica de compreensão dos próprios letrados, ou seja, havia uma
clara diferenciação entre o tipo de sociedade pensada pelos letrados, com características de
erudição, intelectualidade, instrução e hábitos refinados; e aquela vivenciada pelo restante da
população, formada por pessoas desprovidas de instrução formal, ou no máximo tendo as
chamadas primeiras letras, sem considerar, é claro, a enorme quantidade de escravos que
habitavam a província.
A literatura maranhense adquiriu consciência de sua realidade de autonomia após a
independência, afinal, mesmo tendo destacado os cronistas e até jornalistas, pouco havia então
nas letras provinciais que possibilitasse falar em autonomia literária, seja pelo reduzido
número de obras editadas, pela ausência da circulação desta produção literária ou
principalmente pela inexistência de um público leitor. Não havia uma densidade espiritual na
decantada São Luís dos poetas. Neste sentido, a elaboração de tal singularidade no campo das
letras foi fruto do anseio em criar um equivalente espiritual à liberdade política obtida com a
independência, uma vez rompidos os laços com Portugal.
A grande tese do trabalho dos românticos do Grupo Maranhense foi mostrar que se
a natureza e a população do Brasil (tão bem decantados por Gonçalves Dias) eram distintas da
portuguesa, a literatura brasileira fora analogamente diferenciada da portuguesa, pois pretendia
expressar-se sobre temas e objetos que se julgavam nacionais, ou mesmo específicos a uma

53
determinada realidade, tal qual a Canção do Exílio de Gonçalves Dias10, que falava não de sua
nação, mas de sua cidade natal Caxias, no interior da província do Maranhão (SOTERO DOS
REIS, 1873).
Ser ateniense era ser produtor de uma boa literatura. Boa literatura, nos idos de
1830 a 1840, era uma narrativa que postulava claras rupturas com as convenções portuguesas
clássicas. Como bons românticos, era urgente ao Grupo Maranhense descobrir, ou melhor,
forjar, uma tradição, uma carga complexa de heroísmo, em outras palavras, era necessária a
criação de um mito nacional, pois aos românticos maranhenses era cara a existência de uma
literatura com traços passados bem definidos, as quais eles pudessem se filiar como herdeiros
de uma respeitável tradição que legitimasse o seu lugar próprio de produção (CANDIDO,
1976).
O que estava posto era o embate entre o empreendimento de uma nova literatura,
independente e autônoma, e a criação de um passado glorioso, do qual os poetas se pretendiam
herdeiros. Tal qual a história do novo império do Brasil, nascido em 1822, que se apresentava
ausente, a literatura do início do século XIX ainda não era tão hermética quanto pretendia. No
Maranhão, a elaboração da Atenas Brasileira preencheu essa lacuna. Dito de outro modo, a
elaboração da ateniensidade da capital representava a transição de uma consciência do legado
da tradição para a sua utilização em forma de temas identitários pela elite local.
A contemplação grandiosa e cheia de esplendor da natureza da província
comportou-se como cenário digno de grandes atos e enobrecedor desta epopéia dos costumes
literários no Maranhão. Foram às palavras de Ferreira Valle, no jornal O Progresso, de 16 de
abril de 1850, que nos deixaram convencidos disso:

São Luís! E esse o nome da minha terra natal: no mundo não tem igual.
Minha cidade gentil, das agoas nasce risonha, sempre alegre e vecejante, a quem
saúda o navegante do seio do mar de anil. (...)
A aurora quando disponta, vem cercada de primores, e harmônicos cantores,
festejam seu despontar: tudo goza alma alegria, nessa terra abençoada quando
amanhã desejada no mundo se vem nos mostrar. (...)

10
O poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias é paradigmático de uma estética romântica, atrelada a uma
visão nacionalista que passa a instrumentalizar a cultura brasileira, principalmente após a independência política
do Brasil. Essa perspectiva nacionalista de criar uma identidade local, através da produção literária, não é
exclusiva do universo brasileiro, mas se apresenta em boa parte do século XIX, nas literaturas de países europeus.

54
Os lírios cheios de orvalho exalam doces perfumes, cantão sentidos queixumes, as
tristes aves nos moinhos saúda o nascer do dia. No seu galho o sabia canções elevão
a Jehovat, nos ramos os passarinhos. (...)
Nas nossas terras do norte maior brilho tem o sol: tem da manhã o arrebol
Mas cortejo de cantores – A nossa lua he mais bella que a dos mares do sul, tem o
mais brilhante azul como seu manto de mil cores. (...)
he uma terra bendicta a terra de São Luís. Não há no mundo paiz que abunde em
mais primores. Quem me dera verte já o minha pátria querida, quero em ti perder a
vida o terra de meus amores.

Enfim, a literatura comportou-se como uma outra organização do mundo nos


parâmetros da arte; a tarefa do literato se desmembrou na construção de um sistema
explicativo que girava em torno também de objetos imaginários, costumes, atos, sentimentos
que expressam em última instância a maneira como as camadas sociais, suas organizações e
seus emblemas estavam dispostos numa determinada relação espaço/tempo (CANDIDO,
1976, p. 179).
Se por um lado, a ação conjunta do Grupo Maranhense foi interpretada como
fundamento da elaboração de um certo modelo de identidade baseado na instrução e na cultura
clássicas da Europa, por outro, foi na figura específica de Francisco Sotero dos Reis, que as
transformações literárias do período adquirem sentido e maior consistência. No livro Curso de
Litteratura Portuguesa e Brazileira, publicado no ano de 1868, Sotero clarificou, com olhar de
profundo crítico literário e tradutor, as modificações que ocorriam então na produção literária
brasileira.
Sotero dos Reis evidenciava que o momento a ele presente, era a qual o Brasil, que
iniciara anteriormente sua emancipação política, sendo então elevada à categoria de nação
independente, livre e culta, tivera sua literatura separada da portuguesa a qual antes daquela
época estava unida, para começar a partir daquele período uma trajetória própria, autônoma,
independente da produção portuguesa.
Sotero estabeleceu a este passo uma importante comparação entre a literatura
portuguesa e brasileira, e a européia, de maneira geral, e afirmava:

Formada no seio de um povo culto, e com uma língua aperfeiçoada, a litteratura


brazileira, não apresenta os antecedentes de uma época de rudeza, e outra de
polimento, como os povos europeus que se emancipárao ainda mui atrazados em
civilização; e posto que nascida ontem, pois não tem meio século de existência
sequer, já conta com escriptores mui distinctos por seu talento, instrucção, critério e
bom gosto, ou pode figurar no meio das litteraturas dos povos cultos do universo,

55
porque pertence a um povo que se emancipou civilizado. (SOTERO DOS REIS,
1868, vol. 4, pp. 289-290).

A fala de Sotero dos Reis mostrou, conforme expusemos antes, a compreensão de


que com o romantismo inaugurou-se uma era de literatura autônoma, pela qual os ideais de
singularidade, ou melhor, de civilização, seriam afirmados e transmitidos pela poesia como
elemento formador de um tipo de identidade. Nesta perspectiva, foi enfático ao afirmar que o
Maranhão não cedia seu lugar a outras províncias do império, no que se referia à busca pelo
progresso intelectual, e que mesmo sendo, segundo Sotero, uma província de segunda ordem e
inferior as demais em muitos aspectos, não seria possível imitar-lhe o interesse pelas boas
letras, ou seja, pela língua e organização gramatical do idioma português, não o mesmo de
Portugal, mas um que a nós era peculiar (SOTERO DOS REIS, 1868, vol. 1, XXI).
Foram referências como estas de Sotero dos Reis, que continham forte alusão à
ilustração, polimento, autonomia literária, escritores de variados talentos e critérios, bom gosto
pela obra escrita, que possibilitou à posteridade, elaborar em torno dos poetas maranhenses
uma distinção identitária chamada de Atenas Brasileira, que a princípio estava relacionada
com uma esfera restrita de produção cultural e posteriormente foi estendida ao conjunto da
sociedade maranhense. Esta concepção foi cristalizada nas palavras de Rossini Correa,
maranhenses nascidos na Atenas Brasileira. Atenas Brasileira nascida dos maranhenses
(1993, p. 104).
A elaboração da Atenas Brasileira deveria comportar-se, segundo Rossini Correa,
como uma discriminação da “essência dos maranhenses”, como o símbolo maior de sua
identidade, como o elemento que definisse a superioridade da província em relação ao restante
do império, caracterizando-se como elemento de coesão social. Desta maneira, afirmamos que,
de um lado, a Atenas Brasileira não funcionou como o elemento de coesão identitária
pretendido, e muito menos como marca do ‘ser maranhense’, mas por outro lado, fazia total
sentido na mente dos que dela se apropriaram como símbolo da produção literária. O caráter
ideológico que fomentou os discursos de singularidade na historiografia maranhense não era
comum à população, mesmo aos que possuíam certa instrução, mas mantinha-se restrita ao
ciclo dos letrados (CORREA, 1993, p. 112).

56
Façamos uma distinção neste ponto da narrativa. A historiografia clássica11 do
Maranhão postulou que foi de responsabilidade do Grupo Maranhense a elaboração das
condições básicas à criação da Atenas Brasileira e igualmente responsáveis pela organização
da estrutura social maranhense por meio das idéias progressistas de fortalecimento do estado-
nação. Contudo, o que propoe-se se pauta em uma pequena diferença, a Atenas Brasileira não
foi elaborada pelos letrados do Grupo Maranhense, mas consolidada em torno, ao redor, da
ação individual de cada literato na efervescência de sólidos princípios românticos.
Se por um lado, nos propusemos resignificar a idéia de que a Atenas Brasileira
destacava o orgulho de ser maranhense, como símbolo de uma sociedade aristocratizada que
desfrutava os primeiros resultados dos bons lucros conseguidos com a agro-exportação,
combinando crescimento econômico e esplendor cultural originário da suposta unidade
brasileira e da auto-glorificação proveniente da denominação de atenienses, por outro lado, foi
igualmente verdadeiro que os desmembramentos obtidos da relação entre produção cultural e
elaboração de identidades, estavam diretamente ligadas à ação do Grupo Maranhense, de
acordo com os parâmetros acima destacados (CORREA, 1993, pp. 115-122).
Foi exatamente em torno desta ação que o ideal identitário da Atenas Brasileira
sacralizou-se, num momento em que a ação individual de cada letrado era interpretada como
uma contribuição consciente na elaboração de uma diferenciação e auto-afirmação do ponto de
vista da cultura e da instrução.
Neste sentido, várias controvérsias foram geradas pela historiografia local até
chegar ao consenso de que teria sido o Grupo Maranhense, o responsável pela criação
deliberada de um particularismo aristocrático que singularizasse a província do Maranhão,
chamando-a de Atenas Brasileira, pois o celeiro de grandes poetas, ou o berço do bem falar a
língua portuguesa teria se transformado na acrópole de maior erudição.
Neste sentido, destacamos a Formação social do Maranhão: o presente de uma
arqueologia, de Rossini Correa, que por muito tempo se configurou como a mais importante
releitura sobre as elaborações identitárias referentes ao passado do Maranhão e principalmente
no que dizia respeito à Atenas do Brasil.

