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Anais VII

Seminário Internacional

políticas
culturais
17 a 20 de maio de 2016- Rio de Janeiro

Organizadores:

Lia Calabre

Maurício Siqueira

Adélia Zimbrão

Deborah Rebello Lima

Edição: Fundação Casa de Rui Barbosa


ISBN: 978-85-7004-337-5
Anais do VII
Seminário Internacional
de Políticas Culturais

Organizadores:

Lia Calabre

Maurício Siqueira

Adélia Zimbrão

Deborah Rebello Lima

17 a 20 de maio de 2016 – Rio de Janeiro


Seminário Internacional Políticas Culturais (7. : 2016 : Rio de Janeiro, RJ)
Anais do VII Seminário Internacional de Políticas Culturais, 17 a 20 de maio de
2016, Rio de Janeiro / Organizadores: Lia Calabre... [et al.] – Rio de Janeiro : Fundação
Casa de Rui Barbosa, 2016.

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Modo de acesso: World WideWeb:
<http://wwwhttp://culturadigital.br/politicaculturalcasaderuibarbosa/>
ISBN: 978-85-7004-337-5

1. Política cultural. I. Calabre, Lia, org. II. Siqueira, Mauricio, org. III. Zimbrão,
Adélia, org. IV. Lima, Deborah Rebello, org. V. Fundação Casa de Rui Barbosa. VI. Título.

CDD 306
VII Seminário Internacional

políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016

Índice Geral

Sobre o Evento

Programação Geral

Programação das Comunicações

Índice dos Trabalhos

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VII Seminário Internacional

políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016

Sobre o Evento Voltar ao Índice Geral

O Seminário Internacional de Políticas Culturais é um evento que tem por objetivo promover o

encontro de especialistas, estudiosos e interessados nas questões relativas à área de políticas

culturais, a fim de divulgar trabalhos e promover debates no campo das ações políticas, das

reflexões históricas, teóricas e das práticas.

FICHA TÉCNICA

Realização
Setor de Pesquisa em Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa

Comissão Organizadora
Lia Calabre
Mauricio Siqueira
Adélia Zimbrão
Deborah Rebello Lima

Equipe Técnica
Bolsistas do Setor de Estudos em Políticas Culturais:
Beatriz Terra
Clarissa Semensato
Leandro Leal
Lígia Arruda
Mariana Albinati
Pablo Lima
Raquel Moreira
Taísa Diniz

Editoração dos Anais


Celeste Matos (miolo)
Renata Duarte (capa)

Parceria
Itaú Cultural e Observatório Itaú Cultural

Realizado entre os dias 17 a 20 de maio de 2016, na Fundação Casa de Rui


Barbosa, Botafogo, Rio de Janeiro.

Informações
politica.cultural@rb.gov.br

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políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016

Programação Geral Voltar ao Índice Geral

17 de maio
terça-feira

8h | Credenciamento

9h – 9h30 | Abertura

9h30 – 11h30 | Conferência - Auditório


REORGANIZAR LO COTIDIANO: URGENCIA DE LAS POLÍTICAS CULTURALES
Víctor Vich (Pontificia Universidad Católica do Peru)
¿Cómo discutimos las políticas culturales desde la teoría de la cultura? ¿Cómo podemos evaluarlas desde
las herencias pasadas y enriquecerlas desde las discusiones actuales? ¿Cómo articular el saber académico
con el activismo social y con proyectos que tengan sostenibilidad en el tiempo? ¿Cómo proponer políticas
culturales que se sitúen fuera o más allá de las tecnologías de gobierno y de los paradigmas de saber/
poder que han colonizado el mundo de la vida? ¿Qué es un gestor cultural? ¿Qué debe hacer? Esta
conferencia intentará ofrecer algunas respuestas y posibles alternativas para la acción política.

11h30 - 12h | Intervalo

12h – 13h30 | Palestra - Auditório


MUNIC/ESTADIC 2014: APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS
Leonardo Athias (IBGE)

13h30 – 14h30 | Almoço

14h30 – 17h | Mesas Comunicações


Auditório - Política Cultural: cidade e agentes culturais
Sala de cursos - Formação de Público: experiências do audiovisual

17h – 17h30 | Intervalo

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17h30 – 20h | Mesa - Auditório


OBSERVATÓRIOS CULTURAIS: AÇÕES E PERSPECTIVAS
Álvaro Santi (Observatório da Cultura / Prefeitura de Porto Alegre)
José Márcio Barros (Observatório da Diversidade Cultural)
Jorge Luiz Barbosa (Observatório de Favelas)
Luciana Modé (Observatório Itaú Cultural)
Mediação: Eliane Costa (FGV)

18 de maio
quarta-feira

8h – 13h30 | Painel Política Nacional Cultura Viva - Auditório


Política Nacional de Cultura Viva: avaliações e desafios
AVALIAÇÃO DO PROGRAMA CULTURA VIVA – UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DOS DOIS
MARCOS LÓGICOS APLICADO AO PROGRAMA
Ana Clécia Mesquita de Lima (UFABC)
AFIRMAÇÃO E EXPANSÃO TERRITORIAL EM POLÍTICAS CULTURAIS: UMA ANÁLISE DOS
PROGRAMAS CULTURA VIVA E ARTE NA RUA PELA PERSPECTIVA DO TERRITÓRIO
Beatriz Terra Freitas (FCRB)
CONTRIBUIÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NA LUTA POR RECONHECIMENTO
Mirnah Leite Medeiros Mascarenhas Andrade (UFPB)
PERSPECTIVAS SOBRE S DIVERSIDADE CULTURAL NO PROGRAMA CULTURA VIVA
Daniele Sampaio da Silva (UNICAMP)
POLÍTICA CULTURAL E CULTURA DA POLÍTICA: UMA PERSPECTIVA ETNOGRÁFICA DO
PROGRAMA CULTURA VIVA
Ariel Nunes (UnB)

IVANA BENTES (Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural – MinC)

Política Nacional de Cultura Viva: conceitos e reflexões


QUANDO A POESIA VIROU POLÍTICA: O PERCURSO DOS PONTOS DE CULTURA NO BRASIL, DE
PROGRAMA GOVERNAMENTAL À REDE CULTURA VIVA
José Maria Reis e Souza Junior (UFPA)

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PONTOS DE CULTURA: O MUNDO QUE VI


Cesar de Mendonça Pereira (Fundaj - Fundação Joaquim Nabuco)
Milene Morais Ferreira (UFPE)
PONTOS DE CULTURA: POLÍTICAS PÚBLICAS E A PRODUÇÃO DE UMA SUBJETIVIDADE
MAIS AUTÔNOMA
Flávia Campos Junqueira (UERJ)
PONTOS DE CULTURA DO RIO DE JANEIRO: POTENCIALIZAR SINERGISMOS
Marcella Francelina Vieira Camargo (UFRJ)
O RENASCIMENTO DO GRIÔ AFRO-BRASILEIRO
Julio Souto Salom (UFRGS)

8h – 10h30 | Comunicações
Sala de cursos - Institucionalização das Políticas Culturais na América Latina
Tenda - Políticas Setoriais: Cultura Afro-brasileira
Sala Maria Augusta II - Política Audiovisual e Comunicação I

10h30 – 11h | Intervalo

11h – 13h30 | Comunicações


Sala de cursos - Planos Municipais de Cultura
Tenda - Cidadania, diversidade e direito no campo da cultura
Sala Maria Augusta II - Políticas setoriais: livro e leitura

13h30 – 14h30 | Almoço

14h30 – 17h | Comunicações


Auditório - Financiamento à cultura: da Lei Sarney ao Procultura
Sala de cursos - Políticas Setoriais: museus
Tenda - Periferias urbanas e políticas culturais

17h00 – 17h30 | Intervalo

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17h30 – 20h | Mesa – Auditório


QUALIFICAÇÃO DA GESTÃO CULTURAL: DESAFIOS NA ELABORAÇÃO
DE PLANOS MUNICIPAIS
Vinícius Wu (Secretaria de Articulação Institucional - MinC)
Daniele Canedo (UFRB)
Horácio Hastenreiter (UFBA)
Ernani Coelho (UFBA)
Alcemir Palma (Fundação Cultural de São José dos Campos)

20h | Lançamento de Livros

19 de maio
quinta-feira

8h – 10h30 | Comunicações
Auditório – Estatísticas culturais
Sala de cursos - Políticas Culturais Setoriais: experiências e trocas
Tenda - Políticas culturais e participação social
Sala Maria Augusta II - Políticas Culturais: experiências em gestão

10h30 - 11h | Intervalo

11h – 13h30 | Comunicações


Auditório - Política de fomento: estudos de caso
Sala de cursos - Gestão Municipal de Cultura: experiências e trocas
Tenda - Políticas Culturais: história e memória
Sala Maria Augusta II - Experiências de Mediação Cultural

13h30-14h30 | Intervalo para almoço

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14h30 – 17h | Comunicações


Auditório - Sistemas de Cultura: experiências, avanços e desafios
Sala de cursos - Patrimônio Cultural Imaterial
Tenda - Mudanças tecnológicas e políticas culturais
Sala Maria Augusta II - Preservação de patrimônio material e acervos

17-17h30 | Intervalo

17h30 – 20h | Painel: Políticas Culturais Contemporâneas


A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DISCURSIVA DA POLÍTICA CULTURAL
Valéria Viana Labrea (UFRGS)
OS SENTIDOS DO SEM SENTIDO: LEMBRANÇAS DO “REDESENHO”
Frederico Augusto Barbosa da Silva (IPEA)
COMUNIDADES QUILOMBOLAS, CUTURA E DESIGUALDADE: NOTAS SOBRE O PLANO BRASIL
SEM MISÉRIA
Tereza Ventura (UERJ)
O MINC E A GESTÃO ANA DE HOLLANDA: MOBILIZAÇÃO E CRISE NA POLÍTICA E NO CAMPO
DA CULTURA
Alexandre Barbalho (UECE)
CARAVANAS E POLÍTICAS CULTURAIS
Antonio Albino Canelas Rubim (UFBA)

20 de maio
sexta-feira

8h – 10:30 | Comunicações
Auditório - Políticas de Financiamento: Patrocínio e Incentivo Fiscal
Sala de cursos - Economia Criativa
Tenda - Política Audiovisual e Comunicação II
Sala Maria Augusta II - Políticas Culturais: reflexões conceituais

10h30 - 11h | Intervalo

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11 – 13h30 | Comunicações
Auditório - Cidades Criativas
Sala de cursos – Economia da Cultura
Tenda - Patrimônio Imaterial e Meio Ambiente
Sala Maria Augusta II - Educação patrimonial

13h30-14h30 | Intervalo para almoço

14h30 – 17h | Comunicações


Auditório - Políticas Culturais Setoriais para as artes
Sala de cursos - Financiamento à cultura e acesso
Tenda - Gestão Cultural: política e formação

17-17h30 | Intervalo

17h30 – 19h30 | Conferência - Auditório


ACCESO CULTURAL Y DESIGUALDAD. POLÍTICAS PARA VIEJOS Y NUEVOS ESCENARIOS
Ana Rosas Mantecón (Universidad Nacional Autónoma de México - UNAM)
No es difícil demostrar la relación entre acceso cultural e inequidad. Aquéllos que logran llegar son
los vencedores de una larga carrera de obstáculos: equipamiento doméstico, distancias, costos, capital
cultural, discriminación de género, social, étnica, religiosa o incluso en términos de capacidades de visión
o movilidad. Pero los escenarios del acceso se vienen transformando radicalmente: las innovaciones
tecnológicas y la expansión de Internet han catapultado la factura y distribución de películas, discos
y software pirata, y también diversos emprendimientos alimentados por la creatividad popular y
comunitaria. La conferencia hace un recorrido por experiencias de políticas culturales contemporáneas
en torno al acceso en bibliotecas, museos, cines, formación de lectores, proyectos de organizaciones
no gubernamentales feministas y jóvenes emprendedores, analizando sus estrategias, contradicciones y
retos para forjar nuevas relaciones con los públicos y usuarios, y transformarse en el proceso.

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das Comunicações
17 de maio
terça-feira

14h30 – 17h | Comunicações


Auditório - Política Cultural: cidade e agentes culturais
E ... APÓS A INCLUSÃO E O ACESSO
Telma Luzia Pegorelli Olivieri (UFSCar)
BRASÍLIA POR PESSOAS: ENVOLVENDO A POPULAÇÃO NAS POLÍTICAS CULTURAIS DA CIDADE
Daniela Pereira Barbosa (UNB)
POLÍTICAS CULTURALES EN LATINOAMÉRICA. ENTRE LOS LÍMITES DE LA
DEMOCRATIZACIÓN Y EL ANHELO DE LA DEMOCRACIA CULTURAL, PENSANDO EN
“POLÍTICAS DE BIENES COMUNES”
Mónica Lacarrieu (UBA)
Mariana Cerdeira (UBA)
PARA SUAVIZAR A CIDADE HOSTIL: ARTE E POLÍTICAS PÚBLICAS NO MEIO URBANO
Pablo Gobira (UEMG)
Adeilson William da Silva (UEMG)
Karla Danitza de Almeida (UEMG)
CULTURA E DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES. POLÍTICAS CULTURAIS PARA QUEM?
Carla Cristina Rosa de Almeida (UFPE)
João Policarpo Rodrigues Lima (UFPE)
Maria Fernanda Gatto Padilha (UFPE)

Sala de cursos - Formação de Público: experiências do audiovisual


POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EXIBIÇÃO CINEMATOGRÁFICA: O CASO DA REDE CINE CARIOCA
Adil Giovanni Lepri (UFF)
REFLEXÕES SOBRE FORMAS DE SUSTENTABILIDADE PARA O CAMPO CULTURAL: PONTO CINE
Carolina Marques Henriques Ficheira (ESPM-RJ)
DO LAZER À CULTURA: AS BASES PARA A POLÍTICA DE CINEMA DO SESC NO BRASIL
Marcelo Costa Lopes (UESB)
CLUBE DE ESPECTADORES: OS SÓCIOS COMO PROTAGONISTAS PARA O
DESENVOLVIMENTO CULTURAL
Maria Emília Ribeiro (UFF)
Janaína Dias (PPGAd/UFF)
REDE CEUS DE CINECLUBES: CINEMA E ESTADO DEMOCRÁTICO
Paula Priscila Braga (UFABC)

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políticas culturais
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das Comunicações
18 de maio
quarta-feira

8h – 10h30 | Comunicações
Sala de cursos - Institucionalização das Políticas Culturais na América Latina
AS POLITICAS CULTURAIS DENTRO DA AGENDA GOVERNAMENTAL DE BOGOTÁ: UMA
REFLEXÃO DESDE O MODELO DOS MÚLTIPLOS FLUXOS
Mônica Cristina Moreno-Cubillos (UFMA)
EL PLAN DEPARTAMENTAL DE CULTURAS DE COCHABAMBA: PRIMER INSTRUMENTO PARA LA
GESTIÓN DE POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURALES EN EL ÁMBITO AUTONÓMICO DEL ESTADO
PLURINACIONAL DE BOLIVIA
Franz Cabrera Quispe
POLÍTICA CULTURAL Y CONSTRUCCIÓN DE PAZ EN COLOMBIA
Andrés Tafur Villarreal (UNIANDES)

Tenda - Políticas Setoriais: Cultura Afro-brasileira


POLÍTICAS CULTURAIS PARA A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL: O EDITAL DE APOIO À
COEDIÇÃO DE LIVROS DE AUTORES NEGROS
Vagner Amaro (UNIRIO)
Patrícia Vargas Alencar (UNIRIO)
A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CULTURA AFROBRASILEIRA EM SANTA
CATARINA: NOTAS SOBRE UM PROCESSO INCIPIENTE
Lisandra Barbosa Macedo Pinheiro (UDESC)
Hilton Fernando da Silva Pinheiro (UFSC)
INSTITUTO PRETOS NOVOS: A MÃE ÁFRICA NOS PROVOCA A REPENSAR
AS POLÍTICAS CULTURAIS
João Guerreiro (IFRJ)
A PRÁXIS COTIDIANA COMO FATOR CONTRIBUTIVO NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS
CULTURAIS PARA O SETOR AFRO-BRASILERO EM ALAGOAS: DA SOCIEDADE CIVIL PARA A
ESFERA PÚBLICA GOVERNAMENTAL
Igor Luiz Rodrigues da Silva (Sec. Est. Cultura de Alagoas)
Claudia Cristina Rezende Puentes (Sec. Est. Cultura de Alagoas / Hibrido-UNIT)
Natalia Teles Bezerra (Sec. Est. Cultura de Alagoas)

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das Comunicações
Sala Maria Augusta II - Política Audiovisual e Comunicação I
“FORA DA NOVA ORDEM MUNDIAL?”: O NEOLIBERALISMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O
CINEMA NO BRASIL E NA ARGENTINA DOS ANOS 1990
Ana Julia Cury de Brito Cabral (ANCINE)
O FETICHE DAS MERCADORIAS E A PUBLICIDADE INFANTIL
Ricardo Przemyslaw Pessoa (ANCINE)
A VIDEOARTE NO BRASIL: UM PANORAMA ANTES E DEPOIS DA ORIGEM
DO FESTIVAL VIDEOBRASIL
Thamara Venâncio de Almeida (UFJF)

10h30 – 11h | Intervalo

11 – 13h30 | Comunicações
Sala de cursos - Planos Municipais de Cultura
CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS COMPARTILHADAS
Luiz Augusto Fernandes Rodrigues (UFF)
Marcelo Silveira Correia (UERJ)
O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PROJETO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE SÃO JOSÉ
DOS CAMPOS-SP
Sérgio de Azevedo (UNICAMP)
PARTICIPAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICAS CULTURAIS NO PROCESSO
DE ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA EM BERTIOGA – APLICAÇÃO DO
DIAGNÓSTICO RÁPIDO PARTICIPATIVO
Elisa Selvo Chaves (Conselho de Pol. Culturais de Bertioga)
BELÉM COMO METRÓPOLE CULTURAL E CRIATIVA DA AMAZÔNIA: CONTRIBUIÇÕES PARA A
ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE BELÉM
Valcir Bispo Santos (UFPA)
A CONTRUÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE SP: ALGUMAS REFLEXÕES
Patricia Oliveira (MIS-SP)

Tenda - Cidadania, diversidade e direito no campo da cultura


TRATADO DE MARRAKESH NO PLANO NACIONAL DE CULTURA: INCLUSÃO CULTURAL
E CIDADANIA
Allan Rocha de Souza (UFRJ)
Alexandre de Serpa Pinto Fairbanks (UFRRJ)

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das Comunicações
A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE E SEUS PRIMEIROS 10 ANOS: UMA APROXIMAÇÃO A PARTIR
DOS RELATOS DAS PARTES
José Márcio Barros (Obs. da Diversidade Cultural)
Raquel Salomão Utsch de Carvalho (Obs. da Diversidade Cultural)
CIDADANIA NO PLANO NACIONAL DE CULTURA: PERCEPÇÕES SOBRE PODER E MUDANÇA
SOCIAL NAS POLITICAS PÚBLICAS
Leandro Ferreira Barbosa (UERJ)
AÇÃO CULTURAL TRANSFORMA A CIDADE QUE AS PESSOAS VÊEM
Ramon Luiz Zago de Oliveira (USP Leste)

Sala Maria Augusta II - Políticas setoriais: livro e leitura


BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS NA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO LIVRO, LEITURA
E BIBLIOTECA
Camila Rodrigues Leite (PUC-RJ)
POLÍTICAS CULTURAIS PARA O LIVRO, LEITURA E BIBLIOTECAS: DA ERA VARGAS À ERA LULA
Gilvanedja Ferreira Mendes da Silva (Secult-PE)
PERSPECTIVAS E DESAFIOS DO PLANO NACIONAL DO LIVRO E LEITURA (PNLL)
Jailton de Araújo Lira (UFF)
PERSPECTIVAS PARA AS UNIDADES DE CULTURA E INFORMAÇÃO
Marco Antônio de Almeida (USP)
Héctor René Mena Méndez (USP)
Ieda Pelógia Martins Damian (USP)
REFLEXÕES ACERCA DOS MARCOS LEGAIS PARA AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS NO BRASIL
Marília Cossich Ramos (UNIRIO)
Elisa Campos Machado (UNIRIO)
DISCUSSÕES SOBRE UMA OBRA UNIVERSITÁRIA – BREVE ENSAIO SOBRE A ENCICLOPÉDIA
BRASILEIRA DO INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO E OS PROJETOS DA DÉCADA DE 1950
Mariana Rodrigues Tavares (UFF)

13h30 – 14h30 – Intervalo para almoço

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das Comunicações
14h30 – 17h | Comunicações
Auditório - Financiamento à cultura: da Lei Sarney ao Procultura
O PÚBLICO E O PRIVADONA LEI DE INCENTIVO À CULTURA
Ana Lúcia Pardo (UERJ)
ENTRE AVANÇOS E ENTRAVES, UMA DICOTOMIA - DISCUSSÕES SOBRE A POLÍTICA CULTURAL
“LEI RUBEM BRAGA”: BREVES ABORDAGENS
Elizangela Rosa de Araújo Juvêncio (UENF)
Cristiana Barcelos da Silva (UENF)
QUEM GOVERNA? TRAJETÓRIA DAS POLITICAS CULTURAIS E SEUS PROCESSOS DECISÓRIOS NO
FINANCIAMENTO DA CULTURA
Raquel Moreira (FCRB)
LEI SARNEY EM NÚMEROS: PRIMEIRAS ANÁLISES
Renata Duarte (FCRB)
Lia Calabre (FCRB)
A COMISSÃO NACIONAL DE INCENTIVO À CULTURA ENTRE OS GOVERNOS LULA E DILMA
Rodrigo Correia do Amaral (USP)

Sala de cursos - Políticas Setoriais: museus


MUSEOLOGIA SOCIAL E POLÍTICA CULTURAL: A EXPERIÊNCIA DA REDE DE MUSEOLOGIA
SOCIAL DO RIO DE JANEIRO
Juliana Leite Tavares Veiga (UFF)
CADASTRO CATARINENSE DE MUSEUS: A INICIATIVA DE COLETAR E PRODUZIR INFORMAÇÕES
SOBRE O CAMPO MUSEAL NO ESTADO
Maurício Rafael (USP)
Renata Cittadin (UNIBAVE)
O PLANO MUSEOLÓGICO E O PROGRAMA DE ARQUITETURA NO CONTEXTO DA POLÍTICA
NACIONAL DE MUSEUS
Ricardo Sampaio Pintado (UFPEL)
Cláuber Gonçalves dos Santos (UFPEL)
UMA PROPOSTA DE REFLEXÃO PARA UM ESTUDO COMPARATIVO DAS POLÍTICAS CULTURAIS
PARA OS MUSEUS NOS PAÍSES DO MERCOSUL
Ana Ramos Rodrigues (UFRGS)
AÇÕES CULTURAIS EM MUSEUS PARA PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE:
PROJETO CONSTRUINDO
Christiane Maria Castellen (Fundação Catarinense de Cultura)

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das Comunicações
Tenda - Periferias urbanas e políticas culturais
POR UMA GESTÃO CULTURAL TRANSFORMADORA NOS ESPAÇOS POPULARES DE CULTURA
Álvaro Maciel (Funarte)
POTÊNCIA E EXCLUSÃO: PENSANDO A POLÍTICA CULTURAL DA VIZINHA DO REI
Ana Maria Amorim Correia (Museu Ciência e Vida)
CONEXÃO CULTURA: DIÁLOGO COM A JUVENTUDE DE MANGUINHOS E MARÉ
Hilda da Silva Gomes (Museu da Vida/Fiocruz)
Monique Ramos Garcia da Silva (Museu da Vida/Fiocruz)
Carmen Evelyn Rodrigues Mourão (Museu da Vida/Fiocruz)
POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA E A POTENCIALIZAÇÃO DE PRÁTICAS ARTÍSTICOS-
CULTURAIS PERIFÉRICAS NO ESPAÇO URBANO DO RIO DE JANEIRO
Juliana Lopes (UFRJ)
FUNK! PAUTA PARA POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA?
Pâmella Passos (IFRJ)
Sandro Henrique Rosa (IFRJ)

19 de maio
quinta-feira

8h – 10h30 | Comunicações
Auditório – Estatísticas culturais
CLASSIFICAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS E CIFRAS CULTURAIS EM GOIÁS
Adriana Parada (PNUD/UNESCO e Casa Brasil Digital)
Guilherme Augusto Alcantara Lobo (UFG)
METODOLOGIAS DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DAS AÇÕES CULTURAIS DA SECRETARIA
MUNICIPAL DA CULTURA DE FORTALEZA
Alênio Carlos Noronha Alencar (Sec. de Cultura de Fortaleza/CE)
Aline Silva Lima (Sec. de Cultura de Fortaleza/CE)
Daniel Ribeiro Paes de Castro (Observatório da Governança Municipal de Fortaleza/CE)
OFERTA CULTURAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: UMA ANÁLISE POR ÁREA
DE PLANEJAMENTO
Daniele Cristina Dantas (UFRRJ)

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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DA CULTURA E POLÍTICA CULTURAL DO MUNICÍPIO
DE UIRAMUTÃ – RR
Dayana Soares Araújo Paes (UFRR)
Lindinaia Perereira Melquior (Prefeitura de Uiramutã/RR)
Omério Cavalcante de Lima (Prefeitura de Uiramutã/RR)
INDICADORES CULTURAIS MUNICIPAIS A PARTIR DOS GASTOS PÚBLICOS
Tiago Costa Martins (UNIPAMPA e OMiCult)
Caroline Fernandes da Silva (OMiCult)

Sala de cursos - Políticas Culturais Setoriais: experiências e trocas


POLÍTICAS CULTURALES Y COLECTIVOS ARTÍSTICOS COMUNITARIOS: EL CASO DEL PROGRAMA
DE TEATRO COMUNITARIO MENDOCINO EN ARGENTINA
Romina Sánchez Salinas ((UNCuyo/Mendoza-Argentina)
María José Gadea (Municipalidad/Mendoza-Argentina)
CINEMATECA POTIGUAR E SUA CONTRIBUIÇÃO NA POLÍTICA CULTURAL AUDIOVISUAL
Mary Land Brito (IFF-RN)
Vanessa Paula Trigueiro (IFF-RN)
MEMÓRIA E ESQUECIMENTO: A TRAJETÓRIA DO CENTRO DE REFERÊNCIA AUDIOVISUAL DE
BELO HORIZONTE
Marcelo Braga de Freitas (PUC-MG)
PARTICIPAR E GERIR: ETNOGRAFIA DO COLEGIADO SETORIAL DE DANÇA DO RIO GRANDE
DO SUL
Emanuelle Maia de Souza (UFRGS)
GESTÃO CULTURAL E TRABALHO TEATRAL NA CIDADE DE SÃO PAULO
Cleiton Alvaredo Paixão (UEP)

Tenda - Políticas culturais e participação social


AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS NA EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS EM ÂMBITO MUNICIPAL
Cláuber Gonçalves dos Santos (UFPEL)
Ricardo Luis Sampaio Pintado (UFPEL)
CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURAL DE BELO HORIZONTE – AVANÇOS E DESAFIOS
DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE CULTURA
Caroline Craveiro (PUC-MG)

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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM REDE NA POLÍTICA CULTURAL DO DISTRITO FEDERAL:
O CASO DO FÓRUM DE CULTURA
Leandro Antônio Grass Peixoto (UnB)
Mayara Souza dos Reis (UnB)
Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi (UnB)
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA ÁREA DA DANÇA: UMA ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA
CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA
Marcella Souza Carvalho (CNPC/MinC)

Sala Maria Augusta II - Políticas Culturais: experiências em gestão


A POLÍTICA CULTURAL DO EXÉRCITO
Iracema A. de Alencar (UFRJ)
O AEROCLUBE DO BRASIL E O MUSEU AEROESPACIAL: PERSONAGENS IMPORTANTES NA
CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA CULTURAL DE AVIAÇÃO CIVIL NO PAÍS
Rejane de Souza Fontes (PUCRS)
Claudia Musa Fay (PUCRS)
O MODELO DE GOVERNANÇA PÚBLICA E AS POLÍTICAS CULTURAIS
Gabriela Maria Carvalho Feijó (USP)
POLÍTICAS CULTURALES EN EL PARTIDO DE GENERAL PUEYRREDON: UN ANÁLISIS
CUANTITATIVO PARA LA ACCIÓN DESDE LA GESTIÓN CULTURAL
Gabriela Adriana Costaguta (UNMdp)
VISÃO PANOMRÂMICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CULTURA NA TRÍPLICE FRONTEIRA
BRAZIL-GUYANA-VENEZUELA: VIABILIDADE JURÍDICO-ECONÔMICA
Emanuel Henrique de Sousa Loureto (UFRR)
Elói Martins Senhoras (UFRR)

10h30 - 11h | Intervalo

11h – 13h30 | Comunicações


Auditório - Política de fomento: estudos de caso
POLÍTICAS CULTURAIS E AUDIOVISUAL: A EXPERIÊNCIA DE REALIZAR UM FILME VIA FUNDO
DE CULTURA DO ESTADO DA BAHIA
Calila das Mercês Oliveira (UnB)
Raquel Machado Galvão (UNICAMP)

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VII Seminário Internacional

políticas culturais
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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
O EDITAL NA POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Cleide Vilela (CEAM/UnB)
Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi (CEAM/UnB)
EDITAL CARMEN SANTOS: POLÍTICA PÚBLICA E O CINEMA DE MULHERES
Lina Távora (SAV/MinC)
PRESTANDO CONTAS À SOCIEDADE: 10 ANOS DOS EDITAIS DE FOMENTO ÀS ARTES CÊNICAS
DA FUNARTE
Marcelo Gruman (Funarte)

Sala de cursos - Gestão Municipal de Cultura: experiências e trocas


O LUGAR DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS NA CONSTRUÇÃO DE UMA REDE
INTERFEDERATIVA DE CULTURA
Gabriela Martins Durães Brandão (Sec. Est. de Cultura -MG)
Cícero Nogueira Marra (Fundação João Pinheiro-MG)
CAMPOS DOS GOYTACAZES NO PALCO DA CULTURA: 2005 A 2014
Kátia Macabu de Sousa Soares (IFFluminense)
Denise Cunha Tavares Terra (UCAM/UENF)
Lia Calabre de Azevedo (FCRB)
CONSELHO DE POLÍTICA CULTURAL DE VOLTA REDONDA: UM MOVIMENTO ORGÂNICO PARA AS
REAIS LIBERDADES POLÍTICO-CULTURAIS
Bárbara Cunha Ferreira de Oliveira (UFF)
Marcos Vinícius Araújo Delgado (Pós-Administração-UFF)
SITUAÇÃO DA CULTURA NO MUNICÍPIO DE CARACARAÍ – RR: APROXIMAÇÕES COM O CENÁRIO
POLÍTICO E CULTURAL.
Vilso Junior Santi (UFRR)
Francilene Cardoso da Silva (UFRR)
Leila Adriana Baptagin

Tenda - Políticas Culturais: história e memória


OS PRIMEIROS CONGRESSOS NACIONAIS DE MUSEUS NO BRASIL E SUA IMPORTÂNCIA PARA O
DESENVOLVIMENTO DE UMA POLÍTICA NACIONAL MUSEAL
Daniel Campelo de Oliveira (UNIRIO)
INTELECTUAIS E A POLÍTICA CULTURAL NA DÉCADA DE 1930: GUSTAVO CAPANEMA E MÁRIO
DE ANDRADE EM MISSÃO
Eduardo Augusto Sena (Fund. Bienal de São Paulo)

20
VII Seminário Internacional

políticas culturais
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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
O SURGIMENTO DOS CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO UNIVERSITÁRIOS E SUA RELAÇÃO COM A
PNC DE 1975
Marcia Teixeira Cavalcanti (Instituto de Engenharia Nuclear - IEN)

Sala Maria Augusta II – Experiências de Mediação Cultural


POLÍTICAS CULTURAIS PARA A MUSICALIZAÇÃO EM SÃO PAULO: DIÁLOGOS E CONTRASTES
ENTRE O VOCACIONAL MÚSICA E O PROJETO GURI
Inti Anny Queiroz (USP)
MEDIAÇÃO CULTURAL: PROBLEMATIZAÇÕES E CONTEXTO
Cintia Maria da Silva (Univ. Paulista Julio de Mesquita Filho)
Renan Ribeiro Beltrame (Memorial da Resistência de São Paulo)
A REPRESENTAÇÃO DA CULTURA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE SANTA MARIA: UM ESTUDO
SOBRE O PROGRAMA “MAIS CULTURA”
Ângela Sowa (UFSM)
ESTRATÉGIAS DE MEDIAÇÃO CULTURAL NA BIENAL INTERNACIONAL DE ARTES DE SÃO PAULO:
ENTRE A GESTÃO DO PÚBLICO E A MEDIAÇÃO ARTÍSTICA
Jessica Seabra (USP)
TURISMÓLOGOS NO MUSEU: UM PROJETO PARA OS VISITANTES DO MUSEU CASA
DE RUI BARBOSA
Thaís Costa (FCRB)
Rômulo Duarte (FCRB)

13h30 - 14h30 | Intervalo para almoço

14h30 – 17h | Comunicações


Auditório - Sistemas de Cultura: experiências, avanços e desafios
PARTICIPAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO: OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA
ESTADUAL DE CULTURA DO RJ
Juliano Borges (IBMEC-RJ)
Simone Amorim (UERJ)

POLÍTICA CULTURAL MILITAR - UMA REFLEXÃO SOBRE AS DIVERSAS FORMAS DE GESTÃO DO


PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL MILITAR
Lecinio Alves Tavares (Exército Brasileiro)
Giorgio Pizzani Trindade(Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército)

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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
DESAFIOS E ESPECIFICIDADES NA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA CULTURAL DO MUNICIPIO DE
ALTO ALEGRE/RORAIMA
Leila Adriana Baptaglin (UFRR)
Chloé Virginie Marie Bourgy Noleto (Inst. Boa Vista de Música)
Edgar Jesus Figueira Borges (UFRR)
O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL PÓS-1988: AS
ARQUITETURAS DO SISTEMA NACIONAL DE CULTURA E DO ICMS CULTURAL
Rafael Luiz de Aquino (PUC-MG)
DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS PARA O MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ/RS
Simone Luz Ferreira Constante (Cons. Municipal de Política Cultural de Gravataí/RS)

Sala de cursos - Patrimônio Cultural Imaterial


IMATERIAL: APROXIMAÇÕES LÉXICO-CONCEITUAIS ENTRE CAPITALISMO E PATRIMÔNIO
Andréa Doyle L.M.D. Aymonin (IBICT/UFRJ)
A REGULAÇÃO DO USO DAS EXPRESSÕES CULTURAIS TRADICIONAIS EM COMPASSO DE
ESPERA: ENTRE A PROPRIEDADE INTELECTUAL E O PATRIMÔNIO IMATERIAL
Carolina Guimarães Starling de Souza (MINC)
Everaldo Ferreira da Silva (MINC)
POLÍTICAS DE SALVAGUARDA DA CULTURA IMATERIAL, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIÁLOGOS
ENTRE IPHAN E DETENTORES NA CONSTRUÇÃO DO PROCESSO DE REGISTRO DAS CONGADAS
MINEIRAS: O CASO DO REINADO DE SANTO ANTONIO DO MONTE E ARAÚJOS, NA REGIÃO
CENTRO-OESTE
Francimário Vito dos Santos (UNIFOR-MG)
POLÍTICA E GESTÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL NO BRASIL: ALGUMAS REFLEXÕES
SOBRE OS PLANOS DE SALVAGUARDA
Lucieni de Menezes Simão (IUPERJ-UCAM)
MAPEANDO MESTRES E MESTRAS DOS SABERES POPULARES TRADICIONAIS
José Jorge de Carvalho (UNB)
Letícia C.R.Vianna (UNB)
Flávia S.Salgado (UFF)

Tenda - Mudanças tecnológicas e políticas culturais


GESTÃO CULTURAL E DESAFIOS FRENTE ÀS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS
Carla Anéte Berwig (Fund. Cultural de Curitiba/PR)

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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
REDE WEB DE MUSEUS: ACESSO AOS ACERVOS MUSEOLÓGICOS DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO
Carlos Henrique Marcondes (UFF)
Elenora Nobre Machado (Sec. de Est. de Cultura do Rio de Janeiro)
Éricka Madeira (Sec. de Est. de Cultura do Rio de Janeiro)
UM MUSEU NA CONTEMPORANEIDADE: O CASO DO MUSEU DAS COISAS BANAIS
NO INSTAGRAM
Juliane Conceição Primon Serres (UFPEL)
Ana Ramos Rodrigues (UFRGS)
Rafael Teixeira Chaves (UFPEL)
“DESMATERIALIZAÇÃO” E DÉFICIT DE ATENÇÃO NA CULTURA ATUAL
Nina Reis Saroldi (UNIRIO)
Andreia Ribeiro Ayres (UNIRIO)
ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS PARA JOGOS DIGITAIS NO BRASIL
Pedro Santoro Zambon (UNESP)
Juliano Maurício de Carvalho (UNESP)

Sala Maria Augusta II - Preservação de patrimônio material e acervos


POLÍTICAS CULTURAIS SOBRE OS ARQUIVOS, PATRIMÔNIO E MEMÓRIA FERROVIA
NO BRASIL
Frederico Antonio Ferreira (UFRRJ)
Rodrigo Pereira (UFRJ)
PATRIMÔNIO PORTUÁRIO EM CIDADES TOMBADAS DO PARANÁ E SANTA CATARINA:
ENTRE A PRESERVAÇÃO E A PERDA
Juliana Regina Pereira (UNICAMP)
MÚSICA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL: UM DEBATE SOBRE O PATRIMÔNIO MATERIAL E
IMATERIAL E A PRESERVAÇÃO DE ACERVOS MUSICAIS
Karina Barra Gomes (UENF e Rede Mun. de Ensino de Campos dos Goytacazes/RJ)
Simonne Teixeira (Casa de Cultura Villa Maria/UENF)
PATRIMÔNIO CULTURAL EM PERIGO – A ARTE FUNERÁRIA E O DESCASO COM SUA PROTEÇÃO
EM JUIZ DE FORA/MG
Leandro Gracioso de Almeida e Silva (UFPEL)
Marlise Buchweitz (UFPEL)

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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
POLITICAS CULTURAIS NAS SOCIEDADES MODERNAS: UM ESTUDO SOBRE O PAC
CIDADES HISTÓRICAS NA PERSPECTIVA DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL EDIFICADO
Welyza Carla da Anunciação Silva (UFMA)
Sarany Rodrigues da Costa (UFMA)
Kláutnys Dellene Guedes Cutrim (UFMA)

20 de maio
sexta-feira

8h – 10h30 | Comunicações
Auditório - Políticas de Financiamento: Patrocínio e Incentivo Fiscal
NOTAS SOBRE O FINANCIAMENTO À MÚSICA ATRAVÉS DA LEI ROUANET:
UMA POLÍTICA DA OFERTA
Daniela Ribas Ghezzi (CPF-SESC SP)
SOCIOLOGIA DA DIVERSIDADE E DESAFIOS DO PATROCÍNIO À CULTURA
NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Francis Miszputen (UCAM)
PROJETOS CULTURAIS DE EMPRESAS SUSTENTÁVEIS E AS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA
NO BRASIL
Mariana de Barros Souza (FEA-RP/USP)
Adriana Cristina Ferreira Caldana (FEA-RP/USP)
Lara Bartocci Liboni (FEA-RP/USP)
RENÚNCIA FISCAL PARA A CULTURA: UMA OUTRA VISÃO POSSÍVEL
Ulisses Quadros de Moraes (UNESPAR)

Sala de cursos - Economia Criativa


ECONOMIA CRIATIVA: PERSPECTIVAS TEMÁTICAS ABORDADAS E METODOLOGIAS DE
INVESTIGAÇÃO ADOTADAS
Luciana Lima Guilherme (UFRJ)
A ECONOMIA CRIATIVA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O CASO
DO ESTADO DO CEARÁ
Francisco Ricardo Calixto de Souza (UECE)
Francisco Roberto Pinto (UECE)

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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
ANÁLISIS FESTIVAL ESTÉREO PICNIC: CRECIMIENTO DE LOS FESTIVALES Y LA OFERTA
MUSICAL EN COLOMBIA (2010-2015)
Daniela Herrera Dimaté (Museu de Artes Gráficas – Imprensa Nacional de Colômbia)
A ECONOMIA CRIATIVA NO CONTEXTO BRASILEIRO E POLITICAS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL: UMA DISCUSSÃO EM ABERTO
Andreza Barreto Leitão (UENF)
Marcelo Carlos Gantos (UENF)

Tenda - Política Audiovisual e Comunicação II


LEI DA TV PAGA COMO POLÍTICAS CULTURAL DE ACESSO: A NOVA FRONTEIRA DE FOMENTO À
DIVERSIDADE NO AUDIOVISUAL
Ana Heloiza Vita Pessotto (UNESP)
Pedro Santoro Zambon (UNESP)
INTERFACES ENTRE COMUNICAÇÃO E CULTURA: UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL DA
COMUNICAÇÃO NAS POLÍTICAS DO AUDIOVISUAL
Ligia Machado Arruda (FCRB)
João Alcantara de Freitas (CPDOC/FGV)
DA EMBRAFILME À ANCINE: A EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS DE FOMENTO AO SETOR
AUDIOVISUAL BRASILEIRO APÓS O ADVENTO DA MEDIDA PROVISÓRIA N° 2.228-1/2001
Samara Taiana de Lima Silva (UFRN)
O CINEMA EM TRANSE: DEBATE CULTURAL E POLÍTICA CINEMATOGRÁFICA NA TRANSIÇÃO
DEMOCRÁTICA (1982-1990)
Wolney Vianna Malafaia (CPDOC/FGV)

Sala Maria Augusta II –Políticas Culturais: reflexões conceituais


POLÍTICA CULTURAL: CONCEPÇÕES DE CULTURA EM UMA ABORDAGEM CONFIGURACIONAL A
UMA ABORDAGEM PROCESSUAL
Marcelo Augusto de Paiva dos Santos (UFRJ)
Alessandra Martins Rosalba (UFRJ)
CULTURA E COMPLEXIDADE NOS PROJETOS E NAS POLÍTICAS PÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS
Maria Beatriz Afflalo Brandão (UFRJ)
POLÍTICAS PARA A CULTURA NO PLURAL: LIMITES E ABERTURAS
Mariana Luscher Albinati (FCRB)
POLÍTICAS CULTURAIS EM TEMPOS DIFÍCEIS: A BUSCA DE UMA ALTERNATIVA SOB A
HEGEMONIA DOS PENSAMENTOS NEO-LIBERAL E PÓS-MODERNO.
Paulo Ricardo Berton (UFSC)

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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
POLÍTICAS CULTURAIS NA AMÉRICA LATINA: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL
Renata Rocha (UFBA)

10h30 - 11h | Intervalo

11h – 13h30 | Comunicações


Auditório - Cidades Criativas
FORTALEZA DA DESIGUALDADE E DA CRIATIVIDADE:REFLEXÕES SOBRE AS CIDADES NO
SÉCULO XXI
Claudia Sousa Leitão (UECE)
Luciana Lima Guilherme (UFRJ)
Raquel Viana Gondim (UTAD-Portugal)
O PAPEL DO PODER PÚBLICO NO CARNAVAL DOS BLOCOS DE RUA: A FORMULAÇÃO DA FESTA
NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO HOJE
Marina Bay Frydberg (UFF)
Alex Kossak (UFF)
Gustavo Portella Machado (UFF)
LA “CLASE CREATIVA” CHOLA COMO BASE PARA LA CONSTITUCIÓN DE LA PAZ
COMO CIUDAD CREATIVA
Valeria M. Salinas Maceda
A ‘CIDADE CRIATIVA’ COMO UM NOVO PARADIGMA NAS POLÍTICAS
URBANO-CULTURAIS
Claudia Seldin (PROURB-FAU-UFRJ)
BAIRRO DO RECIFE: DO COMPLEXO TURÍSTICO-CULTURAL AO CLUSTER
DE NEGÓCIOS CRIATIVOS
Carla Lyra (UNIRIO)

Sala de cursos – Economia da Cultura


O PAPEL REGULATÓRIO DO ESTADO NA ECONOMIA DA CULTURA
Carlos Alberto Cerqueira dos Santos (UERJ)
ECONOMIA DA CULTURA COMO VETOR DE DESENVOLVIMENTO PARA O ESTADO DA BAHIA:
ALGUMAS REFLEXÕES
Carmen Lúcia Castro Lima (UNEB)

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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
UMA POLITICA CULTURAL PARA O DESIGN
Cristina Portugal (PUC-RJ)
Eliane Jordy (PUC-RJ)
Juan Carlos Arañó (Universidade de Sevilha)
ARTE E CRIAÇÃO NA ECONOMIA DOS BENS ABUNDANTES
Sharine Machado Cabral Melo (FUNARTE)

Tenda - Patrimônio Imaterial e Meio Ambiente


CONTROVÉRSIAS ACERCA DA CERTIFICAÇÃO DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DO CAPIM
DOURADO DO JALAPÃO. O CASO DA COMUNIDADE MUMBUCA, MATEIROS, TO
Alex Pizzio da Silva (UFT)
José Rogério Lopes (UFT)
A CHANCELA DA PAISAGEM CULTURAL COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA
Leonardo Alberto Corá Silva (UNISINOS)
O ARTIGO 231 E A VALIDADE DO REGISTRO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Felipe Teixeira Bueno Caixeta (UFF)
MODOS DE VIDA, REFERÊNCIA CULTURAL E AMBIENTE: NARRATIVAS PARA POLÍTICAS
PÚBLICAS DE PATRIMÔNIO
Claudia Feierabend Baeta Leal (IPHAN)
Luciano de Souza e Silva (IPHAN)
Mônica Castro de Oliveira (IPHAN)
NECESSIDADE DE POLÍTICAS INSTITUCIONAIS PARA A APLICAÇÃO DE INDICAÇÕES
GEOGRÁFICAS COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO E VALORIZAÇÃO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Patricia Pereira Peralta(UFRJ)

Sala Maria Augusta II - Educação patrimonial


POLÍTICAS CULTURAIS, PATRIMONIALIZAÇÃO E POVOS INDÍGENAS: A CASA TAMIRIKIE O
PROTAGONISMO DOS AMERÍNDIOS KATXUYANA
Adriana Russi (UFF)
Marcela Endreffy (UFF)
INDICADORES CULTURAIS E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: UMA ABORDAGEM CENTRADA NA
EXPERIÊNCIA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES
Erivan da Silva Dantas Filho (UENF)
Allana Pessanha de Moraes (UENF)
Martha Maria Gonzaléz García (UENF)

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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
JAPARATUBA EM REDE: A EXPERIÊNCIA DE UMA METODOLOGIA PARA A EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL DE JOVENS AGENTES CULTURAIS
Marcelo Rangel (Inst. Banese/Museu da Gente Sergipana)
Bruna Távora (UFS)

O ENSINO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A INTERFACE COM AS POLÍTICAS PÚBICAS NO BRASIL:


UM DEBATE EM CONSTRUÇÃO
Marian Helen da Silva Gomes Rodrigues (UTAD/PT e Inst. Olho D´água)
Pedro Diniz Coelho de Souza (Inst. Olho D´água)

CULTURAS POPULARES E O PROCESSO FORMATIVO PARA ADENTRAR À DINÂMICA


PATRIMONIAL: O CASO DA FOLIA DE REIS DE VALENÇA-RJ
Marluce Magno (UNIRIO)

13h30-14h30 | Intervalo para almoço

14h30 – 17h | Comunicações


Auditório - Políticas Culturais Setoriais para as artes
PORQUE A CULTURA É UMA POLÍTICA SETORIAL?
Irmina Anna Walczak (IPEA)
Juliana Veloso Sá (IPEA)
Frederico Augusto Barbosa da Silva (IPEA)
O LUGAR DA PERFORMANCE ARTE NO EDITAL PRÊMIO FUNARTE ARTES NA RUA (2011 a 2013)
Charlaine Suelen Rodrigues Souza (SENAC – Lapa Scipão/SP)
MAPEAMENTO NACIONAL DA DANÇA: OS AGENTES DA DANÇA E AS POLÍTICAS SETORIAIS
Lúcia Helena Alfredi de Matos (UFBA)
Gisele Marchiori Nussbaumer (UFBA)
TEATRO DE GRUPO NA CENA PORTO-ALEGRENSE: NOVOS PADRÕES DE TRABALHO E
DEPENDÊNCIA DE VERBAS PÚBLICAS
Luciene Z. Andrade Lauda (UFRGS)
POLÍTICA NACIONAL DAS ARTES: LIMITES E POSSIBILIDADES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA AS ARTES
Rodrigo Cazes Costa (UFF)

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VII Seminário Internacional

políticas culturais
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Programação Voltar ao Índice Geral

das Comunicações
Sala de cursos - Financiamento à cultura e acesso
A PERCEPÇÃO DE TRABALHADORES ITAJAIENSES SOBRE O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO
PROGRAMA DE CULTURA DO TRABALHADOR
Ana Clara Ferreira Marques (UNIVALI)
Maria Glória Dittrich (UNIVALI)
LEI MUNICIPAL MURILO MENDES: O MODELO PRECURSOR DE INCENTIVO À CULTURA DE JUIZ
DE FORA –MG
Fernanda Amaral de Almeida (FUNALFA/Prefeitura de Juiz de Fora/MG)
UMA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA VALE CULTURA
Victor Hugo Barreto de Sena Sampaio (UnB)

Tenda - Gestão Cultural: política e formação


HÁ DIÁLOGO ENTRE A GESTÃO CULTURAL E A POLÍTICA CULTURAL?
Bárbara Heliodora Andrade Ramos (UFF)
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DA CULTURA E AS POLÍTICAS CULTURAIS
Patricia Amorim de Paula (UNICAMP)
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL CULTURAL E GESTÃO SOCIAL:
OS TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE DA BAHIA
Janaína dos Santos Dias (UFF)
Angeline Coimbra Tostes de Martino Alves (UFF)
A HETEROGENEIDADE DA POLÍTICA CULTURAL CONTEMPORÂNEA:
AS MÚLTIPLAS FORMAS DE GESTÃO DOS EQUIPAMENTOS CULTURAIS PÚBLICOS
Jackson Raymundo (UFRGS)
LA “CUESTIÓN NACIONAL” COMO PROBLEMÁTICA AUSENTE EN LOS PROCESOS DE FORMACIÓN
DE GESTORES CULTURALES
Federico Luis Escribal (UNTREF)
FORMAÇÃO EM GESTÃO CULTURAL NO BRASIL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Gabriel Medeiros Chati (UNIPAMPA)

Nestes anais estão contidos todos os artigos que foram apresentados oralmente
pelos seus autores durante as comunicações do
VII Seminário Internacional de Políticas Culturais.
Foram excluídos os trabalhos cujos autores não compareceram.

29
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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

44 Adil Giovanni Lepri


POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EXIBIÇÃO CINEMATOGRÁFICA: O CASO DA REDE CINE CARIOCA

57 Adriana Parada e Guilherme Augusto Alcantara Lobo


CLASSIFICAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS E CIFRAS CULTURAIS EM GOIÁS

73 Adriana Russi e Marcela Endreffy


POLÍTICAS CULTURAIS, PATRIMONIALIZAÇÃO E POVOS INDÍGENAS: A CASA TAMIRIKI E O PRO-
TAGONISMO DOS AMERÍNDIOS KATXUYANA

87 Alênio Carlos Noronha Alencar, Aline Silva Lima e Daniel Ribeiro Paes de Castro
METODOLOGIAS DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DAS AÇÕES CULTURAIS DA SECRETARIA
MUNICIPAL DA CULTURA DE FORTALEZA

101 Alex Pizzio da Silva e José Rogério Lopes


CONTROVÉRSIAS ACERCA DA CERTIFICAÇÃO DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DO CAPIM DOURA-
DO DO JALAPÃO.O CASO DA COMUNIDADE MUMBUCA, MATEIROS, TO

115 Alexandre Barbalho


O MINC E A GESTÃO ANA DE HOLLANDA: MOBILIZAÇÃO E CRISE NA POLITICA E NO CAMPO
DA CULTURA

128 Allan Rocha de Souza e Alexandre de Serpa Pinto Fairbanks


TRATADO DE MARRAKESH NO PLANO NACIONAL DE CULTURA: INCLUSÃO CULTURAL
E CIDADANIA

141 Álvaro Maciel


POR UMA GESTÃO CULTURAL TRANSFORMADORA NOS ESPAÇOS POPULARES DE CULTURA

152 Ana Clara Ferreira Marques e Maria Glória Dittrich


A PERCEPÇÃO DE TRABALHADORES ITAJAIENSES SOBRE O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO
PROGRAMA DE CULTURA DO TRABALHADOR

166 Ana Clécia Mesquita de Lima


AVALIAÇÃO DO PROGRAMA CULTURA VIVA – UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DOS DOIS MARCO
LÓGICO APLICADO AO PROGRAMA

179 Ana Heloiza Vita Pessotto e Pedro Santoro Zambon


LEI DA TV PAGA COMO POLÍTICA CULTURAL DE ACESSO: A NOVA FRONTEIRA DE FOMENTO À
DIVERSIDADE NO AUDIOVISUAL

191 Ana Julia Cury de Brito Cabral


“FORA DA NOVA ORDEM MUNDIAL?”: O NEOLIBERALISMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O
CINEMA NO BRASIL E NA ARGENTINA DOS ANOS 1990

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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

203 Ana Lúcia Pardo


O PÚBLICO E O PRIVADO NA LEI DE INCENTIVO À CULTURA

222 Ana Maria Amorim Correia


POTÊNCIA E EXCLUSÃO: PENSANDO A POLÍTICA CULTURAL DA VIZINHA DO REI

232 Ana Ramos Rodrigues


UMA PROPOSTA DE REFLEXÃO PARA UM ESTUDO COMPARATIVO DAS POLÍTICAS CULTURAIS
PARA OS MUSEUS NOS PAÍSES DO MERCOSUL

242 Andréa Doyle


MATERIAL: APROXIMAÇÕES LÉXICO-CONCEITUAIS ENTRE CAPITALISMO E PATRIMÔNIO

252 Andrés Tafur Villarreal


POLÍTICA CULTURAL Y CONSTRUCCIÓN DE PAZ EN COLOMBIA

266 Andreza Barreto Leitão e Marcelo Carlos Gantos


A ECONOMIA CRIATIVA NO CONTEXTO BRASILEIRO E POLITICAS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL: UMA DISCUSSÃO EM ABERTO

284 Antonio Albino Canelas Rubim


CARAVANAS E POLÍTICAS CULTURAIS

298 Ariel Nunes


POLÍTICA CULTURAL E CULTURA DA POLÍTICA: UMA PERSPECTIVA ETNOGRÁFICA DO PROGRAMA
CULTURA VIVA

309 Bárbara Cunha Ferreira de Oliveira e Marcos Vinícius Araújo Delgado


CONSELHO DE POLÍTICA CULTURAL DE VOLTA REDONDA: UM MOVIMENTO ORGÂNICO PARA AS
REAIS LIBERDADES POLÍTICO-CULTURAIS

321 Bárbara Heliodora Andrade Ramos


HÁ DIÁLOGO ENTRE A GESTÃO CULTURAL E A POLÍTICA CULTURAL?

334 Beatriz Terra Freitas


AFIRMAÇÃO E EXPANSÃO TERRITORIAL EM POLÍTICAS CULTURAIS: UMA ANÁLISE DOS
PROGRAMAS CULTURA VIVA E ARTE NA RUA PELA PERSPECTIVA DO TERRITÓRIO

347 Calila das Mercês Oliveira e Raquel Machado Galvão


POLÍTICAS CULTURAIS E AUDIOVISUAL: A EXPERIÊNCIA DE REALIZAR UM FILME VIA FUNDO DE
CULTURA DO ESTADO DA BAHIA

357 Camila Rodrigues Leite


BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS NA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO LIVRO, LEITURA
E BIBLIOTECA

31
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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

368 Carla Anéte Berwig


GESTÃO CULTURAL E DESAFIOS FRENTE ÀS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS

377 Carla Cristina Rosa de Almeida, João Policarpo Rodrigues Lima e Maria Fernanda
Gatto Padilha
CULTURA E DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES. POLÍTICAS CULTURAIS PARA QUEM?

392 Carla Lyra


BAIRRO DO RECIFE: DO COMPLEXO TURÍSTICO-CULTURAL AO CLUSTER
DE NEGÓCIOS CRIATIVOS

405 Carlos Alberto Cerqueira dos Santos


O PAPEL REGULATÓRIO DO ESTADO NA ECONOMIA DA CULTURA.

417 Carlos Henrique Marcondes, Elenora Nobre Machado e Éricka Madeira


REDE WEB DE MUSEUS: ACESSO AOS ACERVOS MUSEOLÓGICOS DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO

429 Carmen Lúcia Castro Lima


ECONOMIA DA CULTURA COMO VETOR DE DESENVOLVIMENTO PARA O ESTADO DA BAHIA:
ALGUMAS REFLEXÕES.

439 Carolina Guimarães Starling de Souza e Everaldo Ferreira da Silva


REGULAÇÃO DO USO DAS EXPRESSÕES CULTURAIS TRADICIONAIS EM COMPASSO
DE ESPERA: ENTRE A PROPRIEDADE INTELECTUAL E O PATRIMÔNIO IMATERIAL

448 Carolina Marques Henriques Ficheira


REFLEXÕES SOBRE FORMAS DE SUSTENTABILIDADE PARA O CAMPO CULTURAL: PONTO CINE.

458 Caroline Craveiro


CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURAL DE BELO HORIZONTE – AVANÇOS E DESAFIOS
DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE CULTURA

468 Cesar de Mendonça Pereira e Milene Morais Ferreira


PONTOS DE CULTURA: O MUNDO QUE VI

482 Charlaine Suelen Rodrigues Souza


O LUGAR DA PERFORMANCE ARTE NO EDITAL PRÊMIO FUNARTE ARTES NA RUA (2011 a 2013)

495 Christiane Maria Castellen


AÇÕES CULTURAIS EM MUSEUS PARA PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE:
PROJETO CONSTRUINDO

509 Cintia Maria da Silva e Renan Ribeiro Beltrame


MEDIAÇÃO CULTURAL: PROBLEMATIZAÇÕES E CONTEXTO

32
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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

521 Cláuber Gonçalves dos Santos e Ricardo Luis Sampaio Pintado


AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS NA EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS EM ÂMBITO MUNICIPAL

533 Claudia Feierabend Baeta Leal, Luciano de Souza e Silva e Mônica Castro de Oliveira
MODOS DE VIDA, REFERÊNCIA CULTURAL E AMBIENTE: NARRATIVAS PARA POLÍTICAS PÚBLICAS
DE PATRIMÔNIO

547 Claudia Seldin


A ‘CIDADE CRIATIVA’ COMO UM NOVO PARADIGMA NAS POLÍTICAS URBANO-CULTURAIS

560 Claudia Sousa Leitão, Luciana Lima Guilherme e Raquel Viana Gondim
FORTALEZA DA DESIGUALDADE E DA CRIATIVIDADE: REFLEXÕES SOBRE AS CIDADES NO
SÉCULO XXI

576 Cleide Vilela e Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi


O EDITAL NA POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

587 Cristina Portugal, Eliane Jordy e Juan Carlos Arañó


UMA POLITICA CULTURAL PARA O DESIGN

598 Daniel Campelo de Oliveira


OS PRIMEIROS CONGRESSOS NACIONAIS DE MUSEUS NO BRASIL E SUA IMPORTÂNCIA PARA O
DESENVOLVIMENTO DE UMA POLÍTICA NACIONAL MUSEAL

608 Daniela Herrera Dimaté


ANÁLISIS FESTIVAL ESTÉREO PICNIC: CRECIMIENTO DE LOS FESTIVALES Y LA OFERTA MUSICAL
EN COLOMBIA (2010-2015)

621 Daniela Pereira Barbosa


BRASÍLIA POR PESSOAS: ENVOLVENDO A POPULAÇÃO NAS POLÍTICAS CULTURAIS DA CIDADE

633 Daniela Ribas Ghezzi


NOTAS SOBRE O FINANCIAMENTO À MÚSICA ATRAVÉS DA LEI ROUANET:
UMA POLÍTICA DA OFERTA

647 Daniele Cristina Dantas


OFERTA CULTURAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: UMA ANÁLISE POR ÁREA DE
PLANEJAMENTO

662 Daniele Sampaio da Silva


PERSPECTIVAS SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL NO PROGRAMA CULTURA VIVA

676 Dayana Soares Araújo Paes, Lindinaia Perereira Melquior e Omério Cavalcante de lima
DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DA CULTURA E POLÍTICA CULTURAL DO MUNICÍPIO
DE UIRAMUTÃ – RR

33
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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

691 Eduardo Augusto Sena


INTELECTUAIS E A POLÍTICA CULTURAL NA DÉCADA DE 1930: GUSTAVO CAPANEMA E MÁRIO DE
ANDRADE EM MISSÃO

703 Elisa Selvo Chaves


PARTICIPAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICAS CULTURAIS NO PROCESSO DE
ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA EM BERTIOGA – APLICAÇÃO DO DIAGNÓSTICO
RÁPIDO PARTICIPATIVO

715 Emanuel Henrique de Sousa Loureto e Elói Martins Senhoras


VISÃO PANOMRÂMICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CULTURA NA TRÍPLICE FRONTEIRA
BRAZIL-GUYANA-VENEZUELA: VIABILIDADE JURÍDICO-ECONÔMICA

726 Emanuelle Maia de Souza


PARTICIPAR E GERIR: ETNOGRAFIA DO COLEGIADO SETORIAL DE DANÇA DO RIO GRANDE
DO SUL

736 Erivan da Silva Dantas Filho, Allana Pessanha de Moraes e Martha Maria
Gonzaléz García
INDICADORES CULTURAIS E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: UMA ABORDAGEM CENTRADA NA
EXPERIÊNCIA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES

747 Federico Escribal


LA “CUESTIÓN NACIONAL” COMO PROBLEMÁTICA AUSENTE EN LOS PROCESOS DE FORMACIÓN
DE GESTORES CULTURALES

755 Felipe Teixeira Bueno Caixeta


O ARTIGO 231 E A VALIDADE DO REGISTRO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

764 Fernanda Amaral de Almeida


LEI MUNICIPAL MURILO MENDES: O MODELO PRECURSOR DE INCENTIVO À CULTURA DE JUIZ
DE FORA – MG

773 Flávia Junqueira


PONTOS DE CULTURA: POLÍTICAS PÚBLICAS E A PRODUÇÃO DE UMA SUBJETIVIDADE
MAIS AUTÔNOMA

782 Francimário Vito dos Santos


POLÍTICAS DE SALVAGUARDA DA CULTURA IMATERIAL, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIÁLOGOS
ENTRE IPHAN E DETENTORES NA CONSTRUÇÃO DO PROCESSO DE REGISTRO DAS CONGADAS
MINEIRAS: O CASO DO REINADO DE SANTO ANTONIO DO MONTE E ARAÚJOS, NA REGIÃO
CENTRO-OESTE

796 Francis Miszputen


SOCIOLOGIA DA DIVERSIDADE E DESAFIOS DO PATROCÍNIO À CULTURA NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO

34
VII Seminário Internacional

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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

802 Francisco Ricardo Calixto de Souza e Francisco Roberto Pinto


A ECONOMIA CRIATIVA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO:
O CASO DO ESTADO DO CEARÁ.

816 Franz Cabrera Quispe


EL PLAN DEPARTAMENTAL DE CULTURAS DE COCHABAMBA: PRIMER INSTRUMENTO PARA LA
GESTIÓN DE POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURALES EN EL ÁMBITO AUTONÓMICO DEL ESTADO
PLURINACIONAL DE BOLIVIA

830 Frederico Antonio Ferreira e Rodrigo Pereira


POLÍTICAS CULTURAIS SOBRE OS ARQUIVOS, PATRIMÔNIO E MEMÓRIA FERROVIA NO BRASIL.

843 Frederico Augusto Barbosa da Silva


OS SENTIDOS DO SEM SENTIDO: LEMBRANÇAS DO “REDESENHO”

858 Gabriel Medeiros Chati


FORMAÇÃO EM GESTÃO CULTURAL NO BRASIL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

872 Gabriela Adriana Costaguta


POLÍTICAS CULTURALES EN EL MUNICIPIO DE GENERAL PUEYRREDON: UN ANÁLISIS
CUANTITATIVO PARA LA ACCIÓN DESDE LA GESTIÓN CULTURAL

881 Gabriela Maria Carvalho Feijó


O MODELO DE GOVERNANÇA PÚBLICA E AS POLÍTICAS CULTURAIS

894 Gabriela Martins Durães Brandão e Cícero Nogueira Marra


O LUGAR DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS NA CONSTRUÇÃO DA REDE
INTERFEDERATIVA DE CULTURA

907 Hilda da Silva Gomes, Monique Ramos Garcia da Silva


e Carmen Evelyn Rodrigues Mourão
CONEXÃO CULTURA: DIÁLOGO COM A JUVENTUDE DE MANGUINHOS E MARÉ

915 Igor Luiz Rodrigues Da Silva, Claudia Cristina Rezende Puentes e


Natalia Teles Bezerra
A PRÁXIS COTIDIANA COMO FATOR CONTRIBUTIVO NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS
PARA O SETOR AFRO-BRASILERO EM ALAGOAS: DA SOCIEDADE CIVIL PARA A ESFERA PÚBLICA
GOVERNAMENTAL.

928 Inti Anny Queiroz


POLÍTICAS CULTURAIS PARA A MUSICALIZAÇÃO EM SÃO PAULO: DIÁLOGOS E CONTRASTES
ENTRE O VOCAL MUSICAL E O PROJETO GURI.

939 Iracema A de Alencar


A POLÍTICA CULTURAL DO EXÉRCITO

35
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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

949 Irmina Anna Walczak, Frederico Augusto Barbosa da Silva e Juliana Veloso Sá
PORQUE A CULTURA É UMA POLÍTICA SETORIAL?

965 Jackson Raymundo


A HETEROGENEIDADE DA POLÍTICA CULTURAL CONTEMPORÂNEA: AS MÚLTIPLAS FORMAS DE
GESTÃO DOS EQUIPAMENTOS CULTURAIS PÚBLICOS

975 Jailton de Araújo Lira


PERSPECTIVAS E DESAFIOS DO PLANO NACIONAL DO LIVRO E LEITURA (PNLL)

986 Janaína Santos Dias e Angeline Coimbra Tostes de Martino Alves


DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL CULTURAL E GESTÃO SOCIAL: OS TERRITÓRIOS DE
IDENTIDADE DA BAHIA

1002 Jessica Seabra


ESTRATÉGIAS DE MEDIAÇÃO CULTURAL NA BIENAL INTERNACIONAL DE ARTES DE SÃO PAULO:
ENTRE A GESTÃO DO PÚBLICO E A MEDIAÇÃO ARTÍSTICA

1015 João Guerreiro


INSTITUTO PRETOS NOVOS: A MÃE ÁFRICA NOS PROVOCA A REPENSAR AS POLÍTICAS
CULTURAIS

1029 José Jorge de Carvalho, Letícia C.R.Vianna e Flávia S.Salgado


MAPEANDO MESTRES E MESTRAS DOS SABERES POPULARES TRADICIONAIS

1039 José Márcio Barros e Raquel Salomão Utsch de Carvalho


A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE E SEUS PRIMEIROS 10 ANOS: UMA APROXIMAÇÃO A PARTIR
DOS RELATOS DAS PARTES

1048 José Maria Reis e Souza Junior


QUANDO A POESIA VIROU POLÍTICA: O PERCURSO DOS PONTOS DE CULTURA NO BRASIL, DE
PROGRAMA GOVERNAMENTAL À REDE CULTURA VIVA.

1062 Juliana Leite Tavares Veiga


MUSEOLOGIA SOCIAL E POLÍTICA CULTURAL: A EXPERIÊNCIA DA REDE DE MUSEOLOGIA SOCIAL
DO RIO DE JANEIRO

1074 Juliana Lopes


POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA E A POTENCIALIZAÇÃO DE PRÁTICAS ARTÍSTICOS-CULTURAIS
PERIFÉRICAS NO ESPAÇO URBANO DO RIO DE JANEIRO

1089 Juliana Regina Pereira


PATRIMÔNIO PORTUÁRIO EM CIDADES TOMBADAS DO PARANÁ E SANTA CATARINA:
ENTRE A PRESERVAÇÃO E A PERDA

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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

1101 Juliane Conceição Primon Serres, Ana Ramos Rodrigues e Rafael Teixeira Chaves
UM MUSEU NA CONTEMPORANEIDADE: O CASO DO MUSEU DAS COISAS BANAIS NO INSTAGRAM

1111 Juliano Borges e Simone Amorim


PARTICIPAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO: OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA
ESTADUAL DE CULTURA DO RJ

1123 Julio Souto Salom


O RENASCIMENTO DO GRIÔ AFRO-BRASILEIRO

1135 Karina Barra Gomes e Simonne Teixeira


MÚSICA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL: UM DEBATE SOBRE O PATRIMÔNIO MATERIAL E
IMATERIAL E A PRESERVAÇÃO DE ACERVOS MUSICAIS

1148 Kátia Macabu de Sousa Soares, Denise Cunha TavaresTerra e Lia Calabre de Azevedo
CAMPOS DOS GOYTACAZES NO PALCO DA CULTURA: 2005 A 2014

1161 Leandro Antônio Grass Peixoto, Mayara Souza dos Reis e Maria de Fátima
Rodrigues Makiuchi
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM REDE NA POLÍTICA CULTURAL DO DISTRITO FEDERAL: O CASO DO
FÓRUM DE CULTURA

1173 Leandro Ferreira Barbosa


CIDADANIA NO PLANO NACIONAL DE CULTURA:
PERCEPÇÕES SOBRE PODER E MUDANÇA SOCIAL NAS POLITICAS PÚBLICAS.

