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0. Introdução
Dessa forma, não há que se falar em discurso e deixar de lado o conceito de sujeito,
de formação discursiva e de ideologia, uma vez que todo uso efetivo da língua é
perpassado pelas condições de produção, que envolvem tais definições, as quais
oportunamente serão abordadas neste trabalho.
A Análise do Discurso de linha francesa apóia-se nas idéias de Bakhtin (filósofo russo),
para sustentar a heterogeneidade de um discurso e o fato de um sujeito ser
perpassado pela ideologia.
Nesse sentido, Bakhtin (1992) afirma que o enunciado, seu estilo e sua
composição são determinados pelo objeto do sentido e pela expressividade, ou
seja, pela relação valorativa que o locutor estabelece com o enunciado.
Esclarece o autor:
O fato de ser ouvido, por si só, estabelece uma relação dialógica.
A palavra quer ser ouvida, compreendida, respondida e quer, por
sua vez, responder a resposta, e assim ad infinitum. Ela entra
num diálogo em que o sentido não tem fim. (BAKHTIN, 1992, p.
357).
Esse diálogo vai além da troca de enunciados. Ele é construído em razão da
relação com o sentido, a partir da compreensão de um enunciado. Um discurso,
até atingir seu objetivo, que é o de persuadir e construir sentidos, baseia-se
nas relações que mantém com o Outro, com o interlocutor.
Segundo Frêitas:
Assim, as palavras não são exclusividade de um único enunciador. Elas são sempre
escolhidas, levando-se em consideração as palavras de um Outro. São palavras que já
foram ditas em algum lugar da história e, por isso, impregnadas de valores
ideológicos, modificando-se o sentido em função do momento do uso.
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De acordo com Authier-Revuz (1990), existe uma polifonia não intencional de todo
discurso, advinda do inconsciente, sob a visão da Psicanálise, na leitura lacaniana de
Freud. Esta concepção do discurso atravessado pelo inconsciente se articula àquela do
sujeito que não é uma entidade homogênea exterior à linguagem. O sujeito é
descentrado, dividido, clivado, barrado entre o consciente e o inconsciente.
Esclarece a autora:
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Segundo Cardoso:
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Uma vez que as palavras não são propriedade exclusiva de ninguém, elas são
perpassadas pela História e podem ser apreendidas por outras vozes,
inconscientemente, quando da elaboração de um discurso.
Cabe, assim, ao sujeito a escolha das formulações que se tornarão parte de seu
discurso, mobilizadas para a construção de sentidos, de acordo com as condições de
produção.
É dessa forma que não se pode distanciar o sujeito da História e da Ideologia, bem
como da relação que ele mantém com a língua, conforme exposto a seguir.
Linguagem e sujeito
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Dessa forma, o filósofo vê a língua como um fato social, concreto, como expressão
individual que se realiza por meio das necessidades de comunicação. Por meio do
emprego da linguagem, o sujeito exprime sua capacidade de criação, sua
expressividade.
O homem, quando emprega sua língua socialmente, o faz orientado pelo contexto
social presente, buscando sempre se adaptar ao contexto imediato da fala.
De acordo com Brandão (1998), tal afirmação suscita muita crítica. Atualmente, os
analistas do discurso acreditam que a subjetividade é inerente a toda linguagem e o
caráter subjetivo existe, mesmo quando não se enuncia o “eu”.
O homem, quando constrói seu discurso, apropria-se da linguagem, toma-a como sua,
tornando-se sujeito da linguagem. Coloca nela toda sua capacidade de criação, de
expressão. Revela-se, mesmo descentrando-se, não usando a marca lingüística de
primeira pessoa.
Assim, estando o sujeito inscrito num espaço e num tempo, e sua fala sendo
orientada para o social, ele planeja e situa seu discurso em relação aos discursos do
outro, bem como, pela memória discursiva, apropria-se de outros discursos já
constituídos na história. Conforme já foi exposto no subtítulo “Noções de Polifonia”: na
fala de um sujeito, outras vozes também falam; o discurso é polifônico.
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Uma sociedade é organizada de acordo com uma hierarquia. Existe aquele que
domina e aquele que é dominado. Assim, em uma formação social existem classes
sociais.
Cada classe social mantém relações reproduzidas e garantidas por instituições, como
a religião, a escola, a família, o Direito, a política, nomeadas por Althusser como
“aparelhos ideológicos”.
Os discursos político, religioso, jurídico, entre outros, cada qual fará um recorte da
realidade. Eles podem, assim, omitir, atenuar ou mesmo falsear dados, pois estarão
promovendo seus discursos de acordo com formações discursivas diferentes.