11
Por historiografia Clássica compreendemos as produções históricas e literárias do século XIX e início do
século XX, no Maranhão, que trazem consigo uma base neoclássica no estilo narrativo e ideias da grandeza de
um passado imemorial raferente a Província do Maranhão.

57
Rossini Correa partia do referencial de que o objetivo da análise sociológica era a
explicação dos fenômenos sociais, e a mostra de que os intelectuais maranhenses estavam
ligados à singularidade provincial por laços aristocráticos, afinal, a província do Maranhão
seria a portadora dos elementos de diferenciação em meio à unidade nacional que então se
gestava. O ponto a ser discutido estava em torno de uma afirmativa de Correa:

Confesso desinteresse pela indicação infantil dos responsáveis pela mitologia da


Atenas Brasileira. (...) Prefiro esclarecer que a mitologia greco-timbirense foi um
produto histórico, resultante das atividades dos intelectuais, elaborando uma
consciência oficial da sociedade brasileira, (...) onde o Maranhão pretendia
colocar-se como depositário prodigioso de uma superioridade da terra e do homem
(CORREA, 1993, p.123).

Mesmo tendo alegado não objetivar incorrer no erro de realizar escolhas arbitrárias
ao ter procedido de tal maneira, Correa não se furta em oferecer uma explicação um tanto
genérica aos desmembramentos estruturais da ação dos letrados. Desta forma, o autor
pretendia abordar um evento como a Atenas Brasileira historicizando-o, trabalhando seus
aspectos conjunturais, ainda quando estes se encontravam em sua narrativa dissociados da
ação específica dos seus supostos sujeitos históricos.
Ambicionava mostrar o desenvolvimento da ideologia timbirense considerando-a
um produto histórico. Contudo, desconsiderou que a história era um produto de ações
humanas e a atitude de mostrar os responsáveis pela organização da odisséia ateniense, longe
de representar uma indicação infantil, significa uma atitude consciente e responsável do
pesquisador em relação a fenômenos decisivos na transformação da estrutura social
(CORREA, 1993, pp.123-124).
Da mesma maneira como os que o precederam, tal qual Jomar Moraes em
Apontamentos de Literatura (1976) e Mário Meireles em Panorama da Literatura
Maranhense (1955), Rossini Correa outorgou ao Grupo Maranhense os méritos por
protagonizar a criação de um símbolo de identidade que supostamente seria fundamental na
elaboração do ser maranhense. O que estava posto, e Correa não propôs nada diferente, era a
sacralização de uma classificação um tanto vaga, repetitiva, por vezes imprecisa, e na maioria
dos casos, pouco esclarecedora no que se referia às especificidades da trajetória literária
maranhense.

58
Não objetivamos retirar os méritos legítimos do chamado Grupo Maranhense na
sua profícua contribuição para o desenvolvimento literário na província, mas compreender o
local de produção de uma tipologia de tal importância, sendo que toda pesquisa histórica está
submetida a determinadas imposições e enraizada em função de um lugar em que se
estabelecem os métodos e por meio dos quais os documentos se organizam e adquirem
sentido(CERTEAU, 2006, pp. 66-67).
A Atenas Brasileira foi uma construção discursiva que objetivava consolidar e
legitimar os literatos e seu campo de produção cultural enquanto elementos hegemônicos e
indispensáveis à reflexão do ambiente de reprodução social dos maranhenses, pois os
escritores constituíram desde a época do romantismo um setor que criava profundas relações
de força com as demais camadas da elite dominante, direcionando a criação de uma auto-
imagem erudita e intelectualizada em função da legitimidade do status social de um
determinado grupo que se pretendia dominante (BOBBIO, 1997, p. 102).
Foi a crítica literária de Antonio Candido que nos ofereceu elementos muito
relevantes para analisar esse descompasso existente entre as diversas explicações sobre a
gênese da Atenas Brasileira. De maneira clara, a delimitação dos campos foi útil para a
compreensão de que neste caso, especificamente a sociologia, não se comportava senão como
disciplina auxiliar, pois não pretendia analisar o evento literário de modo mais amplo, mas
apenas alguns de seus elementos, uma vez que esta apenas desorientaria a interpretação do
fenômeno literário (CANDIDO, 1976, p. 18).
Não foi sem razão, que tratamos do romantismo por contido tempo nesta narrativa,
afinal, a característica que singularizava a Atenas Brasileira foi resultado, do advento do
Romantismo. Foi a idéia de fundação dos pensadores românticos que impôs uma vinculação
interna pela qual foi conservada a mitologia ateniense na condição de elemento
permanentemente presente, a maneira do mito psicológico que repetiria elementos
imaginários. Dessa forma, não era desconexa a afirmação de que a Atenas Brasileira
comportou-se como busca constante de encontrar novas possibilidades de exprimir-se, quer
com novas linguagens formuladas pelos literatos em seus jornais e obras poéticas ou com
novos valores sociais fortalecidos pela ação dos intelectuais (CANDIDO, 1975).
A elaboração da Atenas Brasileira pretendeu situar-se além da temporalidade,
colocando-se fora da história, numa noção de ‘presente contínuo’. A tipologia foi originária da

59
sociedade maranhense e posteriormente engendrou-se nela própria, uma vez que ofereceu uma
gama de representações da realidade que aludiam à superioridade da gente e da terra da
província, e que eram reorganizadas em função da ampliação de seu sentido. Foi essa
reorganização e essa ampliação de sentidos que possibilitou a mitologia ateniense repetir-se
indefinidamente ao longo dos séculos.
Recorremos à obra de Marilena Chauí para buscar uma tipologia que melhor
explicasse a dinâmica de produção literária dos letrados do romantismo maranhense. Trata-se
do conceito de Semióforo. Segundo Chauí, o semióforo é uma palavra grega composta de duas
outras o Semeion – que é um sinal ou um signo – e o Phoros – que significa ‘trazer para
frente’, expor. O Semeiophoros é um símbolo responsável pela diferenciação, pela distinção
de uma coisa da outra, por afirmar que no conjunto da formação nacional brasileira, o
Maranhão se diferenciava por sua cultura erudita e intelectualizada. A idéia de fundação dos
românticos trouxe comunicação do real com o invisível através da narrativa poética e mostrou
o aparecimento de um signo cujo valor era medido não pela sua materialidade, mas por sua
força simbólica que produzia novos e contínuos desmembramentos (CHAUÍ, 2002, pp.11-12).
As referências literárias acerca da opulência literária da província do Maranhão
levam a crer que estava em curso, na época, uma verdadeira revolução no campo das letras.
Certamente o período vivido foi de importantes acontecimentos, não só para a província do
Maranhão ou para seus filhos ilustres, mas no que se referia a própria literatura romântica
nacional que tinha se consolidado à compreensão de encontrar-se em um momento bastante
distinto, voltado para o desenvolvimento das letras no Maranhão.
De alguma maneira, a década de 1840 foi fundamental para o desenvolvimento das
letras no Maranhão. Nos jornais do período destacava-se a forma sólida como a literatura
estava se desenvolvendo por todo o império a exemplo do Rio de Janeiro, conhecido pelo
excelente ambiente para a produção cultural. Destacava-se que além da tiragem de jornais, não
havia nenhuma outra produção periódica em andamento mesmo nas províncias mais
adiantadas do império. Até então era apenas a províncias do Rio de Janeiro que possuía
produção de gênero literário.
Nestas circunstâncias, procurou-se salientar de todo, as maneiras que as primeiras
tentativas de oferecer uma nova alternativa de leitura se deram no Maranhão, no sentido de
que ambicionavam promover a instrução e o divertimento das pessoas dadas à leitura. Por

60
volta de 1845, iniciaram as primeiras publicações da Associação Literária Maranhense, que
apesar de incipientes a princípio, tomaram consistência no propósito de estimular o desejo pela
boa literatura de tal maneira, que em 25 de julho de 1845 publicaram o primeiro volume do
Jornal de Instrução e Recreio, a qual passado o período de um ano, sofreu consideráveis
melhoramentos e tomou o novo rótulo de O Arquivo (COLIN, 1846, p. 177).
O clima de renovação no cenário das letras foi intensificado pela criação da
Sociedade Filomática Maranhense, pela qual puderam ser oferecidos diversos cursos à
sociedade ludovicense, entre física, aritmética, química e outros. O problema consistiu no fato
de que como o passar do tempo a freqüência dos alunos a tais cursos foi diminuindo
progressivamente até serem fechados por falta de quem pudesse prestigiar as ministrações.
Clara evidência das profundas contradições da cidade onde se opunham poetas e letrados e
uma população sem qualquer instrução formal na maioria dos casos (COLIN, 1846, p. 177).
Para clarificar a idéia de que o clima de efervescência estava disseminado por todo
o Brasil, relatou-se a criação do Instituto Histórico da Bahia, que em 2 de agosto, publicou o
primeiro número do seu periódico, em que priorizava artigos em prosa e em verso. Em
Pernambuco seguiu-se a criação da Sociedade Filomática Olindense, composta em maioria por
estudantes de Direito. O ponto alto do artigo encontrado no jornal O Arquivo versava sobre os
responsáveis por despertar o desejo dos literatos em promover o sucesso das letras em outras
partes do país. Apesar de isoladas, as falas nos jornais e folhas literárias, continham certa
firmeza em afirmar que em desenvolvimento moral, o Maranhão era uma das primeiras
províncias do império, superior a tantas outras e rival à altura de províncias como Rio de
Janeiro, Pernambuco e Bahia (COLIN, 1846, pp. 178-179).
Percebemos nas linhas acima as representações elaboradas sobre a efervescência
literária na Capital do Maranhão, no destaque de muitas Associações Literárias e Sociedades
Filomáticas também por todo o Brasil. Neste novo fôlego para criar glórias à cidade de São
Luís a tradição literária ganhou novo ímpeto com um importante anúncio publicado no jornal
O Progresso, em 1º de Fevereiro de 1847, que trazia a notícia de que nos últimos meses do
ano anterior, havia sido publicado na capital do Rio de Janeiro, os Primeiros Cantos do Dr.
Antônio Gonçalves Dias, que a fim de ampliar sua base intelectual e à procura do
reconhecimento que ainda não obtivera na terra natal, encontrava-se de partida, em 1845, da
capital ludovicense com destino à capital do império. Apesar de, como tantos outros,

