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O ESCRITOR E O CUBO MÁGICO

Por David França Mendes

Em maio do ano passado, iniciei, com minha equipe de


roteiristas, a jornada de escrever os 26 episódios da
série A Garota da Moto. Segunda-feira passada,
coloquei o ponto final no primeiro tratamento do último
roteiro, fechei a temporada. Sim, haverá outros
tratamentos, não só do episódio 26 como de todos os
outros. Mas o que acontece de mais importante na
série já está definido. Este post é para contar um
pouco de como foi esse trabalho e para falar do prazer
de escrever um projeto assim.

Escrever uma série não é escrever uma história em 26


partes. É criar um mundo que engendra inúmeras
histórias, das quais uma que eventualmente se
desdobra ao longo da temporada pode até ser a mais
importante, mas não sustenta o projeto sem dezenas
de outras.

Dezenas de outras histórias? É isso mesmo, dezenas.


Porque para cada episódio são necessárias pelo menos
três tramas, além de algumas que se desdobram em
mais de um episódio na temporada. Pode ter certeza
de que, para 26 episódios, criamos perto de cem
histórias efetivamente usadas e mais uma penca de
tramas jogadas fora por um motivo ou por outro.

Para isso ser possível, trabalhamos, eu e os roteiristas


Patricia Lopes, Rodrigo Ferrari, Cláudio Felício e
Isabella Poppe, esses meses todos, num esquema o
mais próximo possível do que se usa nos writers’
rooms das séries americanas, isto é, discutindo tudo
que fosse possível discutir e consolidando cada passo.

Personagens foram se ajustando, ganhando contorno.


Alguns que nos pareciam muito promissores no início
simplesmente não rendiam o que a gente esperava
deles. Era preciso colocá-los no seu devido lugar ou até
eliminá-los. Outros surpreenderam, porque tinham
elementos que nos ajudavam, porque nos intrigavam
mais ou porque os conhecíamos bem. Estes ganhavam
destaque.

Praticamente todo o último mês de trabalho foi


investido, por todos nós, nos quatro últimos episódios,
o encerramento da temporada. As sinopses de cada um
desses episódios iam sendo construídas, discutidas,
rasgadas, remendadas, recriadas, ajustadas. Uma ideia
aqui derrubava outra ideia ali. Uma solução não podia
ser usada por causa de algo que aconteceu vinte
episódios atrás. O que fazer, desistir da ideia ou alterar
o episódio anterior? dúvidas, decisões, e mais dúvidas
e mais decisões até que das sinopses partimos para as
escaletas, e outras discussões, erros, ideias. Becos sem
saída e até mesmo um beco que se revelou uma saída.

Aos poucos, cada roteirista foi me entregando sua


parte nessa construção do nosso finale. Por volta do
Natal, Cláudio me entregou sua versão do episódio 25,
para eu finalizar, e foi quase no último dia do ano que
Rodrigo me entregou a última versão da estrutura do
episódio final e algumas páginas de cenas
desenvolvidas, e eu parti para um trabalho que eu ao
mesmo tempo desejava e temia: começar a terminar,
produzir as cerca de 48 páginas de roteiro que
fechariam a série.

O roteiro ficou com 46 páginas e 80 cenas. Levei


quatro dias para escrever essas páginas. Um dia, talvez
um dia e meio, para bem umas 70 cenas. Três dias
para duas ou três, as mais importantes, as decisivas,
as que exigiam soluções especiais, o clímax da
temporada. E nem duas horas para as três ou quatro
cenas restantes, o arremate.

O trabalho é mesmo assim desigual, mas não é


irracional, deixado ao acaso, vago. De jeito nenhum,
porque a gente trabalha em cima de muito
conhecimento. As cenas-problema, as duas ou três que
me tomaram mais tempo que as outras 70, eram
problemas num sentido praticamente matemático. No
sentido de que você sabe que a solução existe. E se
você não a encontra é porque não fez os cálculos
certos, não considerou as variáveis corretas, não
enxergou o que havia ali, uma qualidade oculta nos
termos da equação.

Criar um final ou qualquer outra cena importante não é


tirar coelhos da cartola, é encontrar algo que está ali,
no funcionamento dos personagens, na dinâmica
daquele mundo, no andamento daquela trama. A
solução existe, mas deve ser encontrada segundo
algumas regras. Não tanto, ou quase nada, as regras
da dramaturgia ou coisa parecida, e sim regras ditadas
pela lógica interna daqueles personagens, daquele
mundo que viemos construindo ao longo desses meses
todos.

O escritor, roteirista, não pode trapacear, e eu sabia


disso. A solução não pode vir de um golpe de mágica,
de um personagem novo, de uma informação cair do
céu e nem de alguém fazer ou dizer algo que nunca
faria ou diria. Você tem, eu tinha, que não ceder a
nenhuma tentação e seguir obsessivamente a ideia de
que o que você procura está ali. Como no cubo mágico.

Faz tempo que uso, em aula, a metáfora do cubo


mágico. Para mim, e isso tem se confirmado sempre na
minha prática criativa, profissional, resolver uma
história é como resolver o cubo mágico. É rodar e rodar
as partes, os lados, as cores. Até acertar. Uma vez, um
aluno disse, “mas o cubo mágico é muito difícil”. E
quem disse que criar uma boa história não é?

As minhas duas últimas sessões de trabalho no roteiro


do episódio 26 levaram muitas horas, nem sei quantas,
e foram horas de muita concentração. E de um prazer
que crescia e crescia. Eu não estava escrevendo um
roteiro em quatro dias. Eu estava escrevendo um
roteiro em quatro dias mais uns oito meses de trabalho
em equipe, e mais toda a minha carreira. Eu conhecia
aquela gente ali, aqueles personagens. Cada
dificuldade era também um prazer, especialmente
quando eu ia encontrando cada solução.
Segunda-feira passada, dia 5, enviei o roteiro para a
Mixer, produtora da série. O arquivo foi recebido
festivamente. Todo mundo sabe que esse fim é apenas
um novo começo. Essas soluções que encontrei podem
não ser tão boas assim. Há os tratamentos finais de
todos os roteiros a fazer e nesse processo um imenso
afinamento da série inteira. Mas foi um marco e todo
mundo sentiu isso. O cubo mágico está encaixado.

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