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“O tracado némade, ainda que siga pistas ou itinerdrios rituais, nao tema fungio do percurso sedentario que consiste em distribuir aos homens um espaco fechado, atribuindo a cada un a propria parte e, a partir dai, regulando a comunicagdo entre as partes. O tragado némade faz exatamente o contrrio, distribui os homens (ou os animais) num espa¢go aberto, indefinido, nao comunicante.” Deleuze, Gilles e Félix Guattari. Mille plateaux, Capitaliome or sbivepbréni. Paris, ‘Lesflditions de Minuit, 1980 (edigdo em purtuguéss Mil plaids. Captaliomac syutzofenia, Sto Paulo, Editors 34, 1996). I. ERRARE HUMANUM EST... CAIM, ABEL E A ARQUITETURA Da primitiva separacao da humanidade em némades e sedentarios derivariam dois modos diversos de habitar 0 mundo e, por isso, de conceber o espaco. E conviccio difundida que, ao passe que os secentirios — enquanto habitantes das cidades ~ devem ser con- siderados como os arquitetos do mundo, os némades ~ enquanto habitantes dos desertos e dos espagos vazios ~ deveriam ser consi- derados “anarquitetos”, experimentadores aventureiros e, por isso, iivessos & arquitetura e, mais em geral, a transformagio da paisagem. Na realidade, talvez as coisas sejam mais complexas. Revisitando ‘© mito de Caim e Abel em chave arquitaténica, pode-se observar ‘como a relacdo que nomadismo e sedentariedade instauram com a ‘construcao do espaco simbélico nasce de uma ambiguidade originaria, Como se lé no Genesis, de uma primeira divisio sexual da humanidade = Adio e Eva — segue, na segunda geracao, uma divisio do trabalho portanto, do espago. Os filhos de Adio e Eva encarnam as duas Imas em que se dividiu, desde o principio, a estirpe humana: Caim, alma sedentéria, e Abel, a némade. Por vontade de Deus, Caim ter-se-ia dedicado a agricultura e Abel ao pastoreio. Assim, Adio @ Eva deixaram aos seus filhos uma justa divisto do mundo: para Gaim, a propriedade de toda a terra e para Abel, a de todos os seres viventes. No entanto, os pais, confiando ingenuamente no amor fraterno, Ilo consideraram o fato de que todos os seres viventes tinham ne- cessidade da terra para mover-se e para viver, e sobretudo de que também os pastores precisavam dela para apascentar o gado. Foi WALKSCAPES 3 assim que, logo apés uma briga, Caim acusou Abel de ter invadido o seu territério e — como se sabe — 0 matou, condenando-se 4 condi- gio de eterno vagabundo pelo seu pecado fratricida: "Se cultivares a terra, ela nfo te dara mais 0 seu produto, e tu seras errante e fugiti- vo sobre a terra”? Segundo as raizes etimol6gicas dos nomes dos dois irmaos, Caim 6 identificavel com © Homo faber, o homem que trabalha e que sujei- ta a natureza para construir materialmente um novo universo arti- ficial, a0 passo que Abel, realizando, no fim das contas, um trabalho menos fatigoso e mais divertido, poderia ser considerado o Homo lu- dens caro aos situacionistas, o homem que brinca e que consctréi um efamero sistema de relagdes entre a natureza e a vida. Com efeito, ao diferente uso do espago corresponde um diferente uso do tempo, que deriva da primeira divisio do trabalho. O trabalho de Abel, que consistia em ir pelos prados apascentar o gado, era uma atividade privilegiada em relagio as fadigas de Caim, que devia estor nos cam- pos para arar, semear e colher os produtos da terra. Enquanto a maior parte do tempo de Caim é dedicada ao trabalho, e por isso é inteiramente um cempo Ltil-produtivo, Abel tem uma grande quantidade de tempo livre para dedicar a especulagao intelectual, & exploracio da terra, a aventura e ao jogo; é 0 tempo nao utilitarista por exceléncia, © tempo livre, ou seja, lidico, levaré Abel a experi- mentar e a construir um primeiro universo simbélico em torno de si, Da atividade de caminhar através da paisagem para inspecionar rebanho deriva um primeiro mapeamento do espaco, bem como a atribuigao de valores simbélicos e estéticos do territério que levard a0 rascimento da arquitetura da paisagem, Por isso, |a na origem, associam-se ao caminhar tanto a criagao artistica como o rechago do trabalho, ¢ eis 0 porqué da abra que se desenvolver’ com os dadaistas e com os surrealistas parisienses, uma espécie de preguica lidico-contemplativa que est na base da flanerie