1184 Leandro Gracioso de Almeida e Silva e Marlise Buchweitz


PATRIMÔNIO CULTURAL EM PERIGO – A ARTE FUNERÁRIA E O DESCASO COM SUA PROTEÇÃO
EM JUIZ DE FORA/MG

1195 Lecinio Alves Tavares e Giorgio Pizzani Trindade


POLÍTICA CULTURAL MILITAR - UMA REFLEXÃO SOBRE AS DIVERSAS FORMAS DE GESTÃO DO
PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL MILITAR

1210 Leila Adriana Baptaglin, Chloé Virginie Marie Bourgy Noleto e Edgar Jesus
Figueira Borges
DESAFIOS E ESPECIFICIDADES NA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA CULTURAL DO MUNICIPIO DE
ALTO ALEGRE/RORAIMA

1223 Leonardo Alberto Corá Silva


A CHANCELA DA PAISAGEM CULTURAL COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA

1235 Ligia Machado Arruda e João Alcantara de Freitas


INTERFACES ENTRE COMUNICAÇÃO E CULTURA: UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL DA
COMUNICAÇÃO NAS POLÍTICAS DO AUDIOVISUAL

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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

1245 Lina Rocha Fernandes Távora


EDITAL CARMEN SANTOS: POLÍTICA PÚBLICA E O CINEMA DE MULHERES

1261 Lisandra Barbosa Macedo Pinheiro e Hilton Fernando da Silva Pinheiro


A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CULTURA AFRO-BRASILEIRA EM SANTA
CATARINA: NOTAS SOBRE UM PROCESSO INCIPIENTE

1270 Lúcia Helena Alfredi de Matos e Gisele Marchiori Nussbaumer


MAPEAMENTO NACIONAL DA DANÇA: OS AGENTES DA DANÇA E AS POLÍTICAS SETORIAIS

1282 Luciana Lima Guilherme


ECONOMIA CRIATIVA: PERSPECTIVAS TEMÁTICAS ABORDADAS E METODOLOGIAS DE
INVESTIGAÇÃO ADOTADAS

1294 Luciene Z. Andrade Lauda


TEATRO DE GRUPO NA CENA PORTO-ALEGRENSE:
NOVOS PADRÕES DE TRABALHO E DEPENDÊNCIA DE VERBAS PÚBLICAS

1307 Lucieni de Menezes Simão


POLÍTICA E GESTÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL NO BRASIL: ALGUMAS REFLEXÕES
SOBRE PROCESSOS DE SALVAGUARDA.

1320 Luiz Augusto Fernandes Rodrigues e Marcelo Silveira Correia


CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS COMPARTILHADAS

1334 Marcella Francelina Vieira Camargo


PONTOS DE CULTURA DO RIO DE JANEIRO: POTENCIALIZAR SINERGISMOS

1350 Marcella Souza Carvalho


ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA ÁREA DA DANÇA: UMA ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA
CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA

1365 Marcelo Augusto de Paiva dos Santos e Alessandra Martins Rosalba


POLÍTICA CULTURAL: CONCEPÇÕES DE CULTURA EM UMA ABORDAGEM CONFIGURACIONAL
À UMA ABORDAGEM PROCESSUAL

1378 Marcelo Braga de Freitas


MEMÓRIA E ESQUECIMENTO: A TRAJETÓRIA DO CENTRO DE REFERÊNCIA AUDIOVISUAL DE
BELO HORIZONTE

1390 Marcelo Costa Lopes


DO LAZER À CULTURA: AS BASES PARA A POLÍTICA DE CINEMA DO SESC NO BRASIL

38
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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

1404 Marcelo Gruman


PRESTANDO CONTAS À SOCIEDADE: 10 ANOS DOS EDITAIS DE FOMENTO ÀS ARTES CÊNICAS
DA FUNARTE

1419 Marcelo Rangel e Bruna Távora


JAPARATUBA EM REDE: A EXPERIÊNCIA DE UMA METODOLOGIA PARA A EDUCAÇÃO ROFISSIONAL
DE JOVENS AGENTES CULTURAIS

1432 Márcia T. Cavalcanti


O SURGIMENTO DOS CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO UNIVERSITÁRIOS E SUA RELAÇÃO COM A
PNC DE 1975

1445 Marco Antônio de Almeida, Héctor René Mena Méndez e Ieda Pelógia Martins Damian
PERSPECTIVAS PARA AS UNIDADES DE CULTURA E INFORMAÇÃO

1461 Maria Beatriz Afflalo Brandão


CULTURA E COMPLEXIDADE NOS PROJETOS E NAS POLÍTICAS PÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS

1475 Maria Emília Ribeiro e Janaína Dias


CLUBE DE ESPECTADORES: OS SÓCIOS COMO PROTAGONISTAS PARA O
DESENVOLVIMENTO CULTURAL

1487 Marian Helen da Silva Gomes Rodrigues e Pedro Diniz Coelho de Souza
O ENSINO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A INTERFACE COM AS POLÍTICAS PÚBICAS NO BRASIL:
UM DEBATE EM CONSTRUÇÃO.

1499 Mariana de Barros Souza, Adriana Cristina Ferreira Caldana e Lara Bartocci Liboni
PROJETOS CULTURAIS DE EMPRESAS SUSTENTÁVEIS E AS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA
NO BRASIL

1517 Mariana Luscher Albinati


POLÍTICAS PARA A CULTURA NO PLURAL: LIMITES E ABERTURAS

1529 Mariana Rodrigues Tavares


DISCUSSÕES SOBRE UMA OBRA UNIVERSITÁRIA – BREVE ENSAIO SOBRE A ENCICLOPÉDIA
BRASILEIRA DO INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO E OS PROJETOS DA DÉCADA DE 1950

1538 Marília Cossich Ramos e Elisa Campos Machado


REFLEXÕES ACERCA DOS MARCOS LEGAIS PARA AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS NO BRASIL

1551 Marina Bay Frydberg, Alex Kossak e Gustavo Portella Machado


O PAPEL DO PODER PÚBLICO NO CARNAVAL DOS BLOCOS DE RUA: A FORMULAÇÃO DA FESTA
NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO HOJE

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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

1565 Marluce Magno


CULTURAS POPULARES E O PROCESSO FORMATIVO PARA ADENTRAR À DINÂMICA
PATRIMONIAL: O CASO DA FOLIA DE REIS DE VALENÇA-RJ

1576 Mary Land Brito e Vanessa Paula Trigueiro


CINEMATECA POTIGUAR E SUA CONTRIBUIÇÃO NA POLÍTICA CULTURAL AUDIOVISUAL

1588 Maurício Rafael e Renata Cittadin


CADASTRO CATARINENSE DE MUSEUS: A INICIATIVA DE COLETAR E PRODUZIR INFORMAÇÕES
SOBRE O CAMPO MUSEAL NO ESTADO

1602 Mirnah Leite Medeiros Mascarenhas Andrade


CONTRIBUIÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NA LUTA POR RECONHECIMENTO

1615 Mônica Cristina Moreno-Cubillos


AS POLITICAS CULTURAIS DENTRO DA AGENDA GOVERNAMENTAL DE BOGOTÁ: UMA REFLEXÃO
DESDE O MODELO DOS MÚLTIPLOS FLUXOS

1629 Mónica Lacarrieu e Mariana Cerdeira


POLÍTICAS CULTURALES EN LATINOAMÉRICA. ENTRE LOS LÍMITES DE LA DEMOCRATIZACIÓN Y
EL ANHELO DE LA DEMOCRACIA CULTURAL, PENSANDO EN “POLÍTICAS DE BIENES COMUNES”.

1642 Nina Reis Saroldi e Andreia Ribeiro Ayres


“DESMATERIALIZAÇÃO” E DÉFICIT DE ATENÇÃO NA CULTURA ATUAL

1651 Pablo Gobira, Adeilson William da Silva e Karla Danitza de Almeida


PARA SUAVIZAR A CIDADE HOSTIL: ARTE E POLÍTICAS PÚBLICAS NO MEIO URBANO

1665 Pâmella Passos e Sandro Henrique Rosa


FUNK! PAUTA PARA POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA?

1676 Patricia Amorim de Paula


ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DA CULTURA E AS POLÍTICAS CULTURAIS

1691 Patricia Oliveira


A CONSTRUÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE SP: ALGUMAS REFLEXÕES

1703 Patricia Pereira Peralta


NECESSIDADE DE POLÍTICAS INSTITUCIONAIS PARA A APLICAÇÃO DE INDICAÇÕES
GEOGRÁFICAS COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO E VALORIZAÇÃO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL

1716 Paula Priscila Braga


REDE CEUS DE CINECLUBES: CINEMA E ESTADO DEMOCRÁTICO

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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

1726 Paulo Ricardo Berton


POLÍTICAS CULTURAIS EM TEMPOS DIFÍCEIS: A BUSCA DE UMA ALTERNATIVA SOB A HEGEMONIA
DOS PENSAMENTOS NEO-LIBERAL E PÓS-MODERNO.

1738 Pedro Santoro Zambon e Juliano Maurício de Carvalho


ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS PARA JOGOS DIGITAIS NO BRASIL

1753 Rafael Luiz de Aquino


O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL PÓS-1988: AS
ARQUITETURAS DO SISTEMA NACIONAL DE CULTURA E DO ICMS CULTURAL

1766 Ramon Luiz Zago de Oliveira


AÇÃO CULTURAL TRANSFORMA A CIDADE QUE AS PESSOAS VÊEM

1779 Raquel Moreira


QUEM GOVERNA? TRAJETÓRIA DAS POLITICAS CULTURAIS E SEUS PROCESSOS DECISÓRIOS
NO FINANCIAMENTO DA CULTURA

1794 Rejane de Souza Fontes e Claudia Musa Fay


O AEROCLUBE DO BRASIL E O MUSEU AEROESPACIAL: PERSONAGENS IMPORTANTES NA
CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA CULTURAL DE AVIAÇÃO CIVIL NO PAÍS

1806 Renata Duarte e Lia Calabre


LEI SARNEY EM NÚMEROS: PRIMEIRAS ANÁLISES

1822 Renata Rocha


POLÍTICAS CULTURAIS NA AMÉRICA LATINA: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL

1838 Ricardo Przemyslaw Pessoa


O FETICHE DAS MERCADORIAS E A PUBLICIDADE INFANTIL

1852 Ricardo Sampaio Pintado e Cláuber Gonçalves dos Santos


O PLANO MUSEOLÓGICO E O PROGRAMA DE ARQUITETURA NO CONTEXTO DA POLÍTICA
NACIONAL DE MUSEUS

1862 Rodrigo Cazes Costa


POLÍTICA NACIONAL DAS ARTES: LIMITES E POSSIBILIDADES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA AS ARTES.

1875 Rodrigo Correia do Amaral


A COMISSÃO NACIONAL DE INCENTIVO À CULTURA ENTRE OS GOVERNOS LULA E DILMA

1889 Romina Sánchez Salinas e María José Gadea


POLÍTICAS CULTURALES Y COLECTIVOS ARTÍSTICOS COMUNITARIOS: EL CASO DEL PROGRAMA
DE TEATRO COMUNITARIO MENDOCINO EN ARGENTINA

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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

1903 Samara Taiana de Lima Silva


DA EMBRAFILME À ANCINE: A EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS DE FOMENTO AO SETOR AUDIOVISUAL
BRASILEIRO APÓS O ADVENTO DA MEDIDA PROVISÓRIA N° 2.228-1/2001

1917 Sérgio de Azevedo


O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PROJETO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE SÃO JOSÉ
DOS CAMPOS-SP

1931 Sharine Machado Cabral Melo


ARTE E CRIAÇÃO NA ECONOMIA DOS BENS ABUNDANTES

1944 Simone Luz Ferreira Constante


DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS PARA O MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ/RS

1957 Telma Luzia Pegorelli Olivieri


E ... APÓS A INCLUSÃO E O ACESSO

1971 Tereza Ventura


COMUNIDADES QUILOMBOLAS, CULTURA E DESIGUALDADE: NOTAS SOBRE O BRASIL
SEM MISÉRIA

1984 Thaís Costa e Rômulo Duarte


TURISMÓLOGOS NO MUSEU: UM PROJETO PARA OS VISITANTES DO MUSEU CASA DE
RUI BARBOSA

1994 Thamara Venâncio de Almeida


A VIDEOARTE NO BRASIL: UM PANORAMA ANTES E DEPOIS DA ORIGEM
DO FESTIVAL VIDEOBRASIL

2007 Tiago Costa Martins e Caroline Fernandes da Silva


INDICADORES CULTURAIS MUNICIPAIS A PARTIR DOS GASTOS PÚBLICOS

2021 Ulisses Quadros de Moraes


RENÚNCIA FISCAL PARA A CULTURA: UMA OUTRA VISÃO POSSÍVEL

2033 Vagner Amaro e Patrícia Vargas Alencar


POLÍTICAS CULTURAIS PARA A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL: O EDITAL DE APOIO À
COEDIÇÃO DE LIVROS DE AUTORES NEGROS

2046 Valcir Bispo Santos


BELÉM COMO METRÓPOLE CULTURAL E CRIATIVA DA AMAZÔNIA: CONTRIBUIÇÕES PARA A
ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE BELÉM

2062 Valeria M. Salinas Maceda


LA “CLASE CREATIVA” CHOLA COMO BASE PARA LA CONSTITUCIÓN DE LA PAZ COMO
CIUDAD CREATIVA

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Índice dos Trabalhos Voltar ao Índice Geral

2074 Valéria Viana Labrea


A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DICURSIVA DA POLÍTICA CULTURAL

2087 Victor Hugo Barreto de Sena Sampaio


UMA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA VALE CULTURA

2099 Vilso Junior Santi, Leila Adriana Baptaglin e Francilene Cardoso da Silva
DIAGNÓSTICO RÁPIDO DA SITUAÇÃO DA CULTURA NO MUNICÍPIO DE CARACARAÍ – RR

2111 Welyza Carla da Anunciação Silva, Sarany Rodrigues da Costa e Kláutnys Dellene
Guedes Cutrim
POLITICAS CULTURAIS NAS SOCIEDADES MODERNAS: UM ESTUDO SOBRE O PAC CIDADES
HISTÓRICAS NA PERSPECTIVA DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO

2122 Wolney Vianna Malafaia


O CINEMA EM TRANSE: DEBATE CULTURAL E POLÍTICA CINEMATOGRÁFICA NA TRANSIÇÃO
DEMOCRÁTICA (1982-1990)

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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EXIBIÇÃO CINEMATOGRÁFICA:


O CASO DA REDE CINE CARIOCA
Adil Giovanni Lepri1

RESUMO: Este artigo deseja fazer uma reflexão acerca do campo das políticas públicas para
exibição cinematográfica, através do diálogo com autores como Marilena Chauí, Celso Furtado,
Durval Muniz Albuquerque Jr., Nestor Garcia-Canclini, Ana Rosas Montecón e Antonio Grams-
ci. A partir das discussões teóricas pretende-se produzir uma análise do caso da Rede Cine Ca-
rioca, rede de cinemas que conta com dois complexos na cidade do Rio de Janeiro, de iniciativa
da RioFilme, empresa pública da prefeitura carioca.

PALAVRAS-CHAVE: Exibição, Rio de Janeiro, Rede Cine Carioca, Políticas Públicas.

1. INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende fazer uma discussão sobre a questão das políticas públicas
para a exibição cinematográfica na cidade do Rio de Janeiro, estudando o caso da Rede Cine
Carioca, rede de cinemas de iniciativa da RioFilme. Em um primeiro momento é necessário
discutir os conceitos e pressupostos do campo das políticas culturais e a relação Estado e so-
ciedade civil. Em seguida faz-se um breve histórico da formação da Rede Cine Carioca e da
atuação da RioFilme e de outros atores no processo e trabalha-se com a questão da pacificação
como política de segurança nas áreas estudadas. Por fim deseja-se fazer uma análise do funcio-
namento da política do Cine Carioca Nova Brasília, o primeiro complexo da rede, destacando
sua programação, a formação de plateias e a relação da comunidade do entorno com a iniciativa.
Esta análise segue um método que, de acordo com a reflexão da autora Elizabeth Ponte, não
seja apenas comparativo, mas “(...) uma avaliação com foco nas fragilidades e nos riscos versus
vantagens e benefícios trazidos para a gestão da atividade cultural na esfera pública.” (PONTE,
2012, p. 120-121).

1
Graduado em Cinema e Audiovisual, Mestre em Comunicação e doutorando em Comunicação na Universidade
Federal Fluminense. Email: adillepri@gmail.com

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2. POLÍTICA E CONSUMO CULTURAL


A princípio é preciso estabelecer pressupostos no que tange a relação entre sociedade
civil e Estado, a injustiça social, a opressão e dominação, conforme definidas pela autora Iris
Young, em seu livro “Inclusion and Democracy” (2000).
Dominação consiste em condições institucionais que inibem ou impedem a
participação de pessoas em decisões e processos que determinação suas ações
e as condições das suas ações. O aspecto de justiça social que a dominação
nega é a auto-determinação. Opressão, o segundo aspecto da injustiça, con-
siste em processos institucionais sistemáticos que impedem algumas pessoas
de aprender e usar de habilidades satisfatórias e expansivas em ambientes so-
cialmente reconhecidos, ou que inibem a habilidade de pessoas de jogar e se
comunicar com outros ou expressar seus sentimentos e perspectivas da vida
social em contextos onde outros podem ouvir. O aspecto de justiça social que a
opressão nega é o auto-desenvolvimento.2 (YOUNG, 2000, p. 156)
É fundamental então pensar nessas questões quando se discute as políticas culturais, o
consumo de cultura e o jogo entre sociedade civil e Estado.
Organização e engajamento público, então, podem ser pensados como proces-
sos pelos quais a sociedade comunica-se consigo sobre as suas necessidades,
problemas, e ideias criativas sobre como resolvê-los. A legitimidade democrá-
tica da política pública, ademais, depende parcialmente das instituições esta-
tais serem sensíveis a este processo comunicativo. 3 (ibidem, p. 179)
É preciso então sempre levar em conta as tensões fundamentais que estão presentes na
relação entre sociedade civil, Estado e economia.
Dito isso, é interessante apontar algumas questões sobre o consumo cultural e as especi-
ficidades dos bens culturais. Françoise Benhamou, em seu livro “A economia da cultura” (2007),
destaca algumas reflexões sobre o tema. O bem cultural, para Benhamou, em um certo sentido
é um bem coletivo: “(...) seu consumo por parte de um indivíduo não exclui o consumo da mes-
ma quantidade do mesmo bem por outro indivíduo (não-rivalidade).” (BENHAMOU, 2007, p.
141). Isso é de fato verdadeiro quando falamos do cinema, nosso objeto de análise, pois a sua
reprodutibilidade é sua própria força e particularidade enquanto meio de comunicação e obra de
arte. Mas a autora aprofunda a reflexão ao que se refere à coletividade dos bens culturais, pois

2
“Domination consists in institutional conditions which inhibit or prevent people from participation in decisions
and processes that determine their actions and the conditions of their actions. The aspect of social justice that dom-
ination denies is self-determination. Oppression, the second aspect of injustice, consists in systematic institutional
processes which prevent some people from learning and using satisfying or expansive skills in socially recognized
settings, or which inhibit people’s ability to play and communicate with others or to express their feelings and
perspective on social life in contexts where others can listen. The aspect of social justice that oppression denies is
self-development.”
3
“Public organizing and engagement, then, can be thought of as processes by which the society communicates
to itself about its needs, problems, and creative ideas for how to solve them. The democratic legitimacy of public
policy, moreover, depends partly on the state institutions being sensitive to that communication process.”

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O bem coletivo não é tanto o bem cultural em si quanto o conjunto das normas
e valores, o capital de valores estéticos comuns que rege o reconhecimento
do caráter cultural do bem. É assim que se pode interpretar o financiamento
indireto da informação via televisão pública, via recompensas oficiais etc.
(ibidem, p. 155)
Celso Furtado, em sua coleção de textos “Ensaios sobre a cultura e o Ministério da
Cultura” (2012), partilha dessa visão, chamando atenção para o fato da cultura não estar sob a
análise econômica tradicional pois é preciso olhar para a
(...) especificidade do fenômeno cultural, cuja dimensão qualitativa é deter-
minante. As técnicas correntes de análise a ele não se aplicam, pois, graças
a fenômenos de sinergia, o todo quase sempre supera a adição das partes.
(FURTADO, 2012, p. 65)
Nesse sentido consumo cultural e de aplicação das políticas culturais, está ligado a um
sistema onde as partes e o todo têm relação complexa e múltipla. Celso Furtado então, esclarece
a discussão, quando propõe a questão: “que somos?”, sustentando que
É dessa interrogação que se deve partir para formular uma política cultural,
que outra coisa não é senão um estímulo organizado a formas de criatividade
que enriquecem a vida dos membros da coletividade. (FURTADO, 2012, p.41)
As reflexões do marxista italiano Antonio Gramsci acerca da teoria do Estado são impor-
tantes para a discussão, acreditando que as questões sobre a superestrutura e a organização do
Estado no conceito marxista tem muito a contribuir para nossa reflexão. Na concepção grams-
ciana, que constrói e amplia as noções já estabelecidas anteriormente no marxismo:
(...) o Estado em sentido amplo, “com novas determinações”, comporta duas
esferas principais: a sociedade política ( que Gramsci também chama de “Es-
tado em sentido estrito” ou de “Estado-coerção”), que é formada pelo conjunto
dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal
da repressão e da violência (...) e a sociedade civil, formada precisamente pelo
conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideo-
logias, compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os
sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (re-
vistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa), etc. (COUTINHO,
1989, p. 76-77)
Então o Estado é sociedade civil e sociedade política, é o conjunto das forças sociais que
atuam na disputa da hegemonia. O Estado em sentido estrito, para o autor, compreende os apare-
lhos repressivos do Estado (o poder de polícia, a burocracia executiva). Já os aparelhos privados
de hegemonia, que são instituições da sociedade civil, fazem parte da noção de Estado ampliado
defendida pelo autor. (COUTINHO, 1989).
Para detalhar as concepções de política cultural é preciso recorrer à Marilena Chauí
(2006), que diz que as políticas culturais podem ser pensadas, historicamente, em três concep-
ções no que se refere ao papel do Estado: a do poder público como produtor e agente cultural
que reforça e legitima sua ideologia através da cultura, central no Estado Novo e na ditadura ci-

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vil-militar inaugurada no golpe de 1964. Outra, categorizada por ela como populista e forte nos
anos 1950 e 60, que vê o papel estatal como pedagógico, que apropria-se da “cultura popular”
com intuito de educar as massas. Por fim, a concepção de tradição neoliberal, que se estabelece a
partir do final dos anos 1980 e coloca o Estado como serviçal da indústria e do mercado cultural
através principalmente do mecenato e incentivos fiscais. (CHAUÍ, 2006, p. 67-68). Contrarian-
do as três vertentes apresentadas, a autora lida com a cultura como um conceito amplo, para
além das belas artes, ou do folclore (ibidem, p. 68), e apontando, para nortear o papel estatal,
o conceito de Cidadania Cultural: “(...) a cultura como direito dos cidadãos, sem confundi-los
com as figuras do consumidor e do contribuinte” (ibidem, p. 69). Para Celso Furtado, essa noção
compreende um campo complexo de relações:
Não se trata de adotar uma visão antropológica e submergir no conceito de que
cultural é tudo que resulta da ação do homem sobre a natureza. Nossa preo-
cupação é com a dimensão espiritual, em sentido lato, dessa ação, a qual não
deve ser dividida em esferas autônomas, e sim observada em suas múltiplas
dimensões. (FURTADO, 2012, p. 94)
Durval Muniz de Albuquerque Jr. em seu artigo “Gestão ou gestação pública da Cultura:
algumas reflexões sobre o papel do Estado na produção cultural contemporânea” (2007) detalha
essa camada espiritual, e sua complexa relação com o Estado por conta da sua própria constitui-
ção plural, da seguinte forma:
(...) cultura no fundo não existe, existem trajetórias culturais, fluxos culturais,
que só se tornam culturas quando sedentarizados, territorializados, domados,
mas que nunca deixam de trazer em si o potencial de desterritorialização, no-
madismo, rebeldia, por isso sempre será difícil, embora desafiadora, a relação
entre Estado, como agente da territorialização, da sedentarização, da domesti-
ficação das pessoas e coisas, e as matérias e formas de expressão culturais, que
ameaçam sempre escaparem de seus dedos, de seus controles e que, por outro
lado, podem, uma vez apoiadas na máquina do Estado, adquirir novos poten-
ciais desafiadores. (ALBUQUERQUE JR. In RUBIM, 2007, p. 78)
Por fim, deve se notar o fato das políticas culturais terem sido em grande parte, até re-
centemente, em sua maioria ligadas ao financiamento da produção e das artes “cultas”. Para Ana
Rosas Montecón
As políticas culturais no século XX se acostumaram a pensar mais na criação
que na recepção, mais nos criadores do que no público, mais na produção
que na distribuição, mais na arte do que na comunicação.4 (MONTECÓN,
2009, p. 95)
As políticas empreendidas pelo Estado no campo do cinema e do audiovisual historica-
mente, focam no fomento à produção, mesmo havendo episódios de políticas voltadas para outros

4
“Las políticas culturales en el siglo XX se acostumbraron a pensar más en la creación que en la recepción, más en
los creadores que en el público, más en la producción que en la distribución, más en el arte que en la comunicación.”

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elos da cadeia produtiva do audiovisual. Porém, políticas que visam a circulação das obras são
ainda minoria dentro das iniciativas do Estado para o setor.

3. A REDE CINE CARIOCA


A Rede Cine Carioca é uma iniciativa da prefeitura do Rio de Janeiro, que, através da
RioFilme construiu dois complexos de salas de exibição na cidade. A primeira foi inaugurada
em 2010: o Cine Carioca Nova Brasília, na comunidade Nova Brasília, que está inserida no
Complexo do Alemão (complexo de favelas na Zona Oeste do Rio) contando com uma sala de
90 lugares. A segunda é inaugurada em 2012, no Méier (bairro da Zona Norte da cidade), no
Centro Cultural João Nogueira, antigo Cinema Imperator que foi reformado pela prefeitura,
contando com três salas de cinema que somam 389 assentos.
A construção do Cine Carioca Nova Brasília, ocorre fruto de uma série de fatores nos
quais se inserem a questão da pacificação enquanto projeto político central em convergência do
governo a nível estadual, com o governador Sergio Cabral, e municipal, com o prefeito Eduardo
Paes ambos do PMDB e a todo momento gozando de uma relação de aliança política com o
governo federal primeiro com Lula e depois com Dilma Rousseff. Não apenas em projetos po-
líticos comuns se materializam nesta aliança, mas também há grande transferência de recursos,
principalmente do governo federal. Segundo gestores da RioFilme a política de pacificação à
época empreendida pelo governo do estado do Rio, e que tinha no Complexo do Alemão sua
maior conquista desde o seu início, se relaciona com o Cine Carioca da seguinte forma:
A ideia surgiu da prefeitura, o Nova Brasília, o programa Cine Carioca. O
projeto Cine Carioca nasceu como um projeto da prefeitura que integrava o
programa Morar Carioca, esse programa ele abrangia várias atividades e ini-
ciativas para comunidades do Rio de Janeiro. Então, a instalação das UPPs
fazia parte desse programa, era um programa de revitalização das comunidades
assim, das favelas. Então o Cine Carioca nasceu junto com a praça do conhe-
cimento, que é numa área de Nova Brasília né, e a Praça do Conhecimento
também é da prefeitura, os dois equipamentos são da prefeitura, e aí a Cine
Carioca por ter a expertise de cinema, foi convidada pela prefeitura para admi-
nistrar o cinema, a responsabilidade do cinema passou a ser da Cine Carioca.
(GONDIM, 2015)
A construção da Praça do Conhecimento era uma iniciativa ligada ao projeto Morar
Carioca, financiado com recursos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), como diz
Ana Louback, à época responsável na RioFilme pela implantação do Cine Carioca:
A construção da sala aconteceu num contexto de contrapartida de uma obra do
PAC na região e, portanto, foi gerida pela Secretaria de Habitação do Municí-
pio, com acompanhamento da Riofilme. Ou seja, a ideia surgiu não só como
uma política de ampliação do acesso à cultura, mas também como uma es-
tratégia de inserção urbana, que visa prover de serviços uma região urbanis-
ticamente excluída, promovendo assim a inserção daquele território na vida
urbana. (LOUBACK, 2015)

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Por fim, entre esses arranjos político-institucionais se apresenta uma demanda dos morado-
res do entorno da antiga Praça do Terço na Nova Brasília, detalhada pelo gerente do Cine Carioca,
Wellington Cardoso:
O que eu fiquei sabendo é que na década de 1970 tinham apresentações de
filmes, tipo filme na praça, aí mediante a essa tese surgiu a ideia de fazer um
cinema fixo. A secretaria de habitação ficou sabendo dessa história e comentou
com a Riofilmes [sic] e a Riofilmes comprou a ideia, a secretaria de habitação
fez o prédio, passou a administração pra Riofilmes que passou a administração
pra uma empresa privada pra tá administrando o cinema, a parte operacional.
(CARDOSO, 2015)
Existe uma ampla articulação de fatores para a instalação do cinema naquele local. O
que se destaca, no entanto, é a demanda da sociedade civil que surge em momento oportuno e se
concretiza. Os dois complexos da Rede Cine Carioca seguem o mesmo modelo de gestão, que
é o da licitação destes espaços, que permanecem de posse da prefeitura, mas são operados por
empresas privadas. No caso do Nova Brasília especificamente, a empresa Cine Magic (agora
com nome modificado para Planet Cinemas) recebe um subsídio mensal da RioFilme a fim de
manter o preço do ingresso abaixo da média. Mas também, segundo a gestora Walerie Gondim
“o subsídio é pro ingresso e para as despesas administrativas, pagamento de pessoal.” (GON-
DIM, 2015). O Imperator tem sua operação a cargo do Grupo Severiano Ribeiro (GSR), que não
recebe subsídios e tem liberdade sobre o preço do ingresso.
Este modelo é ao mesmo tempo uma vantagem e um risco, pois simplifica a gestão para
o Estado fazendo a parceria com a empresa privada, mas delega a gestão de um espaço públi-
co a uma instituição privada com fins lucrativos. O Cine Carioca Méier é o espaço que mais se
aproxima de uma concepção para o mercado de fato, a partir do número de salas e quantidade de
assentos, possui verdadeiramente viabilidade econômica. Com a programação delegada ao GSR
aquele complexo é praticamente idêntico a outras salas do grupo fora de espaços da prefeitura.
Nesse sentido, o simples fato de se inserir em um local de conflito e de baixo poder aquisitivo dá
condições para o cinema praticar preços mais próximos à média nacional. O Cine Carioca Nova
Brasília foi durante anos, segundo a RioFilme, a sala com maior taxa de ocupação da cidade, de
52%, o dobro da média de 25%.5 Ela precisa ser problematizada no entanto, por conta de possuir
apenas 90 assentos.
Sobre este cinema precisamos pontuar algumas questões que chamam a atenção, parti-
culares da comunidade onde ele se insere. A começar por sua repercussão na imprensa local e
pelas formas diversas de divulgação de programação, nas palavras de Cardoso: “Temos a rádio,
temos um carro de som, temos a página do Facebook e também grupos no WhatsApp do jornal
“A Voz da Comunidade” que a gente divulga lá a programação.” (CARDOSO, 2015). Fica claro

<Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/RioFilme/cine-carioca Acesso em 17/12/2015>


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também que a relação da comunidade com a política da Rede Cine Carioca é mais complexa do
que os a ocupação da sala, ou a análise da programação e modelo de gestão pode esclarecer. É
uma relação íntima, um claro benefício da política como destaca Cardoso.
Então, é uma situação pra dentro do Complexo do Alemão pros moradores é
maravilhosa né, o cinema ele faz parte da sua casa, é mais um cômodo. Você
ter uma sala de cinema dentro da sua casa, uma de estar né, vamos dizer assim,
uma sala de vídeo. Tivemos duas vezes a maior bilheteria do país [sic] a maior
taxa de ocupação do país, aliás, duas vezes foi a maior taxa de ocupação da
América latina e várias vezes a maior taxa de ocupação do Brasil. Hoje, com a
violência que tá acontecendo a gente perdeu um pouco isso, mas a gente acre-
dita sempre numa melhora, é isso que nos mantém de pé. (CARDOSO, 2015)
Em termos de categoria de política cultural o Cine Carioca está de alguma forma inserido
na concepção neoliberal definida por Chauí, mesmo seja uma ação de governo com intuito de
estabelecer um equipamento cultural em um território onde não seria possível sua existência
através do mercado.

4. A POLÍTICA DE PACIFICAÇÃO E O CINE CARIOCA NOVA BRASÍLIA


Os obstáculos colocados no caminho para a oferta cultural podem ser objetivos e ma-
teriais, mas também simbólicos e no caso estudado perpassar ambos. Marcos Rodrigues Alves
Barreira argumenta.
É grande o sentimento, entre os moradores das favelas ocupadas, de que o poli-
ciamento permanente não muda imediatamente a cultura e as práticas policiais.
Por outro lado, a diminuição dos conflitos e incursões policiais violentas se
reflete, na opinião majoritária dos moradores, em aprovação, e gera expectati-
vas favoráveis nos locais onde o programa não foi implantado. (BARREIRA,
2013, p. 130)
Segundo o autor a diminuição dos conflitos facção criminosa/polícia repercute como um
resultado positivo da ocupação policial, para os moradores. O autor também argumenta que a
política da pacificação entretanto pode se valer de uma leitura diversa:
Uma atitude inversa, que se coloca em inequívoca oposição à militarização,
pode ser observada nos comentários mais diretamente identificados com po-
sições de “esquerda”, que tendem a enxergar as UPPs como instrumentos de
criminalização da pobreza e ampliação das formas de controle social. Longe
de representar um “desvio” ou um efeito colateral das políticas oficiais, a
“policialização” da vida cotidiana e dos conflitos no interior das áreas ocu-
padas seria a própria finalidade das operações estatais. (BARREIRA, 2013,
p. p.127)
Essa “policialização da vida cotidiana” é destacada em outra pesquisa, afetando em
especial os mais jovens:
Alguns jovens relatam que, mesmo depois de dois anos de ocupação, percorrer
pela comunidade é problemático. Relatos de abordagens violentas por parte de
policiais foram comuns nas narrativas. (HEILBORN et al, 2014, p. 111)

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Os autores trazem o depoimento de uma jovem moradora, Helena de 16 anos, que serve
de exemplo:
(...) Aí to eu descendo com o telefone falando com meu namorado, aí o cara
[policial] pegou no meu braço: “Espera aqui”. Aí eu: “Que que foi?” ...o poli-
cial: “abre essa carteira aí”...“ta indo pra onde?”, gritando. Aí eu: “To saindo.”.
Aí ele: “Tá saindo da favela por quê?” e segurando no meu braço... eu: “Tá
machucando, moço. Tá me machucando.” Aí ele: “Abre essa carteira aí.”. Aí
eu abri a carteira, aí fui, mostrei meus documentos. Ele olhou, tal, tava com
a minha certidão, original da minha identidade e, se eu não me engano, com
comprovante de residência. Aí ele: “Ta saindo da favela com todos os teus
documentos?”. Aí eu: “Tem algum problema?”. [Ele diz:] “Não responde a
autoridade!”. Aí eu: “Tá bom” (...) aí a policial falou: “libera ela,”. Aí ele me
liberou (...). (ibidem)
Mesmo não discutindo o mérito da política da UPP do ponto de vista de assegurar di-
reitos dos moradores das comunidades, é possível perceber uma problemática que se apresenta
no fim de 2014 e principalmente nos primeiros meses de 2015. Com confrontos cada vez mais
constantes repercutindo na imprensa local6, percebe-se o Complexo do Alemão mais distante
de um possível deslocamento da fruição cultural para o espaço público e coletivo, com indícios
de diminuição da taxa de ocupação do Cine Carioca Nova Brasília em um momento onde o
público de cinema no Brasil cresce como um todo.7 Mesmo na fala dos gestores da RioFilme
com relação à formação de plateias com as escolas próximas é possível notar essa percepção:
No Cine Carioca Nova Brasília agora, tá sendo um pouco mais complicado por
conta disso [a violência], as escolas tão um pouco temerosas de levar as crian-
ças pro cinema e tal, um pouco com medo.” (GONDIM, 2015).

6
A onda de conflitos no Complexo do Alemão vem subindo a níveis parecidos com o momento anterior à ocupação
pelas forças de segurança desde 2014. Em notícias dos dias 11 de setembro de 2014 (disponível em: http://www.
vozdascomunidades.com.br/casos-de-policia/comandante-da-upp-nova-brasilia-morre-durante-confronto-no-
-complexo-do-alemao/acesso em 23/06/2015) em que se noticia a morte do comandante da UPP Nova Brasília em
confronto na localidade; no dia 07 de janeiro de 2015 (disponível em: http://www.vozdascomunidades.com.br/opi-
niao/complexo-do-alemao-tem-o-ano-de-2014-mais-violento-desde-a-ocupacao-de-2010/ acesso em 23/06/2015)
divulga-se notícia em que afirma-se que o ano de 2014 foi o mais violento desde a ocupação em que “cerca de 27
moradores foram baleados nas favelas do Alemão, dentre elas, treze ficaram feridas, atendidas em hospitais, pontos
médicos e liberadas em seguidas, e quatorze delas morreram.”; e notícia do dia 13 de abril de 2015 (disponível
em: http://www.vozdascomunidades.com.br/complexo-do-alemao/complexo-do-alemao-vive-a-cada-dia-a-espe-
ranca-de-nao-conviver-mais-ao-som-de-tiros/acesso em 23/06/2014) em que se dá nota para as diversas mortes
decorrentes de conflitos que “Em apenas 81 dias, o Complexo do Alemão já somava 28 feridos entre policiais e
moradores do conjunto de favelas. Destes, 18são moradores (7 mortos) e 11 são policiais(1morto).” Entre eles
Eduardo de Jesus, de apenas 10 anos, que foi baleado na porta de casa.
7
Segundo dados da própria RioFilme a taxa de ocupação do Cine Carioca Nova Brasília vem continuamente di-
minuindo, de 51% em 2011 (primeiro ano de funcionamento), para 35% em 2014. Com dados da BoxOffice Brasil/
Filme B de março a novembro de 2015 chegamos à conclusão de que, supondo que em um dia há no mínimo quatro
e no máximo cinco sessões, podemos afirmar que a taxa de ocupação de encontra no intervalo de 25,54% a 31,92%,
ou seja, mais uma vez diminuindo.

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Cardoso também identifica o conflito e a violência no entorno do Cine Carioca como um


empecilho para o público:
Você acha que a violência tem voltado a crescer no entrona da N. Brasí-
lia? Esse quadro de violência afeta a ida das pessoas ao cinema?
Com certeza né, isso é fato, o que é mostrado na televisão é isso, infelizmente
são os dados, que a gente percebe lá, que vive lá. Triste né, mas é verdade,
é pura verdade isso, as pessoas ficam com medo de saírem de suas casas.
(CARDOSO, 2015)
Recentemente no Complexo do Alemão, há um certo ressurgimento do conflito que aqui
é percebido por depoimentos e repercussão na imprensa e não por uma investigação científica
de fato, mas mesmo assim relevante ainda que não comprovado estatisticamente. Não é possível
afirmar que fim leva este processo, mas esta é uma fragilidade digna de nota da política do Cine
Carioca, que tem seu funcionamento ligado a questão violência urbana. Assim, não é possível
tomar parte nem do discurso governamental da pacificação como resolução de conflito que abre
espaço para políticas culturais estruturadas e nem que essas políticas são desprovidas de valor
social real, pois é preciso compreender a capacidade de pensamento crítico e independente dos
atores na fruição dessas iniciativas.

5. A PROGRAMAÇÃO E A FORMAÇÃO DE PLATEIAS


Com o Cine Carioca Nova Brasília, se estabeleceu uma política cultural de acesso a ex-
periência coletiva cinematográfica e isso é fundamental, de acordo com Montecón:
Certamente atender as condições sociais de acesso e favorecer uma distribui-
ção mais estendida dos bens culturais – assim como garantir que não haja obs-
táculos econômicos que impeçam seu desfrute – é um dos primeiros passos que
devem ser dados para democratizar seu consumo. (MONTECÓN, 2009, p. 97)8
A autora traz um apontamento importante e que está em consonância com a política do
Cine Carioca: a questão básica é diluir os obstáculos. Os gestores esclarecem essa noção:
(...) o testemunho das pessoas falando que antes iam no cinema no shopping,
no Norte Shopping. Mas assim, é longe, é caro, não é acessível pra maioria das
pessoas, a diferença é ter um cinema ali do lado, principalmente criança que
nunca foi ao cinema, então pra gente é super importante, pra gente o que puder
fazer pra expandir o projeto vai ser estudado. (GONDIM, 2015)
Porém, o que parece claro é que não basta apenas isso:
O problema com focalizar exclusivamente no acesso é que isso só ataca a pri-
meira parte do problema, a do contato com os bens e ofertas culturais, que não
é suficiente por si só para gerar um aproveitamento pleno das potencialidades
da oferta e nem para fundar uma inclinação duradoura sobre a prática cultural.

8
Tradução livre de: “Ciertamente, atender las condiciones sociales de acceso y favorecer una distribución más
extendida de los bienes culturales –así como garantizar que no haya obstáculos económicos que impidan su disfru-
te– es uno de los primeros pasos que deben darse para democratizar su consumo.”

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(...) Para passar da camada primária dos sentidos que podemos discernir sobre
a base da nossa experiência existencial, precisamos contar com a competência
artística, um conjunto de códigos que nos permite decifrar e desfrutar as men-
sagens da obra e situar cada elemento no jogo das divisões e subdivisões de
gêneros, épocas, maneiras, autores, etc. (MONTECÓN, 2009, p. 97)9
A reflexão é bem precisa, porém decifrar o conjunto de códigos de uma obra de arte não
serve somente para percebê-la em suas questões intrínsecas, estéticas, mas para compreender
sua mensagem, o que está por trás do espetáculo. Celso Furtado faz uma reflexão interessante
sobre o fomento apenas ao consumo cultural:
A política cultural que se limita a facilitar o consumo de bens culturais tende a
ser inibitória de atividades criativas e a impor barreiras à inovação. Em nossa
época de intensa comercialização de todas as dimensões da vida social o obje-
tivo central de uma política cultural deveria ser a liberação das forças criativas
da sociedade. (...) Trata-se, em síntese, de defender a liberdade de criar, certa-
mente a mais vigiada e coatada de todas as formas de liberdade. Portanto, uma
verdadeira política cultural terá de ser conquistada e preservada pelo esforço e
vigilância daqueles que creem no gênio criativo de nossa cultura. (FURTADO,
2012, p. 41)
Assim, é importante lembrar Chauí e o cidadão que não deve ser confundido com o
contribuinte ou consumidor, mas sim como um ator cujo direito à cultura deve ser assegurado
a fim de realizar sua potencialidade estética, política e social. Nos termos de Iris Young (2000),
seu auto-desenvolvimento garantindo justiça e inclusão social. É fundamental quando se fala
de audiovisual, uma linguagem que está presente no dia a dia não só como arte, mas principal-
mente como modo de comunicação de notícias, visões de mundo, posições políticas. Há então
a possibilidade de avançar mais no ciclo de desenvolvimento da política, com atenção para a
formação de plateias.
(...) o projeto escola é uma contrapartida nossa, a gente também subsidia o
projeto mas tem que ter um projeto de formação de plateias lá. A gente fez
em 2012 um e agora a gente começou no ano passado e tá acontecendo ainda
esse ano. E esse ano a gente começou a fazer no Cine Carioca Meier, não tinha
acontecido até então, e também tá dando bastante resultado. (GONDIM, 2015)
Esta faceta do projeto é composta por sessões especiais para alunos da rede municipal (en-
sino fundamental apenas) e é feita de forma contínua somente no cinema da Nova Brasília, são:
(...) sessões em horários alternativos, são duas sessões por dia normalmente,
com os filmes da programação do cinema preferencialmente nacionais, mas a
gente não tem muita ingerência sobre isso, como eles já tem uma programação

9
Tradução livre de: “El problema con focalizarse exclusivamente en el acceso es que esto sólo ataca la primera
parte del problema, la del contacto con los bienes y ofertas culturales, que no es suficiente por sí solo para gene-
rar un aprovechamiento pleno de las potencialidades de la oferta ni para fundar una inclinación duradera hacia la
práctica cultural. (...) Para pasar de la capa primaria de los sentidos que podemos discernir sobre la base de nuestra
experiencia existencial, necesitamos contar con la competencia artística, un conjunto de códigos que nos permiten
descifrar y disfrutar los mensajes de la obra y situar cada elemento en el juego de las divisiones y subdivisiones de
géneros, épocas, maneras, autores, etc.”

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específica, mas filmes que correspondam a faixa etária das crianças, porque é
só pra escolas municipais. E aí o filme é exibido, o cinema dá pipoca e refri-
gerante pras (sic) crianças e depois o conteúdo do filme é trabalhado em sala
de aula. (ibidem)
Quando questionada sobre uma possível influência da comunidade ao redor sobre a pro-
gramação semanal do cinema Gondim responde:
Não, não existe, como o cinema é operado por uma empresa terceirizada – a
Cine Magic – eles, uma das exigências da licitação para essa empresa ocupar
o cinema era que a programação fosse comercial, porque tem um apelo mais
popular e etc. (ibidem)
Louback no entanto esclarece o processo decisório para esta exigência: “Nos primeiros
seis meses, trabalhamos com pesquisas de público constantes e a programação foi fundamen-
talmente pautada por elas.” (LOUBACK, 2015). Cardoso destaca também as preferências que
percebe no público, a relação com o filme dublado e a alta procura de comédias, principalmente
as brasileiras mais recentes.
(...) a gente na verdade já teve experiência com filme legendado e não é a cultu-
ra do lugar ver filme legendado. E a preferência é ver filmes infantis e filmes de
comedia. Um recorde de bilheteria lá é “De Pernas Pro Ar”, né, filme nacional,
então é muito maravilhoso. Filmes infantis blockbuster né, 3D, também são
sucesso. (CARDOSO, 2015)
Nesse, não é uma questão de proibir o último blockbuster de Hollywood, o audiovisual
ultrapassa e deve ultrapassar fronteiras, o que talvez deveria se procurar é uma equalização
dos produtos estrangeiros e nacionais, pensando também na aproximação de cinematografias
latino-americanas em lugar das já hegemônicas estadunidenses. Louback faz um apontamento
interessante em que identifica uma fragilidade na política e aponta um possível risco a se tomar
Em relação ao Cine Carioca Nova Brasília, especificamente, vejo o projeto
como uma iniciativa importante em relação ao acesso, contudo frágil enquanto
formação de público. E esses dois pontos acabam se encontrando: o fato da
sala contar hoje com uma programação exclusivamente “comercial” faz com
que, por um lado, se ofereça um cinema semelhante ao cinema do shopping;
contudo, por outro, não se oferece o cinema dito “de arte”, e este acaba sendo
exclusivo às áreas centrais. Quando falei das pesquisas de público, de fato elas
demonstravam forte demanda pela programação que se tem hoje nesta sala, in-
clusive com grande rejeição, por exemplo, a conteúdos legendados. No entan-
to, neste sentido, entendo que seja também papel da política pública estimular
o acesso da população a conteúdos de qualidade que não são promovidos pela
mídia e pelas grandes distribuidoras, insistindo numa formação cultural mais
ampla. (LOUBACK, 2015)
Então o papel de uma política cultural talvez seja aquele de desafiar os espectadores e
deixar correr suas potencialidades criativas:
Mas o essencial da atividade cultural está na criatividade, que se alimenta de
ruptura com o estabelecido. Neste caso, o papel do Estado tem de ser de outra

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ordem, pois toda a pretensão de monitoramento pode produzir resultados in-


versos aos que se buscam. (FURTADO, 2012, p. 65)
A política da Rede Cine Carioca traz apontamentos importantes no que se refere à ques-
tão do acesso. No entanto pode se perceber na questão da formação de plateias a possibilidade
de fazer florescer a potencialidade crítica se realizar-se uma ação estruturada que problematize
o audiovisual.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A política do Cine Carioca na comunidade Nova Brasília já se torna uma ferramenta que
talvez possibilite uma agregação social dos moradores daquele território. Arrisca-se a apontar
essa potencialidade, mesmo que lenta e gradual, frente as questões de segurança pública en-
frentados ainda por aquela população. O Estado então, e os agentes da sociedade civil, têm um
grande desafio, “(...) que é o de gerir a diferença e conflito, a dissensão e a discórdia, sem querer
reduzi-los ou apagá-los, mas aceitá-los como índice de potência e de pujança.” (ALBUQUER-
QUE JR In RUBIM, 2007 p. 77). Nesse sentido, a política cultural pode ser mesmo o sustentá-
culo do desenvolvimento social
A política cultural consiste em um conjunto de medidas cujo objetivo central
é contribuir para que o desenvolvimento assegure a progressiva realização das
potencialidades dos membros da coletividade. Ela pressupõe um clima de li-
berdade e a existência e de um ação abrangente dos poderes públicos que dê
prioridade ao social. Essas são condições necessárias para que a atividade cul-
tural brote da própria sociedade, para que se manifeste e desabroche o gênio
criativo dos indivíduos. (FURTADO, 2012, p. 64)
Principalmente, no desencadeamento da categoria da inclusão social proposta por Young
de auto-desenvolvimento, potencialidade negada no processo de opressão e fundamental aos
seres humanos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARREIRA, Marcos. Para além da ocupação do território: Notas Sobre o Discurso da “Pacifica-
ção” e Seus Críticos. Revista Continentes (UFRRJ), ano 2, n.2, p. 124-146, 2013.
BENHAMOU, Françoise. A economia da cultura. Cotia: Ateliê Cultural Editorial, 2007.
CARDOSO, Wellington. Entrevista [dez. 2015]. Entrevistador: Adil Giovanni Lepri. Rio de Janeiro,
2015. 1 arquivo .aac (15 min.).
CHAUÍ, Marilena. Cidadania Cultural: o direito a cultura. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2006.

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COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro:
Campus, 1989.
FURTADO, Celso.  Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura. Organização: Rosa Frei-
re d’Aguiar Furtado. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas
para o Desenvolvimento, 2012.
GONDIM, Walerie e SILVA, Ana Letícia Leite da. Entrevista. [mai. 2015]. Entrevistador: Adil Giovanni
Lepri. Rio de Janeiro, 2015. 1 arquivo .aac (26 min.).
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 1968.
HEILBORN, Maria Luiza; FAYA, Alfonsina e SOUZA, Josué Ferreira de. Juventude e Sociabilidade
em um “território pacificado” no Rio de Janeiro. Diversidade de experiências e seus marcadores
sociais In Revista ACENO, Vol. 1, N. 1, p. 102-122. Jan. a Jul. de 2014.
LOUBACK, Ana. Entrevista [jun. 2015]. Entrevistador: Adil Giovanni Lepri. Rio de Janeiro, 2015. En-
trevista por escrito.
MONTECÓN, Ana Rosas. Consumos. In MERGIER, Anne Marie (org) Consumos culturales y ciuda-
danía en tiempos de globalización., 2009, p. 90-99.
RUBIM, Antonio Albino Canelas (org). Políticas culturais no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007.
YOUNG, Iris Marion. Inclusion and democracy. Oxford: Oxford University Press, 2000.

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CLASSIFICAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS E CIFRAS CULTURAIS EM GOIÁS


Adriana Parada1
Guilherme Augusto Alcantara Lobo2

RESUMO: Este artigo propõe uma metodologia de monitoramento e avaliação de políticas


públicas a partir da classificação das estatísticas e cifras culturais em Goiás, pautada em aspectos
considerados fundamentais para a compreensão do setor cultural no estado. O estudo é produto
de uma pesquisa mais ampla com ênfase no monitoramento e avaliação de políticas públicas
que permitam a compreensão da cultura como um insumo dentro de um processo dinâmico de
causa e efeito. Trata-se de um esforço de traçar um panorama inicial sobre a realidade cultural de
Goiás, municiando a sociedade civil e os gestores culturais com informações que possibilitarão
a avaliação dos resultados de suas políticas, programas e ações culturais. Para tanto reúne
informações coletadas no período de 2012 a 2015, a partir de duas dimensões: Gestão Pública
da Cultura e Financiamento da Cultura.

PALAVRAS-CHAVE: indicadores culturais, políticas públicas culturais, monitoramento.

1. INTRODUÇÃO
O campo da cultura movimenta gradativamente a economia brasileira e recebe
investimentos públicos para a construção e manutenção de equipamentos culturais (recursos físicos
e humanos) e para o fomento de atividades populares, eventos, gestão e proteção do patrimônio
cultural. Já os projetos culturais trabalham, basicamente, com financiamentos gerados por meio
de leis ou fundos de incentivo fiscal. Tais investimentos e incentivos são fomentados a partir de
três fontes distintas e complementares: as dotações orçamentárias à cultura (gastos públicos),
o investimento social privado (repasses voluntários de recursos) e o patrocínio empresarial.

1
Pedagoga, Especialista em Gestão do Desenvolvimento Local e Mestre em Fundamentos dos Processos Edu-
cativos. De 2010 a 2015 integrou o Banco de Pareceristas do Ministério da Cultura (MinC). Atualmente trabalha
como consultora em indicadores educacionais e culturais (PNUD/UNESCO), desenvolve pesquisas e análises
das políticas públicas culturais de base comunitária e é membro da Rede Casa Brasil Digital. Email: casa.brasil.
digital@gmail.com.
2
Produtor Cultural, músico e formando em Ciências Econômicas na Universidade Federal de Goiás. Desenvolve
pesquisa na área de Economia da Cultura: Análise do Mercado de Música Independente de Goiânia a partir das Leis
de Incentivo à Cultura. Email: lobo.guilhermee@gmail.com.

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Os planos, programas, ações e atividades propostas pelo estado são norteados por objetivos
específicos e devem gerar produtos concretos para a população. Sendo assim, a participação
social no acompanhamento das políticas de cultura promove a transparência das ações e dos
investimentos culturais e permite a interação do cidadão com o Estado (Cultura em números,
2010, pg. 33).
Este artigo propõe uma metodologia de monitoramento e avaliação de políticas públicas
a partir da classificação das estatísticas e cifras culturais em Goiás, com o objetivo de mensurar
o desenvolvimento cultural do setor no período compreendido entre 2012 e 2015.
Apresenta resultados parciais de uma pesquisa independente realizada por pesquisadores
vinculados à Rede de Diálogos Casa Brasil Digital (Goiânia). A rede promove a conexão de
grupos, produtores culturais e instituições formativas com o objetivo de desenvolver produtos,
serviços e processos formativos que possibilitem o desenvolvimento local sustentável. Para tanto
reúne profissionais que, a partir de uma estrutura de produção, realizam serviços e promovem
saberes culturais de forma colaborativa em nível local e regional.

2. METODOLOGIA
Adota-se como premissa a classificação e o cruzamento dos dados entre as bases dos
Sistemas de Informação Governamentais, delimitando o setor da cultura no Estado de Goiás. Em
relação à confiabilidade, os dados disponibilizados nas bases são de inteira responsabilidade dos
órgãos das quais são originadas. Observa-se que todas as análises realizadas a partir das bases
pressupõem a veracidade e confiabilidade das informações públicas. A metodologia da pesquisa
consiste na apropriação de dados abertos governamentais; na sua articulação e integração a
partir do cruzamento com outros dados de diferentes fontes; na sistematização e reutilização das
informações contextualizadas; e na disponibilização dos resultados por meio de visualizações
interessantes e esclarecedoras.
Os dados relativos à Gestão Pública da Cultura no estado de Goiás foram sistematizados
a fim de possibilitar a categorização dos indicadores de resultado das ações desenvolvidas e
sua interpretação adequada (foco no poder público). Na sequência o Financiamento da Cultura
em Goiás foi levantado de modo a observar a evolução da captação de recursos para projetos
culturais no estado. O produto gerado no formato de artigo traça um panorama do setor cultural
de Goiás por meio de representações gráficas.
Fontes de Dados: As fontes de dados utilizadas foram Sistemas de Informações
Governamentais que permitem filtros de cruzamentos de dados dos três âmbitos de governo –
federal, estadual e municipal. Para a dimensão da Gestão Pública da Cultura foi utilizada a base
de dados do IBGE, que permite o acompanhamento de informações relativas à oferta da cultura
e à gestão da Política de Cultura (Suplemento de cultura do perfil dos estados e municípios

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brasileiros 2014). Para a dimensão relativa ao Financiamento da Cultura foram utilizados


sistemas de informação que permitem o acompanhamento da evolução (2012 a 2015) do apoio
a projetos culturais via captação de recursos no âmbito da renúncia fiscal e captação de recursos
oriundos do orçamento público (SALICNET, PORTAL DA TRANSPARÊNCIA E SICONV).

Quadro 1: Fontes de dados

3. GESTÃO PÚBLICA DA CULTURA


A política pública em Goiás reúne programas, recursos, ações e atividades desenvolvidas
a partir das três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal). Para a materialização
das estratégias de políticas públicas para a cultura, o Programa de Ações Integradas de
Desenvolvimento do PPA 2012-2015 destacou entre suas prioridades o Programa de Apoio,
Promoção e Fortalecimento da Cultura Goiana, a partir da Unidade Orçamentária da Secretaria
de Estado da Cultura (SEDUCE) e do Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás (FAC).
O fundo é destinado a apoiar a pesquisa, a criação e a circulação de obras de arte e a realização de
atividades artísticas e/ou culturais por meio de financiamento a programas e projetos.
Parte-se do pressuposto de que para planejar, elaborar e avaliar as políticas públicas são
necessários subsídios e orientações que indiquem rumos tanto para a gestão pública como para as
ações dos demais setores da sociedade (Cultura em números 2010, pg.32). Nesse sentido busca-
se revelar o panorama da infraestrutura cultural do estado de Goiás a partir da categorização
de indicadores do Programa de Apoio, Promoção e Fortalecimento da Cultura Goiana. O

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primeiro indicador de desempenho da Gestão Pública da Cultura é a execução orçamentária por


programa/ação declarada pelo Estado, tendo como fonte de dados a plataforma Portal Goiás
Transparente. O segundo indicador é a oferta da cultura no Estado, sistematizando dados sobre
a existência de equipamentos culturais, meios de comunicação, pontos de cultura; gestão da
Política de Cultura; instâncias de participação; além de existência e funcionamento de Fundos
de Cultura. A fonte de dados pesquisada foi: a plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios
Brasileiros 2014).

4. ANÁLISE DOS DADOS OBTIDOS


4.1 Execução Orçamentária
A avaliação dos resultados da gestão da cultura, em especial quanto ao cumprimento
dos objetivos e metas (físicas e financeiras) planejados ou pactuados para o exercício de 2012
a 2015, demandou o levantamento de informações sobre ações pelas quais a SEDUCE realizou
as atividades de sua competência. De acordo com os dados de execução orçamentária, entre os
anos de 2012 e 2015 o Estado de Goiás pagou o valor aproximado de R$ 50.3 milhões a ações
do Programa de Apoio, Promoção e Fortalecimento da Cultura Goiana.

Gráfico 1: Recursos da execução orçamentária do Estado de Goiás


destinados ao Programa de Apoio, Promoção e Fortalecimento da Cultura Goiana:

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Tabela 1: Recursos da Execução Orçamentária do Estado de Goiás


destinados ao Programa de Apoio, Promoção e Fortalecimento da Cultura Goiana:

Fonte: Execução Orçamentária - Portal “Transparência Goiás”

Os dados da Tabela 1 demonstram que os recursos destinados ao programa de cultura foram


ampliados ano a ano. Entretanto os dados disponibilizados na aba de Execução Orçamentária do
portal “Transparência Goiás” (13/03/2016) revelam que do valor liquidado correspondente ao
ano de 2015 do Programa de Apoio, Promoção e Fortalecimento da Cultura Goiana, menos de
15% foi efetivamente pago.

Gráfico 2: Execução orçamentária do Programa (valores pagos):

Fonte: Execução Orçamentária - Portal “Transparência Goiás”. Gráfico: elaboração própria.

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Analisando os dados do Gráfico 2 observa-se que as ações “Apoio e promoção da


música” e “Consolidação do FICA” recebem os maiores recursos, de forma sistemática. Nos
2012, 2013 e 2014 a maior parte dos recursos pagos (acima de 4 milhões/ano) é direcionada
à “Ação de Consolidação do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental – FICA”,
distribuídos respectivamente: 2012 = 44,7% do total de recursos; 2013 = 37,72% do total de
recursos; 2014 = 15,9% do total de recursos. Em 2015 observa-se uma redução drástica, tanto
na quantidade das ações apoiadas, quanto no montante dos valores pagos. Ainda assim, as
ações “Apoio e promoção da música” e “Consolidação do FICA”, lideram lista de recepção dos
maiores recursos. O Gráfico 3 ilustra a distribuição dos recursos pagos entre os anos 2012 e
2014 representando, de forma unificada, as duas ações com maior recepção de recursos (FICA
e Música).

Gráfico 3: Representação gráfica dos recursos pagos por ano:

Fonte: Execução Orçamentária - Portal “Transparência Goiás”. Gráfico: elaboração própria.

Com o objetivo de revelar, de forma sintética, se o Programa de Apoio, Promoção e


Fortalecimento da Cultura Goiana está ou não funcionando, foi realizado um levantamento
dos recursos destinados e efetivamente pagos às ações (indicador de desempenho). Em 2014 os
recursos destinados ao Fundo de Arte e Cultura do estado sofreram diminuição de 20% dos valores
previamente estipulados e, ainda, atrasos nos repasses. Dos recursos destinados à cultura para o

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ano de 2015 (empenhados e liquidados pelo estado), mais de 85% não foram repassados para as
ações e projetos culturais. Em 15 de março de 2016 o governo do estado propôs o parcelamento
dos repasses remanescentes (24.5 milhões) em sete prestações consecutivas, pagas a partir de
março de 2016. Ainda assim, o governo do estado avalia positivamente o programa e apresenta
Relatórios de Consolidação das Ações formulados pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás.

4.2 Oferta da Cultura no Estado


O segundo indicador de desempenho apresentado é a oferta da Cultura no Estado,
sistematizando dados sobre a existência de equipamentos culturais, meios de comunicação,
pontos de cultura, gestão da Política de Cultura, instâncias de participação, além de existência e
funcionamento de Fundos Municipais de Cultura. A fonte de dados pesquisada foi a plataforma
do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014), cujas informações foram inseridas pelos
órgãos originários de gestão estadual. A seguir apresenta-se dados indicativos de participação
social e de gestão pública da cultura:

Gráfico 4: Municípios com pontos de cultura, gestão da política de cultura; instâncias de participação;
além de existência e funcionamento de fundos de cultura (total de mun.: 246)

Fonte: plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014). Gráfico: elaboração própria.

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O Gráfico 4 demonstra o percentual dos 246 municípios goianos que possuem gestão,
promoção de políticas públicas de cultura e instâncias de participação popular .
Em relação à existência de equipamentos culturais, os dados revelam que o estado de
Goiás possui 269 Bibliotecas públicas, 404 Estádios ou ginásios poliesportivos, 68 Centros
culturais, 45 Museus, 37 Arquivos públicos e/ou centros de documentação, 39 Teatros ou salas
de espetáculos e 38 Centros de artesanato, sendo a grande maioria mantida pelos municípios.
No gráfico 5, a seguir, constata-se que a grande maioria dos municípios possui pelo menos
uma biblioteca pública e um teatro ou sala de espetáculos, enquanto os outros equipamentos
culturais estão presentes em menos de 30% dos municípios goianos.

Gráfico 5: Quantidade de municípios com existência de equipamentos


culturais e a quantidade dos mantidos pelo poder público municipal:

Fonte: plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014). Gráfico: elaboração própria.

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Gráfico 6: Municípios, por tipo de meios de comunicação existentes:

Fonte: plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014). Gráfico: elaboração própria.

O Gráfico 6 revela que entre os setores de serviços de comunicação existe uma


representatividade marcante das rádios: Rádio Comunitária presente em 60,56% dos municípios,
Rádio FM local em 51,62% dos municípios e Rádio AM Local presente em 21,13% dos
municípios goianos. Na sequência as “Provedoras de Internet” estão presentes em quase 50%
dos municípios.

4.3 Síntese da dimensão da Gestão Pública da Cultura


Foram apresentados dados que permitem avaliar o Programa de Apoio, Promoção e
Fortalecimento da Cultura Goiana, a partir de indicadores de desempenho e de oferta cultural.
O governo do estado afirma que as ações propostas foram consolidadas apesar da proposta de
parcelamento dos repasses de 2015, fato que compromete e/ou inviabiliza a execução de grande
parte das ações previstas. Os dados de oferta cultural apresentados pelo estado indicam uma
estruturação organizada da cultura nos municípios, em regime de colaboração.

5. FINANCIAMENTO DA CULTURA
5.1 Modalidades de Financiamento
UNIÃO: Atualmente no Brasil o maior mecanismo para a realização de um projeto
cultural é o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), implementado pela Lei Rouanet

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(Lei 8.313/1991) a partir dos mecanismos: Fundo Nacional da Cultura (FNC) e Incentivo Fiscal.
Os projetos que buscam financiamento passam inicialmente por uma seleção do governo federal,
para então buscarem seus investidores.
ESTADO: O Governo de Goiás financia projetos culturais por meio dos mecanismos:
Fundo de Arte e Cultura de Goiás (FAC) e de renúncia fiscal do ICMS (Lei Goyazes). O Fundo
de Arte e Cultura de Goiás foi criado para incentivar e estimular as produções artístico-culturais
realizadas em Goiás, custeando projetos estritamente culturais de iniciativa de pessoas físicas
ou jurídicas de direito público ou privado, sem que o proponente precise buscar diretamente
patrocinador para os seus projetos. Na Lei Goyazes o produtor aprovado recebe uma carta de
crédito que o autoriza a buscar empresas interessadas em financiar seu projeto. O valor investido
pela empresa será descontado no ICMS pago ao governo. O programa é mantido pelo Governo
do Estado e gerido pela Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEDUCE). Os
projetos são avaliados e aprovados pelo Conselho Estadual de Cultura.

5.2 Financiamento da União: Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac)


Neste item foram incluídos todos os projetos aprovados pelo Ministério da Cultura
para captação de recursos por meio dos mecanismos Mecenato, Fundo Nacional de Cultura
e Recursos do Tesouro. Especificamente no âmbito da renúncia fiscal foram incluídos dados
relativos à aprovação e captação, apresentando quantidades e valores dos projetos durante
o período de 2012 a 2015. Na sequência os dados referentes à captação foram divididos por
segmentos culturais.

Gráfico 7: Montante de projetos do estado de Goiás apresentados ao MinC


entre 2012 e 2015, por mecanismos de incentivo:

Fonte de dados: SalicNet. Gráfico: elaboração própria.

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Verifica-se que, nos anos de 2012 e 2013, os projetos apresentados no âmbito da renúncia
fiscal superam os montantes de projetos apresentados ao Fundo Nacional de Cultura e aos
Recursos do Tesouro. Já nos anos 2014 e 2015, os projetos apresentados visando captar recursos
via Fundo Nacional de Cultura superam os montantes de projetos apresentados para os outros
mecanismos. Esse resultado coincide cronologicamente com a proposta de redesenho do Programa
Cultura Viva do MinC3, que a partir de 2013 amplia a oferta de editais para implementação de
pontos de cultura e editais de prêmios para pessoas físicas que tenham vocação para formação e
implementação das redes articuladas aos pontões.

5.3 Captação por Mecenato


No âmbito da renúncia fiscal o Gráfico 8 apresenta a evolução, da quantidade dos projetos
culturais de Goiás aprovados pelo MinC e captados pelos proponentes.

Gráfico 8: Montante de projetos Culturais (GO) aprovados e captados


entre 2012 e 2015, por mecanismos de incentivo:

Fonte de dados: SalicNet. Gráfico: elaboração própria.

Já a Tabela 2 apresenta os valores aprovados e efetivamente captados.

Relatório Redesenho do Programa Cultura Viva, GT Cultura Viva, Brasília, novembro de 2012.
3

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Tabela 2: Montante de projetos de Goiás aprovados pelo MinC


e valores captados pelos proponentes entre 2012 e 2015:

Fonte: SalicNet - projetos do estado de Goiás aprovados entre 01/12/2012 e 31/12/2015

A partir da Tabela 2 é possível observar que dos 342 projetos de Goiás apresentados
entre 2012 e 2015 ao MinC, apenas 21,34% tiveram alguma captação de recursos. A soma do
volume de recursos aprovados ultrapassa os R$ 205,6 milhões, entretanto a soma do volume
de recursos captados não alcança nem 10% do valor aprovado. Estudos que tratam da relação
entre os incentivos fiscais e a gestão dos recursos públicos atribuem o cenário da baixa captação
de recursos ao fato de que a iniciativa privada passou a ser o principal agente de captação
de recursos do setor cultural. Outro ponto que deve ser destacado é a compreensão de que a
captação de recursos requer a atuação de profissionais capacitados e qualificados em cultura.

