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18 Outubro 2016
Os pontos da discórdia
Mas atentemos aos seis pontos do Acordo de Paz, ora suspenso: I) Reforma agrária integral (que
inclua distribuição de terras e políticas agroalimentares); II) Reforma política (abertura democrática
com inclusão de setores excluídos e transparência); III) Fim do conflito armado (trégua, entrega de
armas e reincorporação dos guerrilheiros à vida civil); IV) Questão dos cultivos proibidos pela lei
(promoção de atividades alternativas e produção comunitária, enfrentamento dos cartéis e milícias
do narcotráfico a da corrupção estatal); V) Questão das vítimas (por verdade quanto aos mortos e
desaparecidos, justiça e reparações – segundo “jurisdição especial”); VI) Questões práticas
imediatas (implementação, verificação e referendo).
Passado o espanto com a derrota, vieram as análises mais frias. Apesar de seu histórico
ultraconservador, o esforço de Uribe soou desmedido. Até mesmo o estadunidense The New York
Times afirmou em editorial que sua mobilização pelo “Não” foi “excessiva” e “enganadora”, e
ainda, que isto foi admitido em entrevista pelo próprio coordenador da campanha, quem afirmou
que evitou tratar do “conteúdo” do Acordo, apelando antes para uma emotiva “mensagem de
indignação”; chegou-se ao cúmulo de sustentar “sem nenhum argumento” que o acordo prejudicaria
o “setor privado” e que os “marxistas” seriam anistiados.
Por trás do empenho de Uribe e seus asseclas em recusar os termos do Acordo, apesar do discurso
de aparências – contra a “impunidade”, contra os “tribunais especiais” (que apesar do que ele diz,
não propõem anistias, mas ampla e diversa participação, inclusive de membros estrangeiros, de
modo a evitar o sistema viciado característico das chamadas Justiças Nacionais), e contra o “castro-
chavismo” que avançaria no país –, há contudo interesses bastante concretos (e menos nobres) do
atual senador extremo-direitista, sobretudo no âmbito econômico e jurídico.
Na opinião de um representante das elites colombianas “pacifistas”, um colunista do El Espectador
– jornal de direita moderada –, afirma que não foi a questão da reforma agrária, ou qualquer outro
ponto, que causou as maiores preocupações do latifundiário Uribe, mas sim o quinto item – o das
“vítimas” e da “jurisdição especial”. E isto, diz o jornalista, não porque ele pense que as penas serão
leves para os guerrilheiros, mas porque sabe que há milhares de militares presos e envolvidos com o
conflito, e que grande parte deles está ligada a atividades paramilitares – como massacres e
extorsão, além do caso dos “falsos positivos” (grandes recompensas do governo pela captura de
guerrilheiros, que levaram a quase duas mil execuções de inocentes). Portanto, bastaria que, em um
processo de delação premiada, alguns destes militares resolvessem falar o que sabem, para que o
império uribista desmoronasse.
Figura carismática – espécie de populista ultraconservador –, Uribe chegou à presidência nos anos
2000, com seu discurso e práticas belicistas, numa época em que a Colômbia, depois de Israel, já
era a nação do mundo que mais recebia verbas militares dos EUA. Todavia, como é fato público,
sua trajetória política é ligada ao paramilitarismo e ao narcotráfico. Em meio a seu curioso
histórico, cabe mencionar um documento-chave – e que pode ser encontrado publicamente na rede.
Em março de 1991, a Agência de Inteligência da Defesa dos EUA (DIA) elaborou uma listagem
com 104 nomes relacionados com os cartéis de narcotráfico, especialmente de Medelim. O
levantamento de 14 páginas somente seria tornado público em 2004 – quando Uribe já era
presidente. Dentre os acusados (conforme reportagem do El Espectador), mais de 80%, em meados
dos 2000, ou tinham sido processados, ou já estavam presos, ou tinham sido abatidos pelas máfias.
Mas havia, porém, um ponto fora da curva: o “número 82”, Álvaro Uribe. O então senador
colombiano era, segundo o governo dos EUA: “dedicado à colaboração com o cartel de Medelim,
amigo próximo do [narcotraficante] Pablo Escobar, vinculado com negócios conectados a
atividades de narcotráfico nos EUA”. E ainda: “seu pai foi assassinado por conexões com
narcotraficantes” (e não pelas Farc, como ele afirma). Em seu estilo “típico” – completa o jornal –
Uribe, quando questionado sobre os fatos, tentou desqualificar o repórter e disse que ninguém tem o
direito de “duvidar de sua honra”, sem jamais ter tentado explicar o caso.