61
consolidar sua escrita literária fora do Maranhão, a obra de Gonçalves Dias foi responsável
por cristalizar a província como uma terra de poetas por excelência (O PROGRESSO,
fevereiro de 1847, S/N, p. 4).
Outro ano sintomático para a produção literária local foi 1852, quando João
Francisco Lisboa inicia a circulação de seu Jornal de Tímon. Nesta província a sátira aos
costumes políticos, com fortes características de erudição, tinha espaço pela pena de Lisboa,
que conservou elementos de uma combativa crítica às contradições sociais ludovicenses e à
luta anti-colonial. Foi João Francisco Lisboa, o mais incisivo erudito a sinalizar as fragilidades
da cidade que se mostrava na época pouco produtiva no que se referia à relação literato e
público leitor.
Em 1859 emana desta cidade, que se pretendia ilustrada, mais um fluxo de intensa
produção literária local. Dava-se o início da circulação das Obras Completas de Virgílio, cuja
tradução fora feita pelo ilustre humanista Manoel Odorico Mendes. Características
importantes formam erigidas em torno destas publicações e do seu significado para a produção
literária local. Não colocamos em questão a importância desta obras para a circulação literária
nacional, mas mostramos o quanto tais iniciativas se comportaram de maneira isolada, também
porque distantes uma da outra, não sendo suficientes para ter fomentado na capital do
Maranhão um ambiente de intensa produção de obras literárias, ou por colocar seus 'filhos' no
patamar de heróis, isto é, de salvadores da república das letras.
As discrepâncias entre um certo nível de produção poética por parte dos literatos
maranhenses e uma incorrespondência pelo público leitor, não eram desconhecidas, tão pouco,
ignoradas pela crítica mais atenta. Foi João Francisco Lisboa quem consagrou à posteridade
uma importante crítica dos hábitos e costumes dos ludovicenses, desde o seu Jornal de Tímon
até um número extenso de publicações em variados jornais desta província. O cenário da
descrição não poderia ter sido melhor do que a festa onde fosse realizada contendo o encontro
dos mais variados segmentos sociais e onde fosse possível observar com calma o
comportamento dos citadinos uns com os outros em local público. Tratava-se da Festa de
Nossa Senhora dos Remédios.
Não se tratava de uma narrativa sem propósito aquela feita por Tímon, como
Lisboa preferia chamar-se, mas de uma profunda análise do que se chamaria ser maranhense.
Tratava-se de uma iniciativa ousada de proporcionar distração aos leitores, por um lado, e por

62
outro, de fixar um ideal que para Lisboa estava muito claro, a saber, tornar conhecidas as
cenas e hábitos dos provincianos,

para a satisfação deste pobre e respeitável publico, que vegeta em tamanha e tão
rigorosa dieta de tudo quanto pode alimentar e deleitar o espírito, os ouvidos, os
olhos, e todas as mais faculdades e sentidos da alma e do corpo (PUBLICADOR
MARANHENSE, n.º 1173 de 15 de outubro de 1851, p. 01).

Duas coisas estavam suficientemente evidentes para Lisboa nestas circunstâncias:


a primeira era a flagrante disparidade entre os diversos segmentos sociais da província e a
segunda a sua função de libertá-los da apatia em que jaziam.
Lisboa sinalizou com propriedade de prosador as ambivalências do momento.
Mostrou a maneira como a rotina da cidade era alterada poucos meses antes da esperada festa,
destacando a perda de sono por parte das belas e elegantes senhoras a imaginar a maneira de
melhor vestir-se, ou a angústia vivida pelos ricos comerciantes da capital em virtude da
demora na entrega dos carregamentos de chapéus, luvas, vestidos e das famosas capas de seda,
então chamadas de quinzenas; plumas, rendas, fitas e outros artigos que enchiam as lojas do
centro da cidade e enlouqueciam as senhorinhas acostumadas a trajar-se à moda européia
(LISBOA, 1991, p. 307).
Por entre a ornamentação, a disposição das barracas por entre o largo da igreja, a
música em latim durante a celebração da missa, enfim, os mínimos detalhes não passaram
despercebidos ao olhar crítico de João Francisco Lisboa. Até o poeta romântico Gonçalves
Dias, durante as comemorações da festa da santa protetora do comércio e da navegação, ao
lado de belas senhoras, encontrava-se alegre e satisfeito, não deixando em nada lembrar a
melancolia e o desespero que vendia em seus formosos versos (LISBOA, 1991, p. 319).
Lisboa nos oferece bem a noção de como estava simbolizada a hierarquia social
ludovicense durante a festa, destacando a atitude peculiar a todos:

o largo em perfeita barrafunda e arruido. Nunca é certo nas cenas anteriores houve
precedências de lugares; mas os grupos ao menos se formavam distintos. Agora
não, a confusão é completa e tudo redemoinha, subindo, descendo, encontrando,
abalroando, pretos, brancos, homens, mulheres, grandes e pequenos, ruindo,
falando, assobiando (...) exprimindo e denunciando por todos os gestos o prazer e a
satisfação. (...) o prazer só era desbotado pela muita poeira (LISBOA, 1991, p. 324,
grifo nosso).

63
A sociedade ludovicense era um amálgama formado por sujeitos de diferentes
grupamentos sociais, empenhados em diferenciar-se uns dos outros de todas as maneiras
possíveis. O cenário da análise estava pronto. De um lado, o efervescente desenvolvimento das
letras locais, e de outro, a falta de instrução e os hábitos rudes de um povo que a todo custo
tentava imitar a sociabilidade européia, quer no vestir, quer no comer, ou em suas aspirações
de futuro próximo. Não bastava possuir grandes literatos, Lisboa ou Odorico; não bastava o
conhecimento das letras, latim ou francês; faltava algo. Foi a Atenas Brasileira que preencheu
a lacuna restante nos hábitos desta erudita e refinada província.
O que vimos acima foi uma prática de negação, negação de hábitos europeus.
Negação trazida literariamente pelo movimento romântico, que tinha Gonçalves Dias como
importante personagem. Foi o elemento romântico que possibilitou resignificar, não apenas o
papel da poesia que era escrita, mas fundamentalmente repensar qual o lugar ocupado pelo
homem na organização do mundo. Daí as rigorosas críticas de João Francisco Lisboa, que se
portou como um dos pioneiros no processo de reflexão da sociedade ludovicense e suas bases
(CANDIDO, 1975, p. 23).
Se em momentos anteriores, fora destacada a importância da natureza maranhense
em meio às palmeiras onde cantava o sabiá de Gonçalves Dias, como característica
simbolizadora da província, como uma espécie de cosmos autônomo, singular, superior, rico,
supremo, emaranhada junto à narratividade individualizante do Romantismo; seguidamente a
isto, não convinha deixar de mencionar um outro elemento fundamental presente na
elaboração do mito ateniense do Maranhão e que também foi explicado pelo romantismo: o
culto a “missão do vate”.
Foi sem dúvida pela idealização sobre o poeta, que se tornou possível entender o
conceito da missão do escritor no Romantismo. Mesmo em diferentes épocas e com diferentes
intensidades, os literatos do referido período sentiam-se portadores de sentimentos, ou
verdades, de que a maioria eram superiores e a outros tantos, ocultas, dada sua magnitude.
Este ideal retomou entre outras coisas, a tendência a explicações transcendentes, rumo à
compreensão de que sua escrita comportava-se como um destino à beleza, ou seus versos
direcionados ao divino. Quer fosse uma missão espiritual para uns ou social para outros, o
certo era que as representações de um destino superior, a exemplo da vocação do Maranhão

64
para o refinamento nas letras, clarificavam o dever poético dos literatos em relação aos demais
(CANDIDO, 1975, p. 27).
Os Suspiros Poéticos e Saudade de Gonçalves de Magalhães representaram com
primor o que falamos aqui:

Vate, o que és tu? És tu mortal ou nume?


Por onde cantas ó vate? Por onde cantas?
Qual é a tua missão? O que é tu mesmo?(...)
tudo te escuta; e para responder-te,
do passado o cadáver se remove,
o presente te atende; e no futuro eternos vão soar os teus acentos.
(MAGALHÃES apud CANDIDO, 1975, p. 28).

Tais palavras não seriam mais familiares se soubéssemos que falavam do sublime
Gonçalves Dias? Não seriam elas mais próximas se versassem sobre a erudição de Odorico
Mendes ou João Francisco Lisboa? Certamente. A noção de grandiosidade foi característica
marcante a todos os poetas da literatura maranhenses que figuraram nesta odisséia de Atenas,
que tantos românticos carregou consigo.
Estes literatos realizaram uma considerável revisão dos valores da estética literária
até o século XIX. Uma vez vislumbrando o mundo de maneira mais dinâmica, ambicionavam
imprimir nesse mundo uma marca que lhes fosse peculiar, que os definisse, pois sendo a
literatura fruto das particularidades de quem a escreveu, tornou-se menos obscura a idéia de
que eram os literatos que singularizavam a produção poética e não o lugar onde os textos eram
escritos. Por isso o Maranhão consagrou-se como Atenas Brasileira mesmo quando seus filhos
ilustres em muito estavam distantes da terra natal (CANDIDO, 1975, p. 28).
Pela trajetória intensa, apesar de breve, Gonçalves Dias consolidou-se como
personalidade por excelência de certos valores românticos voltados para a valorização do eu
em detrimento do mundo. O ano de 1846 representou a consolidação definitiva de uma escrita
em muito diferenciada dos antigos árcades, pois se dava então a publicação dos seus Primeiros
Cantos na cidade do Rio de Janeiro. Diferentemente de seus predecessores, tal qual Gonçalves
de Magalhães ou Francisco Adolfo de Varnhagen, Gonçalves Dias propôs em sua escrita, uma
seqüência poética mais ritmada e mais dinâmica, sendo também responsável por uma certa
agitação na imprensa literária tanto nacional quanto portuguesa (BOSI, 2004)

65
Apesar de a notícia acerca da publicação da obra de Gonçalves Dias ter chegado
ao Maranhão apenas em fevereiro de 1847, esta não se deu menos carregada de elogios ou
lucubrações referentes à sua escrita. Em Antônio Gonçalves Dias cristalizaram-se as idéias de
que com a independência política, a situação literária também se modificara, uma vez que teria
a nação brasileira se inserido através da literatura no conjunto das grandes nações. Era patente
e clara a compreensão de que outros fatores contribuiriam para tal estado das coisas, neste
sentido, as representações elaboradas em torno dos Primeiros Cantos foram significativas, já
que puseram em definitivo, o Maranhão no contexto das letras nacionais, não pelo valor
individual da obra, mas pelo conjunto de toda a produção romântica de Gonçalves Dias (O
PROGRESSO, 1847, n.º124, p. 4).
O romântico maranhense passou a representar a figura do gênio brasileiro.
Inspiração, sentimento e cor, eram características sempre marcantes em seus versos, que em
rima fácil e melancolia ao gosto do leitor, colocavam-se como essência própria do eu
individualizado como um cosmo independente do universo. Tornou-ele vate, gênio, poeta em
que se abrigaram os sentimentos mais nobres do coração humano. A crítica literária afirmou
ser o poeta romântico um autor modesto que não amalgamou padrinhos que lhe oferecessem
mérito (O PROGRESSO, 1847, n.º127, p. 3).
Nestas circunstâncias, um elemento já estava introjetado na mente de quem refletia
sobre a literatura nacional: os suspiros poéticos de Gonçalves de Magalhães haviam
naturalizado em nossa escrita o gosto pela lira romântica, pois haviam entendido o que os
alemães chamaram de “romantismo em poesia”. Contudo foi na poesia do romântico
maranhense, Gonçalves Dias, que se notou o cantar sereno e bucólico, ora duvidoso, ora
pensativo, em uma mistura de ciência e crença semelhante ao romantismo que Lamartine
consagrara em seus versos (O PROGRESSO, 1847, º102, p. 3). A sensibilidade dos versos de
Gonçalves Dias foi de fundamental importância para a Atenas Brasileira existir enquanto
sinônimo de excelência na escrita e na fala.
Em outras palavras, a elaboração de tal categoria explicativa sobre o
desenvolvimento da literatura maranhense foi mais resultado das representações construídas a
posteriori sobre o trabalho individual de cada letrado, do que propriamente fruto de uma ação
deliberada dos poetas em construir uma diferenciação identitária para si próprios ou para a
província, estando ela balizada na escrita poética. Foram as influências românticas que