Gráfico 9: Montante de projetos aprovados e efetivamente captados, ano a ano:

Fonte de dados: SalicNet. Gráfico: elaboração própria.

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Gráfico 10: Montante de projetos aprovados por segmento cultural, ano a ano:

Fonte de dados: SalicNet. Gráfico: elaboração própria.

A evolução ano a ano, dos projetos culturais é ilustrada no Gráfico 9. Já evolução dos
projetos aprovados por segmento cultural (Gráfico 10) revela que a maior parte dos recursos é
destinada aos segmentos da Música e das Artes Cênicas. Corroborando com esse resultado, o
estudo sobre a Cadeia Produtiva dos Festivais de Música Alternativa em Goiânia (LOBO, 2016)
indica que a área da música alternativa em Goiânia depende, em sua grande maioria, de recursos
públicos via mecanismos de incentivo oriundos de renúncia fiscal. Sendo assim, as verbas
de fomento à cultura destinadas à área musical deveriam alcançar todos os elos de sua cadeia
produtiva, gerando empregos, renda e impostos. Entretanto os resultados desse estudo revelam
uma contradição: a maior parte das bandas e artistas da música independente em Goiânia – não
consegue se manter com recursos advindos da comercialização de seus shows e merchandising.

5.4 Financiamento Estadual


Nessa etapa foram incluídos todos os projetos aprovados pela Lei Goyazes para captação
de recursos especificamente no âmbito da renúncia fiscal no período entre 2012 e 2015, com teto
permitido para liberação, por meio de mecenato fiscal, de R$ 5 milhões em 2012 e R$ 10 milhões
nos anos subsequentes. Não foi possível mensurar os dados referentes à captação de recursos por
não haver no Estado de Goiás mecanismos de consulta pública sistematizados, nem relatórios

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estruturados sobre os projetos apoiados e captados. As informações disponibilizadas se resumem


à relação dos projetos aprovados disponibilizadas no site da Secretaria de Educação, Cultura
e Esporte (SEDUCE). Quanto aos projetos aprovados para captação de recursos, chama-se a
atenção para a falta de fiscalização em relação à captação e a falta de monitoramento da execução
dos projetos, que se reflete no alto índice de inadimplência na prestação de contas.

5.5 Fundo de Arte e Cultura de Goiás (FAC)


Este item inclui projetos culturais inscritos e aprovados para receber recursos do Fundo
de Arte e Cultura de Goiás, que concede apoio financeiro às propostas provenientes do Estado e
dos segmentos artístico-culturais. O FAC/Goiás lançou em 2014 seu primeiro edital concedendo
apoio financeiro às propostas do segmento do Audiovisual nas áreas de cinema e vídeo. Foram
inscritos 684 projetos e selecionados 205 para receber um total de R$ 6.120.000. Em 2015 foram
lançados 11 editais do Fundo de Arte e Cultura com previsão de repasse de R$ 27,5 milhões de
reais para os segmentos: música, artes integradas, audiovisual, teatro, circo, dança, literatura,
patrimônio cultural, museus, bibliotecas e arquivos. Foram inscritos 1.200 projetos dos quais
269 foram selecionados.
Síntese: Ao analisar as ações do Programa de Apoio, Promoção e Fortalecimento da
Cultura Goiana, foi constatado que, por restrições orçamentárias, a área da cultura em Goiás
esteve sistematicamente prejudicada em seus mecanismos de fomento nos últimos anos. Tetos
da Lei Goyazes (mecenato) sofreram cortes e atrasos em seus repasses. Já o Fundo Estadual de
Cultura (recursos diretos) atrasou o primeiro repasse por falta de caixa e o repasse dos recursos
de 2015 foram parcelados com previsão de pagamento distribuído ao longo de 2016.

6. CONSIDERAÇÕES
Este artigo se propôs a traçar um panorama inicial sobre a realidade do campo da cultura
em Goiás, a fim de criar condições de possibilidade para a avaliação dos resultados de suas
políticas, programas e ações, buscando ampliar a participação social nos mecanismos de gestão
e potencializar a produção de indicadores e informações culturais de Goiás.
O acesso aberto aos dados governamentais permite o acompanhamento da distribuição
dos recursos e a verificação dos repasses. Entretanto a insuficiência de mecanismos específicos
de controle social interdita a efetiva participação da sociedade no planejamento e na seleção das
ações que serão beneficiadas. Tal síntese revela a necessidade de desenvolvimento de estratégias
de informação e intervenção, a exemplo dos sistemas de informação cultural disponíveis em
outros estados, que possibilitem o monitoramento e a garantia, para a população, de uma
prestação de serviços com eficiência.

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Em relação à transferência de recursos para projetos, o estudo revelou que a SEDUCE


possui deficiências de controle nas etapas de formalização, acompanhamento e prestação
de contas das transferências financeiras voluntárias, o que consiste em risco administrativo,
especialmente quanto à ausência de mensuração dos resultados obtidos por suas políticas
públicas. Tendo em vista que a prestação de contas se destina a avaliar a regularidade da
aplicação dos recursos públicos, a ausência de análise técnica que indique um acompanhamento
sistemático da execução dos projetos evidencia uma lacuna administrativa no que se refere ao
acompanhamento dos resultados.
Sendo assim, identifica-se a necessidade de instalação de controles administrativos
nesses processos de transferências voluntárias, com especial atenção às etapas de formalização,
acompanhamento e avaliação do cumprimento do objeto dos projetos aprovados.
Os resultados obtidos apontam para a necessidade de observação de todo o processo de
desenvolvimento do Programa de Apoio, Promoção e Fortalecimento da Cultura Goiana, desde
os objetivos da política pública em questão, como as ações foram e vêm sendo implementadas,
quem são os atores sociais envolvidos e como as cadeias produtivas de cada setor vêm sendo
beneficiadas. Nesse sentido, o próximo passo para a compreensão da realidade cultural de
Goiás consiste na espacialização dos investimentos públicos em ações culturais, a fim de
analisar a distribuição dos recursos no estado. Esta etapa da pesquisa (em andamento) incluirá
o mapeamento dos Indicadores Culturais de Goiás a partir da Plataforma Mapa da Cultura –
ferramenta de monitoramento, gestão e avaliação das políticas públicas de cultura (informados
pela sociedade civil). Essa mesma base de dados será utilizada para a dimensão dos Indicadores
Culturais, permitindo o acompanhamento de informações relativas à distribuição dos locais,
agentes e projetos culturais com dados georreferenciados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOVERNO DE GOIÁS. Consolidação das Ações e Programas dos Órgãos e Entidades (exercícios de
2012, 2013, 2014; Disponível em: http://www.transparencia.goias.gov.br/pagina.php?id=18
GOVERNO DE GOIÁS - Programa de Ações Integradas de Desenvolvimento do PPA 2012-2015
Disponível em: http://www.transparencia.go.gov.br/index.php
IBGE. Perfil dos estados e dos municípios brasileiros : cultura : 2014 / IBGE, Coordenação de População
e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro : IBGE, 2015; Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/
visualizacao/livros/liv95013.pdf
LEI Nº 15.633, DE 30 DE MARÇO DE 2006. Dispõe sobre a criação do Fundo de Arte e Cultura
do Estado de Goiás-FUNDO CULTURAL e dá outras providências. Disponível em: http://www.
gabinetecivil.goias.gov.br/leis_ordinarias/2006/lei_15633.htm

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LEI Nº 13.613, DE 11 DE MAIO DE 2000. Institui o Programa Estadual de Incentivo à Cultura –


GOYAZES e dá outras providências. Disponível em: http://www.gabinetecivil.go.gov.br/pagina_leis.
php?id=2526
LOBO, GUILHERME AUGUSTO ALCANTARA. Estudo da Cadeia Produtiva dos Festivais de Música
Alternativa em Goiânia. Koskatl, 2016. Disponível em: http://culturadigital.br/mapagoias/
MINISTÉRIO DA CULTURA. Cultura em números: anuário de estatísticas culturais 2010. Brasília:
MinC, 2010 Disponível em: http://www.marketingcultural.com.br/115/pdf/cultura-em-numeros-2010.pdf
PLATAFORMA PORTAL GOIÁS TRANSPARENTE; Disponível em: http://www.transparencia.goias.
gov.br/
SISTEMA DE APOIO ÀS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA Disponível em: http://sistemas.cultura.
gov.br/salicnet/Salicnet/Salicnet.php
SISTEMA DE GESTÃO DE CONVÊNIOS E CONTRATOS DE REPASSE DO GOVERNO FEDERAL
(SICONV) Disponível em: https://www.convenios.gov.br/portal/

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POLÍTICAS CULTURAIS, PATRIMONIALIZAÇÃO E POVOS INDÍGENAS:


A CASA TAMIRIKI E O PROTAGONISMO DOS AMERÍNDIOS KATXUYANA
Adriana Russi1
Marcela Endreffy2

RESUMO: A partir das recentes políticas culturais voltadas aos povos indígenas e ao patrimônio
cultural, percebemos que a construção da casa tamiriki entre os Katxuyana materializa a
articulação entre diferentes agentes sociais. Se por um lado a construção desta casa resultou
do Prêmio Culturas Indígenas, por outro remete ao protagonismo dos próprios Katxuyana
na valorização de sua cultura. A reconstrução desta casa, por eles abandonada por décadas
enquanto viveram longe de seu território, funcionou como mediadora de seu patrimônio ao
acionar saberes tradicionais. Assim, esta análise se apoia em uma leitura contextualizada das
políticas culturais para os ameríndios ao considerar os avanços destas políticas articulados a
conceitos como a participação de “novos sujeitos de direito” e a dialogia indígena com o Estado,
aspectos importantes nesta reflexão.

PALAVRAS-CHAVE: Katxuyana. Patrimônio cultural. Política cultural.

Neste artigo, abordamos a reconstrução de um tipo de casa – a tamiriki – como importante


elemento que ilustra os desdobramentos das recentes políticas culturais no Brasil, voltadas aos
povos indígenas. O complexo processo de valorização cultural investigado entre os ameríndios
Katxuyana (RUSSI, 2014) aponta que inúmeros fatores se articulam: as políticas culturais para
os povos indígenas no Brasil; a dialogia entre os povos indígenas e o Estado, observada nas
últimas décadas (OLIVEIRA, 2002) e a participação em diferentes projetos dos “novos sujeitos
de direito” (ABREU, 2005, 2012).
A terra tradicional dos Katxuyana se localiza às margens do rio Cachorro, no município
paraense de Oriximiná, Brasil. Durante um longo período, eles viveram fora dela, tendo habitado
territórios de outros ameríndios com os quais se misturaram. Desde que regressaram para sua
1
Doutora em Memória Social (Unirio), docente da Universidade Federal Fluminense (UFF/Rio das Ostras) onde
coordena o Programa Educação Patrimonial em Oriximiná-PA (www.patrimoniocultural.uff.br). E-mail: adri.rus-
sitm@gmail.com.
2
Discente do curso de Produção Cultural da UFF/Rio das Ostras, bolsista PIBIC no projeto Dos museus aos su-
jeitos: levantamento das coleções etnográficas dos Katxuyana, sob orientação da Profª. Drª. Adriana Russi. Email:
mendreffy@hotmail.com.

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terra natal, no final dos anos de 1990, os Katxuyana têm se mobilizado para assegurar aos seus
descendentes o aprendizado do kwe’tohkumu (“nosso jeito de ser” katxuyana). Valorizar sua
própria cultura, neste caso, implica também no fortalecimento da figura do chefe da aldeia, o pata
yotono, e na retomada do modo de organização social em uma aldeia katxuyana. Para conseguir
apoio para a construção desta casa o grupo submeteu o projeto “Tamiriki: construindo uma casa e
reconstruindo uma cultura” ao edital Prêmio Culturas Indígenas (SESC-SP, 2008). Nesse sentido,
a reconstrução da tamiriki materializa esse exercício “patrimonial”, em grande medida favorecido
pelas recentes políticas culturais no Brasil e revela, ainda, a importância de um lugar construído
para a sociabilidade aldeã, sinalizando o protagonismo indígena nesse processo.

1. UM POUCO SOBRE OS KATXUYANA


Atualmente, parte dos ameríndios Katxuyana habita o oeste do Estado do Pará, na
mesorregião do Baixo Amazonas. Tradicionalmente, habitam as regiões do rio Cachorro e
Trombetas (FRIKEL, 1970)3; linguisticamente fazem parte do grupo karib e falam o katxuyana
(MEIRA, 2006). Espalhados em cerca de nove aldeias, esse povo está assim distribuído
geograficamente: na região dos rios Cachorro e Trombetas (nos limites da Terra Indígena
Trombetas-Mapuera), no rio Nhamundá (na fronteira entre os estados do Amazonas e do Pará,
nos limites da Terra Indígena Nhamundá-Mapuera) e no rio Paru de Oeste (na fronteira entre os
estados do Pará e Amapá, na Terra Indígena Parque do Tumucumaque).
O processo de depopulação dos Katxuyana, assim como de outros indígenas da região do
rio Trombetas, decorreu em grande medida dos contatos com grupos não autóctones e foi registrado
a partir de meados do século XIX. Segundo Frikel (1970), esses contatos teriam suscitado o
desenvolvimento de graves doenças. Assim, muito adoentados e com reduzidas alternativas de
casamento, segundo seu sistema de organização social, os Katxuyana viveram um difícil período.
O ano de 1968 é indicado na bibliografia como o momento em que o reduzido grupo de
pouco mais de 60 indivíduos vivenciou um dramático processo de separação em duas frentes
migratórias. Uma desceu sentido sul (para o rio Nhamumdá, no Amazonas) e lá viveu com outro
povo karib – os Hixkaryana; a outra frente subiu em sentido leste (para a Terra Indígena Parque
do Tumucumaque, na fronteira entre o Pará e o Amapá), onde conviveu com os Tiriyó, também
outro povo karib4.
Neste artigo tratamos das políticas culturais voltadas aos povos indígenas e de um
processo de “patrimonialização” observado entre os Katxuyana que decidiram reocupar seu
território. Nesse caso, a cultura materializada na reconstrução da casa tamiriki foi usada pelos
Katxuyana como um dos dispositivos para acionar e reivindicar seus direitos.

Sobre a formação do povo Katxuyana ver: Frikel (1970), Kruse (1955) e Grupioni (2010, 2011).
3

Sobre o processo migratório, ver: Frikel (1970) e Caixeta de Queiroz e Gonçalves Girardi (2012).
4

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Os Kaxuyana do Paru, como ficaram conhecidos aqueles migrados para o Tumucumaque


(GALLOIS; RICARDO, 1983), conviveram com os Tiriyó por mais de 30 anos e com eles
se misturaram, se casaram e tiveram filhos. Apesar disso, sempre se sentiram como exilados,
habitando um território de ocupação Tiriyó. Assim, por exemplo, a língua ensinada na escola e
muitas práticas culturais naquele lugar eram tiriyó. Os Katxuyana relatam suas dificuldades de
adaptação, sobretudo, quanto à forma de organização da aldeia, ao sistema de trabalho coletivo,
bem como as relações de parentesco. Apesar dessas dificuldades, os Katxuyana insistiam em
evidenciar suas características e diferenças com os Tiriyó e alguns nunca desistiram do sonho
de regressar ao seu território.
Enquanto viveram no Tumucumaque um dos principais tipos de habitação coletiva usada
pelos Katxuyana – a tamiriki – deixou de ser construída. A casa tamiriki tem seu significado
atrelado à figura do chefe, já que era a habitação tradicional dele e de sua família extensa. É à
figura do chefe5 que se vinculam a organização da aldeia e o sistema de trabalho coletivo.
No final dos anos de 1990 parte dos Katxuyana voltou a reocupar o rio Cachorro. Eles
procuraram6 e encontraram uma antiga aldeia onde seus antepassados viveram por mais de uma
década sob a chefia de um importante líder, Juventino Matxuwaya. Foi assim que, em 2003,
filhos e parentes deste líder fundaram a aldeia Warahatxa Yowkuru no lugar da antiga aldeia
Santidade. Naquela velha aldeia, antes de migrar, a família extensa de Juventino Matxuwaya
vivia numa tamiriki e passado quase meio século, foi nesse lugar que os Katxuyana decidiram
reconstruir essa casa.

2. POLÍTICAS CULTURAIS PARA OS POVOS INDÍGENAS


Durante a investigação de pesquisa de doutoramento (RUSSI, 2014) vimos em plena
construção uma grande casa circular de telhado cônico – a tamiriki. Foi na própria aldeia que
encontramos o texto do projeto “Tamiriki: construindo uma casa e reconstruindo uma cultura”
(APITIKATXI, 2008), contemplado pelo Prêmio Culturas Indígenas.
Ações como a desse prêmio podem ser compreendidas como desdobramentos de políticas
públicas voltadas para a preservação do que se convencionou denominar “patrimônio cultural”.

5
O termo em katxuyana é pata yotono. Pata = lugar, aldeia, Yotono = dono, formando, então, dono do lugar, dono
da aldeia. O termo se refere muitas vezes àquele responsável pela abertura e instalação da aldeia que depois assume
a função de líder político do grupo e, em inúmeros casos, também líder religioso.
6
Como muitos adultos responsáveis pelo processo de regresso dos Katxuyana ao rio Cachorro nasceram no
Tumucumaque, eles conheciam as terras de seus ancestrais apenas por suas narrativas. Dessa forma, eles pediram
auxílio aos quilombolas moradores da comunidade de Cachoeira Porteira para localizar suas antigas aldeias. Neste
caso, negros e indígenas se reconhecem como parentes – sobre isso, ver: Girardi (2011). Depois da abertura da
aldeia Santidade, em 2003, alguns velhos nascidos lá, que a deixaram quando eram bem jovens para migrar para o
Tumucumaque, puderam então, regressar para Santidade. De volta à sua antiga aldeia, os velhos, incentivados por
alguns homens maduros, voltaram a falar sobre o “tempo dos antigos”, como dizem (RUSSI, 2014).

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A reflexão sobre o caso katxuyana levou em consideração o fato de que processos denominados
por Sahlins (1997a, 1997b) como “autoconsciência cultural” não ocorrem de forma isolada,
como iniciativa exclusiva de um grupo social.
Para entender o contexto sócio-histórico de ações, editais e prêmios promovidos pelo
governo brasileiro, em prol da valorização das tradições indígenas, é necessário compreender
seus vínculos com o que se denomina política indigenista. Apesar de essa expressão ser utilizada
como sinônimo de toda e qualquer ação política governamental voltada às populações indígenas,
existem diferentes agentes envolvidos nessa complexa tarefa. Inúmeros são os autores brasileiros
que se dedicam a analisar os percursos da política e legislação indigenista, bem como as ações
governamentais e de outros agentes na defesa dos índios, desde o período do Brasil Colonial
até a atualidade. Historicamente, missões religiosas, inicialmente católicas e depois também
protestantes se encarregavam do trabalho de assistência junto aos índios.
As bases da política indigenista no Brasil datam da primeira década do século XX com
a criação do então Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910, que tinha entre suas finalidades
proteger os índios. Entretanto, somente na Constituição de 1934 é que os direitos dos povos
indígenas foram tratados em texto constitucional, cabendo à União a responsabilidade pela
promoção da política indigenista. Indigenistas e antropólogos tiveram grande importância no
Brasil no que diz respeito à defesa dos povos indígenas e seus direitos, sobretudo a partir dos
anos 1950, quando se constituiu, por exemplo, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
Nesse processo, defensores dos direitos dos povos indígenas, como os antropólogos Darcy
Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira e muitos outros, cada qual à sua maneira, trilharam o que
ficou conhecido como uma antropologia militante, uma “antropologia da ação”7.
Durante a ditadura militar, o SPI foi extinto e em 1967 foi criada a Fundação Nacional
do Índio (Funai). Contudo, somente depois do processo de democratização do Estado brasileiro,
nos anos de 1980, é que houve ampla discussão da questão indígena pela sociedade civil e pelos
próprios índios que começaram a se conscientizar e organizar politicamente, participando cada
vez mais das discussões de seus interesses. Somam-se a eles, organizações não governamentais
(ONGs) e organizações religiosas. A Constituição de 1988 mudou concepções ideológicas
acerca dos povos indígenas e reconheceu a diversidade e especificidade dos milhares de índios
que ocupam o território nacional.
Segundo Oliveira (2002), a política indigenista no Brasil do século XXI sofreu mudanças
em razão da fragmentação do indigenismo estatal e sua disseminação por vários órgãos públicos,
ONGs e outras instituições. Conforme expõe o autor, o que marca o indigenismo atual é sua
pulverização e sua transformação em uma série de iniciativas semiautônomas. Simultaneamente,

7
Peirano (1999) faz uma interessante análise sobre a antropologia no Brasil e Abreu (2008) destaca a militância
dos antropólogos no Brasil, na chamada “antropologia da ação”.

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houve uma ascensão da autonomia indígena na forma de dialogia, forçada pelos próprios
índios sobre o Estado e a sociedade nacional e internacional, por meio de seu acesso à mídia,
entre outros canais de comunicação. Para Oliveira (2002, p.10 9-110), cada vez mais as ações
dos povos indígenas procuram estabelecer sua qualidade de “interlocutores indispensáveis à
formulação, gestão e avaliação das políticas públicas indigenistas.”
Contemporaneamente, se por um lado existe a política indigenista oficial (formulada
e executada pelo Estado), por outro, muitas ações vêm ocorrendo a partir de parcerias
estabelecidas entre setores governamentais, organizações indígenas, ONGs e missões religiosas.
Como consequência dessa longa e difícil luta em prol da causa indígena, uma série de políticas
públicas foram criadas com esse propósito. O Prêmio Culturas Indígenas é apenas um entre
inúmeros outros desdobramentos dessa trajetória. Processos como esse que vem ocorrendo entre
os Kaxuyana, não podem ser compreendidos como ação isolada desse contexto.

3. PRÊMIO CULTURAS INDÍGENAS


Por que os Katxuyana decidiram erguer um tipo de casa que não construíam há quase 40
anos? O que a construção dessa tamiriki poderia revelar? A reflexão sobre este processo mostrou
que a tamiriki é “boa para pensar”. A análise da reconstrução da tamiriki revelou que estávamos
diante de um processo deliberado e levado adiante pelos próprios Katxuyana, e não só por eles,
não por eles de forma isolada, mas, sobretudo, por eles.
No caso da casa tamiriki, os Katxuyana se apropriaram de uma oportunidade – o Prêmio
Culturas Indígenas, apenas para citar este exemplo – para materializar parte de seu intento,
ou seja, levar adiante o processo de defesa e valorização de seu kwe’tohkumu que não teria
ocorrido não fossem as articulações que eles também estabeleceram com uma série de agentes,
instituições e profissionais. Por isso, não se pode compreender a mobilização katxuyana em torno
de sua “cultura” sem deixar de considerar que essas articulações também ocorreram e continuam
ocorrendo, tampouco desconsiderar o contexto das políticas de cultura para os povos indígenas.
O Prêmio Culturas Indígenas está atrelado a um conjunto de ações voltadas à preservação
do patrimônio cultural e às políticas públicas de cultura no Brasil. O prêmio decorre em grande
medida dos desdobramentos da política cultural que começou a ser implementada no Brasil a
partir de 2003, apoiado e financiado institucionalmente pelo Ministério da Cultura.
João Domingues (2010) aponta a ruptura implementada na política pública para a área da
cultura, a partir da entrada de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura (MinC), em 2003.
Além das ideias de Domingues, destacamos ainda as contribuições de Lia Calabre (2010) acerca
das discussões nesse mesmo período sobre as propostas voltadas ao patrimônio cultural.
Segundo Domingues (2010), o Programa de Políticas Públicas de Cultura, idealizado
pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e sintetizado no documento “A imaginação a serviço

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do Brasil” (2003), abrangia propostas de políticas públicas voltadas à inclusão social. Além
disso, propunha “[...] a regionalização do planejamento das políticas públicas de cultura e a
reorganização do planejamento cultural, pela implantação de um Sistema Nacional de Política
Cultural [...].” (p. 228).
A novidade implementada decorreu de uma nova abordagem epistemológica para a área
da cultura que começou a ser interpretada em seu sentido antropológico. A defesa da importância
da diversidade cultural para a humanidade, discutida internacionalmente em convenções
e conferências, como as promovidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (Unesco), a partir dos anos de 1970 e 1980, parte do reconhecimento
da cultura como singular, dotada de estrutura própria e com valores únicos e insubstituíveis.
Certamente, as discussões internacionais tiveram eco no Brasil e o debate sobre os povos
indígenas e sua importante participação na formação da diversidade do povo brasileiro foi
reconhecido e, em 1988, ganhou contorno. Seus direitos e a forma de sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições foram assegurados. Dessa forma, os artigos 231 e 232 da
Constituição Federal de 1988 trazem um importante avanço nesse sentido. Da mesma maneira,
as discussões sobre o entendimento acerca do que se denomina “patrimônio cultural brasileiro”
também ganharam destaque na Carta Magna, nos artigos 215 e 216.
Assim, quase duas décadas depois da promulgação da Constituição, como bem analisou
Domingues (2010), balizado pelo reconhecimento da pluralidade cultural brasileira, o projeto
empreendido pelo MinC atribuiu ainda à cultura fator de inclusão social. Para tanto, um dos
papéis atribuídos à cultura recaiu sobre a redução das desigualdades, a superação de desníveis
sociais numa espécie de “do-in antropológico” que visava mobilizar e atender pontos vitais do
corpo cultural do país, tradicionalmente desprezados ou adormecidos.
Para viabilizar a implantação de formas de governo mais participativas, o MinC
organizou, em 2005, a I Conferência Nacional de Cultura. Lia Calabre (2010)8 esquematizou
dados das discussões sobre políticas culturais, voltadas ao patrimônio cultural, ocorridas durante
essa conferência. Entre os aspectos que a autora apontou, destacamos a necessidade, naquele
momento, da implementação de ações no campo da educação patrimonial. Além disso, a autora
sintetizou as propostas da área nos seguintes subeixos: educação patrimonial; identificação e
preservação do patrimônio; financiamento e gestão do patrimônio cultural. A proposta do subeixo
de identificação e preservação do patrimônio, com ênfase às ações de proteção e revitalização

8
Calabre (2010, p. 12) considera que na gestão pública brasileira de cultura a área de patrimônio possuiu melhor
conjunto de definições legais, longe do ideal. Historicamente, segundo a autora, no Brasil, desde início dos anos
1930, intelectuais atuaram junto ao governo de Getúlio Vargas para implementar uma legislação voltada à área de
preservação do patrimônio nacional. O decreto-lei nº 25, de 30/11/1937, bem como as ações que então visavam à
proteção de um patrimônio material, especialmente o edificado, ficaram conhecidos na literatura como de “pedra
e cal”.

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merece destaque, pois se destina a apoiar iniciativas de resgate de tradições locais, um dos
objetivos do Prêmio Culturas Indígenas.
Para atender ao modelo de ruptura na política cultural foi fundamental alterar o próprio
organograma do MinC, criando diretorias e secretarias setoriais, como por exemplo a Secretaria
de Identidade e Diversidade Cultural (SID), que entre os anos de 2011 e 2012 foi fundida
com a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC), criando-se a Secretaria da Cidadania e da
Diversidade Cultural (SCDC). Ainda no âmbito da SID, foram constituídos grupos de trabalho
que tinham como incumbência, entre outras, o diagnóstico de demandas específicas. Assim, o
Prêmio Culturas Indígenas, idealizado para ser concedido anualmente, resultou de propostas
identificadas pelo Grupo de Trabalho para as Culturas Indígenas9.
A concepção do prêmio, em 2006, foi uma das estratégias criadas para inserir pela primeira
vez na política pública de cultura uma ação voltada à preservação das culturas indígenas. O
prêmio tem sido viabilizado com recursos da Petrobras, através da Lei de Incentivo à Cultura
(Lei Rouanet) e recebe apoio de inúmeros parceiros. O Prêmio Culturas Indígenas estimula a
rede de saberes e práticas culturais dos indígenas e suas comunidades, dando visibilidade às
etnias indígenas do Brasil, reforçando a grande contribuição desses povos para o patrimônio
cultural. Os contemplados dos editais do prêmio têm seus projetos financiados e apoiados
institucionalmente pelo MinC.
Estes são alguns objetivos do prêmio: valorizar iniciativas culturais dos povos
indígenas; fortalecer expressões culturais e a identidade cultural como forma de contribuir
para a continuidade de suas tradições; promover intercâmbio com as culturas não indígenas
numa perspectiva indígena; estimular a participação efetiva dos indígenas na elaboração e
desenvolvimento de projetos e ações. Dessa maneira, no âmbito desse prêmio, bem como de
muitas outras ações que acontecem no Brasil, o protagonismo dos sujeitos envolvidos tem sido
cada vez mais enfatizado. Nesse sentido, convém salientar que mesmo que tenham recebido
acompanhamento de uma antropóloga, a concepção do projeto da tamiriki apenas explicitou um
desejo latente dos Katxuyana.
Num reconhecimento da importância do trabalho empreendido por diferentes lideranças
indígenas, cada edição do prêmio fez uma homenagem. Até 2013 foram realizadas quatro
edições, com as seguintes denominações e datas: 1a edição: Angelo Cretã (2006); 2ª edição:
Xicão Xucuru (2007 –edição em que o projeto da tamiriki dos Kaxuyana foi contemplado);
3a edição: Marçal Tupã (2010 – com formato distinto das anteriores, pois premiou projetos
selecionados, mas não contemplados na edição de 2007); e, por fim, a 4ª edição: Raoni Metuktire
(2012)10. No ano de 2015, o edital contemplou Pontos de Cultura, com 70 ações premiadas

Grupo de trabalho instituído através da Portaria nº 62, de 18/04/2005, do MinC.


9

Dados coletados no site oficial do prêmio, disponível em: http://www.premioculturasindigenas.org.br.


10

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em 40 mil reais, distribuídas em duas categorias: a primeira contemplava 50 prêmios para a


Iniciativa Cultural Indígena, destinada a organizações e comunidades indígenas que vivem em
aldeias ou áreas urbanas, e a segunda contemplava 20 prêmios voltados exclusivamente para
ações desenvolvidas no campo do audiovisual.
Timóteo Verá Popygua (SESC, 2008)11 avalia que, no Brasil, há um grande movimento
dos povos indígenas em busca de um “fortalecimento” de seus modos de vida. Para ele: “[...]
os povos indígenas necessitam de políticas públicas para preservar os seus modos de vida.
Precisamos de uma política pública que garanta o registro, a preservação e a divulgação de nossas
expressões culturais.”. Popygua (2008) faz uma defesa da necessidade de políticas públicas para
garantir a preservação de expressões culturais entre os povos indígenas.
O texto do projeto apresentado pelos Katxuyana seguiu a estrutura sugerida pelo edital
do prêmio, respondendo a uma série de questões ali indicadas. Para os proponentes do projeto,
os Katxuyana da aldeia Santidade, essa era uma iniciativa vinculada à retomada de um “território
de ocupação tradicional”, cuja ênfase recaía, conforme o texto do projeto, numa retomada de sua
cultura (APITIKATXI, 2008, p. 4).
Com o objetivo de desburocratizar e facilitar as várias formas de participação dos povos
indígenas, o formulário de inscrição nas últimas edições do prêmio passou a ser respondido
também oralmente, em gravações de áudio ou vídeo. Além disso, os organizadores do prêmio
passaram a promover oficinas para a elaboração de projetos, bem como para sua divulgação junto
aos inúmeros povos indígenas. Mas a lógica de elaboração de projetos nestes termos, mesmo
que mais acessíveis aos povos que são majoritariamente de tradições orais, parece aludir ao que
Abreu (2012) discorre sobre a participação de “novos sujeitos de direitos coletivos no Brasil”.
Passados alguns anos depois da implementação do prêmio, em 2012 foi divulgado o
Plano Setorial para as Culturas Indígenas do Ministério da Cultura/Secretaria da Identidade e
da Diversidade (PSCI/SID), criado no contexto das políticas públicas para os povos indígenas.
Esta ação do MinC tem por objetivo colaborar para concretizar os direitos dos povos indígenas
e criar condições para o exercício da “cidadania cultural” desses povos. As ações do plano se
voltam à proteção, promoção, fortalecimento e a valorização das culturas indígenas. Concebido
para ser executado ao longo de 10 anos, o plano prevê a avaliação sistemática e a intensa
participação dos povos indígenas em sua concepção e implementação. O PSCI foi organizado
em três macroprogramas: a) Memórias, identidades e fortalecimento das culturas; b) Cultura,
sustentabilidade e economia criativa; c) Gestão e participação social. O PSCI (BRASIL, 2012,
p. 20) denomina como “agência criativa” a capacidade de ação e de decisão, nos processos de
“revitalização, manutenção e atualização das culturas indígenas”.

11
Timóteo Verá Popygua, Guarani, cacique da aldeia Tenonde Porã, coordenador geral da Articulação dos Povos
Indígenas do Sudeste (ARPIN-Sudeste).

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Conforme o PSCI (BRASIL, 2012), a cultura indígena poderá ser usada como discursivo
estratégico na luta por sua “sobrevivência cultural” e efetivação dos direitos indígenas. Os marcos
legais que constam no documento embasam a proteção, preservação e a promoção das culturas
indígenas em diferentes esferas administrativas com vistas a garantir os direitos culturais dos
povos indígenas.
A ênfase que se dá aos textos legais relativos à preservação da diversidade cultural
(quer sejam diretrizes nacionais ou internacionais) está voltada não mais a um contexto de
“multiculturalidade”, mas de “interculturalidade”12. Nessa perspectiva, a tônica deixou de ser a
da tolerância (que muitas vezes supunha distanciamento) e passou a ser aquela ancorada na ideia
de confluência, interação entre culturas diversas, que subentende a “incorporação recíproca e
convivência ativa”, sendo essa a ideia de “interculturalidade” presente no documento do PSCI.
Outros programas importantes do MinC foram analisados por outros autores como Rocha
(2014), que versa sobre o Programa Mais Cultura (2007), e Domingues (2010), que aborda o
Programa Cultura Viva (2004).
As proposições de políticas culturais voltadas à diversidade cultural evidenciam uma
ação política de incluir no formato de programas e/ou diretrizes o fato de que no Brasil existem
270 diferentes povos indígenas, falantes de 180 línguas. Isso por si permitirá pesquisas futuras
em diferentes perspectivas.
Se por um lado existe um esforço do governo em implementar políticas culturais voltadas
aos povos indígenas, por outro, há o incentivo, ou melhor, a prerrogativa de que o plano e suas
ações estejam calcados na intensa participação social dos povos indígenas.
A noção de “patrimônio” – termo ocidental empregado na antiguidade – vem da ideia de
“propriedade herdada” que de um âmbito privado assumiu significado público com a formação
das nações modernas. Segundo Abreu (2005, p. 39): “O tema do patrimônio emerge assim como
um lugar de construção de valores e, como tal, extremamente plástico e variável.” Entretanto,
Abreu (2012) tende a concluir que talvez inexista, entre os povos ameríndios, uma categoria
similar à noção de propriedade, tal como ela existe na sociedade ocidental e chama a atenção
para fato de que nas últimas décadas, diversos grupos sociais passaram a lidar com Projeto s
nos quais precisaram escrever e/ou descrever seus “patrimônios culturais”, fazendo lembrar a
reflexão de Sahlins (1997b, p. 127): “Por muito e muito tempo os seres humanos falaram cultura
sem falar em cultura – não era preciso sabê-lo, pois bastava vivê-la. E eis que de repente a
cultura se tornou um valor objetivado [...].”
Cabe salientar que alguns autores brasileiros, especialmente antropólogos e cientistas
sociais, vêm apontando, desde meados da década de 1980, as limitações do conceito de patrimônio

12
A proposição da “interculturalidade” segue o conceito do antropólogo Néstor García Canclini (2009), um dos
autores referenciados na elaboração do PSCI.

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circunscrito quase exclusivamente àquele voltado aos bens materiais, edificados. Muitas foram
também as críticas endereçadas às políticas públicas nacionais de preservação do patrimônio que
decorriam dessa conceituação. Assim, muitos trabalhos revelaram as necessárias mudanças no
campo do patrimônio, quer no âmbito teórico e conceitual, quer em suas implicações políticas
(VELHO, 1984; PELEGRINI, 2006; LIMA FILHO; BELTRÃO; ECKERT, 2007).
Se, por um lado, vemos os antropólogos entrarem nesse “cenário” (ABREU, 2005), por
outro é cada vez mais ativa a participação de novos grupos sociais, as “populações tradicionais”.
Abreu (2012) analisa os processos de patrimonialização ocorridos contemporaneamente em
um contexto ampliado. A autora observa que os inúmeros processos de patrimonialização
decorrem, em parte, dos efeitos das políticas internacionais e nacionais voltadas à preservação
da diversidade cultural. Para ela, ainda que os “processos de patrimonialização” sejam próprios
do Ocidente moderno, diferentes grupos sociais como aqueles das camadas populares e as
chamadas sociedades tradicionais começaram também a participar desses processos. Assim, em
suas palavras:
A nova configuração social e política que se produziu no Brasil no final
dos anos oitenta, e que se consolidou com a promulgação de uma nova
Constituição em 1988, afetou diversos campos, entre eles, o campo do
patrimônio, principalmente por tornar possível a entrada em cena de
novos sujeitos de direito coletivo, defendendo seus próprios interesses e
trazendo suas próprias demandas de patrimonialização e preservação de
suas tradições. (ABREU, 2012, p. 22).
Sobre o texto constitucional a autora apontou seu discurso fundador, desencadeador de
novas perspectivas para as identidades coletivas emergentes. Sua análise recai sobre os efeitos
que as recentes políticas preservacionistas têm surtido entre alguns grupos sociais. Abreu (2012)
também identificou a década de 1980 como o momento em que se começou a implantar uma
tendência daquilo que denominou como “patrimonialização das diferenças”.
Conforme Abreu (2012), atualmente, o campo do patrimônio é paradoxal – de um lado
um excesso de patrimonialização motivado pela política da patrimonialização das diferenças
para combater a homogeneização neoliberal e, de outro, o fortalecimento de ações de “distinção
patrimonial”, como selos de “patrimônio mundial” e outros. Outra consequência são as “falas”
nos processos de patrimonialização que não partem exclusivamente de sujeitos autorizados e
legitimados no aparelho do Estado. São “falas plurais tecidas em rede onde interagem diversos
agentes” (ABREU, 2012, p. 6). Para tanto, integrantes das sociedades tradicionais, como das
sociedades indígenas, “tiveram que se relacionar com a lógica da patrimonialização aprendendo
que manifestações culturais praticadas milenarmente pelo grupo poderiam ganhar novos
significados no contato com a sociedade nacional.” (ABREU, 2012, p. 6).

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De certa forma, o caso Katxuyana, a partir da tamiriki, ilustra a rede de agentes
envolvidos em ações de preservação da cultura indígena. Aqui, enfatizamos o contexto e as
políticas que favoreceram empreendimentos, como o observado entre os Katxuyana da aldeia
Santidade. O exemplo da reconstrução da casa tamiriki entre os Katxuyana corrobora aquilo que
Abreu (2012) apontara, ou seja, os Katxuyana tais quais inúmeros outros grupos das chamadas
culturas tradicionais, se apropriaram de aspectos da política pública voltada ao patrimônio para
conduzirem seu processo de valorização cultural, voltado ao seu kwe’tohkumu. Isso exemplifica
ainda uma “autoconsciência cultural” por parte dos Katxuyana.
Vale destacar, por fim, como os Katxuyana deram continuidade a esse projeto, ao
experimentarem, entre outras iniciativas, participar de um programa de extensão universitária
voltado à formação continuada de docentes, como professores/pesquisadores em etnoeducação.
Trata-se do Programa em Educação Patrimonial, promovido pela UFF, do qual participam de
forma direta o chefe da aldeia, na qualidade de professor em formação e os jovens da escola
do 2º segmento do ensino básico. Ao que parece, essa oportunidade tem possibilitado, em
certa medida, um espaço formal de experimentação e pesquisa “etnográfica” por parte desses
Katxuyana sobre seus saberes tradicionais.
Textos sobre essas experiências que começaram a acontecer em 2011, e mais
sistematicamente em 2012, foram produzidos em katxuyana e em português e publicados
em livro (RUSSI; ALVAREZ; MACIEL, 2012). Os jovens alunos e também Mauro Makaho,
professor e pata yotono da aldeia foram incentivados a registrar as etapas da pesquisa através
do uso dos recursos de novas mídias. Esse material é assistido e compartilhado também com
os demais moradores da aldeia. Talvez seja ainda muito cedo para comentar quais os possíveis
desdobramentos que o registro da memória e da cultura katxuyana poderá ter com o uso dessas
novas mídias e o que isso poderá trazer a esse grupo.
Contudo, diante de uma rede complexa de projetos e sujeitos, vimos e observamos, ao
longo de quatro anos, despontar o protagonismo dos Katxuyana. Por fim, é importante destacar
os desdobramentos das atuais políticas de cultura voltadas aos povos indígenas, bem como
o protagonismo Katxuyana em suas histórias. Eles interagem com as políticas públicas no
contexto de seus anseios e projetos. Como sujeitos de seus processos, os Katxuyana se apropriam
legitimamente dos instrumentos que têm à sua disposição, atuando assim, como agentes de sua
própria história.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Regina. Quando o campo é o patrimônio: notas sobre a participação de antropólogos nas
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SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: por que a cultura não é
um “objeto” em via de extinção (parte 2). Mana: Estudos de Antropologia Social, Rio de Janeiro, v. 3,
n. 2, p.103-150, 1997b.

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO DE SÃO PAULO (SESC-SP). Prêmio Culturas Indígenas:


Edição Xicão Xukuru. São Paulo, 2008.
VELHO, Gilberto. Antropologia e patrimônio cultural. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Rio de Janeiro: Fundação Pró-Memória, n. 20, p. 37-39, 1984.

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METODOLOGIAS DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DAS AÇÕES


CULTURAIS DA SECRETARIA MUNICIPAL
DA CULTURA DE FORTALEZA
Alênio Carlos Noronha Alencar1
Aline Silva Lima2
Daniel Ribeiro Paes de Castro3

RESUMO: Neste trabalho buscamos analisar o processo de construção de metodologias de


monitoramento e avaliação das políticas culturais da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza.
O estudo foi realizado com base nos instrumentos (formulários), informações (banco de dados)
e ferramentas (sistemas) que foram elaborados ao longo dos anos de 2013 a 2015. Buscamos
reconhecer a importância da consolidação de bancos de dados e produção de indicadores
culturais, a fim de garantir uma metodologia comum para a construção de instrumentos voltados
à formulação de programas e ações que garantam o amplo acesso aos bens culturais.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão Cultural, Monitoramento de Ações, Business Intelligence,


Secultfor, Fortaleza.

1
Mestre em História Social - PUC/SP e Especialista em Gestão e Políticas Culturais – Observatório Itaú Cultural
e Universidade de Girona/Espanha. Trabalha atualmente na Assessoria de Planejamento da Secretaria de Cultura
de Fortaleza. E-mail: aleniocarlos@gmail.com
2
Graduada em Comunicação Social/Publicidade pela Faculdade 7 de Setembro. Trabalha atualmente na Assesso-
ria de Políticas Culturais da Secretaria de Cultura de Fortaleza. E-mail: alinelima.guara@gmail.com
3
Graduado em Ciências Sociais pela UFC e Mestrado em Sociologia pela UNB. Trabalha atualmente como Ge-
rente do Observatório da Governança Municipal do Instituto de Planejamento de Fortaleza / Prefeitura Municipal
de Fortaleza. E-mail: dandicastro@gmail.com

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1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas temos assistido em nosso país a um aumento considerável de debates
em torno da centralidade da cultura4 nas políticas públicas, nos diversos âmbitos (internacional5,
federal, estadual e municipal). Muitas dessas conquistas ganharam fôlego, principalmente, no
período de redemocratização, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, instituindo
a cultura6 como um direito fundamental, assim como educação, saúde, entre outros, apontando
a necessidade de elaboração de um Plano Nacional de Cultura (PNC), que se tornará um dos
principais instrumentos de governança. Com isso, têm-se estabelecido nas décadas seguintes
(1990 e 2000) uma discussão abrangendo vários segmentos sociais como gestores, empresários,
intelectuais, escolas, ONGs, dirigentes políticos, cientistas, sociedade civil, etc., sobre uma
consciência acerca da importância da cultura como vetor de transformação da sociedade, em
especial, na relação cultura e economia. Novos contextos, oportunidades de trabalho e agentes
culturais foram surgindo nas últimas décadas, mediante a oferta e demanda de emprego e
formação, citemos o gestor de patrimônio cultural que “han recibido el encargo de desarrollar
e institucionalizar estos nuevos servicios de la sociedade, como um anhelo a um reconoimiento
social de sua función”7. Um dos seus encargos é produzir sistemas integrados de conhecimento e
gestão, possibilitando balizar as políticas culturais pela regionalização/territorialização da cidade,
tendo como razão os planos municipais de cultura, numa busca constante de fortalecimento das
políticas de inclusão e maior participação popular.

4
Para Daniele Canedo, existe uma dificuldade para definir o que é cultura. Isso porque “a cultura evoca interesses
multidisciplinares, sendo estudada em áreas como sociologia, antropologia, história, comunicação, administração,
economia, entre outras. Em cada uma dessas áreas, é trabalhada a partir de distintos enfoques e usos”. In: CANE-
DO, DANIELE. “Cultura é o quê?” - Reflexões sobre o conceito de cultura e a atuação dos poderes públicos. Anais
do V ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador-Bahia: Faculdade de Comunica-
ção/UFBa, 2009, p.1.
5
Muito desse avanço se deve quando observamos da evolução histórica dos instrumentos de proteção dos Direi-
tos Humanos (Culturais) adotados pela ONU na década de 1960, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e Políticos (1966) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), percebemos, ao
longo do seu texto, um enfoque na cultura como direito básico. Não se trata de apontar uma origem desse avanço,
mas entender o seu processo de constituição, a partir de uma série de ações que ocorreram com a promulgação dos
Direitos Humanos, apropriados pelos movimentos sociais que passaram nas décadas seguintes, a lutar e exigir a
garantia, reconhecimento e proteção de suas manifestações culturais. Ver Declaração dos Direitos Humanos. Site:
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em 22/01/2016.
6
Adotaremos nesse trabalho o conceito de cultura definido pela UNESCO: “o conjunto dos traços distintivos, es-
pirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarca, para
além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as
tradições e as crenças”. In: UNESCO. Relatório Mundial da UNESCO. Investir na diversidade cultural e no diálogo
intercultural. 2009. p.4.
7
MARTINELL, Alfons. La gestión cultural: singularidad profesional y perspectivas de futuro (Recopilación de
textos). Cátedra UNESCO de Políticas Culturales y Cooperación. 2001, p.03.

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Citemos o caso dos Festejos Juninos de Fortaleza8, que a partir do ano de 2014 trouxe uma nova
proposta de “viabilizar a ampla participação de agentes culturais que se situem nos diversos territórios
da cidade, promovendo a descentralização territorial da gestão e das ações culturais do
município”9. O objetivo do evento foi selecionar projetos culturais10 que pudessem promover
a territorialização11 da festa, com uma programação diversificada que pudesse dar conta das
inúmeras ações que aconteciam ao longo do período e nos diferentes espaços da cidade. Contudo,
faltaram dados sobre os processos de criação, produção e difusão dessas expressões culturais
que pudessem subsidiar as políticas culturais, dificultando o desenvolvimento cultural e criativo
da festa.
Segundo o Plano da Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura, “a
produção de dados estatísticos acerca da economia criativa brasileira é escassa e, em geral,
os poucos estudos existentes adotam metodologias e categorizações absolutamente dispares”12,
prejudicando uma visão mais ampla dos impactos da área cultural nas políticas públicas. Os
Festejos Juninos de Fortaleza demonstram essa lacuna. Temos uma carência de dados em todos
os campos da produção, sejam econômicos (com exceção do investimento), sociais ou culturais.
As informações são coletadas no período da execução dos Editais, por meio dos documentos de
inscrição que não são, necessariamente, os instrumentos legais para construção de indicadores
culturais. Pouco se sabe do volume de riquezas que os Festejos Juninos produzem e movimentam,
o que impede “o desenvolvimento de análises aprofundadas quanto à natureza e ao impacto dos
setores criativos na economia brasileira”13. Dessa forma, entendemos que o (re)conhecimento
dos setores criativos traria a possibilidade de gerar transversalidade entre eles, como também
uma intersetorialidade entre os órgãos públicos gestores da festa.

8
É considerada uma das expressões culturais mais mobilizadoras da cidade de Fortaleza, que já tem uma longa
tradição e nos últimos anos vem modificando sua forma de atuação como política pública de cultura.
9
FORTALEZA. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Secretaria de Cultura de Fortaleza - SECULTFOR). EDITAL
Nº 02 / 2014 - Seleção Pública de Apoio aos Festejos Juninos de Fortaleza 2014. Fortaleza: Secretaria de Cultura
de Fortaleza, 2014, p.05.
10
Foram selecionados 70 (setenta) projetos, sendo 40 (quarenta) projetos de Grupos de Quadrilha Junina Adulta,
10 (dez) projetos de Grupos de Quadrilha Junina Infantil, 10 (dez) projetos de Festival Junino de Grande Porte e 10
(dez) projetos de Festival Junino de Médio Porte.
11
O significado de territorialização nesse caso se refere ao processo de descentralização das ações culturais da
Secretaria na cidade de Fortaleza, previsto no Plano Municipal de Cultura.
12
PLANO DA SECRETARIA DE ECONOMIA CRIATIVA: políticas, diretrizes e ações, 2011 – 2014. Brasília:
Ministério da Cultura, 2012, p.31.
13
Idem, p.36.

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Como se modifica uma política cultural14 que garanta o amplo acesso da população aos
bens culturais? Podemos pensar na mudança se grande parte da sociedade não tem acesso às
informações sobre os indicadores culturais das ações promovidas pelos órgãos de gestão da cultura?
Muitos são as questões sem resposta, embora saibamos os caminhos para essa transformação.
Pretendemos ao longo deste texto discorrer sobre um dos principais instrumentos presentes
nos debates das políticas culturais, que são as metodologias e ferramentas de monitoramento e
avaliação das políticas culturais, compreendidos como “instrumento de gestão de médio e longo
prazo, no qual o Poder Público assume a responsabilidade de implantar políticas culturais de
Estado”15. Segundo Canclini, se “quisermos ser eficazes para reunir estatísticas culturais e situá-
las nas políticas de desenvolvimento nacional e continental teremos que considerar as novas
articulações entre economia e cultura”16. Dessa forma, a economia da cultura nasce com a difícil
tarefa de gerar essa articulação e balizar as políticas culturais, tanto pela diversidade cultural
como pela sustentabilidade, inovação e inclusão social. Mas como aferir as políticas públicas
de cultura? Para isso, fez-se necessário a criação de estrutura governamental, subsidiada por
instrumentos que possam monitorar e avaliar as políticas de cultura.

2. UMA EFETIVA POLÍTICA CULTURAL


Em 2013 a Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza – SECULTFOR criou a
Assessoria Especial de Políticas Culturais - ASESP com a demanda de executar e avaliar as
políticas públicas através do gerenciamento do seu Sistema Municipal de Fomento à Cultura17.
Este, por sua vez, tem como uma de suas atividades, o monitoramento da execução das 28
(vinte e oito) metas, distribuídas em 229 (duzentas e vinte e nove) ações do Plano Municipal de
Cultura de Fortaleza18.
O Plano traz como uma de suas diretrizes principais a “democratização e garantia do
amplo acesso aos bens culturais”19 para a população da cidade. Fortaleza possui hoje uma área

14
No que se refere as políticas culturais, escolhemos a definição de Nestor Canclinie, para fundamentar o texto:
“El conjunto de intervenciones realizadas por el estados, las instituiciones civiles y los grupos comunitarios or-
ganizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la población y obtener
consenso para un tipo de orden o transformación social. Pero esta manera necesita ser ampliada teniendo en cuenta
el carácter transnacional de los procesos simbólicos y materiales en la actualidad”. In: CANCLINI, Nestor Garcia.
Definiciones em transición. In: MATO, Daniel (org.) Estudios latinoamericanos sobre cultura y transformaciones
sociales em tiempos de globalización. Buenos Aires, Clacso, 2001, p.65.
15
PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE FORTALEZA – 2012. Fortaleza: Secretaria de Cultural de Fortale-
za, 2013.
16
CANCLINI, Nestor G. “Reconstruir políticas de inclusão na América Latina”. In: Políticas Culturais para o de-
senvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003, p. 21.
17
SISTEMA MUNICIPAL DE FOMENTO A CULTURA (SMF) - LEI Nº 9904, de 10 de abril de 2012.
18
O Plano Municipal de Cultura é Lei, de n° 9989, de 28 de dezembro de 2012, e tem duração decenal. Ver: PLANO
MUNICIPAL DE CULTURA DE FORTALEZA – 2012. Fortaleza: Secretaria de Cultural de Fortaleza, 2013.
19
Plano Municipal de Cultura, p. 9.

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territorial de 314,930 km², com uma população em cerca de 2,5 milhões de pessoas20, com
119 (cento e dezenove) bairros distribuídos em 7 (sete) Territórios Regionais. Se somarmos a
população de Fortaleza com a da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), esse número chega
a 3.818.38021 milhões de pessoas que, para alguns, pode ser considerada uma “megalópole”22, o
que torna um grande desafio para as políticas públicas e, em particular, de cultura.
É de responsabilidade da Secretaria de Cultural de Fortaleza fazer a execução do Plano
Municipal de Cultura, contando com a ajuda de suas Coordenadorias: Ação Cultural; Patrimônio
Histórico e Cultural; Criação e Fomento. Para o monitoramento e avaliação do Plano coube a
Assessoria Especial de Políticas Culturais produzir uma metodologia23 que pudesse ser aplicada
à realidade de Fortaleza. Havia carências de modelos que pudessem dar conta dessa realidade.
Conforme apontado por Ziviane e Moura24, “a dificuldade maior se apresenta justamente na
ausência de um modelo conceitual único, que permita desenvolver um conjunto congruente
e sistemático de indicadores culturais”. A Assessoria realizou diversas reuniões com as
Coordenadoria com o objetivo de elaborar uma metodologia que pudesse construir instrumentos
(formulários) necessários para responder às questões pertinentes a Secretaria, o que levou um
tempo considerável para sua aprovação. Também foram necessárias novas pesquisa e vários
testes para viabilizar a ferramenta.
Quanto ao formulário, ele se dividiu da seguinte forma: Informações gerais sobre o
projeto/ação (nome, local data de realização); Metas do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza
contempladas pelas atividades; Área cultural/ linguagem artística das ações realizadas; Fonte de
recursos; Abrangência regional25; Público (quantidade, perfil etário, recursos de acessibilidade e
participação de movimentos sociais organizados); Indicadores econômicos (recursos previstos
e executados, geração de oportunidades de emprego no setor cultural e em setores diversos);
Breve avaliação sobre a ação realizada. Contudo, no formulário utilizado em 2014 e 2015 foram
acrescidas as seguintes questões: A ação do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza (PMC)
que cada atividade proposta correspondia; Secretarias/ Instituições envolvidas na realização da

20
Revista Fortaleza 2040. V.4., n.2. Fortaleza: IPLANFOR, 2015, p.11
21 Idem, p.7
22 Megalópole é uma zona urbana vasta e com grande concentração populacional, que corresponde ao
território ocupado por várias áreas metropolitanas interligadas. “Megalópole”, in Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/megal%C3%B3pole [consultado em 12-02-2016].
23
A Metodologia de Monitoramento do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza (PMC) se deu por meio da criação
de Formulário, que foi construído em 2 (dois) meses, levando em conta o estudo de metas, pesquisa de modelos
e construção da ferramenta em plataforma Google. Contou com a participação de todas as coordenações da SE-
CULTFOR que contribuíram com perguntas, melhorias no texto e disponibilização de técnicos para treinamento do
preenchimento do banco de dados.
24
ZIAVINI; MOURA, A CONSOLIDAÇÃO DOS INDICADORES CULTURAIS NO BRASIL: Uma abordagem
informacional, SÃO PAULO, 2008, p. 4.
25
Em 1997, a cidade de Fortaleza possui seis Regionais (Regional I, II, III, IV, V, IV) criadas pela Lei nº 8.000 de
1 de janeiro, e somente em 2007 foi instituída a Regional Centro, totalizando sete territórios administrativos.

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atividade (aqui listamos as Secretarias que pactuaram ações junto a SECULTFOR no período de
elaboração do PMC); Bairros beneficiados (o formulário de 2013 só perguntou sobre o território
Regional e foi percebido a necessidade de informação de bairros atingidos).
O formulário contou inicialmente com 28 (vinte e oito) questões consideradas essenciais,
selecionadas em comum acordo com as Coordenadorias envolvidas. Paralelo a criação da
ferramenta, as Coordenadorias e a Assessoria Especial de Políticas Culturais realizaram um
diagnóstico do Plano Municipal de Cultural - PMC que passou por identificar e dividir quais
metas e ações eram de suas responsabilidades dentro do mesmo. Chama atenção que o processo de
diagnóstico, formulação e alimentação do formulário contribuiu para que coordenadores e técnicos,
a maioria deles recém-contratados pela Prefeitura de Fortaleza, se apropriassem do Plano.
Contudo, sensibilizar as equipes sobre a importância de responder o formulário de forma
clara e sistemática foi um desafio constante. Muitos do corpo técnico da Secretaria pareciam
entender a etapa de avaliação de resultados como menos importante do que planejamento e
execução das atividades. Outra observação pertinente é que os gestores precisam dar maior
atenção a produção e sistematização de banco de dados26, pois eles são importantes instrumentos
de avaliação e orientação das ações da Secretaria para com as políticas públicas de cultura.
A importância de um banco de dados corrobora “na medida em que torna possível ou facilita
a resposta e a negociação dos diversos interesses que se movem e se entrelaçam no campo
da cultura transformando-os e dando-nos múltiplos sentidos na diversidade”27. Os gestores
necessitam reconhecer o significado dos bancos de dados, não somente como informações
registradas em planilhas, mas utilizá-los tais: recortes da realidade, repletos de significados,
trazendo a possibilidade de produção de informações e indicadores culturais, necessários para
orientar a gestão da política cultural na formulação de programas e ações que garantam o amplo
acesso aos bens culturais. Devemos ter clareza que os indicadores não são uma cartilha na
qual todos os problemas da cultura serão resolvidos, mas eles “podem apontar com clareza os
avanços ou retrocessos de determinadas políticas ou programas comparando seus resultados com
os objetivos específicos previamente definidos”28. Eles devem ser entendidos como “vetores do

26
Segundo Elmasri e Navathe, um banco de dados possui determinadas características: “representa alguns aspec-
tos do mundo real, sendo chamado, às vezes, de minimundo ou de universo de discurso (UoD). As mudanças no
minimundo são refletidas em um banco de dados... uma coleção lógica e coerente de dados com algum significado
inerente. Uma organização de dados ao acaso (randômica) não pode ser corretamente interpretada como um banco
de dados... um banco de dados é projetado, construído e povoado por dados, atendendo a uma proposta específica.
Possui um grupo de usuários definido e algumas aplicações preconcebidas, de acordo com o interesse desse grupo
de usuários.” (Ramez Elmasri e Shamkant B. Navathe. Sistemas de banco de dados. São Paulo: Pearson Addison
Wesley, 2005, p.4)
27
POLÍTICAS CULTURAIS PARA O DESENVOLVIMENTO: Uma base de dados para a cultura. Brasília:
UNESCO Brasil, 2003, p. 186.
28
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL / OIC, n.4 (jan/mar.2008). São Paulo: Itaú Cultural, 2008, p.10.

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conhecimento, como capazes de explicitar valores e ideias que poderão, ou não, ser incorporados
pelos gestores culturais na elaboração de políticas, programa e projetos culturais”29.
Para a alimentação do banco de dados foram indicados técnicos de cada coordenação para
o trabalho de recolhimento e informação dos dados e realizados treinamentos para familiarização
dos mesmos com a ferramenta. Após um ano de funcionamento a Coordenação de Ação Cultural
optou por produzir um formulário impresso e distribuí-lo aos coordenadores dos equipamentos
culturais sob sua responsabilidade – Biblioteca Dollor Barreira, Estoril, Mercado dos Pinhões e
Passeio Público. Esse formulário impresso contém, além das informações que o monitoramento
necessita, dados diversos de interesse exclusivo da Coordenação, funcionando desta forma até
os dias de hoje. Essa decisão partiu da dificuldade que seus técnicos possuíam para alimentar o
Formulário de Monitoramento das Metas, uma vez que seria impossível acompanhar pessoalmente
a programação desenvolvida nos equipamentos diariamente. Ao delegar o acompanhamento
aos respectivos coordenadores dos equipamentos o problema inicial foi sanado, sendo esta
coordenação a que desenvolveu a melhor relação com a ferramenta. As outras coordenações
seguem alimentando o banco como foram orientadas. A alimentação das informações acontece
mensalmente e por ação realizada desde 2013. A ferramenta pensada inicialmente amadureceu
e conforme sua utilização foi apresentando necessidades. Do início até aqui esteve sempre em
movimento. As informações ficam internas na Secretaria, sendo anualmente apresentadas em
resumo ao Conselho Municipal de Política Cultural – CMPC.
No começo de 2014, após publicação do Plano Nacional de Cultura - Relatório 2013 de
Acompanhamento das Metas, elaborado pelo Ministério da Cultura (MINC), foi identificada
a necessidade de implementar melhorias na ferramenta de monitoramento e avaliação das
Metas do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza. Durante o ano de 2015, surge a necessidade
de alinhamento dessas políticas com outros órgãos da Prefeitura de Fortaleza, que vinham
construindo novas ferramentas de governança.

3. NA SALA SETORIAL DA CULTURA


É justamente como solução para essa demanda que surge a parceria com a Diretoria
do Observatório da Governança (Instituto de Planejamento de Fortaleza - IPLANFOR),
configurando como elemento relevante para a consolidação de uma política de monitoramento e
avaliação das políticas culturais, através da Sala Situacional da Governança30.

29
Idem.
30
Sabemos da importância das informações já produzidas pela SECULTFOR como um ativo essencial para os
processos de planejamento e avaliação. Contudo, elas representavam um desafio para a consolidação de um sistema
integrado de alimentação, armazenamento e análise de informações.

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Idealizado e desenvolvido pelo Observatório da Governança (Diretoria que compõe


o Instituto de Planejamento de Fortaleza/IPLANFOR), a Sala Situacional da Governança31 é
um ambiente físico e virtual que serve para dar suporte ao Chefe do Executivo Municipal e
seu Secretariado no processo de tomada de decisão. O ambiente virtual da Sala Situacional
corresponde a todo um sistema que compreende o processo de captação, armazenagem, análise
e apresentação das informações analisadas ao Prefeito e Secretariado.

Imagem 1: Imagem da Sala Situacional da Governança

Na Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), o desenvolvimento de uma Sala


Situacional da Governança se dá no contexto mais amplo de implementação de uma política de
Gestão de Dados pela Diretoria do Observatório da Governança (DIOBS). A partir da própria
experiência junto aos órgãos setoriais da PMF, foram observados três desafios fundamentais
para o gerenciamento dos dados utilizados pelos gestores municipais no processo de tomada de
decisão, são eles: I – Informações armazenadas apenas em arquivos físicos (papéis), tornando
ineficiente o processamento e análise de dados; II – Perda de informação estratégica devido a
mudanças no quadro de servidores na gestão municipal; III – Falta de confiabilidade nos dados
devido a questões relacionadas aos instrumentos de captação e atualização dos dados.
Para superar esses desafios, a Sala Situacional da Governança foi desenvolvida segundo
uma abordagem de Business Inteligence (BI). O BI compreende uma série de metodologias
relacionadas a ferramentas da área de tecnologia da informação, fundamentadas no princípio

A criação e gestão da Sala Situacional da Governança são definidas como atribuição do Instituto de Planejamento
31

de Fortaleza na Lei Complementar Nº 0184 de 19 de dezembro de 2014. O ambiente físico da Sala Situacional da
Governança é uma sala climatizada com seis monitores de vídeo, servidor próprio com capacidade de armazena-
mento de 22 TB (terabytes), localizada no Paço Municipal, ao lado do gabinete do Prefeito.

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de que as informações gerenciadas dentro de uma organização, seja ela pública ou privada,
representam ativo essencial para o seu processo decisório (Shim et al., 2002)32.
O sucesso da implantação de um BI compreende a construção e consolidação de
uma base de dados unificada, através da qual seja possível o acesso rápido e qualificado a
informações uniformizadas e confiáveis (Kimball et al, 1998)33. No caso da Sala Situacional
da Governança, essa base de dados se dá por meio da consolidação de um Data Warehouse.
Um Data Warehouse consiste na organização dos dados de forma integrada, com uma visão
única e consolidada. Seu enfoque deve englobar vários temas e assuntos, sendo cada um
desses temas organizado em um Data Mart. De forma simplificada, é possível definir um Data
Mart como um pequeno Data Warehouse, ou seja, suas propriedades são as mesmas (dados
integrados, de fácil consulta, a fim de produzir uma visão unificada das informações relevantes
de uma organização), mas sua abrangência compreende uma temática ou assunto específico
(Bruzaros, Castoldi e Pacheco, 2000)34.
O banco de dados para o Data Warehouse é construído seguindo o padrão de modelagem
dimensional. O principal elemento de uma modelagem dimensional é a definição de uma
tabela de fatos, ou seja, uma tabela indicativa dos componentes centrais a serem descritos
por um conjunto de atributos, as dimensões do fato analisado. As tabelas de dimensão,
portanto, são constituídas pelos atributos que descrevem o fato (Bruzaros, Castoldi e Pacheco,
2000). Dessa forma, no caso específico da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza, por
exemplo, poderíamos pensar “Eventos culturais realizados” como o fato, que deve ser descrito
pelas dimensões “Número de participantes”, “Bairro de realização”, “Orçamento Previsto”,
“Orçamento executado” etc.

32
SHIM, J. P.; WARKENTIN, M.; COURTNEY, J.; POWER, D. J.; SHARDA, R.; CARLSSON, C. Past, present,
and future of decision support technology. Decision Support System, v. 33, n. 2, p. 111-126, 2002.
33
KIMBAL, R. et al. The Data Warehouse Lifecycle Toolkit: Expert Methods for Designing, Developing, and
Deploying Data Warehouses. John Wiley & Sons, New York, 1998.
34
BRUZAROSCO, D.; CASTOLDI, A. V.; PACHECO, R. C. . Criando data warehouse com o modelo dimensio-
nal. In: Acta Scientiarum (UEM), Maringá - Pr. v. 22, n. 5, p. 1389-1397, 2000.

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Figura 1: Exemplo de Modelagem Dimensional

A preferência pela modelagem35 dimensional se dá pelas vantagens associadas à


simplicidade na forma de organizar os dados, o que facilita o entendimento da modelagem pelos
usuários finais, e ao desempenho elevado na geração de consultas e relatórios (Rocha, Sampaio
e Schiel, 2000)36. Como produto final é disponibilizado aos órgãos setoriais da Prefeitura a
consulta, em painéis dinâmicos e mapas georreferenciados, das informações estratégicas que
servem de suporte à tomada de decisão.
Além de todo o sistema de BI, a Sala Situacional da Governança também compreende
o aplicativo Sala Setorial. O desenvolvimento do aplicativo se deu como necessidade para o
avanço da Sala Situacional da Governança, devido ao fato de que, no caso da PMF, é mais a regra
do que a exceção, que os órgãos setoriais não disponham ou estejam ainda em fase preliminar
de estruturação de um banco de dados próprio e consolidado. Dessa forma, o aplicativo Sala
Setorial foi desenvolvido com enfoque na inserção, armazenamento e monitoramento de dados,
oferecendo a funcionalidade de inserir dados, assim como de construir componentes gráficos de
maneira simplificada.

35
Modelagem se refere ao esquema explicativo para a caracterização dos dados armazenados em um determinado
banco de dados. A modelagem de dados estabelece as entidades (os objetos de significância sobre os quais as in-
formações necessitam ser mantidas), os relacionamentos (como os objetos de significância são relacionados) e os
atributos (a informação específica a qual necessita ser mantida) de um banco de dados.
36
ROCHA, A. B.; SAMPAIO, M. C.; SCHIEL, U. Guardando Histórico de Dimensões em Data Warehouse. In:
Semana de Informática da Bahia. Salvador, 2000, p. 212-230.

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Especificamente, a Sala Setorial foi desenvolvida para ofertar aos órgãos setoriais da
Prefeitura a possibilidade de: Possuírem um repositório único, digital e seguro para os dados
e informações produzidos pelos órgãos internamente; Facilitar aos gerentes, coordenadores e
funcionários, o manejo dos dados e informações produzidas pelos órgãos; Melhorar a eficiência
no processo de reportagem de resultados dos órgãos setoriais da Prefeitura para os gestores
(Secretários, Coordenadores Especiais, Superintendentes etc.) das áreas Setoriais e o Chefe do
Executivo; Facilitar o processamento de dados produzidos e manejados pelos órgãos setoriais
para a Sala Situacional da Governança.

