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Correspondências: a condessa de Barral e o imperador D. Pedro II

Nádia Battella Gotlib

O que levaria uma mulher com seus 53 anos de idade a escrever a um "amigo" de
muitos anos, relatando-lhe o que lhe acontecia a cada dia, desde quando se
levantava até quando se deitava, mantendo, assim, uma correspondência que se
estendeu por quase dezesseis anos?

É o que podemos indagar diante das 29 cadernetas compradas, algumas delas,


na Livraria Chartier, em Paris, com textos escritos em letra bonita e inclinada, na
maior parte em português, parcialmente em francês, por uma baiana que nessa
época vivia em Paris: a condessa de Barrai.

Tais manuscritos, num total de quase 4 mil laudas, que fazem parte do acervo da
Biblioteca do dr. José Mindlin, em São Paulo,^ inserem-se num periodo bem
determinado pelas datas que a condessa neles registra: de 7 de agosto de 1869 a
I- de maio de 1885.

Se a autora, a condessa de Barrai, não foi nem artista renomada, como foram
tantas outras de sua época, e nem mesmo uma artista, já que suas páginas não
apresentam, em princípio, as qualidades que poderiam ser consideradas de teor
literário, a leitura desses apontamentos sugeriria ainda uma outra questão: por
que seria instigante a sua leitura? Ou então, se examinados de um outro prisma,
apresentariam algum tipo de qualidade estética? Nesse caso, talvez pudessem ser
enquadrados na categoria de tantos outros textos escritos por mulheres que, se

não obedecem a padrões estéticos vigentes, apresentam outros, que poderiam


ser considerados dignos de nota, bem como poderiam suscitar reflexão em torno
da necessária revisão dos modelos e critérios de juízo e de gosto.

O fato é que enquanto produção cultural da mulher através da escrita, o diário da


condessa de Barrai apresenta peculiaridades significativas na medida em que são
anotações, quase que diárias, dos seus afazeres, e que por não objeti-varem a
construção estética, mas tão só o mero registro de dados, acabam compondo um
repertório substancioso referente à história da mulher. Flagrada no seu
cotidiano, cercada dos seus objetos, o diário da condessa traduz um jeito de ser
que é de sua época e é também particular, seu, nas suas relações pessoais, afe-
tivas, sociais, económicas e políticas.

Dentre essas relações, uma delas se destaca: a que manteve com o imperador D.
Pedro ii, pois é tal relação que motiva a própria produção da escrita e a suporta,
enquanto centro de interesse, para onde converge aliás toda a matéria narrada —
ou relatada. Além disso, os laços de tal relação são também, funcionalmente, os
elos estruturais que alinhavam um fio narrativo, já levado assim à categoria de
quase-romance enxertado ou inscrito na forma dessas cartas que são diário, ou
desse diário que são cartas dirigidas ao imperador.
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A certa altura, não mais interessa a razão que desencadeia tais laços, se por
razões de ordem profissional (ter sido aia e preceptora das princesas Isabel e
Leopoldina) ou por razões de ordem sentimental e afetiva (formou-se um laço de
sólida amizade — e, quem sabe, de amor — entre a condessa e o imperador).
Amizade ou amor, o caso foi longo e a relação, sólida, pois teria durado cerca de
quarenta anos. É o que também se pode confirmar, tendo em vista a leitura das
tantas entrelinhas do diário da condessa, ali inseridas pelo seu leitor, o próprio
imperador.

Mas antes dos exemplos, algumas explicações. Para se tentar examinar como
este diário da condessa transforma-se em correspondência assídua, que conta,
aliás, com respostas, sob diferentes formas, por parte do imperador, é preciso
especificar alguns dados referentes a essa "situação de escrita" a partir de
informações básicas referentes a dois pontos: quem foi a condessa de Barrai? E
como escreveu ela para o imperador tendo em vista o propósito de assim manter
a regularidade na troca de correspondência?

UMA BAIANA EM PARIS

Não bastaria mencionar que se trata de uma mulher educada do século xix,
embora o tipo de formação intelectual que recebeu parece ter sido decisivo na
determinação dos rumos que teria a sua vida e no tipo de texto que viria a
escrever. Haveria que ressaltar a originalidade de um percurso de vida dinâmico,
numa educação que se desenvolve no circuito Brasil/Europa: da Bahia, onde
nasce, para a França, onde é educada, depois para sua terra baiana, onde passa a
residir, até que é chamada para atuar profissionalmente na corte do Rio de
Janeiro. E mais tarde, dali para Paris, onde residiria até a sua morte, que
aconteceu em 13 de janeiro de 1891.

De fato, a condessa, ou Luísa Margarida Portugal de Barros, nasceu na Bahia, em


Salvador, a 13 de abril de 1816, mas foi educada na França por ser filha de
Domingos Borges de Barros, visconde da Pedra Branca, que foi, além de poeta e
senador do Império, ministro do Brasil na França.

Embora prometida a Miguel de Calmon, marquês de Abrantes, casa-se em 1837,


aos 21 anos, com um francês que tinha, segundo palavras da própria, "les plus
beaux yeux du monde". Trata-se de Eugênio de Barrai, depois conde de Barrai, e
vem daí o título que Luísa Margarida recebeu, o de condessa de Barrai.

Na França ela se torna dama de companhia da princesa D. Francisca, irmã de D.


Pedro 11, quando esta se casa com o principe de Joinville — filho de Luís Filipe,
rei da França —, em 1843, aos 27 anos.

E quando tinha seus 32 anos, em 1848, Luísa Margarida volta para o Recôncavo
Baiano, porque o pai lá estava muito doente e porque o marido, o conde, não
aceitara ser senador na França de Napoleão iii.
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Em 1854, após dezesseis anos de casamento, já contando com seus 38 anos,


nasce o filho do casal: Dominique de Barrai. Logo depois, em 1855, morre o pai
da condessa, visconde de Pedra Branca. E no ano seguinte, em 1856, exatamente
quando tinha a condessa os seus quarenta anos de idade, inicia-se o periodo em
que se dá a aproximação entre a condessa de Barrai e o imperador D. Pedro 11.

D. Luísa é convidada pelo mordomo do imperador, Paulo Barbosa da Silva, em


carta de 1856, para ser aia e preceptora das princesas Isabel e Leopoldina. Aceito
o convite, vai para a corte e começa o trabalho que há de durar oito anos, até o
casamento das princesas, em 1864.

Terminada a fase de trabalho, no ano seguinte, em 1865, parte para a França,

onde passa a residir. Três anos depois de aí chegar, perde o marido. E continua a
manter os vínculos com sua terra, alimentados, por exemplo, pelas viagens que
faz ao Brasil e pelas várias cartas que escreve à família real. E pelo seu diário,
dirigido especialmente ao imperador.

A mulher educada, orientadora geral dos estudos das princesas, nós podemos
acompanhar, por exemplo, pelas cartas que a condessa escreve à imperatriz
Teresa Cristina e ao imperador, por ocasião da viagem que fazem eles ao
Nordeste em fins da década de 1850.^

Mas não é apenas esse nível de competência profissional que marca a escrita do
seu diário. A autora aí se inscreve também como mulher sensível aos encantos
dessa forma de companhia do amigo ausente, o qual, justamente por essa prática
de correspondência, cultivada com persistência no dia-a-dia, se lhe torna
presente.

