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2 APP-SINDICATO
APP-SINDICATO 3
Programa de Formação da
APP-Sindicato / UFPR
Caderno II - 2010
Capitalismo, Estado e
Desigualdade: Impactos
na Política Educacional
4 APP-SINDICATO
Expediente
APP-SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO PÚBLICA DO PARANÁ
Rua Voluntários da Pátria, 475 14º andar - Ed. Asa - Curitiba/PR - CEP: 80.020-926
Fone: (41) 3026-9822 - Fax: (41) 3222-5261
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DIREÇÃO ESTADUAL
Presidência
Marlei Fernandes de Carvalho
Secretaria Geral Secretaria de Imprensa e Divulgação
Mariah Seni Vasconcelos Silva Luiz Carlos Paixão da Rocha
Secretaria de Finanças Secretaria de Sindicalizados
Miguel Angel Alvarenga Baez Maria Madalena Ames
Secretaria de Administração e Patrimônio Secretaria de Assuntos Jurídicos
Clotilde Santos Vasconcelos Áurea de Brito Santana
Secretaria de Organização Secretaria de Política Sindical
José Ricardo Corrêa José Rodrigues Lemos
Secretaria de Aposentados Secretaria de Políticas Sociais
Tomiko Kiyoku Falleiros Silvana Prestes de Araujo
Secretaria de Municipais Secretaria de Funcionários
Edilson Aparecido de Paula José Valdivino de Moraes
Secretaria Educacional Secretaria de Gênero e Igualdade Racial
Janeslei Aparecida Albuquerque Lirani Maria Franco da Cruz
Secretaria de Formação Político-Sindical Secretaria de Saúde e Previdência
Isabel Catarina Zöllner Idemar Vanderlei Beki
Coordenação
Isabel Catarina Zöllner/APP-Sindicato, Taís Moura Tavares/UFPR e Andréa Caldas/UFPR
GT Estadual de Formação
Marlei Fernandes de Carvalho, Maria Madalena Ames, Isabel Catarina Zöllner, Janeslei Aparecida Al-
buquerque, Miguel Angel Alvarenga Baez, Lirani Maria Franco da Cruz, Solange Ferreira dos Santos, Giselle
Christina Corrêa, Edmilson Feliciano Leite, Rosani Moreira, Valdirene de Souza, Vanessa Reinchenbach e
Tomiko Kiyoku Falleiros.
Programação Visual
Projeto Gráfico: W3OL Comunicação - (41) 3029-0289 - www.w3ol.com.br
Gráfica: WL impressões - Tiragem: 2.300 mil exemplares
APP-SINDICATO 5
Índice
Apresentação ......................................................................................................................................................7
Privatização do público, destituição da fala e anulação da
política: o totalitarismo neoliberal ..............................................................................................................4
Qual a relação entre desigualdade social e
desigualdade educacional? ........................................................................................................................ 27
Tabela Resultados do Desempenho em Leitura ................................................................................ 28
Tabela Resultados do Desempenho em Matemática ....................................................................... 29
Tabela Ensino Fundamental Regular - Brasil.......................................................................................... 30
Educação e exclusão na América Latina:
Exclusão por condição socioeconômica ............................................................................................... 32
Tabela Ensino Fundamental Regular - Paraná ..................................................................................... 38
Glossário das Tabelas e Mapas:................................................................................................................... 40
Anexos ................................................................................................................................................................ 41
I - Juventude, Violência e Vulnerabilidade Social na América Latina:
Desafios para Políticas Públicas ................................................................................................................................42
II - Biografia Cândido Portinari ...................................................................................................................................91
III - Roteiro do curso para turmas regionais ...........................................................................................................93
Poema...................................................................................................................................................................................95
6 APP-SINDICATO
O Bicho
Manoel Bandeira
(Rio, 27 de dezembro de 1947)
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Apresentação
“O mercado produz desigualdade tão naturalmente
como os combustíveis fósseis produzem a poluição do ar.”
Eric Hobsbawn
Companheiras e Companheiros,
Por isso, é com grande satisfação que apresentamos o nosso segundo caderno “Ca-
pitalismo, Estado e Desigualdade: Impactos na Política Educacional”. Este caderno servirá
de apoio às atividades desenvolvidas tanto na turma estadual quanto nas turmas regionais.
Não podemos também deixar de chamar a atenção para as imagens que ilustram
o caderno. Na obra de Portinari – Retirantes (1944), que escolhemos para a capa, o pintor
queria não somente retratar uma situação, queria também denunciar as desigualdades so-
ciais tão acentuadas naquele período histórico. As fotos, nas palavras da professora Tais
Tavares, “servem para lembrarmos do porquê de tudo que estamos fazendo e que devemos
investir nosso tempo no que é fundamental: o destino das crianças do mundo todo!”
Privatização do público,
destituição da fala e anulação da
política: o totalitarismo neoliberal
O passo para, de novo com Habermas, esgotar as A formação da sociedade brasileira, se a re-
energias utópicas, como o abandono da militân- constituirmos pela interpretação de seus intelec-
cia sindical e até mesmo da simples adesão ao tuais” demiúrgicos”, a partir de Gilberto Freyre, Caio
sindicato, expressa-se nas baixas taxas de sindi- Prado Jr., Sérgio Buarque de Hollanda, Machado de
calização. Assis, Celso Furtado e Florestan Fernandes, é um
processo complexo de violência, proibição da fala,
Todo esse processo é a privatização do público. mais modernamente privatização do público, in-
Mais que as privatizações das empresas estatais, que terpretado por alguns com a categoria de patrimo-
apenas em dois países, Inglaterra e França, revesti- nialismo, revolução pelo alto, e incompatibilidade
ram-se de conteúdos explicitamente ideológicos da radical entre dominação burguesa e democracia;
luta de classes, no sentido de que as empresas esta- em resumo, de anulação da política, do dissenso,
tais eram os bastiões de importantes setores da clas- do desentendimento, na interpretação de Rancière.
se operária que fundou e viabilizou o próprio Estado
do Bem-Estar, enquanto que na grande maioria dos É óbvio que sua base estrutural constituiu-se
outros países as privatizações tiveram sentidos mui com o escravismo, o qual resume todo o anterior.
pragmáticos, a subjetivação descrita é uma privatiza- Particularmente Freyre põe as cores fortes na vio-
ção da esfera pública, sua dissolução, a apropriação lência sexual como apropriação do corpo e anu-
privada dos conteúdos do público e sua redução, de lação do outro, na proibição dos cultos africanos
novo, a interesses privados. Não é por outra razão que como proibição da fala, no rigor dos castigos como
as medidas de privatização, de dissolução da esfera proibição da reivindicação. Sérgio Buarque com o
pública, de destituição de direitos, de desregulamen- “homem cordial” insiste quase nas mesmas teclas: a
tação, por parte das burguesias e dos governos, en- astúcia da intimidade cordial é o horror das distân-
contram resistência social que não se transforma em cias que é o signo do não reconhecimento da alte-
alternativa política. É que essa subjetivação é comum ridade, das distintas proibições que anularam toda
aos dois lados da contenda, embora com sentidos de possibilidade de uma experiência subjetiva liberal.
classe bem diversos, o que a resistência social, sobre-
tudo contra as medidas típicas do Estado do Bem- Caio Prado Jr. explicará a trama estrutural
Estar (seguro-desemprego, seguridade em geral, dessa anulação, que não decorrerá de um caráter
aposentadoria etc.) tem mostrado na Europa, apesar qualquer ibérico - o exagero, talvez de Sérgio Bu-
de que sua passagem para a política se vê dificultada
justamente porque a ruptura da relação de conflito
1 RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento. Trad. de Ângela
é uma anulação da política, nos termos de Rancière.
Leite Lopes, São Paulo, Ed. 34, 1996, p.42.
APP-SINDICATO 13
arque - mas das determinações advindas da simul- marcha do Movimento dos Sem-Terra sobre Brasí-
taneidade entre a colônia como coetânea do capi- lia recupera, notavelmente, o espaço da política),
talismo mercantil e o escravismo como a marca de acurralam o sistema de dominação de classe, com
sua defasagem. o que a burguesia reage sempre sob a forma de
ditaduras.
Machado de Assis, na leitura de Roberto
Schwarz, desvela como a desfaçatez de classe se A história brasileira, desde a Revolução de
faz linguagem, retórica, antecipando notavel- 30, mostra que no espaço de 60 anos é possível
mente a “démarche” de Sérgio Buarque. Embora o contar duas ditaduras, a de Vargas entre 1930 e
registro teórico com que Schwarz interpreta Ma- 1945 e a que se seguiu ao golpe militar de 64, até
chado seja do campo marxista, é notável como 1984, perfazendo 35 anos de ditadura em 60 anos
dessa interpretação emergem Brás Cubas e Dons de história da mudança da dominação de classe.
Casmurros que podem ser lidos no registro do Mais, se se contar, além dos golpes que resultaram
“homem cordial”. em ditaduras, as tentativas de golpes falhados,
chega-se à média de um golpe ou tentativa para
Celso Furtado, em Formação econômica do cada três anos, desde 30 até 90. A hipótese de Flo-
Brasil, desvenda, sob o mesmo prisma do Marx restan, que recolhe toda a força da interpretação
de O 18 Brumário, uma revolução passiva que, anterior, que vem de Gilberto até ele, parece en-
sem embargo, mudou radicalmente os termos da contrar nos fatos da história brasileira uma dramá-
dominação de classes, mantendo, entretanto, as tica e triste confirmação.
antigas classes dominantes como aliadas de se-
gundo plano: uma operação semilampedusiana. Todo o esforço de democratização, de cria-
Toda essa riqueza de interpretação deságua em ção de uma esfera pública, de fazer política, enfim,
Florestan Fernandes, em A revolução burguesa, no Brasil, decorreu, quase por inteiro, da ação das
cuja hipótese mais radical é a da já quase impossi- classes dominadas. Política no sentido em que a
bilidade de que a dominação burguesa se revista definiu Rancière, já citado: a da reivindicação da
das formas revolucionárias, tendo em vista, agora, parcela dos que não têm parcela, a da reivindica-
por sua vez, o esgotamento de suas energias utó- ção da fala, que é, portanto, dissenso em relação
picas - Florestan não era um habermasiano, quem aos que têm direito às parcelas, que é, portanto,
tampouco havia chegado, à época de A revolução desentendimento em relação a como se reparte o
burguesa, a tais conclusões. todo, entre os que têm parcelas ou partes do todo
e os que não têm nada.
O que ele quis dizer é que em não havendo
rompido nunca com as bases do poder latifun- Larga seria a reconstituição desse processo,
diário, de um lado, e, de outro, em cedendo sua com a desvantagem de que, embora os grandes
primazia ao imperialismo internacional, a bur- clássicos brasileiros tenham posto o acento na vio-
guesia nacional havia realizado a passagem para lência da negação do outro, do corpo do outro, da
a dominação econômica de classe sem qualquer fala do outro, da parcela dos sem parcela, dos do-
ruptura revolucionária. Mais que isto, as transfor- minados, a recuperação da história dos domina-
mações que o capitalismo introduz na estrutura dos é muito recente. Tomaremos, pois, como pon-
de relações sociais, sobretudo a emergência de to de partida, brevemente, desde os anos trinta, e
um proletariado independente, a libertação do desde a tentativa de constituição dos partidos de
campesinato dos laços de dependência e da servi- classe, como movimentos das classes dominadas
dão (escrevo no momento - abril de 97 - em que a que abriram a política brasileira, ou, mais exata-
14 APP-SINDICATO
mente, realizaram a façanha de fazer política. Partido Comunista do Brasil, que havia conseguido
quase 10% da votação na eleição presidencial de
É notável e reconhecido na literatura que 45, foi posto na ilegalidade. Aqui não se trata de sa-
tanto as sociedades de ajuda mútua organizadas ber qual o caráter do Partido Comunista do Brasil:
pelo operariado quanto os próprios sindicatos, trata-se de uma operação de anulação do dissenso,
anarquistas, anarco-sindicalistas, socialistas e pos- de silenciamento de algo que exatamente não obe-
teriormente comunistas, foram anulados e trans- decia aos cânones geométricos da distribuição das
formados pela ditadura de Vargas nos Institutos parcelas. E é inegável, qualquer que seja a avaliação
de Previdência e nos sindicatos tutelados. Essa a respeito da própria “polícia” do Partido Comunista
grande operação de silêncio, de roubo da fala, que do Brasil (há uma literatura a respeito cada dia mais
se sintetiza na busca da “harmonia social”, é bem o volumosa), que ele recolhia sua maioria de votos da
signo da anulação da política. Quando os fatores da classe operária das cidades mais industrializadas.
vitória aliada na Segunda Guerra Mundial intervie-
ram na correlação interna de forças políticas (ou de O varguismo ressurge nas eleições de 1950.
forças de polícia, no sentido que lhe atribui Ranciè- Mas o processo do varguismo, em que ele busca
re), derrubando Vargas, as classes dominadas am- apoiar-se no novo operariado urbano, que no pe-
pliaram o espaço de sua fala e o Partido Comunis- ríodo anterior ele havia simplesmente silenciado,
ta do Brasil (que tinha essa denominação, àquela começa a inverter os termos do problema. Em ou-
época), chegou a ter uma bancada considerável na tras palavras, o varguismo é redefinido a partir da
Câmara de Deputados, elegeu Prestes com a maior nova relação de forças estabelecida no seu inte-
votação para o Senado - maior que a do próprio rior, entre os velhos propósitos de cooptação, que
Vargas - tinha importantes bancadas em várias As- é o nome sociológico da anulação, e as necessida-
sembléias Estaduais e em muitas Câmaras de Vere- des de abrir o espaço para a iniciativa dos sindica-
adores de importantes cidades, como Rio, Santos tos, impostas para que o próprio varguismo possa,
e Recife, tinham quase a metade das cadeiras. Em agora, sobreviver ao confronto com a nova direita
muitas cidades operárias o Partido Comunista do liberal “ma non tropo” (UDN), de base sobretudo
Brasil chegou a ser majoritário nas respectivas Câ- urbana, e as velhas bases latifundiárias, represen-
maras de Vereadores. Em 1947, sob pressão norte- tadas no antigo PSD. Isto é, a operação de abertu-
americana, já inaugurada a Guerra Fria pelo famoso ra do varguismo é uma operação política da classe
discurso de Churchill, a que responderam as clas- trabalhadora, embora a interpretação sociológica
ses dominantes e as Forças Armadas brasileiras, o e de ciência política no Brasil insista no velho re-
frão, que toma ares de paradigma, de que o var-
guismo era a expressão de caudilhismo urbano.
das classes dominadas, o regime político e o pró- 3. Prestíssimo: para o ocaso brasiliano
prio sistema social sofreram um terremoto que,
na escala Richter de medição de abalos, talvez Esse processo desenvolve-se, agora, de for-
tenha chegado perto dos 7 (o máximo da esca- ma plena e acabada, sob a égide da presidência
la Richter parece ser 8), quando o candidato da de Fernando Henrique Cardoso. Vale a pena ten-
esquerda chegou a quase 50% dos votos no se- tar entendê-lo sociologicamente, para buscar a
gundo turno das eleições presidenciais, contra raiz real de como a política “policial” tenta anular
Fernando Collor de Mello. e destruir a política construída pelas classes domi-
nadas.