Imagem 2 - Imagem da Sala Setorial da SECULTFOR

No caso específico da Secretaria Municipal da Cultura - SECULTFOR, inicialmente, a


Sala Setorial está orientada para o armazenamento de informações produzidas pelas diversas
Coordenadorias e Diretorias que compõem o órgão, no que se refere as ações de Eventos,
Projetos, Formações e Publicações. A proposta vislumbra o acompanhamento periódico dos
resultados relativos ao público atendido pelas ações da Secretaria, e execução orçamentária
e monitoramento das metas do Plano Municipal de Cultura. Dessa forma, através da inserção
de dados pelas Coordenadorias e Diretorias na Sala Setorial, objetiva-se disponibilizar, na
Sala Situacional da Governança, painéis de visualização e informações georreferenciadas para
acompanhamento e avaliação das ações desenvolvidas pela Secretaria.
A inserção dos dados é feita a partir de formulários criados pelos próprios usuários
dos órgãos setoriais. Isso significa que a inserção de dados depende do acordo interno dentro
do órgão setorial sobre a definição dos dados prioritários a serem armazenados, o modelo de
armazenamento dos dados e o estabelecimento de responsabilidades. Anterior a definição desse

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processo, porém, é realizado todo um trabalho de apresentação, convencimento e capacitação


liderado pela DIOBS.
O primeiro contato em relação a integração da SECULTFOR nesse processo se deu através
de uma reunião de apresentação provocada pela DIOBS junto à Assessoria de Planejamento
(ASPLAN) e Assessoria de Políticas Culturais (ASESP), realizada no dia 06 de outubro de 2015.
Na ocasião, foi apresentado à equipe da ASPLAN e da ASESP o aplicativo Sala Setorial e sua
finalidade de servir como ponto para a construção de painéis na Sala Situacional da Governança.
Acordada a contribuição da SECULTFOR no processo, a equipe da ASPLAN e da ASESP
participou de treinamento para o uso do aplicativo Sala Setorial nos dias 14 e 16 de outubro de
2015, a fim de serem capacitados para a inserção dos dados no aplicativo. Ao longo do mês
de novembro do corrente ano foram produzidos pela equipe capacitada da SECULTFOR os
formulários de entrada de dados37, de acordo com a modelagem do instrumental já consolidado
pela equipe da ASPLAN e da ASESP, juntamente às coordenadorias da SECULTFOR.
Concluído todo o processo de apresentação do aplicativo, treinamento da equipe da
SECULTFOR e criação dos formulários de entrada de dados, o estágio seguinte do trabalho
compreendeu o acompanhamento da evolução na usabilidade da Sala Setorial da SECULTFOR
pelas Coordenadorias responsáveis por inserir as informações. É nesse estágio em que nos
encontramos atualmente, sendo possível, por enquanto, traçarmos apenas expectativas e projetar
o fluxo de trabalho desejado.
A primeira decisão a será a definição de uma periodicidade comum a todas as
Coordenadorias para inserção na Sala Setorial das informações produzidas acerca das
políticas culturais realizadas. Inicialmente, essa inserção será realizada mensalmente, sendo
responsabilidade da ASPLAN e da ASESP o acompanhamento direto com as Coordenadorias.
Para a SECULTFOR, dois produtos são desejados a partir desse processo: (i) a atualização
sistemática da Sala Situacional da Governança com as informações estratégicas das políticas
públicas de cultura para visualização pelo Prefeito e pelo Secretário da SECULTFOR; (ii) a
disponibilização de um ponto único de informações centralizadas e estruturadas para o processo
de avaliação interno em conjunto entre as Coordenadorias e a ASPLAN.
Ao Observatório da Governança o produto esperado se dá pela possibilidade de cruzar
informações relativas a execução de políticas culturais, com as informações de políticas para a
educação, segurança, juventude, assistência social, urbanismo, dentre outras, disponibilizadas
pelos demais órgãos setoriais da PMF através de cooperações similares à estabelecida com
a SECULTFOR.

37
Os formulários de entrada de dados são planilhas construídas e personalizadas pelo próprio órgão setorial para
receber da melhor forma possível os dados armazenados.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o monitoramento, avaliação e, conseqüentemente, melhoria das políticas de cultura,
faz-se necessário combinar a aplicação de instrumentos para captação de dados e informações,
assim como a utilização de metodologias e ferramentas adequadas para o armazenamento e
análise das informações e dados coletados.
No caso da experiência realizada na SECULTFOR, o instrumental aplicado correspondeu
ao questionário desenvolvido pela ASPLAN e pela ASESP em conjunto com as Coordenadorias
da Secretaria. A produção desse questionário compreendeu o trabalho de interlocução com todas
as Coordenadorias, o mapeamento das ações realizadas pelas Coordenadorias, a identificação
das informações estratégicas referentes a cada Coordenadoria e a adaptação constante da redação
do questionário até a conclusão da versão final do questionário, assim como a validação dessa
versão final juntamente com todas as Coordenadorias.
Pelo lado da utilização de metodologias e ferramentas adequadas, a SECULTFOR
contou com uma contribuição relevante da Diretoria do Observatório da Governança, mais
especificamente, através do Business Inteligence (BI) da Sala Situacional e do aplicativo Sala
Setorial. Para o gerenciamento dos dados e informações da SECULTFOR, ambas as tecnologias
servem como ferramentas importantes para a estruturação, armazenamento e análise da
informação produzida internamente pela Secretaria.
No caso da Sala Setorial, o enfoque principal serve ao armazenamento dos dados e
informações, sanando um problema muito sério para a continuidade das políticas culturais, que
é a preservação e a segurança das informações. Já no caso da Sala Situacional, a contribuição
reside na apresentação de painéis gráficos, informações georreferenciadas e no cruzamento de
informações com outras fontes de dados, subsidiando a tomada de decisão baseada em evidência
pelo gestor.
Estamos cientes que a operacionalização contínua da abordagem aqui proposta não é uma
iniciativa fácil, pois os desafios são muitos. Contudo, é preciso que reconheçamos a existência
de boas ações, projetos, programas de política de preservação, formação e difusão cultural e,
mais do que isso, desenvolver metodologias e instrumentos efetivos para o monitoramento
e avaliação dessas políticas culturais. A realização efetiva do monitoramento e avaliação
das políticas culturais são importantes instrumentos de transparência e inovação, remetendo
à importância efetiva da participação dos diferentes grupos interessados (artistas, gestores,
pesquisadores, estudantes etc.) na construção de uma sociedade realmente democrática, que
possibilite aos seus cidadãos o direito de terem acesso aos bens culturais, ou seja, a vida cultural.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANCLINI, NESTOR G. “Reconstruir políticas de inclusão na América Latina”. In: Políticas Culturais
para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003.
CANEDO, DANIELE. “Cultura é o quê?” - Reflexões sobre o conceito de cultura e a atuação dos
poderes públicos. Anais do V ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (2009).
Salvador: Faculdade de Comunicação/UFBa, 2009.
BRUZAROSCO, D.; CASTOLDI, A. V.; PACHECO, R. C. Criando data warehouse com o modelo
dimensional. In: Acta Scientiarum (UEM), Maringá - Pr. v. 22, n. 5, p. 1389-1397, 2000.
FORTALEZA. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Secretaria de Cultura de Fortaleza - SECULTFOR).
EDITAL Nº 02 / 2014 - Seleção Pública de Apoio aos Festejos Juninos de Fortaleza 2014. Fortaleza:
Secretaria de Cultura de Fortaleza, 2014.
KIMBAL, R. et al. The Data Warehouse Lifecycle Toolkit: Expert Methods for Designing, Developing,
and Deploying Data Warehouses. John Wiley & Sons, New York, 1998.
MARTINELL, ALFONS. La gestión cultural: singularidad profesional y perspectivas de futuro
(Recopilación de textos). Cátedra UNESCO de Políticas Culturales y Cooperación. 2001.
PLANO DA SECRETARIA DE ECONOMIA CRIATIVA: políticas, diretrizes e ações, 2011 – 2014.
Brasília: Ministério da Cultura, 2012.
PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE FORTALEZA – 2012. Fortaleza: Secretaria de Cultural de
Fortaleza, 2013.
POLÍTICAS CULTURAIS PARA O DESENVOLVIMENTO: Uma base de dados para a cultura.
Brasília: UNESCO Brasil, 2003.
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL / OIC, n.4 (jan/mar.2008). São Paulo: Itaú Cultural, 2008.
ROCHA, A. B.; SAMPAIO, M. C.; SCHIEL, U. Guardando Histórico de Dimensões em Data Warehouse.
In: Semana de Informática da Bahia. Salvador, 2000.
SHIM, J. P.; WARKENTIN, M.; COURTNEY, J.; POWER, D. J.; SHARDA, R.; CARLSSON, C.
Past, present, and future of decision support technology. Decision Support System, v. 33, n. 2, p. 111-
126, 2002.
UNESCO. Declaração dos Direitos Humanos (1960). Site: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001
394/139423por.pdf. Acesso em 22/01/2016.
UNESCO. Relatório Mundial da UNESCO. Investir na diversidade cultural e no diálogo intercultural.
2009.
ZIAVINI; MOURA. A consolidação dos indicadores culturais no Brasil: uma abordagem informacional,
SÃO PAULO, 2008.

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CONTROVÉRSIAS ACERCA DA CERTIFICAÇÃO DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA


DO CAPIM DOURADO DO JALAPÃO.
O CASO DA COMUNIDADE MUMBUCA, MATEIROS, TO1.
Alex Pizzio da Silva2
José Rogério Lopes3

RESUMO: O texto descreve o contexto de produção de artefatos culturais em Capim Dourado,


na região do Jalapão, TO, com foco na trajetória da Comunidade Quilombola Extrativista do
Mumbuca, localizada no município de Mateiros, e sua correspondência com as políticas culturais.
Nesse contexto, as descrições da trajetória da associação local de artesãos e suas parcerias
evidenciam condicionantes institucionais e ambientais que afetaram suas técnicas de produção
e impuseram dificuldades atuais aos atores. Os processos descritos convergem para a discussão
sobre a certificação de indicação geográfica do Capim Dourado, ocorrida na VII Festa da Colheita
do Capim Dourado, promovida por aquela comunidade, em 2015, e suas repercussões.

PALAVRAS-CHAVE: Comunidade Mumbuca, Capim Dourado, Certificação de Indicação


Geográfica, Políticas culturais.

1. LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO GERAL DO PROJETO


A Comunidade do Mumbuca está localizada na zona rural do município de Mateiros, es-
tado do Tocantins, Brasil, cerca de 360 km a leste da capital do estado, Palmas. Há duas rotas co-
muns de acesso à Comunidade: por Ponte Alta e por Novo Acordo. Na incursão que realizamos
em 2015, optamos por Novo Acordo, pelas informações que dispúnhamos sobre a condição das
estradas. Até Novo Acordo, percorremos 130 km por estrada asfaltada, os demais 230 km foram
percorridos em estrada de terra. A localidade do Mumbuca está inserida no Parque Estadual do
Jalapão e é ligada à cidade de Mateiros por estrada de terra, distante 30 km. Apesar da beleza
da paisagem local, a estrada é pouco conservada e tem vários trechos de areal, dificultando a
1
O caso aqui descrito é um recorte do projeto “Políticas culturais e ambientais, coletividades e patrimônios
no Brasil: algumas questões epistêmicas”, coordenado pelo Prof. Dr. José Rogério Lopes, com financiamento da
FAPERGS.
2
Doutor em Ciências Sociais pela UNISINOS, Prof. Adjunto do PPG em Desenvolvimento Regional da UFT-
-Universidade Feral do Tocantins. E-mail: alexpzzio@uft.edu.br
3
Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, Prof. dos PPGs em Ciências Sociais da UNISINOS, RS, e em Desen-
volvimento Regional da UFT. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: jrlopes@unisinos.br

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locomoção, feita geralmente por veículos robustos, pick-ups com tração nas quatro rodas, além
de motocicletas e cavalos.
A comunidade está situada no Parque Estadual do Jalapão, que é uma área de Proteção
Ambiental caracterizada pelo bioma do Cerrado, com várias fontes de água e rios caudalosos,
como o Rio Sono, que atravessa a região. No Jalapão, estão localizadas também dez comunida-
des quilombolas, nas quais se inclui a do Mumbuca.
Trata-se de uma comunidade quilombola extrativista que se dedica à produção de arte-
fatos culturais confeccionados com Capim Dourado (Syngonanthus nitens), além de agricultura
de subsistência e criação de galinhas. O Capim Dourado é matéria prima que compõe o bioma
do Jalapão, caracterizado pela vegetação de cerrado. O Capim divide a paisagem com Pequis,
Palmeiras de Babaçu e Miriti, além de outras espécies, como a Tecla (árvore que produz madeira
para indústria naval, desenvolvida na região para comércio); nasce em áreas de veredas (campos
úmidos do cerrado) e floresce entre os meses de julho e agosto. A colheita do Capim é feita nos
meses de setembro e outubro, quando o mesmo amadurece e assume sua cor dourada caracte-
rística. Na colheita, as flores no topo dos talos de Capim são retiradas e deixadas nas veredas,
para renascer.
Após a colheita, os talos do Capim Dourado são enrolados em cordas finas que, costu-
radas manualmente com fibra de miriti, vão assumindo formas diversas: as originais são baús
e chapéus; as tradicionais são cestas, sacolas, bolsas e potes, mais recentemente acrescidas das
inovações, como bijuterias (brincos, pulseiras, colares), souplats, enfeites de mesa, imãs de
geladeira, acessórios de vestuário, porta-canetas, chaveiros e mandalas de vários tamanhos, que
podem ser associados a pedras, talos e folhas de miriti, e sementes da flora local.
O ciclo do Capim Dourado é anual e a sua reprodução depende do depósito das flores
no solo, durante a colheita, e do corte dos talos, sem retirar suas raízes. Espalhado pelas veredas
localizadas no bioma do cerrado, o Capim é colhido manualmente em áreas relativamente pró-
ximas à comunidade.
A interação das famílias da Comunidade (23 residências no núcleo da comunidade e 11
mais distantes, espalhadas pela área da terra quilombola) com o Capim Dourado (assim como com
outras espécies do bioma local) é tradicional, segundo os critérios que também definiram o territó-
rio quilombola onde a comunidade está localizada, quais sejam: reprodução de um modo de vida
associado com os ciclos renováveis da natureza, o que inclui conhecimentos acerca desses ciclos e
elaboração de estratégias de uso e manejo dos recursos naturais, transferidos intergeracionalmente
pela oralidade, ou pela experiência; ocupação territorial por gerações, com noção de território ou
espaço; reprodução de modelo de unidade familiar ou comunal, e relações de parentesco, no exer-
cício das atividades de produção, atividades sociais e culturais; atividades de subsistência, mesmo
em relação com atividades de mercado (DIEGUES, apud CARVALHO, 2014, p. 57).

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2. OS ESPAÇOS FÍSICOS DO PROJETO, AS TÉCNICAS DE TRABALHO AS


TECNOLOGIAS UTILIZADAS
A colheita do Capim Dourado é feita individualmente ou em grupo, variando com a
demanda de produção de cada artesão, ou família de artesãos. Os espaços de armazenamento
são as próprias residências, todas elas produzidas com tijolos de adobe, sem reboco ou pintura,
com telhado de palha, geralmente possuindo um rancho contíguo, onde os artesãos produzem os
artefatos de Capim Dourado. As exceções são as construções da igreja evangélica Assembleia
de Deus (Ministério de Madureira) e da escola municipal local. A igreja está localizada atrás
da loja de artesanato e do galpão comunitário e é pintada de azul; a escola está localizada em
um arruamento secundário e é pintada de branco. A distribuição das casas segue um padrão de
arruamentos, na comunidade, estando todas próximas. Há quatro arruamentos: um principal, da
entrada até os limites da comunidade, definidos pela mata e um riacho; um secundário e para-
lelo, à esquerda de quem entra, e dois perpendiculares, do meio da principal à direita e ao final,
seguindo a margem do riacho.
A comunidade é atendida por rede pública de eletricidade e tem captação de água potá-
vel no riacho que corre à sua margem. Além da igreja e da escola municipal, no local, há uma
pousada (Pousada da Tonha) e um bar-restaurante.
A comunidade está organizada em uma Associação dos Artesãos da Comunidade do
Mumbuca, desde 2002, que orienta as atividades de extração, produção e venda do Capim Dou-
rado. A Associação construiu uma loja para venda dos artefatos, que é contígua a um galpão
comunitário aberto, ambos localizados no final do arruamento de entrada, à esquerda. Na loja,
além dos artefatos expostos em motivos variados, estão expostos também os registros históricos
da Comunidade: uma faixa que descreve a árvore genealógica das famílias, livros sobre a Co-
munidade ou o trabalho com Capim Dourado, vídeos documentários, catálogos produzidos por
órgãos governamentais e CDs de músicos da comunidade ou músicos da região, que compõem
temas relacionados com a vida local.
As técnicas de trabalho se dividem em três etapas distintas e complementares da produ-
ção dos artefatos: a colheita e o armazenamento do Capim Dourado, a produção dos artefatos e a
organização das vendas. Aspectos dessas etapas estão descritos nos demais tópicos desta apresen-
tação. Como não tivemos oportunidade de acompanhar mais detidamente esses processos, pois
o foco da incursão era a Roda de conversa sobre o selo de origem do Capim Dourado, ficamos
impossibilitados de observar minúcias dos mesmos. Entretanto, as conversas que estabelecemos
com alguns líderes da comunidade e com jovens que seriam monitoras nas demonstrações da
colheita do Capim Dourado, durante a festa, possibilitaram definir algumas situações que mere-
cem detalhamento: as parcerias estabelecidas na colheita e na produção, em reconhecimento da
experiência das pessoas; esses processos servem para situar relações de aprendizagem entre as

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gerações; os interditos na introdução de tecnologias que segmentem a produção e as estratégias


de produção coletiva em períodos de alta demanda (de encomendas); a duração da matéria-prima
em armazenamento e a organização física, familiar e associativa em torno da mesma; as lógicas
de avaliação individual e coletiva das inovações introduzidas na produção e no formato dos arte-
fatos; a organização da logística de venda e distribuição dos artefatos.

3. HISTÓRICO DO PROJETO E AS QUESTÕES CULTURAIS E AMBIENTAIS QUE


O CONDICIONAM
Há duas versões para a formação da Comunidade do Mumbuca: uma que remete ao perí-
odo de escravidão, sendo a comunidade formada por negros fugidos de fazendas de plantação do
litoral da Bahia, e outra, que a configura pelos processos de mobilidade populacional, em final de
século XIX, com a migração de famílias vindas da Bahia, fugindo de fatores climáticos desfavo-
ráveis, como a seca (CARVALHO, 2014, p. 55).
A convergência geográfica das duas versões indica que o povoamento da Comunidade
seguiu um padrão familiar, com três matrizes (os Beato, os Bento e os Pereira Gonçalves) que
se reproduziram até a atualidade com ocupações em lotes familiares dispersos na área e dedi-
cados à agricultura de subsistência. A atual forma de ocupação, em um núcleo central, deu-se
na década de 1990, motivada pela construção de uma escola municipal no local. Nessa atual
ocupação, também se reproduz o padrão familiar original. Como a população da comunidade se
reproduziu, basicamente, através de casamentos entre primos, as famílias estão distribuídas na
Comunidade segundo duas linhagens básicas: ao lado direito da rua central estão os familiares
de dona Miúda (matriarca famosa da Comunidade, já falecida), enquanto ao lado esquerdo estão
os familiares de dona Laurentina, senhora de mais de cem anos que ainda reside na Comunidade.
Sobre a origem do ofício artesanal com Capim Dourado também há duas versões: uma
narrativa comunitária e uma acadêmica. A narrativa comunitária foi exposta por dona Santinha,
matriarca da comunidade, durante a “Roda de Conversa sobre o Selo de Origem do Capim Dou-
rado” (realizada na VII Festa da Colheita do Capim Dourado, em Mumbuca), da qual participa-
mos, em 18/09/2015. Nessa narrativa, Dona Laurentina, antiga matriarca, encontrou o Capim
Dourado nas veredas do cerrado e, extasiada com a sua cor dourada, o apresentou à família,
anunciando que faria bonitos artefatos com o mesmo. Após a difusão do Capim pela Comunida-
de, teria sido dona Miúda quem deu forma e conteúdo estético (artístico, segundo ela) ao Capim,
iniciando o ciclo de produtores artesãos, na comunidade. Já a narrativa acadêmica (BELAS,
2008; SCHMIDT, 2005; SOUZA, 2012) identifica o modo de fazer dos artefatos da comunidade
com a herança indígena, provavelmente apropriada em intercâmbios das primeiras gerações de
quilombolas locais com a etnia Xerente, na região. Segundo os autores, há registros de uso do

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Capim Dourado entre a etnia Xerente, assim como a “costura do Capim”, ainda realizada na
Comunidade, seria uma técnica cultural indígena que utiliza a seda do buriti.
Aqui, importa situar que as duas versões convergem para a figura histórica de dona Miúda
(Guilhermina Ribeiro da Silva), uma vez que essa mulher, nascida em 1928, é filha de indígena
com afrodescendente.
Embora haja registros da produção de artefatos com Capim Dourado, desde a década
de 1930 (época em que os artefatos eram trocados por gêneros alimentícios e querosene, em
mercados na Bahia), foi somente na década de 1990 que esses artefatos e o ofício artesanal de
produção do Capim Dourado, na Comunidade, ganharam notoriedade. Os fatores que convergi-
ram para sua divulgação foram: a construção de uma ponte ligando os municípios de Mateiros
e Ponte Alta (rompendo o relativo isolamento da região), uma matéria divulgada no Programa
Globo Repórter, em 1990, e o crescente advento do turismo na região do Jalapão (SOUZA,
2009; CARVALHO, 2014).
A crescente demanda comercial dos artefatos disseminou a sua produção no cotidiano e
entre as famílias, até que, em 2002, as mesmas criaram a Associação dos Artesãos da Comuni-
dade do Mumbuca, visando formalizar as vendas. De lá para cá, a Associação manteve-se ativa
na produção e reprodução dos modos tradicionais de fazer artefatos com Capim Dourado.
Na década de 2000, alguns acontecimentos ampliaram a difusão da produção dos artefa-
tos, e a legitimaram, para além da Comunidade Mumbuca: em 2004, parcerias entre a Associa-
ção de Artesãos do Mumbuca, a Fundação Naturatins, a Secretaria de Estado da Cultura do TO e
o SEBRAE, promoveram cursos e oficinas de artesanato com Capim Dourado, na Comunidade
do Mumbuca, atraindo designers e outros especialistas4; no mesmo ano, essas parcerias tam-
bém promoveram a difusão do ofício artesanal com Capim Dourado para outros municípios do
Jalapão, através de cursos e oficinas ministradas por uma artesã da Comunidade do Mumbuca
(Rosa); em 20 de janeiro de 2006, a Comunidade foi reconhecida como Território de remanes-
centes quilombolas – contudo, a demora na titulação das terras tem gerado conflitos. Em 2009,
o governo do Estado do Tocantins declarou o Artesanato em Capim Dourado como Patrimônio
Histórico do Estado (Lei nº 2.186 de 14 de julho de 2009). Em 2010, por intermédio do Movi-
mento Estadual dos Quilombolas e do Ministério Público Federal, foi criado o Fórum Perma-
nente de Acompanhamento da Questão Quilombola no estado do Tocantins.
Segundo relatos de sujeitos da Comunidade, essas parcerias tiveram trajetórias e resulta-
dos distintos, gerando tensões comunitárias pelas inovações inseridas na produção dos artefatos

4
Segundo Carvalho (2014, p. 65), “Destaca-se a oficina “Designer em capim dourado” que foi ministrada pelo
designer Renato Imbroisi, em 2004, tecelão e designer de moda conhecido nacionalmente por atuar em aproxima-
damente 40 projetos de inovação e artesanato”. Segundo relatos de moradores locais, as inovações nos artefatos
produzidos na Comunidade surgem da confluência dessas oficinas e das demandas de turistas.

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e pela difusão das técnicas de trabalho a outros municípios. A primeira tensão deu-se em torno
das propostas do SEBRAE de segmentar a produção artesanal, recusada pelas artesãs, com o
argumento de manter a tradição e as relações familiares de produção. A segunda refere-se a dois
fatores: a difusão da técnica de trabalho aumentou a demanda pelo Capim Dourado, que passou
a ser colhido de maneira clandestina e insustentável; complementar a isso, a disseminação cres-
cente da produção, em outras localidades (algumas mais acessíveis a comerciantes e turistas,
como Ponte Alta) gerou um mercado que descaracteriza a origem comunitária do ofício artesa-
nal e dos artefatos, atribuindo-lhe referências relacionadas à região do Jalapão, como indicação
geográfica (SCHMIDT, 2005) da matéria-prima.
Na tentativa de garantir a sustentabilidade ambiental da região e buscando ordenar a
exploração do Capim Dourado, o governo estadual estabeleceu a Portaria nº 362/2007, confe-
rindo regras para a colheita e manejo do vegetal, proibindo a colheita do mesmo fora do período
de 20 a 30 de setembro, e determinando que a colheita só poderia ser realizada por associados
devidamente credenciados, entidades comunitárias de artesãos e extrativistas residentes nos mu-
nicípios tocantinenses. Destaque-se que, embora as ações estatais tivessem a intenção de regular
a extração e manejo do Capim Dourado, bem como garantir a sustentabilidade do mesmo, tais
ações foram insuficientes e não surtiram o efeito desejado. Ao contrário, na região, a cada ciclo
extrativista centenas de pessoas entram nas zonas de produção e extraem o Capim Dourado,
muitas vezes, de forma ilegal.
O que se tem observado ao longo desses anos é um aumento de tensões em torno de
questões que gravitam entre a sustentabilidade do vegetal e a ampliação de novos mercados, que
surgem a partir da expansão do comércio do artesanato de Capim Dourado.
Tendo esse cenário como pano de fundo, o governo do estado do Tocantins, em parceria
com a Associação de Artesãos em Capim Dourado da Região do Jalapão (Areja), protocolou,
ainda no ano de 2009, um pedido de certificação do artesanato local, por meio da Indicação
Geográfica, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Processo esse que se
consolidou no ano de 2011, com a indicação de Procedência da matéria prima à região do Jalapão.
Essas tensões se evidenciaram na Roda de Conversa sobre o Selo de Origem do Capim
Dourado, que presenciamos na Comunidade, e estão em correspondência com os relatos descritos
por Rodrigo M. Leistner, acerca de suas investigações junto a artesãos e comerciantes de Capim
Dourado, na cidade de Ponte Alta, no quadro do LaPCAB5. Nesta cidade, as parcerias com o SE-
BRAE se desenvolveram e estão vigentes, assim como as propostas do mesmo para a incrementa-
ção da produção dos artefatos. Essas relações, embora ocorrendo distantes de Mumbuca, passaram
a servir de “espelho invertido” para a Comunidade e são criticadas pelos mais velhos, sobretudo.

Rodrigo M. Leistner. Relatório de pesquisa em Ponte Alta, TO. LapCAB-Laboratório de Políticas Culturais e
5

Ambientais no Brasil: gestão e inovação. Unisinos, agosto de 2015, 23 p.

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Neste reflexo invertido, as pessoas da Comunidade do Mumbuca identificam três fatores


que consideram negativos, ou que descaracterizam a “autenticidade” do ofício artesanal com
Capim Dourado: 1. O agenciamento do SEBRAE incentiva a segmentação da produção e torna
o artesão ora montador dos artefatos, ora administrador do trabalho de outros; 2. A segmentação
e as mudanças no ofício quebram os vínculos de reciprocidade comunitários ou associativos; 3.
As inovações inseridas na produção ou nos artefatos tendem a orientar a produção para a deman-
da do consumo, reforçando os fatores anteriores.
Assim, a maior valorização da relação entre artesão e mercado tende a produzir tensões
na relação entre o artesão e o quadro associativo ao qual pertence, pelo acirramento da concor-
rência pelo mercado, em Ponte Alta e outras localidades. Essas tensões e concorrência, por outro
lado, tornam os artesãos mais sensíveis às inovações nos processos de trabalho e nos produtos.
Contrários a essa situação, as pessoas mais velhas da Comunidade do Mumbuca evocam
regularmente uma expressão de dona Laurentina, que dizia “Isso aí é para colocar comida na
mesa de todo mundo”. Essa exposição de um princípio ou valor comunitário se complementa,
na Comunidade, por um sentimento de que o ofício que eles ensinaram para outras pessoas e
comunidades está se desvirtuando, e implica em posicionamentos que impactam o desenvolvi-
mento do projeto, discutido adiante.
Além das questões relacionadas às tensões produzidas pelas parcerias iniciais da Comu-
nidade com o SEBRAE e outros órgãos governamentais, estão em evidência, atualmente, três
outros fatores: as relações intergeracionais (isolamento x perspectivas ou expectativas de futuro
para os jovens); a crescente extração ilegal ou insustentável de Capim Dourado, na região, para
atender a demanda por matéria-prima nas outras cidades onde se produzem os artefatos; e a
relação entre a reivindicação comunitária pelo reconhecimento de autenticidade do ofício arte-
sanal com Capim Dourado x os modelos de inserção nas esferas institucionais e de mercado que
certificam a produção dos artefatos.
No arranjo desses fatores em desenvolvimento na Comunidade é possível reconhecer
que os artesãos mais velhos do Mumbuca expõem regularmente uma “afirmação de si” (AN-
DACHT, 2004) em correspondência com seu ofício artesanal (o que inclui o território, o Capim
Dourado e os bens produzidos), conformando um modelo identitário que reforça e confirma
seu pertencimento comunitário (o que inclui a trajetória histórica e os traços contemporâneos
de quilombolas). Esse arranjo se projeta em um tipo ideal de trabalho relacionado a valores, na
Comunidade e se contrapõe, nas narrativas dos mesmos, aos arranjos de trabalho relacionado a
fins que reconhecem no ofício artesanal desvirtuado, em outras localidades.

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4. AS FORMAS DE VINCULAÇÃO DOS ATORES, DE COLETIVIZAÇÃO E DE


DISTRIBUIÇÃO DA PRODUÇÃO
Os atores (artesãos) estão organizados na Associação, mas os vínculos familiares pro-
duzem “pesos” diferenciados nas decisões da mesma. Soma-se a isso o fato de que os jovens
podem aprender o ofício artesanal (e são estimulados a isso) e auxiliar na produção familiar, mas
são impedidos de se associar e, assim, de participar nas decisões da Associação. Os argumentos
dos mais velhos para esse impedimento referem-se à imaturidade dos jovens e à tendência que
apresentam para querer mudar os procedimentos de trabalho. Porém, essa tensão permanece im-
plícita no vínculo dos jovens e projeta preocupações nos mais velhos sobre o futuro da atividade
e da comunidade. Em conversa com sêo Juraci, este nos expôs que a estratégia adotada pelas
lideranças da comunidade é inserir os jovens primeiro no ofício, para que aprendam a dar valor
ao mesmo, e depois, permitir a inserção na Associação e nas decisões, “para dar continuidade à
tradição da comunidade”.
A produção é realizada por indivíduos, ou grupos familiares, mas não há segmentação
do trabalho. O que ocorre e é verificável pela exposição dos artefatos, é uma regularidade na
reprodução da técnica (maior ou menor refinamento técnico) e nos artefatos (produtos), entre os
artesãos de uma mesma família.
A coletivização da produção não se manifesta, na Comunidade. O que ocorre é a disse-
minação de um princípio de reciprocidade na coleta do Capim, que é ritualizado em um período
mais intenso de atividades coletivas (a realização da Festa da Colheita é um exemplo) e na dis-
tribuição de demandas, por ocasiões em que ocorrem grandes encomendas de artefatos.
Já a distribuição de recursos é realizada primeiro comunitariamente e, quando necessá-
rio, para atender alguma demanda familiar. No primeiro caso, a percentagem na venda dos pro-
dutos que cada artesão contribui para a Associação forma um fundo que é gerido para atender as
prioridades definidas coletivamente. No segundo caso, o fundo pode ser utilizado para atender
demandas ocasionais de famílias, em situações não especificadas.

5. A INCURSÃO NO JALAPÃO E NA COMUNIDADE MUMBUCA


A viagem ao Tocantins compreendeu três momentos, entre 15 e 20/09/2015: o primeiro
foi o reconhecimento da disseminação dos artefatos de Capim Dourado na cidade de Palmas e
em suas regiões contíguas; o segundo foi o reconhecimento da região onde se situa a Comunida-
de do Mumbuca, no município de Mateiros; o terceiro foi a visita à Comunidade do Mumbuca,
durante a realização da VII Festa da Colheita do Capim Dourado6.

6
A viagem a Mateiros e Mumbuca foi realizada em parceria com o PPG em Ciências do Ambiente, da UFT, na
companhia do Prof. Dr. Heber Rogério Gracio, e a Secretaria de Estado da Cultura do Tocantins, na companhia da
técnica Gilceia Medeiros.

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Nos dois primeiros momentos, produzimos imagens em vídeos e fotos: da estrada, de


paisagens características do bioma do cerrado e de aspectos das cidades por onde passamos,
com destaque para Mateiros. No terceiro momento, produzimos imagens em vídeos e fotos da
Comunidade do Mumbuca, com destaque para a “Roda de Conversa sobre o Selo de Origem do
Capim Dourado” e as discussões que estavam em pauta nesse encontro, além de registros sobre
agenciamentos turísticos e culturais operados por alguns moradores da região.
O primeiro momento possibilitou perceber a referência dos artefatos de Capim Dourado
como traço central do artesanato tocantinense, em correspondência com a região do Jalapão.
Há vários locais de venda na cidade de Palmas, com destaque para algumas lojas de artesanato,
nas avenidas centrais da cidade. Um deslocamento até a cidade de Taquaruçú, a 35 km de Pal-
mas, permitiu constatar que essa disseminação está fortemente associada ao desenvolvimento
dos agenciamentos turísticos e culturais, na região. Na pequena cidade de Taquaruçú, onde se
expande um modelo de empreendimento turístico ambiental e cultural, com forte presença do
SEBRAE, reconhecemos três estabelecimentos de venda de artesanato, com artefatos produ-
zidos com Capim Dourado. Na praça central da cidade, onde se localiza a Casa da Cultura do
município (Mutum), um cartaz na parede anunciava uma oficina de produção de artesanato com
Capim Dourado, para jovens.
Seguindo alguns quilômetros além de Taquaruçú, por uma estrada asfaltada, chegamos
à entrada da Cachoeira da Roncadeira, onde se localiza uma casa que abriga o Ponto de Cultu-
ra Casa de Caboclo e a sede da ONG de Educação Ambiental Instituto Semeadores das Artes.
Nessa sede, em uma mesa, estavam expostos vários artefatos artesanais de Capim Dourado para
venda. Em conversa com um jovem da ONG que estava na sede, ele nos informou que os arte-
fatos foram produzidos no Jalapão, sem saber de qual cidade eles vieram.
O segundo momento refere-se às viagens de ida e retorno a Mateiros, na qual passamos
por três cidades: Aparecida do Rio Negro, Novo Acordo e São Félix. Nas três, percebemos pon-
tos de venda de artefatos de Capim Dourado, com destaque para um estabelecimento na estrada,
próximo de São Félix, e três lojas, uma em Novo Acordo e duas em São Félix.
O terceiro momento refere-se à estadia em Mateiros e no Mumbuca. Nesse contexto,
priorizamos dois roteiros: visitas a dois fervedouros7 da localidade e à Cachoeira do Formiga,
para conhecer os empreendimentos que se formavam em torno dos mesmos, e à Comunidade
Mumbuca, no dia de abertura oficial da Festa da Colheita do Capim Dourado.

7
Fervedouro é o nome dado a um fenômeno natural da região do Jalapão, no qual uma fonte de água subterrânea
se eleva até a superfície, formando pequenos lagos (o menor tinha em torno de 7 metros de diâmetro e o maior
em torno de 15 metros) com fundo geralmente raso, arenoso e claro. O fenômeno se complementa com constantes
aberturas que se formam na base arenosa do lago para canais profundos, mas com efeitos de correntes ascendentes
da água, impedindo que as pessoas afundem. Essas aberturas e correntes produzem constantes movimentos da areia
na base dos lagos, gerando formas concêntricas de movimentação da água em efeitos visuais diversos.

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Os fervedouros atraem turistas e as movimentações destes incentivaram alguns mora-


dores e proprietários de terras onde o fenômeno ocorre a investirem em empreendimentos de
infraestrutura turística. Nos dois fervedouros visitados (e depois, em um terceiro, visitado nos
arredores de São Felix, quando voltamos) esses empreendimentos estavam funcionando, em
arranjos de galpões ou ranchos construídos de adobe, em contiguidade às residências dos indi-
víduos, com um paisagismo de espécies nativas (Babaçu e Miriti, geralmente) que se estendia
entre os mesmos e os fervedouros.
Os galpões e ranchos possuíam mesas e bancos para servir comida (sob encomenda) e
redes penduradas nos pilares de madeira que os sustentavam, para descanso dos visitantes. Os
fervedouros visitados localizam-se em estradas que levam à comunidade do Mumbuca, forman-
do referenciais de um circuito turístico em desenvolvimento, na região.
Embora esses empreendimentos ainda sejam recentes e estejam em fase de construção,
é possível constatar que os mesmos se inserem em redes de difusão de roteiros turísticos, como
ficou evidenciado por um totem de adesivos de grupos turísticos, no centro do rancho de sêo
Martins e família.
As características desses empreendimentos se repetem no entorno da Cachoeira do For-
miga. E aqui, tanto quanto nos empreendimentos anteriores, há que se destacar que é cobrada
uma “taxa de permanência” aos visitantes.
A incursão na comunidade do Mumbuca ocorreu no dia 18/9. Nessa atividade, percor-
remos toda a comunidade, registrando imagens e alguns depoimentos de moradores, acerca da
vida no local, do ofício e da produção com Capim Dourado.
O foco desta incursão foi o registro em vídeo da Roda de Conversa sobre o Selo de Ori-
gem do Capim Dourado. A roda de conversa estava integrada na programação da Festa e ocorreu
no Galpão comunitário. Desde as primeiras tentativas de agrupar as pessoas para a atividade já
se notava uma falta de motivação das lideranças locais para participar, que chegavam e saíam do
local alternadamente. Após meia hora de tentativas, Ângela e Regina, jovens lideranças locais,
conseguiram convencer as lideranças da Associação a juntarem-se para iniciar a conversa.
A atividade iniciou com uma apresentação dos participantes. Estavam presentes lideran-
ças da Associação e da Comunidade, representantes das Secretarias de Estado da Cultura, do
Turismo e Desenvolvimento e da Ação Social (a própria Secretária de Estado da Ação Social
chegou, durante a atividade, e ficou até o final), pesquisadores da Universidade Federal do To-
cantins e alunos, agentes culturais locais e alguns jovens que visitavam a comunidade. Após a
apresentação, Gilcéia Medeiros, técnica da Secretaria de Estado da Cultura, fez uma exposição
sobre o desenvolvimento dos trabalhos para a produção e implementação do Selo de Origem do

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Capim Dourado, que resulta de estudo conjunto da Secretaria com a Universidade Federal do
Tocantins8 (exposição gravada em vídeo).
A sua exposição descreveu a origem da iniciativa, com o SEBRAE e a Fundação Na-
turatins, passando por um período de produção e distribuição do Selo que, após questionado
por vários atores da região, foi interrompido. Os Selos impressos sumiram. Esse processo teria
recomeçado recentemente, por convênio firmado entre a Secretaria de Estado da Cultura e a
Universidade Federal do Tocantins. Foi formado um grupo de trabalho que visitou comunidades
e Associações de produtores do Jalapão, e apresentou um estudo de produção gráfica do Selo
de Origem do Capim Dourado (exposto na atividade) e dos procedimentos de sua atribuição e
distribuição, que implicavam algumas mudanças na produção e na circulação dos artefatos pro-
duzidos com o Capim, para assegurar sua certificação de qualidade.
Antes de encerrar a exposição de Gilcéia, já iniciaram os questionamentos sobre a per-
tinência do Selo pelas lideranças da Comunidade, que se alternavam entre perguntas sobre a
origem da iniciativa, a sua serventia para a Comunidade, as mudanças que ele implicava nos
processos de trabalho artesanais pela imposição de um padrão de qualidade definido por atores
exógenos à comunidade, o reconhecimento da autenticidade e da originalidade do ofício desen-
volvido pela Comunidade, a extensão da indicação geográfica ou regional que o Selo cobria, se
ele implicava na criação de dispositivos institucionais de fiscalização da colheita do Capim e da
produção dos artefatos, entre outras.
A insatisfação das lideranças com as explicações era visível, ora expondo expressões
faciais ou verbais de ausência de entendimento acerca de alguma exposição dos propósitos que
justificavam o Selo, ora formando rodas de conversa paralelas para discutir algum ponto ques-
tionável da exposição. Entre essas manifestações, algumas lideranças expunham depoimentos
memorialistas sobre a origem da Comunidade e do ofício com o Capim Dourado, reivindicando
recursivamente o reconhecimento da tradição (autenticidade e originalidade) deste último, e
recorrendo à legitimidade de lideranças cujas biografias atestariam tal reconhecimento. Eram
evocados os nomes e as trajetórias de matriarcas como dona Miúda, dona Laurentina, Doutora
e dona Santinha, geralmente associadas a domínios dos modos de saber e de fazer relacionados
com o Capim Dourado.

8
Em abril de 2015, a Secretária de Estado da Cultura do Tocantins (SECULT) e a Universidade Federal do To-
cantins (UFT) assinaram um termo de Cooperação Técnica, visando o fortalecimento da Associação dos Artesãos
em Capim Dourado da Região do Jalapão (Areja). O ponto central dessa cooperação é a elaboração de um Selo de
Indicação Geográfica (IG) a ser utilizado pelos artesãos da região, valorizando os produtos lá produzidos, de forma
que sejam reconhecidos em mercados nacionais e internacionais. A parceria tem por objetivo orientar e capacitar
os artesãos no uso do selo, bem como visa apoiar a reestruturação da Areja, que no momento conta com baixa
participação dos artesãos, em decorrência de processos de desarticulação e não reconhecimento da legitimidade da
diretoria atual por parte das comunidades envolvidas. Esta ação também conta com o apoio do SEBRAE-TO, que
disponibilizou um consultor para apoiar a realização das capacitações.

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As perguntas e as exposições das lideranças complementavam-se no questionamento


geral da extensão da indicação geográfica coberta e legitimada pela proposta do Selo, que cor-
respondia à região do Jalapão. Nos argumentos expostos pelas lideranças, essa identidade presu-
mida subsumia a tradição da Comunidade e a nivelava com a produção difundida e desvirtuada
do ofício em outros municípios do Jalapão.
Nesse estágio da discussão, um impasse foi estabelecido na identificação da forma de
inserção do ofício e da Comunidade nos processos de certificação dos artefatos. Boa parte desse
impasse foi incentivado pelas intervenções do técnico da Secretaria de Estado do Turismo e do
Desenvolvimento, que se apresentou como artista também. Em suas intervenções ele alternava
questionamentos à colega da Secretaria de Estado da Cultura (gerando constrangimentos à re-
presentação governamental de ambos) com aconselhamentos de manutenção da tradição às li-
deranças da Comunidade. A manutenção do impasse gerou outra intervenção, com a alternativa
apresentada pelo Prof. Alex Pizzio da Silva (UFT), de que a comunidade poderia encaminhar
um processo de registro de marca dos artefatos produzidos com Capim Dourado, este melhor
aceito pelas lideranças ali presentes.
A discussão se encaminhou para um encerramento sem decisões, mas com a definição co-
letiva de se elaborar um documento da Roda de Conversa, que sistematizasse os pontos principais
debatidos no encontro e algumas reivindicações consensuais estabelecidas, como a necessidade
de criar um grupo de fiscalização da colheita do Capim Dourado, nas veredas da região, de forma
a garantir a sustentabilidade do mesmo e da produção das Comunidades e Associações locais9.
Após a Roda de Conversa, mantivemos algumas conversas residuais com lideranças da
Comunidade e percorremos outras áreas do lugar, para registrar os preparativos e movimentos
da festa. Neste momento, chegou o Secretário de Estado da Cultura, que representava o Gover-
nador na Cerimônia de Abertura da Festa da Colheita. Antes da cerimônia, um jogo de futebol
já havia esvaziado o local, restando ali somente os atores envolvidos nos preparativos de um
jantar e de um culto evangélico, que ocorreriam na sequência. O restante da programação envol-
via apresentação de danças de grupos indígenas (havia um grupo da etnia Xerente no local), de
grupos quilombolas, de cantigas de roda entoadas por dona Santinha, encerrando as atividades
às 22 horas, com a apresentação da dupla de violeiros Arnon & Maurício, da Comunidade, em
torno de uma “Fogueira do acolhimento, com danças e jogos tradicionais”.

9
A redação final desse documento encontra-se disponível em www.facebook.com/lapcab. Na sequência da divul-
gação do documento, uma parceria entre a Secretaria de Estado da Cultura de Tocantins e duas ONGs resultou em
três audiências públicas no estado, visando discutir estratégias para a sustentabilidade do Capim Dourado, na região
do Jalapão.

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6. ANOTAÇÕES CONCLUSIVAS
O processo de certificação da indicação geográfica do Capim Dourado, no Jalapão, ex-
põe alguns condicionamentos que afetam o contexto de produção de artefatos culturais com essa
matéria prima e influenciam a trajetória da Comunidade do Mumbuca, e da sua associação de
artesãos, na interação com atores e instituições que agenciam as políticas culturais, no estado do
Tocantins. Nesse contexto, a mediação da matéria prima torna difusa a negociação da realidade
que aí se estabelece, na forma de um embate dos propósitos que fundamentam os projetos dos
atores envolvidos.
No encalço desse embate, supomos ser apropriado seguir a orientação de Chanquía
(1998, p. 9), que se apropria da noção de “contratos de visibilidade”, de Jean-Claude Passeron,
para expressar “aquello que guía la recepción de una imagen por parte de un público, proveyen-
do a los sujetos, atrapados en dichos contratos, de un ver y un decir que marca su recepción de
una obra determinada”.
A centralidade que o processo de indicação geográfica do Capim Dourado vem assumin-
do, na região do Jalapão, de um lado descola a imagem dos artefatos culturais de sua origem
comunitária e a desloca para uma indicação geográfica mais ampla, legitimando uma cadeia de
produtores na região e imprimindo procedimentos para sua certificação; de outro lado, os atores
da Comunidade do Mumbuca, ressentidos com esse deslocamento e afetados pelos condiciona-
mentos da certificação em curso, agenciam suas tradições em narrativas e tecnologias patrimo-
niais que imprimem autenticidade aos artefatos produzidos pela associação de artesãos local.
Nesse embate, o Capim Dourado torna-se um bem disputado e apropriado, muitas vezes,
por indivíduos despreocupados com sua sustentabilidade ambiental. E isso pode gerar uma situ-
ação futura na qual os propósitos dos atores aqui descritos percam importância.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ambientais e políticas públicas. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2014, p. 203-222.
PIERROT, Alain. Aprendizagem e representação. Os antropólogos e as aprendizagens. Horizontes
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artesanato no Jalapão, Tocantins. Dissertação de Mestrado em Ecologia. Brasília: UNB, 2005, 91 f.
SOUSA. A.T. Gênero e Empoderamento: um Estudo a Partir das Associações de Artesanato no Jalapão.
Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Regional. Palmas, UFT, 2012, 104 f.
SOUSA, Ruberval R. Tradição, Artesanato de Capim Dourado e Desenvolvimento Local no Povoado do
Mumbuca do Jalapão em Mateiros – TO. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Local. Campo
Grande: UCDB – Universidade Católica Dom Bosco, 2009, 82 f.

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O MINC E A GESTÃO ANA DE HOLLANDA:


MOBILIZAÇÃO E CRISE NA POLITICA E NO CAMPO DA CULTURA
Alexandre Barbalho1

RESUMO: O que se propõe nesse artigo é analisar o período da política cultural brasileira que
corresponde à gestão de Ana de Hollanda à frente do Ministério da Cultura. O que se defende
nesse artigo é que tal gestão configurou-se como um momento de crise. Para a análise, recorrerei
às reflexões sobre o Estado feitas por Pierre Bourdieu e à proposta analítica das crises políticas
elaborada por Michel Dobry.

PALAVRAS-CHAVE: Estado; Ministério da Cultura; Crise Política

Os governos Lula (2003-2010) imprimiram um novo patamar nas relações entre o governo
federal e a cultura, ampliando e, principalmente, transformando a atuação do Ministério da Cultura
(MinC), sob a gestão dos ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, sucessivamente. Contrapondo-
se à lógica vigente desde a criação do MinC em 1985, na qual predominou um viés de menor
participação do Estado, Gil e Ferreira investiram na institucionalização das políticas culturais.
Tal processo se revela na reestruturação do Ministério e do Conselho Nacional
de Cultura, na realização das conferências nacionais, estaduais e municipais de cultura, na
elaboração do Plano Nacional e na implantação do Sistema Nacional de Cultura, entre outros
programas e ações que visam superar a descontinuidade das políticas culturais, transformando-
as, minimamente, em políticas de Estado (RUBIM, 2010; 2011).
Claro que esse projeto foi alvo de posições contrárias, em especial de agentes culturais
atuantes nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, principais centros da economia cultural
brasileira, que se ressentiam do fato de ter que dividir a atenção e as parcas verbas do setor com
agentes oriundos de outras cidades e regiões do país, bem como de outros estratos sociais.
Se esse grupo não perdeu de todo o seu poder de barganha e de influência nos rumos
das políticas culturais federais, como exemplificam a derrota do governo no que se refere à

1
Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e pós-doutorado em Comunicação pela Univer-
sidade Nova de Lisboa. Professor dos PPGs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC. Líder do
Grupo de Pesquisa em Políticas de Comunicação e de Cultura. E-mail: alexandrealmeidabarbalho!gmail.com

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criação de uma nova agência para o audiovisual (MOREIRA; BEZERRA; ROCHA, 2010) e
à postergação da reforma das leis de incentivo (SALGADO; PEDRA; CALDAS, 2010), não
chegou, por sua vez, a colocar em xeque o projeto político-cultural da era Lula – projeto este
fixado no documento do então candidato nas eleições de 2002, intitulado “A imaginação a serviço
do Brasil” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002). Talvez, os momentos de embate mais
críticos tenham ocorrido no interior do próprio MinC, em um rearranjo das posições políticas
próprio à lógica do Estado, como revelam as disputas em torno do Sistema Nacional de Cultura
(BARBALHO, 2014).
Contudo, o primeiro governo Dilma (2011-2014), ainda que representando uma
continuidade do projeto político capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), trouxe
mudanças significativas no que se refere às políticas culturais. Não cedendo à pressão de vários
setores, inclusive de seu próprio partido, pela permanência de Juca Ferreira no Ministério, a
presidenta nomeou, em janeiro de 2011, a artista Ana de Hollanda como ministra da Cultura.
Reconfigurando a composição das forças políticas no interior do MinC, propondo novas pautas,
dando continuidade a programas anteriores e enfraquecendo ou mesmo extinguindo outros,
Hollanda provocou um forte movimento de oposição, inclusive interna, à sua gestão que
terminou por afastá-la do cargo em setembro de 2012.
Para Doug McAdam, Sidney Tarrow e Charles Tilly, o confronto politico, que
“depende da mobilização, da criação de meios e de capacidades para a interação coletiva”,
se inicia quando “as pessoas fazem reivindicações a outras pessoas cujos interesses seriam
afetados se elas fossem atendidas” (MCADAM; TARROW; TILLY, 2009, p. 11-12). Ora, o
que se observa entre 2011 e 2012 é um acúmulo de mobilizações e confrontos no e em torno
do MinC, relativos a interesses distintos e que se estendem para além do campo cultural,
envolvendo outros agentes e reverberando fortemente na mídia nacional e nas redes sociais.
Diante desse contexto, é possível entender a breve passagem de Hollanda pelo
Ministério como uma crise? Uma crise2 pode ser entendida como “momento de ruptura no
funcionamento de um sistema” (PASQUINO, 2000, p. 303); ou como “situação-limite, na
qual se explicitaria um quadro de particular gravidade” (NOGUEIRA, 2015, p. 216). O que se
defende nesse artigo é que a gestão Ana de Hollanda configurou-se como uma situação-limite
que resultou em uma ruptura, mas também de continuidade das disputas que vinham desde o
início da década.
O que se propõe, portanto, é analisar esse período da política cultural brasileira, a partir
de seu entendimento como um momento de crise, estabelecendo, ao mesmo tempo, as suas
especificidades. Para tanto, recorrerei às reflexões sobre o Estado feitas por Pierre Bourdieu e

2
Do grego krísis, significa “alteração, desequilíbrio repentino; estado de dúvida e incerteza; tensão, conflito”
(CUNHA, 2010, p. 190).

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à proposta analítica das crises políticas elaborada por Michel Dobry, sobre as quais discorro
a seguir.

1. CAMPO CULTURAL, ESTADO E CRISE POLÍTICA.


Para compreender como se dão as disputas em torno das políticas culturais nos governos
Lula e Dilma, é preciso levar em consideração não apenas os agentes, seus respectivos interesses
e investimentos de capital no campo cultural (BOURDIEU, 1989; 1992), mas também perceber
suas inter-relações com o Estado - entendido este como uma espécie de meta-campo, para onde
convergem todos os tipos de capital, que por sua vez gera um meta-capital, “un capital qui a la
propriété particulière d’execer du pouvoir sur le capital” (BOURDIEU, 2012, p. 311). O Estado,
portanto, é “meta”, um poder acima dos outros poderes.
O Estado, continua Bourdieu, “fonde l’intégracion logique et l’intégracion morale du monde
social et, par là, le consensus fondamental sur le sens du monde social qui est la condition même
des conflits à propôs du monde social (BOURDIEU, 2012, p. 15). Ou seja, lugar da integração, o
Estado é o fiador dos conflitos sociais, dos dissensos, incluso daqueles de base cultural.
Nesse sentido, o Estado não pode ser entendido como um bloco monolítico. Na medida
que detém meta-capital, “est un champ à l’intérieur duquel les agentes luttent pour posséder un
capital qui donne pouvoir sur les autres champs” (BOURDIEU, 2012, p. 312). O laço entre o
campo do poder e o Estado se dá pelo fato dos agentes do primeiro disputarem o controle sobre
o segundo, sobre seu meta-capital que permite conservar e reproduzir diferentes tipos de capital.
Assim, tal como os outros campos, o Estado se estrutura a partir de oposições e interesses
diferentes associados, inclusive, a capitais distintos, para impor o ponto de vista dos pontos de
vista, que é o estatal.
A relação do campo estatal com o campo cultural, inserido na sociedade civil, se dá
por meio das políticas governamentais de cultura, posto que, como defende Bourdieu, entre
ambos, campo estatal/campo cultural, ou dito de outra forma, Estado/sociedade civil (mais
especificamente intelectuais e artistas, ou seja, os agentes culturais) existe um continuum,
“une distribution continue de l’accès aux ressources collectives, publiques, matérielles ou
symboliques, auxquelles on associe le nom d’État” (BOURDIEU, 2012, p. 66). O controle de
tal distribuição, como toda aquela que se dá no socius, fundamenta e ocasiona lutas permanentes
no interior dos campos estatal e cultural.
O Estado, portanto, se apresenta como “une sorte de réserve de ressources symboliques,
de capital symbolique, qui est à la fois un instrument pour un certain type d’agents et l’enjeu de
luttes entre ces agentes” (BOURDIEU, 2012, p. 110); como um processo de concentração de
recursos e de disputa por monopolizar esses recursos. Um momento de crise política, portanto, é

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aquele de acirramento dessas lutas em torno desse poder simbólico, onde cada agente, individual
e/ou coletivo, reivindica para si o poder de nomeação, que é próprio ao Estado3.
Por sua vez, pensando na especificidade do objeto de análise, ou seja, a crise da gestão
da ministra Ana de Hollanda e de suas políticas, faz-se necessário levar em consideração
exatamente esse dado: é preciso observar a estrutura de espaço onde se desenvolveram tais
políticas; suas particularidades, as propriedades de seus agentes, as interseções dos campos nas
quais se constroem (campo estatal, campo cultural, mas também campo midiático, como irei
propor adiante).
Para dar conta metodologicamente desse objeto, e levando em consideração a compreensão
de Estado exposta acima, recorro à análise das crises políticas proposta por Michel Dobry. Dobry
propõe uma abordagem próxima àquela da “mobilização” ou da “gestão de recursos” e na inserção
no processo analítico da atividade tática dos agentes protagonistas. Tal perspectiva é acionada para
que possa defender sua hipótese de continuidade, no sentido de que as molas que movem as crises
políticas não se radicam apenas, nem principalmente, nos desequilíbrios, mas nas “mobilizações
que esses protagonistas realizam no curso das competições e dos enfrentamentos que constituem
a trama das relações políticas” (DOBRY, 2014, p. 26-27).
Nesse sentido, o foco analítico sobre a crise recairá sobre o que está “em jogo” e nos
“deferimentos das jogadas” que ocorrem. Em relação às mobilizações, interessa perceber as
relações com os contextos estruturais, estendidos estes como variáveis, exatamente porque
sensíveis às mobilizações. O que implica compreender os diversos tipos de conjuntura, incluindo
as de crise, como estados particulares do sistema político analisado.
Por mobilização deve-se entender a inserção de recursos (capitais) em uma jogada
(linha de ação), entendendo que tais recursos não são “coisas em si”, mas relacionais, ou seja,
inseridos em contextos sociais nos quais operam, portanto não podem ser facilmente transferidos
de um lugar social para outro. Com isso, a atividade tática dos agentes dos conflitos assume
posição central na análise. O que se pretende ao analisar as jogadas é identificar como os atos
(individuais ou coletivos) afetam tanto o comportamento dos outros agentes protagonistas,
quanto a relação entre estes e o seu ambiente, ou a ambos, simultaneamente, posto que “a
modificação dessa situação existencial se acompanha quase sempre de uma transformação das
expectativas e das representações que os diferentes atores [agentes] têm a respeito da situação
(DOBRY, 2014, p. 32).
É importante, para essa perspectiva, entender que existe uma quantidade de recursos
que não são utilizados ou colocados em jogo, recursos latentes ou em potencial, e atentar para
3
Para Bourdieu (2012), em termos epistemológicos, ou seja, da compreensão do funcionamento do Estado, os
momentos de crises são momentos propícios, como os de gênese, pois as imposições simbólicas se tornam eviden-
tes. No caso dos segundos, porque ainda estão se constituindo, no caso dos primeiros, porque são reveladas pelos
heterodoxos que as colocam em xeque.

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os “modos de fazer-valer” tais recursos nas jogadas ou atividades táticas postas nos jogos de
interesses. Outra recomendação metodológica é fugir de uma visão demasiadamente teleológica
a orientar tais jogadas, pois, como observa Dobry (2014), há interações entre elas, típicas da
dinâmica própria do conflito, que abalam de diversas formas os motivos e fins primeiros dos
agentes envolvidos na crise. Há, portanto, uma “evolução” do jogo ou do conflito, o que explica,
muitas vezes, a perda de um centro decisor de determinada mobilização, como veremos adiante.
Dobry (2014) adverte sobre a necessidade de não recair no erro de ver na crise apenas
a oposição entre os “agentes de controle social” e as “mobilizações”, sem perceber também as
similitudes entre os dois, ainda que reconhecendo as diferenças no capital de recursos e ações
de ambos. Isso é fundamental por permitir outra compreensão, a de que os movimentos de
mobilização não emergem necessariamente nas zonas pouco estruturadas do socius, mas podem
surgir nas próprias agências de controle.
As mobilizações não podem ser entendidas como necessariamente centralizadas, onde
uma “direção” mobiliza os recursos com o propósito de atender certos fins coletivos. Se de fato
isso ocorre, tal concepção não pode inviabilizar o entendimento do caráter muitas vezes disperso
dos processos mobilizadores. Nesses processos, vários agentes, individual e coletivamente,
aderem ao jogo e trazem consigo seus recursos e interesses, de modo que, mesmo participando
de uma mesma jogada, há uma diversidade de pautas, objetivos e estratégias mobilizadas.
É possível, então, estabelecer os elementos centrais da abordagem proposta por Dobry.
Primeiro, uma crise deve ser entendida “a um só tempo” como mobilizações e transformações
de estado dos sistemas sociais. O que leva em consideração o fato de que as instituições são
sensíveis às jogadas e às atividades táticas dos agentes das crises. Mas, por sua vez, trata-se
também de analisar as “lógicas de situação que, em tais contextos, tendem a se impor a esses
atores e tendem a estruturar suas percepções, seus cálculos e seus comportamentos” (DOBRY,
2014, p. 46).
A partir dessa premissa, Dobry fixa os elementos de sua terminologia. Por “sistemas
sociais complexos”, entende-se aqueles “diferenciados em esferas sociais autônomas, fortemente
institucionalizadas e dotadas de lógicas sociais específicas” (DOBRY, 2014, p. 46), definição
de esfera social muito próxima daquela de campo em Bourdieu. Por “setores”, entende-se as
“esferas sociais autônomas”. Por “mobilizações multissetoriais”, aquelas que se localizam ao
mesmo tempo em várias esferas e de “restritas” aquelas mobilizações que atinge apenas uma
esfera. E por “conjunturas políticas fluidas”, aquelas que correspondem a “transformações
de estado dos sistemas complexos quando esses sistemas estão submetidos às mobilizações
multissetoriais” (DOBRY, 2014, p. 47).
Para dar conta empiricamente do objeto de análise, ou seja, a crise política da gestão
Ana de Hollanda, a partir do constructo teórico-metodológico exposto acima, irei estabelecer os

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agentes dessa conjuntura política fluida, bem como seus recursos, jogadas e mobilizações, por
meio das informações proporcionadas pelo campo midiático e pelo material divulgado nas redes
sociais. Essa escolha se justifica pela forte relação entre os dois campos, o político e o midiático,
sendo este uma espécie de mediador entre os campos sociais (RODRIGUES, 1990)4.

2. DO CREATIVE COMMONS À “CARTA DOS INTELECTUAIS”:


A DINÂMICA DA CRISE
Antes mesmo de iniciar sua gestão, Ana de Hollanda provocou polêmicas na imprensa
por defender o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) e se posicionar
contrária às mudanças sobre as leis autorais encaminhadas pelo MinC, sinalizando que elas
deveriam ser revistas. Na sequência desse episódio, já como ministra, um de seus primeiros
atos foi retirar o site do Ministério da licença Creative Commons (CC).
Com esses atos, de pouco alcance prático, mas de forte simbologia, pois revelava seu
poder de nomeação5, Hollanda se indispôs com os ativistas que tinham se mobilizado nas gestões
anteriores e pautado a política no que diz respeito às culturas digitais e livres6. A jornalista Tatiana
Dias situa os dois lados em disputa, copyleft versus copyright, a partir de posições, interesses e
capitais distintos: de um lado, os “ativistas da internet, blogueiros, bibliotecas digitais e artistas
independentes”, do outro, as “associações de proteção aos direitos autorais e alguns artistas, que
criticam o MinC [na gestões Gil e Juca] de ‘estatização de um direito privado e de não tê-los
ouvido na elaboração da reforma” 7.
Para os ativistas, a postura da nova ministra não apenas sinalizava a sua perspectiva
conservadora, como ia contra o incentivo ao desenvolvimento de “modelos solidários de
licenciamento de conteúdos culturais”, previsto nas metas do Plano Nacional de Cultura,
instituído em dezembro de 20108. O que se percebe é que a gestão Hollanda é mais um momento
da disputa entre esses dois lados do campo cultural, que ocorre, no mínimo, desde o início do
governo Lula, e cujos agentes vinham competindo e se enfrentando, antes de chegar a esse
momento crítico.

4
Ao elaborar um conjunto de subsídios para uma teoria das crises políticas, António Mendes (2005) destaca como
fundamental o entrecruzamento entre esses dois campos (o político e o midiático) e, portanto, a relevância da co-
bertura midiática dos fenômenos políticos disruptivos.
5
Dobry observa que a mobilização coincidirá sempre com uma jogada, uma atividade tática por partes dos agentes
envolvidos na crise, ainda que tal jogada possa ser apenas simbólica, “no sentido de que certos atos podem simbo-
lizar outros atos, por exemplo, mais ‘duros’” (DOBRY, 2014, p. 33).
6
A esse respeito, ver a coletânea de entrevistas Cultura digital.br, publicada com apoio do MinC e que tem entre
seus entrevistados vários agentes ligados ao Ministério, inclusive o ministro Juca Ferreira (SAVAZONI; COHN,
2009).
7
Disponível em http://blogs.estadao.com.br/link/copyright-a-batalha/. Acesso: 02.out.2015.
8
Ver http://blogs.estadao.com.br/link/minc-na-contramao/. Acesso: 02.out.2015.

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Nesse sentido, a jogada seguinte de Hollanda foi demitir Marcos Souza, então
coordenador-geral de direitos autorais do MinC e defensor da flexibilização destes direitos, e
nomear Marcia Regina Barbosa, ligada ao Conselho Nacional de Direito Autoral e à Hidelbrando
Pontes, advogado do ECAD e um dos interlocutores da ministra.
Em declarações à imprensa, Hollanda reafirmou sua posição de rever o texto da Reforma
da Lei de Direitos Autorais, declarando que a “democratização da cultura” não poderia “passar
por cima do direito autoral”. Tal postura foi apoiada pelas entidades defensoras destes direitos,
como a Associação Brasileira de Música e Artes. Por outro lado, a ministra sinalizou o diálogo
com os ativistas do copyleft, propondo se reunir com “consultores e artistas” para chegar a uma
“proposta que atenda à demanda da área criativa, que é a que mais se mostrou insatisfeita com
as mudanças apresentadas”9.
Hollanda, como se observa, inseria os recursos de sey metacapital estatal para tentar
mobilizar ambos os grupos de agentes. No entanto, como visto, tais recursos são relacionados a
contextos sociais e não podem ser facilmente transferidos de um lugar para outro. Assim, a reação
contrária dos ativistas foi imediata e se intensificou a campanha contra a posição da ministra,
inclusive dentro do Ministério, ou, nas palavras de Dobry, na própria “agência de controle”, com
a criação no Twitter das hashtags #foraana e #foraanadehollanda.
Os participantes do movimento Transparência HackDay, por sua vez, criaram a página
“Dá licença, MinC?”, listando os sites governamentais que adotavam as licenças de uso livre. As
referidas hashtags foram criadas em fevereiro. Dois meses depois, segundo Kelly Prudencio e
Weslley Leite (2013), o seu número de usuários aumentou 223%. Em março, surgiu o blog Fora
Ana de Hollanda que se dizia sem filiação partidária e sem ligação com coletivos organizados,
inclusive com aqueles ligados às gestões de Gil e Juca.
Contrário não à “pessoa” Ana de Holanda, e sim ao “conjunto das diretrizes e ações
de sua gestão” que se configurava como uma “política desastrosa e conservadora”, o blog não
se assumia como “movimento organizado”. Mas é possível entendê-lo como uma esfera civil
digital (ALEXANDER, 2008; GOMES, 2011; MAIA, 2011), que agrega e difunde diversas
críticas e reflexões sobre a política cultural vigente. Na avaliação do Fora Ana de Hollanda, a
omissão de Dilma “com relação ao retrocesso no #Minc seria (...) uma traição do projeto de
governo eleito democraticamente”10.
Em abril foi criado o blog Mobiliza Cultura, com sua hashtag #mobilizacultura, que,
ao contrário da campanha implementada pelo Fora Ana de Hollanda, se assumiu como uma
organização reunindo instituições e grupos formais e informais (pontos de cultura, coletivos,
fóruns etc) para atuação tanto virtual, quanto presencial. O Mobiliza Cultura pode ser

9
Disponível em http://blogs.estadao.com.br/link/mudancas-no-ministerio-da-cultura/. Acesso: 02.out.2015.
10
Disponívl em http://foraanadehollanda.blogspot.com.br/. Acesso em 28.out.2015.