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Nesse sentido, Brandão (1998) afirma que tais discursos são governados por
determinadas formações ideológicas. Selecionam elementos da realidade, modificando
as formas de articulação do espaço da realidade. Elas têm sua própria percepção de
mundo, têm sua própria ideologia.
O termo ideologia, de acordo com Chauí (1996), surgiu pela primeira vez no livro
Eléments d’Ideologie (Elementos de Ideologia), em 1801, escrito por Destutt de
Tracy. O autor pretendia elaborar uma ciência da gênese das idéias e elabora, nesse
livro, uma teoria sobre as faculdades sensíveis responsáveis pela formação de todas
as nossas idéias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar
(memória).
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Aos catorze anos, muda-se para o Rio de Janeiro, onde pôde usufruir, desde
cedo, de seus programas favoritos, como a música e o cinema.
Nessa mesma época, escrevia crítica e dirigia a página artística e literária, bem
como o caderno literário do Diário de Notícias.
Começa também a cantar com Maria Bethânia, sua irmã, e a produzir algumas
canções, quando é convidado a escrever uma música para uma peça de teatro
de Álvaro Guimarães.
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Participa do primeiro show “Nós, por exemplo”, ao lado de Gal Costa, Gilberto
Gil, Maria Bethânia e Tom Zé, na inauguração do Teatro Vila Velha, no ano de
1964.
Em 1966, recebe o prêmio pela melhor letra, “Um Dia”, no II Festival de Música
Popular Brasileira da TV Record de São Paulo.
Grava seu primeiro disco Domingo, em 1967, no qual inclui a canção “Alegria,
Alegria”. Com esta música, ganha o quarto lugar no III Festival de Música
Popular Brasileira da TV Record, festival que foi o ponto de partida para o
movimento tropicalista, movimento que reuniu Torquato Neto, José Carlos
Capinam, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e Rogério Duprat.
O corpus
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O regime militar
A política da ditadura teve início logo nos primeiros dias do mês de abril de
1964, após o golpe que derrubou o presidente João Goulart.
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No entanto, tais objetivos não foram alcançados em sua plenitude, uma vez que
não foi possível diminuir o déficit da balança de pagamentos e as diferenças
regionais, bem como não houve também o controle da inflação, que chegou a
223% em 1984.
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A um passo da abertura
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Também marcaram a década a Pop Art, que consistia em usar o “lixo” para
criar arte, e a Arte Ambiental, que buscava o envolvimento com o público de
modo mais direto e agressivo.
Com referência ao teatro, em São Paulo, no ano de 1966, era encenada Morte e
Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, com músicas de Chico Buarque de
Holanda. O espetáculo ganhou o prêmio maior do Festival de Teatro Amador de
Nancy, na França.
Na poesia, havia, cada vez mais, uma apurada reflexão sobre a realidade e a
busca de novas formas de expressão. Mantinha-se a tradição da poesia
discursiva e tinha-se a permanência de nomes consagrados como João Cabral
de Melo Neto, Adélia Prado, Mário Quintana e Ferreira Gullar.
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É importante destacar que foi durante o mesmo período que a Poesia Concreta
foi lançada oficialmente. Ela propunha o poema-objeto, em que se utilizavam
múltiplos recursos: o acústico, o visual, a carga semântica, o espaço tipográfico
e a disposição geométrica dos vocábulos na página, refletindo, tanto na forma
quanto no conteúdo, as mudanças ocasionadas pela acelerada industrialização.
Os principais precursores dessa tendência foram Oswald Andrade e João Cabral
de Melo Neto, e os principais realizadores, Décio Pignatari, Haroldo de Campos
e Augusto de Campos.
A platéia dos programas e dos festivais era formada pela juventude estudantil,
que aplaudia e participava ativamente da contestação ao regime militar.
Por volta de 1965, surgiu a Jovem Guarda. Tal movimento, no entanto, foi o
menos transgressor dentro da Música Popular Brasileira. Conforme afirma
Oliveira e Silva (2004), as músicas da Jovem Guarda não eram engajadas, pois
não denunciavam a política social que o país vivia, bem como não propunham a
participação popular.
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É importante salientar ainda que, para Caetano Veloso (1997), nada do que
veio a se chamar Tropicalismo teria tido lugar sem o filme Terra em Transe, de
Glauber Rocha. No filme, o poeta-protagonista trazia uma visão amarga e
realista da política, que contrastava flagrantemente com a ingenuidade de seus
companheiros de resistência à ditadura militar recém-instaurada. Imagens de
grande força confirmavam a impressão de que aspectos inconscientes de nossa
realidade estavam à beira de se revelar.
