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© ensino de histéria no Brasil: trajetéria e perspectiva Elza Nadai “Nossos adolescentes também detestam a Histéria. Votam- lhe 6dio entranhado ¢ dela se vingam sempre que podem, ou decorando o mfinimo de conhecimentos que o ‘ponto’ exige ou se valendo lestamente da ‘cola’ para passar nos exames. Demos ampla absolvigfo a juventude. A Histéria como Ihes é ensinada é, realmente, odiosa...” Murilo Mendes. A Histéria no Curso Secunddrio. Séo Paulo, Grafica Paulista, 1935, p. 41. A epfgrafe pée a descoberto algumas das mazelas sentidas até hoje no ensino de Histéria, bem como evidencia o esgotamento do modelo educativo adotado. No primeiro caso, encontram-se a relagSo negativa, de “6dio”, da juventude para com a disciplina; a decoragio como atividade precfpua de aprendizagem; o conhecimento pronto ¢ acabado e, no segundo caso, 0 reconhecimento pelo autor de que é necessdrio buscar a superagéo da teoria e¢ de praticas que tradicionalmente informaram o exercicio da disciplina hist6rica. Mais de meio século nos separam do texto citado. Em que medida as questdes apontadas sao validadas para a juventude e a escola secun- daria contemporineas? Terao os estudantes superado a idéia “de que a histéria como é ensinada € realmente odiosa” e os professores partido para a organizaco de outras prdticas pedagégicas mais significativas? Em que medida discurso e praticas se unificam? Para que diregfo elas apontam? As interrogagées indicam as perspectivas pelas quais o tema — ensino de histéria no Brasil — ser& analisado. De um lado, focalizar-se- 4 as condig6es de insergdo da disciplina no currfculo das escolas de primeiro ¢ segundo graus, realcando seus pressupostos tedérico- metodolégicos, bem como as principais mudangas ocorridas ao longo da trajetéria escolar e, de outro, destarcar-se-4 a situag&o contempordnea, assinalando as principais propostas que vém sendo sugeridas e as suas perspectivas. Neste estudo, ués marcos foram privilegiados: a_criagfo do rimeiro estabelecimento seriado oficial de estudos secundarios que Epi 5 infouigio de Hiirle no cunfoulo, na erecta década do fugao de Mistorta no curriculo, na tercelra século XIX; a instalagao de cursos especificos dedicados & formagao de docentes para o ensino secundério, superando o auto-didatismo, um século depois e, por iiltimo, as mudangas operadas tanto no aparelho escolar como na sociedade civil brasileira no pés-guerra, mas sobretudo nas décadas de sessenta/setenta do século XX, que criaram novas demandas e impuseram novas interrogagdes nfo s6 em relagio as finalidades da escola, aos conteddos do ensino ¢ 4s formas de ensinar como também a propria sociedade nacional. OQ LUGAR SOCIAL DA HISTORIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR O ensino de Histéria vive atualmente uma conjuntura de crise, que €, seguramente, uma “crise da histéria historicista", resultante de descompassos existentes entre as miltiplas e diferenciadas demandas sociais e¢ a incapacidade da instituigéo escolar em atendé-las ou em responder afirmativamente, de maneira coerente, a elas. Crise que espelha as modificagdes da propria produgio cientifica, que, de certa forma, ampliaram o leque de possibilidades do pensar, do fazer @ do escrever a histéria. Crise, perfodo criativo, pois obrigou os profissionais a questionar criticamente os alicerces, os pressupostos te6rico-metodol6gicos da ciéncia e do ensino, obrigando-os a propor experiéncias miltiplas, procurando superar o tradicional modelo que, introduzido no século XIX, foi ganhando consisténcia ¢ relevancia, espraiando-se pelas instancias da sociedade — escola, familia ¢ produgio cultural —, tornando-se hegemOnico, De certa forma, subsiste