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compreendido como uma “mobilização na esfera pública”, um dos três níveis identificados
por Ilse Scherer-Warren de organização da sociedade civil (de seus interesses e valores de
cidadania) “para encaminhamento de suas ações em prol de políticas sociais e públicas,
protestos sociais, manifestações simbólicas e pressões políticas” (SCHERER-WARREN,
2006, p. 110).
Este tipo de mobilizações, mais abrangentes e conjunturais e menos institucionalizadas,
resulta da articulação dos participantes de movimentos sociais, ONGs, redes etc e a realização
de manifestações objetivando a visibilidade midiática e os “efeitos simbólicos para os próprios
manifestantes (no sentido político-pedagógico) e para a sociedade em geral, como uma forma
de pressão política das mais expressivas no espaço público contemporâneo” (SCHERER-
WARREN, 2006, p. 112). Na análise de Prudencio e Leite, a partir do Mobiliza Cultura, a
mobilização anterior, voltada “principalmente para a queixa de rompimento da ação cultura
digital e da reforma dos direitos autorais sofre novo processo de enquadramento, para se adaptar
a esse novo momento, ganhar mais adesão e expansão” (PRUDENCIO; LEITE, 2013, p. 451).
O movimento elaborou uma “Carta Aberta à Presidenta Dilma” que obteve grande
repercussão, pois amplamente divulgada na grande mídia, bem como nas redes sociais. O
documento reivindicava a continuidade das políticas culturais implementadas nos governos
Lula, o que significava maior participação da sociedade civil na formulação das políticas,
especialmente a reforma da Lei dos Direitos Culturais; efetivação do Plano Nacional de Cultura;
retorno das políticas voltadas à cultura digital; e fortalecimento do Programa Cultura Viva e,
consequentemente, dos Pontos de Cultura, uma das principais ações das gestões Gil e Juca11. Ou
seja, a agenda que vinha mobilizando os agentes desde o início do governo.
Para Prudencio e Leite, a campanha contra a gestão Ana de Hollanda se configurou
como um “confronto politico construído a partir da oportunidade aberta por uma série de
acontecimentos” (PRUDENCIO; LEITE, 2013, p. 454), como os listados acima, bem como
outros que ocorreram na sequência. As autoras destacam ainda a importância da formação de
um capital comunicacional que foi resignificando o repertório de ação dos agentes envolvidos
na mobilização. Assim, ao quadro interpretativo inicial, de descontinuidade e incompetência na
gestão da política cultural, soma-se outro, o da “conduta incompatível”, que agrega mais um
elemento à crise política, a do escândalo.
Outro desgaste sofrido pela gestão Ana de Hollanda ainda no início de seu mandato foi
com o sociólogo e professor da UERJ Emir Sader, incialmente indicado para a presidência da
Fundação Casa de Rui Barbosa. Em entrevista à Folha de São Paulo, Sader, antes mesmo de
assumir, chamou a ministra de “meio autista” por não reagir ao contexto político desfavorável

Sobre o papel relevante do Programa Cultura Viva e mais especificamente dos Pontos de Cultura no âmbito da
11

política cultural nas gestões Gil e Juca ver DOMINGUES (2010).

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ao MinC que incluía cortes no orçamento, paralisação dos Pontos de Cultura, e as já citadas
manifestações contra sua gestão12. O sociólogo acabou perdendo a nomeação, sendo substituído
pelo cientista político Wanderley dos Santos.
A relação problemática com os Pontos de Cultura também foi um dos momentos fortes
da crise, como se observa na reverberação dessa temática nas mensagens postadas no blog Fora
Ana de Hollanda. A gestão do Programa Cultura Viva, que engloba a ação Pontos de Cultura,
ficou sob responsabilidade da secretária de Diversidade e Cidadania, Marta Porto. Ainda
que compreendendo a importância do Programa, Porto avaliava que ele sofria das “dores do
crescimento”, pois não contava com recursos humanos, tanto para a sua gestão, quanto para o
seu acompanhamento, o que tinha causado problemas com órgãos de controle do Estado. Além
disso, a secretária defendia a renovação dos projetos e a inclusão de outras iniciativas13. Contudo,
talvez por estarem inseridas em um contexto turbulento, as declarações e primeiras medidas
tomadas por Porto no sentido de diminuir o ritmo do Programa foram vistas com desconfiança
pela rede dos Pontos de Cultura provocando forte oposição a essa nova orientação.
A secretária acabou saindo do MinC em setembro mas, em entrevista concedida alguns
meses depois, ainda durante a gestão de Hollanda, credita sua saída a diferenças no interior do
Ministério, no que ela denominou de “falta de compatibilidade política e de confiança mútua”.
Segundo a ex-secretária, suas posições e compromissos públicos não se alinhavam com as
posições tomadas pela gestão em relação a vários temas que tensionaram o campo político-
cultural. Não havia, na sua avaliação, vontade política em relação à sua secretaria, pois a aposta
era na recém-criada Secretaria de Economia Criativa. Com esse investimento, o MinC perdeu a
“chance de propor uma política de cultura sintonizada com os principais desafios da sociedade
brasileira para além da economia: a democracia e todos os valores culturais que ela exige para
ser mais do que um regime político”. A aposta que Porto fez no interior do MinC na cidadania e
na diversidade foi uma “tese derrotada” e perder, como reconhece, fez “parte do jogo”14.
Em maio de 2011, a ministra tentou romper seu isolamento e se articular com diversos
agentes do campo cultural, em especial com aqueles atuantes em São Paulo, bem como com os
parlamentares da base governamental. No mesmo período, a presidenta Dilma nomeou Morgana
Eneile, então secretária nacional de Cultura do PT, assessora de Hollanda, como forma de ajudar
nas articulações políticas. Mas essa nova dupla jogada foi vista com ceticismo pela imprensa e
pelos ativistas culturais. Segundo avaliou Jotabê Medeiros, colunista de O Estado de São Paulo,

12
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2011/02/881609-ana-de-hollanda-e-meio-autista-
-diz-emir-sader.shtml. Acesso em 08.dez.2015
13
Disponível em http://www.culturaemercado.com.br/site/entrevistas/marta-porto-cultura-viva-e-um-dos-gran-
des-legados-que-recebemos/. Acesso em 08.dez.2015.
14
Disponível em http://oglobo.globo.com/cultura/marta-porto-cultura-ainda-nao-se-tornou-prioridade-4294248.
Acesso em 08.dez.2015.

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a situação crítica da gestão Ana de Hollanda era “incontornável”, como sinalizaria o movimento
Mobiliza Brasil que reuniu 2,5 mil adesões15.
Outros eventos alimentaram a crise ao longo dos anos de 2011 e 2012, pautando a
“trajetória turbulenta” da ministra Hollanda, como qualificou o site de notícias da UOL16, que
não se restringiram à lógica da política cultural, mas atingiram a lisura da ministra: a aprovação
de um projeto de R$ 1,3 milhão para criar um blog de Maria Bethânia, amiga de Hollanda;
pagamento de diárias indevidas à ministra em fins de semana no Rio de Janeiro; captação de
R$ 1,9 milhão para a primeira turnê da cantora Bebel Gilberto, sua sobrinha; recebimento de
brindes da escola de samba Império Serrano após o MinC zerar a inadimplência da agremiação
carioca e desbloquear o CNPJ da escola; vazamento na imprensa de sua carta enviada à ministra
do Planejamento Miriam Belchior reclamando da falta de recursos para a pasta.
Em março de 2012, um grupo de intelectuais, alguns ligados ao PT, lança uma carta
onde cobra da presidenta Dilma um Ministério à altura dos desafios e programas apresentados
nas gestões de Gil e Juca, posto que estaria ocorrendo uma “decadência do protagonismo” do
MinC17. Para os signatários, o primeiro ano de Hollanda no MinC, incapaz de “gerar consensos
mínimos”, foi marcado por “hesitações, conflitos e por mudanças de rumo”. Assim, a nova
gestão frustrou os “inúmeros grupos envolvidos no processo de emancipação cultural” iniciado
em 2003 e que resultou no “acolhimento entusiástico de uma vasta gama de manifestações
antropológicas, tradicionais como modernas, regionais como nacionais, locais como globais,
deu direito de cidadania e densidade politica a vários conceitos novos” 18.
Além da condução equivocada da política cultural, a ministra e sua equipe, segundo
avalia o documento, seriam inábeis na sua relação com os agentes culturais, despreparadas para
o embate e o diálogo, vistos como algo pessoal e não como um processo inerente ao exercício da
democracia. Para esses intelectuais, houve perda de visibilidade e de nitidez na política cultural,
tendo preponderado a pauta negativa alimentada por meio do noticiário, levando à constatação,
por parte da opinião pública, da falta de comprometimento com as conquistas recentes. O
resultado teria sido um “perigoso isolamento” do MinC. Diante desse contexto, o documento
reivindica que a presidenta, detentora do poder de nomear seus ministros e com um governo
com alto índice de aprovação, não se submeta aos jogos de acomodação partidária e retome o
“projeto de país” traçado anteriormente pelo MinC.

15
Disponível em http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bastidores-uma-ministra-isolada-e-em-busca-de-
-apoio-na-classe-cultural,716244. Acesso em 05.ago.2015.
16
Disponível em http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/09/11/apos-serie-de-desgastes-ana-de-
-hollanda-deixa-ministerio-da-cultura.htm . Acesso em 05.agosto.2015
17
Assinam o documento Marilena Chauí, Eduardo Viveiros de Castro, Suely Rolnik, Laymert Garcia dos Santos,
Gabriel Cohn, Manuela Carneiro da Cunha e Moacir dos Anjos.
18
Disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,despreparo-e-dolorosamente-evidente-dizem-inte-
lectuais-sobre-gestao-do-minc,850226#. Acesso em 28.10.2015.

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É premente, portanto, que ela indique “um ministro da cultura à altura do que requer
este cargo, em vista da importância do Brasil no cenário mundial contemporâneo”. O seu perfil
é o de uma “liderança suprapartidária e democrática”, capaz de “garantir um pulso firme e uma
capacidade de gestão dinâmica”. O documento encerra afirmando a responsabilidade não apenas
dos autores do documento, mas de os agentes culturais do país, em apoiar o “futuro portador
desta inteligência de qualidade cultural” 19.
O capital político e cultural dos que assinam a carta, bem como as argumentações expostas
qualificam o documento como uma importante jogada da oposição e intensificam o sentimento
de crise. Ao mesmo tempo, apontam para a sua solução: a nomeação de um novo ministro. O
que de fato ocorreria sete meses depois com a nomeação da senadora Marta Suplicy20.

3. CONCLUSÃO
Segundo Pasquino (2000), é, em geral, o nível da relação entre governo e sociedade o
elemento determinante da crise do primeiro, o que resulta da sua falta de representatividade e de
sua legitimidade, posto que é rejeitado por fortes setores sociais; e da ineficácia em responder a
esse contexto de perda, levando ao imobilismo. Como se observou, a gestão Ana de Hollanda
gerou um déficit de representatividade e legitimidade, ao contrário do que ocorreu nas gestões
anteriores, e não teve a capacidade de dar respostas eficazes, gerando uma insatisfação que se
generalizou, configurando-se, portanto, como uma “crise governamental”
Quando falo em “crise governamental” certamente não estou me referindo ao governo
como um todo, mas a um de seus subcampos, no caso, o da cultura. Mas, ainda que restrita a um
setor, foi sentida em outros subcampos do Estado e gerada tanto por fatores internos, quanto pela
interação do Ministério com a sociedade. Os primeiros se referem à heterogeneidade de posições
no interior do governo Dilma e, mais especificamente, no MinC na composição da crise. No caso
da interação, aconteceu que Hollanda não conseguiu dar um retorno satisfatório aos inúmeros
questionamentos feitos pelos agentes politico-culturais e midiáticos. O que resultou em uma
crise multissetorial inserida em uma conjuntura política fluida.
Em outras palavras, ainda que detentora de meta-capital e do poder de nomeação, a
ministra não soube avaliar o que estava em jogo e as disputas internas ao Estado e ao campo
cultural e suas relações daí decorrentes. Dessa forma, não pôde exercer o papel de mediadora

19
Disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,despreparo-e-dolorosamente-evidente-dizem-inte-
lectuais-sobre-gestao-do-minc,850226#. Acesso em 28.10.2015.
20
Este último movimento no que diz respeito ao processo crítico vivenciado pelo MinC procurou também solu-
cionar outros embates, estes no plano da política eleitoral. Segundo noticia a imprensa, a ida da senadora para o
Ministério ocorreria em troca de seu apoio à candidatura do PT do ex-ministro de Educação do governo Dilma,
Fernando Haddad, para a cidade de São Paulo. Isso porque Suplicy também postulou ocupar esse espaço e perdeu
a disputa interna ao partido. A esse respeito ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2012/09/1151790-marta-ne-
ga-que-ministerio-seja-compensacao-por-ajuda-a-haddad.shtml

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dos dissensos. Pelo contrário, suas jogadas só fizeram acirrar os conflitos e as mobilizações de
oposição, muitas vezes tornando adversários certos agentes que, em um primeiro momento,
não possuíam tal posição. A “carta dos intelectuais”, nesse sentido, foi decisiva, pois assinada
por agentes que, se não faziam parte do MinC, eram reconhecidos pelo núcleo central do poder
estatal, a exemplo de Marilena Chaui. E nem participaram da primeira onda de mobilização
formada pelos ativistas da cultura digital e das redes socais, de modo que, e ao aderirem ao jogo,
trouxeram novos recursos e interesses.
No entanto, como poderia se supor, este período não significou a desorganização de “antigos
interesses, posições de status e convicções gastas pelo tempo”, encastelados há muito no poder e
em choque com “novos interesses, novas postulações e ideias, criando um clima de confusão e
reorganização”, contexto típico dos momentos críticos (NOGUEIRA, 2015, p. 217). O que se deu
foi justamente o contrário: nos governos Lula, o MinC foi gerido por novas ideias e postulações e
a gestão de Hollanda teria sido uma tentativa de retorno a antigos interesses, status e convicções,
o que provocou a reação de setores renovadores do campo cultural brasileira e a consequente crise
governamental. Essa foi a principal especificidade da crise da gestão Ana de Hollanda.

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TRATADO DE MARRAKESH NO PLANO NACIONAL DE CULTURA:


INCLUSÃO CULTURAL E CIDADANIA
Allan Rocha de Souza1
Alexandre de Serpa Pinto Fairbanks2

RESUMO: A efetivação do direito de acesso à cultura em suas diversas manifestações, nos


planos nacional e internacional, é uma das finalidades do Plano Nacional de Cultura, conforme
expresso em vários dos objetivos específicos. O Tratado de Marrakesh foi uma bem sucedida
iniciativa liderada pelo Brasil junto à Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Seu
objetivo é estabelecer limitações mandatórias aos direitos autorais a fim de prover acesso à
leitura aos portadores de deficiência visual. Sua efetivação no ordenamento jurídico nacional foi
concluída em novembro de 2015, quando recebeu o status de Emenda Constitucional. Analisar
preliminarmente a reverberação de seus efeitos no sistema jurídico nacional, na Lei de Direitos
Autorais e na interpretação das limitações e exceções são os objetivos deste estudo.

PALAVRAS-CHAVE: Acesso à Cultura, Direito Autoral, Tratado de Marrakesh, Limitações.

1. INTRODUÇÃO
O Tratado de Marraqueche tem por finalidade estabelecer limitações obrigatórias aos
direitos autorais para fins de garantir o acesso à cultura das pessoas portadoras de deficiências
visuais. Ratificado pelo Brasil no final de 2015 e internalizado com status de Emenda Constitu-
cional, passa a fazer parte do núcleo central de direitos fundamentais submetidos à proibição de
retrocesso expressa pela sua caracterização como cláusula pétrea da Constituição Federal. Sua
conclusão representa o cumprimento bem sucedido de algumas das ações referentes aos direitos
autorais incluídas no Plano Nacional de Cultura.

1
Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto e Pesquisador de Di-
reito Civil e Propriedade Intelectual no Curso de Direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Instituto
Três Rios. Professor Permanente e Pesquisador de Políticas Culturais e Direitos Autorais no Programa de Pós-Gra-
duação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento na UFRJ (PPED/IE/UFRJ). Coordenador do Núcleo
de Pesquisas em Direito, Artes e Políticas Culturais (NEDAC). E-mail: allanrsouza@gmail.com . CV Lattes: http://
lattes.cnpq.br/5178459691896082
2
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Instituto Três Rios. Pesquisa-
dor do Núcleo de Pesquisas em Direito, Artes e Políticas Culturais (NEDAC). E-mail: alexandre_spf@hotmail.com
. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/8954789495709084

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Por ser o Tratado ainda muito recente, seus efeitos ainda estão por ser concretizados
nas práticas, porém já podem vislumbrados, projetados e até mesmo demandados, em especial
no que concerne às políticas públicas e institucionais de acessibilidade cultural, notadamente
às pessoas portadoras de deficiências. Em que pese a finalidade do Tratado de Marraqueche de
atender especificamente os portadores de deficiências visuais, portadores de outros tipos de de-
ficiência – como auditivas, por exemplo - encontram-se amparados pelo Tratado da ONU para
inclusão dessas pessoas em todos os níveis, inclusive culturalmente.
Explorar seus efeitos no ordenamento jurídico é o objetivo principal deste trabalho. E a
questão-chave a ser enfrentada é como a internalização deste tratado pode impactar legislação
de direitos autorais brasileira e a interpretação das limitações. Para isso, em primeiro lugar é en-
frentado o problema dos direitos culturais e sua vinculação com o acesso à cultura e os direitos
fundamentais e seu reflexo no Plano Nacional de Cultura. A seguir, são apresentados os trâmites
e procedimentos do processo legislativo de internalização do Tratado, bem como seu status no
ordenamento jurídico nacional. Ao final, são discutidos os efetitos sobre os direitos autorais e a
interpretação das limitações, tendo como base teórica os paradigmas da eficácia horizontal dos
direitos fundamentais.

2. OS DIREITOS CULTURAIS E OS VALORES CONSTITUCIONAIS 3


A experiência cultural é um dos pilares formadores da pessoa e conditio sine qua non
para o desenvolvimento integral de sua personalidade, pois, a partir destas, são elaboradas e re-
elaboradas as visões e construídos os universos simbólicos com os quais o mundo é apreendido.
O caráter constitutivo das experiências culturais remete ao princípio da dignidade da pessoa
humana. O sentimento de pertencimento a uma comunidade, consequência das experiências
culturais comuns, e de valoração positiva deste vínculo são pressupostos reconhecidos para a
plena cidadania.
Os direitos culturais promovem o desenvolvimento pessoal para uma existência digna,
a construção das identidades, a inclusão e exercício da cidadania cultural, a capacitação para o
diálogo intercultural e o crescimento socialmente sustentável. Todas estas circunstâncias intera-
gem na justificação e informam o conteúdo dos direitos culturais.
A amplitude dos efeitos pessoais e sociais dos direitos culturais indica que não há como
cumprir os objetivos fundamentais da República de edificação de uma sociedade livre, justa e
solidária, de assegurar o desenvolvimento inclusivo e promoção do bem geral sem a sua má-
xima concreção. Por este motivo, na identificação de seu conteúdo normativo, parte-se de dois

3
Para aprofundamento nos contornos e conteúdo dos direitos culturais, permita-nos indicar a apreciação direta do
trabalho original: SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos autorais e as obras audiovisuais cinematográficas: entre a
proteção e o acesso. Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Tese de Doutorado, 2010. Ou ainda SOUZA, Allan
Rocha de. Direitos Culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2012.

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pressupostos básicos: (i) os direitos culturais são direitos fundamentais; e (ii) são normatizados
e dotados de efetividade no ordenamento jurídico brasileiro.
E, a partir da análise dos dispositivos da Constituição Federal do Brasil de 1988 e dos
Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, complementada pela apre-
ciação das motivações expostas nas decisões judiciais destacadas e pelo exame das contribuições
da doutrina especializada, identificou-se que os direitos culturais são constituídos, em primeiro
lugar, do direito à livre participação na vida cultural e objetivem, principalmente, assegurar a
todos o seu pleno exercício. Mas são também nuclearmente compostos pelos direitos de acesso
e fruição das fontes, bens e patrimônio culturais; à identidade, pluralidade e diversidade cultural;
a um patrimônio cultural rico, valorizado e protegido.
Estes são os direitos culturais stricto sensu, conforme estabelecido no trabalho men-
cionado, e formam um conjunto de direitos interdependentes, vinculados ao objetivo maior de
assegurar a livre participação na vida cultural e garantir o seu pleno exercício. Seus sentidos se
complementam e suas aplicações se entrelaçam, reproduzem em sua normatização a dinâmica
particular de seu objeto, projetam-se por todo o ordenamento e refletem todas as dimensões dos
direitos fundamentais, mas enraízam-se no direito de igualdade. E a igualdade cultural é condi-
ção para o diálogo e convivência harmoniosa e o diálogo efetivamente livre é essencial em uma
sociedade plural.
O direito de todos ao pleno exercício dos direitos culturais, objetivo máximo de sua efeti-
vidade, implica, por ser informado pelas disposições dos tratados internacionais, no direito à livre
participação na vida cultural, pois só diante desta possibilidade é possível exercê-los plenamente.
A participação deve ser livre em razão do próprio pluralismo, assegurado constitucionalmente, e
da diversidade, amparada internacionalmente.
O principal efeito participação na vida cultural é impedir a exclusão involuntária da
própria participação. O aspecto negativo da participação só pode ser exercido pela recusa vo-
luntária em participar ativamente da vida cultural, e jamais pode ser imposta a participação,
por quaisquer poderes, sejam públicos ou privados. Deve-se notar que esta recusa em si, por
implicar em uma decisão individual relacionada à cultura, é uma participação na vida cultural.
Pela sua essencialidade, a restrição à participação só excepcionalmente e justificadamente pode
ser efetuada.
Assegurar materialmente a todos o direito de livre participação e o pleno exercício ga-
rante as condições para a emancipação e formação cultural, com efeitos cumulativos positivos
sobre a formação pessoal e social, condições para o exercício da cidadania, democracia e inclu-
são culturais, conforme estabelecido nos fundamentos e objetivos da República.
A porta de entrada para o exercício dos direitos culturais e livre participação na vida cul-
tural é o direito de acesso à cultura. Mas, para garantir o livre acesso, é necessária a preservação

130
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políticas culturais
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de espaços e condições existentes, além da constituição de novos, que permitam a livre e plena
manifestação, criação e circulação dos bens culturais. Estes são de natureza material (e.g.: equi-
pamentos e financiamento) e imaterial (e.g.: conhecimento, viabilidade técnica ou possibilidade
jurídica), e necessariamente implicam na preservação e ampliação do espaço jurídico necessário
para que, de fato, seja assegurada a livre participação cultural, condição para o pleno exercício
dos direitos culturais. Impõe-se, portanto, a democratização das condições econômicas, jurídi-
cas e sociais para a livre prática cultural.
A ampla acessibilidade aos bens culturais corrobora, ainda, para permitir a livre constru-
ção das identidades, elemento de constituição da existência social da pessoa, caracterizando-se
os direitos culturais como um verdadeiro direito existencial social. Deste modo, o direito à
identidade integra corporifica-se como justificativa principal das garantias de livre participação
e pleno exercício destes direitos. O direito à identidade cultural é um importante elemento da
dignidade humana.
O direito a um patrimônio cultural rico, valorizado e protegido corrobora a noção de
participação cultural e justifica os investimentos públicos na sua conservação, promoção e os
incentivos à produção de bens que venham a integrar-lhe. Este direito é complementar ao direito
de acesso e seu contínuo robustecimento consubstancia a livre participação cultural, e, conse-
quentemente, o pleno exercício destes direitos.
A construção deste patrimônio coletivo deve obedecer à pluralidade e diversidade, tendo
por referência os vários grupos participantes da nação, e respeitar as várias formas brasileiras
de ser e se expressar. O acesso livre serve também para garantir a liberdade de participação nas
diversas manifestações culturais e o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas.
A pluralidade é um elemento determinante dos direitos culturais. A convivência social e
o diálogo, em vista ao progressivo entendimento e mesmo integração, viabilizam e reforçam a
diversidade de formas de ser e se manifestar. Neste cenário, não há espaços para a exclusão. A
discriminação afeta diretamente o direito à pluralidade e diversidade, ofende frontalmente os di-
reitos culturais e atinge, também, o direito à identidade, na medida da rejeição à forma particular
de ser e viver. O direito à igualdade prepondera na rejeição e criminalização da discriminação,
mas é reforçado pelos direitos culturais ao pluralismo e à identidade.
E sendo o patrimônio constituído também pelas expressões artísticas e científicas e o
acesso a ponte para a participação na vida cultural e o efetivo exercício dos direitos culturais, não
parece razoável imaginar os direitos autorais separados dos direitos e fundamentação cultural –
nem nos aspectos pessoais, ou mesmo a proteção empresarial e até transmutação digital, com seus
novos objetos e interesses distintos, como nos alertou Ascensão (ASCENSÃO, 2006, passim).
O teor dos direitos culturais informa e fundamenta o conteúdo dos direitos autorais, e
influencia os direitos de liberdade de expressão e manifestação, comunicação e não discrimina-

131
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ção. Às vezes contrapõem-se, em outras se complementam. Ora reforçando, ora limitando, mas
sempre legitimando o exercício e as limitações destes direitos.
Em 2005, com a Emenda Constitucional 48, foi acrescido o parágrafo 3º ao artigo 215 da
Constituição Federal, estabelecendo a criação de um Plano Nacional de Cultura, com a finalida-
de de integrar as ações e políticas governamentais e visando o desenvolvimento cultural do país.
Em parte, o conteúdo do Plano Nacional de Cultura4 (PNC) foi o resultado das Con-
ferências Nacionais de Cultura ocorridas no decorrer da primeira década do século XXI. Foi
promulgado em dezembro de 2010, com o objetivo de direcionar as ações do Estado pelos 10
anos subsequentes, sendo o Ministério da Cultura a principal - mas não única - instituição res-
ponsável por transformar tais objetivos em ações. O PNC institui princípios5 e objetivos6 que
afetam diretamente a normatização dos direitos autorais, além de, dentre as estratégias e ações,
estabelecer diversas ações diretamente ligadas aos direitos autorais.
Quatro disposições do PNC são particularmente relevantes para os objetivos deste tra-
balho: 1.97; 1.9.48; 1.9.149; 1.9.1510. Este conjunto pode ser dividido em dois grandes comandos
normativos: (a) equilibrar os interesses entre a exclusividade atribuída aos titulares de direitos
autorais e o direito de acesso à cultura pelos cidadãos; (b) projetar os interesses nacionais nos
organismos internacionais e promover a revisão das regras internacionais a fim de reduzir as de-
sigualdades entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A conclusão e ratificação do Tratado de Marraqueche alcançam, em conjunto, estes dois
objetivos, ao promover o equilíbrio entre os interesses econômicos privados dos titulares e o
público, sejam coletivos ou difusos, tanto nos planos nacional como internacional. E ainda pro-
move o acesso à cultura como direito fundamental, no caso como representação do princípio
da igualdade substancial. E o processo de internalização do Tratado de Marraqueche na ordem
jurídica nacional será esmiuçado logo a seguir.

4
BRASIL. Lei n. 12.343, de 02 de dezembro de 2010. Plano Nacional de Cultura. Disponível em: http://www.
cultura.gov.br/documents/10907/963783/Lei+12.343++PNC.pdf/e9882c97-f62a-40de-bc74-8dc694fe777a Aces-
so em 10 fev. 2015.
5
Ibid. Art. 1º: Fica aprovado o Plano Nacional de Cultura, em conformidade com o § 3º do art. 215 da Constitui-
ção Federal, constante do Anexo, com duração de 10 (dez) anos e regido pelos seguintes princípios: I - liberdade de
expressão, criação e fruição; IV - direito de todos à arte e à cultura.
6
Ibid. Art. 2º: São objetivos do Plano Nacional de Cultura: V - universalizar o acesso à arte e à cultura.
7
Ibid. 1.9 Fortalecer a gestão pública dos direitos autorais, por meio da expansão e modernização dos órgãos
competentes e da promoção do equilíbrio entre o respeito a esses direitos e a ampliação do acesso à cultura.
8
Ibid. 1.9.4 Adequar a regulação dos direitos autorais, suas limitações e exceções, ao uso das novas tecnologias
de informação e comunicação.
9
Ibid. 1.9.14 Promover os interesses nacionais relativos à cultura nos organismos internacionais de governança
sobre o Sistema de Propriedade Intelectual e outros foros internacionais de negociação sobre o comércio de bens
e serviços.
10
Ibid. 1.9.15 Qualificar os debates sobre revisão e atualização das regras internacionais de propriedade inte-
lectual, com vistas em compensar as condições de desigualdade dos países em desenvolvimento em relação aos
países desenvolvidos.

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3. A RATIFICAÇÃO DO TRATADO DE MARRAQUECHE NO BRASIL E A


INCLUSÃO CULTURAL DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIAS
O Tratado de Marraqueche, primeiro a estabelecer limitações mandatórias, entrará em
vigor três meses após o depósito dos instrumentos de ratificação ou adesão de 20 países elegí-
veis. Até o fim do ano de 2015, treze países o fizeram. O Brasil, que foi um dos principais pro-
ponentes e negociadores deste Tratado, depositou sua ratificação em 11 de Dezembro de 2015,
após processo legislativo interno de um ano. Relevante e interessante neste processo é o fato de
ter sido ratificado com status de Emenda Constitucional, em consonância com o estabelecido na
Constituição Federal após 2004.
A Emenda Constitucional número 45 de dezembro de 2004 (EC 45/04), com intuito de
sanar a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da hierarquia dos tratados internacionais de
Direitos Humanos no ordenamento brasileiro (CANOTILHO [et al.], 2013, p.519), acrescentou,
dentre outros dispositivos, o § 3º ao art. 5º11 da Constituição Federal de 1988, que estabelece o pro-
cedimento necessário para estes tratados obterem o status de direitos fundamentais constitucionais.
Desde então, equivalem a emendas constitucionais aqueles tratados e convenções inter-
nacionais sobre direitos humanos que internalizados de acordo com os seguintes trâmites: (1)
celebração pelo Presidente da República (art. 84, VIII12 da Constituição Federal de 1988); (2)
aprovação pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, em dois turnos, em cada Casa, por
três quintos dos votos da totalidade dos respectivos membros, com a edição do correspondente
decreto legislativo (art. 5º, § 3º 13, c/c art. 49, I14 da Constituição Federal de 1988), (3) ratificação
pela Presidência da República; e, por último, (4) a promulgação e publicação de seu texto via
decreto do Presidente da República.
Ocorre que, segundo algumas correntes doutrinárias, o referido § 3º do artigo 5º acres-
centa apenas eficácia formal a esses tratados, uma vez que o art. 5º, § 2º 15 da Constituição Fe-
deral de 1988 estabelece a abertura para o “Bloco de Constitucionalidade”, isto é, não se pode
considerar que os Direitos e Garantias Fundamentais devem estar taxativamente enumerados

11
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
12
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repú-
blica: “VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.
13
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
14
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 49: “É da competência exclusiva do Congresso
Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
15
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Cons-
tituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.

133
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no título II da Constituição para que possuam eficácia (CANOTILHO [et al.], 2013, pp. 513-
523). Deste modo, os tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil têm
status materialmente constitucional independente de quórum, posto que, como são corolários da
própria à dignidade da pessoa humana, “em vista da sua importância, não podem ser deixados à
disponibilidade do legislador ordinário” (MENDES, 2012, p. 195).
Cabe afirmar, que, há poucos anos atrás, todos os tratados ratificados e internalizados no
ordenamento jurídico brasileiro estavam em mesmo grau hierárquico da legislação ordinária,
fazendo com que os tratados de direitos humanos não possuíssem primazia quando comparados à
legislação infraconstitucional16. O marco teórico para a mudança de paradigma foi o Recurso Ex-
traordinário 466.343 impetrado no Supremo Tribunal Federal (STF) em 12 de março de 2008, de
relatoria do então Ministro Cezar Peluso e capitaneado pelos votos dos Ministros Gilmar Mendes
e Celso de Mello, que considerou, majoritariamente17, revertendo a jurisprudência anteriormente
estabelecida por este mesmo Tribunal, que os tratados e convenções internacionais ratificados
pelo Brasil antes da EC 45/04, que versam sobre direitos humanos, têm eficácia supralegal.
Cabe por bem ressaltar, que há quatro propostas teóricas divergentes acerca do status
dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico nacional. A primeira
reconhece a natureza supraconstitucional destes tratados, atribuindo-lhes valor hierárquico
acima da Constituição; a segunda proposição reconhece estes instrumentos como constitucio-
nais, independente dos procedimentos para sua ratificação; uma terceira proposta atribui-lhes
o caráter de lei ordinária; e, por fim, a posição que considera o status supralegal destes trata-
dos, que embora abaixo da Constituição encontram-se acima das normas infraconstitucionais.
Para resolver o conflito, que consistia em decidir com base em qual das teorias supra-
citadas o Pacto de San Jose da Costa Rica e demais Tratados de Direitos Humanos deveriam
ser internalizados no ordenamento jurídico pátrio, duas delas se sobressaíram: a proposta
de supralegalidade baseada no voto do Min. Gilmar Mendes, e a proposta de equivalência
constitucional, defendida no voto do Min. Celso de Mello. A primeira afirmando o caráter
hierárquico supralegal e a segunda o caráter constitucional. O STF, então, reconheceu que, por
versar sobre direitos e garantias fundamentais, este tratado (assim como os demais da mesma

16
Até então, a jurisprudência dominante previa que os tratados internacionais que fossem incorporados ao orde-
namento jurídico brasileiro continham o mesmo nível hierárquico das leis federais comuns. O caso paradigmático
foi o Recurso Extraordinário n. 80.004, julgado em 01 de junho de1977. Esta posição – de equivalência entre os
tratados internacionais em geral e as leis federais ordinárias - fora reiterada após o advento da Constituição de 1988,
na ADI nº 1.480-3-MC/DF de 18 de maio de 2001, de relatoria do Min. Celso de Mello. Disponível em: <www.stf.
jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
17
Em decisão apertada, por cinco votos a favor, quatro contrários e uma abstenção, a maioria decidiu votar pela su-
pralegalidade dos tratados que versam sobre direitos humanos, acompanharam o votos do Mininstro Gilmar Mendes
os Ministros: Carlos Ayres Britto; Carmén Lúcia; Menezes Direito e o Ricardo Lewandowski. Do outro lado, acom-
panhando o Ministro Celso de Mello, sustentaram a tese da qualificação constitucional destes tratados os Ministros:
Cesar Peluso; Ellen Gracie e Eros Grau. Votação disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.

134
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Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016

natureza) encontra-se em posição hierarquicamente superior à legislação infraconstitucional,


mas não no mesmo nível da constituição18, em razão dos procedimentos estabelecidos pela
EC 45/04. A decisão, ao final, foi no sentido da incompatibilidade da norma que estabelece a
prisão do depositário infiel com o sistema jurídico brasileiro por inconstitucionalidade. Nas
palavras do relator para o Acórdão, Min. Gilmar Mendes,
Diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que
cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a
sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento
de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a efi-
cácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucio-
nal com ela conflitante.19
E conclui que
Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos inter-
nacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja
conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por
exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002).20
Em síntese, o Decreto Federal nº 67821 de novembro de 1992, de incorporação ao orde-
namento pátrio o Pacto de San Jose da Costa Rica, não permitia a prisão do depositário infiel,
conflitando, então, com o art. 65222 do Código Civil vigente. E, em decorrência desta decisão,
foi editada a Súmula Vinculante n. 2523, entendendo, no caso em questão, que a liberdade e a
dignidade da pessoa humana são valores que normativamente se sobrepõem à garantia de crédi-
to, paralisando, com isso, a eficácia jurídica da norma ordinária e tornando inócuo a previsão do
art. 5º, LXVII24, da Constituição Federal.

18
O Ministro Gilmar Mendes ressaltou em seu voto que os tratados não poderiam ser equiparados às emendas
enquanto não fossem aprovados nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, já o Ministro Celso
de Mello, no voto vencido, afirmava, que, devido ao fato do tratado versar sobre garantia de direitos humanos, este
deveria ser equiparado materialmente, em seu conteúdo, independente do quórum de votação, aos Direitos Funda-
mentais em decorrência do§ 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988.
19
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 466.343/SP. Tribunal Pleno. Relator: Min. Cezar
Peluso, Brasília, 12 de março de 2008, pg. 55. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
20
Ibid.
21
BRASIL. Decreto n. 678 de 1992. Ratifica o Pacto de San Jose da Costa Rica. Disponível em: < http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 13 fev. 2016.
22
BRASIL. Código Civil. Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir
quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.
23
BRASIL. Súmula 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
24
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a
do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

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VII Seminário Internacional

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No ano de 2008, o Brasil ratificou o Tratado da Organização das Nações Unidas (ONU)
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência25, bem como seu protocolo facultativo, que re-
conhece o direito do indivíduo ou grupo de indivíduos apresentarem queixa ao Comitê dos
Direitos das Pessoas com Deficiência. Por versar sobre direitos humanos com aprovação de
três quintos dos membros de cada casa do Congresso Nacional, conforme procedimento es-
tabelecido pela EC 45/04, este tratado foi internalizado com status de emenda constitucional,
sendo incorporado como cláusula pétrea, isto é, devido a sua importância no Estado Demo-
crático de Direito, limitam o legislador ordinário “assegurando a imutabilidade de certos va-
lores” (MENDES, 2012, p. 139), tendo por base legal o art. 60 § 4º26 da Constituição Federal
de 1988.
Relacionado ao Tratado de Marraqueche em razão de seu conteúdo, o Tratado da ONU
estabelece em seu artigo 30 a obrigação de garantir a disponibilidade de bens culturais em for-
matos acessíveis, e, nesse sentido, estabelece deveres que vão além das metas restritas do Tra-
tado de Marraqueche, uma vez que não se limita nem ao material impresso nem em benefício
unicamente das pessoas com deficiência visual, mas alcança, basicamente, pessoas portadoras
de qualquer deficiência e todos os tipos de expressões culturais.
Após a aprovação do Tratado da ONU, sua efetivação ocorreu com a promulgação de
lei federal para a ampla inclusão de pessoas com deficiência, que entrou em vigor a partir de 04
de janeiro de 2016, atingindo os domínios cultural e tecnológico. A Lei n. 13.146 27 estabelece,
em seu artigo 42, garantias com relação ao direito de acesso aos produtos culturais em formatos
acessíveis. E, ainda mais interessante, em seu parágrafo 1o, afirma que “é vedada a recusa de
oferta de obras intelectuais em formatos acessíveis às pessoas com deficiência, sob qualquer
argumento, incluindo a alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual”.
Em 04 de novembro de 2014, logo após as eleições presidenciais, assegurando o se-
gundo mandato da Presidenta Dilma Roussef, foi enviado o texto do Tratado de Marraqueche
ao Congresso Nacional para apreciação. Na Câmara dos Deputados (513 assentos) o tratado
foi apresentado às Comissões de Relações Exteriores; Pessoas com deficiência; Cultura; e de
Constituição e Cidadania, onde recebeu recomendação de aprovação como Emenda Constitu-
cional. Na primeira das duas rodadas de votação, em 20 de Agosto, 2015, alcançou 341 votos

25
BRASIL. Decreto Federal nº 6.949. Ratifica o Tratado da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm >. Acesso em:
13 fev. 2016.
26
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 60: “A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de
Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias
individuais”.
27
BRASIL. Lei n. 13.146, de 06 de julho de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13146.htm Acesso em: 13 fev. 2016.

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a favor e apenas um contra. Ele foi finalmente aprovado por unanimidade pelos 452 represen-
tantes em 08 de setembro, na segunda rodada de votação28. Uma vez no Senado (81) assentos,
foi enviado à Comissão de Relações Exteriores, cujo parecer foi aprovado. Em 24 de novem-
bro, 2015, o Tratado foi aprovado por unanimidade na primeira rodada por 57 senadores e por
52 no segundo turno29. Em primeiro de dezembro de 2015, o presidente assinou a ratificação
do Tratado, com o estatuto de Emenda Constitucional.
Este é um importante passo no respeito e na valorização da dignidade, liberdade e auto-
nomia individual, pois, intentando a máxima inclusão dos deficientes, acaba por forçar os entes
federativos a criar políticas públicas capazes de repreender a discriminação e fomentar um pro-
gresso social isonômico que permita, não de forma meramente formal, o pleno desenvolvimento
de todos.

4. O TRATADO DE MARRAQUECHE E OS DIREITOS AUTORAIS:


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos fundamentais compõem o núcleo central e irrevogável da Constituição
Federal de 1988, espraiando seus efeitos por todo o ordenamento jurídico nacional, afetando
a interpretação e aplicação de todas as demais normas jurídicas, afetando seus significados, e
pautando as ações e políticas públicas e institucionais.
Incorporados como Emendas Constitucionais, tanto o Tratado de Marraqueche como
o Tratado da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, passam então a fazer parte
deste núcleo essencial e, necessariamente seus efeitos irão reverberar por todo o ordenamento.
Dentre os efeitos principais relacionados ao objeto deste trabalho estão seus efeitos sobre a lei
de direitos autorais, em especial no que diz respeito às limitações a estes direitos que determi-
nam os usos livres que podem ser feitos de obras protegidas sem necessidade de autorização
prévia ou remuneração.
As limitações aos direitos autorais são um ponto de equilíbrio entre os interesses dos
titulares, sejam autores ou organizações empresariais, e o interesse público, da sociedade e dos
cidadãos. Elas representam a ponderação entre os diversos direitos fundamentais. São essenciais
para a viabilidade e saúde do sistema. Exemplo claro desta posição é o julgamento do Recurso
Especial n. 964.404 30 em 2011 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que enfrentou a questão

28
Para uma visão mais detalhada de todo o processo legislativo na Câmara dos Deputados ver: http://www.
camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao;jsessionid=08E717E21A4E2AEEAFBD274F67703651.propo-
sicoesWeb1?idProposicao=1228455&ord=0 Acesso em 12 fev. 2015.
29
Para uma visão mais detalhada de todo o processo legislativo no Senado Federal ver: http://www25.senado.leg.
br/web/atividade/materias/-/materia/123103 Acesso em 12 fev. 2015.
30
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 964.404 – ES. Terceira Turma. Relator: Ministro Paulo
de Tarso Sanseverino. Brasília, 15 de março de 2011. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 10 fev. 2015.

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das limitações dos direitos autorais, firmando uma diretriz para a padronização da interpretação
da legislação federal, tendo sustentado sua decisão justamente na necessidade de harmonização
entre os direitos fundamentais constitucionais de proteção aos direitos autorais e os demais di-
reitos humanos, em especial os referentes à educação e cultura.
Reconheceu o tribunal que a interpretação de qualquer norma deve considerar o conjun-
to normativo e não as regras especificamente aplicadas e, neste sentido, indicou que o ministro
relator reconheceu que a efetividade da proteção do artigo em comento só seria possível após o
“reconhecimento das restrições e limitações a ela opostas pela própria lei especial”, pois
O âmbito efetivo de proteção do direito à propriedade autoral (art. 5º,
XXVII, da CF) surge somente após a consideração das restrições e li-
mitações a ele opostas, devendo ser consideradas, como tais, as resul-
tantes do rol exemplificativo extraído dos enunciados dos artigos 46,
47 e 48 da Lei 9.610⁄98, interpretadas e aplicadas de acordo com os
direitos fundamentais.
Deste modo, sobre as limitações aos direitos autorais – arts. 46, 47 e 48 da Lei 9.610/98
–, entendeu o Tribunal que essas possuem necessariamente caráter exemplificativo. Aduziu que
as limitações são representações da importância e da valorização de direitos e garantias funda-
mentais pelo legislador ordinário em face dos direitos autorais, pois, afinal, “valores como a cul-
tura, a ciência, a intimidade, a privacidade, a família, o desenvolvimento nacional, a liberdade
de imprensa, de religião e de culto devem ser considerados quando da conformação do direito à
propriedade autoral”.
Nesta perspectiva, as limitações são o “resultado da ponderação destes valores em de-
terminadas situações, não se pode considerá-las a totalidade das limitações existentes” e que
a adoção de entendimento contrário ao caráter exemplificativo das limitações aos direitos do
autor, conduziria, em determinados casos, à violação de direito ou garantia fundamental e “ao
desrespeito do dever de otimização dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, §1º, da CF),
que vinculam não só o Poder Legislativo, mas também o Poder Judiciário”. Daí a
Necessidade de interpretação sistemática e teleológica do enunciado
normativo do art. 46 da Lei n. 9610⁄98 à luz das limitações estabelecidas
pela própria lei especial, assegurando a tutela de direitos fundamentais
e princípios constitucionais em colisão com os direitos do autor, como a
intimidade, a vida privada, a cultura, a educação e a religião.
O processo de inclusão cultural é um reflexo do direito à igualdade, sendo instrumento
promocional da cidadania e democracia cultural e sustentáculo da dignidade humana. A amplia-
ção e concretização do direito de acesso à cultura é o elemento chave para realização da desejada
inclusão cultural. Com a ratificação dos novos tratados, conforme exposto neste artigo, o direito
de acesso à cultura adquire um novo e renovado fôlego, demandando que as ações e políticas
públicas e legislativas se adequem e correspondam ao status qualificado deste Direito.

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Uma das formas de assegurar a efetividade do acesso à cultura é pela expansão das
limitações aos direitos autorais que, como visto, é resultado da ponderação entre os direitos
fundamentais em potencial colisão. As limitações são utilizações legais de obras protegidas que
não precisam de remuneração nem autorização prévia dos titulares. No sentido de otimização do
direito de acesso à cultura são exigidas ações de todos os poderes, pois os deveres te otimização
obrigam os poderes executivo, legislativo e judiciário.
Aos poderes executivos, em especial o federal, cabe a liderança na efetiva aplicação e
perseguição dos objetivos e ações previstos no Plano Nacional de Cultura, mormente (1) a ex-
pansão das limitações com vistas ao equilíbrio entre os interesses privados dos autores e titula-
res; (2) a ampla digitalização e disponibilização do domínio público; (3) a inclusão de licenças
abertas nas produções financiadas pelo Poder Público; (4) a exigência de disponibilidade de
formatos acessíveis. Ao Poder Legislativo cabe principalmente emendar a legislação pertinente
de forma a assegurar a objetivação legislativa do direito de acesso à cultura, com a ampliação
das limitações e, principalmente, inclusão de uma cláusula geral de limitações, tão necessária à
sustentabilidade do próprio sistema de proteção aos direitos autorais.
Por fim, cabe ao Judiciário promover uma interpretação consistente com a necessária
ponderação entre a exclusividade autoral e o acesso à cultura, reafirmando a jurisprudência
encampada pelo STJ e STF, consolidando a interpretação sistemática e teleológica das limita-
ções e, com isso, solidificando o entendimento de que estas limitações hão de ser interpretadas
extensivamente e os usos livres expressos na legislação são apenas exemplos de usos livres, e
não a totalidade deles.

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8dc694fe777a Acesso em 10 fev. 2015.

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BRASIL. Lei n. 13.146, de 06 de julho de 2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_


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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 964.404 – ES. Terceira Turma. Relator:
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, 15 de março de 2011. Disponível em: <www.stj.jus.br>.
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CANOTILHO,J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; Streck, Lenio Luiz
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VARELLA, Guilherme. Plano Nacional de Cultura: direitos e políticas culturais no Brasil. Rio de
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POR UMA GESTÃO CULTURAL TRANSFORMADORA


NOS ESPAÇOS POPULARES DE CULTURA
Álvaro Maciel1

RESUMO: O texto pretende trazer novos elementos para os debates e reflexões acerca do
desenvolvimento das cidades e suas influências na produção e fruição cultural nos setores mais
populares da sociedade, a partir de algumas inflexões a respeito dos formatos da gestão cultural
aplicada em espaços ligados ao samba, na Cidade do Rio de Janeiro. A observação realizada no
Centro Cultural Cartola – Museu do Samba confirma a importância da Educação Patrimonial
para o exercício dos direitos culturais e ressalta os resultados positivos conseguidos junto aos
jovens da Mangueira e bairros vizinhos, através de um modelo de gestão cultural contemporânea.

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento, gestão, cultura, patrimônio.

1. UMA GESTÃO CULTURAL TRANSFORMADORA


1.1 Desenvolvimento urbano e gestão dos espaços do samba
A vivência em nossas cidades repete cenas tragicômicas de isolamento, interdições, proi-
bições e impedimentos que nos remetem à impossibilidade da realização das ações culturais no
formato dos nossos gostos. O metrô lotado, o engarrafamento, a irregularidade dos meios de
transportes coletivos, a lei de silêncio, a rigidez burocrática das leis e normas sociais nos fazem
tecer críticas diárias à vida urbana contemporânea, embora sem abrirmos mão dela.
A intenção mais ampla deste trabalho foi trazer novos elementos para os debates e re-
flexões acerca do desenvolvimento das cidades, em contraponto à melhoria ou manutenção da
qualidade de vida da população de um determinado local, através da gestão cultural de deter-
minados espaços, onde são realizadas ações culturais populares, com destaque para a prática da
cultura do samba nos centros urbanos. Foram visitados os seguintes pontos: Roda de Samba da
Velha Guarda do Leme, Roda de Samba do Leme, Samba da Confraria (Niteroi), Centro Cultu-
ral Cartola, Botequim do Império Serrano e Feijoada do Renascença.
As atividades de campo foram fundamentais para a obtenção de informações atualiza-
das, referentes às recentes movimentações existentes no mundo do samba, que se constituem

1
FUNARTE, 21 999482770/ 999482788, alvarosamba@gmail.com

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políticas culturais
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num excelente material para evidenciar as influências e a pressão do crescimento urbano sobre
os espaços pulares de cultura nas cidades.
Outro ponto que podemos destacar é a constatação de que há pouco material que abor-
de a questão da ancestralidade, tão presente nas ações culturais nesses territórios. O processo
histórico do surgimento e evolução do samba carioca e suas primeiras contribuições ao campo
social, segundo alguns estudiosos, influenciam o presente processo, pois, a memória social se
constrói ao longo de muitas gerações de indivíduos mergulhados em relações determinadas por
estruturas sociais e sua construção implica na referência ao que não foi presenciado.
Se a sociedade atual traz as marcas das estruturas sociais que lhe antecederam e se estas
marcas são potencialmente suportes da memória, então é também pela seleção, pela análise e
pela interpretação destes suportes que serão construídas a memória, sendo que a construção
desta sempre envolve esquecimento.
Por uma série de fatores algumas manifestações culturais relevantes para o meio são
transmitida e passadas; selecionadas por um processo social natural (ou incentivado em alguns
casos); já outras são esquecidas, apagadas pelo próprio processo e fluxo da vida em constante
transformação. Portanto, devido a sua continuidade por um logo tempo, pode-se afirmar a im-
portância do samba para essas comunidades.
A extinção de algumas agremiações carnavalescas e a criação de outras, faz parte de um
processo contínuo e aberto, onde a memória coletiva nesses grupos, construída socialmente,
representa um conjunto de ações internas e que se fortalecem quando contribuem para a preser-
vação do samba e de sua própria cultura.
Nas pesquisas de campo pode-se observar que a recuperação e a preservação da memória
do samba depende da ação de agentes culturais que adquiriram reconhecimento junto à popula-
ção de sambistas tradicionais, ao longo do tempo, e que hoje se desdobram em empreendedores,
gestores e amantes do samba, simultaneamente. Inicialmente o samba não é um produto e sim
uma cultura.
O processo de fortalecimento da identidade dessas coletividades nos revela, no entanto,
certo grau de conflito e de disputa interna por hegemonia política, que é determinante para a
definição e organização do processo decisório. Neste caso, os produtores culturais concorrem
com os mais velhos, o melhor ritmista, o cantor preferido, as matriarcas e uma série de outros
formadores de opinião que participam ativamente das rodas de samba: músicos, compositores,
cantores, ex-diretores de agremiações, cozinheiras e outros agentes culturais reconhecidos no
bairro, que aos poucos ganharam notoriedade local.
A observação de que uma manifestação cultural se transforma e adquire características
do grupo que a sustenta, caminha ao lado do fato de que essa manifestação cultural pode ser a

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mesma, mas a forma de fruição e relação afetiva dos seus frequentadores depende da ligação
histórica com a vida do individuo participante.
É necessário um olhar mais técnico para avaliar as relações existentes entre os espaços
culturais e a manutenção de suas atividades e a ação, ou omissão, da esfera pública. É surpreen-
dente como tais movimentos, envolvendo grande número de pessoas, acontecem numa cidade
como o Rio de Janeiro e muitas vezes não são percebidos.
Há uma interdependência entre o sucesso ou insucesso de eventos com as características
de uma roda de samba e os serviços oferecidos pelo município; transporte, segurança, iluminação,
banheiros públicos, etc. até água e energia elétrica, que estão ligadas à sociedade como um todo,
mas que, em certos casos são determinantes para manutenção desta ou daquela ação cultural.

1.2 Centro Cultural Cartola – Espaço do samba e do social


Fundado em janeiro de 2001, o Centro Cultural Cartola é uma organização sem fins
lucrativos que reúne a mais variada gama de pessoas devotadas à causa da cultura brasileira e
do desenvolvimento social. O complexo cultural possui espaço de exposição, auditório, sala de
projeção, teatro, biblioteca, loja, café, bar e restaurante. São desenvolvidas nas dependências
do CCC oficinas de teatro, dança, música, rodas de leitura, mostra de vídeos, debates, palestras,
depoimentos, shows e exposições. Em média o público direto beneficiado é de 500 pessoas/mês
e o indireto de 1500/mês.
Intelectuais, artistas, produtores culturais e formadores de opinião se uniram para pro-
mover o desenvolvimento cultural e social de nossa gente, proteger as tradições e preservar a
memória de nossas manifestações culturais. A base deste empreendimento é a vasta obra de
Angenor de Oliveira, também conhecido pelo seu apelido de Cartola, cuja imensa importância
para a música popular brasileira é mundialmente reconhecida.
A palavra cultura, no entanto, pode significar pouco quando uma população que se en-
contra sem perspectivas, sem chances, sem oportunidades e sem esperança. Pensando nisso, o
Centro Cultural Cartola aliou à sua atuação em defesa da cultura brasileira uma série de inicia-
tivas de cunho social, visando combater a pobreza, a marginalização da população carente, a
exclusão social e a falta de esperança no futuro.
Em busca de seus ideais, o Centro Cultural Cartola procura atuar junto às parcelas mais
desfavorecidas da população, dando especial atenção ao desenvolvimento de crianças e adolescen-
tes, à inserção do jovem na sociedade e ao amparo ao idoso. Tudo isso em torno da cultura e da
música brasileiras, importantes instrumentos para a valorização da identidade nacional.
A escolha de Cartola como patrono da instituição se justifica não apenas por sua impor-
tância no mundo musical, mas também por sua história de luta, de superação de dificuldades e
de inserção ativa do indivíduo na sociedade através da produção cultural. Tendo como referência

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a vida e obra de um grande mestre, morador da Mangueira, poeta sofisticado e um dos maiores
ícones da música popular brasileira, o CCC consegue atrair jovens da comunidade para as diver-
sas atividades voltadas à capacitação profissional e artística.
O mestre mangueirense se torna, assim, um exemplo a ser seguido pelas crianças e pelos
jovens ansiosos por um lugar ao sol, que têm no Centro Cultural Cartola uma fonte de aprendi-
zado, de experiência e de incremento de suas capacidades. A preservação da memória de Cartola
e de seu legado cultural requer uma participação ativa da instituição junto à comunidade. A mera
disponibilização de sua produção musical não bastaria para traduzir a importância social deste
ícone da música popular, deste cidadão que, apesar de todas as dificuldades encontradas em seu
caminho, conseguiu imprimir seu nome entre os mais importantes artistas brasileiros.
Desta forma, além da criação de um espaço destinado à exposição e à divulgação da pro-
dução cultural do Cartola, o Centro Cultural se dedica à educação musical e artística de crianças,
jovens, adultos e idosos, em projetos sociais de grande abrangência. Valorizar a cidadania, a
liberdade, a participação na sociedade, a assistência social, o trabalho voluntário, o aprendizado
musical e a cultura brasileira, são as metas do Centro Cultural Cartola, que teve como primei-
ra presidenta de honra a companheira de nosso Mestre, a incansável Dona Zica, cuja história
de luta e sucesso é de todos conhecida. O Centro Cultural Cartola acredita na força da cultura
brasileira, na vontade de crescer de nosso povo e na efetiva possibilidade da inclusão social.
Dedica-se, assim, à mais nobre das missões: transformar em realidade um ideal.
Situado à Rua Visconde de Niterói, 1296 - Mangueira/RJ, o Centro Cultural Cartola se
tornou uma referência nacional em termo de gestão e aproveitamento de espaços ociosos para a
cultura. Situada numa área pobre, passou a se dedicar à inserção social da juventude local pela
arte, educação, construção da cidadania, valorização da cultura e preparação profissional com
vista ao resgate da dignidade humana. Pode ser considerado um modelo de excelência no en-
frentamento ao risco de perda de memória imposto pelo crescimento urbano.

1.3 O Pontão de Cultura e o Museu Cartola


O resultado do trabalho de pesquisa e documentação realizado no CCC contribuiu de
forma decisiva para o reconhecimento do Samba como Patrimônio Imaterial Brasileiro pelo Ins-
tituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que mais tarde, em 2009, por sua
força criativa, veio a reconhecê-lo como Pontão de Memória do Samba Carioca. A motivação
do reconhecimento deu novo gás ao centro, que continuou a desenvolver o Projeto do Inventário
das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro, dedicado à documentação do samba e de sua mani-
festação, seja nas rodas de samba, nas quadras das escolas e outras agremiações carnavalescas,
nos terreiros ou na atuação dos seus atores sociais.

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Em 2011, o CCC foi reconhecido como Museu do Samba do Rio de Janeiro e em 2012
começa suas atividades musicais. A área onde funciona possui sete mil metros quadrados e
pertence ao IBGE.
A missão do Museu do Samba é desenvolver ações de resgate, preservação e difusão dos
conhecimentos relativos às matrizes do samba no Rio de Janeiro bens registrados como patrimô-
nio cultural brasileiro, dar suporte ao ensino, pesquisa e extensão e promover a reflexão crítica
da realidade histórica, tendo como referência as políticas de salvaguarda do patrimônio imaterial
brasileiro. ( site oficial da instituição).
Em 2013 a exposição itinerante “Para Não Perder a Memória – D. Zica 100 Anos” foi
um marco na gestão cultural do CCC. O projeto foi uma homenagem a Dona Zica da Mangueira,
esposa de Cartola, que nasceu em 06 de fevereiro de 1913 num domingo de Carnaval. Através
dele a educação patrimonial consagra o Museu do Samba Carioca, que contou com patrocínio da
Petrobras e apoio da Secretaria de Estado de Janeiro. Um grande sucesso de público e crítica. As
parcerias com as instituições de ensino e a divulgação de suas atividades nos sites que integram
o circuito do samba fazem do espaço expositivo um grande sucesso.
Há exposições que recebem mais de cinco mil alunos, com idade entre 9 e 17 anos da
rede pública e privada de ensino. No projeto Memória das Matrizes do Samba do Rio de Janeiro,
por exemplo, as escolas que formaram a parceria foram: Escola Municipal Nilo Peçanha, CIEP
Nação Mangueirense, Escola Municipal Gonzaga da Gama Filho, FAETEC – Adolpho Bloch,
Escola Municipal Uruguai, Escola Municipal Marechal Trompowsky, Escola Municipal Cardeal
Leme e finalizando com Escola Tia Neuma.

1.4 Uma gestão com foco na educação patrimonial


Umas das principais diretrizes do Centro Cultural Cartola-Museu do Samba Carioca é
promover a educação patrimonial. Na prática, significa levar informação e formação cultural ao
público a fim de difundir e preservar o samba carioca e suas matrizes, gênero que em 2007 foi
alçado à condição de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, por meio de um processo liderado
pela instituição.
A educação patrimonial nada mais é do que uma proposta interdiscipli-
nar de ensino voltada para questões atinentes ao patrimônio cultural.
Compreende desde a inclusão, nos currículos escolares de todos os ní-
veis de ensino, de temáticas ou de conteúdos programáticos que versem
sobre o conhecimento e a conservação do patrimônio histórico, até a
realização de cursos de aperfeiçoamento e extensão para os educadores
e a comunidade em geral, a fim de lhes propiciar informações acerca do
acervo cultural, de forma a habilitá-los a despertar, nos educandos e na
sociedade, o senso de preservação da memória histórica e o consequente
interesse pelo tema (ORIÁ, 2005).

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Samba de partido alto, o samba de terreiro e o samba-enredo são bens culturais e a


ideia de sua apropriação e preservação pela comunidade perpassa pela Educação. Desde sua
fundação, a instituição é dinamizadora de processos educativos em ações sistemáticas, com
abordagem interdisciplinar, de proteção e promoção do Samba em que o patrimônio humano
também se evidencia. Dessa forma, o espaço contribui na formação de cidadãos críticos, que
respeitam e valorizam seu patrimônio cultural, que constroem e compartilham saberes através
de vivências integradoras da comunidade escolar e de segmentos da sociedade local.
A preservação desse patrimônio possibilita a construção coletiva de conhecimento, seja
pela ação educativa direta com crianças e jovens, seja pela vivência entre gerações em eventos
e outras iniciativas. No térreo, além de áreas de convivência variadas, há um salão apropriado
para cerimônia e, é evidente, realização de rodas de samba de excelentíssima qualidade.
Os diversos projetos da instituição estabelecem referenciais de pertencimento e são mui-
tos os exemplos bem-sucedidos no Centro Cultural Cartola na sua realização e nos objetivos.
Assim, o perfil do equipamento passou a ser um notável exemplo em educação voltada à com-
preensão e valorização de nossa diversidade cultural.
Preservação é o conceito genérico. Nele podemos compreender toda e qualquer ação do
Estado que vise conservar a memória de fatos ou valores culturais de uma Nação. É importan-
te acentuar esse aspecto já que, do ponto de vista normativo, existem várias possibilidades de
formas legais de preservação. A par da legislação, há também as atividades administrativas do
Estado que, sem restringir ou conformar direitos, se caracterizam como ações de fomento que
têm como consequência a preservação da memória. Portanto, o conceito de preservação é gené-
rico, não se restringindo a uma única lei, ou forma de preservação específica. (CASTRO, Sônia
Rabello de. O Estado na preservação de bens culturais. Rio de Janeiro: Renovar, p.19, 1991).
A Educação Patrimonial visa estabelecer um melhor relacionamento da população com
estes bens, heranças que fazem parte da sua história de modo a fortalecer a vivência real com a
cidadania, num processo de inclusão social. É importante perceber que essas práticas aumentam
a responsabilidade pela valorização e preservação do Patrimônio. Uma boa educação faz com
que os membros de uma determinada população cobrem essa responsabilidade dos seus mem-
bros. A própria natureza do vocábulo Patrimônio pode explicar tal fenômeno: originalmente, à
herança paterna ou herança familiar, ou seja, aos bens materiais transmitidos de pai para filho.
No Brasil a valorização do Patrimônio Cultural é muito incipiente. Podemos observar o
desconhecimento na maior parte da população, que deveria ser muito mais trabalhado nas esco-
las para fortalecer a relação das pessoas com suas heranças culturais.
Isto revela o quanto o assunto está ausente ou distante da sociedade, em particular do
cotidiano de uma cidade. Fiquei muito entusiasmado ao perceber no trabalho da equipe coman-

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dada por Nilcemar Nogueira, a neta de Cartola, uma visão diferenciada das muitas instituições
do mundo do samba.
O uso do termo Patrimônio como herança social aparece na França pós-Revolucionária,
quando Estado decide tutelar e proteger as antiguidades nacionais com valor e significado atri-
buídos como importantes para a história da nação. Patrimônio Histórico passa desde então a ser
“o conjunto de bens entendidos como herança do povo de uma nação”. Essa definição já incluía
“não apenas os bens imóveis, mas também os bens móveis, tais como acervos de museus e docu-
mentos textuais” (TEIXEIRA et alli, 2004, p. 02).
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educa-
cional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conheci-
mento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto
com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos
aspectos, sentidos e significados, o trabalho de Educação Patrimonial
busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento,
apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para
um melhor usufruto desses bens, e propiciando a geração e a produção
de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural.
(HORTA; 1999, p. 06).
Seria um equívoco dessa pesquisa a não apresentação de um pequeno histórico sobre a
Educação Patrimonial, já que o mais se vê no CCC é a prática da abordagem educacional no tra-
to com as noções e práticas patrimoniais, com participação de jovens da comunidade do Morro
da Mangueira e das escolas dos bairros vizinhos.

1.5 Uma experiência de gestão exemplear


Da experiência da Mangueira quero destacar os elementos de uma gestão cultural dife-
renciada, como: 1) a institucionalização da do espaço, 2) a relação deste com o território, e 3)
a permanente abertura para formação de novas redes. Tais elementos funcionam como fatores
facilitadores ao conhecimento crítico por parte das comunidades e dos indivíduos em relação ao
seu Patrimônio Cultural, o que fortalece o sentimento de pertencimento.
O formato de gestão implementado no CCC, é sem dúvida uma grande contribuição
para os espaços populares de cultura. Um exemplo de Gestão Cultural Transformadora. É um
modelo que consagra a importância da Educação Patrimonial para o exercício dos direitos
culturais e da cidadania. Infelizmente, tais conceitos configuram-se numa proposta pouquís-
simo difundida nos espaços populares de cultura. O conhecimento acadêmico de Nilcemar,
somado a sua experiência comunitária, trouxeram excelentes resultados à gestão cultural do
CCC. Ela conseguiu fechar parceria com a Ford Foundation, em dezembro de 2004, voltada
para uma implementação de um novo formato de gestão cultural, que inclui toda a parte de
desenvolvimento organizacional (gestão, governança), marketing, projetos e mobilização

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de recursos. Outra parceria fundamental foi fechada com a Fundação Roberto Marinho, que
se dedica a contribuir para que a estrutura física do prédio seja equiparada às instalações dos
grandes museus do Rio de Janeiro.
A sustentabilidade das instituições culturais se constitui num grande desafio. A principal
fonte de recursos advém de convênios com órgãos públicos que obrigam a equipe administra-
tiva a cumprir toda aquela burocracia exigida pelo setor público, que muitas vezes acabam por
limitar algumas ações consideradas prioritárias. A nova gestão do Centro Cultural Cartola, com
Nilcemar, passou a buscar a ampliação do diálogo com o poder público e com as organizações
representativas, a diversificar as fontes de patrocínio, o acompanhamento de editais públicos nas
diversas esferas de governo, dar visibilidade as lideranças locais, garantir a execução do plano
de educação patrimonial.

1.6 A Gestão o Sujeito e o Território


Frente aos desafios impostos pelos ambiente de mudanças das cidades, uma gestão con-
temporânea no campo da cultura tem o dever de estar atenta às movimentações dos governos e
do mercado, a fim distinguir que políticas públicas representam um novo desenho de desenvol-
vimento, baseando-se em algumas perspectivas que diluam essa contradição.
Já que as duas narrativas (mais investimentos à cultura e desenvolvimento) são sensos
comuns gerados nos debates do setor nesses últimos doze anos, os projetos desenvolvidos nes-
ses espaços devem apresentar soluções mediadoras a partir de um diálogo direto com os setores
de fomento (públicos e privados), da elaboração de bons projetos e do acompanhamento das
políticas públicas das secretarias de cultura nos governos.
Além da percepção da dimensão da cultua é importante que haja uma visão empreende-
dora voltada para elaboração de projetos complementares afinados com as politicas que muda-
ram o pensamento sobre Cultura no país, tais como: Sistema Nacional de Cultura, Cultura Viva,
premiações a setores alijados do processo distributivos como as “minorias”: negras, indígenas,
populares fortalecendo a visão de diversidade. Estes são ótimos exemplos desenvolvimentistas
aplicados ao território e no sujeito.
Os projetos e as instituições culturais do campo popular devem estar inseridos num pro-
cesso de desenvolvimento que passa pela potencialização do território e dos sujeitos incentivan-
do e fomentando arranjos locais. Assim através desta ótica aumentaremos o lastro de participa-
ção social (desconcentração).
E quando se fala de uma gestão cultural voltada para a os espaços populares é necessário
forcar o tempo todo no comportamento coletivo, presente nas relações do cotidiano, sujeito às
mudanças e às influencias das novas tendências. A visão crítica da Administração deve seguir em
sintonia com a visão comunitária. Esta em momento algum poderá ser desprezada. O termômetro

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social oscila constantemente e indica o grau de satisfação ou insatisfação referente aos serviços
prestados, o que em muitos casos será usado como divisor de águas no processo decisório.
O conceitos que se relacionam com a Cidadania Cultural estão vinculados aos conceitos
de patrimônio cultural, acesso à produção e à fruição cultural, igualdade de oportunidade, acesso
às informações em todas as fases dos processos produtivos.
A Gestão Transformadora, com foco na Educação Patrimonial, requer o conhecimento
profundo dos limites entre o público e o privado e deve estar atenta tanto às questões de pre-
servação das tradições, quanto aberta às novas experiências. Não se transforma uma realidade
local de um momento para outro. É um processo longo, com avanços e recuos, que vai depender
do grau de conscientização em cada fase do processo de transformação. Será preciso, além de
tudo, lidar com as resistências à mudança, no seus patamares mais amplos, envolvendo aspectos
sociais, antropológicos e culturais, dentro e fora do Território.
Por fim, ela dever orientar que a descoberta dos potenciais talentos artísticos e intelec-
tuais dentre os membros das comunidades deve ser tratada como um resultado esperado nesse
caminho transformador, ou seja, quase uma premissa.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As alterações decorrentes do crescimento urbano e suas movimentações transformadoras
geram, muitas vezes, a distorção do carácter público do espaço urbano e passa a servir à explo-
ração econômica e financeira, em detrimento da construção de locais de convivência coletiva
e pública. Minhas observações se concentraram nas experiências exitosas que representam a
retomada e manutenção de locais públicos como lugar de encontros, políticas, trocas, convívio
e realização coletiva, que possibilitem o fortalecimento das ações culturais.
A presente pesquisa tentou reunir ações e atores que trabalham para intensificar a dimensão
empresarial nos espaços do samba e da cultura como um todo, através de uma gestão cultural con-
temporânea que age de forma cuidadosa e preocupada com a recuperação e/ou preservação dos tra-
ços culturais. No entanto temos que ter a noção de que tais iniciativas são ainda bastante reduzidas
em relação ao grande universo das manifestações culturais em todo país. É comum encontrarmos
nos espaços populares de cultura formas inadequadas e descontínuas de gestão cultural.
As observações aqui realizadas foram amparadas por reflexões acadêmicas que envol-
vem campos diversos, tais quais antropologia, sociologia, história, arquitetura e urbanismo. Po-
demos concluir que as ações culturais ligadas ao samba conecta diretamente a manifestação de
cultura e arte à dimensão social do território e sugere um grau de relação entre os agentes que
atuam nos espaços, ao mesmo tempo de afetividade e responsabilidade.
O conceito ampliado de patrimônio cultural consolidado na Constituição Federal de
1988, influenciado pelas convenções internacionais, consagra a noção de bens imateriais, com-

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preendidos pelas manifestações culturais e suas diversas formas de expressão; como componen-
te do Patrimônio Cultural Brasileiro. Mais do que isso, nossa Constituição prevê a participação
da comunidade na proteção do patrimônio cultural, principalmente através de dois novos instru-
mentos jurídicos: o inventário e o registro.
Todavia, sabemos que a Constituição não é capaz de implementar sozinha uma política
cultural democrática e inclusiva. Tal construção só será alcançada a partir de uma ruptura com as
bases ideológicas que influenciam o pensamento conservador do Estado. O discurso dominante
ainda é segregacionista e dicotômico. Separa cultura popular de cultura erudita, não valoriza a
subjetividade, a dinamicidade e a espontaneidade do processo cultural de todo e qualquer grupo
social. Trata processos e bens culturais como produtos e lida com a cultura como instrumento,
ora eleitoral, ora para promoção midiática de suas ações; dentre outras posturas incompatíveis
com a visão contemporânea de patrimônio cultural.
Modelos de gestão como o observado no Centro Cultural Cartola - Museu do Samba po-
dem ser difundidos como exemplos positivos de uma gestão cultural transformadora, que intro-
duziu a busca constante por cidadania num espaço de samba. Espaço este que alcançou o status
de museu com e consegue manter um excelente grau de convivência, lazer, formação, fruição
artística e preservação. Que democratizou o conceito de Educação Patrimonial e, mesmo diante
das dificuldades e problemas aqui expostos, nos apresenta caminhos e tecnologia para um tempo
mais promissor para a gestão cultural voltada para os espaços populares.
A experiência de Nilcemar, à frente do Centro Cultural Cartola, vem confirmar que a rup-
tura paradigmática, esperada no campo ideológico para a efetivação das políticas culturais mais
democráticas, deve ser acompanhada por novos modelos de gestão cultural contemporânea, que
além visar alcançar a sustentabilidade deverá saber bem dimensionar o seu papel social.
Enfim, novos caminhos promissores começam a ser desenhados, pois, uma vez compro-
vada a sua eficiência, haverá a necessidade de um grande esforço por parte dos grupos sociais,
políticos e acadêmicos para que esses novos formatos de gestão cultural sejam mais pesquisa-
dos, aperfeiçoados e propagados.

