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Saúde & Transformação Social


Health & Social Change

Artigos Originais

O Quotidiano e o Imaginário no Processo Saúde-Doença para


as Famílias Quilombolas
The Imaginarium of Lifestyle and Health-Disease Process for Families Quilombolas

Rosane Aparecida do Prado1


Juliana Fernandes da Nóbrega1
Gerusa Ribeiro1
Rafaela Vivian Valcarenghi2
Rosane Gonçalves Nitschke3
1
Docente, Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC), Florianópolis, SC – Brasil
2
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC – Brasil
3
Professora Adjunta, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC – Brasil
RESUMO - Trata-se de um estudo qualitativo do tipo descritivo-exploratório realizado em uma comunidade de remanescentes quilombolas da
região sul do Brasil. Teve-se como objetivo conhecer o quotidiano e o imaginário do processo saúde-doença para as famílias de remanescentes
quilombolas e, tecer reflexões sobre o cuidado necessário a esta comunidade adotando o enfoque da Promoção da Saúde. A coleta dos dados
foi efetuada por meio de entrevistas semi-estruturadas realizadas com 12 famílias durante o ano de 2011, nas atividades de um Projeto de
Extensão. Optou-se pela análise temática sugerida por Minayo (2010). Tendo emergido duas categorias de análise: “Concepções do processo
saúde-doença para as famílias quilombolas” e “Maneiras de cuidar da saúde para as famílias quilombolas”. Os resultados do estudo foram
discutidos à luz da Sociologia Compreensiva trazida pelo sociólogo Michel Maffesoli, apontando para a necessidade de transformações no
cuidado á saúde, especialmente, indicando rumos para uma atuação de enfermagem que considere as pessoas e famílias como participantes
ativos dentro do processo de adoecer e ser saudável.
Palavras-chave: Enfermagem familiar; Atividades cotidianas; Processo saúde-doença; Promoção da Saúde; Saúde da Família.

ABSTRACT - This is a qualitative study of the descriptive-exploratory study on a community of Maroons remaining in southern Brazil. Had as
objective to know the everyday and imaginary disease process for families remaining Maroons and weaving reflections on the necessary care to
this community by adopting the approach of Health Promotion Data collection was conducted through interviews semi-structured interviews
with 12 families during the year 2011, the activities of an Extension Project. We opted for the thematic analysis suggested by Minayo (2010).
Having emerged two categories of analysis: "Conceptions of the disease process for families Maroons" and "Ways of health care for families
Maroons". The study results were discussed in light of the Comprehensive Sociology brought by sociologist Michel Meffesoli, pointing to the
need for changes in health care will especially indicating directions for a nursing performance that consider people and families as active
participants in the process sick and being healthy.
Keywords: Family nursing; Activities of daily living; Health-Disease Process; Health Promotion; Family Health.

1. DEPENDÊNCIA
A família contemporânea passa por diversas a dinâmica familiar. Podemos dizer, então, que a
mudanças, como a diminuição do número de filhos, a família se constrói, se desconstrói e se reconstrói
inserção da mulher no mercado de trabalho, o buscando novas e outras formas de adaptação às
encontro entre diferentes gerações, o aumento das
famílias monoparentais chefiadas por mulheres e a
Autor correspondente
frequência de divórcios, caracterizando-se por uma Rosane Aparecida do Prado
1
grande variedade de formas denotando famílias Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa
plurais. Catarina (IFSC).
Avenida Mauro Ramos, Nº950, Centro.
Essas transformações parecem traduzir os avanços CEP: 88020-300 - Florianopolis, SC - Brasil
na comunicação, tecnologia, globalização, questões de Telefone: (48) 2210500
Email: rosane@ifsc.edu.br
gênero, entre outros aspectos. Assim, cada uma
dessas mudanças, isoladas ou em conjunto, refletem Artigo encaminhado: 11/09/2013
em questões que são fundamentais para a estrutura e Aceito para publicação: 27/10/2013

Sau. & Transf. Soc., ISSN 2178-7085, Florianópolis, v. 4, n. 4, p. 47-53,2013.