A atividade dos tropicalistas foi definida por Favaretto (1979) como uma relação
entre fruição estética e crítica social, em que esta se deslocou do tema para os
processos construtivos. O autor continua afirmando que a linguagem leve e a
tranqüilidade do acompanhamento dos Beat Boys e da interpretação de Caetano
surpreenderam o público, acostumado a vibrar diante de canções com declarações de
posição agressiva e trágica frente à miséria e à violência.
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Segundo Villaça (2004), o movimento teve fim com a prisão de Caetano e Gil,
em fins do ano de 1968, provocada pela acusação formal do apresentador Randhal
Juliano de que Caetano havia queimado a bandeira brasileira e plagiado o hino
nacional em um dos shows realizados na Boate Sucata. No entanto, muitas das
canções produzidas posteriormente ao momento tido como o marco final ainda
expressam, de maneira muito explícita, características tropicalistas.
As três letras das canções, objetos de estudo, foram escolhidas de acordo com
os períodos retratados anteriormente.
“Tropicália” (Ditadura)
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Viva a bossa-sa-sa
Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça
Viva a bossa-sa-sa
Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça
Viva a mata-ta-ta
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta
Viva a mata-ta-ta
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta
Viva Maria-ia-ia
Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia
Viva Maria-ia-ia
Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia
Viva Iracema-ma-ma
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Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma
Viva Iracema-ma-ma
Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma
Viva a banda-da-da
Carmem Miranda-da-da-da-da
Viva a banda-da-da
Carmem Miranda-da-da-da-da
A princípio, conta Caetano (1997) que a canção não tinha nome, mas que
justificava para ele a existência do disco, do movimento e de sua profissão que
ainda lhe parecia provisória. Era também a que mais se aproximava do que lhe
fora sugerido pelo filme Terra em Transe, de Glauber Rocha.
“Tropicália” foi um nome proposto por Luís Carlos Barreto, fotógrafo jornalístico
que tinha se tornado produtor de cinema, depois de trabalhos como diretor de
fotografia em Vidas Secas e em Terra em Transe. A sugestão explica-se pelo
fato de que Barreto havia encontrado afinidades entre a música de Caetano e o
trabalho de mesmo nome apresentado pelo artista plástico Hélio Oiticica.
Além dos signos que constroem o contexto da realidade do país, Caetano aciona
vozes já ditas por um outro sujeito, e as coloca em contradição.
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Assim, a polifonia faz parte da construção da imagem do país, uma vez que as
vozes utilizadas visam à construção de um significado, de uma ideologia, que
deve ser de entendimento do sujeito interlocutor inserido naquele contexto
sócio-histórico.
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Por último, Caetano traz a citação de Roberto Carlos “Que tudo mais vá pro
inferno, meu bem”, fazendo referência à Jovem Guarda, completando o esboço
do panorama da Música Popular Brasileira dos anos 60.
Nesta canção, o sujeito parece ser mais lírico, mais único e mais observador,
limitando-se ao registro do que vê e do que sente. Como exemplo disso, cito
alguns trechos da tradução de Nestor Deola (apud FRANCHETTI e PÉCORA,
1981).
Na primeira estrofe, o sujeito procura situar o espaço onde ele está produzindo
a letra, repetindo por três vezes o nome da cidade: “Londres”.
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Entre as duas frases que fazem referência ao policial, existe uma espécie de
divagação: “É bom estar pelo menos vivo e eu concordo”, expressão da qual se
pode inferir o sentimento de alívio. O fato de estar vivo causa alívio, apesar de
aparentemente não estar feliz. Pode-se inferir tal fato porque o sujeito
enunciador usou a expressão “pelo menos”.
Logo mais, a expressão “É bom viver em paz todos os dias/ Todos os anos e eu
concordo” permite a inferência de que o sujeito está relacionando o fato de ter
visto a atitude cordial do policial, comparando-o ao passado de ditadura vivido
dentro do Brasil. Existe ainda, como se fosse uma segunda voz, a afirmação “e
eu concordo”. Ela foi trazida como uma resposta do sujeito consciente ao
inconsciente, como um discurso interior, ou seja, do sujeito que precisa estar
presente ali, ao sujeito que ainda traz muita angústia e mágoa por não ter sido
aceito em seu próprio país.
Na última estrofe, ele reafirma o sentimento de ser estranho, fora de seu país:
“Eu não escolho rosto para olhar”. As pessoas a seu redor lhe são indiferentes.
Assim como o caminho é indiferente: afinal, ele não se encontra em sua pátria,
onde deixou os familiares, os amigos e a Bahia, onde provavelmente os rostos e
os caminhos são mais interessantes.
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“Apenas estou aqui e está tudo bem”: tal afirmação denota o tom melancólico,
permitindo a inferência de que o sujeito se encontra com o sentimento de
conformidade com uma situação que o contraria.