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afetaram diretamente a geração posterior a Gonçalves Dias e aos outros letrados (mortos) do
Grupo Maranhense, os “responsáveis” por um certo tipo de singularidade literária.
Não foi sem propósito que enfatizamos a proeminência da ação de Gonçalves Dias
como reflexo da criação poética. A elaboração de Atenas Brasileira estava diretamente
relacionada ao papel desempenhado pelos gênios criadores da prosa e da poesia. Não foram as
características exóticas das terras maranhenses as responsáveis por fomentar um ambiente
diferenciado na província do Maranhão, mas a atitude dos letrados que despontaram na criação
literária, e colocaram, ainda que indiretamente, a sua terra natal no cenário das letras
nacionais.
Afinal, não era infundada a compreensão de que nesta província havia certos
homens a quem a natureza privilegiara com a realeza da inteligência, ou seja, com faculdades
intelectuais que lhes eram concedidas e superiores aos demais homens. Era a comparação
entre o homem comum e o gênio, esta espécie de engenho singular, da excelência do talento e
da criação, em que as categorias conceituais nunca eram suficientemente claras para designá-
los (SOTERO DOS REIS, 1868, p. 309). Não foi de surpreender que a partir de noções
semelhantes a estas, mesmo que funcionando na qualidade de exceção, os letrados tivessem
criado para si a excepcionalidade da Atenas Brasileira, o resultado da ação criadora dos gênios
da poesia.
Durante esta parte da narrativa, a idéia que direcionou a escrita foi a noção de que
a Atenas Brasileira, para além de sua complexa gênese, fora mais fruto da mentalidade
romântica dos maranhenses, ainda muito influenciados pelo mito da idade de ouro dos
arcadistas, do que propriamente da intenção de um grupo em construir para si uma
excepcionalidade intelectual, pautada na idealização da Atenas clássica, então sinônimo de
sabedoria, e que os distinguisse dos demais poetas da nação. Entre os bons românticos
brasileiros, os maranhenses foram chamados de atenienses pelas gerações que os sucederam
(CANDIDO, 1975, pp. 81-96).

67
4. História e Literatura no Pantheon da Atenas Brasileira.

O que pretendeu o historiador aventurando-se pelas complexas tramas da


literatura? Que validade houve em fazer história literária? O que representou a literatura para o
ofício do historiador? Se as respostas a estas perguntas estimulam a princípio, a relação tensa
existente entre história e a literatura, por outro lado, a compreensão promovida pelos
princípios geradores de tais indagações estava no limite próprio ao papel desempenhado pelos
“fazedores da história” e sua manipulação, ou melhor, sua apropriação e resignificação do
texto literário como fonte de pesquisa.
O entendimento destas e de outras questões constitui-se em um mecanismo
fundamental para a apreensão dos significados produzidos ao redor da noção de Atenas
Brasileira. A constatação de a História do Maranhão ter sido fruto do amálgama entre
literatura e história nos possibilitou entender o local ocupado pelas elaborações literária no
processo de construção de identidades12 durante o século XIX no Maranhão, e de maneira
mais específica, promoveu a problematização do modo como a idéia de singularidade da
cidade de São Luís colocou-se no bojo das produções históricas do Maranhão, também durante
grande parte do século XX nestas terras.
As possibilidades elucidativas são muitas quando se trata de história da literatura.
Contudo, para além das teorizações acerca dos conceitos, é coerente o entendimento de que o
historiador buscou na literatura uma liberdade de criação que não possuía, afinal, teria sido
responsabilidade do texto literário, proporcionar à história uma maior flexibilidade
interpretativa e representativa. Coube a literatura legar a história à compreensão do discurso e
do texto enquanto ferramenta e resultado da ação do historiador (WHITE, 1994).
As potencialidades da literatura, no que se refere à elaboração de representações
sobre o real, ou melhor, do verossímil, só foram possíveis através das lacunas abertas pelas
palavras: o discurso13. A palavra metamorfoseada em forma de narrativa trouxe consigo os

12
A ficção não seria o avesso do real, mas uma outra forma de captá-lo, onde os limites da criação e fantasia são
mais amplos do que aqueles permitidos ao historiador. Para o historiador a literatura continua a ser um
documento ou fonte, mas o que há para ler nela é a representação que ela comporta o que nela se resgata é a re-
apresentação do mundo que comporta a forma narrativa (PESAVENTO, 1995).
13
O discurso não é somente um conjunto de signos, elementos significantes amalgamados em uma narrativa que
remetem a conteúdos e representações acerca de objetos. Discursos são também práticas que formam
sistematicamente os objetos de que falam (BOURDIEU, 2004a).

68
significados das hierarquias e das noções de valor dos ambientes sociais das quais elas foram
fruto. Assim, mais do que fascínio, oriundo da relação entre as palavras e o real, foram as
proporcionalidades entre a idéia de enredo e o papel do “ser” no mundo, que estreitaram os
métodos e as possibilidades significativas entre história e literatura (SEVCENKO, 2003, p.28).
A análise da produção literária através de um olhar historiográfico, trouxe
profundas contribuições, ou melhor, significados muito peculiares para a pesquisa histórica. Se
no século XIX a literatura esteve na fronteira entre o discurso e o testemunho, ela ofertou à
história um olhar mais candente sobre as tensões sociais. A literatura modificou os
mecanismos de permanência da história factual em anseios por transformações, por fim, de um
passado obscuro através do despontar de um outro momento consolidado na ilustração, no
intelecto, na erudição. O compromisso da literatura estava mais ligado à fantasia, ao
imagético, do que propriamente com o real. Da verossimilhança literária, a história extraiu a
leveza e o tom suave peculiar aos enredos poéticos, e as possibilidades interpretativas do que
poderiam ser a ordem das coisas, na relativização do próprio real (SEVCENKO, 2003, p.29).
A literatura, portanto, fala ao historiador sobre a história que não ocorreu, sobre
as possibilidades que não vingaram, sobre os planos que não se concretizaram (SEVCENKO,
2003, p.30). Foram essas possibilidades que proporcionaram uma outra leitura sobre a criação
literária chamada “Atenas Brasileira”, afinal, os escritores, isto é, os letrados maranhenses,
relacionam-se com suas obras por laços absolutamente históricos e a compreensão sobre as
narrativas produzidas estava interligada ao contexto que as tornou possíveis.
A Atenas Brasileira foi fruto destas disparidades significativas, onde as obras
produzidas, primeiro pelos românticos e posteriormente pelos realistas, deixaram seu status de
representação enquanto documento, trasladando-se à esfera do monumento, do ícone
responsável pela sacralização, pela fixação e conversão da história em memória14, da
transformação de escritores em gênios. Neste sentido, entendemos que os discursos
produzidos sobre as obras literárias, que no Maranhão se consolidaram como símbolo de uma
identidade ateniense, foram a via que tornou possível a apreciação, ou melhor, um outro
momento de produção da obra literária e de seu valor; por isso a produção literária se

14
Segundo Jacques Le Goff: a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais
pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das preocupações das classes, dos
grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas.

69
transformou em efervescência cultural e o conjunto das obras dos autores em sinônimo de
singularidade (COMPAGNON, 2006, p.221).
Que tarefa foi essa desempenhada pelos historiadores na releitura do passado, que
pretendia ser diferente da literatura, se afinal, tudo são textos, narrativas e enredos? O
entendimento do que seja a história ou a literatura ou ainda sua íntima relação, foi o que
definiu com maior ou menor entendimento os significados e as representações elaborados em
torno da idéia de “Atenas Brasileira”. Neste sentido, a história é uma construção, um relato, e
como tal, põe em cena tanto o presente quanto o passado; seu texto faz parte da literatura. A
objetividade ou a transcendência da história são uma miragem, pois o historiador está
engajado nos discursos através dos quais ele constrói o objeto histórico. A resposta à pergunta
formulada nos foi oferecida por Hayden White, em Meta-História: a imaginação histórica no
século XIX. White ofertou à história e aos historiadores o entendimento de sua própria prática,
através da qual a “Atenas Brasileira” é entendida. No intuito de diminuir as distâncias entre o
ofício do historiador e do literato, White afirmou que:

Considerarei o labor histórico como o que ele manifestadamente é, a saber: uma


estrutura verbal na forma de um discurso narrativo em prosa que pretende ser um
modelo, ou ícone, de estrutura se processos passados no interesse de explicar o que
eram representando-os (WHITE, 1995, p.18).

Algumas noções foram ainda essenciais para a análise da odisséia ateniense dos
letrados no Maranhão. A pretensão de entender o fortalecimento e estruturação desse mito
identitário tão singular para uma parcela dos maranhenses, pode ser um tanto dificultosa se ao
historiador que se aventura neste emaranhado, faltar a compreensão de que sua tarefa e sua
análise são acima de tudo, historiográficas. Em outras palavras, a “Atenas Brasileira” e as
problemáticas conceituais que dela foram oriundas conduziram ao entendimento de que a
História Literária do Maranhão na maior parte do século XIX foi fruto de uma justaposição,
uma colagem, de discursos fragmentários e textos ligados entre si por cronologias diferenciais
(COMPAGNON, 2006, pp.222-223).
No capítulo anterior mostramos a maneira como a literatura romântica contribuiu
para a consolidação e cristalização do Maranhão no cenário das letras nacionais em função de
personalidades como Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, Francisco Sotero dos Reis e

