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Carmen Miranda Dada – Tropicália http://tropicalia.com.

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Um projeto de Ana de Oliveira

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Carmen Miranda Dada
Caetano Veloso
The New York Times, 1991 e Folha de S.Paulo, 22 de 1991

Para a geração de brasileiros que chegou à adolescência na segunda metade dos anos 50 e à idade adulta no auge da ditadura militar brasileira e da
onda internacional de contracultura, Carmen Miranda foi, primeiro, motivo de um misto de orgulho e vergonha e, depois, símbolo da violência
intelectual com que queríamos encarar a nossa realidade, do olhar implacável que queríamos lançar sobre nós mesmos.

Carmen Miranda morreu em 1955. Em 1957 as suas gravações brasileiras anteriores à sua vinda para os EUA soavam totalmente arcaicas aos
nossos ouvidos e as que ela tinha feito aqui nos pareciam ridículas: “Chica Chica bom chic”, “Cuanto le gusta” e “South American way” iam no sentido
inverso ao dos nossos anseios de bom gosto e de identidade nacional. Ouvíamos então cantoras de que talvez nunca se tenha ouvido falar aqui [nos
EUA], mas que nos pareciam superiores a ela – e de fato o eram sob certos aspectos; Ângela Maria, Nora Ney, Elza Soares, Maysa. Quase
adivinhávamos a bossa nova. Mas Carmen tinha se tornado uma das personalidades formadoras da vida americana do pós-guerra, influenciando a
moda e mesmo o gestual de uma geração. Hoje, fascinados, a encontramos referida na biografia de Wittgenstein – como favorita do biografado. À
época, já tinha bastante peso saber que ela era a única artista brasileira reconhecida mundialmente e, ouvíamos os mais velhos repetirem, não sem
méritos. Assim calávamos no peito um orgulho que afinal é semelhante ao que sentimos quando ouvimos o nome de Pelé fora do Brasil ou quando
vemos o Bloco Olodum tocando com Paul Simon no Central Park para centenas de milhares de pessoas: todos os indivíduos de um país que não
figura nos noticiários dos grandes jornais do Primeiro Mundo, a menos que uma catástrofe se abata sobre seu povo ou o ridículo sobre seus
governantes, emocionam-se compulsoriamente com coisas assim. No caso de Carmen Miranda, àquela altura, víamos-lhe mais o grotesco do que a
graça e não estávamos maduros o bastante para meditar sobre o seu destino.

A saída mais fácil (e a atitude mais freqüente) era ignorá-la. O que não era difícil num país que, diferentemente da Argentina, não costuma guardar
vivas na memória suas figuras de massa, quer sejam líderes políticos ou cantores de música popular.

Contudo, em 1967 Carmen Miranda reaparece no centro dos nossos interesses estéticos. Um movimento cultural que veio a se chamar tropicalismo
tomou-a como um dos seus principais signos, usando o mal-estar que a menção do seu nome e a evocação dos seus gestos podiam suscitar como
uma provocação revitalizadora das mentes que tinham de atravessar uma época de embriaguez nas utopias políticas e estéticas, num país que
buscava seu lugar na modernidade e estava sob uma ditadura militar. Esse movimento derivou seu nome de uma instalação do artista plástico Hélio
Oiticica, inspirou-se em algumas imagens do filme Terra em transe, de Glauber Rocha, dialogou com a teatro de José Celso Martinez Corrêa, mas
centrou-se na música popular. A canção-manifesto “Tropicália”, homônima da obra de Oiticica, termina com o brado “Carmen Miranda da-da dada”.
Tínhamos descoberto que ela era nossa caricatura e nossa radiografia. E começamos a atentar para o destino dessa mulher: uma típica menina do
Rio, nascida em Portugal, usando uma estilização espalhafatosamente vulgar mas ainda assim elegante da roupa característica da baiana, conquistara
o mundo e chegara a ser a mulher mais bem paga dos EUA. Hoje há estrelas latinas vivendo neste país e trabalhando para massas de latinos
residentes aqui.

Carmen conquistou a América branca, como nenhum sul-americano tinha feito ou viria a fazer. Ela era a única representante da América do Sul com
legibilidade universal e parece que é exatamente por isso que a autoparódia era sua prisão inescapável. Parecia então que podíamos entender a
depressão profunda a que ela chegou nos anos 50, o abuso de remédios, a destruição da sua vida. Ainda hoje, estar escrevendo estas palavras
sobre ela é algo difícil e penoso para mim. O que quer que aconteça na América com a música brasileira – e mesmo o que quer que aconteça no
hemisfério norte com qualquer música do hemisfério sul – nos leva a pensar em Carmen Miranda. E, inversamente, pensar nela é pensar em toda a
complexidade desse assunto. O Olodum no disco de Simon, a coletânea de sambas experimentais de Tom Zé feita por David Byrne, Naná
Vasconcelos e Egberto Gismonti, Sting e Raoni, Tânia Maria, Djavan e Manhattan Transfer, o culto de Milton Nascimento. Ela está sempre presente.