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novas demandas . Para delinear estas ponderações, buscaremos
subsídio teórico na Sociologia Compreensiva de Michel
Nesse sentido, observa-se que a complexidade da
Maffesoli que enfoca o quotidiano e o imaginário. As
família demanda outros e novos olhares, numa persp
obras do sociólogo fundamentam-se na razão sensível,
ectiva de apreensão e compreensão de cada
3 isto é, a harmonia entre a sensibilidade e a
contexto . Entretanto, ainda podemos pensar a família
interpretação racional num movimento que integra o
como um sistema de interações e relações guiado por
simbólico, o imaginário e, ao mesmo tempo, a razão e
princípios e determinado por fatores diversos, 7
os sentidos .
permitindo assim, evolução em seu desenvolvimento.
A família tem um papel significativo para existência A noção de quotidiano que utilizaremos neste
humana, sendo que em cada fase da vida, o indivíduo estudo é entendida como “a maneira de viver dos
pode vivenciar uma relação que expressa uma seres humanos que se mostra no dia-a-dia, através de
2
influência de sua família . suas interações, crenças, valores, significados, cultura,
símbolos, que vai delineando seu processo de viver,
A partir das nuanças e da complexidade que
num movimento de ser saudável e adoecer,
envolve o conceito ou noção de família, o presente 8
pontuando seu ciclo vital” .
estudo dirige o olhar para as questões referentes às
famílias quilombolas, as quais possuem suas É no quotidiano que as imagens se apresentam
peculiaridades e especificidades, sendo ainda pouco formando nosso imaginário. Estas profusões de
investigadas pelos profissionais de saúde, no sentido imagens carregadas de significados produzem o
de conhecer sua realidade e planejar ações para imaginário coletivo numa relação de retroalimentação
promover sua saúde. (imagem – imaginário). Assim, podemos inferir que o
mundo imaginal expressa uma cultura,
O quotidiano e o imaginário das famílias no
comportamentos e valores em um determinado
processo saúde-doença remetem ao tema de
contexto histórico-social.
promoção da saúde, onde as pessoas necessitam ser
protagonistas dos seus cuidados, e a enfermagem No imaginário ancoram-se as complexas relações
pode ter um papel relevante nesse aspecto, humanas e ambientais, que envolvem a cultura, a
identificando as necessidades singulares das famílias e religiosidade, a situação sócio-econômica - política e as
auxiliando na potencialização de seus papéis frente às expectativas intrínsecas de cada pessoa. Isto não pode
situações de saúde-doença. A família é importante ser mensurado, todavia, pode ser considerado em prol
enquanto grupo coletividade, bem como espaço de da pessoa, família, comunidade e da sociedade.
cuidado, de fortalecimento do sujeito, de apoio, de
4 É nesta perspectiva que se baseia parte dos
escuta, de sentimento e na promoção da saúde .
princípios da Promoção da Saúde, ao propor ações
As famílias da comunidade quilombola são para impulsionar, favorecer, fomentar e trabalhar a
descendentes de negros escravos habitando uma favor da produção de saúde sustentada por uma
comunidade rural onde se organizam em sua cultura; concepção ampliada do processo saúde-doença.
5
hábitos e costumes. Segundo o Ministério da Cultura ,
A Promoção da Saúde compreende o
os remanescentes das comunidades dos quilombos
desenvolvimento de programas, políticas e atividades
são os grupos étnico-raciais, com trajetória histórica
planejadas de modo a alcançar a população como um
própria, dotados de relações territoriais especificas,
todo em seu quotidiano, não se reduzindo a uma
com presunção de ancestralidade negra relacionada
intervenção sobre grupos de risco para doenças
com a resistência à opressão histórica sofrida. 9
específicas . Imprimindo, portanto, um cunho técnico-
A enfermagem, ao realizar atividades com político amplo que permite lançar novos olhares para a
comunidade de quilombolas, vislumbra oportunizar às atuação dos profissionais da saúde.
pessoas interrogarem-se acerca de sua saúde, sobre
Ao adotar esta abordagem, acreditamos na
suas condições de vida e de hábitos saudáveis,
possibilidade de encontrar alicerces para desenvolver
atitudes e sensibilização ao cuidado pessoal e ao
com às famílias e comunidades quilombolas, meios
ambiente, “em um contexto mais amplo de
para aumentar o controle sobre os determinantes
comunidade, não poderia ser assim chamado se não
sociais da saúde com vistas a promover condições para
for tecido de histórias de vida/biografias
partilhar saberes e decisões juntos aos profissionais da
compartilhadas; esse tecido é constituído de fios
6 saúde.
intersubjetivos ou juízos subjetivos” .