70
Odorico Mendes. Relatamos ainda a importância da idéia de singularidade no momento em
que a intelectualidade pensava, ou melhor, construía uma identidade para a nação. Por um
lado, a ação dos letrados que foram chamados de “Grupo Maranhense” se constituiu como
elemento enaltecedor da grandeza da terra do Maranhão; por outro lado foi sua inexistência,
sua morte, que cristalizou no imaginário social a “Atenas Brasileira” como sinônimo de
identidade. Contudo, esta questão será desenvolvida mais à frente.
Nas décadas anteriores a 1860, os jornais da capital maranhense (já mencionados
no capítulo anterior) nos mostraram a formação de um ambiente de suposta intelectualidade e
de ebulição de um sólido mercado de obras literárias, afinal, publicavam os Primeiros Cantos
de Gonçalves Dias, o Jornal de Tímon de João Lisboa, as traduções feitas por Odorico
Mendes, enfim, obras centrais para a organização das letras nacionais.
Retornamos ao periódico O Semanário Maranhense, de 1867, onde encontramos
algumas reflexões importantes para a configuração da idéia de “Atenas Brasileira”. Já
destacamos que a historiografia colocou este periódico literário como ponto alto da ação dos
letrados no Maranhão. Dessa forma, explicitamos que no período assinalado, ideais de
grandeza e diferenciação, ou melhor, distinção, ainda estavam muito presentes nas narrativas
poéticas durante meados do século XIX. Para eles estava clara a idéia de que a província do
Maranhão era rica em talentos e vocações. Entre todas as províncias do Império seria a capital
maranhense aquela que se dedicara mais seriamente aos estudos literários. Afinal, era São
Luís, e não qualquer outra, aquela que se apresentava orgulhosa por possuir vultos como
Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, Francisco Sotero dos Reis, Odorico Mendes e outros
tantos da república das letras (SEMANÁRIO MARANHENSE, setembro de 1867, n.º01,
p.01).
Estava em curso, a formação de uma identidade intelectual que foi a base
legitimadora tanto da produção poética e prosaica, quanto da conduta dos letrados na província
do Maranhão. A “Atenas Brasileira” foi o resultado das lutas de grupamentos sociais distintos
na elaboração das próprias identidades. O que estava em questão era a possibilidade de impor
uma visão sobre a realidade social pautada na idéia de fragmentação dos grupamentos, quando
se impunha ao conjunto do grupo dominado uma noção de unidade, fruto da releitura do
ambiente vívido e definida, ou imposta, aos grupos como sendo a sua nova identidade. Em
outras palavras, colocou-se em destaque a necessidade de distinguir a província das demais, e

71
propuseram isso por meio dos conceitos de superioridade cultural, erudição e intelectualidade
que foram impostos ao restante do conjunto social maranhense, definindo a todos como
atenienses (BOURDIEU, 2004a, p.113).

Ratifica-se a compreensão de que esta identidade chamada ateniense só fez sentido


na esfera restrita de atuação dos poetas maranhenses. O que se colocou em prática foi a
monumentalização15 de sua própria identidade, pois se os letrados se sentiam intelectualmente
superiores, tentaram outorgar existência a esse tipo de identidade trazendo-a a criação através
da palavra, que trazia consigo a possibilidade de impor ao outro uma visão particularizada do
todo social no Maranhão escravocrata e agro-exportador, portanto, seus habitantes seriam
“cultos e ilustres”, seriam atenienses (BOURDIEU, 2004a, pp.116-117).
Não bastava sentir-se “diferente”. O mundo social da erudição e do refinamento
dos ludovicenses era também representação, fruto da vontade idealizadora do Eu, portanto,
existir socialmente era também ser percebido como distinto. Afinal, a força representativa de
enunciados semelhantes aos encontrados em O Semanário Maranhense (1867) ou em O
Arquivo (1846), estava no fato de a narrativa pretender criar aquilo que anunciava. Criou-se
então o mito da grandeza do Maranhão.
As pessoas foram reduzidas socialmente às suas identidades. No Maranhão, a
identidade social foi pensada e imposta por uma elite intelectual. Neste conflito entre forças
simbólicas antagônicas, os dominados, isto é, os não letrados, os incultos, escravos e outros
grupamentos, não tiveram “outra escolha” a não ser a aceitação da classificação construída
pelos letrados do que seria sua própria identidade, e ainda determinar o desmembramento
compreensivo por parte do sujeito pensante em relação à disparidade existente entre a idéia
que este faz de si e a idéia imposta do que ele deveria pensa de si (BOURDIEU, 2004a,
p.124).
O que estava sendo problematizado não era a simples relação entre grupos
antagônicos na ordem social, mas o poder de se apropriar da prerrogativa de forjar uma
identidade que descrevesse a “essência do ser maranhense”, não uma releitura do que seria o

15
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou
segundo as relações de força que aí detinham o poder. Só análise do documento enquanto monumento permite à
memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo ‘cientificamente’, isto é, com pleno conhecimento de causa.
(LE GOFF,1985).

72
maranhense ou sua terra, mas a imposição tendente à apropriação coletiva deste poder
exercido sobre os princípios de construção e valoração da própria identidade, onde o
dominante culturalmente impelia o outro, isto é, o seu diferente identitário, a negar-se para ser
aceito, para se fazer reconhecido.
A elaboração da simbologia chamada “Atenas Brasileira” foi o reflexo desta
tentativa de homogeneização do todo social em torno de símbolos e signos que definissem o
que era o maranhense. Tendo o controle simbólico como prerrogativa de ação, produziu-se
uma imagem de distinção, uma representação dos intelectuais sobre si mesmos, um arquétipo
identitário, a “Atenas Brasileira”. Concomitante com a imagem produzida, fabricaram um
discurso que os legitimava: (...) já houve quem a chamasse de athenas brazileira, e o nome
conferido em tão solene baptismo não foi nunca contestada nem posto em dúvida pelos que
conhecem a abençoada terra (SEMANÁRIO MARANHENSE, setembro de 1867, n.º 01,
p.01).
Esta narrativa nos possibilitou afirmar que dentro da lógica simbólica das
construções de identidades, existir socialmente não era apenas pretender-se diferente, mas ser
legitimamente reconhecido, isto é, legitimado como diferente, uma vez que a real existência da
identidade trazia consigo a possibilidade de afirmar oficialmente a distinção (BOURDIEU,
2004a, p.129).
A narrativa de tons clássicos dos eruditos já mencionados, com prerrogativas de
cadências rítmicas de agradável compreensão, poderia impulsionar o historiador a uma
reprodução automática das excelências da terra e da gente do Maranhão. Contudo, nestes
enredos de características hermeticamente bem definidas, a saber, de serem construtoras de
imagens de grandeza sobre o Maranhão, foi útil explicitar a relação de poderes que a
legitimava. Poder este simbolicamente determinado e que deveria ser descoberto onde se
pretende menos perceptível, onde seria em grande medida ignorado, afinal, poder simbólico16
é, com efeito, esse poder invisível o qual só poder ser exercido com a cumplicidade daqueles
que não querem saber que lhes estão sujeitos (BOURDIEU, 2004a, p.89).
Colocamos novamente a questão do simbolismo criado em torno da década de
1860. Esclarecemos no capítulo anterior a trajetória do Grupo Maranhense na construção de

16
O pode simbólico é um mecanismo de criação do real, o meio pelo qual se estabelece uma ordem de
significação, ou seja, de produção de um sentido imediato para a realidade.

73
uma imagem de glória para a capital do Maranhão. De maneira geral, o caminho trilhado por
cada literato foi um tanto semelhante, englobando uma ativa ação na imprensa local e
nacional, produção de importantes obras para as letras pátrias e uma considerável atividade
literária em outros países, excetuando-se a este respeito, a pessoa de Sotero dos Reis que
trilhou sua vida intelectual na cidade de São Luís.
Não por qualquer outra razão, os anos da década de 1860 foram tão significativos
para a história da literatura maranhense senão pelo fato de neste período terem falecido as
mais importantes personalidades da produção literária maranhense e nacional: João Francisco
Lisboa, que faleceu na cidade de Lisboa ao ano de 1863; Odorico Mendes, morto em 1864 na
capital da Inglaterra e Gonçalves Dias, morto ao mesmo ano em um acidente de navio no
litoral maranhense. A esta “regra” excetuou-se tão somente a figura de Francisco Sotero dos
Reis, que falecera em 1870, também na capital maranhense (BOSI, 2004).
Muito mais a morte prematura, do que propriamente a produção literária, fora
responsável pela sacralização definitiva dos poetas e prosadores maranhenses no pantheon das
celebridades na acrópole do conhecimento chamada “Atenas Brasileira”. Classicamente
postulou-se a publicação do Pantheon Maranhense, por Antonio Henriques Leal, como a
consolidação definitiva das glórias dos maranhenses ilustres, a esta época já falecidos para o
reconhecimento da posteridade. Fora prerrogativa da morte, trasladar os letrados do real ao
imagético, trazê-los dos fatos à narrativa, transportá-los ao enredo, torná-los suscetíveis às
inferências do historiador. Foi a morte que transformou os poetas do Maranhão em
personagens da odisséia da “Atenas Brasileira” rumo à glorificação.
Uma pesquisa mais detida em relação à vida, ou melhor, à morte dos literatos,
mostrou que esta espécie de “adoração aos mortos” se deu bem mais cedo do que postulou a
historiografia clássica do Maranhão em “Pantheon maranhense”. Mesmo levando em
consideração a ausência de certas referências em relação aos sujeitos históricos em questão, o
ano de 1865 foi o marco do “culto aos mortos” na poesia maranhense. Esta fora a data de
publicação do livro chamado Mosaico: poesias traduzidas, por Joaquim Serra. Nesta obra,
continha um anexo em forma de poesia, onde o autor se propunha destacar a ausência dos
homens ilustres do Maranhão, objetivando mensurar o valor da perda, o não ser, o lugar vazio,
outrora preenchido pelos vates da poesia e da prosa maranhense.

74
A narrativa era um monólogo do escritor direcionado à cidade de São Luís,
consolando-a pela perda de seus filhos ilustres. Perante tão grande pesar e martírio pela morte,
como enxugariam as lágrimas da jovem Atenas Brasileira? Indagava o autor. Afinal, diante de
dor tão vívida que ora a atribulava, qualquer consolo seria passageiro e as palavras seriam
nulas. Murchara-se a terra esplêndida, que outrora tantas glórias possuía, por hora, estaria em
meio a muitos pavores, na clausura e na melancolia dos próprios gemidos, não mais altiva,
mas mesquinha!

O berço feracíssimo/ De tantos gênios, rico/


De João Lisboa intrépido/ De Sousa, de Odorico/
Do erante mathematico/ Do Homero português/
Do prosador tão másculo/ Irmãos na fama eles três...
(...)
Da morte o braço equalido/ Levara os três sem do/
Restava o primogênito meu Deus restava só.
(SERRA, 1865, 65-66).

