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Seminário Internacional
políticas
culturais
17 a 20 de maio de 2016- Rio de Janeiro
Organizadores:
Lia Calabre
Maurício Siqueira
Adélia Zimbrão
Organizadores:
Lia Calabre
Maurício Siqueira
Adélia Zimbrão
1. Política cultural. I. Calabre, Lia, org. II. Siqueira, Mauricio, org. III. Zimbrão,
Adélia, org. IV. Lima, Deborah Rebello, org. V. Fundação Casa de Rui Barbosa. VI. Título.
CDD 306
VII Seminário Internacional
políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
Índice Geral
Sobre o Evento
Programação Geral
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VII Seminário Internacional
políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
O Seminário Internacional de Políticas Culturais é um evento que tem por objetivo promover o
culturais, a fim de divulgar trabalhos e promover debates no campo das ações políticas, das
FICHA TÉCNICA
Realização
Setor de Pesquisa em Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa
Comissão Organizadora
Lia Calabre
Mauricio Siqueira
Adélia Zimbrão
Deborah Rebello Lima
Equipe Técnica
Bolsistas do Setor de Estudos em Políticas Culturais:
Beatriz Terra
Clarissa Semensato
Leandro Leal
Lígia Arruda
Mariana Albinati
Pablo Lima
Raquel Moreira
Taísa Diniz
Parceria
Itaú Cultural e Observatório Itaú Cultural
Informações
politica.cultural@rb.gov.br
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17 de maio
terça-feira
8h | Credenciamento
9h – 9h30 | Abertura
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18 de maio
quarta-feira
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8h – 10h30 | Comunicações
Sala de cursos - Institucionalização das Políticas Culturais na América Latina
Tenda - Políticas Setoriais: Cultura Afro-brasileira
Sala Maria Augusta II - Política Audiovisual e Comunicação I
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19 de maio
quinta-feira
8h – 10h30 | Comunicações
Auditório – Estatísticas culturais
Sala de cursos - Políticas Culturais Setoriais: experiências e trocas
Tenda - Políticas culturais e participação social
Sala Maria Augusta II - Políticas Culturais: experiências em gestão
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17-17h30 | Intervalo
20 de maio
sexta-feira
8h – 10:30 | Comunicações
Auditório - Políticas de Financiamento: Patrocínio e Incentivo Fiscal
Sala de cursos - Economia Criativa
Tenda - Política Audiovisual e Comunicação II
Sala Maria Augusta II - Políticas Culturais: reflexões conceituais
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VII Seminário Internacional
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11 – 13h30 | Comunicações
Auditório - Cidades Criativas
Sala de cursos – Economia da Cultura
Tenda - Patrimônio Imaterial e Meio Ambiente
Sala Maria Augusta II - Educação patrimonial
17-17h30 | Intervalo
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das Comunicações
17 de maio
terça-feira
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das Comunicações
18 de maio
quarta-feira
8h – 10h30 | Comunicações
Sala de cursos - Institucionalização das Políticas Culturais na América Latina
AS POLITICAS CULTURAIS DENTRO DA AGENDA GOVERNAMENTAL DE BOGOTÁ: UMA
REFLEXÃO DESDE O MODELO DOS MÚLTIPLOS FLUXOS
Mônica Cristina Moreno-Cubillos (UFMA)
EL PLAN DEPARTAMENTAL DE CULTURAS DE COCHABAMBA: PRIMER INSTRUMENTO PARA LA
GESTIÓN DE POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURALES EN EL ÁMBITO AUTONÓMICO DEL ESTADO
PLURINACIONAL DE BOLIVIA
Franz Cabrera Quispe
POLÍTICA CULTURAL Y CONSTRUCCIÓN DE PAZ EN COLOMBIA
Andrés Tafur Villarreal (UNIANDES)
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das Comunicações
Sala Maria Augusta II - Política Audiovisual e Comunicação I
“FORA DA NOVA ORDEM MUNDIAL?”: O NEOLIBERALISMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O
CINEMA NO BRASIL E NA ARGENTINA DOS ANOS 1990
Ana Julia Cury de Brito Cabral (ANCINE)
O FETICHE DAS MERCADORIAS E A PUBLICIDADE INFANTIL
Ricardo Przemyslaw Pessoa (ANCINE)
A VIDEOARTE NO BRASIL: UM PANORAMA ANTES E DEPOIS DA ORIGEM
DO FESTIVAL VIDEOBRASIL
Thamara Venâncio de Almeida (UFJF)
11 – 13h30 | Comunicações
Sala de cursos - Planos Municipais de Cultura
CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS COMPARTILHADAS
Luiz Augusto Fernandes Rodrigues (UFF)
Marcelo Silveira Correia (UERJ)
O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PROJETO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE SÃO JOSÉ
DOS CAMPOS-SP
Sérgio de Azevedo (UNICAMP)
PARTICIPAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICAS CULTURAIS NO PROCESSO
DE ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA EM BERTIOGA – APLICAÇÃO DO
DIAGNÓSTICO RÁPIDO PARTICIPATIVO
Elisa Selvo Chaves (Conselho de Pol. Culturais de Bertioga)
BELÉM COMO METRÓPOLE CULTURAL E CRIATIVA DA AMAZÔNIA: CONTRIBUIÇÕES PARA A
ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE BELÉM
Valcir Bispo Santos (UFPA)
A CONTRUÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE SP: ALGUMAS REFLEXÕES
Patricia Oliveira (MIS-SP)
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das Comunicações
A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE E SEUS PRIMEIROS 10 ANOS: UMA APROXIMAÇÃO A PARTIR
DOS RELATOS DAS PARTES
José Márcio Barros (Obs. da Diversidade Cultural)
Raquel Salomão Utsch de Carvalho (Obs. da Diversidade Cultural)
CIDADANIA NO PLANO NACIONAL DE CULTURA: PERCEPÇÕES SOBRE PODER E MUDANÇA
SOCIAL NAS POLITICAS PÚBLICAS
Leandro Ferreira Barbosa (UERJ)
AÇÃO CULTURAL TRANSFORMA A CIDADE QUE AS PESSOAS VÊEM
Ramon Luiz Zago de Oliveira (USP Leste)
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das Comunicações
14h30 – 17h | Comunicações
Auditório - Financiamento à cultura: da Lei Sarney ao Procultura
O PÚBLICO E O PRIVADONA LEI DE INCENTIVO À CULTURA
Ana Lúcia Pardo (UERJ)
ENTRE AVANÇOS E ENTRAVES, UMA DICOTOMIA - DISCUSSÕES SOBRE A POLÍTICA CULTURAL
“LEI RUBEM BRAGA”: BREVES ABORDAGENS
Elizangela Rosa de Araújo Juvêncio (UENF)
Cristiana Barcelos da Silva (UENF)
QUEM GOVERNA? TRAJETÓRIA DAS POLITICAS CULTURAIS E SEUS PROCESSOS DECISÓRIOS NO
FINANCIAMENTO DA CULTURA
Raquel Moreira (FCRB)
LEI SARNEY EM NÚMEROS: PRIMEIRAS ANÁLISES
Renata Duarte (FCRB)
Lia Calabre (FCRB)
A COMISSÃO NACIONAL DE INCENTIVO À CULTURA ENTRE OS GOVERNOS LULA E DILMA
Rodrigo Correia do Amaral (USP)
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das Comunicações
Tenda - Periferias urbanas e políticas culturais
POR UMA GESTÃO CULTURAL TRANSFORMADORA NOS ESPAÇOS POPULARES DE CULTURA
Álvaro Maciel (Funarte)
POTÊNCIA E EXCLUSÃO: PENSANDO A POLÍTICA CULTURAL DA VIZINHA DO REI
Ana Maria Amorim Correia (Museu Ciência e Vida)
CONEXÃO CULTURA: DIÁLOGO COM A JUVENTUDE DE MANGUINHOS E MARÉ
Hilda da Silva Gomes (Museu da Vida/Fiocruz)
Monique Ramos Garcia da Silva (Museu da Vida/Fiocruz)
Carmen Evelyn Rodrigues Mourão (Museu da Vida/Fiocruz)
POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA E A POTENCIALIZAÇÃO DE PRÁTICAS ARTÍSTICOS-
CULTURAIS PERIFÉRICAS NO ESPAÇO URBANO DO RIO DE JANEIRO
Juliana Lopes (UFRJ)
FUNK! PAUTA PARA POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA?
Pâmella Passos (IFRJ)
Sandro Henrique Rosa (IFRJ)
19 de maio
quinta-feira
8h – 10h30 | Comunicações
Auditório – Estatísticas culturais
CLASSIFICAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS E CIFRAS CULTURAIS EM GOIÁS
Adriana Parada (PNUD/UNESCO e Casa Brasil Digital)
Guilherme Augusto Alcantara Lobo (UFG)
METODOLOGIAS DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DAS AÇÕES CULTURAIS DA SECRETARIA
MUNICIPAL DA CULTURA DE FORTALEZA
Alênio Carlos Noronha Alencar (Sec. de Cultura de Fortaleza/CE)
Aline Silva Lima (Sec. de Cultura de Fortaleza/CE)
Daniel Ribeiro Paes de Castro (Observatório da Governança Municipal de Fortaleza/CE)
OFERTA CULTURAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: UMA ANÁLISE POR ÁREA
DE PLANEJAMENTO
Daniele Cristina Dantas (UFRRJ)
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das Comunicações
DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DA CULTURA E POLÍTICA CULTURAL DO MUNICÍPIO
DE UIRAMUTÃ – RR
Dayana Soares Araújo Paes (UFRR)
Lindinaia Perereira Melquior (Prefeitura de Uiramutã/RR)
Omério Cavalcante de Lima (Prefeitura de Uiramutã/RR)
INDICADORES CULTURAIS MUNICIPAIS A PARTIR DOS GASTOS PÚBLICOS
Tiago Costa Martins (UNIPAMPA e OMiCult)
Caroline Fernandes da Silva (OMiCult)
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das Comunicações
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM REDE NA POLÍTICA CULTURAL DO DISTRITO FEDERAL:
O CASO DO FÓRUM DE CULTURA
Leandro Antônio Grass Peixoto (UnB)
Mayara Souza dos Reis (UnB)
Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi (UnB)
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA ÁREA DA DANÇA: UMA ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA
CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA
Marcella Souza Carvalho (CNPC/MinC)
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das Comunicações
O EDITAL NA POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Cleide Vilela (CEAM/UnB)
Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi (CEAM/UnB)
EDITAL CARMEN SANTOS: POLÍTICA PÚBLICA E O CINEMA DE MULHERES
Lina Távora (SAV/MinC)
PRESTANDO CONTAS À SOCIEDADE: 10 ANOS DOS EDITAIS DE FOMENTO ÀS ARTES CÊNICAS
DA FUNARTE
Marcelo Gruman (Funarte)
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das Comunicações
O SURGIMENTO DOS CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO UNIVERSITÁRIOS E SUA RELAÇÃO COM A
PNC DE 1975
Marcia Teixeira Cavalcanti (Instituto de Engenharia Nuclear - IEN)
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das Comunicações
DESAFIOS E ESPECIFICIDADES NA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA CULTURAL DO MUNICIPIO DE
ALTO ALEGRE/RORAIMA
Leila Adriana Baptaglin (UFRR)
Chloé Virginie Marie Bourgy Noleto (Inst. Boa Vista de Música)
Edgar Jesus Figueira Borges (UFRR)
O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL PÓS-1988: AS
ARQUITETURAS DO SISTEMA NACIONAL DE CULTURA E DO ICMS CULTURAL
Rafael Luiz de Aquino (PUC-MG)
DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS PARA O MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ/RS
Simone Luz Ferreira Constante (Cons. Municipal de Política Cultural de Gravataí/RS)
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das Comunicações
REDE WEB DE MUSEUS: ACESSO AOS ACERVOS MUSEOLÓGICOS DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO
Carlos Henrique Marcondes (UFF)
Elenora Nobre Machado (Sec. de Est. de Cultura do Rio de Janeiro)
Éricka Madeira (Sec. de Est. de Cultura do Rio de Janeiro)
UM MUSEU NA CONTEMPORANEIDADE: O CASO DO MUSEU DAS COISAS BANAIS
NO INSTAGRAM
Juliane Conceição Primon Serres (UFPEL)
Ana Ramos Rodrigues (UFRGS)
Rafael Teixeira Chaves (UFPEL)
“DESMATERIALIZAÇÃO” E DÉFICIT DE ATENÇÃO NA CULTURA ATUAL
Nina Reis Saroldi (UNIRIO)
Andreia Ribeiro Ayres (UNIRIO)
ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS PARA JOGOS DIGITAIS NO BRASIL
Pedro Santoro Zambon (UNESP)
Juliano Maurício de Carvalho (UNESP)
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das Comunicações
POLITICAS CULTURAIS NAS SOCIEDADES MODERNAS: UM ESTUDO SOBRE O PAC
CIDADES HISTÓRICAS NA PERSPECTIVA DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL EDIFICADO
Welyza Carla da Anunciação Silva (UFMA)
Sarany Rodrigues da Costa (UFMA)
Kláutnys Dellene Guedes Cutrim (UFMA)
20 de maio
sexta-feira
8h – 10h30 | Comunicações
Auditório - Políticas de Financiamento: Patrocínio e Incentivo Fiscal
NOTAS SOBRE O FINANCIAMENTO À MÚSICA ATRAVÉS DA LEI ROUANET:
UMA POLÍTICA DA OFERTA
Daniela Ribas Ghezzi (CPF-SESC SP)
SOCIOLOGIA DA DIVERSIDADE E DESAFIOS DO PATROCÍNIO À CULTURA
NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Francis Miszputen (UCAM)
PROJETOS CULTURAIS DE EMPRESAS SUSTENTÁVEIS E AS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA
NO BRASIL
Mariana de Barros Souza (FEA-RP/USP)
Adriana Cristina Ferreira Caldana (FEA-RP/USP)
Lara Bartocci Liboni (FEA-RP/USP)
RENÚNCIA FISCAL PARA A CULTURA: UMA OUTRA VISÃO POSSÍVEL
Ulisses Quadros de Moraes (UNESPAR)
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das Comunicações
ANÁLISIS FESTIVAL ESTÉREO PICNIC: CRECIMIENTO DE LOS FESTIVALES Y LA OFERTA
MUSICAL EN COLOMBIA (2010-2015)
Daniela Herrera Dimaté (Museu de Artes Gráficas – Imprensa Nacional de Colômbia)
A ECONOMIA CRIATIVA NO CONTEXTO BRASILEIRO E POLITICAS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL: UMA DISCUSSÃO EM ABERTO
Andreza Barreto Leitão (UENF)
Marcelo Carlos Gantos (UENF)
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das Comunicações
POLÍTICAS CULTURAIS NA AMÉRICA LATINA: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL
Renata Rocha (UFBA)
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das Comunicações
UMA POLITICA CULTURAL PARA O DESIGN
Cristina Portugal (PUC-RJ)
Eliane Jordy (PUC-RJ)
Juan Carlos Arañó (Universidade de Sevilha)
ARTE E CRIAÇÃO NA ECONOMIA DOS BENS ABUNDANTES
Sharine Machado Cabral Melo (FUNARTE)
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das Comunicações
JAPARATUBA EM REDE: A EXPERIÊNCIA DE UMA METODOLOGIA PARA A EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL DE JOVENS AGENTES CULTURAIS
Marcelo Rangel (Inst. Banese/Museu da Gente Sergipana)
Bruna Távora (UFS)
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das Comunicações
Sala de cursos - Financiamento à cultura e acesso
A PERCEPÇÃO DE TRABALHADORES ITAJAIENSES SOBRE O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO
PROGRAMA DE CULTURA DO TRABALHADOR
Ana Clara Ferreira Marques (UNIVALI)
Maria Glória Dittrich (UNIVALI)
LEI MUNICIPAL MURILO MENDES: O MODELO PRECURSOR DE INCENTIVO À CULTURA DE JUIZ
DE FORA –MG
Fernanda Amaral de Almeida (FUNALFA/Prefeitura de Juiz de Fora/MG)
UMA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA VALE CULTURA
Victor Hugo Barreto de Sena Sampaio (UnB)
Nestes anais estão contidos todos os artigos que foram apresentados oralmente
pelos seus autores durante as comunicações do
VII Seminário Internacional de Políticas Culturais.
Foram excluídos os trabalhos cujos autores não compareceram.
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87 Alênio Carlos Noronha Alencar, Aline Silva Lima e Daniel Ribeiro Paes de Castro
METODOLOGIAS DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DAS AÇÕES CULTURAIS DA SECRETARIA
MUNICIPAL DA CULTURA DE FORTALEZA
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377 Carla Cristina Rosa de Almeida, João Policarpo Rodrigues Lima e Maria Fernanda
Gatto Padilha
CULTURA E DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES. POLÍTICAS CULTURAIS PARA QUEM?
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533 Claudia Feierabend Baeta Leal, Luciano de Souza e Silva e Mônica Castro de Oliveira
MODOS DE VIDA, REFERÊNCIA CULTURAL E AMBIENTE: NARRATIVAS PARA POLÍTICAS PÚBLICAS
DE PATRIMÔNIO
560 Claudia Sousa Leitão, Luciana Lima Guilherme e Raquel Viana Gondim
FORTALEZA DA DESIGUALDADE E DA CRIATIVIDADE: REFLEXÕES SOBRE AS CIDADES NO
SÉCULO XXI
676 Dayana Soares Araújo Paes, Lindinaia Perereira Melquior e Omério Cavalcante de lima
DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DA CULTURA E POLÍTICA CULTURAL DO MUNICÍPIO
DE UIRAMUTÃ – RR
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736 Erivan da Silva Dantas Filho, Allana Pessanha de Moraes e Martha Maria
Gonzaléz García
INDICADORES CULTURAIS E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: UMA ABORDAGEM CENTRADA NA
EXPERIÊNCIA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES
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949 Irmina Anna Walczak, Frederico Augusto Barbosa da Silva e Juliana Veloso Sá
PORQUE A CULTURA É UMA POLÍTICA SETORIAL?
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1101 Juliane Conceição Primon Serres, Ana Ramos Rodrigues e Rafael Teixeira Chaves
UM MUSEU NA CONTEMPORANEIDADE: O CASO DO MUSEU DAS COISAS BANAIS NO INSTAGRAM
1148 Kátia Macabu de Sousa Soares, Denise Cunha TavaresTerra e Lia Calabre de Azevedo
CAMPOS DOS GOYTACAZES NO PALCO DA CULTURA: 2005 A 2014
1161 Leandro Antônio Grass Peixoto, Mayara Souza dos Reis e Maria de Fátima
Rodrigues Makiuchi
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM REDE NA POLÍTICA CULTURAL DO DISTRITO FEDERAL: O CASO DO
FÓRUM DE CULTURA
1210 Leila Adriana Baptaglin, Chloé Virginie Marie Bourgy Noleto e Edgar Jesus
Figueira Borges
DESAFIOS E ESPECIFICIDADES NA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA CULTURAL DO MUNICIPIO DE
ALTO ALEGRE/RORAIMA
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1445 Marco Antônio de Almeida, Héctor René Mena Méndez e Ieda Pelógia Martins Damian
PERSPECTIVAS PARA AS UNIDADES DE CULTURA E INFORMAÇÃO
1487 Marian Helen da Silva Gomes Rodrigues e Pedro Diniz Coelho de Souza
O ENSINO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A INTERFACE COM AS POLÍTICAS PÚBICAS NO BRASIL:
UM DEBATE EM CONSTRUÇÃO.
1499 Mariana de Barros Souza, Adriana Cristina Ferreira Caldana e Lara Bartocci Liboni
PROJETOS CULTURAIS DE EMPRESAS SUSTENTÁVEIS E AS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA
NO BRASIL
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2099 Vilso Junior Santi, Leila Adriana Baptaglin e Francilene Cardoso da Silva
DIAGNÓSTICO RÁPIDO DA SITUAÇÃO DA CULTURA NO MUNICÍPIO DE CARACARAÍ – RR
2111 Welyza Carla da Anunciação Silva, Sarany Rodrigues da Costa e Kláutnys Dellene
Guedes Cutrim
POLITICAS CULTURAIS NAS SOCIEDADES MODERNAS: UM ESTUDO SOBRE O PAC CIDADES
HISTÓRICAS NA PERSPECTIVA DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO
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RESUMO: Este artigo deseja fazer uma reflexão acerca do campo das políticas públicas para
exibição cinematográfica, através do diálogo com autores como Marilena Chauí, Celso Furtado,
Durval Muniz Albuquerque Jr., Nestor Garcia-Canclini, Ana Rosas Montecón e Antonio Grams-
ci. A partir das discussões teóricas pretende-se produzir uma análise do caso da Rede Cine Ca-
rioca, rede de cinemas que conta com dois complexos na cidade do Rio de Janeiro, de iniciativa
da RioFilme, empresa pública da prefeitura carioca.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende fazer uma discussão sobre a questão das políticas públicas
para a exibição cinematográfica na cidade do Rio de Janeiro, estudando o caso da Rede Cine
Carioca, rede de cinemas de iniciativa da RioFilme. Em um primeiro momento é necessário
discutir os conceitos e pressupostos do campo das políticas culturais e a relação Estado e so-
ciedade civil. Em seguida faz-se um breve histórico da formação da Rede Cine Carioca e da
atuação da RioFilme e de outros atores no processo e trabalha-se com a questão da pacificação
como política de segurança nas áreas estudadas. Por fim deseja-se fazer uma análise do funcio-
namento da política do Cine Carioca Nova Brasília, o primeiro complexo da rede, destacando
sua programação, a formação de plateias e a relação da comunidade do entorno com a iniciativa.
Esta análise segue um método que, de acordo com a reflexão da autora Elizabeth Ponte, não
seja apenas comparativo, mas “(...) uma avaliação com foco nas fragilidades e nos riscos versus
vantagens e benefícios trazidos para a gestão da atividade cultural na esfera pública.” (PONTE,
2012, p. 120-121).
1
Graduado em Cinema e Audiovisual, Mestre em Comunicação e doutorando em Comunicação na Universidade
Federal Fluminense. Email: adillepri@gmail.com
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2
“Domination consists in institutional conditions which inhibit or prevent people from participation in decisions
and processes that determine their actions and the conditions of their actions. The aspect of social justice that dom-
ination denies is self-determination. Oppression, the second aspect of injustice, consists in systematic institutional
processes which prevent some people from learning and using satisfying or expansive skills in socially recognized
settings, or which inhibit people’s ability to play and communicate with others or to express their feelings and
perspective on social life in contexts where others can listen. The aspect of social justice that oppression denies is
self-development.”
3
“Public organizing and engagement, then, can be thought of as processes by which the society communicates
to itself about its needs, problems, and creative ideas for how to solve them. The democratic legitimacy of public
policy, moreover, depends partly on the state institutions being sensitive to that communication process.”
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O bem coletivo não é tanto o bem cultural em si quanto o conjunto das normas
e valores, o capital de valores estéticos comuns que rege o reconhecimento
do caráter cultural do bem. É assim que se pode interpretar o financiamento
indireto da informação via televisão pública, via recompensas oficiais etc.
(ibidem, p. 155)
Celso Furtado, em sua coleção de textos “Ensaios sobre a cultura e o Ministério da
Cultura” (2012), partilha dessa visão, chamando atenção para o fato da cultura não estar sob a
análise econômica tradicional pois é preciso olhar para a
(...) especificidade do fenômeno cultural, cuja dimensão qualitativa é deter-
minante. As técnicas correntes de análise a ele não se aplicam, pois, graças
a fenômenos de sinergia, o todo quase sempre supera a adição das partes.
(FURTADO, 2012, p. 65)
Nesse sentido consumo cultural e de aplicação das políticas culturais, está ligado a um
sistema onde as partes e o todo têm relação complexa e múltipla. Celso Furtado então, esclarece
a discussão, quando propõe a questão: “que somos?”, sustentando que
É dessa interrogação que se deve partir para formular uma política cultural,
que outra coisa não é senão um estímulo organizado a formas de criatividade
que enriquecem a vida dos membros da coletividade. (FURTADO, 2012, p.41)
As reflexões do marxista italiano Antonio Gramsci acerca da teoria do Estado são impor-
tantes para a discussão, acreditando que as questões sobre a superestrutura e a organização do
Estado no conceito marxista tem muito a contribuir para nossa reflexão. Na concepção grams-
ciana, que constrói e amplia as noções já estabelecidas anteriormente no marxismo:
(...) o Estado em sentido amplo, “com novas determinações”, comporta duas
esferas principais: a sociedade política ( que Gramsci também chama de “Es-
tado em sentido estrito” ou de “Estado-coerção”), que é formada pelo conjunto
dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal
da repressão e da violência (...) e a sociedade civil, formada precisamente pelo
conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideo-
logias, compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os
sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (re-
vistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa), etc. (COUTINHO,
1989, p. 76-77)
Então o Estado é sociedade civil e sociedade política, é o conjunto das forças sociais que
atuam na disputa da hegemonia. O Estado em sentido estrito, para o autor, compreende os apare-
lhos repressivos do Estado (o poder de polícia, a burocracia executiva). Já os aparelhos privados
de hegemonia, que são instituições da sociedade civil, fazem parte da noção de Estado ampliado
defendida pelo autor. (COUTINHO, 1989).
Para detalhar as concepções de política cultural é preciso recorrer à Marilena Chauí
(2006), que diz que as políticas culturais podem ser pensadas, historicamente, em três concep-
ções no que se refere ao papel do Estado: a do poder público como produtor e agente cultural
que reforça e legitima sua ideologia através da cultura, central no Estado Novo e na ditadura ci-
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vil-militar inaugurada no golpe de 1964. Outra, categorizada por ela como populista e forte nos
anos 1950 e 60, que vê o papel estatal como pedagógico, que apropria-se da “cultura popular”
com intuito de educar as massas. Por fim, a concepção de tradição neoliberal, que se estabelece a
partir do final dos anos 1980 e coloca o Estado como serviçal da indústria e do mercado cultural
através principalmente do mecenato e incentivos fiscais. (CHAUÍ, 2006, p. 67-68). Contrarian-
do as três vertentes apresentadas, a autora lida com a cultura como um conceito amplo, para
além das belas artes, ou do folclore (ibidem, p. 68), e apontando, para nortear o papel estatal,
o conceito de Cidadania Cultural: “(...) a cultura como direito dos cidadãos, sem confundi-los
com as figuras do consumidor e do contribuinte” (ibidem, p. 69). Para Celso Furtado, essa noção
compreende um campo complexo de relações:
Não se trata de adotar uma visão antropológica e submergir no conceito de que
cultural é tudo que resulta da ação do homem sobre a natureza. Nossa preo-
cupação é com a dimensão espiritual, em sentido lato, dessa ação, a qual não
deve ser dividida em esferas autônomas, e sim observada em suas múltiplas
dimensões. (FURTADO, 2012, p. 94)
Durval Muniz de Albuquerque Jr. em seu artigo “Gestão ou gestação pública da Cultura:
algumas reflexões sobre o papel do Estado na produção cultural contemporânea” (2007) detalha
essa camada espiritual, e sua complexa relação com o Estado por conta da sua própria constitui-
ção plural, da seguinte forma:
(...) cultura no fundo não existe, existem trajetórias culturais, fluxos culturais,
que só se tornam culturas quando sedentarizados, territorializados, domados,
mas que nunca deixam de trazer em si o potencial de desterritorialização, no-
madismo, rebeldia, por isso sempre será difícil, embora desafiadora, a relação
entre Estado, como agente da territorialização, da sedentarização, da domesti-
ficação das pessoas e coisas, e as matérias e formas de expressão culturais, que
ameaçam sempre escaparem de seus dedos, de seus controles e que, por outro
lado, podem, uma vez apoiadas na máquina do Estado, adquirir novos poten-
ciais desafiadores. (ALBUQUERQUE JR. In RUBIM, 2007, p. 78)
Por fim, deve se notar o fato das políticas culturais terem sido em grande parte, até re-
centemente, em sua maioria ligadas ao financiamento da produção e das artes “cultas”. Para Ana
Rosas Montecón
As políticas culturais no século XX se acostumaram a pensar mais na criação
que na recepção, mais nos criadores do que no público, mais na produção
que na distribuição, mais na arte do que na comunicação.4 (MONTECÓN,
2009, p. 95)
As políticas empreendidas pelo Estado no campo do cinema e do audiovisual historica-
mente, focam no fomento à produção, mesmo havendo episódios de políticas voltadas para outros
4
“Las políticas culturales en el siglo XX se acostumbraron a pensar más en la creación que en la recepción, más en
los creadores que en el público, más en la producción que en la distribución, más en el arte que en la comunicación.”
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elos da cadeia produtiva do audiovisual. Porém, políticas que visam a circulação das obras são
ainda minoria dentro das iniciativas do Estado para o setor.
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Por fim, entre esses arranjos político-institucionais se apresenta uma demanda dos morado-
res do entorno da antiga Praça do Terço na Nova Brasília, detalhada pelo gerente do Cine Carioca,
Wellington Cardoso:
O que eu fiquei sabendo é que na década de 1970 tinham apresentações de
filmes, tipo filme na praça, aí mediante a essa tese surgiu a ideia de fazer um
cinema fixo. A secretaria de habitação ficou sabendo dessa história e comentou
com a Riofilmes [sic] e a Riofilmes comprou a ideia, a secretaria de habitação
fez o prédio, passou a administração pra Riofilmes que passou a administração
pra uma empresa privada pra tá administrando o cinema, a parte operacional.
(CARDOSO, 2015)
Existe uma ampla articulação de fatores para a instalação do cinema naquele local. O
que se destaca, no entanto, é a demanda da sociedade civil que surge em momento oportuno e se
concretiza. Os dois complexos da Rede Cine Carioca seguem o mesmo modelo de gestão, que
é o da licitação destes espaços, que permanecem de posse da prefeitura, mas são operados por
empresas privadas. No caso do Nova Brasília especificamente, a empresa Cine Magic (agora
com nome modificado para Planet Cinemas) recebe um subsídio mensal da RioFilme a fim de
manter o preço do ingresso abaixo da média. Mas também, segundo a gestora Walerie Gondim
“o subsídio é pro ingresso e para as despesas administrativas, pagamento de pessoal.” (GON-
DIM, 2015). O Imperator tem sua operação a cargo do Grupo Severiano Ribeiro (GSR), que não
recebe subsídios e tem liberdade sobre o preço do ingresso.
Este modelo é ao mesmo tempo uma vantagem e um risco, pois simplifica a gestão para
o Estado fazendo a parceria com a empresa privada, mas delega a gestão de um espaço públi-
co a uma instituição privada com fins lucrativos. O Cine Carioca Méier é o espaço que mais se
aproxima de uma concepção para o mercado de fato, a partir do número de salas e quantidade de
assentos, possui verdadeiramente viabilidade econômica. Com a programação delegada ao GSR
aquele complexo é praticamente idêntico a outras salas do grupo fora de espaços da prefeitura.
Nesse sentido, o simples fato de se inserir em um local de conflito e de baixo poder aquisitivo dá
condições para o cinema praticar preços mais próximos à média nacional. O Cine Carioca Nova
Brasília foi durante anos, segundo a RioFilme, a sala com maior taxa de ocupação da cidade, de
52%, o dobro da média de 25%.5 Ela precisa ser problematizada no entanto, por conta de possuir
apenas 90 assentos.
Sobre este cinema precisamos pontuar algumas questões que chamam a atenção, parti-
culares da comunidade onde ele se insere. A começar por sua repercussão na imprensa local e
pelas formas diversas de divulgação de programação, nas palavras de Cardoso: “Temos a rádio,
temos um carro de som, temos a página do Facebook e também grupos no WhatsApp do jornal
“A Voz da Comunidade” que a gente divulga lá a programação.” (CARDOSO, 2015). Fica claro
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também que a relação da comunidade com a política da Rede Cine Carioca é mais complexa do
que os a ocupação da sala, ou a análise da programação e modelo de gestão pode esclarecer. É
uma relação íntima, um claro benefício da política como destaca Cardoso.
Então, é uma situação pra dentro do Complexo do Alemão pros moradores é
maravilhosa né, o cinema ele faz parte da sua casa, é mais um cômodo. Você
ter uma sala de cinema dentro da sua casa, uma de estar né, vamos dizer assim,
uma sala de vídeo. Tivemos duas vezes a maior bilheteria do país [sic] a maior
taxa de ocupação do país, aliás, duas vezes foi a maior taxa de ocupação da
América latina e várias vezes a maior taxa de ocupação do Brasil. Hoje, com a
violência que tá acontecendo a gente perdeu um pouco isso, mas a gente acre-
dita sempre numa melhora, é isso que nos mantém de pé. (CARDOSO, 2015)
Em termos de categoria de política cultural o Cine Carioca está de alguma forma inserido
na concepção neoliberal definida por Chauí, mesmo seja uma ação de governo com intuito de
estabelecer um equipamento cultural em um território onde não seria possível sua existência
através do mercado.
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Os autores trazem o depoimento de uma jovem moradora, Helena de 16 anos, que serve
de exemplo:
(...) Aí to eu descendo com o telefone falando com meu namorado, aí o cara
[policial] pegou no meu braço: “Espera aqui”. Aí eu: “Que que foi?” ...o poli-
cial: “abre essa carteira aí”...“ta indo pra onde?”, gritando. Aí eu: “To saindo.”.
Aí ele: “Tá saindo da favela por quê?” e segurando no meu braço... eu: “Tá
machucando, moço. Tá me machucando.” Aí ele: “Abre essa carteira aí.”. Aí
eu abri a carteira, aí fui, mostrei meus documentos. Ele olhou, tal, tava com
a minha certidão, original da minha identidade e, se eu não me engano, com
comprovante de residência. Aí ele: “Ta saindo da favela com todos os teus
documentos?”. Aí eu: “Tem algum problema?”. [Ele diz:] “Não responde a
autoridade!”. Aí eu: “Tá bom” (...) aí a policial falou: “libera ela,”. Aí ele me
liberou (...). (ibidem)
Mesmo não discutindo o mérito da política da UPP do ponto de vista de assegurar di-
reitos dos moradores das comunidades, é possível perceber uma problemática que se apresenta
no fim de 2014 e principalmente nos primeiros meses de 2015. Com confrontos cada vez mais
constantes repercutindo na imprensa local6, percebe-se o Complexo do Alemão mais distante
de um possível deslocamento da fruição cultural para o espaço público e coletivo, com indícios
de diminuição da taxa de ocupação do Cine Carioca Nova Brasília em um momento onde o
público de cinema no Brasil cresce como um todo.7 Mesmo na fala dos gestores da RioFilme
com relação à formação de plateias com as escolas próximas é possível notar essa percepção:
No Cine Carioca Nova Brasília agora, tá sendo um pouco mais complicado por
conta disso [a violência], as escolas tão um pouco temerosas de levar as crian-
ças pro cinema e tal, um pouco com medo.” (GONDIM, 2015).
6
A onda de conflitos no Complexo do Alemão vem subindo a níveis parecidos com o momento anterior à ocupação
pelas forças de segurança desde 2014. Em notícias dos dias 11 de setembro de 2014 (disponível em: http://www.
vozdascomunidades.com.br/casos-de-policia/comandante-da-upp-nova-brasilia-morre-durante-confronto-no-
-complexo-do-alemao/acesso em 23/06/2015) em que se noticia a morte do comandante da UPP Nova Brasília em
confronto na localidade; no dia 07 de janeiro de 2015 (disponível em: http://www.vozdascomunidades.com.br/opi-
niao/complexo-do-alemao-tem-o-ano-de-2014-mais-violento-desde-a-ocupacao-de-2010/ acesso em 23/06/2015)
divulga-se notícia em que afirma-se que o ano de 2014 foi o mais violento desde a ocupação em que “cerca de 27
moradores foram baleados nas favelas do Alemão, dentre elas, treze ficaram feridas, atendidas em hospitais, pontos
médicos e liberadas em seguidas, e quatorze delas morreram.”; e notícia do dia 13 de abril de 2015 (disponível
em: http://www.vozdascomunidades.com.br/complexo-do-alemao/complexo-do-alemao-vive-a-cada-dia-a-espe-
ranca-de-nao-conviver-mais-ao-som-de-tiros/acesso em 23/06/2014) em que se dá nota para as diversas mortes
decorrentes de conflitos que “Em apenas 81 dias, o Complexo do Alemão já somava 28 feridos entre policiais e
moradores do conjunto de favelas. Destes, 18são moradores (7 mortos) e 11 são policiais(1morto).” Entre eles
Eduardo de Jesus, de apenas 10 anos, que foi baleado na porta de casa.
7
Segundo dados da própria RioFilme a taxa de ocupação do Cine Carioca Nova Brasília vem continuamente di-
minuindo, de 51% em 2011 (primeiro ano de funcionamento), para 35% em 2014. Com dados da BoxOffice Brasil/
Filme B de março a novembro de 2015 chegamos à conclusão de que, supondo que em um dia há no mínimo quatro
e no máximo cinco sessões, podemos afirmar que a taxa de ocupação de encontra no intervalo de 25,54% a 31,92%,
ou seja, mais uma vez diminuindo.
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Tradução livre de: “Ciertamente, atender las condiciones sociales de acceso y favorecer una distribución más
extendida de los bienes culturales –así como garantizar que no haya obstáculos económicos que impidan su disfru-
te– es uno de los primeros pasos que deben darse para democratizar su consumo.”
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(...) Para passar da camada primária dos sentidos que podemos discernir sobre
a base da nossa experiência existencial, precisamos contar com a competência
artística, um conjunto de códigos que nos permite decifrar e desfrutar as men-
sagens da obra e situar cada elemento no jogo das divisões e subdivisões de
gêneros, épocas, maneiras, autores, etc. (MONTECÓN, 2009, p. 97)9
A reflexão é bem precisa, porém decifrar o conjunto de códigos de uma obra de arte não
serve somente para percebê-la em suas questões intrínsecas, estéticas, mas para compreender
sua mensagem, o que está por trás do espetáculo. Celso Furtado faz uma reflexão interessante
sobre o fomento apenas ao consumo cultural:
A política cultural que se limita a facilitar o consumo de bens culturais tende a
ser inibitória de atividades criativas e a impor barreiras à inovação. Em nossa
época de intensa comercialização de todas as dimensões da vida social o obje-
tivo central de uma política cultural deveria ser a liberação das forças criativas
da sociedade. (...) Trata-se, em síntese, de defender a liberdade de criar, certa-
mente a mais vigiada e coatada de todas as formas de liberdade. Portanto, uma
verdadeira política cultural terá de ser conquistada e preservada pelo esforço e
vigilância daqueles que creem no gênio criativo de nossa cultura. (FURTADO,
2012, p. 41)
Assim, é importante lembrar Chauí e o cidadão que não deve ser confundido com o
contribuinte ou consumidor, mas sim como um ator cujo direito à cultura deve ser assegurado
a fim de realizar sua potencialidade estética, política e social. Nos termos de Iris Young (2000),
seu auto-desenvolvimento garantindo justiça e inclusão social. É fundamental quando se fala
de audiovisual, uma linguagem que está presente no dia a dia não só como arte, mas principal-
mente como modo de comunicação de notícias, visões de mundo, posições políticas. Há então
a possibilidade de avançar mais no ciclo de desenvolvimento da política, com atenção para a
formação de plateias.
(...) o projeto escola é uma contrapartida nossa, a gente também subsidia o
projeto mas tem que ter um projeto de formação de plateias lá. A gente fez
em 2012 um e agora a gente começou no ano passado e tá acontecendo ainda
esse ano. E esse ano a gente começou a fazer no Cine Carioca Meier, não tinha
acontecido até então, e também tá dando bastante resultado. (GONDIM, 2015)
Esta faceta do projeto é composta por sessões especiais para alunos da rede municipal (en-
sino fundamental apenas) e é feita de forma contínua somente no cinema da Nova Brasília, são:
(...) sessões em horários alternativos, são duas sessões por dia normalmente,
com os filmes da programação do cinema preferencialmente nacionais, mas a
gente não tem muita ingerência sobre isso, como eles já tem uma programação
9
Tradução livre de: “El problema con focalizarse exclusivamente en el acceso es que esto sólo ataca la primera
parte del problema, la del contacto con los bienes y ofertas culturales, que no es suficiente por sí solo para gene-
rar un aprovechamiento pleno de las potencialidades de la oferta ni para fundar una inclinación duradera hacia la
práctica cultural. (...) Para pasar de la capa primaria de los sentidos que podemos discernir sobre la base de nuestra
experiencia existencial, necesitamos contar con la competencia artística, un conjunto de códigos que nos permiten
descifrar y disfrutar los mensajes de la obra y situar cada elemento en el juego de las divisiones y subdivisiones de
géneros, épocas, maneras, autores, etc.”
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específica, mas filmes que correspondam a faixa etária das crianças, porque é
só pra escolas municipais. E aí o filme é exibido, o cinema dá pipoca e refri-
gerante pras (sic) crianças e depois o conteúdo do filme é trabalhado em sala
de aula. (ibidem)
Quando questionada sobre uma possível influência da comunidade ao redor sobre a pro-
gramação semanal do cinema Gondim responde:
Não, não existe, como o cinema é operado por uma empresa terceirizada – a
Cine Magic – eles, uma das exigências da licitação para essa empresa ocupar
o cinema era que a programação fosse comercial, porque tem um apelo mais
popular e etc. (ibidem)
Louback no entanto esclarece o processo decisório para esta exigência: “Nos primeiros
seis meses, trabalhamos com pesquisas de público constantes e a programação foi fundamen-
talmente pautada por elas.” (LOUBACK, 2015). Cardoso destaca também as preferências que
percebe no público, a relação com o filme dublado e a alta procura de comédias, principalmente
as brasileiras mais recentes.
(...) a gente na verdade já teve experiência com filme legendado e não é a cultu-
ra do lugar ver filme legendado. E a preferência é ver filmes infantis e filmes de
comedia. Um recorde de bilheteria lá é “De Pernas Pro Ar”, né, filme nacional,
então é muito maravilhoso. Filmes infantis blockbuster né, 3D, também são
sucesso. (CARDOSO, 2015)
Nesse, não é uma questão de proibir o último blockbuster de Hollywood, o audiovisual
ultrapassa e deve ultrapassar fronteiras, o que talvez deveria se procurar é uma equalização
dos produtos estrangeiros e nacionais, pensando também na aproximação de cinematografias
latino-americanas em lugar das já hegemônicas estadunidenses. Louback faz um apontamento
interessante em que identifica uma fragilidade na política e aponta um possível risco a se tomar
Em relação ao Cine Carioca Nova Brasília, especificamente, vejo o projeto
como uma iniciativa importante em relação ao acesso, contudo frágil enquanto
formação de público. E esses dois pontos acabam se encontrando: o fato da
sala contar hoje com uma programação exclusivamente “comercial” faz com
que, por um lado, se ofereça um cinema semelhante ao cinema do shopping;
contudo, por outro, não se oferece o cinema dito “de arte”, e este acaba sendo
exclusivo às áreas centrais. Quando falei das pesquisas de público, de fato elas
demonstravam forte demanda pela programação que se tem hoje nesta sala, in-
clusive com grande rejeição, por exemplo, a conteúdos legendados. No entan-
to, neste sentido, entendo que seja também papel da política pública estimular
o acesso da população a conteúdos de qualidade que não são promovidos pela
mídia e pelas grandes distribuidoras, insistindo numa formação cultural mais
ampla. (LOUBACK, 2015)
Então o papel de uma política cultural talvez seja aquele de desafiar os espectadores e
deixar correr suas potencialidades criativas:
Mas o essencial da atividade cultural está na criatividade, que se alimenta de
ruptura com o estabelecido. Neste caso, o papel do Estado tem de ser de outra
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A política do Cine Carioca na comunidade Nova Brasília já se torna uma ferramenta que
talvez possibilite uma agregação social dos moradores daquele território. Arrisca-se a apontar
essa potencialidade, mesmo que lenta e gradual, frente as questões de segurança pública en-
frentados ainda por aquela população. O Estado então, e os agentes da sociedade civil, têm um
grande desafio, “(...) que é o de gerir a diferença e conflito, a dissensão e a discórdia, sem querer
reduzi-los ou apagá-los, mas aceitá-los como índice de potência e de pujança.” (ALBUQUER-
QUE JR In RUBIM, 2007 p. 77). Nesse sentido, a política cultural pode ser mesmo o sustentá-
culo do desenvolvimento social
A política cultural consiste em um conjunto de medidas cujo objetivo central
é contribuir para que o desenvolvimento assegure a progressiva realização das
potencialidades dos membros da coletividade. Ela pressupõe um clima de li-
berdade e a existência e de um ação abrangente dos poderes públicos que dê
prioridade ao social. Essas são condições necessárias para que a atividade cul-
tural brote da própria sociedade, para que se manifeste e desabroche o gênio
criativo dos indivíduos. (FURTADO, 2012, p. 64)
Principalmente, no desencadeamento da categoria da inclusão social proposta por Young
de auto-desenvolvimento, potencialidade negada no processo de opressão e fundamental aos
seres humanos.
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YOUNG, Iris Marion. Inclusion and democracy. Oxford: Oxford University Press, 2000.
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1. INTRODUÇÃO
O campo da cultura movimenta gradativamente a economia brasileira e recebe
investimentos públicos para a construção e manutenção de equipamentos culturais (recursos físicos
e humanos) e para o fomento de atividades populares, eventos, gestão e proteção do patrimônio
cultural. Já os projetos culturais trabalham, basicamente, com financiamentos gerados por meio
de leis ou fundos de incentivo fiscal. Tais investimentos e incentivos são fomentados a partir de
três fontes distintas e complementares: as dotações orçamentárias à cultura (gastos públicos),
o investimento social privado (repasses voluntários de recursos) e o patrocínio empresarial.
1
Pedagoga, Especialista em Gestão do Desenvolvimento Local e Mestre em Fundamentos dos Processos Edu-
cativos. De 2010 a 2015 integrou o Banco de Pareceristas do Ministério da Cultura (MinC). Atualmente trabalha
como consultora em indicadores educacionais e culturais (PNUD/UNESCO), desenvolve pesquisas e análises
das políticas públicas culturais de base comunitária e é membro da Rede Casa Brasil Digital. Email: casa.brasil.
digital@gmail.com.
2
Produtor Cultural, músico e formando em Ciências Econômicas na Universidade Federal de Goiás. Desenvolve
pesquisa na área de Economia da Cultura: Análise do Mercado de Música Independente de Goiânia a partir das Leis
de Incentivo à Cultura. Email: lobo.guilhermee@gmail.com.
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Os planos, programas, ações e atividades propostas pelo estado são norteados por objetivos
específicos e devem gerar produtos concretos para a população. Sendo assim, a participação
social no acompanhamento das políticas de cultura promove a transparência das ações e dos
investimentos culturais e permite a interação do cidadão com o Estado (Cultura em números,
2010, pg. 33).
Este artigo propõe uma metodologia de monitoramento e avaliação de políticas públicas
a partir da classificação das estatísticas e cifras culturais em Goiás, com o objetivo de mensurar
o desenvolvimento cultural do setor no período compreendido entre 2012 e 2015.
Apresenta resultados parciais de uma pesquisa independente realizada por pesquisadores
vinculados à Rede de Diálogos Casa Brasil Digital (Goiânia). A rede promove a conexão de
grupos, produtores culturais e instituições formativas com o objetivo de desenvolver produtos,
serviços e processos formativos que possibilitem o desenvolvimento local sustentável. Para tanto
reúne profissionais que, a partir de uma estrutura de produção, realizam serviços e promovem
saberes culturais de forma colaborativa em nível local e regional.
2. METODOLOGIA
Adota-se como premissa a classificação e o cruzamento dos dados entre as bases dos
Sistemas de Informação Governamentais, delimitando o setor da cultura no Estado de Goiás. Em
relação à confiabilidade, os dados disponibilizados nas bases são de inteira responsabilidade dos
órgãos das quais são originadas. Observa-se que todas as análises realizadas a partir das bases
pressupõem a veracidade e confiabilidade das informações públicas. A metodologia da pesquisa
consiste na apropriação de dados abertos governamentais; na sua articulação e integração a
partir do cruzamento com outros dados de diferentes fontes; na sistematização e reutilização das
informações contextualizadas; e na disponibilização dos resultados por meio de visualizações
interessantes e esclarecedoras.
Os dados relativos à Gestão Pública da Cultura no estado de Goiás foram sistematizados
a fim de possibilitar a categorização dos indicadores de resultado das ações desenvolvidas e
sua interpretação adequada (foco no poder público). Na sequência o Financiamento da Cultura
em Goiás foi levantado de modo a observar a evolução da captação de recursos para projetos
culturais no estado. O produto gerado no formato de artigo traça um panorama do setor cultural
de Goiás por meio de representações gráficas.
Fontes de Dados: As fontes de dados utilizadas foram Sistemas de Informações
Governamentais que permitem filtros de cruzamentos de dados dos três âmbitos de governo –
federal, estadual e municipal. Para a dimensão da Gestão Pública da Cultura foi utilizada a base
de dados do IBGE, que permite o acompanhamento de informações relativas à oferta da cultura
e à gestão da Política de Cultura (Suplemento de cultura do perfil dos estados e municípios
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ano de 2015 (empenhados e liquidados pelo estado), mais de 85% não foram repassados para as
ações e projetos culturais. Em 15 de março de 2016 o governo do estado propôs o parcelamento
dos repasses remanescentes (24.5 milhões) em sete prestações consecutivas, pagas a partir de
março de 2016. Ainda assim, o governo do estado avalia positivamente o programa e apresenta
Relatórios de Consolidação das Ações formulados pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás.
Gráfico 4: Municípios com pontos de cultura, gestão da política de cultura; instâncias de participação;
além de existência e funcionamento de fundos de cultura (total de mun.: 246)
Fonte: plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014). Gráfico: elaboração própria.
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O Gráfico 4 demonstra o percentual dos 246 municípios goianos que possuem gestão,
promoção de políticas públicas de cultura e instâncias de participação popular .
Em relação à existência de equipamentos culturais, os dados revelam que o estado de
Goiás possui 269 Bibliotecas públicas, 404 Estádios ou ginásios poliesportivos, 68 Centros
culturais, 45 Museus, 37 Arquivos públicos e/ou centros de documentação, 39 Teatros ou salas
de espetáculos e 38 Centros de artesanato, sendo a grande maioria mantida pelos municípios.
No gráfico 5, a seguir, constata-se que a grande maioria dos municípios possui pelo menos
uma biblioteca pública e um teatro ou sala de espetáculos, enquanto os outros equipamentos
culturais estão presentes em menos de 30% dos municípios goianos.
Fonte: plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014). Gráfico: elaboração própria.
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Fonte: plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014). Gráfico: elaboração própria.
5. FINANCIAMENTO DA CULTURA
5.1 Modalidades de Financiamento
UNIÃO: Atualmente no Brasil o maior mecanismo para a realização de um projeto
cultural é o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), implementado pela Lei Rouanet
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(Lei 8.313/1991) a partir dos mecanismos: Fundo Nacional da Cultura (FNC) e Incentivo Fiscal.
Os projetos que buscam financiamento passam inicialmente por uma seleção do governo federal,
para então buscarem seus investidores.
ESTADO: O Governo de Goiás financia projetos culturais por meio dos mecanismos:
Fundo de Arte e Cultura de Goiás (FAC) e de renúncia fiscal do ICMS (Lei Goyazes). O Fundo
de Arte e Cultura de Goiás foi criado para incentivar e estimular as produções artístico-culturais
realizadas em Goiás, custeando projetos estritamente culturais de iniciativa de pessoas físicas
ou jurídicas de direito público ou privado, sem que o proponente precise buscar diretamente
patrocinador para os seus projetos. Na Lei Goyazes o produtor aprovado recebe uma carta de
crédito que o autoriza a buscar empresas interessadas em financiar seu projeto. O valor investido
pela empresa será descontado no ICMS pago ao governo. O programa é mantido pelo Governo
do Estado e gerido pela Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEDUCE). Os
projetos são avaliados e aprovados pelo Conselho Estadual de Cultura.
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Verifica-se que, nos anos de 2012 e 2013, os projetos apresentados no âmbito da renúncia
fiscal superam os montantes de projetos apresentados ao Fundo Nacional de Cultura e aos
Recursos do Tesouro. Já nos anos 2014 e 2015, os projetos apresentados visando captar recursos
via Fundo Nacional de Cultura superam os montantes de projetos apresentados para os outros
mecanismos. Esse resultado coincide cronologicamente com a proposta de redesenho do Programa
Cultura Viva do MinC3, que a partir de 2013 amplia a oferta de editais para implementação de
pontos de cultura e editais de prêmios para pessoas físicas que tenham vocação para formação e
implementação das redes articuladas aos pontões.
Relatório Redesenho do Programa Cultura Viva, GT Cultura Viva, Brasília, novembro de 2012.
3
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A partir da Tabela 2 é possível observar que dos 342 projetos de Goiás apresentados
entre 2012 e 2015 ao MinC, apenas 21,34% tiveram alguma captação de recursos. A soma do
volume de recursos aprovados ultrapassa os R$ 205,6 milhões, entretanto a soma do volume
de recursos captados não alcança nem 10% do valor aprovado. Estudos que tratam da relação
entre os incentivos fiscais e a gestão dos recursos públicos atribuem o cenário da baixa captação
de recursos ao fato de que a iniciativa privada passou a ser o principal agente de captação
de recursos do setor cultural. Outro ponto que deve ser destacado é a compreensão de que a
captação de recursos requer a atuação de profissionais capacitados e qualificados em cultura.
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Gráfico 10: Montante de projetos aprovados por segmento cultural, ano a ano:
A evolução ano a ano, dos projetos culturais é ilustrada no Gráfico 9. Já evolução dos
projetos aprovados por segmento cultural (Gráfico 10) revela que a maior parte dos recursos é
destinada aos segmentos da Música e das Artes Cênicas. Corroborando com esse resultado, o
estudo sobre a Cadeia Produtiva dos Festivais de Música Alternativa em Goiânia (LOBO, 2016)
indica que a área da música alternativa em Goiânia depende, em sua grande maioria, de recursos
públicos via mecanismos de incentivo oriundos de renúncia fiscal. Sendo assim, as verbas
de fomento à cultura destinadas à área musical deveriam alcançar todos os elos de sua cadeia
produtiva, gerando empregos, renda e impostos. Entretanto os resultados desse estudo revelam
uma contradição: a maior parte das bandas e artistas da música independente em Goiânia – não
consegue se manter com recursos advindos da comercialização de seus shows e merchandising.
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6. CONSIDERAÇÕES
Este artigo se propôs a traçar um panorama inicial sobre a realidade do campo da cultura
em Goiás, a fim de criar condições de possibilidade para a avaliação dos resultados de suas
políticas, programas e ações, buscando ampliar a participação social nos mecanismos de gestão
e potencializar a produção de indicadores e informações culturais de Goiás.
O acesso aberto aos dados governamentais permite o acompanhamento da distribuição
dos recursos e a verificação dos repasses. Entretanto a insuficiência de mecanismos específicos
de controle social interdita a efetiva participação da sociedade no planejamento e na seleção das
ações que serão beneficiadas. Tal síntese revela a necessidade de desenvolvimento de estratégias
de informação e intervenção, a exemplo dos sistemas de informação cultural disponíveis em
outros estados, que possibilitem o monitoramento e a garantia, para a população, de uma
prestação de serviços com eficiência.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2012, 2013, 2014; Disponível em: http://www.transparencia.goias.gov.br/pagina.php?id=18
GOVERNO DE GOIÁS - Programa de Ações Integradas de Desenvolvimento do PPA 2012-2015
Disponível em: http://www.transparencia.go.gov.br/index.php
IBGE. Perfil dos estados e dos municípios brasileiros : cultura : 2014 / IBGE, Coordenação de População
e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro : IBGE, 2015; Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/
visualizacao/livros/liv95013.pdf
LEI Nº 15.633, DE 30 DE MARÇO DE 2006. Dispõe sobre a criação do Fundo de Arte e Cultura
do Estado de Goiás-FUNDO CULTURAL e dá outras providências. Disponível em: http://www.
gabinetecivil.goias.gov.br/leis_ordinarias/2006/lei_15633.htm
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RESUMO: A partir das recentes políticas culturais voltadas aos povos indígenas e ao patrimônio
cultural, percebemos que a construção da casa tamiriki entre os Katxuyana materializa a
articulação entre diferentes agentes sociais. Se por um lado a construção desta casa resultou
do Prêmio Culturas Indígenas, por outro remete ao protagonismo dos próprios Katxuyana
na valorização de sua cultura. A reconstrução desta casa, por eles abandonada por décadas
enquanto viveram longe de seu território, funcionou como mediadora de seu patrimônio ao
acionar saberes tradicionais. Assim, esta análise se apoia em uma leitura contextualizada das
políticas culturais para os ameríndios ao considerar os avanços destas políticas articulados a
conceitos como a participação de “novos sujeitos de direito” e a dialogia indígena com o Estado,
aspectos importantes nesta reflexão.
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terra natal, no final dos anos de 1990, os Katxuyana têm se mobilizado para assegurar aos seus
descendentes o aprendizado do kwe’tohkumu (“nosso jeito de ser” katxuyana). Valorizar sua
própria cultura, neste caso, implica também no fortalecimento da figura do chefe da aldeia, o pata
yotono, e na retomada do modo de organização social em uma aldeia katxuyana. Para conseguir
apoio para a construção desta casa o grupo submeteu o projeto “Tamiriki: construindo uma casa e
reconstruindo uma cultura” ao edital Prêmio Culturas Indígenas (SESC-SP, 2008). Nesse sentido,
a reconstrução da tamiriki materializa esse exercício “patrimonial”, em grande medida favorecido
pelas recentes políticas culturais no Brasil e revela, ainda, a importância de um lugar construído
para a sociabilidade aldeã, sinalizando o protagonismo indígena nesse processo.
Sobre a formação do povo Katxuyana ver: Frikel (1970), Kruse (1955) e Grupioni (2010, 2011).
3
Sobre o processo migratório, ver: Frikel (1970) e Caixeta de Queiroz e Gonçalves Girardi (2012).
4
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5
O termo em katxuyana é pata yotono. Pata = lugar, aldeia, Yotono = dono, formando, então, dono do lugar, dono
da aldeia. O termo se refere muitas vezes àquele responsável pela abertura e instalação da aldeia que depois assume
a função de líder político do grupo e, em inúmeros casos, também líder religioso.
6
Como muitos adultos responsáveis pelo processo de regresso dos Katxuyana ao rio Cachorro nasceram no
Tumucumaque, eles conheciam as terras de seus ancestrais apenas por suas narrativas. Dessa forma, eles pediram
auxílio aos quilombolas moradores da comunidade de Cachoeira Porteira para localizar suas antigas aldeias. Neste
caso, negros e indígenas se reconhecem como parentes – sobre isso, ver: Girardi (2011). Depois da abertura da
aldeia Santidade, em 2003, alguns velhos nascidos lá, que a deixaram quando eram bem jovens para migrar para o
Tumucumaque, puderam então, regressar para Santidade. De volta à sua antiga aldeia, os velhos, incentivados por
alguns homens maduros, voltaram a falar sobre o “tempo dos antigos”, como dizem (RUSSI, 2014).
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A reflexão sobre o caso katxuyana levou em consideração o fato de que processos denominados
por Sahlins (1997a, 1997b) como “autoconsciência cultural” não ocorrem de forma isolada,
como iniciativa exclusiva de um grupo social.
Para entender o contexto sócio-histórico de ações, editais e prêmios promovidos pelo
governo brasileiro, em prol da valorização das tradições indígenas, é necessário compreender
seus vínculos com o que se denomina política indigenista. Apesar de essa expressão ser utilizada
como sinônimo de toda e qualquer ação política governamental voltada às populações indígenas,
existem diferentes agentes envolvidos nessa complexa tarefa. Inúmeros são os autores brasileiros
que se dedicam a analisar os percursos da política e legislação indigenista, bem como as ações
governamentais e de outros agentes na defesa dos índios, desde o período do Brasil Colonial
até a atualidade. Historicamente, missões religiosas, inicialmente católicas e depois também
protestantes se encarregavam do trabalho de assistência junto aos índios.
As bases da política indigenista no Brasil datam da primeira década do século XX com
a criação do então Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910, que tinha entre suas finalidades
proteger os índios. Entretanto, somente na Constituição de 1934 é que os direitos dos povos
indígenas foram tratados em texto constitucional, cabendo à União a responsabilidade pela
promoção da política indigenista. Indigenistas e antropólogos tiveram grande importância no
Brasil no que diz respeito à defesa dos povos indígenas e seus direitos, sobretudo a partir dos
anos 1950, quando se constituiu, por exemplo, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
Nesse processo, defensores dos direitos dos povos indígenas, como os antropólogos Darcy
Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira e muitos outros, cada qual à sua maneira, trilharam o que
ficou conhecido como uma antropologia militante, uma “antropologia da ação”7.
Durante a ditadura militar, o SPI foi extinto e em 1967 foi criada a Fundação Nacional
do Índio (Funai). Contudo, somente depois do processo de democratização do Estado brasileiro,
nos anos de 1980, é que houve ampla discussão da questão indígena pela sociedade civil e pelos
próprios índios que começaram a se conscientizar e organizar politicamente, participando cada
vez mais das discussões de seus interesses. Somam-se a eles, organizações não governamentais
(ONGs) e organizações religiosas. A Constituição de 1988 mudou concepções ideológicas
acerca dos povos indígenas e reconheceu a diversidade e especificidade dos milhares de índios
que ocupam o território nacional.
Segundo Oliveira (2002), a política indigenista no Brasil do século XXI sofreu mudanças
em razão da fragmentação do indigenismo estatal e sua disseminação por vários órgãos públicos,
ONGs e outras instituições. Conforme expõe o autor, o que marca o indigenismo atual é sua
pulverização e sua transformação em uma série de iniciativas semiautônomas. Simultaneamente,
7
Peirano (1999) faz uma interessante análise sobre a antropologia no Brasil e Abreu (2008) destaca a militância
dos antropólogos no Brasil, na chamada “antropologia da ação”.
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houve uma ascensão da autonomia indígena na forma de dialogia, forçada pelos próprios
índios sobre o Estado e a sociedade nacional e internacional, por meio de seu acesso à mídia,
entre outros canais de comunicação. Para Oliveira (2002, p.10 9-110), cada vez mais as ações
dos povos indígenas procuram estabelecer sua qualidade de “interlocutores indispensáveis à
formulação, gestão e avaliação das políticas públicas indigenistas.”
Contemporaneamente, se por um lado existe a política indigenista oficial (formulada
e executada pelo Estado), por outro, muitas ações vêm ocorrendo a partir de parcerias
estabelecidas entre setores governamentais, organizações indígenas, ONGs e missões religiosas.
Como consequência dessa longa e difícil luta em prol da causa indígena, uma série de políticas
públicas foram criadas com esse propósito. O Prêmio Culturas Indígenas é apenas um entre
inúmeros outros desdobramentos dessa trajetória. Processos como esse que vem ocorrendo entre
os Kaxuyana, não podem ser compreendidos como ação isolada desse contexto.
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do Brasil” (2003), abrangia propostas de políticas públicas voltadas à inclusão social. Além
disso, propunha “[...] a regionalização do planejamento das políticas públicas de cultura e a
reorganização do planejamento cultural, pela implantação de um Sistema Nacional de Política
Cultural [...].” (p. 228).
A novidade implementada decorreu de uma nova abordagem epistemológica para a área
da cultura que começou a ser interpretada em seu sentido antropológico. A defesa da importância
da diversidade cultural para a humanidade, discutida internacionalmente em convenções
e conferências, como as promovidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (Unesco), a partir dos anos de 1970 e 1980, parte do reconhecimento
da cultura como singular, dotada de estrutura própria e com valores únicos e insubstituíveis.
Certamente, as discussões internacionais tiveram eco no Brasil e o debate sobre os povos
indígenas e sua importante participação na formação da diversidade do povo brasileiro foi
reconhecido e, em 1988, ganhou contorno. Seus direitos e a forma de sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições foram assegurados. Dessa forma, os artigos 231 e 232 da
Constituição Federal de 1988 trazem um importante avanço nesse sentido. Da mesma maneira,
as discussões sobre o entendimento acerca do que se denomina “patrimônio cultural brasileiro”
também ganharam destaque na Carta Magna, nos artigos 215 e 216.
Assim, quase duas décadas depois da promulgação da Constituição, como bem analisou
Domingues (2010), balizado pelo reconhecimento da pluralidade cultural brasileira, o projeto
empreendido pelo MinC atribuiu ainda à cultura fator de inclusão social. Para tanto, um dos
papéis atribuídos à cultura recaiu sobre a redução das desigualdades, a superação de desníveis
sociais numa espécie de “do-in antropológico” que visava mobilizar e atender pontos vitais do
corpo cultural do país, tradicionalmente desprezados ou adormecidos.
Para viabilizar a implantação de formas de governo mais participativas, o MinC
organizou, em 2005, a I Conferência Nacional de Cultura. Lia Calabre (2010)8 esquematizou
dados das discussões sobre políticas culturais, voltadas ao patrimônio cultural, ocorridas durante
essa conferência. Entre os aspectos que a autora apontou, destacamos a necessidade, naquele
momento, da implementação de ações no campo da educação patrimonial. Além disso, a autora
sintetizou as propostas da área nos seguintes subeixos: educação patrimonial; identificação e
preservação do patrimônio; financiamento e gestão do patrimônio cultural. A proposta do subeixo
de identificação e preservação do patrimônio, com ênfase às ações de proteção e revitalização
8
Calabre (2010, p. 12) considera que na gestão pública brasileira de cultura a área de patrimônio possuiu melhor
conjunto de definições legais, longe do ideal. Historicamente, segundo a autora, no Brasil, desde início dos anos
1930, intelectuais atuaram junto ao governo de Getúlio Vargas para implementar uma legislação voltada à área de
preservação do patrimônio nacional. O decreto-lei nº 25, de 30/11/1937, bem como as ações que então visavam à
proteção de um patrimônio material, especialmente o edificado, ficaram conhecidos na literatura como de “pedra
e cal”.
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merece destaque, pois se destina a apoiar iniciativas de resgate de tradições locais, um dos
objetivos do Prêmio Culturas Indígenas.
Para atender ao modelo de ruptura na política cultural foi fundamental alterar o próprio
organograma do MinC, criando diretorias e secretarias setoriais, como por exemplo a Secretaria
de Identidade e Diversidade Cultural (SID), que entre os anos de 2011 e 2012 foi fundida
com a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC), criando-se a Secretaria da Cidadania e da
Diversidade Cultural (SCDC). Ainda no âmbito da SID, foram constituídos grupos de trabalho
que tinham como incumbência, entre outras, o diagnóstico de demandas específicas. Assim, o
Prêmio Culturas Indígenas, idealizado para ser concedido anualmente, resultou de propostas
identificadas pelo Grupo de Trabalho para as Culturas Indígenas9.
A concepção do prêmio, em 2006, foi uma das estratégias criadas para inserir pela primeira
vez na política pública de cultura uma ação voltada à preservação das culturas indígenas. O
prêmio tem sido viabilizado com recursos da Petrobras, através da Lei de Incentivo à Cultura
(Lei Rouanet) e recebe apoio de inúmeros parceiros. O Prêmio Culturas Indígenas estimula a
rede de saberes e práticas culturais dos indígenas e suas comunidades, dando visibilidade às
etnias indígenas do Brasil, reforçando a grande contribuição desses povos para o patrimônio
cultural. Os contemplados dos editais do prêmio têm seus projetos financiados e apoiados
institucionalmente pelo MinC.
Estes são alguns objetivos do prêmio: valorizar iniciativas culturais dos povos
indígenas; fortalecer expressões culturais e a identidade cultural como forma de contribuir
para a continuidade de suas tradições; promover intercâmbio com as culturas não indígenas
numa perspectiva indígena; estimular a participação efetiva dos indígenas na elaboração e
desenvolvimento de projetos e ações. Dessa maneira, no âmbito desse prêmio, bem como de
muitas outras ações que acontecem no Brasil, o protagonismo dos sujeitos envolvidos tem sido
cada vez mais enfatizado. Nesse sentido, convém salientar que mesmo que tenham recebido
acompanhamento de uma antropóloga, a concepção do projeto da tamiriki apenas explicitou um
desejo latente dos Katxuyana.
Num reconhecimento da importância do trabalho empreendido por diferentes lideranças
indígenas, cada edição do prêmio fez uma homenagem. Até 2013 foram realizadas quatro
edições, com as seguintes denominações e datas: 1a edição: Angelo Cretã (2006); 2ª edição:
Xicão Xucuru (2007 –edição em que o projeto da tamiriki dos Kaxuyana foi contemplado);
3a edição: Marçal Tupã (2010 – com formato distinto das anteriores, pois premiou projetos
selecionados, mas não contemplados na edição de 2007); e, por fim, a 4ª edição: Raoni Metuktire
(2012)10. No ano de 2015, o edital contemplou Pontos de Cultura, com 70 ações premiadas
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Timóteo Verá Popygua, Guarani, cacique da aldeia Tenonde Porã, coordenador geral da Articulação dos Povos
Indígenas do Sudeste (ARPIN-Sudeste).
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Conforme o PSCI (BRASIL, 2012), a cultura indígena poderá ser usada como discursivo
estratégico na luta por sua “sobrevivência cultural” e efetivação dos direitos indígenas. Os marcos
legais que constam no documento embasam a proteção, preservação e a promoção das culturas
indígenas em diferentes esferas administrativas com vistas a garantir os direitos culturais dos
povos indígenas.
A ênfase que se dá aos textos legais relativos à preservação da diversidade cultural
(quer sejam diretrizes nacionais ou internacionais) está voltada não mais a um contexto de
“multiculturalidade”, mas de “interculturalidade”12. Nessa perspectiva, a tônica deixou de ser a
da tolerância (que muitas vezes supunha distanciamento) e passou a ser aquela ancorada na ideia
de confluência, interação entre culturas diversas, que subentende a “incorporação recíproca e
convivência ativa”, sendo essa a ideia de “interculturalidade” presente no documento do PSCI.
Outros programas importantes do MinC foram analisados por outros autores como Rocha
(2014), que versa sobre o Programa Mais Cultura (2007), e Domingues (2010), que aborda o
Programa Cultura Viva (2004).
As proposições de políticas culturais voltadas à diversidade cultural evidenciam uma
ação política de incluir no formato de programas e/ou diretrizes o fato de que no Brasil existem
270 diferentes povos indígenas, falantes de 180 línguas. Isso por si permitirá pesquisas futuras
em diferentes perspectivas.
Se por um lado existe um esforço do governo em implementar políticas culturais voltadas
aos povos indígenas, por outro, há o incentivo, ou melhor, a prerrogativa de que o plano e suas
ações estejam calcados na intensa participação social dos povos indígenas.
A noção de “patrimônio” – termo ocidental empregado na antiguidade – vem da ideia de
“propriedade herdada” que de um âmbito privado assumiu significado público com a formação
das nações modernas. Segundo Abreu (2005, p. 39): “O tema do patrimônio emerge assim como
um lugar de construção de valores e, como tal, extremamente plástico e variável.” Entretanto,
Abreu (2012) tende a concluir que talvez inexista, entre os povos ameríndios, uma categoria
similar à noção de propriedade, tal como ela existe na sociedade ocidental e chama a atenção
para fato de que nas últimas décadas, diversos grupos sociais passaram a lidar com Projeto s
nos quais precisaram escrever e/ou descrever seus “patrimônios culturais”, fazendo lembrar a
reflexão de Sahlins (1997b, p. 127): “Por muito e muito tempo os seres humanos falaram cultura
sem falar em cultura – não era preciso sabê-lo, pois bastava vivê-la. E eis que de repente a
cultura se tornou um valor objetivado [...].”
Cabe salientar que alguns autores brasileiros, especialmente antropólogos e cientistas
sociais, vêm apontando, desde meados da década de 1980, as limitações do conceito de patrimônio
12
A proposição da “interculturalidade” segue o conceito do antropólogo Néstor García Canclini (2009), um dos
autores referenciados na elaboração do PSCI.
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circunscrito quase exclusivamente àquele voltado aos bens materiais, edificados. Muitas foram
também as críticas endereçadas às políticas públicas nacionais de preservação do patrimônio que
decorriam dessa conceituação. Assim, muitos trabalhos revelaram as necessárias mudanças no
campo do patrimônio, quer no âmbito teórico e conceitual, quer em suas implicações políticas
(VELHO, 1984; PELEGRINI, 2006; LIMA FILHO; BELTRÃO; ECKERT, 2007).
Se, por um lado, vemos os antropólogos entrarem nesse “cenário” (ABREU, 2005), por
outro é cada vez mais ativa a participação de novos grupos sociais, as “populações tradicionais”.
Abreu (2012) analisa os processos de patrimonialização ocorridos contemporaneamente em
um contexto ampliado. A autora observa que os inúmeros processos de patrimonialização
decorrem, em parte, dos efeitos das políticas internacionais e nacionais voltadas à preservação
da diversidade cultural. Para ela, ainda que os “processos de patrimonialização” sejam próprios
do Ocidente moderno, diferentes grupos sociais como aqueles das camadas populares e as
chamadas sociedades tradicionais começaram também a participar desses processos. Assim, em
suas palavras:
A nova configuração social e política que se produziu no Brasil no final
dos anos oitenta, e que se consolidou com a promulgação de uma nova
Constituição em 1988, afetou diversos campos, entre eles, o campo do
patrimônio, principalmente por tornar possível a entrada em cena de
novos sujeitos de direito coletivo, defendendo seus próprios interesses e
trazendo suas próprias demandas de patrimonialização e preservação de
suas tradições. (ABREU, 2012, p. 22).
Sobre o texto constitucional a autora apontou seu discurso fundador, desencadeador de
novas perspectivas para as identidades coletivas emergentes. Sua análise recai sobre os efeitos
que as recentes políticas preservacionistas têm surtido entre alguns grupos sociais. Abreu (2012)
também identificou a década de 1980 como o momento em que se começou a implantar uma
tendência daquilo que denominou como “patrimonialização das diferenças”.
Conforme Abreu (2012), atualmente, o campo do patrimônio é paradoxal – de um lado
um excesso de patrimonialização motivado pela política da patrimonialização das diferenças
para combater a homogeneização neoliberal e, de outro, o fortalecimento de ações de “distinção
patrimonial”, como selos de “patrimônio mundial” e outros. Outra consequência são as “falas”
nos processos de patrimonialização que não partem exclusivamente de sujeitos autorizados e
legitimados no aparelho do Estado. São “falas plurais tecidas em rede onde interagem diversos
agentes” (ABREU, 2012, p. 6). Para tanto, integrantes das sociedades tradicionais, como das
sociedades indígenas, “tiveram que se relacionar com a lógica da patrimonialização aprendendo
que manifestações culturais praticadas milenarmente pelo grupo poderiam ganhar novos
significados no contato com a sociedade nacional.” (ABREU, 2012, p. 6).
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De certa forma, o caso Katxuyana, a partir da tamiriki, ilustra a rede de agentes
envolvidos em ações de preservação da cultura indígena. Aqui, enfatizamos o contexto e as
políticas que favoreceram empreendimentos, como o observado entre os Katxuyana da aldeia
Santidade. O exemplo da reconstrução da casa tamiriki entre os Katxuyana corrobora aquilo que
Abreu (2012) apontara, ou seja, os Katxuyana tais quais inúmeros outros grupos das chamadas
culturas tradicionais, se apropriaram de aspectos da política pública voltada ao patrimônio para
conduzirem seu processo de valorização cultural, voltado ao seu kwe’tohkumu. Isso exemplifica
ainda uma “autoconsciência cultural” por parte dos Katxuyana.
Vale destacar, por fim, como os Katxuyana deram continuidade a esse projeto, ao
experimentarem, entre outras iniciativas, participar de um programa de extensão universitária
voltado à formação continuada de docentes, como professores/pesquisadores em etnoeducação.
Trata-se do Programa em Educação Patrimonial, promovido pela UFF, do qual participam de
forma direta o chefe da aldeia, na qualidade de professor em formação e os jovens da escola
do 2º segmento do ensino básico. Ao que parece, essa oportunidade tem possibilitado, em
certa medida, um espaço formal de experimentação e pesquisa “etnográfica” por parte desses
Katxuyana sobre seus saberes tradicionais.
Textos sobre essas experiências que começaram a acontecer em 2011, e mais
sistematicamente em 2012, foram produzidos em katxuyana e em português e publicados
em livro (RUSSI; ALVAREZ; MACIEL, 2012). Os jovens alunos e também Mauro Makaho,
professor e pata yotono da aldeia foram incentivados a registrar as etapas da pesquisa através
do uso dos recursos de novas mídias. Esse material é assistido e compartilhado também com
os demais moradores da aldeia. Talvez seja ainda muito cedo para comentar quais os possíveis
desdobramentos que o registro da memória e da cultura katxuyana poderá ter com o uso dessas
novas mídias e o que isso poderá trazer a esse grupo.
Contudo, diante de uma rede complexa de projetos e sujeitos, vimos e observamos, ao
longo de quatro anos, despontar o protagonismo dos Katxuyana. Por fim, é importante destacar
os desdobramentos das atuais políticas de cultura voltadas aos povos indígenas, bem como
o protagonismo Katxuyana em suas histórias. Eles interagem com as políticas públicas no
contexto de seus anseios e projetos. Como sujeitos de seus processos, os Katxuyana se apropriam
legitimamente dos instrumentos que têm à sua disposição, atuando assim, como agentes de sua
própria história.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VII Seminário Internacional
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Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
86
VII Seminário Internacional
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Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
1
Mestre em História Social - PUC/SP e Especialista em Gestão e Políticas Culturais – Observatório Itaú Cultural
e Universidade de Girona/Espanha. Trabalha atualmente na Assessoria de Planejamento da Secretaria de Cultura
de Fortaleza. E-mail: aleniocarlos@gmail.com
2
Graduada em Comunicação Social/Publicidade pela Faculdade 7 de Setembro. Trabalha atualmente na Assesso-
ria de Políticas Culturais da Secretaria de Cultura de Fortaleza. E-mail: alinelima.guara@gmail.com
3
Graduado em Ciências Sociais pela UFC e Mestrado em Sociologia pela UNB. Trabalha atualmente como Ge-
rente do Observatório da Governança Municipal do Instituto de Planejamento de Fortaleza / Prefeitura Municipal
de Fortaleza. E-mail: dandicastro@gmail.com
87
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1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas temos assistido em nosso país a um aumento considerável de debates
em torno da centralidade da cultura4 nas políticas públicas, nos diversos âmbitos (internacional5,
federal, estadual e municipal). Muitas dessas conquistas ganharam fôlego, principalmente, no
período de redemocratização, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, instituindo
a cultura6 como um direito fundamental, assim como educação, saúde, entre outros, apontando
a necessidade de elaboração de um Plano Nacional de Cultura (PNC), que se tornará um dos
principais instrumentos de governança. Com isso, têm-se estabelecido nas décadas seguintes
(1990 e 2000) uma discussão abrangendo vários segmentos sociais como gestores, empresários,
intelectuais, escolas, ONGs, dirigentes políticos, cientistas, sociedade civil, etc., sobre uma
consciência acerca da importância da cultura como vetor de transformação da sociedade, em
especial, na relação cultura e economia. Novos contextos, oportunidades de trabalho e agentes
culturais foram surgindo nas últimas décadas, mediante a oferta e demanda de emprego e
formação, citemos o gestor de patrimônio cultural que “han recibido el encargo de desarrollar
e institucionalizar estos nuevos servicios de la sociedade, como um anhelo a um reconoimiento
social de sua función”7. Um dos seus encargos é produzir sistemas integrados de conhecimento e
gestão, possibilitando balizar as políticas culturais pela regionalização/territorialização da cidade,
tendo como razão os planos municipais de cultura, numa busca constante de fortalecimento das
políticas de inclusão e maior participação popular.
4
Para Daniele Canedo, existe uma dificuldade para definir o que é cultura. Isso porque “a cultura evoca interesses
multidisciplinares, sendo estudada em áreas como sociologia, antropologia, história, comunicação, administração,
economia, entre outras. Em cada uma dessas áreas, é trabalhada a partir de distintos enfoques e usos”. In: CANE-
DO, DANIELE. “Cultura é o quê?” - Reflexões sobre o conceito de cultura e a atuação dos poderes públicos. Anais
do V ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador-Bahia: Faculdade de Comunica-
ção/UFBa, 2009, p.1.
5
Muito desse avanço se deve quando observamos da evolução histórica dos instrumentos de proteção dos Direi-
tos Humanos (Culturais) adotados pela ONU na década de 1960, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e Políticos (1966) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), percebemos, ao
longo do seu texto, um enfoque na cultura como direito básico. Não se trata de apontar uma origem desse avanço,
mas entender o seu processo de constituição, a partir de uma série de ações que ocorreram com a promulgação dos
Direitos Humanos, apropriados pelos movimentos sociais que passaram nas décadas seguintes, a lutar e exigir a
garantia, reconhecimento e proteção de suas manifestações culturais. Ver Declaração dos Direitos Humanos. Site:
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em 22/01/2016.
6
Adotaremos nesse trabalho o conceito de cultura definido pela UNESCO: “o conjunto dos traços distintivos, es-
pirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarca, para
além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as
tradições e as crenças”. In: UNESCO. Relatório Mundial da UNESCO. Investir na diversidade cultural e no diálogo
intercultural. 2009. p.4.
7
MARTINELL, Alfons. La gestión cultural: singularidad profesional y perspectivas de futuro (Recopilación de
textos). Cátedra UNESCO de Políticas Culturales y Cooperación. 2001, p.03.
88
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Citemos o caso dos Festejos Juninos de Fortaleza8, que a partir do ano de 2014 trouxe uma nova
proposta de “viabilizar a ampla participação de agentes culturais que se situem nos diversos territórios
da cidade, promovendo a descentralização territorial da gestão e das ações culturais do
município”9. O objetivo do evento foi selecionar projetos culturais10 que pudessem promover
a territorialização11 da festa, com uma programação diversificada que pudesse dar conta das
inúmeras ações que aconteciam ao longo do período e nos diferentes espaços da cidade. Contudo,
faltaram dados sobre os processos de criação, produção e difusão dessas expressões culturais
que pudessem subsidiar as políticas culturais, dificultando o desenvolvimento cultural e criativo
da festa.
Segundo o Plano da Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura, “a
produção de dados estatísticos acerca da economia criativa brasileira é escassa e, em geral,
os poucos estudos existentes adotam metodologias e categorizações absolutamente dispares”12,
prejudicando uma visão mais ampla dos impactos da área cultural nas políticas públicas. Os
Festejos Juninos de Fortaleza demonstram essa lacuna. Temos uma carência de dados em todos
os campos da produção, sejam econômicos (com exceção do investimento), sociais ou culturais.
As informações são coletadas no período da execução dos Editais, por meio dos documentos de
inscrição que não são, necessariamente, os instrumentos legais para construção de indicadores
culturais. Pouco se sabe do volume de riquezas que os Festejos Juninos produzem e movimentam,
o que impede “o desenvolvimento de análises aprofundadas quanto à natureza e ao impacto dos
setores criativos na economia brasileira”13. Dessa forma, entendemos que o (re)conhecimento
dos setores criativos traria a possibilidade de gerar transversalidade entre eles, como também
uma intersetorialidade entre os órgãos públicos gestores da festa.
8
É considerada uma das expressões culturais mais mobilizadoras da cidade de Fortaleza, que já tem uma longa
tradição e nos últimos anos vem modificando sua forma de atuação como política pública de cultura.
9
FORTALEZA. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Secretaria de Cultura de Fortaleza - SECULTFOR). EDITAL
Nº 02 / 2014 - Seleção Pública de Apoio aos Festejos Juninos de Fortaleza 2014. Fortaleza: Secretaria de Cultura
de Fortaleza, 2014, p.05.
10
Foram selecionados 70 (setenta) projetos, sendo 40 (quarenta) projetos de Grupos de Quadrilha Junina Adulta,
10 (dez) projetos de Grupos de Quadrilha Junina Infantil, 10 (dez) projetos de Festival Junino de Grande Porte e 10
(dez) projetos de Festival Junino de Médio Porte.
11
O significado de territorialização nesse caso se refere ao processo de descentralização das ações culturais da
Secretaria na cidade de Fortaleza, previsto no Plano Municipal de Cultura.
12
PLANO DA SECRETARIA DE ECONOMIA CRIATIVA: políticas, diretrizes e ações, 2011 – 2014. Brasília:
Ministério da Cultura, 2012, p.31.
13
Idem, p.36.
89
VII Seminário Internacional
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Como se modifica uma política cultural14 que garanta o amplo acesso da população aos
bens culturais? Podemos pensar na mudança se grande parte da sociedade não tem acesso às
informações sobre os indicadores culturais das ações promovidas pelos órgãos de gestão da cultura?
Muitos são as questões sem resposta, embora saibamos os caminhos para essa transformação.
Pretendemos ao longo deste texto discorrer sobre um dos principais instrumentos presentes
nos debates das políticas culturais, que são as metodologias e ferramentas de monitoramento e
avaliação das políticas culturais, compreendidos como “instrumento de gestão de médio e longo
prazo, no qual o Poder Público assume a responsabilidade de implantar políticas culturais de
Estado”15. Segundo Canclini, se “quisermos ser eficazes para reunir estatísticas culturais e situá-
las nas políticas de desenvolvimento nacional e continental teremos que considerar as novas
articulações entre economia e cultura”16. Dessa forma, a economia da cultura nasce com a difícil
tarefa de gerar essa articulação e balizar as políticas culturais, tanto pela diversidade cultural
como pela sustentabilidade, inovação e inclusão social. Mas como aferir as políticas públicas
de cultura? Para isso, fez-se necessário a criação de estrutura governamental, subsidiada por
instrumentos que possam monitorar e avaliar as políticas de cultura.
14
No que se refere as políticas culturais, escolhemos a definição de Nestor Canclinie, para fundamentar o texto:
“El conjunto de intervenciones realizadas por el estados, las instituiciones civiles y los grupos comunitarios or-
ganizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la población y obtener
consenso para un tipo de orden o transformación social. Pero esta manera necesita ser ampliada teniendo en cuenta
el carácter transnacional de los procesos simbólicos y materiales en la actualidad”. In: CANCLINI, Nestor Garcia.
Definiciones em transición. In: MATO, Daniel (org.) Estudios latinoamericanos sobre cultura y transformaciones
sociales em tiempos de globalización. Buenos Aires, Clacso, 2001, p.65.
15
PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE FORTALEZA – 2012. Fortaleza: Secretaria de Cultural de Fortale-
za, 2013.
16
CANCLINI, Nestor G. “Reconstruir políticas de inclusão na América Latina”. In: Políticas Culturais para o de-
senvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003, p. 21.
17
SISTEMA MUNICIPAL DE FOMENTO A CULTURA (SMF) - LEI Nº 9904, de 10 de abril de 2012.
18
O Plano Municipal de Cultura é Lei, de n° 9989, de 28 de dezembro de 2012, e tem duração decenal. Ver: PLANO
MUNICIPAL DE CULTURA DE FORTALEZA – 2012. Fortaleza: Secretaria de Cultural de Fortaleza, 2013.
19
Plano Municipal de Cultura, p. 9.
90
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territorial de 314,930 km², com uma população em cerca de 2,5 milhões de pessoas20, com
119 (cento e dezenove) bairros distribuídos em 7 (sete) Territórios Regionais. Se somarmos a
população de Fortaleza com a da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), esse número chega
a 3.818.38021 milhões de pessoas que, para alguns, pode ser considerada uma “megalópole”22, o
que torna um grande desafio para as políticas públicas e, em particular, de cultura.
É de responsabilidade da Secretaria de Cultural de Fortaleza fazer a execução do Plano
Municipal de Cultura, contando com a ajuda de suas Coordenadorias: Ação Cultural; Patrimônio
Histórico e Cultural; Criação e Fomento. Para o monitoramento e avaliação do Plano coube a
Assessoria Especial de Políticas Culturais produzir uma metodologia23 que pudesse ser aplicada
à realidade de Fortaleza. Havia carências de modelos que pudessem dar conta dessa realidade.
Conforme apontado por Ziviane e Moura24, “a dificuldade maior se apresenta justamente na
ausência de um modelo conceitual único, que permita desenvolver um conjunto congruente
e sistemático de indicadores culturais”. A Assessoria realizou diversas reuniões com as
Coordenadoria com o objetivo de elaborar uma metodologia que pudesse construir instrumentos
(formulários) necessários para responder às questões pertinentes a Secretaria, o que levou um
tempo considerável para sua aprovação. Também foram necessárias novas pesquisa e vários
testes para viabilizar a ferramenta.
Quanto ao formulário, ele se dividiu da seguinte forma: Informações gerais sobre o
projeto/ação (nome, local data de realização); Metas do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza
contempladas pelas atividades; Área cultural/ linguagem artística das ações realizadas; Fonte de
recursos; Abrangência regional25; Público (quantidade, perfil etário, recursos de acessibilidade e
participação de movimentos sociais organizados); Indicadores econômicos (recursos previstos
e executados, geração de oportunidades de emprego no setor cultural e em setores diversos);
Breve avaliação sobre a ação realizada. Contudo, no formulário utilizado em 2014 e 2015 foram
acrescidas as seguintes questões: A ação do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza (PMC)
que cada atividade proposta correspondia; Secretarias/ Instituições envolvidas na realização da
20
Revista Fortaleza 2040. V.4., n.2. Fortaleza: IPLANFOR, 2015, p.11
21 Idem, p.7
22 Megalópole é uma zona urbana vasta e com grande concentração populacional, que corresponde ao
território ocupado por várias áreas metropolitanas interligadas. “Megalópole”, in Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/megal%C3%B3pole [consultado em 12-02-2016].
23
A Metodologia de Monitoramento do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza (PMC) se deu por meio da criação
de Formulário, que foi construído em 2 (dois) meses, levando em conta o estudo de metas, pesquisa de modelos
e construção da ferramenta em plataforma Google. Contou com a participação de todas as coordenações da SE-
CULTFOR que contribuíram com perguntas, melhorias no texto e disponibilização de técnicos para treinamento do
preenchimento do banco de dados.
24
ZIAVINI; MOURA, A CONSOLIDAÇÃO DOS INDICADORES CULTURAIS NO BRASIL: Uma abordagem
informacional, SÃO PAULO, 2008, p. 4.
25
Em 1997, a cidade de Fortaleza possui seis Regionais (Regional I, II, III, IV, V, IV) criadas pela Lei nº 8.000 de
1 de janeiro, e somente em 2007 foi instituída a Regional Centro, totalizando sete territórios administrativos.
91
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atividade (aqui listamos as Secretarias que pactuaram ações junto a SECULTFOR no período de
elaboração do PMC); Bairros beneficiados (o formulário de 2013 só perguntou sobre o território
Regional e foi percebido a necessidade de informação de bairros atingidos).
O formulário contou inicialmente com 28 (vinte e oito) questões consideradas essenciais,
selecionadas em comum acordo com as Coordenadorias envolvidas. Paralelo a criação da
ferramenta, as Coordenadorias e a Assessoria Especial de Políticas Culturais realizaram um
diagnóstico do Plano Municipal de Cultural - PMC que passou por identificar e dividir quais
metas e ações eram de suas responsabilidades dentro do mesmo. Chama atenção que o processo de
diagnóstico, formulação e alimentação do formulário contribuiu para que coordenadores e técnicos,
a maioria deles recém-contratados pela Prefeitura de Fortaleza, se apropriassem do Plano.
Contudo, sensibilizar as equipes sobre a importância de responder o formulário de forma
clara e sistemática foi um desafio constante. Muitos do corpo técnico da Secretaria pareciam
entender a etapa de avaliação de resultados como menos importante do que planejamento e
execução das atividades. Outra observação pertinente é que os gestores precisam dar maior
atenção a produção e sistematização de banco de dados26, pois eles são importantes instrumentos
de avaliação e orientação das ações da Secretaria para com as políticas públicas de cultura.
A importância de um banco de dados corrobora “na medida em que torna possível ou facilita
a resposta e a negociação dos diversos interesses que se movem e se entrelaçam no campo
da cultura transformando-os e dando-nos múltiplos sentidos na diversidade”27. Os gestores
necessitam reconhecer o significado dos bancos de dados, não somente como informações
registradas em planilhas, mas utilizá-los tais: recortes da realidade, repletos de significados,
trazendo a possibilidade de produção de informações e indicadores culturais, necessários para
orientar a gestão da política cultural na formulação de programas e ações que garantam o amplo
acesso aos bens culturais. Devemos ter clareza que os indicadores não são uma cartilha na
qual todos os problemas da cultura serão resolvidos, mas eles “podem apontar com clareza os
avanços ou retrocessos de determinadas políticas ou programas comparando seus resultados com
os objetivos específicos previamente definidos”28. Eles devem ser entendidos como “vetores do
26
Segundo Elmasri e Navathe, um banco de dados possui determinadas características: “representa alguns aspec-
tos do mundo real, sendo chamado, às vezes, de minimundo ou de universo de discurso (UoD). As mudanças no
minimundo são refletidas em um banco de dados... uma coleção lógica e coerente de dados com algum significado
inerente. Uma organização de dados ao acaso (randômica) não pode ser corretamente interpretada como um banco
de dados... um banco de dados é projetado, construído e povoado por dados, atendendo a uma proposta específica.
Possui um grupo de usuários definido e algumas aplicações preconcebidas, de acordo com o interesse desse grupo
de usuários.” (Ramez Elmasri e Shamkant B. Navathe. Sistemas de banco de dados. São Paulo: Pearson Addison
Wesley, 2005, p.4)
27
POLÍTICAS CULTURAIS PARA O DESENVOLVIMENTO: Uma base de dados para a cultura. Brasília:
UNESCO Brasil, 2003, p. 186.
28
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL / OIC, n.4 (jan/mar.2008). São Paulo: Itaú Cultural, 2008, p.10.
92
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conhecimento, como capazes de explicitar valores e ideias que poderão, ou não, ser incorporados
pelos gestores culturais na elaboração de políticas, programa e projetos culturais”29.
Para a alimentação do banco de dados foram indicados técnicos de cada coordenação para
o trabalho de recolhimento e informação dos dados e realizados treinamentos para familiarização
dos mesmos com a ferramenta. Após um ano de funcionamento a Coordenação de Ação Cultural
optou por produzir um formulário impresso e distribuí-lo aos coordenadores dos equipamentos
culturais sob sua responsabilidade – Biblioteca Dollor Barreira, Estoril, Mercado dos Pinhões e
Passeio Público. Esse formulário impresso contém, além das informações que o monitoramento
necessita, dados diversos de interesse exclusivo da Coordenação, funcionando desta forma até
os dias de hoje. Essa decisão partiu da dificuldade que seus técnicos possuíam para alimentar o
Formulário de Monitoramento das Metas, uma vez que seria impossível acompanhar pessoalmente
a programação desenvolvida nos equipamentos diariamente. Ao delegar o acompanhamento
aos respectivos coordenadores dos equipamentos o problema inicial foi sanado, sendo esta
coordenação a que desenvolveu a melhor relação com a ferramenta. As outras coordenações
seguem alimentando o banco como foram orientadas. A alimentação das informações acontece
mensalmente e por ação realizada desde 2013. A ferramenta pensada inicialmente amadureceu
e conforme sua utilização foi apresentando necessidades. Do início até aqui esteve sempre em
movimento. As informações ficam internas na Secretaria, sendo anualmente apresentadas em
resumo ao Conselho Municipal de Política Cultural – CMPC.
No começo de 2014, após publicação do Plano Nacional de Cultura - Relatório 2013 de
Acompanhamento das Metas, elaborado pelo Ministério da Cultura (MINC), foi identificada
a necessidade de implementar melhorias na ferramenta de monitoramento e avaliação das
Metas do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza. Durante o ano de 2015, surge a necessidade
de alinhamento dessas políticas com outros órgãos da Prefeitura de Fortaleza, que vinham
construindo novas ferramentas de governança.
29
Idem.
30
Sabemos da importância das informações já produzidas pela SECULTFOR como um ativo essencial para os
processos de planejamento e avaliação. Contudo, elas representavam um desafio para a consolidação de um sistema
integrado de alimentação, armazenamento e análise de informações.
93
VII Seminário Internacional
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A criação e gestão da Sala Situacional da Governança são definidas como atribuição do Instituto de Planejamento
31
de Fortaleza na Lei Complementar Nº 0184 de 19 de dezembro de 2014. O ambiente físico da Sala Situacional da
Governança é uma sala climatizada com seis monitores de vídeo, servidor próprio com capacidade de armazena-
mento de 22 TB (terabytes), localizada no Paço Municipal, ao lado do gabinete do Prefeito.
94
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de que as informações gerenciadas dentro de uma organização, seja ela pública ou privada,
representam ativo essencial para o seu processo decisório (Shim et al., 2002)32.
O sucesso da implantação de um BI compreende a construção e consolidação de
uma base de dados unificada, através da qual seja possível o acesso rápido e qualificado a
informações uniformizadas e confiáveis (Kimball et al, 1998)33. No caso da Sala Situacional
da Governança, essa base de dados se dá por meio da consolidação de um Data Warehouse.
Um Data Warehouse consiste na organização dos dados de forma integrada, com uma visão
única e consolidada. Seu enfoque deve englobar vários temas e assuntos, sendo cada um
desses temas organizado em um Data Mart. De forma simplificada, é possível definir um Data
Mart como um pequeno Data Warehouse, ou seja, suas propriedades são as mesmas (dados
integrados, de fácil consulta, a fim de produzir uma visão unificada das informações relevantes
de uma organização), mas sua abrangência compreende uma temática ou assunto específico
(Bruzaros, Castoldi e Pacheco, 2000)34.
O banco de dados para o Data Warehouse é construído seguindo o padrão de modelagem
dimensional. O principal elemento de uma modelagem dimensional é a definição de uma
tabela de fatos, ou seja, uma tabela indicativa dos componentes centrais a serem descritos
por um conjunto de atributos, as dimensões do fato analisado. As tabelas de dimensão,
portanto, são constituídas pelos atributos que descrevem o fato (Bruzaros, Castoldi e Pacheco,
2000). Dessa forma, no caso específico da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza, por
exemplo, poderíamos pensar “Eventos culturais realizados” como o fato, que deve ser descrito
pelas dimensões “Número de participantes”, “Bairro de realização”, “Orçamento Previsto”,
“Orçamento executado” etc.
32
SHIM, J. P.; WARKENTIN, M.; COURTNEY, J.; POWER, D. J.; SHARDA, R.; CARLSSON, C. Past, present,
and future of decision support technology. Decision Support System, v. 33, n. 2, p. 111-126, 2002.
33
KIMBAL, R. et al. The Data Warehouse Lifecycle Toolkit: Expert Methods for Designing, Developing, and
Deploying Data Warehouses. John Wiley & Sons, New York, 1998.
34
BRUZAROSCO, D.; CASTOLDI, A. V.; PACHECO, R. C. . Criando data warehouse com o modelo dimensio-
nal. In: Acta Scientiarum (UEM), Maringá - Pr. v. 22, n. 5, p. 1389-1397, 2000.
95
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35
Modelagem se refere ao esquema explicativo para a caracterização dos dados armazenados em um determinado
banco de dados. A modelagem de dados estabelece as entidades (os objetos de significância sobre os quais as in-
formações necessitam ser mantidas), os relacionamentos (como os objetos de significância são relacionados) e os
atributos (a informação específica a qual necessita ser mantida) de um banco de dados.
36
ROCHA, A. B.; SAMPAIO, M. C.; SCHIEL, U. Guardando Histórico de Dimensões em Data Warehouse. In:
Semana de Informática da Bahia. Salvador, 2000, p. 212-230.
96
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Especificamente, a Sala Setorial foi desenvolvida para ofertar aos órgãos setoriais da
Prefeitura a possibilidade de: Possuírem um repositório único, digital e seguro para os dados
e informações produzidos pelos órgãos internamente; Facilitar aos gerentes, coordenadores e
funcionários, o manejo dos dados e informações produzidas pelos órgãos; Melhorar a eficiência
no processo de reportagem de resultados dos órgãos setoriais da Prefeitura para os gestores
(Secretários, Coordenadores Especiais, Superintendentes etc.) das áreas Setoriais e o Chefe do
Executivo; Facilitar o processamento de dados produzidos e manejados pelos órgãos setoriais
para a Sala Situacional da Governança.
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Os formulários de entrada de dados são planilhas construídas e personalizadas pelo próprio órgão setorial para
receber da melhor forma possível os dados armazenados.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o monitoramento, avaliação e, conseqüentemente, melhoria das políticas de cultura,
faz-se necessário combinar a aplicação de instrumentos para captação de dados e informações,
assim como a utilização de metodologias e ferramentas adequadas para o armazenamento e
análise das informações e dados coletados.
No caso da experiência realizada na SECULTFOR, o instrumental aplicado correspondeu
ao questionário desenvolvido pela ASPLAN e pela ASESP em conjunto com as Coordenadorias
da Secretaria. A produção desse questionário compreendeu o trabalho de interlocução com todas
as Coordenadorias, o mapeamento das ações realizadas pelas Coordenadorias, a identificação
das informações estratégicas referentes a cada Coordenadoria e a adaptação constante da redação
do questionário até a conclusão da versão final do questionário, assim como a validação dessa
versão final juntamente com todas as Coordenadorias.
Pelo lado da utilização de metodologias e ferramentas adequadas, a SECULTFOR
contou com uma contribuição relevante da Diretoria do Observatório da Governança, mais
especificamente, através do Business Inteligence (BI) da Sala Situacional e do aplicativo Sala
Setorial. Para o gerenciamento dos dados e informações da SECULTFOR, ambas as tecnologias
servem como ferramentas importantes para a estruturação, armazenamento e análise da
informação produzida internamente pela Secretaria.
No caso da Sala Setorial, o enfoque principal serve ao armazenamento dos dados e
informações, sanando um problema muito sério para a continuidade das políticas culturais, que
é a preservação e a segurança das informações. Já no caso da Sala Situacional, a contribuição
reside na apresentação de painéis gráficos, informações georreferenciadas e no cruzamento de
informações com outras fontes de dados, subsidiando a tomada de decisão baseada em evidência
pelo gestor.
Estamos cientes que a operacionalização contínua da abordagem aqui proposta não é uma
iniciativa fácil, pois os desafios são muitos. Contudo, é preciso que reconheçamos a existência
de boas ações, projetos, programas de política de preservação, formação e difusão cultural e,
mais do que isso, desenvolver metodologias e instrumentos efetivos para o monitoramento
e avaliação dessas políticas culturais. A realização efetiva do monitoramento e avaliação
das políticas culturais são importantes instrumentos de transparência e inovação, remetendo
à importância efetiva da participação dos diferentes grupos interessados (artistas, gestores,
pesquisadores, estudantes etc.) na construção de uma sociedade realmente democrática, que
possibilite aos seus cidadãos o direito de terem acesso aos bens culturais, ou seja, a vida cultural.
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locomoção, feita geralmente por veículos robustos, pick-ups com tração nas quatro rodas, além
de motocicletas e cavalos.
A comunidade está situada no Parque Estadual do Jalapão, que é uma área de Proteção
Ambiental caracterizada pelo bioma do Cerrado, com várias fontes de água e rios caudalosos,
como o Rio Sono, que atravessa a região. No Jalapão, estão localizadas também dez comunida-
des quilombolas, nas quais se inclui a do Mumbuca.
Trata-se de uma comunidade quilombola extrativista que se dedica à produção de arte-
fatos culturais confeccionados com Capim Dourado (Syngonanthus nitens), além de agricultura
de subsistência e criação de galinhas. O Capim Dourado é matéria prima que compõe o bioma
do Jalapão, caracterizado pela vegetação de cerrado. O Capim divide a paisagem com Pequis,
Palmeiras de Babaçu e Miriti, além de outras espécies, como a Tecla (árvore que produz madeira
para indústria naval, desenvolvida na região para comércio); nasce em áreas de veredas (campos
úmidos do cerrado) e floresce entre os meses de julho e agosto. A colheita do Capim é feita nos
meses de setembro e outubro, quando o mesmo amadurece e assume sua cor dourada caracte-
rística. Na colheita, as flores no topo dos talos de Capim são retiradas e deixadas nas veredas,
para renascer.
Após a colheita, os talos do Capim Dourado são enrolados em cordas finas que, costu-
radas manualmente com fibra de miriti, vão assumindo formas diversas: as originais são baús
e chapéus; as tradicionais são cestas, sacolas, bolsas e potes, mais recentemente acrescidas das
inovações, como bijuterias (brincos, pulseiras, colares), souplats, enfeites de mesa, imãs de
geladeira, acessórios de vestuário, porta-canetas, chaveiros e mandalas de vários tamanhos, que
podem ser associados a pedras, talos e folhas de miriti, e sementes da flora local.
O ciclo do Capim Dourado é anual e a sua reprodução depende do depósito das flores
no solo, durante a colheita, e do corte dos talos, sem retirar suas raízes. Espalhado pelas veredas
localizadas no bioma do cerrado, o Capim é colhido manualmente em áreas relativamente pró-
ximas à comunidade.
A interação das famílias da Comunidade (23 residências no núcleo da comunidade e 11
mais distantes, espalhadas pela área da terra quilombola) com o Capim Dourado (assim como com
outras espécies do bioma local) é tradicional, segundo os critérios que também definiram o territó-
rio quilombola onde a comunidade está localizada, quais sejam: reprodução de um modo de vida
associado com os ciclos renováveis da natureza, o que inclui conhecimentos acerca desses ciclos e
elaboração de estratégias de uso e manejo dos recursos naturais, transferidos intergeracionalmente
pela oralidade, ou pela experiência; ocupação territorial por gerações, com noção de território ou
espaço; reprodução de modelo de unidade familiar ou comunal, e relações de parentesco, no exer-
cício das atividades de produção, atividades sociais e culturais; atividades de subsistência, mesmo
em relação com atividades de mercado (DIEGUES, apud CARVALHO, 2014, p. 57).
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Capim Dourado entre a etnia Xerente, assim como a “costura do Capim”, ainda realizada na
Comunidade, seria uma técnica cultural indígena que utiliza a seda do buriti.
Aqui, importa situar que as duas versões convergem para a figura histórica de dona Miúda
(Guilhermina Ribeiro da Silva), uma vez que essa mulher, nascida em 1928, é filha de indígena
com afrodescendente.
Embora haja registros da produção de artefatos com Capim Dourado, desde a década
de 1930 (época em que os artefatos eram trocados por gêneros alimentícios e querosene, em
mercados na Bahia), foi somente na década de 1990 que esses artefatos e o ofício artesanal de
produção do Capim Dourado, na Comunidade, ganharam notoriedade. Os fatores que convergi-
ram para sua divulgação foram: a construção de uma ponte ligando os municípios de Mateiros
e Ponte Alta (rompendo o relativo isolamento da região), uma matéria divulgada no Programa
Globo Repórter, em 1990, e o crescente advento do turismo na região do Jalapão (SOUZA,
2009; CARVALHO, 2014).
A crescente demanda comercial dos artefatos disseminou a sua produção no cotidiano e
entre as famílias, até que, em 2002, as mesmas criaram a Associação dos Artesãos da Comuni-
dade do Mumbuca, visando formalizar as vendas. De lá para cá, a Associação manteve-se ativa
na produção e reprodução dos modos tradicionais de fazer artefatos com Capim Dourado.
Na década de 2000, alguns acontecimentos ampliaram a difusão da produção dos artefa-
tos, e a legitimaram, para além da Comunidade Mumbuca: em 2004, parcerias entre a Associa-
ção de Artesãos do Mumbuca, a Fundação Naturatins, a Secretaria de Estado da Cultura do TO e
o SEBRAE, promoveram cursos e oficinas de artesanato com Capim Dourado, na Comunidade
do Mumbuca, atraindo designers e outros especialistas4; no mesmo ano, essas parcerias tam-
bém promoveram a difusão do ofício artesanal com Capim Dourado para outros municípios do
Jalapão, através de cursos e oficinas ministradas por uma artesã da Comunidade do Mumbuca
(Rosa); em 20 de janeiro de 2006, a Comunidade foi reconhecida como Território de remanes-
centes quilombolas – contudo, a demora na titulação das terras tem gerado conflitos. Em 2009,
o governo do Estado do Tocantins declarou o Artesanato em Capim Dourado como Patrimônio
Histórico do Estado (Lei nº 2.186 de 14 de julho de 2009). Em 2010, por intermédio do Movi-
mento Estadual dos Quilombolas e do Ministério Público Federal, foi criado o Fórum Perma-
nente de Acompanhamento da Questão Quilombola no estado do Tocantins.
Segundo relatos de sujeitos da Comunidade, essas parcerias tiveram trajetórias e resulta-
dos distintos, gerando tensões comunitárias pelas inovações inseridas na produção dos artefatos
4
Segundo Carvalho (2014, p. 65), “Destaca-se a oficina “Designer em capim dourado” que foi ministrada pelo
designer Renato Imbroisi, em 2004, tecelão e designer de moda conhecido nacionalmente por atuar em aproxima-
damente 40 projetos de inovação e artesanato”. Segundo relatos de moradores locais, as inovações nos artefatos
produzidos na Comunidade surgem da confluência dessas oficinas e das demandas de turistas.
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e pela difusão das técnicas de trabalho a outros municípios. A primeira tensão deu-se em torno
das propostas do SEBRAE de segmentar a produção artesanal, recusada pelas artesãs, com o
argumento de manter a tradição e as relações familiares de produção. A segunda refere-se a dois
fatores: a difusão da técnica de trabalho aumentou a demanda pelo Capim Dourado, que passou
a ser colhido de maneira clandestina e insustentável; complementar a isso, a disseminação cres-
cente da produção, em outras localidades (algumas mais acessíveis a comerciantes e turistas,
como Ponte Alta) gerou um mercado que descaracteriza a origem comunitária do ofício artesa-
nal e dos artefatos, atribuindo-lhe referências relacionadas à região do Jalapão, como indicação
geográfica (SCHMIDT, 2005) da matéria-prima.
Na tentativa de garantir a sustentabilidade ambiental da região e buscando ordenar a
exploração do Capim Dourado, o governo estadual estabeleceu a Portaria nº 362/2007, confe-
rindo regras para a colheita e manejo do vegetal, proibindo a colheita do mesmo fora do período
de 20 a 30 de setembro, e determinando que a colheita só poderia ser realizada por associados
devidamente credenciados, entidades comunitárias de artesãos e extrativistas residentes nos mu-
nicípios tocantinenses. Destaque-se que, embora as ações estatais tivessem a intenção de regular
a extração e manejo do Capim Dourado, bem como garantir a sustentabilidade do mesmo, tais
ações foram insuficientes e não surtiram o efeito desejado. Ao contrário, na região, a cada ciclo
extrativista centenas de pessoas entram nas zonas de produção e extraem o Capim Dourado,
muitas vezes, de forma ilegal.
O que se tem observado ao longo desses anos é um aumento de tensões em torno de
questões que gravitam entre a sustentabilidade do vegetal e a ampliação de novos mercados, que
surgem a partir da expansão do comércio do artesanato de Capim Dourado.
Tendo esse cenário como pano de fundo, o governo do estado do Tocantins, em parceria
com a Associação de Artesãos em Capim Dourado da Região do Jalapão (Areja), protocolou,
ainda no ano de 2009, um pedido de certificação do artesanato local, por meio da Indicação
Geográfica, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Processo esse que se
consolidou no ano de 2011, com a indicação de Procedência da matéria prima à região do Jalapão.
Essas tensões se evidenciaram na Roda de Conversa sobre o Selo de Origem do Capim
Dourado, que presenciamos na Comunidade, e estão em correspondência com os relatos descritos
por Rodrigo M. Leistner, acerca de suas investigações junto a artesãos e comerciantes de Capim
Dourado, na cidade de Ponte Alta, no quadro do LaPCAB5. Nesta cidade, as parcerias com o SE-
BRAE se desenvolveram e estão vigentes, assim como as propostas do mesmo para a incrementa-
ção da produção dos artefatos. Essas relações, embora ocorrendo distantes de Mumbuca, passaram
a servir de “espelho invertido” para a Comunidade e são criticadas pelos mais velhos, sobretudo.
Rodrigo M. Leistner. Relatório de pesquisa em Ponte Alta, TO. LapCAB-Laboratório de Políticas Culturais e
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A viagem a Mateiros e Mumbuca foi realizada em parceria com o PPG em Ciências do Ambiente, da UFT, na
companhia do Prof. Dr. Heber Rogério Gracio, e a Secretaria de Estado da Cultura do Tocantins, na companhia da
técnica Gilceia Medeiros.
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Fervedouro é o nome dado a um fenômeno natural da região do Jalapão, no qual uma fonte de água subterrânea
se eleva até a superfície, formando pequenos lagos (o menor tinha em torno de 7 metros de diâmetro e o maior
em torno de 15 metros) com fundo geralmente raso, arenoso e claro. O fenômeno se complementa com constantes
aberturas que se formam na base arenosa do lago para canais profundos, mas com efeitos de correntes ascendentes
da água, impedindo que as pessoas afundem. Essas aberturas e correntes produzem constantes movimentos da areia
na base dos lagos, gerando formas concêntricas de movimentação da água em efeitos visuais diversos.
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Capim Dourado, que resulta de estudo conjunto da Secretaria com a Universidade Federal do
Tocantins8 (exposição gravada em vídeo).
A sua exposição descreveu a origem da iniciativa, com o SEBRAE e a Fundação Na-
turatins, passando por um período de produção e distribuição do Selo que, após questionado
por vários atores da região, foi interrompido. Os Selos impressos sumiram. Esse processo teria
recomeçado recentemente, por convênio firmado entre a Secretaria de Estado da Cultura e a
Universidade Federal do Tocantins. Foi formado um grupo de trabalho que visitou comunidades
e Associações de produtores do Jalapão, e apresentou um estudo de produção gráfica do Selo
de Origem do Capim Dourado (exposto na atividade) e dos procedimentos de sua atribuição e
distribuição, que implicavam algumas mudanças na produção e na circulação dos artefatos pro-
duzidos com o Capim, para assegurar sua certificação de qualidade.
Antes de encerrar a exposição de Gilcéia, já iniciaram os questionamentos sobre a per-
tinência do Selo pelas lideranças da Comunidade, que se alternavam entre perguntas sobre a
origem da iniciativa, a sua serventia para a Comunidade, as mudanças que ele implicava nos
processos de trabalho artesanais pela imposição de um padrão de qualidade definido por atores
exógenos à comunidade, o reconhecimento da autenticidade e da originalidade do ofício desen-
volvido pela Comunidade, a extensão da indicação geográfica ou regional que o Selo cobria, se
ele implicava na criação de dispositivos institucionais de fiscalização da colheita do Capim e da
produção dos artefatos, entre outras.
A insatisfação das lideranças com as explicações era visível, ora expondo expressões
faciais ou verbais de ausência de entendimento acerca de alguma exposição dos propósitos que
justificavam o Selo, ora formando rodas de conversa paralelas para discutir algum ponto ques-
tionável da exposição. Entre essas manifestações, algumas lideranças expunham depoimentos
memorialistas sobre a origem da Comunidade e do ofício com o Capim Dourado, reivindicando
recursivamente o reconhecimento da tradição (autenticidade e originalidade) deste último, e
recorrendo à legitimidade de lideranças cujas biografias atestariam tal reconhecimento. Eram
evocados os nomes e as trajetórias de matriarcas como dona Miúda, dona Laurentina, Doutora
e dona Santinha, geralmente associadas a domínios dos modos de saber e de fazer relacionados
com o Capim Dourado.
8
Em abril de 2015, a Secretária de Estado da Cultura do Tocantins (SECULT) e a Universidade Federal do To-
cantins (UFT) assinaram um termo de Cooperação Técnica, visando o fortalecimento da Associação dos Artesãos
em Capim Dourado da Região do Jalapão (Areja). O ponto central dessa cooperação é a elaboração de um Selo de
Indicação Geográfica (IG) a ser utilizado pelos artesãos da região, valorizando os produtos lá produzidos, de forma
que sejam reconhecidos em mercados nacionais e internacionais. A parceria tem por objetivo orientar e capacitar
os artesãos no uso do selo, bem como visa apoiar a reestruturação da Areja, que no momento conta com baixa
participação dos artesãos, em decorrência de processos de desarticulação e não reconhecimento da legitimidade da
diretoria atual por parte das comunidades envolvidas. Esta ação também conta com o apoio do SEBRAE-TO, que
disponibilizou um consultor para apoiar a realização das capacitações.
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A redação final desse documento encontra-se disponível em www.facebook.com/lapcab. Na sequência da divul-
gação do documento, uma parceria entre a Secretaria de Estado da Cultura de Tocantins e duas ONGs resultou em
três audiências públicas no estado, visando discutir estratégias para a sustentabilidade do Capim Dourado, na região
do Jalapão.
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6. ANOTAÇÕES CONCLUSIVAS
O processo de certificação da indicação geográfica do Capim Dourado, no Jalapão, ex-
põe alguns condicionamentos que afetam o contexto de produção de artefatos culturais com essa
matéria prima e influenciam a trajetória da Comunidade do Mumbuca, e da sua associação de
artesãos, na interação com atores e instituições que agenciam as políticas culturais, no estado do
Tocantins. Nesse contexto, a mediação da matéria prima torna difusa a negociação da realidade
que aí se estabelece, na forma de um embate dos propósitos que fundamentam os projetos dos
atores envolvidos.
No encalço desse embate, supomos ser apropriado seguir a orientação de Chanquía
(1998, p. 9), que se apropria da noção de “contratos de visibilidade”, de Jean-Claude Passeron,
para expressar “aquello que guía la recepción de una imagen por parte de un público, proveyen-
do a los sujetos, atrapados en dichos contratos, de un ver y un decir que marca su recepción de
una obra determinada”.
A centralidade que o processo de indicação geográfica do Capim Dourado vem assumin-
do, na região do Jalapão, de um lado descola a imagem dos artefatos culturais de sua origem
comunitária e a desloca para uma indicação geográfica mais ampla, legitimando uma cadeia de
produtores na região e imprimindo procedimentos para sua certificação; de outro lado, os atores
da Comunidade do Mumbuca, ressentidos com esse deslocamento e afetados pelos condiciona-
mentos da certificação em curso, agenciam suas tradições em narrativas e tecnologias patrimo-
niais que imprimem autenticidade aos artefatos produzidos pela associação de artesãos local.
Nesse embate, o Capim Dourado torna-se um bem disputado e apropriado, muitas vezes,
por indivíduos despreocupados com sua sustentabilidade ambiental. E isso pode gerar uma situ-
ação futura na qual os propósitos dos atores aqui descritos percam importância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: O que se propõe nesse artigo é analisar o período da política cultural brasileira que
corresponde à gestão de Ana de Hollanda à frente do Ministério da Cultura. O que se defende
nesse artigo é que tal gestão configurou-se como um momento de crise. Para a análise, recorrerei
às reflexões sobre o Estado feitas por Pierre Bourdieu e à proposta analítica das crises políticas
elaborada por Michel Dobry.
Os governos Lula (2003-2010) imprimiram um novo patamar nas relações entre o governo
federal e a cultura, ampliando e, principalmente, transformando a atuação do Ministério da Cultura
(MinC), sob a gestão dos ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, sucessivamente. Contrapondo-
se à lógica vigente desde a criação do MinC em 1985, na qual predominou um viés de menor
participação do Estado, Gil e Ferreira investiram na institucionalização das políticas culturais.
Tal processo se revela na reestruturação do Ministério e do Conselho Nacional
de Cultura, na realização das conferências nacionais, estaduais e municipais de cultura, na
elaboração do Plano Nacional e na implantação do Sistema Nacional de Cultura, entre outros
programas e ações que visam superar a descontinuidade das políticas culturais, transformando-
as, minimamente, em políticas de Estado (RUBIM, 2010; 2011).
Claro que esse projeto foi alvo de posições contrárias, em especial de agentes culturais
atuantes nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, principais centros da economia cultural
brasileira, que se ressentiam do fato de ter que dividir a atenção e as parcas verbas do setor com
agentes oriundos de outras cidades e regiões do país, bem como de outros estratos sociais.
Se esse grupo não perdeu de todo o seu poder de barganha e de influência nos rumos
das políticas culturais federais, como exemplificam a derrota do governo no que se refere à
1
Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e pós-doutorado em Comunicação pela Univer-
sidade Nova de Lisboa. Professor dos PPGs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC. Líder do
Grupo de Pesquisa em Políticas de Comunicação e de Cultura. E-mail: alexandrealmeidabarbalho!gmail.com
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criação de uma nova agência para o audiovisual (MOREIRA; BEZERRA; ROCHA, 2010) e
à postergação da reforma das leis de incentivo (SALGADO; PEDRA; CALDAS, 2010), não
chegou, por sua vez, a colocar em xeque o projeto político-cultural da era Lula – projeto este
fixado no documento do então candidato nas eleições de 2002, intitulado “A imaginação a serviço
do Brasil” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002). Talvez, os momentos de embate mais
críticos tenham ocorrido no interior do próprio MinC, em um rearranjo das posições políticas
próprio à lógica do Estado, como revelam as disputas em torno do Sistema Nacional de Cultura
(BARBALHO, 2014).
Contudo, o primeiro governo Dilma (2011-2014), ainda que representando uma
continuidade do projeto político capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), trouxe
mudanças significativas no que se refere às políticas culturais. Não cedendo à pressão de vários
setores, inclusive de seu próprio partido, pela permanência de Juca Ferreira no Ministério, a
presidenta nomeou, em janeiro de 2011, a artista Ana de Hollanda como ministra da Cultura.
Reconfigurando a composição das forças políticas no interior do MinC, propondo novas pautas,
dando continuidade a programas anteriores e enfraquecendo ou mesmo extinguindo outros,
Hollanda provocou um forte movimento de oposição, inclusive interna, à sua gestão que
terminou por afastá-la do cargo em setembro de 2012.
Para Doug McAdam, Sidney Tarrow e Charles Tilly, o confronto politico, que
“depende da mobilização, da criação de meios e de capacidades para a interação coletiva”,
se inicia quando “as pessoas fazem reivindicações a outras pessoas cujos interesses seriam
afetados se elas fossem atendidas” (MCADAM; TARROW; TILLY, 2009, p. 11-12). Ora, o
que se observa entre 2011 e 2012 é um acúmulo de mobilizações e confrontos no e em torno
do MinC, relativos a interesses distintos e que se estendem para além do campo cultural,
envolvendo outros agentes e reverberando fortemente na mídia nacional e nas redes sociais.
Diante desse contexto, é possível entender a breve passagem de Hollanda pelo
Ministério como uma crise? Uma crise2 pode ser entendida como “momento de ruptura no
funcionamento de um sistema” (PASQUINO, 2000, p. 303); ou como “situação-limite, na
qual se explicitaria um quadro de particular gravidade” (NOGUEIRA, 2015, p. 216). O que se
defende nesse artigo é que a gestão Ana de Hollanda configurou-se como uma situação-limite
que resultou em uma ruptura, mas também de continuidade das disputas que vinham desde o
início da década.
O que se propõe, portanto, é analisar esse período da política cultural brasileira, a partir
de seu entendimento como um momento de crise, estabelecendo, ao mesmo tempo, as suas
especificidades. Para tanto, recorrerei às reflexões sobre o Estado feitas por Pierre Bourdieu e
2
Do grego krísis, significa “alteração, desequilíbrio repentino; estado de dúvida e incerteza; tensão, conflito”
(CUNHA, 2010, p. 190).
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à proposta analítica das crises políticas elaborada por Michel Dobry, sobre as quais discorro
a seguir.
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aquele de acirramento dessas lutas em torno desse poder simbólico, onde cada agente, individual
e/ou coletivo, reivindica para si o poder de nomeação, que é próprio ao Estado3.
Por sua vez, pensando na especificidade do objeto de análise, ou seja, a crise da gestão
da ministra Ana de Hollanda e de suas políticas, faz-se necessário levar em consideração
exatamente esse dado: é preciso observar a estrutura de espaço onde se desenvolveram tais
políticas; suas particularidades, as propriedades de seus agentes, as interseções dos campos nas
quais se constroem (campo estatal, campo cultural, mas também campo midiático, como irei
propor adiante).
Para dar conta metodologicamente desse objeto, e levando em consideração a compreensão
de Estado exposta acima, recorro à análise das crises políticas proposta por Michel Dobry. Dobry
propõe uma abordagem próxima àquela da “mobilização” ou da “gestão de recursos” e na inserção
no processo analítico da atividade tática dos agentes protagonistas. Tal perspectiva é acionada para
que possa defender sua hipótese de continuidade, no sentido de que as molas que movem as crises
políticas não se radicam apenas, nem principalmente, nos desequilíbrios, mas nas “mobilizações
que esses protagonistas realizam no curso das competições e dos enfrentamentos que constituem
a trama das relações políticas” (DOBRY, 2014, p. 26-27).
Nesse sentido, o foco analítico sobre a crise recairá sobre o que está “em jogo” e nos
“deferimentos das jogadas” que ocorrem. Em relação às mobilizações, interessa perceber as
relações com os contextos estruturais, estendidos estes como variáveis, exatamente porque
sensíveis às mobilizações. O que implica compreender os diversos tipos de conjuntura, incluindo
as de crise, como estados particulares do sistema político analisado.
Por mobilização deve-se entender a inserção de recursos (capitais) em uma jogada
(linha de ação), entendendo que tais recursos não são “coisas em si”, mas relacionais, ou seja,
inseridos em contextos sociais nos quais operam, portanto não podem ser facilmente transferidos
de um lugar social para outro. Com isso, a atividade tática dos agentes dos conflitos assume
posição central na análise. O que se pretende ao analisar as jogadas é identificar como os atos
(individuais ou coletivos) afetam tanto o comportamento dos outros agentes protagonistas,
quanto a relação entre estes e o seu ambiente, ou a ambos, simultaneamente, posto que “a
modificação dessa situação existencial se acompanha quase sempre de uma transformação das
expectativas e das representações que os diferentes atores [agentes] têm a respeito da situação
(DOBRY, 2014, p. 32).
É importante, para essa perspectiva, entender que existe uma quantidade de recursos
que não são utilizados ou colocados em jogo, recursos latentes ou em potencial, e atentar para
3
Para Bourdieu (2012), em termos epistemológicos, ou seja, da compreensão do funcionamento do Estado, os
momentos de crises são momentos propícios, como os de gênese, pois as imposições simbólicas se tornam eviden-
tes. No caso dos segundos, porque ainda estão se constituindo, no caso dos primeiros, porque são reveladas pelos
heterodoxos que as colocam em xeque.
118
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os “modos de fazer-valer” tais recursos nas jogadas ou atividades táticas postas nos jogos de
interesses. Outra recomendação metodológica é fugir de uma visão demasiadamente teleológica
a orientar tais jogadas, pois, como observa Dobry (2014), há interações entre elas, típicas da
dinâmica própria do conflito, que abalam de diversas formas os motivos e fins primeiros dos
agentes envolvidos na crise. Há, portanto, uma “evolução” do jogo ou do conflito, o que explica,
muitas vezes, a perda de um centro decisor de determinada mobilização, como veremos adiante.
Dobry (2014) adverte sobre a necessidade de não recair no erro de ver na crise apenas
a oposição entre os “agentes de controle social” e as “mobilizações”, sem perceber também as
similitudes entre os dois, ainda que reconhecendo as diferenças no capital de recursos e ações
de ambos. Isso é fundamental por permitir outra compreensão, a de que os movimentos de
mobilização não emergem necessariamente nas zonas pouco estruturadas do socius, mas podem
surgir nas próprias agências de controle.
As mobilizações não podem ser entendidas como necessariamente centralizadas, onde
uma “direção” mobiliza os recursos com o propósito de atender certos fins coletivos. Se de fato
isso ocorre, tal concepção não pode inviabilizar o entendimento do caráter muitas vezes disperso
dos processos mobilizadores. Nesses processos, vários agentes, individual e coletivamente,
aderem ao jogo e trazem consigo seus recursos e interesses, de modo que, mesmo participando
de uma mesma jogada, há uma diversidade de pautas, objetivos e estratégias mobilizadas.
É possível, então, estabelecer os elementos centrais da abordagem proposta por Dobry.
Primeiro, uma crise deve ser entendida “a um só tempo” como mobilizações e transformações
de estado dos sistemas sociais. O que leva em consideração o fato de que as instituições são
sensíveis às jogadas e às atividades táticas dos agentes das crises. Mas, por sua vez, trata-se
também de analisar as “lógicas de situação que, em tais contextos, tendem a se impor a esses
atores e tendem a estruturar suas percepções, seus cálculos e seus comportamentos” (DOBRY,
2014, p. 46).
A partir dessa premissa, Dobry fixa os elementos de sua terminologia. Por “sistemas
sociais complexos”, entende-se aqueles “diferenciados em esferas sociais autônomas, fortemente
institucionalizadas e dotadas de lógicas sociais específicas” (DOBRY, 2014, p. 46), definição
de esfera social muito próxima daquela de campo em Bourdieu. Por “setores”, entende-se as
“esferas sociais autônomas”. Por “mobilizações multissetoriais”, aquelas que se localizam ao
mesmo tempo em várias esferas e de “restritas” aquelas mobilizações que atinge apenas uma
esfera. E por “conjunturas políticas fluidas”, aquelas que correspondem a “transformações
de estado dos sistemas complexos quando esses sistemas estão submetidos às mobilizações
multissetoriais” (DOBRY, 2014, p. 47).
Para dar conta empiricamente do objeto de análise, ou seja, a crise política da gestão
Ana de Hollanda, a partir do constructo teórico-metodológico exposto acima, irei estabelecer os
119
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agentes dessa conjuntura política fluida, bem como seus recursos, jogadas e mobilizações, por
meio das informações proporcionadas pelo campo midiático e pelo material divulgado nas redes
sociais. Essa escolha se justifica pela forte relação entre os dois campos, o político e o midiático,
sendo este uma espécie de mediador entre os campos sociais (RODRIGUES, 1990)4.
4
Ao elaborar um conjunto de subsídios para uma teoria das crises políticas, António Mendes (2005) destaca como
fundamental o entrecruzamento entre esses dois campos (o político e o midiático) e, portanto, a relevância da co-
bertura midiática dos fenômenos políticos disruptivos.
5
Dobry observa que a mobilização coincidirá sempre com uma jogada, uma atividade tática por partes dos agentes
envolvidos na crise, ainda que tal jogada possa ser apenas simbólica, “no sentido de que certos atos podem simbo-
lizar outros atos, por exemplo, mais ‘duros’” (DOBRY, 2014, p. 33).
6
A esse respeito, ver a coletânea de entrevistas Cultura digital.br, publicada com apoio do MinC e que tem entre
seus entrevistados vários agentes ligados ao Ministério, inclusive o ministro Juca Ferreira (SAVAZONI; COHN,
2009).
7
Disponível em http://blogs.estadao.com.br/link/copyright-a-batalha/. Acesso: 02.out.2015.
8
Ver http://blogs.estadao.com.br/link/minc-na-contramao/. Acesso: 02.out.2015.
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Nesse sentido, a jogada seguinte de Hollanda foi demitir Marcos Souza, então
coordenador-geral de direitos autorais do MinC e defensor da flexibilização destes direitos, e
nomear Marcia Regina Barbosa, ligada ao Conselho Nacional de Direito Autoral e à Hidelbrando
Pontes, advogado do ECAD e um dos interlocutores da ministra.
Em declarações à imprensa, Hollanda reafirmou sua posição de rever o texto da Reforma
da Lei de Direitos Autorais, declarando que a “democratização da cultura” não poderia “passar
por cima do direito autoral”. Tal postura foi apoiada pelas entidades defensoras destes direitos,
como a Associação Brasileira de Música e Artes. Por outro lado, a ministra sinalizou o diálogo
com os ativistas do copyleft, propondo se reunir com “consultores e artistas” para chegar a uma
“proposta que atenda à demanda da área criativa, que é a que mais se mostrou insatisfeita com
as mudanças apresentadas”9.
Hollanda, como se observa, inseria os recursos de sey metacapital estatal para tentar
mobilizar ambos os grupos de agentes. No entanto, como visto, tais recursos são relacionados a
contextos sociais e não podem ser facilmente transferidos de um lugar para outro. Assim, a reação
contrária dos ativistas foi imediata e se intensificou a campanha contra a posição da ministra,
inclusive dentro do Ministério, ou, nas palavras de Dobry, na própria “agência de controle”, com
a criação no Twitter das hashtags #foraana e #foraanadehollanda.
Os participantes do movimento Transparência HackDay, por sua vez, criaram a página
“Dá licença, MinC?”, listando os sites governamentais que adotavam as licenças de uso livre. As
referidas hashtags foram criadas em fevereiro. Dois meses depois, segundo Kelly Prudencio e
Weslley Leite (2013), o seu número de usuários aumentou 223%. Em março, surgiu o blog Fora
Ana de Hollanda que se dizia sem filiação partidária e sem ligação com coletivos organizados,
inclusive com aqueles ligados às gestões de Gil e Juca.
Contrário não à “pessoa” Ana de Holanda, e sim ao “conjunto das diretrizes e ações
de sua gestão” que se configurava como uma “política desastrosa e conservadora”, o blog não
se assumia como “movimento organizado”. Mas é possível entendê-lo como uma esfera civil
digital (ALEXANDER, 2008; GOMES, 2011; MAIA, 2011), que agrega e difunde diversas
críticas e reflexões sobre a política cultural vigente. Na avaliação do Fora Ana de Hollanda, a
omissão de Dilma “com relação ao retrocesso no #Minc seria (...) uma traição do projeto de
governo eleito democraticamente”10.
Em abril foi criado o blog Mobiliza Cultura, com sua hashtag #mobilizacultura, que,
ao contrário da campanha implementada pelo Fora Ana de Hollanda, se assumiu como uma
organização reunindo instituições e grupos formais e informais (pontos de cultura, coletivos,
fóruns etc) para atuação tanto virtual, quanto presencial. O Mobiliza Cultura pode ser
9
Disponível em http://blogs.estadao.com.br/link/mudancas-no-ministerio-da-cultura/. Acesso: 02.out.2015.
10
Disponívl em http://foraanadehollanda.blogspot.com.br/. Acesso em 28.out.2015.
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compreendido como uma “mobilização na esfera pública”, um dos três níveis identificados
por Ilse Scherer-Warren de organização da sociedade civil (de seus interesses e valores de
cidadania) “para encaminhamento de suas ações em prol de políticas sociais e públicas,
protestos sociais, manifestações simbólicas e pressões políticas” (SCHERER-WARREN,
2006, p. 110).
Este tipo de mobilizações, mais abrangentes e conjunturais e menos institucionalizadas,
resulta da articulação dos participantes de movimentos sociais, ONGs, redes etc e a realização
de manifestações objetivando a visibilidade midiática e os “efeitos simbólicos para os próprios
manifestantes (no sentido político-pedagógico) e para a sociedade em geral, como uma forma
de pressão política das mais expressivas no espaço público contemporâneo” (SCHERER-
WARREN, 2006, p. 112). Na análise de Prudencio e Leite, a partir do Mobiliza Cultura, a
mobilização anterior, voltada “principalmente para a queixa de rompimento da ação cultura
digital e da reforma dos direitos autorais sofre novo processo de enquadramento, para se adaptar
a esse novo momento, ganhar mais adesão e expansão” (PRUDENCIO; LEITE, 2013, p. 451).
O movimento elaborou uma “Carta Aberta à Presidenta Dilma” que obteve grande
repercussão, pois amplamente divulgada na grande mídia, bem como nas redes sociais. O
documento reivindicava a continuidade das políticas culturais implementadas nos governos
Lula, o que significava maior participação da sociedade civil na formulação das políticas,
especialmente a reforma da Lei dos Direitos Culturais; efetivação do Plano Nacional de Cultura;
retorno das políticas voltadas à cultura digital; e fortalecimento do Programa Cultura Viva e,
consequentemente, dos Pontos de Cultura, uma das principais ações das gestões Gil e Juca11. Ou
seja, a agenda que vinha mobilizando os agentes desde o início do governo.
Para Prudencio e Leite, a campanha contra a gestão Ana de Hollanda se configurou
como um “confronto politico construído a partir da oportunidade aberta por uma série de
acontecimentos” (PRUDENCIO; LEITE, 2013, p. 454), como os listados acima, bem como
outros que ocorreram na sequência. As autoras destacam ainda a importância da formação de
um capital comunicacional que foi resignificando o repertório de ação dos agentes envolvidos
na mobilização. Assim, ao quadro interpretativo inicial, de descontinuidade e incompetência na
gestão da política cultural, soma-se outro, o da “conduta incompatível”, que agrega mais um
elemento à crise política, a do escândalo.
Outro desgaste sofrido pela gestão Ana de Hollanda ainda no início de seu mandato foi
com o sociólogo e professor da UERJ Emir Sader, incialmente indicado para a presidência da
Fundação Casa de Rui Barbosa. Em entrevista à Folha de São Paulo, Sader, antes mesmo de
assumir, chamou a ministra de “meio autista” por não reagir ao contexto político desfavorável
Sobre o papel relevante do Programa Cultura Viva e mais especificamente dos Pontos de Cultura no âmbito da
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ao MinC que incluía cortes no orçamento, paralisação dos Pontos de Cultura, e as já citadas
manifestações contra sua gestão12. O sociólogo acabou perdendo a nomeação, sendo substituído
pelo cientista político Wanderley dos Santos.
A relação problemática com os Pontos de Cultura também foi um dos momentos fortes
da crise, como se observa na reverberação dessa temática nas mensagens postadas no blog Fora
Ana de Hollanda. A gestão do Programa Cultura Viva, que engloba a ação Pontos de Cultura,
ficou sob responsabilidade da secretária de Diversidade e Cidadania, Marta Porto. Ainda
que compreendendo a importância do Programa, Porto avaliava que ele sofria das “dores do
crescimento”, pois não contava com recursos humanos, tanto para a sua gestão, quanto para o
seu acompanhamento, o que tinha causado problemas com órgãos de controle do Estado. Além
disso, a secretária defendia a renovação dos projetos e a inclusão de outras iniciativas13. Contudo,
talvez por estarem inseridas em um contexto turbulento, as declarações e primeiras medidas
tomadas por Porto no sentido de diminuir o ritmo do Programa foram vistas com desconfiança
pela rede dos Pontos de Cultura provocando forte oposição a essa nova orientação.
A secretária acabou saindo do MinC em setembro mas, em entrevista concedida alguns
meses depois, ainda durante a gestão de Hollanda, credita sua saída a diferenças no interior do
Ministério, no que ela denominou de “falta de compatibilidade política e de confiança mútua”.
Segundo a ex-secretária, suas posições e compromissos públicos não se alinhavam com as
posições tomadas pela gestão em relação a vários temas que tensionaram o campo político-
cultural. Não havia, na sua avaliação, vontade política em relação à sua secretaria, pois a aposta
era na recém-criada Secretaria de Economia Criativa. Com esse investimento, o MinC perdeu a
“chance de propor uma política de cultura sintonizada com os principais desafios da sociedade
brasileira para além da economia: a democracia e todos os valores culturais que ela exige para
ser mais do que um regime político”. A aposta que Porto fez no interior do MinC na cidadania e
na diversidade foi uma “tese derrotada” e perder, como reconhece, fez “parte do jogo”14.
Em maio de 2011, a ministra tentou romper seu isolamento e se articular com diversos
agentes do campo cultural, em especial com aqueles atuantes em São Paulo, bem como com os
parlamentares da base governamental. No mesmo período, a presidenta Dilma nomeou Morgana
Eneile, então secretária nacional de Cultura do PT, assessora de Hollanda, como forma de ajudar
nas articulações políticas. Mas essa nova dupla jogada foi vista com ceticismo pela imprensa e
pelos ativistas culturais. Segundo avaliou Jotabê Medeiros, colunista de O Estado de São Paulo,
12
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2011/02/881609-ana-de-hollanda-e-meio-autista-
-diz-emir-sader.shtml. Acesso em 08.dez.2015
13
Disponível em http://www.culturaemercado.com.br/site/entrevistas/marta-porto-cultura-viva-e-um-dos-gran-
des-legados-que-recebemos/. Acesso em 08.dez.2015.
14
Disponível em http://oglobo.globo.com/cultura/marta-porto-cultura-ainda-nao-se-tornou-prioridade-4294248.
Acesso em 08.dez.2015.
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a situação crítica da gestão Ana de Hollanda era “incontornável”, como sinalizaria o movimento
Mobiliza Brasil que reuniu 2,5 mil adesões15.
Outros eventos alimentaram a crise ao longo dos anos de 2011 e 2012, pautando a
“trajetória turbulenta” da ministra Hollanda, como qualificou o site de notícias da UOL16, que
não se restringiram à lógica da política cultural, mas atingiram a lisura da ministra: a aprovação
de um projeto de R$ 1,3 milhão para criar um blog de Maria Bethânia, amiga de Hollanda;
pagamento de diárias indevidas à ministra em fins de semana no Rio de Janeiro; captação de
R$ 1,9 milhão para a primeira turnê da cantora Bebel Gilberto, sua sobrinha; recebimento de
brindes da escola de samba Império Serrano após o MinC zerar a inadimplência da agremiação
carioca e desbloquear o CNPJ da escola; vazamento na imprensa de sua carta enviada à ministra
do Planejamento Miriam Belchior reclamando da falta de recursos para a pasta.
Em março de 2012, um grupo de intelectuais, alguns ligados ao PT, lança uma carta
onde cobra da presidenta Dilma um Ministério à altura dos desafios e programas apresentados
nas gestões de Gil e Juca, posto que estaria ocorrendo uma “decadência do protagonismo” do
MinC17. Para os signatários, o primeiro ano de Hollanda no MinC, incapaz de “gerar consensos
mínimos”, foi marcado por “hesitações, conflitos e por mudanças de rumo”. Assim, a nova
gestão frustrou os “inúmeros grupos envolvidos no processo de emancipação cultural” iniciado
em 2003 e que resultou no “acolhimento entusiástico de uma vasta gama de manifestações
antropológicas, tradicionais como modernas, regionais como nacionais, locais como globais,
deu direito de cidadania e densidade politica a vários conceitos novos” 18.
Além da condução equivocada da política cultural, a ministra e sua equipe, segundo
avalia o documento, seriam inábeis na sua relação com os agentes culturais, despreparadas para
o embate e o diálogo, vistos como algo pessoal e não como um processo inerente ao exercício da
democracia. Para esses intelectuais, houve perda de visibilidade e de nitidez na política cultural,
tendo preponderado a pauta negativa alimentada por meio do noticiário, levando à constatação,
por parte da opinião pública, da falta de comprometimento com as conquistas recentes. O
resultado teria sido um “perigoso isolamento” do MinC. Diante desse contexto, o documento
reivindica que a presidenta, detentora do poder de nomear seus ministros e com um governo
com alto índice de aprovação, não se submeta aos jogos de acomodação partidária e retome o
“projeto de país” traçado anteriormente pelo MinC.
15
Disponível em http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bastidores-uma-ministra-isolada-e-em-busca-de-
-apoio-na-classe-cultural,716244. Acesso em 05.ago.2015.
16
Disponível em http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/09/11/apos-serie-de-desgastes-ana-de-
-hollanda-deixa-ministerio-da-cultura.htm . Acesso em 05.agosto.2015
17
Assinam o documento Marilena Chauí, Eduardo Viveiros de Castro, Suely Rolnik, Laymert Garcia dos Santos,
Gabriel Cohn, Manuela Carneiro da Cunha e Moacir dos Anjos.
18
Disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,despreparo-e-dolorosamente-evidente-dizem-inte-
lectuais-sobre-gestao-do-minc,850226#. Acesso em 28.10.2015.
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É premente, portanto, que ela indique “um ministro da cultura à altura do que requer
este cargo, em vista da importância do Brasil no cenário mundial contemporâneo”. O seu perfil
é o de uma “liderança suprapartidária e democrática”, capaz de “garantir um pulso firme e uma
capacidade de gestão dinâmica”. O documento encerra afirmando a responsabilidade não apenas
dos autores do documento, mas de os agentes culturais do país, em apoiar o “futuro portador
desta inteligência de qualidade cultural” 19.
O capital político e cultural dos que assinam a carta, bem como as argumentações expostas
qualificam o documento como uma importante jogada da oposição e intensificam o sentimento
de crise. Ao mesmo tempo, apontam para a sua solução: a nomeação de um novo ministro. O
que de fato ocorreria sete meses depois com a nomeação da senadora Marta Suplicy20.
3. CONCLUSÃO
Segundo Pasquino (2000), é, em geral, o nível da relação entre governo e sociedade o
elemento determinante da crise do primeiro, o que resulta da sua falta de representatividade e de
sua legitimidade, posto que é rejeitado por fortes setores sociais; e da ineficácia em responder a
esse contexto de perda, levando ao imobilismo. Como se observou, a gestão Ana de Hollanda
gerou um déficit de representatividade e legitimidade, ao contrário do que ocorreu nas gestões
anteriores, e não teve a capacidade de dar respostas eficazes, gerando uma insatisfação que se
generalizou, configurando-se, portanto, como uma “crise governamental”
Quando falo em “crise governamental” certamente não estou me referindo ao governo
como um todo, mas a um de seus subcampos, no caso, o da cultura. Mas, ainda que restrita a um
setor, foi sentida em outros subcampos do Estado e gerada tanto por fatores internos, quanto pela
interação do Ministério com a sociedade. Os primeiros se referem à heterogeneidade de posições
no interior do governo Dilma e, mais especificamente, no MinC na composição da crise. No caso
da interação, aconteceu que Hollanda não conseguiu dar um retorno satisfatório aos inúmeros
questionamentos feitos pelos agentes politico-culturais e midiáticos. O que resultou em uma
crise multissetorial inserida em uma conjuntura política fluida.
Em outras palavras, ainda que detentora de meta-capital e do poder de nomeação, a
ministra não soube avaliar o que estava em jogo e as disputas internas ao Estado e ao campo
cultural e suas relações daí decorrentes. Dessa forma, não pôde exercer o papel de mediadora
19
Disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,despreparo-e-dolorosamente-evidente-dizem-inte-
lectuais-sobre-gestao-do-minc,850226#. Acesso em 28.10.2015.
20
Este último movimento no que diz respeito ao processo crítico vivenciado pelo MinC procurou também solu-
cionar outros embates, estes no plano da política eleitoral. Segundo noticia a imprensa, a ida da senadora para o
Ministério ocorreria em troca de seu apoio à candidatura do PT do ex-ministro de Educação do governo Dilma,
Fernando Haddad, para a cidade de São Paulo. Isso porque Suplicy também postulou ocupar esse espaço e perdeu
a disputa interna ao partido. A esse respeito ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2012/09/1151790-marta-ne-
ga-que-ministerio-seja-compensacao-por-ajuda-a-haddad.shtml
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dos dissensos. Pelo contrário, suas jogadas só fizeram acirrar os conflitos e as mobilizações de
oposição, muitas vezes tornando adversários certos agentes que, em um primeiro momento,
não possuíam tal posição. A “carta dos intelectuais”, nesse sentido, foi decisiva, pois assinada
por agentes que, se não faziam parte do MinC, eram reconhecidos pelo núcleo central do poder
estatal, a exemplo de Marilena Chaui. E nem participaram da primeira onda de mobilização
formada pelos ativistas da cultura digital e das redes socais, de modo que, e ao aderirem ao jogo,
trouxeram novos recursos e interesses.
No entanto, como poderia se supor, este período não significou a desorganização de “antigos
interesses, posições de status e convicções gastas pelo tempo”, encastelados há muito no poder e
em choque com “novos interesses, novas postulações e ideias, criando um clima de confusão e
reorganização”, contexto típico dos momentos críticos (NOGUEIRA, 2015, p. 217). O que se deu
foi justamente o contrário: nos governos Lula, o MinC foi gerido por novas ideias e postulações e
a gestão de Hollanda teria sido uma tentativa de retorno a antigos interesses, status e convicções,
o que provocou a reação de setores renovadores do campo cultural brasileira e a consequente crise
governamental. Essa foi a principal especificidade da crise da gestão Ana de Hollanda.
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1. INTRODUÇÃO
O Tratado de Marraqueche tem por finalidade estabelecer limitações obrigatórias aos
direitos autorais para fins de garantir o acesso à cultura das pessoas portadoras de deficiências
visuais. Ratificado pelo Brasil no final de 2015 e internalizado com status de Emenda Constitu-
cional, passa a fazer parte do núcleo central de direitos fundamentais submetidos à proibição de
retrocesso expressa pela sua caracterização como cláusula pétrea da Constituição Federal. Sua
conclusão representa o cumprimento bem sucedido de algumas das ações referentes aos direitos
autorais incluídas no Plano Nacional de Cultura.
1
Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto e Pesquisador de Di-
reito Civil e Propriedade Intelectual no Curso de Direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Instituto
Três Rios. Professor Permanente e Pesquisador de Políticas Culturais e Direitos Autorais no Programa de Pós-Gra-
duação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento na UFRJ (PPED/IE/UFRJ). Coordenador do Núcleo
de Pesquisas em Direito, Artes e Políticas Culturais (NEDAC). E-mail: allanrsouza@gmail.com . CV Lattes: http://
lattes.cnpq.br/5178459691896082
2
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Instituto Três Rios. Pesquisa-
dor do Núcleo de Pesquisas em Direito, Artes e Políticas Culturais (NEDAC). E-mail: alexandre_spf@hotmail.com
. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/8954789495709084
128
VII Seminário Internacional
políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
Por ser o Tratado ainda muito recente, seus efeitos ainda estão por ser concretizados
nas práticas, porém já podem vislumbrados, projetados e até mesmo demandados, em especial
no que concerne às políticas públicas e institucionais de acessibilidade cultural, notadamente
às pessoas portadoras de deficiências. Em que pese a finalidade do Tratado de Marraqueche de
atender especificamente os portadores de deficiências visuais, portadores de outros tipos de de-
ficiência – como auditivas, por exemplo - encontram-se amparados pelo Tratado da ONU para
inclusão dessas pessoas em todos os níveis, inclusive culturalmente.
Explorar seus efeitos no ordenamento jurídico é o objetivo principal deste trabalho. E a
questão-chave a ser enfrentada é como a internalização deste tratado pode impactar legislação
de direitos autorais brasileira e a interpretação das limitações. Para isso, em primeiro lugar é en-
frentado o problema dos direitos culturais e sua vinculação com o acesso à cultura e os direitos
fundamentais e seu reflexo no Plano Nacional de Cultura. A seguir, são apresentados os trâmites
e procedimentos do processo legislativo de internalização do Tratado, bem como seu status no
ordenamento jurídico nacional. Ao final, são discutidos os efetitos sobre os direitos autorais e a
interpretação das limitações, tendo como base teórica os paradigmas da eficácia horizontal dos
direitos fundamentais.
3
Para aprofundamento nos contornos e conteúdo dos direitos culturais, permita-nos indicar a apreciação direta do
trabalho original: SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos autorais e as obras audiovisuais cinematográficas: entre a
proteção e o acesso. Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Tese de Doutorado, 2010. Ou ainda SOUZA, Allan
Rocha de. Direitos Culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2012.
129
VII Seminário Internacional
políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
pressupostos básicos: (i) os direitos culturais são direitos fundamentais; e (ii) são normatizados
e dotados de efetividade no ordenamento jurídico brasileiro.
E, a partir da análise dos dispositivos da Constituição Federal do Brasil de 1988 e dos
Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, complementada pela apre-
ciação das motivações expostas nas decisões judiciais destacadas e pelo exame das contribuições
da doutrina especializada, identificou-se que os direitos culturais são constituídos, em primeiro
lugar, do direito à livre participação na vida cultural e objetivem, principalmente, assegurar a
todos o seu pleno exercício. Mas são também nuclearmente compostos pelos direitos de acesso
e fruição das fontes, bens e patrimônio culturais; à identidade, pluralidade e diversidade cultural;
a um patrimônio cultural rico, valorizado e protegido.
Estes são os direitos culturais stricto sensu, conforme estabelecido no trabalho men-
cionado, e formam um conjunto de direitos interdependentes, vinculados ao objetivo maior de
assegurar a livre participação na vida cultural e garantir o seu pleno exercício. Seus sentidos se
complementam e suas aplicações se entrelaçam, reproduzem em sua normatização a dinâmica
particular de seu objeto, projetam-se por todo o ordenamento e refletem todas as dimensões dos
direitos fundamentais, mas enraízam-se no direito de igualdade. E a igualdade cultural é condi-
ção para o diálogo e convivência harmoniosa e o diálogo efetivamente livre é essencial em uma
sociedade plural.
O direito de todos ao pleno exercício dos direitos culturais, objetivo máximo de sua efeti-
vidade, implica, por ser informado pelas disposições dos tratados internacionais, no direito à livre
participação na vida cultural, pois só diante desta possibilidade é possível exercê-los plenamente.
A participação deve ser livre em razão do próprio pluralismo, assegurado constitucionalmente, e
da diversidade, amparada internacionalmente.
O principal efeito participação na vida cultural é impedir a exclusão involuntária da
própria participação. O aspecto negativo da participação só pode ser exercido pela recusa vo-
luntária em participar ativamente da vida cultural, e jamais pode ser imposta a participação,
por quaisquer poderes, sejam públicos ou privados. Deve-se notar que esta recusa em si, por
implicar em uma decisão individual relacionada à cultura, é uma participação na vida cultural.
Pela sua essencialidade, a restrição à participação só excepcionalmente e justificadamente pode
ser efetuada.
Assegurar materialmente a todos o direito de livre participação e o pleno exercício ga-
rante as condições para a emancipação e formação cultural, com efeitos cumulativos positivos
sobre a formação pessoal e social, condições para o exercício da cidadania, democracia e inclu-
são culturais, conforme estabelecido nos fundamentos e objetivos da República.
A porta de entrada para o exercício dos direitos culturais e livre participação na vida cul-
tural é o direito de acesso à cultura. Mas, para garantir o livre acesso, é necessária a preservação
130
VII Seminário Internacional
políticas culturais
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de espaços e condições existentes, além da constituição de novos, que permitam a livre e plena
manifestação, criação e circulação dos bens culturais. Estes são de natureza material (e.g.: equi-
pamentos e financiamento) e imaterial (e.g.: conhecimento, viabilidade técnica ou possibilidade
jurídica), e necessariamente implicam na preservação e ampliação do espaço jurídico necessário
para que, de fato, seja assegurada a livre participação cultural, condição para o pleno exercício
dos direitos culturais. Impõe-se, portanto, a democratização das condições econômicas, jurídi-
cas e sociais para a livre prática cultural.
A ampla acessibilidade aos bens culturais corrobora, ainda, para permitir a livre constru-
ção das identidades, elemento de constituição da existência social da pessoa, caracterizando-se
os direitos culturais como um verdadeiro direito existencial social. Deste modo, o direito à
identidade integra corporifica-se como justificativa principal das garantias de livre participação
e pleno exercício destes direitos. O direito à identidade cultural é um importante elemento da
dignidade humana.
O direito a um patrimônio cultural rico, valorizado e protegido corrobora a noção de
participação cultural e justifica os investimentos públicos na sua conservação, promoção e os
incentivos à produção de bens que venham a integrar-lhe. Este direito é complementar ao direito
de acesso e seu contínuo robustecimento consubstancia a livre participação cultural, e, conse-
quentemente, o pleno exercício destes direitos.
A construção deste patrimônio coletivo deve obedecer à pluralidade e diversidade, tendo
por referência os vários grupos participantes da nação, e respeitar as várias formas brasileiras
de ser e se expressar. O acesso livre serve também para garantir a liberdade de participação nas
diversas manifestações culturais e o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas.
A pluralidade é um elemento determinante dos direitos culturais. A convivência social e
o diálogo, em vista ao progressivo entendimento e mesmo integração, viabilizam e reforçam a
diversidade de formas de ser e se manifestar. Neste cenário, não há espaços para a exclusão. A
discriminação afeta diretamente o direito à pluralidade e diversidade, ofende frontalmente os di-
reitos culturais e atinge, também, o direito à identidade, na medida da rejeição à forma particular
de ser e viver. O direito à igualdade prepondera na rejeição e criminalização da discriminação,
mas é reforçado pelos direitos culturais ao pluralismo e à identidade.
E sendo o patrimônio constituído também pelas expressões artísticas e científicas e o
acesso a ponte para a participação na vida cultural e o efetivo exercício dos direitos culturais, não
parece razoável imaginar os direitos autorais separados dos direitos e fundamentação cultural –
nem nos aspectos pessoais, ou mesmo a proteção empresarial e até transmutação digital, com seus
novos objetos e interesses distintos, como nos alertou Ascensão (ASCENSÃO, 2006, passim).
O teor dos direitos culturais informa e fundamenta o conteúdo dos direitos autorais, e
influencia os direitos de liberdade de expressão e manifestação, comunicação e não discrimina-
131
VII Seminário Internacional
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ção. Às vezes contrapõem-se, em outras se complementam. Ora reforçando, ora limitando, mas
sempre legitimando o exercício e as limitações destes direitos.
Em 2005, com a Emenda Constitucional 48, foi acrescido o parágrafo 3º ao artigo 215 da
Constituição Federal, estabelecendo a criação de um Plano Nacional de Cultura, com a finalida-
de de integrar as ações e políticas governamentais e visando o desenvolvimento cultural do país.
Em parte, o conteúdo do Plano Nacional de Cultura4 (PNC) foi o resultado das Con-
ferências Nacionais de Cultura ocorridas no decorrer da primeira década do século XXI. Foi
promulgado em dezembro de 2010, com o objetivo de direcionar as ações do Estado pelos 10
anos subsequentes, sendo o Ministério da Cultura a principal - mas não única - instituição res-
ponsável por transformar tais objetivos em ações. O PNC institui princípios5 e objetivos6 que
afetam diretamente a normatização dos direitos autorais, além de, dentre as estratégias e ações,
estabelecer diversas ações diretamente ligadas aos direitos autorais.
Quatro disposições do PNC são particularmente relevantes para os objetivos deste tra-
balho: 1.97; 1.9.48; 1.9.149; 1.9.1510. Este conjunto pode ser dividido em dois grandes comandos
normativos: (a) equilibrar os interesses entre a exclusividade atribuída aos titulares de direitos
autorais e o direito de acesso à cultura pelos cidadãos; (b) projetar os interesses nacionais nos
organismos internacionais e promover a revisão das regras internacionais a fim de reduzir as de-
sigualdades entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A conclusão e ratificação do Tratado de Marraqueche alcançam, em conjunto, estes dois
objetivos, ao promover o equilíbrio entre os interesses econômicos privados dos titulares e o
público, sejam coletivos ou difusos, tanto nos planos nacional como internacional. E ainda pro-
move o acesso à cultura como direito fundamental, no caso como representação do princípio
da igualdade substancial. E o processo de internalização do Tratado de Marraqueche na ordem
jurídica nacional será esmiuçado logo a seguir.
4
BRASIL. Lei n. 12.343, de 02 de dezembro de 2010. Plano Nacional de Cultura. Disponível em: http://www.
cultura.gov.br/documents/10907/963783/Lei+12.343++PNC.pdf/e9882c97-f62a-40de-bc74-8dc694fe777a Aces-
so em 10 fev. 2015.
5
Ibid. Art. 1º: Fica aprovado o Plano Nacional de Cultura, em conformidade com o § 3º do art. 215 da Constitui-
ção Federal, constante do Anexo, com duração de 10 (dez) anos e regido pelos seguintes princípios: I - liberdade de
expressão, criação e fruição; IV - direito de todos à arte e à cultura.
6
Ibid. Art. 2º: São objetivos do Plano Nacional de Cultura: V - universalizar o acesso à arte e à cultura.
7
Ibid. 1.9 Fortalecer a gestão pública dos direitos autorais, por meio da expansão e modernização dos órgãos
competentes e da promoção do equilíbrio entre o respeito a esses direitos e a ampliação do acesso à cultura.
8
Ibid. 1.9.4 Adequar a regulação dos direitos autorais, suas limitações e exceções, ao uso das novas tecnologias
de informação e comunicação.
9
Ibid. 1.9.14 Promover os interesses nacionais relativos à cultura nos organismos internacionais de governança
sobre o Sistema de Propriedade Intelectual e outros foros internacionais de negociação sobre o comércio de bens
e serviços.
10
Ibid. 1.9.15 Qualificar os debates sobre revisão e atualização das regras internacionais de propriedade inte-
lectual, com vistas em compensar as condições de desigualdade dos países em desenvolvimento em relação aos
países desenvolvidos.
132
VII Seminário Internacional
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11
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
12
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repú-
blica: “VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.
13
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
14
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 49: “É da competência exclusiva do Congresso
Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
15
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Cons-
tituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.
133
VII Seminário Internacional
políticas culturais
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no título II da Constituição para que possuam eficácia (CANOTILHO [et al.], 2013, pp. 513-
523). Deste modo, os tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil têm
status materialmente constitucional independente de quórum, posto que, como são corolários da
própria à dignidade da pessoa humana, “em vista da sua importância, não podem ser deixados à
disponibilidade do legislador ordinário” (MENDES, 2012, p. 195).
Cabe afirmar, que, há poucos anos atrás, todos os tratados ratificados e internalizados no
ordenamento jurídico brasileiro estavam em mesmo grau hierárquico da legislação ordinária,
fazendo com que os tratados de direitos humanos não possuíssem primazia quando comparados à
legislação infraconstitucional16. O marco teórico para a mudança de paradigma foi o Recurso Ex-
traordinário 466.343 impetrado no Supremo Tribunal Federal (STF) em 12 de março de 2008, de
relatoria do então Ministro Cezar Peluso e capitaneado pelos votos dos Ministros Gilmar Mendes
e Celso de Mello, que considerou, majoritariamente17, revertendo a jurisprudência anteriormente
estabelecida por este mesmo Tribunal, que os tratados e convenções internacionais ratificados
pelo Brasil antes da EC 45/04, que versam sobre direitos humanos, têm eficácia supralegal.
Cabe por bem ressaltar, que há quatro propostas teóricas divergentes acerca do status
dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico nacional. A primeira
reconhece a natureza supraconstitucional destes tratados, atribuindo-lhes valor hierárquico
acima da Constituição; a segunda proposição reconhece estes instrumentos como constitucio-
nais, independente dos procedimentos para sua ratificação; uma terceira proposta atribui-lhes
o caráter de lei ordinária; e, por fim, a posição que considera o status supralegal destes trata-
dos, que embora abaixo da Constituição encontram-se acima das normas infraconstitucionais.
Para resolver o conflito, que consistia em decidir com base em qual das teorias supra-
citadas o Pacto de San Jose da Costa Rica e demais Tratados de Direitos Humanos deveriam
ser internalizados no ordenamento jurídico pátrio, duas delas se sobressaíram: a proposta
de supralegalidade baseada no voto do Min. Gilmar Mendes, e a proposta de equivalência
constitucional, defendida no voto do Min. Celso de Mello. A primeira afirmando o caráter
hierárquico supralegal e a segunda o caráter constitucional. O STF, então, reconheceu que, por
versar sobre direitos e garantias fundamentais, este tratado (assim como os demais da mesma
16
Até então, a jurisprudência dominante previa que os tratados internacionais que fossem incorporados ao orde-
namento jurídico brasileiro continham o mesmo nível hierárquico das leis federais comuns. O caso paradigmático
foi o Recurso Extraordinário n. 80.004, julgado em 01 de junho de1977. Esta posição – de equivalência entre os
tratados internacionais em geral e as leis federais ordinárias - fora reiterada após o advento da Constituição de 1988,
na ADI nº 1.480-3-MC/DF de 18 de maio de 2001, de relatoria do Min. Celso de Mello. Disponível em: <www.stf.
jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
17
Em decisão apertada, por cinco votos a favor, quatro contrários e uma abstenção, a maioria decidiu votar pela su-
pralegalidade dos tratados que versam sobre direitos humanos, acompanharam o votos do Mininstro Gilmar Mendes
os Ministros: Carlos Ayres Britto; Carmén Lúcia; Menezes Direito e o Ricardo Lewandowski. Do outro lado, acom-
panhando o Ministro Celso de Mello, sustentaram a tese da qualificação constitucional destes tratados os Ministros:
Cesar Peluso; Ellen Gracie e Eros Grau. Votação disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
134
VII Seminário Internacional
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18
O Ministro Gilmar Mendes ressaltou em seu voto que os tratados não poderiam ser equiparados às emendas
enquanto não fossem aprovados nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, já o Ministro Celso
de Mello, no voto vencido, afirmava, que, devido ao fato do tratado versar sobre garantia de direitos humanos, este
deveria ser equiparado materialmente, em seu conteúdo, independente do quórum de votação, aos Direitos Funda-
mentais em decorrência do§ 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988.
19
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 466.343/SP. Tribunal Pleno. Relator: Min. Cezar
Peluso, Brasília, 12 de março de 2008, pg. 55. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
20
Ibid.
21
BRASIL. Decreto n. 678 de 1992. Ratifica o Pacto de San Jose da Costa Rica. Disponível em: < http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 13 fev. 2016.
22
BRASIL. Código Civil. Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir
quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.
23
BRASIL. Súmula 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
24
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a
do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
135
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No ano de 2008, o Brasil ratificou o Tratado da Organização das Nações Unidas (ONU)
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência25, bem como seu protocolo facultativo, que re-
conhece o direito do indivíduo ou grupo de indivíduos apresentarem queixa ao Comitê dos
Direitos das Pessoas com Deficiência. Por versar sobre direitos humanos com aprovação de
três quintos dos membros de cada casa do Congresso Nacional, conforme procedimento es-
tabelecido pela EC 45/04, este tratado foi internalizado com status de emenda constitucional,
sendo incorporado como cláusula pétrea, isto é, devido a sua importância no Estado Demo-
crático de Direito, limitam o legislador ordinário “assegurando a imutabilidade de certos va-
lores” (MENDES, 2012, p. 139), tendo por base legal o art. 60 § 4º26 da Constituição Federal
de 1988.
Relacionado ao Tratado de Marraqueche em razão de seu conteúdo, o Tratado da ONU
estabelece em seu artigo 30 a obrigação de garantir a disponibilidade de bens culturais em for-
matos acessíveis, e, nesse sentido, estabelece deveres que vão além das metas restritas do Tra-
tado de Marraqueche, uma vez que não se limita nem ao material impresso nem em benefício
unicamente das pessoas com deficiência visual, mas alcança, basicamente, pessoas portadoras
de qualquer deficiência e todos os tipos de expressões culturais.
Após a aprovação do Tratado da ONU, sua efetivação ocorreu com a promulgação de
lei federal para a ampla inclusão de pessoas com deficiência, que entrou em vigor a partir de 04
de janeiro de 2016, atingindo os domínios cultural e tecnológico. A Lei n. 13.146 27 estabelece,
em seu artigo 42, garantias com relação ao direito de acesso aos produtos culturais em formatos
acessíveis. E, ainda mais interessante, em seu parágrafo 1o, afirma que “é vedada a recusa de
oferta de obras intelectuais em formatos acessíveis às pessoas com deficiência, sob qualquer
argumento, incluindo a alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual”.
Em 04 de novembro de 2014, logo após as eleições presidenciais, assegurando o se-
gundo mandato da Presidenta Dilma Roussef, foi enviado o texto do Tratado de Marraqueche
ao Congresso Nacional para apreciação. Na Câmara dos Deputados (513 assentos) o tratado
foi apresentado às Comissões de Relações Exteriores; Pessoas com deficiência; Cultura; e de
Constituição e Cidadania, onde recebeu recomendação de aprovação como Emenda Constitu-
cional. Na primeira das duas rodadas de votação, em 20 de Agosto, 2015, alcançou 341 votos
25
BRASIL. Decreto Federal nº 6.949. Ratifica o Tratado da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm >. Acesso em:
13 fev. 2016.
26
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 60: “A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de
Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias
individuais”.
27
BRASIL. Lei n. 13.146, de 06 de julho de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13146.htm Acesso em: 13 fev. 2016.
136
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a favor e apenas um contra. Ele foi finalmente aprovado por unanimidade pelos 452 represen-
tantes em 08 de setembro, na segunda rodada de votação28. Uma vez no Senado (81) assentos,
foi enviado à Comissão de Relações Exteriores, cujo parecer foi aprovado. Em 24 de novem-
bro, 2015, o Tratado foi aprovado por unanimidade na primeira rodada por 57 senadores e por
52 no segundo turno29. Em primeiro de dezembro de 2015, o presidente assinou a ratificação
do Tratado, com o estatuto de Emenda Constitucional.
Este é um importante passo no respeito e na valorização da dignidade, liberdade e auto-
nomia individual, pois, intentando a máxima inclusão dos deficientes, acaba por forçar os entes
federativos a criar políticas públicas capazes de repreender a discriminação e fomentar um pro-
gresso social isonômico que permita, não de forma meramente formal, o pleno desenvolvimento
de todos.
28
Para uma visão mais detalhada de todo o processo legislativo na Câmara dos Deputados ver: http://www.
camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao;jsessionid=08E717E21A4E2AEEAFBD274F67703651.propo-
sicoesWeb1?idProposicao=1228455&ord=0 Acesso em 12 fev. 2015.
29
Para uma visão mais detalhada de todo o processo legislativo no Senado Federal ver: http://www25.senado.leg.
br/web/atividade/materias/-/materia/123103 Acesso em 12 fev. 2015.
30
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 964.404 – ES. Terceira Turma. Relator: Ministro Paulo
de Tarso Sanseverino. Brasília, 15 de março de 2011. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 10 fev. 2015.
137
VII Seminário Internacional
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das limitações dos direitos autorais, firmando uma diretriz para a padronização da interpretação
da legislação federal, tendo sustentado sua decisão justamente na necessidade de harmonização
entre os direitos fundamentais constitucionais de proteção aos direitos autorais e os demais di-
reitos humanos, em especial os referentes à educação e cultura.
Reconheceu o tribunal que a interpretação de qualquer norma deve considerar o conjun-
to normativo e não as regras especificamente aplicadas e, neste sentido, indicou que o ministro
relator reconheceu que a efetividade da proteção do artigo em comento só seria possível após o
“reconhecimento das restrições e limitações a ela opostas pela própria lei especial”, pois
O âmbito efetivo de proteção do direito à propriedade autoral (art. 5º,
XXVII, da CF) surge somente após a consideração das restrições e li-
mitações a ele opostas, devendo ser consideradas, como tais, as resul-
tantes do rol exemplificativo extraído dos enunciados dos artigos 46,
47 e 48 da Lei 9.610⁄98, interpretadas e aplicadas de acordo com os
direitos fundamentais.
Deste modo, sobre as limitações aos direitos autorais – arts. 46, 47 e 48 da Lei 9.610/98
–, entendeu o Tribunal que essas possuem necessariamente caráter exemplificativo. Aduziu que
as limitações são representações da importância e da valorização de direitos e garantias funda-
mentais pelo legislador ordinário em face dos direitos autorais, pois, afinal, “valores como a cul-
tura, a ciência, a intimidade, a privacidade, a família, o desenvolvimento nacional, a liberdade
de imprensa, de religião e de culto devem ser considerados quando da conformação do direito à
propriedade autoral”.
Nesta perspectiva, as limitações são o “resultado da ponderação destes valores em de-
terminadas situações, não se pode considerá-las a totalidade das limitações existentes” e que
a adoção de entendimento contrário ao caráter exemplificativo das limitações aos direitos do
autor, conduziria, em determinados casos, à violação de direito ou garantia fundamental e “ao
desrespeito do dever de otimização dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, §1º, da CF),
que vinculam não só o Poder Legislativo, mas também o Poder Judiciário”. Daí a
Necessidade de interpretação sistemática e teleológica do enunciado
normativo do art. 46 da Lei n. 9610⁄98 à luz das limitações estabelecidas
pela própria lei especial, assegurando a tutela de direitos fundamentais
e princípios constitucionais em colisão com os direitos do autor, como a
intimidade, a vida privada, a cultura, a educação e a religião.
O processo de inclusão cultural é um reflexo do direito à igualdade, sendo instrumento
promocional da cidadania e democracia cultural e sustentáculo da dignidade humana. A amplia-
ção e concretização do direito de acesso à cultura é o elemento chave para realização da desejada
inclusão cultural. Com a ratificação dos novos tratados, conforme exposto neste artigo, o direito
de acesso à cultura adquire um novo e renovado fôlego, demandando que as ações e políticas
públicas e legislativas se adequem e correspondam ao status qualificado deste Direito.
138
VII Seminário Internacional
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Uma das formas de assegurar a efetividade do acesso à cultura é pela expansão das
limitações aos direitos autorais que, como visto, é resultado da ponderação entre os direitos
fundamentais em potencial colisão. As limitações são utilizações legais de obras protegidas que
não precisam de remuneração nem autorização prévia dos titulares. No sentido de otimização do
direito de acesso à cultura são exigidas ações de todos os poderes, pois os deveres te otimização
obrigam os poderes executivo, legislativo e judiciário.
Aos poderes executivos, em especial o federal, cabe a liderança na efetiva aplicação e
perseguição dos objetivos e ações previstos no Plano Nacional de Cultura, mormente (1) a ex-
pansão das limitações com vistas ao equilíbrio entre os interesses privados dos autores e titula-
res; (2) a ampla digitalização e disponibilização do domínio público; (3) a inclusão de licenças
abertas nas produções financiadas pelo Poder Público; (4) a exigência de disponibilidade de
formatos acessíveis. Ao Poder Legislativo cabe principalmente emendar a legislação pertinente
de forma a assegurar a objetivação legislativa do direito de acesso à cultura, com a ampliação
das limitações e, principalmente, inclusão de uma cláusula geral de limitações, tão necessária à
sustentabilidade do próprio sistema de proteção aos direitos autorais.
Por fim, cabe ao Judiciário promover uma interpretação consistente com a necessária
ponderação entre a exclusividade autoral e o acesso à cultura, reafirmando a jurisprudência
encampada pelo STJ e STF, consolidando a interpretação sistemática e teleológica das limita-
ções e, com isso, solidificando o entendimento de que estas limitações hão de ser interpretadas
extensivamente e os usos livres expressos na legislação são apenas exemplos de usos livres, e
não a totalidade deles.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito da internet na sociedade de informação. Rio de Janeiro: Forense,
2002.
ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito Intelectual em Metamorfose. In Revista de Direito Autoral, ano
II, n. 4. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
ASCENSÃO, José Oliveira. Direito do Autor como Direito da Cultura. In Cadernos de Pós-graduação,
ano I, n.1, set., 1995, pp. 57-66. Rio de Janeiro: UERJ, 1995.
BRASIL. Decreto Federal nº 6.049. Ratifica o Tratado da ONU sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.
htm >. Acesso em: 13 fev. 2016.
BRASIL. Lei n. 12.343, de 02 de dezembro de 2010. Plano Nacional de Cultura. Disponível em: http://
www.cultura.gov.br/documents/10907/963783/Lei+12.343++PNC.pdf/e9882c97-f62a-40de-bc74-
8dc694fe777a Acesso em 10 fev. 2015.
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RESUMO: O texto pretende trazer novos elementos para os debates e reflexões acerca do
desenvolvimento das cidades e suas influências na produção e fruição cultural nos setores mais
populares da sociedade, a partir de algumas inflexões a respeito dos formatos da gestão cultural
aplicada em espaços ligados ao samba, na Cidade do Rio de Janeiro. A observação realizada no
Centro Cultural Cartola – Museu do Samba confirma a importância da Educação Patrimonial
para o exercício dos direitos culturais e ressalta os resultados positivos conseguidos junto aos
jovens da Mangueira e bairros vizinhos, através de um modelo de gestão cultural contemporânea.
1
FUNARTE, 21 999482770/ 999482788, alvarosamba@gmail.com
141
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num excelente material para evidenciar as influências e a pressão do crescimento urbano sobre
os espaços pulares de cultura nas cidades.
Outro ponto que podemos destacar é a constatação de que há pouco material que abor-
de a questão da ancestralidade, tão presente nas ações culturais nesses territórios. O processo
histórico do surgimento e evolução do samba carioca e suas primeiras contribuições ao campo
social, segundo alguns estudiosos, influenciam o presente processo, pois, a memória social se
constrói ao longo de muitas gerações de indivíduos mergulhados em relações determinadas por
estruturas sociais e sua construção implica na referência ao que não foi presenciado.
Se a sociedade atual traz as marcas das estruturas sociais que lhe antecederam e se estas
marcas são potencialmente suportes da memória, então é também pela seleção, pela análise e
pela interpretação destes suportes que serão construídas a memória, sendo que a construção
desta sempre envolve esquecimento.
Por uma série de fatores algumas manifestações culturais relevantes para o meio são
transmitida e passadas; selecionadas por um processo social natural (ou incentivado em alguns
casos); já outras são esquecidas, apagadas pelo próprio processo e fluxo da vida em constante
transformação. Portanto, devido a sua continuidade por um logo tempo, pode-se afirmar a im-
portância do samba para essas comunidades.
A extinção de algumas agremiações carnavalescas e a criação de outras, faz parte de um
processo contínuo e aberto, onde a memória coletiva nesses grupos, construída socialmente,
representa um conjunto de ações internas e que se fortalecem quando contribuem para a preser-
vação do samba e de sua própria cultura.
Nas pesquisas de campo pode-se observar que a recuperação e a preservação da memória
do samba depende da ação de agentes culturais que adquiriram reconhecimento junto à popula-
ção de sambistas tradicionais, ao longo do tempo, e que hoje se desdobram em empreendedores,
gestores e amantes do samba, simultaneamente. Inicialmente o samba não é um produto e sim
uma cultura.
O processo de fortalecimento da identidade dessas coletividades nos revela, no entanto,
certo grau de conflito e de disputa interna por hegemonia política, que é determinante para a
definição e organização do processo decisório. Neste caso, os produtores culturais concorrem
com os mais velhos, o melhor ritmista, o cantor preferido, as matriarcas e uma série de outros
formadores de opinião que participam ativamente das rodas de samba: músicos, compositores,
cantores, ex-diretores de agremiações, cozinheiras e outros agentes culturais reconhecidos no
bairro, que aos poucos ganharam notoriedade local.
A observação de que uma manifestação cultural se transforma e adquire características
do grupo que a sustenta, caminha ao lado do fato de que essa manifestação cultural pode ser a
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mesma, mas a forma de fruição e relação afetiva dos seus frequentadores depende da ligação
histórica com a vida do individuo participante.
É necessário um olhar mais técnico para avaliar as relações existentes entre os espaços
culturais e a manutenção de suas atividades e a ação, ou omissão, da esfera pública. É surpreen-
dente como tais movimentos, envolvendo grande número de pessoas, acontecem numa cidade
como o Rio de Janeiro e muitas vezes não são percebidos.
Há uma interdependência entre o sucesso ou insucesso de eventos com as características
de uma roda de samba e os serviços oferecidos pelo município; transporte, segurança, iluminação,
banheiros públicos, etc. até água e energia elétrica, que estão ligadas à sociedade como um todo,
mas que, em certos casos são determinantes para manutenção desta ou daquela ação cultural.
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a vida e obra de um grande mestre, morador da Mangueira, poeta sofisticado e um dos maiores
ícones da música popular brasileira, o CCC consegue atrair jovens da comunidade para as diver-
sas atividades voltadas à capacitação profissional e artística.
O mestre mangueirense se torna, assim, um exemplo a ser seguido pelas crianças e pelos
jovens ansiosos por um lugar ao sol, que têm no Centro Cultural Cartola uma fonte de aprendi-
zado, de experiência e de incremento de suas capacidades. A preservação da memória de Cartola
e de seu legado cultural requer uma participação ativa da instituição junto à comunidade. A mera
disponibilização de sua produção musical não bastaria para traduzir a importância social deste
ícone da música popular, deste cidadão que, apesar de todas as dificuldades encontradas em seu
caminho, conseguiu imprimir seu nome entre os mais importantes artistas brasileiros.
Desta forma, além da criação de um espaço destinado à exposição e à divulgação da pro-
dução cultural do Cartola, o Centro Cultural se dedica à educação musical e artística de crianças,
jovens, adultos e idosos, em projetos sociais de grande abrangência. Valorizar a cidadania, a
liberdade, a participação na sociedade, a assistência social, o trabalho voluntário, o aprendizado
musical e a cultura brasileira, são as metas do Centro Cultural Cartola, que teve como primei-
ra presidenta de honra a companheira de nosso Mestre, a incansável Dona Zica, cuja história
de luta e sucesso é de todos conhecida. O Centro Cultural Cartola acredita na força da cultura
brasileira, na vontade de crescer de nosso povo e na efetiva possibilidade da inclusão social.
Dedica-se, assim, à mais nobre das missões: transformar em realidade um ideal.
Situado à Rua Visconde de Niterói, 1296 - Mangueira/RJ, o Centro Cultural Cartola se
tornou uma referência nacional em termo de gestão e aproveitamento de espaços ociosos para a
cultura. Situada numa área pobre, passou a se dedicar à inserção social da juventude local pela
arte, educação, construção da cidadania, valorização da cultura e preparação profissional com
vista ao resgate da dignidade humana. Pode ser considerado um modelo de excelência no en-
frentamento ao risco de perda de memória imposto pelo crescimento urbano.
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Em 2011, o CCC foi reconhecido como Museu do Samba do Rio de Janeiro e em 2012
começa suas atividades musicais. A área onde funciona possui sete mil metros quadrados e
pertence ao IBGE.
A missão do Museu do Samba é desenvolver ações de resgate, preservação e difusão dos
conhecimentos relativos às matrizes do samba no Rio de Janeiro bens registrados como patrimô-
nio cultural brasileiro, dar suporte ao ensino, pesquisa e extensão e promover a reflexão crítica
da realidade histórica, tendo como referência as políticas de salvaguarda do patrimônio imaterial
brasileiro. ( site oficial da instituição).
Em 2013 a exposição itinerante “Para Não Perder a Memória – D. Zica 100 Anos” foi
um marco na gestão cultural do CCC. O projeto foi uma homenagem a Dona Zica da Mangueira,
esposa de Cartola, que nasceu em 06 de fevereiro de 1913 num domingo de Carnaval. Através
dele a educação patrimonial consagra o Museu do Samba Carioca, que contou com patrocínio da
Petrobras e apoio da Secretaria de Estado de Janeiro. Um grande sucesso de público e crítica. As
parcerias com as instituições de ensino e a divulgação de suas atividades nos sites que integram
o circuito do samba fazem do espaço expositivo um grande sucesso.
Há exposições que recebem mais de cinco mil alunos, com idade entre 9 e 17 anos da
rede pública e privada de ensino. No projeto Memória das Matrizes do Samba do Rio de Janeiro,
por exemplo, as escolas que formaram a parceria foram: Escola Municipal Nilo Peçanha, CIEP
Nação Mangueirense, Escola Municipal Gonzaga da Gama Filho, FAETEC – Adolpho Bloch,
Escola Municipal Uruguai, Escola Municipal Marechal Trompowsky, Escola Municipal Cardeal
Leme e finalizando com Escola Tia Neuma.
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dada por Nilcemar Nogueira, a neta de Cartola, uma visão diferenciada das muitas instituições
do mundo do samba.
O uso do termo Patrimônio como herança social aparece na França pós-Revolucionária,
quando Estado decide tutelar e proteger as antiguidades nacionais com valor e significado atri-
buídos como importantes para a história da nação. Patrimônio Histórico passa desde então a ser
“o conjunto de bens entendidos como herança do povo de uma nação”. Essa definição já incluía
“não apenas os bens imóveis, mas também os bens móveis, tais como acervos de museus e docu-
mentos textuais” (TEIXEIRA et alli, 2004, p. 02).
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educa-
cional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conheci-
mento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto
com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos
aspectos, sentidos e significados, o trabalho de Educação Patrimonial
busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento,
apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para
um melhor usufruto desses bens, e propiciando a geração e a produção
de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural.
(HORTA; 1999, p. 06).
Seria um equívoco dessa pesquisa a não apresentação de um pequeno histórico sobre a
Educação Patrimonial, já que o mais se vê no CCC é a prática da abordagem educacional no tra-
to com as noções e práticas patrimoniais, com participação de jovens da comunidade do Morro
da Mangueira e das escolas dos bairros vizinhos.
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de recursos. Outra parceria fundamental foi fechada com a Fundação Roberto Marinho, que
se dedica a contribuir para que a estrutura física do prédio seja equiparada às instalações dos
grandes museus do Rio de Janeiro.
A sustentabilidade das instituições culturais se constitui num grande desafio. A principal
fonte de recursos advém de convênios com órgãos públicos que obrigam a equipe administra-
tiva a cumprir toda aquela burocracia exigida pelo setor público, que muitas vezes acabam por
limitar algumas ações consideradas prioritárias. A nova gestão do Centro Cultural Cartola, com
Nilcemar, passou a buscar a ampliação do diálogo com o poder público e com as organizações
representativas, a diversificar as fontes de patrocínio, o acompanhamento de editais públicos nas
diversas esferas de governo, dar visibilidade as lideranças locais, garantir a execução do plano
de educação patrimonial.
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social oscila constantemente e indica o grau de satisfação ou insatisfação referente aos serviços
prestados, o que em muitos casos será usado como divisor de águas no processo decisório.
O conceitos que se relacionam com a Cidadania Cultural estão vinculados aos conceitos
de patrimônio cultural, acesso à produção e à fruição cultural, igualdade de oportunidade, acesso
às informações em todas as fases dos processos produtivos.
A Gestão Transformadora, com foco na Educação Patrimonial, requer o conhecimento
profundo dos limites entre o público e o privado e deve estar atenta tanto às questões de pre-
servação das tradições, quanto aberta às novas experiências. Não se transforma uma realidade
local de um momento para outro. É um processo longo, com avanços e recuos, que vai depender
do grau de conscientização em cada fase do processo de transformação. Será preciso, além de
tudo, lidar com as resistências à mudança, no seus patamares mais amplos, envolvendo aspectos
sociais, antropológicos e culturais, dentro e fora do Território.
Por fim, ela dever orientar que a descoberta dos potenciais talentos artísticos e intelec-
tuais dentre os membros das comunidades deve ser tratada como um resultado esperado nesse
caminho transformador, ou seja, quase uma premissa.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As alterações decorrentes do crescimento urbano e suas movimentações transformadoras
geram, muitas vezes, a distorção do carácter público do espaço urbano e passa a servir à explo-
ração econômica e financeira, em detrimento da construção de locais de convivência coletiva
e pública. Minhas observações se concentraram nas experiências exitosas que representam a
retomada e manutenção de locais públicos como lugar de encontros, políticas, trocas, convívio
e realização coletiva, que possibilitem o fortalecimento das ações culturais.
A presente pesquisa tentou reunir ações e atores que trabalham para intensificar a dimensão
empresarial nos espaços do samba e da cultura como um todo, através de uma gestão cultural con-
temporânea que age de forma cuidadosa e preocupada com a recuperação e/ou preservação dos tra-
ços culturais. No entanto temos que ter a noção de que tais iniciativas são ainda bastante reduzidas
em relação ao grande universo das manifestações culturais em todo país. É comum encontrarmos
nos espaços populares de cultura formas inadequadas e descontínuas de gestão cultural.
As observações aqui realizadas foram amparadas por reflexões acadêmicas que envol-
vem campos diversos, tais quais antropologia, sociologia, história, arquitetura e urbanismo. Po-
demos concluir que as ações culturais ligadas ao samba conecta diretamente a manifestação de
cultura e arte à dimensão social do território e sugere um grau de relação entre os agentes que
atuam nos espaços, ao mesmo tempo de afetividade e responsabilidade.
O conceito ampliado de patrimônio cultural consolidado na Constituição Federal de
1988, influenciado pelas convenções internacionais, consagra a noção de bens imateriais, com-
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preendidos pelas manifestações culturais e suas diversas formas de expressão; como componen-
te do Patrimônio Cultural Brasileiro. Mais do que isso, nossa Constituição prevê a participação
da comunidade na proteção do patrimônio cultural, principalmente através de dois novos instru-
mentos jurídicos: o inventário e o registro.
Todavia, sabemos que a Constituição não é capaz de implementar sozinha uma política
cultural democrática e inclusiva. Tal construção só será alcançada a partir de uma ruptura com as
bases ideológicas que influenciam o pensamento conservador do Estado. O discurso dominante
ainda é segregacionista e dicotômico. Separa cultura popular de cultura erudita, não valoriza a
subjetividade, a dinamicidade e a espontaneidade do processo cultural de todo e qualquer grupo
social. Trata processos e bens culturais como produtos e lida com a cultura como instrumento,
ora eleitoral, ora para promoção midiática de suas ações; dentre outras posturas incompatíveis
com a visão contemporânea de patrimônio cultural.
Modelos de gestão como o observado no Centro Cultural Cartola - Museu do Samba po-
dem ser difundidos como exemplos positivos de uma gestão cultural transformadora, que intro-
duziu a busca constante por cidadania num espaço de samba. Espaço este que alcançou o status
de museu com e consegue manter um excelente grau de convivência, lazer, formação, fruição
artística e preservação. Que democratizou o conceito de Educação Patrimonial e, mesmo diante
das dificuldades e problemas aqui expostos, nos apresenta caminhos e tecnologia para um tempo
mais promissor para a gestão cultural voltada para os espaços populares.
A experiência de Nilcemar, à frente do Centro Cultural Cartola, vem confirmar que a rup-
tura paradigmática, esperada no campo ideológico para a efetivação das políticas culturais mais
democráticas, deve ser acompanhada por novos modelos de gestão cultural contemporânea, que
além visar alcançar a sustentabilidade deverá saber bem dimensionar o seu papel social.
Enfim, novos caminhos promissores começam a ser desenhados, pois, uma vez compro-
vada a sua eficiência, haverá a necessidade de um grande esforço por parte dos grupos sociais,
políticos e acadêmicos para que esses novos formatos de gestão cultural sejam mais pesquisa-
dos, aperfeiçoados e propagados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário de. Cartas de Trabalho: correspondência com Rodrigo Melo Franco de Andrade
(1936-1945). (Introdução e Notas – Lelia Frota) Brasília, MEC\SPHAN\FNPM,1981.
ARAÚJO, Hiram - Carnaval: seis milénios de história. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003.
As Metas do Plano Nacional de Cultura: Ministério da Cultura, junho de 2012.
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1. INTRODUÇÃO
O Programa de Cultura do Trabalhador, conhecido como Vale Cultura, foi estabelecido
pela meta 26 do Plano Nacional de Cultura (PNC) do Brasil e visa garantir o exercício dos
direitos culturais aos trabalhadores e ao mesmo tempo incentivar a cadeia produtiva da cultura
(BRASIL, 2013a, p. 79). Instituído pela Lei Federal nº 12.761 de 27 de dezembro de 2012,
o programa está em implementação em todos os estados brasileiros. Suas metas são alcançar
até o ano de 2020 a distribuição de 12 milhões de cartões Vale Cultura aos trabalhadores, com
renda entre 1 e 5 salários mínimos. (BRASIL, 2012b).
1
Relações Públicas e Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade do Vale do Itajaí/SC (2015) vin-
culada à Uniasselvi – Assevim (Centro Universitário Leonardo da Vinci e Associação Educacional do Vale do Itajaí
Mirim) como Professora do Curso de Publicidade e Propaganda; email: anaclarafmarques@gmail.com .
2
Filosofa, Mestre em Educação e Doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia (2008). Professora Pes-
quisadora do Programa de Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí;
email: gloria.dittrich@univali.br .
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O IBGE estima que a população itajaiense, em 2015, seja de 205.271 pessoas. A eco-
nomia do município de Itajaí é baseada no setor de serviços, com foco principal na atividade
portuária, da qual deriva às atividades de comércio exterior, logística, construção naval, pes-
ca e comércio local. Os dados mais recentes sobre o PIB são de 2012 e nesse ano era de R$
19.754.199.000,00. De acordo com o censo de 2010 o Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) era de 0,795, o 13º maior entre os 293 municípios de Santa Catarina. No
mesmo ano, 87,8% da população economicamente ativa tinha renda de até 5 salários mínimos
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010). Este é o público alvo
do Programa de Cultura do Trabalhador, demonstrando que, em termos salariais, a maioria da
população trabalhadora de Itajaí tem potencial para receber o cartão Vale Cultura, caso se ade-
quem às demais normativas do programa.
O Plano Municipal de Cultura de Itajaí - PMC (ITAJAÍ, 2013) demonstra que a estrutu-
ra de gestão da cultura no município é composta pela Fundação Cultural de Itajaí (responsável
por fomento, difusão e acesso) e a Fundação Genésio Miranda Lins (patrimônio e memória). O
financiamento à cultura se dá por meio de editais, da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e de
convênios/parcerias. A participação popular acontece por meio do Conselho Municipal de Políti-
cas Culturais com a inclusão de todos os segmentos artísticos organizados por câmaras setoriais.
A produção simbólica existe em todos os segmentos artísticos, entretanto, pela avalia-
ção da programação do Teatro Municipal, percebe-se uma predominância de apresentações nos
segmentos de dança, música e teatro (MARQUES, 2013). As artes visuais, produção audio-
visual e literatura também contam com artistas atuantes. O Plano Municipal de Cultura alerta
para a necessidade de preservação das tradições culturais como Boi de Mamão e Terno de Reis
(ITAJAÍ, 2013).
A produção é embasada por centros de formação artística como o Conservatório de Mú-
sica Popular e pela formação universitária em música, artes visuais, letras, produção audiovisual
e fotografia. No município não existe curso universitário de artes cênicas (teatro e dança), ape-
nas cursos dos grupos profissionais locais.
Diante disso, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados da pesquisa sobre o Pro-
cesso de Implementação do Programa de Cultura do Trabalhador (Vale Cultura), no município
de Itajaí, com dois focos principais, a saber: 1) Identificar o nível de implantação e a abrangência
da rede credenciada de empresas recebedoras do cartão Vale Cultura em Itajaí; 2) Compreen-
der a percepção dos trabalhadores itajaienses sobre o processo de implantação do Programa de
Cultura do Trabalhador, no município. O artigo apresenta primeiro o conceito de cultura que
embasa e o contexto de elaboração do Plano Nacional de Cultura. Em seguida apresenta-se a
metodologia utilizada, o delineamento geral do Programa de Cultura do Trabalhador e os re-
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sultados apontando a visão de trabalhadores sobre o Vale Cultura em Itajaí. Finaliza-se com as
considerações finais.
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Com efeito, a cultura, em sua dimensão econômica, é vista no PNC como um dos pilares
para o desenvolvimento econômico local e regional, pelo apoio financeiro à preservação e pro-
dução de expressões culturais únicas de cada localidade, definindo territórios criativos (BRA-
SIL, 2013a, p. 16-18). Este conceito ampliado de cultura que abarca o ser humano criativo,
cidadão e trabalhador, dentro do seu contexto histórico e social, decorre de um longo processo
de reflexão sobre cultura e políticas públicas.
Na concepção de Rubim (2007, p. 151) para que uma política seja denominada de ‘po-
lítica pública’ é necessário que seja “submetida ao debate e crivo público” em sua elaboração
e monitoramento, enfatizando assim, a importância da participação social, não apenas como
beneficiária, mas como agente de transformação da sociedade.
Coelho (1997, p. 292) define política cultural como: “programa de intervenções realiza-
das pelo Estado, com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover
o desenvolvimento de suas representações simbólicas”.
O Plano Nacional de Cultura foi elaborado em um extenso processo de participação
social. Entre 2003 e 2010 ocorreram diversos momentos de pactuação, como: seminários para
discussão e diagnóstico da cultura nacional, a instalação de câmaras setoriais por segmento
artístico, a 1ª e 2ª Conferências Nacionais de Cultura, a criação do Conselho Nacional de
Políticas Culturais e a aprovação da emenda constitucional EC nº48/2005, que acrescentou o
parágrafo 3º no artigo 215, criando o Plano Nacional de Cultura (PNC) (BRASIL, 2012a, p. 57
e 87). Este foi detalhado e instituído pela Lei nº 12.343 de 2 de dezembro de 2010 (BRASIL,
2010). A partir desse momento o Ministério da Cultura (MinC) passou a elaborar as metas para
alcançar os objetivos nele determinados. O Programa de Cultura do Trabalhador é a meta nº 26
(BRASIL, 2013a).
3. A METODOLOGIA
A pesquisa foi exploratória, qualiquantitativa, o embasamento teórico para a discussão
dos conceitos centrais da pesquisa sustenta-se na abordagem fenomenológica com foco na her-
menêutica. A fenomenologia é o estudo das essências, é uma filosofia que compreende o homem
e o mundo a partir da sua facticidade. Trata-se de descrever e não explicar, nem de analisar
(MERLEAU-PONTY, 1999). A compreensão sobre os dados ocorreu desde a hermenêutica fe-
nomenológica, sustentada pelo referencial teórico e percepções sobre os dados levantados na
pesquisa bibliográfica e documental, bem como, pelos dados obtidos nas entrevistas realizadas
junto às empresas, durante a realização dos objetivos. Segundo Dittrich (2008, p. 63), herme-
nêutica é “uma maneira de entender e expressar a percepção sobre os dados da investigação te-
órico-prática, de forma qualitativa. A hermenêutica nasce da busca de respostas do pesquisador
para seus questionamentos”.
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A partir do exposto pelos autores acima, a compreensão dos dados da pesquisa se desen-
volveu da seguinte forma: Indutivamente foi feita a descrição dos dados coletados na realidade
pesquisada junto às empresas itajaienses e na pesquisa documental.
A coleta de dados deu-se pela avaliação de documentos legais e alterações normativas
ocorridas desde o lançamento do Programa de Cultura do Trabalhador até o presente. As fontes
de informação (de acesso público) foram o site do Ministério da Cultura/Vale Cultura (BRASIL,
2015b), o site de cadastramento do Vale Cultura (BRASIL, 2015a) e a Secretaria de Fomento e
Incentivo à Cultura (SEFIC), além dos sites das empresas operadoras do Vale Cultura.
O público alvo foi composto por oito empresas de Itajaí, que representam diferentes
áreas de produção no município e que atuam no regime tributário de lucro real3. Em cada em-
presa foram entrevistados três trabalhadores, com renda até 5 salários mínimos, por empresa. Os
critérios de inclusão implicaram na escolha de empresas com tributação por lucro real. Isso se
deve ao fato deste tipo de organização ser o único que tem benefícios de isenção fiscal ao aderir
ao Programa de Cultura do Trabalhador (Vale Cultura).
Responderam à pesquisa os três primeiros funcionários, com renda entre 1 e 5 salários
mínimos, que se voluntariaram a participar, em cada empresa num total de 24 pessoas. Foram
ouvidos também três gestores em cada empresa (diretor, contador e RH), as respostas destas
categorias serão descritas apenas quando auxiliarem na compreensão da percepção dos funcio-
nários sobre a política em estudo e foco deste artigo.
Os critérios de exclusão implicaram empresas optantes por regime tributário diverso do
lucro real. Excluíram-se também todos os trabalhadores com renda maior de 5 salários mínimos
e, na faixa de 1 a 5 salários mínimos, todos que não foram os três primeiros a se voluntariar para
participar da pesquisa. Tudo isso para manter a coerência com as normativas do Programa de
Cultura do Trabalhador.
A identificação das empresas participantes se fez por meio de consulta direta à Secretaria
Municipal da Fazenda, bem como a empresas de contabilidade do município, aos sites da Re-
ceita Federal e Ministério da Cultura. Como instrumentos de coleta de dados, se utilizou ques-
tionário elaborado com perguntas diretivas e não diretivas, qualitativas e quantitativas. A forma
de aplicação do questionário foi por entrevista individual, em que ambos, o (a) entrevistado(a) e
a pesquisadora, possuíam uma cópia do questionário. Este foi lido pela pesquisadora e respon-
dido verbalmente e por escrito pelo(a) entrevistado(a). As respostas verbais foram gravadas. As
perguntas elaboradas para os participantes visavam identificar a percepção dos mesmos sobre o
delineamento desta política, suas vantagens e desvantagens para as empresas e seus funcioná-
3
É a base de cálculo do imposto sobre a renda apurada segundo registros contábeis e fiscais efetuados sistemati-
camente de acordo com as leis comerciais e fiscais (BRASIL, [201-]).
156
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rios, bem como, fatores relevantes para sua implementação e a percepção de viabilidade ou não
da adesão das empresas ao Programa de Cultura do Trabalhador.
As identidades dos entrevistados e das empresas foram nominadas de forma alfanumé-
rica. Os participantes Funcionários foram identificados da seguinte forma: letra ‘F’ para funcio-
nário, seguido do número da empresa e da ordem de entrevista, então, F.4.1 era o participante
Funcionário da empresa 4, primeiro entrevistado.
O local de realização da pesquisa foi o município de Itajaí. As empresas foram conta-
tadas por telefone para identificar o nome e email dos responsáveis a serem entrevistados. Em
seguida, por email, foi introduzida a explicação da pesquisa quanto ao seu tema, objetivos e
benefícios aos possíveis participantes, visando agendar uma data para a entrevista, que se re-
alizou no local da empresa. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNI-
VALI mediante o parecer nº1.173.796. Antes do início da entrevista foi apresentado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido ao participante e coletada a assinatura do Consentimento de
Participação do Sujeito.
4
Mais detalhes sobre as normativas deste programa podem ser encontrados nas referências bibliográficas BRA-
SIL, 2010 até BRASIL, 2015b.
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recebem o cartão Vale Cultura. De acordo com seu próprio site, o Banco do Brasil tem mais de 5
mil agências no país. Sendo operadora de si própria, a taxa de administração do cartão Vale Cul-
tura tende a ser a menor permitida por lei, que é 0%. Os recursos assim investidos retornarão de
duas formas, a saber: por um lado, estes gastos entram como despesa operacional, diminuem o
lucro líquido e tem direito à isenção de 1% do imposto de renda devido, por ser optante do lucro
real. Por outro lado, a distribuição do cartão Vale Cultura torna-se uma nova fonte de receita ao
atuar como operadora, com direito a cobrar taxa administrativa das empresas recebedoras cre-
denciadas. Então se observa que, para o setor bancário, o Programa de Cultura do Trabalhador
parece muito mais vantajoso do que para empresas de outros segmentos.
Quatro das cinco empresas recebedoras credenciadas em Itajaí e Balneário Camboriú
cadastraram as redes de cinemas que atuam nas duas cidades, bem como, a rede de livrarias, que
atua nos estados da região sul do Brasil. Esta rede credenciada é formada principalmente por
empresas do segmento do comércio de livrarias e papelarias. No caso de empresas recebedoras,
que formam redes regionais ou nacionais, elas são ao mesmo tempo beneficiárias por distribuir
o cartão Vale Cultura aos seus funcionários e recebedoras por comercializarem produtos cultu-
rais. De modo que uma parte dos recursos investidos no fornecimento deste benefício retornará
com a comercialização de seus produtos aos próprios funcionários. Sendo empresas de grande
porte, tendem a ser tributadas com base no lucro real e, portanto, teriam direito à isenção de 1%
no imposto de renda devido. A rede de recebedoras credenciadas abrange os seguintes produtos
e serviços culturais: instrumentos musicais; espetáculo musical; ingressos pela internet; jornal;
cinema; equipamentos; livros; revista; cursos e artesanato. Das 44 credenciadas, 37 são do seg-
mento de comércio e sete são do segmento de serviços (cinemas e cursos).
Itajaí tem historicamente grande produção cultural nos segmentos do teatro, música e
dança, com muitos artistas e grupos constituídos em pessoas jurídicas, por meio de empresas
ou associações (MARQUES, 2013). Mas essa produção local não está representada na rede de
credenciadas do Vale Cultura. Portanto, as opções de desenvolvimento da autonomia cultural
pela utilização deste cartão são bastante restritas. Enquanto as opções de acesso à cultura forem
limitadas por redes credenciadas tão pequenas, dificilmente as empresas se sentirão estimuladas
a aderirem ao Programa de Cultura do Trabalhador e beneficiar seus funcionários com o cartão
Vale Cultura. A razão disso é que sem uma ampla opção de consumo cultural, o acesso à cultura
permanece reduzido, a ampliação da qualidade de vida do trabalhador advinda desse acesso
também. Consequentemente diminuem as chances de melhoria no desempenho do trabalhador
derivado desse benefício. Deste ponto de vista, o custo econômico do investimento torna-se
prioritário para o empresário e a adesão ao Vale Cultura desvantajosa.
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ra do Trabalhador não seria sentida como um benefício, pois os funcionários não se interessam
por cultura.
O Vale Cultura é visto como uma fonte de recursos (salário indireto) que possibilita o
acesso à cultura estimula o hábito de consumo cultural, a ampliação dos conhecimentos, a for-
mação de público. O valor de desconto foi considerado pequeno em relação ao depósito mensal
no cartão. Ao justificar o interesse pelo cartão Vale Cultura, os entrevistados citaram vários usos
em segmentos artísticos, como: cinema, teatro, livros, shows, instrumentos artísticos, revistas,
CDs e artesanato, festivais de dança e visitação a museus. Diante dessa manifestação tão diversa
de interesse de consumo cultural, cabe questionar por que as empresas operadoras que estão atu-
antes no município de Itajaí ainda não tem uma rede credenciada capaz de suprir estes produtos
e serviços culturais.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa de Cultura do Trabalhador é uma política pública de cultura executada do
governo federal diretamente para o cidadão, sem a intermediação de níveis estaduais e munici-
pais de gestão pública.
A importância de sua implantação no município de Itajaí é justamente o potencial desta
política que visa universalizar o acesso à cultura, estimular o financiamento direto da cultura
local, regional e nacional pela ampliação do mercado consumidor de cultura e injeção mensal de
recursos. Além disso, é importante também pelo estímulo à autonomia de consumo cultural, e,
a consequente preservação do patrimônio dos segmentos artísticos escolhidos para serem con-
sumidos, por serem significativos dentro do contexto sociocultural e por integrarem a percepção
de qualidade de vida dos trabalhadores itajaienses.
Quanto à implantação e a abrangência da rede credenciada de empresas recebedoras do
cartão Vale Cultura em Itajaí, constata-se que apenas cinco empresas operadoras atuam no muni-
cípio e formam uma rede muito pequena, com prevalência de cadastramento de conglomerados
de cinemas e livrarias. Até o momento, em Itajaí não foram cadastradas as pessoas jurídicas que
representam os artistas locais ou regionais nos diversos segmentos artísticos. De modo que os
frutos da criação artística local estão sendo preteridos em relação aos produtos da indústria cultu-
ral nacional. Portanto, não está ocorrendo o estímulo à cadeia econômica da cultura a nível local.
No âmbito nacional, até o momento não há divulgação, no site do Vale Cultura, dos resultados
alcançados em termos de estímulo à cadeia econômica da cultura, geração de emprego e renda
e ampliação do consumo cultural pelos trabalhadores. Observa-se aqui também que a diminuta
rede credenciada, em Itajaí, limita as possibilidades de desenvolvimento da autonomia de consu-
mo cultural pelos trabalhadores. De modo que desestimula a adesão dos empresários itajaienses
ao programa, pois os custos para a empresa superam os benefícios práticos aos trabalhadores.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943;
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MATURANA, H. A ontologia da realidade. Organizadores Cristina Magro, Mirian Graciano e Nelson
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RESUMO: O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise da elaboração dos dois
Quadros Lógicos presentes nas avaliações do Programa Cultura Viva feitas pelo IPEA (Instituto
de Pesquisa Econômica e Aplicada), no caso, “Cultura Viva – avaliação do programa arte
educação e cidadania” (2010) e “Linhas Gerais de um Planejamento Participativo para o
Programa Cultura Viva” (2014) em dois tempos distintos de implementação do programa. Para
isso será utilizada bibliografia sobre avaliação de políticas públicas (Ala-Harja e Helgason e
Januzzi) e bibliografia específica sobre política cultural e cultura viva (Turino, Calabre e Farah
e Medeiros).
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise das duas avaliações realizadas
pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) sobre o Programa Cultura Viva (PVC),
do Ministério da Cultura (Minc). As avaliações foram realizadas em períodos diferentes e com
objetivos diferentes, no entanto um elemento em comum aparece em ambas as avaliações: a
elaboração de um Quadro Lógico. Na primeira avaliação, publicada em 2010, a aplicação do
quadro lógico teve como objetivo traçar as linhas gerais de atuação do programa, norteando
as ações e indicando caminhos, a principal base de coleta de informações foi a pesquisa de
campo, com entrevistas aos gestores dos pontos de cultura. A segunda avaliação foi publicada
em dezembro de 2014 e teve como objetivo traçar um planejamento estratégico de execução
do programa, a fim de que as metas do Plano Nacional de Cultura (PNC) e os objetivos do
Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal fossem alcançadas nos prazos determinados nesses
dois documentos. A base para a elaboração desse planejamento estratégico é o redesenho do
programa, realizado a partir de um Grupo de Trabalho (GTCV) que contou com a coordenação do
1
Mestranda no Programa de Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC
Gestora Pública (Diretora Assistente no Departamento de Biblioteca Pública e Preservação da Memória – Secreta-
ria de Cultura da Prefeitura de São Bernardo do Campo. ana.mesquita@ufabc.edu.br aninha.mesquita@gmail.com
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IPEA e tinha entre seus membros representantes do Ministério da Cultura (Minc) e representantes
dos Pontos de Cultura (atores do programa). Nesse contexto o marco lógico do programa também
foi redesenhado.
Para realizar a análise serão utilizados os textos de Ala-Harja e Helgason e Januzzi a fim
de embasar teoricamente o campo da avaliação em políticas públicas, e o texto de Pfeiffer sobre as
origens e objetivos de aplicação do Quadro Lógico. Para realizar a análise serão utilizados os dois
relatórios publicados pelo IPEA (“Cultura Viva – avaliação do programa arte educação e cidadania”
(2010) e “Linhas Gerais de um Planejamento Participativo para o Programa Cultura Viva” (2014)),
além de bibliografia específica sobre o PCV, como Turino, Calabre e Farah e Medeiros.
O presente artigo se dividirá em três partes: A primeira parte será traçado um breve
panorama sobre os conceitos e aplicações de avaliações em políticas públicas. A segunda parte
contemplará um breve resumo sobre o programa, a descrição das avaliações que serão analisadas
e a análise em si, que irá comparar primordialmente três aspectos do Quadro Lógico das duas
avaliações: a inserção e importância do QL na avaliação da política; o discurso de construção
desse QL; a definição/identificação do problema no QL . A terceira parte serão as considerações
finais sobre o debate proposto.
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O objetivo superior diz respeito à visão de futuro do setor para a qual o projeto contribuirá.
O objetivo do projeto diz respeito sobre a situação que se visa alcançar com o projeto e que
contribuirá para o objetivo superior. Os resultados são os bens e serviços produzidos pelo projeto
e que, combinados, ajudarão a atingir seus objetivos. E as atividades principais são as ações que
deverão ser desenvolvidas para atingir cada resultado.
A lógica horizontal abrange os indicadores objetivamente comprováveis. O foco é garantir
que a construção desses indicadores seja confiável e estes possam ser testados e utilizados em
diversos momentos da execução do projeto. Para Januzzi “Na elaboração dos diagnósticos para
formulação de programas, os indicadores são imprescindíveis para qualificar os públicos-alvo,
localizá-los e retratá-los de modo tão amplo e detalhado quanto possível” (JANUZZI, 2014, p.32).
Aqui é necessário ampliar esse escopo de atuação e utilidade dos indicadores, destacando além do
público-alvo, quantidades, qualidades, período e localidades (territórios).
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de Cultura, que atuam como nós em um sistema maior, com objetivo de articular em rede os
demais pontos que participam do programa.
O Programa pretendia estabelecer uma nova relação entre sociedade civil e Estado. No
entanto esse objetivo encontrou diversos obstáculos para ser cumprido, a maioria de ordem
burocrática: Célio Turino, que estava à frente do programa até 2010, narra todas as dificuldades
enfrentadas no inicio do programa em seu livro “Pontos de Cultura – O Brasil de Baixo para
Cima”. Começando pela natureza do convênio estabelecido, o Ponto de Cultura precisava ter um
perfil jurídico e estar em atividade comprovada há pelo menos dois anos, mas a grande maioria dos
ponteiros (nome dado aos gestores dos Pontos de Cultura) nunca haviam estabelecido relações
com o Estado, ainda mais diretamente com o Governo Federal. O tipo de convênio estabelecido
submetia o uso do dinheiro e a prestação de contas à lei 8.666/92, lei que rege as licitações
públicas e que foi criada para regular o setor de grandes obras primordialmente, não orçamentos
de pequenos grupos de cultura popular. Os ponteiros não conseguiam realizar a prestação de
contas, e as novas parcelas do convênio não podiam ser depositadas sem essa prestação. Além
disso, o Programa Cultura Viva fez a cena política de algumas pequenas cidades do país mudar.
Muitos prefeitos de pequenos municípios foram à Brasília querer saber por que tal grupo de sua
cidade – que nunca havia sido valorizado ou fomentado pela política local – havia conseguido
verba diretamente com o Minc. A articulação em rede e o empoderamento desses novos atores
políticos fez nascer um novo movimento social, o movimento dos Pontos de Cultura, com fórum,
encontros regionais, estaduais e nacionais, grupos de trabalho, e principalmente, começaram a
exercer pressão para que passassem a participar das decisões sobre os rumos do Programa.
Com esse cenário o programa é reformulado e passa por um processo de descentralização,
criando-se assim redes estaduais e municipais, transferindo para os entes federados as
responsabilidades de contrapartida financeira, implementação e monitoramento do programa.
Em 2010 as redes estaduais e municipais já contavam com 2.500 pontos de cultura. No relatório
de reformulação do programa de agosto de 2013 contava-se 3.500 pontos de culturas.
Um dos elementos mais importantes do Programa é a organização em rede dos Pontos
de Cultura. Os pontões de cultura possuem como pressuposto de sua existência a articulação em
rede dos pontos. Em seu documento base, três conceitos são colocados para que a articulação
em rede e a gestão compartilhada entre pontos de cultura e poder público sejam alcançadas:
autonomia, protagonismo e empoderamento. Esses três elementos, juntos, foram incorporados
pelos ponteiros, que colocaram em prática seus novos saberes e formas de se organizar.
Depois do levantamento e identificação de todas as problemáticas do Programa, houve
dois movimentos distintos de redesenho do programa, mas ambos interligados. Foi nas Teias
(encontros dos ponteiros) que o projeto de Lei (PL) 757/2011 começou a ser escrito coletivamente
pelos ponteiros. Ficou a cargo da deputada Jandira Feghali (PCdo B/RJ) apresenta-lo.
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O plano de avaliação conta com os seguintes passos: a.) elaboração do modelo lógico
(ML); b.) elaboração e desenho de questionário com pesquisadores de diferentes instituições; c.)
aplicação dos questionários e realização de entrevistas com gestores dos pontos de cultura; d.)
realização de grupo focal com os pesquisadores que participaram da aplicação dos questionários
e com a equipe da Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC) do Minc; e.) análise dos
resultados consolidados dos momentos anteriores.
Para fins de análise somente o ferramental modelo lógico será utilizado no presente artigo.
No entanto é importante relatar brevemente os demais instrumentos utilizados na pesquisa.
Um dos objetivos da pesquisa era visitar e entrevistar todos os pontos de cultura cadastrados
na SPPC/Minc até 2007. Eram 544 no total sendo que desses 229 seriam entrevistados pela
Fundação Joaquim Nabuco (Funaj) no norte e nordeste e o restante pela equipe do próprio IPEA.
O objetivo da aplicação desse questionário era: “conhecer melhor os pontos, suas atividades,
atuação, dificuldades, desafios e sugestões dos gestores e, com base nestas informações, criar
indicadores de acompanhamento do Programa Cultura Viva” (IPEA, 2010, 35). A aplicação de
cada questionário durou de uma a três horas, e foi indicado a todos os entrevistadores que fizessem
anotações em cadernos de campo. O grupo focal teve como principal objetivo qualificar as
observações tabuladas a partir dos questionários e observadas nas anotações dos entrevistadores.
O IPEA utiliza a nomenclatura de modelo lógico para a metodologia desenvolvida no
âmbito da Câmara Técnica de Monitoramento e Avaliação (CTMA), composta pela Secretaria
de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), Secretaria de Gestão (Seges), Secretaria de
Orçamento Federal (SOF) e IPEA.
A aplicação do ML foi demandada ao IPEA pela SPPC/Minc com o fito
específico de formular indicadores próprios para a avaliação e verificar
se o programa estaria pronto para ser avaliado, isto é, se continha os
componentes clara e suficientemente elaborados para a sua avaliação.
(IPEA, 2010, p. 31).
A estruturação do marco lógico iniciou-se da identificação de quatro fatores desfavoráveis
e outros quatro favoráveis:
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FAVORÁVEIS
a. a legitimidade da qual o programa passou a gozar entre os agentes culturais;
b. o surgimento de oportunidades conferidas pelo aparecimento de novas tecnologias,
mormente aquelas que favorecem a comunicação e o estabelecimento de redes (educação à
distância, troca de experiências e soluções etc.);
c. a priorização por parte do governo; e
d. a emergência de novos atores no campo cultural que apoiam as ações do programa.
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programa, os textos dos editais, delimitação de conceitos de cada uma das ações do programa,
mapear fluxos e procedimentos internos da SCDC, desenvolver políticas e diretrizes internas e
propor um sistema de monitoramento da política.
A segunda estratégia diz respeito à dimensão participativa deste planejamento: o diálogo
com o Grupo de Trabalho Cultura Viva (GTCV) para que o redesenho do programa se articulasse
com a elaboração do ML, ou seja, há um processo dialógico entre definição do ML e redesenho
do Programa.
A terceira estratégia também privilegia a participação; o IPEA promoveu algumas
oficinas para apresentar os desenhos parciais do ML.
É relevante salientar a importância do planejamento estratégico para a área de política
cultural. O Cultura Viva conquistou ao longo dessa década de existência marcos jurídicos
importantes e uma produção teórica muito relevante (produzida pela academia e pelo Minc)
para definir e conceituar o programa, no entanto pouco se constrói para a efetivação de um
planejamento estratégico
(...) quando se focam os instrumentos de políticas, é possível entender
a tradução do discurso em prática e as suas fragilidades, opções e falsas
opções. Por instrumento de políticas públicas define-se o conjunto de
problemas colocados na agenda das políticas públicas e que implicam
uso de ferramentas (orçamentação, técnicas, meios, operações,
dispositivos, projetos) que permitem materializar e operacionalizar a
ação governamental (IPEA, 2014, 19).
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de base comunitária, e uma das metas do PNC é que em 2020, quando acaba a cobertura deste
plano decenal, o Minc tenha instalado 15.000 pontos de cultura em todo o território nacional. Os
objetivos do ML estão de acordo com essa meta, e a A2 avança no sentido de estabelecer uma
previsão orçamentária para a concretização desta meta.
Sobre os discursos adotados nas avaliações. A A1 se preocupa mais em elaborar conceitos
e teorias sobre o programa, detendo-se no aprofundamento de conceitos como democracia
cultural, cultura como um direito, circuitos culturais e mesmo o próprio conceito sobre o que
é política cultural. Já A2 adota linguagem mais técnica e objetiva sobre as análises e sugestões
para o programa. Apesar de A2 ressaltar que não foi possível estabelecer uma relação entre o
primeiro ML e o segundo, é importante olhar para um dos aspectos desses ML para entendermos
essa mudança. Em A1 o problema (e por consequência a exposição da explicação do problema)
é definido como “Desvalorização da produção cultural dos grupos e comunidades e sua exclusão
dos meios de produção, fruição e difusão cultural”. Em A2 o problema é descrito como “Baixa
capacidade de gestão por instrumentos de políticas públicas na execução do Programa Cultura
Viva”. O problema é mais preciso em A2, no entanto não há indicativos em nenhum dos dois
relatórios que demonstre que o problema de A1 foi resolvido ou se as ações avançaram para que
o mesmo seja resolvido.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar análise e avaliações de políticas públicas é campo complexo e diversas variáveis
devem se levadas em consideração, como tempo de maturação das ações, recursos disponíveis,
modelos metodológicos, atores envolvidos, capacidade dos funcionários em colocar em
prática as mudanças sugeridas pela avaliação, entre outros. O Programa Cultura Viva é um
programa complexo, com diversas ações acontecendo em tempos diferentes, com atores muito
participativos e que interferem em todas as etapas do ciclo da política. Além disso, a área de
cultura possui uma problemática específica quando a mensuração de seus resultados. Segundo
Calabre “As ações públicas tem que demostrar minimamente coerência entre o que se diz buscar
e as ações postas em prática. Não existe relação direta de causa e efeito no campo da ação
cultural, o que torna complexa a avaliação”. (CALABRE, 2007, p.100). O entendimento sobre
essa limitação é claramente expressada na própria delimitação do problema: em A1 o problema
diz respeito à ação cultural em si, ou seja, a conceitos mais filosóficos e subjetivos, apesar de
comporem comumente os objetivos a serem alcançados em política cultural. Em A2 o problema
muda de foco e passa a abarcar as capacidades estatais de gestão.
É evidente a preocupação do IPEA quanto a relevância das observações subjetivas e
empíricas nos processos de avaliação. Em A2 podemos identificar a seguinte fala:
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: Por vários anos a centralidade das discussões sobre políticas culturais se manteve
na questão do incentivo à produção de conteúdo. A concentração dos meios de produção era
o obstáculo a ser superado. Em dez anos, o setor foi contemplado com inúmeros dispositivos
de fomento para ampliar o acesso aos meios de produção aos atores que antes eram excluídos
do sistema, principalmente, por falta de recursos financeiros. Agora, o passo seguinte trata
de aumentar a abrangência de distribuição e acesso a estes conteúdos. Este artigo tem como
objetivo destacar esta crescente centralidade das discussões de políticas culturais para o acesso,
destacando a Lei 12.485/11, conhecida como Lei da TV paga.
O centro das discussões sobre políticas culturais se manteve, durante anos, na questão do
incentivo - seja ele financeiro, instrumental e /ou técnico - à produção de produtos culturais. A
concentração dos meios de produção era o obstáculo a ser superado.
O audiovisual, por ter uma estrutura complexa de produção, não era um modelo acessível
a todos. O custo para a execução da obra audiovisual, e a necessidade de conhecimentos
tecnicamente específicos tornava a produção uma etapa difícil de ser concluída, o que gerava
um empecilho ao desenvolvimento de projetos independentes.
Em 1993, a Lei do Audiovisual dá início onda de políticas e ações governamentais
direcionadas à produção audiovisual. A criação da Agência Nacional do Cinema, em 2002, é outra
importante vitória para o audiovisual, que iniciava uma trilha de crescentes ações do Estado a seu
favor. Em dez anos, o setor foi contemplado com inúmeros dispositivos de fomento à produção,
que visavam ampliar o acesso aos meios de produção aos atores que antes eram excluídos
1
Graduada em Radialismo, mestranda em Comunicação na Unesp, orientada pela Prof. Dra. Maria Teresa Miceli
Kerbauy. Email: anahvp@gmail.com
2
Mestre em Comunicação, doutorando em Comunicação na Unesp, orientado pelo Prof. Dr. Juliano Maurício de
Carvalho. Email: pedro@faac.unesp.br
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do sistema, principalmente, por falta de recursos financeiros. Leis e editais aqueceram o mercado
audiovisual nacional com a intenção de promover a cultura nacional e tirar o estigma que o
conteúdo brasileiro ao superar os preconceitos com produções brasileiras e superar o fantasma
das telenovelas nas obras destinadas á televisão.
As ações estão constantemente em atualização para que moldar os dispositivos aos
objetivos desejados, conforme são vistos os resultados na prática.
As produções aumentaram consideravelmente. Em 2002, a Ancine emitiu 1358
Certificados de Conteúdo Brasileiro - documento apto à comprovação da nacionalidade de obras
audiovisuais não publicitárias brasileiras - em 2014 a Agência emitiu 7391 certificados, um
crescimento de mais de cinco vezes. Contudo, o fomento à distribuição destes produtos não
evoluiu no mesmo ritmo que o incentivo à produção. As obras são realizadas, mas, sem respaldo
legislativo sólido para suas exibições, muitas vezes se tornam obras inacessíveis ao público.
Duas ações específicas de destaque direcionaram suas preocupações a este obstáculo. A Lei
12.485/11, conhecida como Lei da TV paga. Este artigo tem como objetivo destacar a crescente
centralidade das discussões de políticas culturais para o acesso ao conteúdo de modo a demonstrar
que este seria o próximo passo na cadeia do fomento à promoção do audiovisual brasileiro.
Partindo de uma exposição dos dispositivos de fomento à produção já existentes, busca-
se demonstrar que um dos grandes gargalos atuais para a consolidação de um setor audiovisual
independente não é mais o acesso aos meios de produção, mas a veiculação destes conteúdos
ao público. A análise da Lei da TV paga e o decreto da cota de tela, por meio de análise de
documento, permite observar quais as alterativas que o Estado encontrou, nesse momento,
para superar o obstáculo da exibição na intenção de promover a cultura nacional e a produção
brasileira através do audiovisual.
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estéticas e novas narrativas, que podem ser alcançadas ao impulsionar a produção independente
de obras audiovisuais.
Em um setor baseado no lucro e controlado, em sua maioria, por grandes conglomerados
de comunicação, este panorama de desconcentração e produções diversas precisa de políticas
públicas que possibilitem oportunidades mais equilibradas de produção e, mais do que isso, dar
uma atenção mais que especial a exibição. Canclini (1999) defende a importância do papel das
políticas públicas nesse cenário:
[...] penso que a firmação da diferença deve estar unida a uma luta
pela reforma do Estado, não apenas para que aceito o desenvolvimento
autônomo de ‘comunidades’ diversas, mas também para assegurar iguais
possibilidades de acesso aos bens da globalização. (CANCLINI, 1999,
46)
O incentivo aos conteúdos está sendo bem sucedido, mas sem um canal de distribuição
dessas obras, o sistema de funcionamento do setor fica repleto de produções não veiculadas e
este procedimento entrava a possibilidade de uma maior ampliação na produção.
Alguns dispositivos normativos já estão se concentrando ultrapassar esse obstáculo, ao
prever em seus textos as possibilidades e obrigatoriedades de exibição do conteúdo brasileiro.
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exploram obras audiovisuais em território nacional, podem abater até 70% do imposto de renda
devido em contrato de coprodução com produtoras brasileiras.
A Lei do Audiovisual é gerida pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), agência
reguladora criada em 2001 pela Medida Provisória 228-1, que tem como atribuições o fomento, a
regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. A agência foi criada
no fim do governo Fernando Henrique e estava vinculada ao Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (MDIC), passando a ser subordinada ao Ministério da Cultura
(MinC) no governo Lula em 2003.
A MP 228-1 também cria o CONDECINE (Contribuição para o Desenvolvimento
da Indústria Cinematográfica Nacional), que incide sobre as obras cinematográficas e
videofonográficas com fins comerciais. Caso os jogos digitais sejam incluídos no espectro da
legislação, duas modalidades do CONDECINE poderiam ser aplicadas.
O CONDECINE Título incidiria sobre a exploração comercial de obras audiovisuais
em cada um dos segmentos de mercado (salas de exibição, vídeo doméstico, TV por assinatura,
TV aberta e outros mercados), com o valor da contribuição variando conforme o tipo da obra
(publicitária ou não), o segmento de mercado e, no caso das obras não publicitárias, a duração
(curta, média ou longa-metragem) e, ainda, a forma de organização da obra (seriada, na qual a
cobrança se dá por capítulos ou episódios).
Já a modalidade do CONDECINE Remessa constitui uma alíquota de 11% que incide
sobre a remessa ao exterior de importâncias relativas a rendimentos decorrentes da exploração de
obras cinematográficas e videofonográficas, ou por sua aquisição ou importação. Estarão isentas
do pagamento da CONDECINE as produtoras que optarem por aplicar o valor correspondente
a 3% da remessa em projetos de produção de conteúdo audiovisual independente em território
nacional, aprovados pela ANCINE.
A ação colaborativa do Estado com os agentes do setor de TV paga gerou uma abertura e
ampliação do conteúdo nacional no país, com um crescimento nas produções nacionais exibidas
no serviço. Neste cenário, a HBO foi um dos canais que acolheu a proposta e no período realizou
no Brasil produções como Filhos do Carnaval, de 2006, e o drama intitulado Alice, de 2008,
além de ter criado projetos que viriam a ser utilizados por causa das cotas estabelecidas pela lei
que seria sancionada em 2011. Mas deve-se atentar ao fato de que a isenção está direcionada ao
incentivo à produção de obras brasileiras, não sendo requerida a sua exibição.
A movimentação em relação às políticas culturais direcionadas ao audiovisual teve
destaque no governo do presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva (2003-2011). O ministro da
Cultura do primeiro mandato de Lula foi o músico Gilberto Gil (2003-2008). Este foi um período
marcado por uma busca pela abrangência e a articulação da amplitude das atividades culturais
que foram abarcadas. Buscou-se dar, o que Rubim (2008, p.197-198), considerou como, uma
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Fonte: Ancine
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O projeto de Lei sofreu muitas emendas em seu texto, antes de, em 2011, se transformar
na Lei 12.485, Lei da TV paga.
A lei inovou com um artigo inteiro direcionado ao conteúdo nacional e focado na exibição
destes conteúdos. O conteúdo nacional e suas especificações estão concentrados no capítulo V,
intitulado Do Conteúdo Brasileiro. Este capítulo versa sobre as obrigações de veiculação de
conteúdo brasileiro nos canais de TV paga. Para a lei, os canais de espaço qualificado, ou seja,
os que exibirem prioritariamente programas que
[...] não são conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos
esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos
eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual
veiculado em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e
programas de auditório ancorados por apresentador (LEI 12.485/2011).
Deverão ter 3h30 (três horas e trinta minutos) de programação nacional semanal exibida
durante o horário nobre, metade dessa cota deverá ser produzida por produtora brasileira
independente. A cada três canais de espaço qualificado ofertado no pacote do serviço de acesso
condicionado, um deve ser brasileiro de espaço qualificado. A operadora é obrigada a cumprir
a porcentagem até um limite de 12 canais brasileiros, são considerados canais brasileiros de
espaço qualificados os que veicularem 12 horas de conteúdo brasileiro independente, 03 delas
no horário nobre. No caso de o pacote ofertado possuir um canal gerado por programadora
brasileira com predomínio de produções jornalísticas, “deverá ser ofertado pelo menos um canal
adicional de programação com as mesmas características no mesmo pacote ou na modalidade
avulsa de programação” (BRASIL, Lei 12.485/2011, 2011). Canais de operação do Poder
público, exibidos em radiodifusão, canais que não tem seu conteúdo adaptado para o Brasil,
como legendas e dublagens, canais de modalidade avulsa e canais de cunho erótico estão
liberados das obrigatoriedades de cota de veiculação de conteúdo nacional. Os conteúdos, para
se encaixarem nas cotas, precisam ter sido produzidos nos sete anos anteriores a sua veiculação.
O horário nobre será delimitado pela Ancine, não podendo extrapolar sete horas para os canais
infanto-juvenis e seis horas para os demais. Impõem-se o limite de exibição de publicidade igual
ao do serviço de radiodifusão, que equivale a 25% da programação.
O capítulo VI Do Estímulo à Produção Audiovisual estabelece acréscimo e uma mudança
na redação da Medida Provisória 2.228-1 de 2001, nos artigos que versam sobre a CONDECINE
(Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional). São decretados
os detalhes sobre o recolhimento da CONDECINE, e incluem entre as obras cinematográficas e
videográficas as obras disponibilizadas no serviço de acesso condicionado. Há também anexos
à Lei 11.437 de 2006, que discorre especificamente sobre a contribuição, estabelecendo uma
divisão percentual dos recursos, para que haja um investimento nas áreas menos desenvolvidas
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no setor audiovisual, como a Região Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as quais se destinarão 30%
dos recursos.
O mercado de TV paga no Brasil já está mais desenvolvido e conta com a participação de
grandes empresas e conglomerados de comunicação o que dificulta a adaptação desse mercado
às mudanças estabelecidas pela lei de 2011. Durante entrevista para o grupo Folha, Fernando
Meirelles, diretor de cinema e sócio da produtora O2 filmes, que convive com os dois setores,
tanto o cinema quanto à TV, onde começou sua carreira, comparou o impacto que a Lei do
Audiovisual teve sobre a indústria do cinema brasileiro com um possível impacto da Lei do
Acesso condicionado no mercado audiovisual.
Fonte: Ancine
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Fonte: Ancine
Cabe aos agentes de políticas públicas aterem-se a pauta da exibição para que a diversidade
cultural e a promoção da cultura nacional sejam alcançadas com êxito pelo audiovisual. O
caminho sugerido pelas leis descritas é a ampliação do acesso por meio do estabelecimento de
cotas de transmissão. Este entendimento é o início de um processo que percebe a importância
da regulação dos meios de transmissão de conteúdo como parte da consolidação de uma cadeia
de produção de conteúdo cultural nacional. Com o acesso ao fomento e linhas de investimento
crescentes, a fronteira a ser vencida ainda é o monopólio dos meios de comunicação, que
dominam a transmissão de conteúdos audiovisuais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: Este artigo aborda as mudanças nas políticas públicas cinematográficas do Brasil
e da Argentina a partir de início dos anos 1990, no contexto de ascensão de governos de
orientação neoliberal em ambos os países. Eleitos em 1989, tanto Fernando Collor de Mello,
no Brasil, como o argentino Carlos Menem promoveram mudanças imediatas nas políticas
econômicas de seus países, bem como especificamente nas políticas públicas destinadas ao
cinema nacional. Neste trabalho, buscou-se compreender em que medida essas novas políticas
refletiram o ideário neoliberal em voga — e quais grupos de interesse influenciaram, em cada
país, a sua conformação. A metodologia adotada consistiu em análise da legislação pertinente e
em revisão bibliográfica, a partir do enquadramento teórico do debate no campo da Economia
Política da Comunicação.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo é uma síntese da tese de doutorado em que se propôs uma reflexão abrangente
sobre as transformações dos mercados cinematográficos do Brasil e da Argentina no contexto
de ascensão, a partir dos anos 1990, de governos neoliberais nesses países. Naquele momento
histórico, houve mudanças importantes nas políticas públicas para o cinema, tanto no Brasil de
Fernando Collor/Itamar Franco quanto na Argentina de Carlos Menem, as quais impactaram os
mercados de cinema locais. Neste artigo, a proposta é compreender em que medida as diretrizes
neoliberais hegemônicas inspiraram as novas políticas públicas para o cinema — e quais grupos
de interesse influenciaram, em cada país, a conformação dessas políticas.
1
Ana Julia Cury de Brito Cabral é Doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro e membro do grupo de pesquisa PEIC (Políticas e Economia da Informação e da
Comunicação), na mesma instituição. Atualmente, exerce o cargo de Coordenadora de Programas Internacionais de
Cooperação e Intercâmbio na Agência Nacional do Cinema, onde é servidora do quadro efetivo desde 2010. E-mail
de contato: ajcury@gmail.com.
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Por um lado, a opção por realizar um estudo comparado com a Argentina se deu pela pro-
ximidade geográfica, política, econômica e cultural — estas últimas incentivadas pelo processo
de integração regional via Mercosul —, que facilitou o acesso a dados e pesquisas sobre o cine-
ma argentino. A segunda razão consistiu no fato de que a cadeia produtiva do cinema argentino,
ao contrário de países menores da região,2 como Uruguai e Paraguai, tem uma trajetória similar
à brasileira porque já viveu períodos de relativo desenvolvimento e autonomia com relação à
Hollywood, como mostram estudos de pesquisadores lá e cá (Autran, 2004; Getino, 2003).
A hegemonia do filme de Hollywood nos mercados cinematográficos dos países latino-
-americanos ao longo do século XX gerou debates teóricos diversos. A historiografia brasileira,
por exemplo, refletiu sobre a condição de “subdesenvolvimento” (Gomes, 1996) do cinema
nacional, mas os estudos dedicados a investigar a relação entre economia, política e cinema no
Brasil ainda são coadjuvantes num cenário acadêmico em que prevalecem abordagens de ordem
estética ou análises de conteúdo. Tomando como referência estudos seminais desenvolvidos
desde os anos 1960 (Mattelart, 1999), sob o ângulo da Economia Política da Comunicação, este
artigo propõe uma abordagem crítica de um momento histórico crucial para a conformação atual
dos mercados de cinema brasileiro e argentino.
Os estudos sobre a hegemonia de Hollywood em mercados estrangeiros têm mostrado
como a indústria estadunidense representou (e ainda representa) um obstáculo às possibilida-
des de desenvolvimento de outras cinematografias ao redor do mundo (Aksoy e Robins, 1992;
Guback, 1969; Pendakur, 1990; Wasko, 1982, 1994, 2003). Dados reunidos por pesquisadores
latino-americanos ao longo das últimas décadas revelaram um aprofundamento do desequilíbrio
nas trocas entre os cinemas nacionais e Hollywood a partir dos anos 1990. Embora a história do
cinema latino-americano mostre que, em épocas distintas, algumas cinematografias nacionais se
destacaram — por exemplo, a argentina nos anos 1930 e a brasileira nos anos 1940 —, não se
constituiu no continente uma indústria cinematográfica estabilizada. No início do século XXI, a
situação dos intercâmbios regionais era de desequilíbrio flagrante: em 2002, enquanto em qual-
quer país da América Latina a proporção de filmes hollywoodianos oscilava entre 70% e quase
100%, apenas 6,1% dos filmes em cartaz nos EUA vinham de fora (4,6% da Europa e 1,5% do
“resto do mundo”) (Bolaño, Santos e Dominguez, 2006; Ruiz, 2006).
A hegemonia de Hollywood inspirou movimentos de resistência em diversos países —
por exemplo, o Cinema Novo no Brasil e o Terceiro Cinema na Argentina, nos anos 1960, se
construíram em reação ao domínio econômico e cultural do cinema estadunidense. No caso do
2
Como explica Getino (2003), a maior capacidade produtiva no campo das indústrias culturais e da comunicação
do Mercosul se concentra, como se sucede com as outras indústrias em geral, no Brasil e na Argentina, os países
que representam a maior dimensão territorial e populacional e os índices mais elevados de produção e consumo dos
meios de comunicação e dos bens e serviços culturais.
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Cinema Novo, a postura crítica radical do início deu lugar a uma aproximação efetiva com o
Estado, em pleno regime militar, após a criação da Embrafilme em 1969 — empresa pública
responsável pelo maior market share do cinema brasileiro em toda a sua história. Na Argentina
do início dos anos 1990, a mobilização e o apelo político da corporação cinematográfica resulta-
ram, por sua vez, num paradoxo: na contracorrente das medidas neoliberais aplicadas a diversos
setores da economia do país, inclusive no da televisão paga, o governo Menem aprovou a Ley
de Cine em 1994, fortalecendo as políticas públicas de apoio e proteção ao cinema nacional
(Amancio, 2000; Marino, 2012).
Como revelam as pesquisas supracitadas, a centralidade do Estado marcou a história do
cinema no Brasil e na Argentina — e não foi diferente no início dos anos 1990, quando a disputa
de grupos de interesse pela formulação das políticas do setor se organizou em torno do poder
público. Do Estado, tanto o brasileiro quanto o argentino, dependeram e partiram as adaptações
legislativas e os novos regulamentos criados a fim de estabelecer um paradigma para o fomento
ao cinema no contexto de implantação de diretrizes de política econômica neoliberal em ambos
os países a partir do início dos anos 1990. Portanto, as políticas públicas dos Estados brasileiro
e argentino (ou a ausência delas) determinaram, em grande parte, a forma de inserção da cine-
matografia desses países na nova ordem neoliberal (Getino, 2005).
Algumas perguntas se impuseram como ponto de partida para a reflexão proposta: quais
foram as mudanças nas políticas públicas para o cinema no Brasil e na Argentina a partir do
início dos anos 1990, no contexto de adoção de políticas econômicas de cunho neoliberal em
ambos os países? Quais interesses em disputa convergiram para essas mudanças? Por que, em
ambos os casos, o núcleo dessas políticas foi o fomento à produção cinematográfica, deixando
de lado os outros dois elos da cadeia produtiva do cinema (a distribuição e a exibição)? E qual
interpretação histórica desse processo se pode construir?
Para realizar essa tarefa, adotou-se como metodologia a revisão bibliográfica e a análise
documental da legislação pertinente, além do levantamento de dados estruturais do setor. No
que diz respeito à bibliografia relevante, pode ser dividida em dois grandes grupos: de um lado,
os estudos seminais na área da economia política da comunicação e do cinema, que inauguram o
campo teórico em que este trabalho se insere, dentre os quais o livro de Guback (1969). De outro
lado, as pesquisas recentes sobre a economia e a política do cinema latino-americano, e mais
especificamente dos cinemas brasileiro e argentino, como no caso da tese de Marino (2012).
A legislação analisada refere-se ao período histórico delimitado, ou seja, inclui não ape-
nas as leis que instituíram as políticas públicas para o cinema, mas também que promoveram
alterações nas estruturas dos Estados brasileiro e argentino, bem como em suas economias.
Dentre os normativos analisados, é possível destacar a lei 8.029/90, de reforma geral do Estado
brasileiro, a lei 8.313/91 e a lei 8.685/93, que criaram o modelo de incentivos fiscais para o fi-
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nanciamento da cultura; e, no caso argentino, a lei 23.696/89 de Reforma do Estado, bem como
a lei 24.377/94, mais conhecida como Ley de Cine.
3
Alguns teóricos apontam as origens do neoliberalismo na virada dos anos 1970-1980; contudo, a importância
da segunda virada, entre 1989 e 1991, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, é notável — e
constitui o marco histórico de interesse deste trabalho (Harvey, 2008).
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4
O discurso de posse de Collor pode ser acessado na biblioteca da Presidência da República em http://www.
biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/fernando-collor/discurso-de-posse/posse-collor.pdf/view (Acesso em
22 de abril de 2014).
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do país e o aumento generalizado do preço médio do ingresso de cinema, que, segundo dados
do Ministério da Cultura, passou de U$S 0,50 em 1979 a U$S 2,62 em meados dos anos 1980.5
Essa conjuntura contribuiu, certamente, para agravar a crise do modelo de apoio promovido
pela Embrafilme.
Assim, quando em 1990 foi anunciada a extinção da empresa, o setor não chegou a se
espantar com a notícia. O susto veio, no entanto, pela ausência de uma contraproposta que fosse
imediatamente colocada em vigor pelo governo:
(...) depois de quase cinco anos de crise, o meio cinematográfico aceitou,
sem maiores discussões, a extinção da Embrafilme, da reserva do mer-
cado e o fim do nacionalismo protecionista. Collor não inventou nada;
o áulico paraibano só atendeu aquilo que Hector Babenco, Silvio Back,
Carlos Reichenbach, Chico Botelho, Carlos Augusto Calil, Roberto Fa-
rias, Nelson Pereira dos Santos e a crítica na imprensa liberal pediram.
Depois de cinco anos de crise todos carimbaram seu passaporte para o
mercado neoliberal, e sem bilhete de volta. Só houve frustração quando
o avião decolou. Aí, todos perceberam que tinham ido pro espaço, lite-
ralmente. De Deus, Collor passou a ser o Diabo na Terra do Sol (Souza
apud Marson, 2006, p. 23).
A adesão da corporação cinematográfica ao discurso liberal segundo o qual a cultura
deveria ser tratada como um “problema de mercado” — conforme defendia o então Secretá-
rio da Cultura de Collor, o cineasta Ipojuca Pontes — esteve relacionada, assim, ao quadro de
crise terminal da Embrafilme. Por outro lado, a própria história de disputa entre o “cinemão” e
o “cineminha”,6 que permeou o ciclo Embrafilme, já revelava a cisão da corporação cinemato-
gráfica perante o Estado e a sociedade. Ou seja, a dissolução da Embrafilme, da cota de tela e
da regulamentação do setor contou com o aval de parte do grupo que apoiara a sua criação. A
opção pela “abertura do mercado” se consolidou com a criação da Lei 8.313 de 1991, conhecida
como Lei Rouanet, que previa a captação de investimentos no setor privado para a promoção da
cultura nacional, por meio de renúncia fiscal. O modelo de incentivos fiscais foi reforçado dois
anos depois com a Lei do Audiovisual (lei 8.685/93), destinada a estimular o financiamento da
produção de filmes em longa-metragem (Amancio, 2000; Ikeda, 2011).
5
Dados obtidos em Cinema Brasileiro: Um Balanço dos 5 Anos da Retomada do Cinema Nacional. Brasília:
SAV/MinC, 1999, p. 253-255.
6
Embora a Embrafilme fosse a maior produtora e distribuidora do cinema brasileiro durante seu período de exis-
tência, ela não era a única. Havia também os produtores independentes, isto é, os que faziam seus filmes sem o
financiamento do Estado. As pornochanchadas na década de 1970 e depois os filmes pornográficos nos anos 1980,
produzidos no Rio de Janeiro e principalmente na Boca do Lixo, em São Paulo, são exemplos dessa produção que
existiu à margem da Embrafilme, graças a um mecanismo próprio de produção, distribuição e exibição desenvol-
vido por seus realizadores. Como explica Marson (2006, p. 16): “De certa forma, o cinema da Boca conseguiu
realizar a tão sonhada integração vertical no cinema brasileiro, aliando produção, distribuição e exibição. Essa mo-
dalidade de produção cinematográfica ficou conhecida como ‘cineminha’, em contraposição ao ‘cinemão’, herdeiro
da tradição do Cinema Novo, mais ‘culto’ e financiado através da Embrafilme.”
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Ainda que não pudesse ser caracterizado propriamente como neoliberal, o modelo de
incentivo fiscal esteve mais próximo de uma concepção privatista de defesa do “livre mercado”
do que a Ley de Cine argentina. Primeiramente, a lógica da renúncia fiscal foi a de transferir às
empresas e seus respectivos departamentos de marketing a decisão sobre em quais filmes inves-
tir os recursos advindos da dedução de imposto de renda. Instaurou-se, na expressão de Autran
(2009, p. 122), “um modo privado de gerir os recursos públicos”, justificado pela tentativa de
aproximar a iniciativa privada dos cineastas a fim de convencê-la de que investir em cinema
brasileiro era um bom negócio.
Ao longo dos anos 1990, alterações na Lei do Audiovisual, como a inclusão do artigo 3º,
foram promovidas a fim de atrair a televisão aberta e as majors a investirem também no cinema
nacional — com a garantia do abatimento do imposto de renda devido, fosse sobre suas ativida-
des regulares ou o envio de remessas para o exterior. As disputas entre esses três grupos de in-
teresse (a corporação cinematográfica, a televisão aberta e as majors) marcaram as negociações
em torno do modelo de incentivo fiscal ao longo da década, culminando na criação da Ancine
(Agência Nacional do Cinema) em 2001. Sob o paradigma das agências reguladoras autônomas,
características do Estado neoliberal, a criação da Ancine encerrou o ciclo da Retomada, com a
reinstitucionalização da política pública voltada ao setor.
A centralidade da TV aberta no setor, que constituiu historicamente um obstáculo para
a integração do cinema com a televisão, tem sido um elemento crucial do cenário audiovisual
brasileiro. Embora a corporação cinematográfica tenha reivindicado a regulamentação dessa
integração em momentos de crise, como no fim dos anos 1990 por ocasião do III Congresso
Brasileiro de Cinema, a TV conseguiu manter-se absoluta no cenário audiovisual do país. Essen-
cial à manutenção de uma elite política oligárquica, proprietária das concessões de rádio e TV,
a radiodifusão permanece regulada pelo Código Brasileiro de Televisão de 1962 e não sofreu
mudanças derivadas diretamente da ascensão de um governo de orientação neoliberal nos anos
1990 (Santos, 2004).
Em 1998, a criação da Globo Filmes, braço cinematográfico das Organizações Globo,
constituiu um exemplo ilustrativo e didático dessa lógica: a empresa logo adquiriu o primeiro
lugar dentre as produtoras dos sucessos de bilheteria do ciclo da Retomada, respaldada por
vantagens competitivas que lhe garantiram associações com as produtoras independentes mais
bem-sucedidas comercialmente, por um lado, e com grandes distribuidoras estrangeiras por
outro. Reproduzindo a lógica geral de concentração, a Globo Filmes reforçou o domínio da TV
Globo no audiovisual brasileiro. O resultado foi uma configuração específica, em que a empresa
se associou às majors estrangeiras, por meio de mecanismos da Lei do Audiovisual, para garan-
tir a distribuição de blockbusters nacionais.
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lei 22.285/80 para redefinir as características das companhias que manteriam o direito sobre as
licenças dos canais de TV aberta, os primeiros a serem privatizados.
A despeito de suas promessas de campanha, Menem executou políticas de orientação
neoliberal em praticamente todos os setores da economia argentina, inclusive na televisão por
assinatura. O cinema, pelo prestígio que angariara nos anos 1980, e talvez também por uma
preferência pessoal do presidente — as idiossincrasias de lideranças políticas personalistas são
elementos importantes, afinal —, constituiu-se na exceção das políticas públicas do governo
Menem. Enquanto a indústria nacional declinava, no início dos anos 1990, o conjunto das enti-
dades do cinema pressionou o governo para a aprovação de uma legislação que se constituiu na
mais protecionista da América Latina, a Ley de Fomento y Regulación de la Actividad Cinema-
tográfica, sancionada em 1994 (Getino, 2003; Marino, 2012).
O conceito de Espacio Audiovisual Nacional foi incorporado à Constituição Nacional de
1994 e o INC foi transformado em Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA)
— órgão responsável por convocar concursos para a outorga de prêmios para novos realizado-
res, filmes do interior do país, telefilmes e curtas-metragens, cuja ação ampliou o número de
títulos argentinos produzidos nos anos 1990. A Ley de Cine aumentou o orçamento do INCAA,
distribuiu mais recursos para a produção por meio de créditos e subsídios e regulamentou nova-
mente a cota de tela, instaurando também o mecanismo conhecido como “média de continuida-
de”, que garantiu aos filmes argentinos o direito de permanecerem sendo exibidos conforme seu
desempenho de bilheteria nas primeiras semanas em cartaz (Mastrini, 2005).
Outra diferença fundamental entre os dois processos foi que, ao contrário do Brasil, a
legislação argentina conquistou um grau de integração mínimo entre o cinema e a televisão,
ao garantir que se destinasse ao Fundo de Fomento Cinematográfico o total de 25% da taxa já
arrecadada pelo Comitê Federal de Radiodifusão (COMFER) sobre a renda das emissoras. Com
esses recursos, a nova lei criou um sistema de créditos e subsídios para o fomento à produção
cinematográfica. Cada mecanismo funciona de uma forma: os créditos são empréstimos con-
cedidos a taxas mais baixas que as de mercado, outorgados ao produtor que deseja realizar um
filme nacional de longa-metragem e que já possui um projeto concreto da obra. O montante do
empréstimo é definido de acordo com o orçamento total do filme e não pode exceder o Custo
Médio (CM), um valor referencial estabelecido anualmente pelo INCAA com base nas previ-
sões de custo apresentadas pelos produtores em seus projetos (Perelman e Seivach, 2003).
Já os subsídios são aportes não retornáveis, aos quais têm direito de acesso todo filme, com
ou sem crédito do INCAA na composição de suas fontes de financiamento. O objetivo do subsídio
é permitir ao produtor recuperar parte do investimento feito no filme, impulsionando desse modo,
ao menos em tese, a continuidade da indústria. O mecanismo do subsídio é destinado aos filmes
que — se assim julgar o INCAA — contribuam para o desenvolvimento cinematográfico nacional
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nos âmbitos cultural, artístico, técnico e industrial. Conforme explica Marino (2012), o subsídio
pode ser entendido como uma tentativa de compensar a competição desleal e desigual com as ma-
jors no mercado argentino, uma vez que a comercialização das grandes produções estadunidenses
no país tem efeitos similares ao dumping, proibido em acordos transnacionais aos quais subscre-
vem os Estados Unidos, como os da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Do ponto de vista do cinema argentino e das políticas públicas para o seu financiamento,
a década de 1990 constituiu, portanto, uma grande exceção: um protecionismo que contrastou
com a orientação neoliberal aplicada em outros setores da economia, mas que não foi suficiente
para gerar consenso entre a corporação cinematográfica a respeito do seu sucesso. O século XXI
começaria com reivindicações pela real autonomia do INCAA e pelo cumprimento integral da
Ley de Cine — e, por outro lado, pela polarização da corporação cinematográfica em torno de
demandas históricas de uma maior intervenção estatal em benefício do cinema não comercial e
não vinculado ao capital concentrado internacional e nacional.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise comparada permitiu concluir que o modelo de incentivo fiscal produzido no
Brasil a partir de 1991 foi diferente daquele promovido pela Ley de Cine argentina em 1994 — e
essa diferença derivou, em parte, da forma como a corporação cinematográfica local se posicio-
nou em meio ao processo de consolidação de governos de orientação neoliberal nesses países.
No Brasil, a eleição de Collor para a presidência em 1989 foi seguida por ampla reforma liberal
do Estado, que extinguiu uma série de órgãos públicos, dentre eles a Embrafilme. O processo
de desgaste da empresa pública responsável pelo apoio ao cinema desde meados dos anos 1980
(Embrafilme) derivou num discurso crítico e de oposição ao seu modelo de funcionamento.
Com o apoio de parte relevante do núcleo da corporação cinematográfica brasileira, o governo
Collor/Itamar desenhou o novo modelo do incentivo fiscal, aderente ao ideário do livre-mercado
dominante naquele momento histórico, que prometia promover a autossustentabilidade da “in-
dústria de cinema” no Brasil atraindo o setor privado para o fomento à produção.
Na Argentina, a reação da corporação cinematográfica à chegada ao governo de Carlos
Menem, naquele mesmo ano de 1989, foi diferente. Diante do choque de medidas neoliberais
executadas pelo novo presidente, contrariamente ao que fora previsto em seu programa polí-
tico, os profissionais do setor argentino se mobilizaram em busca de garantir à atividade uma
legislação protecionista, que contrariava a cartilha amplamente aplicada para a economia nacio-
nal. Fortalecida em parte pelo sucesso internacional do cinema argentino ao longo da segunda
metade dos anos 1980, a corporação cinematográfica foi capaz de se mobilizar para reivindicar
o que veio a ser a Ley de Cine de 1994, uma legislação atipicamente protecionista em meio à
conjuntura político-econômica da Argentina na época.
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Este artigo pretende fazer uma rápida abordagem sobre a recente determinação, aprova-
da pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no dia 3 de fevereiro de 2016, ao considerar que
eventos culturais com “potencial lucrativo” ou que “possam atrair investimento privado” serão
proibidos de receber incentivos fiscais, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida
por Lei Rouanet. Embora sem previsão de entrar em vigor e ainda caibam recursos à referida
proibição, buscaremos fazer uma análise crítica, a partir de matérias e artigos publicados neste
curto período, que expõem não somente a decisão do TCU, mas também, a opinião do Ministro
da Cultura Juca Ferreira, sobre o tema, bem como, a reação de produtores brasileiros a esta de-
terminação, e de ações relevantes do Ministério da Cultura (MinC) nessa direção.
Com base nas informações veiculadas na página Ilustrada do jornal Folha de São Paulo,
no dia 04/02/2016, por Dimmi Amora, esta decisão do TCU foi tomada ao analisar a regularida-
de do incentivo fiscal ao “Rock in Rio” e a outros eventos culturais com cobrança de ingresso,
patrocínio e outras fontes de receitas. Segundo essa matéria, só o festival de rock de 2011 teria
captado R$ 6 milhões provenientes de empresas, que depois puderam abater 30% desse valor
do Imposto de Renda. Pela decisão, os valores já captados poderão ser mantidos e não haverá
1
Doutoranda e mestre em Políticas Públicas e Formação Humana UERJ. Gestora cultural, atriz, jornalista. Pro-
fessora da Pós Graduação em Produção Cultural da Universidade Cândido Mendes e do Curso de Formação de
Gestores e Agentes Culturais SEC/MinC. E-mail: anapardo.teatralidade@gmail.com
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punição para os gestores que autorizaram patrocínios a esses eventos. O percentual de desconto
do Imposto de Renda pode variar de 30% a 100%.
A investigação do TCU começou em 2011 após denúncia do Ministério Público, ao en-
tender que a Lei Rouanet (1991) proíbe que esse tipo de evento receba incentivo fiscal. Sobre
isso, o Ministro Augusto Sherman, relator do processo se pronuncia: “Não consigo vislumbrar
interesse público a justificar a renúncia de R$ 2 milhões de receita do Imposto de Renda em be-
nefício da realização de um projeto com altíssimo potencial lucrativo, como o ‘Rock in Rio” (In:
Folha de São Paulo digital, 04/12/2016). É importante ressaltar que essa decisão do TCU não
impede todos os projetos comerciais de receber incentivos fiscais. Segundo a decisão, devem
ser vetados somente os que se mostrarem capazes de se autossustentar ou que não necessitarem
do mecenato para ocorrer. Segundo o TCU, o próprio Ministério da Cultura tem normas inter-
nas capazes de fazer essa distinção. Quando uma empresa pede que seu projeto cultural seja
enquadrado na lei, ela tem que informar ao governo os valores que serão arrecadados, a relação
custo/benefício e o impacto do incentivo na realização do evento, entre outros dados. No caso
do “Rock in Rio” (AMORA, 2016, p. 1), por exemplo, havia R$ 34 milhões de reais em receita
prevista pelos organizadores do evento. Além disso, os técnicos do MinC têm que dar parecer
dizendo se o projeto se enquadra na lei e pode receber incentivo fiscal. De acordo com a decisão,
este Ministério não poderá aceitar contrapartidas do empreendedor (como doação de ingressos,
por exemplo) para justificar a permissão para a captação de recursos.
A renúncia de receitas do governo federal para a cultura foi de mais de R$ 5 bilhões, nos
últimos quatro anos, segundo dados do MinC. Os técnicos do tribunal que analisaram a questão
e elaboraram parecer sobre o caso entenderam que, apesar de serem moralmente inaceitáveis, os
incentivos fiscais não são ilegais. Mas os ministros, que têm a palavra final sobre os processos,
concordaram com a tese dos procuradores. Para eles, o projeto para ser incentivado tem que ter
interesse público.
Segundo Sherman, a lei determina que os Fundos de Investimentos Culturais e Artísticos
(o FICART) deveriam incentivar projetos com fins meramente comerciais. Como o FICART
nunca foi criado, o MinC acaba usando o Fundo Nacional de Cultura, voltado para projetos com
menor possibilidade de captar recursos, para todos os projetos.
O MinC, responsável pela autorização dos projetos culturais, também apresentou argu-
mento no processo pela concessão do benefício, alegando que não poderia negar o subsídio para
projetos comerciais lucrativos. Em nota, afirma que tecnicamente todos os projetos que captam
recursos pela Lei Rouanet são capazes de atrair investimentos e ser potencialmente lucrativos, por
isso “não há uma classificação a respeito do assunto”. Neste documento, o MinC defende uma
mudança na lei para acabar com o que considera “distorções” e permitir “a oferta de apoios finan-
ceiros diversos e tendo o incentivo fiscal, afeito ao mercado, como mecanismo complementar”. O
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relatório do TCU aponta que o patrocínio distorce os objetivos do MinC, como o incentivo à cul-
tura regional, já que o dinheiro prioriza as estratégias de marketing das empresas patrocinadoras.
Para auxiliar em nossa análise, apresentamos abaixo os dados do MinC (Salic Net),
acerca da distribuição da renúncia fiscal por categoria, onde se percebe que as áreas de maior re-
núncia fiscal são as Artes Cênicas, com 25,37%, e a Música, com 21,82%. O que chama atenção
nos dados, é o valor total que foi arrecadado, de R$11,3 bilhões em isenções para apenas 33 mil
projetos, o que equivale a 1 projeto apoiado para 3,53 apresentados.
Aqui neste outro mapa, podemos observar que há assimetrias regionais, se comparar-
mos, por exemplo, os dados da Região Norte em relação à Região Sudeste.
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Essa distorção entre as regiões é apontada pelo Ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante
entrevista concedida ao jornal O Globo (ÉBOLI, 04/02/2016), mostrando que tudo o que foi apli-
cado, via Lei Rouanet, nas regiões Norte e Nordeste de 1993 até 2014 é menor do que foi aplicado
somente na Região Sudeste em 2014. “Esses já estão inseridos no sistema”. São vulgarmente
chamados de “consagrados”. “Não tenho nada contra os consagrados. Fazem arte de qualidade
e é sinal que são bem aceitos, mas a distribuição (dos benefícios) tem que respeitar o interesse
público. Os beneficiados (pela Lei Rouanet) são sempre os mesmos”.
No gráfico seguinte, apresentamos os dados, disponibilizados pelo MinC (http://siste-
mas.cultura.gov.br/salicnet/Salicnet/Salicnet.php), com os principais proponentes e os valores
captados em milhões no ano de 2015. Podemos observar que a Aventura Entretenimento Ltda.
encabeça a lista, realizadora de musicais, como “O mágico de Oz”, “Um violinista no telhado”,
“A borralheira”, “A noviça rebelde”, “Vamp”, o musical, (em que obteve aprovação para cap-
tar R$ 12.912.280,00), “Hair”, “Turnê Chacrinha, o Musical”, entre outros, e projetos como: o
“Rock in Rio 30 Anos Box Brasil”, que captou 5,5 milhões via Lei Rouanet.
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Fonte: Salicnet/Minc
Na tabela abaixo, observamos que os bancos encabeçam a lista dos dez maiores incenti-
vadores através da Lei Rouanet no ano de 2015.
Neste outro gráfico, vemos que as Artes Cênicas, seguidas pela Música, são principais áreas
incentivadas.
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Gráfico 1: Série Temporal das principais áreas incentivadas pela Lei - Milhões de Reais 1992/2015
Fonte: Salicnet/Minc
Após a Lei Rouanet, a segunda lei de incentivo à atividade audiovisual foi criada em
1993. De fato, enquanto a Lei Rouanet era comum a todos os segmentos culturais, a Lei nº
8.685/93 é específica da atividade audiovisual.
Por isso, ela ficou conhecida como “Lei do Audiovisual”, o único segmento que possui
uma lei de incentivo específica. Ou seja, as demais categorias artísticas, como o teatro, a dança
e as artes plásticas podem captar recursos federais via renúncia fiscal apenas, através da Lei
Rouanet. Na verdade, a Lei do Audiovisual representou um “plano de urgência” para a recupe-
ração do cinema brasileiro, em intensa crise no início dos anos noventa, com uma participação
de mercado inferior a 1%.
No gráfico a seguir podemos ver os principais investidores e incentivadores e montantes
aprovados em 2011.
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A principal diferença entre a Lei Rouanet e o Art. 1º da Lei do Audiovisual reside no fato
de que os valores aportados por meio deste mecanismo não são meramente um patrocínio ou
uma doação, como era o caso na Lei Rouanet, mas agora passam a ser contabilizados como um
investimento (IKEDA, 2006, p. 4). Dessa forma, de acordo com a pesquisa de Ikeda, o agente
que aporta recursos não é meramente um “incentivador”, como na Lei Rouanet, e sim um “in-
vestidor”. Os valores investidos por meio desse mecanismo são abatidos no imposto de renda
a pagar em 100%. Ou seja, os valores aportados são integralmente abatidos na Declaração do
Imposto de Renda do investidor, aos moldes do Art. 18 da Lei Rouanet.
No entanto, o Art. 1º da Lei do Audiovisual possui uma vantagem fiscal adicional em
relação a este último mecanismo: além do abatimento de 100%, o investidor pode incluir os
valores aportados como despesa operacional, nos mesmos moldes do Art. 25 da Lei Rouanet.
Ou seja, é como se o Art. 1º da Lei Audiovisual conjugasse os dois tipos de dedução fiscal da
Lei Rouanet, beneficiando-se seja do abatimento integral, como no Art. 18, e possibilitando o
lançamento desses valores como despesa operacional, como no Art. 25. Esse fato torna o per-
centual de abatimento real no imposto de renda a pagar superior a 100%. Ou ainda, o abatimento
no imposto de renda a pagar, decorrente de investimento pelo mecanismo, é superior à quantia
efetivamente investida.
O consultor de empresas, Yacoff Sarkovas, especialista na área de imagem corporativa
e projetos culturais, sociais, ambientais e esportivos, é um crítico mordaz da legislação que,
segundo ele, trata cultura como objeto de renúncia e até lucro fiscal. Na entrevista que conce-
deu à Carta Maior (WANDER, 28/04/2006), Sarkovas afirmou que é um sistema perdulário e
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injusto porque cria uma cadeia desnecessária de intermediação, que, ao invés de o dinheiro sair
em linha direta do caixa público para a ação cultural, cria-se uma cadeia de intermediação desse
recurso em meio a milhares de empresas, exige-se uma série de captadores e é injusto porque
ele não estabelece uma relação entre dinheiro público e interesse público. Mas a maior distorção
está na Lei do Audiovisual e explica os motivos.
Você sabia que, quando você entra no cinema e vê aquela marca na
abertura dos filmes, você está pagando para aquela empresa usar aquela
marca naquele filme? O desconto via lei, nestes casos, chega a 132%, ou
seja, aquela marca que abre o filme pegou R$ 1 milhão de reais do di-
nheiro público - porque ela não pegou um centavo do bolso dela - e deu
para aquele filme acontecer. Em troca, pediu uma série de benefícios,
inclusive aquele benefício de imagem. Além de ela deduzir do imposto o
R$ 1 milhão que ela “deu”, ela deduz também R$ 320 mil porque lança
como despesa, aquilo se abate sobre o lucro e, na incidência, vira lucro.
O poder público, o Estado brasileiro, paga para que empresas privadas
decidam onde se vai colocar o dinheiro público em forma de incentivo
cultural, é assim que tem que ser vista a Lei do Audiovisual. A popu-
lação brasileira não sabe disso, o cidadão brasileiro não sabe disso e
precisaria saber (WANDER, Carta Maior digital, 2006).
Como vimos, esse sistema de leis de incentivo baseadas em renúncia fiscal é uma noção
que cresce de maneira assustadora, além de demonstrar uma grande concentração de grandes
empresas e bancos, de projetos, de proponentes de maior porte, de volumosos recursos, de seg-
mentos e de regiões, em geral, Sudeste e Sul e, em seguida, Nordeste, em detrimento das regiões
Norte e Centro-Oeste. Em função disso, o Ministro da Cultura Juca Ferreira considerou positiva
esta decisão do Tribunal de Contas da União, de que projetos culturais lucrativos não se bene-
ficiem da Lei Rouanet. Ferreira diz que há distorções na lei, que beneficiaria apenas “consagra-
dos” e não atenderia aos interesses públicos, e que, hoje, não há como evitar que isso ocorra. A
solução, para ele, está em aprovar o Pró-Cultura, em tramitação no Congresso Nacional. Para o
Ministro, a determinação tem um aspecto positivo por mostrar sensibilidade com as distorções
da Lei Rouanet na medida em que a lei, de fato, transgride o princípio do interesse público, deixa
de atender e apresenta múltiplas distorções. Segundo Juca Ferreira, a lei representa 80% do que o
governo aplica em fomento à cultura e o critério não é o da necessidade de uma política pública
de cultura. No entanto, essas declarações do Ministro da Cultura Juca Ferreira, dadas após a de-
cisão do TCU proibindo o MinC de autorizar a captação de recursos, via Lei Rouanet, a projetos
financeiramente viáveis, não foram bem recebidas pelo meio artístico (O Globo, 04/02/2016).