As classes dominantes e o sistema como
um todo entregaram-se totalmente ao seu “sal- De qualquer modo, o intenso processo de
acumulação alavancado (outra vez essa feíssima
vador”, apesar de que ele era um “outsider”, um
palavra) pelo regime militar mudou as relações
messiânico, e, como se revelou depois, desprepa-
e a hierarquia entre as classes dominantes, suas
rado para costurar forças tão disparatadas, além
distintas expressões, suas frações agrárias, indus-
de invadir santuários da corrupção instalados
triais, financeiras e de serviços2, sua origem entre
na trama dos negócios entre sistema privado de
capital nacional, internacional e estatal produtivo,
empresas, o sistema estatal produtivo e Estado
suas antigas fraturas regionais, a importância dos
“condotiere” que se dessangrava. Um sequestro
ramos e setores, desde a antiga prevalência têxtil-
de ativos financeiros que só encontrou paralelos
alimentar à atual químico-petroquímico-metal-
na crise de Weimar, sob Hjalmar Schacht, não tão mecânico e particularmente automotivo, seus
estranhamente o subsequente intocável ministro graus de concentração, oligopólio e monopólio.
das finanças do nazismo, foi aplaudido por todas Esse intenso processo, articulado financeiramen-
as forças burguesas como o preço a pagar para te pelo Estado como um capital financeiro geral,
salvar-se de Lula e seus “sequazes petistas-comu- e, na maior parte dos casos, como capital estatal
no-nacionalistas”. O jornal A Folha de S. Paulo pu- produtivo - isto é, o papel do Estado subsidiando
blicou um editorial intitulado “Custe o que cus- a formação de capital e, ao mesmo tempo, através
tar” e viu, dias depois, que esse custo traduziu-se das empresas estatais, constituindo a nova rede
em invasão de seus escritórios e devassamento de relações industriais - na crise da dívida externa
de sua contabilidade. Nem assim o jornal mudou, dos anos oitenta, terminou convertendo a refe-
imediatamente, de posição. rida dívida em dívida interna pública, com o que
esgotou o papel de “condotiere” do Estado na ex-
O que as classes dominantes e o sistema pansão capitalista. O Estado “falido”, uma expres-
dominante em geral conferiram a Collor foi a são imprópria que a mídia tratou de divulgar, dava
transformação de seu mandato, conquistado na conta desse esgotamento.
eleição com os votos populares contra um Esta-
do que se desfazia e que ele simbolizou nos po- A crise interna do Estado colocou os holofo-
bres funcionários como “marajás”, em um manda- tes sobre a despesa pública e converteu as despe-
to destrutivo da política construída pelas classes sas sociais públicas no bode expiatório da falência
dominadas - a esse processo eu chamei de a fal-
sificação da ira, título do livro em que tratei de in-
terpretar a metamorfose entre o Collor vingador 2 OLIVEIRA et alii. “Quanto melhor, melhor: o acordo das
de marajás e o Collor destruidor das organiza- montadoras”, in: Novos estudos CEBRAP, n° 36, julho/1993; e OLI-
VEIRA, F. e COMIN, Alexandre, “Os anéis de Mercúrio”, relatório de
ções populares. pesquisa ao CNPq, 1995.
18 APP-SINDICATO
do Estado “condotiere”, quando na verdade isto rência, somente se sustenta como uma extensão
se deveu à dívida interna pública e ao serviço da do privado. O processo real é o inverso: a riqueza
dívida externa da simultaneidade das duas crises, pública, em forma de fundo, sustenta a reprodu-
com a incapacidade clássica das burguesias em tibilidade do valor da riqueza, do capital privado.
abrirem-se para a política, o que significa dizer Esta é a forma moderna de sustentação da crise do
que a resolução de seus impasses não conseguia capital, pois anteriormente, como nos mostrou a
ser arbitrada, abriu o passo a que a solução bur- Grande Depressão de trinta, assim como todas as
guesa viesse, uma vez mais, de fora para dentro, grandes crises anteriores, o capital simplesmente
agora na forma da globalização. Dito de outro se desvalorizava.
modo, a solução da inflação, que nada é mais que
o conflito distributivo pela mais valia, foi resolvido A esse processo objetivo corresponde uma
pela abertura comercial, isto é, pela competição subjetivação da experiência burguesa no Brasil de
internacional que abocanhava partes crescentes hoje que é radicalmente antipública, no sentido
da mais-valia produzida internamente. Com o que da esfera pública não burguesa ou cidadã, como
estabilizaram-se os preços, mas ao preço - é boa prefere Habermas, no sentido de uma experiência
a redundância - de uma permanente injeção de de transcendência dos próprios âmbitos de classe.
capitais especulativos que, ao mesmo tempo que
cobre a brecha comercial, atua sustentando uma Essa falsa consciência de desnecessidade do
moeda fictícia, que é o público decorre da aparência de empréstimo de
real. dinheiro das em-
presas ao Estado,
A introdução de critérios micro via títulos da dívida
Esse intenso
processo levou a uma na racionalidade estatal a trans- pública mobiliária
subjetivação perigosa interna, de um lado,
forma, subliminarmente, em da herança da dita-
por parte das burgue-
sias, que é isto a que se uma racionalidade privada. dura militar em que
chama a privatização, a política “policial”
de que a privatização era tão-somente
das empresas estatais é apenas a forma mais apa- a repartição do produto social entre os proprie-
rente. Do que se trata é de algo mais radical, que tários, mediada por uma burocracia, elevada por
é a privatização do público, sem a correspondente alguns áulicos, entre os quais “et pour cause” o
publicização do privado que foi a contrapartida, atual Ministro da Reforma do Estado e da Admi-
ou a contradição, que construiu o sistema do Esta- nistração, à categoria de “tecnocratas” (um pasti-
do do Bem-Estar3. che do John Kenneth Galbraith de O novo Estado
industrial) que não representava a razão do Estado
A privatização do público é uma falsa cons- ou do público, mas como a própria expressão áu-
ciência de desnecessidade do público. Ela se obje- lica ideologizou querendo neutralizar, era apenas
tiva pela chamada falência do Estado, pelo meca- a expressão técnica daquela repartição, excluídos
nismo da dívida pública interna, onde as formas os que não eram proprietários, do conflito pela re-
aparentes são as de que o privado, as burguesias ferida repartição.
emprestam ao Estado: logo, o Estado, nessa apa-
Essa aparência levou a uma outra experiên-
cia, que é a da constante troca de posições no Es-
3 RANGEON, F. L’Ideologie de L’Intéret General. Paris, Eco- tado e na empresa privada: ministros e altos esca-
nomica, 1986.
APP-SINDICATO 19
Uma das passagens possíveis durante o dia é A crise do Estado, vista do ângulo de sua
o deslocamento para algum escritório do Estado. impotência para deter, realmente, o monopólio
Ali, sobretudo nos mais altos escalões, o sentido da violência legal, é uma consequência, objetiva-
de uma experiência que é apenas privada, que se mente, de sua dilapidação financeira, e, subjeti-
passa apenas entre homogêneos, se reproduz: a vamente, da falsa consciência da desnecessidade
fala é igual, os objetivos são iguais, anulam-se as do público pelas burguesias e seus afiliados. En-
diferenças entre Estado e Sociedade, entre Esta- cerrando-se claustrofobicamente em seu mundo,
do e Mercado e finalmente entre o governo e as cercado de seguranças privados por toda parte,
empresas; mais frequentemente, quem estava na as burguesias desinteressaram-se da polícia, em
empresa ontem, pode estar no Estado hoje, e vi- sentido literal, como elemento ostensivo do mo-
ce-versa. Tome-se o atual ministério do Presidente nopólio da violência pelo Estado. O estado de
Cardoso: nunca houve, em ministério algum, uma guerra civil larvar, e, em alguns casos, aberta, não
taxa tão alta de empresários. E, reciprocamente, é senão uma consequência dessa dupla determi-
nunca houve uma taxa tão alta de ex-altas figuras nação. Como resultado, a própria polícia “pública”
do primeiro e segundo escalão que tenham dei- privatizou-se no pior sentido: de um lado, a cor-
xado o governo e se instalado confortavelmente rupção instalou-se para não mais sair, como cor-
num banco ou numa alta consultoria empresa- relato da grande corrupção burguesa - nos dias
rial ou ido diretamente para a alta direção de um da ditadura, os grandes corpos de repressão eram
grande grupo econômico-financeiro. alugados pelas grandes organizações para ofere-
cerem “proteção”, no melhor sentido mafioso. Essa
Essa experiência subjetiva, ao lado da objeti- experiência, em que policiais experimentaram re-
vidade - que é sempre uma exteriorização, lembre- lações com a alta burguesia, e experimentaram a
mo-nos da velha lição dos Manuscritos econômico- aquisição de altas rendas, espraiou-se para todos
filósoficos, Marx e Engels, sim senhor - da falência os níveis policiais: da corrupção com o tráfico de
do Estado, constitui a pedra de toque da privatiza- drogas e os banqueiros do jogo de bicho, às em-
ção do público. Este aparece como desnecessário. presas de proteção e de transporte de valores, que
E uma reforma do Estado que o faça parecer-se são quase todas de propriedade de policiais, até
com essa objetividade subjetivada, vale dizer, com os hotéis de alta rotatividade, a alta cúpula das
a empresa privada e com a experiência burguesa polícias, civil e militar, trata, hoje, sobretudo, de
cotidiana, constitui a reificação quase necessária negócios privados. De outro lado, os baixos esca-
desse movimento. Não à toa, o Ministro da Refor- lões tratam os conflitos privados entre os cidadãos
ma do Estado e da Administração é o que encarna como uma coisa dela, como um negócio privado,
melhor essa proposta reducionista: o Estado deve como se os conflitos privados entre cidadãos, que
ter a mesma “rationale” da empresa privada; deve acontecem em qualquer parte do mundo, fossem
retrair seus efetivos quando a crise o ordena; deve conflitos com a polícia. O absenteísmo burguês
aplicar os mesmos critérios aos negócios (licitação que tornou o Estado impotente e roubou-lhe o
de bens públicos, p. ex.), que uma empresa priva- monopólio legal da violência criou o monstro de
da. Desnecessário dizer que o referido ministro uma polícia oficial que age como se estivesse tra-
provém não apenas da empresa privada, mas da tando de negócios privados: mata, tortura, extor-
tradição norte-americana de indiferença entre a que, cobra proteção, no pressuposto, quase sem-
função pública e a função privada e mais: provém pre confirmado, de que o absenteísmo burguês a
do núcleo emblemático desse novo paradigma torna imune e impune. Tal é o outro sentido trági-
que é a organização de “marketing”. co da privatização do público operado no Brasil.
22 APP-SINDICATO
Em termos do projeto de governo de FHC, 7 MELLO E SILVA, Leonardo. A generalização difícil. Tese de
o acordo seria uma permanente pedra no sapato, Doutoramento. São Paulo, FFLCH-USP, Departamento de Sociolo-
gia, 1997.
inclusive porque ele teria uma qualidade pedagó-
8 COMIN, Alexandre. “Crise e concentração: Quem é quem
24 APP-SINDICATO
como formas de fazer política pelas classes po- talismo. Nas condições concretas da sociedade
pulares - os movimentos sociais, tão famosos em brasileira - para não arriscar-me além do meu ter-
certa época e tão adulados por certa sociologia de ritório - o neoliberalismo, como um Frankenstein
ocasião - substituídas outra vez pelo assistencialis- construído de pedaços de social-democratas, an-
mo castrador do programa Comunidade Solidária, tigos e novos oligarcas do Nordeste, populistas de
o governo resume-se a repetir o eterno tema da direita, trânsfugas de esquerda, numa articulação
estabilidade monetária, que é, a rigor, sua única presidida pelo “príncipe dos sociólogos”, passa por
realização. uma estranha metamorfose: sua face real é a do
totalitarismo.