O Poeta prosseguiu seu lamento indagando que fatal condenação seria aquela que
os perseguia, os ofuscava, lançava-os na escuridão e os vencia? Por que feriam tão
profundamente a terra maranhense? Com uma fúria incomum, falava o poeta, o anjo do
extermínio conduzia ao sacrifício os filhos ilustres um a um. Eram negras, obscuras e funestas
as agonias da Atenas Brasileira, afinal, para quê buscar consolo ou alento, porque ansiar pelo
alívio? Morrera também Gonçalves Dias, miseráveis que se tornaram os maranhenses,
deixados na orfandade, abandonados à própria sorte, sem possuir lembrança alguma “senão
prantos e ais”, dizia o autor. O que restara a estes senão a saudade? Perguntava o poeta.
Responde o céo: ficaram vos cantos imortaes (SERRA, 1865, pp. 67-68).
A construção de esplendor e glórias elaborada em torno das figuras poéticas do
Maranhão desfez-se pouco a pouco, e já não existia mais. Com os cantos de Gonçalves Dias,
elevaram-se os espíritos da nação; com o Jornal de Tímon, de Lisboa, conheceram melhor a
própria história e com as traduções gregas de Odorico conheceram um nível mais elevado de
literatura. Os poetas não existiam mais e com eles, se foram as suas glórias. O que restaria,
portanto, que continuasse a distinguir a terra maranhense? Se a grande plêiade de talentos do
Maranhão, a vanguarda da poesia, jazia quase completamente aniquilada pelo braço da morte,
muita inteligência, igualmente primorosa e opulenta, também se levantava na província para

75
reatar os fios das suas tradições (SEMANÁRIO MARANHENSE setembro de 1867, nº. 01, p.
01).
Outras representações igualmente reveladoras foram elaboradas sobre a ilha de
São Luís e sobre a ação de seus filhos. Chamada de ilha de amores, linda flor, paraíso
terrestre, indagava a quem a cidade se mostrava tão formosa. Foi da pena de Celso Magalhães
que se extraiu uma bela narrativa sobre a continuada grandeza da terra maranhense. O texto
muito sugestivamente chamava-se “Glórias” e fora publicado aos 19 dias do mês de maio no
ano de 1870 no jornal O Pais.
Contemplada pelo divino, pela transcendência dos céus, vislumbravam a
magnitude da abençoada terra, coroada com brilhantes estrelas, onde cada uma era a
representação de um ilustre poeta maranhense. Destacamos a maneira como as temáticas das
narrativas mudaram seu enfoque. Anteriores ao ano de 1860, a influência de temáticas
românticas impelia os escritores a falar da opulência da sua terra, após esta data, na iminência
da morte das principais personalidades poéticas, os enredos foram tomados pela glorificação
das “inteligências supremas dos homens de letras maranhenses”.
Celso Magalhães comparou os personagens destas poesias com estrelas de
primeira grandeza.
A primeira, que se ostentava brilhante, encarnava o vulto másculo e gigante da lira
de um harmonioso cantor. Se o próprio Homero escutasse os seus harpejos, afirmou
Magalhães, certamente aos pés cairia despedaçado. Ela, a estrela, já descansava e tinha o
oceano como seu leito mortuário. O seu nome não haveria quem desconhecesse ou não
recordasse por um minuto que fosse o que chamou de ‘rei das harmonias’, daquele que
cantava as florestas, os mares, as cascatas, os índios e as matas. Era ele Gonçalves Dias (O
PAIS, 1870, nº. 62, p. 01).
A outra estrela seria a representação de João Lisboa. Seu nome encerra em si um
cetro e uma coroa, não como de um rei, mas de poeta e prosador. Sua face seria augusta, isto é,
grandiosa, pensativa, regida pela luz da inteligência, seria ele o gênio, o dono de grande
talento. Destacou o tom liberal de suas firmes palavras, quer nos jornais ou nas tribunas. Não
poderíamos deixar de falar sobre do Jornal de Tímon, cuja precisão escrita com que descrevia
as chagas da nação, eram a principal característica de sua crítica social. “Levado” à Europa, os
gênios lhe acenavam e ausente de sua pátria, em outras terras faleceu.

76
Um ponto interessante na narrativa de Celso Magalhães foi o seu relato sobre
Odorico Mendes. De todos os poetas maranhenses o mais clássico em sua forma de escrita

O nome que soletrasse na estrela formosíssima/


E que se cintila em volto em mágico fulgor/
È – Odorico Mendes – de Homero e de Virgilio/
O intérprete fiel, exímio tradutor.

Em meio ao constante signo da morte, Odorico fora ceifado do seio de sua pátria,
repousou em terras inglesas, a então responsável por lapidar a linguagem e o gosto pela
literatura clássica. Enfim, tons de exaltação, glórias e excelências, caracteres sempre presentes
nas representações sobre as pessoas ilustres do Maranhão, marcadamente na prosa e na poesia.
Não tardaria em ofuscar o último vivente do Grupo Maranhense em perder a vida
para adentrar no pantheon das celebridades literárias. Tratava-se de Sotero dos Reis. No dia 16
de janeiro de 1871, os habitantes da capital maranhense receberam a notícia, durante a
madrugada, de haver falecido o literato Francisco Sotero dos Reis. Desta forma, perderia a
literatura maranhense sua quarta personalidade de maior representação, procurando o seu lugar
na história, começara para Sotero a posteridade, fruto de suas glórias literárias. A ciência, a
literatura nacional, a imprensa, ou o magistério, a pátria, ilustrados todos pelos seus
serviços, e pranteando todos a sua morte, cobrem-se de pesado luto (PUBLICADOR
MARANHENSE, janeiro de 1871, nº. 12, p. 02)
Nas linhas acima, o tom de melancolia e perda pela ausência dos poetas do
Maranhão foi com o a maioria dos relatos. Contudo, acima da glorificação, há o valor de cada
literato, cabia a análise do meio em que os produtores destes discursos estavam inseridos e os
mecanismos elaborados para a justificativa desta narrativa de glórias.
Pierre Bourdieu chamou este ambiente de produção de Campo Literário. O campo
aqui referido designou, no caso do Maranhão, este ambiente social e intelectual comum na
maioria dos casos aos literatos maranhenses, onde a predominância de um pensamento de
singularidade era regra.
O conceito de campo literário possibilitou o desvencilhamento com as superficiais
alusões ao mundo social do século XIX no Maranhão, onde a grandeza e a opulência seriam
supostamente predominantes. Neste sentido, o campo de produção foi este ambiente
intelectual de característica profundamente particular sempre evocado pela velha república das

77
letras. Destacando que cada produção literária, se comportava de uma maneira distinta no
interior do campo de produção cultural, desde a publicação de uma antologia de contos à
elaboração maior da idéia de “Atenas Brasileira”, com a noção de campo adquiria-se a
possibilidade de identificar a relação entre generalidade e particularidades e as diferentes
formas pelas quais elas se distinguem, uma vez que

O campo literário é simultaneamente um campo de forças e um campo de lutas que


visa transformar ou conservar a relação de forças estabelecida. (...) Desde a
metade do século XIX, a poesia é o lugar de uma permanente revolução
(BOURDIEU, 2004c, p. 172).

Percebemos que certas categorias explicativas, como “Atenas Brasileira”, que a


historiografia local se esforçou por explicar e legitimar racionalmente, só adquiriram
inteligibilidade e sentido quando recolocadas dentro da lógica interna do campo que as
produziu e onde esta funcionava, tanto como uma estratégia simbólica de dominação, quando
os provincianos maranhenses afirmavam-se superiores aos demais do império, quanto sobre o
uso particularista desta categoria singular de signos e visão do mundo específicas.
Colocamos anteriormente, que a literatura romântica condicionou a produção
poética direcionada à autonomia. Nesta parte da narrativa analisamos de maneira mais detida
este desmembramento fundamental na consolidação de idéias como a “Atenas do Brasil”. A
autonomia deste campo de produção, localizado nas terras do norte do império do Brasil, se
deu de maneira um tanto contínua por toda a segunda metade do século XIX, tanto pelo fato
de os letrados produzirem categorias simbólicas destinadas à dominação cultural, quanto por
estarem igualmente sujeitos aos mecanismos simbólicos por eles produzidos (BOURDIEU,
2004c, p. 175).
Qual a necessidade de analisar tão detidamente o campo de produção literária e a
ação dos letrados dentro deste campo? Ora, seria um tanto desconexo haver afirmativas neste
enredo mostrando que o entendimento sobre o que seria Atenas Brasileira só fazia sentido
dentro da ótica de percepção particular aos letrados, se por outro lado inexistisse uma
compreensão mais esclarecedora sobre o ambiente que legitimava tanto a produção dos
letrados, quanto seus discursos sobre si mesmos. Por esta razão, coube legitimamente uma
abordagem sobre o campo de produção literária no Maranhão em meados do Século XIX.

78
O poder dos literatos é o poder de fazer com que se veja ou se acredite em
elementos existentes tão somente da perspectiva da produção poética, de fazê-las existir no
real enquanto caractere simbólico, de trasladar a singularidade ateniense das páginas de seus
escritos ao imaginário dos maranhenses, os cultos e letrados evidentemente. Em suma, a
natureza essencialmente diagnóstica da produção cultural, possibilita encontrar características
comuns às obras e aos discursos produzidos sobre tais condições similares ou comuns de
produção, ou seja, perceber na obra de cada romântico maranhense o intuito de produzir uma
imagem de grandeza para a província em um primeiro momento, e posteriormente aos letrados
já falecidos, uma imagem de igual excelência (BOURDIEU, 2004c, p. 178).
O literato é um criador. É quem introduz no mundo uma maneira deste pensar a si
mesmo. É quem nomeia o inexistente, que simboliza o objeto ausente tornando-o existente.
Foi o literato que representou o real, trouxe a luz uma singularidade acima de tudo imaginária,
produziu uma realidade social distinta. Portanto, muito justo falar em criação (ou seria melhor
invenção?) da “Atenas Brasileira”.
Como falar em criação, representação, singularidade discursiva, realidade
simbolizadora, percepção imaginária do mundo, ausência de objetos nunca existentes e
distinções identitárias sem que nos venha à memória as laudatórias páginas de Pantheon
Maranhense, produzidos por Antonio H. Leal? De fato, seria um tanto improvável assim
proceder, dado o caráter imagético construído em torno desta obra que tornou-se a imagem
maior da excelência intelectual na província do Maranhão.
O Pantheon Maranhense foi uma obra produzida em quatro tomos, editada na
cidade de Lisboa, nos anos de 1873 a 1875, propondo-se à publicação de ensaios biográficos
sobre os “ilustres maranhenses” falecidos e destacando volumes especiais tanto para
Gonçalves Dias, quanto para João Lisboa, respectivamente os tomos III e IV. Nos dois tomos
iniciais, figuraram personalidades como Manoel Odorico Mendes, Visconde de Alcântara,
Francisco Sotero dos Reis, José Candido de Moraes e Silva, o Barão de Pindaré, Brigadeiro
Feliciano, Antonio Falcão, Senador Joaquim Franco Sá, Senador Joaquim Vieira da Silva e
Sousa, João Padre Dias Vieira, Joaquim Gomes de Sousa, Antonio Joaquim Franco de Sá,
João Duarte Lisboa Serra, Trajano Galvão de Carvalho, Belarmino de Matos e Francisco José
Furtado. A preocupação em destacar nominalmente cada um, deve-se ao fato de que deve estar
clara a natureza dos “ilustres” que figuraram no pantheon da “Atenas Brasileira”.