Quando a bossa nova estourou nos EUA, isto é, no mundo, sentíamos que finalmente o Brasil exportava um produto acabado e de boa qualidade.
Mas o fato de essa onda ter sido deflagrada por um compacto, extraído do álbum Getz-Gilberto, que contém “Garota de Ipanema” belamente cantada
por Astrud Gilberto, em inglês, conduz à insinuação de uma Carmen Miranda cool-jazz. Não apenas a voz de Astrud salta como uma fruta gostosa de
dentro das harmonias densas de Tom Jobim: a própria personagem da garota de Ipanema louvada na canção parece usar frutas na cabeça. Isso não
é um pensamento forçado, é algo que está no ar. Recentemente, numa noite de gala em benefício da Rain Forest Foundation, comandada por Sting e
abrilhantada pelo próprio Jobim, corria o rumor nos bastidores de que, quando Tom e sua banda tocassem a “Garota de Ipanema”, Elton John entraria
no palco vestido de Carmen Miranda ou, pelo menos, usando um daqueles turbantes cheios de bananas ou de guarda-chuvas. Afinal, tal não se deu.
Mas dizem que somente porque Elton e Sting não estavam seguros de que Tom (e a platéia) aceitaria a brincadeira com simpatia. De todo modo, pra
mim já é bastante revelador que tal boato tenha surgido ali. Ela está sempre presente. Airto sacudindo balangandãs na banda de Miles Davis em 71.
Flora Purim e Chick Corea.

Ela está sempre presente também porque há uma coisa sobre a qual os tropicalistas logo tiveram de meditar, além do caráter extraordinário do seu
destino: a qualidade de sua arte. Antes de se tornar a falsa baiana internacional, bem antes de ascender ao posto de deusa do camp (e de fato aquela
imagem de um infinito de bananas partindo do topo de sua cabeça que Busby Berkley, com sua tendência de produzir visões de êxtase místico, criou,
é a confirmação de sua divindade), Carmen Miranda tinha deixado no Brasil o registro abundante da sua particular reinvenção do samba. E, depois

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que a bossa nova já estava madura e exportada, quando Tom Jobim já se instalara entre os maiores autores de canções do século e Sérgio Mendes
achara a melhor maneira de colocar a musicalidade brasileira no mercado internacional – depois, enfim, de tudo isso que se fez possível pela magia
do bruxo-mor João Gilberto, nossa aventura mais profunda –, os velhos discos de Carmen já não soavam mais como antiguidades. Na verdade, saiu
no Brasil uma coletânia em CD dessas gravações e não seria má idéia se o mesmo se desse aqui [nos EUA]. O repertório deslumbrante recebia um
tratamento precioso do seu estilo, feito de destreza e espontaneidade. A agilidade da dicção e o senso de humor jogado no ritmo são a marca de
uma mente esperta com que descobriríamos que tínhamos muito o que aprender.

A gravação de “Adeus batucada”, um samba profético de Synval Silva (que era seu motorista particular e revelou-se extraordinário compositor) em
que ela se despede de seus companheiros de roda de samba dizendo “eu vou deixar todo mundo, valorizando a batucada”, é uma das mais belas
jamais feitas no Brasil.

Essa canção terminou por encontrar eco em outra, escrita por Vicente Paiva, em desagravo à frieza com que ela foi recebida pela platéia do Cassino
da Urca no Rio, quando de sua primeira apresentação no Brasil depois do sucesso nos EUA: “Disseram que eu voltei americanizada”. É uma
prestação de contas bem-humorada ao público e à crítica cariocas, que se ressentiam da descaracterização dos ritmos brasileiros, aos quais os
músicos americanos tinham dificuldade em se adaptar e talvez pouca paciência de prestar atenção, dando deles uma versão sempre cubanizada.
Que justamente uma cantora do único país de língua portuguesa da América Latina tenha sido eleita a representante desse conjunto de comunidades
da língua espanhola não trouxe poucas dificuldades estilísticas a suas performances. Hoje há um conhecimento especifico da rítmica brasileira entre
músicos americanos – depois da bossa nova e de Milton Nascimento pode-se contar com o desejo de captar a peculiaridade da música no Brasil. Na
época de Carmen bastava fazer um barulho percussivo que fosse facilmente reconhecido como latino e negróide. Mas ela, que tinha feito questão de
trazer consigo os rapazes do Bando da Lua, representou menos a adulteração alegada pelos seus críticos do que o pioneirismo de uma história que
ainda se desenrola e hoje parece mais fascinante do que nunca: a história das relações da música muito rica de um país muito pobre com músicos e
ouvintes de todo o mundo. Uma história de que, de resto, este artigo não é o episódio menos curioso, sendo o seu autor o mesmo da canção
tropicalista que termina com o nome de Carmen, com o “Miranda” ecoando em “dada”.