A constante presença do Presidente na
mídia é em si mesma, uma metamídia. Além de
que, em tradução livre, “a estrutura comunicativa
de nossa sociedade revela a não atualização de
uma série de falas que remete, necessariamente, à 9 MATA, Maria Cristina. “La exclusión del habla”, Buenos Ai-
res, mimeo, 1997.
10 KUNTZ, Rolf. “O neoliberalismo é um integrismo”. Revista
USP, São Paulo, mar-maio/1993, p. 54-61.
APP-SINDICATO 27
Gisele Adriana Maciel Pereira - Pedagoga e Mestranda em Educação: Política Educacional - UFPR
Taís Moura Tavares - Doutora em Educação - UFPR
28 APP-SINDICATO
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/IDH_dos_Estados_Brasileiros
32 APP-SINDICATO
Educação e exclusão na
América Latina:
Exclusão por condição
socioeconômica
Entrevista: José Marcelino Rezende Pinto1
1 José Marcelino Rezende Pinto é professor associado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, mestre e doutor em Educação pela Unicamp, com pós-
doutorado pela Universidade de Stanford, Estados Unidos.
Publicado em: http://www.campanaderechoeducacion.org/downloads/cond_socio_economica.pdf
APP-SINDICATO 33
de renda melhor que alguns países do conti- é tanto o acesso, mas sim a grande disparida-
nente africano recém-saídos de guerras civis de no padrão de qualidade entre as escolas
sangrentas. Por outro lado, dos 50 países com frequentadas pelas crianças das famílias mais
melhor IDH do mundo só três (Estados Uni- pobres e aqueles frequentadas pelas crianças
dos, Hong Kong e Singapura) apresentam um da elite, as quais, em geral, estão matricula-
índice de Gini superior a 40. Na AL&C somente das em escolas privadas, cujos valores das
a Jamaica apresenta um valor abaixo de 40 e anuidades cobradas é de cerca de 4 a 5 ve-
cerca de 80% de seus países apresentam índi- zes o valor anual gasto com os alunos da rede
ces superiores a 50. pública. Mesmo no
Da associação en- sistema público há
tre um baixo valor uma grande dife-
de renda per capita rença nas condições
(o país com melhor de oferta de ensino
renda per capita (anos de experiên-
do continente ain- cia e nível de for-
da apresenta um mação dos profes-
valor que é a me- sores, presença de
tade da média dos biblioteca e labora-
países da OCDE) e tórios nas escolas
uma péssima dis- etc) entre as escolas
tribuição de renda, Escola Agentina situadas nos bairros
resulta uma pro- de classe média e
porção sem prece- aquelas situadas na
dentes de pessoas vivendo abaixo da linha periferia das cidades e, principalmente, na
de pobreza. Dados do mesmo Relatório do zona rural. O resultado deste processo é que
Desenvolvimento Humano indicam que na a taxa de conclusão da escolaridade obriga-
metade dos países da região um quarto da tória é muito baixa nestas regiões e o grau de
população vive com menos de US$ 2 por dia, aprendizagem mesmo dos alunos que a con-
que é considerada a linha de pobreza pelo cluem é claramente insatisfatório, seja qual
Banco Mundial. Esta proporção chega a ina- for o critério de avaliação a ser utilizado.
ceitáveis 4/5 da população em países como
Haiti e Nicarágua.
Quais são as consequências desse pro-
O resultado natural deste processo é o !""#$%&!$'!()!$*$!+ ,&-.$#&$)-/ &,'*.$"#-
pequeno acesso à escola, em especial na edu- bremaneira a trajetória de alunos e alunas
cação infantil, para as crianças das famílias em condições socioeconômicas menos
mais pobres, que seriam aquelas que mais se favoráveis?
beneficiariam com esta escolarização. A mes-
O resultado destes processos é que há
ma restrição de acesso para os mais pobres se
uma tendência em se reproduzir os meca-
apresenta na educação superior. No caso da
nismos de desigualdades no continente, nos
educação obrigatória, o problema central não
quais as crianças vindas de condições socioe-
34 APP-SINDICATO
As consequências são claras: para uma Existe algum tipo de legislação nacional,
família que vive na pobreza ou na indigência, regional ou internacional que busque en-
tão somente a renda sacrificada por seus fi- frentar a problemática da exclusão por
lhos quando vão à escola, sem nem conside- condição socioeconômica? Se sim, como
rar as taxas escolares “voluntárias” – os custos fazer para que estas leis sejam mais efe-
dos uniformes escolares (muitas vezes obri- tivas?
gatórios), ou o material escolar que muitas
vezes não é assegurado de forma gratuita Do ponto de vista internacional, exis-
– são motivos objetivos para não matricular tem tentativas, seja de taxar o capital espe-
seus filhos ou para retirá-los da escola. Em culativo, seja de perdoar a dívida externa dos
sentido oposto, políticas de transferência de países mais pobres, ou de eventualmente
renda às famílias pobres associada à frequên- transformar o pagamento de parte da dívida
36 APP-SINDICATO
externa dos países pobres em investimentos os professores dos alunos que se saem
em educação. Nos países da região, também bem nas ditas provas e também nas po-
se percebe a ocorrência de políticas compen- líticas de seleção de alunos. Quais são
satórias (na linha do imposto de renda nega- as principais consequências de iniciati-
tivo, com transferência de recursos públicos vas como estas, sabendo que existem es-
para famílias mais pobres). O grande proble- colas que concentram alunos em condi-
ma destas políticas é que elas se assemelham ções socioeconômicas mais vantajosas e
ao ato de “enxugar gelo”, um trabalho de Sí- que tendem a obter melhores resultados
sifo. Isto ocorre porque a própria lógica do neste tipo de prova?
desenvolvimento do capitalismo em todo o
mundo, em especial na sua vertente neolibe- Os efeitos destas políticas já são conhe-
ral e com a incorporação da China no merca- cidos: aumento das desigualdades; aban-
do mundial como grande fornecedor de bens dono por parte dos professores mais quali-
de consumo a baixo custo, tende a gerar, dia ficados e com mais experiência das escolas
após dia, mais exclusão ou mais inclusão per- onde estudam as crianças de famílias mais
versa. Um exemplo deste processo no Brasil: pobres; o abandono destas escolas também
não obstante, nas últimas décadas, milhares por parte daquelas famílias que possuem
de famílias tenham sido assentadas em de- um pouco mais de capital econômico e cul-
corrência dos programas de reforma agrária, tural. A experiência chilena em larga escala
o estímulo dado pelo governo ao agronegó- do sistema de Voucher mostra quão dano-
cio no setor de soja e, mais recentemente, sa é esta lógica de premiar os “bons”, que
de cana de açúcar para produzir etanol, faz tem como corolário natural punir os “maus”.
com que milhares de famílias tenham que Quem são os “maus”? As crianças que tiram
vender suas propriedades agrícolas, pois não baixas notas nos testes, ou seja, as crianças
possuem escala de produção para concorrer das famílias pobres. Transforma-se a escola
com os novos latifúndios que tomam conta em um tribunal e alega-se que seria injusto
do país, contribuindo para a concentração pagar o mesmo para um professor que dá
da propriedade fundiária e para o desmata- uma boa aula e para outro que dá uma aula
mento das regiões de fronteira agrícola. Para ruim; ou deixar alunos que não se esforçam
tornar mais efetivas as políticas que buscam atrapalhar os alunos que se esforçam. Ora,
reduzir a pobreza e as desigualdades socioe- injusta é a existência de professores que
conômicas, é fundamental um maior controle não ensinam (e eles existem sim, porque o
do mercado por parte do Estado e um maior baixo salário afasta da escola pública pro-
controle do Estado por parte da sociedade. fissionais de qualidade na quantidade que
ela necessita). Injusta é uma escola que
não consegue fazer com que a maioria das
Na América Latina, registramos um crianças e jovens que passam por ela apren-
número crescente de países adotando dam. Como a experiência dos EUA e da Eu-
iniciativas que incluem provas estan- ropa mostram, as políticas de focalização
dardizadas usadas em premiações para são ineficazes. Deve-se visar uma escola de
escolas com melhor desempenho, para qualidade para todos.
APP-SINDICATO 37
Que recomendações você faria aos de US$ 1.500 a US$ 2.000 por aluno por ano.
Estados latino-americanos para supera- Entendo que investimentos maciços em edu-
rem a exclusão educacional provocada cação tendem a produzir um efeito virtuoso
pelas condições socioeconômicas? na economia uma vez que os gastos públicos
com educação envolvem basicamente gastos
Reformas estruturais associadas a polí- com pessoal e repercutem em todos os seto-
ticas compensatórias de curto e médio pra- res econômicos (bens de consumo e serviços,
zo, enquanto as primeiras não produzirem construção civil, bens duráveis etc). Portanto,
seus resultados. Talvez a política de maior a injeção de recursos que hoje são usados
impacto na distribuição de renda e traba- basicamente em pagamento dos serviços da
lho e de menor custo do ponto de vista do dívida e despesas militares já permitiria mais
financiamento público ainda seja a reforma que dobrar os recursos atualmente aplicados
agrária. É evidente que, na atual fase do ca- em educação, produzindo uma combinação
pitalismo, uma política de reforma agrária virtuosa entre distribuição de ativos e educa-
não pode estar centrada apenas na formação ção. Além disto, entendo que uma rede de es-
de pequenos camponeses proprietários, de colas técnicas de massa, associadas a institui-
pequenos capitalistas, mas sim centrada em ções de educação superior e espalhadas nas
um padrão de uso e ocupação do solo ten- diferentes regiões do continente, teriam um
do como referência as experiências exitosas papel extremamente dinâmico quanto à for-
de economia solidária e de autogestão que mação profissional. Guardadas as variações
têm acontecido em vários países do conti- regionais, esta foi a receita seguida com su-
nente. Associada a uma política de reforma cesso pelas nações hoje consideradas desen-
agrária, dotar os países de escolas nas quais volvidas. Creio que não temos que reinventar
sejam garantidos padrões mínimos de qua- a roda, mas com certeza ainda temos que in-
lidade de ensino. Entendemos que um valor ventar uma escola pública de qualidade para
mínimo para garantir essa qualidade na AL, o conjunto da população.
para o ensino primário, deveria ser da ordem
Glossário das
Tabelas e Mapas:
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado pelo Inep (Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em 2007 e representa a reunião num só indicador
de dois conceitos para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações.
O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias
de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) – para as
unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa que engloba três di-
mensões: riqueza, educação e expectativa de vida ao nascer. É uma maneira padronizada de avaliação
e medida do bem-estar de uma população. O índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano)
até 1 (desenvolvimento humano total), sendo os países classificados deste modo:
Anexos
::$;$<-#1.*/*$=>()-)#$6#.'-(*.-
Escola Africa
Escola Finlândia
42 APP-SINDICATO
Juventude, Violência e
Vulnerabilidade Social
na América Latina:
Desafios para Políticas Públicas.
Miriam Abramovay
Mary Garcia Castro
Leonardo de Castro Pinheiro
Fabiano de Sousa Lima
Cláudia da Costa Martinelli
1
APP-SINDICATO 43
Juventude, Violência e
Vulnerabilidade Social
na América Latina:
Desafios para Políticas Públicas.
Conselho Editorial
Jorge Werthein
Maria Dulce Almeida Borges
Célio da Cunha
© UNESCO, 2002
Abramovay, Miriam
Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina:
desafios para políticas públicas / Miriam Abramovay et alii. – Brasília :
UNESCO, BID, 2002.
192 p.
E-mail: UHBRZ@unesco.org
APP-SINDICATO 45
Sumário
Agradecimentos ................................................................................................................................................46
Apresentação ..................................................................................................................................................... 47
Abstract.................................................................................................................................................................49
Introdução ...........................................................................................................................................................50
4. Recomendações ............................................................................................................................................83
Referências bibliográficas ..............................................................................................................................86
Lista de Siglas..................................................................................................................................................... 89
Lista de Tabelas ................................................................................................................................................. 89
Lista de Quadros ................................................................................................................................................90
Nota sobre os autores ......................................................................................................................................90
46 APP-SINDICATO
Agradecimentos
A Matias Spektor por suas contribuições e críticas ao trabalho.
A Lorena Vilarins, Diana Barbosa e Danielle Valverde pela colaboração.
A Soraya Almeida pela leitura criteriosa do trabalho.
APP-SINDICATO 47
APRESENTAÇÃO
Disso decorre a necessidade de, por um lado, definir políticas para a juventude no contexto
interativo das políticas globais de desenvolvimento e, por outro, fortalecer o capital social e cultural do
jovem por intermédio de projetos ou políticas que viabilizem a sua inserção no conjunto dos esforços
de cada país para superar e remover os entraves existentes. Torna-se necessário também um trabalho
de efetiva sensibilização da sociedade e de seus recursos, objetivando a internalização de valores que
deixam evidente que a juventude de hoje assumirá a liderança do continente no dia de amanhã e do
que for feito hoje em prol de uma efetiva valorização do protagonismo juvenil, dependerá doravante,
sob muitos aspectos, a direção das tendências que se delinearão nas próximas décadas.
O estudo que ora temos a oportunidade de apresentar aos dirigentes e analistas de políticas
sociais ainda ressalta que a promoção de políticas públicas a partir deste novo enfoque não constitui
uma tarefa simples. Combater a violência juvenil pelo lado da vulnerabilidade social requer mudança de
percepção dos formuladores de políticas no que diz respeito ao papel das políticas sociais na construção
de uma sociedade mais justa e solidária. De acordo com Bernardo Kliksberg, é preciso superar os mitos e
as falácias do desenvolvimento que impedem o advento de alternativas que tornem possível um efetivo
combate às desigualdades sociais.