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Voltar ao Índice dos Trabalhos

A PERCEPÇÃO DE TRABALHADORES ITAJAIENSES SOBRE O PROCESSO


DE IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE CULTURA DO TRABALHADOR
Ana Clara Ferreira Marques1
Maria Glória Dittrich2

RESUMO: A Lei Federal nº 12.761/2012 instituiu o Programa de Cultura do Trabalhador para


garantir a implementação de direitos culturais aos trabalhadores e incentivar a cadeia produtiva
da cultura. Este artigo é resultante de uma pesquisa com objetivo de perceber como se dá o
processo de implantação deste programa, em Itajaí – SC. A pesquisa foi do tipo exploratória,
qualiquantitativa, sob a abordagem da hermenêutica fenomenológica. O público alvo foi
composto por 8 empresas itajaienses optantes do lucro real. A coleta de dados realizou-se por
pesquisa bibliográfica e documental e por entrevistas estruturadas individuais, com três gestores
e três trabalhadores. O resultado mostrou que a rede credenciada de recebedoras do Vale Cultura
é muito pequena em Itajaí. A percepção dos trabalhadores sobre o programa é positiva e favorável
à ampliação do consumo cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Vale Cultura, Rede Credenciada, Política Pública.

1. INTRODUÇÃO
O Programa de Cultura do Trabalhador, conhecido como Vale Cultura, foi estabelecido
pela meta 26 do Plano Nacional de Cultura (PNC) do Brasil e visa garantir o exercício dos
direitos culturais aos trabalhadores e ao mesmo tempo incentivar a cadeia produtiva da cultura
(BRASIL, 2013a, p. 79). Instituído pela Lei Federal nº 12.761 de 27 de dezembro de 2012,
o programa está em implementação em todos os estados brasileiros. Suas metas são alcançar
até o ano de 2020 a distribuição de 12 milhões de cartões Vale Cultura aos trabalhadores, com
renda entre 1 e 5 salários mínimos. (BRASIL, 2012b).

1
Relações Públicas e Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade do Vale do Itajaí/SC (2015) vin-
culada à Uniasselvi – Assevim (Centro Universitário Leonardo da Vinci e Associação Educacional do Vale do Itajaí
Mirim) como Professora do Curso de Publicidade e Propaganda; email: anaclarafmarques@gmail.com .
2
Filosofa, Mestre em Educação e Doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia (2008). Professora Pes-
quisadora do Programa de Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí;
email: gloria.dittrich@univali.br .

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O IBGE estima que a população itajaiense, em 2015, seja de 205.271 pessoas. A eco-
nomia do município de Itajaí é baseada no setor de serviços, com foco principal na atividade
portuária, da qual deriva às atividades de comércio exterior, logística, construção naval, pes-
ca e comércio local. Os dados mais recentes sobre o PIB são de 2012 e nesse ano era de R$
19.754.199.000,00. De acordo com o censo de 2010 o Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) era de 0,795, o 13º maior entre os 293 municípios de Santa Catarina. No
mesmo ano, 87,8% da população economicamente ativa tinha renda de até 5 salários mínimos
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010). Este é o público alvo
do Programa de Cultura do Trabalhador, demonstrando que, em termos salariais, a maioria da
população trabalhadora de Itajaí tem potencial para receber o cartão Vale Cultura, caso se ade-
quem às demais normativas do programa.
O Plano Municipal de Cultura de Itajaí - PMC (ITAJAÍ, 2013) demonstra que a estrutu-
ra de gestão da cultura no município é composta pela Fundação Cultural de Itajaí (responsável
por fomento, difusão e acesso) e a Fundação Genésio Miranda Lins (patrimônio e memória). O
financiamento à cultura se dá por meio de editais, da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e de
convênios/parcerias. A participação popular acontece por meio do Conselho Municipal de Políti-
cas Culturais com a inclusão de todos os segmentos artísticos organizados por câmaras setoriais.
A produção simbólica existe em todos os segmentos artísticos, entretanto, pela avalia-
ção da programação do Teatro Municipal, percebe-se uma predominância de apresentações nos
segmentos de dança, música e teatro (MARQUES, 2013). As artes visuais, produção audio-
visual e literatura também contam com artistas atuantes. O Plano Municipal de Cultura alerta
para a necessidade de preservação das tradições culturais como Boi de Mamão e Terno de Reis
(ITAJAÍ, 2013).
A produção é embasada por centros de formação artística como o Conservatório de Mú-
sica Popular e pela formação universitária em música, artes visuais, letras, produção audiovisual
e fotografia. No município não existe curso universitário de artes cênicas (teatro e dança), ape-
nas cursos dos grupos profissionais locais.
Diante disso, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados da pesquisa sobre o Pro-
cesso de Implementação do Programa de Cultura do Trabalhador (Vale Cultura), no município
de Itajaí, com dois focos principais, a saber: 1) Identificar o nível de implantação e a abrangência
da rede credenciada de empresas recebedoras do cartão Vale Cultura em Itajaí; 2) Compreen-
der a percepção dos trabalhadores itajaienses sobre o processo de implantação do Programa de
Cultura do Trabalhador, no município. O artigo apresenta primeiro o conceito de cultura que
embasa e o contexto de elaboração do Plano Nacional de Cultura. Em seguida apresenta-se a
metodologia utilizada, o delineamento geral do Programa de Cultura do Trabalhador e os re-

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sultados apontando a visão de trabalhadores sobre o Vale Cultura em Itajaí. Finaliza-se com as
considerações finais.

2. UM OLHAR SOBRE O CONTEXTO DE ELABORAÇÃO DO PROGRAMA DE


CULTURA DO TRABALHADOR
As metas do Plano Nacional de Cultura e as políticas culturais dela decorrentes foram
elaboradas a partir do conceito de cultura, atualmente adotado pelo Ministério da Cultura. “Essa
concepção compreende uma perspectiva ampliada da cultura, na qual se articulam três dimen-
sões: a simbólica, a cidadã e a econômica” (BRASIL, 2013a, p. 15).
O aspecto simbólico da cultura reconhece e valoriza a capacidade humana de criar sím-
bolos e expressá-los por meio do idioma, costumes (gastronomia, vestuário, etc.), tradições e
linguagens artísticas (teatro, música, artes visuais, dança, literatura, circo, etc.). Esta dimensão
se relaciona às necessidades e ao bem-estar individuais e coletivas do ser humano.
Maturana (1997, p.205) tece a relação de significado entre os conceitos de ‘ser humano’,
‘linguagem’ (artística ou não) e ‘cultura’. Para ele “o ser humano é constitutivamente social.
Não existe o humano fora do social”. O aspecto externo de interação social entre as pessoas, e o
aspecto interno de formação do mundo simbólico de cada indivíduo se retroalimentam a partir
das linguagens utilizadas nessa dinâmica. “O central do fenômeno social humano é que ele se dá
na linguagem, e o central da linguagem é que apenas nela se dão a reflexão e a autoconsciência”
(MATURANA, 1997, p. 205). As linguagens artísticas, por sintetizarem diversos significados
objetivos e subjetivos, tangíveis e intangíveis em uma mesma expressão, alimentam de forma
vigorosa o mundo simbólico e delineiam a manifestação cultural de um povo. Para Maturana
(1997, p. 177), “cultura é uma rede de conversações que define um modo de viver [...] e envolve
um modo de atuar, um modo de emocionar, e um modo de crescer no atuar e no emocionar”.
Esta perspectiva expressa a dimensão simbólica do Plano Nacional de Cultura.
A dimensão cidadã interpreta cultura a partir da Constituição Federal Brasileira de 1988,
como um direito básico que deve ser garantido, pela democratização do acesso à produção,
difusão e fruição cultural. Considera-se aqui que as políticas culturais favoreçam uma maior
participação do cidadão como criador e consumidor da cultura, atendendo as demandas de seu
contexto social e contribuindo para a percepção da cultura como parte de sua identidade.
A dimensão econômica evidencia o potencial da cultura em criar cadeias produtivas,
geradoras de emprego e renda, que contribuam para o desenvolvimento econômico socialmente
justo e sustentável. Considera-se que o setor cultural será responsável por 4,5% do PIB, até 2020
(BRASIL, 2013a, p. 18, 136). Tal fenômeno poderá se dar devido à diversidade de bens cultu-
rais, em todos os segmentos artísticos, cuja produção estimula vários setores econômicos, como
o de equipamentos, matérias primas, logística, educação, eventos e turismo.

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Com efeito, a cultura, em sua dimensão econômica, é vista no PNC como um dos pilares
para o desenvolvimento econômico local e regional, pelo apoio financeiro à preservação e pro-
dução de expressões culturais únicas de cada localidade, definindo territórios criativos (BRA-
SIL, 2013a, p. 16-18). Este conceito ampliado de cultura que abarca o ser humano criativo,
cidadão e trabalhador, dentro do seu contexto histórico e social, decorre de um longo processo
de reflexão sobre cultura e políticas públicas.
Na concepção de Rubim (2007, p. 151) para que uma política seja denominada de ‘po-
lítica pública’ é necessário que seja “submetida ao debate e crivo público” em sua elaboração
e monitoramento, enfatizando assim, a importância da participação social, não apenas como
beneficiária, mas como agente de transformação da sociedade.
Coelho (1997, p. 292) define política cultural como: “programa de intervenções realiza-
das pelo Estado, com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover
o desenvolvimento de suas representações simbólicas”.
O Plano Nacional de Cultura foi elaborado em um extenso processo de participação
social. Entre 2003 e 2010 ocorreram diversos momentos de pactuação, como: seminários para
discussão e diagnóstico da cultura nacional, a instalação de câmaras setoriais por segmento
artístico, a 1ª e 2ª Conferências Nacionais de Cultura, a criação do Conselho Nacional de
Políticas Culturais e a aprovação da emenda constitucional EC nº48/2005, que acrescentou o
parágrafo 3º no artigo 215, criando o Plano Nacional de Cultura (PNC) (BRASIL, 2012a, p. 57
e 87). Este foi detalhado e instituído pela Lei nº 12.343 de 2 de dezembro de 2010 (BRASIL,
2010). A partir desse momento o Ministério da Cultura (MinC) passou a elaborar as metas para
alcançar os objetivos nele determinados. O Programa de Cultura do Trabalhador é a meta nº 26
(BRASIL, 2013a).

3. A METODOLOGIA
A pesquisa foi exploratória, qualiquantitativa, o embasamento teórico para a discussão
dos conceitos centrais da pesquisa sustenta-se na abordagem fenomenológica com foco na her-
menêutica. A fenomenologia é o estudo das essências, é uma filosofia que compreende o homem
e o mundo a partir da sua facticidade. Trata-se de descrever e não explicar, nem de analisar
(MERLEAU-PONTY, 1999). A compreensão sobre os dados ocorreu desde a hermenêutica fe-
nomenológica, sustentada pelo referencial teórico e percepções sobre os dados levantados na
pesquisa bibliográfica e documental, bem como, pelos dados obtidos nas entrevistas realizadas
junto às empresas, durante a realização dos objetivos. Segundo Dittrich (2008, p. 63), herme-
nêutica é “uma maneira de entender e expressar a percepção sobre os dados da investigação te-
órico-prática, de forma qualitativa. A hermenêutica nasce da busca de respostas do pesquisador
para seus questionamentos”.

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A partir do exposto pelos autores acima, a compreensão dos dados da pesquisa se desen-
volveu da seguinte forma: Indutivamente foi feita a descrição dos dados coletados na realidade
pesquisada junto às empresas itajaienses e na pesquisa documental.
A coleta de dados deu-se pela avaliação de documentos legais e alterações normativas
ocorridas desde o lançamento do Programa de Cultura do Trabalhador até o presente. As fontes
de informação (de acesso público) foram o site do Ministério da Cultura/Vale Cultura (BRASIL,
2015b), o site de cadastramento do Vale Cultura (BRASIL, 2015a) e a Secretaria de Fomento e
Incentivo à Cultura (SEFIC), além dos sites das empresas operadoras do Vale Cultura.
O público alvo foi composto por oito empresas de Itajaí, que representam diferentes
áreas de produção no município e que atuam no regime tributário de lucro real3. Em cada em-
presa foram entrevistados três trabalhadores, com renda até 5 salários mínimos, por empresa. Os
critérios de inclusão implicaram na escolha de empresas com tributação por lucro real. Isso se
deve ao fato deste tipo de organização ser o único que tem benefícios de isenção fiscal ao aderir
ao Programa de Cultura do Trabalhador (Vale Cultura).
Responderam à pesquisa os três primeiros funcionários, com renda entre 1 e 5 salários
mínimos, que se voluntariaram a participar, em cada empresa num total de 24 pessoas. Foram
ouvidos também três gestores em cada empresa (diretor, contador e RH), as respostas destas
categorias serão descritas apenas quando auxiliarem na compreensão da percepção dos funcio-
nários sobre a política em estudo e foco deste artigo.
Os critérios de exclusão implicaram empresas optantes por regime tributário diverso do
lucro real. Excluíram-se também todos os trabalhadores com renda maior de 5 salários mínimos
e, na faixa de 1 a 5 salários mínimos, todos que não foram os três primeiros a se voluntariar para
participar da pesquisa. Tudo isso para manter a coerência com as normativas do Programa de
Cultura do Trabalhador.
A identificação das empresas participantes se fez por meio de consulta direta à Secretaria
Municipal da Fazenda, bem como a empresas de contabilidade do município, aos sites da Re-
ceita Federal e Ministério da Cultura. Como instrumentos de coleta de dados, se utilizou ques-
tionário elaborado com perguntas diretivas e não diretivas, qualitativas e quantitativas. A forma
de aplicação do questionário foi por entrevista individual, em que ambos, o (a) entrevistado(a) e
a pesquisadora, possuíam uma cópia do questionário. Este foi lido pela pesquisadora e respon-
dido verbalmente e por escrito pelo(a) entrevistado(a). As respostas verbais foram gravadas. As
perguntas elaboradas para os participantes visavam identificar a percepção dos mesmos sobre o
delineamento desta política, suas vantagens e desvantagens para as empresas e seus funcioná-

3
É a base de cálculo do imposto sobre a renda apurada segundo registros contábeis e fiscais efetuados sistemati-
camente de acordo com as leis comerciais e fiscais (BRASIL, [201-]).

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rios, bem como, fatores relevantes para sua implementação e a percepção de viabilidade ou não
da adesão das empresas ao Programa de Cultura do Trabalhador.
As identidades dos entrevistados e das empresas foram nominadas de forma alfanumé-
rica. Os participantes Funcionários foram identificados da seguinte forma: letra ‘F’ para funcio-
nário, seguido do número da empresa e da ordem de entrevista, então, F.4.1 era o participante
Funcionário da empresa 4, primeiro entrevistado.
O local de realização da pesquisa foi o município de Itajaí. As empresas foram conta-
tadas por telefone para identificar o nome e email dos responsáveis a serem entrevistados. Em
seguida, por email, foi introduzida a explicação da pesquisa quanto ao seu tema, objetivos e
benefícios aos possíveis participantes, visando agendar uma data para a entrevista, que se re-
alizou no local da empresa. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNI-
VALI mediante o parecer nº1.173.796. Antes do início da entrevista foi apresentado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido ao participante e coletada a assinatura do Consentimento de
Participação do Sujeito.

4. O DELINEAMENTO DO PROGRAMA DE CULTURA DO TRABALHADOR


EM SEUS ASPECTOS DOCUMENTAIS LEGAIS.4
Diversas legislações delineiam o Programa de Cultura do Trabalhador, que foi instituído
pela Lei Federal nº 12.761/2012. Sua execução está regulamentada pelo Decreto Presidencial nº
8.084, de 26 de agosto de 2013. As normas e procedimentos para gestão do Vale Cultura estão
definidos nas Instruções Normativas (IN) nº 2 e nº 3 de 2013.
Os objetivos do programa são: “possibilitar o acesso e a fruição dos produtos e serviços
culturais; estimular a visitação a estabelecimentos culturais e artísticos; e incentivar o acesso
a eventos e espetáculos culturais e artísticos” (BRASIL, 2012b). A gestão e monitoramento do
Programa de Cultura do Trabalhador competem à Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura
(SEFIC), do Ministério da Cultura.
O Vale Cultura será confeccionado e comercializado por empresas operadoras e disponi-
bilizado aos usuários pelas empresas beneficiárias para ser utilizado nas empresas recebedoras.
As empresas beneficiárias e operadoras devem se cadastrar junto ao Ministério da Cultura e re-
ceber certificado de habilitação para participação no programa. As empresas recebedoras serão
cadastradas pelas operadoras. Trata-se de um cartão magnético de débito pessoal, no qual as
beneficiárias depositarão R$50,00 mensalmente para seus funcionários (BRASIL, 2012b). Esta
é uma política pública de cultura executada diretamente do nível federal para o cidadão, sem a
intermediação de níveis estaduais e municipais de gestão pública.

4
Mais detalhes sobre as normativas deste programa podem ser encontrados nas referências bibliográficas BRA-
SIL, 2010 até BRASIL, 2015b.

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O cartão Vale Cultura é um benefício opcional “O trabalhador poderá reconsiderar, a


qualquer tempo, a sua decisão sobre o recebimento do Vale Cultura” (BRASIL, 2013b, Art.
17). Ao aceitar recebê-lo, o trabalhador está exercendo seus direitos culturais e a autonomia de
consumo. O valor do cartão não constitui salário; não sofre desconto de contribuição previden-
ciária ou do FGTS e é isento de imposto de renda (BRASIL, 2012b e 2013b). No entanto, para
trabalhadores entre 1 e 5 salários mínimos, o empregador pode descontar, R$1,00 por salário
mínimo recebido.
Esta política está em implementação em todos os estados brasileiros. Na cidade de Itajaí
não há ainda divulgação de sua efetiva implantação, isso estimula a realização de um estudo
para compreender a percepção dos trabalhadores itajaienses sobre o processo de implementação
do Programa de Cultura do Trabalhador no município e identificar o nível de implantação e a
abrangência da rede credenciada de empresas recebedoras do cartão Vale Cultura.

5. PROGRAMA DE CULTURA DO TRABALHADOR EM ITAJAÍ – REDE


CREDENCIADA DE EMPRESAS RECEBEDORAS
Estão certificadas pelo Ministério da Cultura e listadas no site de cadastramento do Vale
Cultura 42 empresas operadoras (BRASIL, 2015a). Em nove destas, o acesso à rede credenciada
só é permitido com login e senha. Portanto, não foi possível saber se atuam em Itajaí. As pesqui-
sas nos sites de cada empresa, identificaram que oito operadoras possuem rede credenciada no
Estado de Santa Catarina, sendo que, três atendem as cidades de Blumenau, Camboriú e Floria-
nópolis. Cinco delas tem rede em Itajaí e Balneário Camboriú. Estes são municípios vizinhos e
interligados, de modo que a rede credenciada de cada um deles é usufruída pela população das
duas cidades.
A cidade de Itajaí é atendida pelas seguintes operadoras, por ordem de empresas rece-
bedoras credenciadas: Alelo/Banco do Brasil (que atuam juntas em Itajaí) com 28 credenciadas
na região; Ticket com 10 credenciadas; Banrisul com oito credenciadas; Sodexo com sete cre-
denciadas e Brasil Convênios com três empresas credenciadas. Estes dados foram obtidos estu-
dando os sites destas operadoras e identificando a quantidade e localização da rede credenciada.
A lista de empresas beneficiárias indica qual a operadora de cartão contratada (BRASIL,
2015a). Desse modo foi possível identificar quantas empresas beneficiárias, em todo país, são
atendidas por cada uma das cinco operadoras atuantes em Itajaí. A operadora Alelo atende 1144
beneficiárias em todo país e o Banco do Brasil atende 1061. Estas duas empresas juntas detêm a
maior fatia do mercado brasileiro de cartões Vale Cultura, cerca de 23%. A operadora Ticket aten-
de 823 beneficiárias no país, a Sodexo atende 773, o Banrisul 205 e o Brasil Convênios atende 33.
Um ponto que chama a atenção é que o Banco do Brasil é ao mesmo tempo, a segunda
maior operadora do país e uma das maiores empresas beneficiárias, portanto, seus funcionários

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recebem o cartão Vale Cultura. De acordo com seu próprio site, o Banco do Brasil tem mais de 5
mil agências no país. Sendo operadora de si própria, a taxa de administração do cartão Vale Cul-
tura tende a ser a menor permitida por lei, que é 0%. Os recursos assim investidos retornarão de
duas formas, a saber: por um lado, estes gastos entram como despesa operacional, diminuem o
lucro líquido e tem direito à isenção de 1% do imposto de renda devido, por ser optante do lucro
real. Por outro lado, a distribuição do cartão Vale Cultura torna-se uma nova fonte de receita ao
atuar como operadora, com direito a cobrar taxa administrativa das empresas recebedoras cre-
denciadas. Então se observa que, para o setor bancário, o Programa de Cultura do Trabalhador
parece muito mais vantajoso do que para empresas de outros segmentos.
Quatro das cinco empresas recebedoras credenciadas em Itajaí e Balneário Camboriú
cadastraram as redes de cinemas que atuam nas duas cidades, bem como, a rede de livrarias, que
atua nos estados da região sul do Brasil. Esta rede credenciada é formada principalmente por
empresas do segmento do comércio de livrarias e papelarias. No caso de empresas recebedoras,
que formam redes regionais ou nacionais, elas são ao mesmo tempo beneficiárias por distribuir
o cartão Vale Cultura aos seus funcionários e recebedoras por comercializarem produtos cultu-
rais. De modo que uma parte dos recursos investidos no fornecimento deste benefício retornará
com a comercialização de seus produtos aos próprios funcionários. Sendo empresas de grande
porte, tendem a ser tributadas com base no lucro real e, portanto, teriam direito à isenção de 1%
no imposto de renda devido. A rede de recebedoras credenciadas abrange os seguintes produtos
e serviços culturais: instrumentos musicais; espetáculo musical; ingressos pela internet; jornal;
cinema; equipamentos; livros; revista; cursos e artesanato. Das 44 credenciadas, 37 são do seg-
mento de comércio e sete são do segmento de serviços (cinemas e cursos).
Itajaí tem historicamente grande produção cultural nos segmentos do teatro, música e
dança, com muitos artistas e grupos constituídos em pessoas jurídicas, por meio de empresas
ou associações (MARQUES, 2013). Mas essa produção local não está representada na rede de
credenciadas do Vale Cultura. Portanto, as opções de desenvolvimento da autonomia cultural
pela utilização deste cartão são bastante restritas. Enquanto as opções de acesso à cultura forem
limitadas por redes credenciadas tão pequenas, dificilmente as empresas se sentirão estimuladas
a aderirem ao Programa de Cultura do Trabalhador e beneficiar seus funcionários com o cartão
Vale Cultura. A razão disso é que sem uma ampla opção de consumo cultural, o acesso à cultura
permanece reduzido, a ampliação da qualidade de vida do trabalhador advinda desse acesso
também. Consequentemente diminuem as chances de melhoria no desempenho do trabalhador
derivado desse benefício. Deste ponto de vista, o custo econômico do investimento torna-se
prioritário para o empresário e a adesão ao Vale Cultura desvantajosa.

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6. A PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES SOBRE O PROCESSO DE IM


PLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE CULTURA DO TRABALHADOR
As entrevistas, para coleta de dados junto às empresas, foram realizadas entre os dias 27
de agosto e 15 de setembro de 2015.
Quando perguntado aos 24 participantes da categoria Funcionários sobre o conhecimen-
to do Programa de Cultura do Trabalhador constatou-se que 10 dos 24 Funcionários (41,7%)
entrevistados conhecem o programa e 14 (58,3%) desconhecem. Os dados indicam também que
a principal fonte de informação dos entrevistados, que dizem conhecer o Programa de Cultura
do Trabalhador, foi a ‘imprensa’ em propagandas oficiais (VALE CULTURA, 2014). As infor-
mações obtidas por essa via foram introdutórias e parciais. 30% dos trabalhadores, beneficiários
finais desta política, buscaram de imediato informações mais aprofundadas no site do MinC/
Vale Cultura. Isso indica um interesse pelo acesso à cultura por parte do cidadão trabalhador.
Para Calabre (2007, p. 14), “numa democracia participativa a cultura deve ser encarada como
uma expressão de cidadania[...], como força social de interesse coletivo”.
Diante da pergunta: Você pode descrever brevemente como funciona o Programa de Cul-
tura do Trabalhador (VALE CULTURA)? Nenhum dos participantes respondentes conseguiu
delinear o Programa de Cultura do Trabalhador quanto ao seu conceito, objetivos e normativa
de funcionamento. As respostas de todos os participantes apresentaram fragmentos de compre-
ensão sobre esta política. A percepção dos 10 Funcionários que conhecem o programa é de
que esta política proporciona simultaneamente um benefício econômico para empresa e para
os funcionários. Sem, no entanto, manifestar a compreensão do montante de investimentos e/
ou viabilidade econômica da adesão ao programa. Trazem a ideia incorreta de que os custos da
empresa serão totalmente compensados pelo incentivo fiscal. Não foi manifesta a percepção da
cultura como um direito constitucional, mas sim como incentivo ao acesso.
Em seguida perguntou-se sobre as vantagens e desvantagens do Programa de Cultura do
Trabalhador para os funcionários. Os respondentes são unânimes em pontuar que o cartão Vale
Cultura possibilita o acesso, a aproximação deles aos bens e serviços culturais. Este benefício
estimula e viabiliza um contato que hoje eles não têm ou gostariam de ampliar. Vê-se aqui um
interesse pelo pertencimento, por ser reconhecido como indivíduo cultural (dimensão simbólica
da cultura). Eis as falas neste sentido:
“Incentivo à cultura facilita o acesso aos eventos por não serem
baratos.” (F.2.1)
“Facilidade ao acesso à cultura do país, como teatro, cinema, livraria,
etc.” (F.4.1)
Foram levantadas também vantagens intelectuais, sociais e subjetivas que possibilitam
o desenvolvimento de autonomia diante da vida. Nas falas abaixo os funcionários participantes

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refletem sobre a relação direta entre a aquisição de conhecimento e a capacidade de expressão


do indivíduo, abordam que uma mudança interior de capacidade reflexiva amplia a compreensão
do mundo a partir do alargamento do seu mundo simbólico. Indica-se o acesso à cultura como
oportunidade de valorização do seu contexto social de origem, a família, e possibilidade de am-
pliação da qualidade de vida do cidadão. Estas falas estão indicadas a seguir:
“[...] Acho que melhoraria muito intelectualmente, a cabeça de muita
gente e a aproximação da família [...]. Acho que essa seria a vanta-
gem.” (F.3.3)
“Cria novas visões é do mundo pra cada, pra cada um.” (F.3.3)
“Pra que a gente possa tomar decisões ou até mesmo saber como é que
funciona certo aspecto da nossa vida.” (F.1.1)
Se gestores das empresas compreenderem o sentido desta reflexão e o benefício pro-
fundo que o contato com a arte proporciona, perceberão também que o valor econômico desse
investimento é pequeno em relação ao benefício humano dele derivado.
Oito entre dez dos respondentes declararam não perceber nenhuma desvantagem. Não
foi citado, o valor que a empresa pode descontar do salário do colaborador pela concessão do
cartão Vale Cultura, que seria um real de desconto por cada salário recebido.
Aos 24 respondentes Funcionários foram feitas perguntas sobre o seu conhecimento
do processo de adesão da empresa ao Programa de Cultura do Trabalhador. A palavra chave
que sintetiza as respostas é desinformação. Cabe aqui a pergunta: os funcionários têm direito
de acesso à informação sobre as razões que levam os gestores das empresas a adiar a adesão ao
Programa de Cultura do Trabalhador?
Foram sintetizados os pontos mais importantes sobre o cartão Vale Cultura, da seguinte
maneira: No cartão de débito VALE CULTURA será depositado R$50,00 (cinquenta reais) por
mês para cada funcionário. Este valor só pode ser gasto em produtos e serviços culturais (cinema,
shows, artesanato, revistas, instrumentos, etc.). O valor depositado é acumulativo e não se expira.
Pelo cartão, a empresa pode descontar por mês, um real por cada salário mínimo do funcionário.
Em seguida foram consultados quanto ao interesse em receber o cartão. Apenas 1 participante
(4,2%) não tem interesse no cartão Vale Cultura e expressa o motivo na fala a seguir:.
“Porque não tenho interesse nesse negócio de arte” (F.5.2).
Nessa fala evidencia-se a percepção da arte como algo alheio a si e de seu contexto so-
ciocultural. É justamente sobre isso que Bourdieu e Darbel (2003, p. 69) se referem ao dizerem
“a falta de prática é acompanhada pela ausência do sentimento de privação [...]”.
Declararam interesse em receber o cartão Vale Cultura 23 entre os 24 funcionários en-
trevistados, que equivale a 95,8%. Este índice tão expressivo se opõe contundentemente aos
argumentos de entrevistados da categoria Direção de que a implantação do Programa de Cultu-

161
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ra do Trabalhador não seria sentida como um benefício, pois os funcionários não se interessam
por cultura.
O Vale Cultura é visto como uma fonte de recursos (salário indireto) que possibilita o
acesso à cultura estimula o hábito de consumo cultural, a ampliação dos conhecimentos, a for-
mação de público. O valor de desconto foi considerado pequeno em relação ao depósito mensal
no cartão. Ao justificar o interesse pelo cartão Vale Cultura, os entrevistados citaram vários usos
em segmentos artísticos, como: cinema, teatro, livros, shows, instrumentos artísticos, revistas,
CDs e artesanato, festivais de dança e visitação a museus. Diante dessa manifestação tão diversa
de interesse de consumo cultural, cabe questionar por que as empresas operadoras que estão atu-
antes no município de Itajaí ainda não tem uma rede credenciada capaz de suprir estes produtos
e serviços culturais.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa de Cultura do Trabalhador é uma política pública de cultura executada do
governo federal diretamente para o cidadão, sem a intermediação de níveis estaduais e munici-
pais de gestão pública.
A importância de sua implantação no município de Itajaí é justamente o potencial desta
política que visa universalizar o acesso à cultura, estimular o financiamento direto da cultura
local, regional e nacional pela ampliação do mercado consumidor de cultura e injeção mensal de
recursos. Além disso, é importante também pelo estímulo à autonomia de consumo cultural, e,
a consequente preservação do patrimônio dos segmentos artísticos escolhidos para serem con-
sumidos, por serem significativos dentro do contexto sociocultural e por integrarem a percepção
de qualidade de vida dos trabalhadores itajaienses.
Quanto à implantação e a abrangência da rede credenciada de empresas recebedoras do
cartão Vale Cultura em Itajaí, constata-se que apenas cinco empresas operadoras atuam no muni-
cípio e formam uma rede muito pequena, com prevalência de cadastramento de conglomerados
de cinemas e livrarias. Até o momento, em Itajaí não foram cadastradas as pessoas jurídicas que
representam os artistas locais ou regionais nos diversos segmentos artísticos. De modo que os
frutos da criação artística local estão sendo preteridos em relação aos produtos da indústria cultu-
ral nacional. Portanto, não está ocorrendo o estímulo à cadeia econômica da cultura a nível local.
No âmbito nacional, até o momento não há divulgação, no site do Vale Cultura, dos resultados
alcançados em termos de estímulo à cadeia econômica da cultura, geração de emprego e renda
e ampliação do consumo cultural pelos trabalhadores. Observa-se aqui também que a diminuta
rede credenciada, em Itajaí, limita as possibilidades de desenvolvimento da autonomia de consu-
mo cultural pelos trabalhadores. De modo que desestimula a adesão dos empresários itajaienses
ao programa, pois os custos para a empresa superam os benefícios práticos aos trabalhadores.

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Quanto à percepção dos trabalhadores itajaienses sobre o processo de implantação do


Programa de Cultura do Trabalhador constatou-se que apenas 41,7% tinham conhecimento des-
ta política pública no momento das entrevistas. A fonte de informação principal foi a impren-
sa. A descrição do Programa de Cultura do Trabalhador, pelos entrevistados, foi superficial e
fragmentada. O conceito de cultura enquanto um direito constitucional não foi percebido pelos
respondentes. Os funcionários não têm a percepção do custo e da complexidade - em termos de
políticas de recursos humanos, planejamento de investimento e de tributação - que a adesão ao
Vale Cultura implica para as empresas.
Quanto a vantagens e desvantagens, os Funcionários identificam que o acesso à cul-
tura proporciona ampliação dos conhecimentos, da capacidade de expressão do indivíduo, de
refletir sobre si e sobre o mundo e proporciona a aproximação da família e valorização do seu
contexto sociocultural. A percepção dos Funcionários, como público alvo do programa, reflete
a importância de sua implantação e demonstra que o investimento nesta política é pequeno em
relação ao benefício humano dele derivado. De maneira geral os Funcionários não percebem
desvantagem no Vale Cultura.
Quanto ao interesse em receber o cartão Vale Cultura, 95,8% dos participantes Funcio-
nários estão interessados em utilizar o cartão para ampliar suas possibilidades de consumo cul-
tural, numa grande variedade de produtos e serviços. Isso indica que há demanda para uma rede
credenciada bastante diversificada e muito mais ampla do que a rede de empresas recebedoras
hoje cadastradas em Itajaí.
Apesar do interesse dos funcionários, nenhuma empresa entrevistada se decidiu ainda
pela adesão ao Vale Cultura, o processo de implantação do Programa de Cultura do Trabalhador
em Itajaí está em fase de tomada de consciência e do despertar do interesse empresarial. Portan-
to, sugere-se como pesquisas futuras para abordar mais completamente o tema, que a realização
de pesquisa diretamente com as operadoras atuantes no município pode trazer maior compreen-
são sobre a formação da rede credenciada nesta região.

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AVALIAÇÃO DO PROGRAMA CULTURA VIVA – UMA ANÁLISE DA


CONSTRUÇÃO DOS DOIS MARCO LÓGICO APLICADO AO PROGRAMA
Ana Clécia Mesquita de Lima1

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise da elaboração dos dois
Quadros Lógicos presentes nas avaliações do Programa Cultura Viva feitas pelo IPEA (Instituto
de Pesquisa Econômica e Aplicada), no caso, “Cultura Viva – avaliação do programa arte
educação e cidadania” (2010) e “Linhas Gerais de um Planejamento Participativo para o
Programa Cultura Viva” (2014) em dois tempos distintos de implementação do programa. Para
isso será utilizada bibliografia sobre avaliação de políticas públicas (Ala-Harja e Helgason e
Januzzi) e bibliografia específica sobre política cultural e cultura viva (Turino, Calabre e Farah
e Medeiros).

PALAVRAS-CHAVE: política pública, avaliação, cultura, cultura viva, quadro lógico.

1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise das duas avaliações realizadas
pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) sobre o Programa Cultura Viva (PVC),
do Ministério da Cultura (Minc). As avaliações foram realizadas em períodos diferentes e com
objetivos diferentes, no entanto um elemento em comum aparece em ambas as avaliações: a
elaboração de um Quadro Lógico. Na primeira avaliação, publicada em 2010, a aplicação do
quadro lógico teve como objetivo traçar as linhas gerais de atuação do programa, norteando
as ações e indicando caminhos, a principal base de coleta de informações foi a pesquisa de
campo, com entrevistas aos gestores dos pontos de cultura. A segunda avaliação foi publicada
em dezembro de 2014 e teve como objetivo traçar um planejamento estratégico de execução
do programa, a fim de que as metas do Plano Nacional de Cultura (PNC) e os objetivos do
Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal fossem alcançadas nos prazos determinados nesses
dois documentos. A base para a elaboração desse planejamento estratégico é o redesenho do
programa, realizado a partir de um Grupo de Trabalho (GTCV) que contou com a coordenação do

1
Mestranda no Programa de Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC
Gestora Pública (Diretora Assistente no Departamento de Biblioteca Pública e Preservação da Memória – Secreta-
ria de Cultura da Prefeitura de São Bernardo do Campo. ana.mesquita@ufabc.edu.br aninha.mesquita@gmail.com

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IPEA e tinha entre seus membros representantes do Ministério da Cultura (Minc) e representantes
dos Pontos de Cultura (atores do programa). Nesse contexto o marco lógico do programa também
foi redesenhado.
Para realizar a análise serão utilizados os textos de Ala-Harja e Helgason e Januzzi a fim
de embasar teoricamente o campo da avaliação em políticas públicas, e o texto de Pfeiffer sobre as
origens e objetivos de aplicação do Quadro Lógico. Para realizar a análise serão utilizados os dois
relatórios publicados pelo IPEA (“Cultura Viva – avaliação do programa arte educação e cidadania”
(2010) e “Linhas Gerais de um Planejamento Participativo para o Programa Cultura Viva” (2014)),
além de bibliografia específica sobre o PCV, como Turino, Calabre e Farah e Medeiros.
O presente artigo se dividirá em três partes: A primeira parte será traçado um breve
panorama sobre os conceitos e aplicações de avaliações em políticas públicas. A segunda parte
contemplará um breve resumo sobre o programa, a descrição das avaliações que serão analisadas
e a análise em si, que irá comparar primordialmente três aspectos do Quadro Lógico das duas
avaliações: a inserção e importância do QL na avaliação da política; o discurso de construção
desse QL; a definição/identificação do problema no QL . A terceira parte serão as considerações
finais sobre o debate proposto.

2. AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E QUADRO LÓGICO


A avaliação de políticas públicas pode ser entendida como uma das etapas do ciclo de
políticas públicas, e estaria inserida como a última etapa de uma política pública, No entanto
essa definição não comtempla todo o potência e utilidade dos processos de avaliação para a
efetivação de uma política. Segundo Januzzi (2014) as avaliações podem ser usadas em todas as
etapas do ciclo de políticas públicas:
Avaliação refere-se ao conjunto de procedimentos técnicos para produzir
a informação e conhecimento para desenho ex-ante, implementação
e validação ex-post, de programas e projetos sociais, por meio das
diferentes abordagens metodológicas da Pesquisa Social, com a
finalidade de garantir o cumprimento dos objetivos dos programas e
projetos (eficácia), seus impactos mais abrangentes em outras dimensões
sociais, para além dos públicos-alvo atendidos (efetividade), e a custos
condizentes com a escala e complexidade da intervenção (eficiência).
(JANUZZI, 2014, p.10)
Ou seja, é possível utilizar dos mecanismos, metodologias, instrumentais e resultados
de uma avaliação para embasar e justificar as decisões tomadas em uma determinada política
pública. Em consonância com o que Januzzi afirma, Ala-Harja e Helgason (2000) destacam o
objetivo de uma avaliação: “A avaliação não substitui o processo da tomada de decisão política,
mas permite que as decisões sejam tomadas de maneira mais consciente” (ALA-HARJA e
HELGASON, 2000, p. 10).

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Em seu artigo “Em direção às melhores práticas de avaliação” os autores destacam


a importância da avaliação dos programas de políticas públicas, por serem mais complexos.
Um programa de política pública pode ser definido como um conjunto de ações com o mesmo
objetivo, mas abordagens diferentes. Nesse sentido os autores afirmam que:
A avaliação de programa deve ser vista como mecanismo de melhoria no
processo de tomada de decisão, a fim de garantir melhores informações
aos governantes, sobre as quais eles possam fundamentar suas decisões
e melhor prestar contas sobre as políticas e os programas públicos.
(ALA-HARJA,2000,p.5).
Avaliar políticas públicas é um trabalho complexo pelo próprio caráter das políticas
públicas; não há uma receita única a ser aplicada para todos os casos; os processos de intervenção
do Estado em uma determinada realidade a fim de transforma-la envolvem diversos atores sociais
com interesses distintos. Sobre a identificação desses impactos em determinada realidade,
Januzzi (2014) explica que a avaliação desse aspecto da política necessita de investigação mais
exaustiva, justamente por possibilitar a identificação de alterações de realidades sociais:
Cabe nesse momento avaliar se a intervenção programática formulada
conseguiu provocar mudanças na realidade social que a originou,
considerando naturalmente a complexidade do seu desenho e dos
arranjos operacionais, além da criticidade da questão social enfrentada
(JANUZZI, 2014 p.11).
O autor reforça ainda a necessidade de se identificar o tempo certo para realizar uma
avaliação. Às vezes determinada política não alcançou a maturidade ideal para que seus resultados
sejam devidamente identificados e mensurados. Sobre esse aspecto Januzzi afirma que:
Identificar o momento adequado de avaliações dessa natureza é um misto
de técnica, política e arte: avaliações precoces podem colocar a perder
a legitimidade de um programa meritório que ainda não teve tempo de
se estruturar, avaliações tardias podem comprometer recursos e esforços
que poderiam ser usados de forma mais eficiente e eficaz na mitigação
da problemática social em questão. (JANUZZI, 2014p. 11).
Januzzi aponta ainda como um dos desafios para a realização de uma avaliação de política
pública o fato de que projetos sociais ocupam um campo de ação complexo, estando suscetíveis
a ambientes pouco colaborativos, contextos políticos nem sempre favoráveis, ausência de dados
primários, tempo adequado para execução da avaliação e recursos disponíveis para alcançar os
objetivos da avaliação. São muitas variáveis a serem consideradas para a elaboração e execução
de uma avaliação. Nesse sentido, Januzzi afirma:
Avaliação de políticas públicas, ou melhor, análise de políticas públicas,
termo preferido por Owen, e, pois, uma atividade muito mais ampla que a
avaliação de programas. Trata de contexto político-social de surgimento
da política, dos atores participantes. Volta-se mais ao esclarecimento de

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seu processo de construção do que de recomendação prática de como


aprimora-la, constituindo, na realidade, um campo de investigação mais
propriamente acadêmico que a perspectiva técnico-profissional em que
se realiza a avaliação de programas. (JANUZZI, 2014, p. 23)
São diversos os desafios para a análise de uma política pública, são diversos também os
ferramentais para ajudar a estruturar um planejamento estratégico e sistemas de monitoramento
de uma política pública. O Quadro Lógico (QL) é um deles. O quadro lógico pode ser definido
como um instrumento para organizar e melhorar a visualização de um determinado plano de
intervenção, um instrumento para organizar o processo de conceituação, definição de objetivos,
estratégias de intervenção, execução e avaliação de projetos. Surgiu nos anos 60 com o intuito
de melhorar os problemas de gestão de empresas privadas, mas nos anos 70 os programas de
cooperação internacional começaram a utiliza-lo como referência para unificar o planejamento
estratégico de ação das políticas em cooperação internacional. Pfeiffer identifica o QL como
um mapa geral do percurso de um projeto, e ressalta que: “O que sempre tem que anteceder
o planejamento de um projeto é uma análise do que se deseja mudar com a intervenção, de
modo geral, uma situação problema” (PFEIFFER, 2000, p. 83). O QL é uma das metodologias
utilizadas para compor um planejamento estratégico
Uma das funções destacadas por Pfeiffer é o potencial comunicativo desse modelo.
A sistematização de informações em categorias bem delimitadas contribui para qualificar a
interpretação das ações, evitando assim ruído de comunicação e falta de entendimento sobre as
ações a serem executadas. Esse modelo possui duas lógicas, uma vertical e outra horizontal. A
vertical busca deixar clara a razão pela qual o projeto foi concebido, o que ele pretende atingir e
como será executado. A lógica horizontal explica como os resultados do projeto serão expressos,
utilizando-se de indicadores verificáveis e quais os pressupostos que embasam a ação. Abaixo
um exemplo de uma matriz básica do Quadro Lógico:

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O objetivo superior diz respeito à visão de futuro do setor para a qual o projeto contribuirá.
O objetivo do projeto diz respeito sobre a situação que se visa alcançar com o projeto e que
contribuirá para o objetivo superior. Os resultados são os bens e serviços produzidos pelo projeto
e que, combinados, ajudarão a atingir seus objetivos. E as atividades principais são as ações que
deverão ser desenvolvidas para atingir cada resultado.
A lógica horizontal abrange os indicadores objetivamente comprováveis. O foco é garantir
que a construção desses indicadores seja confiável e estes possam ser testados e utilizados em
diversos momentos da execução do projeto. Para Januzzi “Na elaboração dos diagnósticos para
formulação de programas, os indicadores são imprescindíveis para qualificar os públicos-alvo,
localizá-los e retratá-los de modo tão amplo e detalhado quanto possível” (JANUZZI, 2014, p.32).
Aqui é necessário ampliar esse escopo de atuação e utilidade dos indicadores, destacando além do
público-alvo, quantidades, qualidades, período e localidades (territórios).

2.1. Cultura Viva: avaliação, redesenho e marco lógico


O Programa Arte, Cultura e Cidadania – Cultura Viva foi criado em 2004 dentro de um
contexto específico de redirecionamento das políticas culturais no Ministério da Cultura. Para
entender de que forma o Programa Cultura Viva entrou na agenda de prioridades do governo
federal é importante relatar brevemente a reorientação das políticas culturais a partir de 2003.
O modelo de financiamento da cultura adotado pelo Ministro Francisco Weffort priorizou ao
longo dos oito anos nos quais ficou a frente do Ministério da Cultura (1994-2002) o mecenato
do setor privado, a partir do principal mecanismo de renúncia fiscal para o setor, a Lei Rouanet.
“Voltando às leis de incentivo, que possibilitam às empresas (pessoas jurídicas) e cidadãos
(pessoas físicas) aplicarem uma parte do Imposto de Renda (IR) devido em ações culturais,
elas foram transformadas no carro-chefe do ministro Weffort e do governo FHC” (SILVA,
2013, p.123). Além disso, os investimentos no setor se centravam no fomento às belas artes.
Com a mudança de partido político a frente do governo federal a partir de 2003, o Ministério
da Cultura passa a ter como ministro Gilberto Gil, que em seu discurso de posse em dois de
janeiro de 2003 já sinalizava a reorientação do conceito de cultura defendido e praticado nos
anos posteriores.
Conceitos como cidadania cultural, autonomia, protagonismo sociocultural, economia
da cultura e inclusão cultural passaram a fazer parte dos discursos e dos documentos elaborados
e ações realizadas pela pasta. O Programa Cultura Viva foi elaborado dentro desta outra ótica
sobre cultura, com especial foco na descentralização dos recursos do Minc, possibilitando
que grupos alijados historicamente do acesso às verbas públicas pudessem se beneficiar com
o financiamento público e desenvolver seus trabalhos, fortalecendo assim suas comunidades,
práticas tradicionais e fazeres e saberes ancestrais. A principal ação do Programa são os Pontos

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de Cultura, que atuam como nós em um sistema maior, com objetivo de articular em rede os
demais pontos que participam do programa.
O Programa pretendia estabelecer uma nova relação entre sociedade civil e Estado. No
entanto esse objetivo encontrou diversos obstáculos para ser cumprido, a maioria de ordem
burocrática: Célio Turino, que estava à frente do programa até 2010, narra todas as dificuldades
enfrentadas no inicio do programa em seu livro “Pontos de Cultura – O Brasil de Baixo para
Cima”. Começando pela natureza do convênio estabelecido, o Ponto de Cultura precisava ter um
perfil jurídico e estar em atividade comprovada há pelo menos dois anos, mas a grande maioria dos
ponteiros (nome dado aos gestores dos Pontos de Cultura) nunca haviam estabelecido relações
com o Estado, ainda mais diretamente com o Governo Federal. O tipo de convênio estabelecido
submetia o uso do dinheiro e a prestação de contas à lei 8.666/92, lei que rege as licitações
públicas e que foi criada para regular o setor de grandes obras primordialmente, não orçamentos
de pequenos grupos de cultura popular. Os ponteiros não conseguiam realizar a prestação de
contas, e as novas parcelas do convênio não podiam ser depositadas sem essa prestação. Além
disso, o Programa Cultura Viva fez a cena política de algumas pequenas cidades do país mudar.
Muitos prefeitos de pequenos municípios foram à Brasília querer saber por que tal grupo de sua
cidade – que nunca havia sido valorizado ou fomentado pela política local – havia conseguido
verba diretamente com o Minc. A articulação em rede e o empoderamento desses novos atores
políticos fez nascer um novo movimento social, o movimento dos Pontos de Cultura, com fórum,
encontros regionais, estaduais e nacionais, grupos de trabalho, e principalmente, começaram a
exercer pressão para que passassem a participar das decisões sobre os rumos do Programa.
Com esse cenário o programa é reformulado e passa por um processo de descentralização,
criando-se assim redes estaduais e municipais, transferindo para os entes federados as
responsabilidades de contrapartida financeira, implementação e monitoramento do programa.
Em 2010 as redes estaduais e municipais já contavam com 2.500 pontos de cultura. No relatório
de reformulação do programa de agosto de 2013 contava-se 3.500 pontos de culturas.
Um dos elementos mais importantes do Programa é a organização em rede dos Pontos
de Cultura. Os pontões de cultura possuem como pressuposto de sua existência a articulação em
rede dos pontos. Em seu documento base, três conceitos são colocados para que a articulação
em rede e a gestão compartilhada entre pontos de cultura e poder público sejam alcançadas:
autonomia, protagonismo e empoderamento. Esses três elementos, juntos, foram incorporados
pelos ponteiros, que colocaram em prática seus novos saberes e formas de se organizar.
Depois do levantamento e identificação de todas as problemáticas do Programa, houve
dois movimentos distintos de redesenho do programa, mas ambos interligados. Foi nas Teias
(encontros dos ponteiros) que o projeto de Lei (PL) 757/2011 começou a ser escrito coletivamente
pelos ponteiros. Ficou a cargo da deputada Jandira Feghali (PCdo B/RJ) apresenta-lo.

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Em 27 de julho de 2012, foi aprovado na Comissão de Educação


e Cultura o PL nº 757 de 2011, que instituiu legalmente o Programa
Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, sendo que,
em 28 de novembro de 2012, o PL nº 757/2011 foi também aprovado
(por unanimidade) na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara
dos Deputados, e em 16/10/2013 foi apresentado ao Senado Nacional,
identificado como PL nº 90/2013 (FARAH e MEDEIROS, 2014, p. 18).
No dia 23 de julho de 2014 foi sancionada a lei n 13.018, Lei Cultura Viva, dando
perenidade e legitimação às ações do Cultura Viva. O segundo movimento interessante da
reelaboração do programa é a criação de um GT de trabalho em 2012 (mesma época de inicio
da elaboração da lei pelos ponteiros), sob a coordenação do IPEA e a supervisão do Minc
(Portaria nº45 de 19 de abril de 2012) com o objetivo de reelaborar o programa. O resultado
foi o lançamento de um documento base em agosto de 2013 no qual situa o Programa Cultura
Viva dentro do Sistema Nacional de Cultura. Segundo o documento o Programa está dentro das
prioridades do governo na área de inclusão social pela Cultura, e institui o Programa Cultura
Viva como a Política de Base Comunitária do Sistema Nacional de Cultura. Sua implementação
faz parte do Plano Nacional de Cultura, que conta com 53 metas a serem implementadas até
2020, destas, 25 dizem respeito ao Programa Cultura Viva. (MINC, 2013).

2.2. Cultura Viva – avaliação do programa arte educação e cidadania (2010)


A avaliação “Cultura Viva – avaliação do programa arte educação e cidadania” foi
solicitada em 2007 pela então Secretaria de Cidadania Cultural (hoje Secretaria de Cidadania
e Diversidade Cultural) do Minc. O objetivo era realizar uma avaliação formativa, ou seja,
“adotada durante a implementação de um programa (avaliação intermediária) como meio de
se adquirir mais conhecimento quanto a um processo de aprendizagem para o qual se deseja
contribuir” (ALA-HARJA e HELGASON, 2000, p. 8). O objetivo da pesquisa era entender
as formas de funcionamento dos pontos de cultura e suas relações com o Estado. Em especial
com o Minc, e com outros agentes culturais e sociais. O Programa Cultura Viva é complexo e
abrange uma série de ações que acontecem em tempos diferentes, os pesquisadores optaram por
realizar uma avaliação ampla do programa a partir da atuação dos pontos de cultura, principal
ação do programa. Os instrumentos utilizados nessa pesquisa foram: modelo lógico, grupo focal,
aplicação de questionário e a observação de campo.
Aqui é relevante ressaltar o destaque dado à posição do avaliador, na qual o IPEA
classifica como mista:
(...) levando em consideração o diálogo constante entre coordenadores do
programa, a equipe de avaliação, e também a metodologia que procurou
estabelecer o foco de interesse tanto dos gestores do programa em nível
ministerial quando da sociedade civil / comunidade (IPEA, 2010, p.29).

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O plano de avaliação conta com os seguintes passos: a.) elaboração do modelo lógico
(ML); b.) elaboração e desenho de questionário com pesquisadores de diferentes instituições; c.)
aplicação dos questionários e realização de entrevistas com gestores dos pontos de cultura; d.)
realização de grupo focal com os pesquisadores que participaram da aplicação dos questionários
e com a equipe da Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC) do Minc; e.) análise dos
resultados consolidados dos momentos anteriores.
Para fins de análise somente o ferramental modelo lógico será utilizado no presente artigo.
No entanto é importante relatar brevemente os demais instrumentos utilizados na pesquisa.
Um dos objetivos da pesquisa era visitar e entrevistar todos os pontos de cultura cadastrados
na SPPC/Minc até 2007. Eram 544 no total sendo que desses 229 seriam entrevistados pela
Fundação Joaquim Nabuco (Funaj) no norte e nordeste e o restante pela equipe do próprio IPEA.
O objetivo da aplicação desse questionário era: “conhecer melhor os pontos, suas atividades,
atuação, dificuldades, desafios e sugestões dos gestores e, com base nestas informações, criar
indicadores de acompanhamento do Programa Cultura Viva” (IPEA, 2010, 35). A aplicação de
cada questionário durou de uma a três horas, e foi indicado a todos os entrevistadores que fizessem
anotações em cadernos de campo. O grupo focal teve como principal objetivo qualificar as
observações tabuladas a partir dos questionários e observadas nas anotações dos entrevistadores.
O IPEA utiliza a nomenclatura de modelo lógico para a metodologia desenvolvida no
âmbito da Câmara Técnica de Monitoramento e Avaliação (CTMA), composta pela Secretaria
de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), Secretaria de Gestão (Seges), Secretaria de
Orçamento Federal (SOF) e IPEA.
A aplicação do ML foi demandada ao IPEA pela SPPC/Minc com o fito
específico de formular indicadores próprios para a avaliação e verificar
se o programa estaria pronto para ser avaliado, isto é, se continha os
componentes clara e suficientemente elaborados para a sua avaliação.
(IPEA, 2010, p. 31).
A estruturação do marco lógico iniciou-se da identificação de quatro fatores desfavoráveis
e outros quatro favoráveis:

PONTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS AO PROGRAMA CULTURA VIVA


DESFAVORÁVEIS
a. insuficiências do quadro de pessoal envolvido diretamente com a gestão do programa,
composto por um número baixo de servidores estáveis, o que gera dificuldades no processo de
gestão, tendo em vista que esta característica reforça tendências de alta rotatividade, dada a
presença de terceirizados, e dificulta tornar rotineiro o domínio de procedimentos e do processo
de qualificação;

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b. dificuldades na celebração de convênios, devidas em especial a interpretações


divergentes de normas, situação de inadimplência dos proponentes, ou não apresentação de
documentação obrigatória;
c. inexistência de norma legal que fundamentasse especificamente o relacionamento
do Estado brasileiro com entidades da sociedade civil com baixo nível de organização ou
institucionalização; e
d. insuficiência e inadequação dos fluxos de recursos e dificuldades com relação à
coordenação das ações por parte da administração pública.

FAVORÁVEIS
a. a legitimidade da qual o programa passou a gozar entre os agentes culturais;
b. o surgimento de oportunidades conferidas pelo aparecimento de novas tecnologias,
mormente aquelas que favorecem a comunicação e o estabelecimento de redes (educação à
distância, troca de experiências e soluções etc.);
c. a priorização por parte do governo; e
d. a emergência de novos atores no campo cultural que apoiam as ações do programa.

2.3. Linhas Gerais de um Planejamento Participativo para o Programa Cultura


Viva (2014)
O segundo relatório a ser avaliado não é necessariamente uma avaliação. Ele é fruto
de um processo contínuo para qualificar as ações do programa. Esse processo se iniciou com
a primeira avaliação do programa, no caso a avaliação descrita acima, e continuou como um
grupo de trabalho encabeçado pelo IPEA a fim de redesenhar a política (como descrito no item
3.1). “O redesenho faz parte de uma explicita política de continuidade e aprofundamento das
diretrizes centrais do programa, agora readequadas e realinhadas aos princípios orientadores da
nova gestão da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC).” (IPEA, 2014, p. 11).
Além da necessidade apontada acima sobre o redesenho, este serviu fundamentalmente,
segundo os autores, para a elaboração de um novo Modelo Lógico para o programa.
A elaboração do ML em 2012 não partiu do zero, mas do ML de 2007.
A proposta naquele primeiro momento era esclarecer as expectativas e
apostas do programa de forma a consolida-lo e organizá-lo para o PPA.
O atual processo dialoga com o redesenho do programa e, desta forma,
verticaliza a descrição do programa, procurando desenhar as ações
principais e delinear as principais estratégias de implementação (IPEA,
2014, p. 13)
Este marco lógico contou com três estratégias: A primeira estratégia diz respeito à coleta
de informações sobre o programa, análise da avaliação anterior, produção acadêmica sobre o

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programa, os textos dos editais, delimitação de conceitos de cada uma das ações do programa,
mapear fluxos e procedimentos internos da SCDC, desenvolver políticas e diretrizes internas e
propor um sistema de monitoramento da política.
A segunda estratégia diz respeito à dimensão participativa deste planejamento: o diálogo
com o Grupo de Trabalho Cultura Viva (GTCV) para que o redesenho do programa se articulasse
com a elaboração do ML, ou seja, há um processo dialógico entre definição do ML e redesenho
do Programa.
A terceira estratégia também privilegia a participação; o IPEA promoveu algumas
oficinas para apresentar os desenhos parciais do ML.
É relevante salientar a importância do planejamento estratégico para a área de política
cultural. O Cultura Viva conquistou ao longo dessa década de existência marcos jurídicos
importantes e uma produção teórica muito relevante (produzida pela academia e pelo Minc)
para definir e conceituar o programa, no entanto pouco se constrói para a efetivação de um
planejamento estratégico
(...) quando se focam os instrumentos de políticas, é possível entender
a tradução do discurso em prática e as suas fragilidades, opções e falsas
opções. Por instrumento de políticas públicas define-se o conjunto de
problemas colocados na agenda das políticas públicas e que implicam
uso de ferramentas (orçamentação, técnicas, meios, operações,
dispositivos, projetos) que permitem materializar e operacionalizar a
ação governamental (IPEA, 2014, 19).

2.4. Análise dos Modelos Lógicos


Para fins metodológicos iremos adotar os termos A1 e A2 para designar, respectivamente,
a avaliação publicada em 2010 e 2014. Em primeiro lugar é importante ressaltar a mudança no
nome do programa, em A1 era “Programa Arte, Cultura e Cidadania – Cultura Viva” e em A2
“Programa Nacional de Promoção da Cidadania e da Diversidade Cultural – Cultura Viva.
A A1 não dá muito destaque para a elaboração do ML, as informações reunidas para o
diagnóstico estavam mais calcadas nas percepções das experiências dos gestores envolvidos no
programa. O ML é somente um dos instrumentais utilizados para avaliar programa, e mesmo
assim, o volume substancial de informações sistematizadas sobre as operações e implementação
do programa só surgiram um passo após a elaboração do ML.
Já A2 tem o foco específico na construção desse marco lógico. Explicações teóricas e
justificativas sobre a importância e os objetivos do ML são mais longas e detalhadas. A partir
da leitura das estratégias adotadas percebe-se uma clara preocupação em consubstanciar as
escolhas e definições dos problemas, ações. Outro elemento importante sobre A2 é o avanço do
ML. O Programa Cultura Viva é descrito no Plano Nacional de Cultura como a política nacional

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de base comunitária, e uma das metas do PNC é que em 2020, quando acaba a cobertura deste
plano decenal, o Minc tenha instalado 15.000 pontos de cultura em todo o território nacional. Os
objetivos do ML estão de acordo com essa meta, e a A2 avança no sentido de estabelecer uma
previsão orçamentária para a concretização desta meta.
Sobre os discursos adotados nas avaliações. A A1 se preocupa mais em elaborar conceitos
e teorias sobre o programa, detendo-se no aprofundamento de conceitos como democracia
cultural, cultura como um direito, circuitos culturais e mesmo o próprio conceito sobre o que
é política cultural. Já A2 adota linguagem mais técnica e objetiva sobre as análises e sugestões
para o programa. Apesar de A2 ressaltar que não foi possível estabelecer uma relação entre o
primeiro ML e o segundo, é importante olhar para um dos aspectos desses ML para entendermos
essa mudança. Em A1 o problema (e por consequência a exposição da explicação do problema)
é definido como “Desvalorização da produção cultural dos grupos e comunidades e sua exclusão
dos meios de produção, fruição e difusão cultural”. Em A2 o problema é descrito como “Baixa
capacidade de gestão por instrumentos de políticas públicas na execução do Programa Cultura
Viva”. O problema é mais preciso em A2, no entanto não há indicativos em nenhum dos dois
relatórios que demonstre que o problema de A1 foi resolvido ou se as ações avançaram para que
o mesmo seja resolvido.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar análise e avaliações de políticas públicas é campo complexo e diversas variáveis
devem se levadas em consideração, como tempo de maturação das ações, recursos disponíveis,
modelos metodológicos, atores envolvidos, capacidade dos funcionários em colocar em
prática as mudanças sugeridas pela avaliação, entre outros. O Programa Cultura Viva é um
programa complexo, com diversas ações acontecendo em tempos diferentes, com atores muito
participativos e que interferem em todas as etapas do ciclo da política. Além disso, a área de
cultura possui uma problemática específica quando a mensuração de seus resultados. Segundo
Calabre “As ações públicas tem que demostrar minimamente coerência entre o que se diz buscar
e as ações postas em prática. Não existe relação direta de causa e efeito no campo da ação
cultural, o que torna complexa a avaliação”. (CALABRE, 2007, p.100). O entendimento sobre
essa limitação é claramente expressada na própria delimitação do problema: em A1 o problema
diz respeito à ação cultural em si, ou seja, a conceitos mais filosóficos e subjetivos, apesar de
comporem comumente os objetivos a serem alcançados em política cultural. Em A2 o problema
muda de foco e passa a abarcar as capacidades estatais de gestão.
É evidente a preocupação do IPEA quanto a relevância das observações subjetivas e
empíricas nos processos de avaliação. Em A2 podemos identificar a seguinte fala:

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Grupos de discussão com equipes técnicas envolvidas nos programas


e, sobretudo, com beneficiários desses permitem levantar rapidamente
informações cruciais para aprimoramento de procedimentos e ações dos
programas e também para captar dimensões de impacto não facilmente
tangíveis (IPEA, 2014, p. 47).
Em A1 encontramos o seguinte discurso nas considerações finais
Deve-se chamar a atenção para o fato de que a avaliação do desempenho
de um programa é sempre contaminada por questões que nada tem a ver
com a atuação do próprio programa, dadas as dificuldades em separar
causas, consequências e o contexto afetivo e simbólico que envolve as
ações. Em linguagem mais clara, as afinidades eletivas fazem parte da
reflexão, embora devam ser controladas metodologicamente. (IPEA,
2010, p.104)
Mesmo em A2, a importância dos sentidos é ressaltada:
Os atores agem produzindo significados e quadros de interpretação do
mundo e dos problemas que estão no seu horizonte de preocupações. A
perspectiva adotada pelo Ipea na reflexão sobre o Programa Cultura viva
é a análise cognitivista de políticas públicas em razão da ênfase que ela
dá ao papel das ideias, das representações coletivas e dos mediadores
para a construção de sentidos para a ação.” (IPEA, 2014, p. 18).
A aplicação do marco lógico, apesar de ter uma importância fundamental para a estruturação
e organização do Programa Cultura Viva, e mesmo para a organização do próprio Minc, não dá
conta sozinho da dimensão simbólica do programa. Nem mesmo o planejamento estratégico,
projetando a ampliação do programa e criando fluxos de trabalho para que ações e orçamento
dialoguem e sejam melhor planejados, consegue dimensionar o impacto de transformação social
dessa política para milhares de “ponteiros” Brasil a fora.
Temos algumas pistas desta transformação, é necessário agora que se avance em questões
mais profundas, como desenvolvimento local, melhora na qualidade de vida e rompimento de
ciclos de pobreza dos atores dessa política. É preciso avançar na elaboração de metodologias
mais sensíveis ao impacto de políticas culturais como o Programa Cultura Viva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALA-HARJA, Marjukka; HELGASON, Sigurdur. Em direção às melhores práticas de avaliação. Revista


do Serviço Público, Brasília, v. 51, n. 4, p. 5-59, out./dez. 2000
CALABRE, Lia. A cultura no âmbito federal: leis, programas e municipalização. Disponível em:
http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/a-j/FCRB_LiaCalabre_A_cultura_no_ambito_
federal.pdf

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CALABRE, Lia. Políticas Culturais no Brasil: balanços & perspectivas. IN: Políticas Culturais no Brasil.
Antônio Albino Canelas Rubim, Alexandre Barbalho (orgs.). Salvador, Edufba, 2007.
FARAH, Marta Ferreira Santos; MEDEIROS, Anny Karine: Implementação e Reformulação de
Políticas Públicas: o caso do Programa Cultura Viva. Revista do Serviço Público. Brasília 65 – jan/
mar 2014
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, Cultura Viva: Avaliação do Programa
Arte Educação e cidadania. Frederico A. Barbosa da Silva, Herton Hellery Araújo (orgs.). Brasília:
IPEA, 2010
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, Linhas Gerais de um Planejamento
Participativo para o Programa Cultura Viva. Frederico A. Barbosa da Silva, Valéria Viana Labrea
(orgs.). Brasília: IPEA, 2014
JANUZZI, Paulo de Martino. Monitoramento e avaliação de programas: uma compilação conceitual
e metodológica para orientar a produção de conhecimento aplicado para aprimoramento da gestão
pública. In Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Avaliação de políticas públicas:
reflexões acadêmicas sobre o desenvolvimento social e o combate à fome, v.1 – Brasília, DF, 2014.
MINC – Ministério da Cultura: Catálogo Cultura Viva – Programa Nacional de Cultura, Educação
e Cidadania. Brasil 2005
MINC – Ministério da Cultura: Programa Cultura Viva – Documento Base. Brasília – Agosto/2013
PFEIFFER, Peter. O Quadro Lógico: um método para planejar e gerenciar mudanças. Revista do Serviço
Público, Ano 51, Número 1, Jan-Mar. Brasília: ENAP, 2000
SILVA, Gerardo. Política Cultural no Brasil In: Políticas Públicas em Debate (Vitor Marchetti org.). 1ª
Ed. São Bernardo do Campo, SP: MP Editora, 2013. Cap. 6. p. 119–135.
TURINO, Célio. Ponto de Cultura: O Brasil de Baixo para Cima. 2ª Ed. São Paulo: Anita Garibaldi, 2010

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LEI DA TV PAGA COMO POLÍTICA CULTURAL DE ACESSO:


A NOVA FRONTEIRA DE FOMENTO À DIVERSIDADE NO AUDIOVISUAL
Ana Heloiza Vita Pessotto 1
Pedro Santoro Zambon 2

RESUMO: Por vários anos a centralidade das discussões sobre políticas culturais se manteve
na questão do incentivo à produção de conteúdo. A concentração dos meios de produção era
o obstáculo a ser superado. Em dez anos, o setor foi contemplado com inúmeros dispositivos
de fomento para ampliar o acesso aos meios de produção aos atores que antes eram excluídos
do sistema, principalmente, por falta de recursos financeiros. Agora, o passo seguinte trata
de aumentar a abrangência de distribuição e acesso a estes conteúdos. Este artigo tem como
objetivo destacar esta crescente centralidade das discussões de políticas culturais para o acesso,
destacando a Lei 12.485/11, conhecida como Lei da TV paga.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas de Fomento, Políticas de Acesso, Lei da TV Paga, Cota de Tela

O centro das discussões sobre políticas culturais se manteve, durante anos, na questão do
incentivo - seja ele financeiro, instrumental e /ou técnico - à produção de produtos culturais. A
concentração dos meios de produção era o obstáculo a ser superado.
O audiovisual, por ter uma estrutura complexa de produção, não era um modelo acessível
a todos. O custo para a execução da obra audiovisual, e a necessidade de conhecimentos
tecnicamente específicos tornava a produção uma etapa difícil de ser concluída, o que gerava
um empecilho ao desenvolvimento de projetos independentes.
Em 1993, a Lei do Audiovisual dá início onda de políticas e ações governamentais
direcionadas à produção audiovisual. A criação da Agência Nacional do Cinema, em 2002, é outra
importante vitória para o audiovisual, que iniciava uma trilha de crescentes ações do Estado a seu
favor. Em dez anos, o setor foi contemplado com inúmeros dispositivos de fomento à produção,
que visavam ampliar o acesso aos meios de produção aos atores que antes eram excluídos

1
Graduada em Radialismo, mestranda em Comunicação na Unesp, orientada pela Prof. Dra. Maria Teresa Miceli
Kerbauy. Email: anahvp@gmail.com
2
Mestre em Comunicação, doutorando em Comunicação na Unesp, orientado pelo Prof. Dr. Juliano Maurício de
Carvalho. Email: pedro@faac.unesp.br

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do sistema, principalmente, por falta de recursos financeiros. Leis e editais aqueceram o mercado
audiovisual nacional com a intenção de promover a cultura nacional e tirar o estigma que o
conteúdo brasileiro ao superar os preconceitos com produções brasileiras e superar o fantasma
das telenovelas nas obras destinadas á televisão.
As ações estão constantemente em atualização para que moldar os dispositivos aos
objetivos desejados, conforme são vistos os resultados na prática.
As produções aumentaram consideravelmente. Em 2002, a Ancine emitiu 1358
Certificados de Conteúdo Brasileiro - documento apto à comprovação da nacionalidade de obras
audiovisuais não publicitárias brasileiras - em 2014 a Agência emitiu 7391 certificados, um
crescimento de mais de cinco vezes. Contudo, o fomento à distribuição destes produtos não
evoluiu no mesmo ritmo que o incentivo à produção. As obras são realizadas, mas, sem respaldo
legislativo sólido para suas exibições, muitas vezes se tornam obras inacessíveis ao público.
Duas ações específicas de destaque direcionaram suas preocupações a este obstáculo. A Lei
12.485/11, conhecida como Lei da TV paga. Este artigo tem como objetivo destacar a crescente
centralidade das discussões de políticas culturais para o acesso ao conteúdo de modo a demonstrar
que este seria o próximo passo na cadeia do fomento à promoção do audiovisual brasileiro.
Partindo de uma exposição dos dispositivos de fomento à produção já existentes, busca-
se demonstrar que um dos grandes gargalos atuais para a consolidação de um setor audiovisual
independente não é mais o acesso aos meios de produção, mas a veiculação destes conteúdos
ao público. A análise da Lei da TV paga e o decreto da cota de tela, por meio de análise de
documento, permite observar quais as alterativas que o Estado encontrou, nesse momento,
para superar o obstáculo da exibição na intenção de promover a cultura nacional e a produção
brasileira através do audiovisual.

