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CAPÍTULO 20

O REAL É EDIFICADO PELA RAZÃO: GEORG WILHELM


FRIEDRICH HEGEL
(1770-1831)
... Nada há no céu e na terra que não contenha, ao mesmo tempo, o ser e o nada.
Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart em 1770 e morreu em Berlim
em 1831. Realizou seus estudos iniciais em teologia, tendo se formado pastor em
1793. Ampliou sua formação estudando grego, latim, história, filosofia, destacando-se
sempre pela seriedade com que norteava seus estudos. Iniciou a carreira universitária
em 1801 como professor da Universidade de Iena, carreira que atinge o apogeu
quando é nomeado reitor da Universidade de Berlim.
O caráter revolucionário de suas idéias políticas e religiosas o torna alvo de acusações e
suspeitas por parte da corte e da Igreja luterana. A primeira edição de Fenomenologia do
espírito data de 1807 e a ela se seguiram os dois volumes de Ciência da lógica (1812 e 1816),
a Enciclopédia das ciências filosóficas abreviada (1817) e os Princípios da filosofia do direito ou
Direito natural e ciência do Estado abreviados (1821). Edições póstumas de suas Obras
completas trouxeram à luz outros títulos como os contidos nas Lições - Estética, Filosofia da
história, História da filosofia, Filosofia da religião, em edição publicada entre 1832 e 1845.
Reunidos sob o título Cursos de lena, são publicados, entre 1927 e 1930, trabalhos de
Hegel até então inéditos: Lógica, Metafisica, Filosofia da natureza e Filosofia do
espírito.
As preocupações de Hegel não se dirigem a aspectos específicos da vida
humana, suas origens ou inserção no mundo. Seu sistema revela preocupação mais
ampla, voltada ao direito, à história, à política, enquanto âmbitos diversos da realização
do homem em seu mundo, esta sim o foco primordial. Nas palavras de Bréhier (1977b):
"Hegel revela em sua filosofia um saber enciclopédico, o que, aliás, fizeram ou
tentaram fazer muitos filó
sofos de uma época que visava, sobretudo, a não deixar escapar qualquer
elemento positivo da cultura humana (...)" (p. 146).
Tal tentativa, mesmo que ambiciosa, é compatível com a perspectiva de
Hegel em relação a si próprio e à sua filosofia: julgava-se porta-voz privilegiado
de sua época e considerava que sua filosofia seria a resposta última que se
poderia produzir, destinando-se ao sepultamento as doutrinas que o
precederam.
Ora, Hegel julga que chegou o tempo de responder definitivamente, de acabar a filosofia, isto
é, de chegar enfim à exposição sistemática da ciência, desse saber absoluto a que a
humanidade aspirava há vinte e quatro séculos; e que é a ele que essa tarefa está reservada.
(Châtelet, 1981, p. 170)
A compreensão das idéias fundamentais que marcaram o pensamento filosófico
hegeliano requer a retomada de aspectos relativos à influência que Hegel, assim como
os demais idealistas alemães dessa época, recebeu a partir da difusão dos princípios
que nortearam a Revolução Francesa de 1789. Não é por acaso que Marcuse (1978)
afirma que os idealistas alemães,
Para o idealismo alemão, tão bem representado por Hegel, "a situação
do homem no mundo, seu trabalho e lazer, deveriam, doravante, depender
de sua própria atividade racional livre e não de qualquer autoridade
externa" (Marcuse, 1978, p. 17).
O contexto filosófico no qual esse movimento se desenvolveu estava fortemente
marcado pelo empirismo inglês. Tentando superar os limites que criticava em tal
postura filosófica, o idealismo alemão buscava leis universais e defendia a
possibilidade de se atingir, pela razão, conceitos necessários e igualmente universais.
Em contrapartida, o empirismo inglês acreditava que as leis gerais eram criações
humanas e, como tal, não representativas do real.
Defendendo a supremacia da experiência sobre a razão, o empirismo inglês
colocava os fatos como critérios últimos de verdade, a isto se oporá Hegel por julgar
que, limitando-se ao dado, o homem acaba por ter que se limitar à ordem existente das
coisas. A ênfase na razão coloca o homem como livre e capaz de se desenvolver se
estiver dominado por uma vontade racional, possibilitando assim a transformação da
realidade de acordo com critérios racionais. "O problema não era pois um problema
meramente filosófico, mas ligava-se ao destino histórico da humanidade" (Marcuse,
1978, p. 30).