Na entrevista concedida ao jornal O Globo, o ativista cultural Júnior Perim, do “Circo
Crescer e Viver”, diz que fechar a torneira da Lei Rouanet cria desafios ao setor:
Corrigir distorções da Lei, com a aprovação do Pró-Cultura, sou favorá-
vel. Mas antes disso impedir o uso do mecanismo, num contexto em que
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o fundo de cultura, o Ficart e o mecenato. O fundo, que repassa recurso público direto para ações
culturais, tem claramente fundamentos bem sociais, na sua gênese. Segundo ele, isto significa
dizer que sua distribuição deve se preocupar em ser regionalmente equitativa e destinada aos pro-
jetos e produtores que emulem ações aos menos favorecidos. O Ficart é uma estrutura permitida
pela lei para que empresas possam constituir e operar fundos no mercado de valores mobiliários.
Cesnik considera que, ao contrário do que diz a decisão do TCU, de que o Ficart nunca foi criado,
não há aqui, portanto, nenhuma falha do Poder Executivo.
A constituição dos fundos se encontra regulamentado por decreto, pela
CVM e aberto para instituições financeiras que queiram estruturá-los.
Aqui estariam contempladas atividades comerciais e industriais exclu-
sivamente. Não há nada por fazer, a não ser propor uma mudança de
lei criando incentivos fiscais, como nos Fundos de Cinema (Funcines),
para que as instituições financeiras se interessem por constituir fundos
desse tipo.
E, por fim, menciona que o mecenato contempla ações sociais e também comerciais,
“tanto que autoriza empresas com finalidade lucrativa de propor projetos” (Cultura e Merca-
do,2016:www.culturaemercado.com.br/site/pontos-de-vista/sobre-tcu-e-lei-rouanet)
Afinal, qual seria o objetivo de uma empresa comercial se não a de ob-
ter lucro? A canalização de recurso como forma de desenvolvimento
de mercado acontece em outras áreas onde já se criou incentivo: linha
branca, automóveis, audiovisual etc.. Imagine como seria no caso do
audiovisual: fazemos um filme sem saber quanto ele trará de público; se
levar muita gente ao cinema, não poderia ter havido incentivo. Mas me
explique: como descobrir isso previamente?
Para Cesnik, a decisão do TCU parece fundar-se numa perspectiva muito mais moralista
do que com base na lei e seus preceitos. O advogado considera que o Poder Legislativo, órgão
ao qual o TCU está vinculado, editou a Lei Rouanet para que se fomentasse o mercado, a indús-
tria e estimulasse a geração de emprego, renda e, por que não dizer, desse lucro aos agentes do
setor. Ele reconhece que o Poder Executivo tem agido, de forma cuidadosa ao longo dos últimos
anos, para criar mecanismos de democratização, acessibilidade, sempre de maneira responsável
e respeitando os ditames legais. Mas, nesse caso, propõe que a decisão seja reformulada e consi-
dera que o setor cultural avançou bastante com a Lei Rouanet durante esses anos, devendo agora
apoiar o MinC nesse recurso junto ao TCU e acalmar o mercado.
A decisão do tribunal, com o devido respeito, deve ser reformada sob
pena de subverter o comando da lei e criar um conceito, na minha visão,
insustentável do ponto de vista técnico: como prever de antemão, sem
juízo de valor, que um produto cultural vai ser lucrativo? A Lei Rouanet
traz comandos vinculantes e pouco discricionários que estão permitin-
do o meio cultural se desenvolver e muito nos últimos 25 anos. Não
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apenas 20% conseguem algum apoio. O resto se frustra. Não tem inte-
resse público nisso.
Para Juca Ferreira, a Lei Rouanet é uma “injustiça federativa”, por beneficiar segmentos
que não são os que mais precisam de apoio público. Segundo ele, 80% dos projetos liberados
para captação pela Comissão Nacional de Investimento Cultura (CNIC) são dos estados de São
Paulo e Rio de Janeiro, com o agravante de estarem centralizados em poucas empresas. “Um
artista que esteja contrariando o senso comum não interessa. É uma seleção perversa, feita com
dinheiro público. É importante perceber isso para termos uma posição clara sobre o assunto”,
afirmou (ÉBOLI, 2016). Segundo ele, essa sua visão determinada foi construída a partir de da-
dos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econô-
mica Aplicada (IPEA), além de sua prática diária no MinC. “Não culpo as empresas, culpo a lei
que refletiu um momento determinado do processo de amadurecimento do país, na redemocra-
tização. Mas já estamos muito adiante”. Para o Ministro, além da luta pelo orçamento na área
cultural, é preciso qualificar esse gasto e garantir a descentralização e a democratização dos
repasses. Ele ressaltou que, apesar de as empresas poderem receber 100% do valor investido
em projetos culturais via Lei Rouanet, o índice está caindo “velozmente”, criando um “caos”
na área porque não há outras fontes de recursos disponíveis no momento.
Na verdade, desde a gestão de Gilberto Gil, no MinC, em que Juca Ferreira exerceu
naquele período a função de Secretário Executivo, com início em 2003, houve um amplo de-
bate pelo país, através do Seminário Cultura para Todos – Financiamento público da cultura e
leis de incentivo, que teve o objetivo de debater e recolher subsídios para a formulação de uma
política pública de cultura para o país. Dirigido a artistas, produtores culturais e empresários, a
iniciativa do MinC com este Seminário visava também discutir as Leis Rouanet e do Audiovisu-
al, procurando inseri-las dentro de uma visão mais ampla, buscando caminhos mais abrangentes
para o fomento à cultura. O Seminário foi realizado em todas as principais capitais do Brasil e
embora tenha centralizado o debate no ponto mais polêmico, que é o patrocínio, foram discuti-
dos os temas: os objetivos da legislação, os mecanismos da legislação, a regulamentação das leis
e a operacionalização da legislação.
De 2003 pra cá, a Lei Rouanet já passou por algumas mudanças. Uma das medidas foi
através da Portaria nº 54, assinada pelo Ministro Juca Ferreira e publicada em 5 de setembro de
2008, no Diário Oficial da União, conforme foi publicado pelo jornal Gazeta do Povo, no dia
17/09/2008 O jornal Gazeta do Povo (http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-que-mu-
dou-na-lei-rouanet/ ). De prático, a nova portaria elimina algumas exigências como, por exemplo,
a apresentação de documentos de cessão de direitos autorais, no ato de inscrição dos projetos,
sendo necessária apenas a apresentação de carta de anuência (consentimento) do proprietário
ou detentor de direitos. Outra novidade é que passaram a não serem mais exigidos os termos de
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anuência dos artistas ou grupos culturais envolvidos, com a proposta e também o termo de com-
promisso ou confirmação da pauta dos teatros ou espaços que abrigarão os espetáculos e eventos.
“Esta é uma medida de racionalização, simplificação e atendimento à demanda dos produtores”,
segundo o Ministro.
Segundo pesquisa da FASFIL (Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos–
ABONG, GIFE, IBGE e IPEA), que levantou a quantidade e perfil das associações e fundações
brasileiras, existiriam 11.995 organizações sem fins lucrativos na área da cultura e arte no Brasil,
representando 4,1% do total das quase 291 mil existentes no país. Além das pessoas jurídicas, a
área cultural também reúne inúmeros produtores culturais e artistas, que realizam ações no cam-
po da cultura. Há várias fontes para o financiamento de projetos culturais, públicas ou privadas,
nacionais e até internacionais. Dentre elas, entretanto, a Lei Rouanet é uma das mais utilizadas. O
MinC publicou, no dia 1º de julho, a Instrução Normativa nº 1, de 24 de junho de 2013, que esta-
belece procedimentos para a apresentação, recebimento, análise, aprovação, execução, acompa-
nhamento e prestação de contas de propostas culturais, com relação ao mecanismo de incentivos
fiscais do Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC e traz importantes mudanças.
A Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) difundiu as mudanças na lei
(http://captacao.org/recursos/artigos/986-ministerio-da-cultura-publica-nova-instrucao-normati-
va-para-a-lei-rouanet/ ) 1. Caiu o limite que fixava a autorremuneração do proponente em 10%
do total do projeto até o teto de R$ 100 mil. A partir de agora, o proponente não terá mais essa
limitação e continuará podendo ser remunerado dentro de seu projeto, desde que o mesmo preste
serviços dentro do projeto, discriminando no orçamento analítico quais serão suas rubricas. É
importante dizer que o proponente deverá apresentar mais 2 orçamentos, comprovando que seu
preço é o mais econômico. 2. Apesar de possuir um CNPJ, o microempreendedor individual foi
equiparado à pessoa física na Lei Rouanet e terá os mesmos direitos e deveres da mesma, inclu-
sive as limitações (números de projetos ativos e total permitido para os projetos). 3. Tornar-se-á
obrigatório, no plano de distribuição dos projetos, em que haja previsão de público pagante ou
comercialização de produtos culturais: mínimo de 10% para distribuição gratuita à população
de baixa renda; até 10% para distribuição gratuita promocional pelos patrocinadores; até 10%
para distribuição gratuita promocional em ações de divulgação do projeto. Além disso, o custo
unitário dos ingressos ou produtos culturais deve observar os critérios: mínimo de 20% para co-
mercialização a preços populares e não superiores ao teto do vale cultura (que hoje é R$ 50,00);
até 50% para comercialização a critério do proponente. 4. O Plano Anual de Atividades poderá
ser apresentado por entidades sem fins lucrativos podendo contemplar, além dos projetos e ações
anuais, a manutenção da entidade. Este tipo de projeto deve ter caráter permanente e continuado.
No entanto, mesmo com o esforço do Ministro Gilberto Gil, desde o ano de 2003, rea-
lizando uma ampla escuta pelo país ao promover o Seminário Cultura Para Todos, e nas duas
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gestões do Ministro Juca Ferreira, de fazer algumas mudanças na lei, o fato é que o sistema de
financiamento precisa passar por uma mudança estrutural. Segundo Mônica Drummond, pro-
prietária da Cultural Office, empresa que, desde 1997, viabiliza projetos por meio do mecanismo
federal, o difícil não é aprovar o projeto na lei (SANTOS, Gazeta do Povo, 17/09/2008: http://
www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-que-mudou-na-lei-rouanet/ ). “Aprovar um projeto na Rouanet
não é um ‘bicho de sete cabeças’. O difícil é, uma vez aprovado, captar os recursos para via-
bilizar o projeto”, critica. No entendimento de Mônica, o MinC deveria tomar duas medidas:
“Primeiro, fazer uma campanha nacional para incentivar empresários a renunciar aos impostos e
apoiar a lei. Depois, é preciso criar mecanismos para que empresas que atuam no Paraná apoiem
projetos locais.” Mônica diz que as empresas instaladas ali até renunciam impostos, mas “gos-
tam” (ou preferem) investir em empreendimentos culturais do eixo São Paulo-Rio.
Uma outra distorção da Lei Rouanet, apontada pelos produtores culturais (BORDONI,
14/09/2015), as políticas e investimentos do Estado em cultura contemplam apenas o universo ar-
tístico e excluem um campo vasto da expressão e diversidade cultural no país. Para isso, o Estado
deve adotar um conceito que entenda os fazeres das pessoas e da coletividade como manifestação
cultural, expressa a pesquisa realizada na Faculdade de Direito da USP, por Danilo Júnior de
Oliveira (http://www.usp.br/aun/exibir.php/ ). Este pesquisador defende que as políticas de in-
centivo à cultura devem ser aplicadas a todos os cidadãos, e não apenas aos artistas e intelectuais.
“As políticas públicas de saúde não são feitas para os médicos, as políticas públicas de educação
não são feitas para os professores, são feitas para a população toda, então para a cultura também
precisa desse entendimento”, argumenta o pesquisador, em citação à fala do Ministro da Cultura,
Juca Ferreira.
Ainda segundo Oliveira, a lei é positiva para o desenvolvimento da cultura, porém a
destinação dos recursos não pode ser feita majoritariamente a ela, e sim ao Fundo Nacional de
Cultura (FNC), que não envolve a iniciativa privada. Segundo ele, com a distribuição de verba
atual – de R$ 1 bilhão para a Lei Rouanet e, após os cortes de orçamento desse ano, de R$ 100
milhões ao FNC – a cultura popular, da periferia e produzida no interior do país não tem lugar
para crescer e ganhar reconhecimento. O pesquisador defende o aumento na verba destinada à
cultura, e a sua distribuição, no mínimo igualitária, entre a Lei Rouanet e o FNC. A proposta é
contemplada por projeto de lei que pretende criar o Programa Nacional de Fomento e Incentivo
à Cultura (ProCultura).
O Projeto de Lei nº 6.772/2010, que institui o ProCultura, prevê que o FNC seja o prin-
cipal mecanismo de financiamento federal à cultura. O programa, previsto para substituir a Lei
Rouanet, propõe um novo modelo de financiamento federal à cultura e mudanças substanciais
no mecanismo de incentivo cultural, por meio de renúncia fiscal. Para isso, o FNC será trans-
formado em um fundo de natureza contábil e financeira e também poderá receber recursos por
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meio de doações e patrocínios. Na prática, isso tornará possível repassar recursos não utilizados
em um exercício para o ano seguinte.
Hoje, como o fundo é apenas contábil, o saldo anual precisa ser devolvido ao Tesouro
Nacional. O ProCultura também estabelece mecanismos de regionalização dos recursos, que
serão destinados em parte a fundos estaduais e municipais, com vistas a financiar políticas pú-
blicas dos entes federados. Juca Ferreira está otimista com a possível aprovação do PróCultura,
pois já passou na Câmara e no Senado e, segundo ele, já está no Congresso.
No Pró-Cultura, a renúncia fiscal deixa de ser o principal mecanismo
de fomento e incentivo. Não acabamos com ela, mas vamos dar racio-
nalidade. Se tem potencial de lucro, em vez de dar dinheiro de graça,
seremos (o governo) co-financiadores e vamos participar do lucro com
o que investimos. E esse recurso seria disponibilizado para o Fundo Na-
cional de Cultura.
O Ministro esteve na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, para expor
aos senadores as políticas e diretrizes do MinC para os anos 2015 e 2016 e aguarda ansiosamen-
te por esta aprovação por parte do Congresso.
ALGUMAS CONCLUSÕES
É possível perceber, da trajetória cumprida pela Lei Rouanet, nesses 25 anos de criação,
muito mais do que um grande volume de eventos e ações culturais, principalmente de médio e
grande porte, promovidos, em geral, na centralidade das grandes capitais brasileiras. Seus en-
traves e distorções, assim como o debate acalorado entre produtores e gestores, nessa questão,
expressa, da mesma forma, um Brasil de profundas desigualdades, contraditoriamente, susten-
tadas com dinheiro público.
De um lado, temos um perfil de proponente que dispõe de estrutura bastante profissiona-
lizada, de projetos bem elaborados e consequentes portfólios que impressionam resultando em
grandiosos espetáculos, shows, exposições e demais eventos, a reforçar a grande arte e a celebri-
dade do artista, que parecíamos ter ultrapassado no contemporâneo; expressa o mesmo padrão
e forte tendência de promover os megaeventos que são replicados nas grandes e também nas
pequenas e precárias cidades. Revela a hegemonia dos musicais, na maior parte americanos e
que, anualmente, captam milhões, encenados em grandes teatros privados com caros ingressos,
atividades com ousados planos de comunicação para difundirem a marca das empresas que são
atraídas a patrocinar. Este é um pequeno nicho de grandes e médios produtores no mercado, mas
que consomem a maior parte dos recursos disponíveis.
Do lado de fora da porta, porém, nos deparamos com uma massa gigantesca de agentes
culturais, individuais, grupos e coletivos, que, embora realizem ações diárias em arte e cultura,
seus projetos não costumam ser apoiados. Ou seja, mais do que uma concentração de recursos
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para duas cidades (as capitais), e são sempre os mesmos proponentes que recebem: os que dão
retorno de imagem às empresas. Segundo o Ministro, não é culpa da empresa se criamos um
mecanismo para isso, ele pode ser usado. Mas não é parceria público-privada. Mais do que isso,
que cultura e arte estamos ajudando a se perpetuar? Aparece aí uma clara oposição entre arte e en-
tretenimento numa luta inglória, injusta, desigual, hegemônica e pobre de criação, se quisermos
espelhar a tal diversidade cultural e os diferentes potenciais de invenção. Ao fazermos essa esco-
lha e mantermos o modelo estamos deixando de lado a experimentação de projetos mais ousados
que apontem noutra direção, uma vez que todo o processo de criação implica enfrentar os riscos.
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e anuncia: irá ao Senado para que empresas deduzam, no máximo, 80% do que investem em projetos
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RESUMO: Muitos avanços aconteceram na forma de pensar e agir das políticas culturais no
Brasil. Este artigo buscar um olhar para a maleabilidade dessas conquistas, trazendo o exemplo
da cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, com questões sobre instabilidade e
ausência – adjetivos já tanto usados na análise nacional da cultura – e também sobre territoriali-
zação e desenvolvimento – o debate urgente e contemporâneo das cidades e do papel da cultura
em suas estratégias.
PALAVRAS-CHAVE: Política cultural, Territorialização da Cultura, Duque de Caxias.
A cidade de Duque de Caxias tem uma história com fincos intensos de violência. A exis-
tência da cidade, na atual configuração, foi formalizada na metade do século XX, entre as déca-
das de 1940 e 1950, e é fruto e cúmplice do nascimento das demais cidades do entorno, tendo
assim sua existência em forte vínculo social, político e cultural dentro deste guarda-chuva que as
embarca: a Baixada Fluminense. Trata-se, portanto, de uma configuração recente do território e
sua institucionalidade, em uma região que hoje compreende os seguintes municípios: Duque de
Caxias, São João de Meriti, Seropédica, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados, Mesquita, Belford
Roxo, Magé, Japeri, Paracambi, Guapimirim e Itaguaí.
Para chegar à discussão da política cultural, é essencial passar por um entendimento do
contexto político da cidade. A cidade ainda luta contra o estigma histórico que carrega de ser a
cidade de políticos aliados ao banditismo social, milícias e personalismos, como na emblemá-
tica figura de Tenório Cavalcanti, imortalizado como “O Homem da Capa Preta” no clássico
do cinema brasileiro da década de 1980 (SOUZA, 2014). Tenório antecede a formalização dos
municípios e representa a fragilidade da figura do Estado de Direito na região, sendo até hoje
presente nos símbolos da cultura local, muitas vezes ressignificado. Estudos de representação
da Baixada Fluminense na imprensa, no recorte das décadas de 1950 a 2000, também destacam
essa chaga: a violência era a editoria mais recorrente, com pouca expressividade nas demais
1
Jornalista (UFV), especialista em Mídia, Informação e Cultura (USP) e mestra em Cultura e Sociedade (UFBA).
Divulgadora científica do Museu Ciência e Vida, da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.
E-mail: amorimanamaria@gmail.com.
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abordagens (ENNE, 2004). A violência também é simbólica, pois negada de sua identidade.
Duque de Caxias e os demais municípios sofrem, principalmente até a década de 1980, a intensa
compreensão de cidade-dormitório, classificação que a limita como uma dependência da capital,
Rio de Janeiro, e enfatiza o olhar masculino para a cidade, que desconsidera as donas de casa
que permaneciam na cidade e nela construíam suas histórias.
Outra marca conhecida da cidade está no fato de ter recebido toneladas de lixo das cida-
des da Baixada Fluminense e da capital, Rio de Janeiro, no Jardim Gramacho. À beira da Baía
de Guanabara, o lixão funcionou por mais de três décadas, sendo fechado somente em 2012, em
um escandaloso capítulo de crime ambiental e morosidade do Estado com a região.
Ao mesmo tempo, é importante trazer à memória a resistência como uma ideia de resig-
nificação, de construção dos espaços de cultura e cidadania. É deste mesmo chão, do município
que seria Duque de Caxias, que foi fundada, na década de 1920, a Escola Proletária de Meriti,
voltada para uma comunidade rural carente, renomeada posteriormente como Escola Regional
de Meriti e mais conhecida como Mate com Angu, referência à merenda escolar servida - uma
das primeiras da América Latina a dar esta assistência aos alunos. Aqui fica, portanto, o retrato
de outra personalidade local: Armanda Álvaro Alberto, educadora e militante que também é
presente nas referências locais, como no próprio nome do cineclube Mate com Angu, uma das
maiores referências de produção cultural da cidade.
A retomada desses dois símbolos, obviamente, não busca uma delimitação exaustiva da
cidade, mas fornece uma síntese - de forma passageira, mas não intencionalmente binária - de
um pensar sobre a cidade e suas possibilidades. Isso em suas diversas esferas, aqui incluindo a
cultura. Pois essa é uma das balanças em que vive Duque de Caxias: potência e exclusão.
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da identidade e diversidade cultural brasileira. No paralelo acima citado, Duque de Caxias ainda
demonstra a fragilidade institucional da pasta, o que, mesmo que não representando nenhuma
visão específica da cultura, reflete na descontinuidade de processos, tornando o processo de efe-
tivar políticas culturais mais moroso.
Porque não linear e sujeita a diversas vozes, essa delimitação da política cultural caxien-
se em semelhança à instabilidade não significa, contudo, que não tenha existido nenhum esfor-
ço que dialogue com as premissas que o governo federal desenvolvia para a cultura. Uma das
pautas presentes na pasta esteve em consonância com os avanços do debate de política cultural
nacional, tal qual o plano municipal de cultura (aprovado em 2015), o conselho de cultura (que
se tornou órgão deliberativo) e as conferências de cultura (foram realizadas, por exemplo, seis
conferências municipais de cultura, entre 2005 e 2015) - isto não significa que todos estes pro-
cessos sejam isentos de ressalvas em suas formas, mas representam o esforço da institucionali-
dade, mesmo em uma pasta tão frágil, que sequer conta com um quadro de servidores estatutá-
rios. Ainda sobre a estruturação, é válido ressaltar que no relatório da V Conferência Municipal
de Cultura, realizada em 2013, consta que, conforme fala do então secretário Jesus Chadiak, o
orçamento da cultura da cidade era de 0,16%.
Para continuar com os números, é importante ressaltar que, apesar de sempre associada
a imagens de violência e pobreza, estamos falando de um dos municípios mais ricos do país,
presente entre as melhores economias municipais do Brasil. Em 2013, por exemplo, para seguir
a mesma data anteriormente citada, Duque de Caxias registrava um dos maiores Produto Interno
Bruto (PIB) do país, com a marca de mais de 25 bilhões de reais, número semelhante do PIB de
capitais de estados, como Goiânia (GO) e Vitória (ES).
Já foram citadas as instabilidades da gestão e da existência da secretaria. Os espaços
culturais também são afetados, ainda dentro do recorte recente:
A Secretaria possuía, através de leis municipais, a Companhia Munici-
pal de Dança e a Escola de Artes Barbosa Leite [criada por lei municipal
em 1992] que oferecia vários cursos de formação artística na cidade. A
primeira foi desativada na gestão de Carmen Miguellis [2005-2008] e a
de Artes foi extinta na gestão de Guttemberg Cardoso. Havia o Centro
de Tradições Populares instalado por Dalva Lazaronni na segundo andar
do restaurante popular. Este espaço abrigava a Liga Municipal de Capo-
eira, a Associação do Expositores da Feira de Artesanato, a Folia de Reis
Flor do Oriente e a Associação Carnavalesca de Duque de Caxias. O
Centro de Tradições foi desativado na administração de Jesus Chediak
e o espaço é ocupado pela Secretaria Estadual de Diversidade Sexual.
(MARQUES, 2014b.).3
3
MARQUES, Alexandre. [Políticas de Cultura em Duque de Caxias – 2] Os Aparelhos Municipais. Disponí-
vel em: <http://lurdinha.org/site/politicas-de-cultura-em-duque-de-caxias-2-os-aparelhos-municipais/>. Acesso em
10/02/2016.
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Todos esses apontamentos ainda trazem uma questão às políticas culturais em Duque
de Caxias, que remonta a outra triste tradição apontada por Rubim (2007): a ausência. Isso será
destrinchado em dois olhares: o dos “grupos comunitarios organizados”, retomando o conceito
inicial de Canclini, e o do Estado.
Em uma relação de afastamentos, falta de recursos e de fragilidade institucional, é visí-
vel o reflexo na organização dos coletivos de cultura de Duque de Caxias. Um exemplo recente
desse incômodo está na visita do ministro Juca Ferreira à cidade com a pauta de conversar sobre
cultura na Baixada Fluminense, em agosto de 2015. O local escolhido para receber o ministro
foi um ponto de cultura, Lira de Ouro, espaço referência dos coletivos culturais da cidade. Sem
fala institucional da administração local, a escolha do lugar em detrimento do equipamento mu-
nicipal, o Teatro Raul Cortez, distante apenas 600 metros do local, foi simbólico desta relação.
Este mesmo encontro também simbolizou o afastamento da escuta das demais administrações
(estadual e federal) na cidade: os pontos de cultura representam a presença do Ministério da
Cultura na cidade e, estadualmente, não há nenhum equipamento da pasta da cultura em funcio-
namento na cidade, o terceiro mais populoso do Rio de Janeiro.
Podemos tomar como exemplo os museus. Existem três espaços identificados como mu-
seus na cidade de Duque de Caxias: Museu Vivo do São Bento, um museu com a proposta
de percurso, ligado à Secretaria Municipal de Educação; o Museu da Taquara e do Duque de
Caxias; e o Museu Ciência e Vida, vinculado à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia. Ain-
da podemos acrescentar o Instituto Histórico, da Câmara Municipal, e o CEPEMHEd - Centro
de Pesquisa, Memória e Hstória da Educação de Duque de Caxias e Baixada Fluminense, da Se-
cretaria Municipal de Cultura. Ou seja, o único equipamento estadual que também pode atender
a demandas culturais, mais por sua estrutura do que por sua constituição, não tem vínculo direto
com a Secretaria Estadual de Cultura, e sim com a Ciência e Tecnologia. Aliás, no sistema de
busca de espaços culturais, disponível no site desta secretaria, ao ser selecionado o município de
Duque de Caxias, há apenas um resultado apontado: a Biblioteca Comunitária Solano Trindade,
que, apesar de contemplado pelo edital Pontos de Leitura, no Ministério da Cultura, é uma ini-
ciativa de moradores.
Falando em bibliotecas, pode-se pensar na existência de uma interessante política cultu-
ral que o governo do Rio de Janeiro aplicou em seu território inspirado nas ações de Medellín,
na Colômbia, as Bibliotecas Parque:
En el marco del Plan de Desarrollo 2004-2007, la Alcaldía de Medellín
desarrolla el proyecto estratégico Parques Biblioteca, cuyo objetivo es
dotar a la ciudad de espacios públicos de calidad que tengan funciones
culturales, recreativas, educativas, de esparcimiento, formación y apoyo
a las comunidades menos favorecidas de la ciudad. En este sentido de
reequilibrio social y territorial, se planifica la construcción en Medellín
226
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políticas culturais
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4
Portal Cátedra Medellín Barcelona. Parques Biblioteca - Ficha de Presentación. Disponível em: <http://cate-
dramedellinbarcelona.org/archivos/pdf/34-BuenasPracticas-ParquesBiblioteca.pdf> . Acesso em 10/02/2016.
227
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fértil” da produção cultura, ainda que, corretamente, destacando que esse cenário é “é movido
a um ‘faça-você-mesmo’ colaborativo, pelo fortalecimento da tradição local (e suas histórias
e personagens) e pela ocupação de espaços públicos ou alternativos”5(LICHOTE; GOULD,
2015). Também quando, na mesma conjuntura, a Empresa Brasil de Comunicação abre espaço
da programação para falar sobre a Baixada, incluindo reuniões com os produtores locais para
pensar a forma e conteúdo dos materiais6 (OLIVEIRA, 2015).
Mérito da produção cultural de Duque de Caxias, o reconhecimento desta cidade pela
cultura deve ser um dos recursos de problematização das políticas culturais e para a cidade. A
tal disputa é realizada, portanto, há décadas pelos moradores. É necessário que a expressão saia,
portanto, do etéreo - que se pensem as narrativas, mas que se concretizem políticas e sujeitos.
Em outras palavras: que entre em campo a institucionalidade. Na esfera municipal, estadual e
federal, o poder público não responde à cidade como um protagonista. Parece que a disputa de
narrativa está na execução de políticas por parte da administração, e não um exercício comuni-
tário. Assim, como reforça Milton Santos na sua ideia de território, Duque de Caxias precisa de
um ponto de inflexão na forma como seu território tem tratamento político.
Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, con-
sumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai
mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das
diferenças de acessibilidade (tempo, frequência, preço), independentes
de sua própria condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mes-
ma formação, até mesmo o mesmo salário têm valor diferente segundo
o lugar em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, a
possibilidade de ser mais, ou menos, cidadão depende, em larga propor-
ção, do ponto do território onde está. (SANTOS, 2007, p.81).
Não observar as políticas culturais na cidade de Duque de Caxias, principalmente em
um caráter estruturante das ações, significa destoar com a política federal de avanços na cultu-
ra, com suas diretrizes e com os discursos que as sustentam. Trata-se, portanto, da necessidade
urgente de relacionar a cultura, localmente e em diálogo com os demais poderes, com as pastas
de desenvolvimento.
Assim, as políticas culturais passam a participar dos processos de mu-
nicipalização, com o objetivo de resgatar, através do fomento à diversi-
dade cultural, a capacidade de autodeterminação dessas comunidades,
trabalhando essa diversidade a favor do desenvolvimento territorial sus-
5
LICHOTE, Leonardo; GOULD, Luiza. Na Baixada, momento fértil da cultura urbana culmina com en-
contro do ministro Juca Ferreira e artistas locais. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/na-baixa-
da-momento-fertil-de-cultura-culmina-com-encontro-do-ministro-juca-ferreira-artistas-locais-17071739#ixzz-
3zWbzE4pT>. Acesso em 09/02/2016.
6
OLIVEIRA, André de. EBC realiza encontro com a Cultura da Baixada Fluminense. Disponível em:
<http://blogdoandredeoliveira.blogspot.com.br/2015/08/ebc-realiza-encontro-com-cultura-da.html>. Acesso em:
09/02/2016.
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3. CONCLUSÃO
Instabilidade, autoritarismos e ausência não são palavras de poder absoluto e determina-
das cronologicamente quando as pensamos como adjetivações das políticas culturais. Isso por
uma questão simples: as políticas, culturais ou não, em termos estritos, não são indestituíveis,
perenes, pétreas por si só - e nem deveriam. O que o olhar reflexivo que nos propomos busca
trazer é a evidência da concomitância entre agendas de cultura progressistas e entraves (para
manter as tais tradições, ausências e instabilidades) que se percebem em outras experiências.
Assusta, ao pensar na situação específica de Duque de Caxias, pois ela se avizinha da segunda
maior cidade do país, cuidada, em termos estruturantes e pragmáticos, pelas gestões estadual e
federal que compartilha com aquela cidade. Demonstra que o desafio de pensar as cidades e o
seu espaço é uma demanda urgente se quisermos falar de políticas culturais para a cidadania e,
ao menos nos discursos, é pra isso que se tem pautado as mudanças na gestão cultural nacional-
mente desde o início deste século.
Na área da cultura, essa é uma construção que vem marcada de desafios. Principalmente
se pensarmos que as próprias instituições demandam entendimento amplo nas diretrizes políti-
cas para simplesmente existirem dentro das gestões. Por exemplo, no ano de 2014, na cidade de
São João de Meriti, a Secretaria de Cultura foi extinta7, absorvida pela Secretaria de Educação,
7
Portal RJ Notícias. Prefeito de São João de Meriti extinguiu onze secretarias e demitiu três mil funcioná-
rios. Disponível em: <http://www.rjnoticias.com/2014/10/prefeito-de-sao-joao-de-meriti-extinguiu-onze-secreta-
rias-e-demitiu-tres-mil-funcionarios/>. Acesso em 09/02/2016
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com projetos culturais encerrados ou reduzidos. Até mesmo o Ministério da Cultura foi coloca-
do na amargura da dúvida, durante os boatos que corriam da reforma ministerial, em 2015. Isso
sem falar na comum ausência de concursos públicos, em todas as esferas, e o orçamento que,
apesar de ter crescido, nacionalmente, não alcança 2%.
Visualizar a política cultural, na parte que cabe ao poder público, através desse espec-
tro-cidade chamado Duque de Caxias expõe a nudez famélica da cultura quando setorializada
na estratégia política. Torna-se evidente a necessidade que a disputa seja um verbo conjugado
pela administração pública, seja pela “dívida” já histórica com a cidade ou pelo risco de assistir,
apenas, o esvaziamento da cidadania cultural. Duque de Caxias, centrada nela mesma, escancara
a ausência e a instabilidade em políticas, tal como sentido na cultura. Mostra, de uma forma alar-
mante, devido ao seu contexto, furos em discursos e políticas para a cultura, pelos três poderes da
federação e evidencia a necessidade de um “do-in” na forma de pensar a fazer a política cultural
nos municípios, nas lacunas que persistem de forma desastrosa para cidades de tanta potência.
Tem suas produções culturais vivas, mas o enobrecimento da “cultura de resistência” nao
pode virar um motivo para a não-institucionalização da cultura nem jogar o conceito de diversi-
dade cultural como uma maquiagem para a aceitação da ineficiência do estado, pois certamente
não foi este o propósito nas tantas conferências que o Brasil, inclusive, teve papel protagonista.
Uma cidadania cultural exige a institucionalização de instâncias regio-
nais de formulação, implementação e compartilhamento das políticas
e da gestão cultural, bem como a institucionalização de equipamentos
culturais (museus, teatros, cinemas etc.), além da participação das ins-
tituições científicas. (ARAÚJO, 2014, p.138)
As “monarquias culturais” criadas por ausências de territorializações da cultura são en-
traves para a consolidação de uma economia da cultura plural, para a valorização do fazer cultu-
ral e sua diversidade, para a circulação da cultura e para um desenvolvimento que não seja ana-
crônico e se integre ao envolvimento social e cultural, assumindo estas questões como centrais.
Duque de Caxias não precisa ser vizinha do rei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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“Nova” Política Cultural do Estado da Bahia. Disponível em < http://web.ua.es/es/revista-geographos-
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de múltiplas redes culturais e comunicacionais a partir de favelas e periferias do Rio de Janeiro. In:
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encontro do ministro Juca Ferreira e artistas locais. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cul-
tura/na-baixada-momento-fertil-de-cultura-culmina-com-encontro-do-ministro-juca-ferreira-artistas-lo-
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RESUMO: O texto tem como propósito abordar algumas questões sobre a legislação dos mu-
seus nos países embrionários do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Este artigo
pretende contribuir com algumas reflexões para a construção de um estudo comparativo sobre
as políticas públicas para reunir informações sobre os museus do Mercosul, no sentido de forta-
lecer o papel dos museus como instituições centrais para a promoção de políticas para a cultura
e a memória.
1. INTRODUÇÃO
Ainda que muito países do Mercosul tenham suas políticas nacionais museológicas bem
definidas, este artigo abordará as políticas públicas para o setor dos países ‘embrionários’ do
Mercosul, ou seja, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai.
Buscando consolidar a integração política, econômica e social, fortalecer os vínculos
entre os cidadãos e contribuir para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes, estes países
‘embrionários’ assinaram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção com o objetivo de
criar o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Três anos mais tarde, firmou-se o Protocolo de
Ouro Preto, configurando-se o marco institucional atual do Mercosul2.
Tendo como meta a integração dos países signatários nos mais diferentes níveis, o tema
das políticas públicas para a cultura ingressou de forma mais significativa na agenda de discus-
sões no final dos anos 1990. Entendendo a cultura como elemento fundamental para a integra-
ção regional, as nações do bloco criaram, em 1998, o Mercosul Cultural. Com o objetivo de
1
Doutoranda em Políticas Públicas (UFRGS). Professora substituta do Curso de Museologia do Departamento de
Ciências da Informação da UFRGS. E-mail: ana.rodrigues@ufrgs.br
2
Para consultar os documentos de criação do Mercosul na íntegra ver: <http://www.mercosur.int/innovaportal/
file/719/1/CMC_1991_TRATADO_ES_Asuncion.pdf> e <http://www.mercosur.int/innovaportal/file/721/1/1994_
protocoloouropreto_es.pdf >
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estimular o debate e fortalecer a área, os pontos destacados nesse encontro visaram estimular o
intercâmbio de políticas culturais, o desenvolvimento de estudos, a integração de sistemas de in-
formação e estatística, a promoção de intercâmbios técnicos e artísticos, a gestão do patrimônio
cultural e a valorização da memória social e da diversidade cultural.3
O Mercosul Cultural é constituído pela Reunião dos Ministros da Cultura de cada país
(RMC), entidade máxima do setor, e conta com uma Secretaria, um Comitê Coordenador Regio-
nal (CCR), onde se reúnem representantes dos Ministérios de Cultura para articular a agenda do
setor e três Comissões especializadas, entre elas, a de Patrimônio Cultural (CPC); a de Diversi-
dade Cultural (CDC); e a de Economia Criativa e Indústrias Culturais (CECIC).4
Embora definidas as diretrizes culturais gerais do Mercosul, somente anos mais tarde se
discutiu um plano político para o setor museológico. Em 19 de setembro de 2005, em Buenos
Aires, Argentina, ocorreu a Jornada Los Museos y la Política del Mercosur, onde se ressaltou a
dimensão dada à política de museus dos países do bloco5. Com o objetivo de aprovar uma agenda
de trabalho para articular um plano estratégico para a integração dos museus da região, a “Decla-
ração de Buenos Aires para os Museus do Mercosul” apresentou os aspectos essenciais a serem
trabalhados: os museus do século XXI; Governabilidade e Gestão; Interpretação e Proteção dos
Bens Culturais: Prevenção contra o tráfego ilícito de Bens Culturais; Circulação de Bens Cultu-
rais; Comunicação e Acessibilidade ao Patrimônio; e Política(s) Nacional(ais) de Museus.
Em 23 de novembro de 2012, ocorreu em Brasília a XXXV Reunião de Ministros de
Cultura do Mercosul. Neste encontro foi apresentada a proposta da criação do Programa Mer-
coMuseus, o qual propôs a reunião das instituições e profissionais de museus dos países do
Mercosul em um esforço continuado para o aperfeiçoamento de suas ações e o desenvolvimento
de políticas públicas para a cultura, com vistas a estimular a integração sul-americana pela apro-
ximação entre culturas.6
No sentido de expor outras ações culturais realizadas no âmbito do Mercosul, em 26 de
novembro de 2014 foi realizado um encontro com os ministros de Cultura dos países integrantes
do Mercosul, também em Buenos Aires. Após discutirem os principais pontos para avançar a inte-
gração entre os países da região, foi definido a implementação do “Selo Mercosul Cultural”, uma
certificação para facilitar a circulação de bens culturais entre os países membros do Mercosul.
3
Fonte:<http://www.brasil.gov.br/cultura/2015/04/brasil-sediara-encontros-do-mercosul-cultural> Acesso em
02/02/2015.
4
Fonte<http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/812/paises-do-mercosul-se-reunem-em-brasilia-para-dialo-
go-sobre-patrimonio-cultural> Acesso em 10/09/2015
5
Além dos países membros, este encontro contou com a presença do Chile, país associado ao Mercosul.
6
Fonte:<file:///C:/Users/sem-sedac/Downloads/Presentacin_de_propuesta_MERCOMUSEOS%20(1).pdf> Aces-
so em: 20/09/2015
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Em tal reunião decidiu-se a aprovação das regras para a criação do Fundo do Mercosul
Cultural, visando financiar iniciativas culturais de pessoas físicas ou jurídicas dos países do blo-
co. Também foi acordado que cada país do bloco deverá ainda aprovar a criação do fundo em
seus respectivos parlamentos, com o objetivo de estimular projetos conjuntos de dois ou mais
países em diversos segmentos culturais.7
Dando prosseguimento ao estreitamento das políticas públicas culturais no Mercosul,
em maio de 2015 ocorreu a XI Reunião da Comissão de Patrimônio Cultural do Mercosul8, em
Jaguarão, Rio Grande do Sul, Brasil, onde concluíram-se os procedimentos de reconhecimento
do primeiro bem cultural como Patrimônio Cultural do Mercosul: a Ponte Internacional Barão
de Mauá, localizada na fronteira do Brasil com o Uruguai.
Embora ainda seja um fato recente, estas aproximações das políticas preenche uma lacu-
na na história dos países sul-americanos. Segundo Celina Souza (2006), a maioria dos países de
democracia recente, em especial os da América Latina, ainda não formaram coalizões políticas
capazes de equacionar minimamente a questão de como desenhar políticas públicas capazes de
impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social de grande parte de
sua população.
Mas, as reuniões realizadas desde 1998 através do Mercosul Cultural, revelam um esfor-
ço de entender a cultura como uma variável que pode favorecer o diálogo e a integração.
Nesse contexto, em cada temática da política pública voltada para integração regional,
cabe a cada país na presidência pro tempore empreender e responder pelos esforços em áreas de
sua competência institucional.
7
Participaram deste encontro representante da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Peru, Equa-
dor e Colômbia. Fonte: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/
ministros-aprovam-regras-para-fundo-mercosul-cultural/10883> Acesso em 02/09/2015
8
A Reunião da CPC do Mercosul ocorre em presidências temporárias, que se revezam a cada seis meses entre os
países membros plenos do bloco, cada o país fica responsável por empreender ações que favoreçam o esforço de
convergência e de integração regional.
9
Estados Partes são: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai (desde 26 de março de 1991) e Venezuela (desde 12 de
agosto de 2012). Estado Parte em Processo de Adesão são: Bolívia (desde 7 de dezembro de 2012). Estados Asso-
ciados: Chile (desde 1996), Peru (desde 2003), Colômbia, Equador (desde 2004), Guiana e Suriname (ambos desde
2013).
10
Os Planos Nacionais de Museus dos países são documentos de elaboração recente, sendo o mais antigo o do
Brasil (2003), seguido pela Colômbia e por Cuba (2009), Equador e Uruguai (2012). Já a República Dominicana
criou seu plano estratégico para ser posto em prática entre os anos de 2012 e 2016.
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para os demais, as políticas públicas para museus estão inseridas dentro de um plano político
cultural geral.
Neste sentido será apresentado um panorama sobre a legislação dos museus nestes países
e em quais órgãos institucionais estes se encontram subordinados11.
Embora a Argentina não possua uma legislação específica, existe uma lei de patrimônio
que regulamenta o âmbito dos museus denominado de Dirección Nacional de Patrimonio y
Museos12, vinculada à Secretaria de Cultura da Nação, criada no ano de 2002. Trata-se de uma
Secretaria de Estado com status de ministério, subordinada diretamente à Secretaria Geral da
Presidência. Mesmo que seja uma política que regulamenta o campo museal, o grande entrave
para a implementação de uma Política Nacional de Museus reside no fato de que a Argentina não
possui a definição legal do termo museu.
No Brasil, em 2003, com a entrada de Gilberto Gil13 no Ministério da Cultura (Minc),
foi criada a Política Nacional de Museus (PNM)14. Compreendendo a renovação e a importância
dos museus na vida cultural e social brasileira, a etapa seguinte foi a criação do Sistema Bra-
sileiro de Museus (SBM), por meio do Decreto nº 5.264, de 5 de novembro de 200415. Dando
continuidade à implementação da política no setor, em 2009, foi criado o Instituto Brasileiro
11
Maiores dados podem ser consultados no site do SICSUR (Sistema de informação cultural do Mercosul), através
da publicação “Os Estados da Cultura – Estudo sobre a instituicionalização cultural públicas dos países membros do
SICSUR” (2012). Disponível em <http://www.sicsur.org/archivos/publicaciones/LosEstadosdelaCultura_BR.pdf>
Acesso em 15/09/2015.
12
Tem a responsabilidade de entender, conduzir e planejar estratégias para a investigação, promoção, resgate, pre-
servação, estímulo, melhoramento, acrescentamento e difusão, no âmbito nacional e internacional, do patrimônio
cultural da nação, tangível e intangível, imaterial e oral, em todos os campos em que se desenvolve.
13
Gilberto Gil — Músico brasileiro e ministro (1942). Conhecido pela sua atuação como cantor-compositor no de-
sempenho da qual figurou nos principais movimentos culturais brasileiros como o Tropicalismo e Doces Bárbaros,
Gilberto Gil entrou para a história do país, também, na qualidade de Ministro da Cultura do Governo Lula, pro-
tagonizando uma nova proposta política para a cultura, entendida agora como um elemento central para a inclusão
social e o desenvolvimento humano. (CARVALHO, 2014).
14
Tem como objetivo geral promover a valorização e a fruição do patrimônio cultural brasileiro, considerado como
um dos dispositivos de inclusão social e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalização das institu-
ições museológicas existentes e pelo fomento a criação de novos processos de produção e institucionalização de
memórias constitutivas da diversidade social, étnica e cultural do País.
15
Constituindo um marco na atuação das políticas públicas voltadas para o setor museológico. Tinha como propos-
ta o aperfeiçoamento de instrumentos legais para o melhor desempenho e desenvolvimento das instituições mu-
seológicas no Brasil Disponível em < http://www.museus.gov.br/sistemas/ >. Acesso em 22 mar. 2015.
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estes países estão organizando a gestão de seus museus, como planejam o orçamento para a
área e como executam as ações sociais? e, por fim, e não menos importante, como estão sendo
empregadas e planejadas as políticas nacionais de Museus como estratégia de integração entre
os países do Mercosul?
Os museus são instituições que atualmente crescem cada vez mais como um espaço de afir-
mação de segmentos sociais, podendo se perceber isto através das diferentes tipologias de museus
existentes, tais como comunitários, populares, étnicos, temáticos, além dos museus tradicionais.
Este aumento demonstra uma nova perspectiva dos museus em reivindicar uma afirma-
ção da diversidade cultural e fortalecer a identidade cultural com a ideia de pertencimento a
uma determinada coletividade. Neste sentido, o campo das Políticas Públicas tem como desafio
construir indicadores que consistam em avaliar sua abrangência e desenvolvimento.
No caso da gestão cultural existe pouca tradição na construção de números que demons-
trem sua importância para o desenvolvimento humano. No entanto, este panorama vem sofrendo
alterações. Embora de uma forma ainda tímida, a partir do momento em que dados consisten-
tes estão sendo apresentados pode-se realizar parâmetros e auxiliar onde os recursos públicos
podem ser investidos. Como, por exemplo, em 2011, quando o IBRAM publicou Museus em
Números, material produzido através da coleta de informações geradas pelos museus a partir do
questionário “Cadastro Nacional de Museus”. Esta publicação possibilitou ao campo museoló-
gico do Brasil conhecer as fortalezas e as fragilidades desta área, contribuindo, assim, para o
aperfeiçoamento da gestão das políticas públicas culturais.
Nesta perspectiva, e discorrendo sobre os poucos indicadores existentes sobre os museus
do Mercosul, este texto se justifica no sentido de apresentar algumas questões para a produção de
novos dados sobre as políticas públicas e para reunir informações sobre os museus do Mercosul.
Dessa forma, pretende-se avaliar o desenvolvimento simbólico, social, cultural e econômico que
os museus produzem na sociedade, e assim visualizar a construção de uma articulação política
do setor cultural dos países do Mercosul para fortalecer o papel dos museus como instituições
centrais para a promoção de políticas para a cultura e a memória.
Visto que este texto tende a analisar de forma comparativa as políticas públicas de cul-
tura e a criação de mecanismos de cooperação e desenvolvimento de ações conjuntas no campo
dos museus existentes nos países do Mercosul, e entendendo que o museu se apresenta como
uma instituição a serviço da sociedade, vinculados na sua maioria a órgãos públicos, faz-se
necessário conhecer o funcionamento da parte administrativo- burocrática destes museus nos
países do Mercosul.
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21
A teoria da Museologia no campo internacional está ligada a criação do Comitê Internacional de Museologia
(ICOFOM) em 1977, que encontra-se dentro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) fundado em 1946. Para
saber mais ver CARVALHO, Luciana Menezes de. Em direção à Museologia latino-americana: o papel do ICO-
FOM LAM no fortalecimento da Museologia como campo disciplinar. 2008. Dissertação (Mestrado) – Programa
de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, UNIRIO/MAST, Rio de Janeiro, 2008. 107 p. Disponível em
<http://www.unifal-mg.edu.br/museumpunifal/sites/default/files/museumpunifal/documentos/em-direcao-a-mu-
seologia-latino-americana.pdf >. Acesso em 10/09/2015.
22
O Código de Ética do ICOM foi aprovado por unanimidade pela 15ª Assembleia Geral do ICOM realizada em
Buenos Aires, Argentina, em 4 de Novembro de 1986, modificado na 20ª Assembleia Geral em Barcelona, Espa-
nha, em 6 de julho de 2001, sob o título Código de Ética do ICOM para os Museus e revisto pela 21ª Assembleia
Geral realizada em Seul, Coreia do Sul, em 8 de outubro de 2004. O documento principal do ICOM é o Código de
Ética para Museus. Estabelece normas mínimas para a prática profissional e atuação dos museus e seu pessoal. Ao
aderir à organização, os membros do ICOM adotam as provisões deste Código.
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instrumentos de poder que muitas vezes ocultam os seus mecanismos de funcionamento. Este
autor apresenta várias questões importantes no sentido de avaliar as políticas públicas e seus
impactos: como devemos estudar o trabalho da formulação das políticas públicas? E qual é exa-
tamente o objeto de investigação quando decidimos a estudar quem elaborou estas políticas e o
funcionamento desta elaboração? Estas questões levantadas por este autor são relevantes para o
desenvolvimento deste artigo e para problematizar as instituições que formulam estas políticas.
O autor Hugo Achugar (1994) em seus texto “A política cultural no acordo Mercosul”,
apresenta problematizações a cerca da formulação de uma política cultural no âmbito do Mer-
cosul. Conforme Achugar (1994) “Nem bem se começa a falar de integração, e em especial de
políticas culturais, vários personagens aparecem. Nação, Identidade, Tradição, Modernização e
Mercado surgem quase que imediatamente, porém também surgem outros, talvez mais abstra-
tos: a Homogeneidade e a Heterogeneidade”.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto termina trazendo questões para refletirmos sobre a importância de compreen-
dermos como estes países estão trabalhando suas políticas culturais no campo dos museus.
Primeiramente, é importante que seja realizado um mapeamento sobre a legislação referen-
te aos museus, às ações, às publicações produzidas pelas instituições, enquanto diretrizes na cons-
trução de políticas públicas na área dos museus. Para isto, duas perguntas são norteadoras: Qual
a legislação de cada país do Mercosul sobre o setor museológico? Quais instituições públicas são
responsáveis pela política e gestão dos museus nos governos nacionais dos países do Mercosul?
Em seguida, é relevante a identificação das instituições e o mecanismo utilizado pelos
governos dos países do Mercosul para a implantação de políticas voltadas para o sistema nacio-
nal de museus. Quais são as estratégias políticas de participação para a aplicação das políticas
culturais nestes países? Quais são os acordos e convênios existentes entre os países do Mercosul
em relação a cultura e museus?
Através, desta proposta de reflexões e questionamentos será possível entendermos o pro-
cesso dessas políticas culturais nesta área e como estes programas influenciam na própria carac-
terística da cultura destes países do Mercosul. Um estudo comparativo referente aos interesses
comuns que se expressam em práticas, serviços e bens artísticos e culturais determinantes para o
exercício da cidadania, possibilitará promover o conhecimento e a compreensão da diversidade
museal do Mercosul.
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1
Andréa Doyle é Engenheira-Mestre em Informação e Comunicação pela Universidade de Metz (França) e mes-
tranda em Ciência da Informação no PPGCI do IBICT/UFRJ. Contatos: (21) 98037-0909 | email: andrea@hibrida.
art.br . Por favor, citar: DOYLE, Andréa.
2
Leia em: http://www.tecmundo.com.br/historia/8795-2038-o-bug-do-milenio-atacara-novamente.htm Acesso
em: 25 de julho de 2015
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Cada um tem seu ângulo de análise para perceber as transformações e definir o momen-
to atual: para Marazzi, que olha principalmente para os processos fabris, o capitalismo hoje é
pós-fordista (MARAZZI, 2009), para Lazzarato & Negri, que partem do operário e da explora-
ção pelo capital da sua subjetividade, o capitalismo é pós-industrial (LAZZARATO & NEGRI,
2001) e para André Gorz, que vê a captura de todo o ser, de tudo o que ele tem de intangível, o
capitalismo é imaterial (GORZ, 2005).
Qualquer que seja o ponto de vista, todos concordam que há uma mudança, que se vem
desenvolvendo desde os anos 70 do século passado, e que se consolida na virada do milênio. O
elemento central dessa transformação é a informação: sua entrada nos processos de produção,
através das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e a consequente mudança na
natureza do trabalho e no perfil do trabalhador.
Por volta da mesma época, ou seja, com origens no pós-guerra e consolidação nos anos
2000, houve igualmente uma mudança na percepção internacional do conceito de patrimônio
cultural. Ao passo que anteriormente se cuidava apenas de preservar prédios e monumentos, a
saber, o que se considera patrimônio material, hoje há um olhar para os saberes, ritos e processos
populares e tradicionais, ou seja, para o patrimônio cultural imaterial.
No dia em que começamos a pensar neste artigo, a notícia principal no site do Ministério
da Cultura (MinC) era a do registro, na qualidade de patrimônio cultural imaterial brasileiro,
do Ofício das Cuias do baixo amazonas. Trata-se de um saber tradicional, principalmente de
mulheres das comunidades ribeirinhas, que aprendem e transmitem o processo de produção ar-
tesanal das cuias de geração em geração. Esta prática foi considerada culturalmente importante
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e assim, digna de proteção,
logo de registro.
O processo de registro do Ofício das Cuias, que levou quase 10 anos para ser concluído3,
consiste em uma descrição exaustivamente detalhada da produção: com textos altamente deta-
lhados, fotografias, áudios e vídeos. A maneira que se encontrou para proteger um patrimônio
imaterial foi transformá-lo em documento, foi materializá-lo sob a forma de informação passível
de ser indexada e recuperada, divulgada e estudada, foi fazê-lo virar objeto de estudo de várias
ciências, em particular da Ciência da Informação (CI).
Além do registro, diz Raimunda Santana Azevedo, integrante da Associação das Artesãs
Ribeirinhas de Santarém (COELHO, 2015), o processo do Iphan também representa a valoriza-
ção dessa comunidade: por um lado o reconhecimento de que elas fazem um trabalho importante
para todos, e por outro a expecta-tiva de um aumento nas vendas das cuias. Intangível e material
lado a lado, assim como nas considerações sobre o capitalismo.
3
Segundo notícia no site do Minc, disponível em: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/
OiKX3xlR9iTn/content/id/1270277 Acesso em: 12 de junho de 2015.
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O que se pretende aqui é perceber se, para além da cronologia, o termo imaterial indica
mais similaridades entre os dois conceitos/fenômenos e se eles se afetam de alguma forma.
4
Os conceitos de saber vivo x saber morto são uma releitura dos conceitos marxianos de trabalho vivo e trabalho
morto, segundo Albagli (2013, p.108). Lazzarato & Negri falam muito de trabalho vivo e trabalho morto, mas não
usam os termos saber vivo e saber morto.
5
Antonio Negri foi um dos fundadores do movimento operaísta italiano dos anos 70, formado por pensadores
neomarxistas que começaram a discutir o operário social e o trabalho imaterial (Cocco, 2001).
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6
Ver dossiês dos outros bens registrados no site: http://portal.iphan.gov.br/publicacoes/lista?categoria=22&bus-
ca= Acesso em: 15 de julho de 2015.
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Tanto Regina Abreu (2015) quanto Lazzarato & Negri (2001) enfatizam, cada um a res-
peito do seu assunto, patrimônio e trabalho respectivamente, a dimensão social, a dependência
do grupo, ou seja, a face coletiva do imaterial.
A característica ilimitada do imaterial é melhor entendida quando se compara um livro a
uma batata, por exemplo. Quando uma pessoa lê um livro, alguma parte desse conteúdo fica com
ela, mas o livro não se esgota por isso: ele pode ser lido novamente por outras pessoas, sem tirar
nada daquela primeira pessoa que o leu. Não é o caso da batata, que ao ser comida, acaba. Sobre
esse ponto, tanto Lazzarato & Negri (2001) quanto Gorz (2005) são enfáticos: a única forma que
o capital tem para exercer algum papel nesse ciclo de produção totalmente externo a ele é através
da limitação do acesso, da escassez artificial. Interessantemente, não encontramos tais considera-
ções nos estudos sobre o patrimônio. Talvez por que o patrimônio imaterial dependa muito mais
diretamente da dimensão viva, dos coletivos que os recriam, ou ainda por que não há necessidade/
tentativa de controle de acesso.
Já quanto à sua materialidade, ficamos com os dossiês do Iphan, as considerações de
Dodebei (2007), que pondera sobre a dificuldade de se pensar a patrimonialização do material e
do imaterial separadamente, assim como com a consideração de Marazzi (2009, p. 65) quando
fala da mudança de foco dos contratos e acordos comerciais. “De agora em diante, patentes,
copyrights, trade-marks e trade-secrets serão os verdadeiros objetos das contendas nas nego-
ciações internacionais”.
4. JAPÃO, 1950
Curiosamente, é no ano de 1950, no Japão, que encontramos a principal aproximação en-
tre os estudos sobre o capitalismo e o patrimônio, a partir das observações de Christian Marazzi
(2009) e de Regina Abreu (2015).
O primeiro localiza o início da transformação industrial no Japão dos anos 50, que, por
conta principalmente da crise financeira e da Guerra da Coréia, tinha um mercado restrito e não
podia aplicar a produção em massa. Assim, iniciou-se a técnica da “produção enxuta” na fábrica
da Toyota, que ficou conhecida como toyotismo (em contraponto ao fordismo) e que significa
redução de empregados e produção just-in-time (só se produz o que já está vendido), com fun-
cionários altamente dedicados e fiéis aos valores da empresa (começo da mobilização total do
ser de que fala Gorz). Essas técnicas começaram a ser introduzidas em empresas ocidentais a
partir dos anos 70 e 80, depois de crises financeiras e outras mudanças sócio-culturais.
Ao mesmo tempo, segundo Abreu (2015), o Japão foi o primeiro país a ter uma legislação
de preservação do patrimônio imaterial, enquanto ainda não se falava sobre isso no ocidente.
Mais interessante ainda é a forma que o país encontrou para preservar sua cultura imaterial: ao
contrário do modelo ocidental de documentação e registro das práticas, as leis japonesas fomen-
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taram a transmissão viva das técnicas (tão diversas quanto fazer arranjos florais, caligrafia ou a
cerimônia do chá, para só citar alguns), através de incentivos financeiros para mestres e aprendi-
zes. Assim, a preservação integral da prática e da filosofia por trás dela, de seus gestos e rituais,
de seus tempos e espaços, fica garantida.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É nossa convicção que, a partir do momento em que se começa a usar os saberes vivos
dentro do sistema capitalista, como recurso, processo e produto final, se começa a valorizar o
patrimônio cultural imaterial. A coincidência cronológica tanto no Japão quanto no Ocidente nos
levam a crer que a preocupação global com o patrimônio imaterial está intimamente ligada com
a percepção que a indústria tem do seu valor.
Ao mesmo tempo, também observamos que, enquanto o saber vivo pode e tem sido cada
vez mais capturado como matéria-prima para a produção fabril, a valorização do patrimônio
imaterial também se apresenta como forma de resistência de culturas periféricas ou marginali-
zadas. Entendemos ser esse o caso das produtoras das cuias amazonenses, que recuperam estima
e sustento a partir da patrimonialização e que assim, podem seguir com seu modo de vida, sem
serem obrigadas ao êxodo ou a se submeterem à exploração do emprego formal.
Para ampliar a questão, e contando ainda com coincidências cronológicas, no momento
em que fomos concluir o artigo, a leitura de uma notícia nos despertou novos questionamentos
sobre a relação do patrimônio com o capitalismo no que se refere ao imaterial.
A matéria publicada na Folha de São Paulo intitulada “Regra para baianas do acarajé
deixa evangélicas apreensivas em Salvador”, de 02 de dezembro de 2015, levanta a questão da
religiosidade e da vestimenta das baianas de acarajé em Salvador, município que regulamentou
a profissão. Primeiro patrimônio imaterial brasileiro, registrado em 2005, o ofício de baiana
do acarajé completa 10 anos - que é justamente o prazo definido para a revisão do registro do
patrimônio (o Iphan entende que uma prática viva se transforma com o tempo e portanto seu
registro precisa ser atualizado) - e traz novas contradições.
Trata-se (entre outras regras como tamanho de tabuleiro, normas da vigilância sanitária,
etc.) da obrigatoriedade de uso de vestimentas tradicionais. Algumas baianas, que exercem o
ofício há muitos anos, se converteram a igrejas evangélicas e tem a orientação de não usar as
roupas tradicionais que, segundo seus pastores, remetem às religiões afro-brasileiras.
Então se coloca o problema: o acarajé é um patrimônio religioso? Ou melhor: se a ori-
gem de uma cultura é religiosa mas ela transborda ao longo dos anos para a vida profana, a
religião original ainda tem que ser a opção de fé de todos os seus praticantes? As vestimentas
são religiosas? É justo que alguém, seja um pastor ou uma secretária da Ordem Pública, interfira
no modo de vestir das baianas? Se ela não usa as roupas, a baiana do acarajé é menos detentora/
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RESUMO: Esta ponencia presenta los antecedentes de una investigación cuyo objetivo principal
es explorar sobre la relación entre políticas culturales y construcción de paz. Se argumenta que
esta relación puede indagarse productivamente mediante la exploración de la naturaleza de la
politica cultural puesta en marcha por distintos agentes, y por medio del examen del potencial
de dicha política cultural para promover la paz. En el caso colombiano, esta relación puede
rastrearse a través de la movilización cultural de dos agentes: el Estado, cuya política cultural
(cultural policy) estuvo dirigida durante la década de 1990 a la construcción de paz, y las
víctimas del conflicto armado, cuya política cultural (cultural politics) ha estado en el centro de
su resistencia por la verdad, la memoria y la reparación simbólica. En adelante se desarrollan
estos dos ámbitos de relación, para concluir con una reflexión sobre la reparación de la sociedad
a través de las políticas culturales.
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Comunicador social periodista y filósofo. Estudiante de maestría en ciencia política, Universidad de los Andes,
Colombia. a.tafur10@uniandes.edu.co
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2. LA CULTURIZACIÓN DE LA VIOLENCIA
Los límites entre diferentes formas de violencia han dejado de ser evidentes. En términos
de sus efectos, no se pueden separar tajantemente aquellos producidos por los conflictos político
militares de aquellos producidos por prácticas generalizadas de criminalidad. En Colombia esto
puede resultar indicativo, si se considera que el 81 por ciento de los muertos de su conflicto
interno son civiles (Centro Nacional de Memoria Histórica, 2013).2 Lo anterior ha llevado a
2
Según datos del informe Basta Ya, del Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH), de las 220 mil personas
que murieron a causa del conflicto desde 1958 hasta el 2012, 180 mil eran no combatientes. Ver estadísticas: http://
www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/estadisticas.html
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algunos autores a definir la guerra colombiana como una “guerra contra la sociedad” (Pecaut,
2001), argumentando que la heterogeneidad de los fenómenos violentos, su dispersión y
fragmentación, y el emborronamiento de las fronteras entre terror organizado y desorganizado,
hace que parezca presuntuoso “trazar líneas claras entre la violencia política y aquella que no
lo es”, puesto que “lo seguro es que ya nadie está al abrigo del impacto de los fenómenos de la
violencia” (2001, p. 90).
Este proceso de “banalización de la violencia”, por una parte, impacta profundamente
las estructuras del orden social y cultural, provocando irreparables daños emocionales, morales
y políticos (Centro Nacional de Memoria Histórica, 2013); y, por la otra, instaura “ciudadanías
del miedo” (Rotker, 2000, p. 5), ciudadanías en las que “uno de los factores determinantes en
la mediación de lo social es la angustia cultural” (Martín-Barbero, 2000). Fenómenos como las
masacres3, la desaparición forzada4, el homicidio5, la violencia sexual6, el desplazamiento7, las
3
Según datos del informe Basta ya, del Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH), entre 1985 y 2012, se
presentaron 1982 masacres, dejando como saldo un total de 11751 víctimas. Ver bases de datos: http://www.centro-
dememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/basesDatos.html
4
Las cifras sobre desaparición forzada no están construidas y se encuentran fragmentadas en distintas institucio-
nes, razón por la cual no son confiables. Medicina Legal habla de un histórico de 21 mil casos (1970 - 2013), la
Fiscalía de 26 mil, el CNMH de 25 mil (1985 - 2012), mientras que en la Unidad de Víctimas hay denunciados unos
31 mil. Las organizaciones de víctimas sugieren que los casos pueden sobre pasar los 50 mil en un período de 40
años (1970 - 2010).
5
De acuerdo con datos de la Policía Nacional, procesados por el Observatorio del Programa Presidencial de De-
rechos Humanos y Derecho Internacional Humanitario, la tasa de homicidios en Colombia en promedio durante el
período 1990 - 2013 fue de 32,33 por cada 100 mil habitantes. En total fueron asesinadas 532.474 personas, de las
cuáles, para la Policía, el 80% fueron causados por ‘casos de intolerancia’, los cuales obedecen a riñas, soluciones
de conflictos entre vecinos o los llamados líos pasionales. De acuerdo con el portal Verdad Abierta (verdadabierta.
com) dentro del conflicto, los homicidios han sido utilizados por los grupos armados ilegales como una forma de
sembrar terror en los territorios que controlan, una de las prácticas más usadas fue la de los asesinatos selectivos,
con los que se buscaba ocultar la magnitud de otras prácticas (como las masacres) pero causando miedo en las
comunidades o el enemigo. Ver cifras en página del Observatorio http://historico.derechoshumanos.gov.co/Obser-
vatorio/Paginas/Observatorio.aspx
6
En Colombia se presentan, en promedio, 38 casos diarios de violencia sexual contra las mujeres, según la De-
fensoría del Pueblo. Según los exámenes médicos legales realizados en 2014 por violencias de pareja, de 43.807
mujeres y hombres, 37.881 correspondieron a mujeres, es decir el 86,5 % del total, y 5.926 para varones, es de-
cir el 13,5 %. Tomado de http://www.eltiempo.com/carrusel/violencia-sexual-en-colombia-numero-de-casos-dia-
rios/15828716
7
Según el informe de ACNUR de 2014 Tendencias Globales del Desplazamiento Forzado Colombia es, después
de Siria, el segundo país del mundo con más desplazados internos, con un total de 6’044.151 personas. Ver. http://
www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/Publicaciones/2015/10072.pdf?view=1
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La dirección de Derechos Humanos de la Fiscalía General de la Nación habla de cinco mil casos de ejecuciones
extrajudiciales, o “falsos positivos”, que no son otra cosa que asesinatos a sangre fría por parte de efectivos del ejér-
cito nacional, para hacer pasar civiles por guerrilleros muertos en combate. En su informe del año pasado, Human
Rights Watch identificó a más de 180 batallones y unidades tácticas que cometieron ejecuciones extrajudiciales
entre 2002 y 2008. Ver. https://www.hrw.org/es/report/2015/06/23/el-rol-de-los-altos-mandos-en-falsos-positivos/
evidencias-de-responsabilidad-de
9
En Colombia, nueve de cada diez asesinatos quedan impunes. Estadísticas muestran que sólo es 20 por ciento de
los casos llegan a ser judicializados. Tomado de: http://www.eltiempo.com/politica/justicia/impunidad-en-colom-
bia/16115768
10
Colombia aparece en el puesto 83 en el ranking de corrupción de Transparencia Internacional entre 168 países,
ver https://www.transparency.org/cpi2015
11
Según datos del CNMH, desde 1970 hasta 2010, fueron secuestradas en Colombia más de 27 mil personas. Ver
bases de datos: http://www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/basesDatos.html
12
Con “transformación de las fronteras”, se quieren significar dos cosas: 1. La pluralización de lo que se considera
válido como texto cultural (desde las telenovelas, pasando por el rock, las sinfonías clásicas y el folclor), lo cual
tiene que ver tanto con las transformaciones en el campo de las comunicaciones (segunda mitad del siglo XX) como
con el surgimiento de la diversidad como paradigma social. Y 2. La manera en que tanto diferentes grupos (de la
sociedad civil) como instituciones (del Estado) “reclaman la cultura como un campo crucial de intervención en el
orden social y político”. A este propósito, todo el campo cultural, no sólo las artes, se constituye en pre-texto para la
búsqueda de alternativas. “Así, todo el campo de lo simbólico se consolida hoy como objeto de la política cultural.”
(Ochoa, 2003, p.17).
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de 1990 e inicio de la del 2000, existió una tradición oficial que nombró la cultura como eje de
la política nacional de paz, a través de diversos documentos tales como planes institucionales,
discursos y cartas presidenciales, manifiestos, ponencias de foros nacionales y regionales,
artículos de prensa, editoriales, entrevistas, declaraciones públicas, entre otros materiales
recogidos y publicados por la Presidencia de la República, que hicieron parte del debate nacional
en torno a la Ley General de Cultura (397/1997) y la creación del Ministerio, denominado (no
gratuitamente) para la época, “el Ministerio de la Paz” (Presidencia de la República, 1997).13
Por otra parte, las manifestaciones culturales también han constituido una herramienta muy
útil para las organizaciones de víctimas del conflicto armado. En la brega por denunciar las
violaciones a sus derechos civiles, económicos, sociales y culturales las víctimas han hecho uso
de diversas técnicas y narrativas propias de las artes, que les han dado visibilidad en la esfera
pública. Se puede decir que los más importantes esfuerzos en Colombia por “hacer memoria”
y “contar la verdad” de las atrocidades de la guerra, han sido fundamentalmente una iniciativa
de las víctimas, muchas veces re-victimizadas por los actores implicados en la confrontación -
incluyendo los actores estatales -, más que del mismo Estado. Es desde estas dos perspectivas
- la del Estado y la de las víctimas - que podemos hablar de relaciones entre políticas culturales
y construcción de paz.
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Consistió principalmente en una serie de ‘encuentros culturales’ con muestras de cultura local y regional que
tenían lugar a nivel municipal, departamental, regional y, finalmente, nacional, de manera consecutiva. Se llevó
a cabo entre 1992 y 1998. Su desarrollo concretó del grandes procesos. “El primero culmina con un Encuentro
Nacional en Bogotá en 1995, con la presencia de 1.687 artistas de las regiones en la capital; el segundo, en agosto
de 1998, justo antes del cambio de gobierno, con una muestra de 2.235 artistas. Previo a cada Encuentro Nacional
se habían realizado, en el primer caso, 102 encuentros intermunicipales, 29 departamentales, 6 regionales; y en el
segundo, 15 encuentros intermunicipales, 26 departamentales, 4 regionales. (Ochoa, 2003, p. 31)
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Este plan se construyó colectivamente a través de consultas, foros regionales y encuentros nacionales, al tanto que
se presentó no como un plan de Estado sino de la sociedad. Su duración lo vinculó más a una política de Estado que
a un plan de gobierno, lo cual pretendió consolidar las políticas culturales como políticas públicas, (estas dos carac-
terísticas no estaban en planes anteriores). Por último, instaló lo cultural en el espacio de lo político, en un diálogo
entre política cultural y cultura política.
18
Se anexa consolidado
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a lo que en inglés se llama cultural policy. Con Álvarez, Dagnino y Escobar, utilizamos el
concepto de cultural politics
para llamar la atención sobre el vínculo constitutivo entre cultura y
política y sobre la redefinición de la política que esta visión implica. Este
lazo constitutivo significa que la cultura, entendida como concepción
del mundo y conjunto de significados que integran prácticas sociales,
no puede ser comprendida adecuadamente sin la consideración de las
relaciones de poder imbricadas con dichas prácticas. Por otro lado,
la comprensión de la configuración de esas relaciones de poder no
es posible sin el reconocimiento de su carácter “cultural” activo, en
la medida que expresan, producen y comunican significados. Con la
expresión política cultural nos referimos, entonces, al proceso por el
cual lo cultural deviene en hechos políticos (Álvarez et al, 1999, p. 135).
Ochoa prefiere hablar de “lo político de lo cultural”, para comprender la perspectiva de
estos autores, dado que se construye sobre todo desde “prácticas teorizadas como marginales”,
tanto por los estudios culturales, preocupados por el textualismo, como por la ciencia política
y la sociología política, preocupadas por la política formal, institucional. Esto es “prácticas
culturales históricamente pensadas como marginales, ahora analizadas como prácticas de
poder” (2003, p. 74), por oposición también a la noción iberoamericana (que ellos consideran
una noción dominante) de políticas culturales como un campo de mediación entre obra artística
y producción19.
La noción de repertorio refiere fundamentalmente a una práctica cultural. Taylor la
define, en oposición a la noción de archivo, como los gestos, la performatividad, la oralidad,
el movimiento, la danza y el canto, entre otras manifestaciones de las comunidades, y dice
que son un tesoro de inventiva que les permite participar en la producción y reproducción de
conocimiento por el solo hecho de hacer parte de su transmisión. Respecto del caso colombiano,
citando a Taylor, el Grupo de Memoria Histórica (GMH) afirma que el “repertorio” da cuenta de
“los relatos de los sobrevivientes, de la observación de sus prácticas y gestos, del reconocimiento
de los traumas, de las reiteraciones y de los silencios, formas efímeras de conocimiento y
de evidencia” (Grupo de Memoria Histórica, 2009, p.23). El archivo, por el contrario, sería
aquello referido a la política oficial del recuerdo, aquello que se encuentra al servicio del poder,
materializado en sofisticados soportes textuales.
19
Siguiendo con Ochoa, esta expansión de la noción de políticas culturales, para incluir todas las dimensiones
simbólicas de la cultura, “es precisamente uno de los procesos a través de los cuales están cambiando las fronteras
entre arte y cultura y es una de las dinámicas desde las cuales la noción estética de lo cultural está siendo absorbida
por el sentido social de la simbolización de lo cultural a través de las políticas culturales. No sólo se pluralizan los
textos de la cultura reconocidos como objeto de política cultural; se transforma la relación de valor entre el sentido
de lo cultural como dimensión estética o como dimensión social. Esta polémica sobre cómo definir el valor de las
políticas culturales se hace especialmente visible en el frágil juego de las traducciones no sólo de las palabras sino
entre campos de pensamiento sobre cultura”, (2003, p. 75).
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La unidad de análisis de las iniciativas de memoria de las víctimas en el trabajo del GMH
son los discursos, representaciones, prácticas y significados que construyen las comunidades y
organizaciones afectadas por la violencia con el fin de hacer público su dolor y denunciar las
injusticias de las que han sido objeto. Citando a Veena Das, estos discursos, representaciones,
prácticas y significados, son asumidos como “juegos de lenguaje” que constituyen formas de
vida, “donde se definen los repertorios de posibles enunciados y acciones, mediante los cuales
las personas enfrentan la diversidad” (2009, p.19). Esto supone, como se sabe, una comunidad
de lenguaje y significación, una cultura compartida. Los medios de expresión equivalen a lo
que Elizabeth Jelin llama “vehículos de la memoria”: “memoria que se produce en tanto haya
sujetos que comparten una cultura” (p.19). Los “vehículos de la memoria” pueden ser tanto
libros como archivos u objetos conmemorativos, pero también expresiones y actuaciones “que
antes que re-presentar el pasado, lo incorporan performativamente” (p.19). Esto nos saca de la
esfera exclusiva de los textos culturales, y nos instala en las coordenadas de las prácticas de los
sujetos y de los movimientos sociales, lo que de paso amplía el concepto de política cultural.
Como señalan Escobar y compañía, la política cultural que ponen en marcha los movimientos, y
léase dentro de ese espectro a las organizaciones de víctimas, no es prerrogativa de aquellos que
plantean exigencias basadas en la cultura, sino que compromete a todos “cuando intentan otorgar
nuevos significado a las interpretaciones culturales dominantes de la política, o cuando desafían
prácticas políticas predominantes” (2001, p.25). La política cultural de los movimientos de
derechos humanos, por ejemplo, “debe trabajar para otorgar nuevos significados (y transformar)
conceptos culturales dominantes sobre los derechos y el cuerpo” (p. 34).
La oposición entre repertorios y archivos da cuenta de esta disputa por los significados y las
representaciones en el terreno de la memoria. El Centro Internacional para la Justicia Transicional
(ICTJ), habla de “iniciativas no oficiales de memoria” para referirse a los repertorios a través de
los cuales se “visibilizan otras formas de hacer justicia y reparación, y además de construir verdad
y memoria: una fórmula “desde abajo” que permite que las víctimas interpelen al Estado y exijan
el cumplimiento de estos derechos, partiendo de las particularidades regionales” (Briceño-Donn
et al, 2009, p. 6). Esto supone de entrada que la Ley de Justicia y Paz (975/2005) - y podríamos
decir hoy que la Ley de Víctimas y Restitución de Tierras (1448/2011)- “no es el único y tampoco
el más importante escenario de justicia transicional en Colombia.” Por el contrario, algunas de
estas memorias funcionan como “prácticas de reparación” que inciden en la recuperación de la
autoestima, la confianza y los lazos sociales; y como “prácticas de resistencia” que denuncian las
injusticias a la vez que sirven como antídoto contra la impunidad y el olvido. Se trata, en todo
caso, de “prácticas materiales mediadas por la cultura”, en tanto son memorias que han quedado
“ancladas en cuerpos y en los sentidos”, que “no se pueden confinar a esferas mentales o subjetivas
únicamente” (GMH, 2009, p.24).
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Artículo 3. Víctimas. Se consideran víctimas, para los efectos de esta ley, aquellas personas que individual o
colectivamente hayan sufrido un daño por hechos ocurridos a partir del 1º de enero de 1985, como consecuencia de
infracciones al Derecho Internacional Humanitario o de violaciones graves y manifiestas a las normas internacio-
nales de Derechos Humanos, ocurridas con ocasión del conflicto armado interno.
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de la reparación simbólica, deben ser asumidos en su doble titularidad: como derechos de los
afectados pero también como derechos de la sociedad en general.
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Anexo 1
Documento Entidad
La cultura en los tiempos en transición 1991 - 1994 Departamento Nacional de Planeación
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RESUMO: No presente artigo, busco compreender o debate que associa cultura e de-
senvolvimento, tendo como foco a institucionalização da Economia Criativa como política pú-
blica no Brasil. O propósito foi entender o que explica a entrada deste conceito nas políticas
culturais no Brasil e quais as suas implicações com políticas de propriedade intelectual. Através
de pesquisa de campo, entrevistas, pesquisa bibliográfica e documental, compreendeu-se que a
Economia Criativa é uma política pública de tipo multicêntrica, sendo implementada por atores
estatais e privados e que o uso do conceito é por vezes arbitrário, podendo ser associado a dis-
cursos de globalização hegemônica e de globalização contra-hegemônica. A institucionalização
dessas políticas no Brasil é associada ao neo-desenvolvimentismo dos governos PT e à promo-
ção do Soft Power em tempos de megaeventos (Copa do Mundo e Olimpíadas).
1
Graduada em Ciências Sociais (CCH/UENF), mestre em Políticas Sociais (PPGPS/LEEA/UENF); E-mail: an-
dreza_bl@yahoo.com.br
2
Doutor em História Social da América (UFF), Professor associado do Laboratório de Estudos do Espaço Antró-
pico (LEEA/UENF); E-mail: mcgantos@gmail.com
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UNESCO, que ocorreu entre 1988 e 1997 (CUELAR, 1997), sendo que entre os anos de 1992 e
1995, o economista e ex-ministro da cultura, Celso Furtado integrou a Comissão Mundial de Cul-
tura e Desenvolvimento daquele mesmo organismo internacional. Adiante veremos que seu nome
será evocado na busca pela construção de uma Economia Criativa com um “selo” brasileiro.
Paralelamente, nos anos de 1994 na Austrália, com o “Creative Nation”, e de 1997 no
Reino Unido, com as “Indústrias Criativas”, ocorrem experiências no campo das políticas públi-
cas que seriam marcos do que mais tarde se convencionou chamar “Economia Criativa”.
Ana Carla Fonseca Reis (2011) observa que no contexto de globalização há um aumen-
to da demanda por serviços criativos no setor de turismo: a valorização da cultura ofstream,
das identidades locais, da experiência, do único, do singular. Passemos a analisar as mudanças
concernentes ao fenômeno da globalização, que vem se desenhando desde o final da Segunda
Guerra Mundial, unida à expansão do capital multinacional.
Boaventura de Sousa Santos (2002) afirma que longe de cumprir a expectativa de ho-
mogeneização e uniformização, a globalização das últimas três décadas “parece combinar, a
universalização e a eliminação das fronteiras nacionais, por um lado, o particularismo, a diver-
sidade local, a identidade étnica e o regresso ao comunitarismo, por outro.” (ibid., p. 26). Sousa
Santos entende o fenômeno como um campo de conflitos entre grupos sociais, estados e interesses
hegemônicos frente a grupos sociais, estados e interesses subalternos, ou contra-hegemônicos.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (2002), existe uma globalização hegemônica, pau-
tada no Consenso de Washington (também chamado de “consenso neoliberal”) que, na metade
dos anos 80, conteria as prescrições sobre o futuro da economia mundial, as políticas de de-
senvolvimento e o papel do Estado, sendo assinado pelos Estados centrais do sistema mundial.
Contudo, por mais que todas as dimensões do que se entende por globalização tenham sido afe-
tadas por esse consenso, nem todas são parte da cartilha. Nesse sentido, Boaventura vislumbra
a possibilidade da emergência de uma globalização contra-hegemônica.
As manifestações da globalização contra-hegemônica são denominadas pelo autor como
fenômenos de “localização”, uma vez que passam pela reterritorialização enquanto redescoberta
do sentido do lugar e da comunidade, frente a uma economia e uma cultura cada vez mais des-
territorializadas. Tais iniciativas teriam a função de proteger as populações e o meio ambiente
dos excessos do comércio livre. Em suas palavras:
Entendo por localização o conjunto de iniciativas que visam criar ou
manter espaços de sociabilidade de pequena escala, comunitários, as-
sentes em relações face-a-face, orientados para a auto-sustentabilidade
e regidos por lógicas cooperativas e participativas. As propostas de loca-
lização incluem iniciativas de pequena agricultura familiar […], peque-
no comércio local […], sistemas de trocas locais baseados em moedas
locais […] formas participativas de auto-governo […]. Muitas destas
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A nova política cultural britânica recebeu críticas em função de sua abordagem economi-
cista da cultura, que favorecia a competitividade em detrimento do acesso democrático aos bens
culturais, situando a gestão de Blair como uma reprogramação da mesma agenda neoliberal do
thatcherismo (GARNHAM, 2005, apud De Marchi, 2012).
De Marchi (2012) cita como “mais cuidadosa” a análise de David Hesmondhalgh(2005),
que situa New Labour de Tony Blair como um “hibrido de neoliberalismo, conservadorismo e
social-democracia”, essa classificação aparentemente esdrúxula traduziria que por um lado, os
novos trabalhistas mantiveram-se fieis aos princípios básicos da agenda do partido, em especial,
a defesa dos serviços públicos, mas, por outro, “implementaram certas medidas que, na prática,
assumiam uma postura liberalizante, defendendo as leis de mercado [...].” (ibid., p.8)
Mais tarde, a UNCTAD4 definiria as indústrias criativas em quatro categorias amplas:
1) Patrimônio Cultural (incluindo artesanato, festivais e expressões da cultura tradicional), 2)
Artes (artes visuais: pintura, escultura e fotografia/ artes dramáticas: teatro, dança, ópera, circo,
música) , 3) Mídia (edição e mídia impressa, audiovisual, cinema e rádio) e 4) Criações Fun-
cionais (design de moda e de interiores, arquitetura, conteúdos digitais, jogos), os quais são
apresentados como setores intrinsecamente inovadores e privilegiados na geração de emprego e
renda. ( DUISEMBERG, 2008, p. 61)
Sobre a implementação dessas políticas, é importante ponderarmos as perspectivas dos
trabalhos de Yúdice (2006) que critica a instrumentalização da cultura para fins políticos, so-
ciais ou econômicos. Para o autor, é como se tal instrumentalização esvaziasse o sentido das
culturas, que deveriam ser entendidas como um sistema fechado, autoreferenciado.
Ainda acerca da discussão sobre cultura e desenvolvimento, Garcia Canclini (2012) as-
severa que, na prática, a respeito do desenvolvimento cultural nos países latino-americanos ob-
servam-se contradições entre os discursos progressistas e as medidas regressivas. As principais
críticas, segundo Canclini (2012) se fundamentam na observação de que por mais que estejam
presentes nos discursos e declarações as afirmações de que a cultura e as artes tenham grande
potencialidade para a atração de investimentos, geração de empregos, dinamização do turismo e
elevação do PIB, os programas orçamentários fixados pela dívida tendem à austeridade, cortan-
do fundos destinados à cultura, promovendo demissões, o que acaba reduzindo a potencialidade
criativa, bem como o consumo e o acesso aos bens culturais.
4
“A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) foi estabelecida em 1964,
em Genebra, Suíça, atendendo às reclamações do países subdesenvolvidos, que entendiam que as negociações rea-
lizadas no GATT não abordavam os produtos por eles exportados, os produtos primários. A UNCTAD é Órgão da
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), mas suas decisões não são obrigatórias. Ela tem sido
utilizada pelos países subdesenvolvidos como um grupo de pressão.” Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Confer%C3%AAncia_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas_sobre_Com%C3%A9rcio_e_Desenvolvimento
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Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro no Rio de Janeiro
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Criado em 2004, por Célio Turino, na Secretaria da Cidadania Cultural/MinC, “o Programa Cultura Viva in-
centiva, preserva e promove a diversidade cultural brasileira, contemplando iniciativas culturais que envolvem a
comunidade em atividades de arte, cultura, cidadania e ecnomia solidária. Além dos pontos de cultura, o programa
abrange quatro ações: agente cultura viva, cultura digital, escola viva e Griô.”
11
A Lei Rouanet consiste numa política de incentivos fiscais que possibilita às empresas (Pessoas Jurídicas) e aos
cidadãos (Pessoas Físicas) aplicarem uma parte do Imposto de Renda devido à União (sendo 4% para o IRPJ e
6% para o IRPF) em ações culturais. Tal legislação resultou numa espécie de estímulo à propaganda gratuita por
parte das empresas e corroborou para a perpetuação de desigualdades, uma vez que estando boa parte da classe
empresarial do país situada no sudeste, seus investimentos, consequentemente, concentraram-se nessa região.
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com relação à abertura democrática das gestões de Juca Ferreira e Gilberto Gil. Tal fato coin-
cidiria com o anúncio da criação da pasta “Economia Criativa”. A sucessão no MinC, pela
ministra Ana de Hollanda, então indicada pela presidenta Dilma Rousseff, frustra algumas
expectativas de continuidade ao tratamento dado à Cultura, principalmente para os entusiastas
da fase anterior. As críticas à gestão da ministra já no início de seu mandato foram constantes,
chegando a ser esboçado um movimento “fora Ana de Hollanda” em listas de discussões sobre
culturas populares.
No momento em que se estruturava a criação desta nova pasta denominada Secretaria
da Economia Criativa (SEC) no MinC, a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC) e a Secretaria
da Identidade e da Diversidade Cultural (SID) haviam se fundido em uma única nova pasta, a
saber, a Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC). O MinC, desde a gestão do
ministro Gilberto Gil, adotara um conceito de Cultura subdividido em 3 dimensões: simbólica,
política e econômica. Dentre os posicionamentos contrários à entrada do conceito de Economia
Criativa no Ministério da Cultura brasileiro, apresenta-se um quadro em que o tratamento das
dimensões simbólica (diversidade cultural) e política (cidadania cultural) passa a ser articulado
a uma pasta, ao passo que a dimensão econômica receberia uma autarquia própria, o que poderia
sugerir uma posição privilegiada a esta última.
Ana de Hollanda em seu discurso de posse enfatiza a conexão da atuação do MinC ao
programa de governo da presidenta Dilma, em consonância com “as grandes metas nacionais
de erradicar a miséria, garantir e expandir a ascensão social, melhorar a qualidade de vida
nas cidades brasileiras, promover a imagem, a presença e a atuação do Brasil no mundo.”
(HOLLANDA, 2011). As políticas da Secretaria da Economia Criativa, de acordo a então mi-
nistra da Cultura Ana de Hollanda no texto de abertura do Plano da SEC/MinC, seriam estra-
tégicas para o Governo Federal, pois significariam ainda um compromisso do Ministério da
Cultura com o “Plano Brasil sem Miséria”, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS), por meio das ações de inclusão produtiva, e com o “Plano
Brasil Maior”, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) através
da promoção da “competitividade e inovação dos empreendedores criativos brasileiros”.
O plano da Secretaria da Economia Criativa em sua fase de formulação contou com
o “Questionário de Levantamento de Demanda para os Setores Criativos”. Tratava-se de uma
primeira coleta de dados voltada para os trabalhadores criativos. É um momento de busca de
articulações de interesses e de coleta de informações sobre as demandas dos setores. Nesta fase,
a consulta popular através da web aparentemente favoreceu o acesso de produtores culturais a
este questionário. O planejamento visou à consolidação de um modelo próprio de Economia
Criativa, alinhado à nossa realidade, com diretrizes e ações a se efetuarem até 2014. No texto de
abertura da secretária, lê-se que:
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14
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/903278-democratizar-a-cultura-nao-e-nosso-interes-
se-diz-vice-presidente-da-mpaa.shtml Acesso em 30 de julho de 2011.
15
“Na prática, aquilo significou apenas que o conteúdo do site (os textos e vídeos) não estaria mais disponível para
ser usado e reproduzido pelos usuários nos termos da licença. Mas, em um contexto mais amplo, sinalizou que a
ministra não compartilhava da visão de seus antecessores em promover a cultura livre e a circulação de ideias,
sobretudo no ambiente online. Sua atitude foi aplaudida por membros das entidades que representam a indústria
cultural.” Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/link/ana-de-hollanda-sai-do-ministerio-da-cultura/, Acesso
em 11 de setembro de 2012.
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aparece num dos objetivos do plano, que diz respeito aos “marcos legais” (Plano da SEC/MinC,
2011, p. 39). Perguntei diretamente à Luciana Guilherme, então diretora neste órgão, como a
SEC/MinC tem se posicionado com relação às políticas de propriedade intelectual:
Olha, a gente acredita que deve haver um equilíbrio entre o direito do
autor e o acesso. Eu acho que não dá pra gente ter uma posição fechada,
hermética e inflexível no que se refere aos direitos autorais. Essa discus-
são está posta e no Brasil o debate tem sido bem forte, bem amplo, e a
gente sabe que a acessibilidade precisa ser pensada. No que se refere à
propriedade intelectual, a gente tem uma visão onde é preciso tratar o
direito de propriedade intelectual, o direito autoral, de uma forma que
promova o acesso, mas que garanta o direito, sem polarizar. Há uma
discussão no que se refere à flexibilização dos direitos, seja por parte
do próprio autor, ou seja ele ter o direito de dizer o que ele cede e o que
ele não cede, até às questões ligadas à educação... hoje há um grande
debate, quer dizer, em termos de educação sobre qual o nível de acesso
que se dá. Então, a resposta não é fechada, mas o que a gente acredita
é que deve haver um equilíbrio entre o apoio ao autor mas também o
acesso, que promova desenvolvimento. Porque o acesso à informação,
o acesso á criação gera possibilidade de novos processos criativos, de
novos processos de desenvolvimento e de formação dos profissionais
desses setores, então isso pra gente é fundamental . [...] Fala-se inclusi-
ve de “direitos coletivos”, não é? Então, é um universo bastante amplo,
mas que sempre o que a gente coloca é o “caminho do meio”, (Luciana
Guilherme – então Diretora de Empreendedorismo, Gestão e Inovação
da Secretaria da Economia Criativa, MinC.)
Em evento realizado pela ITEP/UENF, em novembro de 2012, também pude fazer re-
gistro da fala de Afonso Luz ( ex-diretor do Museu da Cidade de São Paulo, curador de arte e
consultor em projetos) acerca da posição da ex-ministra Ana de Hollanda, quanto à criação da
SEC/MinC e quanto a sua postura no que diz respeito aos direitos autorais:
Eu estou atuando na câmara dos deputados, lá estamos mantendo um
programa [...] que se chama culturas urbanas e cidades criativas. [...]
Quando a Dilma assumiu, ela indicou uma pessoa muito polêmica para
a pasta da Cultura, a minha vontade no começo era ajudar com que ela
fizesse uma boa gestão. De fato essa coisa da Economia Criativa foi uma
boa gestão; malgrado ela. Porque até ela começou a boicotar a situação,
porque ela tinha uma mentalidade muito atrasada de modelo econômico
de o que que era rentabilidade da criatividade, ligado ainda ao modelo
de arrecadação da antiga luta sindical dos autores... e que a gente sabe,
isso, no Brasil, o último a receber é o criador. E ela ainda achava que
estava nos anos 60, na luta pelo reconhecimento de direito de autor...
que é uma coisa legítima, mas que tem que ter uma visão social con-
temporânea, mudar e sair dessa lógica policialesca e arrecadatória de
fiscal. O modelo dos antigos fiscais que passavam lá vendo as notinhas
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Disponível em http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/noticias/entrevista-com-claudia-leitao
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Este caso também foi noticiado em páginas como: http://www.tribunadoceara.com.br/blogs/nonato-albuquer-
que/religiao/a-fama-de-padre-cicero-foi-parar-na-china/
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Durante a palestra de abertura do Cultura Brasil II, que ocorreu no 10 de dezembro de 2012
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brasileira, agentes estrangeiros lucram com ela. Todavia, pergunto à Luciana Guilherme se de
fato é possível promover a dimensão econômica da cultura sem prejudicar suas dimensões po-
lítica e simbólica:
Olha, eu acho que é possível, sim. Só que não é uma solução única.
Quando a gente fala aqui de economia, a gente não está falando de uma
economia “predatória” e capitalista, a gente está falando de uma eco-
nomia onde a diversidade cultural é um valor principal, e para isso, ela
precisa ser resguardada. Se você trata isso de qualquer forma, de uma
forma massificada e destrutiva, a gente não concorda com isso. Mas
por exemplo, hoje a gente percebe como o design vai beber da fonte da
cultura popular, das matrizes culturais brasileiras... o Brasil tem uma
riqueza, uma pluralidade, que se o avanço econômico for agressivo no
sentido de destrutivo, ele vai perder sua maior fonte! Quer dizer, acaba
sendo muito burro (risos) atuar dessa forma! Não temos respostas para
todos os setores, a gente está construindo isso. A gente quer trabalhar
sempre o valor da diversidade cultural como um princípio norteador,
e ao mesmo tempo casando isso com o processo de inovação.(Luciana
Guilherme – Diretora da SEC/MinC.)
Analisando o plano da SEC/MinC (2011-2014), percebe-se que o projeto de articulação
interministerial é deveras ambicioso, abrangendo 14 ministérios. Levando-se em conta que a
definição de Economia Criativa evoca desafios financeiros, políticos e estruturais que estão
acima da capacidade do MinC de lidar no presente período, percebe-se o quanto tal projeto de
implementação das políticas da Economia Criativa necessariamente ampliaria o escopo de um
Ministério destinado à área da cultura. Na articulação com os demais ministérios e secretarias
considera-se o grau de prioridade da política em pauta nas agendas, os recursos que cada um
deles controla e onde seriam distribuídos nessa articulação.
Em setembro de 2013, a secretária Claudia Leitão é substituída por Marcos André Carva-
lho, que atuava como superintendente na Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro. Marcos André
era responsável pela coordenadoria da Economia Criativa criada em 2009 no Estado do Rio de
Janeiro. Em março de 2015 chega a ser anunciado em coluna de O Globo19 , de Ancelmo Gois,
o fim da Secretaria da Economia Criativa e a dispensa do secretário. O fato, contudo, é esclare-
cido no mesmo dia no site do MinC20, onde afirmou-se que não houve demissão do secretário,
mas que o mesmo pediu desligamento para assumir a coordenação do programa de promoção
da economia criativa das Olimpiadas 2016, a convite do governo do Rio de Janeiro. Na mesma
matéria, lê-se que o MinC, em dialogo com a pauta prioritária do governo federal, que é a edu-
cação, irá fortalecer ações entre educação e cultura. E que o ministério continua discutindo a
19
http://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/ministerio-da-cultura-acaba-com-secretaria-de-economia-criati-
va-562106.html
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http://cultura.gov.br
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aos produtores, mas sim aos reprodutores e difusores destes conteúdos: grandes editoras, gra-
vadoras, as ‘majors’, as multinacionais no âmbito da indústria cultural. A principio, a posição
oficial da primeira equipe da SEC/MinC foi de não priorizar as industrias culturais e de optar
pela flexibilização dos direitos autorais. Porém o título “Economia Criativa” continua sendo tra-
balhado por diversos atores governamentais e não-governamentais, visto que ele tem facilidade
em ser assumido por políticas públicas multicêntricas, desse modo, as projeções da primeira
equipe da SEC/MinC não delimitam todas as ações que envolvem o termo.
No curto espaço de tempo em que realizei a pesquisa não termino por optar por uma
dessas abordagens, mas procurei organizar nas leituras feitas e nas observações do campo e das
entrevistas quais os argumentos pertinentes a cada posicionamento contrário ou favorável e de
que modo eles fazem sentido numa percepção geral que a Economia Criativa é um conceito
arbitrário, posto que pode ser adaptado a diversos grupos de interesses, setores do campo da cul-
tura, atores governamentais ou não governamentais, e, desse modo, assumindo ainda conotação
hegemônica ou contra-hegemônica, dependendo de como e por quem é evocado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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países em desenvolvimento. São Paulo: Itaú cultural, 2008
REIS, Ana Carla Fonseca. “O Desenvolvimento de uma Economia Criativa”. In.: Rio: A hora da virada.
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SECCHI, Leonardo. Políticas Públicas: Conceitos, Esquemas de Análise, Casos Práticos. 2 ed. São
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SUPLICY, Marta. “O soft power brasileiro”. Folha de S. Paulo Opinião. 24 de fevereiro de 2013.
YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2006.
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Caravanas culturais existem há muito tempo. Difícil delimitar com precisão seu instante
de inauguração. Os acontecimentos históricos, na maioria das vezes, não possuem datas e fron-
teiras bem delimitadas. Como processos, eles se tecem no cotidiano para explodir em momen-
tos, quase sempre, imprecisos. Improvável saber quando se iniciou o deslocamento territorial
de grupos e/ou instituições com finalidades culturais. Alguns exemplos podem ser tomados para
expressar esta já longa e diferenciada história. Eles servem de introdução ao estudo dos experi-
mentos das caravanas culturais realizadas pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia entre
os anos de 2011 e 2014.
No contexto ibero-americano aparecem com destaque as famosas missões pedagógi-
cas mobilizadas pela república espanhola na década de 30 (SOCIEDAD ESTATAL DE CON-
MEMORACIONES CULTURALES, 2006). Anos surpreendentes para Espanha pelo leque de
possibilidades abertas em horizonte centralmente contemporâneo. Revoluções sociais como as
acontecidas nas Astúrias quando o proletariado, com os mineiros na vanguarda, tomou o poder
(NOSTY, 1974 e DÍAZ, 2012). Guerra civil, na qual se defrontam democracia, republica e
brigadas internacionais contra o facismo de Franco, a intervenção nazista e a grave omissão do
Ocidente. A Guernica de Pablo Picasso grita a dor desta tragédia mundial e espanhola.
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Doutor, pesquisador do CNPq e professor da UFBA. E-mail: albino.rubim@gmail.com
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brir o Brasil, teve como antecedentes a visita dos modernistas a Minas Gerais, acompanhando o
poeta francês Blaise Cendrars, e, especialmente, as viagens de Mário de Andrade à Amazônia,
de maio a agosto de 1927, e ao Nordeste, de dezembro de 1928 a fevereiro de 1929. O seu livro,
O turista aprendiz, deriva de suas anotações destas viagens (ANDRADE, 2002). Nelas, Mário
de Andrade recolherá vasto material sobre culturas e lendas populares, inclusive através de
registros fotográficos. Algumas de suas obras posteriores incorporam tais materiais. Exemplo
admirável: o romance Macunaíma, publicado em 1928 (ANDRADE, 1970). A expedição, che-
fiada por Luis Saia, partiu em 1938 de São Paulo em direção ao Norte e Nordeste, composta de
quatro pesquisadores e técnicos “...com a missão de anotar, desenhar, fotografar, filmar, gravar
manifestações da nossa cultura profunda e recalcada, além de recolher objetos, instrumentos e
artefatos” (CALIL, 2010, p.3). O difícil manuseio e inadequada mobilidade dos equipamentos,
então existentes, de gravação da imagem e do som, por certo, tornaram a missão bastante com-
plicada, mas ela conseguiu resultados admiráveis.
Nos anos 60 acontecem interessantes experimentos de caravanas culturais. A UNE-Vo-
lante aparece como a mais conhecida. Durante três meses, ela excursionou pelas capitais do
país, veiculando ampla programação cultural, que envolveu atividades como: teatro, música,
artes visuais, fotografia, cinema, debates etc. Nomes como Augusto Boal, Oduvaldo Viana Fi-
lho, Gianfrancesco Guarnieri, Carlos Lyra, Carlos Estevam, Francisco de Assis, Nelson Lins de
Barros, Armando Costa, Arnaldo Jabor, dentre outros, participaram das viagens ou nelas tiveram
suas obras apresentadas (BERLINCK, 1984, p.38 e 39). A UNE-Volante pretendeu levar às mas-
sas uma cultura popular revolucionária. Aconteceram duas caravanas até a UNE ser proibida
pela ditadura militar em 1964.
O Conselho Nacional de Cultura que havia tentado realizar, em 1962, o projeto Trem da
Cultura, em conjunto com a Rede Ferroviária Nacional, finalmente conseguiu viabilizar a “Ca-
ravana da Cultura”. O projeto, composto por apresentações de espetáculos de música erudita,
coral, canto, distribuição de livros e discos de música erudita e popular, além de exposições de
artesanato e arte infantil, percorreu os estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e
Alagoas. Após o golpe de 1964, com Pascoal Carlos Magno, secretário geral do CNC, afastado,
ocorreu a suspensão do projeto (CALABRE, 2009, p.62).
Dentre as experiências mais recentes, destaque para o projeto Cultura em Movimento:
SECULT Itinerante, desenvolvido pela Secretaria de Cultura do Ceará, na gestão de Cláudia
Leitão. O projeto se tornou o “carro-chefe”, em uma cristalina demonstração de sua relevância
para secretaria. Ele conjugou um conjunto significativo de frentes: assessoria a prefeituras, ca-
dastro de artistas e ativistas culturais, mapeamento do patrimônio material e imaterial, capaci-
tação de agentes e atores culturais, eventos artístico-culturais, constituição de programas, redes
e sistemas culturais, debates, audiências públicas, divulgação da cultura cearense, produção de
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1. VIAGENS E POSSIBILIDADES
As múltiplas denominações, formatos e conteúdos não conseguiram obscurecer alguns
traços compartilhados, que caracterizaram tais experiências. A rigor, todas elas se configuraram
como viagens empreendidas por coletivos com finalidades culturais. Em sua Teoria da viagem:
poética da geografia, Michel Onfray afirma a viagem como “...uma ocasião para ampliar os cin-
co sentidos. Sentir e ouvir mais vivamente, olhar e ver com mais intensidade, degustar ou tocar
com mais atenção”. Para ele, na viagem “...o corpo abalado, tenso e disposto a novas experiên-
cias, registra mais dados que de costume” (ONFRAY, 2009, p.49).
A abertura de sentidos para o novo propiciado pela viagem, não se atém às paisagens,
flora, fauna, territórios e patrimônios tangíveis e intangíveis. Esta disposição corporal, mental,
perceptiva abrange os mais diversos registros. De acordo com Onfray, por exemplo: “...a viagem
solicita o desejo e o prazer da alteridade” (ONFRAY, 2009, p.60). O viajante aciona a experi-
ência advinda das novas realidades e de alteridades, convidadas ao diálogo. Mas ele vai além.
Em suas visitações, ele tece novos achados. Michel Onfray, com evidente exagero, escreve: “Na
viagem, descobre-se apenas aquilo que se é portador” (ONFRAY, 2009, p.26). Melhor trocar
“apenas” por “também”.
A viagem como caminho de autoconhecimento, descobrimentos e transformações do
próprio viajante possui vasta presença na literatura. O escritor cubano Alejo Carpentier, em di-
versos de seus livros, transita neste horizonte. O percurso viajado em Os Passos Perdidos faz o
protagonista constatar que: “a selva, com seus homens resolutos, (...) tinham me ensinado muito
mais” que arte, textos e livros. Logo depois, ele conclui: “...compreendi que a obra máxima
proposta ao ser humano é de forjar seu destino” (CARPENTIER, 1985a, p.237). Em Concerto
Barroco, a viagem de um rico índio mexicano à Europa serve para que ele compreenda que “...
Às vezes é necessário afastar-se das coisas, por um mar no meio, para ver as coisas de perto”
(CARPENTIER, 1985b, p.85). Ele constata que: “...muito se aprende viajando” (CARPEN-
TIER, 1985b, p.88). Com a viagem, ele apreende sua identidade de índio mexicano. Ou seja, a
viagem, ao confrontar outro mundo, permite que ele desvelar sua identidade, antes obscurecida.
No recente romance de Mia Couto, um dos personagens centrais, o sargento português Germano
de Melo, servindo em Moçambique, escreveu: “Foi preciso viver entre gente negra e estranha
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para me entender a mim mesmo” (COUTO, 2015, p.315). Em uma circunstância mais próxima,
no tempo e no espaço, o baiano Aleilton Fonseca no livro O Pêndulo de Euclides escreve a via-
gem, geográfica e subjetiva, de Euclides da Cunha da sua crítica a Canudos até sua admiração
ao povo sertanejo: antes de tudo um forte (FONSECA, 2009).
As visitações a uma teoria da viagem e do tema viagem na literatura permitem esboçar
algumas possibilidades do ato de viajar. Entretanto não se pode esquecer que, como qualquer
fato humano, contradições perpassam as viagens. Se aquelas possibilidades existem, impossível
esquecer outras viagens terríveis. O trafego de navios negreiros e sua opressão ainda hoje persis-
tem, em especial, nas sociedades de classe em que vivemos, quando, além das contradições hu-
manas, existem heranças e antagonismos de poder dilacerando o ambiente societário. Possível
agora, feita esta ressalva, retornar às potencialidades das viagens e elucidar seus acionamentos
por políticas culturais.
O desenho realizado, ainda que não exaustivo, viabiliza confeccionar uma síntese das
potencialidades destes deslocamentos coletivos culturais, em especial, tomando uma perspecti-
va iluminada por políticas orientadas por culturas cidadãs. Não se trata de construir um quadro
em sua plenitude, mas de esboçar um panorama que configure as principais modalidades acio-
nadas por estes empreendimentos coletivos e culturais, com seus potenciais, dilemas e riscos.
Duas alternativas de expedições conformam os desenhos mais tradicionais. A caravana
que pretende difundir repertórios culturais para populações distantes dos polos culturais. Levar
novos repertórios apresenta-se como atitude bastante louvável, pois assegura acesso a modali-
dades de cultura antes impossíveis para determinadas populações. O risco subjacente a este ato
generoso decorre de se imaginar que somente esta tem o status de cultura reconhecida, despre-
zando outros registros culturais inclusive aqueles existentes nos territórios e compartilhadas
pelas populações. Neste caso, as missões se inscrevem no hoje contestado modelo de democra-
tização da cultura, inaugurado por André Malraux: levar Cultura, sempre com C maiúsculo, para
populações acusadas de desprovidas de cultura (LEBOVICS, 2000 e FERNANDEZ, 2007b).
O segundo se refere às caravanas dedicadas a conhecer e mesmo reconhecer realidades
culturais invisibilizadas por circunstâncias, preconceitos e discriminações sociais. Sem dúvida,
esta atitude sublime sugere uma perspectiva positiva, pois implica em trabalhar a diversidade
cultural, sua preservação e ampliação. O perigo se esconde e se encontra na entronização acríti-
ca de culturas localizadas. Com facilidade este procedimento se traduz em populismo cultural.
Tudo proveniente do povo aparece sempre com valoração positiva, olvidando que ele está per-
passado de contradições, decorrentes de sua situação de subalternidade em uma sociedade de
exploração capitalista. Desde Gramsci a percepção de complexidade está anotada.
Existem caravanas que se orientam pela proposição de novos diálogos e intercâmbios.
Posteriormente eles podem se estabelecer através da constituição de redes. A rigor, estas expe-
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dições para realizarem seu intento requerem conhecimento prévio dos repertórios culturais a
serem trocados. Sem este saber anterior, o potencial de efetiva troca fica seriamente comprome-
tido, quando não se transforma em mero espetáculo subsumido ao desejo de visibilidade. O co-
nhecimento prévio solicitado facilita a conformação de redes mais duradouras. Estimular, criar
e fomentar redes de cooperação cultural, dos mais diferenciados tipos, pode ser um dos motores
de caravanas, mas quase nunca aparece como dado isolado e não prioritário. Outras expedições
têm metas que guardam intimas correlações com as enunciadas. Trata-se de missões voltadas
também à identificação de ativistas e instituições culturais. Da mesma maneira, quase sempre,
elas não assumem esta busca com exclusividade.
Outro tipo possível de missões se associa diretamente à discussão das políticas de cul-
tura, inclusive de financiamento. O advento da atenção com a participação no campo cultural
exigiu a abertura de canais para que ela se realize. As caravanas, ao lado de conferências, conse-
lhos, colegiados e eventos, conformaram um destes canais possíveis de ausculta e participação
das comunidades culturais. Nesta perspectiva, elas dialogam com a construção da cidadania
cultural e sua exigência de debate público das políticas culturais (CHAUI, 2006). Mais que dis-
cutir políticas, em casos específicos, elas transmutam-se em instantes e instâncias de elaboração
conjunta de políticas culturais para os territórios visitados ou até para regiões maiores: municí-
pios, estados e nação.
Uma observação se impõe. Tais alternativas das expedições não se configuram como
opções excludentes. Em geral, diversas intenções se conjugam em uma viagem. As diferentes
combinações possíveis dão o caráter e o tom destas expedições. Necessário pensar como tais
caravanas, que combinam funções distintas, se traduzem em experimentos efetivamente realiza-
dos e como elas se articulam, ou não, com as políticas culturais desenvolvidas.
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Serrinha, Valença em 2013 e Amargosa, Caetité, Feira de Santana, Ibotirama, Irecê, Juazeiro,
Pintadas em 2014.
O relatório de gestão da Fundação Cultural reconhece que ” ..apenas com a abertura des-
te olhar, para além da compreensão do estado a partir da realidade da capital, é possível apontar
para uma mudança real na política estadual” (FUNCEB, 2014, p.34). De acordo com o relatório,
a itinerância da FUNCEB, com seu processo de diálogo, permitiu divulgar políticas públicas de
artes; criar, formatar e reformar formulações e ações, a exemplo do Programa de Difusão das
Artes, que contemplava artes integradas; do Calendário das Artes, com a implantação de edi-
tais simplificados e territorializados para financiar as artes; além de promover a divulgação das
atividades artísticas desenvolvidas nos territórios e reestruturar procedimentos de comunicação
institucional, visando maior aderência e penetração das mensagens nos territórios de identidade.
A FUNCEB Itinerante teve papel relevante também no estímulo à organização do campo das ar-
tes, na participação dos artistas nas diferentes etapas das conferências de cultura e, em especial,
na construção coletiva de sete colegiados setoriais das artes: artes visuais, audiovisual, circo,
dança, literatura, música e teatro. Ela inspirou as caravanas culturais capitaneadas pela Secreta-
ria de Cultura do Estado da Bahia, a partir de janeiro de 2012.
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comitiva esteve ainda em Carinhanha e Malhada. Nelas aconteceram encontros com autorida-
des culturais e visitas a espaços culturais, como em Carinhanha, onde deu para ver o trabalho
cultural da prefeita Chica do PT, e reunião na câmara municipal com autoridades e comunidade
cultural em Malhada. Destaques para a ativa vida cultural apresentada em Ibotirama; para as po-
lêmicas ensejadas em Santa Vitória da Vitória e em Barreiras; para algumas iniciativas culturais
visitadas, a exemplo de pontos de cultura e de leitura, inclusive instalados em acampamentos
de sem-terra e para as diversas e muitas vezes surpreendentes manifestações culturais marcan-
tes na região, como a presença da capoeira e da música inspirada pelo Rio São Francisco. Esta
potencialidade musical permitiu realizar um espetáculo com músicos desta região na segunda
Celebração das Culturas dos Sertões, ocorrida em Juazeiro da Bahia, em 2013. Um interessante
diálogo intercultural entre oeste e norte da Bahia, integrados pelas águas encantadas do São
Francisco. Da caravana resultou a convicção da urgência de uma política cultural específica para
uma região tão singular como o oeste da Bahia.
Outro destino distante da capital e de relações mais corriqueiras com o estado: o sul da
Bahia, objeto da terceira caravana. Ela transitou por Teixeira de Freitas, Nova Viçosa, Caravelas,
Alcobaça, Prado, Itamaraju, Eunapólis, Itapebi, Belmonte, Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro,
onde se localiza o único centro cultural da secretaria na região. Pequena comissão e o secretário
viajaram também à Itanhém para reunião com prefeitos desta cidade e de Vereda, Lamarão e
Igaporã, além de um vereador de Medeiros Neto. Comitivas culturais de Guaratinga e de Itagi-
mirim se fizeram presentes nos encontros de Eunapólis e Itapebi, respectivamente. Em suma, dos
21 municípios dos dois territórios de identidade visitados, 17 de algum modo dialogaram com
a caravana. No sul emergiu a notável força das culturas negras, em uma feição mais estilizada,
turística e copiada de Salvador, como aconteceu principalmente nas litorâneas cidades de Porto
Seguro, Santa Cruz Cabrália e Prado, ou em uma pegada mais de raiz, como ocorreu em Nova
Viçosa, Caravelas e Belmonte, mais apartadas do turismo. Em Nova Viçosa, além da visita ao
excepcional sítio Natura de Frans Krajcberg, brilharam movimentos de dança e música negras,
provenientes do povoado de Helvécia, antigo quilombo. Em Caravelas, a surpreendente presença
de duas escolas de samba, com baterias, passistas, porta estandartes, que galvanizam o carnaval
da cidade, demonstraram que a Bahia possui escolas de samba, desmentindo a afirmação reite-
rada de sua inexistência, alimentada por um olhar soteropolitano. Em Belmonte, uma autêntica
festa de largo. Lotada pela população a praça São Sebastião acolheu inúmeras atrações cultu-
rais: filarmônicas, quase centenárias; manifestações de culturas populares e exuberante presença
negra. A constatação da marcante vida da cultura negra na região, para além do Recôncavo da
Bahia; a vibrante cena musical semiprofissional quase urbana de Itamaraju; as expressivas danças
embalando corpos e as culturas indígenas de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, descontadas
suas concessões à lógica do turismo, compõem a cena cultural diversa e rica da região.
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A quarta e última caravana viajou pelas terras semiáridas do sertão baiano. Região mais
próxima de Salvador, muitas vezes castigada pela seca e pelo clima difícil, ela também sofria
uma frágil atuação da Secretaria de Cultura, inclusive sem nenhum equipamento próprio instala-
do. Aliás, em muitos dos municípios visitados pelas caravanas nunca o secretário ou a secretaria
marcaram presença, como bem observavam seus habitantes. Região debilitada economicamente
pelas carências e dificuldades sócio geográficas, ela mostrou sua riqueza na organização comu-
nitária, história de lutas e manifestações culturais. Cabe citar os exemplos mais contundentes.
A potente herança do Conselheiro traduz-se em diversificadas cenas culturais: música, teatro,
literatura e no emblemático parque e memorial de Canudos, dedicado a manter viva a história
dos sertanejos. A cultura musical dos sertões torna-se visível em acontecimentos tão distintos
como o ambicioso projeto da Orquestra Santo Antonio, de Conceição de Coité, e a Orquestra
Sanfônica de Serrinha. O artesanato de sisal, organizado na cooperativa em Valente, transita no
Brasil e no exterior. A imensa presença indígena em Banzaê, com aproximadamente um terço
da população do município, mantém e assume com vigor seus traços culturais. Antes de tudo,
um forte ambiente identitário, mas organizado e articulado em conexões, por vezes, atualizadas.
A caravana trafegou por Nova Soure, Cipó, Ribeira do Pombal, Banzaê, Tucano, Euclides da
Cunha, Canudos, Monte Santo, Cansanção, Valente, Conceição do Coité e Serrinha.
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ampliado entre 2011 e 2014, passando de 24 milhões para 41 milhões neste último ano, como
teve sua atuação melhor repartida entre capital e interior, que multiplicou quase por três sua
participação percentual. Cabe ressaltar que a formação de redes poderia ser mais potencializada
se a caravana tivesse organizado uma estrutura dedicada especificamente a esta relevante tarefa.
O aprimoramento dos procedimentos das expedições, constante nestes anos, entretanto
não as transformou em processos plenamente eficazes. Elas ainda pecaram em diversos aspec-
tos, em especial, na articulação com as comunidades culturais locais e com outras atividades
desenvolvidas pela secretaria. Em alguns municípios as apresentações e os debates, apesar da
garantida não formalidade, ganharam um teor por demais oficialista, subordinando uma expres-
são mais livre e talvez mais crítica das comunidades culturais. Uma articulação mais larga com
ativistas e instituições culturais poderia minorar esta ênfase, decorrente da atuação mais incisiva
dos dirigentes locais. Em contraponto, cabe registrar que a mobilização das autoridades muni-
cipais pelas caravanas mostrou-se positiva para uma maior inserção da cultura na cena política
e administrativa do estado. Processo similar ocorreu através da realização de conferências mu-
nicipais e territoriais de cultura.
A (des)articulação que se demonstrou mais problemática derivou da não concretização
de medidas que deveriam continuar e complementar as expedições. A constatação da neces-
sidade de políticas culturais específicas para determinadas regiões, como o oeste e o sul, por
exemplo, não teve desdobramentos devidos na dimensão exigida. Iniciativas aconteceram, mas
nada que configurasse uma política mais continuada e sistemática para tais regiões. A fragilida-
de da estrutura da secretaria, a dificuldade de recursos humanos e financeiros e outras questões
internas se tornaram evidentes, apesar de esforços no sentido de construção das políticas. Com
relação ao oeste uma proposta chegou a ser esboçada, mas não discutida, continuada e implan-
tada. Esta desconexão deprimiu o impacto das caravanas em algumas de suas potencialidades,
como aprimorar políticas de territorialização, fundamento da existência das expedições. A for-
mulação e implantação de políticas culturais regionais, através de procedimentos dialógicos,
fortaleceriam em muito a territorialização da cultura na Bahia. Apesar destas e de outras limita-
ções, as caravanas se converteram em instrumentos nada desprezíveis para as políticas públicas
de cultura. Por certo, elas ocuparam e podem continuar ocupando um lugar de destaque no seu
desenvolvimento de políticas culturais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RUBIM, Antonio Albino Canelas. Diários das caravanas culturais da Secretaria de Cultura do Estado da
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SOCIEDAD ESTATAL DE CONMEMORACIONES CULTURALES. Las misiones pedagógicas 1931-
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políticas culturais
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RESUMO: Este texto é fruto de algumas reflexões sobre o Cultura Viva, programa nacional
que é tema de pesquisa de doutorado em Antropologia Social. Para abordar a formulação e im-
plementação do programa, estou desenvolvendo uma pesquisa de campo (etnografia) com os
gestores de cultura, nos espaços onde as ações do Cultura Viva são elaboradas e implementadas.
Trago aqui uma perspectiva etnográfica centrada no diálogo com os gestores e idealizadores do
programa, que participam ou participaram da elaboração e consolidação do Cultura Viva - inau-
gurado pelo Ministério da Cultura em 2004. O programa é estruturado por princípios e práticas
orientadas para a diversidade cultural e essa particularidade constitui o problema central da
pesquisa em andamento.
1. APRESENTAÇÃO
A proposta de uma pesquisa com os gestores do Ministério da Cultura implica aqui em
uma etnografia “através do estado”2 - compreendido a partir das práticas e narrativas produzidas
por uma comunidade institucional que está em relação com coletivos e artistas contemplados
pelo Cultura Viva. Procurarei evitar compreender o estado como uma forma de organização
política administrativa racional e centralizada. O interesse aqui está nas suas transversalidades,
que podem ser observadas a partir das redes de implementação e participação do Cultura Viva.
O diálogo com esses interlocutores nos ajuda compreender a relevância da diversidade cultural
para implementação desse programa nacional, que recentemente se tornou Lei federal. A noção
de gestor será aqui aplicada em um sentido amplo, que estende aos secretários, coordenadores e
diretores dos setores internos do Ministério da Cultura que estão direta ou indiretamente envol-
vidos na implementação do programa.
1
Doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB). arielvisnunes@gmail.com
2
Ao invés de utilizar Estado, optei em manter estado em minúsculo como um recurso de escrita para evitar
compreendê-lo como uma unidade estável, centralizada ou monolítica. Autores como Veena Das ((2008), John Gle-
dhill (1994); Michel Rolph Trouillot (2001) também optam por manter estado em minúsculo, reforçando o caráter
dinâmico de tal categoria.
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compostos por artistas, grupos e coletivos culturais contemplados via editais públicos. Operam
através do modelo de gestão compartilhada entre MinC, Secretarias estaduais e municipais de
Cultura, artistas, produtores e agentes culturais. O Cultura Viva estaria inserido em uma política
que propõe o reconhecimento, inclusão e fomento daqueles que não protagonizaram as políticas
públicas culturais antecedentes, a dizer: artistas populares, mestres e griôs, artistas circenses,
atividades culturais de periferias, de mídias digitais comunitárias, assim como atividades cul-
turais produzidas por comunidades indígenas e de terreiros. O programa descentralizou convê-
nios, criou grupos organizados em redes e veio acompanhado de expectativas de participação
de novos atores, mas também encontrou obstáculos na sua execução, como descontinuidades
de gestão, dificuldades de lidar com prestações de contas e atrasos no repasse das parcelas dos
convênios com os Pontos.
Em julho de 2014 foi sancionada a Lei 13.018 (ou a Lei Cultura Viva), que define o pro-
grama enquanto “política do Estado Brasileiro” (MinC, 2014), sugerindo perenidade às ações
do programa, independente das alternâncias de gestão na administração pública. Por estar in-
cluída em alguns grupos virtuais4 dos Pontos de Cultura de Goiás e região Centro-Oeste, pude
acompanhar a elaboração do projeto, a pressão pela aprovação e a consolidação do Cultura Viva
enquanto lei, assim como a repercussão desse processo entre os artistas e produtores culturais.
Observando e conversando com os coordenadores dos Pontos de Cultura (os ponteiros), pude
perceber a existência de campos de forças, que a princípio podem aparentar uma simples di-
cotomia entre estado e sociedade, ou entre poder público e artistas, mas que se revelam como
processos muito mais complexos5.
Em 2014, semanas antes da aprovação da Lei Cultura Viva, assim escreviam os ponteiros
em um dos seus grupo virtuais:
Salve Ponteirada: Socializando informação.... A CARAVANA VAI
PARTIR: A pé, de avião, pela estrada, de barco ou bicicleta, tem gente
de todo o Brasil se mobilizando para estar em Brasília nos dia 01 e 02 de
julho, invadindo o planalto, a esplanada dos ministérios e o congresso
nacional com as cores, tambores, demandas e interesses da cultura brasi-
leira, por um país melhor, mais criativo e diverso. Organize o seu ponto,
seu grupo, sua trupe e venha participar deste assalto poético à capital
4
Os grupos virtuais competem aqui principalmente, ao pcgoias@googlegroups, pontosdeculturadf@google-
groups, entre outros da região centro oeste nos quais estou incluída. Nesses grupos os coordenadores dos Pontos de
Cultura (chamados de ponteiros) organizam suas atividades, compartilham dúvidas de editais e organizam reuniões
com os gestores de cultura. Os ponteiros também participam nas redes sociais como Facebook, Twitter e Whatsapp.
5 .
Durante o mestrado (Nunes, 2012) observei que a maior parte dos ponteiros realizam a captação de recursos,
coordenam as atividades culturais e mediam as relações com os gestores municipais, estaduais e do MinC. No en-
tanto, alguns ponteiros também são gestores (nas secretarias de cultura locais, por exemplo). Ou seja, muitas vezes
um artista pode ser gestor, o que constitui uma das complexidades desse campo de estudo. Assim compreendemos
que oposições do tipo Estado-sociedade, ou poder público- artistas não se aplicam facilmente ao Cultura Viva.
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Juca Ferreira foi ministro entre 2005 e 2009, momento importante (implementação) do Cultura Viva, e retor-
nou ao mesmo cargo recentemente em 2015.
7
Naquele momento, a hipótese de descontinuidade do programa foi reforçada em Junho de 2011, quando ocor-
reu a Marcha dos Pontos de Cultura que contou com a presença de 284 ponteiros que se deslocaram até Brasília
para uma audiência com a Ministra Ana de Hollanda a fim de reivindicarem o fortalecimento do programa e cobrar
o cumprimento dos compromissos assumidos pela gestão anterior. As cobranças não diziam respeito apenas aos
pagamentos de prêmios e editais, mas também ao posicionamento da ministra em relação à Lei Cultura Viva. Na
ocasião foi entregue à Ministra o Manifesto dos Pontos de Cultura, e também foi protocolada uma carta indicando
nomes para compor as comissões de acompanhamento dos editais e dos Pontões de Cultura. O encontro marcou um
diálogo direto entre ponteiros e a Ministra, mas posteriormente observei que as reivindicações dos ponteiros não
foram totalmente acertadas ou resolvidas. Cf: Nunes, 2012.
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e 2009) ressaltam mudanças significativas nas gestões desses dois Ministros, ao ampliarem a
noção de cultura para além da erudita, reforçando a diversidade cultural como elemento estru-
turante dessas políticas.
Percebemos que os antecedentes e o contexto de implementação do Cultura Viva são
simultâneos a diferentes aspectos da política nacional, “desde a mudança na troca de partidos no
executivo federal, até os aspectos simbólicos dos personagens envolvidos na esfera pública da
cultura na época” (Correia, 2013). Ao mesmo tempo, é importante salientar que a reorientação
da noção de cultura e as mudanças ocorridas nos setores administrativos do MinC, não estão
isoladas de outras instâncias internacionais e processos multilaterais. Neste sentido, o Cultura
Viva indicaria mudanças de paradigmas que por sua vez, ocorrem em níveis que vão além da
relação local-nacional. Mas isto não pressupõe uma relação de causa efeito, nem de parte/todo.
Compreendo essas relações multilaterais como aspectos inerentes ao atual contexto e processo
político-cultural. Em nível internacional e multilateral, observamos um consenso em termos de
políticas que contemplem e promovam a diversidade cultural. Em nível nacional temos a formu-
lação de uma política em consonância com esses princípios8.
O Cultura Viva pode ser analisado sob várias abordagens e estratégias de pesquisa. Du-
rante o mestrado (Nunes, 2012) realizei uma etnografia com os artistas envolvidos na execução
do Cultura Viva, abordando o modo de organização (virtual, inclusive) dos ponteiros convenia-
dos. Para o doutorado estou interessada em compreender como a noção de “cultura” é engen-
drada na atual agenda política do MinC. Se o programa Cultura Viva indica uma reorientação
da ideia de cultura brasileira e uma reformulação no modo de se fazer política pública cultural,
a noção de diversidade cultural parece estar no centro dessas mudanças.
8
Importante lembrar que a diversidade cultural é reforçada como projeto político a partir de dois marcos inter-
nacionais: a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (2001) e a Convenção sobre a Proteção e Promoção
da Diversidade das Expressões Culturais (2005) – ambos documentos elaborados pela UNESCO. A Declaração
Universal sobre Diversidade Cultural (2001) constitui o primeiro instrumento internacional que centraliza questões
referentes à diversidade cultural. Este documento, no qual o Brasil é um dos países signatários, também apontou para
o reconhecimento das comunidades tradicionais e sugeriu o desenvolvimento de políticas ligadas a cultura imaterial..
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Em meio a esse contexto, em 1936, Mário de Andrade foi solicitado para a criação de uma instituição nacional
de serviço ao patrimônio histórico. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) foi inaugu-
rado em 1937 e indicava a preocupação do Estado com a “memória nacional” - muito embora esta “memória” se
concentrasse em uma “história oficial da nação”, ou ou na história dos vencedores (Benjamin, 1987). A noção de
cultura brasileira durante este período era marcada pela perspectiva da “mestiçagem das três raças”, de uma “cultu-
ra do consenso em torno dos valores da elite brasileira” (Barbalho, 2007). A obra Casa Grande e Senzala, publicada
1933, de Gilberto Freyre, também pode ser observada através do seu discurso positivo sobre a mestiçagem. Nas
palavras de Barbalho (2007) este tipo de enfoque nos remete a uma “diversidade harmoniosa”, como se o encontro
das três raças fosse um processo sem conflitos. Para mais detalhes conferir Nunes, 2012, capítulo II: breve histórico
das políticas públicas culturais.
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Esse momento também é marcado pela figura do ministro Gilberto Gil; um artista negro, tropicalista e ativista,
que carregava a expectativa de ser capaz de simbolizar a mudança pela qual a pasta deveria passar, como “uma
expressão metonímica do próprio governo Lula” (Dias: 123, 2014).
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etnografia com os gestores de cultura que implementam o programa são essenciais para dar cabo
das questões que estamos levantando.
A diversidade cultural é considerada aqui o termo chave para a pesquisa, mas não po-
demos ignorar o tema da cidadania e direitos culturais na construção do Cultura Viva. Cabe
lembrar que a cidadania não só nomeia o programa mas também está alinhada com a noção de
diversidade cultural. Segundo o Ministério da Cultura (MinC, 2014), o Cultura Viva assume que
o estado deve financiar a produção de conteúdos culturais, reconhecer e proteger culturas orais
e o patrimônio cultural imaterial, bem como o fomento à utilização de novas tecnologias como
base para a produção de conteúdos e expressão da diversidade cultural brasileira (MinC, 2014).
Ainda de acordo com o Ministério da Cultura, a lei Cultura Viva teria como principal objetivo a
ampliação do acesso da população brasileira aos seus direitos culturais11, mediante o fortaleci-
mento das ações de grupos culturais já atuantes na comunidade12.
Além dos gestores e artistas contemplados pelo Cultura Viva, outros atores não podem
ser ignorados na construção, consolidação e implementação do Cultura Viva. Me refiro primei-
ramente, aos ideólogos do programa, que nem sempre são gestores ou artistas. E às vezes, são os
dois. Fazem parte de um contexto específico, mas importante na dinâmica do programa. Atuam
direta e indiretamente na formulação do Cultura Viva e ocupam uma posição de referência. Ca-
berá à etnografia em curso, questionar em que medida a noção de diversidade cultural já operava
entre esses idealizadores que antecedem o lançamento do programa, quais eram as estratégias e
argumentos para a efetivação do Cultura Viva e como essas negociações se sucederam - ques-
tões que possivelmente nos direcionaria a outras esferas de articulação que vão além dos setores
internos ao MinC.
Dentro dessa esfera de atores fronteiriços com a gestão pública há um outro grupo im-
portante na construção do programa, direta ou diretamente naquilo que se refere a submissão
de projetos aos editais dos Pontos e de outras captações ou incentivos: os produtores culturais,
11
Cabe destacar que os direitos culturais já estão previstos pela Constituição de 1988, justamente no princípio
da cidadania (art. 1º, II), que prevê “pleno exercício de direitos culturais”. Princípio que já operava na agenda in-
ternacional - desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 . A Constituição de 1988 define que a
proteção das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e de outros grupos são objetivos a serem perseguidos.
Mas, conforme apontam Abreu e Barbosa (2011), para além dos dispositivos propriamente constitucionais, vários
pactos internacionais estabelecem direitos culturais, que são tratados, no âmbito interno, como direitos sociais
(Abreu e Barbosa, 2011).
12
A lei Cultura Viva também operaria como a política de base do Sistema Nacional de Cultura (SNC), reafirman-
do a gestão compartilhada do programa Cultura Viva entre a União, estados e município. Junto ao SNC, opera o
Conselho Nacional de Políticas Públicas Culturais (CNPDC) - instância máxima dos espaços participativos asso-
ciado ao Ministério da Cultura. Os colegiados setoriais, por sua vez, compõem o CNPDC e estão expressivamente
compostos por agentes culturais que coordenam os Pontos de Cultura, também conhecidos como ponteiros. Esses
espaços participativos são organizados em grupos e plataformas virtuais protagonizadas por ponteiros e demais
artistas e agentes culturais contemplados pelo programa Cultura Viva. Nesses espaços virtuais os artistas comparti-
lham dúvidas, organizam atividades e constroem cartas e manifestos para os gestores do MinC. Este espaço virtual
também será explorado na etnografia desta pesquisa.
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que também são peças chaves para a tradução da linguagem dos editais para os artistas contem-
plados pelo Cultura Viva. Essa mediação foi observada durante a pesquisa de mestrado (Nunes,
2012) onde percebi que alguns artistas - como o Seu João, exímio luthier e tocador de violas
de Taguatinga que era analfabeto e não tinha CNPJ e que portanto não possuía o conhecimento
técnico necessário para construir um projeto, participar do edital dos Pontos de Cultura, fazer
as prestações de contas etc. Ao que pude observar, quando o artista não faz a mediação direta
com o Cultura Viva, quem faz é o produtor cultural, que algumas vezes opera como um mero
captador de recursos e um tradutor da linguagem técnica dos editais.
Contudo, também ocorre dos ponteiros serem produtores, artistas e administradores si-
multaneamente. Há artistas que são administradores, produtores e mesmo gestores de secretarias
municipais e estaduais. Muitas vezes os produtores podem fazer a mediação entre artistas e
coletivos, enfim são inúmeras as possibilidades. Nessas relações também há outras modalidades
de organização como as ONGs, os coletivos, organizações e organismos multilaterais, OEA,
UNESCO, Banco Mundial e BNDS - que se articulam junto ao programa Cultura Viva.
Quando proponho um trabalho sobre a elaboração e implementação do programa Cultura
Viva estou lidando com múltiplas transversalidades que vão desde os interlocutores e demais
mediadores envolvidos, como as próprias categorias, conceitos e metáforas que são acionadas
por esses atores, em seus diversos segmentos. Se a elaboração do Cultura Viva implicaria em
entrevistas com os ideólogos do programa, a implementação e a execução do programa poderia
ser observada através da etnografia com os gestores de cultura que, junto aos contemplados do
programa- constroem o Cultura Viva. Portanto, quando tratamos especialmente da implemen-
tação do programa, estamos dialogando diretamente com aqueles que efetivam e coordenam
(institucionalmente ou administrativamente) o Cultura Viva enquanto programa nacional, ou
seja, atuam nos espaços onde se efetivam as políticas públicas culturais. Esses agentes são o que
aqui chamo de gestores de cultura.
A pesquisa de doutorado propõe uma etnografia nos setores internos do MinC (espe-
cialmente a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural/SCDC, a Secretaria de Políticas
Culturais/SPC e a Secretaria de Assuntos Intitucionais/SAI), junto à análise de documentos que
marcam a diversidade cultural como eixo do Cultura Viva, análise dos discursos dos gestores
que competem ao programa; e também, a observação e participação nos ambientes virtuais e nos
eventos co-presenciais entre gestores, público e artistas (as chamadas Teias).
Ao realizar uma etnografia com os gestores do MinC, estamos em um terreno institucio-
nal, e que a produção de políticas públicas culturais se faz com o estado. No entanto, proponho
trabalhar com essa categoria através de seus efeitos. O efeitos de estado por sua vez, podem ser
percebidos nas intencionalidades presentes em documentos, discursos, e até no próprio ato de
fala do gestor. Os efeitos de estado podem ser aqui compreendidos como as transversalidades
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das práticas de governo que implicam na formulação e implementação do Cultura Viva, mas que
por sua vez, mais uma vez, extrapolam os espaços institucionais. As relações entre cultura e po-
lítica, portanto, indicam ser muito mais complexas do que uma mera formalidade institucional.
Se a pesquisa se concentra no tema de políticas culturais, percebemos no decorrer da etnografia
que há uma cultura da política que engendra o saber fazer política cultural; numa outra ponta dos
Pontos vamos observando as transversalidades do Programa Cultura Viva.
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1. INTRODUÇÃO
Visto que é um direito do cidadão brasileiro participar e conquistar seu espaço politica-
mente, as instâncias dos conselhos municipais trazem à tona esse solo fértil quando de fato é
orgânico e promovido por suas bases.
Isto será explicitado pelo presente artigo, em que após uma explanação sobre o que os
autores que tratam dos temas conselhos gestores e democracia participativa teorizam e pro-
blematizam, pela metodologia de estudo de caso, uma ex-conselheira contará o histórico da
formação do Conselho de Política Cultural de Volta Redonda e de forma breve alguns trabalhos
realizados pelo conselho durante o mandato de 2015 em que participou. Depois haverá a seção
de análise e discussão em que após o relato ter sido feito, se verificará pela lente da teoria con-
vergências, contradições e problematizações.
1
Graduada em Administração Pública pela UFF (Universidade Federal Fluminense); barbara_infomusic@yahoo.
com.br.
2
Mestrando em Administração pela UFF (Universidade Federal Fluminense); marcos_delgado43@hotmail.com
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áreas específicas” (TATAGIBA, 2004, p.348). Percebe-se que a ideia da concepção dos conse-
lhos gestores como o elo das relações entre a sociedade e o Estado compartilha dos conceitos
defendidos por Habermas em sua obra Mudança Estrutural da Esfera Pública onde busca des-
crever um espaço diferenciado de interação com o Estado, no qual os indivíduos pudessem dis-
cutir acerca de questões relacionadas ao bem coletivo e possibilitar presença política nas ações
governamentais, assim como é descrito por Avritzer (2000, p. 31)
Nesse espaço os indivíduos interagem uns com os outros, debatem o
conteúdo moral das diferentes relações existentes ao nível da sociedade
e apresentam demandas em relação ao Estado (...). Os indivíduos no
interior de uma esfera pública democrática discutem e deliberam sobre
questões políticas, adotam estratégias para tornar a autoridade política
sensível às suas discussões e deliberações. (...) a ideia aqui presente é de
que o uso público da razão estabelece uma relação entre participação e
argumentação pública.
Assim sendo, os conselhos gestores ainda assumem o papel como instâncias de controles
dos negócios estatais por meio da participação políticas dos cidadãos, capazes de estabelecer
mecanismos de “formulação de diretrizes, prioridades e programas sociais, e formas de acom-
panhamento e controle da gestão”, implicando a transparência do poder público quanto ao mo-
nitoramento e avaliação das políticas públicas (SANTOS, 2002, p. 104).
Nesta lógica, Gohn (2011, p. 7) reforça que os conselhos gestores podem ser entendidos
como “canais de participação que articulam representantes da população e membros do poder
público estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos”. Possibilitam a eficiên-
cia na alocação justa dos recursos públicos, uma vez que, por meio de canais públicos e plurais,
permitem a integração e participação nos processos de planejamento, formulação e controle das
ações do governo (DIEGUES, 2013). Em linhas gerais, Gohn (2002, p. 21) conclui a respeitos
dos conselhos, esclarecendo que eles
podem fazer política publicizando os conflitos; como interlocutores
públicos poderão realizar diagnósticos, construir proposições, fazer de-
núncias de questões que corrompem o sentido e o significado do caráter
público das políticas, fundamentar ou reestruturar argumentos segundo
uma perspectiva democrática: em suma, eles podem contribuir para a
ressignificação da política de forma inovadora.
Neste sentido, Tatagiba (2012, p. 82) declara que “podemos compreender os conselhos
como instâncias pelas quais passam os variados e muitas vezes conflitantes fluxos de deliberação
e de regulação que emanam de pontos distintos do aparelho do Estado e que incidem na sua área
de política correspondente”. Dada a definição, a autora ressalta sobre a legitimidade da existência
dos conselhos no interior das ações do Estado, sendo este o principal desafio institucional en-
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frentado, uma vez que há a relação de conflito entre a consideração das exigências previamente
discutidas por meio das instâncias de participação e a concretização das políticas públicas.
A autora ainda propõe uma discussão a respeito do caráter híbrido dos conselhos gesto-
res que revelam a justaposição de competências entre os atores que os compõe. O fato de que
estes sejam os mesmos que deliberam, responsáveis pelo controle e, muitas vezes, pela imple-
mentação da política, favorecem o potencial de democratização das decisões públicas, no entan-
to ainda carregam os riscos de que as mesmas possam apresentar maior nível de atendimento a
interesses particulares. Desta forma, Teixeira (2000) discute acerca da efetividade dos conselhos
para os negócios públicos, afirmando como condição sine qua non para a eficácia política em
prol do bem coletivo. O autor destaca três aspectos principais que buscam elucidar essa pre-
missa. Ele destaca que “para o conselho ter efetividade é preciso paridade, representatividade e
pressão social para que a deliberação se concretize”.
Para a condição de paridade, Teixeira (2000) ressalta que o número de conselheiros
eleitos não necessariamente revela nível significativo de igualdade na dinâmica das discussões
no interior dos conselhos e ainda sim, o acesso a informação, disponibilidade e formação destes
atores sociais mostram-se como elementos fundamentais que fortalecem o princípio de pari-
dade. Assim, “temos uma paridade legal onde percebemos, de fato, uma total assimetria entre
os representantes do governo, de um lado, com tempo disponível, assessoria, equipamentos e
informações, e os representantes da sociedade, de outro lado, sem nenhuma destas condições ”.
(TEIXEIRA, 2000, p. 93)
No que se trata da representatividade, o autor coloca que algumas entidades que fazem
parte dos conselhos nem sempre desempenham papel de representar o interesse coletivo, uma
vez que se fundam em posições ideológicas que dificultam este processo e não garantem a efe-
tividade do conselho. Nesta perspectiva, Fuks e Perssinotto (2006) discutem sobre as relações
entre os recursos, decisão e poder na dinâmica do papel dos conselhos como instrumento polí-
tica argumentando que não basta apenas que tais instituições participativas existam para que a
ampliação da participação aconteça. Fatores como constrangimentos socioeconômicos, de na-
tureza simbólica e política podem representar poderosos obstáculos ao caráter de participação e
ainda destacar a desigualdade política entre os atores envolvidos.
Teixeira (2000) ainda entende que a mobilização social deve ser considerada no âmbito
das deliberações nos conselhos como forma de efetivar as decisões coletivas diante do poder pú-
blico dominante. Ele afirma que as decisões públicas podem ser incompatíveis com os interes-
ses da massa dominante da população, o que faz com que a pressão de movimentos populares,
por exemplo, influencie no caráter democrático das deliberações. Assim como, segundo Gohn
(2002), os conselhos gestores “são frutos de demandas populares e de pressões da sociedade
civil pela redemocratização do país”, de acordo com Teixeira esta mesma lógica de participação
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se atribui ainda ao caráter decisivo das políticas públicas, isto é, no contexto de amadurecimento
destes órgãos perante o arcabouço jurídico constituído de amparo legal às decisões.
Destaca-se ainda acerca da origem dos conselhos como condição de maior possibilida-
de de efetividade de suas ações dentro do contexto da democracia participativa, colocando em
prática a discussão sobre aqueles constituídos de forma a oportunizar o repasse de recursos, tor-
nando-os apenas consultivos e sem poder de deliberação (GOHN, 2002). Neste sentido, Teixeira
(2000) revela que a efetividade dos conselhos pode ser percebida uma vez que eles ganhem res-
peitabilidade e sejam reconhecidos pela sociedade como órgãos de legítima representatividade
dos interesses públicos e quando não são vistos pelo poder público como órgão da sociedade
civil desempenhando apenas a função de referendar as iniciativas governamentais e cumprir mí-
nimas exigências legais visando o repasse de recursos federais. Tal como esclarece Gohn (2002)
Nos municípios sem tradição organizativa-associativa, os conselhos têm
sido apenas uma realidade jurídico-formal, e muitas vezes um instru-
mento a mais nas mãos dos prefeitos e das elites, falando em nome da
comunidade, como seus representantes oficiais, não atendendo minima-
mente aos objetivos de mecanismos de controle e fiscalização dos negó-
cios públicos.
Teixeira (2000) salienta que a eficácia está relacionada diretamente com a forma de
como eles foram constituídos, isto é, se o processo que originou é fruto dos anseios da sociedade
tendem a ter maior grau de institucionalização, sucesso e participação nas políticas públicas de
nível municipal, assim como afirma Noronha (2000).
Cabe citar que a efetividade e eficácia dos conselhos está diretamente relacionada com
o papel controlador das atividades do Estado, da forma como aponta Diegues (2013). O autor
revela que o controle democrático dos negócios públicos está relacionado a três questões fun-
damentais que viabilizam tal processo, como o amparo jurídico para as deliberações dos con-
selhos, a definição clara de uma autonomia decisória e a legitimidade destes órgãos perante a
sociedade. Pois,
O papel do conselho não se restringe à fiscalização ou ao mero acom-
panhamento das atividades do poder público, referendando decisões já
tomadas, mas envolve uma avaliação dos seus atos e decisões em com-
paração com parâmetros estabelecidos (TEIXEIRA, 2000, p. 108).
Assume-se, portanto que os conselhos gestores, como uma nova relação da sociedade
com o Estado “constituem uma das principais experiências de democracia participativa no Brasil
contemporâneo” (TATAGIBA, 2004, p. 209). Todavia, cabe citar a consideração da autora a res-
peito da limitação e conflito dos conselhos na deliberação acerca dos critérios públicos justos de
distribuição de recursos para políticas dadas como prioritárias quando é envolvido o sistema de
repasse de emendas parlamentares. Tal dispositivo institucional favorece uma política clientelis-
ta capaz de constranger a competência deliberativa dos conselhos e impactar negativamente no
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seu papel dentro do cenário político. Ainda em relação às limitações que estes órgãos possuem
diante do sistema político vigente, destacam-se os canais de comunicação entre a sociedade, os
conselhos e as atividades do Estado, a cultura participativa, a representatividade destes órgãos e
a perspectiva do poder público quanto ao seu caráter democrático (CARVALHO & TEIXEIRA,
2000, GOHN, 2002). Sobre os conselhos de gestão pública, na visão de Teixeira (2000, p. 118),
O desafio que se apresenta para a sociedade civil é o de torná-los efetivos, ampliando
seu impacto não sobre a gestão, mas na elaboração de novas políticas públicas. Para os diversos
níveis do Estado, o desafio é garantir recursos para o funcionamento autônomo destas instâncias
e para a implantação das políticas nelas formuladas.
Por fim, Gohn (2002) abre o debate da democracia participativa viabilizada pelos con-
selhos quanto às políticas urbanas, por exemplo, ressaltando a importância dos movimentos
populares para a formação destes órgãos e os respectivos impactos do mesmo na criação de um
arcabouço jurídico de instrumentos capazes de estabelecer a aproximação entre a sociedade e as
decisões públicas no contexto urbano.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A metodologia de pesquisa seguiu a linha qualitativa por um estudo de caso. Segundo
Yin (2001), é adequado quando a questão de pesquisa visa desvendar o “como” ou o “por que”,
quando não há controle sobre eventos comportamentais por parte do pesquisador ou quando são
focalizados acontecimentos contemporâneos.
Portanto, o estudo de caso é válido para a compreensão da relação entre entendimento
e conhecimento sobre o viés histórico da constituição e consolidação do CMPC VR- Conselho
Municipal de Política Cultural de Volta Redonda.
Para o estudo de caso, foram coletadas informações e entrevista por uma conselheira do
primeiro mandato do CMPC VR ocorrido em 2015, além de ter sido feita uma revisão de litera-
tura. A entrevista direcionada ao sujeito-chave do caso foi gravada e transcrita.
A entrevista foi semiestruturada, uma vez que o roteiro foi composto por poucas pergun-
tas abertas, em que foi priorizado certa liberdade para a fala da ex-conselheira.
O material coletado foi analisado por meio de elementos da análise do discurso que,
segundo Maingueneau (2000, p.13), é a “disciplina que, em vez de proceder a uma análise
linguística do texto em si ou a uma análise sociológica ou psicológica de seu ‘contexto’, visa a
articular sua enunciação sobre um certo lugar social.
No decorrer da exposição do relato, foi utilizada a reprodução de trechos originais das
falas da artista e ex-conselheira entrevistada, buscando efetivar maior transparência aos proces-
sos interpretativos realizados. As interpretações que se seguem a partir das análises fazem parte
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dos sentidos construídos através do diálogo com os autores, os quais foram refratados por suas
subjetividades e visões de mundo (BAKHTIN, 1992).
Segue o nome da entrevistada, tendo ela autorizado sua respectiva identificação por
nome e segmento em que atua: Bárbara Cunha (representante em 2015 da cadeira de Movimen-
tos Sociais, especificamente pela Economia Solidária e musicista).
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direito nosso como cidadão decidir a política que a gente quer e colocou a secretaria municipal
como benevolente por “permitir” que a gente participasse, ora.
Depois desse fórum, um grupo de nove artistas ou demais engajados na causa passaram
se reunir às terças-feiras na casa de um dos envolvidos no grupo pra discutirmos o andamento
das questões, nosso papel na organização e sugerirmos ações.
O nome desse grupo era “Artistas em Movimento”, que de fato virou por um tempo um
movimento social. Foram feitas em média sete reuniões na casa de um dos artistas do movi-
mento para se discutir, estudar e elaborar o conselho municipal de cultura que se queria e como
iríamos nos organizar como um todo.
Em uma reunião até estudamos uma apostila do curso de extensão que foi dado pela
Universidade Federal Fluminense chamado “Formação em Política e Cidadania: os conselhos
municipais como referência”, baseado nos estudos de Fernando Tenório. Discutimos o conceito
de Gestão Social, democracia deliberativa e participação. Além das articulações legais, políticas
para a implantação do conselho. Ainda que de forma teórica nestes momentos iniciais.
Houve uma conferência de cultura em 2013 em que se elegeram dois delegados. Apenas
um foi até a conferência nacional.
Por quase um ano o grupo dos “Artistas em Movimento” se desfez e praticamente duas
pessoas que não são artistas, entretanto que participaram da constituição do movimento é que
foram as responsáveis por fazer a interlocução com o poder público para o conselho estar de
acordo com a legislação e entrar em vigor. A briga foi justa e árdua, inclusive para que o con-
selho fosse composto de 60% da sociedade civil e 40% poder público. O que foi conquistado.
No final de 2014 as articulações com a sociedade civil começaram a acontecer para os
possíveis conselheiros serem eleitos. Este também não seria atrelado a nenhuma instituição,
cada conselheiro teria que comprovar representatividade no segmento que se candidatasse, po-
rém não seria condição mínima representar alguma instituição propriamente dita. Foram nove
cadeiras para a sociedade civil e seis para o poder público. Tais quais: Artesanato, Artes Cênicas,
Dança, Artes Visuais, Música, Literatura, Cultura Popular, Movimentos Sociais e Associações
de Bairro. As secretarias envolvidas foram: Cultura, Planejamento, IPPU- Instituto de Pesqui-
sa e Planejamento Urbano, Educação, Desenvolvimento Econômico e Turismo e secretaria de
Ação Comunitária.
O primeiro mandato duraria um ano para a “arrumação da casa” com funcionalidades
como: estruturar o regimento interno, consolidar reuniões, estratégias e ações, dentre outros.
Durante 2015 as reuniões aconteceram às terças-feiras por duas horas. Tivemos a presen-
ça em peso dos conselheiros da sociedade civil, entretanto do poder público essa participação
foi ínfima. Muitas coisas foram realizadas em apenas um ano de gestão como: acompanhamento
com conquistas para os músicos locais de um típico festival de rock da cidade; uma comissão
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de Patrimônio Histórico e Cultural atuante em que uma ida ao INEPAC- Instituto Estadual do
Patrimônio Cultural foi realizada para esclarecimento de dúvidas de como se tomba um bem;
uma audiência pública sobre patrimônio histórico e cultural e negociação com a empresa e de-
mais envolvidos responsáveis pela restauração do cine 9 de abril; encontros setoriais com cada
segmento a parte com convocatória de toda a cidade para compor as propostas o Plano Muni-
cipal de Cultura ocorridos em uma instituição de ensino federal; dois encontros setoriais geral
para agregar todas as pessoas interessadas; um I seminário de Cultura e Educação voltado para
professores, estudantes e artistas, articulado pela comissão Permanente de Educação e Forma-
ção do conselho; a conquista de uma sala própria na biblioteca municipal e revisão e ajustes do
regimento interno.
Cinco comissões foram formadas: Avaliação de projetos, Educação e Formação, Patri-
mônio Histórico e Cultural, Orçamento e Finanças e Legislação e Normas.
Durante a trajetória de um ano de mandato, três conselheiras da sociedade civil saíram.
Duas delas por motivos internos, inclusive. Nesse um ano de gestão também foram enviadas ao
poder público duas notificações para que eles comparecessem às reuniões com vista de ser enca-
minhado ao Ministério Público essa negligência por parte deles, senão não seria possível pensar
em uma política pública, propriamente dita, entretanto em uma reunião foi deliberado que a
secretária de cultura iria dialogar com os outros gestores/técnicos conselheiros pessoalmente,
porque senão, através da fala de um dos técnicos do governo que era conselheiro não haveria
formas de “acordos” para quaisquer coisas que fizéssemos.
Muita coisa foi conquistada em apenas um ano de mandato, mas todos os conselheiros
estavam cientes de que muito mais falta conquistar, como uma conferência para validar o PMC-
Plano Municipal de Cultura e a consolidação do Fundo de Cultura para que os projetos dos
artistas dos vários segmentos comecem a vigorar com verbas como uma proposta de política
pública municipal.
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO
A partir do relato coletado, podemos interpretar o movimento de constituição do CMPC-
-VR como ação estratégica oriunda da sociedade civil e sob uso de mecanismos de mobilização
capazes de ampliar a dimensão participativa nas decisões sobre a política cultural do município.
Desta forma, considerar o uso de redes sociais, bem como a utilização de espaços diversos que
favorecem o diálogo entre os atores sociais configuram o que tem sido discutido acerca da Teo-
ria dos Novos Movimentos Sociais que, além de ter sido o bojo de formação e institucionaliza-
ção dos conselhos de políticas públicas, nos fornece base para discussão do papel da sociedade
civil nos novos arranjos institucionais de participação social. (GOHN, 2002).
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante um ano de mandato, principalmente os conselheiros da sociedade civil mui-
to conquistaram, pois, participação é conquista, como diz DEMO (2009). A periodicidade das
reuniões em ser uma vez na semana criou uma sequência favorável ao andamento das ações,
principalmente com a principal meta, que era mobilizar os cidadãos para elaborarem o Plano
Municipal de Cultura, além do ganho de sede própria, que não era dentro de uma secretaria mu-
nicipal evitando assim cooptações e impedimentos de diversas formas. O aprender a caminhar e
compreender a dinâmica política se deu de forma introdutória em 2015.
Apesar do reconhecimento perante a cidade ainda ser baixo e muitas pessoas não sa-
berem da existência do CMPC VR, todo o processo de formação do conselho com muitos di-
álogos, depois de um enorme grupo de engajados no contexto da cultura ter diminuído, ter se
tornado um movimento social, fez com que se consolidasse no bojo da democracia participativa
como deve ser e por isso é orgânico por si mesmo. Sendo assim, os teóricos nos mostram que
o processo de real liberdade dessa conquista de direito e empoderamento da classe de artistas e
outros cidadãos envolvidos no conselho só tende a crescer e se aperfeiçoar.
Mesmo havendo problemas com a participação da gestão pública nas reuniões, a próxi-
ma meta está em tempo, que é a consolidação do Fundo Municipal de Cultura para que então
comecem os projetos dos artistas locais acontecerem e serem remunerados, configurando assim
de fato uma política pública efetiva, eficiente e eficaz.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1992.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
CARVALHO, M. C. A. A.; TEIXEIRA, A. C. C. (Orgs.). Conselhos gestores de políticas públicas. São
Paulo: Pólis, 2000.
CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: Enfoques
epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes, 2008.
DEMO, Pedro. Participação é conquista. São Paulo: Cortez editora, 2009.
DIEGUES, G. C. O controle social e participação nas políticas públicas: o caso dos conselhos gestores
municipais. Revista NAU Social - v.4, n.6, p. 82-93 Maio/Out 2013.
FARIA, A. A. M. Interdiscurso e intradiscurso: da teoria à metodologia. In: MENDES, E. A. de M.;
OLIVEIRA, P. M.; BENN-IBLER, V. (Orgs) O novo milênio: interfaces linguísticas e literárias. Belo
Horizonte: FALE/UFMG, 2001. p. 31-37.
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RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões referentes ao
entendimento dos pesquisadores sobre a definição da gestão cultural. Analisa-se se há diálogo
com a política cultural, partindo do exame da possível especificidade da gestão cultural.Com
o propósito de proceder a uma análise crítica da produção acadêmica sobre o tema, realizou-se
uma reflexão teórico-conceitual baseada na literatura disponível sobre o tema.
1. INTRODUÇÃO
A produção acadêmica sobre gestão cultural, no Brasil, ainda é relativamente escassa e
deficiente quanto à sua construção científica. Para pesquisar a diversidade conceitual, sua com-
plexidade, ambiguidades e contradições, utilizaram-se como principais fontes as bibliografias
encontradas na literatura nacional e internacional pertinente, em periódicos científicos e anais
de eventos.
Realizou-se uma crítica da diversidade conceitual e de sua correspondente complexidade
na produção acadêmica sobre gestão cultural, tal como tratada pelos pesquisadores brasileiros.
O que existe nesta produção acadêmica limita-se, em última análise, a discutir uma série de
assuntos que não constituem o objeto mesmo da gestão cultural. Os conceitos variam de ampli-
tude, de definições restritas até às mais extremamente amplas.
A Gestão Cultural, no sentido mais amplo, refere-se à especificidade de um campo. Mui-
tos nomes foram dados à noção de Gestão Cultural, tais como, promoção cultural, gerência da
cultura, mediação cultural, administração cultural, gestão das artes e da cultura. Gestão cultural
abrange, assim, todos os conhecimentos e práticas de gestão nas áreas de artes e cultura.
Da mesma forma, várias são as definições que, ao longo do tempo, têm sido dadas à Ges-
tão Cultural. No entendimento da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,
1
Administradora, Especialista em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Mestre em Admi-
nistração pelo Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal Fluminense (UFF) e-mail:
ramosbarbara07@gmail.com
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a Ciência e a Cultura), a Gestão Cultural é apresentada de forma genérica como uma estratégia
de discernimento de bens no campo cultural brasileiro e mundial. Cabe aos mediadores e ges-
tores culturais, agentes inseridos neste campo, trabalharem este poder simbólico, do que podem
resultar ganhos econômicos e sociais em bases democráticas.
Uma aproximação necessária ao objeto aqui estudado consiste no entendimento do ter-
mo Gestão Cultural. Ele ganhou vigência em diversos países, a exemplo dos ibero-americanos,
justamente pelo ângulo de análise que aqui se adota. Por isto realizou-se um esforço de análise
interpretativa do que os pesquisadores brasileiros entendem ser Gestão Cultural.
Tal expressão surge com as transformações contemporâneas associadas às novas dimen-
sões atribuídas ao campo da Cultura. Seu uso para identificar uma categoria profissional começa
a adquirir maior relevância nos países ibero-americanos somente a partir de meados da década
de 1980. Os autores Zubíria, Trujillo e Tabares (2001) apresentam, pelo menos, três diferentes e
significativas teses para a compreensão desse universo, no qual já expressam a tensão existente
em torno desse tema, contribuindo para delinear o campo ainda conflituoso da gestão cultural.
A primeira tese não apresenta grandes discussões em torno da gestão cultural, pois a
considera apenas uma nova nomenclatura diante das denominações anteriores para esse campo
de trabalho, de modo que não provoca alterações substanciais para o campo. A segunda tese con-
sidera pertinente a permanência das denominações anteriores, mas, ao associar a ideia de gestão
e cultura, corre-se o risco de permitir uma ingerência excessiva do econômico e do mercado
na dimensão cultural. A terceira tese, contrária à anterior, defende que a terminologia gestão
cultural está mais próxima das transformações ocorridas nos últimos anos e, portanto, é a deno-
minação que mais reflete a realidade atual do campo cultural. Tais concepções expressam certa
tensão em torno do tema, mas, ao mesmo tempo, contribuem para delinear o campo profissional
da Gestão Cultural.
A partir do trecho acima, deve-se precisar a noção de gestão cultural, que, nas palavras
de Andrés (2002):
Es un conjunto de herramientas y metodologías empleadas en el diseño,
producción, administración y evaluación de proyectos, equipamientos,
programas o cualquier otro tipo de intervención que dentro del ámbito
de la cultura creativa se realiza [...] con la finalidad de crear públicos,
generar riqueza cultural o potenciar su desarrollo cultural en general
(ANDRÉS, 2002, p. 8).
Já nas palavras do autor Jorge Bernandez López (2003), Gestão Cultural: “Es la admi-
nistración de los recursos de una organización cultural, con el objetivo de ofrecer un producto
o servicio que llegue al mayor número de público o consumidores, procurándoles la máxima
satisfacción. ” (LÓPEZ, 2003, p. 3).
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Assim, é preciso compreender que o trabalho em gestão cultural, embora discutido, ain-
da está em processo de adequação e de utilização de metodologias próprias para que possa haver
sustentabilidade e viabilidade econômica da área cultural, o que não significa, de forma alguma,
que se deva submetê-lo, como manifestação artística, às regras e lógicas de mercado.
A expressão Gestão Cultural também entra nos discursos sobre Cultura na América La-
tina, na segunda metade da década de 1980, tanto em instituições governamentais como em
grupos culturais das comunidades.
Busca-se analisar a gestão cultural e apresentar novas perspectivas para seu entendi-
mento que possibilitem compreender as lógicas que determinam as bases teóricas dos processos
de gestão no âmbito da cultura. Discutem-se os conceitos apresentados por estudiosos da área,
tendo em vista identificar e examinar as dimensões de tais conceitos, a fim de esboçar uma defi-
nição que dê conta de suas especificidades.
Para tanto, o trabalho está dividido em cinco seções, além desta introdução e das consi-
derações finais. a primeira trata do conceito de cultura e sua definição operacional; a segunda
traça um paralelo entre os conceitos de administração, gerência e gestão; a terceira trata das
noções pertinentes ao conceito de gestão cultural; a quarta apresenta as terminologias utilizadas;
e por último, são feitas algumas distinções conceituais entre a Gestão Cultural e os termos Pro-
dução Cultural, Política Cultural e Ação Cultural.
2. CULTURA
Procura-se, em primeiro lugar, conceituar cultura e estabelecer uma definição operacio-
nal, vale dizer, uma definição que dê conta das diversas formas de intervenção dos gestores no
fazer cultural, isto é, a produção, distribuição e consumo de bens culturais.
A cultura permeia todas as ações da sociedade e, por consequência, todos os programas
de governo. Cultura é comportamento; manifesta-se nas mínimas relações do cotidiano; é postu-
ra frente ao mundo. Exemplificando: a organização de um povo para a realização de atividades
de interesse coletivo, como a criação de cooperativas, é cultura; a conformidade ou inconfor-
midade em enfrentar filas, sujeira nas ruas, maus cheiros, também podem ser manifestações de
cultura; assim como o são todas as formas de resistência, o modo de encarar as adversidades, as
lutas, individuais ou coletivas, tudo isto são fenômenos de natureza cultural.
A literatura de antropologia, sociologia e ciências humanas em geral oferece centenas
de definições de cultura. Não cabe aqui recuperá-las, nem mesmo fazer a sua crítica. Para os
fins deste artigo, é conveniente adotar uma definição bastante ampla que contemple a perspec-
tiva antropológica.
Nas palavras de Lustosa da Costa (2006):
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nar exaustivamente os conceitos de gestão, mas indicar aquilo que se considera essencial para
estabelecer nexos com a produção cultural. Pretende-se ainda apresentar, analisar e discutir as
principais definições de gestão cultural, adotadas por estudiosos identificados com a área.
Antes de proceder a uma definição de gestão cultural, estabelecendo seu escopo, caracte-
rísticas e especificidades, é imprescindível analisar e discutir os próprios conceitos de adminis-
tração, gerência e gestão. Antes de mais nada, cabe verificar se há alguma distinção entre estes
termos. Apesar de a literatura referente ao tema ser vasta e crescente, existe muita discordância
em relação ao que eles são e como ocorrem.
O tema é aqui discutido buscando esclarecer alguns conceitos, tendo em vista a multipli-
cidade de enfoques, embora, hoje em dia, muitos autores estabeleçam distinções pouco funda-
mentadas. Como cada autor tem sua própria definição, para evitar envolvimento em discussões fi-
losóficas, pretende-se fornecer definições simples e práticas para o entendimento dos três termos.
O termo Administração trata dos problemas típicos das empresas ou organizações, como
os recursos financeiros, recursos patrimoniais e recursos (ou talentos) humanos. Ela cria um
ambiente favorável para realização dos objetivos. O termo Gerenciamento trata de níveis espe-
cíficos da organização, como departamentos ou divisões ou projetos. O termo Gestão trata de
níveis especializados, tanto no que diz respeito à administração, quanto ao gerenciamento.
Para Motta (1991), a gerência é a arte de pensar, de decidir e de agir; a arte de fazer acon-
tecer, de obter resultados. O aprendizado gerencial é o processo pelo qual o indivíduo adquire
novos conhecimentos, atitudes e valores e fortalece sua capacidade de análise de problemas,
envolvendo quatro dimensões básicas:
[...] (1) a cognitiva, habilidade de compreender o particular por meio do
conhecimento do geral; (2)a analítica, habilidade de saber a utilidade e
a potencialidade das técnicas administrativas e adquirir mais realismo,
profundidade e criatividade na solução de problemas; (3) a comporta-
mental, habilidade de adquirir novas maneiras de interação humana,
dentre padrões alternativos conhecidos e validados socialmente e; (4) a
de ação, denota a capacidade de interferir intencionalmente no sistema
organizacional. (MOTTA, 1991, p. 151).
4. GESTÃO CULTURAL
Abordou-se a diversidade de olhares, a respeito da gestão cultural, a fim de apresentar
as suas convergências e divergências. Acerca do conceito de gestão cultural, apresenta-se um
breve mapeamento de caráter epistemológico e se elencam algumas sugestões para interpretação
e usos do conceito. Desse modo, colocaram-se alguns desafios para dar início às reflexões.
O tema da Gestão Cultural tem sido estudado, nos últimos dez anos, por pesquisadores
de origens diversas, identificados com a “Cultura” ou com os “Estudos Culturais”, com contri-
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buições pontuais sobre o que acreditam ser a “Gestão Cultural”. Nesse sentido, a literatura sobre
“Gestão Cultural” contempla temas os mais diversos: Política Cultural, Produção Cultural, Ação
Cultural, Direitos Culturais e até Diversidade e Multiculturalismo. Mas a maioria dos autores
diz muito pouco, especificamente, sobre Gestão Cultural, ainda que se aceite uma definição
ampla do termo.
A Gestão cultural, apesar de ser um termo recente, é associada a múltiplos significados e
nomenclaturas: promoção cultural, gestão de cultura, mediação cultural, administração cultural,
gestão da cultura, gestão das artes ou gestão da cultura.
Vista dessa perspectiva, a Gestão Cultural incorpora uma amplitude conceitual extensa,
o que implica no fato de a falta de especificidade ser um dos seus principais impasses teóricos.
Daí ser deficiente quanto à sua construção científica. Os conceitos variam de amplitude: de defi-
nições restritas até às extremamente amplas que, a rigor, extrapolam o objeto da Gestão Cultural.
A este respeito, Rubens Bayardo (2007) observa que “lo que está en el centro del debate
no es la gestión, sino los modos y las conceptualizaciones que la orientan en tanto que fenomeno
cultural. Lo imprescindible y central es lo que se entienda por gestión y cómo se le conciba”.
(BAYARDO, 2007, p. 16).
Decorre do entendimento deste autor que a gestão cultural como uma profissão comporta
várias definições. Em contrapartida, os usos e perspectivas para a sua abordagem estão dados
pelo contexto social e das disciplinas de que emergiu.
Alfons Martinell (2008) reflete que:
[...] a pesar de que la cultura siempre ha reclamado algún tipo de orga-
nización por parte de la comunidad, la gestión cultural, como la enten-
demos hoy en día, es un campo de actuación muy reciente. Podríamos
afirmar que a pesar de su rápido crecimiento en los últimos años aún está
en fase de estructuración y definición. (MARTINELL, 2008, p. 267).
Mas por que falar em gestão cultural? Qual é o contexto que enquadra a aparição desta
nova disciplina? Por que sua expansão?
Para Ochoa (2014), a gestão cultural é implementada como uma ideia que, para muitos
críticos, reduz a cultura a uma comercialização de produtos. Este é um terreno difícil quando:
“una palavra sea utilizada de maneras tan distintas testifica su incoherencia fundamental como
concepto unitario, pero al mismo tiempo, es aquí donde radica su fuerza y su trampa. (OCHOA,
2014, p. 8).
A busca de definição do objeto e do escopo da gestão cultural pode se orientar para uma
nova abordagem da gestão desse universo específico de organizações, projetos e manifestações.
Conforme Lustosa da Costa,
[...] essa definição consiste em discutir concepções particulares da natu-
reza humana, das relações do indivíduo com o seu universo simbólico,
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5. TERMINOLOGIAS UTILIZADAS
Administração Cultural, como um ramo da administração, trata do conhecimento dos ob-
jetivos, prioridades, suas avaliações, alternativas de ação, formulação de planos complementa-
res, organização e execução de ações e consequentemente suas avaliações, seguidas da medição
de resultados operacionais, financeiros, contábeis, legais que darão o suporte a uma boa gestão.
Gerência Cultural, também como um ramo da administração, informa e capacita os trabalhado-
res culturais para resolver problemas. Gestão Cultural, portanto, por um lado, tem um universo
cultural amplo, marcado pelo compartilhamento de redes de significados; por outro, tem a espe-
cificidade de alguns significados, e não deve ser pensada como um fim último.
Colombres (2009) aponta para a administração cultural que foi substituída por gestão
cultural, desde que a primeira foi questionada por vários setores da área cultural, e conclui: “una
primera definición que nos acerca a las posibilidades de la palabra es que si bien ésta está rela-
cionada com la administración, com la obligación de rendir cuentas también implica dar origen,
generar, producir hechos, conducir realizaracciones” (COLOMBRES, 2009, p. 26).
A gestão cultural, designada como um campo de atuação profissional, está vinculada à de-
nominação que mais reflete a realidade das pesquisas atuais. É preciso compreender que o trabalho
em gestão cultural ainda está em processo de adequação e de utilização de metodologias próprias.
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Neste sentido é preciso compreender e identificar, na política cultural brasileira, sua tra-
dição oligárquica, autoritária com que opera com a cultura, a partir de um Estado, com diversas
modalidades de relação com a cultura. A corrente liberal identifica cultura e belas-artes, estas
últimas vistas como privilégio de uma elite escolarizada e consumidora de produtos culturais.
A corrente autoritária se apresenta como produtor oficial de cultura e censor da produção cul-
tural da sociedade civil. A corrente populista manipula uma abstração genericamente denomi-
nada cultura popular, entendida como produção cultural do povo e identificada com o pequeno
artesanato e o folclore, isto é, com a versão popular das belas-artes e da indústria cultural. A
corrente neoliberal, que identifica cultura e evento de massa, consagra todas as manifestações
desenvolvidas pela massmidia, e tende a privatizar as instituições públicas de cultura, deixando-
-as sob a responsabilidade de empresários culturais. (Chauí,1995)
Um aspecto relevante nesta análise é observar a relação dos produtores e agentes cul-
turais (gestores) com os órgãos públicos. Observa-se a influência de natureza clientelista das
corporações artísticas que encaram o Estado sob a perspectiva do grande balcão de subsídios
e patrocínios financeiros. Tem-se que as práticas, valores, ideias e comportamentos colaboram
para ampliar a visão de todos os envolvidos na atuação de sujeitos culturais.
Teixeira Coelho (1997) completa essa definição afirmando que as iniciativas dos agentes
visam “promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a preservação e divulgação do
patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas responsável”; considera,
ainda, política cultural como uma “ciência da organização das estruturas culturais” que tem
como objetivo “o estudo dos diferentes modos de proposição e agenciamento dessas iniciativas,
bem como a compreensão de suas significações nos diferentes contextos sociais em que se apre-
sentam”. (TEIXEIRA COELHO,1997, p. 292)
Para Canclini (2001), as políticas culturais resumem-se a um “conjunto de atividades
realizadas pelo Estado, instituições civis e grupos comunitários organizados a fim de orientar o
desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso
para um tipo de ordem ou de transformação social”. (CANCLINI,2001, p. 65).
Yúdice (2002) reforça o caráter administrativo e burocrático de uma política cultural:
La política cultural se refiere a los soportes institucionales que canalizan
tanto la criatividad estética como los estilos colectivos de vida: é um
puente entre los dos registros. La política cultural se encarna en guías
para la acción sistemáticas e regulatorias que adoptan las instituiciones
a fin de alcanzar sus metas. Em suma, es más burocrática que criativa u
orgânica (YÚDICE, 2002, p. 11)
As discussões suscitadas pelo conceito de políticas culturais estão focadas no campo de
atuação dessas políticas e nos agentes envolvidos em sua formulação e prática. Isaura Botelho
(2008) reconhece duas dimensões da cultura que deveriam ser consideradas alvo das políti-
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cas culturais. A dimensão sociológica, distintamente privilegiada por tais políticas, refere-se ao
mercado, à cultura “elaborada com a intenção explícita de construir determinados sentidos e de
alcançar algum tipo de público, através de meios específicos de expressão”. (BOTELHO, 2008,
p. 47). Já a dimensão antropológica remete à cultura produzida no cotidiano, representada pelos
pequenos mundos construídos pelos indivíduos, que lhes garante equilíbrio e estabilidade no
convívio social. Esta última perspectiva apresenta-se como o grande desafio para o alcance dos
gestores da cultura. Por sua vez, o reconhecimento do caráter público de uma política cultural se
configura como mais um dilema na definição deste termo.
6.1.2. Gestão Cultural e Ação Cultural
A ação cultural articula os processos de mediação entre as práticas culturais e os diversos
públicos com os quais elas se relacionam. É a partir desse conceito que se tem o entendimento da
gestão cultural e de suas ferramentas que podem potencializar os resultados de ações e projetos,
e auxiliar na construção de condições de sustentabilidade a longo prazo.
De acordo com Teixeira Coelho (2008), “a noção contemporânea de ação cultural é
condizente com a visão mais ampla da cultura como ação: o objetivo da ação cultural (a meta
de toda política cultural) é a criação das condições para que as pessoas inventem seus próprios
fins”. (TEIXEIRA COELHO,2008, P.22).
Alkmin (2007) apresenta uma detida reflexão para ação ou animação cultural: “esta ação
cultural estaria vinculada aos valores da diminuição das desigualdades culturais; à abertura de
espaço para novos talentos; à análise das ideologias; experimentação e despertar de novos in-
teresses; à formação de públicos e, por fim, à recuperação de registros históricos”. (ALKMIN,
2007, p. 5). Como contribuição dessa reflexão, Wanderley (2011) apresentou uma possível de-
finição para o termo ação cultural no qual, de maneira confluente, esta “fica reconhecida como
uma intervenção que é ao mesmo tempo técnica, política, social e econômica, promovida pelos
órgãos públicos, privados e do terceiro setor. ” (WANDERLEY,2011, P.9). Para Villhena (2009):
A ação cultural concebe programas, projetos e atividades relativos ao
aprendizado de técnicas artesanais, artísticas e científicas; à difusão de
obras simbólicas; à formação de grupos sociais, em defesa de direitos ci-
vis ou de cidadania; à educação popular de tratamento informal; ao apren-
dizado de habilidades corporais e desportivas. (VILHENA, 2009, P.4)
Conforme Castro (2010), “a ação cultural está ligada ao turismo social; à conservação e
popularização do patrimônio; à criação ou formação de centros de informação; ao treinamento
de animadores semiprofissionais”. (CASTRO, 2010, P.12). Cabe ainda ressaltar que estes sa-
beres estariam resguardados por um ambiente adequado à prática e à teoria, capaz de transmitir
conteúdos inovadores, alinhado com o meio no qual esta ação é proposta e que, por último,
possibilitasse o desdobramento da experiência vivida.
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dado que a gestão cultural precisa criar referenciais próprios de ação, adaptados às suas
particularidades, o diálogo com a política cultural perpassa por contextos político-institucionais,
como a própria estrutura interna do Ministério da Cultura, o marco legal do país. Assim como a
heterogeneidade dos gestores que condiciona a sua gestão e limita o alcance de seus objetivos.
Há um entendimento extremamente racionalista sobre o conceito de cultura, na prática
da gestão cultural, fato que a submete a elementos de política pública alheios a ela. Esta circuns-
tância passa a gerar conflitos no processo de planejamento das ações culturais. Com as ferra-
mentas que a ciência e a experiência prática já comprovaram, o tema levanta novos paradigmas
conceituais que devem ser levados em conta pelos agentes culturais do presente e do futuro.
A gestão cultural aproxima-se do conceito de política cultural, uma vez que implica em
fazer escolhas. Nesse sentido, é clara a opção do Ministério da Cultura por alguns segmentos
específicos da população, ao privilegiar sobre tudo aquela parcela da sociedade que se encontra
diante de todo tipo de exclusão – social, cultural, econômica.
Uma das características da gestão cultural é a de contar com certa liberdade para ade-
quação às finalidades específicas da cultura. Talvez uma das capacidades mais requeridas aos
gestores seja exatamente a de adaptabilidade às condições do contexto.
Como a literatura sobre gestão cultural no Brasil é ainda incipiente, o conhecimento mais
aplicado do assunto tem um grande percurso à frente. O primeiro desafio importante para a ges-
tão cultural refere-se à sua própria operacionalização. Isto tem despertado grande interesse no
âmbito acadêmico das escolas de gestão. O segundo desafio consiste numa maior preocupação
com a formação de gestores culturais e seu reconhecimento como atividade profissional.
A análise até aqui desenvolvida ajuda a compreender por que as políticas públicas para
o setor cultural estão mudando, principalmente nos países em desenvolvimento. Impõe-se que
sejam considerados os aspectos econômicos, sociais e políticos pertinentes, bem como as con-
tradições socioeconômicas e os conflitos de interesses emergentes em escala internacional.
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A partir disso, há de se tornar claro, também, que este trabalho considera e reconhece
política cultural para além da esfera governamental. Aqui, política cultural – e política pública
de uma maneira geral – é entendida por práticas e ações feitas tanto por setores estatais quanto
não-estatais, ampliando o conceito mais comum e ordinário que se tem atualmente. Sobre isso,
Barbalho diz:
Uma última questão que gostaria de acrescentar nesse nosso percurso
em torno do conceito de política cultural é a possibilidade de que alguns
pesquisadores discordem de se compreender intervenções não-estatais
na cultura como política cultural. Creio que nestes casos há uma visão
estreita do significado de público, entendido como sinônimo de Estado.
Essa igualdade estabelecida entre Estado=público nega a existência da
esfera pública e é particularmente complicada quando se refere à cultura
e à política. (BARBALHO, 2005, p.40)
É necessário lembrar que o Estado não é um agente ou um ator. São relações sociais,
relações de forças, onde se tem disputas e jogos, e onde – apesar de ser, aparentemente, distan-
ciado de nós, algo externo a nós – a sociedade civil está incluída. E, por ser uma relação, pode
haver um uso desigual, principalmente, se pensarmos que os sujeitos acionam as políticas cul-
turais segundo seus instrumentos e meios, ou seja, sujeitos não acionam as políticas culturais de
forma igualitária, pois estão posicionados no mundo de modos diferentes.
O mercado também é um agente não-estatal que deve ser pensado nesse trabalho. Har-
vey (2006), ao definir renda monopolista, diz:
O que espero ter exposto, ao invocar o conceito de renda monopolista
dentro da lógica da acumulação do capital, é que o capital possui meios
de se apropriar e extrair excedentes das diferenças locais, das variações
culturais locais e dos significados estéticos, não obstante a origem. [...] O
problema para o capital é achar os meios de cooptar, subordinar, merca-
dorizar e monetizar tais diferenças apenas o suficiente para ser capaz de
se apropriar das rendas monopolistas disto. (HARVEY, 2006, p. 237, 238)
O papel do mercado é, justamente, cooptar e subordinar o que ele puder e isso se torna
problemático, especialmente, quando as fronteiras entre o Estado e o mercado são desvanecidas
e o papel de um e outro começa a ser confundido, como tem acontecido no caso das parcerias
público-privadas (PPP). Barbalho levanta essa questão:
Interessa observar, no entanto, como o Estado, na sua interface com o
setor privado, se redime da atuação como contraponto, como alternativa,
que é o que se espera de regimes democráticos... [...] De modo que, por
falta de uma política governamental bem definida e delineada, a cultura
vem se tornando cada vez mais dependente do mercado e de sua “mão
invisível”. E perde sua garantia de efetivar-se como direito fundamental.
(BARBALHO, op. cit., p. 42)
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Dito isso, é conveniente dizer que nesse artigo, nos próximos itens, será trabalhada a
questão institucional das políticas culturais. O primeiro ponto trará os conceitos de hegemonia e
isotopia dentro do Caminho Niemeyer (Niterói-RJ), por ser um objeto que dialoga com temas de
requalificação e planejamento estratégico; o segundo ponto tecerá duas categorias pensadas para
esse trabalho, na perspectiva das políticas culturais. O objetivo de tratar da política cultural no
seu âmbito institucional é para dar conta de analisar, ainda que ensaisticamente, como o Estado
tem lidado com a questão do território dentro de seus programas e projetos de governo.
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A cooptação de autenticidades culturais locais, como já diria Harvey, pelo capital levam
a um discurso que busca produzir um sentido único. Segundo Arantes, através disso, forma-se
um pensamento único, um senso comum acerca dos planejamentos urbanos. Quem faz a cidade
– os planejadores urbanos e o mercado – irá utilizar-se de um enunciado cultural para “abrilhan-
tar” – e com isso, deixar acima de qualquer questionamento – seu projeto.
Assim sendo, essa formação da cidade, esse discurso empregado para implantação dos
projetos excluindo – ou fazendo de tudo possível para excluir ou dificultar – a participação
social, torna-se, aparentemente homogênea. Um discurso quase natural. É a hegemonia3 atuan-
do. E a hegemonia parece eterna, mas são disputas de sentido, são blocos históricos, como diz
Gramsci. No campo da política cultural, a hegemonia é bem aplicada, pois não se questiona a
forma como o Estado age nesse campo. Por esse motivo, é importante procurar fazer um esforço
para explanar o conceito de política cultural antes de utilizá-lo, a fim de tratá-lo de forma am-
pliada e deixar claro de que limites estamos falando.
Gramsci afirma que a sociedade civil é complexa. Dentro desse contexto da hegemonia e
do consenso, há também os sujeitos com autonomia. Lefebvre (1999, p. 40) diz que a coerência
nessa coexistência “é apenas aparente, ainda que essa aparência se fortaleça através de sistema-
tizações imperiosas.” Nesse sentido, ele apresenta o conceito de isotopia que é, nas palavras do
autor, “um lugar (topos) e o que o envolve (vizinhança, arredores imediatos), isto é, o que faz
um mesmo lugar. Se noutra parte existe um lugar homólogo ou análogo, ele entra na isotopia.”
(Ibidem, p.43) No atual momento em que vivemos, os lugares parecem-se muito uns com os
outros. As cidades buscam em outras maiores inspirações para seus planejamentos urbanísticos
que geram – quase como uma ordem – as mesmas conseqüências: processos de espetaculariza-
ção4, gentrificação5, entre outros.
Ao mesmo tempo, Lefebvre diz que há a heterotopia: “Entretanto, ao lado do ‘lugar mes-
mo’, há o lugar outro, ou o outro lugar. O que o torna outro? Uma diferença que o caracteriza,
situando-o (situando-se) em relação ao lugar inicialmente considerado.” 6 Essa diferença é o que
possibilita os encontros, as trocas, o contato com o diverso, formando um campo de tensões alta-
mente complexo, um possível-impossível como diz o autor. O alhures, como o autor usa, é o que
propicia as brechas, onde podemos resistir, ainda que seja uma micro-resistência em comparação
3
Hegemonia, em Gramsci, é a formação de um bloco histórico e ideológico que, através de um sistema de alianças
com alguns setores da sociedade, cria consensos e uniformiza o pensamento.
4
Processo que, a partir das grandes intervenções urbanas dos planejamentos estratégicos, esvazia os espaços, di-
ficultando a apropriação daquele espaço pela população local. Espaços que são voltados à visitação – consumação
– turística.
5
Termo oriundo da palavra da língua inglesa gentry, “gente de boa família” em livre tradução. Gentrification foi
desenvolvido para falar de ressignificações dos espaços da cidade. Gentrificação ficou mais ligado a expulsão de
uma população pobre de um determinado local que passa por um processo de elitização.
6
Idem
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ao poder esmagador da hegemonia. Mas é nessa resistência que se tenta mostrar que nem tudo é
igual e nem tudo pode ser subordinado pelo discurso dominante. Nessa lógica, Certeau diz:
Assim, as maneiras de utilizar o espaço fogem à planificação urbanística:
capaz de criar uma composição de lugares, de espaços ocupados e espa-
ços vazios, que permitem ou impedem a circulação, o urbanista é incapaz
de articular essa racionalidade em concreto com os sistemas culturais,
múltiplos, fluidos, que organizam a ocupação efetiva dos espaços inter-
nos (apartamentos, escadarias etc.) ou externos (ruas, praças etc.) e que
os debilitam com vias inumeráveis. (CERTEAU, op. cit., p. 233).
Como exemplo, podemos olhar mais de perto o objeto proposto para este item do traba-
lho. O Caminho Niemeyer vai do espaço atrás do Terminal Rodoviário João Goulart – que con-
tém os prédios do Teatro Popular, Memorial Roberto Silveira e Fundação Oscar Niemeyer – no
bairro do Centro de Niterói, até a Estação das Barcas em Charitas, passando pela Praça Juscelino
Kubitscheck (Centro), pelo Museu Petrobrás de Cinema (São Domingos) e pelo Museu de Arte
Contemporânea – MAC (Boa Viagem). O projeto foi idealizado após o “sucesso” da construção
do MAC que, teoricamente, devolveu a auto-estima que a cidade havia perdido quando deixou
de ser capital do estado do Rio de Janeiro. O MAC passou para o Brasil uma imagem de uma
Niterói moderna, projetada para o futuro, por ter uma obra do famoso arquiteto Oscar Niemeyer.
Logo, a logomarca da Prefeitura seria trocada do brasão7 – usada em documentos oficiais – para
um desenho do MAC, utilizado tanto em documentos oficiais, como nas mídias.
Por problemas entre a UFF e a Prefeitura com relação aos terrenos que seriam dedicados
para a construção do Caminho, a Prefeitura teve de realocar o projeto, uma parte ficando atrás
do Terminal Rodoviário, na época chamado de Aterrado Norte e mal quisto pelos moradores do
Centro devido a anos de abandono. Por isso, o Caminho converteu-se em um descontinuado,
sem uma ligação clara entre seus prédios. E, essa parte localizada atrás do Terminal Rodoviário,
acabou não tendo uma integração com o Centro de Niterói; fica escondida por vazios urbanos
(estacionamentos, áreas degradas, com mato crescente) e pelo próprio Terminal.
O Caminho Niemeyer foi pensado às pressas, deixando muitas falhas em relação à le-
galidade de sua implantação. O prefeito à época, Jorge Roberto Silveira (PDT – Partido Demo-
crático Trabalhista), passou por cima da sociedade civil – ao não realizar audiências públicas,
por exemplo –, da Câmara dos Vereadores e da Lei Orgânica do Município para aprovação e
construção do projeto. Escolheu Selmo Treiger, empresário e engenheiro para a presidência do
Grupo Executivo do Caminho Niemeyer, fazendo deste um braço empresarial da prefeitura,
reforçando os laços das PPP. Assim sendo, parece que o Caminho segue uma tendência, já co-
mentada anteriormente, do marketing urbano a fim de vender a imagem da cidade para atração
7
Brasão é um desenho criado para classificar uma família, clã, cidades, regiões etc. obedecendo às leis da herál-
dica que estabelecem regras para os símbolos criados.
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8
Empresa de energia que presta serviços à região Metropolitana do Estado do Rio Janeiro, principalmente os
municípios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Magé.
9
Plaqueado é definido pela colocação de grandes placas de cimento em uma área plana.
339
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10
“Encontros” entendido aqui, segundo Bhabha, quando diz que cultura é feita no encontro com o diverso,
o diferente.
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inscrição em chamada pública que fica aberto de março a setembro do ano vigente. Os artistas,
preferencialmente moradores de Niterói, devem se inscrever por correio ou levando o projeto à
própria Fundação, que passará pelo crivo de uma comissão formada por até três pessoas, sendo
uma da FAN e outras duas escolhidas pelo Conselho Municipal de Cultura. O valor para cada
apresentação é de R$ 750,00, pagos em até três meses pela FAN, só podendo participar da cha-
mada pessoa física.
Durante os três anos de funcionamento do programa (2013, 2014 e 2015), pode-se obser-
var alguns pontos. Primeiro, os grupos proponentes são, em sua maioria, fixados – com escolas
de dança ou teatro, por exemplo, ou mesmo endereço residencial – na zona sul de Niterói, que
compreende os bairros mais caros de se morar e “melhor localizados”. Pouco se vê propostas de
grupos que não estejam dentro dessa região. Na chamada pública, há a possibilidade de colocar,
em ordem de preferência, os lugares para apresentação. A maioria dos proponentes preferia as
esquinas e praças de Icaraí, um dos bairros da zona sul.
Segundo: em uma rápida análise das programações do Arte na Rua de 2015, observa-se
que a maioria dos locais de apresentação concentrava-se na zona sul. No panfleto de setembro
de 2015, por exemplo, constata-se um total de três apresentações em bairros da zona norte (Fon-
seca e Barreto), diante de 15 apresentações em Icaraí e Santa Rosa (bairro vizinho de Icaraí) e
nenhuma apresentação na região oceânica de Niterói. O projeto que pretende expandir as apre-
sentações culturais, para outros territórios, acaba não cumprindo esse propósito e repetindo o
que já existe, pois esses bairros da zona sul, assim como os bairros da zona central, já recebem
atenção e recursos devido, também, ao acúmulo de equipamentos culturais nessas regiões.
Terceiro ponto está no fato do personalismo das políticas culturais de Niterói. A chamada
prevê que o proponente pode inscrever mais de um projeto, mas apenas um seria aprovado. Ou
seja, o mesmo proponente não pode ter mais de um projeto aprovado durante o ano vigente da
chamada pública. Entretanto, muitos grupos e artistas inscreviam, e eram aprovados em mais
de um projeto. Desse modo, o fazer cultura na cidade fica restrito aos mesmos grupos e lugares.
Quarto e último ponto é o fato de que o projeto busca regular algo que é espontâneo, ou
deveria ser. Músicos de rua, apresentações com características de teatro itinerante, por exemplo,
tomam as ruas há muito tempo, às vezes como forma de crítica ao governo, inclusive. O Arte na
Rua acaba por limitar essa característica mais engajada dos artistas de rua e, ao mesmo tempo,
limitar o espaço, na própria rua, que esses artistas têm para se manifestar, a uma esquina ou a
uma praça. Nesse caso, o problema é o mesmo que no programa Cultura Viva, pois há a pos-
sibilidade de que essas manifestações sejam cooptadas pelo discurso do governo e, da mesma
forma, essa política nubla a possibilidade de questionamento às ações da Prefeitura.
Esse programa, iniciado no governo de Rodrigo Neves (PT), buscava diferenciar-se do
evento Festa da Música que aconteceu em 2011 e 2012, mais no final de cada ano, no governo
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de Jorge Roberto Silveira (PDT). Os grupos que tocavam neste evento – como o nome diz,
voltado apenas para a música – não se inscreviam através de chamada pública, mas através de
formulário no site do evento e de contato com a FAN e a Secretaria Municipal de Cultura. Evi-
dentemente, a rede de contatos dentro desses órgãos contaria muito para que um grupo fizesse
sua apresentação. Porém, os palcos do Festa da Música localizavam-se em vários bairros da
cidade, inclusive na zona norte e na região oceânica. Ainda assim, as mudanças no esquema e
organização do Festa da Música para o Arte na Rua foram necessárias, ao menos para mascarar
um processo de mais democrático.
Pelas características do Festa da Música e do Arte na Rua, eu usaria, para ambos, a ca-
tegoria das políticas de extensão territorial das manifestações artístico-culturais. No primeiro
caso é mais fácil de perceber o controle da municipalidade ao levar apresentações culturais
fechadas, sem possibilidade de intervenção pelos moradores que recebem a atração. No se-
gundo caso, sendo somente pela sua proposta, poderíamos arriscar a categoria das políticas de
afirmação das manifestações artístico-culturais. Mas o seu funcionamento na prática demonstra
que o programa funciona como no caso das políticas de extensão territorial das manifestações
artístico-culturais. A existência de uma chamada pública que, teoricamente, é uma ferramenta
democrática, não altera uma característica personalista que está entranhada na política cultural
da cidade, devido a anos de administração pública feita dessa forma.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso ficar atento às mudanças que podem acontecer tanto em questão à apropriação
e ao tratamento dado ao Caminho Niemeyer, quanto na questão dos programas de governo.
No primeiro caso, um fator que pode, em breve, influenciar na relação objeto espetacular e
população local, é o plano de requalificação do Centro de Niterói, cujo nome é “Centro que
Queremos”, pois prevê uma integração entre o Caminho e o Centro de Niterói, além de uma
estação intermodal (que juntaria o Terminal, as Barcas e um provável metrô que faria o trajeto
Niterói-São Gonçalo). Esse fator poderia provocar mudanças na apropriação daquele espaço
pela população local. O projeto já tem site e detalhes de como será a intervenção urbanística no
Centro. Desde a entrada de Rodrigo Neves na Prefeitura, a discussão sobre esse projeto surgiu,
mas poucas foram as audiências públicas sobre ele até agora.
No segundo caso, ao comparar o programa Cultura Viva e o programa Arte na Rua,
podemos perceber porque estão em categorias diferentes, como lidam com a questão das polí-
ticas culturais. Obviamente, é necessário ter em mente a diferença da dimensão territorial e dos
braços de ação entre um programa e outro; o primeiro é um programa nacional, que se estende
em um país com proporções continentais; já o segundo é um programa municipal de uma cidade
pequena, se comparada ao Rio de Janeiro, por exemplo. Ainda assim, é possível ver algumas
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semelhanças nos discursos dos governos – não só do MinC e da FAN, mas também de outros
estados e cidades – quanto ao desejo, mesmo que às vezes não realizado, de expandir as políticas
culturais para chegar em territórios periféricos, e quanto às ferramentas através da qual essa po-
lítica se dará - edital ou chamada pública. Poderíamos dizer que essa questão de descentralizar
as políticas culturais tem sido uma preocupação atual de diversos governos e isso tem sido feito
tanto através da expansão territorial das manifestações artístico-culturais quanto da afirmação
territorial das manifestações artístico-culturais.
Porém, muito relevante, é o fato de que, através desses casos – tanto do Caminho Nie-
meyer, como dos programas – o que se entende de território nas esferas federal e municipal, é o
seu sentido rígido, previsto nos mapas físicos, nos limites e nas fronteiras. Ainda não se pensa
em territorialidades, em territórios a partir das narrativas, das trocas e dos encontros, território
como ponto essencial na formação cultural de um grupo. Talvez esse entendimento de território
dentro das políticas culturais seja a chave para tomarmos essa relação com as instituições para
nós, fazendo desaparecer, ou diminuir, o abismo que ainda vemos entre nós, população, e as
políticas públicas, principalmente cultural e urbana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Ana Rodrigues Cavalcanti. O conceito de hegemonia: de Gramsci a Laclau e Mouffe. Lua
Nova, São Paulo, v. 80, 2010, p. 71-96.
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cultura. Salvador: EDUFBA; FACOM/CULT, 2005, p. 33-52.
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Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
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objetivos-e-publico Acesso em 10 de jan. de 2016.
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apresentacao Acesso em 10 de jan. de 2016.
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http://www.culturaniteroi.com.br/blog/?id=159 Acesso em 10 de jan. de 2016.
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Consensos. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p. 75-103.
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RESUMO: O presente artigo reflete sobre as nuances das políticas culturais na prática pelo
prisma híbrido do territorial e do audiovisual. A partir da lei 9.431/2005, de criação do Fundo
de Cultura da Bahia é possível para os agentes públicos financiar e viabilizar a realização de
projetos culturais. Foi através do edital Territórios Culturais (2014) da Secretaria de Cultura
da Bahia (Secult/BA) que a proposta do filme Antônio, o menino que queria ser Castro Alves
foi aprovada e executada. Anexo à dissertação de Calila das Mercês, o filme de animação e
documentário apresenta recortes da vida e obra do escritor baiano Antônio Torres e imortal da
Academia Brasileira de Letras (ABL). Apresentamos o processo de produção do filme, assim
como desafios encontrados na cadeia produtiva audiovisual, sem perder de vista os diálogos e
dinâmicas envolvidos nas tramas da Secult/BA com agentes e produtores culturais do estado.
1. PRIMEIROS DIÁLOGOS
As relações entre instituição Estado (poder público) e artistas podem ser variáveis a con-
siderar fatores como período (época), espaço (lugar), natureza da arte, formação, visão política,
local de fala do agente, etc. Na história recente da arte ocidental, desde as dinâmicas estabelecidas
pelo mecenato renascentista na Itália, que fez escola nos séculos subsequentes - XX e XXI - até os
registros da escritora Virginia Woolf em Um teto todo seu (1928), quando indicou que para uma
1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Literatura na Universidade de Brasília (UnB), mestre em Litera-
tura e Diversidade Cultural/Estudos Literários pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), MBA em
Comunicação Corporativa pela Universidade Salvador (Unifacs) e bacharel em Comunicação Social/Jornalismo
pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail: caliladasmerces@gmail.com
2
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária na Universidade de Campinas (Uni-
camp), mestre em Literatura e Diversidade Cultural/Estudos Literários pela Universidade Estadual de Feira de
Santana (Uefs), especialista em Gestão Pública pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e bacharel em Comu-
nicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). E-mail: raquelgcultura@gmail.com
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mulher escrever ela teria que ser independente financeiramente, estamos acompanhando críticas,
indicações e/ou diagnósticos expostos sobre o fazer arte e suas dinâmicas.
Contudo, antes de tratarmos especificamente da realização do filme Antônio, o menino
que queria ser Castro Alves, propomos inicialmente algumas reflexões no que tange as relações
estabelecidas entre os artistas e produtores culturais brasileiro e o estado. É muito recorrente a
alguns artistas a não compreensão da arte como produto e a alguns gestores do estado o inverso.
Estamos, então, diante de uma busca que possa harmonizar as relações recentes estabelecidas
entre os dois agentes culturais. Como o artista e o estado podem trabalhar juntos sem que haja
uma relação que se assemelhe a uma prestação de serviços do artista-proponente para o estado?
Como o artista e o estado poderiam ser duplamente interessados no financiamento da realização
da obra de arte e duplamente interessados em compreender os processos criativos no que tange
a execução da proposta?
Diante das leis, regimentos, atuações e funções, cabe-nos refletir qual o papel ideal do es-
tado e as dinâmicas que podem ser estabelecidas diante da parceria com o produtor-criador e qual
o tipo de postura caberia ao artista financiado pelo estado diante do seu processo criativo que no
seu âmago deveria ser autônomo.
Nosso lugar de fala é o estado da Bahia do ano de 2013 até 2015. E o encontro de onde
culminou a ideia inicial do filme foi no Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade
Cultural na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Ambas jornalistas, vindas de
trajetórias similares na área de produção cultural e comunicação, achávamos que o nosso tempo
de pesquisa acadêmica poderia ser potencializado através de ações e realizações culturais.
A partir do grupo de pesquisa Descaminhos do Viandante: Espaço Nacional, Fronteiras
e Deslocamentos na Obra de Antônio Torres3 teve início o projeto de dissertação de autoria
de Calila das Mercês: Antônio, o menino que queria ser Castro Alves: a escrita de si e outros
diálogos em Antônio Torres. E nas nossas trocas acadêmicas nos intrigava o fato de Antônio
Torres ser um escritor da Bahia, premiado internacionalmente, cujos livros foram traduzidos
para países como Cuba, Argentina, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Israel,
Holanda, Espanha, Portugal, Bulgária e Vietnã, etc. e tendo nascido na pequena cidade de Sátiro
Dias, no semiárido da Bahia, ser pouco conhecido fora do circuito acadêmico. A ideia de realizar
um filme, uma construção artística como a tratamos, foi impulsionada pela ausência de informa-
ções e a necessidade de democratização do acesso à informação para a população da Bahia não
necessariamente letrada.
Grupo de pesquisa vinculado a Universidade Estadual de Feira de Santana sob coordenação do Professor Dr.
3
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2. TERRITORIALIZAÇÃO DA CULTURA
Um pouco antes de se falar em política de territorialização na Bahia foi sancionada a lei
9.431/2005, de criação do Fundo de Cultura do Estado da Bahia (FCBA). Seu artigo primeiro a
apresenta o fundo e seu objetivo de “incentivar e estimular a produção artístico-cultural baiana,
custeando total ou parcialmente projetos estritamente culturais de iniciativa de pessoas físicas ou
jurídicas de direito público ou privado.” (online, 2005, p.1). Entre as suas finalidades destacam-se:
I - apoiar as manifestações culturais, com base no pluralismo e na di-
versidade de expressão; II - promover o livre acesso da população aos
bens, espaços, atividades e serviços culturais; III - estimular o desenvol-
vimento cultural do Estado em todas as suas regiões, de maneira equi-
librada, considerando o planejamento e a qualidade das ações culturais;
IV - apoiar ações de manutenção, conservação, ampliação e recuperação
do patrimônio cultural material e imaterial do Estado; V - incentivar a
pesquisa e a divulgação do conhecimento sobre cultura e linguagens
artísticas; VI - incentivar o aperfeiçoamento de artistas e técnicos das
diversas áreas de expressão da cultura; VII - promover o intercâmbio e
a circulação de bens e atividades culturais com outros Estados e Países,
difundindo a cultura baiana; VIII - valorizar os modos de fazer, criar e
viver dos diferentes grupos formadores da sociedade. (online, 2005, p.1)
E durante a seu percurso foram muito recorrentes críticas ao Fundo de Cultura justifi-
cadas pelo apoio via editais públicos de projetos que majoritariamente tinham como local de
execução a cidade de Salvador/BA. As outras cidades não ficavam completamente incluídas
nesse processo de acesso aos recursos originários do FCBA. A partir do Governo Jaques Wagner
na Bahia (2007), sob gestão do Secretário de Cultura Márcio Meireles5, foi dado um novo tom
à dinâmica do fortalecimento de diálogo com artistas e produtores culturais, potencializando
inclusive aqueles que não residiam na capital da Bahia. Os territórios de identidade, então, pas-
saram a ser balizadores dessa política.
4
Professor titular da Universidade Federal da Bahia - docente do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade.
5
Ator. Reconhecido por ser um dos criadores do teatro Vila Velha (Salvador) e do bando de teatro Olodum.
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6
Editais lançados pela Secult/BA de dezembro de 2013 a janeiro de 2014: Audiovisual, Artes Visuais, Circo, Cul-
turas Digitais, Culturas Populares, Culturas Identitárias, Dança, Economia Criativa, Formação e Qualificação em
Cultura, Literatura, Museus, Música, Projetos Estratégicos em Cultura, Patrimônio Cultural, Arquitetura e Urbanis-
mo, Publicação de Livros por Editoras Baianas, Teatro, Territórios Culturais, Restauro e Digitalização de Arquivos,
Dinamização de Espaços Culturais, Apoio a Grupos e Coletivos Culturais, Demanda Espontânea, Apoio a Ações
Continuadas de Instituições Culturais, Eventos Calendarizados e Mobilidade Artístico Cultural.
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duzir o projeto tem que se familiarizar ou estar familiarizado com os termos que são utilizados
na elaboração da proposta. Tarefa que ao nosso ver pode ser melhor executada por aqueles que
já tem uma iniciação universitária, da área de produção cultural e/ou gestão pública.
A inscrição do projeto se deu via Sistema de Informação e Indicadores Culturais (SIIC),
o Clique Fomento, sendo:
O Sistema de Informações e Indicadores em Cultura – SIIC é um apli-
cativo de acesso público gratuito, concebido e mantido pelo Governo do
Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura, conforme artigo 23
da Lei Estadual Nº 12.365 de 30 de novembro de 2011 – Lei Orgânica
da Cultura - que dispõe sobre a Política Estadual de Cultura e institui o
Sistema Estadual de Cultura.
O SIIC é composto dos seguintes módulos:
1. Cadastro Cultural
Registro e divulgação de espaços, bens culturais, instituições e pessoas,
serviços e produtos relacionados com a cultura baiana.
2. Pesquisas e Indicadores Culturais
Montagem e registro de pesquisas diretas ou coletadas em campo rela-
cionadas à economia da cultura, culturas populares, linguagens artísti-
cas e a elementos do Cadastro Cultural.
3. Fomento à Cultura – Disponível Fundo de Cultura da Bahia em pri-
meira versão
Divulgação de mecanismos e formas de apoio financeiro a ações cultu-
rais, inscrição e acompanhamento de propostas de pessoas físicas e jurí-
dicas domiciliadas na Bahia e gerenciamento do processo de concessão
de apoio e prestação de contas. (Online, 2016)
O SIIC para a sua função de inscrição demonstrou ser um sistema bastante eficaz - a
considerar o nosso local de fala: produtoras-jornalistas, com experiência anterior, familiaridade
com a utilização de plataformas, mestrandas. No formulário obrigatório delimitamos o título do
projeto, o segmento, outros segmentos, a natureza do projeto, a natureza secundária, fizemos um
resumo, uma descrição detalhada, definimos os objetivos, a justificativa, delimitamos as metas,
as informações sobre público alvo, fizemos um roteiro de execução com cronograma, plano
de distribuição, inserimos os profissionais da ficha técnica e delimitamos o orçamento final no
valor de R$ 68.330,00 (sessenta e oito mil e trezentos e trinta reais). Em resumo, o projeto foi
dessa forma delimitado:
Antônio, o menino que queria ser Castro Alves é uma produção de cur-
ta-metragem no formato documentário que retratará fragmentos da vida
do escritor baiano Antônio Torres, imerso a sonhos e limitações no inte-
rior da Bahia na década de 1950, em contraste com sua recente eleição
à Academia Brasileira de Letras. O projeto prevê circulação do curta no
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agradeciam por termos ido até elas, por termos encarado as estradas que distanciam as outras
pessoas desta Bahia até então não conhecida por nós que produzimos o filme. Elas nos inspi-
raram e com certeza, são estas pessoas que ficarão nas nossas memórias como facilitadoras de
uma atividade, muitas vezes incompreendida, chamada arte.
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cia, percebemos que a aprovação do projeto configura-se como a etapa inicial. A execução em
si, com seus prazos, metas e produtos, e adaptar-se aos imprevistos de mudanças de datas para
receber o recurso da parceria aparece como o desafio maior.
Foi necessário durante a execução do projeto viabilizar parcerias que contemplassem o
que por questão de tempo e burocracia não foi possível realizar via remanejamento de recursos.
No projeto, entre rendimentos e recursos, devolvemos cerca de 5% do que foi aprovado para o
Fundo de Cultura porque em alguns momentos a produção achou mais viável realizar parcerias
do que entrar com pedido de troca, ainda mais diante dos atrasos de execução em relação ao
cronograma inicial e de imprevistos comuns que acontecem durante uma produção.
Precisamos pensar políticas públicas para a cultura que contemplem ideias junto com os
produtos. Ficamos muito satisfeitas com o significado e a abrangência do projeto que vem nos
abrindo como pessoas e profissionais da cultura, mas nos vemos no papel de questionar também
o status quo que vem sendo mantido há anos na dinâmica dos agentes públicos e privados.
Nos vemos agora familiarizadas com as dinâmicas e buscando formas que sejam menos
desgastantes para os artistas envolvidos na realização de um projeto cultural. No que abarca a
criação e o seu processo, pensamos no estado enquanto colaborador, muito além do fiscalizador.
Ficamos pensando nos lugares de fala daqueles que se diferem de nós. Indígenas, vozes
das comunidades chamadas tradicionais. Como eles encarariam os desafios pelos quais passa-
mos? Como podemos (re)pensar a arte na sociedade de consumo na qual estamos inseridos?
Existem possibilidades? Qual é mesmo o nosso papel enquanto artistas e o do estado enquanto
um dos principais agentes de gestão social?
Conseguimos transformar verdadeiras realidades sociais com o nosso projeto. Dialogar
com pessoas de uma Bahia desconhecida por nós. Amplificar um nome da literatura em um terri-
tório híbrido que é o cinema. Lidar com arte é uma tarefa diferenciada que modifica e questiona
as dinâmicas de opressão vigentes. Compartilhar tudo isso com as pessoas. Agora e avante, pelo
que virá, como é possível para os autores-produtores poder mais?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. INTRODUÇÃO
Nos últimos dez anos têm crescido muito o número de pesquisas sobre as políticas pú-
blicas do livro, leitura, literatura e biblioteca no Brasil. As pesquisas acompanham os grandes
avanços na própria consolidação de políticas públicas nacionais, regionais e municipais nesta
área. No rol dos avanços, destacam-se, por exemplo, a aprovação do Plano Nacional do Livro
e Leitura (PNLL) em 20062; dos Planos Estaduais do Mato Grosso do Sul (2010), de Tocan-
tins (2012) e do Distrito Federal (2012), do Rio Grande do Norte (2013), da Bahia (2014) e do
Paraná (2015) e dos Planos Municipais de Canoas (2012), de Joinville (2012), de Porto Alegre
(2013), Nova Iguaçu (2014), Salvador (2014) e São Paulo (2015). Além de outros estados e
municípios que já iniciaram seus processos de construção dos Planos, como por exemplo, os
estados do Rio de Janeiro e a cidade de Belo Horizonte.
Importante observar que o PNLL destaca em suas diretrizes:
o papel que à biblioteca e à formação de mediadores assumem no de-
senvolvimento social e da cidadania e nas transformações necessárias da
sociedade para a construção de um projeto de nação com uma organi-
zação social mais justa. Elas têm por base a necessidade de formar uma
sociedade leitora como condição essencial e decisiva para promover a
inclusão social de milhões de brasileiros no que diz respeito a bens, ser-
1
Mestre em Educação pela PUC-Rio, Assessora Pedagógica do Programa Prazer em Ler do Instituto C&A.
email:camilarleite@gmail.com
2
PNLL, 2006. Acessado em 15/01/2015:http://www.cultura.gov.br/pnll
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Este trabalho foi elaborado a partir desta percepção: ausência ou pouca aparição das bi-
bliotecas comunitárias. Como tenho acompanhado de perto a atuação de algumas delas julguei
por hora minha tarefa escrevê-lo.
A experiência de assessoria a um programa nacional de incentivo à leitura tem me opor-
tunizado acompanhar, durante os últimos cinco anos, a consolidação de polos de leitura/redes,
compostos por cinco ou mais bibliotecas comunitárias, em oito cidades brasileiras: Rio de Janeiro
e Nova Iguaçu (RJ), São Paulo (SP), Belo Horizonte e Betim (MG), Recife e Olinda (PE), Sal-
vador (BA). A partir dessa inserção, proponho essa pesquisa empírica com vistas a realizar um
estudo exploratório, de abordagem qualitativa acerca da atuação das bibliotecas comunitárias na
incidência em políticas públicas culturais, especificamente na área do livro, leitura, literatura e
biblioteca. Utilizarei como fontes da pesquisa os dados recolhidos no trabalho de campo.
Interessa interrogar fundamentalmente: 1) sobre o perfil destas bibliotecas comunitárias
e de seus integrantes; 2) os modos como os polos de leitura foram se caracterizando como co-
letivos culturais; 3) as maneiras como as bibliotecas comunitárias, através dos mediadores de
leitura foram se constituindo sujeitos políticos na esfera pública, impactando tanto as trajetórias
singulares como a consolidação das políticas nas esferas locais.
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Congregação das filhas pobres São José de Calasanz (Biblioteca S José de Calasanz )
Congregação das filhas pobres São José de Calasanz (Biblioteca Novo Amanhecer)
Instituto das Irmãs Franciscanas da Imaculada (Biblioteca Tia Jana)
Instituto das Irmãs Franciscanas da Imaculada (Biblioteca Sandra Martini)
Instituto das Irmãs Franciscanas da Imaculada (Biblioteca Condor Literário)
ONG Gerarvida (Biblioteca Pe Luis Campinotti)
ONG Gerarvida (Biblioteca Alfonso Pacciani)
Polo LiteraSampa – São Paulo
Associação Maria Flos Carmeli
Centro Comunitário Casa Mateus
IBEAC Inst. Bras.Est. e Apoio Comum.Queiroz Fo
Instituto Criança Cidadã
Programa Comunitário Reconciliação
Polo Redes de Leitura - POA - RS
Associação de Moradores da Grande Santa Rosa - Bibl. Aninha Peixoto
Associação de Moradores da Vila Chocolatão (a/c Cirandar)
Biblioteca Comunitária do Cristal
Assoc. Amigos do CEPRIMA
CIRANDAR C Integ. Redes Sociais e Culturas Locais
Clube Literário Jardim Ipiranga
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Como não existem bibliotecas públicas dentro destas comunidades, e também por que,
na maioria dos casos, as bibliotecas escolares existentes no território não têm seus acervos bem
organizados, não emprestam livros, nem sempre dispõem de acervos de literatura de qualidade
e muitas das vezes não tem um profissional específico para dinamizá-la, as bibliotecas comuni-
tárias se tornam espaços de referência importantes nas suas localidades.
O trabalho das bibliotecas está organizado a partir de quatro grandes eixos: Espaço,
Acervo, Mediação e Gestão.
No que diz respeito aos espaços físicos, vale relatar que variam entre:
a) Casas de moradores alugadas ou cedidas para serem as bibliotecas;
b) Salas em organizações sociais, como ONGs, Igrejas, Centro Espíritas etc;
c) Garagens, galpões e lajes doadas, emprestadas ou alugadas.
Há uma distinção entre as bibliotecas que surgiram com suporte de organizações sociais
(algumas originalmente sendo “projetos” dessas entidades) e aquelas que foram criadas autono-
mamente pelos próprios moradores dos locais onde estão inseridas.
Cada um dos espaços está organizado a partir das suas peculiaridades, priorizando a cria-
ção de ambientes confortáveis, convidativos, aconchegantes, nos quais o objeto livro tem maior
destaque e cada um dos públicos se identifica com seu “canto”. Os espaços tendem a subdividir
para atender seus diferentes públicos: crianças, adolescentes e jovens e adultos. Apesar das
crianças, adolescentes e jovens serem o público prioritário da maioria delas, isso não significa
que não atendam também adultos e idosos, que com menos frequência e em menor quantidade,
também são usuários.
A maior parte do público é constituída pelas camadas populares, estudantes da rede pú-
blica de ensino, moradores das comunidades onde estão inseridas e do entorno.
Rodas de conversa sobre autores e livros, mediação de leituras, contação de histórias,
saraus com música e poesia, encontros com autores, empréstimos de livros, atividades na pra-
ça, na rua, na escola, no posto de saúde são algumas dentre as inúmeras atividades realizadas
pelas bibliotecas.
É muito importante apontar que o acervo destas bibliotecas é prioritariamente de literatu-
ra, obras literárias de qualidade para o público infantil, juvenil e adulto. Ou seja, há uma diver-
sidade literária. Os acervos estão catalogados e classificados por gêneros literários, favorecendo
o acesso e à formação dos leitores, tendo em vista principalmente a construção da autonomia
dos leitores. Destaca-se também que em todas as bibliotecas pesquisadas os acervos já estão
automatizados em programas como o Bibilivre, o Biblioteca Fácil e o Alexandria.
Com objetivo de democratizar o acesso aos livros de literatura de qualidade, à incentivar
a leitura e a formar leitores em suas comunidades, as bibliotecas tem estabelecido relação com
diversas instituições em seus territórios.
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Os processos de gestão das bibliotecas são marcados pelo compartilhamento das toma-
das de decisão e da distribuição das tarefas entre os integrantes. Buscando envolver também os
usuários das bibliotecas.
É fundamental esclarecer que muitas destas bibliotecas viviam a partir do trabalho volun-
tário, ou de projetos sociais com captação restrita de recursos. Atualmente, recebem recurso fi-
nanceiro do programa nacional ao qual me refiro, garantindo remuneração de mediador de leitura
e coordenador da biblioteca, além de recursos para espaço, acervo, comunicação e administração.
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cas, o que possibilita que o trabalho da biblioteca esteja em consonância com as demandas da
própria comunidade. O integrante tem mais facilidade para se relacionar com os usuários das
bibliotecas por conhecer suas famílias, suas histórias de vida, seu local de moradia, facilitando,
por exemplo, que vá até sua casa cobrar a devolução de livro emprestado. Por fim, essa aproxi-
mação beneficia também que as atividades promovidas e desenvolvidas nas e/ou pela biblioteca
acabam se tornando parte da programação da própria comunidade.
3
Processos e procedimentos colaborativos, com ênfase no diálogo, que proporcionem, ao conjunto dos sujeitos,
equidade de participação no projeto coletivo, e a visão integrada de planejamento, monitoramento e avaliação na
promoção da aprendizagem.
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Outro exemplo importante são as atividades de mediação de leitura que passaram a não
ser desenvolvidas apenas dentro das bibliotecas, ganharam as ruas, as casas, as praças, os par-
ques. Primeiro ainda ocupando os espaços públicos das próprias comunidades e em seguida,
ocupação dos espaços públicos das cidades, como eventos organizados pelos coletivos: saraus,
concursos literários, contação de histórias, pés de livros, eventos culturais etc.
Contudo, o que é mais significativo é que de 2010 para cá esses polos/redes, que passaram
a se reconhecer como coletivos culturais, encontraram como estratégia para a sustentabilidade:
a incidência nas políticas públicas, em especial as relacionadas às áreas de cultura e educação.
Com o PNLL, que estimula a participação da sociedade civil na construção dos planos estaduais
e municipais, esses coletivos passaram a se organizar como sujeitos políticos. Em seus planos de
ação anuais passaram a aparecer atividades que iam muito além da organização dos espaços fí-
sicos e acervos das bibliotecas, assim como das atividades de mediação de leitura, as atividades
que começaram a surgir referiam-se a apropriação deles de que a leitura por ser um direito hu-
mano, deve ser encampada como luta política de garantia de direito para todos. Passamos assim,
a encontrar nos planos de ação anuais atividades como: a) Estudo e debate sobre o PNLL; b)
Estudo e debate sobre a lei orgânica municipal; c) Estudo e debate sobre os planos municipais e
estaduais de educação e cultura; d) Conversa com vereadores e deputados das comissões de edu-
cação e cultura da câmara e da assembleia legislativa; e) Conversa com secretários de educação
e cultura; f) Criação de Grupos de Trabalho para a construção dos Planos estaduais e municipais
do livro, leitura e biblioteca; g) Articulação com outros setores das cadeias produtiva, criativa e
mediadora do livro, leitura e biblioteca; h) Articulação com as bibliotecas escolares; i) Articula-
ção com as bibliotecas públicas; j) Articulação com escritores e ilustradores; l) Articulação com
livreiros, editoras e livrarias. m) Organização de audiência pública; n) Produção de seminário
sobre as políticas públicas do livro, leitura e biblioteca; o) Estudo sobre orçamento público etc.
Ou seja, as atividades ganharam perspectiva pública. Os integrantes se posicionando
como cidadãos da cidade, aprendendo a conhecer seus direitos, reconhecendo-se como autores
dos processos de construção e fortalecimento da democracia nas cidades, descobrindo que a lei-
tura é um direito humano, que todos têm direito ao livro, a leitura e a biblioteca. Que o trabalho
que desenvolvem nas comunidades é de garantia deste direito e, portanto, precisa ser reconheci-
do pelo poder público, como uma ação pública, garantindo por exemplo recursos públicos para
manutenção das próprias bibliotecas.
3. ALGUNS APONTAMENTOS
As características apontadas acima suscitam reflexões sobre o modo pelo qual se conec-
tam as trajetórias individuais dos integrantes das bibliotecas comunitárias e a composição de um
sujeito político no campo de debates sobre as políticas públicas de leitura no Brasil.
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RESUMO: O presente artigo tem como objetivo abordar as mudanças tecnológicas e suas
implicações na elaboração de políticas culturais e na gestão da cultura. Mostrando que as
inovações tecnológicas e os comportamentos decorrentes desse uso modificaram a cultura, tanto
em seu modo de produção quanto em sua recepção/fruição. Para isso, focalizaremos em recursos
tecnológicos empregados no setor cultural dos museus. Ao final, faremos sugestões que visam
modificar o enfoque dado à cultura e o modo de ação no contexto digital, abandonando ideias,
conceitos e práticas voltadas ao passado.
1. INTRODUÇÃO
Vivemos em um tempo em que as mudanças significativas propiciadas pelas tecnolo-
gias de informação e comunicação incidem diretamente na maneira como as pessoas produzem
e usam a cultura. Os bens culturais não são mais escassos. Pelo contrário, são abundantes e
estão ao alcance da mão, com distribuição instantânea, o que, em grande medida, dispensa os
mediadores necessários outrora. É claro que não podemos nos deixar levar pela ilusão da não
mediação e pela crença na existência de uma “neutralidade técnica” na organização das infor-
mações disponíveis nesses meios. Na verdade, os mediadores foram substituídos e, por vezes,
ficam ocultos. É preciso também considerar as desigualdades socioeconômicas presentes nesse
processo, que afetam o acesso e a qualidade da informação a que as pessoas têm alcance. No
entanto, é inegável a existência de uma maior autonomia cultural do indivíduo, já que agora não
está mais sujeito ao sistema de produção e distribuição tradicional de bens culturais. E, além
disso, com poucos recursos tecnológicos, é possível também produzir cultura.
1
Graduada em Letras Português-Inglês pela Universidade Tuiuti do Paraná, especialização em Literatura Infanto-
juvenil (PUC/PR), Literatura Brasileira (UFPR), Ensino de Língua Estrangeira (UFPR), Gestão Cultural e Políticas
Culturais (Universidade de Girona e Itaú Cultural), Mestrado e Doutorado em Letras (UFPR). Gestora cultural da
Fundação Cultural de Curitiba. E-mail: caberwig@yahoo.com.br.
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2. CULTURA E TECNOLOGIA
O surgimento das novas tecnologias, como se sabe, provocou uma mudança muito gran-
de em todos os setores da vida humana. Esses impactos foram sentidos na medicina, na educa-
ção, nos esportes, nos processos de produção industrial, na vida social e familiar, na comuni-
cação e também na cultura. Portanto, o setor cultural não pode ficar à margem dessa revolução
digital que está afetando diretamente o uso/ consumo dos produtos culturais, o acesso à arte e à
cultura, seja de qualquer ponto de vista adotado.
A tecnologia e a cultura são interdependentes, qualquer mudança em uma, acarretará
mudanças na outra. Dessa forma, é importante que tenhamos um conceito de cultura bem de-
finido para pautar nossa ação. O conceito antropológico de cultura já não é mais apropriado,
principalmente se tivermos em mente os estudos sobre a cultura e o planejamento e a prática de
políticas culturais, pois ele é muito abrangente (tudo é cultura), ambíguo, impreciso e inconsis-
tente. A respeito disso Teixeira Coelho esclarece:
“Quando tudo é cultura — a moda, o comportamento, o futebol, o modo
de falar, o cinema, a publicidade —, nada é cultura. Mais relevante:
quando em cultura tudo tem um mesmo valor, quando tudo é igualmente
cultural, quando se diz ou se acredita que tudo serve do mesmo modo
para os fins culturais, de fato nada serve...” (TEIXEIRA COELHO,
2008, P. 20)
É preciso, portanto, eleger um conceito que seja operacional. Nesse sentido, Carvalho
(2011) vê a necessidade de uma redefinição do conceito de cultura no âmbito da sociedade do
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conhecimento. Dessa forma, as políticas culturais não podem ignorar o processo de dissemina-
ção e uso das novas tecnologias.
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Henriques (2004, pág. 6) elenca algumas categorias para definir os museus dentro do
ciberespaço. A primeira seria a de “folheto eletrônico”, na qual estão incluídos os sites de quase
todas as instituições brasileiras, que funcionam como espaço para divulgação, apresentando
o museu e informando os horários e programação. A segunda categoria seria a do “museu no
mundo virtual”, na qual a instituição torna possível o acesso a informações sobre seu acervo,
com imagens das exposições, chegando a permitir visitas virtuais. Sendo assim, o museu físico
é projetado numa dimensão virtual. A terceira categoria diz respeito aos “museus realmente
interativos”, são aqueles museus considerados museus virtuais de fato, nos quais sua imagem
no ciberespaço não corresponde apenas à estrutura física do museu, mas o visitante consegue
interagir para além da simples observação.
Incorporar esses recursos digitais aos museus requer o desenvolvimento de certas com-
petências digitais aplicadas ao setor cultural, é o que abordaremos no próximo item.
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5. CONCLUSÃO
Neste texto analisamos como certas tecnologias mudaram a cultura, tanto em sua recep-
ção quanto em sua fruição e quais as implicações para as políticas culturais e a gestão da cultura.
Inicialmente falamos sobre a relação de interdependência entre cultura e tecnologia e apontamos
a necessidade de haver uma revisão do conceito de cultura para guiar as ações dos gestores e
orientar a elaboração das políticas culturais, levando em conta as transformações por que vem
passando o mundo contemporâneo inserido na sociedade de informação.
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1. INTRODUÇÃO
A não viabilidade econômica de grande parte dos serviços culturais, juntamente com a
visão que consagra a importância da preservação de identidade nacional e do direito à cultura,
faz com que os subsídios às “artes” sejam praticados em diversos países. Porém, são diversas
(e divergentes) as abordagens sobre o papel do Estado como propulsor do setor cultural. Afinal,
por que a oferta cultural importa? Dessa forma, o objetivo deste artigo é discutir a relação entre
cultura e desenvolvimento das cidades, bem como os diferentes desencadeamentos acerca da
implementação de políticas culturais.
No campo da teoria econômica, em geral, a discussão perpassa pela análise das externa-
lidades positivas dos investimentos públicos em cultura e a sua capacidade (ou não) de exceder
os custos de intervenção. Alguns autores colocam a questão sob o ponto de vista da importância
das amenidades culturais e de consumo para atração de capital humano e, consequentemente,
1
Doutoranda em Economia – PIMES/UFPE, Recife. Professora do Departamento de Ciências Econômicas – FE/
UFMT, Cuiabá. E-mail: carlalmeidarosa@gmail.com
2
Doutor em Economia pela University of London, Inglaterra. Professor do Departamento de Economia – UFPE,
Recife e Pesquisador do CNPq. E-mail: jprlima@ufpe.br
3
Doutora em Economia pela UFPE, Recife. Professora do Departamento de Economia – UFPE, Recife. E-mail:
mariagatto@gmail.com
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das decorrentes externalidades que contribuem para o crescimento econômico das cidades, como
visto na seção 2.
Outros discutem a inclusão da cultura nos projetos urbanos de revitalização e dinamiza-
ção de regiões e municípios, enfocando para além da sua função econômica, seu papel no âm-
bito social. Por sua vez, sob a ótica do direito à cultura e acesso à cidade, as políticas culturais
também são importantes no processo de fortalecimento da cidadania. Tais visões são abordadas
na seção 3.
Por sua vez, na seção 4, traz-se uma revisão empírica acerca do desenvolvimento cultu-
ral de cidades brasileiras e, por fim, na seção 5, tem-se as considerações finais.
4
A redução do custo de ideias vincula-se a aglomeração de pessoas no espaço – spillovers de conhecimento. O
consequente aumento de produtividade da área urbana tem origem, portanto, na qualificação dos trabalhadores.
5
Dentre exemplos de políticas governamentais executadas com tais propósitos, pode-se citar cidades de médio
porte do Canadá, que têm investido em amenidades culturais como fator de atração de migrantes, particularmente
importante para o crescimento em um país com baixa taxa de natalidade e alta taxa de envelhecimento. Grant e
Buckwold (2013) apresentam o caso de Halifax, um município de cerca de 372 mil habitantes em 2006, e que apre-
sentava alta participação relativa de imigrantes que atuavam profissionalmente na área da cultura.
378
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Richard Florida (2002; 2003), por sua vez, relaciona o sucesso das cidades com a pre-
sença da classe criativa6. Sua hipótese consiste em dois argumentos principais: (i) que pessoas
talentosas e criativas têm maior capacidade de contribuir para inovação e, consequentemente,
crescimento econômico; (ii) que tais tipos de indivíduos – muitos ligados as atividades intensi-
vas em tecnologia - buscam locais ricos em amenidades naturais e culturais.
Dado que o espaço não é neutro e exerce influência na decisão locacional, já que as di-
ferentes classes de indivíduos não estão distribuídas uniformemente (e nem aleatoriamente) e
que as pessoas não buscam apenas empregos na escolha da habitação, o que faz com que alguns
lugares se tornem destino da classe criativa? Florida (2003) afirma que os centros criativos são
regiões que apresentam características específicas, cujos atributos são de interesse de indivíduos
pertencentes à classe criativa. Dentre esses atributos, destacam-se as amenidades relacionadas
ao estilo de vida, que incluem possibilidades de atividades esportivas e culturais, além de rela-
ções sociais. Nesta última, a tolerância tem papel fundamental e pode ser observada através da
identificação de lugares com baixas barreiras à entrada de pessoas7.
Em termos de implicações de políticas, para o autor, cidades cujos governos investem
milhões em estádios e em medidas de atração de grandes lojas varejistas estão “presas ao passa-
do”. Ao não realizar investimentos em amenidades de estilo de vida, as ações serão ineficientes
para atrair jovens talentosos, sobretudo para as pequenas e médias cidades que dependem de
fluxos migratórios para seu desenvolvimento.
Em oposição ao papel central dos consumidores culturais no desenvolvimento atribuída
pelos autores mencionados, Markunsen e King (2003) e Markunsen (2013), enfatizam a impor-
tância da própria classe cultural. Comparam a função dos artistas para o desenvolvimento re-
gional ao dos bens públicos8, uma vez que contribuem não somente a partir dos fluxos de renda
atuais, mas também através dos retornos para a região em virtude de investimentos passados,
sobretudo em infraestrutura.
Por sua vez, uma das principais críticas ao modelo de Glaeser é apresentada em Stoper e
Scott (2009) e está vinculada especialmente a dois aspectos. O primeiro refere-se ao problema
para identificar as preferências dos indivíduos que vivem nas grandes cidades, atribuindo às
amenidades de consumo como fator central de atração de habilidosos, sem mensurar se essas
preferências são reais. Em segundo lugar, contrapõem-se as conclusões sobre mudança nas pre-
6
Classe criativa é um conjunto de pessoas que se engajam em funções profissionais cuja criação tem papel central
e pode assumir formas diversas. (FLORIDA, 2002, p. 4).
7
Economists speak of the importance of industries having “low entry barriers,” so that new firms can easily enter
and keep the industry vital. Similarly, I think it’s important for a place to have low entry barriers for people---that
is, to be a place where newcomers are accepted quickly into all sorts of social and economic arrangements. (FLOR-
IDA, 2002, p. 7).
8
“Artists as potential entrepreneurs bring strengths and deficits to enterprise development that differ from other
types of entrepreneurial candidates (…) scientists, engineers” (MARKUSEN, 2013, p.3).
379
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ferências dos indivíduos mais talentosos, que teriam passado a valorizar mais as amenidades de
consumo em detrimento de residir em cidades de temperaturas mais amenas, provocando cresci-
mento populacional nos centros consumidores. Nesse sentido, Stoper e Scott (2009) apresentam
diversos exemplos de fluxos migratórios e crescimento populacional, em diversos períodos do
século XX nos Estados Unidos, que não apresentam nenhuma relação com o clima.
Dentre as principais críticas ao modelo de Florida, podem-se citar os textos de Glaeser
(2005) e de Stoper e Scott (2009). Ambos os trabalhos apontam que não foram encontradas evi-
dências empíricas da relação entre os índices de diversidade e tolerância – Gay e Bohemian9 - e
crescimento urbano, o que fragiliza a tese de Florida sobre cidades com baixas barreiras à entra-
da de pessoas, atração de classe criativa e sua contribuição no desenvolvimento local. Glaeser
(2005) concorda sobre a crescente importância da classe criativa na economia, porém, discorda
sobre o ineditismo da ‘teoria da classe criativa’ em relação ao mainstream da Economia Urbana,
já que não avança teoricamente do consenso de que capital humano precede o sucesso das cida-
des10. Por sua vez, Stoper e Scott (2009) apontam que, ao contrário da maioria das teorias sobre
inovação, Florida não discute os canais que estimulam e possibilitam a interação entre os agentes.
Stoper e Scott (2009) ainda acrescentam que Glaeser e Florida subestimam a impor-
tância do trabalho de baixa qualificação para manter o sistema urbano em operação, sobretudo
que trabalhadores de alto e de baixos salários são complementares para a emergência da nova
economia nas maiores cidades
The emerging new economy in major cities has been associated with a
deepening divide between a privileged upper stratum of professional,
(…) on the one side, and a mass of low-wage workers—often immigrant
and undocumented—on the other side. (…)The low-wage segment of
the labor market is itself one of the critical foundations of urban life
today and hence of current patterns of growth, not only because workers
in this segment carry out basic production activities such as electronics
assembly or garment making, but also because this is the sphere of the
janitors, security guards, transport workers, short-order cooks, child-
-minders and so on, who maintain the networks, infrastructures and ser-
vices that help to keep the entire urban system in operation. (STOPER,
SCOTT, 2009, p. 164).
Consequentemente, tais teses, sobretudo a de Florida, induzem a sugestões de políticas
que aumentariam hiato entre as classes sociais, levando a uma segmentação do mercado de
trabalho e afetando a qualidade da cidadania e participação política. Por fim, Stopper e Scott
(2009) afirmam que ambas as teses deixam em aberto a maior questão sobre o progresso das
cidades: a identificação das forças que levam ao processo de crescimento e desenvolvimento
9
Apresentado em Florida (2002).
A saber: a ideia de criação de conhecimento de Adam Smith; a geração e difusão de ideias em áreas urbanas de
10
Alfred Marshall; a criatividade em área urbanas de Jane Jacobs e a nova teoria do crescimento de Paul Romer.
380
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urbano na sua origem, ou seja, o que levou ao agrupamento de indivíduos habilidosos em deter-
minadas regiões.
At what point do individuals recognize a place as offering this or that
amenity, and at what point does such recognition begin to spark off
growth? How does a sufficient concentration of skills offering an effec-
tive opportunity for interaction emerge in the first place? More crucially,
how and why do specialized accumulations of highly skilled individuals
(such as actors and directors in Hollywood, or semiconductor engineers
in Silicon Valley) come to characterize individual places—as opposed
to accumulations of randomly assorted members of the creative class?
(STOPER, SCOTT, 2009, p. 153).
Nesse sentido, os autores consideram que são a produção e os postos de trabalho que
dirigem a prosperidade urbana e, somente a partir daí é que surgem as amenidades sociais,
culturais, materiais e econômicas. Tais amenidades são endógenas ao crescimento urbano e não
causadoras desse processo e, sendo assim, é com relevância marginal que devem ser observadas
como fatores de atração de capital humano.
Um forte argumento para tal afirmação baseia-se no entendimento de que as escolhas
locacionais individuais estão inseridas em um conjunto de possibilidades, que incluem as prefe-
rências, mas que também (e principalmente) estão fortemente ligadas à restrição orçamentária
definidas pelas oportunidades de trabalho.
Many individuals unquestionably have strong preferences for warm
winters or upscale urban amenities or certain kinds of social diversity,
and they are frequently prepared to act on the basis of these preferences.
(…) most migrants—unless they enjoy a private income or are able to
capitalize on some purely personal talent that can be practiced anywhe-
re—are unlikely to be able to move in significant numbers from one lo-
cation to another unless relevant employment opportunities are actually
or potentially available. (STOPER, SCOTT, 2009, p. 161).
Por sua vez, criticando fortemente as teses que enfocam o papel da cultura para regene-
ração de cidades pós-industriais, Andy Pratt (2008; 2009) coloca que o risco de gentrificação11
dos espaços culturais nas cidades prejudica a classe cultural (PRATT, 2008; 2009). Além disso,
aponta que o fator de desenvolvimento local e a criatividade estão nos produtores culturais e
‘artistas reais’ e não nos consumidores que realizam gastos na localidade em virtude das ameni-
dades culturais existentes12.
Defende, portanto, políticas de desenvolvimento da indústria cultural e não apenas po-
líticas de promoção de consumo. As ações públicas devem, ainda, considerar que a valorização
11
Valorização de uma determinada região em virtude da instalação de novos pontos comerciais ou outras edifica-
ções, que prejudica a permanência de antigos moradores devido ao aumento dos custos.
12
Nesse sentido, reforça a crítica de Peck (2005 apud PRATT, 2008) a Florida, que ignora a dimensão produtora
da indústria cultural e considera o ‘consumidor criativo’ autônomo como um agente de mudança.
381
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imobiliária dos espaços culturais pode forçar deslocamentos, o que, em última instância, pode
contribuir para o próprio declínio da localidade13. Ademais, ressalta que ‘vender cidades’ com
recursos públicos é uma forma de taxação socialmente regressiva.
13
Como exemplo, apresenta o caso de Hoxton, em Londres, onde a constituição de rede de produção social de
artistas e novos médios trabalhadores contribuiu para regeneração urbana, mas a formação de cluster de consumo,
posteriormente, induziu a gentrificação das residências.
14
Sobre as diferentes denominações atribuídas as intervenções urbanas ao longo do tempo, ver Vaz (2013). Atu-
almente, é comum o uso do termo revitalização como forma de expressar a inclusão da população no processo de
transformação física e econômica local.
15
A discussão sobre intervenções urbanísticas, criativas ou não, é muito ampla e foge ao escopo desse trabalho.
Para uma introdução sobre política urbana criativa, ver Moraes (2012).
382
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16
A espetacularização da cidade é resultado do planejamento urbano estratégico no qual o valor mercadológico
predomina sobre os valores artísticos e antropológicos.
17
É o que ocorreu na região da região da Estação da Luz, onde não se alterou a lógica de consumo e tráfico de
drogas da Cracolândia (MORAES, 2012).
18
No que tange ao termo democratização, Botelho (2006) diferencia facilitação de acesso às manifestações artísti-
cas tradicionais de democratização cultural, sendo esta última um conceito muito mais abrangente.
383
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minado grupo social e, portanto, reflete fortemente as desigualdades sociais. (MORAES, 2010).
Sob o ponto de vista da teoria econômica, num dos primeiros trabalhos empíricos sobre consumo
cultural, Becker e Stigler (1977 apud MORAES, SAMPAIO, 2010) apresentaram que a deman-
da por bens artístico-culturais presente afeta positivamente a demanda futura dos indivíduos e,
portanto, ao contrário da maioria dos bens, os culturais possuem utilidade marginal crescente.
A constatação de que grande parte das políticas de ampliação de oferta cultural, ligadas
ou não a revitalização de áreas urbanas degradadas, remete a outro problema persistente ao lon-
go do tempo: as desigualdades econômicas e sociais. Tais desigualdades são refletidas nas tra-
jetórias de urbanização, com predominância dos espaços privados de interação, em detrimentos
de praças, parques e outros espaços culturais e de lazer. Assim, a cidade tem-se tornado, cada
vez mais, espaço de trabalho, enquanto as horas de lazer, entre elas, o consumo cultural, ocorrem
dentro dos domicílios. Segundo Botelho (2003, p. 4),
deslocamentos físicos se tornam, cada dia mais difíceis, pode-se dizer
que a mobilidade territorial e o uso de equipamentos culturais se con-
vertem, cada vez mais, em direito e privilégio das classes com maior
poder aquisitivo. (...) De um lado, acompanharam o desenvolvimento da
cidade; de outro, foram construídos em função de demandas dos setores
já mais habituados ao consumo de cultura.
Especialmente em países em desenvolvimento marcados por profundas disparidades so-
ciais, “o acesso à cidade é restrito a uma parcela da população, sendo, portanto, apenas virtu-
alidade para a grande maioria, em especial classes populares urbanas, moradores de favelas e
periferias” (LIBÂNIO, 2014, p. 5). A política cultural, portanto, assume lugar no processo de
construção da cidadania. Se a cultura pode ser qualificada como bem comum, assim como o
conhecimento e a informação, então “a dimensão cultural da existência é (ou pode vir a ser) im-
portante ferramenta, veículo e processo para a inclusão das classes populares no espaço urbano
e ampliação do real acesso à cidade” (LIBÂNIO, 2014, p. 2).
Então, por um lado, percebe-se que as cidades têm perdido sua função de promover
convívio social ao longo do tempo e, por outro, que o consumo cultural pode contribuir para
reversão desse processo. De acordo com o atual Ministro Juca Mendes, “A política cultural que
reorganiza a relação com a periferia não só concomitantemente constrói outra cultura política;
ela já é, em si, resultado de uma outra visão sobre a ocupação das ruas e dos espaços públicos,
de uma política voltada a superar modelos excludentes” (FERREIRA, 2016)19.
Estas reflexões indicam que as políticas culturais devem ser pensadas de forma trans-
versal, caso contrário, não têm efeito, nem como política urbana, nem para promover o setor
“A reversão de equívocos históricos para novos imaginários urbanos”, publicado na Folha de São Paulo em
19
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cultural. Logo, devem ser avaliadas no que tange aos seus resultados, não somente em termos de
renda gerada à classe cultural e ao entorno de onde está sendo realizada, mas também em termos
de democratização do acesso as artes e a participação política em relação a cidade, legitimando
o direito constitucional à cultura e ao exercício de cidadania.
O movimento de instalação de multinacionais na capital, intensificado a partir dos anos 90, aumentou a demanda
20
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discos, cds e fitas, livrarias e shopping center) e equipamentos audiovisuais (estação de rádio
AM e FM, geradora de TV, provedor de internet e cinema).
No que tange ao acesso à cultura ‘medida’21, os dados reportam uma forte desigualdade
dentro do território brasileiro. As bibliotecas são os equipamentos mais bem distribuídos, “os
museus aparentemente mais frequentes no extremo Sul e os teatros em São Paulo e Rio de
Janeiro”, enquanto há uma “ausência quase completa de orquestras e cinemas nos municípios
brasileiros”. (SILVA, 2010, p. 64).
Ferreira Neto e Perobeli (2013), através da base de dados da Pesquisa de Informações
Básicas Municipais - MUNIC (IBGE, 2009), elaboraram o Índice de Potencial de Desenvol-
vimento das Atividades Culturais (PDAC) para as microrregiões do estado de Minas Gerais.
Utilizaram informações ligadas à cultura, tais como características da gestão e dos trabalhadores
da administração pública, dados sobre arrecadação e gastos do município e informações sobre
oferta de equipamentos culturais, atividades e cursos nessa área, totalizando 35 variáveis. Atra-
vés de técnicas de análise fatorial, auferiram que três fatores principais explicam a variância:
atividades e estrutura cultural; acesso à cultura e gestão cultural. Os resultados apontam que 64
das 66 microrregiões apresentaram valores que indicam deficiência de infraestrutura.
Diniz e Machado (2011) elaboraram indicadores relacionados a oferta cultural para in-
cluí-los em análise sobre gastos familiares com cultura. Para estudar consumo nas nove princi-
pais regiões metropolitanas do país e no Distrito Federal, com uso de análise fatorial, construí-
ram o indicador com base em cinco variáveis - número de museus, número de teatros ou salas,
número de centros culturais, número de cinemas, número de ginásios e outros poliesportivos
– disponibilizadas pela base MUNIC. As estimações mostraram que uma maior oferta de equi-
pamentos exerce influência negativa sobre os gastos, o que pode estar relacionado a melhor
gestão pública cultural e, consequentemente, maior disponibilidade de lugares para visitação e
eventos culturais gratuitos.
Por sua vez, Luckewe; Padilha e Wanderley (2014), sob o argumento de que a oferta de
bens culturais não tem sido suficiente para reduzir as desigualdades de consumo, apresentam
um Índice de Demanda Cultural para comparar nove capitais brasileiras e avaliar as atividades
organizadas pelo poder público. Verificaram posições melhores para Porto Alegre e Distrito
Federal em diversos segmentos, tal como cinema, fotografia e internet, evidenciando também as
desigualdades regionais.
Particularmente sobre o mercado de trabalho em regiões metropolitanas, destacam-se
os trabalhos de Machado, Rabelo e Moreira (2014), que avaliaram a influência de determinadas
21
“(...) o setor cultural não é a cultura, o consumo não é a cultura, embora ambos se constituam em partes impor-
tantes dos dinamismos culturais mensuráveis nas nossas bases de dados mais importantes e consolidadas”. (SILVA,
2010, p. 37).
386
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A autora ainda classificou as localidades de acordo com seu “ambiente cultural”, através de uma análise de
22
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na área de Economia Urbana, procurou-se demonstrar visões acerca do setor cultural
vinculadas ao crescimento e/ou desenvolvimento econômico local ou regional, sobretudo com
base em Glaeser e Florida. Como visto, tais autores colocam as políticas culturais com objetivos
externos ao setor cultural, sendo que a defesa das políticas de promoção de amenidades tem sido
fortemente criticada. Destacam-se Stopper e Scott, que apontam que tais ações podem contri-
buir para o aumento do hiato entre as classes sociais, enquanto Andy Pratt enfatiza o problema
da gentrificação.
Os debates que vinculam cultura e urbanismo direcionam-se, principalmente, a estudos
de casos do impacto das políticas de promoção de cidades criativas e de revitalização de áreas
degradadas. Porém, cabe enfatizar que a importância da cultura para além do seu âmbito estético
e/ou econômico, sobretudo o entendimento do seu papel para o pleno desenvolvimento de ca-
pacidades e expressões que ele faculta aos diferentes grupos, também tem consistido no âmbito
das justificativas para a existência de políticas culturais. Essa visão legitima o direito a cultura,
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não apenas constitucional, mas também a luz da importância da cultura como fator de distinção
social e como facilitadora de acesso à cidade e a cidadania.
Estudos recentes mostram que a maioria das cidades brasileiras apresentam baixo grau
de desenvolvimento cultural, agravadas pelas fortes disparidades regionais, alta segregação ur-
bana e desigualdade de renda. Apesar da escassez de trabalhos empíricos sobre o tema, recen-
temente, o Ministério de Cultura tem incorporado em seus debates23 a articulação entre política
cultural e urbana. Inclusive, o atual Ministro Juca Mendes reconhece tal lacuna, já que “A essa
altura, parece óbvia e até mesmo tardia a correlação entre a agenda do Ministério da Cultura e a
agenda do direito à cidade, ou entre a política cultural e a política urbana”24.
Em geral, as discussões trazem evidências de que as políticas culturais têm privilegiado
as classes de maior poder aquisitivo, tanto na forma de subsídios para as manifestações culturais
tradicionais, quanto em relação às verbas destinadas para construção dos equipamentos, com a
maioria instalada nas áreas urbanas de maior renda. Como agravante, as trajetórias de urbani-
zação das cidades, fortemente marcadas pela segregação, têm contribuído para perda da função
da cidade como meio de interação social. Então, tem-se que o ponto de vista, compartilhado
por acadêmicos e por articuladores de políticas públicas, é que as ações culturais não têm efeito
se não forem articuladas com outras áreas da gestão pública, tais como educação, segurança e
planejamento urbano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
23
A exemplo do Seminário” Cidade e Cultura: a construção de outro imaginário urbano”, realizado em outubro de
2015 e disponibilizado integralmente na plataforma YouTube, através do link <https://www.youtube.com/watch?-
v=5zm9qKrpsik&feature=youtu.b>
24
“As cidades e a cultura: uma reflexão a partir do Movimento Ocupe Estelita”, publicado na Revista Carta Capital,
em 05/08/2015 e disponível no link <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/as-cidades-e-a-cultura-uma-refle-
xao-a-partir-do-movimento-ocupe-estelita-9633.html>
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RESUMO: Este artigo aborda a trajetória das políticas culturais e urbanas para compreender as
transformações no bairro do Recife (área do Porto) com a construção de novos equipamentos
culturais que estão conectadas a outras áreas da cidade como o Cais José Estelita (área da antiga
Estação Ferroviária). Neste cenário, o Plano do Complexo Cultural elaborado em 2003 foi
identificado como instrumento de planejamento de uma rede cultural que articularia a construção
da paisagem urbana recifense. Identificamos mudanças de paradigmas com relação às políticas
culturais o surgimento de clusters de negócios criativos tendo como marco a nova gestão de
Eduardo Campos (2007 – 2014).
1. INTRODUÇÃO
A memória das reconfigurações dos usos do patrimônio no bairro foram analisadas a
partir da década de noventa tendo como marco o surgimento do movimento Manguebeat2. A
Teoria Ator-Rede foi uma ferramenta metodológica utilizada para desvendar a inter-relação en-
tre o Movimento Manguebeat, a criação do Porto Digital e as políticas de regeneração urbana e
cultura através de uma abordagem sobre as interconexões de quadros de memória dos diferentes
atores que participaram desses processos. Um estudo de caso sobre o bairro do Recife e terri-
tórios em conexão como o Cais José Estelita trazendo à tona questões como economia criativa,
cooperação público-privada, modelos de cidade-mercadoria e especulação imobiliária.
A memória das reconfigurações dos usos do patrimônio no bairro foram analisadas a
partir da década de noventa tendo como marco o surgimento do movimento Manguebeat3. A
1
Doutora em Memória Social – UNIRIO. E-mail: clyra2@gmail.com
2
Emergindo da “periferia da periferia”, da lama, o Manguebit (como foi chamado pelos grupos que o consti-
tuíam), ou mangue beat (como ficou conhecido por meio da mídia nacional), vai transformar a cidade do Recife
(PRYSTHON, 2005).
3
Emergindo da “periferia da periferia”, da lama, o Manguebit (como foi chamado pelos grupos que o consti-
tuíam), ou mangue beat (como ficou conhecido por meio da mídia nacional), vai transformar a cidade do Recife
(PRYSTHON, 2005).
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Teoria Ator-Rede foi uma ferramenta metodológica utilizada para desvendar a inter-relação en-
tre o Movimento Manguebeat, a criação do Porto Digital e as políticas de regeneração urbana e
cultura através de uma abordagem sobre as interconexões de quadros de memória dos diferentes
atores que participaram desses processos. Um estudo de caso sobre o bairro do Recife e terri-
tórios em conexão como o Cais José Estelita trazendo à tona questões como economia criativa,
cooperação público-privada, modelos de cidade-mercadoria e especulação imobiliária.
4
Menção de Duarte Coelho (1537) ao vilarejo portuário de colonização portuguesa que surgiu em função do co-
mércio de importação e exportação na capitania hereditária de Pernambuco.
5
Este plano foi elaborado durante a gestão do PT na esfera municipal (João Paulo) e federal (Governo Lula).
6
O relatório define “equipamentos culturais” como espaços ou edificações que consolidariam a principal feição
formal da cultura local expressa no território compostas por expressões de significativo valor religioso, histórico,
arquitetônico (2003; p.41).
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7
DECRETO Nº 23.212, DE 20 DE ABRIL DE 2001 - Qualifica a Associação Núcleo de Gestão do Porto Digital
como Organização Social - OS.
8
Sobre o processo de ocupação do Cais José Estelita ver: LYRA, Carla. #OcupeEstelita: a construção do imaginá-
rio da resistência. In: Latinidade. Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 23-32, jul./dez. 2014.
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de Apoio de Integração e Suporte a Novos Empreendimentos de TIC) tem como principal objeti-
vo dar suporte a startups de TIC voltadas para o desenvolvimento de soluções para problemas da
economia pernambucana e que se apresentem, também, em outros contextos regionais, nacionais
e internacionais, de modo a garantir condições de crescimento e escalabilidade do negócio9.
O cluster tecnológico como instrumento de regeneração urbana surge como uma alter-
nativa ao desenvolvimento das metrópoles contemporâneas que tiveram parte de seus territó-
rios desqualificados neste processo de 30 anos de reestruturação produtiva, desindustrialização
e reindustrialização. Em dez anos, o Porto Digital se transformou em um cluster10 com 103
organizações entre empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), serviços es-
pecializados e órgãos de fomento, empregando cerca de 6,5 mil pessoas e faturando cerca de
R$1 bilhão (faturamento estimado em 2010)11. Este cluster que opera no território do Bairro do
Recife é um dos principais polos de tecnologia do Brasil impulsionando o setor de tecnologia
de Pernambuco, que representava apenas 0,8% do PIB em 2000 e passou para 4,8% em 2008
(BERBEL, 2008).
O fenômeno das transformações urbanas e sua relação com a globalização foi analisado
por Castells (1999). O autor analisou a crise financeira internacional no início dos anos 90 e
demonstrou a vulnerabilidade das cidades em relação aos fluxos globais em transformação. Para
isto, elaborou conceitos para explicar a relação entre espaço e práticas sociais tais como: fluxos/
espaço de fluxos, fluxos de rede/infraestrutura tecnológica, rede de comunicação/ferrovias. As-
sim sendo, para analisar a regeneração ocorrida no bairro do Recife Antigo é necessário com-
preender a integração global dos mercados financeiros, as redes interativas de computadores e
o papel do Estado na inovação tecnológica, as novas formas históricas de interação, controle e
transformação social no contexto da década de noventa com os processos de desregulamenta-
ção, privatização, desmantelamento do contrato social entre capital e trabalho. Como coloca o
autor, os principais processos de geração de conhecimentos, produtividade econômica, poder
político/militar e a comunicação via mídia estão transformados pelo paradigma informacional e
conectados a redes globais de riqueza, poder e símbolos.
Neste contexto, David Harvey (2005) analisa o relacionamento entre o Estado e o fun-
cionamento do modo capitalista de produção, assim como, as conexões entre a formação da ide-
ologia dominante, a definição do “interesse comum ilusório” na forma do Estado e os interesses
específicos reais da (s) classe(s) dirigente(s):
9
Disponível em: <http://www.portodigital.org/>.
10
Clusters são concentrações geográficas de empresas e instituições interconectadas por uma determinada área de
interesse. Os clusters incluem fornecedores de serviços especializados, tais como componentes, máquinas e infra-es-
trutura e alcançariam canais e consumidores e, de forma lateral, produtores de bens complementares. Além disso, os
clusters também incluem, muitas vezes, instituições governamentais, de pesquisa e universidades. Exemplos mais
conhecidos: Vale do Silício e a indústria cinematográfica de Hollywood (Porter,1998 APUD BERBEL, 2008).
11
Dados coletados na página do Porto Digital. Disponível em:< www.portodigital.org>.
395
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cultura.gov.br/secretaria-da-economia-criativa-sec>.
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numa nova configuração de memórias e experiências. Para Miles (2012), a cidade criativa é
uma cidade socialmente fragmentada e na qual se valoriza a cultura entendida como as artes, em
detrimento da cultura enquanto articulação de valores partilhados no cotidiano.
Um dos exemplos europeus que inspirou a elaboração de políticas culturais e urbanís-
ticas em Recife nos últimas décadas foi Barcelona. A Prefeitura de Barcelona promoveu um
programa de revitalização econômica, social e urbanística na cidade - especialmente em seu
Distrito 2213 - para os Jogos Olímpicos de 1992. O Modelo Barcelona consistiu não apenas em
um projeto urbano, mas principalmente em uma operação imobiliária composta de uma ideia de
cidade acoplada a uma programação econômica e financeira, cujo sucesso estaria condicionado
a gestão de uma sociedade com forma jurídica autônoma (PONTUAL, 2007).
Essa transformação em Barcelona foi um processo longo e contínuo que durou mais de
vinte anos. A partir de 2001, a prefeitura passou a desenvolver ações de planejamento e gestão
urbanística, infraestrutura avançada, edificação e inserção de projetos corporativos e de clusters,
baseada no conceito de cidade inteligente e compacta14. As mudanças promovidas foram orien-
tadas a fim de criar uma região com infraestrutura de ponta, que combinasse espaços públicos e
privados, com áreas verdes coletivas para, desta forma, atrair indústrias, instituições de ensino
e pesquisa e serviços de apoio, gerando sinergias e estimulando a criação de uma sociedade
intensiva em conhecimento.
Pardo (2010) descreve marcas, memória e aprendizados para reinventar Barcelona e seu
processo de abertura para o mar com intervenções profundas nos mais de quatro quilômetros
de praias públicas, conectadas por passeios e dispondo de serviços básicos. A canalização e a
gestão das águas pluviais foi finalizada garantindo a limpeza e a salubridade da areia das praias e
das águas, bem como eliminando todas as construções industriais. O legado dos jogos de 92 foi a
imagem cultural de Barcelona com alto valor econômico, ingrediente fundamental para a retro-
alimentação dos processos de mudança e fator fundamental da coesão social do projeto coletivo
da cidade. Entretanto, algumas medidas da política cultural no planejamento dos equipamentos
culturais indicam que a estratégia implementada enfrenta grandes contradições e limitações com
relação à participação da comunidade artística e da comunidade local.
O modelo Barcelona também foi analisado por Manuel Delgado (2007) a partir de uma
perspectiva antropológica revelando a criação de cidades-commodities ou cidades-negócio -
produzidas através de dinâmicas globalizadoras de internacionalização de um modelo de inter-
venção urbana aliada aos interesses de grandes corporações multinacionais. As cidades seriam
convertidas em produto de consumo através de estratégias de marketing promovido pelo capital
na.pdf. Acesso em 28 abr. 2015 e o sítio web – Barcelona 22 disponível em: <http://www.22barcelona.com/>.
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financeiro e imobiliário, assim como, pela indústria do turismo e do entretenimento. Este mode-
lo possuiria, desta forma, um caráter intervencionista, tecnocrático e manipulações da noção de
diversidade cultural como slogan publicitário, a invenção de “lugares de memória” e “políticas
monumentalizadoras”. O modelo de cidade-negócio elabora o seu conceito de memória partindo
da escolha de acontecimentos históricos e imagens produzindo uma memória coletiva oficial e
institucionalizada que passaria a orientar o uso prático e simbólico do espaço urbano. No caso
do Recife, o modelo do Projeto Novo Recife - com a construção de doze torres no Cais José
Estelita - iniciou a destruição dos galpões de açúcar, assim como, para erguer o Cais do Sertão
é derrubado o Armazém 10 apagando a arquitetura da memória portuária.
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marcos urbanos, mas também, o patrimônio imaterial - tradições, festivais, rituais, gastronomia,
lazer entre outros.
De acordo com o relatório de atividades do Porto Digital, existe no Recife um enor-
me potencial nos setores ligados à economia criativa. “Tais atividades, suportadas por uma
base sólida de tecnologia da informação, possibilita o lançamento do Recife e de Pernambuco
como exportadores de serviços ligados à economia criativa de classe mundial, em especial nas
áreas de design, jogos e cine-animação” (PORTO DIGITAL, 2013). O Programa Pernambuco
Criativo/Governo do Estado de Pernambuco que faz parte do Planejamento 2012 - 2015 está
alinhado com o Plano de Economia Criativa do Governo Federal e foi definido como um “pro-
grama de articulação, fomento e estímulo ao desenvolvimento das cadeias produtivas criativas,
envolvendo um plano de ações para o horizonte de 04 anos em 07 eixos de atuação”. As Metas
Estratégicas da Nova Economia são: consolidar o desenvolvimento, gerar emprego e renda, pro-
mover a Economia do Conhecimento e a Inovação, aumentar e qualificar a infraestrutura para o
desenvolvimento.
O Planejamento 2012 - 2015 apresentou também uma cronologia da execução da Políti-
ca de Economia Criativa cujo debate despontou com força em 2008. Um dos setores contempla-
dos foi a cadeia do audiovisual que, a partir de 2009, foi fortalecida pelo Fundo Pernambucano
de Incentivo à Cultura (Funcultura/PE)17. Em 2011, foi criado o GT de Economia Criativa18
como parte do Programa Polo Metropolitano do Governo Estadual, que tinha como objetivo
construir uma nova experiência de uso e sustentabilidade de equipamentos públicos e incluía
outros centros culturais como a Fábrica Tacaruna e Centro de Referência da Moda. Foram pen-
sados também polos para Olinda e para o interior de Pernambuco: Goiana, Caruaru, Garanhuns,
Arcoverde, Salgueiro e Petrolina.
O Núcleo Gestor foi formado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, AD/Diper, Secretaria Estadual de
18
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1) o período holandês e a retomada portuguesa de 1630 até 1750; 2) segunda metade do século
XIX até os anos 1960; 3) retomada cultural e tecnológica a partir dos anos 1990 com o movi-
mento Manguebeat e a constituição do polo de tecnologia da informação do bairro do Recife
onde o movimento Manguebeat é apontado como marco referencial da cultura e das artes e a
implantação de um polo de tecnologia e inovação no Bairro do Recife como marco tecnológico.
O documento define cluster no mundo da indústria como “uma concentração de empre-
sas que se comunicam por possuírem características semelhantes e coabitarem no mesmo local.
Elas colaboram entre si e, assim, se tornam mais eficientes”. A estratégia de ressignificação do
território Recife/Olinda pelos negócios criativos se apoia na ênfase em negócios transmídia e
na articulação sinérgica de 5 hubs19 em implantação ou a serem implantados/adaptados: Por-
tomídia, Polo da Moda20, Museu Luiz Gonzaga – Cais do Sertão no bairro do Recife, Fábrica
Tacaruna em Peixinhos, Museu do Futuro Imaginário em Olinda.
Na ausência de uma articulação e continuidade de projetos como o Plano do Complexo
Cultural, surgem políticas de negócios centradas em territórios específicos, a exemplo dos clus-
ters de negócios criativos e novas controvérsias relacionadas a sua arquitetura institucional e po-
lítica. Um análise dessas controvérsias pode ser vista em Bayardo (2013) que enfoca a noção de
indústrias criativas e sua relação com as políticas culturais a partir do caso da cidade de Buenos,
descrevendo o contexto da instalação de uma dinâmica setorial que omite os antecedentes em po-
líticas culturais para legitimar políticas públicas de ordem econômica e social. O autor argumenta
que as indústrias criativas aparentam envolver políticas culturais, porém diluem os contornos
emanados de seu fundamento nos direitos culturais e na realização da cidadania. As indústrias
criativas muitas vezes fazem desaparecer as políticas culturais sob políticas econômicas e sociais
orientadas a gerar investimentos, renda, comércio externo, emprego e empreendedorismo.
Enquanto o Complexo Cultural pensava a descentralização das atividades culturais, estas
novas políticas concentram suas ações na área portuária ocupada pelo Porto Digital que, por sua
vez, possui conexões com as iniciativas pública e privada. O Cais do Sertão faz parte do Proje-
to Porto Novo21. O texto no site do Porto do Recife define os projetos Porto Novo (iniciativa
pública) e Porto Novo Recife (iniciativa privada) como “grandes obras, nas quais o Porto do
Recife, através do Governo de Pernambuco e da iniciativa privada, devolvem à cidade espaços
antes dedicados à operação portuária”. Um grande projeto de requalificação e reurbanização de
áreas nobres que vai dialogar e enriquecer as opções de lazer, cultura, comércio, arqueologia e
turismo do Bairro do Recife”22.
19
Um hub funciona como a peça central, que recebe os sinais transmitidos pelas estações e os retransmite para
todas as demais. Todas as placas são ligadas ao hub ou switch, que serve como uma central, de onde os sinais de
um micro são retransmitidos para os demais.
20
Disponível em: <http://www.marcopemoda.com.br/>.
21
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8ApJamaQN_4>.
22
Disponível em: <http://www.portodorecife.pe.gov.br/conheca_portonovo.php>.
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gramas e legislações que são modificadas por fluxos e pela dinâmica das atividades econômicas
e “flutuações” políticas. Naufrágio ou nau frágil? Equipamentos culturais como âncoras de cul-
tura que absorvem investimentos sem continuidade das suas funções e objetivos originais nos
últimos vinte anos e sem garantia de sustentabilidade – palimpsestos da memória da governança
no Brasil e sua arquitetura político-cultural. Equipamentos culturais são fechados e a população
(re) ocupa espaços a exemplo do #Ocupe Estelita, do Ocuparque e a Fábrica Tacaruna é Nossa
reivindicando o direito à cultura, à memória e à cidade.
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RESUMO: O artigo visa analisar o papel regulatório estatal na economia cultural a partir de uma
leitura do conceito de regulação com uma abordagem a respeito dos respectivos instrumentos de
intervenção, reservando especial atenção à ação dos municípios.
1
Bacharel em Direito e Mestrando em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ, e-mail: car-
los.acesan@gmail.com.
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plo valor. Embora a atividade ordenadora não dispense o caráter normativo, a este não se limita,
ficando latente na abordagem regulatória da cultura o destaque recebido pelas demais funções,
sobretudo as ligadas a concretização das ações constantes dos planos e as intervenções de cará-
ter econômico-indutivas. Sobre o assunto sempre se apresenta a diferenciação entre a regulação
e a regulamentação (GUERRA, 2004, p. 13-27).
As competências típicas do regulador que podem se manifestar de forma parcial ou con-
junta, presta-se, a um só tempo, a “assegurar as condições de exploração de dada atividade
econômica e à consecução de objetivos públicos consentâneos com os princípios da ordem
econômica” como na lição do professor Floriano de Azevedo Marques Neto para quem o Estado
pode “exercer regulação sobre atividades consideradas serviço público ou não. Naquelas a re-
gulação é imprescindível e prevalecente, nas outras há de ser menos intensa, mas nem por isso
desnecessária” (MARQUES, 2004, p. 211-214).
O papel regulador não depende da adjudicação de serviço público, tampouco da existên-
cia de relações de parceria com os agentes privados. Também não se cogita a imprescindibilida-
de da existência de agências reguladoras, o órgão responsável pode ser ou não dotado de perso-
nalidade jurídica, tendo como um de seus objetivos principais a tutela dos usuários da atividade
regulada, no caso em exame, não só dos consumidores de cultura, mas também dos artistas, pois
não se valoriza apenas o produto, mas também a manifestação geradora de patrimônio material
e imaterial.