CARTAS diárias: UM GÉNERO HÍBRIDO

Talvez uma das peculiaridades desse diário seja exatamente esta: a do texto
escrito na busca de um estado de companhia. Contrariando toda uma tradição da
escrita do diário como produto de um estado de solidão e de enclausuramento,
tão bem estudada por Beatrice Didier,^ esse diário tem no entanto um
destinatário. E por isso torna-se carta. A vida da autora, que aí aparece relatada
com marcação temporal de ano, mês, dia, hora e minuto, ainda que com certas
interrupções, ganha, com isso, um novo sentido: firma-se no traçado do percurso
do vapor que leva e traz os pacotes dessa substanciosa correspondência.

Porque o diário tem um interlocutor (o amigo), que é o destinatário explícito (o


imperador), firma-se uma das características principais desse texto, o do seu
caráter ambíguo, proveniente da mistura de géneros, diário e carta, revertidos
em diárias cartas.

A escrita torna-se dádiva, doação: eis-me aqui e eis-me também aí, para onde
vou através destas páginas. E com a certeza de destinatário correspondente, nos
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seus dois sentidos: o que responde ao texto que recebe; e o que responde ao que
ele contém, ou seja, às declarações do afeto que se torna assim explicitamente
correspondido.

O imperador responde às cartas em que se constituem esse diário escreven-

do a lápis, nas entrelinhas, evidenciando assim, graficamente, o diálogo. A


conversa íntima vai sendo alinhavada por pausas, intervalos, tempo que leva o
vapor para trazer o diário, de um lugar para o outro. E é retomada logo que o
imperador recebe o pacote e faz a leitura, em data que ele marca a lápis, por
vezes na primeira linha do caderninho. Segue-se novo intervalo: o diário inicia
seu caminho de volta e ganha na terra europeia — são poucas, mas existem —
novas marcas de interlocução: comentários da condessa aos comentários do
imperador. A questão já é: como caber tantas linhas nas entrelinhas?

No primeiro volume do diário, a condessa escreve no espaço que compreende os


primeiros fatos relatados, referentes ao dia 7 de agosto de 1869: "No momento
de fechar meu pacote para o Brasil recebi o que tanto se demorou em Inglaterra.
Li às pressas as cartas e agora acabo de ler o diário que respondi entre linhas
para não misturar essa correspondência com impressões de viagem como
sempre fiz das outras vezes".''

Contata-se que o circuito da correspondência completa-se: ela também lê não só


as cartas que recebe, mas o diário dele, que, ela também, como se uma carta
fosse, responde. É o que se comentará a seguir. Por ora, vamos de volta a este
trecho do diário-carta da condessa.

Em seguida, conta ao imperador uma notícia muito alegre: o filho Dominique,


entre todas as classes de Paris e Versalhes, tirou o quarto lugar em grego e é por
ela chamado de "vencedor dos vencedores". Escreve ela: "Eu fiquei tão contente
que nem sei como pude descer a escada do colégio. Meu pensamento foi de
Montmartre ao Brasil e V havia de sentir passar o fluido pelo seu coração". Ele
escreve, entre essas linhas: Ah! se senti! Você sabe que bem lhes quero!". E ela,
novamente: "Ah! se sei!".

Esse tom confessional suspirado parece tender a alongar-se pelos dias sub-
seqíientes. No relato desse mesmo dia, a condessa registra os preparativos da
sua viagem à Itália. Aliás, todo o primeiro volume relata essa viagem que fez com
o filho, Dominique, e com sua amiga, Júlia. Eis um trecho, com novo aparte do
imperador:

iihVi. [...] iVlalas prontas. Cartas escritas. Bon soir.

Domingo 8 — Voilà le grand jour! São 6 horas. Vou me vestir, tomar café e partir
às 8 de casa. Partimos e M'"^ Planat veio nos dizer adeus. [...] Antes de chegar à
estação vimos que tínhamos esquecido nossos batons forres e minha bengala
dada
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pela Princesinha. [...] Partimos e chegamos a Nancy às ii h e 15 minutos. Viemos


para o hotel de France onde depois de milhares de dificuldades nos deram
quartos. [...]Já lhe dei conta da viagem e vou me deitar dando-lhes o bonjour
porque é i h menos Va.

E neste trecho o imperador acrescenta comentário lamentoso: "Quanto tempo


rolará o mundo assim para dois amigos tão íntimos?!".

Mais adiante, afirma ela: "Às 5 horas já eu estava em pé arrumando meu saco a
meu modo para saber pegar em tudo sem procurar nada. Até agora eram os
arranjos de Maria Angélica, de hoje em diante serão os meus. Mas os cabelos ou
antes as cabeleiras não ficaram arranjadas como por ela e eu andarei um tanto
esgre-nhada". Ele então corrige e escreve por cima: "desgrenhada". Ela continua:
"Não faz mal, já agradei a quem tinha de agradar. Tomamos café às 7". E ele
continua, depois de "desgrenhada": "E sempre agrada na lembrança, não é
verdade? V. gosta de mim de qualquer modo e eu também". E assina: vap (Vossa
Alteza Pedro).

Portanto, o imperador não só lamenta suspiradamente. Assumindo um tom


professoral de mestre, é também o revisor do texto da condessa. Daí as inúmeras
correções que faz: risca, por exemplo, ingrima, e escreve, em cima, ingrime;
substitui paysan por camponez, ou antes, montanhez; eferme, por granja.

Entre exclamações sentidas e correções precisas, constrói-se um fio romanesco


que se traça também nas perguntas, notícias, queixas, medos, advertências,
suposições, desconfianças, sugestões... enquanto passa o tempo. E sua marca
aparece concretamente não só pela especificação dos dias que introduzem cada
relato, sucessivamente, mas também pelas mudanças da letra do imperador, que
capricha na caligrafia usando letras cada vez mais "grossas", gesto que ela
agradece e entende como prova de compreensão do amigo, já que não mais
enxerga tão bem...

Com o correr da pena e do tempo, surgem outras debilidades confessadas, como


esta, registrada nessa mesma caderneta, a 11 de agosto: "Não sou mais a va-
lentona de há 2 anos. Não posso quase ler a caminho de ferro e não aguento mais
caminhadas", ao que ele responde, carinhosamente: "Também eu aos 53 anos
fazer o que V faz!". A essa altura, contava ela 53 e ele, 44, já que era ele nove
anos mais moço que ela.

Interessante observar que o diário, enquanto género assim "aberto" ao que


acontecia à sua autora, parece acompanhar o ritmo de uma rotina híbrida, sujei-

tando-se a assumir direções que o próprio fluxo da vida lhe ia insinuando. Aí,
então, mais um género vem a se misturar aos dois já presentes. Nesse mesmo
primeiro volume de diário, quando a condessa está de partida para a Itália, o
diário transforma-se numa literatura de viagens que leva o leitor, o imperador (e
nós também, leitores, que nos inserimos nesse circuito) a viajar com a autora,
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efeito que resulta do uso de recursos de índole literária próprios a esse género. É
o caso da presentificação de lugares, pessoas e coisas vistas, sobretudo de obras
de arte que merecem comentários, e que conseguem suscitar comentários da
outra parte, da parte do imperador, estabelecendo-se, por vezes, diálogo miúdo a
cada nova visão de algo interessante.