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Diante da discussão exposta, este estudo teve através do quotidiano. Para realização do estudo,
como questão norteadora: Como é o quotidiano e o seguiram-se os pressupostos da Resolução nº 196/96
imaginário do processo saúde-doença para as famílias do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da
quilombolas? Saúde (MS), que preza pelo seguimento das quatro
normas básicas de bioética: autonomia, não
2. OBJETIVOS
maleficência, beneficência e justiça. O projeto foi
Conhecer o quotidiano e o imaginário do processo submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
saúde-doença para as famílias quilombolas. Humanos (CEPSH) do Instituto de Cardiologia de Santa
Catarina, sendo aprovado pelo parecer número:
3. PERCURSO METODOLÓGICO
02/2011 na data de 31 de janeiro de 2011. A
Trata-se de um estudo qualitativo descritivo- autonomia dos participantes da pesquisa foi garantida
exploratório, realizado em uma comunidade de através do Termo de Consentimento Livre e
remanescentes de quilombolas na região sul do Brasil Esclarecido (TCLE), sendo que para cada família foi
em um Projeto de Extensão. Os coordenadores do atribuído um codinome, de acordo com aspectos
projeto foram dois professores enfermeiros com o culturais de comunidades Quilombolas.
apoio do grupo de docentes e discentes vinculados ao
4. RESULTADOS
Curso Técnico em Enfermagem de uma instituição
pública de autarquia federal do estado de Santa Neste tópico, apresentamos um recorte do trabalho
Catarina. A coleta dos dados foi efetuada por meio de desenvolvido com a comunidade de remanescentes
entrevistas semi-estruturadas realizadas com 12 quilombolas, onde buscamos conhecer o quotidiano e
famílias. As famílias, neste caso, foram representadas o imaginário das famílias diante das situações que
por membros (geralmente duas ou três pessoas) que, envolvem a saúde e doença. As 12 famílias
naquele momento, estavam disponíveis e que se participantes trouxeram sua perspectiva, e, a partir do
consideravam elemento chave daquela unidade diálogo, permitiram uma coleta de dados, que, após
familiar. Para a coleta dos dados, adotou-se a serem transcritos, organizados e analisados,
estratégia de visita domiciliar, guiada pela Agente possibilitaram a emersão de duas categorias:
Comunitária de Saúde (ACS) da Unidade Básica de “Concepções do processo saúde-doença para as
Saúde (UBS) do bairro, com o caráter de observação, famílias quilombolas” e “Maneiras de cuidar da saúde
conhecimento e levantamento das principais para as famílias quilombolas”, levando-nos a repensar
necessidades das pessoas que habitam a localidade, sobre as formas de abordagem dos profissionais da
fornecendo subsídios para posterior organização e saúde junto às famílias desta comunidade. Todavia,
planejamento de ações educativas em saúde. importa alertar que estas categorias estão
profundamente interligadas e repletas de significados
Desta forma, procuramos obter informações que
que certamente não conseguiremos esgotar neste
indicassem o conhecimento do quotidiano daquelas
momento.
famílias e que estivessem relacionadas ao processo
saúde-doença. Os questionamentos pautaram-se no 4.1 Concepções do processo saúde-doença para as
tempo de residência na comunidade, situação sócio- famílias quilombolas
econômica e de trabalho, perfil familiar de saúde e
Nesta categoria, elencamos as noções manifestadas
questões sobre a relação saúde e ambiente percebida
pelos participantes do estudo, sendo extraídas de seu
pelos residentes. Neste manuscrito, vamos nos limitar
dia-a-dia e vinculadas as produções imaginárias das
a responder três questões: 1) O que é saúde para
famílias quilombolas. As famílias enfatizaram que
você? 2) O que é Doença para você? 3) O que é
saúde é estar apto para o trabalho e poder contar com
importante para manter sua saúde e da sua família?
uma assistência de saúde que disponibilize a entrega
Os encontros com a comunidade foram mensais e de medicamentos, propiciando consultas médicas à
ocorreram entre os meses de agosto a dezembro de população, conforme podemos verificar nas falas
2011, sendo sempre aos sábados. Os dados foram abaixo:
registrados sendo posteriormente organizados. Optou-
10 “Saúde é estar sem doença para trabalhar!”
se pela análise temática sugerida por Minayo . Deste (Caçandoca)
modo, frente aos dados coletados, os pesquisadores
realizaram inferências e interpretações guiadas pelo “[...] é ter atendimento médico e
medicamento no posto!” (Palmares)
acervo teórico selecionado, procurando pistas em
torno das dimensões sugeridas pela leitura do material
e também pelas interações em locus apreendidas

