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“A tese do ‘pragmatismo radical’ é uma tentativa de escapar dos dilemas
infinitos e entediantes sobre a unidade ou o futuro da esquerda”, afirma
Moysés Pinto Neto à IHU On-Line, ao explicar o “oximoro provisório” que vem
adotando em suas análises políticas. Segundo ele, “a palavra ‘pragmatismo’
quer dizer que temos que realmente querer aquilo que dizemos. (...) O
pragmatismo a que me refiro não é do acordão com o PMDB, mas o que
efetivamente quer derrotar o PMDB. E para isso temos que pensar estratégia,
temos que ler os pontos fracos, temos que estudar os movimentos do adversário
e fazer o que é necessário”.
Moysés Pinto Neto também chama atenção para “o déficit teórico e a falta de
alternativas” à esquerda. “Você vê muita gente compartilhando críticas ao
neoliberalismo, mas existem poucas reais alternativas”; entre elas, pontua, a
“crítica pura e simples”, uma proposta “desenvolvimentista” que aposta na
“volta do Estado de bem-estar”, ou a sugestão da instituição de uma “renda
mínima”. Entretanto, assegura, “não há saída econômica enquanto persistir a
ideia de crescimento”. E adverte: “A solução não é acelerar o crescimento, mas
buscar transformar nossas formas de vida de modo que transformemos o
próprio conceito de desenvolvimento (por um envolvimento, quem sabe).
Repensar o Estado, nossa organização política, nossa organização espacial entre
as cidades, os modos de produção e organização do mercado, as possibilidades
de encontrar em outras referências respostas aos nossos problemas. Não há
estratégia econômica dentro do quadro atual que possa contemplar e garantir a
qualidade de vida de todos. É só colocando em xeque as premissas, os valores do
crescimento, que poderemos pensar em alternativas para além da
instrumentalização do que anda em piloto automático”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Pinto Neto diz ainda que o
pragmatismo radical e o perspectivismo político ainda não são
compreendidos pela esquerda por conta de uma “atitude de superioridade
moral” que dispensa “inclusive a compreensão dos motivos do outro. Dispensa-
se a participação dos aliados potenciais. Hoje, para você entender as motivações
do "outro lado", tem que pedir uma série de desculpas, quando não sai
confundido junto com ele e potencialmente linchado”, diz.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Você tem dito que é impossível desenvolver uma saída
para a crise sem o mínimo de perspectivismo político. Como chegou
a essa proposta? Pode nos explicar melhor em que consiste essa
ideia? Por que o perspectivismo é a melhor saída?
Ecossistemas virtuais
Quando nos jogamos em caminhos muito arriscados para o
qual não temos boas respostas, em geral o senso comum
tende a nos abandonar. Esse conselho é uma prudência que
não pode ser simplesmente desprezada
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20/09/2018 Perspectivismo político e pragmatismo radical como alternativas à crise política. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto - Instit…
Moysés Pinto Neto - Primeiro, teria que dizer que cada vez me sinto menos
confortável teorizando sobre a "esquerda". A tese do "pragmatismo radical"
já é uma tentativa de escapar desses dilemas infinitos e entediantes sobre a
unidade ou o futuro da esquerda. Em geral, hoje em dia a esquerda não tem sido
um atalho cognitivo para posições políticas, como deveria ser, mas um lugar de
não-pensamento.
Dito isso, não creio que a esquerda deva simplesmente reproduzir o senso
comum, mas deveria estar atenta a ele. O falibilismo que costuma habitar as
impressões baseadas na experiência não é desprezível. Ou seja, quando nos
jogamos em caminhos muito arriscados para o qual não temos boas respostas,
em geral o senso comum tende a nos abandonar. Esse conselho é uma prudência
que não pode ser simplesmente desprezada.
Não quero dizer que o senso comum é infalível. O senso comum pode ser
bastante equivocado. Mas o problema é transformar nossas pautas em senso
comum. Como produzir condensações - memes, eu diria - que sejam capazes de
multiplicar por contágio viral. Esse é o esforço a que me refiro.
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O segundo ponto é que não temos um centro sólido no Brasil, o que nos coloca
sempre sob risco de golpe das forças oligárquicas. O fato de não existir uma
cultura de respeito à institucionalidade, um chão mínimo de direitos, faz com
que estejamos sempre sob a espreita da violência fascista. O centro funciona
muitas vezes como amortecimento das altas voltagens e permite certa dose de
prudência necessária. Na maioria dos países do Norte, não existe ameaça, por
exemplo, de uma virada militar. Isso não se discute. Então acho que esse é um
papel interessante que o centro desempenha e que não pode ser simplesmente
desprezado, porque a promessa do novo não é necessariamente redentora. O
perigo não é só para melhor, também podemos piorar muito. A própria ficção
científica nos apresenta cenários em que isso é visível.