Como o relato dessas impressões de viagem costuma ser minucioso, a condessa


torna-se também um excelente guia turístico descrevendo com detalhes
pinturas, esculturas, arquitetura. Às vezes, provocando certa tristeza condoída
no imperador: "Que pena não ter por perto tudo isso com você!". É o caso da
descrição que faz do Scala, em Milão, quando se encontra surpreendida e estu-
pefata diante desse teatro magnífico que abrigava 4 mil espectadores, com
quatrocentas luzes de gás, camarotes que tinham toaletezinha e alguns até uma
sala e cozinha. Faz comentários sobre a plateia, que se apresentava bem-vestida,
porém "pouco indulgente para com os cantores a quem gritam logo que
desentoam um insolente 'besta'". E que o imperador indaga: "Não viu lá o Carlos
Gomes, compositor brasileiro de alguma nomeada mesmo aí? Então pois o
haviam de ver".

O roteiro artístico inclui, naturalmente, um tópico literário, em Verona. "Vimos o


muro que Romeu pulava e apesar de ser tudo muito prosaico eu colhi uma flor
para lhe mandar." E a marcação dos lugares faz-se também pela notícia das
cartas que vai recebendo: "Aqui estou em Veneza e já li 5 cartas suas, meu
excelente amigo". Ou: "Recebi hoje mais uma carta sua de 6 de agosto, o que
perfaz a conta de 7 cartas suas de ontem para hoje. Que bela coisa!".

Troca de cartas e de leituras. Ela lê o Fernão Mendes Pinto e, a cada relato,


descreve, por muitos dias, a que páginas anda e tece comentários sobre o que
leu. De volta a Paris, lerá no Figaro uma biografia de M'"^ Sand.

Se no relato de viagens as cenas obedecem a um roteiro de jogo entre exteriores


em neve, passeios coletivos, encontros interessantes com outros viajantes nas
hospedarias, recordações de outras viagens anteriores e visões de arte, tão
meticulosamente descritas, o relato de Paris traz o cotidiano de uma classe

ocupada entre chás, visitas, enterros, casamentos, leituras, passeios a Montmar-


tre, escândalos de vária ordem, preocupações políticas.

O mapeamento das relações sociais permite saber, por exemplo, ao longo do


segundo volume do diário, que a condessa, em visita ao Drummond, encontra "o
bom Ferdinand Denis". Ao esperar a hora no dentista, lê o Macedinho. Lança
grito de alerta: é preciso salvar a rica marginalia do Chateaubriand antes que ela
se perca! E pede emprego, com muita elegância, para alguns protegidos: é
quando conta ao imperador que M"^'^ Templier tem dois parentes que querem
saber "se o Brasil toma a seu serviço oficiais franceses" e se, ainda, no Brasil, "se
de capitão se é logo Coronel com paga extraordinária". E encaminha os dois
candidatos ao Itajubá. Relata crimes hediondos da cidade. Passionals, uns, a que
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acrescenta recortes de jornal. Outros, menos hediondos: roubam as jóias da


baronesa de Itajubá.

Aí, a história se tece pelas vias miúdas das relações pessoais. Exemplo: "Dizem
que o Príncipe Leopoldo aceitou o trono de Espanha. Será o marido de D.
Antónia?". Algumas vezes, tais comentários guardam o caráter de confidência: 'A
revolução em Portugal deu com efeito um ridículo espetáculo ao mundo.
Confessemos que o Saldanha é um tratante de primeira ordem e o Rei um
bobo!". E segue mais um exemplo: "Eu ignorava que o Conde de Áquila tinha
ataques epi-léticos. Acreditava que isso fosse um triste privilégio dos Bragança".

Quanto à Guerra do Paraguai, a condessa mostra algumas indignações. Uma,


com Caxias, por declarar acabada a guerra que não acabou: "Não se pode ficar lá
eternamente, mas de lá não se deve partir sem certeza que dando as cartas tudo
não principie novamente. Jesus, que maçada e como tenho pena de V, meu
pobre amigo!". E ainda: "Não me posso representar um exército nutrindo-se de
farinha de coco e de gibier [caça]. Não é possível!".

No final da guerra, os parabéns ao imperador e... "os votos para que meu país
não se meta tão breve em outra". Ao que o imperador acrescenta: "Agora ainda
sou mais pacífico do que sempre fui". Mas segue-se outro conselho: "V. tem
ainda que ganhar outra campanha. Campanha muito mais interessante do que a
outra. A Campanha de Emancipação".

Dotada de uma personalidade não tão suave e que nem sempre se mostra de
acordo com as atitudes do imperador, a condessa se subleva em violentas
recriminações, como nas criticas que faz a certas nomeações. Cito exemplo
extraído desse mesmo segundo volume do diário: "O Luiz Carlos e Totônia são
injustiça-

dos. V não escolhe Luiz Carlos e escolhe Cândido Borges". Indignada, por dias
seguidos volta ao assunto. O imperador é, então, o "ingrato". Essa briga, que leva
dias e dias, aguça-se quando a condessa deve enfrentar críticas ao imperador em
público. "Eu que sinto em mim instinto de onça para avançar e arranhar quem
ouse falar contra V. diante de mim, olhei para as minhas unhas e só as cravei em
mim de raiva." E o imperador: "É mau sentimento, mas nem por isso fico lhe
querendo menos '. Só muitos dias mais tarde a raiva há de ser aplacada. "Que
tenho eu com Senadores, não me dirá? Absolutamente nada, mas tudo tenho
quando se trata de V e V nem pode imaginar a pena que ressente da injustiça e
ingratidão feita ao pobre Luiz Carlos." Ao tentar revidar, lança ameaça: deixar de
ler as cartas do imperador. Mas logo desiste, ao reconhecer que esse esforço está
acima das suas forças. ..

As cenas violentas têm sempre final feliz. "Quando eu tomo raivas tenham pena
de mim para eu não fazer explosão. Não é mau privilégio para quem tem sido tão
polida e tão amável durante 54 anos de sua vida poder agora ser mal-criadinha
sob pretexto que le sang se porte à la tête\ [...] Que meu amigo fique certo que a
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guerra que eu lhe declarei não terá outra consequência se não de cimentar paz
eterna contanto que ele tenha juízo!" E o imperador pergunta: "Que chama V. de
juízo?".

Afora isso, surgem as preocupações com a saúde do imperador, a que se seguem


conselhos. "Vou vendo que sua saúde tão boa vai também sofrendo alteração
agora. Tome alguns purgantes. [...] V. está muito gordo. [...] Não leia depois da
comida." E reitera: "Meu querido amigo, V passa a metade da sua vida deitado,
isso não pode nem deve ser bom para sua saúde. Nem tanta atividade como a
minha, nem tanta indolência como a sua. A cada instante V. vai para sua chaise
langue e está caindo de sono? Lembre-se do que tenho dito tantas vezes. Tenha
dó de mim, cuide-me na sua saúde, durma que é mister dormir, coma mais
devagar, ande mais a pé, não leia logo que sair da mesa que gozará de melhor
saúde e poderá trabalhar com maior proveito". E ele responde: "Não é deitado,
mas assentado em cadeira de balanço onde muitas vezes bem acordado".