Conforme se destacou, a atividade regulatória transcende o aspecto ordenatório, não
excluindo outros tipos de relação, notoriamente na área cultural isso toma maior relevo, poden-
do se vislumbrar nas relações de meio como de parceiro ou utente, ou nas finalísticas como de
fornecedor ou indutor de atividades socialmente interessantes. Isto exposto, cumpre aprofundar
a analise destes instrumentos.
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Objetiva-se dar uma ótica própria como parte de uma maior política pública para instru-
mentos que podem ser – ou já são – usualmente utilizados por gestores públicos na persecução
das ações que cabem ao Estado no desenvolvimento da economia da cultura, tais como:
(a) “formular e implementar políticas públicas de cultura tendo em vis-
ta a elevação do grau de acesso ao consumo, a defesa da diversidade
cultural, a capacitação de técnicos e empreendedores, a formação de
públicos, o estímulo à criação, à produção e à distribuição, a promoção
de exportações e a valorização dos conteúdos nacionais; (b) produzir e
apoiar a produção e disponibilização de levantamentos de dados, além
de pesquisas e estudos sobre diversos aspectos relacionados ao tema, a
fim de permiti uma melhor quantificação e também ajudar a qualificar o
debate, a formulação e a avaliação das políticas públicas”, como forma
de democratização e participação dos agentes e consumidores; (c) “re-
gular as práticas econômicas tendo em vista o equilíbrio dos mercados e
a mediação entre o interesse das empresas e o interesse público” (LEI-
TÃO, 2007, p. 203).
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desenvolvimento da produção cultural – “gerando suporte aos produtores das diversas manifesta-
ções criativas, alargando possibilidades de inovação e resultado, pressupondo novas conexões e
cooperação institucional entre artistas, criadores, mestres produtores e gestores culturais.
Note-se o lugar de destaque que ocupam os equipamentos culturais na criação de am-
bientes aptos a sediar o desenvolvimento da economia da cultura em seus diversos aspectos,
com relevo para as ações e estratégias de formalização e fidelização de público, ampliação do
acesso à fruição cultural para demandas específicas da sociedade (como inclusão e acessibilida-
de), expansão do consumo como estímulo a formação de mercado de bens e serviços culturais,
manutenção e infraestrutura para garantir e incentivar padrões de qualidade e, dentre outras, a
geração de informação e pesquisa no setor.
No campo da rede de equipamentos culturais públicos, a atuação regulatória se dá: a) de
forma ostensiva, pelo aspecto da normatização administrativa a que se sujeita o agente cogestor
ou utilizador do espaço, por meio do qual se pode estabelecer padrões de contratação em confor-
midade com a planificação ou; b) discreta, pela geração de influência no mercado.
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sitos técnicos ou fáticos que restrinjam a competitividade, desde que anterior e justificadamente
tendam a atingir o objetivo almejado de forma proporcional a restrição dos direitos envolvidos.
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carecendo apenas de uma nova ótica para suas estruturas na sofisticação do seu tratamento e
desenvolvimento, visando aos objetivos de, sem detrimento de outros: a) incentivar as manifes-
tações culturais do município por meio da difusão e valorização das expressões artísticas e da
cultura local; b) criar oportunidades de acesso à produção cultural brasileira em âmbito local
como forma de ampliar os espaços de diálogo e interação entre as manifestações; c) propiciar à
comunidade local o reconhecimento de sua identidade cultural por intermédio da preservação
e cultivo à memória; proporcionar às comunidades locais o desenvolvimento socioeconômico,
geração de renda e trabalho por meio da economia da cultura (indústria cultural).
5. CONCLUSÃO
Ao longo do presente artigo buscou-se identificar a importância econômica do setor cul-
tural e sua potencial função para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro, com soluções
criativas e sustentáveis, a partir do que se denominou duplo valor da economia cultural.
Uma leitura a partir do conceito de regulação estatal foi proposto para iluminar a atuação
estatal no setor, evidenciando as características e examinando instrumentos a serem utilizados
para disciplina e incentivar a iniciativa econômica de acordo com planos de desenvolvimento.
Não houve, portanto, a ousadia de querer discorrer sobre todas as técnicas de interven-
ção, tampouco sobre todos os instrumentos de possível utilização pelo Estado na regulação da
economia da cultura, tema demasiadamente amplo, em vez disso almejou-se relacionar algumas
técnicas – em parte já conhecidas – com o planejamento econômico do setor cultural, estabele-
cendo o liame com o reconhecimento de um papel regulador.
Estabeleceu-se neste trabalho as bases que, embora singelas, expõem os elementos aptos
a dar início à discussão sobre a atuação estatal nas três esferas de governo, por meio dos aspectos
dos deveres e responsabilidades socioeconômicas, dedicando especial atenção aos municípios
que – julga-se – exercem papel fundamental. Se tais ideias tiverem o condão de despertar a re-
flexão sobre as questões declinadas, terão atingido seu objetivo.
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RESUMO: Apresenta a Rede Web de Museus do Estado do Rio de Janeiro enquanto política
que objetiva ampliar o acesso aos acervos os museus do estado através da disponibilização
de fichas de peças museológica de diferentes acervos e suas imagens no portal Web da Rede.
Discute as potencialidades da Web para os museus como meio de alcançarem um público mais
amplo e necessidade de considerá-la nas políticas museológicas. Discorre sobre as políticas
da Superintendência de Museus. Mecanismos de cooperação e fomento da Rede são descritos
e a sua plataforma tecnológica – um sistema de base de dados compartilhada, voltado para a
disponibilização na Web de acervos e suas imagens, e para sua gestão, é apresentada. Futuros
desenvolvimentos da Rede, como organização e a criação de novas funcionalidades para o
sistema, como exposições e aulas virtuais, são apresentados.
1. INTRODUÇÃO
A Web é cada vez mais onipresente nas atividades humanas, sejam elas educacionais,
econômicas, políticas, sociais ou culturais. Naturalmente que uma plataforma tão abrangente
como Web não deixaria de influenciar os museus e a maneira como desenvolvem suas atividades.
Estudo desenvolvido pelo Instituto Nacional de Museus e Serviços de Biblioteca dos
EUA em 2008 sobre a utilização de museus e a Internet (http://interconnectionsreport.org/), con-
cluiu que “the amount of use of the Internet is positively correlated with the number of in-person
visits to museums.” Assim, pode-se esperar que a Web, por si só, represente um incremento na
visitação e divulgação dos museus. No entanto a Web tem um potencial muito maior que esse
para as instituições de preservação da memória e cultura e para os museus em especial.
1
Profº Drº Depto. de Ciência da Informação, UFF, marcon@vm.uff.br.
2
Coordenadora de Museologia, Superintendência de Museus/SEC-RJ, elenora.cultura@gmail.com.
3
Gerente de Projetos Museológicos, Superintendência de Museus/SEC-RJ, emsouza.cultura@gmail.com.
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seção 5 apresenta a Superintendência de Museus a Rede Web e suas políticas culturais vigentes
na área de museus, nas quais se insere a Rede; por fim por fim, na seção 6, são apresentadas as
considerações finais e os desenvolvimentos futuros da Rede.
2. MUSEUS NA WEB
Como o estudo mencionado anteriormente confirma, a Web aumenta a visitação aos
museus. Ferramentas como Facebook, Instagram e Twitter permitem hoje aos museus terem mi-
lhares de “seguidores” e divulgarem assim suas atividades e muitos museus, de fato, já as veem
utilizando. Contudo, a possibilidade de alcançar um público muito mais amplo que o público
presencial é a maior potencialidade trazida pela Web. Esta potencialidade vem sendo explorada,
a exemplo do que já existia para outras instituições de memória e cultura como as bibliotecas,
por exemplo, para criação de catálogos “online” dos acervos e também, exposições virtuais.
Catálogos museológicos na Web são ferramentas de busca que contêm registros de peças
da coleção do museu. Podem contemplar a coleção inteira ou estarem segmentados por subco-
leções ou exposições específicas. Além disso, na maioria das vezes, entradas dos catálogos são
acompanhadas de imagens das peças, permitindo a experiência com coleções museológicas a
um público muito mais amplo.
Variantes dos catálogos “online” são as exposições virtuais, sobre temas ou coleções
específicas. No momento em que este trabalho estava sendo escrito uma pesquisa aleatória com
o tema “virtual museum” na ferramenta de busca Google permitiu identificar: “Online Tou-
rs”, British Museum, (://www.britishmuseum.org/explore/online_tours.aspx); “Online Tours”,
Louvre, Paris, (http://www.louvre.fr/en/visites-en-ligne); Virtual Tour do National Museum of
Natural History, EUA, (http://www.mnh.si.edu/panoramas/); exposição do escultor americano
Alexander Calder, na National Gallery of Art, Washington, EUA, (http://www.nga.gov/exhibi-
tions/calder/realsp/room1-enter.htm), as “Online Exibits” do Museum of the History of Science
(http://www.mhs.ox.ac.uk/exhibits/).
A Web também trouxe a possibilidade e o novo conceito de Web museus, aqueles que não
têm uma existência física e só realizam suas atividades através da Web. Estes museus reúnem
coleções de imagens de objetos específicos, como o The Virtual Diego Rivera Web Museum
(http://www.diegorivera.com/), o Museu da Pessoa (http://www.museudapessoa.net/pt/home),
ou, o que é bastante inovador, fichas e imagens de objetos que pertençam a diferentes museus
num único sítio Web; exemplos são o Web Museum (http://www.ibiblio.org/wm/) e a Web Gal-
lery of Arts (http://www.wga.hu/).
A Web também amplia a capacidade dos museus se comunicarem entre si e articularem
suas atividades. Várias redes de museus articulam-se através da Web, com finalidades diversas,
como projetos educacionais conjuntos (The Museumnetwork, http://www.museumnetworkuk.
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4
PRODERJ, Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio de Janeiro, http://www.pro-
derj.rj.gov.br/.
421
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descritas no Manual do usuário do SISGAM (2012). Além destes 28 campos, cada ficha pode
incluir uma ou mais imagens de cada peça.
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Além de permitir uma busca transversal em todos os acervos dos museus da rede, o
SISGAM também possui um conjunto de funcionalidades voltado para a gestão de acervos
museológicos. Estas funcionalidades estão disponíveis somente para acesso restrito, isto é, aos
usuários cadastrados no sistema.
Através das funcionalidades de acesso restrito curadores, museólogos e documentalistas
tem a sua disposição funções como registro das peças, manutenção das tabelas de padronização
do sistema, registro das transações ocorridas em cada peça e emissão de relatórios diversos.
A base de dados do SISGAM esta dividida em dois tipos de registros: registros de fichas
de objetos e, vinculados a estes, registros de transações ocorridas numa determinada peça. O
sistema prevê a possibilidade de registrar, para cada ficha museológica, as transações ocorridas
no objeto. Estão previstos os seguintes tipos de transações: avaliação do estado de conservação,
avaliação monetária, conservação/restauração, empréstimo e cessão, participação em exposi-
ções, baixa de acervo e histórico de publicações. As diversas transações ficam agregadas à ficha
do objeto, permitindo ao gestor registrar e consultar todas as ocorrências relacionadas à peça ao
longo de sua trajetória.
As funções para gestão de acervos do SISGAM, de acesso restrito, podem ser vistas na
seguinte figura.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Rede Web de Museus do Estado do Rio de Janeiro esta em fase de implantação e ins-
titucionalização. Pretende-se que a Rede tenha mecanismos e fóruns próprios de gestão. Assim
a Rede ampliará suas oportunidades de se desenvolver, de desenvolver projetos e de obter mais
fomento para os museus do estado.
Estão previstos futuros desenvolvimentos na plataforma SISGAM para facilitar o acesso
aos acervos dos diferentes museus da Rede e potencializar seu uso educativo e cultural. Será
oferecido aos usuários a opção de “navegação” pelas categorias do Thesaurus., a exemplo das
estruturas de “navegação” por categorias como as disponíveis no sítio do Victoria and Albert
Museum, (http://collections.vam.ac.uk), facilitando a recuperação de registros de peças museo-
lógicas disponíveis em diferentes instituições. Com isto usuários poderiam “navegar” por estas
categorias, escolher uma categoria e recuperar fichas de peças correspondentes, disponíveis em
acervos de diferentes museus.
Às facilidades de recuperação de informações proporcionadas pela ferramenta de busca
do portal da Rede planeja-se também agregar facilidades para a elaboração, por parte de cura-
dores ou professores, de exposições, ou aulas “virtuais” com comentários ou textos agregados,
enriquecendo o potencial educativo e potencializando as sinergias existentes entre os acervos
dos diferentes museus da Rede.
A Superintendência de Museus, através do Projeto Rede de Museus, pretende promover a
troca de experiência, a cooperação técnica e o compartilhamento de informação e conhecimento
entre as instituições do estado, tendo como perspectiva a atualização continuada das equipes e a
adoção de normas, padrões e boas práticas de documentação. Também pretende promover promo-
ver ações educativas e culturais com base nos conteúdos das instituições participantes da Rede.
O trabalho cooperativo em rede é uma experiência nova no Brasil. A Rede abre caminho
para que os museus explorem todas as potencialidades e sinergias do trabalho cooperativo e
tirem partido das oportunidades trazidas pelas tecnologias de informação.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. INTRODUÇÃO
Desde o final do Século XX, estudiosos têm apontado tendência a mudanças expressivas
na dinâmica de acumulação e de desenvolvimento das sociedades. A nova lógica, expressa na tese
da centralidade do trabalho intelectual e criativo, impactaria, particularmente, na dimensão econô-
mica da cultura nas sociedades atuais. Yúdice (2004) chama a atenção para a tendência atual de se
utilizar “cultura como recurso”, visando à melhoria social, política e econômica das comunidades.
1
Doutora em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), professora da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB) e da Universidade Católica de Salvador (UCSAL) e economista da Agência de Fomento
do Estado da Bahia (Desenbahia). carmen.lima20@gmail.com.
Saliento que embora assine como autora, este artigo é resultado de um trabalho coletivo, fruto da experiência de
todos os membros da Diretoria de Economia da Cultura do estado da Bahia que atuou, durante o período de 2013 e
2015, na formulação de políticas públicas para esta área”. Os coautores do artigo são:
• Daniel Carneiro: especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, coordenador técnico do
Programa Bahia Criativa. danielcarneiro77@gmail.com
• Luiz Filipe Dunham: mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade pela Univer-
sidade Federal da Bahia (UFBA), técnico em nível superior da Diretoria de Economia da Cultura da
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. filipeadunham@gmail.com
• Pierre Malbouisson: licenciado em História e graduando em Economia pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA). pmalbouisson@gmail.com
• Rita Clementina: gestora cultural e coordenadora do Projeto Mercado Salvador Criativo. rclementina@
gmail.com
• Tais Viscardi: bacharel em Letras pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e assessora da direção do
Museu de Arte da Bahia. taiscviscardi@gmail.com
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2
Neste artigo, considera-se segmento cultural tanto os campos tradicionais da arte e da indústria cultural como as
atividades que geram bens com valor cultural significativo, a exemplo de moda, publicidade e design.
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na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco), tem como objetivo contribuir para a formulação de nova agenda de desenvolvimento
sustentável pós-2015, que reconheça o efeito multiplicador da cultura (UNESCO, 2013).
A Unesco (2013) estima que o comércio mundial de bens e serviços criativos totalizou
um recorde de US$ 624 bilhões em 2011, e mais do que duplicou entre 2002 e 2011. Nesse
mesmo período, as exportações de produtos do segmento registraram aumento médio anual de
12,1% nos países em desenvolvimento. Além disso, a contribuição de atividades culturais priva-
das e formais representou, em média, 5,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
Observa-se que, desde os anos 1990, vários governos passam a considerar as atividades
produtoras de bens culturais/criativos como pilar estratégico para o desenvolvimento dos países. O
Reino Unido tem um trabalho relevante na formulação de políticas voltadas às indústrias criativas,
consideradas estratégicas para combater a depressão econômica que atingia as cidades industriais
no final do século XX (BRITISH COUNCIL, 2014). Além do Reino Unido, outras experiências
importantes nessa área podem ser citadas como: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelân-
dia, Cingapura, Hong Kong e os países membros da União Europeia (UNCTAD, 2010).
No caso do Brasil, a temática surgiu a partir de 2004, durante a XI Conferência da Unc-
tad em São Paulo, com a realização de um painel dedicado exclusivamente às indústrias cria-
tivas na perspectiva dos países em desenvolvimento. Nos últimos 11 anos (2004-2014), houve
um avanço na discussão em relação à dimensão econômica da cultura como elemento de política
pública. A criação da Diretoria de Economia da Cultura no Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES); a instituição da Secretaria de Economia Criativa no Ministério
da Cultura (SEC/MinC) e as iniciativas de vários governos estaduais e municipais e entidades
privadas são indicativos da maior relevância do tema no debate sobre o modelo de desenvolvi-
mento para o Brasil.
Uma questão que se coloca no presente trabalho é: o segmento cultural/criativo pode se
consolidar como vetor estratégico para o desenvolvimento da Bahia? Esta possibilidade será
discutida a seguir.
431
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3
Nesta publicação, o segmento cultural/criativo são as atividades que geram, preservam, conservam e transmitem
bens com conteúdo simbólico-cultural. Estas são: atividades culturais (patrimônio, artes cênicas, artes visuais, livros
e periódicos, audiovisual, música e mídias interativas e artesanato) e criações funcionais (publicidade e arquitetura).
4
Na classificação da Firjan, a área da cultura inclui os seguintes segmentos: expressões culturais, patrimônio e
artes, música e artes cênicas; o setor cultural, segundo essa classificação, seria uma subdivisão do que se entende
por indústria criativa.
5
Ressalte-se que o IBGE, em sua delimitação do segmento cultural, inclui apenas as atividades econômicas relacio-
nadas à produção de bens e serviços direta ou indiretamente ligados à cultura e tradicionalmente ligados às artes.
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valor ligeiramente superior ao rendimento médio da população ocupada nos demais setores da
atividade produtiva, aproximadamente R$ 1.460,00 (SISTEMA, 2013).
Essas informações apontam uma significativa importância do setor cultural/criativo para
a economia baiana em termos de geração de ocupação e renda. Neste sentido, a Bahia, enquanto
o estado com maior PIB da Região Nordeste e maior contingente populacional, poderia ampliar
a participação das atividades culturais na economia. Nas duas próximas seções serão discutidos
alguns fatores favoráveis e desfavoráveis para que isso ocorra.
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segmento que se sobressai nacionalmente, haja vista nomes baianos figurarem entre os princi-
pais do segmento publicitário brasileiro. Como promissoras e potenciais atividades criativas, a
Bahia também desponta nos segmentos de design, moda e jogos eletrônicos.
As ações do poder público são de grande relevância para o desenvolvimento de qualquer
segmento econômico. Nesse sentido, a institucionalização da dimensão econômica da cultura,
reconhecida pela Lei Orgânica da Cultura e pelo Plano Estadual da Cultura, representa um
avanço importante para o setor. Acrescente-se a isto a publicação do Documento Bahia Criativa
que buscou estabelecer “diretrizes estratégicas, de forma a construir uma carteira de iniciativas
integradas para o fortalecimento do segmento criativo na Bahia”.
No âmbito das políticas públicas, evidenciam-se também, nos últimos anos, ações de
apoio à profissionalização e à gestão dos empreendimentos culturais, como o Qualicultura – pro-
jeto executado pela Secult em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae) –, que ofereceu capacitação e formação técnica aos setores criativos. Por sua
vez, o Escritório Bahia Criativa, convênio entre MinC e Secult, promove ações de atendimento
e suporte aos empreendedores criativos a partir de capacitações, consultorias, assessorias técni-
cas, palestras e debates, entre outras iniciativas, em todo o estado.
Merecem destaque, também, as ações de fomento empreendidas pelo estado, como: o
Edital de Economia Criativa, da Secult-BA, que se destina a projetos que contribuam para o
desenvolvimento da dimensão econômica da cultura; o Edital de Ideias Inovadoras, promovido
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), que destina uma linha de
financiamento específica para inovações relacionadas à economia criativa; o Edital Fapesb, de
apoio a projetos de caracterização de Indicação Geográfica (IG), que financia iniciativas com
a finalidade de identificar e caracterizar produtos ou serviços originários de um local ou região
(BAHIA, 2014).
Evidencia-se ainda o crescente interesse das universidades pelo tema, com a produção de
diversos trabalhos de pesquisa e extensão sobre a cultura. As instituições de ensino superior em
funcionamento na Bahia possuem um amplo conjunto de cursos de graduação e pós graduação
relacionados à economia da cultura (BAHIA, 2014).
No âmbito acadêmico, destaca-se o Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade, da Universidade Federal da Bahia, no qual uma das áreas de concentração
investiga a cultura como elemento essencial para o desenvolvimento. A sua existência vem pro-
porcionando, desde 2004, a produção de teses e dissertações que discutem a dimensão econômica
da cultura, bem como a formação de especialistas em gestão e políticas culturais (BAHIA, 2014).
Não obstante este cenário, a produção de dados sobre o setor ainda é incipiente, não so-
mente na Bahia, mas em todo o Brasil. Neste contexto, a criação do Observatório de Economia
Criativa, que objetiva produzir, reunir e difundir informações quantitativas e qualitativas sobre
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a economia criativa brasileira, aponta para a perspectiva de realização de novas pesquisas sobre
o setor (UFBA, 2013).
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concepção da cultura como vetor estratégico de desenvolvimento, hoje em evidência
principalmente nos países desenvolvidos, surge como uma resposta direta à crise e como estraté-
gia de sobrevivência em áreas fortemente atingidas pela depressão econômica. Esta reformula-
ção do modelo é provocada por mudanças na economia global e a percepção de que houve uma
transferência de grande parte da produção manufatureira tradicional para outros centros, como
a China e a Índia. Assim, em que pese o potencial econômico da cultura, o efetivo salto do setor
cultural como motor de desenvolvimento, nos países centrais como o Reino Unido, ocorreu a
partir do esgotamento dos modelos industrialistas (BRITISH COUNCIL, 2014).
Diante da escassez de alternativas nos setores historicamente priorizados, os governos
desses países enxergaram nas atividades econômicas culturais e criativas um possível caminho
para a construção de vantagens competitivas. Passaram, então, a desenvolver ações de apoio,
estruturação e incentivo a tais atividades, em muitos casos gerando efeitos significativos e de
caráter estruturante. Por conta dessas iniciativas de sucesso, é crescente o número de nações que
passam a conferir caráter estratégico ao setor.
Na Bahia, o potencial de desenvolvimento econômico a partir da cultura é inegável, já
que o estado é culturalmente diverso, possui produção cultural relevante em diversas linguagens
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e conta com um número significativo de profissionais ocupados no setor. Além disso, demonstra
significativos avanços ligados à formação técnica e ao apoio governamental, ainda que existam
críticas a respeito da forma e do alcance dessas ações.
A transformação desse potencial em resultados concretos, no entanto, esbarra em entra-
ves que envolvem não apenas características do mercado, barreiras institucionais, problemas
com distribuição e demanda, mas também a postura dos agentes produtivos perante o panorama
atual. Talvez o obstáculo mais significativo resida na resistência dos agentes públicos e em-
presários em reconhecer a relevância econômica do setor cultural, concebendo um modelo de
desenvolvimento que vá além dos setores agrícolas e manufatureiros tradicionais. Em síntese,
não há, ainda, a vontade política necessária para avançar com a agenda da economia da cultura
na Bahia (até mesmo no Brasil).
Para incorporar o segmento cultural no modelo de desenvolvimento do país, é funda-
mental, portanto, que este seja inserido na pauta e nos projetos das casas parlamentares e do
Poder Executivo, sob uma perspectiva econômica, e passe a dividir (e disputar) espaço com se-
tores tradicionais no âmbito das políticas. Essa mudança de perspectiva passa, necessariamente,
pela sensibilização de atores públicos e empresariais privados sobre a importância econômica e
social dos setores produtores de bens simbólicos. Assim, deve ser uma construção política que
possibilite a participação dos agentes dos segmentos criativos na formulação de um novo padrão
de desenvolvimento para o Brasil e a Bahia.
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1. INTRODUÇÃO
A dificuldade de estabelecer um marco regulatório voltado à utilização das Expressões
Culturais Tradicionais-ECT reflete-se na ausência de consensos mínimos sobre temas referentes
ao objeto da proteção jurídica. Isso porque as discussões sobre a regulação do uso das manifesta-
ções criativas tradicionais encerram controvérsias entre usuários, criadores e Estado que dizem
respeito às próprias categorias do debate.
O objetivo deste trabalho é demonstrar que a atual inexistência de proteção jurídica às
Expressões Culturais Tradicionais (ECT) é consequência, dentre outros fatores, das divergên-
cias de entendimento sobre a matéria, configurando um impasse que possibilita a livre utilização
1
Carolina Starling:: Bacharel em Geografia pela Universidade de Brasília, Mestre em Preservação do Patri-
mônio Cultural pelo IPHAN e Coordenadora de Difusão de Direitos Autorais, da Coordenação-Geral de Difusão
e de Negociação em Direitos Autorais e de Acesso à Cultura, da Diretoria de Direitos Intelectuais, da Secretaria-
Executiva do Ministério da Cultura. E-mail: carolstarling84@yahoo.com.br carolina.souza@cultura.gov.br
2
Everaldo F. Silva: Graduado em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e em Administração de Empresas (EAESP-
-FGV) e Coordenador Substituto de Legislação em Direitos Autorais, da Coordenação-Geral de Regulação em Di-
reitos Autorais, da Diretoria de Direitos Intelectuais, da Secretaria-Executiva do Ministério da Cultura. E-mail:
everaldo.silva@cultura.gov.br
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das criações dessas coletividades por parte dos usuários. Esses, em geral grandes empresas, não
são submetidos a qualquer contrapartida voltada aos detentores das ECT, que permanecem sem
a valorização simbólica e material das expressões do seu processo criativo.
Para atendermos ao objetivo mencionado, consolidamos, no primeiro item, as perspecti-
vas antagônicas sobre o tema, explicitando os argumentos que dão corpo ao impasse citado. No
segundo item, apontamos a inconsistência da proteção autoral quando aplicada às ECT, o que dá
respaldo à necessidade de um instrumento legal voltado especificamente para o contexto em que
se situam. A seguir, no item 3, analisamos criticamente as políticas de salvaguarda do patrimô-
nio imaterial e suas possibilidades de aplicação à proteção das criações tradicionais.
3
Sobre o uso dos termos “populações” e “povos”, compartilhamos a perspectiva da OIT, conforme segue: “Outra
inovação é a distinção adotada na Convenção entre o termo ‘populações’, que denota transitoriedade e contingencia-
lidade, e o termo ‘povos’, que caracteriza segmentos nacionais com identidade e organização próprias, cosmovisão
específica e relação especial com a terra que habitam”. (in: página 08 da “Convenção nº 169 sobre povos indígenas
e tribais e Resolução referente à ação da OIT/Organização Internacional do Trabalho - Brasília : OIT, 2011)
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Culturais Tradicionais, parece-nos válido apontar, por analogia, a abordagem dada ao uso dos
Conhecimentos Tradicionais pela recém aprovada Lei da Biodiversidade (nº13123/2015), visto
que em tal normativa foram incorporadas escolhas em relação às oposições aqui destacadas. A
propósito, a consagração do termo “populações indígenas”, no dispositivo citado, sustenta em
parte a tese de sub-representação dos povos tradicionais no processo de elaboração dessa lei4. Tal
sub-representação trouxe como consequência um dispositivo legal que, no nosso entendimento,
não atende integralmente à compreensão defendida pela Convenção da Diversidade Biológica
(CDB) e por grande parte dos representantes das coletividades tradicionais, segundo a qual:
(...) o consentimento prévio e informado é um processo ‘permanente’ de troca de infor-
mação e deve ser iniciado antes do acesso/utilização do recurso genético e/ou do conhecimento
a ele associado. A utilização dos recursos e conhecimentos referidos fica condicionada à manu-
tenção do consentimento ao longo da parceria. Para cada novo uso específico pretendido, ainda
que do mesmo conhecimento ou recursos cujo acesso já tenha sido consentido, deve haver novo
consentimento. (BENSUSAN; BAPTISTA E LIMA, 2003, p. 209).
Um dos aspectos enfatizados na discussão internacional é a ausência de um marco jurí-
dico que disponha de orientações sobre gestão, proteção, acesso e utilização dos conhecimentos
tradicionais. Entre os organismos que atuam na reflexão sobre políticas públicas voltadas para
a proteção aos Conhecimentos e Expressões Culturais Tradicionais, destaca-se a Organização
Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). De acordo com essa instituição, um dos principais
problemas enfrentados pelas comunidades é a ausência de reconhecimento jurídico sobre a titu-
laridade das Expressões Culturais Tradicionais:
Comumente transmitidas por meio da tradição oral, as ECT’s se manifestam por meio de
uma canção, de um conto, de uma dança, um símbolo, um ritual, dentre outros. Elas são a forma
materializada de uma tradição cultural e normalmente seus autores são desconhecidos, ou seja,
as ECT’s estão enraizadas nos costumes de uma comunidade de forma natural e sem uma real
noção de quando elas foram adotadas e quem as adotou. (OMPI, 2010, pp. 15)
A OMPI é favorável tanto à proteção das ECT por meio dos instrumentos de Propriedade
Intelectual, quanto a partir da elaboração de um marco legal sui generis, enfatizando a possibi-
4
No documento “Pedido de Veto ao Projeto de Lei nº. 7735/2014 – Dos Guardiões da Agro e Biodiversidade,
Detentores dos Saberes/Conhecimentos Tradicionais, Povos dos Campos, das Florestas e das Águas” (in: http://ter-
radedireitos.org.br/wp-content/uploads/2015/05/VETA-DILMA-PL-7735.pdf), representantes das Comunidades
Tradicionais assinalam:
“(...) Reiteramos nosso repúdio acerca da assimetria na amplitude das discussões rea-
lizadas com os setores privados interessados, especialmente, na exploração econômica
do patrimônio genético nacional, com os quais foi noticiada a realização de mais de
trezentas reuniões, em detrimento dos poucos espaços que tiveram que ser conquista-
dos por nós (...)
“(...) O texto dessa lei retroage quando ignora a terminologia povos indígenas, contra-
riando o avanço no reconhecimento dos direitos desses (...)”.
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a proteção e valorização dos seus bens culturais. No que diz respeito especificamente aos povos
indígenas, a Convenção 169 da OIT estabelece:
Art 7º. I. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas
próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimen-
to, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e
bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de
alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio de-
senvolvimento econômico, social e cultural.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme analisamos, o debate sobre as Expressões Culturais Tradicionais encerra di-
vergências que adiam a regulação de seu uso.
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Ora alocadas como um caso particular a ser acolhido pela perspectiva da Propriedade
Intelectual, ora compreendidas como passíveis de proteção por instrumentos sui generis, as
Expressões Culturais Tradicionais continuam sendo exploradas economicamente por usuários
desobrigados de quaisquer contrapartidas.
É possível que o retorno financeiro pela utilização das ECT não faça sentido a algumas
comunidades tradicionais. Pode também estimular, conforme já advertimos, a inserção da lógica
concorrencial descontextualizada dos modos de vida desses povos. Isso posto, uma normativa
que contemple as especificidades das comunidades, obtida com a participação de todos os en-
volvidos no processo, é caminho viável para a elaboração de políticas públicas voltadas à pro-
teção das ECT.
Contudo, do nosso ponto de vista, a construção de mecanismos objetivos de compensa-
ção material à exploração econômica das Expressões Culturais Tradicionais independe da rati-
ficação de uma das perspectivas em debate. Isto é, não nos parece justificável condicionar um
controle mínimo do uso das ECT ao arrefecimento das divergências analisadas. Tal condiciona-
mento apenas prorroga a situação vigente, na qual empresas ampliam sua rentabilidade median-
te a exploração, sem contrapartida, de criações alheias. Cabe dizer, por fim, que os mecanismos
aos quais nos referimos acima – podemos imaginar, como exercício, um Fundo de Repartição
de Benefícios – dependem de soluções jurídicas que garantam a obtenção de recursos a serem
destinados aos detentores das Expressões Culturais Tradicionais, o que hoje lhes é negado pela
lacuna normativa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: Este artigo apresentará a sala de cinema - Ponto Cine, localizada na periferia do
Rio de Janeiro, no bairro de Guadalupe. Esta análise irá refletir as soluções encontradas, no que
concerne a sustentabilidade do espaço cultural. Também pretende abordar o contexto histórico
do campo audiovisual bem como as políticas públicas desenvolvidas para o setor e como as
mesmas o afetam.
1. INTRODUÇÃO
O Ponto Cine é uma sala de cinema localizada na zona periférica do município do Rio
de Janeiro. Indo em contra aos prognósticos2 de mercado, Adailton Medeiros cria e equipa uma
agradável e sofisticada3 sala de cinema no subúrbio carioca. No princípio, seu desafio era con-
seguir patrocinadores que pudessem minimamente pagar os custos de uma audaciosa obra. Nas
palavras de Melo Neto (2002, p. 268) o marketing de patrocínio é o “conjunto de significados
a serem transmitidos ao mercado através da associação, objetivando patrocínio (clube, musica,
comunidade ou meio-ambiente)”. Sob essa perspectiva, ainda no ano de 2006, nenhum patro-
cinador conhecia a sala e por essa razão seria complexo ter elementos a serem transmitidos ao
mercado que objetivasse a agregação de valores desta sala de cinema com alguma marca.
Desta forma, podemos vislumbrar o quanto foi difícil se sustentar no início da gestão da
sala de cinema em meio a uma região com poucos apelos mercadológicos, como é comumente,
valorizado por núcleos de comunicação e marketing das empresas patrocinadoras.
1
Autora: Carolina Marques Henriques Ficheira é mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, formada em
Produção Cultural pela UFF. É parecrista da Lei Federal de Incentivo à Cultura, do Distrito Federal, do Estado do
Rio de Janeiro e do município do Rio de Janeiro. Leciona a disciplina de Captação de Recursos, Mercado e Leis na
ESPM- RJ bem como na Pós-Graduação na Gestão do Entretenimento desta insituição. e-mail: carolinaficheira@
gmail.com
2
Adailton Medeiros, criador do Ponto Cine, escreveu um artigo como colunista convidado para a Revista O Glo-
bo. O artigo “Eu vi primeiro” em 16 de agosto de 2010.
3
http://www.pontocine.com.br/o_cinema_ponto_cine.html
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Por esta razão, faz-se necessário nos debruçar e refletir sobre as diferentes ferramentas
criadas por Adailton para a manutenção deste espaço cultural que se tornou referência na área. Por-
tanto, é imprescindível fazer uma contextualização histórica da construção desta sala de cinema.
4
É importante grifar que as falas descritas pelo Adailton Medeiros foram realizadas em entrevista concedida em
21 de novembro de 2014, na sede da empresa.
5
http://www.guadalupeshopping.com.br/
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6
http://www.cinemabremmovimento.com.br/
7
http://www.rio.rj.gov.br/web/riofilme/ Vale informar que em 2015, Adailton Medeiros teve sua dívida liquidada
junto a Riofilme.
8
http://www.iniciativaverde.org.br/programas-e-projetos-carbon-free.php
450
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ção local9, já que não haveria transporte da película e portanto o preço «deveria» ser menor. Isso
não é uma realidade de mercado, mas é assunto para outro momento10.
O dinheiro prometido pela Rio Filme sairia alguns meses depois. No final do processo da
construção da sala, o que inicialmente seria um aporte transformou-se em empréstimo. Adail-
ton estava tão endividado, que se viu obrigado a aceitar as condições redefinidas pela distribui-
dora. No fim, a sala lhe custou R$ 476.000,00.
Para continuar existindo e estancar sua dívida, o empresário se viu como um novo em-
preendedor do campo audiovisual, o qual teria que buscar patrocínios que o ajudaria a manter
esta sala de cinema em Guadalupe. Foi neste momento que iniciou sua empreitada no campo
de patrocínio: entender as estratégias utilizadas pelas marcas, o seu papel na sociedade e ainda
construir uma marca sólida no mercado. (MELO NETO, 2003)
Adailton entendeu que o Ponto Cine11 possui em sua visão ser o maior difusor do cinema
brasileiro, criador de novas alternativas de difusão, formador de plateia e uma referência no
mercado exibidor cinematográfico brasileiro para as Classes C, D e E. (MEDEIROS, 2014).
Possui como missão “interiorizar o cinema culturalmente nas pessoas e geograficamente no
Brasil, em especial o cinema brasileiro”. Helyenay Araujo (2010, p.123) relata que isto se deve
a um processo de formação de plateia a fim de “formar percepções e sentidos sobre mensagens
fílmicas” dos espectadores.
Indo além, a constituição da empresa é uma instituição humanista - a favor do homem e
de seu convívio em harmonia com a natureza – e social – que visa o investimento dos resultados
nos meios de produção e bem-estar dos seus colaboradores e não, exclusivamente, no acumulo
de capital. É com este foco que seus projetos são desenvolvidos e a empresa é gerida, tanto é que
o Ponto Cine se torna mediador das atividades partilhadas dos seus funcionários, como é o caso
de peças de teatro que os mesmos participam ( ARAUJO, 2010, p.118).
Sob o seu olhar, Medeiros possui contribuições importantes a serem dadas ao campo
do audiovisual.
9
R$8,00 (inteira) e R$4,00.
10
Para maiores informações acessar: http://aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.813.627/12.0.813.627.pdf
11
Informações retiradas do próprio site.
12
Tomamos como olhar as impressões de Adailton Medeiros sobre o campo de estudo.
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15
para maiores informações, acesse o Capítulo 6 de Araujo ( 2010).
16
http://www.pontocine.com.br/redelimpadeexibicao/
17
mapeamento bienal que a Rede GIFE faz sobre o Investimento Social Privado (ISP) de seus associados.
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que as “políticas culturais (são) de cada agente, fundação ou empresa interessada em patrocínio
(MACHADO NETO, 2005, p.59). O fato é que toda a área cultural necessita se estruturar antes
que ocorra um retrocesso de patrocínios. Por esta razão, apenas 33% do faturamento 18do Ponto
Cine está em projetos incentivados.
Sob a ótica do Ponto Cine, suas metas são “fugir do mercado” e atingir pessoas. “Fugir
do foco” para promover a circulação de novas ideias e oportunidades. Adailton lança mão de que
a cultura e esporte promovem a grande prospecção da marca:
Associar a marca a uma ideia é muito mais importante, pois atinge o
inconsciente daquele consumidor. É mais eficiente que só exposição de
marca, como a colocação de um outdoor, que passa a não ser notado
mais. A marca precisa criar vida; precisa ter movimento para ser notada.
Somente quem pode fazer isso são as pessoas: somente a cultura e o
esporte podem fazer.
Concordando com Melo Neto (2003) e Adailton, as ações de patrocínio promovem o
envolvimento emocional com a marca e assim apreendem a marca no uso do projeto. A marca
passa a ser parceria do projeto. O patrocinador passa a ganhar vida na localidade de Guadalupe
na medida em que esta auxilia o desenvolvimento local e o Ponto Cine amplia a exposição da
marca nos materiais de divulgação bem como na mídia, promovendo uma apropriação dos mes-
mos pela sociedade.
Os outros 33% do pilar de faturamento do Ponto Cine são os produtos comestíveis bem
como produtos próprios, criados pela empresa. São eles: bilheteria, pipoca, dvd, camiseta19 e
propagandas. Em acordo com Wolf (2003, p.40), “tem se tornado cada vez mais pesado os ren-
dimentos de uma empresa exibidora, junto com o movimento mais recente de publicidade antes
da exibição dos filmes”. Portanto, esta parte é importante alavanca de sustentabilidade para a
sala de cinema. Podemos exemplificar o Tela Móvel20, idealizado por Adailton, no qual a van
adaptada exibe trailers dos filmes, que entrarão em cartaz, em qualquer lugar da cidade, tornan-
do-se uma potente ferramenta de comunicação. Veja o exemplo a seguir:
18
Informação dada em entrevista.
19
http://www.pontocine.com.br/galeria/mostra_globo_news_documentarios_-3.html
20
http://www.pontocine.com.br/anuncie.html
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Os restantes 33% do faturamento são destinados a projetos diretos, tais como as midio-
tecas móveis nas fábricas da FIRJAN21. Ousaria dizer que o projeto “Mostra GloboNews de
Documentários” também entraria nesta categoria devido ao seu perfil no mercado. Segue as
informações disponibilizadas no portal G1 da emissora Rede Globo de televisão22:
Durante quatro semanas, a equipe de Responsabilidade Social, em par-
ceria com a GloboNews, promove no Ponto Cine, em Guadalupe, no
Subúrbio do Rio, a Mostra GloboNews de Documentários. As sessões
às segundas serão fechadas para convidados, seguidas de debate, mas
os filmes serão abertos ao público, de quinta a quarta-feira da semana
seguinte, às 13h, a R$ 2. A mostra acontece nos dias 30 de março, 6 e
13 de abril.
Indo além da prerrogativa posta nas leis de incentivo23 e da venda de produtos comestí-
veis e de propaganda, os projetos desenhados pelo Ponto Cine, sejam eles de captação indireta
(via renuncia fiscal) ou direta, ambos os modelos buscam a transformação social, um dos pontos
presentes na diretriz da empresa. A prática desenvolvida pelo Ponto Cine se aproxima do con-
ceito Cultura como Recurso desenvolvido por George Yudice (2013), no qual o autor explicita
que a cultura pode ser entendida como cidadania, confiança, cooperação e interação social e
também desenvolvimento econômico. Nas palavras dele (2013, p. 53) “não é somente colocar a
cultura como mercadoria, equivalendo a uma capacidade instrumental, mas modo de cognição,
organização social até mesmo emancipação social”. E desta forma, as prática de seus projetos,
promove o empoderamento, o aprendizado, a formação, geração de renda e desenvolvimento
local, renovação urbana e dinamismo na comunidade do seu entorno. Isso pode ser notado nas
palavras de Araujo ( 2010, p.135) que se debruçou densamente sobre esta instituição:
As pessoas se reconhecem como atuantes no bairro, no sentido de dis-
cutirem temáticas relevantes e manterem aquele espaço de exibição (
Ponto Cine) aberto para que outras atividades possam ser desenvolvidas
(...) o espaço como bem público do bairro.
Nota-se que este espaço de cultura se torna veículo da consolidação da cidadania pautada
na participação ativa da população local.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que a área cultural esteja crescendo, após anos 90, esse sistema (criado pelo Ponto
Cine) realimentado por diferentes fontes de renda é a prova de que a área pode prosperar ainda
mais. Indo de encontro a Yudice (2013, p. 31), os propósitos estabelecidos à arte e a cultura
21
informação fornecida por Adailton Medeiros em entrevista.
22
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/03/veja-dicas-culturais-do-rjtv-para-o-fim-de-semana.html
23
Para saber mais, acesse: Lei Federal de Incentivo à Cultura, Lei do audiovisual, Lei de Incentivo à Cultura do
Estado do Rio de Janeiro e Lei Municipal de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro.
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podem promover “a coesão social em questões divergentes e, desde que é um setor de trabalho
intenso, elas ajudam na redução do desemprego”.
Por esta razão, o estudo sobre a economia e cultura, é fundamental para a solidificação
da área, como já se nota no Rio de Janeiro. Na pesquisa realizada pela FIRJAN24 sobre a área
cultural percebeu que o setor possui um progresso urbano e regional; empregos qualificados e
alto valor agregado; 26 mil empresas produzindo serviço criativo; 96 mil profissionais estão em-
pregados no núcleo criativo e o Rio de Janeiro possui o Produto Interno Bruto equivalente a R$
18,6 bilhões, corresponde a 4,1% de tudo que é produzido no Estado – a maior participação do
PIB criativo. Desta forma, é inegável a contribuição dos benefícios socioeconômicos para este
Estado através do sistema retroalimentado da cultura. Esta reflexão sobre esta sala de cinema
se torna importante reflexão para a sustentabilidade do campo, como mostra o crescimento e o
equilíbrio financeiro esboçado pelo Ponto Cine.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
AUGUSTINI, Gabriela & COSTA, Eliane. De baixo para cima. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2014.
ARAUJO, Helyenay Souza. Defesa de dissertação ( mestrado). Um cinema em Guadalupe: exibição
e constituição de público no projeto Ponto Cine. Universidade Pontifícea Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Comunicação. Orientadora: Profa. Dra. Adriana Andrade Braga.
CALABRE, Lia. (Org.) Políticas Culturais: diálogo indispensável. Rio de Janeiro: Edições Casa Rui
Barbosa, 2003.
CRUZ,C., Estraviz, M. Captação de Diferentes Recursos para Organizações Sem Fins Lucrativos. São
Paulo: Instituto fonte, 2001.
LUCA, Luiz Gonzaga Assis de. Cinema digital. Um novo cinema?. São Paulo: Imprensa Oficial SP,
2004.
MACHADO NETO, Manoel Marcondes. Marketing Cultural: das práticas à teoria. Rio de Janeiro:Editora
Ciência Moderna, 2005.
MELO NETO, Francisco Paulo de. Marketing de Patrocínio. Rio de Janeiro:Sprint, 2003.
WOLf, Rafael Henrique. Defesa de conclusão de curso. Empresas exibidoras de cinema no Brasi.l
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia.. Orientador: Prof. Dr. Maurício Chalfin
Coutinho. Novembro de 2003.
YUDICE, George. A conveniência da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
24
http://www.firjan.org.br/economiacriativa/download/analise_especial_rio_de_janeiro.pdf
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SITES VISITADOS:
www.ancine.gov.br
www.cultura.gov.br
http://www.firjan.org.br/economiacriativa
www.gife.org.br
www.g1.com.br
www.pontocine.com.br
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RESUMO: Este artigo busca apontar os principais avanços e desafios da atuação do Conselho
Municipal de Política Cultural de Belo Horizonte, a partir de considerações relativas aos atributos
da composição, natureza deliberativa, objetivos e funcionamento. Os conselhos de Cultura
correspondem a instâncias de articulação, pactuação e deliberação, conforme o Ministério da
Cultura (MINC, 2011) e a análise de sua eficácia e efetividade torna-se fundamental para a
reflexão sobre os espaços e mecanismos da participação social na formulação da política de
cultura.
1. INTRODUÇÃO
Um Conselho de Cultura, seja municipal, estadual ou nacional, corresponde a um dos
elementos constitutivos dos Sistemas de Cultura, também de âmbitos municipal, estadual ou
nacional, e baseados nos princípios da política nacional de cultura, correspondem a uma instân-
cia de articulação, pactuação e deliberação (MINC, 2011). Enquanto uma instância colegiada
permanente, de caráter consultivo e deliberativo, o Conselho de Cultura deve integrar a estrutura
político-administrativa do Poder Executivo, ser criado por Lei e ser constituído por represen-
tantes do poder público e da sociedade civil. A representação da sociedade civil deverá ser de,
no mínimo, 50% dos membros e deve ser eleita democraticamente pelos respectivos segmentos.
Segundo o MINC (2011), os Conselhos de Cultura têm como atribuições gerais propor e apro-
var diretrizes para os Planos de Cultura, acompanhar sua execução, apreciar as diretrizes dos
Sistemas de Financiamento à Cultura, além de fiscalizar a aplicação de recursos e as ações do
órgão gestor da cultura.
1
Técnica da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, formada em Geografia pela UFMG, com espe-
cializações em Estudos Ambientais pela PUC-MG e em Gestão Pública pela PUC-MG, mestranda em Geografia
– Tratamento Espacial da Informação pela PUC-MG. – carolinecraveiro@pbh.gov.br
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dade das tomadas de decisão já se mostram como um avanço diante das tomadas em gabinetes
fechados. Para a autora, os conselhos também se constituem espaços para democratização da
democracia, o que segundo ela, corresponde à forma como os conselheiros aprendem a escutar
uns aos outros, respeitar divergências, perceber contradições e estabelecer acordos e consensos.
Outro ponto ressaltado por Teixeira (2005) é que os conselhos de cultura podem promover me-
lhorias na forma da gestão da política de cultura quando consolidam mecanismos de avaliação,
fiscalização, estabelecem diretrizes para atender a um número maior de pessoas, otimizam re-
cursos e evitam corrupção. Para Faria (2005), a partir da avaliação da atuação dos conselhos, é
necessário buscar compreender os novos rumos que deveremos tomar, a fim de instituir novas
dinâmicas participativas, avaliando os impasses na construção democrática e na construção de
uma nova cultura política que sirva à formação de cidadãos plenos e ao desenvolvimento da
vida nas cidades (Faria, 2005, 122).
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inserção no conselho via entidade e eliminando a tradicional indicação de notórios saber pelos
prefeitos, como se dá em conselhos tradicionais do Patrimônio, por exemplo. A principal ques-
tão em pauta e ressaltada durante o processo de reformulação foi a garantia da ampla e diversa
participação do cidadão. A partir daí, com o novo decreto, foi instaurado em 2011, o primeiro
processo eleitoral para o então Conselho Municipal de Cultural (a alteração do nome para Con-
selho Municipal de Política Cultural se deu em 2014). Este momento foi importante para esta-
belecer o que foi disposto pelo MINC (2011) relativo ao processo democrático na escolha dos
membros do Conselho representantes da sociedade civil e como aponta Faria e Moreira (2005),
inibir conselhos que se estruturem com características corporativistas, relacionadas a áreas que,
de fato, não representam, sem vínculos com as dinâmicas da sociedade civil e restritos a grupos
que não abarcam a cidade, mas que podem forçar a lógica das relações políticas para apoio de
eventos ou espaços.
Em 2011, todas as representações da sociedade civil tiveram candidaturas e após as elei-
ções, foi iniciado o trabalho do colegiado, com a instauração sistemática de seu funcionamento,
a partir da discussão do Regimento Interno, que durou cerca de seis meses e representou um
momento rico de debates que iam além das matérias regimentais, além da definição da agenda
de reuniões ordinárias. A partir de então, o Conselho veio atuando junto à Fundação Munici-
pal de Cultura na formulação do Plano Municipal de Cultura, finalizado em 2013 e aprovado
pela Câmara Municipal de Belo Horizonte em 2015, na colaboração para realização da 3ª e 4ª
Conferências Municipais de Cultura, em 2013 e 2015, respectivamente, além de promover de-
bates em torno de temas pertinentes às representações setoriais e regionais, como a revisão da
Lei Municipal de Incentivo à Cultura, os usos dos espaços públicos, a atuação e manutenção
dos equipamentos culturais públicos (Centros Culturais, Teatros, Museus, etc. ), além de ações
específicas como editais, festivais e outros projetos da gestão pública de cultura da cidade.
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ticas públicas da cidade. Nele, estão dispostas as legislações, agendas, pautas, atas, integrantes,
resoluções, e outras informações gerais sobre os conselhos. No entanto, o Conselho Municipal
de Política Cultural já pautou a necessidade de buscar criar, junto à Fundação Municipal de
Cultura, outros canais de comunicação, inclusive, para superar outro grande desafio que é o de
renovar e inserir novos agentes culturais e cidadãos nos processos de participação.
Em relação ao papel e atuação, muitos conselheiros, tanto alguns representantes do po-
der público como da sociedade civil, demandam ações de formação e capacitação para a parti-
cipação, debate político e sobre instrumentos da administração pública. No âmbito da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte, foram realizados cursos junto à ESAF – Escola de Administração
Fazendária, anualmente, a partir de 2013, a fim de contemplar todos os conselhos de políticas
públicas. Este tipo de ação, inclusive, é apontado por Teixeira (2005), como um exemplo de
medida para articular conselhos de políticas por meio de programas de capacitação integrados.
No entanto, a participação dos conselheiros municipais de cultura foi pequena, justificada pela
maioria, pela incompatibilidade de datas e horários. Cabe ressaltar que a atuação do conselheiro
municipal de cultura pelos representantes da sociedade civil é caracterizada como uma atividade
de interesse público, sem remuneração e que o tempo dispendido para esta atuação concorre
diretamente com o seu trabalho, fonte de renda, além das atividades familiares. Isto remete
a uma questão posta por Teixeira (2005) relativa à paridade, que, formalmente existe, mas na
prática, é comprometida em função de condições distintas e desiguais de participação entre os
membros do poder público e os da sociedade civil, visto o diferente acesso a informações e o
tempo disponível para a participação. As dificuldades dos membros da sociedade civil compro-
metem a efetividade da paridade como um atributo do conselho. Outro ponto que também pode
ser ressaltado é que muitos membros do poder público não têm, de fato, um compromisso com
o conselho, não se envolvendo nas discussões, proposições ou encaminhamentos.
As ações de capacitação no âmbito da própria Fundação Municipal de Cultura foram
realizadas, esporadicamente, a partir dos temas relativos ao Orçamento, aos Sistemas Nacional
e Municipal de Cultura, Agenda 21 da Cultura, além de seminários específicos para os quais o
conselho é convidado. Foram realizadas visitas técnicas aos equipamentos culturais do órgão
gestor para que os conselheiros tivessem conhecimento e acesso a informações diretas por parte
dos gestores e equipes. Estas ações promoveram um envolvimento maior também por parte dos
servidores da Fundação Municipal de Cultura com o Conselho. Cabe ressaltar que uma das de-
mandas por parte dos servidores é a garantia de que 03 dos 7 membros representantes do órgão
sejam eleitos pelo conjunto dos servidores. Esta eleição já acontece desde 2011, no entanto, sem
ter sido incorporada na normativa do colegiado.
Dentre tantos desafios, o Conselho Municipal de Política Cultura também se depara com
a necessidade de desenvolver capacidades de gestão de tempo, de conflitos, de instituir proce-
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dimentos para melhor definir prioridades num contexto complexo, heterogêneo e diverso da
Cultura, por meio da inscrição de suas pautas, proposições e deliberações.
Aliar o trabalho do Conselho a outras instâncias da esfera pública também é um desafio
para efetivar proposições e encaminhamentos, como por exemplo, a necessária interlocução
com a casa legislativa, esta que, muitas vezes, tem receio da atuação de conselhos fortes e inci-
sivos. A elaboração do Plano Municipal de Cultura e da Lei do Sistema Municipal de Cultura
demonstrou a importância de um conselho que não restrinja o olhar ao poder executivo e que
saiba operar com as estruturas dos poderes da administração pública. No entanto, há que se am-
pliar o suporte para que o conselho se muna de conhecimentos, instrumentos e ferramentas que
fortaleçam suas atribuições de análise, avaliação, formulação e deliberação.
Ao analisar as atividades, proposições, resoluções e trabalhos do Conselho, é possível
levantar problemas e desafios relativos à eficácia e efetividade de alguns de seus atributos.
Os resultados efetivos relativos à formulação do Plano Municipal de Cultura, outro elemento
constitutivo do Sistema de Cultura, além da instituição deste, representaram um avanço para
consolidação da política pública do município e concretizou também as demandas e proposições
consolidadas ao longo de 4 conferências municipais (2005, 2009, 2013 e 2015). É importante
destacar que o Conselho passou a ser reconhecido como uma instância na estrutura da política
pública, sendo solicitado para análise e para pauta por parte de vários setores e grupos da cidade.
As recomendações, moções, resoluções aprovadas desde 2011, tiveram resultados naquilo que o
órgão gestor detinha governabilidade. A exemplo da Resolução aprovada em 2013 que pautava
a diretriz de equilíbrio na distribuição do recurso da Lei Municipal de Incentivo à Cultura nas
regionais do município, que gerou a formulação de um edital diferenciado denominado Des-
centra Cultura a fim de possibilitar maior capilaridade do recurso, com maior possibilidade de
acesso por produtores de outras regionais da cidade. Este edital, no entanto, apontou que outras
medidas deverão ser tomadas, mas representou uma ação decorrente de deliberação do conse-
lho. A baixa de resultados efetivos pode, segundo Teixeira (2005) desestimular a participação e
gerar a sensação de frustração. No entanto, é necessário informar aos conselheiros quais são as
reais possibilidades orçamentárias disponíveis para o setor e para a execução pela instituição.
O entendimento dos trâmites administrativos e legais no âmbito da gestão pública também são
fundamentais para que o Conselho compreenda o cenário orçamentário no qual a Cultura está
inserida na cidade e os alcances de governabilidade do órgão gestor da cultura. Um ponto im-
portante a ressaltar é que, à medida que os elementos constitutivos do Sistema de Cultura se con-
solidarem e se fortalecerem, o próprio Conselho terá maior possibilidade de ampliar a eficácia
e efetividade de sua atuação, a exemplo da implantação do Plano Municipal de Cultura, agora
uma referência para a política cultural da cidade para os próximos 10 anos, com revisão a cada
Conferência Municipal. Estes instrumentos reforçam-se e contribuem para o fortalecimento de
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das leituras dos relatórios anuais do Conselho Municipal de Política Cultura
de Belo Horizonte, verificou-se que o colegiado, desde 2011, buscou constituir-se conforme as
prerrogativas do Ministério da Cultura, no contexto da adesão ao Sistema Nacional de Cultura
e implantação do Sistema Municipal de Cultura. Juntamente com a Conferência de Cultura
estabeleceu-se como instância de articulação, pactuação e deliberação. Estas três competências
que definem, inclusive, sua natureza, demandam constantes ajustes na gestão pública destes
Conselhos para que se garanta o reconhecimento da diversidade, de conflitos, de invisibilidades,
para que se promovam espaços e tempos de pactuação, exposição de divergências, exposição
de interesses e para que se negocie, construam-se consensos, definam-se prioridades, enfim, se
efetivem os direitos de saber, falar, ouvir, perguntar, avaliar, duvidar, propor, decidir. Enfim,
espera-se que a articulação se constitua a partir de laços com as escalas do local e se ampliem
para alçar propósitos com outros níveis de governo; que a pactuação se institua a partir de instru-
mentos democráticos, transparentes e éticos, envolvendo os contextos diversos da Cultura e que
a deliberação seja eficaz e efetiva, resultando em mudanças para o interesse coletivo da cidade.
Os conselhos, a partir de suas experiências, se deparam com a necessidade constante de repensar
seu funcionamento, seu formato, seus suportes, linguagens, o que reflete uma dinâmica vívida
da cidade, da sociedade, da Cultura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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conselho? Conselhos municipais de cultura e cidadania cultural. São Paulo: Instituto Pólis, 2005. 128p
FARIA, Hamilton, MOREIRA, Altair. Cultura e governança: um olhar transversal de futuro para o
município. In: FARIA, Hamilton, (Org.); MOREIRA, Altair; (Org.); VERSOLATO, Fernanda, (Org.)
Você quer um bom conselho? Conselhos municipais de cultura e cidadania cultural. São Paulo: Instituto
Pólis, 2005. p.9-18
FARIA, Hamilton. Conselhos municipais de cultura e cultura participativa: reavaliar caminhos e buscar
horizontes. In. FARIA, Hamilton, (Org.); MOREIRA, Altair; (Org.); VERSOLATO, Fernanda, (Org.)
Você quer um bom conselho? Conselhos municipais de cultura e cidadania cultural. São Paulo: Instituto
Pólis, 2005 – p. 114-122
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RESUMO: O presente trabalho abordou a ação prioritária do Programa Cultura Viva: os Pontos
de Cultura. Buscamos analisar a subsistência dos Pontos de Cultura nos municípios de Recife
e Olinda por meio de uma pesquisa qualitativa. Pela qual identificamos os Pontos de Cultura
em atuação e seus respectivos gestores; suas atividades; os benefícios advindos do fato da
instituição tornar-se um Ponto de Cultura e, suas novas formas de subsistência. Percebemos que
nem todos os Pontos, localizados nos municípios de Recife e Olinda, que estão devidamente
cadastrados e conveniados com a Fundarpe estão desempenhando suas atividades. Concluímos
que o Programa contribuiu para o fortalecimento da legitimidade e credibilidade perante outros
parceiros, possibilitou a articulação em redes com Pontos diversos de todas as regiões do país e
ampliou a mobilização de recursos da instituição.
1. INTRODUÇÃO
Ao nos deslocarmos, costumamos notar as placas indicando preservação de patrimônio
cultural ou pensar na expressão característica de cada região? O patrimônio cultural é de fun-
damental importância para a memória, a identidade, a criatividade dos povos e a riqueza das
culturas. Reúne todos os bens seja ele material ou imaterial. Preservar o patrimônio é resgatar
a memória e a identidade de um povo entendendo, antes de tudo, a importância do patrimônio
para um reconhecimento histórico posto que ao preservá-lo, sua memória também é preservada.
Sabendo deste valor, sentimos a necessidade de elaborar este trabalho.
Danças, canções, festas e outras atividades culturais, comidas típicas, artesanato, jogos,
religiosidade, brincadeiras, rituais, mitos, idiomas e dialetos característicos, adivinhações, pro-
vérbios, contos, causos, lendas, crenças e superstições constituem o legado de um povo, herança
que com ele nasceu e se desenvolveu, pois os costumes são adquiridos através de tradições e
1
Analista em Ciência e Tecnologia da Fundação Joaquim Nabuco e Doutorando em Ciências da Cultura na Uni-
versidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – UTAD/Portugal. cesar.pereira@fundaj.gov.br
2
Estudante do curso de Ciências Sociais da UFPE, estagiária da Coordenação Geral de Estudos Educacionais da
Fundação Joaquim Nabuco. milenemorais2008@gmail.com
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(...) Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferio-
riza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as
diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza
as desigualdades (SANTOS, 2003, p.56).
Cada cultura, como pressupõe o relativismo cultural, tem uma forma de expressão espe-
cífica. Dessa forma, trata-se de pregar que a atividade humana individual deve ser interpretada
em contexto, nos termos de sua própria cultura. Toda cultura é fruto de recombinação, de emis-
são, conexão e reconfiguração. Quanto mais heterogênea e diversa for uma cultura, mais rica e
estável ela será.
A maior contribuição que o programa Cultura Viva apresentou foi o fato de evidenciar
que diversos sujeitos que atuavam anonimamente na sustentação da diversidade cultural ne-
cessitam do apoio e do reconhecimento do estado, mas que este também necessita deles com a
mesma urgência. O que está, hoje, em processo ativo nos Pontos é um circuito de reinventar e
inventar o tradicional nos formatos que bem entender, com os suportes que bem arrumarem na
marra e no jeito que der para colocar a cara na rua.
2. PONTOS DE CULTURA
As manifestações culturais populares condensam a “essência” da cultura de um povo, e,
portanto, de sua identidade nacional, que se refere ao conjunto de sentimentos, os quais fazem
um indivíduo sentir-se parte integrante de uma sociedade ou nação. Isto ocorre, conforme o pen-
samento de Fiorin (2009), a partir de uma consciência de uma única identidade ou como forma
de alteridade, buscando demonstrar a diferença com relação a outras culturas.
Montes (2007) traz a perspectiva da cultura como elemento de reconstrução de identida-
des. Para ela, A identidade não é uma coisa, algo que alguém carrega consigo, como o CPF e o
RG, mas uma construção da cultura na vida social, que se dá sempre pelo contraste com o outro,
pois, só o outro nos coloca a questão de nossa identidade e só ele nos obriga a dizer quem somos.
A identidade, conforme postula Hall (2006), emerge na interação com o meio social,
uma vez que nos constituímos como sujeito no outro, pois não nascemos completos. Nos conhe-
cemos a nós mesmos pelo que supomos sermos vistos pelo olhar do outro.
Já que, o convívio social promove a assimilação da identidade do grupo, além de sua vei-
culação pela mídia, tradições e mitologia. Identidades são criações, por isso são frágeis, suscetíveis
a distorções, simplificações e interpretações variando entre os indivíduos. Segundo Fiorin (2009),
há dois princípios que regem as culturas, e se definem pela exclusão e pela participação. A exclu-
são se manifesta por meio da triagem e segregação dos indivíduos, já a participação promove a
heterogeneidade e a expansão cultural. A síntese da cultura consiste na definição de fatores de in-
tegração nacional, baseados na língua, monumentos históricos, modelos de virtudes nacionais etc.
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Segundo Fichtner (2008), a diversidade cultural é definida por muitos em termos de raça,
gênero e etnia. Há aqueles para os quais a concepção é mais ampla envolvendo as possíveis dife-
renças entre os seres humanos. Há grupos em que todos defendem a sua cultura como identidade
coletiva, eles possuem uma característica específica, consideram a diferença como um absoluto
e a alteridade dos outros aparece como uma ameaça.
Os Pontos de Cultura são centros de atividades culturais comunitárias que formam ar-
tistas e desenvolvem atividades diversas onde a cultura aparece como ação viva, como prática
social, política e como direito do cidadão. As práticas dos Pontos de Cultura são basicamente
processos que têm uma dinâmica própria que se manifesta em formas específicas. A essas for-
mas pertencem manifestações como tradições orais, o narrar, o cantar, o dançar, práticas sociais,
rituais, festas, conhecimentos e as práticas de relacionarem-se com a natureza e com o universo,
habilidades artesanais e performáticas.
Seguindo esta perspectiva, entende-se que não há um modelo padrão para o Ponto de
Cultura, seja quanto à estrutura física ou mesmo em relação à programação de seu funcionamen-
to. Os Pontos são organizações culturais fortalecidas e reconhecidas institucionalmente ao esta-
belecer uma parceria com o Estado. Um aspecto comum a todos é a transversalidade da cultura
e a gestão compartilhada entre poder público e comunidade. O Ponto de Cultura, de acordo com
Turino (2009), não pode ser para as pessoas, e sim das pessoas; é um organizador da cultura em
nível local, atuando como um ponto de acolhimento e propagação da cultura. Enquanto um elo
na articulação em rede, o Ponto de Cultura não é uma ferramenta cultural do governo nem um
serviço. Seu foco não está na carência, na ausência de bens e serviços, e sim no potencial prático
de pessoas e grupos. Ponto de cultura é cultura em processo, desenvolvida com autonomia e
protagonismo social.
Segundo Turino (2009), o Ponto de Cultura começa a funcionar legalmente a partir do
acordo contratual entre o governo e os proponentes, definindo responsabilidades (do acesso às
decisões compartilhadas com a comunidade) e direitos inerentes aos acessos e serviços dispo-
nibilizados pelo Ponto. Cabe registrar que as instituições, não surgiram pelo edital, elas já de-
senvolviam um trabalho, já tinham um mínimo de estrutura e viram no edital da Fundarpe uma
oportunidade de serem reconhecidos pelo governo, e se firmarem como agentes multiplicadores.
Com isso, a comunidade onde o Ponto se localiza, pode respirar e trabalhar cultura, se
alimentar dessa cultura e divulgá-la, sucessivamente. Alguns são ONG voltadas para a ação so-
cioeducativa; outros são escolas de samba, associações de moradores, quilombos, aldeias indí-
genas, grupos de teatro, conservatórios, núcleos de extensão universitária, museus, cooperativas
de assentamentos rurais. Cada qual com sua especificidade e forma de organização.
Ainda conforme o registro de Turino (2009), durante o processo de implantação e acom-
panhamento dos Pontos, há tensão. De um lado, as instituições culturais, apropriando-se de
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mecanismos de gestão e recursos públicos; de outro, o Estado, com normas de controle e regras
rígidas. Essa tensão, de certo modo inevitável, cumpre um papel educativo que, em longo prazo,
resultará em mudança em ambos os campos. O objetivo seria uma burocracia mais flexível e
adequada à realidade, assim como um movimento social mais bem preparado no trato das ques-
tões de gestão, capacitando-se para melhor acompanhar as políticas públicas e o planejamento
de suas atividades específicas.
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Com o propósito de investigar a subsistência dos Pontos de Cultura nos municípios do
Recife e Olinda, considerou-se necessária a execução de uma pesquisa de campo, a fim de le-
vantar informações a respeito dos Pontos de Cultura.
A pesquisa foi do tipo descritiva com abordagem qualitativa, em que se buscou levantar
conhecimento a respeito dos Pontos de Cultura, conforme registrado por Miguel e Ho (2010, p.
92), cuja preocupação é o entendimento de um fenômeno para descrever sua existência em uma
população e não o desenvolvimento ou o teste de uma teoria, mas sim o provimento de informa-
ções para que teorias sejam elaboradas ou refinadas.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir do levantamento e da análise histórico-documental a respeito do Programa Cul-
tura Viva, conseguimos discutir sua ação prioritária que é o Ponto de Cultura. Como explanado,
essa ação cria condições favoráveis para a consolidação de uma base social da cultura, assegu-
rando a valorização da conversa e troca entre os diversos agentes; o reconhecimento de si no
indivíduo que se apresenta; a percepção de sua centralidade no processo de construção do pro-
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I10: “Isso foi bem relevante. Parte do recurso estava voltada para a es-
truturação em termos de equipamentos, então a gente realmente conse-
guiu comprar máquinas fotográficas bacanas, que seriam do kit multi-
mídia, foi bem legal. Compramos computadores portáteis, projetores,
tripés para as máquinas fotográficas, gravadores para registrar a me-
mória desses eventos. Vamos adquirir agora uma caixa de som portátil
para realizar atividades itinerantes, para melhorar também no cineclube,
uma televisão grande para fazermos um vídeo debate, para as atividades
correrem melhor”.
I1: “Não. Inclusive tem que melhorar”.
“A cultura está na memória de um povo” (I5). Esse é o desafio predominante nos Pontos.
Por esse motivo, os grupos lutam para manter vivas suas características. Tentam documentar
algumas referências para que no futuro, uma criança possa desfrutar dos valores e expressões
artísticas e culturais de sua comunidade, e desta forma, não perder sua história, sua memória.
Entendendo que “o pequeno é que faz o grande, porque o grande não consegue fazer algo tão
grande assim” (I4).
I2: “Eu vi o mundo através dos óculos que a capoeira me botou e gostei.
Então quando eu digo que quero ensinar capoeira para os jovens e para
as crianças, é para de alguma maneira, retribuir também o que a capoeira
me deu. Então eu vou fazer isso independente de qualquer coisa, por que
é um compromisso que eu tenho com a capoeira”.
Esse é o sentimento que prevalece nos Pontos de Cultura. As instituições promovem suas
atividades em decorrência dos seus esforços e de sua vontade de transmitir e propagar saberes,
acreditando estar cumprindo um compromisso com a sociedade. E que, para isso, é necessário
repassar a história e os valores de sua respectiva etnia. “A cultura conscientiza, transforma,
muda. Porque ela é prazerosa” (I8).
Podemos inferir, em concordância com o Catálogo Cultura Viva (2009), que as prin-
cipais finalidades do programa Cultura Viva, mediadas pelos Pontos de Cultura, estão sendo
respeitadas. Na medida em que ocorre a ampliação e garantia do acesso aos meios de produção
e difusão cultural, a identificação de parceiros, promoção de pactos com diversos atores sociais
governamentais e não governamentais etc., permitindo, por fim, a consumação da cultura en-
quanto expressão simbólica, econômica e de direito.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Geralmente, pensar cultura é a última coisa que é proporcionada à comunidade. O que
a comunidade consome de arte, geralmente são canções que exaltam o machismo, propõe a
violência, etc. Com a proposta de trazer a oportunidade de ter uma expressão cultural artística
diária, valorizando a cultura local, a partir de uma identidade, o beneficiado direto do projeto
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: O presente artigo busca expor o lugar da Performance Arte nas Políticas Públicas
para as Artes e utiliza, como exemplo, a Fundação Nacional das Artes, a Funarte. O recorte
dentro deste universo refere-se ao edital Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança,
Teatro). A pesquisa percorre os anos de 2011 a 2013 investigando a quantidade de projetos
na área da Performance Arte que foram contemplados e suas principais características. Em
um universo de três editais e 206 projetos premiados, foram encontrados 13 projetos que se
assumem dentro desta linguagem.
1. INTRODUÇÃO
A partir do século XIX, com o segundo processo de industrialização da produção de bens
e do trabalho na Europa, a forma de relacionamento das pessoas entre si muda e isso reverbera
nas artes. Nesse período, entre os séculos XIX e XX, surgem diversos movimentos artísticos
de vanguarda que questionam os modos de produção e relacionamento da sociedade europeia
e, ao mesmo tempo, se utilizam deles para criação. Os artistas, seguindo a lógica de mudança
de paradigma na produção, aprimoraram suas criações de maneira a romper com as fronteiras
invisíveis que separavam as artes.
Esta lógica de criação e produção híbrida se desenvolve ao longo do século XX ao ponto
de surgir deste contexto entre as décadas de 1960 e 1970, uma geração de artistas que, aos pou-
cos, abole artifícios, acessórios para criação e exibição e apontam e utilizam o corpo como prin-
cipal campo de trabalho para além das já consagradas artes do corpo, como a dança e o teatro.
Nesta proposta de criação e exposição, o corpo do artista e os corpos, vontades e ações
do público entraram no jogo da criação. Começa a surgir o que se estabeleceu apenas na década
de 1970 como Performance. Considerada uma arte de fronteira que lida com o corpo do artis-
1
Especialista em Gestão Cultural: Cultura, desenvolvimento e mercado, pelo SENAC - Lapa Scipão/SP. E-mail:
charlaine.rodrigues@gmail.com
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ta e abarca todas as outras artes. Uma arte nova e que ainda é considerada de vanguarda e de
pouco entendimento e aceitação. Ela trabalha pelo artista presente na ação e por vezes, saindo
dos locais convencionais de apresentação (galerias, teatros, museus e etc) e produzindo em
plataformas diferenciadas. As instituições públicas que beneficiam projetos culturais nem sem-
pre estão preparadas para receber propostas híbridas que falem de teatro, música, performance
e artes visuais. Os equipamentos culturais possuem geralmente salas específicas, formatos de
programação, perspectivas e limites de orçamento. Ao mesmo tempo, sendo ela uma expressão
artística que começa a ganhar mais espaço em centros culturais, escolas de formação, entende-
-se também que a necessidade financeira para sustentar essa arte e seus representantes também
precisa avançar e crescer junto com ela. Daí surge o impasse: como legitimar publicamente algo
que não possui definição, formato e linguagem própria.
As políticas públicas voltadas para a cultura enfrentam a complexidade do segmento que
é regido por valores, em sua maioria, subjetivos. Para isso, cresce a necessidade de haver uma
mudança de paradigma em prol de meios de legitimar sua relevância para ampliar seus recursos
e credenciar profissionais. É preciso pensar em políticas públicas que auxiliem o maior alcance
para a população da diversidade artística do país.
Neste ambiente de financiamento às artes, a performance ainda procura seu espaço. Sen-
do originária, principalmente, nas Artes Cênicas, ela não pode ser chamada de teatro, dança ou
circo. Por possuir um caráter híbrido e de borda entre as linguagens, nem sempre há legitimação
no campo das artes visuais (talvez uma das mais flexíveis de classificação e envolvimento).
Como uma arte legítima, reconhecida pela crítica, pelos artistas, instituições públicas e privadas,
ela ainda caminha para abrir este espaço de acesso a financiamentos.
A presente pesquisa pretende estabelecer uma análise para averiguar como encontra-se
a legitimação da performance nas políticas públicas para as artes e utiliza como objetos de pes-
quisa a Fundação Nacional das Artes e a performance. Foram selecionados os editais regulares
de artes por onde a arte da performance transita para análise de três anos (2011, 2012 e 2013),
para estruturar informações em três aspectos principais: 1) em quais destes editais é aceita como
forma de trabalho a Performance Arte; 2) quantos projetos foram efetivamente foram aprova-
dos que tenham a performance como característica principal ou secundária e 3) quais são esses
projetos e suas características.
O estudo de caso reúne essas informações e parte para análise de dados. A partir do recorte
de tempo, inicia-se um cruzamento entre os editais a fim de chegar a um denominador que englo-
be editais regulares da Funarte e que possuam oficialmente a abertura para a linguagem da per-
formance arte. Restam nesta análise o edital Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança
e Teatro) e o edital Rede Funarte de Artes Visuais, constituindo seis textos para investigação.
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2
Artista e historiador americano (1941 - 1980)
3
William Shakespeare, dramaturgo inglês (1582-1616)
4
Espetáculo de ballet, composto pelo russo Pyotr Llynch Tchaikovsky (1840-1893) entre os anos de 1875 e 1876.
5
Pintura em óleo sobre tela, criada em 1888, pelo holandês Vincent van Gogh (1853-1890).
6
Susan Sotang (1933-2004) foi uma escritora e crítica de arte norte-americana. Expressão retirada do livro “Styles
of Radical Will”, de 1966.
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O corpo passa a ser a plataforma e o dispositivo de trabalho. Pintar uma tela precisa dis-
por do artista além do pincel, todo o corpo. Este torna-se templo de adoração e, ao mesmo tem-
po, suplício. Os limites do corpo são explorados e a capacidade de concentração e resistência.
Este artista começa a ser chamado de performer. As apresentações performáticas mais conheci-
das e que estigmatizaram a arte, são as que promovem o esforço, sacrifício, dor ou modificações
corporais ou manuseio de elementos até então não usuais na arte.
Para Lehmann, uma das principais mudanças no teatro que promoveram a performance
são na forma de lidar com o público, trazendo-o ativamente para a cena. Promovendo criações
onde este é responsável pela ação e pelo entretenimento.
Parte do que define a linguagem da performance, principalmente em sua origem está no
frescor de executar uma partitura aberta a diversas possibilidades e esse ser o grande mérito.
A performance busca o choque ao invés da fruição. É uma arte de intervenção em quem faz e
em quem recebe. Não utiliza diretamente elementos estéticos elaborados em sua origem. Hoje,
as ações performáticas ganharam mais espaço em galerias, mostras individuais e festivais. O
próprio desenvolvimento da linguagem ao longo dos anos ampliou significados e possibilidades
estéticas. As performances ganharam mais produção. Com ela vieram ensaios, direção, contra-
tos e cachês. (2002. Pag.45-46).
A performance trabalha com collage, termo que quer dizer colagem. Uma maneira de
sobreposição de referências, estéticas, expressões que separadas não possuem coesão artística,
mas sobrepostas produzem arte. Como afirma Cohen: “Numa primeira definição, collage seria
a justaposição e colagem de imagens não originalmente próximas, obtidas através da seleção e
picada de imagens encontradas, ao acaso, em diversas fontes”. (COHEN, 2002. Pag.103). Outra
característica do teatro é a mise em scéne. Consiste em um momento crucial do artista solo, nada
antes e nada depois. Por seu caráter alternativo, foge dos espaços convencionais do teatro e abre
espaço na cidade por meio de outras possibilidades de espaços. Ela também contribui para o
desenvolvimento de outros espaços e outros olhares. (COHEN, 2002. p. 57-59).
Em performance, o mais importante é o instante presente. O que está acontecendo e não
a história a ser contada. O performer possui ou elabora uma partitura corporal, uma sequência
de ações que podem levá-lo a algum lugar, às vezes previsto e às vezes não previsto. Nesta di-
nâmica, costuma-se dizer que o performer não possui personagem e esta é a uma das principais
diferenças desta linguagem. Geralmente há o que chama-se de persona, uma versão preparada
do performer para aquele momento. Segundo Cohen, a persona diz respeito a algo mais uni-
versal, arquetípico (exemplo: o velho, o jovem, o urso, o diabo, a morte, etc). A personagem é
mais referencial. Uma persona é uma galeria de personagens”. (COHEN, 2002. Pag.107). Há
uma postura específica, objetivos específicos. Um estado, que executa uma partitura corporal e
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mental visando a realização artística. Sua vida, suas habilidades, sua idiossincrasia, são expostos
e ele precisa muito mais se mostrar, se expor para que sua arte possa ser assimilada.
Na passagem para a expressão artística performance, uma modificação
importante vai acontecer: o trabalho passa a ser muito mais individual.
É a expressão de um artista que verticaliza todo o seu processo, dando
sua leitura de mundo, e partir daí criando o seu texto (no sentido sígni-
co), seu roteiro e sua forma de atuação. O performer vai se assemelhar
ao artista plástico, que cria sozinho sua obra de arte; ao romancista,
que escreve seu romance; ao músico que compõe sua música. (COHEN,
2002. p.100)
Seu trabalho pode ser pautado em apresentações, exposições, vídeos, música ao vivo ou
a fusão de todos eles. O performer pode ser a própria instalação de uma obra. Grande parte dos
profissionais que trabalham hoje vieram ou do teatro ou das artes plásticas, pois ela encontra
espaço para operar basicamente entre as duas.
Após 40 anos dessa forma artística ser trabalhada, reafirmada e adaptada ao tempo, como
qualquer arte já passou por questionamentos até possuiu sua morte decretada pela imprensa,
pelo mercado e pela crítica e pelos próprios artistas. Há que se pensar qual o lugar da performan-
ce na atual configuração da sociedade e das relações humanas, artísticas e culturais. Esse lugar
precisa ser reconhecido pela arte também pelos mecanismos de financiamento e instituições.
Como todas as manifestações artísticas e culturais hoje no Brasil possuem meios para
viabilização ela, enquanto também arte, necessita e possui direito dentro do universo da cultura,
afinal existe trabalhos que possuem quase custo zero e outros que necessitam de aporte para sua
realização. Neste momento ela esta num impasse de reconhecimento.
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de trabalhos no Brasil onde ela produz a circulação. Mais adiante, após identificada a necessi-
dade de mais verba e distribuição pelo país, ela parte para a tomada de decisão de criação de
maneiras de fomentar o acesso a recursos.
Em 2006, diversos editais são lançados em diversas áreas artísticas e se mantém até os
dias de hoje. Agora ela financia projetos independentes de sua necessidade produzindo. Ela
apenas opera, regula e acompanha os processos, mas a realização está nas mãos dos produtores.
Todos os anos estes são lançados e passam por avaliações e reformulações. Geralmente sofrem
mudanças de uma edição para outra. Esse processo faz parte da implementação de qualquer
política pública. Essas discussões e reformulações da forma como a Funarte lida com a distri-
buição de verbas completam uma década e as discussões não param.
Como qualquer política pública em algum momento a política de editais deve acabar,
pois o problema pode ter sido resolvido ou, mais provável, é a substituição por outra que seja
mais eficaz e que atenda às necessidades de uma nova geração de artistas. Deve-se considerar
também que se trata do serviço público e de recursos públicos. Os procedimentos e necessidades
para a execução final de projetos possui ritmo próprio que nem sempre seguem o mesmo ritmo
dos artistas.
Criada em 1975, a Fundação Nacional das Artes, a Funarte, é um órgão ligado ao Go-
verno Federal, administrado e submetido ao Ministério da Cultura, para desenvolver e aplicar
políticas públicas para as artes nos seguintes âmbitos: artes visuais, música, teatro, dança e
circo. Seus principais objetivos são “[...] o incentivo à produção e à capacitação de artistas, o
desenvolvimento da pesquisa, a preservação da memória e a formação de público para as artes
no Brasil”7.
Seu principal formato de fomento se estabelece por meio de bolsas e prêmios em dinhei-
ro. Todos os anos a instituição lança editais para premiação de projetos enviados de todo o Bra-
sil. Existem editais tradicionais publicados todos os anos para atender aos segmentos artísticos
nas suas principais necessidades: criação e circulação dos trabalhos.
O desenvolvimento de editais de seleção pública para apoio a projetos culturais são estão
submetidos à Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que institui o Programa Nacional de
Apoio à Cultura (PRONAC); ao Decreto nº 5.761, de 27 de abril de 2006 que regulamenta a Lei
nº 8.313 e estabelece a sistemática de execução do PRONAC, o Decreto Nº 6.170, de 25 de julho
de 2007 que dispõe sobre as normas relativas a transferências de recursos da União mediante
convênios e contratos de repasse, a Portaria Interministerial Nº 127, de 29 de maio de 2008 que
estabelece normas para execução do disposto do Decreto nº 6.170 e a Lei Nº 8.666, de 21 de
junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.
7
Fonte: http://www.funarte.gov.br/a-funarte/. Acesso em 28/03/2015.
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Uma rede de leis e procedimentos que moldam a forma de promover recursos públicos para as
artes no país.
Existe um procedimento básico e necessário para elaborar e manter um edital, principal-
mente os que são de origem e de responsabilidade da administração pública. Segundo o Manual
de Orientação para Elaboração e Gestão de Editais de Seleção Pública de Projetos e Iniciativas
Culturais8, as seleções devem ser regidas pelos seguintes princípios: transparência, isonomia,
legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, equilíbrio na distribuição re-
gional de recursos e acesso à inscrição.
4. METODOLOGIA DE PESQUISA
O recorte feito nesta pesquisa seguiu alguns princípios: selecionar editais da Funarte nas
áreas de Artes Cênicas e Artes Visuais, tendo ao final pelo menos um de cada área; editais que
beneficiem projetos de criação artística; sua regularidade de lançamentos pela instituição e um
período em que os editais e seus vencedores possam ser avaliados.
Foram selecionados os três últimos anos (2011 a 2013) que possuem fechamento de
atividades e entrega de relatório público final, ou seja, números e dados já foram reunidos e os
projetos já foram finalizados.
A partir do recorte de tempo houveram outros filtros a fim alcançar um recorte passível
de pesquisa e que tenha relevância no ambiente da instituição: encontrar editais de artes por
onde a arte da performance pode transitar com maior ênfase: os editais na área Artes Cênicas
(Dança, Circo e Teatro), os editais de Artes Visuais e os editais do departamento da Funarte de-
nominados ‘Artes Integradas’. Desta seleção foram encontrados 96 editais no período de 2011
a 2013.
Dos 96 textos, o próximo passo foi excluir os que não possuíam ocorrência todos os anos
do recorte temporal selecionado. De 96 ocorrências, o número foi reduzido para 65.
O próximo filtro foi a exclusão de editais de ocupação dos espaços pertencentes a Funar-
te e a manutenção apenas dos editais criação artística livre. O número foi reduzido para quinze
textos de seis editais, sendo quatro específicos para circo, dança, teatro e artes visuais e dois
editais que englobam as três formas de artes cênicas produzidas para encenação na rua.
O último recorte foi possível apenas após leitura de todos os 15 textos dos editais citados
acima. A busca observou o ‘Objeto’ do edital, local logo no início do texto da maioria dos editais
onde é descrito para qual tipo de trabalho/projeto é destinado o prêmio. O Objeto é o único pre-
sente em todos os textos que corresponde ao objetivo artístico do projeto. A pesquisa priorizou
apenas editais onde é possível a identificar a abertura para a Performance Arte como possível
8
http://www.cultura.gov.br/legislacao/-/asset_publisher/siXI1QMnlPZ8/content/portaria-n%C2%BA-
-29-2009-minc/10937. Acesso em 28/03/2015
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manifestação artística a ser considerada para recebimento de prêmios. Dos seis editais citados,
apenas dois assumem em seus ‘Objetos’ a Performance Arte diretamente descrita. Desta forma,
o filtro e a seleção final de editais para análise de textos e vencedores se estabeleceu apenas com
dois editais que citam a palavra Performance no texto.
Devido a abrangência do tema, foi eleito apenas o edital Prêmio Artes Cênicas na Rua
(Circo, Dança e Teatro) para ser analisado, por ser essa a arte que mais se aproxima da lingua-
gem da Performance.
5. ANÁLISE
5.1. Edital Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança e Teatro)
Presente dentro da Coordenação de Teatro da Funarte, o Edital Prêmio Funarte Artes
Cênicas na Rua, teve sua primeira edição em 2009. Seu principal objetivo é fomentar manifes-
tações artísticas nas áreas do circo, dança e teatro e que sejam desenvolvidas nas ruas ou em
espaços abertos e públicos, como praças e parques. Tem um recorte mais flexível onde os propo-
nentes podem propor projetos híbridos que utilizem mais de uma linguagem artística.
5.2. Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança, Teatro) 2011
O edital é restrito às ‘Performance Cênicas’, não se tratando de um termo oficial e seg-
mentado no universo da pesquisa em Performance, mas um posicionamento da instituição em
defender o perfil dos projetos a serem apresentados de acordo com o edital - artes cênicas.
A lista de selecionados não define nenhum projeto em uma linguagem específica. Esta
definição cabe aos proponentes. Após a listagem dos projetos selecionados, a pesquisa buscou
compreender melhor as características de cada projeto selecionado a fim de identificar quais ti-
nham como característica principal ou secundária a linguagem da performance arte. A pesquisa
buscou os resultados conquistados por meio de publicação dos grupos e artistas e obedeceu as
definições dos grupos sobre seus trabalhos.
Como para a Funarte em seu texto no edital não há a consideração da performance como
arte independente, a única forma de encontrá-la é sua associação com alguma arte cênica. Por
entender que os projetos podem se englobar em mais de uma arte cênica, foram realizadas algu-
mas combinações das artes cênicas. Quando essas são feitas e somadas a elas o quesito sem de-
finição na lista geral é possível identificar cinco possibilidades, mas sendo o objetivo encontrar
projetos na área da performance, outras combinações são necessárias nesta busca, é necessário
assumir que para a Funarte a performance não é uma arte principal.
Sendo assim as definições e combinações foram estabelecidas da seguinte maneira:
1. Circo
2. Circo | Dança
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5.3 Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança, Teatro) 2012
Apesar do aumento no número de projetos a serem contemplados, o número de propostas
na área da performance permaneceu o mesmo: Cinco projetos. O perfil de propostas associadas
a outra arte cênica se inverteu. Em 2011 foram quatro projetos na área de teatro e performance
e um de dança e performance. Em 2012, quatro projetos podem ser relacionados ou se assumem
como dança/performance receberam recursos contra um de teatro/performance. 74% dos proje-
tos foram de artes isoladas, sendo, mais uma vez, o teatro o principal vencedor (60% do total de
aprovados). Apesar da quantidade de aprovados na área da performance ter se mantido, a por-
centagem caiu para 7% devido ao aumento do número total de prêmios. O número de projetos
de artes híbridas diminuiu, sendo 26% e desses 7% pertenciam ao campo da performance e os
outros 19% a outras artes.
Durante a análise dos trabalhos vencedores pode-se perceber uma mudança de postura
do artista. Nesta edição, durante a divulgação da realização dos projetos, os grupos e artistas as-
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sumem diretamente seus trabalhos como performances, como será descrito adiante. Os artistas
possuem trabalhos mais estruturados dentro da linguagem e os grupos histórico de trabalhos,
interesse e pesquisa nesta área. A lista completa com os cinco trabalhos apresentou os seguintes
resultados: Antologia da Árvore, Macaco Nú, Pele do lugar - corpo e cidade, Perfografia e Posso
dançar pra você?
5.4 Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança, Teatro) 2013
A premiação em 2013 recuou na quantidade de projetos aprovados na área da perfor-
mance. Em 2013, foram apenas três que correspondem a 4% do montante. Projetos de uma única
linguagem ainda são os mais premiados e este ano com aumento para 87% do total. Houve uma
queda na porcentagem dos projetos de teatro e aumento nos premiados em circo. Deve-se des-
tacar uma queda no espaço para projetos híbridos, onde a performance se encaixa, o que pode
apontar por mais formalidade da instituição e comissão de avaliação na escolha dos vencedores.
Projetos contemplados: Coisas Que Fazem o Coração Correr Mais Rápido, Estética da
Via Crucis em Romaria, Sandwalk With ME
Ao todo, foram 206 projetos que tiveram acesso a R$ 7.834.500,00 (sete milhões oi-
tocentos e trinta e quatro mil e quinhentos reais). Desse número, 13 projetos se enquadram na
linguagem pesquisada e, ainda assim, é preciso considerar adequações e projetos que abriguem
outras linguagens em conjunto para que a Performance Arte possa ter acesso. Os treze projetos
identificados somam 458 mil e cem reais e mostram outro dado: dos treze projetos, sete, ou seja
54% deles, foram premiados no módulo A, que corresponde a menor premiação entre as três fai-
xas de valores do edital. Ainda ponderando os valores recebidos pelos projetos, no ano de 2013
onde houveram apenas três projetos vencedores, todos estavam dentro do módulo A e receberam
32.700 reais para execução do trabalho.
O panorama geral aponta para a valorização dos projetos com apenas uma linguagem
artística. Cerca de 82% deles são apenas de Teatro, ou de Circo ou de Dança e nessa sequencia
de maiores vencedores. Propostas de linguagem múltipla correspondem a 18%, enquanto que a
Performance Arte ocupa 6% do total de projetos ganhadores do edital.
6. REFLEXÕES FINAIS
“A Performance não possui uma forma única, sempre foi alternativa. Eu gostaria de
vê-la respeitada antes de eu morrer”. Quando Marina Abramovic fala sobre o desejo de ver a
Performance reconhecida, ela expõe junto com seu discurso uma legião de artistas que ainda
não possuem espaço para as suas expressões. Espaço aqui não se refere ao prédio, mas reconhe-
cimento da Performance como uma arte própria e necessária. Suas provocações estão fora do
local da repetição ou da exposição, como a maioria das outras artes, e essa particularidade dela
491
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precisa ser reconhecida. Se esta necessidade é real para uma artista como Marina Abramovic
que possui mais de 40 anos de carreira, obteve trabalhos expostos nas maiores galerias e festi-
vais do mundo, é preciso refletir sobre a situação da grande maioria dos artistas que executam
essa mesma arte e precisam de reconhecimento e subsídios.
Os editais promovidos pela Funarte ainda precisam alinhar a distribuição de recursos
para esta e outras formas de manifestação artística consideradas não convencionais. A pesquisa
mostra uma intenção de abrigar essa arte. As políticas públicas de cultura no Brasil ainda estão
em processo de elaboração, implementação e avaliação, mas já mostram favorecer tanto artes
que existem há milênios, como o teatro e a dança, e as mais recentes como a Performance. O
espaço pode ainda parecer pequeno, mas ele existe e cabe aos gestores, artistas e demais pro-
fissionais pensarem em qual seria a melhor política pública para esta arte. Em 2010 a Funarte
lançou um edital de festivais de arte chamado “Apoio a Festivais de Fotografia, Performances e
Salões Regionais”. Nele, três dos quinze projetos aprovados eram de festivais de Performance
Arte. Nenhum seguiu com mais edições após o prêmio da Funarte e o edital teve apenas uma
ocorrência. Esta informação mostra um interesse da instituição, ou pelo mostrou em 2010, em
valorizar essa arte. O que precisa ser desenvolvimento ao longo dos anos é como viabilizar algo
que possa ser apresentado sem modificar a obra em função da necessidade de repetição, posso
gerar indicadores e materiais que comprovem sua execução. A Funarte é uma instituição pública
que utiliza em sua maioria verbas públicas, portanto, ela precisa prestar contas do que financia.
O que se apresenta hoje é uma arte cada vez mais híbrida de plataformas diversas que
conversam entre si, ou não. O próximo passo é alinhar as produções aos mecanismos de reco-
nhecimento das manifestações artísticas, embora se a arte é de vanguarda essa adequação não
será na mesma velocidade das criações, mas as discussões e manifestações que a rua aborda re-
verberam no dia a dia e provocam, de certa forma mudanças no cotidiano das pessoas por onde
as intervenções passam. Essa força é real e presente.
Chegará um momento em que provavelmente a Política Pública de financiamento a cul-
tura por meio de editais terá que ser superada por algo ainda mais amplo e democrático e perene.
Em 2013 prefeituras, governos estaduais e federal instituíram as conferências de cultura onde
foram elencados os novos problemas para formação de agenda para políticas públicas para cul-
tura. Estive presente para conferência de São Paulo. Nenhum representante na área da Perfor-
mance Arte esteve presente para defender mais apoio para a linguagem artística e ela não entrou
diretamente em pauta. Para se credenciar uma arte é preciso criá-la e também usar de estratégias
para que ela seja reconhecida. Este material levantado pode ser uma maneira de auxiliar os ar-
tistas e gestores a pensarem para além da verba direta, mas quais são as maneiras de sustentar a
criação de um artista.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cenicas-na-Rua-Circo-Danca-e-Teatro_2012.pdf. Acesso em: 28 mai.2015.
FUNARTE. Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança, Teatro) 2013. Fundação Nacional
das Artes. Disponível em: http://www.funarte.gov.br/wp-content/uploads/2013/08/Edital-PREMIO-
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intervencao-ldquo-coisas-que-fazem-o-coracao-correr-mais-rapido-rdquo-chega-as-ruas-de-
florianoplis.html. Acesso em: 04 mai.2015.
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1
Este texto foi baseado e em parte extraído de: CASTELLEN, Christiane Maria. O Educador frente a outras rea-
lidades: educação patrimonial para pessoas privadas de liberdade do sistema carcerário. In: FONSECA da SILVA,
Maria Cristina da Rosa (org.) Cadernos de docência: contribuições para a formação em artes visuais. Florianópolis
: AAESC, 2015. pp 39-62
2
Christiane Maria Castellen: Licenciada em Educação Artística, com Habilitação em Artes Plásticas e Especialis-
ta no Ensino das Artes Visuais / UDESC. Analista Técnica em Gestão Cultural da Fundação Catarinense de Cultura,
na função de Educadora do Museu Histórico de Santa Catarina – Palácio Cruz e Sousa. Membro do Grupo de Pesqui-
sa Educação, Arte e Inclusão. UDESC – Cnpq. christianecastellen@fcc.sc.gov.br ; cmcastellen@gmail.com
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3
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/301646/reeducando
4
O Infopen é um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro. Levantamento disponí-
vel em http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/11/080f04f01d5b0efebfbcf06d050dca34.pdf
5
O levantamento menciona que, entre 2000 e 2014, a taxa de aprisionamento aumentou 119%. Em 2000, havia
137 presos para cada 100 mil habitantes. Em 2014, essa taxa chegou a 299,7 pessoas. Caso esse ritmo de encarce-
ramento se mantenha, em 2022, a população prisional do Brasil ultrapassará a marca de um milhão de indivíduos.
Em 2075, uma em cada dez pessoas estará em situação de privação de liberdade (p.16).
6
O relatório informa que são considerados jovens, pessoas entre 18 e 29 anos, de acordo com o Estatuto da Juven-
tude (p. 48)
7
Índice referente apenas ao ensino fundamental incompleto.
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8
No Decreto nº 7.626, de 24/11/2011, da Presidência da República, é instituído o Plano Estratégico de Educação
no âmbito do Sistema Prisional – PEESP, que contempla a educação básica na modalidade de educação de jovens
e adultos, a educação profissional e tecnológica, e a educação superior.
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9
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14906&Itemid=866
498
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10
Órgão da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte / Santa Catarina.
11
Órgão da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão.
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volvimento da área cultural do estado de Santa Catarina, estão, sob sua responsabilidade, várias
instituições culturais, entre as quais os museus mencionados – MHSC, MIS/SC e MASC – e
o Centro Integrado de Cultura Henrique da Silva Fontes (CIC), complexo cultural que abriga
museus, teatro, cinema e oficinas culturais.
A Penitenciária Estadual de Florianópolis, instituição com a qual a FCC mantém o refe-
rido Contrato, está situada geograficamente vizinha ao CIC. O complexo penitenciário abriga
aproximadamente 950 presos do sexo masculino, maiores de 18 anos. Cerca de 21012 deles en-
contram-se em regime semiaberto, que possibilita uma vigilância menos rigorosa, estruturado
para que o indivíduo possa trabalhar e estudar. Cada três dias trabalhados resultam em um dia
de remissão de pena.
Há, no Contrato entre a FCC e a Penitenciária, dez reeducandos que realizam trabalhos
principalmente no CIC. A presença deles nos espaços culturais do CIC é diária em serviços de
manutenção, tais como: jardinagem, limpeza do estacionamento, pinturas, pequenos reparos, en-
tre outros, sempre sob a supervisão de um técnico da FCC/CIC. A participação dos integrantes
do grupo, cuja faixa etária varia entre 23 e 55 anos de idade, é intermitente, pois podem ser subs-
tituídos por condutas de comportamento ou pela liberação do alvará de soltura. O grupo é forma-
do por indivíduos que possuem, em comum, histórias de violência e/ou delitos. É este número
relativamente pequeno de pessoas que compõe o grupo participante do Projeto CONSTRUINDO.
A primeira visita realizada pelos reeducandos ao espaço expositivo do Museu Histórico
de Santa Catarina13 foi promovida em agosto de 2009, após uma semana de trabalhos de limpeza
efetuados pelo grupo nos muros do Museu. Criou-se uma oportunidade de aproximação desse
grupo, como público visitante, a fim de conhecer esse patrimônio cultural, como sujeito de direi-
to. Juntamente com os órgãos e setores responsáveis, foi possível concretizar o acesso do grupo
a uma visita mediada ao museu, mediante a dispensa de um período de trabalho.
Com a repercussão positiva dessa primeira visita entre todos os envolvidos, principalmen-
te entre os visitantes, foi possível sensibilizar e mobilizar técnicos, setores e órgãos envolvidos na
ação, com a finalidade de viabilizar a continuidade das visitas ao Museu. As condições favoráveis
e o caráter educativo do Museu reforçam e contribuem para que novos olhares sobre esse público
possam ampliar oportunidades de realizar ações, em um processo educativo continuado.
12
Dados informados pela Penitenciária Estadual de Florianópolis, em 23/11/2015.
13
Localizado no centro de Florianópolis e instalado no Palácio Cruz e Sousa, seu acervo é composto por móveis e
objetos diretamente ligados à história política do Estado, sendo um dos maiores patrimônios sua edificação, impor-
tante exemplar da arquitetura eclética do final do século XIX.
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O Projeto CONSTRUINDO vem sendo coordenado e mediado por mim e pela arte-edu-
cadora Márcia L. Carlsson, ambas do Núcleo de Ação Educativa do MHSC14.
Assim, parcerias, planejamentos, agendas compatíveis, recursos humanos, estrutura e
transporte foram viabilizados para que, em 2010, novos encontros fossem realizados, eviden-
ciando-se a proposição de um Projeto, com visitas sistemáticas do grupo de reeducandos ao
Museu, através de encontros mensais. O objetivo inicial tinha como proposta o acesso, a integra-
ção e a participação do grupo nas ações educativas socioculturais, oportunizando experiências,
percepções, descobertas e apropriações da pluralidade de sentidos e narrativas presentes nas
exposições apresentadas no espaço do MHSC. No entanto, em 2012, foi possível o desdobra-
mento do Projeto CONSTRUINDO em ações no MIS/SC15 e no MASC16, ambos localizados no
Centro Integrado de Cultura. Esse desdobramento do Projeto permite aos reeducandos o contato
com acervos e linguagens presentes nas diferentes tipologias dos museus, propiciando novas
experiências de subjetividade e de produção de conhecimento, a partir da cultura visual e do
patrimônio cultural.
A escolha do nome do Projeto foi amplamente discutida pelo grupo durante os encon-
tros iniciais, mas somente durante o 6º encontro, com a presença do artista Edgar Bessa, no ano
de 2010, decidiu-se por CONSTRUINDO. Esse nome possui a referência de algo que está em
construção coletiva, considerando que o sufixo INDO, em itálico, sugere este movimento dos
próprios participantes (reeducandos), num processo contínuo de passagem, de fluxo e de mu-
dança. A logomarca do Projeto, criada pelo reeducando Marco Antônio e definida sob orientação
de Moysés Lavagnoli - designer gráfico da FCC -, é aprovada pelo grupo em agosto de 2013.
Para o desenvolvimento do Projeto, optamos pela utilização do aporte metodológico da
pesquisa-ação Thiollent (1996), por meio da qual os pesquisadores e os participantes representa-
tivos da situação estão envolvidos de modo cooperativo e participativo17. Como suporte teórico,
destacamos conceitos de “mediação”, em Vygotsky (1989); de “dialogia”, em Bakhtin (1992;
2003); de “relações de poder”, em Foucault (1973; 2003; 2005); de “educação patrimonial”, em
14
Outras informações sobre o Projeto constam de publicações Castellen;Carlsson, 2013 e Castellen;Carlsson, 2015
citadas nas referências ao final deste artigo. Em setembro deste ano, ingressou na equipe do NAE/MHSC a arte-
-educadora Cristiane Ugolini.
15
Criado em 1998, com a finalidade de preservar, documentar, pesquisar e comunicar acervos audiovisuais de
relevância nacional e, preferencialmente, do estado de Santa Catarina. Seu acervo está divido em cinco Coleções:
Filmes; Som; Imagens; Equipamentos e Registros Textuais.
16
Criado em 1949, como Museu de Arte Moderna de Florianópolis (MAMF), seu acervo é representado por artistas
nacionais e estrangeiros e possui mais de 1.750 obras entre pintura, gravura, escultura, fotografia, objetos e outras.
17
Com base empírica, esta metodologia é concebida e realizada em estreita cooperação entre as partes, e dá lugar
a uma grande diversidade de propostas nos diversos campos de atuação social. Idealizada como metodologia de
articulação do conhecer e do agir, a pesquisa tem como objeto de investigação a situação social e os problemas de
diferentes naturezas, havendo, durante o processo, um acompanhamento das decisões, das ações e de cada atividade
dos sujeitos envolvidos (Thiollent, 1996).
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Horta (1999); de “objeto gerador”, em Ramos (2004); e de “inclusão social aplicada a práticas
dos museus”, em Aidar (2002).
Os procedimentos para a atuação durante a visita do grupo são selecionados a partir de
objetos e conteúdos geradores de conhecimento e reflexão presentes nas exposições. Tais proce-
dimentos proporcionam a elaboração de ações flexíveis e compartilhadas com os participantes,
como forma de estabelecer relações construtivas com o grupo, assim como iniciativas comunitá-
rias. Inicialmente os participantes recebiam com certa desconfiança a oportunidade de escolher
e dialogar com liberdade de expressão.
As visitas mediadas às exposições de longa e curta duração, realizadas nos três museus
com tipologias diferentes (história, arte, imagem e som), permitem não apenas ampliar o re-
pertório visual em diferentes linguagens e técnicas, como também reflexões acerca de novas
narrativas, histórias e memórias. A riqueza de proposições pode ser observada a partir de alguns
títulos das exposições temporárias visitadas: Isso não posso contar; Pintar o futuro; Do Concei-
to e da Afeição; Contaminações: Linhas da infância; Grupo de Risco; Na Pele; O Tesouro do
Morro da Igreja; Pinceladas de Luz; Fotografando o Silêncio; Ritos, Ditos e Ditados: Memó-
rias Inventadas; Guerra do Contestado: 100 anos de memórias e narrativas; Gravar: técnica e
expressão; Além de 3x4; Guerreiros do bronze ao aço; O coração no Olho; Na sombra de uma
origem; Diálogo entre Eros, Psique e Thanatos.
Procuramos promover visitas nas exposições que proporcionem experiências, vivências,
memórias e ressignificações individuais e coletivas. É possível perceber a importância das ações
vinculadas ao patrimônio cultural, a partir dos diálogos dos participantes que se encontram nos
relatórios dos encontros.
Foram realizados 32 encontros do Projeto com o grupo de reeducandos no decorrer des-
ses anos, totalizando 42 exposições visitadas, de longa e curta duração, em três museus da FCC,
sendo dezenove visitas mediadas no MHSC, sete no MIS/SC e cinco no MASC18.
São oportunizados, sempre que possível, encontros com curadores de exposições e ar-
tistas, permitindo assim o estabelecimento de diálogos e relações sobre experiências, subjeti-
vidades e processos criativos. Debates e reflexões sobre temas contemporâneos nessas práticas
sociais promovem a sociabilidade e o fortalecimento de posicionamentos individuais diante do
grupo sobre percepções e descobertas. Foram promovidos onze encontros presenciais com a
participação de artistas, curadores e um cineasta19.
18
Além dos encontros mencionados, foi possível, em 30/04/2010, realizar um encontro do Projeto CONSTRUIN-
DO no Museu Victor Meirelles (MVM). Esse Museu encontra-se geograficamente vizinho ao MHSC, mas não
pertence à FCC.
19
Foram convidados a participar dos encontros, os seguintes artistas e expositores: Clara Fernandes, Tercília dos
Santos, Kátia Áurea, Edgar Bessa, Susana Bianchini, Giovana Zimermann, Rô Cechinel, Danísio Silva, Maria
Helena Rosa Barbosa, Giliard Lach, Heloisa Caminha Bradacz e Carlos Jr.
502
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qualitativa, para identificar processos, experiências e conhecer os impactos das ações propostas
pelo Projeto.
O Projeto proporcionou, até o momento, a participação de 76 reeducandos, sendo que
retornaram ao Museu, quando em liberdade, 50% dos participantes no ano de 2010. A rotati-
vidade dos integrantes do grupo, devido à intermitência de sua participação – substituição por
conduta de comportamento ou liberação do alvará de soltura –, impõe ao Projeto uma adaptação
constante. Alguns indivíduos participam no decorrer de um ano ou mais, outros, em apenas dois
ou mais encontros.
O Projeto CONSTRUINDO contempla, além do desenvolvimento de ações integradas
com as equipes dos núcleos educativos dos museus, o compartilhamento das ações realizadas
com servidores de setores específicos da FCC, que são fundamentais para a realização e a ma-
nutenção do Projeto. Também são compartilhadas informações do Projeto com funcionários da
Penitenciária, proporcionando interações construtivas entre sujeitos e contextos diferentes. A
presença de alguns desses técnicos em três encontros, a fim de acompanhar o Projeto, fez com
que também eles visitassem/conhecessem os museus e sua função social. Foi possível ampliar,
também, o diálogo sobre as ações do Projeto com a representante do Programa de Educação nas
Unidades Prisionais e Unidades de Intervenção da Secretaria de Estado da Educação de Santa
Catarina. Em agosto de 2010, foi oportunizada uma visita técnica ao complexo penitenciário.
Experiência essa importantíssima para reconhecimento do contexto em que vivem os participan-
tes do Projeto CONSTRUINDO.
Os reeducandos consideram importante que o Projeto seja compartilhado. Sobre esse
desejo deles, destaca-se o comentário de um dos participantes: “Quero que o projeto seja divul-
gado para olharem diferente para nós”(NAE, 2010)
A FCC e suas casas vinculadas, assim como a Penitenciária Estadual de Florianópolis,
são instituições mantidas e administradas pelo poder público estadual, e estão, também, sujeitas
à sazonalidade de suas gestões. É nesse contexto que o Projeto CONSTRUINDO envolve sujei-
tos históricos diversos, que se encontram inseridos em campos de atuação com missões comple-
tamente diferentes. Em ambas as instituições tem sido possível dialogar sobre a relevância do
Projeto e assegurar sua realização e continuidade.
O Projeto CONSTRUINDO viabiliza iniciativas que extrapolam a ação interna da insti-
tuição e incorpora diversas experiências histórico-culturais. Ele abre novas intervenções, pos-
sibilitando a renovação de conceitos e práticas tanto para as instituições envolvidas (FCC e
Penitenciária) como para a formação docente, a universidade e os próprios museus.
Ao serem promovidas ações em que os reeducandos possam vivenciar e dialogar nos
espaços museológicos, em contato com os códigos e significados potencializados pelos objetos
do patrimônio cultural, acredita-se favorecer não só o reconhecimento desses espaços como
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Creio que os resultados produzidos pelo Projeto CONSTRUINDO, possam contribuir na
visibilidade de ações de inclusão sociocultural junto ao complexo fenômeno de aprisionamento,
na medida em que apontam condições favoráveis para a realização de procedimentos possíveis
para diversos profissionais de diferentes campos de atuação.
É possível que ações dessa amplitude oportunizem pautas de reivindicação no plano
institucional, legal e social, em torno de demandas e realizações que proporcionem a integração
à sociedade de indivíduos em situação de privação de liberdade. As relações contemporâneas,
ao reivindicarem novos olhares, promovem o rompimento de paradigmas, provocando novas
práticas sociais, que contribuem na busca de alternativas para problemas sociais tão complexos
como os do sistema carcerário no Brasil.
São os órgãos públicos os proponentes e reguladores de “lugares culturais”, e nesses
lugares são constituídas práticas sociais. Compondo muitas vezes o que Leite chamou de “car-
tografia do poder”, o autor observa que “os lugares singularizam-se principalmente pelas re-
presentações e práticas construídas pelas pessoas que neles interagem” (LEITE, 2004). Nesse
sentido, torna-se vital a mobilização de interlocutores diferenciados nos planos institucionais,
contribuindo para legitimar práticas e projetos participativos em parceria, com o intuito de in-
505
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corporar novos sujeitos na construção de uma nova realidade. Fortalecendo a ideia de que é pos-
sível pensar um mundo novo, com alternativas e possibilidades, Boaventura Santos afirma que
“devemos buscar credibilizar, ampliar simbolicamente as possibilidades” de vê-lo a partir do
presente, dando visibilidade a experiências possíveis, “que não estão dadas porque não existem
alternativas para isso, mas são possíveis e já existem como emergência”(SANTOS, 2007).
Penso ser consenso de todos que inúmeros desafios se apresentam para toda a sociedade.
Para nós, gestores e servidores públicos (das diferentes áreas), o desafio é refletir sobre uma po-
lítica atenta para a diversidade e complexidade que compõem não só os espaços institucionais,
mas os espaços de sociabilidade na contemporaneidade.
Conforme Boaventura Santos,
[...] é preciso fazer transgressões. Buscamos o novo nos interstícios, en-
tre as realidades, [...] de nossa sociabilidade, que estão articulados de
maneira muito complexa. Precisamos migrar de um campo a outro, de
um estrato a outro, de uma linguagem a outra; a transdisciplinaridade é,
em parte isso. Temos ainda de buscar conceitos que venham de outros
conhecimentos (SANTOS, 2007, p.48).
Espero que a experiência dos participantes do Projeto CONSTRUINDO possa contribuir
na reflexão sobre políticas culturais e em práticas efetivas de integração de pessoas em situação
de privação de liberdade.
O Projeto CONSTRUINDO, após anos de realização, foi no ano de 2015 inserido no
Plano Museológico do Museu Histórico de Santa Catarina, sendo normatizado como um projeto
de atuação sistemática. Assim, o projeto possibilita abrir portas, derrubando estigmas, minimi-
zando o processo de exclusão, ampliando discussões e apontando oportunidades em contextos
com múltiplas dimensões sobre políticas públicas, culturais, sociais e educacionais, com vistas
à integração e inclusão social do sujeito em privação de liberdade em toda a sua complexidade.
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RESUMO: Este trabalho pretende investigar de que maneira o contexto histórico explica as
transformações ocorridas na práxis do mediador cultural a partir da década de 1990, e em que
medida estas mudanças interferem na qualidade pedagógica das ações educativas oferecidas por
equipamentos culturais da cidade de São Paulo. Para tanto, são utilizadas referências teóricas da
educação e história que embasem nossa hipótese.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo apresentar parte da pesquisa intitulada “Mediador Cultu-
ral: profissionalização e precarização das condições de trabalho” que está sendo desenvolvida
junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes, no Instituto de Artes da UNESP.
Nosso interesse é expor o contexto histórico no qual o trabalho do mediador cultural so-
fre transformações, e como estas interferem na relação direta com os públicos. Há, na mediação
cultural, uma clara contradição: contrata-se pesquisadores críticos e qualificados, todavia, para
transmitir conhecimentos (já) consolidados pelas instituições. Apontaremos nossa compreensão
sobre mediação cultural, seu papel na educação e na construção de conhecimento, e também
sua contribuição na formação do sujeito crítico e reflexivo, qualificado para transformar sua
realidade e sociedade.
1
Graduada em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (2010), e mestranda em Artes
pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, na linha de pesquisa
Processos artísticos, experiências educacionais e mediação cultural, sob orientação da Prof.ª Dra. Rejane Galvão
Coutinho. E-mail: cintiamasil@gmail.com
2
Graduado em Licenciatura e Bacharelado em História pelo Centro Universitário Fundação Santo André (2011).
Pós-graduado em nível de especialização lato sensu em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo
André (2013). E-mail: beltrame.renanr@gmail.com
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nio; b) criação das Organizações Sociais (OSs): entidades da sociedade civil sem fins lucrativos,
passam a administrar equipamentos públicos de arte e cultura (museus, bibliotecas, teatros) por
meio de contrato de gestão firmado com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.
Não por acaso foi nesse período em que a discussão sobre políticas públicas para edu-
cação ganhou fôlego no Brasil. Adentrada a nova fase democrática brasileira, anunciada com
a promulgação da Constituição Federal em 1988, o debate sobre educação no país ganhou
novos contornos e foi colocada em pauta a ação da escola junto às temáticas pertinentes à
manutenção do estado Democrático de Direitos, consolidação e defesa dos Direitos Humanos,
participação cidadã e o papel da sociedade civil organizada na concepção de uma metodologia
adequada à nova realidade brasileira, que entendesse e atendesse toda a gama de diversidades
sociais do país na formação de sujeitos capacitados a agirem na construção daquela dinâmica
societária. A prática educativa, principalmente aquela implementada em instituições de Ensi-
no Formal, ganhava o caráter de polo de discussões sobre o agir político contemporâneo, onde
profissionais da educação perspectivavam aglutinar condições para a realização de um projeto
educativo emancipador.
(...) a despeito das ambiguidades, é forçoso reconhecer que a década
de 1980 foi marcada por um vigoroso movimento organizativo-sindical
envolvendo os professores dos três graus de ensino. A organização dos
educadores na referida década pode, então, ser caracterizada por meio
de dois vetores distintos: aquele caracterizado pela preocupação como
significado social e político da educação, do qual decorre a busca de
uma escola pública de qualidade, aberta a toda a população e voltada
precipuamente para as necessidades da maioria, isto é, a classe traba-
lhadora; e o outro marcado pela preocupação com o aspecto econômi-
co-corporativo, portanto, de caráter reivindicativo, cuja expressão mais
saliente é dada pelo fenômeno das greves que eclodiram a partir do final
dos anos de 1970 e se repetiram em ritmo, frequência e duração crescen-
tes ao longo da década de 1980 (SAVIANI, 2013, p. 404).
Todavia, a nova ordem social proclamada não rompeu com os traços do desenvolvimen-
to social brasileiro estabelecido até então. Alteradas as regras de participação nas instituições
governamentais, a subordinação da classe trabalhadora à autocracia do Estado capitalista bra-
sileiro se manteve inalterada. Além de não romper com os meios de apropriação de capitais, a
Nova República deixou intactas na Constituição Federal mecanismos de manutenção da ordem
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política e social implementados pela Ditadura bonapartista Civil-militar3 que perdurou no Brasil
por 21 anos, e que pretendeu superar. Não responsabilizou o Estado e não puniu os perpetra-
dores, diretos ou indiretos, civis e militares que violaram Direitos Humanos durante o regime
imposto anteriormente, e estabeleceu relações institucionais limitadoras da participação social
efetiva nas decisões das políticas nacionais. A formação das novas políticas públicas para a edu-
cação brasileira não ficaram de fora deste contexto, e assim como todo o conjunto de espaços
reservados para o atendimento da população, pagaram caro pela reorganização da autocracia
brasileira que desarmou seu aparato militarizado e se institucionalizou para garantir a produção
do valor numa nova etapa da mundialização do capitalismo. Desta forma, as concepções a res-
peito de uma educação emancipadora foram sufocadas.
Orientadas por organizações multilaterais, principalmente BM, FMI e BID, as reformas
gerenciais e organizativas do Estado brasileiro, tanto em nível federal estadual ou municipal,
tiveram como pano de fundo a reorganização das forças produtivas nesta etapa de desenvolvi-
mento econômico e social. A neoliberalização dos mercados exigiu mais do que uma remode-
lação da atividade industrial em nível mundial como saída de uma crise. Uma nova concepção
sobre o mundo, sobre seu passado, presente e futuro, sobre as formas de sociabilidade e pers-
pectiva da história, foi forjada para atender às necessidades da reprodução capitalista. Cultura,
educação – práticas educativas –, arte, cidadania, política, esporte, lazer... a lógica do mercado
cooptou a atividade socializadora e institucionalizou seu acesso, limitou-a à compra e à venda
de seus produtos na perspectiva de condicionar o consumo de bens produzidos e incentivar o
avanço neoliberal no acúmulo de capitais. Isto porque se fez necessário ao capital implementar
um duro processo de desmonte do que se considerou como Estado de bem-estar social na Euro-
pa e nos EUA, fruto de intensa mobilização da classe trabalhadora no pós- segunda guerra mun-
dial. Sindicatos e movimentos de lutas sociais conquistaram garantias de atendimento, por parte
do poder público, em setores como saúde, previdência social, educação, transporte e moradia.
Ao enfrentar a resistência dos trabalhadores no desmantelar daquela forma de gerenciamento do
3
“Importa dizer que a institucionalização da autocracia burguesa é a expressão jurídica do politicismo, enquanto
o bonapartismo é sua expressão explicitamente armada, na exata medida em que ambos são formas (no plural) de
poder político de uma mesma forma de capital, de um mesmo modo de ser capitalista, que o politicismo sintetiza.
No sentido de que o politicismo é a essência, tanto de uma como do outro, exprimindo a estratégia e a tática da
incompletude econômica de nossa burguesia e de sua correspondente estreiteza política. /.../ Resultam, pois, dois
pólos para a genuína dominação capitalista no Brasil: a truculência de classe manifesta e a imposição de classe
velada ou semivelada, que se efetivam através de um mero gradiente, excluída a possibilidade de a hegemonia bur-
guesa, no caso, resultar de e no quadro integracionista e participativo de todas as categorias sociais, que caracteriza,
com todos seus limites conhecidos, a dominação de tipo democrático-liberal. /.../ Ou seja, do mesmo modo que,
aqui, a autocracia burguesa institucionalizada é a forma de dominação burguesa em ‘tempos de paz’, o bonapartis-
mo é sua forma ‘em tempos de guerra’. E na proporção em que, na guerra de classes, a paz e a guerra sucedem-se
continuamente, no caso brasileiro, no caso da objetivação do capitalismo pela via colonial, as formas burguesas de
dominação política oscilam e se alternam entre diversos graus de bonapartismo e de autocracia burguesa institucio-
nalizada, como toda a nossa história republicana evidencia” (CHASIN, p. 127-128, 2000).
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– e Organização Mundial do Comércio – OMC – por exemplo), junto ao Estado por meio de
ministérios, secretarias, universidades, fundos e bancos, das empresas privadas com suas in-
dústrias, universidades e bancos e setores da sociedade civil organizada com a formação de
Organizações Não Governamentais – ONGs – OSs e OSCIPs, a partir da década de 1990 domi-
naram a discussão sobre cultura e educação, mercantilizaram e institucionalizaram seu fazer,
seu acesso e seu desfrutar. O pensamento sobre o que é cultura, e o que é educação, sua razão e
seu devir foi monopolizado por este conglomerado institucional, blindado pela lógica do mer-
cado que, ao consolidar-se deu sentido à sua argumentação e afastou, pela exclusão, qualquer
contra argumentação. No Brasil as políticas públicas para cultura e educação foram orientadas
e implementadas pela proposta neoliberal dada pelo direcionamento macroeconômico do país
desde a abertura das fronteiras brasileiras aos mercados internacionais no pós-redemocratiza-
ção com o governo de Fernando Collor de Mello (1990/92), consolidada pelos dois mandatos
de Fernando Henrique Cardoso (1995/98 e 1999/2002), que implementaram as orientações
do Consenso de Washington e deliberaram os processos de sucateamento e privatização do
espaço público, e rearranjadas pelas presidências comandadas pelo Partido dos Trabalhadores
com Luiz Inácio Lula da Silva (2003/06 e 2007/10) que estabilizaram as condições de inves-
timentos, principalmente do capital financeiro nacional e internacional, junto à atividades do
governo conservando os meios de apropriação de capitais, e realinharam o posicionamento da
classe trabalhadora frente ao combate ao neoliberalismo, plano este, seguido por Dilma Rous-
seff (2011/14 e 2015/atualmente)
O mais plausível é dizer que a manutenção da política macroeconômica
de FHC não foi um fator que contribuiu para o realinhamento eleitoral
do subproletariado, mas sim para o realinhamento das elites hegemô-
nicas do bloco no poder. O apoio do subproletariado ao governo Lula,
conseguido com os programas de transferência e com o aumento do
salário mínimo, ao lado da manutenção da política econômica, possibili-
tou a manutenção da dominação da fração bancário-financeira no bloco
no poder. Mais que isso, completou-se o processo de legitimação na
medida em que a hegemonia restrita da fração bancário-finaceira, du-
rante o governo FHC, torna-se uma hegemonia ampla, incorporando os
segmentos fora do poder. (TEIXEIRA, PINTO, 2012, p. 26).
Em âmbito estadual os governadores do Partido da Social Democracia Brasileira em
São Paulo desde 1995 constituíram amplo mercado cultural e educacional no desenrolar de
suas políticas públicas. Atrelados ao compromisso capitalista de valorização dos mercados,
entregaram à iniciativa privada a administração dos recursos públicos para a cultura por meio
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das OSs e OSCIPs que guiaram a consolidação de um sólido mercado de arte, cultura, saber
e entretenimento6.
6
Em dias atuais a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo repassa dinheiro público para administração de
OSs em todos os seus 18 Equipamentos Culturais com espaços de visitação que passaram por processos de musea-
lização e que desenvolvem ações no âmbito da Educação Não-formal recebendo o público.
De acordo com a própria secretaria, estes equipamentos culturais juntos receberam, em 2014, uma soma de 3 mi-
lhões de pessoas e todos oferecem uma grande gama de temas e distintas abordagem e opções para os públicos das
mais variadas idades, e que comungam de uma preocupação central: “oferecer acesso a população menos favore-
cida” (www.cultura.sp.gov.br). Por conta disto, 07 destes equipamentos têm entrada gratuita (Casa Guilherme de
Almeida, Casa das Rosas, Memorial da Resistência de São Paulo, Museu Casa de Portinari, Museu Felícia Leiner,
Museu Índia Vanuíre e Paço das Artes), e aqueles outros 11 que cobram ingresso (Catavento, Pinacoteca do Estado,
Estação Pinacoteca, Museu Afro Brasil, Museu da Casa Brasileira, Museu da Imagem e do Som, Museu da Imigra-
ção, Museu da Língua Portuguesa, Museu de Arte Sacra, Museu do Café e Museu do Futebol) oferecem gratuidade,
obrigatoriamente, um dia por semana (www.cultura.sp.gov.br).
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público, por meio de atividades educacionais da mais variada gama de diversidades, inclusive
estabelecendo parcerias junto à Secretaria de Educação do Estado. É importante observar que
estes dezoito Equipamentos Culturais pertencentes à Secretaria de Cultura têm seus recursos
gerenciados pelo sistema de OSs. Respondem todos às normas e metas estipuladas pelo Estado,
mas têm garantida a autonomia nos processos de utilização do que lhes é repassado. Fora o fi-
nanciamento do poder público, as OSs têm garantidas também a liberdade de capitanear dinhei-
ro por outros meios como cobrança de bilheteria, patronos e patrocínio de empresas privadas e
estatais dos setores produtivo ou financeiro.
Questionamentos sobre o processo de configuração deste quadro, sobre o panorama edu-
cacional que esta relação estabelece, ou quais os resultados efetivados por este relacionamento,
assim como a respeito das perspectivas para educação estabelecidas nesta dinâmica ofertada
pelas OSs, fazem parte da práxis educativa que envolve os agentes diretamente localizados neste
processo. Refletir sobre o desenvolvimento desta dinâmica permite o aprimoramento da ação
educativa em equipamentos culturais e o desenrolar de perspectivas para a educação, entendida
como processo formador.
Dito isso, propomos apontar as qualidades deste profissional, que aparecem primeiro em
sua formação. Esta se dá ao longo de sua trajetória – no curso superior, nas instituições culturais,
com as equipes de trabalho e os muitos grupos atendidos. Só investigando e refletindo sobre a
própria experiência é possível a este profissional perceber se está no (seu) caminho certo, se
está, ou não, realizando bem seu trabalho com o público. A formação acontece tanto na ausência
de condições mínimas de trabalho (que forçam a procura de caminhos e possibilidades educa-
tivas), como trabalhando em ambientes produtivos e criativos, com pessoas preocupadas com
suas ações e que demonstram um grande respeito ao público atendido.
A educação não-formal realizada no contexto museal (MARANDINO, 2008; MAR-
TINS, 2003; MARTINS, 2013) deve ser aberta e flexível, mas apresenta duas características que
se afetam mutuamente, interferindo na qualidade da atividade educativa proposta e dificultando
o trabalho do mediador: o pouco tempo dado ao diálogo (apenas uma hora e meia de duração de
visita para ouvir os participantes, contextualizar suas falas diante o objeto exposto e construir
novos conhecimentos), e a descontinuidade do trabalho de construção do conhecimento. O que
podemos esperar de um trabalho onde a continuidade não é esperada? Como contribuir na for-
mação do sujeito em um único encontro de pouco mais de uma hora?
É necessário que este profissional tenha claro que nós, seres humanos, somos sujeitos
históricos, inacabados e inconclusos, e que a história se constrói com a mediação e interação
humana. Assim como o mundo, estamos em constante processo de transformação, e cabe a cada
um de nós contribuir para a construção do que virá a se tornar realidade. Desta forma, compre-
endendo a necessidade de construir nossas histórias coletivamente, o mediador cultural conse-
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guirá propor ao público que seu papel não é reproduzir significados oficiais, senão potenciali-
zar a relação entre espectador e bens culturais, na intenção de ampliar horizontes perceptivos,
aprofundar olhares e leituras de imagem e criar novas possibilidades de compreensão. Sob esta
perspectiva, é imprescindível que cada indivíduo possa observar, perceber e questionar o mundo
de modo reflexivo e indagador. Se o ser humano nasceu para ser mais (FREIRE, 2013), cabe
a todos a tarefa da criticidade na educação. Esse ponto é de fundamental importância para que
o mediador cultural compreenda que seu papel não é transmitir conhecimento, mas sim, criar
condições para a aprendizagem.
Também é importante ao mediador cultural reconhecer e respeitar os saberes que o públi-
co traz consigo. O que chamamos de repertório deve ser utilizado pelo mediador com um instru-
mento para romper hierarquias de saberes entre professores e alunos. Partindo do princípio que
o indivíduo possui muitas experiências acumuladas ao longo de sua trajetória de vida, torna-se
clara a ideia de que, cada qual a seu modo, todos possuímos inteligências diversas e dignas de
valoração. Saber respeitar os conhecimentos do outro é imprescindível para contribuir no pro-
cesso de emancipação dos sujeitos. É preciso saber ouvir, respeitar e valorizar o conhecimento
alheio – o que não significa dizer que o conhecimento trazido pelo outro, portador de sua história
e identidade, seja recebido como verdade absoluta, impassível de discussão, problematização,
de diálogo. Do mediador cultural espera-se uma sensibilidade ímpar, que saiba colocar em re-
lação ao repertório do grupo: a exposição, as obras e os artistas, o seu próprio repertório e do
mundo (MARTINS, 2003); deve ser comunicativo, se fazer entender; saber ouvir e trabalhar em
equipe; saber respeitar e se fazer respeitado. O mediador precisa ser um pesquisador nato, um
curioso que se realiza nas investigações do todo e das partes, do geral e do detalhe; tem que ser
provocador e saber aguçar a curiosidade e vontade de aprender do outro. Deve ser um bom leitor
de imagem e conseguir atiçar o olhar investigativo e reflexivo do público que, assim como um
arqueólogo, vai cavar a terra atrás de indícios e respostas. Mas não de qualquer jeito: a investi-
gação deve ser cuidadosa, pois dali pode surgir uma preciosidade – ou não. É preciso, inclusive,
saber lidar com os não-achados.
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1. INTRODUÇÃO
O presente estudo busca demonstrar a relevância das Audiências Públicas como meio de
concretização do princípio democrático nos processos decisórios previstos no art. 216-A, § 1º, X
da CF e como instrumento essencial na realização dos princípios constitucionais formadores do
sistema nacional de cultura em âmbito municipal. É sabido que a democracia e a participação do
povo são indispensáveis para a manifestação da soberania popular e para a evidência da coisa
pública. A democracia conjugada com a soberania popular exige a participação dos cidadãos
na coisa pública. As políticas públicas implantadas pela Administração Pública ligam a todos
os cidadãos e a eles se dirigem. Portanto, cabe indagar o caráter desta vinculação quando ditas
ações emanam genuinamente da vontade popular quando estas são manifestadas pela própria
comunidade. Os mecanismos de exercício direto da democracia no Brasil são raros de serem
1
Advogado, Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPEL. Doutorando do Programa de Pós-Graduação
em Memória Social e Patrimônio Cultural - ICH/UFPEL.E-mail: clauber.rs@gmail.com
2
Arquiteto e Urbanista, Professor Adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
de Pelotas, docente dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, e Museologia - UFPEL, doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural - ICH/UFPEL.E-mail: rspintado@gmail.com
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utilizados. O referendo e o plebiscito, desde 1988, pouco foram utilizados. A iniciativa popular
possui requisitos difíceis de serem preenchidos, logo, sendo inviabilizada.
A Audiência Pública representa outro mecanismo importante de democracia, constituin-
do-se em oportunidade para que a comunidade se manifeste sobre tema determinado, em mo-
mento e local apropriados ao tratamento da matéria. A Constituição Federal de 1988, a partir da
inclusão do art. 216-A por força da Emenda Constitucional nº 71, de 29 de novembro de 2012,
abre um espaço para a realização das Audiências Públicas até então não existente. Diz este dis-
positivo que o Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma
descentralizada e participativa, institui-se por um processo de gestão e promoção conjunta de
políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federa-
ção e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico
com pleno exercício dos direitos culturais. Estabelece ainda como princípio basilar no inciso
X a obrigatoriedade de democratização dos processos decisórios com participação e controle
social. A partir desta nova ordem, as Audiências Públicas expandem o âmbito de possibilidade
de intervenção popular nas decisões agora sobre o exercício dos direitos culturais e como forma
de efetivação no processo de implantação de políticas públicas.
Todavia, é inadequado que tais audiências tenham apenas caráter consultivo, ao con-
trário, também devem possuir um efeito vinculatório sobre a deliberação política dos agentes
públicos, justamente pela intervenção direta dos verdadeiramente interessados que, nesse mo-
mento, opera-se pela força da inovação trazida na ordem constitucional através da Emenda
Constitucional nº 71.
Diante dessa perspectiva, as Audiências Públicas no âmbito municipal é o foco da aná-
lise, pois é nesse ambiente político-jurídico em que a comunidade pode deliberar com maior
consciência sobre sua realidade, interferindo com propriedade sobre a condução das ações cul-
turais do município.
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1990, p.224-225). Por isso, a soberania é inalienável, una, imprescritível e indivisível (DALLA-
RI, 2005, p.81), e o representante do soberano não pode ser qualquer um. O representante não
pode impor aos seus representados tal condição que lhe retirem a capacidade de exercer a sobe-
rania (ROSSEAU, 1996, p.23-25).
Com esta perspectiva, a soberania popular não pode ser, por conseguinte, competência-
-competência3 do povo para qualquer decisão, pelo contrário, o próprio Estado constitucional
reconduz (deve reconduzir) sua legitimidade ao poder de decisão do povo. Esta identificação ba-
seia-se em dois elementos diferentes que remontam à Revolução Francesa, o pouvoir constituant
e pouvoir constitué. O primeiro está associado junto ao povo e significa a soberania, originária
e decisória sobre a Constituição, pondo-se em estado de latência no ato legislativo-constituinte.
De poder soberano originário passa, com a constituição, a constituir-se pouvoir constitué, até
a revogação ou ruptura da Carta Magna. A soberania popular permanece latente nas mãos dos
cidadãos, como indicam alguns artigos da nossa Constituição (arts. 1º, § único e 14, I, II e III da
CF). Por conseguinte, a constituição democrática diferencia-se entre os portadores e os execu-
tores do poder estatal. A soberania, neste sentido, significa detenção ou porte do poder estatal.
A soberania não significa somente o exercício do poder pelo próprio povo, mas que o
poder emanado está dividido e é exercido em diversos órgãos constitucionais, em favor e com
o consentimento do povo. No Estado constitucional, determinadas competências e direitos, na
grande maioria, são dirigidos ao povo, como a eleição e a votação (Art. 14 da CF), a colabora-
ção partidária (Art. 17 da CF), a união (Art. 5º, XVII, da CF), a reunião (Art. 5º, XVI, da CF), a
petição (Art. 5º, XXXIII e XXXIV, da CF), a educação (Art. 6º da CF), a manifestação pública
da opinião ou do pensamento (Art. 5º, IV, da CF), a liberdade de ir, vir e ficar (Art. 5º, XV, LIV
e LXVIII, da CF) etc. Para o Estado constitucional, a soberania do povo significa o pouvoir
constituant e a portadora do poder do Estado. Ele só pode constituir-se com a liberdade e com a
democracia (KRIELE, 1990, p.226), com pleno respeito à dignidade humana.
No regime democrático, o povo fica com o poder soberano latente e capacitado para agir.
Este é o modelo de Estado de ROUSSEAU, o mesmo de HOBBES4, mas, para este, com outro
nome de governo. A soberania monárquica, a popular ou de seus representantes não estão dentro
da constituição, mas sobre ela. O significado prático é que a soberania popular pode suprimir
3
A competência-competência indica a possibilidade soberana de decidir sobre quem e quando deve competir qual
competência. A faculdade desta alta competência pode indicar ou deter cada competência do Estado (KRIELE,
1990, p.87).
4
Para o autor do Leviatã, a finalidade e o desígnio dos Homens condizem com a restrição sobre si mesmos de
viabilizar a convivência na república como precaução para com a própria conservação e satisfação. Para ele, a di-
ferença das res publicas está na distinção do soberano. Quando o representante é um, tem-se a monarquia, quando
uma assembléia é de todos, tem-se uma democracia (governo popular) e quando de apenas de uma parte, chama-se
aristocracia. A tirania e a oligarquia são as mesmas formas de governo, mas detestáveis (HOBBES, 2003, p.143 e
158-159).
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No âmbito infraconstitucional, a lei de licitações (Lei 8.666/93, art. 39), o Estatuto das
Cidades (Lei 10.257/01, arts. 43, II e 44) e os casos relacionados ao setor elétrico (art. 4º, § 3º
da Lei 9427/96, que instituiu a ANATEL), entre outros, estabelecem a obrigatoriedade das Au-
diências Públicas para a tomada de decisões executivas e legislativas.
Como se pode observar, a opção do legislador foi estabelecer um mínimo de casos que
entende seja indispensável a realização da participação direta da sociedade através desta modali-
dade; vez que este processo garante à comunidade diretamente envolvida o direito de manifesta-
ção, permitindo uma maior eficácia e legitimidade jurídica e política das decisões (GORDILLO,
2003, p. XI-10).
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3.2 A vinculação dos debates das Audiências Públicas à luz do princípio democrático
A efetividade do resultado das decisões proferidas em Audiências Públicas é tema bas-
tante controverso na literatura jurídica. Questiona-se se são decorrentes da conjugação do direito
de petição e de informação. De um lado, autores como Perez (2004), Mencio (2007), Soares
(2002), entre outros, defendem que o resultado da Audiência Pública não vincula a decisão polí-
tica a ser tomada, chegando a afirmar que os institutos de democracia participativa, nos quais es-
tão incluídas as Audiências Públicas, não podem sobrepor- se aos de democracia representativa.
Segundo Perez (2004), as Audiências Públicas integram os institutos de participação
popular de caráter não vinculante. Para o autor, o instituto tem caráter consultivo ou meramente
opinativo; pois que consistiria em uma sessão pública de debates destinada ao esclarecimento e
para a discussão dos aspectos relacionados à decisão a ser tomada. No mesmo sentido, Mencio
(2007, p.155) argumenta que uma lei não pode estabelecer a vinculação dos resultados sob pena
de ferir o princípio da democracia representativa, que autoriza que poucos escolhidos decidam
em nome de muitos cidadãos. Segundo a autora, no âmbito do Processo Legislativo Municipal,
os vereadores, após oitiva dos diversos pontos de vistas, têm ampla liberdade para incorporar ou
não o anseio da população em um projeto de lei.
Esta separação entre vinculatividade ou não das decisões tomadas no âmbito das Audi-
ências Públicas revela um fenômeno interessante; é que no Brasil as Audiências Públicas reali-
zadas sem um procedimento previamente conhecido pelos participantes transformaram-se em
Town Meetings (GORDILLO, Cap. XI-10), ou seja, manifestos populares meramente consulti-
vos, de caráter informal, abertos ao público de forma ilimitada para uma troca livre de opiniões
entre a autoridade e o cidadão a respeito de um tema específico, confundindo-se os institutos.
Aliados à corrente doutrinária que apregoa a vinculação dos resultados das decisões das
audiências públicas estão autores como Moreira Neto (2007), Oliveira (1997), Fonseca (2003),
entre outros, para os quais o instituto constitui-se em um mecanismo de afirmação do Estado De-
mocrático de Direito. Conforme Moreira Neto (2007), as Audiências Públicas têm como principais
características a formalidade de seus procedimentos e a vinculação de seus resultados, posto que
conferem legitimidade às decisões dos agentes públicos.
Nesse sentido, Fonseca (2003, p.301) assevera que a Audiência Pública é uma forma
de efetivação dos princípios do Estado Democrático, do Estado de Direito e da participação
popular, constituindo-se em importante vertente de prática democrática, tomada em sua plena
concepção doutrinária, o que significa a possibilidade de acesso e exercício do poder.
Para os autores acima referidos a eficácia vinculatória está condicionada à existência
de previsão legal, sob o argumento de que o exercício direto do poder pela população, com a
dispensa dos representantes políticos, deve dar-se através de uma lei especifica. Oliveira (1997),
inclusive, atrela a eficácia vinculatória do instituto conforme os vários graus de intensidade e
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observado seus anseios, tanto menor será o grau de coerção. Nesse aspecto, o Município tem
papel fundamental, por ser forma de Administração Pública mais descentralizada e mais próxima
do cidadão e de suas aspirações sociais. Deve, portanto, fomentar debates com a população em
torno da cultura que objetiva proteger e resguardar, produzindo canais de participação popular,
sobretudo durante o processo legislativo e na formulação de políticas públicas municipais de
realização dos direitos culturais.
As decisões sobre os direitos culturais obtidas por Audiências Públicas legitimam a de-
cisão do Poder Público e fortalecem a tutela aos direitos culturais, consolidando a atuação do
Município, seja no plano normativo (legislativo) seja no plano executivo – realização das po-
líticas públicas culturais - que são de transcendência social. Por serem os direitos culturais de
múltiplas expressões e ante a diversidade dos fenômenos culturais a serem protegidos, as Audi-
ências Públicas tornam-se um mecanismo idôneo de formação de consenso da opinião pública a
respeito da juridicidade e conveniência da atuação do Município no âmbito cultural, assim como
conhecer a compreensão da comunidade sobre os temas antes de comprometer-se formalmente
com a diretriz política a ser implementada.
As Audiências Públicas mostram o sustento fático, ou a sua ausência, ao que se quer
decidir sobre os bens e direitos culturais, permite aos agentes públicos e ao cidadão formar
opinião e legitimar a atuação do Município, cumpre com o princípio da transparência pública
nas decisões e fortalece a decisão jurídica sobre a matéria, gerando um consenso de opinião e
devolvendo ao cidadão o exercício do poder.
4. CONCLUSÃO
O Estado brasileiro a partir de 1988 trouxe em sua Constituição a democracia com ele-
mento estruturante e organizador da relação entre o jurídico e o político. Se for verdade que o
Brasil passou pelo processo de redemocratização, também é verdade que os instrumentos utiliza-
dos nos países ditos democráticos estão aqui presentes – como é o caso das Audiências Públicas.
A democracia e seus princípios que a ela se relacionam encontram na delimitação consti-
tucional o ponto de equilíbrio para o processo democrático saudável. A participação dos cidadãos
no processo democrático não pode ensejar que se criem novos instrumentos de dominação, muito
pelo contrário, trata-se de verificar nos novos tempos as formas mais eficazes e de densificação
da participação popular, a partir da realização e efetivação da soberania popular na democracia.
A realização das Audiências Públicas não pode ser vista como mera formalidade na re-
alização do processo legislativo. Ela permite o resgate da participação popular diretamente nas
decisões de seu interesse, no espaço que lhe é próprio – o parlamento. Se o povo participa dire-
tamente das questões políticas locais, expondo suas necessidades, como ignorar, por completo,
as propostas realizadas? Nenhum sentido tem em ouvir o povo e ignorar suas pretensões no
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âmbito legislativo e executivo. A lei não é recomendação. A Administração não é absoluta e in-
dependente. A Constituição Federal agora de forma explícita coloca no centro da realização dos
direitos culturais a participação popular nos processos decisórios e permite que as Audiências
Públicas tornem-se mecanismos de efetividade dos princípios constitucionais aqui desenvolvi-
dos. Toda norma é eficaz, ou possui um mínimo de eficácia. Quando a sociedade se organiza e
discute o tema está afirmando os princípios constitucionais formadores do Estado brasileiro – a
participação popular, a igualdade, a dignidade humana. O legislativo e o executivo sempre fo-
ram e sempre serão o eco dos anseios populares e devem ser capazes de entender e refletir sobre
os anseios sociais, convertendo-os em norma aquilo que o povo reclama.
O fato do Estado brasileiro ainda encontrar-se numa forma embrionária sobre a aplica-
ção e desenvolvimento das Audiências Públicas não mais agora serve como justificativa para
o avanço na utilização deste instituto. É preciso avançar. O legislador constitucional já deu o
primeiro passo.
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Divinéia, Mato Grosso, 1950. A iminência da construção de uma barragem para desviar
o curso do rio Jurapori a fim de torná-lo navegável em toda sua extensão – barragem essa que
causaria a inundação da pequena cidade – mobilizou seus moradores, assim como engenheiros
da companhia responsável, que tinham como tarefa arrefecer as animosidades e resistências
ao empreendimento. Por meses, no meio das atribulações domésticas, familiares, amorosas,
políticas do cotidiano de seus moradores e forasteiros, discutiu-se e disputou-se acerca de tal
construção. Por um lado, da parte dos moradores, colocava-se a defesa, por vezes violenta, da-
quele modo de vida há tempos ali assentado, das relações sociais, familiares, afetivas de seus
habitantes, das pequenas propriedades conquistadas a duras penas; por outro, no discurso dos
1
Doutora em História Social (Unicamp); técnica em história do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN), professora do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do IPHAN; clau-
dialeal@iphan.gov.br
2
Mestrando do Programa de Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do IPHAN; técnico
em arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); luciano.souza@iphan.gov.br
3
Mestre em História (UFF), Mestre em Preservação do Patrimônio Cultural (IPHAN); técnica em história do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), superintendente do IPHAN/ Rondônia; monica.
oliveira@iphan.gov.br
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Altamira, Pará, 2015. Moradores de ilhas do rio Xingu são notificados da necessidade
de deixarem suas terras e casas, pois a instalação da barragem de Belo Monte estima inundar de
200 a 500 km2 e, com isso, deve deslocar 20 mil pessoas. Seu João e dona Raimunda já saíram,
sem necessariamente apresentarem resistência à determinação da concessionária Norte Ener-
gia, mas sendo submetidos à rotina de desrespeito e violação de direitos que se tem reportado
na região: mesmo cumprindo o prazo para retirar seus pertences de onde viviam, tiveram sua
casa queimada antes que pudessem esvaziá-la; e em troca, receberam uma indenização inex-
pressiva, uma condenação à miséria, visto que perdiam sua terra e a vida sem fome que haviam
conquistado ali.8
A diferença entre esses exemplos, apesar das aproximações e até coincidências, é que
Divinéia e Javé são localidades ficcionais imaginadas pela criatividade de Janet Clair e de Elia-
ne Caffé e Luiz Alberto de Abreu, respectivamente. Trata-se da telenovela “Fogo sobre Terra”,
televisionada pela Rede Globo entre maio de 1974 e janeiro de 1975, e do filme “Narradores
de Javé”, lançado em 2004. Essas cidades não foram efetivamente inundadas; suas casas e mo-
radores não foram deslocados ou mortos por causa das águas; mas a discussão sobre o que se
quer preservar frente à iminência da destruição de cidades, comunidades, modos de vida está
presente nesses exemplos ficcionais, em que o destaque está na vida das personagens, e não nos
empreendimentos e tampouco nas políticas públicas.
A cidade ficcional de Divinéia, localizada temporalmente em 1950, mas criada em mea-
dos da década de 1970 por Janet Clair, é certamente uma inspiração das discussões em torno da
instalação da Usina Hidrelétrica de Itaipu, com concessão para operação já em 1973.9 A escri-
tora, em entrevista dada em 1974, às vésperas do início da novela, declarou que, para o enredo,
inspirara-se “em notícias de jornais sobre cidades do interior que vão desaparecer sob as águas
para dar lugar a obras gigantescas e maravilhosas.”10 As personagens que criou reproduziam
ações descritas nos relatos sobre Itaipu,11 com reuniões nas escolas das comunidades; a distri-
buição de pôsteres, cartazes; a divulgação de programas de rádio e de filmes.12
Janet Clair descreveria em sua novela a instalação de uma dessas “obras gigantes-
cas e maravilhosas”, mostrando, no entanto, como já indicava em sua entrevista, que enten-
8
BRUM, 2015; Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Belo Monte – Transformações” Disponível em
http://www.observabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/25/belo-monte, acesso em 14fev.2016.
9
Cf. Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Itaipu– Transformações” Disponível em http://www.obser-
vabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/28/itaipu, acesso em 14fev.2016.
10
“ ‘Fogo Sobre Terra’” é a luta entre o futuro e o passado” O Globo, Rio de Janeiro, 05/01/1974.
11
É possível acompanhar o desenrolar do enredo da novela por meio dos resumos diários dos capítulos, publicado
no jornal O Globo, entre maio de 1974 e janeiro de 1975. Ver Acervo O Globo. Disponível em http://acervo.oglobo.
globo.com/, acesso em 14fev.2016.
12
GERMANI, 2003, apud Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Itaipu– Transformações” Disponível em
http://www.observabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/28/itaipu, acesso em 14fev.2016.
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dia que, em tais cidades, “o bem é encarado como mal e, de fato, o que pode vir a ser um bem
a longo prazo, ocasiona problemas imediatos.”13 Sua posição crítica não passou desapercebida
pelas autoridades à época: a resistência dos moradores de Divinéia ao empreendimento e os con-
tornos da história teriam sido alvo da Censura Federal, que proibira a sinopse no ano anterior e,
mesmo liberando a difusão da trama em 1974, teriam imposto vários cortes e alterações à autora.14
A história da Javé, por sua vez, remete, de um lado, ao pouco acesso das populações aos
processos, procedimentos e instrumentos oficiais de patrimonialização, e às dificuldades para o re-
conhecimento dos seus direitos à sua própria cultura. Por outro, contribui também para descontruir
a ideia de narrativas populares homogêneas, sem conflito, e propõe um relato sobre as negociações
necessárias para a construção de narrativas sobre memória, história, passado e patrimônio.
A discussão sobre as formas de resistência a barragens e outras obras públicas ou pri-
vadas e o que se quer preservar dos potenciais danos causados por estas está presente também
nos casos reais elencados acima, e na agenda das instituições ambientais e de patrimônio já há
vários anos. Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado deram efetivamente lugar ao grande
lago que alimenta a barragem de Sobradinho e seus nomes mantêm-se tão vivos em parte graças
à música “Sobradinho”, de 1977, de Sá e Guarabyra, na qual cantam, segundo os compositores,
os sentidos das barragens “do ponto de vista do sertanejo”15: o adeus às cidades, a perda da vida
inteira, o medo de se afogar. Para os relatos da Igreja e o sindicato envolvidos com os desdobra-
mentos da construção da barragem, tratava-se da “destruição do patrimônio cultural que cons-
tituía o modo de vida da população ribeirinha que ocupava a área alagada com a conformação
do reservatório” (grifos meus).16
O trabalho realizado pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais para avaliação dos
impactos da UHE de Irapé no Vale do Jequitinhonha partiu exatamente das categorias e sentidos
utilizados pelos moradores da região, da “caracterização etnográfica dessas comunidades” para
descrever suas atividades, suas formas de ocupação do território, a organização da paisagem;
em outras palavras, para “qualificar as especificidades socioculturais que definem seu modo
complexo e particular de reprodução social” (GESTA, 2011, p. 10). O objetivo do relatório era
exatamente identificar “as mudanças compulsoriamente experimentadas em seus sistemas de
uso dos recursos naturais” (idem, p. 14), as perdas sofridas e os efeitos a jusante de barragem.
Em Belo Monte, por sua vez, a usina que governo nenhum tinha conseguido tirar do pa-
pel desde a ditadura civil-militar, “mas que ressurgia a cada governo, mesmo na redemocratiza-
13
“ ‘Fogo Sobre Terra’” é a luta entre o futuro e o passado” O Globo, Rio de Janeiro, 05/05/1974.
14
“Fogo sobre Terra – Censura” Disponível em http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/nove-
las/fogo-sobre-terra/censura.htm, acesso em 14fev.2016.
15
Depoimento de Sá e Guarabyra em “História da Música Sobradinho de Sá e Guarabyra” Disponível em https://
www.youtube.com/watch?v=s_pmGhMJiIg, acesso em 14fev.2016. Publicado em 12/09/2012.
16
Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Sobradinho – Transformações” Disponível em http://www.obser-
vabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/12/sobradinho, acesso em 14fev.2016.
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ção do país” (BRUM, 2015), é agora um fato e a região de sua implantação, cenário de violações
de direitos humanos (MPF, 2015) e de perdas nas tradições econômicas e sociais locais, com
ameaças à “reprodução social da agricultura familiar na região”, “intensificação dos problemas
fundiários”, “aliciamento dos especuladores de terra sobre as famílias empobrecidas”, além das
“expectativas criadas devido ao emprego temporário oferecido pela empresa, as invasões de
terras indígenas e a exploração ilegal de madeira na região”.17
Com esses relatos, nota-se que, para descrever os sentidos da construção de barragens
e hidrelétricas para as comunidades, cujas vidas são dramaticamente atingidas por esses em-
preendimentos, não basta falar em impactos: tal descrição, conforme sugere Célio Bermann
(2014), demanda termos como “perdas, prejuízos, danos, desastres, expulsões, expropriações,
desaparecimentos, privações, ruínas, desgraças, destruição de vidas e bens, muitas vezes per-
manentes e irreversíveis.” (grifos no original) Demanda também um investimento detalhado
para conhecer seus modos de vida, seus lugares, seus monumentos, manifestações, suas formas
de socialização e reprodução, com vistas tanto a avaliar as alterações compulsórias a que tais
modos de vida foram submetidos, mas também para poder propor formas de proteção da cultura
dessas populações.
O objetivo desta comunicação é propor o destaque aos sentidos das barragens para
as comunidades atingidas no âmbito das políticas públicas; é propor também pensar de que
maneiras e em que medida o patrimônio cultural, por meio do licenciamento ambiental, pode
significar a afirmação e a proteção dos modos de vida das comunidades. O entendimento que
se propõe aqui do licenciamento ambiental é de um importante instrumento e contexto em que
tais situações de ameaça e impacto a modos de vida - modos de vida por vezes desconhecidos
de grande parte da população, de estudiosos e de instituições estatais - devem ser avaliadas, es-
tudadas e evitadas. Trata-se de analisar o licenciamento ambiental como possibilidade de pre-
servação de tais modos de vida e referências culturais, afetivas e espaciais, entendendo-o como
contexto de discussão sobre a própria noção de patrimônio cultural, frente a ações e normativas
recentes que tendem a limitar a bens já acautelados o que deve ser conhecido e protegido dos
impactos de grandes empreendimentos.
Propor tal perspectiva significa problematizar a Instrução Normativa nº 001, de 25 de
março de 2015 (doravante IN nº 001/2015), publicada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - IPHAN, que “Estabelece procedimentos administrativos a serem observa-
dos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nos processos de licenciamento
ambiental dos quais participe” (IPHAN, 2015). Determina ainda que o IPHAN será instado a se
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manifestar nos processos de licenciamento ambiental federal, estadual e municipal quando fo-
rem identificados, na área de impacto direto do empreendimento, “bens culturais acautelados em
âmbito federal” (idem, art. 1º), o que significa incluir os bens tombados conforme o Decreto-lei
nº 25/1937, o bens arqueológicos protegidos pela Lei nº 3924/1961, os bens registrados de acor-
do com o Decreto nº 3551/2000 e, por fim, os bens valorados nos termos da Lei nº 11.483/2007,
referente aos bens da extinta RFFSA (idem, art. 2º).
A indicação desse escopo pode parecer adequada à atuação do Iphan, que se manifesta-
ria, portanto, em prol dos bens pelos quais é legal e institucionalmente responsável – aqueles
“acautelados em âmbito federal”. No entanto, é possível identificar nesse recorte uma conside-
rável redução das possibilidades ambientais, culturais, sociais e epistemológicas que vinham
se colocando, nacional e internacionalmente, desde os anos 1970, nos debates sobre categorias
como natureza e cultura, ambiente e patrimônio; no âmbito de um processo de ampliação de
formas de identificação e patrimonialização de bens; e até de multiplicação de frentes de atuação
do Iphan. A publicação dessa normativa, nesse sentido, bateria de frente com a ampliação de
perspectivas, noções, experiências referentes não só aos entendimentos sobre patrimônio cultu-
ral, como também às práticas do Iphan de preservação do patrimônio cultural e ainda ao papel
desse órgão no licenciamento.
Para pensar nos debates sobre noções como desenvolvimento, meio ambiente, cultura,
patrimônio e nas formas com que tais noções marcaram as discussões sobre a preservação do
patrimônio cultural, é importante indicar alguns marcos dos debates sociais, conceituais e ins-
titucionais que vêm marcando esses temas, e que foram discutidos, entre outros, por Oliveira
(2015) e Leal e Silva (2016) referentemente aos contextos nacional e internacional a partir dos
anos 1970, quando a noção de cultura sofreu uma importante ampliação e o meio ambiente pas-
sou de uma noção exclusivamente relacionada à natureza para a compreensão do ser humano
como usuário e parte desse meio.
Internacionalmente, é fundamental destacar dois documentos elaborados no contexto das
Nações Unidas na década de 1970, a saber, Declaração sobre o Meio Ambiente Humano ou
Declaração de Estocolmo (ONU, 1972), e a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial
Cultural e Natural (UNESCO, 1972). Desta última, já foi destacada em outros estudos a impor-
tância da aproximação entre cultura e natureza no campo do patrimônio (SCIFONI, 2004; LEAL,
2010). No que concerne à Declaração de Estocolmo, que foi dedicada “a discutir a problemática
da relação homem-natureza, em especial no que se refere ao desenvolvimento e à utilização dos
recursos naturais” (OLIVEIRA, 2015, p. 20), é central a noção do homem como “obra e cons-
trutor do meio ambiente que o cerca” (ONU, 1972). O texto final deu grande destaque à ligação
entre economia e meio ambiente, com ênfase na importância de o desenvolvimento econômico e
social assegurar um ambiente de vida e trabalho favorável (LEAL e SILVA, op. cit., p. 69).
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No Brasil, um importante marco foi a Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional
do Meio Ambiente. Esse documento conciliou desenvolvimento socioeconômico com preserva-
ção e recuperação da qualidade ambiental e criou instrumentos fundamentais e que continuam
em vigência para a proteção do ambiente, notadamente o ambiente natural (OLIVEIRA, op. cit.,
p. 48), como a Avaliação de Impacto Ambiental, licenciamento ambiental, criação de espaços
protegidos, Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama).
Faz-se ainda necessário destacar a importância da Resolução CONAMA nº 1/1986, que
prevê estudos mínimos para obtenção de licença ambiental por aqueles empreendimentos que,
potencialmente, pudessem causar danos ao meio ambiente. É particularmente importante para
os argumentos desta comunicação a aproximação promovida entre ambiente natural e cultural.
Nesse sentido, destaca-se o inciso c da alínea I do art. 6º, que determinou que avaliação de im-
pacto deveria contemplar
a sócio economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos,
históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência
entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utiliza-
ção futura desses recursos (MNA, 1986, grifos nossos).
Para além dos “sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunida-
de” – bens que, no momento de publicação dessa Resolução, já estavam atrelados à noção de
patrimônio e à atuação do IPHAN havia cinco décadas –, ressalta-se principalmente o destaque
à perspectiva da comunidade na definição de seus sítios e monumentos referenciais e às “re-
lações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização
futura desses recursos”. Com isso, incluíam-se entre os aspectos a serem considerados como
relevantes nos estudos de impacto ambiental as relações entre homens e mulheres e os recursos
ambientais: as atividades simbólicas e também as econômicas; os lugares, a ocupação e usos da
terra; as formas de socialização, as manifestações culturais, os modos de vida.
A Constituição de 1988 coloca-se como mais um elemento definidor dos aspectos que
se tomam, nesta discussão, como centrais para a ampliação dos sentidos de patrimônio e para a
importância da perspectiva das comunidades na identificação e valoração dos bens culturais e
naturais. Como destacaram Leal e Silva (op. cit., p. 68), de um entendimento de “conjunto dos
bens móveis e imóveis” vinculados a fatos memoráveis da história do Brasil ou de “excepcional
valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”, devidamente inscritos em pelo
menos um dos Livros do Tombo do IPHAN, o patrimônio cultural brasileiro passa a ser definido
como os bens de natureza material e imaterial “portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216 da Constituição
1988), protegidos pelo poder público “por meio de inventários, registros, vigilância, tomba-
mento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.
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Essa perspectiva tomava cultura “no sentido antropológico mais amplo de invenção co-
letiva de símbolos, valores, ideias e comportamentos” (CHAUÍ, 1995, p. 81), marcando a ofi-
cialização de um processo de ampliação dos sentidos de cultura que já vinha sendo notado desde
os anos 1970. Além disso, explicita o que Ulpiano Bezerra de Meneses (2012, pp. 33-34) cha-
mou de “deslocamento de matriz”: “os valores culturais (os valores, em geral) não são criados
pelo poder público, mas pela sociedade”. Tal perspectiva está marcada pela noção de referência
cultural presente no texto, a qual remete a discussões importantes no âmbito da preservação do
patrimônio na década de 1970 e aos sentidos e valores atribuídos pelos diversos grupos sociais
aos bens com os quais se relacionam (FONSECA, 2006).
A Constituição de 1988 também estabeleceu perspectivas interessantes para o meio am-
biente: além destinar um capítulo exclusivamente para o tema (Capítulo VI), definiu meio am-
biente como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” (caput da Cons-
tituição, 1988), indicando um entendimento que sublinha a necessidade de sua preservação,
mas que não veta o uso e exploração dos recursos naturais. Sua proteção é proposta de forma
coletiva e pública: é atribuída responsabilidade tanto ao Poder Público como à coletividade na
defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e incentivou-se a educação
ambiental em todos os níveis de ensino com vista a promover “a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente” (idem, art. 225, inciso VI). O tema, porém, extrapola o capítulo
dedicado a ele: como afirmou Juliana Santilli (2005, p. 67), a questão ambiental “está presente
em diversos outros capítulos do texto constitucional (economia, desenvolvimento agrário etc.)”.
Isso significa perceber na Constituição uma perspectiva transversal para as políticas ambientais,
identificando um conjunto de políticas públicas que influenciariam o campo ambiental e que
incluiriam da defesa nacional à função social da propriedade, da política agrícola à política ur-
bana, da saúde à cultura (idem, p. 67 e ss.).
Vale também chamar atenção para a influência dos movimentos ambientalistas na adoção
de medidas políticas e institucionais para proteção do meio ambiente no Brasil. Com a atuação
dos movimentos que se afirmavam na luta pelo respeito sociocultural das famílias atingidas por
empreendimentos de infraestrutura – como o Movimento dos Atingidos por Barragem – e em
sua aliança com os povos da floresta – “índios, seringueiros, castanheiros e outras populações
tradicionais” (Santilli, op. cit., p. 32), foi-se consolidando a ideia de que “a melhor maneira de
tratar as questões ambientais” seria envolver “todos os cidadãos interessados”, com destaque
para a participação nos processos decisórios, conforme se lê na Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (ONU, 1992), mais conhecida como Rio 92.
No âmbito específico do patrimônio cultural e da atuação do IPHAN, desde a Resolu-
ção Conama nº 01/1986, alguns processos de licenciamento passaram a ser enviados ao IPHAN
pelos órgãos ambientais para que a instituição se manifestasse sobre os impactos aos “sítios e
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Trata-se do artigo que especifica quais seriam os “bens acautelados em âmbito federal”, cuja existência na área
de influência direta do empreendimento determinaria a necessidade de manifestação do IPHAN nos processos de
licenciamento ambiental: “I - tombados, nos termos do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937; II - arqueo-
lógicos, protegidos conforme o disposto na Lei nº 3.924, de 26 de Julho de 1961; III - registrados, nos termos do
Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000; e IV - valorados, nos termos da Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007.”
(IPHAN, 2015)
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próprio IPHAN enuncia (LEAL e SILVA, op. cit., p.75), produzindo, portanto, desconhecimento
e invisibilidade das referências culturais não patrimonializadas das populações atingidas pelos
empreendimentos.
Diante das diversas possibilidades elaboradas durante o processo de criação e consoli-
dação do licenciamento ambiental para construir uma noção mais ampla de meio ambiente, in-
cluindo o meio ambiente cultural, as noções de cultura e patrimônio; para afirmar a participação
social na formulação de políticas referentes à preservação desse meio ambiente, na identificação
de suas referências culturais e nas relações simbólicas e de existência com o meio ambiente na-
tural; para, enfim, se apropriar dos avanços notados na legislação brasileira e nos procedimentos
técnicos, notadamente no IPHAN, propomos um olhar de estranhamento frente à escolha da
Instituição de restringir a atuação no licenciamento ambiental apenas àqueles bens já reconheci-
dos pela própria instituição. A discussão proposta nesse artigo procura destacar as possibilidades
disponíveis, porém invisibilizadas nessa trajetória.
Em Divinéia, a abertura das comportas da barragem em 05 de janeiro de 1975 no horário
nobre da Rede Globo marcou o desfecho do longo processo de disputa entre “o futuro e o passa-
do”, entre diferentes visões de mundo, diferentes formas de poder, de resistência, de articulação,
de expectativas. Marcaram-no também a festividade barulhenta daqueles que se aproximaram
da companhia responsável pela barragem, locais ou forasteiros; a indignação triste dos deslo-
cados, acompanhando de Nova Divinéia, pelo rádio, a inauguração da barragem; e a morte de
Nara, moradora da cidade e personagem do núcleo principal da novela, que preferiu afogar-se a
abandonar a terra onde nascera e criara seus descendentes.
Ainda que o sertão não tenha virado mar, Remanso, Casa Nova, Santo Fé e Pilão Arcado
submergiram e formam hoje um grande lago. 72 mil pessoas foram atingidas pela barragem,
entre moradores das cidades e comunidades indígenas.19 A música de Sá e Guarabyra conserva
sua atualidade quase 40 anos após seu lançamento, e a atuação do Movimento dos Atingidos
por Barragens, criado em 1991 após anos de articulação dos atingidos desde a construção da
barragem de Sobradinho, torna cada vez mais cruciais suas bandeiras “contra a injustiça, pelos
direitos dos atingidos por barragens, por um modelo energético popular que leve em conta as
necessidades do povo, e por um projeto popular para o Brasil” (MAB, 2011).
Javé também se foi sob as águas: a barragem foi construída; os moradores, deslocados; a
“Grande História do Vale de Javé” não chegou a ser escrita pelos moradores ou pesquisada por
estudiosos ou instituições de patrimônio. Nada foi tombado, e o único remanescente material
da história desse lugar - o sino da igreja - foi preservado por iniciativa dos moradores, que ar-
riscaram suas vidas para salvarem-no da inundação com grande esforço. Os deslocados de Javé
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partiram juntos de suas terras; talvez fossem assentados em uma mesma localidade e mantives-
sem alguns dos vínculos que houvessem cultivado por gerações, ou mesmo preservassem as
narrativas daquele vale, em torno daquele sino e das divisas cantadas que não marcavam então
mais nada além de água.
As comunidades afetadas pela UHE de Irapé sistematizaram os efeitos da construção da
barragem, elencando a perda de terras férteis; a perda de recursos naturais; o aumento da migra-
ção, das doenças, da fome; o desrespeito ao povo, seus bens e sua cultura; indenizações injustas;
alterações na qualidade da água a jusante da barragem e nas condições de vida e da organização
produtiva das comunidades ribeirinhas naquela região.20 Em suma, destacaram como o modo de
vida das comunidades fora comprometido a partir da instalação da UHE Irapé (GESTA, 2011).
Já a respeito de Belo Monte, mesmo com os relatos terríveis sobre e das “vítimas dessa
guerra amazônica” (BRUM, op. cit.), mantem-se o projeto do empreendimento, em detrimento
claro da variedade de populações indígenas, ribeirinhas e tradicionais e seus respectivos modos
de vida, que serão irremediavelmente afetados, assim como a biodiversidade da região. Am-
biente, cultura, patrimônio e modos de vida em risco pela produção de desconhecimento a que
tais grupos e lugares são submetidos por políticas públicas que têm diminuído as possibilidades
ambientais, sociais, culturais, políticas e epistemológicas dos instrumentos existentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
gens/20/irape-presidente-juscelino-kubitschek-de-oliveira
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LEGISLAÇÃO
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000.
BRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.
BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de1981.
BRASIL. Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007.
IPHAN. Instrução Normativa nº 001, de 25 de março de 2015.
IPHAN. Portaria n° 230, de 17 de dezembro de 2002.
IPHAN. Portaria nº 127, de 30 de abril de 2009.
MNA. Resolução CONAMA n° 001, de 23 de janeiro de 1986.
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RESUMO: O conceito de ‘cidade criativa’ vem se tornando cada vez mais rotineiro em se
tratando de políticas urbano culturais contemporâneas. No Brasil, o termo ganhou atenção tar-
diamente, havendo um foco especial em cidades como Rio de Janeiro, onde projetos de reno-
vação de frentes marítimas foram pareados com noções de economia criativa. Neste artigo,
defendemos o argumento de que a ‘cidade criativa’ representa uma nova fase de um processo de
‘culturalização’ do espaço urbano iniciado nos anos 1970 para repaginar as imagens de cidades
que buscavam inserir-se competitivamente na rede global. Trataremos brevemente do caso de
Berlim, onde o status de ‘cidade criativa’ está consolidado e onde as políticas que o enfatizam
vêm enfrentando reação negativa. Concluiremos com considerações sobre o Rio de Janeiro e o
Distrito Criativo do Porto.
PALAVRAS-CHAVE: Berlim; Cidade Criativa; Distrito Criativo; Rio de Janeiro; Zona Portuária
1
Claudia Seldin é arquiteta e urbanista, mestre e doutora em Urbanismo pelo PROURB/FAU-UFRJ com período
sanduíche na Bauhaus-Universität Weimar (Alemanha). Atualmente é pesquisadora de pós-doutorado com bolsa
FAPERJ/CAPES - PAPD no PROURB-FAU-UFRJ. E-mail: claudia-prourb@ufrj.br Uma versão preliminar deste
artigo foi apresentada no XVI ENANPUR em 2015.
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como estratégicas para regenerar cidades economicamente abaladas pelo fenômeno de desin-
dustrialização. Segundo Bianchini (1993), a visão da cultura como um possível instrumento de
salvação para os problemas das cidades na segunda metade do século XX não aconteceu por
acaso. No contexto europeu ocidental, por exemplo, a ênfase no desenvolvimento de políticas
culturais com desdobramentos urbanos se explicou pela diminuição das horas de trabalho nos
novos setores dominantes da economia, o que levou a um aumento na proporção de renda e de
tempo disponível para gastos com lazer. Porém, mais do que isso, as crises de recessão de 1973 e
1979 impulsionaram a emergência de um contexto político-econômico neoliberal, caracterizado
pela diminuição da atuação do Estado e pelo abandono das formas de controle público sobre o
espaço. Com isso, as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento urbano passaram a re-
fletir tendências de descentralização de funções e de redução de despesas administrativas, levan-
do ao encorajamento de patrocínio de atividades e eventos culturais por parte do setor privado.
Nos anos seguintes, as políticas públicas nos EUA e na Europa Ocidental passaram a
ser formuladas de modo a atrair investimentos privados para o desenvolvimento dos centros
urbanos, utilizando o discurso de que a demanda por serviços seria impulsionada, os gastos au-
mentariam e novos empregos seriam criados. Dentro desta lógica, houve um incentivo especial
a serviços conectados às atividades culturais e de entretenimento, levando à construção de gran-
des centros culturais e de convenções, novos estádios esportivos e espaços para festivais e feiras.
Assim, a necessidade de atenuar problemas socioeconômicos, a união de setores públicos
e privados e as “expectativas exageradas em se tratando da capacidade da cultura em compensar
a diminuição dos empregos perdidos” (KRÄTKE, 2011, p. 22) tornaram-se fatores complemen-
tares para a criação de um “planejamento cultural estratégico” (SELDIN, 2015b), calcado no
discurso da regeneração urbana pelo viés cultural. Esta regeneração, também tida como “revita-
lização, reabilitação, revalorização, reciclagem, requalificação, renascença” (ARANTES, 2002,
p. 31), tinha como objeto principal trazer visibilidade às cidades e atrair novos investimentos e
turistas culturais, reaquecendo as economias locais.
No âmbito do ‘planejamento cultural estratégico’, podemos destacar alguns modelos
que ganharam popularidade em nível global nas últimas quatro décadas, dentre eles: a transfor-
mação de uso de antigos armazéns industriais em residências e ateliês para jovens e artistas; a
requalificação de frentes marítimas e vazios urbanos como complexos de entretenimento, lazer
e cultura; a implantação de grandes equipamentos culturais dotados de projeto de arquitetos cé-
lebres em centros históricos e áreas degradadas; a promoção de megaeventos internacionais (em
especial esportivos); entre outros. Cabe ressaltar que estes modelos não são exclusivos e podem
ser aplicados simultaneamente, mesclando-se e incorporando aspectos uns dos outros. Juntos,
eles configuram o que argumentamos aqui ser a primeira fase do processo de ‘culturalização’
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do espaço urbano – uma fase em que predomina a busca incessante pelo status de ‘cidade de
cultura’ ou de ‘capital de cultura’2.
Foi nos EUA, durante a década de 1980, que primeiro se observou uma intensificação da
exploração imobiliária das fábricas desativadas, com ênfase especial na revitalização de frentes
marítimas e zonas portuárias degradadas. Antigos armazéns ao longo de orlas ganhavam novos
usos através de projetos urbanos e arquitetônicos pontuais, criando faixas de complexos comer-
ciais e de lazer, como demonstram os casos de Nova York, Boston e São Francisco.
Já na Europa Ocidental, apesar da regeneração de frentes marítimas ter se tornado uma
forte tendência – vide os exemplos de Docklands e Southbank em Londres (Inglaterra) e do Dia-
gonal Mar e Poblenou em Barcelona (Espanha) –, o foco principal das políticas públicas recaiu
sobre a implementação de grandes equipamentos culturais em centros históricos degradados.
Isso porque os museus e centros culturais passaram a ser vistos como elementos relacionados à
qualidade de vida da cidade, assim como os festivais artísticos, as grandes competições esporti-
vas e outros eventos high-profile de cultura. Nestes casos, mostrou-se crucial o papel do design e
do renome dos profissionais da arquitetura, que acabariam por contribuir para um fortalecimento
de verdadeiras grifes de projeto, bem como da prática de branding urbano.
Esta lógica de venda da imagem cultural de uma cidade e sua consequente transformação
em vitrine urbana fez surgir exemplos emblemáticos no cenário europeu, dentre os quais desta-
camos a Paris do governo de François Mitterrand (1981-1995), a Barcelona olímpica de 1992 e
Bilbao pós-1997 – lar da arquitetura espetacular da filial do Museu Guggenheim projetada por
Frank Gehry. Embora alguns gestores urbanos considerem estes casos como bem-sucedidos
devido ao aumento da atividade turística e ao fortalecimento/inserção destas cidades no ‘mapa
cultural global’, uma parte significativa das populações locais sofreu com os efeitos negativos
da aplicação prática da busca do status de ‘capital de cultura’.
A partir do momento em que esta fórmula passou a adentrar as políticas públicas das
mais diversas cidades – incluindo o Rio de Janeiro –, as consequências negativas da busca pelo
status de ‘capital de cultura’ passaram a ser percebidas e sentidas em escala global. Em todo o
mundo, as estratégias de revitalização urbana de fundo cultural começaram a enfrentar duras crí-
ticas por parte de acadêmicos, lideranças locais e movimentos sociais, que apontavam para uma
multiplicação de ‘elefantes brancos’ nas cidades e para uma desigualdade no acesso aos espaços
renovados, indagando para quem eram efetivamente construídos. Mais do que isso, os críticos
apontavam para a desconsideração das singularidades locais em meio à adoção de projetos urba-
2
Esclarecemos que este termo faz uma alusão ao título homônimo, concedido pela Comissão Europeia às suas
cidades a partir de meados dos anos 1980. Apesar do título propriamente dito se limitar àquele continente, consi-
deramos que a ideia por traz dele reproduz uma tendência global – da busca de uma imagem de cidade repleta de
opções culturais mundialmente reconhecidas.
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nísticos genéricos e importados, que levavam à produção de espaços simulados, onde a criação
de disfarces urbanos é favorecida em detrimento de espaços contextualizados.
Simultaneamente, outra consequência polêmica era observada em relação ao ‘planeja-
mento cultural estratégico’: o fenômeno da gentrificação, em especial o tipo referido pelo soci-
ólogo Andrej Holm como “fase pioneira” (2013, p. 174). Em outras palavras, a área renovada
– transformada em descolada pela presença de espaços culturais e de artistas – passa por um
processo de valorização tão profundo que as pessoas que ali habitavam não conseguem mais
arcar com os seus elevados custos. São, assim, obrigadas a deixar a região – agora habitada pela
classe média.
Argumentamos aqui que estas consequências negativas da busca pelo status de ‘capital
de cultura’, pareadas com transformações significativas na esfera econômica, vêm contribuindo
para o que percebemos como uma transição de paradigmas urbanos inseridos nas políticas pú-
blicas contemporâneas. Se até o início dos anos 2000, observávamos um foco na busca pelo sta-
tus de ‘capital de cultura’, agora podemos perceber uma clara repaginação e uma segunda fase
dos processos de ‘culturalização’ do espaço urbano, culminando na busca do status de ‘cidade
criativa’ – um paradigma no qual predomina a imagem de conhecimento e inovação.
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utilização por gestores urbanos à procura de uma ‘atualização’ de suas plataformas eleitorais.
Esta atualização deveria implicar em custos baixos de investimentos públicos sem transformar
significativamente as relações de mercado surgidas nas décadas anteriores, sem danificar as
parcerias consolidadas entre setores públicos e privados e sem invalidar os programas já concre-
tizados de ‘culturalização’ das cidades. Foi exatamente isso que a polêmica “teoria de classe” do
economista estadunidense Richard Florida (2002) propiciou.
Com obras como “The Rise of the Creative Class” (2002) e “Cities and the Creative
Class” (2005), Florida contextualizava o início do século XXI como um momento de declínio
das restrições físicas das cidades e comunidades, no qual a criatividade se tornava a principal
força motriz do crescimento e desenvolvimento urbano regional. O autor apontava que o ele-
mento chave para a competição de uma cidade na rede global não era mais o fluxo de capital
e a troca de bens, de mercadorias e de serviços, mas sim a capacidade em desenvolver e reter
a energia criativa de sua própria população, bem como de atrair as pessoas criativas de outras
partes do mundo. Em outras palavras, tratava-se do advento do “capital humano” como “segredo
da produtividade” (2002). Sua teoria pregava o novo papel das cidades como ‘potencializadoras’
e incentivadoras deste capital humano. Ou seja, a nova chave para a competição urbana estaria
na habilidade em atrair para uma cidade as pessoas altamente qualificadas, produtoras de ideias.
A controversa pesquisa de Florida propunha, então, a ascensão de uma nova classe so-
cial, essencial para o crescimento econômico das cidades contemporâneas. Caracterizada como
jovem, boêmia, cool, diversificada e tolerante, esta nova classe combinaria profissionais muito
diferentes entre si – artistas, cientistas, pequenos empresários, técnicos de tecnologia da infor-
mação, líderes políticos, entre outros – todos reunidos no mesmo grupo de produtores do capital
cognitivo e pioneiros urbanos. Ainda de acordo com ele, porque a “classe criativa” é móvel e
cosmopolita, pode escolher onde viver no mundo – um fato que leva à busca constante pela
melhor cidade onde habitar (SELDIN, 2015a). Esta escolha seria feita com base no potencial
para uma ótima qualidade de vida e na disponibilidade de um conjunto específico de amenida-
des. Sobre estas amenidades, sua pesquisa destaca que a presença de grandes e espetaculares
equipamentos culturais, esportivos e de entretenimento já não é tão desejável como em décadas
anteriores, sendo inclusive repudiada, havendo uma preferência por lugares originais e autênti-
cos. Entre os itens almejados estão: uma cena cultural alternativa ao invés de grandes museus
e centros culturais espetaculares; áreas verdes e pequenos parques locais no lugar de estádios
esportivos de grandes clubes; pequenos cafés e bares ao invés de restaurantes de rede e assim
por diante. Com base nessa lógica, os gestores urbanos contemporâneos deveriam se concentrar
menos na simples atração de turistas culturais através da repetitiva fórmula de projetos urbanos
grandiosos, e mais na captação e manutenção desta classe criativa através da valorização da
autenticidade local.
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O impacto deste conceito de criatividade para o planejamento urbano foi tal que, em
2004, pouco após a publicação de “The Rise of the Creative Class”, a UNESCO anunciou a im-
plantação de sua Rede de Cidades Criativas, com os objetivos de promover o desenvolvimento
socioeconômico e cultural de suas cidades através das indústrias criativas e de conectar social
e culturalmente comunidades diversas. Esta ação contribuiu imensamente para despertar o po-
tencial econômico do binômio ‘cidade-criatividade’, que seria fortalecido ainda mais em função
da crise financeira conflagrada em 2008. Como consequência da popularidade deste conceito
lucrativo, até o ano de 2014, 69 cidades passaram a configurar oficialmente a rede da UNESCO.
O que podemos perceber, no entanto, é que, com poucas exceções, a maioria destas cidades é
desconhecida no cenário internacional. A esperança de seus gestores é que o novo status de ‘ci-
dade criativa’ contribua para alavancar sua visibilidade e crescimento econômico.
Cabe ressaltar aqui que, apesar da grande popularidade entre os gestores urbanos, a po-
lêmica em torno da “teoria de classe” de Florida também tem sido significativa, havendo inú-
meras críticas à distinção congelante entre os vencedores e perdedores da economia urbana, à
combinação de pessoas muito diferentes e com objetivos pessoais e profissionais diversos em
uma única classe social homogênea e à glorificação de um grupo de gentrificadores como bravos
exploradores urbanos (SELDIN, 2015a). Krätke (2011) salienta inclusive que, apesar de geral-
mente possuir uma conotação positiva, a ‘criatividade’ como conceito é algo vago e passível
de diversas interpretações. Isso porque se trata de uma atividade essencialmente humana, e,
portanto, subjetiva. O autor afirma que é o ator humano, e não as coisas ou territórios, que são
criativos, levando-o a crer que a noção de ‘cidade criativa’ não passaria de uma ficção (p. 03).
Para Krätke (2011), a busca pelo status de ‘cidade criativa’ surgiu, portanto, como uma
nova etapa do marketing urbano e do processo de venda das imagens urbanas – um novo slogan
a ser explorado na competição entre cidades. Essa nova ideologia teria impulsionado, na última
década, a criação de estratégias de desenvolvimento espacial baseados na expansão de setores in-
dustriais especializados, mais especificamente os serviços financeiros e corporativos do tipo FIRE
– “finance, insurance & real estate” (p. 20). Dentre estas estratégias estariam os projetos de exten-
são de centros de negócios e a reconversão de sítios industriais abandonados, não mais apenas em
espaços de cultura e entretenimento, mas em clusters ligados às indústrias criativas e tecnológicas.
Apesar das muitas críticas, a criação de políticas e projetos específicos para atrair a “clas-
se criativa”, conforme o proposto por Richard Florida, tem sido adotada por gestores urbanos
de diferentes cidades. Aqui, abordaremos mais especificamente o caso de Berlim, onde o status
de ‘cidade criativa’ encontra-se mais consolidado e onde a ênfase recente em políticas voltadas
para a indústria criativa tem gerado uma forte reação por parte da população local; bem como o
caso do Rio de Janeiro, onde o status começa a ganhar atenção, mesmo que ainda pareado com
um quadro de megaeventos e arquiteturas espetaculares.
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a bem sucedida candidatura de Berlim para adentrar a Rede de Cidades Criativas da UNESCO
(sob a especialidade do Design); a criação de um novo slogan para a cidade – “be Berlin”; e o
encorajamento da formação de clusters de empresas criativas em espaços degradados.
Em consonância com a teoria de Florida, as agências de marketing urbano locais passa-
ram a concentrar seus esforços na promoção da subcultura como ponto atrativo da cidade, dando
atenção especial aos espaços dotados de ‘uso temporário’ (Zwischennutzung) – vistos como
autênticos e como centros da cultura alternativa berlinense. Atenção especial foi dada às ‘praias
urbanas’ montadas na margem do Rio Spree (que corta a cidade) durante o verão, aos cafés e
bares de aparência mais decadente, aos mercados de pulgas e aos squats culturais.
A apropriação, pelo marketing urbano berlinense, de espaços culturais criados esponta-
neamente é um ponto que merece atenção especial aqui. Esclarecemos que, em Berlim, a prática
do uso temporário foi possibilitada pela presença abundante de vazios intersticiais, lacunas e
brechas espaciais – em sua maioria resultantes de processos de desindustrialização ou da que-
da do muro. Tratava-se de antigas áreas industriais, de companhias de transporte e serviços
urbanos, terrenos de edifícios demolidos, entre outros espaços, onde os custos de revitaliza-
ção mostravam-se muito altos. Por isso, foram deixados de lado, tanto pelo Estado quanto por
seus proprietários, que o alugavam por preços muito baixos ou simplesmente permitiam sua
ocupação em troca da proteção contra o vandalismo ou contra a degradação. O resultado deste
relativo descaso implicou em uma demonstração de real criatividade por parte dos ocupantes e
usuários temporários, que, com pouco capital e muita força de vontade, conseguiram revitalizar
os espaços através de suas atividades, remodelando sua imagem e contribuindo para aumentar
seu valor imobiliário. Apropriações alternativas do espaço somadas à riqueza cultural da cidade
eventualmente fariam com que, até o fim da década de 2000, Berlim alcançasse o novo status
almejado de ‘cidade criativa’, atraindo novos habitantes e sendo mundialmente celebrada como
um lugar jovem e autêntico.
A ascensão da Berlim Criativa, no entanto, não veio sem custos. O início da década
de 2010 marcou a constatação de enormes gastos em obras públicas, de uma nova estagna-
ção econômica e de um fortalecimento das medidas de austeridade do governo, implicando
na diminuição de serviços providos pelo Estado e em um aumento do número de berlinenses
dependentes de assistência social. A cidade, antes conhecida pelos baratos alugueis, viu subir
consideravelmente os preços e o custo de vida, principalmente nos distritos situados na antiga
Berlim Oriental e cujas imagens eram altamente ligadas à subcultura. A nova atenção recebi-
da pelos espaços tidos como alternativos implicou em processos de valorização e especulação
imobiliária, gerando diversos despejos dos terrenos tomados por usos temporários, squats e co-
munas, cujos contratos de permanência fixados durante as décadas de 1980-1990 chegavam ao
fim. A partir de 2010, inúmeras ocupações residenciais e culturais que figuravam nas brochuras
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que privatizam indiscriminadamente o espaço público. No caso de Berlim, a crítica feita pela
própria população é de que as políticas urbano-culturais recentes vêm intensificando fronteiras
invisíveis, que não se limitam mais à tradicional divisão física entre leste e oeste. As novas li-
nhas de fragmentação desta cidade são diversas e representam ilhas: ilhas de criatividade, ilhas
de riqueza, ilhas de qualificação profissional, ilhas de migração...
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Instituto Light e dos coletivos locais, que se apresentaram para uma plateia composta predomi-
nantemente de membros de empresas convidadas. A ideia do evento era claramente a “venda”
da ideia da região como um cluster criativo em potencial, um local cuja imagem será repaginada
e futuramente capaz de se transformar em referência da economia criativa brasileira, passível
de “internacionalização e competitividade” em meio à um quadro de “efervescência carioca”3.
Neste contexto, a região é apresentada como se fosse anteriormente vazia – de pessoas, de iden-
tidade cultural, desconsiderando a sua enorme importância para a consolidação da cultura local
(na região, localiza-se, por exemplo, a Pedra do Sal – área tombada e referência para a cultura
negra, para as comunidades quilombolas, para o samba e choro).
Mais do que isso, o compromisso social e a contrapartida do Distrito à população ali
residente, até então, são quase nulos, relegados a pequenas ações, como um projeto de qualifi-
cação profissional dos alunos de uma escola local – algo que não seria capaz de anular o imenso
processo de gentrificação que ocorreria caso o Distrito obtivesse o sucesso atentado.
O caráter excessivamente econômico desta iniciativa vai de encontro com as intenções da
própria operação Porto Maravilha, polêmica e criticada pelas inúmeras remoções provocadas –
especialmente no Morro da Providência, como citam Faulhaber e Azevedo (2015), pelo excessi-
vo foco nos empreendimentos imobiliários, pela pouca preocupação com habitação social e pelo
até então não cumprimento do legado prometido, como enfatizam Galiza, Vaz e da Silva (2014).
Até este momento, o sucesso do Distrito em atrair novos negócios criativos para a re-
gião e criar o ‘ar de efervescência’ necessário para sua total requalificação parece ameaçado em
virtude do esvaziamento e da falta de sucesso dos empreendimentos imobiliários locais. Em
outubro de 2015, a Folha de São Paulo mencionava os milhares de metros quadrados desertos de
edifícios corporativos construídos na região, atentando para a pouca probabilidade de ocupação
dos mesmos em função da atual crise econômica. De acordo com a reportagem, a zona portuária
carioca conta atualmente com uma taxa de 22,05% de edifícios vazios4, o que nos leva a crer na
falta de articulação entre políticas urbanas e culturais para compreender o que seria necessário
para a consolidação de um Distrito que funcionasse efetivamente como polo criativo da cidade.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que observamos, de forma geral, é que a ‘cidade criativa’ de hoje não se mostra neces-
sariamente aberta para acolher as ideias inovadoras e capazes de romper com padrões urbanos
estabelecidos, mas sim para processos que se mostrem economicamente criativos. Neste sentido,
3
Frases proferidas durante o evento de lançamento do Distrito Criativo do Porto no MAR em 11 ago. 2015.
4
VILLAS BÔAS, Bruno. Desertos, prédios esperam empresas no Rio. Folha de São Paulo, 25 out. 2015. Dispo-
nível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/10/1698215-desertos-predios-esperam-empresas-no-rio.
shtml>. Acesso em: 23 jan. 2016.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: O século 21 será (e já é!) o século das cidades. Estudos e pesquisas nacionais e
internacionais indicam que a vida rural foi gradativamente se tornando menos atraente e, desde
a segunda metade do século 20, um grande contingente da população do mundo, que vivia no
interior dos países, passa a buscar nas cidades novas oportunidades. Esse fenômeno trouxe grandes
impactos para a vida urbana no planeta, especialmente, para os países em desenvolvimento:
o inchaço das cidades, seguido de uma infraestrutura insatisfatória ou ausente, o aumento do
desemprego, o incremento da violência e do consumo de drogas, entre outras mazelas que
transformaram as cidades em espaços de exclusão e de desumanização. Esse artigo reflete sobre
o conceito de território criativo, a partir da análise de Peter Hall sobre as ‘cidades eternas’,
assim como pelo conceito de economia criativa proposto em 2011 pela Secretaria Nacional da
Economia Criativa (SEC). Por último, toma a cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará,
como objeto de pesquisa, no intuito de identificar os paradoxos contidos na construção da
categoria ‘cidade criativa’.
1
Doutora em Sociologia pela Sorbonne, Université René Descartes, Paris V. É professora do Programa de Pós-
-Graduação em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará (UECE), onde lidera o Grupo
de Pesquisa sobre Políticas Públicas e Indústrias Criativas e participa da Rede de Pesquisadores de Políticas Cul-
turais-REDEPCULT, tendo sido também pesquisadora e consultora ad hoc do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico -CNPq. Consultora em Políticas Públicas para a Economia Criativa da Organização
Mundial do Comércio (OMC) e da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
E-mail: claudiasousaleitao@yahoo.com.br
2
Doutoranda do Programa de Pós-grad. Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED /IE/UFRJ).
Professora de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). E-mail: guilherme.luciana@gmail.com
3
Doutoranda em Ciências da Cultura UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – Vila Real, Portu-
gal). Professora da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) nos cursos de Audiovisual e Novas Mídias e Design de
Moda. E-mail:gondim.raquel@gmail.com.
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fazemos das cidades nas quais gostaríamos de ter vivido: Atenas de Péricles, Florença renas-
centista, Londres elizabethana, Paris e Viena modernas, assim como Berlim contemporânea. O
urbanista inglês não constrói um pensamento determinista para explicar o êxito dessas cidades a
partir de seus planejamentos. Pelo contrário, aponta os desastres cometidos por esses processos,
observando que muitas decisões políticas, tomadas a partir de diagnósticos ou planos, foram, em
muitos casos, profundamente danosas às cidades, posto que desconectadas dos desejos de suas
populações (FREITAG, 2005 apud LEITÃO; DOS SANTOS, 2006).
Embora reconheça a grande contribuição das ‘cidades eternas’ para mundo contempo-
râneo, o urbanista inglês também as interpreta a partir a reflexão de Benjamim (LEITÃO; DOS
SANTOS, 2006, p. 220): “Nunca houve um monumento de cultura que não fosse também um
monumento de barbárie”. Desse modo, observa que muitas cidades monumentais, hoje grandes
destinos turísticos no mundo, foram construídas a partir do aniquilamento de outras culturas,
tornando hegemônicos seus legados e histórias, em detrimento de outros legados e histórias.
Essa constatação não o impede de buscar identificar as razões pelas quais essas cidades atingi-
ram, em um determinado momento histórico, um desenvolvimento notável. Ao procurar deno-
minadores comuns entre elas, encontra algumas características interessantes:
• Em nenhuma das seis cidades a ‘idade de ouro’ surgiu do nada ou de repente. Em to-
dos os casos, ela foi fruto de longos processos de maturação, em que o investimento
em arte e o incentivo à cultura constituíram uma constante;
• Todas as cidades atingem o auge, o florescimento de sua cultura, em um período de
transição e ruptura com as fases históricas anteriores, aventurando-se em um outro
campo cultural e em território desconhecido;
• Todas essas cidades, que poderíamos chamar de ‘criativas’, caracterizam-se por uma
atitude cosmopolita: com abertura para outras terras e gentes, sem xenofobia ou fal-
sos nacionalismos;
• Finalmente, todas as cidades investiram em infraestrutura tecnológica e em educa-
ção para produzir mudanças em suas dinâmicas econômicas, capazes de permitir a
eclosão da inventividade e da inovação. (LEITÃO; DOS SANTOS, 2006, p. 149).
As observações de Hall são fundamentais para pensarmos as cidades do século 21. Ao
enfatizar os papéis da cultura e da ciência e tecnologia para o seu desenvolvimento, o urbanista
acaba por nos oferecer boas pistas para refletirmos sobre os fundamentos que devem legitimar a
categoria ‘cidades criativa’. Senão, vejamos.
No novo século, distritos, bairros, cidades, bacias ou regiões, em diversos países, vem
sendo estruturadas para se tornarem ‘territórios criativos’. Dessa forma, passam a se constituir o
locus privilegiado de políticas, programas e ações voltados à criação de uma ambiência propícia
à produção, difusão e consumo da criatividade e da cultura que, através das tecnologias tradicio-
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nais e contemporâneas poderão favorecer a produção de bens e serviços com alto valor agregado.
Esses territórios passam a buscar fundamento do seu desenvolvimento na economia criativa, uma
economia fruto dos avanços da economia do conhecimento e da cultura, cujos grandes ativos são
a memória, a diversidade cultural, assim como o conhecimento científico e tecnológico.
Se a criatividade é uma invenção da cultura, como afirma Celso Furtado (2008, p.116), a
economia criativa é uma aposta em um novo desenvolvimento a partir e através da cultura. Em-
bora não haja inovação sem criatividade, criatividade não é sinônimo de inovação. Inovação é a
transformação do conhecimento e da criatividade em riqueza e bem-estar social. Três elementos
aparecem como essenciais para a inovação: o conhecimento (a ciência) e criatividade, que cons-
tituem sua matéria-prima, aliados à indispensável transformação, o seu processo. O fato é que
a inovação contém necessariamente conteúdo cultural, uma vez que tem por objetivo, direto ou
indireto, participar e qualificar as nossas formas de viver e, para o bem ou para o mal, afetá-la.
Em outras palavras, o objeto da inovação é intervir nos nossos meios de produção, comunica-
ção, deslocamento, saúde, moradia, alimentação, entretenimento, enfim, no nosso cotidiano,
para torná-lo mais confortável, mais digno e mais humano. Por isso, são os conteúdos culturais
das tecnologias que desempenham papel essencial no processo de transformação da ciência em
riqueza e bem-estar. Dito de outra forma, parte significativa do processo inovador reside na in-
corporação da cultura/criatividade à tecnologia.
Essa é a tarefa precípua das políticas públicas para a economia criativa nas cidades,
pois elas constituem fundamento e condição necessária para a transformação dos seus destinos.
Afinal, uma ‘cidade criativa’ deverá ser, antes de tudo, uma cidade humana, que traduza na qua-
lidade de vida de sua população os direitos e deveres essenciais aos direitos à cidade.
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mia dos bens simbólicos dentro de uma perspectiva mundial. As indústrias criativas compreen-
deriam um conjunto de atividades baseadas no conhecimento, que produzem bens tangíveis e
intangíveis, intelectuais ou artísticos, com conteúdo criativo e valor econômico. Elas constituem
os ciclos de criação, produção e distribuição de produtos e serviços que utilizam criatividade e
capital intelectual como insumos primários; constituem um conjunto de atividades baseadas em
conhecimento, focadas, entre outros, nas artes, que potencialmente geram receitas de vendas
e direitos de propriedade intelectual; constituem produtos tangíveis e serviços intelectuais ou
artísticos intangíveis com conteúdo criativo, valor econômico e objetivos de mercado; posicio-
nam-se no cruzamento entre os setores artísticos, de serviços e industriais e constituem um novo
setor dinâmico no comércio mundial.
Em relação aos setores criativos, organismos internacionais, como a Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), propuseram sistemas de classifi-
cação (frameworks) que apresentam e organizam estes setores a partir de categorias no sentido
de criar uma base comum para o desenvolvimento de análises comparativas entre os diversos
países. A seguir, a proposta de classificação sugerida pela UNCTAD:
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nas cidades. Publicada na França em 2000, a “Carta Europeia para a Proteção dos Direitos do
Homem na Cidade” constitui um desses documentos:
Considerando que a maior parte da população do planeta vive hoje em
cidades,
Considerando que as cidades constituem o futuro da humanidade,
Considerando a crise dos estados nacionais e o crescimento dos valores
democráticos de proximidade possíveis nas cidades,
Considerando que as cidades surgem como a possibilidade de um novo
espaço político e social no século XXI,
Considerando que uma boa gestão das cidades requer o respeito e a garan-
tia dos Direitos do Homem para todos os habitantes, assim como a pro-
moção dos valores de coesão social e de proteção dos mais vulneráveis,
Considerando a necessidade de qualificação dos espaços públicos para
todos s nas cidades,
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Figura 5: Fortaleza | Cidade das Artes, do Entretenimento e das Mídias – setores contemplados.
A economia criativa é uma realidade crescente no mundo e poderia ser um eixo estraté-
gico para o desenvolvimento das cidades brasileiras. Os setores do audiovisual, design de moda,
jogos digitais e música são exemplos de atividades com potencial de desenvolvimento econômi-
co para Fortaleza, embora assim ainda não sejam percebidos pelos governos. Enquanto o design
de moda é fruto de uma histórica vocação da cidade, que já foi um grande polo de confecções no
Brasil, os jogos digitais perscrutam uma tendência que pode vir a ser fortalecida com o necessá-
rio apoio de políticas públicas. Relativamente à musica, Fortaleza goza de um reconhecimento
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nacional em função da qualidade dos profissionais atuantes, tanto no núcleo criativo (cantores,
músicos, arranjadores, produtores etc) quanto nas demais áreas de atuação dessa cadeia pro-
dutiva. No audiovisual, vale ressaltar uma geração de profissionais que vem se destacando na
produção de conteúdos relacionados à TV aberta, à TV paga e ao cinema.
Por outro lado, a cidade é historicamente vocacionada ao comércio de bens e serviços.
E essa vocação pode e deve ser ampliada para o campo cultural e criativo. Para isso, é necessá-
rio o desenvolvimento de estratégias capazes de transformar Fortaleza, por exemplo, em uma
capital de serviços culturais e criativos. De modo integrado às estratégias de desenvolvimento
do turismo na cidade, a economia dos setores das artes e do entretenimento demonstra poten-
cial de crescimento quando associados, por exemplo, às festas, espetáculos e eventos que já
fazem parte do calendário turístico cultural da cidade (réveillon, carnaval, festas juninas, festas
religiosas, micaretas).
Por outro lado, o artesanato e a gastronomia também caminham juntos como insumos
estratégicos ao desenvolvimento turístico e cultural da cidade. O talento do cearense para as
atividades manuais e artesanais (rendas, bordados, artefatos de decoração, utensílios domés-
ticos) poderia ser melhor aproveitado caso dialogasse de forma mais intensa com o design de
interiores e arquitetura. A gastronomia, por sua vez, aparece no setor de serviços como uma
possibilidade concreta de produção de riquezas, ampliando o leque de atuação dos profissionais
atuantes na cadeia produtiva, tais como: consultores, chefs de cozinha, assistentes, nutricionistas
entre outros. Por último, não podemos subestimar a potencial econômico do humor da cidade
de Fortaleza. Essa representativa expressão da nossa cultura, reconhecida nacionalmente, vem
crescendo, tanto na produção de conteúdos para a TV, o rádio e a internet, quanto nos stand up
comedy nos bares, restaurantes, casas de show, shoppings centers, barracas de praia entre outros
espaços de lazer na cidade.
A economia criativa é uma economia de redes que conectam sistemas produtivos. Ao
apresentarmos as vocações culturais/criativas mais pujantes, chamamos a atenção para os se-
tores conexos que se relacionam de forma direta ou indireta com os segmentos priorizados. A
Fortaleza - Cidade do Patrimônio Cultural e do Design está absolutamente imbricada à Fortaleza
- Cidade das Artes, do Entretenimento e das Mídias. Mas, as vocações da cidade para os setores
aqui elencados fazem de Fortaleza uma cidade efetivamente criativa?
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Afinal, a qual fortaleza nos referimos? A do pequeno arraial do Forte, como observou João Brí-
gido (apud BARBOSA, 2001), ou à fortaleza moral, virtude de um povo?
De início era o movimento. Era o comércio simbolizado pela figura de Hermes, símbolo
da inteligência industriosa e realizadora, da astúcia, rapidez e criatividade. Deus das negocia-
ções, das intermediações e das encruzilhadas, Hermes, através dos seus quatro rostos simboliza
o encontro entre o céu e a terra e entre os quatro pontos cardeais, representando, ao mesmo tem-
po, ambiguidade e completude. Hermes aparece em várias culturas com as características que
lhe dão origem: mistura e movimento. Seja como mágico, satírico, médico, músico ou artesão,
o deus alado se transfigura para interpretar culturas através da leitura de símbolos e signos que
compõem as culturas. Ele é o deus do hermetismo e da hermenêutica, do mistério e da arte de
decifrá-lo (LEITAO, 2001).
Os mitos funcionam como narrativas explicativas das trajetórias humanas, ou seja, eles
servem para intermediar as tensões e as contradições do real. Fortaleza é território, por excelên-
cia, desses contrastes, conflitos e paradoxos. Ao observarmos os indicadores de desenvolvimen-
to humano da cidade, especialmente na perspectiva da concentração de renda, da violência, da
infraestrutura, da educação e da saúde, Fortaleza apresenta resultados preocupantes que apon-
tam para uma cidade apartada, injusta e desumana.
Mas, Fortaleza também é território de gente industriosa e criativa, de uma população
habituada a reunir realidades diversas para produzir novos modos de ser e de estar no mundo.
Tal qual Hermes, os fortalezenses conhecem o nomadismo e assim aprenderam a viver e a sobre-
viver em situações adversas, desenvolvendo tecnologias sociais, éticas e estéticas próprias. Tal
qual Hermes, os fortalezenses aprenderam a negociar, a inventar, a fazer circular, a convencer
para vencer e assim construíram uma cidade.
Enfim, é inconteste que a cultura e a criatividade começam a se deslocar dos discursos
artísticos, produzindo novos e importantes impactos na ampliação dos significados do desen-
volvimento. Como matriz estratégica para as dinâmicas econômicas, a cultura começa a ser
considerada como um recurso estratégico. Por isso, os indicadores relativos à construção ou à
produção de obras de infraestrutura (tais como saneamento, estradas, habitação, urbanização)
passam a não ser suficientes para medir o desenvolvimento humano. Nas sociedades do conhe-
cimento, ser desenvolvido significa conquistar um novo patamar relativo à qualidade de vida,
através de um novo trabalho capaz de produzir inclusão, garantindo a sustentabilidade da vida
do individuo, mas também do planeta. Por isso, as sociedades exportadoras de commodities vão
perdendo prestígio diante daquelas que passam a produzir bens e serviços com valor agregado.
Com a transfiguração da economia industrial para as economias pós-industriais, as co-
nexões entre cultura e desenvolvimento sustentável passam a ser percebidas sob dois enfoques:
de um lado, a criação de programas de desenvolvimento dos setores culturais e criativos pro-
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priamente ditos (as artes, o turismo, o patrimônio cultural, os segmentos criativos); de outro, a
formulação de políticas públicas que consideram a cultura como eixo estratégico de desenvol-
vimento dos Estados, a partir da produção de planos que realizam o cruzamento das políticas
culturais com as demais pastas dos governos (educação, ciência e tecnologia, saúde, trabalho e
emprego, meio-ambiente, entre outras) em prol do desenvolvimento sustentável, especialmente,
das dinâmicas econômicas dos bens e serviços simbólicos.
Por outro lado, a economia criativa é uma temática eivada de contradições e paradoxos
como é contraditório e paradoxal o próprio sistema capitalista. Para tanto, é preciso estar atento
ao fenômeno da estetização da economia, denominado por Gilles Lipovestsky e Jean Serroy
(2014) de “capitalismo estético”. Esse fenômeno se relaciona diretamente com o crescimento
das indústrias criativas no século 21 e sua apropriação pelo mercado. Na era da globalização,
a economia também se estetiza e se desmaterializa para se dedicar às dimensões imateriais do
consumo. Se a oferta dos produtos culturais é imensa, temos cada vez mais a impressão de que
o nosso acesso se dá ao produto padronizado, ao produto industrializado. Assim vivemos em
um mundo da diversidade homogênea que oferece uma grande ameaça à diversidade cultural
do planeta. Afinal, com o esgotamento das grandes distinções entre arte e indústria, cultura e
entretenimento, imaginação e negócios, criatividade e marketing, cidade e shoppings, tudo pa-
rece submergir ou emergir a favor de um mundo kitsch, presente seja nos bairros ricos quanto
nas periferias das diversas cidades do mundo. Se tudo sucumbe à sedução estética, as cidades
correm o risco de se tornarem espécies de shoppings-centers e o resultado será dramático para
os seus habitantes: quanto mais se busca consumir o belo, menos a vida lhe parece bela; quanto
mais o produto cultural se prolifera e está acessível nos diversos mercados, menos educação se
possui para fazer escolhas e, por isso (como diria Amartya Sen) menos liberdade se goza, menos
autonomia se possui; quanto mais se consome produtos de lazer, mais despolitizado se está.
As cidades que recebem títulos de ‘cidades da cultura’ ou ‘cidades criativas’ pelos gover-
nos ou organizações internacionais (como a UNESCO) são exemplos da apropriação das cidades
pelo capitalismo estético e sua sedução consumista e hedonista. Elas são assim são denominadas
por anunciarem a multiplicação de lugares para arte, com novas estratégias de marketing e de
comunicação, sempre voltadas ao “consumo estetizado” ou a uma indústria criativa ameaçadora
da diversidade cultural. Devemos avançar na busca de um modelo de economia criativa que seja
crítico a essas categorias de ‘cidades criativas’. Uma cidade criativa não é a cidade do consu-
mismo exacerbado, do trabalho precário, dos contrastes sociais abissais, da ausência do Estado,
da exclusão, da dependência, da domesticação das mentes, do esvaziamento de imaginários, do
estimulo ao individualismo possessivo!
Por isso, não devemos nos esquecer dos ensinamentos de Peter Hall quando se refere ao
apogeu das grandes cidades do mundo, destacando condições essenciais para sua construção: o
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RESUMO: O objetivo deste artigo é compreender o papel dos editais na política pública de
financiamento à cultura. A perspectiva utilizada foi a de que os instrumentos não são neutros,
pois, além de serem uma tecnologia/artefato, podem expor a filosofia gerencial e o modelo
organizacional nos quais se inserem. Concluímos que o edital é um modelo que privilegia
o produto cultural na lógica de financiamento à cultura e pode favorecer uma política de
democratização do acesso.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo é resultado da pesquisa de mestrado realizada no Programa de Pós-Gradua-
ção em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da Universidade de Brasília
(PPGDSC/UnB). A análise parte da abordagem da instrumentação da ação para compreender o
edital enquanto um instrumento da política pública de financiamento à cultura. Nesta perspecti-
va, o edital não é neutro, ele é portador de uma “concepção concreta da relação política/socieda-
de e sustentado por uma concepção de gestão” (LASCOUMES E LES GALÈS, 2012 a, p.22).
A primeira parte do texto busca entender a escolha pelos editais na política pública de
cultura e sua imbricação com a política de finaciamento à cultura vigente. Em seguida, apre-
sentamos a perspectiva dos instrumentos de gestão para caracterizar o edital enquanto um ins-
trumento de seleção de projetos culturais, apresentando algumas conclusões prévias sobre seus
aspectos de artefato/substrato técnico, filosofia gerencial e modelo organizacional nos quais o
edital se insere e, por fim, tentamos identificar o tipo de política cultural que ele pode favorecer.
Neste artigo, privilegiamos o entendimento dos editais para escolha de projetos culturais
a serem financiados por meio de subsídios de fundos de cultura. Apesar do texto propor uma
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional do
Ceam/UnB. E-mail: vilela.cleide@gmail.com.
2
Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional do
Ceam/UnB. E-mail: fatima.makiuchi@gmail.com
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da política de financiamento à cultura poderia levar um tempo maior (CALABRE, 2013, p. 40),
o que de fato ocorreu. Os editais começaram a serem utilizados de maneira mais sistemática a
partir da gestão de Juca Ferreira (2008/2010) no Ministério da Cultura, apesar de não serem um
instrumento novo na área cultural: empresas já utilizavam este instrumento para apoiar projetos
aprovados na modalidade mecenato da Lei Rouanet antes do governo Lula, ainda que de manei-
ra tímida, e, também, há exemplos esporádicos de utilização de instrumentos semelhantes aos
editais3, nos municípios e estados, ao definir critérios de seleção de projetos artísticos e culturais.
No caso da modalidade mecenato, houve uma mobilização do MinC para que os maiores
investidores estatais (Petrobrás, bancos públicos) utilizassem o mecanismo. Lia Calabre (2013, p.
40) afirma que, a partir de dados levantados, o percentual de recursos disponibilizados pelas leis
de incentivo através de editais saltou de 3% em 2003 para 13% em 2008, ela ainda acrescenta que
a adesão ao modelo editais se deu também em empresas e fundações privadas, “buscando ampliar
a abrangência e melhorar a transparência das ações implementadas” (CALABRE, 2013, p. 40).
O edital, instrumento das políticas de financiamento à cultura, teria sua escolha justifica-
da pela transparência e acesso aos recursos públicos. A transparência, através dos critérios a se-
rem observados para que um projeto cultural seja financiado com recursos públicos e, também,
pelas informações sobre valores disponibilizados, número de projetos a serem contemplados,
critérios de seleção como uma maneira de superar a “política de balcão”4. O acesso seria facilita-
do por suprir a intermediação e “pulverizar recursos para que eles gerassem com a capilaridade
do investimento os contextos criativos que independiam de uma industrialização vertical da
cultura” (LUZ, 2013, p. 85).
Na perspectiva da intermediação, José Márcio Barros (2013, p. 280), ao discutir a diver-
sidade cultural e a gestão, identifica uma “nova colonização” cultural, na figura de mediadores
(consultores culturais), que se coloca entre o Estado e o campo da cultura popular e práticas
periféricas a partir da escrita de projetos culturais para participação em editais. Salgado et al
(2010, p. 103), apesar de salientarem a importância dos editais em determinadas políticas, tam-
bém afirmam que em outros casos, “o edital torna-se um instrumento burocrático de acesso ao
financiamento (…) por sua linguagem técnica e exigências na seleção de projetos”. Participar de
um edital, exige, no mínimo, conhecimento técnico de elaboração de projetos.
A pesquisa de Costa et al (2010, p.70) questiona se a sociedade civil está preparada
para trabalhar com a inscrição de projetos culturais que preveem, por exemplo, planos de ação
3
Caso dos concursos destinados à produção na área de artes cênicas, em 1979, pela Fundação Cultural do do Es-
tado da Bahia (ALVES et al, 2004, p.44); e da Instrução de 30 de setembro de 1987 que “institui uma comissão de
seleção, que regulamenta concessão de auxílio parcial para projetos artísticos culturais do Distrito Federal”.
4
Entendemos “política de balcão” como uma modalidade do clientelismo que “indica um tipo de relação entre
atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções,
em troca de apoio político” (CARVALHO, 1997)
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O governo Lula é caracterizado, em muitos estudos, como um governo de políticas de “inclusão”. No entanto,
acreditamos que essa categoria supõe uma outra que é a dos “excluídos”. A reflexão de Guareschi (1992) sobre
os “excluídos” culturais faz-se necessária no caso das políticas públicas de cultura. Mesmo que a política pública
do ministério tenha sido inovadora ao reconhecer as diversas culturas, compreender que é preciso “incluir” essas
culturas em uma determinada política pública que possui uma racionalidade específica pode estar reproduzindo os
modelos de políticas difusionistas dos anos 1970 em que se elegia o que era bom para ser consumido pelos demais.
Aqui está uma das justificativas em compreender os instrumentos e tentar buscar abrir um caminho para soluções
inovadoras e de uma perspectiva pluralista, a exemplo da Lei Cultura Viva. Neste sentido, Catherine Walsh (2007)
faz uma reflexão importante na busca de políticas que tenham como horizonte a interculturalidade. Defende as
políticas de inclusão para que elas adotem esta perspectiva, apesar da crítica a este modelo de racionalidade: “El
problema es –y allí va la otra perspectiva– que ser reconocidos como seres ‘étnicos’ e incluidos con una categoría
de lo ‘especial’ –así también con derechos específicos– puede perpetuar la colonialidad del ser si no apunta a cam-
biar las estructuras institucionalizadas que siguen manteniendo y reproduciendo la racionalidad de la modernidad
como norma ontológica.”
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O modelo, ainda que comtemple grupos e indivíduos que estavam à margem da política
de financiamento, “não supera a lógica de mercantilização do resultado do processo de produção
cultural” e limita-se a “comprar ou ajudar a comprar bens e serviços culturais” (LIMA E OR-
TELLADO, 2013, p. 354). Desse modo, essas políticas ainda são pautadas pela democratização
do acesso em que um produto é elegido como relevante para ser consumido pela população:
Isso significa que, ainda que os subsídios contribuam para a emancipa-
ção da lógica de mercado – no sentido da produção não de pender da sua
comercialização –, eles mantêm a forma de compra e venda, através do
financiamento da produção e da difusão das obras pelo estado (LIMA e
ORTELLADO, 2003, p. 354).
No item a seguir, discutimos o edital a partir da instrumentação da ação pública com a
finalidade de compreender as críticas levantadas a partir da escolha deste instrumento. Nessa
perspectiva, os objetivos e finalidades da política de financiamento podem encontrar limites
na instrumentação.
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com atores da sociedade civil, principalmente com ONGs, de uma função governamental refe-
rente a um direito básico.
Britto e Santos (2009) argumentam que este entendimento de previsão de subsídio para
a cultura em regime de colaboração com o setor privado permite a implementação de políticas
neoliberais, com pouca participação do Estado, cujo “fomento é atividade de Estado que atra-
vés do particular, realiza objetivos de interesse geral”. As autoras também colocam um outro
questionamento sobre a continuidade dos serviços públicos de cultura, pois a ideia de fomento
a projetos e programas pressupõe “apoio, suporte e estímulo a atividades específicas e transitó-
rias, advindo da concepção de autossustentabilidade das organizações” com pouca margem para
custeio permanente a grupos e instituições.
O argumento a favor dessa política de transferência de recursos a projetos culturais é
a de evitar o dirigismo cultural. Isto é, uma forma de intervenção realizada pelos agentes cul-
turais e instituições para a coletividade ou público a que se voltam “sem que sejam estes con-
sultados sobre suas necessidades ou desejos” (COELHO, 1997, p. 151-152). Mesmo que haja
algum grau de intervenção inerente a toda política cultural por essas possuírem as seguintes
características:
1) no campo da cultura, a oferta é que determina a procura, mais do
que o inverso – e portanto um certo grau de dirigismo é inevitável; 2)
programas culturais sustentados por políticas públicas devem destinar-
-se àqueles modos e práticas culturais não cobertos habitualmente pelas
diversas ramificações da indústria e do mercado cultural – e novamente
o dirigismo surge como etapa incontornável; 3) o agente cultural, que
passa por uma formação específica, tem suas responsabilidades públicas
próprias e não pode furtar-se a elas limitando-se a ser um elo passivo na
corrente de transmissão dos desejos do público ou da comunidade a que
deve atender. (COELHO, 1997, p. 152-153)
Por último, o edital é um modo de selecionar projetos culturais, de acordo com a lógica
da lei de licitações. Os projetos culturais, de maneira geral, são selecionados de acordo com
as modalidades concurso ou prêmio, previstas na lei 8.666/1993. Na modalidade concurso, os
projetos culturais são entendidos como um produto ou serviço artístico que deve ser escolhido
pelos princípios da moralidade, eficiência e impessoalidade (art. 37 da constituição); e também
aquele que reúne melhores condições para o desempenho de uma atividade de interesse do poder
público ou da sociedade (MARTINS JUNIOR, 2005, p. 38).
O edital é, portanto, um “ato por meio do qual se convoca os interessados em participar
do certame licitatório” (MIRANDA, 2004, p. 89) e, também, onde se estabelecem as condições
que regem o processo. É intrínseco ao edital a publicidade através de publicação de avisos no
Diário Oficial; o prazo de 45 dias entre a publicação do edital e a data de realização do evento; a
possibilidade de dispensa de documentos nos casos da modalidade concurso e convite.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das críticas ao modelo de seleção de projetos realizado pelos editais, estes são
apontados por alguns autores como o meio necessário para se escolher projetos culturais da
sociedade de maneira transparente e mais acessível. A maioria dos editais solicitam um projeto
cultural para avaliação da proposta, com exceção de alguns editais realizados pelo Ministério da
Cultura que permitiram a candidatura a partir de documentos registrados em áudio e/ou vídeo
com o objetivo de ampliar o acesso a pessoas que não estão familiarizadas com a linguagem do
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projeto cultural. Este tipo de seleção pode sair onerosa para uma prefeitura de pequeno porte, se
pensarmos na perspectiva da gestão municipal.
Para além da seleção de projetos, o que se coloca em jogo são sinais de esgotamento
deste modelo de financiamento que privilegia o produto ou o bem cultural. Nesta perspectiva,
Lima e Ortellado (2013, p. 366) propõem a criação de políticas de financiamento que promo-
vam o processo de produção e não do produto cultural e pela “desburocratização da prestação
de contas, de maneira a preservar a flexibilidade do desenvolvimento dos projetos e a respeitar a
informalidade dos agentes”. Para isso, propõem uma espécie de bolsa, a renda básica cidadania
para os agentes culturais, mesmo sabendo que isso possa gerar parasitismos ou free ridings.
Pose (2015, p. 39) também defende que os governos devem construir políticas culturais de ma-
neira mais participativa possível para que as necessidades principais de seus cidadãos, que não
podem ser atendidas pelo mercado ou outras vias, sejam acolhidas. Pois, promover o consumo
cultural pode provocar mais consumo e não uma cidadania mais “culta”.
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RESUMO: Este artigo pretende contribuir para a reflexão sobre a necessidade de uma política
cultural para o Design. Discorre sobre a importância da criação da Sociedade Brasileira do
Design da Informação (SBDI) como entidade que promove por meio de Congresso e outras
atividades, uma política cultural para o campo do Design e áreas afins pelo prisma de incentivar a
evolução simbólica material e imaterial. Como instituição civil organizada, a SBDI, busca atuar
na formação da cultura ao visar o desenvolvimento de uma consciência crítica para o imaginário
social, a fim de orientar o desenvolvimento simbólico, tanto sobre as diferenças culturais, o
respeito pela diversidade e o diálogo intercultural. Isto porque, já não podemos desconhecer a
importância das experiências que ampliam o campo do design, dada a sua abrangência e alcance
como fenômeno social.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta a Sociedade Brasileira do Design da Informação (SBDI) 4 como
entidade que promove por meio dos Congressos intitulados, CIDI | Congresso Internacional de
Design da Informação e CONGIC | Congresso Nacional de Iniciação Científica em Design da
Informação, uma política cultural para o campo do Design e áreas afins pelo prisma de incenti-
var a evolução simbólica material e imaterial, além de discorrer sobre a importância da referida
sociedade para o desenvolvimento, discussão do Design da informação, e sobre o seu impacto
social e cultural para o grupo social envolvido.
1
Doutora em Design - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, crisportugal@gmail.com
2
Mestre em Design - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, eliane.jordy@gmail.com
3
Doutor em Artes - Universidade de Sevilha. Espanha, arano@us.es
4
As informações sobre a SBDI contidas neste artigo tiveram como base textos de relatórios internos e anais
dos congressos CIDI e CONGIC, dentre outros documentos elaborados pelo conselho científico da SBDI, Carla
Spinillo, Edna Lúcia Cunha Lima, Guilherme Cunha Lima, Joaquim Redig, Luiz Antonio Coelho, Mônica Moura,
Priscila Farias, Rita Couto, Solange Coutinho e demais colaboradores da SBDI.
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Lima, Ortellado e Souza (2013) - com base na noção de política de cultura definida pela
UNESCO - entendem as políticas culturais como um conjunto de princípios operacionais, práti-
cas administrativas, orçamentárias e procedimentos que fornecem uma base para a ação cultural
do Estado. E, neste caso, reconhecem a existência e a legitimidade de políticas culturais postas
em ação por atores não estatais, como no caso da SBDI.
A SBDI é uma entidade sem fins lucrativos, fundada em Recife, no ano de 2002. O seu
surgimento representa o início do processo de institucionalização da disciplina do Design da
Informação no país. E, contou também com o lançamento da Revista Brasileira de Design de
Informação, periódico brasileiro com pontuação no Qualis CAPES, como publicação da SBDI.
Como ação de políticas culturais para o Design foi criado o primeiro Congresso promo-
vido pela SBDI realizado, em 2003, na cidade de Recife, sendo representado como um horizonte
de grandes avanços, a primeira tomada de consciência brasileira (coletiva) sobre a relevância do
Design da Informação, segundo palavras de Joaquim Redig (2004):
Embora nesse período tenha florescido o Design Gráfico nacional, setor
a que está vinculado o Design de Informação, esta especialidade perma-
neceu aparentemente esquecida, tanto pela teoria, nas escolas, quanto
pela prática, nos escritórios, empresas e repartições – a não ser em al-
guns ensaios isolados, como o sistema de Comunicação Visual do ser-
viço de ônibus urbano do Recife, de Edna Cunha Lima, ou o de São
Paulo, de Cauduro / Martino, ou a sinalização urbana do Rio de Janeiro,
da PVDI, de Aloísio Magalhães (REDIG, 2004, p: 1).
Para Redig (2014), o designer contemporâneo deve assumir uma responsabilidade eficaz
e coerente, diante da definição de estratégias diversificadas. Tarefa que deve ser assumida junto
ao Poder Público, pois de acordo com o autor a informação tem primordial importância na for-
mação da cidadania.
Não há cidadania sem informação, nem informação sem Design. Esses
pequenos exemplos, somados a tantos outros, trazem a noção de cida-
dania para o âmbito da responsabilidade do designer, e particularmente
do designer de informação. Cabe-nos assumir junto ao poder público
esta responsabilidade, através das entidades acadêmicas e profissionais
(REDIG, 2004 p: 66).
A SBDI como entidade científica congrega pesquisadores, docentes e profissionais, que
atuam em sistemas de informação e comunicação analógicos e digitais, na gestão e produção da
informação. Um de seus objetivos é o de contribuir para o desenvolvimento, organização e difu-
são científica do Design da Informação enquanto área acadêmico-científica em âmbito nacional
e internacional, promovendo e estabelecendo o diálogo e a cooperação entre profissionais, do-
centes e pesquisadores, e fomentando o interesse de estudantes pela área, contribuindo, assim,
para sua formação profissional e intelectual.
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2. A SBDI E A CULTURA
Nas palavras de Arañó (2011), a cultura é o que permite que enquanto seres humanos te-
nhamos esperança, ela estimula nossos sentidos e possibilita novas formas de ver e compreender
a realidade. Cultura vista como o conjunto de características próprias, espirituais e materiais,
que caracterizam e distinguem uma sociedade e um grupo social. Referem-se a todas as artes,
assim como modos de vida, sistemas de valores, tradições, crenças e visões de mundo.
Quando falamos sobre cultura, convém esclarecermos que a construção de uma política
pública, exige estratégias diferentes quanto às duas dimensões da cultura – antropológica e so-
ciológica – embora ambas sejam igualmente importantes. Para a pesquisadora Isaura Botelho
(2001), na dimensão antropológica, a cultura se produz “através da interação social dos indivídu-
os, que elaboram seus modos de pensar, sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades
e diferenças”. Neste sentido, “a cultura é tudo que o ser humano elabora e produz, simbólica e
materialmente falando”. Por sua vez, segundo a autora, a dimensão sociológica não se constitui
no plano do cotidiano do indivíduo, pois é elaborada com a intenção “de construir determinados
sentidos e de alcançar algum tipo de público, através de meios específicos de expressão”.
Em outras palavras, a dimensão sociológica da cultura, segundo Botelho (2001),
Refere-se a um conjunto diversificado de demandas profissionais, ins-
titucionais, políticas e econômicas, tendo, portanto, visibilidade em si
própria. Ela compõe um universo que gere (ou interfere em) um circuito
organizacional, cuja complexidade faz dela, geralmente, o foco de aten-
ção das políticas culturais (BOTELHO, 2001, p.74).
Neste sentido, a proposta de criação da SBDI como entidade científica e como circuito
socialmente organizado visava, naquele momento, estimular, por diversos meios, a produção,
a circulação e difusão científica do Design da Informação enquanto área acadêmico-científica.
Criando mecanismos, fornecendo meios que favorecessem aos envolvidos sua própria compreen-
são de valor cultural permitindo-lhes o pleno desenvolvimento de suas capacidades e habilidades
através da valorização do conhecimento, estético e técnico, que estão profundamente imbricados.
Assim, segundo Botelho (2001), para intervir nas políticas públicas é necessário muito
convencimento e, sobretudo, dois tipos de investimento, dado o fato de que as políticas cultu-
rais, isoladamente, não conseguirem atingir o plano do cotidiano:
• O primeiro é de responsabilidade das pessoas diretamente interessadas. Isto significa
organização e atuação efetivas da sociedade, em que o exercício real da cidadania exi-
ja e impulsione a presença dos poderes públicos como resposta a questões concretas;
• O segundo refere-se à área de cultura dentro do aparato governamental. Uma polí-
tica cultural que queira cumprir a sua parte tem de saber delimitar seu universo de
atuação, precisando, portanto, ter estratégias específicas para a sua atuação como
articuladora de programas conjuntos.
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Como instituição civil organizada a SBDI busca atuar na formação da cultura ao visar o
desenvolvimento de uma consciência crítica para o imaginário social, a fim de orientar o desen-
volvimento simbólico, tanto sobre a cultura visual e material, as diferenças culturais, a liberdade
de expressão, o respeito pela diversidade e o diálogo intercultural. Isto porque, já não podemos
desconhecer a importância das experiências que ampliam o campo do design - dada a sua abran-
gência e alcance como fenômeno social.
Os eventos realizados pela SBDI como ações de políticas culturais para o Design, os
quais serão descritos em detalhes mais adiante, colaboram positivamente para a educação em
Design, e áreas afins, ao criar um lugar propício de reflexões e discussões. Considerando, nas
palavras de Arañó (2011), que, tanto a opinião pública, quanto organizações internacionais como
a UNESCO5, OCDE6, Banco Mundial e o BID7 identificam a educação como principal instru-
mento para o desenvolvimento dos países, crescimento das economias, aumento da produtivi-
dade para superar o abismo da pobreza interna ao possibilitar o conhecimento externo entre os
países desenvolvidos, e os em desenvolvimento. Ainda a educação pode ser contemplada como
elemento-chave para restabelecer a coesão social, a evitar a deslocação de jovens, prevenção da
criminalidade e abuso de drogas, afirmando os valores da sociedade, etc.
A LDBEN vem favorecer a atuação do design no âmbito educacional quando estabelece
a lei nº 9.394/96, no seu art. 26, § 2º para o ensino de arte:
[...] a arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação
básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. Observará as seguintes di-
retrizes: o conteúdo será distribuído entre as diversas séries e níveis da educação básica pelas es-
colas, abrangerá obrigatoriamente as áreas de: a) música, teatro e dança; b) artes visuais (artes
plásticas, fotografia, cinema e vídeo) e design; c) patrimônio artístico, cultural e arquitetônico
(BRASIL, 2009) (Grifo nosso).
Esta nova orientação foi devidamente normatizada nos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais da Educação Brasileira (PCNs), que apresentam dois projetos de lei sobre os conteúdos de
educação formal da escola brasileira: Projeto de Lei (PL741/07).
O Design é um amplo campo que envolve e para o qual convergem diferentes disciplinas.
Para o designer Antonio Fontoura (2002), ele pode ser visto como uma atividade, um processo
ou ser entendido em termos dos seus resultados tangíveis. O Design também pode ser visto como
uma função de gestão de projetos, como atividade projetual, um serviço social, uma atividade
conceitual, ou ainda como um fenômeno cultural. Pode ainda ser tido como um meio para adicio-
nar valor às coisas produzidas pelo homem e também como um veículo para as mudanças sociais
5
Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.
6
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
7
Banco Interamericano de Desenvolvimento.
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e políticas. (FONTOURA, 2002, p.68). Vindo ao encontro das ideias de Fontoura sobre o campo
de Design, lançamos mão das palavras de Bonsiepe:
Existe o perigo de se cair na armadilha das generalizações vazias do tipo
‘tudo é Design’. Porém, nem tudo é Design e nem todos são designers.
O termo Design se refere a u m potencial ao qual cada um tem acesso e
que se manifesta na invenção de novas práticas da vida cotidiana. Cada
um pode chegar a ser designer no seu campo de ação. E sempre deve-se
indicar o campo, o objeto da atividade projetual. [...] Design é uma ati-
vidade fundamental, com ramificações capilares em todas as atividades
humanas; por isso, nenhuma profissão pode pretender o monopólio do
Design (Bonsiepe, 1997, p.15).
Diante do que foi dito faz-se oportuno citarmos Kerckhove (1998), que se ocupou em
discutir a relação do Design, da tecnologia e da cultura, com vistas a problematizar a necessi-
dade de políticas culturais para o Design. Para o autor, existem claramente mais questões no
Design além de servir para conter e seduzir. Num sentido mais amplo, o Design desempenha um
papel metafórico, traduzindo benefícios funcionais em modalidades cognitivas e sensoriais. O
Design encontra a sua forma e seu lugar como uma espécie de som harmônico, um eco da tec-
nologia. Ele frequentemente faz o eco do caráter específico da tecnologia e corresponde ao seu
impulso básico. Sendo a forma exterior visível ou texturizada dos artefatos culturais, o Design
emerge como aquilo a que poderíamos chamar de pele da cultura.
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Os Congressos científicos com periodicidade bienal promovidos pela SBDI são patroci-
nados por agências de fomento à pesquisa brasileira como CNPq, CAPES, FAPERJ, FACEPE,
FAPESP, entre outras, tangibilizam o encontro de diversos especialistas na área do design e
áreas afins. Tais encontros geram reflexões e ações que visam promover o desenvolvimento
cultural diante da tarefa de realização conjunta proporcionando uma profícua oportunidade de
intercâmbio entre pesquisadores, profissionais e estudantes do Brasil e do exterior.
Na 6º edição do Congresso em 2013, realizado em Recife, comemorando os 10 anos de
sua fundação, foi consolidada a inserção do Brasil na área de Design da Informação no cenário
mundial, proporcionando visibilidade e intercâmbio entre a produção nacional, além de ter pro-
porcionado o contato entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros, assim como estudantes e
profissionais participantes dos eventos na discussão do estado da arte do Design da Informação.
Um exemplo desta inserção foi o convite, durante o evento, de trazer para o Brasil a
Editoria do Information Design Journal, publicado pela John Benjamin, onde a professora Carla
Spinillo da UFPR foi convidada como General Editor e a professora Solange Coutinho da UFPE
como Editorial Manager.
E ainda durante o Evento foram produzidos e lançados os seguintes documentos: Livro
de Resumos com 88 páginas; Lançamento do Selected Readings do 5º CIDI; lançamento do nú-
mero da InfoDesign - Revista Brasileira de Design da Informação, São Paulo | v. 10 | n. 3 [2013]
(ISSN 1808-5377); Lançamento de quatro livros sobre design pela editora Rio Books e outras
editoras e Anais do Congresso online editado pela Editora Blucher, São Paulo.
Em 2015, a 7º edição do Congresso realizada em Brasília, proporcionou visibilidade e
intercâmbio entre a produção nacional e internacional, como parte do 7o Congresso Internacio-
nal de Design de Informação 2015 – CIDI e 7o Congresso Nacional de Iniciação Científica em
Design de Informação – CONGIC, organizados pela SBDI e a Universidade de Brasília – UnB.
Entre as parcerias firmadas, destacamos a realizada com a Royal College of Art de Londres, a
mais importante universidade de Pós-Graduação em Arte e Design do mundo, para a realização
da exposição intitulada Graphics RCA. Nela foram expostos trabalhos originais dos alunos do
RCA de coleções e arquivos especiais. A mostra foi a primeira exibição, no Brasil, de obras de-
senvolvidas por alunos e ex-alunos do Royal College of Art de Londres.
Durante o CIDI 2015, a SBDI divulgou o apoio ao Congresso intitulado Information+
Interdisciplinary practices in information design and visualization que será realizado em julho
do corrente ano na Carr University of Art + Design na cidade de Vancouver, Canadá. Consoli-
dando suas ações de políticas culturais tanto no Brasil como no exterior.
Também contou com a publicação de livro de resumos, Anais do Congresso online edita-
do pela Editora Blucher, São Paulo e lançamento do número da InfoDesign - Revista Brasileira
de Design da Informação| v. 12 | n. 2 [2015].
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Em 2017 será realizada a 8º edição do Congresso que oferece a oportunidade tanto para
profissionais quanto para estudantes apresentarem e discutirem sobre os temas que são focos de
reflexão. Edições anteriores foram realizadas em Recife, 2003; São Paulo, 2005, Curitiba, 2007,
Rio de Janeiro, 2009; Florianópolis, 2011; Recife, 2013 e Brasília, 2017.
Verificaram-se nos relatórios dos eventos que o maior número de participantes é de profes-
sores e alunos da cidade que sedia o congresso e de cidades vizinhas. O evento itinerante objetiva a
disseminação e democratização da informação, pois facilita o acesso de pesquisadores, professores
e alunos das regiões mais próximas ao evento, possibilitando assim uma valorização de todas as
regiões já alcançadas, dado o tamanho continental do Brasil que gera alto custo de locomoção.
O gráfico abaixo apresenta os dados sobre a participação por região do Brasil no con-
gresso realizado em Recife, no ano de 2013. Podemos observar que é sempre maior o número
de participantes oriundos das cidades que já sediaram o evento do que das cidades que ainda não
ocorreu nenhuma edição de Congresso realizado pela SBDI.
Os trabalhos apresentados nos eventos CIDI e CONGIC em sessões oral e pôster, são
publicados em anais trazendo o estado da arte do Design da Informação, divulgando assim, a
produção científica brasileira e internacional.
Os artigos são agrupados nos seguintes eixos temáticos:
• Comunicação: Aspectos e questões relacionados à eficácia comunicacional de sis-
temas informacionais analógicos. Investigações enfocando o design de instruções,
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4. CONCLUSÕES
Apesar da presidente Dilma Rousseff ter vetado integralmente, o projeto de lei nº 24,
de 2013 (nº 1.391/11), que dispõe sobre a regulamentação do exercício profissional de designer
(G1 28/10/2015), o Design tem assumido papel preponderante em nossa sociedade. Tanto que
hoje ele já possui representante junto ao Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério
da Cultura- MinC. Este espaço não existia, e foi concedido em função do interesse do MinC em
incluir esta área como ferramenta para valorizar a produção cultural do país.
Devemos acrescentar que através de iniciativas e ações como a criação da SBDI, é pos-
sível avançar nas políticas culturais colaborando para o entendimento da relevância do campo
594
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do design para a sociedade e contribuindo para o desenvolvimento local e regional das cidades
que sediam os congressos.
A atividade do Design pode ser classificada como cultura visual e material das socieda-
des de consumo, ao participar dos processos culturais por meio da configuração de artefatos,
ambientes e sistemas analógicos e digitais.
O Design da Informação segundo Mirsoeff (2003), como produtor de cultura visual
deve ser tratado desde um ponto de vista muito mais ativo e se baseia no papel determinante
que ele desempenha na cultura mais ampla à qual pertence. Ela realiza aqueles momentos nos
quais o visual se põe no interdito, se debate e se transforma como um lugar sempre desafiante
de interação social.
O importante desta discussão para o campo do Design é compreender a responsabilidade
social do designer enquanto produtor e criador de sistemas informacionais, comunicacionais e
estéticos, os quais de alguma maneira irão influir para a construção da cultura e por sua vez na
estrutura de uma sociedade.
De acordo com Arañó (2011), a cultura é a base estrutural para um mundo simbólico de
significados, crenças, valores e tradições que são expressas através da linguagem, arte, religião
e mitos. Assim, ela desempenha um papel fundamental no desenvolvimento humano e no com-
plexo tecido das identidades e hábitos dos indivíduos e das comunidades.
As transformações tecnológicas que se proliferam de forma célere, segundo Portugal
(2013), estão criando uma nova cultura cada vez mais visual que está transformando nossa
maneira de interagir com os objetos, as pessoas e o meio ambiente. As mudanças que ocorrem
na organização e na produção de conhecimento criam a base de uma nova sociedade, na qual o
saber passa a ser entendido como o produto de negociações coletivas que envolvem pessoas e
artefatos tecnológicos. Dessa forma, transformando a estrutura de nossa subjetividade, mudam
também as formas de construção do conhecimento e, consequentemente, os processos culturais.
O Design é um processo ativo que influencia a sociedade criando cultura visual e mate-
rial. Segundo esta ótica, Meurer (1997) diz que o mundo em que vivemos é mais que a matéria –
que se há solidificado como forma – e que se deteve no tempo. Sua forma está definida mediante
a atividade, e a ação é o seu centro. Se o Design é concebido orientado em direção à ação, en-
tendida como interação ativa e mudança criadora, ele não focará somente o objeto como forma.
Ao contrário, os designers irão preocupar pelo desenvolvimento de modelos de processos intera-
tivos, nos quais os objetos desempenham um papel central indiscutível como meio para a ação.
Segundo esta visão, o Design se relaciona com a totalidade do espectro concreto e intelectual da
interação humana, da interação entre as pessoas, dos produtos, e com o mundo em que vivemos.
Tomando esta definição do Design como campo, que nas palavras de Meurer (1997)
“se relaciona com a totalidade do espectro concreto e intelectual da interação humana”. Neste
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sentido fica clara a necessidade de políticas culturais para o Design que colaborem para a con-
solidação da área.
A descrição deste trabalho nos fez refletir sobre a importância da realização de políticas
culturais que atentem para a necessidade de investir em iniciativas e ações como a da SBDI,
a fim de colaborar para o entendimento da relevância do campo do design para a sociedade.
Acreditamos que toda política cultural deveria considerar trabalhos onde as demandas do grupo
social envolvido e as políticas públicas sejam aliadas, e alinhadas, num projeto cultural comum
com trabalhos bem incorporados.
AGRADECIMENTO
Ao conselho científico da SBDI, Carla Spinillo, Edna Lúcia Cunha Lima, Guilherme
Cunha Lima, Joaquim Redig, Luiz Antonio Coelho, Mônica Moura, Priscila Farias, Rita Couto,
Solange Coutinho e demais colaboradores da SBDI.
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RESUMO: O objetivo deste trabalho é fazer uma análise específica nos três primeiros congressos
nacionais de museus, realizados entre os anos de 1954 e 1963, identificando os atores sociais
envolvidos e os principais temas abordados nas discussões. Em um momento em que os museus
brasileiros buscavam se alinhar as intencionalidades de investimentos do Governo, os sujeitos
envolvidos nestes encontros se destacaram pela organização inédita neste sentido no país. Ao
dar luz a estes congressos pretendemos vislumbrar sua importância perante aos rumos que os
museus e a museologia tomaram a partir de sua realização.
Alguns estudos acerca do Estado e sua relação com a sociedade, presentes de forma pre-
ponderante na produção historiográfica brasileira, são relevantes para introduzir o assunto, na
medida em que elaboram reflexões naturalizadas dessa relação.
Ao organizar uma coletânea de textos sobre o campo de política cultural no Brasil repu-
blicano, desde as experiências da Era Vargas nos anos 1930 e 1940, até o período contemporâ-
neo da gestão do ministro da cultura Gilberto Gil, no período de 2003 a 2009, Alexandre Bar-
balho e Antonio Albino Canelas Rubim atentam para o fato da produção acerca desta temática,
apesar de consistente, “... ainda não se estabeleceu em nosso meio social um capital crítica sobre
política cultural. ” (BARBALHO; RUBIM, 2007)
Ao analisar de forma mais detalhada as décadas de 1950 a 1970, especificamente no que
se refere às intenções e práticas políticas dos museus no Brasil, este trabalho pretende preencher
uma pequena parte desta lacuna citada por estes autores.
Na década de 1950 o “campo museológico” no país encontrava-se em formação. Os três
decênios anteriores foram essenciais para o desenvolvimento da museologia e dos próprios mu-
1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro – UNIRIO. E-mail: dnlcampelo@gmail.com
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seus no país. Desde a fundação do Museu Histórico Nacional em 1922, e da criação do curso de
museus (atualmente Escola de Museologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Unirio)
dez anos depois, o Brasil passava por um momento de alinhamento com novas tendências da
museologia, sobretudo após a criação da Organização Nacional do Conselho Internacional de
Museus – ONICOM, no ano de 1948, atualmente conhecida como ICOM-Brasil.
Especificamente entre os anos de 1956 e 1962 foram realizados os três primeiros con-
gressos nacionais de museus no país, todos organizados pelo conselho nacional. Primeiro Con-
gresso Nacional de Museus realizado em Ouro Preto, Minas Gerais em 1956; Segundo Con-
gresso Nacional de Museus, realizado na capital do Estado de São Paulo em 1959; e o Terceiro
Congresso Nacional de Museus, realizado em Salvador, Bahia em 19622. Nestes encontros fo-
ram discutidos os principais problemas enfrentados pelos profissionais que atuavam nos museus
brasileiros. Mudança de legislação, valorização dos profissionais e problemas estruturais foram
algumas das principais temáticas abordadas nestes eventos, que contribuíram para modificar de
forma indireta, ou mesmo diretas, na construção de uma trajetória política de museus em âmbito
nacional. O Conselho Internacional de Museus – ICOM, juntamente com a divisão das Nações
Unidas para educação e cultura – UNESCO, também organizou diretamente um encontro no
país, no ano de 1958, contando com o apoio do conselho nacional. O Seminário Regional da
UNESCO sobre a função educativa dos museus, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, contri-
buiu para aumentar o intercâmbio entre profissionais da museologia que atuavam na América
Latina e no restante do mundo.
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através da centralização das decisões referentes a esse assunto no MHN e na Inspetoria de Mu-
seus, ambos comandados por Gustavo Barroso, no final do mesmo decênio o projeto se alterou
e a museologia brasileira passou por um período de transformações
A década de 1940 foi marcada pela criação de diversos museus federais no país. Na cida-
de de Petrópolis-RJ foi criado o Museu Imperial, através do decreto-lei de número 2.096/1940.
No mesmo ano foi criado na cidade de São Miguel das Missões-RS, o Museu das Missões, além
do Museu do Ouro em Sabará, MG, em 1945, todos inaugurados após a publicação de decretos-
-leis federais.
Gradativamente foram criados serviços públicos responsáveis por administrar o interes-
se destes órgãos públicos. Na cidade do Rio de Janeiro foi criado o Serviço de Museus da cidade
do RJ, subordinado a Secretaria geral de educação e cultura da prefeitura do Distrito Federal,
também no ano de 1940. Esse órgão representou concessão pública à atenção específica para as
necessidades dos museus na cidade.
Em paralelo à criação de instituições museológicas, a museologia se consolidava. Nas
palavras do historiador Paulo Knauss: “A década de 1940 se confirmou como a década em que
a museologia se afirma como campo intelectual no Brasil” (KNAUSS, 2011). Foi também o pe-
ríodo da renovação do currículo do Curso de Museus do MHN. Criado no ano de 1932, o Curso
de Museus do MHN recebeu novos disciplinas, investimento e procurava se alinhar às novas
tendências da museologia mundial, fato pertinente para este, desde o decreto lei nº 24.735 de
1934, que alterou pela primeira vez o Estatuto do Curso, o concedendo relativa autonomia em
relação ao MES (Ministério da Educação e Saúde),3 e posteriormente ao MEC.
No final dos anos 40, mais precisamente em 1948, com a fundação do ICOM-Brasil, os
profissionais que atuavam nos museus brasileiros iniciaram as discussões que seriam vigentes
em décadas posteriores: a função e os objetivos das instituições museais brasileiras. Neste mes-
mo período, os museus brasileiros passaram a se preocupar com a divulgação de seu acervo para
um público ampliado. Data de 1952 a primeira pesquisa de público em museus realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. Foi apontado um número de 1.226.000
visitantes em 104 museus que participaram da pesquisa (TRIGUEIROS, 1955, p.29).
Já o caráter educacional é destacado pelo historiador Paulo Knauss. No trecho apresen-
tado a seguir, nota-se a mudança de interesses e perspectivas das instituições museais existente
no Brasil, primeiro ele apresenta a intencionalidade dos museus até a década de 1940, e por fim
a mudança a partir da década de 1950 no país.
Os museus mais antigos do Brasil, (...), tinham como foco a pesquisa e,
por isso, não era de surpreender que não tivessem horário de visita, pois
recebiam apenas pesquisadores agendados (...) Nos anos de 1940, porém,
3
Relatórios do MHN. Arquivo Institucional do Museu Histórico Nacional. Série AS-DG1. Caixas 2ª e 3.
600
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4
Cf. http://icom.museum/the-organisation/history/. Acessado em 03/01/2014.
601
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ICOM, os professores Jenny Dreyfus e Vitor Stawiaski, funcionários do MHN e do Museu Na-
cional, respectivamente. (CRUZ, 2006).
O tema educação em museus que permeava as discussões dos profissionais das institui-
ções museais do país assumiu maior destaque através do contato dos brasileiros com o ICOM, até
que ficou decidido a realização do Primeiro Congresso Nacional de Museus no Brasil. A cidade
escolhida foi Ouro Preto, MG, e o evento realizou-se no ano de 1956. Nas palavras da presidente
do ICOM-Brasil à época do evento, através do congresso: “selou-se o início da cooperação sis-
tematizado entre os educadores oficiais e os técnicos de museus” (TRIGUEIROS, 1958, p.11)
A importância deste primeiro congresso, organizado pelo conselho nacional do ICOM,
tratou majoritariamente sobre educação e museu, pois permitiu um debate acerca das dificulda-
des encontradas em instituições distintas, com problemas que se convergiam. Foram apresenta-
dos alguns temas relativos a memória de instituições como por exemplo, o Museu do Banco do
Brasil e o Museu Antônio Parreiras, de Niterói, Rio de Janeiro.
Com a possibilidade de museus distintos se tornarem visíveis dentro da comunidade mu-
seal, o evento incentivou a realização de eventos posteriores, e cada vez mais audaciosos, inclu-
sive em relação a propostas de mudanças de legislação referentes aos próprios museus do país.
2. CONGRESSOS E ENCONTROS DE MUSEUS DURANTE AS DÉCADAS DE 1950 E
1960 NO BRASIL: PROPOSTAS DE MODIFICAÇÕES NA LEGISLAÇÃO
Com a organização desta instituição entre os anos 1956 e 1962 realizaram-se no país
os três primeiros congressos nacionais de museus. Além do “Seminário Regional da UNESCO
sobre a função educativa dos museus” no Rio de Janeiro em 1958, que foi o único dos grandes
eventos organizado diretamente pelo ICOM com parceria da UNESCO. A organização nacional
do Conselho Internacional dos museus, apenas apoiou a realização deste encontro.
A análise destes congressos nos permite identificar a presença repetida de profissionais
de destaque que atuaram nos museus brasileiros neste período, assim como perceber quais eram
os principais questionamentos e objetivos expostos por estes agentes sociais.
O primeiro dos eventos promovido pelo Comitê Nacional do ICOM, ocorreu em julho
de 1956, o Primeiro Congresso Nacional de Museus. Dividido em dez diferentes tópicos de dis-
cussão e com aproximadamente 140 congressistas convidados, os representantes das principais
instituições museais brasileiras debateram sobre sua situação administrativa, além de dedicar
atenção especial para o tema da legislação específica dos museus, incluindo possíveis regula-
mentações que deveriam ser constituídas a partir das sugestões do encontro.
Foram apresentados 72 trabalhos durante os cinco dias de encontro, e em sua grande
maioria com a temática voltada para os serviços educativos nos museus, além das publicações
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geradas a respeito da memória de algumas instituições museais, como por exemplo, do Museu do
Banco do Brasil (MONTEIRO, 1956) e do Museu Antônio Parreiras de Niterói (ÁVILA, 1956).
Um dos tópicos presente no encontro tratava da situação que se encontravam os museus no
Brasil. Foi feita a apresentação de resenhas históricas de algumas destas instituições, no qual foram
apresentadas instalações e organizações estruturais dos prédios que as abrigavam com objetivo de
tornar visível para a comunidade museal os percalços enfrentados nas diferentes casas históricas.
Porém o destaque maior foi para as sugestões de legislação e regulamentação que se dire-
cionava aos museus, as quais deveriam ser constituídas. Há de se destacar alguns dos convidados
neste encontro, como por exemplo, Juracy Silveira e Guy de Hollanda, professores e funcionários
do Ministério da Educação e Saúde e Dioclésio Redig de Campos (TRIGUEIROS, 1958, p. 91).
Desta forma, os organizadores do Encontro cumpriam com dois de seus objetivos incluídos no
projeto do evento: além de tomar uma atitude que passa a ser constante nos eventos seguintes,
convidar especialistas em museus internacionais para opinar nas técnicas museológicas adotadas
no país com a finalidade de reunir propostas e levá-las para o conhecimento do governo.
O presidente do SPHAN Rodrigo Mello Franco de Andrade foi escolhido como um
dos presidentes de honra do Encontro, o que foi visto como tentativa ainda maior de estreitar a
ligação da ONICOM com o órgão federal de preservação. Reuniram, portanto, representantes
do MEC e o Serviço do Patrimônio, os dois grandes órgãos aos quais as instituições museais
estavam atreladas e subordinadas.
Dois anos após a realização do congresso organizado pelo ICOM-Brasil, o próprio ICOM
em parceria com a UNESCO decidiu realizar o Seminário Regional sobre a Função Educativa
dos Museus. Tratou-se de uma série de conferências e mesas-redondas ocorridas de 07 a 30 de
setembro de 1958 na cidade do Rio de Janeiro, envolvendo representantes de vinte países da
América Latina, museólogos dos Estados Unidos, França, Países Baixos e Reino Unido, além
do presidente do ICOM, Georges Henri Rivière (TORAI, 1995, p. 10).
No documento final, redigido pelo próprio presidente do ICOM, e publicado pela UNES-
CO, destacou-se como fator primordial dos debates e discussões ocorrido ao longo do semi-
nário, que o museu pode trazer muitos benefícios a educação. È preciso pensar esta premissa
sem colocar em perigo o cumprimento da conservação e investigação científica, por exemplo.
(TORAI, 1995, p. 10).
Pouco aos antes de alcançar a década de 1960, os especialistas em museus, museólogos e
demais profissionais que pensavam e atuavam nas principais instituições internacionais, ligadas
ao ICOM e a UNESCO, ainda buscavam formas mais adequadas dos museus servirem à edu-
cação. A análise dos temas propostos neste encontro ajuda a pensarmos de que forma este tema
ainda era uma incógnita para estes sujeitos.
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RESUMO: El Festival Estéreo Picnic es un festival musical que se ha realizado desde el 2010
en Bogotá, Colombia, poniendo a la ciudad como referente para giras de músicos. Se analiza la
historia, cadena de valor y factores del entorno del Festival, cómo estos influyen en el Festival,
y también cómo influye éste en la economía de Bogotá. El análisis del Festival se realiza desde
la perspectiva de que éste es una manifestación positiva e influyente en la industria creativa de
la música en Colombia, que ha experimentado un crecimiento favorable a nivel local y mundial
en años recientes.
1
Especialista en Gerencia y Gestión Cultural de la Universidad del Rosario (2016)
Actualmente coordinadora del Museo de Artes Gráficas de la Imprenta Nacional de Colombia, ha trabajado en
varios festivales musicales y eventos culturales de la ciudad de Bogotá (2009-2015) a nivel operativo.
e-mail: dherreradimate@gmail.com
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Antes de analizar los factores del entorno se revisarán las definiciones e historia de los
festivales de música a escala local e internacional.
Por Festival de música se entiende un evento público, muchas veces al aire libre, que
presenta más de dos artistas y puede llegar a durar varios días. En su acepción moderna incluye
servicios como variedad de comidas, ferias de arte y diseño, baños, parqueadero y transporte.
Se puede decir que es un evento masivo por lo general, aunque la cantidad de asistentes no
define si es un festival o no; la cantidad de artistas sí. Además los festivales se financian a través
de patrocinadores comerciales. Este tipo de eventos ha venido creciendo en el mundo y en
Colombia, ya que el precio de la boleta incluye una cantidad de artistas (verlos por separado sería
mucho más caro): todo en un mismo lugar por un mismo precio. También se han popularizado
estos festivales debido al cambio de formato de ventas en el sector de la música: la venta de
discos ha disminuido y para los artistas puede resultar más rentable realizar giras de conciertos
que quedarse esperando las ganancias sobre las ventas de discos (incluso en formatos digitales
como iTunes o servicios de streaming2).
Los festivales de música pueden centrarse en un solo género musical (como los festivales
de música clásica) o en varios. Esta caracterización es relevante en tanto define el carácter del
evento, así como el tipo de público objetivo. Los festivales de música como se conocen hoy en
día nacieron en la década de los sesentas y algunos persisten hasta hoy. Ejemplos de festivales
memorables en el mundo (por el cartel de artistas que presentaron y por la cantidad masiva de
asistentes) son: Woodstock Music & Art Fair (Nueva York, EEUU, 1969), Glastonbury Festival
of Contemporary Performing Arts (Somerset, Inglaterra, 1970-presente), Rock in Río (Río de
Janeiro, Brasil, 1985-presente) y Coachella Valley Music and Arts Festival (Indio, CA, EEUU,
1999-presente). Estos festivales de música combinan distintos géneros de música contemporánea
como rock, indie, hip-hop, electrónica, entre otros.
En Colombia han existido dos grandes festivales que también han servido como escuelas
de aprendizaje para las artes escénicas y las personas involucradas en ellas3, tanto artistas como
técnicos, procesos de logística y de distribución de boletería: el Festival Iberoamericano de
Teatro de Bogotá (1988-presente) y Rock al Parque (1995-presente). La falta de experiencia
y equipamientos en Bogotá se evidenciaron en la primera edición del Festival Iberoamericano
de Teatro cuando la escenografía, luces y equipos de sonido de obras internacionales fueron
2
Servicio de consumo en línea de música, videos o películas.
3
Entrevista con un técnico de sonido de la empresa Árbol Naranja el 11/03/2015.
Árbol Naranja es una plataforma de entretenimiento que presta servicios de marketing cultural, y en especial so-
porte musical como estudios de grabación, alquiler de backline, equipos de producción, salas de ensayo, agencia de
manejo y booking. Ver: http://arbolnaranja.com/
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trasladadas de Caracas a Bogotá en aviones del ejército venezolano para ahorrar costos, ya que
había otro festival de teatro en Venezuela4.
Por su parte, Rock al Parque inició con los esfuerzos del cantante del grupo de rock
colombiano La Derecha Mario Duarte, el empresario musical y publicista Julio Correal y la
subdirectora de fomento del Instituto Distrital de Cultura y Turismo, Berta Quintero, con el
objetivo de realizar un festival para promover las bandas locales de la escena del rock así como
escenarios de tolerancia y convivencia. El formato de este festival es distinto al del Festival
Estéreo Picnic (FEP), ya que lo gestiona la Alcaldía Mayor de Bogotá, la entrada es gratuita,
muchas de las bandas se escogen por concurso abierto al público y no está abierto a cualquier
género musical (en tanto hay otros Festivales al Parque), por ende no representa competencia
para el FEP.
El Festival Estéreo Picnic no fue el primer festival en realizarse en Bogotá con un formato
similar al de Coachella o a Glastonbury, de hecho en el 2010 (primer año en que se realizó el
FEP) se realizaron otros dos festivales en las afueras de Bogotá: Nemcatacoa y Soma. El último
fue organizado por la misma empresa que realiza el FEP y tuvo buenas críticas, mientras que
Nemcatacoa fue una experiencia financieramente fallida debido a problemas con el patrocinador
principal. Sin embargo, Estéreo Picnic fue el festival que más ganó en cuanto a percepción de
marca y recordación entre los asistentes5.
La primera edición del FEP, que se realizó en abril de 2010, fue el producto de una
unión de dos empresas que, para no competir entre ellos, decidieron juntar los artistas que
habían “bookeado6” en un mismo día. Las empresas son Absent Papa y T310, ambas venían
compitiendo y habían realizado eventos a menor escala en la ciudad de Bogotá, y se componen
de 6 miembros fundadores e inversionistas principales hasta el día de hoy. Si se compara el
cartel de artistas de la primera versión del FEP con el que se hará en el 2016 se evidencia un
aumento considerable en cuanto a cantidad de artistas: en el primer festival hubo un total de 6
artistas (3 internacionales y 3 nacionales), mientras que en el 2016 se esperan alrededor de 53
bandas (17 nacionales apróx. el resto internacionales).
4
Charla con Anamarta de Pizarro, actual directora del Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá. 19/09/2015
5
Duque, R. y Granados, A. (2013). Music Festival Management in Colombia-Festival Estéreo Picnic (tesis de
pregrado). Universidad de los Andes, Bogotá, Colombia.
6
Bookeado: expresión derivada del verbo en inglés to book, quiere decir cuando se ha concertado la contratación
de un artista.
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7
Resident Advisor. Imagen extraída de http://www.residentadvisor.net/event.aspx?148619
8
TuBoleta. Imagen extraída de http://vive.tuboleta.com/baners/picnic16/lineup.jpg
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Habiendo descrito la cadena de valor del Festival Estéreo Picnic pasamos a reflexionar
sobre los factores que han dado pie a que la escena musical en Colombia y, en especial los
festivales de música, prosperen.
El primer factor identificado es el factor ciudad, o más bien Bogotá como capital musical.
De acuerdo a uno de los socios fundadores del FEP, también booker, Philippe Siegenthaler
“Bogotá se volvió una referencia en la región y en el continente como que se pueden hacer
conciertos, son exitosos, va gente, se venden boletas, hay una producción decente, buena, y las
bandas finalmente terminan teniendo una experiencia buena”11. Según Siegenthaler, Bogotá es
la quinta ciudad de Latinoamérica (junto a Río de Janeiro) para hacer conciertos (después de
Santiago de Chile, Buenos Aires, Sao Paulo y México D.F.), ya que en esta ciudad se encuentra
un amplio mercado, con gustos diferentes y diferentes niveles de poder adquisitivo.
Otro factor que mencionó Siegenthaler es el creciente interés del público hacia la oferta
musical y en especial a los espectáculos musicales en vivo. “Es un público que en los últimos
15 años ha avanzado de no existir prácticamente”12 dijo Siegenthaler, ya que, como se expuso
en la introducción, no existían muchos conciertos y tampoco existía la costumbre de ir y además
de pagar por conciertos (por ejemplo Rock al Parque es un evento gratuito). Se pasó de no
tener una oferta ni una demanda sólida por conciertos a una nueva generación, actual, que tiene
inculcado o ya planea para pagar y asistir a espectáculos en vivo. De este modo el crecimiento
del público, o la demanda, ha aumentado considerablemente.
Un factor externo que se discutió fue la Ley 1493 de 2011 también conocida como la
Ley del espectáculo público. Esta ley disminuyó la cantidad de trámites necesarios para poder
hacer un espectáculo público y bajaron ciertos impuestos para los ejecutores del evento gracias
a esto. Sin embargo esta ley no contempla lo que se debe pagar de recaudo por derechos de autor
a Sayco-Asimpro13 ni el impuesto de Hacienda. En total los promotores del concierto pagan
entre el 25% y el 35% del total del show, dependiendo del formato del show, la envergadura, los
costos de las boletas y otros cuantos factores. De acuerdo a Siegenthaler esta ley representó una
pequeña ayuda, y es válido si se compara a cómo estaba Colombia hace 10 años, sin embargo
él piensa que no se debe comparar a cómo estaba el país hace 10 años sino comparar Bogotá y
Colombia con los gobiernos líderes en promoción de la cultura y en beneficios tributarios para
este sector. De hecho Siegenthaler mencionó que si fuera por los promotores, ellos bajarían a
estándares de primer mundo la carga de impuestos a la cultura, ya que, según él, Colombia se
11
Entrevista directa 10/11/2015
12
IBÍD.
13
Organización (avalada por la Dirección Nacional de Derechos de Autor) encargada de realizar el recaudo de
las remuneraciones provenientes de la comunicación y almacenamiento digital de obras musicales, entre otros
formatos. El dinero recaudado se entrega a entidades tenedoras de los derechos de autor y conexos quienes deben
distribuir estas regalías entre los artistas, intérpretes, productores y creadores. Tomado de http://www.osa.org.co
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ha ceñido por la carga de impuestos a la región, que, tanto en Latinoamérica como en España,
son altos en comparación a países como Alemania, Francia, Suiza, Austria, Inglaterra, los países
escandinavos, e incluso Estados Unidos. Él dice que en estos países hay un mayor entendimiento
del público y del Estado de apoyar la cultura y el esparcimiento.
Un factor adicional es el de cómo las economías creativas benefician a distintos sectores
de comercio y por lo tanto de la economía. Según Siegenthaler, gracias al FEP, uno de los
sectores que más se beneficia es el del turismo, tanto nacional como internacional. El festival
debe recibir apropiadamente a los artistas y es por esto que gestiona hoteles, tiquetes aéreos y
demás; el festival debe alimentar a los artistas y a los empleados (temporales y permanentes), se
puede necesitar dar abasto hasta para 300 personas entre artistas y empleados, lo que representa
un gasto considerable en alimentación y en transporte. El turismo internacional también se
beneficia porque vienen personas de fuera del país y de la ciudad, lo que alimenta la circulación
turística en Bogotá con todo lo que esto conlleva. Esto es un beneficio para Bogotá, que no es
reconocida internacionalmente por sus atractivos culturales (monumentos o parques naturales)
como sí lo es Cartagena, por ejemplo, sino por las experiencias que ofrece.
En cuanto a patrocinadores, estos también se benefician, tal vez de una forma más
indirecta. De acuerdo a Siegenthaler los patrocinadores se benefician del FEP como lo harían de
cualquier otra plataforma de promoción, en tanto se espera generar un retorno de inversión. El
festival como tal no mide el impacto de cada marca o el retorno de inversión como tal; esto lo
hace cada marca y es información clasificada. Por ejemplo con Tigo se hizo el ejercicio de que
a todo el plantel del FEP recibió una tarjeta SIM de esta empresa, y al final del evento los que
quisieran podían quedarse con ese operador. Otra forma de beneficio para los patrocinadores
es la activación de boletas en locaciones de ventas como Adidas. Entonces si el FEP va a una
tienda de Adidas y regala boletas, las ventas que se registran en esa tienda aumentan en relación
a otros días. En pocas palabras, el comercio también se beneficia al patrocinar este tipo de
eventos. A pesar de que los impactos de cada marca no se miden desde el FEP, se asume que las
marcas están satisfechas en tanto vuelven a patrocinar el evento.
Hablando de medición, los indicadores que se utilizan para medir el impacto y éxito del
evento son relevantes, Siegenthaler compartió los que se utilizan para medir el FEP: el primero
se trata de la venta de boletería, que no es lo mismo que la cantidad de asistentes ya que con los
patrocinios se acuerdan boletas para que ellos dispongan de ellas. Además, la venta de boletas
no se puede analizar aisladamente del gasto del presupuesto invertido en el festival. Es así que
se mide el éxito en términos de asistentes, dependiendo de cuánto se gastó en relación a cuántas
personas pagaron boleta. Por ejemplo, no es lo mismo que un festival cueste 100 pesos y vayan
10 personas, a que cueste 200 y vayan 9, en el último caso el indicador es mucho más bajo. Si
cuesta más y va menos gente el indicador va a ser mucho más bajo. Se dice que hasta el FEP
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2015 fue que se logró un punto de equilibro respecto a este indicador (la cantidad invertida fue
proporcional a la cantidad de compradores de boletas).
Otro indicador es el de cantidad de patrocinios. Es así que para el FEP la empresa
organizadora monitorea a los patrocinadores pasados y los que podrían llegar a serlo. Se monitorea
en términos de crecimiento y presencia a nivel de mercado, qué tan activos están según también
estén dispuestos a dar patrocinios y recursos. Esta medición es bastante importante (pues es la
modalidad de financiación del festival) y se hace constantemente, ya que se desea analizar cómo
están los patrocinadores y qué experiencias desean proveer al público en el festival, qué tan
creativos les permite ser su presupuesto, y si se pueden inventar más cosas o hay que racionalizar
ciertos gastos y demás.
Se preguntó sobre si existía un indicador en cuanto a curaduría musical o booking y
se encontró que es en realidad algo intuitivo de los bookers, ya que la cantidad y variedad de
bandas depende del presupuesto que exista. Del mismo modo, no se afirma que un artista es
bueno o exitoso dependiendo de la cantidad de boletas que se vendan, ya que a veces se ha
invertido lo mismo en dos artistas diferentes, y resulta uno vendiendo más boletas que el otro.