79
Foi de Antonio Henriques Leal a afirmativa de que era sem contestação alguma
que ao benéfico e vigoroso impulso oferecido às letras nacionais, deveria o Maranhão merecer
de alguns escritores o epíteto de “athenas brazileira” (LEAL, 1873, p. 05). Afinal, fruto
intelectual da cidade de Coimbra, os maranhenses que para ali convergiram teriam regressado
para fomentar na cidade um efervescente meio de produção cultural, conforme mostramos no
primeiro capítulo.
Exatamente no Pantheon maranhense, se cristalizaram as representações sobre os
poetas maranhenses das quais falamos anteriormente. As imagens de grandeza e opulência
cultural, relatados desde os cronistas viajantes até os românticos, tomaram impulso e vigor nas
numerosas páginas da obra de Antonio H. Leal, onde todos os seus personagens seriam gênios
por excelência da república das letras, muito embora das inúmeras personalidades levantadas
na obra, apenas quatro indivíduos possuíam realmente uma trajetória relevante de contribuição
para as letras nacionais: Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, Francisco Sotero dos Reis e
Odorico Mendes (LEAL, 1873).
Uma característica importante foi que, tal qual toda obra literária, a narrativa
produzida por Leal, transcendeu a intenção primeira por ele pretendida, e a cada nova época
possuía algo novo a dizer. Os significados gerados em torno da obra não poderiam ser
determinados nem controlados pelo autor, muito menos pelo contexto que legitimava sua
elaboração, afinal, mesmo perpassando o tempo, a obra literária possuía a cada época um
significado distinto, não estava assim, condicionada às pretensões de quem a escreveu. Era o
sentido da obra que discriminava os elementos que permaneciam estáveis em sua percepção,
diferindo, portanto, da significação que mostrava quais elementos foram metamorfoseados no
processo de reapropriação literária da obra produzida desde a sua publicação em 1873 até sua
transformação em ícone de um tipo de identidade intelectual (COMPAGNON, 2006, pp. 86-
87).
Era preciso conhecer as maneiras pelas quais estas estruturas de sentido e
significação se reproduziam, para poder entender em última instância, a conservação de
características históricas herdadas do passado, ou seja, a reprodução entre as gerações de
informações que permitiam a dissociação do que permanecia e do que se modificava
simbolicamente. Esta percepção da criação literária enquanto bem simbólico, ofereceu bem o
entendimento do que seria o aspecto restrito e distinto da “Atenas Brasileira”, no sentido de

80
que o bem cultural produzido simbolicamente, diferenciava ou pertencia aos que possuíam os
meios para deles se apropriarem.

(...) os bens culturais enquanto bens simbólicos, só podem ser apreendidos e


possuídos como tais (...) por aqueles que detêm o código que permite decifrá-los.
Em outros termos, a apropriação destes bens supõe a posse prévia dos instrumentos
de apropriação (...). O domínio do código não poderia ser completamente
adquirido pela aprendizagem corriqueira e difusa na existência cotidiana, sendo,
portanto, necessário um ensino (...) organizado (...) com esse objetivo (BOURDIEU,
2004b, p. 304).

Esta maneira de compreender mostra-se a mais esclarecedora acerca das


disparidades que permeavam os significados da obra literária e de seu sentido, pois a
introdução, nesta narrativa, da principal crítica à singularidade ateniense da capital da
província do Maranhão, não poderia ser feita sem o suporte teórico devido.
O Pantheon Maranhense exerceu certa hegemonia literária durante alguns anos,
sendo a principal referência para a reflexão sobre as personalidades e o meio literário
ludovicense como igualmente postulador de uma maneira específica de escrever sobre o
Maranhão. Não tardou muito até a crítica à referida obra, surgir no cenário literário da
produção maranhense. Tratava-se de Um livro de Crítica, escrito por Frederico José Correia, e
editado nesta capital ao ano de 1878.
O conteúdo do livro era primeiro uma crítica contundente e direta ao autor de o
Pantheon Maranhense, e posteriormente à maneira como as informações dos biografados
foram dispostas no corpo do texto. Usa-se o termo crítica contundente no sentido de que, se
por um lado, até os nos 1860 eram incontestáveis as referências sobre a excelência da
produção poética em São Luís, por outro, a existência de um relato que colocava tanto em
dúvida quanto desconstruía esta excepcionalidade, sendo esta crítica feita por um
contemporâneo igualmente ilustrado, não deveria ser descartada, na medida em que se
constituía em relevante parâmetro para a compreensão das disputas internas ao campo de
produção literária.
Frederico Correa mostrava qual era sua função ao escrever sobre as maneiras de
produzir literatura em São Luís do Maranhão. Colocando-se sobreposto a certas
considerações, tentava olhar somente o mérito “real”, proclamava os talentos e mediocridades
que a tantos haviam escapado para calar a opinião daqueles que teriam se comportado como

81
juizes, isto é, dos que ofertavam glórias e cantos aos que delas não seriam merecedores, tendo-
as tão somente por integrarem grupos privilegiados econômica e institucionalmente. O ponto
diferencial pretendido pelo autor de Um Livro de Crítica, era que uma autocrítica destas
proporções ainda não havia no meio da produção dos literatos, e teria sido esta ausência em
perceber as próprias práticas que teriam conduzido a província ao que Correa chamou de
atrazo litterario (CORREA, 1878, pp. 03-04).
Correa mostrou que a publicação de livros de novos escritores deveria estar sobre
a proteção de literatos de grande ordem, do contrário, eram silenciados, quer antes da sua
publicação, ou após isto, durante o (não) contato de sua obra com o público. Estas práticas
estavam, segundo o autor, ofuscando as letras nacionais e elevava quaisquer pessoas à
categoria de homens de talento. O objetivo do autor com a publicação de tal livro era
promover uma releitura a respeito dos elementos subjetivos inerentes às criações e produções
poéticas ludovicenses, permeada por relações de força, de cunho particularista por parte dos
detentores do poder e do controle dos meios de produção culturais (CORREA, 1878, p. 05).
O ataque a Antonio H. Leal não foi desprovido de cautela ou erudição. Para o
entendimento de Frederico José Correa, Antonio H. Leal transformara-se em uma espécie de
árbitro tanto dos talentos quanto das virtudes dos poetas, exaltando uns e depreciando outros,
formulando o parâmetro para o sucesso ou exclusão no campo das letras.
Ao que é que deram este nome famoso, a província ou a sua capital? Questionava
o autor de Um Livro de Crítica. Afinal, não foi em São Luís que nasceram as principais
personalidades das letras locais. O tom satírico de Correa ofertou uma resposta espinhosa de
ter nascido nesta província o Plutarco de todas as celebridades poéticas, Antonio Henriques
Leal, e que por isso, deveria ser a cidade chamada de “Atenas Brasileira”, devido ao tom
fortemente personalista da narrativa do autor do Pantheon Maranhense, em outras palavras, a
elaboração desta distinção identitária estava relacionada à ação localizada de um grupo
especifico de letrados sob a orientação de Antonio H. Leal. Era o Pantheon Maranhense o
mecanismo útil de percepção e análise das práticas intelectuais e literárias no Maranhão
(CORREA, 1878, pp. 28-31).
Correa entendia o aspecto ficcional desta criação literária. Percebia a profundidade
de sua configuração discursiva. Comparou a “Atenas Brasileira” a uma novela, identificando
também o seu autor, Antonio H. Leal. Ao aspecto arbitrário dos elementos contidos em o

82
Pantheon Maranhense, Correa mostrou com igual sensibilidade, as contradições de haver nas
biografias dos ilustres tantas referências a títulos honoríficos e nomenclaturas de
“excelentíssimos” sobre os biografados (CORREA, 1878, pp.40-46).
Não colocamos em questão as particularidades narrativas presentes nestes
discursos produzidos pelas obras aqui em conflito. Optou-se por mostrar que a idéia de
singularidade e ilustração da “Atenas Brasileira” não era consensual, isto é, não havia o
mesmo entendimento por parte de todos a respeito do que representaria ou legitimaria a
criação poética chamada “Atenas Brasileira”. O que se pretendia não era, de maneira alguma,
polarizar as obras literárias em um combate simbólico que legitimasse um discurso de
completa insipiência literária, mas ao contrário, explicitar o caráter restrito desta elaboração
literária que foi estendida ao conjunto dos maranhenses como sendo um dos símbolos de suas
identidades.
Não se tratava de estabelecer culpa a poetas e prosadores para entender a gênese
deste conceito de “Atenas do Brasil”. Retorna-se ao romantismo para sinalizar algumas
reflexões acerca do lugar ocupado pelo escritor do Pantheon Maranhense. Para tanto, fazemos
uso da idéia do poeta enquanto ser criador, enquanto construtor da realidade, simbolizador das
ausências, verbalizador de não ditos, inventor de novas linguagens. Linguagens se
transformam em narrativas que conferem divindade e louvor aos sujeitos históricos. A
imaginação, o sonho, o inconsciente, o irreal, foram características de criação e legitimidade
da estrutura poética romântica que também se fez presente nos textos dos literatos
maranhenses. (BACZKO, 1985, p. 305).
Foi prerrogativa da imaginação, isto é, da autêntica potencialidade criadora, a
dissociação da experiência sensível dos sujeitos históricos e a agregação de valor às novas
partes do novo objeto construído pela poesia e que a posteridade chamou de Atenas Brasileira.
A emancipação da memória das grandezas se deu pela circulação de imagens a este mesmo
respeito, pela formulação de arquétipos, pela liberdade conferida à imaginação que se tornara
criadora, capaz de transpor o homem dos limites do mundo sensível e trasladá-lo ao
transcendente. Esta foi a atitude de Antonio H. Leal. Comportou-se como criador de uma outra
realidade, sensível somente a perspectiva poética (BACZKO,1985, p. 307).
A história, enquanto meio de reflexão, foi criação do sujeito que a escreveu.
Narrativa prosaica permeada por imagens que se pretendem simbolizadoras das experiências

83
narradas, vividas e imaginadas. Da capacidade criadora do poeta e do historiador,
constituíram-se os elementos fomentadores de identidades, inventores de tradições. Eric
Hobsbawm elaborou a tipologia conceitual que melhor caracteriza as morfoses criadoras da
idéia de Atenas Brasileira: Tradições inventadas.
Afinal, o conjunto de práticas reguladas tacitamente pelos criadores das narrativas
poéticas maranhenses, possuía por um lado, uma natureza ritual, isto é, mitificadora de
práticas sociais e sacralizadora das condutas e por outro, possuiu um aspecto simbólico
representativo dos discursos de grandeza transmitidos através da repetição, de uma
continuidade em relação ao passado. A invariabilidade era o objeto maior destas
representações forjadas sobre o passado do Maranhão, no sentido de que o tempo não seria
responsável pela alteração da imagem sobre sua identidade, permanecendo invariável. A
invenção de tradições, tal qual a Atenas Brasileira, era fundamentalmente um processo de
ritualização e formalização de condutas e procedimentos, de maneiras de perceber o mundo,
referindo-se a lembrança de glória pela repetição (HOBSBAWM, 2002, pp. 11-12).
Tradições como a Atenas Brasileira foram inventadas, construídas, elaboradas,
forjadas quando aconteceram transformações suficientemente rápidas a ponto de não serem
acompanhadas pelos agentes históricos. Em outras palavras, a perda das quatro maiores
personalidades literárias do Maranhão, sobre os quais foram elaboradas as representações de
singularidade, justificou às gerações posteriores a criação de uma categoria explicativa que
ocupasse o lugar dos poetas, que explicasse o mundo literário a partir de sua perda, de sua
ausência. Não havia mais personalidades ilustres e a posteridade outorgou-lhes o epíteto de
atenienses.