Em todo esse segundo volume, que se toma aqui como ponto de referência para
as exemplificações, perpassa, como uma sombra, a lembrança do Brasil.
"Quantas terras já visitaram estes bauzinhos! Mas nunca os arrumei com tanto
gosto como para ir ao Brasil, nem com tanta tristeza como quando de lá vim!" E
ele: "Quem dera que eu já pudesse cuidar dos meios para ir ver a V.!".

A impossibilidade do encontro imediato vai, de certa forma, realimentando a


premência das remessas dos "pacotes" para o Brasil. Numa segunda-feira, 7 de
abril, fecha-se mais um dos inúmeros e sucessivos capítulos de despedida. "Vai,
livrinho amigo, vai, diz a esse outro todo o bem que lhe queremos, consola-o,
roga-o de não se afligir e repita-lhe que sou e serei sempre a mesma. A fadazinha
vai ficando velha, já anda de pince-nez, felizmente não toma pitada [...] Mas
coitadinha, por mais que lute não pode esconder as pelancas nem as rugas e
quando quer voar vai sendo pesadona... mas por dentro tem sempre o mesmo
coração, todo nosso. Receba-a com amizade e torne a mandá-la depressa para
cá." E o imperador: "Gosto cada vez mais dela. Irá depois de amanhã".

A partir do próprio movimento dessa "escrita de si" — para lembrar o título do


ensaio de Michel Foucault^ — o diário da condessa de Barrai, remetido ao
imperador D. Pedro n, traz um especial e instigante perfil feminino. Esse caráter
de mistura dtfaits-divers em torno de uma personalidade feminina é o que
aproxima esse diário de, agora, um outro género narrativo, as antigas sessões de
variedades, que ocuparam tantas páginas dos periódicos do século xix. Nesse
diário da condessa, se considerado sobretudo no seu conjunto, os fatos diversos
e variados configuram-se ainda como uma viva crónica de costumes da mulher
educada e apaixonada do oitocentos.

Assim sendo, o texto nos mostra um curioso e rico hibridismo de géneros, que
inclui o diário que é correspondência, literatura de viagens, autobiografia,
narrativa romanesca, história de amor, notícia, variedades, crónica de costumes,
e em que a condessa de Barrai, personagem histórica, pela força de sua
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personalidade narrativa, emerge quase ficcionalizada num cotidiano revivido e já


filtrado por um vigor de elaboração estética.

E também dessa mistura de procedimentos, géneros e intenções, vistas pelo


cotidiano de dentro deslocado dos formalismos, que o texto vem contribuir para
o conhecimento de um contexto global de cultura da segunda metade do século
xix, seja em Paris, seja no Rio, espaços estes enlaçados pelos pacotes das
correspondências amorosas.

PAPEIS INVERSOS

Se quiséssemos continuar a estabelecer correspondências, haveria um outro

capítulo a acrescentar a essa história, que, por ora, se resume numa nota breve
sobre o inverso de uma situação: se o imperador está presente no diário da
condessa, a condessa também está presente no diário do imperador.

Esse diário escrito por D. Pedro ii, que se distribui em 43 cadernetas escritas ao
longo de 51 anos, de 1840 a 1891 — e que aparece em excelente edição
organizada por Begonha Bediaga, em livro e cd^ —, também é, pelo menos
parcialmente, enviado à condessa de Barrai. O diário, escrito até cinco dias antes
da morte do seu autor, que aconteceu a 5 de dezembro de 1891, oferece pontos
de convergência significativos.

Em tom respeitoso e linguagem discreta, o imperador descreve as suas viagens,


em regiões do Brasil e ao exterior; emite opiniões e ideias referentes à política e
ao poder; apresenta um esboço autobiográfico; refere-se a pessoas da família, em
tom paternal; anuncia e comenta fatos que povoam a sua vida pública e privada.''

E, tal como a condessa a ele se dirigia, em alguns momentos ele dirige-se


também explicitamente à sua "amiga", elevada à categoria de destinatária, como
neste trecho de 1871, relatado no volume 11, quando descreve sua viagem à
Europa: "[...] Estou muito cansado e atirar-me-ia já na cama se as saudades não
exigissem que lhe desse as mais afetuosas boas noites. Adeus, cara amiga! Nada
me interessa completamente longe de Você. Adeus!".

Da parte da condessa, não faltam também as correções ao francês usado pelo


imperador, em anotações a lápis, como as que se encontram, por exemplo, no
volume 14: samedi passe vira samedi dernier; substitui chemins por trajets.
Além disso, dá palpites sobre negócios da administração.

No entanto, a economia de palavras do imperador chega a irritá-la. E a condessa


exige-lhe mais, manifestando uma demanda afetiva digna de nota, que segue
exemplificada, no trecho abaixo.

Em 22 de novembro de 1872, no volume 14, o imperador escreve:

6h V2 — Bom dia! Vou tomar banho e ler os jornais. [...]


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loh Va — Acabo de receber seu diário terminado em 18 de outubro. Adeus! Vou


sair.

[...]

2h Vz — Ainda vou lhe falar esta tarde [...] sobre seu diário.

E encerra o relato do dia afirmando:

5h Vi — Acabo de tomar o café. Vejo tudo fechar mas quero antes lhe dizer que
minhas saudades aumentam todos os dias e que espero que sua alocução
adivinhará o que a falta de tempo não me permite acrescentar. Adeus!

Ao que a condessa, agora levada à condição de leitora do diário do imperador,


comenta, em anotação a lápis no final da página, após a última palavra por ele
escrita: "[...] É tão raro você contar outra coisa que 'tomei banho, vi meus netos,
li, tomei café'. Sem nenhuma censura, eu não chamaria isto de conversar com
uma velha amiga".

Além das conversas entre os dois que são desenvolvidas no fluxo dos relatos
diários, outras acontecem por ocasião dos encontros efetivos, durante as viagens,
ora de um, ora de outro. Nos últimos anos de vida encontram-se regularmente,
quando o imperador, em exílio, fixa residência na Europa e faz constantes visitas
à condessa, acompanhado ou não da imperatriz. É nessa fase final de vida que D.
Pedro II registra a morte da imperatriz e da condessa.

A morte da esposa, a imperatriz Teresa Cristina, o imperador registra no volume


29, escrito em 28 de dezembro de 1889:

1% — Não sei como escrevo. Morreu haverá Vi hora a imperatriz, essa santa.
Tinha ido à Academia das Belas Artes e ao sair foi chamar-me o Rebelo que a
Imperatriz tinha tido uma síncope. Já achei o prior da freguesia que lhe acudira
com os ofícios extremos da Igreja. Ninguém imagina a minha aflição. [...] Nada
pode exprimir quanto perdi...

A morte da condessa, Luísa Margarida, o imperador registra no volume 36, em


texto de 14 de janeiro de 1891, que inclui a transcrição dos dizeres do telegrama
que o filho da condessa, Dominique, escrevera ao amigo comum, Aljezur:

2h 5' Morreu a condessa de Barrai minha amiga desde 1848 e de ver todos os
dias, educava minhas filhas desde 1851. O mérito dela só o aquilatou quem a
conheceu como eu. O telegrama ao Aljezur é este "Maman éteinte ce matin
service vendredi seize mid! Neully S. Bon Enterrement Paris samedi Prevenez
doucement — obrigado! — Sa Majesté. D. Barrai.