Esto no le quita legitimidad al artista que vendió menos boletas. En el FEP, como ya se dijo,
la cantidad de boletas vendidas puede estar relacionada a la variedad de bandas. Lo mismo
sucede con las bandas nacionales. No hay un indicador o un factor específico que diga el radio
o cantidad de bandas locales que debe haber por bandas internacionales. Lo cierto es que el
FEP se ha instaurado como una importante plataforma de lanzamiento para bandas nacionales
(como Bomba Estéreo y Monsieur Periné), ya que si una banda aparece en el cartel despierta la
curiosidad de los asistentes al evento y promueve el consumo de estas bandas.
En cuanto a derechos de autor, es de anotar que el FEP es una marca registrada, y
asimismo el merchandising que se vende en el evento aporta ganancias a los organizadores del
evento. Otro tipo de derechos de autor por el que deben pagar son los que se pagan a Sayco-
Asimpro dependiendo de la cantidad de asistentes, entre otras circunstancias.
Otro factor a tener en cuenta es la oferta de valor que les otorga el FEP a los distintos
actores que interactúan dentro de éste. El actor más importante es el público, pues es para
quien se hace el evento, a éste se le otorgan tres días de libertad (la duración del festival), de
olvidarse de lo cotidiano y de lo que se vive en Bogotá o de la ciudad en la que estén. Entonces
desde el FEP, Absent Papa/t310 sienten que le aportan un granito de arena al esparcimiento
y al olvidarse y sentirse simplemente libres. En general también aportan al abrir la mente del
público en cuanto a gustos musicales, en estos festivales se descubren bandas que no se llegarían
a consumir por vía orgánica14.
Es decir que no se buscarían por internet ya que muchas no aparecen en los listados musicales ni suenan en emi-
14
soras de radio.
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A los patrocinadores se les aporta visibilidad y validación ante su público objetivo. Este
tipo de eventos ayudan a que marcas se posicionen pues permite un acercamiento directo a los
jóvenes, es decir, las marcas se validan ante un púbico y una comunidad. El FEP respalda de
manera fuerte a esas marcas que quieren entrar, se quieren establecer, o quieren presentar un
nuevo producto; al hacerlo por medio del FEP lo están haciendo a través de una marca sólida y
bastante querida por una comunidad. Es así que el FEP se ha vuelto en una comunidad, donde
el sentido de pertenencia es tal que las personas reclaman sobre qué artistas se han debido traer
y cuáles se deben traer en el futuro.
Las personas que trabajan en el FEP, ya sea habitual u ocasionalmente, aprenden que en
Colombia se pueden hacer eventos culturalmente a un primer nivel internacional. Que si bien
hay tradiciones y características latinas y colombianas, la gente hoy en día sale impresionada
del FEP del nivel de trabajo y profesionalismo de muchísima gente que trabaja allá. Entonces,
al convertirse en un referente internacional, es como tener una carta de validación, un
referente profesional relevante, dado el grado de credibilidad que tiene el festival, nacional
e internacionalmente.
A los artistas se pretende aportarles una buena experiencia del país. Además de conocer
a un público local bastante entregado y bastante caluroso, y que ha comprobado que tiende a
crear fanatismo y tiende a seguir consumiendo las bandas que ve en vivo. Es así que a través
del FEP se han visto crecer bandas que antes venían a Bogotá a presentarse solas, y después
de presentarse en el FEP agotan entradas (como Foals ó Vetusta Morla). Esta no es una regla
general, pero sí hay un aporte y un empuje grande a la fanaticada de esas bandas.
Otro factor de éxito es el venue o locación del FEP. Desde el 2013 se ha realizado en el
Parque 222 que solía ser un lote para canchas de fútbol. Según Siegenthaler, la locación sería
difícil de mejorar ya que está central, al lado de la vía más grande de Bogotá, alejado de zonas
residenciales, y además ellos han hecho que la locación se adapte a sus necesidades. Cuando
empezaron no había facilidades para hacer conciertos, ni la infraestructura, y con todas las
complicaciones del mundo. Se ha ido acoplando esa infraestructura existente a las necesidades
y obligaciones del FEP para con la gente, los proveedores, los artistas y demás.
Finalmente, como aspectos a mejorar Siegenthaler no considera que la distribución
de boletería sea uno que deba hacerlo, ya que, como la locación, se ha ido adaptando a las
necesidades del FEP y provee una plataforma de acceso internacional, el know-how que ha
adquirido con este tipo de festivales lo sitúa como el mejor proveedor de este servicio. Esto es
relevante ya que según él, la demanda cada vez es más grande y cada vez es más rápida, y los
clientes nuestros quieren comprar cada vez con mayor antelación y con unos beneficios, por lo
menos de velocidad, cada vez mayores. Es así que TuBoleta, y en general como es común de
las economías creativas, afirma la teoría que el distribuidor (quien por lo general no tiene como
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actividad primaria una economía creativa) es el que más dinero gana por ser el final de la cadena
de valor que es el de distribución.
En cuanto a impuestos, se dejó claro que todavía se puede llegar a ser como ciudades
donde los gobiernos apoyan tributariamente más a espectáculos públicos.
En cuanto a mejoras internas, para los organizadores del FEP es supremamente importante
el tema de vender una experiencia, más allá de un concierto, y en este sentido Siegenthaler
afirma que el secreto de los organizadores es que creen que debe ser una experiencia más allá
de lo que alguien puede ver en un escenario; tiene que ser una experiencia global 360° de lo
que la gente básicamente vive desde que llega a una locación a vivir un concierto. Todo esto
se refleja en la atención al detalle que con el paso de los años han ido, primero, entendiendo y
descubriendo, y después solucionando. También se afirma que a pesar de que siempre habrá algo
por mejorar, en el 2015 por primera vez respiraron un poco más tranquilos en tener muy bien
concebido el tema de experiencia.
Es así que se ve cómo el FEP se inscribe en las dimensiones de la cultura en cuanto a
formación (que ofrecen a las personas que trabajan con ellos), circulación y apropiación del
evento, ya que el público exige como si fuera un accionista más del evento, y durante el evento se
ve que los asistentes cuidan las instalaciones y muchos se cuidan entre ellos. Es decir que existe
una comunidad sólida, al punto de que compran la boleta sin saber qué artistas se van a presentar.
Del mismo modo el FEP representa la definición de economía creativa que propone el
Proyecto de Economías Creativas de Brasil, donde se dice que
…los sectores creativos son todos aquellos cuyas actividades productivas
tengan como proceso principal un acto creativo generador de valor
simbólico, elemento central de la formación del precio y que resulta
en producción de riqueza cultural y económica. (MINISTERIO DE
CULTURA DE BRASIL, 2014, p. 32)
El valor simbólico se ve desde el amor y dedicación que transmiten los socios al FEP y
cómo esto se traduce hasta en el más mínimo detalle, logrando que sea una experiencia única
en Colombia asistir a este evento. Y finalmente, como plataforma de intercambio entre artistas
nacionales e internacionales se traduce en el éxito que está teniendo la música colombiana en el
exterior, por ejemplo con los últimos triunfos de los Grammy 2015 de bandas como Monsieur
Periné y Bomba Estéreo, los últimos se presentaron con el rapero Will Smith en este evento. Es
así que se evidencia que Colombia ha mejorado respecto a su propio pasado en cuanto al sector
musical, aunque todavía hay campo para mejorar y estar a la par de referentes internacionales.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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millones a Colombia. El Espectador, Bogotá, 18 de noviembre de 2015. Disponible en: <http://www.
elespectador.com/entretenimiento/conciertos-de-paul-mccartney-madonna-y-katy-perry-han-d-articu-
lo-599996> Acceso: 20 de noviembre de 2015.
DUQUE, Remy y Álvaro Granados. Music Festival Management in Colombia – Festival Estéreo Picnic
(tesis de pregrado). Bogotá: Universidad de los Andes, 2013.
MINISTERIO DE CULTURA DE BRASIL. Proyecto de Economías Creativas de Brasil: políticas, di-
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<http://www.portafolio.co/especiales/economia-naranja-la-economia-la-cultura-y-la-creatividad>
Acceso: 6 de noviembre de 2015.
PREECE, Stephen. “The Performing Arts Value Chain”. International Journal of Arts Management 8.1:
p. 21–32, 2005. Extraído de <http://www.jstor.org/stable/41064860>
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Acceso: 23 de noviembre de 2015.
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UNIVERSIA. Preguntas frecuentes sobre la Ley 1493 del 26 de diciembre de 2011. Bogotá, 9 de enero de
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rales/20150911/oir/2928226.aspx> Acceso: 13 de noviembre de 2015.
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1. INTRODUÇÃO
A região do Distrito Federal (DF) apresenta um grande abismo social, agravado ainda
por questões espaciais. O DF é a única unidade da Federação Brasileira dividida em Regiões
Administrativas (RA) e não em cidades como o restante do Brasil. A organização do território
do DF, no entanto, deixa bastante claro que a divisão das RA se dá por classes sociais, onde a
população com menor poder econômico se encontra bastante afastada do centro, este sendo lo-
cal de concentração do maior número de empregos do DF. A partir daí, é possível perceber que
a maior parte da população do DF guarda intensa relação com Brasília, que é centro do poder e
local de grande concentração de interações relativas dentro do DF, sejam de nível social, cultural
e econômica. É justamente na rodoviária do Plano Piloto, local central de Brasília, que toda a
população do DF potencialmente se encontra, por ser local de chegada e partida para todo o DF.
Tratando-se de política cultural, segundo Alexandre Barbalho,
Uma política cultural é um conjunto mais ou menos coerente de princí-
pios (conceitos e diretrizes), objetivos (onde se quer chegar), estratégias
(como alcançar os objetivos projetados), meios necessários e as ações a
serem realizadas (os programas e projetos concretos). Importante frisar
1
Mestre em Design, Tecnologia e Sociedade pela UnB – Universidade de Brasília. E-mail: barbosa.dnl@gmail.com
621
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que deve haver uma lógica entre as partes do conjunto – é esta lógica
que dá sentido a uma política cultural. (p. 8).
Nesse sentido, política e cultura devem trabalhar em conjunto para que o cidadão seja
beneficiado. Ancorados em nossos estudos e convicções, que tratam a sociedade como um siste-
ma complexo em que os próprios habitantes devem fazer parte do planejamento, ações e resulta-
dos das políticas públicas, lançamos neste trabalho uma proposta de política cultural que abranja
e envolva o cidadão desde o seu início até o produto final.
Nossa proposta neste artigo é a intervenção cultural, por meio do auxílio da internet,
culminando em uma exposição de fotografias envolvendo a população do DF. A proposta envol-
ve práticas colaborativas, onde a população, por meio de incentivos, participaria ativamente no
processo de produção e execução desta intervenção. O resultado seria a exposição virtual das
fotografias, organizadas de modo a contemplar os fotógrafos amadores (que seriam a própria
população do DF), e pensando-se em longo prazo, a elaboração ainda de uma exposição física
das imagens. A contribuição popular se daria por meio do compartilhamento de imagens com
hashtags específicas, que possibilitariam a busca e seleção das melhores fotografias. O cidadão,
estimulado a participar de um movimento cultural na cidade, seria motivado a tirar fotografias
a partir de seu smartphone e divulga-las na rede social instagram, para depois fazer parte da
exposição que valorizaria a participação popular.
Nossa metodologia fez parte de uma das etapas para a dissertação da idealizadora deste
projeto, que pesquisava a relação entre habitante e cidade e sua ocupação também por meio da
internet. O projeto “Brasília por Pessoas” foi, então, um dos frutos desta pesquisa específica.
Como fazia parte de uma das etapas do processo de reflexão, o projeto não foi levado adiante,
mas percebemos ser de grande relevância cultural e social para o Distrito Federal, podendo ain-
da ser replicado em outras cidades do Brasil a fim de trabalhar na democratização dos centros
por meio de cultura e arte, tendo o cidadão como ator ativo no processo. O habitante, desta ma-
neira, faria parte de uma rede colaborativa de participação em um dos processos de consolidação
da proposta, o que lhe daria identidade social e responsabilidade política e cultural.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO
No coração de Brasília está a Rodoviária do Plano Piloto, local de chegadas e partidas de
ônibus, além da linha central do metrô. A rodoviária do Plano Piloto, a princípio, serve para que
sejam interligadas todas as cidades do DF com o centro, possibilitando o deslocamento dos ha-
bitantes a seus locais de trabalho ou estudo; além de chegada em diversas localidades do centro.
Desta maneira, podemos perceber este espaço, a rodoviária, como sendo de uso e apropriação
popular e ainda localizado no centro de Brasília, sendo lugar de grande concentração de popu-
lações de todo o DF independente da classe social.
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Consideramos, porém, que muito mais do que a chegada e partida dos ônibus e metrô,
a rodoviária é uma verdadeira representação da imagem da população da cidade, imagem esta
que é construída por todo o Distrito Federal, com suas diversas classes sociais. O próprio Lú-
cio Costa2, em 1987, se dizia surpreendido com a realidade na Rodoviária do Plano Piloto “à
noitinha”. O urbanista, em seu projeto, havia pensado para aquele espaço um “local requintado,
meio cosmopolita”, nas palavras dele. Porém, segundo Costa, quem se apropriou de fato daque-
le lugar foram os brasileiros, os trabalhadores do DF, aqueles que “construíram a cidade e estão
ali legitimamente”. No final do depoimento, Costa fica satisfeito ao admitir que aquelas pessoas
estavam certas em se apropriar do local, e ele, que havia pensado em um lugar requintado, esta-
va errado. A citação a seguir é uma cópia do depoimento de Lúcio Costa extraído da publicação
Registro de uma Vivência, p. 311.
“Eu caí em cheio na realidade, e uma das realidades que me surpreen-
deram foi a rodoviária, à noitinha. Eu sempre repeti que essa plataforma
rodoviária era o traço de união da metrópole, da capital, com as cida-
des-satélites improvisadas da periferia.
É um ponto forçado, em que toda essa população que mora fora entra em
contacto com a cidade. Então eu senti esse movimento, essa vida intensa
de verdadeiros brasilienses, essa massa que vive fora e converge para a
rodoviária. Ali é a casa deles, é o lugar onde eles se sentem à vontade.
Eles protelam, até, a volta para a cidade-satélite e ficam ali, bebericando.
Eu fiquei surpreendido com a boa disposição daquelas caras saudáveis.
E o ‘centro de compras’, então, fica funcionando até meia noite... Isto
tudo é muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro ur-
bano, como uma coisa requintada, meio cosmopolita. Mas não é. Quem
tomou conta dele foram esses brasileiros verdadeiros que construíram a
cidade e estão ali legitimamente. Só o Brasil... E eu fiquei orgulhoso dis-
so, fiquei satisfeito. É isto. Eles estão com a razão, eu é que estava errado.
Eles tomaram conta daquilo que não foi concebido para eles. Foi uma
bastilha. Então eu vi que Brasília tem raízes brasileiras, reais, não é
uma flor de estufa como poderia ser. Brasília está funcionando e vai
funcionar cada vez mais. Na verdade, o sonho foi menor do que a re-
alidade. A realidade foi maior, mais bela. Eu fiquei satisfeito, me senti
orgulhoso de ter contribuído.”. (30/III/87)
Mesmo quase 30 anos após este depoimento, podemos constatar que a realidade da
Rodoviária do Plano Piloto, em termos de apropriação popular, permanece a mesma. Os preços
praticados no local fazem referência a um ambiente popular, com a presença de lojas, camelôs
e vendedores ambulantes. Justamente por esta dinâmica observada na rodoviária, com grande
2
Lucio Costa foi um grande urbanista brasileiro; pioneiro da arquitetura modernista no Brasil. Ficou conhecido
mundialmente pelo projeto do Plano Piloto de Brasília.
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fluxo de pessoas vindas de diversas cidades do DF, sua paisagem urbana é também local de
trocas e interações culturais, por colocar no mesmo local pessoas de classes sociais diversas.
Mesmo quem não utiliza o transporte público, por vezes transita ou passa pela rodoviária para
resolução de problemas diversos, ou para oferecer carona. Além disso, mesmo aquele cidadão
que, em seu carro, passa ao lado da Rodoviária, tem uma visão privilegiada do que ocorre na-
quele lugar, que escancara realidades sociais presentes no DF. Esta realidade tão à mostra pode
causar desde admiração até repúdio ou desconforto, porém, o que importa é que está presente
no Centro da Capital, ostentando as distintas realidades do DF. Estas realidades distintas é jus-
tamente o que enriquece a cultura do lugar.
A rodoviária, por sua localização central, é local de fácil acesso por transporte público,
o que possibilita encontros diversos. A partir de lá, o cidadão que habita no Plano Piloto ou em
outras cidades do DF segue para seu destino final, mas sempre há encontros entre os usuários
e interações com o local: cheiro de comida sendo preparada; pessoas apressadas que passam
correndo para não perder o ônibus ou metrô; música ambiente; lojas com produtos diversos;
pessoas em filas lado a lado indo para locais opostos da cidade, mas por estarem lado a lado,
veem-se em um mesmo local, o que provavelmente não seria possível em outro ambiente. Essa
vida no ambiente da rodoviária, por colocar todos em sintonia, é local de início, de partida e de
chegada. É justamente lá onde Brasília encontra o seu povo.
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percebemos que a educação para a cultura digital seja uma importante reflexão em nossa pesqui-
sa por demonstrar ao cidadão a possibilidade de fazer parte de uma política de desenvolvimento
cultural, em que o próprio cidadão comum é o protagonista.
Consideramos que o espaço da Rodoviária do Plano Piloto de Brasília tem a capacidade
de abrigar manifestações culturais, seja a partir da rede conectada, seja no próprio espaço Físico.
Essas manifestações culturais, como proposta de aproximar cidadão e cidade, devem abranger a
realidade dos habitantes de todo DF.
Considerando que grande parte da população que frequenta a rodoviária do Plano Pilo-
to tem acesso à internet por meio de smartphones, e contamos ainda com a potencialidade do
“Conecta DF”, rede gratuita e aberta com cobertura digital na rodoviária. Assim, a proposta de
envolver a sociedade em uma manifestação cultural digital é possível, e estimularia a interação
e a valorização do habitante das cidades do DF dentro de Brasília, como formadores da cultura
da cidade. Esta interatividade é capaz de materializar a cultura urbana, que já é observada na
rodoviária, sendo justamente o retrato cultural do DF se fazendo presente em Brasília. Assim,
ao invés da tentativa de mascarar uma realidade, restringindo-a a rodoviária, esta exposição
cultural visa justamente mostrar a “cara de Brasília”, sem ideias e pré-conceitos estabelecidos
do que é o brasiliense.
Desta maneira, o habitante das cidades do DF para além do Plano Piloto, que não encon-
tram na Capital a sua representação, ou a sua valorização enquanto cidadão, poderia perceber
nesta exposição aspectos de sua cultura, sua cidade e seus anseios, o que promoveria a identifi-
cação maior do cidadão com Brasília. Mesmo se tal exposição não pudesse ter lugar no Espaço
Físico da cidade, ela poderia ser divulgada no ambiente virtual, analogicamente ao que ocorreu
na cidade de Palmas, como explicam André Lemos; Eugênia Rigitano e Leonardo Costa (2007),
na publicação Cidade Digital. Os autores dedicam um dos capítulos para tratar da inclusão
digital no Brasil, e um dos projetos destacados é o “Cidade do Conhecimento3”, em Palmas
(TO). Parafraseando os autores, trata-se de um ambiente virtual para a educação à distância,
promovendo assim a inclusão digital e gestão do conhecimento. Estas atitudes buscam inserir
os cidadãos na Sociedade da Informação. É valioso o viés cultural que o projeto propõe, pois os
Netcidadãos, como são chamados os participantes, constroem o portal a partir de relatos da sua
história, inclusive com a criação de álbuns de fotografias.
O projeto, além dessa possibilidade de construção interativa, ainda oferece informações
gerais sobre a cidade, mas o principal é focar no relato dos cidadãos neste ambiente digital.
Os usuários ajudam a construir o portal por meio também de arte e cultura, tendo neste espaço
eventos virtuais como, por exemplo, a exposição fotográfica ‘Palmas’, em que o usuário pode
3
De acordo com a publicação Cidade Digital, de 2007, o projeto era chamado “Cidade do Conhecimento”, mas
ele mudou de nome, e hoje o projeto é chamado “Palmas Virtual”.
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navegar em um museu virtual de fotos sobre a cidade. Os autores ainda destacam que, para que
o cidadão tenha acesso ao programa Cidade do Conhecimento, são oferecidos pontos públicos
de acesso fixo e uma unidade móvel, com a presença de monitores para ajudarem a navegação.
Percebemos, a título de reflexão acerca das potencialidades que avaliamos neste artigo,
como um projeto nesses moldes seria importante culturalmente para Brasília, pois traria a reali-
dade das demais cidades do DF de maneira visível para os habitantes de todo o Distrito Federal,
mesmo entre cidades distantes que não têm muito contato entre si. Tal proposta seria capaz de
unir os habitantes de todo o Distrito Federal por meio da tecnologia, já que podemos concluir que
muitos habitantes do Plano Piloto conhecem pouco ou quase nada das demais cidades do DF. A
ideia é confrontar realidades distintas de maneira dinâmica e interativa onde, por meio do conta-
to com o outro e do reconhecimento de Brasília como lugar de todos, a democracia de acesso e
uso do espaço do Plano Piloto possa ser mais bem compreendida por todos os habitantes do DF.
Ademais, a internet como meio de divulgação, informação e disseminação de uma proposta nesse
sentido é capaz de se valer como um aliado à democratização dos espaços de Brasília.
3. METODOLOGIA
Em nosso processo de pesquisa, desenvolvemos uma proposta considerando as possibi-
lidades de disseminação de ideias no ambiente digital, envolvendo a população do DF a partir
da publicação de fotos de Brasília, com a possibilidade de captura e análise dessas imagens por
nós. Propusemos a partir das redes sociais facebook e instagram, o projeto “Brasília por Pesso-
as4”. Na página da rede social facebook estão disponíveis todas as imagens coletadas, além dos
devidos créditos aos fotógrafos que colaboraram para o projeto.
A fim de envolver a população do Distrito Federal na pesquisa, e para conhecer como
o cidadão revela a cidade para a rede conectada, propusemos o desafio a partir da rede social
facebook em que os usuários utilizariam a hashtag “#brasiliaporpessoas” em suas fotografias
tiradas na cidade de Brasília e divulgadas na rede social instagram. Periodicamente, essas ima-
gens foram capturadas por nós e divulgadas na rede social facebook, na página do projeto. Para
estimular a produção, foi explicado que se tratava de uma pesquisa com finalidade acadêmica,
e que a interação com a comunidade seria de extrema importância. O projeto, aos poucos, se
popularizou, e cada vez mais pessoas começaram a acrescentar a hashtag proposta em suas foto-
grafias de Brasília. Em 11 de dezembro de 2015 tínhamos um total de 358 marcações (hashtag)
no instagram.
Escolhemos a rede social instagram por ela permitir mapeamento e sistema de buscas
de imagens por hashtags, que funciona para fins de busca de imagens marcadas pelos usuários
naquela rede social. O facebook funcionou como uma espécie de repositório, uma biblioteca do
4
Disponível em https://www.facebook.com/bsbporpessoas?fref=ts. Acesso em 8-6-2015.
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que estava sendo coletado. O resultado nos revela a visão de Brasília que os usuários desejam
mostrar: uma cidade bela, destacando sempre suas qualidades arquitetônicas e naturais, além de
fotografias de festas, encontros e passeios na cidade.
4. RESULTADOS ALCANÇADOS
Devemos considerar que o alcance do projeto não se deu de modo a promover uma real
discussão acerca da realidade em todo DF, e nem contemplou todas as classes sociais existen-
tes, já que as imagens divulgadas representam apenas a realidade daquelas pessoas que tiveram
acesso ao desafio. Nas figuras a seguir (2, 3 e 4), temos exemplos das imagens do projeto Bra-
sília por Pessoas.
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Vale lembrar que o desafio não era a finalidade da dissertação em que o projeto teve iní-
cio, mas apenas uma etapa que envolvesse a sociedade no projeto. Dessa maneira, a repercussão
do projeto “Brasília por Pessoas”, apesar de ter tido um alcance notável, com diversas contribui-
ções e participação da sociedade, não teve um alcance capaz de abranger o Distrito Federal em
sua totalidade, e nem representa a realidade de todo o DF nas imagens. Devemos lembrar que as
629
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diretrizes do projeto para a coleta de imagens eram bastante abrangentes, não sendo obrigatória
a tomada de imagens críticas, mas sim apenas o fornecimento, por meio de hashtags, de fotos de
Brasília tiradas pelos cidadãos.
A experiência nos valeu principalmente pela constatação da garantia de disseminação
de conteúdo pela rede conectada para um projeto cultural como este, e da possibilidade, por
meio do Ambiente Digital, de democratizar espaços da cidade a partir de intervenções culturais
críticas, que promoveriam valorização do cidadão que habita lugares afastados do centro. Para
fins de continuidade do Projeto, poderíamos propor, considerando que a finalidade seria uma
exposição com imagens da realidade do Distrito Federal, a divulgação maior desse projeto ou
de algum análogo, com apoio governamental e social, tendo como princípio maior a valorização
do cidadão.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A divulgação do projeto se deu principalmente pela rede social facebook, e a coleta de
imagens foi apenas a partir da rede social instagram. Nossa ideia considerou o alcance que seria
naturalmente promovido por meio da internet, e o interesse e divulgação que se daria a partir
dos usuários. As pessoas que contribuíram com o projeto eram aquelas interessadas em colabo-
rar com uma pesquisa acadêmica, mas que não consideravam necessariamente o viés social ou
cultural que o Brasília por Pessoas poderia representar. As contribuições foram espontâneas e
livres, sendo a vivência do cidadão na cidade e suas impressões de extrema importância para que
nós pudéssemos entender o papel da internet em nossas pesquisas. Consideramos que o projeto
é ainda inacabado e que poderia ainda ser explorado além do que foi concebido por nós.
A troca de experiências da pesquisa com o cidadão conectado a partir do Brasília por
Pessoas foi enriquecedora, já que a própria internet foi um meio capaz de divulgação, comu-
nicação e divulgação do andamento do projeto. Foi bastante válido acompanhar a publicação
de pessoas desconhecidas, que marcavam suas publicações com o intuito de colaborar com o
projeto. A internet, dessa maneira, é um meio indiscutível de interação, divulgação e propagação
de conteúdo, sendo capaz de auxiliar a promover projetos culturais.
Um estudo das relações do cidadão com a rodoviária do plano piloto nos fez entender
como aquele espaço representa a “cara de Brasília”, mas que parece estar restrito à rodoviária.
Com o Brasília por Pessoas, as “caras de Brasília” poderiam fazer parte de uma vivência maior,
tendo possibilidade de expansão em todo o território do DF, mas principalmente levando as pes-
soas que moram em RA’s afastadas e que têm contato com Brasília a realmente se encontrarem
na cidade, buscando e construindo em Brasília sua própria identidade para além da rodoviária. O
habitante que se sente bem-vindo no espaço de Brasília apenas como força de trabalho poderia ter
sua marca, através do Brasília por Pessoas, definida como parte integrante e importante na Capi-
630
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tal Federal. Tal situação, além da valorização do cidadão, ainda pode ser capaz de promover uma
política cultural de real envolvimento com a sociedade, que auxiliaria na construção do projeto.
Ademais, esperamos que o projeto sirva de inspiração para que as cidades sejam inci-
tadas a valorizar sua força cultural, expondo as fotografias dos habitantes e ajudando no esta-
belecimento de uma nova cultura urbana, onde os habitantes sejam capazes de estabelecer uma
relação com os espaços das cidades que vai além da relação de força de trabalho.
Para que tal valorização se estabeleça, e pensando no projeto Brasília por Pessoas como
parte integrante do processo, ocorre-nos a importância de uma estrutura física que exponha as
fotografias, dando os devidos créditos aos fotógrafos. É importante que tal exposição, se ocor-
resse, não ficasse restrita apenas à rodoviária, por exemplo, mas que fosse expandida a locais de
valorização e incentivo à cultura, como museus; além de locais de grande concentração de pes-
soas, como Centros Comerciais, praças e parques. Desta maneira haveria uma real valorização
do habitante que, por exemplo, trabalha na limpeza do Centro Comercial, mas que certamente
não é público alvo das lojas de lá por apresentam um preço elevado. Com uma exposição que
envolva a sua participação naquele espaço, este cidadão teria uma maior consciência política de
que aquele também é seu espaço, e que a cidade deve, cada vez mais, se democratizar.
As consequências indiretas seriam a politização e conscientização dos habitantes da ci-
dade, que, por se valorizarem enquanto cidadãos, também acabam por se integrarem à vida
política, cultural e social da cidade, impondo seus valores e garantindo processos de democrati-
zação. A presença da identidade popular em locais economicamente valorizados da cidade, nes-
se sentido, favorece a ocupação e a representação do povo além da rodoviária, mas na própria
imagem da cidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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631
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Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2008. – 303p.
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RESUMO: Este trabalho é um excerto de um artigo mais amplo sobre o público dos espetáculos
de música ao vivo no Brasil a partir de dados do Sistema de Indicadores de Percepção Social –
SIPS 2015, pesquisa nacional realizada pelo IPEA. No presente texto, de escopo mais restrito,
exploro principalmente o aporte de recursos oriundos da renúncia fiscal à área da música.
Comento o “estado da arte” das políticas para o setor musical, em que a Lei Rouanet (principal
instrumento de renúncia fiscal para a área da cultura) torna-se imprescindível enquanto
mecanismo de fomento à música. Isso perfaz uma política centrada na oferta, ainda que haja
ações pontuais de estímulo à demanda.
PALAVRAS-CHAVE: Renúncia fiscal, Lei Rouanet, Políticas públicas para a música, Mercado
musical.
1
Doutora em Sociologia (UNICAMP). É Pesquisadora em Ciências Sociais e Humanas III no Centro de Pesquisa
e Formação do SESC São Paulo. Membro Titular do Colegiado Setorial de Música (gestão 2015-2017) do Conselho
Nacional de Política Cultural – CNPC do Ministério da Cultura – MinC. E-mail: daniribas@cpf.sescsp.org.br e
daniribasproducoes@gmail.com.
2
O Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo promoveu em 2015 o Ciclo de Debates “Perspectivas do
Novo Mercado Musical”, com o objetivo de compreender este cenário em constante redefinição. Vide: http://cen-
trodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/atividade/novo-mercado-musical.
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completamente a forma de se escutar música. Se numa etapa inicial o importante era ter a cópia
digital do fonograma (em que o download era a prática cultural predominante3), no momento
atual a tendência é de expansão do consumo via streaming (em que é necessário um player
instalado em dispositivo que disponibilize as faixas/discos/artistas demandados através da in-
ternet). Vende-se não a posse do fonograma, mas a facilidade de ouvir quando e onde quiser via
internet, gratuitamente4 ou sob assinatura mensal do serviço (numa forma em que as assinaturas
“Premium”, em expansão, financiam a forma “Freemium”5).
O comércio eletrônico obedece atualmente ao princípio da “cauda longa”6, que descreve
a transformação do mercado de massa (em que um único produto tem altos índices de venda)
para um mercado pulverizado (em que a venda de muitos produtos, somadas, podem gerar
grandes receitas).
Com a ampliada e diversificada oferta de produtos musicais, com a venda de facilidade
de acesso pelos players (em que o uso do fone de ouvido durante as tarefas cotidianas pode
acabar gerando heavy users e alimentando o “desejo por cultura”7), somado às campanhas de
artistas independentes vendendo o show através da disponibilização do disco, o tipo de fruição
ordinária é a cotidiana: doméstica, em trânsito, em espera, etc. Os players oferecem playlists
de editores/curadores e de usuários para que o ouvinte não tenha que escolher o que vai ouvir,
usando para isso logaritmos e cruzamentos que mapeiam os hábitos musicais mais frequentes,
que por sua vez retroalimentam o sistema de informações. Este tipo de escuta ordinária pode
alimentar o desejo por uma experiência de fruição extraordinária, contemplada, por exemplo, na
ida a um show de música ao vivo.
3
A pesquisa Públicos da Cultura, realizada em Agosto de 2013 pelo Sesc e Fundação Perseu Abramo, traz dados so-
bre uso da internet (ouvir música 11%, de um universo de 55% das pessoas que usam internet) e uso do celular (ouvir
música 15%, de um universo de 87% que têm celular). Fonte: http://www.sesc.com.br/portal/site/publicosdecultura.
Tais dados referem-se a práticas anteriores à tecnologia do streaming chegar ao Brasil (em 2013 com o Deezer).
4
Exceto pelo custo de acesso à internet pago às operadoras.
5
Grosso modo, a diferença entre essas duas maneiras de consumo não é no limite de acesso às faixas, playlists de
editores e usuários, velocidade, ou outras restrições. Em geral, na forma “freemium” há anúncios publicitários, e na
forma “premium” não. A disponibilização de faixas para escuta se dá entre gravadoras (detentoras dos fonogramas,
e responsáveis pelo pagamento aos artistas), players de streaming, e agentes chamados agregadores digitais (que
fazem contratos de licença entre as gravadoras e os players). O ouvinte renova sua licença de acesso às faixas a cada
sincronização do dispositivo com o software, mecanismo que contabiliza quantas vezes a faixa foi reproduzida. As
escutas só geram rendimentos a partir de 30 segundos, e as assinaturas “Premium” geram, por faixa, remunerações
maiores do que a modalidade “Freemium”.
6
Conceito discutido e popularizado por Chris Anderson em seu livro A Cauda Longa - Do mercado de massa
para o mercado de nicho, de 2006. Fator chave para o êxito nas vendas de tipo cauda longa é o custo de armaze-
namento: se ele for baixo, como no caso do streaming, é possível ter êxito com esse tipo de negócio em função da
soma das pequenas vendas. Outro fator chave são ferramentas como motores de busca e softwares de recomen-
dações, que permitem que os consumidores encontrem produtos fora da sua área geográfica. Vale também a leitu-
ra da entrevista de Chris Anderson à Revista Época em 2006: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,E-
DG75221-5856-433,00.html.
7
DONNAT (2011).
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Contudo, deve-se considerar que tal “democratização” do acesso pela internet parece
reforçar o que se chama de “lei do acúmulo”: quem já tem hábitos frequentes de escuta musical
diversificada é quem sai de casa mais vezes para ir a espetáculos, passando a ser ainda mais afi-
cionado. Isso, por um lado, incrementa o mercado de shows, mas por outro revela a persistência,
para a maior parte da população, de barreiras materiais e simbólicas no consumo de música,
fruto de processos educacionais e da exposição aos códigos musicais.
O espetáculo musical vem, dessa forma, ganhando importância dentre os hábitos cul-
turais contemporâneos, especialmente em centros urbanos. Para além da sociabilidade que a
música ao vivo engendra, ela proporciona uma fruição mais profunda, atenta e interessada em
relação à escuta cotidiana ordinária de arquivos digitais. Por outro lado, no Brasil, artistas, pro-
dutores, educadores e outros agentes reivindicam políticas públicas específicas para cada etapa
da cadeia produtiva, especialmente para a gravação e circulação de obras musicais. Redes de
trabalho colaborativo vêm se organizando politicamente e consolidando festivais de importância
nacional. O circuito de pequenos palcos independentes de música autoral vem se fortalecendo.
Isso vem aumentando consideravelmente a oferta de shows. Dito isto, é necessário voltar a
atenção para o contexto brasileiro, em que as políticas públicas ganham destaque na difusão de
produtos musicais.
8
Sobre o funcionamento da Rouanet, vide: http://www.cultura.gov.br/projetos-incentivados.
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(como a concentração de recursos), uma vez que tais escolhas acontecem em função dos interes-
ses do marketing cultural dessas empresas, e não da relevância artística das propostas ou de sua
capacidade de contribuir para a superação de entraves identificáveis no mercado artístico. Uma
política cultural deve ser sistêmica e permanente, procurando identificar gargalos e lacunas que
devem ser alvos de programas específicos, independentemente de seu alcance mercadológico e
sustentabilidade econômica.
A Rouanet, criada no final de 1991, só assume maior relevância para a área cultural no
final da década com a estabilização da economia, com as empresas abrindo seus respectivos
capitais à bolsa de valores e declarando seu lucro real, e incorrendo no pagamento de impostos
suscetíveis ao mecanismo da renúncia fiscal. Segundo estudos do IPEA (SILVA, 2007) rela-
tivos à década de 90 e aos primeiros anos no século XXI, os diversos segmentos produtivos
relacionadas à música sofreram um impacto positivo com o aporte de recursos provenientes da
renúncia fiscal. No estudo há considerações sobre a geração de emprego e mercado de trabalho,
exportações e importações, difusão, etc. Ressalto os dados referentes à ocupação dos músicos e
do segmento de espetáculos. Há uma correlação entre o aporte de recursos e o incremento dos
setores de espetáculos ao vivo e de ocupações de músicos:
O segmento de espetáculo ao vivo e atividade artística também cresceu
no período entre 1992 e 2001 (7,9% ao ano), mas sempre com as osci-
lações resultantes das modalidades de financiamento e em decorrência
das instabilidades econômicas. Depois da vigência das leis de mecena-
to, o segmento cresceu em praticamente todos os anos, com exceção de
1999, quando declinou em 5,1% relativamente ao ano anterior. (SILVA,
2007, p. 305)
Nota-se a importância dos aportes das leis de incentivo, mas também sua dependência
em relação à economia. Isso reforça o argumento de que uma política cultural deve ser mais
ampla do que o instrumento de renúncia, para que o setor não fique à deriva das oscilações do
mercado financeiro. O estudo aponta ainda uma forte correlaçpla que o instrumento de renos
anos, com excessnistO estudo aponta ainda uma correlação entre mecenato e o mercado de tra-
balho: com as leis de incentivo, o número de ocupações como “músico” (essencial a atividades
como os espetáculos) cresceu em todos os anos (com exceção de 1999, com queda de 16,9% em
relação ao ano anterior), atingindo picos de crescimento em 1995 (32,3%) e 1998 (22,7%). As
ocupações como “músico” nunca foram inferiores ao patamar de 1992, ano em que a Rouanet
começou a ser colocada em prática. (SILVA, 2007, p. 305-306). Ainda segundo o mesmo estu-
do, os aportes “(...) explicam parte do comportamento do segmento musical no que se refere à
geração de ocupações (...) (justificando) o financiamento público organizado, mesmo quando se
destina a eventos isolados” como shows e projetos de circulação. (SILVA, 2007, p. 306). Con-
tudo, que esta correlação positiva não exclui a necessidade de uma política cultural sistêmica.
636
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Com a política cultural que começou a se desenhar a partir de 2003 com a gestão do
Ministro Gilberto Gil, o segmento musical passou a contar com instâncias de regulação e par-
ticipação social. Em 2005 foi criada a Câmara Setorial da Música, ligada ao Centro de Música
– Cemus da Fundação Nacional das Artes – Funarte9). Com a Câmara Setorial, a Funarte era a
responsável pela política das Artes. A política para a música empreendida desde então passou
por 3 momentos10. Na etapa atual, em que a estratégia é a de incentivar o desenvolvimento da
infraestrutura do setor, ganham destaque ações de incentivo à formação e à produção de conhe-
cimento, e de tentativa de ampliação do fomento e mapeamento das demandas11. Observa-se
uma preocupação com a formação, mas as ações, centradas em Prêmios, acabam por reforçar a
política centrada na oferta cultural.
Com a criação do Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC em dezembro de
2007, a Câmara Setorial (ligada à Funarte entre 2005 e 2008) foi transformada no Colegiado
Setorial de Música, que foi instalado entre 2008 e 2009 com vistas à construção de políticas
de âmbito nacional, passando a ser coordenado diretamente pelo MinC. Em 2010 o Colegiado
elaborou o documento Plano Setorial da Música12 (complementar ao Plano Nacional de Cultura
– PNC, transformado em lei no mesmo ano13). O Plano consiste num relatório das atividades
da Câmara (2005-2008) e do Colegiado (2008/2009-2010), levando em conta os 10 pontos da
9
Em 2005 o MinC criou a Câmara Setorial da Música, que foi coordenada pelo Centro de Música - CEMUS-Fu-
narte (à época dirigido pela ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda). Apenas 10 entidade estavam representadas
e tinham direito a voto (ABEM-Editores, ABEM-Educação Musical, ABPD, ABEPEC, ABER, ABERT, ABM,
ABMI, ECAD, e OMB). Essas entidades representavam principalmente os setores de gravadoras, editoras, meios
de comunicação, e direitos autorais. Músicos, produtores, festivais, redes e público não tinham representação fixa
com direito a voto. Em 2005 houve 7 reuniões temáticas da Câmara, e em cada uma participaram, além das asso-
ciações acima, algumas entidades convidadas, sem, contudo, o direito a voto.
10
Num primeiro, foram priorizadas ações de fomento à realização e circulação de espetáculos através do Projeto
Pixinguinha, e da Pauta Funarte de Música Brasileira para a ocupação das Salas. Num segundo, havia a transfe-
rência de recursos aos músicos e produtores para realização de projetos de criação, produção e circulação musical,
através de programas como o Prêmio Funarte de Apoio à Gravação, Prêmio Circuito Funarte de Música Brasileira,
e Seleção de Projetos de Ocupação das Salas. Fonte: ESTEVES, Eulícia. “Políticas públicas para a música”, Ciclo
Perspectivas do Novo Mercado Musical. CPF Sesc São Paulo. 20Ago2015. https://centrodepesquisaeformacao.
sescsp.org.br/atividade/novo-mercado-musical.
11
Principais ações atuais: Prêmio Palcos Musicais Permanentes (destinado ao circuito cultural formado por peque-
nas casas noturnas), Prêmio Festivais e Mostras de Música, Convênios para a realização de Feiras de Música, Feira
Música Brasil, Bolsas de Aperfeiçoamento Técnico e Artístico, Prêmio de Produção Crítica em Música, e Prêmio
Funarte de Música Brasileira.
12
Para o Plano Setorial da Música vide: http://pnc.culturadigital.br/wp-content/uploads/2012/10/plano-setorial-de-
-musica-versao-impressa.pdf
13
Para o Plano Nacinal de Cultura vide: http://www.cultura.gov.br/documents/10883/11294/METAS_PNC_final.
pdf/ e http://pnc.culturadigital.br. O PNC está atualmente em processo de consulta pública de revisão, que vai até
15 de fevereiro de 2016.
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“Carta de Recife” elaborada pela Rede Música Brasil14 na Feira Música Brasil promovida pelo
MinC em 200915.
Em 2015 o MinC e a Funarte lançaram a Política Nacional das Artes – PNA16, cujo obje-
tivo principal é a implementação de políticas públicas atualizadas, fundamentadas e duradouras
para as artes, divididas por linguagens. E diretamente ligada à PNA está a reestruturação da
Funarte, no sentido de tornar a instituição capaz de atender às suas atribuições. Para o processo
de construção da política há um comitê executivo (com representantes do MinC e Funarte), os
articuladores (que fazem a mediação entre sociedade civil e poder público) e consultores (que
sistematizarão os documentos gerados no processo). Originalmente, a PNA previa quatro eixos
de ação: Caravana das Artes (com rodas de conversa por todo o país para coletar sugestões);
Seminários Temáticos; Encontros Setoriais e uma Plataforma Digital colaborativa. Mas uma
avaliação estratégica adiou as Caravanas para o final do processo, no momento em que já houver
tido um processo interno de levantamento dos trabalhos e experiências já realizadas em âmbitos
público e privado17.
Até o momento, o comitê executivo delimitou três projetos transversais para a PNA:
Rede Nacional de Difusão das Artes (plataforma voltada à difusão e circulação das linguagens
artísticas); Pacto Federativo do Fomento às Artes (diretrizes comuns entre os três níveis de
poder para o fomento às artes, mas com seleções descentralizadas); e Marcos Legais das Artes
(revisão da legislação tributária, fiscal, trabalhista e previdenciária para a regulamentação do
setor cultural). No tocante à música, o ponto central é a criação de uma autarquia reguladora da
música, aos moldes do que a Ancine representa para a área do audiovisual, já preconizada desde
a Carta de Recife de 2009. Um primeiro estudo sobre sua criação foi entregue ao ministro em
14
“No início de 2009, foi criado o fórum virtual Pró-Conferência Nacional de Música, com o objetivo de fomentar e
organizar as discussões em torno das políticas públicas para a área musical, como preparação para a Conferência Na-
cional de Cultura, realizada em março de 2010. Este movimento surgiu por iniciativa da sociedade civil organizada,
e o Centro de Música/Funarte logo o reconheceu como um ambiente privilegiado para a articulação do setor musical.
Em meados de 2009, o Fórum Pró-Conferência Nacional de Música foi então acolhido pelo recém criado programa
Rede Música Brasil / Funarte, passando a se chamar Fórum Virtual Rede Música Brasil – RMB. (...) O Conselho da
RMB é formado por entidades musicais com representatividade nacional (SEBRAE, ABMI, ABEART, ABRAFIN,
ABEM, ABER, ABPD, ARPUB, BM&A, CUFA, FNM, FED. DAS COOPERATIVAS DE MÚSICA, CIRCUITO
FORA DO EIXO, CASAS ASSOCIADAS e MPB)”. Fonte: http://culturadigital.br/redemusicabr/
15
O 4o. Encontro da RMB foi realizado na Feira Música Brasil em Recife (PE), e gerou o documento “Carta de
Recife”. Sobre a Feira, vide: http://culturadigital.br/blog/2009/12/07/feira-musica-brasil-2009/. Para ver a Carta
de Recife, vide: http://www.musicaltda.com.br/2010/12/carta-de-belo-horizonte-reproducao/. O primeiro ponto da
Carta de Recife é a criação da Agência Nacional da Música, aos moldes da Ancine, demanda ainda muito forte no
segmento e priorizada nos debates da Política Nacional das Artes, de que falarei adiante.
16
Sobre a Política Nacional das Artes – PNA vide: http://culturadigital.br/pna/ e http://www.cultura.gov.br/politi-
ca-nacional-das-artes-pna-
17
Sobre a nova metodologia da PNA vide: http://culturadigital.br/pna/destaque/remodelada-metodologia-do-pro-
cesso-de-construcao-da-pna/
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dezembro de 201518. Mas apesar dos avanços que tal política representa, observa-se que não há
uma preocupação com uma política capaz de incrementar a demanda. Os três eixos da PNA to-
cam em questões importantes (circulação artística, fomento a projetos, e regulação da profissão),
mas continuam centrados na oferta.
Paralelamente a este processo da PNA ocorreu a renovação dos Colegiados Setoriais do
Conselho Nacional de Política Cultural19. O processo, aberto à sociedade civil para voto e can-
didaturas, deu-se em duas fases, uma através de plataforma digital20 e outra presencial. O pro-
cesso teve recorde de participação (mais de 70 mil pessoas votaram em seus representantes). O
Colegiado Setorial da Música, de que passei a fazer parte desde esta última eleição, já iniciou os
trabalhos, e primeiro deles está sendo reunir num único documento todas as demandas do setor
musical desde a Câmara Setorial da Funarte, passando por todos os mandatos do Setorial, pelos
pontos constantes do Plano Setorial da Música, pelas propostas compiladas pela Rede Música
Brasil, e pelas metas do Plano Nacional de Cultura. O objetivo é o de contribuir com a PNA mas
também com o processo de revisão do PNC.
Mas o que se nota é que a amplitude do negócio da música no Brasil extrapola os limites
desses órgãos governamentais e instâncias de representação social, que acabam não dando conta
das demandas do setor. Em 10 anos de discussões sobre qual seria a política adequada ao seg-
mento da música, nota-se que apesar dos esforços governamentais em sistematizar as demandas
e ampliar os mecanismos de participação social do setor, não se avançou muito em políticas e
programas continuados (em modalidades diversas dos tradicionais editais e prêmios) para a área
da música. Da mesma forma, os esforços para uma melhor regulação da arrecadação e distribui-
ção de recursos gerados por direitos autorais21 ainda estão longe de atenderem às demandas do
setor. Na ausência de um Fundo Setorial da Música ou de uma autarquia reguladora específica
(como a Ancine no caso do setor audiovisual), o mecanismo da renúncia fiscal da Lei Rouanet,
18
Sobre a entrega do documento ao Ministro, vide: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/
OiKX3xlR9iTn/content/id/1311913
19
Sobre a renovação dos Colegiados Setoriais do CNPC vide: http://www.cultura.gov.br/cnpc
20
Sobre a plataforma digital da renovação dos Colegiados, vide: e http://cultura.gov.br/votacultura/
21 “
No Brasil, o direito autoral é regulamentado pela Lei 9.610/1998, alterada em 2013, com a aprovação da Lei nº
12.853/13. Alguns pontos dessa nova lei entraram imediatamente em vigor com a publicação, mas outros aspectos
precisaram ser regulamentados pelo Decreto 8.469/2015, que regulamenta a Lei da Gestão Coletiva dos Direitos
Autorais”. Para ver quais as mudanças trazidas pelo decreto sobre o funcionamento da arrecadação dos direitos
autorais, vide: http://www.brasil.gov.br/cultura/2015/06/transparencia-na-arrecadacao-de-direitos-autorais.
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apesar das distorções que causa22, ainda cumpre um papel importante no financiamento de pro-
jetos na área da música23.
Os dados abaixo, retirados do Sistema de Apoio à Lei de Incentivo – Salic24 podem dar
uma ideia de como a Lei Rouanet ainda é um instrumento importante para o aporte de recursos
na área da música. Em 2014, de um total de R$ 1,3 bilhão movimentado pela Rouanet para to-
das as 7 áreas, cerca de 300 milhões foram destinados à área da música (cerca de 23% do total),
montante distribuído entre 800 projetos em média. Como há projetos que captam recursos num
período maior que um ano, a soma de todos eles resultaria num número maior do que os projetos
incentivados realmente. No site do MinC de onde tais dados foram retirados não há, atualmente,
um recurso que possibilite separar ou filtrar tais casos. Em 2014 a música só foi superada pelas
artes cênicas, que ficou com 24% do montante dos incentivos. Esse percentual destinado à mú-
sica manteve-se razoavelmente estável entre 2005 e 2014, pois teve uma variação de apenas 6
pontos percentuais no período: 18% em 2006 e 24% em 2011. As tabelas a seguir podem ilustrar
tais dados25:
22
Para corrigir tais distorções foi criado em 2010 o Projeto de Lei nº 6.722, que institui o Programa Nacional de
Fomento e Incentivo à Cultura (ProCultura) como o novo marco regulatório que irá substituir a Lei Rouanet, man-
tendo o mecanismo da renúncia fiscal mas implantando outros dispositivos que minimizam as distorções que causa.
Para o acompanhamento da tramitação vide: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idPro-
posicao=465486.
23
O assunto está longe de se encerrar. Recentemente (03/02/2016) houve uma reviravolta a partir de uma decisão
do TCU em que “eventos culturais com potencial lucrativo ou que possam atrair investimento privado serão proi-
bidos de receber incentivos fiscais através da lei Rouanet”. Vide: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/02/
1736700-tcu-proibe-lei-rouanet-para-projetos-com-fins-lucrativos-e-autossustentaveis.shtml.
24
Para acesso ao Salic vide: http://novosalic.cultura.gov.br/.
25
Os dados utilizados nesta seção sobre a Lei Rouanet foram extraídos do sistema SalicWeb por JLeiva Consultoria
em Cultura e Esporte e apresentados na palestra “Um Raio-X da Lei Rouanet”, com João Leiva, Karina Poli, e Inti
Queiroz, que fez parte da Semana Internacional da Música de São Paulo – SIM SP 2015, realizada entre os dias 02
e 05/12/2015 no Centro Cultural São Paulo – CCSP. Vide: http://www.simsaopaulo.com/pb/events/um-raio-x-da-
-lei-rouanet/.
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De acordo com as categorias disponibilizadas no Salic para a consulta, não é possível sa-
ber quantos deles se dedicam à área de pesquisa/criação/produção/gravação de discos, quantos
são na área de difusão e circulação musical (que inclui o aporte espetáculos musicais, festivais,
etc.), e quantos são projetos dedicados à formação de público, por exemplo. Isto só seria pos-
sível com uma extração manual, projeto a projeto, o que dificulta bastante a construção desse
indicador. Mas ainda que não seja possível ainda extrair tais estatísticas, é possível deduzir que
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a maioria dessas ações seja na área de difusão musical (shows, principalmente), justamente
aquela que mais dá visibilidades às empresas patrocinadoras. O próprio estudo do IPEA aqui
citado (SILVA, 2007, p. 306) sugere que o aporte da renúncia fiscal incrementa a ocupação no
setor, justificando o financiamento público em eventos isolados de difusão (como shows). Por-
tanto, ainda que não haja uma ação orquestrada das empresas nesse sentido, pode-se dizer que
o mecanismo da renúncia fiscal, por sua natureza, reforça a tendência de uma política centrada
na oferta.
As categorias disponibilizadas no sistema referem-se aos segmentos: música erudita,
música instrumental, música popular, áreas (musicais) integradas, artes integradas, e orques-
tras26, conforme tabela abaixo:
26
Tais divisões relacionam-se às instruções normativas, que regulamentam os procedimentos para apresentação,
recebimento, análise, aprovação, execução, acompanhamento, prestação de contas e avaliação de resultados de
propostas culturais que são submetidas ao MinC. A mais recente versão é datada de 24 de junho de 2013, que man-
tém pontos de 1995 quanto à natureza dos projetos e faixa de imposto a ser deduzido pela empresa. Ela estabelece
que há dois níveis de dedução do imposto devido pelas empresas: 30% (artigo 26, destinado à música popular
com intérprete ou quando há áreas e artes integradas, ou ainda a propostas que não se encaixam ao previsto na
instrução), e 100% (artigo 18 da instrução, destinado às demais modalidades acima listadas). Após a avaliação
feita por peritos contratados pelo MinC, os projetos são enquadrados em um ou outro artigo de acordo com sua
natureza, o que gera tal classificação pouco condizente à realidade das manifestações musicais. Tal diferenciação
foi criada justamente em função da área musical, para limitar o acesso de propostas em música popular cantada
com enorme poder de mobilização de público e mercado (como o sertanejo e o axé, por exemplo) aos recursos
públicos, e também para rebater a crítica de que as empresas não investiam nada além do imposto devido para ter
um enorme retorno de marketing (com a nova instrução, as empresas só podem deduzir 30% do imposto devido).
Por outro lado, em função dessa instrução normativa criada para frear distorções, os cantores em início de carreira
disputam os mesmos recursos que intérpretes consagrados, incorrendo-se numa outra distorção. A atual instrução
normativa passou recentemente (até 8 de dezembro de 2015) por processo de consulta pública. Vide: http://www.
cultura.gov.br/banner-3/-/asset_publisher/axCZZwQo8xW6/content/lei-rouanet-aberta-consulta-publica-da-ins-
trucao-normativa/10883?redirect=http://www.cultura.gov.br/banner-3%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_axCZ-
ZwQo8xW6%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dco-
lumn-3%26p_p_col_count%3D2.
642
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Como é sabido, um dos gargalos do financiamento via renúncia fiscal é a etapa de captação
de recursos após a aprovação do projeto. Os dados das tabelas acima referem-se aos projetos que
conseguiram captar recursos na iniciativa privada após a aprovação (que em 2012 foram cerca de
30% do total). Dentre o total de projetos que conseguem captar recursos, os de música popular
(que são 48% do total dos aprovados) têm a menor taxa de sucesso na captação (58% não conse-
guem captar). Já as orquestras e os produtores de grandes eventos lideram a relação de captadores.
Este foi um brevíssimo panorama sobre a oferta musical no país, tanto do ponto de vista
das políticas públicas estruturantes do setor, como do ponto de vista do principal mecanismo de
financiamento público a projetos musicais – a renúncia fiscal, que acaba reforçando a política da
oferta. O que se nota é que tanto o poder público como a iniciativa privada possibilitaram uma
política centrada na oferta de bens culturais, deixando em segundo plano aquilo que garantiria
um mercado cultural perene e sustentável: o estímulo à demanda. Apesar dos crescentes esfor-
ços para tanto, não há ações sistêmicas e consistentes para uma política da demanda. Isso seria
necessário principalmente em municípios pequenos, áreas rurais, em populações de baixa renda
e escolaridade.
27
Não estão aí discriminados quais os percentuais de “verba direta” (equivalente aos 70% não deduzidos pela
empresa, que assim aporta recursos próprios como numa espécie de patrocínio) e de incentivo (100% de dedução).
Cálculos apontam que entre 2009 e 2014 a área da música recebeu R$1,6 bilhão, sendo 75% do montante na
forma de incentivo (faixa de 100% de dedução) e 25% do montante na forma de recursos diretos não deduzíveis.
Os maiores beneficiários dos recursos diretos são projetos de grande apelo comercial. Fonte: SalicWeb, extração
JLeiva, SIM SP 2015.
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da adiante desde 2006 pelo Grupo de Ação Parlamentar pró Música - GAP. Diante das dificuldades
enfrentadas pelo GAP no poder legislativo, o grupo criou em 2008 a campanha “Quero Educação
Musical na Escola” sendo, desde então, a causa prioritária do GAP. A Lei 11.769/2008, que deter-
mina que a música deve fazer parte dos conteúdos obrigatórios, já foi aprovada, mas ainda carece
de regulamentação para ser cumprida pelas escolas. Em 2013 houve uma resolução do Conselho
Nacional de Educação regulamentando a Lei e estipulando seu cumprimento. Contudo, ela não foi
ainda homologada pelo Ministério da Educação e, portanto, ainda não têm valor. O GAP continua
pressionando para que a lei seja finalmente regulamentada e aplicada.
A segunda iniciativa que merece destaque é o Programa “Mais Cultura”, criado em 2007
para a promoção do acesso à cultura em escolas e universidades públicas. As chamadas públicas
são destinadas a projetos elaborados por municípios e estados, por pessoas físicas, e por pessoas
jurídicas sem fins lucrativos que sejam de natureza cultural. Os projetos selecionados devem
desenvolver ações em escolas e universidades em pelo menos um dos três eixos: Cultura e Ci-
dadania, Cultura e Cidades, e Cultura e Economia. Contudo o programa não tem ainda a força
necessária para incentivar a demanda como seria necessário.
Do ponto de vista das políticas públicas norteadas pelo PNC e SNC, o programa que
mais se relaciona à ideia de uma política da demanda é o “Cultura Viva”, que visa estimular e
desenvolver capacidades e potenciais artísticos através do apoio a iniciativas culturais já existen-
tes, dando a oportunidade à população de desenvolver suas vocações artísticas e difundi-las em
todas as suas expressões. A principal estratégia utilizada é a implantação de Pontos de Cultura,
espaços de gestão coletiva que se constituem não apenas em polos de criação, como também de
fruição culturais, visando à construção de novos valores de cooperação e solidariedade através
do fazer cultural. Conforme já argumentei em outro texto, “o pressuposto básico é o de que não é
necessário ‘levar’ cultura a tais segmentos sociais, uma vez que eles já são produtores de cultura
que necessitam apenas serem reconhecidos como tais”. (GHEZZI, 2015). Com tal programa,
espera-se que os elos com o mundo social passem necessariamente pela cultura, o que contribui
para o início de uma política da demanda através do estímulo ao desejo por cultura. Mas apesar
da multiplicação dos Pontos de Cultura, o programa não é capaz de responder sozinho por uma
política consistente e sistêmica centrada na demanda cultural.
Outra iniciativa do MinC que pode contribuir com tal propósito é o “Vale Cultura”, cria-
do para os trabalhadores de baixa renda (até 5 salários mínimos). O benefício de R$50 mensais
(cumulativos e válidos em território nacional) é oferecido pelas empresas aos seus trabalhadores
formalizados. As empresas que aderem ao programa têm em contrapartida isenção em encargos
sociais e trabalhistas sobre o valor concedido, além de abatimento no imposto de renda em até
um por cento. E os beneficiários podem usar o auxílio para a ida a cinemas, museus, teatros, es-
petáculos, shows e a compra e aluguel de CDs, DVDs, livros, revistas e jornais, além de cursos
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1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da gestão cultural tem levado à incorporação de práticas gerenciais
que empregam informações quantitativas nas diferentes etapas do ciclo das políticas públicas.
O amadurecimento da gestão cultural na última década favorece compreender que as ações de
uma política pública para cultura tendem a ser mais eficientes com o uso de indicadores como
subsídio às análises do estado atual, assim como no monitoramento e planejamento das ações
em relação ao que pode e pretende ser melhorado.
Considerando possibilidades de análise da realidade cultural a partir de dados quan-
titativos, aspectos empiricamente observados tornam-se objetos de estudo convenientes. No
presente trabalho, este objeto tem como recorte a cidade do Rio de Janeiro, segunda grande me-
trópole do país, na qual se reconhece a percepção da existência de diferenças na distribuição de
infraestrutura para a fruição cultural em seu território, em função de características históricas
e sociais de sua ocupação. Considera-se ocorrer uma concentração de equipamentos culturais
1
Especialização em Estatística Aplicada (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro); mestre em Estudos
Populacionais e Pesquisas Sociais (Escola Nacional de Ciências Estatísticas); danielecdantas@gmail.com.
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em algumas regiões (como o Centro da cidade) em detrimento de outras. Aliado a esse fato, a
oferta de infraestrutura para fruição no município está sob diferentes níveis de gestão, a saber:
municipal, estadual, federal ou privada.
Para a fundamentação das análises que seguem, considera-se indicador cultural a par-
tir de três perspectivas teóricas, a saber: como estatísticas que dão suporte ao monitoramento
para o planejamento cultural contextualizando os fenômenos culturais existentes (YUE; KHAN;
BROOK, 2011); como ferramenta que auxilia na definição de problemas e no desenho de ten-
dências culturais orientando o planejamento cultural (FANCHETTE, 1979); e como instrumen-
to que fornece informações relevantes para as políticas culturais (PFENNIGER, 2004).
Buscando recursos para a análise, aplicou-se um método estatítico para construção de
um indicador sintético para a análise da oferta cultural em equipamentos sob a gestão da Secre-
taria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro (SMC-RJ), utilizando-se recursos de geoprocessa-
mento para a representação dos resultados no território, que possibilitam melhor compreensão
da distribuição do indicador no espaço estudado. Foi utilizada como unidade de análise as áreas
de planejamento (APs) da cidade, que representam agrupamentos de bairros contíguos.
Nesta perspectiva, o indicador proposto é composto por informações referentes à capa-
cidade e ao número de atividades realizadas nos diferentes equipamentos culturais da cidade,
representando o entendimento de oferta cultura a partir da relação entre a capacidade física de
recebimento do público e as atividades realizadas nos espaços culturais em análise. Assim, o
Indicador de Oferta Cultural (IOC) representa a oferta cultural nas diferentes regiões da cidade.
Através dele identifica-se a distribuição dos equipamentos culturais na cidade e a representação
quantitativa (em representação percentual) da oferta cultural.
Para a organização dos dados, o processamento e a apresentação das informações foram
utilizados o Excel, do pacote Microsoft Office. Para a representação espacial dos resultados foi
utilizado o ambiente de geoprocessamento ArcGIS v.10.
2
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponível em <www.ibge.gov.br>.
3
Fonte Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ), disponível em <http://www.armazemdedados.
rio.rj.gov.br>.
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Tabela 1: Equipamentos Culturais sob a gestão da Secretaria Municipal de Cultura, por Áreas de
Planejamento (APs) e Regiões Administrativas (RAs), Rio de Janeiro, 2013
Nota-se que a Arenas e Lonas Culturais são equipamentos presentes nas APs 3, 4 e 5,
Teatros são equipamentos culturais presentes nas APs 1, 2 e 3 e Museus equipamentos culturais
presentes APs 1 e 2. Estas informações permitem que se identifique que as diferentes áreas da
cidade têm diferentes infraestruturas de equipamentos culturais, o que tende a influenciar no
perfil da oferta em cada uma delas.
3. A CONSTRUÇÃO DO INDICADOR
A proposta metodológica compreende a quantificação de aspectos da dinâmica cultural
por meio de indicadores que permitam a visualização analítica da distribuição da infraestrutura
para a fruição cultural no ano de 2013 nos equipamentos culturais sob a gestão da Secretaria
Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. A construção do indicador considera primeiramente os
valores relativos de cada variável em relação ao total delas. Em seguida, a uniformização dos
pesos considera uma distribuição igual para todos. A partir deste segundo passo, a soma de todas
as variáveis encontradas deve somar 1 (um) e os resultados encontrados para cada uma estará
compreendido entre 0 (zero) e 1 (um). Para favorecer a leitura dos resultados, o valor encontrado
foi multiplicado por 100, figurando em percentual. A partir daí, aplicou-se o método proposto às
informações agregadas em 05 (cinco) Áreas de Planejamento da cidade.
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Cada observação será resultado da divisão do valor original da célula pelo total do atri-
buto de medição do equipamento (j) que representa. Por exemplo, o valor assumido por P1,2,1 será
o resultado da divisão do valor da Capacidade das Arenas Culturais da AP1 (x1,2,1) pela Soma da
Capacidade das Arenas Culturais ( ). Com este processo, busca-se diminuir a amplitude
em um conjunto de dados com grande variabilidade, conforme representa a Tabela 3:
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Assim, todas as observações serão representadas em uma mesma escala, variando entre
0 e 1, para representar os atributos de medição de cada equipamento cultural.
Na Fase 2, a ponderação é realizada a partir do número de Equipamentos Culturais (i) e
do número de seus Atributos de Medição (j) e é representada por:
Onde n(i) * n(j) representam os pesos atribuídos para o cálculo do indicador, respecti-
vamente, 1/6 e 1/2.
Visto que o indicador tem distribuição igual, o fator utilizado na ponderação será uma
constante (W) de valor igual a aproximadamente 0,0833:
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Com isso, o indicador final, que representará a presença de oferta cultural, nos diferentes
equipamentos culturais nas Áreas de Planejamento é representado na Tabela 5:
Tabela 5: Indicador de Oferta Cultural por Equipamentos sob a gestão da Secretaria Municipal de
Cultural do Rio de Janeiro por Área de Planejamento
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5. RESULTADOS E ANÁLISES
A partir dos resultados do indicador que representa a capacidade dos equipamentos cul-
turais associada às atividades realizadas nos equipamentos presentes em cada Área de Planeja-
mento (AP), apresentado na Tabela 6, nota-se que as APs 1 e 2 têm valores próximos (respec-
tivamente 25,44 e 25,16) e que a AP3 (que representa bairros da Zona Norte da cidade) tem o
valor mais elevado (29,62). A AP4 (onde ficam os bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca) tem
o menor valor (3,91) e a AP5 (onde estão os outros bairros da Zona Oeste) tem um valor inter-
mediário (15,88). Este resultado confirma a existência de desequilíbrio na oferta cultural em di-
ferentes áreas da cidade no período em estudo, com destaque para as APs 4 e 5, que registram os
resultados gerais mais baixos. Maior equilíbrio é verificado entre as APs 1, 2 e 3, com destaque
para a AP3 que registra a maior concentração da oferta cultural na cidade no período analisado.
Arenas Culturais, presentes nas APs 3 (12,90) e 5 (3,77) têm uma representação mais
expressiva na AP3 do que na AP5. Nas Bibliotecas, que estão presentes em todas as APs, regis-
trou-se maior oferta cultural nas APs 3 (6,52) e 2 (4,68). Em relação à oferta cultural nos Centros
Culturais, foram verificados resultados mais expressivos nas AP1 (7,03), seguida da AP3 (4,41)
e da AP2 (4,16). Sobre a oferta cultural nas Lonas Culturais conferiu-se a maior oferta na AP5
(10,65), alcançando-se resultados mais discretos nas outras APs que têm este tipo de equipa-
mento cultural (AP4 com 1,07 e AP3 com 4,95). Nota-se que a oferta cultural nas Lonas Cultu-
rais da AP5 tem um dos maiores indicadores de oferta da cidade no ano de 2013. Este resultado
pode representar a importância deste equipamento cultural, presente exclusivamente nas regiões
da cidade mais afastadas das zonas centrais, para a região, da mesma forma que o resultado das
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De forma oposta, A Figura 6 representa a ausência de oferta cultural em Museus nas APs
3, 4 e 5 e sua concentração na AP1 (12,72). Esta região reúne importantes museus na cidade.
Verifica-se que, em menor proporção, a AP4 também registra oferta cultural em museus no ano
de 2013 (3,95).
Presentes em parte da cidade, os Teatros são os equipamentos com maior oferta cultural
na AP2 (12,37), registrando um dos maiores indicadores de oferta cultural da cidade no ano de
2013. A AP1 (3,47) e a AP3 (0,83) também registram oferta cultural em teatros no ano de 2013.
Contudo, o indicador de oferta cultural na AP3 é significativamente baixo.
Conforme ilustra a Figura 7, as APs 4 e 5 registram resultado igual a zero no que se refere
a presença de teatros, visto que na estrutura da Secretaria Municipal de Cultura não se registra a
presença deste tipo de equipamento cultural nestas regiões da cidade. O atendimento às deman-
das por pauta teatral na região é cumprido pelas Lonas Culturais.
Retomando a análise geral pelo IOC, verifica-se que as APs 4 e 5 têm os menores va-
lores do indicador, respectivamente, 3,94 e 15,88. Valores bem diferentes dos verificados nas
APs 3 (29,62), 2 (25,16) e 1 (25,44). Diferente de todas as outras, a AP5 é a única que tem pelo
menos um tipo de Equipamento Cultural sob a gestão da SMC-RJ em cada Região Administra-
tiva; mesmo que em algumas tenha apenas um tipo de equipamento. Contudo, corroborando o
desequilíbrio, verifica-se que a AP$ tem apenas três Equipamentos Culturais, todos situados na
mesma RA (RA XVI Jacarepaguá).
Analisando as Áreas com os melhores resultados, as APs 1e 2 eram aquelas onde se
esperava encontrar maior valor para o resultado do indicador sintético. Contudo, foi a AP3 que
apresentou o maior resultado (29,62). Esta AP concentra quase todas as Arenas Culturais da ci-
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dade, além de ser a Área onde está situado o Centro Cultural João Nogueira4, Equipamento Cul-
tural com valores expressivos tanto em Capacidade quanto em número de Atividades realizadas.
Nota-se que a infraestrutura de equipamentos culturais da SMC-RJ na AP3 atende a uma
região com presença de infraestrutura cultural por outros níveis de gestão diferente do obser-
vado nas APs 1 e 2, nas quais se verifica a oferta cultural também em equipamentos federais e
estaduais, além dos privados.
Analisando a concentração da Oferta Cultural na Zona Sul e no Centro nota-se que a soma
representa, aproximadamente, 50% da oferta cultural de toda a cidade. Resultado expressivo,
visto que os outros 50% estão distribuídos em três Áreas de Planejamento, que geograficamente
representam tanto área física, quanto contingente populacional expressivos. Contudo, este resul-
tado precisa ser analisado pela perspectiva histórica da ocupação do território, tanto comercial e
populacional quanto por equipamentos culturais, na cidade do Rio de Janeiro, que se consolidou
entre Centro e Zona Sul há mais tempo e passou a contemplar outras regiões da cidade em tempos
mais recentes, com a instalação de novos equipamentos culturais.
Isto pode ser verificado pelas variações observadas no Indicador de Oferta Cultural na
AP3 com a presença de Equipamentos Culturais de instalação recentes, como as Arenas Cultu-
rais, mas que precisa ser avaliado com cautela na APs 4 e 5, especialmente pelo tipo e infraestru-
tura do tipo de Equipamento presente nelas. Isto porque os equipamentos culturais que existem
nestas Áreas não têm capacidade de receber em sua programação produções que demandam
maior infraestrutura dos espaços, mas são importantes nas últimas décadas por amenizarem a
ausência de anos atrás.
Há 25 anos, aproximadamente, a AP5, por exemplo, teria muitos resultados iguais a zero,
visto que as Lonas e Arenas Culturais foram inauguradas entre 1992 e 2004, e estes são os Equi-
pamentos culturais mais presentes nesta Área de Planejamento. Conhecer o histórico de insta-
lação e dinâmica de uso dos Equipamentos culturais ajuda a verificar mudanças, considerando
a construção de um indicador que represente o tempo que cada Equipamento Cultural existe e
encontra-se em funcionamento, como a presença deste Equipamento Cultural pode influenciar e
representar a possibilidade de oferta cultural em cada região da cidade.
Os Centros Culturais são equipamento culturais ausentes apenas na AP5, que tem Lonas
Culturais e uma Arena Cultural e são equipamento culturais que não existem nas APs 1 e 2 (que
concentram Centros Culturais). A AP3 tem maior diversidade de Equipamentos culturais, não
existindo nela apenas Museus. Neste contexto, é importante reconhecer a chance de oferta cultu-
ral gerada com a instalação de Lonas e Arenas Culturais em áreas onde não existiam equipamen-
tos culturais da SMC-RJ até meados dos anos 1990.
4
O Centro Cultural João Nogueira é uma construção já existente (o antigo Imperator), que foi incorporada à es-
trutura da SMC-RJ e inaugurada em 2012.
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6. CONSIDERAÇÕES
Com a observação do indicador a partir das Áreas de Planejamento foi possível identi-
ficar e reconhecer alguns aspectos da oferta cultural nos equipamentos culturais da Secretaria
Municipal de Cultura no Rio de Janeiro. Confirmou-se o desequilíbrio na oferta cultural em
algumas regiões da cidade e foi possível reconhecer a importância de alguns equipamentos
culturais em algumas delas, como as Lonas Culturais para parte da zona oeste. A representação
do desequilíbrio na Oferta Cultural nas diferentes Áreas de Planejamento traduz que, de modo
geral, esta oferta não está distribuída geograficamente de forma equânime. Contudo, isso não
invalida todo o conjunto de realizações existentes nos diferentes Equipamentos Culturais, sua
representação para a população e importância no conjunto das ações culturais tanto em contexto
local quanto para a cidade.
Com isso, é importante reconhecer que o resultado de um indicador sinaliza possibilida-
des de leitura sobre uma situação para a qual ele foi construído. Mas as respostas, que ele per-
mite que sejam alcançadas, necessitam de aprofundamento e esclarecimentos que serão obtidos
com a análise qualitativa da gestão cultural em seus diversos aspectos, desde as propostas de
ação, às tomadas de decisão, os ajustes de objeto, entre outros fatores que podem influenciar o
resultado dos projetos, ações, programas de uma política.
Assim, os resultados traduzidos por indicadores isoladamente, em algumas circunstân-
cias, suscitarão questões não evidenciadas no cotidiano sem oferecer respostas diretas, visto que
é através da análise do conjunto de decisões e ações da gestão que se podem alcançar alguns
esclarecimentos. Porém, quando as análises se fundamentam em um conjunto de informações
quantitativas sobre o cotidiano da gestão, o processo para que se identifiquem respostas passa a
ter parâmetros mais objetivos.
Isto corrobora a importância de se consolidar conjuntos de dados do cotidiano da gestão
por períodos mais longos, construindo séries de dados longitudinais, que permitirão ao gestor
avaliar as ações de sua política em perspectiva no tempo e verificar os resultados alcançados,
possibilitando o monitoramento e os ajustes durante o processo de gestão. Assim, seria possí-
vel analisar cenários anteriores e posteriores à instalação de alguns equipamentos culturais, da
mudança na programação oferecida, verificar se os resultados foram mais expressivos em um
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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et lês indicateurs culturels. Paris: UNESCO, 1979. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/
images/0003/000380/038077fb.pdf> Acesso em 13 abr. 2013.
PFENNINGER, M. Indicadores y Estadísticas Culturales: Breve repaso conceptual. In: Boletín GC,
n. 7, 2004. Disponível em: http://www.gestioncultural.org/ficheros /1_1316771694_MPfenniger.pdf>
Acesso em 13 abr. 2013.
YUE, A; KHAN, R; BROOK, S. Developing a local cultural indicator framework in Australia: a case of
the city of Whittlesea. In: Culture and Local Governance, v. 3, n. 1-2, 2011. Disponível em <https://
uottawa.scholarsportal.info/ojs/index.php/clg-cgl/article/view/191/174> Acesso 16 abr. 2013.
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RESUMO: Este estudo foi realizado na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Setor de Políticas
Culturais, entre 2012 e 2014, e contou com a orientação da Profa. Dra. Lia Calabre. Seu
objetivo foi a análise empírica dos impactos sociais, culturais e humanos em comunidades onde
se estabeleceram os Pontos de Cultura - uma das vertentes do Programa Nacional de Cultura,
Educação e Cidadania – Cultura Viva, criado em 2004, durante a gestão de Gilberto Gil no
Ministério da Cultura do Brasil. Entre outras coisas, buscou-se verificar o alcance desta política
como fomento à diversidade cultural – seu princípio fundante. Neste artigo, há uma síntese das
ações empreendidas nesta pesquisa, a qual envolveu estudo bibliográfico e pesquisa de campo
em dois Pontos de Cultura da cidade de Campinas-SP.
1. INTRODUÇÃO
O principal objetivo desta pesquisa foi verificar, com base em estudos teóricos e traba-
lhos de campo, os impactos das ações dos Pontos de Cultura, vertente do Programa Nacional
de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, criado em 2004 na gestão de Gilberto Gil no
Ministério da Cultura. Os Pontos de Cultura, dentro da perspectiva do MinC, são definidos como
organizações da sociedade civil já existentes, que recebem apoio financeiro e kits de cultura di-
gital disponibilizados através de editais públicos. Desde a criação do programa, os projetos con-
templados recebem por três anos o valor correspondente a três parcelas de R$60 mil, tendo como
contrapartida a realização das atividades propostas no plano de trabalho submetido no edital. De
acordo com os conceitos básicos dos criadores do programa, o Ponto de Cultura está apoiado em
quatro pilares conceituais: autonomia, protagonismo, empoderamento e gestão compartilhada.
A fim de se estudar esta vertente do programa Cultura Viva, esta pesquisa se dividiu em três
etapas: 1) levantamento e estudo de documentos oficiais sobre os princípios do programa, análise
dos estudos realizados pelo IPEA nos anos de 2009 e 2011 - onde avaliou-se a implementação e
1
Produtora Cultural, Fundadora da SIM! Cultura, Pesquisadora de Políticas Culturais pela Fundação Casa Rui
Barbosa e Mestranda em Artes da Cena pela UNICAMP. Email: danisampaio08@gmail.com
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alcance das ações previstas no programa - e bibliografia relacionada às políticas culturais. 2) ob-
servação empírica de impactos sociais, culturais e humanos em duas comunidades com Pontos de
Cultura na cidade de Campinas-SP, envolvendo a aplicação de entrevistas aos gestores, colabora-
dores, alunos/frequentadores e população moradora/trabalhadora das comunidades onde os Pontos
estão inseridos. 3) comparação reflexiva entre o estudo teórico e os dados coletados na pesquisa
de campo.
Partindo do princípio de que o programa tem como premissa a promoção da diversidade
cultural, procurou-se contemplar no trabalho de campo Pontos de Cultura que envolvessem
ações e públicos beneficiados completamente divergentes. Assim, o primeiro ponto observado
está localizado em uma região nobre da cidade de Campinas e tem como atividade principal a
realização de saraus musicais a um público majoritariamente acadêmico: a Cia Sarau. O segun-
do ponto está localizado em uma região historicamente menos favorecida da cidade, e tem como
ação principal atividades culturais voltadas para o atendimento de crianças e jovens de baixa
renda: a Casa de Cultura Tainã.
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já nos seus primeiros dez anos por sucessivas substituições de dirigentes e por ações típicas da
chamada política de evento, com ações isoladas e com caráter imediatista.
É entre 1994 e 2002, período dos dois governos do Presidente Fernando Henrique Car-
doso, que o MinC vai vivenciar seu primeiro período de estabilidade. Ali, introduziu-se no país
a política neoliberal do Estado mínimo, com práticas análogas àquelas inauguradas por Ronald
Reagan e Margaret Thatcher, nos EUA e Grã-Bretanha respectivamente, na década de 1980 –
desenvolvendo-se, nestes países, novos modelos de fomento à cultura, baseados em transferên-
cias de responsabilidades e regulação por práticas de mercado (WU, 2006, passim). Em sintonia
com este movimento, o MinC, chefiado nestes oito anos por Francisco Correa Weffort, empe-
nhou a quase totalidade de suas ações na promoção da Lei de Incentivo - ou Lei do Mecenato,
como passou a ser chamada. Mas a despeito das fortes investidas na promoção da Lei, não foram
cumpridas as proposições iniciais de corrigir as desigualdades de apoio às expressões artísticas
em nível nacional. Pelo contrário: ao concentrar os recursos no eixo sul do país e por priorizar
projetos vinculados aos chamados grandes nomes da indústria cultural, a principal política deste
período agravou ainda mais as desigualdades regionais da área cultural no país. Pior, de acordo
com Rubim, a cruel combinação entre escassez de recursos estatais e a afinidade desta lógica de
financiamento com os ideários neoliberais, fez que parcela considerável dos criadores e produ-
tores culturais passasse a identificar política de financiamento e políticas culturais com as leis
de incentivo (RUBIM, 2012).
Em mão contrária às práticas neoliberais, entre 2003 e 2010, período dos dois mandatos
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, observa-se um empreendimento da pasta para a ins-
titucionalização da cultura em nível nacional. Este seria o segundo período de estabilidade do
MinC, quando Gilberto Gil assumiu a chefia da pasta até 2008. Neste intervalo, verificou-se uma
forte articulação entre poder público e sociedade civil que resultou na criação e implementação
de diferentes políticas culturais nos âmbitos municipal, estadual e federal. É neste período que
a pasta ganha notoriedade e se amplia o debate em torno das políticas culturais em diferentes
segmentos da sociedade brasileira.
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do próprio programa e mesmo de ações da sociedade civil, por exemplo (IPEA, 2011) -, nunca
uma política pública mobilizou tão expressivamente diferentes segmentos da sociedade. Mais:
possibilitou uma mudança de paradigma na maneira de entender a ação cultural. Assim, por
exemplo, o lançamento de outro programa articulado ao Cultura Viva, o Mais Cultura, inseriu
as iniciativas desta área na agenda do governo federal, tomando-as como políticas estratégicas
de redução da pobreza e a desigualdade social. Aí, um grande avanço no entendimento da cul-
tura – menos como política de evento e entretenimento, como em gestões anteriores do MinC, e
mais como ação política transformadora.
A fim de verificar o alcance desta ação sua ação – sempre dentro da perspectiva da diver-
sidade cultural - foram pesquisados dois Pontos de Cultura na cidade de Campinas-SP com pro-
gramações e público-alvo completamente diferentes. Para tanto, além da pesquisa bibliográfica
acerca das políticas culturais, foram realizadas pesquisas de campo envolvendo a aplicação de
entrevistas com os gestores dos pontos, alunos e público frequentador, e moradores das comu-
nidades onde estão inseridos.
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tarde, seus moradores fundariam a Associação de Moradores da Vila Castelo Branco, a qual, atra-
vés de um concurso promovido na comunidade, passou a ser chamada de Casa de Cultura Tainã.
A Casa de Cultura Tainã é uma entidade cultural e social sem fins lucrativos, cuja mis-
são é possibilitar o acesso à informação, fortalecendo a prática da cidadania e a formação da
identidade cultural, visando contribuir para a formação de indivíduos conscientes e atuantes na
comunidade2. Segundo o gestor do ponto, a Casa apresenta-se como uma das poucas opções de
ação comunitária efetiva no bairro, sendo reconhecida como uma das únicas referencias cultu-
rais numa região onde se registram todos os tipos de carências, resultantes da falta de políticas
sociais que assegurem a sobrevivência e a qualidade de vida de crianças e jovens.
2
Extraído de: http://www.taina.org.br/casa.php / (acesso em 28/11/2013).
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nunca ter recebido a terceira parcela do primeiro convênio, a burocracia estatal, a falta de pre-
paro dos funcionários da Secretaria de Cultura de Campinas, a ausência de retorno aos e-mails
e telefonemas, dificuldades para esclarecer procedimentos na prestação de contas e o atraso do
pagamento das verbas, teriam sido os enfrentamentos recorrentes da gestão da Cia Sarau durante
os dois convênios.
Para conferir outras perspectivas acerca da ação do programa Cultura Viva, foram en-
trevistados moradores e/ou trabalhadores da comunidade onde a Cia Sarau está localizada. Para
tanto, concentramos a abordagem em um raio de até 1km da sede da Cia Sarau. A faixa etária
dos entrevistados esteve compreendida entre 21 e 62 anos, sendo 72% do sexo masculino e 28%
do sexo feminino. Deste total, 14% confirmaram que conheciam e frequentavam a Cia Sarau,
contra 29% que disseram não conhecer e 57% que conheciam, mas nunca havia frequentado
suas atividades. Quando perguntado sobre o tipo de vínculo que possuíam com o bairro, 14%
responderam que trabalhavam e 86% que moravam no bairro. Quanto ao grau de escolaridade,
7% disseram ter o Primeiro Grau completo, 14% completaram o Segundo Grau, 72% cursavam
ou já havia concluído a Graduação e 7% tinham Pós Doc. Em relação à profissão, foram con-
templados as seguintes respostas: antropólogo; advogado; ator; comunicador social; dançarina;
marceneiro; músico; produtor cultural, sapateiro e sociólogo. Sobre o nível de frequência à ati-
vidades culturais, tais como espetáculos de teatro, dança, show, 14% afirmaram que frequentam
em média uma vez a cada três meses, outros 58% frequentam uma vez por mês e 28% frequen-
tam uma vez por semana. Quando questionados sobre o que costumavam fazer no tempo livre,
foram contempladas as seguintes respostas: animação em 3D; caminhar; ir ao cinema; correr;
dormir; encontrar os amigos; fotografar; jogar futebol; pescar; ler. Por fim, foi perguntando
aos entrevistados o que eles entendiam por Ponto de Cultura. Do total de pessoas abordadas,
7% afirmaram não conhecerem, contra 93% que afirmaram já terem ouvido falar. Deste total,
foram contempladas as seguintes definições: ações de continuidade; intercâmbio de gestão e
ação cultural; espaço onde as pessoas conversam, debatem e retornam; problemas burocráticos;
incompatibilidade com o sistema; traz benefícios para os moradores; uma coisa genial; projeto
que mobiliza as pessoas; ação que promove encontros; estabelece contato com gente de outras
classes sociais; um ponto de transversalidade; retrato da comunidade.
No sentido de contemplar o ponto de vista de quem foi beneficiado com as ações do
Ponto de Cultura, foram aplicadas entrevistas também ao público frequentador da Cia Sarau ao
longo de quatro sessões dos saraus. Em sua maioria, o público da Cia Sarau é constituído por
acadêmicos e profissionais liberais, sendo 46% residentes no distrito de Barão Geraldo, 40% em
outras regiões de Campinas e 14% em outras cidades. A faixa etária dos entrevistados ficou con-
centrada entre 23 a 63 anos, dos quais 66% do sexo feminino e 34% do sexo masculino. Quanto
ao grau de escolaridade, 7% possuíam ensino superior incompleto, 63% graduação e 30% pós
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vistados variou entre 22 e 85 anos, dos quais 85% eram do sexo feminino e 15% do sexo mas-
culino. Deste montante, todos afirmaram conhecer a Casa, sendo que 73% afirmaram já terem
frequentado atividades contra 23% que nunca frequentaram. A respeito do tempo de moradia ou
trabalho na Vila Castelo Branco, 12% responderam que trabalham e moram no bairro, outros
12% que trabalham, mas não mora, e 76% que moram e não trabalham. Em seguida, observa-se
um claro contraste aos entrevistados do primeiro Ponto de Cultura no que se refere ao grau de
escolaridade, profissão e frequência à atividades culturais. De acordo com o que foi apurado,
23% possuíam o primeiro grau completo, 8% o segundo grau incompleto, 19% o segundo grau
completo e 50% preferiram não responder. Sobre a profissão, foram contempladas as seguintes
respostas: atendente de padaria, arte-educador, batuqueiro, professor, professor particular de
língua portuguesa, músico, aposentados. Em se tratando da frequência à atividades culturais,
19% confirmaram frequentar pelo menos uma vez por mês, 31% uma vez a cada três meses em
média, 12% pelo menos uma vez a cada seis meses e 38% não frequentam. A respeito sobre o
que costumam fazer no tempo livre, foram contempladas as seguintes respostas: andar de bici-
cleta, tocar com a banda, costurar, pintar, fazer ginástica, cozinhar, caminhar, dançar, navegar
na internet, participar de passeios promovidos pelos projetos sociais, frequentar as atividades
oferecidas pelo “Sistema S” (mencionados SESI e SESC). Por fim, o entendimento sobre Ponto
de Cultura revelou que apenas 15% dos entrevistados desconheciam esta vertente do Programa
Cultura Viva, contra 73% que afirmaram conhecer e 12% que preferiram não responder. Dentre
as definições do que é um Ponto de Cultura, foram contempladas as seguintes respostas: casa
de cultura; ponto que aglomera atividades culturais; espaço de cultura; ponto de encontro entre
pessoas e práticas; recinto que pode realizar atividades voltadas para a arte e cultura; lugar de
convivência; espaço para dividir saberes; arte e social juntos; reunião das capacidades múltiplas
de uma comunidade, espaço comunitário, casa de todos os moradores.
As entrevistas aos frequentadores e colaboradores da Casa de Cultura Tainã ficaram
restritas a profissionais e beneficiados que atuaram na Casa entre 2004 e 2008. A ausência de
realização de atividades somado à resistência em falar sobre a relação com a Casa de Cultura
Tainã, restringiu o contingente entrevistado em menos da metade do contingente entrevistado
no primeiro ponto. A faixa etária esteve concentrada entre 16 a 28 anos entre os alunos e de 19
a 37 anos entre os colaboradores – idades correspondentes à época do contato com o Ponto de
Cultura. Deste total, 38% eram do sexo feminino e 62% do sexo masculino. Quando perguntado
sobre o grau de escolaridade, 84% afirmaram possuir o segundo grau completo, 8% o ensino
superior incompleto e outros 8% o ensino superior completo. Aqui também nota-se um contraste
com os frequentadores do primeiro Ponto de Cultura, onde 63% teriam graduação. No tocante
às profissões, os entrevistados deram as seguintes respostas: educador, arte-educador, educado-
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ra-social, batuqueiro, músico e terapeuta ocupacional. Quanto ao tipo de relação que tinha com
o bairro, 38% disseram ser moradores e 62% em bairros vizinhos.
Quando perguntado como se deslocavam até o Ponto de Cultura, 84% afirmaram que
faziam o trajeto a pé, 8% de bicicleta e apenas 8% de carro – contrastando com os 72% da Cia
Sarau que afirmaram ir de carro próprio. Sobre a frequência às atividades promovidas pela Casa
de Cultura Tainã à época do convênio, 46% afirmaram frequentar em média três vezes por se-
mana, 16% pelo menos uma vez por semana e 38% pelo menos uma vez por mês. No que diz
respeito à frequência à atividades culturais, 23% disseram frequentar, uma vez ao ano, 46%
uma vez a cada três meses e 31% uma vez por mês, em média. Sobre como costumam ocupar o
tempo livre, foram contempladas as seguintes respostas: praticar esporte, artes marciais, capo-
eira, banda, BMX (modalidade esportiva com bicicleta), ouvir música, ir ao shopping, estudar,
ir ao cinema, ficar com família e amigos, assistir televisão, jogar vídeo-game, tocar bateria,
caminhar, ler. Quando perguntado como classificavam a Casa de Cultura Tainã, foram dadas as
seguintes respostas: uma escola; segunda casa; espaço de convívio da comunidade; ponto de
partilha de conhecimento; lugar de aprendizado e fortalecimento; respeito; valorização da negri-
tude; conhecimento e prática; reconhecimento do papel social de cada um; força coletiva; ação
social, cultural e artística. Por fim, sobre o que entendiam por Ponto de Cultura, tivemos como
respostas: transformação; espaço de valorização da cultura; conhecimento e evolução; local de
reconhecimento e respeito à cultura; a comunidade inteira; lugar em que as pessoas tem prazer
em ir; casa de convívio comunitário.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa se propôs a verificar alguns dos impactos sociais, culturais e humanos das
ações propostas no Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva. A par-
tir de estudos teóricos sobre políticas culturais e da observação empírica em duas comunidades
da cidade de Campinas-SP, procurou-se averiguar como os agentes envolvidos nas ações dos
Pontos de Cultura enxergam as transformações locais a partir da implementação dos Pontos.
Buscou-se, ainda, verificar como o programa atua na construção de uma política plural e inclu-
siva, em favor de uma democracia cultural.
Criado em 2004 na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, o Programa Cultura
Viva rompeu com um pensamento neoliberal - predominante nas gestões políticas brasileiras na
década de 1990 -, onde a produção cultural esteve pautada em práticas universalizantes e homoge-
neizadoras. A partir de 2004, o Ministério da Cultura aposta na construção de uma política nacional
de cultura por meio da legitimação e promoção da diversidade cultural. Para tanto, fundamentado
em um entendimento antropológico de cultura, seu discurso oficial passa a orientar diretrizes que
tomam por base a articulação de três dimensões da cultura: simbólica, econômica e cidadã.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Cultura (MinC). Cultura Viva: Programa Nacional de Cultura, Educação e
Cidadania. Brasília, 2004.
CALABRE, Lia. Políticas culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2009.
CANCLINI, N. Diferentes, desiguales y desconectados: mapas de la interculturalidad. Barcelona:
Gedisa, 2004
IPEA. Cultura viva: as práticas de pontos e pontões. Ipea/Coordenação de Cultura. Brasília: Ipea, 2011.
ARAÚJO, Herton E.; BARBOSA, Frederico A. B. (Org.). Cultura Viva – avaliação do programa arte,
educação e cidadania. Brasília: Ipea, 2010.
RUBIM, Antonio Albino Canelas; ROCHA, Renata (Org). Políticas Culturais. Salvador: EDUFBA, 2012.
WU, Chin-tao. A privatização da cultura. São Paulo: Boitempo, 2006.
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1. INTRODUÇÃO
Em Boa Vista-Roraima foi oferecido um curso de extensão em Gestão Cultural, reali-
zado pela Universidade Federal de Roraima em parceria com o Ministério da Cultura. Neste,
os participantes foram divididos em grupos para realizar um diagnóstico inicial da cultura nos
municípios e, nosso grupo, foi contemplado com Uiramutã. Desta forma, apresentaremos alguns
recortes da pesquisa que fizemos por meio de uma breve descrição histórico-geográfica, caracte-
rísticas da economia local, cultura e patrimônio histórico, natural, material e imaterial. Para tan-
to, realizamos entrevistas com autoridades locais, artesões e pessoas que vivem há muito tempo
na região, trazendo relatos importantes que contribuem para compreender a vida cotidiana no
município. Além disso, consultamos documentos e visitamos diversos locais para compreender-
mos as potencialidades do município do ponto de vista da cultura e do patrimônio.
1
Mestranda no programa de pós-graduação Sociedade e Fronteiras(UFRR), Professora do Curso de Artes Visuais
da UFRR, conselheira no Conselho Estadual de Cultura de Roraima - dayana.soares@ufrr.br.
2
Licenciada em pedagogia; gestora cultural do município de Uiramutã- lindinaia@hotmail.com
3
Gestor cultural do município de Uiramutã - omerio_ui@hotmail.com
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2. METODOLOGIA
O presente artigo se baseia em uma pesquisa qualitativa hermenêutica4 de caráter explo-
ratório, que se utilizou de diferentes abordagens e técnicas, com análise documental de fontes
primárias e secundárias, entrevistas semiestruturadas e estudo de campo, pois, de acordo com
Flick (2004, p. 22), “a pesquisa qualitativa não se baseia em um conceito teórico e metodoló-
gico unificado”.
Num primeiro momento, reconhecemos a importância de consultar os documentos ofi-
ciais, para partir deles direcionar o nosso olhar. Aqui elencamos a legislação e outros documentos
relevantes que tratam da cultura e das políticas culturais nas diversas esferas do poder público.
Em seguida, vislumbramos a possibilidade de aprofundar certos conceitos por meio da
bibliografia especializada. Interessou-nos particularmente definir as ideias de patrimônio cultu-
ral natural, material e imaterial e política pública de cultura. Além disso, procuramos entender
questões específicas no âmbito da gestão, como a gestão cultural, o Sistema Nacional de Cultura
e os órgãos gestores da cultura.
Num terceiro momento, planejamos dois estudos de campo ao município de Uiramutã.
Neles, pudemos vivenciar minimamente o que é estar no município percorrendo e interagindo
com a diversidade patrimonial. Entrevistamos moradores, visitamos locais considerados sagra-
dos, avistamos construções e monumentos simbolicamente relevantes, comemos e bebemos da
culinária local, entre outras vivências que tornaram possível compreender um pouco mais da
importância deste artigo para pensarmos a gestão cultural do município.
A fundamentação teórica deste artigo se encontra nas respectivas seções, de forma que
poderemos dialogar os diversos assuntos abordados com os conceitos e categorias de análise nos
locais adequados.
4
“a perspectiva hermenêutica dá conta de que a experiência humana está atrelada ao contexto sociocultural e que
é difícil conceber uma linguagem nas ciências sociais que exclua este contexto, quer seja pelos valores do pesqui-
sador, quer pelos do grupo estudado”. (GONDIM, 2003, p. 150).
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Esta situação peculiar revela alguns dados interessantes quanto à demografia local, for-
mada por 8.375 habitantes, segundo o IBGE (2010), sendo que a população urbana é de 1.138
habitantes e a rural é de 7.237 habitantes. Assim, considerando a elevada porcentagem da po-
pulação rural e o contexto territorial marcado pela presença da Terra Indígena Raposa-Serra do
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Sol, não surpreende que 7.382 habitantes sejam identificados como indígenas (IBGE, op. cit.),
aproximadamente 88% da população residente.
A característica da população atual, sobretudo na classificação do IBGE por cor ou raça,
nos remete à ocupação humana originária da região, muito antes da ocupação pelos europeus e
da emancipação municipal. Uiramutã é considerado o município roraimense com a maior por-
centagem de população indígena em relação ao total de habitantes. No município, esta popula-
ção é subdividida em vários povos como Macuxi, Ingaricó, Patamona, Taurepang e Wapixana.
Por volta de 1914, a Igreja Católica passou a realizar suas atividades religiosas com os
povos. Desde então, percebemos a influência desses novos saberes e doutrinas presentes no lo-
cal, visto que a maior parte da população professa esta religião. É justamente dos missionários
católicos que temos os primeiros relatos que registram a população, as atividades econômicas e
a chegada de outros imigrantes. As crônicas de viagens e os diários se tornaram fontes importan-
tes para a compreensão do surgimento da vila, e depois município, em suas origens.
Segundo Silva (2007), o garimpo é a primeira atividade econômica praticada por não
indígenas a partir da década de 1920, com crescimento até o auge da atividade na localidade da
década de 1940. O autor ressalva que “a atividade garimpeira não significa povoamento defini-
tivo” (SILVA, 2007, p. 111), mas certamente temos os resquícios das primeiras aglomerações,
como é exemplo a vila de Uiramutã, onde hoje é a sede do município. Após este impulso inicial,
o estado de Roraima e seus municípios produtores de ouro, como é o caso de Uiramutã, pas-
saram por mais dois períodos de intensa atividade garimpeira até o declínio final na década de
1990, quando diversos fatores convergem para desencorajar a prática em grande escala, como:
maior fiscalização por parte da Polícia Federal e demarcação de terras indígenas.
Outro fator de extrema relevância para o contexto histórico-social do município foi a
chegada dos fazendeiros que se dedicaram à criação de gado bovino. Com isso, algumas famí-
lias indígenas passaram a trabalhar para esses fazendeiros e, conforme o tempo foi passando, as
terras indígenas foram sendo tomadas pelo gado. Houve épocas de grandes conflitos para que
esses proprietários saíssem das terras e mais tarde deu-se início aos processos de demarcação
das terras indígenas. Atualmente podemos observar que, mesmo com a saída dos fazendeiros do
município, a população aprendeu a lidar com a criação de gado e hoje a carne bovina faz parte
da culinária de Uiramutã.
Um fato importante a ser exposto é o “memorial da aliança de amizade do marechal Cân-
dido Rondon com os povos de Uiramutã”. Por volta de 1928, o marechal Rondon, que demarca-
va as fronteiras do Brasil com os países vizinhos, esteve em Uiramutã e deixou um sabre como
memorial de aliança de amizade com o povo Macuxi. Atualmente este sabre está sobre a guarda
de Dona Avelina Pereira, uma indígena macuxi nascida na Comunidade Maturuca, mas resi-
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dente na Comunidade Ticoça, fundada por seu esposo Lauro Melquior, em 1977. Durante uma
entrevista, ela nos relatou algumas histórias que recorda de sua infância acerca do episódio5.
[...] Por volta de 1928, Tuxaua Amijor mandou o jovem Merequior ir
com os padres pela Guiana para ir pra Manaus passar um ano pra apren-
der a cultura dos brancos. Aí os padres mandaram recado pra fazer pista
grande pra pousar avião que ia trazer o exército e o chefe deles... Tu-
xaua Apá chamou os tuxauas e comunidades do Maracanã, Uiramutã,
Pedra Branca e Lilás pra trabalhar e depois receber os brancos que iam
chegar na comunidade. Em 1930, aí veio comitiva do marechal Cândido
Rondon (dono da espada), os padres do Brasil e Merequior... os padres
reuniram o povo cedo pra rezar missa, aí colocaram Merequior que ti-
nha aprendido ser branco pra ser Tuxaua no lugar do tuxaua velho Apá
Amijor. O Marechal falou pro povo e tirou sua roupa (farda), sapato e
cinto e colocou no Merequior e deu a espada como símbolo de amizade
com as comunidades indígenas da região. O Tuxaua vestia a farda nas
reuniões e no domingo pra ir pra missa e visitar os parentes. O capataz
Oscar vestia a roupa do Merequior na ausência dele. Já na velhice ele
passou o cargo pro filho Lauro Melquior e pra simbolizar o ato repas-
sou a espada do Marechal Rondon pra o mesmo e recomendou que este
ato se repetisse toda vez que mudasse de tuxaua na comunidade. [...] o
quartel já veio varias vezes aqui pra ver a espada e cantar hino do Brasil
na comunidade. Daí vai ser repassada pro meu neto Milton Melquior,
quando eu me for.
Devido à importância que é dada à espada guardada pela Dona Avelina, o Exército Bra-
sileiro, por intermédio do 6º PEF/7º BIS6, realiza anualmente um evento cívico-militar, como
cerimônia de repasse da espada, e parada militar.
Finalizando esta seção, destacamos que as comunidades apresentam certa vocação para
a pecuária bovina de corte, cuja criação é extensiva, prática herdada pelos antigos fazendeiros.
Além disso, as propriedades naturais e culturais do município podem vir a transformá-lo num
expressivo polo turístico, representando sua principal potência econômica. Outra atividade que
gera trabalho e renda é a produção e comercialização do artesanato, que será exposto adiante.
O mercado local de Uiramutã é movimentado pelos recursos oriundos de benefícios so-
ciais como o Programa Bolsa Família, Crédito Social, aposentados, pensionistas e salário mater-
nidade rural, provento de salários de servidores federais, estaduais e municipais, e recursos oriun-
dos da Guiana, pois toda a área de fronteira faz compra dos produtos da cesta básica em Uiramutã.
A agricultura sempre foi de subsistência, trabalhada de forma coletiva e familiar com o
cultivo principalmente da mandioca, que é a base de alimentação, feijão, milho, cará, banana,
batata e mamão. Além disso, diversos programas governamentais, ligados à produção e distri-
5
Entrevista concedida por dona Avelina Pereira aos autores deste trabalho, em setembro de 2015.
6
6º Pelotão Especial de Fronteira/7º Batalhão de Infantaria de Selva, instalado no município desde 2002.
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buição de alimentos impulsionam a produção local, gerando trabalho e renda para os moradores
do município.
4. A CULTURA NO MUNICÍPIO
4.1. Estruturação da política cultural no município
Hoje a gestão da cultura é feita pela Secretaria de Educação, Cultura e Desportos. O mu-
nicípio ainda está na fase inicial na institucionalização e implementação do Sistema Municipal
de Cultura. Não foram criadas as leis municipais, plano de trabalho e gestão específica de cultu-
ra, mas já estão em discussão projetos de lei para criação de todo o aparato dos órgãos munici-
pais de cultura. Por enquanto, a cultura figura apenas na Lei Orgânica de Uiramutã, conforme o
artigo 157 (Uiramutã, 1998, p. 34):
DA CULTURA E DO PATRIMONIO HISTORICO E CULTURAL
Art. 157 - O Município no exercício de sua competência:
I - apoiará as manifestações da cultura local;
II - protegerá por todos os meios ao seu alcance obras, objetos, docu-
mentos e imóveis de valor histórico, artístico, cultural e paisagístico.
Art. 158 - Ficam isentos do pagamento do imposto predial e territorial
urbano os imóveis tombados pelo Município, em razão de suas caracte-
rísticas históricas, artística.
Como ações de cunho de valorização cultural baseadas em políticas públicas, podemos
citar o ensino da língua materna dos povos indígenas locais na educação básica, tanto na rede
municipal quanto na estadual. Além disso, são trabalhadas nas escolas as artes cênicas, artesa-
nato e feiras culturais, que reivindicam as tradições dos povos originários da região.
Para além da esfera governamental, as organizações indígenas trabalham e lutam em
defesa da cultura local, a saber: a Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIRR),
que luta por uma educação diferenciada, respeitando valores locais (língua, arte, cultura, tradi-
ções, culinárias etc); o Conselho do Povo Indígena Ingaricó (COPING), que também defendem
a mesma causa, contudo acrescentam os saberes, expressões e artesanatos, principalmente ces-
tarias, como fonte de geração de renda; o Conselho Indígena de Roraima (CIRR), que é a maior
organização dos direitos indígenas, e também vem incentivando e apoiando ações culturais no
município; a Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (SODIURR), que também
apoia ações culturais; a Associação do Fórum de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentá-
vel de Uiramutã (AFDU), uma organização de interesse público que apoia ações voltadas para
a educação, saúde, geração de renda, empreendedorismo, cultura e meio ambiente, cujo tema
também é muito discutido no Fórum de Agricultura Familiar de Uiramutã.
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Partimos da definição da Constituição Federal de 1988: “Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de na-
tureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...]”.
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Fonte: fotografia de Alê Brum, 2015. Fonte: fotografia de Dayana Soares, 2015.
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2007. Segundo Dionito José de Souza, 48 anos, residente em Maturuca desde sua infância, ex-co-
ordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIRR) no período de 2007 a março de 2011, o
monumento “foi um presente para os tuxauas relembrarem a luta e o sofrimento das comunidades”.
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O povo ingaricó é formado por exímios artesãos, que possui no trançado um dos elemen-
tos mais expressivos de sua cultura. Belíssimos cestos de cipó titica e fibra de arumã, com uma
variedade de trançados, são confeccionados pelos homens e têm múltiplas funções. Além das
combinações de cores, formas e tamanhos valorizarem as peças, o material é enriquecido ainda
mais quando lhes são agregados elementos de matizes iconográficos.
Há também o primoroso chapéu de cipó, um tipo tradicional de sandália pïta pi’pï, co-
lares mo’mo e bolsas pakara, taimé. Os dois últimos artefatos podem ser confeccionados pelas
mulheres, mas sua produção costuma ser de peças de tamanho bem pequeno. Parece haver entre
os Ingaricó a noção de que os grandes artesãos são homens, e assim cabe às mulheres um papel
secundário nessa atividade.
4.2.3.2. Tradições
A medicina tradicional ainda é muito utilizada para tratamento de úlceras, sarnas, dores
musculares, inflamações. Além destas, há pajés e curandeiros, que ainda seguem suas tradições
e rituais, exemplificados mais adiante. As danças também estão presentes entre os povos, nas
quais se destacam a parixara, tucui e ximidim. Na entrevista realizada com Quésia Pereira da
Silva, da Maloca do Uiramutã, tivemos o relato de que esses três termos são usados para dançar
e cantar durante eventos que ocorrem nas comunidades.
Cada etnia tem seu cântico e sua dança e as melodias são diferentes. Durante as entre-
vistas, foi-nos explicado como ocorre entre o povo macuxi. O tucui é cantado e dançado para
receber o parixara. Então, quando há uma comunidade que vai fazer festa, dança o tucui e usa
vestimentas e adereços típicos dessa dança. Assim, o parixara também possui suas vestimentas
e adereços, sendo que a fibra da palha do buriti é muito utilizada com adereços de semente e
pena. No caso da parixara, a letra da melodia quer dizer “a minha bonita saia de palha balança,
traz bebida pra eu beber”. O ximidim tradicionalmente era usado no Natal e em festividades re-
ligiosas dentro da comunidade, como no Sábado de Aleluia, por exemplo. Cada dança tem uma
pintura corporal diferente.
Quésia Silva9 relembra que, na época em que era criança, todos da comunidade dan-
çavam, principalmente os mais velhos e adultos. Com a entrada dos não índios em Uiramutã
algumas falas, do tipo “essas danças de vocês é feia”, foram intimidando os índios e, aos poucos,
apenas os mais antigos sabiam dançar e cantar. Percebendo que havia o risco de acabar com
essa tradição Quesia, que também é professora, iniciou uma ação com toda comunidade para
não deixar que isso ocorresse. Devido à inclusão da educação escolar indígena nas comunidades
indígenas de Roraima, a inserção de atividades que trabalham as questões culturais dos povos
Entrevista concedida aos autores em setembro de 2015. Quésia Silva é professora e ministra aulas de língua
9
Macuxi.
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tradicionais foi facilitada. Assim foi possível mobilizar professores e alunos para ensinar tucui,
parixara e ximidim. Atualmente, a maioria dos jovens sabe participar dançando e cantando junto
com os mais antigos nos eventos que acontecem na comunidade.
Outro fator discutido foi a diferença entre o pajé e curandeiro. Quesia Silva nos disse que
o pajé recebe um tipo de entidade e que essa entidade é capaz de detectar o problema do enfer-
mo. Para isso o pajé faz uso de algumas plantas, fumo e rituais, realizando assim uma espécie
de cirurgia espiritual. Nesse momento, Lindinaia Melquior, que também participava da roda de
conversa, lembrou e relatou uma experiência que teve com um pajé da comunidade:
[...] [meu filho] chorava demais e cresceu o umbigo, ficou grande né,
maior que um botão mesmo, assim, ficou grande aí já tavam encami-
nhando ele pra fazer cirurgia em Boa vista, aí quando o Pajé passou lá
em casa de tardezinha viu ele chorando demais, mas chorava muito, aí
ele perguntou porque ele tava chorando, aí eu mostrei o umbigo, que ele
tava chorando, tava sangrando, aí ele pegou e disse assim, minha filha
é, minha filha, compra o cigarro quando for a noite eu vou vir aqui. Aí
tudo bem. E nisso já tava sendo encaminhado pra ir pro médico em Boa
Vista fazer cirurgia. Aí eu comprei. Eu pedi pro meu esposo comprar o
cigarro, comprou e quando foi a noite ele foi lá. Aí eu presenciei né, ele
fazendo todo o ritual dele né, incorporando outro espírito no corpo...
quando ele fumou e entrou outro espírito né, aí era acho que tipo um ve-
nezuelano falando, aí ele falou, ele disse tipo ‘nossa né, você e seu filho
quase morriam né’ e eu também, eu quase morria no parto, o meu filho
também, aí ele disse, vou fazer cirurgia, aí ele pegou e vi ele fazendo
assim com o dedinho né, fez, aí rapidinho ele pediu uma tesoura não sei
de quem lá, por que eu não via mais ninguém lá né, só mesmo espírito
né, aí ele pegou e disse assim, não vai ser mais preciso você levar seu
filho pra Boa Vista, só não deixa ele chorar, não deixa. E uma semana
né, em três dias vai tá bem melhor, mas durante uma semana, vai sumir,
vai voltar ao normal o umbigo do seu filho. Tudo bem né, enquanto os
médicos estavam preparando a remoção, a viagem, realmente, eu não
deixei ele chorar, quando tava com três dias não sangrava mais e em
uma semana sumiu [...].
Nesta roda de conversa, pudemos entender melhor como é feita uma pajelança, ilustran-
do alguns processos e rituais empregados, corroborando aquilo que nos explicava a entrevistada.
Ainda conforme a entrevistada, o curandeiro atua de forma diferente. Este trabalha mais
com as plantas medicinais, chás, rezas e banhos. Uma das plantas muito utilizadas é o pião
roxo, em que o curandeiro vai fazendo a reza no enfermo e sacudindo o pião roxo. Depois dis-
so, ele pode recomendar que um chá de uma determinada erva ou planta seja bebido para que
o indivíduo melhore.
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4.2.3.3. Culinária
Muito da cultura dos povos indígenas do município se manifesta com muita força na
culinária local. A damurida (caldo de carnes diversas, com folhas de caruru e pimenta) é o mais
comum na culinária local, faz parte do cotidiano do povo indígena e pode ser consumida com
beiju e farinha d´agua. A tanajura (formiga saúva fêmea) é também um aperitivo muito apreciado
pelo povo local, tanto pelo sabor como pela as propriedades medicinais. Este pode ser consumido
cru, assado, frito e também na damurida. Uma curiosidade é que, nos dias que as saúvas voam,
todas as escolas no município liberam os alunos para pegar o inseto. Há um projeto de lei na
Câmara dos Vereadores para instituir feriado municipal nos três dias em que os insetos aparecem.
Cono’repa (soldado de cupim) é consumido como fonte de alimentação, consumido cru
com molho de pimenta. Por suas propriedades medicinais combate gripe, pneumonia, asma. Po-
de-se também fazer dele uma pasta e passar em úlceras e outras inflamações externas. Manivara
(cupim fêmea) também é um aperitivo e, como a saúva, é consumida no início do período das
chuvas. Muchiua (larva de besouro) é consumido assado e é encontrado em tronco da palmeira
de buriti. A rã é consumida assada e na damurida. Lagartas de maniva e mutamba são consu-
midas assadas e na damurida. Todas essas iguarias fazem parte do cardápio local. Há também
o tacacá, feito de peixe com amido de mandioca, e o beiju de mandioca, que não podem faltar
nas refeições.
Nesta seção ainda, é preciso destacar outro aspecto da cultura culinária local: as bebi-
das. O caxiri é uma bebida de mandioca brava, que depois de ralada é cozida e colocado em
recipiente para fermentar (mandioca com batata, milho, cará, abobora, macaxeira). Pajuaru é
outra bebida típica local, bastante consumida na região, também é feita de mandioca. Primeiro é
feito o beiju que é “deitado” na folha de maniva ou banana para levedar. Ganha liga consistente,
depois é misturado com água e colocado em recipiente para fermentar. Após esse processo, está
pronto para o consumo. O sumo de pajuaru ou “whisky do indígena” é um licor concentrado que
é aparentemente doce, mas possui um pouco de amargo. Ele tem a fama de deixar quem o con-
some com três dias de ressaca. Tanik (batata roxa com caldo e cana) e mocororó (caldo de caju)
também são bebidas facilmente encontradas nas comunidades do município.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após investigarmos o município, podemos afirmar que há muito que considerar em termos
culturais, porém também há muito que fazer na construção de uma gestão cultural no município.
Esta constatação não pressupõe uma crítica à gestão como um todo, pois, durante a execução deste
trabalho, pudemos perceber que diversas iniciativas têm sido tomadas para implantar os órgãos
fundamentais da política de cultura municipal. Assim, o “muito que fazer” não indica a inoperân-
cia, mas sim o reconhecimento que, apesar das iniciativas atuais, o caminho para a plena cidadania
cultural no município demandará tempo e trabalho árduo dos diversos atores envolvidos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: O marco inicial da institucionalização das políticas culturais no Brasil pode ser
arbitrado no ano de 1930, momento de criação do Ministério da Educação e Saúde durante
o governo de Getúlio Vargas. A partir de 1934, contudo, entra em cena a figura de Gustavo
Capanema, que irá representar verdadeiro divisor de águas na história da instituição, ao
arregimentar em torno de si verdadeiro grupo de notáveis do seu tempo. Ao mesmo tempo, na
cidade de São Paulo outro grupo de igual importância e qualidade, capitaneado por Mário de
Andrade, dará os primeiros passos para a criação da primeira experiência efetiva de política
cultural no país: o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Esse ensaio procurar
anotar algumas das características desses dois momentos, mas tendo como elo central a figura
de Mário de Andrade.
A relação entre Estado e cultura no Brasil tem raízes que remontam ao início do século
XIX, com a transferência da corte portuguesa para a cidade do Rio de Janeiro, ocorrida em
1808, momento que simboliza uma inaudita “presença material e simbólica da elite europeia”
(VARELLA, 2014) em terras brasileiras. Período a partir do qual são criadas então as primei-
ras instituições culturais no país, com especial destaque para a Biblioteca Nacional, o Museu
Nacional de Belas Artes e o Museu Histórico Nacional (BOTELHO, 2007), mas certamente a
partir de uma perspectiva que objetivava conformar a cultura “num patamar de elevação social
que corresponderia à própria distinção de classe, a ser feita entre os brasileiros, tidos como
aculturados, e os europeus, tidos como representantes da cultura letrada, sofisticada e ideal”
(VARELLA, 2014).
Esse impulso inicial não se desdobrou, contudo, em iniciativas destinadas a ampliar o
seu alcance ou revestir-se de outra intencionalidade, permanecendo de certa maneira apenas
enquanto testemunho de um período bastante singular na história do país. Por esse motivo,
1
Eduardo Augusto Sena é mestre em Ciência da Informação pela ECA/USP e assessor de Projetos Especiais da
Fundação Bienal de São Paulo (eduardo.sena@gmail.com)
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concordam diferentes autores que apenas na década de 1930 as políticas culturais serão, de fato,
objeto detalhado da ação estatal (CALABRE, 2007; BOTELHO, 2007; CALABRE, 2009). O
marco inicial dessa trajetória situa-se em novembro de 1930, data de criação do Ministério da
Educação e Saúde Pública, e que assinala o início do processo de institucionalização das polí-
ticas culturais no país, ocorrida no interior do aparelho estatal durante o período do governo de
Getúlio Vargas (1930-45).
Com efeito, ao longo da década de 1930, é realizado o primeiro esforço de implanta-
ção de um sistema articulado de políticas a nível nacional, o que resultou na criação de novas
instituições “com o fito de preservar, documentar, difundir e mesmo produzir diretamente bens
culturais, transformando o governo federal no principal responsável pelo setor” (BOTELHO,
2007). Outras instituições, existentes desde os tempos do império (acima citadas), também fo-
ram incorporadas a esse sistema (BOTELHO, 2007).
Embora o Ministério tenha sido criado já no primeiro ano do governo de Getúlio Vargas,
a entrada em cena de Gustavo Capanema, nomeado titular da pasta em julho de 1934, é consi-
derado um divisor de águas na história dessa instituição2. Não apenas pela longevidade de seu
mandato (CALABRE, 2009)3, mas principalmente pelas emblemáticas iniciativas postas em
ação e o incrível grupo de colaboradores com que contou na sua gestão.
Especificamente no campo da cultura, isso significou a participação de intelectuais de
variadas matizes no desenvolvimento de políticas públicas focadas em diferentes frentes de
atuação. Nomes emblemáticos da literatura, das artes plásticas, da arquitetura, da música e da
pintura, emprestaram seu prestígio e talento ao empreendimento coletivo, em voga no período,
de modernização e de superação do atraso, pelas vias da cultura e da educação, de um país que
fora o último das Américas a abolir a escravidão, contava ainda com um enorme contingente
de analfabetos e uma população desprovida de aprendizado para lidar com os seus direitos e a
participação em uma sociedade livre (BOMENY, 2012).
Intelectuais do porte de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Candido Portinari, Carlos Drum-
mond de Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Manuel Bandeira, Anisio Teixeira, Gra-
ciliano Ramos, Gilberto Freyre, entre outros ainda, orbitaram de modo decisivo as ações do
Ministério, a ponto de associar seus nomes a políticas que marcaram época em seus campos de
atuação e a receber, em conjunto, a denominação de constelação Capanema (BOMENY, 2011).
Entre os feitos mais simbólicos e ricos em consequência desse período, podemos desta-
car dois que perduraram até os dias atuais, rompendo, ainda que a custo, as dificuldades ineren-
2
Previamente a Gustavo Capanema foram titulares da pasta Francisco Campos (de novembro de 1930 até setembro
de 1932) e Washington Pires (de setembro de 1932 até julho de 1934). Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/
dossies/AEraVargas1/anos307/IntelectuaisEstado/MinisterioEducacao. Acesso em 15 de janeiro de 2015.
3
Gustavo Capanema exerceu a função Ministro da Educação até o final do primeiro governo de Getúlio Vargas,
em 1945.
692
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tes à intricada trajetória das políticas culturais no Brasil. Destacamos incialmente o prédio do
próprio Ministério da Educação e Saúde, construído no centro do Rio de Janeiro e hoje denomi-
nado Palácio Capanema, considerado “obra exemplar da ousadia de um tempo, responsável pela
inclusão do Brasil no cenário internacional da arquitetura” (BOMENY, 2012).
Inicialmente, o vencedor do concurso para seleção do projeto de construção do prédio, re-
alizado em 1935, foi Arquimedes Memória, que havia sucedido Lucio Costa na direção da Escola
de Belas Artes. O projeto não seria levado a cabo, e no ano seguinte o ministro Capanema soli-
citou ao próprio Lucio Costa a elaboração de uma nova proposta. Para tanto, organizou-se uma
comissão integrada por alguns dos arquitetos desclassificados no concurso (Carlos Leão, Jorge
Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Oscar Niemeyer e Ernani Vasconcellos), e que contou com a
orientação e o aporte intelectual do arquiteto modernista suíço Le Corbusier. Desse modo, forma-
da uma nova e jovem equipe, sob os auspícios do ministro, e contando com tal consultor de peso,
outro projeto foi desenvolvido, com renovada mirada e perspectiva, resultando na construção de
edifício que é considerado obra pioneira da arquitetura moderna no Brasil (BOMENY, 2012).
Outro símbolo sempre lembrado desse período consiste em uma instituição que trilhou
um bem sucedido caminho e se consolidou ao longo do século XX: o Serviço do Patrimônio
Artístico Nacional (SPHAN), posteriormente rebatizado de Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), denominação que perdura até os dias atuais. O processo de criação
do órgão contou com a participação ativa de ilustre personagem que, tal qual Gustavo Capa-
nema, marcaria de forma decisiva os rumos das políticas culturais no país. Trata-se do poeta,
escritor e intelectual paulistano Mário de Andrade, figura de proa do Modernismo Brasileiro e
dotado de múltiplos talentos, capaz de circular com destreza pela cultura erudita, o folclore e as
manifestações da cultura popular.
Atendendo a um pedido pessoal do ministro, redigiu, em 1936, o Anteprojeto de Pre-
servação do Patrimônio Artístico Nacional4, instrumento que nortearia a institucionalização do
SPHAN. No documento, Mário de Andrade sugeriu compreender o registro, defesa e promoção
do patrimônio cultural brasileiro sob o prisma de uma concepção bastante abrangente de bem
cultural, antecipando em vários aspectos, especialmente na dimensão do imaterial e simbólico,
concepções que, mesmo no âmbito das convenções da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), levariam ainda várias décadas para se cristalizar
(TORELLY, 2015).
O projeto final de criação do órgão, redigido ao cabo por Rodrigo Melo Franco de Andra-
de, nomeado o seu primeiro diretor, cargo que exerceria até 1967, não contemplou integralmente
suas proposições, sendo “abandonado naquilo que trazia de mais desafiador e avançado para seu
4
A íntegra do documento elaborado por Mário de Andrade está disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/
ckfinder/arquivos/Protecao_revitalizacao_patrimonio_cultural%281%29.pdf. Acesso em outubro de 2015.
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tempo: a memória dos grupos populares, das etnias que compõem a brasilidade, da diversidade
dos saberes e fazeres do país” (BOTELHO, 2007).
De todo modo, a instituição seria criada em janeiro de 1937, por força da Lei n.º 378, e
posteriormente regulamentada pelo Decreto-lei n.º 25, de novembro do mesmo ano (CALABRE,
2009). Teria início então um período de intensos trabalhos, que passaria à posteridade como a
“fase heroica” do SPHAN, no qual um grupo de notáveis de uma geração empreendeu a tarefa
sistemática de identificar e registrar os elementos mais importantes do patrimônio histórico e
cultural nacional, superando uma tradição que julgavam amadora no registro do nosso passado.
Como a recuperar o tempo perdido nesse processo de passar a limpo a história de um
país em grande medida ainda em formação, dedicaram-se a essa tarefa com afinco, utilizando-se
principalmente do tombamento como instrumento. Com efeito, Silvana Rubino aponta que o
trabalho de tombamento “tem início em 1938 e, até dezembro daquele ano, 215 bens haviam
sido inscritos em livros de tombamento” (RUBINO, 1996), o que representava quase a terça par-
te de um total de 689 bens patrimoniais inscritos durante as três décadas em que Rodrigo Melo
Franco de Andrade esteve à frente da instituição.
Contudo, cabe a ressalva que nessa operação o passado a evocar e a valorizar foi cla-
ramente delimitado no tempo e no espaço, e o registro dos bens privilegiou sobretudo o bem
edificado, com predomínio do imóvel religioso católico e urbano. Além disso, o mapa dos bens
tombados no período parece indicar que a geografia do passado nacional concentra-se em esta-
dos vinculados a ciclos econômicos – Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo, além do
Distrito Federal (RUBINO, 1996).
Adicionalmente, as opções do período em questão permitem inferir, mais destacadamen-
te, o papel central atribuído ao século XVIII e ao estado de Minas Gerais (terra natal de Rodrigo
e cuidado pessoalmente por ele) como os elementos mais importantes de nossa formação histó-
rica. Estado que representava, inclusive, a proto-história da preservação no Brasil, em virtude da
ordem régia expedida pela rainha Maria I no ano de 1790, em que solicitava o registro dos mo-
numentos arquitetônicos do ciclo do ouro (RUBINO, 1996). A proeminência de Minas Gerais
assentava-se na importância de sua literatura, música, arquitetura e pintura (no qual se sobressaí
a obra de Aleijadinho), mas também no fato de que o estado era profundamente lusitano, com
uma arquitetura em que eram ausentes os sinais característicos de origem africana ou ameríndia.
Dessa maneira, é possível afirmar que, grosso modo, a primeira geração de colaborado-
res do SPHAN registrou um conjunto de patrimônios históricos e culturais que atribuía grande
valor ao elemento reinol de nossa formação (enquanto excluía a herança do elemento africano
e indígena), bem como aos bens urbanos edificados de caráter monumental. Nesse processo, as
escolhas realizadas na “fase heroica” da instituição relegaram à sombra os conflitos e contrastes
de uma sociedade historicamente desigual e multifacetada (RUBINO, 1996).
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Parece evidente que aos poucos a trajetória dessa instituição foi tomando orientação me-
nos complexa daquela expressa em Mário de Andrade no seu Anteprojeto. Importante lembrar
contudo que, durante quase uma década inicial, seus integrantes operavam no interior de um Es-
tado autoritário, cujos dirigentes preocupavam-se em forjar uma identidade nacional e celebrar
um passado (que ao menos soasse) glorioso, e que nos franqueasse um lugar ao lado das grandes
nações civilizadas do mundo ocidental.
Aparentemente Mário de Andrade tinha em mente coisa bastante distinta quando redigiu
o seu Anteprojeto. De fato, esse documento já representava, em síntese, as concepções e concei-
tos que vinham sendo formulados por uma personalidade irrequieta e ativa, ávida em também
descobrir e formular o sentido de nossa cultura e identidade. Inquietações que lhe faziam com-
panhia desde há muito, e no momento mesmo em que as colocou no papel a pedido do amigo
Capanema, já constituíam os nortes de outra instituição que, tendo o próprio Mário de Andrade
à frente, pode ser considerada a primeira iniciativa especificamente orientada para o desenvolvi-
mento de uma política cultural no Brasil: o Departamento de Cultura e Recreação da Cidade de
São Paulo (CALABRE, 2009).
De tal sorte que, se no plano federal contava Capanema com uma verdadeira constelação
de intelectuais, que movimentava e fazia vibrar a então capital federal, na cidade de São Paulo
outro grupo de igual qualidade e importância também se dedicava, no mesmo período, à tarefa
de pensar o país e elaborar cultura e política em chave propositiva, com o semelhante intento
de fazer emergir das sombras do atraso um país novo, revigorado, apto à enfim encarar o seu
destino manifesto e por em marcha a missão que o programa republicano preconizava e admitia.
Se os dois grupos não podem ser vistos simplesmente como polos apartados, visto que se
frequentassem e em alguns casos mantivessem mesmo estrita colaboração, é certo que talvez os
pontos de partida fossem diferentes. Não era para menos. As duas cidades, já então consideradas
as principais do país, tinham passado e trajetória muito distintos. São Paulo era menos populosa,
ainda que em franco crescimento, talvez por isso mesmo mais plástica, e os seus atores não es-
tavam diretamente submetidos aos rigores e limites impostos pela atmosfera política e cultural
de uma capital federal.
Além disso, São Paulo havia sido o palco da Semana de Arte Moderna de 1922, marco
explosivo da renovação estética e artística representada pelo movimento modernista, que deita-
ria raízes profundas na cultura brasileira. Para o crítico Mário Pedrosa, é necessário proclamar
“a importância da Semana de Arte Moderna para o desenvolvimento não só artístico e literário
do Brasil, como cultural e espiritual” (PEDROSA, 2004).
O legado dessa experiência fora vital para as ações do Mário de Andrade e de todo um
grupo notável de artistas e intelectuais modernistas, que dela tomaram parte ativamente, e os
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E como não poderia deixar de ser, em consonância com o ideário modernista e os con-
ceitos expressos no trabalho desenvolvido para o Anteprojeto do SPHAN, a atenção com o
patrimônio imaterial adquiriu caráter transversal durante toda a sua gestão:
No intuito de investigar aspectos formadores de uma verdadeira “bra-
silidade”, realizaram-se pesquisas de manifestações da cultura popular
no interior do estado de São Paulo e, na Bahia, Camargo Guarnieri par-
ticipou do II Congresso Afro-Brasileiro. Essas iniciativas culminaram
naquele que talvez tenha sido o mais ambicioso dos projetos do Depar-
tamento de Cultura: A Missão de Pesquisas Folclóricas (PENTEADO,
2015, p. 21).
Projeto realmente ambicioso, a Missão pode ser inclusive considerada símbolo da “ins-
titucionalização da experiência de Mário de Andrade como o turista aprendiz que, no final dos
anos de 1920, realizara duas viagens vincadas pela perspectiva etnográfica, na esfera das mani-
festações musicais e das danças dramáticas” (PENTEADO, 2015). Antes ainda, durante a Sema-
na Santa de 1924, Mário já havia tomado parte, junto a D. Olivia Guedes Penteado, Tarsila do
Amaral, Oswald de Andrade e René Thiollier, na “viagem de descoberta do Brasil”, que percor-
reu as cidades históricas de Minas Gerais com o intuito de apresentá-las ao poeta franco-suíço
Blaise Cendrars (LOPEZ; FIGUEIREDO, 2015).
Missão que tem início em fevereiro de 1938, quando parte de São Paulo rumo aos esta-
dos do Norte e Nordeste do Brasil um grupo composto por Luís Saia, a quem coube chefiar a
expedição; Martin Braunwieser, musicólogo e maestro; Benedicto Pacheco, que desempenhava
a função de técnico de som; e Antônio Ladeira, ajudante geral. Entre fevereiro e julho desse ano,
visitaram cinco cidades em Pernambuco, dezoito na Paraíba, duas no Piauí, uma no Ceará, uma
no Maranhão e uma no Pará.
Não se tratava contudo de mera viagem turística. Antes, o papel que iriam desempenhar
mais apropriadamente se assemelhava ao de corajosos desbravadores, destinados a uma jorna-
da cujo caráter era exploratório e de pesquisa, contava com propósitos bem definidos e deman-
dava certa urgência na sua execução: prospectar, coletar e registar, em diferentes suportes, as
manifestações da cultura popular, com seus ritos, saberes e modos de vida, que se reproduziam
nessas regiões.
Partiram de São Paulo munidos dos “mais modernos recursos da técnica para o registro
fonográfico, fotográfico e cinematográfico das manifestações” (PENTEADO, 2015), e previa-
mente orientados teórica e metodologicamente para a pesquisa etnográfica. Luís Saia havia in-
clusive sido aluno da antropóloga Dina Lévi-Strauss no curso de Etnografia por ela ministrado
entre abril e outubro de 1936, justamente com o intuito de formar pesquisadores especializados
em folclore (PENTEADO, 2015).
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A Missão, contudo, iria se revestir de caráter quase heroico. Embora os mais avança-
dos para a época, os equipamentos usados para o registro eram pesados, de difícil operação e
inadaptados à mobilidade (CALIL, 2010), o que amplificava as dificuldades já à época naturais
ao empreendimento de tal natureza por territórios ainda inóspitos e com escassa infraestrutura.
A despeito das dificuldades que enfrentaram no caminho, esses intrépidos viajantes pro-
cederam ao registro e coleta de um vasto material, indicativo da rica diversidade cultural es-
praiada pelo território brasileiro, e que conforma um formidável mosaico de festas, cantos,
danças, instrumentos musicais e peças de cultos religiosos5.
A experiência, inovadora para a época e inédita na sua execução, pode ser considerada
o primeiro esforço efetivo e metodicamente orientado de mapeamento e registro das dinâmicas
culturais brasileiras. A urgência a que se impunha essa Missão estava atrelada à necessidade de
“registrar as manifestações da cultura popular em vias de desaparecimento, face à industria-
lização e à difusão massificada de referências culturais estrangeiras por meio do rádio ou do
cinema” (PENTEADO, 2015), mas, como salientamos acima, sua artesania era igualmente de-
corrência da reconhecida contribuição que Mário de Andrade e seus colabores atribuíam a essas
manifestações no desvelar de uma estética e identidade genuinamente brasileiras.
Esse formidável projeto é contudo realizado nos estertores da gestão de Mário de An-
drade à frente do Departamento. Os rumos da política nacional já eram outros quando esses
viajantes retornaram a São Paulo. A instituição da ditadura do Estado Novo, no final de 1937,
iria por fim ao curto interregno mais arejado de todo o primeiro governo de Getúlio Vargas. Iro-
nicamente, um dos principais precipitadores do golpe deflagrado era justamente “o crescimento
da candidatura do paulista Armando de Sales Oliveira à presidência durante o ano de 1937, com
perspectiva de ser eleito em janeiro de 1938” (CALIL, 2015).
Os estados da federação passariam para a intervenção federal, e o prefeito Fábio Prado,
substituído pelo engenheiro e urbanista Prestes Maia, técnico pouco interessado – e mesmo
hostil – às ações do Departamento de Cultura. Mário de Andrade é exonerado em maio de 1938
e se muda para o Rio de Janeiro, cidade em que “não encontrou tarefa à altura de seu prestígio
e capacidade” (CALIL, 2015).
Terminava assim, de modo melancólico, a grande contribuição de um dos maiores inte-
lectuais brasileiros do século XX ao inovador projeto de institucionalização das políticas cul-
turais tornado realidade na cidade de São Paulo por obra de um grupo tanto visionário quanto
formidável. Mas não relegado ao esquecimento.
5
“Além dos discos registrados, contendo perto de 1.500 melodias, a Missão trouxe na sua bagagem 1.126 foto-
grafias, 17.936 documentos textuais (cadernetas de anotações, cadernos de desenhos, notas de pesquisas, notações
musicais, letras de músicas, versos da poética popular e dados sobre arquitetura), 19 filmes de 16 e 35 mm, mais de
mil peças catalogadas entre objetos etnográficos, instrumentos de corda, sopro e percussão”. Disponível em: http://
www.centrocultural.sp.gov.br/Colecoes_Missao_de_Pesquisa_Folclorica.html. Acesso em 10 de novembro de 2015.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Departamento de Cultura e Recreação da Prefeitura de São Paulo não teria as ativida-
des encerradas com a saída de Mário de Andrade, servindo mesmo de embrião à atual Secretaria
Municipal de Cultura de São Paulo. Mas não recuperaria mais o mesmo vigor e elã criativo. De
modo bastante expressivo, o farto material da Missão de Pesquisas Folclóricas simbolizou para
os anos vindouros um monumento representativo do espírito de Mário de Andrade à frente da
instituição, e permitiu uma análise comparada de duas linhas de atuação no campo do patrimô-
nio e de construção da identidade nacional, quando comparado à atuação do SPHAN no período
que mencionamos acima.
Cuidadosamente sistematizado por Oneyda Alvarenga, grande colaboradora e amiga do
poeta, e que permaneceu à frente da Discoteca Pública (que hoje leva seu nome) até o ano de
1968, esse legado está salvaguardado no Centro Cultural São Paulo, e tem sido objeto da aten-
ção de pesquisadores e demais interessados nas dinâmicas culturais mais profundas de um país
hoje orgulhoso de sua cultura como ativo inalienável. Constituí um registro ainda vivo e proces-
sual, não reificado, de manifestações que ainda hoje, mesmo sob condições as mais difíceis, são
reproduzidas em diferentes pontos do nosso território.
Em carta a Paulo Duarte, datada de três de abril de 1938, um amargurado Mário de
Andrade se queixaria de haver sacrificado por completo três anos de sua vida e falhado naquilo
que justificaria tal sacrifício: impor e normalizar o Departamento de Cultura na vida paulistana
(CALIL, 2015). Faleceria menos de sete anos depois dessa missiva, nunca recuperado do trauma
pela demissão do Departamento de Cultura.
Oito décadas depois, com a cômoda distância imposta pelo tempo, é possível rechaçar,
de certo modo, tal afirmação. Afinal, mesmo após tanto tempo, é surpreendente notar como as
elaborações conceituais e a prática como gestor de Mário de Andrade tenham sido historica-
mente recuperadas e em boa medida tenham norteado o desenvolvimento de diferentes políticas
culturais ao longo de todo esse período.
Hoje, em reconhecimento do vigor intelectual de uma personalidade sobretudo visioná-
ria, todo um esforço vêm sendo realizado para atualizar o legado desse importante intelectual, à
luz dos desafios colocados para o campo cultural na atualidade, em face das enormes mudanças
sociais, políticas, demográficas e informacionais que tem no palco no século XXI.
A cidade de São Paulo certamente é muito diferente daquela em que viveu (e morreu de
amores) o poeta. A política parece permanecer tão fria e insensível aos grandes espíritos, como o
era há oitenta anos. Mas, ao menos, as transformações em curso têm permitido as gerações atu-
ais conhecer melhor o servidor público e gestor exemplar que existe por trás do escritor de obras
literárias que restaram tão atuais ainda hoje, tal o caso de Macunaíma, o herói de nossa gente.
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São Paulo tem hoje na cultura um dos seus maiores atrativos, defendido com vigor por
número cada vez maior de pessoas. Leva seu nome a principal biblioteca pública da cidade, a
segunda maior do país, e o acervo da Missão está hoje salvaguardado no Centro Cultural São
Paulo, inaugurado em 1982, cuja Discoteca leva o nome de uma de suas grandes colaboradoras,
Oneyda Alvarenga.
Oxalá o poeta esteja nos vendo.
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RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar a estratégia do Conselho Municipal de
Políticas Culturais de Bertioga no processo participativo de elaboração do Plano Municipal de
Cultura, através da mobilização da sociedade civil para o entendimento de seu protagonismo no
resultado final, analisando aspectos relevantes da situação atual e propondo o diagnóstico rápido
participativo como ferramenta de escuta pública.
1. INTRODUÇÃO
Os conselhos municipais de cultura são espaços importantes para a construção de deba-
tes e trocas de informação sobre as possibilidades de construção da cidadania cultural dos mu-
nicípios e nos últimos anos, principalmente após a aprovação do Sistema Nacional de Cultura,
em 2012, houve proliferação significativa no campo da instituição desses conselhos, visando
promover a participação e controle social e, ao mesmo tempo viabilizar recursos financeiros em
todos os níveis de governo.
O município de Bertioga busca hoje sua identidade cultural. A alta convergência migra-
tória não conduz somente à vulnerabilidade social, mas traz consigo o potencial de criatividade,
conhecimento, diversidade e beleza, premissas essenciais para o diálogo com vistas à paz e ao
progresso. O Conselho Municipal de Políticas Culturais de Bertioga procurou, desde o início
de sua primeira gestão, integrar-se de todos os mecanismos que promovam a cultura na cidade
em suas três dimensões: simbólica, cidadã e econômica e traçar uma rota entre o que somos e
o que queremos ser. Têm sido norteadores do processo as Metas do Plano Nacional de Cultura,
1
Presidente do Conselho de Políticas Culturais de Bertioga, graduada em Turismo pela Faculdade Anhembi Mo-
rumbi com pós-graduação em Comunicação Empresarial pela Escola Superior de Propaganda e Marketing e espe-
cialização em Gestão Cultural pelo SESC. Desenvolveu carreira em treinamento corporativo. E-mail: selvo@uol.
com.br
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2. COMO É BERTIOGA?
2.1. Aspectos físicos
Estância balneária pertencente à Baixada Santista, distante 118 quilômetros da capital,
Bertioga possui 491,2 km2 de área. Mais de 90% de seu território consiste em área de preserva-
ção permanente. Registra índice pluviométrico de 2.692 mm/ano e a temperatura média anual é
de 24ºC. Certificada como Município Verde e Azul, seus 33 quilômetros de costa estão divididos
em 6 praias principais.
Além das praias e da área de serra, Bertioga distingue-se pelo canal – um braço de mar
que separa a cidade da ilha de Santo Amaro (Guarujá), conhecido por sua beleza e tranquilidade,
além de ser um excelente ponto de pesca, de onde se avistam pontos turísticos como o forte São
João, os píeres e marinas e a balsa que faz a travessia para o Guarujá – e por sua hidrografia
composta pelos rios Itapanhaú, Guaratuba e Itaguaré. A avenida Vicente de Carvalho, que mar-
geia o canal, está em processo de reurbanização assim como a orla da Enseada, sua praia central.
O município ocupa posição de destaque no cenário regional e estadual devido a sua
significativa quantidade de área verde preservada. Bertioga conta com 87,2 km² de área ciliar e
apenas 1,4% desse total sofre com a ação do homem. O estado de preservação das áreas ciliares
na Unidades de Conservação leva em consideração cursos d´água, nascentes e manguezais que
estão inseridos no Parque Estadual da Restinga de Bertioga, Parque Estadual da Serra do Mar,
Parque Municipal da Ilha do Rio da Praia e Reserva Particular do Patrimônio Natural. Como
prioritário para a conservação da biodiversidade, o município engloba a Terra Indígena do Rio
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Silveiras, situada nos limites leste de Bertioga e avançando pelo Município de São Sebastião,
cuja população indígena é assistida pelas duas cidades.
2.2. Demografia
Possui 47.645 habitantes segundo o senso IBGE de 2010, com uma população estimada
de 53.679 em 2013 (IBGE, cidades@). A população é marcadamente urbana, não havendo pre-
dominância de gênero. A densidade demográfica do município – 96,74 hab/Km2 – é a menor da
Baixada Santista (IBGE, 2010), sendo que a ocupação territorial ainda encontra-se em transição
diferentemente da situação na Baixada Santista onde a ocupação encontra-se consolidada (Ins-
tituto Pólis, 2012).
Entre as 13 cidades da Baixada Santista e Litoral Norte, Bertioga apresentou a maior
taxa geométrica de crescimento anual da população, ressaltando-se o crescimento da população
acima dos 60 anos de 3 para 5% em contraste à diminuição do número de jovens até 29 anos,
que caiu de 50 para 41% nos últimos dez anos (Instituto Pólis, 2012).
Com taxas de migração entre as mais altas do estado e da região em que se insere, 51,2%
(NEPO, 2007), principalmente devido ao incremento da construção civil na década de 1970, a
etnia original, composta por indígenas e caiçara, vem sendo substituída principalmente por ha-
bitantes provindos do nordeste.
Nota-se, nos últimos 10 anos, a tendência de aumento dos domicílios de uso ocasional,
ao contrário do que vem ocorrendo no litoral norte. A população oscila dos menos de 50 mil
residentes até 250 mil eventuais nas altas temporadas (Instituto Pólis, 2012).
Os principais vetores de ocupação são os serviços, comércio e empregos públicos. Os
rendimentos médios dos bertioguenses são menores do que as médias registradas no estado de
São Paulo e no Brasil. Observa-se também que a taxa de informalidade – 47% – é superior às
da região, do estado e do país (Instituto Pólis, 2012). O rendimento nominal mensal de 67% dos
domicílios encontra-se abaixo de 3 salários mínimos (IBGE, 2010), sendo os menores índices
observados nos setores afastados da orla e no interior da Rodovia SP-552. Os maiores valores de
rendimento encontram-se próximos à orla marítima e principalmente na Riviera de São Louren-
ço, onde encontra-se o maior número de domicílios ocasionais.
O Programa Bolsa Família beneficiou 2.194 famílias em setembro de 2015, sendo sig-
nificativo o número de descumprimentos de condicionalidades. Das 69 famílias indígenas ca-
dastradas no município, 57 são beneficiárias do Programa. Observa-se grande necessidade de
políticas públicas voltadas à geração de empregos na região.
Apesar do padrão de desenvolvimento urbano marcado pela segregação socioespacial, e
para além de sua condição de cidade de veraneio responsável pela atração de grande população
2
Rodovia Doutor Manuel Hipolito Rego, conhecida como Rio Santos
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flutuante, Bertioga tem vivido nos últimos anos uma queda consistente nos seus índices de crimi-
nalidade. O número reduzido de homicídios, latrocínios e roubo de veículos faz da cidade um dos
municípios mais seguros da Região Metropolitana da Baixada Santista (Instituto Pólis, 2012).
2.3. Economia
Em 2015, o município de Bertioga teve uma arrecadação de pouco mais de 307 milhões.
Do total arrecadado, temos como destaque o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbana (IPTU), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Imposto Sobre Servi-
ços (ISS), que em termos percentuais representam cerca de 36% da arrecadação municipal do
exercício. Outra importante receita é a cota parte dos royalties e compensações financeiras da
produção do petróleo, que representaram cerca 14% do total arrecadado.
Apesar da taxa de crescimento econômico ser superior aos demais municípios, a renda
per capita é inferior, ocasionando acentuada vulnerabilidade socioeconômica. Existem na cida-
de 11 mil empregos formais (RAIS/TEM 2010).
A condição de estância balneária garante ao município repasses de verba para investi-
mento em infraestrutura voltada para o turismo e a promoção do turismo regional. Em janeiro
de 2014 houve aporte de 15 milhões de reais (Gomes, 2014), entre repasses do DADE3 e da
Fehidro4, para a realização de melhorias na cidade.
Os esportes náuticos e a pesca são elementos importantes para se levar em consideração
no planejamento de atividades culturais.
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3. DESAFIOS
3.1. Infraestrutura urbana
Geograficamente o município assemelha-se a um comprido e estreito retângulo com
distância de 44 quilômetros entre os extremos, cortado longitudinalmente pela ‘Rio Santos’.
As dispersas áreas urbanizadas intercalam-se com grandes áreas desocupadas distribuídas ao
5
http://www.revelabertioga.com.br/
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longo da costa marítima. Não há capilaridade no acesso entre os espaços urbanizados, provo-
cando imensos gargalos no fluxo de trânsito da rodovia, com impacto nas questões de segurança,
saúde, acesso a bens culturais, coleta de lixo e muitos outros. O transporte público é precário e
lento. Atualmente, não há integração entre transporte urbano e interurbano. Há queixas da po-
pulação que após a meia noite os ônibus só passam a cada duas horas, o que limita o usufruto
de atividades de lazer e cultura.
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Mecanismo de participação cidadã que permite expressão ao munícipe que represente um grupo de interesse
público, após a sessão ordinária da Câmara Municipal, mediante agendamento prévio.
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Através das referidas dinâmicas, o conselho criou poder de convocação e aumentou sua
expressão estando em condições de organizar o diálogo dos principais atores locais para que
analisem as questões de cultura como um todo e proponham ações conjuntas, minimizando a
sobreposição de determinados setores ou particularidades na definição de políticas públicas.
O Conselho Municipal de Políticas Culturais manteve-se cuidadoso com relação a su-
gestões de que o Plano Municipal de Cultura fosse rapidamente elaborado mesmo que ‘copiado
e colado’ de algum plano existente, analisando alternativas e mantendo contato com o represen-
tante regional do Ministério da Cultura. Constatando que o município não havia aderido ao Pla-
no Nacional de Cultura, o Conselho promoveu a necessária articulação para que o documento
fosse localizado, preenchido e enviado ao Ministério da Cultura. Os prazos estavam sendo ob-
servados e o primeiro passo deveria ser a elaboração do Sistema Municipal de Cultura, iniciativa
assumida pelo conselho. Em quatro reuniões, que contaram com representantes dos artesãos,
fotógrafos, músicos, artistas visuais foi elaborado documento entregue simbolicamente ao pre-
feito durante a I Conferência Municipal de Políticas Culturais sendo, em seguida, protocolado
na Secretaria de Turismo, Esporte e Cultura. Durante dois anos o Conselho oficializou pedido
de vistas ao processo e em 2015, constatando que o processo havia desaparecido e considerando
que a Secretaria estava sob nova gestão, voltou a protocolar o documento.
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Perguntas e Respostas” (MinC, 2011), o Guia GPS do Programa Cidades Sustentáveis (Progra-
ma Cidades Sustentáveis, 2013) e a Agenda 21 da Cultura (Institut de Culture), elencaram-se as
premissas e princípios mantendo-se o foco no protagonismo e participação popular sustentando
o carácter consultivo, deliberativo e fiscalizador do Conselho Municipal de Políticas Culturais.
Além da observância à legislação aplicável e da consistência técnica do Plano, cuja respon-
sabilidade cabe ao poder executivo, o conselho permaneceu atento às diversas interlocuções
permeando a pluralidade dos envolvidos com ênfase em ações estruturantes que devem atender
as necessidades e aspirações culturais do cidadão bertioguense ultrapassando a dimensão dos
mandatos dos governantes. No Guia GPS8 (Programa Cidades Sustentáveis, 2013) encontramos
subsídios para o passo a passo do planejamento com base em informações organizadas, indi-
cadores e visão de futuro a partir de depoimentos dos gestores públicos após o diálogo com a
população e o consequente plano de metas a ser consolidado no Plano Municipal de Cultura. De
acordo com o Programa Cidades Sustentáveis (2013)
O planejamento municipal precisa considerar a dimensão cultural como um dos pilares
para o desenvolvimento sustentável. As comunidades crescem e se aprimoram a partir da preserva-
ção de suas manifestações culturais, que em particular reforçam um senso de identidade local, mo-
tivo pelo qual a gestão municpal deve adotar políticas públicas para a promoção e inclusão cultural
8
Gestão Pública Sustentável
711
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4.6.2. Metodologia
Foram realizadas, no total seis (6) oficinas participativas. A primeira, a título de valida-
ção da ferramenta, reuniu um grupo de dezoito (18) voluntários, sendo que as outras cinco (5)
tiveram ampla divulgação e documentação total, incluindo filmagens e gravações de áudio para
efeitos legais. Também por deliberação do Conselho e para melhor refletir a realidade do muni-
cípio, as oficinas foram estabelecidas geograficamente e não por setores de atuação.
Dois membros do Conselho assumiram o processo de mediação e condução das oficinas.
Como fator de descontração dos entrevistados, as matrizes de sistematização foram substituídas
por folhas de papel pardo tamanho A1 e foram distribuídos lápis de cera, canetas hidrográficas
e outros recursos de livre manifestação de expressão.
Com o objetivo de sanar lacunas referentes ao entendimento do que é o Plano Municipal
de Cultura, um resumo do conteúdo das oficinas de capacitação foi exposto aos presentes, que
em seguida – com apoio de recursos visuais – eram convidados a formar grupos e expor, sinteti-
camente, cinco (5) fatores positivos, ou potencialidades, da realidade cultural de seu segmento,
classificando-os como 1 (muito positivo), 2 (importante) e 3 (perceptível, mas não tão impor-
tante). Os participantes tiveram a oportunidade de expor, argumentar e principalmente de criar
sinergias não imaginadas. A etapa seguinte consistiu em traçar a síntese dos cinco principais
problemas, na opinião do grupo, para que fossem hierarquizados de acordo com sua frequência,
gravidade e possibilidade real de solução, com notas de 1 a 3. A partir da somatória dos pontos,
os grupos partiam para a definição do grau de prioridade que dariam ao problema de acordo com
sua plataforma de ação estratégica. O desafio final consistiu em apresentar soluções para cada
problema, conforme a possibilidade de atuação dos participantes. Para encerrar os trabalhos, que
duravam em média 3 horas, cada grupo apresentou seus trabalhos.
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4.6.3. Resultados
Durante os trabalhos com o grupo piloto, os principais problemas observados foram: a
falta de compreensão do contexto do Plano Municipal de Cultura, a carência de vocabulário e
terminologias para tratar as questões culturais e algumas interrupções para exposição de percep-
ções pessoais. Como ponto positivo destacaram-se a motivação, o entusiasmo e a contextuali-
zação adequada dos assuntos tratados. Os problemas foram facilmente sanados e a aplicação do
DRP nos cinco (5) bairros gerou resultados bastante inspiradores. Em uma escola, a funcionária
perguntou por que não íamos lá todos os finais de semana. Um grupo de artesãs surpreendeu
pela vivacidade e clareza das apresentações. Técnicos contratados para proporcionar apoio lo-
gístico, se valeram de sua condição de munícipes, para contribuir com as pesquisas.
A proposta de utilização de material lúdico, substituindo a matriz de sistematização, foi
providencial e o “conjunto da obra” será transformado em um painel que ficará exposto durante
a Audiência Pública do Plano Municipal de Cultura. O conteúdo do material foi sistematizado,
sem grandes dificuldades, pelos próprios membros do conselho. Em uma pasta Excel encon-
tram-se compilados, em 5 (cinco) planilhas, os resultados dos grupos por localidade, seguidos
de 2 (duas) planilhas onde foram elencados 8 (oito) Fragilidades e Obstáculos – utilizando os
problemas apontados pela população agrupados de acordo com suas semelhanças, e seis (6)
Vocações e Potencialidades de acordo com o mesmo princípio.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Participação é uma das características mais importantes de um bom Plano Municipal de
Cultura. Para uma participação cidadã é necessário mobilizar, motivar e envolver. O Conselho
Municipal de Bertioga propõe-se a atuar como espaço de consulta e debate tendo ainda o obje-
tivo de divulgar as plataformas colaborativas disponíveis para ampliar a troca de informações.
Em um momento em que tudo está por fazer, são amplas as perspectivas do Plano Mu-
nicipal de Cultura de Bertioga. A governança democrática somente ocorrerá se entendermos o
cenário cultural como contexto das políticas públicas voltadas à população e não meramente
à captação de recursos. A participação da sociedade civil no Plano Municipal de Cultura vai
torná-lo mais plural, diverso, humanizando suas propostas na construção dos modos de gestão.
Essa participação também é importante na formação de indivíduos ativos, inventivos, vigilantes
e capazes de mover a sociedade na busca de soluções inovadoras, assegurando a continuidade
de propostas significativas para os objetivos públicos. O diagnóstico é o primeiro passo para
conhecermos, de maneira ampla, a situação do município sob a ótica de seus habitantes. Através
dessa lente poderemos repensar a complexidade da participação da sociedade na cultura e con-
sequente impacto na qualidade da democracia no desenvolvimento de relações humanizadoras e
éticas, sem disputas entre a sociedade civil e o poder público. É a forma de identificarmos como
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chegamos à situação atual, e definirmos através do diálogo intercultural, as estratégias para lidar
com os desafios, reconhecer as oportunidades e agir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FARIA, H. M., & VERSOLATO, F. (2005). Você quer um bom conselho? São Paulo: Publicações Pólis.
Gomes, A. C. (06 de fevereiro de 2014). Notícias. Acesso em 01 de Maio de 2014, disponível em
Prefeitura Municipal de Bertioga: http://www.bertioga.sp.gov.br/noticia.php?idnot=5620 IBGE. (2010).
Institut de Cultura. (s.d.). Culture 21. Acesso em 02 de Maio de 2014, disponível em Agenda 21 da
Cultura: www.agenda21culture.net
Instituto Pólis - Projeto Litoral Sustentável. (2013). Relatório número 6 - Diagnóstico Urbano
Socioambiental - Município de Bertioga. São Paulo.
Instituto Pólis. (2012). Projeto Litoral Sustentável - Desenvolvimento com Inclusão Social. São Paulo.
MinC - UFBA. (s.d.). Guia de Orientação para a Construção de um Plano Municipal de Cultura.
MinC. (2011). Guia de Orientações para os Municípios - Perguntas e Respostas.
NEPO. (2007). Campinas.
Programa Cidades Sustentáveis. (2013). São Paulo: Rede Nossa São Paulo.
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RESUMO: Este artigo busca apresentar as políticas públicas apoiadas em preceitos jurídicos
para analisar sua viabilidade econômica no estado de Roraima voltadas para a cultura na
tríplice fronteira entre Brasil, Guyana e Venezuela, embasado em alguns esforços estatais e da
iniciativa privada para promoção de atividades que visam a experiência intercultural na região
tranfronteiriça. As políticas públicas, muitas vezes dogmatizadas a questões socioeconômicas
são apresentadas como um respeitável mecanismo de desenvolvimento regional. Deste modo,
observou-se pormenorizadamente alguns eventos locais recorrentes à temática cultural, como
meio de explicitar uma realidade de extremo norte inerente ao contexto roraimense com os
países vizinhos de raízes culturais e lingüísticas bem distintas e sua disposição de influência
sociocultural, capaz de incrementar político e economicamente a realidade amazônica.
1. INTRODUÇÃO
A Cultura envolve todo um sistema de conjuntos de valores, símbolos, bcostumes e
tradições de um povo que são passados de geração em geração através das práticas sociais e
da vida em sociedade. As manifestações culturais expressas por meio de festas populares são
um exemplo da expressão da cultura de um povo, pois elas contribuem para a afirmação da
identidade cultural das comunidades em que são realizadas, reforçando a diversidade cultural e
consequentemente atraindo expressivo número de turistas.
O artigo está dividido em três partes, no qual se destaca na primeira parte a importância
das políticas públicas voltadas para a cultura como forma de democratização das artes, bem
1
Graduado em Relações Internacionais (UFRR) e mestrando em Desenvolvimento Regional da Amazônia
(NECAR – UFRR) e-mail: e.loureto@gmail.com
2
Professor e pesquisador do Departamento de Relações Internacionais (DRI), do Programa de Mestrado em Geo-
grafia (PPG-GEO), do Programa de Mestrado em Sociedade e Fronteiras (PPG-SOF) e do Programa de Mestrado
em Desenvolvimento Regional da Amazônia (PPG-DRA) da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e-mail:
eloisenhoras@gmail.com
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como dos desafios e das dificuldades que decorrem da sua implementação e o embasamento ju-
rídico para sua aplicação. Na segunda parte, aborda-se um pouco da região de tríplice fronteira
onde está inserido o estado de Roraima, no qual também se abordará acerca das políticas cultu-
rais para a integração que se desenvolvem nessa localidade e dos seus benefícios.
A terceira e última parte buscará em mostrar como as políticas públicas para o meio
artístico-cultural podem ser efetivas quando firmadas com uma ação paradiplomática3, ou seja,
ações por parte de um ator subnacional, neste caso o estado de Roraima, com outros atores in-
ternacionais (neste caso Venezuela e Guyana) e sua viabilidade jurídico-econômica,
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mericana era, por exemplo, bem desenvolvida desde bem antes da alemã ou italiana, contudo era
voltada para massificação da cultura. No livro Dialética do Iluminismo, anunciava a decadência
da cultura no Ocidente por causa dos meios de comunicação de massa no início do século XX
em contraponto com “eldorado cultural” que fora o século XIX.
Porém este era muito restrito e falacioso, uns poucos tinham acesso à cultura, enquanto
outros muitos trabalhavam em regime semi-escravo nas fábricas com pouquíssimas oportunida-
des de entretenimento. No livro Indústria Cultural e Indústria de Massa, Adorno e Horkheimer
tentam mostrar que faltava seriedade nos grandes meios de comunicação, sejam, eles jornais,
revistas, televisão, dentre outros, que se preocupavam somente com as cifras econômicas e “ma-
nipulação das consciências”.
A gênese do conceito de Indústria Cultural se deu na Escola de Frankfurt, que na ver-
dade era o Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de Frankfurt. Os pensadores “fank-
furtianos” tinham enorme aversão por este conceito criado por eles, um deles, Hebert Marcuse,
afirmava que “a sociedade de massa contemporânea é uma nova forma de totalitarismo, só que
muito mais perigosa, porque este totalitarismo não é percebido como tal.” (FADUL, Indústria
Cultural e a Comunicação de Massa).
Havia sempre a desconfiança dos novos veículos de comunicação. Baudelaire escreveu
um artigo sobre uma exposição de fotos em 1857, no qual se mostrava intolerante em relação
à fotografia como uma arte, achava que esta era uma destruição da cultura. A mesma intolerân-
cia sobre os novos meios culturais eram expostos na medida em que estes surgiam, Adorno e
Horkheimer se posicionavam contrários à ideia de cinema como uma arte:
O filme não pode ser considerado arte, porque basta que se olhem as
cifras astronômicas que recebem seus diretores – e não podem ter ne-
nhum tipo de preocupação séria com a sociedade, com a cultura ou com
a arte. (ADORNO, HORKAIMER apud FADUL, Indústria Cultural e a
Comunicação de Massa).
Há também os que defendam que a Indústria Cultural propiciou o livre acesso das pes-
soas a diversos meios culturais, além de beneficiar aqueles que vêem nela uma forma de renda.
O acesso a diferentes formas e modos da cultura é muito mais veloz atualmente, com o advento
tecnológico-digital as pessoas escolhem o querem ver, e mais, a quando e onde ver.
Por outro lado, destaca-se a importância da cultura popular nesse cenário de transforma-
ções e difusão cada vez mais veloz de produções culturais. Neste contexto, é notória a garantia
jurídica das políticas culturais, como pedra basilar do próprio direito ambiental. Para a autora Cris-
tiane Derani (2008) há uma unidade dialética entre natureza e cultura numa realidade social de in-
dissocibilidade, realidade esta, compreendida pelo prisma das “forças socializantes da natureza”4.
4
Die vergesellschftend Kräfte der Natur. Cultura compreendida como continuação gradual da natureza. HELLER,
p. 61 apud DERANI, p.49
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O arcabouço que assegura políticas públicas para a Cultura mostra, desta maneira, asse-
gurado pela Constituição Federal de 1988 (vide artigos 170 e 225). Ainda que implicitamente,
há de ser notado que as questões ambientais se embasam na premissa de uma “natureza humani-
zada”, o valor que dos recursos naturais, são socialmente atribuídos (DERANI, 2008).
Sob a perspectiva do ser humano, não somente como ator, mas também como um patri-
mônio natural que se é buscado asseverar as leis que garantam a preservação de práticas cultu-
rais. Desta forma, convergente com a proteção dessas práticas, o Direito Ambiental busca, de
certa forma, também a valorização da cultura nativa e popular brasileira.
A cultura popular aparece como manifestação da cultura que parte do próprio povo,
sendo muitas vezes mais acessível do que outros meios culturais. Isso, no entanto, não significa
que não seja necessária a adoção de políticas públicas voltadas para a cultura popular. Pelo con-
trário, ela se faz essencial para que haja a valorização da música, das danças, dos artistas e das
manifestações que se encontram na cultura popular, bem como na difusão dessa cultura para as
gerações futuras para que ela não se perca em meio a tantas informações, inovações e transfor-
mações que se vê no mundo.
5
De acordo com Becker “A presença de cidades gêmeas, isto é, cidades vizinhas localizadas em cada lado frontei-
riço, é importante indicador das redes de relações. [...] Como lugar de convergência de redes de relações, as cidades
gêmeas rompem com as delimitações fronteiriças oficiais fundadas nas soberanias nacionais, e são mais ativas
quando localizadas em fronteiras tripartites.” (BECKER, p.58 e 59, 2009.)
719
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fronteira. Não apenas as cidades gêmeas são delineadas por essa intensa rede de relações, mas
também a capital do estado de Roraima, Boa Vista, recebe os reflexos de pertencer a uma região
tão plural e diversificada. Boa Vista situa-se a apenas 230 km de Santa Helena de Uairén, na
Venezuela, o seu acesso ocorre pela via terrestre através da BR-174. Já Lethem, na Guyana, fica
à apenas 125 km da capital de Roraima, onde o acesso se dá por meio da BR-401, o qual foi
facilitado pela inauguração da ponte sobre o Rio Tacutu, em 2009, que interliga os dois países.
A construção da ponte se mostra como um elemento integrador do espaço territorial Bra-
sil-Guyana. Tal como afirma Oliveira:
Esse espaço integrador pode ser interpretado também como um lugar
seguro e ao mesmo tempo como um lugar inseguro, que estabelece a
diferença entre nós (brasileiros) na margem de cá do rio e os outros
(guyaneses) na margem de lá do rio. São interpretações com base nas
teorias de fronteiras e nas linhas imaginárias que legitimam e regulam o
nosso poder sobre o outro que é estrangeiro no nosso espaço territorial.
Espaço integrador que é materializado pelas distintas normas diplomáti-
cas, pelas leis e outros aparatos burocráticos das relações internacionais,
que dão suporte para normatização das relações no território da fronteira
e da identidade nacional. (OLIVEIRA, 2009, p.4)
Oliveira (2009) alega ainda que o diálogo brasileiro com a fronteira guyanense é mais
complexo do que com a fronteira venezuelana, pois no caso Brasil-Guyana há a presença de
diferentes povos indígenas que convivem com duas culturas nacionais distintas nessa região:
a brasileira que é herdeira do reino ibérico e a guyanense que é herdeira do reino anglo-saxão
(motivo pelo qual utilizam a grafia em inglês). Enquanto que no caso Brasil-Venezuela, os idio-
mas e a cultura de ambos os países são herdeiros dos reinos ibéricos, o que facilita o diálogo
entre ambos.
Coincidentemente no ano 2009, houve a adesão da Venezuela ao Mercosul, o qual foi ra-
tificado em 2012. Este fato pode possibilitar uma maior integração na área fronteiriça, pois com
a assinatura de diversos protocolos, sobretudo nos trâmites aduaneiros e de imigração podem
possibilitar uma dinâmica local de turismo e comércio com impactos positivos para Roraima
(LOBO e NETO, 2010).
Assim, percebe-se que as integrações físicas e comerciais entre o estado de Roraima e
estes países com os quais faz fronteira estão cada vez mais se consolidando. Entretanto, inda-
ga-se neste artigo quanto à integração no âmbito cultural no contexto dessas relações. Quais as
ações voltadas para a integração cultural entre os três países? Quais os benefícios gerados pelos
investimentos nessa área para a região? Quais as barreiras impostas para a implementação de
políticas públicas culturais?
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Fonte: Autor
Fonte: Autor
Contudo, poucas são as políticas públicas culturais voltadas para a integração cultural na trípli-
ce fronteira desenvolvidas pelos governos locais. OArraial dasTrês Nações é um dos poucos exemplos
que encontramos.
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O “Arraial das Três Nações” já contou com quatro edições entre os anos de 2008 e 2012.
De acordo com Jacildo Bezerra6, um dos organizadores do evento, na primeira edição o “Arraial
das Três Nações” tinha como objetivo promover a integração do Brasil, e mais precisamente
do estado de Roraima, com os demais países da tríplice fronteira no que diz respeito ao âmbito
cultural, no rompimento de barreiras para a redução dos preconceitos e a desmistificação dos
estereótipos que muitas vezes se constroem com relação às nações vizinhas de Roraima. Para
tanto foram trazidos elementos culturais da Venezuela e Guyana, tais como: grupos folclóricos,
peças de artesanato, de vestuário, assim como fotografias para a exposição dos países.
Para a realização da festa o primeiro passo da ação pública foi enviar representantes do
governo de Roraima para os respectivos países no intuito de estabelecer contatos para que real-
mente houvesse a participação dos países vizinhos. Com a ação firmada, a abertura do evento
contou com representantes dos três países, o governador de Roraima representando o Brasil e os
cônsules da Guyana e Venezuela. Para quem chegava à festa, logo na entrada era possível obter
informações sobre esses países nas barracas que foram preparadas para cada nação, onde tinha
comidas típicas, revistas e fotografias dos três países.
Para animar a festa, havia três bonecos gigantes que circulavam entre o público, cada qual
caracterizado pelas vestimentas que lembravam cada um dos países: “Seu Zé”, no estilo caipira
das festas juninas representava o Brasil, “Juanito” a Venezuela e “Mr. Brown”, com enormes
tranças ao estilo rastafári que representava a Guyana. O slogan do evento também era representa-
do pelos três personagens que juntos marcavam a união dos três países nessa grande festa.
Quanto às dificuldades para a realização do evento, segundo o entrevistado, estava re-
lacionado a algumas questões burocráticas. A maior barreira foi a questão burocrática que a
orquestra filarmônica juvenil da Venezuela sofreu para entrar no Brasil. Como a Venezuela ainda
não havia entrado para o Mercosul, era necessário certos documentos para entrar no país. Por
falta de documentos necessários, a orquestra com mais de 70 componentes foi barrada na fron-
teira e impedida de se apresentar no evento. Para outras questões tais como a fronteira, o idioma
e a receptividade não houve empecilhos para que o evento se concretizasse.
Além de entretenimento à população de Roraima, a primeira edição do Arraial das Três
Nações foi além das expectativas culturais e superou todas as metas previstas de emprego e
movimentação de renda no período da festa. De acordo com dados da Secretaria Extraordinária
da Promoção Humana e Desenvolvimento7, o Arraial das Três Nações levou ao Parque Anauá
um público de 170 mil pessoas durantes as nove noites do evento, além de 56 atrações, entre
bandas de música e grupos folclóricos que fizeram parte da programação do Arraial, envolvendo
diretamente mais de 400 artistas.
6
Gerente do Núcleo de Artes da Unidade de Cultura de Boa Vista, localizado no Palácio da Cultura, em entrevista
realizada em 01/06/2012.
7
SOUZA,2007
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5. CONCLUSÃO
Apesar de incipiente, os investimentos em cultura estão cada vez mais ativos e se mos-
tram promissores para o desenvolvimento do estado de Roraima. No que diz respeito às ações
que envolvem a integração cultural na tríplice fronteira alguns eventos estão sendo organizados
para este fim. No entanto, ainda há muitas barreiras a serem derrubadas com relação à efetiva-
ção de políticas públicas voltadas para a cultura na tríplice fronteira, principalmente no que diz
respeito à falta de incentivos, investimentos ou vontade política.
As integrações físicas e comerciais com a Guyana e a Venezuela estão cada vez mais se
consolidando, porém a integração no âmbito cultural ainda dá seus primeiros passos. Acredita-
-se que a integração na tríplice fronteira através da vertente cultural é uma boa maneira de se co-
nhecer a cultura do outro, de se praticar a tolerância e o respeito à cultura alheia, de se promover
o diálogo e a cooperação para que haja uma relação positiva e pacífica com os países vizinhos.
Além do mais, uma maior integração no âmbito cultural pode significar um maior au-
mento do comércio, de investimentos, de bens e serviços e do turismo. Para tanto, a adoção de
políticas públicas que levem em conta essa vertente cultural se fazem essenciais num ambiente
de fronteira, principalmente pela multiculturalidade e diversidade presentes nesse espaço.
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RESUMO: O presente artigo configura uma análise das relações entre participação política
e políticas culturais a partir do caso do Colegiado Setorial de Dança do Rio Grande do Sul.
Este estudo foi desenvolvido fundamentalmente a partir da etnografia do referido Colegiado
na cidade de Porto Alegre/RS correspondente ao primeiro ano da gestão 2014-2015. No caso
analisado, a participação não se dá de forma massiva embora haja um entendimento a respeito de
sua importância por parte dos membros do Colegiado para a construção de uma gestão cultural
de qualidade.
O presente artigo configura uma análise das relações entre participação política e políti-
cas culturais a partir do caso do Colegiado Setorial de Dança do Rio Grande do Sul. Este estudo
foi desenvolvido fundamentalmente a partir da etnografia do referido Colegiado na cidade de
Porto Alegre/RS correspondente ao primeiro ano da gestão 2014-2015. E também pela etnogra-
fia de eventos públicos de dança nos quais o Colegiado esteve envolvido direta ou indiretamente
na organização. Ressalto, portanto, um olhar antropológico que se debruça sobre aspectos mi-
cropolíticos, sobretudo tendo em vista o envolvimento institucional dos sujeitos em um órgão
que compõe o atual Sistema Estadual de Cultura do RS.
Ademais este trabalho se apresenta como desdobramento de minha dissertação de mes-
trado em Antropologia Social defendida em 2015 pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFGRS). Tal investigação se concentrou na produção e circulação de documentos oficiais
bem como participação política e engajamento no contexto do Colegiado nos anos de 2013 a
2015. De modo que ao me deparar com o universo das políticas culturais na cidade de Porto
Alegre em eventos tais como Conferências de Cultura e os Diálogos Culturais pude perceber a
ênfase dada à participação política como elemento de cidadania seguindo a orientação política
do governo (PT) do qual se originam essas políticas. No caso analisado, como demonstro a se-
1
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: manu.
maias@gmail.com
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guir, a participação não se dá de forma massiva embora haja um entendimento a respeito de sua
importância para a construção de uma gestão cultural de qualidade.
Busquei, portanto, compreender essa articulação entre participação e gestão através da
etnografia do Colegiado. A partir da qual uma política governamental passa a ser estudada não
apenas “do jeito que deveria ser” em termos de funções prescritivas burocráticas mas também
como ela se dá nas práticas dos sujeitos que participam do Colegiado. Assim minha principal in-
terrogação é: como o entendimento da participação constrói uma noção de gestão cultural entre
os sujeitos que se envolvem com o Colegiado?
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e aprovar o plano antes das eleições (que aconteceriam em outubro de 2014) para evitar correr
os riscos de com uma possível mudança de governo haver também a rejeição do Plano Estadual.
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de experiência pessoal (e política) com o Colegiado: “O Colegiado me ensinou isso (...) que a
gente tem que se organizar, construir, cobrar e fazer algo diferente pela dança”. De modo que
“organizar, construir, cobrar e fazer” dizem respeito, ainda que não seja de forma específica ao
contexto das políticas culturais, a um tipo de aprendizado de gestão. Participar do Colegiado era,
conforme seu posicionamento, uma maneira de contribuir politicamente para o setor da dança.
Também segundo Paola, não há formação educacional (se referindo à graduação em
dança) que dê atenção às políticas públicas. Por isso o Colegiado funciona, a partir dessa pers-
pectiva, como ferramenta de aprendizado sobre gestão cultural e outras possibilidades de ações
bem como de familiarização com o arcabouço de tais políticas. Isto é, o Colegiado possibilita
tanto o contato com as ações políticas propriamente ditas (tais como as pautas de engajamento,
por exemplo), bem como fornece uma espécie de modus operandi para lidar com demandas
culturais e funcionamento burocrático de esferas públicas onde são possíveis os diálogos entre
demandantes e poder público.
Assim, como destaca a pesquisadora em políticas culturais Isaura Botelho:
As políticas culturais, isoladamente, não conseguem atingir o plano do
cotidiano. Para que se consiga intervir objetivamente nessa dimensão, são
necessários dois tipos de investimento. O primeiro é de responsabilidade
dos próprios interessados e poderia ser chamado de estratégia do ponto de
vista da demanda. Isto significa organização e atuação efetivas da socie-
dade, em que o exercício real da cidadania exija e impulsione a presença
dos poderes públicos como resposta a questões concretas e que não são
de ordem exclusiva da área cultural. Somente através dessa militância
poder-se-á “dar nome” – no sentido mesmo de dar existência organizada
– a necessidades e desejos advindos do próprio cotidiano dos indivíduos,
balizando a presença dos poderes públicos. (BOTELHO, 2001:75)
E justamente pensando na importância de envolver mais “demandantes”, isto é, pro-
fissionais do setor da dança que estes delegados do Colegiado direcionavam seus esforços de
divulgação. Já que estes, em alguma medida, necessitavam de políticas culturais para exercerem
sua profissão, mas principalmente porque estes eram conhecedores destas “necessidades” do
plano do cotidiano como bem ressaltou Isaura Botelho. Os quais são responsáveis por dar uma
outra “cara” às políticas culturais no sentido de não ter mais políticas elaboradas apenas por
experts, podendo portanto contribuir para direcionamento eficaz da gestão pública a respeito de
políticas culturais.
Assim como Isaura Botelho assinala a importância do envolvimento dos interessados na
gestão de políticas culturas, Claudia Fonseca e Jurema Brites (2006) destacam a importância
de investigar a atualização de formas de “participação política” em variados espaços sócio-cul-
turais e chegam a afirmar que se trata de “uma das mais caras utopias modernas: a ampliação
dos espaços democráticos” (11). Assim, as organizadoras reuniram em sua obra diversas expe-
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Fonte: Página “Ações do Colegiado Setorial de Dança do RS”. Rede social Facebook (05/11/ 2014)
Tal posicionamento pode ser lido como estratégia de mobilização e adesão, mas também
como se a inteligibilidade das ações do grupo passasse pela necessidade da compreensão do
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sistema. Aqui, poderíamos pensar em termos de analogia ao que Das e Poole (2008) apontam
como “pedagogia de conversão” para tratar da estratégia do Estado para socializar (bem dizer,
“manejar” ou “pacificar”) pessoas consideradas insuficientemente socializadas em termos da
lei. No caso do Colegiado sugiro pensar em termos de “pedagogia da adesão” que se interessa
tanto em socializar e familiarizar novos membros para compor seu quadro como contar com a
presença de sujeitos interessados em suas ações dentro do campo das políticas públicas.
Entretanto, é necessário dizer que tal estratégia se mostrou parcialmente eficaz (pelo
menos durante o tempo o qual etnografei) já que o Colegiado, quase chegando ao fim do pri-
meiro ano de gestão, realizou novas eleições para preencher algumas cadeiras que estavam em
vacância pela ausência de delegados e respectivos suplentes responsáveis. E desta forma, foram
eleitos cinco novos membros (Claudia que era suplente foi eleita como delegada) entre delega-
dos e suplentes.
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que somente aqueles que ocupam cargos como delegados e/ou suplentes podem ser considera-
dos presenças efetivas.
b) Não remuneramento:
Relacionada à lei que institui o Sistema Estadual de Cultura gostaria de chamar atenção
ao último artigo (Art. 15) que trata especificamente dos Colegiados, no qual se lê: “A participa-
ção nos Colegiados Setoriais de Cultura será considerada relevante serviço prestado à sociedade
e não será remunerada”. Nenhum dos cargos desempenhados em Colegiado é remunerado, mes-
mo aqueles que constituem os indicados pelo “poder público” e já são servidores públicos, go-
zam de sua remuneração normalmente, ou seja, não há adicional ou acréscimo de salário algum
em função de seu desempenho como membro. De todo modo, categorizar a participação como
um serviço relevante soa quase como justificação pela não-remuneração.
c) Centralidade geográfica das reuniões:
Em um dos Encontros Estaduais de Dança o Colegiado foi apontado por uma pessoa pre-
sente como sendo centralizado demais. Já que com exceção de uma reunião realizada na cidade
de Pelotas, as demais sempre ocorreram na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre.
Por se tratar de um órgão estadual, a interlocutora que lançou a questão, criticava o fato de que
realizar as reuniões sempre na capital poderia representar dificuldades para interessados que
residem no interior em participar. Embora fosse consenso entre os debatedores que integravam
a mesa redonda de que o Colegiado deveria mesmo expandir pelo interior; o argumento para a
centralização das reuniões é que os membros-delegados, sua maioria, moram na capital e região
metropolitana. No entanto, a descentralização não ocorreu o que não acarretou a desistência dos
poucos delegados que residiam no interior.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Busquei através do presente trabalho destacar a importância da participação política pro-
porcionada pelo chamado “governo participativo” como forma de aprendizado e desenvolvi-
mento de uma noção de gestão cultural. Trata-se de envolver politicamente os sujeitos através da
criação de esferas consultivas do ponto de vista institucionalizado – aqui no caso representado
pelo Colegiado Setorial de Dança do Rio Grande do Sul. Vale ressaltar, entretanto que não se
configura como esfera exclusiva de participação política deste ou de qualquer outro setor.
Gostaria de evidenciar que o fenômeno da baixa participação aqui apontado não serve,
entretanto, como quesito avaliativo para eficácia desta esfera consultiva – e que também não
configura objeto de minha investigação. Ainda que tenha assinalado elementos-chave para uma
possível interpretação sobre este fenômeno, tal característica implica talvez num debate de re-
presentatividade ou de extensão do órgão do ponto de vista de sua condição de esfera estadual.
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Em outras palavras, não se trata de uma avaliação dos desdobramentos da chamada “participa-
ção civil” no que diz respeito à sua efetividade democrática ou eficiência de gestão cultural.
Por outro lado, esse mesmo grupo que embora composto por um número não tão expres-
sivo de membros foi responsável pela elaboração do Plano Setorial de Dança do Rio Grande do
Sul (PSD), aprovado no dia 1 de julho de 2014 pelo Secretário Estadual de Cultura. E mesmo
não cabendo aqui questionar até que ponto tal documento garante a realização ou modificação
efetiva das políticas, destaco o modo como é valorizado pelo grupo como fruto do seu trabalho
e que tem sido comemorado como documento pioneiro em termos estaduais de diretrizes para
políticas públicas do setor.
O que de todo modo sublinho que aquilo que, de certa forma, perpassa essas experiências
participativas é que seus modos de funcionamento são regulamentados e previstos pelo Estado.
Por se tratar de uma “nova” instância, quero dizer, uma instância recente no que se refere a
ferramentas governamentais em que é fomentada a participação como fundamento de uma polí-
tica institucional específica, o Colegiado se apresenta como contexto relevante para pensarmos
não apenas a complexidade do fenômeno da participação, mas também como possibilidade de
recorte etnográfico que integra a implementação de um sistema mais amplo no que se refere a
políticas públicas para cultura contemporaneamente.
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RESUMO: Este trabalho tem como eixo temático as Políticas de Cultura relativas à cidade
de Campos dos Goytacazes. Desde 2004, tem sido desenvolvido um programa de Iniciação
Científica e Extensão, a partir da Officina de Estudos do Patrimônio Cultural do LEEA-UENF4,
que busca dar conta de diferentes aspectos relativos à diversidade cultural no município. O uso
dos indicadores culturais é hoje um campo em ascensão no que diz respeito às políticas e estudos
ligados à cultura. O interesse por dados culturais pela Officina e seu uso na Educação Patrimonial,
parte da necessidade de um melhor entendimento da realidade cultural local, relativa à cidade de
Campos dos Goytacazes, e da compreensão de cultura por seus habitantes.
1. INTRODUÇÃO
O eixo central da pesquisa aqui analisada é definido no âmbito das políticas culturais. Ao
considerarmos que se trata de um objeto de estudo recente, este conceito de políticas culturais
ainda não alcançou um consenso entre os teóricos.
Canclini, afirma que as políticas culturais resumem-se a um conjunto de intervenções
realizadas pelo Estado e outras instituições civis incluindo grupos comunitários a fim de orien-
tar o desenvolvimento simbólico satisfazendo as necessidades culturais da população e obtendo
consenso para um tipo de ordem ou de transformação social (CANCLINI, 2001).
1
Graduando em Ciências Sociais pela UENF e Graduando em Letras/Português/Literatura pelo IFF. Bolsista de
Iniciação Científica e integrante da Officina de Estudos do Patrimônio Cultural. E-mail: edantas13@outlook.com
2
Mestre em História e Educação pela Universidade do Porto - Portugal. Bolsista de Extensão e integrante da Of-
ficina de Estudos do Patrimônio Cultural.. E-mail: allana.moraes@gmail.com
3
Graduada em Engenharia Agroindustrial pelo Centro Uiversitário Matanzas Camillo Sinfuego - Cuba. Bolsista
de Extensão e integrante da Officina de Estudos do Patrimônio. E-mail: martagg0227@gmail.com
4
A Officina de Estudos do Patrimônio Cultural constitui-se em um Grupo de Pesquisa (CNPq). Está alocado no
âmbito do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico, do Centro de Estudos do Homem – CCH, da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF.
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Teixeira Coelho (1997) considera a política cultural como uma ciência da organização
das estruturas culturais. Esta tem como objetivo o estudo dos diferentes modos de preposição e
organização de iniciativas no campo cultural, compreendendo suas significações nos diferentes
contextos sociais em que se apresentam (COELHO, 1997). Desta forma, estamos de acordo com
Marilena Chauí que entende as políticas culturais como uma política de “Cidadania Cultural” e a
define como “a cultura como direito dos cidadãos e como trabalho de criação” (CHAUÍ, 2006).
Ao se falar de Cidadania Cultural, devemos formular uma série de per-
guntas, que na maioria das vezes não podem ser prontamente respondi-
das. A ideia de cidadania no Brasil anda a par à ideia de participação e
é neste sentido, que as perguntas devem ser direcionadas para entendi-
mento das práticas culturais exercidas pela população. O que as pessoas
em Campos dos Goytacazes fazem em termos de cultura? Vão ao cine-
ma ou à biblioteca? Frequentam o museu? Ou preferem assistir a shows
musicais? Quando viajam costumam mais ir ao teatro do que quando
estão na cidade? De que forma se dá o consumo cultural no município?
(Teixeira, 2015, p. 07).
Com o objetivo de melhor entender os indicadores culturais e de utilizá-los em relação à
realidade cultural local, no âmbito municipal, a Officina iniciou uma pesquisa de iniciação cien-
tífica centrada nesta abordagem que tem como objetivo principal o desenvolvimento de estudos
que possam contribuir à um aprofundamento e reflexão sobre os indicadores culturais, conse-
guindo reproduzir em dados uma proporção da visão que a população apresenta em relação às
práticas culturais na cidade de Campos dos Goytacazes. Deste modo, o objetivo é compreender
a noção de cultura por parte seus habitantes. O uso dos indicadores culturais é hoje um campo
em ascensão no que diz respeito às políticas e estudos ligados à cultura partindo de um entendi-
mento desta, como construtora de uma identidade e memória na sociedade.
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foram disponibilizados nos últimos anos5, mostrando uma realidade cultural regional pouco
familiar se comparada com a realidade empírica que os membros da Officina se dispuseram a
pesquisar. A análise dos indicadores nacionais afirmou a necessidade de um indicador e de in-
formações que englobem de forma concreta a visão cultural da região.
A necessidade de uma leitura mais precisa da realidade cultural local, tem sua finalida-
de também na ligação de um indicador de cultura relacionado às políticas públicas desta área.
Sendo um instrumento quantitativo e qualitativo, é chave nas discussões das políticas públicas
culturais, também sendo utilizado como avaliador destas. Partimos também do entendimento de
que estas políticas devem ser criadas ou melhoradas com o objetivo de socializar a cultura e os
equipamentos culturais, ou seja, tornar a cultura democrática e acessível, pois esta é um direito
do cidadão, como já mencionado (CHAUÍ, 2006).
A construção dos indicadores e a análise dos dados obtidos no âmbito da cultura de-
vem ser vistos como um importante instrumento para os gestores e responsáveis pelas políticas
públicas culturais, de acordo com Lluís Bonét i Augustí. Um indicador cultural deve ser um
instrumento sintético que permita a formulação de novas políticas culturais ou a manutenção de
outras. Segundo este ainda, os indicadores devem ser influenciadores diretos do avance tecno-
lógico e da expressão multicultural da nossa sociedade, sendo instrumento do crescimento da
participação democrática dos cidadãos (BONET i AGUSTÍ, 2004).
Além da construção de um indicador e do estudo destes, as pesquisas foram também in-
tencionadas de modo a contribuir com os outros interesses da Officina de Estudos do Patrimônio
Cultural e principalmente na utilização dos indicadores culturais como base de dados prévia à
aplicação dos cursos de educação patrimonial ministrados como parte do projeto de extensão.
Os dados referentes à realidade cultural de Campos dos Goytacazes também pretendem
contribuir para uma maior reflexão sobre as práticas culturais locais e as políticas públicas mu-
nicipais voltadas para a promoção e difusão cultural. Neste sentido, os dados levantados nesta
pesquisa podem contribuir para estimular estudos semelhantes em municípios vizinhos, o que po-
deria gerar um conjunto de informações interessantes na região. Segundo Carvalho da Silva para
que exista qualidade de verdade nas estatísticas culturais brasileiras, é necessária a existência de
uma rede de indicadores que posso mobilizar diversos pesquisadores em diversas regiões, para
que dessa maneira seja garantido um sistema de informações de qualidade (CARVALHO, 2008).
Para uma melhor percepção da realidade cultural municipal foi sistematizado um questio-
nário, pois este instrumento permite uma tabulação objetiva e consequentemente resultados céle-
res. A princípio, foram utilizados como dados de referência questionários aplicados e tabulados
5
IBGE. Sistemas de Informações e Indicadores Culturais 2007-2010. 1ª ed. Rio de Janeiro, 2013. SILVA, Fred-
erico A. Barbosa e ARAUJO, Herton E. Coord: Indicador de Desenvolvimento da Economia da Cultura – Idecult.
Brasília: IPEA, 2010.
741
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pelos pesquisadores da Officina no ano de 2014. Nestes foram obtidos dados referentes aos equi-
pamentos culturais e o público que os frequenta, sendo possível também, entender as condições
sociais de acesso à cultura nos espaços analisados. Com base nestes dados foi iniciada a constru-
ção de um novo questionário referente ao ano de 2015. Em um primeiro momento o questionário
colhe informações socioeconômicas, com o objetivo de conhecer traços do entrevistado como sua
escolaridade, idade, cor e sua renda mensal.
Após estas informações, foram colhidos dados com intenção de entender a visão que o
entrevistado tem da cultura e de suas práticas culturais, incluindo perguntas que tem como alvo a
percepção de algumas questões patrimoniais e relacionados aos órgãos de cultura do município.
A proposta inicial para número de questionários aplicados era de 300, número que foi alcançado
principalmente devido à digitalização deste, ação que proporcionou maior alcance do público,
particularmente devido à divulgação nas redes sociais.
Como temos trabalhado com os indicadores de cultura, os dados reunidos a partir dos
questionários foram produzidos na forma de gráficos, pois dessa maneira podem ser facilmente
entendidos por aqueles que o acessarem e por possibilitarem um uso célere nos minicursos de
Educação Patrimonial ministrados pela equipe da Officina. Entre as pessoas que acessam estes
dados, estão incluídos os próprios pesquisadores, os responsáveis pelas políticas culturais e a
sociedade em geral. Os modelos dos gráficos utilizados na pesquisa podem ser vistos a seguir.
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O gráfico acima, produzido como parte dos dados para um entendimento dos indicadores
de cultura, apresenta a frequência em que os entrevistados em Campos visitam o museu em sua
cidade. Estas porcentagens nos mostram que 51% dos entrevistados nunca freqüentaram o Mu-
seu Histórico de Campos. Dados como estes revelam que embora exista um expressivo número
de equipamentos culturais na cidade isso não se reflete nos níveis de apropriação da cultura. O
grande índice de equipamentos culturais na cidade não se reflete nas práticas culturais nem no
desenvolvimento das políticas de cultura municipais.
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inserido, tornando-o consciente do que Stuart Hall chama de sistema de representação cultural
sendo esse sistema, preceptor da construção de uma identidade cultural (HALL,1997).
Como já mencionado os dados construídos ao longo da pesquisa foram também utiliza-
dos na preparação dos minicursos de Educação Patrimonial ministrados pela Officina neste ano.
A partir dos dados obtidos, foram feitas análises sobre as principais carências de informações por
parte da população, para que assim, pudéssemos colocar foco nestas questões nos minicursos.
Como exemplo, os dados apontaram que a percepção de patrimônio material e imaterial por par-
te da população era bastante distorcida pois não havia uma percepção correta destes conceitos, o
que causava certa confusão. Estes dados nos fazem questionar a capacidade do cidadão campista
em intervir nos processos de seleção dos bens patrimoniais a serem preservados. Assim, durante
os dois minicursos ministrados, estas informações foram essenciais para a criação do material
didático e para as palestras. Os dados são apresentados para os participantes do curso através da
apresentação dos gráficos ilustrativos que bem representam a pesquisa, cumprindo deste modo
também um dos objetivos já citados, que é tornar os dados disponíveis ao público em geral.
Uma das abordagens que buscamos com estes indicadores é confrontar os dados obtidos
por meio dos questionários aplicados com os dados disponibilizados pelos órgãos culturais em
nível nacional. Esta abordagem pode ser explicada nos resultados dos índices nacionais. No
Idecult (SILVA e ARAUJO, 2010), a cidade de Campos dos Goytacazes apresenta um nível alto
no âmbito cultural, fato que não é observado nas pesquisas empíricas feitas pelos pesquisadores
locais da área cultural. Assim, buscamos compreender o nível de conhecimento do cidadão, a
partir da participação, em relação às instituições e órgãos que decidem sobre as questões cul-
turais no município. Os resultados vistos nos gráficos acima apontam para um nível baixo de
participação, afirmados no desconhecimento dos órgãos de cultura e na frequência mínima aos
equipamentos culturais municipais.
Neste sentido, fez-se necessário encontrar uma forma, um caminho e a partir disso, vi-
mos desenvolvermos um espaço de pesquisa, ensino e extensão que valorize a cultura e o patri-
mônio cultural regional, ao mesmo tempo em que buscamos uma educação mais cidadã, através
da Educação Patrimonial.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso dos indicadores de cultura no Brasil como base de dados quantitativos e qualitati-
vos, apresentam resultados céleres e confiáveis acerca das práticas e da visão de cultura por parte
da população em uma região, e podem ser utilizados nas atividades relacionadas à Educação
Patrimonial. O estudo destes indicadores pela Officina continua por fim, subsidiando e colabo-
rando com o curso sobre as práticas da Educação Patrimonial promovendo assim o conhecimento
relacionado à cultura e ao mesmo tempo instruindo sobre a importância dos indicadores culturais
744
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como ferramenta para o entendimento dos fenômenos culturais, fato que valoriza a cultura e o
patrimônio cultural regional, ao mesmo tempo que busca uma educação mais cidadã, através da
Educação Patrimonial. Estas pesquisas e ações afirmam o objetivo da Officina, de favorecer ao
desenvolvimento de um espaço de pesquisa, ensino e extensão que valorize a cultura e o patri-
mônio cultural regional, buscando à par a formação dos estudantes e pesquisadores, contribuir ao
exercício de uma educação mais cidadã, por meio da Educação Patrimonial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SATORRE, Afons Martinelli (2011): “O uso dos indicadores em pesquisa no setor cultural: salto da
estatística para desconstrução dos discurso.” Revista Observatório, 4. São Paulo: Itaú Cultural.
SILVA, Frederico A. Barbosa e ARAUJO, Herton E. Coords.: Indicador de Desenvolvimento da
Economia da Cultura – Idecult. Brasilia: IPEA, 2010.
TEIXEIRA, Coelho. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997.
TEIXEIRA, Simonne. “Patrimônio Cultural e Políticas de Cultura: Propostas de ação em Educação
Patrimonial. Apreciação sobre a apropriação e uso os equipamentos culturais em Campos dos Goytacazes
(Ano III) ”. PROEX/UENF: 2015.
TEIXEIRA, Simonne MORAES, Allana et alli. A gente também: Educação Patrimonial e Cidadania.
Uberlândia, MG. Revista de Extensão/UFU, V. 5, 2005 – 2006.
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RESUMEN: La emergencia de la gestión cultural como disciplina autónoma, que viene ope-
rándose progresivamente en nuestra región desde el último cuarto del siglo pasado ha generado
un vasto y complejo dispositivo de ámbitos de formación académica en la Argentina. A la luz
de los recientes procesos políticos de recuperación de la centralidad soberanía en el marco de
la integración regional, nos permitimos reflexionar acerca de la carencia sistémica de espacios
de reflexión y abordaje de la cuestión nacional en estas currículas, sobre la hipótesis de que se
están generando técnicos y no cuadros políticos: se enseña el cómo pero no sobre qué; fortale-
ciendo a partir de este déficit la carencia de agentes que puedan comprender el valor estratégico
y la complejidad de la discusión sobre los derechos culturales y la diversidad cultural en nuestro
subcontinente en el siglo XXI.
1
Estudiante avanzado de la Licenciatura en Gestión del Arte y la Cultura por la Universidad Nacional de Tres
de Febrero. Ex Director Nacional de promoción de los Derechos Culturales y Diversidad Cultural de la Nación
(2011/2015). Integrante del Centro de Estudios Iniciativa Sur. Docente de Procesos de Cambio Cultural y Legis-
lación Cultural en la Tecnicatura en Gestión y Administración de Políticas Culturales del Gobierno de la Ciudad de
Buenos Aires / fescribal@gmail.com
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cuando la disciplina comienza a delinearse más nítidamente y generar marcos institucionales in-
cipientes desde donde legitimar su intervención. Se conjugan la activa participación de agencias
de cooperación internacional -principalmente europeas- en la implementación de programas de
intercambio y formación cultural, que permitió que toda una generación de gestores se formase
a partir de las experiencias y recursos técnicos de los países centrales y la creación de diversas
carreras universitarias en gestión cultural que deben considerarse como un factor determinante
para la conformación disciplinar y que es donde el presente trabajo busca situar su diagnóstico.
Vamos a referirnos genéricamente como “gestión cultural” a la disciplina que engloba el
proceso de diseño e implementación de políticas culturales en sus diferentes ámbitos, dimensio-
nes y espacialidades, sin desconocer las tensiones de campo que la utilización de este concepto
han suscitado en teóricos suramericanos como el mismo Colombres (2008) o Jose Luis Casti-
ñeira de Dios (2006) por ser una categoría epistemológica eurocéntrica y poco comprensiva en
su aplicación de las particularidades histórico – identitarias de nuestra Patria Grande, ni dejar
de adherir a las mismas, simplemente para simplificar el abordaje de aquello que nos convoca
en este trabajo.
Otra de las dificultades intrínsecas del campo es que la gestión cultural plantea para
constituirse como disciplina autónoma dentro del campo cultural la múltiple dimensionalidad
que la disciplina propone, pudiendo su ejercicio discurrir entre la gestión del patrimonio tra-
dicional y las “bellas artes”, a la intervención en los conglomerados de la industria cultural o
creativa, pasando por el universo de las políticas socioculturales y su impacto a nivel comuni-
tario. Añade complejidad y dinamismo la dinámica del desarrollo del campo en la actualidad,
con vertiginosos avances de las TICS, la conquista de nuevos derechos basados en el respeto del
multiculturalismo, la mutación topológica de redes de comunicación, que demandan una cons-
tante actualización y debate de los paradigmas en los que la gestión cultural descansa.
Ahora bien, no debemos perder nunca de vista desde donde reflexionamos y en qué di-
rección: en ese sentido, compartimos que “la dimensión cultural constituye un eje fundamental
en la conformación de un bloque latinoamericano que se integre al mundo globalizado” (Ga-
rreton: 2008). Nuestra región concentra, conjugadas, biodiversidad y diversidad cultural en una
escala y complejidad únicas; y como sustento de su potencia un universo filosófico ontológico
invisibilizado y negado, por suerte cada vez menos. La posibilidad de aportar desde Suramérica
universos simbólicos y sistemas de valores superadores de la actual configuración de la moder-
nidad globalizada es tangible en la comprensión de la potencia del hilo conductor que une al
Buen Vivir postulado por la tradición quechua y aymara, que encuentra en el presidente boli-
viano Evo Morales su máximo divulgador desde su investidura, con la Tierra sin Mal guaraní,
la Comunidad Organizada como paradigma filosófico humanista del peronismo en Argentina y
tantas otras corrientes del pensamiento-acción americanas. Son, lo mismo pero no lo igual. El
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reconocimiento de esta potencia, la plena asunción del marco identitario que nos corresponde, y
la voluntad de desarrollarnos académicamente desde paradigmas epistemológicos geocultural-
mente referenciados son condiciones necesarias para poder proyectarnos en el siglo XXI en el
papel que la Humanidad nos demanda.
La primera década del siglo trajo de la mano de procesos de democratización popular en
una mayoría de los países de la región, una redefinición del rol del Estado, impulsando políticas
culturales y asumiendo en ese sentido el mandato de las históricas conferencias de la UNES-
CO desarrolladas entre la de Venecia en 1970 y sus correlatos continentales que acabaron con
Americult en Bogotá en 1978. Es en esta última justamente donde aparece la sugerencia de la
Conferencia para que los Estados Miembro asuman la responsabilidad de formar agentes, clasi-
ficándolos en las siguientes categorías: a) administradores culturales, b) animadores culturales,
c) conservadores del patrimonio cultural, y d) archivistas, museólogos, y bibliotecarios.
Es en estos primeros años del siglo que verificamos un crecimiento sustantivo en escala
de trabajos académicos que dan cuenta de la conformación disciplinar del campo, lo que hace
posible encontrar libros de gestión cultural en las librerías, y hasta editoriales especializada en
la temática. En el plano académico en la Argentina actualmente existen seis carreras de grado
vinculadas a la gestión cultural, cerca de una decena de cursos de posgrado y una gran cantidad
de cursos de pregrado. Lo que intentaremos develar en este trabajo es la presencia –o ausen-
cia- de enfoques ideológicos orientados a la generación de conciencia nacional como vectores
dinamizadores de la política cultural a ser generada por los actores en formación.
Volviendo a Colombres coincidimos en que
“(…) el personal no puede formarse como si fuera a trabajar luego con
vientos propicios, en el marco de una cultura reconocida, desarrollada y
que goza de plena salud, sin complejo alguno de inferioridad ni vestida
con el pobre ropaje de lo periférico. Hay cuestiones que deberá conocer
a fondo, como la compleja interacción entre cultura popular y cultura de
masas, entre cultura popular y cultura ilustrada, y entre cultura nacio-
nal y cultura universal, dialécticas casi borradas hoy por el proceso de
globalización neoliberal, el que pretende acabar así con la fundamental
dialéctica de lo propio y lo ajeno, que diferencia el campo de pertenen-
cia del campo de referencia. Deberá conocer también los mecanismos de
dominación, las formas históricas de penetración cultural, y sobre todo
las vías para alcanzar en lo simbólico una desasimilación del modelo
dominante y el pleno control de la cultura.” (2008: p. 4)
La teoría del control cultural esbozada por Bonfil Batalla (1982) ordena tipos ideales
en la dialéctica entre los Pueblos como sujeto en relación a su capacidad de decisión sobre los
elementos culturales. Ordena en un cuadro de doble entrada cuatro tipologías de producir, usar
y reproducir elementos culturales: en función de lo propio y lo ajeno, tanto en relación con el
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elemento en sí como en la potestad de definir su utilización (el poder cultural), nos habla de
culturas impuestas (donde tanto los elementos como la decisión de cómo se utilizan son ajenas
al Pueblo), enajenadas (donde sobre elementos propios las decisiones se toman fuera de la Co-
munidad y sobre intereses ajenos a la misma), apropiadas (donde el Pueblo decide como utilizar
elementos culturales “importados”) y –por último- autónomas. En estas, tanto los elementos
como la decisión de cómo producirlos, usarlos y reproducirlos son propios.
Curiosamente, en contextos sociohistóricos como los descriptos por Colombres, donde el
campo de pertenencia aparenta estar borrado por medio de una acción política y comunicacional
implacable e ininterrumpida, nuestras casas de Altos Estudios parecen darle una relevancia mar-
ginal –cuando se la dan- a la cuestión nacional como universo de problemática académica a la
hora de formar aquellos agentes responsables de diseñar e implementar políticas culturales en los
diversos niveles y orientaciones. La representación del quehacer del gestor pareciera estar desvin-
culada en la proyección práctica de lo referido a la necesidad de desarrollar conciencia nacional.
En el presente trabajo describiremos la relevancia que se le otorga a estas reflexiones
desde una perspectiva curricular: aún en la comprensión de que entre currícula explícita (el plan
de estudios) y la implícita (aquello que efectivamente se dicta en el aula) existe un universo de
matices dentro del cual cada cátedra y docente en conjunción con el estudiantado resignifican la
práctica pedagógica, nos resulta relevante identificar los posicionamientos superestructurales –y
sus carencias- a la hora de proyectar los cuadros técnico-dirigenciales de ámbitos estratégicos
como el de las políticas culturales en nuestro país.
Pasemos al análisis curricular en concreto: la primera carrera de grado del país en lo
respectivo a este tema es la Licenciatura en Gestión del Arte y la Cultura de la Universidad Na-
cional de Tres de Febrero. Creada formalmente en 1998, su primera cohorte comenzó a cursar en
el año 20002. En el plano curricular podemos constatar que sobre treinta y cinco materias, solo
en dos de ellas aparecen contenidos estrictamente ligados a la georeferenciación específica ar-
gentina: al igual que en los restantes espacios formativos que vamos a analizar, lo que se enseña
es el “como” gestionar, sobre un enorme desconocimiento del “qué” se gestiona.
Recién en el cuarto nivel de la rama de “Lenguajes artísticos” aparece el componente
“Artesanía y folclore”, materia que –más allá del enfoque de cátedra- innegablemente deberá
sobrevolar las particularidades culturales argentinas. Dicha materia se presenta en el quinto cua-
trimestre, el primero del tercer año de cursada, ya en una segunda mitad de la carrera. Incluso
es posible recibirse de Técnico en Gestión del Arte y la Cultura sin cursarla. El otro espacio
curricular que aporta a un conocimiento de lo propio es “Historia de la Cultura III” donde en un
cuatrimestre se sobrevuela por todo lo que aconteció en Suramérica en el plano de lo cultural,
con particular detalle en la Argentina, si es que esto fuese posible en tan escaso tiempo.
2
Personalmente, inicié mi vida universitaria en su seno, en 2001.
750
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La Universidad Nacional de Mar del Plata ofrece otra de las formaciones de mayor data-
ción, que recientemente (en 2014) alcanzó el grado después de una década ofreciendo una Tec-
nicatura en Gestión Cultural. Si bien se destaca la vocación de vincularse con su territorio –no
solo en perspectiva local sino complementariamente ubicándose como el ámbito de formación
de gestores culturales para el ámbito provincial bonaerense- no existen referencias puntuales a
la construcción de soberanía cultural en el sentido que planteamos inicialmente. Sobre quince
materias del plan de estudios original, se repite la inexistencia de expresiones que remitan al
lugar específico desde el cual se produce el fenómeno educativo. La “Historia cultural del siglo
XX” se visita en tan solo un cuatrimestre, y no hay indicios curriculares de que se profundice
desde una perspectiva suramericana o argentina.
La Universidad Provincial del Sudeste trabaja una Tecnicatura Universitaria en Gestión
Cultural y Emprendimientos Culturales con una currícula de tres años y veintidós materias.
Entre ellas, dos materias dedicadas a “Historia cultural” y otras dos a “Geografía cultural”, que
han de orientarse a un conocimiento sobre lo propio. Complementariamente, la inclusión pro-
gramática de un espacio de revisión de “Experiencias de gestión” vincula al estudiantado con
el territorio, pero sigue sin garantizar que puedan conceptualizarse las dificultades derivadas de
los procesos de colonización pedagógica y penetración simbólica que lo afectan en términos
superestructurales.
Debemos destacar que se observa una aproximación progresiva a la cuestión en las ca-
rreras de reciente formulación, lo que puede tomarse como un indicio de desarrollo de campo
profesional. Los siguientes ejemplos se inscriben, en nuestra opinión, sobre esta línea:
En el caso de la Licenciatura en Gestión Cultural de la Universidad Nacional de Avella-
neda, creada en 2010, ya se visualiza un posicionamiento que asume desde donde se produce el
hecho educativo y hacia donde se forman los profesionales encargados de dinamizar el campo
cultural. En los objetivos de la carrera se expresa:
“El objetivo de la carrera es formar profesionales capaces de concebir,
diseñar, implementar, gestionar y ejecutar políticas culturales, proyectos
de investigación de las distintas manifestaciones artísticas y de los espa-
cios socioculturales; producir y desarrollar empresas de bienes y servi-
cios culturales; brindar servicios de asesoramiento cultural y de protec-
ción del patrimonio material e inmaterial alertando sobre el deterioro y
el ultraje del patrimonio cultural urbano y rural; promover las diferen-
tes tradiciones culturales e identidades étnicas y locales, asumiendo un
compromiso ético ante la sociedad.”
Asimismo, en el plan de estudios postula como uno de los diez puntos nodales del perfil
profesional que se busca formar que los estudiantes logren generar diagnósticos socioculturales
“con especial énfasis en la región y Latinoamérica”. Si bien no hay espacios curriculares defi-
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3
Son un total de diez materias sobre treinta y cinco: Historia Latinoamericana Contemporánea, Historia Argentina
Contemporánea, Problemas del Arte Argentino y Latinoamericano I, Historia Latinoamericana Contemporánea,
Problemas del Arte Argentino y Latinoamericano II, Problemas del Arte Argentino y Latinoamericano I, Problemas
del Arte Argentino y Latinoamericano I, Arte Argentino y Latinoamericano II, Problemas Culturales Latinoameri-
canos, Culturas Populares, Creencias e Interculturalidad.
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REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
BONFIL BATALLA, Guillermo. Lo propio y lo ajeno. Una aproximación al problema del control cultural
en COLOMBRES, Adolfo (compilador) La cultura popular, México, La Red de Jonás Premiá Editora,
1982
CASTIÑEIRA DE DIOS, Jose Luis. Crítica de la gestión cultural pura en Revista Aportes para el Estado
y la Administración Gubernamental, Buenos Aires, Año 12 Nº 23, 2006, pp 79-92
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RESUMO: Jurado de morte pelos parlamentares ligados aos setores do agronegócio, mineração
e energia, o Artigo 231 da Constituição Federal, ao evocar uma noção de terras tradicionalmente
ocupadas, pode promover uma ecologia da política do patrimônio cultural; apreciado à luz dos
conflitos ambientais, o Registro surge como instrumento capaz de frear e reverter os projetos
de desenvolvimento predatório, o que explicaria a pouca ênfase em sua aplicação pelo Estado
capturado pelo grande capital.
1
Jornalista e cineasta, mestrando do Programa Cultura e Territorialidades (PPCULT/UFF). f.caixeta@gmail.com
2
O Artigo 231 vem sendo atacado pela bancada ruralista no Congresso Nacional, por meio da PEC 215, cuja re-
dação foi aprovada em 27 de outubro de 2015 e consiste de uma grave ameaça aos povos indígenas, quilombolas
e ao meio ambiente. Por meio da emenda constitucional, caberá ao Parlamento identificar, reconhecer e fazer a
demarcação de terras tradicionalmente ocupadas, atribuição hoje do Executivo; como trata-se de emenda, não cabe
veto presidencial.
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3
A Rede Brasileira de Justiça Ambiental, lançada no Rio de Janeiro em 2001, a partir do encontro e articulação
dos chamados atingidos e resistentes no território, reúne mais de 200 entidades e movimentos sociais, entre povos
tradicionais, centros de pesquisa universitários, terceiro setor e dispõe de um amplo banco de dados reunidos sobre
os casos de conflito ambiental, até então disponível pelo sitio www.justicaambiental.org.
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4
O pesquisador Bartolomeu Figueroa de Medeiros esclarece que o termo gentrificação é um neologismo da pala-
vra inglesa gentrification, que pode ser entendida como enobrecimento.
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conta que em 1976 a Banda Cabaçal Irmãos Aniceto foi levada por apoiadores locais da cultura
cratense ao encontro do presidente Ernesto Geisel em Brasília, na ocasião o coração duro do
ditador teria abrandado por alguns instantes, ao som e com a dança dos pifes e facões, então ele
teria mandado redigir uma carta para o prefeito de Crato, ordenando colocar os irmãos Aniceto,
agricultores sem terra, em trabalho com carteira assinada; o prefeito inseriu os irmãos Antônio
José e Raimundo Lourenço da Silva na folha da prefeitura, sem a carteira, em cargo comissiona-
do de salário mínimo que depende da boa vontade do político da hora para continuar a receber
o provento. Observa-se que a banda dos Anicetos colaborou para a sedimentação de uma ima-
gem de sua terra natal, o Crato, como uma Cidade da Cultura; remunerados para um número de
apresentações anuais, a cabaçal foi encaminhada para dois, três ou mais eventos semanais, sem
hora extra, recursos adicionais, previdência social ou outros direitos trabalhistas, em atividade
incessante a ponto de atrapalhar as roças de subsistência dos músicos agricultores.
Ao lado de não incluir os outros mestres, grupos e elementos do patrimônio cultural do
Crato na política cultural, o reconhecimento pelo poder público municipal não resultou em me-
lhoria significativa sequer nas condições de vida da família Aniceto, “a depender dos recursos
pagos a banda, esposa e filhos morriam de fome”5, disse Dona Raimunda da Silva, viúva de
mestre Antônio, o Pife Número 1 do Brasil, falecido em janeiro de 2015.
Em tempos democráticos, estará a política patrimonial mais aberta à participação dos prin-
cipais beneficiários, isto é, até que ponto ela está preparada para incluir, escutar e possibilitar que
os mestres da cultura, os continuadores dos saberes tradicionais e resistentes no território falem
por si mesmo e não por mediadores, decidam como melhor fazer para desenvolver os bens cultu-
rais, sem as intervenções verticalizadas por parte de especialistas, acadêmicos, políticos, gestores,
produtores e empresários, sem o risco de serem cortados da folha por expressarem ou assumirem
uma posição de autonomia, sem que ao final do processo de patrimonialização, se descubram
excluídos de suas terras tradicionalmente ocupadas ou expropriados da sua cultura enobrecida?
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, de 1997 a 2000, ao lado do tomba-
mento do patrimônio de cimento e cal, os prédios históricos, iniciou-se a política nacional do
patrimônio imaterial (PNPI) para abranger saberes, festejos, pessoas, formas de sociabilidades;
o Decreto 3551/2000, que instituiu o “Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que
constituem patrimônio cultural brasileiro” e determinou a organização do Inventário Nacional
de Referências Culturais (INRC), estabeleceu que após a devida documentação, aprovado o
Registro pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, as informação reunidas sobre o bem
deveriam constar em um ou mais dos quatro livros tombos: Saberes; Celebrações; Formas de
Expressão; Lugares.
5
Raimunda Lourenço da Silva, em depoimento ao autor em 20 de janeiro de 2015, na cidade de Crato no Ceará.
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Michel de Certeau, ao pensar a arte da sobrevivência pelos mais fracos, diferencia es-
tratégia e tática: enquanto a estratégia é vertical, emana do poder, vem de cima para baixo, a
tática é definida na horizontalidade, avança da base da pirâmide de baixo para cima, ocorre cir-
cunstancialmente e de forma relacional. Para este francês que pesquisou no nordeste brasileiro a
língua falada pelos camponeses do sertão pernambucano, as táticas dos mais fracos não seriam
de confronto direto com o poder, nem eles assimilariam ou reproduziriam passiva e alienada-
mente tudo o que o poder lhes impõe: com astúcia, como um palhaço Mateus trampolino, eles
agenciam o que lhes é imposto, se apropriam dos signos e valores, os ressignificam e modificam
o uso de acordo com suas necessidades, ativando um jogo cuja principal característica é a re-
sistência cotidiana e silenciosa dos tidos por fracos, dominados ou subalternos. Certeau sugere
que a partir da ideologia dominante do catolicismo (estratégia do poder), o sertanejo devolveu a
religiosidade popular como tática de resistência cotidiana; em suas caminhadas pela cidade, ele
vê o sentido com qual os espaços são projetados e os usos que de fato as pessoas comuns fazem
dele, transformando-os continuamente em lugares com significados, modos de apropriação, vi-
vências e memórias coletivas diferentes daquelas pretendidas pelo poder.
“Essas performances operacionais dependem de saberes muito antigos.
Os gregos as designavam pela métis. Mas elas remontam a tempos mui-
to mais recuados, a imemoriais inteligências como as astúcias e simula-
ções de plantas e peixes”. (CERTEAU, 2012, p. 46)
Por métis entende-se a sabedoria. Se o Registro pode operar como a tática dos mais fra-
cos, pela qual eles se apropriam dos símbolos e do discurso dominante da patrimonialização,
para assim poderem continuar modos de vida com autonomia e maior justiça social coma pro-
teção do Estado, no entanto, uma vez que tal façanha talvez possa não ser conseguida, além do
risco do Registro, se obtido, poder vir acompanhado da imposição de novos problemas como a
gentrificação, as perguntas centrais deste artigo, em que medida o Registro acrescenta algo ou
colabora para fortalecer os grupos resistentes no território e a continuidade dos saberes tradicio-
nais, como em vez de inscrição inócua em livro tombo, que engessa modos de fazer e exclui os
mais pobres, conseguirá ser uma política viva e participativa para a transmissão dos saberes, a
promoção dos direitos e a conquista de uma vida desejável pelos atingidos pelas injustiças am-
bientais, permanecem sem resposta.
Em breves linhas, buscamos refletir sobre a importância do Artigo 231, jurado de morte
pelos deputados ruralistas, para uma urgente e necessária ecologia da política do patrimônio
cultural; conclui-se que o INRC e o Registro, como instrumentos para o reconhecimento jurídi-
co-formal das formas tradicionais de cultura, ao envolverem a elaboração de um plano de salva-
guarda com os atingidos para a proteção e continuidade do bem ameaçado, poderiam colaborar
para fortalecer a permanência dos povos étnicos, pescadores caiçaras, quilombolas e outros
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grupos populares em suas terras tradicionalmente ocupadas, para pensar, coordenar e obrigar
cumprir, uma ação interinstitucional vigorosa para uma qualidade de vida desejável em zonas
de sacrifício poluídas nas cidades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Janeiro: Relume Dumará, 2004. 262 p.
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Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/104.pdf.
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RESUMO: A Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Juiz de Fora, Minas Gerais, denominada Lei
Murilo Mendes, representa o principal mecanismo de fomento à cultura do município, financiando
anualmente aproximadamente sessenta projetos artísticos e culturais. A Lei Murilo Mendes integra
um modelo de gestão pública da cultura que prioriza a produção artística local e possibilita que a
classe artística execute seus projetos por meio de repasse direto de recursos públicos.
1. INTRODUÇÃO
A Lei Municipal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Murilo Mendes, destaca-se
como uma iniciativa pioneira na área político cultural. Criada em 1994, no município de Juiz de
Fora - Minas Gerais, foi a primeira lei de incentivo cultural, originada no interior do Brasil, no
modelo de fundo, ou seja, com repasse direto do recurso financeiro ao favorecido, o que possi-
bilita ao artista ou produtor executar seu trabalho sem a dependência da captação de recursos da
iniciativa privada
Desde 1995 quando foi lançado seu primeiro edital, até o ano de 2016, a Lei Murilo
Mendes realizou 18 edições, financiando a produção de 1000 projetos. Esse financiamento re-
sultou na produção de aproximadamente 230 títulos em CDs, cerca de 450 publicações, além de
curtas metragens, espetáculos teatrais e oficinas de capacitação artística.
Para entender a dinâmica e o desenvolvimento das políticas culturais em Juiz de Fora,
é necessário falar do seu órgão gestor de cultura municipal: a Fundação Cultural Alfredo Fer-
reira Lage – Funalfa. A Fundação, que teve sua criação em 1978, além de ser a gestora da Lei
1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Especialista em Gestão Pública pela Universi-
dade Federal de Juiz de Fora, Coordenadora da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Juiz de Fora, Servidora
da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage, Presidente do Conselho Municipal de Cultura de Juiz de Fora. Email:
leimurilomendesjf@gmail.com
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Murilo Mendes, administra a Biblioteca Municipal Murilo Mendes, o Centro Cultural Bernardo
Mascarenhas, o Museu Ferroviário, o Anfiteatro João Carriço, o Centro Cultural Dnar Rocha, e
o Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU). Espaços importantes de vivência da cultura no
perímetro urbano do município.
A Fundação publica livros, promove atividades destinadas a vários segmentos da socie-
dade, realiza eventos como o Festival Nacional de Teatro, Corredor Cultural, Corredor da Folia
e oportunidades anuais de apresentação de artistas locais e nacionais em Juiz de Fora.
A Funalfa também implantou e é a gestora do Conselho Municipal de Cultura e do Con-
selho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural tendo ainda como algumas de suas ati-
vidades a de promover periodicamente as Conferências de Cultura e Seminários de Patrimônio.
Diante do quadro exposto, percebemos a característica forte de valorização da cultura
pelo município, assim como percebemos que a Lei Murilo Mendes não é o único objeto de pre-
ocupação e de gerência da Fundação e não se trata da única forma de apoio e disseminação da
produção cultural da cidade, no entanto, a Lei Murilo Mendes é certamente o maior veículo de
financiamento da cultura local, tanto no que se refere ao montante e recursos financeiros inves-
tidos anualmente, quanto em termos quantitativos.
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A cultura deve ser entendida como um ponto de partida para todo projeto
de nação, para o desenvolvimento social, para as oportunidades econô-
micas, mercados potentes, empresas inovadoras e cidadãos conscientes.
(CHAUÍ, 2006, P. 21)
Fazendo um breve histórico das políticas culturais brasileiras, em âmbito nacional, des-
tacamos o período a partir das décadas de 1980 e 1990, quando, com o fim da censura, abriu-se
uma nova era para a cultura brasileira, beneficiando vários setores, especialmente o editorial.
Em 1985, foi criado o Ministério da Cultura, e em 1986, a primeira Lei de Incentivo à Cul-
tura: Lei Sarney. A partir de então se inaugura uma nova modalidade de Incentivo ao setor cultural.
Já na década de 1990, com a posse do Presidente Collor, há um desmonte das institui-
ções culturais: extingue-se o Ministério da Cultura, a lei Sarney, A Empresa brasileira de filmes
– Embrafilme, a Fundação Nacional das Artes - Funarte, Fundação do Cinema Brasileiro. Em
1991, houve-se a instituição da Lei Rouanet e a progressiva retomada do financiamento à cul-
tura. Em 1993, há a promulgação da Lei do Audiovisual, concedendo descontos de 100% para
empresas que realizem investimentos realizados na atividade audiovisual.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, o incentivo à cultura baseia-se, fundamen-
talmente, nos mecanismos de renúncia fiscal nas esferas nacional e municipal.
Na gestão da cultura, com a presidência de Luís Inácio Lula da Silva, houve um balanço
e crítica aos mecanismos de incentivo no que tange às propostas de mudanças na Lei Rouanet.
O Ministério da Cultura passou a atuar, a partir de 2003 na implantação do Sistema Na-
cional de Cultura e no processo de elaboração do Plano Nacional de Cultura.
Uma das principais marcas da gestão de Lula foi o processo de des-
centralização das políticas culturais. A partir da idéia de “cultura para
todos”, o Governo pretendia ampliar o acesso aos bens e serviços cul-
turais e apoiar ações voltadas para integração e inclusão de todos os
segmentos sociais, na valorização da diversidade e no diálogo com os
múltiplos contextos da sociedade brasileira, nesse sentido foram criados
o Programa Mais Cultura e o já citado Cultura Viva. Essa mudança tam-
bém se alinhava com um dos princípios importantes da gestão de Gil, a
federalização das políticas culturais. Nessa perspectiva é que se deu a
criação de um Sistema Nacional de Cultura, que consistiu no empenho
por parte do Ministério de implantar um sistema de gestão integrado
entre as políticas públicas federais, estaduais e municipais. (BEZERRA;
WAYNE, 2012 P.6)
Importante destacar as atividades direcionadas à implantação de políticas públicas de
cultura em todo Brasil, a partir desse período. Nos governos de Lula e Dilma, foram organizados
em várias capitais brasileiras Seminários Estaduais tendo como um dos seus objetivos, a implan-
tação do Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura.
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assim como os pareceristas, também atribui uma nota a cada projeto. Ao final do processo é feita
uma média aritmética entre as duas notas e a nota final será a nota do projeto. A partir dessa nota
é feita uma classificação dos projetos em cada área e aqueles que obtêm as maiores médias são
contemplados, de acordo com o recurso disponibilizado pelo edital daquele ano.
A democratização da Lei Murilo Mendes tem sido ampliada a cada ano. Nas últimas
edições, a classe artística contribuiu também com sugestões, visando aperfeiçoar sua legislação,
através de reuniões abertas à população com os gestores da cultura na cidade. E a partir de 2010,
com o advento do Conselho Municipal de Cultura – Concult, este também passou a propor
medidas que buscam o aprimoramento da lei e anualmente avalia o edital, faz suas ressalvas ou
ratifica suas exigências.
Em quinze anos de sua existência, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura Murilo Men-
des incentivou, apoiou e fez crescer a produção da cidade de Juiz de Fora em todas as áreas
artístico-culturais, do cinema ao vídeo, da literatura à música, do teatro à dança, passando pelas
artes plásticas, patrimônio e memória.
A repercussão nacional e internacional, além das premiações que muitos projetos apoia-
dos pela Lei Murilo Mendes vêm obtendo são indicativos seguros de que a melhor forma do po-
der público respaldar a cultura é através do aprimoramento das leis de incentivo e da ampliação
dos critérios democráticos de aplicação de recursos.
Se a cidade já apresentava uma forte raiz nas artes, o advento do incentivo do poder Pú-
blico favoreceu a ascensão de muitos talentos. Assim, a Lei Murilo Mendes revela a vitalidade
da produção da cidade e a necessidade de fomentar as potencialidades criativas.
A cidade aos poucos vai tomando consciência da importância no investimento dos ar-
tistas e grupos culturais locais e do usufruto dos produtos culturais resultantes dos projetos
financiados colocados à disposição da comunidade. Através da Lei é que se tem visibilidade da
produção cultural da cidade.
A Lei Murilo Mendes é responsável ainda por movimentar a cadeia produtiva e econô-
mica do município, seja através das remunerações pagas às equipes de cada projeto, seguindo
cada qual sua planilha de despesas, seja através da prestação de serviços. Gráficas, estúdios,
produtoras de vídeo e ouras espécies de empresas apresentam um significativo aumento de sua
produção quando os projetos começam a ser executados.
Ter um meio efetivo de financiamento da produção cultural, em uma cidade de médio
porte como Juiz de Fora, dá a sua comunidade artística, a oportunidade de estar em pé de igual-
dade, em caráter qualitativo, a muitas produções realizadas nas grandes cidades.
O trabalho de um artista, mesmo que por alguns momentos denote solidão, é um proces-
so de troca permanente entre quem cria e o meio em que ocorre a criação, o que nos leva a ima-
ginar que a expressão artística direciona-se, quase sempre, à coletividade. E esse pensamento
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se coaduna à idéia de cultura como um bem inerente ao homem, como objeto meio e fim para o
alcance de uma sociedade mais tolerante, mais justa e feliz.
Partindo desse pressuposto, tomamos consciência do importante papel do Poder Público,
no incentivo e valorização das práticas culturais, sobretudo quando falamos das esferas muni-
cipais. Afinal, quem melhor poderá conhecer as potencialidades e demandas de uma cidade que
sua própria administração?
Quando o gestor público diz que está aprovisionando a população de direitos culturais,
deve-se ter atenção, pois, de certa maneira, falar isso é dizer ao indivíduo que ele é livre para
criar, produzir e usufruir o que quiser. E nesse sentido, podemos afirmar que cultura e cidadania
estão intrinsecamente ligadas, na medida em que a liberdade de criação é absolutamente depen-
dente da liberdade de expressão.
A gestão da cultura responsável e consciente deve primar por políticas e ações culturais
que tenham por objetivo criar condições para que os indivíduos façam a cultura que desejam
usufruir. Se gestão é escolha, deve-se estar atento e zelar pelas transformações vividas pela ci-
dade, seguindo o fluxo contínuo de mudanças dos processos artísticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: Partindo da ideia de que as políticas culturais limitam a noção de cultura, defendida
por Félix Guattari, pretendemos pensar de que forma um programa de política cultural brasileiro
– os Pontos de Cultura, por meio do Programa Cultura Viva – pode ser, a longo prazo, um passo
para uma cultura mais autônoma, capaz de subverter a produção de subjetividade capitalística.
Este trabalho não tem como objetivo defender ações de um governo específico, mas sim, lançar
luz nos possíveis caminhos de autonomia que as políticas públicas deveriam seguir.
1. INTRODUÇÃO
Félix Guattari, no livro Cartografias do Desejo, organizado por ele e Suely Rolnik a
partir de sua visita ao Brasil no início da década de 80, afirma que o conceito de cultura é pro-
fundamente reacionário, à medida que é uma maneira de separar as atividades semióticas, ou
seja, de produção de sentido, em esferas pré-determinadas. Ao serem isoladas, essas atividades
semióticas são padronizadas, ou, nas palavras dele, “capitalizadas para o modo de semiotização
dominante” (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 15). Mais longe, ele chega a dizer que a cul-
tura autônoma não existe no nível da produção, da criação e nem do consumo real, apenas dos
mercados econômicos e do poder.
Para melhor entender a assertiva acima, lembramos os diversos sentidos de cultura que
Guattari destaca no livro. A primeira ideia de cultura foi no sentido de “cultivo do espírito”, caso
que ele chama de “cultura-valor” porque corresponde a um julgamento valorativo, determinan-
do quem tem ou não cultura. O segundo sentido seria de “cultura-alma coletiva”, ligada à ideia
de civilização. Esta ideia, ele explica, é um tanto ampla e ambígua, visto que foi empregada pelo
partido nazista, mas também por movimentos de emancipação, por exemplo. Por fim, a outra
importante utilização do termo cultura seria no sentido de “cultura-mercadoria”. Neste sentido,
1
Doutoranda em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), linha de pesquisa Tecno-
logias de Comunicação e Cultura. E-mail: flavinhajunqueira@gmail.com
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não há um julgamento de valor ou uma ideia de grupo ou povo, mas há a presença de bens, como
equipamentos culturais, de especialistas e todos que trabalham em tais equipamentos, além das
referências teóricas e ideológicas que a área abarca, contribuindo para a circulação da cultura
dentro de um sistema mercadológico (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 17).
A tese de Guattari é de que esses três sentidos de cultura permanecem presentes, com-
plementando-se um ao outro. A produção da subjetividade capitalística2 traz uma vocação uni-
versal da cultura, essencial para a construção coletiva de trabalho e controle social, mas que
também precisa tolerar as minorias, as margens (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 19). Para
ele, a principal característica dos modos de produção capitalísticos é que eles não funcionam
unicamente no registro dos valores de ordem do capital, de troca, mas também no controle da
subjetivação, o que o filósofo chama de “cultura da equivalência” ou “sistemas de equivalência
na esfera da cultura”. Dessa forma, o capital ocupa-se da sujeição econômica e a cultura, da
sujeição subjetiva.
A grande questão é que, uma cultura que pensa em mercado, precisa de margens conve-
nientes, ou seja, as margens são definidas pelo próprio sistema de produção capitalística. Nas
palavras do autor, “nas últimas décadas, essa produção capitalística se empenhou, ela própria,
em produzir suas margens, e de algum modo equipou novos territórios subjetivos” (GUATTARI
& ROLNIK, 1996, pág. 20).
A definição das margens sob o discurso da democracia está na essência da criação das
políticas públicas. Definir o que se entende por cultura permite aos governos controlar as cultu-
ras periféricas. E de uma maneira geral, na década de 80, contexto da fala de Guattari, os Minis-
térios da Cultura se consolidavam como órgãos independentes em alguns países como Portugal,
por exemplo, ou se abriam para uma cultura mais popular, como foi o caso da França.
Poder-se-ia dizer que, neste momento, Ministérios da Cultura estão co-
meçando a surgir por toda parte, desenvolvendo uma perspectiva mo-
dernista na qual se propõem a incrementar, de maneira aparentemente
democrática, uma produção de cultura que lhes permita estar nas socie-
dades industriais desenvolvidas. E também encorajar formas de cultura
particularizadas, a fim de que as pessoas se sintam de algum modo numa
espécie de território e não fiquem perdidas num mundo abstrato (GUAT-
TARI & ROLNIK, 1996, pág. 20).
Mas o que acontece de fato, para o autor, é a reprodução do conceito de cultura-valor,
em meio aos conceitos de cultura-alma e cultura-mercadoria, sob uma falsa ideia de democracia
que, na verdade, mantém os velhos sistemas de segregação. Este seria um discurso modernista
2
Guattari coloca o sufixo “ístico” na palavra “capitalista” para criar um termo capaz de englobar não apenas as
sociedades classificadas como capitalistas, mas também setores do capitalismo periférico (ou “Terceiro Mundo”),
assim como economias ditas socialistas, mas que funcionam sob “uma mesma cartografia do desejo no campo so-
cial, uma mesma economia libidinal-política” (GUATTARI & ROLNIK. 1996, pág. 15).
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assumido pelos Ministros da Cultura e especialistas que, embora pregue a difusão da cultura no
campo social, omite que essa difusão não se dá de forma justa e homogênea.
Aqui no Brasil a política cultural demonstrava seguir os passos europeus3. O Ministério
da Cultura ganhou sua independência do MEC em 1985, a partir de um projeto pensado por Tan-
credo Neves, mas colocado em prática pelo seu sucessor, José Sarney. Faremos aqui um pequeno
resumo das políticas culturais no país a fim de compreender um pouco melhor nosso contexto.
2. BREVE RESUMO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL
Como afirmado acima, o Ministério da Cultura aqui no país tornou-se independente na
década de 80, mas as políticas para a área começaram muito antes, ainda no governo de Getúlio
Vargas. Entre 1934 e 1945, o Ministro Gustavo Capanema, quando o órgão ainda era da Edu-
cação e Saúde (MES), com a ajuda de intelectuais como Mário de Andrade4, Manuel Bandeira,
Heitor Villa-Lobos, Carlos Drummond de Andrade, entre outros, iniciou um importante processo
de “construção institucional do campo da cultura” (CALABRE, 2015, pág. 5). De uma maneira
geral, foi um período em que Vargas voltou-se para a construção de instituições em setores onde
o Estado ainda não atuava. Nessa época foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
(SPHAN, que depois viraria o IPHAN), assim como o Instituto Nacional de Cinema Educativo
(INCE) e o Instituto Nacional do Livro (INL). Não podemos deixar de mencionar também que a
radiodifusão teve grande destaque no governo Vargas, tendo ganhado uma legislação específica
ainda em 1932.
Em 1953 o Ministério da Educação separa-se da Saúde e torna-se Ministério da Educa-
ção e Cultura (MEC). Embora a Cultura tenha ganhado mais espaço dentro da pasta, este não
foi um período relevante para o campo de fato, visto que o Estado não promoveu grandes ações,
além de muito ter investido na consolidação dos meios de comunicação de massa (CALABRE,
2015, pág. 7). Com o período da ditadura militar, a partir de 1964, em contraste com a repressão
e censura do regime, foi, assim como no governo Vargas, um momento de institucionalização
do campo da produção artístico-cultural, com a criação do Conselho Federal de Cultura, da Fun-
dação Nacional de Artes (Funarte), a Embrafilme, além da recuperação de instituições como a
Biblioteca Nacional e o Museu Nacional de Belas Artes, por exemplo.
Indo ao encontro do que Guattari destaca como um problema das políticas públicas – a
definição de margens e a consequente limitação do campo – podemos dizer que não foi uma
coincidência que as principais medidas de políticas culturais pensadas aqui no Brasil, e também
3
Segundo Lia Calabre, “um marco internacional na institucionalização do campo da cultura foi o da criação, em
1959, do Ministério de Assuntos Culturais da França, promovendo ações que se tornaram referência para diversos
países ocidentais” (CALABRE, 2013, pág.2).
4
Vale lembrar que Mario de Andrade esteve à frente do Departamento de Cultura de São Paulo de 1935 a 1938,
primeiro órgão especificamente criado para a cultura no país (CALABRE, 2015, pág. 6).
775
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em outros países da América Latina, foram nos períodos de maior controle ideológico por parte
do Estado, em governos autoritários e ditatoriais. Como nos mostra a historiadora Lia Calabre:
Vivemos, na América Latina, em uma conjuntura que guarda muito da
herança do processo histórico originado na década de 1930, momen-
to de fortalecimento e modernização dos Estados Nacionais, no qual
o campo da cultura, vinculado ao da educação, também foi objeto de
elaboração de políticas. Nas décadas de 1960 e 1970, podem ser identi-
ficadas novas iniciativas, por parte dos governos, em inserir a cultura no
campo das políticas públicas. Em muitos países da América Latina, esse
período correspondeu ao dos governos autoritários, às ditaduras milita-
res. A partir da década de 1980, de maneira gradativa e diferenciada, as
questões das políticas culturais foram sendo incorporadas aos progra-
mas de governo, dentro da perspectiva da construção de sociedades mais
democráticas e menos desiguais. No século XXI, a base do conceito de
política cultural foi deslocada para a da ação articulada entre o Estado
e a sociedade como um todo – nas suas frações organizadas ou não. Ou
seja, a premissa é a de que uma política cultural é, por essência, demo-
crática, logo, só pode ser construída de forma participativa (CALABRE,
2013, pág. 3).
Voltando à democracia, como afirmado anteriormente, Tancredo Neves tinha entre seus
planos dar à Cultura um Ministério próprio, plano que foi colocado em prática pelo seu sucessor
José Sarney em 1985. Foi neste período também que surgiu a primeira lei de incentivo fiscal, a
Lei nº 7.505, de 1986. A medida, que ficou conhecida como Lei Sarney, recebeu muitas críticas,
mas é inegável que ela funcionou como um protótipo para os modelos de financiamento públi-
co-privados tão comuns hoje. Mas a cultura ainda viria a sofrer seus piores dias. No governo
Collor, em 1990, o Ministério da Cultura foi extinto, substituído por uma secretaria e seus ór-
gãos foram redistribuídos. A Lei Sarney também foi extinta e em 1991 foi editada a Lei nº 8.313,
a Lei Rouanet, que também previa o uso de incentivo fiscal para a cultura e que está vigente
ainda hoje, tendo passado por algumas alterações (CALABRE, 2014, pág. 142).
O período dos governos Fernando Henrique Cardoso foi de valorização na Lei Rouanet,
atraindo investidores para a cultura e, consequentemente, deixando nas mãos da iniciativa pri-
vada parte significativa do apoio à produção artística e cultural do país. A partir de 2003, com o
governo Lula, tem-se a ideia de cultura como direito básico e importante pilar para o desenvolvi-
mento da democracia. Lula nomeou o cantor Gilberto Gil como Ministro da Cultura e foi a partir
daí que surgiu a proposta dos Pontos de Cultura, foco de nossa observação.
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e municipais, por meio dos seminários “Cultura para todos”. Segundo Calabre, a grande con-
tribuição destes seminários “foi a de abrir canais de diálogos entre o MinC e os mais variados
atores sociais que atuam no campo da cultura” (CALABRE, 2014, pág. 144), criando uma rede
de interlocução entre os agentes envolvidos. A proposta de programa para a cultura na campanha
de Lula já demonstrava uma compreensão de cultura por uma perspectiva mais antropológica,
não limitada às belas artes e às letras (COSTA, 2011, pág. 26).
O grande mérito da gestão de Gil foi estar antenada à cultura digital e pensar na inserção
da população não apenas pelo acesso a ferramentas, mas aos modos de produção neste contexto,
como explica a pesquisadora Eliane Costa:
Tomando o computador e a internet como pontos de partida, e não como
linha de chegada, o Ministério da Cultura, na referida gestão, foi além
da concepção de inclusão digital como mero acesso ao computador, in-
corporando uma reflexão sobre os usos da tecnologia no campo cultural,
bem como a perspectiva da autonomia do usuário e do fortalecimento de
uma cultura de redes. Diante do quadro de desigualdade que marca, tan-
to a sociedade contemporânea, quanto o ciberespaço, o MinC introduziu
em suas políticas públicas, no período estudado, a questão dos direitos
culturais e da diversidade, procurando fortalecer as oportunidades de
acesso aos meios de produção de conteúdos culturais em mídia digi-
tal, habilitando, assim, a difusão desses arquivos pela internet (COSTA,
2011, pág. 16).
Entre as principais ações desse período está a criação do Programa Cultura Viva5, em
2004, no qual estão inseridos os Pontos de Cultura. O principal objetivo do programa é a am-
pliação do acesso da população aos meios de produção, circulação e fruição da cultura. Ainda
segundo Costa, ele como pilares conceituais a autonomia, o protagonismo e o empoderamento.
Nas palavras da autora:
A proposta dos Pontos de Cultura inverte a lógica de atuação do Estado:
em vez de levar ações culturais prontas para as comunidades, são estas
que definem as práticas que desejam fortalecer, com reconhecimento e
apoio do governo. Escolhidos mediante edital público dentre iniciati-
vas já desenvolvidas por organizações da sociedade civil há pelo menos
dois anos, em localidades com precária oferta de serviços públicos e
equipamentos culturais, nos grandes centros urbanos ou em pequenos
municípios, e envolvendo populações de baixa renda ou em situação
de vulnerabilidade social, os Pontos de Cultura selecionados tornam-se
responsáveis por articular e impulsionar ações em suas comunidades,
passando a receber recursos diretos do Fundo Nacional de Cultura – da
ordem de R$ 5 mil por mês, por três anos (COSTA, 2011, pág. 76).
5
Vale ressaltar que o Programa Cultura Viva virou Política Nacional de Cultura Viva (PNCV) em 2015, pela chan-
cela da presidente Dilma Rousseff.
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Como Costa destaca, o valor recebido pelos Pontos selecionados é relativamente baixo,
mas para grupos e coletivos que não tinham incentivo nenhum, faz uma grande diferença, além
da chancela do governo ser importante para que tais grupos tenham sua credibilidade e legitimi-
dade reconhecidas pela sociedade e os poderes públicos locais. E em 2015, completos dez anos
de sua criação, houve um importante avanço no programa: a possibilidade de autodeclaração
como Ponto de Cultura. Ou seja, por meio de um cadastro nacional, entidades, grupos ou co-
letivos podem se tornar um Ponto de Cultura sem depender de uma pré-avaliação do governo.
Interessa-nos aqui chamar a atenção para a base conceitual do Programa Cultura Viva,
visto que ele prega justamente o protagonismo e o empoderamento dos próprios agentes cultu-
rais, sendo este um importante passo em direção à construção de uma cultura mais autônoma,
que se liberte da ideia de “cultura-valor”. Isto nos leva de volta a Guattari e a ideia de construção
de subjetividade.
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6
No original: “’We belong to the dispositifs, and act within them’. [...] A key scene of political action today, seen
from this vantage point, involves the struggle over the controlo r autonomy of the production of subjectivity. The
multitude makes itself by composing in the common the singular subjectivities that result from this process”.
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produção e a vida social” (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 41), fazendo com que tudo de-
penda da mediação do Estado – dependência essencial na subjetividade capitalística – o próprio
autor, porém, coloca a criação num lugar alternativo dentro dessa lógica:
Se considerarmos o que efetivamente se passa no campo da criação artís-
tica e científica, jamais encontraremos sistemas de centralização, institui-
ções que controlem totalmente os processos criativos. De algum modo,
as produções artísticas e científicas procedem de agenciamentos de enun-
ciação que às vezes atravessam não só as instituições e as especialidades,
mas também países e até épocas. Há sempre uma espécie de multicentra-
gem dos pontos de singularização no campo da criação. Isso não impede
que haja, num momento ou noutro, um indivíduo criador ou uma escola
[...]. Só na cabeça dos generais e dos déspotas da cultura é que existe a
ideia de que se possa programar uma revolução, por exemplo, cultural.
Por essência, a criação é sempre dissidente, transindividual, transcultu-
ral (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 36) (grifos do autor).
Retomando a questão dos Pontos de Cultura, embora seja um programa governamental,
portanto delimitador de bordas, não podemos ignorar que trata-se de uma medida que, de certa
forma, subverte essa ordem capitalística a partir do momento em que dá aos grupos a possibili-
dade de seguirem construindo sua própria cultura, de dentro para fora. Embora Guattari afirme
que não há cultura autônoma, apenas dos mercados econômicos e do poder, ele mesmo evoca a
criação artística como dissidente e transcultural. Nesse sentido, devemos ficar atentos às ideias
potentes que possam, de alguma maneira, ir contra o sistema capitalístico.
De maneira crítica não podemos perder de vista que nem sempre a autonomia prevalece-
rá, pois cada lugar e cada grupo terão suas ideologias e interesses que muitas vezes reproduzem
internamente a lógica capitalística, mas devemos lembrar também que o programa Cultura Viva
permitiu que grupos como comunidades de jongo, quilombolas ou indígenas7, por exemplo, ti-
vessem acesso a recursos que dificilmente teriam, possibilitando uma mobilização em rede com
outras, semelhantes ou não, o que fortalece sua cultura e amplia os horizontes para o futuro das
comunidades. Pensando a médio e longo prazo, o impacto educacional e social amplia as chan-
ces de um pensamento mais autônomo.
7
A relação completa dos Pontos de Cultura do país está disponível no Mapa Cultura Viva no link: http://culturaviva.
org.br/#lat=-0.9774344238459801&lng=-48.136936988976345&zoom=4 (Acesso em: 12 de dezembro de 2015).
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importante função para o equilíbrio da vida na biosfera Diante de tamanha importância, o valor
da polinização das abelhas não tem preço (MOULIER BOUTANG, 2012, pág. 76). Segundo
Boutang, a polinização não é percebida, embora represente ¾ da produção da abelha, enquanto
damos importância a apenas ¼ de sua ação, representado pela produção de cera e mel.
Fazendo um paralelo com os Pontos de Cultura, enquanto agentes autônomos e empo-
derados, suas ações repercutem não apenas no imediatismo da chancela Estatal, mas, a longo
prazo, funcionam como grandes polinizadores que expandem as linhas limítrofes impostas pelas
políticas públicas. Segundo os dados do MinC, desde a criação do programa Cultura Viva, em
2004, foram implementados 4.500 Pontos de Cultura no país, e a meta prevista no Plano Nacio-
nal de Cultura é chegar a 15.000 Pontos de Cultura em funcionamento até 20208. Ainda estamos
longe de atingir tal meta, e provavelmente não a atingiremos a tempo, mas este certamente é
um bom norte. Como proposto ainda no resumo deste trabalho, não pretendeu-se aqui defender
um governo específico, mas tentar enxergar uma via alternativa, valorizando uma proposta de
política pública com potencial para dar uma real autonomia ao campo da cultura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALABRE, Lia. Desenvolvimento de políticas públicas culturais. Texto desenvolvido para a segunda
edição do Curso de Formação para Gestores Públicos e Agentes Culturais do Estado do Rio de Janeiro,
2015.
______. Política Cultural em tempos de democracia: a Era Lula. Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros, Brasil, n58, p. 137-156, jun. 2014.
______. Políticas Culturais – Panorama Internacional. Texto desenvolvido para a primeira edição do
Curso de Formação para Gestores Públicos e Agentes Culturais do Estado do Rio de Janeiro, 2013.
COSTA, Eliane. Jangada Digital: Gilberto Gil e as políticas públicas para a cultura das Redes. Rio de
Janeiro: Beco do Azougue, 2011.
GUATTARI, Felix & ROLNIK, Suely. Micropolítica – cartografias do desejo. Petrópolis: Editora Vozes,
1996.
HARDT, Michael & NEGRI, Antonio. Commonwealth. Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 2009.
LAZZARATO, Maurizio & NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de
subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
MOULIER BOUTANG, Yann. Revolução 2,0, Comum e Polinização. In: COCCO, Giuseppe &
ALBAGLI, Sarita (Org.). Revolução 2.0 e a crise do capitalismo global. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.
8
Dados dos Pontos de Cultura disponíveis em: http://www.cultura.gov.br/cultura-viva1 (Acesso em: 12 de dezem-
bro de 2015). As Metas do Plano Nacional de Cultura podem ser acessadas pelo link: http://www.cultura.gov.br/
documents/10883/11294/METAS_PNC_final.pdf/ (Acesso em: 12 de dezembro de 2015).
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RESUMO: Está em curso pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN/
MG, a pesquisa de Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC, para embasamento
do Pedido de Registro das congadas mineiras. Interessa-nos compreender através da observação
participante os processos de construção da política, tendo como foco a mobilização da base
social, as parcerias entre os entes públicos e privados e a construção de diálogos com os
detentores e a comunidade. É de igual interesse observar as implicações que ocorrem quando o
poder público municipal passa a organizar o reinado. O objetivo é refletir sobre o processo de
patrimonialização e a diversidade de contextos onde ocorrem os ritos que compõem as festas
de reinado em Santo Antônio do Monte e Araújos. Haja vista que no segundo o poder público
municipal tem uma grande influência sobre a organização da festa, enquanto no primeiro sua
participação é mínima, ficando a cargo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.
1. INTRODUÇÃO
O culto em louvor a Nossa Senhora do Rosário é antigo e antecede ao período da coloni-
zação portuguesa no Brasil. Em território brasileiro, os congados são manifestações artísticas e
religiosas, cujas homenagens são recorrentes à Virgem do Rosário e São Benedito. No entanto,
outros santos consagrados pela Igreja Católica são inseridos nos festejos como, por exemplo,
Santa Efigênia, Divino Espírito Santo, Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio e outros. É
na região sudeste, mais precisamente no estado de Minas Gerais, onde há uma maior ocorrên-
cia dos festejos. Tanta expressividade contribuiu para que fosse dado início pelo Ministério da
1
Mestre em Antropologia Social pela UFRN. Especialista em Patrimônio pelo Programa de Especialização
em Patrimônio – PEP/IPHAN. Professor Adjunto I do Centro Universitário de Formiga – UNIFOR-MG. E-mail.:
francimariovitos@gmail.com
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pelos moradores para a definição desse momento festivo, que acontece anualmente na segunda
quinzena do mês de agosto. “Ainda que cada participante tenha uma predileção por tal santo
milagroso, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito constituem o denominador comum da
devoção da maioria dos congadeiros” (RABAÇAL, 1976. p. 43).
Para Costa (2012), que pesquisou as congadas em Serra do Salitre, na região do Alto
Parnaíba, os congados representam a aparição de Nossa Senhora do Rosário o que estruturou as
comemorações atualmente marcadas pela participação dos ternos. “É o evento mítico situado
no tempo do cativeiro, e que a partir dele foi instaurado um reinado idealmente responsável
pela conformação da festa como um todo” (COSTA, 2012. 67). Portanto, assegura a autora, “o
reinado, garante que a festa seja realizada com muita alegria, dança, cantoria e comida” (Idem).
Além disso, a festa de reinado é composta por reis perpétuos, reis congos, festeiros, mordomos
e ternos compostos pelos congadeiros.
O termo reinado carece de uma reflexão pormenorizada, uma vez que se estrutura a par-
tir de uma complexa rede de significados que interligam o plano das crenças religiosas à vida
cotidiana dos congadeiros, reis, festeiros e devotos dos santos padroeiros. O reinado comporta
uma gama de ritos: ritual de levantamento dos mastros, coroação de reis e rainhas, pagamento
de promessas, cortejos e procissões, missa conga e outras formas de homenagens aos santos.
Para entender a amplitude simbólica do reinado e o lugar do culto à Virgem do Rosário
nesse festejo religioso, que é o ritual de coroamento de reis e rainhas, Vilarino (2014), com base
na fala da rainha conga de Minas Gerais sobre a função de uma coroa nos ritos congadeiros,
faz a seguinte ressalva: “A coroa é a confirmação da presença da força protetora da santa junto
àquele rei/rainhas coroado” (VILARINO, 2014. p. 100).
Outra função, não menos importante que se percebe no contexto do reinado, além do
culto à santa e demais rituais que os envolve, é o fato de promover entre os ternos (grupos de
dançadores), sobretudo, aqueles compostos por negros, a noção de pertencimento aos ancestrais
escravos. Assim, é possível perceber que o reinado “esteve [e está] diretamente associado à
escravidão, é uma manifestação religiosa em que seus praticantes rememoram aquele tempo
através de seus rituais” (VILARINO, 2014. p. 97). A fina observação etnográfica sobre as “fes-
tas dos pretos” associada aos relatos colhidos “parecem associar Nossa Senhora do Rosário à
Liberdade e São Benedito ao cativeiro” (COSTA, 2012. p. 54). Elementos que forçam a postura
de seriedade, devoção e respeito adotada pelos congadeiros durante os dias de reinado.
Assim, após rápida introdução acerca das manifestações festivas em homenagem aos
santos padroeiros, o objetivo do artigo é trazer algumas reflexões acerca do processo de patri-
monialização e a diversidade de ritos em louvor a virgem do Rosário, com destaque para a festas
de reinado em Santo Antônio do Monte e Araújos, sobretudo, no que diz respeito à sua organiza-
ção. Para isso, trago como exemplo empírico a realidade de Araújos, onde a presença do poder
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público municipal é massiva tanto na estrutura como na organização da festa; enquanto que, no
primeiro a organização, implementação e estrutura do evento ficam a cargo da Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário, junto aos congadeiros e comunidade. De modo que torna-se possível
observar as implicações que ocorrem, quando o estado passa a comandar festejos de origem po-
pular. Interessa-nos, também, compreender os processos de construção da política, tendo como
foco a mobilização da base social (comunidade e detentores), as parcerias entre os setores públi-
cos e privados, e a construção de diálogos envolvendo os detentores e a comunidade.
2
“As imagens de São Benedito presentes na Serra de Salitre e na região como um todo, além de representá-lo
como negro, e vestindo uma roupa franciscana marrom, o que tornou essa cor, junto ao amarelo, representativa do
santo nas festas em sua homenagem” (COSTA, 2012. p. 60).
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3
É interessante destacar que no tocante à implementação de políticas de salvaguarda o Estado só se manifesta
mediante anuência, por escrito, dos principais interessados na manutenção da pratica, no caso os detentores.
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e do Ministro da Cultura Francisco Weffort, com saldo dos bens registrados5, o período de 2003 a
2011, que corresponde às duas gestões do Presidente Lula, que teve como Ministro da Cultura, na
primeira gestão Gilberto Gil, e no segundo mandato, o ministro Juca Ferreira, foi definitivamente
decisivo para a consolidação e implementação da política de salvaguarda dos bens intangíveis.
Foi possível perceber que o período contabilizou o Registro de 21 (vinte e um) bens, distribuídos
em todas as regiões do país, e inscritos nos quatros livros6.
Diante do quadro de avanços das ações de preservação da política, é crucial fazer um
apanhado das transformações, sobretudo, no que se refere às lutas e demandas impostas pelos
movimentos sociais. Como bem frisa Soto et al (2010) nos governos democráticos represen-
tativos, os direitos políticos dos cidadãos incluem a possibilidade de participar das decisões
governamentais (SOTO et al, 2010. p. 26). A autora refere-se ao mecanismo democrático de-
nominado participação social, ou como se costuma falar no dia a dia das ações de salvaguarda
de patrimônio imaterial do IPHAN: mobilização da base social, de modo que o diálogo com a
sociedade permitiu enfrentar os autoritarismos, enfatiza Rubim (2015). Para melhor elucidar a
ideia de participação social nos processos de decisão política do governo Lula, é preciso ir ao
cerne da questão:
As lutas sociais e o processo de organização popular fizeram com que
em 1989 a nordestina Luiza Erundina fosse eleita prefeita do município
de São Paulo, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que por sua vez
convidou a filósofa Marilena Chauí para assumir a pasta da secretaria
de Cultura. Marilena Chauí instituiu o conceito de Cidadania Cultural,
apregoando a cultural como um direito do cidadão (BEZERRA E WEY-
NE, 2013. p. 06).
Estavam, portanto, plantadas as bases que viriam a ser o modelo de política cultural do
futuro governo nacional petista, a partir de 2003, acrescenta a autora. Em seu discurso de pos-
se, o Ministro Gilberto Gil (2003) deixa evidente o “início de uma nova fase na política cultural
do país”, no sentido antropológico, com a preocupação em “revelar os brasis”, suas múltiplas
manifestações culturais, e na retomada do papel ativo do Estado na formulação de políticas cul-
turais, procurando, sobretudo, estabelecer diálogos e compartilhar com a sociedade brasileira a
revisão, formulação e execução das políticas públicas de cultura. Nesse sentido, a cultura, pela
primeira vez na história do país, passou a ser vista como importante ferramenta de inclusão,
cidadania e desenvolvimento. A democratização e acesso aos bens culturais decorrentes da im-
plementação dessas mudanças podem ser percebidas em diversas áreas no campo institucional
das políticas culturais. No âmbito das políticas de preservação da cultura imaterial é possível
5
Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, inscrito no Livro de Registro dos Saberes (20/12/2012), e a Arte Kusi-
wa – Pinturas Corporais e Arte Gráfica Wajãpi, inscrita no Livro de Registro Formas de Expressão do IPHAN, na
mesma data.
6
Informações disponíveis no site http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/228.
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Para que tais ações atingissem de forma democrática os mais diversos grupos localizados no interior do país,
foram necessárias medidas de reestruturação dos órgãos de cultura. Foi quando, pela primeira vez na história do
IPHAN, houve concurso destinado a contratação de técnicos especializados em diversas áreas do conhecimento.
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outras parcerias. Justificou ainda, como forma de enfatizar a grandiosidade do reinado perante
a região, que várias congadas de cidades vizinhas vêm para a cidade na época dos festejos. O
técnico ouviu as propostas e ficou de analisar junto ao superintendente, e que, posteriormente,
daria uma resposta.
No dia 13 de agosto de 2015, portanto, em pleno reinado, o técnico do IPHAN retornou
à cidade para comunicar ao prefeito que o município seria uma das cidades a sediar um dos En-
contros Regionais de congadeiros8. Enfim, de acordo com o técnico, o calendário dos encontros
estava previsto para acontecer entre os meses de novembro de 2015 e fevereiro de 2016, no
entanto, até o momento tais ações ainda não foram executadas. O que se sabe é que, enquanto
o orçamento da União, referente ao ano letivo de 2016 não for aprovada, não há expectativas
quanto à continuidade das ações do projeto. O cenário que pareceria estar fluindo do ponto de
vista da construção de diálogos e mobilização da base social sofreu uma interrupção. O que só
reforça de forma direta e contundente a realidade de descontinuidade que se instalou na gestão
do governo Dilma.
8
Os Encontros Regionais com os congadeiros, serão realizados em sete municípios mineiros, em data ainda por
definir: Divinópolis, Machado, Montes Claros, Santo Antônio do Monte, São João Del Rei, Sete Lagoas e Uber-
lândia. Conforme documento oficial expedido do IPHAN/MG.
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uma série de promessas, e ao final dos trabalhos, nunca voltaram para mostrar seus resultados.
É igualmente interessante, que, em sua fala, poder público dá a entender que é uma única coi-
sa, não há distinção nítida se é municipal, estadual ou federal. O poder público trata a cultura
com descaso. Depois, eu apurei que tais estudos tinham sido realizados pelo IEPHA - Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. Como já expus no texto acima,
no geral, a grande preocupação dos congadeiros era de que forma o IPHAN iria interferir na
organização da festa de reinado. Foi por conseguir associar o desabafo do presidente com a fra-
se que partiu da plateia, antes da reunião ter início, mais a grande questão que foi inerente aos
detentores, que resolvi problematizar esse tópico.
Depois, em conversas e informações com alguns congadeiros e comunidade em geral,
comecei a entender que havia uma diferença entre as festividades de reinado da cidade e aquelas
que acontecem na cidade vizinha de Araújos. Ouvi queixas no seguinte sentido: “o reinado virou
uma micareta, com trio elétrico, muita bagunça”. “Nós não queremos que aqui fique igual ao
que findou o reinado de Araújos”. Mas o que havia contribuído para tal transformação, a ponto
de causar tanta resistência por parte dos moradores e congadeiros? A resposta não demorou a
vir. O fato é que, em Araújos, a organização do reinado está sob a responsabilidade do poder
público municipal, transformando-o numa espécie de “espetáculo alegórico, contrastando com o
sentido de missão” (COSTA, 2012. p. 63). Ao contrário do reinado de Santo Antônio do Monte,
cuja organização, estrutura e promoção da festa ficam a cargo da Irmandade e da comunidade.
A prefeitura apoia, sem necessariamente ter o compromisso de realizá-la.
Por detrás das palavras, com ares de desaprovações proferidas pelos congadeiros, es-
tão sentimentos bastante difundidos entre os devotos dos santos padroeiros, a fé e o sacrifício.
Para eles o trabalho dedicado para homenageá-los é recompensado pelas graças alcançadas. A
essência de existência da festa reside no fato de cada indivíduo se doar e oferecer o que pode.
Na maior parte das vezes, as ofertas se dão em formas de serviços voluntários, sobretudo, nos
almoços, jantares e outras ações promovidas na comunidade com o intuito de angariar fundos, e
durante o reinado, nas preparações das refeições. Para Costa (2012) realizar as festas e participar
dos grupos superando o cansaço e as dificuldades financeiras é uma forma singular de expressão
de louvor, e mais, é a profunda devoção que enaltece a organização das festas e a participação
nos ternos, não as roupas ou enfeites.
Motivado pelas inquietações dos congadeiros acerca do reinado de Araújos9, fui observar,
sem grandes pretensões, a sua festa. Mesmo que eu nunca tivesse ido à cidade, fiz questão de não
pedir ajuda a qualquer informante local, fui sozinho. Era uma manhã de domingo, segundo dia de
9
Não vou ater-me na descrição do reinado da localidade. O propósito é mostrar algumas diferenças em relação
à festa em Santo Antônio do Monte, e que seja possível refletir sobre a questão da gestão pública municipal na sua
organização.
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reinado. Ao chegar ao perímetro urbano, ainda distante do local dos festejos, em frente à igreja
matriz, no centro, ouvi sons de tambores que pareciam vir de todos os cantos. Ao seguir caminho,
logo percebi o quanto a cidade estava enfeitada de fitilho, muito brilho. Mais lembrava um céu
estrelado com sol a pino. Não que em Santo Antônio do Monte não se usam enfeites, mas eles se
restringem à ornamentação de locais estratégicos como o pátio do salão da irmandade, a frente da
matriz, e frente às residências dos reis e rainhas congos e perpétuos, e festeiros.
Toda a festa se concentrava ao redor da igreja matriz cujo padroeiro é São Sebastião,
embora algumas manifestações de louvor aos “santos pretos” estivessem acontecendo por toda
cidade, principalmente, motivadas pelas visitas dos ternos. Montado em frente à matriz que
estava enfeitada, havia um palco relativamente grande, o que indicava que ele não se destinava
apenas às apresentações dos ternos, mas a outros tipos de shows, e uma tenda onde os festeiros
recebiam as homenagens dos ternos após o oferecimento das refeições.
Em uma das avenidas que ladeava a concentração dos ternos, inúmeros bares e restauran-
tes, vendendo bebidas e comidas, cada um tocando um gênero musical diferente, cujo repertório
ia do axé, passando pelo funk até o forró. Esse cenário espetaculoso e carnavalesco acontecia
simultaneamente às apresentações dos ternos na tenda. A outra avenida sediava uma feira a céu
aberto, de proporções gigantescas, chegando a dois quilômetros de extensão. Nela, vendiam-se
de quase tudo, desde produtos eletrônicos importados, brinquedos, utilidades domésticas, arti-
gos religiosos, produtos de belezas, acessórios de couro, comidas e bebidas variadas.
Como se não bastasse o espetáculo massificado na terra, nos ares era possível observar
voos rasantes de helicópteros, que proporcionavam passeios para aqueles mais abastados, e,
diante de tantas fantasias e enfeites, o que menos os chamavam a atenção eram os ternos de
congadas com seus bailados, músicas e devoções.
Em resumo, mesmo que as conclusões sejam preliminares há, sim, diferenças marcantes
entre as festas de reinado existentes nas duas cidades. O fato é que não me demorei a percebê-
-las, apenas algumas horas de pesquisa exploratória foram suficientes para compreender os mo-
tivos pelos quais os congadeiros de Santo Antônio do Monte oferecem tamanha resistência em
entregar a organização da festa ao poder público, seja ele qual for, municipal, estadual e federal.
Temem, sobretudo, que a festa se transforme numa espécie de carnaval, e que as congadas e
seus ternos se tornem meros acessórios de alegoria diante do cenário fantasioso produzido pelo
Estado. A congada ou reinado torna-se, assim, “mais uma apresentação ou um espetáculo do
que uma demonstração de fé, o que, segundo os congadeiros da Serra do Salitre, esvazia o seu
conteúdo original” (COSTA, 2012. p. 63. Grifo meu).
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Escrever sobre as nuances do reinado e suas representações, mas especificamente pen-
sando o recorte das políticas públicas de preservação da cultura imaterial, tem se mostrado para
mim um exercício reflexivo prazeroso, porém complexo. A cada texto produzido sobre o tema
surgem novas ideias e impulso para continuar a desvendar seus encantos.
O tema da mobilização social entre o poder público e os congadeiros, imprescindível no
campo do processo de patrimonialização tem sido uma das vertentes transversais aos festejos,
em homenagem à virgem do Rosário que mais tem instigado, e se apresenta com mais evidência.
A ideia de envolver os principais atores no processo através de troca de diálogos, se conduzido
com o devido cuidado e atenção gera produção de conhecimento e fortalece o senso de perten-
cimento, essencial na manutenção das congadas.
Mesmo que a as reflexões acerca da inserção do poder público na organização do reina-
do, especificamente no contexto da cidade de Araújos, possa parecer um problema, sobretudo,
na visão de alguns congadeiros e devotos, penso que se trata de terreno fértil para aprofunda-
mentos futuros.
Os conceitos de raiz, alegoria, enfeites, escolas de sambas e espetáculos, abordados por
Costa (2012), mesmo tendo sido trabalhados timidamente no meu contexto de pesquisa, foram
significativos para compreender as disputas e tensões entre as duas cidades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASCUDO, Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10 ed. São Paulo: Global, 2010.
BEZERRA, Jocasta Holanda; WEYNE, Raquel Gadelha. Políticas Culturais no Brasil Contemporâneo:
percursos e desafios. In: IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL – POLÍTICAS CULTURAIS, 2013, Rio
de Janeiro. Anais (on line). Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 2013. Disponível em http://
culturadigital.br/politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2013/11/Jocastra-Holanda-Bezerra-et-alii.pdf.
Acesso em 01 de fevereiro de 2016.
BORGES, Eloisa. Os devotos do Rosário: devoção e promessa na Festa do Rosário de Santo Antônio
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Rosário. Curitiba: Appris, 2012.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 3. ed.
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1. APRESENTAÇÃO
Este trabalho pretende, incialmente, introduzir - à luz do texto “Desigualdade e diversida-
de: os sentidos contrários da ação”, de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (Botelho e Schwarcz,
orgs., 2011:166) – os conceitos de desigualdade e diversidade.
A partir do entendimento sobre a evolução destes conceitos no pensamento mundial e bra-
sileiro, aproveitando não somente o texto em referência, mas também o conhecimento adquirido
em outras leituras e aulas, pretende-se descrever, sucintamente, o olhar específico para a diversi-
dade cultural no Brasil de hoje.