No fim de cada uma das duas primeiras estrofes, existe o verso: “Enquanto
meus olhos procuram por discos voadores no céu”, reafirmando o sentimento
de solidão, o sentir-se como um objeto não identificado, fora de seu país. A
conjunção subordinativa temporal causa o efeito de sentido de movimentos que
acontecem concomitantemente. Neste caso, o descrever as pessoas e a cidade
de Londres acontece ao mesmo tempo em que existe o sentimento de estar só
e estranho.
“Língua” (Abertura)
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Caetano, sempre atento às mudanças de seu tempo, não deixa de fazer aqui
também, assim como em “Tropicália”, associações entre a atualidade e a
tradição.
Quando inicia a letra da canção com “Gosto de sentir (...)/ Gosto de ser e de
estar (...)/ Gosto do Pessoa (...)”, 1º, 2º e 6º versos respectivamente, traz
para o corpo de sua música a voz de Bernardo Soares (Fernando Pessoa), que
no Livro do Desassossego afirmava “Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de
palavrar”.
No último verso antes do refrão, traz novamente a voz de Bernardo Soares, que
na obra anteriormente mencionada diz: “Minha pátria é a língua portuguesa”, e
que Caetano modifica para “Minha pátria é minha língua”, remetendo o sujeito
interlocutor ao fato de que o Brasil não fala o português de Portugal, e sim a
língua brasileira, português do Brasil, caracterizada pela heterogeneidade
lingüística, em virtude se ser um país colonizado.
Outros dois grandes nomes da Literatura são citados ainda no primeiro verso:
“Gosto do Pessoa na pessoa, da rosa no Rosa”. Jogando com as palavras, de
maneira lúdica, ele faz referência a Fernando Pessoa, que escrevia por meio de
seus muitos heterônimos, dividindo-se em diversas vozes poéticas, e a
Guimarães Rosa, que criou a personagem “Diadorim”, a qual Caetano nomeou
de “rosa”, e que também não tinha, a princípio, identidade definida.
No próximo verso, “E quem há de negar que esta lhe é superior”, Caetano quer
conferir superioridade à prosa de Guimarães Rosa, à língua nacional,
confirmando tal efeito de sentido pela expressão: “E deixe os portugais
morrerem à míngua”.
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Caetano faz citações também dos nomes: “Scarlet Moon”, jornalista e atriz
carioca, que acompanhou o nascimento do rock pop; “Glauco Mattoso”, poeta,
ficcionista, ensaísta e articulista em diversas mídias; “Arrigo Barnabé”,
compositor singular da Música Popular, com características que vão do
dodecafonismo à atonalidade; e “Maria da Fé”, poeta portuguesa que se dedicou
a ler e a escrever desde muito nova, e que era admiradora de Antero de
Quental e de Fernando Pessoa.
Em “Blitz quer dizer corisco, Hollywood quer dizer Azevedo”, Caetano coloca
termos da língua inglesa com significados aleatórios. Podemos inferir que se
trata de uma ironia em razão do uso aleatório de estrangeirismos dentro do
Brasil. Neste caso, para o sujeito enunciador, a língua nacional deve ser
investida de significados por e para sujeitos, ainda que existam as variedades
lingüísticas.
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O sujeito enunciador traz ainda para a canção uma série de outros registros
discursivos, remetendo a diversas outras vozes exteriores ao discurso como:
“Tá craude brô/ Você e tu lhe amo/ Qué qu’eu te faço, nego?/ Bote ligeiro/
Arigatô, Arigatô”, registros da linguagem coloquial comumente encontrada em
diferentes regiões do Brasil, berço que acolhe as etnias e variedades lingüísticas
ímpares.
nacional como cheia de vida. Que é possível falar dentro dos livros, dos discos e
dos vídeos. Estes meios de comunicação transmitem, respectivamente, o texto
escrito, a música e o texto oral (programas de TV, filmes, telejornais). Por meio
deles, é possível falar todas as línguas, refletir ideologias, construir sentidos,
ser fraternos diante da imensa variedade lingüística presente no país.
5. Considerações finais
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Referências Bibliográficas
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CARDOSO, Sílvia Helena Barbi. Discurso e ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
DOMINGUES, Joelza E; FIUSA, Layla P. Leite. História: O Brasil em foco. São Paulo:
FTD, 2000.
FAVARETTO, Celso F. Tropicália: alegoria, alegria. São Paulo: Kairós, 1979.
FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. Série Princípios. 7. ed. São Paulo: Ática.
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OLIVEIRA, Gabriela Alves Dourado; SILVA, Maria Rosalina Piorino da. Análise de
músicas bregas. Taubaté. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Graduação de
Letras). Universidade de Taubaté, 2004.
PILETTI, Nelson. História do Brasil. 14. ed. São Paulo: Ática, 1996.
VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
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Anexo
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