1. DISTRIBUIÇÃO, ACESSO E DIVERSIDADE CULTURAL


A democratização da comunicação é um dos alicerce das políticas públicas culturais e
de comunicação, ela pressupões aqui o acesso aos meios de produção e distribuição de obras
audiovisuais, possibilitando uma multiplicidade de atores envolvidos no processo, com a
intenção de tornar as estruturas mais acessíveis, ampliando a produção regional, independente
e a diversidade cultural, em uma busca por um equilíbrio mais justo de forças entre os grandes
conglomerados de comunicação e os agentes culturais independentes.
A TV e os meios de comunicação digitais tem se tornado cada vez mais protagonistas
no cenário da cultura. Canclini questiona a antiga tendência das políticas públicas culturais
a se concentrarem no que se chamava de “alta” cultura e nos museus e elementos históricos,
trazendo à tona os novos meios de disseminação de cultura no contexto da globalização, dentro
do qual o audiovisual tem papel de destaque.

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Que eficácia podem alcançar as políticas culturais de integração se


continuam a limitadas à preservação de monumentos e do patrimônio
folclórico, às artes cultas que estão perdendo espectadores? Não é a
menor, entre as questões que cabe fazer à globalização, a que indaga se
os acordos de livre comércio serão úteis ao desenvolvimento endógeno
das indústrias culturais (cinema, televisão e vídeo), onde hoje se formam
os gostos de massa e a cidadania. (CANCLINI, 1999, p.63-64)
Dentro do mercado dos meios de comunicação, promover a diversidade é uma tarefa
desafiadora por se tratar de um setor econômico que prevê o lucro. Como considerar uma
diversidade cultural quando os atores responsáveis pelos produtos culturais são os mesmos, que
usam seu poder hegemônico para a “representação”, muitas vezes leviana, dessas diversidades?
A diversidade cultural pressupõe, portanto, também a diversidade de fontes de produção.
Faz parte do papel do Estado lutar pelo desenvolvimento das diversas comunidades
e culturas, assim como buscar ferramentas que possibilitem o acesso de todos aos bens de
produção, na tentativa de alcançar um parâmetro igualitário de oportunidades. Ao promover a
diversidade, o que se faz é permitir que grupos de diferentes regiões, diferentes crenças e culturas
possam comunicar suas ideias e dialogar com culturas e crenças de outras regiões. Essa troca
é o combustível da cultura nacional – na verdade, das culturas nacionais – dentro do mundo
globalizado. Esse arranjo em que a troca não tem como intenção “catequisar” o “outro” e sim
de conhecer e promover o desenvolvimento ambos a partir desse “encontro”. Abre-se assim a
possibilidade de uma descentralização do conhecimento, possibilitando uma ampliação de acesso
e divulgação de modos, estilos e estéticas diferentes (CANCLINI, 1999, p.46 – 191 – 192).
O que acontece com frequência na influência dos modelos norte-americanos nas narrativas
audiovisuais é que a concepção estética brasileira está contaminada com o padrão que assimilou
das obras norte-americanas que consumiu por muitos anos e ainda consome, tanto pelo cinema
quanto pela televisão. Consequentemente, ao consumir o produto brasileiro, o espectador o analisa
a partir do juízo estético que apreendeu, ou seja, o norte-americano. A presença de uma diversidade
cultural na TV paga pode ser um mecanismo de transformação dessa concepção estética, libertando-
se da tediosa, limitada e limitadora uniformidade.
As questões da cultura nacional e da estética são importantes nessa discussão, mas Canclini
(1999, p.221) eleva a importância da diversidade até a noção de democracia, “A diversificação
dos gostos pode ter algo a ver com a formação cultural de uma cidadania democrática. ”.
A diversidade se torna uma possibilidade de articular o global com o local. A resistência
ao hegemônico e nacional unificado em forma de produções heterogêneas ampliam a visão do
que é nacional e quais são as múltiplas facetas de uma nação complexa.
Para que a diversidade seja promovida é preciso também promover a descontração da
produção, incentivando a produção regional e a abertura do mercado para novos atores, novas

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estéticas e novas narrativas, que podem ser alcançadas ao impulsionar a produção independente
de obras audiovisuais.
Em um setor baseado no lucro e controlado, em sua maioria, por grandes conglomerados
de comunicação, este panorama de desconcentração e produções diversas precisa de políticas
públicas que possibilitem oportunidades mais equilibradas de produção e, mais do que isso, dar
uma atenção mais que especial a exibição. Canclini (1999) defende a importância do papel das
políticas públicas nesse cenário:
[...] penso que a firmação da diferença deve estar unida a uma luta
pela reforma do Estado, não apenas para que aceito o desenvolvimento
autônomo de ‘comunidades’ diversas, mas também para assegurar iguais
possibilidades de acesso aos bens da globalização. (CANCLINI, 1999,
46)
O incentivo aos conteúdos está sendo bem sucedido, mas sem um canal de distribuição
dessas obras, o sistema de funcionamento do setor fica repleto de produções não veiculadas e
este procedimento entrava a possibilidade de uma maior ampliação na produção.
Alguns dispositivos normativos já estão se concentrando ultrapassar esse obstáculo, ao
prever em seus textos as possibilidades e obrigatoriedades de exibição do conteúdo brasileiro.

2. DISPOSITIVOS DE FOMENTO AO SETOR DO AUDIOVISUAL


Contemplam hoje o audiovisual a Lei do Audiovisual, a medida provisória que deu
origem à Ancine - na qual são estabelecidos a CONDECINE e o fundo setorial do audiovisual -
a Lei da TV paga e o Decreto de cota de telas.
A Lei do Audiovisual (Lei 8.685/1993), que cria incentivos fiscais para pessoas jurídicas
e físicas interessadas em investir em projetos de cunho exclusivamente audiovisual. O Artigo
1º se refere à aquisição dos chamados Certificados de Investimento Audiovisual, títulos
representativos de cotas de participação em obras cinematográficas, cujo investimento é até
100% dedutível do Imposto de Renda, limitado a 4% do IR devido. O investidor torna-se cotista
da produção a fundo perdido, com participação nos lucros gerados pela obra audiovisual na
proporção de seu investimento no projeto.
A Lei do Audiovisual também substitui a Lei Rouanet para o investimento em Cinema
de longa-metragem desde de 2007 (Artigo 1ºA, incluído pela Lei nº11.437/2006). Diante
da dificuldade apresentada pelos projetos de jogos digitais para a captação de recursos pelo
artigo 26 da Lei Rouanet, a inclusão destes no dispositivo da Lei do Audiovisual tornaria o
investimento mais atrativo, principalmente ao oferecer cotas de participação nos lucros gerados.
Outro dispositivo é o descrito pelo Artigo 3º, destinado ao investimento de empresas estrangeiras
distribuidoras de obras audiovisuais no mercado brasileiro. As produtoras internacionais, que

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exploram obras audiovisuais em território nacional, podem abater até 70% do imposto de renda
devido em contrato de coprodução com produtoras brasileiras.
A Lei do Audiovisual é gerida pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), agência
reguladora criada em 2001 pela Medida Provisória 228-1, que tem como atribuições o fomento, a
regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. A agência foi criada
no fim do governo Fernando Henrique e estava vinculada ao Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (MDIC), passando a ser subordinada ao Ministério da Cultura
(MinC) no governo Lula em 2003.
A MP 228-1 também cria o CONDECINE (Contribuição para o Desenvolvimento
da Indústria Cinematográfica Nacional), que incide sobre as obras cinematográficas e
videofonográficas com fins comerciais. Caso os jogos digitais sejam incluídos no espectro da
legislação, duas modalidades do CONDECINE poderiam ser aplicadas.
O CONDECINE Título incidiria sobre a exploração comercial de obras audiovisuais
em cada um dos segmentos de mercado (salas de exibição, vídeo doméstico, TV por assinatura,
TV aberta e outros mercados), com o valor da contribuição variando conforme o tipo da obra
(publicitária ou não), o segmento de mercado e, no caso das obras não publicitárias, a duração
(curta, média ou longa-metragem) e, ainda, a forma de organização da obra (seriada, na qual a
cobrança se dá por capítulos ou episódios).
Já a modalidade do CONDECINE Remessa constitui uma alíquota de 11% que incide
sobre a remessa ao exterior de importâncias relativas a rendimentos decorrentes da exploração de
obras cinematográficas e videofonográficas, ou por sua aquisição ou importação. Estarão isentas
do pagamento da CONDECINE as produtoras que optarem por aplicar o valor correspondente
a 3% da remessa em projetos de produção de conteúdo audiovisual independente em território
nacional, aprovados pela ANCINE.
A ação colaborativa do Estado com os agentes do setor de TV paga gerou uma abertura e
ampliação do conteúdo nacional no país, com um crescimento nas produções nacionais exibidas
no serviço. Neste cenário, a HBO foi um dos canais que acolheu a proposta e no período realizou
no Brasil produções como Filhos do Carnaval, de 2006, e o drama intitulado Alice, de 2008,
além de ter criado projetos que viriam a ser utilizados por causa das cotas estabelecidas pela lei
que seria sancionada em 2011. Mas deve-se atentar ao fato de que a isenção está direcionada ao
incentivo à produção de obras brasileiras, não sendo requerida a sua exibição.
A movimentação em relação às políticas culturais direcionadas ao audiovisual teve
destaque no governo do presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva (2003-2011). O ministro da
Cultura do primeiro mandato de Lula foi o músico Gilberto Gil (2003-2008). Este foi um período
marcado por uma busca pela abrangência e a articulação da amplitude das atividades culturais
que foram abarcadas. Buscou-se dar, o que Rubim (2008, p.197-198), considerou como, uma

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contemporaneidade ao Ministério, com a preocupação em colocar o Estado em uma posição


de protagonismo com a promoção e financiamento da cultura nacional e nesse cenário também
explorou o incentivo aos modelos de culturas digitais e audiovisuais. O objetivo era consolidar
institucionalmente o Ministério e fomentar as políticas públicas culturais, dentre as quais se
incluem os produtos audiovisuais.
A partir da aprovação da Lei nº 11.437/2006 as receitas da taxa CONDECINE são
voltadas para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), e o recolhimento por parte dos jogos
digitais possibilitaria eventuais editais voltados especificamente para o setor, por meio do fundo.
Regulamentado pelo Decreto nº 6.299/2007, ele é destinado ao desenvolvimento articulado da
cadeia produtiva do audiovisual, incluindo produção, distribuição/comercialização, exibição,
e infraestrutura de serviços. O FSA possui diversos programas voltados aos segmentos da
indústria do audiovisual. Na área de produção e distribuição, há linhas de ação voltadas à
produção cinematográfica (PRODECINE), produção de conteúdos audiovisuais independentes
(PRODAV), além de uma linha dedicada para comercialização de obras cinematográficas
(Programa Cinema Perto de Você).

Tabela 1: Orçamento Fundo Setorial do Audiovisual

Fonte: Ancine

Os editais da linha são lançados por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento


da Indústria Audiovisual, PRODAV, voltado ao incentivo a projetos audiovisuais independentes
em formatos variados, constando, como objetivo específico do desenvolvimento de projetos do
Regulamento Geral do Programa, “incentivar a aproximação dos desenvolvedores de jogos
eletrônicos com as cadeias produtivas de conteúdos para cinema e televisão, financiando

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o desenvolvimento de projetos integrados” (ANCINE, 2014, p.8), colocando entre os


beneficiários “as empresas brasileiras desenvolvedoras de jogos eletrônicos ou para outras
obras audiovisuais” (p.11).
São cinco linhas de editais do PRODAV, sendo os dois primeiros voltados para projetos
e conteúdos para o mercado da televisão e os demais voltados para o desenvolvimento de
audiovisual. Os editais visam o desenvolvimento de projetos e obras audiovisuais destinados à
TV paga e aberta, salas de exibição e vídeos por demanda (VOD) podendo prever a realização
de episódios-pilotos, ‘webisódios’ e demos jogáveis, e realização de pesquisas qualitativas
elaboradas por institutos de pesquisa, visando a contratação para apoio financeiro.
São três linhas, uma voltada para o desenvolvimento por meio de Núcleos Criativos
(BRDE/FSA PRODAV 03/2013 e 03/2014), outra para o desenvolvimento por meio de
Laboratórios de Desenvolvimento (BRDE/FSA PRODAV 04/2013 e 04/2014) e outra
individual (BRDE/FSA PRODAV 05/2013 e 05/2014).
Somam-se os eixos de “Capacitação e formação profissional” (que inclui o PRONATEC
Audiovisual); a “Produção e difusão de conteúdos brasileiros” (que envolve 700 milhões de
reais investidos para produzir uma meta de 2 mil horas de conteúdo nacional); e o “Programa
Cinema Perto de Você” (que envolve 350 milhões de reais para a abertura e modernização de
salas de cinema em todo o Brasil).
O principal programa do governo federal que se vale dos fundos do FSA é o Brasil de
Todas as Telas, instituído pelo decreto nº 8.281/14 e formulado com base nos Planos de Diretrizes
e Metas para o Audiovisual (ANCINE, 2013). Ele concede à Ancine poderes para adotar medidas
que visam a desburocratização e a simplificação de procedimentos de fomento ao audiovisual.
O primeiro dos quatro eixos do programa é o “Desenvolvimento de projetos, roteiros, marcas
e formatos”, que recebeu 94 milhões de reais em investimento para três linhas de ‘Núcleos
Criativos’, de ‘Desenvolvimento de Projetos’ e de ‘Laboratórios de Desenvolvimento’. Um dos
seus objetivos é a democratização do acesso aos produtos e direciona seus investimentos também
em distribuição. Um de seus eixos é a linha de produção de conteúdos para TV pública, o que
permite uma relação entre agentes econômicos privados e públicos, com meta de produção duas
mil obras. A exibição fica por conta das TVs públicas de todo o território nacional.
A Lei da TV paga foi elaborada a partir de um projeto de lei encaminhado em 2007
à Câmara dos Deputados pelo deputado estadual por Santa Catarina Paulo Roberto Barreto
Bornhausen, no período em questão filiado ao Partido da Frente Liberal (PFL).
Depois de mais de dez anos de desenvolvimento acelerado das tecnologias de informação
e de mudanças políticas e econômicas no Brasil, o projeto de lei voltado para a “organização e
exploração das atividades de comunicação social eletrônica” pretendia revogar a Lei do Cabo.

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O principal objetivo era de atualizar a lei quanto às novas tecnologias, em um panorama de


convergência das mídias (JENKINS, 2008), além da ampliação das fontes de informação para
os cidadãos brasileiros, ao visar uma democratização do acesso à informação.
A consciência de uma determinada comunidade é em grande parte
derivada das noções contidas na variedade da cadeia de valores culturais
e sociais dessa sociedade, manifestando-se pelas produções culturais,
artísticas, literárias, econômicas, e outras, que fomentam as relações
e integrações entre as pessoas. Com isso, este Projeto de Lei tem o
escopo de buscar, dentro do aparato constitucional, legal e regulatório
já existente, a construção de um modelo social, inclusivo e eficiente
que possibilite a democratização do acesso à informação pelos meios de
comunicação social eletrônica, facultando a multiplicidade de fontes, e
de meios de distribuição, de informação, lazer e entretenimento para a
população brasileira. (PROJETO DE LEI 29/2007)
O Projeto de Lei numerado na Câmara 29/2007, propunha inicialmente a convergência
de uma lei para toda a variedade de processos de veiculação de - o que ele chama, “comunicação
social eletrônica”.
Art. 5º A distribuição de conteúdo eletrônico é inerente aos seguintes
serviços de telecomunicações:
I - Serviço de radiodifusão sonora;
II - Serviço de radiodifusão de sons e imagens;
III - Serviço de TV a Cabo;
IV - Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por
Assinatura via Satélite (DTH);
V - Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS);
VI - Outros serviços, conforme disposição da Anatel.
(PROJETO DE LEI 29/2007)
Ao acoplar em uma mesma legislação os serviços de radiodifusão, TV paga e internet, o
projeto propunha uma legislação de comunicação pautada na natureza do conteúdo e não mais
na tecnologia de transmissão de informações e dispositivos de recepção, apesar de não criar
normas voltadas à regulamentação do conteúdo em si.
Contudo, a concentração de todas as tecnologias de transmissão de “conteúdo eletrônico”
em um único texto exigiria uma elaboração muito detalhada, focada em estudos sobre a natureza
de cada meio. A radiodifusão trata-se de um serviço privado, mas que utiliza concessões públicas
para o uso do espectro de onda, que pertence à União, o que não acontece com os outros meios
citados. As especificidades de cada meio dificultam a elaboração de uma legislação que incorpore
todos eles.

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O projeto de Lei sofreu muitas emendas em seu texto, antes de, em 2011, se transformar
na Lei 12.485, Lei da TV paga.
A lei inovou com um artigo inteiro direcionado ao conteúdo nacional e focado na exibição
destes conteúdos. O conteúdo nacional e suas especificações estão concentrados no capítulo V,
intitulado Do Conteúdo Brasileiro. Este capítulo versa sobre as obrigações de veiculação de
conteúdo brasileiro nos canais de TV paga. Para a lei, os canais de espaço qualificado, ou seja,
os que exibirem prioritariamente programas que
[...] não são conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos
esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos
eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual
veiculado em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e
programas de auditório ancorados por apresentador (LEI 12.485/2011).
Deverão ter 3h30 (três horas e trinta minutos) de programação nacional semanal exibida
durante o horário nobre, metade dessa cota deverá ser produzida por produtora brasileira
independente. A cada três canais de espaço qualificado ofertado no pacote do serviço de acesso
condicionado, um deve ser brasileiro de espaço qualificado. A operadora é obrigada a cumprir
a porcentagem até um limite de 12 canais brasileiros, são considerados canais brasileiros de
espaço qualificados os que veicularem 12 horas de conteúdo brasileiro independente, 03 delas
no horário nobre. No caso de o pacote ofertado possuir um canal gerado por programadora
brasileira com predomínio de produções jornalísticas, “deverá ser ofertado pelo menos um canal
adicional de programação com as mesmas características no mesmo pacote ou na modalidade
avulsa de programação” (BRASIL, Lei 12.485/2011, 2011). Canais de operação do Poder
público, exibidos em radiodifusão, canais que não tem seu conteúdo adaptado para o Brasil,
como legendas e dublagens, canais de modalidade avulsa e canais de cunho erótico estão
liberados das obrigatoriedades de cota de veiculação de conteúdo nacional. Os conteúdos, para
se encaixarem nas cotas, precisam ter sido produzidos nos sete anos anteriores a sua veiculação.
O horário nobre será delimitado pela Ancine, não podendo extrapolar sete horas para os canais
infanto-juvenis e seis horas para os demais. Impõem-se o limite de exibição de publicidade igual
ao do serviço de radiodifusão, que equivale a 25% da programação.
O capítulo VI Do Estímulo à Produção Audiovisual estabelece acréscimo e uma mudança
na redação da Medida Provisória 2.228-1 de 2001, nos artigos que versam sobre a CONDECINE
(Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional). São decretados
os detalhes sobre o recolhimento da CONDECINE, e incluem entre as obras cinematográficas e
videográficas as obras disponibilizadas no serviço de acesso condicionado. Há também anexos
à Lei 11.437 de 2006, que discorre especificamente sobre a contribuição, estabelecendo uma
divisão percentual dos recursos, para que haja um investimento nas áreas menos desenvolvidas

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no setor audiovisual, como a Região Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as quais se destinarão 30%
dos recursos.
O mercado de TV paga no Brasil já está mais desenvolvido e conta com a participação de
grandes empresas e conglomerados de comunicação o que dificulta a adaptação desse mercado
às mudanças estabelecidas pela lei de 2011. Durante entrevista para o grupo Folha, Fernando
Meirelles, diretor de cinema e sócio da produtora O2 filmes, que convive com os dois setores,
tanto o cinema quanto à TV, onde começou sua carreira, comparou o impacto que a Lei do
Audiovisual teve sobre a indústria do cinema brasileiro com um possível impacto da Lei do
Acesso condicionado no mercado audiovisual.

2. PRODUÇÃO AUDIOVISUAL BRASILEIRA: QUEM TE VIU E QUEM TE VÊ

Gráfico 01: Evolução Quantidade de Horas de programação brasileira/estrangeira – 2014

Fonte: Ancine

As cotas obrigatórias de exibição da TV paga já têm transformado o cenário e a


participação do conteúdo brasileiro na TV paga. O gráfico abaixo mostra o aumento de horas
de exibição de produtos audiovisuais nacionais no setor desde a implementação da lei até 2014.
Apesar de o aumento ser considerável, o crescimento não é tão grande se for observado
o número em comparação com as horas de conteúdo estrangeiro. A quantidade de produção não
se compara a quantidade de exibição.

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Tabela 02: quantidade de horas de programação Brasileira – estrangeira

Fonte: Ancine

Cabe aos agentes de políticas públicas aterem-se a pauta da exibição para que a diversidade
cultural e a promoção da cultura nacional sejam alcançadas com êxito pelo audiovisual. O
caminho sugerido pelas leis descritas é a ampliação do acesso por meio do estabelecimento de
cotas de transmissão. Este entendimento é o início de um processo que percebe a importância
da regulação dos meios de transmissão de conteúdo como parte da consolidação de uma cadeia
de produção de conteúdo cultural nacional. Com o acesso ao fomento e linhas de investimento
crescentes, a fronteira a ser vencida ainda é o monopólio dos meios de comunicação, que
dominam a transmissão de conteúdos audiovisuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANCINE. Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual. Rio de Janeiro, 2013.


ANCINE. Relatório anual de gestão do Fundo Setorial do Audiovisual. Rio de janeiro, 2014.
BRASIL. As Agências Reguladoras fiscalizam a prestação de serviços públicos. 2014.

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BRASIL. Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006. Condecine.
BRASIL. Medida Provisória nº 2.228-1, de 06 de setembro de 2001.
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do Vale do Rio dos Sinos, 2003.
BRITTOS, Valério Cruz. A participação do Estado no mercado de TV por assinatura. Verso e Reverso,
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jun. 2008.

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“FORA DA NOVA ORDEM MUNDIAL?”: O NEOLIBERALISMO E AS


POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CINEMA NO BRASIL E NA ARGENTINA DOS
ANOS 1990
Ana Julia Cury de Brito Cabral1

RESUMO: Este artigo aborda as mudanças nas políticas públicas cinematográficas do Brasil
e da Argentina a partir de início dos anos 1990, no contexto de ascensão de governos de
orientação neoliberal em ambos os países. Eleitos em 1989, tanto Fernando Collor de Mello,
no Brasil, como o argentino Carlos Menem promoveram mudanças imediatas nas políticas
econômicas de seus países, bem como especificamente nas políticas públicas destinadas ao
cinema nacional. Neste trabalho, buscou-se compreender em que medida essas novas políticas
refletiram o ideário neoliberal em voga — e quais grupos de interesse influenciaram, em cada
país, a sua conformação. A metodologia adotada consistiu em análise da legislação pertinente e
em revisão bibliográfica, a partir do enquadramento teórico do debate no campo da Economia
Política da Comunicação.

PALAVRAS-CHAVE: Cinema, Economia política, Neoliberalismo, Brasil, Argentina.

1. INTRODUÇÃO
Este artigo é uma síntese da tese de doutorado em que se propôs uma reflexão abrangente
sobre as transformações dos mercados cinematográficos do Brasil e da Argentina no contexto
de ascensão, a partir dos anos 1990, de governos neoliberais nesses países. Naquele momento
histórico, houve mudanças importantes nas políticas públicas para o cinema, tanto no Brasil de
Fernando Collor/Itamar Franco quanto na Argentina de Carlos Menem, as quais impactaram os
mercados de cinema locais. Neste artigo, a proposta é compreender em que medida as diretrizes
neoliberais hegemônicas inspiraram as novas políticas públicas para o cinema — e quais grupos
de interesse influenciaram, em cada país, a conformação dessas políticas.

1
Ana Julia Cury de Brito Cabral é Doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro e membro do grupo de pesquisa PEIC (Políticas e Economia da Informação e da
Comunicação), na mesma instituição. Atualmente, exerce o cargo de Coordenadora de Programas Internacionais de
Cooperação e Intercâmbio na Agência Nacional do Cinema, onde é servidora do quadro efetivo desde 2010. E-mail
de contato: ajcury@gmail.com.

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Por um lado, a opção por realizar um estudo comparado com a Argentina se deu pela pro-
ximidade geográfica, política, econômica e cultural — estas últimas incentivadas pelo processo
de integração regional via Mercosul —, que facilitou o acesso a dados e pesquisas sobre o cine-
ma argentino. A segunda razão consistiu no fato de que a cadeia produtiva do cinema argentino,
ao contrário de países menores da região,2 como Uruguai e Paraguai, tem uma trajetória similar
à brasileira porque já viveu períodos de relativo desenvolvimento e autonomia com relação à
Hollywood, como mostram estudos de pesquisadores lá e cá (Autran, 2004; Getino, 2003).
A hegemonia do filme de Hollywood nos mercados cinematográficos dos países latino-
-americanos ao longo do século XX gerou debates teóricos diversos. A historiografia brasileira,
por exemplo, refletiu sobre a condição de “subdesenvolvimento” (Gomes, 1996) do cinema
nacional, mas os estudos dedicados a investigar a relação entre economia, política e cinema no
Brasil ainda são coadjuvantes num cenário acadêmico em que prevalecem abordagens de ordem
estética ou análises de conteúdo. Tomando como referência estudos seminais desenvolvidos
desde os anos 1960 (Mattelart, 1999), sob o ângulo da Economia Política da Comunicação, este
artigo propõe uma abordagem crítica de um momento histórico crucial para a conformação atual
dos mercados de cinema brasileiro e argentino.
Os estudos sobre a hegemonia de Hollywood em mercados estrangeiros têm mostrado
como a indústria estadunidense representou (e ainda representa) um obstáculo às possibilida-
des de desenvolvimento de outras cinematografias ao redor do mundo (Aksoy e Robins, 1992;
Guback, 1969; Pendakur, 1990; Wasko, 1982, 1994, 2003). Dados reunidos por pesquisadores
latino-americanos ao longo das últimas décadas revelaram um aprofundamento do desequilíbrio
nas trocas entre os cinemas nacionais e Hollywood a partir dos anos 1990. Embora a história do
cinema latino-americano mostre que, em épocas distintas, algumas cinematografias nacionais se
destacaram — por exemplo, a argentina nos anos 1930 e a brasileira nos anos 1940 —, não se
constituiu no continente uma indústria cinematográfica estabilizada. No início do século XXI, a
situação dos intercâmbios regionais era de desequilíbrio flagrante: em 2002, enquanto em qual-
quer país da América Latina a proporção de filmes hollywoodianos oscilava entre 70% e quase
100%, apenas 6,1% dos filmes em cartaz nos EUA vinham de fora (4,6% da Europa e 1,5% do
“resto do mundo”) (Bolaño, Santos e Dominguez, 2006; Ruiz, 2006).
A hegemonia de Hollywood inspirou movimentos de resistência em diversos países —
por exemplo, o Cinema Novo no Brasil e o Terceiro Cinema na Argentina, nos anos 1960, se
construíram em reação ao domínio econômico e cultural do cinema estadunidense. No caso do

2
Como explica Getino (2003), a maior capacidade produtiva no campo das indústrias culturais e da comunicação
do Mercosul se concentra, como se sucede com as outras indústrias em geral, no Brasil e na Argentina, os países
que representam a maior dimensão territorial e populacional e os índices mais elevados de produção e consumo dos
meios de comunicação e dos bens e serviços culturais.

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Cinema Novo, a postura crítica radical do início deu lugar a uma aproximação efetiva com o
Estado, em pleno regime militar, após a criação da Embrafilme em 1969 — empresa pública
responsável pelo maior market share do cinema brasileiro em toda a sua história. Na Argentina
do início dos anos 1990, a mobilização e o apelo político da corporação cinematográfica resulta-
ram, por sua vez, num paradoxo: na contracorrente das medidas neoliberais aplicadas a diversos
setores da economia do país, inclusive no da televisão paga, o governo Menem aprovou a Ley
de Cine em 1994, fortalecendo as políticas públicas de apoio e proteção ao cinema nacional
(Amancio, 2000; Marino, 2012).
Como revelam as pesquisas supracitadas, a centralidade do Estado marcou a história do
cinema no Brasil e na Argentina — e não foi diferente no início dos anos 1990, quando a disputa
de grupos de interesse pela formulação das políticas do setor se organizou em torno do poder
público. Do Estado, tanto o brasileiro quanto o argentino, dependeram e partiram as adaptações
legislativas e os novos regulamentos criados a fim de estabelecer um paradigma para o fomento
ao cinema no contexto de implantação de diretrizes de política econômica neoliberal em ambos
os países a partir do início dos anos 1990. Portanto, as políticas públicas dos Estados brasileiro
e argentino (ou a ausência delas) determinaram, em grande parte, a forma de inserção da cine-
matografia desses países na nova ordem neoliberal (Getino, 2005).
Algumas perguntas se impuseram como ponto de partida para a reflexão proposta: quais
foram as mudanças nas políticas públicas para o cinema no Brasil e na Argentina a partir do
início dos anos 1990, no contexto de adoção de políticas econômicas de cunho neoliberal em
ambos os países? Quais interesses em disputa convergiram para essas mudanças? Por que, em
ambos os casos, o núcleo dessas políticas foi o fomento à produção cinematográfica, deixando
de lado os outros dois elos da cadeia produtiva do cinema (a distribuição e a exibição)? E qual
interpretação histórica desse processo se pode construir?
Para realizar essa tarefa, adotou-se como metodologia a revisão bibliográfica e a análise
documental da legislação pertinente, além do levantamento de dados estruturais do setor. No
que diz respeito à bibliografia relevante, pode ser dividida em dois grandes grupos: de um lado,
os estudos seminais na área da economia política da comunicação e do cinema, que inauguram o
campo teórico em que este trabalho se insere, dentre os quais o livro de Guback (1969). De outro
lado, as pesquisas recentes sobre a economia e a política do cinema latino-americano, e mais
especificamente dos cinemas brasileiro e argentino, como no caso da tese de Marino (2012).
A legislação analisada refere-se ao período histórico delimitado, ou seja, inclui não ape-
nas as leis que instituíram as políticas públicas para o cinema, mas também que promoveram
alterações nas estruturas dos Estados brasileiro e argentino, bem como em suas economias.
Dentre os normativos analisados, é possível destacar a lei 8.029/90, de reforma geral do Estado
brasileiro, a lei 8.313/91 e a lei 8.685/93, que criaram o modelo de incentivos fiscais para o fi-

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nanciamento da cultura; e, no caso argentino, a lei 23.696/89 de Reforma do Estado, bem como
a lei 24.377/94, mais conhecida como Ley de Cine.

2. “FORA DA NOVA ORDEM MUNDIAL?”: AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE


CINEMA NO BRASIL E NA ARGENTINA DOS ANOS 1990
No início dos anos 1990, o contexto histórico em que se instituíram as novas políticas
públicas cinematográficas do Brasil e da Argentina foi marcado pelo fim do mundo bipolar e
pela expansão da globalização neoliberal capitalista. A chegada da era neoliberal3 pressupôs
a disseminação de uma série de diretrizes políticas e econômicas da nova ordem mundial, co-
nhecida como Consenso de Washington. Dentre elas, a de um Estado mínimo, que interviesse
apenas o indispensável na economia, e cuja regulação deveria ser feita segundo a lógica do mer-
cado. Desregulamentações e privatizações ratificaram a entrada de ambos os países num novo
mundo globalizado, simbolizado pelas infovias e novas tecnologias da comunicação (Harvey,
2008; Santos, 2004).
Os impactos da nova ordem mundial foram, contudo, diferentes em cada país, e os graus
de adesão de cada Estado nacional ao modelo neoliberal também divergiram. Para os diferentes
setores da economia, a adoção de políticas neoliberais não foi homogênea. Por isso, não é pos-
sível oferecer uma resposta única e simples à pergunta central: as políticas públicas do cinema
brasileiro e argentino estiveram dentro ou fora da nova ordem mundial? Diante de uma realidade
complexa, é preciso construir uma análise dialética. Assim, a escolha da Economia Política da
Comunicação como olhar teórico balizador deste trabalho justifica-se pela perspectiva histori-
cista do campo e sua contextualização do universo da comunicação e da cultura aos sistemas
político-econômicos hegemônicos.

3. O MODELO DE INCENTIVO FISCAL BRASILEIRO E A ADESÃO AO


DISCURSO NEOLIBERAL
Em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello assumiu oficialmente o cargo de
presidente da República Federativa do Brasil ao vencer a primeira eleição direta realizada no
país após vinte e cinco anos de regime de exceção. Em seu discurso de posse, dirigido aos con-
gressistas, Collor relembrou os grandes temas de seu programa de governo, dentre os quais o
combate à inflação, a urgência de realizar a reforma do Estado e a modernização econômica do
país, e a preocupação com a posição do Brasil no mundo contemporâneo. Sobre o último ponto,
ele afirmou:

3
Alguns teóricos apontam as origens do neoliberalismo na virada dos anos 1970-1980; contudo, a importância
da segunda virada, entre 1989 e 1991, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, é notável — e
constitui o marco histórico de interesse deste trabalho (Harvey, 2008).

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Antes de tudo, é preciso registrar impressionante mudança no cená-


rio internacional. O perfil de uma nova Europa Oriental faz ver como
encerrada uma fase na história das relações internacionais, dominada
pelo confronto ideológico Leste-Oeste. Fica definitivamente sepultada a
guerra fria. Repensam-se alianças. Cancelam-se alinhamentos. Enquan-
to isso, novas áreas se preparam para adotar as leis da economia de
mercado, com democracia, respeito pelos direitos humanos e cultura da
liberdade, que são hoje tendências universais.4
No exato dia da posse, Collor deu início à prometida reforma do Estado e pôs fim, den-
tre outras, à política cultural vigente, extinguindo a Lei Sarney e editando a Medida Provisória
151/90, em seguida convertida na Lei 8.029/90, que dispunha sobre a extinção e a dissolução de
diversas entidades da administração pública federal. A nova lei extinguiu autarquias, fundações
e empresas públicas federais como a FCB (Fundação do Cinema Brasileiro), a Embrafilme (Dis-
tribuidora de Filmes S.A.) e o Concine (Conselho Nacional do Cinema), além de ter autorizado
a privatização de outras entidades.
Naquele momento, Collor também extinguiu o próprio Ministério da Cultura, transfor-
mando-o em Secretaria e, além de pôr fim aos órgãos públicos de apoio ao cinema, promoveu
a desregulamentação da atividade, eliminando a norma que estabelecia a cota de tela para o ci-
nema nacional e abrindo as fronteiras de forma irrestrita para as importações, tanto de insumos
técnicos quanto, inclusive, do próprio filme estrangeiro. Essa série de medidas, tomada num
curto espaço de tempo, resultou num colapso do cinema brasileiro, que dependia diretamente da
política pública de fomento (Marson, 2006).
Por outro lado, a Embrafilme e seu modelo de financiamento do cinema nacional vinham
sofrendo um desgaste crescente, que assumiu ao longo dos anos 1980 a forma de um questio-
namento social difundido sobre a utilização de recursos públicos na produção cinematográfica.
Números insatisfatórios de desempenho comercial dos filmes nacionais, privilégios de um gru-
po seleto de cineastas que se beneficiava das políticas estatais e até acusações de desvios de re-
cursos públicos eram combustível que inflamava o discurso contrário à atuação do Estado como
fomentador da produção cultural nacional, ao menos naquele modelo vigente. Desde 1986, o
crescimento da hegemonia de Hollywood se notava com clareza no mercado brasileiro de salas
de exibição, com exceção do filme pornográfico e dos infantis de Xuxa e dos Trapalhões, que
seguravam parte do público do cinema nacional (Amancio, 2000; Autran, 2009).
A crise enfrentada pelo filme nacional a partir de meados da década de 1980 tinha tam-
bém relação com uma série de outros fatores, como a chegada do videocassete ao mercado au-
diovisual brasileiro, a penetração definitiva da televisão na totalidade do território continental

4
O discurso de posse de Collor pode ser acessado na biblioteca da Presidência da República em http://www.
biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/fernando-collor/discurso-de-posse/posse-collor.pdf/view (Acesso em
22 de abril de 2014).

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do país e o aumento generalizado do preço médio do ingresso de cinema, que, segundo dados
do Ministério da Cultura, passou de U$S 0,50 em 1979 a U$S 2,62 em meados dos anos 1980.5
Essa conjuntura contribuiu, certamente, para agravar a crise do modelo de apoio promovido
pela Embrafilme.
Assim, quando em 1990 foi anunciada a extinção da empresa, o setor não chegou a se
espantar com a notícia. O susto veio, no entanto, pela ausência de uma contraproposta que fosse
imediatamente colocada em vigor pelo governo:
(...) depois de quase cinco anos de crise, o meio cinematográfico aceitou,
sem maiores discussões, a extinção da Embrafilme, da reserva do mer-
cado e o fim do nacionalismo protecionista. Collor não inventou nada;
o áulico paraibano só atendeu aquilo que Hector Babenco, Silvio Back,
Carlos Reichenbach, Chico Botelho, Carlos Augusto Calil, Roberto Fa-
rias, Nelson Pereira dos Santos e a crítica na imprensa liberal pediram.
Depois de cinco anos de crise todos carimbaram seu passaporte para o
mercado neoliberal, e sem bilhete de volta. Só houve frustração quando
o avião decolou. Aí, todos perceberam que tinham ido pro espaço, lite-
ralmente. De Deus, Collor passou a ser o Diabo na Terra do Sol (Souza
apud Marson, 2006, p. 23).
A adesão da corporação cinematográfica ao discurso liberal segundo o qual a cultura
deveria ser tratada como um “problema de mercado” — conforme defendia o então Secretá-
rio da Cultura de Collor, o cineasta Ipojuca Pontes — esteve relacionada, assim, ao quadro de
crise terminal da Embrafilme. Por outro lado, a própria história de disputa entre o “cinemão” e
o “cineminha”,6 que permeou o ciclo Embrafilme, já revelava a cisão da corporação cinemato-
gráfica perante o Estado e a sociedade. Ou seja, a dissolução da Embrafilme, da cota de tela e
da regulamentação do setor contou com o aval de parte do grupo que apoiara a sua criação. A
opção pela “abertura do mercado” se consolidou com a criação da Lei 8.313 de 1991, conhecida
como Lei Rouanet, que previa a captação de investimentos no setor privado para a promoção da
cultura nacional, por meio de renúncia fiscal. O modelo de incentivos fiscais foi reforçado dois
anos depois com a Lei do Audiovisual (lei 8.685/93), destinada a estimular o financiamento da
produção de filmes em longa-metragem (Amancio, 2000; Ikeda, 2011).

5
Dados obtidos em Cinema Brasileiro: Um Balanço dos 5 Anos da Retomada do Cinema Nacional. Brasília:
SAV/MinC, 1999, p. 253-255.
6
Embora a Embrafilme fosse a maior produtora e distribuidora do cinema brasileiro durante seu período de exis-
tência, ela não era a única. Havia também os produtores independentes, isto é, os que faziam seus filmes sem o
financiamento do Estado. As pornochanchadas na década de 1970 e depois os filmes pornográficos nos anos 1980,
produzidos no Rio de Janeiro e principalmente na Boca do Lixo, em São Paulo, são exemplos dessa produção que
existiu à margem da Embrafilme, graças a um mecanismo próprio de produção, distribuição e exibição desenvol-
vido por seus realizadores. Como explica Marson (2006, p. 16): “De certa forma, o cinema da Boca conseguiu
realizar a tão sonhada integração vertical no cinema brasileiro, aliando produção, distribuição e exibição. Essa mo-
dalidade de produção cinematográfica ficou conhecida como ‘cineminha’, em contraposição ao ‘cinemão’, herdeiro
da tradição do Cinema Novo, mais ‘culto’ e financiado através da Embrafilme.”

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Ainda que não pudesse ser caracterizado propriamente como neoliberal, o modelo de
incentivo fiscal esteve mais próximo de uma concepção privatista de defesa do “livre mercado”
do que a Ley de Cine argentina. Primeiramente, a lógica da renúncia fiscal foi a de transferir às
empresas e seus respectivos departamentos de marketing a decisão sobre em quais filmes inves-
tir os recursos advindos da dedução de imposto de renda. Instaurou-se, na expressão de Autran
(2009, p. 122), “um modo privado de gerir os recursos públicos”, justificado pela tentativa de
aproximar a iniciativa privada dos cineastas a fim de convencê-la de que investir em cinema
brasileiro era um bom negócio.
Ao longo dos anos 1990, alterações na Lei do Audiovisual, como a inclusão do artigo 3º,
foram promovidas a fim de atrair a televisão aberta e as majors a investirem também no cinema
nacional — com a garantia do abatimento do imposto de renda devido, fosse sobre suas ativida-
des regulares ou o envio de remessas para o exterior. As disputas entre esses três grupos de in-
teresse (a corporação cinematográfica, a televisão aberta e as majors) marcaram as negociações
em torno do modelo de incentivo fiscal ao longo da década, culminando na criação da Ancine
(Agência Nacional do Cinema) em 2001. Sob o paradigma das agências reguladoras autônomas,
características do Estado neoliberal, a criação da Ancine encerrou o ciclo da Retomada, com a
reinstitucionalização da política pública voltada ao setor.
A centralidade da TV aberta no setor, que constituiu historicamente um obstáculo para
a integração do cinema com a televisão, tem sido um elemento crucial do cenário audiovisual
brasileiro. Embora a corporação cinematográfica tenha reivindicado a regulamentação dessa
integração em momentos de crise, como no fim dos anos 1990 por ocasião do III Congresso
Brasileiro de Cinema, a TV conseguiu manter-se absoluta no cenário audiovisual do país. Essen-
cial à manutenção de uma elite política oligárquica, proprietária das concessões de rádio e TV,
a radiodifusão permanece regulada pelo Código Brasileiro de Televisão de 1962 e não sofreu
mudanças derivadas diretamente da ascensão de um governo de orientação neoliberal nos anos
1990 (Santos, 2004).
Em 1998, a criação da Globo Filmes, braço cinematográfico das Organizações Globo,
constituiu um exemplo ilustrativo e didático dessa lógica: a empresa logo adquiriu o primeiro
lugar dentre as produtoras dos sucessos de bilheteria do ciclo da Retomada, respaldada por
vantagens competitivas que lhe garantiram associações com as produtoras independentes mais
bem-sucedidas comercialmente, por um lado, e com grandes distribuidoras estrangeiras por
outro. Reproduzindo a lógica geral de concentração, a Globo Filmes reforçou o domínio da TV
Globo no audiovisual brasileiro. O resultado foi uma configuração específica, em que a empresa
se associou às majors estrangeiras, por meio de mecanismos da Lei do Audiovisual, para garan-
tir a distribuição de blockbusters nacionais.

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Dessa forma, é interessante notar que a suposta contradição da política cinematográfica


iniciada em 1991, apontada por pesquisadores do período, talvez seja mais uma síntese dos
conflitos entre os grupos de interesse constituídos. Apesar do discurso liberal e hegemônico da
época tratar o cinema eminentemente como produto de mercado, o fato de não se ter garantido
naquele momento a circulação do filme brasileiro através do estímulo à sua distribuição e à
exibição comercial, ou através da integração com a televisão, é um pseudo-paradoxo, visto que,
na verdade, foi a solução encontrada para contemplar as reivindicações da corporação cinema-
tográfica sem perturbar os privilégios das emissoras de TV aberta (em especial da TV Globo),
por um lado, e das majors, hegemônicas no elo da distribuição, no outro extremo.

4. A LEY DE CINE E A FORÇA DA CORPORAÇÃO


CINEMATOGRÁFICA ARGENTINA
Na Argentina, diferentemente de Collor, ao ser eleito presidente Menem encontrou um
cenário promissor no setor do cinema. A corporação cinematográfica estava fortalecida, em
grande parte pelo bem-sucedido desempenho dos filmes argentinos de fins dos anos 1980, que
angariaram prêmios nos maiores festivais do mundo, impulsionados pelas políticas promovidas
pelo INC (Instituto Nacional de Cinematografía) sob a direção de Manuel Antín. Também o
crescimento do número de estudantes, faculdades e publicações especializadas em cinema nos
anos 1980 resultara que, em princípio da década de 1990, havia um grupo ampliado e bem ar-
ticulado de interessados em pressionar o novo governo por políticas protecionistas de apoio ao
cinema nacional.
Em seu discurso de campanha, Menem garantira promover melhoras para os setores popu-
lares, tais como um aumento salarial significativo batizado de “salariazo” ou “revolución produc-
tiva”, a fim de reativar o consumo. Sua agenda preconizava uma ilusão de retorno ao Estado de
bem-estar, ou pelo menos a algumas de suas principais diretrizes, que naquele momento histórico
perdiam força no mundo. Ao assumir a presidência, porém, suas primeiras medidas tornaram evi-
dente que as promessas de campanha não seriam cumpridas, uma vez que a saída apontada para a
crise — cujo núcleo a ser combatido era a inflação, assim como no caso brasileiro — baseava-se
nos dois pilares do choque institucional neoliberal: a abertura comercial ampla para atrair os capi-
tais estrangeiros e o desmonte do Estado em benefício da hegemonia do mercado (Marino, 2012).
A mudança estrutural começou em agosto de 1989, com a edição da Lei nº 23.696 de
Reforma do Estado, conhecida como Lei Dromi, sobrenome de seu mentor, que era à época
ministro de Obras e Serviços Públicos. Logo em seguida, foi aprovada a Lei de Emergência
Econômica, sob a tutela do então ministro da Economia, Domingo Cavallo, que permitiu ao
governo promover a privatização de toda empresa pública deficitária e estabeleceu alterações na

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lei 22.285/80 para redefinir as características das companhias que manteriam o direito sobre as
licenças dos canais de TV aberta, os primeiros a serem privatizados.
A despeito de suas promessas de campanha, Menem executou políticas de orientação
neoliberal em praticamente todos os setores da economia argentina, inclusive na televisão por
assinatura. O cinema, pelo prestígio que angariara nos anos 1980, e talvez também por uma
preferência pessoal do presidente — as idiossincrasias de lideranças políticas personalistas são
elementos importantes, afinal —, constituiu-se na exceção das políticas públicas do governo
Menem. Enquanto a indústria nacional declinava, no início dos anos 1990, o conjunto das enti-
dades do cinema pressionou o governo para a aprovação de uma legislação que se constituiu na
mais protecionista da América Latina, a Ley de Fomento y Regulación de la Actividad Cinema-
tográfica, sancionada em 1994 (Getino, 2003; Marino, 2012).
O conceito de Espacio Audiovisual Nacional foi incorporado à Constituição Nacional de
1994 e o INC foi transformado em Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA)
— órgão responsável por convocar concursos para a outorga de prêmios para novos realizado-
res, filmes do interior do país, telefilmes e curtas-metragens, cuja ação ampliou o número de
títulos argentinos produzidos nos anos 1990. A Ley de Cine aumentou o orçamento do INCAA,
distribuiu mais recursos para a produção por meio de créditos e subsídios e regulamentou nova-
mente a cota de tela, instaurando também o mecanismo conhecido como “média de continuida-
de”, que garantiu aos filmes argentinos o direito de permanecerem sendo exibidos conforme seu
desempenho de bilheteria nas primeiras semanas em cartaz (Mastrini, 2005).
Outra diferença fundamental entre os dois processos foi que, ao contrário do Brasil, a
legislação argentina conquistou um grau de integração mínimo entre o cinema e a televisão,
ao garantir que se destinasse ao Fundo de Fomento Cinematográfico o total de 25% da taxa já
arrecadada pelo Comitê Federal de Radiodifusão (COMFER) sobre a renda das emissoras. Com
esses recursos, a nova lei criou um sistema de créditos e subsídios para o fomento à produção
cinematográfica. Cada mecanismo funciona de uma forma: os créditos são empréstimos con-
cedidos a taxas mais baixas que as de mercado, outorgados ao produtor que deseja realizar um
filme nacional de longa-metragem e que já possui um projeto concreto da obra. O montante do
empréstimo é definido de acordo com o orçamento total do filme e não pode exceder o Custo
Médio (CM), um valor referencial estabelecido anualmente pelo INCAA com base nas previ-
sões de custo apresentadas pelos produtores em seus projetos (Perelman e Seivach, 2003).
Já os subsídios são aportes não retornáveis, aos quais têm direito de acesso todo filme, com
ou sem crédito do INCAA na composição de suas fontes de financiamento. O objetivo do subsídio
é permitir ao produtor recuperar parte do investimento feito no filme, impulsionando desse modo,
ao menos em tese, a continuidade da indústria. O mecanismo do subsídio é destinado aos filmes
que — se assim julgar o INCAA — contribuam para o desenvolvimento cinematográfico nacional

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nos âmbitos cultural, artístico, técnico e industrial. Conforme explica Marino (2012), o subsídio
pode ser entendido como uma tentativa de compensar a competição desleal e desigual com as ma-
jors no mercado argentino, uma vez que a comercialização das grandes produções estadunidenses
no país tem efeitos similares ao dumping, proibido em acordos transnacionais aos quais subscre-
vem os Estados Unidos, como os da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Do ponto de vista do cinema argentino e das políticas públicas para o seu financiamento,
a década de 1990 constituiu, portanto, uma grande exceção: um protecionismo que contrastou
com a orientação neoliberal aplicada em outros setores da economia, mas que não foi suficiente
para gerar consenso entre a corporação cinematográfica a respeito do seu sucesso. O século XXI
começaria com reivindicações pela real autonomia do INCAA e pelo cumprimento integral da
Ley de Cine — e, por outro lado, pela polarização da corporação cinematográfica em torno de
demandas históricas de uma maior intervenção estatal em benefício do cinema não comercial e
não vinculado ao capital concentrado internacional e nacional.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise comparada permitiu concluir que o modelo de incentivo fiscal produzido no
Brasil a partir de 1991 foi diferente daquele promovido pela Ley de Cine argentina em 1994 — e
essa diferença derivou, em parte, da forma como a corporação cinematográfica local se posicio-
nou em meio ao processo de consolidação de governos de orientação neoliberal nesses países.
No Brasil, a eleição de Collor para a presidência em 1989 foi seguida por ampla reforma liberal
do Estado, que extinguiu uma série de órgãos públicos, dentre eles a Embrafilme. O processo
de desgaste da empresa pública responsável pelo apoio ao cinema desde meados dos anos 1980
(Embrafilme) derivou num discurso crítico e de oposição ao seu modelo de funcionamento.
Com o apoio de parte relevante do núcleo da corporação cinematográfica brasileira, o governo
Collor/Itamar desenhou o novo modelo do incentivo fiscal, aderente ao ideário do livre-mercado
dominante naquele momento histórico, que prometia promover a autossustentabilidade da “in-
dústria de cinema” no Brasil atraindo o setor privado para o fomento à produção.
Na Argentina, a reação da corporação cinematográfica à chegada ao governo de Carlos
Menem, naquele mesmo ano de 1989, foi diferente. Diante do choque de medidas neoliberais
executadas pelo novo presidente, contrariamente ao que fora previsto em seu programa polí-
tico, os profissionais do setor argentino se mobilizaram em busca de garantir à atividade uma
legislação protecionista, que contrariava a cartilha amplamente aplicada para a economia nacio-
nal. Fortalecida em parte pelo sucesso internacional do cinema argentino ao longo da segunda
metade dos anos 1980, a corporação cinematográfica foi capaz de se mobilizar para reivindicar
o que veio a ser a Ley de Cine de 1994, uma legislação atipicamente protecionista em meio à
conjuntura político-econômica da Argentina na época.

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Embora o trabalho de obtenção, processamento e sistematização da informação seja


complexo e desafiador, a dimensão econômica e social das indústrias culturais lhe dá uma im-
portância vital para o desenho de políticas públicas, a gestão social, a participação cidadã e o
desenvolvimento da democracia. Como afirma Getino (2003), a informação não determina as
políticas (já que estas, com muita frequência, dispensam a consideração daquela), mas a sua
existência é indispensável quando se pretendem definir planos de desenvolvimento e de integra-
ção numa escala nacional e regional.
Assim, compreender a dinâmica da economia política das cinematografias do Brasil e
da Argentina se justifica não só por sua importância tangível (ou seja, a econômica, que se pode
medir por números e dados), mas também, e principalmente, por sua importância intangível e
cultural — sua capacidade de incidir sócio e culturalmente nos imaginários coletivos e individu-
ais, produzindo e reproduzindo valores que atuam na manutenção ou na transformação da ordem
social. É evidente, portanto, a necessidade de cultivar tanto uma reflexão crítica a respeito da
hegemonia de Hollywood — e suas implicações econômicas, políticas e culturais — quanto
uma visão autocrítica a respeito do papel desempenhado por grupos sociais dos próprios países
no processo de configuração dessa hegemonia.

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O PÚBLICO E O PRIVADO NA LEI DE INCENTIVO À CULTURA


Ana Lúcia Pardo1

RESUMO: Este trabalho pretende analisar os impactos e possíveis desdobramentos ocorridos


a partir da recente determinação, aprovada pelo TCU (Tribunal de Contas da União), no dia
3 de fevereiro de 2016, ao considerar que eventos culturais com “potencial lucrativo” ou que
“possam atrair investimento privado” serão proibidos de receber incentivos fiscais através da
Lei Federal de Incentivo à Cultural. Para isso, propõe tomar por base entrevistas, matérias e
artigos, a partir das declarações do Ministro da Cultura Juca Ferreira, concedidas nesse período,
além das reações de produtores culturais e opiniões de gestores e especialistas em relação à
matéria em questão. Com base nos dados das principais distorções da Lei Rouanet, já em vigor
há 25 anos, interessa discutir que caminhos estão sendo propostos para corrigi-las, uma vez que
se trata de um assunto de interesse público e de uma política de Estado.
PALAVRAS-CHAVE: Lei Rouanet, incentivos fiscais, distorções, interesse público, Estado.

Este artigo pretende fazer uma rápida abordagem sobre a recente determinação, aprova-
da pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no dia 3 de fevereiro de 2016, ao considerar que
eventos culturais com “potencial lucrativo” ou que “possam atrair investimento privado” serão
proibidos de receber incentivos fiscais, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida
por Lei Rouanet. Embora sem previsão de entrar em vigor e ainda caibam recursos à referida
proibição, buscaremos fazer uma análise crítica, a partir de matérias e artigos publicados neste
curto período, que expõem não somente a decisão do TCU, mas também, a opinião do Ministro
da Cultura Juca Ferreira, sobre o tema, bem como, a reação de produtores brasileiros a esta de-
terminação, e de ações relevantes do Ministério da Cultura (MinC) nessa direção.
Com base nas informações veiculadas na página Ilustrada do jornal Folha de São Paulo,
no dia 04/02/2016, por Dimmi Amora, esta decisão do TCU foi tomada ao analisar a regularida-
de do incentivo fiscal ao “Rock in Rio” e a outros eventos culturais com cobrança de ingresso,
patrocínio e outras fontes de receitas. Segundo essa matéria, só o festival de rock de 2011 teria
captado R$ 6 milhões provenientes de empresas, que depois puderam abater 30% desse valor
do Imposto de Renda. Pela decisão, os valores já captados poderão ser mantidos e não haverá

1
Doutoranda e mestre em Políticas Públicas e Formação Humana UERJ. Gestora cultural, atriz, jornalista. Pro-
fessora da Pós Graduação em Produção Cultural da Universidade Cândido Mendes e do Curso de Formação de
Gestores e Agentes Culturais SEC/MinC. E-mail: anapardo.teatralidade@gmail.com

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punição para os gestores que autorizaram patrocínios a esses eventos. O percentual de desconto
do Imposto de Renda pode variar de 30% a 100%.
A investigação do TCU começou em 2011 após denúncia do Ministério Público, ao en-
tender que a Lei Rouanet (1991) proíbe que esse tipo de evento receba incentivo fiscal. Sobre
isso, o Ministro Augusto Sherman, relator do processo se pronuncia: “Não consigo vislumbrar
interesse público a justificar a renúncia de R$ 2 milhões de receita do Imposto de Renda em be-
nefício da realização de um projeto com altíssimo potencial lucrativo, como o ‘Rock in Rio” (In:
Folha de São Paulo digital, 04/12/2016). É importante ressaltar que essa decisão do TCU não
impede todos os projetos comerciais de receber incentivos fiscais. Segundo a decisão, devem
ser vetados somente os que se mostrarem capazes de se autossustentar ou que não necessitarem
do mecenato para ocorrer. Segundo o TCU, o próprio Ministério da Cultura tem normas inter-
nas capazes de fazer essa distinção. Quando uma empresa pede que seu projeto cultural seja
enquadrado na lei, ela tem que informar ao governo os valores que serão arrecadados, a relação
custo/benefício e o impacto do incentivo na realização do evento, entre outros dados. No caso
do “Rock in Rio” (AMORA, 2016, p. 1), por exemplo, havia R$ 34 milhões de reais em receita
prevista pelos organizadores do evento. Além disso, os técnicos do MinC têm que dar parecer
dizendo se o projeto se enquadra na lei e pode receber incentivo fiscal. De acordo com a decisão,
este Ministério não poderá aceitar contrapartidas do empreendedor (como doação de ingressos,
por exemplo) para justificar a permissão para a captação de recursos.
A renúncia de receitas do governo federal para a cultura foi de mais de R$ 5 bilhões, nos
últimos quatro anos, segundo dados do MinC. Os técnicos do tribunal que analisaram a questão
e elaboraram parecer sobre o caso entenderam que, apesar de serem moralmente inaceitáveis, os
incentivos fiscais não são ilegais. Mas os ministros, que têm a palavra final sobre os processos,
concordaram com a tese dos procuradores. Para eles, o projeto para ser incentivado tem que ter
interesse público.
Segundo Sherman, a lei determina que os Fundos de Investimentos Culturais e Artísticos
(o FICART) deveriam incentivar projetos com fins meramente comerciais. Como o FICART
nunca foi criado, o MinC acaba usando o Fundo Nacional de Cultura, voltado para projetos com
menor possibilidade de captar recursos, para todos os projetos.
O MinC, responsável pela autorização dos projetos culturais, também apresentou argu-
mento no processo pela concessão do benefício, alegando que não poderia negar o subsídio para
projetos comerciais lucrativos. Em nota, afirma que tecnicamente todos os projetos que captam
recursos pela Lei Rouanet são capazes de atrair investimentos e ser potencialmente lucrativos, por
isso “não há uma classificação a respeito do assunto”. Neste documento, o MinC defende uma
mudança na lei para acabar com o que considera “distorções” e permitir “a oferta de apoios finan-
ceiros diversos e tendo o incentivo fiscal, afeito ao mercado, como mecanismo complementar”. O

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relatório do TCU aponta que o patrocínio distorce os objetivos do MinC, como o incentivo à cul-
tura regional, já que o dinheiro prioriza as estratégias de marketing das empresas patrocinadoras.
Para auxiliar em nossa análise, apresentamos abaixo os dados do MinC (Salic Net),
acerca da distribuição da renúncia fiscal por categoria, onde se percebe que as áreas de maior re-
núncia fiscal são as Artes Cênicas, com 25,37%, e a Música, com 21,82%. O que chama atenção
nos dados, é o valor total que foi arrecadado, de R$11,3 bilhões em isenções para apenas 33 mil
projetos, o que equivale a 1 projeto apoiado para 3,53 apresentados.

Aqui neste outro mapa, podemos observar que há assimetrias regionais, se comparar-
mos, por exemplo, os dados da Região Norte em relação à Região Sudeste.

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Mapa 1: Distribuição de Recursos por região geográfica

Essa distorção entre as regiões é apontada pelo Ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante
entrevista concedida ao jornal O Globo (ÉBOLI, 04/02/2016), mostrando que tudo o que foi apli-
cado, via Lei Rouanet, nas regiões Norte e Nordeste de 1993 até 2014 é menor do que foi aplicado
somente na Região Sudeste em 2014. “Esses já estão inseridos no sistema”. São vulgarmente
chamados de “consagrados”. “Não tenho nada contra os consagrados. Fazem arte de qualidade
e é sinal que são bem aceitos, mas a distribuição (dos benefícios) tem que respeitar o interesse
público. Os beneficiados (pela Lei Rouanet) são sempre os mesmos”.
No gráfico seguinte, apresentamos os dados, disponibilizados pelo MinC (http://siste-
mas.cultura.gov.br/salicnet/Salicnet/Salicnet.php), com os principais proponentes e os valores
captados em milhões no ano de 2015. Podemos observar que a Aventura Entretenimento Ltda.
encabeça a lista, realizadora de musicais, como “O mágico de Oz”, “Um violinista no telhado”,
“A borralheira”, “A noviça rebelde”, “Vamp”, o musical, (em que obteve aprovação para cap-
tar R$ 12.912.280,00), “Hair”, “Turnê Chacrinha, o Musical”, entre outros, e projetos como: o
“Rock in Rio 30 Anos Box Brasil”, que captou 5,5 milhões via Lei Rouanet.

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Gráfico 1: Dez maiores proponentes em Captação - Milhões de Reais em 2015

Fonte: Salicnet/Minc

Na tabela abaixo, observamos que os bancos encabeçam a lista dos dez maiores incenti-
vadores através da Lei Rouanet no ano de 2015.

Tabela 1: Dez maiores incentivadores e valor do incentivo em 2015

Neste outro gráfico, vemos que as Artes Cênicas, seguidas pela Música, são principais áreas
incentivadas.

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Gráfico 1: Série Temporal das principais áreas incentivadas pela Lei - Milhões de Reais 1992/2015

Fonte: Salicnet/Minc

Após a Lei Rouanet, a segunda lei de incentivo à atividade audiovisual foi criada em
1993. De fato, enquanto a Lei Rouanet era comum a todos os segmentos culturais, a Lei nº
8.685/93 é específica da atividade audiovisual.
Por isso, ela ficou conhecida como “Lei do Audiovisual”, o único segmento que possui
uma lei de incentivo específica. Ou seja, as demais categorias artísticas, como o teatro, a dança
e as artes plásticas podem captar recursos federais via renúncia fiscal apenas, através da Lei
Rouanet. Na verdade, a Lei do Audiovisual representou um “plano de urgência” para a recupe-
ração do cinema brasileiro, em intensa crise no início dos anos noventa, com uma participação
de mercado inferior a 1%.
No gráfico a seguir podemos ver os principais investidores e incentivadores e montantes
aprovados em 2011.