Ao final, à guisa de conclusão do trabalho, se descreve, também de modo sucinto, um
caso de sucesso na parceria público-privada de fomento a projetos socioculturais no estado do
Rio de Janeiro, principal área geográfica de atuação do Instituto Cultural Cidade Viva2.
1
Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais pelo CPDOC-Fundação Getulio Vargas. Professora Adjunta da
Universidade Candido Mendes, nos cursos de graduação e pós-graduação em Produção e Política Cultural. Profes-
sora convidada do MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão, da Fundação Getulio Vargas. Diretora de
Projetos do Instituto Cultural Cidade Viva. E-mail: francis@institutocidadeviva.org.br | francis@pobox.com
2
Informações sobre a instituição podem ser obtidas no sítio http://www.institutocidadeviva.org.br.
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Estas duas visões levaram as nações modernas a tentativas de solução para as desigual-
dades em diversas frentes: homogeneização cultural dos cidadãos; unificação linguística, reli-
giosa, de costumes; identificação dos indivíduos como membros através de símbolos da nação.
As tentativas de implementação dessas medidas acabaram por evidenciar uma nova ne-
cessidade: a da adaptação às diferenças culturais, i.e., a necessidade de aceitação e convívio
com as diferenças como caminho único e indicado para conviver com as diferenças sem gerar
desigualdades, ou pelo menos, minimizando essa possibilidade. Surge, a partir daí, o conceito
de diversidade e suas diversas aplicações políticas e práticas.
A nação pioneira neste trajeto foi a Grã-Bretanha. A implantação precoce do capitalismo,
as tensões geradas por ele, associadas à extensão do império britânico, que implicava em conviver
com diferenças fisionômicas, genéticas, linguísticas e religiosas, associados à influência da antro-
pologia social e do desejo do alcance da “igualdade” política, cultural e social culmina com o en-
tendimento da necessidade sem volta do reconhecimento, respeito e “cultivo da diversidade cultu-
ral, linguística e religiosa” como condição para aproximar os indivíduos da igualdade e cidadania.
Em termos universais, Guimarães produz duas definições muito oportunas sobre o “esta-
do da arte” dos dois conceitos:
Desigualdade – “quebra da regra de igualdade de tratamento e de oportunidades na es-
fera pública”;
Diversidade – “expressão cultural, religiosa, linguística, etc. de membros de grupos
sociais, especialmente os de minoria política, social ou demográfica”. (2011:172)
3. O PENSAMENTO BRASILEIRO
Ainda e sempre baseados em Guimarães, diríamos que podemos começar uma linha do
tempo do pensamento brasileiro sobre a - naquele momento não chamada assim - diversidade,
com Joaquim Nabuco (1883 apud Guimarães, 2011:173), quando o grande abolicionista lembra,
em discurso, o “liberalismo” do Senado ao conceder elegibilidade aos libertos.
Saltando para o pós-guerra, Guimarães encontra em Gilberto Freyre o elemento de con-
solidação da identidade nacional brasileira baseado na mestiçagem como principal promotor
dessa identidade. Voltando ao texto de Freyre, entendemos rapidamente por que Guimarães o
cita como um marco no reconhecimento da diversidade: reconhecendo o convívio, em todos os
níveis, inclusive o doméstico, de indivíduos de raças, religiões e culturas diferentes e fazendo
uma quase ode à mestiçagem como o elemento formador da identidade brasileira, Freyre po-
deria ser considerado o tradutor, por excelência, das primeiras manifestações internacionais de
reconhecimento da diversidade.
Apesar de não citado no texto de Guimarães, considero que cabe aqui uma lembrança
do “homem cordial”, assim denominado por Sérgio Buarque de Holanda (1995;139-197). Suas
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observações, ainda num momento em que o termo diversidade propriamente dito não estava na
pauta das discussões, demonstram o estreito convívio entre raças, credos e culturas no Brasil
como gerador de um processo identitário que também nos ajuda a compreender por que preci-
samos considerar a diversidade como elemento formador indiscutível da sociedade brasileira.
Guimarães segue com Florestan Fernandes (1965 apud Guimarães, 2011:173). Firme
defensor da corrente socioeconômica, apresentada rapidamente aqui na página 3, Fernandes
sustenta, segundo nosso autor de base, que as desigualdades sociais são apenas relativamente
duradouras desde uma perspectiva estrutural, pois dependem do avanço do desenvolvimento
econômico ou do resultado dos conflitos das classes sociais.
Chegamos aos anos 70, quando o pensamento ligado ao governo militar segue a linha de
que desigualdade de renda e de bem-estar podem ser explicados por exploração e barreiras de
oportunidades típicas do Brasil, como a reserva de mercado de trabalho para os imigrantes no
início do século XX.
Finalmente, passamos pelas décadas de 1980 e 1990 observando o surgimento de novos
movimentos negros que pleiteavam: direito ao reconhecimento da diversidade cultural e po-
líticas públicas diferenciadas. Com o ambiente político favorável, esses movimentos tiveram
o apoio de indígenas, homossexuais, sem-terra. No entanto, o contexto favorável não foi sufi-
ciente para suplantar a morosidade e a apatia governamental.
Evidenciam-se naquele momento, portanto, os grandes desafios sociais que o Brasil en-
frenta ainda hoje, para lidar com a diversidade de modo verdadeiramente compatível com o
pensamento mundial contemporâneo a esse respeito.
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Desde a Semana de Arte Moderna, passando pelo Cinema Novo, o Tropicalismo, entre inú-
meros outros movimentos de reforço da identidade cultural brasileira, nossas diversas modalidades
artísticas vêm buscando uma aproximação em profundidade com os saberes e fazeres nacionais.
No entanto, a despeito destas iniciativas, a própria geografia do Brasil constitui um uni-
verso de diversidade. Fazer com que um gaúcho demonstre afinidade nacional com um nativo
da Amazônia já representa um enorme desafio; promover uma verdadeira interação e reconheci-
mento entre o Boi de Parintins e a Milonga da serra gaúcha é, na prática, próximo do inexequível.
Daí, a nosso ver, resulta a primeira grande dificuldade na escolha de projetos culturais a
serem patrocinados: - Quem é mais representativo da cultura brasileira? Quem tem mais “mérito
cultural”, no dizer da legislação de fomento?
De fato, não se pode nem deve discutir o mérito cultural de uma ação. A própria identi-
ficação de uma manifestação como “cultural” já lhe confere o mérito necessário para ser assim
chamada. A questão está muito mais na relação desta manifestação cultural com a comunidade
que a originou.
Quando nos deparamos com uma apresentação do Jongo da Marambaia, por exemplo,
composto por descendentes dos escravos que o trouxeram e fixaram no Brasil, não nos cabe discu-
tir se as práticas que lhe foram agregadas são ou não parte integrante da sua própria identidade. Se
existem agora e estão integrados na ação e nas apresentações, passam a ser parte integrante deste
fazer e, portanto, do saber que o torna patrimônio cultural imaterial genuinamente brasileiro.
Com este quadro em mente, e a título de conclusão, segue, neste último subtema, um
exemplo de ação cultural em que a parceria entre os três setores-pilares do nosso modelo de
patrocínio – governo, patrocinador, produtor cultural - foi bastante bem-sucedida.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TEXTO BASE:
GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Desigualdade e diversidade: os sentidos contrários da ação
in BOTELHO, André e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Agenda brasileira. Temas de uma sociedade em
mudança. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
3
O texto de abertura, os projetos aqui elencados e outros contemplados pelo Prêmio podem ser conhecidos nos
vídeos disponíveis em http://www.premioriosociocultural.com.br
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RESUMO: O presente artigo tem por objetivo evidenciar que a economia criativa pode ser
utilizada como uma política pública fomentadora de desenvolvimento econômico sustentável
para o Estado do Ceará. Procuramos demonstrar a necessidade de o governo do Ceará realizar
um Mapeamento das Indústrias Criativas do Ceará, assim como foi feito no Estado do Rio de
Janeiro pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN). Com apoio em um
estudo realizado em 2013, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (Panorama
da Economia Criativa no Brasil), o artigo tem a intenção de incentivar o desenvolvimento e
implementação de políticas públicas integradas focadas na indústria criativa, a chamada
indústria do século XXI, baseada na inovação, na criatividade e no simbólico como matérias
primas principais.
1. INTRODUÇÃO
O sistema de produção capitalista existe na história da humanidade desde a derrocada
do feudalismo, na idade média, e a ascensão das ideias do iluminismo, do humanismo e de uma
nova classe de comerciantes, os burgueses. Fazendo uma rápida retrospectiva histórica, este
sistema econômico passou, no decorrer de vários séculos, por várias fases, a saber: a fase co-
mercial com as grandes navegações e a pilhagem das colônias, com colonizações de exploração,
como a que ocorreu no Brasil, por exemplo. Neste sentido, o desenvolvimento econômico de
países como Inglaterra, Alemanha, Holanda e Espanha dentre outros, é fruto da acumulação de
riquezas e capitais advindos da fase comercial e colonialista deste sistema econômico. Já a fase
1
Mestrando em Planejamento e Políticas Públicas (UECE); Especialista em Administração Pública (FAERPI);
Bacharel em ciências econômicas (UFC). E-mail: ricardo.calixto@sda.ce.gov.br
2
Doutor em Administração pela Universidade Federal da Paraíba (2004), Doutor em Gestão de Empresas pela
Universidade de Coimbra (2008), Pós-doutorado pelo PROPAD, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Professor da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: roberto.pinto@uece.br
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da revolução industrial é caracterizada pelo advento da mecanização da produção, que eleva sig-
nificativamente a produtividade e, consequentemente, o lucro dos capitalistas. Principalmente
na Inglaterra e outros países da Europa, berços desse sistema, observa-se ao longo da História
o cumprimento de largas e extenuantes jornadas de trabalho, seguido de baixíssimas remunera-
ções, confirmando a “mais valia” da teoria marxista (Marx, 1967).
Mais recentemente, chega-se à fase da revolução eletrônica, com o uso intensivo da Tec-
nologia da Informação e Comunicação (TIC) e com processos de produção industriais flexíveis
ou enxutos, componentes do modelo conhecido como Toyotismo, com aumento das responsabi-
lidades individuais, agregação de valor com o uso de componentes eletrônicos e informatizados
e consequente utilização intensiva de alta tecnologia, principalmente nos países desenvolvidos.
Na Europa, nos anos iniciais desta fase do capitalismo os trabalhadores nos países desen-
volvidos ganhavam salários com média de valores maior do que o salário dos trabalhadores de
países ditos em desenvolvimento. Por conta dos altos custos trabalhistas do Estado de bem-estar
social (welfare state) nos países da Europa, as grandes plantas industriais deslocaram-se para pa-
íses em desenvolvimento com o objetivo de pagar menores salários, o que, na lógica capitalista,
faz sobrar um maior excedente, lucro econômico ou mais valia relativa, segundo Marx (1867).
Anos após o lançamento da principal obra de Karl Marx – que analisa o modo de produção
capitalista, introduzindo os conceitos de mais valia absoluta e relativa, valor de uso e valor de
troca – no início do século XXI, John Howkins, autor inglês, introduz o conceito de um novo
tipo de indústria ou processo de produção, onde o principal insumo são as ideias, a criatividade
e a inovação. A isso chama de economia criativa (Howkins, 2001).
O conceito da economia criativa e seu estabelecimento como uma disciplina de estudo
ganhou expressão e relevância a partir da década de 2000, como já foi dito. A partir de iniciati-
vas isoladas no começo do século XXI, o que se observa atualmente é que a economia criativa
se estende em uma ampla gama de áreas de responsabilidade política e administração pública,
segundo Oliveira et al. (2013).
Alguns governos no mundo criaram ministérios, departamentos ou unidades especiali-
zadas para lidar com as indústrias criativas – como é o caso do Brasil, por exemplo, que contou
com uma Secretaria de Economia Criativa (SEC) ligada ao Ministério da Cultura (MinC) na
gestão do então Ministro Gilberto Gil (2010 a 2014), cuja Secretária foi a professora universitá-
ria e Ex-Secretária de Cultura do Ceará, Claudia Leitão. No entanto, em 2014 o novo Ministro
da Cultura (do segundo governo da Presidenta Dilma Rousseff), Juca Ferreira, extingue esta Se-
cretaria e estabelece dentro de sua gestão uma abordagem institucional mais ligada à economia
da cultura, que é somente uma parte da chamada economia criativa.
É importante ressaltar que o termo Economia criativa é, ainda, um conceito em evolução,
e ao redor do mundo são apresentadas diferentes definições e formas de mensuração e caracte-
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rização. Howkins (2001) sustenta a ideia de que a economia criativa se assenta sobre a relação
entre a criatividade, o simbólico e a economia. Assim, economia criativa seria, segundo o autor,
“o conjunto de atividades econômicas que dependem do conteúdo simbólico – nele incluído
a criatividade como fator mais expressivo para a produção de bens e serviços” (HOWKINS,
2001). Para Oliveira et al. (2013), esta forma permite caracterizar economia criativa como uma
disciplina distinta da economia da cultura, que guarda grande relação com aspectos econômi-
cos, culturais e sociais que interagem com a tecnologia e propriedade intelectual, numa mesma
dimensão, e tem relações de transbordamento muito próximas com o turismo e o esporte.
O presente artigo, acerca da economia criativa como política pública fomentadora de
desenvolvimento econômico no Estado do Ceará, justifica-se plenamente quando percebemos
que a indústria tradicional em todo o Brasil, e particularmente no Ceará, emprega cada vez
menos pessoas; diminui seu peso na composição do PIB enquanto o setor de serviços (onde a
economia criativa está inserida) eleva sua participação e importância. Vemos, também, que o
parque industrial cearense sofre um crescente processo de desindustrialização, com intensa di-
minuição no número de plantas industriais e que a indústria presente no Estado é intensiva em
mão de obra, pouco intensiva em alta tecnologia agregada e apresenta baixos salários, ou seja,
é pouco agregadora de maiores rendimentos, que acelerariam o motor da economia do Estado,
proporcionando desenvolvimento econômico, maior arrecadação de impostos, com consequente
melhora nos indicadores socioeconômicos, como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é ressaltar a importância da economia criativa
como uma nova estratégia ao desenvolvimento da economia do Estado do Ceará, como forma
de incentivar a aplicação de políticas públicas para o fomento dessa nova indústria, de forma
institucionalmente integrada.
Com o objetivo de ressaltar a importância econômica estratégica dada à economia cria-
tiva relatamos abaixo um estudo solicitado pelo principal agente financeiro de desenvolvimento
regional do Nordeste e a percepção da economista Tania Bacelar acerca deste tema.
Em 2014 o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) “patrocina um estudo abrangente des-
tinado a lançar luzes sobre a trajetória recente do desenvolvimento nordestino, identificar pers-
pectivas e apontar desafios e iniciativas estratégicas para o futuro próximo”. Implementou,
assim, sob o comando do Escritório Técnico do Nordeste (ETENE) e no âmbito de um Projeto
de Cooperação Técnica com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura –
IICA, um trabalho intitulado: “Estudos Prospectivos sobre o Desenvolvimento do Nordeste
do Brasil”, no horizonte 2022. Tais estudos foram realizados sob a coordenação técnica da CE-
PLAN Consultoria Econômica e Planejamento. Nesta perspectiva, a economista, consultora do
CEPLAN e Coordenadora Geral do Estudo, Tania Bacelar aponta que:
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Nos anos recentes, o Nordeste viu se expandirem polos onde tais ativi-
dades se desenvolveram. Promover a interação entre os cientistas, no
NE muito concentrados nas Universidades, com os empreendedores,
estimulando a cooperação, é a iniciativa principal a ser patrocinada. Ao
mesmo tempo, a economia criativa avança no mundo e, no Brasil, o
Nordeste é um celeiro para o desenvolvimento de muitas de suas ati-
vidades constitutivas. Iniciativas que apoiem a expansão da produção
de cinema, de eventos culturais, design e serviços criativos, atividades
associadas à conservação e acesso ao patrimônio natural e cultural, a
produção de jogos eletrônicos, entre outras atividades criativas devem
ser priorizadas no horizonte 2022. O financiamento adequado das uni-
dades de produção, a oferta de infraestrutura e equipamentos específicos
(laboratórios, por exemplo) de apoio aos produtores, a implantação de
marcos legais que consolidem o desenvolvimento e a formalização dos
empreendedores são iniciativas que podem fazer avançar a economia
criativa nos próximos anos. (BACELAR, 2014, p.175).
Como podemos observar, para a pesquisadora do CEPLAN a Economia Criativa seria
esta nova indústria do século XXI. No entanto, a economia criativa pode vir a ser ou não uma
importante fonte de divisas para economia cearense, contribuindo assim para o desenvolvimen-
to sustentável do Estado do Ceará e da Região Nordeste? O presente estudo vai na direção das
respostas a essas questões.
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intuito de evitar o problema da dupla contagem, quando valores gerados na cadeia de produção
aparecem contados duas vezes na soma do PIB.
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em montadoras de automóveis. Estes trabalhadores são chamados por Florida (2012) de criati-
vos embutidos. O terceiro caso é aquele em que nem a ocupação nem a empresa estão no campo
da economia criativa. Por fim, o quarto caso é o das ocupações de apoio, que são aqueles traba-
lhadores em ocupações não criativas em empresas criativas. Um exemplo seriam os contadores
da emissora de televisão. Cabe ressaltar neste estudo, que a literatura não é explícita a respeito
da superioridade de um recorte sobre o outro. Além disso, há algumas dificuldades metodológi-
cas associadas ao recorte ocupacional, ou das classes criativas.
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Analisando a pesquisa realizada pelo IPEA, vemos que com respeito à distribuição dos
empregos criativos por área, há diferenças entre os recortes setorial e ocupacional. Os autores
da pesquisa afirmam que isso já era esperado. De acordo com o recorte setorial, os segmentos
que mais empregam são: publicação e mídia impressa, new media (o qual inclui publicidade, por
exemplo), serviços criativos e audiovisual.
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De acordo com o recorte ocupacional, os trabalhadores estão em sua maior parte em ocu-
pações ligadas aos serviços criativos e design (Gráfico 3). Estas diferenças ocorrem devido aos
“criativos embutidos” e às ocupações de apoio. Nos segmentos de publicação e mídia impressa
e new media, há muitas ocupações de apoio, além dos próprios trabalhadores criativos. Segundo
Oliveira et al. (2013) estes são os segmentos que mais empregam trabalhadores, segundo o re-
corte setorial. Entretanto, pode-se dizer que há vários trabalhadores de serviços criativos (entre
os quais se incluem, entre outros, os arquitetos e profissionais de ensino) e também designers em
empresas cuja atividade-fim não está exatamente ligada à economia criativa.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em 2014, a economia do Estado do Ceará apresentou um crescimento do PIB de 4,36%.
De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), dentre as
atividades que compõem o PIB – indústria, serviços e agropecuária – o setor de serviços (onde
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está inserida a economia criativa), no quarto trimestre deste ano, teve crescimento de 2,89%, em
relação ao quarto trimestre de 2013, e menor dos que os 4,51% registrados no terceiro semestre
de 2014, crescendo 4,50 %. No ano, o índice ficou em 3,59%. Seguindo a tendência verificada
nacionalmente, a indústria fechou em queda, com -1,89% no quarto trimestre, ficando o acumu-
lado no ano também negativo, com 1,87%.
No momento da apresentação deste artigo vivenciamos um cenário econômico com o
encerramento do ano de 2015, que é apontado por vários economistas e administradores como
um ano com forte recuo do nível de atividade econômica. Espera-se num ambiente explícito de
recessão uma queda de pelo menos 4,0% no PIB com inflação superior a 10%.
É neste cenário econômico que apontamos a necessidade do incentivo através da apli-
cação de políticas públicas que fomentem o surgimento de negócios baseados na economia
criativa. Como vimos nos gráficos apresentados no estudo a aplicação de políticas públicas pelo
governo do Estado do Ceará incentivando atividades ligadas às indústrias criativas e à cultura
- que hoje é atendida somente pelos editais anuais da Secretaria de Cultura do Estado - acarreta-
riam num forte incremento no nível de emprego total com maiores rendimentos auferidos pelos
trabalhadores criativos seja pelo recorte setorial ou ocupacional.
Neste sentido, vemos a importância do incremento do setor de serviços no PIB cearense,
onde se insere a economia criativa com a realização pelo governo do Estado de um Mapeamento
da Indústria Criativa no Ceará, detalhando as cadeias produtivas e os possíveis Arranjos Produ-
tivos Locais (APL) dos empreendimentos criativos ou Clusters como também são conhecidos
na literatura de economia no mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. INTRODUCCIÓN
El año 2009 fue aprobada y promulgada en Bolivia una Nueva Constitución Política
del Estado (CPE), que há cambiado notablemente la determinación y estrutura del país. Boliva
asume el Vivir Bien como nuevo horizonte y paradigma de Desarrollo y en ese contexto se ha
emprendido la formulación del Plan Departamental de Culturas de Cochabamba como instru-
mento que pretende ser una respuesta al proceso arduo de generación de Políticas Culturales que
debe seguirse para la consolidación del nuevo Estado y el logro del Vivir Bien en el contexto de
la cualidad autonómica del Departamento de Cochabamba.
La intención fundamental es avanzar hacia el ejercicio pleno de los derechos culturales
de todos los habitantes del departamento, para ello el Plan Departamental de Culturas de Cocha-
bamba se propone como un instrumento de planificación, a mediano y largo plazo y orienta las
acciones del conjunto de instituciones del sector, y de los agentes del campo de las culturas en
el Departamento.
1
Economista especializado en Planificación y Gestión Cultural. limbert.cabrera@gmail.com
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2. ENFOQUE CONCEPTUAL
2.1 Vivir bien
El Vivir Bien es la noción fundamental que guía la definición de políticas públicas para el
desarrollo del Estado Plurinacional. Se trata de un conjunto de conceptos filosóficos que se cons-
tituyen en paradigma de desarrollo alternativo a la noción de bienestar como progreso material.
Dada la complejidad del planteamiento, no hay aún consenso pleno respecto a la defini-
ción del Vivir Bien. Se asume básicamente la definición establecida en La Ley N° 300, Ley Mar-
co de la Madre Tierra y Desarrollo Integral para Vivir Bien, que plantea la siguiente definición:
“El horizonte civilizatorio y cultural alternativo al capitalismo y a la
modernidad que nace en las cosmovisiones de las naciones y pueblos
indígena originario campesinos, y las comunidades interculturales y
afrobolivianas, y es concebido en el contexto de la interculturalidad. Se
alcanza de forma colectiva, complementaria y solidaria integrando en su
realización práctica, entre otras dimensiones, las sociales, las culturales,
las políticas, las económicas, las ecológicas, y las afectivas, para per-
mitir el encuentro armonioso entre el conjunto de seres, componentes y
recursos de la Madre Tierra. Significa vivir en complementariedad, en
armonía y equilibrio con la Madre Tierra y las sociedades, en equidad y
solidaridad y eliminando las desigualdades y los mecanismos de domi-
nación. Es Vivir Bien entre nosotros, Vivir Bien con lo que nos rodea y
Vivir Bien consigo mismo” (Ley 071. Art.5, 2)
Considerando la definición planteada se puede afirmar que, a diferencia del concepto
occidental de “bienestar”, la propuesta del Vivir Bien es la expresión, basada en aspectos cul-
turales, que condensa una forma distinta de entender la satisfacción compartida de las necesi-
dades humanas.
La Constitución Política del Estado (CPE), en sus Arts. 7, 8 y 9, incorpora el “Vivir
Bien” como principio de la “vida comunitaria”, rescatando la visión de los pueblos indígenas
en la que el ser humano ya no es el centro de la organización jurídica.Se entiende que en este
contexto, el reconocimiento de la diversidad cultural permitirá asegurar el ejercicio de los dere-
chos, la responsabilidad y obligación social mediante procesos colectivos de toma de decisiones
y acción, donde la comunidad es la protagonista e impulsora de procesos y no receptora pasiva
de directrices verticales.
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En ese mismo sentido, la propuesta del Vivir Bien al tener entre sus bases la valoración
de la vida y la búsqueda de la realización de las personas en un ámbito comunitario, afirma que
la cultura no es un medio para el desarrollo, sino un fin. Las divergencias culturales, el tejido
de la diversidad, dejan de ser impedimentos para convertirse en oportunidades que deben ser
tenidas en cuenta como opciones para mejorar las condiciones de vida.
Gráfico 2: Ámbitos de acción para la operativización del Vivir Bien desde la gestión cultural
Elaboración Propia
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3. PROPUESTA ESTRATÉGICA
El Plan Departamental de Culturas de Cochabamba se propone como un instrumento que
busca esencialmente el fortalecimiento de identidades y procesos culturales para la convivencia
de personas y comunidades en relaciones de armonía e igualdad. En ese sentido, este plan se ar-
ticula a la visión de construcción departamental enunciada en el Plan Departamental de Cocha-
bamba para Vivir Bien y enriquece, desde un ámbito sectorial, las propuestas para alcanzarla.
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Gráfico 3: Dimensiones del Vivir Bien y Ejes estratégicos del Plan departamental de Culturas
Elaboración Propia
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a) Descolonización
Implica asumir la compleja diversidad de voces, proyectos e imaginarios producidos por
las distintas comunidades de la diversidad departamental, también fortalecer la capacidad de
autodeterminación de cada comunidade en un proceso básico de liberación y de autonomía en
favor de incrementar y garantizar el ejercicio los derechos de los pueblos indígenas, colectivos
urbanos y distintos grupos sociales.
Descolonizar, en términos interculturales, implica que ya no existe un centro como me-
dida de otras culturas, más bien permite un principio de diálogo entre ellas. La idea es construir
un contexto de convivencia mediante la participación igualitaria entre todas las culturas.
b) Interculturalidad
Alude a la relación respetuosa entre culturas y al establecimiento de relaciones armóni-
cas con otros diversos. Asumir la diversidad desde la óptica de la interculturalidad supone un
ejercicio de doble vía: se quiere entender al otro pero también se busca ser entendido por el otro.
Al reconocer la diversidad cultural de un territorio, se develan las particularidades cultu-
rales de los espacios que la constituyen, lo que implica repensar las maneras de intervención en
este ámbito. Supone también una pedagogía que permita entender que la transformación de los
individuos se produce en interacción con otros y que el proyecto colectivo es entre diferentes.
c) Inclusión
La promoción de inclusión implica abordar las ineficiencias institucionales que generan
actos de exclusión por parte de distintos agentes y que resultan en desventajas basadas en gé-
nero, edad, etnicidad, ubicación, situación o incapacidad económica, educativa, de salud, etc.
Dado el carácter pluricultural del departamento de Cochabamba, la inclusión cultural
requiere que se reconozca y promueva la diversidad cultural como elemento fundamental de
las iniciativas.
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Elaboración Propia
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4. MARCO PROGRÁMATICO
4.1. Eje estratégico 1: Fortalecimiento de identidades y territorialidades
Este eje estratégico está fundado en la idea de valoración de los patrimonios tangibles e
intangibles propios de las culturas locales como fuentes para la revitalización de las memorias
y la construcción de futuro. Promueve el reconocimiento, fomento y salvaguardia de las formas
de creación y de las memorias en el conjunto del territorio departamental, y la democratización
de las oportunidades de goce y disfrute de las creaciones del patrimonio en general. Plantea
también acciones para la afirmación y reconocimiento de las territorialidades como escenarios
de prácticas sociales y culturales en la pluralidad departamental. Se busca establecer referentes
de la identidad cultural departamental y nacional.
En el caso del patrimonio tangible, que alude a las narraciones oficiales construidas por
el conjunto institucional de la sociedad y que se materializa en sitios simbólicos, monumentos,
parques, edificios, etc., su protección no se plantea sólo por su valor estético o material, sino
por ser elementos depositarios de la memoria de prácticas sociales y culturales que les otorgan
distintos sentidos. Por otro lado, el patrimonio intangible constituye el conjunto de legados
culturales que hemos recibido como herencia relativa a las costumbres de vida; la relación cons-
truida con el territorio, las lenguas indígenas, los nuevos lenguajes, los imaginarios colectivos,
entre otros.
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4.2. Eje estratégico 2: Reconstitución del tejido social para la convivencia armónica.
Se promueve la construcción positiva de relaciones de convivencia en el territorio de-
partamental. Para ello se busca la edificación de vínculos de interculturalidad e intraculturalidad
entre individuos y grupos humanos del departamento con otras regiones del país y el mundo. Se
reconoce la pluralidad de las expresiones del territorio y sus diferencias inherentes asumiendo
estas no como limitaciones, sino como posibilidades de articulación positiva.
Se valida y valora la coexistencia en la diversidad, y en ese marco se promueve la no
discriminación y se rechaza cualquier manifestación de racismo y violencia. Se abordan también
acciones específicas para la descolonización, acciones y mecanismos para el desmontaje de las
trabas y prejuicios heredados del proceso de colonización cultural de los pueblos promoviendo
que las oportunidades lleguen a todos.
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como siderurgia, agricultura, construção e energia (RFFSA, 1991), a empresa foi colocada em
liquidação em 1999 (BRASIL, 1993) sendo definitivamente extinta em 2007 (BRASIL, 2007a).
Os mais de cento e sessenta anos de existência das ferroviais no Brasil e as inúmeras
instituições públicas e privadas envolvidas com sua implantação geraram uma série de registros,
seja em bens móveis e imóveis, seja como documentos de caráter arquivísticos, biblioteconô-
micos ou museológicos de grande valor histórico, artístico e cultural. A sequência de criações
e extinções, nem sempre coordenadas e planejadas, de empresas ferroviárias entre 1850 a 2007
contribuíram para a formação do Patrimônio Cultural Ferroviário Brasileiro.
Diante disso, este artigo procura contribuir para o debate acerca das Políticas Culturais
em torno do Patrimônio Arquivístico Ferroviário Brasileiro, buscando refletir sobre seu valor
histórico e social, assim como evidenciar como que as legislações relacionadas aos acervos e
as práticas previstas nestas, manifestam os conflitos de ideias sobre das ferrovias e as disputas
em torno da Memória e do Patrimônio. Por mais que as medidas tomadas pela administração
pública quanto a destes arquivos pareçam meramente rotineiras e despretensiosas refletem as
relações de poder intrínsecas à produção e circulação de significados simbólicos vinculados a
este conjunto documental.
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Arquivo Permanente - Conjunto de documentos preservados em caráter definitivo em função de seu valor. Tam-
bém chamado de arquivo histórico (ARQUIVO NACIONAL, 2004).
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Isto posto, é importante frisar que desde os primórdios da formação Do Patrimônio Ar-
quivístico Ferroviário o modo como este foi gerido, seja enquanto empresa privada seja após sua
encampação pelo Estado em 1957, atuou em função de sua utilidade para fins administrativos,
legais e fiscais, em detrimento de sua importância histórico-cultural.
O modo como os arquivos das primeiras ferrovias foi tratado pela empresa estatal refle-
tem, em última análise, o conflito entre duas visões sobre do tema. As transformações gradativas
quanto à gestão dos documentais originários da própria RFFSA, assim como os acumulados das
antigas ferroviais, antes de serem medidas sem pretensão refletem as relações de poder próprias
a produção e circulação dos significados simbólicos ligados a estes arquivos e os aspectos que
os vinculam à memória e à formação do patrimônio histórico e cultural.
Na década de 1990 a RFFSA sofre os efeitos das mudanças advindas das transformações
na conjuntura política pelas quais o país passava, assim como, das transformações nas filosofias
gerenciais da Administração Pública. Após um longo processo de enfraquecimento político-insti-
tucional a empresa tem parte de suas atribuições compartilhadas por outras estatais (SETTI, 2008).
Neste contexto houve o fechamento das cessões relacionadas a informação e documenta-
ção nas unidades regionais e a dispensa dos técnicos responsáveis por sua manutenção (BUZE-
LIN, 2009). Isso fez com que estes acervos fossem administrados por outros setores e com isso
a uniformidade dos modos de gestão acabasse se perdendo.
Dentro do Governo de Fernando Collor (1990-1992), a RFFSA é introduzida no Progra-
ma Nacional de Desestatização (PND). A empresa é desmembrada em regiões em 1996 e estas
foram disponibilizadas para cessão à iniciativa privada no Governo Fernando Henrique Cardo-
so (1995-2002). Cinco grandes companhias adquirem a concessão destas subdivisões7 (SETTI,
2008). A RFFSA veio a ser extinta em 2007, já no Governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-
2010). Com isso, parte da documentação relativa a funcionários em exercício foram cedidas para
as concessionárias (BUZELIN, 2009).
Os demais funcionários da RFFSA, assim como bens e recursos que não foram incor-
porados às empresas concessionárias passaram a ser de responsabilidade da União (BRASIL,
2007a). Para este fim criou-se a Inventariança da Extinta RFFSA (BRASIL, 2007b); dentre suas
atribuições estava o tratamento dos acervos arquivísticos e bibliográficos à serem transferidos
para os órgãos sucessores responsáveis.
A forma como se deu o processo de liquidação, extinção e concessão da malha ferroviá-
ria vai influenciar diretamente no modo como o patrimônio arquivístico seria gerido a partir de
então. A preocupação com os aspectos econômicos, jurídicos e administrativos e a relativização
7
A Companhia Ferroviária do Nordeste adquire a concessão das linhas no Nordeste, a Ferrovia Centro Atlântica e
a Vale do Rio Doce conseguem a concessão de linhas em Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e Tocantins; A MRS
adquire as linhas localizadas no Rio de Janeiro, Sul de Minas e Leste de São Paulo, a Ferrovia Bandeirantes no
interior paulista, a América Latina Logística na região Sul e a Novoeste no Mato Grosso do Sul (SETTI, 2008).
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de sua importância histórico-cultural estão patentes nas legislações relativas ao tema8. As Polí-
ticas Culturais previstas para os agentes públicos que seriam detentores deste Patrimônio se re-
sumiria a receber, administrar e zelar pela sua guarda e manutenção (BRASIL, 2007b) e mesmo
assim, tais premissas seriam de responsabilidade de apenas um dos sucessores.
8
Medida Provisória nº 353, de 22 de janeiro de 2007 e Decreto nº 6.018 também de 22 de janeiro de 2007.
9
Medida Provisória nº 353, 22 de janeiro 2007, Decreto nº 6.018, 22 de janeiro de 2007, Decreto nº 11483 de 31
de maio de 2007, Decreto nº 7430 de 17 de janeiro de 2011.
10
O Decreto nº 3277 de 07 de janeiro de 1999, assim como o Decreto nº 4109 de 30 de janeiro de 2002,
11
Decreto nº 4839, 12 de setembro de 2003; Decreto nº 5103,11 de junho de 2004; o Decreto nº 6018 de 22 de
janeiro de 2007; Decreto nº 11483 de 31 de maio de 2007; Decreto nº 7430 de 17 de janeiro de 2011
12
Medida Provisória nº 353 de 22 de janeiro de 2007
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Empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes cuja função e construir estruturas para a circulação de
ferrovias.
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de órgãos como SPU e AN tal processo se expande – porém o Decreto determina que o proces-
samento técnico dos acervos se deem sob as “normas específicas” (BRASIL, 2007b).
A partilha dos arquivos, como o previsto pela legislação, além de priorizar categorias
como as relativas à administração financeira, patrimonial e de recursos humanos do órgão ex-
tinto, deixa sem sucessor outros conjuntos documentais como a administração geral da empresa
e àquela criada no desempenho de suas funções finalísticas. Essa falta de definição leva a uma
interpretação discricionária de cada entidade pública quanto ao conjunto documental a ser as-
sumido, aprofundando os embates entre eles e dificultando a coordenação no sentido de uma
valorização do Patrimônio Arquivístico Ferroviário como um todo e na concepção de Políticas
Culturais comuns.
A definição de cinco órgãos sucessores para um acervo que mede aproximadamente
quinhentos e sessenta e quatro mil trezentos e trinta e um metros lineares de documentos distri-
buído em onze Estados, mais o Distrito Federal, (medida superior a distância entre a cidade do
Rio de Janeiro/RJ e Vitória/ES) cria uma situação complexa quanto a busca por uma definição
de Política Cultural comum a todos eles no sentido de buscar conservar, divulgar e dar acesso a
este Patrimônio Arquivístico.
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14
Portaria IPHAN nº 208 de 2008.
15
Portaria IPHAN nº 407 de 21 de dezembro de 2010.
16
Portaria IPHAN nº 441 de 13 de dezembro de 2011;
17
Conforme pode ser observado pela notícia veiculada no site do próprio órgão: https://gestao.patrimoniodetodos.
gov.br/pastanoticia.2009-07-02.8239097967/spu-ms-promove-o-resgate-da-memoria-ferroviaria-em-ms-atraves-
-dos-imovies-da--rffsa
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do tratamento a ser dado ao Patrimônio Arquivístico Ferroviário, porém ainda são pautadas pelo
interesse administrativo, legal e econômico e uma secundarização de sua importância histórico-
-cultural como suporte da memória local, regional e mesmo nacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. LINGUAGEM E IDEOLOGIA
A linguagem expressa o limite do que se pode dizer. Sobre o que esta além da linguagem
há o silêncio. Partimos daqui simplesmente para afirmar que a linguagem pode ser usada de
muitas maneiras, mas que embora só se possa dizer algo de dentro da linguagem, contar estórias,
narrar, analisar e avaliar envolvem usos da linguagem muito diversos.
Não reduziremos a análise das políticas pública à adesão a campos ideológicos específi-
cos agenciados por ideia gerais como discurso, narrativa, cultura, estado, sociedade civil, redes,
autonomia etc. Mas na análise de programas de ação concretos podemos encontrar este conjunto
de léxicos associados em quadros de significação complexos.
1
“Os grupos sujeitados não o são menos no nível dos senhores que dão a si mesmos, ou a quem aceitam, do que
no nível de suas massas; a hierarquia, a organização vertical ou piramidal que os caracteriza tem por meta conjurar
toda possível inscrição de não-sentido, de morte ou de estilhaçamento, impedir o desenvolvimento de destruições
criativas, assegurara mecanismos de auto conservação fundados na exclusão de outros grupos; seu centralismo
opera por estruturação, totalização, unificação, substituindo as condições de uma verdadeira “enunciação” coletiva
pela organização de enunciados estereotipados apartados a um só tempo do real e da subjetividade (é nessas cir-
cunstâncias que se produzem fenômenos imaginários de edipianização, superorganização e castração de grupos).
Os grupos sujeitos definem-se, ao contrário, por coeficientes de transversalidade que conjuram as totalidades e
hierarquias; são agentes de enunciação, suportes de desejos, elementos de criação institucional; por meio de suas
práticas não param de confrontar no limite de seu próprio não-sentido, de sua própria morte ou fragmentação (...)
um grupo-sujeito sempre corre o risco de se deixar sujeitar, numa crispação paranoica em que deseja a todo o custo
se manter e eternizar como sujeito” (Deleuze, G. Prefácio, In Guattari, F. Psicanálise e transversalidade –
ensaios de análise institucional , I deias & L etras , A parecida , SP, 2004, páginas 12 e 13).
2
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
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3
O processo conhecido por “Redesenho” ou mais propriamente Grupo de Trabalho Cultura Viva – (GT-Cultura
Viva) tinha objetivos simples: rediscutir conceitos e estabilizá-los, na forma em que os atores achassem mais
conveniente, até mesmo mantendo-os e, por outro lado, resolver alguns problemas pontuais surgidos de pesquisas
anteriores: comunicação, monitoramento e acompanhamento. Na prática até mesmo o nome gerou conflitos a res-
peito dos significados do processo. A desconfiança entre os atores, sintoma das dificuldades estruturais de diálogo,
oferecia-se como marcador de significados.
4 .
A primeira pesquisa foi seguida foi seguida por um conjunto de entrevistas com gestores federais da cultura,
depois por um conjunto de pesquisas de campo e por uma coletânea de artigos sobre o Programa Cultura Viva,
inclusive com artigos realizados no âmbito da primeira pesquisa. A ordem das pesquisas é a seguinte: a) Barbosa da
Silva, F.A. & Araújo, H.E. Cultura Viva – avaliação do programa arte educação e cidadania, IPEA, Brasília, 2010;
b) Barbosa da Silva, F.A. & Midley, S. Políticas Públicas Culturais – a voz dos gestores. IPEA, Brasília, 2011; c)
Barbosa da Silva, F.A. e Calabre, L. Pontos de Cultura – olhares sobre o Programa Cultura Viva”, IPEA, Brasília,
2011; d) Barbosa da Silva, F.A. & Ziviani, P. Cultura Viva – as práticas de pontos e pontões, IPEA, Brasília, 2011;
d) Barbosa, C. L; Medeiros, R. C. F.; Lyra, V. M. G. Avaliação dos Pontões de Cultura do Programa Cultura Viva.
O Olhar dos gestores do Programa Cultura Viva. Relatório da Pesquisa Avaliativa do Programa Cultura Viva. IPEA:
Brasília, 2011 (Coordenação de Cultura, IPEA (não publicada); e) Barbosa da Silva. F. A. & Labrea, V.V. Li-
nhas gerais de um planejamento participativo para o P rograma C ultura V iva , I pea , B rasília , 2014.
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5
Manteremos o nome SCDC como referência, embora seja uma mescla institucional entre Secretaria da Cidadania
Cultural (SCC) e Secretaria da Identidade e Diversidade (SID).
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6
Labrea, V. & Barbosa da Silva, F.A, As redes imaginadas do Cultura Viva, VIII ENECULT, Salvador, Bahia,
2012.
7
Passeron, P. & Bourdieu, P. usam de estratégia similar: as pesquisas sociológicas são dispostas no campo de lutas
social pelas igualdades. Os discursos oficiais a respeito da desigualdade da escola, por exemplo, mas também do
acesso a cultura, poderiam ser apontados como parte de processo ideológicos de legitimação da dominação, en-
quanto a realidade da escola e das instituições culturais fazem distribuições, mas sempre mantendo uma dinâmica
de reprodução das desigualdades estruturais reais. Ver Bourdieu, Pierre e Passeron, Jean-Claude – Los herederos
– los estudiantes y la cultura, Siglo XXI Editores, Buenos Aires, Argentina, 2003.
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nesse caso foram muito interessantes e promissoras. As dificuldades operacionais mais uma vez
limitaram essas possibilidades, dependentes da ação dos próprios pontos, mas também do des-
travamento de limitações burocráticas.
Esta linha, aparentemente promissora, não andou.
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O fato básico para usar a ideia das redes híbridas era a afirmação de que os atores do CV
eram profundamente despolitizados, no sentido específico de não disporem de um ideal contra
hegemônico e afinidades de crenças em coletivos mobilizados; também não teriam desenvol-
vido um princípio de oposição concreto estabilizado, muito menos diretrizes concretas para
uma reorganização política que escapassem às premissas discursivas do próprio programa (há
uma ausência de projeto coletivo e ambiguidades relativamente ao Estado como realizador das
políticas públicas). Pessoalmente, acredito que estas hipóteses são bastante complicadas, quase
platônicas, em sentido de senso comum, já que opõem o mundo das ideias, real, ao das práticas.
Estas deveriam corresponder ao mundo das ideias políticas definitivas. Não sabia, e não sei o
que são estas ideias.
A ação social é composta por elementos dinâmicos, evidentemente, e o máximo que eu
indicava era que as “redes” não possuíam os ingredientes de um movimento social em rede ati-
vado no sentido específico dos movimentos sociais que têm nas mudanças estruturais (relação
Estado-sociedade) suas referências.
Também era evidente a preocupação das “associações” com as redes das quais eram
“nós de rede”, a exemplo das vinculações feitas com atores políticos locais, nem sempre per-
tencentes ao programa10. Para continuarem atuando, precisavam imediata renovação e potencia-
lização de fluxos financeiros. Parte desse problema implicava não em redesenho, mas em editais
que, inclusive, permitissem participação de pontos que já eram parte do programa.
Tudo muito simples e ao mesmo tempo sem tradução em iniciativas administrativas.
Enfim, vamos o que me interessou nos usos do conceito de rede no “redesenho”. A
ideia de rede hibrida não descreve e não ordena categorias analíticas que permita descrições do
que acontece nas redes, com os atores, nas suas conexões e projetos. Na verdade, defende ou
produz um referente contra-hegemônico, um genérico. Trata-se de uma narrativa, quer dizer, é
uma posição no campo de relações. Evidentemente, esta posição narrativa poderia servir como
uma luva para vários dos atores que conduziam os processos, pois justificava um interminável e
cansativo diálogo poético em torno dos encantos do programa, indiciando um trabalho de Sísifo
parafrásico, a justificar a instabilidade e a indecisão política, ou em continuar com mais do mes-
mo, ainda que o quadro fosse o da criação de fantasmáticas oposições e inimigos. Para mim toda
ação é relacional, dinâmica, indeterminada, processual. Toda rede é híbrida. E daí? O que fazer?
10
Latour, B. chama a atenção para as associações entre “humanos” e “não-humanos” nas redes. Por exemplo, um
dispositivo tecnológico não é apenas um instrumento passivo, mas uma agência ou ator rede na ação (actantes ou
atuantes), pela simples razão de que sua presença atua. Máquinas, documentos, números, critérios, índices estão
todos conectados.
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A escolha do tipo “redes híbridas” é a volta do parafuso. Um artifício habilidoso que tem
muitas consequências, caso se aceite todos os seus elementos configuradores11.
De novo, usamos a paráfrase mais querida dos admiradores de Wittgenstein, a linguagem
pode ser percebida por seus usos, os sentidos são os usos. O caráter performático, fazer existir,
mudar o estado das coisas por atos de linguagem ou atos institucionais são práticas de produção
de sentidos. Dizer que um programa existe e é uma “rede” implica propor problemas relacio-
nados ao uso do nome próprio, talvez do nome do pai, autoridade que delimita o que é possível
ser, dizer e fazer. O que o nome indica? Quais suas relações com as qualidades constitutivas do
conjunto de ações que compõem o programa? Dizer o nome próprio implica em reconhecer, dar
sentido, criar laços simbólicos. Podemos situar o programa Cultura Viva no campo das palavras
vagas, redes de metáforas que o constituem (potência, processos, subjetividades, redes etc.),
mas para além do caráter performático das falas sobre o programa, o que são efetivamente os
componentes constitutivos do programa?12
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redes cujas ações de base não poderiam ser qualificadas por uma geral relacionada ao programa
(“fazer o que edital diz”), pois as demandas específicas de cada uma delas parecia-nos muito
diferentes, já pela denominação genérica das redes temáticas, mas também pelos contextos re-
ais, onde as redes de políticas já exigiam mediações entre atores muito diferentes daquelas que
pressupunha o simples repasse de recursos.
As conexões entre os pontos de rede também pareciam-nos frouxas. Aqui o problema
não era apenas o da conectividade, ademais algo fluido, mas a possibilidade de estabelecer
alianças pró-redes mais fortes. Inclusive os dados mostravam que as redes eram percebidas
muito mais em relação a outros atores locais do que em relação a atores do próprio programa.
Os dispositivos tecnológicos eram evidentemente pouco eficazes em qualquer sentido, seja nas
relações entre Estado-sociedade ou de sociedade-sociedade.
O potencial de coordenação das ações era pouco explorado. A reconfiguração e disponi-
bilização de meios tinham múltiplos sentidos: a) potencialização das conexões entre atores de
forma horizontal, b) gestão estatal de recursos de informação que poderia ir desde a facilitação
das prestações de contas até a gestão de conhecimentos, c) Estado como simples transferidor de
recursos financeiros e acanhado desempenho na avaliação e acompanhamento.
A tipificação das redes tinha outro objetivo. Em primeiro lugar delimitar possibilidades
e formações de rede diferenciadas, não imaginávamos que um genérico “redes hibridas” fosse
capaz de resolver qualquer problema ao trazer as redes para o campo metafórico do raciocínio
prático cotidiano.
Aliás, ressalve-se, algo deste raciocínio, do senso prático, do raciocínio de entremeio,
híbrido tem algo de interessante. É uma descrição de como o raciocínio natural funciona. Como
afirma Deleuze, é um tipo de raciocínio que diz respeito ao fazer como se pode. Evidentemente,
há muitos pressupostos aqui, especialmente de que as redes, coletivos e grupos (muitos defen-
dem que os nomes aqui remetem aos mesmos fenômenos) devem ter conexões e meios de co-
ordenação de suas práticas, algo impensável em ações fragmentadas e desconectadas no imenso
território nacional13.
Nas pesquisas eram muito evidentes os desconhecimentos mútuos de pontos que no
mapa eram perfeitamente próximos territorialmente (em alguns casos vizinhos de bairro e de
município). A ideia de rede de política, pressupondo mais ou menos participação do ator público,
vinha como pressuposto para organizar e conectar atores. Entretanto, algo inusitado acontecia.
Ver Deleuze, G. Prefácio, In Guattari, F. Psicanálise e transversalidade – ensaios de análise institucional, Ideias
13
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ção das categorias corporativas, a descrição do funcionamento do Estado em suas relações com
a sociedade mudou radicalmente, embora parte desse imaginário tenha permanecido inclusive
nas estruturas de organização de conselhos participativos, que dialogam (ou deveriam dialogar)
com o Estado em termos de ideias gerais em nome de todos, embora, efetivamente, parte das
ações ainda aqui devam ser descritas na sua seletividade característica.
Por outro lado, a ficção política desloca o Estado do centro, colocando-o em contextos
sociais, quando, então, passa a ser descrito como parte de redes onde circulam atores plurais
com referências a objetivos que não se resumem a interesses de classe ou gerais, mas se ligam
aos objetivos de políticas públicas, proteção social, realização de direitos difusos etc. A ideia
das redes temáticas ganha sentido neste quadro, delimitando os tipos “redes fechadas” (com
representação e mediação de interesses globais de programas ou políticas) e “abertas” (com
representações e objetivos locais específicos e singulares).
A ideia de redes de política é transladada para reconhecer ainda certa gravitação das
ações públicas em torno do Estado. As redes temáticas pressupõem outro tipo de mediação de
interesses em geral em torno de um conjunto de ações fracamente regulada pelo poder público.
Evidentemente, a estrutura de cada política vai condicionar a estrutura das redes tanto de polí-
ticas quanto temáticas. Nenhuma dos tipos de rede prescinde do diálogo com a política, no seu
sentido de projetos globais em disputa político-ideológica.
O que embaralha os tipos de redes é, na verdade, a inclusão de outros elementos. Algo
bastante confuso na discussão das redes era a ideia das redes de movimentos sociais. Estes
funcionam em outro registro que não é o das políticas públicas. São movimentos acionados por
diferentes mecanismos. Antes eram os coletivos operários, clubes e associações, incluindo dos
intelectuais e partidos e hoje são movimentos mais ou menos espontâneos ativados em torno de
temas e mobilizados a partir de redes de informação digital, sobretudo14.
6. METÁFORA
Acabamos discutir o uso do tipo-ideal para descrever as redes. Passamos a discutir a rede
como metáfora. O problema mais central da metáfora, desafio para as teorias da linguagem, é
saber como ela difere de enunciados ou emissões de sentido literal. A metáfora aponta para um
excedente de significações de uma emissão literal15. Essa redução analítica passou a ser central
14
As descrições feitas por Darnton sobre o papel da literatura que circulava em meios alternativos e que confi-
guraram os movimentos revolucionários modernos relativiza a novidade da ideia de rede, mas para não sermos
anacrônicos devemos reconhecer os papeis da internet nos novos movimentos socais e formas de demanda política.
Ver também Castells, M – Redes de Indignação e esperança – movimentos sociais na era da internet, Editora Zahar,
RJ, 2013.
15
Não nos esqueçamos de que há outras formas de sentença cujo sentido excede os sentidos literais, a exemplo da
ironia.
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tanto para a elaboração e uso dos tipos, quanto para delimitar enunciados de forma a torna-los
capazes de descrever concreta e criteriosamente as redes.
O problema todo era saber o que os falantes (das redes do CV) tentavam comunicar e
porque não diziam o que queriam significar? Porque as redes não funcionavam bem para alguns
e funcionavam bem para outros? A primeira parte da resposta tem uma inspiração searleana: a
metáfora tem um significado para o falante que se distingue do significado das sentenças e pa-
lavras. As metáforas requerem, para terem sentidos, um conhecimento do contexto de crenças e
um compartilhamento de suposições de base entre ouvinte e falante.
Os significados das sentenças são diferentes das intenções do falante, as sentenças não
têm sentido literal, mas a comunicação ainda assim acontece. Searle aponta a ironia e atos de
fala indireto como exemplos de ruptura do sentido literal em relação as emissões, entretanto
ainda aqui o que se quer significar depende das sentenças.
Evidentemente, quando se diz que o CV é uma rede podemos dizer que a emissão tem
um sentido literal. Ao dizer que é metafórico, queremos dizer algo diferente. Quando afirmei
que era uma metáfora dei um sentido específico: havia um excedente de significações que pre-
cisava ser mais bem qualificado e, em segundo lugar, o conceito não tinha precisão tipológica
ou descritiva.
Pelas pesquisas empíricas, o CV era um conjunto de redes com diferentes graus de conec-
tividade entre si, estruturas e relações com o próprio programa. Apesar de tudo o que se dizia a
respeito de redes temáticas, territoriais, digitais etc. os sentidos não tinham estabilidade semânti-
ca (e nem precisavam ter para os usos cotidianos) e tornavam as possibilidades de ação intencio-
nal difíceis de serem delineadas. Para a razão prática (raciocínio de entremeio, por definição, isto
é, empírico e teórico, simultaneamente) esta questão é irrelevante basta que a metáfora produza
efeitos simbólicos de crença e ação para sua efetividade. Acompanhados de Searle, nossa questão
era passar do significado metafórico para o literal, de forma a definir parâmetros ou critérios em-
píricos de assertibilidade e, portanto de significação das redes para as políticas públicas.
Entretanto, o que importa no momento é que as sentenças tinham algumas condições de
verdade definidas temporal e contextualmente. Como se dizia, “O CV é de fato uma rede. Faz
reuniões presenciais, virtuais e ainda faz as Teias”. Outros, ou os mesmos em momentos diferen-
tes, afirmavam que “o CV já foi uma rede e agora não é mais” e, ainda, “a rede acabou em 2010,
a secretaria (SCDC) não conseguiu manter o processo de produção dos editais” e nem as ações
do digital, “as Teias precisam ser revitalizadas”. O argumento mais duro e, talvez mais simples,
era o de que ser rede era participar dos editais, fazer o que estava previsto, desenvolver o que já
se desenvolvia e que isto já implicava na existência das redes. O que abriu uma janela para tratar
as redes na agenda do redesenho foi uma fala de um gestor do programa “não organizamos os
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registros e informações dos funcionamentos das redes”. A informação é a prova dos nove. Ou a
informação tem outros usos como, por exemplo, o uso performativo, fazer existir?
Não contextualizarei o cenário das falas e as tensões internas e externas que as motiva-
ram . O certo é que estas falas estimularam um novo conjunto de procedimentos e temas de
16
acompanhamento e trabalho17. Na falta da fala ativa das “redes”, que não foram mobilizadas
virtualmente e, na ausência de atitude política reflexiva e ativa dos representantes da Comissão
– a postura e a apatia eram evidentes – percorremos caminhos previstos, mas com ênfase dife-
renciada. O conceito de redes poderia ser o objeto de uma reflexão política mais detida.
Estas discussões permitiram trazer a questão das formas das redes, depois associadas
com dispositivos de políticas (gestão de conhecimento e gestão compartilhada). A primeira for-
ma de gestão é técnica e pressupõem um conjunto de definições que estão longe de qualquer
capacidade institucional. O genérico é mais fácil e pressupor que a sociedade civil sabe fazer é
um caminho da razão prática.
Mas esta proposição, a de que parte dos funcionamentos do programa poderia ser aperfei-
çoada a partir de abertura de canais de comunicação, registro de decisões, procedimentos a serem
seguido etc. faz parte de qualquer linguagem de accountability de políticas públicas. A segunda
parte já se realizava no próprio GT, e mostrava todos os problemas relacionados aos processos par-
ticipativos. Certamente o próprio GT vivia um problema sério de desenho e de representatividade.
Mesmo estabelecendo um conjunto de condições de verdade, o pano de fundo, as supo-
sições de base não estavam estruturadas. Em realidade as redes são mais “termos atributivos”,
definindo condições de verdade a respeito do programa, mas sem a delimitação do pano de fun-
do factual sobre que tipo de coisas o falante esta se referindo. Evidentemente podemos afirmar
que eles estão falando de relações horizontais de autonomia de liberdade, de contra hegemonias.
Mas temos que concordar que estes conceitos (ou quase conceitos) não definem factu-
almente e analiticamente os atributos das redes. Também aqui os limites não são muito claros.
Como afirma Searle: “uma mulher pode ser corretamente descrita como “alta”, ainda que seja
mais baixa que uma girafa que se poderia corretamente descrever como “baixa”18.
16
Estas falas não são isoladas, em geral, para cada uma delas há controvérsias. Para a falta de registro há o contra
argumento dos relatórios, dos livros, dos enunciados dos editais, de uma quantidade imensa de dados não explora-
dos. Se as redes estão previstas, se os pontos foram aprovados e as prestações de conta das atividades comprovam
que eles realizaram o que estava nos editais, logo, temos redes. Entretanto, é possível questionar se realizar formal-
mente o que está previsto é fazer rede ou fazer política pública em rede e, assim, seguem-se sucessivos argumentos
e movimentos de interpretação.
17
O desenho operacional do Redesenho implicava atacar problemas específicos do programa, a exemplo, de mé-
todos de comunicação e organização de processos, em conjunto com atores da sociedade civil. No final, ganhou a
forma de um Grupo de Trabalho em forma de assembleia, o que transformou profundamente os sentidos originais.
A intenção original apenas se desdobrou em poucas reuniões específicas para a discussão da implementação de uma
plataforma digital. Sem sucesso prático.
18
Searle, J.R. Expressão e significado – estudo da teoria dos atos de fala, Editora Martins Fontes, SP, 2002.
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19
Barbosa da Silva. F.A.& Labrea, V.V. Linhas gerais de um planejamento participativo para o Programa Cultura
Viva, Ipea, Brasília, 2014.
20
Searle, J. R. Ob. cit. pp. 133.
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Começamos dizendo que a pesquisa e a avaliação de políticas públicas têm um momento
de construção conceitual formal. O momento analítico permite o entendimento do léxico que
frequenta as narrativas. E que usaríamos o exemplo do conceito de redes. Este não era o foco
inicial do redesenho, que, aliás, era bem singelo, embora complexo: resolver problemas pontu-
ais com a participação das redes.
Os objetivos e os métodos do redesenho mudaram desde dezembro de 2011 no lança-
mento do livro as práticas de pontos e pontões, na Câmara dos Deputados, quando foi combina-
do, e seu início, no ano seguinte. Alguns dos acordos sobre as operações e métodos mudaram.
A ideia de concentrar esforços no conceito de rede foi tardia. O espaço do diálogo do GT
definitivamente não funcionou e então imaginamos que a nossa ação poderia se concentrar na
ideia de gestão de redes e na criação de mecanismos de gestão de conhecimentos do programa
como um todo.
Desenvolvemos uma extensa reflexão a respeito de tipos de redes de políticas e dos
instrumentos que poderiam ser usados para cada uma delas. Imaginamos uma plataforma di-
gital, aliás, ideia nada criativa, e a possibilidade de trabalhar com tipos de redes diferenciadas.
As redes de políticas, as redes temáticas e as redes de políticas públicas já eram tipos de redes
que penetraram no programa gradualmente pela incorporação de políticas para a diversidade,
políticas comunitárias e outas relacionadas a questões indígenas, patrimônio imaterial, museus
sociais etc.
O ponto de foco era a plataforma digital de gestão do conhecimento. Naturalmente,
como é de conhecimento público, nada disso funcionou. E, fim.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Barbosa da Silva. F. A. & Labrea, V.V. Linhas gerais de um planejamento participativo para o Programa
Cultura Viva, Ipea, Brasília, 2014.
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RESUMO: O presente trabalho buscou refletir sobre a questão da formação em gestão cultural e
suas demandas no contexto brasileiro. A partir de uma breve reflexão teórica, defendeu-se que a
questão é central para a definição e efetivação das políticas de cultura, além de ser uma demanda
social, presente nas prioridades estabelecidas nas Conferências Nacionais de Cultura e outros
marcos institucionais, como o Plano Nacional de Cultura. Foi identificada a oferta de formação
superior em gestão e produção cultural a partir de seis universidades federais, apresentando suas
principais características e temas. Traçou-se ainda um perfil dos gestores públicos de cultura no
Brasil a partir dos dados da pesquisa Perfil dos Estados e Municípios Brasileiros, suplemento
Cultura 2014, do IBGE, num cruzamento de dados sobre a estrutura dos órgãos municipais e
seus respectivos dirigentes.
1
Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade (Univille, 2012), Bacharel em Produção Cultural (UFF, Niterói,
2007). Professor da Universidade Federal do Pampa, Coordenador do Bacharelado em Produção e Política Cultu-
ral, campus Jaguarão/RS. E-mail: gabrielchati@unipampa.edu.br
2
Ao longo deste trabalho não será feita distinção entre produtor cultural e gestor cultural compreendendo que há
mais convergência entre essas funções ou perfis profissionais do que distinções. Em linhas gerais, reconhece-se que
o gestor deve lidar com o âmbito político do campo cultural de maneira mais recorrente do que o produtor; este
último muitas vezes trabalha focado na execução das ações e não em seu planejamento, tarefa precípua do gestor.
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Por ser atualmente docente de um curso superior que busca formar justamente futuros
gestores culturais, senti-me provocado a pensar mais atentamente qual o cenário e as necessida-
des da formação em gestão cultural no Brasil, sempre na sua relação com as políticas culturais
e a partir do contexto das gestões públicas municipais. Também a minha própria formação em
produção cultural, algo relativamente recente no país4, impele-me a pensar este cenário. Co-
meço assim essa investigação sem saber quais seriam todas as demandas de formação na área,
mas algo parece-me certo a priori: dar conta destas necessidades passa, indubitavelmente, por
capacitar indivíduos para nela atuar.
4
Atualmente são quatro os cursos superiores na área ofertados em instituições públicas federais, sendo o mais
antigo deles aquele no qual me formei, o Bacharelado em Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense
que no ano de 2015 completou duas décadas.
5
As conferências nacionais acontecem de quatro em quatro anos e, desde a primeira em 2005, aconteceram outras
duas (2009 e 2013).
6
Os dados apresentados neste trabalho se focaram somente no resultado da Plenária Final da 3ª CNC, pois, por uma
questão metodológica, a última conferência deve considerar as demandas aprovadas nas edições anteriores, atualizan-
do-as conforme o avanço ou estagnação da situação. O documento pode ser acessado em: http://cncvirtual.culturadi-
gital.br/wp-content/uploads/sites/6/2013/12/Propostas_Aprovadas_III-CNC.pdf (consultado em 05/12/2015).
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Assim, apesar de compor os anais dos encontros, há propostas que não são qualificadas enquan-
to prioritárias, caso que não atinge aquelas relacionadas à formação em gestão cultural como
atesta a 4ª proposta (1.14), na qual se defende a necessidade de “Criar, desenvolver, fortalecer
e ampliar as estratégias para a formação e capacitação em gestão cultural de forma permanente
e continuada, envolvendo gestores e servidores públicos [...] e privados, [...] dos diversos seg-
mentos” (III CNC, 2013, grifo meu). O teor desta proposta (assim como de outras em número
significativo) aponta claramente para a demanda em formar e capacitar os agentes culturais para
a gestão cultural sejam estes servidores públicos ou agentes privados.
Para perceber a questão da demanda por formação para além das conferências, busquei
outra referência importante, o Plano Nacional de Cultura (PNC) 7. Entre seus objetivos constam
“qualificar a gestão na área cultural nos setores público e privado” (XI) e “profissionalizar e
especializar os agentes e gestores culturais” (XII). Tais objetivos fortalecem o compromisso
institucional na capacitação de pessoas para atuarem na área da produção e da política cultural.
Dentre as metas do PNC que dialogam com o temário da formação e capacitação, destaca-se a
de nº 18: “Aumento em 100% no total de pessoas qualificadas anualmente em cursos, oficinas,
fóruns e seminários com conteúdo de gestão cultural, linguagens artísticas, patrimônio cultural
e demais áreas da cultura” (2011, p.12, grifo meu)8.
Assim, diante do que apontam esses documentos importantes da política de cultura em
âmbito nacional, considero que estamos diante de uma meta-necessidade: a principal necessida-
de da gestão cultural no Brasil é justamente a de formar gestores para exercê-la.
7
Instituído pela Lei nº 12.343/2010; disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/
lei/l12343.htm (acesso: 18/04/2014).
8
Disponível em: http://pnc.culturadigital.br/wp-content/uploads/2013/07/DOCUMENTO_TECNICO_METAS_
PNC.pdf (consultado em 05/12/2015).
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estar localizado em um município distante de uma capital (350 km de Porto Alegre) e em região
de fronteira (na divisa com o Uruguai, cidade de Rio Branco). A primeira turma de formandos,
composta por 23 discentes de diferentes regiões do país, defendeu seus trabalhos de conclusão
em dezembro de 2015. Ainda na Unipampa, mas no câmpus São Borja – também região de fron-
teira, mas com a Argentina – encontra-se o curso de Comunicação Social com habilitação em
Relações Públicas e ênfase em Produção Cultural, bacharelado ofertado desde 2011.
Além destes cursos, recentemente a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, câm-
pus Santo Amaro, inaugurou o Bacharelado Interdisciplinar em Cultura, Linguagens e Tecnolo-
gias Aplicadas que aborda temas da produção e gestão culturais.
Pode-se dizer que o contexto de oferta de formação superior na área da produção cultural
é de expansão apesar da localização destes estar concentrada em regiões metropolitanas (Rio de
Janeiro, Salvador e Natal). A presença já significativa de cursos no interior (Rio Grande do Sul
e Bahia), por outro lado, aponta para uma tendência de descentralização importante.
Deste levantamento e análise parcial dos cursos, inclusive dos seus projeto-político pe-
dagógicos, atesta-se que o caráter inter e multidisciplinar está presente em cada um. Os temas
enfatizados nas formações e até mesmo as habilitações, apesar de distintas em alguns casos, são
complementares e contribuem cada um à sua maneira, para a melhor desenvoltura do gestor
cultural. Creio que a promoção de um intercâmbio entre os discentes dos diferentes cursos, na
modalidade de mobilidade acadêmica, poderia enriquecer a formação dos formandos, prepa-
rando-os melhor para a atividade profissional, proporcionando, inclusive, o conhecimento de
realidades distintas regionais e locais.
O fato de nenhum dos cursos de graduação identificados neste trabalho ser na moda-
lidade semipresencial ou à distância, aponta para a prevalência da modalidade presencial, em
período integral. Considerando que o alcance dessa modalidade é relativamente limitado, é pos-
sível repensar essa escolha da gestão dos cursos e instituições de ensino envolvidas na tentativa
de implementar uma formação superior que facilite o acesso às pessoas que não tem condições
de atender aos cursos presenciais. Tal perspectiva parece-me estratégica para ampliar a oferta
e alcance dos cursos, mas é desafiadora na medida em que a prática é elemento essencial para
a formação dos produtores-gestores e o arcabouço teórico mínimo ou básico, ainda não foi de-
finido, bastando dizer que a área não dispõe de Diretrizes Curriculares. Assim, garantir que a
perspectiva prática e aplicação da teoria seja garantida e chegar a um consenso sobre que temas
e áreas do conhecimento são basilares na formação do gestor, são tarefas por fazer.
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com um suplemento específico de cultura. Tendo como ano base 2014, a pesquisa atualizou o
panorama da área cultural em especial no que se refere à gestão pública. Desta pesquisa pode-se
obter dados específicos acerca do perfil dos gestores públicos dos 5.570 município do país, in-
formações sobre a estrutura dos órgão gestores estaduais e municipais, nível de institucionaliza-
ção da política nacional de cultura (em especial aquilo que prevê o Sistema Nacional de Cultura,
Emenda à Constituição nº 71/2012), entre outras questões.
Para este trabalho, dediquei-me a analisar os dados relativos à formação dos gestores,
sua escolaridade e área de conhecimento. Os dados brutos, disponibilizados pelo IBGE através
de planilhas eletrônicas, foram manipulados a fim de se obter condições de traçar um perfil des-
tes gestores, numa perspectiva de análise quali-quantitativa. Foram considerados menos rele-
vantes os dados de gestores sem formação superior, e, sobre os que a tem, não foi feita distinção
entre os níveis, assim, graduação e pós-graduação são tratadas meramente enquanto “formação
superior”. A pesquisa do IBGE traz dados referentes às características dos órgãos gestores de
cultura nos níveis municipal e estadual. Atribui-se ao órgão gestor a “responsabilidade [...] de
formular e implementar uma política a partir da realidade das Unidades da Federação e dos mu-
nicípios, não apenas em termos de sua vida cultural, mas também levando em consideração a
sua realidade socioeconômica” (IBGE, MUNIC 2014, p. 26). Além do papel do órgão gestor, o
IBGE reconhece a necessidade da institucionalização destes quando afirma que
A existência de instrumentos de gestão, instâncias de participação e de
mecanismos de financiamento é fundamental para dinamizar a política e
a economia da cultura, bem como potencializar e alavancar o desenvol-
vimento das atividades artístico-culturais (IBGE, MUNIC 2014, p. 26).
No trabalho, abordo somente os dados referentes aos municípios, cruzando aqueles sobre
a conformação dos órgãos com os da formação dos gestores. Infelizmente a Munic 2014 não
levantou dados sobre as áreas de formação das equipes destes órgãos, concentrando-se apenas
nos gestores máximos (secretários, presidentes, diretores, etc., conforme o caso). Assim, foi a
partir dessas informações que procurei neste trabalho identificar as áreas de formação dos gesto-
res públicos municipais, na pretensão de verificar quantos têm formação na área cultural e, mais
especificamente em gestão, produção, patrimônio e/ou política cultural.
A pesquisa do IBGE estabeleceu a classificação dos órgãos quanto a secretaria exclusi-
va, secretaria em conjunto a outras políticas, órgão da administração indireta (fundações, por
exemplo), setor subordinado a outra secretaria e setor subordinado à chefia do executivo9.
9
Os dados aqui compilados seguiu a classificação do IBGE, salvo na categoria setor subordinado, onde não se
fez distinção quanto ao órgão gestor ser um setor subordinado a uma secretaria ou ao executivo, sendo considerado
simplesmente como subordinado.
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Gráfico 1: Área de formação dos gestores públicos municipais, sem distinção quanto à natureza do
órgão. Fonte: dados compilados pelo pesquisador com base nos dados brutos da Munic 2014, IBGE.
* Foram consideradas as variáveis da formação superior, em nível de graduação ou pós-graduação; por exemplo,
psicopedagogos foram contabilizados enquanto formados em Pedagogia, especialistas em história afro-brasileira
foram contabilizados na categoria História, e assim por diante.
** A presença do termo cultura, foi usado como critério para a identificação de um sujeito formado na categoria
Cultura, independentemente do nível de formação, desde que superior.
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Em comparação aos dados levantados em 200610, “os municípios com secretarias exclu-
sivas passaram de 4,3% (236), em 2006, para 20,4% (1 073), em 2014, os com secretarias em
conjunto com outras políticas passaram de 73,8% (4 007), para 57,3% (3 014), no mesmo perí-
odo” (IBGE, MUNIC 2014, p. 28). Estes dados apontam, por um lado, para uma especialização
ou atenção maior para a pasta e de outro, uma perda de espaço, já que de 2006 para cá “houve
um declínio no percentual de municípios brasileiros que responderam possuir alguma estrutura
em 2014, passando de 97,5% (5.426) para 94,5% (5.260)” (idem). A seguir apresento um gráfico
com o panorama geral das áreas de formação, independentemente da estrutura do órgão gestor.
O IBGE não faz uma análise aprofundada das áreas de formação dos gestores, mas com-
preende que “o nível de escolarização dos gestores e dos funcionários públicos estaduais e
municipais no Brasil vem melhorando ao longo do tempo, o mesmo também ocorre em relação
aos lotados no setor cultural” (2014, p. 36). Reconhece também que essa questão é importante
para a qualificação da gestão cultural, pois “produz impactos positivos no planejamento e nos
resultados da ação de governo” (idem).
A seguir veremos dados que, além da área de formação superior, consideraram a nature-
za ou estrutura do órgão, situação na qual esse panorama se altera, conforme o caso. A sequência
de apresentação dos gráficos vai de acordo à natureza ou estrutura do órgão gestor municipal
iniciando daquela que seria a mais adequada, Secretaria Exclusiva (Gráfico 2), seguida de Órgão
da Administração Indireta (Gráfico 3), Secretaria em Conjunto à outras políticas (Gráfico 4), e
Setor Subordinado (Gráfico 5).
10
A primeira vez que a Pesquisa com o Perfil dos Municípios Brasileiros trouxe o suplemento específico de cultu-
ra, em 2006. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2006/ (consultado em
15/01/2015).
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Gráficos 2 a 5 (da esq. para dir., de cima para baixo): Área de formação dos gestores públicos
municipais, por natureza do órgão.
Fonte: dados compilados pelo pesquisador com base nos dados brutos da Munic 2014, IBGE.
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municípios com Órgãos da Administração Indireta é ínfimo (119), proporção de 2,3% do total, e
o de Secretarias Exclusivas (1073, ou 20,4%), ainda aquém da necessidade.
A seguir, na Tabela 2, em complementação aos dados apresentados nos Gráficos 1 a 5,
pode-se averiguar os números absolutos do pessoal empregado por tipo de estrutura e área de
formação, bem como sua proporção interna ao tipo de órgão e média geral.
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Todos os dados acerca da população brasileira foram obtidos pelo portal do IBGE e tem como base o Censo
brasileiro de 2010. Portal do IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm
(acesso em 06/12/2015).
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12
Projeto de autoria do Deputado Giovani Cherini (PDT/RS); disponível em: http://www.camara.gov.br/propo-
sicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0FEE6C4FE1446A8740A7B370D0C779E8.proposicoesWeb2?cod-
teor=1088528&filename=PL+5575/2013 (acesso: 06/12/2015).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. FUNDAMENTACIÓN
La concepción de cultura tiene incontables intentos de definiciones. Dentro de ese uni-
verso, podemos afirmar que está constituida por un conjunto de saberes, reglas, normas, cos-
tumbres, comportamientos adquiridos, creencias, valores y mitos que se transmiten y se recrean
de generación en generación. En este sentido, la cultura encierra en si el concepto de identidad
entendido como el sentido de pertenencia a un territorio, que constituye una construcción social
en constante transformación y, el de diversidad de las culturas en las que las asimilaciones de
una cultura a otra proporcionan desarrollo y crecimiento.
En el contexto de definiciones y transformación nos encontramos con el enfoque de
Yúdice cuando señala que “El recurso de la cultura sustenta la performatividad en cuanto lógica
fundamental de la vida social hoy” (Yudice 2002:43). Comprende así a la cultura, como una
herramienta que impulsa las estructuras sociales, políticas y económicas. Entendemos además
que la globalización ha provocado que las industrias culturales y creativas, atraviesen fronteras
de manera instantánea y las políticas en estos términos deben por un lado afirmarse en términos
identitarios y en otros abrirse a la pluralidad y la diversidad.
Por su parte, el Estado debe redefinir su rol en el campo de las políticas culturales de
manera constante para permitir así el desarrollo cultural.
1
gabrielacostaguta@gmail.com
872
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Pero es también trascendental fijar la relación que existe entre la concepción de cultura
que se tiene en un determinado territorio, “los modelos de gestión cultural que se lleven adelante,
y el modelo de gestión en que se organiza administrativamente la ejecución de la política cultu-
ral”. (Mariscal Orozco, 2007: 30-31)
Tomemos la definición de García Canclini
“Entendemos por políticas culturales el conjunto de intervenciones rea-
lizadas por el Estado, las instituciones civiles y los grupos comunitarios
organizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las ne-
cesidades culturales de la población y obtener consenso para un tipo de
orden o transformación social” (García Canclini,1987:26).
Y la de Teixeira Coelho:
“La política cultural constituye una ciencia de la organización de las
estructuras culturales y generalmente es entendida como un programa
de intervenciones realizadas por el Estado, instituciones civiles, enti-
dades privadas o grupos comunitarios con el objetivo de satisfacer las
necesidades culturales de la población y promover el desarrollo de sus
representaciones simbólicas” (Coelho, 2009:241).
Ambos autores formulan la intervención del Estado como premisa fundamental guiados
por la participación de grupos comunitarios.
En este sentido realizamos la investigación con la finalidad de reconocer las políticas
culturales de orden municipal en el Partido de General Pueyrredon, Provincia de Buenos Aires,
Argentina, y si las mismas se encuentran en consonancia con esta transformación, con la apertura a
la cooperación nacional e internacional y con las convenciones que protegen el patrimonio cultural
inmaterial y material y el desarrollo sostenible.
2. MARCO TEÓRICO
Analizar las políticas culturales en el marco del contexto político contemporáneo ofrece
una perspectiva de agudas tensiones que han afectado a todo el planeta. Las políticas neoliberales
y la globalización han proporcionado la necesidad, por un lado, de una fuerte reafirmación de lo
local por el devenir de un proceso de desterritorialización de los flujos sociales, lo que conlleva
una pérdida del poder político estatal, y por el otro la generación de estrategias que permiten asu-
mir los procesos de reformas y actualización con las propuestas de organismos internacionales.
Ello requiere además una fuerte participación de la ciudadanía en un marco con flujos
de información dentro de un paradigma de democracia participativa comprendiendo a la socie-
dad como diversa, pluriétnica y multicultural.
En relación a lo que venimos mencionando, en el año 2005 la UNESCO aprueba en
París lo que constituye un hito a nivel mundial en nuestra materia: la “Convención sobre la
protección y la promoción de la diversidad de las expresiones culturales” que promulga en su
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3. MARCO CONTEXTUAL
El Partido de General Pueyrredon se encuentra en la Provincia de Buenos Aires, Argenti-
na. Su cabecera es la ciudad de Mar del Plata que, según el Ente Municipal de Turismo con sede
en Mar del Plata, cuenta con una población estable de 650.000 habitantes y el arribo de turistas
anuales en un número que supera los 8.000.0002 de personas.
Su ubicación geográfica tiene características preferenciales. Una gran franja costera con
playas sobre el Océano Atlántico, un cordón frutihorticola que la rodea y una gran zona de lagu-
nas, bosques y sierras que le ofrecen al entorno un paisaje cultural privilegiado.
Su economía se basa principalmente en el turismo, la pesca y los tejidos. Además posee
una importante planta industrial con una variada cantidad de empresas.
Asimismo Mar del Plata, como consecuencia de una capacidad hotelera enorme instala-
da para el turismo, es la primera ciudad sede de Congresos y Convenciones del interior del país
con un registro de más de 200 reuniones anuales.
2
http://www.turismomardelplata.gov.ar/
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4. OBJETIVOS
El presente trabajo tiene como objetivo central
• Generar un espacio de análisis, reflexión y debate de las políticas culturales.
Y como objetivos específicos:
• Identificar las políticas culturales de la región.
• Redefinir el rol del Estado en la cultura.
• Promover el impulso de procesos de participación ciudadana.
5. METODOLOGÍA
La presente investigación se basó en el análisis cuantitativo de 333 ordenanzas, decretos
y resoluciones comprendidas, entre los años 2005 al 2015, dictadas en el Concejo Deliberante
del Municipio. No se incluyó en el listado a las normas emitidas referidas a bibliotecas (barria-
les, escolares o de discapacidad).
Se trata del primer paso de una investigación que continuará y que permitirá la reali-
zación de un seguimiento más profundo y exhaustivo de la legislación, ya que los campos de
búsqueda y los ejes temáticos comprenden gran vastedad de análisis.
Se tomaron criterios de clasificación para sintetizar la información y presentarla con
simplicidad expositiva a los fines de una mejor comprensión de las normas relevadas. De esta
manera organizamos una clasificación en tres grupos según los siguientes criterios: Patrimonio,
Estructura orgánica, promoción y espacio público y Convenios.
5.1. Patrimonio
En este eje predominan las ordenanzas en las que se aceptan donaciones de bienes mue-
bles e inmuebles (43,80%) Y le siguen las de “dar de baja” bienes muebles (33,70%) o donar a
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las Asociaciones de Fomento bienes en desuso del Municipio (6,7%). Todo lo cual representa un
total del 84,23% de las ordenanzas relevadas.
En cuanto a la preservación del patrimonio y la declaración de patrimonio histórico re-
presenta solo un 6,6%.
Sobre patrimonio inmaterial en el año 2010 se aprobó la ordenanza que permite crear “El
Archivo de la palabra hablada” y en el 2011 otra que ordena desarrollar el “Programa de Protec-
ción y Difusión del Patrimonio Intangible del Partido General Pueyrredon” esto representa el 2,
2% del total en el mismo período.
La declaración de Patrimonio Cultural y Turístico a las actividades que realizan aso-
ciaciones artísticas de carnaval, murgas, comparsas, y otras es del año 2015 y aún no se en-
cuentra vigente.
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Otra lectura que nos interesó verificar en esta investigación es en relación a los años de
elecciones municipales. Durante el período 2005-2015 hubieron tres elecciones (años 2007,
2011 y 2015) Las ordenanzas referidas a cultura ascendieron exponencialmente en esos años
representando el 34,82%.
Año Porcentaje
2007 6.30%
2011 12,91%
2015 15,61%
Fuente: Digesto del Honorable Concejo Deliberante.
Elaboración propia.
6. CONCLUSIONES
De la presente investigación resulta que, en abierta contradicción con la teoría expuesta
al comienzo, existe una deficiente capacidad del gobierno para ampliar su concepción de las
políticas culturales en el Partido de General Pueyrredon, y que las normas emitidas en el ámbito
comunal tienen un espectro limitado al apoyo a las artes y al mantenimiento del patrimonio
tangible reduciendo la cultura en esos términos no constatando una apertura a políticas transver-
sales ni al desarrollo de la diversidad cultural. Y no se trata simplemente de ausencia de presu-
puesto, en muchos casos, como por ejemplo la adecuación de edificios públicos en desuso para
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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YUDICE, G. “El Recurso de la Cultura. Usos de la cultura en la era global”. Gedisa Editorial. Barcelona
España. (2002)
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1. INTRODUÇÃO
O presente estudo se insere no campo de administração pública e estuda os arranjos
institucionais empregados pelo Ministério da Cultura brasileiro para implementar suas políticas
culturais. Procura-se aqui analisar tais arranjos frente à ótica de governança pública dentro do
processo de políticas públicas.
William Jenkins (1978) compreende políticas públicas como um conjunto de decisões
que se inter-relacionam e são tomadas por determinados atores, que selecionam os objetivos e
meios para alcançá-los tendo em vista uma determinada situação, na qual essas decisões devem
estar de acordo com a capacidade de implementação desses atores. Aqui fica clara a existência
de múltiplos tomadores de decisão, a importância de atores externos no processo decisório e a
orientação da tomada de decisão tendo em vista o cumprimento de metas.
Podemos auferir das colocações acima que as políticas públicas fazem parte de um fe-
nômeno complexo que consiste em numerosas decisões tomadas por diversos indivíduos e or-
ganizações. Englobam, também, o conjunto de escolhas potenciais ou escolhas não feitas, indo
além da esfera legislativa.
1
Mestranda em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo. (feijo.gabriela@gmail.com)
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Dessa forma, é possível afirmar que determinadas políticas públicas culturais operam de
modo normativo, isto é, são implementadas por força de Lei, ocorrem primeiramente na esfera
federal para então atuar nos governos subnacionais, de forma impositiva. A questão cultural
foi enquadrada nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal (CF), que instauram o Sistema
Nacional de Cultura (SNC) e o Plano Nacional de Cultura (PNC). Ao introduzir cultura na CF
a questão de acesso e diversificação cultural entra para a agenda formal, e consequentemente
para as agendas locais. Surge então um processo de modernização do Estado nacional que exige
novos padrões estruturais (SOUZA, 2004).
A motivação por trás desse estudo se deu justamente pelo redesenho institucional das
políticas de cultura, no caso o SNC, que atrela a distribuição dos recursos do Fundo Nacional
de Cultura (FNC) aos entes federados à adesão do sistema e suas demandas específicas, reali-
zados por gestão compartilhada entre governo e sociedade civil. Logo, o presente estudo busca
analisar as políticas culturais sob a luz da teoria de Políticas Públicas, tendo por base o modelo
de Governança Pública.
O diálogo proposto aqui se dá de modo descritivo, caracterizando as políticas implemen-
tadas e descrevendo os programas abordados, SNC e PNC, bem como sua forma de financia-
mento, FNC, para então analisar como as políticas culturais utilizam o modelo de Governança
Pública para desenvolver seu processo de implementação. Dessa forma, foi realizada uma pes-
quisa qualitativa onde as informações foram coletadas por meio de análise bibliográfica e docu-
mental. Instrumentos de pesquisa que trouxeram os subsídios necessários para a interpretação e
sintetização das informações.
Sendo assim, este estudo tem por objetivo identificar o atual padrão estrutural das polí-
ticas culturais brasileiras, apontando as diferenças de atuação nas esferas federal e local, bus-
cando assim contribuir com o estudo de Governança Pública. Como objetos de estudo serão
abordados o SNC, instrumento de cultura e ponte para o PNC, política norteadora com estra-
tégias, metas e ações definidas, e o FNC, fundo de financiamento para a cultura. Procurou-se
responder a seguinte questão: Sob a vertente do modelo de Governança Pública, como se dá o
arranjo institucional das políticas públicas de cultura? Buscando contribuir para a literatura de
políticas culturais, procurou-se responder esse questionamento e explicar esses novos padrões
estruturais. Logo a seção a seguir procura trazer os subsídios teóricos para a análise do modelo
de Governança frente aos programas culturais.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
A idéia de Governança ganha destaque em estudos de políticas públicas, apesar de não
haver um consenso sobre sua definição, podendo variar de acordo com o contexto em que é
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empregado. O termo está presente em diversas áreas das ciências sociais, como relações inter-
nacionais, ciências políticas e administração.
Na literatura de administração pública o termo surge na década de 90 e envolve uma
abordagem do modelo de administração pública focada em gestão participativa, mercados e
competição. Esse modelo de governança seria capaz de melhor nortear o processo de políticas
públicas, isto é, de produzir bens e ofertar serviços públicos. A discussão sobre governança tam-
bém envolve a necessidade de repensar a lógica de interação entre Estado e sociedade, sendo
assim, governança consiste na capacidade do governo de prestação de serviços. (CAPELLA,
2008). Apesar dos diferentes conceitos esse estudo entende o conceito de governança como um
modelo horizontal de relação entre atores públicos e privados no processo de elaboração de po-
líticas públicas (KOOIMAN,1993; RICHARDS e SMITH, 2002, apud SECHI, 2009).
O modelo de Governança Pública, mais desenvolvido na Europa, opera num sistema
aberto, isto é, recebem insumos do ambiente, processam e desenvolvem para o ambiente produ-
tos e serviços acabados. Surge em modelos pós-burocráticos, após crises e reformas do Estado,
e se desenvolve em ambientes democráticos e participativos.
Isso demonstra uma atuação menos rígida do Estado e uma formulação mais participa-
tiva que técnica no processo decisório. Sechi (2009) aponta três impulsionadores do modelo de
Governança Pública: o primeiro consiste na “crescente complexidade, dinâmica e diversidade
de nossas sociedades coloca os sistemas de governo sob novos desafios e que novas concepções
de governança são necessárias” (KOOIMAN, 1993, p. 6. Apud SECHI, 2009); O segundo im-
pulsionador refere-se à inclusão de valores neoliberais e o chamado esvaziamento do Estado,
onde se contesta a capacidade do Estado em resolver problemas coletivos; O terceiro abrange
a Governança pública como parte do modelo de Administração Pública Gerencial, New Public
Management, focando no desempenho e tratamento dos problemas, ou ainda sendo considera-
da uma de suas vertentes ou um desdobramento desse modelo, “há alguma semelhança entre
as duas perspectivas e parece claro que o recente interesse em governança, em parte, tem sido
alavancado pela crescente popularidade da administração pública gerencial e a idéia de formas
genéricas de controle social” (PIERRE, PETERS, 2000, p. 65. apud SECHI, 2009).
Vale ressaltar ainda que a governabilidade não está associada à capacidade de governança:
Um governo pode ter governabilidade, na medida em que seus dirigen-
tes contem com os necessários apoios políticos para governar, e, no en-
tanto, pode governar mal por lhe faltar a capacidade da governança.
Existe governança em um Estado quando seu governo tem as condições
financeiras e administrativas para transformar em realidade as decisões
que toma (BRESSER PEREIRA, 1998).
O objetivo de estudar a capacidade estatal é para entender porque algumas promessas
de melhor governanças são bem sucedidas enquanto outras permanecem inalcançadas. Para
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Vale ressaltar que o presente estudo não tem por objetivo analisar o processo de financia-
mento dessas políticas, todavia, utilizou-se aqui do mecanismo do Fundo Nacional de Cultura
para explicar os arranjos institucionais adotados para a implementação das políticas culturais,
uma vez que este instrumento é responsável pelo repasse de recursos.
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a construção do SNC. Entre eles temos a criação das seguintes estruturas por parte dos entes fe-
derados: Órgãos Gestores da Cultura; Conselhos de Política Cultural; Conferências de Cultura;
Planos de Cultura; Sistemas de Financiamento à Cultura; Sistemas Setoriais de Cultura (quando
pertinente); Comissões Intergestores Tripartite e Bipartites; Sistemas de Informações e Indica-
dores Culturais; Programa Nacional de Formação na Área da Cultura. Esses elementos devem
ser implementados em âmbito federal, estadual e municipal.
O SNC foi regulamentado pela Emenda Constitucional n° 71 de 2012 que acrescenta o
artigo 216-A a Constituição Federal2, fazendo com que o acesso à cultura seja um direito do cida-
dão. Esse instrumento de gestão compartilhada de políticas públicas de cultura tem por objetivo:
Formular e implantar políticas públicas de cultura, democráticas e per-
manentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade civil,
promovendo o desenvolvimento – humano, social e econômico – com
pleno exercício dos direitos culturais e acesso aos bens e serviços cultu-
rais (MINC, 2012b, p. 61).
Atualmente, a implementação do sistema vem acontecendo por meio de assinatura do
acordo de cooperação, buscando assim o desenvolvimento do SNC entre as partes. É função do
Ministério da Cultura – órgão coordenador do SNC – fomentar o processo de adesão3 ao sistema
e acompanhar sua implantação. O MinC aponta ainda algumas questões administrativas que
reverberam no campo cultural:
Esses desafios não são fáceis de serem superados. E essa concepção de
gestão se confronta com a cultura política tradicional, que é da desconti-
nuidade administrativa com as mudanças de governo; da competição in-
tra e intergovernos; e da resistência política à institucionalização da parti-
cipação social, apesar de assegurada na Constituição (MINC, 2011, p.14).
O SNC ainda caminha para uma implementação com maior foco de planejamento e
continuidade administrativa, uma vez que atualmente apenas 2022 municípios fazem parte des-
se programa, correspondendo a apenas 36,3% dos municípios brasileiros, apresentando assim
uma queda de adesão ao Acordo de Cooperação, que contava com 2327 municípios em 2014.
Mostrando assim a dificuldade de continuidade administrativa apresentada no campo cultural.
Tentando sanar essa dificuldade de planejamento e continuidade, o MinC atrela ao SNC
outro programa cultural, o Plano Nacional de Cultura (PNC) formulado por fóruns, consultas
públicas e Conferências Nacionais de Cultura (CNCs), que buscam viabilizar a participação e o
2
“Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e
participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e
permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento
humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais” (CF/88).
3
Atualmente o SNC conta com a adesão de todos os estados e de 2022 municípios, operando de forma pactu-
ada e compartilhada entre governo e sociedade civil. (Dados obtidos pelo Ministério da Cultura. Atualizado em
13/07/2015).
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controle da sociedade civil no processo de formulação das políticas públicas culturais. O PNC é
apoiado por lei específica, Lei Nº 12.343/2010 e amparado pelo §3º do artigo 215 da Constitui-
ção Federal4, sob a supervisão do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC).
4
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional,
e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. (...) § 3º A lei estabelecerá o Plano
Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações
do poder público que conduzem à: I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção, pro-
moção e difusão de bens culturais; III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas
dimensões; IV - democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional.
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Fonte: Figura elaborada pela autora com base em informações disponíveis pelo MinC.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo de Governança Pública apesar de ganhar espaço no processo de implementa-
ção de políticas públicas apresenta certa contradição, pois como modelo hierárquico pode dar
espaço às questões participativas? O presente estudo não procurou trazer uma resposta a essa
questão, mas sim demonstrar como o processo de implementação de políticas culturais se encai-
xa à Teoria de Políticas Públicas, sob a ótica de Governança Pública.
Inicialmente mostrou-se a associação das políticas culturais às políticas sociais, mos-
trando assim seu caráter redistributivo. Essa tipificação é importante uma vez que ajuda a enten-
der a lógica governamental para essas políticas e conseqüentemente sua reação na sociedade.
Posteriormente foram apresentados os programas culturais, o Sistema Nacional de Cul-
tura e o Plano Nacional de Cultura, ambos operados por meio indutivos, com base nos recursos
do Fundo Nacional de Cultura. Ao executar o processo de indução dos programas federais, no
caso o Sistema Nacional de Cultura, não se pensa numa lógica linear que considere as desigual-
dades econômicas e sociais municipais, o que resulta na existência de capacidades administrati-
vas diferenciadas (ABRUCIO apud GRIN, 2014).
Com uma abordagem mais política, percebe-se certa autonomia estatal e um cuidado
maior com suas capacidades, em busca de um Estado desenvolvimentista com foco no bem-es-
tar social. Souza (2004) afirma que essa nova governança local que descentraliza ou municipa-
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liza as políticas sociais universais não implica na transferência de capacidade decisória para os
governos locais, mas sim na delegação de responsabilidade de implementação, levantando ainda
a dificuldade de alguns municípios para implementar as políticas propostas. Dessa forma faz-se
importante atrelar o modelo de governança às capacidades estatais, que vão variar de acordo
com o ente envolvido, sendo necessário um próximo estudo para desenvolver as necessidades
de capacidades locais nos entes federados.
Acredita-se que é necessário o entrelaçamento das capacidades através de arranjos ins-
titucionais que permitem a implantação de processos de decisão, execução e controle. Sendo
assim, essa forte demanda pelo processo de modernização do Estado nacional que exige novos
padrões estruturais por parte dos municípios e estados faz com que os entes busquem ampliação
de suas capacidades estatais e apliquem o modelo de Governança Pública para atender essa nova
demanda, por meio de uma gestão compartilhada.
De um modo geral a Governça Pública acompanha o dinâmico processo de empodera-
mento da sociedade e permite sua ação no processo de políticas públicas através do mecanismo
de democracia deliberativa. O próprio envolvimento estatal não é algo consensual podendo ser
observado uma descentralização no processo de formulação e implementação, e um aumento
do controle e coordenação, como foi possível observar nas políticas culturais. Todavia, o que é
possível observar é um entendimento de Governança Pública como algo que vai além do Estado
em uma abordagem relacional com atores não estatais, regidos por redes interorganizacionais
em prol de um problema comum, nesse caso, a ampliação e a diversificação da cultura.
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SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. 2006. Disponível em:<http://www.scielo.
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Acesso em 13 de junho de 2015.
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1. INTRODUÇÃO
Os consórcios públicos intermunicipais (CPIs) são organizações formadas a partir da
cooperação voluntária de dois ou mais entes da federação, responsáveis por executarem a gestão
associada de ações públicas a elas delegadas. Uma vez formados, os CPIs se tornam parte da
administração indireta de todos os entes da Federação consorciados, podendo assumir a perso-
nalidade jurídica de associação pública ou de direito privado. Através deles, se torna possível,
ainda, a “territorialização” das políticas setoriais, servindo também como um modelo gerencial
e de planejamento microrregional que pode se traduzir em ganhos de escala nos serviços muni-
cipais em áreas como saúde, saneamento e, recentemente, a cultura.
O presente artigo visa contribuir para a escassa literatura sobre os Consórcios Públicos
de Cultura (CICs), através da análise exploratória dos dados provenientes do IBGE (Pesquisa
de Informações Básicas Municipais e do Censo Cultural) complementado pelo levantamento
bibliográfico. A primeira parte do trabalho tratará dos modelos sistêmicos de descentralização
1
Bacharel em Administração Pública, graduada pela Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho – Fundação
João Pinheiro (FJP-MG). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental na Secretaria de Estado de
Cultura de Minas Gerais. | g.mdbrandao@gmail.com
2
Bacharel em Administração Pública graduado pela Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho – Fundação
João Pinheiro (FJP-MG) | cicero.n.marra@gmail.com
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Tanto a esquerda quanto os liberais dos anos 80 defendiam a seu modo a descentralização como condição para
ruptura das estruturas tradicionais de poder rumo a um modelo mais ativo e cidadão. Marta Arretche (1996), em
oposição, considera que descentralização não é uma engenharia idêntica ao federalismo e questiona a legitimidade
dos argumentos de ambos os lados, afirmando que a democracia estaria mais ligada à formação de instituições que
reproduzem este valor do que com a escala em que se dão as decisões políticas.
4
Segundo Fonseca e Leite (2011) apud Rezende e Afonso (2004) apesar de seu ímpeto descentralizador, na
prática, a Constituição de 1988 implantou um federalismo fiscal duplo: por um lado, criou mecanismos de trans-
ferência de grande parte dos recursos de tributos federais – IR e IPI – para estados e municípios; por outro, criou
contribuições sociais para financiar as responsabilidades sociais da União.
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para cima” os custos médios dos serviços públicos básicos na medida que dificultam o aprovei-
tamento compartilhado de capital e trabalho a ponto de se reduzir o custo unitário de produção.
Somado a tudo isso, os artigos 23 e 24, que co-responsabilizam os três níveis da fede-
ração na execução de determinadas políticas públicas comuns e concorrentes, garantem mais
descentralização e, ao mesmo tempo, sugerem um horizonte de cooperação na ação pública. No
entanto, a inexistência de quadros legais e institucionais apropriados para a cooperação e a co-
ordenação intergovernamental facilita a reprodução de relações verticais e horizontais conflitu-
osas na federação, que, por sua vez, oscila de forma ambígua entre a competição e a cooperação
(SOUZA, 2005; RAVANELLI, 2014). Essa realidade aprofunda a mencionada fragmentação,
que passa a se manifestar ora como sobreposição das políticas públicas no território e desperdí-
cio de recursos públicos, ora simplesmente como abandono da ação estatal5.
Uma das formas que o Estado vem buscando minimizar os efeitos da fragmentação tem
sido a articulação de “redes interfederativas”. As redes são aqui entendidas conforme Abrúcio
e Soares, enquanto a “criação de instituições, políticas e práticas intergovernamentais que re-
forcem os laços entre os entes, sem que se percam o pluralismo e a autonomia característicos
da estrutura federativa” (2001, p.48) Considerando que o federalismo é, na leitura de Abrucio
(2005), um sistema de governo que pressupõe a soberania compartilhada e o equilíbrio entre a
autonomia e interdependência dos pactuantes, o desafio da coordenação de políticas públicas se
confunde com o desafio do fortalecimento de redes interfederativas.
Os modelos da saúde e assistência social6 são os maiores paradigmas em termos de co-
ordenação interfederativa no Brasil, servindo, inclusive, como inspiração para a organização da
rede de cultura a partir de 2002 em diante7. Esforço que foi materializado, anos depois, no reco-
5
Sobre esse constrangimento, Marta Arretche afirma que: (...) qualquer ente federativo estava constitucionalmente
autorizado a implementar programas nas áreas de saúde, educação, assistência social, habitação e saneamento. Si-
metricamente, nenhum ente federativo estava constitucionalmente obrigado a implementar programas nessas áreas
(ARRETCHE, 2004, p.22).
6
O tradicional setor de Saúde vem construindo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) um modelo descentralizado
através das NOBs (Normas Operativas Básicas) de racionalização dos repasses de recursos e dos gastos pelos esta-
dos e municípios, além da criação de instrumentos de fiscalização e avaliação das políticas de saúde. Em especial,
a partir da NOB-96, o SUS procurou estruturar-se pela responsabilização de cada instância de governo e estimular
a parcerias entre governos. Duas diferenças fundamentais separam o Sistema Nacional de Saúde do atual Sistema
Nacional de Cultura segundo Abreu (2011): 1) o Conselho Nacional de Saúde (CNS) possui uma influência mais
Inter burocrática do que pela sua relação com a sociedade civil e 2) o Sistema de saúde consegue influenciar na
gestão do município através das Normas Operacionais Básicas (NOB) com o repasse financeiro.
7
Ainda que a intenção de se construir uma rede de políticas de cultura tenha origem no governo Médici na década
de 1970 (ABREU, SILVA, 2008; CALABRE, 2007), os primeiros passos rumo à EC 71/2012, que acrescenta o
artigo sobre o Sistema Nacional de Cultura (SNC) na CF, foram dados apenas a partir da gestão Lula/Gilberto Gil.
Segundo Zimbrão (2012), dentre os principais marcos dessa trajetória destaca-se a realização da primeira Confe-
rência Nacional de Cultura em 2005; o lançamento do Programa Cultura Viva e a aprovação da Emenda Consti-
tucional nº 48, de 2005, que dispõe sobre o Plano Nacional de Cultura e da PEC 150/2005, que vincula recursos
das receitas das esferas de governo à cultura. Vale lembrar que o “Programa Cultural para o Desenvolvimento do
Brasil” balanço de governo lançado no segundo mandato do ministro Gilberto Gil em 2007, sugeria a aprovação do
SNC como um dos pilares para uma futura política cultura cidadã.
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Tudo isso pode ser resumido nas palavras do próprio ex-ministro Gil citado por Abreu e Silva: “O que consegui-
mos em um primeiro momento com o Sistema Nacional de Cultura foi insatisfatório e insuficiente, porque foi apenas
a articulação para a criação e não para a implementação propriamente” (ABREU, SILVA; 2011, p.42) ou ainda, nas
palavras de Luiz Eduardo Abreu (2011, p. 92): “o sistema (Nacional de Cultura) ainda é a luta pela sua constituição”.
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É preciso lembrar que dois dentre os doze princípios defendidos no SNC no Art. 216-A,
destacam a preocupação quanto à construção de um sistema de cooperação de políticas e que,
portanto, convergem com os fundamentos conceituais dos Consórcios Intermunicipais de Cultu-
ra (CICs) nas redes interfederativas. A ver, os incisos: IV) cooperação entre os entes federados,
os agentes públicos e privados atuantes na área cultural; e V) integração e interação na execu-
ção das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas; Assim, buscaremos entender um
pouco mais sobre o funcionamento desse instrumento, além de resgatar alguns dados e o que
a literatura vem produzindo sobre eles de forma geral no país e no setor da cultura a partir de
2005, marco da publicação da lei geral dos Consórcios Públicos Intermunicipais.
11
Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998: “União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-
nicípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federa-
dos, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos,
serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos” (BRASIL. Constituição, 1988.)
12
A possibilidade de atuação consorciada entre entes federados é anterior à lei de 2005, tendo sido prevista em
todas as Constituições Federais desde 1891. No entanto, sem lei que as regulamentassem, elas acabariam sendo
firmadas enquanto associações de direito privado, o que as colocariam durante longo período a beira da informali-
dade. Não por acaso, as primeiras experiências surgiriam somente na década de 1960, impulsionadas, por um lado,
pelo ainda tímido protagonismo dos municípios em diferentes áreas de políticas públicas, mas principalmente, pela
atuação de lideranças políticas interessadas (CRUZ, 2001).
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administrativas devem ser diluídas no preço do serviço ou do bem13; 2) via contrato de rateio e 3)
via celebração de convênios para entes não consorciados, inclusive com transferência de recur-
sos. Em termos contábeis, o consórcio público deve possuir um orçamento mensal, estruturado
em dotações, e aprovado em assembleia.
Ainda no rol de inovações, a legislação impacta significativamente a Lei 8666/93 e seus
artigos 23, 24, 26 e 112. Isso se traduziu em ampliação dos valores licitatórios14 e novas hipó-
teses de dispensa de licitação para celebração de contratos, além da possibilidade de licitações
compartilhadas e redução de valores de impostos.
Por outro lado, podemos listar de acordo com a literatura, uma série de insuficiências
no que diz respeito ao financiamento dos CPIs: em primeiro lugar, não há regulamentação para
operações de crédito nem previsões de linhas para consórcios públicos: não existe regulação
específica, embora o Decreto nº 6.017/07 preveja a contratação de operações de crédito con-
forme os limites e condições próprios estabelecidos pelo Senado Federal, em consonância com
o inciso VII do art. 52 da CF/88. Além disso, a celebração de convênios via transferência de
recursos com a União não leva em conta a pessoa física do consórcio e sim a condição de cada
um dos consorciados, se utilizando do extrato emitido pelo subsistema Cadastro Único de Exi-
gências para Transferências Voluntárias (CAUC) de cada uma delas. Trata-se de um erro não
somente por ser incompatível à personalidade jurídica, mas também por não contribuir para a
estabilidade dos consórcios, já que, segundo a regra, um único município poderia inviabilizar a
possibilidade de repasse de recursos de toda uma região.
Em relação à flexibilidade nos formatos de CPIs, a redação atual permite que um mes-
mo consórcio atue em várias áreas de políticas públicas ao mesmo tempo. Para isso, os ditos
objetivos que delimitam a área de atuação deverão ser definidos pelos entes de federação que se
consorciarem, observados os limites constitucionais”15 e respeitando os “objetivos de interesse
comum16”. A lei permite também que o ente se relacione com vários consórcios ao mesmo tem-
po, podendo este se consorciar em relação a todos ou apenas a uma parcela deles. A associação
pode ainda ser firmada entre entes das três esferas de governos da federação e entre municípios
não limítrofes. Segundo Borges (2005) essa autonomia ao município consorciado somente pôde
ser materializada graças ao exercício de direitos concedidos pela Lei 11.107 como a subscrição
e ratificação (integral ou parcial) do protocolo de intenções; a alteração, retirada e extinção do
consórcio; e a manutenção de contabilidade e fiscalização próprias.
13
Para essa contratação a licitação será dispensada, conforme versa o art. 2º, §1º, inciso III da Lei nº 11.107/2005.
14
O § 8º da Lei 8666 permite no caso dos consórcios públicos a aplicação do dobro dos valores permitidos para
cartas-convite, tomadas de preço e concorrência (quando se tratarem de consórcios formados por até três entes da
federação) e o triplo dos valores quando formados por mais de três entes da federação.
15
Art. 2º da Lei n.º 11.107/05
16
Art. 1º da Lei n.º 11.107/05
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pela itinerância de programação artística e cultural (17,97%), outras atividades (10,16%), pela
utilização de equipamentos culturais (3,12%) e, finalmente, pela a manutenção de grupos artís-
ticos permanentes, que apresentou o menor porcentual (1,56%).
Outra pesquisa, a Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE17, permite uma
análise em termos absolutos dos municípios que possuem CICs. A edição 2011 mostra que, dos
2.903 municípios brasileiros que participam de no mínimo um CPI, 248 (ou 8,5%) afirmaram
possuir no mínimo um CIC. Desse total, 208 (ou aproximadamente 82%) correspondem a muni-
cípios de até 50.000 habitantes. Além disso, nota-se a concentração do fenômeno nas regiões su-
deste e sul, representando, juntos, cerca de 66% da incidência (94 municípios na região sudeste
e 70 na região sul). Não por acaso, os estados da federação com maior número absoluto de mu-
nicípios com consórcios em cultura são, em primeiro lugar, Minas Gerais com 48, seguidos por
Rio Grande do Sul com 39 e São Paulo com 34. Todavia, segundo Prates (2010), os dados não
permitem uma análise profunda do fenômeno, já que não revelam o número real de consórcios
operantes nem dizem nada sobre a sua densidade institucional, ou seja, sobre a sua fragilidade
ou sua consistência.
Se há consenso no potencial dos CPIs na articulação de políticas públicas, não se pode
dizer o mesmo a respeito dos fatores que induzem ou não a formação de novos consórcios. Cal-
das (2007) identificou, todavia, duas vertentes teóricas que explicam o fenômeno de forma com-
plementar: a teoria do “enfoque na ação racional”, que credita a formação de novos consórcios
a estímulos externos vindos dos estados e União; e a do “enfoque do capital social”, resultante
do interesse local independentemente dos estímulos externos. Outros fatores mais específicos
também são mencionados por Dieguez (2011) como a estrutura institucional da área de política
envolvida, o capital social gerado por um problema em comum e a atuação ativa dos governos
estaduais para estimular um padrão mais cooperativo nos municípios.
Embora esses quesitos mencionados possam funcionar como quadros teóricos impor-
tantes para entender os fatores que induzem ou limitam a formação de novos CICs, pouco se
conhece e se escreve sobre casos concretos de consorciamento e, por isso, poucos dados qualita-
tivos estão disponíveis. Os números do IBGE sugerem, por um lado, que o fenômeno possa estar
relacionado com a atuação dos estados e da União como indutores, já que todos os municípios
entrevistados que se declararam participantes de pelo menos um CIC alegavam o envolvimento
do estado de origem na composição, e 146 (ou 58%) alegavam participação da União.
Por outro lado, através de levantamento bibliográfico, pudemos destacar duas iniciativas
cujo protagonismo das lideranças locais foi mais decisivo na constituição dos CICs. Em primeiro
Caldas (2007) alerta para duas limitações para o uso da base de dados do IBGE: 1) Elas permitem comparar os
17
consórcios apenas pela unidade de análise que são os municípios 2) as bases de dados sofreram mudanças metodo-
lógicas na forma de categorizar os consórcios públicos e os setores de atuação.
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lugar, o CIC “Culturando”, pioneiro no setor e até hoje um dos mais conhecidos. Formado em
2010 pela união de dezoito cidades18 no interior do estado de São Paulo, o consórcio abrange um
território de quase um milhão de pessoas e já articulou desde então mais de 25 milhões de reais19
entre convênios com o Ministério da Cultura (MinC) e Governo Federal, além de investimentos
do próprio consórcio e receitas de assessoria e consultoria para outros projetos. O custeio é dis-
tribuído proporcionalmente pelos consorciados utilizando-se a o índice populacional do IBGE
como base de cálculo do valor a ser pago por cada município (SILVA e PASSADOR, 2014).
O outro caso a ser destacado é o do atualmente inativo consórcio intermunicipal de cultura
das prefeituras de Muriaé, Cataguases, Itamarati de Minas, Leopoldina e Miraí, constituído para
fomentar a cadeia criativa e produtiva do cinema, audiovisual e da cultura digital na chamada
Zona da Mata mineira, conforme destacado por Vilutis (2006). Enquanto esteve ativo, entre 2012
e 2015, o consórcio oferecia suporte às produções audiovisuais, acesso a serviços municipais,
compras governamentais, circulação, e no apoio institucional entre poder público e sociedade
civil. O consórcio previa também a articulação estratégica com outras áreas, especialmente com
a educação, por meio da certificação técnica via Escola Municipal do Audiovisual em Muriaé e
com o Projeto Escola Animada, envolvendo a rede pública de ensino de 10 cidades da região.
6. CONCLUSÃO
No âmbito nacional, os avanços na consolidação de uma rede interfederativa de cultura
são inegáveis: os principais componentes do SNC já estão constituídos e o PNC já se afirmou
como instância ampla de participação (ZIMBRÃO, 2012; FILHO, 2011). Ao mesmo tempo,
produtores, agentes e público estão cada vez mais interessados em interferirem nos processos
de decisões culturais (CALABRE, 2007). Apesar desses reconhecidos avanços, o PNC deve
preencher o “vácuo” na articulação entre essas instâncias e entre os entes federativos e orientar
estratégias objetivas de modo a possibilitar sinergias na atuação do para que esse se afirme en-
quanto um verdadeiro modelo de rede interfederativa.
Ainda que o Sistema Nacional de Cultura e o Plano Nacional não tenham regulamen-
tado uma efetiva coordenação interfederativa que mobilize os governos subnacionais para a
ação cooperada no setor de cultura, os avanços conquistados pela legislação dos CPIs na última
década sinalizam, pelo menos, um horizonte de oportunidades para a Cultura. Segundo Batista
(2004) o grande mérito da lei dos consórcios (Lei 11.107 de 2005) foi a ampliação do papel
18
Araçatuba, Ariranha; Barretos; Cajobi; Colombia; Guaraci; Guariba; Jaboticabal; Matão; Monte Azul Paulista;
Monte Alto; Orlândia; Pirangi; Pontal; Sertãozinho; Serra Azul; Viradouro e Vista Alegre do Alto.
19
Ao todo foram “7 milhões e 200 mil reais, sendo dois terços do MinC e um terço de contrapartida do Consórcio
para o programa “Pontos de Cultura”, R$ 9,17 milhões do Governo Federal para modernização de 13 bibliotecas
públicas; a formação de 60 agentes de leitura; 25 Cine Mais Cultura; 22 Pontos de Leitura R$ e10 milhões, asses-
sorando municípios em outros projetos”. (VILUTIS, 2013)
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estratégico desses, servindo também como um espaço de diálogo a disposição entre poder pú-
blico e organizações da sociedade civil, além de facilitar o financiamento e a gestão associada
ou compartilhada de serviços públicos via parcerias, convênios e contratos. Isso quer dizer que
a maior segurança jurídica que os CPIs gozam após a lei, permite que prefeituras (limítrofes
ou não) explorem novos formatos de cooperação e a partir deles, tenham acesso a uma série de
vantagens em termos de organização, participação social, controle e incremento nas fontes de
financiamento e otimização de recursos culturais municipais.
Embora a análise dos dados disponíveis permita relacionar uma forte presença dos go-
vernos estaduais na composição dos CICs disponíveis, os casos estudados em profundidade
sugerem que a sua formação está ligada à experiência pontual de municípios pioneiros. Por isso,
o que se espera, é que novos trabalhos acadêmicos investiguem essas duas influencias na repro-
dução e longevidade dos consórcios. Essas informações serão determinantes para complementar
a estratégia de fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura e auxiliar na redistribuição o
investimento cultural no Brasil.
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“ Eu não sabia que a favela podia ser vista como um lugar que tem cultura...”
Fábio; Jovem participante do projeto
“Qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz?”
Minha alma (O Rappa)
1
Coordenadora do Serviço de Educação em Ciências e Saúde do Museu da Vida/Fiocruz; hilda@fiocruz.br
2
Bolsista do Projeto ‘Produção Cultural no Território de Manguinhos: olha nós ai” / Museu da Vida/Fiocruz; mo-
niqramos@gmail.com
3
Supervisora Pedagógica do Programa de Produção Cultural do Museu da Vida/Fiocruz; carmen.evelyn@yahoo.
com.br
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enquanto aspecto mercadológico e a dimensão antropológica que nos leva ao mergulho da cul-
tura produzida no cotidiano e as interfaces produzidas nas relações estabelecidas com o mundo.
A dimensão antropológica nos seduz pois amplia possibilidades no espaço da educação
não formal e fomenta novas tessituras nos fazeres e saberes diários. Nestas reflexões e discus-
sões voltamos nosso olhar para a oportunidade de fazer parte de uma grande rede formada por
atores e agentes sociais que gera empoderamento, fortalece a autonomia e abre portas para o
protagonismo. Esta grande rede se constituiu nos Pontos de Cultura como ações estruturantes do
Programa Cultura Viva, desenvolvido pelo Ministério da Cultura (MinC) desde o ano de 2004.
Como Barbalho (2008: p. 21) entendemos as políticas culturais como “o conjunto de
intervenções práticas e discursivas no campo da cultura” e como um espaço cultural já estabele-
cido na cidade do Rio de Janeiro, buscamos potencializar em nosso trabalho com os jovens do
território de Manguinhos e Maré sua participação como cidadãos e cidadãs que estão no fazer
cultural como processo.
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O PNC afirma que as políticas culturais devem reconhecer e valorizar esse capital sim-
bólico, por meio de fomento à sua expressão múltipla, gerando qualidade de vida, autoestima e
laços de identidade entre os brasileiros, desvanecendo relações assimétricas e valorizando a di-
versidade. Desta forma, oferece instrumental teórico e prático para que os jovens reflitam sobre
sua identidade e se apropriem de conceitos fundamentais para construção de conhecimentos que
os levarão a se perceberem como cidadãos capazes de transformar sua realidade. Busca ainda
“contribuir para a ampliação do capital cultural dos jovens, valorizando a cultura científica, a
popularização da ciência e a promoção da saúde” (MOURAO et al, 2015), estimulando a refle-
xão e discussão sobre a realidade socioambiental de territórios socialmente vulnerabilizados,
como Manguinhos e Maré.
Para fundamentar a nossa ação pedagógica nos alimentamos das reflexões de Gohn:
O processo político-pedagógico de aprendizagem e produção de saberes envolve a
aprendizagm para a cidadania; aprendizagem para atuar no mundo do trabalho e/ou de desen-
volvimento de potencialidades ; aprendizazagem pelo exercício d epráticas que capacitam os
indivíduos a se orgnizarem em objetivos comuntários voltados para a solução de problemas
coletivos e cotidianso, gerados pela participação em associações, movimentos, foruns, conse-
lhos;aprendizagem pela cultura para potencializar a leitura do mundo. (GOHN,2010,p.55)
Trilla (1998) destaca que a educação não-formal permite além de contribuições de di-
versas áreas, a composição de diferentes bagagens culturais. Esta compreensão pode fazer com
que algumas práticas da educação não-formal se apresentem como uma possível proposta de
educação inovadora e transformadora que busca a partir das relações vividas no cotidiano, da
valorização de questões não consideradas e outros campos educacionais, fazer emergir as bases
de uma relação educacional diferenciada.
O trabalho pedagógico aponta para a importância da pluralidade de culturas, reconhe-
cendo os diferentes sujeitos socioculturais e abrindo espaços para a manifestação e valorização
das diferenças. A ideia é promover ações educativas que possibilitem a compreensão das cone-
xões entre as culturas, das relações de poder envolvidas na hierarquização das diferentes mani-
festações culturais, assim como das diversas leituras que se fazem quando distintos olhares são
privilegiados. Suas atividades propõem aos jovens exercitar e aprimorar a criatividade e capaci-
dade de expressão através de debates, seminários, dinâmicas de grupo, oficinas de multimídia,
fotografia, leitura e escrita, teatro, música, além de oficinas técnicas visando instrumentalizá-los
para o planejamento e realização de eventos e atividades culturais. Estas atividades, além de
proporcionarem conhecimento na produção cultural, objetivam aguçar a visão crítica sobre a
realidade local e global, sendo desenvolvidas na sede do Museu da Vida (Fiocruz) e em outros
espaços culturais do território como a Biblioteca Parque de Manguinhos.
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3.AMPLIANDO AS REDES
O Programa de Produção Cultural do Museu da Vida passou a integrar, em 2014, a Rede
Carioca de Pontos de Cultura com o projeto “Produção Cultural no território de Manguinhos:
olha nós aí”5, e será subsidiado pelos próximos 3 anos. Esta rede, mantida pela Secretaria Mu-
nicipal de Cultura do Rio de Janeiro, abrange 50 instituições representantes das mais variadas
formas de expressão artístico-culturais que se articulam em estratégias de fomento de ações
culturais locais e regionais, de formação de pessoal, desenvolvimento de capital, entre outras.
Com esta integração, o projeto agregou à equipe pedagógica, recursos e potencialização
do trabalho educativo, já que foi possível a contratação de três jovens egressas das turmas ante-
riores e uma profissional de nível superior para provimento de suas atividades administrativas e
educativas, através das quais são planejadas as estratégias para melhor inserção dos jovens em
ações culturais.
Para aprofundamento das questões que estruturam as políticas culturais como “o con-
junto de intervenções práticas e discursivas no campo da cultura” apostamos na abordagem do
trabalho colaborativo como um espaço que prioriza a responsabilidade coletiva para o desenvol-
vimento de uma cultura pautada na formação de sujeitos críticos e conscientes de suas possibili-
dades de atuação no contexto social. O Programa que abriga o projeto, é organizado em módulos
que se desenvolvem simultaneamente durante oito meses. Os conteúdos estão centrados em
temas que envolvem as relações entre a Ciência e a Cultura, as interfaces presentes nas discus-
sões sobre Identidade, Cidadania e Historicidade, a participação em oficinas de Comunicação e
Expressão, a atuação em práticas de produção cultural e estágio em espaços educativo-culturais.
Além do aprofundamento nos módulos, estão planejadas dez visitas técnicas com o obje-
tivo de conhecer espaços culturais, ações e expressões artísticas do estado do Rio de Janeiro. As
instituições a serem visitadas são definidas tendo em vista abranger a diversidade cultural local
e oportunizar o direito à livre circulação dos jovens na cidade do Rio de Janeiro.
As visitas propõem o conhecimento sobre a contemporaneidade e a importância da di-
versidade levantando questões sobre a preservação e promoção do patrimônio cultural. Viabi-
lizam experiências de sensibilização socioambiental, permitem a participação ativa dos jovens
na construção de conhecimentos de forma a sentirem-se provocados a enfrentarem os vários
desafios oferecidos. Objetivam aguçar a visão crítica sobre a realidade local e global6 a partir de
discussões que focalizam questões relevantes ao processo de construção da autonomia e prepa-
ração de cidadãos capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural e o
5
Edital da Rede Carioca de Pontos de Cultura / Secretaria Municipal de Cultura e Sociedade de Promoção da Casa
de Oswaldo Cruz nº 12045/2014.
6
Atividades desenvolvidas pela equipe do Projeto Território em Transe/ Coordenadoria de Cooperação Social /
Presidência da Fundação Oswaldo Cruz que visa, por meio da construção da história social de Manguinhos, mobi-
lizar o protagonismo local de seus moradores por meio de ações coletivas, na luta por garantia de direitos.
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mundo do trabalho para nela inserir-se e atuar de forma ética, visando contribuir para a transfor-
mação da sociedade em função dos interesses sociais e coletivos.
Os jovens participam de um período de estágio (dois meses) em espaços educativo-cul-
turais como museus, organizações sociais, centros culturais e setores de eventos culturais de
unidades da Fiocruz ou de outras instituições públicas. Para o estágio foram estabelecidas algu-
mas parcerias com instituições de grande visibilidade cultural e política neste território como a
Biblioteca Parque de Manguinhos7, que não apenas proporcionam oportunidades para os jovens,
como também reforçam as iniciativas culturais locais.
Mourão (2014) destaca que a dinâmica de expressão e fruição cultural comunitária con-
tribui para o reforço do tecido social a partir da ampliação das referências comunitárias de per-
tencimento à história territorial e aos fazeres culturais locais: passo decisivo para a ampliação
da participação social e o fortalecimento da democracia e da cidadania.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Plano Nacional de Cultura coloca a integração da cultura com ações de inclusão so-
cial, por meio dos Pontos de Cultura, como um de seus principais objetivos. O Museu da Vida,
recentemente tornou-se um Ponto de Cultura Carioca, integrando-se assim a esta estratégia da
política nacional de cultura. Esta oportunidade ampliou os processos de trabalho e consolida
ainda mais a representatividade e ação do Programa de Produção Cultural do Museu da Vida no
território onde a Fiocruz está inserida.
A cultura no seu sentido amplo, e o enfoque particular na sua expressão e no seu fazer,
possibilita uma ampla gama de reflexões e experiências que podem trazer contribuições sig-
nificativas para os diversos contextos, nos quais os jovens se encontram inseridos. Buscamos
instrumentalizar os jovens para que consigam compreender e participar de forma mais crítica da
sociedade em que vivem.
Vivemos situações onde as emoções se mostram à flor da pele, entendendo que o sorriso
e as lágrimas aparecem juntos e misturados. Estas vivências compartilhadas, no desenvolvimen-
to das atividades educativas oferecidas, criam um movimento de construção compartilhada de
saberes, promovendo a confiança dos jovens em seu potencial criativo, minimizando conflitos,
e também, propondo momentos que possibilitem uma reflexão crítica sobre a realidade e os
seus posicionamentos em relação às situações desafiadoras. Nas rodas de conversa realizadas,
as discussões sobre política, apontaram as dificuldades que encontramos em exercitar a ética
e o respeito às diferenças em situações cotidianas e possibilitaram a ênfase na importância da
participação social para a garantia dos direitos individuais e coletivos.
7
www.cultura.rj.gov.br/espaco/biblioteca-parque-de-manguinhos.
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Essa ação representa uma riqueza de práticas pedagógicas que oportuniza o estabeleci-
mento de novas relações educativas, sociais e culturais. Neste momento estamos construindo
novas parcerias que viabilizem a inserção dos jovens nos equipamentos culturais locais.
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RESUMO:. Este artigo focaliza para as contribuições elaboradas e construídas a partir de nossas
vivências enquanto gestores culturais oriundos do processo de militância do segmento afro-
brasileiro. Bem como de um longo processo de pesquisa acadêmica articulando tais vivências
à legislação pertinente, com o intuito de contribuir efetivamente para a elaboração de políticas
públicas favoráveis à comunidade afro-brasileira, especialmente a alagoana, que detém o marco
do “Quebra de 1912” em sua trajetória de construção identitária.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil do século XXI, muito se tem discutido e problematizado sobre o papel das
Políticas Culturais como instrumento de promoção, incentivo e salvaguarda de manifestações
culturais existentes no país, sobre a distribuição de recursos, eixos de atuação e alcance dessas
políticas. Refletir sobre este campo epistemológico a partir das nossas vivências é importante
1
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas, Mestre em Antropologia pela Universidade
Federal de Sergipe; Assessor Técnico da Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas, Professor das Faculdade Mau-
ricio de Nassau e Raimundo Marinho, membro do CONEPIR, membro do Conselho Estadual de Políticas LGBT,
atua com pesquisa em cultura popular, cultura afro-brasileira, comunidades quilombolas, diversidade, cidadania e
meio ambiente. igorluizcso@gmail.com
2
Possui Pós-graduação em Gestão de Instituições de Ensino Superior (FMN-2009). Pós-graduanda em Educação
em Direitos Humanos e Diversidade (UFAL). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Administração
de Sistemas Educacionais. Atua no segmento de fomento e apoio à produção cultural, membro do Conselho Esta-
dual de Promoção da Igualdade Racial, Membro do Conselho Estadual de Direitos e Defesa da Mulher. Pesquisa-
dora do núcleo Híbrido-UNIT. claudiacult@gmail.com
3
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas; Socióloga/ Pós Graduada em Gestão Pú-
blica e Gestão Cultural pela UFAL; Assessora Técnica da Secretaria de Estado da Cultura, coordenadora da Rede
de Pontos de Cultura de Alagoas, possui pesquisa em cultura popular, religiões de matriz africana e gestão cultural.
natiteles@gmail.com
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para que se possa dialeticamente e na práxis, articular novas perspectivas contributivas para o
desenvolvimento democrático da cultura em suas múltiplas instâncias e lugares.
O Brasil conduzido por suas elites pretendia ser um país branco, “civi-
lizado e europeu. Vivia a contradição de negar mais da metade de sua
população, negra, ex-escrava e indígena, queria industrializar-se, mas
vivia a barbárie de uma escravidão tardia, um capitalismo dependente,
baseada numa economia agroexportadora e enterrada no debate sobre
raça, para excluir e negar o caráter positivo da miscigenação na identi-
dade brasileira, com isso comprometendo o desenvolvimento da Nação.
O final do século XIX e o início do século XX são marcados por efer-
vescências sociais. A exclusão da população negra, numa combinação
entre racismo, discriminação, preconceito e pobreza, torna-se o centro
dos debates sobre o destino da Nação. A solução encontrada foi o ideal
de branqueamento, com base improvável numa ciência infundada. Num
segundo momento pretendia-se estabelecer a cordialidade do “homem”
brasileiro, como fruto e resultado da miscigenação, elementos esses
que vão servir de fundamento à teoria da democracia racial, no inicio
do século XX.
Neste mundo real e simbólico de longa duração, polarizado pela cultura
de origem judaico-cristão que serviu de ideologia do colonizador e ao es-
tabelecimento do estado brasileiro, a cultura afro-brasileira, numa outra
perspectiva, na sua diversidade constitui unidades: nas religiões, nos seus
territórios materializados, nos terreiros de candomblé, nas casas de um-
banda, na culinária, na capoeira, nos clubes negros (encontrados no sul e
sudeste), no samba, no maracatu, e em tantas outras manifestações que se
espalham por todos os cantos do país. (NOGUEIRA e NASCIMENTO:
2012: 70).
Embora tenha já conquistados e assegurados muitos direitos, a população que se autode-
nomina afro-brasileira, ainda passa por um processo incurável de racismo, intolerância e inferio-
rizarão de suas manifestações e práticas culturais que se alastram diariamente, e se apresentam
de forma latente nas redes sociais, meios de comunicação e etc.. Nas palavras de Rossano Lopes
Bastos: “Como falar em inclusão social diante de um abismo que se afirma cada vez maior de-
vido ao racismo e suas formas mais perversas de exclusão?” (Bastos, 2012: 90).
As lutas dos movimentos negros espalhados pelo país foram muito importantes ao longo
de todo século XX, durante a ditadura militar, um campo repleto de limitações de liberdade,
de direitos, os grupos e movimentos são fundamentais para responder positivamente contra os
abusos e absurdos provocados pelos poderio político e militar instaurados no poder desde o
golpe de 64. É nesse movimento contrário que surgem os grupos teatrais, musicais e a primeira
companhia de teatro negra, como forma também de exaltar a negritude e todo um legado cultural
que corre a nação através de uma sociedade marginalizada e excluída.
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Entre nós, como em todas as cidades brasileiras, o feitiço tem uma in-
fluência poderosa na maioria da população e, pouco a pouco, por um
phenomeno social digno de estudo, essa influência decisiva, em vez de
diminuir ou limitar-se a baixa sociedade, ascende às alturas, prepondera
na política. O feitiço decidiu a candidatura do sr.(.....)e, actualmente, o
feitiço prepara a eleição do Dr. Euclides Malta no cargo de governador.
(Correio de Alagoas. Maceió: 21/02/1906. n.331. Ano III. Pág.2)
O Jornal de Alagoas lança a série, intitulada “Bruxaria”, estabelecendo vínculos com as
casas de Xangô, especialmente a de Dona Marcelina, na Praça dos Martírios levantando suspei-
tas de feitiçarias contra os adversários políticos de Malta, como o publicado em 04 de fevereiro
de 1912:
(..) Um bode sacrificado a Oxalá tinha pendurado no pescoço o retrato
do Cel. Clodoaldo da Fonseca (...)Em outras foram achados dois retratos
do Cel Clodoaldo e do Dr. Fernandes Lima, sob um montículo de barro
fedorento e aluminado por quatro velas de sebo. Eis todo o cortejo bes-
tial que cercava e prestava mão forte ao Governo do Sr. Euclides Malta.
(Jornal de Alagoas. “Bruxaria” Maceió, 04/02/1912. Ano V. pág.1)
A oposição política forma o grupo denominado Liga dos Republicanos Combatentes,
chefiada pelo sargento reformado Manoel Luiz da Paz, que objetiva a agitação popular contra o
Governo do Estado. Executando vários atos de perseguição e até mesmo de invasão antes dos
terreiros de Xangô, a Liga perturbou os moradores de Maceió. Tomaram à força residências de
vários políticos, correligionários de Malta. Muitos deles abandonaram seus cargos e fugiram de
Maceió temendo por sua integridade física e de suas famílias. O objetivo dessas ações violentas
aos correligionários de Malta era o de retirá-lo do poder, feito que conseguiram, quando da inva-
são do Palácio do Governo em 29/12/1911. O Governador escapou da invasão e foi refugiar-se
em Recife.
Com o pretexto de que o governador, pessoas ligadas a ele e membros do Partido repu-
blicano Conservador protegiam ou frequentavam as sessões de Xangô. A Liga resolveu então
em nome da soberania, destruir as casas do Xangô alagoano. Foi o próprio Manoel Luiz que
comandou o pior de todos os episódios de rua que Maceió viveu. Contando com a “incorpora-
ção” de alguns militares que estavam insatisfeitos com o salário percebido a Liga fortificou-se
e partiu para o Quebra. À meia noite do primeiro dia de fevereiro começou a perseguição aos
terreiros de Maceió. Os atos foram de barbárie, com os suspeitos sendo surrados, como no tem-
po da escravidão, seus corpos foram arrastados pelas ruas como demonstração de força da Liga.
Os primeiros terreiros a serem invadidos foram os de Chico Foguinho, de João Funfun,
Pai Aurélio e Tia Marcelina, todos na proximidade da Praça Sinimbú. A invasão que mais cho-
cou a comunidade afrodescendente foi a do terreiro de Tia Marcelina.
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Era no terreiro dela que, diziam os adversários de Malta, o Governador contava com a
ajuda dos trabalhos de magia. Tia Marcelina, africana, negra da costa, como era chamada. So-
bre Tia Marcelina, podemos ressaltar o que nos relata Abelardo Duarte: “Era em Maceió uma
espécie de Menininha do Gantois na Bahia. Fora contemplada com a coroa de Dadá, irmão mais
moço de Xangô, na liturgia africana; da África proviera à distinção que a sagrara.” (DUARTE,
1974, p. 19)
A mais famosa dona de terreiro de Maceió, após encerrar o rito festivo a Oxum, teve sua
casa invadida, seus filhos-de-santo agredidos, e ela, teve a cabeça aberta com um golpe de sabre,
seu corpo caiu ao chão banhado em sangue, vindo a falecer dias depois.
Segundo informações do Babalorixá M.M, enquanto era agredida, Tia Marcelina clama-
va gemendo, por Xangô ‘Kaô Kabecilé4’, não por ser filha de Xangô, mas por ser ele o Orixá
da justiça. Contou-nos também o Babalorixá que após algum tempo o algoz de Tia Marcelina
foi secando, primeiro secou-lhe a perna, depois o corpo todo e vindo a falecer. Manoel Martins
que havia trabalhado com Malta, também teve seu terreiro invadido pela ação da Liga, todos
sofreram agressão e o pai-de-santo teve seu cavanhaque arrancado com epiderme e tudo. Vários
chefes de terreiros sofreram as atrocidades em nome da soberania.
Os objetos, apreendidos pelos membros da Liga nas invasões eram expostos ao escárnio
em desfile pelas ruas de Maceió. Após a cerimônia de zombaria, os pertences desapossados dos
Xangôs eram levados para a sede daquela associação onde permaneceram por algum tempo.
Algumas peças de Legba foram levadas para a redação do Jornal de Alagoas e expostas por
vários dias. Muitos dos pertences dos terreiros de Xangô foram desviados, como as joias, que
desapareceram, já os panos usados nos cultos, os ilús e os atabaques, foram queimados na via
pública, como prova de poder. Sobre o desaparecimento das joias, Abelardo Duarte nos relata:
Ao que parece, muitas peças e objetos daqueles cultos foram fetichistas
perderam-se ou foram desviados (...)pulseiras e braceletes de ouro e de
prata, colares de coral, anéis de ouro cravejados de pedras semi-precio-
sas, roubados não se sabe por quem, e de paradeiro até hoje desconheci-
do. (DUARTE, 1974, p. 11).
Na sequência, as peças foram oferecidas pela Liga dos Republicanos Combatentes à
Sociedade Perseverança e Auxílio dos Empregados do Comércio de Maceió. Esse fato resguar-
dou os restos mais importantes de peças e objetos dos cultos de Xangô existentes em Maceió.O
Quebra de Xangô em Alagoas foi a maior perseguição realizada no Brasil aos cultos de origem
africana. E não se limitava somente ao âmbito da Liga, várias ações oficiais ocorreram com os
mesmos moldes, as milícias atuavam em nome do governo por todo o estado de Alagoas. O
silêncio dos ilús e dos atabaques imperou.
4
Saudação ao Orixá Xangô.
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Os remanescentes dos Xangôs voltaram a realizar os cultos aos Orixás, com uma forma-
tação diferenciada, sem o som dos ilús e dos atabaques Essa nova maneira de praticar a religião
afrodescendente foi chamada de “Xangô rezado baixo”. Sobre a nova forma de expressão do
Xangô, destacamos a observação de Gonçalves Fernandes:
Ninguém podia suspeitar o que se passava no interior daquelas casas
simples, de arquitetura tosca e fachadas humildes, mas que conserva-
vam em suas salas apertadas um rico oratório trabalhado em madeira,
onde se guardavam imagens inofensivas de santos católicos, mas aos
quais os fiéis consagravam orações em língua africana. Esses cultos re-
alizavam-se sem música, sem danças, sem toadas (...)sem a presença de
objetos litúrgicos que sempre foram a marca desse tipo de cerimônia.
(FERNANDES, 1941, p. 28)
O governo do estado de alagoas em um ato de reconhecimento às atrocidades cometidas
à época do Quebra, levou o então governador Teotônio Vilela Filho na entrega da Comenda
Zumbi dos Palmares, em 19 de novembro de 2012 a pedir perdão ao povo de matriz africana
do estado. Tal ato teve como ápice a entrega da Comenda à Yalorixá Mãe Neide Oyá D’Oxum,
primeira mulher sacerdotisa de matriz africana a ser aclamada por políticos, oriundos daqueles
que mataram seus ancestrais em 1912.
Na mesma perspectiva de reparação e objetivando atender à demanda imposta pela le-
gislação, em 29 de novembro de 2013, o governo do estado criou o Conselho Estadual de Pro-
moção da Igualdade Racial – CONEPIR, órgão colegiado paritário, de caráter deliberativo e
integrante da estrutura básica da Secretaria da Mulher e dos Direitos Humanos que tem por
finalidade propor em âmbito estadual, políticas de promoção da igualdade racial, com ênfase na
população negra, nas comunidades quilombolas, nas comunidades indígenas, nas religiões de
matriz africanas e outros segmentos étnicos da população alagoana, com o objetivo de combater
o racismo, o preconceito e a discriminação racial e de reduzir as desigualdades raciais, inclusive
no aspecto econômico e financeiro, social, político e cultural, ampliando o processo de controle
social sobre as referidas políticas.
Composto de forma paritária por 26 membros e, como previsto no seu Capítulo II, Art.
3º O Conselho Estadual de Promoção de Igualdade Racial - CONEPIR será composto por 26
(vinte e seis) membros titulares com seus respectivos suplentes que demonstrem comprometi-
mento e\ou sensibilidade com o combate ao racismo e a defesa da igualdade racial, nomeados
pelo Governador do Estado. Os 13 membros do Poder Público representam: Secretaria de Esta-
do da Mulher e dos Direitos Humanos, Secretaria de Estado da Defesa Social e Ressocialização,
Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social, Secretaria de Estado da Saúde,
Secretaria de Estado da Educação, Secretaria de Estado de Políticas sobre Drogas, Secretaria
de Estado da Cultura, Gabinete Civil, Universidade Estadual de Alagoas, Instituto de Terra de
Alagoas, Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e Assembleia Legislativa
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5
O escrito produzido sobre o dia 08 de dezembro é fruto de um longo processo de acompanhamento das festivida-
des que homenageiam a Rainha do Mar. Desde a graduação em Ciências Sociais, pela UFAL que temos participado
de pesquisa de campo objetivando a coleta dos dados acima expostos.
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Com a crescente demanda por parte de religiosos optantes pelas religiões neo-pentecos-
tais, especialmente os ligados à IURD, vários conflitos vem acontecendo no dia 08 de dezembro.
Para a comunidade de terreiro a manifestação de cultos conflitantes com as atividades já sacrali-
zadas pelos religiosos de matriz africana é uma perseguição aos moldes do Quebra de 1912. No
ano de 2010 houve um enfrentamento que quase causou intercorrências graves, com agressões
físicas que iniciaram com os seguranças dos religiosos neo-pentecostais. Em ato orquestrado po-
liticamente os evangélicos pleitearam a ocupação da praia da Pajuçara, o poder público, através
dos órgãos licenciatórios municipais, concedeu a utilização por parte da categoria de religiosos
evangélicos, em detrimento aos praticantes de religião de matriz africana que, historicamente,
ocupam as praias nos últimos 70 anos.
Em 2015 o movimento de religiosos com o apoio do CONEPIR, acionou o poder públi-
co, através de ação no Ministério Público Estadual para garantir a realização dos seus ritos. A
ação teve início quando, um dos líderes de matriz africana buscou autorização para o fechamen-
to da avenida para a realização de uma carreata em saudação à Iemanjá e contra a intolerância
religiosa no estado. No que foram prontamente atendidos pelo poder público que interviu de
maneira a dirimir os problemas que pudessem ser causados em um conflito direto. Tal ação
originou-se porque os evangélicos solicitaram do mesmo órgão licenciado, a realização do ato
Maceió de Joelhos, no mesmo dia e local que os rituais são praticados pelos religiosos de matriz
africana. Após uma verdadeira batalha jurídica, que contou com advogados de peso no estado,
praticantes ou não da religião de matriz africana, além do apoio da igreja católica e de alguns
representantes da Igreja Batista em Maceió, o movimento religioso e os seus representantes ob-
tiveram a autorização para realizar a carreata, como também a garantia da permanência na praia
da Pajuçara até a meia noite do dia 08 de dezembro6.
Como desmembramento dessas ações ocorridas no ano de 2015, o movimento afro-bra-
sileiro em Alagoas, lança a proposta para fazer do dia 08 de Dezembro, uma data tombada como
Patrimônio Imaterial de Alagoas e assim, assegurar de forma legitima as festividades que vão
ocorrer nesta data a partir deste momento. O processo de tombamento é realizado pelo Conselho
Estadual de Cultura, vinculado a Secretaria de Estado da Cultura. Vale ressaltar que é um pro-
cesso longo e que precisa de pesquisas, relatórios e comprovações que assegurem a importância
histórica, cultural e social do dia para a sociedade alagoana. Nesse sentido, mais uma vez o po-
der público, e as esferas governamentais se vêem obrigados a intervir e dar respostas plausíveis
a população negra do Estado, como forma de assegurar os princípios constituintes.
Também em 2015, o movimento negro e os religiosos de matriz africana solicitaram ao
CONEPIR que atuasse de forma a diminuir os casos de intolerância religiosa que estavam ocor-
6
Os relatos a cerca do dia 08 de dezembro sobre as constantes batalhas judiciais, são baseados na nossa experiên-
cia enquanto militante do movimento afro-brasileiro, enquanto líder religiosa e membro titular do CONEPIR
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rendo nos quilombos alagoanos. Através de denúncias feitas para os representantes do Conselho,
do caso de expulsão de uma mulher quilombola de sua comunidade por ser praticante de religião
afro-brasileira, como também a liderança do quilombo do Muquém, estava sofrendo insultos em
sua porta, por participar do Xangô do Nordeste. A partir dessa solicitação, o CONEPIR acionou
seus parceiros e realizou o 1º Encontro de Comunidades Quilombolas e Povos Tradicionais de
Terreiro de Alagoas, no quilombo de Muquém. Representantes das mais diversas regiões parti-
ciparam do encontro, estudantes, religiosos, quilombolas do sertão alagoano e da capital se des-
locaram para a cidade de União dos Palmares para uma imersão cultural de grande importância.
Observamos que o grande interesse da sociedade alagoana em participar do evento cons-
tituiu, sobretudo em contribuir para a promoção de políticas públicas que minimizem as ques-
tões de intolerância. Foram abordados vários temas dentro do encontro que durou dois dias. Os
objetivos do encontro versaram sobre propiciar e fortalecer o sentimento da pertença cultural
das comunidades quilombolas e povos tradicionais de terreiro de alagoas, fomentar estratégias
culturais para a preservação do bem imaterial produzido nas comunidades, desenvolver estra-
tégias para a construção e consolidação de redes de proteção social para a população negra,
particularmente aos jovens que consolidem na construção de estratégias coletivas para viabilizar
a referida rede.
Em 2016, o 2º Encontro de Comunidades Quilombolas e Povos Tradicionais de Terreiros
de Alagoas já está sendo organizado, debatido, com um formato que possa contemplar ainda
mais as comunidades quilombolas espalhadas em todo o estado, bem como o maior numero de
terreiros. Em uma ação de aproximação ainda maior com o movimento negro, a Secretaria de
Cultura do Estado de Alagoas, através da Superintendência de Identidade e Diversidade Cul-
tural, colocou como uma ação estratégica no planejamento de 2016, o 2º Encontro, garantindo
assim recursos necessários para a sua execução, bem como a participação de outros setores do
governo nesse processo de fortalecimento de políticas.
Nesse primeiro momento, tentamos construir uma analise baseada nas ações oriundas do
movimento afro-brasileiro em Alagoas e que depois de muita luta e reivindicações são absorvi-
das, em partes, pelos órgãos governamentais, como forma estratégica de apaziguar os ânimos
sem que mexa nas estruturas hierarquizantes do Estado, predominando ainda, a política cliente-
lista, patriarcal e de exclusão. Assim, o movimento continua gritando pelos direitos, pela igual-
dade e pelo respeito as suas crenças e tradições. Por isso é importante a construção e a efetivação
do Plano Nacional de Cultura, bem como o plano setorial para cultura afro-brasileira, como
fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade mais igual e que todos e todas possam
se beneficiar das produções culturais realizadas e fomentadas por eles próprios, como condição
básica de demarcação de suas identidades.
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de todos, e não apenas do Governo Federal, para que seja possível realizar as ações e alcançar
as metas.
O Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) também é responsável por esse mo-
nitoramento. Sendo usados indicadores nacionais, regionais e locais que mostrem a oferta e a
demanda por bens, serviços e conteúdos, além de indicadores de nível de trabalho, renda, acesso à
cultura, institucionalização, gestão cultural, desenvolvimento econômico-cultural e de implanta-
ção sustentável de equipamentos culturais. Por isso, o Sistema Nacional de Informações e Indica-
dores Culturais (SNIIC), gerenciado pelo MinC, é fundamental nesse processo. O Plano baseia-se
em três dimensões de cultura que se complementam: a cultura como expressão simbólica; a
cultura como direito de cidadania; a cultura como potencial para o desenvolvimento econômico.
Além dessas dimensões, também se ressalta no PNC a necessidade de fortalecer os proces-
sos de gestão e participação social. Esses tópicos estão presentes nos seguintes capítulos do Plano:
(i) Do Estado, (ii) Da Diversidade, (iii) Do Acesso, (iv) Do Desenvolvimento Sustentável e (v) da
Participação Social. Além disso, o Plano é composto de 36 estratégias, 274 ações e 53 metas.
Os Planos Setoriais Nacionais têm como objetivo garantir que as especificidades pró-
prias de cada setor da cultura sejam observadas e atendidas pelas políticas públicas.
Plano Nacional de Cultura está comprometido com o fortalecimento de políticas especí-
ficas para os setores. Isso está expresso em suas ações e metas, a saber:
Ação 2.2.1 Formular e implementar planos setoriais nacionais de linguagens artísticas
e expressões culturais, que incluam objetivos, metas e sistemas de acompanhamento, avaliação
e controle social. (Lei n°12.343/2010: Anexo, Capítulo II)
Meta 46 – 100% dos setores representados no Conselho Nacional de Política Cultural
com colegiados instalados e planos setoriais elaborados e implementados. (Metas do PNC, 2011).
A formulação dessas políticas deve estar baseada em processos de consulta e participa-
ção da sociedade, como expresso no objetivo XIV do PNC (Artigo 2º, Lei 12.343/2010), o que
reforça a necessidade de que o processo de elaboração e de tomada de decisão dos Planos Seto-
riais seja estruturado num amplo sistema de discussão e reflexão coletiva sobre a atual situação
de cada setor. Dentre os 19 setoriais que fazem parte do Plano Nacional de Cultura, apenas 09
possuem seus planos setoriais. Entre os que ainda não possuem, está o de Cultura Afro-Brasileira.
A elaboração do plano nasce das demandas dos diversos setores que compõe o segmento
afro, que estão debatendo e ampliando a participação, elaborando propostas para que políticas
públicas sejam efetivadas, mas por que o plano não foi consolidado? Embora se saiba que por
meio da fundação Palmares, muito já se conseguiu realizar, em termos de ações afirmativas, reco-
nhecimento de patrimônio imaterial, eventos temáticos e a valorização das expressões culturais.
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3. NOTAS CONCLUSIVAS
Nossa contribuição para a efetivação das políticas públicas lançadas pelas mais diversas
esferas do governo, uma vez que cabe à Secretaria de Estado da Cultura, ampliar os princípios
que são postos pelo Ministério da Cultura, em consonância à Constituição Brasileira em seus
artigos 215º e 216º, que asseguram o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, apoiando e incentivando a valorização e a difusão das manifestações culturais
e que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, toma-
dos individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, tais como indígenas, comunidades
quilombolas e povos tradicionais de terreiros, tem sido cotidianamente uma batalha para que,
possamos incorporar o conhecimento adquirido dentro da esfera acadêmica e na militância, com
o aprendizado que é trabalhar em uma instituição que gere as questões culturais no estado.
Tendo em vista que estamos situados em um estado que vem de uma longa tradição de
domínio da elite coronelista branca patriarcal, em detrimento à população negra que original-
mente constituiu a formação sócio histórica do estado e que, ainda é o principal alvo de políticas
excludentes, discriminatórias e violentas, nossas ações devem e são construídas a partir de um
longo e cansativo diálogo com os gestores.
O que se torna claro hoje em dia, é que muitas pesquisas realizadas pelos pesquisadores
das áreas de humanas, estão mais ligadas à temas de interesses do cotidiano, das militâncias po-
líticas, de gênero, sexo, religião, juventude, violência, da promoção e sensibilização para os di-
reitos sociais, culturais, pela busca de políticas públicas que construam a valorização da diversi-
dade cultural, das múltiplas sociabilidades e realizações. Como propõe Eunice Durham (2004):
“Estamos em suma, produzindo uma nova e intrigante etnografia de nós mesmos” (2004:14).
O pesquisador no cenário atual deve estar buscando dialogar mais com o campo, com as
necessidades do campo, com a astúcia militante inerente a todo individuo como um “Animal po-
lítico”. Assim para Michel Agier: “Esse lugar do antropólogo pode ser definido de duas maneiras:
primeiro, é claro, como um lugar social negociado na situação de investigação a partir da qual
se pode conceber o engajamento crítico do pesquisador, como expos alhures; em seguida, como
lugar intelectual, no sentido de que o antropólogo tem necessidade, hoje em dia, de ferramentas
teóricas atualizadas para dar conta da relação contemporânea entre identidade e cultura”. (p.07).
O lugar de onde escrevemos este trabalho está situado em relações complexas, de jogos
de poderes em que ainda perpetuam velhas práticas políticas, de ideologias de dominação e
segregação, de escolhas baseadas nos padrões patriarcais e de elites brancas, que promovem
“um resgate” da cultura popular, “resgate” das manifestações da cultura afro-brasileira, situando
muita das vezes, esses “resgates” nos interesses políticos.
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RESUMO: O presente estudo apresentar dois programas de ensino de música em São Paulo, o
Programa Vocacional e o Projeto Guri, estabelecendo um diálogo com o projeto da Orquestra
de Instrumentos Nativos do boliviano Cergio Prudencio apresentado no livro “Hay que caminar
sonando”. Neste estudo buscaremos descrever e analisar as propostas enquanto políticas públicas
para a música e ações de incentivo à musicalização de jovens, observando as propostas em diálogo
e pensando em meios de proporcionar um melhor aproveitamento dos programas paulistas.
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3
“ O problema está em querer sobreviver musicalmente com base num trabalho feito por outros e em outros tem-
pos”.
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social que se pretende chegar e é por meio desse novo olhar que a musicalização contemporânea
e o ensino de música para crianças e jovens deve ocorrer. Prudencio descreve que o trabalho deve
ser realizado inicialmente por um desenvolvimento técnico, desenvolvimento da infraestrutura e
também com formação e capacitação do elemento humano. Fala da importância da investigação
da música indígena, base cultural de todos os países latinoamericanos e como a partir dessas
tradições poderão criar novas sonoridades locais.
A proposta criada para este novo projeto musical deve se alimentar da pesquisa de
musica regional popular, mas com autonomia de criação. Ele acredita que estes novos processos
de criação e produção musical tem grande importância na questão da “libertação nacional”,
perante uma nova atitude de defesa da personalidade cultural local na construção de uma
sociedade nossa. Isto é, para ele, esta nova geração de músicos e de estéticas musicais criadas
com referências musicais regionais pode gerar uma força não apenas regional, privilegiando a
diversidade estética de cada cidade, estado ou país, mas também num processo emancipatorio
de identidade nacional. A busca pelo ensino, pesquisa e por uma música autoral, própria, com
elementos locais é para Cergio Prudencio uma forma de empoderamento.
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Por outro lado, podemos observar duas lacunas nesta metodologia. Primeiro, estes instrumentos
não pertencem ao patrimônio público paulista, o que nos permite pensar que não há uma garantia
de continuidade do programa, bem como considerá-lo uma política pública para música. Em
segundo lugar, não há a possibilidade dos alunos do programa levarem os instrumentos musicais
para casa e continuarem suas práticas fora do ambiente de aulas.
No plano municipal, a dificuldade em relação aos instrumentos musicais é ainda maior.
A compra e manutenção de equipamentos e instrumentos musicais para o programa Vocacional
Música ainda é um obstáculo, pois boa parte dos equipamentos estão diretamente vinculado a
duas secretarias municipais numa gestão compartilhada, a da Cultura e da Educação. Porém
os diversos relatos de artistas-orientadores na revista Vocare demonstram que a criação e a
produção musical acontecem por meios alternativos como instrumentos em sucata, gravação
em computadores das bibliotecas, ou mesmo com o uso de instrumentos e equipamentos de
vocacionados e artistas-orientadores.
Coincidentemente ou não, parte das aulas do Projeto Guri na cidade de São Paulo acontecem
nos mesmos espaços em que acontecem as experiências musicais do Vocacional Música, nos CEUs
(Centro de Artes e Esportes Unificados). “A gestão dos CEUs é compartilhada entre as prefeituras
e a comunidade, com a formação de um grupo gestor, que fica encarregado de criar um Plano de
Gestão, e também conceber o uso e programação dos equipamentos”7 (site CEU)
Ao pensarmos que os programas utilizam o mesmo espaço e buscam como princípio
fundamental a musicalização, o diálogo entre os dois programas poderia ser naturalmente
possibilitado e incentivado por seus gestores. Os CEUs enquanto instituição de parceria entre
sociedade civil, governo e prefeitura também poderiam incentivar o diálogo entre os programas
bem como a troca artística entre seus participantes. Porém, de acordo com relatos dos artistas-
orientadores do Vocacional, isto infelizmente não ocorre. Além dos programas serem geridos
por diferentes entes federados, as diferenças político-partidárias, bem como as diferentes
metodologias de ensino, mantém os projetos separados ainda que dividam os mesmos espaços.
Ao retornarmos à experiência de Cergio Prudencio na criação da Orquestra de Instrumentos
Nativos, percebemos que nos processos de musicalização é possível pensar em alternativas para
a produção de música, como a construção de instrumentos. Esta possibilidade é utilizada no
Vocacional Música, não apenas como uma alternativa, mas como uma necessidade, visto que
entre os vocacionados de música, muitos deles não tem condições financeiras de comprar um
instrumento musical e os do Projeto Guri não são compartilhados com o Vocacional.
Um dos relatos trazidos na Revista Vocare que conta a trajetória de Edison Pereira, 52 anos,
atualmente em situação de rua, ilustra bem este panorama e como as dificuldades são superadas.
7
Sobre os CEUs. Disponível em: < http://ceus.cultura.gov.br/index.php/home/o-programa> acesso em 13 de julho
de 2015
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“Sua vivência na rua, como sua profissão de coletor de materiais recicláveis, se faz presente em
suas composições. Edison traz a ideia de reciclagem estilística e sonora para as suas composições,
através de uma liberdade harmônica, melódica e rítmica.” (Revista Vocare, 2013, p. 16)
Por quase não terem instrumentos para uso, os vocacionados “improvisam” suas
experiências, principalmente utilizando a tecnologia disponível nos computadores dos CEUs.
A composição musical coletiva de diversos grupos só foi possível através do uso de softwares
de música. Esta nova modalidade digital musical proporcionou uma extensa produção aos
vocacionados, principalmente para os interessados no RAP8.
Acompanhando uma orientação de Fernando Diniz, no extremo sul de
São Paulo. Ele buscou aproximar a música das realidades vividas por
seus vocacionados em suas comunidades, trazendo para a orientação
três canções que se relacionam com o trânsito caótico vivenciado
diariamente na estrada M’ Boi Mirim: A ponte (Lenine e GOG), Da
ponte pra cá (Racionais MCs) e Triunfo (Emicida). (Revista Vocare,
2013, p. 64)
Os vocacionados participam não apenas de composições de novas músicas, mas
aprendem um pouco da chamada “Cultura remix” tão comum na criação musical do RAP.
Desta forma ressignificam a cultura periférica a partir de seus olhares experiências e histórias
de vida. Seja uma produção nova para o movimento Hip Hop de São Paulo, seja uma canção
do coral das senhoras da terceira idade de uma biblioteca, seja o grupo de adolescentes que
tocam violões nas tardes após a escola, o Vocacional atua com poucos equipamentos mas com
muita criatividade. O programa busca em cada vocacionado a nova música do fundo da alma
e com seu tom territorial. A música urbana de São Paulo ganha novas possibilidades ao ser
pensada como processo dialógico de troca cultural e empoderamento periférico. O mesmo
empoderamento social e identitario que Prudencio buscou em seus meninos da Orquestra de
Instrumentos Nativos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas públicas de música no Brasil, mais especificamente em São Paulo, assim
como mostrou Cergio Prudencio, deveriam não apenas pensar em alternativas e novos modos de
incentivar a musicalização, mas sim buscar meios de otimizar equipamentos, ampliar o diálogo
entre os programas dos diferentes entes federados, bem como pensar em novos modos de
produção musical, com a inclusão da produção digital de música num projeto mais conservador
como o Guri.
8
O RAP (Rhythm and Poetry) é um dos quatro elementos do movimento Hip-Hop que se completa com outras
linguagens como a dança dos B-Boys, o improviso e a arte dos MCs e o grafite. O movimento Hip-Hop paulistano
é conhecido com um dos mais importantes do país.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Neste caso vemos claramente a ação de Organizações Não Governamentais e Laboratórios Farmacológicos In-
ternacionais divulgando, via internet, campanhas de defesa do território da Amazônia como área livre de interesse
mundial. Alegando, além de sua diversidade biológica, a não condição do governo brasileiro em implementar polí-
ticas de proteção desta área do nosso território.
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Vale lembrar que a autonomia é uma tendência inerente às organizações lineares e burocratizadas civis e militares,
constituindo-se em permanente desafio para o controle político. Ela não é, portanto, um problema apenas militar.
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as suas ações. Por conseguinte, “a harmonia entre as entidades militares e as civis deverá
ser total”, com seus integrantes interagindo em ambiente de cortesia recíproca e irmanados para
atingir os anseios do povo brasileiro. (ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO. Portaria n°615 de
29/10/2002. Grifo nosso)
A preocupação em criar uma diretoria voltada para cultura é interpretada por nós como
um projeto de aproximação, melhor, ocupação de um espaço na sociedade brasileira ligado
no campo cultural. As medidas tomadas por essa diretoria e os vários convênios firmados são
resultados dos contatos das tradições castrense e civil. A preocupação em estabelecer uma
imagem acadêmica e científica é o resultado da bricolage dos elementos destas duas tradições. Ou
melhor, há no Exército a busca por um perfil mais próximo dos centros de cultura, estabelecendo
diretrizes e novos valores para o ensino e a cultura castrense.
Vemos claramente todas essas ações como esforços de participar do desenvolvimento
cultural do país, como integrante do Sistema Cultural Nacional. De maneira a projetar a
imagem do Exército a partir dos seus valores culturais. Entendemos essa projeção de imagem
como uma atualização de sua identidade cultural, adequando-se aos novos tempos. Uma vez
que consideramos que a identidade é construída a partir das relações e não estritamente de sua
organização institucional, o campo cultural será formador de fronteiras, em que as relações com
a sociedade civil se estabelecerão possibilitando a atualização de sua identidade, a partir das
apropriações de novos elementos.
2. CONCLUSÃO
A partir dessas breves considerações sobre a legislação pertinente à Política Cultural do
Exército e ao seu Sistema Cultural podemos identificar o esforço do Exército Brasileiro em buscar
um espaço no cenário cultural do Brasil. O Exército se reconhece como fundamental na dinâmica
da vida do país e compreende o Sistema Cultural como canal perene e fértil de sua comunicação
com outros setores da Sociedade Brasileira, em particular com as demais Forças e com o Sistema
Internacional. Além disso, vê a atividade cultural como influente estímulo ao patriotismo e ao
orgulho pela nacionalidade, pois como parte da História do país possui um rico patrimônio
histórico e artístico cultural nas organizações militares (OM), que devem ser divulgados.
Além disso, como a própria portaria que regula o Sistema Cultural do Exército define,
os objetivos de suas ações são de prever, em simultaneidade com as ações de preservação do
patrimônio, a pesquisa histórica e a divulgação, mecanismos de influência intelectual sobre o
público interno e externo, num processo contínuo de desenvolvimento e aperfeiçoamento
de mentalidade coerente com a realidade social do País e com a evolução da humanidade.
O Exército é parte da Sociedade Brasileira, por ela criado e nutrido, e para ela são dedicadas
as suas ações. Por conseguinte, a harmonia entre as entidades militares e as civis deverá
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ser total, com seus integrantes interagindo em ambiente de cortesia recíproca e irmanados para
atingir os anseios do povo brasileiro.
Vemos claramente todas essas ações como esforço de participar do desenvolvimento
cultural do país, como integrante do Sistema Cultural Nacional. Com isso, procura-
se projetar a imagem do Exército a partir dos seus valores culturais. Entendemos essa
projeção de imagem como uma atualização de sua identidade cultural, adequando-se aos novos
tempos, uma vez que consideramos que a identidade é construída a partir das relações e não
estritamente de sua organização institucional. A identidade cultural do Exército está expressa
como consequência e não como um objeto dado. Sua formação é a partir do patrimônio material
e imaterial, e como uma consequência dele. A Instituição em determinado momento de seu
desenvolvimento, o elege como elemento que deve ser conservado como valor que transcende
seu simples uso (ARJONA, 11-19).
A aproximação com os espaços civis de cultura e seus projetos, que influenciaram
diretamente na política cultural do Exército, estabeleceu espaços de fronteiras.
As fronteiras são os lugares onde as comunidades são diásporas e os limites não
imobilizam, mas, curiosamente, são atravessados. Frequentemente, é nas regiões fronteiriças que
as coisas acontecem: a hibridez e a colagem são algumas das expressões usadas para identificar
qualidades nas pessoas e em suas produções (BARTH, 1969).
O conceito de fronteira nos remete a outras possibilidades de análise do processo de
construção da política cultural do Exército. Ao considerar as relações estabelecidas entre o
Exército e as instituições culturais civis um espaço de fronteira é preciso dizer que esta interseção
conduz a uma nova identidade da instituição, ou seja, para nós sua identidade é fluida e se
estabelece a partir de suas relações e não estritamente sua organização institucional.
Nesta perspectiva, a criação de um órgão para gerenciar e normatizar a cultura do
Exército foi fundamental na aproximação com a sociedade civil. O projeto seria a apropriação de
elementos da política cultural das instituições civis, no intuito de construir uma nova identidade
cultural do Exército Brasileiro. A partir desta nova identidade a instituição ocuparia uma posição
mais dinâmica no cenário sócio-político do país. A construção desta identidade está sendo feita
a partir dos esforços em modificar o ensino, modernizando-o, pois, como mencionamos, para
ter seu discurso reconhecido é necessário que ele seja proferido por agentes qualificados, pois
só assim tornar-se-á legítimo no campo em que busca exercer o poder. A superação da perda
do espaço político pelo ganho do espaço cultural será base de todo esse processo de formação
de fronteiras, inserção de novos elementos em sua cultura, construindo uma teia de princípios
norteadores de uma nova identidade, cujos interesses principais serão os da construção de uma
memória associada à valorização da cultura e do ensino.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LEGISLAÇÃO
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,
1988.
DECRETO PRESIDENCIAL nº 99.735, de 27 de novembro de 1990.
ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO. Portaria n°615 de 29 de outubro de 2002.
___. Decreto nº 84.608, de 31 de março de 1980.
___. Portaria nº 061 de 19 de dezembro de 1986.
LEI COMPLEMENTAR n° 97 de 9 de junho de 1999.
LIVROS E ARTIGOS
ARJONA, Marta. Patrimônio cultural e identidade. Havana: Editorial Letras Cubanas, 1986.
BARTH, F. Ethnics Groups et boundaries. The social organization of culture difference. Bost: Little
Brown, 1969.
CARVALHO, J. M. Pontos e Bordados. Escritos de História e Política. Minas Gerais: UFMG, 1999.
CHAGAS, M. Memória política e política de memória. In: ABREU, R. e CHAGAS, M. Memória e
Patrimônio: Ensaios Contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina, 2003. p. 137-166.
FLORES, Mário César. Bases para uma política militar. São Paulo: UNICAMP, 1992.
OLLIVEIRA, Eliezer Rizzo. O presidente, o congresso e a defesa nacional. Correio Popular, 25-6,
1996.
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RESUMO: O campo das políticas públicas tem como um dos seus desafios a multiplicação
das fontes e aumento dos seus recursos e, para tal, aguarda definições a respeito de vinculação
constitucional de recursos tributários. O texto que segue discute outra parte do desafio do
financiamento que é a organização da sua gestão. Também discute a necessidade de consolidação
de um orçamento único por esfera de governo, a definição de fundos próprios sob a deliberação
de conselhos de cultura setoriais. Para tal, vislumbra a também necessária discussão do escopo
de financiamento da cultura, sua abrangência e de classificações orçamentárias adequadas a
processos de deliberação e accountability.
1. INTRODUÇÃO
A cultura é fluida, móvel e localizada no tempo e no território. Pode-se dizer que seus
dinamismos não são abstratos e nem anteriores às relações sociais e institucionais, mas que são
constitutivos, isto é, se expressam ou que são dimensões das relações cotidianas, estas, por sua
vez, mais ou menos formais ou institucionais.
Nossa intenção é explorar a cultura como objeto de política pública. Evidentemente, a
cultura seguirá sua trajetória de forma inabalável, continuará fluida, móvel e localizada, inde-
pendentemente do que possamos dizer. Continuará sendo parte das instituições e do cotidiano.
Continuará sendo dimensão ou adjetivando a economia (economia da cultura), a política (cultura
política, cidadania cultural) e o simbólico (artes, culturas comunitárias e identidades coletivas)
ou permanecerá em suas formas objetivas e subjetivas. Nada do que possamos dizer demoverá
1
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília, Assistente de Pesquisa do Ipea. irminawalczak@
gmail.com
2
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesqui-
sa Econômica Aplicada (IPEA) e professor do Mestrado em Direito e Políticas Públicas, UNICEUB/Brasília. fred-
erico.barbosa@ipea.gov.br
3
Mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília, Assistente de Pesquisa do Ipea. jvelososa@gmail.com
949
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a cultura dos seus caminhos. Entretanto, gostaríamos de manter a ideia de cultura como objeto
de política pública, mas também discutir um sentido literal para as políticas culturais setoriais.
Queremos asseverar exata e literalmente o que significa dizer que as políticas culturais
são parte de uma política setorial. Em nossa discussão propomo-nos a enfrentar um conjunto de
questões e articulá-las em torno de saber como as políticas públicas funcionam. Assim, ao que
parece, ao resolvermos essa discussão, resolvemos uma parte de problemas que tem interesse
intrínseco para os atores, mas que são falsos problemas, pelo menos na perspectiva muito parti-
cular na qual pretendemos elaborá-los. Antes de tentar resolver o problema é necessário formu-
lá-lo de forma mais definida. Não desejamos voltar à discussão dos conceitos de cultura, por ser
em grande parte já reconhecida, mas passamos por duas abordagens, legitimismo e pluralismo
que nos permitirá uma primeira aproximação do tema da política cultural como política setorial,
autônoma e especializada.
4
Williams, Raymond. Marxism and literature. Oxford, New York: Oxford University Press, 1978, p.13.
950
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por Lima (2013) o fomento à cultura popular e comunitária5. Acrescentamos que a discussão a
respeito da democracia cultural, políticas culturais de vizinhança, política culturais comunitárias
carecem de discussões mais elaboradas. Muitos são os instrumentos de para a cultura popular e
comunitária, se consideramos as comunidades afrodescendentes, ribeirinhos, extrativistas etc.,
o fomento será um instrumento limitado.
Seja como for, considerando a ideia de cultura legítima e pluralista, também podemos
ter diferentes modalidades de políticas culturais, mas nos limitamos, por economia, aos tipos
diretamente marcados6. Uma modalidade de política está orientada para a promoção do acesso à
cultura legítima a um maior número de pessoas, para que esse tipo de produção não se mantenha
restrito às elites. A outra, que se originou de críticas dirigidas à democratização, reconhece que
existe uma pluralidade de produções culturais, sejam elas populares ou comunitárias, que são
igualmente legítimas e importantes, e que é um direito participar desses processos culturais.
No Brasil, os direitos culturais, de acordo com a Constituição de 1988, referem-se ao
direito de produzir, fruir, transmitir bens e produções culturais e reconhecer formas de vida7. Vol-
taremos a essa questão à frente. Por enquanto, assinalamos que não apenas as artes mas também
a cultura do cotidiano são objetos de política cultural, ou seja, as formas e condições de vida,
as formas de participação, expressão e criatividade no contexto social – concepção essa que se
aproxima daquela de cunho antropológico e converge com as políticas de democracia cultural.
As ações públicas produzem referencias setoriais na medida das relações e representações
produzidas pelos atores. Alguns recolocam as questões e modificam os sentidos propostos pela
Constituição, propondo novos instrumentos de ação e focos. Essas proposições tanto significam
ajustamentos como antecipações de novos sentidos, nem sempre compartilhados em paradigmas
de políticas, mas articulando novas significações, foi o que aconteceu com a proposta da Agên-
cia nacional do Cinema (ANCINE), com a criação do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e
com o Programa Arte Cultura e Cidadania-Cultura Viva. Mudanças de paradigmas nas políticas
culturais trazem consigo mudanças de concepção da cultura, outros objetivos e instrumentos a
serem mobilizados. Mas a presença de paradigmas diferenciados não implica na substituição de
um por outro. Muitas vezes paradigmas relativamente incomensuráveis coexistem.
Legitimismo e pluralismo como constitutivos de referenciais alternativos de políticas
culturais mantêm estreita relação com duas abordagens a respeito das práticas culturais. Ambas
5
Lima, Luciana Piazzon Barbosa; Ortellado, Pablo; Souza, Valmir de. “O que são as políticas culturais? Uma
revisão crítica das modalidades de atuação do estado no campo da cultura”. Anais do IV Seminário Internacional
Políticas Culturais – Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2013, p.5.
6
Passeron, J. O raciocínio sociológico – o espaço não popperiano do raciocínio natural, editora Vozes, Petrópolis,
RJ, 1995.
7
Barbosa, Frederico et al. “A Constituição e a Democracia Cultural”. Políticas Sociais – acompanhamento e aná-
lise nº 17. Brasília, Ipea, vol. 2, 2009, p.227-281, pg. 239.
951
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8
Bourdieu, P. O senso prático. Livro 1. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.99).
9
A exemplo da pesquisa do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre práticas culturais dos brasi-
leiros realizada pelo Ipea em 2014 (circulação restrita).
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953
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10
Discursos do Ministro da Cultura Gilberto Gil. Brasília: Ministério da Cultura. Disponível em: http://www1.
folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u44344.shtml Acessado em 13/02/2016.
11
Ibid.
12
Ibid.
13
Pode ser vista também como uma meta narrativa ou série de estratégias para administrar problemas das socie-
dades multiculturais e coloniais.
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do Estado”14, o programa é uma associação desse conjunto de elementos com uma dose de ino-
vação. Ele trouxe uma inversão na lógica de organização da política cultural – deslocou o uso
de recursos financeiros do equipamento para o apoio às associações que já desempenhavam um
papel de produtores artísticos e mobilizadores comunitários. Mudou o eixo do produto para o
processo. Estabelecimento das regras que isentam os grupos postulantes da necessidade de um
registro formal foi crucial para a participação de muito grupos marginalizados e, com isso, para
o fortalecimento da democratização cultural. Os pontos de cultura, com diversas capacidades de
operação e em diferentes níveis de agenciamento tornaram-se espaços experimentais, abertos
às manifestações artístico-culturais de uma localidade. A gestão compartilhada, realizada pelos
membros da sociedade civil, e uma maior participação da sociedade civil na formulação, ava-
liação e no redesenho do Programa permitiram um avanço em direção à prática intercultural.
Contudo, ainda existem mais expectativas criadas nas narrativas do que as práticas. No
citado anteriormente discurso de posse ao cargo do ministro, Gilberto Gil traçou uma promessa
de equiparar a cultura à economia, à política e à saúde. Isto é, de reconhecer o real valor da área
cultural e investir nela como numa área estratégica, assim como é feito naquelas outras instân-
cias. Segundo o Ministro, seria por meio da “cultura” que se poderia reforçar a autoestima da
população brasileira e realizar um novo e promissor modelo de desenvolvimento. A transversali-
dade fazia parte do plano de reforçar a importância da cultura e explorar seu potencial como um
elo entre diversas políticas públicas e programas do Governo Federal. Embora continuadamente
evocado, o conceito permanece no campo da teoria, o que, de um lado, poderia ser atribuído
à tradição de setorialidade das políticas públicas no país, e de outro, ao fato da cultura não ser
bem-vinda nas discussões referentes à demarcação das terras, aos programas de moradia ou
sistemas de transporte público.
Enfim, durante últimos doze anos, as idéias do reconhecimento da diversidade, da política
pautada no dialogo, etc. tem permeado as narrativas produzidas pelos ministros e seus secretá-
rios. Enquanto as práticas não se materializem, servem as promessas repetidas como mantras:
Em 2003, o orçamento do MinC era de mais ou menos R$ 287 mi-
lhões. Em 2010, eram R$ 2,3 bilhões. Isso nos garantiu a possibilidade
de expandir o conceito de cultura. Passamos a incorporar no MinC a
visão antropológica de que tudo que ultrapassa o plano funcional e entra
no plano simbólico chega ao plano da cultura, e portanto interessa ao
ministério. Moda, gastronomia, arquitetura, toda a produção simbólica
popular do país (Ferreira, 2016).15
14
Lima, Luciana Piazzon Barbosa; Ortellado, Pablo; Souza, Valmir de. “O que são as políticas culturais? Uma
revisão crítica das modalidades de atuação do estado no campo da cultura”. Anais do IV Seminário Internacional
Políticas Culturais – Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2013, p.1.
15
Entrevista concedida pelo ministro Juca Ferreira ao portal Nexo, datada em janeiro de 2016. Disponível em: http://
www.cultura.gov.br/banner-1/-/asset_publisher/G5fqgiDe7rqz/content/-somos-um-ministerio-pos-crise-diz-ju-
ca-ferreira/10883 Acessado em 13/02/2016.
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16
Pierre Muller define o setor como uma reunião e objetivos e papéis sociais estruturados em trono de uma lógica
vertical e autônoma de reprodução. Também propõe que a lógica setorial se dá em trono de profissionalizações
específicas. Nada a obstar, desde que se reconheçam a presença de formas institucionais que dão unidade à atuação
de atores específicos. A profissionalização da administração pública brasileira, sua forma organizacional e a história
da acomodação de contradições das políticas setoriais do poder executivo exigem a distribuição de competências
digamos “setoriais” por diferentes órgãos. A lógica profissional no Brasil envolve a formação de redes corporativas
que não se limitam, ou nem sempre, a um órgão específico. O que é importante assinalar para o nosso ponto de vista
é que a lógica setorial agrupa e atua sobre apenas um aspecto da vida social. Ver Muller, P. Un schéma d´analyse
des politiques sectorielles, in Revue française des Science politique, 35ª année, no 2, 1985, pp. 165-189.
17
Barbosa da Silva, F.A. & Araújo, H. Indicador de desenvolvimento da economia da cultura.
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18
Mesmo em políticas culturais voltadas para a arte, a intervenção do Estado em suas múltiplas frentes é deman-
dada, embora estas venham a ser acionadas desde o setorial. Pudemos ver este aspecto no processo de formulação
do Plano de Cultura do Distrito Federal (DF), quando os grupos e representantes das artes da “periferia” apontaram
para o fato de que a atuação dos órgãos de segurança do próprio Distrito Federal não condizia, em relação a alguns
movimentos culturais das cidades satélites, com o comportamento de reconhecimento de direitos. Ver Barbosa da
Silva, F.A & Veloso Sá, J. Políticas sociais – acompanhamento e análise, no 24, IPEA, Brasília, DF, 2016.
19
Aceitamos o problema tal qual o colocado por John R. Searle; “O problema da metáfora diz respeito às relações
entre, de um lado, o significado da palavra e da sentença e, de outro, o significado do falante ou o significado da
emissão. (...) Entretanto, sentenças e palavras possuem somente os significados que possuem. Em termos estritos,
sempre que falamos do significado metafórico de uma palavra, expressão ou sentença, estamos falando do que um
falante poderia querer significar ao emiti-las em divergência com o que a palavra, expressão ou sentença realmente
significa”. In “Expressão e significado”, Martins Fontes, SP, 1995, página 123. As expressões genéricas ou retóri-
cas em políticas públicas nem sempre são instrumentos dela, mas da política das políticas públicas. Portanto, seu
espaço analítico é diferente.
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mas estes se coordenam ou são coordenados por ideias, princípios, regras ou programas de ação
estabelecidos no quadro de normas constituídas pelo poder público. Em segundo lugar, o que
define as políticas públicas não são as ideologias gerais ou os discursos sobre seus objetos, mas
suas relações com instrumentos de ação pública.
Mas, então, o que define os limites de uma política setorial de outra? A cultura faz inter-
faces com outras políticas. A cultura compartilha de ideias e objetivos comuns com aquelas po-
líticas, a exemplo, da ideia democratização, da participação, da equidade, do reconhecimento de
identidades múltiplas etc. Tem ações comuns com a educação, com a juventude, com as comu-
nicações, com o audiovisual, com as tecnologias digitais, com a organização e uso dos espaços
urbanos etc. Também tem instrumentos comuns: programação orçamentária, metas, objetivos,
definição de públicos, instrumentos de conveniamento, contratação, fomento e financiamento,
bolsas, premiações, indicadores, definição de produtos, inscrição em peças político-jurídicas
como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA), Plano Pluria-
nual (PPA), leis, medidas provisórias, decretos, portarias, tudo justificado pela própria Consti-
tuição. Têm-se ainda planos, políticas, programas que em geral são definidos setorialmente, mas
que fazem apelos a mediações intersetoriais e a transversalidades.
Assim, a setorialidade organiza programas, dispõe orçamentos e elenca ações, mas tam-
bém permite na própria organização setorial processos de ação e orçamentação que envolvam
diferentes órgãos. Em resumo, o ponto central é a presença de órgãos capazes de agir e que
tenham competências setoriais e capacidades de mediação em função de referenciais de ação
compartilhados, a exemplo, do desenvolvimento cultural, democracia cultural e reconhecimento
das culturas formadoras.
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Na área da saúde a grande controvérsia se dá em torno das vinculações de recursos e da aplicação de seus crité-
rios.
21
O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) é um programa vinculado ao Ministério da Educação (MEC). Fi-
nancia a graduação na educação superior em instituições privadas que tenham avaliação positiva pelo MEC e na
forma da Lei 10.260/2001. O financiamento, a partir de 2010, era realizado a taxa de juros de 3,4% a.a., o período
de carência é de 18 meses e o e amortização para 3 (três) vezes o período de duração regular do curso, acrescido de
12 meses. O Agente Operador é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A partir do segundo
semestre de 2015 a taxa de juros passou a ser de 6,5% ao ano para contribuir com a sustentabilidade do programa
e responder às condições do ajuste fiscal.
22
Na assistência social, conforme diz José Lucas cordeiro, “o orçamento nacional da política de assistência social
é elaborado tendo como referência os PMAS e PEAS. Este, por sua vez, é submetido à aprovação do CNAS e,
uma vez aprovado, é encaminhado é encaminhado à Secretaria de Planejamento e Orçamento, que se incumbe de
agrega-lo à peça orçamentária do governo federal e apresenta-lo à apreciação do legislativo”. Segue, agora proble-
matizando: “a fim de possibilitar a descrição desse processo, é necessário definir em primeiro lugar, qual é efeti-
vamente o orçamento da assistência social. Nesse sentido, é possível indagar se ele é: composto de todas as ações
classificadas na função Assistência Social na estrutura de governo; apenas o orçamento pertencente (ou vinculado)
ao órgão gestor da política de assistência social; e, se, por sua o orçamento do Fundo de Assistência Social” página
41.Acrescenta adiante que “a falta de padronização, implicando a falta de informações, revela a necessidade urgen-
te de esforços no sentido de que todos os entes federativos disponibilizem para a sociedade todas as informações
necessárias para que se possa acompanhar a atuação do governo”, página 52. Cordeiro, José Lucas, Política de
Assistência Social no Brasil – heterogeneidade no trato do orçamento, Editora da UnB, Brasília, 2014.
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pação e controle social, a descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das
ações, a ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura
e que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de
cultura em leis próprias”.
O artigo da Constituição elenca elementos da estrutura do SNC como modelo para as
respectivas esferas de governo: órgãos gestores da cultura, conselhos de política cultural, con-
ferências de cultura, comissões intergestores, planos de cultura, sistemas de financiamento à
cultura, sistemas de informações e indicadores culturais, programas de formação na área da
cultura, sistemas setoriais de cultura.
Como se vê, a Constituição Federal fincou marcadores gerais a respeito dos direitos
culturais. Embora algo do que já se fazia em termos de políticas culturais setoriais tenha dei-
xado traços no texto e nas suas normas gerais, inclusive deixando claras certas orientações e
instrumentos, as realidades políticas introduziram, na própria estrutura normativa constitucio-
nal, outras demandas e concepções, para cuja realização são necessários outros instrumentos.
A coordenação de ações interfederativas e seu acompanhamento ou monitoramento por órgãos
participativos, por exemplo, exigem orçamentação clara, bem como informações adequadas de
execução e até de resultados.
Além, disso, os setoriais de cultura, os órgãos, conselhos e fundos, são definidos como
instrumentos centrais do SNC e para a realização dos objetivos culturais. Entrementes, as infor-
mações dizem que há uma lacuna na maturação da setorialização da cultura na esfera municipal,
como podemos perceber pelos Mapas 1A e 1B a seguir que revelam o hibridismo da cultura com
outras áreas e ausência de estruturas autônomas. Sabe-se que o mesmo padrão também acontece
nas UF´s.
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Em 2014, 98% dos municípios já tinham estrutura na área cultural (308 dos 5.560 muni-
cípios não tinham nenhuma estrutura cultural). Apenas 20% tinham secretaria exclusiva.
Se a lógica setorial diz que os órgãos, como instâncias, transformam seus objetivos em
objetivos finais setoriais, MINC, Secretarias Estaduais, Secretaria do Distrito Federal e Secreta-
rias Municipais assimilam os seus desenvolvimentos aos objetivos da democratização e demo-
cracia cultural23.
Já nos alongamos demais. Para finalizar esta seção, lembramo-nos que para a discussão
da programação de ações de políticas públicas e seu acompanhamento são necessários conheci-
mentos específicos e informações adequadas a respeito do desempenho orçamentário e dos re-
sultados. Sejam quais forem as definições de escopo ou abrangência da cultura, deve-se ter uma
procedimentalização e formalização, do contrário seria impossível qualquer participação social
na discussão das políticas. Um pouco de conhecimento sobre orçamentos mostra que apesar das
formalidades, o orçamento é uma peça jurídica que tem certa plasticidade.
Todavia, em políticas nacionais federativas, quando o esforço fiscal alocado para a área
ganha significação, o bom uso do recurso público, que implica transparência e possibilidade de
discussão racional, exige um mínimo de formalização e procedimentalização. Esses elementos
deslocam questões gerais de legitimidade da ação para seus resultados, condições de aperfeiço-
amentos e melhoria no funcionamento da poder público.
Outra questão é saber se a execução dos recursos culturais realizados em outras setoriais
deverá ser caracterizada como recursos da cultura. Como a vinculação ainda não aconteceu, não
é necessário sofrer por antecipação, embora essa discussão possa ser oportuna para discutir a
institucionalidade da cultura nos Estado, Distrito Federal e municípios, já que sabemos que os
setoriais da cultura são ainda em grande parte siameses da educação, dos esportes e do turismo.
Seja como for, é necessário realizar harmonização das contas e orçamentos da cultura. É
um desafio e uma oportunidade de melhor dimensionar o quanto já se avançou na institucionali-
zação das políticas culturais. Os impactos da cultura no dia-a-dia das populações e comunidades
são reais como já se viu em inúmeras pesquisas, mas há muito ainda a se fazer para qualificar a
administração pública em geral e para o convencimento, através de argumentos menos etéreos,
de que aumentar os orçamentos, não apenas para realizar direitos culturais, mas para ampliar e
solidificar definitivamente a democracia cultural vale a pena, além de permitir maior participa-
ção social e mais qualificada.
23
A estrutura organizacional dos setoriais locais é muito diversa e pode ser contemplados por outras formações
institucionais, a exemplo de autarquias, institutos e fundações. As conexões disso tudo com orçamentos, órgãos de
participação, orçamentos e transferências de recurso são muito variadas. No entanto, não se descarta a possibilidade
desta variedade poder ser coerente com a setorialização e com os valores de participação, accountability e demo-
cratização da cultura como parte de políticas púbicas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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964
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RESUMO: Apesar dos avanços institucionais das últimas décadas, a política cultural no Brasil
ainda apresenta desafios profundos para a sua plena consolidação em todas as esferas. Os
progressos legislativos, orçamentários etc. convivem com ameaças constantes de retrocessos.
Nesse quadro, estão os equipamentos culturais públicos, boa parte deles anterior aos próprios
órgãos governamentais da área. A ampliação da noção de cultura e da dimensão dos direitos
culturais, bem como as mudanças no âmbito administrativo, complexificaram os desafios da
gestão cultural, particularmente nas instituições públicas, fundadas sobre outras bases. Assim,
torna-se comum a busca por soluções heterogêneas na administração de equipamentos culturais
públicos, seja através de fundações, consórcios, parcerias com associações de amigos ou
organizações sociais, alv
1. INTRODUÇÃO
A cultura deve ser compreendida tanto como um direito humano, indicado pelo artigo 27
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quanto como um direito fundamental, previsto
pelo artigo 215 da Constituição Brasileira. O direito à fruição artística e à memória são basilares
tanto para a cidadania individual quanto para a afirmação da identidade e diversidade cultural
de um povo. E não é só isso: a cultura deve também ser lembrada como segmento econômico,
gerador de emprego e renda. O fomento e a garantia dos direitos culturais pelo Estado, no
entanto, continuam a ser um déficit em nosso país.
A gestão pública na área da Cultura teve avanço nas últimas décadas, através da
consolidação de leis de financiamento da produção cultural e do patrimônio histórico e artístico,
como na década de 90, do aumento substancial do orçamento para a área e da ampliação do
1
Graduado e Mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estudante da Especialização em
Administração Pública Contemporânea da UFRGS. Servidor da Câmara dos Deputados. E-mail: jacksonraymun-
do@yahoo.com.br.
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2
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO. Lei Orçamentária Anual 2015. Disponível em: <http://antigo.planeja-
mento.gov.br/ministerio.asp?index=8&ler=s1146>. Acesso em 07/08/2015.
3
FOLHA DE S. PAULO. Orçamento dobrou desde 2009, mas gastos da Cultura estão estagnados. Matéria de
02/06/2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/06/1636662-gastos-do-ministerio-da-
cultura-estao-estagnados-ha-cinco-anos.shtml. Acesso em: 07/08/2015
4
MINISTÉRIO DA CULTURA. Cultura em números: anuário de estatísticas culturais - 2ª edição Brasília: MinC,
2010.
966
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5 Sobre o tema, fiz um texto, intitulado “A folia dos outros”, que foi publicado no Caderno PrOA, do jornal
Zero Hora, em 24/01/2016 (disponível aqui: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2016/01/municipios-
cancelam-o-carnaval-em-nome-de-projetos-de-saude-4958389.html).
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pouco cabem ao Estado, como projetor (de cinema), cenógrafo, bilheteiro etc. Por fim, um terceiro
exemplo é a compra de equipamentos: a Lei 8.666/93, que versa sobre as licitações e contratos da
Administração Pública, possui limitações na área da cultura que desafiam qualquer gestor: se um
órgão precisa comprar um determinado tipo de piano, deve ser aquele piano, que por vezes não
tem empresa produtora concorrente, ou não há as três necessárias para emitir orçamentos e abrir
um processo.
Além disso, há casos de “gigantismo” estrutural da cultura em certas localidades – sem
correlação orçamentária. Em outras palavras, um excesso de instituições, incompatível com a
proporção do erário público destinada à área. É o caso da política estadual da cultura no Rio
Grande do Sul, que será esmiuçado adiante.
6
Idem.
968
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das respectivas Associações de Amigos. O quadro, em linha geral, era de absoluta falta de
uniformidade de padrões e realidades, seja por falta de presença do Estado na sustentação às
instituições, seja por interesses privados absolutamente enraizados.
A legislação gaúcha acerca das Associações de Amigos, que tem como base a Lei Estadual
nº 9.186/19907, dá conta, principalmente, da possibilidade de cessão ou autorização de uso de
espaços das instituições para finalidades comerciais. Pouco avança em relação à intervenção na
gestão, sobre quais os limites e possibilidades e os papéis exercidos pelos diferentes agentes.
Nesse vazio legal8, e nos vazios administrativos deixados pelo Estado, o improviso acabou
predominando, chegando a situações quase inverossímeis.
A possibilidade das Associações de Amigos se financiarem está prevista na Lei nº
9.186/1990. Em seu §3º do artigo 5º, estabelece que “a Associação poderá reservar até 30% dos
recursos recebidos para a sua própria administração e manutenção”. No entanto, em diversas
situações isso não ocorria. Por exemplo, uma associação, que se dizia apta a ser “amiga” de
qualquer instituição, fazia uso de salas do Estado e oferecia cursos com o nome do equipamento
público, porém fazendo apenas repasses semanais à direção, longe de atingir os 70% exigidos
por lei (e somente após o pedido e justificativa da direção da instituição e o aceite da presidência
da associação).
Como demonstração da diferença de procedimentos, pode-se citar as bilheterias dos
teatros. Em um deles, toda a renda que ficava com a instituição (15%, já que o restante vai para
a produção do espetáculo) ia para o caixa único do Estado, sem passar pela Associação. Em
outro, os recursos eram direcionados à entidade de amigos, não passando pelo Tesouro.
Os casos mais comuns, porém, estavam na diferença de sincronia entre o diretor da
instituição, indicado pelo governo, e as direções das associações - às vezes com dinâmica
eleitoral própria, outras vezes fomentadas por quem está na gestão do equipamento. Intrigava a
absoluta dissintonia entre os procedimentos de uma instituição para outra, assim como o corrente
fato (tratado como natural) de servidores do Estado trabalharem, na prática, como servidores da
associação, inclusive mexendo com dinheiro em espécie. Mas a situação majoritária nessas
instituições, contudo, era de liderança “redobrada” por parte do diretor da instituição, que, por
um lado, administrava os recursos oriundos do Estado, por outro, aqueles vindos diretamente da
arrecadação associativa.
7
A referência em legislação sobre as Associações de Amigos, no Rio Grande do Sul, é a Lei Estadual nº. 9.186,
de 27 de dezembro de 1990, que “dispõe sobre a cedência de áreas em instituições estaduais de cultura e dá out-
ras providências”, regulamentada pelo Decreto nº. 33.836, de 31 de janeiro de 2001, alterado pelos Decretos nº.
33.876, de 1º de março de 1991, nº. 39.986, de 18 de fevereiro de 2000, nº. 41.158, de 29 de outubro de 2001, nº.
41.871, de 9 de outubro de 2002, e nº. 45.178, de 20 de julho de 2007.
8
No plano federal, a legislação acerca das Associações de Amigos está prevista no Estatuto dos Museus (Lei nº
11.904/2009), com o reconhecimento e a previsão de atribuições dessas entidades.
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Por fim, cabe destacar que a criação pelo Estado de mecanismos mais amplos e
horizontais de financiamento da cultura acabou por gerar uma consequência em relação às
instituições culturais. Sempre com necessidade de recursos para desenvolver seus projetos,
os equipamentos públicos, através das associações de amigos, disputam editais públicos
com entidades privadas da sociedade civil. Se não há uma vedação legal, há uma inevitável
possibilidade de questionamentos éticos.
5. CONCLUSÃO: LIMITES, PROBLEMAS E POSSÍVEIS CAMINHOS
A gestão da política cultural exige da Administração Pública a necessidade de ser criativa
e estar preparada para lidar com processos completamente heterogêneos. Enquanto na saúde,
ou na educação, é possível se pensar na construção de grandes redes, com equipamentos e
produtos idênticos e, portanto, de compra massificada, na cultura essa massificação torna-se
mais complexa. Agregado a isso, está a própria reflexão do papel que efetivamente deve caber
ao Estado no âmbito da cultura: criador/gerente ou fomentador/patrocinador? A resposta que
parece ser a mais adequada é: os dois.
A preservação da memória e a existência de espaços culturais que não sigam a lógica
do mercado (a busca incessante pelo lucro) são direitos culturais essenciais e inalienáveis as
quais o Estado não pode fugir. Se o Estado é pouco presente, acabam prevalecendo os interesses
comerciais da iniciativa privada, que, na área cultural, geralmente são definidos pelo setor de
marketing das empresas. Por isso, mais importante do que as leis de renúncia fiscal que permitem
à empresa seguir sua estratégia comercial, são os fundos que irão financiar a produção artística
de forma republicana e transparente - lembrando, seja dinheiro de leis de incentivo ou de fundos,
a fonte sempre é a mesma: o orçamento público.
Dentro da “criatividade” necessária, o Estado de São Paulo, na esteira do Programa
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), liderado pelo então ministro Bresser-
Pereira em meados dos anos 1990, tem transformado o sistema de gestão, ou cogestão, dos
equipamentos públicos de cultura. Em vez das Associações de Amigos, a qualificação dessas,
ou de outras associações da sociedade civil, como Organizações Sociais (OSs) – o termo é um
dos mais importantes elementos do PDRAE. Inicialmente adotado pelo Governo do Estado de
São Paulo apenas nas áreas de saúde e cultura (e a partir de 2009 também em esporte e pessoas
com deficiência), em 2005 a qualificação passou a ser feita também na cultura. Como preconiza
os princípios das OSs, foi repassado ao Terceiro Setor a gestão de equipamentos e serviços
públicos, mediante o firmamento de contratos de gestão. A importância dessas organizações no
orçamento para a área é grande: em 2010, por exemplo, respondeu a 54,6%.
A experiência paulista de Organização Social permite problematizar o conceito de
“publicização”, assim como a própria concepção inicial de Organizações Sociais formulada
972
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por Bresser-Pereira. Neles, estavam previstos o controle social do equipamento público, através
de um conselho de administração, afora o fato (implícito) de a OS estar vinculada a uma
instituição específica. No entanto, o que tem acontecido é uma mesma organização comandar
diversos espaços e programas estaduais, possuindo apenas um conselho de administração para
todos. Tornam-se, assim, praticamente “subsecretarias” de um Estado que se omitiu de fazer a
administração direta, mas que garante polpudos repasses.
Os desafios da gestão pública de cultura passam por um aprimoramento dos modelos
já existentes, como o das fundações públicas, das Associações de Amigos, o das OS etc.,
mas também por um debate com o Legislativo e Tribunais de Contas sobre a necessidade de
atualização dos procedimentos administrativos à realidade do meio cultural.
Tal atualização pode significar também uma maior presença do Estado na gestão de
seus equipamentos culturais pela via da prestação direta exercida pela Administração Indireta
(fundações públicas, autarquias). Ao possuírem estatuto jurídico diverso da Administração
Direta, as fundações ou autarquias permitem uma flexibilidade maior na concretização de ações,
além de poderem centralizar as distintas linguagens artísticas num órgão só. Todavia, hoje as
limitações também atingem esses órgãos, mesmo que numa intensidade menor em relação à
Administração Direta.
O modelo de Associação de Amigos não parece estar superado. No entanto, carece de
renovação na sua existência, que passam: 1) por uma padronização, mesmo que elementar, de
seu caráter, seu papel, suas possibilidades e seus limites; 2) pela incorporação plena da noção
de “controle social”, com o firmamento de conselhos transparentes e escolhidos de forma
democrática; 3) pela mobilização social para que tenham quadro de associados relevante,
instigando a participação da sociedade civil nas instituições públicas.
Outros modelos de gestão podem ser pensados ou aprimorados. Toda novidade, porém,
dificilmente será aplicada arbitrariamente pelo Executivo, dado o emaranhado de obstáculos,
necessitando ser dialogada com os demais poderes e os órgãos de fiscalização e controle - e, é
claro, contando com a participação da sociedade civil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. INTRODUÇÃO
Gostaria de começar apresentando um aspecto que serviu como insight e que reconfigu-
rou a forma como vinha conduzindo esta pesquisa, aconteceu durante o VI Seminário de Polí-
ticas Culturais realizado na Fundação Casa de Rui Barbosa em maio de 2015, ao participar das
discussões referentes às Políticas Culturais Setoriais: Livro e Leitura.
Logo após as apresentações, as perguntas na sua maioria eram direcionadas a um dos
temas, no caso sobre Instituto Nacional do Livro (INL) e nenhuma indagação ao quadro atual da
política do livro e leitura foi feita. Mediante essa constatação, perguntei aos palestrantes como
avaliavam a atual política do livro e leitura no cenário nacional.
O intuito do questionamento era partilhar as impressões sobre o atual momento do setor,
apesar de não haver comentários sobre o questionamento busquei estabelecer um paralelo entre
o INL e o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) referente à condução política do INL que
era verticalizada e centralizada já o PNLL funciona mais como um indicador e sua efetivação
1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades – PPCULT - Universidade Federal
Fluminense – UFF. Bacharel em Biblioteconomia. jailtonunirio@gmail.com
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só é possível por uma maior descentralização em sua execução ficando a cargo dos estados e
municípios criarem seus planos estaduais e municipais.
Apesar da reformulação do questionamento o que se seguiu foram conversas abertas em
que aproveitei para elencar os atores envolvidos, as cidades que estão com seus planos aprovados
ou em pleno curso e só a partir daí me dei conta que não tinha atentado que essa descentraliza-
ção produziu desdobramentos que me auxiliaram a repensar a pesquisa e que apresentarei nos
próximos capítulos como, por exemplo: a mudança de foco na condução na Política de Estado, a
adesão e protagonismo dos atores que atuam nas bibliotecas comunitárias na condução dos deba-
tes para a aprovação dos planos municipais do livro e leitura, as disputas envolvendo esses novos
atores com os velhos dilemas do setor, a inclusão da letra B na sigla do PMLL.
Foi graças a uma pergunta não respondida que atentei que as perguntas certas ainda não ti-
nham sido feitas e só depois delas é que consegui explorar melhor o desenvolvimento da pesquisa.
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edição de obras de interesse para a cultura nacional, estímulo ao mercado editorial e a criação
de bibliotecas públicas.
Sua estrutura administrativa era centrada em três seções, a saber: Seção de Enciclopédia
e Dicionário, Seção das Publicações e Seção das Bibliotecas.
Essas seções cumpriam na concepção de Oliveira (1994) o papel de braço intelectual,
editorial e distribuidor do INL cuja principal ocupação era centrada na produção e distribuição
do livro, relegando assim as bibliotecas uma atuação secundária como meros receptores do ma-
terial bibliográfico editado por ela, não posso esquecer-me de mencionar que das três seções, a
seção das bibliotecas era a única que não tinha representação no Conselho de Orientação. Este
Conselho de Orientação era composto por cinco membros que eram nomeados pelo Presidente
da República cuja função era elaborar o Plano da Enciclopédia e do Dicionário e exercia influ-
ência no referido órgão.
A centralização de tais objetivos, não foi capaz de produzir ao longo da sua trajetória
um legado que creditasse a eficácia de sua política livresca e muito menos legitimou as biblio-
tecas públicas como espaços dinâmicos.
Em decorrência disso e do desinteresse estatal em reformular sua ação, ocorre o desmonte
do INL em três fases: à primeira em 1973 quando da transferência de toda sua linha editorial para
as editoras comerciais, depois sua fusão com a Biblioteca Nacional em 1987 originando a Fun-
dação Nacional Pró-Leitura e por fim ocorre a extinção desse órgão em 1990, transferindo para a
Biblioteca Nacional suas atribuições.
Como vimos à centralização não alcançou as metas estabelecidas e o setor não conseguiu
fortalecer-se em âmbito nacional.
Porém, é na gestão do governo Lula com o Ministro Gilberto Gil responsável pela pasta
da Cultura que ocorre a reformulação das políticas do livro, leitura e bibliotecas. O PNLL é fruto
de intenso debate ocorrido em algumas regiões brasileiras com o objetivo de recolher opiniões
dos diversos setores envolvidos com a área e a soma desse material serviu como base na forma-
tação dos seus quatro eixos de atuação apresentados a seguir.
• Democratização do acesso
• Fomento à leitura e a formação de mediadores
• Valorização do livro e a comunicação
• Desenvolvimento da Economia do livro
Os eixos servem como referenciais norteadores importantes para os estados e municípios
criarem seus planos estaduais e municipais, adaptando às suas realidades locais, descentralizan-
do a execução de tomada de decisão. A interlocução dos Ministérios da Educação e Cultura visa
somar esforços na atuação do PNLL evitando assim a duplicidade ou fragmentação de investi-
mentos de recursos humanos e financeiros.
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zia von Büllow, e no espaço por ele controlado. Ela não tem portanto
a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o
adversário num espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe
por golpe, lance por lance. Aproveita as ‘ocasiões’ e delas depende, sem
base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O
que ela ganha não se conserva. Este não-lugar lhe permite sem dúvida
mobilidade, mas numa docilidade aos azares do tempo, para captar no
vôo as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que utilizar, vigi-
lante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância
do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar
onde ninguém espera. É astúcia. (CERTEAU, 1998, p. 100-101).
Assim, logo após a aprovação do plano de Porto Alegre, outras cidades brasileiras co-
meçam a buscar informações junto aos membros que fizeram parte do GT do PMLL desta
cidade. Com o intuito de trocar experiências para facilitar o encaminhamento político. Saber o
“caminho das pedras” é fundamental para evitar um maior desgaste de tempo, visto que o tempo
político é diferente das demandas dos proponentes.
Com essas trocas de informações, paulatinamente a ideia de uma rede começa a ser
construída, novos desafios surgem e com isso vão reformulando suas ações, mas sempre numa
perspectiva de aprender na prática e dialogando com quem já passou por situação similar.
Essa incidência política colaborativa é fundante dessa fase de construção dos planos em
que se evidenciam disputas e ao mesmo tempo mecanismo colaborativos fortes.
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Nova Iguaçu conseguiu garantir a dotação orçamentária e o grupo que liderou a apro-
vação do plano vê à necessidade de criar mecanismos de monitoramento visando não deixar o
plano se tornar letra morta.
Para isso esses grupos precisam entender o funcionamento dos três mecanismos que
regulam os gastos públicos, são eles: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).
As cidades de Salvador (2013) e São Paulo (2014) também aprovaram seus planos sem
dotação orçamentária, porém no plano de São Paulo está previsto a criação de um fundo para a
execução dos projetos previstos.
No caso de Recife, Belo Horizonte, e Rio de Janeiro já estão com GTs ou Fóruns traba-
lhando para aprovação de seus planos. Já as cidades de São Luís e Duque de Caxias ainda estão
na fase de aprovação do GT ou Fórum. Apresentamos os diferentes estágios que as cidades
estão passando no quadro abaixo:
5. A INCLUSÃO DA LETRA B
De acordo com Bourdieu (1989, p.28) ao nos depararmos com nosso objeto de pesquisa
um aspecto que devemos pensar é “tomar para objeto o trabalho social de construção do objeto
pré-construído: é ai que está o verdadeiro ponto de ruptura”.
Para isso buscaremos identificar as condições de sua pré-construção.
A circulação de livros e ideias no período colonial já era vista como um perigo que de-
veria ser combatido, imagine a criação de uma Biblioteca. Tais proibições tinham como pressu-
postos a manutenção da condição escravocrata alinhados com a metrópole.
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Posto isso é impossível pensar a criação de bibliotecas para um público que não podia ter
acesso, devido sua condição social de servidão.
Aos poucos abastados que tinham condições de transitarem no regime educacional e ter
acesso aos livros era possível em suas residências à existência de bibliotecas particulares, outro
extrato social que dispunha de tal dispositivo eram as ordens religiosas que dispunham de material
para catequisar as novas almas.
Essa abordagem histórica é necessária, pois se a Biblioteca não está ligada a uma con-
dição de direito e sim de privilégio temos ai um ponto inicial a nos determos. Sabemos que tais
proibições serão extintas com a vinda da família real que permitirá a circulação e produção de
impressos, porém somente a Imprensa Régia tinha autorização para tal, o que aponta para o
segundo ponto, com isso cria-se o monopólio do que poderia ser editado e distribuído e por fim
o restrito grupo de quem teria acesso a essa produção visto que a grande maioria da população
era analfabeta.
A construção social da Biblioteca e sua relação com a estrutura social brasileira foi base-
ada inicialmente por intermédio de privilégios, monopólio e circulação restrita.
Como já foi observado, tivemos nos anos 30 do século passado uma nova ressignificação
da Biblioteca brasileira através do INL, com intuito de acabar com os privilégios de poucos e
ampliar a circulação, porém sem perder de vista o monopólio do projeto de Biblioteca que seria
construído nesse período.
O desafio posto atualmente na construção do PNLL é justamente romper com essa cons-
tituição histórica de monopólio do significado da Biblioteca brasileira, alguns elementos apon-
tam para este exercício de ressignificação como a inclusão da letra B (de Biblioteca) na sigla
dos planos municipais, orientação essa fruto de intensos debates que viam a necessidade de
legitimar a biblioteca.
Aqui usaremos a concepção de campo de Bourdieu com o intuito de elencar as relações
produzidas e as disputas em curso analisando como podem contribuir para a construção de um
modelo que possa dar conta de entender esse sistema de relações:
[...] A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de
construção do objeto que vai comandar – ou orientar – todas as opções práticas da pesquisa. Ela
funciona como um sinal que lembra o que há que fazer, a saber, verificar que o objeto em ques-
tão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial de suas propriedades
(BOURDIEU, 1989, p. 27).
Nosso modelo irá se debruçar em três campos, apresentamos o quadro abaixo com a
configuração de cada campo e suas características referentes a grupos, interesses e disputas:
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O esquema apresentado acima busca explicitar como cada campo está composto apre-
sentando seus interesses e disputas.
No entanto, um desses campos que denomino Biblioteconomia Social, possui um maior
número de subcampos e está numa forte movimentação interna muito motivada pela criação dos
planos municipais.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo apresentou os desdobramentos do PNLL em diálogo com a atuação de biblio-
tecas comunitárias na construção de Planos Municipais do Livro e Leitura.
Tal participação das bibliotecas comunitárias na construção dos PMLL’s no territó-
rio nacional deu maior visibilidade à articulação política desses grupos em defesa da institui-
ção Biblioteca.
Outro aspecto importante da atuação desses grupos foi a inclusão da letra B em suas
siglas, muito mais que a inclusão de uma letra é a escolha política em evidenciar qual seu inte-
resse nesse projeto e como as possíveis parcerias com a classe bibliotecária pode ainda dar mais
força a esse movimento que se constitui como uma nova possibilidade de pensar a Biblioteca
brasileira com grupos diversificados, mas com interesses em comum.
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RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais no Brasil: tristes tradições, enormes desafios.
In: RUBIM, Antonio Albino Canelas; BARBALHO, Alexandre (Org.). Políticas culturais no Brasil.
Salvador: EDUFBA, 2007. (Coleção Cult).
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“[...] trabalhamos com o elemento cultural, mas não com aquela cultura que a gente
classificou como nas manifestações, mas sim a cultura do modo de vida. Nós estamos propon-
do que o modo como se organiza a sociedade é um processo cultural” (SERPA, 2015).
(Trecho de Ubiramar Bispo - Coordenação Estadual dos Territórios – CET, Bahia)
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa em que medida a política de desenvolvimento regional do estado da
Bahia, denominada “Territórios de Identidade”, se insere na lógica da gestão social e valoriza a
participação cidadã, bem como suas implicações e repercussões no âmbito governamental.
São analisados os resultados parciais da pesquisa empírica de dissertação de mestrado da
primeira autora. Trata-se de um estudo de caso, baseado na análise de documentos oficiais e não
1
Economista, mestranda do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGAd UFF) na Universidade Fede-
ral Fluminense. Email: janainadias@id.uff.br
2
Economista, especialista em Administração Pública e mestre em Administração (PPGAd UFF) pela Universida-
de Federal Fluminense. Email: actmalves@id.uff.br e angelinecoimbra@gmail.com
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O trabalho será desenvolvido em três seções, além dessa introdução e das considerações
finais. A primeira tratará da questão do desenvolvimento territorial, a segunda da gestão social
com enfoque na teoria habermasiana e a terceira trata da questão da identidade nos territórios e
da gestão social, onde serão apresentados dados empíricos do caso em estudo.
2. DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
As discussões com ênfase nas questões regionais foram retomadas no âmbito do governo
federal a partir dos anos 2000 e a concepção territorial vem se fortalecendo desde então.Políticas
de intervenção nos espaços vêm sendo propostas como uma mudança no objeto de ação, de um
setor específico ou de um ator social, para um novo objeto relacionado com as diferentes dimen-
sões que caracterizam o território e tem contribuído para a ampliação do entendimento do ter-
ritório, como expressão política organizada no espaço, de suas identidades e práticas culturais.
A incorporação territorial cultural nas políticas de desenvolvimento no Brasil3, desde os
anos 2000, vem acarretando significativas mudanças no modelo de atuação do Estado dentre as
quais se destaca a valorização das iniciativas e dos atores locais em detrimento do padrão ver-
tical e descendente, que historicamente caracteriza a estratégia estatal para o desenvolvimento
(ZANI e TENÓRIO, 2014).
A abordagem dos “Territórios de Identidade da Bahia”, assim como os Territórios de
Cidadania do Governo Federal,é inspirada na regionalização do país pelo programa Territó-
rios Rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) a partir de 20034. A política de
desenvolvimento da Bahia é estruturada a partir do território5, o que implica a multissetoriali-
dadedo desenvolvimento e o envolvimento plural de atores. Também implica ações e políticas
3
Programa Cultural para o Desenvolvimento do Brasil. Brasília: Ministério da Cultura, 2006. Disponível em:
www.cultura.gov.br/programaculturaldesenvolvimentobrasil.
4
A configuração dos Territórios de Identidade teve como principal indutor o Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), que, em 2003, através da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), introduziu o Pro-
grama Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat) com o objetivo de “promover o
planejamento e a autogestão do processo de desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e o fortalecimento e
dinamização de sua economia. Disponível em: http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?con-
teudo=51
5
No início do ano 2007, o Fórum Baiano de Agricultura Familiar reivindicou o reconhecimento, a adoção e o esta-
belecimento dos 26 territórios de identidade da Bahia (hoje o estado possui 27 territórios de identidade) como dire-
triz básica do planejamento público estadual, junto ao secretário do planejamento estadual e a partir de então outras
secretarias de governo foram envolvidas no processo, o que resultou numa mapa com as novas regiões do Estado
que passou a ser utilizado como instrumento de orientação para a promoção do desenvolvimento social em todo o
território baiano norteando a concepção dos Plano Plurianual PPA 2008/2011 e PPA 2012/2015 e PPA 2016/2019.A
política dos territórios como unidades de planejamento norteou também o programa do governo federal Territórios
da Cidadania em 2008 (SERPA, 2015, p.24).
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6
Os primeiros Diálogos Territoriais ocorreram entre os meses de abril e junho de 2010, visando a promoção de
uma discussão sobre política territorial, o fortalecimento do papel dos membros do CAPPA (Conselho de Acom-
panhamento do PPA), com maior integração junto aos Colegiados Territoriais e a prestação de contas das ações de
governo, desde 2007, nos Territórios de Identidade.Uma das iniciativas mais importantes dos Diálogos Territoriais
foi a exposição sobre as realizações do governo a partir das demandas apresentadas pelos territórios durante o PPA-
-P (2008-2011). Os Diálogos Territoriais aconteceram nos 27 Territórios de Identidade, com a participação de apro-
ximadamente 2,6 mil pessoas. Em 2013, ocorreu o segundo Diálogos Territoriais, em 20 Territórios de Identidade,
como o objetivo do governo prestar conta das suas ações e submeter à avaliação dos Territórios sua execução do
PPA (2012-2015) seus programas para a avaliação popular. Ver em http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/
conteudo.php?conteudo=46.
7
As bases normativas da gestão dos Territórios de Identidade da Bahia desde implementado desde 2007e do Pro-
grama Territórios de Cidadania do governo federal lançado em 2008 foram delineadas a partir dos Territórios Ru-
rais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) desde implementados desde 2003 que possui dentre outras
norrmas: (a)a integração de políticas públicas a partir do planejamento territorial; (b) ampliação dos mecanismos
de participação social na gestão das políticas públicas para o desenvolvimento do Território calcados no pluralismo
dos atores, no processo deliberativo dialógico e que estes sejam aderentes ao cotidiano das pessoas, instituições e
economias locais (MDA,2003).
8
Disponível em: www.seplan.ba.gov/mapa.br
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agentes sociais possam ser centrais no planejamento e na gestão estatal das políticas públicas,
o estado da Bahia vem, desde 2007, ativando um modelo de gestão social9. A estratégia põe ên-
fase nas relações sociais, que possibilitem modificações e transformações econômicas, sociais,
políticas e culturais capazes de se adequarem à situação específica de cada território e na forma
como cidadãos e grupos interagem, valendo de seus recursos disponíveis de modo a responder
com efetividade aos desafios encontrados em meio à diversidade do estado. Dessa forma, a ideia
de desenvolvimento territorial cultural é indissociável da ideia de gestão social e controle social
(TENÓRIO et al., 2008, p.158).
3. GESTÃO SOCIAL
A gestão social tem sido vista como um processo dialógico, de decisões compartilhadas
entre os agentes envolvidos (BOTREL et al., 2011).
Os autores chamam a atenção para o fato de que diferentemente da gestão estratégica,
que é pautada pelo mercado, cujo objetivo central é o lucro, necessitando para isso excluir os
competidores, a gestão social se pauta na solidariedade, onde os participantes têm voz ativa. As-
sim, deixam claro que enquanto a primeira é pautada no indivíduo, esta se pauta na coletividade.
A participação social é elemento fundamental da gestão social, pois é a partir dela que a
coletividade assume um papel ativo nas decisões públicas e no controle social, permitindo que o
espaço público e político e a sociedade civil e sua infraestrutura, tenham função de garantir uma
força integradora e autônoma da prática do entendimento entre cidadãos.
Segundo Jürgen Habermas (1995, p.41), “a participação [é] uma prática comum, cujo
exercício é o que permite aos cidadãos se converterem no que querem ser: atores políticos res-
ponsáveis de uma comunidade de pessoas livres e iguais”.
O elemento argumentativo no interior do processo deliberativo, como tendênciacontem-
porânea, surgiu na teoria democrática a partir dos anos 1970 (AVRITZER, 2000).
Parece adequado, quando se trata de estudos acerca de participação social, cidadania,
controle social, desenvolvimento local e territorial, cujo a priori é a possibilidade de diálogo
entre partes distintas e interesses diferenciados, utilizar para análise a teoria habermasiana da
democracia deliberativa, que tem por princípio a racionalidade intersubjetiva.
Habermas demonstra que é necessário ir além de uma razão subjetiva, propõe uma mu-
dança de paradigma, a intersubjetividade, o processo de decisão dialógico (VITALE, 2006). A
sociedade contemporânea, para avançar na emancipação da razão moderna, precisa superar o
individualismo e avançar na intersubjetividade, na solidariedade. Fortalecer a razão dialógica,
argumentativa, comunicativa, é avançar na democracia.
9
Em seus documentos oficiais o estado da Bahia utiliza o conceito de Gestão Cultural como pressuposto de suas
políticas territoriais. Maiores informações ver em: http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?-
conteudo=46
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Assim, um importante conceito do autor é o de espaço público ou esfera pública, que ele
considera como um fenômeno social elementar e que
pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de con-
teúdos, tomadas de posição e opiniões. [...] A esfera pública constitui
principalmente uma estrutura comunicacional do agir orientado para
o entendimento, a qual tem a ver com o espaço social gerado no agir
comunicativo, não com as funções nem com os conteúdos da comuni-
cação cotidiana. [...] O espaço de uma situação de fala, compartilha-
do intersubjetivamente, abre-se através das relações interpessoais que
nascem no momento em que os participantes tomam posição perante os
atos de fala dos outros, assumindo obrigações ilocucionárias. Qualquer
encontro que não se limita a contatos de observação mútua, mas que
se alimenta da liberdade comunicativa que uns concedem aos outros,
movimenta-se num espaço público, constituído através da linguagem.
Em princípio, ele está aberto para parceiros potenciais do diálogo, que
se encontram presentes ou que poderiam vir a se juntar. [...] os proces-
sos de formação de opinião, uma vez que se trata de questões práticas,
sempre acompanham a mudança de preferências e de enfoques dos
participantes – mas podem ser dissociados da tradução dessas disposi-
ções em ações. Nesta medida, as estruturas comunicacionais da esfera
pública aliviam o público da tarefa de tomar decisões; as decisões pro-
teladas continuam reservadas a instituições que tomam resoluções. Na
esfera pública, as manifestações são escolhidas de acordo com temas
e tomadas de posição pró ou contra; as informações e argumentos são
elaborados na forma de opiniões focalizadas. Tais opiniões enfeixadas
são transformadas em opinião pública através do modo como surgem
e através do amplo assentimento de que “gozam”. [...] Na esfera pú-
blica luta-se por influência, pois ela se forma nessa esfera. Nessa luta
não se aplica somente a influência política já adquirida (de funcioná-
rios comprovados, de partidos estabelecidos ou de grupos conhecidos,
tais como o Greenpeace, a Anistia Internacional, etc.), mas também
o prestígio de grupos de pessoas e de especialistas que conquistaram
sua influência através de esferas públicas especiais [...] a influência
política que os atores obtêm sobre a comunicação pública, tem que
apoiar-se, em última instância, na ressonância ou, mais precisamen-
te, no assentimento de um público de leigos que possui os mesmos
direitos. [...] temos que fazer uma distinção entre atores que surgem
do público e participaram na reprodução da esfera pública e atores
que ocupam uma esfera pública já constituída, a fim de aproveitar-se
dela. Tal é o caso, por exemplo, de grandes grupos de interesses, bem
organizados e ancorados em sistemas de funções, que exercem influ-
ência no sistema político através da esfera pública. Para preencher sua
função, que consiste em captar e tematizar os problemas de sociedade
como um todo, a esfera pública política tem que se formar a partir dos
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O mundo moderno, destaca Vitale (2006), trouxe consigo um dilema complexo. O pro-
cesso de fragmentação da sociedade, representado também pelo individualismo liberal, gerou
um desequilíbrio nas esferas de valor. As instituições surgidas com o Estado moderno e o siste-
ma capitalista prevalecem sobre as outras esferas de valor. O individualismo prevalece sobre a
solidariedade, por exemplo, tão importante para o bom desenvolvimento democrático, inclusive
na versão deliberativa habermasiana.
Confome a autora, Habermas denomina esse processo de colonização do mundo da vida
por imperativos sistêmicos, o que constituiria numa sociopatologia.
A colonização do mundo da vida é como o que ocorre na atualidade, a economia e a
administração pública, seus valores se sobrepondo aos valores culturais, sociais e éticos dos
sujeitos e da coletividade. Na teoria democrática deliberativa habermasiana, a racionalidade
instrumental e a racionalidade argumentativa devem conviver, com a segunda legitimando a
primeira. Não o contrário, como ocorre no processo de colonização do mundo da vida.
10
Destaca-se que foram capturadas mais de oito mil propostas formuladas pelos representantes da sociedade civil
organizada em cada um dos vinte e sete territórios e cerca de doze mil pessoas contribuíram apresentando propostas
(IPEA, 2015).
11
O Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial (Cedeter) é um órgão de caráter consultivo e de assessora-
mento, vinculado à Seplan, com a finalidade de subsidiar a elaboração de propostas de políticas públicas e estraté-
gias para o desenvolvimento territorial sustentável e solidário do Estado da Bahia. Foi, primeiramente, instituído
pelo decreto n.º 12.354, de 25 de agosto de 2010, e, posteriormente, pela Lei 13.2014/14. Mais informações ver em:
http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=51.
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gratuitas de tradição oral, artesanato, capoeira, cultura digital, teatro e dança no estado diz que
a associação existe desde 1987 e, em 2008, com o processo de territorialização das políticas cul-
turais pela SECULT se transformou em Ponto de Cultura (conveniado inicialmente à Secretaria
Estadual de Cultura (SECULT), hoje ao Ministério da Cultura (MinC) e, a partir de então, os
trabalhos da associação tiveram mais visibilidade, hoje a associação tem assento em diversos
conselhos e fóruns municipais, estaduais e nacionais ligados à cultura como o Conselho Setorial
de Cultura Afro Brasileira. A respeito de sua militância e participação nas políticas do estado
Lula expõe:
Sou babalaxé no terreiro de AséOyaFunké, comunidade de nação Ketu
dedicado a orixá Oya. A associação cultural hoje é ponto de cultura e
funciona há quarenta anos no mesmo local na minha comunidade em
Itabuna e que através da divulgação e promoção da cultura da sua co-
munidade e que após virar Ponto de Cultura a visibilidade aumentou e
nos envolvemos em movimentos sócio-culturais e entramos em campos
de batalha antes inimagináveis para os povos de culturas tradicionais. È
evidente que não foi de dez anos pra cá que estamos lutando por direi-
tos, reconhecimento e acesso, estamos na luta há muitos anos. Há qui-
nhentos anos que meu povo luta por direito ao território, à cidadania e à
identidade. Enquanto comunidade tradicional e cultural negra chegamos
há um reconhecimento institucional através do Ponto de Cultura que
vem nos dando certa visibilidade e possibilidade de articulação política
com outros movimentos e lideranças que tem enriquecido muito nosso
processo de formação enquanto militantes e possibilidades de interação.
Ainda estamos na luta por nossa cidadania cultural, pois isso ainda é
utópico e surreal no nosso país, o que foi criado e instituído é ainda
muito pouco, os espaços onde temos visibilidade a luta e a defesa por
direitos são ainda muito limitados para a efetividade de nossa cidada-
nia e diversidade, digo que existe ainda uma distância muito grande do
Estado que queremos para o Estado que temos, somos o país que ex-
pressa a diversidade cultural que tem uma mescla de povos e processos
civilizatórios múltiplos. A cultural nos leva a uma participação social
ainda muito nova em espaços de representação política. Penso que a
cultura, a pasta da cultura, as políticas culturais devem fazer o papel de
interlocução e dizer para o resto do Estado, para as outras pastas e para a
sociedade o que representa e o que é a nossadiversidade que sem acesso
aos meios de comunicação, sem autonomia esses grupos sempre estarão
á margem, mesmo que o discurso seja de culto ao protagonismo, empo-
deramento da sociedade civil.O que vivemos ainda é muito distante do
que queremos como direitos. A participação social e política dos dife-
rentes grupos culturais em espaços públicos, conselhos fóruns ainda é
pouca e é necessário que diálogos entre os movimentos sociais e entre as
lideranças se intensifiquem. Existe ainda a necessidade de que tenhamos
assento e representatividade nas diversas pastas políticas.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho buscou-se, a partir de uma análise parcial da política de desenvolvimento
territorial e cultural do estado da Bahia, avaliar em que medida a gestão social, conceito funda-
mental e pressuposto da gestão das políticas do estado, é valorizada na construção das políticas
e como vem aproximando a sociedade e o estado nesse processo.
Nanova regionalização territorial do estado da Bahia,a partir de critérios socioculturais,
tendo os Territórios de Identidade como unidade de planejamento,percebe-se um avanço no que
se refere à gestão social das políticas, na criação e institucionalização de instâncias de represen-
tação e participação social e na construção de espaços públicos de participação ativa e diálogo
da sociedade civil no processo de construção das políticas, especialmente no campo cultural, o
que vem de certa forma expressando um novo paradigma na relação Estado-Sociedade, confor-
me expõe Antônio Rubim, secretário de cultura do estado durante o período 2011-2014.
De acordo com Castro (2005), a regionalização do estado baseada em critérios sociocul-
turais enfatiza as dimensões política, simbólica e cultural na caracterização do estado em terri-
tórios e nessa caracterização está inserida a consciência regional e identidade territorial. Em sua
fala, Antônio Albino Rubim, se refere a um constructo sociocultural que se manifesta enquanto
representação da realidade. O território também se caracteriza como um espaço de disputa e de
poder, base para essa representação que é apropriada e reelaborada pelos diferentes grupos de
interesse que se mobilizam para defender seus interesses territoriais.
A institucionalização da participação social nas políticas públicas guarda suas contradi-
ções com as práticas discursivas e com as práticas políticas e estas estão relacionadas à atuação
do Estado como agente tensionador da relação com a sociedade.
Conforme Coutinho (1980), a socialização da participação política não passa somente
pelas formas institucionais que assumem em determinado momento, mas sim no processo pelo
17
Sobre o alinhamento dos Territórios de Identidade com o governo federal ver também: SEPLAN, BAHIA. Se-
cretaria de Planejamento. .Plano Plurianual 2012–2015: alinhamento conceitual e metodológico. Salvador:[s.n.],
2011b e MINISTÉRIO DA CULTURA. Programa Cultural para o Desenvolvimento do Brasil. Brasília: Ministério
da Cultura, 2006, 49p.
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1. INTRODUÇÃO
Desde meados da década de 80 muitas instituições culturais passaram a lidar com um
novo e crescente contingente de visitantes-consumidores, atraídos por políticas culturais que
sublinham a importância do desenvolvimento de programas de formação e atração de públicos
para as artes e a cultura. Nesse cenário, as chamadas ações educativas passaram a ser uma neces-
sidade, tanto em termos propriamente educativos - para “qualificar” o encontro do público com a
arte, quanto em termos operacionais - para gerir o público massivo dentro do espaço expositivo.
A ampla divulgação de diversos tipos de bens culturais até então restritos a certas cama-
das sociais que se seguiu elevou a mediação cultural a um imperativo social (LAMIZET, 1999),
numa visão que sublinha a importância da cultura para a construção da cidadania. À medida
que “a cultura se faz visível pela mediação” 2 (LAMIZET, 1999, p.15), as políticas culturais
surgem como uma interpretação institucional da mediação cultural, esta entendida como um
1
Mestranda do programa de pós-graduação do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(IAU-USP). Email: jeseabra@gmail.com
2
Tradução da autora “la culture se donne à voir par la médiation” (LAMIZET, 1999, p.15)
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3
Traduzido pela autora: “c’est le sens de la médiation qui constitue les formes culturelles d’appartenance et de
sociabilité en leur donnant un langage et en leur donnant les formes et les usages par lesquels les acteurs de La
sociabilité s’approprient les objets constitutifs de la culture qui fonde symboliquement les structures politiques et
institutionnelles du contrat social.”
4
A partir do pós-II Guerra Mundial, no âmbito do processo de constituição do Estado de Bem Estar Social na
Europa do Norte e Centro, o setor cultural veio a ser considerado como um dos domínios de competência e atuação
direta do Estado, fundamental para a criação de melhores condições de bem-estar e para o reforço da coesão social.
(QUINTELA, 2011, p.4)
5
Pessoas jurídicas e físicas podem investir na cultura através da Lei Rouanet, em forma de patrocínio ou doação.
Para exposições de artes visuais é permitida a dedução de até 100% do valor da doação ou do patrocínio no imposto
a pagar. No caso do patrocínio, tem-se o direito à publicidade do patrocinador, o que faz com que os apoiadores,
além da isenção fiscal, estejam investindo também na imagem institucional, como mais um valor agregado à marca
de sua empresa.
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Sociais (OS) e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), com a Re-
forma do Estado no Brasil, iniciada em 1995. Subordinadas à Secretaria Estadual de Cultura,
estas instituições representam um novo modelo de gestão de serviços públicos no qual o Estado
delega a grupos selecionados a condução de instituições públicas e de seu patrimônio.
Tais políticas culturais contemporâneas inseridas na chamada “virada educacional”, que
será objeto de breve debate no presente artigo, relacionam-se ainda a movimentos mais amplos,
como a ressignificação de grandes exposições no modelo bienal em um novo contexto geopolítico.
As últimas duas décadas presenciaram um imenso crescimento da quantidade de bienais
internacionais, em especial de arte contemporânea. De acordo com Marieke van Hal, diretora
fundadora da Biennial Foundation6 e pesquisadora do departamento de curadoria do Royal
College of Art, nesse período surgiram aproximadamente cem bienais de arte contemporânea ao
redor do mundo, inseridas no que pode ser considerado um processo de globalização do sistema
artístico internacional até então restrito aos grandes centros da arte moderna: Nova York, Lon-
dres, Paris e Berlim. Com isso, há a presença relevante de muitos países e regiões emergentes
com bienais criadas recentemente, como Bruxelas, capital da União Europeia; Rússia, Índia e
China, pertencentes aos BRICS; Singapura, pertencente aos Tigres Asiáticos, além de países do
Oriente Médio.
Spricigo (2009) aponta para a coincidência cronológica desse “efeito Bienal” com o
processo de reestruturação geopolítica após a queda do Muro de Berlim, no qual diversas ci-
dades buscaram se reposicionar em um novo cenário global descentralizado que superava a
polarização política entre Ocidente e Oriente vigente durante a Guerra Fria. A partir da década
de 1990, as importantes mudanças no cenário político e econômico mundial implicaram, entre
outras coisas, a saída do Estado como o grande investidor e o declínio de temas como a produção
massificada e o planejamento das cidades e sua substituição pela gestão empresarial do espaço
urbano (ARANTES, 1999).
Nesse contexto, as bienais direta ou indiretamente inserem-se em estratégias competiti-
vas para reposicionar as cidades no panorama mundial, com uma crescente convergência entre
cultura e economia. Nesse sentido, há uma concorrência por capital simbólico7, por quotas de
mercado e por monopólios. Por outro lado, há as demandas políticas e econômicas locais por
6
Organização independente que opera como uma plataforma para coletar e difundir informações sobre as bienais.
Mais informações no site <www.biennialfoundation.org>.
7
De acordo com Pierre Bourdieu, o poder simbólico é “o poder invisível o qual pode ser exercido com cumplici-
dade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1989, p. 8). O
autor reconhece que os sistemas simbólicos, tal como a arte, exercem poder estruturante na sociedade porque são
estruturados. Essa estrutura diz respeito a símbolos capazes de contribuir com uma maior integração social, uma
vez que formam consensos sobre a realidade, facilitando assim a reprodução da ordem social. (BOURDIEU, 1989,
p. 10). Bourdieu observa ainda que há uma proximidade de interesses entre os detentores do poder simbólico e os
detentores do poder temporal, político ou econômico. Ver mais em: BOURDIEU, Pierre. Sobre o poder simbólico.
In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
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Essa discursividade se destaca no campo das exposições também nas práticas de media-
ção, mas adquiriu um caráter de participação ativa e de troca entre mediador e visitante muito
recentemente. Usualmente, no Brasil, quando se fala de mediação da arte, adota-se,
(…) via de regra, (…) o ponto de vista da educação (da arte), dos pro-
jetos pedagógicos, serviços e programas educativos de museus, univer-
sidades e instituições culturais – um lugar (ainda) coadjuvante, ou não
plenamente incorporado, e de interesse secundário por parte do campo
(ou seria do sistema?) da arte. (GONÇALVES, 2013, p.70)
Dessa forma, a curadoria das mostras e as práticas de mediação são frequentemente
apartadas, “concebidas como processos distintos: comunicáveis, mas hierarquicamente distan-
tes” (GONÇALVES, 2013, p.70). Isso ocorre devido a uma ideia errônea de que a mediação se
constitui como uma tentativa de tradução da curadoria, esta detentora do discurso, verdadeiro,
da arte. Daí também a ideia de que a mediação se constitui como um ensino, uma educação,
através da qual são transmitidos conhecimentos aos visitantes. Essa ideia imperou nas práticas
de mediação na Bienal de Artes de São Paulo entre 1951 e 1984, período que se constituiu por
“Propostas Educacionais em História da Arte”, realizadas por historiadores de arte, de acordo
com Minerini Neto. A partir de 1985, com a chegada da equipe coordenada pela arte-educa-
dora Ana Cristina Rocco Pereira de Almeida, as iniciativas calcadas na história da arte seriam
compartilhadas com “visitas e atividades específicas para crianças e adolescentes, para os quais
deixará de imperar a transmissão de valores da história da arte”, de modo a “acolher leituras
e interpretações manifestas por cada participante”, (MINERI NETO, 2014, p.25), iniciando o
período caracterizado por “Propostas Educacionais em Arte/Educação”.
Essa postura, que vê os visitantes como interlocutores e o papel da mediação o de pro-
curar um debate que considere a identidade e o background de cada participante, procura sub-
verter a lógica que subjulga a prática, que nega sua qualidade criativa e intelectual. É uma
postura que vê a mediação também como um processo curatorial, porque ela “envolve esco-
lhas, construção de narrativas, precisão no recorte, conhecimento histórico e postura política
(sim!)” (GONÇALVES, 2013, p.71). Em última instância, vê as práticas de mediação também
como artísticas, o mediador como artista, algo como buscar recuperar a virada antropológica no
mundo da arte contemporânea, ocorrida na segunda metade dos anos 1990, também no campo
da mediação da arte. Explicamos: para Hall Foster, o “artista como etnógrafo” era tipicamente
um visitante internacional sancionado vindo de fora da cultura local com a qual ele estava se
envolvendo. Paul O’Neill em seu livro The Culture of curating and the curating of culture(s)
(2012) traça esse fenômeno como um modo de problematizar o papel do curador que estabe-
lece uma representação descontextualizada da arte não-ocidental – uma visão que olhou para
preocupações formais e estéticas ao invés de especificidades socioculturais. De modo análogo,
poderíamos pensar no mediador como etnógrafo, como aquele que problematiza os contextos
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teve muito a contribuir. Ávido por publicidade, Cid Ferreira estabeleceu laços estreitos com a
imprensa. A equipe de monitores voltou a ser destaque na mídia, mostrando que aquela gestão
na Bienal tinha por objetivo promover a educação das massas, mesmo argumento usado nas
primeiras Bienais, que, agora, atrelava-se ao interesse econômico de atrair patrocinadores. (MI-
NERI NETO, 2014, p.162).
A partir de então as parcerias se tornariam cada vez mais numerosas. Lilian Amaral
aproximou a Bienal de São Paulo da FDE – Fundação para o desenvolvimento da Educação e
também do Serviço Social do Comércio (SESC), ao conduzir ação educacional para a 23ª edi-
ção. Essas parcerias, em associação com a grandiloquência do presidente da Fundação Bienal
fez com que o número de monitores crescesse, objetivando atender todo o público que passasse
pela Bienal. Com isso, qualquer pessoa que chegasse à exposição poderia solicitar acompanha-
mento de um monitor, ainda que a coordenação aconselhasse a formação de grupos de visitas a
fim de assegurar a disponibilidade de seus monitores. Com números oscilantes, falou-se entre
110 e 130 monitores. Outros números surpreendem:
(...) Diariamente, a Fundação Bienal, por meio da Coordenação da Ação
Cultural Educativa e Monitoria, oferece vagas para professores de artes
e áreas afins das redes pública e particular de ensino e para orientadores
pedagógicos da rede municipal para o curso de Formação de Mediado-
res em Artes. São 4 mil vagas para os professores interessados e 800
para os coordenadores pedagógicos da prefeitura (…). O curso com-
preende uma palestra sobre o tema Desmaterialização da Arte no Final
do Milênio, comenta a história da Bienal e sua relação com a cidade de
São Paulo propõe exercícios de leitura da obra de arte, realiza visitas
comentadas e orientadas por interlocutores-monitores no espaço expo-
sitivo e propõe uma discussão final sobre como preparar os alunos para
as visitas e os interessarem sobre arte contemporânea. (GUIA VOGUE,
1996, s/p apud MINERI NETO, 2014, p.168)
No entanto, essa profissionalização das ações educativas ainda encontrariam dificulda-
des em gerir o número cada vez maior de visitantes no espaço expositivo. Um exemplo foi a
25ª edição que a partir de um convênio firmado com a Secretaria de Estado da Educação, no
qual esta subsidiou a compra de ingressos, investindo cerca de um milhão de reais e a Fundação
Bienal, como contrapartida, responsabilizou-se pela realização de visitas monitoradas de cerca
de 200 mil estudantes e professores. Entretanto, quando esse convênio foi firmado, já estava em
curso a formação dos mediadores já selecionados. Percebeu-se que a demanda havia aumenta-
do demasiadamente e não havia orçamento disponível para contratar novos mediadores e nem
tempo para formá-los. A solução encontrada foi gravar e exibir um vídeo no Pavilhão da Bienal
para contextualizar a exposição a estudantes e professores que, sozinhos, assistiam ao vídeo e se
autoconduziam pela exposição. Mirian Celeste, coordenadora de educação da mostra, descreve:
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and the educational turn (2010), formatos, métodos, programas, modelos, condições, processos
e procedimentos educativos tem penetrado as práticas curatoriais e artísticas contemporâneas e
seus concomitantes quadros críticos. Este fenômeno está inserido na chamada “virada educa-
cional”, que é:
Oriunda em certa medida da chamada virada social; por outro lado, de
uma crítica ao mercado da arte e ao capital cultural, (…) entre tantas
outras possíveis origens, (…) consiste em uma mudança radical nas ma-
neiras de atuar e existir, principalmente, de artistas e curadores, em que
o foco da criação e organização de objetos de arte se desloca para a pro-
dução de espaços dialógicos e situações de convívio, tendo como uma
de suas bases teóricas principais, a pedagogia crítica e investigações ex-
perimentais e mais radicais realizadas no campo da educação na década
de 1970. (GONÇALVES, 2006, p.17-18)
Nesse sentido, em uma tentativa de ampliar o potencial crítico social da arte as curado-
rias de edições recentes da Bienal utilizam-se de discursos e estratégias que colocam as relações
humanas no centro da criação e interpretação da arte contemporânea. É o caso, por exemplo, da
estética relacional e da arte participativa, em estreita colaboração com a comunidade. Questio-
na-se, nos diversos âmbitos da arte, da produção ao consumo, a tradicional relação entre o objeto
de arte, o artista e os públicos.
Podem ser citadas neste contexto as 27ª edição (2006), na qual a curadora Lisett Lagnado
privilegiou aspectos da globalização cultural tais como migrações, terrorismo, subjetividade
etc.; ou a 29ª edição (2010) que contava com áreas intituladas “Terreiros”, espaços com diversas
atividades que faziam alusão a espaços públicos como praças, entendidos como o lócus da ação
política. Essas mostras parecem buscar uma práxis educacional cada vez mais expandida, em
consonância com “práticas colaborativas e interdisciplinares” que se aproximam do mundo da
vida, estetizando elementos do presente na forma artística.
Com a penetração da educação e suas consequências ativas nos mais diversos âmbitos
artísticos acredita-se na tendência da diminuição da autonomização organizacional da função
educativa no Educativo Bienal. Esta autonomização é consequência da visibilidade do trabalho
educativo e do sucesso da sua programação e se traduz muitas vezes no isolamento das progra-
mações do Educativo e das exposições. Isto reforça sua condição subserviente da função princi-
pal da Bienal – criar e mostrar as obras artísticas, enquanto manifestações da cultura erudita. Ou
seja, a tendência, acredita-se, é que o serviço educativo lentamente deixe de ser percebido como
um “mal necessário” no caminho de uma democracia cultural e afirme-se como um espaço de
experimentação e troca.
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RESUMO: A partir de uma obra de expansão de um imóvel residencial, em uma área onde
recursos de valorização imobiliária vem provocando um intenso processo de intervenção urbana
na Cidade do Rio de Janeiro, surgem demandas para se pensar os limites e possibilidades de
uma política cultural que dê conta da diversidade cultural e de agendas. O artigo visa mostrar
a constituição do Instituto Pretos Novos - e o processo de negociação e conflito entre essa
instituição e os gestores de políticas públicas culturais do Rio de Janeiro.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho busca apresentar uma das ações de políticas culturais realizadas fora do espa-
ço público estatal na zona portuária do Rio de Janeiro. Busco debater a importância do surgimento
da “sociedade civil” no sentido gramsciano para a implementação de políticas culturais dos/por/
com representantes de instituições que acabaram alargando as fronteiras do fazer “a” política.
Pretendo mostrar o processo de constituição de uma instituição sem fins lucrativos –
Instituto Pretos Novos – que impacta o olhar do poder público sobre a região denominada de
“Pequena África” e a importância do reconhecimento das políticas culturais produzidas nos
territórios, em espaços públicos não estatais.
A partir de uma demanda por apoio financeiro/técnico e de reconhecimento de um espa-
ço de memória invisibilizado nos últimos 150 anos, iremos debater os limites e possibilidades
de se pensar uma política pública cultural a ser produzida em conjunto com atores culturais que
ressignificam territórios para além da lógica do mercado.
1
Doutor em Políticas Públicas de Cultura pela UFRJ, professor e coordenador do Bacharelado em Produção Cul-
tural no IFRJ/Campus Nilópolis. jguerreiro2@gmail.com
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2
Para uma discussão sobre a concepção marshalliana de cidadania, ver Coutinho (op. cit.).
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período ditatorial - que conquistam espaços de debates e, muitas destas demandas são acolhidas
pela chamada Constituição Cidadã de 1988.
Segundo alguns autores3, neste período surgem, também, discussões sobre a possibilida-
de de articular um projeto dentro do Estado, ampliando a esfera pública com participação dos
representantes dos setores organizados da sociedade na formulação das políticas públicas. O
debate era sobre a constituição de novos agentes políticos. Buscava-se romper com a dicotomia
Sociedade Civil (representando o bem) versus o Estado autoritário (o mal). Entretanto, logo após
a promulgação da Constituição de 1988 vem a primeira eleição direta para presidente do país
após 29 anos. Esta seria a primeira eleição universal no Brasil: apesar das mulheres poderem
votar desde 1933, apenas com a Constituição de 1988 os analfabetos adquiriram este direito.
Como resultado dessa eleição, um projeto de corte neoliberal vai conduzir a sociedade bra-
sileira a partir do ano 2000 até 2002. Neste projeto, avaliamos que há uma redefinição do espaço
de atuação da sociedade civil junto ao aparelho de Estado e, os grupos que se articularam, inicial-
mente no movimento “Diretas Já” e, posteriormente, nos debates que levaram a promulgação da
Constituição de 1988 se vem alijados do processo de construção de uma democracia participativa.
Muitos desses atores sociais vão atuar em diversas outras instâncias – como governos es-
taduais, municipais etc. – implementando processos de participação popular em diversas áreas.
Sustentamos neste artigo que, mesmo com um hiato de 15 anos entre a constituição de 1988 e a
eleição de 2003, o projeto de ampliação do Estado no sentido gramsciano se rearticula e vai ter
no Ministério da Cultura, no período de 2003 à 2010, seu principal exemplo de funcionamento4.
A constituição das políticas culturais a partir dos processos de Conferências Munici-
pais, Estaduais e Federais de Cultura, além do fortalecimento dos espaços de participação de
representantes da sociedade civil nos mais diversos níveis de governo – Conselhos de Políticas
Culturais com caráter deliberativo – vai fomentar a ampliação e o reconhecimento de ações
culturais antes invisibilizadas. Mesmo com tensões, enfrentamentos e negociações, a forma de
fazer política cultural vai descer o planalto e também será percebida no porto do Rio de Janeiro.
3
Ver Dagnino (2004) e Chauí (2006), entre outros.
4
Para uma discussão sobre o processo de constituição do programa de política cultural que vigorou no MinC entre
2003 e 2010, ver o documento A imaginação a serviço do Brasil, 2002.
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5
Entrevista concedida à Maíra Lemos. Teia na Tela. DvD da Teia 2007.
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Contudo, essa luta pela ampliação dos espaços de participação extrapola a relação entre
o MinC e os movimentos socioculturais e vai informar ou mesmo influenciar outras relações de
construção de formulação da política cultural em outras esferas e regiões.
Na região portuária do Rio de Janeiro, que vem sendo objeto do maior investimento pú-
blico do estado por conta dos megaeventos esportivos (Copa das Confederações de 2013, Copa
FIFA de Futebol de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016), temos uma ressonância das lutas pela
participação dos atores locais nas definições da macropolítica cultural e, também, na forma de
se relacionar com este novo ator social da região: o interventor urbanístico.
E, apesar de a zona portuária estar no centro de negócios de um município que se vê
cosmopolita ou mesmo global, são as expressões culturais locais que vem entrando na cena de
negociação como representantes da sociedade civil junto ao poder público.
Dentre essas expressões culturais, irei me deter sobre uma em especial: o Instituto Pretos
Novos (IPN). O faço por entender que IPN foge ao padrão de constituição de uma instituição
de defesa do patrimônio material/imaterial, por ter surgido a partir do descaso do poder público
brasileiro com a herança de uma época que muitos querem esquecer ou ocultar e, ao mesmo
tempo, pelo acaso em que um importante achado histórico se torna público.
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se desenhava como um centro de memória da Pequena África, com ênfase na história e pesquisa
sobre o Cemitério dos Pretos Novos.
As escavações que até então estavam paralisadas deveriam ser retomadas em 2001, a
partir de uma parceria entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e o Instituto de Arqueologia do Bra-
sil8 (IAB). De acordo com informações veiculadas pela imprensa9 na ocasião, o financiamento
para a escavação do quintal da casa do IPN era de cerca de R$ 240 mil (duzentos e quarenta mil
reais). Entretanto, de acordo com Merced, nem as escavações, nem a pesquisa realizada pelo
IAB foram concluídas.
Com relação às pesquisas iniciadas pela bioarqueóloga Lilia Machado, do IAB, elas fo-
ram interrompidas em 2005, com o falecimento da pesquisadora. Assim, no ano de 2011, segun-
do Sheila Souza (SOUZA, 2012), um grupo de pesquisadores com experiência em estudos sobre
populações do passado, retomou as pesquisas sobre os remanescentes humanos encontrados no
antigo Cemitério dos Pretos Novos. Com base nessa pesquisa está sendo possível identificar a
origem regional dos africanos escravizados que aportaram no Caís do Valongo10.
Mesmo com dificuldades que poderia levá-lo ao recuo, mas, ao mesmo tempo, com in-
centivos de estudiosos, pesquisadores, turistas e ativistas do movimento negro, o IPN é fundan-
do em 2005, ou seja, quase dez anos após a descoberta do Cemitério dos Pretos Novos, como
nos explica Merced em entrevista. O IPN tem
por finalidade propor reflexões, estimular projetos educacionais e de
pesquisa, para a preservação da memória relacionada aos fatos e aconte-
cimentos afins ao período da escravidão legal, com seus desdobramen-
tos nos dias atuais, analisando suas consequências ao longo do processo
civilizatório, incorporados à diversidade inter-étnica que compõe a tota-
lidade do povo brasileiro. (MERCED, 2013)
Depreende-se da conversa com Merced, que antes da institucionalização do IPN foram
feitas diversas tentativas junto ao poder público, seja para a manutenção do espaço, seja para
financiar atividades de pesquisa. Ambas tentativas fracassaram. As hipóteses levantadas para
essas negativas são várias: dificuldades de obtenção de recursos públicos pela falta de uma per-
sonalidade jurídica; falta de documentação; desinteresse do poder público local e; dificuldade
de formatar projetos de acordo com as exigências apresentadas pelos editais. Mas, a despeito
8
A página eletrônica do Instituto informa que o IAB foi fundado em 29 de abril de 1961. É uma instituição partic-
ular de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos (ONG), que tem por MISSÃO a dedicação integral à Pesquisa,
Ensino e Divulgação da Arqueologia Brasileira. A sede do IAB, no município de Belford Roxo (RJ), é credenciada
junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para Guarda de Acervos Arqueológicos.
9
Jornal Folha de São Paulo, 20/11/2001. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ul-
t95u40857.shtml. Acesso em 16 março 2013.
10
Souza (2012) apresenta nesta pesquisa os avanços obtidos na identificação dos traços genéticos e culturais extraí-
dos das arcadas dentárias encontradas e a utilização de recursos da pesquisa forense que possibilitaram a conclusão
da diversidade de origens dos africanos escravizados. Ver Revista Ciência Hoje, nº 291, ano 2012.
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dessas dificuldades e mesmo com recursos próprios, no ano de 2005, o casal adquiriu mais dois
imóveis vizinhos, visando expandir o terreno das escavações e do projeto.
Perguntada sobre os financiamentos públicos do espaço antes do ano de 2003, a resposta
de Merced foi direta:
mantido exclusivamente pelo esforço do casal de proprietários do imó-
vel, auxiliados pelo trabalho e valores voluntários de pessoas de diver-
sos segmentos da sociedade civil identificadas com os ideais da promo-
ção da igualdade racial e social do Brasil (2013).
A partir de 2003, conforme hipótese sustentada nesse artigo, a construção de fóruns
locais, estaduais e federal de discussão e desenho de uma política cultural participativa, indi-
retamente beneficia o IPN. A horizontalidade da discussão, que vai apontar para a implantação
do Programa Cultura Viva e os pontos de culturas, é decorrente de ações gestadas no seio da
sociedade civil e representa o acúmulo de musculatura de um participante no campo político até
então sem ser ouvido: o praticante.
Essa nova conjuntura política, onde os fóruns e conselhos de cultura se fortalecem, trans-
borda e é propiciada por instituições como IPN, que embora não esteja vinculado ao Estado,
passa a recorrer a ele não como gestor, mas como possível parceiro financiador dos projetos.
Percebemos que, a partir do ano de 2003, ao lançar o então programa Cultura, Educação
e Cidadania, o Ministério da Cultura tem como uma das suas ambições “promover” o protago-
nismo e a emancipação social, garantindo o acesso aos bens culturais necessários para a expres-
são simbólica e artística. E, além dessa retórica criticada como passível de representar o dirigis-
mo estatal, articula e possibilita a constituição de fóruns de debate como lócus de formulação de
propostas coletivas de políticas públicas de cultura. Estamos argumentando aqui que, no âmbito
do Ministério da Cultura, as forças políticas da sociedade passaram a ter um papel participativo
e não apenas representativo. Até porque as representações conquistadas pelos setores no Conse-
lho Nacional de Política Cultural (CNPC) são importantes na medida em que os representados
participem dos fóruns de construção dessas representações. É nos fóruns municipais que perce-
bemos os praticantes interferindo na constituição das políticas.
As dificuldades apresentadas pelo casal que dirige o IPN possibilita-nos entender por-
que, em 2003, quando estava programada a primeira exposição itinerante com parte do material
até então escavado, pesquisado e catalogado, a mesma resultou apenas na exposição de imagens.
A viabilização da circulação do material seria obtida a partir do financiamento da expo-
sição itinerante por parte da Companhia Docas do Rio de Janeiro, autoridade portuária subordi-
nada à Secretaria dos Portos do governo federal. Entretanto, os recursos não foram suficientes
para garantir a integridade, segurança e conservação das ossadas. Com isso, a circulação e apre-
sentação das ossadas foram suspensas.
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Pontos de Cultura, segundo estimativas do Ministério da Cultura de 2007, 90% destes ficaram
inadimplentes por não conseguirem prestar contas de acordo com a legislação. A razão é fácil
de ser percebida. Grandes instituições culturais como AfroReggae, Central Única de Favelas
(CUFA) e Ação da Cidadania já possuem expertise e pessoal qualificado na atividade meio de
administração, o que facilita a elaboração dos projetos e as posteriores prestações contas. Os re-
cursos advindos de projetos como o Ponto de Cultura – média de R$ 5 mil (cinco mil reais) por
mês – vinham se agregar a outros recursos de outras fontes que elas conseguiam movimentar.
Já os pontos de cultura que iniciaram a institucionalização das suas atividades após esse
reconhecimento, via Programa Cultura Viva, não tiveram, na esmagadora maioria das vezes,
oficinas de elaboração de projetos ou de prestação de contas, apesar de algumas caravanas com
técnicos da área cultural que visitaram algumas cidades quando os editais foram publicados.
Assim, agentes culturais de pontos de culturas localizados em áreas informais das cidades – fa-
velas, loteamentos irregulares, ocupações etc. – ou moradores de pequenos municípios e áreas
rurais não tinham como adquirir os materiais de consumo ou equipamentos a não ser no comér-
cio local. Tivemos, então, centenas de recibos de compra de materiais sem o número do Cadas-
tro Nacional de Pessoa Jurídica dos estabelecimentos. Acreditar que todos os pontos de cultura
nessa situação tiveram intenção de burlar a lei seria muito extremo. Mas, segundo a Lei 8666/93,
intenção e dolo tem o mesmo resultado. Defendemos que o problema foi utilizar a referida lei
para regular os contratos e convênios com o Ministério da Cultura sem, por um lado, qualificar
todos os proponentes que tiveram os projetos deferidos, e sem ter contingente de pessoal para
realizar essa árdua tarefa. Como o decorrer do tempo e com as experiências de outras formas de
reconhecer ações culturais informais – como, por exemplo, o Prêmio Myriam Muniz concedido
pela Fundação Nacional das Artes (FUNARTE) – a forma de reconhecer os espaços culturais
que atuam como um ponto de cultura se modificou. Buscou-se diminuir a burocracia, possibili-
tar que pessoas físicas participassem de editais e premiações e, com isso, alargar o horizonte de
visibilidade de ações culturais. Entretanto, o Tribunal de Contas da União ainda não reconhece
as premiações como uma ação legal, o que vem gerando processos contra gestores públicos que
a vem utilizando.
Por outro lado, surgiram diversos escritórios, instituições e consultores especializados
em elaborar projetos culturais, enquadrá-los nas leis de incentivos fiscais nas diversas instâncias
de poder e realizar prestações de contas. Não estando esses gastos discriminados nas rubricas
dos editais, acabaram gerando custos administrativos acima dos que eram esperados, tanto pelo
poder público, quanto pelos praticantes.
Retornando ao caso específico do IPN, vamos verificar que só no ano de 2010, após a
descentralização das políticas de fomento à cultura via edital para os Estados, ele se beneficia
com um projeto de Ponto de Cultura. Mas gostaria de salientar que é a partir de 2003 que essa
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1
Doutor em Antropologia, Professor Titular DAN/UnB e Coordenador do INCTI/UnB/CNPq - jorgedc@terra.
com.br
2
Doutora em Antropologia, e Coordenadora de Pesquisa no INCTI/UnB/CNPq - viannaleticia@hotmail.com
3
Geógrafa, Mestranda em pelo PPCULT – Programa de Pós Graduação em Cultura e Territorialidades e bolsista
DTI do INCTI/UnB/CNPq.- flavia.sededepeixe@gmail.com
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Por meio deste mapeamento, foi possível a sistematização de informações sobre dife-
rentes linhas oficiais de ação de identificação, reconhecimento, apoio e fomento de mestres das
culturas populares nas escalas federal e estadual. Além desses programas oficiais de identifica-
ção de mestres observados nas escalas nacional e estadual, até o momento, foram identificados
mestres através de dois mapeamentos feitos pelas bases sociais de determinadas expressões
culturais: um em “território jongueiro” em escala regional (Sudeste); e um em “território do
samba de roda” em escala local (Recôncavo Baiano). Destaca-se que estes dois mapeamentos
foram apoiados pelo Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura; que a partir de 2007 pro-
porcionou a implementação do Pontão de Cultura Jongo Caxambu, com sede em Niterói (RJ) e
do Pontão de Cultura Casa do Samba, com sede em Santo Amaro (BA).
O gráfico a seguir mostra a proporção de mestres identificados por tipo de fonte de
informação
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através de legislação estadual. Na Bahia existe lei estadual que ainda não foi implementada, as-
sim como em Minas Gerais. É visível a correlação entre a proporção da área de saber artesanato
(observada no gráfico relativo às áreas de saber) e a proporção do Programa SAP. Observa-se
o quanto é significativo numericamente e proporcionalmente o instituto de leis estaduais de
reconhecimento. Nesse sentido, é interessante a ponderação por parte do Ministério da Cultura
sobre a possibilidade de um programa de estímulo aos estados da federação que ainda não o
fizeram, implementarem e aplicarem leis voltadas ao reconhecimento de mestres e mestras
Uma questão metodológica que se colocou como um desafio para a sistematização das
informações foi a classificação das maestrias em categorias gerais relativas às áreas do saber. O
princípio básico é o de que, embora seja uma categoria genérica e não necessariamente usada
em todos os contextos de socialização dos saberes populares tradicionais (como nas comunida-
des indígenas, ou de terreiro, por exemplo, que não usam correntemente o termo), a categoria
mestre é, aqui, formulada como relativa à pessoa que é referência nos processos de transmissão
e atualização das tradições, sobretudo quando não é a escrita a forma de expressão primordial.
O mapeamento realizado permite a observação de uma grande diversidade de expres-
sões culturais e as muitas possibilidades de nominação e classificação de expressões e saberes
que caracterizam as maestrias. Por outro lado, também traz à luz a complexidade dos saberes po-
pulares – uma complexidade que no ambiente acadêmico poderia ser chamada de transdiscipli-
naridade. Por exemplo: uma artesã de trançado de fibra de buriti, além de dominar o conceito e
a técnica de feitura de cada peça artesanal, normalmente domina os saberes do manejo do buriti,
seu ciclo reprodutivo, seu ambiente de florescimento, os modos do extrativismo ou cultivo não
predatório; e outros conhecimentos que poderíamos mesmo correlacionar com conhecimentos
reconhecidos como alta ciência do meio ambiente. Uma artesã ceramista, para além da mo-
delagem plástica do barro, precisa saber da química e da física do barro, condições de pureza,
da liga, das temperaturas seguras para o bom cozimento; das propriedades químicas e físicas
dos pigmentos empregados - se liberam toxinas e a peça pode ser utilitária além de decorativa.
Em relação às artes da performance, também existe a transdisciplinaridade, na medida em que
um brincante detentor de saberes, geralmente poder ser ator, músico, artesão, artista plástico,
devoto, tudo ao mesmo tempo. E geralmente um mestre brincante não se limita a uma só brin-
cadeira, uma só especialidade. Em geral muitos papeis são desempenhados envolvendo vários
saberes. Assim, várias práticas e saberes podem estar ou estão necessariamente imbricados.
E uma pessoa pode assumir diversos papéis, cultivar muitos saberes correlatos (ou não) e ter
várias maestrias. Nesse sentido, cada pessoa geralmente é classificada como mestre de uma ou
mais expressões culturais; e certamente dever ter conhecimento denso e profundo sobre muitas
áreas do saber. Uma pessoa pode ser mestre em umas expressões e, em outras, ser apenas um
sabedor ou aprendiz.
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Em relação às áreas do saber, foi possível ver com clareza as menos visibilizadas nas
políticas públicas refletidas pelas fontes de informação observadas. Nesse sentido o mapeamento
já indica o que e onde está o menos visível, apoiado e fomentado, nas ações como as aqui obser-
vadas; de modo a subsidiar tomadas de decisão no sentido priorização da inclusão destas áreas do
saber nas políticas para ciência, cultura e educação nas três esferas do pacto federativo. Também
sugere um universo muito rico e potencialmente muito maior de pessoas de maestrias diversas,
ainda a serem identificadas, tendo em vista a proporção entre o universo total abordado (1.127) e
a população total do país (a estimativa do IBGE é de 204 milhões de habitantes em 2015).
PERSPECTIVAS
Um mapeamento de mestres e mestras como este realizado pelo INCTI, é um atendimen-
to à demanda posta tanto pelos segmentos da sociedade, quanto pelos setores públicos, no senti-
do de dar visibilidade, facilitar intercâmbios e redes, centralizar informações para gestão de po-
líticas consequentes e complementares nas esferas públicas da cultura e sociedade. Mapeamen-
tos integrados, tal como é proposto pelo Plano Setorial para as Culturas Populares, conformam
um empreendimento de magnitude. E é fundamental neste momento que se dê a consolidação
da política pública participativa na direção da identificação, reconhecimento, apoio, fomento e
inclusão de mestres em lugares de relevância e influência para as artes e ciências no país. Tanto
as três esferas dos poderes públicos, quanto a sociedade civil, precisam manter o interesse e con-
dições de realização de mapeamentos integrados, no sentido de trazer ao conhecimento público
a diversidade cultural no território em uma escala que proporcione a visualização dos sujeitos
da história, guardiões das tradições - os tesouros humanos.
A pesquisa para o mapeamento que apresentamos foi desenvolvida de junho de 2014
a setembro de 2015, como uma ação integrada ao Projeto Encontro de Saberes - implementa-
do pelo INCTI/UNB/CNPq. Este Projeto teve início em 2010, na Universidade de Brasília; e
é voltado para a inclusão de mestres dos saberes tradicionais na docência universitária. Está
em expansão e consolidação em diferentes campus de várias universidades brasileiras: UFMG;
UFJF; UFSB; UFPA; UECE. O resultado do trabalho está assentado sobre vários instrumentos,
tais como planilhas por estado, listas nominais por maestria e forma de reconhecimento, quadros
com distribuição dos mestres por município, mapas virtuais experimentais, gráficos indicadores,
textos analíticos e relatórios. Foram mapeados 1.127 mestres e mestras dos saberes populares
tradicionais, identificados em fontes de informações relativas às políticas públicas nas escalas
federal e estadual. E também mestres identificados por mapeamentos realizados pelas bases so-
ciais de expressões culturais em escala regional e local. Foi possível observar as áreas do saber
mais e menos privilegiadas. E, de alguma maneira, alertar para o fato de que as menos visíveis
e fomentadas (as relativas à saúde, cura, meio ambiente, espiritualidade, liderança política) são
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fundamentais para a soberania dos povos e nações que constituem a nação brasileira! Tão funda-
mentais quanto as artes performáticas, as celebrações, artesanatos e tecnologias para a definição
das identidades culturais no território.
Nesse sentido o mapeamento é, por si, uma pesquisa desafiadora para o INCTI, pois
instiga o desenvolvimento de métodos de trabalho científico e a reflexão sobre resultados. Por
outro lado, oferece à rede de mestres, professores, alunos e colaboradores do Projeto Encontro
de Saberes, informação sobre quem são, o que sabem e onde estão os potenciais mestres a serem
incluídos como referências no ensino superior e pesquisa. Esperamos também que tanto os po-
deres públicos, quanto a sociedade civil, possam aproveitar os resultados do trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LEIS ESTADUAIS
ALAGOAS – Lei nº6.513 de 22 de setembro de 2004 – Registro do Patrimônio Vivo do Estado de
Alagoas.
BAHIA – Decreto Lei nº 9.101 de 19 de maio de 2004.
BAHIA – Lei nº 8.899 de 18 de dezembro de 2003 – Registro dos Mestres dos Saberes e Fazeres do
Estado da Bahia.
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PRÊMIOS
BRASIL – MINISTÉRIO DA CULTURA – Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural – Prêmio
Culturas Populares 2008 – Edição Mestre Humberto de Maracanã. 1ª edição, 2008.
_______. Secreataria da Cidadania e da Diversidade Cultural- Prêmio Culturas Populares 2009 - Edição
Mestra Dona Izabel, 2a edição, 2009.
_______. Secreataria da Cidadania e da Diversidade Cultural - Prêmio Culturas Populares Edição 100
anos de Mazzaropi, 2011.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístic Nacional e Fundação Palmares//MINISTÉRIO DA CULTRA
– Prêmio Viva Meu Mestre 2011.
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RESUMO: Este artigo reflete sobre avanços obtidos e desafios atuais da Convenção sobre a
Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005). Para tanto, reporta
aos Relatórios periódicos quadrienais sobre as medidas para proteger e promover as expressões
culturais, emitidos pelos países latino-americanos Equador, Peru e México (2012) e ao relatório
“Repensar as politicas culturais”, lançado pela Unesco, em dezembro de 2015, no contexto dos
10 anos da Convenção. O artigo é fruto de análises iniciais, realizadas no âmbito da pesquisa “A
Convenção da Unesco e as políticas para a diversidade cultural no espaço latino americano”, em
desenvolvimento ao longo de 2016 pelo grupo Observatório da Diversidade Cultural (CNPq).
1. INTRODUÇÃO
Adotada pela Assembleia Geral da UNESCO em 20 de outubro de 2005, a Convenção
da UNESCO sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais completou
em 2015 uma década de existência, apontando para avanços, mas também para desafios impor-
tantes nos contextos culturais dos países signatários. Após o período de dois anos envolvendo
discussões e negociações em torno de seu texto, a Convenção entrou em vigor em 18 de março
de 2007, validada inicialmente por 30 países. A Convenção conta hoje com a ratificação de 139
países e uma organização de integração econômica regional (União Europeia).
Em seu texto, estabelece princípios, objetivos e compromissos para a construção de uma
agenda internacional que, dentre outras coisas, assegure aos países a criação de mecanismos
1
Produto parcial da pesquisa “A Convenção da Unesco e as políticas para a diversidade cultural no espaço latino
americano”, desenvolvida pelos pesquisadores Giuliana Kauark, José Marcio Barros, Juan Brizuela, Kátia Costa,
Plínio Rattes, Raquel Utsch , Renata Melo, Tatiana Corsini e Vítor Costa, integrantes do Grupo de Pesquisa Ob-
servatório da Diversidade Cultural.
2
Dr em Comunicação e Cultura. Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes da UEMG e em Comunica-
ção da PUC Minas. Coordenador do Observatório da Diversidade Cultural. josemarciobarros@gmail.com
3
Graduada em Jornalismo e Mestre em Comunicação Social (Puc Minas). Pesquisadora do Observatório da Di-
versidade Cultural. raquel.utsch@gmail.com
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de proteção e promoção das diferentes expressões culturais frente aos efeitos da globalização e
constantes ameaças de homogeneização cultural decorrentes.
A Convenção busca fortalecer a construção de uma relação social que “galvanize as
diferenças sem, contudo, se perderem a singularidade e a especificidade das identidades” (Mi-
guez, 2011:38), em uma conjuntura de intensificação dos processos migratórios, de diáspora, de
hibridização e sincretismo. Outro aspecto importante diz respeito à dimensão das trocas comu-
nicacionais na atualidade, em que as tecnologias de informação e comunicação assumem papel
central nas relações sociais, uma vez que intensificam as trocas culturais, mas acentuam o risco
de desequilíbrio entre países ricos e pobres.