Com o tempo, comecei a perceber que esse problema traz pelo menos três
consequências graves: o primeiro, uma percepção equivocada sobre o tamanho
do "condomínio". Ainda há quem defenda ideias como de uma revolução com
base da força, quando a maioria simplesmente não se identifica com esses ideais,
inclusive a parte mais pobre da população. Segundo, esse dimensionamento
errado acaba provocando um progressivo ensimesmamento da linguagem que,
ao mesmo em que se vangloria da sua superioridade moral, lamenta
melancolicamente o isolamento social. Além da posição inócua ("vem, Meteoro",
"vou estocar comida" etc.), ainda pode ter o rebote de provocar o
ressentimento popular canalizado contra elites culturais, como vimos no
caso do MAM (Museu de Arte Moderna). Finalmente, a atitude também gera um
enfraquecimento dos nossos argumentos De tanto se considerar superior
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20/09/2018 Perspectivismo político e pragmatismo radical como alternativas à crise política. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto - Instit…
enfraquecimento dos nossos argumentos. De tanto se considerar superior,
começa-se a esquecer que é preciso fundamentar as próprias posições para
convencer o outro. E isso tem servido como espécie de álibi para não reconhecer
a própria fragilidade teórica ou incapacidade de formular alternativas positivas.
É um modo de fugir de questões difíceis.
O primeiro é o da crítica pura e simples. Pense, por exemplo, num Mike Davis. A
lógica neoliberal soterra tudo e não deixa espaço para mais nada. Todo esforço
micropolítico é capturado pela mesma máquina de produzir neoliberalismo. A
totalidade sufoca, não resta espaço a partir para a própria crítica. Mas, em
termos de uma imaginação alternativa, pouco ou nada resta. Muitas vezes esse
discurso confunde-se com a demanda por resistir, que no fim das contas pode
até ser prudente, mas não tem base para durar para sempre. Precisamos resistir
às mudanças na CLT de um congresso apodrecido e completamente dominado
pelas forças do capital? Sem dúvida. Porém, se não tivermos ideias alternativas
sobre o mundo do trabalho, um dia - numa conjuntura desfavorável - a porteira
cai. Acho que o livro de Naomi Klein "No is not enough" vai por aí. Todo
mundo, depois de Trump, está inclinado a acreditar que o Occupy (e todas as
analogias a respeito) foi importante, mas é preciso ir além da resistência e
inventar algo novo.
O terceiro grupo, que acho bem mais interessante, é o que investe na ideia de
renda mínima. Eles vão desde ideias mais radicais, como reestruturar todo
Estado ou até ir além do Estado (inspirado nas ideias de Toni Negri), até usar
como saída de emergência (dentro de um social-liberalismo). Curioso porque
o próprio establishment, como gente como Mark Zuckerberg e Klaus Schwab,
começa a bancar a ideia. No Brasil, temos muita gente que já defendia isso há
muito mais tempo, como Giuseppe Cocco, Bruno Cava e outros. E há quem hoje
pense isso em conexão com os que tentam recuperar o marxismo em diálogo
com o novo populismo do Norte (Sanders, Corbyn, Melenchon etc.), como o
Victor Marques ou o ecossocialismo, com a Sabrina Fernandes e o
Alexandre Costa Araújo. O interessante do populismo é que ele é mais e menos
radical que a esquerda brasileira (PT e PSOL): de um lado, evita a
simbologia e a identidade, procurando equilibrar-se com o senso comum; de
outro, procura ir além da conciliação dentro do neoliberalismo, pautando-se a
partir de demandas que possam realmente transformar o consenso social - e
colocando em questão a ideia de futuro. Nas vertentes não apenas social-
reformistas ("neoliberalismo progressista"), a pauta do comum entra como
elemento de construção de outra lógica de mundo.
O último grupo, no qual me incluo, diria que não há saída econômica enquanto
persistir a ideia de crescimento. É impossível, no contexto atual, continuar
produzindo e acelerando a fim de alimentar o imaginário consumista. Ele só
produz frustração e é profundamente niilista, chegando a desprezar a própria
subsistência da Terra e das outras espécies no seu limite. Para essa visão,
enquanto perdurar o modelo atual, estaremos sempre diante do mesmo dilema.