9h lo' Não passeei. Entretanto li e escrevi meu trabalho para o concurso


escolástico.
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No dia seguinte, 15 de janeiro de 1891, às sete horas da manhã, volta ao assunto:


"Dormi bem. 3 vezes e agora. Não posso esquecer a morte da Barrai. Hei de
fazer-lhe meu soneto quando o espírito estiver mais calmo. [...] Já principiei o
soneto à Barrai. [...] Não quis ouvir música hoje. Vou transcrever o soneto que fiz
hoje". E transcreve o soneto que se inicia pela menção ao período de "meio
século de amizade". Mais tarde volta ao assunto, contando que lera por duas
vezes o texto sobre a Barrai escrito por St. Georges.^ E acrescenta, a 11 de julho
de 1891: "Talvez eu ainda escreva alguma coisa a respeito desta amiga de quase
meio século".

As centenas de cartas outras que escreveram, um ao outro, confirmam as


propostas que aparecem com clareza nessas cartas diárias. Afinal, uma comum
intenção parece existir como fundamento dessa prática epistolográfica, que
justifica os procedimentos assumidos, por ambos, no uso de um repertório de
recursos formais: o exercício de escrita pela via de um género híbrido que se abre
às múltiplas instâncias abrigadas pelas experiências do relato, tendo em vista,
fundamentalmente, a incontrolável necessidade de contato e de mútua
aproximação, durante a ausência do outro.

Nádia Battella Gotlib. Correspondências: a condessa de Barral e o


imperador D. Pedro II. In: GALVÃO, Walnice N.; GOTLIB, Nádia B. Prezado,
senhor, prezada senhora: estudos sobre cartas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 227-239.
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Fragmentos da vida nobre em Portugal setecentista

Laura de Mello e Souza

ESCLARECIMENTOS

No decorrer de uma pesquisa acerca da autoria do "Discurso histórico político


sobre a sublevação de 1720 em Vila Rica", em que sempre percebi o dedo do
conde de Assumar, encontrei uma série de cartas trocadas entre ele, que
governou Minas de 1717 a 1720, a mulher, os irmãos, os filhos e amigos mais
próximos, alguns dos quais foram expoentes do século xviii lusitano, como D.
Luís da Cunha e D. Caetano de Sousa. Para minha decepção, não eram muitas as
cartas do conde, mais tarde feito marquês de Castelo Novo e, por fim, de Alorna
— praça que tomou na índia, quando lá esteve como vice-rei. Mas a
correspondência passiva era riquíssima e, em que pesem as tragédias posteriores
que se abateram sobre essa família, muito divertida. Encontra-se espalhada
pelos Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa e pelo Fundo Casa da
Fronteira no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, e acredito que haja muita
coisa igualmente nos arquivos do belo palácio de Benfica, pertencente a
descendentes do conde-marquês.'

Nunca pensei que escreveria sobre essas cartas, que naquela altura passei dias
inteiros lendo. Algumas, por serem excepcionais, transcrevi ou mandei copiar —
como aquela em que a marquesa tece a estratégia matrimonial para o
primogénito e determina quais as etapas que deve cumprir na viagem entre Paris
e Lisboa;

ou como outra, longuíssima, que merecerá um artigo à parte, onde o filho, já


casado, relata ao pai as duas mortes que sucessivamente tinham se abatido sobre
a casa: a da mãe, falecida após enorme sofrimento e muita incompetência
médica, e a da jovem irmã em seguida ao primeiro parto. Muitas outras cartas li
sem transcrever, anotando observações. Entre essas se encontram sobretudo as
escritas de Paris pelos dois meninos mais velhos. Certamente terei de voltar a
elas um dia, o que não é muito fácil dada a distância oceânica. No momento, me
limito a transcrever as anotações referidas, pedindo que sejam tomadas como o
que são: comentários e indicações inspirados por um material riquíssimo, num
género — as cartas — que nem sempre tem recebido a atenção merecida.

I. UMA NOBREZA EM BUSCA DE AUTO-IMAGEM

Tendo desempenhado papel tão importante na expansão europeia, Portugal


perdera a autonomia em 1580. O jovem rei D. Sebastião havia morrido dois anos
antes, na batalha de Alcácer-Kibir, e seu tio, Filipe 11, anexara o pequeno reino
vizinho e seus domínios ao já extensíssimo império de Castela. Durante oitenta
anos Portugal foi espanhol. Mesmo se vez ou outra mostraram certa oposição,
13

como a liderada por D. Antonio, prior do Crato, as elites se curvaram ante os


Habsburgo.

Em 1640, contudo, apoiaram as pretensões do duque de Bragança à Coroa,


auxiliando-o a se tornar D.João iv. A Espanha não se conformou. Seguiram-se
quase trinta anos de guerras, fundamentais na redefinição do perfil de uma
nobreza alquebrada pela sangria de 1578 — milhares de jovens nobres
desapareceram nas areias africanas junto com o rei — e pelo desconforto de ter
dobrado a cabeça aos Filipes.

Ao iniciar-se o século xviii, um conflito de proporções europeias ajudou a


consolidar a nobreza da Restauração: Portugal se opôs às pretensões francesas
ao trono espanhol, então vago, e apoiou a candidatura do arquiduque Carlos de
Áustria. Em termos concretos, perdeu-se a Guerra de Sucessão Espanhola e
combaliu-se economicamente a nobreza. Em termos simbólicos, douraram-se
brasões e acrescentou-se honra a casas que nem sempre se entroncavam em
origens mais remotas. No início do século xviii, poucos nobres poderiam se
jactar, como o faria Gonçalo Mendes Ramires duzentos anos depois, de ter solar
e pendão hasteado mesmo antes de Portugal ser Portugal.

A época de D. João v representou, de certa forma, uma pausa nesse processo de


reestruturação. Sem conflitos internacionais de peso após 1713, quando se
encerrou a guerra na Espanha, os nobres se acostumaram à rotina provinciana,
carola e sonolenta da corte. Alguns, como D. Luís da Cunha, diplomata,
levantaram a voz contra tal marasmo e pregaram reformas: são os
estrangeirados da primeira geração, que tanto influenciariam Pombal na
juventude. Outros, como D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, tornaram-se
servidores do império, galgando postos na administração das colónias e
acrescentando títulos ao nome de família. Todos insatisfeitos, amargos e,
eventualmente, ressentidos contra o destino medíocre que a sorte lhes reservara
na periferia da Europa. Todos sonhando, como a rã de La Fontaine, em igualar-
se ao boi — no caso, o esplendor da França absolutista.

2. UMA família de ALTA NOBREZA NO TEMPO DE D. JOÃO V

D. Pedro Miguel de Almeida Portugal é um exemplo típico dessa nobreza. O avó


fora vice-rei da índia e recebera o título de conde de Assumar, morrendo em
Moçambique. O pai, após andar também pelo Oriente, servira como embaixador
extraordinário em Barcelona, nas vésperas da Guerra de Sucessão. Mocinho, D.
Pedro foi ter com ele naquela cidade, guerreou contra Castela, comandou a
retirada das tropas portuguesas da Catalunha e casou-se com a filha dos condes
de Vila Nova de Portimão, D. Maria José Nazaré de Lencastre. Depois de lhe
nascerem e morrerem os dois primeiros filhos, deixou a mulher para governar
Minas Gerais, onde seu pendor para o exercício irrestrito do poder marcou
época, passando para a história como o homem que mandou executar sem
julgamento o tropeiro minhoto Filipe dos Santos Freire durante um levante
ocorrido em 1720. O rei e o Conselho Ultramarino não gostaram de seu estilo:
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chamaram-no para Portugal, onde viveu à lei da nobreza por mais de dez anos,
gerando outros onze filhos e se envolvendo em arruaças comuns entre os de sua
classe. Desempenhou funções de comando militar, e em 1744 teve de novo a
oportunidade de servir a Coroa nas possessões ultramarinas: enviaram-no para a
índia como vice-rei e, para vencer-lhe a vontade, que era de não ir, fizeram-no
marquês de Castelo Novo.