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As famílias, ao resgatarem de seu imaginário o expressa um cultura produtivista, impregnada de um


significado de doença, sinalizaram que estar doente é energismo, tão característico do perfil da modernidade
não ter como trabalhar e prover o sustento da casa, de nossa sociedade. No entanto, esta característica
como as seguintes afirmações também fomenta um significado de saúde como
ausência de doença, restringindo seu conceito ao
“[...] é ficar sem trabalhar” (Abuí)
campo biofisiológico.
“Ficar doente é estar acamado e depender de
outros” (Camburí) O conteúdo destes dados permite repensarmos a
atuação dos profissionais da saúde e a herança que
tem se propagado na sociedade. Assim como o estudo
11
4.2 Maneiras de cuidar da saúde para as famílias de Souza que indica a iminente necessidade de
quilombolas retomar o quotidiano das famílias para partir em busca
de um cuidado de enfermagem mais sensível e que
Esta categoria faz o elo entre as concepções do
procura um atendimento holístico e plural.
processo saúde-doença apresentadas e as maneiras
pelas quais as famílias buscam manter a saúde e O tema saúde dos quilombolas é ainda incipiente e
conduzir situações diante da doença. precisa trilhar um longo caminho de debates e
reflexões. O autor prossegue concluindo que a
As famílias elegem como indispensável no cuidado
literatura demonstra uma grande disparidade na
da família contar com uma assistência em saúde
atenção à saúde. No Brasil, com uma realidade de
eficiente, sendo apontado como dispositivo a Unidade
pessoas historicamente marginalizadas, faz-se
Básica de Saúde (UBS), proporcionando consultas
necessário o envolvimento social e profissional para
médicas e o fornecimento de medicamentos como 12
transfiguração desta realidade .
manifestado nas colocações:
Pensar a pesquisa e o cuidado ás famílias implica
“Importante contar com atendimento
médico e com os remédios no posto!” (
em considerar o comportamento de cada um de seus
Quilombo) membros, no qual o cuidado ao indivíduo-família
envolve também, auxiliá-los a desenvolver resiliência
Frente a este panorama, apreendemos que as 3
frente às situações de risco e danos à saúde .
noções sobre o processo saúde-doença, bem como as
maneiras de cuidado das famílias quilombolas, Nas diversas formas de famílias que podem ser
encontram-se ancoradas numa vertente que propaga visualizadas, evidencia-se um papel importante
fortemente a medicalização como única alternativa de enquanto grupo, coletividade, uma tribo, no dizer
tratamento e ainda um entendimento restrito de que maffesoliano, enquanto espaço de cuidado, de
o atendimento em saúde é representando promoção dos sujeitos, de apoio entre si.
basicamente pela figura do médico prescritor. As maneiras pelas quais as pessoas se relacionam
5. DISCUSSÃO com outros e com o contexto, os valores nos quais
acreditam, o que é aceito ou tolerado em uma
Na categoria “Concepções do processo saúde-doença comunidade, são fundamentais para pensarmos em
para as famílias quilombolas”, foi possível nosso papel, enquanto profissionais de saúde, de
compreender que as famílias consideram fundamental agenciadores e potencializadores de processos de
possuir condições físicas para o trabalho, sendo este mudança em relação ao imaginário e quotidiano do
extremamente importante para subsistência das processo saúde e doença.
famílias.
Na categoria “Maneiras de cuidar da saúde para as
O trabalho aparece com constância nos diálogos e famílias quilombolas”, todos os fatores sinalizados
reporta a uma ideia de que ter saúde é estar apto para pelas famílias manifestam a difusão da cultura
a atividade laboral e trazer o sustento das famílias. hegemônica baseada numa racionalidade medico-
Importa destacar que muitas pessoas desta centrada, onde os indivíduos são observados de forma
comunidade são trabalhadores autônomos que fragmentada e descontextualizada de sua realidade.
exercem tarefas ligadas a serviços gerais como
limpeza, manutenção e de auxiliares em Devido a estas características pontuadas,
construções/ou reformas. pensamos ser fundamental algumas transformações,
ou transfigurações, passando de uma imagem para
Este aspecto torna-se um essencial indicativo da outra, nas práticas de saúde vigentes. Evidenciamos a
preocupação das famílias sem atrelar sua saúde com o promoção da saúde por entender que, a partir de suas
trabalho, apontando para a força do imaginário que