Desta singular perspectiva é que se tenta observar a virada crítica que nos levou a descobrir os encantos das velhas gravações brasileiras de Carmen
Miranda e também a dignidade predominante na sua discografia americana. Ela fez mais e melhor samba por aqui do que nós estávamos dispostos a
admitir.

O poeta brasileiro Oswald de Andrade, do movimento modernista de 1922, disse uma vez: “O meu país sofre de incompetência cósmica”. Carmen
parecia livre dessa maldição. O que salta aos olhos quando revemos hoje seus filmes é a definição dos movimentos, a articulação das mãos com os
olhos, a nitidez absurda no acabamento dos gestos. Anos depois da boutade de Oswald de Andrade, Hanna Arendt se referia à disparidade entre os
países pobres e os países ricos exatamente na área da competência. Muito do que sai no Brasil torna-se notável pela magia, pelo mistério, pela
alegria; pouco pela competência. Quando me perguntam por que Carmen Miranda agradou tanto aos americanos, eu respondo: não sei. Mas fico me
perguntando se a sua grande vocação para a arte-final, a sua capacidade de desenhar a dança do samba num nível exacerbado de estilização, como
uma figura de desenho animado, não terá tido parte decisiva nisso.

Competência é uma palavra que define bem o modo americano de valorizar as coisas. Carmen Miranda excedia nessa categoria. Gal Costa, Maria
Bethânia, Margaret Meneses são verdadeiras baianas, são grandes artistas da alegria e do mistério. Mas o estilo gestual de Carmen encontra uma
identidade no estilo vocal de Elis Regina: alta definição no ataque das notas, nitidez no fraseado, afinação de computador – competência. Hoje talvez
os EUA não estejam tão apaixonados por esse item, talvez estejam menos saudavelmente ingênuos quanto ao progresso tecnológico do que nos
anos 40 e 50: ir ao Japão é ser levado a pensar nisso.

Quanto ao Brasil, houve quem dissesse que o surrealismo é o único realismo possível na América Latina, pois o cotidiano da miséria é surreal. Nós,
os tropicalistas, numa época que os highbrows e os lowbrows fizeram umas farras conjuntas, para desespero de alguns middlebrows, achávamos que
Dada nos dizia mais respeito do que o surrealismo; era o inconsciente não-estetizado, era a não-explicação do inexplicável. Era também o contrário
de prendermo-nos num absurdo formalizado: era termos optado antes de tudo pela liberdade como tema fundamental. Não éramos dadaístas, é
claro. Éramos um punhado de garotos baianos, filhos da bossa nova, e interessados no neo-rock-n’-roll inglês dos anos 60. Alguns tínhamos chegado
à universidade. Foram os irmãos Campos, Augusto e Haroldo, líderes do movimento da poesia concreta no meio dos anos 50, com quem passamos
a ter um bom convívio quando nos mudamos para São Paulo, que nos deram a sugestão do paralelo entre Dada e o surrealismo de que nós fizemos
o uso que descrevi acima. Hoje, quando as vanguardas do início do século são postas em questão por terem, entre outras coisas, atraído uma horda
de subletrados que produzem cultura de massas, olhamos para trás sem vergonha e sem orgulho. Apenas sorrimos felizes quando ouvimos Marisa
Monte cantar uma canção de Carmen, acompanhando-a com uma reprodução muito sutil do seu gestual. E não encontramos nada em nossas
próprias gravações que sejam comparáveis às melhores gravações de Carmen Miranda dos anos 30.

Exilado em Londres em 71, foi que eu vi pela primeira vez a tal fotografia em que Carmen Miranda aparece involuntariamente de sexo à mostra.
Lembrei dos primeiros portugueses que, ao chegarem ao Brasil e vendo os índios nus, anotaram em carta ao rei de Portugal que “eles não cobriam
as suas vergonhas”. Isso de se referir à genitália como vergonha era corrente no português do século XVI. Pensei que não deixava de ser
significativo que a nossa representante fosse a única do olimpo hollywoodiano a exibir sua vergonha. E que tivesse feito sem saber o que estava
fazendo, por descuido, inocentemente. “Vergonha” é uma palavra que atravessa este artigo, desde o primeiro parágrafo. Mas tal visão me causou
antes orgulho do que mal-estar. Nos braços de César Romero, sorriso hollywoodianamente puro nos lábios, cercada de brilhos cheios de intenção e
controle, tudo nela e em torno dela parecia obsceno perto da inocência de seu sexo.

A iluminação, o cenário, a pose, a fantasia eram Carmen Miranda. O sexo exposto era Dada.

Extraído de O mundo não é chato, Companhia das Letras, 2005

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