Dentre os objetivos deste marco político e institucional internacional, pode-se destacar:
o reequilíbrio do comércio de bens e serviços culturais; a adoção e fortalecimento de políticas
públicas de cultura; a criação de um quadro de cooperação e de solidariedade internacional; a
integração da cultura nas políticas de desenvolvimento sustentável.
O maior desafio da Convenção da Unesco (Dupin, 2015) consiste em servir como marco
legal que confira tratamento diferenciado à cultura nos acordos comerciais internacionais, de
forma a não submetê-la à lógica do Direito comercial internacional e à ação da Organização
Mundial do Comércio (OMC). O que se pretendeu foi atuar na perspectiva de que a proteção e
promoção da diversidade cultural deve ser considerada premissa para as trocas comerciais no
mundo globalizado. Para tanto, a Convenção afirma as dimensões econômica e cultural dos bens
e serviços culturais, como portadores de valores e sentidos, bem como reconhece a legitimidade
das políticas públicas culturais nacionais. O Artigo 1º da Convenção (UNESCO, 2005, p. 3)
trata, nessa direção, da necessidade de “(g) reconhecer a natureza específica das atividades, bens
e serviços culturais enquanto portadores de identidades, valores e significados” e “(h) reafirmar
o direito soberano dos Estados de conservar, adotar e implementar as políticas e medidas que
considerem apropriadas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em
seu território”.
Como observa a autora, relatório publicado pelo Serviço de Avaliação e Auditoria da
UNESCO em 2014, elaborado com base em documentos de 22 países-membros dos cinco con-
tinentes, relaciona tendências e mudanças tangíveis nas políticas, na legislação e nos programas
adotados pelos países, bem como fatores que dificultam ou impedem a implementação da Con-
venção, revelando-a como fonte de inspiração em países que adotaram novo marco regulatório
ou políticas de cultura.
O estudo informa que países com marcos políticos correspondentes aos objetivos da
Convenção aprimoraram o perfil de suas políticas, fortalecendo a ligação com outras áreas, prin-
cipalmente, as estratégicas de desenvolvimento sustentável, nacionais e regionais. Conforme o
relatório, a implementação da Convenção impacta a concepção de novas políticas e programas,
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especialmente nas indústrias culturais e criativas nos países da África, América Latina e da Ásia
(Dupin, 2015), inclusive na criação de novos ministérios ou departamentos governamentais, a
exemplo dos países latino-americanos: a Argentina que transformou sua Secretaria Nacional de
Cultura em Ministério da Cultura (2014), o Peru que criou um Ministério da Cultura (2010) e o
Chile, cujo programa de Governo inclui a criação de um Ministério da Cultura em substituição
ao Conselho Nacional da Cultura e das Artes.
A integração da cultura nas políticas de desenvolvimento sustentável é respaldada nos
princípios do artigo 2, conforme explica a autora: a complementaridade dos aspectos econô-
micos e culturais do desenvolvimento (princípio 5) e o desenvolvimento sustentável (princípio
6) – que articulam dimensão cultural e objetivos ambientais e econômicos. No Brasil, destaque
para o Plano Nacional da Cultura 2011-2020 que, além de citar por várias vezes a Convenção,
incluiu a economia criativa como dimensão do desenvolvimento.
A despeito da Resolução da ONU de 29 de outubro de 2014 enfatizar o papel do campo
da cultura na Agenda de desenvolvimento pós-2015, e da grande mobilização realizada por
organizações governamentais e não governamentais pelas redes sociais, enfatizando a cultura
como catalisador e motor do desenvolvimento sustentável, a medida não logrou sucesso. A
cultura apresenta-se como uma variável secundária dentre os 17 objetivos adotados na Cúpula
das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável 2015 e que constituem a Chamada
Agenda 2030 (ONU,2015).
Especificamente no plano da difusão das expressões culturais, a Convenção enfrenta o
desafio da articulação entre diversidade cultural e políticas de comunicação. Nesse contexto,
podem ser apontadas duas exceções latino-americanas (Dupin, 2015): a regulamentação dos ser-
viços de comunicação audiovisual na Argentina e a aprovação pelo Uruguai da Lei de Serviços
de Comunicação Audiovisual (2014).
Destacam-se também os esforços para cooperação internacional (Dupin, 2015), explici-
tados no artigo 12 do acordo, que recomenda aos países-membros a promoção da cooperação
por meio do diálogo sobre a política cultural; o fortalecimento das capacidades estratégicas e de
gestão do setor público nas instituições culturais; o intercâmbio cultural internacional; o com-
partilhamento de informações e de melhores práticas; o fortalecimento de parcerias com e entre
a sociedade civil; a promoção da utilização das novas tecnologias; a celebração de acordos de
coprodução e de codistribuição (UNESCO, 2005).
As diretrizes operacionais do artigo 14 da Convenção, relacionadas, por sua vez, aos
artigos 15 – Modalidades de Colaboração; 16 – Tratamento Preferencial para Países em De-
senvolvimento; e 18 – Fundo Internacional para a Diversidade Cultural, apontam ao necessário
fortalecimento das indústrias culturais e de capacidades, por meio da troca de informações e da
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formação, bem como a transferência de tecnologias na área das indústrias culturais e o apoio
financeiro (UNESCO, 2005).
Nesse sentido, destaca-se a importância de medidas adotadas pelos países, no âmbito da
Convenção, tais como a formação de base sobre a elaboração de políticas favoráveis a indústrias
culturais e criativas e a construção de banco de especialistas para prestar assistência técnica
direta aos países em desenvolvimento (DUPIN, 2015). O artigo 13 – Integração da cultura no
desenvolvimento sustentável – convida, por sua vez, os países membros a “envidar esforços
para integrar a cultura nas suas políticas de desenvolvimento” e, de acordo com o artigo 14 –
Cooperação para o desenvolvimento, os países-membros “deverão apoiar a cooperação para o
desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza, com vistas a favorecer a emergência de um
setor cultural dinâmico” (UNESCO, 2005, p. 8).
Nos últimos anos, ganhou relevo no âmbito das discussões da Convenção os temas do
diálogo intercultural, dos direitos culturais e da economia criativa. Segundo Lima (2014), indi-
cam uma segunda fase na implementação da Convenção: a revisão das regras de funcionamento
do Fundo Internacional - mantido por contribuições voluntárias dos países membros -, a apre-
sentação dos primeiros relatórios quadrienais (artigo 9) pelos países signatários da Convenção e
a implementação do artigo 21.
O artigo 21 prevê que “[...] as Partes comprometem-se a promover os objetivos e prin-
cípios da presente Convenção em outros foros internacionais” (CONVENÇÃO..., 2005). A dis-
cussão contribui para a universalização e ampliação de fontes de financiamento da Convenção,
referindo-se, sobretudo, à necessária “recuperação do espaço da diversidade cultural na agenda
internacional da cultura, um dos maiores desafios atuais da Convenção” (LIMA, 2014: 34).
“Para a devida implicação da sociedade civil na implementação da elaboração do rela-
tório periódico quadrienal sobre as medidas para proteger e promover as expressões culturais,
observa-se ainda que as partes da Convenção devam recorrer ao acordo, como norte das polí-
ticas públicas. Uma vez referenciado em programas e ações (Hanania, 2011), a justificativa de
posições com base na Convenção legitima as disposições do acordo, a fim de que se concretizem
resultados favoráveis à diversidade de expressões culturais.”
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As Partes:
(a) fornecerão, a cada quatro anos, em seus relatórios à UNESCO, informação apropria-
da sobre as medidas adotadas para proteger e promover a diversidade das expressões
culturais em seu território e no plano internacional;
(b) designarão um ponto focal, responsável pelo compartilhamento de informações rela-
tivas à presente Convenção;
(c) compartilharão e trocarão informações relativas à proteção e promoção da diversida-
de das expressões culturais.
Até 2014, 71 relatórios foram apresentados pelos países signatários, de forma a compar-
tilhar informações e colaborar para o trabalho orientado a uma visão global sobre o estado e as
tendências na gestão da cultura nos níveis nacional e internacional.
Os relatórios quadrienais4 reportam políticas e medidas implementadas para apoiar a
criação, a produção, a distribuição, a difusão e a fruição de bens e serviços culturais nacionais;
as medidas de cooperação internacional que apoiam a mobilidade dos artistas, proporcionam
maior acesso ao mercado e fortalecem as indústrias culturais nos países em desenvolvimento; as
medidas tomadas para envolver a sociedade civil nos processos de política cultural. Os países
signatários da Convenção disponibilizam informações gerais; relatam as medidas (políticas)
para proteção e promoção da diversidade das expressões culturais, ações do estado e sociedade
civil para sensibilização e participação da sociedade civil e resultados e desafios da Convenção.
Em 2015, a UNESCO divulgou uma primeira análise dos relatórios das partes, intitula-
do RePensar as Políticas Culturais (2015)5 , procurando refletir sobre o alcance das mudanças
pretendidas, mediante as ações realizadas para alcançar os quatro objetivos da Convenção:
apoiar sistemas de governança sustentáveis da cultura; alcançar uma troca equilibrada de bens
e serviços culturais e ampliar a mobilidade dos artistas e dos profissionais da cultura; incluir
a cultura nas decisões sobre desenvolvimento sustentável; promover os direitos humanos e as
liberdades fundamentais.
Foram tratados os desafios nas áreas do digital, dos meios de comunicação do serviço
público e do tratamento preferencial, bem como da igualdade de gêneros e da liberdade de cria-
ção artística. O objetivo é definir de que modo as políticas culturais puderam ser reformuladas a
partir dos esforços realizados para implementar a Convenção, bem como auxiliar na implemen-
tação do Programa de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas até 2030.
Destaca-se aqui, no que se refere ao objetivo de apoiar sistemas de governança susten-
táveis da cultura, o reconhecimento conferido, pelo relatório, à implementacao de politicas e
medidas, bem como aos mecanismos de apoio a criação, produção, distribuição e acesso a bens
4
< http://www.unesco.org/culture/cultural-diversity/2005convention/en/programme/periodicreport/>
5
<http://en.unesco.org/creativity/sites/creativity/files/gmr_summary_es.pdf>
1043
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e servicos culturais, com ênfase ao papel da tecnologia para participacao cidadã e redesenho
da cadeia de valor da cultura. Nesse sentido, o relatório recomenda a ampliação do campo de
ação política - inclusive o legislativo - da Convenção, para introdução de leis sobre a liberdade
de informação e as telecomunicações, bem como as questões relativas ao comércio eletrônico e
governança da Internet.
Quanto ao objetivo de alcançar uma troca equilibrada de bens e servicos culturais e
ampliar a mobilidade dos artistas e profissionais da cultura, o relatório da Unesco reconhece o
aumento da cota de exportações de bens entre 2004 e 2013, assim como valida os impactos po-
sitivos resultantes da implementação de novos marcos legais e acordos comerciais, como decor-
rência de protocolos de cooperação cultural. No entanto, ressalta a atual distância da condição
de equilíbrio no plano das trocas culturais, frente ao forte domínio dos países desenvolvidos.
Apesar de alguns países terem adotado medidas para diminuir os obstáculos à circulação
dos profissionais das indústrias culturais e criativas, o relatório aponta que os artistas, princi-
palmente os originários do Sul, nem sempre podem viajar livremente através do mundo, o que
evidencia a necessidade de políticas favoráveis à mobilidade, a fim de se ampliar o acesso a
novos mercados.
A inclusão da cultura nos marcos legais para o desenvolvimento sustentável, terceiro
objetivo da Convenção, reporta ao engajamento da Convenção e Programa para o desenvolvi-
mento sustentável até 2030, tendo em vista a criação de condições favoráveis ao crescimento
econômico inclusivo e sustentável, prosperidade comum e acesso ao trabalho decente. Destaca
ainda a importância das iniciativas de apoio ao crescimento das indústrias criativas, traduzidas
em resultados econômicos, sociais, culturais e ambientais no longo prazo, assim como na gera-
ção de equidade da distribuição dos recursos culturais, imparcialidade, justiça e não discrimina-
ção no acesso à participação cultural. Porém, o apoio decrescente conferido à cultura, por meio
de marcos legais e programas internacionais de ajuda, aponta o grande desafio a ser enfrentado
neste contexto.
Sobre o objetivo de promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais, o docu-
mento aponta as restrições à liberdade artística e ao acesso às expressões artísticas como fator li-
mitador com implicações nos contextos cultural, social e econômico. No que se refere à igualdade
de gênero, atesta que as mulheres, embora muito presentes no setor criativo, não detêm posições
profissionais de destaque nas organizações culturais, o que demonstra a necessidade de políticas e
medidas que visam ao reconhecimento, apoio e promoção das mulheres, na condição de criadoras
e produtoras de expressões culturais, bem como de cidadãs integrantes da vida cultural.
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Tomando como universo de pesquisa uma amostra dos países Brasil, Bolívia, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chi-
le, Equador, Peru, Cuba e México, o projeto “A Convenção da Unesco e as políticas para a diversidade cultural no
espaço latino americano”, desenvolvido pelo grupo de pesquisa Observatório da Diversidade Cultural, propõe-se a
investigar, no contexto dos dez anos da Convenção da UNESCO, completados em outubro de 2015, as apropriações
e repercussões deste instrumento jurídico e político internacional nas políticas nacionais de cultura de países latino
americanos.
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PALAVRAS-CHAVE: Pontos de Cultura, Rede Cultura Viva, Redes Sociais, teoria da Dádiva,
Relações Sociais.
1. INTRODUÇÃO
No início era um ponto.
No início existiam a potência da participação política de instituições visando mudanças
sociais e o afeto e solidariedade das pessoas, que compunham essas instituições, como um dife-
rencial em suas práticas: “temos que mudar a realidade social local, mas tem que ser com muito
amor e ternura”, tendo como eixo central o fazer cultural, a cultura como o “ponto focal” de
suas ações, a partir da cultura tem-se a intervenção e participação política da instituição em seus
demais programas, tais como educação, meio ambiente, artes, protagonismo juvenil, comunica-
ção, direitos humanos, saberes tradicionais, e etc.
Essas instituições culturais tem em comum a realização de práticas socioculturais em
busca do desenvolvimento local de suas comunidades, com uma militância ativista muito forte
1
Bacharel em Turismo (UFPA), Mestre em Geografia (PPGEO/IFCH/UFPA) e Doutorando em Desenvolvimen-
to Socioambiental (PPGDSTU/NAEA/UFPA). Professor colaborador do Curso de Formação de Especialistas em
Desenvolvimento de Áreas Amazônicas (FIPAM/NAEA/UFPA). zehma@hotmail.com
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pela cidadania e direitos culturais, pela defesa da diversidade cultural, mas tendo sempre como
“pano de fundo” a transformação da realidade local em que estão inseridas, que quase sempre
são realidades de exclusão territorial e social. São assim, quase que inevitavelmente, organiza-
ções da sociedade civil organizada, quase sempre organizações não-governamentais, das mais
variadas naturezas jurídicas (associações culturais, sociais e ambientais, associações comunitá-
rias, cooperativas, institutos, fundações, e etc). Pode-se dizer que a promoção do desenvolvi-
mento local e comunitário é uma característica dessas instituições.
Outra característica marcante percebida é que essas instituições, por buscarem na con-
secução de suas ações o desenvolvimento comunitário, são promotoras de territorialidades
marcantes em seus lugares. Em parceria com escolas, associações de bairro, clubes de mães,
bibliotecas públicas, universidades, museus, teatros, terreiros de santos, cineclubes, paróquias,
um espectro quase sem fim de outras instituições públicas e privadas, assim como com pessoas
das mais diversas culturas e natureza, tais como agentes de leitura, agentes de saúde, mestres e
mestras griôs da cultura popular e tradicional, artistas e produtores culturais; engendram ações
socioculturais que intervêm sobremaneira na dinâmica territorial e social de suas localidades.
Com a colaboração dessas instituições e pessoas territorializam-se e promovem territorialidades
por meio do “fazer cultural”.
Fazem oficinas de cultural digital em tribos indígenas do Cerrado, ensinando e apren-
dendo a editar vídeos a partir de uma estética e visão de mundo indígena, trocam saberes com
mestres carpinteiros da Amazônia, guardiões de uma cultura milenar de talhar embarcações,
realizam palestras de parteiras para alunos de medicina e obstetrícia no Sul do país, promovem
batalhas de b-boys na periferia de São de Paulo, e fazem teatro de rua no centro do Rio e Janei-
ro. Isso tudo são territorialidades articuladas por essas instituições que visam a transformação
social local por meio da cultura, arte e educação.
Assim, Ponto de Cultura é uma potência de transformação social promovida por insti-
tuições e pessoas, que colocam a cultura no centro de suas atenções, é uma ação cultural para
mudar a realidade de suas localidades, que já existiam, quando o governo federal criou em 2004
o Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura.
Dessa forma, o presente artigo inicia com esta “prosa poética” para marcar o fato de que
os Pontos de Cultura, enquanto ideologia e ação sociocultural já existiam quando se instituiu o
Programa Cultura Viva pelo Ministério da Cultura– MinC.
Essa forma militante de ver e viver a vida com poesia e afeto, essa forma profunda, en-
raizada de viver, essa cultura viva, já era uma realidade, apenas não se tinha visibilidade disso
(TURINO, 2010),.muitos menos algum processo organizado de interconexão e comunicação
entre esses, e desses com o Estado, mercado e sociedade em geral.
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Em outras palavras, não havia uma política cultural de base local e comunitária, muito
menos uma rede efetiva (ou pelo menos este sentido, de forma explicita) que conectassem todas
estas instituições e práticas.
Por isso, este trabalho objetiva “localizar” a Política Nacional de Cultura Viva na Políti-
ca Nacional de Cultura, contextualizando-a e demarcando seu papel e espaço nessa política, bem
como iniciar um debate (que pretendemos aprofundar com pesquisa específica) sobre a natureza
e as características da então (embrionária) Rede Cultura Viva, fazendo uma discussão teórico-
-metodológica sobre a teoria da Dádiva, relacionada à teoria de Rede Social.
2. O PROGRAMA CULTURA VIVA NO CONTEXTO DA POLÍTICA NACIONAL
DE CULTURA
O Brasil tem uma historiografia muito rica e heterogênea sobre políticas públicas seto-
riais de cultura. A partir de Rubim (2010), Miranda; Rocha; Egler (2014) e Silva; Abreu (2011)
podemos demonstrar, sucintamente, a gênese e a trajetória da política cultural no Brasil, com os
seguintes períodos: 1) Da chegada da corte portuguesa em 1888 ao início da década de 1960:
visão bastante patrimonialista de cultura, quando se criou as primeiras instituições culturais do
país, quase todas de orientação museológica, tais como a Biblioteca Nacional, e o Museu Nacio-
nal de Belas-Artes. Posteriormente, com o transcorrer da Revolução de 30, o ideário de cultura
pregado pelo estado brasileiro de Vargas era para a construção de uma identidade nacional; 2)
Do golpe militar em 1964 à abertura política em 1990: período marcado pelo sentido de con-
trole político e censura cultural, toda produção artístico-cultural passava pelos instrumentos de
censura antes de serem veiculadas. O patrulhamento ideológico era forte. Em 1985 é criado o
Ministério da Cultura, mas sem dúvida o referencial desse período é a promulgação da Consti-
tuição Brasileira em 1988; 3) De 1990 a 2002 com os projetos neoliberais para a cultura: a partir
dos anos de 1990 acirram-se no Brasil as políticas neoliberais e com a cultura não seria diferen-
te. O papel do Estado diminui e implementam-se incentivos fiscais com intuito de promover um
financiamento privado da cultura e arte; 4) De 2003 a 2010 com a construção e estruturação do
Sistema Nacional de Cultura – SNC: o início do governo Lula marca uma abertura de diálogo
com sociedade e a admissão de um conceito antropológico, econômico e simbólico de cultura.
Construção do Sistema Nacional de Cultura – SNC. O programa Cultura Viva foi criado nesse
período. Marcos são as gestões dos Ministros Gilberto Gil (2003 – 2008) e Juca Ferreira (2008-
2010) à frente do MinC.
A história da política cultural brasileira complementa-se a partir de 2011, com a eleição
da Presidente Dilma Rousseff, que é tido como um período de continuidade, avanços e contra-
dições (BARBALHO, 2014).
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Originária do PEC n. 416/2005 de autoria do Deputado Federal Paulo Pimenta (RS-PT). No Senado passou a ser
o PEC n. 34/2012.
3
O Programa Cultura Viva foi criado pela Portaria 156, de 6 julho de 2004, publicado no Diário Oficial da União
– DOU de 7 de julho de 2004.
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4
As Teias realizadas até o momento foram: Teia 2006 “Venha Se Ver e Ser Visto”, São Paulo (SP); Teia 2007
“Tudo de Todos”, Belo Horizonte (MG); Teia 2008 “Iguais na Diferença”, Brasília (DF); Teia 2010 “Tambores Dig-
itais”, Fortaleza (CE), e Teia 2014: “TEIA Nacional da Diversidade”, Natal (RN). Tivemos a oportunidade de poder
participar das 3 ultimas Teias como delegado ao FNPdC, e posteriormente, como membro da CNPdC representando
o Fórum Paraense de Pontos de Cultura.
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O Programa Cultura Viva, assim foi conceituado, na sua criação pelo Ministério da Cul-
tura, quando ainda se chamava Programa de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva5
O Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva,
do Ministério da Cultura (MinC), tem por objetivo incentivar, preservar
e promover a diversidade cultural brasileira ao contemplar iniciativas
culturais locais e populares que envolvam comunidades em atividades
de arte, cultura, educação, cidadania e economia solidária. Com isso a
missão de “ ‘des-esconder’ o Brasil, reconhecer e reverenciar a cultura
viva de seu povo”, em 2004, a então Secretaria de Programas e Proje-
tos Culturais (atualmente de Secretaria de Cidadania Cultural) do MinC
iniciou a implantação dos pontos de cultura, que são a expressão de
uma parceria firmada entre Estado e sociedade civil. Por meio de edital
público, os pontos recebem recursos do governo federal para, assim,
terem condições de potencializar seus trabalhos, seja na contratação de
profissionais para cursos e oficinas, produção de espetáculos e eventos
culturais, entre outros. Além dos pontos de cultura, o programa Cultura
Viva é integrado por um conjunto de ações: Cultura Digital, Griô, Escola
Viva e, mais recentemente, Cultura e Saúde. (IPEA, 2010. pags.39-40)
Partindo do conceito básico apresentado a cima, depreendem-se sentidos como de inte-
gração, conexão, diversidade, identidade, compartilhamento; que a nosso ver aludem (mesmo
que naquele momento, ainda sutilmente) à concepção de redes.
Sobre as concepções de redes, o geógrafo Milton Santos exprime
As definições e conceituações se multiplicam, mas pode-se admitir que
se enquadram em duas grandes matrizes: a que apenas considera o seu
aspecto, a sua realidade material, e uma outra onde é também levado em
conta o dado social (SANTOS, 2006, p. 176).
Atualmente a Rede Cultura Viva6 é uma realidade, consiste em um ambiente de interlo-
cução interinstitucional e de estratégia política protagonizado pelos Pontos e Pontões de Cultu-
ra, pelo MinC, por gestores públicos dos entes federados, e por todas as instituições, entidades,
grupos formais e informais e agentes culturais que são beneficiários desta política pública.
Há de se ter uma agenda, um pacto, um plano geral em comum, que comungue interesses
e desafios coletivos, um sistema de gestão, informação, comunicação, mobilização, monitora-
mento e avaliação, onde os diversos planos de trabalho possam ser acompanhados de forma
5
A portaria n. 118, de dezembro de 2013 do MinC reformula o programa Cultura Viva que dentre outras alterações,
a partir de então, denomina-se Programa Nacional de Promoção da Cidadania e da Diversidade Cultural – Cultura
Viva.
6
No dia 01/09/2015 acompanhamos o debate virtual que a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do
Ministério da Cultura – SCDC/MinC promoveu para apresentar e discutir a proposta de plataforma digital para a
Rede Cultura Viva, conforme anunciado em www.cultura.gov.br . .A Rede Cultura Viva foi lançada oficialmente
em 5/10/2015, em evento em Brasília, conforme convite que recebemos, e que infelizmente não pudemos participar
por questões de agenda.
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Paradigmas são “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem
problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma Ciência. Uma investigação histórica
cuidadosa num determinado momento revela um conjunto de ilustrações recorrentes quase padronizadas de dif-
erentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na observação. Esses são os paradigmas da comu-
nidade, revelados nos seus manuais, conferências e exercícios de laboratórios” (KHUN, 1975 apud LOUREIRO,
2011. pg. 54.).
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa é a complexidade (MORIN, 2004 e FURTADO; SAKOWSKI; TÓVOLI, 2015)
de relações cooperativas e associativas que compõem a Rede Cultura Viva enquanto política
pública de Estado10, relações estas que se dão entre os Pontos e Pontões de Cultura, e destes
A Lei nº 13.018 de 22 de julho de 2014, de autoria da Deputada Federal Jandira Feghali (PCdoB – RJ) institui a
10
Política Nacional de Cultura Viva, ou seja, torna o Programa Cultura Viva, um programa governamental em uma
política pública de Estado assegurada por lei. A Lei Cultura Viva como ficou conhecida foi uma reivindicação do
movimento nacional de pontos de cultura amplamente debatida e defendida nas Teias, Fóruns, nas Conferencias
de Cultura (em todas as suas escalas), pela CNPdC e em todos os espaços e momentos de articulação política do
movimento. É considerada uma vitória.
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com o Estado e mercado, instaurando (ou melhor, “enredando”) relações de naturezas sociais,
econômicas, políticas, culturais, e institucionais que precisam ser elucidadas, sobretudo nessa
perspectiva de redes sociais que propõem formas novas de pensamento, de participação demo-
crática e ação pública.
A Rede Cultura Viva enquanto a “arquitetura social” de efetivação da Política Nacional
de Cultura Viva, e esta como a política de base comunitária (com sua localização determinada)
da Política Nacional de Cultura ainda precisa ser melhor discutida e construída entre sociedade
civil e Estado, entre os Pontos e Pontões de Cultura, e todos os demais movimentos e coletivos
participantes, e as esferas de governo, em todas as suas escalas, mas sobretudo, no plano federal
com o Ministério da Cultura. É uma arquitetura social em construção, colaborativamente.
Por exemplo, a inserção da Política Nacional de Cultura Viva – PNCV no Sistema Nacio-
nal de Cultura – SNC não deveria limitar-se ao acesso a recursos financeiros por parte dos entes
federados (estados e municípios); a PNCV deve ser uma filosofia de política pública no âmbito
do SNC. Fazer Cultura Viva em seu território deveria ser um indicador de desenvolvimento11.
Há desafios grandiosos e diversos (tal como as expressões culturais, tradicionais, popu-
lares e comunitárias que a PNCV representa) que precisam ser superados.
No âmbito institucional, mecanismos de participação social e de inserção na PNCV
precisam ser aperfeiçoados. A Rede Cultura Viva institui e operacionaliza dispostos importan-
tes da Lei 13.018/2014 (a Política Nacional de Cultura Viva) como a Certificação Simplificada
e o Termo de Compromisso Cultural – TCC que precisam ser popularizados e aplicadas em
todo país, em escalas nacional, estadual e municipal. A autodeclaração de Pontos e Pontões
de Cultura, feita de maneira autônoma e deliberada por parte desses no portal virtual da Rede
Cultura Viva (http://culturaviva.gov.br/), implementado assim, o Cadastro Nacional de Pontos
de Cultura como parte importante da certificação simplificada, e do uso do TCC como um
“contrato social” em bases mais justas e desburocratizadas entre os PC’s e o Estado para acesso
a recursos e ações da PNCV, ao invés dos famigerados convênios baseados na Lei 8.666; são
consideradas avanços de efetivação desta política pública. Todavia há de se ter um processo
amplo de educação e popularização sobre esses novos mecanismos de política sociocultural
para que sejam amplamente utilizadas e acessadas em todo o território brasileiro, porém para
11
Atuamos como Pesquisador Colaborador no projeto de Pesquisa “Programa Cultura Viva: impactos e transfor-
mações sociais (2014 – 2015) ”, promovido pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade
de Brasília – UnB, por meio de uma parceria com a Comissão Nacional de Pontos de Cultura – CNPdC, e financia-
mento do CNPq e Ministério da Cultura. A pesquisa teve por objetivo desenvolver indicadores qualitativos para
investigar quais foram as transformações sociais geradas pelos Pontos de Cultura na comunidade; nos utilizando
do conceito e dos indicadores da Felicidade Interna Bruta – FIB para analisar as práticas socioculturais de Pontos
de Cultura do DF, concluirmos que os PC’s promovem desenvolvimento, afetos, saberes e bem estar social local.
Previsão de publicação de seus resultados para março de 2016.
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isso aconteça torna-se necessário que os estados e municípios também adéqüem suas legis-
lações criando, de preferência suas próprias “leis cultura viva”, para assim equipararem seus
arcabouços jurídico-institucionais.
Por fim, por não ser objetivo deste artigo esgotar esse debate, pelo contrario, para nós
ele inaugura uma discussão que pretendemos aprofundar com uma pesquisa de doutoramento,
divulgando seus resultados ao longo desse processo por meio de outras publicações, podemos
concluir que a concepção de Redes Sociais, fundamentadas na teoria da Dádiva configuram-se
plenamente em possibilidades reais de emancipação política e social (instituindo uma cultura
cívica) dos Pontos e Pontões de Cultura; e por parte do Estado uma ferramenta eficaz de plane-
jamento e gestão territorial e temática da Política Nacional de Cultura Viva - PNCV.
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mas separadas e intocáveis, ou seja, livre de luta e conflitos? A consolidação das políticas, assim,
não seria uma contradição, já que política pressupõe embates? Como garantir uma política da
diversidade, sem que a diferença seja sinônimo de “con-formação”?
Adicionando a isso a questão da identidade, ainda no contexto da formulação de políticas
governamentais de cultura: a constituição de políticas de valorização da diferença, voltadas aos
grupos minoritários que não tiveram sua identidade reconhecida na construção das políticas até
então, negaria o pressuposto de igualdade? E ainda, a ideia de não fixação e engessamento das
identidades é possível quando estas são enquadradas na forma de políticas culturais? Talvez
todas essas perguntas possam se resumir na questão colocada por Hall, “se o maior reconhe-
cimento da diferença e a maior igualdade e justiça para todos podem constituir um horizonte
comum” (2006, p. 85).
A formulação de uma resposta pode ser dada por Bhabha, ao falar da negociação: “quan-
do falo de negociação em lugar de negação, quero transmitir uma temporalidade que torna pos-
sível conceber a articulação de elementos antagônicos ou contraditórios (...)” (BHABHA, 2007,
p. 51). Ou seja, ambos os mecanismos podem operar de forma articulada, ora valorizando uma
demanda por igualdade, ora dando ênfase as questões da diferença, variando de acordo com o
contexto político-social.
As políticas elaboradas pelo Estado, de fato não são suficientes como atendimento e/
ou contenção de uma demanda, visto que as demandas são muitas e estão em constantes trans-
formações, por isso, elas estarão representando o interesse de uma parcela da sociedade, e não
da sociedade como um todo, além de estarem, por outro lado, em constantes defasagens com a
necessidade dinâmica dos grupos, em contraposição aos processos burocráticos do Estado.
Dessa forma, se faz ainda mais importante a articulação de grupos e redes com a intenção
tanto de pressionar o governo por formulações de políticas culturais que lhes atendam, quanto de
formular a partir de suas próprias demandas e ações em seus territórios políticas públicas de cultu-
ra. José Joaquín Brunner (1985) sugere que a cultura seja pensada como uma constelação móvel e
fluida de circuitos, em que interviriam seus agentes de produção simbólica, públicos e instâncias
organizacionais, que ele define como o mercado, a administração pública e a comunidade.
Nessa perspectiva, novamente, não há como falar em política sem entender que essas
diferentes instâncias serão acionadas pelos agentes de acordo com o contexto situacional de um
dado momento.
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calizados de forma geral em bairros periféricos, favelas, áreas rurais e ribeirinhas. Essa ideia
corrobora o processo de autonomia e resistência das comunidades frente a uma cultura/memória
oficial imposta, na qual estas não se veem representadas.
É a memória da comunidade que está em jogo, a memória (re)construída pela coletivida-
de. A museologia social diz respeito às iniciativas desenvolvidas por e para as comunidades, que
conjugam o despertar para a consciência patrimonial, para orgulho de si, dos saberes e fazeres,
ligados ao território, e ao trabalho sócio-cultural que multiplica potenciais. Identidade e perten-
cimento são palavras-chave dessas iniciativas.
Nesse sentido, o primeiro movimento da Rede, ainda com outro nome 2, foi iniciado em
2007, tendo tido apenas três encontros naquele momento. Em 2013, a articulação em rede para
tratar da museologia social é retomada por gestores de espaços ligados à memória de base co-
munitária, museólogos, produtores culturais, pesquisadores e interessados pelo tema, conforme
fragmento abaixo:
A reunião de retomada da Rede foi realizada em outubro de 2013 no
Museu da República (IBRAM/MinC). O chamado para este dia foi feito
por e para diferentes pessoas cuja contribuição pessoal e profissional
(em razão de suas experiências singulares) e também institucional (em
razão das instituições por quem falam) são indispensáveis à Rede de
Museologia Social do Rio de Janeiro. No decorrer das reuniões, estão
presentes grupos, instituições e processos que associam o seu fazer à
museologia social. Também participam representantes de instituições e
instâncias públicas da cultura e da museologia, como o Sistema Estadual
de Museus (SIM-RJ/SECRJ) e o Curso de Museologia da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), além de pesquisadores
de diferentes áreas (JANUÁRIO e SILVA, 2014, p. 416).
O trecho abaixo foi retirado do facebook da Rede em 2015:
Ela tem como objetivo promover a conexão e a troca de experiências en-
tre comunidades populares, movimentos sociais e instituições que atu-
am no campo da memória, patrimônio e cultura. Surge com o intuito de
potencializar a memória como fator de inclusão e transformação social,
integrando e dando voz às diversas iniciativas e narrativas históricas que
compõem o Rio de Janeiro.3
Dessa forma, a Rede de Museologia Social do RJ passa a realizar encontros bimestrais
para debater diversas questões relacionadas à museologia social e à consolidação de políticas
neste campo. Os encontros são itinerantes, possibilitando que os espaços pertencentes à rede se
conheçam, apresentem suas ações e dialoguem, além de confirmar uma perspectiva importante
para a Rede de descentralização política, econômica e geográfica. Sua formação e articulação já
2
Cujo blog é: http://redemuseusmemoriaemovimentossociais.blogspot.com.br/
3
Ver: https://www.facebook.com/groups/212231862288591/
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2.1. Intercâmbios
A Rede participou da Teia Estadual de Cultura, que é o encontro dos pontos de cultura
do estado, em dezembro de 2013 na região serrana do RJ. Participou da Teia Nacional da Di-
versidade, que é o encontro nacional dos pontos de cultura, em maio de 2014, em Natal (RN);
e da Teia da Memória, que integra a programação do Fórum Nacional de Museus, realizado em
novembro de 2014 em Belém do Pará. Ainda em 2014, participou da mesa redonda “Redes e
Sistemas Articulados: gerando conexões”, no III Fórum Estadual de Museus – primeiro evento
em que estive presente, ainda sem saber que a Rede seria meu objeto de estudo no mestrado.
Mais recentemente, em setembro de 2015, participou de um evento da Primavera de Mu-
seus, no Mulheres de Pedra, em Pedra de Guaratiba – espaço conhecido a partir de uma visita
de alguns integrantes da Rede em iniciativas na zona oeste do RJ; e em outubro, participou do
V Encontro Internacional de Ecomuseus e Museus Comunitários na UFJF, em Juiz de Fora –
evento em que também estive presente.
Algumas outras ações da Rede de Museologia Social são apontadas no trecho abaixo:
A Rede concretamente já facilitou o intercâmbio de saberes e o desen-
volvimento de iniciativas embrionárias, já se abriu para o diálogo com
outras redes, dentro e fora do campo museal e ocasionou a construção de
projetos que unem atores de diferentes lugares e iniciativas. Vale desta-
car que parte significativa de sua atuação também diz respeito às políti-
cas públicas de cultura. Um exemplo disso é o diálogo constante com o
Fórum de Pontos de Cultura do Estado do Rio (que é a rede estadual dos
pontos de cultura) (...) (JANUÁRIO e SILVA, 2014, p. 417).
Cada encontro da Rede já é em si um intercâmbio. O processo de retomada da Rede com
o primeiro encontro em outubro de 2013, teve como inspiração a Rede Cearense de Museus
Comunitários4, devido a sua experiência anterior. Declaradamente, a Rede estimulou o surgi-
mento da Rede SP de Memória e Museologia Social 5, criada em 2014, após o intercâmbio entre
integrantes da rede de São Paulo, em visita no encontro da rede do Rio de Janeiro.
E ainda, em agosto de 2014, a Rede de Museologia Social do RJ realizou um encontro
em Cachoeiras de Macacu (RJ), fortalecendo a ideia de criação do Museu da Umbanda, já exis-
tente naquela localidade. Hoje, o projeto é conhecido como Território Sagrado de Boca do Mato.
Segue o depoimento de Wellington Lyra, postado em 16 de abril de 2015 no facebook da Rede:
A visita da Rede de Museologia ao bairro sagrado de Boca do Mato no
ano passado gerou bons frutos, e o terreiro Ilê Axé Omin incorporou a
4
Ver: https://museuscomunitarios.wordpress.com/
5
Ver: https://redespmuseologiasocial.wordpress.com/
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2.2. Institucionalização
No tópico anterior foi possível observar que a Rede participa de intercâmbios e even-
tos institucionais desde o início de sua criação, possibilitando também o estabelecimento de
parcerias com diferentes instâncias de governo. Dessa forma, não seria precipitado afirmar que
formas diversas de institucionalização vem ocorrendo desde o início, – inclusive a própria for-
mação da Rede pode ser considerada um tipo de institucionalização – apesar dessa questão ser
colocada objetivamente pela Rede através da discussão do CNPJ, conforme analisado abaixo.
Nesse processo de pactuação e consolidação da Rede, alguns temas são recorrentes. Des-
taco a escolha pela institucionalização ou não através de um CNPJ próprio da Rede e a questão
da captação de recursos, tratada a seguir. O que se coloca em relação a isso é que, por um lado,
seria positivo, já que em alguns editais de fomento à cultura essa formalização é facilitadora;
mas por outro lado, seria preciso assumir o pagamento de impostos e de um contador para tal.
Essa é uma questão ainda controversa, pois a Rede não dispõe de recursos financeiros.
Ao mesmo tempo, entende-se que ela, de certa maneira, se institucionaliza na medida em
que alguns de seus membros possuem CNPJ ou estão em vias de possuir. Além da participação,
conforme mencionado, de representantes de instituições públicas de cultura e museologia.
Assim, uma das integrantes da Rede é assessora do Sistema Estadual de Museus, da Su-
perintendência de Museus da Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro. Através dela, a
Rede (REMUS-RJ) foi convidada a participar do I Encontro de Redes do Estado, juntamente com
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Essa dialética não está dada, por isso não é sempre harmônica ou estável. Ela varia de
acordo com o que está em jogo; isso implica dizer que essa relação é mediada também por con-
flitos. O trajeto percorrido e os caminhos que vão se costurando dependem dessa dialética que se
estabelece nas relações dos integrantes da Rede, no interior dos próprios movimentos museais,
ou seja, o jogo político se dá também no microcosmos dessas iniciativas.
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pação também não apareceu em nenhuma das reuniões que se realizou para conversar a respeito
dos projetos para as emendas.
A possibilidade de recursos a partir das emendas parlamentares surge através de uma
conversa em um dos encontros da Rede. Assim, uma das participantes menciona conhecer os
dois deputados citados e a assessoria de um deles e em seguida aciona esses contatos. Ambos
se disponibilizam a conhecer a proposta para a emenda. Dessa forma, dois projetos são escritos
com o intuito de apresentar a Rede de Museologia Social do RJ, com a descrição de sua histó-
ria, seus integrantes e parceiros, sua missão, meta para 2016, as ações a serem realizadas e um
demonstrativo básico de desembolso.
Provavelmente, a resposta sobre aprovação das propostas só será dada no início de 2016,
até lá o grupo de articulação segue se encontrando para discutir questões referentes a esses
projetos. Independente dos resultados acerca dos processos empreendidos para a captação de
recursos é importante mencionar que as ações aqui relatadas foram as primeiras na tentativa de
viabilizar algumas atividades de forma regular e sistemática, características importantes para a
elaboração de políticas de cultura.
Ainda que a captação de recursos traga a possibilidade de novas atividades e ampliação
da Rede é fundamental que continuem a ser valorizados os saberes e fazeres das comunidades
dos movimentos e iniciativas de memória, os intercâmbios e as trocas possibilitadas através dos
encontros bimestrais da Rede. De acordo com o que já foi mencionado, esses deslocamentos
para outros territórios e perspectivas diversas no âmbito da museologia social, é também uma
questão política – de descentramento geográfico, econômico, ou seja, de encontro da alteridade.
3. CONCLUSÃO
Através deste trabalho foi possível perceber quanto a museologia social está relacionada
ao território. Pensar a identidade, a memória e o pertencimento dessas iniciativas e movimentos,
na perspectiva processual e relacional a partir dos territórios, em sua dimensão não só física, mas
simbólica e afetiva é fundamental para entender a criação desses museus comunitários, pontos
de memória, ecomuseus e projetos de valorização da memória e da história dessas comunidades.
É essencial compreender que a política cultural vai além de uma questão governamental,
e que esta também precisa ser elaborada a partir desses diversos modos de fazer e dos saberes
dos diferentes grupos e iniciativas, imbricados em seus territórios.
Sem dúvida, os intercâmbios realizados pela Rede são um importante exemplo disso,
já que um aspecto da política cultural diz respeito aos movimentos da sociedade civil, que se
agregam para realizar suas demandas, cobrar do Estado iniciativas que contemplem suas ne-
cessidades, etc.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cultura. Salvador: EDUFBA; FACOM/CULT, 2005.
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bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc/issue/view/168
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In:
CASTRO, Iná, GOMES, Paulo C. e CORRÊA, Roberto (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
LINKS CONSULTADOS
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https://www.facebook.com/groups/212231862288591/ (Acesso em: janeiro/2015).
https://museuscomunitarios.wordpress.com/ (Acesso em: setembro/2015).
https://redespmuseologiasocial.wordpress.com/ (Acesso em: setembro/2015).
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RESUMO: Este trabalho pretende refletir sobre a potencialização das práticas artísticos-culturais
periféricas da sociedade civil na cidade do Rio de Janeiro pelas políticas públicas de cultura nos
séculos XX e XXI. Atuantes nas margens geográficas e sociais da cidade e com concepções
políticas e cidadãs próprias, tais práticas alcançam visibilidade e ampliam sua capacidade de
ação na cena pública carioca, contribuindo para a ressignificação do espaço urbano do Rio de
Janeiro, por meio da ativação de novas redes simbólicas, sociabilidades e imaginários.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com os princípios da Agenda 21 da Cultura2, as cidades são territórios privi-
legiados da elaboração cultural e constituem os âmbitos da diversidade criativa, onde a pers-
pectiva do encontro de tudo aquilo que é diferente e distinto torna possível o desenvolvimento
humano e integral. Esta convivência nas cidades implicaria em um acordo de responsabilidade
conjunta entre Estado e sociedade civil (Agenda 21 da Cultura, 2004,).
HARVEY (2014), aponta que o termo “cidade” tem uma história icônica e simbólica
profundamente inserida na busca de significados políticos. Reconhecendo no urbano uma mul-
tiplicidade de práticas prestes a transbordar de possibilidades alternativas, de acordo com a
perspectiva de Lafebvre.
Nos últimos 25 anos (19990-2015), o espaço urbano do Rio de Janeiro, vendo sendo res-
sigificado por práticas artísticos-culturais, sobretudo em territórios e comunidades periféricas,
1
Doutoranda em Comunicação e Cultura na linha de pesquisa mídia e mediações socioculturais no Programa de
Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: juliana.culturarj@
gmail.com.
2
A Agenda 21 da cultura foi aprovada no dia 8 de maio 2004, em Barcelona, pelo IV Fórum de Autoridades Locais
pela Inclusão Social de Porto Alegre, no marco do primeiro Fórum Universal das Culturas. Aprovada por cidades e
governos locais de todo o mundo comprometidos com os direitos humanos, a diversidade cultural, a sustentabilidade,
a democracia participativa. Documento disponível em: http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br.
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Gestão de Gilberto Gil (2003-2008) e Juca Ferreira (2008-2010) no mandato do Presidente Luís Inácio Lula da
Silva (2003-2010).
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volvidas por grupos e/ou coletivos de jovens em espaços públicos, que por meio de novas formas
de organização, no “espaço híbrido do urbano e da internet” (CASTELLS, 2013), ativam novas
sociabilidades e imaginários. Por último busca-se compreender a importância do Prêmio Ações
Locais, da Prefeitura do Rio de Janeiro, como uma política inovadora ao reconhecer e fomentar
uma nova cena de atores e práticas artísticos-culturais periféricas, no marco de uma cultura 2.0,
construindo a passagem no âmbito das interações do Estado com a sociedade civil, da mediação
das ONGs para o reconhecimento e fomento de agentes culturais não-institucionalizados.
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própria sociedade passa a ser vista como um tipo de recurso para a organização da vida coletiva,
além do Estado e do mercado. Tanto em nível global, como no contexto brasileiro.
Organizações como o Nós do Morro (Vidigal), Afroreggae (Vigário Geral), Central Úni-
ca das Favelas – CUFA (Cidade de Deus) e Cia. Étnica de Dança (Andaraí) protagonizaram no
Rio de Janeiro práticas artísticos-culturais na intersecção entre arte, cultura e cidadania em terri-
tórios periféricos da cidade. Ramos (2007) qualifica a emergência do que denomina de “grupos
de jovens de favelas e periferias ligados a iniciativas de cultura e arte” como um acontecimento
marcante na cena política brasileira e carioca dos anos 90. De acordo com a autora seria possível
identificar alguns aspectos comuns a estas iniciativas: o investimento nas trajetórias individuais
e nas histórias de vida, valorizando o campo simbólico da subjetividade por meio da formação
de artistas e líderes que são dançarinos, cineastas, atores, escritores e músicos e que ocupam a
mídia como artistas e ativistas; a afirmação territorial por meio de músicas, camisetas, roupas,
grafites com imagens associativas aos nomes das comunidades de origem e a forte presença da
denúncia do racismo e a afirmação racial negra.
Na década seguinte (2000-2010) observa-se progressivamente, o crescimento da visibi-
lidade e da participação política, social e cultural de ONGs, agentes, grupos artísticos, redes e
artistas de territórios periféricos da cidade do Rio de Janeiro. Nesta cena cultural urbana, emer-
gem conceitos e práticas que operam um deslocamento dos sentidos historicamente atribuídos
à periferia como território de pobreza, violência, ausência e aos seus moradores como carentes
e excluídos. Na esfera do discurso e da prática, os territórios de periferias e seus moradores
passam a ser enunciados por alguns de seus atores como potentes e criativos, em uma busca
de inversão de estereótipos e imaginários estigmatizantes. Pela chave da inventividade e da
criatividade novas narrativas, arranjos locais e fluxos de conhecimento buscam provocar deslo-
camentos e atravessamentos na produção das subjetividades na dimensão espacial do cotidiano
(Santos, 2008).
Binho Cultura, é poeta, escritor e produtor cultural. Morador da Vila Aliança4 e idealiza-
dor do Festival Literário da Zona Oeste – FLIZO, aponta a “potência e uma demanda artística”
da região e a necessidade de se fomentar o que chama de um “contra fluxo cultural” do eixo cen-
tro-zona sul da cidade. A FLIZO, se apresenta como um “projeto de valorização da produção
cultural da Zona Oeste carioca com ações de fomento à leitura, à criação literária e discussões
de temas que convergem as questões da vida urbana, do fazer da arte e do exercício da educação
4
A Vila Aliança foi formada por moradores que vieram do Morro do Pasmado, Praia do Pinto, Favela do Esque-
leto, Brás de Pina e Penha, áreas valorizadas pela especulação imobiliária, no contexto das remoções do Governo
Lacerda nos anos 60, sendo o primeiro conjunto habitacional da América Latina. É considerada uma das áreas com
o mais baixo índice de desenvolvimento humano do Rio de Janeiro e uma das favelas mais violentas da cidade,
alvo de operações policiais constantes com o objetivo de reprimir o tráfico de drogas. (Fonte: Entrevista com Binho
Cultura, concedida a autora no dia 09/06/2015).
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5
Ver http://flizo.org/
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Para Heloísa Buarque de Hollanda (2004), a afirmação das vozes da periferia seria uma
das emergentes tendências culturais nos anos 2000, apontando um rito de passagem da cultura
à cidadania na cena carioca.
Indo direto ao ponto das tendências culturais emergentes na década de
2000, não há como não ressaltar como principal fenômeno deste início
de século XXI a afirmação das vozes da periferia urbana no mercado
cultural. Pode-se dizer, sem hesitação, que o efeito “Cidade Partida” não
caracteriza mais a cultura carioca. Como observa Paulo Lins, no lugar
das favelas (antigos similares das senzalas) surgem as neofavelas (atuais
similares dos quilombos) com voz própria, beleza própria, inserção no
mercado cultural e alto poder agregador. Definir hoje a cultura do Rio
de Janeiro é antes de mais nada imaginar estratégias e políticas culturais
a partir desta rede de canais recém-abertos, das perspectivas efetivas de
inclusão social que a nova cultura urbana carioca vem sinalizando e do
sonho de estarmos assistindo ao inédito rito de passagem da cultura à
cidadania. (HOLLANDA,2004)
Seguindo a afirmação de Hollanda (2004), as políticas públicas de cultura da primeira
década do novo milênio (2000-2010) parecem realizar o “rito da passagem da cultura à cidada-
nia” ao reconhecer “rede de canais recém-abertos, das perspectivas efetivas de inclusão social”
protagonizadas por atores da sociedade civil na sociedade brasileira. Por meio de novas aborda-
gens e contornos e pela noção da cultura como expressão de diversidade e cidadania avança-se
na construção de políticas públicas de maior cunho democrático permitindo a potencialização de
práticas artísticos-culturais que até então tinham tido pouca ou nenhuma relação com o Estado.
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Mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva na Presidência da República e do músico Gilberto Gil (2003-
2008) e do sociólogo Juca Ferreira (2008-2010) no Ministério da Cultura.
7
O slogan refere-se ao lema das políticas públicas de cultura na gestão do cientista político Francisco Weffort no
mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). O slogan visava incentivar o investimento de
empresas da iniciativa privada na cultura por meio de renúncia fiscal utilizando como mecanismo a Lei Federal de
Incentivos à Cultura (Lei Rouanet).
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se pluraliza, sendo recorrente nos documentos e falas oficiais do governo o uso do plural de
palavras como política, identidade e cultura: as políticas públicas, as identidades nacionais e as
culturas brasileiras. A preocupação estaria em revelar os brasis, trabalhando com as múltiplas
manifestações culturais, em suas variadas matrizes étnicas, religiosas, de gênero, regionais etc.
Haveria neste momento uma preocupação com os setores historicamente pouco ou nada con-
templados pelas políticas públicas anteriores.
Neste âmbito, os conceitos de diversidade e cidadania apontam os rumos das políticas
públicas deste período reconhecendo e potencializando a entrada em cena de novos atores e prá-
ticas sociais do campo artístico e cultural brasileiro para além de criadores relacionados estrita-
mente às belas-artes. Do ponto de vista do gerenciamento, no ano de 2004, é criada a Secretaria
da Identidade e Diversidade Cultural (SID), a fim de garantir o reconhecimento, a proteção e a
promoção da diversidade cultural brasileira. No âmbito internacional o Ministério da Cultura
atua ativamente para a aprovação da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expresssões Culturais8 adotada pela Conferência Geral da Unesco, em 2005, e ratificada
pelo Brasil em 2007. O documento estabelece direitos e obrigações para os países signatários,
que devem compartilhar responsabilidades em nome da diversidade das expressões culturais.
O conceito de cidadania passa a ser operado pelas políticas públicas na percepção da
cultura como um direito e de relevância em territórios e contextos de vulnerabilidade social. As-
sim, para além do acesso aos bens e serviços culturais é necessário garantir o direito à produção,
criação, difusão, circulação e participação nas decisões sobre a cultura (CHAUÍ, 2006). A recon-
figuração da noção da política de acesso à cultura para às políticas de diversidade e cidadania é
a chave para que os investimentos públicos passem a potencializar atores e suas práticas artísti-
cas e culturais comunitárias, que tenham o território e o cotidiano como locus privilegiado das
ações. Passe-se então a investir nas pessoas como produtoras de cultura e não em infraestrutura
física. Neste sentido, o Programa Cultura Viva9, se torna um marco ao reconhecer e fortalecer
organizações comunitárias (ONGs) com histórico de trabalho em seus territórios, os “Pontos de
Cultura”. Ao reconhecer e valorizar o protagonismo da sociedade civil o programa aposta na
reconfiguração de responsabilidades entre Estado e sociedade.
Seguindo na linha dos estudos culturais, os usos da cultura, suas apropriações ou res-
significações realizadas pelas políticas públicas e pelos atores da sociedade civil, são relevantes
8
Para saber mais sobre a Convenção ver: http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224por.pdf
9
O Programa Cultura Viva foi criado em julho de 2004 pela Secretaria de Programas e Projetos Culturais do Minis-
tério da Cultura. Inicialmente foi composto por 4 linhas de ação principais: Pontos de Cultura, Escola Viva, Cultura
Digital e Ação Griô Nacional. Opera por meio de conceitos como: autonomia, empoderamento, protagonismo e
gestão em rede. Tem como público principal de suas ações: populações de baixa renda;, estudantes da rede básica
de ensino, comunidades indígenas, rurais e quilombolas; agentes culturais, artistas, professores e militantes que de-
senvolvem ações em contextos de desigualdades e exclusões sociais e culturais. (Programa Cultura Viva – Programa
Nacional de Arte, Educação, Cidadania e Economia Solidária. 3. ed. Brasília, Ministério da Cultura, 2004).
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para reflexão aqui proposta. Yúdice (2004), nos auxilia ao conceber a cultura como um recurso.
O autor, ao debater o lugar que a cultura assume na sociedade contemporânea, aponta a legi-
timidade conferida a esta no auxílio à resolução de questões como “melhoria sociopolítica e
crescimento econômico”, considerando um protagonismo atribuído a cultura, nunca antes visto
nestas proporções.
O que eu gostaria de frisar desde já é que a cultura está sendo crescente-
mente dirigida como um recurso para a melhoria sociopolítica e econô-
mica, ou seja, para aumentar sua participação nessa era de envolvimento
político decadente, de conflitos acerca da cidadania (Young, 2000: 81-
120), e do surgimento daquilo que Jeremy Rifkin (2000) chamou de
“capitalismo cultural. (YÚDICE: 2004, p.25)
Podemos dizer que a cultura passa a ser vista sob o paradigma da associação de uma
eficiência no tratamento aos territórios onde há “vulnerabilidades sociais”. Seja pelas políticas
públicas ou pela sociedade civil, assim como nas interações entre estes dois atores, a cultura
passa a ser ressignificada como ferramenta de justiça social, exercício da cidadania e desenvol-
vimento local.
De acordo com o site oficial do projeto, o “Porto Maravilha”tem por finalidade “promover a reestruturação local,
10
por meio da ampliação, articulação e requalificação dos espaços públicos da região, visando à melhoria da qualida-
de de vida de seus atuais e futuros moradores e à sustentabilidade ambiental e socioeconômica na área portuária”.
Disponível em: http://www.cidadeolimpica.com.br/porto-maravilha/.
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11
Ver: http://www.museudeartedorio.org.br/
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O autor aponta que nas últimas décadas na caracterização do urbano tem-se levado em
consideração os processos culturais e os imaginários dos que habitam as cidades, onde além das
explicações demográficas e socioeconômicas, os estudos urbanos atuais, dão lugar às represen-
tações culturais nas quais se manifestam a heterogeneidade e a complexidade social (Canclini,
2008, p. 16). Nesta heterogeneidade, grupos de artistas, ongs, intelectuais e experiências comu-
nicacionais buscam reelaborar as relações entre conhecimento e vida urbana com orientações
que tratam de ações conflitantes e do acesso desigual à cultura. O imaginário não seria consi-
derado estritamente em sua dimensão simbólica, mas também como lugar de elaboração de
insatisfações, desejo e busca de comunicação com os outros (Canclini, 2008, p.15;p.21).
No mesmo contexto urbano contemporâneo do Rio de janeiro, no contraponto da cons-
trução de grandes equipamentos culturais clássicos em contextos de “revitalização urbana” e no
marco das manifestações de 2013, é possível perceber uma nova geração de atores e práticas
artísticos-culturais realizadas por grupos e/ou coletivos de jovens no espaço urbano carioca. Es-
tas práticas, não-institucionalizadas, englobam um universo de saraus de poesia, rodas de rima,
cineclubes, festas, ocupações e residências artísticas, rodas de funk e de hip-hop, apresentações
teatrais e musicais. Realizadas em espaços públicos (ruas, parques, praças e viadutos) dos bair-
ros do centro, da zona norte e da zona oeste da cidade, os eventos seriam um espécie de resposta
destes grupos às insatisfações cotidianas com a cidade. Potencializados pela internet, mobilizam
e comunicam suas iniciativas pelas redes sociais e canais alternativos de comunicação, em uma
espécie de ativismo cultural. Uma característica marcante da atuação destes grupos e/ou cole-
tivos é a atuação em rede em um “híbrido entre cibernética e espaço urbano” (Castells,2013).
Para o autor este híbrido constitui um terceiro espaço, o da autonomia, como uma nova forma
espacial dos movimentos em rede.
Este híbrido de cibernética e espaço urbano constitui um terceiro espa-
ço, a que dou nome de espaço da autonomia, porque só se pode garantir
autonomia pela capacidade de se organizar no espaço livre das redes de
comunicação; mas, ao mesmo tempo, ela pode ser exercida como força
transformadora, desafiando a ordem institucional disciplinar, ao reclamar
o espaço da cidade para seus cidadãos.(CASTELLS,2013, p.164-165).
Todavia podemos mencionar um outro tipo de rede mobilizada por esta nova geração de
práticas artísticos-culturais contemporâneas na dimensão da “potência estético-comunicativa” e
da “ comunicação-comunhão de sentidos e significados compartilhados” (FERNANDES, 2009.
Nesta perspectiva “a rede é tratada com um tipo de relação social, na perspectiva de que a inte-
ração, a troca, o sentido e o significado compartilhados por grupos de indivíduos representam
metaforicamente uma teia relacional complexa” (FERNANDES, 2009, p.168).
Na interface com as novas dinâmicas das práticas artísticos-culturais periféricas da ci-
dade, o Prêmio Ações Locais – Rio 450 Anos, da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de
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Janeiro, foi lançado em 2014, com o objetivo de mapear, reconhecer e fomentar iniciativas de
cunho artístico e cultural não-formalizadas com reconhecido impacto local em suas comunida-
des. Anunciado como o “Ponto de Cultura 2.0”, tendo em vista a mudança do “proponente” das
ONGS para iniciativas não-formalizadas de grupos ou pessoas físicas, o prêmio previa um re-
corte geográfico e territorial prioritário com vistas a contemplar um maior número de iniciativas
nos bairros da zona norte e oeste, visando uma maior descentralização de recursos públicos pela
cidade e de ativar canais de diálogo e comunicação com atores até então a margem das políticas
públicas muncipais. O prêmio recebeu 882 inscrições, sendo 610 “chanceladas12” e 85 iniciati-
vas premiadas no valor de R$40.000,00.
Em reportagem do Jornal O Globo, intitulada “Cultura na Raça”13, em uma referência às
práticas artísticos-culturais “invisíveis” e/ou sem qualquer apoio financeiro, as iniciativas chan-
celadas e contempladas pelo prêmio foram “plotadas” em um mapa da cidade do Rio de Janeiro,
a fim de visibilizar a distribuição espacial das iniciativas na cidade. Das 610 iniciativas, 163 são
da zona norte, 28 de Bangu, 14 do Complexo da Maré, 25 da Rocinha, de 11 a 20 em Santa Cruz,
Senador Carmará, Vargem Grande, Realengo e Cidade de Deus, de 2 a 10 na Pavuna, Vigário
Geral, Complexo do Alemão, Ilha do Governador, Madureira. Do ponto de vista do conteúdo
das iniciativas é possível perceber um conjunto bem diversificado:
(...) Há cineclubes, saraus, grupos de teatro e bibliotecas comunitárias;
oficinas de artes visuais, de DJ e de dança afro; festivais de hip-hop, de
circo e de rock; rodas de rima, de samba e de capoeira; batalhas de bar-
beiros e encontros de praticantes de bambolê; aulas de forró, de escultu-
ra em areia, de grafite. Dos mais inusitados, estão no mapa a Escola de
Blogueiros no Jacarezinho, a Oficina de Danças Circulares para idosos
no Catete e um borboletário em Senador Camará, com exposição das
espécies de borboletas encontradas no bairro. (Reportagem do Jornal O
Globo, “Cultura na Raça”, de 30/05/2015).
A partir desta nova geração de atores e práticas artísticos-culturais perifeŕicas é pos-
sível pensarmos na ação política de sujeitos sociais por meio de híbridos institucionais (RI-
BEIRO, 2005).
Os sujeitos sociais e a ação política apresentam, agora, maior complexi-
dade, confrontando paradigmas que orientaram, até há pouco tempo, os
projetos de transformação social. Estes sujeitos propõem novos híbridos
institucionais, atuam em várias escalas, exigem a releitura do Estado,
defendem diferentes sentidos de nação, rejuvenescem tradições e impe-
dem a sua completa absorção em instituições da modernidade. Nas pa-
12
As iniciativas chanceladas foram reconhecidas pela Prefeitura por meio de um documento oficial, valorizando
a importância da iniciativa na cena cultura urbana da cidade. A ideia seria também a de facilitar a inscrição dos
projetos “chancelados” em outros mecanismos de fomento da prefeitura.
13
Reportagem publicada em 30/05/2015, no Jornal O Globo. Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/o-
-mapa-da-cultura-carioca-feita-na-raca-16305108
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão proposta nestre trabalho busca reconhecer o espaço urbano lócus privilegiado
de observação de dinâmicas e intervenções artísticas, culturais, estéticas e políticas e a cidade
produtora de processos culturais e comunicacionais plurais, tornando-se um lócus privilegiado
para as disputas simbólicas e para a construção de novos imaginários em contextos de afirmação
de identidades e diferenças.
Por meio de um panorama, da década de 90 até os tempos atuais, propomos tecer uma
reflexão sobre a potencialização de práticas artísticos-culturais periféricas da sociedade civil
no espaço urbano do Rio de Janeiro pelas políticas públicas de cultura dos séculos XX e XXI.
Nas interfaces das políticas públicas com a sociedade civil, das incorporações e das redefinições
conceituais acerca da centralidade da cultura e das novas dinâmicas e formas de organização
de grupos e práticas do campo da arte da cultura, buscou-se refletir de que forma tais práticas
engendram ressignificações no que tange ao simbólico, as sociabilidades e ao imaginário do
espaço urbano carioca, ao se ampliar o olhar para experiências, agenciamentos e linhas de fuga
que disputam uma agenda e um projeto político democratizante para a cidade na marca de suas
disputas, tensões e conflitos.
A partir da atuação de uma rede de atores e suas práticas artísticas e culturais periféricas
em meio a uma cidade-espetáculo em preparação para as Olimpíadas de 2016, observa-se no
espaço urbano uma efervescente cena que propõe outras narrativas e olhares para a cidade em
torno de uma disputa simbólica, política e cultural e apontando novos significados para as polí-
ticas públicas de cultura.
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UNESCO, Declaração Universal da Unesco sobre a Diversidade Cultural. Unesco: Paris, 2001.
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RESUMO: O presente artigo propõe uma breve reflexão sobre preservação e requalificação do
patrimônio portuário em cidades históricas tombadas pelo IPHAN no litoral dos estados do Paraná
e Santa Catarina, com especial atenção ao caso do complexo das Indústrias Matarazzo junto ao
porto de Antonina-PR. Questões relacionadas ao tombamento do conjunto da cidade conduzem as
análises de especificidades no tratamento desta categoria de patrimônio a partir da percepção de
transformações da tecnologia e demais atividades predominantes em áreas portuárias, bem como
sua ação sobre o espaço simbólico. Por fim, o trabalho destaca a importância do diálogo entre
preservação e planejamento no sentido de (re)significar atribuições memoriais da cidade portuária.
PALAVRAS CHAVE: cidades tombadas, patrimônio portuário, indústria portuária, região Sul.
O presente trabalho é dedicado a uma breve análise sobre o lugar da cidade portuária em
relação à concepção moderna de cidade com ênfase nas especificidades que a caracterizam como
palco de interações e disputas culturais, tomando por objeto de análise o caso do complexo fabril
das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo em Antonina, pequena cidade portuária na costa
paranaense. Entendido como ruína moderna, o complexo se encontra em severas condições
de deterioração em razão do abandono desde o encerramento de suas atividades em 1972. Sua
propriedade é objeto de disputa entre os herdeiros da família Matarazzo, e os entraves judiciais
vieram a público em razão da conclusão do processo de tombamento federal do conjunto histó-
rico e paisagístico de Antonina, que abrange parte da área de construção da indústria e do porto.
O intenso fluxo de pessoas e mercadorias nas zonas portuárias, percebido como efeito
de lugar, imprime sua marca sobre a região do porto e a cidade contígua em aspectos diversos,
seja através do cosmopolitismo, característica indissociável de diversas cidades portuárias de
trânsito internacional, ou de um aspecto generalizado de degradação física e simbólica do espa-
ço portuário. Com relação à dimensão material, novas políticas para o desenvolvimento urbano,
1
Mestranda em História pelo PPGHIS da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: julianarpe-
reira@outlook.com.
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reutilização e preservação do patrimônio têm trazido à tona o porto como objeto de estudos, con-
forme se observa em diversos projetos de requalificação de centros históricos e waterfronts que
têm retomado importância de territórios portuários em localidades diversas na Europa e Amé-
rica. Diante deste contexto, colocam-se importantes questionamentos: Em que medida projetos
de intervenção que têm como objeto central o porto são capazes de trazer para um contexto de
desenvolvimento urbano atual a leitura das interações e processos que ali tomaram lugar ao lon-
go tempo? E de que maneira é possível ressignificar a relação dialógica entre o porto e a cidade
em seus aspectos de materialidade e simbologia memorial? Para pensar estar questões, propo-
mos traçar um breve retrospecto da formação econômica e urbana da baía de Antonina, uma vez
que o reconhecimento em esfera oficial do valor histórico e cultural desta cidade evidencia sua
demanda de integração entre o planejamento e urbano e propostas de preservação.
Uma das primeiras áreas exploradas economicamente pela coroa portuguesa na região
sul do Brasil, a baía de Antonina era tida como local estratégico para o controle da região,
e para a busca por índios e metais preciosos, em razão de sua extensa entrada para as terras
do continente. A ocupação de Paranaguá, bem como de suas localidades vizinhas, como An-
tonina, Morretes e Guaraqueçaba, impulsionada pela exploração do ouro no início do século
XVIII, passou por um processo de desaceleração quando das primeiras descobertas de jazidas
de minerais preciosos em Minas Gerais, fazendo com que as povoações instaladas no litoral
paranaense voltassem suas atividades produtivas da mineração para a subsistência. Em 1798,
Antonina é elevada à categoria de vila, e a reabertura dos portos brasileiros dez anos mais
tarde traz fôlego à atividade portuária da região cujo controle é disputado entre os portos de
Antonina e Paranaguá. Como consequência do acirramento desta disputa, o Caminho da Gra-
ciosa, via que liga o planalto paranaense ao litoral através da Serra do Mar, é reaberto para
facilitar o escoamento da produção agrícola, em especial de erva-mate, do interior do estado
para o litoral.
A partir do século XIX, com a industrialização do processo de beneficiamento da erva-
-mate, o crescimento do volume de exportações impulsiona um rápido desenvolvimento urbano,
observado na abertura de novas ruas, construção das igrejas de São Benedito e Bom Jesus do
Saivá, do trapiche, e do mercado de Antonina. Obras para tornar carroçável o Caminho da Gra-
ciosa e a construção da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá intensificaram, na segunda metade
do século XIX, a comunicação entre Antonina e as demais cidades do Paraná.
O ano de 1917 marcaria, então, o surgimento de um novo período de crescimento na
cidade. Em um vasto terreno junto ao atracadouro Itapema foi instalada primeira unidade para-
naense das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, dedicada a moagem de trigo, sal e açúcar.
O conjunto foi construído sob o padrão arquitetônico de inspiração manchesteriana característico
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de edifícios fabris das Indústrias Matarazzo2, cuja ornamentação é construída com ênfase em
elementos da estrutura, com uso decorativo de materiais e texturas dos tijolos cerâmicos e das
pedras de fecho, e destaque para as cintas entre os pavimentos e lanternins de motivo ornamental.
O complexo abarca além dos edifícios fabris, os casarões da administração, uma escola nomeada
em homenagem a seus fundadores, e uma vila operária formada por 50 casas de quatro peças per-
tencentes à empresa, onde os funcionários residiam sem custo. O moinho foi mantido em ativi-
dade pelas seis décadas seguintes, fornecendo farinha de trigo, sal e açúcar por via marítima para
diversas localidades do Brasil, e há indícios de que no terminal portuário3 da empresa se operava
também o despacho de cargas por contrato. A indústria, que contava com seu próprio terminal
portuário, foi, no entanto severamente afetada pelo assoreamento dos canais da baía, onde a falta
de investimentos de manutenção das áreas navegáveis, somada ao aumento do calado das embar-
cações, leva, a partir da década de 30, a atividade portuária de Antonina à decadência. Com sua
economia estagnada, a cidade viveu em 1972 o fim do funcionamento das Indústrias Matarazzo e
em 1976 a desativação definitiva do ramal ferroviário Morretes-Antonina.
Foto da autora
2
Sobre este tema ver: VICHNEWSKI, Henrique Telles. As Indústrias Matarazzo no Interior Paulista: Arquitetura
Fabril e Patrimônio Industrial (1920-1960). Dissertação (Mestrado História) – Universidade Estadual de Campi-
nas, Campinas, 2004.
3
Neste ponto, se faz imprescindível esclarecer que a função privada do terminal portuário (ou terminal de uso pri-
vativo – TUP) o diferencia da orientação de uso público do porto. Para fins de distinção, trataremos por ‘terminal
portuário’ o espaço circunscrito ao complexo industrial das IRFM.
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4
IPHAN. Conselho Consultivo confirma tombamento do Centro histórico de Antonina, no Paraná. Brasília, 2012.
Disponível em <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=16419&sigla=Noticia&retorno=-
detalheNoticia>. Grifo nosso.
5
RIEGL, Aloïs. O Culto Moderno dos Monumentos: sua Essência e sua Gênese. Goiânia: Editora UCG, 2006.
pp.50
6
Idem, pp. 63
1092
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constantemente ressignificando suas atribuições originais. Segundo esta nova forma de organi-
zação, o patrimônio se encontra associado tanto ao território quanto à memória, elementos estes
que atuam como vetores de uma construção identitária fortemente marcada pela obliteração, isto
é, da identidade em busca de si própria. No âmbito deste constante processo, “o patrimônio define
menos o que se possui, o que se tem e se circunscreve mais ao que somos, sem sabê-lo, ou mesmo
sem ter podido saber”7, atendendo à anamnese coletiva na forma de seu dever com a conservação,
a comemoração e a reabilitação da memória.
Entendido como objeto histórico, o lugar de memória encontra na leitura historicizada
a monumentalização do patrimônio, e de modo complementar, a categorização de suas tipolo-
gias evidencia a existência de uma rede articulada de identidades, momentos e locais diversos
que fazem parte de “uma organização insconsciente da memória coletiva que nos cabe tornar
consciente de si mesma”8. Assim, a abordagem proposta nas políticas federais de preservação
do patrimônio visa refletir por via da chamada Retórica da Perda, - segundo a qual instituições,
valores e vestígios associados a uma determinada identidade cultural têm como destino a perda,
compreendendo como efeito dessa visão um enquadramento mítico para o processo histórico
condicionado de modo absoluto à destruição e homogeneização do passado e das culturas9 - so-
bre a valorização da condição histórica da cidade como forma de oficializar ações de preserva-
ção por parte dos órgãos públicos e da sociedade civil “no sentido de tornar exemplar e digna de
ser conhecida as condições atuais das cidades tombadas e a história que cada uma abriga”10. Até
meados de 2015 figuravam dentre os conjuntos urbanos protegidos em esfera federal 77 cidades
históricas distribuídas por todo o território nacional, registradas com o intento de servir como
testemunho dos “processos de transformação do país, por meio da preservação de expressões
próprias de cada período histórico”11.
7
Idem.
8
NORA. Op. Cit. pp.27.
9
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio
de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996. pp. 22
10
IPHAN. Conjuntos Urbanos Tombados (cidades históricas). Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/
detalhes/123>.
11
Idem.
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Figura 2: Centro histórico de Laguna, cidade tombada no litoral sul do estado de Santa Catarina
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O litoral sul do Brasil conta com cidades históricas tombadas em âmbito federal en-
quanto conjuntos arquitetônicos e artísticos nos quais se encontram preservadas “características
herdadas da riqueza histórica e diversidade cultural de seus fundadores e habitantes”12, ao que se
soma a presença de inúmeros sambaquis e sítios arqueológicos. Nos estados do Paraná e Santa
Catarina, os primeiros povoamentos surgiram principalmente em função da atividade minerado-
ra, de colônias de imigrantes, e a partir de fortificações erguidas no Brasil colonial como forma
evitar a entrada de espanhóis e franceses no litoral e suas fronteiras. Observa-se no Paraná, alem
do mencionado caso da cidade de Antonina, a organização de Paranáguá em torno da atividade
portuária, beneficiada pela proximidade em relação ao porto de Santos, ao passo que em Santa
Catarina, povoamentos estratégicos estabelecidos por navegadores europeus deram origem a
São Francisco do Sul, cidade histórica localizada em uma ilha na Baía da Babitonga, e que conta
até os dias de hoje com um porto de escoamento em atividade.
Figura 3: Centro histórico de São Francisco do Sul-SC, de onde se pode ver os guindastes do porto
Foto: IPHAN/SC
No entanto, o afastamento das atividades portuárias em relação aos centros urbanos re-
verbera invariavelmente no tecido urbano envoltório, e é possível compreender este fenômeno
como efeito provocado por um acelerado processo de obsolecência tecnológica. A partir do últi-
IPHAN. Conjuntos históricos tombados (cidades históricas): Sul. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/
12
pagina/detalhes/102>.
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mo quartel do século XX, na medida em que transformações nos padrões da logística portuária,
somados à modernização dos navios de carga, percebe-se com maior intensidade a limitação,
ou mesmo incapacidade, de dar continuidade às atividades produtivas em antigas instalações
portuárias. A este respeito, Del Rio (2001) afirma que
Por um lado, os modernos e gigantescos navios de carga, a conteine-
rização e a especialização do movimento portuário, as dificuldades de
acomodar as novas logísticas portuárias às limitadas instalações e espa-
ços das áreas centrais e a difícil acessibilidade dos meios de transportes
de apoio – rodovias e ferrovias – foram fatores fundamentais para seu
esvaziamento, em detrimento de novas instalações portuárias em grande
portos mais afastados, tecnológica e fisicamente preparados para os no-
vos tempos (DEL RIO, 2001)
A década de 1930 marcou a decadência defitiva do porto de Antonina, pois além dos ma-
ciços investimentos públicos no porto concorrente em Paranaguá, o assoreamento do fundo da
baía e o aumento do calado das novas embarcações tornava as antigas instalações antoninenses
inviáveis para utilização. No mesmo período houve grande queda das exportações de erva mate,
sobretudo para a Argentina, de modo que a queda nas exportações de madeira, ocorrida logo em
seguida, provocou o fechamento de diversas de empresas exportadoras que operavam na região,
o que levou a cidade a um novo período de estagnação econômica. Após décadas de decadência,
A inauguração da BR-277 em 1970 põe fim definitivo às atividades industriais na cidade, uma
vez que a até então utilizada estrada da Graciosa, íngreme e pavimentada em pedra, deixa de
ser atrativa ao transporte de cargas. Quado do fechamento do moinho das Indústrias Matarazzo,
em 1972, a falta de oferta de emprego levou muitos dos antigos operários e pequenos comércios
que atendiam à empresa a abandonar a cidade, deixando certo número de edificações do centro
da cidade abandonadas13.
Por fim, o ramal ferroviário que ligava o planalto a Antonina seria desativado em 1976.
IPHAN. Parecer técnico sobre o tombamento do conjunto histórico e Paisagístico de Antonina-PR. Curitiba,
13
2010.
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Figura 4: Centro histórico de Paranaguá-PR, núcleo do qual a atividade industrial portuária tem sido
paulatinamente deslocada
Foto: IPHAN/PR
14
RUFINONI, Op. Cit.
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RESUMO: Neste artigo apresentaremos o estudo que está sendo desenvolvido através do
aplicativo instagram do Museu das Coisas Banais (MCB). O MCB é um museu virtual e
contemporâneo que utiliza o ciberespaço para coleta e exposição de objetos pessoais. Além
do website, os objetos são apresentados por meio de outras ferramentas digitais. Recentemente
foi incorporado o instagram às ferramentas utilizadas pelo MCB para expor as peças do
acervo virtual. O uso desta ferramenta possibilitou outros tipos de abordagens indo além de
ser meramente um dispositivo de comunicação. Assim, o MCB tem a missão de preservar e
compartilhar memórias de objetos tidos como banais através da rede, atuando como suporte de
compartilhamento informacional e de comunicação museológica.
1. INTRODUÇÃO
O Museu das Coisas Banais (MCB) é um museu virtual, ou seja, existe apenas no cibe-
respaço, está voltado para a preservação e o compartilhamento de memórias e para a reflexão
sobre a cultura material do tempo presente. Criado em 2014 o MCB é um projeto de pesquisa
vinculado ao Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A
proposta deste projeto é trazer para o mundo virtual objetos do cotidiano com as suas histórias,
visando uma aproximação do museu com seu público.
O acervo do Museu é constituído de forma participativa, os usuários enviam as fotografias
de seus objetos juntamente com suas narrativas, assim compartilham memórias pessoais, afeti-
vas, que ao entrar no espaço público (acervo), se tornam compartilhadas. Conforme Federico
1
Professora do Curso de Museologia e do Programa de Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade
Federal de Pelotas. E-mail: julianeserres@gmail.com.
2
Doutoranda em Políticas Públicas (UFRGS). Professora substituta do Curso de Museologia do Departamento de
Ciências da Informação da UFRGS. E-mail: ana.rodrigues@ufrgs.br
3
Graduando em Museologia Universidade Federal De Pelotas. E-mail:rafateixeirachaves@gmail.com
1101
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Caselegno (2006, p.19), a memória coletiva toma forma quando toda coletividade pode acessá-la
e nutri-la, por que são os indivíduos que participam de sua criação.
A sistemática da passagem dessa memória pessoal para o espaço público ocorre quando
os usuários “doam” um objeto pessoal, que passa a integrar ao acervo do Museu a partir do
preenchimento da ficha disponível no site do MCB - <https://wp.ufpel.edu.br/museudascoisas-
banais/envie-seu-objeto.
Portanto, todo o processo museológico do MCB ocorre no ciberespaço, da coleta à expo-
sição de acervos. A proposta desse artigo é apresentar um estudo de caso, o da mídia de interação
social Instagram que, se configura como uma ferramenta de compartilhamento de informações
multimídias, principalmente no formato de fotos e vídeos, bastante utilizada pelo Museu.
O Instagram do MCB vem demonstrando que pode ser um instrumento de análise mu-
seológica, possibilitando atividades como estudo de público a partir da interatividade com o
usuário, neste caso, chamado de seguidor. Um exemplo desta relação acontece quando, através
da postagem da logomarca do Museu, procura-se saber como os seguidores a avaliam e como
aquela imagem identifica e define o Museu. Nessa pesquisa realizada, os usuários relacionaram
a imagem do guarda-chuva com proteção, a associação foi de que o Museu preserva objetos e
os “protege”.
Fonte: museudascoisasbanais.com.br
A ferramenta, que vem sendo utilizada não só como meio de comunicação, mas como
uma plataforma museológica, vem permitindo a aproximação com os usuários e a elaboração
de uma espécie de curadoria, onde os usuários participam da organização do acervo, através da
criação de um banco de dados on-line para que o próprio usuário cadastre seu objeto/memória
que será compartilhado no aplicativo, desta forma cria-se uma sistematização das informações
levantadas além da disponibilização destas ao longo do tempo.
1102
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Fonte:https://www.facebook.com/media/set/?set=a.570766153054445.1073741831.509757732488621&type=3
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Fonte: http://wp.ufpel.edu.br/museudascoisasbanais/envie-seu-objeto/
Os museus de modo geral cada vez mais utilizam esses espaços virtuais como meios
de divulgação e em alguns casos, como o aqui descrito, também como meio de interação com
o público e dinamizador do próprio acervo. A internet possibilita uma aproximação do público
com os museus e permite uma grande interatividade, não apenas entre público e museu, mas, no
caso do MCB, entre os próprios usuários.
A partir de um recurso desenvolvido para o Instagram do MCB também tornou-se pos-
sível conhecer um pouco dos seguidores ou, se preferirmos, público do Museu. 4 O recurso per-
mite conhecer em tempo real as pessoas que visualizam a página do MCB através de seus logins
e localiza-las no mapa, conforme indicado na figura a seguir.
Fonte: http://museudascoisasbanais.com.br/instagram/mapa/
Ferramenta desenvolvida por Luan Einhardt, acadêmico de Ciências da Computação da UFPEL e colaborador do
4
MCB.
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O mapa permite concluir que o público do MCB conecta-se de todo o país e visita ao
Museu a qualquer hora, outra grande possibilidade da rede: um museu que não fecha.
Para sabermos o alcance do Museu no Instagram, também está em curso uma pesquisa,
através de dois questionários online. Para pesquisa de opinião: o primeiro está relacionado ao
que os estudantes de Museologia do Brasil acham de um museu no Instagram?”5 O segundo,
formulário condiz com uma pesquisa de opinião direcionada aos profissionais de Museus, Redes
Sociais, Comunicação, para saber como percebem o uso do Instagram pelo Museu.6
Foram desenvolvidos questionários onde os entrevistados são profissionais, estudantes e
os usuários do Instagram que são seguidores do MCB somando 611 entrevistados. O Instagram
do MCB vem demonstrando que o público pode interagir com as práticas da instituição, utili-
zando as ferramentas disponíveis no aplicativo, como curtir, comentar, compartilhar. Também
possibilita o contato direto com o museu através de mensagens, sendo elas privadas ou não,
desta forma possibilita ao usuário a criação de uma curadoria própria e compartilhada com os
demais indivíduos que ali interagem. Esse tipo de abordagem mostra que o Instagram vai além
de uma rede de compartilhamentos e se torna uma ferramenta de comunicação museológica.
Através do material coletado podemos afirmar que o MCB apresenta mais de 5 mil se-
guidores no Instagram. A partir disto, apontamos que 90% consideram os usuários do Instagram
do MCB, como visitantes do Museu. O Instagram possui duas opções de interação: curtidas e
comentários, o qual já ultrapassou 41 mil curtidas e 13 mil comentários. Através do aplicativo o
Museu está recebendo acervo, a doação é concluída somente após o preenchimento da ficha de
inventário online, que pode ser preenchida pelo celular. Isto seria um novo mecanismo de cria-
ção de coleção? A pesquisa aponta que 95% consideram um mecanismo contemporâneo de cria-
ção de coleções. Uma outra questão foi colocada, se os usuários consideram acervo, os álbuns e
as coleções de texto e imagens da sua rede social. A pesquisa indica que 80% consideram acervo
suas postagens nas redes sociais. Como os seguidores são de diversos lugares e através de uma
postagem interagem com os outros usuários, a pesquisa também aponta que 70% dos usuários
consideram a Instagram do Museu uma comunidade. E para finalizar perguntou-se aos usuários
se eles consideram um Museu no Instagram como um museu, 99% consideram que sim.
A pesquisa intencionou conhecer a percepção dos usuários sobre o uso da ferramenta, além
de permitir uma comunicação mais dirigida e explorar as potencialidades do uso do Instagram.
5
Disponível em: <https://docs.google.com/forms/d/1kzv3nxeQBCrWw10eePxJiZvgSBzDufwGHu_Tub0uN94/
edit?c=0&w=1&edit_requested=true&pli=1> Acesso em 02\02\2015
6
Disponível em: <https://docs.google.com/forms/d/1IRuyRWHQpdxV9BXZr8-hpxDgHPtmwcnMohw-
M9UEWX3Q/viewform?c=0&w=1&edit_requested=true> Acesso em 02\02\2015
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3. UM EXPERIMENTO DE PARTICIPAÇÃO
Apresentamos aqui uma proposta desenvolvida no Instagram, inspirada no trabalho de
pesquisa do Octave Debary, Howard Becker e Philippe Gabel (2011), no qual eles convidavam
pessoas para inventarem uma história a partir de objetos encontrados nos Marché aux Puces da
França. A proposta desenvolvida pelo MCB consiste na mesma sistemática apresentada pelos
autores, porém, através do Instagram.
Na cidade de Pelotas no Rio Grande do Sul, semanalmente, aos sábados, ocorre uma fei-
ra, no modelo de Mercado das Pulgas. Os expositores do Mercado foram convidados a escolher
um objeto que encontra-se a venda ou exposição e contar sua história, supostamente real. Com
essas informações e imagem, é postada no Instagram a seguinte chamada: Vamos Brincar? A
partir da história inicial do expositor, cada usuário realiza a continuidade da história e produzem
novos relatos, demonstrando as possibilidades de narrativas dos objetos, as polifonias possíveis.
A seguir apresentamos um estudo de caso: uma xícara e suas narrativas verdadeira e ficcionais.
História narrada pelo expositor:
Estas duas xícaras de chá, elas foram de uma senhora que veio da Es-
panha morar aqui no Brasil. Ficou viúva aos 24 anos, quando ela ficou
mais velha adoeceu e eu fui cuidar dela. Quando ela faleceu fui cuidar
do genro dela e com a morte do genro, eu fui cuidar da filha dela então
eu fiquei na família quase 20 anos, então quando ela faleceu me deram
vários objetos onde eu guardo até hoje com muito carinho estas xícaras
de chá, e por que com muito carinho? Por que nestas xícaras nos tomá-
vamos chá quando eu chegava para cuidar dela, chá com bolachas [...]
Fonte: https://www.instagram.com/p/BA5ePgqMAlW/?taken-by=museudascoisasbanais
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não sou mais. O que não sou mais senão através de um objeto, que se
transformou em resto e que se contrapõe ao desaparecimento a ao es-
quecimento, tornando assim presente o que é ausente. Como denominar
esse poder de ressureição? Uma lembrança. Lembrança que se vai bus-
car, remexer e fazer sair da memória de um sótão como naquele de um
museu etnográfico. Uma lembrança retomada pelos outros e que existe
por si. (DEBARY, 2010).
Segundo Francisco Ramos (2004, p.32) os objetos são “geradores” motivando a reflexão
sobre a relação entre o sujeito e objeto; por isso é importante perceber a vida dos objeto, enten-
der e sentir que os objetos expressam traços culturais, que os objetos são criadores e criaturas
do ser humano.
Assim, os objetos tornam-se grandes propulsores de discursos sociais, evocadores de
memórias, sobretudos esses objetos carregados de afetos que, guardados pelas pessoas, transmi-
tidos, colocados em museus, são repositórios de afetos.
Conforme Debary (2010), os objetos têm mais sorte do que nós, retirados de um sótão,
de um porão, até mesmo de um descarte, podem ser expostos em um grande dia no qual se bene-
ficiam do sol, do vento, da chuva. Quem dentre nós poderá dizer ter tido uma segunda existência
senão o Cristo e mesmo para ele, essa segunda vida foi bastante breve.
4. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Segundo Pierre Lévy, O mundo humano é ‘virtual’ desde a origem, bem antes das tecno-
logias digitais, porque ele contém em toda parte sementes de futuro, possibilidades inexplora-
das, formas por nascer que nossa atenção, nossos pensamentos, nossas percepções, nossos atos
e nossas invenções não deixam de atualizar. (2001, p. 137).
Virtualmente um museu no ciberespaço apresenta infinitas possibilidades. O MCB vem
trabalhando alguns recursos que potencializam um caráter participativo dos usuários, essas tec-
nologias aplicadas à museologia permitem uma grande interatividade entre público-museu, pú-
blico-acervo e público-público. Porém, mesmo que os usuários potencialmente sejam bilhões, é
preciso, como em um museu físico, conhecer o público do MCB, quem acessa, de onde acessa,
como interage com o Museu. Esse público visitante é potencialmente doador de acervos ao
MCB, ou seja, a existência e permanência do Museu depende de seus usuários. Assim, para um
museu virtual ou no ciberespaço, como deveria ser para um museu físico, a comunicação justifi-
ca a existência da Instituição. Um museu que não comunica não é museu, as ferramentas da rede
permitem ampliar, virtualmente, ao globo o acesso ao Museu. O Instagram vem se mostrando
uma ferramenta muito importante nesse sentido.
As pessoas são o que elas dizem e narram sobre si, suas memórias. O Museu preserva a
memória por intermédio de vestígios (aparentemente banais) de nossa existência; vestígios esses
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que servem de pretexto para falarmos sobre quem nós somos, ou gostaríamos de ser. O MCB
salvaguarda, nesse sentido, aquilo que é mais pujante nos objetos: o metafísico, o sentimento,
o sensível, enfim, tudo aquilo que se refere ao nosso patrimônio afetivo. Em uma época em que
tudo evolui muito rápido e o descarte de objetos, modas, tendências, estilos e tantas outras coisas
acontece de forma quase avassaladora, preservar o banal prova que nem tudo é tão descartável
assim, ao menos para algumas pessoas. O MCB preserva, com a ajuda da tecnologia, as histórias
e memórias das pessoas, por meio de seus objetos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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contribuir para a viralização de campanhas: um estudo de caso sobre a campanha #SomosTodosMaca-
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DEBARY, Octave et all. Vide-Greniers. Paris: Éditions Creaphis, 2011.
DESVALÉES, André; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de Museologia. Tradução: BRULON,
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HENRIQUES, Rosali. A experiência do Museu da Pessoa: a história do cotidiano em bits e bytes. Dis-
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Desde a última década uma série de novos mecanismos institucionais vem sendo criados
e implementados pelos órgãos públicos de gestão de cultura no Brasil, com o intuito de incorpo-
rarem o planejamento e a cultura participativa como políticas de Estado. Visões críticas (CALA-
BRE, 2009, RUBIM, 2008, BOTELHO, 2001) analisam essa nova postura, protagonizada pelos
órgãos da gestão pública, como a possibilidade de ruptura do histórico de descontinuidades e
autoritarismos que desde o período inaugural, na década de 1930, caracterizam as políticas cul-
turais brasileiras.
De fato, desde a realização da I Conferência Nacional de Cultura, em 2005, um diálogo
cada vez mais frequente tem aproximado os governos federal, estaduais e locais de produtores,
gestores, artistas e pesquisadores do campo cultural, via novas formas institucionais estimu-
ladas e implementadas em parte considerável das regiões brasileiras. Sob o guarda-chuva da
articulação e costura de um Sistema Nacional de Cultura, políticas de financiamento, gestão de
1
Juliano Borges é doutor em Ciência Política (IUPERJ) e professor adjunto do curso de Comunicação Social do
IBMEC, julianoborges@gmail.com
2
Simone Amorim é Gestora Cultural, Doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ), http://
www.cultura.rj.gov.br/apresentacao-projeto/plano-estadual-de-cultura
1111
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3
“Um Plano para nossa cultura”, Adriana Scorzelli Rattes, secretária de Estado de Cultura (2008-2014). http://
www.cultura.rj.gov.br/apresentacao-projeto/plano-estadual-de-cultura Acesso em 15/01/2016.
4
Conferências estaduais de cultura In: http://www.cultura.rj.gov.br/projeto/conferencias-estaduais-de-cultura
Acesso em 15/01/2016.
5
Diagnósticos regionais In: http://www.cultura.rj.gov.br/downloads-projeto/plano-estadual-de-cultura acesso em
15/01/2016
1112
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informações coletadas; para que a gestão estadual, por fim, tivesse a dimensão dos desafios do
campo cultural, para além da capital e da região metropolitana, histórica e geograficamente mais
próximas da gestão da SEC-RJ.
Esse processo, depois de uma ampla consulta pública (online e presencial), que envolveu
a visita da SEC-RJ a todos os 92 municípios fluminenses, oito conferências regionais pelo esta-
do e o envolvimento de mais de cinco mil participantes, acabou por consolidar a articulação que
culminou com a criação do Sistema Estadual de Cultura do RJ, sancionado pelo governador do
estado após votação favorável da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ),
por meio da Lei 7.035 de 7 de julho de 2015.
Contudo, a despeito de um inédito empenho de mobilização para a participação social e
da qualidade dos documentos aprovados, o processo foi marcado também por desencontros que
podem ser reconhecidos no debate teórico de tipo neoinstitucionalista, responsável por compre-
ender como a sociedade civil em sua atuação no interior das instituições do Estado pode contri-
buir para o aprimoramento do regime democrático.
É sobre as contradições geradas por essas novas institucionalidades, que passam a con-
viver entre velhas estruturas, que esse artigo pretende refletir. Sem esgotar o tema, porém regis-
trando etapas importantes de um processo ainda em consolidação no estado do Rio de Janeiro.
Um debate, portanto, revestido de relevância e atualidade.
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viabilizá-la. Esse paradoxo é particularmente acentuado na área cultural brasileira, marcada por
forte assimetria política entre os setores artístico-culturais; um histórico de omissão do poder
público, ausência de políticas culturais e alta precariedade administrativa e institucional.
Jean Cohen e Andrew Arato oferecem uma visão otimista da sociedade civil frente ao
Estado (COHEN e ARATO, 1992). Nela, as demandas são sempre superiores às instituições,
mas as ações da sociedade civil interagem com seus movimentos interiores. Dessa forma, o for-
talecimento da sociedade civil estruturaria novos níveis de pluralismo e ampliaria as demandas
sociais existentes, em um fluxo constante de aprimoramento das condições dentro de um sistema
democrático, expandindo como conseqüência o raio de atuação das instituições públicas. Há,
portanto, no confronto com as limitações dos regimes democráticos, uma dependência incontor-
nável da política na ideia de organização da sociedade civil, definida como locus de experimen-
tação social para o desenvolvimento de novos tipos de solidariedade e de relações de cooperação
e de trabalho por meio de associações transclassistas (Idem, p.38). Nessa dinâmica, as organi-
zações culturais desempenham papel especial, uma vez que “contribuem para uma consciência
de cidadania e seu desenvolvimento amplia o espaço da cultura como elemento importante na
construção ativa e consciente na solução de seus problemas” (CARVALHO, 2009, p.20).
A sociedade civil encontra limitações externas impostas pelas instituições vigentes, tor-
nando-se essa sua razão de ser; superá-las. Seu problema é que, estando ela própria inserida
em um quadro institucional, as transformações formuladas no seio da sociedade civil freqüen-
temente constituem-se como balizamentos colocados pelas instituições, gerando, em muitos
casos, uma mera reprodução daquele quadro institucional. O associativismo, em sua dinâmica,
acaba muitas vezes por reproduzir práticas políticas que desejava corrigir, estabelecendo novos
fracionalismos, relações verticalizadas e disputas intergrupos por recursos, no âmbito estatal.
Preocupada com a insuficiência da teoria democrática tradicional em oferecer um mo-
delo político capaz de estimular a cooperação e a igualdade social, pela ênfase que confere às
liberdades individuais, Carol Gould ressaltará a necessidade de encontrar formatos institucio-
nais capazes de proteger e de ouvir os interesses de minorias (GOULD, 1988). Suas premissas
baseiam-se na concepção de política como processo, isto é, à parte da estática institucional e
através de uma dinâmica de interação, os indivíduos tendem a aprimorar seu comportamento
político porque dotados de opções de refúgio no processo de interação e aprendizado políticos
da sociedade civil. Se obrigatória a democratização das instituições, através de relações mais
equânimes entre os indivíduos, está claro que essas mesmas instituições têm também o poder de
conformá-los. O caso brasileiro é exemplar nesse sentido, em que as instituições são marcadas
por ações verticalizadas, mais preocupadas em controlar a cultura do que em promovê-la.
Contra esse ciclo vicioso, é preciso assegurar que as esferas social e cultural possam ser-
vir de veículos paralelos capazes de garantir uma participação política ampla como alternativa de
1114
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refúgio da estática institucional. Gould afirma que a democratização extensiva das esferas econô-
mica e política pode relativizar tanto premissas de mercado (e sua visão imediatista, voltada para
o fim último do lucro), como de Estado (baseadas no controle burocrático e na centralização).
Pela multiplicação de formas de expressão, entretanto, aparentes pelo processo associa-
tivo e pela organização de grupos sociais, a política deve se converter, então, de campo univer-
salizante (quando entendido sob a ótica da estática institucional) em uma forma que abrigue e
estimule transformações. Afirma-se, desse modo, a importância da heterogeneidade dos gêneros
de discurso como alternativa de manutenção e aprimoramento do sistema. E nada mais próprio
e adequado ao campo cultural do que a afirmação da diversidade.
Se considerarmos que a discussão em torno da revitalização da sociedade civil traz nela
a possibilidade de se verem grupos representados em fóruns extragovernamentais, incapazes,
muitas vezes, de dar vazão a essa necessidade de representação (os limites da sociedade política
tradicional), aparece um conjunto de questões relativas à qualidade e a legitimidade da represen-
tação. Um cenário de baixa institucionalização, baixo capital social e falta de credibilidade das
instituições, como o nosso, coloca ainda o problema da concentração de recursos pelos grupos
melhor organizados.
Diante disso, argumentamos que o sucesso na formulação e na implantação de políti-
cas públicas de cultura com a sociedade civil depende do grau de compromisso do Estado de
reconhecer e cobrir seu déficit democrático, via aumento de participação social. Em segundo
lugar, depende do nível de institucionalização e organização (política e administrativa) do poder
público; e, finalmente, da qualidade das relações entre Estado e sociedade civil, em que fatores
como transparência e legitimidade são fundamentais para garantir níveis de confiança pública
necessários para a realimentação do processo. Como demonstraremos, apesar do especial empe-
nho do governo do estado do RJ para melhorar as relações entre o Estado e a sociedade civil na
área da cultura, alguns dos dilemas da participação assinalados marcaram o processo acionado
pela SEC-RJ e limitaram o alcance das políticas participativas até aqui.
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Durante os cinco anos (2010 a 2015) em que o Sistema e o Plano Estadual de Cultura do
RJ estiveram em fase de construção e de debates públicos, em dois deles nenhuma ação com a
sociedade civil foi realizada, por questões internas de descontinuidade na estrutura profissional
do órgão estadual gestor de cultura. Essas lacunas terminam por acarretar uma desmobilização
dos atores sociais envolvidos, além de uma perda substantiva nos esforços de estabelecimento
de uma metodologia que cumprisse o objetivo proposto. Como é o caso da construção do Plano
Estadual de Cultura, cujas escutas para diagnóstico territorial tiveram que ser parcialmente re-
feitas em algumas audiências e reuniões.
Outro fator que reforça o argumento da falta de prioridade está na coexistência de pro-
cessos paralelos e conflitantes entre si sendo executados simultaneamente pelo Poder Executivo.
Na melhor das hipóteses gerando confusão e falta de entendimento da direção política do órgão,
na pior, escamoteando prioridades de outra ordem. Neste sentido, o exemplo é bastante profícuo
para o entendimento de que os processos políticos são complexos e requerem respostas na mes-
ma proporção da complexidade das relações de poder estabelecidas na sociedade.
No mesmo ano (2009) em que a SEC-RJ dá início ao processo de construção participati-
va do plano Estadual de Cultura, que conforme designação do próprio órgão,
Foi desenvolvido com base no diálogo com gestores públicos dos 92
municípios do estado, representantes de entidades, agentes culturais, ar-
tistas, Comissão de Cultura da ALERJ e o MinC para apontar diretrizes
e estratégias para as políticas públicas no estado do Rio de Janeiro.6
o poder Executivo encaminha para a ALERJ o Projeto de Lei 1975/2009, que dispõe sobre a
qualificação de entidades sem fins lucrativos como Organizações Sociais (OS), mediante con-
trato de gestão. O PL é votado em regime de urgência pelo Legislativo fluminense e aprovado
em menos de trinta dias após a entrada na pauta da casa7. Não discutiremos aqui os ganhos e as
perdas inerentes aos processos de privatização da gestão de equipamentos públicos, via o es-
tabelecimento dessas modalidades de transferência do poder de decisão sobre as estratégias de
gestão do fundo público, pois esse não é o objetivo deste artigo.
Destacamos o fato de que entre 2009 e 2013 a SEC-RJ conseguiu aprovar aquela que
ficou conhecida como a Lei da OS (Lei 5.498 de 07/07/2009), regulamentou o dispositivo legal
por meio dos Decretos 4.256 de 2010 e 42.882 de 2011, e transferiu a gestão de parte significa-
tiva dos equipamentos culturais do estado (toda a rede de Bibliotecas Parque, um projeto ino-
vador e cujo potencial de ampliação do acesso à população aos conteúdos literários é imenso; a
6
Disponível em: http://www.cultura.rj.gov.br/consulta-publica/plano-estadual-de-cultura, acessado em 18/01/2015.
Grifos nossos.
7
O PL entra na Ordem do Dia em 16/06/2009 sendo aprovado pela casa legislativa fluminense em 8/07/2009,
conforme informação disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro0711.nsf/e00a7c3c8652b69a83256c-
ca00646ee5/c987f75b6d60576e83257552006c871b?OpenDocument, acessado em 24/01/2016.
1116
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8
Os instrumentos contratuais encontram-se disponíveis para consulta no portal da SEC: http://www.cultura.rj.gov.
br/organizacoes-sociais, acessado em 18/01/2015.
9
Sobre os Planos Setoriais as informações encontram-se disponíveis em: http://www.cultura.rj.gov.br/planos-seto-
riais, acessado em 18/01/2015.
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população nos processos decisórios das políticas vêm coexistindo com os velhos vícios do po-
der estabelecido, cujo círculo restrito vem se reproduzindo desde há muitos anos no campo das
políticas públicas no Brasil.
A tramitação do Projeto de Lei 533/2015, que instituiria o Sistema Estadual de Cultura
e seus componentes, foi também marcada por contradições que, observadas, ajudam a com-
preender os dilemas da participação. Após cerca de três anos de escutas públicas e abertas, que
serviram para a produção de um diagnóstico da cultura fluminense, e de um esforço particular de
mobilização política pelo poder público em todas as regiões do estado, foi produzido um texto-
-base da Lei e do Plano Estadual de Cultura, que absorveu o núcleo das propostas apresentadas
pela sociedade civil para a área da cultura.
A minuta para consulta pública do Plano Estadual de Cultura, apresentada e distribuída
pela SEC-RJ em janeiro de 2013 para a segunda rodada de discussões, chamava a atenção por
uma série de inovações que o distinguiam de projetos de outros estados da federação e do Plano
Nacional, fruto da capacidade de escuta e de incorporação de demandas próprias demonstrada
pela SEC-RJ. Entre essas novidades trazidas pela sociedade civil, destacam-se a questão do pro-
tagonismo juvenil na cultura, numa reaproximação entre educação e cultura; a incorporação de
diversas estratégias de valorização do interior; a imbricação entre cultura e formas sustentáveis
de produção e uma diversidade de fontes de fomento para a área, que passaria a ser dotada de
um fundo próprio sujeito ao controle por um comitê gestor com participação da sociedade civil;
entre outros avanços.
Em 14 de dezembro de 2012 foi aberta uma etapa de consultas pela internet, em paralelo
à realização de outras dez audiências presenciais abertas por todas as regiões do estado, ao longo
de 2013, como forma de garantir canais de escuta pelo poder público. Em dezembro, a versão
consolidada pela SEC-RJ da Lei e do Plano Estadual de Cultura foi encaminhada oficialmente
para a Casa Civil do governo (que já conhecia o teor do documento), onde aí permaneceu por
um período de mais de um ano, imobilizando o andamento dos trabalhos, esfriando as relações
conquistadas pela Secretaria com a sociedade civil, prejudicando a transparência na condução
do processo, com evidente prejuízo de credibilidade e da confiança pública que havia sido con-
quistada com grandes dificuldades.
O incidente evidencia como a fraqueza política da pasta, sua falta de prestígio no interior
do próprio governo, e os reduzidos acompanhamento e pressão pela sociedade foram fatores ne-
gativos na tentativa de promoção de maior institucionalização da Secretaria. Em maio de 2014,
a SEC-RJ ficou excluída de um edital de fortalecimento dos Sistemas de Cultura, lançado pelo
MinC para estados que já os tivessem aprovados10.
http://www.cultura.gov.br/inscricoes-abertas/-/asset_publisher/kQxYTMokF1Jk/content/sai-minc-lanca-edital-
10
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo, embora bastante crítico quanto aos desafios enfrentados no processo de ins-
titucionalização do Sistema Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, pretende registrar o potencial
que os avanços conquistados até aqui pode significar em termos de renovação das estratégias
adotadas pelos gestores públicos no campo cultural fluminense.
Uma das conquistas foi sem dúvida a maior diversidade de agentes que se comprome-
teram com a proposta, para além da classe artística (grupos comunitários, usuários dos equi-
pamentos de cultura, organizações não-governamentais da área, projetos sociais e pontos de
cultura), demonstrando uma inflexão na forma como a própria cultura é entendida pelo Estado,
não se limitando às artes e ao patrimônio simbólico, mas às formas de sociabilidades historica-
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Os conselheiros têm mandato de quatro anos, podendo ser reconduzidos, pelo governador do estado, por mais dois
11
períodos. Os 25 conselheiros empossados em 17/04/2007 (21 titulares e 4 suplentes) não foram reconduzidos, tendo
em vista que a SEC já planejava uma alteração na estrutura do conselho quando do término do mandato em 2011.
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Por outro lado, apesar desses avanços, não se pode deixar de registrar que o nível re-
duzido de organização dos grupos e a baixa confiança no Estado pelos agentes da área cultural
exerceram impacto negativo sobre a qualidade geral do processo de elaboração participativa do
Sistema Estadual de Cultura, a despeito da promulgação de uma nova lei. A possibilidade de
realização das políticas, malgrado a disposição do Estado, esbarra ainda na alta dependência
das vontades dos gestores, dado o baixo nível de institucionalização do poder público, fator este
que também contribuiu para a redução de confiança, que por sua vez mina a possibilidade de
fortalecimento da própria instituição. Isso ficou patente com a descontinuidade quase total das
políticas setoriais, cujo processo foi negligenciado pela atual gestão, ficando ao desejo particu-
lar de superintendentes continuá-las ou engavetá-las, com danos para a credibilidade da pasta
perante os segmentos culturais que contribuíram para novamente ver seu esforço frustrado sem
a devida entrega dos resultados anunciados.
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RESUMO: O “griô” é um termo abrasileirado do francês griot, palavra que designa aos
contadores de histórias e guardiões da memória oral em certas sociedades africanas. O programa
Ação Griô (2005-2010), proposto como um eixo estruturante do Cultura Viva, reconheceu e
apoiou financeiramente a mais de 600 griôs de diversas adscrições étnicas e culturais em todo
o território nacional, em projetos pedagógicos articuladas com Pontos de Cultura e outras
entidades culturais. Terminada a política pública: o quê restou? Nesta aproximação inicial a
esta pergunta, constatamos que o termo persiste e prolifera para além dos termos estabelecidos
em editais e Projetos de Lei. A principal mudança nesta pós-vida da política pública cultural é a
adscrição do griô ao universo cultural afro-brasileiro, sendo abandonado o sentido amplo e des-
racializado que estava implícito na proposta inicial.
1
Doutorando em Sociologia (PPGS-UFRGS). E-mail: juliosouto2103@gmail.com.
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Nossa proposta não é uma “avaliação de política pública” nos termos convencionais
(comparando objetivos e metas com resultados e indicadores), mas observar esse programa
concreto da perspectiva dos atores protagonistas, os griôs e mestres. Tendemos a compreende-lo
como acontecimento singular dentro de um processo amplo de transformações culturais aconte-
cidas na última década, como resultado de disputas e gerador de novas reflexões e intervenções
político-estéticas. Partimos da percepção de que no período de governos petistas (entre 2003
e o presente, como um ciclo político que talvez aponte para fase conclusiva) múltiplos atores
atuantes no campo cultural abordaram o estado como um espaço relevante para disputar recur-
sos materiais e simbólicos; ao mesmo tempo em que, com um processo paralelo, as políticas
públicas redefiniram as fronteiras e lógicas internas do campo cultural, permitindo que novos
atores ganhassem protagonismo. Para possibilitar uma análise minuciosa deste processo amplo,
a proposta de pesquisa é reconstruir o contexto do programa Ação Griô, os embates que levaram
a iniciá-lo e as disputas que surgiram a partir dele.
A relevância deste projeto de pesquisa quer se situar no plano desta lenta mas irrevo-
gável transformação histórica na relação das instituições modernas (ciência, arte erudita, es-
tado) com seus “outros”, sendo este Brasil contemporâneo um cenário privilegiado para este
pensar em movimento. Alguns contornos teóricos balizam e ajudam a detalhar estas questões
recorrendo a dois ideias básicas: 1) a colonialidade do saber/poder na modernidade ocidental
(QUIJANO, 2000). Isto implica que nossas vias de produção de conhecimento não estão des-
conectadas das dinâmicas de perpetuação da desigualdade. Tópicos como a polaridade oral/
escrito são fundantes na epistemologia ocidental (DERRIDA, 1973), basilares na criação dos
estados-nação latino-americanos (RAMA, 1998) e paralelos às articulações raça/nação no regi-
me colonial (GILROY, 2007). Indagaremos, portanto, a dimensão decolonial das intervenções
dos griôs. 2) A intimidade de estética e política nas intervenções que impugnam a ordem dada
do real (RANCIÈRE, 2005; 2010). O desentendimento aparece como uma recusa criativa dos
consensos estabelecidos a nível ontológico, aqueles que separam o que existe do que não existe,
relegando os dissensos à “ficção”, à “utopia” ou ao “equívoco”. Esse desentendimento se pode
constituir em emancipação intelectual a través de intervenções dissidentes no real, que são tanto
estéticas quanto políticas. Entendemos que a simples existência dos griôs afro-brasileiros supõe
a impugnação estético-política do regime colonial, redefinindo os conceitos de saber/poder e as
posições sociais e raciais a ele associadas.
Como detalharemos no decorrer deste texto, nossa impressão é que o renascimento dos
griôs no cenário cultural brasileiro transcendeu e redefiniu o que poderia ser lido como “propos-
ta inicial” do poder público, se atentássemos unicamente às declarações oficiais de dirigentes,
os editais do MinC e secretarias de cultura, ou às iniciativas legislativas sobre griôs que apare-
ceram em diversos estados nos últimos anos. Mesmo apontando transformações em um sentido
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além esta avaliação, podemos entender a política cultural dos governos PT como três projetos
concomitantes, contraditórios e paradoxais, mas que convivem de forma tensa no mesmo gover-
no: um projeto modernizador humanista, um projeto de fortalecimento econômico da indústria
cultural, e um projeto de extensão de cidadania a partir do reconhecimento da diversidade. O
discurso institucional do Ministério de Cultura reflete esta divisão tripartita da sua ação em múl-
tiplos e importantes documentos, ao falar das “três dimensões da cultura”: a dimensão simbóli-
ca, a dimensão econômica e a dimensão cidadã2. O projeto “iluminista” de preservação e difusão
da “cultura erudita” que começou nos anos 1930 com a criação do SEPHAN, tem continuida-
de atual em políticas de fomento das Artes ou conservação de patrimônio. Em segundo lugar,
uma elevada proporção dos recursos do MinC é orientada a parcerias público-privadas, nas que
empresas patrocinadoras usufruem do valor econômico da cultura como marketing empresa-
rial: desde 1988 a Lei de Incentivo à Cultura (conhecida como “Lei Rouanet”) possibilita, com
seu modelo de renúncia fiscal, a promoção de projetos selecionados e dirigidos pela iniciativa
privada e financiados com recursos públicos. Em terceiro lugar, como inovação do período, o
Programa Arte, Cultura e Cidadania – Cultura Viva, iniciado em 2004, aparece como o grande
projeto de reconhecimento da diversidade cultural. O Cultura Viva propõe ir além da “demo-
cratização do acesso aos bens culturais”, para “democratizar o acesso aos meios de produção,
disseminação e valorização de tais bens culturais”, construindo mediações plurais e inclusivas.
Por isso seu público-alvo são “populações com pouco acesso aos meios de produção, fruição e
difusão cultural ou com necessidade de reconhecimento da identidade cultural” (BARBOSA e
ARAÚJO, 2010, p. 39).
Com o Cultura Viva o poder público quis reconhecer iniciativas associativas e comunitá-
rias já existentes, para estimulá-las por meio de transferências de recursos definidos em editais
ou ações de capacitação e interligação das mesmas. As ações se estruturaram em cinco eixos
com desigual grau de consolidação: Pontos de Cultura (o mais arraigado, unidade estruturante
do programa e âncora dos outros eixos), Cultura Digital, Agentes Cultura Viva, Escola Viva, e
Griôs (Mestres dos Saberes). Nos interessa esse último eixo, que se descreve assim na avalia-
ção do IPEA:
Ação Griô. Griô é uma versão abrasileirada da palavra francesa griot,
que designa os contadores de história, responsáveis, nas sociedades
africanas, por carregar consigo a tradição oral na qual é transmitida
2
Por exemplo, ao estabelecer os eixos norteadores do Plano Nacional de Cultura: “Quais os eixos norteadores do
PNC? O Plano baseia-se em três dimensões de cultura que se complementam: a cultura como expressão simbólica;
a cultura como direito de cidadania; a cultura como potencial para o desenvolvimento econômico”. (http://pnc.
culturadigital.br/entenda-o-plano/ Acesso em 02/05/2015). Em teoria, essas três dimensões devem ser tratadas de
forma integradas e ser avaliadas conjuntamente para qualquer proposta ou ação institucional realizada; na prática,
pareceria que cada ação e programa das instituições de cultura busca efeitos prioritariamente em um dos três eixos,
deixando os outros dois num plano secundário.
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Recolhendo termos da terminologia iorubá pesquisada na costa ocidental da África pelo tenente-coronel britâ-
nico Alfred Burton Ellis, Nina Rodrigues utiliza nomes como akpalô (contador de histórias reconhecido por sua
comunidade), akpalô kpatita (que fazia da contação de histórias uma profissão), arokin (narrador das tradições na-
cionais, geralmente ligados a um rei ou chefe supremo) e o Ologbô (chefe dos arokin, que são aqueles que possuem
o conhecimento sobre os tempos passados), sem constatar a utilização destes termos no Brasil (Nina Rodrigues,
apud PINHEIRO, 2013, p. 33). Essa mesma terminologia é utilizada por Gilberto Freyre e Arthur Ramos na década
de 1930. Sílvio Romero ou José Lins do Rego, com interesse mais literário que antropológico, tambem pesquisaram
o tema, sem constatar a presença do termo griot em terras brasileiras.
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Para documentar a figura do griot, Pinheiro cita o e escritor malinês Amadou Hampâté Bâ (2010) e o historiador
burquinês Joseph Ki-Zerbo, organizador da História Geral da África encomendada pela UNESCO em 1982. Se-
gundo este último, os griots seriam os encarregados de preservar a memória oral, “velhos de cabelos brancos, voz
cansada e memória um pouco obscura, rotulados às vezes de teimosos e meticulosos” (Ki-Zerbo, apud PINHEIRO,
2013, p. 21).
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A coordenação nacional pode ter sido uma dificuldade enfrentada ao tentar englobar numa
mesma categoria guarda-chuvas (“Griôs”) sujeitos e práticas tão diferentes, apenas unidos pela
referência à “oralidade” como canal de comunicação prioritário e a ideia de “tradição” e “ances-
tralidade” como fonte de conhecimento5. Essa dificuldade pode ter repercutido na baixa adoção do
programa pelos Pontos de Cultura. Os dados da avaliação do IPEA (BARBOSA e ARAÚJO, 2010,
Tabela 4, p. 67) mostram que a Ação Griô foi a menos implementada das ações propostas pela
SPPC-MinC: apenas 37% dos Pontos de Cultura a adotaram, o que se contrapõe a outras ações
com grau de adoção muito maior, como a Teia das Culturas (91%), Cultura Digital (61%) ou o
Sistema Nacional de Cultura (46%). Como descrito, todo o projeto nasce do encontro do poder pú-
blico com uma instituição particular, que tinha realizado uma grande pesquisa anterior para desen-
volver uma metodologia pedagógica. O Secretário Célio Turino aponta para essa cumplicidade:
Foi uma grata satisfação receber este projeto [Grãos de Luz e Griô como
Ponto de Cultura em 2004], pois quando definimos as quatro ações do
Programa Cultura Viva (...) observamos que faltava uma integração
dialética entre tradição, memória e ruptura. Tradição enquanto ponto de
partida, memória enquanto reinterpretação do passado e ruptura enquan-
to invenção do futuro. Assim, incluímos uma quinta ação: o Griô (Célio
Turino, em PACHECO, 2006, p. 14).
O projeto de ruptura para a “invenção do futuro” que pretendia o Programa Cultura Viva,
formulado como uma crítica ao presente, necessitava do “diálogo intergeneracional e multisse-
torial” para integrar as fontes renovadoras da “tradição” e da “memória”. Citando Hobsbawm,
o secretário afirma que as tradições podem e devem ser reinterpretadas e reelaboradas pelo
exercício da memória, recuperando palavras esquecidas, mesmo deformando-as ou reimagi-
nando-as no processo. Nesse sentido, o termo “griô”, como neologismo abrasileirado, aparecia
a princípio como uma ferramenta útil para articular em nível nacional esse diálogo de ruptura,
ativando a memória criativa de diferentes setores da sociedade. Porém, com o avance dos de-
bates em Conferências e encontros, foi configurando-se uma posição divergente priorizando o
termo “Mestres” em lugar de “griôs”, que na sua implementação legislativa levou a adotar a
fórmula “Mestres dos saberes e fazeres das culturas populares”6. Há aqui questões em aberto: o
5
No que refere às adscrições raciais, nos editais da Ação Griô (SPPC-MinC, 2006; 2008) não se estabelecia ne-
nhuma referência ao universo afro-brasileiro. Se contemplava a possibilidade de que o projeto pedagógico envol-
vesse comunidade indígena, no qual caso a FUNAI deveria ser comunicada. De fato, vários projetos pedagógicos
envolvendo comunidades indígenas foram contemplados.
6
Figura adotada no atual substitutivo ao PL 1176/2011, após passar pela Comissão de Cultura da Câmara dos De-
putados do Congresso Nacional. No “Parecer às emendas ao Substitutivo oferecido ao Projeto de Lei no 1.176, de
2011” esta questão terminológica se resolve referenciando os consensos construidos na pesquisa acadêmica e nos
debates nas Conferências de Cultura, ratificados nos Planos de Cultura e nas “Leis de Mestres” estaduais. Assim,
se opta por manter o termo “Mestre”, que na linguagem jurídica passa a funcionar como hiperônimo genêrico:
“Nessa designação, já estão compreendidos os Griôs, Babalorixás, Pajés, Sábios, Capitães, Guias e outros tantos
detentores de saberes tradicionais da nossa cultura” (CCULT, 05/06/2014).
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quê implica tal substituição? Qual a possibilidade -ou a necessidade- de construir um mínimo de
unidade na diversidade para fortalecer e consolidar esta política pública cultural no nível fede-
ral? Qual a relação deste debate com a equação raça/nação no Brasil?
O terceiro ponto que chama a atenção é a continuidade do programa como política pú-
blica. Depois da finalização do programa por editais se protocolaram duas propostas de lei no
Congresso Nacional (PL 1176/2011, promovida como “Lei Griô Nacional” e PL 1786/2011,
“Lei dos Mestres”, logo apensadas) e outras semelhantes em diversos estados, que pretendiam
dar estabilidade à política para além dos programas por editais de duração anual. Na proposta
federal, se sugeria que as bolsas dos mestres griôs fossem “de valor equivalente a uma bolsa de
doutorado7”, sugerindo a possibilidade de estabelecer uma comparação (ainda que assimétrica)
entre os saberes do mestre griô e o pesquisador universitário. A tramitação legislativa do progra-
ma, tanto a nível federal quanto em diversos estados8, se encontra estagnada ou arquivada (até
agora, só seis estados do Nordeste aprovaram leis estaduais dos mestres). Visto que os projetos
de “Leis Griô” parecem ter perdido a força inicial, caberia se perguntar pelas conjunturas e dis-
sensos que levaram a este estancamento.
Esta breve cronologia da política pública não tem uma intenção avaliativa. O buscado
é compreender a mesma como um acontecimento, que responde a uma série de demandas e
modifica as condições de exercício de umas intervenções político-estéticas concretas, criando
uma série de efeitos (alguns pretendidos pelo poder público, outros imprevistos). Por isso seria
interessante a virada de perspectiva, para observar a política pública não do ponto de vista dos
legisladores, mas dos griôs. Nos interessará compreender como esses sujeitos passam a se apro-
priar do nome “griô”, com um processo de interligação nacional que articula uma rede de inte-
lectuais da cultura afro-brasileira, e como isso influiu nas condições e formas das suas práticas.
7
Rebaixado no substitutivo ao “valor equivalente a uma bolsa de mestrado”.
8
A estadualização da “Lei Griô” corresponde a um processo paralelo de estadualização do Programa Cultura
Viva (Rocha, 2011). No Rio Grande do Sul, o Dep. Catarina Paladini protocolou o projeto da “Lei Griô Estadual”
(PL 20/2013; ver: http://www.al.rs.gov.br/legislativo/ExibeProposicao/tabid/325/SiglaTipo/PL/NroProposicao/20/
AnoProposicao/2013/Origem/Px/Default.aspx, acesso 05/10/2015). Esse PL respondia à celebração, em 2012, do
Seminário Ação Griô na FURG, com a presença de representantes do MinC, de griôs de todo o Brasil e outras entida-
des atuantes no setor cultural, como o Circuito Fora do Eixo (Ver: http://www.psbrs.com.br/v3/index.php?option=-
com_content&view=article&id=8387:projeto-de-lei-sobre-a-cultura-grio-e-protocolado-na-assembleia&catid=-
73&Itemid=522, acesso em 05/10/2015). Este Projeto de Lei foi arquivado em 2014.
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Porto Alegre), na esperança que no presente Seminário de Políticas Culturais possamos compar-
tir outras experiências.
As constatações mais previsíveis neste sentido se observam nas atividades de Pontos de
Cultura ligados ao mundo afro-brasileiro, onde a investigação e preservação desta memória oral
e popular é objetivo explícito: o Quilombo do Sopapo, Afro-sul Odomodê ou a Escola de Ca-
poeira Angola Africanamente. Porém, o griô também aparece como referente e figura social no
sarau de poesia negra Sopapo Poético, assim como em outras atividades culturais eventuais que
não tem uma ligação direta com políticas culturais, independentes de qualquer tipo de incentivo
público. Em fórums e espaços de debate de todo tipo encontramos a presença de auto-declara-
dos Mestres Griô e Griôs Aprendizes, que explicam o significado deste rol nos termos descritos
acima. Suas intervenções, incluindo contação de histórias, música, dança e outras atividades, se-
guem sendo apresentadas em diferentes âmbitos: em escolas e bibliotecas públicas, em eventos
promovidos pelos movimentos negros, com participação em shows, oficinas ou apresentações
específicas em centros culturais, praças públicas ou quilombos. A rede de griôs que se constituiu
em torno da política pública, que persistiu na reivindicação de um desenvolvimento institucional
e legislativo da “Ação Griô”, atua hoje de maneira independente a esta pauta, sem esperanças
de que esta promessa do poder público possa concretar-se no corto prazo. Ao mesmo tempo, o
termo “griot” ou “griô” se tornou um referente reconhecido no cenário cultural, aparecendo em
jornais, blogs, obras literárias ou como símbolo que identifica coletivos culturais.
Por outro lado, constatamos que esta proliferação do griô é relativamente independente
à participação direta na política pública, tanto por excesso quanto por carência. Isto é, hoje en-
carnam a figura de griô ou griô aprendiz pessoas que nunca se envolveram no programa federal;
ao mesmo tempo, pessoas e entidades que tiveram participação ativa parecem hoje pouco iden-
tificadas com o termo, se alguma vez o estiveram. É o caso da maioria de mestres indígenas que
participaram nos editais da Ação Griô, que utilizam uma grande diversidade de termos (pajé,
xamã, etc.) sem que “griô” esteja entre eles.
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pelos griôs, para possibilitar o diálogo com as artes e ciências da modernidade ocidental. Isto
se concretaria num acompanhamento etnográfico dos griôs que abrisse os caminhos do aprendi-
zado, buscando os pontos de solapamento e incomunicação a ressolver. Mas ao mesmo tempo
urge buscar soluções institucionais criativas para fortalecer este renascimento, apoiando a proli-
feração da diferença na ecologia epistêmica brasileira. Para além das instituições culturais con-
templadas nas políticas públicas (museus, Pontos de Cultura, bibliotecas, centros comunitários
etc), o espaço acadêmico que centraliza a Universidade parece oferecer grandes oportunidades
de reconhecimento e aprendizado mútuo, como mostra o caminho trilhado pelo programa “En-
contro de Saberes” (CARVALHO, VIANA e ÁGUAS, 2015).
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VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. No Brasil, tudo mundo é índio, exceto quem não é. Em: RICARDO,
B. e RICARDO, F. (eds.) Povos Indígenas no Brasil, 2001-2005. São Paulo: Instituto Sócio-Ambiental,
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SODRÉ, Muniz. Cultura Negra. Em: A verdade Seduzida. São Paulo: Francisco Alves, 1983. pp. 118-
185.
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1
Licenciada em Música pela UNIRIO, Mestre em Políticas Sociais e Doutoranda em Políticas Sociais pela
UENF, professora de Arte na rede pública de ensino em Campos dos Goytacazes/RJ. Email: gomes.karina@
gmail.com
2
Doutora em Filosofia e Letras (História) - UAB/Barcelona; professora associada e atualmente Assessora da
Reitoria para a Casa de Cultura Villa Maria, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Email:
simonnetex@gmail.com
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O termo se refere ao fato de os primeiros bens “tombados” no Brasil, limitarem-se ao patrimônio arquitetônico,
exclusivamente.
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ainda que políticas educativas e culturais tenham contribuído para o culto da herança patrimo-
nial, desde a segunda guerra até as últimas décadas (POULOT, 2011).
No Brasil, esta mudança se faz notar, com mais ênfase, na década seguinte, quando teve
início a implementação de importantes ações que foram marcos na história das políticas cultu-
rais no país, ainda sob o regime militar (CALABRE, 2015). Podemos citar, como exemplo, a
criação de novas instituições, entre elas, a Funarte (CALABRE, 2014). Todavia, essas ações não
consistiram ainda numa prática que envolvesse o conceito plural de cultura.
No entanto, para Calabre (2015), o campo dos estudos da cultura no âmbito acadêmico
passou a ser expressivo a partir dos anos 2000. Neste período, a pluralidade do conceito de
cultura passou a ser considerada pelos gestores e elaboradores das políticas culturais no Brasil.
Simultaneamente, novos atores, grupos sociais e novos olhares sobre os campos da cultura e do
patrimônio se efetivavam no campo das políticas de cultura.
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coleções, impressos, partituras, obras raras, manuscritos musicais, documentos que caracterizam
a história da música. O seu âmbito imaterial é representado pelas tradições, pelo conhecimento
musical informal transmitido de músico para músico, pelas práticas sociais vivenciadas e pelo
simbolismo ou “corpus simbólico” (COTTA, 2011, p.469) que é absorvido pelas comunidades
onde as práticas musicais se perpetuam ao longo do tempo.
O patrimônio cultural, no que se refere aos grupos musicais, expressa a solidariedade
que une os que compartilham um conjunto de bens e práticas que os identifica, preservando um
prestígio histórico e simbólico sendo, neste sentido, um lugar de cumplicidade social e que, por-
tanto, aponta para a importância de serem adotadas políticas de preservação e difusão de acervos
literários e musicais que representam a vida social e a memória histórica (CANCLINI, 1997).
A tradição presente na história da transmissão da cultura e do saber musical popular
mostra que os músicos brasileiros sempre foram os “portadores ativos” das tradições populares,
ou os guardiões ou “mantenedores” da tradição musical (BURKE, 2010, p.130-131), portanto,
artistas populares que deram início à formação de um patrimônio imaterial musical no país.
Para Canclini (1997), as políticas de patrimônio, de conservação e de administração do
que foi produzido no passado se torna algo necessário, a fim de possibilitar o acesso do patrimô-
nio musical a sua comunidade. Segundo Cotta (2011), a partir de 2003, alguns avanços foram
viabilizados por uma mudança nas políticas públicas para a área da cultura e isso possibilitou
uma maior acessibilidade, também, às verbas públicas, através de editais públicos e programas
culturais desenvolvidos por empresas.
Com isso, passamos a ter uma maior democratização do acesso às fontes musicológicas
que se encontravam inacessíveis devido às políticas restritivas de acesso, por razões de preser-
vação ou de competição intelectual e acadêmicas (COTTA, 2011). Mas muitas dessas fontes já
se encontram disponíveis por meio digital em sites, acervos musicais de bibliotecas e museus
brasileiros, pois foram digitalizados. Isso se tornou possível devido não só aos avanços da tecno-
logia, mas também a um esforço político de musicólogos, que participaram de congressos desde
a década de 1990 e os primeiros anos do século XXI, para que isso ocorresse.
No entanto, é preciso reconhecer que, em pleno século XXI, é importante que haja uma
política efetiva de tratamento e preservação do Patrimônio Musical Brasileiro, no que se refere
aos acervos musicais (COTTA, 2011). Uma mobilização dos profissionais ligados a esta área
multidisciplinar poderá viabilizar as ações necessárias para favorecer essa política de cultura.
Somente a consolidação de um espaço que viabilize uma ação coletiva de profissionais
de áreas transdisciplinares como a musicologia, artes, ciências da computação, biblioteconomia,
arquivologia e história possibilitará a discussão e o estabelecimento de normas descritivas para
fontes musicais manuscritas e impressas, registros sonoros, produção e conservação dos docu-
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mentos digitais, definição de normas técnicas, e políticas de preço para a reprodução digital de
documentos em acervos públicos e privados (COTTA, 2011).
É preciso considerar que, apesar dos avanços que foram alcançados por estes profissio-
nais, este é um processo iniciado ainda nas primeiras décadas do século XX, impulsionado por
intelectuais do Modernismo no Brasil, dentre os quais se destaca Mário de Andrade. Estes “fo-
ram os protagonistas no pensar a ampla e nuançada questão do patrimônio, material e imaterial”
(TONI, 2013, p.61). As duas viagens de Mário de Andrade para o norte e nordeste do Brasil entre
os anos de 1927 e 1929, ocorreram numa tentativa de encontrar os cantos e danças espalhados
pelo país, ainda assim, dando início, com essa pesquisa pioneira, à organização de um material
coletado que antes não havia sido registrado por um musicólogo. Mário, na ocasião, anota “com
escrúpulos centenas de melodias cantadas” (SANDRONI, 1999, p.60), inaugurando o registro
do repertório musical brasileiro não erudito, que tardou ao menos 40 anos para ser revisitado.
Chuva (2012) nos faz recordar, que foi justamente na década de 1920, que ocorreu na
sociedade brasileira uma associação entre modernidade e nacionalidade, o que gerou uma con-
juntura caracterizada de modo bastante singular com a fundação das ações de proteção do patri-
mônio no Brasil. Estas, finalmente, se concretizam com a criação da Secretaria do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional/SPHAN, através do Decreto Lei nº25/1937.
A terceira viagem de Mario de Andrade, já organizada no Departamento de Cultura do
município de São Paulo, ocorreu em 1938 e ficou conhecida como Missão de Pesquisas Folcló-
ricas. Embora envolvido com a organização desta viagem, Mário não participou pessoalmente,
tendo sido esta comandada pelo arquiteto Luís Saia. Segundo Toni (2013), esta foi uma inicia-
tiva fundamental “para se conhecer um pouco a variedade musical do país”, até então o que
havia eram “raros registros de melodias, cantigas e bailados” (TONI, 2013, p.61), em livros ou
em discos.
Segundo Poulot (2011), uma das questões centrais da história cultural do patrimônio é
saber negociar entre os objetos de memória do passado e suas novas civilidades e atributos, pois
não se pode deixar de considerar que os três elementos do passado foram reunidos em breves
percursos ao logo do tempo: patrimônio, memória e história.
Nora (1993) consagrou a ideia de “lugares de memória”, com base na perspectiva de uma
ruptura entre a memória e a história, da qual decorre uma a necessidade de lugares de memória
pelo fato de não haver mais meios de memória (NORA, 1993, p.13). Para o autor, os lugares de
memória possuem três sentidos: material, simbólico e funcional. E, ainda que seja um lugar de
aparência material, como um depósito de arquivos, ele consiste de um lugar de memória “se a
imaginação o investe de uma aura simbólica” (NORA, 1993, p.21). Sem almejarmos a reduzir
estes lugares de memória a um sítio topográfico, a um depósito arquivístico, entendemos que os
locais que abrigam os acervos, musicais em nosso caso, devem ser vistos como espaços mistos,
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E aqui, em um sentido mais amplo, tendo-se em conta a pesquisa de mestrado desenvolvida por uma das autoras
sobre as bandas civis centenárias de Campos dos Goytacazes, na UENF, defendida em 2008.
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O projeto Villa Livre promove internet gratuita para a comunidade utilizando software de código aberto, e desen-
volve atividades como: oficinas de digitalização, de áudio e vídeo e curso de iniciação em Linux.
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A Casa de Cultura Villa Maria permaneceu nos últimos anos (2008-2015) sem a presença
de um diretor e, na atualidade, ela pouco tem cumprido essa função primordial. As prestações
de serviços são acanhadas e quase inexistentes, e ela não tem ocupado o protagonismo de ser, de
fato, o cartão de visitas da UENF. Neste período, os diversos setores ficaram sem projetos siste-
máticos de manutenção das atividades e dos acervos. Com a eleição de uma nova Reitoria (gestão
2016-2019), a CCVM tem sido objeto de um renovado interesse pela comunidade universitária.
Um dos acervos mais importantes da CCVM é o da fonoteca. Este vasto acervo musico-
gráfico, inclui fontes documentais e sonoras referentes à música local, brasileira e estrangeira.
Entre as fontes sonoras presentes no acervo, a diversidade de gêneros e estilos musicais é bem
ampliada e, para vários estilos de gostos, preferências e épocas, que vai do popular ao erudi-
to. Este amplo acervo atendeu, nos primeiros anos de funcionamento da casa, um expressivo
público local, que acorria à Casa de Cultura para escutar música. Estas audições ocorriam em
uma sala equipada com poltronas e auriculares e o usuário podia escolher, em uma relação de
músicas, as que desejava ouvir. Também eram promovidas, ocasionalmente, audições coletivas.
O acervo musical do qual pretendemos tratar nesta ocasião, abriga um amplo espectro
de estilos musicais, com itens que vão desde a cultura musical erudita à popular em que inclui
diversas partes do mundo. Está formado por 17.000 fonogramas, registrados em diversos tipos
de suportes: LPs, fitas cassetes, fitas Dat, fitas de rolo, CDs e mini CDs. Dentre os LPs, podem
ser encontrados discos de vinil de 33 rpm de rotação, discos compactos e discos de acetato.
Este acervo começou a constituir-se com a instalação da Universidade, a partir de doa-
ções. O próprio Darcy Ribeiro, criador e chanceler da UENF doou, em seu momento, aproxima-
damente 500 itens, entre fitas Dat e discos de vinil. Rádios locais, como por exemplo, a Litoral
FM, doou 300 LPs. A primeira Rádio de Campos dos Goytacazes, Rádio Cultura de Campos (a
1ª Rádio do antigo Estado do Rio de Janeiro) doou aproximadamente 1.500 LPs, sendo que, em
sua maioria são LPs de acetato (de 78rpm). Além das rádios, pessoas da comunidade, embai-
xadas e outros fizeram doações ao acervo da CCVM, parte delas anônimas. Entre 1993 e 2009,
Casa de Cultura Vila Maria participava dos Catálogos do projeto Viva a Música, evidenciando a
importância, a nível nacional, do seu acervo.
Em 2003 teve início o processo de digitalização dos fonogramas (LPs e fitas K7), como
parte de um projeto de pesquisa estimulado pelo então diretor da CCVM e com a participação de
funcionários e bolsistas. O Orfeão Santa Cecília de Campos dos Goytacazes6 também contribuiu
financeiramente com a digitalização de parte da coleção de LPs e fitas K7 de parte do acervo.
Como já advertimos, até 2009, a fonoteca funcionava regularmente, disponibilizando
todo o material para acesso gratuito ao público, quando seu funcionamento foi suspenso por
6
Sociedade Musical criada em 1941, pelo musicista Newton Périssé Duarte, também autor da música do hino da
cidade (Campos Formosa).
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tempo indeterminado e seu foco passou a ser a formação de um Núcleo de Pesquisa e Docu-
mentação Musical que se dedicou à preservação dos fonogramas, partituras e fitas VHS que
trazem documentários, shows gravados, filmes que contam a vida e a obra de músicos, livros e
recortes de jornais. Alimentado sempre por doações, a incorporação destes novos itens ao acer-
vo, tornou-se um processo acumulativo, sem um programa de divulgação da coleção. A falta de
recursos interrompeu o processo de digitalização e diminuiu a verba destinada à conservação
do acervo.
A preservação deste patrimônio, de caráter material e imaterial7, é um dos grandes desa-
fios a serem enfrentados neste momento pela nova gestão da Universidade. Depois de 22 anos
de criação, a UENF se destaca no cenário nacional como uma importante Instituição de Ensino
Superior e faz-se necessário repensar o lugar da CCVM neste novo cenário. Dentre os aspectos
a serem considerados estão os seus acervos.
Acreditamos que neste recomeço, a CCVM deva incentivar e fomentar atividades de
pesquisa e produção cultural. Entendemos que a pesquisa e a produção devem configurar-se
ainda, como caminhos de aproximação da Universidade com a cidade e a região. No lugar de,
simplesmente, abrigar exposições eventuais e seminários, ela mesma deve ser capaz de propor
temas e análises sobre questões culturais convocando a comunidade universitária e local ao mais
amplo diálogo. A exemplo da proposta original da UENF, que direciona à experimentação – daí
os Laboratórios no lugar dos departamentos – a Villa Maria deve situar-se como um espaço de
experimentação, sobretudo no campo da cultura, o que constitui sua natureza.
As artes, o ensino das artes e o incentivo da criatividade devem ser permanentemente
estimulados no ambiente universitário, na mesma medida em que se estimula o conhecimento
científico. Uma casa de cultura vinculada à instituição universitária deve desenvolver plena-
mente suas atribuições (ensino, pesquisa e extensão), tomando para si estas competências de
modo criador. Assim, deve incorporar as mais diferentes manifestações da criatividade humana,
evitando a mera reprodução das práticas culturais hegemônicas e de massas, diferenciando-se
pela qualidade crítica e investigativa.
É neste âmbito da pesquisa que deve ser pensado o acervo fonográfico, como um espaço
aberto à consulta e à descoberta, completamente digitalizado e acessível pela web. Para tanto,
deu-se início a um detalhado inventário do acervo fonográfico, ao mesmo tempo em que se pro-
cura definir formas de implementar um banco de dados que possa estar disponível na internet,
com os conteúdos já digitalizados.
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Material porque são documentos, mas imaterial devido ao seu simbolismo, valor e significado únicos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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musicaecultura.abetmusica.org.br/
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1. INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira, de modo geral, tem atuado como plateia, receptora e passiva,
diante das políticas culturais adotadas, permanecendo alheia às decisões a serem tomadas e
ignorando suas oportunidades de participação ativa na vida cultural rica e diversa do país. Po-
siciona-se como se estivesse em espetáculo teatral, diante de um palco italiano, sendo simples-
mente plateia e desempenhando um papel de espectador, sem qualquer interação com o que se
representa sobre o palco e/ou com os que estão no palco. O que significa dizer que a sociedade
se encontra bem distante de sua atuação como personagem protagonista da política cultural im-
plantada [ou em vias de ser] pelos governos nas três esferas de poder.
1
Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades, UCAM-Campos/Professora e Coordenadora do Curso
de Licenciatura em Teatro do IFFluminense: katiamacabu@gmail.com
2
Professora colaboradora, Orientadora do trabalho de dissertação de Mestrado da autora, UCAM/UENF: denise-
terra@gmail.com
3
Professora convidada, coorientadora do trabalho de dissertação de Mestrado da autora, FUNDAÇÃO CASA DE
RUI BARBOSA: liacalabre@rb.gov.br
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cultura pelos cidadãos no exercício pleno de sua cidadania cultural. Em que contexto se esta-
belece a democratização da cultura? Chauí (2008) afirma que ela pressupõe uma concepção de
democracia diferente de sua definição liberal, ou seja, uma democracia que ultrapasse “a ideia
de um regime político, identificado à forma do governo, tomando-a como forma geral de uma
sociedade” (ibid., p. 67) definindo-a como essencialmente democrática.
Estudos analisados por Botelho (2001) demonstram que há uma suposição de que in-
vestimentos em novos equipamentos culturais, por exemplo, seriam garantidores da promoção
da democratização da cultura. Ela informa que esta visão estaria presente em grande parte das
metas estipuladas nas políticas públicas de diversos países, contudo tal crença não se sustenta
diante dos resultados de suas pesquisas. Nelas se observa que, mesmo quando são construídos
espaços culturais e oferecidos preços mais baixos nos ingressos, como a oferta da metade do
preço real para estudantes e idosos no Brasil, os frequentadores destes ambientes são os que já
tinham vontade ou necessidade de fazê-lo anteriormente. Isto porque o que impede preponde-
rantemente o acesso à oferta da cultura, chamada clássica, aos novos segmentos da população
são as barreiras simbólicas. As desigualdades culturais não se alteram com transferência de
meios financeiros provenientes dos impostos pagos pesadamente pelo conjunto da população
para os mais favorecidos, segundo Botelho (2001). A autora conclui que, ao contrário, a prática
da política de subvenção acaba por reforçar tais desigualdades, visto vir a favorecer “a parte do
público que já detém a informação cultural, as motivações e os meios de se cultivar” (ibid., p.
81). Os resultados auferidos impulsionam uma mudança do paradigma:
[...] hoje não se fala mais em democratização da cultura, mas sim em
democracia cultural, que, ao contrário da primeira, tem por princípio
favorecer a expressão de subculturas particulares e fornecer aos exclu-
ídos da cultura tradicional os meios de desenvolvimento para eles mes-
mos se cultivarem, segundo suas próprias necessidades e exigências. Ela
pressupõe a existência não de um público, mas de públicos, no plural.
(BOTELHO, 2001, p. 81-82)
Tal perspectiva aponta para a percepção de existir não somente um público e um “não
público” como havia feito emergir a democratização cultural, mas, para além desta noção, “há a
segmentação do público em subpúblicos, com suas necessidades, suas aspirações próprias e seus
modos particulares de consumo” (ibid., p. 82).
Chauí (2008) reitera que a cidadania cultural só tem possibilidade de existir por meio de
uma cultura da cidadania e que esta se viabiliza apenas numa democracia. Deste modo, a autora
afirma que, para haver uma nova política cultural, é preciso também que se comece uma cultura
política nova, “cuja viga mestra é a ideia e a prática da participação” (ibid., p.76). Reafirma-se, por
oportuno, que a democracia participativa, relativa à participação popular na gestão pública, está
destacada em um dos princípios fundamentais da Constituição Brasileira de 1988, que é o direito
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à dignidade humana, declarando que “todo poder emana do povo”. Esse poder poderá ser exercido
de modo indireto, por meio de seus representantes, ou direto, em benefício da coletividade.
2. ESTUDO DE CASO
Realiza-se estudo de caso na busca de se mensurar e avaliar o processo participativo da
sociedade civil bem como a qualidade da participação realizada pela sociedade na escala mu-
nicipal, mediante a inclusão de Campos dos Goytacazes no Sistema Nacional de Cultura, e a
efetivação dos instrumentos de gestão participativa: Conselho, Plano e Fundo [CPF da cultura]
e as Conferências realizadas nos anos de 2006, 2012, 2013 e 2014.
2.1. Metodologia
A compreensão do nível de cidadania cultural – participação cidadã – existente no muni-
cípio de Campos dos Goytacazes se realiza a partir da observação dos mecanismos de incentivo
à participação da população. Adota-se a técnica de pesquisa e análise documental das Atas das
reuniões ordinárias realizadas no Conselho de Cultura no período de 2009 a 2014, assim como
das quatro Conferências realizadas no período de estudo.
Utiliza-se, ainda, a metodologia de pesquisa qualitativa empregando a técnica de en-
trevista individual em profundidade com o objetivo de se saber como o conceito de cidadania
cultural participativa é percebido pelo conjunto de dez entrevistados, pessoas com contribuições
diversas e relevantes para a cultura do município. Os entrevistados foram divididos em quatro
grupos distintos: quatro representantes de segmentos da sociedade civil organizada no Conselho
de Cultura [COMCULTURA] e/ou no Conselho de Patrimônio Cultural [COPPAM]; quatro
agentes culturais; um gestor municipal da cultura e presidente dos dois conselhos e uma verea-
dora com assento no Conselho de Cultura.
Por fim, identifica-se a integração das informações e procede-se uma síntese das desco-
bertas que venham a esclarecer a situação-problema elaborada nesta pesquisa, ou seja, a forma
de participação da sociedade civil organizada nos diversos mecanismos de participação: Con-
ferências de Cultura, entre os anos de 2006 a 2014; adesão ao Sistema Nacional de Cultura,
em 2011; aprovação do Sistema Municipal de Cultura, em 2013. Respondendo-se a pergunta:
estaria a sociedade no palco ou na plateia das decisões tomadas?
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ferências, que está no papel principal da vida cultural do município, como sugere a conformação
das políticas públicas do estado democrático.
Tal dúvida ganha maior pertinência quando o que se quer avaliar é a qualidade da par-
ticipação da sociedade civil, seja na elaboração, seja na implementação da política cultural/
ações culturais promovidas pelo poder local ou ainda no monitoramento das ações executadas.
Se existe uma política cultural em Campos dos Goytacazes e não há a efetiva participação da
sociedade nas deliberações dessa política, poderia se afirmar que estaria o poder local fugindo
dos preceitos da cidadania cultural?
Reafirma-se, por oportuno, que a ótica defendida neste artigo é a de que possibilitar o
alcance à cidadania cultural deve ser o objetivo central de uma política cultural que se pretende
eficaz e eficiente no atendimento aos anseios e às necessidades da população, apoiando-se na
garantia dada a todos os cidadãos brasileiros de ter pleno exercício dos direitos culturais.
elaboração de pautas das reuniões, e que esta deveria ficar com um representante da sociedade
civil, porque, de certo modo, seria mais permanente que o do governo. Isto foi defendido por ele,
no entanto não recebeu acolhimento da presidência. Por pertinência, ressalta-se que este pleito,
que aqui está representado por um conselheiro, de fato já está contemplado no âmbito estadual
com a promulgação da Lei Estadual de Cultura5, e foi destaque em algumas das entrevistas re-
alizadas pela autora.
Por meio do fato relatado e de outras contendas observadas nas atas, verificou-se que a
participação no processo decisório é diferenciada quando esta é exercida dentro de um grupo do
4
Realizada em 20 de março de 2009.
5
Nº 7.035 de 07 jul. 2015.
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qual se tem parte em comparação com a decisão tomada quando se está em um grupo [COM-
CULTURA] cuja atividade é controlada por outros membros, neste caso o grupo que representa
o poder público. Assim se distingue o conselheiro que faz parte, caso em se enquadram aqueles
que mantiveram independência em seus posicionamentos, dos que tomam parte, postura clara-
mente voltada para os que participam sempre em sintonia com os preceitos dos que comandam
o grupo, neste caso o poder público que, além de ter a presidência do conselho, desequilibra a
paridade - poder público e sociedade civil - ao ter um membro da câmara de vereadores, que é
da base do governo. Respondem-se, de certo modo, os questionamentos supracitados.
Os conselheiros do mandato 2009-2012 do COMCULTURA realizaram trabalhos de
destaque como a elaboração da minuta do Fundo Municipal de Cultura – FUNCULTURA e do
próprio Regimento Interno do Conselho. No entanto,
[...] A idealização do papel dos conselhos pode criar expectativas exage-
radas e conduzir a maiores frustrações. Os recursos públicos destinados
às políticas sociais são cada vez mais reduzidos. Impõe-se, pois, aos
conselhos, nos diversos níveis, a tarefa crucial de discutir o orçamento
público, não apenas o fundo específico do setor, mas as prioridades na
distribuição dos recursos. (TEIXEIRA, 1996, p 18.)
Contudo, tal atitude por parte dos conselheiros não foi constatada ao longo dos dois
biênios analisados. A frequência e participação dos conselheiros foram destaque nas reuniões
do primeiro período, com exceção de uma que não teve o quórum necessário. Com relação aos
mecanismos de incentivo à participação da população nos encontros deste Conselho, não se ob-
serva tal preocupação, talvez mediante as demandas que estes conselheiros tinham a sua frente
para reestruturar tal colegiado que por anos deixou de atuar, visto a escolha de seus membros ter
ocorrido em 2006 e a nomeação somente em dezembro de 2008.
No período compreendido entre 2012-2014, do qual participou esta autora como mem-
bro efetivo, as convocações para as reuniões não mantiveram uma sistemática periódica, ora
aconteciam quinzenalmente, ora bimestralmente. Nas atas, não há registro nominal da presença
dos conselheiros em cada sessão e nem seu quantitativo. Elas informam apenas os nomes da-
queles que apresentaram suas opiniões no decorrer das reuniões. Este fato acaba por impedir
o levantamento fidedigno da frequência assídua de alguns conselheiros e, por conseguinte, da
ausência sistemática de alguns membros tanto da sociedade civil quanto da representação dos
órgãos públicos. Todavia, pode-se afirmar que a Secretaria Municipal de Educação não se fez
presente por meio de seus representantes no quadro de conselheiros durante os dois anos; a Câ-
mara Municipal enviou o nome de seus representantes apenas no ano de 2014, quando começa
a participação efetiva de sua titular. Enquanto que a representação do Núcleo de Arte e Cultura
de Campos compareceu somente na reunião em que foi realizada a eleição do comitê gestor
do FUNCULTURA para o qual se candidatou e foi eleita, não mais retornando para as demais
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reuniões do período. Salienta-se que não chegou ao conhecimento dos conselheiros ter havido
qualquer notificação formal solicitando que estes retornassem a frequentar as reuniões ou mes-
mo que fossem indicados outros nomes para representarem aquele órgão ou instituição civil.
Dos encontros ocorridos a partir de 2012, pode-se apurar que houve algumas discus-
sões mais acaloradas e grande disposição por parte dos representantes da sociedade civil em
realizarem um trabalho efetivo de participação e de colaboração para que a cultura do municí-
pio se consolidasse à luz da legislação municipal, devidamente amparada ou em vias de fazê-
-lo, segundo relata o presidente do Conselho. Uma parte do grupo de conselheiros apresentava
disponibilidade para contribuir de modo mais eficaz não somente cumprindo o regimento do
COMCULTURA ou a determinação legal do colegiado no município, mas também colaborando
ativamente para que fossem implantadas formas mais abrangentes de participação da sociedade
civil e da população com possibilidade efetiva de promover a cidadania cultural no município.
No entanto, analisando mais profundamente o quadro geral de conselheiros, pode-se ob-
servar que alguns membros da sociedade civil se posicionavam com frequência em sintonia com
os da gestão municipal, fato que, em certos momentos de polêmicas mais acirradas, verificou-se
a tendência destes em acatar, sem questionamentos, o que era apontado como ação cultural defi-
nida pelo grupo gestor/poder executivo. Exemplo deste fato ocorreu, após a leitura da ata da 1ª
reunião, quando diversos conselheiros apontaram um equívoco da relatoria, qual seja o fato de
que determinado ponto não teria sido discutido naquela reunião. Foi solicitada, então, a retirada
deste trecho antes da aprovação da ata, mas uma conselheira, representante de um dos órgãos do
governo, defendeu a secretaria e a presidência do COMCULTURA afirmando, com veemência,
que tinha sido tratado tal assunto. Os demais conselheiros se calaram e, conforme consta em ata
da 2ª reunião, “polêmica a parte, o conselho optou por manter o registro da ata anterior, devida-
mente aprovada pelos presentes” (COMCULTURA, 24 nov. 2012).
Pode-se verificar a questão do grau de controle cívico e a falta de accountability vertical,
isto é, de responsabilização política, como afirmam Magalhães e Costa (2007) entre o poder pú-
blico e a sociedade civil. Accountability pública envolve uma relação de manutenção de trans-
parência das ações do Estado, uma vez que para o efetivo exercício da democracia deve haver
o governo “do povo” e, sem saber o que está sendo feito a seu favor, o povo não pode avaliar se
está sendo bem atendido por seus representantes. (MAGALHÃES E COSTA, 2007, p. 3)
Registra-se que, ao longo do ano de 2013, paralelamente, os conselheiros coordenaram
reuniões com os segmentos de cada estética artística, com a participação de artistas e produtores
culturais, formando, assim, as câmaras técnicas. Ao fim de cada encontro, o conselheiro respon-
sável elaborou um relatório que foi apresentado na reunião do COMCULTURA. A partir destes
encontros, foram levantadas as demandas de artes cênicas, música, patrimônio cultural e audio-
visual, contudo os setores de literatura e arte popular não chegaram a levar ao conhecimento do
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colegiado suas contribuições. Ficou acordado no COMCULTURA, que todas as propostas com-
poriam o Plano Municipal de Cultura, instrumento que até março de 2016 não foi apresentado à
sociedade para seu referendo final.
De modo geral, nestas câmaras ocorreram comentários sobre a crise na produção cultu-
ral do município, que, segundo afirma o presidente do Conselho, está envelhecida [“de cabelos
brancos” conforme ele próprio destaca], no entanto foi exatamente a partir das sugestões apon-
tadas pelos artistas durante as reuniões realizadas nas câmaras temáticas ou técnicas que se pode
demonstrar que a produção cultural permanece viva.
Destaca-se que um dos temas mais polêmicos discutidos no COMCULTURA neste biê-
nio, não só pela importância, mas também pelo envolvimento de grande parte dos conselheiros,
foi, sem dúvidas, o FUNCULTURA, tema de debate constante. Em especial quanto à falta de
dotação orçamentária para o Fundo na Lei Orçamentária Anual – LOA dos anos de 2013 e 2014.
A polêmica se instala quando um conselheiro da sociedade civil levanta o questionamento, já
feito por ele na ocasião do encerramento da II Conferência/2012, sobre a exclusão do artigo
terceiro da Lei 8.205/2010, que criou o FUNCULTURA, e que foi alterado pela Lei 8.257/2011,
que previa um percentual dos royalties6 para tal Fundo, assim como dos impostos do IPTU e
ISS. Segundo o conselheiro, advogados lhe afirmaram que os citados impostos não podem ser
legalmente destinados ao Fundo, mas que isso seria legalmente possível com relação aos royal-
ties, daí ele refuta a alteração na Lei de 2011. O assunto gerou várias discussões e, no intuito de
amainar os ânimos, o presidente informou aos presentes que havia enviado ofício à Secretaria
Municipal de Controle e Orçamento “[...] solicitando a adequação de recursos para o Fundo,
levando em consideração que, por causa de um cochilo, não fomos contemplados no orçamento
do município para este ano” (COMCULTURA: Ata 09 mar.2013). Depreende-se, neste discurso
do referido presidente, uma postura de subserviência e demonstração de pouco poder político do
presidente no grupo gestor do município ao considerar a ausência de dotação orçamentária para
a Cultura naquele ano como um mero “cochilo” do poder público. Como se ele fizesse parte do
governo, mas não tomasse parte dele, como comentado anteriormente.
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Todos os entrevistados permitiram sua identificação nominal, o que, de certo modo, possibilita
uma primeira reflexão a respeito do comprometimento e da responsabilidade que cada um de-
monstra ter em seu papel enquanto cidadão/cidadã. Cada grupo foi composto de acordo com seu
papel na cultura local: agente cultural, sociedade civil organizada, vereadora com atuação na
área de cultura e educação e gestor público cultural.
As entrevistas foram realizadas em consonância com os objetivos delimitados e conso-
lidados no roteiro de entrevistas. Para tal, elaboram-se três campos de análise: [01] atuação do
poder público na política cultural do município de Campos dos Goytacazes; [02] participação da
sociedade civil na política cultural do município e [03] a política cultural do município.
Quanto ao primeiro item, os entrevistados levantaram questões como: falta de recursos,
de vontade política ou de ação para executar a política institucionalizada no Sistema e no Fundo
Municipal de Cultura; existência de cooptação ou de desconhecimento técnico dos membros dos
conselhos; constatação de clientelismo, gramática política muito em voga no país; mudanças
arquitetônicas realizadas no prédio histórico do Mercado Municipal e estruturais no Carnaval
campista; críticas à realização de shows de artistas nacionais em detrimento dos locais e ao fe-
chamento e abandono por parte do poder público do Museu Olavo Cardoso e do prédio da Lira
de Apolo. Destacam-se duas atuações positivas deste poder: reforma do Museu Histórico de
Campos e construção do Centro de Eventos Populares Osório Peixoto - CEPOP.
Reflexões acerca disso: a ausência de diálogo entre poder público e sociedade civil é
percebida como algo danoso na construção da política cultural. Como diz Putnam (2000 apud
Fernandes, 2002) a respeito da ação do governo que pode ser tanto um problema quanto uma so-
lução, dependendo de sua decisão de investir no capital social de sua população ou de ignorá-lo.
Reafirma-se, como Iaconivi, Klintowitz e Rolnik (2011), que as práticas dos gestores
municipais pelo país afora tem demonstrado que não se leva em consideração o processo par-
ticipativo como um instrumento de negociação em esferas superiores e, alerta Avritzer (2012),
que a implementação da lei não consegue determinar a efetividade das contribuições definidas
de modo participativo, diante das gestões que não se integram à participação. Entende-se, assim,
que é necessário que haja esta integração e muito mais.
É preciso que a sociedade civil não perca seu poder de fiscalizar, cobrar e de participar
permanentemente e, como diz Oliveira (2010, p. 254), “tornar-se cidadão” [...]. Por último, a
responsabilização pública necessita ser uma prática da gestão como um todo e não um benefício
que é dado ao cidadão quando aprouver ao gestor. Compreendendo a premissa que Eagleton
(2005, p. 16) elabora: cabe ao Estado ser o harmonizador das relações conflituosas e dos antago-
nismos crônicos existentes dentro da sociedade civil e, acrescenta-se ao seu pensamento, os que
existem dentro dos próprios governos.
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cultura, está-se fazendo política pública atendendo aos ditames do SNC. Postura observada em
Campos dos Goytacazes, especialmente no entendimento do gestor entrevistado.
Contudo [3] a implementação, tanto das leis quanto da política cultural nelas instituí-
das, depende de vontade política, demonstrada por meio de atos e decisões governamentais; de
recursos financeiros orçados e utilizados exclusivamente com as demandas apontadas pela so-
ciedade para a cultura e, por último, e talvez o mais importante, deve contar com a participação
democrática e cidadã da sociedade civil desde a sua elaboração, passando pela execução e pelo
controle no uso dos recursos públicos até a avaliação final.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No palco da cultura em Campos dos Goytacazes, o papel principal é da institucionaliza-
ção da cultura e não dos atores. Estes são, em alguns casos, coadjuvantes, quando representantes
da sociedade civil em conselhos e conferências. Confronta-se com o papel de sujeitos históricos
que os atores deveriam ocupar na construção dessas leis.
Fica explícito que: [1] não se alcançou a qualificação necessária do cidadão nem enquan-
to gestor público, nem como sociedade civil [acomodada, distanciada, mal informada de seus
direitos e deveres culturais e sem conhecimento do valor cultural do município]; [2] há entraves
administrativos que impedem que os atores ocupem o palco [falhas de comunicação, diver-
gências estruturais e conjunturais]; [3] existe confronto de princípios e desvios de conduta nas
definições de ações culturais – personalismo; [4] há necessidade de maior interatividade para
haver o exercício da cidadania cultural: espectador sai da passividade e vivencia a realidade no
seu cotidiano e, ao mesmo tempo, experimenta a transformação desta realidade que por vezes é
negativa e precisa ser alterada.
A participação ativa da sociedade provoca mudanças e o atendimento das demandas tem
mais chances de ocorrer. Assim como na poética do Oprimido, espera-se que o povo reassuma
sua função protagonista no teatro e na sociedade. Aponta-se para a possibilidade dessa mesma
conquista vir a ocorrer na formulação de políticas públicas de cultura pelo país afora, mas espe-
cialmente em Campos dos Goytacazes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. INTRODUÇÃO
Os processos sociais organizados sob a perspectiva de redes têm sido objeto de análise
por diferentes autores, com destaque para Bruno Latour (2012), Norbert Elias (1994) e Manuel
Castells (1999). Tal modo organizacional e definidor de diferentes processos sociais, fundado na
horizontalidade e favorecido pelas novas tecnologias de comunicação, inseridas em uma cultura
fluida e de livre informação, constitui uma particularidade do presente tempo histórico.
A participação social em rede, fundamentada na articulação de atores sociais voltados à
definição de aspectos das práticas políticas tem sido um movimento corrente em diferentes con-
textos. As análises dos modelos participativos em rede avançaram como resposta ao fortaleci-
mento dessa tendência de organização da sociedade civil e, por consequência, de ressignificação
das próprias concepções de democracia.
1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da
Universidade e Brasília. leandrograss@gmail.com.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da
Universidade de Brasília. msdreis@gmail.com.
3
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacio-
nal da Universidade de Brasília. fatima.makiuchi@gmail.com.
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico deste trabalho busca contemplar os principais conceitos relacio-
nados ao objeto aqui analisado. A compreensão dos elementos práticos referentes ao Fórum de
Cultura do Distrito Federal, sendo este entendido como um processo participativo com efeito na
estruturação das políticas públicas de cultura, exige a elucidação de alguns elementos teóricos. O
primeiro refere-se à própria noção de participação social, aqui construída a partir das contribui-
ções de Evelina Dagnino (2004) e que indicam para o seu incremento desde a promulgação da
Constituição de 1988, bem como problematizam a concepção do significado de sociedade civil.
Em seguida, tomando como base a contribuição dos sociólogos Norbert Elias (1994) e
Manuel Castells (1999), será explicitado o conceito de rede, para em seguida ser contextuali-
zado na dimensão participativa, tomando por base a abordagem de Ilse Scherer-Warren (2006).
A complementação da análise do conceito de rede será feita, em seu caráter metodológico, com
a teoria do ator-rede, desenvolvida por Bruno Latour (2012), e que serve como um importante
instrumento de análise dos processos participativos e seus impactos nas políticas públicas. Por
fim, será apresentada a abordagem da política como acão pública, desenvolvida por Pierre Las-
coumes e Patrick Le Galés (2012), a qual servirá como referência acerca do que se entende aqui
por política pública.
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dos pilares do campo de políticas públicas, em especial pelo crescente avanço dos mecanismos
formais de diálogo que impactaram em diversas políticas.
A abordagem desses conceitos se justifica em virtude de sua polissemia, produto de uma
“confluência perversa” (Dagnino, 2004) acerca dos termos. A tendência neoliberal da década de
1990 fez com que determinados fundamentos da Constituição de 1988 se estruturassem dentro
de uma conjuntura que, aos poucos, criou um dilema sobre as concepções de sociedade civil e
participação social. A disputa entre diferentes projetos de sociedade fez com que os termos as-
sumissem uma identidade múltipla, apropriada conforme a pretensão de seu uso.
A começar pela noção de sociedade civil, o projeto neoliberal produziu o que pode ser
chamado de deslocamento de sentido cujo
resultado tem sido uma crescente identificação entre “sociedade civil”
e ONG, onde o significado da expressão “sociedade civil” se restringe
cada vez mais a designar apenas essas organizações, quando não em
mero sinônimo de “Terceiro Setor”. (Dagnino, 2004a, p. 100).
Por consequência, a concepção de participação passa a também a estar associada a um
novo sentido, atrelado a uma concepção de solidariedade, voltada ao trabalho voluntário e à
responsabilidade social. Dagnino (2004a), aponta que essa noção caracterizada pelo privatismo
e pelo individualismo acaba por despir-se de seu significado coletivo e político para se orientar
por uma perspectiva moral.
Além disso, este princípio tem demonstrado sua efetividade em redefinir
um outro elemento crucial no projeto participativo, promovendo a des-
politização da participação: na medida em que essas novas definições
dispensam os espaços públicos onde o debate dos próprios objetivos da
participação pode ter lugar, o seu significado político e potencial demo-
cratizante é substituído por formas estritamente individualizadas de tra-
tar questões tais como a desigualdade social e a pobreza. (Idem, p.102)
Sendo assim, a noção de participação assumida na análise do objeto proposto remonta a
uma ruptura com tal concepção. Por participação, compreende-se a reivindicação do direito a ter
direitos (Dagnino, 2004a). Isso implica em um processo reivindicatório de acesso aos processos
políticos que estabelecem os próprios direitos, resultando na inserção dos indivíduos nas estru-
turas de poder que definem o contexto social. Trata-se da construção de uma nova sociabilidade
que impõe um formato mais igualitário nas relações de poder entre sociedade e Estado, no for-
talecimento da esfera pública e dos debates nela inseridos.
Nessa perspectiva, sociedade civil passa a ser compreendida como um coletivo de atores
que pretendem ser representativos nas diversas etapas das políticas, inseridos em um diálogo
igualitário, mesmo que seja baseado no dissenso. A participação não provém de uma moral fun-
dada no voluntarismo solidário, mas sim na busca pela representatividade dentro dos espaços de
poder que definem os mais variados processos sociais orientados pelo Estado.
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2.2. Rede
O segundo conceito fundamental para a análise do objeto em questão é o de rede. Apro-
priada por diversos campos teóricos, a noção de rede será aqui apresentada sob um viés socio-
lógico baseado em dois autores: Norbert Elias (1994) e Manuel Castells (1999). Tal definição
se faz necessária pelo fato de que a concepção de rede representa um fundamento do modo de
organização participativa aqui analisado.
A abordagem de Elias (1994) sobre o conceito de rede serve como uma base mais ampla,
ilustrativa da própria vida em sociedade. Para ele, a rede pode ser comparada com a trama do
tecido – a tessitura entre fios e nós. Essa referência, visualizada em uma perspectiva estática,
ilustra o ser humano como um ser relacional em seu processo de individualização. Complemen-
tando essa visão com a noção dinâmica da vida em sociedade, insere-se o movimento produzido
pelo fenômeno da vida (e morte) do indivíduo, o que daria a esta rede a característica de estar em
“constante movimento, como um tecer e destecer ininterrupto das ligações”. (p. 35).
A ideia de conexões sustenta o cerne desse conceito, o qual foi posteriormente ampliado
por Castells (1999), em sua aplicação às grandes estruturas políticas, econômicas e informa-
cionais. Desse modo, a estruturação de processos em rede é adequada ao modelo econômico
globalizado atual. Representa, portanto, o próprio design operacional do capital moderno, na
sua volatilidade e fuga de responsabilidades, além de permitir inferir uma descrição das relações
sociais contemporâneas instauradas no âmbito privado a partir do modo de produção capitalista.
A consolidação dessa estrutura de relações pode servir também para colaborar na des-
mistificação do individualismo contemporâneo. A redes, em sua perspectiva horizontal e não
hierárquica, abrem espaço para uma nova perspectiva de mobilização. Sendo multiformes, as
redes aproximam atores sociais diversificados – dos níveis locais aos mais globais, de diferentes
tipos de organizações –, e possibilitam o diálogo da diversidade de interesses e valores. Mesmo
que o diálogo seja permeado por conflitos, o encontro e o confronto das reivindicações e lutas
referentes a diversos aspectos da cidadania permitem aos atores sociais passarem da defesa de
um sujeito identitário único à defesa de um sujeito plural. (Scherer-Warren, 2006. p. 115)
2.3. Ator-Rede
A teoria do ator-rede (TAR) foi estruturada pelo sociólogo francês Bruno Latour (2012), e
sua amplitude está para além do campo conceitual, servindo também como abordagem metodo-
lógica para a compreensão de diferentes processos sociais. No caso das políticas públicas, a TAR
serve como referência de percepção das dinâmicas associativas e dissociativas, de forma a iden-
tificar os lastros resultantes das convergências e divergências entre os diferentes atores sociais.
Uma análise fundamentada na TAR pressupõe permanente tomada de notas dos movi-
mentos dos atores, reorganizadas posteriormente pelo texto. Desse modo, “se você não quer to-
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mar notas e registrá-las, então não se meta com a sociologia: esse é o único meio de alcançar um
pouco mais de objetividade” (p. 198). Para garantir que o relato da dinâmica dos atores seja con-
sistente, deve-se prezar pelos aspectos descritivo e discursivo, capazes de elucidar o movimento
e dar sentido às associações, pois “um bom relato TAR é uma narrativa, uma descrição ou uma
proposição na qual todos os atores fazem alguma coisa e não ficam apenas observando” (p. 189).
É preciso que sejam evidenciados os elementos dinâmicos do processo, destacando os
pontos de passagem obrigatórios do movimento dos diferentes atores. À medida que um media-
dor, ou nó, deixa traços, ele merece ser destacado e analisado. Isso pode ser capaz também de
evidenciar o estabelecimento do vínculo entre os discursos dos diferentes atores. O caráter híbri-
do e imprevisível da rede faz com que o objeto seja resultado e não ponto de partida da análise
do pesquisador. Portanto, é preciso admitir a imprevisibilidade e possibilidade das incertezas
durante a própria construção da pesquisa, bem como focalizar as associações e dissociações
resultantes do processo analisado.
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
Na dinâmica de remodelagem dos formatos participativos, as políticas públicas de cul-
tura no Brasil nos últimos anos merecem especial atenção. Instituído pela Lei nº 12.343/2010,
o Plano Nacional de Cultura (PNC) prevê, entre as suas 53 metas, pelo menos duas (metas 48
e 49) voltadas especificamente à participação social, onde recebem destaque as intenções de
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Pode-se observar pela figura 2 que, no período de 2005 a 2015, foram trocadas mais de
39 mil mensagens apenas no grupo de e-mails do Fórum. De 2005 (79 mensagens) a 2009 (8.077
mensagens), nota-se um crescimento expressivo na comunicação da rede por essa ferramenta,
ao passo que de 2010 (6.785 mensagens) a outubro de 2015 (1.072 mensagens) a queda é gradu-
al, possivelmente influenciada pela criação de outros espaços de interação digital, como aqueles
vinculados à plataforma Facebook.
Scherer-Warren (2008, p. 513) destaca que “as novas tecnologias, especialmente a inter-
net e as rádios comunitárias, são um elemento facilitador na difusão das narrativas e ideários em
construção pelos sujeitos, nós das redes”, sobretudo em decorrência de sua agilidade e ampli-
tude. É o que se observa nas discussões promovidas pelo Fórum de Cultura do Distrito Federal
que, em diversas oportunidades, culminou em mudanças efetivas na estrutura e até na concepção
de determinadas políticas públicas na região.
Tem sido comum que as notas e cartas abertas construídas coletivamente e disponibiliza-
das ao público pelo Fórum ressaltem conquistas que os participantes atribuem à articulação do
organismo, tais como a Emenda à Lei Orgânica nº 52/2008 que ampliou os recursos do Fundo de
Apoio à Cultura do Distrito Federal para 0,3% da receita corrente líquida do DF, as mobilizações
para o cumprimento da legislação vigente e a proposta por trás de grandes eventos para garantia
de incentivo à cultura local, como ocorreu durante o aniversário de 50 anos de Brasília, quando
produtores locais se organizaram em um projeto denominado “Brasília Outros 50”, exigindo a
valorização dos artistas da região.
Além da mobilização com ênfase nas relações com o Estado para controle das políticas
públicas de cultura, as ferramentas de comunicação do Fórum são utilizadas também com a
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fortalecimento das esferas participativas ilustra a ampliação e o fortalecimento da de-
mocracia no Brasil. A Constituição de 1988 representou um marco significativo na formalização
da participação social, muito embora a tendência neoliberal da década de 1990 tenha produzido
um deslocamento de sentido sobre os conceitos de participação e sociedade civil. A partir da
década de 2000, os processos e mecanismos de participação foram incrementados, não só na
perspectiva formal, mas também informal, mediante a constituição de redes e coletivos de atores
orientados pela disputa nas estruturas de poder e na tomada de decisões capazes de impactar nas
políticas públicas.
O Fórum de Cultura do Distrito Federal serve como um recorte desse amplo processo de
participação da sociedade civil nas diferentes etapas da política pública. Estruturado sob a pers-
pectiva de rede, o Fórum tem exercido um papel relevante sobre as políticas públicas de cultura
do DF. Formado fundamentalmente por atores sociais atrelados ao próprio campo cultural da
cidade, com uso das novas tecnologias e sob uma organização horizontal, o Fórum ilustra essa
tendência de um novo formato organizacional da sociedade civil em seu papel de controle e
acompanhamento das políticas, atribuindo um novo caráter à ação pública. Desse modo, a aná-
lise aqui desenvolvida representa uma breve contribuição acerca de um fenômeno mais amplo e
que tende a avançar, que é o das redes de participação social nas políticas públicas.
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outras providências.
_____, Lei nº 111/1990 – Estabelece a competência, composição e classificação do Conselho de Cultura
do Distrito Federal, e dá outras providências.
_____, Emenda à Lei Orgânica nº 52/2008 - Acrescenta os §§ 4º e 5º ao art. 246 da Lei Orgânica do
Distrito Federal.
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RESUMO: O presente artigo pretende refletir sobre Políticas Públicas e cidadania tendo como
base o Plano Nacional de Cultura. Nessa trajetória, oferece leituras sobre conquista de direitos
e cidadania, procurando delimitar os sentidos de mudança social presentes nos contextos
reivindicatórios.
1
Professor de sociologia da rede estadual de ensino –RJ. Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual
de Londrina – PR. Estudante de doutorado do programa de pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Hu-
mana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro PPFH – UERJ. Mail: leferreirarj@yahoo.com.br.
2
Artigo 215 da Constituição Federal: Lei n.12.343 de 2 de dezembro de 2010, visando orientar o desenvolvimento
de programas e projetos ligados à ação cultural buscando garantir o reconhecimento à diversidade, a valorização, a
promoção e a preservação do patrimônio material e imaterial que é produzido pela sociedade brasileira.
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através do diálogo com a sociedade e expondo suas necessidades e anseios. Esses planos setoriais,
regionalizados, devem ter como referência esse material, somando-se a ele.
O PNC está dividido em trinta e seis estratégias, que por sua vez se dividem em duzentos
e setenta e cinco ações. Este conjunto de estratégias e ações foram organizadas nas cinquenta e
três metas do Plano Nacional de Cultura. São quatro os eixos orientadores para a formulação
dessas estratégias que estão em pauta no campo cultural.
A dimensão simbólica da cultura procura traçar um panorama de estratégias para as
questões que envolvem diversidade: trata da criação, do conhecimento sobre as expressões das
culturas tradicionais, linguagens artísticas, culturas regionais, patrimônio e diversidade cultural.
Temas fundamentais para os debates em torno das questões de identidade e etnicidade.
O segundo eixo da dimensão da cultura se relaciona à sua ação cidadã. O foco se volta
para a questão dos direitos culturais e as estratégias tratam do: acesso, circulação, difusão, frui-
ção, educação, capacitação e infraestrutura. Cultura e Cidadania são centrais nessas ações e é
sobre esses temas que chamamos a atenção nesse artigo.
O terceiro eixo relaciona-se à economia, focaliza a economia sustentável, o desenvolvi-
mento de uma economia criativa, inovação, novos modelos de negócio, financiamento, turismo
cultural, cadeias produtivas, etc.
E finalmente o eixo da Gestão, dividido em duas partes, um que analisa o papel do Es-
tado na gestão da cultura, e também sobre o papel da sociedade nessa administração. O campo
da gestão cultural procura traçar medidas preocupadas com o fortalecimento institucional, com
os instrumentos de gestão, de planejamento, de participação social, de capacitação, e regulação.
Nas metas do Plano Nacional de Cultura, encontramos o entendimento de que a cultura,
na perspectiva de democratização através da noção de diversidade, é um elemento fundamental
na construção da cidadania. A cultura é concebida como um direito social básico do cidadão,
ao lado da saúde, educação, trabalho, moradia e lazer. As políticas públicas devem viabilizar a
ampliação do acesso à produção cultural, bem como sua participação social, protegendo e pro-
movendo o patrimônio e a memória cultural da sociedade brasileira.
Analisaremos como essa cidadania se relaciona com os direitos sociais através das Metas
do Plano de Cultura, preocupados com etnicidade e mudança social. Para articular as referências
conceituais colhidas na análise a um entendimento da dinâmica do poder no âmbito do Estado,
vamos delimitar os campos e as categorias sociais e políticas em uso, procurando assim especifi-
car melhor os possíveis significados do entrelaçamento de cidadania, cultura e políticas públicas.
Vamos mapear os entendimentos da ação cidadã do Estado na cultura também através
dos documentos e dos discursos oficiais do MinC sobre o assunto, além de trazer, mais uma vez,
as preocupações do pensamento sociológico, relacionados à função do campo dos direitos na
mudança social, aqui relacionados às políticas culturais.
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3. DIVERSIDADE E PODER.
Todas estas interpretações nos oferecem boas ideias para pensar, boas imagens de mo-
vimentos observáveis nas interações entre sociedade civil e Estado. A questão fundamental do
controle da máquina está, entre as versões brevemente delineadas, no controle do poder. Desta-
cando o poder, Bobbio vai comentar em Estado, Governo e Sociedade (1987):
Aquilo que “Estado” e “política” tem em comum (e é inclusive a razão
de sua intercambialidade) é a referência ao fenômeno do poder. Do gre-
go Kratos “força”, “potência”, e arché, “autoridade” nascem os nomes
das antigas formas de governo, “aristocracia”, “democracia”, “oclocra-
cia”, “monarquia”, e todas as palavras que gradativamente foram sendo
forjadas para indicar formas de poder, “fisiocracia”, “burocracia”, “par-
tidocracia”, “poliarquia”, “exarquia”, etc. Não há teoria política que não
parta de alguma maneira, direta ou indiretamente, de uma definição de
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mentação desse amplo quadro identitário que passa a ser reconhecido como direito através do
fortalecimento da democracia, da diversidade, e da cidadania. Então o reconhecimento dessas
categorias identitárias nesse contexto tem a ver com a conquista de direitos, que por sua vez se
relaciona com as disputas de poder que envolvem toda a sociedade.
Vamos analisar agora no texto da “Convenção sobre a proteção e promoção da Di-
versidade das Expressões Culturais”(2007), as especificidades sobre o tema positivados nesse
documento que o Brasil endossa como signatário, procurando refletir sobre como a expansão do
conceito de cultura e identidade possibilitou um avanço nos entendimentos da política da cultu-
ra, referidos à noção de cidadania e de seu empoderamento através da participação democrática.
No texto, a noção de diversidade cultural prescinde de “um ambiente de democracia,
tolerância, justiça social e mútuo respeito entre povos e culturas” para poder se expressar em
toda sua potencialidade, fortalecendo a paz e a segurança no plano local e global.
Dentro do entendimento da UNESCO, a compreensão sobre Cultura vem mudando subs-
tancialmente, revendo a velha noção que restringia a cultura ao campo de produção das belas
artes e da literatura erudita. No preâmbulo da Declaração Universal da Diversidade Cultural da
UNESCO, de 2001, encontramos a seguinte definição:
A cultura deve ser considerada como um conjunto distinto de elementos
espirituais, materiais, intelectuais e emocionais de uma sociedade ou
de um grupo social. Além da arte e da literatura, ela abarca também os
estilos de vida, modos de convivência, sistemas de valores, tradições e
crenças (in: Convenção sobre a Diversidade das Expressões Culturais,
2007 p.20)
Esta ampliação da noção de cultura na UNESCO numa retrospectiva passa, grosso modo,
por quatro períodos em que os sentidos e as funções atribuídas à cultura vão se transformando.
Entre 1950 e 1960, para além das artes, Cultura engloba a noção de Identidade Cultural. Essa
noção possibilitou uma tomada de posicionamento político da entidade, que procurou trazer
reflexões e dar respostas a situações específicas, entre elas, “contextos de descolonização, ao
reconhecer a igual dignidade das culturas”.
Entre os anos 1970 e 1980 ampliou-se a consciência dos vínculos entre cultura e desen-
volvimento. Foi nesse período que se estabeleceram as redes de comunicação visando coopera-
ção e solidariedade entre os países em desenvolvimento. A UNESCO procurou promover ações
de intercâmbio, visando fomentar parcerias mediadas pela noção de igualdade entre as partes,
onde cultura também deve ser lida como fundamento de Soberania.
O avanço mais pungente no sentido de fortalecer a cidadania (dentro do recorte proposto
nesse artigo) ocorreu entre os anos 1980 e 1990, marcados pelo reconhecimento das agendas dos
países em desenvolvimento em consonância com seus fundamentos culturais na construção da
democracia. Nesse período a UNESCO passou a reconhecer, dar importância e posteriormente
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se percebe nessa breve trajetória é o caráter dinâmico que envolve os entendimen-
tos sobre cultura, diversidade cultural, democracia e cidadania. O caráter situacional, relacio-
nal e diacrítico, que é próprio da etnicidade e dos processos identitários, informa a construção
discursiva e amplia a potencialidade política dos termos clássicos que compõe a gramática fun-
damental da vida política contemporânea.
Refletindo sobre mudança social em relação a cidadania, cultura e diversidade cultural,
percebemos em meio às transformações do campo da conquista de direitos pelos homens ao
longo do tempo, que a participação social e democrática criou e potencializou essas noções,
comunicando e respondendo aos problemas sociais, posicionando criticamente os conceitos ao
oferecer reflexões, soluções e ações práticas para os desafios concernentes a cada contexto social
específico, o que atesta, como estamos procurando evidenciar, o caráter situacional e relacional
das noções de cultura e identidade, e de sua politização cada vez maior no quadro das interações
e disputas de interesses presentes na sociedade civil organizada e no Estado. O Plano Nacional
de Cultura e suas metas devem ser pensadas através desta dinâmica conceitual, contra concep-
ções estanques que ainda influem sobre a percepção desses fenômenos sociais determinando a
priori os significados, que como apresentamos, estão em disputa.
Desta maneira, se observa uma amplitude de campos de atuação que envolve o desen-
volvimento da democratização cultural através do acesso ao direito à cultura e à cidadania.
Na perspectiva apresentada no início do artigo, procuramos salientar a importância de relacio-
nar a conquista de direitos às disputas por poder no interior da sociedade e na sua relação com
o Estado.
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A intenção foi oferecer interpretações críticas para a noção de cidadania no Plano Na-
cional de Cultura pensando sobre Estado e Poder nas interações com a Sociedade. A trajetória
partiu do direito, do desenvolvimento da conquista por participação e ampliação das atribuições
do Estado; ofereceu leituras sobre o poder e, brevemente, das formas clássicas que envolveram
seu entendimento; tratou do processo que desenvolveu a compreensão sobre o homem, da sua
generalidade à especificidade na conquista do reconhecimento da diversidade no campo do di-
reito, depois traça paralelos entre esse movimento e a dinâmica da etnicidade e dos processos
identitários – para uma percepção mais acurada do processo de mudança social; a relação entre
individualismo, cidadania e democracia, e como estas ideias se expressam em discursos e docu-
mentos oficiais do MinC.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Editora fundação Perseu Abramo. 2011.
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RESUMO: O presente trabalho analisou como o poder público municipal tem atuado na
proteção dos jazigos de valor cultural do Cemitério Municipal de Juiz de Fora. Apesar de a
abertura de processo de análise de tombamento ter sido autorizada pelo Conselho de Proteção do
Patrimônio Cultural Municipal, isto não está se refletindo em uma política eficaz de salvaguarda
do acervo. Tanto a administração do cemitério tem-se mostrado indiferente à questão quanto a
Divisão de Patrimônio Cultural não possui poder de fiscalização e portanto, pouco pode realizar
além de notificar. Em meio ao processo, apenas a imprensa e alguns setores da sociedade civil
têm-se mobilizado para cobrar o fim do descaso para com o espaço mortuário. Desta forma, fez-
se um estudo histórico sobre o processo de inserção do cemitério como patrimônio da cidade de
Juiz de Fora e as ações que tal questão necessitou.
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Ainda, existiam dois grupos de intelectuais distintos: os que consideravam a reformulação impor-
tante e necessária para que Juiz de Fora adentrasse na modernidade e que, portanto, a patrimonia-
lização se impunha como um entrave; e aqueles para quem era necessário selecionar alguns bens
para que estes fossem os elos representantes entre a cidade nova que se constituía e a do início de
sua história (AZEVEDO; JABOUR, 2012, p. 35-39).
Conforme (ALMEIDA, 2015, p. 61-64), diante do impasse, esses intelectuais de caráter
mais preservacionistas conseguiram importantes vitórias diante do poder público. A primeira é
anterior a Constituição de 1988, a qual garantiu mais possibilidade de regionalização da gestão e
da seleção dos bens históricos e culturais. Juiz de Fora ganhou, em 1982, sua primeira legislação
voltada à proteção do patrimônio cultural. Evidentemente, não seria possível debater aqui todos
os meandros sobre a questão; no entanto, consideramos que devido a essas iniciativas propostas,
primeiramente por essa lei local e, em seguida, com a legitimação dada pela Constituição, as
quais, somadas às demandas locais, garantiram bons avanços.
Ainda de acordo com (ALMEIDA, 2015, p. 63-64), foi assim, que, em 1989, Juiz de
Fora foi contemplada com a criação da Divisão de Patrimônio Cultural, órgão ligado atualmente
à Funalfa, fundação esta, responsável por gerir a cultura do município. Atualmente, o município
possui cerca de 173 bens materiais tombados e fez o registro de 6 bens imateriais3.
Infelizmente, o patrimônio funerário não foi amplamente contemplado nestes momentos
iniciais de seleção dos bens. Mas, é compreensível se observamos que os bens indicados eram
os tradicionais, os quais, aliás, eram os mais ameaçados naquele momento. Entendemos como
bens tradicionais: praças, monumentos, casarões, igrejas, fábricas antigas, entre outros. Os dois
cemitérios mais antigos da cidade – Cemitério Municipal Nossa Senhora Aparecida e Cemitério
da Paróquia de Nossa Senhora da Glória/Comunidade Confissão Luterana – não fizeram parte
da análise para um possível tombamento até o ano de 2012.
Porém, um pormenor importante existia sobre o tema, o qual diz respeito ao túmulo de
Henrique Guilherme Fernando Halfeld, incluído em pedido de tombamento desde 1999. A princí-
pio, a demanda se justifica por ser étnica e fundacional. Além de ser o possível fundador da cidade,
a força política do Instituto Teuto-brasileiro sobre a questão pode ter contribuído para a inserção
desse jazigo na lista de bens inventariados, uma vez que este sepultado era imigrante de origem
alemã4. O processo foi aprovado em 07 de junho de 2004, apesar de o pedido ser do ano de 1999. 5
3
Lista completa disponível em <http://pjf.mg.gov.br/administracao_indireta/funalfa/patrimonio/index.php>
Acessado em 20 de fevereiro de 2015.
4
A imigração alemã em Juiz de Fora se inicia no século XIX e ainda há um grande grupo de descendentes dos
colonos. In: STHELING, L. J. Juiz de Fora, a Companhia União e Indústria e os alemães. Juiz de Fora: Funal-
fa, 1979.
5
Processo disponível em <http://www.jflegis.pjf.mg.gov.br/c_norma.php?chave=0000021833>. Acessado em 20
de fevereiro de 2015.
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6
Trecho de entrevista concedida via chat da rede social Facebook com o Sr. Douglas Fasolato, no dia 15 de feve-
reiro de 2015.
7
DIPAC/FUNALFA n° 011586/2012.
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8
Trecho retirado do pedido feito por Wilson Coury Jabour Junior no qual cita o trabalho de Elisiana Trilha Castro
“Cemitérios, nosso patrimônio nacional”; consta no processo administrativo de posse de DIPAC/FUNALFA, n°:
01158/12.
9
Para saber mais: <http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-cemiterio-que-reflete-a-cidade-ee93zxud8kou-
fxt3gwyqn3sr2>. Acessado em 5 de dezembro de 2015.
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associação que se propõe a divulgar e pesquisar os estudos do morrer no Brasil. Ao ser ques-
tionada sobre o possível tombamento do Cemitério Municipal de Juiz de Fora, Clarissa Grassi
destaca que recomendou alguns caminhos para uma seleção de túmulos. No entanto, a pesqui-
sadora não conferiu à atuação da Funalfa qualquer postura critica mais ampla, por não conhecer
a história do cemitério analisado e por qualquer eventual atuação demandar uma análise mais
apurada (informação verbal).10
Também foi convidada para participar do evento, a historiadora Fernanda Maria de Ma-
tos Costa. Fernanda é mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmen-
te funcionária técnico-administrativa da Universidade Federal do Paraná. Este convite se deu
devido ao seu objeto de estudo durante o mestrado, no qual investigou a história do Cemitério
Municipal de Juiz de Fora durante o século XIX.
Após participação no evento III Olhar sobre o que é nosso, e tendo com parâmetro os
apontamentos das pesquisadoras, Leandro Gracioso de Almeida e Silva, um dos autores deste
artigo, se sentiu instigado a desenvolver uma pesquisa sobre o campo santo. A oficialização da
pesquisa se concretizou com a aprovação no processo seletivo de mestrado em Memória Social
e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas, no ano de 2014; esta pesquisa se
encontra atualmente em fase de finalização.
É importante ressaltar que Fernanda Maria de Matos Costa não se interessou em fazer
qualquer eventual proposição de patrimonialização do Cemitério Municipal de Juiz de Fora. Se-
gundo ela, desenvolver tal procedimento não era seu foco; ademais, a distância se impôs como
uma dificuldade (informação verbal).11 Outro pesquisador que desenvolveu investigação sobre
a morte e o morrer, em Juiz de Fora, foi Paulo Sério Quiossa. Não foi possível contato com ele,
mas sabemos que este pesquisador igualmente demonstrou pouco ou nenhum interesse na ques-
tão, ainda que os motivos para tal não fossem possíveis de se averiguar.
Era desejo de Leandro Gracioso de Almeida e Silva reverter tal situação de “patrimonia-
lização limitada” proposta em 2012. Por isso, o mesmo foi autor de um projeto que visava au-
mentar a abrangência da área a ser tombada, a qual deveria englobar novos túmulos e possíveis
e futuras políticas de educação patrimonial e turismo no local.
10
Entrevista concedida por Clarissa Grassi via rede social Facebook, em 23 de fevereiro de 2015.
11
De acordo com Fernanda Maria de Matos Costa, em resposta a questionamento feito via e-mail, em 27 de feve-
reiro de 2015.
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materiais de valor cultural. Contudo, no caso do campo santo analisado, a maior ameaça advinha
inicialmente do próprio setor que o administra, o poder público. Indiferente aos valores simbólico,
histórico e cultural que este cemitério detêm, por ser possivelmente o mais antigo cemitério higi-
ênico de Minas Gerais12, houve e ainda há inúmeras tentativas de depreciar ou desconsiderá-lo.
A primeira que consideramos a mais problemática foi uma iniciativa que se tornaria um
futuro projeto de lei, caso aprovada. A proposta feita pelo vereador do município Cido Reis pre-
tendia alterar o regimento do cemitério. O argumento defendido dizia respeito ao fato de haver
inúmeros túmulos, em especial na ala velha13, nos quais não ocorrem sepultamentos há anos,
devido à inexistência de proprietários. Portanto, segundo o vereador, havia real necessidade de
se alterar o regimento, a fim de permitir uma ampliação do direito de uso, o que tornaria possível
a venda de perpetuidade a terceiros, algo atualmente proibido nesse campo santo. Assim, ceden-
do o uso a novas famílias, parte dos problemas de falta de jazigos na cidade seria resolvida.14
Acreditamos que a falta de jazigos nos cemitérios públicos de Juiz de Fora e, em especial
no analisado, não seria resolvida nem sequer parcialmente pela medida. O cemitério sempre ca-
receu de espaço para realizar todos os sepultamentos necessários, e a demanda por sua ampliação
remete aos primeiros anos de seu funcionamento.15 Com o atual crescimento da população da ci-
dade, mesmo que fosse permitida a revenda em pouco tempo, o problema retornaria e persistiria,
uma vez que o Cemitério Municipal é o mais utilizado no município (informação verbal).16
Além disso, autorizar a revenda de jazigos a terceiros, inevitavelmente representaria o
fim da maioria dos túmulos mais antigos, os que por sua vez possuem maior valor histórico e
artístico. É difícil imaginar que, se não houvesse a proteção do tombamento, os novos proprie-
tários teriam compromisso em preservar as estruturas originais da sepultura, afinal estas não
fazem menção a familiares seus.
Diante desta situação, foi apresentado um pedido às pressas, por Leandro Gracioso de
Almeida e Silva. Nesta proposta, o autor justificava o porquê da necessidade de se fazer o
pré-tombamento da ala velha. O pedido foi aprovado gerando um processo atualmente em tra-
mitação, mas longe de um parecer final ocorrer num período próximo.17 Contudo, a aprovação
inviabilizou o projeto de lei mencionado anteriormente, pois, enquanto não se decide sobre o
tombamento, o bem analisado está “pré-tombado”, como prevê a legislação do município.
12
Esta afirmação ainda carece de maior averiguação, mas de acordo com pesquisas em arquivos e jornais, tudo
indica que seja de fato o mais antigo cemitério moderno de Minas Gerais.
13
Denomina-se “ala velha” a primeira divisão do cemitério, ocorrida em 1864. A “ala nova” é de 1925.
14
A notícia completa disponível em <http://www.tribunademinas.com.br/projeto-autoriza-venda-de-jazigo-no-mu-
nicipal/>. Acessado em 06 de dezembro de 2014.
15
FCMRV – Vº Parte – Órgãos e Funcionários da Câmara – I Cemitério – Série 129 – Documentos diversos. Do-
cumento de 13/07/1912.
16
Conforme o administrador Emílio Bravo.
17
DIPAC/FUNALFA n° 00071/2015.
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administração do cemitério parece não saber sequer quem poderiam ser os donos de algumas das
sepulturas, as quais ficam em ruínas e a administração não pode intervir, já que a manutenção é
de exclusividade do proprietário. Assim, este patrimônio vai sendo destruído aos poucos, pela
“indiferença” compartilhada entre os proprietários dos jazigos e a administração do cemitério.
Por fim, em terceiro lugar, o maior desafio enfrentado pelo Cemitério tem sido os furtos.
Conforme já mencionado, até por volta dos anos 1930, as famílias mais abastadas costumavam
gastar cifras consideráveis na construção de uma sepultura. Na ala nova do cemitério, inaugurada
em 1925, existem, na maior parte das sepulturas, materiais nobres como granito, mármore e bron-
ze. O bronze é certamente o mais fácil de ser furtado e o único possível também, pois qualquer
tentativa de retirada de uma peça de mármore ou de granito implicaria na quebra desta, fato que
acarreta em perda do valor comercial; mas o bronze pode ser novamente dissolvido e fundido.
Diante dessa situação e do descontrole na segurança do Cemitério Municipal, a imprensa
local tem divulgado, ao longo dos anos, casos de furtos de peças neste campo santo. O caso mais
emblemático foi o furto dos ornamentos em bronze da sepultura de Henrique Guilherme Fernan-
do Halfeld. A este personagem que se atribui a fundação da cidade, conforme já discutido, por
isso talvez a maior comoção.
Desde 2013, o túmulo vinha sendo lentamente saqueado. Primeiramente, foi o brasão
de armas do município de Juiz de Fora, depois o mapa da região da Alemanha da qual provinha
Henrique. Por fim, antes de novembro de 2015, furtaram o Brasão da Família Halfeld. Tal ini-
ciativa pareceu ser a gota d’água para a sociedade civil organizada. O senhor Vicente de Paulo
Clemente, descendente de alemães, não deixou de reclamar num grupo da rede social Facebook
intitulado “Comunidade Alemã” o descaso para com a sepultura:
[...] vergonha… túmulo do Fundador de nossa cidade, no Cemitério Mu-
nicipal, dilapidado e despido das placas honoríficas. O mapa da região
de onde nasceu Heinrich Willmem Ferdinand Halfeld [Henrique Gui-
lherme Fernando Halfeld], na Alemanha, o brasão de armas da família
Halfeld e o brasão da cidade, foram violentamente arrancados de suas
bases e roubados por vândalos. Hoje, dia dos mortos, ao visitar o Campo
Santo, tristemente me deparei com essa imagem... (informação verbal)18.
Em seguida, Leandro Gracioso de Almeida e Silva, tendo ciência do caso o denunciou a
imprensa escrita e televisionada da cidade que dedicou matéria sobre a questão nos dias 04 e 05
de novembro de 2015. O jornal Tribuna de Minas publicou matéria da qual reproduzimos parte:
[...] em função das visitas aos cemitérios da cidade no Dia de Finados,
uma postagem no Facebook, publicada no grupo ‘Comunidade Germâni-
ca de Juiz de Fora’ chama atenção para furtos ocorridos no Cemitério Mu-
nicipal. Um dos alvos foi o túmulo do Comendador henrique Guilherme
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Trecho retirado de comentário de Vicente de Paulo Clemente no grupo, realizado em 2 de novembro de 2015.
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Disponível em <http://www.tribunademinas.com.br/visitantes-denunciam-furtos-no-cemiterio-municipal/>.
Acessado em 10 de fevereiro de 2016.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Múltiplos tabus estão envoltos aos cemitérios. A estes espaços atribuímos concepções
que envolvem dor, saudade e melancolia. E, certamente, por isso a maioria das pessoas passa
quase toda a vida evitando pensar neles ou no ato de morrer. Consideramos que esta atitude
perante a morte tem forte impacto na proteção jurídica dos campos santos, ainda que parte da
situação tem mudado.
Apesar de iniciativas importantes estarem acontecendo no Brasil, tais como as visitas
guiadas nos cemitérios do Bonfim em Belo Horizonte e de São Francisco de Paula em Curitiba,
ou até mesmo o “cinetério”, proposta que tem como iniciativa transmitir filmes de terror no
Cemitério da Consolação em São Paulo, e também a possibilidade de se visitar virtualmente,
através do Google mapas, os cemitérios São João Batista no Rio de Janeiro e Consolação em
São Paulo, no geral as políticas para com estes espaços funerários são esparsas e restritas aos
grandes centros.
Mesmo com toda a possibilidade pedagógica e turística dos cemitérios oitocentistas,
os exemplos ainda são restritivos. Além disso, apesar destas novas iniciativas reaproximarem
a sociedade destes espaços fazendo com que se apropriem e desenvolvam sentimento de que é
importante sua preservação, estas por si só não dão conta de preservá-los. Por fim, o objetivo
deste trabalho era através de um relato de experiência em um recorte micro, apresentar os de-
safios na preservação dos bens cemiteriais que se apresentam como ainda mais difíceis que dos
bens já consagrados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
20
Informação disponível em <http://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/mgtv-1edicao/videos/t/edicoes/v/pecas-do-
-tumulo-do-fundador-de-juiz-de-fora-sao-furtadas/4588149/>. Acessado em 10 de dezembro de 2016.
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_______. – Entrevista concedida via e-mail, em 27 de fevereiro de 2015.
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RESUMO: O presente artigo como objetivo apresentar aspectos relevantes dos diversos
Sistemas Culturais Militares no país e no exterior, citando suas principais características,
semelhanças e diferenças. O trabalho irá abordar como as três Forças Singulares gerenciam
seu patrimônio histórico e cultural comparando-se como as outras nações tratam o assunto. A
ênfase do trabalho será pelas práticas desenvolvidas pelo Exército Brasileiro (EB), que será o
referencial para o estudo. O trabalho tem objetivo apresentar os diversos processos que compões
os diversos Sistemas Culturais Militares, traçando um paralelo com o que acontecia no seio da
Sistema Cultural do Exército Brasileiro
1. INTRODUÇÃO
O artigo tem o objetivo apresentar os diversos modelos de gestão cultural do patrimô-
nio histórico e cultural militar e fazer uma comparação com o Sistema Cultural do Exército
Brasileiro (SCEx). A Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEx) é
o órgão técnico e normativo do SCEx e que tem a missão de manter e difundir sua memória,
feitos e tradições. A sua implantação3 ocorreu em um processo evolutivo sistêmico que iniciou
1
Coronel do Exército Brasileiro, Mestre em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exér-
cito, Especialista em Comunicação Social pelo Centro de Estudos de Pessoal e em História Militar Brasileira pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Graduado em Administração pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro e Graduando em História pela UNESA. Fez parte da equipe da Diretoria do Patrimônio Histórico e
Cultural do Exército, até janeiro de 2016, quando atuou na área de planejamento e coordenação da Diretoria, leci-
niotavares@yahoo.com.br
2
Major do Exército Brasileiro, Especialista em História Militar Brasileira pela Universidade do Sul de Santa Cata-
rina (Unisul), graduando em História pela Universidade Estácio de Sá e Pós-Graduando em um MBA de Gerencia-
mento de Projetos na Fundação Getúlio Vargas. Compõe a equipe da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do
Exército, atuando na área de planejamento e coordenação e gestão da Diretoria, giorgiotrindade@gmail.com.
3
Esse tema foi objeto de artigo apresentado no VI Seminário de Políticas Culturais da FCRB, em 2015 - “Sistema
Cultural do Exército Brasileiro dos primeiros trabalhos até o surgimento da Diretoria do Patrimônio Histórico e
Cultural - uma reflexão”, escrito por TAVARES, Lecinio Alves - um dos autores do presente texto.
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em 1970, com a criação do Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP)4. Apesar desse processo
histórico não ser objeto de estudo do artigo, serão agregadas algumas informações relevantes
para compreensão do texto.
O texto é fruto dos trabalhos desenvolvidos pelos autores, que estudaram, na DPHCEx,
entre 2014 e 2015, alguns dos principais Sistema Culturais Militares, inclusive com visitas a
alguns órgãos no país e no exterior; com os objetivos de colher dados sobre diversos Sistemas e
apresentar uma minuciosa proposta de intercâmbios de caráter técnico e cultural para contribuir
com o processo de melhoria contínua do SCEx.
A seguir, serão observadas as características desses Sistemas para estabelecer compara-
ções com o modelo do EB.
4
Fonte: página eletrônica da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército www.dphcex.ensino.eb.br
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O SCEx alinha-se com a Política Cultural do Exército Brasileiro e suas Diretrizes Estra-
tégicas, contidas nas Portarias 614 e 615, de 29 de outubro de 2002, do Comando do Exército,
que, passam por um período de atualização. A Política Cultural do Exército (PCEx) tem por
objetivo a participação no desenvolvimento da cultura do país, como integrante do Sistema Na-
cional de Cultura(SNC), além de estreitar os laços culturais já existentes com outros segmentos
da sociedade; além de integrá-la às demais políticas do EB.
A PCEx privilegia, entre outros aspectos, a preservação dos valores, da memória e das
tradições militares. A Diretriz Estratégica prevê que a atividade cultural não se limitará somen-
te aos aspectos passados e se encarrega de estabelecer os objetivos culturais.
Dez anos depois da implantação do DEP, em 1980, o Exército Brasileiro criou a Dire-
toria de Assuntos Culturais, Educação Física e Desportos (DACED) “sendo uma tentativa de
centralização e desenvolvimento das atividades culturais na Força com a devida importância”.
(página eletrônica da DPCHEx - adaptado)
O Ministério da Cultura foi criado em 1985, cinco anos depois da instauração da DA-
CED, sendo considerado relativamente recente e foi uma resposta a uma demanda decorrente
de um processo de reordenamento jurídico, político e social a época e que teve como ápice a
promulgação da Carta Magna de 1988.
A Constituição Federal de 1988, tratou uma série de temas relativos à cultura, criando um
arcabouço legal de normas para os trato dos bens públicos e das atividades culturais. Para fazer
face a esse momento histórico, o EB adaptou, mais uma vez, sua estrutura, inclusive para a cap-
tação de recursos, sustentabilidade do patrimônio e formação de recursos humanos. A dificuldade
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de ter capital humano capacitado é um aspecto que todas as instituições públicas que trabalham
com cultura sofreram5.
5
Conforme descreveu DE MARCO (2009): “ o desafio seria ainda maior para a administração pública, que se via
diante da necessidade de formar seus quadros a fim de capacitar para a gestão profissional essa nova estrutura que
se potencializava”.
6
Há de se ressaltar neste artigo que não foi identificada nenhuma ação de forma sistêmica feita pela pelo Minis-
tério da Defesa no sentido de se coordenar as atividades culturais das três Forças Armadas, que atuam com seus
próprios sistemas culturais e que interagem diretamente entre si.
7
Os aspectos da DPHDM e do INCAER foram baseados nos texto Gestão Cultural no Exército Brasileiro: uma
proposta para a Modernização da Gestão do Patrimônio Cultural do Exército. TAVARES (2010) sendo atualizadas
com base em pesquisa na páginas eletrônicas das instituições, na Palestra Institucional do DPHDM, encaminhada
por mensagem eletrônica por Carlos Lopes da Silva, pesquisador da Marinha do Brasil e pelo artigo “SISCULT e
os Sistema de Cultura: realidades, políticas e história” de Aline Pessôa da Ascenção Alcoforado, apresentado no
VI Seminário de Políticas Culturais da FCRB, em 2015. .
8
A Biblioteca da Marinha foi incorporada ao novo órgão ficando diretamente subordinado ao Ministro da Mari-
nha, juntamente com a Seção de História Marítima do Brasil, o Arquivo Histórico e a Revista Marítima Brasileira.
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Para a consecução do seu propósito, essa Diretoria tem como algumas das principais
tarefas: promover estudos e pesquisas e publicar documentação sobre assuntos concernentes à
cultura naval; manter o registro da história marítima brasileira; administrar a Biblioteca da Mari-
nha, o Arquivo da Marinha, a Editora Serviço de Documentação da Marinha, os Navios-Museus
e os Museus que lhe são subordinados, incluindo os diversos espaços para exposições; controlar
o patrimônio histórico e cultural da Marinha; e propor e incentivar a divulgação da cultura e
história marítima para a sociedade em geral.
A DPHDM apoia as solicitações da SGM, órgão a qual é subordinada; do Estado-Maior
da Armada; do Gabinete do Presidente da República; dos Ministérios em geral e dos vários
segmentos das áreas da cultura e educação. A Marinha do Brasil para o desenvolvimento de
seus mais diversos projetos e programas culturais, vale-se de parcerias com instituições como
o Ministério da Cultura; o IPHAN; os Ministérios da Defesa; da Ciência e Tecnologia (MCT),
da Educação e do Turismo (MTur); estados e municípios; associações e fundações, o Exército
Brasileiro e a FAB dentre inúmeras outras instituições do Governo Federal, e entidades públicas
e privadas.
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MAER eram administradas de forma centralizada, tudo esse processo desencadeou, em 2010 a
criação do SISCULT.
O sistema em questão tem por finalidade planejar, orientar e coordenar as atividades
culturais no âmbito da FAB. Entre o escopo de suas atribuições estão os assuntos relacionados
com o Patrimônio Histórico Material e Imaterial; Museologia; Heráldica; Documentação His-
tórica; Literatura; Musica; Arquitetura; Produções Artísticas; Tombamento; Tradições, Usos e
Costumes, Crenças, Valores, Ações Históricas e Quotidianas; e Cerimonial.
Para atingir seus objetivos, o SISCULT visa, entre outros: ampliar a capacidade de ge-
renciamento de assuntos relacionados com a Cultura no âmbito do Comando da Aeronáutica
(COMAER); racionalizar os recursos materiais e humanos para gerir assuntos culturais; - inte-
grar-se com os demais Sistemas do COMAER; integrar-se com os Sistemas e Órgãos externos,
públicos ou privados, no trato de assuntos culturais de interesse do COMAER e da sociedade
brasileira; - promover o desenvolvimento cultural no âmbito do COMAER; e ampliar o conhe-
cimento aeronáutico junto ao publico interno e externo, por meio da divulgação do patrimônio
histórico e cultural do Comando da FAB.
O Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (INCAER) é o órgão central do SISCULT
e de assessoramento superior, diretamente subordinado ao Comandante da Aeronáutica (Órgão
de Assessoramento Direto e Imediato). Tendo, ainda, finalidade pesquisar, desenvolver, divulgar
e estimular atividades históricas e culturais referentes à Aeronáutica Brasileira.
O SISCULT é organizado em elos, que são as Organizações da estrutura organizacional
do Comando da Aeronáutica e tem suas constituições e competências definidas em Regula-
mentos e Regimentos Internos próprios ou das Organizações a que pertencem. A esses elos
compete: executar as atividades pertinentes de acordo com as normas elaboradas pelo Órgão
Central (INCAER); desenvolver, executar ou participar das atividades de acordo com as normas
elaboradas pelo Órgão Central; submeter, a apreciação do INCAER, sugestões que visem ao
aperfeiçoamento do Sistema; fornecer, ao Órgão Central do Sistema os elementos necessários ao
planejamento e a elaboração das propostas orçamentárias relacionadas com as atividades rela-
cionadas com o Patrimônio Histórico e Cultural; manter adequadamente o Patrimônio Histórico
e Cultural sob sua responsabilidade; e manter atualizada e disponível a coletânea de normas
elaboradas pelo Órgão.
Atualmente, o Sistema de Patrimônio Histórico e Cultural do Comando da Aeronáutica
passa por uma modernização para atender às demandas sociais e culturais e cumprir as determi-
nações emanadas pelo Comando da Força Aérea Brasileira e se projetar para o futuro.
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Um aspecto constatado é que os assuntos culturais das Forças Singulares são tratados por
órgãos semelhantes e o Ministério da Defesa coordena algumas atividades de interesses comuns,
como exemplo, as publicações de interesse da defesa, como um todo. Nota-se que a gestão cul-
tural do Exército Espanhol é distinta da praticada no Brasil, na medida em que está vinculada ao
Estado-Maior e não a um outro órgão intermediário com o Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx), no EB; além disso o Ministério da Defesa da Espanha atua efetivamente
nas atividades culturais militares.
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capaz de fornecer o pesquisador com orientações específicas sobre como formular o seu pedido
para que o bibliotecário ou arquivista em posse do material possa fornecer corretamente as in-
formações ou recuperar os registros com um mínimo de dificuldade.
A biblioteca do Centro não é uma biblioteca de serviço completo e não circula seus ma-
teriais. Dentro do sistema histórico do Exército, a função é realizada pelo Instituto de História
Militar do Exército dos EUA em Carlisle Barracks, Pennsylvania.
O Arquivo do Centro está autorizada a ter apenas uma matriz limitada de materiais origi-
nais sob o sistema de gerenciamento de registros do Exército. De direito público a maioria dos
registros criados pelo Exército dos Estados Unidos passam por um processo de reforma e são
entregues ao Arquivos e Registros Administração Nacional para a retenção permanente.
Documentos pessoais de soldados individuais (recrutas a generais), ao contrário dos re-
gistros oficiais de unidades do exército ou outras organizações, por regulamento em vigor são
normalmente depositados no Instituto de História Militar Exército dos EUA em Carlisle Barra-
cks, Pennsylvania, ou em outros repositórios (que pode ser identificadas por meio do Catálogo
União Nacional das Coleções de Manuscritos).
O CMH também serve para os programas de história oral do Exército americano em to-
dos os níveis de comando. Ele também conduz e preserva as suas próprias coleções de história
oral , incluindo as da Guerra do Vietnã , a Tempestade no Deserto , e as muitas operações de
contingência recentes. Além disso, as entrevistas do Centro dentro da Secretaria e Estado-Maior
do Exército fornecem uma base para a história dos anais do Departamento do Exército.
Como representações tangíveis da missão e de artefatos militares busca-se melhorar a
compreensão do profissional das armas. O CMH gere um sistema de mais de 120 museus do
exército e suas ramificações, abrangendo cerca de 450.000 artefatos e 15.000 obras de arte mili-
tar. O Centro também oferece treinamento profissional de museu, visitas de assistência pessoal
e suporte de administração de museus militares em todo o exército. Segue o organograma com
o sistema cultural americano. (Figura 3)
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O Museu Nacional do Exército dos Estados Unidos se encontra hoje em construção e está
sendo realizado pela Fundação Histórica do Exército que é uma organização não governamental.
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5. CONCLUSÃO
O presente artigo apresentou diversos modelos de gestão cultural de algumas por insti-
tuições militares, dentro e fora do país. Foram vistos os seguintes modelos: Marinha do Brasil,
Força Aérea Brasileira, Exércitos de Portugal, da Espanha, dos EUA, da e do Chile, além das
Forças de Defesa de Israel e do Ministério de Defesa da China.
Percebe-se, que de modo geral, as atribuições são similares, não há variação nem gran-
des diferenças entre os modelos em questão. Um aspecto ressaltou ao olhos dos autores: evi-
denciou-se que nos Estados Unidos há uma forte integração com o meio cultural local, sendo,
de fato uma política de Estado com ramificações com a sociedade. Os outros modelos, com
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exceção do chinês e do israelense não evidenciaram essa característica de forma mas acentuada,
que seria bastante desejável.
Com relação à subordinação, percebe-se assim que alguns países adotam uma estrutura
de gestão cultural militar em segundo escalão, subordinado ao Comandante da Força Considera-
da (FAB e FDI) ou ao Chefe de Estado-Maior (Espanha, Portugal e Chile) ou órgão de terceiro
escalão, como o Exército Brasileiro e a Marinha do Brasil. Além de estruturas intimamente liga-
das ao Estado, como os EUA e China. Apesar das diferenças, não há variação nas ações e nem
nas finalidades que se destinam, contudo pode ser objeto de estudos futuros mais profundos.
De acordo com o relatado por Rosas (2007), considera-se que a implantação de uma
nova proposta cultural, a partir da década de 1990 trouxe, como consequência uma considerável
aproximação do EB com os espaços civis de cultura e que tiveram grande influência na política
cultural do Exército, servindo como referenciais.
De forma diferente do modelo norte americano, por exemplo, essa aproximação que
parte do Exército Brasileiro com os setores civis da cultura, mesmo sendo devidamente constata
e ser uma nítida evolução nas atividades culturais do Exército, não é tão acentuada, percebe-se
que os passos dados para a integração plena ainda são tímidos, apesar de tudo.
Como ressalta TINOCO (2011), o presente modelo de gestão cultural do EB “necessita
de um processo (dinâmico - os autores) que o atualize como resposta às novas e crescentes de-
mandas legais e sociais”. Espera-se, assim, que este artigo, contribua com o processo da efetiva
participação do EB no ambiente cultural do país e com a divulgação do Sistema Cultural do
Exército no seio da sociedade a que pertence.
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RESUMO: Este trabalho apresenta uma visão panorâmica da gestão cultural no município de
Alto Alegre/Roraima, realizada por meio de um levantamento sobre a construção do Sistema
Municipal de Cultura e de entrevistas com pessoas que fundaram a localidade supracitada.
Também aponta diversas ações realizadas pela equipe da Secretaria Municipal de Cultura,
além de análises situacionais da política e do sistema cultural do município, resultando em um
estudo que expõe o que existe de fazer cultural, suas fragilidades, os desafios, os obstáculos e as
particularidades de Alto Alegre. Trabalha questões relacionadas à legislação do setor cultural e
mostra algumas questões que devem ser superadas para a implantação e consolidação do Sistema
Municipal de Cultura e todos os seus elementos formadores, o que deve gerar a transformação
plena do cenário cultural no referido município de Roraima.
1
Doutora em Educação e professora do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Roraima. E-mail: leila.
baptaglin@ufrr.br
2
Diploma de Estudos Superiores Especializados em Design de Eventos (Universidade UQAM – Montreal, CA-
NADA) e Mediação cultural e comunicação (Universidade Paris 1 Panthéon Sorbonne - Paris, FRANÇA); Instituto
Boa Vista de Música – email: chloebourgy@gmail.com
3
Bacharel em Jornalismo e em Sociologia. Especialista em Assessoria de Imprensa; Universidade Federal de
Roraima – email: edgarjfborges@gmail.com
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1. INTRODUÇÃO
Este ensaio objetiva compreender a situação atual da cultura no município de Alto Ale-
gre/RR com intuito de construir o Plano Municipal de Cultura. Como objetivos específicos
tem as seguintes articulações: verificar a situação atual da cultura; identificar as fragilidades,
desafios e obstáculos apresentados na parte cultural; identificar as particularidades culturais.
Desta forma, nosso problema de investigação se articula para entender: Qual a situação atual da
cultura no município de Alto Alegre/RR?
Para isso, utilizamos como metodologia de trabalho o estudo de caso, o qual se caracteri-
za por concentrar-se em casos particulares que podem ser representativos de casos semelhantes,
fundamentando generalizações e autorizando inferências (SEVERINO, 2007).
Inicialmente realizamos uma análise documental das legislações e documentações de
Alto Alegre/RR. Análise documental, segundo Lakatos (2009), é uma metodologia caracteriza-
da pela representação condensada das informações obtidas a partir de documentos.
Para complementação dos dados, foram realizadas entrevistas com pessoas que partici-
param da ocupação da área que deu origem ao município de Alto Alegre. Após coleta de dados,
foram feitas análises no intuito de compreender a atual situação da cultura no município. Estes
dados serão de extrema relevância para a posterior construção do Plano de Cultura do Município
de Alto Alegre/RR.
No desenvolvimento do trabalho, observamos a seguinte estruturação: na parte 2, temos
a Realidade Histórica, Social e Econômica do Município; na parte 3, temos o Diagnóstico Situa-
cional da Cultura no Município e, na parte 4, temos a Situação da Política Cultural do Município.
Após a apresentação geral dos dados, segue a análise a partir de categorias que delineiam
a situação cultural de Alto Alegre/RR.
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Raimundão, Sucuba, Truaru e Yanomami. Estas terras são ocupadas pelas etnias Wapichana,
Makuxí e Yanomami.
De acordo com o IBGE, Alto Alegre é o oitavo município da região Norte e o segundo
de Roraima com a maior população indígena, sendo 7.544 dos residentes recenseados como
pertencentes a alguma etnia. Isto equivale a 45,9% da população.
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A vida de trabalho na roça não deixava muita margem para diversão. O lazer dos homens
era jogar futebol aos domingos, conforme Valdemar Costa, que também integrou o grupo de 18
maranhenses que foi trabalhar na agricultura na Mata Geral, como era conhecida antes a região
(informações verbais)13. Outra opção era ir dançar nas festas e comemorações realizadas nas
fazendas e comunidades indígenas das redondezas (informações verbais)14.
Com o passar do tempo, os agricultores decidiram fundar um clube para organizar ações
de lazer e de solidariedade, ajudando-se entre si. O pioneiro clube 4S (Saúde, Saber e Sentir
para melhor Servir), liderado por Raimundo Viana e Cananeu Reis, foi responsável por diversas
atividades deste tipo (informações verbais)15.
13
Entrevista concedida por Valdemar Costa, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015.
14
Entrevista concedida por Valdemar Costa, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015.
15
Entrevista concedida por Valdemar Costa, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015.
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Assim, temos que o mapeamento e o inventário cultural do município estão sendo ela-
borados. Por enquanto, foram identificados 45 representantes de diversos segmentos culturais:
artesanato, dança, música (coral, bandas de rock, gospel e forró), manifestações de cultura po-
pular (bumba meu boi e quadrilha junina), artes visuais, cultura indígena, produção audiovisual,
teatro e cultura afro-brasileira.
Cabe destacar que os artesãos catalogados são, em sua maioria, de origem indígena.
Tanto eles como os artesãos residentes na área urbana desenvolvem seus trabalhos com diversas
técnicas, predominando a pintura em pano, o entalhe em madeira e o uso de sementes, cipós e
fibras diversas.
Juntamente com esse levantamento, a equipe da SEMC/AA iniciou o trabalho de cata-
logação do patrimônio histórico do município. Neste sentido, destacamos que a ação começou
a ser feita a partir de uma visita técnica à vila Taiano. Esta localidade, antigamente denominada
colônia agrícola Coronel Mota, foi a sede das primeiras ocupações feitas por não-índios na re-
gião. Isto aconteceu nos anos 1950, quando colonos japoneses foram incentivados a trabalhar
com agricultura no Estado de Roraima, tendo recebido terras naquela parte do atual município.
Na vila Taiano, foi constatada a existência de um conjunto de aproximadamente 25 ca-
sas construídas pelos primeiros habitantes da localidade. Algumas apresentam bom estado de
conservação, outras sofreram leves modificações e outras foram totalmente modificadas pelos
atuais moradores.
Após o mapeamento das casas, foi encaminhado, ainda em 2013, um relatório da SEMC ao
prefeito de Alto Alegre, no qual se destaca a importância da conservação do patrimônio histórico
do município. Partindo deste documento, o prefeito determinou a elaboração de uma lei municipal
de patrimônio. A referida legislação está sendo elaborada pela assessoria jurídica da Prefeitura.
Quanto ao patrimônio imaterial, entendemos que
são os ofícios e saberes artesanais, as maneiras de pescar, caçar, plan-
tar, cultivar e colher, de utilizar plantas como alimentos e remédios, de
construir moradias, as danças e as músicas, os modos de vestir e falar,
os rituais e festas religiosas e populares, as relações sociais e familiares
que revelam os múltiplos aspectos da cultura cotidiana de uma comu-
nidade (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO
NACIONAL, 2012, p. 19).
Sendo assim, destacamos que, em Alto Alegre, há representantes das culturas ameríndias
às afro-brasileiras, além de escritores e compositores como Didi do cordel, Maria Valdeires de
Matos Paiva (compositora do hino do município) e Jacob Rufino de Souza, poeta e autor de mais
de 10 livros que abordam temas como plantas medicinais e contos amazônicos.
A cultura nordestina também está fortemente presente no cotidiano do município, seja
na alimentação, nos termos usados rotineiramente nas conversas ou nos ritmos musicais mais
1216
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ouvidos pelos munícipes, a exemplo do forró. A herança nordestina também está presente nas
danças tradicionais, tendo o seu maior exemplo no grupo de bumba meu boi Douradinho, lide-
rado pelo senhor Raimundo Carin.
Neste sentido, ao tratarmos do patrimônio imaterial, há também os festejos locais que
retratam a história da comunidade e sua vinculação com os migrantes e com a região. No calen-
dário de festejos do município, temos diferentes eventos que retratam este patrimônio.
Além destes patrimônios imateriais, temos os patrimônios naturais que, segundo Zani-
rato (2009, p. 138), “abrangem os valores científicos os que se encontram em áreas que conte-
nham formações ou fenômenos naturais relevantes para o conhecimento da história natural do
planeta”. Entre os patrimônios naturais de Alto Alegre, temos cachoeiras, igarapés e rios que são
utilizados como balneários pela comunidade residente e por visitantes do município, demostran-
do grande potencial turístico e gerador de renda.
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2009 e outra em 6 de agosto de 2013. Desses eventos resultou a criação de 18 metas que vão com-
plementar as 53 inicialmente previstas no Plano Nacional de Cultura. Não foi possível encontrar
os Relatórios que, a princípio, estão sendo arquivados na Secretaria Municipal de Educação.
A Lei nº 289/2014, de 14 de maio de 2014, rege a criação SMC do município de Alto
Alegre. Até setembro de 2015, o mesmo não havia sido criado, assim como o Fórum de Cultura
do município.
A SEMC já se movimentou para incentivar a criação do Conselho Municipal de Políti-
cas Culturais, mas no município encontra dificuldades para criar o CMC e até o Fórum, pois os
possíveis membros já estão envolvidos em outros conselhos.
Pode-se constatar que a SEMC tem um orçamento anual. No entanto, quando houve a
definição do último planejamento anual de Alto Alegre, a secretaria ainda não existia. Como
resultado, o setor cultural não foi inserido neste planejamento. O que há no momento é que a
equipe responsável pela construção do PMC está na fase de construção do Plano de Trabalho,
documento que “permite visualizar a implementação dos componentes constituintes do Sistema
Municipal de Cultura, descrevendo o desenvolvimento das etapas previstas, contendo atividades,
cronograma de execução e metas a serem atingidas em cada uma delas” (BRASIL, 2015, p. 1).
No que tange ao sistema de financiamento da cultura, ainda há grandes problemas a
serem sanados. O resultado da pesquisa aponta que não existe Lei de Incentivo Fiscal no mu-
nicípio de Alto Alegre. A Secretaria não dispõe de pessoal capacitado para participar de editais
de lei de incentivo fiscal do Estado ou da Lei Rouanet e, quanto aos produtores culturais locais,
nenhum inscreveu um projeto a ser beneficiado pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura para o
ano de 2015.
O Fundo Municipal de Cultura foi criado pela Lei nº 289/2014, de 14 de maio de 2014,
de criação SMC do município de Alto Alegre, mas ainda não está institucionalizado.
A importância de se criar um Fundo Municipal de Cultura é que este seja o principal
mecanismo do Sistema Municipal de Financiamento da Cultura, que disponibiliza os recursos
destinados a apoiar programas, projetos e ações culturais implementados de forma descentrali-
zada, em regime de colaboração e financiamento com a União e com o Governo do Estado. Com
o Fundo Municipal de Cultura, o Município se tornou incentivador da ocorrência de iniciativas
culturais locais e apoia o dinamismo dos atores culturais.
Embora haja esta falta de estruturação do SMC, vemos que algumas iniciativas tem
sido realizadas, tais como o mapeamento e o inventário cultural do município que estão sendo
elaborados.
Há também projeto de parceria com a Secretaria de Assistência Social no âmbito de
resgatar dois projetos musicais sociais: a Banda “Tom Jobim” e o Coral “Canto do Curió”, ins-
tituídos durante o segundo mandato do Nertan Ribeiros Reis, entre 2001 e 2004.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisarmos o contexto cultural do Município de Alto Alegre, percebemos alguns ele-
mentos que nos auxiliam a compreender a situação atual da cultura no município de Alto Alegre/
RR. A partir disso, esperamos poder contribuir com a construção do Plano Municipal de Cultura.
Desta forma, destacamos que o processo de desenvolvimento e preservação cultural em
Alto Alegre perpassa por um amadurecimento do entendimento da legislação e dos valores cul-
turais locais, necessitando de toda uma infraestrutura de recursos humanos, financeiros e físicos
para dar conta das demandas apresentadas.
Infelizmente, o que se percebe é a não continuidade do trabalho e a desestruturação da
SEMC no ano de 2015. Situação essa que merece atenção e cuidado da esfera administrativa do
município para que não signifique um retrocesso na construção do sistema municipal de cultura.
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1. INTRODUÇÃO
O período denominado de modernidade reflexiva (GIDDENS, 1997) ao qual somos con-
temporâneos coloca o papel do especialista, visto no passado como o agente monopolizador do
conhecimento, em questionamento, obrigando que a ciência como um todo reveja sua relação
hierárquica com a sociedade, e que práticas clássicas de atuação sejam revista, questionadas, e
aprimoradas. O campo da preservação do patrimônio cultural também é alvo de questionamen-
to, havendo uma busca por maior interdisciplinaridade (CASTRIOTA, 2010) e uma compre-
ensão de que o requisito da excepcionalidade do bem como critério para a sua proteção não é
necessariamente primordial para ações de salvaguarda. A ampliação do leque de instrumentos
de preservação no Brasil é respaldada pela constituição federal de 1988, a qual estabelece que
não apenas o tombamento garante a permanência dos bens culturais edificados, mas prevendo
outras ferramentas como inventários, listas, etc, garantindo a qualquer cidadão (e não apenas aos
especialistas) a possibilidade de requerer o reconhecimento como patrimônio de qualquer bem
1
Arquiteto e Urbanista, mestrando no programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e-mail: leonardo@vrp.arq.br
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cultural material e imaterial que lhe seja caro. Meira (2004) aponta que o tombamento é um ato
administrativo sempre tardio, pois reconhece um valor que já é perceptível pela comunidade.
Este envolvimento da sociedade, e o surgimento de ferramentas de gestão democrática através
do Estatuto das Cidades, lei federal 10.257 de 10 de julho de 2001 faz com que o processo de
reconhecimento de da importância da salvaguarda de bens seja cada vez mais carregado de va-
lores simbólicos e afetivos (CASTRIOTA, 2010) para comunidade onde este bem está inserido.
Desde o anteprojeto elaborado por Mario de Andrade de criação do SPHAN, passando
por diversas cartas patrimoniais, nota-se um entendimento de que o bem cultural edificado não
pode ser compreendido como um artefato isolado de seu entorno (STELLO, 2013). Com a
Portaria nº 127 de 2009, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional cria a Chan-
cela da paisagem cultural brasileira, instrumento que desperta dúvidas sobre sua aplicabilidade
(VASCONCELOS, 2012) e conseqüências. A disciplina da Geografia, com campo denominado
Geografia Cultural (STELLO, 2013), foi a qual desenvolveu as primeiras formulações teóricas
a respeito da existência de territórios excepcionais onde a interação entre o homem e a natureza
produziu transformações em ambos, criando culturas e paisagens peculiares. O geógrafo Carl
Sauer no início do século XX (apud NAME, 2010) define que: “A paisagem como objeto central
da geografia e a cultura como marca da ação humana” e “A cultura é o agente, a área natural é o
meio, a paisagem cultural o resultado”, estas preposições são exemplos de uma linha de pensa-
mento que se desenvolver ao recorrer do século passado e estruturam o conceito agora adotado
pelos órgãos de preservação.
Carlos Fernando de Moura Delphim em seu trabalho como coordenado do setor de Jar-
dins Históricos no IPHAN desenvolveu uma série de pareceres publicados no livro Paisagens
do Sul onde é percebido o interesse da instituição em operacionalizar o conceito de paisagem
cultural. É de sua autoria o parecer nº85/09 (DELPHIN, 2009) que propõe o reconhecimento do
bairro Moinhos de Vento em Porto Alegre como uma Paisagem Cultural Urbana, fazendo deste
conceito um instrumento de política pública de preservação, complementar ao plano diretor e
aos instrumentos clássicos disponíveis.
O problema é que a falta de uma metodologia estruturada, inviabiliza por momento a
utilização eficaz da chancela da paisagem cultural como uma ferramenta de gestão do território.
Ciente disto o IPHAN/RS busca através de acordo de cooperação com o IAPH o desenvolvi-
mento de um projeto piloto de estudo da paisagem cultural, tendo como objeto a região missio-
neira gaúcha (STELLO, 2013). A análise do trabalho desenvolvido pelo IAPH na Espanha na
Enseada de Bolonha e na cidade de Sevilha, juntamente com o projeto piloto em curso na região
missioneira gaucha, apresenta possibilidades de aprofundamento no tema, e poderiam servir
como exemplo para que as demais superintendências do IPHAN no Brasil desenvolvam seus
estudos na área.
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É objetivo deste artigo, colaborar na propagação das possibilidades que esta metodologia
trás para as políticas publicas de preservação do patrimônio cultural, e para a gestão democrática
das cidades.
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Fonte: http://cientificando.com.br/blog
No Brasil, Alberto da Veiga Guignard, natural do estado do Rio de Janeiro e pintor radi-
cado em Ouro Preto, um dos expoentes da pintura moderna brasileira, retratou as paisagens de
Ouro Preto com um olhar que ia além do interesse por sua arquitetura barroca, e busca represen-
tar o espírito do local, ou o que agora entendemos como paisagem cultural. Guignard retratava
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Fonte: http://www.elfikurten.com.br
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Na varandinha do bar,
Tem a figura risonha
Do grande pintor Guignard
Que Deus botou neste mundo
Para Ouro Preto pintar.”
(MEIRELES,1949)
Lacoste apud Name (2010) credita a invenção da fotografia como a primeira reprodução
fidedigna da paisagem. Lacoste acreditava que a fotografia seria uma representação inegável de
uma realidade. Entretanto o fotografo brasileiro Sebastião Salgado defende que “Você não fo-
tografa com a sua máquina. Você fotografa com toda sua cultura”, introjetando a esta represen-
tação valores subjetivos. A fotografia seria assim como a pintura como composição do artista, e
não uma representação da realidade.
Estas reflexões servem para compreender, que a paisagem é objeto de observação de
diversas áreas do conhecimento, sendo a força motriz de algumas manifestações culturais. É
possível que assim como Ouro Preto, todas as paisagens culturais brasileiras dignas de serem
compreendidas como patrimônio, ou seja, que devem ser preservadas e perpetuadas encontrem
representações nos campos da arte como pintura, fotografia, poesia. Como Stello (2013) aponta,
estudar a paisagem abre as portas para a subjetividade, pois estamos tratando com leituras im-
pregnadas de um repertório cultural individual.
A paisagem, como no exemplo da pintura de Van Gogh, pode ser uma representação
embasada na memória, e é importante compreender que estamos lidando com um novo conceito
de preservação que abre a possibilidade de incluirmos memória coletiva e afetividade, conceitos
vistos tradicionalmente como demasiadamente subjetivos, como critérios de valoração. O obje-
tivo dessa reflexão é demonstrar que o homem há séculos percebe a paisagem e busca represen-
tá-la, fazendo com que o conceito de paisagem cultural como algo passível de preservação seja
tardio se comparado ao fascínio que a paisagem desperta no homem.
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2
História e Percepção artística da paisagem. Visão da paisagem urbana desde a história. Projetos urbanos que
traçaram Sevilha; Relação da paisagem urbana com a ordenação territorial e o planejamento urbanístico. Presença
da paisagem nos instrumentos de planificação na conurbação de Sevilha; Geomorfologia e cidade. A paisagem atra-
vés da estrutura física do território. Evolução e construção da situação atual; Arquitetura e Paisagem. Referencias
contemporâneas. Estudos de apropriação da arquitetura contemporânea pela cidadania; Rio e Cidade. Uma visão
desde o meio ambiente. O rio Guadalquivir como apoio de um projeto de “Sevilha Verde”; Atividade econômicas
na cidade histórica. Contribuição do comercio e a formação do paisagem histórico urbano; A construção do espaço
urbano: mobiliário e equipamento; As paisagens históricas da produção em Sevilha; O jardim na formação da pai-
sagem histórica urbana de Sevilha; A cidade submergida: arqueologia e paisagem e paisagem histórico urbano da
cidade de Sevilha; A Paisagem Histórica Urbana de Sevilha e as manifestações festivas – cerimoniais; Percepção
da paisagem histórica urbana de Sevilha através dos meios de comunicação.
3
Historiador de Arte; Arqueólogo; Antropólogo; Arquiteto; Bióloga; Economista; Jornalista; Geólogo
4
Fundamentos e Metodologia; Caracterização do Meio e Articulação Territorial; A Cidade no Tempo; Usos e
Atividades Urbanas com Valores Patrimoniais; Imagens Projetadas e Percebidas da Cidade.
5
Proposta de Objetivos de Qualidade Paisagística; Desenvolvimento de Medidas.
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Fonte: www.rgdosul.com.br
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paisagem cultural reverbera nos demais campos da arte, gerando um acervo de produção cultu-
ral semelhante aos apontados anteriormente neste artigo a respeito da cidade de Ouro Preto. Este
capítulo do guia é um dos mais aprofundados, porque demonstra como o ambiente natural e o
patrimônio material são capazes de gerar uma riqueza imaterial.
5. CONCLUSÕES
Com o aprofundamento do conceito de paisagem cultural, e a adoção de uma metodo-
logia similar a desenvolvida pelo IAPH, ocorrerá um período de experimentações e certamente
de contestações. Como parte do judiciário brasileiro é por vezes conservador nas ações de pre-
servação do patrimônio cultural, acreditando equivocadamente que apenas o bem tombado está
sobre salvaguarda, à paisagem cultural necessitará de envolvimento da comunidade para que o
conceito possa ser operacionalizado e mantido. As iniciativas de Carlos Fernando Moura Del-
phim junto ao IPHAN de reconhecer a existência da paisagem cultural passível de preservação
em determinados territórios, e a impossibilidade de concretizar a chancela desses territórios
podem ser explicados pela ausência de uma metodologia que envolva os agentes locais no pro-
cesso decisório de quais elementos devem ser preservados.
O IAPH ao propor o instrumento do guia da paisagem e estabelecer que os critérios ali
apontados devam provir de consenso, reconhece a incapacidade de um instituto de preserva-
ção no atual contexto gerir um conceito tão abrangente de preservação. A Paisagem Cultural
também inova ao estabelecer a gestão conjunta entre municípios, e a busca por uma política
convergente, sendo que o guia da paisagem se torna um instrumento de gestão regional, e por
vezes metropolitano como no exemplo de Sevilha na Espanha. A chancela da paisagem cultural,
se aplicada com a metodologia do IAPH, é um instrumento de gestão democrática, pois rompe
com a tradição do IPHAN de apenas apresentar planos de gestão as comunidades com sítios
tombados, e exige que os estudos temáticos desenvolvidos envolvam a sociedade civil desde as
primeiras etapas.
É uma possibilidade de repensar o relacionamento da instituição com a comunidade,
desmistificar os instrumentos de preservação, e principalmente compartilhar responsabilidades.
Ao valorar memória coletiva, percepção, afetividade, a paisagem cultural aproximasse de con-
ceitos com os quais a sociedade já se relaciona, rompendo a ideia de que apenas o excepcional,
ou monumental, deve ser valorado, mas também é objeto de preservação o prosaico, o cotidiano,
e o singelo. Ainda há um grande campo para formulações a respeito deste conceito, e mesmo que
a chancela brasileira seja instituída por portaria do IPHAN, certamente há desafios no campo ju-
rídico que necessitam ser mais bem avaliados, afinal a ideia pressuposta no guia da paisagem de
que deve ocorrer a construção de convergências de políticas públicas entre municípios, carece
na realidade brasileira de bons exemplos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: Pensar o papel social da comunicação tem sido um desafio para as políticas públicas
de comunicação e cultura na contemporaneidade. A criação e promoção de ações sem um
debate conceitual consistente tende a afastar tais políticas do interesse social. Nesse sentido,
é fundamental desenvolvermos uma reflexão conceitual acerca do direito a comunicação e
suas várias dimensões. Fundamentamos tal reflexão a partir das ideias dos pesquisadores Cees
Hamelink e Antonio Pasquali. Posteriormente, tecemos uma interpretação transversal de alguns
editais publicados pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura no ano de 2013, na
tentativa de escrutinar a seguinte questão: como uma política de comunicação e cultura pode
promover o direito à escuta se a reflexão dos valores se manifesta através das mais variadas formas
de interação e subjetividade? Itera-se, no entanto, que os apontamentos aqui feitos derivam de
uma investigação ainda incipiente e que demanda um esforço de pesquisa prolongado.
1. INTRODUÇÃO
Em escala global, assistimos a emergência e consolidação de políticas públicas de cul-
tura para a promoção da diversidade e dos direitos sociais. A implementação destas ações é
intensificada após a Convenção pela Promoção da Diversidade Cultural da UNESCO em 2005,
na qual diversos países assumiram o compromisso de criação, fomento e consolidação de po-
líticas para a promoção dos direitos culturais, sobretudo para os grupos sub-representados e
socialmente vulneráveis.
1
Bolsista de pesquisa do Setor de Estudos e Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa e Graduação
em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: ligiamachado@id.uff.br | CV Plataforma
Lattes: < http://lattes.cnpq.br/1913296460748732 >
2
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais (PPHPBC) no Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
Mestre pelo mesmo programa, Bacharel em Turismo pela Universidade Federal Fluminense e bolsista de pes-
quisa no Museu Casa de Rui Barbosa. E-mail: joaofreitas@id.uff.br | CV Plataforma Lattes: < http://lattes.cnpq.
br/9540497515511545 >
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O interesse social passa então a reger a atuação dos órgãos e entidades públicas de cul-
tura, e ao menos em teoria, busca-se um novo redirecionamento que se distancia da segregação
sintomática do desenvolvimento pelo viés economicista. Nesse diapasão, a inclusão, participa-
ção e difusão se tornam os principais objetivos das políticas culturais contemporâneas.
No contexto brasileiro, tal mobilização ganha força a partir de 2003 com a discussão e
proposta de redefinição dos conceitos de cultura, participação social, direitos culturais e diver-
sidade. Mais de uma década depois, é possível constatar inúmeros avanços e mesmo que em
alguns campos tais progressos representem mais agitação e mobilização do que resultados con-
cretos, a discussão prevalece.
Em setores como o audiovisual, por exemplo, se considerarmos todo o atraso histórico
causado pela peculiar ascensão dos meios de comunicação através do interesse privado, pouco
se avançou. A partir dos anos 2000, assistimos a resistência de disputas que possibilitaram a cria-
ção da Agência Nacional do Cinema (Ancine), da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), a
recente e tardia entrada de canais públicos e estatais – NBR, Canal Saúde e TVE – na televisão
aberta, a implementação dos mecanismos de cotas de programação na televisão por assinatura,
bem como o desenvolvimento e expansão do fomento direto à produção de conteúdos audiovi-
suais. Apesar dessas difíceis e importantes conquistas, a discussão de conceitos essenciais como
comunicação, direito à comunicação, difusão, direito à escuta e participação comunicacional
não receberam o destaque necessário. Mesmo quando ocorriam no campo de interseção entre
comunicação e cultura, pouco foram aprofundadas devido às bem conhecidas barreiras que des-
locam o debate a favor dos interesses dos grandes grupos de mídia e telecomunicações.
Sendo assim, este artigo tem como objetivo promover a discussão dos termos que cons-
tituem as dimensões do direito à comunicação e entender como os conceitos de difusão e direito
à escuta são afirmados pelas políticas da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.
A promoção do direito à escuta se constitui como um ponto central que motivou a realização
desta investigação. Compreende-se que sua prática se manifesta por meio de formas orgânicas
de interação e envolve aspectos de subjetividade. Portanto, o esforço de compreender como uma
política de comunicação e cultura pode promover o direito à escuta se constitui como fio con-
dutor das ideias aqui apresentadas. Para a discussão conceitual, serão articulados argumentos de
autores do campo da comunicação – Cees Hamelink e Antonio Pasquali –, e estudos do campo
da cultura. Já a análise desses conceitos nas políticas da Secretaria do Audiovisual (SAv) ocor-
rerá a partir da apreciação dos editais lançados pela mesma no ano de 2013.
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dos valores sociais, diagnosticada por Michel de Certeau. Por meio das estratégias de controle
da produção e disseminação cultural, grupos dominantes tendem a reger modelos sociais de
comportamento (CERTEAU, 2012). Nesse sentido, a razão que move as políticas públicas de
cultura é criar condições para que os diversos grupos sociais possam expressar suas ideias e va-
lores e, assim, promover o equilíbrio fundamental para a coexistência das diferenças.
Pensar o papel social da comunicação se torna imperativo para a concretização desse
objetivo. Como observa Antonio Pasquali, a midiatização moderna tem favorecido grandemen-
te a mensagem informativa, a qual promove mais informação do que comunicação. Quando o
objetivo informativo prevalece, a mensagem escoa por um fluxo unilateral que tende a silenciar
o receptor, produzindo “mais verticalidade do que igualdade, mais subordinação do que recipro-
cidade” (PASQUALI, 2005, p.27). Dessa maneira, o acesso a transmissão e difusão da produção
cultural nos meios de comunicação representa também um exercício de poder. Quando este
poder não é distribuído entre os representantes dos diversos grupos sociais, aqueles que concen-
tram a transmissão podem livremente explorar tal meio em seu próprio benefício.
A relevância da comunicação para a sociedade demonstra que a sua discussão, em seus
diferentes contextos, deve ser precedida do debate conceitual dos termos que a constitui como
parte e fruto das relações humanas. Cees Hamelink alvitra que a comunicação é um fator vital
para as sociedades, no entanto, também está exposta às formas de controle e exercício de poder,
por isso, a liberdade de nos comunicar deve ser promovida e protegida (2014). O debate con-
ceitual no campo da comunicação e cultura é um caminho necessário para a aproximação das
políticas públicas de sua perspectiva social.
Ao tecer uma discussão conceitual do direito à comunicação na dita “sociedade da infor-
mação”, Pasquali explora o estado mais puro da comunicação. Segundo o autor, a comunicação
está relacionada à comunidade. É parte constituinte da essência das relações humanas. Sem a
função comunicativa não pode haver comunidade, por isso, “qualquer mudança no comporta-
mento comunicativo de um grupo social vai produzir mudanças nas formas de percepção, sen-
timento e de tratamento do outro” (PASQUALI, 2005, p.18). O seu impacto na sociedade faz
transparecer o laço indissociável do interesse social. Por meio dela, portanto, deveria haver o
compartilhamento de simétrico poder de transmitir e receber ideias. Buscando gerar no receptor
um entendimento racional dos argumentos num clima de reciprocidade em que todos os atores
recebem o mesmo papel ativo e desfrutam do uso do mesmo canal (PASQUALI, 2005).
Quando a discussão conceitual da comunicação e do direito de comunicar se aproxima
da sua origem história das relações sociais, percebe-se o seu vínculo indissociável com a es-
sência que constitui as relações humanas. Assim como a cultura, a comunicação está na raiz da
existência humana. Sem a habilidade de codificar e decodificar, receber, reproduzir e transmitir
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mensagens e, assim, estabelecer diálogos não existiria organização social do modo como conhe-
cemos e vivenciamos.
Por esta razão, o debate e desdobramentos do que tange a comunicação não podem ser
sufocados pelos interesses econômicos. Quando a apropriação dos conceitos pelas políticas pú-
blicas é projetada através da lógica econômica, “a sociedade tende a perder em termos de sua
coesão moral e social” (PASQUALI, 2005, p.19). A complexificação dos meios e formas de
comunicação ao longo do desenvolvimento humano – dos diálogos face a face e da escrita para
a reprodutibilidade de mensagens através de veículos impressos – pelo cinema e pela radiodi-
fusão – fez perdurar a impressão de que a utilização dos meios e das grandes infraestruturas de
distribuição só poderia ocorrer por meio do uso eficiente da exploração econômica. No entanto,
apesar dos inegáveis custos envolvidos na manutenção e alimentação dos grandes meios, a sub-
missão dessa atividade aos valores econômicos não se justifica a não ser que a sua concentração
sirva à manutenção das relações de poder. Nas palavras de Pasquali os conceitos de:
[...] comunicação e informação, sempre, e necessariamente, referem-se
à essência da comunidade e das relações humanas. Assim, é inaceitável
que esses termos sejam reduzidos ao nível do discurso técnico ou eco-
nômico, que tentam minimizar ou desvalorizar as repercussões sociais
do factum comunicativo. Consequentemente, a sociedade tem o direito
ontológico e inalienável de observar e participar de qualquer decisão
que afete a sua comunicação ou informação, atividades que constituem
a essência das relações humanas (PASQUALI, 2005, p.18-19).
A participação que se refere o autor supracitado está relacionada não só à participação nas
discussões dessas temáticas, mas também a participação na produção de conteúdos comunicacio-
nais, bem como no desenvolvimento das políticas de promoção da diversidade comunicacional.
O estímulo da difusão dos diversos valores da sociedade nos meios comunicacionais é uma forma
de promover o desenvolvimento pelo viés social. As políticas de fomento audiovisual “animam a
autoconfiança das minorias além de fortalecer a sua articulação” (MERKEL, 2015, p.70).
Este debate acerca da participação comunicacional nos atenta também para o que Cees
Hamelink denomina de direito à escuta. A articulação e luta dos grupos sociais encontra a sua
razão quando estes têm o direito de serem escutados, quando as suas questões são levadas em
consideração tanto pelas esferas governamentais quanto como pelos diversos grupos, consti-
tuindo um processo relacional de comunicação interativa. O direito à escuta seria, como sugere
Hamelink, uma categoria do direito maior de se comunicar:
O direito à comunicação vai além do direito convencional da liberdade
de expressão, o que levanta a questão de como o discurso que ninguém
ouve pode ser útil. A partir dessa percepção, uma nova ideia emergiu: a
de que deve haver um direito de ser escutado, no sentido de garantir que
os diversos pontos de vistas tenham seu espaço e sejam considerados
(HAMELINK, 2014, p.23).
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Nesse sentido, a compreensão do que seria essa discussão das obras seria fruto das inter-
seções entre a participação – no sentido de produção de reflexões – e do direito à escuta – que
envolve a ideia de que as informações, ideias e valores manifestos nas formas de expressão cul-
turais devem ser levados em consideração, precisam ser escutados, mais do que reproduzidas.
Por esta razão evitou-se o uso do termo acesso ao longo deste artigo. Quando se preten-
deu falar sobre o alcance da distribuição das obras, utilizou-se o termo “difusão”. Ainda que tal
precaução não tenha evitado a reprodução de ecos no debate, acredita-se que o confronto de sig-
nificados foi amenizado. Contudo, reconhece-se a necessidade de uma abordagem mais lúcida
destas inquietações, as quais seguem como objetivo de pesquisa perene.
4. ÚLTIMOS APONTAMENTOS
No processo de análise dos editais da SAv, foram encontrados, nos cinco editais, dispo-
sições que possibilitavam o estímulo à difusão das obras produzidas através do incentivo. Por-
tanto, os editais foram além do mero fomento à produção, abrindo meios para que os projetos
analisados pudessem chegar aos seus verdadeiros financiadores: a sociedade. Contudo, consta-
tou-se também que a promoção da criação de espaços de debate ocorreu de forma incipiente e
indireta. Poucas foram as disposições que efetivamente poderiam estimular a criação de espaços
de debate, a qual fica extremamente dependente do engajamento continuo dos gestores e atores.
A breve reflexão desenvolvida aqui aponta que a promoção direta à criação de espaços de
discussão social dos conteúdos culturais pode sedimentar o caminho para o alcance da garantia do
direito à escuta. As obras audiovisuais refletem e expressam valores sociais que precisam ser con-
sideradas, precisam ser provocados e utilizados em prol do aprimoramento das relações sociais.
Por fim, vale ressaltar a urgência de se promover e intensificar o debate conceitual no
campo da comunicação e cultura, sem os quais o aprimoramento de suas políticas ficará cada
vez mais prejudicado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MinC) – lina.tavora@cultura.gov.br.
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Destes, 184 foram dirigidos apenas por mulheres, o que representa apenas 16,42%. Em 2015, de
acordo com Informe de Acompanhamento do Mercado3, da Agência Nacional do Cinema (An-
cine), dos 128 longas-metragens lançados comercialmente4 no ano, 14,8% foram dirigidos por
mulheres (apenas 19 produções). Dos 20 filmes brasileiros com maior bilheteria, apenas quatro
foram dirigidos por mulheres: Meu passado me condena 2, de Julia Rezende; S.O.S Mulheres ao
Mar 2, de Cris D’Amato; Linda de Morrer, de Cris D’Amato; e Que Horas Ela Volta?, de Anna
Muylaert (ANCINE, 2016).
Nos Estados Unidos, uma das únicas indústrias cinematográficas autossustentáveis do
mundo, em 2015, apenas 9% das 250 maiores bilheterias norte-americanas foram dirigida por
mulheres. A análise história (1998-2015) demostra pequena variação, com a aumento de apenas
dois pontos percentuais. Quando outras categorias são analisadas (diretoras, roteiristas, produto-
ras, produtoras executivas e diretoras de fotografia) o percentual sobe para 19%. Entre as catego-
rias analisadas, a que a mulher tem a melhor presença é de produtora (22%). (LAUZEN, 2016).
2. O ESTADO E O AUDIOVISUAL
As políticas públicas do audiovisual no Brasil são planejadas e executadas, no âmbito
federal, por duas instituições complementares: Secretaria do Audiovisual (SAv) e Agência Na-
cional do Cinema (Ancine). Além destas duas, há o Conselho Superior de Cinema (CSC), que
deve aprovar as políticas definidas pela SAv e pela Ancine.
O Ministério da Cultura é criado em 1985 (Decreto nº 91.144/1985). Reconhecia-se,
assim, a autonomia e a importância da área, até então tratada em conjunto com a educação. Em
1990, por meio da Lei no 8.028, o MinC foi transformado em Secretaria da Cultura, vinculada à
Presidência da República. A situação do Ministério da Cultura foi revertida pouco mais de dois
anos depois, pela Lei no 8.490, de 19 de novembro de 1992. É neste momento de ressurgimento
do MinC que é criada a, então, Secretaria para o Desenvolvimento Audiovisual (SDAv), hoje
Secretaria do Audiovisual (SAv).
A Agência Nacional do Cinema (Ancine) é criada em 2001, pela Medida Provisória
2.228-1. A Ancine, autarquia especial, vinculada desde 2003 ao Ministério da Cultura, é o “órgão
de fomento, regulação e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica” (BRASIL,
2001). Com a Lei nº 12.485/2011, a Ancine amplia seu escopo de atuação, abrangendo competên-
2
Listagem de Filmes Brasileiros Lançados - 1995 a 2014 (Ancine)
3
Todos os dados apresentados foram extraídos do Sistema de Acompanhamento da Distribuição em Salas de Exi-
bição (SADIS), cujas informações são fornecidas pelas empresas distribuidoras registradas na Agência Nacional
do Cinema. Consolidação dos dados realizada em 09/01/2015. Publicado no Observatório Brasileiro do Cinema e
do Audiovisual – OCA em 22/01/2016
4
Considerou-se longa-metragem lançado comercialmente em 2015 aquele cujo distribuidor tenha informado da-
dos de bilheteria para a ANCINE, com data de estreia em salas de exibição entre 01 de janeiro e 31 de dezembro de
2015, independentemente do ano de produção.
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cias referentes ao serviço de acesso condicionado (tevê paga). Além disso, com a publicação da
Lei, o pagamento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacio-
nal (Condecine) passou a ser devido também pelas concessionárias, permissionárias e autorizadas
dos serviços de telecomunicações5. O produto da arrecadação será destinado ao Fundo Setorial
do Audiovisual (FSA), para aplicação nas atividades de fomento relativas ao desenvolvimento do
setor audiovisual no Brasil. Vale ressaltar, por último, que a Lei 12.485/2011 estimula a produção
audiovisual nacional e independente, pois cria cotas nacionais de conteúdo obrigatórias nas tevês
por assinatura.
Em 2001, O Conselho Superior do Cinema (CSC) é criado, pela Medida Provisória
2.228-1/2001. O Decreto nº 4.858, de 13 de outubro de 2003, dispõe sobre a composição e
funcionamento do Conselho Superior do Cinema, e dá outras providências. Em 2009, o CSC é
transferido da Casa Civil para o MinC, por meio do Decreto nº 7, de 9 de novembro de 2009. O
CSC tem como uma de suas competências “aprovar políticas e diretrizes gerais para o desenvol-
vimento da indústria cinematográfica nacional, com vistas a promover sua auto-sustentabilida-
de” (BRASIL, 2001).
Durante todo esse tempo, SAv e Ancine vinham trabalhando com os seus públicos sepa-
radamente, seguindo suas competências definidas por lei e segmentadas ao longo dos anos. As
políticas públicas federais para o audiovisual, porém, podem ser aperfeiçoadas e ampliadas, a
partir da integração das ações e dos recursos das suas duas principais instâncias.
Em 2014, pela primeira vez, foram lançadas duas chamadas públicas da Secretaria do
Audiovisual com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) – para a produção de filmes
de longa-metragem de baixo-orçamento (R$ 12 milhões) e de documentários (10 milhões)6. No
início de 2016, foram lançados mais três editais para a produção de 22 longas-metragens de
baixo orçamento: ficção (10), infantil (9) e BO Afirmativo (3).
O audiovisual é um setor complexo, pois é, ao mesmo tempo: arte, meio de comunicação,
entretenimento, mercado etc. Assim, as políticas públicas do audiovisual devem fortalecer tanto
o mercado como os circuitos e segmentos mais simbólicos. Nestes últimos, é fundamental a con-
tinuação de políticas afirmativas – tendo a Secretaria do Audiovisual como o seu lócus gerencial.
5
A Condecine das empresas de telecomunicações passou por questionamentos judiciais, mas atualmente a liminar
concedida às teles para suspender o seu pagamento foi derrubada.
6
CHAMADA PÚBLICA SAV/MINC/FSA Nº 03, DE 30 DE SETEMBRO DE 2014 (Longa BO) e CHAMADA
PÚBLICA SAV/MINC/FSA Nº 04, DE 30 DE SETEMBRO DE 2014 (Longa DOC).
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As seleções públicas têm sua base legal na Lei nº 8.666/1993, que institui normas para
licitações e contratos da Administração Pública. Em seu artigo 4, § 4º, a referida lei define:
concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho téc-
nico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores,
conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima
de 45 dias.
O Ministério da Cultura lançou, em 2009, a Portaria nº 29, que dispõe sobre a elaboração
e gestão de editais de seleção pública para apoio a projetos culturais e para concessão de prêmios
a iniciativas culturais no âmbito do Ministério da Cultura. Em seu artigo 1º, a Portaria 29 define:
os editais de seleção pública para APOIO a projetos culturais e para concessão de PRÊMIOS a
iniciativas culturais, no âmbito do Ministério da Cultura, observarão o disposto nesta Portaria,
sem prejuízo das demais determinações legais.
Desta forma, divide-se em duas modalidades a forma de incentivar projetos culturais
audiovisuais por meio de editais:
APOIO: incentivo ao desenvolvimento, à produção de uma obra/produ-
to audiovisual. O que se tem é a ideia e o Ministério da Cultura aposta
naquela ideia e acompanha o seu desenvolvimento. O pagamento é feito
em parcelas. Não há cobrança de imposto sobre o valor.
PRÊMIO: reconhecimento do valor artístico de uma obra/produto pron-
to. O pagamento é realizado em apenas uma parcela. Há cobrança de
imposto sobre o valor.
Todo ato de premiar/apoiar um determinado elo da cadeia audiovisual implica em um
exercício institucionalizado para desenvolver o setor no país, sendo um componente fundamen-
tal de defesa da produção intelectual de cinema e audiovisual.
Entre 1997 e 2011, a Secretaria lançou 55 editais, todos de ampla concorrência, sem seg-
mentação de qualquer natureza (gênero, raça/cor). Em 2012, foi a primeira vez que a SAv lançou
um edital afirmativo – o Edital de Apoio para Curta-Metragem – Curta-Afirmativo: Protagonis-
mo da Juventude Negra na Produção Audiovisual, realizado em parceria com a Secretaria de
Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República (SEPPIR/PR). O Curta-Afirmativo sofreu embargos legais, mas saiu
vitorioso. Em 2014 a SAv lançou a segunda edição do processo seletivo. Em 2013, é lançado o
Edital Carmen Santos.
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para as Mulheres (SPM), e teve por objeto o apoio a obras audiovisuais cuja titularidade e dire-
ção sejam de mulheres, podendo ser ficção ou documentário, com a possibilidade de utilização
de técnicas de animação, sendo: 10 obras audiovisuais de curta-metragem, de até cinco minutos,
no valer de até R$ 45.000,00, e seis obras audiovisuais de média-metragem, de 26 minutos, no
valer de até R$ 90.000,00.
A escolha do nome do edital se deu em homenagem e para trazer à tona uma mulher tão
importante para o cinema brasileiro e que, como muitas outras, passam despercebidas pela histó-
ria oficial. Carmen Santos (1904-1952) nasceu em Portugal e viveu no Rio de Janeiro desde 1912.
Estreou como atriz em 1919, no filme “Uruatu”, dirigido pelo norte-americano William Jansen.
Contudo, ela não se ajustaria aos limites do papel de musa sedutora:
assumiu as rédeas de sua carreira e engajou-se incansavelmente na cons-
trução de uma cinematografia nacional. Atuou diretamente na realização
de seus filmes, escolhendo projetos, contratando diretores, produzindo,
estrelando e dirigindo filmes e companhias. No percurso iniciado com
Urutau (1919), de William Jansen, seguiu-se a realização de mais sete
longa-metragens: Sangue mineiro (1929), de Humberto Mauro; Limite
(1930), de Mário Peixoto; Onde a terra acaba (1933), de Otávio Ga-
bus Mendes; mais três de Humberto Mauro - Favela dos meus amores
(1935), Cidade mulher (1936), Argila (1942) -, e Inconfidência Mineira
(1948), estrelado e dirigido por ela (PESSOA, 20027).
O Edital traz dois pontos de incentivo ao cinema de mulheres: fomento ao protagonismo
feminino na cadeia produtiva do audiovisual e estímulo à produção de obras audiovisuais que
tratem de questões diversas sobre as mulheres. Assim, o edital tem como intuito construir uma
política pública de mulheres e da cultura audiovisual de maneira transversal e estruturante, fir-
mando-se como uma ação afirmativa de e sobre mulheres. “As obras audiovisuais deverão ser
inscritas por pessoas físicas, mulheres, brasileiras natas ou naturalizadas, que se apresentem
obrigatoriamente como diretoras, sendo facultativo o acúmulo de outras funções”.
A questão da especificação da temática no edital foi elabora em parceria com a SPM e
tem como base o Plano Nacional de Políticas para Mulheres. O PNPM 2013-2015 cita políticas
audiovisuais três vezes. Na Linha de ação 8.5. é definido: “promoção do acesso das mulhe-
res aos meios de produção cultural, às mídias e a programas de estímulo à produção cultural”
(PNPM) e, mais especificamente, no item 8.5.6., é apontado como ação prioritária:
Estimular a produção, difusão e distribuição de material audiovisual, li-
vros, materiais educativos/informativos e outras produções culturais que
abordem a presença das mulheres na história e na cultura, considerando
as dimensões étnicas, raciais, de orientação sexual, de identidade de gê-
nero, geracionais e das mulheres com deficiência (PNPM) (Grifo nosso).
7
Texto para o programa “Carmen Santos”, Homenagem à atriz, produtora e diretora Maria do Carmo Santos
Gonçalves (Carmen Santos) por ocasião dos cinquenta anos do seu falecimento. Centro Cultural São Paulo, de 10
a 15.12.2002. A autora é Ana Pessoa que também escreveu o livro Carmen Santos e o cinema dos anos 20.
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O Plano define como objetivo para a área cultural a valorização das iniciativas e da pro-
dução cultural das mulheres e sobre as mulheres.
A temática foi questionada por cineastas que consideraram que essa não deveria ser
tratada no edital. Como política pública conjunta da SAv/MinC e da SPM, nesta primeira ação
direta para o cinema de mulheres, porém, foi importante manter o duplo fortalecimento, inclu-
sive como análise de demanda de cineastas e de temas a serem tratados.
A temática deve abordar de forma criativa e inovadora a construção
da igualdade entre mulheres e homens, os direitos da mulher e de sua
cidadania. Os conteúdos devem levar em conta a diversidade das mu-
lheres nos meios urbano e rural (campo/floresta, indígenas, negras e
povos tradicionais).
Em relação ao campo “Detalhe a participação de cada profissional feminina no projeto,
no desempenho das seguintes funções: produção, roteiro, direção de fotografia, direção de arte,
direção de som e montagem. Será necessário a comprovação de cada profissional feminina por
meio do Anexo 3”, está em conformidade com o subitem 5.12 do edital:
Para promoção da participação feminina, será acrescido 0,5 (meio) pon-
to à pontuação final aos projetos por cada integrante da equipe do sexo
feminino no desempenho das seguintes funções: produção, roteiro, dire-
ção de fotografia, direção de arte, direção de som, montagem.
Outro ponto diferencial do edital é que a comissão de seleção foi toda composta por mu-
lheres. O que indica a preocupação da SAv e da SPM na construção de avaliações que fortaleçam
o protagonismo e a proximidade do local de fala. Assim, a avaliação das ideias de roteiros por mu-
lheres cineastas e da área audiovisual complementa o duplo fortalecimento proposto pelo edital.
Paralelamente, mas compartilhamos com a mesma política, a Fundação Nacional de Ar-
tes (Funarte) lançou o Edital Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais. No edital da Funarte,
foram selecionado 10 projetos, com o prêmio de R$ 70 mil. Em 2014, a Fundação repetiu o mo-
delo do edital, lançando o Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais – 2ª edição, também com
a seleção de 10 projetos inscritos por proponentes mulheres, no mesmo valor da edição anterior.
O Edital Carmen Santos de Cinema de Mulheres 2013 foi publicado no dia 02 de julho
de 2013, com inscrições abertas no mesmo dia, com encerramento previsto para o dia 19 de
agosto. No dia 09 de agosto, a Secretaria do Audiovisual, com o intuito de atender todas as inte-
ressadas no Edital, publicou portaria prorrogando o prazo de inscrições até o dia 02 de setembro.
Dessa forma, o Edital ficou com inscrições abertas por 61 dias.
O Edital recebeu 417 propostas inscritas. Segue tabela com o número de inscrições por
Estado:
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INSCRITOS
Estado Qtd
Alagoas 2
Amapá 2
Amazonas 5
Bahia 19
Ceará 12
Distrito Federal 26
Espírito Santo 5
Goiás 9
Maranhão 1
Mato Grosso 4
Mato Grosso do Sul 2
Minas Gerais 35
Pará 4
Paraíba 2
Paraná 21
Pernambuco 7
Rio de Janeiro 76
Rio Grande do Norte 3
Rio Grande do Sul 22
Santa Catarina 17
São Paulo 139
Sergipe 4
Total 417
Neste edital, no qual 16 propostas foram contempladas, São Paulo configura-se como o
estado que mais teve propostas selecionadas, com nove projetos contemplados, seguido do Rio
de Janeiro com três:
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Tabela dos selecionados, em ordem decrescente, do edital Carmen Santos, por Unidades da Federação
Estados com mais Nenhum
1 a 3 selecionados
selecionados selecionado
SP 9 RJ 3 RO 0
MG 2 AC 0
AM 1 RR 0
RS 1 PA 0
AP 0
TO 0
MA 0
PI 0
CE 0
RN 0
PB 0
PE 0
AL 0
SE 0
BA 0
ES 0
PR 0
SC 0
MS 0
MT 0
GO 0
DF 0
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Título da Temática
Diretora UF Tipo/Gênero Sinopse
obra central
CURTAS-METRAGENS
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Celeste, ao chegar em
casa e fazer uma sopa,
se depara com uma
situação de tensão que
Violência contra
Na minha exige uma escolha, uma
Mirela Kruel RS Ficção a mulher e apoio
sopa não ação. O filme provoca
entre mulheres.
uma reflexão sobre a
máxima de que em briga
de marido e mulher não
se mete a colher.