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diretrizes, seja possível alcançarmos um conceito, uma intercâmbio de saberes entre profissionais e sujeitos,
noção dilatada de saúde. seja possível o desenvolvimento de capacidades destas
famílias para a tomada de decisões frente ao seu
O ambiente em que a família vive fazendo parte do
quotidiano que envolve saúde e doença.
contexto e o processo de interação entre as pessoas
são importantes componentes a serem destacados na Assim, promover a saúde requer atividades de
promoção de saúde das famílias. O ambiente familiar educação em saúde, com a utilização de abordagens
se constitui em espaço que permite descobrir, que valorizem o desenvolvimento de consciência
perceber e compreender as ações e papeis que crítica e o despertar pela luta de direitos para melhoria
envolvem o cuidado familiar. Conhecer a estrutura da qualidade de vida das famílias.
familiar, a interação entre os membros e o ambiente,
Nessa perspectiva é fundamental que o educador –
os problemas de saúde, situações de risco e
profissional de saúde, compreenda que ensinar não se
vulnerabilidade são vitais no planejamento de
2 baseia na transferência de conhecimentos, e sim, na
cuidados à saúde da família .
criação de possibilidades para sua produção e ou
15
Para promover a saúde das famílias quilombolas, construção . Nesse sentido, cabe valorizar os
considera-se importante o incremento de alguns membros das famílias, sua autonomia, capacidade de
aspectos como o desenvolvimento de sentimento agir sobre o mundo, capacidade de ser sujeito da
positivo de “estar no mundo”, bem como o reflexão e ação, cuidando para a libertação do olhar,
16
desenvolvimento de capacidades de forma individual e um pensamento libertário .
coletiva, aquisição de conhecimentos, habilidades e 17
Freire traz a educação como prática da liberdade,
competências para empregar em situações diversas de
ao contrário daquela que é prática da dominação,
saúde e doença. Outro aspecto pertinente a ser
implica na negação do homem abstrato, isolado, solto,
destacado é conhecer as necessidades e aspirações de
desligado do mundo, assim também na negação do
cada família, tentando fortalecer suas aptidões para
mundo como uma realidade ausente dos homens.
mobilizar e assegurar recursos necessários, conforme
13 Logo, as famílias quilombolas teriam sua autonomia
as especificidades de saúde-doença .
sendo reafirmada em sua saúde e não domesticadas
Para o fortalecimento dessas famílias, buscando conforme a “sabedoria” dos profissionais em suas
empoderamento frente aos processos de saúde- orientações. Respeitando a liberdade, individualidade,
doença, é imprescindível a atuação dos profissionais à expressão ao pensamento libertário idealizado pela
de saúde, em especial a enfermagem, pois são integração do trabalho manual, da vivência da prática
recursos facilitadores para a promoção de saúde, na ao conhecimento cientifico.
construção de relações de parcerias, apoio e
Em consonância com o legado de Paulo Freire, a
solidariedade voltados para o quotidiano das pessoas,
Sociologia Compreensiva, proposta por Michel
estimulando a capacidade de cada membro integrante
Maffesoli, encontra afinidade ao advogar que o
da família quilombola.
pesquisador é também ator e participante, sendo
Conceber cada membro como sujeito potente, e importante adotar a compreensão no lugar da
portanto, garantindo a promoção de sua cidadania, explicação. Ressalta, ainda, o exercício da ação de
reafirmando sua autonomia apresenta-se como um colocar-se no lugar do outro, apontando que é preciso
caminho profícuo pois, compreende-se que o outro uma atitude de empatia, subjetividade e
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tem um saber sobre si, e é co-responsável por sua intersubjetividade . Dessa forma, evidencia-se o
4
saúde, sendo um sujeito-ator do processo . quotidiano e o imaginário das famílias quilombolas
como valioso determinante no planejamento de ações
Assim, o objetivo das intervenções de enfermagem
para a promoção da saúde.
é despertar mudanças que auxiliem os sujeitos e
famílias a darem respostas mais efetivas aos seus Essa perspectiva de trabalhar com o quotidiano e o
problemas de saúde, reconhecendo a unidade de imaginário do processo saúde-doença das famílias
realidade de cada um, para que estes descubram uma quilombolas nos permitiu trocas a partir de uma
outra realidade, contribuindo para um contexto mais convivência de mundos tão diferentes, lembrando-nos
14 19
favorável . a Nitschke quando diz “algumas famílias, através de
suas imagens, nos remetem a ideia de que a existência
Com o intuito de promover a saúde das famílias
da diferença permite a troca em todas as suas
quilombolas, consideramos primordial considerar os
dimensões, incluindo sua contradição”.
pressupostos do método de educação crítico-reflexiva
freireana. Acreditamos que, através de um 6. LIMITAÇÕES DO ESTUDO