Mais uma vez deixou para trás a mulher, D. Maria José. Mas se antes ficara
sozinha, à espera do marido para dar sequência à sua função procriadora, a mar-

quesa viu-se então às voltas com as complicadas funções de administrar a casa —


sinónimo de desespero ante dívidas perpétuas —, educar os filhos e tecer
estratégias matrimoniais. Em 1747 conseguiu casar D. Ana, a filha mais velha,
com D. Lourenço de Noronha, moço fidalgo da casa real, filho dos condes dos
Arcos e Valdevez e futuro governador de Moçambique. A moça tinha 24 anos e
não resistiu ao parto, morrendo enquanto o pai estava longe.^

Por volta de 1741, os dois filhos mais velhos, D. João, o herdeiro da casa, e D.
Luís, o segundo na linha sucessória, foram estudar em Paris, lá morando em casa
de D. Luís da Cunha, grande amigo do marquês. Em Lisboa, apoiando-se no
cunhado D. Francisco para as decisões mais difíceis, D. Maria José seguiu
lutando contra as despesas e contra uma doença penosa, provavelmente câncer
abdominal. A doença terminaria por vencê-la durante a ausência do marido,
após um verdadeiro calvário de sangrias e incontáveis juntas médicas que
atestam mais uma vez o descompasso entre Portugal — onde a medicina era
atrasadíssima — e o resto da Europa.^ As despesas, ela ainda tentaria contorná-
las em vida, urdindo para D. João um casamento rico.

Essa complicada estratégia matrimonial, registrada em cartas com o


primogénito, obteve de início pleno exito."* Na índia, a brilhante atuação militar
de D. Pedro fez com que o rei trocasse seu título para marquês de Alorna. Mas
então veio o destino, como no poema, e fez da família o que quis. Foram anos de
morte, desgraça e tragédia. Mas isso são histórias de outros tempos, já sob o
consulado pombalino e sob a reação da "Viradeira". Por ora, voltemos à época de
D. João V, o Rei Sol português.

3. DA PERIFERIA PARA O CENTRO DA EUROPA

D. João de Almeida tinha cerca de quinze anos, e seu irmão D. Luís pouco menos
de onze, quando, escoltados pelo criado Alexandre, trocaram Lisboa por Paris. O
menorzinho está pouco representado nas cartas enviadas à mãe. Parece mais
conformado com a sorte, e aos poucos começa a escrever numa língua ar-
revesada, cheia de francesices. Nunca mais voltou: integrou-se ao novo meio,
estudou filosofia, conservou "a linda figura" que tinha desde menino e, feito
"Cavaleiro Professo da Ordem de Malta e seu Bailio em França", deve ter
morrido solteiro, sem descendência.'
15

o primogénito, por sua vez, sofreu de início um choque tremendo, demorando


bem uns seis meses para se refazer e retomar os estudos. Depois, passou a
desfiar um rosário de lamentações, revelando à mãe descontentamentos por
longo tempo escondidos. Em abril de 1745, confessava que vivia um martírio: D.
Luís da Cunha, sempre carrancudo e visivelmente incomodado com a presença
dos jovens hóspedes; sua amante. Madame Salvador, sempre aos gritos e com o
rosto assustadoramente pintado, tentando, segundo o menino, parecer mais
moça do que era.

Alexandre desencadeou uma crise doméstica de proporções assustadoras,


ilustrando bem o papel central dos criados numa sociedade marcada pelas
relações paternalistas e provincianas. Em Portugal, ao que parece, os senhores
davam aos servidores as roupas velhas ou fora de moda. Mas na França as coisas
acabavam sendo diferentes, em virtude da carestia e da vida mais trepidante que,
junto à corte, a nobreza era obrigada a levar. Esperava-se das pessoas de
qualidade que renovassem o guarda-roupa a cada estação, mas havia
subterfúgios. Francisco Mendes, diplomata português e amigo de D. Pedro de
Almeida, logo instruíra o filho do amigo acerca dos estratagemas disponíveis em
Paris: um deles consistia em devolver as roupas ainda novas e bem conservadas
ao alfaiate, que as reformava e vendia a outras pessoas, reduzindo o preço de
novas roupas encomendadas. Alexandre deve ter estranhado a nova situação. A
gota d'agua foi um redin-gote já curto e apertado, que após deixar para os dias de
chuva, o jovem patrão deu ao criado de Madame Salvador, anão e corcunda. Sem
tardar, Alexandre reclamou numa das cartas-relatórios que sistematicamente
enviava à marquesa. O que se seguiu não fica muito claro na correspondência
travada entre D. Luís da Cunha, D. Maria José, D.João e o pobre marquês, que,
no outro lado do mundo, entre campanhas militares e o governo dos indianos,
via-se ás voltas com tal embrulhada. Mas é o bastante para depreender que
miudezas dessa ordem compunham o cotidiano da vida nobre e, às vezes,
indispunham seus membros para sempre.^ D.João teve de deixar a casa de D.
Luís da Cunha, que, irritadíssimo, escreveu uma carta "desabrida" à marquesa,
escandalizando-a, conforme confessou ao filho.'' As despesas aumentaram, e
precipitou-se a volta do jovem a Lisboa, onde lhe arranjavam um casamento rico.

Para sua tristeza, diga-se. Em Paris enfadava-se com a falta de liberdade e de


dinheiro. Mas, como relatou a marquesa ao marido ausente, fez belas roupas
enfeitadas, assistiu a muitos bailes, "viu a função do casamento do Delfim, e
várias

outras festas grandes que se tem feito em Paris".^ Exasperava-o a perspectiva de


voltar à corte provinciana da terra natal e em alguns momentos suas cartas dão a
imagem pungente do dilaceramento vivido pelos nobres portugueses de então,
emparedados entre os ideais de honra, os sonhos de glória e o absolutismo
periférico de D. João v e seus ministros:

[...] nada sinto tanto na minha vida como o não ter feito uma campanha,
principalmente nesta terra onde há tanta gente que me excitam [sic] a emulação
16

sobre essa matéria, e confesso a VEx^ que nada é tão penoso para uma pessoa
que tem sentimentos de honra como o ver as esperanças perdidas de poder
alcançar glória e achar-se na ociosidade entre gente que a adquire todos os
dias.^

Tinha dezessete anos. Com sua idade, o pai, D. Pedro, começava nos campos da
Espanha uma bela carreira militar. Inferiorizado, D. João suportava mal a
comparação, e "ardia" por mostrar ao mundo as honras com que nascera, o que,
acreditava, não seria fácil no acanhado ambiente português:

Logo que soube que V.Ex^ ia para a índia, um artigo de uma carta, que V.Ex^
não recebeu, continha o eu pedir-lhe com instância, não podendo ir com VEx^, o
man-dar-me ir pelas primeiras naus; e ainda estou no mesmo parecer, e se
V.Ex^ achar tempo, e for desse parecer, será de grande gosto para mim. YEx^
sabe muito bem que não lhe falta sucessão para a sua casa, e nós somos três
irmãos, e eu acho-me com bastante força para resistir a viagens muito longas, e
das incomodidades corporais se me dá pouco, enfim desejava poder dizer achei-
me, aqui ou ali, onde usei como homem honrado. O ponto de honra aqui é de
grande consequência, e muito exercitado, o que eu não vi em Portugal; é verdade
que saí muito moço, mas o que ouço dizer agora, e pela forma dos duelos, já que
não pode haver guerra, e por causas semelhantes, parece que, se há bravuras, são
mais por natureza do que por reflexão ou prejugé, o que vem a ser o ponto de
honra [...].