84
5. Considerações Finais.

Discursos sobre esta idéia de “Atenas Brasileira” foram produzidos com os mais
diferentes propósitos nas diferentes fases da trajetória literária do Maranhão no século XIX.
Estas elaborações foram convergentes em afirmar e legitimar representações que conferissem
grandeza e opulência à cidade de São Luís. Foi a literatura o meio pelo qual tais idéias de
diferenciação foram reproduzidas e fixadas no imaginário social.
Essas representações foram gestadas durante todo o século XIX. O que estava
patente era a ação dos cronistas ao narrar um arquétipo de excelência e magnitude sobre a
cidade de São Luís. Neste sentido o que se viu foi a reprodução de elementos ideológicos
referentes à excepcionalidade da terra e da excelência da gente no sentido de propagar
imagens relacionadas à existência de um espaço diferenciado do ponto de vista da cultura.
O intrigante foi a maneira como tais idéias de distinção identitárias foram
propagadas na literatura. Como já foi evidenciado, coube à elaboração literária, a produção de
uma visão de mundo que conferisse sentido e ligação entre essas representações. Os jornais do
período ofereceram a dimensão do que estava acontecendo, afinal, as problemáticas mais
importantes sobre a vivência da cidade eram tratadas nas páginas dos jornais, e nelas
encontravam-se as referências, ainda que dispersas, sobre este ideal de singularidade e
diferenciação cultural que foram propagados pela historiografia.
As relações estreitas da literatura local com a produção européia foram de grande
importância para a percepção do papel desempenhado pelo “Grupo Maranhense” e pela
literatura romântica na produção desta imagem de distinção. A literatura romântica foi a forma
pela qual as representações sobre o Maranhão e seus literatos ganharam expressividade
nacional e se consolidaram como um tipo específico de discurso sobre os elementos
identitários nacionais.
O foco principal do olhar romântico era o sujeito, o agente das narrativas
produzidas sobre as identidades, sujeito este dado à evasão, ao subjetivismo, às características
intrínsecas presentes nos enredos poéticos. Mesmo destacando que o interesse pela pessoa do
narrador adquiriu significado apenas na época romântica e que esta ação pessoal e localizada
foi de suma importância para o processo de autonomia da literatura local, o trato com esse tipo
de abordagem se mostrou muito dificultoso quando foi relacionada às fontes.

85
O princípio que postulou hegemonia ao Grupo Maranhense como responsável por
promover um ambiente de fulgor cultural e por elaborar a “Atenas Brasileira”, foi o mesmo
que impeliu Antonio H. Leal a escrever o Pantheon Maranhense partindo da suposição que na
província do Maranhão todos eram celebridades e talentos superiores. Este princípio era uma
auto-imagem pautada na grandeza e na opulência, propagada na província desde os cronistas
viajantes do século XIX.
A maneira como as narrativas foram elaboradas e a forma como elas foram
entendidas e significadas, leva-nos ao entendimento de que a criação de uma distinção
identitária dos literatos dizia respeito a um segmento restrito da sociedade, exatamente os que
detinham os meios para entender a própria prática social como singular, e não estava de
maneira alguma relacionada ao todo social.
Estas compreensões aqui explicitadas foram resultado de um longo trabalho de
pesquisa, coleta, catalogação e análise de fontes históricas referentes à ação destes letrados e
sobre o próprio desenvolvimento das letras locais em direção a autonomia. Foi o levantamento
deste material que compreende livros de época e na maioria dos casos jornais, que possibilitou
a delimitação do recorte cronológico de 1840 até 1880. Para chegar a este período um extenso
inventário de jornais de 1821 a 1880 precisou ser feito, a fim de que fosse possível perceber os
momentos de recorrência das fontes relacionadas à temática discutida, e feita a escolha de
quais fontes deveria constar na confecção da narrativa.
Neste sentido, destacamos a idéia de que produzir conhecimento estava
diretamente ligada a própria prática do historiador no contato com suas fontes. Quando
levamos em consideração a natureza essencialmente subjetiva do objeto histórico aqui em
questão, a “Atenas Brasileira”, algumas questões de ordem mais prática foram feitas no
sentido de perceber qual a fundamentação que proporcionou meio de afirmar o que foi
postulado nessa narrativa.
De acordo com o exposto, mostramos a importância dos jornais de época para a
formação das idéias aqui colocadas. Tanto, que se por um lado, as obras literárias produzidas
pelos contemporâneos mostraram-se um tanto lacunares em sua relação com o meio que as
produziu, por outro, foram os jornais que ofereceram os elementos responsáveis por relacionar
as obras produzidas aos acontecimentos da esfera intelectual na capital da província do
Maranhão.

86
Jornais de aspecto absolutamente literários, como o Jornal de Instrução e Recreio
(1845), foram de extrema importância para que fosse perceptível a modificação na estética do
texto literário então em voga, da mesma maneira como notar as novas temáticas abordadas
pelos escritores e perceber as maneiras como as representações sobre a produção poética
maranhense eram abordadas. Por outro lado, se o periódico em questão fosse O Arquivo
(1846), as questões nele encontradas seriam referentes ao intenso movimento de criação de
sociedades literárias e filomáticas por todo o território provincial, oferecendo a dimensão das
transformações trazidas pela estética romântica no que se referia a própria produção literária
que foi caracterizada como efervescente.
O jornal Publicador Maranhense de João Francisco Lisboa, da década de 1850,
nos deu elementos para entender a fragmentação social da cidade de São Luís e para mostrar
as profundas desigualdades que distinguiam os diversos segmentos sociais. Neste jornal,
Lisboa publicou importantes folhetins referentes aos hábitos e costumes dos moradores da
cidade, mostrava neles, de maneira satírica, o abismo existente entre a elite e os despossuídos
socialmente, afinal, neste jornal estavam entre outros os escritos sobre a “Festa de Nossa
Senhora dos Remédios”, importante relato sobre a sociabilidade ludovicense.
Tanto o jornal O Progresso (1847-1860) quanto o Jornal da Sociedade Filomática
Maranhense (1846), mostraram as principais mudanças no cenário literário maranhense. As
publicações de Gonçalves Dias, como os Primeiros Cantos (1846), e a repercussão da escrita
do poeta maranhense, tiveram espaço em O Progresso para a propagação de que precisavam.
A ação dos letrados do chamado Grupo Maranhense também foi notícia neste periódico. Nas
páginas de O País (1870) foram veiculadas representações que colocavam os letrados do
Maranhão ao nível de estrelas celestes.
Estas leituras se complementaram com as produções dos próprios letrados da
chamada “Atenas Brasileira”. Entre elas o Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira (1866-
1868), e as Obras Póstumas de Gonçalves Dias (1868), de onde foram retirados elementos que
fundamentaram tanto as análises sobre a literatura romântica, quanto a tendência da literatura
local de direcionar-se à autonomia. Foi na obra de Sotero dos Reis que repousou uma das mais
importantes falas sobre o papel da obra poética de Gonçalves Dias e as transformações por ele
produzidas na literatura nacional.

87
Do confronto entre as obras Pantheon Maranhense (1873-1875) de Antonio
Henriques Leal e Um Livro de Crítica (1878) de Frederico José Correa, foram expostos
elementos significativos para a análise da produção local e dos mecanismos internos aquele
campo de produção, dos meios de produção de imagens sobre o talento e a erudição dos
homens de letras do Maranhão. No caso do Pantheon Maranhense extraíram-se as
representações referentes à genialidade e à superioridade intelectual dos poetas e dos
prosadores maranhenses. Por outro lado, o livro Um Livro de Crítica representou a quebra na
hegemonia de uma determinada maneira de falar sobre o Maranhão, além de ser uma crítica
aos contemporâneos e à singularidade da Atenas Brasileira.
Estas análises conduzem ao entendimento de que conhecimento histórico é aquele
produzido a partir do documento. Neste sentido, algumas dificuldades metodológicas se
fizeram presentes na elaboração desta narrativa. Afinal, além de qualquer coisa, a existência
de uma base documental constituiu o elemento primordial para a confecção de qualquer texto
de história. Neste caso, o contrário a estas afirmativas também foi importante.
Em outras palavras, a dificuldade com as fontes estava presente em dois sentidos:
o início em que eles se “mostraram” ao historiador e o movimento de seu “desaparecimento”.
Dito de outro modo, o recorte cronológico de 1840-1880 não estava todo ele abarcado por
referências ao tempo em questão, isto é, as referências, às temáticas aqui discutidas se
mostraram um tanto distanciadas umas das outras. O que a princípio seria a razão pra a
impossibilidade de desenvolvimento do tema, tornou-se a sua principal característica, o
argumento central da proposta aqui levantada. A “ausência” de referências sobre a
efervescência cultural ou Atenas Brasileira, foi o elemento que justificou a compreensão de
que se tratava de uma elaboração identitária feita pela posteridade.
Este entendimento foi possível tanto pela existência localizada de referências em
momentos específicos, conforme mostraram os jornais, como pelo completo silêncio das
fontes históricas em questão, seja pela falta de relatos dos sujeitos históricos ou pela
inexistência material da fonte histórica que não resistiu a ação do tempo.
A abordagem do aspecto marcadamente historiográfico contadas nestas páginas,
foi decorrente deste entendimento gerado pelas fontes históricas e pelas suas ausências. Foi
exatamente a inexistência de certos relatos e a concentração de outros enredos, que conduziu a
abordagem sobre a Atenas Brasileira como um desmembramento essencialmente

88
historiográfico, ou mais que isso, uma criação literária. Por isso a predominância de
abordagens que destacaram as funções literárias tanto dos relatos históricos quanto das
criações fruto dos enredos dos próprios poetas.
Por um lado, objetivou-se entender as bases criadoras e legitimadoras da Atenas
Brasileira através dos discursos literários e dessas referências contidas nos jornais do período.
Por outro lado, uma série de outros aspectos igualmente importantes referentes a este assunto
não foram contemplados nesta narrativa. Entre estas noções estavam a atividade intelectual e
política dos letrados na capital do império, o Rio de Janeiro, após a sua migração da cidade
natal; a função cultural do teatro nas relações sociais intra-elitistas; a quantidade de obras
produzidas pelos literatos fora da cidade de São Luís; a disparidade existente entre um certo
fluxo de obras vindas da Europa e a inexistência de um sólido público leitor na capital da
província do Maranhão, enfim, inúmeras possibilidades de reflexão que mostraram meios de
dar seqüência a esta temática tão vasta e que ainda poderiam ser discutidas, pensadas e
problematizadas.
Por certo, essas análises justificaram a afirmativa que as identidades culturais
estavam balizadas sobre os elementos que a posteridade a princípio ‘negou’ e logo após
reafirmou a fim de priorizar e conferir ênfase à elementos históricos passados tidos como
tradicionais e cristalizados no imaginário social através da repetição feita pelas narrativas
históricas e literárias.

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REFERÊNCIAS

FONTES

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