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Ao longo desta experiência, encontramos algumas As ações do projeto permitiram integração e


limitações para realizar o presente estudo, como a participação efetiva das famílias numa estreita relação,
reprogramação de encontros devido às más condições pois à medida que se estabeleceu a aproximação, a
climáticas, a inexperiência na condução dos diálogos e inserção foi facilitada e as pessoas sentiram-se à
dos registros durante as entrevistas por parte dos vontade para socializar seu imaginário que envolve
estudantes, a distância e dificuldade de transporte saúde, doença, qualidade de vida e necessidades em
para chegar até a comunidade bem como as visitas saúde.
ocorrerem aos sábados em período integral.
A participação de uma Agente Comunitária de
No entanto, salienta-se que todos os entraves Saúde da localidade facilitou a inserção do grupo e o
apontados acima foram, sem dúvida, uma rica vínculo entre a equipe do projeto e a comunidade, o
experiência acumulada para planejamentos que reforça a importância do seu trabalho realizado
posteriores. pela Unidade Básica de Saúde, lembrando que o lugar
faz o elo.

7. CONSIDERAÇÕS FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Conhecer o quotidiano das famílias de remanescentes 1. Petrini JC, Alcântara MA, Moreira LV. Família na sociedade
contemporânea. IN: Menezes JEX, Castro MG. (Orgs.) Família,
quilombolas permitiu visualizar parte dos significados
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sobre saúde e o que consideram importante para Edições Paulistas; 2009. p. 257-274.
manterem-se saudáveis. 2. Teixeira MA, et al. Estratégias de investigação em família numa
perspectiva interacionista. IN: Silva LWS. (Org) Família em
As famílias consideram que saúde é estar apto para contexto: multiversas abordagens em investigação qualitativa.
o trabalho e que a doença pode deixá-los sem Salvador: Arcádia; 2012. 160 p.
condições de prover o sustento de seus membros. 3. Silva LWS, et al., O pensamento sistêmico como caminho para a
investigação a família – metodologias, experiências e
Deste modo, acreditam que, para estarem saudáveis, perspectivas. IN: Silva LWS. (Org) Família em contexto:
necessitam de atendimento na Unidade Básica de multiversas abordagens em investigação qualitativa. Salvador:
Saúde (UBS), a partir de consultas médicas e do Arcádia; 2012. 160 p.
fornecimento de medicamentos. 4. Debastiani C, Belini MIB. Fortalecimento da rede e
empoderamento familiar. Boletim da Saúde 2007; 21(1): 77-87.
Compreendemos que esta visão do processo 5. Brasil – Decreto 4887, de 20 de novembro 2003 que
saúde-doença evidencia-se principalmente por prezar regulamenta o procedimento para regulação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
pela saúde física que pode ser mantida por meio de remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o
medicamentos, indicando que a atuação dos art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
profissionais da saúde ainda prossegue cristalizando Brasília, DF. 2003.