Além da crítica ao empirismo inglês, Hegel também manifesta uma objeção
ao kantismo, no que se refere à impossibilidade de se conhecer a coisa-em-si
(noumeno), o que, segundo Hegel, limitaria a razão, mantendo-a vulnerável às
críticas empiristas.
Enquanto as coisas-em-si estiverem fora do alcance da razão, esta continuará a ser mero
principio subjetivo privado de poder sobre a estrutura objetiva da realidade; e o mundo se
separa em duas partes: a subjetividade e a objetividade, o entendimento e a sensibilidade, o
pensamento e a existência. (...) Se o homem não conseguisse reunir as partes separadas de
seu mundo, e trazer a natureza e a sociedade para dentro do campo de sua razão, estaria para
sempre condenado à frustração. O papel da filosofia, neste período de desintegração geral, era
o de evidenciar o princípio que restauraria a perdida unidade e totalidade. (Marcuse, 1978, pp.
34-35)
em grande parte, escreveram suas filosofias em resposta ao desafio vindo da França à
reorganização do Estado e da sociedade em bases racionais, de modo que as instituições
sociais e políticas se ajustassein à liberdade e aos interesses do indivíduo. (p. 17)
Os ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade foram
efusivamente recebidos na Alemanha, especialmente entre os representantes da
intelectualidade. Entretanto, naquele país, ainda se encontravam presentes resquícios
da velha ordem feudal e do despotismo político que, supostamente, haviam sido
abolidos pelo movimento revolucionário francês. A essa situação acrescia-se a
não-unificação dos territórios alemães na forma de uma nação (o que só bem mais
tarde viria a ocorrer) e as dificuldades que isso representava para o desenvolvimento
econômico naquele país, em contraste com o significativo desenvolvimento industrial
que já ocorria na Inglaterra e mesmo na França.
Nesse contexto, aos intelectuais alemães coube oferecer uma resposta - uma
doutrina filosófica - que recuperasse os ideais que defendiam e buscasse superar a
discrepância entre aqueles ideais e a situação histórica em que se encontravam.
Assim, as principais características do pensamento hegeliano devem ser entendidas
sob a perspectiva de um movimento filosófico que permitisse a libertação do homem
como sujeito autônomo, capaz de dirigir seu próprio desenvolvimento, sob a égide dos
ideais revolucionários de 1789.
A respeito da influência de diferentes pensadores sobre o hegelianismo, Corbisier
(1981) afirma, entre outras coisas, que Hegel herda:
De Heráclito de Éfeso (...) a idéia de dialética entendida como estrutura da realidade e do
pensamento. De Aristóteles, três noções capitais: a do universal, imanente e não transcendente
ao individual (antiplatonismo); a do movimento, e do vir-a-ser, entendido como passagem da
potência para o ato e, finalmente, a das relações entre a razão e a experiência, cuja
necessidade interna deve ser revelada pelo pensamento, pois só há ciência do universal e do
necessário. Do
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racionalismo cartesiano, a idéia da racionalidade do real, da coincidência da res cogitans com a res
extensa (...). (p. 26)

O hegelianismo, enquanto sistema filosófico, não pode se separar de seu caráter


dialético, na medida em que é a dialética que expressa o movimento constante e
complexo a que está submetida toda a realidade. Para apreender o movimento
do mundo, o pensamento deve submeter-se aos procedimentos que orientam o
desenvolvimento das coisas, sendo o próprio pensamento também dialético. A
dialética, portanto, está nas coisas e no pensamento, já que o mundo real e o
pensamento constituem uma unidade indissolúvel, submetida à lei universal da
contradição.
A compreensão da dialética hegeliana envolve a idéia de que toda a s
realidade é essencialmente 'negativa", A negatividade parte da natureza dos
seres do mundo objetivo e do próprio homem, coloca em oposição aquilo que os
seres são e suas potencialidades, sugerindo um estado de limitação, bem como
a necessidade de superar tal estado em direção a outro. A tal motivação ou luta
dos seres em direção àquilo que não são, Hegel atribui a força de um dever.
Dever de perecer, de negar o estado anterior para ser substituído pelo novo que
realiza uma potencialidade presente no velho. Todas as transformações no
mundo ocorrem conforme esse processo. "No mundo, não há progresso
uniforme: o aparecimento de cada condição nova envolve um salto; o
nascimento do novo é a morte do velho" (Marcuse, 1978, p. 138). A negatividade
é, portanto, a matriz do processo e transformação contínua de toda a realidade.