ABSTRACT
This study analyses the situation of young individuals in Latin America and the
Caribbean observing the main sources of vulnerability that these actors are submitted.
It’s main objective is to comprehend how violence and vulnerability are linked and why
the youths are the main affected group in the region. Secondary data were collected
from international organisms to present the major aspects of social vulnerability and
how the youths deal with it. In addition to this, this article shows some solutions to
the problem like the enhancement of social capital and recommendations for public
policies concerning the youth and the struggle against violence.
50 APP-SINDICATO
Introdução
A violência é, cada vez mais, um fenômeno social que atinge governos e populações,
tanto global quanto localmente, no público e no privado, estando seu conceito em constante
mutação, uma vez que várias atitudes e comportamentos passaram a ser considerados como
formas de violência.
Este texto sustenta que a violência sofrida e praticada pelos jovens possui fortes
vínculos com a condição de vulnerabilidade social em que se encontram nos países latino-
americanos. A vulnerabilidade social é tratada aqui como o resultado negativo da relação
entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos1 dos atores, sejam eles
indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais
que provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades
ou desvantagens para o desempenho e mobilidade social dos atores (Vignoli, 2001; Filgueira,
2001)1.
1 Filgueira (2001; 8) apresenta como alguns exemplos desses recursos o capital financeiro, o capital humano, a experiência de trabalho, o nível
educacional, a composição e os recursos familiares, o capital social, a participação em redes e o capital físico.
APP-SINDICATO 51
por exemplo, ilustra o Índice de Desenvolvimento Além dessa introdução, este texto apresen-
Humano (IDH), elaborado pelo PNUD– os níveis ta outras quatro seções. A primeira é dedicada a
de violência na região vêm aumentando (CEPAL, uma breve revisão de literatura sobre os conceitos
1998). de violência e vulnerabilidade social, com o intui-
to de definir os conceitos que serão utilizados na
Assumindo que os recursos à disposição do defesa do argumento do texto. A segunda seção é
Estado e do mercado são insuficientes para, so- dedicada à apresentação de dados socioeconômi-
zinhos, promoverem a superação da vulnerabi- cos de alguns países latino-americanos que cola-
lidade e de suas conseqüências, em particular a boram para a defesa do argumento que relaciona
violência, advoga-se o fortalecimento do capital a violência juvenil latino-americana com a situa-
social intergrupal, através do aumento da partici- ção de vulnerabili dade.
pação e valorização das formas de organização e
expressão do jovem, como estratégia de ação para A seção seguinte aborda o conceito de ca-
envolver a sociedade e seus recursos na busca de pital social e sua viabilidade como estratégia de
soluções para o problema. combate à vulnerabilidade, dedicando- se em
seguida a esclarecer os desafios existentes para
Experiências que priorizam a participação a adoção dessa estratégia. Por último, a quarta
dos jovens como protagonistas do seu proces- seção apresenta algumas recomendações para a
so de desenvolvimento vêem demonstrando ser elaboração de ações voltadas ao combate da vul-
alternativas eficientes para superar a vulnerabili- nerabilidade e violência juvenil.
dade desses atores, tirando-os do ambiente de
incerteza e insegurança (Castro et al, 2001). Cap-
tar e disseminar a expressão dos jovens, concreti- 1. Violência e Vulnerabilidade: Litera-
zando suas potencialidades juvenis e permitindo tura e Conceitos
que eles contribuam para a problematização de
seu cotidiano é a pedra angular do sucesso desses 1.1 Explorando a Literatura sobre Violência
programas. Além disso, a valorização das formas
de expressão tipicamente juvenis, tais como o rap Não é simples a tarefa de definir a violência.
e o grafite, colabora para que, tanto os próprios jo- Conceitos de violências têm sido propostos para
vens quanto o resto da sociedade, reconheçam es- falar de muitas práticas, hábitos e disciplinas, de
ses atores como capazes de contribuir e construir tal modo que todo comportamento social poderia
soluções pacíficas para os conflitos sociais. ser visto como violento, inclusive o baseado nas
práticas educativas, tais como na idéia de violên-
Para a implementação de uma linha de po- cia simbólica proposta por Pierre Bourdieu (2001).
líticas públicas que sirvam para o fortalecimento Para esse autor, a violência simbólica se realiza
do capital social, o texto reconhece a necessidade sem que seja percebida como violência, inclusive
de uma mudança na percepção dos formuladores por quem é por ela vitimizada, pois se insere em
de políticas públicas sobre o desenho e a impor- tramas de relações de poder naturalizadas.
tância das políticas sociais. Além disso, é preciso
também estabelecer a clara necessidade de inte- Em que pesem as dificuldades em definir a
ração entre o que deve e pode ser desempenhado violência, sendo comum a formulação de concei-
pelo Estado, pelo mercado e pela sociedade para tos ad hoc,ou seja, mais apropriados ao lugar, ao
a superação da vulnerabilidade social. tempo histórico que se examina, a literatura, a se-
guir apresentada, aponta uma tendência de con-
52 APP-SINDICATO
ceituar a violência de forma mais abrangente do como o vandalismo. Para o autor, essa modalidade
que relacioná-la com atos que imputam danos físi- foge ao significado estrito de violência, já que não
cos a pessoas ou grupos de pessoas. Chauí (1999: caracteriza a violação da integridade da pessoa.
3-5), por exemplo, define violência como:
Uma terceira concepção tem por foco a
“(...) 1) tudo o que age usando a força para ir idéia de autoridade, que possui forte conteúdo
contra a natureza de alguém (é desnaturar);
2) todo ato de força contra a espontaneidade, subjetivo e, segundo o autor, encontrasse na moda:
a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, trata-se da chamada violência moral ou violência
constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato simbólica. Chesnais sustenta que “falar de violência
de transgressão contra o que alguém ou uma
sociedade define como justo e como direito. neste sentido é um abuso de linguagem, próprio
Conseqüentemente, violência é um ato de a certos intelectuais ocidentais, excessivamente
brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíqui- bem instalados na vida para conhecer o mundo
co contra alguém e caracteriza relações inter-
subjetivas e sociais definidas pela opressão e obscuro da miséria e do crime” (idem: 13).
intimidação, pelo medo e o terror (...).”
O autor sustenta que somente a primeira
A noção de violência é, por princípio, concepção tem por base uma definição
ambígua. Não existe uma única percepção do etimologicamente correta, encontra amparo nos
que seja violência, mas multiplicidade de atos códigos penais e nas perspectivas profissionais
violentos, cujas significações devem ser analisadas – médicas e policiais, por exemplo – quanto
a partir das normas, das condições e dos contextos ao fenômeno. Assim, a violência física é que
sociais, variando de um período histórico a outro. significaria efetivamente a agressão contra as
pessoas, já que ameaça o que elas têm de mais
A violência é um dos eternos problemas precioso: a vida, a saúde, a liberdade (ibidem: 14).
da teoria social e da prática política. Na história da
humanidade, tem-se revelado em manifestações É comum chegar-se a conceitos ad hoc, ou
individuais ou coletivas. Chesnais (1981) apresenta seja, mais apropriados ao lugar, ao tempo histórico
as múltiplas formas de violência registradas que se examina. De fato, é tênue o consenso
em diferentes épocas e sociedades, privada e sobre o que é violência, o que já traduz sua força,
coletivamente. Neste sentido, chama a atenção segundo Arblaster (1996: 803-805), em verbete
para o fato de que existem várias concepções sobre o termo no Dicionário do Pensamento Social
de violência, as quais devem ser hierarquizadas do Século XX:
segundo o seu custo social. Para o autor, o
“O termo é potente demais para que [um con-
referente empírico do núcleo desse conceito é
senso] seja possível. Não obstante, um enten-
a violência física – inclusive a violência sexual – dimento do termo ditado pelo senso comum
que pode resultar em danos irreparáveis à vida é, grosso modo, que a violência classifica qual-
quer agressão física contra seres humanos,
dos indivíduos e, conseqüentemente, exige a
cometida com a intenção de lhes causar dano,
reparação da sociedade mediante a intervenção dor ou sofrimento. Agressões consideradas,
do Estado. com freqüência, atos de violência. E é comum
falar-se também de violência contra certa ca-
tegoria de coisas, sobretudo a propriedade
A segunda concepção abrangeria a privada.”
violência econômica, que se refere somente aos
prejuízos causados ao patrimônio, à propriedade, A intenção de ferir, ofender, deliberadamente
especialmente aqueles resultantes de atos de atingir negativamente o outro seria um constituinte
delinqüência e criminalidade contra os bens, de violência, mas não o suficiente para sua
APP-SINDICATO 53
caracterização, segundo referências que mais se gumas pessoas com outras, então a distinção
entre violência e outras formas coercitivas de
ateriam ao corpo normativo legal como parâmetro
infligir danos, dor e morte fica enevoada. Uma
do que seria considerado como violência. política que deliberada ou conscientemen-
Arblaster (op.cit.) lembra que o Oxford English te conduza à morte de pessoas pela fome ou
doença pode ser qualificada de violenta. Essa
Dictionary definiria violência como o uso ilegítimo
é uma razão por que slogans como ‘pobre-
da força, o que pode ter como perspectiva tanto o za é violência’ ou ‘exploração é violência’ não
plano do legal como da moral, o que mais uma vez constituem meras hipérboles” (Arblaster, 1996:
803).
questiona as fronteiras entre referências coletivas
e objetivas, e o sentido, o subjetivado, o percebido
Na busca por definições mais finas, alguns
como violência.
autores disputam a relação entre o conceito
O destaque dado à agressão física é de violência, o de força e o de ser a violência
também questionado por muitos, considerando necessariamente um regime de excepcionalidade,
tanto outras formas de relações agressivas quanto tanto quando o nível de analise é o Estado, como
à mecanização e industrialização da violência, grupos sociais e indivíduos.
como as que se dão em larga escala, por exemplo,
Discute-se que na contra corrente, por
as guerras modernas. A referência a violações de
não violência poder-se-ia apelar para a correlação
propriedade também é disputada como definidor
de forças, ou o reconhecimento de simetrias
de violência, através da história (Thompson in
para resolver conflitos e se obter negociações.
Bourdon e Borricaud, 1982)2.
Assim, segundo Bourdon e Borricauld (1982:
Outro constituinte questionado atualmen- 613), “a renuncia à violência não resulta de uma
te é a violência como um ato individualizado, conversão, mas de uma aprendizagem, que parte
pautado por psicopatias, dirigido contra outro ou do reconhecimento de uma relação de forças que
outros, infligindo a essas vítimas sofrimento, dor se impõe às duas partes (...) sem ‘perder a face’ ”.
e morte. Considerar que muitos agressores não se
Por outro lado, a depender do tipo de
sentem culpados ou responsáveis por suas ações,
sociedade como as de regimes totalitários, a
que são treinados ou socializados, quer de forma
violência se constituiria em norma legítima pela
intencional ou por modos de vida, para serem
imposição do poder de administrá-la não pelo
violentos desloca a ação preventiva para o campo
consentimento3.
das relações sociais coletivizadas, focalizando-se
não somente indivíduos, mas grupos, comunidades
Além de constituintes, o debate conceitual
e organizações.
diverge na escolha de taxonomias diversas.
Bourdon e Bourricaud (1982), por exemplo,
Outros autores desenrolam tal raciocínio,
recorrendo a uma resenha de produções sobre
pelo qual a intenção não define necessariamente
violência na sociologia, identifica suas concepções:
os agressores, para referir-se a estruturas de
uma, anômica e outra, estratégica. A violência
violência, o que se confunde com situações de
relacionada à anomia, seria elaborada resgatando
coerção social:
De fato, se não suficiente, se faz necessário “O Brasil oferece o paradoxo de estar hoje ao
mesmo tempo no que poderia ser o melhor
reconhecer no horizonte de condicionantes
dos mundos e também no pior: o país é hoje
da violência, a modelagem da pobreza e das a décima maior economia mundial com um
desigualdades sociais no país. Produto Interno Bruto (PIB) de 414, 1 bilhões
de dólares, em 1991... As mortes violentas são
a terceira causa de morte no município [de
Segundo Pinheiro (1996), haveria uma São Paulo]. Periferização e favelização ocor-
violência de caráter endêmico relacionada rem num profundo contexto de desigualda-
a assimetrias sociais que se traduzem em des entre ricos e pobres... A décima economia
industrial do mundo convive com a segunda
autoritarismos de várias ordens como o pior distribuição de renda em todo o mundo:
subdesenvolvimento territorializado (ex: das a racio dos 20% mais ricos para os 20% mais
populações no Norte e no Nordeste e de áreas pobres entre 1980 e 1991, era de 32,1%.” (Pi-
nheiro 1996: 22-24).
urbanas e rurais nas demais regiões); impunidade,
corrupção; abusos das forças policiais,
Vários autores (e.g., Zaluar 1994; Pinheiro
principalmente contra os pobres e os não-brancos;
1996; Soares, 1996) frisam que os dados sobre
as violações dos direitos das pessoas presas-
desigualdades sociais não embasam imobilismo
pobres; discriminação racial. No entanto, o autor
ou pessimismo quanto ao possível, ou seja, não
reconhece como traço contemporâneo, no Brasil,
podem impedir que se invista, em especial o
maior preocupação das autoridades em relação à
Estado, quanto a políticas públicas para lidar com
importância de “fazer respeitar tanto o estado de
violência, mas que inclusive para uma mobilização
direito como as normas de direitos internacional
da sociedade civil contra violências há que superar
dos direitos humanos, apesar de muito restar por
tais restrições, incompatíveis com uma cidadania
ser feito.” (Pinheiro, 1996: 9)
plena (Pinheiro, 1996).