um modelo de saúde biomédico hegemônico. 6. Prado RA do, Ribeiro G, Bastos TQ. Ação educativa em saúde:
um olhar sobre a comunidade de remanescentes quilombolas
Estes aspectos podem estar atrelados às em Santa Catarina. IFSC; 2012.
7. Maffesoli M. Elogio da razão sensível. Rio de Janeiro: Vozes;
dificuldades desta comunidade e de suas famílias 2005.
manifestarem suas capacidades, buscando outras 8. Nitschke RG. Pensando o nosso quotidiano contemporâneo e a
alternativas terapêuticas como também a promoção de famílias saudáveis. Ciên Cuidado Saúde 2007;
reivindicação de melhores condições de vida e saúde. 6(supl 1): 24-6.
9. World Health Organization. Health promotion: concepts and
Os achados deste estudo apontam para extrema principles, a selection of papers presented at Working Group on
necessidade de transformações nas ações dos Concepts and Principles. Copenhagen: Regional Office for
Europe; 1984.
profissionais da saúde, enfatizando que a 10. Minayo MCS. O desafio do Conhecimento. 10 ed. São Paulo:
Enfermagem, devido suas especificidades, pode seguir HUCITEC; 2010.
outros rumos com vistas à investir numa relação 11. Souza LCSL de. (Tese) O quotidiano de cuidado de enfermagem
família – profissionais da saúde mais cooperativa, a família: um encontro entre as imagens dos profissionais e das
famílias na hospitalização materno-infantil. Florianópolis,
emancipadora, afetiva e, portanto, mais efetiva Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem. 2008.
As visitas junto às famílias permitiram melhor 12. Freitas DA, et al. Saúde e comunidades quilombolas: uma
compreensão dos anseios e das dificuldades vividas e revisão da literatura. Rev CEFAC [online] 2011; 13(5):937-943.
relatadas, pois foi possível o exercício da 13. Souza AJ, et al. Construindo movimentos para o fortalecimento
compreensão, ou seja, olhar pelo olhar do outro, sem da família. Fam. Saúde Desenv 2006; 8(3): 265-272.
14. Galera SAF, Luis MAV. Principais conceitos da abordagem
perder o próprio olhar, aprendendo e sentindo juntos, sistêmica em cuidados de enfermagem ao indivíduo e sua
inserido numa ética da estética.. família. Rev Esc Enferm USP 2002; 36(2): 141-7.

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15. Leite NSL, Cunha SR, Tavares MFL. Empowerment das famílias
de crianças dependentes de tecnologias: desafios conceituais e
a educação crítico-reflexiva freireana. Rev Enferm UERJ 2011;
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16. Maffesoli M. O conhecimento comun. Introduçao à sociología
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17. Freire P. Pedagogia do Oprimido. 50ª ed. Rio de Janeiro, paz e
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18. Nóbrega JF da, et al. A Sociologia compreensiva de Michel
Maffesoli: Implicações para a pesquisa em Enfermagem.
Cogitare Enf 2012; 17 (2): 373-6.
19. Nitschke RG. Mundo imaginal de ser família saudável: a
descoberta de laços de afeto numa viagem no quotidiano em
tempos pós-modernos. Pelotas: Editora da UFPel; 1999. p.199.

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