Um curta sobre a pros-
tituição, violência e
exploração femininas,
desencadeadas pelo
advento da Zona Franca
de Manaus, que motivou
a migração especial-
mente de meninas do
interior do Estado do
Amazonas, atraídas pelo
sonho de uma vida me-
lhor na capital. O roteiro
é baseado em um poema
da jornalista Regina Violência contra a
Os anseios Melo, que traduziu de mulher e precon-
Regina Lúcia AM Ficção
das cunhãs forma lírica a relação ceito em relação à
dessas mulheres com o prostituição.
ambiente da capital. O
filme tenta traduzir o
comportamento dessas
mulheres que, em busca
de sobrevivência, opor-
tunidade e trabalho, aca-
bam recorrendo à pros-
tituição como opção de
sustentação financeira e
de liberdade, tendo que
suportar a intolerância,
o preconceito e a violên-
cia da exclusão social.
1255
VII Seminário Internacional
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A partir de acervo de
imagens fotográficas
de 1840 a 1960, o filme
traça a história da mu-
lher e seu papel social
na família brasileira. A
construção da
Família igualdade entre mulhe-
Brasileira: res e homens vai sendo Trajetória de con-
Patrícia
Retratos percebida numa trajetó- quistas das mu-
Monte-Mór A. RJ Documentário
da mulher ria de longa duração e lheres ao longo
de Morais
1840 – subjetividade. A mulher da história.
1960* retratada deixa-nos en-
trever papéis sociais,
temas privilegiados,
posições corporais, se-
xualidade, afetividade,
relações sociais, apon-
tando para novos rumos
de sua cidadania.
Vó Ita certa vez percebe
que sua neta enfrenta
problemas de preconcei-
to na escola que mexem
Thallita com a sua autoestima.
Oshiro Ficção, com Ela usa sua sensibilida- Racismo e em-
Fábula de
Meireles SP técnicas de ani- de e experiência para, poderamento da
vó Ita
E mação através da magia da fá- mulher da negra.
Joyce Prado bula, mostrar para a me-
nina que não há nada de
errado em ser diferente
e que existem infinitas
formas de beleza.
Uma atriz iniciante
interpreta Amélia. Anos
se passam, sua carreira
vai se consolidando
e passando por várias
personagens, cada papel Estereótipos de
Ludmilla mostra um novo mo- gênero e Empo-
Papéis de
Rossi de SP Ficção mento da trajetória da deramento da
Adélia
Oliveira mulher na sociedade. mulher ao longo
Décadas depois, ela é da história.
convidada a atuar nova-
mente em Amélia, mas
agora os tempos são
outros e a história está
bem diferente.
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MÉDIAS-METRAGENS
Ambientado em uma
escola pública de edu-
cação infantil da cidade
de São Paulo, o filme
acompanha crianças de
5 a 6 anos de uma mes-
ma sala de aula em
brincadeiras direciona-
De menino, Angélica Estereótipos de
SP Documentário das para provocar sua
de menina Valente gênero.
imaginação sobre os
papéis tradicionalmente
vinculados a meninos e
meninas. Uma reflexão
sobre a construção
precoce da desigualdade
entre homens
e mulheres.
1257
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Documentário sobre os
movimentos feministas
do século XXI, acompa-
nhando todas as etapas
da Marcha das Vadias
e da Marcha Mundial
das Mulheres, grupos de
manifestantes que lutam
pela liberdade e pelo
respeito às mulheres. O
documentário investiga Movimentos
Corpo
Carol Araújo SP Documentário o que motiva os movi- e marchas
Manifesto
mentos feministas nos feministas.
dias de hoje, quem são
e o que reivindicam as
mulheres que saem às
ruas para protestar, qual
a importância do movi-
mento, quais devem ser
suas conquistas nos pró-
ximos anos e qual o le-
gado que deixarão para
as próximas gerações.
* A proponente do curta-metragem Família Brasileira pediu prorrogação de prazo
e ainda não entregou o material final.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O setor audiovisual reflete o cenário no qual a nossa sociedade ainda vive – de desigual-
dades – de gênero e de região. Neste artigo relatamos uma ação pontual, porém, inovadora na
política pública audiovisual. Ação esta que contempla o cinema de mulheres de uma forma pro-
funda – com a exigência de diretoras mulheres, com a temática sobre mulheres, com pontuação
extra para equipe técnica feminina e com uma comissão de seleção 100% de mulheres.
Mesmo com a determinação de temáticas sobre mulheres – o que foi inclusive alvo de
críticas – os assuntos e formas de tratar os temas foram variados. As temáticas falam sobre
violência, empoderamento, questões estereotipadas de gênero, sexualidade, funções sociais e
políticas das mulheres, entre outras. Podemos identificar dramas, comédias, ficções, documen-
tários, animações – trazendo à tona, inclusive, o questionamento sobre o que seria um “cinema
de mulheres”. Algo que, apostamos, deve fugir de estereótipos de definições estabelecidas.
Para possíveis futuras edições do Edital seria interessante debater com cineastas brasilei-
ras a questão da definição da temática, mas, acreditamos, que para a primeira chamada pública
a colocação do assunto – de forma ampla – no instrumento convocatório foi fundamental. Neste
momento, ainda não avançamos no debate do que seria este “Cinema de Mulheres” – subtítulo
1259
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do nosso edital e movimento que queremos aprofundar e disseminar8. Mas acreditamos que este
seja um importante questionamento.
No arranjo governamental do audiovisual, é a Secretaria do Audiovisual do Ministério
da Cultura que assume o papel dessa política afirmativa – também contemplada nos editais de
curta, média e longas afirmativos para cineastas negro.
O impacto quantitativo da produção de 16 obras de curta e média-metragem ainda é pe-
queno mas a mudança é simbólica e estruturante, já que teve o intuito de dar protagonismo a mu-
lheres cineastas e reforçar uma qualificação técnica de equipes de mulheres no setor audiovisual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
8
Em março ocorrerá a Mostra Edital Carmen Santos Cinema de Mulheres e Filmes Convidados, parceria
entre a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e o Centro Cultura Banco do Brasil
(CCBB), em Brasília.
1260
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1
Doutoranda em História do Tempo Presente na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Pesquisa-
dora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros – NEAB/UDESC e ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores
Negros. Analista Técnica em Cultura na Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte/SC. lisamacedo@
gmail.com
2
Mestre em Educação na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Graduando em Música pela Univer-
sidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Técnico em Assuntos Educacionais na Secretaria de Cultura da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. hilton.fernando@ufsc.br
1261
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As políticas formuladas pelo Estado ao longo do século XX (ou mais especificamente até
o período de abertura política, entre as décadas de 1970 e 1980), priorizou a criação de serviços
direcionados ao fomento das áreas da música, patrimônio cultural, artes visuais e fortalecimento
e criação de equipamentos culturais. Porém houve pouca atuação do movimento negro, em arti-
culação com o Estado, na elaboração de diretrizes e ações que favorecessem as práticas culturais
afro-brasileiras (SANTOS 2005). Na década de 1980, com o processo de redemocratização do
país, a atuação e aproximação de instituições do movimento negro com o Estado permitiram
a criação e implementação de políticas que permitissem uma espécie de ‘reparação de dívida
histórica’ com grupos sociais marginalizados. Nesse período algumas ações de valorização da
cultura afro-brasileira foram realizadas em diversos aspectos, inclusive com a criação da Fun-
dação Cultural Palmares, em 1988, que tem por finalidade promover a preservação dos valores
culturais, sociais e econômicos a partir da influência das culturas de matriz africana no desen-
volvimento da sociedade brasileira Mas ainda faltava mecanismos que possibilitassem maior
contato da sociedade civil com o governo. E este deveria se estabelecer através de instrumentos
de controle, de deliberação e articulação das políticas para a cultura afro-brasileira, como os
conselhos, por exemplo.
No âmbito federal, o Conselho Nacional de Politica Cultural teve sua última reestrutu-
ração realizada em 2005, na gestão do governo Lula, porém somente no final de 2012 - e ainda
com muitas dificuldades de articulação regional - constituiu-se e elegeu-se o primeiro Setorial
de Culturas Afro-Brasileiras do CNPC composto por 25 representantes de todas as regiões ad-
ministrativas do Brasil. A criação deste conselho ampara-se por um dos principais marcos legais
existentes para promoção, fruição e salvaguarda da cultura afro-brasileira, a Constituição da
República Federativa Brasileira de 1988, que tem como um de seus Princípios Fundamentais
(no inciso IV do artigo 3º) “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”.
Dentre os marcos regulatórios fundamentais para a valorização da cultura afro-brasileira,
instituídos nas últimas décadas encontramos o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288, de 20 de
julho de 2010) – importante legislação que embasa as políticas afirmativas, e a Lei 10.639/2003
(modificada pela Lei nº 11.645/2008), que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obriga-
toriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Também temos o Decreto
Federal 6040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, criado pela Convenção sobre a proteção e promoção da Diversidade
das Expressões Culturais da UNESCO. Houve uma alteração no teor destas prerrogativas no
Brasil, realizadas por meio do Decreto Legislativo 485//2006, da Convenção nº 169 sobre povos
indígenas e tribais assim como a Resolução referente à ação da Organização Internacional do
Trabalho; Também foi desenvolvido o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentá-
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vel dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana coordenado pela SEPPIR/PR e
que agrega diversas instituições como os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, Meio Ambiente, Saúde, Educação, Cultura, Planejamento, Orçamento e Gestão, Secre-
taria de Direitos Humanos da Presidência da República, Fundação Cultural Palmares, Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-
cuária (Embrapa)3.
Ainda assim, percebemos nesse processo tão recente, que um dos maiores fatores que
geram as dificuldades em implementar politicas publicas para cultura afro-brasileira é o racismo.
De um modo mais amplo, podemos dizer que é a dificuldade que engendram os processos de va-
lorização da cultura afro-diaspórica, que convive com a luta pelo deslocamento das disposições
de poder em prol de uma hegemonia cultural, que até pouco tempo atrás eram travadas pelos
conceitos de cultura popular e cultura erudita, que hoje se tornam muito mais complexas, pois os
processos de legitimação identitária dos sujeitos já não se fazem mais por simples oposições bi-
nárias (centro x periferia; erudito x popular, etc.), pois os negros da diáspora também sofrem as
influências de outras perspectivas relacionadas a gênero, sexualidade, ações político-partidárias
e nacionalidade, entre outros (HALL, 2013). Mas ainda assim, a questão da diferença ainda é o
mote das questões que envolvem racismo, assim com outras práticas discriminatórias. Pode-se
dizer que a cultura negra na diáspora se utiliza de estratégias de poder marcadas pela diferença,
como forma de promover o deslocamento das disposições de poder e também permitindo a va-
lorização cultural a partir das perspectivas da negritude. Na definição de Kabengele Munanga,
“Negritude e/ou identidade negra se referem à história comum que liga
de uma maneira ou de outra todos os grupos humanas que o olhar do
mundo ocidental “branco” reuniu sob o nome de negros. (...) na realida-
de, o que esses grupos humanos têm fundamentalmente em comum não
como parece indicar, o termo Negritude à cor da pele, mas sim o fato de
terem sido na história vítimas das piores tentativas de desumanização e
de terem sido suas culturas não apenas objeto de políticas sistemáticas
de destruição, mas, mais do que isso, de ter sido simplesmente negada a
existência dessas culturas.” (MUNANGA, 2012, p. 20).
Por isso é inegável a importância do movimento negro como uma das principais instân-
cias de articulação com o poder público e instituições culturais em prol da valorização da cultura
afro-diaspórica. No Brasil, esse movimento pode ser percebido em diversas ações, não delegadas
somente por coletivo de entidades negras como MNU e Unegro, mas também pela militância e
articulação política engajada por intelectuais de formação política e acadêmica e personalidades
negras (PEREIRA, 2008), assim como líderes e grupos religiosos de matriz africana e entidades
3
Informações extraídas do Plano Setorial para Culturas Afro-brasileiras, formulado pelo Colegiado Setorial de
Culturas Afro-brasileiras CNPC/Minc e Fundação Cultural Palmares/Minc - 2014. Documento disponível em
http://www.portalafricas.com.br
1263
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artístico-culturais. Diria, então, que essas articulações políticas são manifestações que se tornam
formas de expressão nascidas do intercruzamento de várias experiências apreendidas em lugares
diferentes (CARDOSO, 2012, p. 23).
Também há a questão da apropriação cultural, hoje inerente à cultura popular em geral,
e que no caso da cultura popular negra ainda é assunto tratado com cuidado e restrição inclusi-
ve no âmbito acadêmico. Como bem nos lembra Stuart Hall, a cultura popular enquanto forma
dominante da cultura global acaba por se espaço da mercantilização, adentrando os circuitos
do poder e do capital. O controle das narrativas e representações são administradas pelas bu-
rocracias culturais, de tal modo que acabam por se enraizar nas experiências populares, sendo
defendidas em autenticidade e poder de uso, ao mesmo tempo que se tornam disponíveis para
expropriação (HALL, 2013, p. 379). A cultura negra, então, se torna espaço contraditório: ao
mesmo tempo em que buscam a legitimidade, autenticidade e protagonismo em suas manifesta-
ções, precisam dialogar e ocupar o espaço das culturas hegemônicas, seguindo pelos caminhos
da mercantilização e dos usos de sua cultura. É um tema complexo que merece reflexão apro-
fundada, mas por ora não cabe aos propósitos desta comunicação. Porém, é importante lembrar
que as evidências são mais que suficientes para provar a importância da cultura afro-diaspórica
na fundação, sedimentação e difusão da cultura brasileira, oriunda dos povos de comunidades
tradicionais de matriz africana.
Dos povos Yorùbá, Fon e Bantu temos a matriz da cultura negra brasileira. Ainda que
haja convivência com várias culturas no Brasil, os africanos deixaram traços fortes de sua iden-
tidade, percebido, sobretudo pelos modos de ver o mundo que resistem dentro de comunidades
tradicionais, além de se perceber na historiografia, nas tradições, nas artes, técnicas de trabalho
(modos de fazer e saberes), nas expressões e na comunicação, definindo sendo essenciais para
definir uma identidade nacional (LOPES, 2011). O samba e suas vertentes, a capoeira, o jongo,
o batuque de umbigada, a marujada, o maracatu, o carimbo, o frevo, o forró, a folia de reis, a
congada, o marabaixo, o afoxé e tantas outras manifestações (SOUZA, 2007). A ancestralidade,
a relação com a natureza, a oralidade a relação entre gerações, a relação comunitária, a impor-
tância da mulher negra nas comunidades tradicionais de matriz africana são também outros
elementos definidores do que é cultura afro-brasileira.
Ciente de todas essas premissas, o Colegiado Setorial de Cultura Afro-Brasileira do
CNPC/Minc criou as cadeiras de Cultura Quilombola, Capoeira, Hip Hop e Povos Tradicionais
de Matriz Africana no Conselho Nacional de Politicas Culturais, publicada no Diário Oficial da
União com a Recomendação No. 6, de 31 de julho de 2013. Também foram pautados o racismo
em todas as reuniões do Conselho Nacional de Politica Cultural de 2013 e 2014, uma delas com
a presença da então Ilma. Ministra Luiza Bairros da Secretaria de Politicas de Promoção da
Igualdade Racial da Presidência da Republica.
1264
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de Cultura que aconteceram em 2012 e no Fórum Estadual de Cultura, que aconteceu nos dias 24
e 25 de junho de 2013, com a presença de representantes da área cultural de todo o Estado.
No primeiro semestre de 2014, paralela à construção da minuta do Plano Estadual de
Cultura, sua sistematização e encaminhamento para as demais instâncias do poder executivo, a
Comissão iniciou a construção da minuta do Sistema Estadual de Cultura, que seria apresentado
como uma nova minuta, porém dialogando com a minuta do Plano. A minuta foi apresentada
para deliberação do Conselho Estadual de Cultura e também disponibilizada para consulta pú-
blica durante a segunda quinzena de julho de 2014, através do sítio eletrônico da Secretaria de
Estado de Turismo, Cultura e Esporte. Após a Consulta Pública, a minuta do Sistema retornou
para o Conselho, sendo revisada e encaminhada para das demais instâncias do poder executivo.
Atualmente, o Governo do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado de
Turismo, Cultura e Esporte, está apresentando a proposta de uma minuta única, tratada como
Lei Orgânica da Cultura, onde temos o Sistema Estadual de Cultura e seus componentes: Plano
Estadual de Cultura, Conselho Estadual de Cultura e Sistema de Financiamento, entre outras
prerrogativas. Esta versão ainda não foi disponibilizada para consulta pública, mas como servi-
dores estaduais e federais na área da cultura, sabemos que esta minuta somente incorporou as
redações das minutas que tramitavam separadamente, entre elas a do Plano Estadual de Cultura
e do Conselho Estadual de Cultura, dois elementos que merecem nossa atenção pois seriam as
duas instâncias de relevante importância para ter a cultura afro-brasileira representada também
em Santa Catarina.
Na redação do Plano Estadual de Cultura aprovado através de Plenária, com participação
da sociedade civil e representantes do poder público catarinense, não vemos nenhuma menção
específica à cultura afro-brasileira, somente menção às culturas tradicionais.
Já com relação à nova legislação do Conselho Estadual de Cultura, dos representantes
por setorial, a Comissão para Implementação do Sistema Estadual de Cultura apresentou ao
Conselho a minuta em 2014, prevendo uma cadeira específica para cultura afro-brasileira, po-
rém o Conselho, reunido em plenária, decidiu por alterar para uma cadeira que comtemplasse
outras manifestações culturais, optando pelo nome de “Culturas Populares, Identidades e Diver-
sidade”. Como percebemos, a questão da cultura afro-brasileira continua sendo irrelevante para
estes representantes, pois não é tratada como prioridade ou vista como relevante o suficiente
para ter uma cadeira específica na representação do Conselho.
Tendo em vista este cenário da cultura afro-catarinense, no primeiro semestre de 2015
foi pensado no Observatório da Cultura Afro-brasileira em Santa Catarina, coordenado pelo
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – NEAB da Universidade do Estado de Santa Catarina.
Trata-se de uma ação vinculada ao Programa de Extensão Memorial Antonieta de Barros, coor-
denada pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros – NEAB/UDESC tem por objetivo pesquisar,
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capacitação e (re)produção das manifestações culturais, dentre outras ações a ser elencadas de
acordo com as demandas e os direcionamentos preconizados pelas políticas públicas para a cul-
tura afro-brasileira.
São ações voltadas para a visibilidade e valorização das culturas de matriz africana em
Santa Catarina, que sempre estiveram presentes, porém tratadas como “ínfimas” pelas políticas
publicas. Não se trata de acrescentar uma contribuição étnica à cultura catarinense, como se hou-
vesse uma cultura afro-brasileira homogênea e encerrada em capítulos esporádicos (MAMIGO-
NIAN; VIDAL, 2013). A cultura afro-catarinense segue integrada aos costumes e às expressões
culturais no estado, porém a sempre inviabilizadas pelas políticas públicas que valorizam a cultura
de outros grupos e processos imigratórios, fomentando assim práticas de um racismo institucional.
Sendo assim, acreditamos que, dentro das políticas de ações afirmativas, é importante
colocar a cultura como mais um meio de combate ao racismo, a partir da participação dos atores
culturais negros na construção do Plano Setorial de Cultura Afro-brasileira, e com ele adquirir
recursos através de fundo específico, além do apoio à criação de espaços de participação popular
e instâncias de controle e fiscalização, como os conselhos estaduais e municipais, além do for-
talecimento das políticas de cultura considerando as especificidades das manifestações culturais
de matriz africana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIVROS E ARTIGOS
CALABRE, Lia. Políticas Culturais no Brasil: Dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. A luta contra a apatia: Estudo sobre a instituição do movimento
negro antirracista na cidade de são Paulo (1915 – 1931). Itajaí/NEAB: Casa Aberta, 2012.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. LTC, RJ. 1889.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e Mediações Culturais. 2ª Ed. Org.. Liv Sovik. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2013.
LEITES, Marlene Hernandez. A Questão da Raça e da Diferença. Belo Horizonte: Nandyala, 2012.
LOPES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. 3ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
MAMIGONIAN, Beatriz G.; VIDAL, Joseane Z. História diversa: Africanos e Afrodescendentes na Ilha
de Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013.
MOORE, Carlos. A África que incomoda. Sobre a problematização do legado africano no quotidiano
brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala, 2010.
MUNANGA, Kabengele. Negritude: Usos de Sentidos. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
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PEREIRA, Amauri Mendes. Trajetória e Perspectivas do Movimento Negro Brasileiro. Belo Horizonte:
Nandyala. 2008.
SANTOS, Jocélio Teles. O poder da cultura e a cultura do poder. Salvador: EDUFBA. 2005.
SITIOS ELETRÔNICOS:
Conselho Estadual de Cultura - http://conselho.cultura.sc
Fundação Catarinense de Cultura/FCC - http://www.fcc.sc.gov.br
Fundação Cultural Palmares - http://www.palmares.gov.br
Ministério da Cultura - http://www.cultura.gov.br
Plano Estadual de Cultura de Santa Catarina - http://plano.cultura.sc
Portal Áfricas - http://www.portalafricas.com.br
Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte - http://www.sol.sc.gov.br
União de Negros pela Igualdade/Unegro - http://www.unegro.org.br/
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Vivemos no Brasil, desde 2003, um amplo e ao mesmo tempo descontínuo debate nos
segmentos culturais e artísticos sobre a necessidade de políticas públicas específicas para cada
área e de representatividade nas instâncias consultivas do poder público que definem e plani-
ficam essas políticas. A gestão de Gilberto Gil (2003-2008) no Ministério da Cultura (MinC),
continuada por Juca Ferreira (2008-2010), mudou o panorama das políticas culturais no país ao
promover uma política pública baseada no diálogo com a sociedade.
O Estado produtor dá lugar ao Estado articulador de políticas, programas e projetos com
caráter mais estruturante, que estimulam uma maior participação e consideram não apenas a ca-
deia produtiva da cultura como toda a sua diversidade. A política cultural do governo federal tem
a pretensão de tornar-se sistêmica e articulada através do Sistema Nacional de Cultura, o qual
propõe a cooperação e atribuição de competências entre os entes federados na sua elaboração e
1
Doutora em Artes Cênicas / PPG Dança - UFBA. Coordenadora do projeto Mapeamento da Dança. luciama-
tos2@gmail.com
2
Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas / PPG Pós-Cultura - UFBA. Vice-Coordenadora do projeto
Mapeamento da Dança. gica.cultura@gmail.com
1270
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execução. Nesse contexto, estados e municípios passam também a se posicionarem de forma di-
ferenciada no que se refere às políticas culturais estaduais e municipais, influenciados, sobretudo,
pelo exemplo nacional.
Uma das mais importantes mudanças ocorridas nas políticas culturais foi o MinC ter ado-
tado uma compreensão mais ampla de cultura, a partir de três visões: simbólica, cidadã e econô-
mica. Como ressalta Isaura Botelho (2007), o fato de o MinC adotar esse conceito mais amplo
teria a vantagem de possibilitar que as instituições a ele vinculadas pudessem conduzir e se de-
dicar mais as políticas específicas. Um dos principais meios a serem utilizados para isso são as
Câmaras Setoriais correspondentes às diversas expressões artísticas, que mobilizam cada setor.
Isso porque essas câmaras têm como objetivo promover um amplo processo de discussão sobre
políticas e planos, estabelecer prioridades e possibilitar “um processo de diálogo contínuo para a
construção e avaliação de políticas públicas a serem conduzidas pela instituição responsável pelas
artes no âmbito do Ministério, que é a Fundação Nacional de Artes” (BOTELHO, 2007, p.130).
Em 2004, com a elaboração da proposta do Sistema Nacional de Cultura foram instaura-
das as Câmaras Setoriais3, dentre elas a de Dança, como um espaço de participação da sociedade
civil, as quais foram formadas por representantes da área eleitos pelos seus pares, especialistas
convidados e representantes governamentais. A partir desse ano, a Câmara Setorial de Dança
inicia um diagnóstico da área, de forma empírica, a partir das experiências de seus membros e
de informações obtidas nos fóruns da classe, indicando a necessidade de levantamento de dados
do setor e propondo diretrizes e ações para a área. Esse trabalho culminou com a estruturação
da versão preliminar do Plano Setorial da Dança (PSD), em 2009, o qual foi referendado na
Pré-Conferência Setorial de Dança4, em 2010, e cuja versão final foi concluída posteriormente
pelo Colegiado.
O PSD apresenta diretrizes e ações para a cadeia produtiva da dança em consonância
com os eixos do Plano Nacional de Cultura (2009). No eixo IV (Ampliar a participação da cul-
tura no desenvolvimento econômico sustentável), em sua segunda diretriz, apresenta a seguinte
proposta: “realização de mapeamento da área da dança, de forma a identificar, estatisticamente,
os diversos elos da cadeia produtiva, com estabelecimento de mecanismos para obtenção de
dados sobre a economia da dança e seus reflexos na economia da cultura” (PND, 2010, p.10).
Para essa proposta, faz-se necessário, entretanto, articular experiências anteriores com as neces-
sidades atuais de uma pesquisa de mapeamento.
Pioneiras pesquisas de levantamento realizadas na área da dança (Rede Stagium/SESC,
2001; Cartografia Rumos Itaú Cultural Dança, 2000-2001; Cadastro de Dança FUNARTE,
3
As Câmaras Setoriais foram transformadas em Colegiados, em 2008, e passaram a fazer parte do Conselho Na-
cional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (MinC), o qual também foi reformulado.
4
As Pré-conferências foram realizadas pelo MinC, em 2010, como etapa preliminar da IIª Conferência Nacional
de Cultura (CNC).
1271
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2009), em sua maioria originadas na iniciativa privada, tiveram como foco o cadastramento
dos agentes culturais e instituições atuantes, como coreógrafos, companhias e escolas. Essas
pesquisas trouxeram uma importante contribuição para a identificação dos agentes culturais da
área, mas não tiveram como meta a coleta de dados que gerassem o levantamento de aspectos
econômicos e sociais.
Por outro lado, os primeiros indicadores da área cultural no âmbito governamental foram
levantados através da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) (IBGE; MINC,
2006), cuja coleta de dados foi feita a partir de três focos: Fortalecimento Institucional e Gestão
Democrática; Infra-Estrutura e Recursos Humanos; e Ações Culturais. Os dados coletados no
MUNIC 2006 foram compilados e organizados pelo Ministério da Cultura, por área artística e
cultural, no documento “Cultura em Números: anuário de estatísticas culturais” (MINC, 2009).
Os resultados foram reveladores para a dança, pois apresentaram informações inéditas para a
área, como: 56,1% dos municípios brasileiros possuem grupos artísticos de dança, sendo essa
a segunda manifestação artístico-cultural mais disseminada no Brasil, ficando atrás apenas do
artesanato; dos 3.123 grupos de dança existentes no Brasil, o Nordeste possui a maior concen-
tração, com 1.026 grupos; 35,5% dos municípios brasileiros revelaram terem festivais de Dança,
sendo que o Estado de Santa Catarina é o que apresenta a maior concentração de municípios
que possuem festivais (60,75%), seguido do Acre e Amapá; 34,8% dos municípios brasileiros
possuem concursos de dança e os estados que possuem um maior percentual de municípios com
essa atividade são Roraima (66,67%), Acre (63,64%) e Amazonas (58,06%); 30,80% dos mu-
nicípios brasileiros declaram possuírem escolas, cursos ou oficinas de dança, com os maiores
percentuais na região Sudeste e Sul.
Através desses dados nota-se que a dança se faz fortemente presente no cenário cultural
brasileiro, mas essas informações são insuficientes para uma análise mais profunda da área, que
desvele as diferentes configurações e modos de organização da dança. É nesse contexto então,
de profundas mudanças nas políticas culturais brasileiras, de maior participação social e da
necessidade de dados e indicadores que balizem e contribuam com essas políticas que surge a
proposta de realização de um mapeamento nacional da dança.
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bem como “propor e acompanhar estudos que permitam identificação e diagnósticos precisos da
cadeia produtiva, criativa e mediadora relacionada ao setor”.
Em 2010 esse Colegiado definiu como ação prioritária, dentre as diretrizes presentes no
Plano Setorial da Dança, a realização de um mapeamento nacional da dança. Nesse mesmo ano,
a reivindicação do Colegiado para a realização do mapeamento foi aprovada pelo Comitê de
Circo, Dança e Teatro do Fundo Nacional de Cultura (FUNARTE/MinC); entretanto, essa ação
não pode ser contemplada no orçamento de 2011.
Mediante interesse da FUNARTE, no início de 2012 foi encaminhado novamente o pro-
jeto de pesquisa “Mapeamento da dança nas capitais brasileiras e no Distrito Federal”5, para ser
realizado via convênio de cooperação técnica com a UFBA e, principalmente por ter sido um
período de finalização de mandato, o termo de cooperação novamente não foi efetivado.
Em reunião realizada no Dia Internacional da Dança, 29 de abril de 2014, com a então
Ministra Marta Suplicy, os representantes do Colegiado Setorial de Dança trouxeram à tona
mais uma vez a questão do mapeamento e a Ministra assumiu publicamente compromisso com
a destinação de recursos para efetivação da primeira etapa desse mapeamento. Diante desse
cenário, o Colegiado Setorial de Dança do CNPC solicitou à UFBA a retomada do projeto e do
termo de cooperação técnica.
Através de articulação do Grupo de Pesquisa PROCEDA – Processos Corporeográfi-
cos e Educacionais em Dança, vinculado a Escola de Dança da UFBA, foi então reestruturado
o projeto, sendo definida para a 1ª etapa a investigação de oito capitais, em cinco regiões do
Brasil: SUL (Curitiba), SUDESTE (São Paulo e Rio de Janeiro), CENTRO-OESTE (Goiânia),
NORDESTE (Salvador, Recife e Fortaleza) e NORTE (Belém). Para tanto, foi formada uma
rede nacional de pesquisadores pertencentes às seguintes universidades, além da UFBA: UNES-
PAR Campus Curitiba II, UNESP, UFRJ, UFPE, UFC, UFPA, UFG, IFG e UPE. Estiveram
envolvidos nessa etapa do Mapeamento 22 pesquisadores, um técnico e 35 alunos de graduação,
oriundos de dez universidades públicas.
Ao se objetivar um diagnóstico preliminar da área da dança, mais especificamente quanto
aos campos da formação e da produção artística, através de uma pesquisa de levantamento, seus
potenciais resultados são parte significativa do contexto observado e operacionalizam conceitos
cujo interesse pode ser tanto teórico, quanto programático. Nessa ótica, as informações coleta-
das, referenciadas empiricamente, são importantes aspectos metodológicos que informam não
5
Em 2011, esse projeto foi readequado para ser aplicado como um piloto na pesquisa “Mapeamento dos Campos
Artístico e Formação em Dança em dois Municípios da Região Metropolitana de Salvador (RMS): Lauro de Frei-
tas e Camaçari”, financiada pela FAPESB/CNPQ. Foi nessa oportunidade que o questionário quanti-qualilitativo
foi elaborado por Lúcia Matos e Teresa Oliveira (2012), tendo sido o mesmo adaptado em 2015 para a pesquisa
“Mapeamento da Dança nas Capitais Brasileiras e no Distrito Federal – 1ª etapa: oito capitais, em cinco regiões do
Brasil” (cooperação FUNARTE/UFBA) pelas pesquisadoras Lúcia Matos, Gisele Nussbaumer, Daniela Amoroso e
Cláudia Malbouisson.
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só sobre a realidade social como também apontam seus impactos e possibilidades de mudanças.
São informações que possibilitam um importante diagnóstico nacional do campo da dança, que
podem servir de embasamento para as políticas setoriais da área.
Os objetivos da 1ª etapa da pesquisa “Mapeamento da dança nas capitais brasileiras e no
Distrito Federal” são amplos, uma vez que se pretende: mapear, via um levantamento de dados
secundários e posterior cadastramento on-line, indivíduos, instituições e grupos, companhias e
coletivos de dança atuantes nas oito capitais brasileiras selecionadas; levantar, analisar e des-
crever quali-quantitativamente aspectos das dimensões social, econômica e artística da dança,
a partir da análise de três tipologias de questionário (indivíduos, instituições e grupos, compa-
nhias e coletivos); publicizar um banco de dados descritivo do perfil de atuação dos agentes da
dança atuantes nas oito capitais, que permitirem a divulgação de seus dados básicos; apresentar
um relatório analítico dessa primeira etapa, incluindo uma triangulação dos dados encontrados
com o Plano Setorial da Dança, com vistas a avaliar a abrangência de suas diretrizes e ações.
Vale ressaltar que o “Mapeamento da dança nas capitais brasileiras e no Distrito Federal”
não se configura como um censo, já que este tipo de pesquisa prevê que toda a população seja
pesquisada. Por não haver uma população pré-definida da dança, a pesquisa caracteriza-se como
de levantamento, atingindo uma ampla e diversificada amostra daqueles que se auto-identificam
como agentes da dança. Ao aderirem à segunda fase da pesquisa, via o questionário on-line,
autorespondente e anônimo, esses agentes contribuem com o levantamento de aspectos relacio-
nados à formação e produção artística da dança, com dados que abrangem a dimensão social,
econômica e artística dos respondentes. Ainda no que se refere aos aspectos metodológicos esta
é uma pesquisa de método misto (CRESWELL, 2007), com a convergência de dados quantita-
tivos e qualitativos.
Nesta primeira etapa6, inicialmente foi realizado um levantamento de dados secundários,
a partir de dados existentes em diversas fontes ou banco de dados sobre indivíduos, instituições
e grupos, companhias ou coletivos de dança, de cada capital investigada. Em seguida, foi efe-
tivada a pesquisa de campo, considerando como unidades de investigação os agentes da dança
que atuassem há pelo menos dois anos na área, em uma das oito capitais investigadas, identifi-
cando indivíduos, grupos e instituições.
Por se tratar de uma pesquisa em rede, com o uso de procedimentos e metodologias de-
finidas pela coordenação nacional, foram realizadas no período anterior à pesquisa de campo,
reuniões virtuais e presenciais com os pesquisadores e estudantes de cada Núcleo, visando a
compreensão dos aspectos teóricos-metodológicos da pesquisa e o treinamento para uso dos
instrumentos de investigação.
6
O termo de Cooperação Técnica FUNARTE/MINC e UFBA abrange apenas a primeira etapa.
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No período de maio a agosto de 2015, foi realizada a pesquisa de campo, via envio de
e-mails aos potenciais participantes visando o preenchimento de dados cadastrais, e o envio de
um segundo e-mail da pesquisa com um link para o(s) questionário(s) on-line. Vale ressaltar
que além das ações por e-mail e redes sociais, foram realizadas ações presenciais, denominadas
plantões, visando identificar locais de menor acesso a essas redes comunicacionais e/ou locais
com grande aglomeração de agentes da dança. Além disso, a coordenação nacional realizou
palestras abertas ao público, em cada capital mapeada, visando apresentar e esclarecer dúvidas
sobre o projeto.
O cadastro foi efetivado pelo site www.mapeamentonacionaldadanca.com.br, incluindo
dados de identificação e descritivo da área de atuação do respondente. Os questionários foram
organizados em três tipologias (indivíduos; grupos, companhias ou coletivos; instituições) e in-
seridos no sistema Lime Survey, um software livre que possibilita a construção de questionários
on-line. A organização dos questionários inclui de sete a oito blocos e, no caso do questionário
de indivíduos, está assim organizado: 1. Adesão à pesquisa, no qual é verificada a pertinência
do respondente ao perfil da pesquisa, a idade mínima de 16 anos e dado o de acordo ao Termo
de Consentimento; 2. Perfil do respondente; 3. Perfil profissional; 4. Vinculação profissional; 5.
Formação em dança; 6. Produção artística; 7. Políticas públicas e participação social; 8. Gestão
da comunicação e informação.
Após a coleta dos dados primários foi realizada a categorização dos dados qualitativos,
a análise dos dados quantitativos e a geração de frequências e tabelas, tarefa executada pela
equipe da coordenação nacional7. Neste momento, encontram-se em processo de finalização os
textos analíticos, visando a publicação dos resultados da pesquisa.
7
Fizeram parte da equipe da coordenação nacional, nessa etapa, as pesquisadoras Lúcia Matos, Gisele Nuss-
baumer, Cláudia M. Andrade, Daniela Amoroso e Verônica Ferreira, bem como os estudantes Fernanda Andrade,
William Gomes, Ingrid Melo e Pierre Malbouisson.
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1200 1047
1000
792 745
800 637 682
543 516
600 426 403 363
400 328 281 310 312
227 223
200
0
o
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RESUMO: Este artigo tem como objetivo fazer uma análise da bibliografia produzida sobre
economia criativa e sub-temas correlatos, identificando as principais temáticas pesquisadas
e as metodologias de pesquisa e de investigação utilizadas. Para isso foi feita uma pesquisa
bibliográfica detalhada a partir do portal de periódicos da CAPES priorizando periódicos com
alto fator de impacto. Como resultado, constata-se uma predominância de estudos voltados
para a construção e compreensão de bases conceituais associadas a economia criativa,
cidades criativas, desenvolvimento territorial, análises setoriais e questões voltadas para a
gestão de empreendimentos e desenvolvimento de profissionais. As metodologias qualitativas
correspondem à grande maioria das metodologias utilizadas pelos artigos selecionados.
1. INTRODUÇÃO
A temática da economia criativa tem estado no foco das discussões de organismos e co-
munidades internacionais2 nos últimos anos, destacando-se como estratégica para o crescimento
e o desenvolvimento econômico e social de países desenvolvidos3 e em desenvolvimento. A
comunidade acadêmica tem aprofundado esse debate a partir de reflexões fundamentais para
uma maior compreensão dos conceitos envolvidos, seus impactos e suas fronteiras diante de
contextos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais de cada país.
1
Doutoranda do Programa de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), consultora e pesquisadora em Políticas Públicas de Cultura e Economia Criativa, profes-
sora do MBA em Gestão e Produção Cultural da FGV/RJ, .
2
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (United Nations Conference on Trade
e Development – UNCTAD), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organizations – UNESCO)
3
Os Relatórios de Economia Criativa 2008 e 2010, produzidos pela UNCTAD, são resultados de um esforço
colaborativo, liderado pela UNCTAD e pela Unidade Especial para Cooperação Sul-Sul do Programa das Nações
unidas para o Desenvolvimento – PNUD, com o objetivo de apresentar um panorama global de como essa econo-
mia tem evoluído no mundo a partir de dados, indicadores e reflexões.
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Se por um lado essa “nova economia” é defendida como a solução para os desafios de
um reposicionamento econômico, propulsor do desenvolvimento de países em contexto de pós-
-industrialização (BENDASSOLLI ET AL, 2009), por outro, ela é vista com desconfiança a me-
dida que suscita temores associados às tensões relativas à produção e ao acesso à cultura e seus
processos de comercialização, de bens e serviços, submetidos a uma lógica puramente mercantil.
Deste modo, a disputa de discursos e narrativas se faz presente tanto em publicações
técnicas quanto em publicações acadêmicas, ora favoráveis à perspectiva de desenvolvimento
a partir do fomento à economia criativa, ora desfavoráveis na medida que são criticadas como
catalizadoras de políticas excludentes e neoliberais, submissas às práticas mercantis.
O debate tem se dado, então, em torno de reflexões acerca de polarizações e confusões
conceituais voltadas para comparações e a identificação de características próprias nos signifi-
cados de economia criativa e de economia da cultura, indústrias criativas e indústrias culturais,
cidades criativas, classes criativas entre outros.
Ainda incipiente, a bibliografia acadêmica produzida sobre o assunto representa o início
de uma reflexão que pede um maior aprofundamento dada a extensão e a ambigüidade da te-
mática em muitos aspectos. Considerando-se as publicações classificadas pelo Sistema Qualis
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), percebe-se uma
prevalência de artigos que tratam de aspectos relacionados aos conceitos e ao escopo do tema;
a estudos de caso que apresentam análises setoriais, de desenvolvimento de territórios e ou de
estratégias de gestão e fortalecimento de empreendimentos dos setores culturais e criativos.
Este artigo tem como objetivo fazer uma análise da bibliografia produzida sobre o tema,
identificando as metodologias de pesquisa e de investigação utilizadas nas reflexões sobre eco-
nomia criativa, e sub-temas relacionados (indústrias criativas, indústrias culturais, cidades cria-
tivas, classe criativa, inovação, educação e desenvolvimento profissional entre outros). Essa
pesquisa bibliográfica foi realizada no banco de dados do Portal Capes, em periódicos cuja
classificação, segundo o critério Qualis, obedecia às seguintes categorias: A1, A2, B1 e B2. A
utilização desses critérios para a seleção de artigos e periódicos teve como finalidade garantir
que os artigos identificados e analisados estivessem de acordo com os elevados padrões de qua-
lidade e de exigência da produção acadêmica.
Esse trabalho está estruturado em três partes: a primeira corresponde a apresentação
da metodologia utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa bibliográfica, identificando
critérios e fontes de informações utilizados; a segunda apresenta uma análise do panorama de
estudos e pesquisas identificados nesta investigação, indicando principais temas, sub-temas e as-
pectos enfocados, além das metodologias de pesquisa utilizadas para o debate e a reflexão sobre
a temática da economia criativa; por último, a terceira parte refere-se às conclusões deste traba-
lho indicando oportunidades no avanço dos estudos sobre o tema e seus sub-temas relacionados.
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2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada para o desenvolvimento desse trabalho é de natureza qualitativa,
descritiva e exploratória. Diante da relevância crescente da temática da economia criativa, foi
realizada uma pesquisa bibliográfica na base de dados disponível no Portal da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sem delimitar tempo de início.
Por ser um tema recente e de natureza multidisciplinar, o mesmo tem sido tratado por
pesquisadores e estudiosos de diferentes áreas do conhecimento que acabam por publicar em
periódicos das mais variadas áreas. Desta forma, optou-se pela realização do levantamento de
artigos a partir do mecanismo de “busca por assunto” do Portal da CAPES em função dos se-
guintes descritores e expressões associados ao tema: economia criativa, indústrias criativas,
cidades criativas, classe criativa e políticas públicas de cultura e economia criativa. De
acordo com esse procedimento, foram identificadas 58 publicações, sendo 3 teses de doutorado,
2 dissertações de mestrado e 53 artigos científicos.
O foco dessa pesquisa bibliográfica se deu em artigos publicados em periódicos clas-
sificados pelo Sistema Integrado CAPES (SICAPES), de acordo com os critérios Qualis, nas
categorias: A1, A2, B1 e B2. Dos 53 artigos identificados, 36 foram publicados em periódicos
dentro dessas categorias, sendo 19 nacionais e 17 internacionais.
Esses 36 artigos selecionados foram então analisados um a um quanto aos temas e sub-
-temas abordados, sua finalidade e metodologia de pesquisa, no sentido de se identificar os
aspectos priorizados pelos pesquisadores dentro da temática da economia criativa, o panorama
das metodologias de pesquisa mais usuais, as áreas carentes de discussão e aprofundamento e as
metodologias que poderiam vir a ser utilizadas.
Somaram-se, aos 36 artigos selecionados, 4 documentos institucionais publicados pelos
governos do Brasil (Ministério da Cultura) e da Austrália (Austrália Council of the Arts); além
de 4 relatórios de pesquisa publicados em pares pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
(FIRJAN) e pela United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD).
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ficos dessa economia; e, por fim, 7 tratam de práticas de gestão, modelos de tomadas de decisão
e de dinâmicas associadas ao trabalho do profissional dos setores criativos.
Bendassolli et al. (2009) realizam uma revisão teórica com o objetivo de apresentar a
temática como promissora para a investigação científica, com um amplo levantamento de con-
ceitos, especificidades e características defendidos por estudiosos e pesquisadores do campo. A
análise comparativa entre conceitos como indústrias criativas e industrias culturais, de conteúdo
e de copyright, economia criativa e economia da cultura, demonstram o amplo espectro de sig-
nificados e características que se distinguem ou se confundem. Essa porosidade fronteiriça entre
conceitos é reforçada por Serra e Fernandez (2014) ao demonstrarem o quanto os conceitos de
economia da cultura, economia do conhecimento e economia criativa se misturam, mas reco-
nhecem como o fomento a essas indústrias pode ser um fator estratégico gerador de inclusão
produtiva e desenvolvimento para os países, devendo ser tratado com atenção.
Corazza (2013) complementa esse debate a partir de um artigo-resenha que aborda auto-
res, de referência internacional, que desenvolvem reflexões com abordagens multidisciplinares
e críticas sobre o fenômeno do desenvolvimento das indústrias criativas. Indústrias criativas,
criatividade, inovação, cultura, desenvolvimento e classes criativas são temas discutidos numa
análise que apresenta significados conceituais e implicações como resultado de políticas públi-
cas para o desenvolvimento de territórios, criando novas dinâmicas laborais e novos processos
de produção e comercialização de bens e serviços culturais e criativos.
Com as novas dinâmicas de mercado estabelecidas no contexto das indústrias criativas,
Bendassolli et al. (2010) contribuem com reflexões críticas acerca das características exigidas
pelas novas carreiras, delimitadas por fronteiras fluidas e dinâmicas. Ainda que o discurso su-
gira a existência de um novo profissional autônomo e flexível, a crítica levantada enfatiza as
dificuldades reais deste trabalhador em ser ágil e adaptativo à velocidade das mudanças de
um mundo onde o conhecimento e a informação são infinitos e tornam-se obsoletos quase que
instantaneamente. Os significados do trabalho e dos novos perfis profissionais demandados por
essa economia são também detalhados e analisados por Bendassolli et al. (2011), a partir do
desenvolvimento de um modelo heurístico de análise, baseado num instrumento canadense de
medida, que permitiu identificar características considerando-se aspectos relacionados à cen-
tralidade do trabalho na vida do indivíduo, às normas sociais e à ética das relações, aos valores
associados a construção da identidade do indivíduo, aos processos cognitivos e afetivos, dentre
outros. Ainda que a auto-realização esteja presente na maioria dos discursos dos profissionais
envolvidos nesses setores, a precariedade das relações de trabalho se destacam.
Diante destes pontos levantados, até que ponto a admissão da economia criativa, e de
suas indústrias (ou setores), como estratégica para o desenvolvimento de políticas públicas de
cultura é favorável ou não à produção cultural e simbólica, ao trabalhador dos setores culturais
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4
Estratégias de marketing e de promoção das cidades como destinos turísticos, em função de atrativos associados
a produção de seus setores culturais e criativos.
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co relevante para fazer frente à crise econômica enfrentada recentemente pela Europa. O aspecto
simbólico dessa economia é destacado pelo valor que agrega aos seus produtos impactando e
renovando a imagem urbana. As regiões metropolitanas figuram como hubs criativos em função
do adensamento profissional de setores culturais e criativos na Espanha, e dentro dessas regiões
se identificam agrupamentos em determinados bairros ou áreas, o que tem gerado sinergia com
políticas de revitalização de espaços urbanos.
Leitão et al. (2010) contribuem com uma discussão que trata da formulação e implemen-
tação de políticas de fomento à economia criativa para o desenvolvimento do nordeste brasi-
leiro, partindo de um esboço de metodologia voltada para a identificação de bacias e territórios
criativos, entendidos como sub-regiões urbanas/metropolitanas ou sub-regiões interestaduais,
com densidade populacional, densidade de produção, circulação e consumo de bens e serviços
criativos, com densidade institucional e densidade socioeconômica. A identificação destes terri-
tórios criativos se propõe a indicar espaços geográficos com potencial de desenvolvimento local
e regional associado à economia criativa nordestina.
A perspectiva do desenvolvimento regional, também é encontrada no estudo de caso do
Corede Vale do Rio dos Sinos (Consinos) no Rio Grande do Sul, onde Bem e Giacomini (2012)
5
fazem uma análise das potencialidades da região, composta por quatorze municípios, no sentido
de desenvolver, num médio prazo, estratégias de desenvolvimento do setor calçadístico com o
objetivo de reverter o impacto negativo que o mesmo vem sofrendo com a importação de pro-
dutos chineses. A produção de calçados é fruto da imigração alemã que investiu e desenvolveu
o setor, tendo obtido sucesso e crescimento por mais de três décadas. O estudo desenvolvido
buscou identificar atividades criativas de natureza complementar e com potencial de sinergia
para o desenvolvimento e a produção de calçados com alto valor agregado, de modo a torná-los
competitivos frente a concorrência externa.
Na perspectiva do desenvolvimento local, Bento Gonçalves é analisado como um municí-
pio com potencial para se tornar Cidade do Conhecimento, a partir de uma reflexão sobre a con-
vergência entre o modelo de economia criativa brasileiro, defendido pela Secretaria da Economia
Criativa do Ministério da Cultura (BRASIL, 2011), e a concepção de desenvolvimento baseado
em conhecimento, desenvolvida pela taxonomia Generic Capital System, que promove a integra-
ção de sistemas de informação, de aprendizado e de conhecimento (FACHINELLI e CARRILLO,
2014). A convergência entre estes dois modelos reforça a tese de que a cultura local é fundamen-
tal neste processo devendo ser compreendida como vetor estratégico para o desenvolvimento.
A temática do desenvolvimento (local, regional, nacional ou global) tendo como eixo a
economia criativa e seus setores está presente em outros estudos identificados para a construção
desse artigo (YUSUF e NABESHIMA, 2005; REN e SUN, 2012; SILVA, 2010; GOLGHER,
5
Conselho Regional de Desenvolvimento.
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freqüentes, visto que ainda existem imprecisões conceituais sobre o tema que precisam ser debe-
ladas ou minimizadas. Os estudos de casos também se destacam como métodos muito utilizados
com o objetivo de se realizar um aprofundamento e uma reflexão teórica baseados em experiên-
cias emblemáticas ou exitosas relacionadas à implementação de políticas públicas de fomento e
desenvolvimento de territórios, setores, empreendimentos e profissionais dos setores criativos.
Ainda é insipiente a produção de estudos quantitativos, sendo menor ainda a produção de
estudos quantitativos comparativos. Os Relatórios de Economia Criativa produzidos pela Uni-
ted Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD (2008 e 2010) corresponderam
a um primeiro esforço de compilação de dados mundiais dessa economia, no entanto em virtude
das metodologias de mensuração não serem padronizadas entre os países as análises comparati-
vas tornam-se mais difíceis.
4. CONCLUSÃO
O tema da economia criativa por ser recente, muito amplo e de natureza interdisciplinar
exige um olhar mais atento e mais aprofundado no sentido de buscar uma maior consistência
conceitual e teórica, além de uma construção coletiva integrada e efetiva. A sobreposição com
outros conceitos ainda gera uma série de confusões que geram uma certa opacidade quanto às
suas fronteiras e delimitações. A centralidade do conceito de economia criativa nos seus seto-
res em contraposição à centralidade nas suas dinâmicas de rede e arranjos produtivos merece
um debate ampliado. O fato dessa economia envolver muitos setores (nas áreas do patrimônio,
artes, mídias e criações funcionais) pede que as especificidades e diferenças existentes entre
estes sejam analisadas de modo a evitar tratamentos e visões generalizantes sobre realidades e
dinâmicas diferentes.
O aprofundamento e a reflexão sobre a economia criativa e seus setores, a partir de méto-
dos qualitativos, são fundamentais e necessários para a compreensão de fenômenos específicos
e merecem continuar a ser desenvolvidos. No entanto, a carência de estudos de natureza quan-
titativa fragilizam a evolução de uma economia que tanto tem crescido mas que ainda necessita
ser encarada e compreendida numa perspectiva macro que permita avaliar seus impactos econô-
micos efetivos no Brasil. Mais do que buscar a desagregação de dados produzidos pelo IBGE no
sentido de fazer projeções e estimativas estatísticas, é necessária a finalização da metodologia
de construção da conta-satélite da cultura. O estudo de metodologias de contas-satélite para o
campo criativo e cultural se faz urgente para o Brasil. Um outro ponto importante é ampliar os
estudos no sentido de que os mesmos tenham condições de apreender aspectos e dados reais da
economia formal e informal deste campo. Em função da fragilidade institucional e legal associa-
da aos setores criativos, há um elevado contingente de profissionais e empreendimentos atuando
na informalidade, movimentando milhões ainda que de modo extremamente precarizado.
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RESUMO: Este artigo tem como objeto de estudo o movimento teatro de grupo na cena
teatral porto-alegrense. O teatro de grupo é retrato de um modo de produção que comporta
conotação tanto política quanto estética, busca autonomia frente às normas capitalistas vigentes
em contraponto ao modelo do teatro comercial, e se faz mais presente em circuitos teatrais
periféricos. A partir de uma reconstituição da história dos principais coletivos da cidade, nas
últimas décadas, este estudo pretende compreender a implicação do movimento teatro de grupo
na conformação das atuais políticas culturais para as artes cênicas, bem como sua dependência
em relação a estas.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo faz parte de tese de doutorado em andamento e que tem como questão
central o argumento de que o trabalho artístico continua atuando como modelo fecundo para a
análise das formas contemporâneas de emprego, a recomposição dos mercados de trabalho e a
gestão das carreiras. Tendo como objeto de pesquisa o trabalho de ator de teatro na cidade de
Porto Alegre, este argumento tem como base o pressuposto de que por sua condição de procura
permanente de originalidade e de novidade na concepção e produção artísticas, o trabalho em
arte enquanto atividade produtiva tem implicações originais que inspiram o mundo do trabalho
como um todo.
Esta profissão, cujo trabalho é o próprio processo criativo é atravessada por três as-
pectos que, juntos, a distinguem das demais: a) inovação – diferente de processos repetitivos,
sempre articulando com o novo; b) princípio de incerteza – a atividade artística não transita
em um trajeto programado, caminha em um curso incerto e sua realização não é definida nem
assegurada; c) precariedade – o processo criativo se desenvolve em condições sociais de fragi-
lidade e de desproteção.
1
Socióloga. Doutoranda em Sociologia do Trabalho – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS –
PPGSOC - Orientadora: Prof. Dra. Cinara Lerrer Rosenfield – lulauda09@gmail.com
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2. TEATRO DE GRUPO
O ano é o de 2015. O local é o Theatro São Pedro, em Porto Alegre, e o evento é a décima
edição do prêmio Braskem em Cena, considerado atualmente como uma das mais importantes
premiações das artes cênicas do Rio Grande do Sul.
Mirna Spritzer2 recebe o prêmio de melhor atriz, pelo espetáculo Língua Mãe Mame-
loschn3, e entre agradecimentos aproveita a ocasião para reivindicar ações do poder público
2
Atriz, diretora e professora do Departamento de Arte Dramática da UFRGS.
3
Espetáculo com direção de Mirah Lanine, a partir de texto da escritora alemã Marianna Salzmann. Ganhador
prêmio Açorianos Melhor Espetáculo 2015.
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em relação à urgência dos grupos locais em terem suas próprias sedes. A reação da plateia,
formada na sua maioria por profissionais das artes cênicas, é de aplausos e gritos que atestam
apoio à demanda manifesta pela colega em nome da categoria. A questão que se coloca após
este evento é a razão pela qual a atriz, em sua fala, em detrimento de outras demandas, enfa-
tiza e prioriza a necessidade de sedes próprias para os grupos locais.
Fernando Peixoto (1998), afirma que embora o teatro tenha uma trajetória específica,
o que mais tem se modificado nessa trajetória é o próprio significado da atividade teatral, sua
função social. Constantemente redefinida, na teoria e na prática, esta função social, segundo o
autor, tem provocado alterações substantivas na maneira de conceber e realizar teatro. Acres-
centa ser fundamental não perder de vista a verdade dialética do movimento histórico: “a saga
do teatro, fascinante aventura do pensamento e da ação do homem, possui apenas aparência de
autonomia” (PEIXOTO, 1998,p.11). Com isso o autor quer dizer que a prática teatral é essen-
cialmente social. Para Duvignaud (1965), a prática social do teatro forma uma totalidade viva e
coloca em movimento, de certa maneira, a totalidade da sociedade e suas instituições.
Do teatro amador da década de 1950, passando pelo teatro engajado dos anos de chumbo,
ou pelo experimentalismo criativo no período de redemocratização, atualmente, o que parece
estar em jogo na prática teatral perpassa questões do próprio teatro enquanto linguagem estética,
vinculado a novos desafios de sustentabilidade. A fala da atriz aponta para alguns deslocamentos
que podem ser observados no decorrer das últimas décadas, o que vem ao encontro da relação
estreita entre a prática teatral e o conjunto da sociedade, a qual se refere o autor.
A urgência de salas próprias para os coletivos é prerrogativa do trabalho de pesquisa
continuado, característica do teatro contemporâneo, também conhecido como teatro de grupo
que, de acordo com Motolla (2010), se expande atualmente por todo o Rio Grande do Sul. A
expressão teatro de grupo caracteriza um modo de operar marcado pela pouca rotatividade de
seus integrantes e pelo desenvolvimento de um trabalho que não se reduz apenas a montagens
de espetáculos. Mesmo que as linhas estéticas variem entre grupos ou em espetáculos de um
mesmo grupo, existem características centrais desse tipo de teatro tais como, a ideia de continui-
dade, de construção, de pesquisa e de uma identidade poética.
Este fenômeno se constitui de um movimento que veio se desenvolvendo na América
Latina a partir do final dos anos 1980. No Brasil, diversos autores (CARREIRAS, 2008; LIMA,
2014; TROTTA, 2008; MASSA, 2011) considerem este período como sendo o que trouxe con-
sigo as transformações no modelo de teatro praticado até então no país - tanto no que se refere
às questões estéticas, quanto às de conotação política e ideológica, que gestaram o embrião do
que hoje vem a ser o teatro de grupo - e concordam que são os acontecimentos políticos e eco-
nômicos dos anos 1990 responsáveis pelas profundas transformações que vão diferenciá-lo de
formatos verificados em outras partes do mundo.
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4. ANOS 1980
A virada da década de 1970 para a de 1980 anunciava a abertura política para o país e
para a cultura o fim da censura. Herdeiros de um teatro de resistência à ditadura militar, segundo
Silva (2010), atores e diretores acrescentaram novos caminhos aos processos de experimentação
cênica e na relação palco e plateia, em uma busca artística que respondia às mudanças sociais e
políticas do país naquele momento histórico.
Embora alguns autores (RODRIGUES, 2000; SILVA, 2010) apontem os anos 1980 como
um período que apresentou certo esvaziamento na cena teatral brasileira, tanto no que se refere
na ausência de um referencial ideológico para os grupos teatrais – característica predominante
nas décadas anteriores - quanto de público e, principalmente, pela evasão dos atores de teatro
absorvidos pela TV, concordam que apesar disso não há como negar que houve uma intensa
produção teatral que resultou num eficiente sistema de organização grupal, em torno de trabalho
de coletivos reunidos com objetivos distintos dos da década anterior.
4
Instituído pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, no ano de 1977, o Prêmio Açorianos foi originalmente
criado para premiar os melhores nas áreas de teatro e dança de cada ano. Atualmente contempla também música,
literatura e artes plásticas, e é considerado a mais importante premiação cultural do estado do Rio Grande do Sul.
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5
O grupo surge em 1978, criado por Paulo Flores e Rafael Baião – ex-alunos do Curso de Arte Dramática da
UFRGS, e Julio Zanotta, escritor. O grupo completa em 2016, 39 anos de existência. Desde seu surgimento centra
seu estudo na relação ator-espectador e no processo de criação coletiva, com espetáculos de sala e de rua. Define o
ator como atuador, fusão de artista com ativista político, cuja atuação não deve ficar restrita ao palco e sim compro-
metida com a realidade. Na pesquisa cênica, o grupo experimenta recursos teatrais com base no trabalho autoral do
ator e na cena ritualística, com influência de Antonin Artaud, Fernando Arrabal, Jerzy Grotowski e Bertolt Brecht.
É, sem dúvida nenhuma, o mais importante grupo na história do Teatro do Rio Grande do Sul, e um dos mais pres-
tigiados no Brasil.
6
O grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone passa por Porto Alegre, no final dos anos 1970, trazendo espetá-
culos e ministrando cursos, em duas ocasiões.
7
Os grupos considerados mais tradicionais eram o Teatro Vivo e o Tear, em que a direção dos espetáculos são
assinadas, respectivamente, por Irene Brietzk e Maria Helena Lopes, ambas professoras do DAD.
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8
A lei leva o nome do Secretário de Cultura do Governo Fernando Collor, Sérgio Paulo Rouanet. Foi o instrumen-
to encontrado pelo governo para ampliar o investimento em cultura no país. Aquele que investir em cultura poderá
ter valor total aplicado deduzido do imposto devido. Para empresas o valor poderá chegar a 4% e para pessoas
físicas 6% do valor devido.
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O primeiro dos movimentos a surgir foi o Manifesto da Arte Contra Barbárie9, em 1999,
na cidade de São Paulo, organizado por coletivos e artistas independentes com ampla repercus-
são no país. Com as mesmas características e reivindicações, em 2004, acontece a articulação
de coletivos em nível nacional através do Redemoinho – Movimento Brasileiro de Espaço e
Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral – iniciativa do grupo Galpão Cine Horto de Belo
Horizonte, e é amplamente aderido pelos coletivos e artistas independentes de Porto Alegre. Este
movimento se organiza em rede nacional e, embora com resultados menos expressivos se com-
parado com os obtidos pelos grupos paulistanos, é reconhecido como uma grande conquista para
o quadro artístico-cultural do nosso país, especialmente para os adeptos do trabalho em coletivo.
As discussões suscitadas por esses movimentos políticos que cresceram na década de
1990, e se espalharam pelo país ganhando intensidade nas décadas subsequentes e, de acordo
com Lima (2014), lançaram luz sobre a questão endêmica do fazer teatral, no sentido em que por
sua perda de popularidade para outras linguagens
o teatro passa a se reconhecer como arte que não se adéqua ao modelo
neoliberal de produção. Sendo uma arte de difícil reprodução em grande
escala e diante de um mercado cada vez mais exigente neste sentido, o
teatro passa a ser considerado inviável financeiramente pela dificuldade
em ser autossustentável, tendo de recorrer ao fomento e intervenção do
Estado (LIMA, 2014, p.37).
Essas polêmicas, segundo Carreira (2002), provocaram interferências na vida dos núcle-
os de coletivos repercutindo, a partir daí, numa permanente discussão de modelos culturais, de
forma que os grupos passam a funcionar como elemento dinamizador e provocador, pois para
manterem sua prática artística passam a ser obrigados a uma permanente ação reivindicatória
junto às instituições de caráter público e privado.
Desta forma, o movimento de experimentalismo de novas linguagens estéticas em um
contexto de luta por mudanças nas políticas culturais repercute fortemente em Porto Alegre,
proporcionando o estreitamento nas relações entre artistas e poder público, e resultando na va-
lorização do trabalho de grupos locais através de políticas específicas.
Em 1993 é criado o Fumproarte, pela lei Municipal 7.328. O Fundo entra em vigor no
ano seguinte e opera como financiamento direto dos cofres públicos ao projeto artístico propos-
to. Contempla Artes Visuais, Audiovisual, Música, Patrimônio Imaterial, Humanidades e Artes
Cênicas. No mesmo ano, instituído pela Lei Municipal 7.590, é criado o Festival Porto Alegre
em Cena, considerado atualmente um dos maiores da América Latina. Este festival traz anu-
almente, no mês de setembro, atrações nacionais e internacionais à capital gaúcha, e é um dos
9
O Manifesto resultou na lei 13.279 – 08 de janeiro de 2002, que instituiu o Programa Municipal de Fomento
Cultural direciona a área do teatro, coordenado pela secretaria Municipal de São Paulo, tem como objetivo apoiar a
manutenção e criação de projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral visando o desenvolvimento
do teatro e de seu campo de estudo (texto da lei).
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exemplos da atuação do Estado no campo teatral. Desde 2005, o festival conta com o Prêmio
Braskem em Cena10, que contempla exclusivamente espetáculos locais.
Em 1995 passa a vigorar o Projeto Novas Caras, criado pela Secretaria Municipal de Cul-
tura. Este projeto possibilita temporadas nos teatros municipais a grupos amadores, funcionando
como uma espécie de vitrine para novos atores e encenadores. No mesmo ano, surge o Prêmio
de Incentivo à Pesquisa Teatral do Teatro de Arena11, que contempla dois grupos para ocuparem
o teatro nos dois semestres do ano. Tem como objetivo fomentar o desenvolvimento de pesquisa
de espetáculos teatrais profissionais, fora de propostas do circuito comercial. Em 1996, entra em
vigor a Lei de Incentivo à Cultura do Rio Grande do Sul12 (LIC/RS). Funcionando nos moldes
da Lei Rouanet, propõe a dedução fiscal de 75% do valor do projeto apoiado, do ICMS devido.
Em relação à cena teatral porto-alegrense, alguns grupos que já vinham desenvolven-
do trabalhos centrados na pesquisa e na criação coletiva durante os anos 1980 permaneceram
atuantes na década seguinte, enquanto outros desaparecem. No entanto, o fato importante desta
década é a formação de grupos originais com as características próprias do movimento Teatro de
Grupo, quer de jovens artistas, quer de atores veteranos que assumem a proposta dando novos
rumos às suas montagens, ou ainda de grupos criados por professores do DAD ou sob a influ-
ência do mesmo.
Em 1993, dentro da chamada cena contemporânea, surge o grupo Falos & Stercus, que
se constitui propondo novos paradigmas estéticos e espaciais, ficando conhecido por utilizar
espaços não convencionais. No ano de 1996, o ator e diretor Roberto Oliveira cria a Associação
Cultural Depósito de Teatro, uma entidade cultural sem fins lucrativos com sede própria, onde
apresentava seus espetáculos, recebia outros grupos, realizava oficinas de formação de atores e
mantinha núcleos de pesquisa em teatro, dança e circo, dentro do modelo de criação coletiva.
No ano seguinte forma-se O Povo da Rua – Teatro de Grupo que tem como caracte-
rística o foco de sua produção cênica na manifestação de teatro de rua. Em 1999, outra figura
importante da cena teatral porto alegrense, Dilmar Messias, inspirado no distante projeto do
Circo Catavento, que nasceu e morreu nos anos 1970, do qual foi um dos idealizadores, cria o
Circo Girassol que, além de desenvolver pesquisa para a produção de espetáculos de teatro com
recursos circenses, oferece oficinas à comunidade.
10
Com patrocínio da empresa Braskem, dez espetáculos locais concorrem a premiação de Melhor Espetáculo (júri
e júri popular), Melhor Diretor ou Coreógrafo, Melhor Atriz ou bailarina, melhor Ator ou Bailarino, e destaque.
Cada um dos dez espetáculos é apresentado duas vezes na grade de programação do Festival.
11
Os grupos, além de poderem ensaiar no teatro, recebem o valor de R$30.000 para a realização do projeto. O
projeto passou a enfrentar dificuldades, como atraso no pagamento, a partir da atual administração estadual, o que
está gerando insegurança aos grupos que tem interesse na participação do projeto.
12
A LIC tem uma história bastante conturbada, repleta de mudanças, adaptações e de dificuldades de funcionamen-
to (RIBEIRO, 2010, p.31).
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No mesmo ano surge o grupo Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê, que assim como
O Povo da Rua e o Falos & Stercus, foca suas pesquisas no desenvolvimento de experiências
teatrais de rua ou em espaços pouco convencionais. Movimento que cresce significativamente
nesta década em Porto Alegre e que se consolida no período subsequente, fazendo deste gênero
de teatro uma marca registrada da cena teatral da cidade.
A década finaliza com grande pluralidade de manifestações artísticas e estéticas, man-
tendo alguns elementos de coesão. Esta pluralidade condiz com novas demandas relacionadas
à organização dos coletivos e à interação com a sociedade que não se restringe mais somente a
apresentações de espetáculos, incluindo em suas agendas diversas oficinas que resultam na for-
mação de outros grupos (nas suas sedes ou em comunidades locais), publicações diversas (em
revistas físicas, blogs e sites), além de ações políticas (organização de seminários), que discutem
a urgência de novos mecanismos de apoio à Cultura.
13
O curso de Graduação em Teatro é mantido pelo departamento desde 1957 e, atualmente oferece os cursos de
Bacharelado em Direção Teatral, em Interpretação Teatral e Licenciatura em Educação Artística com habilitação em
Artes Cênicas. A partir do ano de 2007 inicia o Programa de Pós Graduação com o curso de Mestrado, o que possi-
bilitou o retorno de ex-alunos ao curso a partir da possibilidade de continuidade na formação - o grande número de
dissertações que versam sobre as próprias práticas teatrais reforça a relação entre a academia e as produções locais. Em
2014, inicia o curso de Doutorado, atendendo a anseios dos profissionais na formação de docentes e pesquisadores.
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exemplo, o Grupo de Teatro Sarcáustico (2004) e a Cia. Espaço em Branco (2004), que se for-
maram dentro do departamento e já completaram uma década de atividades na cena teatral local.
Além dos grupos remanescentes dos anos 197014, 198015 e 199016, na virada do século
outras grupalidades se formam a partir de atores e diretores experientes que se unem através de
afinidades estéticas, como o Teatrofídico (2003), e o In-Co-Mo-De-Te (2007); ou os que agre-
garam docentes, alunos e atores profissionais como a Cia. Rústica (2004); os que se utilizam de
linguagem híbrida e apostam na fusão entre o teatro, o circo, a dança, a música e as artes visuais,
conciliando profissionais dos diferentes gêneros artísticos, como o Jogo de Experimentação Cê-
nica (2007), e NECITRA (2008); e ainda os que atuam dentro da linha do teatro “militante” ou
teatro “popular”, como o Cambada de Teatro Levanta Favela (2008), e o Grupo Trilho (2006).
Sem esquecer, é claro, de alguns grupos, de iniciativas independentes ou de projetos em torno
de um espetáculo dentro da linha do teatro comercial, principalmente, do gênero de comédia e
stand-up, que circulam por casas de espetáculos17 e festivais18 na cidade e no interior do estado.
Em relação às políticas culturais a década começa a apontar o esvaziamento de alguns
apoios financeiros que durante os anos 1990 haviam funcionado bem, com redução de verbas
no caso de fundo direto e dificuldade de acesso a recursos quando de incentivo fiscal. O que
significa para os grupos locais luta por políticas públicas que atendam a principal necessidade
dos coletivos com proposta de criação coletiva e pesquisa continuada: um local próprio para os
grupos desenvolverem seus trabalhos.
Desta forma, no ano de 2000 o grupo Falos & Stercus, em consonância com iniciativas
semelhantes que acontecem em outros estados brasileiros, inicia o movimento de ocupação de dois
pavilhões abandonados do Hospital Psiquiátrico São Pedro19. A tomada do hoje conhecido como
Condomínio Cênico São Pedro foi seguido pela Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê, no ano
14
Ói Nóis Aqui Traveiz.
15
Cia Di Stravaganza , Face & Carretos.
16
Associação Cultural Depósito de Teatro, O Povo da Rua – Teatro de Grupo, Cooperativa de Artistas Teatrais
Oigalê, Falos & Stercus.
17
Este gênero de espetáculo com caráter mais comercial e linguagem cômica, em geral, conseguem maior sucesso
de público e de bilheteria o que possibilita a locação de salas ou teatros privados. Atualmente os espaços privados
em Porto Alegre são: Teatro da ANRIGS (700 lugares), Bourbon Country (2000 lugares), Teatro CIEE (220 lu-
gares), Teatro do SESC (296 lugares), Teatro do SESI (1684 lugares), Teatro do Centro Cultural santa Casa (284
lugares), Teatro Goethe-Institut Porto Alegre (130 lugares).
18
A XVII edição do Porto Verão Alegre (2106), contou com 58 espetáculos, sendo 6 estreias e, a grande maioria
dos espetáculos se enquadrava no gênero stand-up ou comédia e, segundo a mídia local, os principais espetáculo da
edição anterior foram: Homens de Perto, Bailei na Curva, Guri de Uruguaiana, Iotti - Radicci, Inimigos de Classe,
Se meu Ponto G Falasse, Pois é Vizinha e Homens de Perto 2.
19
Este movimento de ocupação de espaços públicos ociosos por artistas aconteceu simultaneamente em várias cida-
des brasileiras com desdobramentos semelhantes ao do Condomínio Cênico São Pedro. Este tem a particularidade
de interagir e contar com a participação da comunidade remanescente do projeto da reforma psiquiátrica iniciada há
trinta anos. Dos cinco mil internos da década de 1970, o Hospital São Pedro contabiliza hoje 187 moradores.
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de 2002. A partir de então, no ano de 2004, outros grupos que mantêm a mesma proposta de cria-
ção coletiva se unem a esta ocupação, O Povo Da Rua, o Caixa Preta (2002), e o Neelic (2003).
Após quinze anos de luta pela permanência no espaço ocupado, em 2014, uma parceria
entre as secretarias de Cultura e Saúde determina que os pavilhões passem a ser gerenciado pela
Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (SEDAC), o que assegura a permanência
e garante direitos aos grupos que atuam neste espaço.
Outro exemplo de ação e conquista de espaço para ensaios e apresentações de grupos
locais é o projeto Projeto Usina das Artes20, que acontece na usina do Gasômetro desde 2005,
e tem como principal objetivo possibilitar o desenvolvimento de linguagens dos grupos, prio-
rizando o trabalho continuado do artista. Foi sancionada como atividade regular da política
cultural do município de Porto Alegre, através da Lei 10.683 de maio de 2009. Mesmo ano em
que foi instituído o Programa Municipal de Fomento ao Trabalho Continuado em Artes Cênicas
para a Cidade de Porto Alegre21: Lei 10.742 de setembro de 2009. Funciona como um prêmio
para trabalho de grupos com pesquisa continuada, através de edital.
O período encerra, portanto, com inúmeros exemplos não apenas de uma mudança de
conteúdo, mas uma complexa reorganização de procedimentos e de percepções sobre o fazer
teatral e do papel do teatro no contexto sociocultural.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Porto Alegre, alguns grupos permanecem coesos desenvolvendo projetos verdadei-
ramente coletivos, outros mantêm um núcleo permanente, geralmente centrado na figura do
diretor ou encenador, enquanto seus membros se lançam em atividades individuais, trabalhando
como convidados em outros coletivos, ou se associando temporariamente com outros profis-
sionais para a realização de projetos pessoais. Muitas vezes, projetos sem nenhum recurso fi-
nanceiro público ou patrocínio privado, obrigando esses agrupamentos temporários a buscarem
soluções alternativas, como por exemplo, o financiamento coletivo22, tanto para viabilizar um
projeto sem nenhuma verba, como para o retorno de algum espetáculo que obteve algum finan-
20
Funciona através de edital, dez grupos de teatro e dança ocupam anualmente oito salas na Usina do Gasômetro.
Ao redor de cada grupo, no entanto, orbitam outros grupos convidados que também utilizam o espaço. Além da
utilização das salas para ensaios e apresentações, os grupos contemplados também recebem ajuda de custo no
valor de R$ 1.500 mensais. Atualmente, os grupos que fazem parte do Projeto Usina das Artes (edital 2015) são:
Teatro Sarcáustico, Grupo Jogo de Experimentação Cênica, Eduardo Severino Cia de Dança, Ânima Cia de Dança,
NECITRA, Depósito de Teatro, Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela, Espaço em Branco, Grupo
Trilho, Grupo Sílvia Canarim.
21
A verba não é fixa e oscila de acordo com o orçamento do ano. Em 2015 foram contemplados os grupos Tribo
de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz e Oigalê, que dividiram em partes iguais o prêmio de R$ 250.000.
22
Projeto de financiamento coletivo ou crowdfuding é uma plataforma on-line que busca viabilizar financeiramente
um projeto a partir da colaboração direta das pessoas que se identifiquem com ele. O projeto acontece através da
arrecadação de verbas através das redes sociais, onde os realizadores disponibilizam os custos e formas de apoio,
bem como a recompensa aos apoiadores.
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ciamento na primeira temporada, mas que não dispõe de condições financeiras para arcar com
uma segunda etapa.
As lutas da categoria que nas décadas de 1990 e 2000 resultaram na conquista de alguns
avanços em relação às políticas públicas, como o FUMPROARTE, o Projeto Usina das Artes,
o Condomínio Teatro São Pedro, a Lei de Fomento, e o Prêmio de Incentivo à Pesquisa Teatral
do Teatro de Arena, chegam à metade da segunda década do século XXI com orçamentos estag-
nados, reduzidos ou ameaçados de extinção23, tanto no que concerne às verbas disponibilizadas,
quanto à estrutura dos teatros públicos24, ou de salas próprias, conforme a reivindicação da atriz
mencionada no início deste estudo.
A realidade da cena porto-alegrense, portanto, se constitui em um retrato da instabilida-
de das políticas culturais para a atividade teatral. Embora a sociedade tenha se conscientizado
da estreita dependência financeira das artes com o Estado, através do atual formato das leis de
incentivo que, em Porto Alegre, predominam através do modelo de fundo ou prêmio, as verbas
são insuficientes e não há investimento nenhum por parte do poder público em manutenção ou
ampliação da estrutura existente.
Além disso, generalizou-se a percepção de que não há demanda para o tipo de trabalho
que esses grupos desenvolvem, tanto por parte de possíveis patrocinadores, quanto pelo públi-
co que prestigia o mercado de entretenimento. De acordo com Costa e Carvalho (2008), para
patrocinadores, justamente por não ser entretenimento e, para os consumidores, porque esses
trabalhos são “difíceis”, “complexos”, “estranhos”, e assim por diante. A prova disso são os
dados da Secretaria Municipal de Cultura: em 2014 a ocupação dos teatros municipais ficou
inferior a 39%.
Essa dramaturgia contemporânea que se consolida não somente em novos procedimen-
tos de trabalho, como também em novas linguagens estético-ideológicas, representa a capacida-
de crítica da manifestação teatral frente à sociedade a qual é contemporânea. Portanto, para que
23
O FUNPROARTE ainda continua sendo o fundo de financiamento mais importante para os grupos locais, no
entanto no decorrer de sua existência, reduziu os recursos e inseriu outras atividades passíveis de captação, o que
aumentou a concorrência com as artes cênicas. O Projeto Pesquisa Teatral do Teatro de Arena passou a enfrentar
dificuldades tais como atraso no pagamento, a partir da nova administração estadual, o que está gerando insegurança
aos grupos que tem interesse na participação do projeto. Em dezembro de 2015 os grupos que ocupam o Condomínio
São Pedro receberam ofício do secretário estadual da saúde rescindindo o termo de cessão dos prédios. A categoria
se organizou e, até o presente momento, conseguiram manter a permanência, mas ainda sem uma decisão definitiva.
24
Em termos de espaços públicos disponíveis para apresentações teatrais pouca coisa mudou no decorrer das últimas
três décadas. Os grupos ainda disputam os mesmos teatros criados na década de 1970 e administrados pela prefeitura
(Teatro Renascença, Teatro de Câmara Túlio Piva – fechado para reformas desde 2013 - e Sala Álvaro Moreyra),
e as duas salas da Casa de Cultura Mário Quintana, do governo do estado, criadas na década de 1980 (Sala Carlos
Carvalho e Teatro Bruno Kiefer), e o Teatro de Arena. Tanto os teatros da prefeitura, quanto as salas administradas
pelo estado necessitam de reformas e de modernização, assim como de investimentos em segurança para os frequen-
tadores. As temporadas oferecidas foram reduzidas com o intuito de contemplar um número maior de grupos que
concorrem aos editais, visto que houve aumento sensível de coletivos locais concorrendo aos mesmos espaços.
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o teatro cumpra sua função social, sobre a qual nos referimos no início deste estudo, necessita de
autonomia e de liberdade de criação, pois a renovação da crítica pela arte só é possível através de
um trabalho constante da arte sobre ela mesma. O que só se torna possível fora da dependência
comercial e através do fomento e intervenção efetiva do Estado.
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1306
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1
Doutora em Antropologia (PPGA/UFF) atuei como consultora na área de patrimônio imaterial. Atualmente,
integro o quadro docente da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto de Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro da Universidade Cândido Mendes (IUPERJ/UCAM). E-mail: lucieni.ms@gmail.com
2
O Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina (CRESPIAL) foi
criado em fevereiro de 2006, com o objetivo de promover e apoiar ações de salvaguarda e de proteção do vasto
patrimônio cultural imaterial dos povos da América Latina.
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trazendo a experiência da gestão cultural em países como o Chile e o que representou a imple-
mentação de programas com um marcante caráter participativo (FERNÁNDEZ, 2011, p. 15).
No Brasil, o marco legal da política do Patrimônio Cultural Imaterial está situado na
promulgação da Constituição Federal, em 1988. Nos artigos direcionados à cultura, o Estado
garante “a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”
(Art. 215). Reconhece, ainda, que a nação brasileira é diversa e constituída por inúmeros grupos
étnicos e segmentos sociais, destacando-se as “manifestações das culturas populares, indígenas
e afro-brasileiras” (Art. 215, § 1º).
O Artigo 216 amplia a noção de patrimônio ao incluir os modos de vida, os sentidos
e valores atribuídos pelos diferentes grupos que compõe a sociedade brasileira. Dessa forma,
no texto da lei reconhece-se que o patrimônio cultural brasileiro é constituído pelos bens de
natureza material e imaterial (grifos nossos), “portadores de referência à identidade, à ação e
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988[2001]).
A historiadora e pesquisadora Lia Calabre chama a atenção para os avanços da política
cultural, principalmente a partir da primeira década do século XXI:
Uma série de instrumentos de caráter estruturante vem sendo construí-
da. Em, 2005, foi criado, por lei, o Conselho Nacional de Política Cul-
tural [...] Em dezembro de 2010, através da Lei n. 12.343, foi instituído
o Plano Nacional de Cultura (fruto de quase quatro anos de consultas e
debates políticos). O Sistema Nacional de Cultura (SNC) foi estruturado
através da Emenda Constitucional n. 72 de dezembro de 2012. (CALA-
BRE, 2014, p. 1)
As políticas públicas referentes ao patrimônio cultural de natureza imaterial, conduzidas
na última década pelo Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI/IPHAN), têm se mostrado
pioneiras dentro do órgão federal de preservação, desde a sua institucionalização em 1937. O
Decreto-lei 25/37, que organiza a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ins-
tituiu a figura jurídica do Tombamento para a preservação dos bens móveis e imóveis de valor
excepcional. Porém, uma série de outros bens culturais não se enquadrava nessa definição de
patrimônio histórico e artístico nacional (Art. 1º). A partir de meados da década de 1970, os de-
bates sobre o alargamento do chamado campo do patrimônio desenvolveram-se dentro e fora da
instituição. Porém, somente em final da década de 1990, instituiu-se um Grupo de Trabalho de
técnicos do IPHAN e do MinC e uma Comissão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
para o estudo das legislações internacionais e das experiências de reconhecimento das dimen-
sões simbólicas do patrimônio cultural, bem como de estabelecimento dos procedimentos para
o seu reconhecimento (MINC/IPHAN, 2006). A partir de então, o Decreto 3551/2000, de 04 de
agosto de 2000, instituiu a figura do Registro do Patrimônio Imaterial, instrumento jurídico aná-
logo ao Tombamento. A mesma legislação cria o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial,
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que articula as ações de reconhecimento, promoção, difusão e fomento dos bens culturais de na-
tureza imaterial. Somente com a inscrição do bem cultural em um dos quatro Livros de Registro,
inicia-se um meticuloso processo de implantação do Plano de Salvaguarda.
Ao discutirem o estado da arte do Patrimônio Cultural Imaterial no Brasil, Maria Laura
V. de Castro e Maria Cecília Londres Fonseca retomam a conceituação estabelecida pela Con-
venção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, em 2003. Segundo as autoras, a
política conduzida pelo IPHAN se coaduna com as diretrizes da UNESCO, que consolida a
política do patrimônio imaterial em escala mundial e aperfeiçoa as definições de “patrimônio
cultural imaterial” e de “salvaguarda” no sentido de formar um conceito amplo para essas no-
ções (FONSECA; CASTRO, 2008).
Categoria central do novo discurso patrimonialista, a construção de um conceito de sal-
vaguarda ainda está por se formular, do mesmo modo que se precisou o conceito de bem cultu-
ral em meados da década de 1960. Na Recomendação de Nairóbi, no âmbito da 19a Conferência
Geral da UNESCO, em novembro de 1976, retoma-se a definição de salvaguarda, agora com
menos ambigüidades: “a identificação, a proteção, a conservação, a restauração, a reabilitação, a
manutenção e a revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de seu entorno” (UNES-
CO, 1976 apud IPHAN, 2004, p. 220)
Para fins da Convenção do Patrimônio Imaterial, entende-se por salvaguarda,
as medidas que visam garantir a viabilidade do patrimônio cultural
imaterial, tais como a identificação, a documentação, a investigação, a
preservação, a proteção, a promoção, a valorização, a transmissão – es-
sencialmente por meio da educação formal e não-formal – e revitaliza-
ção deste patrimônio em seus diversos aspectos (UNESCO, 2003 apud
IPHAN, 2004, p. 374.
A questão da Salvaguarda faz parte do conjunto das políticas voltadas para o patrimô-
nio cultural imaterial, que tem início com os inventários culturais e o registro, e culminam nas
ações de preservação que visam à valorização e transmissão. O antropólogo Antônio Augusto
Arantes discute alguns aspectos conceituais em torno das ações de salvaguarda, e toma a Con-
venção de 2003 como ponto de partida para uma reflexão sobre a ampliação dos conceitos de
patrimônio cultural e de salvaguarda. Ao tratar as questões metodológicas dos inventários do
patrimônio imaterial, Arantes aborda questões controversas na aplicação desse instrumento e
discute aspectos conceituais e ações de salvaguarda desenvolvidas no Brasil e em outros países.
O autor acredita que tais práticas constituem experiências recentes, ainda em construção, e que,
por isso mesmo, devem ser compartilhadas e debatidas em fóruns internacionais (ARANTES,
2009, p. 174). Portanto, embora haja uma afinidade em termos de protocolos e intenções, no
Brasil a questão da salvaguarda é ainda um território amplo a ser explorado. E há um longo
debate em curso.
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O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) é a metodologia adotada pelo IPHAN para a produção
e sistematização do conhecimento sobre o bem. Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC: Manual
de aplicação. Brasília: MINC/ IPHAN/ DID, 2000.
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foram incluídos alguns processos de salvaguarda da Região Sudeste que demandam esforços
para a criação e formalização de um comitê gestor, como o das paneleiras de Goiabeiras no Es-
pírito Santo, o jongo/ Caxambu do Sudeste e as matrizes do samba no Rio de Janeiro. O recorte
regional foi escolhido por razão de trabalhos de campo realizados anteriormente4. A exposição
seguirá a ordem cronológica dos registros.
4
SIMÃO, Lucieni de M. A Semântica do Intangível. Considerações sobre o Registro do ofício das paneleiras
do Espírito Santo. Tese de Doutorado. Niterói, PPGA/UFF, 2008.
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e como pauta reivindicatória para pleitos junto aos governos municipal e estadual. Assim sendo,
e atenta ao fato de que a produção da panela de barro é uma prática social em plena vigência no
bairro de Goiabeiras Velha, procurei investigar os modos de apropriação do Registro desse ofí-
cio, considerando os sujeitos sociais envolvidos. Os agentes foram estudados em suas interações
com as instâncias mediadoras do poder público e em seus embates com relação ao mercado.
O que respalda todo esse processo de patrimonialização das paneleiras, segundo a lógi-
ca das pessoas entrevistadas, é a maneira como esse saber-fazer foi cultivado e transmitido no
território de Goiabeiras. Os efeitos positivos da ideia de patrimônio repercutem no processo de
construção da identidade social da paneleira, tornando possível à categoria reivindicar o acesso
ao barreiro e as políticas públicas de saúde e previdência social, ambas debatidas nas oficinas
de salvaguarda que ocorreram durante o ano de 2006. A análise do processo de Registro e o
acompanhamento das ações de salvaguarda permitiram-me tecer algumas considerações sobre
os mesmos: participação assimétrica no processo de patrimonialização do bem, aumento da pro-
dução de panelas e demais produtos, mercantilização crescente, problemas de gestão e conflitos
internos e externos a associação das paneleiras (SIMÃO, 2008)
Como ressaltado anteriormente, este foi o primeiro Registro do Patrimônio Imaterial e
a primeira experiência no uso da metodologia conduzida pelo IPHAN-ES. A questão premente
que se colocava na época era a ameaça da extração da matéria-prima e do risco de desapareci-
mento desta prática dentro da comunidade. A mobilização feita em torno do registro foi bastante
pontual e não procurou abranger nem compreender os processos sociais. Os conflitos referem-se
às disputas locais entre a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (CESAN) e a Associa-
ção das Paneleiras de Goiabeiras (APG) em função do terreno da jazida de onde se retira o bar-
ro para confeccionar as panelas e demais artefatos cerâmicos. Localizada no Vale do Mulembá,
no bairro de Joana D’Arc, em Vitória, esta é até hoje a única jazida utilizada pela comunidade
de Goiabeiras Velha. Nesse caso, a salvaguarda também passava pelo recurso a matéria-prima.
Tais disputas estão relatadas no processo administrativo do Registro e foram atualizadas
através de ações de salvaguarda que visavam à proteção da matéria-prima, culminando na soli-
citação de “Indicação Geográfica” concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI), em 2011. Foi uma ação conjunta com o IPHAN/ES e uma conquista para as paneleiras,
que buscavam uma solução para a “questão do barreiro” e para a colocação das panelas no mer-
cado. No entanto, o dossiê de registro não apontou para um plano mais consistente que mobili-
zasse o segmento das paneleiras, nem tampouco constituiu um Comitê Gestor que abrangesse
outros setores da sociedade capixaba em torno da preservação do ofício a médio e longo prazo.
A revalidação é outro quesito bastante importante nas discussões sobre a política do pa-
trimônio imaterial, uma vez que a legislação prevê a avaliação periódica do bem a cada dez anos
(Decreto 3.551/2000; Art. 7º), por se tratarem de criações culturais de caráter processual e inse-
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ridas em dinâmicas sociais próprias. Nesse sentido, o ofício das paneleiras e a arte kusiwa - pin-
tura corporal e arte gráfica Wajãpi serão os primeiros bens a serem reavaliados e revalidados.
Para tanto, o IPHAN editou a Resolução n. 01, de 18 de julho de 2013, que dispõe sobre
o processo administrativo de Revalidação do Título de Patrimônio Cultural do Brasil dos bens
culturais Registrados. Nesta normativa, o IPHAN informa os procedimentos a serem obser-
vados na instauração e instrução do processo (Art. 2º), que consiste na atualização e eventual
complementação de informações através do INRC.
No caso do Ofício das Paneleiras, o inventário que está sendo aplicado passa a ser com-
preendido como mais um instrumento de salvaguarda. Para a revalidação, a instauração do pro-
cesso administrativo será feita por intermédio do DPI (Art. 3º); porém, a instrução do mesmo
ficará sob responsabilidade da Superintendência do IPHAN em sua área de circunscrição (Art.
4º). Nesse caso das paneleiras, é o IPHAN-ES que solicita informações atualizadas sobre as
ações de salvaguarda desenvolvidas aos detentores e demais partes interessadas e envolvidas
no processo de registro. Eventualmente, se a Superintendência achar necessário, poderá contra-
tar empresa especializada para realizar nova pesquisa de campo, utilizando a metodologia do
INRC. A atualização da documentação deve abranger a produção de documentação fotográfica
e audiovisual, a produção de textos de caráter etnográfico, de modo a viabilizar análise compa-
rativa com a documentação produzida para a outorga do título (Art. 11º). Há um entendimento
de que o INRC é considerado per si uma ação de salvaguarda, principalmente pela mobilização
junto aos segmentos envolvidos.
Finalizada essa etapa de atualização das informações, todo o material produzido será en-
caminhado para uma Comissão Técnica de acompanhamento do processo administrativo (Art.
9º), instituída através da Portaria n. 340, de 26 de julho de 2013, que emitirá nota técnica que
subsidiará a decisão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural sobre a Revalidação do Tí-
tulo de Patrimônio Cultural do Brasil. Pelo trabalho que desenvolvi durante anos junto ao grupo
acompanho de perto os trâmites, torcendo para que as paneleiras obtenham mais essa conquista.
Os outros dois casos de que trato neste trabalho relacionam-se a um conjunto de bens
de origem afro-brasileira registrados pelo IPHAN. Dentre eles, há um número significativo de
saberes e expressões culturais que buscam visibilidade e reconhecimento, acesso a direitos e
afirmação de suas identidades culturais.
A mobilização sobre a expressão cultural jongo partiu da experiência empreendida pe-
los próprios jongueiros, que se articularam e promoveram os “Encontros dos Jongueiros”. Tais
encontros, que se iniciaram em 1996, na região Norte Fluminense, com a articulação de alguns
grupos de jongo de Miracema e Santo Antônio de Pádua e professores do campus da Universida-
de Federal Fluminense, em Santo Antônio de Pádua, ganharam visibilidade a partir do ano 2000,
quando foi constituída a “Rede de Memória do Jongo”. Da mobilização social ao registro no Li-
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vro das Formas de Expressão, em 2005, as motivações que levaram a todo esse processo resul-
taram desses encontros. Neles, foram identificados problemas encontrados pelas comunidades
de jongo que viam suas ações e demandas invisibilizadas pelos poderes públicos locais, tanto no
que se refere ao reconhecimento de seus territórios, quanto ao apoio à tradição do jongo.
Lia Calabre retoma alguns dos principais problemas enfrentados pela população negra
nos municípios com tradição jongueira. Nos anos 80 e 90 do século XX, o jongo e outras mani-
festações da cultura popular quase desapareceram ou se viram relegadas ao campo do folclore.
Portanto, havia a questão do preconceito, da discriminação contra a prática do jongo e da difi-
culdade na transmissão para as novas gerações.
Há o grupo que está em litígio para obter o reconhecimento da pro-
priedade da terra e que sofre com a precariedade dos serviços nas áreas
rurais. Há um grupo, em uma área mais urbana e periférica, para o qual
ao conjunto de preconceitos raciais e sociais se soma o fato de serem
jongueiros. Há, ainda, o claro problema do lugar do negro na história,
que dialoga diretamente com a dificuldade de construção da identidade
negra e da valorização dos fazeres e dos saberes. Temos um somatório
da potência do legado da tradição africana, com fortes elementos de
religiosidade, entrecruzadas com uma realidade marcada pela carência,
exclusão e preconceitos (CALABRE, 2014, p. 6)
O reconhecimento pela via do registro seria um importante instrumento de pressão dian-
te das situações acima apresentadas. De fato, após a cerimônia de proclamação pública do Jongo
como Patrimônio Cultural do Brasil, realizada no X Encontro de Jongueiros, em 2005, na cidade
de Santo Antônio de Pádua, lugar de origem desse movimento de organização das comunidades
jongueiras, deu-se início ao plano de salvaguarda do jongo.
Em 2007, o IPHAN e a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da
Cultura, através do Programa Cultura Viva, consagram uma parceria no sentido de que os bens
registrados fossem automaticamente integrados a esse Programa. O IPHAN criou um “Termo de
referência para a criação de Pontos e Pontões de Cultura de Bens Registrados”, fixando determi-
nadas características próprias e critérios de seleção das entidades para celebração de convênios
(IPHAN/DPI, 2011: 25-28). É nesse contexto de abertura de novos convênios e parcerias que o
Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu é criado.
Nesse sentido, o Pontão passou a ter um papel de articulador das ações de salvaguarda,
através do trabalho de assessoria, pesquisa e extensão universitária, junto às comunidades da Rede
de Memória do Jongo/Caxambu. Quanto aos resultados apresentados pelo Pontão do Jongo, con-
sidera-se que a articulação e consolidação da rede foram as principais ações, uma vez que é em seu
âmbito que se discutiu e construiu a política de salvaguarda do Jongo, com a participação de todos
os parceiros, em especial, das 32 lideranças jongueiras. Entre uma reunião e outra, foram realiza-
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das as demais ações do programa, como as oficinas, seminários, assessorias, que sempre aconte-
ceram de forma descentralizada nas comunidades. (Plano de Salvaguarda do Jongo, 2011, p. 29).
O Plano de Salvaguarda do Jongo no Sudeste, versão final discutida e aprovada na 14ª
Reunião de Articulação do Pontão do Jongo/Caxambu5, em dezembro de 2011, faz referência ao
processo de registro do Jongo e apresenta as três principais linhas de ação desenvolvidas pelo
Pontão do Jongo/Caxambu, em três convênios celebrados entre a UFF e o IPHAN.
Desde o início buscou-se constituir um Comitê Gestor representativo que agregasse as
comunidades e grupos de detentores, os representantes da sociedade civil e dos governos es-
taduais e municipais. Tendo em vista a abrangência regional do jongo, preferiu-se criar uma
“comissão gestora” composta por lideranças jongueiras, técnicos, parceiros e consultores, para
monitoramento de todas as ações desenvolvidas no âmbito do Pontão de Cultura do Jongo/Ca-
xambu. Assim, nas reuniões de articulação e da comissão gestora foram discutidas as principais
demandas do coletivo jongueiro e tecidas as ações para a constituição do plano integrado de
salvaguarda ao qual nos referimos.
Conclui-se, portanto, que a salvaguarda do jongo tem obtido bons resultados, como o
fortalecimento da rede de memória do jongo; a apresentação e aprovação de projetos em editais,
edição e publicação dos conteúdos gerados pelas oficinas de capacitação; e assessoria às comuni-
dades. Embora a gestão do Pontão ainda não seja exercida pelos próprios detentores, como acon-
tece com o samba de roda do Recôncavo Baiano e outros bens registrados, mas através de um
projeto de extensão universitária, a participação dos detentores pode ser considerada um exemplo
de maior sucesso na salvaguarda do patrimônio imaterial brasileiro (IPHAN/DPI, 2011, p. 45).
O Registro das matrizes do Samba no Rio de Janeiro (partido-alto, samba de terreiro e
samba-enredo) parte da mobilização de associações representativas do samba6. A candidatura
teve o apoio dos sambistas, principalmente das velhas-guardas das escolas de samba, com a ade-
são de intelectuais ligados ao mundo do samba e de instituições governamentais. O pedido foi
oficialmente entregue em cerimônia pública, em 2005, contando com a presença do Ministro da
Cultura e do Presidente do IPHAN. Inicialmente, as motivações para essa candidatura estavam
relacionadas à Proclamação do Samba de Roda do Recôncavo Baiano como Patrimônio Imate-
rial da Humanidade, em 2005, e ao reconhecimento desse gênero musical – o samba – como im-
portante forma de expressão da cultura brasileira. Ainda nesse ano, o IPHAN e o Centro Cultural
Cartola celebram convênio para instrução técnica do processo de registro do samba.
5
Pontão do Jongo/Caxambu. Plano de Salvaguarda do Jongo no Sudeste. Niterói: Pontão do Jongo/ Caxambu,
2011. Para ver o documento na íntegra, acessar o endereço abaixo:
http://www.pontaojongo.uff.br/sites/default/files/upload/plano_de_salvaguarda_versao_final.pdf, acessado em 07/
12/2014.
6
O Centro Cultural Cartola, organização da sociedade civil, assina a solicitação em parceria com a Liga Indepen-
dente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIESA) e a Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de
Janeiro (AESCRJ).
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aspecto relevante refere-se aos representantes que assumiriam a parte de gestão. Embora não
tenham conseguido consolidar um ao Comitê Gestor nem dialogar efetivamente com todas as
outras instâncias, logrou criar o Conselho do Samba, composto por 21 membros e instituído em
fevereiro de 2009, como instância de representação e orientação do Plano de Salvaguarda do
Samba Carioca.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para lidar com esse conjunto de políticas culturais relacionadas ao patrimônio cultural
imaterial, é preciso compreender, primeiramente, que se trata de “patrimônio vivo” e, portanto,
partilhado por um conjunto significativo de indivíduos e grupos. Os inventários devem ser capa-
zes de identificar e documentar as “referências culturais”, sem, contudo, congelar as expressões
da cultura. Produzidos “em contexto”, devem ser razoavelmente densos em termos de detalhes
históricos e etnográficos (ARANTES, 2009, p 186). Práticas sociais, conhecimentos e formas
de expressão – a que se atribua ou não valor patrimonial – são criadas, apropriadas, amalga-
madas, desenvolvidas, acalentadas ou esquecidas por povos particulares, em lugar e momentos
específicos (ARANTES, 2009, p.181). Campo de tensão e disputa entre os valores atribuídos
localmente e aqueles reconhecidos na arena da preservação, os processos de reconhecimento
prescindem negociações permanentes.
Os ofícios e modos de fazer, quando enraizados no cotidiano das comunidades, produzem
um sentimento de pertencimento ao território e fortalecem as identidades sociais. As Paneleiras
buscam o reconhecimento de seu ofício, elaboram pautas reivindicatórias e buscam melhores
condições de trabalho. Apesar de já terem seu bem registrado há bastante tempo, a categoria
profissional ainda não formalizou seu comitê gestor e as ações de salvaguarda não obtiveram a
adesão e o compromisso de todas as partes dos segmentos. Da mesma forma, as comunidades
de jongo e de sambistas apresentaram dificuldades na constituição de seus comitês. Trata-se
daquilo que Arantes chama de “dilema da representatividade” ao referir-se à complexidade das
questões relacionadas ao âmbito da salvaguarda do patrimônio imaterial e ao fato de que esses
contextos locais não são, de forma alguma, homogêneos (ARANTES, 2009, p. 178).
Tomando esses processos de salvaguarda em curso, pretendi lançar luz sobre a consecução
da política contemporânea do patrimônio cultural imaterial e das práticas de preservação a ela
associada. Por se tratar de processos sociais bastante complexos, espera-se que tais reflexões ve-
nham somar esforços no sentido de construir uma política de salvaguarda cada vez mais inclusiva.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. UM PONTO DE PARTIDA...
Buscar-se-á, aqui, refletir sobre algumas bases conceituais que fundamentaram propo-
sição metodológica para subsidiar a construção de planos municipais de cultura. A formulação
desta possível metodologia partiu da experiência junto ao bacharelado em Produção Cultural da
Universidade Federal Fluminense, e foi formalizada através de parceria entre o Laboratório de
Ações Culturais (LABAC-UFF) e a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro (SEC-RJ)
para ação junto a 34 municípios do Rio de Janeiro através da ação PADEC – Edição 2015.
Começamos por discutir a ideia de gestão cultural. Por gestão cultural vem-se procuran-
do estabelecer a forma particular de lidar com o universo da cultura; deixando a noção de gestão
como universo administrativo. Assim,
Propomos retirar a ênfase do termo gestão, o que tenderia a ter a cultura vin-
culada a ações gerenciais e ao cumprimento de metas e objetivos que nem
sempre são norteados por reais parâmetros de efetividade, e colocar mais
foco no termo cultura, entendido aqui em suas dimensões estéticas sob ba-
ses que ultrapassam os códigos simbólicos mais hegemônicos, dimensões
1
Professor Titular do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense. Doutor em História, pela UFF.
Contato: luizaugustorodrigues@id.uff.br
2
Artista visual e professor licenciado em Letras/Português-Literaturas pela Faculdade de Formação de Professores
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Dinamizador PADEC. Contato: marcelonetcorreia@hotmail.com
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Exemplo exploratório 1:
Segundo levantamentos para o município de TANGUÁ, pela Munic2006 o muni-
cípio não possuía teatro e já desenvolvera oficinas de formação teatral (apontando
para uma vocação ou desejo local).
Pelo site Mapa de Cultura, observa-se a permanência da inexistência de teatro,
mas também que o município conta com anfiteatro ao ar livre (Espaço Cultural
Observatório de Talentos).
Considerando como DESAFIO, dentro do eixo FRUIÇÃO E PRODUÇÃO
ARTÍSTICA E CULTURAL, o fomento às artes cênicas, podemos então bus-
car elencar um conjunto de ações para enfrentar tal Desafio.
Levando em conta as fases do circuito ou sistema de produção cultural, temos:
Criação / Produção:
a.1) desenvolvimento de oficinas de teatro, de dança, de cenotécnica, de cons-
trução de cenários e figurinos etc.;
a.2) workshops com grupos artísticos locais e externos;
a.3) residências artísticas.
Distribuição e divulgação:
b.1) concursos (esquetes, dramaturgia etc.) e festivais;
b.2) editais para circulação de espetáculos;
b.3) construção de teatro.
1326
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4 oficinas semanais:
- SM Educação a) teatro; . relatórios dos
1.1 Oficinas
(integração b) dança; oficineiros;
de teatro e Curto prazo Anual
curricular); c) cenografia; . acompanhamento
de dança
- grupos locais d) figurino dos egressos.
maquilagem
1.2 Workshops
com grupos 3 workshops . lista de presença;
artísticos Curto prazo Bienal - MinC (1 a cada 6 meses): . atratividade de
(locais e teatro, dança e circo grupos externos.
externos)
- demanda pelo
programa;
5 residências por
1.3 Residên- - grau de satisfação
Chamada anual - FUNANRTE; ano e 5 apresenta-
cias Médio prazo do público
(3 meses cada) - Universidades ções públicas de
artísticas expectador;
resultados/ano
- reverberação em
espetáculos
Apresentações - públicos
Bienal, sg. - Escolas;
públicas de poesias participantes
1.4 Concursos modalidades - Agremiações e
Médio prazo e esquetes. - procura pelas
e festivais (dramaturgia; referências
Publicação de publicações nas
esquetes etc.) locais (júris)
poesias e contos. bibliotecas
- públicos
- Municípios - municípios
1.5 Editais
da região “x” espetáculos envolvidos
de circulação Médio prazo Bienal
- SEC-RJ apresentados - grupos
de espetáculos
- FUNARTE participantes e
concorrentes
- atratividade
- SM Obras; Teatro capaz de
do equipamento
1.6 Construção - Empresas; abrigar espetáculos
Longo prazo Único - capacidade de
de teatro - MinC e Min. cênicos e
absorção das
Turismo multimídias
produções locais
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Exemplo exploratório 2:
Segundo levantamentos do município de CABO FRIO, o I Fórum Municipal
de Cultura (2009) elencou o fortalecimento do movimento de Cultura Negra
como proposta.
Considerando como DESAFIO, dentro do eixo MANIFESTAÇÕES CULTU-
RAIS POPULARES, o fomento às expressões étnicas de matriz afrobrasileira,
podemos então buscar elencar um conjunto de ações (todas presentes no referido
documento) para enfrentar tal Desafio.
Levando em conta as fases do circuito ou sistema de produção cultural, temos:
Criação / Produção:
a.1) apoiar oficinas comunitárias em territórios quilombolas e demais áreas do
município, com temáticas focadas nas expressões culturais afrobrasileiras;
a.2) apoiar e estimular a ampliação das ações dos Quilombos, através de editais
específicos (ou de eixo próprio no PROED – Programa de Editais)
Distribuição e divulgação:
b.1) apoiar com infraestrutura a promoção de feiras de produtos em eventos e
festivais;
b.2) instituir Semana de Consciência Negra;
b.3) criar Festival da Diversidade Cultural;
b.4) criar Centro de Referência de Cultura Afrobrasileira.
[FASES contempladas por indicações gerais]
Troca: deve-se estimular ações com acesso gratuito e oferta de financiamento
através de editais.
Fruição e uso: estimular debates a diversidade cultural e étnica nas escolas.
1328
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. relatórios dos
- SM Educação
1.1 oficineiros;
(implementação Oficinas semanais
Oficinas Curto prazo Anual . quantificação
da Lei 10.639); (a definir)
de cultura afro das ofertas em
- mestres griôs
eventos e feiras.
. relatórios
dos grupos
1.2 - Secretaria de
apoiados;
Editais para fomento Promoção da Programa
Curto prazo Bienal avaliação da
das ações dos Igualdade Racial bienal de editais
atratividade
quilombos (SEPIR).
territorial
gerada.
Realização
- Territórios de feiras com
1.3 - procura pela
quilombolas participação
Promoção de Feiras Curto prazo Diversa participação
e outros de produtos
de produtos em feiras
grupos locais de grupos
afrobrasileiros
- envolvimento
dos grupos com
a realização
1.5 Criação de - escolas
Realização anual de festivais
Festival da Curto prazo Anual municipais
dos Festivais - capacidade
Diversidade Cultural - ONGs
geral de
atratividade
dos eventos
1329
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Exemplo exploratório 3:
Segundo levantamentos da realidade e demandas do município de ANGRA
DOS REIS apontadas n a 8ª Conferência municipal de Cultura (2013), destacou-
-se como DESAFIO, dentro do eixo TURISMO CULTURAL, PATRIMÔNIO
AMBIENTAL E CONSTRUÍDO, ações de preservação e valorização do
patrimônio histórico-cultural e ambiental.
Levando em conta as fases do circuito ou sistema de produção cultural, temos:
Criação / Produção:
a.1) desenvolver oficinas regulares de educação ambiental e patrimonial nas
escolas públicas;
a.2) implementar editais para pesquisas históricas, e publicações;
a.3) realizar inventário do patrimônio arquitetônico (formal e afetivo);
a.4) ações de arqueologia.
Distribuição e divulgação:
b.1) contratação de técnicos em conservação, manutenção e restauração do pa-
trimônio histórico;
b.2) implementar programa de visitas guiadas aos bens arquitetônicos
e ambientais;
b.3) criação de arquivo público, abrigando também o acervo do Museu de
Artes Sacras;
b.4) criação e fiscalização de leis de patrimônio (tombamento de sítios históri-
cos, conjuntos arquitetônicos e paisagens culturais e naturais);
b.5) criação do Conselho de Patrimônio, com participação da sociedade civil;
b.6) criação de Escritório do Patrimônio Ambiental, localizado em Ilha Grande.
[FASES contempladas por indicações gerais]
Troca: deve-se estimular ações com acesso gratuito e também subsidiadas por
instituições localizadas em bens históricos.
Fruição e uso: estimular debates, visitas e publicações.
1330
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Formas de
Tempo de Ciclo de Resultados
Ações propostas Possíveis parceiros avaliação dos
implementação frequência Esperados
resultados
. relatórios dos
1.1 oficinas
professores;
de educação - SM Educação; Oficinas s
Curto prazo Bianual . programa de
ambiental - instituições locais emestrais
redações
e patrimonial
escolares
1.3 inventário
Patrimônio - bens
patrimônio Curto prazo Único universidades
inventariado inventariados
arquitetônic
1.5 contratação de
técnicos (conserv., Técnicos - quantitativo
Curto prazo Único
manut. e restaur. contratados contratado
do patrimônio)
1.10 criação de
Escritório do Escritório em Ilha - ações do
Longo prazo Único - IBAMA
Patrimônio Grande Escritório
Ambiental
1331
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Exemplo exploratório 4:
O eixo 4 - SOCIABILIDADE, COMUNICAÇÃO, PARTICIPAÇÃO
SOCIAL E DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICO
SUSTENTÁVEL – se estrutura em ações muitas vezes transversais aos outros
eixos. A criação de Conselhos com integrantes da sociedade, e ações de
comunicação e interação entre governo e sociedade servem como ilustrações
desta questão.
Pensou-se, aqui, em uma breve frente de ação ligada ao município de
ARRAIAL DO CABO, a saber: fortalecer a institucionalidade e gestão
participativa das políticas municipais de cultura.
Formas de
Tempo de Ciclo de Possíveis Resultados
Ações propostas avaliação dos
implementação frequência parceiros Esperados
resultados
- Entidades e
1.1 grupos Participação da
Realizar locais Conferências sociedade e de
Curto prazo Bienal
Conferências Muni- - Escritório realizadas representantes
cipais de Cultura Regional do governamentais
MinC
- Entidades
municipais
1.2 Reuniões do
- SM de Educ.
Criar e implantar o Conselho Conselho;
Curto prazo Único - SM de Meio
Conselho Municipal instituído Participação dos
Ambiente
de Política Cultural munícipes
- Câmara de
Vereadores
- SM de Fundo
1.3 Instituir Editais
Finanças regulamentado
Fundo Municipal Curto prazo Único realizados
- Câmara de e em
de Cultura e pagos
Vereadores desenvolvimento
5. À GUISA DE CONCLUSÃO...
O processo de dinamização junto aos municípios tem se revelado muito promissor. Há
municípios que nunca realizaram uma conferência de cultura e cujos encontros de dinamização
1332
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para alavancar o processo de construção do plano de cultura têm se mostrado potentes inclusive
para instituir redes locais. Há municípios que já tem plano de cultura formulado, mas que vêm
percebendo na metodologia proposta uma possibilidade de se alcançar formulações mais con-
cretas e realizáveis no tempo. Houve proposta para estruturar site para acompanhamento das
ações do Plano em permanente processo de avaliação pela sociedade civil. Enfim... processos
potentes em várias perspectivas.
Por outro lado, gestores governamentais têm percebido a necessidade de se pensar o plane-
jamento de modo processual e compartilhado, pois as dificuldades de “escutas” e “presença” são
realmente grandes... (mesmo quando bem intencionados, gestores não são oniscientes nem onipre-
sentes; portanto o compartilhamento deve ser uma ação imanente aos processos de planejamento).
Pelo viés da universidade, as articulações técnicas têm possibilitado maior aderência
entre formulações teóricas e práticas sociais, saindo – cada vez mais – dos muros às vezes en-
castelados da academia...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Programa n. 74, out. 1985a.
BRUNNER, José Joaquín. A propósito de políticas culturales y democracia: um ejercicio formal.
Santiago de Chile: FLACSO, 1985. Programa n. 254, ago. 1985b.
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Definiciones en transición. In: MATO, Daniel (org.) Cultura, política
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clacso.org.ar/ar/libros/grupos/mato/GarciaCanclini.rtf. Acesso em 11/02/2016
LIMA, Deborah Rebello ; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Ponto de cultura: novas tipologias de fomento
a circuitos culturais – um exemplo brasileiro. Colonialismos, Pós colonialismos e lusofonias - Atas
do IV Congresso Internacional em Estudos Culturais. Abril 2014, p. 852-859. Disponível em http://
estudosculturais.com/congressos/ivcongresso/wp-content/uploads/2014/04/atas-PT-final.pdf>. Acesso
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RODRIGUES, Luiz Augusto F. Gestão cultural e seus eixos temáticos. In: CURVELO, Maria Amélia [et
al.] (org.). Políticas públicas de cultura do Estado do Rio de janeiro: 2007-2008. Rio de Janeiro: Uerj/
Decult, 2009. pp. 76-93
RODRIGUES, Luiz Augusto F.; CASTRO, Flávia Lages de. Gestores culturais: proposta de categorização
– nuances etnográficas. - Anais do XI RAM / Reunión de Antropologia del Mercosur. Montevideo, 2015.
s/p. [Ainda não disponível on line]
SOUZA, Ana Clarissa F. de. Sistema Nacional de Cultura e Gestão Compartilhada: um estudo sobre o
processo de construção do Sistema Municipal de Cultura de São Gonçalo – RJ. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2015.
1333
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RESUMO: O presente texto tem como objeto a reflexão sobre a gestão participativa da Rede
de Pontos do Estado do Rio de Janeiro, que representa parte da política pública federal Cultura
Viva, de promoção e garantia da diversidade cultural do Ministério da Cultura. O objetivo é
desenvolver uma análise crítica da relação entre a gestão participativa da Rede de Pontos do
Rio de Janeiro e o processo democrático de inclusão de diferentes subjetividades. O estudo
pretende identificar e analisar em que medida os mecanismos de participação estabelecidos pelo
Cultura Viva geram oportunidades e condições efetivas de participação, em termos da inserção
dos diferentes segmentos da diversidade cultural que povoa os Pontos de Cultura do estado, e
quanto isso pode favorecer o alargamento dos mecanismos de participação da Rede Nacional do
Pontos e da sociedade como um todo, contribuindo para a democratização da fruição e produção
da Diversidade Cultural Brasileira.
1. CONTEXTO HISTÓRICO
O programa Cultura Viva foi lançado em 2004, quando o cantor tropicalista baiano, ne-
gro e compositor, Gilberto Gil2 estava à frente do Ministério da Cultura, no primeiro mandato
do governo de Luis Inácio Lula da Silva. A inovação cidadã da política pública de diversidade
cultural se revelou em diferentes dimensões, especialmente pela sua capilaridade: em dez anos
atingiu 1.000 municípios em 26 estados, fomentando projetos sócio-culturais de diversos seg-
mentos da cultura brasileira. Os projetos foram batizados de Pontos de Cultura. Esta política
pública atingiu a cultura de base comunitária, juventude, quilombolas, comunidades tradicio-
nais, cybernautas, a produção cultural urbana, a cultura popular, e todos os tipos de linguagem
1
Mestre em Antropologia e Sociologia pelo IFCS-UFRJ, fundadora da Escola de Pesquisa de Jovens Pesquisa-
dor@s de Nova Iguaçu, desenvolve pesquisa-ação participativa a 2 décadas, em parceria com a sociedade civil
organizadas e a gestão pública, co-fundadora do GT Pesquisa Viva da Comissão Nacional do Pontos de Cultura, é
ponteira da Casa Nuvem. Email: marcellafvc@gmail.com
2
Praticante da diversidade cultural em sua musicalidade, mistura várias tradições e linguagens da diversidade
cultural brasileira com tecnologia digital.
1334
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artística e cultural3, chegando a territórios que historicamente não tinham atenção do estado no
que diz respeito a saúde e saneamento básico, muito menos às práticas e ações culturais locais.
O objetivo da política era reconhecer os agentes culturais ativos, invisíveis às políticas
de estado e ao mercado, mas que contribuem amplamente no desenvolvimento das comunidades
locais, nas palavras de Gilberto Gil:
“clarear caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar. Para fazer uma es-
pécie de ‘do-in’ antropológico, massageando pontos vitais, mas momen-
taneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país” 4.
Indo na contramão do pensamento hegemônico das classes dominantes, pela necessidade
de levar Cultura ao Povo Brasileiro (TURINO 2009).
O Ministério da Cultura elaborou um edital, aberto às organizações sem fins lucrativos
que desenvolvessem ações com impacto sócio-cultural nas comunidades de baixa renda em todo
o território nacional. Os pilares metodológicos de implementação do Cultura Viva eram e são:
1. O financiamento de R$ 60.000,00 por ano, durante três anos; 2. Disponibilizar equipamentos
com software livre e acesso à internet, para produção e edição multimídia; 3. Promover oficinas,
cursos, acompanhamento, intercâmbio e instigação via meios de difusão do Cultura Viva; e 4.
Plataforma web de distribuição - compartilhamento das produções simbólicas e conhecimento
tecnológico, gerados pela ação autônoma em rede dos pontos de cultura. Na 1a. edição do edital
foram inscritas 800 propostas e selecionados 214 projetos de todo o território nacional.
A implementação e gestão dos projetos do Programa Viva, dos 214 Pontos de Cultura,
era realizada diretamente pelo MinC. Foram muitas as dificuldades de gestão, devido às distân-
cias geográfica, territorial e educacional, e entre gestores5 e ponteiros6. A política em operação
revelou que as contrapartidas exigidas pelos convênios7 influenciam no cotidiano dos agentes
culturais (IPEA, 2011; COSTA, 2008), alterando suas práticas nos projetos de Pontos de Cultu-
ra, destacando-se: as exigências de execução e prestação de contas dos recursos repassados; os
desafios e benefícios que a novidade e a dificuldade de acesso ao universo digital compreendem;
a necessidade da comunicação interna e externa, considerando o mundo virtual como a principal
base do acompanhamento e fomento da rede8, que com o passar dos anos está fortemente apoia-
da nos encontros presenciais.
3
http://www.cultura.gov.br/cultura-viva1
4
Extraído : http://ecodigital.blogspot.com.br/2004/09/pontos-de-cultura-do-in-antropolgico.html
5
Técnicos do MinC, muitos deles oriundos das universidades, ONGs e militância das áreas da juventude e da
cultura.
6
Como as pessoas que desenvolvem os projetos nos Pontos de Cultura se identificam enquanto rede/campo.
7
Convênios são instrumentos legais e jurídicos que formalizam as obrigações entre o Estado e as instituições
proponentes de Pontos de Cultura.
8
Ainda um dos calcanhares de Aquiles.
1335
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9
Gênero, étnico, geracional, ecológico, rural, estético, artístico em diversas linguagens.
10
Os participantes reconhecidos pelo estado recebem passagem, estadia e alimentação para participar.
11
Um de cada estado.
12
Linguagens artísticas como teatro, dança, música, cultura digital, e também segmentos sociais como juventudes,
indígenas, quilombolas, gênero, LGBT, etc…
1336
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Uma das decisões desse fórum foi a necessidade de ter instituições “experientes13”, como
Pontões14, cujo objetivo seria de fomentar e articular os diversos Pontos, aproximando-os das Re-
des locais e das Redes dos estados e federal. Mais uma vez durante a execução das atividades des-
sas instituições ocorreu uma série de problemas de ordem técnica e burocrática, ligados à fiscaliza-
ção de atividades e à liberação de recursos que descontinuaram as atividades de vários Pontões15.
Em 2012, atendendo às demandas das diversas redes estaduais, foi fundada a Secretaria
da Cidadania e da Diversidade Cultura16 (SCDC) com a função de, entre outras, estimular os
melhoramentos, sistematizar e redesenhar o programa para atender às novas demandas da Rede;
repassar o financiamento e acompanhar os estados e municípios para que distribuam e adminis-
trem publicamente a rede dos Pontos, indo ao encontro do paradigma de desenvolvimento local
delineado por MILANI (2006): “Fomentar uma rede com participação de diferentes atores que
informe, elabore, implemente e avalie as decisões políticas.”
Atualmente, segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados - IPEA (2011),
são cerca de 3.00017 Pontos de Cultura em todo o país, suas ações atendem por volta de oito
milhões de pessoas. Em 2014, o Programa Cultura Viva transforma-se em Política Federal do
Cultura Viva18, cuja meta é implementar 15.000 Pontos no território Nacional até 2020.
Estabelecida a trajetória, no amplo contexto desta política, o desafio do presente texto é
refletir o que é e como acontece a gestão participativa da rede de pontos de cultura, em outras
palavras, levantar e analisar os mecanismos da gestão participativa dentro deste universo rico
em diversidade de modos de vida e expressões culturais, utilizando o estado do Rio de Janeiro
como referência.
Para mergulhar neste universo, adotei como recorte regional o estado do Rio de Janeiro,
por vários motivos: apesar de se tratar de uma política do governo federal, o Cultura Viva é ope-
racionalizado por meio de convênios do MinC com as secretarias estaduais e municipais de cul-
tura em todo o território nacional; O Rio de Janeiro compõe cerca de 10% da Rede Federal dos
13
Pensamos que em um contexto onde é tudo experimental o ser experiente é uma construção de discurso tecno-
crata, o que estava em jogo era a capacidade de fomentar a rede.
14
As instituições selecionadas foram alguns Pontos de Cultura mais antigos, de convênio de 2004 e universidades,
principalmente as públicas.
15
Este desenho da política é retomado para SMC neste ano, 2015.
16
Seu objetivo é fortalecer o protagonismo cultural da sociedade brasileira, valorizando as iniciativas culturais de
grupos e comunidades excluídas e ampliar o acesso aos bens culturais, principalmente no apoio a projetos de espa-
ços culturais denominados Pontos de Cultura e suas unidades de articulação e mobilização denominadas Pontões
de Cultura. Os Pontos de Rede e as TEIAS também são instrumentos de gestão do Programa Cultura Viva. Fonte:
http://www.cultura.gov.br/cidadaniaediversidade
17
No site do MinC está publicada a implementação de 3.500 Pontos, esta diferença de valores corresponde a dois
critérios de contagem diferentes. O IPEA mapeou os Pontos existentes em sua pesquisa realizada em 2011. Já o
Minc contabiliza os convênios implementados, a diferença é que uma mesma instituição/CNPJ, após encerrar o
convênio, pode concorrer ao um novo edital, certa de 17%, estão no seu segundo convênio.
18
Lei 13.018/2014 disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13018.htm
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2. OBJETO DA REFLEXÃO
O objeto desta reflexão é a gestão participativa da Rede dos Pontos de Cultura. Partindo
de baixo para cima, observa-se19 que o cerca de 280 Pontos ativos e pulverizados pelo estado do
Rio de Janeiro, somente 10% a 15% participam dos diálogos sobre a política, seja nos diários-vir-
tuais ou nos periódicos-presenciais. Este número é alterado, em algumas ocasiões estratégicas,
quando há: 1. Presença de pessoas do poder executivo do Ministério da Cultura, da Secretaria da
Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC), das Secretarias de Cultura na agenda do Fórum; 2.
Eleições de delegados regionais ou setoriais para participar de alguma comissão da rede em nível
estadual ou nacional, ou participar de eventos internacionais representando a Rede. Mas, mesmo
nesses casos, o número de Pontos presentes não ultrapassa 50, o que aponta para a baixa adesão
da Rede aos mecanismos de gestão e representação da política pública Cultura Viva. Todavia
cabe indagar quem são esses participantes, o que os leva a participar, e quem são os ausentes?
Para refletir sobre a participação nos fóruns, podemos traçar alguns perfis iniciais. Em
linhas gerais os Pontos são oriundos de três tipos de convênios20, sendo que parte expoente dos
participantes dos fóruns de discussão é composta por pessoas de instituições que assinaram o
primeiro convênio com o MinC21. A pesquisa da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Ja-
neiro22 mostra que essas instituições já realizavam outras parcerias em diferentes secretarias de
estado, o que pode implicar a não renovação de questões, representações simbólicas e disputas
de interesses no âmbito da diversidade cultural do Estado do Rio de Janeiro.
Em 2008, o Programa Cultura Viva passou a ser mais pulverizado, e para garantir um
melhor acompanhamento foi firmado um convênio entre a Secretaria de Estado de Cultura, o
Ministério da Cultura e a União, delegando à administração da SeC 230 novos Pontos no Esta-
do. Apesar do elevado número de participantes nos fóruns e Teias23, pode-se indagar o quanto
dessa participação é instrumental ou se de fato vem ampliar no sentido de incluir e reconhecer
19
Esta percepção se deve a minha participação nestes espaços.
20
Há três tipos de convênios assinados com o Ministério da Cultura MinC (2004), a Secretaria de Estado do Rio
de Janeiro SeC (2007 e 2014), e com a Secretaria Municipal do Rio de Janeiro SMC (2014).
21
2004
22
Inédita que desenvolvi e coordenei ao longo dos últimos quatro anos, iniciada quando eu fazia parte do quadro
de servidores da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro.
23
A presença dos novos Pontos conveniados com a SMC é insipiente.
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as diversidades culturais que vão formando a Rede, na direção dos questionamentos do espaço
que é dado a outras possibilidades de representações da vida, alargando as opções humanas.
Como apontado pelo IPEA24 2011, outro fator importante é que as organizações que
tiveram projetos aprovados25 como Pontos de Cultura são distintas em termos técnicos, buro-
cráticos e financeiros. Na pesquisa da SeC, identifico que há ONGs de pequeno, médio e grande
porte, onde o significado e a dimensão de ter ou ser um projeto aprovado como Ponto de Cul-
tura causam diferentes impactos. Em instituições como Observatório de Favela, Afro Reaggae
e Dançando para Não Dançar, por exemplo, com orçamentos em milhões/mês, o projeto Ponto
de Cultura é somente mais um, enquanto para instituições de pequeno porte como centros de
umbanda, rodas de capoeira, aldeias indígenas, cineclubes de comunidades, nos rincões do Esta-
do, o projeto de Ponto de Cultura não se diferencia da própria instituição26, e todas as pessoas27
da instituição estão envolvidas nas atividades, gerando uma série de dependências financeiras,
administrativas e cognitivas do poder público.
Essas diferenças de porte das instituições, e de localização, próximas ou não das ins-
tâncias de poder28, condicionam a participação dos Ponteiros nas diversos espaços de tomadas
de decisão. Cabe apontar quatro motivos principais: a falta de recursos dos ponteiros que não
podem usar as verbas federais dos Pontos, e nem receber ajuda de custo para participarem29; a
falta de disponibilidade de tempo, no caso de alguns Pontos, a ausência de um Ponteiro pode
prejudicar as atividades do Ponto como todo; o desconhecimento da importância de seu papel
como colaborador da gestão compartilhada dos Pontos; e a dificuldade de acesso às redes virtu-
ais. (ALENCAR, CRUXÊN, FONSECA, PIRES, RIBEIRO, 2013:119).
Legitimados pelo Programa Cultura Viva, (TURINO: 2009) por serem considerados
como uma rede que representa os territórios e a diversidade cultural, desde sua formulação,
ganharam oportunidades de participação na vida pública, ampliada para Conselhos Municipais,
Estaduais, Nacionais de Cultura, de linguagens artísticas, de comunidades específicas, e várias
outras políticas de transversalidade da diversidade cultural, todavia poucos Ponteiros são “qua-
lificados”, conhecem e/ou têm interesse em participar desses fóruns que discutem e decidem
sobre várias políticas setoriais em âmbito municipal, estadual e federal.
24
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
25
São exigidos das organizações que tiveram projetos aprovados: um nível de formalização, técnicas burocráticas
e administrativas que não faziam parte do escopo de atuação da grande maioria destas organizações.
26
Em CAMARGO: 2011, percebe-se que nas pequenas instituições ainda podemos fazer divisões entre grupos que se
formaram para concorrer aos editais e as instituições que já existiam, apesar das dificuldades de sustentabilidade.
27
Segundo dados da pesquisa da SeC, como as instituições, os números de envolvidos e o tipo de vínculo variam
entre os Pontos (CAMARGO:2011).
28
Todas na capital.
29
Dinheiro para passagem, estadia e alimentação, pois os fóruns são itinerantes, cada mês em uma das regiões, o
que implica um montante considerável de recursos. Em algumas ocasiões as gerências disponibilizam “caronas”.
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Outro pressuposto do Cultura Viva a ser discutido, e que pode estar relacionado com
a baixa adesão à participação, é a crença de que distribuir equipamentos tecnológicos seria o
suficiente para fomentar o fluxo de informação e comunicação da rede, permitindo a subida e
descida de conteúdos veiculados pelos Pontos, e produzindo sinergia na Rede.
Sem dúvida, são enormes os benefícios e possibilidades trazidos pelo universo digital.
Todavia a informatização não chegou com forma, intensidade e sentido iguais para todos os
Pontos, sendo amplas as dificuldades e resistências ao mundo virtual, agravadas por não se
poder usar parte do recurso para pagar provedores de acesso à internet (CAMARGO:2011). Ao
final, as discussões e tomadas de decisões são presenciais.
A problemática se entrelaça em três pilares da política: a diversidade cultural e institucio-
nal; a debilidade da implementação da Cultura digital e a consequente fragilidade da rede e da co-
municação; a distância entre a proposta inicial e os mecanismos reais de formas de participação.
Algumas perguntas podem ser indicadas:
• Quais são os diferentes significados de gestão participativa nos Fóruns e Teias?
• Qual é o papel do gestor público?
• Qual é a ação dos participantes dos fóruns?
• A quais segmentos sociais, étnicos, geracionais etc pertencem?
• Quais são as disputas simbólicas e econômicas em questão?
• Quais são os segmentos do universo de Pontos de Cultura do Rio de Janeiro que
estão fora do campo?
• Há outras ferramentas que possibilitam a participação e estão à margem das disputas?
• Quais os mecanismos de gerenciamento das informações e conhecimentos produzi-
dos pela Rede?
• Como são escolhidas, formuladas e usadas as pesquisas contratadas pelo MinC, e
secretarias
de cultura?
• O que significa participar do Programa Cultura Viva?
A percepção a partir da participação mensais dos fóruns, à luz da pesquisa que reali-
zei na SEC é que a maioria dos Pontos de Cultura está à margem da agenda dos fóruns, o que
implica que grande parte das subjetividades, dos sentidos sobre o dia a dia e suas respectivas
representações de mundo fica fora dos processos de formulação e tomada de decisões da gestão
participativa da Rede dos Pontos de Cultura, e seu reverso é que um mesmo grupo de pessoas
vem construindo os espaços de participação desde o seu início.
Problemática - divide-se em dois eixos:
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Uma vez que os projetos e respectivas instituições foram selecionados por edital público.
30
Desde questões como escrever os projetos, fazer a gestão financeira, até a prestação de contas.
31
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tação da lei Cultura Viva no Senado e na Alerj32. No fórum presencial33 acontecem discussões e
são tecidos diagnósticos, que, após serem tomadas decisões nas diferentes esferas de poder, são
abertos aos ponteiros de todos os convênios federal MinC, estadual - SeC e municipal - SMC.
Em contraposição, no fórum nacional, CNPdC, o transporte e a alimentação ficam a cargo dos
interessados, o que na prática inviabiliza a participação de vários ponteiros/as. A verba destinada
aos Pontos não pode ser usada para este tipo de atividade, (MILANI:2006; COSTA:2013).
Em linhas gerais, pode-se descrever a Teia como aberta ao público em geral, mas como
mecanismo de gestão, tomada de decisão e votação tem a seguinte organização em nível nacio-
nal: a. Durante os fóruns estaduais são tirados delegados regionais e setoriais que se encontram
três dias antes da abertura oficial e pública da Teia para discutir questões enviadas pelos fóruns
estaduais e pela CNPdC, relativas aos desafios e estratégias do dia a dia da política pública Cul-
tura Viva, e assim votar e encaminhar propostas; b. Quanto é aberta ao público em geral: cada
ponto pode enviar 1 representante, que se encontrará com gestores públicos, acadêmicos, mili-
tantes das áreas da cultura e social, etc; a dinâmica é que se distribuam em Grupos de Trabalho
– GT, conforme seus interesses, e desenvolvam propostas e encaminhamentos que dependerem
de várias negociações para serem implementados ou não na Rede.
É também neste fórum que há possibilidade da formação de um novo GT. Todas as
propostas são encaminhadas para a assembleia geral, que acontece no penúltimo da Teia, e são
aprovadas ou não. Essas decisões influenciam os fóruns locais e os gestores públicos. Todas as
decisões ficam valendo até a próxima Teia Nacional. Há uma série de mecanismos de escolha de
representantes nos fóruns estaduais para se chegar até as Teias, e acessar oportunidades “tortu-
osas”, no sentido de pouco transparentes, que me proponho a investigar.
Os Fóruns estaduais mensais seguem a pauta determinada por e-mails, onde e quando
todos/as Ponteiros34 têm direito a voz e voto, debatem e deliberam, junto a representantes do
MinC e das secretarias de Cultura. Os temas são os mais variados possíveis, desde a discussão
sobre o significado e representação do que é ser Ponto de Cultura, redesenho de gestão da rede,
até a prioridade de investimentos nas redes, que na prática se traduzem na abertura de novos
editais para fomentar a rede.
As Teias Estaduais, seguindo o mesmo modelo já explicitado da Teia Nacional, são fi-
nanciadas pelo MinC. Participam com direito à voz e a voto um representante de cada Ponto e
um de cada segmento setorial (linguagens artísticas, região, ou diversidade cultural). Os grupos
vão se formando conforme conseguem ampliar seu protagonismo na Rede.
32
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
33
Organizado e patrocinado por Pontos de Cultura.
34
Na trajetória da política estes fóruns foram agregando outros atores, pesquisadores acadêmicos ou não, artistas
e agentes culturais que trabalham com diversas linguagens e segmentos sociais.
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35
Fonte, análise dos formulários de inscrição dos membros do fórum.
36
Em 10 anos houve quatro Teias Nacionais.
37
Em oposição ao centro, à área metropolitana.
38
Os projetos tiveram que ser requalificados com a ajuda de um corpo técnico da SeC, o Escritório de Apoio à
Produção Cultural, EAPCult.
39
Como os territórios culturais são dinâmicos (TORRES, 2001), muitos planos de trabalho tiveram que ser refeitos.
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É importante esclarecer que o segundo edital, 2007, estava aberto a 200 grupos/organizações (com CNPJ). A
41
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Mapa 1*: Distribuição dos 75 Pontos de Cultura conveniados pelo MinC 2004
Mapa 2*: Distribuição dos 196 Pontos de Cultura conveniados pela SEC 2008
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A Tabela 1, sem considerar o edital da SMC, confirma concentração de 58% dos projetos
de Pontos de Cultura na região metropolitana, cuja a densidade demográfica equivale a 75% da
população do estado.
Ao desmembrarmos a região metropolitana, como propõe o Conselho Estadual de Cul-
tura, em 3 sub-regiões tecemos as seguintes reflexões: a capital concentra 35,5% dos convênios,
seguida pela Baixada Fluminense 13% e Leste Fluminense com 9%. Importante destacar que as
essas duas últimas regiões se caracterizam por agregarem municípios dormitórios, na sua maio-
ria, com baixos índices de saúde, educação, saneamento básico, e cultura, com alta densidade
demográficas 23,6% e 12,6% da população do estado, respectivamente.
Podemos observar algumas tendências na distribuição entre as regiões, na Baixada Li-
torânea, Médio Paraíba, Serrana, cada uma conseguiu acessar em média de 9% dos convênios;
enquanto as regiões, Centro Sul, Costa Verde, Nordeste Fluminense em torno de 4%; região
Norte acessou apenas 3%.
Apesar da orientação de não selecionar Pontos dentro do município do Rio de Janeiro,
o edital da SeC 2014 selecionou 2 Pontos na Capital, em destaque em rosa, todavia trata-se
de instituições indígenas, incluindo esta diversidade cultural no contexto urbano da rede dos
Pontos de Cultura.
Aqui cumpre destacar que, deste conjunto de Pontos do estado, cerca de 15% das insti-
tuições se sobrepõem, ou seja, foram conveniadas primeiramente pelo MinC, e depois pela SeC
e/ou SMC, no total são 303 instituições Pontos de Cultura.
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1. INTRODUÇÃO
A Dança é uma das linguagens artísticas mais antigas que se tem conhecimento, com re-
ferências ainda no período pré-histórico. Estatísticas do IBGE do ano de 2006 (Pesquisa MUNIC
que avaliou o perfil dos municípios brasileiros) apontam que a Dança é a linguagem que, em
segundo lugar – apenas atrás do artesanato –, reúne o maior número de grupos artísticos por mu-
nicípio no país, com índice de 56,1%. Porém, mesmo considerando-se esse percentual, que hoje
é certamente maior, o que se sabe é que há uma escassez de ações específicas do poder público
para a área. Fato é que a Dança é uma expressão artística plural, que representa diversos estilos
de manifestações, crenças e técnicas, mas que tem um histórico de marginalização e de não
reconhecimento pelo Estado e pela sociedade enquanto área autônoma produtiva. A Dança é,
além de tudo isso e conforme demonstrará o presente artigo, uma área de atuação política.
1
Advogada atuante na área de Cultura e Terceiro Setor, Diretora Executiva da Sociedade Amigos de Alfredo An-
dersen. Pós-graduada em Gestão de Projetos Culturais pela USP. Bailarina e professora de dança, integrante da Cia
Flor de Lótus em Curitiba. Produtora cultural. Conselheira da área da Dança no CONSEC – Conselho Estadual de
Cultura do Paraná (12-14). Conselheira do Fórum de Dança de Curitiba. Membro da Comissão de Assuntos Culturais
da OAB/PR. Membro do Colegiado Nacional de Dança – CNPC/MINC 2015-2017. marsouzadv@hotmail.com
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Sendo assim, essa pesquisa pautou-se na hipótese de que a articulação política na área
Dança passou a se empoderar e reconhecer sua força de representatividade a partir do apro-
veitamento dos espaços de participação social institucionalizada oportunizados pelas políticas
culturais do Governo Federal iniciadas em 2003, e, além disso, das organizações populares des-
centralizadas que surgem nesse mesmo contexto, o que legitima a categoria dentro do universo
da democracia participativa e faz com que se perceba seu lugar frente às políticas públicas, sua
expansão em termos sociais, econômicos, políticos e culturais.
Resta claro, portanto, a importância de se averiguar o desenvolvimento da relação entre
poder público e a área da Dança, verificando as propriedades e especificidades relacionais que
a classe partilha com as políticas culturais do País e de que forma resultam e impactam nas
transformações político-institucionais ocorridas nos equipamentos e também em componentes e
relações decorrentes de fatores externos ao sistema, além de sua própria área artística.
1352
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Parágrafo único do Artigo 1º da Constituição Federal: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
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No ano de 2005, foi promulgado o Decreto nº 5.520, que veio reestruturar o Conselho
Nacional de Política Cultural (órgão colegiado integrante da estrutura básica do Ministério da
Cultura). Este órgão, instalado definitivamente em dezembro de 2007, tem como finalidade
“propor a formulação de políticas públicas, com vistas a promover a articulação e o debate dos
diferentes níveis de governo e a sociedade civil organizada, para o desenvolvimento e o fomento
das atividades culturais no território nacional” (Disponível em: http://www.cultura.gov.br/cnpc/
sobre-o-cnpc/. Acesso em 10/09/2015).
Pela primeira vez composto por membros eleitos pela sociedade – além do poder públi-
co federal, estadual e municipal; de setores empresariais, culturais e de fundações e institutos
–, o CNPC forma-se pelos seguintes entes: I - Plenário; II - Comitê de Integração de Políticas
Culturais; III - Colegiados Setoriais; IV - Comissões Temáticas e Grupos de Trabalho; e V -
Conferência Nacional de Cultura.
Ainda no ano de 2005 foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Cultura, advindo desta
a proposta de Emenda Constitucional nº 48/05, a qual prevê a criação do Plano Nacional de
Cultura (PNC), aprovado em dezembro de 2010.
O PNC é ponto de partida para a concretização do Sistema Nacional de Cultura (SNC),
aprovado pela Câmara dos Deputados através da PEC 416/2005. Com a articulação e a integra-
ção de fóruns, conselhos e outras instâncias de participação advindas da sintonia pretendida no
SNC, pretende-se que haja uma superação das ausências no campo das políticas culturais do
país5, com a consequente consolidação de estruturas e de políticas, pactuadas e complementares,
que viabilizem a existência de programas culturais de médios e longos prazos, não submetidas
às intempéries conjunturais.
A aprovação pela Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda à Constituição 416/2005,
acrescentou o artigo 216-A à Constituição para instituir o Sistema Nacional de Cultura (SNC). O
processo de construção do Sistema Nacional de Cultura já está em andamento há algum tempo
em todo Brasil, em que pese em estágios bem diferenciados. Isso porque a implantação do SNC
possui como prerrogativa com a criação, por Estados e Municípios, de órgãos gestores da cultu-
ra, constituição de conselhos de política cultural democráticos, realização de conferências com
ampla participação dos diversos segmentos culturais e sociais, elaboração de planos de cultura
com a participação da sociedade (já aprovados ou em processo de aprovação pelo legislativo),
criação de sistemas de financiamento com fundos específicos para a cultura, de sistemas de in-
formações e indicadores culturais, de programas de formação nos diversos campos da cultura e
5
Segundo Rubim (2009, p. 32), nos últimos cem anos, o percurso histórico das políticas culturais foi permeado
por propriedades como ausência, autoritarismo e descontinuidade, sendo esta última também mencionada pelo
autor como “instabilidade” e compreendida como uma “conjugação de ausência e autoritarismo”. O autor ainda
estabelece como “tristes tradições e enormes desafios” as políticas culturais no Brasil (Rubim, 2007).
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de sistemas setoriais articulando várias áreas da gestão cultural. Isso já têm ocorrido em diversos
municípios e estados do país nos últimos anos. (BRASIL/MINC, 2011, p.3).
Ou seja, o MinC agirá elaborando as proposições políticas através de um processo de
consulta pública instalado em distintas instâncias e fóruns de cultura, juntamente com a experi-
ência vivenciada pelos entes da federação e a sociedade civil, além da incorporação de experi-
ências sistêmicas de outras áreas da gestão pública no Brasil (VELLOZO, 2011, p. 46).
A coordenação do SNC compete à instituição pública responsável pela execução das
políticas da área cultural. Assim, a nível nacional, o órgão gestor é o Ministério da Cultura,
no nível estadual, são as Secretarias Estaduais de Cultura e, no nível municipal, as Secretarias
Municipais de Cultura (ou órgão equivalente).
Para concretizar a almejada articulação, pactuação e deliberação pretendidas, aliam- se
nesta estrutura os Conselhos de Políticas Culturais, as Conferências de Cultura e as Comissões
Intergestoras. Os Conselhos e as Conferências de Cultura integram claramente o objetivo do
SNC de vincular diálogos permanentes com a sociedade civil. Tanto os Conselhos quanto as
Conferências acontecem nas três instancias federativas: municípios, estados e federação, cada
qual em seu âmbito de abrangência e necessidades especificas, sempre com o foco de aderir ao
modelo de rede sistêmica proposto pelo SNC.
Para a concretização desta rede de articulação, o SNC prescinde dos seguintes instru-
mentos de gestão, ressaltando novamente que, como todos os mecanismos desse Sistema, estes
instrumentos também necessitam existir nos três entes federativos: Plano de Cultura, Sistema
de Financiamento da Cultura, Sistema de Informações e Indicadores Culturais e Programa de
Formação na Área da Cultura.
Para a plena satisfação desse modelo sistêmico, e para o funcionalismo do mecanismo
do SNC, far-se-á necessária cooperação, aceitação e comprometimento dos municípios, estados
e distrito, instituindo uma relação embasada pela coparticipação. A diferença em relação aos
modelos de política cultural anteriores reside no fato de ser o SNC uma instituição de pensa-
mento sistêmico, que provoca nas instituições e respectivos gestores de cultura a necessidade
de se colocarem a par da estrutura proposta, bem como de firmar um Acordo e de cumprir e
implementar o chamado CPF da cultura: Conselhos, Participação Social por meio dos espaços
de participação e o Fundo de Cultura (VELLOZO, 2011, p.50)
Além disso, podem também ser destacados como inovações no campo das políticas cultu-
rais do mencionado período a reorganização do Fundo Nacional de Cultura, por meio de Comitês
Técnicos; a formulação de projetos de lei com a revisão da Lei Rouanet e elaboração do Procul-
tura; o Programa Cultura Viva; o Vale-Cultura; a abertura de consultas públicas para ocupação
de espaços de representatividade nessas instâncias e a elaboração dos planos setoriais das áreas
artísticas e de áreas da cultura; e a Proposta de Emenda Constitucional 150 (PEC 150/2003), para
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destinação de recursos à Cultura com vinculação orçamentária de 2% a nível federal, 1,5% esta-
dual e 1% municipal; e, recentemente, a implementação do Plano Nacional das Artes.
Uma vez demonstrados os princípios e funcionamento do Sistema Nacional de Cultura,
cumpre agora traçar a relação da área da Dança, enquanto área autônoma de produção e articula-
ção política, com os mecanismos do SNC e os espaços institucionalizados de participação; qual
o contexto histórico dessa organização da área e por que ela se potencializou na última década,
já que esteve presente em todo o mencionado processo de inovação das políticas culturais no
Ministério da Cultural e construção do SNC, além das conquistas relacionadas à especificidades
da própria área.
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O primeiro registro que se tem conhecimento de artistas da Dança reunidos para discus-
são sobre sua situação profissional data de 1979, referindo-se ao Concurso Nacional de Dança
realizado em Salvador/BA, no ano de 1977. Daí surgiram outras iniciativas pelo país, como por
exemplo, a 1ª Mostra de Dança Contemporânea de São Paulo no Teatro Brasileiro de Comédia
(TBC), em 1979, inclusive contaminando ações da esfera de poder federal como os ciclos de
Dança, realizados no Rio de Janeiro, a partir de 1978 (KATZ,1979). No âmbito de poder federal,
a criação da Funarte em 1975 também é considerada, ao lado da atuação do SNT, como marco
inicial de ações para a área da Dança.
Em 1981, o SNT vira Inacen, e a Dança permanece como área de atuação, ocupando
um espaço na nova instituição denominado Serviço Brasileiro de Dança (SBD). Já em 1987 o
então Inacen passa a ser denominado Fundacen, e o SBD transforma-se em Instituto de Dança.
Tal manutenção de um espaço específico para a classe se deu em virtude de reivindicações dos
próprios artista da Dança (VELLOZO, 2011, p.137).
Em 2000, o destaque é para o “Mapeamento Rumos Dança Itaú Cultural”, primeiro levan-
tamento oficial abrangendo a área. Passa-se agora a analisar a Dança no período que se inicia em
2003, pós eleições presidenciais e considerado um novo marco para as políticas culturais. Acom-
panhando o ritmo ditado pelo novo governo de abertura dos canais de participação social, a Dança
esteve presente com suas reivindicações em todo o processo de renovação das políticas culturais
É importante destacar que, a despeito de significativos alcances, não foi efetiva e perma-
nente a autonomia da área da Dança em relação às Artes Cênicas. Para os mais variados demais
aspectos, a Dança permaneceu – e até hoje em alguns casos permanece – sob a rubrica das Artes
Cênicas. Isso implica em divisão dos recursos, e, historicamente, denota-se a falta de critérios
para tal distribuição entre as três áreas (Dança, Teatro e Circo). Há que qualificar o debate das or-
ganizações civis da Dança e dos espaços de representatividade para que a área atinja real autono-
mia, principalmente demonstrando e buscando o reconhecimento de sua autonomia econômica.
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Outros destaques ainda podem ser descritos, como por exemplo a conquista de verba
para o Mapeamento Nacional de Dança nas capitais, reivindicação já de alguns anos pelo Cole-
giado Setorial de Dança - CNPC. Em audiência com a Ministra Marta Suplicy, no dia 29 de abril
de 2014, Dia Internacional da Dança - quando foi protocolado documento com as reivindicações
da Área -, foram direcionados pelo Ministério da Cultura (MinC) a quantia de 1 milhão de reais
para iniciar o projeto de Mapeamento nas capitais brasileiras (base de dados do Colegiado Seto-
rial de Dança, no site do Ministério da Cultura – acesso em 01/10/2015).
O Mapeamento é uma ação de diagnóstico da área e cuja primeira etapa se tornou possí-
vel através de assinatura de Termo de Cooperação Técnica entre a UFBA e FUNARTE/MINC,
no ano de 2015. Os dados deste diagnóstico serão triangulados com as diretrizes e ações propos-
tas no Plano Nacional de Dança.
Em dezembro de 2008 foi disponibilizado no site da Funarte o Cadastro da Dança Brasi-
leira sendo que em 2009 haviam sido realizados 1.731 cadastros entre profissionais, instituições,
espaços, organizações, projetos sociais, fontes de informação, estabelecimentos de ensino, entre
outros. Uma importante iniciativa da Coordenação de Dança em criar este banco de dados para
uma compreensão mais aprofundada da realidade da Dança no Brasil. (VELLOZO, 2011, p.245)
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Logo na introdução, no início do presente artigo, foi trazido a estatística do IBGE do ano
de 2006, que indica que a Dança é a linguagem que, em segundo lugar – apenas atrás do artesa-
nato –, reúne o maior número de grupos artísticos por município no país.
Importante reforçar isso, agora em âmbito conclusivo e após o discorrido nos tópicos
do artigo para avaliar alguns pontos. Primeiro que, mesmo considerando-se esse percentual, à
época não havia ações específicas do poder público para a área, e mesmo assim alcançou esse
patamar de existência – que hoje certamente é maior – no país. Sendo assim, é de extrema rele-
vância que se discuta tanto no âmbito interno da classe de Dança, quanto no âmbito externo do
poder público federal, estadual e municipal.
Por outro lado, é necessário que se atente para o número de organizações de Dança
existents no SNC, que certamente não condiz com a amplitude e territorialidade do país e do
próprio índice do IBGE. Também não orna tal índice com o fato de que, ainda que considerando
os avanços alcançados, a Dança não atingiu a plenitude de sua legitimação nos sistemas politi-
co, economico e também cultural como atividade produtiva que necessita de recursos próprios
e programas que abarquem a dimensão democrática e descentralizada dos eixos específicos que
ainda recebem a maioria dos recursos.
Além disso foi possível a compreensão de que, tanto inserida na estrutura de participação
institucionalizada do SNC, quanto em outros fatores que percebia necessidade, a classe se orga-
nizou e garantiu o mínimo de espaço, para que não permanecesse com ações que muitas vezes
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ção ativa que se aperfeiçoa constantemente. Assim, foi possível perceber que o poder não reside
tão somente nas instituições públicas, mas também e principalmente nas organizações do povo.
Isso é o que espera-se ter sido demonstrado a partir do exemplo da área da Dança neste artigo.
Por fim, e partindo do princípio de que toda ação é também política, como não deixar no ar o
fato de que tudo isso possa se dever à relação indissociável do corpo (dança) com a política?!
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RESUMO: Este trabalho final visa acompanhar os fundamentos básicos para as propostas
conceituais de cultura para a perspectiva culturalista de Benedict e compará-lo à perspectiva
processual de Sapir a fim de revelar possíveis alicerces para a fundamentação de uma política
cultural como instituição política. O interesse reside em entender as diferenças teóricas que
acarretam e se arrolam nessas duas possibilidades acadêmicas e compreender alguns desafios
inscritos para o exercício da política cultural. Para ilustração e reflexão, algumas inserções sobre
o estudo da dança de Kalela, de Clyde Mitchell, serão usadas como encarnação dos problemas
enfrentados por este artigo.
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa procura estreitar as relações entre o campo teórico da Antropologia com os
alicerces práticos da política cultural. Para tanto, procura pontuar a forma como a discussão da
teoria pode organizar novas frentes para ação no campo da cultura, demonstrando como a ação
institucional deve estar comprometida com as contribuições científicas correlatas. Desta forma,
pretende debater como expressões culturais, como o exemplo da dança africana, podem conter
em si um múltiplo universo de enfrentamentos sociais que devem ser levados em consideração
em toda diretriz sobre gestão pública de cultura.
O presente artigo procura ilustrar o conceito de cultura para Ruth Benedict, com base
em sua obra Padrões de Cultura e procura rediscutir aproximações e dificuldades que seu argu-
mento possui quando comparado ao debate sobre cultura autêntica e espúria de Edward Sapir.
A comparação permitirá discutir celeumas específicos do tratamento ao termo e tais desafios
serão interpretados com base no estudo sobre a dança Kalela, na cidade de Copperbelt, na atual
Zâmbia, realizado por Clyde Mitchell, em seus estudos africanos. O intuito final é de cartografar
1
Mestrando em Sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. paiva.marcelosantos@gmail.com
2
Graduada em Biblioteconomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. alerosalba@gmail.com
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denota centralmente os vícios aos quais as ciências humanas não se posicionavam reflexivamen-
te. O aspecto posicional da crença na natureza humana adquiria um status bastante agônico nas
sociedades tribais, uma vez que o valor de humanidade não era externo e alargado à realidade ins-
crita entre os membros insiders; a fim e a cabo, eles eram a própria humanidade e não exprimiam
léxico ao termo. Ruth Benedict se empenha em desafogar, em primeira ordem, a concepção de
cultura da sua teleologia metafísica, no intuito de avançar nos seus próprios estudos.
O sistema institucionalizado de uma cultura permite contextualizar o processo da tradi-
ção, observando experiências e crenças, na gênese dos costumes. A função magistral da antro-
pologia seria, então, criar um corpo capaz de observar diferentes arranjos sociais e compreen-
der como formações culturais se fundamentam de maneiras diferentes e o que esses diferentes
arranjos sociais nos dizem, em termos de universais – por exemplo o animismo e as restrições
exogâmicas. Eles existem sobre as mais plurais e diferentes formas em distintos contextos so-
ciais. Porém, na busca de fugir da obsessão pela origem, que para ela é extremamente conjec-
tural - não é porque a crença é comum à todas as culturas que podemos operar diferenciando
genes numa escala evolutiva; podemos compreender os caminhos que a seletividade opera sobre
a organização dos sentidos num arco de possibilidades culturais.
Fugindo também de uma abordagem funcionalista, Benedict procura encontrar com-
preensões acerca dos espíritos culturais que sedimentam um determinado grupo social. Em di-
ferentes exemplos, a autora destrincha a forma como diferentes fenômenos culturais, como a
puberdade, são plásticos ao tipo de percepção social que se atribui pelo corpo social endógeno.
A configuração cultural constrói ritmos que podem ser conflitivos ou consensuais, mas sempre
entrelaçado aos arranjos específicos que montam um determinado grupo cultural.
Nesta abordagem probabilística, o termo cultura adquire maleabilidade teórica e aglutina
para si a noção de diversidade das práticas sociais. Cada sociedade possui propósitos diferentes
para sua programação societal. Propósitos que tecem experiências institucionalizadas, tornando
as motivações pessoais congruentes, com a criação de padrões de cultura. Tais propósitos com-
partilhados geram experiências similares em um universo vasto de possibilidades. É nesta chave
que o costume torna-se nervo fundamental da investigação antropológica.
Por certo, a correta adaptação pessoal não depende de seguir certas mo-
tivações e evitar outras. A correlação existe em outro sentido. Enquanto
aqueles que têm respostas próprias mais próximas do comportamento
que caracteriza a sua sociedade são favorecidos, aqueles cujas respos-
tas próprias caem na área de comportamento não capitalizada pela sua
cultura ficam desnorteados. Estes anormais são aqueles que não contam
com o apoio das instituições de sua civilização. São as exceções que não
adotaram facilmente as formas tradicionais de cultural. (BENEDICT,
2013, p. 175).
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O olhar para a cultura, para Benedict, é o olhar para sua totalidade, integracional e pro-
babilística. Entender a regularidade do costume e seu aspecto configuracional permite compre-
ender a especificidade total de uma cultura. Não obstante, o papel do costume para a construção
das personalidades revela o grande segredo da antropologia, no momento em que se desloca de
uma análise apenas funcional das partes integradas à uma cultura, mas compreende sua funda-
mentação como mundo gnosiológico. Compartilhando uma noção da Gestalt, Benedict compre-
ende a formação cultural como uma composição de forças, nas quais as partes integradas não
são apenas somadas para o resultado da totalidade, mas geram sentidos e novas informações,
dependendo da forma como se posicionam e se interconectam.
Ao estudar os pueblos, nos Estados Unidos, Ruth tenta observar a cultura deles de forma
holista, na procura de entendimentos sobre o arranjo social, procurando seu núcleo significante:
a vida cerimoniosa. Ao observar os microdetalhes desta vida cerimoniosa, ela percebe diversas
funções no que tange o estabelecimento de uma aldeia como um todo, na divisão do trabalho
mágico, para uma composição harmônica do povo (sociedades médicas, das chuvas, sacerdó-
cio). A vida cerimoniosa é imitativa e conduz os ritos de iniciação à vida sobrenatural, como
uma forma de diferenciação. Esta diferenciação está bastante assentada nas estruturas de heran-
ça de família de seus desempenhos cerimoniais, teocrático. O rito permite que o jovem possua
os códigos que os torna sobrenaturais aos outros. Na produção dessa ficção social, por exemplo,
sociedades médicas se fortalecem à medida que curam, uma vez que quanto mais curam, maior
é seu prestígio sobrenatural.
São muitas e diversas as diferenciações funcionais para participação do cosmo mágico
que comporão seus objetivos de vida. Os objetos sagrados, essenciais para a identificação da
consagração mágica, são conquistados pela família. O relacionamento sanguíneo tem como
núcleo a propriedade da casa e o cuidado dos objetos sagrados. Existe, assim, uma competição,
mas não de forma acumulativa, e sim em torno do sucesso na vida sobrenatural e no esforço de
se colocar como donos de propriedades mágicas e na participação nos papéis cerimoniais. Vale
dizer que as famílias possuem a propriedade sobre o símbolo, mas não sobre o poder mágico. O
poder mágico é coletivizado. O patrimônio pessoal não dignifica economicamente uma família
e nem materializa o poder mágico, mas sim fortalece a linhagem requerida, pelo status de posse.
Desta forma, homens pobres podem desfrutam também do poder, mas podem ter maior dificul-
dade para avançar em um dote sobrenatural, se não tiver linhagem que os permita dominar os
códigos de diferenciação mágica.
De forma resumida, Benedict procura tangenciar o tipo de ethos que esta fundação cul-
tural emite, através de seus costumes institucionalizados; cunhando então o adjetivo de apolíneo
aos pueblos, por exprimir o caráter de interioridade da vida individual perante a harmonia social
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do grupo cultural. O viver em si para o grupo, marca firma do que qualifica-se como apolíneo,
dá exemplo de relevo ao tipo da antropologia relativista que Ruth Benedict se propõe.
O núcleo dos processos culturais dos Pueblo se voltava para a edificação da vida cerimo-
nial como forma de acimentar as tradições e a não-individualidade, em torno dos objetivos em
comuns: experiências na vida cerimonial e proteção aos objetos mágicos. A resposta psicológica
que corrobora com o sentido da cultura pelo povo dá norte ao tipo de fortalecimento cultural
harmônico que indica as bases antropológicas de sua concepção relativista. Com este objetivo,
Ruth Benedict contrapõe, como exemplo, os Salish3 dos Kwakiutl4, compreendendo os primei-
ros como individualistas e os segundos como coletivos, como denota o fenômeno do potlaches5.
Ao defender o processo cultural como arco de comportamento possível que povos es-
colhem e capitalizam em suas instituições tradicionais, Benedict atribui ao termo de cultura um
sentido de fundamentação cristalina que denota certa prevalência nos tipos psicológicos inves-
tigados em seus trabalhos de campo. A abordagem que se debruça sobre a troca cultural pode
revelar a infraestrutura que organiza, no campo da probabilidade, um sentido cognitivo promo-
tor de um sentimento harmônico. Esta infraestrutura pode ser a origem dos frutos de estudos
comparativos. Diferentes grupos étnicos podem ter mesma base material de costumes – difun-
didos amplamente, como as técnicas de mascaras, mas cada grupo irá produzir diferenças sobre
esta mesma base.Desta forma, a configuração cultural é maior que o valor das instituições. Elas
transformam instituições em situações e denotam não apenas o seu funcionamento, mas pode
revelar os mecanismos internos de construção social ao qual a cultura se dedica.
A ficção social de uma configuração cultural pode ser a tradição que corteja objetivos da
vida social, elaborando situações complexas e inteiramente específicas da cultura local. Estas si-
tuações são construções nas quais as motivações pessoais se apresentam por meio de costumes,
norteando a integração grupal de um povo. Logo, o conceito de cultura para Benedict possui
três interfaces: (i) um caráter relativo, (ii) um caráter totalizado e (iii) uma plataforma de signifi-
cações pessoais orientadas. Esta combinatória permite a interpretação antropológica se renovar
perante as chaves conceituais antigas, dando corpo para uma perspectiva alargada, porém ainda
grandiloquente, no sentido de que sua obsessão reside em compreender a cultura como aspecto
totalizado e como orientação psicologizante.
Assim,
Quando estas situações (referindo-se à forma como a conduta social é
plástica) que mesmo numa única sociedade são dinâmicas no compor-
tamento humano, são ampliadas em contrastes entre culturas que têm
metas e motivações tão opostas como a dos Zunhis e a dos Kwakiutl,
3
Grupo indígena na Costa norte do Pacífico, abrangendo EUA e Canadá.
4
Grupo indígena na parte nordeste da Ilha de Vancouver, Canadá.
5
Atividade tribal referente à distribuição de bens após falecimento, típico entre alguns indígenas da América do
Norte.
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mitirá subdividir cultura entre uma autêntica e uma espúria, é o tipo de relação que os indivíduos
possuem com seu meio externo e suas motivações. Baseado nisso, o autor traz uma séria com-
plicação à noção de cultura de Benedict. Ao abordarmos a configuração cultural, como estrutura
de orientações do costume, na interpretação da autora, o papel do indivíduo se esfacela perante
a incorporação cultural de significados. A sua fortaleza conceitual pressupõe um modelo de so-
ciabilidade orientado e um institucionalismo subjetivo, que coordena reações consonantes aos
padrões culturais. Desta forma, a agência processual entre indivíduos, a problemática relacional
entre interesses próprios e motivações coletivas, passa ao largo de sua problematização, ou pelo
menos, passa de forma relativamente passiva.
Benedict parece provocar um pouco deste conflito quando se refere aos casos de anor-
malidades contemplados na organização cultural, sem retificá-los. Entretanto, sua preocupação
acaba por não indagar sobre a reflexividade cognitiva entre indivíduos e ordens sociais. Esta é a
preocupação de Sapir, como um norte teórico necessário ao problema da cultura. Sapir desenvol-
ve, a partir disto, uma crítica sobre a forma como os fins sociais se transformam, principalmente
no tocante da vida ocidental, uma vez que doutrinamos nossas motivações de forma a reconduzir
os fins imediatos7 como fins não essenciais e elevamos como fins primordiais aqueles fins remo-
tos8, de outrora. Em outras palavras, realinhamos nossas motivações por diferentes processos
culturais, que muito têm a ver com a distribuição de nossas motivações e nossa forma de se situar
no mundo simbolicamente. A perda da adesão à uma autenticidade cultural, vem, portanto, muito
mais de um afrouxamento dos reconhecimentos mútuos com o aspecto endógeno do que por uma
distinção moral de valor civilizatório. Esta distinção moral apenas revela o tipo de racionalidade
que coordena os arranjos ocidentais, tornando-se dogma central à vida cotidiana.
O exercício do controle sobre os bens da vida e sobre o posicionamento no patrimônio
cultural tornam-se então importantes balizadores para a compreensão da correspondência entre
cultura e personalidade. Este novo enfoque traz consigo uma distinta forma de abordagem cul-
turalista, que permite antever o caráter psicológico não por uma doutrina do ethos, mas por um
conflito inerente aos jogos simbólicos que se montam como teias em nossas vidas rotineiras. A
cultura para de ser interpretada de forma holista e congregadora, para alçar saltos maiores, ao
elucidar sua capacidade de incorporação e de domínio. Nestas chaves, a ficção social deixa de
ser abordada como uma configuração cultural de padronização e de personalização, mas passa
a ser um drama social nutrido de confrontos que realocam valores simbólicos e desenham re-
pertórios de institucionalização capazes de rearticular os sentidos de progresso, pertencimento
e participação cultural.
Para além dos fins de satisfação primordial, causas acessórias à vida, não essenciais.
8
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Sapir escreve uma teoria da cultura, cunhando a independência entre estar no mundo e
criar o mundo e indagando-se sobre os limites da modulação cultural. Assim, o capital cultural
deve ser menos o foco da volição no mundo, sob esta medida, e sim o interesse intimo com os
processos autônomos de autojustificação e autosatisfatividade.
Apesar da válvula teórica de Benedict ser inovadora por permitir compreender o papel
da cultura na institucionalização dos costumes e logo, das definições entre insiders e outsiders,
é inegável apontar que seus estudos, ao beber da psicologia do seu tempo, acabam por qualificar
um certo efeito imitativo entre indivíduos e centros de equilíbrio da sociedade. Sapir demonstra
que este efeito imitativo não é isento de ação humana, ele é, na verdade, o grau de autonomia,
perante imposição e mestria individual.
Ao invés da cultura ser o sopro da vida da individualidade, Sapir, sutilmente, inverte a
equação, detalhando que o sopro da vida da cultura é a própria individualidade. Esta armação
teórica realinha toda perspectiva entre fidelidades locais, regionais e nacionais, bem como glo-
bais. Se estamos rumando à uma ordem cultural global, a que preço pagamos com o exercício de
nossas individualidades? Se associamos os nossos bens culturais a ideia capital, meramente de
fins não essenciais, estamos cunhando uma ordem social racionalizada anticultural ou podemos
traçar um novo caminho, no quais as individualidades realinhem a cultura global por meio do
que realmente é autêntico ao espírito da cultura como volição no mundo?
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gnose do mundo como à da sua práxis. O encontro entre mundos, numa vasta teia globalizada,
inevitavelmente realinha perspectivas tradicionais a se reinventarem, não em termos unicamente
exógenos, mas em uma polissemia endógena que aglutina o caráter exógeno, cambiando suas
próprias formas tradicionais. O papel do individualismo, do consumo e da divisão comum de
espaços urbanos transformaram os caminhos tradicionais destas sociedades tribais por dentro
e revelam consigo uma noção mais ampla que a perspectiva de Benedict sobre institucionali-
zação de prevalências culturais pode exprimir. Os encontros culturais não se adaptam harmo-
nicamente na medida que criam propósitos sagrados de extremo poder sobre a personalização,
eles transformam o conflito por dentro, se instaurando sobre a razão prática das ações sociais.
Desta forma, a harmonia pode ser imaginada muito mais por um painel de recondução da práxis
cultural, promovendo fenômenos criativos de ressignificação cultural, que não necessariamente
apontam para um processo de fusão cultural, mas para um processo de transformação cultural e
principalmente, de disputas simbólicas sobre o processo de ressignificação.
A fim e a cabo, o debate se traduz pela forma como a estrutura cultural é interpretada, na
medida em que institucionaliza, como é para Benedict, ou se esta estrutura é posicional, disputa-
da e infere, substancialmente, em uma relação de domínio distributivo. A dança Kalela além de
congregar diferentes tribos para suas apresentações e de suprimir suas próprias marcas em uma
ação bastante tribal, reveste a própria questão da etnicidade em conflito.
O uso africano do estilo de vida europeu como um padrão através do
qual se mede o prestígio pode, então, ser visto como um tipo de referên-
cia do comportamento grupal. Os dançarinos mbeni o exibiam, copiaram
os mais óbvios e visíveis símbolos de prestígio. A conexão entre mbe-
ni e kalela é preservada no uso da vestimenta como único símbolo. Os
dançarinos da Kalela não usam mais o uniforme militar, mas as roupas
elegantes dos homens de negócios e profissionais europeus: os africanos,
geralmente, aceitaram os padrões destes homens como aqueles aos quais
eles mesmos aspiram. Os símbolos possibilitaram o menos tangível, em-
bora idealizado, estilo de vida civilizado. O mecanismo é o mesmo, mas
os símbolos de hoje são diferentes. (MITCHELL, 2010, p. 19).
Os atravessamentos das filiações tribais e das filiações socioeconômicas no Cinturão de
Cobre demarcam o lugar destes conflitos e trazem consigo toda a carga simbólica envolvida
como um sistema de estratificação. As composições étnicas e econômicas criavam novas dinâmi-
cas sociais, e, principalmente, rearticulavam novas formas de expressões tribais. Os sentimentos
tribais encontravam novos sopros urbanos e ativavam diferentes respostas às configurações que
se impunham. Contra o pressentimento que o tribalismo se aniquilaria, Mitchell demonstra que
ele se rearranjou de forma a tomar novos caminhos significantes na vida urbana. A dança Kalela
seria apenas uma das formas diferenciadas que o tribalismo assumira.
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denotar perda de autenticidade cultural, mas também podem demonstrar reinvenção cultural.
Com isto, o critério desenhado por Sapir de práxis cultural pode ser dimensionado para além de
um princípio de autosatisfatividade ou de domínio, como desenhara, mas pode ser visto como
um processo de recriação de novas organizações culturais. Estar no mundo também pode ser
entendida como uma categoria em trânsito. Sendo assim, o percurso entre ‘entender’ o mundo,
no seu sentido gnosiológico, e ‘estar’ no mundo, como categoria de prática e domínio sobre
o processo cultural, param de ser engessados – ou até mesmo antagônicos – para se reencon-
trarem como um completo giro da cultura como circuito. É justamente neste quadrante, que a
política cultural deve ser duplamente comprometida: deve levar em consideração a preservação
de diferentes práticas que ilustram diferentes conhecimentos sobre o mundo – e aqui entram as
diversas práticas de preservação do patrimônio material e imaterial, e devem considerar a forma
prática como os cursos culturais reconduzem novas relações de criatividade, de tensionamento e
enfrentamento. Desta forma, a política cultural não se isola como apenas uma política ideológica
ou memorial, e nem se reduz como árbitro em um grande jogo de representações simbólicas.
É importante, portanto, ressaltar a noção de circuito cultural como um processo sobre o
qual a própria política cultural interfere, na medida que objetifica nossos espaços, novos finan-
ciamentos e novos intercâmbios para o exercício das atividades culturais. Desta forma, dialogam
não só com aspectos tradicionais, mas também com possíveis critérios de concorrência social,
como o caráter de classe ou de gênero. Permite-se, desta forma, novos enfrentamentos surgirem
em processos de industrialização da cultura, desenham novas representatividades, criam novas
corporações. Conclui-se, por ora, então, que a política na área cultural deve compreender os
circuitos culturais como experiências na esfera civil e que os sentimentos envolvidos importam
para a compreensão do mundo e para a ação no mundo, e que quando ambos processos são de-
sassociados, corre-se o risco extremo da mesma política encontrar o que há de pior no cuidado
com as práticas culturais. O giro do circuito deve ser completo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. PRÓLOGO
Este artigo é um desdobramento da minha dissertação de mestrado, apresentada em 2015,
no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC MG, intitulada O passado tinha
um futuro: a trajetória do Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte, 1992-2014, com
orientação da Profª Dra Candice Vidal e Souza.
O objeto de estudo foi a construção e a trajetória institucional do Centro de Referência
Audiovisual de Belo Horizonte (CRAV). Um equipamento criado originalmente com a finali-
dade de promover um processo democrático de atualização e de reconhecimento das memórias
coletivas e identidades culturais contemporâneas da população da cidade, em suportes técnicos
audiovisuais, fundado como o embrião da Fundação Museu da Imagem e do Som de Belo Hori-
zonte. Instituição pública do campo da cultura, que possui uma temporalidade, que possibilita a
configuração de sentidos, de significados e de (re) significados, a partir dos relacionamentos que
foram e continuam sendo estabelecidos entre os sujeitos e grupos sociais envolvidos com a sua
história e da pluralidade das manifestações culturais vigentes na Belo Horizonte contemporânea.
Conhecer esse processo de construção institucional de uma política pública do campo
cultural, numa sociedade democrática, para interpretar possíveis sentidos, significados e relações
sociais foi também o que motivou este estudo. Contudo, é importante afirmar que esta dissertação
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propôs pensar a instituição com a intenção de elaborar uma interpretação crítica sobre os fatos
estudados que envolveram a sua trajetória específica e não teve a pretensão de ser um relato his-
tórico conclusivo sobre o seu desempenho e sua existência.
Nessa perspectiva, apesar deste artigo abordar especifica e resumidamente a trajetória do
Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte (CRAV), acredito que as observações nele
contidas talvez possam contribuir para o entendimento de características comuns encontradas na
construção e implantação de instituições e políticas públicas congêneres para o campo da cultura
no país, em suas diferentes instâncias: municipal, estadual e federal.
2. INTRODUÇÃO
De acordo com José Reginaldo Gonçalves, os museus foram e continuam sendo cons-
truídos no país, “[...] como instituições, como um sistema de relações sociais e um conjunto de
ideias e valores, que fazem parte do cotidiano das modernas sociedades complexas e, particu-
larmente, das grandes cidades” (GONÇALVES, 2003, p.171). Um conjunto híbrido onde, às
vezes, memória coletiva e memória nacional podem se confundir. Para Renato Ortiz (ORTIZ,
1985, p.135), enquanto “[...] a memória coletiva se aproxima do mito e é da ordem da vivência
de um grupo social restrito [...], a memória nacional é da ordem da ideologia, o produto de uma
história social, que transcende os sujeitos e se define como um universal que se impõe a todos os
grupos.” Também é nesse contexto ambíguo e ambivalente de construção de memórias e iden-
tidades culturais que instituições como os Museus da Imagem e do Som e o CRAV se inserem.
O primeiro Museu da Imagem e do Som (MIS), implantado no Brasil foi o museu do
Rio de Janeiro, que com o seu pioneirismo contribuiu para a formatação dos outros museus bra-
sileiros do mesmo gênero. Inaugurado em 3 de setembro de 1965, dentro da programação das
comemorações do IV Centenário da cidade, foi idealizado simultaneamente à criação do Estado
da Guanabara. Segundo Claudia Mesquita, esse equipamento foi matriz e fundou um tipo de
museu no país, que se disseminou por várias outras cidades, dedicado ao desenvolvimento de
estratégias de formação e de preservação da memória coletiva e na construção de identidades
culturais locais em suportes visuais e sonoros, e na respectiva guarda desses acervos gerados,
consagrados a narrativas regionais (MESQUITA, 2003).
Para a autora, a criação do MIS Rio de Janeiro foi um fato histórico singular, resultado da
necessidade de reafirmação de um tipo de valor regional específico, em virtude da transferência
da capital nacional do Rio para Brasília (MESQUITA, 2009).
O MIS RJ, “[...] o primeiro museu audiovisual brasileiro e centro de referência e docu-
mentação sobre memória da cidade” (MESQUITA, 2009, p.152), possui hoje um grande e diver-
sificado arquivo, aberto à consulta pública. O seu acervo contempla, principalmente, os campos
da música, do rádio, do cinema, da televisão e da fotografia. O programa Depoimentos para a
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posteridade, iniciado em 1966, tem mais de 900 depoimentos das várias áreas da cultura. Uma
nova sede com 9.800 m2 está sendo construída em Copacabana, na avenida Atlântica.
Primeiro MIS implantado após a experiência carioca, o MIS SP foi oficialmente criado
em 29 de maio de 1970, vinculado à Secretaria de Estado de Cultura, com o objetivo de pro-
duzir e preservar imagens e sons referentes à cultura do estado de São Paulo. Cinco anos após,
com a reabertura do museu em sua sede própria, em 27 de fevereiro de 1975, quando abriu as
portas para o público, o MIS SP assumiu uma outra dimensão, também pretendida desde a sua
concepção. Com o objetivo de ser um museu moderno, capaz de dialogar com o grande público,
desenvolveu ações educativas e de difusão cultural, tendo como suporte objetos e tecnologias
audiovisuais, naquela época, ainda não acolhidas no universo tradicional dos museus. Ao longo
de sua trajetória o MIS SP ampliou as linhas de sua atuação e procurou desenvolver projetos e
programas sintonizados com as tendências do tempo presente, tendo como desafio, no âmbito de
uma sociedade tecnológica, articular memória e contemporaneidade, manter aceso o interesse
do público pelo seu acervo e programação (GONÇALVES, 2007b), promover o intercâmbio
de experiências culturais amplas (regionais, nacionais e internacionais) no estado e, ao mesmo
tempo, empreender as ações relativas à produção da memória e preservação do patrimônio au-
diovisual paulista. Essas duas experiências, a do MIS Rio e a do MIS SP conciliadas, parecem
dar formatação aos outros museus brasileiros afins, como o Centro de Referência Audiovisual
de Belo Horizonte (CRAV).
O CRAV foi oficialmente inaugurado em 16 de novembro de 1995, durante a adminis-
tração do Prefeito Patrus Ananias2, do PT, na gestão da Secretária Municipal de Cultura Maria
Antonieta Cunha. Contudo, um equipamento cultural complexo como esse teve uma gestação
que começou bem antes da sua inauguração. O seu processo de criação específico teve início em
1992, durante a administração da primeira Secretária Municipal de Cultura de Belo Horizonte,
Berenice Regnier Menegale, que abrangeu o período de 1989 a 1992, quando a Secretaria Mu-
nicipal de Cultura foi criada na administração mista dos prefeitos Pimenta da Veiga3 e Eduardo
Azeredo4, ambos do PSDB. Até 1989, cultura e turismo dividiam a mesma pasta na administra-
ção pública da cidade.
2
Patrus Ananias é membro do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi vereador em Belo Horizonte de 1989 a 1992 e
prefeito da cidade de 1993 a 1996. Disponível em: < http://patrusananias.com.br/blog/proposta-editorial/ >. Acesso
em: 20 out. 2015.
3
Pimenta da Veiga membro do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), foi eleito prefeito de Belo Hori-
zonte em 1988, mas saiu da função em 1990 para se candidatar ao governo do estado de Minas Gerais. Disponível
em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Pimenta_da_Veiga >. Acesso em: 20 out. 2015.
4
Eduardo Azeredo, membro do PSDB, foi eleito vice-prefeito de Belo Horizonte em 1988. Assumiu a função em
1990, quando Pimenta da Veiga renunciou para disputar o governo de Minas. Disponível em: < https://pt.wikipedia.
org/wiki/Eduardo_Azeredo >. Acesso em: 20 out. 2015.
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Aqui cabe dizer que a cidade de Belo Horizonte desde a sua construção, no final do sé-
culo XIX, possui registros fotográficos. Boa parte deles foi realizada por iniciativa da Comissão
Construtora da Nova Capital, (CCNP), por meio do seu Gabinete Fotográfico. O objetivo era
registrar o processo de construção da nova capital para dar publicidade das obras e da trans-
formação urbana “[...] que a cidade moderna, tal como pensada pelo Estado, desejada por suas
elites intelectuais, políticas e econômicas”, promovia. (ARRUDA, 2013, p. 228). Parte desse
acervo fotográfico pode ser consultada no Museu Histórico Abílio Barreto, (MHAB) e no Ar-
quivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH). Para Rogério Arruda, esse conjunto de
fotos que mostram o antes e o depois, no processo de transformação do Arraial do Curral Del
Rei na nova capital mineira, inicia também um processo de construção específico de memória
local como descrito a seguir:
As imagens, tal como atualmente nos chegaram, lograram estabelecer
uma relação entre tradição e modernidade, entre antigo e moderno, entre
passado e presente. Todavia, [...] o moderno e o presente não consegui-
ram anular o seu contrário. Por outro lado, o modelo de modernização
conservadora conseguiu impor alguns de seus fundamentos: escolhas
e decisões restritas a uma elite, benefícios distribuídos desigualmente;
sacrifício de legados arquitetônicos, de memórias, e de comunidades
justificáveis em nome do desenvolvimento e do progresso. (ARRUDA,
2013, p. 229-230).
No século XX, os registros fotográficos, cinematográficos e, mais tarde, videográficos
sobre a cidade de Belo Horizonte continuaram a ser feitos, a meu ver, em grande parte subor-
dinados à perspectiva desse modelo de modernização conservadora, citado acima por Arruda
(2013), à medida que os registros eram, em sua maioria, patrocinados pela elite local e, conse-
quentemente, objetivavam a difusão dos seus valores e ordenamentos sociais. Parte desse arqui-
vo histórico sobrevivente está representado no atual acervo do CRAV, hoje, MIS BH.
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4. RUMOS E ABORDAGENS
A trajetória do CRAV pode ser compreendida como um processo de resistência contra
o esquecimento do passado, mas também e, sobretudo, contra o esquecimento das memórias
coletivas e identidades culturais formuladas no presente. Criado com a intenção de formar um
acervo contemporâneo significativo referente à diversidade cultural do município, em suportes
tecnológicos audiovisuais, teve como inspiração inicial o MIS SP, do qual se distanciou com o
passar dos anos, assemelhando-se gradualmente da configuração de instituições tradicionais de
guarda e conservação de documentos históricos.
Durante a sua trajetória, mais especificamente, entre os anos de 1992 a 2014, pude identifi-
car três matrizes de pensamentos diferentes. A primeira, que pode ser representada pelo Projeto de
implantação do Centro de Referências Audiovisuais da Região Metropolitana de Belo Horizonte
(BARROS; et al., 1992), teve como objetivo apresentar um repertório de argumentos conceituais
e operacionais que fossem capazes de justificar a instalação e orientar os trabalhos do CRAV.
Essa primeira matriz de pensamento pretendia iniciar um processo de reconhecimento
e atualização das manifestações culturais plurais produzidas na cidade no tempo presente, em
suportes tecnológicos audiovisuais. Também teve a intenção de formular visões no presente so-
bre fatos culturais históricos do passado de Belo Horizonte. Dessa forma, os responsáveis pelo
CRAV nesse período, 1992-1997, acreditavam que poderiam constituir um acervo futuro em que
o processo recente de produção cultural da cidade pudesse estar continuamente contemplado.
Uma instituição que desejava produzir parte do seu acervo. Experiência que estava em curso
em outras cidades brasileiras com a implantação dos museus da imagem e do som brasileiros,
principalmente nos museus do Rio de Janeiro e São Paulo.
Outra característica dessa produção era que os novos registros levassem em conside-
ração expressões significativas de todos os segmentos sociais que formavam a cultura local.
Introduziu teoricamente o conceito de cidadania cultural como um direito da população para
constituir as suas memórias coletivas e identidades culturais, afastando-se dos métodos oficiais
de consolidação de fatos históricos que privilegiavam as narrativas das elites política, econômi-
ca e intelectual da cidade, desde a sua construção.
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por membros de outras unidades da área cultural da prefeitura. Em síntese, esse pensamento
questionava a validade da criação de um novo museu público na cidade sem antes consolidar o
papel organicamente constituído do Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB), como o museu
responsável pelas manifestações históricas e culturais de Belo Horizonte, em função de dois fa-
tores principais: a escassez crônica de recursos destinados à área de cultura pela administração
municipal e a necessidade, vista como prioritária por esse grupo, de articular políticas públicas
integradas para todas as unidades de memória e patrimônio da cidade. Essa terceira matriz de
pensamento teve grande impacto na trajetória do CRAV entre 2009 e 2011, ao inspirar a reforma
do estatuto da Fundação Municipal de Cultura que modificou as suas atribuições, vinculando-o
à Diretoria de Políticas Museológicas até 2014, quando foi regulamentado como o Museu da
Imagem e do Som de Belo Horizonte.
Interessante reexaminar duas perspectivas que impactaram a trajetória do CRAV. A pri-
meira é a percepção da ausência de equipamentos e políticas públicas para a área da memória e
da preservação do patrimônio cultural da cidade, constatado por Berenice Menegale e equipe,
ao assumir a Secretaria Municipal de Cultura em 1989, o que orientou várias ações durante a
sua gestão, inclusive a idealização do CRAV, com o objetivo geral de iniciar um processo de
transformação do estado de abandono em que se encontrava a área de preservação da memória e
do patrimônio cultural de Belo Horizonte. O segundo aspecto é o debate que se instala entre as
unidades de memória e patrimônio da secretaria, a partir de 1993, na gestão de Maria Antonieta
Cunha, em torno do caráter das políticas públicas para o setor, em função da limitação de recur-
sos, o que parece promover um ambiente de disputa por recursos financeiros entre as unidades
de cultura da administração direta do executivo mais intensa do que o debate conceitual sobre a
memória da cidade e suas perspectivas.
Se a princípio essas duas visões parecem díspares, ao meu ver, podemos dizer que elas
são, também, complementares. A dinâmica cultural parece exigir dos gestores públicos o com-
promisso com uma atitude permanente de aperfeiçoamento, readequação e atualização das orien-
tações e políticas propostas ao longo do processo de construção das instituições e suas políticas,
independentemente de possíveis disputas, mesmo que legítimas, sejam elas motivadas por qual-
quer orientação, com o objetivo de contribuir para que as instituições públicas possam cumprir o
seu papel social profícuo. Esse parece ser um cenário típico ideal, difícil de ser encontrado.
No entanto, sobre o aspecto da função das instituições em sistemas democráticos, gosta-
ria de resgatar perspectivas do pensamento de alguns autores a respeito do tema. J. Feres Júnior
e José Eisenberg, em estudo sobre a importância da confiança em instituições para a construção
de teorias sobre sociedades democráticas contemporâneas, definem o modelo de democracia
que a eles interessa desenvolver, como aquele onde as instituições “devem servir como espaços
de discussão, deliberação e/ou adjudicação de três tipos de demandas sociais: reconhecimento,
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redistribuição e revisão das regras das próprias instituições”. (JÚNIOR e EISENBERG, 2006,
p. 473). A adoção dessa perspectiva conceitual pelos responsáveis pelos órgãos oficiais do se-
tor cultural, acredito que poderia colaborar para elevar o grau de confiança da população e dos
agentes culturais nas instituições, ampliando a participação cívica no processo de construção
de políticas públicas destinadas ao campo da cultura num sistema democrático, aproximando
os discursos das práticas, permitindo a vivência de experiências sociais que podem, decorren-
tes desse tipo de relacionamento, alterar procedimentos tradicionais da administração pública,
muitas vezes, baseados numa hierarquia predominantemente verticalizada e herdados, contradi-
toriamente, de modelos políticos autoritários.
Para Robert D. Putnam, existe, entre aqueles que trabalham com instituições, a concor-
dância de que elas moldam a política e são moldadas pela história.
1. As instituições moldam a política. As normas e os procedimentos ope-
racionais típicos que compõem as instituições deixam sua marca nos
resultados políticos na medida em que estruturam o comportamento po-
lítico. [...] As instituições influenciam os resultados porque moldam a
identidade, o poder e a estratégia dos atores.
2. As instituições são moldadas pela história. [...] A história é importan-
te porque segue uma trajetória: o que ocorre antes [...] condiciona o que
ocorre depois [...] Os indivíduos e suas escolhas por sua vez influenciam
as regras dentro das quais seus sucessores fazem suas escolhas. (PUT-
NAM, 1996, p.23).
Para Jessé Souza, “as instituições são os grandes elementos para melhoria da vida de ho-
mens e mulheres comuns, [mas] normalmente prometem uma coisa e frequentemente entregam
outra” (PAULA, 2015, p. 15). Transformar os seus procedimentos operacionais parece ser es-
sencial para torná-las efetivamente instituições democráticas e republicanas. Ainda, para Souza,
é preciso conferir à instituição pública uma inteligência que a faça capaz de se articular com as
necessidades das pessoas (PAULA, 2015, p. 15).
Mesmo que o debate público sobre a criação do CRAV tenha ocorrido somente entre
segmentos da elite cultural e política da cidade, parece fundamental, para que a instituição
tivesse o seu trabalho reconhecido por uma parcela maior da população da cidade, que por
meio dos seus agentes, ela pudesse atuar com a perspectiva do reconhecimento da alteridade e
pluralidade das manifestações e trocas culturais existentes entre os diversos grupos sociais da
cidade, funcionando como uma “[...] autêntica polifonia de vozes plenivalentes e equipolentes”
(BAKTHIN, 1997, p. 4).
No entanto, isso parece não ter acontecido. A prevalência de uma lógica simbólica con-
densada pelo projeto de implantação do CRAV, sobre uma lógica técnica, que fosse capaz de
realizar as suas premissas norteadoras, e as disputas por recursos e supremacia de pensamentos
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No vídeo Cúmulos, cirros e nimbus5, um dos primeiros registros realizados pelo CRAV,
o professor e doutor em História Econômica, da UFMG, João Antonio de Paula, afirma em seu
depoimento o caráter de exclusão das classes populares no processo de formação sociocultural
de Belo Horizonte:
Belo Horizonte é uma cidade marcada pela mensagem, pela expressão
republicana e também pela vitória de uma certa perspectiva moderni-
zante, que se expressa no traçado geométrico da cidade, na ideia onde os
espaços são cuidadosamente planejados [...] e onde há também uma pre-
sença muito forte de uma ideologia excludente onde a população pobre,
os que construíram a cidade, em princípio, não teriam vez na cidade.
(CÚMULOS..., 1995).
A presença dessa ideologia excludente, à qual se refere João Antonio de Paula, é um dos
aspectos que pode ser observado no acervo histórico e recente constituído de forma contingen-
cial pelo CRAV ao longo da sua trajetória. Ao meu ver, é um dos principais problemas herdados
pelo atual Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte que poderia tentar ser redimensionado
pela instituição.
O CRAV, atual MIS BH, não herdou somente um conjunto de objetos audiovisuais his-
tóricos sobre a cultura do município. Herdou também os conteúdos que estes arquivos expres-
sam, os seus significados, as suas abordagens, os seus discursos e suas funções. Sem um olhar
crítico sobre esse acervo por parte da instituição, os seus herdeiros institucionais arriscam-se
a difundir e consagrar, a reconhecer como legítimos e naturais valores e ordenamentos sociais
nele contidos, trazidos pelas representações audiovisuais da história oficial da cidade, tendendo
a desconhecer os seus limites arbitrários (BOURDIEU, 1996a, p.98), tanto do passado quanto
do presente. Assim, será possível conhecer os sujeitos, valores e as representações simbólicas
que ele carrega, de acordo com princípios democratizantes, que devem orientar as ações das
instituições públicas em sociedades democráticas.
Talvez essa atitude normativa marcante na trajetória do CRAV e que tem como uma
de suas consequências a não promoção de uma produção própria que torne mais equilibradas
socialmente as representações audiovisuais do seu acervo possa ser entendida como expressão,
involuntária ou não, de uma cultura tradicional arraigada, resultante do processo de moderniza-
ção conservador, de um modelo de sociedade idealizado pelas elites locais desde a construção da
nova capital no final do século XIX (ARRUDA, 2013) e que ainda hoje persiste em reproduzir
valores sociais semelhantes àqueles do seu passado histórico, reconhecendo, prioritariamente,
como memória coletiva e identidades locais legítimas da população da cidade as representações
formuladas pelas classes dominantes em detrimento da valorização das manifestações culturais
das classes populares.
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Para o MIS BH, o repertório de ideias e de ações gerados na trajetória do CRAV, pode
credenciá-lo como um lugar propulsor de identidades numa sociedade contemporânea, onde a
dinâmica de construção-destruição de memórias coletivas e identidades culturais possa con-
templar a experiência de vida dos diversos grupos sociais que formam a população de Belo
Horizonte, independente de convenções sociais conservadoras, dogmatismos e pensamentos he-
gemônicos temporariamente.
Nenhuma tecnologia, por si só, pode realizar essa utopia, apesar do atual favorecimento
das tecnologias audiovisuais e dos dispositivos digitais para mediá-la. Seria necessário reco-
nhecer, antes de tudo, que o recorte proposto por grupos, sejam quais forem, se não levadas em
consideração as múltiplas expressões e necessidades dos segmentos sociais que compõem a
população da cidade, é uma questão arbitrária em sociedades democráticas.
Enquanto isso não puder acontecer, penso que estaremos patinando na construção de
museus e políticas públicas para o campo da cultura, por omissão, repetição ou qualquer outra
motivação, por mais bem intencionados que ainda possam ser aqueles que participam da elabo-
ração dos ritos vigentes das instituições.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRUDA, Rogério Pereira de. Cidades-capitais imaginadas pela fotografia: La Plata (Argentina),
Belo Horizonte (Brasil), 1880-1897. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013, p. 157-230.
BAKTHIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
BARROS, José Márcio P. R.; et al. Projeto de implantação do Centro de Referências Audiovisuais
da Região Metropolitana de Minas Gerais. Trabalho elaborado para a Secretaria Municipal de Cultura
de Belo Horizonte em 1992.
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Lei municipal nº 5.553, de 08 de março de 1989. Autoriza o
Poder Executivo Municipal a instituir a fundação “Museu da Imagem e do Som” de Belo Horizonte.
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Lei municipal nº 9.011, de 1º de janeiro de 2005. Dispõe
sobre a estrutura organizacional da Administração Direta do Poder Executivo e dá outras
providências.
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal.. Decreto 14.371, de 13 de abril de 2011. Aprova o Estatuto da
Fundação Municipal de Cultura e dá outras providências. Diário Oficial do Munícipio, Belo Horizonte,
13 abr. 2011.
BOURDIEU, Pierre. Ritos de instituição. In: Bourdieu, Pierre. A economia das trocas linguísticas. São
Paulo: Edusp, 1996b, p. 97-106.
CÚMULOS, cirros e nimbus. Direção Marcus Nascimento e Francisco de Paula. Produção: Emvideo.
Roteiro: Marcus Nascimento e Francisco de Paula. Belo Horizonte: Crav, 1995. 1 fita de vídeo (38 min),
VHS, son., color.
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1. INTRODUÇÃO
O Serviço Social do Comércio (SESC) é uma instituição mantida pelos empresários do
comércio de bens, serviços e turismo em todo o Brasil, voltada para o bem-estar social dos co-
merciários e seus dependentes. Enquadrado como uma entidade paraestatal2, a entidade articula
na sua base constitutiva estruturas que garantem uma vasta cadeia de mobilização de ações ao
longo do território brasileiro, organizada em cinco grandes programas, articulados em ativida-
des e modalidades: Educação, Saúde, Lazer, Cultura e Assistência (SESC, 2010; 2014).
Uma das ações mais destacadas, sua política cinematográfica, ancorada no Programa
de Cultura, é reconhecida nacionalmente pelas contribuições para o segmento dos circuitos de
cinema de arte no país. Composto por um mercado de nicho, os circuitos que abrigam estes cha-
mados filmes de arte são responsáveis pela circulação de grande parte da diversidade de lingua-
gens, estéticas, nacionalidades, formatos e narrativas cinematográficas disponíveis. Embora não
1
Mestre em Memória: linguagem e Educação; Professor substituto do Departamento de História da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia. Email: marcelo_lopes07@yahoo.com.br
2
O SESC integra os chamados Serviços Sociais Autônomos, ou Sistema S, conjunto de instituições criadas e
mantidas pelas contribuições de interesse de categorias profissionais, estabelecido pela Constituição brasileira. Tais
entidades, criadas por lei, de regime jurídico de direito privado, sem fins lucrativos, foram instituídas para ministrar
assistência ou ensino a determinadas categorias sociais. Elas não integram a Administração Pública Direta ou Indire-
ta, contudo, administram, sob fiscalização da União, recursos públicos, especificamente as contribuições parafiscais.
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operem em oposição ao grande mercado, estes espaços guardam particularidades que os perfi-
lam, grosso modo, entre as atividades consideradas como mais “culturais” que “comerciais”.
Eles contribuem também para difusão de muitos filmes de curta e média-metragens que dispõem
de pouca ou nenhuma oportunidade como produtos de trânsito mercantil. É neste universo de
difusão alternativa que o SESC pauta suas programações de cinema, contribuindo tanto como
exibidor quanto educador/formador de plateias, promovendo mostras, festivais, cursos, debates,
oficinas, publicações, eventos, entre outras realizações.
As discussões deste artigo propõem uma análise sócio-histórica sobre o processo de
construção desta política, a partir de recortes da dissertação Memória social e políticas cultu-
rais nas ações de cinema do SESC, desenvolvida durante o curso de mestrado no Programa de
Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia, e defendida em fevereiro de 2015.
O estudo, ancorado na linha de pesquisa Memória, Cultura e Educação, direcionado ao
projeto temático Memória, cinema e processos de formação cultural, toma como eixo as ações
de educação cinematográficas do SESC para a difusão de filmes “não-comerciais” a partir das
reflexões aprofundadas na instituição sobre os temas do lazer e da cultura como tônicas concei-
tuais para a entidade em suas ações pelo Brasil. Trata de um percurso institucional que possibi-
litou, sobretudo a partir dos anos 1980, com a passagem da atuação prioritária do lazer para a
cultura, o desenvolvimento de uma política articulada para a promoção de práticas formativas
estruturadas numa curadoria particularmente composta por filmes de arte, voltada, prioritaria-
mente, para um extenso público de comerciários, familiares e comunidades ligadas a estes.
3
Fazem parte do Programa de Cultura as áreas de Artes Plásticas, Biblioteca, Cinema, Literatura, Artes Cênicas
e Música.
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Embora haja documentos operacionais de referência, não há um projeto sucinto/descritivo do que venha a ser
esta política na instituição. Para os objetivos da pesquisa, foi utilizada uma série de documentos norteadores, dentre
eles, os Modelos de Atividade Cinema (módulos de Programação e Instalação de Salas de Exibição) e diversos re-
latórios de gestão, para a apreensão resumida dos principais critérios aos quais a política de cinema do SESC deve
atender. Esses critérios, dispersos nos documentos, são recorrentes e aparecem ao longo dos métodos de trabalho,
na descrição e nas finalidades das atividades.
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seus diversos programas e atividades fins. Isto significa que toda a gestão da política de forma-
ção cinematográfica da instituição, dedicada quase que exclusivamente à atuação nos circuitos
paralelos de exibição, somente é possível, com considerável regularidade e continuidade, gra-
ças à natureza híbrida da entidade, localizada a meio termo dos interesses de uma organização
privada e pública. É o que permite, por exemplo, que suas atividades possam concentrar-se no
estímulo à formação de públicos nos estratos mais populares da realidade brasileira, sem gran-
des conflitos com a lógica comercial do entretenimento imediato de grandes plateias. Seu papel,
tal como deva (ou deveria) ser a conduta do Estado, em muitos aspectos, não é o de produzir
a cultura, mas formular políticas públicas “que a tornem acessível, divulgando-a, fomentando-
-a, como também políticas de cultura que possam prover meios de produzi-la” (SIMIS, 2007,
p.135), atuando, assim, como um agente de fomento e mediação social.
A segunda reflexão aponta para um processo mais complexo, de negociações e arranjos
sociais e históricos, que se constituíram na razão das transformações sociais em que a cultura
passa a ser um tema caro à construção e às políticas do país e do mundo.
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que incluía, na celebração do progresso, outras instâncias de estímulo à qualidade de vida como
“espaços em que os cidadãos pudessem exercer lazer e cultura” ligados “a esse conjunto de
transformações que se passavam na cidade” (OLIVEIRA, 2009, p. 54-56).
A concepção de progresso, aliada à ideia de sociedade moderna, respal-
dava-se no crescimento econômico do país, especificamente no surto
industrial que abrira transformações de vulto na sociedade brasileira,
sendo São Paulo a cidade mais profundamente afetada pelas mudan-
ças. O projeto desenvolvimentista, implementado desde o pós-guerra,
impulsionava o ritmo das atividades, carreando alterações de monta na
estrutura da sociedade (ARRUDA, 1997, p. 47).
Este novo cenário punha em foco um tema basilar no eixo da vida social: a ideia de
progresso e modernidade não mais dissociava o tempo útil do trabalhador do tempo livre e do
bem-estar destes, incluindo-se aí o tempo para o consumo das mais variadas formas de arte. Essa
nova característica passou a computar, como um índice de produtividade, a qualidade de vida
particular dos indivíduos e principalmente a sua disposição funcional como mão de obra.
O primeiro grande e efetivo movimento no sentido da superação da fase assistencialista
do SESC foi a realização, em 1969, do seminário Lazer: Perspectivas para uma Cidade que
Trabalha, promovida pela entidade e pela Secretaria de Bem-Estar da cidade de São Paulo. A
figura central dessa discussão, o sociólogo francês Joffre Dumazedier, trouxe, para o centro do
debate, suas teorias e conceitos sobre o lazer associado à educação não-formal. Para o autor, o
tempo do lazer alicerça o momento em que o indivíduo pode expressar ou satisfazer seus impul-
sos e desejos, uma “escolha pessoal e livre e seria também oposto ao conjunto das necessidades
e obrigações da vida cotidiana” (DUMAZEDIER, 1976, p. 31). Desse modo, a função recreativa
- no sentido do divertimento - está relacionada com as outras funções de descanso e desenvol-
vimento do lazer, e orientada para a criação permanente do indivíduo por si mesmo. Liga-se à
distinção entre o lazer e o ócio, tomando o lazer como ocupação não-obrigatória, um elemento
de “livre-escolha” de atividades, ação de “recuperação psicossomática”, de desenvolvimento
pessoal e social alcançável por meio das práticas do lazer.
Na centralidade do tema, outros estudiosos viriam somar contribuições que adensaram
as razões para os avanços na visão institucional do SESC: o trabalho do educador suíço Pierre
Furter, que abrangia a ideia de uma pedagogia fora dos regimes escolares, propondo ainda o de-
senvolvimento e os reajustes da personalidade do homem em qualquer época da sua existência
social (BRANDÃO, 1997, p. 17); e a referência do “historiador e filósofo italiano, chefe de uma
das unidades da Unesco nos anos 80, Ettore Gelpi”, que “esteve no Brasil, a pedido do SESC,
para ministrar o curso sobre Lazer e educação permanente” (LEMOS, 2005, p. 50). Os debates
produzidos por estes teóricos levaram o SESC ao gradual deslocamento da sua atuação para um
serviço social voltado às atividades de tempo livre, mudando a estratégia de mediação da enti-
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dade, fazendo-a organizar suas ações de lazer como educativas em si mesmas, onde os proces-
sos de fruição e aprendizagem estavam ligados diretamente à qualidade da atividade propostas
(ALMEIDA, 1997, p. 88-91).
O Programa de Lazer do SESC era conduzido politicamente por duas perspectivas, uma
ligada a um certo senso econômico e utilitário, tendo o lazer com um “reforço” à saúde e à vi-
talidade do trabalhador, visão ainda tributária da vocação assistencialista da entidade (LOPES,
2015, p. 91). A outra cumpria uma função externamente mais estratégica: mantinha-se como
uma alternativa às restrições políticas no país, para o qual o regime militar já havia inviabiliza-
do qualquer tímida iniciativa que pudesse transpirar preocupações educativas muito explícitas
nos processos sociais, incluindo as ações de cinema. As atividades de lazer se ofereciam “como
porta de entrada mais ‘discreta’ para os valores educativos que a instituição pretendia transmitir,
relacionados à educação cívica, cidadania, sociabilidade e integração com o meio social” (OLI-
VEIRA, 2009, p. 66).
Nos anos seguintes, nos debates que progressivamente avançariam para uma maior ênfa-
se ao Programa de Cultura, o processo sistemático de aperfeiçoamento e reflexão centrado nos
quadros técnicos da instituição foi um fator fundamental. A partir da década de 1960, muitos
intelectuais de renome internacional passariam a vir ao Brasil para palestras, seminários, painéis
e outras dessas atividades de formação promovidas pelo SESC (muito especialmente pelo De-
partamento Regional SP), e alguns deles, como o próprio Joffre Dumazedier, se tornariam, ainda
nessa época, consultores da entidade. Por sua importância como agentes em constante capacita-
ção e pontas-de-lança no trabalho junto às comunidades, muitos destes técnicos formariam um
grupo profissional extremamente atento às questões socioculturais. Essa informação é reforçada
pelo Diretor do SESC São Paulo, Danilo Santos de Miranda5, que começou na instituição como
orientador social, em 1968, ao afirmar que
[...] a necessidade do SESC naquele momento era de pessoas com um
perfil capaz de perceber contextos de cada realidade institucional, ter um
olhar humanista, uma formação humanista, porque até então não havia
uma formação específica que habilitasse um profissional a atuar nesse
ou naquele cargo na instituição.
Certamente, muito das práticas sociais ligadas ao trabalho de mediação destes profis-
sionais tem relação com ambientes que frequentavam, na circulação de bens simbólicos para a
constituição de um gosto específico pelo consumo cultural. No que se refere aos ambientes de
cinema, por exemplo, era parte (recomendável) da formação destes técnicos estabelecer víncu-
los com a dinâmica dos processos de aprendizagem no setor audiovisual, uma vez que a sétima
arte, enquanto uma forte expressão cultural, compunha uma das pontas de ação institucional:
Entrevista concedida a Marcelo Costa Lopes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 25 ago. 2014.
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Podem ser contabilizadas entre as personalidades atuantes nesse período, todas com algum vínculo de formação
para o cinema, nomes como Vinícius de Moraes, Glauber Rocha, Jean Claude Bernardet, Leon Hirszman, Gustavo
Dahl, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Helena Ignês, Anecy Rocha, Maria Bethânia, Orlando Senna, João Batista
de Andrade, Walter Lima Júnior, Anselmo Duarte, Othon Bastos, Nelson Pereira dos Santos, Guido Araújo e Rex
Schindler.
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Segundo Renato Ortiz (2006), a indústria cultural, incipiente nos anos 1940/50, se consolida nas décadas de
1960/70. Sua materialização é o resultado da articulação dos interesses do Estado com o avanço de uma nova ra-
cionalidade empresarial nos setores de produção cultural, notadamente na televisão.
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Entrevista concedida a Marcelo Costa Lopes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 18 ago. 2014.
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(...) É preciso que você saiba que esse Programa Cultura está na gêne-
se, no decreto lei de criação do SESC nº 9.853, de 13 de setembro de
1946. Já está lá a cultura, bem como outras atividades. No entanto, este
programa ficou dormitando até o início dos anos 80. Antes, estas outras
atividades [Lazer] é que tinham proeminência. E o Programa Cultura era
o que mais sofria preconceito pelos dirigentes do SESC. (...) Foram al-
gumas pessoas e alguns regionais que pioneiramente começaram a bater
na (tecla) cultura.
A mudança no enfoque institucional para o Programa de Cultura do SESC corresponde,
no plano externo, a um diálogo de interesses desenvolvidos na entidade com o período de trans-
formação social decorrente da abertura política brasileira, com o processo de recuperação das
instituições democráticas suprimidas por duas décadas de regime militar e que impôs um Estado
de exceção às instituições nacionais. A cultura, nos estertores do regime, a despeito da forte pre-
sença de traços de repressão e censura, era o lugar do debate, da reflexão e do exercício da ação
política no Brasil, e visava dar fôlego e consistência às manifestações populares.
Esse contexto encontrou ressonância na percepção de alguns indivíduos dentro do qua-
dro diretivo do SESC (no Departamento Nacional e em São Paulo, de forma mais destacada que
os outros Regionais), sobretudo na crítica que faziam, nesses termos, à noção funcionalista da
cultura restrita ao lazer e ao entretenimento. Sem abandonar os resultados pioneiros alcançados
no trabalho com o lazer, a ideia em proposta era ampliar o conceito, “não sendo visto apenas
como diversão e evasão, mas ao mesmo tempo como cultura e educação” (LEMOS, 2005, p.
52). De fato, a inquietação dentro do SESC sobre os rumos do desenvolvimento do Programa
de Cultura se exprimia cada vez mais forte. Ao longo desse processo de mudanças no país
alguns profissionais acabariam incorporando discussões importantes sobre a prática cultural,
aprofundando pensamentos e debatendo autores como Mike Featherstone, o teórico da cultura
do consumo9. Como desdobramento dessas reflexões, o autor, anos depois, participaria de vários
seminários promovidos pelo SESC e teria livros publicados no Brasil pelo selo da instituição. A
referência de seu trabalho no desenvolvimento de uma política voltada para a cultura aparece,
por exemplo, na expressão intermediários culturais, cunhada por Pierre Bourdieu, e explicada
pelo autor inglês na definição do campo de ação em que atuavam esses técnicos:
Especialistas e intermediários culturais capazes de vasculhar diversas
tradições e culturas para produzir bens simbólicos e, além disso, forne-
cer as interpretações necessárias sobre seu uso. Seu habitus, disposições
e preferências de estilo de vida são tais que eles acabam por se identi-
ficar com os artistas e intelectuais; todavia, nas condições de desmono-
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Featherstone (1995) observa um aumento, no final dos anos 1980, do interesse de se teorizar a cultura, o que seria
resultado da “onda” do pós-modernismo. Busca, com isso, refletir a respeito dos motivos que levaram as ciências
humanas de modo geral a se interessarem por tal assunto. Seu objetivo é entender como o pós-modernismo surgiu
e como se transformou em uma imagem cultural tão influente e poderosa.
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Entrevista concedida a Marcelo Costa Lopes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 18 ago. 2014.
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Entrevista concedida a Marcelo Costa Lopes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 25 ago. 2014.
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demarcou espaço ao possibilitar uma alternativa ao mercado hegemônico, num período em que,
segundo José Carlos Avellar (2014), os cineclubes vinham perdendo força e era cada vez menor
número de salas dedicadas a um cinema autoral. Se nacionalmente, a principal ação da política
do SESC, ainda nos anos 1980/90, era projeto Filmoteca, cujos filmes eram oriundos do acervo
adquirido junto à Embrafilme e/ou a variados consulados, o que se propunha então, na contramão
do mercado, era uma ostensiva difusão de filmes nacionais e outros tantos não-hollywoodianos.
Nos anos seguintes, com a implantação consecutiva dos projetos A Escola vai ao Cinema (2001-
2007) e CineSESC (2008), o que se pôde observar foi uma articulação cada vez mais maior com
as instâncias da vida cotidiana do seu público, por dento da escola formal ou nas parcerias com
instituições públicas e/ou privadas para a oferta sistemática e contínua de filmes que pudessem
ampliar o raio de circulação de obras de outras origens, estéticas e formatos.
Contudo, mesmo desenvolvendo um amadurecido projeto de cultura na perspectiva de
uma educação permanente, alguns obstáculos são muito mais amplos. Apesar de constituir-se,
ao longo dos anos, numa situação bem mais estável que outras organizações atuantes no circuito
alternativo de exibição, graças à sua condição jurídica paraestatal, que administra uma conside-
rável soma de recursos públicos, alguns dos maiores empecilhos para cumprir as finalidades de
ações culturais como as que propõe, situam-se, segundo Isaura Botelho (2003), nos condicio-
nantes do consumo de bens culturais que, mesmo no caso do SESC, compõem-se de entraves
que não se limitam à realidade das estruturas ofertadas pela instituição.
As pesquisas internacionais existentes apontam para o fato de que as
maiores barreiras à aquisição de hábitos culturais são de ordem simbó-
lica. A primeira lição que se extrai desta evidência é a lei do sistema de
gostos: não se pode gostar daquilo que não se conhece; logo, o gostar
e o não gostar só podem existir dentro de um universo de competência
cultural, significando uma soma da competência institucionalizada pela
hierarquia social, pela formação escolar e pelos meios de informação.
Neste sentido, todos os estudos internacionais sobre práticas e consumos
culturais mostram que é necessário observar a correlação entre acessi-
bilidade a equipamentos (...) e outros fatores, tais como recursos econô-
micos, escolaridade e a existência de hábitos culturais prévios aliados à
educação (BOTELHO, 2004, p.13).
Na busca por vencer constrangimentos – de razão econômica, social, política e educa-
cional – para tentar aproximar os públicos diversos da classe trabalhadora de uma curadoria de
filmes cujo perfil de cinema de arte, de um modo geral, pouco lhes interessa de maneira imedia-
ta, as realizações do SESC permanecem como importantes referências para o circuito paralelo
de exibição brasileiro.
Como lembra Avellar (2014), a existência de um circuito de cinema de arte é uma rari-
dade na América Latina, e isso equivale dizer que a manutenção, a continuidade, a regularidade,
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as alternativas de difusão num cenário de lógica comercial mantém-se como fatores altamente
complexos que dificultam a sedimentação do acesso a outros formatos e linguagens cinemato-
gráficos. É neste sentido, que a compreensão da política de cinema do SESC, como resultado de
um projeto cultural ampliado a partir de discussões sobre o lazer socioeducativo, permite-nos
analisar a extensão desta ação, não apenas pela perspectiva curatorial, mas também pelo alcance
geográfico da instituição, e sua importância no contexto de formação de novos públicos para o
cinema de arte.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percorrendo o caminho das práticas formativas do SESC tematizadas pelas discussões
entre o lazer e a cultura, é possível compreender minimamente como uma instituição, que tem
sua origem ligada ao comércio, dá suporte a uma das maiores redes de difusão do cinema “não-
-comercial” do país. Para tanto, este artigo se apoiou numa reflexão que tangencia os debates
sobre as transformações nos padrões que cercam as políticas do trabalho e suas abordagens
sobre o tempo livre, orientadas para a formação de um outro perfil de trabalhador na contempo-
raneidade. E, desse modo, tratou também sobre como o acesso a manifestações da cultura, como
o cinema, cumpre este papel.
Na construção do Programa de Cultura do SESC, a função recreativa no mundo do tra-
balho aparece no diálogo com processos de formação diversos, que seguem avançando por dis-
cussões mais complexas pertinentes à mudança de tônica dos novos modelos econômicos e dos
contextos políticos o país. Na história da instituição, isto se demonstra nos percursos formativos
dos técnicos do lazer e cultura, desenvolvidos no acompanhamento de temas sociais que vão se
atualizando, contribuindo para a constituição de uma politica de mediação cultural que conferiu
consistência e articulação às ações com o cinema.
Embora consistente, esta política cinematográfica, amparada por recursos substanciais
de manutenção, também é afetada pelas adversidades pelas dinâmicas do contexto geral do mer-
cado cinematográfico. A autonomia de sua gestão, no entanto, diferente das organizações esta-
tais, permite a adequação das ações de forma mais efetiva dentro um projeto maior, que visa, em
última instância, o fomento à aquisição de competências culturais pelo seu público comerciário.
Neste sentido, a transição no SESC operada pelas transformações nos significados do
lazer – anteriormente com tendências ao campo do entretenimento - e da cultura – pensada como
fruição – é resultante da busca por fornecer acesso cada vez maior a uma produção de bem sim-
bólicos e uma reflexão necessária sobre os usos e interpretações de uma arte tornada “comercia-
lizável”. Somado a natureza formal de uma entidade de função social, seus objetivos tratam de
possibilitar, com a promoção da cultura em geral, e do cinema em particular, alternativas para for-
mação de perfil de consumo diferenciado daquilo que é ofertado no grande mercado da cultura.
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A modalidade cinema no SESC redunda numa quase obrigatória vinculação aos espaços
alternativos de exibição, não por uma indicação arbitrária, mas porque dialoga com os proces-
sos de reflexão sobre a arte. A criação de estratégias que permitam o retorno social ao segmento
de classe que lhe dá sustento, fez com que, no desenvolvimento de políticas mais sistemáticas
para a cultura, o cinema avançasse na articulação para a promoção de filmes de arte, cumprindo
uma função educativa de levar diversidade de linguagens, estéticas, nacionalidades, formatos e
narrativas cinematográficas, tão pouco disponíveis, ao seu público-alvo.
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1. APRESENTAÇÃO
A Fundação Nacional de Artes — Funarte é o órgão responsável, no âmbito do Governo
Federal, pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, ao
teatro, à dança e ao circo. Os principais objetivos da instituição são o incentivo à produção e à
capacitação de artistas, o desenvolvimento da pesquisa, a preservação da memória e a formação
de público para as artes no Brasil. Para cumprir essa missão, a Funarte concede bolsas e prê-
mios, mantém programas de circulação de artistas e bens culturais, promove oficinas, publica
livros, recupera e disponibiliza acervos, provê consultoria técnica e apoia eventos culturais em
todos os estados brasileiros e no exterior.
Segundo o Regimento Interno da Funarte, compete ao Centro de Artes Cênicas formular,
promover e fomentar programas, projetos e atividades voltadas para as artes cênicas, inclusive
na formação de recursos humanos, na produção artística, na difusão e no intercâmbio cultural
no Brasil e no exterior. Suas ações de fomento devem estar consoantes com as diretrizes institu-
man@funarte.gov.br.
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cionais definidas para cada uma de suas linguagens, como depreendido do relatório de ativida-
des da instituição de 2007, bem como com seus Planos Setoriais construídos a partir do Plano
Nacional de Cultura:
Dança: “A rica oferta da produção brasileira na área de dança está restrita a uma pe-
quena parcela da população. (...) A dependência de modelos de financiamento baseados em
mecanismos de renúncia fiscal não superou ainda o problema da exclusão de grande parte das
manifestações coreográficas do acesso às fontes de financiamento e oportunidades de difusão e
preservação. É preciso promover a formação de público e dos artistas, estimular a circulação da
produção, garantir que as atividades realizadas no país sejam identificadas, registradas e divul-
gadas e estabelecer modelos sustentáveis de manutenção dos grupos de baile e da pesquisa na
linguagem da dança”.
Teatro: “A exemplo das demais linguagens artísticas, o teatro requer uma política de fi-
nanciamento que suporte o desenvolvimento, a produção e a circulação de suas obras. Por conta
de sua natureza de espetáculo vivo, dependente da interação de elementos cênicos e da presença
simultânea e física do público, trata-se de uma modalidade de expressão artística irredutível à
reprodução em escala pela indústria cultural. Nesse contexto, o teatro carece de oportunidades
de autonomia financeira equivalentes às cadeias produtivas do audiovisual, música popular ou
literatura. Esse panorama se agrava por conta das disparidades regionais na oferta de infraestru-
tura de apoio à produção e fruição teatral, bem como pela distribuição irregular dos meios de
capacitação de atores e técnicos e de formação de público”.
Circo: “A diversidade de práticas circenses coloca desafios específicos para a elaboração
de uma política para o setor. Cabe ao poder público e em especial à Funarte criar condições para
que o circo brasileiro possa ver suas demandas e precariedades resolvidas com apoio, capaci-
tação e acesso a espaços dotados de condições satisfatórias de infraestrutura e localização para
suas apresentações. O Estado deve, ainda, promover a pesquisa e a preservação da memória das
atividades circenses, visando o reconhecimento dessa tradição e a criação de programas de cir-
culação de espetáculos, principalmente em regiões de maior isolamento geográfico”.
A principal ação do Centro de Artes Cênicas na área de fomento são os editais voltados
às suas três linguagens, criados em 2006 como forma de perenizar a atuação do Estado no cam-
po da produção, manutenção e circulação das artes cênicas no país:
1. Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz: desenvolvimento de atividades teatrais, de
temática livre e nos mais diversos formatos, incentivando a criação e a circulação de
espetáculos, além de contribuir para a manutenção de coletivos, grupos e companhias.
2. Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna: desenvolvimento de atividades de dança,
contemplando a circulação nacional de espetáculos, atividades artísticas de artistas
consolidados e atividades artísticas de novos talentos.
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2
No caso do teatro, chama-nos a atenção, por exemplo, o item 4.2. e o subitem 4.2.2 do Capítulo IV – Do Desen-
volvimento Sustentável: 4.2: Promover o levantamento e avaliação dos dados estatísticos do setor teatral. 4.2.2:
Ampliar e atualizar o sistema de acompanhamento das informações e dados relativos às ações, editais e recursos
econômicos da área cultural, de forma a garantir a transparência e o acompanhamento dos processos em curso.
3
No caso da dança, dois itens (4.3.7 e 5.1.2) do seu plano setorial são relevantes para a discussão sobre o acesso
à informação e a transparência da gestão pública. O primeiro, constante do eixo Desenvolvimento Sustentável, diz
respeito à ampliação e atualização do sistema de acompanhamento das informações e dados relativos às ações, edi-
tais e recursos econômicos da área cultural, “buscando garantir a transparência e o acompanhamento dos processos
em curso”. O segundo, constante do eixo Da Participação Social, fala da “ampliação dos instrumentos de acompa-
nhamento e avaliação das políticas culturais voltadas para a dança, com a divulgação e análise desses resultados”.
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O valor da premiação varia bastante ao longo dos anos, embora tenha havido estabilida-
de entre 2012 e 2014. A variação percentual entre os anos de 2006 e 2015 foi de -40%.
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Assim como o valor da premiação, o número de prêmios varia muito de ano para ano,
dependendo, por exemplo, de suplementação orçamentária via emendas parlamentares.
Cerca de um terço dos prêmios foi destinado à região sudeste, seguida da região nordeste.
Nas regiões norte e centro-oeste praticamente apenas projetos inscritos nas capitais dos
estados foram premiados. As demais regiões também apresentam alta concentração de premia-
dos nas capitais, o menor índice sendo de 75% no sudeste.
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Metade dos inscritos no edital de fomento à dança da Funarte é da região sudeste, segui-
da das regiões nordeste e sul, respectivamente. As regiões norte e centro-oeste foram represen-
tadas, somando-se os projetos, pelo mesmo número daqueles da região sul.
Tanto quanto o verificado para os premiados, há forte concentração de inscritos nas capi-
tais dos estados, nunca inferior a três quartos do total para cada região do país. As regiões norte
e centro-oeste registraram os maiores índices de concentração.
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A região sudeste concentrou mais de um terço dos prêmios distribuídos pelo Prêmio
Funarte de Teatro Myriam Muniz, seguida da região nordeste. As demais regiões distribuíram,
percentualmente, semelhante número de prêmios.
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A região sudeste concentrou 60% dos projetos inscritos, seguida pelas regiões nordeste e
sul, respectivamente, que apresentam índices semelhantes. A região norte foi a menos representada.
A concentração de inscritos nas capitais dos estados é mais acentuada na região norte; a
região sul é a única cuja concentração ficou abaixo de 70%.
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A região sudeste concentrou pouco mais da metade dos prêmios distribuídos pelo Prê-
mio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo, seguida das regiões nordeste e sul. O número de
prêmios das regiões norte e centro-oeste, somado, não alcança o da região sul. Deve-se atentar
para o fato de o edital de fomento ao circo não dividir o número de prêmios por região do país.
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A região sudeste concentrou mais de metade dos inscritos no edital de fomento ao circo,
seguida da região nordeste. Assim como no índice referente ao investimento regional, a região
nordeste engloba numericamente os inscritos das regiões norte, centro-oeste e sul.
Assim como no índice referente à concentração de premiados nas capitais, no caso dos
inscritos também observamos uma menor concentração do que nos editais de fomento ao teatro
e à dança, nunca ultrapassando 80% em qualquer das cinco regiões do país. Na região sul, por
exemplo, o índice ficou abaixo de 50% e, na região sudeste, pouco acima.
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4. Observa-se alta concentração dos projetos inscritos nas capitais dos estados. Em al-
guns casos, especialmente na região norte, praticamente apenas a capital participa.
No médio e longo prazo pretende-se que os editais alcancem de forma homogênea
todas as regiões do país. Um dos meios possíveis de alcançar este objetivo é o esta-
belecimento de parcerias entre a Funarte e as Secretarias Estaduais e Municipais de
Cultura no intuito de elaborar um plano de divulgação maciça de suas ações.
5. Os projetos encaminhados não são homogêneos no que concerne à qualidade. Assim,
outro caminho a ser trilhado é a realização de cursos de capacitação para a elabora-
ção de projetos, melhorando as condições de acesso e maior igualdade entre os pro-
ponentes, por meio de ações sistemáticas da Funarte em parceria com os governos
estaduais e municipais.
6. A baixa qualidade dos projetos apresentados ou a não participação no edital por des-
conhecimento ou falta de qualificação para a elaboração de propostas podem explicar
tanto a pouca representatividade de alguns estados no processo quanto a baixo índice
de premiados destes mesmos estados (Acre, Amapá, Piauí, Sergipe, por exemplo).
Seria necessário verificar se, realmente, tais hipóteses são comprovadas ou se, sim-
plesmente, estes estados não contam com grupos artísticos nas três áreas em desta-
que neste relatório.
7. A modalidade de seleção pública por edital democratiza a aplicação dos recursos
públicos na área cultural, tornando-a transparente, equitativa, ampla e aberta, com
regras claras, objetivos específicos e critérios de avaliação previamente divulgados.
No entanto, diante da forte demanda por parte das três linguagens (teatro, dança e
circo) e de recursos escassos, o percentual de contemplados é muito baixo. Portanto,
deve-se discutir aquilo que a Funarte quer fomentar, uma vez que a pulverização dos
prêmios pelas categorias de inscrição coloca em dúvida o impacto real da ação.
8. É fundamental uma discussão sobre as atribuições de cada uma das esferas da ad-
ministração pública (federal, estadual, municipal), evitando-se que as premiações
se transformem em grandes “guarda-chuvas” abarcando uma gama de categorias
de inscrição cuja pretensão é de alcançar tudo e a todos. Estudos sobre o fomento
público e privado às artes em geral podem revelar sombreamentos no financiamento,
concentrado em determinados elos da cadeia produtiva. Podemos citar, como exem-
plo de ausência ou pouca presença do poder público, a circulação internacional das
artes cênicas no âmbito do governo federal.
9. A informatização dos processos de seleção pública, economizando tempo e recursos
do poder público e dos próprios proponentes, é uma realidade inescapável. Isto não
significa ignorar que grande parte da população brasileira não tem acesso de qualida-
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para dar conta de uma atuação verdadeiramente nacional e enfrentar os desafios coloca-
dos nas observações acima, a Funarte tem de se revitalizar e, mais do que isso, se reestruturar.
Tal reestruturação articula-se à construção da Política Nacional das Artes (PNA), cujo objetivo
primordial é a implantação de políticas públicas atualizadas, fundamentadas e duradouras para
as artes. Três temas são prioridade, transformados em projetos transversais estruturantes:
a) Rede Nacional de Difusão das Artes: formação de uma rede que possibilite a cir-
culação e intercâmbio da produção artística de cada linguagem por meio de uma
plataforma digital (ou uma série delas) cujo objetivo é funcionar como espaço de
agenciamentos das linguagens artísticas, especialmente voltada para a circulação.
A ideia é que o poder público desenvolva funcionalidades e os setores se apropriem
dos mecanismos, tornando-a viva e sempre atualizada. A Funarte vincularia a esse
espaço os seus editais; os proponentes passariam a se inscrever por meio dele, que
assim induziria à formação de cadastros e indicadores, podendo orientar melhor as
ações da própria Funarte;
b) Sistema Federativo do Fomento às Artes: dentro do problema complexo da criação
de um sistema federativo da cultura, é exequível em curto prazo um “pacto federa-
tivo de fomento”, uma articulação com secretários estaduais de cultura, gestores de
fundos e outros atores a fim de definir as condições para uma nova forma de relação
entre os entes federados no que diz respeito ao fomento;
c) Marcos Legais das Artes: tem como foco quatro eixos principais (tributário, fiscal,
trabalhista e previdenciário), empreendendo-se estudos sobre as legislações vigentes
e constituídas propostas que as revisem no sentido de liberar gargalos, desburocra-
tizar o trabalho dos gestores públicos, regulamentar leis que regem a profissão dos
artistas, dentre outros temas.
Os três temas são etapas importantes a serem vencidas para que haja uma política de fato
estruturante para a arte brasileira e se constitua num sistema que possa fornecer dados para o
planejamento e avaliação das políticas de forma integrada a articulada nacionalmente.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FUNARTE. Relatório de gestão 2007. Rio de Janeiro: Funarte. 2007. 107 páginas.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Câmara e colegiado setorial de teatro: relatório de atividades 2005-2010.
Brasília: MinC. 2010.
______. Câmara e colegiado setorial de dança: relatório de atividades 2005-2010. Brasília: MinC. 2010.
______. Câmara e colegiado setorial de circo: relatório de atividades 2005-2010. Brasília: MinC. 2010.
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RESUMO: O presente trabalho relata a experiência que vem sendo desenvolvida no projeto
Japaratuba em Rede: Juventude, Cultura e Cadeias Produtivas que atua na integração de
jovens agentes culturais da cidade de Japaratuba, Sergipe, através do fortalecimento de suas
potencialidades e habilidades. Isto, por meio da educação profissional em gestão cultural,
comunicação & cultura digital e criatividade. Com foco no fortalecimento das identidades
culturais dos participantes e na manutenção do patrimônio cultural de Japaratuba, a iniciativa
busca qualificar profissionalmente, dentro da cadeia produtiva do setor cultural, jovens atuantes
de movimentos culturais.
1. INTRODUÇÃO
Marcada por uma forte concentração nos pólos de produção e distribuição, os bens cul-
turais da sociedade têm sido produzidos sob orientações fortemente mercadológicas. A fruição
de bens culturais de comunidades de todo o Brasil é uma mescla entre produções ancoradas
nas práticas culturais locais e aqueles produtos advindos dos grandes centros e escoados pelas
mídias massivas, como o rádio e a TV. Às expressões culturais locais se juntam bens simbólicos
vindos desde os centros e carregados de significados que, muitas vezes, estão distantes do coti-
diano e do dia-a-dia de comunidades quilombolas, ribeirinhas, rurais de todo o Brasil.
Embora seja uma tendência geral dos processos sociais, a produção cultural fortemente
industrializada se estabelece como problemática pela natureza destes bens. MARTIN-BARBE-
RO (1997) explica que os bens culturais são bens simbólicos que funcionam como elementos de
1
Graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Especialista em
Gestão e Políticas Culturais pela Universidade de Girona/Itaú Cultural. Diretor de Programas e Projetos do Instituto
Banese/Museu da Gente Sergipana. Email: marcrangel@hotmail.com
2
Mestre em Comunicação e Sociedade pela UFS, especialista em Mídias Digitais pela FANESE. Professora subs-
tituta do curso de Comunicação Social da UFS, membro do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e
Sociedade (CEPOS). E-mail: tavora.bruna@gmail.com
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mediação da vida das pessoas e pautam as relações sociais do homem com suas comunidades,
com suas culturas e entre si.
Embora disputem com outras referências culturais próprias das comunidades, estes bens
produzidos industrialmente têm pautado, de maneira ampla, as referências culturais da socieda-
de e, tem contribuído para o enfraquecimento de polos locais de produção e distribuição cultural
e para o enfraquecimento do sentimento de pertencimento cultural de grupos com suas comu-
nidades (HALL, 2005). Esse conteúdo massivo, por se estruturar de maneira organizada e em
escala global, muitas vezes, representa a maioria das referências as quais as comunidades têm
acesso, enfraquecendo as práticas locais e consolidando elementos simbólicos que tem baixa
referência com os pontos regionais/locais.
Frente a essa realidade, grupos e movimentos sociais ao redor do globo tem se apropria-
do de estratégias e ferramentas de produção para viabilizarem a produção cultural de suas co-
munidades. Estas práticas ora funcionam incorporando a lógica predatória do mercado cultural,
ora se configuram como ferramentas de apropriação social (NEUMAN, 2010) e são produzidas
em contextos de atuação cultural com foco no desenvolvimento local e na emancipação humana
dos grupos e seu entorno. Embora se configurem de maneira dispersa na paisagem cultural con-
solidada pela indústria da cultura, esta produção cultural advinda das práticas das comunidades
tem sido responsável por manter vivas expressões tradicionais e seculares de territórios.
No entanto, fazer frente aos processos massivos e industriais dos bens simbólicos se
configura como desafiador já que essas comunidades apresentam uma população vulnerável
socialmente, com baixa renda econômica, baixa escolaridade, reduzida educação e qualificação
profissional e uma cadeia produtiva da cultura dispersa e organizada de modo aleatório.
A partir da compreensão desta realidade, o projeto Japaratuba em Rede: Juventude,
Cultura e Cadeias Produtivas pretendeu fazer frente a estes desafios e integrar uma rede local
de produção cultural. Tem o objetivo de contribuir para a formação e educação profissional da
juventude participante do movimento cultural local e contribuir para o fortalecimento de suas
práticas culturais, para assim possibilitar a articulação de um pólo produtor de cultura capaz de
remunerar os seus agentes, movimentar a economia e sustentar econômica e culturalmente as
expressões já existentes na região.
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porários, sendo a administração pública responsável pela maior parte de empregos ofertados à
população economicamente ativa.
Quanto aos jovens, dados do Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil 2013, realiza-
do pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), informam que apenas
30% dessa população finalizou a matriz educacional do ensino médio e, assim como a tendência
geral, também na juventude a taxa de empregabilidade se concentranos serviços informais e na
administração pública.
A cidade de Japaratuba guarda em sua história e tradição muito das culturas indígena,
portuguesa e, sobretudo, negra. Trata-se de um dos mais ricos celeiros de manifestações tradi-
cionais da cultura popular de Sergipe. Apresenta manifestações culturais que reverberam o pas-
sado e garantem, no presente, uma permanente interação entre as gerações, mantendo a memória
cultural das comunidades viva e garantindo a reprodução simbólica de suas culturas. Japaratuba
é uma usina de tradições e alegorias. A riqueza cultural de Japaratuba tem raízes importantes
que contam a história de um povo através das suas danças, cantos, gestos e ritmos, aliados a uma
forte religiosidade que presta homenagens aos seus santos e crenças (BARRETO, 2013)
O Censo artístico-cultural (2013) do município, realizado pela Prefeitura Municipal de
Japaratuba, 2013 confirma essa realidade:
Modalidade Quantidade
1 GRUPOS FOLCLÓRICOS & PARAFOLCLÓRICOS 26
2 TEATROS 10
3 POETAS 31
4 GRUPOS DE DANÇAS & AFINS 31
5 BANDAS FILARMÔNICAS & MARCIAIS 10
6 BANDAS, MUSICAIS & AFINS. 36
7 GINÁSTICA & ARTES MARCIAIS 03
8 QUADRILHAS JUNINAS 11
TOTAL 154
Somado aos grupos catalogados e expostos acima, a cidade ainda apresenta festas tra-
dicionais seculares, como por exemplo, a Festa das Cabacinhas, a Coroação da Rainha do Ca-
cumbi, a Festa de Santos Reis e São Benedito, dentre outras. Acrescenta-se a isso, a recente
apropriação das referências artísticas de Artur Bispo do Rosário pelos artistas e moradores da
região, que a partir da transferência de seus restos mortais para a cidade, se configurou como
referencial simbólico para os cidadãos. Isto impulsionou, nos últimos anos, a criação de festivais
de arte, além de uma produção cultural que vem se nutrindo de sua memória artística e cultural.
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Além disso, entidades organizadas também são identificadas no município como o Ponto
de Cultura Caatingart, no povoado São José, a Associação de Catadoras de Mangaba do Po-
voado Porteiras, a Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares do Assentamento Caraíbas
- Doce Lar (Coomafac), a Associação Quilombola da comunidade Patioba, na comunidade tra-
dicional de quilombolas Patioba, que recebeu a Certidão de auto reconhecimento sob o número
de 06/2006, emitida pela Fundação Cultural Palmares e publicada em Diário Oficial da União
em 12 de maio de 2005.
Nesse sentido, a realidade em que o projeto atua apresenta fortes registros de expressão
e organização culturais. No entanto, por não deterem ferramentas de educação profissional que
possibilitem a sustentabilidade dos processos culturais, muitos grupos apresentam déficit de
apoio e tem suas práticas e expressões culturais ameaçadas pela concepção industrial de produ-
ção cultural da nossa sociedade.
Na perspectiva do local de atuação deste projeto, o que pode ser visto é o desenho de
uma realidade onde, embora a vitalidade cultural da região seja facilmente identificada, a or-
ganização das cadeias produtivas da cultura apresenta-se desestruturada e sem promover um
retorno sociocultural equivalente a sua capacidade para o município e seus habitantes.
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4. METODOLOGIA
De forma participativa e interdisciplinar, prioriza-se o trabalho coletivo e solidário, a
cooperação e a auto-gestão dos processos culturais, sendo flexível e adaptável à realidade e às
demandas das(os) participantes.
O trabalho foi iniciado em outubro de 2014, em processo de mobilização social por meio
de reuniões abertas de apresentação do projeto, em articulação com órgãos de gestão de políticas
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para a cultura e juventude do município, associações e grupos culturais da cidade que resultou
no cadastramento de 146 jovens.
Ao longo de sua realização, alguns jovens afastaram-se do projeto por questões pessoais
(dificuldade de integração, desmotivação, trabalho, problemas familiares, etc). Outros, mesmo
com redução da frequência por questões pessoais (trabalho, estudos, dificuldades pessoais, etc),
procuram não se desligar do projeto, participando de algumas atividades para assim manter seus
laços com o projeto e o grupo. Do total de selecionados, o projeto envolve no momento 43 par-
ticipantes, oriundos da sede e dos povoados.
Elaboração própria.
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6. ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM
Após a introdução geral aos dois focos centrais do projeto, aprofundamos a ação atra-
vés da divisão do grupo em 3 frentes de ação: criatividade/produção criativa, gestão cultural e
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comunicação & cultura digital. Os participantes se dividiram de acordo com suas habilidades
e identificações pessoais, e propusemos a cada um dos grupos um trabalho dirigido para uma
segunda ação coletiva, a II Mostra Cultura em Rede, a ser realizada dentro do Festival de Artes
Arthur Bispo do Rosário, que acontece tradicionalmente em janeiro, na Festa de Santos Reis e
São Benedito do município.
A equipe de Gestão Cultural fez reflexões sobre o fazer cultural e buscou ampliar as
referências em ação cultural local, aprofundando a análise sobre a realidade cultural de Japara-
tuba por meio do aprimoramento da pesquisa de hábitos e gostos culturais, além do desenho de
atividades para a referida mostra. Estas atividades foram conduzidas pelo Mestre em Sociologia
pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Ivan Masafret, que atua na elaboração, gestão e
execução de projetos sociais e culturais e é consultor e facilitador em gestão e elaboração de
projetos culturais e sociais.
O grupo de Criatividade trabalhou na confecção dos artigos da linha de produtos inspira-
dos nas referências culturais da cidade e no aprimoramento de técnicas de pintura, impressão e
bordados. Apropriando-se do resultado dos cursos de xilogravura e serigrafia, foram produzidas
bolsas e camisas e gerados os primeiros protótipos de objetos de decoração & ambientação,
moda e utilitários. As ações foram coordenadas e executadas por Claudia Nên, com apoio de
Ilma Santos, artista plástica e produtora cultural, graduada em Artes Visuais pela UFS.
A oficina de Comunicação & Cultura Digital, conduzida por Aline Braga, jornalista gra-
duada pela Universidade Federal de Minas Gerais com atuação em mídias digitais, foi desenvol-
vida no sentido de habilitar os jovens na utilização de ferramentas de comunicação digital. Além
de instrumentalizar os jovens no uso das mídias digitais para a divulgação dos produtos e ações
gerados através do projeto e do patrimônio cultural de Japaratuba, esta oficina contempla uma
análise crítica da cultura e propõe saídas coletivas para problemáticas existentes.
Como forma de exercício prático, antes da II Mostra Cultura em Rede o grupo participou
de uma Feira Cultural promovida pela Associação de Catadoras de Mangaba do Povoado Por-
teiras (Japaratuba-SE), da qual fazem parte alguns dos jovens. Nela, os alunos de gestão cultural
promoveram uma mostra de curtas infantis, os participantes do grupo de comunicação & cultura
digital exercitaram técnicas de cobertura de eventos, e os integrantes do grupo de criatividade
apresentaram alguns produtos em fase de finalização.
Concomitantemente a este trabalho segmentado, periodicamente os grupos foram reu-
nidos para avaliação de atividades, integração e planejamento da II Mostra Cultura em Rede,
realizada entre os dias 04 e 07 de janeiro de 2016, que envolveu exposições de artes visuais e
de produtos de moda, decoração & ambientação e utilitários produzidos no escopo do projeto,
apresentação de trabalhos em eventos acadêmicos, mostras de cinema, biblioteca volante (ofer-
tada graças a parceria com o Sesc-SE) e mini-curso, conforme a programação a seguir exposta.
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04 de janeiro (Segunda-feira)
9h às 18h – BiblioSesc
Local: Praça da Igreja Matriz
17h – Abertura da exposição ‘Cultura em Rede’, com obras de artistas sergipanos e produtos
gerados nas oficinas do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Centro Social Dona Janoca
05 de janeiro (Terça-feira)
9h às 18h – BiblioSesc
Local: Praça da Igreja Matriz
14h – Apresentação da pesquisa ‘Hábitos e Gostos Culturais de Japaratuba’ na Jornada Acadê-
mica Artur Bispo do Rosário
Local: Pólo Universidade Aberta do Brasil (UAB)/UFS
16h às 19h – Exposição ‘Cultura em Rede’, com artes visuais e produtos gerados nas oficinas
do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Centro Social Dona Janoca
06 de janeiro (Quarta-feira)
8h – Mesa Redonda: Vivências e Experiências, na Jornada Acadêmica Arthur Bispo do Rosário
Participantes: Marcelo Rangel e Bruna Távora, coordenadores do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Igreja Matriz
9h às 18h – BiblioSesc
Local: Praça da Igreja Matriz
15h – Cine Cultura em Rede: curtas da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis
Local: Câmara de Vereadores de Japaratuba
16h às 19h – Exposição ‘Cultura em Rede’, com artes visuais e produtos gerados nas oficinas
do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Centro Social Dona Janoca
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07 de janeiro (Quinta-feira)
9h – Mini-curso História das Artes Visuais em Sergipe, com Prof. Marcelo Uchoa (CODAP/
UFS)
Aberto ao Público
Local: Centro Social Dona Janoca
9h às 18h – BiblioSesc
Local: Praça da Igreja Matriz
16h às 19h – Exposição ‘Cultura em Rede’, com artes visuais e produtos gerados nas oficinas
do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Centro Social Dona Janoca
17h – Cine Cultura em Rede: ‘Vou Rifar Meu Coração’, de Ana Rieper
Roda de conversa com Raphael Borges, integrante da equipe do filme
Local: Câmara de Vereadores
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades desenvolvidas neste projeto possuem como característica fundamental a
inclusão social e integração comunitária da região, a partir de ações formativas e de espaços
de aprendizagem que são desenvolvidas visando colaborar para a educação profissional dos
jovens. De um modo geral, já percebemos maior coesão do grupo participante, um reconheci-
mento da comunidade local sobre a relevância das ações do projeto, observada a partir da par-
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, Luiz Antônio. Japaratuba: da Origem ao século XIX. Comentários sobre livro. Dispo-
nível em http://www.infonet.com.br/luisantoniobarreto/ler.asp?id=61645&titulo=Luis_Antonio_Barreto
acesso em 19 de setembro de 2013 às 8h56min.
CABRAL, Eduardo Carvalho. Japaratuba: Da origem ao século XIX. Aracaju: Gráfica Triunfo, 2007
Catálogo: Sergipe, Cultura e Diversidade. Conhecer, Reconhecer e Valorizar. Governo de Sergipe,
Aracaju. 2010
Censo Artístico-Cultural do Município de Japaratuba. Secretaria de Cultura, Turismo, Juventude e
Desporto. 2013
HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1997.
MARTINEL, Alphons. La Gestión Cultural: Singularidad professional y Perspectivas de Futuro.
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MARTINEL, Alphons. Aportaciones de la cultura al desarrollo y a la lucha contra la pobreza.
Documento para uso de la Maestría en Desarrollo y Cultura. UTB, Espanha, 2011.
MENDONÇA, César. Política pública cultural e desenvolvimento local: análise do ponto de cultura
Estrela de Ouro de Aliança. In: Orgs: BARBOSA, Frederico; CALABRE, Lia. Pontos de Cultura –
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NEUMAN, Maria Isabel. Apropriación, tecnologia y movimientos sociales em America Latina. In
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OLIVEIRA, Lúcia. Ação e Experimentação: o caso da Fundação Casa Grande. In: Políticas Culturais
em Revista, 2(2), p.60-71, 2009
PEREIRA, Daniel; NETO, Gaudêncio; TELES, Glauberter. Patioba: memórias e identidades.
Monografia apresentada no curso de História da Universidade Tiradentes, 2009
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RESUMO: Nos anos de 1970 se configura um contexto político social particular, no Brasil, que
permite o surgimento dos centros de documentação, especialmente nos espaços universitários.
Podemos identificar, neste momento, o surgimento de centros de documentação voltados para
a pesquisa histórica, como, por exemplo, o Arquivo Edgar Leuenroth/AEL. Acreditamos que
diversos fatores, em conjunto, colaboraram para que esse contexto se configurasse, e que
estariam diretamente relacionados não só à academia, mas também aos cenários social, cultural
e político do período. Dentre estes fatores destacamos a publicação da Política Nacional de
Cultura (PNC) em 1975.
1
Este artigo se originou da tese de doutorado defendida em 2014, no IBICT/UFRJ.
2
Doutora em Ciência da Informação. Bolsista CNPq-PCI/IEN. Integrante do GP Informação, Memória e Socie-
dade. marciacavalcanti@gmail.com
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expos a falta de legislação e de uma política voltada para arquivos e para a preservação da me-
mória nacional.
Moreira (1990) identifica o surgimento dos centros de documentação ao longo da década
de 1970 como uma resposta a essa necessidade, e reflexo até mesmo desta reconfiguração da or-
dem, pois eles tinham como objetivo principal, segundo a autora, a preservação dos documentos
contemporâneos, principalmente os privados.
Mas não podemos esquecer que em 1975 é publicada a Política Nacional de Cultura, que
objetivava preservar o patrimônio artístico e histórico nacional, tendo os museus, bibliotecas e
as diversas categorias de arquivos um papel importante para a preservação da cultura nacional.
Como o governo propôs fazer isso? Ele passa a incentivar a preservação dos arquivos nacionais,
estaduais ou locais, incluindo até mesmo os arquivos particulares, podendo estes arquivos ser
incorporados aos arquivos oficiais. E vai além, destacando o papel das universidades neste pro-
cesso e incentivando estas a criarem arquivos e centros de documentação.
Segundo Knauss (2009), os centros de documentação universitários se constituem em
uma espécie ímpar dentro do universo dos arquivos na atualidade. E sua unicidade decorre do
fato de que surgem como núcleos de apoio à pesquisa, mas também pelo seu perfil diversificado,
pois além de custodiarem diferentes tipos de acervos (museológicos, arquivísticos e bibliográfi-
cos), vão além e produzem instrumentos de pesquisa (bases de dados, guias etc.).
Os centros de documentação criados nos ambientes universitários, frequentemente, ocu-
pam um espaço deixado em aberto pelas instituições públicas. Além de preservarem os docu-
mentos privados, eles também acabam por resgatar documentos de valor histórico que estejam
com sua integridade ameaçada, como documentos jurídicos, cartorários etc.
Camargo (2003), analisando um texto de Sérgio Miceli de 1984, mostra como este cha-
mou a atenção para um processo que ele nomeou de “estatização da cultura” no Brasil dos anos
1970, quando analisa as diferentes iniciativas do governo para a proteção do patrimônio cultural
e do aparato institucional estatal que estendia seu alcance às diversas dimensões do ato cultural.
Uma de suas principais constatações era a de que, ao contrário do que se
poderia supor, não foi apenas o Ministério da Educação e Cultura (MEC)
que, por força de suas atribuições, esteve envolvido nesse processo. A
Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o Ministério
do Interior, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, entre outros,
participaram ativamente de programas federais voltados para a criação
cultural e, particularmente, para o desenvolvimento da vertente patri-
monial de uma política nacional de cultura. Esse movimento foi acom-
panhado pelos estados e municípios brasileiros, que historicamente ten-
dem a reproduzir o modelo federal em suas respectivas esferas de poder.
O mundo empresarial, não somente pelo desenvolvimento da indústria
cultural e pela prática do mecenato – que passou a ser estimulada pelo
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2. O ESTADO E A CULTURA
A atuação do Estado no setor cultural durante o período do governo militar foi muito
mais profícua do que podemos imaginar, existindo uma preocupação e incentivos por parte dos
diferentes governos instituídos ao longo do período (1964-1985), com a cultura tornando-se até
mesmo um setor estratégico. Diferentes instituições dedicadas à cultura nacional são criadas,
além de programas, documentos e campanhas.
A construção da política cultural no governo militar seguiu os moldes da Doutrina da
Escola Superior de Guerra (ESG), por ter sido um projeto nacional para o desenvolvimento
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do Brasil nos moldes defendidos pelas Forças Armadas (SILVA, 2001). A decisão do governo
de estimular o desenvolvimento cultural fundamenta-se num conjunto de legislações, como a
Constituição Federal e Decretos-Lei, sendo o de número 200, de 25.2.1967, em seu artigo 39, o
que inclui a cultura como área de competência do Ministério da Educação e Cultura:
SETOR SOCIAL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. I -
Educação; ensino (exceto o militar); magistério. II - Cultura - letras e
artes. III - Patrimônio histórico, arqueológico, científico, cultural e artís-
tico. IV - Desportos. (BRASIL, 1967, art.39)
Essa atuação por parte do Estado na área da cultura resultou na criação, em 1975, de uma
Política Nacional de Cultura (PNC), um programa político criado por Ney Braga, que estava à
frente do antigo Ministério de Educação e Cultura durante o governo do General Geisel, pois
ainda não existia um ministério apenas da cultura. Este documento pode ser visto como uma
forma encontrada pelo governo de reconhecer de maneira oficial a necessidade da inclusão da
cultura nos projetos de desenvolvimento previstos para o país, pois, de acordo com o discurso
governamental do período, a construção do futuro de um país não se fundamenta apenas em
alicerces materiais.
Para isso, o Estado deve atuar no sentido de incentivar a produção de cultura e generali-
zar ao máximo seu consumo, entendendo cultura a partir de duas vertentes: como elemento de
identidade nacional e como elemento criador de civilização.
No ano de 1966 foi formada uma comissão com a função de apresentar sugestões para a
reformulação cultural do país, que propõe a criação de um conselho como o Conselho Federal
de Educação. Neste mesmo ano, em 12 de novembro, foi criado, sob a presidência de Castello
Branco, o Conselho Federal de Cultura (CFC), pelo Decreto-Lei nº 74/1966, tendo o início de
suas atividades em 1967 e seu funcionamento até 1990, quando da sua extinção. O objetivo da
criação deste órgão era decidir sobre assuntos pertinentes às artes, às letras, às ciências e ao
patrimônio histórico e artístico nacional, ou seja, institucionalizar a ação do Estado no setor
cultural (MAIA, 2012, p.35). E suas atribuições principais eram a elaboração do Plano Nacional
de Cultura e a formulação da política cultural nacional.
Sua constituição se deu em quatro câmaras - Artes, Ciências Humanas, Letras e Patrimô-
nio Histórico e Artístico - para deliberação dos assuntos de sua competência, e para decidir sobre
matéria de caráter geral ocorriam reuniões em sessão. Além da elaboração do Plano Nacional de
Cultura outras dezenove atribuições foram estabelecidas ao CFC, dentre elas:
1) formular a política cultural nacional; 2) articular-se com os órgãos
federais, estaduais e municipais, bem como as Universidades e insti-
tuições culturais, de modo a assegurar a coordenação e a execução dos
programas culturais; 3) promover a defesa e conservação do patrimônio
histórico e artístico nacional; 4) conceder auxílios e subvenções às ins-
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janeiro de 1991 o Estado brasileiro passa a contar com um Conselho Nacional de Arquivos –
CONARQ, que seria incumbido de definir uma política nacional de arquivos e atuar como órgão
central de um Sistema Nacional de Arquivos - SINAR.
O último item do documento, intitulado formas de ação, descreve as ações que deve-
riam ser tomadas para a execução das medidas apresentadas e indispensáveis à realização de
seus programas. Essas diversas formas de ação levavam em conta a regionalização cultural do
Brasil e o sistema de cooperação que deveria ser estabelecido para se implementar os projetos
decorrentes da Política Nacional de Cultura. Também apresentava os órgãos que deveriam fazer
parte deste sistema de cooperação, composto pelo CFC, DAC, Unidades federadas, Ministérios,
Secretarias e, dentro do nosso interesse neste trabalho, as universidades, consideradas como
focos capazes de contribuir para o surgimento do espírito científico e criativo ao associar análise
e pesquisa, cabendo a elas:
b) promover estudos e pesquisas, em nível de planejamento próprio ou
em convênio com outras instituições culturais, para levantamento de
acervos arqueológicos, históricos, etnográficos, artísticos ou folclóricos,
centralizando os dados em organizações de livre acesso aos estudiosos.
Constituir centros de documentação iconográfica e de reprografia dos
acervos e manifestações culturais de suas áreas; c) incentivar o levan-
tamento da documentação histórica, científica e artística de referência
imediata ao Brasil, de diversa data ou atual, retida em fontes estrangei-
ras, para a obtenção de reproduções ou reprografias destinadas às insti-
tuições brasileiras atinentes a cada especialização; d) construir centros
de documentação iconográfica e de reprografia dos acervos e manifesta-
ções culturais de suas áreas. (BRASIL, 1975, p.41)
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do texto discorremos sobre como os militares, durante sua permanência no
governo, interferiram no cenário cultural via a elaboração de uma Política Nacional de Cultura
(PNC), que buscava preservar uma memória e cultura nacionais. Entendemos, portanto, que o
efeito desta política ocorre em função da preocupação com a preservação de uma cultura e uma
memória nacionais presentes na sociedade da época.
Ao fixar formas de ação, a PNC criou um sistema de cooperação que deveria ser realizado
com a participação de diferentes órgãos, inclusive as universidades. Para atender às demandas
apresentadas, era preciso que estes órgãos se estruturassem, e, no caso das universidades, a cria-
ção dos centros de documentação é um sinal dessa estruturação. Se, segundo Camargo (2003),
é possível percebermos um movimento voltado para a criação de centros de documentação e
pesquisa, memória e referência nas universidades, especialmente a partir de 1975, acreditamos
que a PNC vem embasar esse movimento.
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1. INTRODUÇÃO
No decorrer da História, mudanças sociais e tecnológicas influenciaram modificações e
adaptações das unidades de cultura e de informação (independentemente de sua denominação),
isso quando não foram diretamente determinantes em seu surgimento. O longo processo históri-
co de transformação e especialização pelo qual passaram as unidades de informação no passado
levou à especialização das mesmas (bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação). A
apropriação social da informação, dos conhecimentos e da tecnologia não é um processo simples
e linear. A reflexão acerca das práticas e políticas culturais de mediação necessita considerar essa
complexidade, bem como as dificuldades de distintas naturezas para seu enraizamento social.
1
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e ao Conselho Na-
cional de Pesquisa (CNPq) os apoios concedidos.
2
Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP). Docente da FFCLRP-USP e do PPGCI/ECA-USP. Email: marcoaa@
ffclrp.usp
3
Mestrando em Ciências da Informação, PPGCI/ECA-USP. Email: hmena@usp.br
4
Doutora em Administração de Organizações (USP). Docente da FFCLRP-USP. Email: iedapm@usp.br
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Por outro lado, é importante não se considerar apenas os aspectos restritivos, mas também estar
atento para a criatividade das práticas sociais, para as maneiras pelas quais indivíduos e grupos se
apropriam das informações e das tecnologias, como nos lembra Michel de Certeau (1994).
A ideia, sempre reiterada, de que vivemos numa “sociedade da informação”, joga com
o fato de que, além dos meios de comunicação tradicionais – jornais, rádio, televisão, telefone
– também lidamos hoje com outros meios, mais recentes e interativos, como computadores e
laptops com acesso à Internet, câmeras, celulares, Ipods, GPS, etc. Uma questão formulada com
cada vez mais frequência é se a organização da informação nesses ambientes é a mesma de uma
unidade de informação tradicional. Clay Shirky (2010) lembra-nos que na web “não existem
estantes”, e que as classificações podem ser feitas de modos alternativos aos modos tradicionais,
inclusive pelos próprios usuários – entraríamos aqui no território das folksonomias (WALL,
2007; CATARINO e BAPTISTA, 2007).
As TICs vêm gerando novos e acelerados processos de transformação nesse campo: as
diferenciações não cessam de existir enquanto funções/vocações de cada unidade, mas tendem a
convergir em novos espaços híbridos. Há muito mais uma solução de continuidade do que de rup-
tura das bibliotecas às modernas Unidades de Cultura e Informação, na medida em que foram se
adaptando às mudanças tecnológicas e socioculturais que se sucederam em termos de uma histó-
ria de longa duração. Por outro lado, definir hoje o que seria uma unidade de cultura e informação
torna-se cada vez mais difícil, dada a variedade e complexidade de perfis possíveis que as mes-
mas podem adotar. Nesse sentido, a centralidade cada vez maior da dimensão cultural, bem como
o valor atribuído ao conhecimento no mundo contemporâneo, jogam um papel proeminente.
No caso da internet, nota-se que o conhecimento está na rede, mas que é um conheci-
mento codificado; “trata-se antes de saber onde está a informação, como buscá-la, transformá-la
em conhecimento específico para fazer aquilo que se quer fazer”. (CASTELLS, 2003, p. 266).
Repousa, portanto, nesse tipo de “competência”, o que define, efetivamente, a ideia de uma
“divisória digital”, tal como apontada por Castells: o elemento de divisão social mais impor-
tante nesse momento é a capacidade educativa e cultural de utilizar a internet. Embora o mote
do “aprender a aprender” já tenha quase se tornado um clichê, ele expressa essa competência
de localizar e utilizar efetivamente o conhecimento, competência desigualmente distribuída e
relacionada à origem social, à origem familiar, ao nível cultural e ao nível de educação.
Isso é particularmente verdadeiro no caso dos jovens. A condição de ser jovem e, simul-
taneamente, possuir habilidades digitais não é natural, universal, nem homogênea. Pelo contrá-
rio, é um setor que apresenta diferenças, desigualdades e desconexões. Nas palavras de Livings-
tone (2011, p. 26), “a literacidade dos jovens na internet ainda não se relaciona com a imagem
valorizada do intrépido pioneiro [...] já que as instituições que gerenciam seu acesso à internet e
seu uso são restritivas ou não dão suporte”. Trata-se de uma perspectiva que desconstrói o clichê
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de que os jovens seriam, naturalmente, “nativos digitais”. Livingstone aponta a diferença entre
as habilidades demandadas pelas mídias massivas e pela internet. Enquanto que em relação às
primeiras o acesso não era um problema para o desenvolvimento da literacidade, permitindo a
concentração no entendimento e na crítica dos conteúdos, em relação à internet há uma diferen-
ça: o próprio acesso em si já é mais complexo. O desenvolvimento da literacidade nesse meio
envolve habilidades de navegação, busca e seleção de informações, avaliações de relevância e
confiabilidade, identificação de erros.
Assim, buscaremos discutir a seguir aspectos de alguns locus de cultura e informação
que abrem possibilidades interessantes, quiçá inéditas, e que ainda permanecem pouco explora-
dos. São espaços tradicionais, mas com novas configurações, como as bibliotecas e os parques
biblioteca da cidade de Medellín, na Colômbia. E, no caso brasileiro, uma instituição que, pelo
nome e função, deveria ser em princípio aparentada às experiências de Medellín: a Biblioteca
São Paulo (BSP), no Parque da Juventude, na cidade de São Paulo.
No caso da BSP, o foco das análises concentrou-se na prestação de serviços de referência
virtual (SRV), na utilização de redes sociais e na oferta de tecnologia nas unidades de informa-
ção. O SRV está relacionado às diversas formas de disponibilizar os serviços de referência por
meio da utilização das TICs, que podem oferecer uma série de benefícios para os envolvidos.
Por tratar-se de uma tecnologia relativamente recente, existem muitos recursos que podem ser
explorados em benefício tanto das unidades de informação quanto dos usuários que interagem
por meio dessa ferramenta. Em relação às redes sociais e à oferta de tecnologia nas unidades, foi
analisada a estratégia de incorporação de possíveis usuários e a comunicação estabelecida com
os mesmos. No caso específico da BSP, além da análise dos serviços ofertados online, optamos
por buscar incorporar alguns elementos qualitativos à reflexão acerca da relação dos usuários
com a tecnologia. Assim, foi feita uma imersão no ambiente do objeto de estudo, as áreas mul-
timídia da Biblioteca, no pavimento inferior do prédio, que consiste num módulo restrito para o
uso de computadores por crianças e jovens.
Por se tratar de uma pesquisa-piloto exploratória visando lançar as bases para uma pes-
quisa mais abrangente, a escolha das unidades se deu, basicamente, pela diferenciação e di-
versidade de acervos e seus suportes, bem como dos serviços disponibilizados a partir dessas
distintas realidades. Há pouca bibliografia específica acerca dessas experiências, e a maior parte
do que será apresentado a seguir foi organizado a partir de observações in loco dos autores, bem
como de entrevistas com gestores, funcionários e usuários dessas unidades.
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de formação e encontro da comunidade, são oferecidos, entre outros serviços: a) serviços de in-
formação, com consulta e empréstimo de material; b) serviços tecnológicos como salas virtuais,
bases de dados, oficinas de formação e cadernos digitais (respaldados por 1050 computadores e
portal web); c) salas de leitura e estudo com acesso a livros, CDs e DVDs; d) salas “Mi Barrio”
(Meu Bairro), cenários para a promoção da história e da memória local.
Do ponto de vista das instalações, chama a atenção o cuidado e o planejamento reser-
vado para estes espaços. Os edifícios são fruto de concursos arquitetônicos promovidos pela
prefeitura, que escolhe os projetos a partir de sua funcionalidade e adequação ao local – tanto
do ponto de vista prático como simbólico. O edifício do parque biblioteca Bélen foi o único
cujo projeto não foi resultado de concurso público, sendo uma doação do governo do Japão. A
universidade de Tóquio selecionou o arquiteto Hiroshi Naito, que trabalhou com o apoio dessa
instituição e, localmente, da Empresa de Desenvolvimento Urbano de Medellín. Ele mudou-se
um tempo para a Colômbia, vivendo na comunidade, e criou um projeto que visava constituir
pontes entre a cultura local e a cultura japonesa, além de ter doado sua coleção de livros de
arte e arquitetura para a biblioteca. O resultado foi um conjunto que, além de funcional, possui
grande beleza, constituindo-se hoje num dos pontos turísticos da cidade. Muitos desses parques
bibliotecas agregam outras atividades e serviços ao espaço – quadras poliesportivas, agências de
microcrédito, postos de realocação de emprego.
Outro aspecto importante no caso dos parques biblioteca é que eles buscam atender a
uma estratégia simbólica de redução dos estigmas territoriais e de melhoria da inserção social da
população urbana. Muitas dessas unidades foram construídas em territórios nos quais o imaginá-
rio da comunidade estava associado a situações ou eventos conflitivos ou dramáticos. O parque
biblioteca Léon de Greiff/ La Ladera, por exemplo, ocupou as instalações do antigo Cárcel de
Varones (Prisão); o parque biblioteca La Quintana ergue-se num local que era utilizado como
“botadero de cadáveres” (cemitério clandestino das forças de repressão e do narcotráfico); e o
Parque Belén ergue-se sobre as antigas instalações da Polícia Judicial e de Inteligência do Esta-
do Maior (instituição similar ao nosso antigo DEOPS). A localização dos parques biblioteca em
territórios cujo imaginário da coletividade estava relacionado a fatos ou episódios socialmente
conflitivos, como antigos aparatos de repressão (cadeias, quartéis), zonas de conflito com o
narcotráfico ou regiões sujeitas a desastres naturais, visava, segundo a administração municipal,
reescrever a cidade sobre espaços que outrora foram de dor e morte. Esse cenário ainda não está
totalmente distante. Em um dos parques biblioteca, por exemplo, alguns funcionários “negocia-
ram” com representantes de gangues locais que aquele espaço seria uma “zona neutra” – o seja,
que os conflitos e disputas não se reproduziriam ali. Foram bem sucedidos, até o momento.
Algumas das formas de mediação cultural da informação confundem-se, dentro da pers-
pectiva de Certeau, com uma nova “produção”. Um exemplo são as salas “Meu Bairro”, uma
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iniciativa de conectar o conhecimento local (através de registros de história oral, entre outros),
assim como a produção de informações de interesse da comunidade (jornais e impressos locais,
ou outras formas de produção dos moradores da região), aos demais serviços das bibliotecas
parque. Sintonizam-se, assim, a um objetivo mais amplo, que é o de fortalecimento do tecido
social e do aumento da auto-estima dos cidadãos pela modificação dos imaginários coletivos
e empoderamento local. Em alguns espaços foram desenvolvidas exposições relacionadas às
histórias de ocupação do bairro ou da peculiaridade de algumas atividades locais. No caso do
parque biblioteca 12 de Octubre, por exemplo, foi dado destaque ao desenvolvimento de mo-
vimentos culturais alternativos na localidade em que a instituição está localizada. Foram reco-
lhidos depoimentos, antigas fotos, objetos, que compõem um mapeamento de grupos teatrais,
artistas plásticos, eventos, etc. que floresceram apesar das contingências econômicas e políticas.
Obviamente, atividades dessa natureza demandam uma equipe com formação interdisciplinar,
que é outra das características dessas unidades, que aglutinam não só profissionais da informa-
ção, como também historiadores, antropólogos, tecnólogos, economistas, arte-educadores.
As informações e análises dessa sub-seção retomam considerações realizadas em um âmbito mais amplo em
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rísticas internas positivas como habilidades, capacidades e competências que uma organização
deve utilizar para atingir as suas metas, enquanto as oportunidades são características do am-
biente externo, que não estão sob o controle direto da organização, mas que apresentam poten-
cial para ajudá-la a atingir ou exceder as metas planejadas. As fraquezas, também chamadas de
pontos fracos, conclui o autor, são características internas negativas, como a ausência de capa-
cidades críticas, que podem restringir o desempenho da organização, enquanto as ameaças são
características do ambiente externo, que não são controláveis pela organização, mas que podem
impedi-la de atingir as metas planejadas.