Tal processo de transformação expressa-se num movimento constante e
contraditório que constitui, essencialmente, a dialética. Hegel caracterizou esse
movimento em três fases: em si (tese), para si (antítese) e em si-para si
(síntese). O movimento da realidade expressa-se, portanto, por meio de um
movimento triádico, no qual cada ser (em si/tese) está limitado às qualidades
que possui (qualidades que o distinguem de outros seres) e se nega, buscando
superar-se e transformar-se, adquirindo novas qualidades. O ser que se nega e
se transforma (para si/antítese) volta a si buscando um novo estado (em si-para
si/síntese), que recupera a essência que se preservou nesse fluxo de
transformações, por meio da negação da negação.
O sistema filosófico hegeliano sustenta-se, em grande parte, no conceito de
ser nele proposto, exatamente porque tudo o que existe é ser. Conforme o
concebeu Hegel, o conceito de ser veio romper a idéia de um mundo composto
por coisas (ou seres) cuja identidade mantém-se até que aquele ser deixe de
existir. Em outras palavras, rompe-se, com Hegel, a idéia de que uma coisa só
pode ser ela mesma e que, ao transformar-se, perde sua identidade para jamais
ser recuperada.
O ser é, fundamentalmente, um vir-a-ser. O modo como o ser apresenta-se
em determinado momento é apenas um modo de seu existir, que contempla
apenas uma entre as múltiplas potencialidades que pode desenvolver, que
constituem as próprias etapas de seu desenvolvimento, de sua transformação.
Para existir verdadeiramente, o ser deve superar o estado atual em
que se apresenta e, ultrapassando os limites dados por esse estado, vir-a-ser o que
não é, ou seja, buscar um novo estado de sua existência. Por sua vez, todo estado de
existência deve, necessariamente, ser ultrapassado. É algo de negativo, que deve ser
abandonado à procura do novo, que uma vez mais se apresentará como um limite a
ser superado. Para Hegel, essa é a lei do desenvolvimento histórico que, válida para
todos os seres, regula o movimento de transformação no mundo, num processo
contínuo em que cada ser perece, e, uma vez perecendo, transforma-se em outro que
passará pelo mesmo processo.
Verifica-se, assim, que Hegel não identifica o ser ao estado atual em que se
apresenta, da mesma forma que não concebe tal estado como definitivo ou imutável.
Ao contrário, Hegel concebe o ser como um “ser em processo", que, estando em
permanente mudança, conserva-se a si mesmo em cada estágio do processo por que
passa. Essa concepção não significa a anulação da identidade do ser, mas a colocação
dessa identidade no processo contraditório que orienta o seu desenvolvimento. Se o
verdadeiro ser é um ser em movimento, só assim pode ser compreendido.
Sobre a constituição do ser, Hegel afirma ainda que a negatividade e parte
inerente à sua natureza, já que, para ser o que realmente é, o ser deve realizar suas
potencialidades, de modo a vir-a-ser uma nova fase de sua existência. Essa nova fase
se apresenta como um novo estado a ser superado, no processo de contínuo
movimento que já descrevemos. A idéia de progresso traz consigo a idéia de
negatividade, e esta, por sua vez, leva Hegel a identificar o "ser" e o "nada", posto que,
para que algo possa efetivamente ser, deve passar a ser o que não é. Assim, todo o
ser contém em si o próprio ser e seu oposto, o nada. O ser e o nada revelam-se,
portanto, idênticos.
A Unidade, de que são momentos inseparáveis o ser e o nada, difere em si mesma destes
momentos, e representa, em relação a eles, um terceiro momento que é, na sua forma mais
particular, o devir. A passagem de um a outro é a mesma coisa que o devir, com a diferença
próxima de que, na passagem, os dois termos, o termo inicial e o termo final, estão em repouso
e distantes um do outro, efectuando-se a passagem, por assim dizer, entre os dois. Sempre
que se trata do ser e do nada, este "terceiro" deve existir, pois o ser e o nada não existem por
si mesmos, mas somente neste terceiro. (Hegel, em D'Hont, 1981, p. 89)
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Como todos os seres, o homem também está em processo de contínua transformação.
A capacidade de compreensão e interferência que os seres possuem sobre seu próprio
processo de desenvolvimento distingue-os entre si. Só o homem é capaz de
compreender o processo por que passa e nele interferir. Tal capacidade, inerente ao
homem, advém do uso da razão de que está dotado, assim como da liberdade que está
pressuposta por e pressupõe essa condição racional.
