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1
Discente da graduação em Direito pela Unesp, em Franca (SP); pesquisador bolsista da FAPESP;
membro do Núcleo de Pesquisas Avançadas em Direito Processual Civil brasileiro e comparado -
NUPAD.
1 Tutelas de urgência
A tutela cautelar, disposta no CPC entre os arts. 796 a 888, tem como
principais requisitos o periculum in mora e o fumus boni iuris.
2
SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil. 4.ed. rev. e atual. São Paulo: RT. 1998. v. 3. p. 42.
Conforme os ditames do art. 273 do CPC, o juiz poderá, a requerimento da
parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial,
desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e
haja fundado receio de dano de difícil reparação ou fique caracterizado abuso de direito
de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Como extraído do próprio texto
legal, é de se notar que existe a necessidade de apresentar prontamente um contexto
probatório denso (documental, testemunhal, pericial, etc.) capaz de provocar um juízo
de quase-certeza no julgador do feito. De acordo com entendimento doutrinário e
jurisprudencial majoritário, trata-se de um poder-dever do juiz, que não pode
discricionariamente conceder ou não a antecipação dos efeitos da tutela: caso presentes
os requisitos do art. 273 do CPC, o deferimento é de rigor3, assim como a indispensável
fundamentação de tal decisão.
3
Este é o pensamento de Joel Dias Figueira Jr., que em lição magistral, aponta: “Sempre que uma versão
estiver demonstrada no processo civil – lembrando que em sede de tutela antecipada estamos diante de
cognição sumária limitada -, o poder do julgador em decidir se estará vinculado a ela e em sintonia com a
ordem jurídica aplicada ao caso em concreto, de maneira lógica e coerente, manifestada através do
convencimento motivado”. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários ao código de processo civil. Do
processo de conhecimento. Arts. 270 a 281. v. 4. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 163.
Com a evolução do direito processual, tanto no Brasil quanto em outros
países, como Itália, França e Alemanha, reformas foram introduzidas na legislação e
trouxeram a possibilidade de fungibilidade entre as medidas de urgência para maior
garantia de tutela jurisdicional eficiente. Ocorre que, não delimitadas as linhas
divisórias perfeitamente nítidas entre os dois institutos, nem mesmo em sede doutrinária
e jurisprudencial, não pode o julgador classificar como erro grosseiro o pedido de tutela
cautelar em situações de antecipação de tutela, e vice-versa. Como disposto no art. 273,
§7°, se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza
cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida
cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
Com base no poder-dever geral de cautela, o juiz deve deferir tais medidas
quando presentes os respectivos requisitos para salvaguardar um direito ou bem em
ameaça de lesão, devendo ser entendida esta fungibilidade, inclusive, no âmbito de cada
uma dessas espécies, v.g. no caso da concessão de uma cautelar de arresto quando o
pedido do autor foi pelo deferimento de uma medida cautelar de seqüestro.
4
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: RT, 1986. p.
136.
5
BENUCCI, Renato Luís. Antecipação da tutela em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética,
2001. p. 43.
6
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p.
647.
autarquias e as fundações públicas, para os que defendem sua existência no plano
jurídico7.
7
A existência de fundações públicas não é pacífica em sede doutrinária.
8
RREE 220.906, 225.011, 229.696, 230.051 e 230.072 (Pleno, j. 16.11.00).
deve-se argüir se a conferência de prazo nos parâmetros legais dilatados realmente se
coaduna com a realidade atual.
9
BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Edição Nacional, Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1949.
3 Vedações legais às tutelas de urgência em face da fazenda pública
Esta disposição tem razão de ser para não tornar o mandado de segurança
em medida apta para a cobrança de créditos vencidos, ou seja, tornar o writ
constitucional em ação de cobrança com caráter de demanda condenatória, constante no
procedimento ordinário no CPC. No entanto, é exatamente nesse processo comum de
conhecimento com pedido condenatório que teria vez a tutela antecipada. Como
explanada na lição de Eduardo Talamini11, não há como se dizer que se aplicaria a esse
10
Lei 8.437/92 e Lei 9.494/97.