antiartistica que permeia o século xx. Mas € interessance novar como, apés © homicidio, Caim foi puni- do por Deus com a vagabundagem: 0 nomadismo de Abel transfor- ma-se de condicio privilegiada em punigio divina. O erro fratricida 6 punido com a erréncia sem patria, um eterno perder-se no pais de im e Abel nomes dos fillios de Addo so uma eépia de opostos yplementares. ‘Abel’ deriva do hebraico hebel e signi- ‘hilito’ ou ‘vapor’: é um termo que se refere a toda sir’, Caim significa também “ferreiro’, ¢ uma vez que |numerosas linguas ~ até mesmo em chinés — as pala- que significam ‘violencia’ e ‘sujeigdo’ esto ligadas & scoberta do metal, talvez o destino de Caim e dos seus endentes seja praticar as negras artes da tecnologia.” ‘in, Bruce. The Songlincs, Nova York, Viking, 1987 (edigao em portugués: jnomade. Lisboa, Quetzal, 2000). mo ludens ma vez que nfo somos tio razodveis como imaginara ‘culo das Luzes, que venerava a Razio, pensamos centar 4 primeira defini¢do da nossa espécie Homo ade Homo faber. Ora, este segundo termo é ainda s justo que o primeiro, porque fuber pode qualificar ma fungiio tao essencial como a de fabricar, parece-me cer 0 seu posto depois do termo Homo faber:” tlainga, Johan. Hono ludens. Amsterdam, Leipzig, Pantheon, 1939 (edie tagues: Homo ludens. O jog como elemento da cultura, Sto Paulo, Perspectiva, WALKSCAPES, 38 Nod, 0 deserto infinito onde antes dele Abel andara sem rumo, E é preciso sublinhar que, apés a moree de Abel, ser a estirpe de Caim que construird as primeiras cidades: Caim, agricultor forgado A er- ncia, dar4 inicio a vida sedentéria, e portanto a outro pecado; traz consigo tanto as origens sedentirias do agricultor como as némades de Abel, ambas vividas como puni¢io e como erro. Mas, na reali- dade, como sublinha Eugenio Turi, segundo 0 Genesis é Habal, um descendente direto de Caim, “o primeiro daqueles que habitam nas tendas e criam o gado”.’ Os némades provém da estirpe de Caim, que era um sedentario forgado ao nomadismo, e trazem nas suas ratzes (inclusive etimolégicas) a errancia de Abel. Bruce Chatwin recorda como nenhum outro povo “sentiu mais que os hebreus as ambiguidades morais do assentamento. © seu Deus & uma projecio da sua perplexidade [...] Originariamente, Javé € um Deus do Caminho. O seu santuario é a Arca Mével, a sua Morada, uma tenda, 0 seu Altar, um amontoado de pedras toscas. Mesmo prometendo aos Seus Filhos uma terra bem irrigada [...] no seu coragio deseja o Deserto para eles”. E Richard Sennett conti- nua afirmando que na realidade “Javé fol um Deus do Tempo antes que do Lugar, um Deus que prometeu aos seus seguidores dar um sentido divino ao seu aflito peregrina Essa incerteza sobre a arquitetura tem as suas origens na infan- cia da humanidade. As duas grandes familias em que se subdividiu 0 género humano vivem duas espacialidades diferentes: a da caverna e do arado, que escava nas visceras da terra o proprio espago, ea da tenda, que se desloca sobre a superficie terrestre sem gravar rastos persistentes. Aos dois modos de habitar a Terra correspondem duas modalidades de conceber a prépria arquitetura: uma arquitetura entendida como construgio fisica do espago e da forma contra uma arquitetura entendida como percepgio e construcao simbélica do espago. Observando as origens da arquitetura através do bindmio némades-sedentarios, pareceria, portanto, que a arte de construir 0 espago ~ ou seja, aquilo que normalmente é chamado de arquitecura tenha sido originariamente uma invencao sedentaria que evoluiu da construcio dos primeiros vilarejos agricolas até a das cidades e dos grandes templos. Segundo a convicgio comum, a arquitetura LOTTE Te ey ‘Nomos, em grego, significa ‘prado’, e ‘ndmade’ é um chefe Mee Cres enon tinier tan te .| O verbo nemein — ‘apascentar’, ‘pastar’, ‘organizar’ ou ‘espalhar’ — tem, desde os tempos de Homero, um segun- pea ate Suen Antes) Mien oe Cre a treme tea hew rant MUiSiitsartestewitoice wea one cone ema tre ternal Nonisma significa ‘moeda corrente’: daf numismitica |...) E, TET core Co Sense SOS can COMICON Cc ety oer eye MC tee MUnieog cane Moran cceMe crn OMET ear wero INCOM cRegoarnsalcomer cn Meosteonm ent oo resco a Na ieee aCe RC OMT aCe ena d Don es elec Re)

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