Peralva (2000) organiza seu livro em torno
É comum a insistência em que há que ter
do que denomina o “paradoxo brasileiro”, ou seja,
reformas institucionais, promovidas pelo governo
o aumento dos “crimes de sangue” entre 1980 e
em seus distintos níveis, como no aparato de
1997, período de investimento na construção da
justiça e segurança, ainda que se reconheça que,
democracia pós-ditadura militar. Naquele período
principalmente na década de 1990, o Estado e a
também haveria crescido o acesso a armas de
mídia se voltaram para questões como o trabalho
fogo, a presença do narcotráfico, em particular nas
escravo, a violência contra crianças e adolescentes,
zonas de pobreza de muitas áreas urbanas no país e
o aumento no número de meninos e meninas em
as crises da economia. Note-se que Pinheiro (1996:
situação de rua, a prostituição infantil, a tortura, a
17) também recorre ao termo “paradoxo” para o
discriminação racial, e por conta de gênero, e que
caso do Brasil, mas no sentido de coexistirem “uma
tais esforços associam- se a uma maior advocacia
definição estrita das garantias constitucionais e
por direitos humanos em distintos campos pela
uma cidadania fraca” — todos frisam a fragilidade
sociedade civil. Em Dimenstein (1996), o registro
da consolidação da cidadania no país e como tal
de casos de extermínio, prisões, conflitos de terra,
estado arriscaria a democracia:
trabalho escravo, massacre de índios e violências
contra a mulher, noticiados amplamente,
ocorridos na última metade da década de 90
saúde, educação, transporte, comunicações, segurança e justiça são particularmente e que, na sua maioria, contou com denúncia e
agudos. É também nessas áreas onde, apesar da transição para a democracia na dé-
cada de 1980, graves violações de direitos humanos continuam a ocorrer, incluindo acompanhamento por parte de entidades da
execuções sumarias, tortura e detenções arbitrárias pela polícia e por grupos legados
à segurança privada e ao crime organizado (Pinheiro, 2000 e Cárdia 2000)” (Mesquita sociedade civil e organizada.
Neto, 2001: 27)
56 APP-SINDICATO
Uma leitura sugerida pelo texto de Vieira que resultam em prejuízo deliberado à integridade
(2001) seria a de que mais que as desigualdades da vida humana. Essa categoria envolve todas
sociais em si, a forma como se canaliza o as modalidades de homicídios (assassinatos,
descontentamento com as desigualdades, chacinas, genocídio, crimes de guerra, suicídios,
impunidades quanto a violações de direitos acidentes de trânsito e massacres de civis). A
e o arbítrio no uso das leis, associar-se-ia com violência indireta envolve todos os tipos de ação
sentidos de violência, ainda que não diretamente coercitiva ou agressiva que implique prejuízo
racionalizados dessa forma. Ou seja, ao se psicológico ou emocional. Por fim, a violência
sentir desrespeitado legalmente, ou sem leis de simbólica abrange relações de poder interpessoais
baliza – em anomia – os indivíduos assumiriam ou institucionais que cerceiam a livre ação,
comportamentos de desrespeito em relação aos pensamento e consciência dos indivíduos.
outros, ameaçando-se a ética do convívio social,
ainda que não identifiquem causas estruturais Como dito anteriormente, apesar do fato
para tal comportamento. de a violência não estar mais limitada a estratos
sociais, econômicos, raciais ou geográficos,
Assim a violência tem sido concebida levantamentos estatísticos demonstram que ela
como um fenômeno multifacetado, que não atinge com maior intensidade a grupos específicos
somente atinge a integridade física, mas também como, por exemplo, os jovens do sexo masculino.
as integridades psíquicas, emocionais e simbólicas Uma explicação dessa incidência está ligada à
de indivíduos ou grupos nas diversas esferas questão da vulnerabilidade social. Antes, porém,
sociais, seja no espaço público, seja no espaço de entrar no mérito da relação vulnerabilidade
privado. Passa ser concebida “de modo a social-violência, cabe observar a trajetória e os
principais aspectos deste rico referencial teórico.
incluir e a nomear como violência acontecimentos
que passavam anteriormente por práticas
costumeiras de regulamentação das relações 1.3. A Abordagem Analítica da Vulnerabilida-
sociais” (Porto, 1997 in Waiselfisz, 1998a:146), de Social
como a violência intrafamiliar, contra a mulher ou
as crianças e a violência simbólica contra grupos, Apesar do uso histórico do termo
categorias sociais ou etnias. vulnerabilidade em diversos estudos sociais6, as
aproximações analíticas à vulnerabilidade social
A percepção da complexidade da violência datam apenas dos últimos anos, período em que
é acompanhada pela necessidade de diferenciar se levou a cabo maior reflexão a respeito das
suas diversas formas que podem ser imputadas limitações dos estudos sobre a pobreza e sobre
às pessoas, a fim de buscar entender suas causas os escassos resultados das políticas associadas
peculiares e orientar a busca de soluções para a eles na América Latina. Tais enfoques da
combatê-las. Análises e pesquisas recentes pobreza – apesar de servirem à identificação dos
produzidas pela UNESCO (Castro et al, 2001; setores mais desprovidos da população a serem
Abramovay et al, 1999; Barreira 1999 e Minayo et atendidos pelas políticas sociais – não deram
al, 1999) vêm utilizando as definições de violência conta das complexas raízes desse fenômeno, já
direta, indireta e simbólica para identificar que se baseavam apenas no uso de indicadores de
diferentes expressões do fenômeno.
A violência direta se refere aos atos físicos 6 Ver, entre outros autores sobre vulnerabilidade social, Moser, 1996 e 1997
e 1998; CEPAL, 2000a; Filgueiras 2001; Busso, 2001 e Vignoli 2001
58 APP-SINDICATO
Vale notar que a vulnerabilidade 2.1 A Vulnerabilidade Social Através dos Da-
assim compreendida traduz a situação em dos
que o conjunto de características, recursos e
habilidades inerentes a um dado grupo social se Como já foi dito, a violência, tendo os
revelam insuficientes, inadequados ou difíceis jovens como vítimas ou agentes, está intimamente
para lidar com o sistema de oportunidades ligada a condição de vulnerabilidade social destes
oferecido pela sociedade, de forma a ascender indivíduos. Atualmente, esses atores sofrem um
a maiores níveis de bem-estar ou diminuir risco de exclusão social sem precedentes devido
probabilidades de deteriorização das condições a um conjunto de desequilíbrios provenientes
de vida de determinados atores sociais (Vignoli, do mercado, Estado e sociedade que tendem a
2001). Esta situação pode se manifestar, em um concentrar a pobreza entre os membros desse
plano estrutural, por uma elevada propensão grupo e distanciá-los do “curso central” do sistema
à mobilidade descendente desses atores e, no social. (Vignoli, 2001). Outro aspecto perverso
plano mais subjetivo, pelo desenvolvimento da vulnerabilidade é a escassa disponibilidade
dos sentimentos de incerteza e insegurança de recursos materiais ou simbólicos a indivíduos
entre eles. ou grupos excluídos da sociedade. O não-acesso
a determinados insumos (educação, trabalho,
Um aspecto importante dessa definição saúde, lazer e cultura) diminui as chances de
decorre da sua utilidade para compreender aquisição e aperfeiçoamento desses recursos que
como e por que diferentes atores sociais se são fundamentais para que os jovens aproveitem
mostram mais suscetíveis a processos que as oportunidades oferecidas pelo Estado, mercado
atentam contra sua possibilidade de ascender e sociedade para ascender socialmente.
a maiores níveis de bem-estar. Ela permite
analisar o caso de grupos sociais, aos quais Assim, esta seção apresentará dados
são atribuídas grandes potencialidades, estatísticos coletados por organismos
ativos valorizados em um dado contexto internacionais na América Latina que apontam
de estruturas de oportunidades, mas que, para o agravamento da vulnerabilidade dos jovens
contraditoriamente, permanecem reclusos a na região e os impactos resultantes no incremento
um cenário de inseguranças, instabilidades e da violência.
marginalidade.
A preocupação da análise é oferecer um
Nesse sentido, o enfoque de painel sobre os jovens da América Latina, assim
vulnerabilidade social constitui ferramenta sendo, aspectos peculiares dos países analisados
válida para compreender a situação dos jovens, não orientaram a preocupação central deste
especialmente aqueles de camadas populares, artigo. Os dados apresentados foram reunidos e
e da sua relação com a violência já que, apesar selecionados a partir de pesquisas desenvolvidas
de atualmente serem considerados os atores por diversos órgãos e organismos internacionais
chaves do desenvolvimento, as estatísticas envolvidos com a América Latina, entre eles:
apresentam uma realidade muito menos UNESCO, UNAIDS, CEPAL, CELADE, OMS e OPS.
festejada. Procurou-se utilizar, na medida do possível,
60 APP-SINDICATO
sempre os dados mais atualizados disponíveis, Segundo alguns autores (Moser, 1999;
porém, apesar do esforço, alguns apresentam Filgueira, 2001), o conceito de vulnerabilidade
uma defasagem de 5 a 7 anos. é uma ferramenta eficaz para analisar a situação
dos excluídos socialmente na América Latina,
Uma vez que a análise partiu de dados pois é capaz de compreender amplamente
secundários, foi necessário trabalhar com dados as vicissitudes e idiossincrasias existentes na
agregados que nem sempre coincidiam em sua realidade dos pobres que vão além dos atributos
forma e dimensão, assim deve-se ater às diferenças de renda.
que essa agregação diferenciada pode suscitar.
Neste sentido o conceito de vulnerabilidade
De modo geral, percebe-se: ao tratar da insegurança, incerteza e exposição a
riscos provocados por eventos socioeconômicos
t"DSFTDFOUFJODBQBDJEBEFEPNFSDBEPEFUSBCBMIP ou ao não-acesso a insumos estratégicos apresenta
em absorver indivíduos pouco qualificados ou uma visão integral sobre as condições de vida
com pouca experiência, como é o caso dos jovens. dos pobres, ao mesmo tempo que considera a
disponibilidade de recursos e estratégias para que
t "T EJöDVMEBEFT FOGSFOUBEBT QFMPT HPWFSOPT estes indivíduos enfrentem as dificuldades que
na América Latina em reformar os sistemas lhes afetam.
educacionais para que acompanhem as mudanças
da sociedade e incorporem as novas aptidões e Segundo dados da CEPAL, ao final dos anos 90,
habilidades requeridas. a pobreza na América Latina afetava a 35% dos
domicílios enquanto a indigência ou a pobreza
t"TUFOEÐODJBTOPRVBESPDVMUVSBMDPOUFNQPSÉOFP
extrema alcançava a 14% (CEPAL, 2000b). Essas
por um lado estimulam a sexualidade precoce e estatísticas, se comparadas com outras séries
por outro incentivam as resistências em educar, históricas da mesma instituição, mostram que
sensibilizar e oferecer os meios para evitar que tal os índices de pobreza apresentaram uma ligeira
atividade favoreça a gravidez não planejada e o diminuição na região nos últimos anos. Porém
contágio de doenças sexualmente transmissíveis deve-se ressaltar que apesar desta relativa melhora
-incluindo a AIDS. (Vignoli, 2001). a pobreza ainda permanece um dos principais
problemas que afetam as populações dos países
2.1.1 Pobreza e Democracia latino-americanos.
se projeta para o ano de 2005 uma população americana é a educação. Ela é considerada o
de 102.347.048 jovens de 15 a 24 anos na principal instrumento para a elevação dos níveis
América Latina e no Caribe. Com relação a essa de capital humano e para promover o bem-estar
onda jovem latino-americana, deve-se ressaltar de jovens e adolescentes. Além disso, a interação
que tais tendências demográficas remetem a que surge nas escolas também acumula capital
desafios imperiosos no que tange à incorporação social, já que ali se constroem relações sociais,
dos jovens de forma produtiva no mercado de redes de amigos e contatos. Neste sentido, a
trabalho, bem como sua participação política, educação em conjunto com a família constitui um
cultural e social. Assim, é preciso observar até que dos espaços tradicionais de socialização entre os
ponto esses jovens têm conseguido incorporar jovens.
os ativos essenciais ao seu desempenho presente
e futuro na sociedade e os principais obstáculos Segundo Pizarro (Pizarro, 2001:14), ao
encontrados no seu contexto econômico, políticofinal dos anos 90 na América Latina somente
a educação tradicional não mais assegurava
e social da América Latina, que os têm atraído para
situações de vulnerabilidade. o fortalecimento do capital humano e por
conseqüência novas oportunidades. Segundo o
autor, novas instituições e
Gráfico 1 - Estimativa e projeção populacional, por ano, para políticas típicas do padrão
jovens de 15 a 24 anos de idade, na América Latina e Caribe, de desenvolvimento vigente
1995-2005. na região favoreceram a
ampliação da educação
privada e, por outro lado,
deterioraram a educação
pública provocando um
aumento da vulnerabilidade
dos estudantes de estratos
médios e baixos da sociedade
-mais usuais nesta rede de
ensino.