11
TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência e a Fazenda Pública. Revista de Processo, São Paulo, v. 32,
n. 152, dez. 2007. p. 47-48.
processo comum de conhecimento a regra pela qual a sentença final (condenatória) não
abrangeria os créditos vencidos antes do ajuizamento da demanda. Isso significaria
eliminar, por completo, a possibilidade de cobrança de vantagens pecuniárias de
servidores públicos vencidas antes de iniciada a ação judicial. Haveria como que uma
“prescrição imediata” desses créditos – o que, obviamente, carece de razoabilidade,
requisito indispensável para a constitucionalidade de qualquer norma.
12
TALAMINI, Eduardo. Op. cit. p.48-49.
salariais. Tais restrições foram ampliadas com a Lei 8.437/92, nos arts. 1°, 3° e 4° à
tutela cautelar. Com o advento da Medida provisória 1.570/97, posteriormente
convertida na Lei 9.494/97, houve a ampliação destas vedações à antecipação dos
efeitos da tutela, prevista nos arts. 273 e 461 do CPC. Atualmente, estes óbices foram
repetidos na Nova Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/09), em seu art. 7°, §§2° e
5°.
13
ADIn 1576-1.
incessante do Presidente da República através da edição de inúmeras MPs em conjunto
com o Legislativo, que deixou confuso o cenário de aplicação de normas quanto às
vedações de medidas urgentes contra a Fazenda, levando ao perecimento da referida
ADIn sem mesmo a possibilidade de sua apreciação. De forma menos otimista aponta a
lição de Cássio Scarpinella Bueno14:
Ainda que tardiamente, edição desenfreada de MPs foi vedada pela Emenda
Constitucional 32/2001.
14
BUENO, Cássio Scarpinella. O Poder Público em juízo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 12-13.
15
Min. Ilmar Galvão. ADC-MC 4.Tribunal Pleno. STF. D. J. 5.2.98.
assim como a atuação do Judiciário com base na razoabilidade e proporcionalidade das
medidas. Neste esteio também se mostra a jurisprudência do STF ao analisar as normas
proibitivas de liminares em processos relativos ao “Plano Collor”. Lição também
aplicável às limitações propostas para as medidas liminares em sede cautelar, de
mandado de segurança e antecipação de tutela é a extraída do voto do min. Sepúlveda
Pertence16:
16
ADIn 233-DF, em RTJ, 132, 1990, p. 571-607 – trecho citado: p. 590.
17
TALAMINI, Eduardo. Op. cit. p.55.
seus conteúdos, no sistema normativo que definem e nos efeitos delas decorrentes, de
forma abstrata, em face de preceitos da Constituição Federal, não cabendo, assim, em
princípio, ao Supremo Tribunal Federal, no âmbito estrito desse processo, confrontar ou
considerar, em sua individualidade concreta, casos, situações ou efeitos particulares,
porventura resultantes da aplicação das leis, objeto da representação, até a data do
julgamento18.
18
Representação 1.418, Pleno, v.u. rel. Min. Néri da Silveira, j. 24.02.88, DJU 25.03.1988.
19
Reclamação 2482/SP. v.u. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10.08.2005 DJU 09.09.2005.
“A decisão do STF na ADC 4 refere-se, exclusivamente, às
situações referidas taxativamente, no „caput‟ do art. 1° da Lei
9.494/97, não abrangendo, portanto, os parágrafos do art. 1° da
Lei 8.437/92, no que são autônomos e não foram mencionados
na Lei 9.494/97” (STF-Pleno, Rcl 1.020-RJ-AgRg, rel. Min.
Octávio Gallotti, j. 21.08.02, negaram provimento, v.u., DJU
21.02.03, p. 28).
20
ZAVASCKI. Teori Albino. Antecipação da tutela. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 65
máxima de Ulpiano consubstanciada no suum cuique tribuere em tempo hábil, sob pena
até mesmo de cadência em descrédito do Judiciário.
21
ZAVASCKI. Teori Albino. op. cit. p. 69.
22
Item 2.1.
assumindo a possibilidade de julgamento contrário, restringindo a própria restrição,
ainda que isso demandasse maior período de tempo23.