Se o homem está em processo de contínua transformação, o mesmo se - aplica
ao conhecimento por ele produzido. O conhecimento é um processo contínuo que não
pode ser desvinculado das condições históricas que o determinaram. E também
progressivo, não existindo verdades eternas. A verdade está submetida à razão
humana, e a razão humana, está submetida à sua história.
Na história, encontram-se os critérios para definir o que é racional, e apenas o
que é racional, para Hegel, pode ser verdadeiro.
que tem sua essência no outro e que só atinge sua verdade pelo outro" (Marcuse,
1978, p. 118).
O senhor obriga o escravo ao trabalho, ao passo que ele próprio goza os prazeres da vida. O
senhor não cultiva seu jardim, não faz cozer seus alimentos, não acende seu fogo: ele tem o
escravo para isso. O senhor não conhece mais os rigores do mundo material, uma vez que
interpôs um escravo entre ele e o mundo. O senhor, porque lê o reconhecimento de sua
superioridade no olhar submisso de seu escravo, é livre, ao passo que este último se vê
despojado dos frutos de seu trabalho, numa situação de submissão absoluta. Entretanto, essa
situação vai se transformar dialeticamente porque a posição do senhor obriga uma contradição
interna: o senhor só o é porque é reconhecido como tal pela consciência do escravo e também
porque vive do trabalho desse escravo. Nesse sentido, ele é uma espécie de escravo de seu
escravo. De fato, o escravo, que era mais ainda o escravo da vida do que o escravo de seu
senhor (foi por medo de morrer que se submeteu), vai encontrar uma nova forma de liberdade.
Colocado numa situação infeliz em que só conhece provações, aprende a se afastar de todos
os eventos exteriores, a libertar-se de tudo o que o oprime, desenvolvendo uma consciência
pessoal. Mas, sobretudo, o escravo incessantemente ocupado com o trabalho, aprende a
vencer a natureza ao utilizar as leis da matéria e recupera uma certa forma de liberdade (o
domínio da natureza) por intermédio de seu trabalho. Por uma conversão dialética exemplar, o
trabalho servil devolve-lhe a liberdade. Desse modo, o escravo, transformado pelas provações
e pelo próprio trabalho, ensina a seu senhor a verdadeira liberdade que é o dominio de si
mesmo. (Vergez e Huisman, 1988, p. 278)
Hegel dizia que quem estuda história sabe muito bem que a humanidade caminha
rumo a um autoconhecimento e um autodesenvolvimento cada vez maiores. A história,
segundo ele, demonstra de forma inequívoca a evolução rumo a uma racionalidade e
liberdade, maiores. É claro que às vezes ela dá umas cabriolas, mas o todo revela uma
marcha inexorável para frente. Para Hegel, portanto, a história persegue um objetivo
definido. (Gaarder, 1995, p. 388)
O homem só atinge a autoconsciência quando conhece suas potencialidades e é
livre para realizá-las, processo que só se realiza pelo confronto entre indivíduos em sua
relação de trabalho.
O trabalho desempenha importante papel na medida em que funciona como
elemento integrador entre indivíduos oriundos de diferentes posições e com diferentes
necessidades numa dada sociedade. Essa relação entre indivíduos "opostos" é
intermediada pelos objetos produzidos pelo trabalhador, que, por terem sido produzidos
pelo homem, passam a fazer parte desse homem, que neles se reconhece. "Os objetos
de seu trabalho não mais serão coisas mortas que o acorrentam a outros homens, mas
produtos de seu trabalho e, como tal, parte integrante do seu próprio ser" (Marcuse,
1978, p. 117).
Hegel assinala que o processo de trabalho envolve dois domínios opostos: o
trabalhador (ou "escravo") e o senhor", que não produz diretamente, mas apropria-se
dos produtos do trabalho do outro. Também para o senhor, o trabalho é o processo de
criação da autoconsciência: ao lidar com os objetos produzidos pelo trabalhador, está
lidando com a autoconsciência daquele, que está objetificada nos objetos por ele
produzidos. Nessa relação, o senhor percebe que não é independente do escravo. Por
meio das relações mediatizadas pelo trabalho, "cada um dos termos (envolvidos na
relação) reconhece
A relação senhor-escravo permite a superação da oposição sujeito e objeto,
assim como, pela autoconsciência, supera-se a oposição entre pensamento e mundo
exterior. O espírito humano autoconsciente é capaz de apreender o mundo em sua
totalidade, não mais como algo dicotomicamente separado do pensamento. Isto porque
a razão, para Hegel,
não é apenas, como em Kant, o entendimento humano, o conjunto dos principios e das
regras segundo as quais pensamos o mundo. Ela é igualmente a realidade profunda
das coisas, a essência do próprio Ser. Ela não é só um modo de pensar as coisas, mas
o próprio modo de ser das coisas. (Vergez e Huisman, 1988, p. 276)

É por isso que Hegel afirma: “O racional é real e o real é


racional" (em Vergez e Huisman, 1988, p. 276).