Assim, como que confirmando as tantas suspeitas, não soaram estranhas as exigências que há dias
Uribe explicitou a Juan Santos, como requisitos para retirar sua oposição à paz. Dentre os pontos, os
principais são: a recusa de que o narcotráfico seja qualificado de crime político (pois, neste caso,
como mencionado, muitos militares estariam sujeitos aos “tribunais especiais” – e daí, às
atemorizantes delações premiadas); a proposta de que os militares e policiais condenados por atos
relacionados ao conflito (caso dos “falsos positivos”) sejam contemplados com uma “norma de
alívio judicial”; e por fim, como não poderia deixar de ser, que não se afete a “propriedade honesta
da terra” na Colômbia, e que os acordos se dêem (somente) na medida das “possibilidades
orçamentárias e econômicas do país”.
Um passo atrás
Desde o ponto de vista da guerrilha leninista, compreende-se que tal Acordo foi um gesto tático –
um passo atrás –, motivado pelas tantas condições desfavoráveis das últimas décadas. Como se
sabe, desde que a União Soviética perde a Guerra Fria para os Estados Unidos (derrota não bélica,
mas político-econômica), os anos 1990 trariam um novo cenário – de unipolaridade – para as
relações internacionais. Por este período (a chamada “década perdida”), os EUA dominaram
hegemonicamente a política global, difundindo seu discurso da vitória do pensamento único e
impondo as práticas neoliberais a cada rincão do planeta.
Por esta época de declínio das forças políticas progressistas, muitos setores da esquerda também
sucumbiram às ilusões vendidas pela suposta “democracia liberal” – de que as guerras seriam
causadas pelas resistências armadas, e que portanto era preciso se resistir de modos menos diretos.
Dessa maneira, qualquer resistência ativa passou a ser malvista por este progressismo moderado
que, sobrevivente, ganhava os espaços da crítica.
A este processo, se seguiria a década reformista (anos 2000), em que propostas
neodesenvolvimentistas pareceram dar conta de promover as reformas mínimas que tirariam, por
fim, nossas nações periféricas da miséria crônica – da situação colonial que ainda perdura em tantos
aspectos. Contudo, tal retomada de ânimo das forças de esquerda foi, há uns anos, interrompida,
pela atual crise econômica – que tem sido devastadora à economia dos povos emergentes.
Essa conjuntura negativa, somada, é certo, à hegemonia ideológica da mídia corporativa (que
constrói nossas verdades diárias) e ao cansaço que traz uma guerra tão longa a qualquer ser humano
(em especial àqueles “condenados da terra” que se situam em meio às balas, sem compreender os
motivos), abalaria substancialmente o apoio das guerrilhas.
Deste modo, isolada em meio aos discursos hegemônicos, a luta das Farc passou a ser deslocada do
cenário da legitimidade, deixando de ser vista como uma luta social, para ser refutada como atos de
“mentes terroristas e gananciosas” que visariam “lucrar com o narcotráfico”. Restou, porém, a essas
vozes predominantes explicarem onde tais “mentes criminosas” têm gasto seu ambicionado capital
(dada a precariedade de possibilidades de consumo, luxo e conforto que oferece a selva Amazônica,
até onde se sabe).
Que fazer?
Passado o abalo da derrota, o presidente Juan Santos fixou a data do fim da trégua com a guerrilha –
o último dia deste ano –, gesto com que visa talvez acelerar o andamento das renegociações.
Neste ínterim, uma voz generalizada ganha corpo, defendendo que o plebiscito só é um obstáculo
de ação para o governo, mas não para o Congresso ou para a Corte Constitucional. Um grupo de
magistrados aventou a possibilidade de que pode inclusive se decidir por repetir a votação nas áreas
afetadas pelo furacão, posto que isto se configurou em um “vício de realização” do procedimento
eleitoral.
Cabe agora aguardar. E enquanto isto, os guevaristas do Exército de Libertação Nacional – segundo
grupo revolucionário do país – iniciam cautelosamente seus diálogos de paz com o governo, tendo
libertado na última semana um ex-prefeito e um fazendeiro que se encontravam sob o poder dos
guerrilheiros.
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