Como principal óbice doutrinário24 para o uso das tutelas de urgência contra
a Fazenda Pública, destacamos o sistema de precatórios utilizado para o pagamento de
créditos dos particulares em face desta.
23
Com efeito, a ADC-4, distribuída em novembro de 1997 foi julgada definitivamente apenas em
01.10.2008, com a procedência da ação, mas com a ressalva de possibilidade de aferição, no caso
concreto de real necessidade de concessão de medidas urgentes, conforme o perigo de dano irreparável e
difícil reparação.
24
Apesar de a discussão ser embasada em preceitos normativos, mormente no art. 100 da Constituição
Federal, o uso das tutelas de urgência pode ser compatibilizado com o instituto dos precatórios através de
políticas públicas para tal. Acentua-se, portanto, o papel da doutrina para explicitar a forma desta
compatibilização e para direcionar as devidas reformas legislativas que impulsionem tais reformas.
25
FRANCO, Fernão Borba. Execução em face da Fazenda Pública. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
p. 129.
Conforme prevê o art. 100 do Código Civil, são os bens públicos de uso
comum do povo e os de uso especial inalienáveis, enquanto conservarem a sua
qualificação, na forma que a lei determinar, devendo as ações de cobrança em face da
Fazenda Pública assumir o rito indicado no art. 730 do CPC. Por esta razão, de fato a
execução contra a Fazenda Pública não pode ser considerada estritamente como
“execução”, já que não existe processo expropriatório contra ela.
26
Mais comumente tratadas por “RPV”.
filas correspondentes, não podendo o Judiciário interferir na função administrativa do
Executivo.
27
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.25. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 1024. nota.
pessoal, como ocorre no direito espanhol, nos casos de omissão envolvendo os deveres
de inclusão tempestiva do precatório na previsão orçamentária e o seu pagamento dentro
do período constante na lei, conforme os art. 100, § 5° da CF
4.3 Compatibilidade
28
O art. 100 da CF faz referência a sentença judiciária, mas, com a devida atenção, nos posicionamos
conforme o entendimento que a expedição do precatório não necessita de sentença em sentido estrito,
possibilitando as tutelas antecipatórias de mérito.
O atual estágio de inadimplência por parte da Fazenda Pública é
evidenciado pelo atraso no pagamento das dívidas públicas internas que chega a
décadas, e o montante de precatórios vencidos e não pagos passa de 62 bilhões, sendo
42bi de dívidas dos Estados e 20bi de dívida dos Municípios, conforme dados da
assessoria de imprensa do STF29. Decerto que as tutelas de urgência atuam
excepcionalmente e não devem ser tratadas como a solução imediata dos problemas de
gestão do Poder Judiciário abarrotado de processos, já que o deferimento destas
medidas não prescinde de atendimento aos seus requisitos próprios. No entanto, dada a
urgência da necessidade da prestação de tutela rápida e efetiva para o particular, é
imperioso que não se sujeite o indivíduo que demanda contra a Fazenda a esperar o
trânsito em julgado da sentença em dois graus de jurisdição e ainda aguarde a fila de
compensação dos precatórios que abertamente se protrai no tempo, chegando a demorar,
em alguns casos, mais de vinte anos. De tudo incompatíveis a urgência da tutela e o
atraso nos pagamentos.
5 CONCLUSÕES
Referências bibliográficas:
29
STF propõe nova forma de pagar precatórios. 7 set. 2005. Disponível em
<www.aejes.com.br/interna.asp?idCliente=50&acao=noticia&id=8139>. Acesso em: 19 ago. 2009.
BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Edição Nacional, Rio de Janeiro: Casa de Rui
Barbosa, 1949.
BUENO, Cássio Scarpinella. O Poder Público em juízo. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
FRANCO, Fernão Borba. Execução em face da Fazenda Pública. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2002.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo:
Malheiros, 1999.
SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil. 4.ed. rev. e atual. São Paulo: RT.
1998. v. 3.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. 2. 42. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2007.
ZAVASCKI. Teori Albino. Antecipação da tutela. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.