Alfabetização Jovem
*:NF>GMHGHGsF>KH=>F:MKo<NE:LM:F;mFL>@NBN:<HF
10 Notas relativas à tabela 3
I:GA:=H => NF: >E>O:lkH >F Fm=B: GHL :GHL Duração => BGLMKNlkH
da educação primária=:
ou fundamental: número de anos da edu-
9 CNO>GMN=> E:MBGH:F>KB<:G:
LL> =:=Hpaís,
. A expressão educação fundamental é utilizada pela UNES- memK>E>O:GM>
1996.
IHBL =>O>L>
cação primária ou fundamental, segundo o sistema de educação vigente em cada
CO desde 1946, data da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Porém esta
expressão atualmenteM>K >F OBLM:
esta caindo em desusoJN>
sendo H :<sFNEH
substituída => :GHL
pela expressão edu- => BGLMKNlkH
Taxa líquida>GMK> HNMKHL
de escolarização:A taxa líquida de escolarização é igual ao
cação primária ou fundamental. Neste sentido, a educação primária ou fundamental número total de alunos escolarizados no nível de ensino em idade oficial, dividido pela
:NF>GM::IHLLB;BEB=:=>=>NF:BGM>@K:lkHLH<B:EF:BLLpEB=:
)H
deve ser entendida como a educação que facilitaria a alfabetização e a aquisição de população do grupo de idade que corresponde oficialmente a esse nível.
>GM:GMHmG><>LLhKBH<:NM>E::HL><HGLB=>K:K>LL>L=:=HLChJN>
capacidades, conhecimentos e valores fundamentais necessários para a participação
efetiva na sociedade. 11 ISCED 1 corresponde à educação primária ou fundamental (ou primeiro
LkHIHN<HLHLI:oL>LJN>:IK>L>GM:FIHK<>GM:@>GLK>E>O:GM>L=> estágio da educação básica).
CHO>GL>=N<:=HLIHKHNF:BL:GHL
*LF:BHK>LI>K<>GMN:BL=>
:GHL => BGLMKNlkH LkH >G<HGMK:=HL G: K@>GMBG:>GHABE>>HL
APP-SINDICATO 65
Anos de instrução
Argentina 1997 3 35 30 32
Brasil (a) 1996 35 33 27 5
Colombia 1997 15 25 47 13
Costa Rica 1997 7 35 40 18
Chile 1996 3 19 37 41
El Salvador 1997 16 24 34 26
Honduras 1997 16 48 20 16
México 1996 5 17 58 21
Nicaragua 1997 17 39 35 9
Panamá 1997 6 33 35 26
Paraguai 1996 11 36 28 25
Rep. Dominicana 1997 20 30 27 22
Uruguai 1997 3 38 33 26
Venezuela 1997 10 36 41 14
Fonte: CEPAL. Panorama social de América Latina, 1998. Santiago, 1999, quadro 24 do anexo
estatístico. Publicação das Nações Unidas.
WF:BHKB:=HLCHO>GL=>::GHL:<BF:=:EBGA:
Assim, na América Latina, LMN=:F =>IH;K>S:Lp>LMN=:
>GkHMK:;:EA:F W)HK:LBE:I>G:L=HLCHO>GL=>::GHL:;:BQH
muitos têm abandonado os estudos, =:EBGA:=>IH;K>S:>LMN=:F
ou ainda, nem chegam a iniciá-los: W GMK>HLCHO>GL=>::GHLG:Fm=B:=:FmKB<:
':MBG:F>GHL=>:I>G:L>LMN=:F
aproximadamente 700.000 jovens
não chegaram a ser alfabetizados, W+:K:HLCHO>GL=HL>QHF:L<NEBGH>IH;K>L
FHK:=HK>L=>SHG:LKNK:BL:IHK<>GM:@>FO:KB:
são poucos os países que apresentam TK:;:EA:F
>GMK>>
>GkH>LMN=:F
porcentagens relevantes de jovens WLIHK<>GM:@>GL=HLCHO>GLJN>LpMK:;:EA:F
:NF>GM:F<HF:B=:=>
educados por 12 ou mais anos e
W LL:<:M>@HKB::IK>L>GM:FH=>EHLK:<BHG:BL
em outros persistem baixos índices ;:LM:GM>L=B?>K>G<B:=HL
de escolarização primária – como TK:;:EA:F W GMK>>=HLCHO>GLFHK:=HK>L=>SHG:L
>>LMN=:F
NK;:G:LGHABE>HEqF;B:>(mQB<H
República Dominicana – e secundária, W GMK>:=HLCHO>GLFHK:=HK>L=>SHG:L
como é o caso de El Salvador, Venezuela NK;:G:L=HK:LBEHEoOB:>HLM:-B<:
e Paraguai. W GMK>:=:LFNEA>K>LCHO>GLG:LSHG:L
)kHMK:;:EA:F NK;:G:LIH;K>L>>GMK>>G:LSHG:L
G>F>LMN=:F KNK:BLIH;K>L
BLHE:=HL W+:K:HLAHF>GL>GMK>>=HL:;:BQH=:EBGA:
2.1.3 Trabalho =>IH;K>S:>>GMK>>>GMK>HLGkHIH;K>L
EXPERIENTE
O que falta pra gente, também, é a falta de experiência, porque eles não dão oportunidade
e muitos de nós também não têm uma profissão ainda, aí fica difícil. Fazendo Formação
Geral, a gente vai sair daqui sem nada, sem qualificação nenhuma, teria ainda que
fazer curso de inglês, informática. (Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro).
DE "BOA APARÊNCIA"
Quem tem uma aparência assim, como a minha fica desempregada pro resto da vida. E
outra: você tem que ter um corpo bom pra poder usar a própria roupa da loja. Porque
a pessoa tem que ser magrinha, não pode ter barriguinha, tem que ter corpinho bom que
dê para colocar... (Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro).
"CLARINHA"
Em algumas lojas assim, eles até avisam, no caso: Ah! Pô, arruma uma pessoa pra
trabalhar comigo. Só que não pode ser negras. No máximo, moreninha jambo, clarinha.
(Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro).
Argentina
15-24 15,2 12,3 13,0 - 21,2 30,1 31,1 27,2 24,4 26,4
Bolívia
20-29 9,5 7,3 7,0 8,2 4,5 5,4 - - - -
Brasil
18-24 - 9,1 11,2 10,3 9,6 9,3 10,5 11,4 14,3 15,0
Chile
20-24 12,0 12,4 10,3 10,2 11,9 10,1 12,2 13,6 15,1 20,5
Colômbia
20-29 15,1 15,1 15,2 12,4 13,2 13,0 15,6 18,1 21,7 26,0
Equador
15-24 13,5 18,5 17,3 15,7 14,9 15,3 20,0 19,4 22,6 -
México
20-24 - - 4,4 5,7 6,0 9,9 8,8 6,5 5,9 4,8
Paraguai
20-24 14,1 9,5 7,3 8,8 5,5 7,8 12,6 31,5 - -
Peru
14-24 15,4 11,2 15,8 16,1 13,7 11,2 14,9 12,7 14,1 17,1
Uruguai
14-24 26,1 27,9 24,4 23,3 25,5 25,5 28,0
Venezuela
15-24 18,0 15,8 13,4 13,0 15,9 19,9 25,4 23,1 21,9 27,9
FONTE: Elaboração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre as bases de informação
48 das pesquisas por domicílios dos respectivos países in CEPAL, Juventud, Población y Desarrollo em
América Latina y el Caribe, 2000.
70 APP-SINDICATO
[...] são engraxates, fazem pequenos bicos, pequenas entregas, fazem monta-
gens de algumas coisas, alguma pintura, qualquer atividade de baixo
conhecimento que eles possam fazer. Vão ali ajudar ao pai fazer trabalhos
de pedreiros, então vão capinar alguma coisa, então eles fazem pequenas
atividades, são flanelinhas, vão vigiar carros. Alguns, aqueles que tem um
pouco de sorte, vão ser contínuos, mas a grande maioria está neste eixo de
atividade do mercado informal, não tem carteira assinada, não sabem seus
direitos, são explorados.
2.1.4 Saúde Sexual e Reprodutiva na América Latina: “[...] 40% dos adolescentes do
Brasil e de El Salvador haviam tido relações sexuais
Além da educação e do trabalho, outra aos 15 anos. Em 1996, estimou-se que 50% dos
esfera central à vida dos jovens e adolescentes, adolescentes latino americanos menores que 17
em especial para meninas e moças, diz respeito anos já eram sexualmente ativos.” (CEPAL, 1999:
à sua saúde sexual e reprodutiva. Nesse campo 140).
a vulnerabilidade manifesta-se quando se
analisam as diferenças entre os serviços privados A iniciação sexual na adolescência tem-se
de saúde, associados à nova economia e com revelado problemática na região na medida em
planos e carências de alto-custo e que geralmente que muitos jovens não estão suficientemente
atendem apenas os setores mais privilegiados na informados ou preparados para evitar riscos
população. Em contraste com o aparelho público como a gravidez indesejada e a contaminação por
onde se oferece um menor repertório de serviços doenças sexualmente transmissíveis, incluindo
e tratamentos geralmente destinados para as o contágio por HIV. Conforme se pode observar
classes médias e baixas da população. Segundo na tabela abaixo, a gravidez de adolescentes
Pizarro (2001:15), mantém-se elevada na maioria dos países latino-
americanos. Na média nacional dos países,
“as tecnologias obsoletas, os sistemas de admi- conforme os dados apresentados, de 20% a 25%
nistração ineficientes e os parcos recursos com
que contam a saúde pública na América Latina das mulheres tiveram seu primeiro filho antes
expôs os indivíduos de camadas populares a dos 20 anos de idade. Se considerarmos apenas a
condições de risco quanto ao fato de não pode- população rural essa porcentagem chega a mais
rem ser atendidas imediatamente ou então não
poderem recorrer a certos medicamentos devido de 30%.
seu alto custo.”
Geralmente a gravidez adolescente e a
No caso dos jovens, segundo dados da incidência de DST estão vinculadas a aspectos
Organização Panamericana de Saúde (OPS), a como, por exemplo, a pobreza e a falta de
iniciação da atividade sexual na adolescência informações. A literatura recente sublinha algumas
para ambos os sexos é um fenômeno comum lacunas deixadas pelas políticas públicas no que
muitos ficam relegados às influências que nascem como quadrilhas de tráfico de drogas e de armas,
de sua interação cotidiana nas ruas, com outros gangues etc.
que partilham das mesmas carências quando não
são atraídos pelo mundo do crime e das drogas, Por outro lado, a não-presença de
inclusive por seus símbolos e práticas autoritárias um Estado orientado para o bem-estar
de imposição de poder, ou de protagonismo social, desenvolvimento cultural e lúdico em
negativo. comunidades pobres, ou de governabilidade
positiva é preenchida por formas de
A violência juvenil, nesse contexto, tem governabilidade negativa, como sugere o
emergido sob diversas lógicas. Por um lado, tem testemunho do quadro seguinte:
representado uma forma de os jovens quebrarem
com sua invisibilidade e mostrarem- Quadro 6 - O tráfico foram (sic) nossos heróis
se capazes de influir nos processos
Grupo focal com jovens
sociais e políticos da América
Latina. Diante de uma sociedade [Os traficantes] Colocaram lazer na comunidade, organizaram o futebol, coisa que a comu-
nidade ama, entendeu? Colocaram o baile funk que, na época, a gente adorava. Poxa, os
que manipula canais de mobilidade traficantes foram nossos heróis, entendeu? Na época os traficantes eram nossos heróis e não
social e segrega socialmente setores os policiais.
Fonte: Castro et al (2001: 62).
da população, e que, além de não
reconhecer, estigmatiza os principais canais de Pelo foco da vulnerabilidade advoga-se
participação juvenil – tais como grupos de rappers que a violência embora associada à pobreza,
– a violência vem servindo, em alguns casos, para não é sua conseqüência direta, mas sim da forma
colocá-los nos meios de comunicação e chamar a como as desigualdades sociais e a negação do
atenção para sua difícil vida. direito ao acesso a bens e equipamentos de
lazer, esporte e cultura operam
Quadro 5 - Os Rappers - Alternativa às Gangues nas especificidades da cada
grupo social, desencadeando
?)68)2')6%1%(-:)67378-437()+%2+9)72G37)()(-'%1F46E8-'%()86%27+6)77N)72G3
%(38%16-89%-7()%(1-77G3)-2+6)7732G343779)159%059)68-43()%66%2.3,-)6E659-'3 comportamentos violentos.
?"3>()91%+)6%HG34)6-*I6-'%)78-+1%8->%(%
?%4%7791)%(940%*92HG3()91'31432)28)')286%0(%7%8-:-(%()7()0%>)6)()91 Por outro lado, também
'%2%0())<46)77G3(%6):308%
Fonte: Abramovay et al, (1999).
se observa que mesmo
em situações de restrição
econômica é possível encontrar
Em relação mais direta com a crise das novas propostas para solucionar o problema
instituições socializadoras e de orientação ressaltado em estudos da UNESCO no Brasil, por
normativa, a violência tem-se prestado como um exemplo, como através de linguagens juvenis
eficiente mecanismo de resolução de conflitos no campo do esporte, artes e atividades lúdicas,
e obtenção de recursos. A experiência de muitos jovens encontram saídas alternativas para
processos de exclusão e desigualdades sociais, realização de buscas de afirmação social15
além de gerar privações materiais, fomenta entre
os indivíduos sentimentos de desencanto e
frustração, concorrendo para a erosão dos laços
de solidariedade. Nesse contexto, as frágeis redes
de coesão social colaboram para uma assimilação
15 Ver entre outros, Castro et al 2001; Minayo et al, 1999 e Abramovay et al,
perversa a espaços restritos de pertencimento tais 1999.