Seu desencanto dirigia-se ao Portugal contemporâneo, que deixara para trás os


tempos de glória e vegetava sob um governo de poucas vistas. D. Pedro — e o
filho o deixava claro — ainda pertencia a tempos heróicos: "Não falo de pessoas
como V.Ex*, que viu guerra, e que serviu com as nações mais valentes da Europa
[...]", dizia.'° Ante temores de mesma natureza — voltar e sucumbir à medio-

cridade — expressos nas cartas à mãe, a marquesa reagia revelando que, pelo
menos naquela família, o monarca era visto com reticência:

[...] vem, meu filho, e vem alegre, e vem alegrar-me, e compadece-te de uma mãe
que vive em um tormento contínuo de saudades, de cuidados e de moléstias; se
agora não lograstes dos divertimentos de Paris, o mundo dá muitas voltas, e lá
virá tempo em que os vassalos desta Coroa terão mais liberdade, El-Rei não há
de viver sempre, e se o que vier for mais fácil poderás tu ir buscar Luís, quando
houver de vir, e com esse pretexto ir estar 6 ou 8 meses em Paris. ''

Para vencer eventuais resistências do filho, D. Maria José lembra que, então, o
marquês já estaria de volta, e contornadas as dificuldades económicas. Havia a
jovem esposa, que poderia protestar com a perspectiva de ficar só por uns
tempos. Mas não era este o destino — mesmo que provisório — das mulheres em
geral, e das portuguesas em particular, tendo em vista a vastidão do império?
"Bem sei que tua mulher não gostará", prossegue a marquesa, referindo-se às
ausências, "mas há de se acomodar assim como eu me acomodei com as que teu
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pai tem feito, porque as mulheres de bem, ainda que sintam, sempre se
acomodam com o que seus maridos determinam."'^

D. João cedeu. Foi a Fontainebleau dizer adeus aos monarcas franceses — Luís
XV e Maria Leczinska —, e derramou lágrimas sentidas ao se despedir do antes
tão criticado D. Luís da Cunha, deixando por fim Paris para se casar em Lisboa.
Não há como saber se, na prática, acatou as instruções meticulosamente
passadas pela mãe. Se o fez, aprontou-se meio às pressas para evitar as neves
que, a partir de dezembro, tornariam a travessia dos Pireneus mais penosa do
que já era. De Paris teria seguido por seis dias e meio em seges de posta até
Baiona, onde bois puxariam as seges enquanto os passageiros caminhavam a pé
por quatro léguas terríveis, bordejando precipícios "de forma que foge o lume
dos olhos à gente que olha para eles".'^ Viajaria acompanhado de "um vale de
chambre e um lacaio", pois não convinha andar sozinho e se expor demasiado "a
algum insulto de ladrões, que em toda parte os há". Talvez tenha se demorado
em Madri cerca de uma semana, lá se encontrando com fi-ei Antonio da Piedade,
filho do conde de Ericeira, amigo íntimo do marquês e um dos maiores
intelectuais portugueses de então.

Uma vez na corte joanina, continuou se queixando da vida acanhada, ociosa

e mesquinha, sentindo-se estrangeiro na própria terra, lastimando a falta do pai,


"um piloto tão hábil e um pai único no amor e na educação dos filhos".^'*

4. A ESTRATÉGIA MATRIMONIAL

Em 14 de setembro de 1745, numa carta extraordinária em que discorre sobre


vários dos assuntos caros à nobreza setecentista em Portugal — dívidas,
distâncias ultramarinas a separarem famílias, falta de liberdade política e
submissão crescente da nobreza ao poder do Estado —, D. Maria José Nazaré de
Lencastre falara claramente ao filho que deveria voltar e casar-se para salvar o
destino da estirpe:

[...] a falta de novas de teu pai me tem em contínuo susto, Deus por quem é se
lembre de nós e no-las traga boas; e para tudo me mortificar, nem a consolação
de estar com todos vocês posso ter, e assim me vejo com os cuidados tão
repartidos que nenhum gosto tenho de nada, e sobre tudo isto carrega sobre
mim o peso desta casa com perto de 300 mil cruzados de dívidas, dos quais
vencem juros 200, e assim ando sempre em uma roda viva; e todos os anos nos
empenhamos mais nos 5 mil cruzados que para lá mandamos, que já são 20 mil
cruzados, os que vocês aí tem gasto; e absolutamente eu já não posso com tanta
despesa, e sem embargo de que desejara dar-te o gosto de te dilatares aí até
março, vejo que não posso assim, pela falta de meios como pelo negócio de mais
importância para a nossa casa, que é o do teu casamento [...]."

Mas este não era negócio a se arranjar com facilidade. Escasseavam noivas —
"nossa terra está tão falta de casamentos", lamentava-se a marquesa —, e muitas
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que o seriam em potencial ou já se encontravam comprometidas — "a filha da


Atalaia [...] se rosna que está ajustada a casar com o Vimieiro" —, ou
apresentavam outros impedimentos. Além de muito feia, uma das jovens
Tarouca era "imediata de uma casa puritana", e os parentes "não haviam de
querer arriscar a sua puritanice", o que sugere que os Almeida não pertenciam
ao grupo restrito dos "puritanos", ou seja, de algumas poucas famílias
extremamente zelosas da pureza de seu sangue e estirpe.'* Para complicar mais
as coisas, o marquês impunha que a escolha se fizesse dentre um grupo restrito:
as moças Távora — Leonor, "a mais bonita de todas suas irmãs, e na opinião de
muitos a mais bonita de toda a Corte", achava-se prometida para o filho do
conde de Sarzedas — ,'^ as Óbido,

as Mouraria, Maria Manuel "na última desesperação", ou, por fim. Madalena de
Lencastre, sobrinha da marquesa.

Madalena era imensamente rica. Era a única herdeira da casa de Vila Nova de
Portimão, e possivelmente herdaria também a fortuna dos marqueses de
Abrantes, como revela D. Maria José com uma crueza chocante: "[...] ainda que
ali há um filho de Isabel, este é muito pequeno e não tem tido bexigas nem
sarampo, e pode faltar, e faltando ele é Madalena a herdeira daquelas duas
grandes casas, e ainda que não o venha a ser sempre há de ter grande legítima
[...]".

Boa parte dos varões nobres haviam tentado obter sua mão: o conde de Santiago,
o de Soure, o de Unhão, o marquês de Minas e o de Louriçal. A nenhum deles a
quisera dar o pai, irmão de D. Maria José, "porque", escreve a marquesa ao filho,
"estava destinada por Deus para ti". Era alta, muito branca, com lindos dentes,
dotada de muita graça, viveza e entendimento. Desembaraçada, gostava de canto
e dança e falava tanto finances como italiano.