ainda, nfo estando de todo superado. Usando a linguagem de Fernand Braudel, trata-se de um fendmeno de longa duragao. Quando se constituiu ¢ como surgiu esse modelo hegem6nico de ensino de Histéria? Quais suas caracteristicas fundamentais? A Hist6ria como disciplina escolar auténoma surgiu no século XIX, na Franga, imbricada nos movimentos s de laiciz: laicizag&o da sociedade ‘Ede constituicko das _nacdes_modernas, sendo marcada por “duas imagens gémeas”, no dizer de Frangois Furet: a genealogia da nagdo ¢ ‘0 “estado da mudanga, daquilo que é subvertido, transformado, campo privilegiado em relag&o Aquilo que permanece estdvel”. Genealogia e Mudanga foram, assim, os suportes do discurso histérico recém-insti- tufdo: “a investigaco das origens da civilizagio contemporanea s6 tem sentido através das sucessivas etapas de sua formacio” (Furet, 132). 144 Esta atomizagio do objeto histérico unificou duas tradigdes do jséculo XVII — uma do discurso enciclopédico (da hist6ria filos6fica), que vinha claborando uma doutrina do progresso, ¢ outra, a da clabo- ragdo metodolégica —, conjunto de saberes especficos e de instrumentos téenicos — que o século XTX remodelou, de maneira mais orgfnica, pela adogio do método cientifico, dado pela concepeao positivista que, adotando a linguagem das ciéncias naturais, estabeleceu um novo sentido da histéria: “Esse sentido constitui ao mesmo tempo uma imagem ‘privilegiada (mas nfo nica) do progresso da humanidade e uma matéria que deve ser estudada, um _patriménio de textos, de fontes, de monu- Mentos que permitem a reabnaTiuigio oxala do patsade- ETA exata do passado. E na confluen- Cia dessas duas idéias que se insiala a ‘Tevolugao” positivista: d4-lhes, as duas, a béncdo da ciénciz, A hisidria dali em diante jé tem o seu campo eo seu método. Tora-se, sob os dois aspectos, a pedagogia central do cidadio.” (Furet, 135). ‘Portanto, a grande mutagéo do século XIX foi esta: “a histéria é Tixvore genealégica das nagdes européias e da civilizago de que séo tadoras” (Furet, 135). No Brasil, a constituigo da Hist6ria como matéria de pleno direito ocorreu no interior dos mesmos movimentos de organizagio do discurso laicizado sobre a historia universal, discurso no qual a organizago escolar foi um espaco importante das disputas entéo travadas, entre 0 poder religioso e 0 avango do poder laico, civil. De fato, a Histéria, no campo pedagégico, evoluiu das dificuldades iniciais em se conceber certo consenso do alcance, programa, objeto & método da histéria da civilizago ao alinhamento total, ainda no século XX, com as duas vertentes assinaladas, anteriormente, para a Europa: “a hist6ria € a nagGo, a histéria é a civilizagdo”. Nesse sentido, a cultura cléssica j4 havia indicado, desde o século anterior, o caminho: sando por colocer fora da histéria certos setores do imenso espetéculo ‘dado elas sociedades humanas As viagens representam wm Tnventario do espago, antes de se tornarem geografia e antropologia. As civilizagbes io européias, do passado e do presente, que exigem investimentos lin- glifsticos especiais, tendem a constituir campos especfficos (...). Em sen- do inverso, em razio da decadéncia do latim como Ifngua escolar, a hist6ria erudita tende a recuperar progressivamente a Antigilidade grego- romana como matéria que deve ser ensinada sob um Angulo que nfo seja © de um modelo literério. iz’? (Furet, 135). ‘No Brasil. sob influércia do pensamento liberal frangés e no bojo do movimento regeneial, apds a Independéncia de 1822, estruturou-se no Municfpio do Rio de Janeiro, 9 Colégio Pedro II (que durante o Império funcionasia como estabelecimento-padrio de ensino secundério, o mesmo 145

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