APP-SINDICATO 75
verifica-se maior oferta de armas. Segundo (ou enfrentarem períodos de detenção) é menor
dados recentes (Guerrero, 1997) estima-se que, do que os eventuais benefícios que podem ser
em média, a possibilidade de morte aumenta conseguidos pelo crime. Já do ponto de vista das
em quase 3% nas residências onde os habitantes vítimas aparece o sentimento de falta de proteção
possuem armas de fogo. Na Guatemala, por oficial que, no limite, pode até mesmo levar a
exemplo, existem dois milhões de armas nas mãos cometer justiça com as próprias mãos.
de 35% da população civil maior que 15 anos de
idade. (Gutiérrez, 1998). Na Colômbia, durante A questão da violência entre jovens não é
1996, 86% dos homicídios foram causados por um fenômeno exclusivamente latino americano;
armas de fogo (Colômbia, 1996). por exemplo, a literatura atual sobre juventude
e violência aponta que nos Estados Unidos os
O tráfico de drogas e o consumo de álcool adolescentes são duas vezes mais vítimas de crime
também constituem fatores relacionados ao do que os adultos acima de 25 anos de idade. (US.
aumento da violência. Esses fatores associam-se Department of Justice, 1992). Os homicídios são a
à violência também no sentido de contribuírem quarta maior causa de mortes entre indivíduos de 1
para a maior incidência de violência doméstica a 14 anos e a segunda entre jovens de 15 a 24 anos.
e violência contra as crianças e adolescentes. (Gans et al, 1990). Entre os negros americanos de
Segundo dados do programa DESEPAZ, criado 15 a 34 anos de idade, para homens e mulheres, o
na cidade de Cáli em 1993, 56% dos homicídios homicídio é a principal causa de morte (Hammett
ocorrem nos finais de semana e 25% deles apenas et al.,1992). Ainda segundo a literatura, os homens
aos domingos. Esses dados aproximam-se de quando comparados com as mulheres são mais
análises da UNESCO para o Brasil, que alertaram frequentemente agentes e vítimas de agressão.
que mais de 50% dos homicídios ocorrem entre (Hammett et al.,1992; CDC, 1991; CDC ,1992; Hyde,
sexta-feira e domingo, entre os jovens de 15 a 24 1984).
anos no Brasil. E desses, 21,2% das ocorrências
ocorrem no domingo.(UNESCO, 2001 e Waiselfsz, Entre os jovens adultos (18 a 24 anos)
2000). percebe-se o aumento significativo nos índices
de violência urbana na última década. Como
Por fim, a ausência de controles demonstrado na tabela abaixo, quase 50% da
institucionais efetivos propicia a presença de atos população urbana de grandes cidades latino-
violentos. A deficiência dos sistemas judiciais, a americanas já foi vítima de algum tipo de crime.
falta de confiança da população na aplicação e
cumprimento das leis
e a desconfiança com Tabela 10 - População vitimizada, por algum tipo de crime, por
a polícia contribuem grandes cidades da América Latina.
significativamente Pessoas vitimizadas por crime
para o incremento (como % do total da população)
de atos violentos. A Cidade País Ano Total Roubos Violência Agressõe Suborno
crimes sexual (corrupção)
partir desse ponto de Assunção Paraguai 1995 34.4 6.3 1.7 0.9 13.3
vista, a impunidade Bogotá Colômbia 1996 54.6 11.5 4.8 2.5 19.5
Buenos Aires Argentina 1995 61.1 6.4 6.4 2.3 30.2
aumenta a insegurança,
La Paz Bolívia 1995 39.8 5.8 1.5 2.0 24.4
pois os criminosos Rio de Janeiro Brasil 1995 44.0 12.2 7.5 3.4 17.1
avaliam que o risco San José Costa Rica 1995 40.4 8.9 3.5 1.7 9.2
Fonte: CEPAL, 1998.
de serem capturados
APP-SINDICATO 77
TOTAL 15 A 24 ANOS
País Ano Posição Taxa (%) País Ano Posição Taxa (%)
ao oferecerem ao jovens um modelo de vida em que um grupo exerce domínio sobre a estrutura
ligado às armas e à violência, como alternativa política, a existência de capital social intragrupal
para a saída da miséria local. favorece a consolidação da situação de exclusão
dos grupos não dominantes. Porventura, se os
Mas, como explicar efeitos diametralmente grupos nãodominantes conseguirem organizar
opostos do capital social na violência? A literatura um capital social que transpasse suas identidades,
indica que os efeitos do capital social estão sua ação pode alterar o status quo e a distribuição
relacionados com a sua abrangência na sociedade. de poder entre os grupos, alcançando a situação
de bem-estar social e econômico.
Para Lederman et al. (2000) o capital
social ajuda a diminuir os conflitos e a violência De outra forma, Narayan (1999) explica
quando consegue transpor os limites de grupos que na situação de mau funcionamento estatal a
específicos. De modo oposto, revela o potencial de sociedade com capital social predominantemente
induzir o aumento de crimes e violências quando do tipo intragrupal estaria mais disposto a
concentrados em grupos isolados e particulares, debandar-se para o conflito, violência, guerra
tais como gangues, clãs étnicos e vizinhanças, não civil. Para o autor, com o mau funcionamento da
sendo disseminados por toda a sociedade. força estatal, os grupos sociais passam a substituir
as funções do aparato público, no entanto, uma
Neste trabalho, denomina-se o primeiro vez que o capital social é do tipo intragrupal, os
tipo de capital social de capital social intergrupal; e benefícios gerados por essa substituição são
o segundo tipo, de capital social intragrupal. concentrados no grupo dominante, que exclui os
demais pelo uso da força ou pela ameaça do uso.
Narayan (1999) estende a formulação de
Lederman e relaciona a abrangência do capital Em sociedades onde os recursos estatais
social com a eficiência das ações do Estado não conseguem atender demandas da população,
(funcionalidade de governo) para explicar os efeitos mas onde é predominante o capital social
do capital social no combate à vulnerabilidade intergrupal, as interações sociais extra-estatais
em geral, e à pobreza em específico. Para o autor, tornam-se gradualmente substitutas das funções
a combinação entre o capital social e a ação do estatais, formando a base para estratégias e ações
Estado pode gerar: bem-estar social e econômico, de superação dos problemas daquelas sociedades.
a permanência da situação de exclusão, o conflito Associações de moradores, cooperativas de
ou ações coletivas de superação dos problemas, produtores, associações de pais e mestres,
dependendo da abrangência do capital social e da organizações não- governamentais de proteção
eficiência da ação estatal (Narayan, 1999: 14). a minorias independentes ou com pouco contato
com agências governamentais passam a suprir
O bem-estar social e econômico é obtido demandas não atendidas pelo Estado.
em cenários ideais, onde a funcionalidade do
governo, complementada pela existência de fortes A literatura analisada sobre capital social
relações sociais intergrupais, consegue produzir e sua relação com a pobreza, com a exclusão
resultados econômicos e sociais positivos para os e com a violência (apenas para citar alguns
problemas apresentados. casos específicos), sugere que intervenções que
objetivam a melhoria das economias nacionais
Em países, regiões ou comunidades em que precisam levar em consideração a organização
funcionalidade de governo com clivagens sociais, e social, facilitando ou incentivando a promoção de
80 APP-SINDICATO
interações intergrupais que fortaleçam o capital importante na medida em que não valoriza e
social abrangente para que a sociedade participe tampouco promove a participação juvenil, crucial
da formulação, implementação e avaliação das para a conclusão do principal projeto de vida
estratégias de desenvolvimento. dos jovens, que é a conquista de sua autonomia
(CEPAL, 2000a).
3.2 Desenvolvendo Políticas Públicas de Com- A adoção de uma perspectiva que enfatize
bate à Vulnerabilidade Social e à Violência o desejo e a vontade dos jovens, quando da
elaboração, aplicação e avaliação de políticas
Conforme visto anteriormente, o fomento públicas representa uma grande preocupação nos
da violência entre os jovens latino-americanos estudos contemporâneos sobre juventude. Em
possui íntima relação com as desigualdades e recente publicação da UNESCO (Castro et al, 2001),
o não-acesso à riqueza e cidadania, ou seja, a sobre projetos sociais bem sucedidos envolvendo
exclusão social. Combater o problema da jovens em situação de vulnerabilidade social, o
crescente violência requer, pois, políticas públicas protagonismo juvenil aparece como importante
que busquem superar a condição vulnerável contraponto à violência e exclusão social. O
desses jovens. protagonismo juvenil é parte de um método
de educação para a cidadania que prima pelo
No que tange a essa tarefa, a literatura desenvolvimento de atividades em que o jovem
(CEPAL, 2000a) tem destacado a importância de se ocupa uma posição de centralidade, e sua opinião
tomar os jovens segundo uma perspectiva dupla, e participação são valorizadas em todos os
na qual eles seriam, por um lado, receptores momentos.
de serviços públicos que buscassem enfrentar
a equação desigualdades sociais e exclusão As experiências ali analisadas demonstram
social; e, por outro lado, atores estratégicos no que a ênfase no jovem como sujeito das atividades
desenvolvimento de sociedades mais igualitárias contribui para dar-lhes sentidos positivos e
e democráticas. A adoção dessa perspectiva dupla projetos de vida, ao mesmo tempo que conduzem
se prestaria à superação de alguns aspectos das à reconstrução de valores éticos, como os de
políticas públicas voltadas para a juventude, solidariedade e responsabilidade social.
inerentes às políticas sociais como um todo, as quais
muitas vezes concorrem, contraditoriamente, para O combate à vulnerabilidade social
acentuar a vulnerabilidade juvenil, socialmente também implica a superação dos enfoques
negativa. setoriais e desarticulados de grande parte das
políticas sociais. Conforme visto anteriormente,
Um primeiro aspecto das políticas públicas problemas como a exclusão, desigualdades
que se revela incompatível com a incorporação sociais, discriminações e a violência decorrem
dessa dupla perspectiva se refere ao caráter de uma multiplicidade de fatores que interagem
predominantemente assistencialista de boa entre si formando complexas redes causais.
parte das políticas que atendem aos jovens. Entretanto, e em relação direta com a ausência
Esse enfoque assistencialista corresponde a uma de uma coordenação insterinstitucional, um traço
prática comum nas políticas sociais popularizadas inerente às políticas, especificamente àquelas
na região na década de 80, com o agravamento voltadas para a juventude, refere-se justamente
das condições sociais fomentado pelas medidas à ausência de uma percepção integrada sobre
de ajuste estrutural. Sua superação revela-se os problemas sociais e suas raízes multicausais.
APP-SINDICATO 81
“Promover uma autêntica coordenação inte- É preciso ter claro que a pobreza cria
rinstitucional, baseada em uma precisa dis-
tribuição de papéis e funções entre todos os fatores de riscos, que reduzem a esperança de
atores envolvidos, de modo a obter condições vida e depreciam a sua qualidade. A pobreza,
favoráveis à realização de programas articu- principalmente quando atinge as crianças e os
lados, adequadamente focalizados, aplicados
fundamentalmente a partir de instâncias lo- jovens, cria deficiências que comprometem não
cais e a partir de um efetivo protagonismo dos somente o futuro dos indivíduos, mas o futuro
(as) próprios(as) jovens, na sua qualidade de da sociedade em conjunto. A desnutrição infantil
atores estratégicos do desenvolvimento.” (CE-
PAL, 2000a: 27) é um desses problemas. Crianças que sofrem
desnutrição em sua primeira infância têm todo seu
No entanto, deve-se ressaltar que a desempenho intelectual e físico comprometido
promoção de políticas públicas a partir deste pelo resto da vida. Outro problema, já apontado,
novo enfoque não constitui uma tarefa simples. é o acesso à escola. Segundo a CEPAL (2000b), o
Combater a violência, em especial a violência tempo mínimo necessário para que a educação
juvenil, atacando a vulnerabilidade, requer possa cumprir um papel significativo na redução
a mudança na percepção dos formuladores da pobreza é de 10 anos de escolaridade. No
de políticas latino-americanos sobre o papel entanto, a média de anos de escolaridade na
de políticas sociais para a construção de uma América Latina e Caribe é estimada em 5,2 anos,
sociedade mais igual, justa, pacífica e desenvolvida virtualmente a metade do mínimo necessário para
economicamente e a prioridade que essas Políticas se ter possibilidade de superar a pobreza.
devem receber da atenção governamental.
A soma da pouca escolaridade com os
Segundo Kliksberg (mimeo), o graves problemas de desnutrição infantil projeta
obstáculo a ser vencido para concretizar essa um cenário pessimista sobre a possibilidade de
mudança de percepção, que é clamada pela uma parcela significativa da população dessa
população da América Latina, é a superação região em atender às necessidades tecnológicas
de premissas falaciosas adotadas pelo modelo crescentemente complexas e inovadoras que
de desenvolvimento econômico, em vigência os setores produtivos mais avançados exigem,
na maioria dos países latino-americanos. Tais impedido que esses países desenvolvam esses
82 APP-SINDICATO
setores por falta de recursos humanos adequados. sociedade civil nos processos de desenvolvimento
e na solução dos problemas sociais e a valorização
O segundo conjunto de premissas do mercado frente ao Estado.
falaciosas justifica, no entendimento de Kliksberg,
a pouca preocupação com políticas específicas As reformas na economia e no Estado,
para atacar os problemas decorrentes da pobreza amplamente difundidas nos últimos anos, agravam
e da desigualdade social, marcantes na América ainda mais esse quadro de desconfiança na
Latina, que são fortalecidos por uma crença e participação da comunidade e do próprio Estado
que políticas econômicas são políticas sociais de na solução dos problemas sociais. Além disso, o
que todos os esforços dos países devam ser no pensamento econômico que orientou todo esses
sentido de crescer economicamente. De fato, não processos de reforma acabou projetando uma
se trata de negar que o crescimento econômico é idéia maniqueísta do Estado, pela qual toda ação
importante, senão ressaltar que é simplificar muito estatal seria negativa à sociedade, e a mudança
o tema do desenvolvimento e suas dimensões para a minimização da atuação do Estado com a
sociais, afirmar que o crescimento econômico conseqüente entrega de suas funções ao mercado
sozinho produzirá os resultados necessários para nos levaria a um reino de eficiência e à solução
atacar a pobreza e as desigualdades sociais. dos principais problemas sociais e econômicos
existentes.