Madalena era também imensamente gorda, e tinha 33 anos — quinze a mais do


que o jovem D.João. "Uma baleia", conforme protestaria o tio D. Diogo de
Almeida, indignado com as negociações em curso e pondo em dúvida a
capacidade reprodutora da herdeira. ^^ A marquesa parecia relutar em ver tais
evidências como impedimento. Quando muito, concedia com cautela: "[...J o que
pode fazer mais receio é a muita gordura, mas o certo é que tanto têm filhos as
gordas, como as magras".

Não bastassem a idade e a aparência disforme — em cartas, o tio D. Diogo


vociferava que ela mal conseguia erguer-se e caminhar —, Madalena era um
purgante, geniosa e mimada. Nem assim a marquesa se dava por rogada, tudo
atribuindo à criação, esperançosa que o convívio com novos hábitos e a força das
rezas tudo consertassem:

[...] e pelo que toca ao seu génio também este se muda com o tempo, porque os
maridos fazem as mulheres, ela está em uma casa mui rica, gastando muito com
muitas amigas a quem dá muitos presentes, mas isto suavemente se lhe pode
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tirar, é muito feita de sua vontade assim como o são todas as filhas validas dos
Pais, é um pouco altiva mas em vendo que tu e nós não gostamos de gente
soberba logo se há de ir à mão, porque como tem entendimento qualquer coisa
bastará para perceber o que nós quisermos; eu cá ando fazendo as minhas
novenas e pedindo para acertarmos com a vontade de Deus.

De início, D.João concordou com o casamento: a prima e as Távora sempre


haviam sido mesmo as primeiras na sua preferência, dizia sem entusiasmo, e não
o aborrecia o fato de ser gorda nem de ter mais de trinta anos. Aborrecia-o,
vagamente, o casamento em si, mas como se impunha o bem da família, casava-
se.^^ Dias mais tarde, sempre concordando, deixa entrever uma ponta de
reticência, mas logo a encobre com o respeito filial: "VEx* pode julgar que
tirando eu tanta glória de ser filho de V.Ex* mais tiraria ainda de ser marido de
uma pessoa da mesma casa".^° No final do ano, após as cartas indignadas do tio
D. Diogo, D. João começa a fi-aquejar. Por fim, já de volta a Portugal, dá ao pai
os motivos que o tinham levado a desistir de casar-se com a prima: sentia-se
absolutamente incapaz de enfrentar tantas diferenças, e insinua que, unindo-se a
ela, não poderia ter no casamento o remédio contra a concupiscência, conforme
rezava a ética cristã desde são Paulo:

Olhava depois para a salvação que depende de uma vida reta, e calculando
achava que esta senhora teria já 43 anos, e segundo a sua estrutura,
bastantemente avelhantada quando eu me achasse só com 28, que para homem
é ainda bastantemente moço; é muito casual que o demónio me não tentasse,
com tanto maior fruto que havia em mim desconsolação da vida que
direitamente devia observar; isto de nenhuma forma se acordava com os meus
sentimentos, porque se por alguma forma posso desejar o meu estabelecimento,
é por essa forma estar menos sujeito às tentações em que, pela nossa fragilidade,
podemos cair, e principalmente em Portugal, onde a ociosidade é maior que em
parte nenhuma, e nem há esperança de se poder a gente livrar dela nem em
divertimento, nem em trabalho.^'

D. Maria José se aborreceu, e também o marquês não deve ter gostado da


decisão do filho. Mas, numa atitude pouco usual entre a nobreza do Antigo
Regime, respeitou-se a vontade do quase futuro noivo. Talvez porque, num golpe
de sorte, morrera D. Luís da Silveira, filho do conde de Sarzedas e pretendente à
mão de Leonor de Távora, para ela se voltando as pretensões matrimoniais de D.
João. Era jovem, linda, riquíssima e pertencia a uma das mais ilustres famílias
do Reino, aparentando-se inclusive com importantes casas nobres europeias,
como os Lorena.

Em 13 de abril de 1749 D. João de Almeida Portugal escreveria ao pai, ainda na


índia malgrado os esforços para que o removessem. Numa carta longuíssima,
que será analisada em outra ocasião, comunicava ao marquês de Alorna que,
num curto período, haviam-lhe morrido a esposa, D. Maria José, e a filha mais
velha, Anica.
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A carta fala ainda das desavenças que vinha tendo com a sogra, a marquesa de
Távora, geniosíssima. Com o sogro e os cunhados dava-se bem, mantendo
cautela e prudência porque todos naquela família se julgavam muito
importantes.^^

Aqui param as cartas, janela magnífica para se desvendar a vida privada de uma
família nobre. Seu destino posterior mistura-se inextricavelmente com o do país,
ganhando portanto o domínio público.

D. João V morreu em 1750 e foi substituído pelo filho, D. José: começava a era
de Sebastião José de Carvalho e Mello, o novo ministro, futuro marquês de
Pombal. Essa mesma nobreza que pontua cartas com descontentamentos mais
ou menos velados suspiraria de saudades da ordem anterior. O velho marquês de
Alorna deixou a índia em 1751, pois só então chegava o sucessor que tanto
pedira. A viagem de volta foi longuíssima: parou na Bahia, quebrou uma perna e,
já em Lisboa, não conseguiu ser admitido ao beija-mão real. Percebeu então que
caíra em desgraça e morreu inconformado no ano de 1756.

Quem o sucedeu na índia não foi outro senão o marquês de Távora, sogro de seu
filho. Diferentemente de D. Maria José e de tantas mulheres que ficavam para
trás, a marquesa acompanhou o marido, permanecendo a seu lado por todo o
tempo. Pouco após regressarem a Portugal, viram-se acusados, junto com outros
membros da alta nobreza, de participar na tentativa de regicídio ocorrida em
1758, quando tiros surpreenderam D. José na volta de uma escapadela conjugal.
Junto com outros membros da alta nobreza — entre eles o duque de Aveiro — os
Távora foram todos presos, inclusive D. João de Almeida, o genro, na época já
marquês de Alorna pela morte do pai.

Os Távora pereceram num espetáculo público tristemente célebre, onde a velha


marquesa, reza a tradição, comportou-se com enorme coragem e dignidade. A
bela D. Leonor foi para o convento de Cheias e D. João de Almeida para a temida
prisão do Limoeiro. Lá, durante dezessete anos de encarceramento, escreveu
milhares de cartas — ainda à espera de publicação —, e teve como uma das
poucas alegrias as visitas da filha adolescente, que, vivendo com a mãe entre as
freiras, já gostava na época de fazer versos e conversar com o pai sobre
literatura." Anos depois, se tornaria famosa nas letras portuguesas como
marquesa de Alorna.

D.João de Almeida só obteve liberdade com a "Viradeira". Estava velho, a família


e a fortuna esfrangalhadas. Casado com Madalena de Lencastre, talvez tivesse
vivido flagelado pela concupiscência. Mas como tudo teria sido diferente!

SOUZA, Laura de Mello e. Fragmentos da vida nobre em Portugal


setecentista. In: GALVÃO, Walnice N.; GOTLIB, Nádia B. Prezado, senhor,
prezada senhora: estudos sobre cartas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
p. 77-88.

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