A solução não é acelerar o crescimento, mas buscar transformar nossas formas
de vida de modo que transformemos o próprio conceito de desenvolvimento (por
l i t b ) R E t d i ã líti
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um envolvimento, quem sabe). Repensar o Estado, nossa organização política,
nossa organização espacial entre as cidades, os modos de produção e
organização do mercado, as possibilidades de encontrar em outras referências
respostas aos nossos problemas. Não há estratégia econômica dentro do quadro
atual que possa contemplar e garantir a qualidade de vida de todos. É só
colocando em xeque as premissas, os valores do crescimento, que poderemos
pensar em alternativas para além da instrumentalização do que anda em piloto
automático. Porém, quando fomos chamados ao debate, a atual Presidenta do
PT, Gleisi Hoffmann, chamou-nos de "minorias com projetos ideológicos
irreais".
Sobre os pontos a) e b), o problema é que ambos não vêm funcionando. Sempre
se pode dizer "mais um esforço", e considerar que é a visibilidade da esquerda
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Porém, ao mesmo tempo, a palavra "pragmatismo" quer dizer que temos que
realmente querer aquilo que dizemos. Como disse atrás, a atitude de "self-
righteous" da esquerda é sua ruína. Nós queremos realmente que nossas ideias
vençam ou entramos em um debate apenas para asseverar nossa superioridade
moral? Pode parecer meio banal isso, mas fico impressionado com a quantidade
de interações em que visualizo o desprezo pela prática da esquerda. Ou seja,
entra-se na disputa apenas para "marcar posição". O pragmatismo a que me
refiro não é do acordão com o PMDB, mas o que efetivamente quer derrotar o
PMDB. E para isso temos que pensar estratégia, temos que ler os pontos fracos,
temos que estudar os movimentos do adversário e fazer o que é necessário.
O que mais vejo nas redes sociais é a pessoa postar coisas radicais que eu me
pergunto: "ok, mas o que você quer com essa postagem?". Tenho quase certeza
que é só narcisismo mesmo. A pessoa não quer efetivamente construir nada.
Nesse ponto gostei muito das últimas intervenções da Tatiana Roque ao IHU e
El País Brasil, em que ela mostra a impostura dessa atitude radical que só fala
para si mesma, que é quase uma estetização consumista das ideias de
esquerda, mais ou menos como vestir camiseta do Che.
Moysés Pinto Neto - A entrada de Boulos para mim diria duas coisas ao
mesmo tempo: primeira, que o PSOL se abriria pela primeira vez a uma
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liderança social com base real. Com isso, a imagem associada à política
impetuosa de Diretório Acadêmico sem conexão com o resto da sociedade,
que acabou prevalecendo na candidatura de Luciana Genro, fica modificada
para melhor. O MTST é um movimento de peso e ator político relevante do
cenário nacional. No entanto, ao mesmo tempo a ligação de Boulos com Lula e
o PT é intensa e isso leva o partido novamente ao dilema que constantemente
tem que enfrentar: de se tornar realmente uma força independente, com
programa e estratégia própria, ou continuar como satélite/superego do PT.
Desde 2013, parecia que PSOL e REDE se tornariam novas forças políticas
capazes de expressar a multiplicidade da esquerda irredutível ao projeto
petista, com o PSOL tendo um viés mais radical e a REDE mais voltado para o
centro-esquerda ecológico.
Leia mais
Identidade de Esquerda ou Pragmatismo Radical?. Artigo de Moysés Pinto
Neto. Cadernos IHU ideias, Nº. 259
Esquecer o neoliberalismo: aceleracionismo como terceiro espírito do
capitalismo. Artigo de Moysés Pinto Neto. Cadernos IHU ideias, Nº. 245
Tudo que se refere à eleição de 2018 é sintoma da gravidade da crise política.
Entrevista especial com Moysés Pinto Neto, Rodrigo Nunes e Caio Almendra
Muros do condomínio esquerdista transformados em pontes de diálogo
pragmático com a maioria inconformada. Entrevista especial com Moysés
Pinto Neto
Uma saída pragmática, sem vestir vermelho, poderá promover grandes
mudanças para a crise brasileira. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto
O PT ajudou a enterrar junho de 2013 mas usa o defunto ao seu bel prazer
‘A democracia representativa perdeu a luta contra o capitalismo’, diz
Boaventura no FSM 2016
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