É preciso superar o comportamento
político corrente que apregoa às políticas sociais Como já mencionado, desenvolver o capital
a qualidade de categoria de política pública social, como entendido aqui, implica propiciar o
de uso subótimo de recursos, muitas vezes de crescimento da participação dos atores na busca
caráter clientelista, em comparação com a política das soluções de seus problemas, criar, fortalecer e
econômica. É preciso ampliar as metas das ampliar redes sociais de cooperação com o intuito
políticas sociais, estabelecendo uma ligação entre de aumentar os recursos materiais e simbólicos
as políticas desenvolvidas setorialmente para que dos atores.
elas alcancem resultados mais precisos. Como
argumenta Tourraine (1997, apud Kliksberg), Na América Latina, o discurso político tem
bem desenhadas e executadas as políticas reconhecido a importância da participação da
sociais constituem condição indispensável para comunidade de forma cada vez mais ativa na gestão
o desenvolvimento econômico. Como exemplo, dos interesses públicos, pois seria claramente
podemos citar as políticas que assegurem antipopular enfrentar a pressão em favor da
às meninas e às adolescentes o ingresso e a participação. Embora sigam predominando
permanência na escola, além de contribuírem os programas impostos verticalmente – cujos
para que os países desenvolvam capital humano, gerentes são pessoas de fora da comunidade que
indispensável para inserção mais igualitária sabem a realidade, e a comunidade desfavorecida
nos mercados mundiais, reduz as ocorrências deve ser sujeito passivo – disseminam-se
de gravidez na adolescência, de mortalidade programas com bons níveis de participação
materna e infantil, que estão relacionadas com a comunitária.
escolaridade das mães.
Todos esses fatores propiciam a
Por fim, o terceiro conjunto de argumentos prevalência das alternativas de políticas que visam
que devem ser superados se referem ao menosprezo o enfrentamento do problema da violência com
do papel que pode ser desempenhado pela o aumento dos efetivos policiais, a alteração dos
APP-SINDICATO 83
códigos penais para reduzir supostos “privilégios” e As características básicas dessas novas
subterfúgios processuais que obstaculizam a ação formas de lidar com a vulnerabilidade do jovem
policial, o aumento dos gastos com segurança podem ser sumariadas da seguinte forma:
pública. Embora os resultados observados dessas
políticas não sejam muito animadores, uma vez (a) Têm impacto mobilizador sobre a juventude,
que a violência e o sentimento de insegurança são seja pela promoção do associativismo ou pelo
crescentes nas cidades latino-americanas. fortalecimento da auto-estima;
Por outro lado, soluções alternativas (b) São pouco custosas do ponto de vista per
que defendem a adoção de ações preventivas capita, mas têm a capacidade de gerar resultados
com parcerias entre o Estado e a sociedade civil agregados muito significativos;
são deixados para um segundo plano, sendo
suas iniciativas, mesmo que bem sucedidas e (c) A lógica de seu ciclo de vida é inclusiva, ou seja,
economicamente mais eficientes, ainda muito a sua reprodução está assentada sobre o princípio
esporádicas. do aumento gradual da população atendida;
um ano. O resultado desse esforço é a publicação matriculados, mas - e sobretudo - aqueles que
de um guia de recomendações dos jovens para ainda não estão.
as autoridades públicas locais e nacionais, os
diretores de escola e os trabalhadores de saúde. Insiste-se que políticas públicas em
relação aos jovens têm como desafio combinar
Uma das vantagens de tal iniciativa foi, por políticas universais, compreendendo que os
exemplo, descobrir que as demandas, anseios e jovens não estão isolados em um mundo à parte,
percepções não são necessariamente consistentes e políticas afirmativas, compensatórias, sensíveis
ao longo de diversas regiões. Assim, e a título de à particularidade da identidade juvenil, já que
exemplo, jovens de grandes capitais tendem a eles compõem uma geração com linguagens,
aceitar a idéia de disponibilizar preservativos no necessidades e formas de ser específicas.
ambiente escolar como forma de incentivo ao
sexo seguro, enquanto aqueles de cidades do A expressão de tais particularidades
interior pensam que o impacto de uma política pressupõe serem componente de uma
dessas seria negativo, uma vez que geraria ainda democracia participativa em que se atente para os
mais constrangimento em torno a um tema que desafios da modernidade – incorporação de novas
ainda não é tratado abertamente em espaços tecnologias na educação, construção de valores
públicos nem privados. Isso permite matizar as éticos, exercício da crítica social contra exclusões
políticas públicas e incentivar a inclusão de jovens – a fim de lidar com a vulnerabilidade social de
no desenho de planos de ação para a Aids em forma inovadora, tendo como referência o capital
nível local e regional. cultural e social relacionado ao protagonismo
juvenil.
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Lista de Tabelas
Lista de Siglas
1 Domicílio em situação de pobreza
AIDS - Acquired Immune Deficiency Syndrome e indigência por países da América
Latina e Caribe, (%) ..................................................................61
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
2 Taxa de alfabetização da juventude de jovens entre
CDC - Center for Drugs Control 15 e 24 anos, por países da América Latina, segundo
indicadores agregados
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina
de educação, 1999......................................................................63
e o Caribe
3 Educação primária ou fundamental (ISCED 1),
CELADE - Centro Latino-Americano e Caribenho por países da América Latina, segundo duraçã
de Demografia e taxas de escolarização, 1998.............................................64
4 População urbana de 15 a 24 anos, por países
DESEPAZ - Desarollo Seguridad y Paz
da América Latina, segundo número de anos de instru .
DST - Doença Sexualmente Transmissível ção, 1996-1997 ..........................................................................65
90 APP-SINDICATO
5 Educação secundária (ISCED 2 e 3), por países da América cia. Graduação em Sociologia e Ciências da Educação pela
Latina, segundo duração e taxas Universidade de Paris, França (Paris VII - Vincennes) e mes-
de escolarização, 1998 ...........................................................66 trado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica
6 Taxa anual média de desemprego juvenil, por países de São Paulo, Brasil. Entre os muitos trabalhos publicados
da América Latina, 1990-1999. ............................................69 registram-se “Gangues, Galeras, Chegados e Rappers”, Ed.
7 Crianças e adolescentes de 13 a 17 anos que trabalham, Garamond, Rio de Janeiro, 1999; “Escolas de Paz” Edições
por países da América Latina ..................................................70 UNESCO, Brasília, 2001.
8 Mulheres de 20 a 24 anos de idade que entre os 15 e 19
Leonardo de Castro Pinheiro é assistente de pesquisas da
anos tiveram filhos atualmente vivos, por países da Amé
UNESCO. Graduado em Ciência Política pela Universidade
rica Latina ....................................................................................71
de Brasília. Participação em pesquisas sobre organizações
9 Jovens de 15 a 24 anos portadores de HIV/Aids
não-governamentais, meio ambiente, juventude e violência.
na América Latina e Caribe, 2000. ......................................72
Entre os trabalhos mais recentes em que colaborou desta-
10 População vitimizada, por algum tipo de crime,por .......
cam-se “Cultivando Vidas, Desarmando Violências” (Castro et
grandes cidades da América Latina .........................................76
al, UNESCO, Brasília, 2001) e “Violências na Escola”, UNESCO
11 Classificação de países da América Latina, por elevação
(no prelo).
nas taxas de homicídio e outras violências, população to-
tal e população de 15-24 anos. .................................................77 Fabiano de Sousa Lima é assistente de pesquisas da
UNESCO. Mestrado em Ciência Política pela Universidade de
Lista de Quadros Brasília. Participações em pesquisas de juventude e violên-
cia e avaliações de políticas governamentais e programas or-
1 Jovens latino-americanos segundo çamentários. Entre os recentes trabalhos em que participou
situação de educação e trabalho......................................... 67 destacam se “Avaliação das Ações de Prevenção às DST/Aids
2 Precisa-se de jovem ................................................................. 68 e Uso Indevido de Drogas nas Escolas em Capitais Brasileira”
3 Vão esmolando .......................................................................... 70 (Rua et al, Edições UNESCO, 2001) e “Violências na Escola”,
4 Ficar pelas ruas no final de semana ................................... 73 UNESCO (no prelo).
5 Os rappers – alternativa às gangues................................... 74
6 O tráfico foram (sic) nossos heróis...................................... 74 Claudia da Costa Martinelli é assistente de pesquisas da
UNESCO. Cursa Ciência Política na Universidade de Brasília.
Participações como colaboradora em pesquisas de juven-
Nota sobre os autores
tude, violência e gênero e avaliações de programas gover-
Mary Garcia Castro é coordenadora de pesquisas da namentais. São trabalhos dos quais participou: “Violências
UNESCO. Mestrados em Planejamento Urbano pela Uni- na Escola”, UNESCO (no prelo) e “Avaliação das Ações de Pre-
versidade Federal do Rio de Janeiro e Sociologia da Cultura venção às DST/Aids e Uso Indevido de Drogas nas Escolas
pela Universidade Federal da Bahia. PhD em Sociologia pela em Capitais Brasileira” (Rua et al, Edições UNESCO, 2001).
Universidade da Flórida, EUA. Possui várias publicações nas
áreas de gênero, migrações internacionais, estudos cultu-
rais e juventude. Entre trabalhos recentes, destacam-se:
“Identidades, Alteridades, Latinicidades” (coord.) - Caderno
CRH, 32, janeiro-junho 2000; “Cultivando Vidas, desarmando
Violências” UNESCO, Brasília, 2001.
Anexo II
1+,0.0(#9()F6/*(#
Portinari
Filho de imigrantes italianos, Portinari nas-
ceu em 1903, numa fazenda de café em Brodo-
wski /SP. Com a vocação artística florescendo
logo na infância, Portinari teve uma educação
deficiente, não completando sequer o ensino
primário. Aos 14 anos de idade, uma trupe de
pintores e escultores italianos que atuava na
restauração de igrejas passa pela região de Bro-
dowski e recruta Portinari como ajudante. Seria
o primeiro grande indício do talento do pintor
brasileiro.
Os dois anos que passou vivendo em Paris foram decisivos no estilo que
consagraria Portinari. Porém, a distância de suas raízes acabou aproximando o
artista do Brasil, e despertou nele um interesse social muito mais profundo.
Portinari volta renovado ao Brasil. Muda de saúde. Em 1954 Portinari apresentou uma grave
completamente a estética de sua obra, valorizan- intoxicação pelo chumbo presente nas tintas que
do mais as cores e a idéia das pinturas. Aos poucos usava. Desobedecendo a ordens médicas, Portina-
o artista deixa de lado as telas pintadas a óleo e ri continua pintando e viajando com frequência.
começa a se dedicar a murais e afrescos.
No começo de 1962 a prefeitura de Milão
Em 1944, a convite do arquiteto Oscar Nie- convida Portinari para uma grande exposição com
meyer, inicia as obras de decoração do conjunto 200 telas. Trabalhando freneticamente, o envene-
arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte/ namento de Portinari começa a tomar proporções
MG, destacando-se o mural SÃO FRANCISCO e a fatais. No dia seis de fevereiro do mesmo ano, Cân-
VIA SACRA, na Igreja da Pampulha. A escalada do dido Portinari morre envenenado pelas tintas que
nazi-fascismo e os horrores da guerra reforçam o o consagraram.
caráter social e trágico de sua obra, levando-o à
produção das séries RETIRANTES e MENINOS DE Portinari é o autor da obra que ilustra este
BRODOSWKI, entre 1944 e 1946. caderno - Retirantes (1944 - Óleo s/ Tela. 190 x 180
cm, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateau-
No final da década de 40 Portinari se filia briand). Nessa tela o pintor queria não só retratar
ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e concorre uma situação, queria também denunciar as desi-
ao Senado em 1947, mas perde por uma peque- gualdades sociais tão acentuadas naquele perío-
na margem de votos. Desiludido com a derrota e do histórico.
também fugindo da caça aos comunistas que co-
meçava a crescer no Brasil, Portinari se muda com
a família para o Uruguai.
Fonte:
Mesmo longe de seu país, o artista continua http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2ndido_Portinari
com grande preocupação social em suas obras. A http://www.culturabrasil.pro.br/portinari.htm
década de 50 foi marcada por diversos problemas
APP-SINDICATO 93
Anexo III
Etapa II do Curso de Formação Político-Sindical
Núcleo Sindical:________________________________________________
Data:_____/_____/10
DIA
ATIVIDADE RESPONSÁVEL MATERIAL
HORÁRIO
PRIMEIRO DIA
12h – INTERVALO
SEGUNDO DIA
Recepção das/os cursistas e
08h30 GT regional
organização dos trabalhos.
Não há vagas
Ferreira Gullar . Rio de Janeiro, 1980
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão.
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
,/G#(H-.,/G#@G-6)/G
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
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96 APP-SINDICATO