O sistema hegeliano busca reproduzir a trajetória do espírito em direção à
apreensão do mundo em sua totalidade.
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O sistema é, portanto, uma vasta epopéia do espírito (...); em seu esforço por conhecer-se, o
espirito produz, sucessivamente, todas as formas do real; primeiro os quadros de seu
pensamento, depois a natureza, depois a história; é impossível captar algumas das formas
isoladamente, mas somente na evolução ou no desenvolvimento que as produz. (Bréhier,
1977b, p. 149)
Hegel chama de "o mundo da cultura". Enfim, o Espírito se descobre mais claramente na
consciência artística e na consciência religiosa para finalmente apreender-se na Filosofia (...)
como Saber Absoluto. (Vergez e Huisman, 1988, pp. 276-277)
O grande movimento triádico, pois, expresso no sistema hegeliano, toma como
tese o Ser, entendido como "o conjunto dos caracteres lógicos e pensáveis que tem em
si toda a realidade" (Bréhier, 1977b, p. 155); como antitese a Natureza, entendida como
a exteriorização do Ser nas coisas físicas e orgânicas e, finalmente, toma como síntese
o Espírito, entendido como a reinteriorização do mundo exterior pelo Ser. Esse
movimento se reproduz dialeticamente, em cada um de seus momentos, ou seja, Ser,
Natureza e Espírito contêm em si a possibilidade de negar-se e superar-se, atingindo,
assim, outros estágios de seu próprio desenvolvimento.
Desse modo, no interior do domínio do Ser, há um ser em si, um ser para si ou
manifestação do ser, que é a Essência (...) um ser voltado para si que é o conceito (...)"
(Bréhier, 1977b, p. 155). Portanto, o ser que se nega e se supera se constitui Idéia,
"unidade absoluta do conceito e da objetividade" (Hegel, Enciclopédia das ciências
filosóficas, S 213).
Ao negar-se, a Idéia constitui-se Natureza, manifestando-se em seu oposto, o
que, nas palavras de Hegel, significa dizer que "a natureza é a idéia absoluta, na forma
da alteridade..." (Propedéutique philosophique, troisième cours, S 96).
Assim entendida, a Natureza é o elemento mediador entre o Ser e o Espírito. Em
seu movimento triádico, a Natureza encontra sua superação no momento em que,
conquistada pelo Espírito, é reconduzida ao plano da Idéia. "O vir-a-ser da natureza é
um vir-a-ser na direção do Espírito " (Hegel, Propedéutique philosophique, troisième
cours, S 96).
Finalmente, também o Espírito desenvolve-se, dialeticamente, por meio dos
estágios do movimento triádico - Espírito subjetivo, Espírito objetivo e Espírito absoluto
- que se apresentam como as mais elevadas etapas de desenvolvimento que a
racionalidade humana pode atingir, em que se encontram as atividades que permitem
as mais altas realizações espirituais: o direito, a moral, a arte, a religião e,
principalmente, a filosofia. Em outras palavras,
Depreende-se desse sistema o caráter idealista da filosofia de Hegel, uma vez que,
para ele, a Idéia não se confunde com o pensamento subjetivo, confinado aos limites
de cada individuo. A Idéia constitui-se a própria realidade, na medida em que o mundo
real nada mais é que a exteriorização deliberada da Idéia. Decorre daí que o
pensamento não depende das coisas, mas estas é que dependem dele. Marcuse
(1978) lembra, a propósito, as palavras do próprio Hegel: "Ainda não se havia
percebido, desde que o Sol se fixara no firmamento, os planetas girando à sua volta,
que a existência do homem tinha como centro a sua cabeça, isto é, o pensamento, sob
cuja inspiração se construiu o mundo da realidade" (p. 19).