A análise está sistematizada no Quadro 1:
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Pontos Fracos • não apresentou boa velocidade de acesso em todos os momentos verificados (houve
necessidade de espera em seu carregamento);
• utiliza na grande maioria de suas páginas, a barra de rolagem que pode dificultar a visu-
alização e o encontro das informações desejadas pelos usuários;
• inclusão de outros meios de comunicação entre a biblioteca e seus usuários como, por
exemplo, a utilização de chat;
• falta de costume dos usuários para utilizar serviços disponíveis em meio eletrônico;
Além da análise pela matriz SWOT, realizamos uma incursão de caráter exploratório
pela Biblioteca de São Paulo (BSP), com o objetivo de conhecer quais seriam os principais usos
da internet pelos jovens paulistanos que a frequentam. A partir das ideias desenvolvidas por So-
nia Livingstone (2011) acerca dos “nativos digitais”, acreditávamos que estes seriam a exceção
e não a norma nas novas gerações.
Em uma pesquisa sobre o estudo de internet e outras mídias no que tange a seus usos,
valorações, posse e acesso por parte de crianças e adolescentes brasileiros, Brasilina Passarelli
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diante das telas. De acordo com a observação efetivada, dos 10 casos estudados, 8 se limitaram
apenas à tela do Facebook. O uso da rede social está concentrado para atividades como o chat,
compartilhamento de fotos, vídeos e jogar games.
Há que se ressaltar que, apesar da importância que vem conquistando o Facebook no
cotidiano dos jovens brasileiros, percebemos entre os casos selecionados algumas exceções, que
tem considerado a emergência de outras redes sociais como o Instagram. “Eu não gosto muito
do Facebook, porque você ali só encontra drama; no Instagram é diferente, você não tem que
falar muito, sabe; só são fotos [...]”, declara um dos jovens entrevistados. Um fato a ser também
destacado é o pouco critério na seleção da informação quando se trata de pesquisar pela internet:
o site majoritariamente frequentado é Wikipédia.
No que tange aos comportamentos relacionados aos gêneros, observa-se que as crianças
e jovens do sexo masculino parecem identificar-se mais com atividades proativas, ou seja, bai-
xar arquivos de músicas, filmes, e jogar games. Já as meninas e adolescentes do sexo feminino
são visivelmente mais hábeis em atividades de sociabilidade: participar de salas de bate papo,
enviar mensagens e compartilhar/comentar imagens entre seus grupos de pares.
A partir das perspectivas de abordagem mencionadas, elaboramos uma matriz baseada
em Livingstone (2011), para organizar os dados obtidos, os quais, posteriormente, foram enqua-
drados em categorias de análise, apresentadas no quadro 2:
B. Comportamento limitado • Seu tempo no computador está focalizado na rede social: Facebook e
diante das telas Youtube.
• Pouco interesse e critério para pesquisar pela internet. Seu principal
site é a Wikipédia.
C. Marcada heterogeneidade • A tendência no uso da internet por parte do sexo feminino está mar-
entre os gêneros, que determina cada pela necessidade de socializar; no caso do sexo masculino, está
hábitos e usos das TICs. caraterizada pelas atividades de ação proativa: baixar música, filmes
e jogar games.
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deando mediações e leituras esvaziadas, parece-nos fundamental refletir sobre este ponto, quan-
do se tem em vista uma real inserção dos sujeitos na cultura. (MARTÍN-BARBERO, 2009).
As práticas e políticas culturais de mediação brevemente discutidas apontam para essa
complexidade, ilustrando como a construção de processos de mediação cultural voltados para
o empoderamento dos atores enfrenta dificuldades de distintas naturezas para tentar se enraizar
socialmente. A questão das mediações sociais nos contextos formativos das políticas e ações
culturais mereceria uma maior reflexão. Trata-se do desafio de incorporar uma cultura pedagógi-
ca apoiada em formas de experiência que não se restringem à mediação escrita, ligadas a modos
de negociação entre conteúdos e significados historicamente muitas vezes estigmatizados, dis-
criminados e deslegitimizados. A construção do conhecimento é aqui um fenômeno ao mesmo
tempo individual e social, e o saber, um “produto” da construção ativa dos sujeitos, mediada
técnica, artística e culturalmente. O exemplo das salas “Meu Bairro” nas bibliotecas parque de
Medellín nos permitem verificar que iniciativas dessa natureza são possíveis.
Unidades de Informação, Espaços Culturais, Unidades Híbridas ... a terminologia cam-
biante poderia denunciar a falta de rigor metodológico – mas preferimos pensar que reflita,
antes, a riqueza e multiplicidade das instituições e situações possíveis nesse cenário dinâmi-
co que aproxima as TICs à cultura. Assim, procuramos destacar o valor social e o significado
cultural de alguns desses lócus. Longe de opor tradição à inovação, parece-nos antes que esta
última só se realiza quando consegue lidar criativamente com a primeira. Isso vale tanto para a
incorporação das tecnologias, como para configuração de novos serviços e funcionalidades para
os cidadãos e as comunidades que se relacionam com estas instituições. Desenham-se assim as
possibilidades de constituição de novas ações e cadeias de mediações, numa perspectiva muito
mais dialógica que impositiva.
Essa convergência de perfis diversos e do papel jogado pelas atividades de formação
no empoderamento dos sujeitos pode ser ilustrada pela experiência de Medellín. Outro aspecto
importante presente nesse exemplo foi a equalização de perfis inter e multi disciplinares na
efetivação dessas ações, perceptível no quadro funcional das bibliotecas parque, composto não
só por bibliotecários, mas também por antropólogos, historiadores, pedagogos, informáticos,
arte-educadores, etc.
No caso da BSP foi possível verificar que o SRV representa uma oportunidade de au-
mentar a satisfação e a interação das unidades de informação com seus usuários. Os principais
fatores identificados como possíveis limitadores do progresso desse serviço são a falta de acesso
à tecnologia e o custo da infraestrutura, além de questões relacionadas à formação de profissio-
nais e usuários na utilização da tecnologia.
Nosso propósito não se restringiu a avaliar apenas os sites, mas também buscamos, na
abordagem realizada no âmbito da BSP, alguns elementos que permitissem a reflexão acerca do
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relacionamento entre usuários e TICs no âmbito das próprias unidades de informação. Ali foi
possível constatar algumas das dificuldades que apresenta a internet na prática, mostrando que,
afinal, o acesso à rede não é tão convidativo ou simples como a retórica popular quer acreditar.
Embora seja tentador caracterizar as habilidades on-line dos jovens contemporâneos, conce-
bendo-os como nativos digitais, percebeu-se que é necessário estabelecer alguns limites a esta
lógica de interpretação dos fenômenos que abrange o acesso socialmente significativo às TICs.
Acreditamos que é importante considerar que a desigualdade social não é apenas uma
questão referente à partilha adequada dos recursos, mas de participação na determinação das
oportunidades de vida tanto individuais como coletivas. A premissa subjacente a essa afirmação
é a de que a capacidade de acessar, adaptar e criar novos conhecimentos por meio das TICs é
decisiva para a inclusão na chamada “Sociedade da Informação”. Como já nos mostraram Mark
Warschauer (2006) e Manuel Castells (2003), o acesso é decisivo para a inclusão social. O aces-
so e o letramento digital estão intimamente ligados aos avanços da comunicação humana e aos
meios de produção do conhecimento. A naturalização do status de nativo digital para os jovens
contemporâneos com habilidades on-line é tentadora. No entanto, isso não os coloca isentos de
uma observação crítica. Assim, dominar uma tecnologia significa manejar não só o hardware,
mas tudo o que internet oferece a seus usuários, a partir de uma visão crítica e informada.
O caso da BSP serve para refletir acerca dessa premissa, pois no contexto dessa socie-
dade, “tanto em termos educacionais, quanto culturais e econômicos, o desenvolvimento e a
educação juvenil para o mundo digital não pode prescindir do suporte mediador das instituições
tradicionais da sociabilidade e da educação formal e informal” (PASSARELLI et alii, 2014,
p.175). Diferentemente das unidades observadas em Medellín, a BSP não se enquadra em um
projeto integrado de políticas sociais com outros setores do Estado, dificultando assim um maior
enraizamento no tecido social local e de apropriação de seu espaço por parte dos usuários.
Também não se percebeu, diferentemente de Medellín, um papel mais ativo por parte dos me-
diadores da BSP. Desenham-se assim questões relativas às competências culturais e intelectuais
dos indivíduos e grupos para lidar com a sociedade contemporânea. E finalmente __ mas não por
último __ remete também à necessidade da mediação cultural e da informação e ao papel estraté-
gico dos mediadores nos fluxos tecnoculturais que caracterizam a contemporaneidade.
A reflexão sobre essa dinâmica social contemporânea nos leva a considerar dois pontos
complementares. O primeiro, a importância estratégica que as unidades de cultura e informação
e seus profissionais poderiam desempenhar na sociedade em termos de uma construção cidadã
do conhecimento. Isso é válido tanto para as bibliotecas – públicas, escolares, comunitárias,
especializadas – como para outras unidades, algumas delas com essa clara vocação, como os
museus, e outras que eventualmente atuam nessa perspectiva, como arquivos e centros de docu-
mentação. O segundo ponto foi perceber que definir hoje o que seria uma Unidade de Informa-
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ção tornou-se cada vez mais difícil, dada a variedade e complexidade de perfis possíveis que as
mesmas podem adotar. A partir das experiências discutidas, fomos cristalizando a convicção de
que, de modo crescente, elas tendem a incorporar o universo das práticas culturais dos sujeitos,
cada vez mais mediatizadas pelas tecnologias.
A questão não é focar em mais conhecimento, na lógica da pura acumulação e difusão
quantitativa. O desafio reside na necessidade de se refletir, a partir das mediações e políticas
culturais, as questões relacionadas à formação de acervos, aos formatos informacionais, aos
conteúdos das mensagens, às relações com os usuários. Desse modo, as políticas de informação
e comunicação seriam, hoje, também políticas culturais. Os novos ambientes de informação se-
riam, na verdade, ambientes culturais da infocomunicação, aparatos, dispositivos e tecnologias
mediadoras, capazes de transmitir conhecimento intercultural e proporcionar a comunicação
e a expressão dos indivíduos e grupos. Nesse sentido é que buscamos compreendê-las como
UCIs – Unidades Culturais de Infocomunicação, locais estratégicos para a realização de práticas
e políticas culturais emancipadoras, passíveis de apropriação pelos sujeitos na perspectiva de
construção da cidadania cultural e dos processos de formação permanente, cada vez mais exigi-
dos por nossa sociedade.
Não procuramos criar uma apologia ao digital e às TICs, mas de fazer constar que sua
presença, mesmo que problemática, enriquece e disponibiliza novos meios e recursos para a
criação cultural e para a dinamização das relações sociais. Essas considerações, ainda em cons-
trução, apontam para o fato de que o grau de autonomia e as condições socioculturais dadas para
a apropriação da informação e dos usos das tecnologias variam contextualmente. A presença de
recursos humanos capacitados tanto no plano dos processos culturais, como no domínio de ha-
bilidades tecnológicas, torna-se um elemento de fundamental importância para o sucesso dessas
iniciativas. O encontro de indivíduos e de grupos com as instituições merece ser compreendido
como um processo complexo povoado por práticas heterogêneas e não excludentes.
Diante dos atuais conflitos públicos nos modos de representar a vida social Yúdice (2006,
p. 47) chamará atenção para a função política dos “mediadores” na elaboração e implementação
de “políticas socioculturais” que criem espaços onde as distintas narrativas culturais possam ser
“concebidas e tornadas compatíveis”. O encontro de indivíduos e de grupos com as instituições
merece ser compreendido como um processo complexo povoado por práticas heterogêneas e
não excludentes. Nesse sentido, vale relembrar a lição de Michel de Certeau (1994), ao apontar
não as restrições impostas pelos aparatos aos indivíduos, mas a criatividade das práticas sociais,
para voltarmos nosso olhar para a apropriação das tecnologias e das informações nos processos
vivos de produção e circulação da cultura.
Desse modo, estabelece-se para os profissionais da cultura, da comunicação e da in-
formação o desafio de refletir e construir estratégias de interação com estes e outros usuários
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que envolvam uma efetiva apropriação sociocultural das TICs. O desafio, ao que parece, está
em cristalizar as relações on line/off line de maneira mais consistente, capaz de operar efetivas
mudanças a partir de iniciativas coletivamente orientadas para a construção de habilidades e
conhecimentos socialmente significativos, que contribuam para a construção do conhecimento
socialmente relevante e na melhoria da qualidade de vida dos sujeitos e de suas comunidades.
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LINKS
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1
Professora da Escola de Belas Artes | UFRJ e Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo,
FAU | UFRJ. E-mail: bitiz.afflalo@gmail.com
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Pode-se observar que tanto a dimensão como a transcendência cria a mesma organização
do pensamento, a mesma lógica de afirmação/negação, num sistema fechado que não permite
outras combinações e que, por isso mesmo, acaba gerando uma série de subclassificações dessa
mesma dicotomia. A definição de cultura, estabelecida pela UNESCO, abarca as relações que
regem a vida das sociedades que, como tal, compreende as oposições, complementaridades,
relações e interações que geram valores e que se modificam, a partir de novas ações, relações,
oposições e interações.
Para trabalhar este conceito de cultura multifacetado é preciso compreendê-lo num sis-
tema aberto. Segundo Morin, um sistema fechado pode ser exemplificado por uma pedra, uma
mesa, ambas em estado de equilíbrio, se considerarmos a troca de matéria/energia com o exte-
rior. Já uma vela acesa ou uma célula estabelece uma relação de desequilíbrio com a troca pelo
fluxo energético que as alimenta. Sem ele, as duas se definhariam.
Se observarmos o organismo humano, percebemos que nossas células se renovam sem
cessar, enquanto nossa estrutura se mantém equilibrada, exatamente como um sistema aber-
to, onde sua estrutura se mantém em equilíbrio, mas seus constituintes são mutantes. Mesmo
aberto deve se manter fechado ao exterior, e é sua abertura que vai permitir o fechamento, ou
seja, um sistema organizando seu fechamento na e pela abertura. Disso deduzimos algumas
observações interessantes:
• as leis de organização da vida não são de equilíbrio, mas de desequilíbrio em cons-
tante recuperação;
• a inteligibilidade do sistema não está ligada somente à ele mesmo, mas também ao
meio ambiente;
• e essa relação não é somente de dependência, mas constitutiva do sistema.
“Qualquer conhecimento opera por seleção de dados significativos e re-
jeição de dados não significativos: separa [distingue ou disjunta] e une
[associa, identifica); hierarquiza [o principal, o secundário] e centraliza
[em função de um núcleo de noções chaves]; estas operações que se
utilizam da lógica, são de fato comandadas por princípios ‘supralógicos’
de organização do pensamento ou paradigmas: princípios ocultos que
governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos consci-
ência disso.[Morin. 2011:10]”.
Do ponto de vista da teoria da complexidade, a noção de cultura adotada pela antropo-
logia social, a partir de meados do século XX, não se adequa ao real pela negação da relação do
homem com meio ambiente. Perde-se um elo importante.
Ainda trabalhando no conceito estabelecido pela UNESCO, podemos perceber que ‘ca-
racterísticas espirituais, materiais, intelectuais e emocionais distintas de uma sociedade ou de
um grupo social, englobam tanto o conhecimento científico, como o genérico [concernente ao
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gênero humano], que abarca as criações e processos relativos às chamadas ciências humanas. E
é nesse ponto que se situa um desafio cultural’ [Morin, 2002:17], que ainda nos dirige [oculta-
mente] e está entranhado no desenvolvimento da inteligência, a partir do século XIX, ou seja a
divisão entre cultura de humanidades e cultura científicas.
Essa divisão que proporciona a disjunção cada vez mais intensa do saber, ainda que
tenha promovido admiráveis descobertas e um avanço tecnológico a se considerar, nos impede
a reflexão sobre o desenvolvimento humano, torna-se incapaz de pensar os próprios problemas
sociais e humanos que estabelece no seu desenvolvimento; torna-se impossível de abranger,
‘além da arte e literatura, estilos de vida, maneiras de vida em comum, sistemas de valores, tra-
dições e crenças’ [Morin, 2002:19]. Subdivide a vida, enfraquecendo uma percepção global, e
consequentemente o sentido de responsabilidade: cada um tende apenas a ser responsável pela
sua tarefa específica.
Quando os valores e crenças de um grupo perdem suas interações, o tecido cultural se
esgarça, enfraquecendo a cultura como um todo. Conhecer a cultura é conhecer o humano. É
preciso, então, trabalhar a ligação entre os conhecimentos, para daí fazer surgir o novo, que ul-
trapasse os problemas atuais. Todo o conhecimento deve ser orientado para e sobre a condição
humana em toda a sua complexidade.
A cidade é um resumo: conhecer a complexidade humana nos leva ao conhecimento da
condição humana, que nos atenta para a vida com seres e situações complexas. A cidade con-
temporânea é a vida, que se desenrola no social, no unitário e no diverso. Assim, ao observarmos
as relações entre a cultura e a cidade, é preciso, segundo Morin, atentar para a complexidade do
mundo real e para tal, é preciso definir, a priori, algumas condições de provisão para o futuro:
• preparar-se para o futuro incerto, ou seja, para a existência da incerteza; contextuali-
zando, observando possibilidades e consequências;
• esforçar-se para compreender e conceber estratégias, com cenários de ação que pos-
sam conter a possibilidade do acaso;
• efetuar conscientemente nossas apostas, acreditando nas possibilidades, mas jogan-
do com a incerteza.
A visão unidimensional [na cidade] enfraquece a percepção do complexo e o sentido de
responsabilidade [Morin, 2002:14].
“A realidade está tanto no elo quanto na distinção entre o sistema aberto e o seu meio
ambiente... o sistema só pode ser compreendido se nele incluirmos o meio ambiente, que lhe
é ao mesmo tempo íntimo e estranho e o integra sendo ao mesmo tempo exterior a ele” [Mo-
rin,2010:22]. Religar o que está disjunto é a proposta. A divisão da organização política em
setores muito específicos que não se conversam tem sido um problema bastante evidenciado nas
administrações públicas.
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Chauí [2008:65] nos dá, através da descrição do que seja a pintura, a essência do olhar
cultural: a descrição de Chauí sobre a pintura é uma excelente metáfora sobre as contraposições
complementares que a complexidade cultural comporta.
“Que é a pintura? A expressão do enigma da visão e do visível: enigma
de um corpo vidente e visível, que realiza uma reflexão corporal por que
se vê vendo; o enigma das coisas visíveis, que estão simultaneamente lá
fora, no mundo, e aqui dentro em nossos olhos; enigma da profundida-
de, que não é uma terceira dimensão ao lado, da altura e da largura, mas
aquilo que não vemos e, no entanto, nos permite ver; o enigma da cor,
pois uma cor é apenas a diferença entre cores; o enigma da linha, pois ao
oferecer os limites de uma coisa, não a fecha sobre si, mas a coloca em
relação com todas as outras”.
Segundo Morin [2011:36], uma das conclusões dos estudos sobre o cérebro humano é
sua capacidade de trabalhar com o insuficiente, com o vago, com aquilo que não é exato. No
texto, o vidente que é visível, o que está lá fora, mas também dentro, o que não vemos, mas
percebemos e o limite que não se fecha são ingredientes da complexa visão do mundo, que com-
porta um conceito de cultura mais real.
A cultura deve ser vista a partir dos conceitos da complexidade, incorporando interações,
contradições, complementaridades, acasos, conflitos, incapacidade de uma ordem absoluta; ten-
do em conta que a “aceitação da complexidade é a aceitação de uma contradição, é a ideia de
que não se pode escamotear as contradições numa visão eufórica do mundo” [Morin, 2011:64].
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Assim, todo progresso corre o risco de se degradar e comporta o duplo sentido de pro-
gressão e regressão. O progresso como necessidade humana influiu na concepção do mito tec-
noburocrático. Mas o futuro incerto nos faz olhar o passado e reconstruir a história, agora com o
olhar do presente, percebendo a interdependência entre passado, presente e futuro.
É preciso substituir a concepção simplista da causalidade linear para um futuro previ-
sível, por uma visão complexa, já que o passado forma seu sentido de história a partir do olhar
posterior. Efeitos e contrafeitos se entrelaçam: é um novo enfoque a cada novo presente, que
modifica o passado. “O conhecimento do presente requer o conhecimento do passado, que re-
quer o conhecimento do presente” [Morin 2010:14].
E as inovações, criações e invenções futuras dependem do presente. Parte do futuro já
existe e vai operar as ações, interações e retroações que constituem o presente, mas de maneira
incerta. Considerando o tempo como fator de referência cultural, é preciso, de acordo com o
pensamento complexo desenvolvido por Morin, atentar que o instrumento de ligação que nos
faz deslocar entre presente, passado e futuro é o conhecimento, e ele não é linear, é multidimen-
sional, sem fator dominante. É importante ainda, perceber que também a realidade é multidi-
mensional, comportando fatores geográficos, técnicos, políticos, econômicos, ideológicos e que
existe uma rotatividade de evidência desses fatores na evolução humana.
É fato que a evolução segue um princípio multicausal, tanto intrínseco ao processo, como
exterior a ele. E são as invenções, inovações e criações que modificam a evolução, podendo am-
pliar-se e potencializar-se em tendências, infiltrar-se modificando a tendência dominante: “a evo-
lução é deriva, transgressão, criação, é feita de rupturas, perturbações e crises” [Morin, 2010:17].
A teoria do modernismo para as cidades foi direcionada para a pretensão do equilíbrio
da vida urbana organizada, dentro da perspectiva do progresso contínuo, do desenvolvimento
linear. O pós-modernismo elaborou a crítica na superficialidade da meia solução de retomada de
parâmetros culturais anteriores, mesclados a soluções intrinsicamente modernas.
A evolução tecnológica e informacional reconfigurou as necessidades sociais humanas.
Ainda não se tem clareza das profundas modificações que afetam os grupos sociais no presente,
mas já se percebem modificações que estabelecem duas formas de ‘olhar o mundo’, analisadas
por diversos autores: a global e a local. Contrapostos e complementares essas duas vertentes
provocaram algumas modificações na organização dos contextos sociais. A cidade, desde os
meados do Século XX, passa a exercer um elemento de destaque no jogo global do poder, crian-
do as bases para que, como foi dito antes, adquira valores de mercadoria, inserida nos fluxos da
economia global.
A cidade, que passa por este projeto de revalorização da imagem, vai ter os seus espaços
fragmentados, em relação aos dois aspectos importantes: o global e o local. De acordo com San-
tos [2008:284], há espaços que se agregam, sem descontinuidade, constituindo a versão tradicio-
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nal de região; e há aqueles que, embora separados uns dos outros, “asseguram o funcionamento
global da sociedade e da economia”. Os primeiros, as horizontalidades correspondem ao local
e tem uma função básica de produção. Os outros, as verticalidades, controlam o poder, e estão
ligadas através da circulação, do intercâmbio e do controle, relacionados à perspectiva Global.
Fortuna e Santos [2002:433], citando Doreen Massey, indicam os espaços da “geometria
do poder”, traduzidos pelo sucesso de aproximação ao centro [global] contraposto a localização,
que vai significar “incapacidade e sujeição à condição de marginalidade social, política e cultu-
ral”. Essa marginalidade, caracterizada como “laterização social” é muitas vezes inserida numa
estratégia de reconhecimento dos direitos, dentro das perspectivas de “promoção transnacional
da imagem da cidade”, resultando em “fragmentações sociais, políticas espaciais ou mesmo es-
téticas”. Essas fronteiras construídas e imaginadas socialmente, sem delimitação específica no
espaço das cidades, terminam por sofrer as interações e retroações consequentes de um sistema
complexo: “....temos assistido à desterritorialização dos fluxos econômicos, culturais, simbóli-
cos e informativos.” [Fortuna e Silva, 2002:432]
É neste contexto espacial incerto, que a recuperação urbana culturalista vai ser implanta-
da, de acordo com as exigências da verticalidade, mas num contexto complexo, que compreende
também as horizontalidades, incluindo em várias perspectivas as ações, interações e retroações,
que se mesclam na vida das cidades.
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lhes subtrai, primeiro a possibilidade de interação com o todo; no caso da cultura, com o contex-
to; e segundo, a responsabilidade sobre as consequências da sua ação em relação a este contexto.
Este monopólio de expertise, defendem Fortuna e Santos, interfere no relacionamento
dos sujeitos na sociedade:
“O grau de maior ou menor resistência, visibilidade e reconhecimento
do local encontra-se cada vez mais desligado daquilo que seus repre-
sentantes conhecem, e mesmo de quem conhecem e com quem se re-
lacionam, e, em contraposição surge crescentemente condicionado por
circunstâncias e ambientes sociais e técnicos alheios à vontade destes”
[Fortuna e Santos, 2002: 450]
O movimento de resistência deste sentido autoritário do conhecimento nos é dado pelo
resultado criado pela superespecialização que permitiu um avanço científico e tecnológico con-
siderável que nos aponta em duas direções. Segundo Morin, há a necessidade de religar esse
conhecimento, e o devemos fazer trabalhando a relação entre a parte e o todo, entre o todo e a
parte. Defende que a patologia da razão está na hipersimplificação que não deixa ver a comple-
xidade do real.
Fortuna e Santos defendem o uso das modernas tecnologias de informação, como recur-
sos decisivos, a partir dos quais os mapas cognitivos do local e do global podem ser reelabora-
dos, ou seja, efetuada uma religação entre essas duas perspectivas que evite que o local fique
cada vez mais a margem do global.
Muito ainda se pode explorar, na relação entre cultura, espaço e a teoria da complexida-
de. Mas trabalhar com a complexidade é compreender que a ação é estratégia, e entender que
devem ser previstos os acasos que vão se suceder e perturbar a ação. A estratégia luta contra
os acasos e busca a informação, mas o acaso não é apenas o fator negativo a ser reduzido. “É
também a chance que se deve aproveitar” [Morin, 2011:79], principalmente para trabalhar com
a cultura e o espaço da cidade. Para tal, é fundamental pensar o projeto em toda a sua complexi-
dade de decisões, em função das relações local/global, parte/todo, específico/genérico, certeza/
incerteza, definições/acasos e principalmente exclusão/ inclusão.
A partir do pensamento de Morin, e juntamente com ele, considerar que, estamos num
mundo que nos parece simultaneamente em evolução, em revolução, em progressão, em regres-
são, em crise, em perigo. Vivemos tudo isso ao mesmo tempo.
Precisamos considerar que, a eficácia política, assim como a eficácia da sexualidade
precisa de incontáveis esforços infrutíferos, de desperdício de energia e de substância vital para
chegar a uma fecundação. Que semear a vida, para nós, é dispender esforços inumeráveis, é
produzir embriões sem número. Semear pode coincidir com se amar, isto é, com o amor que
transfigura dois seres e encontra sua finalidade em seu êxtase de comunhão [Morin, 2010:35].
E eis o símbolo que cada qual pôde e pode viver....
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1. APRESENTAÇÃO
O Clube de Espectadores é um programa que foi desenhado pela Gerência de Cultura da
Escola Sesc de Ensino Médio desde 2008, quando o Teatro Escola Sesc foi inaugurado, e tomou
forma ao longo desses anos, chegando ao ano de 2014 com 2.156 sócios.
Atualmente, o que hoje se tornou o Espaço Cultural Escola Sesc, ainda trabalha com
as mesmas questões que existiam quando o Clube de Espectadores foi criado: como atrair o
público que está próximo ao espaço? A programação interage com o gosto do público? O gosto
do público é necessário ao espaço, ou é sua função oferecer a diversidade e fruição de diversas
linguagens e produções artísticas?
A partir dessas questões, percebi que se fazia necessário uma análise do perfil dos sócios,
para tentar diagnosticar benefícios para além dos já estabelecidos pelo programa e, através de
entrevistas realizadas com cinco sócios, entender a relação deles com o espaço físico, o entorno,
1
Graduanda do curso de Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense. Bolsista do Programa de Inicia-
ção Científica (PIBIC/FAPERJ) e componente do grupo de pesquisa de Gestão Cultural do Programa de Pós-gradua-
ção em Administração da Universidade Federal Fluminense (PPGAd/UFF). mariavasconcelos00@gmail.com
2
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal Fluminense (PPGAd/
UFF). janainadias@id.uff.br
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a atividade cultural, como também a frequência no espaço e nas ações da Gerência de Cultura.
Para tanto, será necessário expor melhor o programa, o que ele oferece, o que a Gerência de
Cultura entende como sócio e o como o sócio se percebe dentro deste espaço.
2. INTRODUÇÃO
2.1. A escola Sesc de ensino médio
A Escola Sesc de Ensino Médio foi inaugurada no ano de 2008, na cidade do Rio de
Janeiro, no bairro de Jacarepaguá. É uma escola-residência, gratuita, que recebe alunos de todo
o Brasil. No ano de sua inauguração, a escola recebeu 1763 alunos, que iniciaram na primeira
série do ensino médio. Atualmente, a capacidade é para 500 alunos nas três séries. Com no má-
ximo 15 alunos por turma, a escola trabalha a formação cidadã do indivíduo, aliada a formação
acadêmica e profissional.
Os alunos residem na escola, assim como a maioria dos professores e gestores. Visto
que convivem em comunidade, a escola tem toda estrutura necessária ao convívio desta. Vamos
focar particularmente na Gerência de Cultura e sua atuação no campus escolar e ao redor dele,
no entorno da Escola Sesc de Ensino Médio, onde o Clube de Espectadores tem sua atuação. A
Gerência de Cultura é a responsável por administrar todo equipamento cultural da Escola Sesc
de Ensino Médio, promover ações, programas e atividades que proporcionem a comunidade,
tanto interna quanto externa4 a vivência no âmbito cultural.
3
Informações retiradas do site da Escola Sesc de Ensino Médio; http://www.escolasesc.com.br/a-escola/quem-so-
mos/acesso em 03 de novembro de 2014.
4
Internos e externos é uma denominação utilizada para diferenciar quem é residente na Escola Sesc de Ensino
Médio e quem não reside nela. Assim, alunos e professores são exemplos de internos e o público espontâneo, que
não reside na Escola, é exemplo de externo.
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A Revista Clube de Espectadores é uma estratégia de ação que já foi implantada e segue
sendo o principal meio de divulgação do Espaço Cultural Escola Sesc. Publicada trimestral-
mente, a revista cumpre com o seu papel informativo, sendo entregue em casa pelos Correios,
benefício exclusivo para os sócios. O restante do público que não é associado pode ter acesso à
revista em pontos de distribuição e no Espaço Cultural Escola Sesc;
• A criação da revista Clube de Espectadores como veículo de aproximação entre pú-
blico, artistas e técnicos. A revista apresenta a programação detalhada do Espaço
Cultural Escola Sesc, pretendendo informar aos sócios, parceiros sociais e demais
frequentadores (e possíveis sócios) as ações desenvolvidas ao longo do ano. Bimes-
tralmente são publicadas entrevistas com artistas que fazem parte dos programas,
dicas culturais disponíveis para consulta no acervo, tais como livros, dvd’s e cd’s do
Canto Poético6 e Banco de Con/Textos7, além de informações sobre todos os progra-
mas realizados, as linhas de ação da Gerência de Cultura da Escola Sesc e caminhos
para que o espectador maximize sua fruição. É também um convite a todos os inte-
ressados para um convívio cultural regular num dos poucos equipamentos culturais
da Zona Oeste.
O regulamento ainda prevê benefícios aos sócios:
• Prioridade na inscrição de oficinas, cursos, palestras, debates e/ou qualquer atividade
cultural que haja limitação no número de vagas;
• Brindes produzidos para os programas realizados no teatro (camisa, chaveiro,
boné, livro, etc.);
• Recebimento através de e-mail e correspondência informações sobre a programação
do Espaço Cultural Escola Sesc, bem como a Revista Clube de Espectadores;
• Participação em assembleia anual para sugestão de programação do teatro;
• Atividades exclusivas para associados;
• Prioridade de agendamento nos ônibus de Público Dirigido e no acesso
ao Ônibus Cultural;
• Acesso livre na portaria da Escola Sesc de Ensino Médio mediante a apresentação da
carteirinha em dias de programas de fruição realizados no Espaço Cultural Escola Sesc;
• Empréstimo de livros, cd’s, dvd’s e outros materiais que compõem o acervo do Canto
Poético e do Banco de Con/Textos. Cada sócio tem o direito de retirar até três volu-
mes, podendo permanecer com estes por até quinze dias.
6
O Canto Poético é um espaço cultural no mezanino do teatro, voltado para a leitura de livros e audições de CD’s
de poesia.
7
O Banco de Con/Textos se configura como importante fonte de pesquisa e acuro técnico no campo das artes
cênicas. Com atividades voltadas para artistas, produtores, estudantes de artes cênicas e demais interessados nos
estudos teatrais, o Banco de Con/Textos é um espaço de convivência para pesquisa e estudos coletivos, além de ser
destinado também a encontros e oficinas de dramaturgia.
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É também de dever do sócio cumprir com alguns compromissos com o Espaço Cultural
Escola Sesc:
• Respeitar as regras da Escola Sesc de Ensino Médio, tais como: não fumar nas de-
pendências da escola (inclusive em lugares abertos) e não consumir ou portar bebi-
das alcóolicas no campus;
• Zelar pela conservação do espaço cultural, assim como do material oferecido para
sua fruição;
• Seguir as normas de utilização dos coletores de lixos recicláveis, colaborando com a
política de coleta seletiva proposta pela instituição;
• Não consumir qualquer tipo de alimento nem mesmo bebidas dentro do teatro, para
evitar que suje o mesmo;
• Desligar ou colocar o telefone celular em modo silencioso porque o barulho descon-
centra os artistas e a plateia;
• Filmar e/ou fotografar o espetáculo somente com autorização prévia da produção do
espaço cultural.
Alguns itens desse regulamento estão sendo implantados pouco a pouco, como é o caso
do livre acesso através da carteirinha de sócio, que necessita de um sistema de softwere capaz
de ler individualmente a carteirinha dos sócios na portaria da Escola Sesc. Outros itens estão
temporariamente suspensos, pois irão passar por melhorias, como o empréstimo de livros, cd’s
e dvd’s do Banco de Texto e Canto Poético, que vão passar por reformas para reestruturar todo
seu espaço físico e sua catalogação, de forma que fique mais fácil para que o associado encontre
as peças que necessita. Já sobre a assembleia, a primeira foi realizada no ano de 2014, e foi uti-
lizada com estratégia de ação para esta pesquisa, que irei explanar mais a frente.
É de extrema importância frisar que o Clube de Espectadores, além de uma formação
de público, age como política cultural no meio onde está inserido, tentando dinamizar uma área
que antes não tinha uma oferta de programação variada. A criação de direitos e deveres para o
sócio dentro do regulamento do Clube é feita na intenção de não apenas regulamentar as regras
para convivência no espaço, mas principalmente para que o sócio sinta-se pertencente ao local,
com trocas efetivas entre o espaço e a parte constituinte dele e todos os sócios que se dedicam a
participar ativamente. A participação do cidadão nesse programa fortalece uma rede de cultura,
capaz de dinamizar as atividades culturais não só no próprio espaço, mas também fora dele, nas
comunidades e no entorno de cada sócio, que transmite assim a importância de se fazer articula-
ção entre entidades e população em áreas que o governo sozinho não dá conta para oferecer ati-
vidades culturais. A formação de uma rede no entorno do Espaço Cultural Escola Sesc propor-
cionaria a dinamização das atividades, sem a necessidade de uma liderança governamental, ten-
do no cidadão o principal ator, e no nosso caso, o sócio como protagonista do desenvolvimento
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cultural local, em articulação com o nosso Espaço. O próprio conceito de “redes” elucida que
os cidadãos se unem em torno de um objetivo final, respeitando as diversidades e pluralidades,
mas se mobilizando em torno de ações compatíveis com este objetivo. Segundo Luana Vilutis:
Redes são formas de organização sem hierarquia, autônomas e conecta-
das. A participação é um de seus principais motores e a gestão comparti-
lhada de responsabilidades é o que organiza o fluxo de tomadas de deci-
sões. As redes configuram estruturas abertas e com expansão ilimitada;
elas superam as formas tradicionais de organização piramidal, vertical
e centralizada. As ligações em rede propõe outra forma de convívio,
orientada pela horizontalidade, pela descentralização e desconcentração
das relações. (VILUTIS, 2014, p.11)
Localizado ao lado da Cidade de Deus, e à frente da Gardênia Azul, no bairro de Jaca-
repaguá, o Espaço Cultural Escola Sesc, ao lançar o programa Clube de Espectadores, entende
que não conhece seu público no geral, nem os internos nem os externos. O desafio era saber
quem estava fruindo e consumindo aquela programação, o que essa relação trazia de troca para o
espaço e para o sócio e como o gosto desse público influencia na programação do teatro. No ano
de 2013 foram realizadas entrevistas com alguns sócios do Clube de Espectadores (publicadas
na dissertação que tomo como base meu artigo), no intuito de verificar se o sócio compreende
o conceito e objetivo do programa, trabalhando e focando na construção de uma coletividade,
entorno da cidadania cultural que o programa visa trabalhar.
Essas entrevistas serviram de material de base para uma pesquisa feita por Viviane da
Soledade Tôrres, assessora técnica da Gerência de Cultura da Escola Sesc, que desenvolveu sua
dissertação de mestrado sobre o Clube de Espectadores e a sua relação com a cultura e cidada-
nia, como exemplifica no trecho:
A necessidade de desenvolver o Clube de Espectadores partiu da com-
preensão de que a função de uma programação cultural é adequar-se ao
seu público e às suas expectativas, buscando proporcionar novas experi-
ências artísticas e culturais. O desenvolvimento do hábito de frequentar
um espaço cultural é o início do processo de formação de espectador.
(TÔRRES, 2014, p. 14)
Diferentemente da pesquisa de Viviane, o viés que será abordado nesta pesquisa é mais
individual, buscando conhecer o perfil de alguns dos sócios mais assíduos na programação do
Espaço, identificando o envolvimento deles na cultura e desenvolvimento cultural, tanto em
ações promovidas pelo Espaço Cultural Escola Sesc, quanto no papel desses sócios nos locais
que atuam, em seu território, promovendo a articulação com diferentes tipos de pessoas e atores
sociais e culturais para a melhoria da cena cultural na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
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3. DESENVOLVIMENTO
3.1 Assembleia para Sócios
Como previsto em regulamento, uma vez por ano deve ser realizada uma assembleia
para que os sócios possam expor o que eles estão achando da programação, dar sugestões acerca
dela, críticas e opiniões sobre o espaço físico e o que pode melhorar, dentre outras ações. No dia
15 de setembro de 2014, às 15 horas, aconteceu a assembleia para sócios. O intuito é começar
a implantar um sistema anual, participativo, no qual a maioria tenha direito a fala. Para isso,
convidamos 25 sócios que mais frequentam o Espaço Cultural Escola Sesc a participar desta
primeira assembleia, e mais 05 sócias, professoras do ensino público, que participam conosco
do programa Público Dirigido8 que trabalha a formação de público e fruição de espetáculos em
parceria com escolas públicas do estado e município do Rio de Janeiro.
Nesta primeira assembleia, foram discutidos alguns pontos como segurança, programa-
ção, cursos oferecidos, dentre outros assuntos. Notou-se então a diferença entre a realidade
dos nossos sócios, e a articulação de alguns deles na área de cultura. O contexto social se fazia
presente em todo momento, gerando discussões sobre o oferecimento de atividades gratuitas,
sobre a relação entre poder aquisitivo e possibilidade de fruição e diferenciação de públicos. Foi
posto em questão por uma sócia a necessidade, segundo ela, de uma oferta de cursos gratuitos
para as pessoas que tem baixa renda. A questão discutida gerou um debate sobre oportunidades,
afinal, o espaço e os cursos são para todos? Se forem para todos, é necessário criar uma ferra-
menta para garantir que todos aqueles que não possam pagar um curso ou espetáculo tenha a
vaga garantida?
A pesquisa inicialmente era delimitar a presença dos sócios em termos quantitativos, po-
rém, diante o material recolhido na assembleia, identificamos um potencial a ser estudado: os
perfis do nosso público, dos principais sócios, que representam os associados participando ati-
vamente de tudo que o Espaço Cultural Escola Sesc oferece, e isto identificado, resolvemos pes-
quisar de que maneira esta relação pode ser proveitosa tanto para o espaço quanto para os sócios.
Na assembleia foi aplicado um questionário proposto por nós, que buscava identificar
quais os pontos positivos no Espaço Cultural Escola Sesc, o que faltava lá, quantas vezes eles
frequentavam, dentre outras perguntas. A maioria deles participa do Projeto Uzina9, e frequen-
tam quase que semanalmente o Espaço Cultural, sendo assim, um público potencial para espe-
táculos, shows, oficinas, etc.
8
O programa Público Dirigido trata-se de formação de público desenvolvido em parceria com escolas públicas
municipais e estaduais do Rio de Janeiro. A Gerência de Cultura, além das atividades para fruição, disponibiliza o
transporte desses alunos para que eles tenham fácil acesso ao nosso Espaço e programação.
9
O projeto Uzina oferece laboratórios de artes e produção cultural gratuito para a comunidade interna e externa.
Os laboratórios acontecem, em sua maioria, nas instalações do Espaço Cultural Escola Sesc, e garantem certifica-
ção ao final do semestre letivo, se cumprido 75% de presença.
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A assembleia se constitui, então, como uma estratégia de ação para a pesquisa, por ter um
caráter participativo dos sócios, e por ter um diálogo aberto a melhorias no espaço, no programa
do Clube de Espectadores, nos benefícios reconhecidos e nos questionados (como o Banco de
Con/Textos que se encontra inativo) e nos que ainda podem integrar o programa.
3.3. Entrevistas
A primeira entrevista foi feita com Vinícius Longo, 31, artista e produtor, morador da
zona oeste e sócio do Clube de Espectadores desde 2012. Segundo seu relato, a sua relação
com o Clube de Espectadores é intensa, já que ele usufrui muito de todo equipamento cultural
do Espaço Cultural Escola Sesc, e que é efetiva a comunicação dessa política cultural com ele,
porém não para outras pessoas, pelos mais variados motivos, e um deles é segurança. Para ele a
passarela que se localiza em frente a Escola Sesc de Ensino Médio e que a liga o bairro Gardê-
nia Azul e o ponto de ônibus tem um alto nível de periculosidade. Como ele relata neste trecho,
livremente transcrito:
Porque que eu não vinha mais vezes, eu me perguntava. E hoje eu tenho
a conclusão que é de uma possível segurança. O Espaço é muito bom,
excelente, mas o Rio de Janeiro, assim como grandes capitais, não são
lugares seguros. E a maior fragilidade de vocês nesse sentido é a passa-
rela. (trecho de entrevista realizada em novembro de 2014)
A segurança, embora atrapalhe o acesso das pessoas, não às impede de ter conhecimen-
to das atividades que acontecem no Espaço Cultural Escola Sesc, segundo ele. A comunicação
é classificada como boa por Vinícius, principalmente pelo fato de ter a possibilidade que re-
ceber a Revista Clube de Espectadores em casa, isso seria uma forma de atingir o público de
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uma maneira mais sensível, de modo que a Gerência de Cultura transparece sua dedicação para
com os sócios.
Quando perguntado sobre a relação do Clube de Espectadores em diálogo com a comu-
nidade, Vinícius reflete:
Isso é uma coisa muito complicada porque, na verdade, requer um pro-
grama político. Quando você quer envolver pessoas que não querem ser
envolvidas, você tem que primeiro partir do pressuposto de criar interes-
se, e pra você criar interesse você tem que falar a mesma língua. (trecho
de entrevista realizada em novembro de 2014)
O diálogo se faz completamente necessário para a inserção das pessoas no fazer cultural
da região em que elas se encontram, logo a linguagem aproximada de cada pessoa tem que se
fazer presente, para a construção de uma política cultural efetiva, no dia-a-dia, relacionando o
cotidiano das pessoas com a possibilidade de acesso à cultura. Para ele, é necessário que uma
política cultural crie atores sociais dentro do espaço em que ele está inserido. Desta forma, o
diálogo é possível. Vinícius também aponta que as redes – que conceituei ao na introdução deste
artigo como forma de troca entre espaço/sócio – são possíveis para manter esse diálogo, já que
a sociedade civil se vê envolvida de uma forma autônoma.
Eu descobri que a rede é a verdadeira política de fortalecimento da so-
ciedade civil, porque é a sociedade civil por ela mesma, fazendo o que
precisa ser feito para fruto dela própria. Tudo que vira diretriz maior e
precisa ser aprovado em leis, isso leva tempo, e nesse tempo que passa,
os interesses já vazaram. O Espaço Cultural Escola Sesc tem essa poten-
cialidade, vocês tem tudo, tem orçamento próprio, é uma entidade que
está muito à frente de outras da zona oeste. (trecho de entrevista realiza-
da em novembro de 2014)
Ana Clara Katopodis, 20, estudante de medicina, sócia do Clube de Espectadores desde
2012. Faz a leitura da sua relação com o Clube e o espaço muito boa, pois o programa, para ela,
é capaz de atingir muitas pessoas de Jacarepaguá, bairro em que reside e se localiza no entorno
da Escola Sesc de Ensino Médio. Ela enxerga que o bairro tem um déficit de atividades culturais,
e que o Espaço Cultural Escola Sesc, através do Clube de Espectadores, tem a intenção de sanar
essa carência:
Em Jacarepaguá você vê um déficit de espaços que tenham esse mesmo
propósito que o Espaço Cultural Escola Sesc, ele consegue promover
ainda mais a cultura, então eu acho que cada vez mais está havendo uma
divulgação maior, de boca-a-boca mesmo, para o crescimento do Espa-
ço e dessa interação com a comunidade. (trecho de entrevista realizada
em novembro de 2014)
Ana ainda fala sobre os benefícios que ela reconhece que acha interessante e que são es-
senciais à fidelização, como o recebimento da Revista Clube de Espectadores antecipadamente,
em sua residência:
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Segundo Mônica, o diálogo com a comunidade existe, mas pode melhorar, pois isso é
um amadurecimento de todos, da comunidade e do programa enquanto política. A comunidade
precisa reconhecer o espaço como um direito de fruição e o programa pode também aumentar
seus esforços para isso.
São várias faces que você tem dentro de Jacarepaguá, de espectadores,
desde o mais simples até o mais requintado, ou seja, esse diálogo vai se
tecendo com o tempo. É uma questão de conquista. Entender as questões
de cada grupo específico é essencial. (trecho de entrevista realizada em
novembro de 2014)
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante o diálogo promovido com estes 04 sócios, observa-se a necessidade de implan-
tação de melhorias no programa Clube de Espectadores para se chegar a uma efetiva formação
de redes culturais e conhecimento do público ainda tão diversificado. A implantação de medidas
práticas, tomadas como estratégias de ação pela equipe da Gerência de Cultura, pode sanar estas
necessidades. Por este motivo, elaborei, com a ajuda dos relatos, uma série de metas que pode-
rão ajudar a desenvolver o Clube de Espectadores junto à comunidade e seus sócios:
• Verificar a presença de cada sócio do Clube de Espectadores: como já foi informado,
cada sócio recebe uma carteirinha de identificação, com um número de cadastro.
Através da implantação de um softwere capaz de ler as informações desse número de
cadastro, será possível saber qual a frequência de cada sócio no nosso espaço, dire-
cionando assim as ações ao perfil do sócio mais frequente, com o intuito de torná-lo
um agente cultural em seu círculo de influência.
• Promover o diálogo com o Grêmio Estudantil: conforme sugerido na entrevista com
Jhoalerson, é necessária a implantação de um diálogo com o grêmio, afim de mobili-
zar os alunos da Escola Sesc de Ensino Médio em torno da formação cultural ofere-
cida pela Gerência de Cultura, e pautar, de acordo com suas necessidades, benefícios
diferenciados para alunos da Escola, devido a situação especial dos alunos.
• Promoção de uma rede articulada: o conceito de cidadania cultural nos permite ex-
plorar uma maior inserção no entorno, a fim de demonstrar o espaço de fruição que
está a disposição de todo cidadão, como é de direito. Isso nos possibilita criar uma
forma de diálogo independente e horizontal, capaz de produzir atores dentro e fora
da instituição, com a capacidade de disseminar o fazer cultural. A abertura do espaço
possibilita essa criação, e a aproximação do Clube com o sócio é a forma mais pró-
xima que temos para o diálogo pertinente e legitimado.
• Criação de uma webtv: a criação de uma webtv exclusiva para o Clube de Especta-
dores, cumprindo o papel tal qual a revista, de divulgação e promoção, pode ser uma
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. INTRODUÇÃO
O valor cultural está nas coisas, mas é produzido no jogo concreto das
relações sociais. (ULPIANO BEZERRA DE MENESES, 2006).
1
Licenciada em Letras Português, especialista em Preservação do Patrimônio Cultural (PEP/IPHAN), mestre em
arqueologia Pré- Histórica e Arte Rupestre (UTAD/PT), doutoranda em Quaternário, Materiais e Culturas (UTAD/
PT). Diretora executiva do Instituto Olho D´ Água, Coordenadora do Núcleo de Educação Patrimonial e Acervos
do Grupo Documento Cultural (SP),. E-mail: iodainstituto@gmail.com; marianhelen@gmail.com
2
Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mestre em Políticas
Públicas Internacionais pela Univesity College of London – UCL. Membro da Think Tank do Grupo Documento
Cultural (SP), colaborador do Instituto Olho D´ Água. E-mail: pedro.diniz@ecocult.eco.br
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Nesta arena, a Educação Patrimonial pode ser considerada como uma medida de política
pública de preservação patrimonial, visto que segundo Oliveira (2011) uma das principais políticas
públicas brasileira na área da cultura é a de preservação do patrimônio cultural, na qual estão en-
globadas as ações de identificação, proteção, preservação, promoção e disseminação (educação).
Dentro desta perspectiva, fundamentada na importância das ações desenvolvidas com
a comunidade, a inserção de ferramentas de cunho educativo para o fortalecimento da conser-
vação patrimonial tem papel indispensável, já que a sua prática tem como foco transcender o
esforço escolar regular e alcançar a sociedade em geral, no intuito de contribuir para o estreita-
mento de vínculos dos atores sociais com o seu patrimônio. (ROBRHAN- GONZÁLEZ, 2004;
RODRIGUES, 2015a).
Deve-se destacar que este movimento tem ocorrido decorrente da democracia, das le-
gislações nacionais e internacionais, da participação cada vez mais ativa das comunidades na
política, na academia e nos movimentos sociais. Observa-se, inclusive, o número crescente de
publicações, congressos, seminários, encontros, programas que abordam a questão, indicando
esse avanço no Brasil.
Embora essas discussões venham sendo amplamente abordadas nas últimas duas déca-
das, optamos por esboçar nesse artigo as interfaces de implementação do ensino do patrimônio
cultural nas políticas públicas no Brasil, lastreadas pela criação de leis educacionais, portarias,
decretos e projetos neste âmbito, demostrando, como afirma Oosterbeek que “o Brasil possui a
melhor legislação no planeta, pois faz dela uma exigência e não apenas um adereço” (2010:12).
Essa discussão encontrará respaldo em algumas iniciativas já implantadas no país com
tempo de maturação dos seus resultados, a saber: a implantação da Educação Patrimonial no
Mais Educação do Ministério da Educação e a inserção da disciplina de Patrimônio: Parque
Nacional Serra da Capivara na parte diversificada do currículo escolar do município de Coronel
José Dias, na região da Serra da Capivara, Piauí.
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uma atuação restrita devida à ausência, na Constituição de 1891 e no código civil vigente, de
cláusulas que regulamentassem o direito de propriedade e punições aos que cometessem qual-
quer dano à integridade do patrimônio. (CHUVA, 2011; BAREL FILHO, 2013).
Em 1930, Mário de Andrade, diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São
Paulo, entrega um anteprojeto de lei visando a proteção do patrimônio cultural brasileiro que da-
ria origem à política de proteção do patrimônio cultural através do Serviço do Patrimônio Histó-
rico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Desde então o ensino e a disseminação do patrimônio à sociedade foi considerado um instru-
mento político de preservação. (ORIÁ, 2008).
Digno de nota foi a influência do humanista Paulo Duarte, vanguardista nos debates so-
bre a preservação e difusão do patrimônio arqueológico brasileiro, responsável pela implantação
da mais importante lei de defesa do patrimônio arqueológico - a lei 3.924, em 1961 (SANA-
BRAIA, 2013) que trata dos “monumentos arqueológicos e pré-históricos” e estabelece sua pro-
teção pelo Estado. Sua trajetória em prol da preservação do patrimônio arqueológico brasileiro
trouxe grandes influências na construção de projetos de difusão do conhecimento arqueológico
para a sociedade brasileira.
Posteriormente muitos debates avançaram dentro do IPHAN, todavia, o passo mais im-
portante foi dado com a criação da portaria 230/2002 do IPHAN que legaliza a obrigatoriedade
da Educação Patrimonial – Educação na ótica do Patrimônio Cultural -, tornando-a um elemen-
to fundamental durante etapas de pesquisas arqueológicas preventivas, em áreas onde haverá
empreendimentos de grande porte, pelas diversas fases do licenciamento ambiental, mas a sua
regulamentação é válida também para outras iniciativas, no âmbito da pesquisa e nos investi-
mentos acadêmicos (BASTOS et al., 2007).
A partir daí, como indicado anteriormente, a portaria Interministerial 419/ 2011 surge
para enfatizar essa obrigatoriedade em todas as etapas do licenciamento ambiental, envolvendo
ações de divulgação, inclusão e socialização do patrimônio arqueológico.
Já em 2015 foi lançada a Instrução Normativa IPHAN 01/15 (IN/IPHAN), criada para
reorganizar a realização dos estudos arqueológicos no processo de licenciamento ambiental de
acordo com a magnitude do impacto sobre o patrimônio.
A IN/15 recomenda também, para o planejamento e desenvolvimento das atividades de
educação patrimonial, a consulta da publicação “Educação Patrimonial, Histórico, Conceitos e
Processos”. A inovação mais importante desta instrução normativa no que diz respeito à educação
patrimonial, no entanto, foi a obrigatoriedade da existência de um profissional da área de educa-
ção, formado em pedagogia, ou com licenciatura. Esta exigência visa garantir que a condução das
atividades de educação patrimonial, assim como seu conteúdo, seja condizente com a realidade
do público alvo, possibilitando maior absorção de conteúdo e satisfação por parte do público alvo.
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O projeto político-pedagógico é um instrumento teórico-metodológico que a escola elabora no coletivo com a
participação da comunidade escolar, em busca de um rumo, que fornece aporte para a escola inserir as peculiarida-
des culturais, históricas e artísticas locais. Veiga (1995) define projeto-pedagógico da escola como instrumento po-
lítico, por estar intrinsecamente ligado ao compromisso sócio-político, e com os interesses reais e coletivos de um
determinado grupo social. É, portanto, político por representar um compromisso com a formação do cidadão para
uma determinada sociedade e “pedagógico”, no sentido de definir ações educativas e características necessárias às
escolas de cumprir seus propósitos e suas intencionalidades. Nesses termos, o projeto político-pedagógico vai além
de um simples argumento de planos de ensino e de atividades diversas.
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- para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham
seus direitos e sua identidade valorizada. (BRASIL, 2013).
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se relacionarem com sua herança, sua identidade e o patrimônio cultural de sua região e, a partir
dessa ação ampliar o entendimento dos vários aspectos que constituem o Patrimônio Cultural
brasileiro – nacional, regional e local.
4
Nesta análise não iremos nos estender a todas as ações do Projeto Fecundação, iremos nos atentar, especifica-
mente, para a educação contextualizada, mas para maiores informações recomenda-se a leitura do livro CARVA-
LHO, R. E OLIVEIRA, J.E. S (2010) O sonho construído em mutirão: uma experiência de convivência com o
semiárido. Projeto Fecundação. Cáritas Brasileira Regional do Piauí. Teresina-PI
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Durante 4 anos foram desenvolvidas uma série de atividades, que culminaram na criação
do Plano Municipal de Educação Contextualizada (PMEC). Plano este, elaborado por professo-
res, alunos e sociedade em geral, que foi votado e aprovado pela lei municipal nº 078/2003. O
PMEC de Coronel José Dias é o primeiro no Piauí que institucionaliza a educação contextuali-
zada no semiárido.
Dentro da ótica da Educação Contextualizada, em 2002, a secretaria municipal de edu-
cação junto com o corpo pedagógico e docente inseriu formalmente na parte diversificada do
currículo municipal a disciplina Patrimônio: “Parque Nacional Serra da Capivara só ama
quem conhece (PNSC)”. Mais uma vez o município dá um salto no pioneirismo, pois dos qua-
tro municípios do entorno do Parque, este é o primeiro e único até a presente data a inserir nos
seus currículos a disciplina PNSC.
Importante, destacar, que essa iniciativa contou com a colaboração e participação de
toda a comunidade - alunos, pais, professores e gestores municipais, sociedade civil, por meio
de fóruns de discussões, oficinas, reuniões, chegando ao consenso de inserir essa temática no
Plano Municipal de Educação, e por meio de Grupos de Trabalho criaram a grade curricular – as
aulas acontecem semanalmente, uma vez em cada série do Ensino Fundamental Maior (6º a 9º
ano) abordando assuntos da pré-história regional e local, patrimônio material e imaterial com
destaque para os modos de vida locais. Tal iniciativa é uma das principais responsáveis pelo
engajamento local no que concerne a preservação, empoderamento e fruição social do Parque
Nacional Serra da Capivara (RODRIGUES, 2011).
A proposta está amparada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 9394/96, quan-
do esta diz que a escola tem a incumbência de inserir na parte diversificada dos currículos dos
ensinos fundamental e médio as características regionais e locais da sociedade e da cultura,
abrindo espaço para a construção de uma proposta de ensino direcionada para o contexto em
que cada escola esteja inserida.
Nesses mais de 10 anos de implantação vários são os resultados obtidos, com destaque
para as feiras culturais e o evento anual de cultura (em setembro) um evento em praça pública
em comemoração à Independência do Brasil que reúne a comunidade. Alunos e professores des-
filam na avenida e trazem, em suas alegorias, elementos da cultura local e do Parque Nacional
Serra da Capivara, mostrando as suas peculiaridades históricas, culturais e artísticas (RODRI-
GUES, 2011; 2015b).
Todos os eventos escolares (feiras culturais, desfiles, quadrilhas, semanas do meio am-
biente) estão relacionados com o Parque Nacional Serra da Capivara, com a arte rupestre, com a
fauna, flora da caatinga e os modos de vida no semiárido. Isso demostra que o empoderamento
cultural, a apropriação e fruição do patrimônio local pelos jovens já está consolidado, ou seja, é
uma realidade local.
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De fato, a escola é esse local privilegiado na formação cidadã e tem papel preponderante
na compreensão dos alunos sobre a realidade no qual estão inseridos. A intencionalidade de criar
uma disciplina com esses conteúdos reforça o entendimento sobre o lugar, os modos de vida, as
tradições que são passadas de geração em geração, as potencialidades histórias e artísticas, em
síntese, a história que não está escrita nos livros didáticos e que, muitas vezes, fica encortinada
pela rotina cotidiana.
A iniciativa tem oportunizado a problematização de questões relevantes e tidas na co-
munidade como “tabus”, como a prática da caça de animais silvestres, o processo de desapro-
priação das comunidades de dentro da área do Parque (no período de sua criação – 1979), os
desentendimentos com os gestores do Parque, entre outros.
A mediação de um debate, orientado pelos professores, ajuda a superar tensões, mágoas
e construir entendimentos em prol da preservação do patrimônio mundial em sinergia com o
patrimônio local, pensando no bem-estar da comunidade.
Na compreensão de Morin “é preciso situar as informações e os dados no seu contexto
para adquirirem sentido. Para ter sentido a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto,
e o texto necessita do contexto no qual se anuncia.” (MORIN, 2000:36). O valor de um patri-
mônio está no sentimento de pertencimento que ele desperta nas pessoas, o que reforça a sua
identidade coletiva e a formação da cidadania (FONSECA, 2005).
Outros pontos que merecem ênfase, cujos programas educativos implantados tem influ-
ência direta e indireta, são as iniciativas na cadeia operatória do turismo e da cultural tradicional
capitaneadas pelos jovens locais, tais como:
• Jovens montaram associações de guias condutores do Parque e hoje tem como prin-
cipal renda o turismo cultural;
• Intercâmbio das escolas locais com escolas de outros estados, sobretudo de São
Paulo. As escolas fazem os pacotes para visitar o Parque e dentro das atividades estão
inclusas vivências nas escolas de Coronel José Dias, onde são preparadas diversas
atividades culturais e trocas de vivências;
• Roteiros culturais alternativos sobre os modos de vida da população local foram
montados e os visitantes tem a oportunidade não só de visitar o patrimônio arqueo-
lógico, mas de conviver com a comunidade tradicional, conhecendo locais de refe-
rências históricas.
• Criação do Instituto Olho D’ Água, uma associação de pesquisa e desenvolvimento,
cujo objetivo se assenta na (re) valorização da memória, tradição e identidade lo-
cal, aliada a defesa do Meio Ambiente Cultural e a promoção do desenvolvimento
sustentável, na busca pela integração dos conhecimentos arqueológicos existentes
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5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Devemos considerar que os esforços empreendidos, nos últimos anos, em politicas pú-
blicas de inserção da cultura (na valorização da memória e identidade nacional, regional e local)
tem ganhado destaque em debates, seminários, na criação de decretos, normativas, projetos po-
líticos pedagógicos (entre outros), mostrando um significativo avanço para o fortalecimento da
pluralidade cultural brasileira. Nota-se, todavia, que esse tem sido um compromisso não apenas
do poder público, mas de toda a sociedade.
Nessa arena, a inserção da temática do patrimônio cultural nas políticas públicas educa-
cionais para a preservação, gestão e fruição do patrimônio cultural brasileiro em âmbito local,
regional e nacional já é uma realidade, que cria uma atmosfera propícia para promover a (re)
valorização da história e memória das comunidades, a integração e empoderamento da comu-
nidade local a este conhecimento, de forma sustentável, visando sua continuidade - exemplo do
estudo de caso do município Coronel José Dias aqui apresentado.
6. AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Grupo Documento em nome da professora L.D. Drª Erika Marion Ro-
brahn- González pelo apoio institucional e científico ao Instituto Olho D’ Água, e ao Jorlan da
Silva Oliveira, diretor presidente, do Instituto Olho D Água. .
5
Acompanhar no blog do Instituto as principais iniciativas em andamento: http://documentoculturalolhodagua.
ning.com/
1495
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1. INTRODUÇÃO
Ao se tratar dos atuais problemas globais, apresentam-se, frequentemente, discussões
acerca da sustentabilidade. Abordar tópicos referentes à marginalização de grupos sociais signi-
ficativos, por exemplo, assim como a degradação ambiental, torna-se cada vez mais necessário
nos dias de hoje (JABBOUR e SANTOS, 2008).
Nesse contexto, Nobre e Ribeiro (2013) estudaram a Sustentabilidade em Organizações
(SEO) de empresas listadas no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). O trabalho reve-
lou que as empresas estudadas atuam, com maior facilidade, nos campos de Gerenciamento
1
Possui graduação em Administração pela Universidade de São Paulo (2013) e é mestranda no Programa de Pós-
-Graduação em Administração de Organizações da FEA-RP/USP. E-mail: mariana.barros.souza@gmail.com
2
Graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1996), mestre em Psicologia (2000) e doutora em
Psicologia também pela USP (2005). É docente da FEARP-USP. E-mail: caldana@fearp.usp.br
3
Doutora em Administração (2009) e mestre em Administração pela FEA-USP (2005). Possui graduação em
Administração pela FEA-RP/USP (2002). Atualmente é docente da FEARP-USP. E-mail: lara.liboni@gmail.com
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2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. Desenvolvimento sustentável e Responsabilidade socioambiental
Durante os anos 1960, começam a surgir preocupações relacionadas ao conceito de res-
ponsabilidade socioambiental corporativa, levantadas em meio às discussões sobre o Apartheid e
a Guerra do Vietnã, por exemplo. Mais adiante, nas décadas de 1980 e de 1990, veem-se aumen-
tar as iniciativas relacionadas à temática ambiental, as quais eram abordadas, entre outros fatores,
pelo fortalecimento do movimento ambientalista (MONZONI, BIDERMAN e BRITO, 2006).
Também nesse período, mais precisamente em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (WCED) divulga o Relatório Brundtland, que traz a definição do
termo “Desenvolvimento Sustentável” como um desenvolvimento que vai de encontro às ne-
cessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras no alcance de suas
próprias necessidades. A responsabilidade socioambiental, por sua vez, pode ser definida como
uma obrigação, enfrentada pela gerência organizacional, referente à decisão e ao empreendi-
mento de ações que visem à melhoria do bem-estar social e sejam compatíveis com os interesses
da sociedade e da organização (DAFT, 1997).
Em busca de se determinar as melhores formas de se atingir desenvolvimento susten-
tável, destaca-se a abordagem “Triple Bottom Line”. De acordo com tal modelo, a garantia de
sucesso na adoção de uma estratégia de desenvolvimento sustentável somente se faz possível
quando há ênfase em três diferentes dimensões, a saber: dimensão econômica, dimensão am-
biental e dimensão social. Esses três aspectos estão inter-relacionados, exercendo influência uns
sobre os outros e, portanto, uma organização que pretende desenvolver práticas de sustentabili-
dade corporativa não pode visualizar separadamente a sustentabilidade econômica e as práticas
sociais e ambientais (ELKINGTON, 1998, 2004).
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sustentáveis e, então, novas práticas são adotadas. As organizações mais sofisticadas, portanto,
incorporam preocupações econômicas, ambientais e sociais na estratégia empresarial.
Pretende-se, aqui, explorar o pilar social da sustentabilidade. Para tal, aborda-se, primei-
ramente, Vallance et al (2011). Em seu estudo, os autores identificaram a existência de três tipos
de sustentabilidade social, a saber: (1) “sustentabilidade social de desenvolvimento”, a qual está
relacionada com as necessidades da sociedade, como a redução da pobreza e das desigualdades;
(2) “sustentabilidade social de ponte”, referente às mudanças comportamentais que precisam
ocorrer para que se atinjam os objetivos ambientais na sustentabilidade; e (3) “sustentabilidade
social de manutenção”, que diz respeito à preservação de práticas e padrões socioculturais em
um contexto de mudança econômica e social. Ou seja, os autores argumentam que a susten-
tabilidade social é atingida quando se trabalha com questões como o subdesenvolvimento, as
necessidades básicas da população, o fortalecimento de sua ética ambiental e a preservação de
seus valores sociais, suas tradições culturais e seu estilo de vida. Outros autores (SACHS, 1999;
AGYEMAN, 2008), entretanto, defendem que a sustentabilidade social está fundamentada pe-
los conceitos de igualdade, democracia e justiça social.
Desvencilhando-se do aspecto puramente conceitual, atenta-se à questão das práticas so-
cialmente sustentáveis realizadas por empresas. Nesse contexto, nota-se que dois tipos de público
compreendem seu universo: o interno e o externo. No que diz respeito ao público interno, Jabbour
e Santos (2008) apontam ao fato de que o desempenho social de uma organização pode ser avalia-
do a partir da efetividade no gerenciamento da diversidade de seus recursos humanos. Quanto ao
público externo, Ashley (2002), aponta que uma postura empresarial socialmente responsável está
vinculada a todo tipo de ação que contribui para a qualidade de vida da sociedade como um todo.
A responsabilidade social empresarial, segundo o Instituto ETHOS (2010) pode ser de-
finida como:
(...) a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente
da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo
estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvi-
mento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e cul-
turais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo
a redução das desigualdades sociais.
Nesse sentido, em busca de evidenciar seu comprometimento com práticas sociais, as
empresas trazem a questão da responsabilidade social como a forma com que se preocupam com
as pessoas. Em alguns casos, as práticas estão mais voltadas à preocupação com seus colabora-
dores. Em outros, as organizações se empenham, também, em atender e apoiar as comunidades
locais, ou as famílias de seus funcionários. Há, ainda, empresas que interpretam a responsabili-
dade social como seu potencial de contribuir para uma melhor qualidade de vida dos indivíduos
(EHNERT, 2008).
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2006, a qual trata do incentivo fiscal destinado à realização de projetos culturais no Estado de
São Paulo. Há, ainda, leis municipais de incentivo fiscal em algumas cidades do país. Segundo
Kavantan (2012), uma das principais diferenças entre as leis de cada esfera reside na abrangên-
cia dos impostos que podem ser repassados para o financiamento de projetos culturais – enquan-
to as federais lidam com Imposto de Renda, as estaduais garantem redução do valor patrocinado
no pagamento de ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços). As
municipais, por sua vez, tratam de impostos como ISS e IPTU.
As leis de Incentivo à cultura têm como fundamentos: (a) o fato de oferecerem redução
fiscal a incentivadores de produtos culturais mediante contribuição financeira; (b) o princípio
de que não oferecem recursos, mas sim a chance de que os recursos sejam captados na iniciati-
va privada; (c) a possibilidade de cadastramento de projetos, com as condições de que tenham
como objeto a cultura e de que sejam de acesso público; e (d) o fato de que os recursos obtidos
de patrocinadores são tomados como recursos públicos, uma vez que incluem o incentivo fiscal
e, por isso, o realizador deve prestar contas da execução financeira e artística do projeto ao go-
verno (KAVANTAN, 2012).
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3. METODOLOGIA
3.1 Tipo de pesquisa
Realiza-se um estudo documental qualitativo para abordar a questão das práticas cultu-
rais desempenhadas por empresas sustentáveis no Brasil.
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No quadro 1 – em que se expõem todas as empresas listadas nos últimos seis anos de
elaboração do índice – foram cortadas as cinco empresas que apareceram pela primeira vez em
2014 (CIELO, EDP, FLEURY, KLABIN e OI), conforme proposto anteriormente. As outras 35
empresas de 2014 compõem a amostra deste estudo.
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práticas culturais desempenhadas por empresas sustentáveis estão alinhadas com os mecanis-
mos determinados pela legislação de incentivo à cultura e, por outro lado, quais vertentes legis-
lativas poderiam ser mais bem exploradas. Para isso, utiliza-se de intuição e análise reflexiva e
crítica (Bardin, 2006).
4. RESULTADOS E CONCLUSÃO
Por meio da análise de conteúdo, conforme Vergara (2005), foi possível trabalhar os
dados coletados para que identificassem o que está sendo dito a respeito do tema “Cultura” em
organizações sustentáveis. Para isso, fez-se uso da técnica de análise temática ou categorial, que
consiste em desmembrar textos em unidades (categorias), seguindo reagrupamentos analógicos
(MINAYO, 2000).
Depreendeu-se, como primeiro resultado da análise, que as empresas com perfil sus-
tentável no Brasil têm percepções diferentes acerca da importância das práticas culturais. Nem
todas elas realizam ou, pelo menos, evidenciam tais ações em seus relatórios de sustentabilidade
– fato que pode ser interpretado de duas diferentes formas: (1) o tema não lhes parece atrativo
a ponto de que seus recursos sejam alocados em prol de tais ações; ou (2) a cultura não é perce-
bida como um componente do desenvolvimento social e, consequentemente, como um aspecto
relevante do desenvolvimento sustentável.
Quanto a esta segunda interpretação, é importante demonstrar que diferentes pontos de
vista são apresentados nos relatórios em relação à conceituação de termos ligados à sustentabili-
dade e ao desenvolvimento sustentável. Enquanto algumas empresas consideram o componente
cultural um dos aspectos principais desse desenvolvimento, outras nem sequer citam a relevân-
cia de tais práticas. Da mesma forma, algumas destacam fortemente a importância das práticas
culturais para a realização de seus negócios, ao passo que outras não o veem da mesma forma. O
Quadro 3 apresenta exemplos de definições trazidas por empresas engajadas com a prática cul-
tural e determinadas a expor tais ações em seus relatórios como parte importante de sua atuação
em prol do desenvolvimento sustentável.
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Fonte: A autora
Fonte: A autora
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Por outro lado, há de se destacar que algumas empresas destinam pouca ou nenhuma
atenção, em seus relatórios, a projetos relacionados à promoção e ao incentivo da cultura no
Brasil. É o caso, por exemplo, da Itaúsa. A única menção referente ao tema em seu relatório diz
respeito ao fato de a empresa aparecer listada pela 10ª vez na carteira do Dow Jones Sustainabi-
lity World Index (DJSI), o que garante seu compromisso social, cultural e ambiental. Entretanto,
não se aponta como isso ocorre. Interessante é que empresa controla a Itaú Unibanco Holding
S.A., que também foi objeto de estudo deste trabalho. Esta, por sua vez, evidencia bastantes
ações realizadas em prol do incentivo à cultura.
Outras empresas chegam a citar que apoiam e incentivam iniciativas culturais, mas não
há grande ênfase a isso. Apenas um parágrafo em todo o relatório. Ou, ainda, apenas evidenciam
em seu Balanço Social Anual que houve investimento interno e externo em cultura, mas não há
explicitação de como isso ocorreu. É o caso de companhias como SulAmérica, Coelce, Embraer
e Gerdau.
Ainda sustentando a afirmação de que as empresas sustentáveis no Brasil têm perfis dife-
rentes acerca da realização de práticas culturais, aponta-se que nem todas elas utilizam as leis de
incentivo quando financiam projetos voltados à cultura. Ou, ao menos, nem todas evidenciam o
conhecimento e a utilização leis em seus relatórios anuais, pois apenas 22 das empresas dizem
fazer uso das leis.
Esse número fica ainda mais escasso quando tratamos exclusivamente da Lei do Audio-
visual, pois, em geral, as empresas que financiam projetos via Lei de Incentivo, costumam fazê-
-lo por meio das leis estaduais ou pela Lei Rouanet. Foram apenas três as empresas que citaram
explicitamente a Lei do Audiovisual em seus relatórios. Isso pode ser um indício de desconheci-
mento, no mundo corporativo, dos mecanismos legais, pois, como explicita Ikeda (2013), a Lei
do Audiovisual, quando comparada à Lei Rouanet, garante mais benefícios ao investidor.
A principal diferença entre as leis supracitadas é que os valores aportados por meio da
Lei do Audiovisual não são apenas um patrocínio ou uma doação – como ocorre com a Lei
Rouanet. Para a primeira lei, esses valores são contabilizados como investimento. O agente que
aporta recursos, portanto, assume papel de investidor. Os valores investidos são integralmente
abatidos do imposto de renda devido pelo investidor, assim como ocorre com os projetos en-
quadrados no Art. 18 da Lei Rouanet e, além desse abatimento, o investidor pode lançar tais
montantes como despesa operacional, o que faz com que a base de cálculo de seu imposto de
renda a pagar seja reduzida. Além disso, ainda há a possibilidade de o investidor vincular sua
marca ao material promocional da obra. Por fim, o investimento à Lei do Audiovisual garante a
aquisição de um percentual dos direitos de comercialização da obra. Assim, divergentemente da
Lei Rouanet, o retorno financeiro existe, por previsão legal (IKEDA, 2013).
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Fonte: A autora
Porém, não só essa questão da pressão externa justifica que a baixa incidência de ade-
são à Lei do Audiovisual esteja ligada ao fato de que nenhuma das empresas atua em ramo
diretamente ligado a esse. Outra possível justificativa para isso está relacionada ao nível de
sofisticação das empresas ao implementarem suas ações sustentáveis. Amini e Bienstock (2014)
afirmam que, conforme as organizações se tornam mais sofisticadas em sustentabilidade, suas
atividades com esse escopo deixam de apenas cobrir apenas aquilo que lhes é imposto por regu-
lamentações, ou que é simples de ser desenvolvido, devido a seu core business. Empresas com
alto grau de sofisticação chegam, inclusive, a participar do desenvolvimento e da alteração de
tais regras. As companhias mais sofisticadas conseguem reconhecer que uma abordagem proa-
tiva voltada às práticas sustentáveis pode reduzir seus custos.
Comprova-se, com o Quadro 6, que as ações culturais realizadas por algumas em-
presas estão diretamente ligadas a seu ramo de atuação, o que pressupõe maior facilidade e
relativo comodismo.
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Fonte: A autora
Nesse sentido, levando em conta a questão da proatividade para apontar empresas com
maior nível de sofisticação, vale destacar, por exemplo, qual o papel assumido pela empresa ao
se envolver com as Leis de Incentivo à Cultura. Para todo e qualquer projeto incentivado, con-
forme Kavantan (2012), o governo é o órgão regulador em questão. O realizador, por sua vez,
é o proponente, o produtor de cultura. Por fim, o incentivador é aquele que destina o dinheiro
à execução do projeto, o que o coloca na condição de patrocinador. Em geral, as empresas es-
tudadas assumem o terceiro papel, apenas incentivando projetos por elas selecionados. Há, en-
tretanto, empresas envolvidas com as práticas culturais e familiarizadas com as leis a ponto de
não apenas atuarem patrocinadoras. Tais empresas assumem a função de produtoras de cultura.
A Tractebel Energia, por exemplo, expõe em seu relatório:
A implantação desses locais [“Centro de Cultura” ou “Centro de Cultura
e Sustentabilidade”] em diferentes regiões vem sendo viabilizada por
meio de recursos próprios da Companhia e também, de forma inova-
dora, por recursos incentivados. Isso porque a construção dos Centros
pode ser contemplada pela Lei Rouanet, atendendo às diretrizes do Mi-
nistério da Cultura, com foco no resgate, preservação e valorização da
história, costumes e tradições locais, geração de emprego e renda, inclu-
são social e digital. O maior resultado dessa política é, portanto, a união
de esforços em torno de um bem maior e duradouro: o acesso à cultura.
Outras delas, apesar de não demonstrarem fazer uso das leis nesse sentido, também atu-
am como produtoras culturais, já que mantêm fundações, centros, teatros, entre outros – os
quais realizam ações culturais como atividade principal ou eventualmente. Esse é o caso, por
exemplo, da Fundação Bradesco; da Fundação CESP; da Fundação Itaú Social; do Instituto Itaú
Cultural; do Instituto Unibanco; do Instituto Unibanco de Cinema; da Fundação Banco Santan-
der (Espanha); do Santander Cultural (Brasil); da Fundação Telefônica; da Fundação Vale; do
Museu Vale; do Museu WEG etc.
Mais uma vez, portanto, afirma-se a heterogeneidade presente na atuação cultural das
empresas sustentáveis no Brasil. Diversidade essa que se apresenta tanto em forma, quanto em
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5. RESULTADOS E CONCLUSÃO
O Ministério da Cultura divulga lista das empresas que apoiam projetos incentivados
no Brasil. Um importante trabalho futuro seria investigar quais das empresas listadas emitem
relatórios anuais de sustentabilidade e se, de fato, todas elas evidenciam esse apoio em seus re-
latórios. Isso porque, assim, perceber-se-ia se, realmente, todas as empresas que não divulgam
o contato com as leis em seus relatórios, não apoiam projetos via lei de incentivo. Dessa forma,
seria possível descobrir se há companhias que não veem a prática cultural como um componen-
te do desenvolvimento sustentável ou se, simplesmente, essas empresas não estão dispostas a
apoiar tais iniciativas.
Outro estudo pertinente refere-se à descoberta de motivos concretos pelos quais há pou-
ca utilização – ou, ao menos, evidenciação – da Lei do Audiovisual. Considerando todos os be-
nefícios trazidos por tal mecanismo legal, é importante verificar por que não há maior aderência
por parte das empresas – sustentáveis, ou não.
Pode-se, ainda, verificar como as Fundações mantidas por grandes empresas realizam
suas ações culturais e como toda essa atividade costuma ser financiada. No caso de não haver
atuação como proponente em Leis de Incentivo, cabe-se investigar o motivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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pelo qual cada um marca aquilo que os outros lhe dão para viver e pensar” (CERTEAU, 1995,
p.143). Trata-se, portanto, de uma apropriação que significa ou ressignifica objetos, espaços,
narrativas, símbolos, etc. Segundo esta visão, os sujeitos da cultura não são apenas aqueles que
a representam colocando nos formatos socialmente legitimados e reconhecidos como artísticos,
mas todos aqueles que empregam suas referências e sua sensibilidade na apropriação do mundo
que lhes é dado.
Com certeza, se é verdade que qualquer atividade humana possa ser cul-
tura, ela não o é necessariamente, ou não é ainda forçosamente reconhe-
cida como tal. Para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor
de práticas sociais; é preciso que essas práticas sociais tenham significa-
do para aquele que as realiza” (CERTEAU, 1995, p.141, grifo do autor).
O conceito de cultura em Certeau não se restringe às artes, se aproxima do cotidiano e
pressupõe o engajamento de um sujeito. Trata dos “comportamentos, instituições, ideologias e
mitos que compõem quadros de referência e cujo conjunto, coerente ou não, caracteriza uma
sociedade como diferente das outras” (CERTEAU, 1995, p.194). No entanto, a definição desses
quadros de referência cultural é objeto de disputas políticas que, frequentemente, resultam na
imposição da produção simbólica elaborada pelo grupo dominante aos demais grupos de uma
sociedade. Uma cultura monolítica, como define Certeau, impede que outras atividades criadoras
sejam reconhecidas como cultura e se tornem socialmente significativas. Como afirma o autor,
a tal ou tal modo fragmentário de prática social atribui-se o papel de ser
‘a’ cultura. Coloca-se o peso da cultura sobre uma categoria minoritária
de criações e de práticas sociais, em detrimento de outras: campos intei-
ros da experiência encontram-se, desse modo, desprovidos de pontos de
referência que lhes permitiriam conferir uma significação às suas con-
dutas, às suas invenções, à sua criatividade (CERTEAU, 1995, p.142).
Essa cultura, ora imposta de forma sutil e sofisticada, ora de forma simples e direta, é de-
nominada por Certeau como Cultura no Singular, em oposição à Cultura no Plural, que parte da
diversidade dos agentes produtores de cultura, acolhendo sua múltipla produção de significados.
A dominação cultural expressa pela noção de Cultura no Singular, ou seja, a determina-
ção daquilo que uma sociedade deve ou não reconhecer como cultura, é produzida a partir da
dominação político-econômica com quem colabora. No contexto atual, a cultura comparece de
forma marcante em variadas esferas da vida individual e social e o seu conteúdo é elaborado em
um jogo que envolve poder (das elites) e astúcia (dos fracos).
Algumas transformações recentes da sociedade nos parecem importantes para pensar a
Cultura no Plural, objeto complexo a que devem corresponder as políticas culturais. Ao discuti-
-las pretendemos avançar no reconhecimento da multiplicidade de agentes produtores de cultura
e do complexo jogo onde agentes dominantes e insurgentes buscam se apropriar das formas
contemporâneas de produção simbólica. Para refletir sobre políticas existentes e também sobre a
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possibilidade de outras políticas, vale o esforço de olhar a produção cultural da sociedade a partir
de diferentes prismas, considerando sempre o jogo, a relação dialética, nunca absoluta, entre as
forças que interferem tanto nas formas culturais como nas suas políticas. Este jogo acontece no
campo da cultura, desde o momento original da definição do próprio campo, uma vez que “quem
são os agentes culturais” e “como se posicionam no seu campo” não são questões pacíficas.
2
Segundo Reis, sob o termo economia criativa estão compreendidos “do artesanato e indústria culturais ao que
se poderia dizer que ‘bebe’ cultura para devolver funcionalidade, a exemplo de design, arquitetura, moda, propa-
ganda, software de lazer, etc.” (2011, p.152). Como veremos, a economia criativa tornou-se um conceito central
no processo, de que fala Fredric Jameson (2001), de desdiferenciação entre cultura e economia, em especial na sua
imbricação com o urbanismo neoliberal.
3
Exagerando na caracterização deste movimento de culturalização da mercadoria, um tumblr lista uma série de
exemplos de produtos que demonstram a crescente “gourmetização da vida”: http://gourmetizacaodavida.tumblr.com/
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técnicos, etc.), abaixo destes os artistas amadores, chegando até os fruidores habituais das artes,
agentes não profissionais, mas que por afinidade são frequentemente incorporados ao campo.
Esta hierarquia, na maior parte dos territórios, teria a forma de uma pirâmide, tendo no topo uma
pequena população de artistas e na base uma população maior que corresponde ao “público”. No
entanto, a maioria da população, na maior parte dos territórios brasileiros, não entraria sequer
nesta base mais larga, por seu baixo capital cultural, se considerarmos o sentido bourdiesiano
do termo. Tomar a cultura apenas pelo seu campo seria, portanto, deixar de fora uma população
de agentes sociais que significam, resignificam e expressam seu universo de referências, mas
que não são reconhecidos socialmente como sujeitos culturais4. As lutas por reconhecimento
tensionam essa hierarquização, afirmando o capital político de grupos culturais marginalizados e
desconstruindo a noção de capital cultural bourdiesiana a partir da valorização de outras formas
culturais, como os saberes ancestrais e populares.
4
Pode-se considerar, de acordo com Certeau e com a concepção de campo bourdiesiana, os “agentes culturais”
como “aqueles que exercem uma das funções ou uma das posições definidas pelo campo cultural: criador, anima-
dor, crítico, promotor, consumidor, etc.” (CERTEAU, 1995, p.195). Assim, usa-se aqui os termos “agentes produ-
tores de cultura” ou “sujeitos de cultura” para tratar daqueles que, mesmo não sendo reconhecidos pelo campo,
produzem cultura, entendida de forma mais ampla, conforme o conceito do próprio Certeau.
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ocidental a criação do Ministério dos Assuntos Culturais da França, em 19595. Esta experiência,
segundo Rubim, “fez emergir os modelos iniciais e paradigmáticos de políticas culturais, com
os quais ainda hoje lidam os dirigentes e estudiosos do tema” (RUBIM, 2011, p.109).
Michel de Certeau, no livro A Cultura no Plural, originalmente publicado em 19746,
observa a reconfiguração da cultura e das políticas culturais na França diante dos movimentos
insurgentes que culminaram nas manifestações de maio de 1968. O autor adverte sobre a ino-
cuidade das políticas produzidas a partir das pastas de cultura, marcadas por “considerações
demasiadamente longas e medidas demasiadamente curtas” (CERTEAU, 1995, p.210), argu-
mentando que o estabelecimento das questões culturais de maneira própria com relação aos pro-
blemas sociais, econômicos e políticos, acentua a tendência do “cultural” a se isolar, formando
“um tumor inerte no corpo social” (op cit, p.205). Nesse sentido, a expressão política cultural,
conforme o modelo francês de então, camuflaria “a coerência que liga uma cultura despolitizada
a uma política aculturada” (op. cit., p.217).
Desse modo, o encolhimento e/ou isolamento das instâncias tradicionais onde são formu-
ladas políticas culturais, dentro do Estado, é consequência de duas operações distintas: por um
lado, o elitismo que limitou a atuação dos órgãos de cultura às artes e por outro, a assunção da
cultura pela economia, legando a outros órgãos do Estado e ao próprio mercado a elaboração de
políticas culturais. Se entendermos política cultural como “um conjunto mais ou menos coerente
de objetivos, de meios e de ações que visam à modificação de comportamentos, segundo prin-
cípios ou critérios explícitos” (CERTEAU, 1995, p.195), fica evidente que os órgãos de cultura
não são os únicos nem os principais agentes dessas políticas. Também atuam neste campo grupos
identitários, movimentos sociais e culturais, entre outros tantos agentes, com destaque para os
grupos econômicos e mais ainda aqueles interessados em criar nas grandes cidades um ambiente
favorável aos negócios, operação em que a cultura vem sendo crescentemente utilizada.
5
O Ministério foi dirigido durante 10 anos pelo escritor André Maulraux, escritor e intelectual reconhecido na
França e internacionalmente, que implementou um modelo chamado democratização cultural, que, centrado na
construção de Maisons de Culture, propunha a difusão das obras da alta cultura francesa, projeto ideológico inte-
grado ao governo Charles de Gaulle (1959-1969) e à tentativa de recuperação do poder da civilização francesa.
6
A primeira publicação, em 1974, era uma compilação de textos para um colóquio, editada em livro apenas em
1980, em francês, e em português no ano de 1995. Referência do original: CERTEAU, Michel de. La Culture au
Pluriel, Paris, UGE, 10-18, 1974: 2ª Ed., Paris, Christian Bourgois, 1980.
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da cultura para a economia, pode ser identificado com a indústria cultural e seus aprimoramentos
produtivos a partir do desenvolvimento da informática e dos meios de comunicação eletrônicos.
Parte-se de modos de difusão cultural artesanais para a produção seriada, em escala industrial,
com grande aporte tecnológico, criando indústrias como a cinematográfica, a fonográfica, a edi-
torial, entre outras. O desenvolvimento dessas indústrias, vale notar, não se deve somente às
possibilidades dadas pela técnica, mas sobretudo às políticas adotadas pelos Estados onde elas
tiveram um desenvolvimento significativo. O maior exemplo é o dos Estados Unidos, que desde
meados do século passado vem tentando derrotar as políticas protecionistas que possam impedir
ou limitar o alcance das produções de corporações americanas de entretenimento no mercado
mundial, intervindo politicamente junto aos organismos multilaterais em favor de uma indústria
que figura entre as mais rentáveis do país.
O segundo movimento, da economia para a cultura, conflui com a etapa mais recente da
reestruturação capitalista, a pós-fordista ou da “acumulação flexível” (HARVEY, 2005), marca-
da pela “culturalização” da mercadoria. Aqui não se trata necessariamente da produção cultural
em escala industrial, mas do acréscimo de aspectos simbólicos aos mais diversos produtos,
inclusive os industrializados: “A produção de mercadorias é agora um fenômeno cultural, no
qual se compram os produtos tanto por sua imagem quanto por seu uso imediato” (JAMESON,
2001, p.22). A sofisticação dos recursos de marketing e publicidade, além do uso intensivo do
design com funções estético-expressivas e não mais apenas de funcionalidade e ergonomia dos
produtos, demonstram esse movimento.
A presença da cultura no consumo cotidiano das populações urbanas sinaliza o estado
atual de imbricação entre economia e cultura, onde a desdiferenciação entre ambas se encontra
naturalizada pelo senso comum. A incorporação dessa desdiferenciação pelo status quo, promo-
vendo a valorização da cultura (em termos de estima social) pelo seu potencial de valorização
econômica dos mais diversos produtos e lugares, tem no ideário da Economia Criativa uma
ferramenta central. Esse ideário, difundido a partir da década de 1990, trata da apropriação da
produção simbólica como insumo da produção econômica de forma geral, transformando algu-
mas formas culturais – expressas nas artes, na criatividade popular, nos diferentes modos de vida
– em ativos de grande importância na reestruturação do capitalismo pós-fordista.
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receptor, mas passa também a emissor de dados, possibilitando uma maior democratização da
comunicação e uma maior diversidade na produção cultural.
Este fenômeno, que deu origem ao termo cultura digital, carrega um potencial transfor-
mador e contra hegemônico que certamente precisa ser considerado em qualquer reflexão atual
sobre cultura, pois coloca novas questões no debate da cultura de massa, desestabilizando o
discurso que atribui à indústria cultural a diminuição dos criadores e a multiplicação dos consu-
midores, como fez Certeau há mais de quatro décadas, e trazendo dados novos para se pensar a
relação entre cultura e passividade.
No bojo das contradições próprias ao capitalismo, as novas possibilidades tecnológicas
são apropriadas também pelos movimentos anti capitalistas, além de inúmeros outros movi-
mentos, valorizando e ressignificando termos como compartilhamento e colaboração. Assim, a
pirataria por um lado – de forma predatória, porém capitalista – e as tecnologias livres por outro
– com licenças do tipo copyleft para produtos culturais e softwares utilitários –, funcionam como
reverso das estratégias de dominação das grandes empresas que crescem apoiadas na elimina-
ção ou no encapsulamento dos produtos concorrentes (comprando outras empresas, fundindo
marcas, cooptando profissionais, etc.). A hipervigilância do Estado, com seu aparato de captura
de imagens em tempo real em todo o espaço urbano tem como contraface a captura de imagens
pelos cidadãos, em tempo real, denunciando a atuação do próprio Estado. A impregnação dos
meios de comunicação pela propaganda do mercado, inclusive com invasão da privacidade dos
potenciais consumidores, tem como contraface a produção de paródias e de denúncias sobre
marcas e produtos, disseminadas de forma viral.
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dindo formas como o co-working ou home-office7, que vem sendo enaltecidas por permitirem
práticas que diferem do universo do trabalho formal, como o convívio com a família ao longo
da jornada, a possibilidade de conciliar cuidados domésticos e atividade profissional, a liberdade
para se vestir informalmente, a redução de custos de locação, o compartilhamento de redes de
trabalho, etc. Não se pode ignorar, no entanto, que essas novas formas de organização corrobo-
ram o movimento de precarização do trabalho, que inclui novas e antigas formas de exploração
da mais-valia e exclui as garantias sociais que configuraram a noção tradicional de cidadania.
O que distingue a cultura na divisão do trabalho, enfim, talvez seja a posição dos gru-
pos culturais subalternos, que desempenham um papel econômico, mas não são remunerados
por ele. Em relação ao trabalho cultural, esses grupos, raramente vislumbrados pelas políticas
culturais governamentais, não constituem um exército de reserva, na acepção marxista, mas sua
existência confere lucros ao segmento empresarial que, mesmo não se relacionando diretamente
com questões culturais, é atraído e beneficiado por um ambiente multicultural, como acontece
nas cidades globais: “A culturalização, portanto, também é baseada na mobilização e no ge-
renciamento de populações marginais” (YÚDICE, 2006, p.40) que, conforme Manuel Castells
(apud YÚDICE, 2006), “realçam a vida” e nutrem a inovação dos “criadores”. Ou, conforme
Harvey (2005), na apropriação privada do capital simbólico coletivo.
7
A expressão co-working se refere aos escritórios onde empreendedores compartilham seu espaço de trabalho e
infraestruturas como rede de internet, na maior parte das vezes compartilhando também suas redes de clientes e
fornecedores. O termo home-office, literalmente traduzível como casa-escritório, caracteriza o trabalho daqueles
empreendedores que dedicam parte do seu espaço residencial e, em geral, também do seu tempo pessoal, para exer-
cerem sua atividade profissional.
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um esforço conjunto com os governos movidos pela lógica neoliberal, que impõe a necessidade
de que as cidades tornem-se atraentes para o capital e concorram entre si, mundialmente, para
sediar negócios transnacionais.
Os capitalistas envolvidos na elaboração dos marcos de distinção dos lugares onde de-
senvolvem seus negócios se escondem, conforme Harvey, “nas moitas do multiculturalismo, da
moda e da estética, pois é precisamente por esses meios que as rendas monopolistas podem ser
conquistadas, pelo menos por um tempo” (HARVEY, 2005, p.237). Daí a relação que se estabe-
lece entre as lutas por reconhecimento dos grupos marginalizados da sociedade – cuja produção
cultural constitui em geral grande parte daquilo que distingue as cidades e as torna atraentes – e
as estratégias contemporâneas do capitalismo.
Para o capital não destruir totalmente a singularidade, base para a apro-
priação das rendas monopolistas (e há muitas circunstâncias em que o
capital fez exatamente isso), deverá apoiar formas de diferenciação, as-
sim como deverá permitir o desenvolvimento cultural local divergente e,
em algum grau, incontrolável, que possa ser antagônico ao seu próprio e
suave funcionamento. (HARVEY, 2005, p.238)
Segundo Harvey, “O problema para o capital é achar os meios de cooptar, subordinar,
mercadorizar e monetizar tais diferenças apenas o suficiente para ser capaz de se apropriar das
rendas monopolistas disto” (HARVEY, 2005, p.238). E do lado dos movimentos oposicionistas
(os anticapitalistas ou os que estejam mais interessados em suas questões próprias do que na
competição por visibilidade e financiamento), o problema é usar a validação da sua produção
cultural para abrir novas possibilidades e alternativas, aproveitando a facilidade que as circuns-
tâncias oferecem para sua participação cultural de forma a impor a sua participação política.
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seja pensar e agir a partir do contexto das grandes cidades, em especial aquelas onde uma ges-
tão de tendência neoliberal trabalha pela sua competitividade no mercado mundial, capturando
aspectos da expressão simbólica dos cidadãos como ingrediente de um amálgama artificial que
passa a ser “a cultura” do lugar.
A idéia de Cultura no Plural não é difícil de entender em uma sociedade cada vez mais
multicultural, situada em cidades onde convivem línguas e costumes de dezenas de lugares,
marcadas pela divisão espacial que ora segrega, ora aproxima grupos constituídos por diferenças
e desigualdades. O mercado, mais sagaz que toda a lenta produção intelectual e do que o pesado
aparelho do Estado, entendeu rapidamente que essa pluralidade possibilitava novas formas de
acumulação de capital econômico. As cidades globais são, nessa conjuntura, uma mercadoria
complexa que incorpora cultura, gerando renda de diferentes maneiras.
Uma delas é a reunião, na cidade, entre os consumidores e as mercadorias diferenciais
com as quais aqueles afirmam suas identificações culturais e se diferenciam em meio à enorme
população urbana. Neste sentido, Nestor Garcia Canclini (1995) e George Yúdice (2006) afir-
mam a possibilidade de exercício efetivo da cidadania mesmo nesta conjuntura de dominação
capitalista através da cultura. Se é verdade que o consumo cultural de mercadorias não obedece
à lógica da satisfação de necessidades e sim à da identificação/diferenciação, também é verda-
deiro, segundo os autores, que ele não serve apenas para dividir a sociedade, mas também para
que ela compartilhe significados.
Outra fonte de renda que se realiza na cidade com a imbricação entre cultura e economia
é a conversão da Cultura no Plural em caricatura, sua transformação em Cultura no Singular,
a ser usada como marca nos rótulos com que se vende a própria cidade. Nesse movimento,
enquanto alguns aspectos da cultura local são destacados – pinçados, costurados, colados, re-
montados numa bricolagem à moda do mercado internacional de cidades –, outros aspectos, e
as populações que os produzem, são esquecidos ou ativamente apagados, configurando uma das
formas mais autoritárias de imposição de uma Cultura no Singular.
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Mestranda em História Social pelo Programa de Pós-graduação da UFF. Bolsista de mestrado CNPq com o pro-
jeto Editar a Nação e escrever sua História: Livros, projetos editoriais e disputas letradas no Instituto Nacional
do Livro, 1937-1991 sob a orientação da professora doutora Giselle Martins Venancio. Email para contato: historia.
mari@gmail.com.
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1930, destacando-se nesse período, as produções assinadas pelo Rio de Janeiro e São Paulo, a
saber, as da USP e as da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). Junto dessas duas instituições
há de se acrescentar o papel do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), fundado em
1955 e vinculado ao Ministério da Educação. Ao lado das instituições anteriores, o Iseb foi ao
longo da segunda metade do século XX um dos mais destacados lugares de legitimidade inte-
lectual brasileira (Venancio; Furtado, 2013).
O “furor” desenvolvimentista e a mudança na concepção do projeto de modernização
do Brasil, neste momento pautado na ciência como a força motriz das transformações, fez com
que até mesmo o Instituto Nacional do Livro quisesse imprimir uma nova feição a sua obra
principal, a Enciclopédia Brasileira. Por essas razões, este texto pretende analisar os projetos
editoriais da Enciclopédia preparados na década de 1950, destacando as mudanças que decor-
reram desses anos.
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imperatriz Leopoldina. (Andrade, 1993) Sem dúvida, a discussão nacional deu o tom dos deba-
tes na década de 1930 e, principalmente, foi definitiva para fazer emergir a ideia de se produzir
uma Enciclopédia brasileira ao ponto de mobilizar um Instituto e intelectuais nesse serviço.
Entretanto pouco mais de vinte anos depois de criado o Instituto Nacional do Livro e
de elaborado o plano da Enciclopédia Brasileira por Mário de Andrade, o perfil e a função da
Enciclopédia havia sido modificado radicalmente. Considerando todas as razões levantadas na
abertura desse texto que englobam desde a discussão do nacionalismo enquanto uma categoria
conceitual que foi definida nos anos 1930 pelo viés da homogeneidade e, sobretudo, pela busca
das origens culturais brasileiras, até mesmo, a mudança de definição que marcou os anos 1950,
pode-se afirmar que na década de 1950 a Enciclopédia nacionalista havia se transformado numa
obra de caráter universitário. Tudo isso porque foi neste período que o Brasil ingressou numa
nova fase de desenvolvimento econômico, industrial e cultural sendo a força motriz desse mo-
mento a posição do país no cenário internacional. A partir de então, não foi necessário apenas ter
uma obra que apresentasse o Brasil aos brasileiros, mas que, sobretudo, inserisse o país no quadro
de desenvolvimento da época e que estimulasse as pesquisas e os conhecimentos universitários
do período. Por essas razões, as diretrizes da Enciclopédia brasileira postuladas por Euryalo
Cannabrava ilustram a inquietação desse momento e que, especialmente, procuram explicitar as
razões pelas quais a Enciclopédia ainda não havia sido lançada. Nas palavras de Cannabrava,
A principal razão por que a Enciclopédia Brasileira até hoje os seus
trabalhos apenas iniciados, sem possibilidades de se levar essa ingente
tarefa a bom termo, decorre do excesso de escrúpulos e do ideal de per-
feição que animava os seus organizadores. Observa-se comumente no
Brasil e em toda a América Latina a preocupação de realizar certa obra
de maneira tão satisfatória que o resultado de tudo é o malogro ou a con-
finação ao que se denomina os árduos trabalhos preparatórios.
(...)
O resultado de tudo isso é que a aventura enciclopédica implica, tam-
bém, espírito de renúncia, sacrifício do pitoresco e do interessante em
proveito da solidez, precisão e objetividade. Pode-se perfeitamente ela-
borar uma imensa obra que incluiria tudo aquilo que as enciclopédias
não registram. O trabalho, portanto, não é de assimilação indiscrimina-
da, mas de espírito seletivo e alerta perante as indispensáveis omissões.
A Enciclopédia, portanto, não representa apenas o epítome da sabedo-
ria ecumênica, mas também o compêndio, por exclusão, daquilo que se
considera acidental, fortuito, ocasional ou aleatório. A tarefa, sendo de
escolha, inclui assim não somente o que se aproveita, como também o
que se refuga. As omissões em obra de tal magnitude frequentemente
são mais trabalhosas e difíceis do que aquilo que se inclui, seguindo as
normas do consenso universal.
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pessoas ligadas às antigas instituições que legitimavam o campo dos conhecimentos antes do
advento científico promovido pelas universidades na década de 1950. O Instituto Nacional do
Livro foi um espaço de consagração, concentrando os maiores nomes da intelectualidade que
apenas perderiam a visibilidade anos mais tarde com a consolidação do discurso científico ad-
vindo das Universidades.
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a Enciclopédia brasileira entraria numa fase de estagnação, e estaria, mais uma vez, imersa nas
disputas entre diretores, chefes de seção e tramas de publicação até a sua consequente extinção.
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Informação) – Programa de Pós-graduação convênio CNPq/IBICT – UFRJ/ECO, Rio de Janeiro, 1992.
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RESUMO: Apresenta uma reflexão acerca do cenário das políticas públicas de cultura, em
vigor, voltadas para as bibliotecas públicas no Brasil. Parte das diretrizes internacionais para as
bibliotecas públicas, ressalta a importância desse tipo de biblioteca para a democratização do
acesso à leitura e à informação, e analisa a legislação e as ações do governo federal voltadas para
o fomento e manutenção das mesmas. Conclui que as legislações existentes, na esfera federal,
não garantem a existência e manutenção de bibliotecas públicas com acervos, espaços e serviços
de qualidade para atender as necessidades de informação e leitura da população brasileira.
1. INTRODUÇÃO
Identificada como o equipamento cultural mais presente nos municípios brasileiros nas
últimas pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e inte-
grantes do processo de democratização do acesso à leitura e à informação, a biblioteca pública
é reconhecida como espaço estratégico de inclusão cultural dentro das políticas públicas de
cultura de Estado no Brasil.
A elaboração e implementação das políticas voltadas para bibliotecas pública, na esfera
federal brasileira, é de responsabilidade do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP),
instituição que tem sua história iniciada dentro do Instituto Nacional do Livro (INL) e que atual-
mente é vinculado à Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) do Ministério
da Cultura (MinC).
Diferentemente de outros país da América Latina, o Brasil não possui uma lei específica
para regular e garantir a existência e o bom funcionamento desse tipo de biblioteca nos 5.570
1
Bibliotecária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Biblioteconomia (PPGB) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
2
Professora Doutora, do Departamento de Estudos e Processos Biblioteconômicos (DEPB) e do Programa de
Pós-Graduação em Biblioteconomia (PPGB) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Líder do Grupo de Pesquisa Bibliotecas Públicas no Brasil: reflexão e prática.
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municípios que compõe a federação. Segundo dados do SNBP atualmente o país conta com mais
de 6.000 bibliotecas públicas, distribuídas nos 26 estados da federação.
Apesar de reconhecer que as políticas públicas não são necessariamente criadas e imple-
mentadas pelo Estado, acredita-se que é determinante para o Brasil uma legislação específica
para garantir a existência de bibliotecas públicas que ofereçam espaços, serviços e acervos de
qualidade para a população, visto que os governos locais, em sua maioria, não reconhecem a
leitura, a literatura e a informação como bem prioritário para a população.
Uma lei desse porte se configura numa macropolítica, estruturante, constitutiva e regu-
latória, passível de agregar outras políticas públicas de nível intermediário e operacionais, de
governo e de agentes não governamentais.
Cabe registrar que no Brasil a incidência de instituições privadas e da sociedade civil no
desenvolvimento de projetos voltados para o acesso à informação e à leitura tem se caracteri-
zado como ações locais, pontuais e, em sua maioria sem continuidade, justamente por falta de
marcos regulatórios nacionais.
Entendo a biblioteca pública como um equipamento cultural estratégico para o desen-
volvimento das habilidades de leitura, para o acesso, aquisição e apropriação da informação e,
consequentemente, para o exercício da cidadania dentro dos princípios da formação humanista,
esta pesquisa se propõe a analisar os marcos legais voltados para o apoio e fortalecimento desse
tipo de biblioteca no país.
O presente relato apresenta os resultados da primeira etapa da pesquisa de mestrado
intitulada “Marcos regulatórios para as bibliotecas públicas no Brasil” 3. Esta pesquisa foi es-
truturada em 2 etapas, sendo a primeira relativa a construção do referencial teórico relativo ao
tema, e a segunda etapa em uma análise das proposições de governo para as bibliotecas públicas
no âmbito federal, vistas como políticas públicas operacionais.
Trata-se de uma pesquisa aplicada, de abordagem qualitativa e documental, que teve
início a partir de um levantamento bibliográfico em documentos primários e secundários ob-
tidos como resultado das buscas nas seguintes bases de dados: Base de Dados em Ciência da
Informação (BRAPCI), no Portal de Periódicos Capes/MEC e a Web of Science, utilizando os
seguintes termos para busca cruzada: políticas públicas, políticas culturais, bibliotecas públicas
e formulação de políticas públicas, dentro do período de 13 anos, que compreende 2003 a 2015.
No que se refere a legislação existente relativa a área tomou-se como base o resultado
do mapeamento das políticas culturais nacionais voltadas para as bibliotecas públicas no Brasil,
que vem sendo realizada por integrantes do Grupo de Pesquisa Bibliotecas Públicas no Brasil:
3
Pesquisa em desenvolvimento no mestrado profissional do Programa de Pós-Graduação em Biblioteconomia
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGB-UNIRIO), integrante do Grupo de Pesquisa “Biblio-
tecas Públicas no Brasil: reflexão e prática”, na linha de pesquisa “Biblioteconomia, cultura e sociedade”.
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reflexão e prática do qual as autoras fazem parte, e as informações disponibilizadas pelo Sistema
Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) do Ministério da Cultura (MinC).
Para a realização da segunda etapa da pesquisa, que refere-se ao levantamento e análise
da legislação que se encontra em fase de elaboração, identificado como proposições de governo,
foi realizado levantamento no Portal das Atividades Legislativas Projetos e Atividades do Se-
nado Federal4 e no Portal da Câmara dos Deputados Federal5 que resultou na recuperação de 35
registros sob temas ligados às bibliotecas públicas.
4
Endereço eletrônico: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/default.asp
5
Endereço eletrônico: http://www2.camara.leg.br
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7
Endereço eletrônico: http://snbp.culturadigital.br/manifestos/manifesto-de-caracas-sobre-bibliotecas-publicas/
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Nesse sentido cabe iniciar esta reflexão com a questão: a carência de bibliotecas públicas
no Brasil é considerada um problema público?
É importante registrar a defesa de Secchi (2010) por considerar políticas públicas o con-
junto de diretrizes identificadas: - de nível estratégico, - de nível intermediário que envolve as
políticas municipais, regionais ou estaduais e, - de nível operacional. “Essa noção implica que,
a cada nível da política pública, há um entendimento diferente dos problemas e das soluções, há
uma configuração institucional diferente, existem atores e interesses diferentes” (Giuliani, 2005,
apud SECCHI, 2010, p. 7).
Na visão de Ferreira (2003, p. 17) o Estado exerce papel primordial na elaboração de
políticas públicas, sendo assim, estas podem ser compreendidas como:
tomada de posição do Estado diante das demandas da sociedade, que
se traduz, entre outras coisas, em legislações, programas e projetos de
ação voltados à segurança, à educação, à geração de emprego e renda,
à saúde, à regulação da economia, ao uso dos recursos naturais, à segu-
ridade social e a tantos outros aspectos da vida econômica e social que
puderem ser enumerados.
A respeito dessa questão é importante reconhecer que os projetos “Acessibilidade em
Bibliotecas Públicas”8, o “Mais Bibliotecas Públicas”9, e o Bibliotecas em Rede, implementados
pelo SNBP nos últimos anos, são exemplos de tomada de posição do Estado em relação a uma
demanda da sociedade. O primeiro refere-se à necessidade das bibliotecas públicas brasileiras
se transformarem em espaços inclusivos respeitando e propiciando o acesso a todas a pessoas
com deficiência. O segundo projeto trata-se de fomentar a ampliação do número de bibliotecas
públicas e estabelecer um processo de monitoramento dos investimentos realizados pelo gover-
no na implantação de novas bibliotecas públicas nos municípios brasileiros nos últimos anos.
O terceiro, Bibliotecas em Rede, atuou na articulação de redes entre pessoas que atuam nas
bibliotecas e a comunidade local.
No entanto, o Estado ainda não criou uma legislação que garanta a existência e a manu-
tenção de bibliotecas públicas em todo o país, o que resulta num cenário de baixos investimentos
e de fragilidade na atuação do SNBP e dos Sistemas Estaduais e Municipais de Bibliotecas Pú-
blicas, instituições que deveriam ter força para atuar na democratização do acesso à informação
e à leitura por meio da biblioteca pública.
Estudos da área apresentam duas abordagens relativas as políticas públicas: a estatista
e a multicêntrica. A abordagem estatista considera as políticas públicas de monopólio de atores
estatais, já a multicêntrica considera além dos atores estatais no estabelecimento de uma política
pública, as organizações privadas, organizações não governamentais (SECCHI, 2014). Uma lei
8
Endereço eletrônico: http://acessibilidadeembibliotecas.culturadigital.br
9
Endereço eletrônico: http://snbp.culturadigital.br/projetos/maisbibliotecaspublicas/
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federal para regular as bibliotecas públicas no Brasil se constitui numa política de governo, no
entanto, essa lei deve prever a participação da sociedade, ou seja, pode ser construída em con-
junto com diferentes agentes, sem favorecer grupos de interesses específicos.
As políticas públicas geralmente agregam características de dois ou mais tipos de polí-
tica e estão dentre as seguintes categorias: regulatórias, distributivas, redistributivas e constitu-
tivas, segundo a visão de Lowi (apud SECCHI, 2014). A lei das bibliotecas públicas proposta
pode ser caracterizada como uma política regulatória e constitutiva.
O processo de elaboração de políticas públicas, também conhecido como o ciclo de
políticas públicas, é composto por sete fases sequenciais e interdependentes: a identificação do
problema, a formação na agenda, a formulação de alternativas, a tomada de decisão, a imple-
mentação, a avaliação e a extinção.
Na fase de identificação do problema percebe-se a diferença entre a situação real e a
ideal ante algum problema; a formulação de alternativas visa a escolha de potenciais soluções
levando-se em conta custos e benefícios; a implementação é a fase em que são colocadas em
prática regras e ações, e por fim, a avaliação tem por objetivo verificar se a política está sendo
bem-sucedida ou não (SECCHI, 2014).
A elaboração e execução de propostas para as bibliotecas públicas envolve diferentes
atores, governamentais e não governamentais, políticos, tais como senadores e deputados, de-
signados politicamente, tais como os integrantes do SNBP, grupos de interesse, como represen-
tantes de classe, editores e livreiros, professores, bibliotecários, formadores de opinião, movi-
mentos sociais, entre outros.
Vale ressaltar que no que ser refere ao segmento da cultura, a tendência atual tem mos-
trado que ao setor público não cabe produzir ou dirigir a cultura, mas fomentar a sua produção, a
sua distribuição e o seu consumo, democratizando e proporcionando acesso à produção cultural
(INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2003).
Como requisitos principais para uma política cultural Rubim ressalta que falar em polí-
ticas culturais implica, dentre outros requisitos, pelo menos: intervenções conjuntas e sistemáti-
cas; atores coletivos e metas” (RUBIM, 2007, p. 13).
De acordo com Rubim (2011) um dos grandes desafios das políticas culturais na con-
temporaneidade é contemplar as dimensões nacionais, locais, regionais e globais de um país,
respeitando suas peculiaridades e singularidades. Neste novo panorama atual, as políticas cul-
turais deixam de serem produzidas apenas pelo Estado e passam a também a serem formuladas
por agentes da sociedade civil.
Calabre (2007) lembra que cada vez mais a população vem buscando formas de partici-
par e interferir nas decisões no campo das políticas públicas culturais, sendo assim:
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pulação. Apesar de ser considerada um avanço e um marco regulador para a área, a mesma foi
revogada em 17 de abril de 2014, pela Ministra Marta Suplicy, por meio da Portaria no. 33/2014/
MinC (MACHADO, CALIL JUNIOR, ACHILLES, 2014).
O Decreto n. 7559 de 1º de setembro de 2011 instituiu o Plano Nacional do Livro e Leitu-
ra (PNLL) que possui dentre seus objetivos: - a democratização do acesso ao livro; - a formação
de mediadores para o incentivo à leitura; - a valorização institucional da leitura e o incremento
de seu valor simbólico; - o desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção
intelectual e ao desenvolvimento da economia nacional.
É importante frisar que nos últimos anos vários representantes do poder legislativo têm
apresentado Projetos de Lei (PL) que envolvem as bibliotecas públicas, entretanto, poucas fo-
ram as contribuições que estes PL’s de fato trouxeram para a área. Sendo assim, Machado, Calil
Junior e Achilles (2014, p. 2291) afimam que:
O fato do país não ter uma legislação reguladora na área de bibliotecas
públicas fragiliza as estratégias de fortalecimento, valorização e qualifi-
cação desse tipo de equipamento cultural, tanto em relação às bibliote-
cas públicas mantidas pelo Estado, como em relação às bibliotecas pú-
blicas e comunitárias mantidas por entidades privadas. Portanto, avaliar
a possibilidade de o país elaborar uma lei específica para a área passa a
ser uma demanda emergencial.
No que tange as proposições de governo, cabe destacar duas que atualmente tramitam no
Senado e na Câmara dos Deputados, tratam-se dos projetos de lei no. 28 de 2015, que propõe
a instituição da Política Nacional de Bibliotecas de autoria do Senador Cristovam Buarque e o
Projeto de lei no. 3727 de 2012, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas públicas no
país, de autoria do Deputado José Stédile.
Recuperando o ciclo de políticas públicas, entende-se que uma nova proposição deve ser
feita a partir de análise de resultado das avalições das políticas públicas vigentes. No entanto,
não foi possível identificar nenhum documento que registrasse avaliação dos processos, ou dos
impactos da Lei do Livro e do PNLL.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do cenário das políticas culturais de governo voltadas para as bibliotecas pú-
blicas apresentado é possível inferir que este tipo de equipamento cultural, apesar de estar na
agenda de governo, não ocupa papel de destaque, ou seja, não é prioridade dentro das políticas
de cultura no país.
Cabe lembrar que o estabelecimento da agenda envolve interpretações político-normati-
vas dos próprios agentes políticos envolvidos no tema, portanto, entender a biblioteca como uma
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instituição social, um espaço de informação, memória, troca e produção cultural, nos seus mais
diversos suportes e formatos é crucial para que a sua falta se transforme em um problema público.
É possível constatar que as diretrizes e normas existentes na atualidade não atendem as
necessidades específicas do país, de maneira a garantir a existência e manutenção de bibliotecas
públicas acolhedoras, com acervos de qualidade, profissionais comprometidos, espaços e servi-
ços voltados para o atendimento das necessidades de informação e leitura da comunidade local.
Além disso, o fato do Brasil não ter uma lei específica para regulamentar uma macropolí-
tica estruturante para esse campo é entendido como mais um problema para o estabelecimento e
a implantação de políticas culturais operacionais efetivas para garantir a existência e a prestação
de bons serviços para a população.
Dentro desse contexto, a segunda etapa desta pesquisa irá analisar as proposições de
governo, que se configuram em projetos de lei, com o objetivo de verificar se as mesmas
trazem contribuições para resolver o problema da fragilidade deste tipo de equipamento nos
municípios brasileiros.
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RESUMO: Este artigo busca compreender a atual configuração do carnaval de rua na cidade do
Rio de Janeiro a partir do papel do poder público na organização e gestão da festa. Relacionaremos
o aumento quantitativo de blocos de rua, a expansão territorial e o crescimento vertiginoso de
público frequentador com as ações e politicas públicas da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro
para com a regulamentação, a mercantilização, a descentralização e a tradicionalização da festa.
“Andar pelo centro do Rio de Janeiro em dias de carnaval é uma outra experiência. As
pessoas estão, na sua maioria, fantasiadas. Fantasias tradicionais – colombinas, palhaços, ciganos
–, fantasias modernas – personagens de desenho, artistas pop –, fantasias de cunho político – vice
decorativo, batedores de panela com camisa da seleção de futebol – e outros tantos envoltos em
muitas flores e, ainda mais, purpurina. Na cidade colorida se sobressai a cor azul, não do céu
ou do mar, mas da marca de cerveja que patrocina o carnaval. Preços tabelados, seja para uma
ou para três, vendedores com crachás numerados pela prefeitura, enquanto blocos oferecem no
microfone recompensa por outra marca de cerveja (mesmo que fabricada pela mesma empresa,
só que de outra cor). Banheiros químicos, estrutura com banheiros, bares cobrando dez reais para
1
Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora do Departamento
do Arte da Universidade Federal Fluminense no curso de graduação em Produção Cultural e no Programa de Pós-
-Graduação em Cultura e Territorialidades. Coordena a pesquisa “Eu quero é botar meu bloco na rua”: Cultura e
economia no carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro, que conta com o financiamento da Faperj e CNPq – UFF.
marinafrydberg@gmail.com
2
Graduando em Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense, bolsista CNPq-UFF no projeto “Eu que-
ro é botar meu bloco na rua”: Cultura e economia no carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro. alexkossak@
hotmail.com
3
Graduando em Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense, bolsista Faperj no projeto “Eu quero
é botar meu bloco na rua”: Cultura e economia no carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro. m.gustavoporte-
lla@gmail.com
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usar o banheiro, multa de 510 reais para quem urinar na rua, mas a cidade permanece com o chei-
ro de urina de outros carnavais. Bloco com hora pra concentrar, pra sair, pra acabar, com percurso
definido, tudo previamente aprovado e publicizado. Mas proliferam-se blocos piratas, blocos se-
cretos, blocos não oficias. Tudo isso sob o olhar de meia dúzia de policias e da guarda municipal,
sempre atento aos ambulantes ilegais (talvez a grande preocupação deles no carnaval).”4
Esta é a configuração atual do carnaval dos blocos de rua na cidade do Rio de Janeiro
hoje, uma série de exigências burocráticas e de aprovações necessárias para se colocar o bloco
na rua; empresas que patrocinam, através da prefeitura, a estrutura do carnaval de rua; e várias
críticas de organizadores de blocos e ligas ao que se chama da burocratização do carnaval por
parte do poder público. O carnaval de 2015 contou com cinco milhões de foliões nas ruas da
cidade, segundo a Riotur, e um milhão de turistas durante o período carnavalesco. Naquele ano
foram aprovados o desfile, as vezes mais de um, de 465 blocos na cidade. Mas nossa pesquisa
já identificou 574 blocos que desfilaram na cidade entre 2014 e 2015. Número expressivo e que
representa uma multiplicidade de formatos e enfoques. Alguns desses blocos se organizam em
ligas e associações que tem como objetivo unir forças para pleitear patrocínio junto as empresas
privadas e uma melhoria na organização da festa junto ao poder público.
Embora os blocos e as ligas e associações possam se relacionar com o poder público em
diferentes níveis, é, sem dúvida, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro a principal instância
organizadora da festa ao pensarmos no carnaval dos blocos de rua na cidade. A prefeitura é a
responsável pela garantia da infraestrutura da festa e da manutenção de serviços básicos como
trânsito e limpeza urbana. Vários são os órgãos da prefeitura que ajudam na organização, como a
Secretaria de Ordem Pública, por exemplo, mas atualmente a gestão do carnaval, seja dos blocos
ou das escolas de samba, está centralizada no órgão de turismo da prefeitura a Riotur – Empresa
de Turismo do Município do Rio de Janeiro. Todavia a prefeitura só subvenciona o carnaval das
escolas de samba.
Este artigo tem como objetivo problematizar o papel da prefeitura na organização do
carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro, como instituição estruturante da festa e construto-
ra dos seus significados. Considerando que esta é uma pesquisa ainda em andamento (os dados
do carnaval de 2016 não serão aqui analisados), a pesquisa teve como metodologia a coleta de
dados que saíram na mídia; recolhimento da legislação envolvendo o carnaval dos blocos de
rua; entrevistas com membros do poder público e organizadores de blocos e ligas, além de uma
etnografia nos dias da festa. Com um discurso de valorização da tradição da festa carnavalesca
dos blocos, ao mesmo tempo que defende uma otimização da gestão pública do carnaval, a
prefeitura se responsabiliza, na maioria das vezes indiretamente, com o carnaval de rua na ci-
dade através de quatro eixos centrais: a regulamentação da festa; a mercantilização da festa; a
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valescos de rua, no período de que trata o art. 1º do Decreto Nº 30.453/2009”7. Caso não haja
o cumprimento do disposto no decreto o bloco tem sua autorização automaticamente cassada e
o indeferimento do pedido de autorização do ano subsequente. E ainda no decreto fica disposto
que a Riotur, tendo a Guarda Municipal como apoio, terá a função de coibir os desfiles de blocos
que não cumpram essa normativa.
Para que os blocos de rua possam desfilar é necessário que solicitem, no período deter-
minado pela prefeitura, autorização para sair as ruas. A regulamentação desta autorização está
normatizada no Decreto nº 37.182, de 20 de Maio de 2013, que criou a “Comissão Especial de
Avaliação dos Blocos de Rua”8. É válido ressaltar que nesta comissão não há presença de nenhum
representante da Secretaria Municipal de Cultura e de um número muito inferior de agentes
diretamente envolvidos com a festa como organizadores de blocos e presidentes de ligas e asso-
ciações. A comissão criada segue os seguintes critérios de avaliação às solicitações de desfiles:
I - a tradição do Bloco de Rua;
II - as características do Bloco em relação ao Carnaval de Rua do Rio
de Janeiro;
III - as características do Bairro/Região onde pretende desfilar o Bloco;
IV - a relação que o Bloco de Rua mantém com a localidade/comunidade;
V - o local de realização do desfile pretendido;
VI - a estimativa de público;
VII - os possíveis impactos que possam interferir no dia-a-dia
da localidade.
(RIO DE JANEIRO, Decreto No 37.182, de 20 de Maio de 2013)
Constata-se através do texto do decreto um maior entendimento das necessidades lo-
gísticas do carnaval por parte do poder público. Além de reconhecer também a “importância
do Carnaval de Rua para a vida social e cultural da Cidade, típicos do jeito de ser e do modus
vivendi da população carioca”9, ficando com o cargo da coordenação da “Comissão Especial de
Avaliação” a Secretaria Municipal de Turismo.
Através desses decretos da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, juntamente com inú-
meros outros aspectos ligados aos blocos de rua da cidade, como a sua expansão quantitativa e
aumento expressivo de público frequentador, é possível constatar a ocorrência de um processo
7
Retirado RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto 36.760, de 05 de fevereiro de 2013.
8
A comissão é composta por representantes das: I - Secretaria Municipal de Turismo - SETUR/RIOTUR; II -
Coordenadorias das Áreas de Planejamento (Subprefeituras); III - Secretaria Municipal de Transportes - SMTR; IV
- Companhia de Engenharia de Tráfego – CET RIO; V – Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos
- SECON-SERVA; VI – Companhia Municipal de Limpeza Urbana - COMLURB; VII - Secretaria Municipal da
Ordem Pública - SEOP; VIII - Guarda Municipal – GM-Rio; IX - Secretaria Municipal de Saúde - SMS; X - duas
Entidades representativas dos Blocos e Bandas Carnavalescos, tendo em vista sua tradição e representatividade.
9
Retirado de RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto 37.182, de 20 de maio de 2009.
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tur, a prefeitura não dispõe de nenhum mecanismo de incentivo direto aos blocos. Ela se restrin-
ge à criação do “Caderno de Encargos e Patrocínios” para demandar às empresas patrocinadoras
os serviços que precisam ser contratados para atender aos blocos, como banheiros químicos,
agentes de trânsito, ambulância, entre outros serviços. Existem, no entanto, outras necessidades
cruciais para existência dos desfiles, bailes e cortejos, como aparelhos e estruturas sonoras,
iluminações, ensaios técnicos, contratação de ritmistas, programação visual, trios elétricos, am-
plificações, etc. A falta de patrocínio tem gerado nos blocos a procura de novas estratégias de
financiamento do carnaval de rua, seja através de oficinas, shows, comercialização de produtos
correlatos (como camiseta e CD) dentro e fora do período carnavalesco e financiamento coleti-
vo, assim como pressionar por mais subsídio público.
Para o presidente da RioTur, Antônio Pedro, em sua entrevista para o jornal O Dia, que
levantou demandas dos blocos, “existem diversos editais culturais, a Lei Rouanet. Carnaval é
cultura. Os blocos poderiam usar outros elementos de arrecadação, como o financiamento cole-
tivo, por exemplo. O Carnaval tem que ser bancado pelas pessoas que o fazem”.14 Foi apontado
na mesma entrevista a dificuldade de conseguir patrocínios quando só há uma grande empresa
patrocinadora - como é o caso da Ambev -, no entanto, Antônio Pedro discordou dessa afirmação.
É certo no entanto que, devido ao crescimento do carnaval desde 2009, o modelo de
parceria público-privado estabelecido tem apresentado resultados, seja através da adequação do
carnaval aos moldes pensados pela prefeitura ou seja através da repressão por um Estado ainda
um tanto quanto positivista. Colocado o problema, é preciso refletir até que ponto a atual gestão
conseguiu coordenar uma das maiores e mais diversas festividades do Rio de Janeiro e do Brasil
e se realmente há o interesse de se pensar a festa enquanto um espaço de diversidade por toda a
cidade ou apenas enquanto um produto a ser comercializado em troca de retorno político, eco-
nômico e publicitário.
14
http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2016-01-09/em-tempos-de-crise-blocos-fazem-engenharia-para-des-
filar-no-carnaval.html - Acessado em 13 de Fevereiro de 2016
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de rua possa acontecer em diferentes lugares da cidade o Centro permanece sendo o lugar tradi-
cional de muitos desfiles.
Com a retomada do carnaval dos blocos de rua da década de 1980, esta nova festa ga-
nhou outra centralidade, estendendo o carnaval do Centro para a Zona Sul do Rio de Janeiro.
Houve através da criação de blocos como Barbas, em 1981, Simpatia é quase amor, em 1985,
Bloco de segunda e Suvaco de Cristo, em 1986, um deslocamento da centralidade da festa para
os bairros da Zona Sul carioca. Esses novos blocos passaram a dividir aquela região da cidade
com o já tradicional Banda de Ipanema, fundado em 1965, alterando também o perfil do público,
o carnaval de rua passou a ser feito por jovens universitários (BEI, 2007). No início dos anos
2000 temos uma nova retomada do carnaval de rua na cidade do Rio de Janeiro tanto com rela-
ção a fundação de novos blocos, com um aumento de 459% na criação de blocos se comparado
às décadas anteriores (1980-1990), quanto de foliões brincando o carnaval. Herschmann (2013)
aponta que esse crescimento no carnaval dos blocos representa uma tomada da rua pelas mani-
festações artísticas, a revitalização de novos espaços da cidade como a Lapa, uma certa sensação
de segurança (principalmente se comparada com a grande onda de violência que a cidade passou
no final da década de 1990) e uma readequação etária e musical da festa.
Mesmo que se mantenha a centralidade da festa nos bairros do Centro a da Zona Sul da
cidade, o aumento expressivo de blocos impactou também outras regiões da cidade e passou
a ser impulsionado também pelo poder público. Bairros como Barra da Tijuca e Jacarepaguá
apresentaram um crescimento expressivo na criação de blocos, representando um aumento de
750% desde os anos 2000 se comparado as décadas anteriores. Zona Norte e Ilha do Governador
também tiveram um crescimento de 1000% na criação de blocos no século XXI em comparação
com as duas últimas décadas do século XX. Embora o aumento seja expressivo a grande con-
centração de bloco, quase 50% do total, desfila em bairros da Zona Sul e no Centro da cidade. O
carnaval dos blocos de rua encontra-se atualmente distribuído da seguinte maneira:
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Os reflexos do crescimento dos blocos na Zona Sul no início dos anos 1980 persiste
reverberando nos números atuais, a grande concentração de blocos permanece nesta área da
cidade. Os números da distribuição dos blocos por região da cidade é ampliado na disposição do
público por região. Centro e Zona Sul da cidade somam mais de 80% do público do carnaval de
rua na cidade do Rio de Janeiro. Esse número tão expressivo reflete a potência de grandes blocos
que desfilam nesta região da cidade, como por exemplo, Cordão da Bola Preta – com um milhão
e trezentos mil foliões – e Monobloco – com cerca de 500 mil foliões. A distribuição do público
por região apresenta-se da seguinte forma:
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Podemos afirmar que embora haja um aumento nos números de blocos em outras regiões
da cidade não é ainda expressivo o crescimento do público nessas regiões. O Centro e a Zona Sul
permanecem no imaginário carnavalesco como lugares privilegiados pra folia momesca.
A Zona Sul começou a ficar muito incomodada porque além dos blocos
que já existiam na Zona Sul, todo mundo começou a querer desfilar na
Zona Sul. Então o AfroReggae foi desfilar em Ipanema. A Preta Gil -
que surgiu do nada - foi desfilar em Ipanema. O Sargento Pimenta - que
também surgiu assim do nada - foi desfilar no mesmo lugar e no mesmo
dia que o Bloco de Segunda, que tem 28 anos. Entendeu? Como é que
você faz pra decidir naquele espaço publico, na territorialidade, quem
tem direito ou não? Ai começa a precisar de uma regra porque se eu to
disputando com você o mesmo espaço, qual é a regra? A prefeitura deci-
diu, a regra é a antiguidade. Quem já era dali, vai continuar ali.
Rita Fernandes, Presidente do Imprensa que eu gamo e da Sebastiana, entrevista para a
pesquisa em 22 de Junho de 2014.
Com o grande aumento de blocos solicitando desfilar na Zona Sul a prefeitura restringiu
a criação de novos desfiles nessa área da cidade, coligando o incentivo à criação de novos blocos
em outras regiões da cidade. Critérios como antiguidade e associação com o território servem
de parâmetro para a seleção de blocos, mas não garante a adesão aos mesmos. Não obstante a
criação de novos blocos com características locais possa representar uma valorização da diver-
sidade na cidade, também podemos pensar nessa ação pública associada a processos de gentrifi-
cação urbana e de exclusão social. A exclusão social pode ser vista através do desejo público de
diminuir os deslocamentos na cidade, difícil na época carnavalesca, mas também de restringir
a população ao seu local de origem, principalmente moradores da periferia. Já a gentrificação
associada a determinadas regiões da cidade, como a Zona Portuária, por exemplo, ao mesmo
tempo que ajudam na revitalização de algumas manifestações carnavalescas da região (o bloco
Fala meu louro, fundado em 1938 voltou a desfilar em 2013) pode também expulsar seus foliões
tradicionais. Pautado no discurso da valorização da tradição carnavalesca o poder público vem,
ao organizar a criação e desfile de novos blocos, buscando descentralizar a festa a partir das suas
especificidades locais, ao mesmo tempo que constrói políticas homogeneizantes.
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pode ser facilmente questionado não só em termos das políticas de mercantilização do carnaval
que a própria prefeitura incentiva, como já mostramos acima, mas, principalmente, pelo lugar
que o carnaval ocupa na política pública, responsabilidade da pasta do turismo. Enquanto o
carnaval de maneira geral, mas especificamente o carnaval dos blocos de rua, for pensado em
termos de projeto turístico, associado a grandes cifras que justificam o seu incentivo por conta
do retorno recebido, as políticas públicas que pensam e agem sobre o carnaval estarão conside-
rando de forma superficial o potencial mobilizador e formador da identidades múltiplas que essa
prática popular tem. Ações de tradicionalização da cultura carnavalescas só fazem sentido se
pensadas enquanto política pública de cultura e não somente como políticas pública de turismo.
Bakhtin (2010) compreende a festa como característica primeira e indestrutível da civi-
lização humana por ser isenta de sentido utilitário e por usar de jogos, disfarces, risos, dança e
etc. Desta forma, a festa possibilita que se exponha uma visão não oficial da sociedade, que se
tenha a abolição, por um período determinado, das hierarquias e diferenças. Na mesma linha
de interpretação da festa e do carnaval, Burke (2010) defende o carnaval como o momento de
alteração da hierarquia e do status, o que o autor classifica de “mundo virado de cabeça para
baixo”(p.252), gerando ambiguidades e ambivalências. DaMatta (1997) em seu estudo clássico
sobre o carnaval no Brasil também parte da ideia da festa como um espaço de inversão, onde a
sociedade brasileira nega e reitera a sua organização. Será que podemos permanecer pensando
na festa do carnaval dos blocos de rua como momento da inversão da estrutura social, mesmo
com toda gestão, regulamentação e mercantilização da festa?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKTHIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. Brasília: Ed. Da UnB, 1993.
BEI. Guia do Carnaval de Rua do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: BEI Comunicação, 2007.
BURKE, Peter. O mundo do carnaval. In: Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997.
DESLIGA DOS BLOCOS DO RIO DE JANEIRO, Manifesto do carnaval de rua carioca, 2012.
Disponível em <https://curiosidadedecarnaval.wordpress.com/2012/12/19/manifesto-do-carnaval-de-
rua- carioca-2012/> Acessado em 13 de fevereiro de 2016.
FERNANDES, Rita, Presidente do Imprensa que eu gamo e da Sebastiana. Entrevista para a pesquisa.
Entrevistadora: Marina Bay Frydberg. Rio de Janeiro, 22 de Junho de 2014. 1 arquivo .mp3 (80 min.).
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TEIXEIRA, João Gabriel L. C. Apresentação. In: TEIXEIRA, João Gabriel L. C.; GARCIA, Marcus
Vinícius Carvalho; GUSMÃO, Rita. Patrimônio imaterial, performance cultural e (re)tradicionalização.
Brasília: ICS-UnB, 2004.
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RESUMO: Para as comunidades tradicionais, ter acesso aos recursos disponibilizados pelo
Estado através de programas como o Cultura Viva, requer um processo formativo – uma
“alfabetização patrimonial” – de alguns de seus membros. A dinâmica patrimonial conduzida
pelo Estado pauta-se pela lógica racionalista ocidental e a sua aproximação com a lógica
tradicional em que operam as culturas populares pode ter impactos indesejáveis sobre a segunda.
Este trabalho descreve e analisa a experiência do movimento de Folia de Reis de Valença com
esse processo.
1. INTRODUÇÃO
Uma relação mais próxima entre as culturas populares e o Estado, foi inaugurada a partir
da gestão do presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) com programas como Cultura
Viva, convertido em política de Estado em 2014, através da Lei nº 13.018. Uma nova forma de
gerir a cultura, com ativa e ampla participação da sociedade, configura a atual realidade das
políticas culturais no Brasil, expressa através do Sistema Nacional de Cultura (SNC), incorpo-
rado à Constituição Federal (EC 71/2012) e dinamizada pelo Plano Nacional de Cultura (PNC),
também incorporado à Constituição (EC 48/2005).
Uma das ações do Cultura Viva, o Ponto de Cultura, no qual se apoiam os demais me-
canismos do programa, expandiu o alcance do Estado no âmbito da cultura, que hoje se faz
concretamente presente em todo o território nacional. De acordo com o Minc/SCDC, em abril
de 2015 eram 3.500 Pontos2.
A cidade de Valença-RJ, onde empreendi pesquisa de campo cujas observações analiso
adiante, é detentora de três Pontos de Cultura:
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO. magnomarluce@gmail.com
2
Conforme consulta ao Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), acessado através de
http://www.acessoainformacao.gov.br/sistema/site/index.html, em 9 Jul 2015.
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Regina Abreu indica a necessidade de se pensar certas questões que emergem desse con-
tato entre a lógica racionalista do Estado e as práticas tradicionais de grupos populares, lógica
essa que naturaliza procedimentos tecnoburocráticos esperando que integrantes de comunidades
tradicionais tenham participação ativa, sem questionar sobre o impacto em suas vidas com a
aquisição e o manejo desses procedimentos, assim como suas repercus-
sões. Quais os membros das “comunidades que serão “iniciados” no
preenchimento de dossiês, formulários, solicitações de registros? O que
significará para estas “comunidades” estas novas “iniciações”? Quais os
novos estatutos que estes indivíduos terão em suas “comunidades” após
a aquisição destas novas habilidades e destes novos modos de existên-
cia? (ABREU, 2014, p.43-44)
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Recursos
Ano Referência no Edital Instituição Proposta inscrita
obtidos
Integração das manifes-
tações culturais afrodes-
Parceria entre o cendentes com oficinas
Ponto de Cultura do Progra- Ministério da (confecção e execução de
2008 R$180.000
ma Mais Cultura Cultura e Secretaria instrumentos musicais,
Estadual de Cultura culinária, dança, capoeira,
roda literária,fundamentos
religiosos e outros)
Realização do 40º
Fomento direto (*) Secretaria Estadual de
2010 Encontro de Folias de Reis R$ 29.735
a projetos culturais Cultura
de Valença (2011)
Realizações da AGFORV
Premio de Cultura Secretaria Estadual de na promoção e valorização
2015 R$21.000
Afro-Fluminense 2015 Cultura da cultura afrodescendente
no município.
(*) Com exigência de coparticipação, que foi suprida pela Prefeitura.
A frente da AGFORV desde 2004 está o mestre-folião Francisco José Figueira Ferreira
(Chico da Folia), 51 anos, exercendo papel de destaque nas conquistas acima relacionadas. A
trajetória do Chico, que inclui um processo formativo que se encaixa na definição de Regina
Abreu para alfabetização patrimonial, pode ser reveladora dos recursos (habilidades pessoais,
mediadores, rede de contatos) que propiciaram a AGFORV o domínio dos mecanismos insti-
tucionais que lhe garantiram tais conquistas, e responder a algumas das questões propostas por
Abreu, sobre o impacto da lógica racionalista na vida de grupos que se conduzem dentro de uma
lógica tradicional.
Chico contou do seu início ainda muito jovem na Folia, tendo aprendido a “cantar o
Reis” por volta dos doze anos de idade. Há certa precocidade, pois, nessa idade, seguindo o
percurso mais comum de ascensão dentro de um grupo de Folia, um jovem de doze anos estaria
tocando algum dos instrumentos de percussão ou brincando como palhaço.
Ele falou comigo que era pra eu ir na casa dele que ele ia me passar
uma ‘cópia’. Então eu aí aprendi. Ele passou as passagens dos Reis e
eu aprendi o que era necessário: que em primeiro lugar a gente tinha
que ter respeito, que a gente tinha que fazer parte de uma religião, que
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Mas o principal mediador no processo formativo do Chico foi o Padre Medoro, que
esteve à frente da paróquia de Valença entre 1998 e 2010. Para Medoro, Chico é detentor de
capacidade de aprendizado e de agenciamento que o distingue nas conquistas da AGFORV:
a gente foi apresentando para o Francisco, que existiam organizações
que poderia se fazer contato. Mas tenho que ser justo e dizer o seguinte:
quanto a esse contato com os órgãos instituídos, do Estado sobretudo,
isto foi pioneirismo dele! Iniciativa dele! Isso é mérito dele! O que eu
mais fazia era apoiar, num momento em que descobri que era importante
fazer determinado contato, eu fazia, às vezes, a mediação. Eu favorecia
com recurso material de transporte, alimentação... Mas sem dúvida o
protagonismo do Francisco tem que ser valorizado! Realmente a cultura
dele ultrapassa a simplicidade dele! (Padre Medoro)
Apesar de conferir mérito ao “protagonismo do Francisco”, no que tange a interação com
os agentes institucionais, o processo que levou a conquista do Ponto de Cultura teve participação
decisiva de Medoro. Algum tempo depois de instituída a AGFORV, o pároco promoveu um en-
contro entre Chico e um amigo de longa data, o chefe da Representação Regional do Ministério
da Cultura para Rio de Janeiro/Espírito Santo, Adair Rocha. O propósito era, principalmente, o
de orientar a AGFORV, sobre os mecanismos legais disponíveis para acesso a recursos públicos
pelos grupos de cultura popular. Segundo Chico, uma das observações de Rocha foi quanto ao
potencial reduzido de sucesso para uma iniciativa isolada por parte da AGFORV, recomendan-
do que as lideranças dos movimentos culturais se organizassem num projeto único. Assim foi
feito. Em 18 de Maio de 2008 foi registrado o Projeto de integração dos movimentos culturais
e afrodescendentes de Valença RJ reunindo, além da AGFORV, as Associações de Capoeira
Negrinho Mandigueiro, Pé na Lua e Pantera Negra, e o grupo de Dança Afro e Samba de Roda.
Coube ao Chico a condição de representante legal do projeto, que se estendeu, posteriormente, à
responsabilidade pela gestão do Ponto de Cultura. O documento já alinhavava as ações que pos-
teriormente viriam a integrar o projeto inscrito no primeiro edital (2008) para implementação
de Pontos de Cultura pela Secretaria de Cultura do estado, em parceria com o governo federal:
Provocar a integração das diversas culturas presentes no seio da popula-
ção valenciana; resgatar, prioritariamente, os elementos da cultura afri-
cana, aumentar e preservar as Folias de Reis e despertar o interesse pela
música e pela dança conseguindo manter a tradição da cultura religio-
sa, folclórica e popular; desenvolver o potencial turístico do município,
principalmente o turismo cultura; [...]3.
Para compor a documentação e preencher os formulários, Chico contou com a colabo-
ração de um amigo que atuava como assessor de um vereador local. A dependência da “boa
3
Obtido do Anexo II, do formulário de inscrição para o Programa mais cultura – ponto de cultura / Ponto de cul-
tura do Estado do Rio de Janeiro, para o projeto identificado por Projeto de integração dos movimentos culturais
e afrodescendentes de Valença-RJ, disponibilizado pela AGFORV.
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vontade” de alguns especialistas tem sido apontada por Chico como fundamental às conquistas
de recursos públicos por editais pela AGFORV. No Seminário de Folia de Reis do Estado do Rio
de Janeiro promovido pelo IPHAN em 2013, que contou com a presença de outros foliões e de
intelectuais, deu breve testemunho sobre a aprovação do Ponto de Cultura:
Conseguimos aprovar o projeto e é o terceiro ano com o projeto e já con-
seguimos atender a 1.400 crianças e eu tenho certeza que a partir do
momento que agente se organizar, precisa disso, procurar as localidades
próximas, precisa ter a boa vontade de um advogado, a boa vontade de
um contador, por que nós também não tínhamos, conseguimos tudo
na base do voluntariado. (Chico da Folia apud SOUZA, p.16, 2013)
Esse mesmo colaborador voltou a ajudá-lo na inscrição para outro edital, em 2010, no
qual também logrou sucesso. Em 2015, outro amigo, que é produtor cultural, o ajudou na ins-
crição para o Premio de Cultura Afro-Fluminense. Uma das limitações para Chico é o uso dos
recursos tecnológicos (computador, internet), cuja habilidade ainda não dispõe.
Chico comentou que chegaram a estudar a possibilidade de inscrever um projeto para a
Lei de Incentivo (Estadual), mas a exigência de compromisso prévio assumido por um patroci-
nador tem inviabilizado a inscrição. A Lei de Incentivo (custeada pela renúncia fiscal do ICMS),
tal como a Lei Rouanet, delega às empresas patrocinadoras a decisão de qual iniciativa cultural
patrocinar, produzindo substancial desigualdade de oportunidades, principalmente no âmbito
das culturas populares, já que a preferência é por projetos que garantam maior visibilidade aos
produtos ou nome da empresa.
A minha pesquisa não contemplou análise da aplicação dos recursos conquistados pela
AGFORV, ou avaliação do seu impacto sobre o público beneficiado, por exemplo, pelas ofi-
cinas promovidas pelo Ponto de Cultura. Quanto ao Prêmio Cultura Afro-Fluminense, tenho
a informação preliminar de que a maior parte será distribuída aos grupos de Folia integrantes
da Associação. Como trata-se de dezoito grupos, o impacto nas finanças de cada um não será
mais do que um pequeno alívio para o dono da Folia, responsável pelos gastos do grupo com a
jornada. Percebi, naqueles foliões que encontrei após a notícia da premiação, alguma satisfação
pelo prestígio que a conquista de um prêmio implica, mas nada próximo da intensa satisfação
demonstrada pelo próprio Chico da Folia que, a cada conquista, fortalece ainda mais sua lide-
rança, não só a frente do movimento das Folias de Reis, mas no universo cultural do município.
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rações entre os grupos de Folia e o poder local instituído, tem prevalecido processo estruturado a
partir de laços de amizade, de lealdade, de compensações: um ethos que se reproduz por gerações.
Esse aprendizado incluiu identificar e ler editais públicos; participar de conferência mu-
nicipal e regional de cultura, que levaram-no a ser indicado como representante dos movimentos
culturais populares do Médio Paraíba-RJ na II Conferência Nacional de Cultura (2010); aten-
der cursos formativos, com destaque para o Curso de elaboração de projetos e captação de
recursos – em Volta Redonda/Conservatória – promovido pela Secretaria Estadual de Cultura
(2012); exercer seu papel de líder das Folias de Valença em eventos ou debates, como ocorreu
no já citado Seminário Folia de Reis do Estado do Rio de Janeiro promovido pelo IPHAN
(2013) para informar e debater sobre o processo de patrimonialização das Folias de Reis Flumi-
nenses; além de estabelecer uma rede de contatos com outras lideranças de culturas populares
e com representantes institucionais. Pode-se dizer que, hoje, Chico tem um bom entrosamento
com a lógica racionalista que orienta os mecanismos institucionais que conformam a “dinâmica
patrimonial”, relembrando que esta é entendida como o conjunto de ações e relações institucio-
nais que envolvem o patrimônio imaterial, sejam elas voltadas para a patrimonialização ou para
o fomento. Em outras palavras, Chico cumpriu o processo de “alfabetização patrimonial [que]
consiste em ensinar a ‘linguagem patrimonial’ aos membros das ‘comunidades tradicionais’”
(ABREU, 2014, p.43). Retorno, então, ao paradoxo que envolve esse processo – apontado por
Regina Abreu – que se propõe a salvaguardar e fomentar a diversidade cultural, adotando para
tal uma lógica universalista, de feições ocidentais, com potencial para impactos não desejáveis
sobre a lógica tradicional (que se deseja salvaguardar) que rege as comunidades tradicionais.
Ganha centralidade nas reflexões de Abreu os grupos que vivem sua cultura tradicional coti-
dianamente, como é o caso dos povos originários. Entretanto, temos grupos cujos membros se
deslocam, num movimento cíclico, entre um e outro universo – o da lógica racionalista e o da
lógica tradicional – que é o caso dos grupos de Folia de Reis. Seus membros são pessoas inte-
gradas ao sistema socioeconômico dominante, que operam dentro da lógica racional ocidental,
e que a cada período natalino, reconstroem e experimentam um viver ancestral. Entendo, assim,
que os possíveis impactos pensados por Abreu são suavizados quando pensados para grupos tra-
dicionais cujos membros já estão habituados a se conduzir no universo pragmático que orienta
as ações do Estado e dos agentes econômicos.
Pensando na aproximação da lógica do Estado como algo absolutamente novo para uma
comunidade tradicional, Abreu questiona: “O que seria para estas ‘comunidades’ estas novas
‘iniciações’?” No caso dos grupos cujos membros já vivenciam a lógica do Estado no seu coti-
diano, como acontece com os integrantes de grupos de Folia de Reis, esse contato não seria, exa-
tamente uma “iniciação”. Se aproximaria mais da percepção de um conjunto de novas demandas
burocráticas, dentre as muitas às quais já estão sujeitos. Entretanto, tratam-se de demandas que
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envolvem técnicas complexas, exigindo conhecimentos mais específicos para o manejo de me-
canismos que prometem reconhecer e valorizar sua expressão cultural tradicional, antes vivida
apenas com expressão de fé, sem ânsias de reconhecimento público, para além das próprias
famílias de devotos que os recebem em suas casas e/ou os prestigiam nos “Encontros de Folias”
do município. Essas novas demandas burocráticas estariam compreendidas nos processos de
patrimonialização e respectivas ações de salvaguarda formalmente estabelecidas, e na democra-
tização do acesso a recursos públicos estaduais e federais através de editais, que despontaram
no cenário cultural a partir de 2003. No caso do processo de patrimonialização das Folias de
Reis Fluminenses pelo IPHAN, esse tem passado ao largo do movimento de Folias de Valen-
ça. O município não foi um dos quinze escolhidos para o inventário que vem sendo realizado,
e que se propõe a dar suporte ao Registro que abrangerá todas as Folias do Estado do Rio de
Janeiro. Logo, a lógica do Estado não adentrou ao universo das Folias de Valença pelo processo
de patrimonialização, ainda. São as demandas burocráticas dos editais para acesso a recursos
públicos que introduzem o movimento valenciano na dinâmica patrimonial. A existência de
uma Associação de Folias, com um presidente legitimamente constituído, sugere que a primeira
pergunta de Abreu, que versa sobre a escolha dos membros da comunidade a serem “iniciados”
na burocracia Estatal, está respondida: o próprio presidente da AGFORV, Chico da Folia. Pas-
samos, então a segunda questão: “Quais os novos estatutos que estes indivíduos terão em suas
‘comunidades’ após a aquisição destas novas habilidades e destes novos modos de existência?”
(ABREU, 2014, p.43-44)
O Chico tem usado com eficiência o conhecimento que adquiriu ao longo do seu proces-
so formativo, como comprova a conquista de prêmios e editais ocorridos na sua gestão à frente
da AGFORV. Ele ainda comentou que conquistou, para ele, não para a AGFORV, o Prêmio de
Mestre da Cultura Popular, do Ministério da Cultura, em 2009, fazendo jus ao recebimento de
dez mil reais. A ampliação de conhecimentos e conquistas o tem projetado no cenário cultural
municipal, o que certamente contribuiu para levá-lo à assessoria da Secretaria de Cultura e à
presidência do Conselho Municipal de Cultura, por exemplo. É de se esperar, então, que seu
tempo esteja bastante tomado por tarefas e compromissos. No trato das questões da Folia, Chico
lamenta, às vezes, a ausência do envolvimento de alguns colegas foliões, mais afeitos a críticas
e menos interessados em colaborar nos compromissos e atividades da Associação. De minhas
observações posso afirmar que a identidade de Chico como mestre-folião não se perdeu em meio
a tantas novas atribuições e novos grupos nos quais se insere. De fato, ela prevalece, inclusive
no trato com os novos conhecimentos que tem adquirido no campo das políticas públicas.
Devemos tomar em consideração que um mestre-folião é valorizado e admirado pelo
conhecimento que acumula (e externa) dos “fundamentos” da Folia. Que, no passado, esse co-
nhecimento era o elemento acionado em disputas quando grupos se encontravam durante a jor-
1573
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nada: momento muito temido, pois poderia desdobrar-se num conflito físico. Que a transmissão
desses saberes segue certo protocolo e relações de confiança, podendo o acesso ao conhecimen-
to ser dificultado e até restringido, como numa situação descrita pelo mestre Tachico, de Rio
das Flores, ao pesquisador Wagner Chaves. O primeiro mestre a lhe transmitir ensinamentos,
omitiu saberes relevantes, expondo-o a um cumprimento deficiente da jornada e a avaliação
negativa de devotos mais entendidos, o que só foi solucionado quando outro mestre, ouvindo-o
cantar as profecias, identificou suas limitações. Sensibilizado com sua dedicação, esse mestre se
prontificou a ajudá-lo (CHAVES, p.84-86). O que julgo poder afirmar é que o ethos da Folia de
Reis, que eu estenderia a outras culturas populares, contempla uma inclinação à centralização
de conhecimentos na conduta dos seus mestres. Assim, arrisco avaliar que Chico, possivelmente
conduzido pelo habitus, que Bourdieu conceituou como uma “disposição incorporada, quase
postural” (BOURDIEU, 1989, p.61), exerce uma centralização que, ao mesmo tempo em que o
sobrecarrega com tarefas e compromissos, estabelece uma relação de dependência da AGFORV
e seus membros para com ele, no que tange ao acesso a mecanismos públicos de obtenção de re-
cursos materiais para além da esfera municipal. Creio que essa situação foi percebida por um dos
seus mentores, o Padre Medoro, revelando-se motivo de preocupação para o mesmo. Quando o
questionei sobre sua visão de possíveis riscos à continuidade das Folias de Reis em Valença, ele
imediatamente pensou na continuidade da Associação (que não era, de fato, a minha questão).
Eu acho que a gente não teve tempo para ajudar o Francisco a preparar
sucessores pra missão dele. Hoje, talvez seja uma visão equivocada, mas
eu tenho uma impressão de que o Francisco é visto por alguns quase
como “o dono das folias”. Nesse sentido, é uma liderança que não dei-
xa crescer outras lideranças. Não digo que isso seja intencional ou por
mal caráter ou qualquer coisa... Mas dentro da dinâmica dos estatutos
deveria ter havido renovação nos quadros diretivos da Associação. Isso
eu acho importante porque, em primeiro lugar, temos que garantir a con-
tinuidade, com pessoas que tenham competência pra levar adiante. Nós
não somos eternos, como eu, que já saí daqui. (Padre Medoro)
Sabe-se que é prática de um bom mestre-folião, preparar sucessor tão logo sinta-se cansa-
do para continuar na condução da jornada. Creio que Chico, como competente mestre-folião que
é, tão logo se sinta cansado para dar conta das inúmeras tarefas e responsabilidades que assume,
se disponha a compartilhar os novos conhecimentos que adquiriu e a estimular o desenvolvimen-
to das habilidades que hoje dispõe, em outros companheiros. Pode não ser fácil encontrar pessoas
que tenham a combinação de inteligência, dinamismo e autopropulsão do Chico, mas não é im-
possível. Pessoas que, como ele, precisarão desfrutar do respeito e da confiança dos seus pares,
ingredientes que avalio como essenciais na receita que tem produzido uma gestão de sucesso
para o Chico, à frente da AGFORV. Entretanto, um risco não pode ser ignorado: o surgimento de
alguma eventualidade que limite Chico no exercício das suas atuais funções, antes que o estágio
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho descrevi a experiência do movimento de Folias de Reis de Valença, atra-
vés da sua Associação (AGFORV), sob a liderança de um mestre-folião que experimenta um
processo de aprendizagem que acaba por distingui-lo dos seus pares no trato com as políticas
culturais. Os grupos de Folia têm acesso a recursos públicos, e a Associação e seu presiden-
te, conquistam prestígio. Uma relação de dependência se estabelece entre a Associação e seus
membros com o presidente, Chico da Folia, que centraliza o conhecimento adquirido da dinâ-
mica patrimonial conduzida pelo Estado. O compartilhamento desse conhecimento com outros
membros do grupo parece ser necessário para que o entrosamento com as políticas culturais do
Estado não venha a sofrer um retrocesso, caso alguma eventualidade limite o Chico no exercício
das suas funções.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: A Cinemateca Potiguar, situada no IFRN Cidade Alta, surge como espaço de
contribuição na preservação e circulação do material audiovisual produzido pelos realizadores
do Rio Grande do Norte e difusão de filmes nacionais. Com o avanço de suas atuações no
universo audiovisual local, o projeto teve a chance de contribuir para o fortalecimento da
politica cultural, levando o cinema às pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social
e econômica. Para o presente artigo, apresenta-se tanto uma compreensão contemporânea a
respeito do conceito de políticas culturais quanto à atuação da Cinemateca a partir da parceria
com a Mostra Democratizando. Com isso, há também uma reflexão sobre o potencial do uso do
cinema como agente de transformação social e inclusão cultural.
1. INTRODUÇÃO
Em outubro de 2015, o Ministério da Cultura (MinC) lançou o Programa Brasil de Todas
as Telas – Ano 2. O Programa foi defendido pelos realizadores da ação, o MinC e a Agência Na-
cional do Cinema (Ancine), como o maior programa de desenvolvimento do setor audiovisual
já construído no Brasil, com investimentos de R$ 646 milhões provenientes do Fundo Setorial
do Audiovisual (FSA). A primeira edição do projeto, lançado em julho de 2014, rendeu 306 lon-
gas-metragens, 433 séries ou telefilmes, a estruturação de 55 núcleos criativos e a realização de
1
Coordenadora Geral do Sistema de Informações sobre a Pessoa com Deficiência na Secretaria de Direitos Huma-
nos da Presidência da República. Também é docente do curso de Produção Cultural no Instituto Federal de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte e coordenadora da Cinemateca Potiguar, projeto de extensão do
Campus Natal – Cidade Alta. Mestre em Multimeios pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas
– Unicamp. E-mail: jornalistamary@yahoo.com.br
2
Docente do curso de Multimídia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte e coordenadora da Cinemateca Potiguar, projeto de extensão do Campus Natal – Cidade Alta. Mestranda
no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
vanessapaulatm@gmail.com
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620 projetos em todas as regiões do país3. O programa foi criado com a intenção de contribuir
para que o Brasil se transforme em um centro atuante de produção e programação de conteúdos
audiovisuais e tem o objetivo de estimular o desenvolvimento dos agentes econômicos e pro-
mover o acesso de um número cada vez maior de brasileiros ao conteúdo produzido também por
brasileiros, em todas as plataformas de exibição.
O Brasil de Todas as Telas é estruturado em quatro eixos: Desenvolvimento de proje-
tos, roteiros, marcas e formatos; Capacitação e formação profissional; Produção e difusão de
conteúdos brasileiros e o Programa Cinema Perto de Você. Esse último destina-se à abertura e
a modernização de salas de cinema, dando destaque a digitalização. Em sua primeira edição,
foram investidos R$ 350 milhões em abertura de novas salas, digitalização do parque exibidor
e investimentos do projeto Cinema da Cidade, que tem o objetivo de construir salas de cinema
em cidades de pequeno e médio porte onde estes espaços ainda não existem. Dos 1.371 muni-
cípios brasileiros com população entre 20 mil e 100 mil habitantes, foco do projeto, apenas 194,
14,15% do total, possuíam salas de cinema em 2014. Pelo menos 450 salas foram construídas
ou reformadas no decorrer de 20154.
Segundo texto veiculado pela assessoria de comunicação do Ministério da Cultura5
O ano da SAv (2015) ainda foi marcado pela política de democratização
do audiovisual nacional, em especial pelos programas Canal Cultura e
Quero Ver Cultura; pela retomada – em versão atualizada – de progra-
mas históricos e reconhecidos, como a Programadora Brasil, os Núcleos
de Produção Digital (NPD) e o Cine Mais Cultura; pela ampliação da
rede de exibição alternativa; e pela retomada da reestruturação da Cine-
mateca Brasileira e do Centro Técnico Audiovisual (CTAv). A secretaria
também organizou a inscrição e a seleção do filme brasileiro a ser indi-
cado ao Prêmio de Melhor Filme em Língua Estrangeira do Oscar 2016
(LEITE, 2016, online).
Na mesma reportagem, o ministro da cultura reforçou o entendimento da importância da
democratização da produção e acesso a conteúdo audiovisual nacional. O discurso de Juca Fer-
reira projeta o pensamento de que a democratização da produção cultural brasileira, bem como
ações de fomento e proteção, deve ser inerente ao plano de desenvolvimento do país.
Ainda nos aproximando dessa discussão que envolve as políticas culturais governamen-
tais, Marta Suplicy, antecessora de Juca Ferreira no Ministério, traz a questão do audiovisual
como ferramenta de inclusão na abertura do Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual – O
3
Fonte: Disponível em: http://www.ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/minc-e-ancine-lan-am-o-programa-bra-
sil-de-todas-telas-ano-2 Acesso: 04 fev. 2016.
4
Fonte: Disponível em: <http://ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/conhe-o-programa-brasil-de-todas-telas>
Acesso: 04 fev. 2016.
5
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-/asset_publisher/waaE236Oves2/content/a-
-setima-arte-muito-alem-da-tela/10883?redirect> Acesso: 04 fev. 2016.
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Brasil de todos os olhares para todas as telas. De acordo com Suplicy (2013), o audiovisual de-
sempenha um papel estratégico na economia e cultural, além disso, “constitui uma ferramenta
fundamental de inclusão social, de exercício da cidadania e de manifestação de nossa identidade
nacional” (Suplicy, 2013, p. 10).
Com a apresentação desses discursos e dessas ações políticas, é notório que a postura
dos agentes culturais governamentais tem confluído para uma defesa sobre a importância da
participação social na construção e no acesso aos bens culturais.
A partir disso, iniciamos uma complexificação do que envolve o termo políticas culturais.
Trata-se de ampliar a compreensão que as ações no âmbito das políticas culturais tem se tornado
um hábito de caráter público, devendo ser exercidas não só pelo Estado, mas pela soma da atua-
ção de diversos setores. De acordo com Canclini (2001), as políticas culturais resumem-se a
um conjunto de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis e
grupos comunitários organizados a fim de orientar o desenvolvimento
simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter con-
senso para um tipo de ordem ou de transformação social6 (CANCLINI,
2001, p. 78).
Seguindo o conceito do autor, entendemos também que ignorar o papel que qualquer ins-
tituição possa vir a exercer no campo da cultura é ir contra os pensamentos, teorizações e ações
da contemporaneidade. Ampliamos essa compreensão, apresentando também que, segundo Fur-
tado (2012), a política cultural deveria ser um “estímulo organizado a formas de criatividade que
enriquecem a vida dos membros da coletividade” (FURTADO, 2012, p. 41).
A partir dessa perspectiva, confluímos para o pensamento de que os agentes de ações
que contribuem tanto para a democratização de acesso aos bens culturais quanto para a trans-
formação social de uma determinada realidade podem estar em diversas esferas sociais e agir
em diversas frentes. É nesse contexto que surgiu a Cinemateca Potiguar, projeto de difusão de
conteúdo audiovisual, tendo como ênfase a circulação de filmes produzidos no Rio Grande do
Norte, mas atuando também na facilitação ao acesso das demais obras brasileiras.
6
Texto original: “al conjunto de intervenciones realizadas por el estado, las instituciones civiles y los grupos
comunitarios organizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la pobla-
ción y obtener consenso para un tipo de orden o transformación social” (CANCLINI, 2011, p. 78).
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do viés da difusão e da busca pelo fortalecimento do cinema do Rio Grande do Norte, destaca-se
também o compromisso da Cinemateca Potiguar com a educação por meio do apoio à produção
cinematográfica, principalmente vinculada aos alunos do IFRN Cidade Alta, bem como pelo
incentivo à democratização do acesso ao cinema pela comunidade externa. O contato das comu-
nidades interna e externa do Instituto com a linguagem cinematográfica propicia o acionamento
da função social e educativa do audiovisual com benefícios refletidos em diversas esferas.
O espaço físico da Cinemateca Potiguar está situado no prédio do IFRN Natal Cidade
Alta, na Avenida Rio Branco, principal rua do centro de Natal. A estrutura do espaço conta com
três computadores notebooks com fones de ouvido disponíveis para visualização dos filmes do
acervo e uma sala de exibição climatizada com TV FullHD e home theather apta a receber gru-
pos de até 12 pessoas.
A Cinemateca Potiguar veio preencher uma lacuna latente do audiovisual do estado que
era o fato de não conseguirmos ver os nossos próprios filmes. A partir da identificação desta
demanda, por meio de diversas reuniões do setor, a professora do curso de Produção Cultural
Mary Land Brito criou o projeto e o espaço no Instituto, onde o público pode assistir filmes gra-
tuitamente, assim como os realizadores do audiovisual do estado podem deixar suas obras para
serem vistas. Ou seja, o projeto passa a atuar também como elo entre os que queriam mostrar
seus filmes e aqueles que queriam ver.
No momento atual a equipe da Cinemateca Potiguar é formada por docentes do curso
superior de Produção Cultural e do curso técnico de nível médio integrado em Multimídia, os
professores efetivos Mary Land Brito, Vanessa Paula Trigueiro, Paulo Guilherme Cruz e os
substitutos Fábio D’Silva e Rafaela Bernardazzi. Além disso, há também a participação dos
alunos como bolsistas, cumprindo três horas diárias dedicadas ao projeto, Larissa Sales, Amina
Dantas, Edo Sadistick, Alexandre Sérgio e Daliane Silva. Diariamente a sala de exibição da Ci-
nemateca é frequentada por alunos do IFRN Cidade Alta e pela sociedade civil7, em sua maioria
buscando filmes em caráter de entretenimento. Em nossa metodologia de trabalho, a equipe do
projeto está à disposição do público para indicar filmes e publicações impressas de acordo com
o interesse dos visitantes.
Dentre as atividades desenvolvidas pela Cinemateca Potiguar estão a constante amplia-
ção do acervo, que hoje conta com aproximadamente 600 títulos, por meio do contato com os
realizadores regionais e instituições do setor audiovisual em âmbito nacional; a organização e
manutenção do espaço; a organização de mostras, a produção de material audiovisual que di-
vulgue o projeto; a criação e manutenção de canais de comunicação, como site e mídias sociais.
Outra vertente do trabalho realizado pelo projeto junto ao setor audiovisual é a de parceria com
7
Inseridos nessa categoria de sociedade civil estão pessoas em situação de rua, cujo contato inicial com a maioria
deles se deu por meio das exibições itinerantes da Mostra Democratizando.
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os festivais de cinema, atuando nas áreas de produção de eventos e participação efetiva na pro-
gramação dos mesmos. Desde a sua inauguração, a Cinemateca Potiguar esteve presente como
apoio em todos os festivais de cinema do Rio Grande do Norte, como a Mostra de Cinema de
Gostoso, o Festival Internacional de Cinema de Baia Formosa, o Cine Natal 2014, Goiamum
Audiovisual, Urbano Cine, além de mostras alternativas de cinema de Natal.
Além dos parceiros estaduais, o projeto tem configurado uma relação de parceria com
iniciativas regionais como a produção local de cursos ofertados pelo Centro Audiovisual Nor-
te-Nordeste (Canne) e exibição de filmes do projeto “Cine É Proibido Cochilar”, da Represen-
tação Regional Nordeste do Ministério da Cultura, com exibição de curtas e longas, mesas de
apresentação e debates. A Cinemateca Potiguar também tem parcerias nacionais com o Núcleo
de Produção Digital – NPD do Ministério da Cultura, que irá possibilitar o empréstimo de equi-
pamentos de produção cinematográfica.
Percebe-se, então, que é na esfera da exibição a principal atuação da Cinemateca Poti-
guar. O projeto é produtor ou co-produtor de todos os eventos audiovisuais realizados no espaço
do IFRN Cidade Alta e também realiza parcerias com diversos eventos da cidade, ficando res-
ponsáveis pelas mostras de filmes – em especial, dos filmes potiguares. Além disso, em caráter
mais amplo, também são realizadas parcerias nacionais como o Revelando os Brasis, quando o
projeto atuou na ação de exibição dos filmes em Natal.
A partir da natureza dessas atuações já apresentadas, surgiu o desejo de participar tam-
bém do projeto Democratizando.
O Projeto Democratizando é uma iniciativa integrante da 9ª Mostra
Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul. Por meio do projeto,
pontos de exibição de todo o país se inscreveram para receber os kits
elaborados pela produção da Mostra; os kits contêm obras que buscam
suscitar o debate sobre os Direitos Humanos em âmbito nacional. Além
disso, os espaços inscritos poderão organizar palestras, workshops e ou-
tros tipos de encontro para discutir Direitos Humanos e outros temas
relacionados. As exibições acontecerão entre janeiro e março de 2015,
e são de responsabilidade das instituições que se inscreveram para rece-
ber o material do Democratizando. O kit Democratizando é totalmente
gratuito e será entregue em caixa personalizada, contendo camisa, bolsa,
bloco de notas, caneta, catálogo do evento e o encarte com 3 DVDs. Em
formato digital, os filmes enviados terão como opção a utilização de
closed caption e audiodescrição, além de legendas para cinco idiomas:
árabe, espanhol, inglês, francês e mandarim (DEMOCRATIZANDO,
2014).
No entanto, o que, inicialmente, seria uma parceria apenas de exibição e debate sobre o
audiovisual, se tornou uma possibilidade de rever e reconstruir a política de atuação da Cine-
mateca Potiguar. Isso porque, durante as exibições, a equipe da Cinemateca ficou diante de um
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público periférico, que, comumente, não tem acesso ao cinema, ou seja, uma esfera da popula-
ção que ainda não é afetada diretamente pelo universo das políticas culturais federais abordadas
no início deste artigo.
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tiguar como ponto de exibição e o recebimento do kit com os filmes a serem exibidos, a equipe
da Cinemateca8 realizou um levantamento sobre instituições que trabalham com pessoas em
vulnerabilidade social e assim foram escolhidos nossos 04 parceiros no projeto (Casa do Menor
Trabalhador, IFRN Cidade Alta, CAPS e Abrigo Municipal).
Para a participação na atividade da Democratizando, a Casa do Menor Trabalhador sele-
cionou alunos de 06 a 13 anos de idade. Diante de um público de faixa etária tão diversa não foi
possível conseguir completo êxito na exibição, já que a escolha dos filmes não agradou em sua
totalidade ao público presente. Na ocasião, foram exibidas algumas animações e, em seguida,
o filme Sophia. Já para os alunos do PRONATEC, com cursos sediados no IFRN Cidade Alta,
foi selecionado o documentário Kátia. O diálogo após o filme demonstrou um engajamento dos
alunos em relação à narrativa.
As exibições no Centro de Atenção Psicosocial (CAPS) e no Albergue Municipal foram as
grandes surpresas do circuito itinerante da Mostra Democratizando realizado pela Cinemateca Po-
tiguar. O público presente demonstrou alto grau de interesse e de participação. Nesses dois locais,
a equipe da Cinemateca realizou uma pré-curadoria dos filmes, selecionando obras que estivessem
alinhadas as orientações do setor de psicologia das duas instituições. Ao chegar aos locais, foram
apresentadas as sinopses dos filmes e o público realizou a escolha de qual filme seria exibido.
Em uma das exibições do CAPS foi escolhido o documentário Cabra Marcado para
Morrer, longa metragem do diretor Eduardo Coutinho. A psicóloga que acompanhou a turma
nos alertou que eles tinham dificuldade de concentração e um filme muito longo poderia des-
motivá-los durante a exibição. Diante do exposto, antes do início da sessão foi apresentado ao
público o recurso de audiodescrição e a maioria optou pela exibição do documentário com a uti-
lização desse recurso de acessibilidade. Ao final da exibição, no momento destinado ao diálogo
sobre a história e sobre as impressões do público diante do filme, a equipe da Cinemateca foi
surpreendida pela unanimidade da aprovação em relação à audiodescrição. Os presentes expu-
seram que o recurso possibilitou que eles acompanhassem o filme mesmo quando estavam can-
sados e baixavam a cabeça. Durante a sessão de Cabra Marcado para Morrer, longa com 119
minutos de duração, foi realizada apenas um intervalo na exibição, momento em que o público
aproveitou para ir ao banheiro e, mediante a reivindicação dos fumantes, fazer o uso de cigarro.
Após o filme, a equipe da Cinemateca Potiguar, com a participação da psicóloga da instituição,
conduziu o debate tendo como centro da questão os direitos humanos.
Outra resposta positiva durante a Mostra Democratizando diz respeito à exibição fílmica
no Albergue Municipal, iniciativa da Prefeitura de Natal que atende pessoas em situação de rua e
8
Na época da realização da Mostra Democratizando, a equipe era constituída pelas duas professoras coordenado-
ras, Mary Land Brito e Vanessa Paula Trigueiro, e pelos bolsistas do Curso de Produção Cultural do IFRN Cidade
Alta, Amina Beatriz, Edo Sadistic, Ianne Freire e Larissa Sales.
1582
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vulnerabilidade social. Assim como aconteceu no CAPS, o setor de assistência social apresentou
o fato de o público ter dificuldade de concentração, apontando que a exibição de um filme muito
longo poderia desmotivá-los. Diante do exposto, o filme Sophia, do diretor paraibano Kennel
Rógis, foi escolhido para a exibição no Albergue. Com duração de 15 minutos, o curta metragem
agradou os presentes e gerou um debate a respeito do apoio da família no processo de qualquer
tipo de recuperação. Logo após esse diálogo, o público solicitou que fosse exibido mais uma
obra audiovisual, o que surpreendeu a própria equipe responsável pelo Albergue. Na ocasião, a
equipe da Cinemateca sugeriu a projeção do curta metragem potiguar Abraço de Maré, buscan-
do, a partir da narrativa fílmica, uma aproximação com um cenário urbano já conhecido pela
maioria dos presentes.
Por fim, durante todo o ciclo itinerante da Mostra Democratizando, o diálogo após a
exibição dos filmes foi realizado ao fim das sessões. Em vários momentos o público expôs seus
medos e fraquezas diante dos problemas que estavam enfrentando, sempre fazendo relação com
o filme apresentado.
O filme sempre organiza algo. Essa organização não está na tela, nem
na sua cabeça sozinha, está no encontro das duas. Onde está o filme?
Não está na tela porque, se você muda sua capacidade de percepção, só
vai ver luzes, sombras e nada mais. Onde está o filme? Ele está nesse
encontro. A gente necessita das historias e dos filmes para ter muitas das
nossas impressões. Às vezes os filmes que ajudam a organizar um sen-
tido. Ou com a ajuda do seu instrumental, fabricar um sentido onde não
se vê. É muito bom sair de filmes onde você enxerga estímulo pra seguir
adiante. É onde você criou um sentido não estava vendo, mas claro que
isso é com o seu repertorio. Junto com o que o filme se dá. O filme se
oferece, se empenha, se dá pra você (CAKOFF, 2010, p.121-122).
A partir das declarações dos presentes, os representantes das instituições aproveitavam
para tratar de assuntos diversos na área dos direitos humanos e bem estar social. Percebe-se,
com isso, que o recurso da exibição audiovisual possibilitou, além de um momento de imersão
na narrativa fílmica, um momento de reflexão a respeito de suas próprias vidas.
E essa reflexão também se estendeu ao projeto. Foi a partir dessas exibições e dos relatos
ouvidos que se chegou a conclusão de que era preciso incluir este público no ciclo da política
cultural e a Cinemateca Potiguar decidiu então dar continuidade a essa atividade iniciada com
a Mostra Democratizando. Com isso, as ações do projeto passaram a não ter apenas o setor
audiovisual e a comunidade interna do IFRN como fio condutor. Essa mudança de postura fez
com que a Cinemateca passasse a dar mais ênfase as comunidades que se encontram à margem
das políticas governamentais, trabalhando a inclusão das pessoas em vulnerabilidade social no
universo do cinema.
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mas também apresentando uma linguagem artística a pessoas que fazem parte de uma agenda
periférica das políticas públicas de todas as áreas. Pessoas que normalmente apresentam uma
carência de tratamento digno em diversas áreas e que passam a ter a oportunidade de conhecer
o audiovisual como público.
4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Consideramos que ações como esta, somadas a outras milhares que acontecem no país
produzidas por instituições e pessoas diversas, exercem um papel importante no complemento
da política cultural estatal. Em 2014, ano em que foi inaugurada a Cinemateca Potiguar existiam
26 salas de Cinema em Natal, todas em shoppings centers. E os 122 homens e mulheres que
assistiram algum dos filmes da Democratizando nunca estiveram presentes em nenhuma delas.
Uma pesquisa realizada pela equipe do projeto durante as sessões no CAPS e Albergue Munici-
pal demonstrou que 5 pessoas nunca tinham visto um filme inteiro e que 19 nunca tinham visto
um filme em uma tela grande.
Ainda neste mesmo ano de inauguração da Cinemateca Potiguar, segundo o Informe
Anual Preliminar 2014 da Ancine, 38 novos complexos cinematográficos foram abertos, tota-
lizando 182 novas salas de cinema para o país. Cinco complexos foram reabertos e outros seis
ampliaram seu número de salas, somando mais 205 novas salas, com um total de 2.830 salas de
cinema existentes no Brasil em 2014. O país também fechou 2014 com 62,5% de seu parque
exibidor, 1.770 salas, atuando com tecnologia digital9. Avanços importantes para o universo
audiovisual, mas que, como apresentado no decorrer desse artigo, as políticas públicas não se
mostram suficientes tendo apenas o estado como agente.
É preciso, portanto, contar com a soma de vários esforços e com o potencial de insti-
tuições diversas. É preciso utilizar a força do audiovisual como ferramenta de inclusão social
e cultural, de exercício da cidadania e de manifestação da identidade nacional com toda a sua
diversidade. O ato de “ver filmes, ler e falar sobre eles nos conduz a imaginar outras formas de
sociabilidade e socialização, assim como a nos interrogar sobre outras relações entre os indiví-
duos e a sociedade” (DAUSTER, 2008, p. 08).
As ações realizadas pela Cinemateca Potiguar com a presença do público do Albergue
Municipal e do CAPS já se tornaram uma constante. Isso se deu visto que o público, ao entrar
em contato com as narrativas fílmicas, acionou memórias e despertou para reflexões sobre suas
próprias vidas, passando assim a ver no cinema uma possibilidade tanto de entretenimento quan-
to de transformação social.
9
Disponível em: http://www.ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/ancine-divulga-informe-anual-preliminar-do-
-mercado-de-exibi-o-em-2014 Acesso: 10 fev. 2016
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Além disso, as ações realizadas nos dois locais, hoje se soma também a atuação na Casa
de Apoio a Criança com Câncer Durval Paiva. A exibição cinematográfica é mesclada a uma con-
versa após o filme que propõe um diálogo entre o entendimento da própria narrativa e a história
de vida do público que assistiu ao filme. A partir disso depreende-se que “ver filmes é uma prática
social tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto a
leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais” (DUARTE, 2002, p. 17).
Levar essa percepção ao universo de pessoas em situação de risco e vulnerabilidade
social e econômica confluiu para uma nova e importante proposta incorporada às ações da Ci-
nemateca. Estamos vivenciando o cinema como ferramenta de transformação social, capaz de
alterar vidas ao propiciar o contato com essa expressão artística. “Para saber, para fazer, para ser
ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação” (BRANDÃO, 1981, p.07)
e com essa compreensão, torna-se intenção estimular e educar os mais diversos tipos de público
para refletir e participar da vida cultural brasileira e potiguar por meio do cinema.
Entendemos que o cinema pode se constituir um agente da educação
que possibilita uma aprendizagem estética, sensibilização da inteligên-
cia, descobrimento de sensações, encontros, conhecimento e reconhe-
cimento de diferentes mundos, ideias e culturas, estímulo para sonhar,
desaprender o que foi aprendido para se reaprender com os olhos livres
outras possibilidades de viver (FRESQUET, 2007).
Além do crescimento do público a partir dessa formação crítica que vem sendo estimu-
lada, há também o crescimento pessoal e profissional dos alunos bolsistas e dos docentes do
projeto, tendo em vista que a equipe é constantemente sensibilizada pela realidade social com
a qual trabalha e estimulada a refletir sobre o uso da linguagem cinematográfica e relacioná-la
ao universo extra fílmico. E como no cinema, “uma boa história, uma história bem contada, ela
tem duas características fundamentais: ela tem que mudar quem ouve e tem que mudar quem
conta” (CAMPOS, 2003, p.29).
Trazer para a Cinemateca Potiguar a responsabilidade de ajudar na construção de uma
política cultural tem deixado também como grande contribuição, para todos os envolvidos, com-
petências diversas como trocas solidárias, integração, valorização das diferenças, gerenciamen-
to de conflitos, reconhecimento dos saberes individuais e o cuidado de si e do outro. É o público
e o agente cultural trabalhando na construção de novos repertórios fílmicos e de vida, bem como
na efetivação de uma política cultural que procure atender a todo e qualquer cidadão e toda e
qualquer cidadã. É trabalhar para que cada indivíduo entenda que pode se fazer presente nas
cadeiras de qualquer cinema ou espaço cultural existente no país.
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RESUMO: Este artigo discorre sobre o processo de construção de uma metodologia, coleta e
análise das práticas, das estruturas e dos processos conceituais nos museus de Santa Catarina,
tendo em vista as transformações do campo museológico brasileiro desde o advento da Política
Nacional de Museus (PNM). Neste cenário, configura-se como estratégica a formatação de
diagnóstico que aponte as limitações e os potenciais dos museus catarinenses, viabilizando,
assim, uma base de dados que referencie o planejamento de políticas públicas que alcancem
as necessidades apontadas. Dessa forma, a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), por meio
do Sistema Estadual de Museus (SEM/SC), desenvolveu o projeto denominado Cadastro
Catarinense de Museus (CCM), com a finalidade de sistematizar as informações obtidas sobre
os museus catarinenses.
1
Museólogo, mestrando do Programa de Pós-graduação Interunidades em Museologia da Universidade de São
Paulo (PPGMus/USP). Coordenador do Sistema Estadual de Museus de Santa Catarina no período compreendido
entre 2011 e 2015. E-mail: mauricioerriefe@gmail.com.
2
Museóloga, coordenadora Técnica do Cadastro Catarinense de Museus, atua no Sistema Estadual de Museus de
Santa Catarina desde 2011. E-mail: renatacittadin@gmail.com
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Ofício Circular nº 54/86, expedido pela FCC em 10 de outubro de 1986 e endereçado aos museus catarinenses.
3
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de então, e apesar de neste ano nenhuma ação concreta em benefício dos museus ter sido efetiva-
da, os trabalhos relacionados ao campo museológico ficariam sob a responsabilidade da Gerência
de Patrimônio Cultural (GEPAC).
No ano seguinte, influenciada pela implantação do novo Sistema Brasileiro de Museus
(SBM) a FCC desvinculou-se da proposta do NEMU, que a partir deste momento seria executa-
do somente pela UFSC, e focou no desenvolvimento de um amplo debate a fim de reestruturar
a política estadual de museus e reformular sua atuação para o campo museológico catarinense.
Essa reestruturação foi efetivada a partir da realização do 1º Fórum de Museus de Santa
Catarina, realizado na cidade de Florianópolis, em 2005. Na ocasião do evento, que agregou
mais de 120 pessoas de todas as regiões catarinenses, foram formuladas e aprovadas, em ple-
nária, as diretrizes que formam a base da Política Estadual de Museus (PEM), dividida em seis
áreas (eixos) de atuação, denominadas eixos estruturantes, a saber: Capacitação e Formação (1);
Gestão (2); Financiamento e Fomento (3); Democratização e Acesso aos Bens Culturais (4);
Acervos (5); Pesquisa (6)4.
Em 2006, como consequências das deliberações aprovadas durante o Fórum ocorrido
no ano anterior, o SEM/SC foi reativado, por meio do Decreto 4.123/06 que institucionalizava
novamente um programa de políticas públicas direcionado aos museus.
Nos anos que se seguiram, o Sistema concentrou sua atuação na capacitação dos agentes
atuantes em museus e nas instituições afins, com objetivo a instrumentalização de profissionais
em diversas áreas do conhecimento da Museologia. Foram oferecidas oficinas de capacitação
em parceria com o antigo Departamento de Museus e Centros Culturais (DEMU), vinculado ao
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacioanl (IPHAN/MinC) ― e responsável pela
implantação da Política Nacional de Museus, cujo um de seus eixos também versava sobre a
capacitação e formação.
Dando continuidade ao processo de construção da PEM, as diretrizes dos seis eixos su-
pracitados tiveram seu momento de revisão durante o 2º Fórum de Museus, realizado em Join-
ville, no ano de 2010. Na oportunidade, outras diretrizes puderam ser acrescidas, preenchendo,
assim, algumas lacunas existentes. Durante o encontro, também foi percebida a necessidade de
construção de um marco regulatório, em formato de legislação, que efetivasse de forma concre-
ta a política que vinha sendo construída até aquele momento e que, objetivamente, atingisse o
interior catarinense.
Atendendo a esse anseio, no ano de 2011, a atuação do SEM/SC foi novamente reformu-
lada por meio do Decreto Estadual 599/11, estabelecido após consulta e discussão pública. De
acordo com essa legislação o SEM/SC visa à coordenação, à articulação, à mediação, à quali-
4
Mais detalhes sobre as diretrizes de cada eixo programático da Política Estadual de Museus podem ser obtidos
em: http://www.fcc.sc.gov.br/patrimoniocultural//pagina/4426/politicaestadualdemuseus
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5
Informação obtida pelo Cadastro Catarinense de Museus, coordenado pelo Sistema Estadual de Museus de Santa
Catarina (SEM/SC).
6
Grifo nosso.
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de cada território e uma atuação regionalizada. Cabe salientar que cada região museológica pos-
sui representatividade no Comitê Gestor do SEM/SC, órgão colegiado responsável pelo planeja-
mento, pela avaliação e pelo monitoramento das ações empreendidas pelo Sistema. Congregam,
ainda, o referido Comitê, representações do Conselho Regional de Museologia (COREM), de
Escolas de Museologia, assim como de algumas secretarias e autarquias públicas estaduais.
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a dados recebidos que não foram incluídos no trabalho, por serem con-
siderados “vagos e, em alguns casos, contraditórios” sem, no entanto,
mencionar o instrumento para a coleta dessas informações. Na obra, 175
instituições museológicas foram agrupadas por natureza administrativa,
tipologia utilizada pelo SPHAN à época (IBRAM, 2011, p. 8).
Já a necessidade de informações mais aprofundadas sobre identificação e análise das
práticas museológicas nos museus foi levantada no Brasil no início dos anos 2000 por Myrian
Sepúlveda dos Santos. É o que ela aponta quando afirma que:
Apesar de mais de 80% dos museus brasileiros serem ainda instituições públicas, nós
não encontramos na esfera governamental, no âmbito municipal, estadual ou federal, nem le-
vantamento de dados sobre os museus existentes, nem estudos ou avaliações sobre as práticas
desenvolvidas por eles. (SANTOS, 2002, p. 53).
Entre os anos de 2011 a 2013, durante o período de elaboração do Plano Estadual Setorial
de Museus, ficou latente a necessidade de obtenção de informações não mais empíricas sobre os
museus em Santa Catarina. Surgiu, portanto, paralelamente, o processo de criação de um cadastro
de museus em âmbito estadual, como consequência da escassa produção de informações sistêmi-
cas e periódicas sobre os museus até o referido momento. O SEM/SC necessitava saber, além do
número de museus instalados no estado, informações qualitativas sobre essas instituições.
A partir de 2013, portanto, foi dado início à criação e organização de uma pesquisa para
levante de informações sobre o “ser e o fazer” dos museus no estado, com informações quanti-
-qualitativas que facilitassem a identificação de projetos prioritários para a área.
A execução do Cadastro Catarinense de Museus (CCM) foi dividida em quatro etapas,
sendo elas: coleta de dados; organização da informação; retorno aos museus e à sociedade sobre
os dados coletados; análise e pesquisa para gerenciamento da informação.
Para tanto, a equipe adotou como estratégia de pesquisa a aplicação de um formulário
eletrônico. Esse questionário foi organizado em seis blocos informacionais, totalizando 96 per-
guntas, sendo eles: Identificação (24 questões); Institucional (16 questões); Estrutura e Funcio-
nalidade (29 questões); Atividades Museológicas (20 questões); Responsável pelo preenchi-
mento do cadastro (5 questões); Avaliação (2 questões).
Para que fosse possível aplicar o formulário, optou-se por utilizar uma ferramenta livre
disponível na Internet, o Google Docs, que possibilitou aos museus fácil acesso ao formulário
por meio da homepage da FCC9 e envio de suas informações em meio digital.
Outro ponto muito importante que validou a decisão do SEM/SC em utilizar essa ferra-
menta foi a possibilidade de exportação dos dados coletados e sua futura integração às demais
9
Link para acesso ao formulário do Cadastro Catarinense de Museus disponível na Internet: http://www.fcc.sc.
gov.br/patrimoniocultural//pagina/16649/cadastrocatarinensedemuseus
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plataformas de gerenciamento de informações culturais planejadas pela FCC, e que serão incor-
poradas ao Sistema Estadual de Indicadores Culturais (SEEIC).
Sabendo dos desafios frente ao tamanho do formulário e às limitações da ferramenta
adotada, foi elaborado um caderno de orientações10 com o intuito de dinamizar e facilitar a pes-
quisa por parte dos museus. O seu conteúdo era formado pelas 96 perguntas do formulário, além
de uma indicação de metodologia de trabalho aos respondentes, sugerindo pesquisar e reunir
previamente as informações solicitadas. Também faziam parte do compêndio orientações acerca
do procedimento para acesso e envio dos dados e um glossário museológico. Essa publicação foi
impressa e enviada a museus, prefeituras, fundações culturais e universidades do estado.
Link para acesso ao Caderno de Orientação ao Cadastro Catarinense de Museus na Internet: http://www.fcc.
10
sc.gov.br//arquivosSGC/Cadastro_Museus_18x24cm_web.pdf
1597
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na pesquisa e encaminhando o caderno de orientação, com o intuito de não apenas obter o retorno
dos museus já aderidos, mas também de identificar novos museus.
Ainda vale ressaltar que, dos 193 museus aderidos ao SEM/SC, 140 responderam e 53
deles não atenderam ao chamamento da pesquisa, denotando uma participação de mais de 72%
das instituições pertencentes à rede ― um índice considerado satisfatório.
Verificou-se também a identificação de 15 novos museus, denominados assim por não
constarem nos índices de museus mapeados e por não estarem aderidos oficialmente a nenhum
sistema, como o SBM. A tabela abaixo apresenta os índices citados:
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Meio-
12.792 475.616 43 24 30 7 21 14 2
-Oeste
Serra 22.132 403.750 30 7 13 2 10 8 1
Gde
7.041 1.091.157 22 11 48 11 36 26 1
Fpolis
Vale
13.003 1.509.273 53 21 57 12 40 30 5
Itajaí
Norte 15.938 1.311.341 26 14 38 9 27 20 2
Um ponto digno de registro sobre o CCM é seu caráter pedagógico, pois, no momento
de coleta das informações e de responder ao formulário, os museus se questionaram sobre sua
atuação ou sobre suas missões institucionais.
Nesse sentido, durante o processo de contato com os museus para sensibilizá-los sobre
a necessidade de encaminharem suas informações para pesquisa e, logo após, na análise dos
formulários, foram identificadas várias instituições aderidas ao SEM/SC que não se enquadram
ao conceito de museu, de acordo com a legislação brasileira para o campo. Algumas dessas or-
ganizações se configuram em outras tipologias de instituições de preservação de memória, como
é o caso de centros de documentação, arquivos ou até mesmo setores administrativos de gestão
cultural dos municípios.
Já as informações qualitativas que aprofundam o conhecimento sobre a atuação dos
museus estão em fase final de mensuração e deverão ser publicadas ainda no primeiro trimestre
de 2016.
Caberá ao SEM/SC, nesse caso, a discussão com o seu Comitê Gestor sobre novos pro-
cedimentos para adesão e registro de instituições ao SEM/SC, bem como a implantação de um
projeto de certificação que estabeleça nivelamentos dessas instituições, segundo critérios especí-
ficos, até atingir o patamar exigido pelas normatizações nacionais e internacionais para museus.
Essa mensuração inicial, aliada com outros dados obtidos pelo CCM, apresentou ao
SEM/SC números e indicadores de um cenário bastante desafiador. Novas discussões estão sen-
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: Este artigo tem o objetivo de refletir sobre as políticas culturais como ações de
reconhecimento de grupos minoritários. Tomando como base as reflexões e conceitos trazidos
por Axel Honneth e Nancy Fraser sobre a Teoria do Reconhecimento, este trabalho analisa o
Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, considerando o aspecto discursivo de seus
princípios e objetivos, ponderando atributos que o localizam nesse debate. Neste sentido, procuro
demonstrar que essas políticas funcionam como uma estratégia tanto num sentido materialista,
quanto num sentido de proporcionar experiências intersubjetivas dos indivíduos beneficiados,
contribuindo na construção de um campo favorável ao reconhecimento social.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem o objetivo de refletir sobre como as políticas culturais podem ser ava-
liadas como ações de reconhecimento de grupos minoritários. O recorte escolhido abordará as
políticas praticadas a partir do Governo Lula, período da história da política cultural brasileira
onde o discurso da diversidade cultural e do respeito às identidades teve destaque e serviu como
diretriz nas suas formulações.
A partir de 2003, as discussões sobre cultura no âmbito do governo brasileiro passou por
grande mudança na sua abordagem conceitual que orientou a transformação da sua prática polí-
tica. A gestão que se iniciou no Ministério da Cultura (Minc) é considerada um período salutar
para a história das políticas culturais brasileira, que desde seus primeiros momentos demonstrou
um novo caminho para a gestão da pasta, definindo diretrizes mais abrangentes para a sua admi-
nistração, pautando como premissa principal a escolha por se trabalhar baseado num conceito
antropológico de cultura.
1
Aluna de mestrado do Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba PPGS-
-UFBP. Contato: mirnahleite@gmail.com
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Desde sua posse, o ministro demonstrou atenção aos contextos de desigualdade que es-
tão nas bases do nosso país e indicou a necessidade de mudança dessa realidade:
Temos de completar a construção da nação. De incorporar os segmentos
excluídos. De reduzir as desigualdades que nos atormentam. Ou não te-
remos como recuperar a nossa dignidade interna, nem como nos afirmar
plenamente no mundo. (GIL, 2003, s/p).
Considerando os discursos adotados pelo Minc que recorrentemente orientam para a ne-
cessidade de transformação das injustiças sociais, neste trabalho utilizarei a experiência do Pro-
grama Cultura Viva, sobretudo no que diz respeito a sua concepção e princípios que o compõem,
para compreender o alcance da contribuição desta política no tocante à luta por reconhecimento.
Para tanto, utilizarei como referencial a Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth,
que parte dos processos de formação de identidade dos indivíduos através da interação social,
para compreender de que maneira esse intercâmbio possibilita o reconhecimento e o “potencial
de desenvolvimento moral e formas distintas de auto-relação individual” (HONNETH, 2003).
Também utilizarei a contribuição de Nancy Fraser que propõe uma leitura mais materialista da
mesma teoria, baseada na identificação das demandas de reconhecimento e redistribuição, con-
ceitos que esclarecerei adiante. Por fim, procuro articular os conceitos desses teóricos com as
possibilidades da política cultural como uma ferramenta nessa luta.
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generalizado”) e suas diversas atitudes sociais que passam a ser acumuladas na experiência dos
indivíduos e conformam a “persona”. Esse contexto de interação e apreensão de normas sociais
proporciona o duplo efeito de autoconhecimento e de aprendizado daquilo que lhe é direito e
com isso pode reivindicar questões que serão legalmente cumpridas pelos demais. Assim, de-
senvolve-se a relação de reconhecimento social e “autorrespeito” ou “autoafirmação”.
Em que pese não ser possível aprofundar aqui os estudos apresentados, é essencial com-
preender que para Mead esta relação não se encerra nos sujeitos, ao contrário, quanto mais se
compreende a organização e o padrão social, mais possibilidades o sujeito tem de provocar
mudanças sociais.
Axel Honneth (2003), por sua vez, propõe reconstruir os conteúdos relativos ao reco-
nhecimento a partir das teorias de Hegel e Mead, onde localiza três “formas de reconhecimento
recíproco” (o amor, o direito e a solidariedade), que para ele carecem de maior atenção. Nesta
etapa do trabalho nos valeremos das análises elaboradas no que se refere ao direito.
Ao fazer um apanhado histórico do direito, ele nos revela como as relações jurídicas
tradicionais estavam ligadas a um contexto social e dependia do status ocupado pelo indivíduo
na sua comunidade, de modo que quanto mais estima social, maior o grau de reconhecimento
dos seus direitos pela sociedade. Esse modus operandi se altera a partir de um processo histórico
“que submete as relações jurídicas às exigências de uma moral pós-convencional; desde então,
o reconhecimento como pessoa de direito [...] deve se aplicar a todo sujeito na mesma medida”
(HONNETH, 2003), sendo conferidos assim, princípios universalistas, afastados da estima so-
cial e, portanto, de julgamentos relacionados ao apreço, afeição e comportamento individual.
O autor se debruça então sobre as propriedades atribuídas ao ser humano que lhe confi-
ram imputabilidade como sujeito de direito, afirmando que não existe uma resposta clara para
a indagação e que, ao contrário, essas características tem a ver com a possibilidade de assumir
certos “pressupostos subjetivos” e um conjunto de capacidades que são socialmente reconhe-
cidas como próprias a um sujeito de direito. Neste sentido conclui que além da proteção das
liberdades é necessário que o sistema jurídico assegure aos indivíduos os recursos e estruturas
que lhe permitam acessar esse conjunto de saberes, o que evidencia uma luta social que resultou
em grande medida na ampliação dos direitos individuais fundamentais.
Para ele o reconhecimento está ligado, assim como em Mead, à ideia de autorrealização,
que é sempre construído a partir de experiências intersubjetivas.
Para preparar urna resposta a questão de como se constitui a experiência
de desrespeito que subjaz a esses conflitos sociais, é necessária afinal
uma curta explicação sobre a espécie de auto relação positiva possibili-
tada pelo reconhecimento jurídico. Parece natural começar abordando,
com Mead, urna intensificação da faculdade de se referir a si mesmo
como uma pessoa moralmente imputável, fenómeno psíquico colateral
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consolidou no final do século XX, onde a questão identitária passou a ganhar um protagonismo
maior que a questão de classe.
A mudança na pauta de reivindicações é denominado por Fraser de “conflitos pós-socia-
lista”. A autora propõe pensar a injustiça a partir de duas maneiras: a “injustiça econômica” e a
“injustiça cultural ou simbólica”. A primeira se apresenta através da privação material, margina-
lização econômica e exploração, enquanto a segunda mostra-se no desrespeito, no ocultamento
de determinadas culturas ou grupos sociais a despeito de outros e na dominação cultural (FRA-
SER, 2006).
Aqui surge a primeira e mais importante diferença entre Fraser e Hon-
neth. Este advoga que todos os conflitos sociais têm como natureza pri-
mária a luta por reconhecimento. [...] Fraser, acredita que Honneth tenha
subsumido as lutas por distribuição de renda ao reconhecimento. Dife-
rentemente dele, ela irá propor uma perspectiva dualista de análise dos
conflitos sociais com o objetivo de pensar um conceito de justiça social
que agregue essas duas dimensões, possibilitando, assim, uma teoriza-
ção da cultura no capitalismo contemporâneo. (MATTOS, 2004, p. 145).
Para Fraser, não há como pensar o conflito social sem considerar estas duas esferas, que
para ela são interligadas, se retroalimentam e reforçam as situações de desigualdade e injustiça
social. Ainda assim, escolhe o caminho metodológico de tratar estes dois problemas separada-
mente, buscando mostrar sua inter relação, e apresentando as soluções específicas para as “de-
mandas de reconhecimento”, voltadas para remediar as injustiças culturais, e as “demandas de
redistribuição”, voltadas para as injustiças econômicas.
Ela chama atenção para o fato de como, muitas vezes, as lutas travadas nessas duas es-
feras e os possíveis remédios para sanar as desigualdades existentes nesses campos podem ser
contraditórias: enquanto as lutas por reconhecimento procuram destacar as diferenças de deter-
minado grupo no intuito de valorar positivamente os aspectos que os distinguem, as lutas por
redistribuição procuram apagar as diferenças na esfera econômica, com a finalidade de alcançar
uma sociedade igualitária no que refere aos valores econômicos. Desta tensão ela localizou o
que chamou de “dilema da redistribuição-reconhecimento”.
De um lado, o movimento negro deve lutar contra a divisão do trabalho
assalariado entre ocupações mal pagas, domésticas, corporais ocupadas
pelas pessoas de cor e, as ocupações técnicas, administrativas e bem pa-
gas ocupadas pelas pessoas brancas. Por outro lado, o movimento negro
deve lutar contra o eurocentrismo e enfatizar a especificidade da cultura
negra. (MATTOS, 2004, p.148).
Importante destacar que as discordâncias entre Honneth e Fraser são relativas às ques-
tões conceituais da Teoria do Reconhecimento. Para o primeiro não há como falar em reconhe-
cimento sem considerar as experiências intersubjetivas, que geraria o desenvolvimento de uma
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autoconfiança essencial para participação na vida social. “Honneth acredita que para afirmarmos
que os conflitos contemporâneos são lutas por reconhecimento cultural é necessário, antes de
tudo, averiguar quais são as formas morais relevantes de privação e sofrimento” (MATTOS,
2004). Enquanto para a segunda o “não-reconhecimento […] é analisado menos em relação às
atitudes depreciatórias sofridas pelos indivíduos, mas mais pela análise de práticas discrimina-
tórias institucionalizadas” (MATTOS, 2004). Fraser realiza uma análise mais materialista tanto
sobre as formas como se operam as injustiças sociais, quanto na busca por formas de reversão
dessa problemática.
É importante nos localizarmos nesse debate, que a apesar de composto por argumentos
discordantes, ambos serão utilizados para a análise das políticas culturais praticadas no Brasil
baseadas no discurso da diversidade e da diferença, como instrumentos positivos na luta pelo
reconhecimento.
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2
O contexto neoliberal deixou como legado a primeira lei de isenção fiscal para a cultura, a Lei Sarney, que
foi reformulada no governo Collor, tornando-se a Lei Rouanet. O governo FHC, por sua vez, deu maior atenção
ao papel articulador do Estado, no intuito de consolidar esse mecanismo como a política de fomento à produção
cultural. O modelo aproximou o setor privado do campo cultural, que teve como consequencia a submissão deste
pela dinâmica mercadológica embasada na lógica do marketing, Consolidando assim, um modelo de incentivo ba-
seado no retorno comercial que não atingia todas as demandas do setor cultural, deixando de lado principalmente
as expressões mais distantes das linguagens artísticas, que não conseguiram se institucionalizar nesse contexto
neoliberal, que marginaliza a cultura produzida em locais sócio-economicamente desfavorecidos, que por conta da
desigualdade e de outros aspectos, não se configuram como criadores de bens culturais vendáveis.
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Após dez anos de política e das diversas experiências acumuladas3, a criação da Lei mo-
dificou os termos da Portaria para abranger ainda mais o público contemplado, que muitas vezes
não eram aqueles nominados no instrumento anterior. Deste modo a lei reformulou o alcance do
seu público, deixando mais claro os seus objetivos, conforme observamos:
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Cultura Viva:
I - garantir o pleno exercício dos direitos culturais aos cidadãos bra-
sileiros, dispondo-lhes os meios e insumos necessários para produzir,
registrar, gerir e difundir iniciativas culturais;
II - estimular o protagonismo social na elaboração e na gestão das polí-
ticas públicas da cultura;
III - promover uma gestão pública compartilhada e participativa, am-
parada em mecanismos democráticos de diálogo com a sociedade civil;
IV - consolidar os princípios da participação social nas políticas culturais;
V - garantir o respeito à cultura como direito de cidadania e à diversi-
dade cultural como expressão simbólica e como atividade econômica;
VI - estimular iniciativas culturais já existentes, por meio de apoio e
fomento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VII - promover o acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural;
VIII - potencializar iniciativas culturais, visando à construção de novos
valores de cooperação e solidariedade, e ampliar instrumentos de edu-
cação com educação;
IX - estimular a exploração, o uso e a apropriação dos códigos, lin-
guagens artísticas e espaços públicos e privados disponibilizados para a
ação cultural.
Art. 3º A Política Nacional de Cultura Viva tem como beneficiária a so-
ciedade e prioritariamente os povos, grupos, comunidades e populações
em situação de vulnerabilidade social e com reduzido acesso aos meios
de produção, registro, fruição e difusão cultural, que requeiram maior re-
conhecimento de seus direitos humanos, sociais e culturais ou no caso em
que estiver caracterizada ameaça a sua identidade cultural (MINC, 2014).
Realizo uma breve análise dos objetivos do Programa em três dimensões em que a polí-
tica cultural que estou me referindo consolidou seu discurso: Econômica, Simbólica e Cidadã. A
partir disso, procurarei demonstrar sua articulação na luta pelo reconhecimento
No âmbito econômico, o Programa configura-se numa ação de pulverização de recursos
financeiros disponíveis para cultura, de modo a distribuí-lo aos grupos que tradicionalmente não
tinham acesso aos mecanismos de financiamento destinados à cultural e, portanto, estavam mar-
ginalizados dentro da cadeia da produção cultural. É um instrumento material com intenção de
3
De 2005 até o ano de 2011 o programa fomentou juntamente com os municípios e estados parceiros 3.670 Pontos
de Cultura, nos 26 estados da federação (informações do site do Ministério da Cultura).
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está presente no próprio caráter da política que visa proporcionar a possibilidade de produzir e
expressar-se simbolicamente através da realização de ações culturais, como também pode ser
notado quando o ministério lança mão de instrumentos que estimulam a iniciativa de grupos
identitários, como os editais para Pontos de Cultura Indígena. Com isso, a política também
pode ser caracterizada como um remédio para as demandas de reconhecimento, onde através da
produção cultural, os grupos podem gerar uma auto afirmação de suas identidades e produzir
agendas positivas sobre eles próprios.
Em um primeiro olhar, considerando o Programa como específico da pasta da cultura e
de alcance restrito a este campo, e levando em conta a estratégia de redistribuição de recursos
financeiros, esta política poderia ser avaliada como “remédio afirmativo para injustiça”, volta-
do para “corrigir efeitos desiguais de arranjos sociais sem abalar a estrutura subjacente que os
engendra”, não tendo, entretanto, a força dos “remédios de transformação” que, para a autora,
agiriam “precisamente por meio da remodelação da estrutura gerativa subjacente” com uma
mudança mais impactante nas estruturas sociais (FRASER, 2006).
Honneth, por sua vez, compreende que as lutas contra injustiças não estão essencial-
mente ligadas às questões materiais e são, antes, lutas “pelo reconhecimento d[o] que expecta-
tivas intersubjetivas [que] não foram consideradas ou cumpridas” (MATTOS, 2004). Portanto,
tomando-o como referência e considerando a cultura também como expressão de subjetividade
humana, o Programa Cultura Viva pode representar uma política de reconhecimento de ex-
pressões culturais diversas, que vem possibilitando o convívio e a troca de ações e expressões
simbólicas em contextos fragilizados que historicamente foram marginalizados, subjugados ou
simplesmente ignorados.
Também a ideia de direito cultural que é uma característica marcante dessa política,
nos leva a pensar na forma do direito colocado por Honneth, considerando que pela primeira
vez o Estado assume a proposição de que qualquer cidadão tem o direito de produzir e fruir de
bens culturais, constituindo-se assim num direito universal que reverbera em reconhecimento
dos indivíduos.
Toda a dinâmica da luta pelo reconhecimento, para Honneth, parte da re-
lação entre não-reconhecimento e posterior reconhecimento legal. Posto
de outro modo: toda luta por reconhecimento dá-se por uma dialética
do geral e do particular. Afinal, é sempre uma particularidade relativa,
uma “diferença” que não gozava de proteção legal anteriormente que
passa a pretender tal status. Esses conflitos, no entanto, são percebidos
num sentido completamente pré-político. É nesse sentido que Honneth,
contra Fraser, imagina uma experiência de “desrespeito” como estando
na base de todo conflito social (como Taylor). (MATTOS, 2004, p. 160)
Isto tudo me leva a avaliar o Programa Cultura Viva como uma iniciativa que vai além
de uma ação afirmativa que procura amenizar desigualdades pontuais ligadas a redistribuição
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e reconhecimento. Tendo a avalia-la como uma ação de transformação, não direcionada para
suprir carências materiais, mas porque o mecanismo que procura amenizar essa carência tem
como principal objetivo a promoção dos referenciais simbólicos de grupos distintos, que num
exercício contínuo, podem resultar em experiência positivas na intersubjetividade que propor-
cionam auto estima e auto afirmação dos sujeitos.
4. CONCLUSÃO
O Programa Cultura Viva está entre as políticas do Minc que melhor traduziu o discurso
desta gestão. Na prática, imensos equívocos foram cometidos (ao longo desses anos) na imple-
mentação e execução da política, que acarretaram em situações de grande desgaste gerados por
problemas com conveniamento, prestações de contas, atraso na liberação de recursos, entre ou-
tras questões que aqui não puderam ser abordadas, mas que merecem atenção, pois sem o esteio
prático adequado, a operacionalização fica muito aquém do discurso proposto.
Ainda assim, é essencial reconhecer que o Programa possui em seu princípio relevantes
reflexões acerca da contribuição que o campo da cultura pode proporcionar para as lutas por
reconhecimento e, por conseguinte, em mudanças sociais. Também é inegável que a política
conseguiu reverberar o seu discurso e torná-lo realidade na esfera cultural à qual se destinava,
ainda que sem a eficácia dos seus instrumentos de gestão.
O que se mostra interessante é que, se na dimensão da ação, inúmeros
problemas de gestão como prestação de contas, repasse, acompanha-
mento etc, são citados de forma crítica e negativa, podemos afirmar que,
mesmo com todos esses problemas, o reconhecimento e a adesão ao
Programa sempre foram significativos. Essa adesão passa pela aderên-
cia subjetiva, simbólica, ideológica, identitária e discursiva dos Pontos
de Cultura ao Programa Cultura Viva. Assim, podemos afirmar que, do
ponto de vista discursivo e simbólico, o Cultura Viva foi vitorioso na
medida em que consolidou uma dimensão conceitual, identitária e ide-
ológica de articulação entre os sujeitos e a política cultural (BARROS;
BEZERRA, 2014, p. 126).
Seu trabalho no campo do reconhecimento e empoderamento de atores sociais antes
esquecidos, deve ser considerado no tocante à construção da autorrelação dos indivíduos e sua
relação com o grupo, que além de passarem a ser institucionalmente reconhecidos como agentes
culturais são protagonistas respeitados do seu próprio fazer cultural, da sua própria materiali-
zação de expressões simbólicas que representam seu grupo, o que nos direciona ao pensamento
de Honneth:
[...] as realizações, para cujo valor social o indivíduo pode se ver reco-
nhecido, são ainda tão pouco distintas das propriedades coletivas tipifi-
cadas de seu estamento que ele não pode sentir-se, como sujeito indivi-
duado, o destinatário da estima, mas somente o grupo em sua totalidade.
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pculturais>. Acesso em: 10 jul. 2015.
4 Podemos reformar a ordem das coisas; podemos insistir em fazer que as normas da comunidade sejam normas
melhores. Não somos simplesmente obrigados pela comunidade. Estamos dedicados a uma conversação na qual o
que dizemos é escutado pela comunidade e onde a reação desta é afetada pelo que temos a dizer (MEAD, 2009, p.
196. Tradução minha).
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RESUMO: Analisa-se a entrada das políticas culturais dentro da agenda decisória de Bogotá
desde 1970 até 2005, a partir dos postulados do modelo de Múltiplos Fluxos proposto por John
W. Kingdon. Descrevem-se quatro momentos principais nos quais a convergência dos três fluxos
(problemas, soluções e político) abriu a janela política para provocar as maiores mudanças: a
criação do Instituto Distrital de Cultura y Turismo, a cultura cidadã como elemento central
dentro do plano de governo 1995-1998 e a formulação dos dois documentos de políticas culturais
(2001-2003 e 2004-2016). Refleti-se sobre a influência de participantes dentro do governo para
ativar o fluxo político e algumas falências no sistema de participação.
1. INTRODUÇÃO
As políticas públicas são um campo complexo e às vezes contraditório, razão pela qual
alguns autores, para facilitar a compreensão e a análise, falam do processo circular que seguem
as políticas identificando diferentes momentos de ação. Em geral, existe um consenso que de-
marca seis movimentos principais: a constituição de issues ou questões, a formação da agenda
governamental, a formulação, a adoção, a implementação e a avaliação da política. Na realida-
de, estes movimentos podem acontecer simultaneamente e implicam a mobilização de múltiplos
sujeitos que não só fazem parte do governo.
O objetivo deste artigo é refletir sobre como as políticas culturais têm entrado na agenda
governamental e decisória da cidade de Bogotá até a formulação da política cultural vigente,
tomando como base o modelo dos Múltiplos Fluxos proposto por John Kingdon. Por conse-
guinte, primeiro se explicará brevemente este modelo e aquele que precedeu sua construção.
Depois, apresentar-se-ão as principais atividades em relação ao tema cultural desenvolvidas
1
Administradora de empresas – Universidade Nacional da Colômbia. Mestranda em Políticas Públicas – Univer-
sidade Federal do Maranhão. Bolsista do CNPq e membro do Núcleo África e o Sul Global. E-mail: monica.m.
cubillos@gmail.com
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informal a uma agenda governamental formal e logo a uma agenda decisória ou política. “A
primeira contém a lista de assuntos que são, há anos, preocupação do país, sem contudo merecer
atenção do governo; a segunda inclui os problemas que merecem atenção do governo; a última,
a lista dos problemas a serem decididos” (VIANA, 1996, p. 7).
Assim como no modelo da lata de lixo, a agenda decisória é afetada por fluxos que
segundo Kingdon são basicamente três. Primeiro, o fluxo de problemas expõe que certas con-
dições se tornam definidas como tal quando as pessoas acreditam que se deve fazer algo sobre
elas. Este não é simplesmente as condições ou eventos externos próprios, mas requerem um
elemento de percepção e interpretação para sua construção (KINGDON, 1995, p. 110). As con-
dições passam a ser definidas como problemas através de comparações de valores e categorias,
sendo identificados através de indicadores sistemáticos, eventos “dramáticos”, a retroalimenta-
ção de programas já existentes que sugerem que as coisas não vão bem.
Segundo, o fluxo de soluções ou alternativas é criado por comunidades políticas consti-
tuídas por especialistas, dentro e fora do governo, de uma área de política dada. As comunidades
políticas variam tremendamente em graus de fragmentação gerando dificuldades de comunica-
ção, integração e estabilidade. Desta forma, para que exista um consenso sobre uma solução se
precisa de sua construção por meio da difusão de ideias e da persuasão. Finalmente, as chances
de um problema a subir na agenda da decisão aumentam dramaticamente se uma solução está
ligada a ele (KINGDON, 1995, p. 143).
Terceiro, o fluxo político flui de acordo com sua própria dinâmica e suas próprias regras,
independentemente dos fluxos de problemas e soluções. Viana (1996, p. 29) resume os fatores
que o compõem em três elementos: o clima ou humor nacional que é uma situação na qual di-
versas pessoas compartilham as mesmas questões durante um determinado período de tempo,
possibilitando solo fértil para que ideias germinarem; as forças políticas organizadas exercidas
principalmente por grupos de pressão e; as mudanças dentro do próprio governo sendo o início
de um novo mandato o momento mais propício para as mudanças na agenda. Finalmente, “con-
sensus building in the political arena, in contrast to consensus building among policy specialists,
takes place through a bargaining process rather than by persuasion” (KINGDON, 1995, p. 163).
Por conseguinte, as transformações na agenda para a tomada de decisões são o resultado
da convergência dos três fluxos descritos, abrindo uma oportunidade de mudança ou “janela
política” onde os defensores de propostas podem conduzir suas soluções ou a atenção para seus
problemas específicos. Em outras palavras, a união se dá quando um problema é reconhecido,
uma solução está disponível e existem as condições políticas para tornar a mudança possível
(VIANA, 1996, p. 30).
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3
Como os eventos al parque: Rock al Parque, Jazz al Parque, Rap al Parque; Septimazo; Música en los Templos;
entre outros.
4
Enrique Peñalosa Londoño.
5
Acentuada pelas novas dinâmicas urbanas em Bogotá tais como o recebimento de vítimas do deslocamento for-
çado do conflito armado interno do país e o crescimento da cidade.
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4.2. 1995: A importância da Cultura Cidadã e sua posição central dentro do plano
de governo
Outro momento em que a cultura entrou na agenda decisória do governo foi no ano 1995.
O fluxo de problemas foi alimentado pelos resultados dos indicadores de convivência e seguri-
dade que mostravam que a cidade tinha graves problemas de violência na resolução de conflitos
e um elevado nível de infrações às normas que desencadeava mortes violentas por acidentes de
trânsito e dificuldades de interação com as autoridades públicas. O fluxo de soluções foi definido
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mediante o Plano de Governo “Formar Ciudad (1995-1998)” que posicionou o programa de Cul-
tura Cidadã como o pilar e primeira prioridade do governo distrital. Finalmente, as mudanças den-
tro do próprio governo com o início de um novo mandato foi o fator que ativou o fluxo político.
Os participantes ativos dentro do governo foram novamente os nomeados políticos e os
funcionários públicos que participaram na formulação e harmonização do Plano de Governo e o
novo Prefeito eleito quem guiou a formulação e aprovou o Plano mediante o Decreto 295 do 1º
de Junho de 1995. Fora do governo, ressalta-se o papel que exerceu a mídia para a comunicação
intensificada, visibilidade e ajuda ao impulso da aceitação das novas propostas pelo público em
geral (MOCKUS, 1999).
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Comitê de Políticas Culturais organizado para tal fim. O fluxo político novamente é produto de
forças políticas organizadas combinado com o início de um novo período de governo.
A Tabela 2 mostra os participantes que fizeram parte da Comissão de Políticas Culturais
dentro e fora do governo nas duas edições publicadas. Como o Comitê de Políticas Culturais foi
uma instância dentro do IDCT, este esteve conformado por nomeados políticos e funcionários
públicos desta entidade.
Tabela 1: Participantes ativos nos Conselho Distrital de Cultura e Conselhos Distritais Locais -
Decreto 781 de 1998
Participantes dentro
Participantes fora do Governo
do Governo
Grupos de interesse: Associações de jornalistas da cidade,
representante da produção e os bens e serviços, representante das
indústrias culturais, representante da corporação de artesãos da
Prefeito eleito.
cidade, representante das ONGs culturais.
Pesquisadores: Representantes de cada Conselho de áreas
artísticas (música, dança, artes cênicas, artes plásticas e literatura).
Acadêmicos: Representante da educação superior que desenvolva
Conselho programas de formação cultural.
Nomeados políticos:
Distrital de Movimentos sociais: Representante das comunidades indígenas
Diretor do IDTC e
Cultura organizadas e representante das comunidades negras da cidade,
representante do
representante do Conselho Distrital de Juventude, representante
Ministério de Cultura.
das associações culturais de pessoas com deficiência e
representante de um povo que habite na cidade.
Consultores: Representante do Conselho para a Proteção do
Funcionários públicos: Patrimônio Urbano de Santa Fé de Bogotá, representante do setor
Representantes das cultural, representante das Juntas de Acción Comunal.
Prefeituras Locais.
Público em geral: Representante da comunidade educativa.
Grupos de interesse: Representante do setor cultural da
Associação Cultural, representante de artistas locais,
Nomeado político:
representante de Redes de Ação Local, representante da mídia
Prefeito local.
local, representante das Casas de Cultura e Centros Culturais
da localidade.
Conselhos
Movimentos sociais: Representantes de organizações de mulheres,
Locais de Funcionários públicos:
pessoas idosas e jovens com presencia cultural reconhecida e
Cultura representante da
representante das comunidades negras.
Comissão de Cultura da
Junta Administradora
Público em geral: Representante de Gestores Locais
Local e representante
independentes.
do IDTC.
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5. CONCLUSÕES
É evidente que o modelo de Múltiplos Fluxos proposto por Kingdon reúne os elementos de
decisão definidos no modelo de Laxa de Lixo delimitado por Cohen, March e Olsen. As variáveis
básicas levadas em conta no modelo da Lata de Lixo são similares às organizadas por Kingdon
em categorias para explicar as oportunidades de mudança nas políticas públicas, visto que as polí-
ticas são um tipo de decisão especial que envolvem e impactam não só a organização que toma a
decisão, mas também a todo o grupo de habitantes dentro de um território. O modelo de Múltiplos
Fluxos utiliza duas categorias para explicar as mudanças: os participantes ativos e o processo que
faz com que questões entrem em destaque que agrupa os fluxos de problemas, soluções e política
cuja convergência produz a abertura de uma janela política que permite a transformação.
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entre os dois documentos de políticas culturais distritais desde 2001 e o impacto da participação
da comunidade.
Duas considerações sobre o processo são ressaltadas. Primeiro, uma observação sobre a
convergência dos fluxos se refere à importância da ativação do fluxo político sem o qual não se
abriria a janela política necessária para a mudança. Como se comentou, para que este fluxo se
acionasse, sempre foi preciso que participantes dentro do governo tivessem interesse nas trans-
formações. Nos quatro momentos identificados em que a cultura entrou na agenda decisória foi
determinante o papel do Prefeito distrital e/ou seus nomeados políticos, sendo estes quem, com
sua influência dentro do sistema político, impulsaram e puseram em destaque o fluxo de proble-
mas. Com isto não se pretende desconhecer ou menosprezar a atuação de grupos de interesse
ou movimentos sociais, só se busca questionar se a entrada na cultura na agenda decisória de
Bogotá não teria sido possível sem a vontade dos líderes do governo distrital em cada época.
Segundo, o Sistema Distrital de Cultura e suas distintas instâncias são uma forma de
organização que procura a participação dos cidadãos na tomada de decisões sobre o desenvol-
vimento cultural. Nestes se quer representar diversos setores da comunidade e os interesses e
prioridades dos grupos que atuam. Contudo, o sistema tem falências visto que a participação dos
conselheiros se concentra em um número mínimo de eleitores que resulta em baixa representa-
tividade e na busca de interesses individuais (quase que por desconhecimento dos interesses do
grupo que representa) (RUBIANO PINILLA, 2009). Igualmente,
[...] cabría recordar que en definitiva “La alcaldía local es quien toma las decisiones so-
bre cuáles son los proyectos que se ejecutan con un presupuesto local. Es el alcalde quien suscri-
be los actos administrativos. Todas las demás instancias y autoridades sólo ejercen presión sobre
él. Ni la JAL, ni el Consejo Local de Cultura, ni los Encuentros Ciudadanos toman decisiones
relevantes” (Bromberg, 2003 apud RUBIANO PINILLA, 2009, p. 94).
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RESUMO: Las políticas culturales en el siglo XXI atraviesan la constante tensión entre el
ideario de cultura como trascendencia y la cultura en sentido antropológica. Esta tensión, llevada
al campo de la institucionalidad cultural, pone en escena discursos y prácticas, que conviven
muchas veces de modo contradictorio: políticas de democratización cultural guiadas por la
idea de acceso que no siempre es apropiación, políticas de democracia cultural que alientan la
creación y producción cultural desde las distintas territorialidades, pero que no necesariamente
se llevan a cabo en pos del desarrollo cultural y de una mayor participación ciudadana. Nos
interesa focalizar en aspectos problemáticos que se reproducen en el campo de lo cultural, a
pesar de los nuevos conceptos asociados a la cultura, y en el papel disputado que juegan algunos
agentes culturales y aquellos relacionados al ámbito de lo estatal.
Lic. en Sociología (UBA). Diplomada en Desarrollo Local y Territorial (FLACSO). Ministerio de Cultura de la
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Nación. mcerdeira@outlook.com
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lo que han sido las políticas culturales durante buena parte del siglo XX. También es una bien-
venida a la “cultura antropológica” en tanto concepto que supone expansión y amplitud. Ese
desplazamiento retórico de la cultura de las bellas artes y la ilustración hacia la cultura antropo-
lógica, está estrechamente asociado al nuevo rol que tomaron algunos organismos de coopera-
ción internacional, como Unesco, los que colocaron en la “cuestión cultural una preocupación
global legítima”, fortaleciendo una “esfera pública cultural global” (ARANTES, 2007) en cuyo
seno, la cultura comenzó a pensarse como un recurso transversal a otras áreas de la vida social.
Esta visión expansionista proviene del intento de abrir el concepto estrecho de la cultura,
fuertemente asociado al campo de las políticas culturales, dentro del cual, siguiendo a Ramiro
Noriega3, «Lo bello, lo artístico y lo estético ha mantenido un tipo de relación con el poder”,
vinculado a una cultura estrictamente relacionada a determinados sectores sociales. El mismo
experto, quien fuera Ministro de Cultura de Ecuador, señala que «El siglo XX tuvo a la cultura
como un espacio parcelado. Hoy hay que fracturar esa parcela y pensar en que la cultura en
general es de interés general». Perspectiva ampliada que es posible visualizar en los discursos
inaugurales de otros Ministros latinoamericanos, brindados en los últimos años, como Gilberto
Gil (nombrado en cultura en el inicio del gobierno de Lula, 2003-08) y Teresa Parodi (Ministra
de Cultura de Argentina en el período 2014-2015 ).
Yo soy la elección práctica y simbólica de un hombre del pueblo, de
un negro mestizo…de un artista…sacar de la distancia el ministerio
para meterse en el día a día de los brasileros….que sea realmente la
casa de la cultura brasilera….Lo que entiendo por cultura va mucho
mas allá del ámbito restrictivo de las concepciones académicas o
de los ritos de una supuesta “clase artística e intelectual”. Cultura
no es solo una especie de ignorancia que distingue a los estudiosos (...)
Cultura mas allá del valor de uso, de lo técnico, cultura como usina
de símbolos del pueblo (…) Desde esta perspectiva, las acciones del
Ministerio de Cultura deberán ser entendidas como ejercicios de
antropología aplicada. (GIL, G., Discurso inaugural, 2003. El resalta-
do es nuestro).
Soy mujer, soy del interior, represento la diversidad musical de este
país, porque no solo soy del litoral, sino que tengo una formación de
folklorista….que la cultura llegue hasta el último rincón del país… hablé
con la gente, los escuché. A veces se usa la palabra “interior” peyorati-
vamente, pero para mi tiene un significado ser del interior profundo ¿por
qué no desaparecieron los pueblos originarios? Porque supieron conser-
var su cultura, traspasarla, oralmente de unos a otros. Eso demuestra que
la batalla cultural hay que pelearla, porque define un país….. (PARODI,
T. Discurso inaugural, 2014. (el resaltado es nuestro).
La experiencia en Ecuador. Entrevista a Ramiro Noriega en Cultura Pública y creativa. Ideas y Procesos, Maria
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Tanto Gil como Parodi –ambos músicos-, parten de un lugar similar: su posición perso-
nal asumida en torno de la diferencia –es evidente que no solo la música los ubica en el cargo (de
acuerdo a lo dicho por ellos mismos), sino el color, el género, e incluso el territorio y el pueblo
de donde provienen-. El color y el género remiten a los debates que en la contemporaneidad
atraviesan el campo de la cultura: la valorización de la diversidad, el multiculturalismo y/o la
interculturalidad. La territorialidad y el pueblo se vuelven parámetros de “llegada a las poblacio-
nes locales”, de una posible descentralización y democracia cultural. Si bien, ambos discursos
tienen “aires de familia”, es en el primero en que se expresa con mayor claridad la relación de
la cultura con el entramado simbólico que atraviesa la vida social en su conjunto y sobre todo,
la intención de involucrar el concepto “antropológico” de la cultura en la institucionalidad. Los
dos, aunque asociados al mundo de la música, ingresaron al campo de las políticas culturales,
si bien repesándolo como cultura y política –la “batalla cultural” que menciona la Ministra de
Argentina, es una metáfora de ese vínculo-.
El sentido expansionista de la cultura, introducido por el ex Secretario de Cultura de
nuestro país y mucho mas visible en el caso de Gilberto Gil, propone una superación del orden
asociado a la administración cultural, con el intento de apropiación de procesos espontáneos,
comportamientos y valores naturalizados de la vida cotidiana. Al mismo tiempo, supone un ac-
cionar institucional de la cultura desde el cual producir modelos subjetivos de la cultura, sumer-
giéndose en procesos de significación que circulan y disputan colectivamente en los entornos
de la cotidianeidad. No obstante, tal como fuera señalado por Ticio Escobar (2005: 167) “El
Estado no puede intervenir en las maneras de pensar, sentir, comer, vestir, etc., de los particula-
res. Las políticas culturales no pueden recaer sobre los mecanismos íntimos de la significación
colectiva ni pueden envolver las zonas subjetivas de la producción cultural”. Es decir que la
incorporación de la dimensión subjetiva-simbólica en el concepto “antropológico” de la cultura,
produce y reproduce una brecha entre el campo discursivo y la praxis de lo cultural vinculada a
la intervención que no compromete “el terreno de los microcircuitos en que cotidianamente se
trabaja el sentido” (Op.cit.), aún cuando nuevos espacios de las instituciones culturales postulen
programas y acciones de llegada a los territorios y de inserción en las poblaciones locales.
Entre las nuevas exploraciones teóricas y los desplazamientos de éstas hacia la praxis
institucional, diferentes y nuevos agentes han entrado en el campo de la cultura, poniendo en
juego nuevas lógicas y dinámicas que, aparentemente, trascienden la inercia institucional vin-
culada a la administración y las políticas culturales convencionales. Por este camino, la cultura,
que siempre fue un recurso, ahora se constituye como tal bajo nuevas modalidades, procurando
ir más allá de su carga estatalista y nacional. Gilberto Gil, nuevamente en su discurso inaugural,
logra sintetizarlo de este modo:
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No cabe al Estado hacer cultura, pero sí, crear las condiciones de acceso
universal a los bienes simbólicos (…) sí proporcionar las condiciones
necesarias para la creación y la producción de bienes culturales (…),
sí promover el desarrollo cultural general de la sociedad. En verdad, el
Estado nunca estuvo a la altura del hacer del pueblo, en las más varia-
das ramas del gran árbol de la creación simbólica brasilera (GIL, 2003,
p.230 en Almeida et.al, 2010)
Sin embargo, decir que estas nuevas concepciones ingresadas en el campo de las institu-
ciones culturales, han terminado con la visión de la cultura de excelencia, es obviar los escena-
rios de coexistencia e incluso los contextos de nuevos desplazamientos y de retornos a las ideas
convencionales. Basta con observar los cambios acontecidos recientemente en Argentina para
dar cuenta de ello. Los conceptos vertidos por Darío Lopérfido (actual Ministro de Cultura del
Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires) hablan de términos como “sociedad culta”, “incultura”,
“nivel cultural”:
Cuando en los ‘60 hubo corrientes antropológicas que con un buen fin
empezaron a ampliar el concepto de cultura. Decían “cultura no son
solo las bellas artes sino también la cultura indígena, todo es cultura”.
Si todo es cultura, nada es cultura. Desde ese concepto está mal la uti-
lización del término cultura….esa idea de que todo es cultura surgió en
los años 50. Se trató de ser inclusivo…Pero T.S. Eliot decía que si todo
es cultura, cultura no es nada. Para mí tomar mate y tocar la Novena de
Beethoven son cosas distintas4 . (LOPÉRFIDO, 2015)
Ahora bien, este retorno a concepciones “anquilosadas” ¿supone mayor des-politización
de la cultura? En los últimos años, la cultura visualizada como un recurso legítimo y ampliada
en su perspectiva, ha supuesto también un vínculo más estrecho con lo político, más allá de las
políticas culturales como campo específico. Pero, efectivamente ¿se trata de una nueva relación
entre cultura y política? O como señala Susan Wright (1998: 1-2), ¿este nuevo concepto solo
contribuye a una “politización de la cultura”, donde diferentes “tomadores de decisiones” foca-
lizan en los usos de la cultura como herramienta de resolución de otros espacios de la política
contemporánea? La respuesta al último interrogante, podríamos especular, que es relativamente
afirmativa, del mismo modo en que supone, probablemente, una nueva relación entre la cultura
y la política, sin por ello suponer que volver al concepto y campo de la cultura “culta”, nos lleva
inevitablemente a la “ausencia de política”. La aparente falta de política en la visión de trascen-
dencia, es un intento de barnizar de neutralidad el propio campo, asunto que puede vislumbrarse
en los nuevos discursos y en la perspectiva de políticas culturales despojadas de carácter público.
Así, si los artistas se autoconvocan –como en la actualidad- en el Parque Saavedra de la ciudad
4
Entrevista realizada en Diario La Nación. 6 de Diciembre de 2015. http://www.lanacion.com.ar/1851882-los-
-tres-nuevos-ministros-de-cultura-quieren-dejar-una-marca-de-pluralidad.
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de Buenos Aires, para desarrollar la “Plaza de los Artistas” (actores, músicos, escritores) junto
con algunos políticos, con el objetivo de denostar ciertas medidas del gobierno actual, la cultura
como arte parece aproximarse en un nuevo vínculo con lo político y volverse un problema social
de carácter público. Mientras que si los artistas son parte de planes, subsidios y financiamientos
que provienen del estado, tienen mayor riesgo de reproducir ese sentido estético de la cultura
que los alejaría del campo de lo político. En cualquier caso, deberíamos aceptar que los cambios
en los conceptos y las perspectivas no son para siempre, que pueden convivir con “viejas” ideas,
y que en cualquiera de los dos casos, la cultura es política –su forma de entenderla depende del
contexto político local en el que toma cuerpo-.
En el seno de estos asuntos, bien problemáticos, nos interesa analizar algunos ejes que
resultan claves en el campo de las políticas culturales contemporáneas. Si bien, en esta breve in-
troducción, damos cuenta de nuevos –y viejos- temas a través de una mirada en torno de algunos
discursos vinculados a agentes de los estados; resultaría impensable reflexionar críticamente so-
bre todos ellos. De allí, que nos interesa focalizar en aspectos problemáticos que se reproducen
en el campo de lo cultural, a pesar de los nuevos conceptos asociados a la cultura, y en el papel
disputado que juegan algunos agentes culturales y aquellos relacionados al ámbito de lo estatal.
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modelo aparentemente exitoso pero que como se pregunta Ferreño (2014: 110) “¿cómo afecta
al chico pobre que integra la orquesta sinfónica del barrio marginal donde vive decodificar un
mundo al cual probablemente nunca pertenecerá?” -.
El acceso a la cultura continúa siendo una estrategia clave para la inclusión social. Planes
y programas recientes incorporan este eje como crucial –el Plan de Cultura elaborado para la
ciudad de Bogotá en 2010, colocaba en el acceso el objetivo primordial para superar la restric-
ción/restrictividad asociada a diversos bienes culturales-. Garantizar acceso, supone garantizar
accesibilidad para todos, promoviendo un deseo de igualación social a través de la cultura,
basado en derechos a la cultura constituidos en torno del derecho a acceder otorgado por la ins-
titucionalidad del estado bajo sus parámetros, por ende, en general desigualitarios. De hecho,
sorprende la complementariedad que Mestres establece entre la democratización cultural y la
necesidad de que las políticas culturales busquen la excelencia, sobre todo cuando la democra-
tización se piensa como objeto de inclusión. No obstante, ese vínculo que establece el autor,
da cuenta del límite de la misma democratización fundada en modelos estatales: el elitismo
y el etnocentrismo que interpelan acerca de qué es lo que se democratiza y quienes son parte
de dicha democratización. Como bien señala Barbieri (2015: 28), es un tipo de respuesta a la
cohesión social y a la proximidad, en tanto “políticas reparadoras” desde las cuales es posible
regenerar un “discurso de función social de la actividad cultural”, sin embargo, centrado en las
“externalidades de la cultura”.
Existen, al menos, dos déficits de las políticas de acceso/accesibilidad. Por un lado, las
diferencias potentes que pueden establecerse entre la idea de acceso y la de apropiación so-
cial. Acceder no significa necesariamente apropiarse, en tanto éste requiere de otras cuestiones:
comprensión, participación, incorporarse al reto de “lo cultural” en tanto, agentes de disputa de
sentidos. Por el otro, que el acceso/accesibilidad, como señala Barbieri (2016), no contribuye a
la equidad social y cultural, sino mas bien introduce selecciones y jerarquizaciones que mas bien
desiguala o promueve y fortalece desigualdades preexistentes.
Ahora bien, si recuperamos los testimonios con los que iniciamos este tópico, dentro de
los cuales uno pone el acento en un CCK accesible y gratuito y el otro, en la necesariedad de qui-
tarle esa cualidad de gratuidad para llegar a un CCK de excelencia, nos enfrentamos a un dilema
estéril y un conflicto sin solución. Está claro que el segundo, nos devuelve sobre la cultura de
trascendencia que solo parece obtenerse por vía de la “elitización” construida en base a entrada
selectiva, un asunto que parece caduco pero, como se observa en las nuevas discusiones en Ar-
gentina, no lo es. En ese sentido, no solo habría que preguntarse qué entendemos por acceso –si
consideramos el caso del CCK, el acceso libre, para las autoridades de cultura, suponía no solo
gratuidad, sino incluso realizar cambios en el edificio para que pudieran ingresar incluso los dis-
capacitados, mientras para los arquitectos que lo preservaron, no debía modificarse nada, pues la
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idea de accesibilidad no entraba en juego-, sino por la igualdad-desigualdad. Queda claro que en
la versión “paga” del acceso, la jerarquización toma protagonismo, no obstante, en la “gratuita”
del acceso, si bien es posible la “entrada libre para todos”, la desigualdad se construye en base
a asuntos de comprensión y apropiación.
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e incluso una reproducción del estado como productor cultural (Barbieri Op.cit.). Del mismo
modo, en que fortalecimiento de intervenciones locales mediante un mayor protagonismo dado
a los gobiernos locales, e incluso a la conformación de entes y/o asociaciones paralelos a los
gobiernos, generalmente constituidos por agentes culturales, antes asociados a las instancias
gubernamentales, procuran ganar terreno en el plano de la dinámica cultural local, no obstante,
generando procesos simultáneos entre la desconcentración y difusión de la cultura de calidad y
las lógicas territoriales que han sido asociadas a una aparente democracia cultural.
Aún en este contexto, en los últimos tiempos, se ha tendido a focalizar en la participación
comunitaria, procurando producir relevamientos de demandas –más que de necesidades, de las
que poco se habla en la cultura, y mas bien son creadas desde las instancias estatales-, otorgan-
do subsidios y/o financiamientos a organizaciones, asociaciones, colectivos sociales desde los
cuales concebir a la cultura como herramienta de transformación, inclusión y desarrollo, o bien
enfatizando el papel de la diversidad en el visualizado como derecho a la cultura. Sobre los pri-
meros ha habido muchos programas que mas que promover una activa participación, tendieron
a estabilizar regiones y culturas a partir de los cuales elaborar ofertas y demandas, pero siempre
desde los estados. En relación a los segundos, ha habido algunos planes de gran envergadura,
como Puntos de Cultura, un programa tendiente a fortalecer proyectos socioculturales preexis-
tentes. Aunque pueda mostrarse como puente entre estado y ciudadanía, no siempre quienes
participan son grupos organizados o movimientos sociales que se espera desestabilicen las lógi-
cas legítimas del campo cultural -tal como lo señala Ferreño (Op.cit. 111)-, sino que en muchas
ocasiones se reproducen esquemas conocidos: el subsidio o financiamiento induce a la recrea-
ción de modelos propios de la institucionalidad (talleres, capacitaciones, actividades y eventos,
festivales, etc.), si bien sobre la base de una relativa visibilización de aquellos que lo reciben. La
autora, por ende se pregunta si ese tipo de programas “¿tornan visibles los grupos subalternos
y los transforman en agentes de cambio o los reifican desde otras perspectivas?”, enfatizando
en la despolitización, en la reproducción de la desigualdad ya existente, eludiendo el trabajo
sobre el ejercicio del poder de estos colectivos (Ferreño Op.cit. 114), en consecuencia, con
escasa potencia de participación social. Celio Turino, activo coordinador del Programa Puntos
de Cultura en Brasil, lo concibió como un ámbito de generación de autonomía-protagonismo y
empoderamiento social en relación a las comunidades locales. Sin embargo, Rubim (2014:189)
ha observado que este tipo de nueva relación entre estado y sociedad, no ha contribuido en las
transformaciones del mismo estado. Por el contrario a lo que Turino considera, este autor asume
un “visible déficit de la ciudadanía cultural y de los derechos culturales” que, sin duda, exceden
el derecho de acceder.
En este sentido, la visión asociada a la democracia cultural –mayor descentralización/
federalismo, un aspecto potenciado en los discursos del gobierno actual de Argentina, aún a con-
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tos colectivos, a los que ofrece financiamientos, equipamientos, etc., ni siquiera de situaciones
intermedias como en el caso del Centro Cultura Plaza Defensa, ubicado en San Telmo, donde un
grupo de afrodescendientes obtuvieron el lugar otorgado por el ministro de cultura de la ciudad,
pero luego dejaron de ocupar un rol de centralidad para el mismo gobierno que los acompañó en
esa primera instancia. Aunque dicho grupo ha continuado un proceso de gestión comunitaria por
fuera del estado, no por ello han conseguido fortalecer su centralidad como agentes culturales,
si bien sí han obtenido reconocimientos identitarios generados mas allá de dichos procesos de
gestión cultural.
3. PALABRAS DE CIERRE
Como señaló Alexandra Ockles (2014), construir “vocería política”, generando movi-
mientos sociales y culturales, mas allá de la danza, la música, pero también mas allá del reco-
nocimiento de la diversidad o de la promoción de la igualdad como ejercicio de valorización
de aquella, podríamos pensarlo como un camino intermedio, o siguiendo a Marcus como un
“entre-lugares” entre los cuales se profundice y potencie la repolitización de la institucionalidad
y de los agentes culturales.
Es evidente que no alcanza con la democracia cultural, o con la participación comunita-
ria, tampoco con la autogestión comunitaria, o con el empoderamiento de comunidades mediante
la intermediación y acompañamiento del entramado institucional. Es, efectivamente, un camino
mas sinuoso y complejo, que no acaba en el reforzamiento del acceso, ni en la configuración de
una nueva “arquitectura de la pertenencia” (Appadurai y Stenou 2001). Probablemente se trate
de repensar procesos colaborativos en los que los agentes comunitarios puedan acceder antes
que a infraestructuras culturales, a instancias de toma de decisiones (Barbieri 2016). Cabe pre-
guntarse hasta donde el estado puede convertirse en un agente de intermediación que acompañe
en la gestión de relaciones de poder que contribuyan en una mayor inclusión, sin desconsiderar
los acuerdos, los disensos, los conflictos.
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1. INTRODUÇÃO
Mesmo o cidadão mais resistente ao uso de novas tecnologias, menos aficcionado aos
aparelhos eletrônicos que fazem a alegria das gerações mais jovens, percebe o processo avassa-
lador de “desmaterialização” dos bens culturais. Um simples IPod pode armazenar muito mais
músicas do que as estantes de um colecionador de LPs dos anos 80. Um Kindle ou qualquer
outro aparelho análogo resolve de maneira eficaz o eterno problema da falta de espaço dos bibli-
ófilos. O Netflix ou o NOW causaram em muita gente o impulso irresistível de doar, ou mesmo
jogar fora, DVDs que se acumulavam pela sala e tornavam a faxina mais difícil.
Todos estes fenômenos são de conhecimento geral, mas merecem um exame mais acura-
do. Será este processo de “desmaterialização” unívoco, prático e inexorável? Como ele é perce-
bido e vivenciado pelas diferentes gerações? Você daria um Ebook de presente? O colecionador
tem o mesmo prazer ao contemplar uma biblioteca digital e as lombadas empoeiradas dos livros
nas estantes? Por que a produção de vinis, por exemplo, têm crescido ultimamente? Por que,
no mundo digital, a maioria das pessoas – e, sobretudo, as mais jovens – consideram normal ter
acesso gratuito aos bens culturais?
1
Doutorado em Teoria Psicanalítica, Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO),
nina.saroldi@uniriotec.br
2
Doutorado em Engenharia de Produção, Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO), andreia.ayres@uniriotec.br
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De todas as questões que suscitaram este pequeno escrito há uma, no entanto, que pre-
tendemos investigar mais detidamente: O que ocorre com a atenção disponível de cada um de
nós quando o fluxo de informação não pára de crescer? De início devemos adverti-los de que a
ideia é, antes, provocar o senso crítico em relação ao novo cenário da produção cultural do que
defender posições que se pretendam fechadas e definitivas.
2. A DIGITALIZAÇÃO DE TUDO
É conhecido o impacto das novas tecnologias nos processos de produção, distribuição e
consumo de bens culturais. Chris Anderson e Henry Jenkins são referências centrais neste deba-
te e, no que tange às novas formas de recepção que pretendemos comentar, o filósofo Christoph
Türcke, sobretudo nas obras Sociedade Excitada e Hyperaktiv!.
Segundo Chris Anderson (2006, p. 87), a Internet criou uma nova economia da abun-
dância, um ambiente que se afasta do mundo de “tijolo e argamassa” para o aprofundamento
no universo feito de bits. Este cenário – que graças ao livro homônimo ficou conhecido como A
Cauda Longa –, inverte a situação de oferta limitada de produtos para muitos consumidores em
oferta virtualmente ilimitada de produtos para alguns poucos. Nas palavras do autor, “cada vez
mais o mercado de massa se converte em massa de nichos” (2006, p. 6).
O digital tornou possível um incrível barateamento da produção cultural por conta da fa-
cilidade de acesso a câmeras, computadores, softwares e mesmo celulares que permitem a ama-
dores a realização de bens culturais com aparência – e às vezes qualidade artística – profissional.
Além disso, houve uma ampliação significativa dos canais de distribuição de conteúdo cultural,
outrora selecionado por empresas como editoras e gravadoras, e fadado a vir ao conhecimento
do público somente por meio da grande mídia: rádios, jornais e TV.
Serviços como Youtube e novos modelos de negócio como o da gigante Amazon tornam,
virtualmente, todos os produtos disponíveis ao alcance de um “click”. Tanto os vídeos de gatos
quanto as palestras caríssimas da conferência TED (Tecnologia, Entretenimento, Design) po-
dem ser assistidos de graça no primeiro e livros autopublicados, em outros tempos vistos como
suspeitos, tornam-se sucesso de vendas na Amazon, desbancando muitas vezes os autores de
editoras estabelecidas. O terceiro elemento, enumerado por Anderson como componente das
forças da Cauda Longa (2006, p. 55) são os dispositivos de filtragem do excesso de informação
disponível, tais como o Google e recomendações de blogs, bem como listas de best-sellers.
Este último elemento tem impacto, diretamente, nos critérios de seleção e de legitimação
dos bens culturais. Anteriormente, para chegar ao público, um romance precisava dar a sorte –
caso o autor não fosse conhecido, ou indicado por alguém conhecido do editor – de sobreviver à
“slush pile”, montanha de originais enviados todos os dias às editoras na esperança de serem lidos
e publicados. Até atrair a atenção sobrecarregada de uma assistente editorial, nem J. K. Rowling
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escapou das tristes e padronizadas cartas de rejeição dos editores. No caso das bandas, ou a fita
demo caía nas mãos certas ou o caçador de talentos da gravadora se entusiasmava com o show ou
elas ficariam ensaiando na garagem de um de seus membros para sempre. Hoje em dia, os profis-
sionais que selecionam escritos para publicação, músicas para gravação e programas de TV para
serem produzidos, precisam estar atentos ao que Anderson denomina “pós-filtros” (2006, p. 120):
blogs, listas de músicas disponibilizadas sem pretensão por amadores, número de visualizações
e comentários no Youtube, resenhas e recomendações de livros e filmes feitas por “pessoas co-
muns”, ou seja, sem diplomas ou credencias que as habilitem a indicar o bem cultural em questão
para alguém. Não é à toa que se fala tanto em “morte da crítica”, ao menos no sentido da crítica
especializada que ocupava lugar nos jornais e revistas do mundo pré-internet.
Neste sentido, é impossível negar que a rede é democrática, mas também perversa. A
Internet é um lugar sem “portaria”, onde todos podem falar e, o que se torna complicado quando
a disputa por atenção aumenta, (quase) todos querem ser ouvidos. Recentemente, no que ficou
conhecido como a “polêmica do Enem”, o verbete sobre Simone de Beauvoir na Wikipedia teve
que ser protegido (ou seja, só pode ser editado por editores certificados pelo site) no Brasil por-
que cidadãos nativos se deram ao direito de publicar todo tipo de insultos e mentiras, editando e
reeditando a página mais de trinta vezes. Não é preciso dizer que as “informações” – dentre elas,
a de que a autora estaria envolvida com pedofilia – tinham muito mais a ver com o incômodo
causado pelo suposto conteúdo “ideológico e tendencioso” da prova (a violência contra a mu-
lher!) do que com qualquer conhecimento legítimo acerca da vida e da obra da filósofa francesa.
Esse vexame para o nosso país revela, de maneira nua e crua, como um empreendimento bem-
-sucedido em utilizar a sabedoria coletiva pode ser prejudicado pela ignorância e má intenção
de uns poucos, tudo isso devido à liberdade de expressão pela qual tantos, inclusive a própria
Simone de Beauvoir, lutaram.
As grandes gravadoras perderam, definitivamente, o monopólio comercial da produção
musical desde o advento dos CDs regraváveis. O golpe de misericórdia foi dado com a possibi-
lidade de compartilhamento de arquivos na rede (ANDERSON, 2006, p. 30-31), processo que
afetou não somente os executivos da indústria fonográfica, mas também os compositores, elo
mais fraco da corrente complexa de recepção dos direitos autorais. Recentemente, serviços de
streaming como o Spotify resolvem, ao menos parcialmente, as questões levantadas pelo digital
no campo da música, oferecendo à maioria dos usuários acesso gratuito – com anúncios, modelo
semelhante ao do rádio – e, a uns poucos pagantes, o que Anderson denomina de serviço “free-
mium” (2009, p. 26-27, 257- 258), ou seja, uma versão Premium do produto ou serviço básico.
Na análise que faz do fenômeno do “grátis”, Anderson observa que por trás desta deno-
minação existe, na verdade, uma série de sentidos e modelos de negócio diferentes entre si. Em
boa parte deles como, por exemplo, em brindes e remessas gratuitas, o custo das “gentilezas” já
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foi devidamente incorporado ao preço do produto. Em outros, como no caso de jornais gratui-
tos, alguém está pagando pelo leitor, no caso, os anunciantes (2009, p. 18-20). Em princípio, os
serviços “freemium” não seriam muito diferentes da velha amostra grátis, que visava divulgar
um determinado produto e atrair maior demanda do que a pequena amostra oferecida. No en-
tanto, Anderson observa que no mundo digital a relação entre os que desfrutam da amostra e os
que demandam o produto pago é invertida: apenas 5% dos usuários sustentam todos os outros,
os que se contentam com a “amostra” (2009, p. 27). Todo cliente do Spotify é bombardeado
com promoções e incentivos para aderir ao serviço pago desde o primeiro momento em que se
inscreve como usuário. Mesmo assim, a se crer em Anderson, a maioria resiste ao bombardeio
impassível. A razão para explicar a sobrevivência do modelo é que o custo de atender aos clien-
tes gratuitamente, no mundo dos bits, é quase nulo em comparação com o que ocorre no mundo
de “tijolo e argamassa”. Uma loja física de discos jamais sobreviveria distribuindo boa parte de
seu acervo sem cobrança.
Como destaca Anderson (2009), quase tudo que é oferecido no mundo digital tende a
seguir o padrão descrito acima. Teoricamente, o serviço “freemium” seria suficiente não só para
sustentar o negócio, mas também, no caso específico de sites de música, filmes e livros, pagar os
direitos autorais dos criadores. O último ponto, no entanto, é alvo de controvérsias que, por sua
extensão, requereriam um artigo dedicado exclusivamente ao assunto.
3. A CULTURA DESATENTA
Em seu pequeno libelo Hyperaktiv!, o filósofo Christoph Türcke (2012) se dedica a
investigar o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), doença que nomeia a
dificuldade crônica de concentração, sobretudo entre crianças e jovens, e suscita, dentre outras
medidas, a prescrição intensiva do medicamento Ritalina para contornar o problema (e acabar
com o desespero de pais e professores mundo afora). Na contramão deste processo de medicali-
zação da infância, o filósofo defende a tese de que as crianças são, na verdade, apenas as vítimas
mais flagrantes e vulneráveis de um problema muito maior, e que nos envolve a todos: a cultura
do déficit de atenção. Para combater o mal, Türcke propõe a introdução de rituais na educação
infantil, chegando a propor uma espécie de disciplina dedicada ao assunto e que comporia de
maneira orgânica o currículo escolar.
O caminho que o leva a defender esta proposta é uma retomada histórica da importân-
cia tanto dos rituais quanto da repetição para o desenvolvimento humano. Para o autor, o qua-
dro que enfrentamos hoje é totalmente novo: a experiência da perda da capacidade de atenção
(TÜRCKE, 2012, p. 9). Vivemos, segundo expressão criada por ele, em um estado de “distração
concentrada” (2012, p.69. tradução nossa) que não pode deixar de causar efeitos em nossas fa-
culdades de pensamento e imaginação.
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Trocando em miúdos, Türcke (2012) considera que foi graças à capacidade de repetição
que o Homo Sapiens conseguiu desenvolver seu aparelho psíquico. Capaz de administrar um
sem número de excitações e impulsos, de transformá-los em imagens e formas, esse aparelho, de
alguma maneira, diminuiu o poder ameaçador dos estímulos externos sobre o sujeito. Os rituais
primitivos são, essencialmente, maneiras de minimizar e, no limite, dominar o contato trau-
mático do homem com a brutalidade da natureza. Ao compartilharem coletivamente a atenção
sobre um objeto ou um fenômeno, os homens conseguiram desenvolver seu modo particular de
exercer esta faculdade, auxiliando-se mutuamente a manter esta atenção por certo tempo (2012,
p. 56). Daí a importância, para o homem, de “segurar” as sensações, de demorar-se sobre elas.
Somente a partir daí é possível transformar os estímulos brutos em imagens.
No ambiente em que vivemos, marcado pelos milhares e minúsculos choques audiovi-
suais que recebemos o tempo todo, o TDAH não se destaca exatamente como uma doença em
um ambiente saudável e “atento”. Bem ao contrário, ele é uma exacerbação de toda uma cultura
desatenta. A cultura digital inverteu um processo que se perde nas brumas da história: excitação
traumática – construção de imagens – rituais e repetições que servem ao controle da excitação,
à busca do sossego (TÜRCKE, 2012, p.72).
Padecemos do que Türcke nomeia “compulsão à emissão” (2010, p. 65), uma forma
peculiar de compulsão criada pelo ambiente tecnológico. Não só recebemos choques o tempo
todo, fotos, mensagens, emoticons, como precisamos emiti-los de volta. É preciso “postar” toda
sorte de informações, comentar, fotografar e exibir sua própria existência; sem dar um passo
atrás e perguntar-se pelo porque, como ocorre, aliás, em toda compulsão. Não há experiência
que não possa ser invadida, interrompida por mensagens no whatsApp, pouco importa se se
trata de um trabalho de parto ou de um funeral. Vivenciamos, segundo o autor, uma inversão
da lógica da repetição (2012, p. 72): não se trata mais de garantir o controle sobre os estímulos,
controle este que, em última instância, conduz à capacidade de refletir, de pensar, de ligar uma
imagem mental à outra. Mas sim de interromper este processo sem pausa, de excitar-se sem
limites. Afinal, a rede funciona 24h, e desligar-se dela exige, cada vez mais, um esforço enorme
de nadar contra a corrente.
A cultura do déficit de atenção diagnosticada por Türcke parece, de alguma forma, servir
de adequado pano-de-fundo para o que Jenkins define como narrativa transmidiática:
Uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes
midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e va-
liosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada meio
faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida
num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu uni-
verso possa ser explorado em games ou experimentado como atração de
um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para
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que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. (...)
Oferecer novos níveis de revelação e experiência renova a franquia e sus-
tenta a fidelidade do consumidor. A lógica econômica de uma indústria
de entretenimento integrada horizontalmente – isto é, uma indústria onde
uma única empresa pode ter raízes em vários diferentes setores midiáti-
cos – dita o fluxo de conteúdos pelas mídias. (2008, p. 135)
É importante lembrar que no clássico ensaio sobre a indústria cultural, Theodor Adorno
e Max Horkheimer (1985) já apontavam a relação, acima descrita por Jenkins, entre o conteúdo
que circula na indústria e as necessidades econômicas das empresas que a compõem. Nos anos
quarenta do séc. XX, as revistas, o rádio e o cinema compunham o sistema e introduziam novas
fórmulas de sucesso em filmes, canções e programas. Hoje, é a necessidade de sustentar um pool
das mais variadas empresas, combinada ao comportamento do público diante da fragmentação
e multiplicação de informações, que impulsiona as narrativas transmidiáticas e todos os seus
produtos colaterais.
Outra questão interessante reside na receptividade das novidades digitais pelas diferentes
gerações. Jenkins observa que para os mais velhos a narrativa transmidiática – segundo ele, repre-
sentada de maneira exemplar na franquia Matrix – é cansativa e até mesmo desinteressante (2008,
p. 132-133). Para quem tem mais de quarenta anos, em geral, cada filme ou livro deve conter, em
si mesmo, uma história com começo, meio e fim, e não se dispersar em sequências intermináveis
(os filmes Harry Potter, Velozes e Furiosos 6, por exemplo), jogos e séries de TV. Não é à toa
que as crianças, tanto do “antigo” mundo analógico quanto nativas digitais, são entusiasmadas
consumidoras de franquias. Jenkins cogita, inclusive, que a forma mais bem acabada de narrativa
transmidiática esteja precisamente em uma franquia infantil como Pokémon (2008, p. 177).
Ao contrário de seus pais, as crianças dispõem de dois insumos necessários para a frui-
ção dos produtos: tempo e fantasia. Para adultos, o mergulho em um universo narrativo exige
uma otimização de seu escasso tempo e o apoio de comunidades que justifiquem a importância
de se dedicar a uma série de TV, por exemplo. O sucesso destas últimas, aliás, talvez tenha a ver
justamente com a possibilidade que nos dão de entrar e sair da narrativa quando quisermos, sem
nos prender tanto quanto uma novela tradicional. Ademais, as séries talvez tragam ao universo
fragmentado da pós-modernidade um determinado senso de pertencimento e identidade, outrora
provido pela família e pelas religiões. Dito de outro modo, na falta de resposta satisfatória à
pergunta “quem sou eu?”, ser um fã de House ou Game of Thrones talvez já indique algo sobre
nós mesmos.
4. CONCLUSÃO
Toda configuração da cultura ganha de um lado e perde de outro, como já nos adverti-
ram antropólogos, historiadores e o velho Freud. Sem dúvida, o que sobra na balança de nossa
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época é informação, compreendida aqui no sentido estrito de dados brutos, passíveis de serem
processados. Anderson chama a atenção para os motivos que impelem à digitalização de tudo:
Tudo o que os bits tocam também é tocado por suas propriedades econô-
micas únicas – mais barato, melhor, mais rápido. Transforme um alarme
contra ladrões em uma tecnologia digital e ele passa a ser apenas mais
um ponto sensor e de comunicações na Internet, com abundante armaze-
namento, largura de banda e processamento acrescentados praticamente
de graça. (2009, p. 94)
Mais adiante, Anderson cita o cientista social Herbert Simon, vindo ao encontro, por
outros caminhos, da tese de Türcke: “O que a informação consome é bastante óbvio: ela conso-
me a atenção de seus destinatários. Dessa forma, a abundância de informação gera carência de
atenção” (ANDERSON, 2009, p. 183). É por isso que cobrar por conteúdo, quando a atenção
se torna cada vez mais escassa, não é uma boa ideia e o fenômeno do grátis toma conta da rede,
segundo Anderson, de modo inexorável.
A tela dos celulares transformou-se em verdadeiro “presídio de segurança máxima” da
atenção da maioria, obrigando as autoridades competentes a proibir seu uso, por exemplo, ao
dirigir ou durante a operação de máquinas perigosas. Seu uso em sala de aula, apesar de todos
os apelos dos professores, mereceria um capítulo só seu.
“Multitarefa” é um dos adjetivos mágicos de nosso tempo. Seu significado profundo re-
pousa no credo fundamental da cultura tecnológica, obcecada por produtividade, pelo encanto de
fazer mais com menos, sempre mais. Quanto maior o número de coisas que se pode fazer ao mes-
mo tempo, mais versátil se é mais tempo se poupa (TÜRCKE, 2012, p. 54)! No entanto, como
observa Türcke, não é possível conciliar quaisquer tarefas: lavar louça e ouvir notícias no rádio é
possível, na medida em que a concentração fica focada no que se escuta e o ato de lavar louça já
está automatizado pelo hábito. Fazer yoga e lavar louça já não são conciliáveis (2012, p 54-55).
É claro que é possível manter a atenção focada em um ponto e ter alguma noção do
entorno, como fazemos em nossa experiência cotidiana, por exemplo, ao esperar um ônibus
olhando na direção em que ele vem e, ao mesmo tempo, ter noção das pessoas em volta e do
movimento dos carros. “Multitarefa” não designa a capacidade real de concentrar-se igualmente
em várias tarefas simultâneas. Quem participa de uma reunião e checa Emails deixa de dar aten-
ção, alternadamente, a uma ou outra coisa. O máximo que o termo “multitarefa” alcança é isso:
a possibilidade de alternar rapidamente a atenção de um objeto a outro (2012, p. 56).
Acidentes e mal-entendidos de toda ordem, para não falar do precário desempenho es-
colar, devem-se, a nosso ver, à captura do olhar pelas telas que nos rodeiam e pela facilidade
em encontrar “dados” sobre todos os assuntos. Impossível não lembrar, a propósito, da frase de
Adorno e Horkheimer no prefácio à Dialética do Esclarecimento: “A enxurrada de informações
precisas e diversões assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo” (1985, p. 15).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TÜRCKE, Christoph. Sociedade Excitada. Tradução Antonio A. S. Zuin e outros. Campinas: editora
Unicamp, 2010.
__________. Hyperaktiv! – Kritik der Aufmerksamkeitsdefizitkultur. München: Beck, 2012.
Disponível em http://f5.folha.uol.com.br/voceviu/2015/10/1698601-apos-enem-verbete-de-simone-de-
beauvoir-na-wikipedia-e-editado-mais-de-30-vezes.shtml. Acessado em 28/12/2015.
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RESUMO: Este trabalho busca refletir sobre a relação entre a cidade e as políticas públicas
urbanas compreendendo estas como hostis. Com base na reflexão sobre as vanguardas históricas
do século XX, discutem-se as ações livres destas na cidade. O artigo também expõe como se
constrói a apropriação dessas ações “livres” e “artísticas/estéticas” pelo Poder Público desde o
momento das vanguardas históricas nas cidades. Desse modo, este trabalho pretende desvelar
a base estética comum a toda política pública voltada para a cidade, não limitando essa base
apenas às políticas culturais.
1. INTRODUÇÃO
É possível observar nos últimos anos uma tentativa do Poder Público, juntamente à ini-
ciativa privada, de criar uma cidade mais amigável e acolhedora para os munícipes e visitantes.
Na verdade isso é o que acontece mediante a demanda das pessoas que vivem nas cidades em
um movimento que acontece desde a Revolução Industrial.
Exemplarmente, cita-se o incentivo e a promoção de diversas iniciativas, tais como: a
ocupação de espaços públicos com atividades artísticas e culturais, manifestações populares e
outras que, antes, eram tidas como marginais. Recentemente, no caso brasileiro em específico,
essas ações entraram no circuito e agenda cultural das cidades brasileiras e em alguns casos pas-
saram a serem financiadas por políticas públicas tais como as leis de incentivo à cultura.
1
Este artigo é um dos resultados de projeto apoiado pela Pró-Reitoria de Extensão da UEMG à qual agradecemos.
2
Professor doutor da Escola Guignard (UEMG). Coordenador do Grupo de Pesquisa Laboratório de Poéticas
Fronteiriças (CNPq – www.labfront.tk). Pesquisador e gestor de serviços da Rede Brasileira de Serviços de Promo-
ção Digital (Rede Cariniana) do IBICT/MCTI. E-mail: pablo.o.gobira@gmail.com
3
Graduando na Licenciatura em Artes Plásticas da Escola Guignard/UEMG. - E-mail: froiid@hotmail.com
4
Graduada em Processos Gerenciais com ênfase em Gestão das Organizações do Terceiro Setor pela Faculdade
de Políticas Públicas/UEMG. Membro do Grupo de Pesquisa Laboratório de Poéticas Fronteiriças (CNPq – www.
labfront.tk) - E-mail: karladalmeida@gmail.com
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Neste artigo, enfocamos a faceta artística (ou “estética”, entendida como manifestação
do sensível para o ser humano) das manifestações que inspiram novas políticas públicas. Torna-
-se importante relembrar que essa cadeia de ações irônicas e provocantes teve sua origem – no
contexto contemporâneo – nas práticas vanguardistas do início do século XX, portanto vêm
sendo realizadas programaticamente por um século. Antes delas podemos ainda considerar as
ações de artistas do século XIX na Europa, tais como: Charles Baudelaire, Alfred Jarry ou Oscar
Wilde que, cada um a seu modo, escandalizaram as cidades e seu ambiente público.
Nas próximas páginas apresentaremos a relação entre a cidade e as políticas públicas
urbanas. Mostraremos a atuação livre das vanguardas no ambiente da cidade. Exporemos como
se constrói a apropriação dessas ações “livres” e “artísticas/estéticas” pelo Poder Público desde
o momento das vanguardas históricas. Será visto, principalmente, como todas as suas forças
estão voltadas para a construção de um imaginário baseado nas demandas dos cidadãos bus-
cando modificar a histórica ação hostil (QUINN, 2014; MILLS, 2015) contrária à manifestação
político-social na cidade. Desse modo, este trabalho pretende desvelar a base estética comum a
toda política pública voltada para a cidade, não limitando essa base apenas às políticas culturais.
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Desse modo, surge uma “não cidade”, que nega a cidade político-social. Caso compre-
endamos que a cidade era usada pela população, essa “não cidade” se sobrepôs ao valor de uso
e assim também substituiu a “obra” pelo “produto”. Essa transformação modificou as relações,
interações e costumes, levando a “cidade moderna” a uma significação meramente quantitativa e
comercial, ou seja, são esvaziadas de seu sentido original, que funcionaliza o cotidiano e o torna
vazio de ações espontâneas e autônomas.
Um exemplo muito conhecido da mudança são as festas populares, carnavais etc., que
eram ricos em significados em seus contextos e acabaram se transformando em mercadoria
numa constante “repetição de signos destinados ao consumo” (ARAUJO, 2012. p. 135). Desse
modo, a cidade acaba se