Enquanto sistema filosófico que se propôs e se marcou por seu caráter idealista, sua
importância não se fez sentir apenas no pensamento alemão do início do século XIX, mas
serviu de inspiração para outras correntes filosóficas que se desenvolveram posteriormente. A
marca dessa influência é a ruptura da unidade do hegelianismo, em duas tendências opostas: a
"direita" e a esquerda" hegelianas.
À "direita" coube as interpretações mais ortodoxas da obra de Hegel, ou seja,
aquelas que buscavam salientar aspectos do pensamento hegeliano que justificassem
as verdades da religião cristã ou que permitissem derivar posturas políticas
conservadoras. A “esquerda hegeliana, ao contrário, enfatizava o papel crítico do
pensamento de Hegel, retomando a proposta dialética para análise das questões
concretas que afetavam o homem da Alemanha da época, o que, inclusive em alguns
casos, significou a crítica do caráter teológico da obra de Hegel.
Entre os mais conhecidos representantes da esquerda hegeliana encontra-se
Feuerbach (1804-1872). Embora tenha sido discípulo de Hegel, definiu sua dissidência
em relação ao mestre ao buscar o desenvolvimento de uma filosofia materialista.
Crítico do cristianismo, suas obras geraram polêmicas, ao lado das de Bruno Bauer,
outro representante da esquerda" hegeliana.
Significativa ainda é a influência do pensamento hegeliano na formação teórica de
pensadores como Marx e Engels - influência reconhecida pelo próprio Marx -,
especialmente quando recuperam as categorias da dialética de Hegel.
A riqueza do sistema filosófico hegeliano revela-se nas polêmicas que gerou e
que contribuíram para a divulgação das idéias de Hegel não apenas no meio intelectual
alemão, mas também em outros países da Europa. Tal
esse progresso do Espírito continua e se concluirá através da história dos homens. Cada povo,
cada civilização, de certo modo, tem por missão realizar uma etapa desse progresso do
Espírito. O Espírito humano é de início uma consciência confusa, um espírito puramente
subjetivo, é a sensação imediata. Depois, ele consegue encarnar-se, objetivar-se sob a forma
de civilizações, de instituições organizadas. Tal é o espírito objetivo que se realiza naquilo que

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difusão não significou sempre busca de fidelidade às idéias originais do autor e, por
vezes, gerou críticas exacerbadas que levaram o hegelianismo a um certo abandono.
No nosso século, a doutrina filosófica de Hegel é retomada para ganhar novo e
significativo espaço, graças ao existencialismo, que buscou nas obras do jovem Hegel
aspectos que emprestassem apoio à sua doutrina; graças a correntes teológicas que
se dedicam ao estudo e à difusão das idéias hegelianas; finalmente, graças ao
reconhecimento da dimensão precisa da influência do pensamento dialético de Hegel
sobre o pensamento de Marx.
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• Olhar para a história Caminho para a compreensão da ciência hoje
Este livro resulta de uma experiência de mais de dez anos com material didático
elaborado para um curso de Metodologia Científica da PUC-SP. Pretende mostrar que o
método científico é histórico; que não se resume a técnicas; que está fundado em concepções
amplas de mundo, devendo ser avaliado tam
bém a partir delas; e que os problemas enfrentados pela filosofia, pela ciência, pelo
conhecimento são também históricos. Pretende, enfim, levar o leitor a refletir sobre a
ciência de modo mais abrangente, de forma não dogmática.
Para compreender a ciência contribui também para um repensar da ciência nas
suas várias áreas, explorando a relação entre aspectos sociais, políticos e econômicos
de um dado momento histórico e o pensamento filosófico que o marcou, e
apresentando, em cada grande período - Grécia Antiga, Europa Medieval, a Ciência
Moderna, séculos XXVIII e XIX - pensadores escolhidos por representarem os
confrontos do seu tempo e pela influência que exerceram ou exercem no pensamento
contemporâneo.
Maria do Carmo Guedes
• A descoberta da racionalidade no mundo e no homem Grécia Antiga:
Homero, Hesíodo, Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Pitágoras, Heráclito,
Parmenides, Demócrito, Sócrates, Platão, Aristóteles
• A fé como limite da razão Europa Medieval: Santo Agostinho, São Tomás de
Aquino
• A ciência moderna se institui A transição para o capitalismo: Galileu, Bacon, Descartes,
Hobbes, Locke, Newton
• A história e a crítica redimensionam o conhecimento O capitalismo nos séculos
XVIII e XIX: Berkeley. Hume, os iluministas franceses, Kant, Hegel, Comte, Marx
ISBN 858643598-8
178 8 5 8 6 4 3 5 9 8011

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