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A principal diferença entre a Lei Rouanet e o Art. 1º da Lei do Audiovisual reside no fato
de que os valores aportados por meio deste mecanismo não são meramente um patrocínio ou
uma doação, como era o caso na Lei Rouanet, mas agora passam a ser contabilizados como um
investimento (IKEDA, 2006, p. 4). Dessa forma, de acordo com a pesquisa de Ikeda, o agente
que aporta recursos não é meramente um “incentivador”, como na Lei Rouanet, e sim um “in-
vestidor”. Os valores investidos por meio desse mecanismo são abatidos no imposto de renda
a pagar em 100%. Ou seja, os valores aportados são integralmente abatidos na Declaração do
Imposto de Renda do investidor, aos moldes do Art. 18 da Lei Rouanet.
No entanto, o Art. 1º da Lei do Audiovisual possui uma vantagem fiscal adicional em
relação a este último mecanismo: além do abatimento de 100%, o investidor pode incluir os
valores aportados como despesa operacional, nos mesmos moldes do Art. 25 da Lei Rouanet.
Ou seja, é como se o Art. 1º da Lei Audiovisual conjugasse os dois tipos de dedução fiscal da
Lei Rouanet, beneficiando-se seja do abatimento integral, como no Art. 18, e possibilitando o
lançamento desses valores como despesa operacional, como no Art. 25. Esse fato torna o per-
centual de abatimento real no imposto de renda a pagar superior a 100%. Ou ainda, o abatimento
no imposto de renda a pagar, decorrente de investimento pelo mecanismo, é superior à quantia
efetivamente investida.
O consultor de empresas, Yacoff Sarkovas, especialista na área de imagem corporativa
e projetos culturais, sociais, ambientais e esportivos, é um crítico mordaz da legislação que,
segundo ele, trata cultura como objeto de renúncia e até lucro fiscal. Na entrevista que conce-
deu à Carta Maior (WANDER, 28/04/2006), Sarkovas afirmou que é um sistema perdulário e

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injusto porque cria uma cadeia desnecessária de intermediação, que, ao invés de o dinheiro sair
em linha direta do caixa público para a ação cultural, cria-se uma cadeia de intermediação desse
recurso em meio a milhares de empresas, exige-se uma série de captadores e é injusto porque
ele não estabelece uma relação entre dinheiro público e interesse público. Mas a maior distorção
está na Lei do Audiovisual e explica os motivos.
Você sabia que, quando você entra no cinema e vê aquela marca na
abertura dos filmes, você está pagando para aquela empresa usar aquela
marca naquele filme? O desconto via lei, nestes casos, chega a 132%, ou
seja, aquela marca que abre o filme pegou R$ 1 milhão de reais do di-
nheiro público - porque ela não pegou um centavo do bolso dela - e deu
para aquele filme acontecer. Em troca, pediu uma série de benefícios,
inclusive aquele benefício de imagem. Além de ela deduzir do imposto o
R$ 1 milhão que ela “deu”, ela deduz também R$ 320 mil porque lança
como despesa, aquilo se abate sobre o lucro e, na incidência, vira lucro.
O poder público, o Estado brasileiro, paga para que empresas privadas
decidam onde se vai colocar o dinheiro público em forma de incentivo
cultural, é assim que tem que ser vista a Lei do Audiovisual. A popu-
lação brasileira não sabe disso, o cidadão brasileiro não sabe disso e
precisaria saber (WANDER, Carta Maior digital, 2006). 
Como vimos, esse sistema de leis de incentivo baseadas em renúncia fiscal é uma noção
que cresce de maneira assustadora, além de demonstrar uma grande concentração de grandes
empresas e bancos, de projetos, de proponentes de maior porte, de volumosos recursos, de seg-
mentos e de regiões, em geral, Sudeste e Sul e, em seguida, Nordeste, em detrimento das regiões
Norte e Centro-Oeste. Em função disso, o Ministro da Cultura Juca Ferreira considerou positiva
esta decisão do Tribunal de Contas da União, de que projetos culturais lucrativos não se bene-
ficiem da Lei Rouanet. Ferreira diz que há distorções na lei, que beneficiaria apenas “consagra-
dos” e não atenderia aos interesses públicos, e que, hoje, não há como evitar que isso ocorra. A
solução, para ele, está em aprovar o Pró-Cultura, em tramitação no Congresso Nacional. Para o
Ministro, a determinação tem um aspecto positivo por mostrar sensibilidade com as distorções
da Lei Rouanet na medida em que a lei, de fato, transgride o princípio do interesse público, deixa
de atender e apresenta múltiplas distorções. Segundo Juca Ferreira, a lei representa 80% do que o
governo aplica em fomento à cultura e o critério não é o da necessidade de uma política pública
de cultura. No entanto, essas declarações do Ministro da Cultura Juca Ferreira, dadas após a de-
cisão do TCU proibindo o MinC de autorizar a captação de recursos, via Lei Rouanet, a projetos
financeiramente viáveis, não foram bem recebidas pelo meio artístico (O Globo, 04/02/2016).
Na entrevista concedida ao jornal O Globo, o ativista cultural Júnior Perim, do “Circo
Crescer e Viver”, diz que fechar a torneira da Lei Rouanet cria desafios ao setor:
Corrigir distorções da Lei, com a aprovação do Pró-Cultura, sou favorá-
vel. Mas antes disso impedir o uso do mecanismo, num contexto em que

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o Governo vem reduzindo substancialmente os investimentos diretos


em projetos culturais, é “matar a vaca para tirar o carrapato”. Gostaria
de ver publicada a posição do Ministro sobre os incentivos do Governo
Federal à indústria automotiva — disse.
A reação, nesta mesma matéria do jornal O Globo, concedida pelo Presidente da Asso-
ciação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Eduardo Barata, foi ainda maior,
fazendo duras críticas àquele Ministro.
Em tempos de calote dos editais da Funarte, de total inoperância do
MinC em formular novas políticas públicas de cultura e de crise econô-
mica com contingenciamentos e redução do orçamento do ministério, a
Rouanet continua intacta, com distorções que podem e devem ser cor-
rigidas, porém, para isso não é necessário acabar com uma lei blindada
pelas oscilações administrativas e financeiras de governos.
Além de criticar a política da nova gestão e a redução no orçamento da pasta, Barata
chamou a decisão do TCU de “política” e pediu mais transparência ao Ministério da Cultura:
Até hoje o Fundo Nacional de Cultura é um cheque em branco na mão
do Ministro e de difícil transparência. Por que não aproveitarmos o mo-
mento para dar visibilidade ao destino desta verba? A decisão do Tri-
bunal de Contas da União de que projetos com potencial lucrativo não
devem se beneficiar da Rouanet, me parece muito mais uma decisão po-
lítica, discutida em concordância com o posicionamento da atual gestão
do Ministério da Cultura, do que uma parecer técnico.
Já o advogado Fábio Cesnik, especializado no setor cultural e com publicações na área,
se manifestou com surpresa sobre a notícia veiculada pelos jornais, alardeando a proibição do
uso da Lei Rouanet para projetos com fins lucrativos ou autossustentáveis, ao admitir que, em-
bora a notícia tenha causado pânico no mercado cultural, é preciso ter muita calma uma vez
que nada mudou que justifique o temor imediato do setor. No artigo (http://www.conjur.com.
br/2016-fev-11/fabio-cesnik-decisao-tcu-lei-rouanet-reformada), que foi publicado no dia 11 de
fevereiro deste ano, Cesnik reconhece que o TCU é órgão assessor do Poder Legislativo e tem
competência, atribuída pela Constituição, de fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos públi-
cos, sejam oriundos de incentivo ou de apoio direto.
Além disso, deve assinar prazos para que os órgãos do Poder Executivo (o MinC, no caso)
adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade. Em-
bora sobre a decisão, como em todo processo, caibam recurso nos limites legais. Nesse caso em
questão, o TCU emitiu uma primeira opinião, que ainda não foi divulgada na íntegra, afirmando
que a Lei Rouanet, em vigor há 25 anos, não poderia permitir o apoio a projetos lucrativos ou au-
tossustentáveis. Porém, Cesnik aponta o que considera um equívoco na interpretação do TCU que
não deve prosperar. Para isso, ele explica que a criação pela Lei Rouanet do Programa Nacional de
Apoio à Cultura (Pronac) institui três mecanismos de captação e canalização de recursos ao setor:

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o fundo de cultura, o Ficart e o mecenato. O fundo, que repassa recurso público direto para ações
culturais, tem claramente fundamentos bem sociais, na sua gênese. Segundo ele, isto significa
dizer que sua distribuição deve se preocupar em ser regionalmente equitativa e destinada aos pro-
jetos e produtores que emulem ações aos menos favorecidos. O Ficart é uma estrutura permitida
pela lei para que empresas possam constituir e operar fundos no mercado de valores mobiliários.
Cesnik considera que, ao contrário do que diz a decisão do TCU, de que o Ficart nunca foi criado,
não há aqui, portanto, nenhuma falha do Poder Executivo.
A constituição dos fundos se encontra regulamentado por decreto, pela
CVM e aberto para instituições financeiras que queiram estruturá-los.
Aqui estariam contempladas atividades comerciais e industriais exclu-
sivamente. Não há nada por fazer, a não ser propor uma mudança de
lei criando incentivos fiscais, como nos Fundos de Cinema (Funcines),
para que as instituições financeiras se interessem por constituir fundos
desse tipo.
E, por fim, menciona que o mecenato contempla ações sociais e também comerciais,
“tanto que autoriza empresas com finalidade lucrativa de propor projetos” (Cultura e Merca-
do,2016:www.culturaemercado.com.br/site/pontos-de-vista/sobre-tcu-e-lei-rouanet)
Afinal, qual seria o objetivo de uma empresa comercial se não a de ob-
ter lucro? A canalização de recurso como forma de desenvolvimento
de mercado acontece em outras áreas onde já se criou incentivo: linha
branca, automóveis, audiovisual etc.. Imagine como seria no caso do
audiovisual: fazemos um filme sem saber quanto ele trará de público; se
levar muita gente ao cinema, não poderia ter havido incentivo. Mas me
explique: como descobrir isso previamente?
Para Cesnik, a decisão do TCU parece fundar-se numa perspectiva muito mais moralista
do que com base na lei e seus preceitos. O advogado considera que o Poder Legislativo, órgão
ao qual o TCU está vinculado, editou a Lei Rouanet para que se fomentasse o mercado, a indús-
tria e estimulasse a geração de emprego, renda e, por que não dizer, desse lucro aos agentes do
setor. Ele reconhece que o Poder Executivo tem agido, de forma cuidadosa ao longo dos últimos
anos, para criar mecanismos de democratização, acessibilidade, sempre de maneira responsável
e respeitando os ditames legais. Mas, nesse caso, propõe que a decisão seja reformulada e consi-
dera que o setor cultural avançou bastante com a Lei Rouanet durante esses anos, devendo agora
apoiar o MinC nesse recurso junto ao TCU e acalmar o mercado.
A decisão do tribunal, com o devido respeito, deve ser reformada sob
pena de subverter o comando da lei e criar um conceito, na minha visão,
insustentável do ponto de vista técnico: como prever de antemão, sem
juízo de valor, que um produto cultural vai ser lucrativo? A Lei Rouanet
traz comandos vinculantes e pouco discricionários que estão permitin-
do o meio cultural se desenvolver e muito nos últimos 25 anos. Não

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podemos abrir mão de apoiar o Ministério nesse recurso ao tribunal e


pacificar essa pontual preocupação do mercado; Tudo isso, é claro, sem
prejuízo das melhorias que o Legislativo possa fazer na própria Lei Rou-
anet e que estão em discussão nesse momento no Congresso Nacional.
É interessante observar as diferentes reações no setor, enquanto o advogado Fábio Ces-
nik recebeu a notícia da determinação do TCU com surpresa, propondo reformar essa proibição
para acalmar o mercado, o professor de Economia da Cultura, Leandro Valiati, considerou uma
novidade esse debate estar se institucionalizando e sendo feito por outras instâncias que não o
próprio Ministério da Cultura e o setor cultural que, segundo ele, já vêm discutindo há bastante
tempo, inclusive no que diz respeito à verificação do problema que é o sistema de subsídio à
cultura, via renúncia fiscal no Brasil. Ele considera que os megaeventos não devem ser subsidia-
dos pela Lei Rouanet. E defende uma revisão urgente da lei que nesses 25 anos não conseguiu
acompanhar o processo de mudanças ocorridas no setor cultural.
Acho que a Lei Rouanet tem que ter um objetivo associado a projetos
que o mercado não pode viabilizar. Quando a Lei Rouanet foi criada,
no governo Collor, era a salvação do setor cultural brasileiro do ponto
de vista econômico porque era um ambiente de profunda recessão orça-
mentária para a cultura. A Lei Rouanet, nesse caso, apareceu como um
caminho para que o dinheiro do setor privado entrasse no setor cultural.
Nesses quase 25 anos de Lei Rouanet, todo o contexto de viabilização
financeira do setor cultural mudou, e a lei não acompanhou essa mudan-
ça. Isso gera uma enorme concentração, na medida em que esse tipo de
mecanismo de financiamento, na sua constituição, não é adequado para
gerar diversidade na perspectiva do financiamento cultural. No fundo,
é o marketing que guia o mecanismo de decisão das empresas; não é se
tem maior ou menor valor cultural. A forma como a lei está redigida e
como é utilizada pelo mercado leva a isso. O MinC só pode endurecer
mais a sua relação com a lei de incentivo, ou seja, aprovar projetos que
tenham uma dimensão mais de valor cultural, mas isso não é suficiente.
Precisamos de uma revisão urgente da lei.
À pergunta do jornalista (ZERO HORA, 04/02/2016) sobre os pontos que precisam ser
revistos na Lei Rouanet, Valiati propõe esclarecer a diferença entre patrocínio, participação
e mecenato.
Primeiro, tem que se criar categorias de investimento na cultura. Eu te-
nho que entender a diferença entre patrocínio, participação e mecenato.
Está claro na lei, mas a diferença na prática é muito pequena. Hoje, a
diferença é o percentual em relação ao imposto que posso descontar ao
participar dessas três categorias. Isso tem que ser aprofundado.
Os outros pontos sugeridos pelo professor que precisam ser revistos na Lei Rouanet são:
a participação das pequenas e médias empresas e da pessoa física. E reforça novamente a impor-
tância de se aprovar o projeto da nova lei que está no Congresso.

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Precisamos que o Congresso aprove uma nova lei. Há um projeto em


circulação, a lei do Programa Nacional de Apoio à Cultura, que ainda
está em tramitação e precisa de aprimoramento. Outro ponto: hoje, a
Rouanet só permite que empresas com lucro real participem do proces-
so. Isso é um problema porque, em geral, no Brasil, pequenas e médias
empresas operam pelo lucro presumido. Também é necessário um escla-
recimento maior sobre a possibilidade de participação da pessoa física.
Já existe essa possibilidade, mas ela é pouco explorada.
O debate continua na imprensa, como vimos, com diferentes repercussões e encaminha-
mentos. Interessante considerar também a opinião do arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, que
assumiu a gestão da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, no lugar do atual Ministro
Juca Ferreira. Após contextualizar que o Ministro tem criticado a Lei Rouanet, cobrando mais
da iniciativa privada e sugerindo a revisão dos 100% de renúncia fiscal, num ano de PIB baixo,
previsão de inflação alta, o jornal Valor Econômico entrevistou Bonduki perguntando se essas su-
gestões seriam viáveis no atual momento da economia? O Secretário responde que a lei munici-
pal está sendo revista, se diz contra o dirigismo cultural e que essas distorções de serem mantidos
eventos com recursos públicos só podem ser evitadas com a definição de uma política cultural.
Temos um modelo em São Paulo, a antiga lei de incentivo municipal –
que está sendo revista porque foi aprovado projeto do Andrea Matarazzo
que regula a lei -, cujo modelo era de 70% [de renúncia fiscal], no máxi-
mo. O recurso é público e as leis de incentivo, muitas vezes, transferem
para os diretores de marketing das empresas a decisão sobre o que pode
e não pode ser financiado. Isso procede, uma limitação para não termos
100%, ou apenas em situações muito excepcionais, e, sobretudo, que a
gente tenha mais rigor para que o apoio seja feito de modo coerente. Sou
totalmente contra dirigismo cultural, mas deve-se ter alguma compatibi-
lidade com uma política cultural, para não termos eventos que nada têm
de interesse público sendo financiados com recurso público.
Como então evitar essas distorções se essa seleção é feita pelo MinC?, pergunta o jorna-
lista Evandro Éboli ao ministro Juca Ferreira (O Globo, 04/02/2016). Ao que ele responde que
não é bem assim, uma vez que a CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, formada
pela classe artística, sociedade civil, empresários e governo), é uma instância autônoma e é
quem tem a última palavra.
Tenho mecanismo ad referendum (de aceitar ou não decisões do Cnic),
mas não posso tirar toda hora sua autonomia. (Os responsáveis pelos
projetos) Foram aprovados com parecer técnico e saem com os certifi-
cados (de aprovação na lei) atrás de quem verdadeiramente define, que
são as empresas, que vão se associar. E as empresas escolhem o que
melhor dá retorno de imagem. Não é crítica às empresas, mas à lei. E

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apenas 20% conseguem algum apoio. O resto se frustra. Não tem inte-
resse público nisso.
Para Juca Ferreira, a Lei Rouanet é uma “injustiça federativa”, por beneficiar segmentos
que não são os que mais precisam de apoio público. Segundo ele, 80% dos projetos liberados
para captação pela Comissão Nacional de Investimento Cultura (CNIC) são dos estados de São
Paulo e Rio de Janeiro, com o agravante de estarem centralizados em poucas empresas. “Um
artista que esteja contrariando o senso comum não interessa. É uma seleção perversa, feita com
dinheiro público. É importante perceber isso para termos uma posição clara sobre o assunto”,
afirmou (ÉBOLI, 2016). Segundo ele, essa sua visão determinada foi construída a partir de da-
dos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econô-
mica Aplicada (IPEA), além de sua prática diária no MinC. “Não culpo as empresas, culpo a lei
que refletiu um momento determinado do processo de amadurecimento do país, na redemocra-
tização. Mas já estamos muito adiante”. Para o Ministro, além da luta pelo orçamento na área
cultural, é preciso qualificar esse gasto e garantir a descentralização e a democratização dos
repasses. Ele ressaltou que, apesar de as empresas poderem receber 100% do valor investido
em projetos culturais via Lei Rouanet, o índice está caindo “velozmente”, criando um “caos”
na área porque não há outras fontes de recursos disponíveis no momento.
Na verdade, desde a gestão de Gilberto Gil, no MinC, em que Juca Ferreira exerceu
naquele período a função de Secretário Executivo, com início em 2003, houve um amplo de-
bate pelo país, através do Seminário Cultura para Todos – Financiamento público da cultura e
leis de incentivo, que teve o objetivo de debater e recolher subsídios para a formulação de uma
política pública de cultura para o país. Dirigido a artistas, produtores culturais e empresários, a
iniciativa do MinC com este Seminário visava também discutir as Leis Rouanet e do Audiovisu-
al, procurando inseri-las dentro de uma visão mais ampla, buscando caminhos mais abrangentes
para o fomento à cultura. O Seminário foi realizado em todas as principais capitais do Brasil e
embora tenha centralizado o debate no ponto mais polêmico, que é o patrocínio, foram discuti-
dos os temas: os objetivos da legislação, os mecanismos da legislação, a regulamentação das leis
e a operacionalização da legislação.
De 2003 pra cá, a Lei Rouanet já passou por algumas mudanças. Uma das medidas foi
através da Portaria nº 54, assinada pelo Ministro Juca Ferreira e publicada em 5 de setembro de
2008, no Diário Oficial da União, conforme foi publicado pelo jornal Gazeta do Povo, no dia
17/09/2008 O jornal Gazeta do Povo (http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-que-mu-
dou-na-lei-rouanet/ ). De prático, a nova portaria elimina algumas exigências como, por exemplo,
a apresentação de documentos de cessão de direitos autorais, no ato de inscrição dos projetos,
sendo necessária apenas a apresentação de carta de anuência (consentimento) do proprietário
ou detentor de direitos. Outra novidade é que passaram a não serem mais exigidos os termos de

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anuência dos artistas ou grupos culturais envolvidos, com a proposta e também o termo de com-
promisso ou confirmação da pauta dos teatros ou espaços que abrigarão os espetáculos e eventos.
“Esta é uma medida de racionalização, simplificação e atendimento à demanda dos produtores”,
segundo o Ministro.
Segundo pesquisa da FASFIL (Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos–
ABONG, GIFE, IBGE e IPEA), que levantou a quantidade e perfil das associações e fundações
brasileiras, existiriam 11.995 organizações sem fins lucrativos na área da cultura e arte no Brasil,
representando 4,1% do total das quase 291 mil existentes no país. Além das pessoas jurídicas, a
área cultural também reúne inúmeros produtores culturais e artistas, que realizam ações no cam-
po da cultura. Há várias fontes para o financiamento de projetos culturais, públicas ou privadas,
nacionais e até internacionais. Dentre elas, entretanto, a Lei Rouanet é uma das mais utilizadas. O
MinC publicou, no dia 1º de julho, a Instrução Normativa nº 1, de 24 de junho de 2013, que esta-
belece procedimentos para a apresentação, recebimento, análise, aprovação, execução, acompa-
nhamento e prestação de contas de propostas culturais, com relação ao mecanismo de incentivos
fiscais do Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC e traz importantes mudanças.
A Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) difundiu as mudanças na lei
(http://captacao.org/recursos/artigos/986-ministerio-da-cultura-publica-nova-instrucao-normati-
va-para-a-lei-rouanet/ ) 1. Caiu o limite que fixava a autorremuneração do proponente em 10%
do total do projeto até o teto de R$ 100 mil. A partir de agora, o proponente não terá mais essa
limitação e continuará podendo ser remunerado dentro de seu projeto, desde que o mesmo preste
serviços dentro do projeto, discriminando no orçamento analítico quais serão suas rubricas. É
importante dizer que o proponente deverá apresentar mais 2 orçamentos, comprovando que seu
preço é o mais econômico. 2. Apesar de possuir um CNPJ, o microempreendedor individual foi
equiparado à pessoa física na Lei Rouanet e terá os mesmos direitos e deveres da mesma, inclu-
sive as limitações (números de projetos ativos e total permitido para os projetos). 3. Tornar-se-á
obrigatório, no plano de distribuição dos projetos, em que haja previsão de público pagante ou
comercialização de produtos culturais: mínimo de 10% para distribuição gratuita à população
de baixa renda; até 10% para distribuição gratuita promocional pelos patrocinadores; até 10%
para distribuição gratuita promocional em ações de divulgação do projeto. Além disso, o custo
unitário dos ingressos ou produtos culturais deve observar os critérios: mínimo de 20% para co-
mercialização a preços populares e não superiores ao teto do vale cultura (que hoje é R$ 50,00);
até 50% para comercialização a critério do proponente. 4. O Plano Anual de Atividades poderá
ser apresentado por entidades sem fins lucrativos podendo contemplar, além dos projetos e ações
anuais, a manutenção da entidade. Este tipo de projeto deve ter caráter permanente e continuado.
No entanto, mesmo com o esforço do Ministro Gilberto Gil, desde o ano de 2003, rea-
lizando uma ampla escuta pelo país ao promover o Seminário Cultura Para Todos, e nas duas

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gestões do Ministro Juca Ferreira, de fazer algumas mudanças na lei, o fato é que o sistema de
financiamento precisa passar por uma mudança estrutural. Segundo Mônica Drummond, pro-
prietária da Cultural Office, empresa que, desde 1997, viabiliza projetos por meio do mecanismo
federal, o difícil não é aprovar o projeto na lei (SANTOS, Gazeta do Povo, 17/09/2008: http://
www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-que-mudou-na-lei-rouanet/ ). “Aprovar um projeto na Rouanet
não é um ‘bicho de sete cabeças’. O difícil é, uma vez aprovado, captar os recursos para via-
bilizar o projeto”, critica. No entendimento de Mônica, o MinC deveria tomar duas medidas:
“Primeiro, fazer uma campanha nacional para incentivar empresários a renunciar aos impostos e
apoiar a lei. Depois, é preciso criar mecanismos para que empresas que atuam no Paraná apoiem
projetos locais.” Mônica diz que as empresas instaladas ali até renunciam impostos, mas “gos-
tam” (ou preferem) investir em empreendimentos culturais do eixo São Paulo-Rio.
Uma outra distorção da Lei Rouanet, apontada pelos produtores culturais (BORDONI,
14/09/2015), as políticas e investimentos do Estado em cultura contemplam apenas o universo ar-
tístico e excluem um campo vasto da expressão e diversidade cultural no país. Para isso, o Estado
deve adotar um conceito que entenda os fazeres das pessoas e da coletividade como manifestação
cultural, expressa a pesquisa realizada na Faculdade de Direito da USP, por Danilo Júnior de
Oliveira (http://www.usp.br/aun/exibir.php/ ). Este pesquisador defende que as políticas de in-
centivo à cultura devem ser aplicadas a todos os cidadãos, e não apenas aos artistas e intelectuais.
“As políticas públicas de saúde não são feitas para os médicos, as políticas públicas de educação
não são feitas para os professores, são feitas para a população toda, então para a cultura também
precisa desse entendimento”, argumenta o pesquisador, em citação à fala do Ministro da Cultura,
Juca Ferreira.
Ainda segundo Oliveira, a lei é positiva para o desenvolvimento da cultura, porém a
destinação dos recursos não pode ser feita majoritariamente a ela, e sim ao Fundo Nacional de
Cultura (FNC), que não envolve a iniciativa privada. Segundo ele, com a distribuição de verba
atual – de R$ 1 bilhão para a Lei Rouanet e, após os cortes de orçamento desse ano, de R$ 100
milhões ao FNC – a cultura popular, da periferia e produzida no interior do país não tem lugar
para crescer e ganhar reconhecimento. O pesquisador defende o aumento na verba destinada à
cultura, e a sua distribuição, no mínimo igualitária, entre a Lei Rouanet e o FNC. A proposta é
contemplada por projeto de lei que pretende criar o Programa Nacional de Fomento e Incentivo
à Cultura (ProCultura).
O Projeto de Lei nº 6.772/2010, que institui o ProCultura, prevê que o FNC seja o prin-
cipal mecanismo de financiamento federal à cultura. O programa, previsto para substituir a Lei
Rouanet, propõe um novo modelo de financiamento federal à cultura e mudanças substanciais
no mecanismo de incentivo cultural, por meio de renúncia fiscal. Para isso, o FNC será trans-
formado em um fundo de natureza contábil e financeira e também poderá receber recursos por

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meio de doações e patrocínios. Na prática, isso tornará possível repassar recursos não utilizados
em um exercício para o ano seguinte.
Hoje, como o fundo é apenas contábil, o saldo anual precisa ser devolvido ao Tesouro
Nacional. O ProCultura também estabelece mecanismos de regionalização dos recursos, que
serão destinados em parte a fundos estaduais e municipais, com vistas a financiar políticas pú-
blicas dos entes federados. Juca Ferreira está otimista com a possível aprovação do PróCultura,
pois já passou na Câmara e no Senado e, segundo ele, já está no Congresso.
No Pró-Cultura, a renúncia fiscal deixa de ser o principal mecanismo
de fomento e incentivo. Não acabamos com ela, mas vamos dar racio-
nalidade. Se tem potencial de lucro, em vez de dar dinheiro de graça,
seremos (o governo) co-financiadores e vamos participar do lucro com
o que investimos. E esse recurso seria disponibilizado para o Fundo Na-
cional de Cultura.
O Ministro esteve na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, para expor
aos senadores as políticas e diretrizes do MinC para os anos 2015 e 2016 e aguarda ansiosamen-
te por esta aprovação por parte do Congresso. 

ALGUMAS CONCLUSÕES
É possível perceber, da trajetória cumprida pela Lei Rouanet, nesses 25 anos de criação,
muito mais do que um grande volume de eventos e ações culturais, principalmente de médio e
grande porte, promovidos, em geral, na centralidade das grandes capitais brasileiras. Seus en-
traves e distorções, assim como o debate acalorado entre produtores e gestores, nessa questão,
expressa, da mesma forma, um Brasil de profundas desigualdades, contraditoriamente, susten-
tadas com dinheiro público.
De um lado, temos um perfil de proponente que dispõe de estrutura bastante profissiona-
lizada, de projetos bem elaborados e consequentes portfólios que impressionam resultando em
grandiosos espetáculos, shows, exposições e demais eventos, a reforçar a grande arte e a celebri-
dade do artista, que parecíamos ter ultrapassado no contemporâneo; expressa o mesmo padrão
e forte tendência de promover os megaeventos que são replicados nas grandes e também nas
pequenas e precárias cidades. Revela a hegemonia dos musicais, na maior parte americanos e
que, anualmente, captam milhões, encenados em grandes teatros privados com caros ingressos,
atividades com ousados planos de comunicação para difundirem a marca das empresas que são
atraídas a patrocinar. Este é um pequeno nicho de grandes e médios produtores no mercado, mas
que consomem a maior parte dos recursos disponíveis.
Do lado de fora da porta, porém, nos deparamos com uma massa gigantesca de agentes
culturais, individuais, grupos e coletivos, que, embora realizem ações diárias em arte e cultura,
seus projetos não costumam ser apoiados. Ou seja, mais do que uma concentração de recursos

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em determinados proponentes, projetos e empresas, revelando um forte abismo entre as classes


de produtores culturais, pode-se captar, também, a hegemonia de uma determinada linguagem,
uma espécie de fórmula de sucesso que se repete e, reincidentemente, recebe volumosos patrocí-
nios. Em geral, são projetos espetaculares e glamorosos, que costumam trazer retorno de mídia,
imagem, publicidade e grande público, em detrimento de outros segmentos e áreas de expressão
que ficam de fora. Estamos falando da grande maioria dos agentes culturais, que podem até ter
seus projetos aprovados na lei, mas ao baterem nas portas dos departamentos de marketing das
empresas, costumam não ser contemplados por não atraírem o interesse de grande parte dessas
empresas. E o mais grave, como disse o Ministro Juca Ferreira, os apoiados são os mesmos.
Assim como são os mesmos produtores, de médio ou grande porte, que são procurados pelos
veículos de imprensa para dar entrevistas nos casos de mudanças da lei. Dificilmente a mídia
procura ouvir um pequeno produtor que não esteja nesse perfil de patrocínio.
E ai do gestor que tente mudar essa lógica; o mesmo costuma sofrer um forte desgaste na
imprensa, como vivenciou o Ministro Gilberto Gil em 2003, mesmo depois de fazer uma ampla
escuta pelas regiões do país com o Seminário Cultura Para Todos. Ou as críticas que enfrenta o
Ministro Juca Ferreira, nas tentativas que vem fazendo para mudar o sistema de incentivo à cul-
tura, desde a sua posse em janeiro de 2014. O desafio é enfrentar os interesses de uma forte ca-
deia que envolve as instâncias executiva, legislativa, judiciária, empresarial e comunicacional.
Embora a Lei do Audiovisual não seja aqui o foco de análise, não podemos deixar de
observar que, se a lei do ProCultura até agora não saiu do papel; previa potencializar o Fundo
Nacional de Cultura e se desmembrar em fundos setoriais, mas o único fundo que deslanchou, e
com grande recurso, foi o Fundo do Audiovisual. Ou seja, além de uma lei bem mais generosa ao
empresariado do que a Lei Rouanet, e que ninguém ousa criticar, tem uma agência reguladora, a
Agência Nacional do Cinema (Ancine) e um volumoso fundo.
Estamos, portanto, com a manutenção deste sistema de financiamento, não só deixando
de ser democráticos e acirrando a exclusão, do ponto de vista econômico, se olharmos as gran-
des cifras para um pequeno e reincidente grupo e os parcos ou nulos recursos para a grande
maioria. Estamos também enfraquecendo o papel do Estado, de uma política pública cujo acesso
deveria ser igual para todos, que justifique o grande investimento na estrutura funcional e pes-
soal, de uma secretaria, equipamentos, servidores e pareceristas do Ministério da Cultura, para
dar conta de enorme volume de projetos. Como disse o Ministro Juca Ferreira: o ministério tem
em torno de 300 funcionários para analisar projetos “que disputam o direito de captar recursos
junto a empresas que pretendam investir em cultura via renúncia fiscal”. Há uma quantidade
astronômica de propostas todos os anos, e muitas recebem aval para captar o benefício.
Só que apenas 20% conseguem, ficando concentrado em apenas dois estados. Oitenta por
cento do total renunciado vai para os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Sessenta por cento,

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para duas cidades (as capitais), e são sempre os mesmos proponentes que recebem: os que dão
retorno de imagem às empresas. Segundo o Ministro, não é culpa da empresa se criamos um
mecanismo para isso, ele pode ser usado. Mas não é parceria público-privada.  Mais do que isso,
que cultura e arte estamos ajudando a se perpetuar? Aparece aí uma clara oposição entre arte e en-
tretenimento numa luta inglória, injusta, desigual, hegemônica e pobre de criação, se quisermos
espelhar a tal diversidade cultural e os diferentes potenciais de invenção. Ao fazermos essa esco-
lha e mantermos o modelo estamos deixando de lado a experimentação de projetos mais ousados
que apontem noutra direção, uma vez que todo o processo de criação implica enfrentar os riscos.

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Acesso em: 10/02/2016.

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POTÊNCIA E EXCLUSÃO: PENSANDO A POLÍTICA CULTURAL


DA VIZINHA DO REI
Ana Maria Amorim Correia1

RESUMO: Muitos avanços aconteceram na forma de pensar e agir das políticas culturais no
Brasil. Este artigo buscar um olhar para a maleabilidade dessas conquistas, trazendo o exemplo
da cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, com questões sobre instabilidade e
ausência – adjetivos já tanto usados na análise nacional da cultura – e também sobre territoriali-
zação e desenvolvimento – o debate urgente e contemporâneo das cidades e do papel da cultura
em suas estratégias.
PALAVRAS-CHAVE: Política cultural, Territorialização da Cultura, Duque de Caxias.

A cidade de Duque de Caxias tem uma história com fincos intensos de violência. A exis-
tência da cidade, na atual configuração, foi formalizada na metade do século XX, entre as déca-
das de 1940 e 1950, e é fruto e cúmplice do nascimento das demais cidades do entorno, tendo
assim sua existência em forte vínculo social, político e cultural dentro deste guarda-chuva que as
embarca: a Baixada Fluminense. Trata-se, portanto, de uma configuração recente do território e
sua institucionalidade, em uma região que hoje compreende os seguintes municípios: Duque de
Caxias, São João de Meriti, Seropédica, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados, Mesquita, Belford
Roxo, Magé, Japeri, Paracambi, Guapimirim e Itaguaí.
Para chegar à discussão da política cultural, é essencial passar por um entendimento do
contexto político da cidade. A cidade ainda luta contra o estigma histórico que carrega de ser a
cidade de políticos aliados ao banditismo social, milícias e personalismos, como na emblemá-
tica figura de Tenório Cavalcanti, imortalizado como “O Homem da Capa Preta” no clássico
do cinema brasileiro da década de 1980 (SOUZA, 2014). Tenório antecede a formalização dos
municípios e representa a fragilidade da figura do Estado de Direito na região, sendo até hoje
presente nos símbolos da cultura local, muitas vezes ressignificado. Estudos de representação
da Baixada Fluminense na imprensa, no recorte das décadas de 1950 a 2000, também destacam
essa chaga: a violência era a editoria mais recorrente, com pouca expressividade nas demais

1
Jornalista (UFV), especialista em Mídia, Informação e Cultura (USP) e mestra em Cultura e Sociedade (UFBA).
Divulgadora científica do Museu Ciência e Vida, da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.
E-mail: amorimanamaria@gmail.com.

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abordagens (ENNE, 2004). A violência também é simbólica, pois negada de sua identidade.
Duque de Caxias e os demais municípios sofrem, principalmente até a década de 1980, a intensa
compreensão de cidade-dormitório, classificação que a limita como uma dependência da capital,
Rio de Janeiro, e enfatiza o olhar masculino para a cidade, que desconsidera as donas de casa
que permaneciam na cidade e nela construíam suas histórias.
Outra marca conhecida da cidade está no fato de ter recebido toneladas de lixo das cida-
des da Baixada Fluminense e da capital, Rio de Janeiro, no Jardim Gramacho. À beira da Baía
de Guanabara, o lixão funcionou por mais de três décadas, sendo fechado somente em 2012, em
um escandaloso capítulo de crime ambiental e morosidade do Estado com a região.
Ao mesmo tempo, é importante trazer à memória a resistência como uma ideia de resig-
nificação, de construção dos espaços de cultura e cidadania. É deste mesmo chão, do município
que seria Duque de Caxias, que foi fundada, na década de 1920, a Escola Proletária de Meriti,
voltada para uma comunidade rural carente, renomeada posteriormente como Escola Regional
de Meriti e mais conhecida como Mate com Angu, referência à merenda escolar servida - uma
das primeiras da América Latina a dar esta assistência aos alunos. Aqui fica, portanto, o retrato
de outra personalidade local: Armanda Álvaro Alberto, educadora e militante que também é
presente nas referências locais, como no próprio nome do cineclube Mate com Angu, uma das
maiores referências de produção cultural da cidade.
A retomada desses dois símbolos, obviamente, não busca uma delimitação exaustiva da
cidade, mas fornece uma síntese - de forma passageira, mas não intencionalmente binária - de
um pensar sobre a cidade e suas possibilidades. Isso em suas diversas esferas, aqui incluindo a
cultura. Pois essa é uma das balanças em que vive Duque de Caxias: potência e exclusão.

1. VOLTANDO AO FUTURO: E A CULTURA?


Décadas se passaram e o Brasil se envolveu na tarefa de pensar as políticas culturais. Isso
é fruto de uma história que vem desde os armistícios mundiais, passando pela criação da Unesco
e seus encontros reflexivos sobre patrimônio e diversidade cultural. Além das diretrizes para se
pensar as políticas culturais através da visão da identidade e diversidade cultural, tais encontros
também traziam a reflexão sobre a dimensão cultural do desenvolvimento, ponto marcante do
Mondiacult, realizado na década de 1980. (UNESCO, 1982).
Cada vez mais debatida, a política cultural vai ganhando definições, como a aqui utiliza-
da de Canclini (2001) que a define como:
Al conjunto de intervenciones realizadas por el estado, las instituciones
civiles y los grupos comunitarios organizados a fin de orientar el desar-
rollo simbólico, satisfacer las necessidades culturales de la población y
obtener consenso para un tipo de orden o transformación social. Pero
esta manera de caracterizar el ámbito de las políticas culturales necesita

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ser ampliada teniendo em cuenta el carácter transnacional de los proce-


sos simbólicos y materiales em la actualidad (CANCLINI, 2001, p.78)
Para fins desta reflexão, neste momento nos limitaremos às políticas culturais através
do poder público. É interessante observar que, ao estudar as experiências brasileiras, no âmbito
federal, Rubim evidencia a existência de três tristes tradições: a ausência, o autoritarismo e a
instabilidade (RUBIM, 2007). Vamos nos deter na última característica:
Esta marca é bem forte no período de abertura democrática do Brasil,
após 1984. O Ministério da Cultura é criado, mas sofre a troca constante
de ministro, com dez nomes sucedendo-se no período de nove anos - en-
tre os governos de José Sarney (1985-1989), Fernando Collor de Melo
(1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994). (AMORIM, 2011, p.44)
Também no período delimitado pela instabilidade, a existência das instituições culturais
reflete o mesmo mal. Collor, por exemplo, encerrou o ministério, reduzindo-o a uma secretaria
e extinguiu inúmeros órgãos, a exemplo da Funarte, Embrafilme, Pró-Memória, Fundacem e
Concine (RUBIM, 2007).
Dito isso, é interessante observar a recente história de política cultural realizada pelo poder
público municipal em Duque de Caxias. A cidade criou a Secretaria Municipal de Cultura em 1991,
quando foi desvinculada da educação, e, em 2009, passa a agregar também a pasta de Turismo.
Em 2014, completam-se 10 anos dos ecos da administração dos Minis-
tros da Cultura Gilberto Gil e Juca Ferreira na cultura municipal. Nesta
década a secretaria foi ocupada por 7 secretários que, na falta de um pla-
no municipal de cultura e de uma classe artística politicamente organi-
zada, imprimiram sua visão de cultura na cidade.(MARQUES, 2014a)2.
Também nesse recorte de tempo, não faltou a apreensão sobre a existência da secretaria,
com a mudança da gestão municipal. Em 2013, um clima de incerteza sobre a continuidade da
pasta e as políticas que seriam estabelecidas para o setor tomou conta da cidade, visto a demora
de indicação de um nome para ocupar o cargo. No início de 2013, no meio desse silêncio sobre
a gestão, a secretaria fora transformada, via portaria, passando a ser vinculada à Secretaria de
Educação. Contudo, ela foi retomada posteriormente devido às mobilizações.
É interessante observar o período ao qual a citação contempla: justamente quando o país
passa por uma estruturação da cultura de forma diferente, com o fim do mandato de Fernando
Henrique Cardoso, que imprimiu a ideia de cultura como mercadoria, em uma tônica neoliberal,
e a gestão da cultura do Governo Lula, com Gilberto Gil e, posteriormente, Juca Ferreira à frente
da pasta. Neste período, portanto, podemos realçar mudanças em relação a forma e conteúdos
das políticas culturais, a exemplo do conceito de cultura adotado pelo Ministério da Cultura,
vista agora de forma antropológica, o papel do Estado diante de tais políticas e a compreensão
2
MARQUES, Alexandre. [Políticas de Cultura em Duque de Caxias] Os Secretários Municipais. Disponí-
vel em: < http://lurdinha.org/site/politicas-de-cultura-em-duque-de-caxias-os-secretarios-municipais/>. Acesso em
10/02/2016.

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da identidade e diversidade cultural brasileira. No paralelo acima citado, Duque de Caxias ainda
demonstra a fragilidade institucional da pasta, o que, mesmo que não representando nenhuma
visão específica da cultura, reflete na descontinuidade de processos, tornando o processo de efe-
tivar políticas culturais mais moroso.
Porque não linear e sujeita a diversas vozes, essa delimitação da política cultural caxien-
se em semelhança à instabilidade não significa, contudo, que não tenha existido nenhum esfor-
ço que dialogue com as premissas que o governo federal desenvolvia para a cultura. Uma das
pautas presentes na pasta esteve em consonância com os avanços do debate de política cultural
nacional, tal qual o plano municipal de cultura (aprovado em 2015), o conselho de cultura (que
se tornou órgão deliberativo) e as conferências de cultura (foram realizadas, por exemplo, seis
conferências municipais de cultura, entre 2005 e 2015) - isto não significa que todos estes pro-
cessos sejam isentos de ressalvas em suas formas, mas representam o esforço da institucionali-
dade, mesmo em uma pasta tão frágil, que sequer conta com um quadro de servidores estatutá-
rios. Ainda sobre a estruturação, é válido ressaltar que no relatório da V Conferência Municipal
de Cultura, realizada em 2013, consta que, conforme fala do então secretário Jesus Chadiak, o
orçamento da cultura da cidade era de 0,16%.
Para continuar com os números, é importante ressaltar que, apesar de sempre associada
a imagens de violência e pobreza, estamos falando de um dos municípios mais ricos do país,
presente entre as melhores economias municipais do Brasil. Em 2013, por exemplo, para seguir
a mesma data anteriormente citada, Duque de Caxias registrava um dos maiores Produto Interno
Bruto (PIB) do país, com a marca de mais de 25 bilhões de reais, número semelhante do PIB de
capitais de estados, como Goiânia (GO) e Vitória (ES).
Já foram citadas as instabilidades da gestão e da existência da secretaria. Os espaços
culturais também são afetados, ainda dentro do recorte recente:
A Secretaria possuía, através de leis municipais, a Companhia Munici-
pal de Dança e a Escola de Artes Barbosa Leite [criada por lei municipal
em 1992] que oferecia vários cursos de formação artística na cidade. A
primeira foi desativada na gestão de Carmen Miguellis [2005-2008] e a
de Artes foi extinta na gestão de Guttemberg Cardoso. Havia o Centro
de Tradições Populares instalado por Dalva Lazaronni na segundo andar
do restaurante popular. Este espaço abrigava a Liga Municipal de Capo-
eira, a Associação do Expositores da Feira de Artesanato, a Folia de Reis
Flor do Oriente e a Associação Carnavalesca de Duque de Caxias. O
Centro de Tradições foi desativado na administração de Jesus Chediak
e o espaço é ocupado pela Secretaria Estadual de Diversidade Sexual.
(MARQUES, 2014b.).3
3
MARQUES, Alexandre. [Políticas de Cultura em Duque de Caxias – 2] Os Aparelhos Municipais. Disponí-
vel em: <http://lurdinha.org/site/politicas-de-cultura-em-duque-de-caxias-2-os-aparelhos-municipais/>. Acesso em
10/02/2016.

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Todos esses apontamentos ainda trazem uma questão às políticas culturais em Duque
de Caxias, que remonta a outra triste tradição apontada por Rubim (2007): a ausência. Isso será
destrinchado em dois olhares: o dos “grupos comunitarios organizados”, retomando o conceito
inicial de Canclini, e o do Estado.
Em uma relação de afastamentos, falta de recursos e de fragilidade institucional, é visí-
vel o reflexo na organização dos coletivos de cultura de Duque de Caxias. Um exemplo recente
desse incômodo está na visita do ministro Juca Ferreira à cidade com a pauta de conversar sobre
cultura na Baixada Fluminense, em agosto de 2015. O local escolhido para receber o ministro
foi um ponto de cultura, Lira de Ouro, espaço referência dos coletivos culturais da cidade. Sem
fala institucional da administração local, a escolha do lugar em detrimento do equipamento mu-
nicipal, o Teatro Raul Cortez, distante apenas 600 metros do local, foi simbólico desta relação.
Este mesmo encontro também simbolizou o afastamento da escuta das demais administrações
(estadual e federal) na cidade: os pontos de cultura representam a presença do Ministério da
Cultura na cidade e, estadualmente, não há nenhum equipamento da pasta da cultura em funcio-
namento na cidade, o terceiro mais populoso do Rio de Janeiro.
Podemos tomar como exemplo os museus. Existem três espaços identificados como mu-
seus na cidade de Duque de Caxias: Museu Vivo do São Bento, um museu com a proposta
de percurso, ligado à Secretaria Municipal de Educação; o Museu da Taquara e do Duque de
Caxias; e o Museu Ciência e Vida, vinculado à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia. Ain-
da podemos acrescentar o Instituto Histórico, da Câmara Municipal, e o CEPEMHEd - Centro
de Pesquisa, Memória e Hstória da Educação de Duque de Caxias e Baixada Fluminense, da Se-
cretaria Municipal de Cultura. Ou seja, o único equipamento estadual que também pode atender
a demandas culturais, mais por sua estrutura do que por sua constituição, não tem vínculo direto
com a Secretaria Estadual de Cultura, e sim com a Ciência e Tecnologia. Aliás, no sistema de
busca de espaços culturais, disponível no site desta secretaria, ao ser selecionado o município de
Duque de Caxias, há apenas um resultado apontado: a Biblioteca Comunitária Solano Trindade,
que, apesar de contemplado pelo edital Pontos de Leitura, no Ministério da Cultura, é uma ini-
ciativa de moradores.
Falando em bibliotecas, pode-se pensar na existência de uma interessante política cultu-
ral que o governo do Rio de Janeiro aplicou em seu território inspirado nas ações de Medellín,
na Colômbia, as Bibliotecas Parque:   
En el marco del Plan de Desarrollo 2004-2007, la Alcaldía de Medellín
desarrolla el proyecto estratégico Parques Biblioteca, cuyo objetivo es
dotar a la ciudad de espacios públicos de calidad que tengan funciones
culturales, recreativas, educativas, de esparcimiento, formación y apoyo
a las comunidades menos favorecidas de la ciudad. En este sentido de
reequilibrio social y territorial, se planifica la construcción en Medellín

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de cinco Parques Biblioteca en comunas desfavorecidas. Los Parques


Biblioteca no son concebidos como meros contenedores de libros sino
como centros culturales, a manera de centralidades zonales, que además
están conectados con la realidad social y que ofrecen oportunidades de
desarrollo a la comunidad en función de las necesidades de ésta. Con la
construcción de estos espacios la Alcaldía de Medellín pretende mejorar
la calidad de vida de su ciudadanía.(PORTAL CÁTEDRA MEDELLÍN
BARCELONA, 2007, p.252)4
Foram instaladas quatro unidades: a central, na avenida Presidente Vargas, na capital; a
da Rocinha e de Manguinhos, também na capital; e a de Niterói. Nenhum município da Baixa-
da Fluminense foi contemplado por essa ação, mesmo com a urgente necessidade de se pensar
a territorialização da cultura na cidade do Rio de Janeiro e suas cidades vizinhas. Em cidades
como Duque de Caxias, que constroem o sentido de identidade nas últimas décadas, as ações
de instabilidades e ausências dos poderes acabam resultando no que a Secretária da Cidadania
e da Diversidade Cultural do MinC, Ivana Bentes, no encontro com Juca Ferreira em Duque de
Caxias, ressaltou como “disputa de narrativa”, ressaltando que não se tratava de uma “demanda
vitimizante”, mas “potente” do que já é desenvolvido na cidade.

2. DISPUTANDO A NARRATIVA: A CULTURA E CIDADE


A chamada disputa de narrativa, apontada por Ivana Bentes, tinha um paralelo expresso.
A disputa é realizada com a cidade do Rio de Janeiro, conurbada com a cidade de Duque de
Caxias. Não se trata de uma infantilizada competição, mas de um exercício democrático que
passa, necessariamente, por um pensar político sobre as cidades. Isto pode ser melhor expres-
sado se considerar o próprio território do Rio de Janeiro, apenas. Desenhada dentro de um zo-
neamento classista, a configuração do espaço urbano na capital organiza as ações dos governos
tal qual na visão ampliada, incluindo assim os municípios da Baixada Fluminense. Isto porque
a concentração de equipamentos culturais também seguirá a lógica do preço do metro quadra-
do, deixando na zona sul e centro, por exemplo, a sua concentração. Importante dizer que até
mesmo as políticas de segurança pública (aqui sem juízo de valor), como as Unidades de Polícia
Pacificadora, seguirão a lógica do zoneamento, com as unidades buscando estabelecer a “paz”
nos bairros nobres (MELO; PERES, 2007).
Por outro lado, para além dessas desigualdades, a disputa de narrativa apresenta seus
frutos quando uma comitiva do Ministério da Cultura aparece em Duque de Caxias para um
microfone aberto com os grupos culturais. Acontece também quando o jornal “O Globo”, no
suplemento de “Cultura”, e não no caderno específico para a Baixada, destaca o “momento

4
Portal Cátedra Medellín Barcelona. Parques Biblioteca - Ficha de Presentación. Disponível em: <http://cate-
dramedellinbarcelona.org/archivos/pdf/34-BuenasPracticas-ParquesBiblioteca.pdf> . Acesso em 10/02/2016.

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fértil” da produção cultura, ainda que, corretamente, destacando que esse cenário é “é movido
a um ‘faça-você-mesmo’ colaborativo, pelo fortalecimento da tradição local (e suas histórias
e personagens) e pela ocupação de espaços públicos ou alternativos”5(LICHOTE; GOULD,
2015). Também quando, na mesma conjuntura, a Empresa Brasil de Comunicação abre espaço
da programação para falar sobre a Baixada, incluindo reuniões com os produtores locais para
pensar a forma e conteúdo dos materiais6 (OLIVEIRA, 2015).
Mérito da produção cultural de Duque de Caxias, o reconhecimento desta cidade pela
cultura deve ser um dos recursos de problematização das políticas culturais e para a cidade. A
tal disputa é realizada, portanto, há décadas pelos moradores. É necessário que a expressão saia,
portanto, do etéreo - que se pensem as narrativas, mas que se concretizem políticas e sujeitos.
Em outras palavras: que entre em campo a institucionalidade. Na esfera municipal, estadual e
federal, o poder público não responde à cidade como um protagonista. Parece que a disputa de
narrativa está na execução de políticas por parte da administração, e não um exercício comuni-
tário. Assim, como reforça Milton Santos na sua ideia de território, Duque de Caxias precisa de
um ponto de inflexão na forma como seu território tem tratamento político.
Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, con-
sumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai
mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das
diferenças de acessibilidade (tempo, frequência, preço), independentes
de sua própria condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mes-
ma formação, até mesmo o mesmo salário têm valor diferente segundo
o lugar em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, a
possibilidade de ser mais, ou menos, cidadão depende, em larga propor-
ção, do ponto do território onde está. (SANTOS, 2007, p.81).
Não observar as políticas culturais na cidade de Duque de Caxias, principalmente em
um caráter estruturante das ações, significa destoar com a política federal de avanços na cultu-
ra, com suas diretrizes e com os discursos que as sustentam. Trata-se, portanto, da necessidade
urgente de relacionar a cultura, localmente e em diálogo com os demais poderes, com as pastas
de desenvolvimento.
Assim, as políticas culturais passam a participar dos processos de mu-
nicipalização, com o objetivo de resgatar, através do fomento à diversi-
dade cultural, a capacidade de autodeterminação dessas comunidades,
trabalhando essa diversidade a favor do desenvolvimento territorial sus-
5
LICHOTE, Leonardo; GOULD, Luiza. Na Baixada, momento fértil da cultura urbana culmina com en-
contro do ministro Juca Ferreira e artistas locais. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/na-baixa-
da-momento-fertil-de-cultura-culmina-com-encontro-do-ministro-juca-ferreira-artistas-locais-17071739#ixzz-
3zWbzE4pT>. Acesso em 09/02/2016.
6
OLIVEIRA, André de. EBC realiza encontro com a Cultura da Baixada Fluminense. Disponível em:
<http://blogdoandredeoliveira.blogspot.com.br/2015/08/ebc-realiza-encontro-com-cultura-da.html>. Acesso em:
09/02/2016.

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tentável, local e regional. O grande papel das políticas culturais, nesse


processo de (re)construção das bases locais, será o de valorizar os ima-
ginários locais, a partir do fomento das expressões culturais tradicio-
nalmente descartadas e excluídas, compreendendo-as como produtoras
de sinergias e estimuladoras de solidariedades comunitárias. (LEITÃO,
2009, p.35)
A necessidade urgente de a política cultural ser colocada em prática de forma estruturan-
te, como demonstrado nas reflexões sobre a cidade e sua territorialização, é sentida, portanto,
na ideia de desenvolvimento e de cidadania. Este último conceito, também agregado pela ideia
da cultura nas últimas gestões federais da cultura no país, “exige a consolidação e a distribuição
equitativa de uma infraestrutura cultural em todo o território, bem como a garantia de acesso
aos meios de fruição cultural, além da valorização e da difusão das manifestações culturais”.
(ARAÚJO, 2014).
Se ficar só no discurso parabenizador das ações locais, a gestão pública da cultura não
apenas perde a chance de estabelecer um diálogo profícuo como também se exime de sua res-
ponsabilidade, possivelmente abandonando o barco das conquistas da área.

3. CONCLUSÃO
Instabilidade, autoritarismos e ausência não são palavras de poder absoluto e determina-
das cronologicamente quando as pensamos como adjetivações das políticas culturais. Isso por
uma questão simples: as políticas, culturais ou não, em termos estritos, não são indestituíveis,
perenes, pétreas por si só - e nem deveriam. O que o olhar reflexivo que nos propomos busca
trazer é a evidência da concomitância entre agendas de cultura progressistas e entraves (para
manter as tais tradições, ausências e instabilidades) que se percebem em outras experiências.
Assusta, ao pensar na situação específica de Duque de Caxias, pois ela se avizinha da segunda
maior cidade do país, cuidada, em termos estruturantes e pragmáticos, pelas gestões estadual e
federal que compartilha com aquela cidade. Demonstra que o desafio de pensar as cidades e o
seu espaço é uma demanda urgente se quisermos falar de políticas culturais para a cidadania e,
ao menos nos discursos, é pra isso que se tem pautado as mudanças na gestão cultural nacional-
mente desde o início deste século.
Na área da cultura, essa é uma construção que vem marcada de desafios. Principalmente
se pensarmos que as próprias instituições demandam entendimento amplo nas diretrizes políti-
cas para simplesmente existirem dentro das gestões. Por exemplo, no ano de 2014, na cidade de
São João de Meriti, a Secretaria de Cultura foi extinta7, absorvida pela Secretaria de Educação,

7
Portal RJ Notícias. Prefeito de São João de Meriti extinguiu onze secretarias e demitiu três mil funcioná-
rios. Disponível em: <http://www.rjnoticias.com/2014/10/prefeito-de-sao-joao-de-meriti-extinguiu-onze-secreta-
rias-e-demitiu-tres-mil-funcionarios/>. Acesso em 09/02/2016

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com projetos culturais encerrados ou reduzidos. Até mesmo o Ministério da Cultura foi coloca-
do na amargura da dúvida, durante os boatos que corriam da reforma ministerial, em 2015. Isso
sem falar na comum ausência de concursos públicos, em todas as esferas, e o orçamento que,
apesar de ter crescido, nacionalmente, não alcança 2%.
Visualizar a política cultural, na parte que cabe ao poder público, através desse espec-
tro-cidade chamado Duque de Caxias expõe a nudez famélica da cultura quando setorializada
na estratégia política. Torna-se evidente a necessidade que a disputa seja um verbo conjugado
pela administração pública, seja pela “dívida” já histórica com a cidade ou pelo risco de assistir,
apenas, o esvaziamento da cidadania cultural. Duque de Caxias, centrada nela mesma, escancara
a ausência e a instabilidade em políticas, tal como sentido na cultura.  Mostra, de uma forma alar-
mante, devido ao seu contexto, furos em discursos e políticas para a cultura, pelos três poderes da
federação e evidencia a necessidade de um “do-in” na forma de pensar a fazer a política cultural
nos municípios, nas lacunas que persistem de forma desastrosa para cidades de tanta potência.
Tem suas produções culturais vivas, mas o enobrecimento da “cultura de resistência” nao
pode virar um motivo para a não-institucionalização da cultura nem jogar o conceito de diversi-
dade cultural como uma maquiagem para a aceitação da ineficiência do estado, pois certamente
não foi este o propósito nas tantas conferências que o Brasil, inclusive, teve papel protagonista.
Uma cidadania cultural exige a institucionalização de instâncias regio-
nais de formulação, implementação e compartilhamento das políticas
e da gestão cultural, bem como a institucionalização de equipamentos
culturais (museus, teatros, cinemas  etc.), além da participação das ins-
tituições científicas. (ARAÚJO, 2014, p.138)
As “monarquias culturais” criadas por ausências de territorializações da cultura são en-
traves para a consolidação de uma economia da cultura plural, para a valorização do fazer cultu-
ral e sua diversidade, para a circulação da cultura e para um desenvolvimento que não seja ana-
crônico e se integre ao envolvimento social e cultural, assumindo estas questões como centrais.
Duque de Caxias não precisa ser vizinha do rei.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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“Nova” Política Cultural do Estado da Bahia. Disponível em < http://web.ua.es/es/revista-geographos-
giecryal/volumen-5-2014/revista-geographos-grupo-interdisciplinario-de-estudios-criticos-y-de-
america-latina-giecryal.html>. Acesso em: 07/02/2016.
CANCLINI, Nestor Garcia. Definiciones en transición. In: MATO, Daniel (org.) Estudios
latinoamericanos sobre cultura y transformaciones sociales em tiempos de globalización. Buenos Aires:
Clacso, 2001, p.69-81.

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de múltiplas redes culturais e comunicacionais a partir de favelas e periferias do Rio de Janeiro. In:
FERNANDES, Cíntia Sanmartin; MAIA, João; HERSCHMANN, Micael (Orgs.). Comunicação e
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UMA PROPOSTA DE REFLEXÃO PARA UM ESTUDO COMPARATIVO DAS


POLÍTICAS CULTURAIS PARA OS MUSEUS NOS PAÍSES DO MERCOSUL
Ana Ramos Rodrigues1

RESUMO: O texto tem como propósito abordar algumas questões sobre a legislação dos mu-
seus nos países embrionários do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Este artigo
pretende contribuir com algumas reflexões para a construção de um estudo comparativo sobre
as políticas públicas para reunir informações sobre os museus do Mercosul, no sentido de forta-
lecer o papel dos museus como instituições centrais para a promoção de políticas para a cultura
e a memória.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas Culturais, Museus, Legislação para Museus, Mercosul

1. INTRODUÇÃO
Ainda que muito países do Mercosul tenham suas políticas nacionais museológicas bem
definidas, este artigo abordará as políticas públicas para o setor dos países ‘embrionários’ do
Mercosul, ou seja, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai.
Buscando consolidar a integração política, econômica e social, fortalecer os vínculos
entre os cidadãos e contribuir para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes, estes países
‘embrionários’ assinaram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção com o objetivo de
criar o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Três anos mais tarde, firmou-se o Protocolo de
Ouro Preto, configurando-se o marco institucional atual do Mercosul2.
Tendo como meta a integração dos países signatários nos mais diferentes níveis, o tema
das políticas públicas para a cultura ingressou de forma mais significativa na agenda de discus-
sões no final dos anos 1990. Entendendo a cultura como elemento fundamental para a integra-
ção regional, as nações do bloco criaram, em 1998, o Mercosul Cultural. Com o objetivo de

1
Doutoranda em Políticas Públicas (UFRGS). Professora substituta do Curso de Museologia do Departamento de
Ciências da Informação da UFRGS. E-mail: ana.rodrigues@ufrgs.br
2
Para consultar os documentos de criação do Mercosul na íntegra ver: <http://www.mercosur.int/innovaportal/
file/719/1/CMC_1991_TRATADO_ES_Asuncion.pdf> e <http://www.mercosur.int/innovaportal/file/721/1/1994_
protocoloouropreto_es.pdf >

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estimular o debate e fortalecer a área, os pontos destacados nesse encontro visaram estimular o
intercâmbio de políticas culturais, o desenvolvimento de estudos, a integração de sistemas de in-
formação e estatística, a promoção de intercâmbios técnicos e artísticos, a gestão do patrimônio
cultural e a valorização da memória social e da diversidade cultural.3
O Mercosul Cultural é constituído pela Reunião dos Ministros da Cultura de cada país
(RMC), entidade máxima do setor, e conta com uma Secretaria, um Comitê Coordenador Regio-
nal (CCR), onde se reúnem representantes dos Ministérios de Cultura para articular a agenda do
setor e três Comissões especializadas, entre elas, a de Patrimônio Cultural (CPC); a de Diversi-
dade Cultural (CDC); e a de Economia Criativa e Indústrias Culturais (CECIC).4
Embora definidas as diretrizes culturais gerais do Mercosul, somente anos mais tarde se
discutiu um plano político para o setor museológico. Em 19 de setembro de 2005, em Buenos
Aires, Argentina, ocorreu a Jornada Los Museos y la Política del Mercosur, onde se ressaltou a
dimensão dada à política de museus dos países do bloco5. Com o objetivo de aprovar uma agenda
de trabalho para articular um plano estratégico para a integração dos museus da região, a “Decla-
ração de Buenos Aires para os Museus do Mercosul” apresentou os aspectos essenciais a serem
trabalhados: os museus do século XXI; Governabilidade e Gestão; Interpretação e Proteção dos
Bens Culturais: Prevenção contra o tráfego ilícito de Bens Culturais; Circulação de Bens Cultu-
rais; Comunicação e Acessibilidade ao Patrimônio; e Política(s) Nacional(ais) de Museus.
Em 23 de novembro de 2012, ocorreu em Brasília a XXXV Reunião de Ministros de
Cultura do Mercosul. Neste encontro foi apresentada a proposta da criação do Programa Mer-
coMuseus, o qual propôs a reunião das instituições e profissionais de museus dos países do
Mercosul em um esforço continuado para o aperfeiçoamento de suas ações e o desenvolvimento
de políticas públicas para a cultura, com vistas a estimular a integração sul-americana pela apro-
ximação entre culturas.6
No sentido de expor outras ações culturais realizadas no âmbito do Mercosul, em 26 de
novembro de 2014 foi realizado um encontro com os ministros de Cultura dos países integrantes
do Mercosul, também em Buenos Aires. Após discutirem os principais pontos para avançar a inte-
gração entre os países da região, foi definido a implementação do “Selo Mercosul Cultural”, uma
certificação para facilitar a circulação de bens culturais entre os países membros do Mercosul.

3
Fonte:<http://www.brasil.gov.br/cultura/2015/04/brasil-sediara-encontros-do-mercosul-cultural> Acesso em
02/02/2015.
4
Fonte<http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/812/paises-do-mercosul-se-reunem-em-brasilia-para-dialo-
go-sobre-patrimonio-cultural> Acesso em 10/09/2015
5
Além dos países membros, este encontro contou com a presença do Chile, país associado ao Mercosul.
6
Fonte:<file:///C:/Users/sem-sedac/Downloads/Presentacin_de_propuesta_MERCOMUSEOS%20(1).pdf> Aces-
so em: 20/09/2015

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Em tal reunião decidiu-se a aprovação das regras para a criação do Fundo do Mercosul
Cultural, visando financiar iniciativas culturais de pessoas físicas ou jurídicas dos países do blo-
co. Também foi acordado que cada país do bloco deverá ainda aprovar a criação do fundo em
seus respectivos parlamentos, com o objetivo de estimular projetos conjuntos de dois ou mais
países em diversos segmentos culturais.7
Dando prosseguimento ao estreitamento das políticas públicas culturais no Mercosul,
em maio de 2015 ocorreu a XI Reunião da Comissão de Patrimônio Cultural do Mercosul8, em
Jaguarão, Rio Grande do Sul, Brasil, onde concluíram-se os procedimentos de reconhecimento
do primeiro bem cultural como Patrimônio Cultural do Mercosul: a Ponte Internacional Barão
de Mauá, localizada na fronteira do Brasil com o Uruguai.
Embora ainda seja um fato recente, estas aproximações das políticas preenche uma lacu-
na na história dos países sul-americanos. Segundo Celina Souza (2006), a maioria dos países de
democracia recente, em especial os da América Latina, ainda não formaram coalizões políticas
capazes de equacionar minimamente a questão de como desenhar políticas públicas capazes de
impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social de grande parte de
sua população.
Mas, as reuniões realizadas desde 1998 através do Mercosul Cultural, revelam um esfor-
ço de entender a cultura como uma variável que pode favorecer o diálogo e a integração.
Nesse contexto, em cada temática da política pública voltada para integração regional,
cabe a cada país na presidência pro tempore empreender e responder pelos esforços em áreas de
sua competência institucional.

2. O ESTÁGIO ATUAL DAS POLÍTICAS CULTURAIS NO MERCOSUL NO CAMPO


DOS MUSEUS
De todos os países da América do Sul que participam do Mercosul, seja como Esta-
do Parte, seja como Estado Associado9, somente seis dispõem de uma Política Nacional de
Museus explícita (Brasil, Colômbia, Cuba, Equador, República Dominicana e Uruguai)10 e

7
Participaram deste encontro representante da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Peru, Equa-
dor e Colômbia. Fonte: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/
ministros-aprovam-regras-para-fundo-mercosul-cultural/10883> Acesso em 02/09/2015
8
A Reunião da CPC do Mercosul ocorre em presidências temporárias, que se revezam a cada seis meses entre os
países membros plenos do bloco, cada o país fica responsável por empreender ações que favoreçam o esforço de
convergência e de integração regional.
9
Estados Partes são: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai (desde 26 de março de 1991) e Venezuela (desde 12 de
agosto de 2012). Estado Parte em Processo de Adesão são: Bolívia (desde 7 de dezembro de 2012). Estados Asso-
ciados: Chile (desde 1996), Peru (desde 2003), Colômbia, Equador (desde 2004), Guiana e Suriname (ambos desde
2013).
10
Os Planos Nacionais de Museus dos países são documentos de elaboração recente, sendo o mais antigo o do
Brasil (2003), seguido pela Colômbia e por Cuba (2009), Equador e Uruguai (2012). Já a República Dominicana
criou seu plano estratégico para ser posto em prática entre os anos de 2012 e 2016.

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para os demais, as políticas públicas para museus estão inseridas dentro de um plano político
cultural geral.
Neste sentido será apresentado um panorama sobre a legislação dos museus nestes países
e em quais órgãos institucionais estes se encontram subordinados11.
Embora a Argentina não possua uma legislação específica, existe uma lei de patrimônio
que regulamenta o âmbito dos museus denominado de Dirección Nacional de Patrimonio y
Museos12, vinculada à Secretaria de Cultura da Nação, criada no ano de 2002. Trata-se de uma
Secretaria de Estado com status de ministério, subordinada diretamente à Secretaria Geral da
Presidência. Mesmo que seja uma política que regulamenta o campo museal, o grande entrave
para a implementação de uma Política Nacional de Museus reside no fato de que a Argentina não
possui a definição legal do termo museu.
No Brasil, em 2003, com a entrada de Gilberto Gil13 no Ministério da Cultura (Minc),
foi criada a Política Nacional de Museus (PNM)14. Compreendendo a renovação e a importância
dos museus na vida cultural e social brasileira, a etapa seguinte foi a criação do Sistema Bra-
sileiro de Museus (SBM), por meio do Decreto nº 5.264, de 5 de novembro de 200415. Dando
continuidade à implementação da política no setor, em 2009, foi criado o Instituto Brasileiro

11
Maiores dados podem ser consultados no site do SICSUR (Sistema de informação cultural do Mercosul), através
da publicação “Os Estados da Cultura – Estudo sobre a instituicionalização cultural públicas dos países membros do
SICSUR” (2012). Disponível em <http://www.sicsur.org/archivos/publicaciones/LosEstadosdelaCultura_BR.pdf>
Acesso em 15/09/2015.
12
Tem a responsabilidade de entender, conduzir e planejar estratégias para a investigação, promoção, resgate, pre-
servação, estímulo, melhoramento, acrescentamento e difusão, no âmbito nacional e internacional, do patrimônio
cultural da nação, tangível e intangível, imaterial e oral, em todos os campos em que se desenvolve.
13
Gilberto Gil — Músico brasileiro e ministro (1942). Conhecido pela sua atuação como cantor-compositor no de-
sempenho da qual figurou nos principais movimentos culturais brasileiros como o Tropicalismo e Doces Bárbaros,
Gilberto Gil entrou para a história do país, também, na qualidade de Ministro da Cultura do Governo Lula, pro-
tagonizando uma nova proposta política para a cultura, entendida agora como um elemento central para a inclusão
social e o desenvolvimento humano. (CARVALHO, 2014).
14
Tem como objetivo geral promover a valorização e a fruição do patrimônio cultural brasileiro, considerado como
um dos dispositivos de inclusão social e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalização das institu-
ições museológicas existentes e pelo fomento a criação de novos processos de produção e institucionalização de
memórias constitutivas da diversidade social, étnica e cultural do País.
15
Constituindo um marco na atuação das políticas públicas voltadas para o setor museológico. Tinha como propos-
ta o aperfeiçoamento de instrumentos legais para o melhor desempenho e desenvolvimento das instituições mu-
seológicas no Brasil Disponível em < http://www.museus.gov.br/sistemas/ >. Acesso em 22 mar. 2015.

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de Museus (IBRAM)16 (Lei nº 11.906, de 20 de janeiro). Diferentemente da Argentina, o Brasil


apresenta uma definição legal de museu17.
O Paraguai possui a Direção Geral de Arquivos, Bibliotecas e Museus e um Sistema de
Museus Nacionais, vinculado à Secretaria Nacional de Cultura da República (SNC), criada em
abril de 2007. A Direção Geral de Arquivos, Bibliotecas e Museus é o órgão estatal encarregado
de administrar os assuntos culturais do país e, tal qual a Argentina, o país não possui a definição
legal do termo museu.
No Uruguai a legislação criada para os museus foi assinada durante o governo de José
Mujica, com a Lei nº 19.037 de 28 de dezembro de 2012, denominada de Lei de Museus do
Sistema Nacional de Museus18, e o respectivo Decreto de Regulamentação nº 295/014, de 14
outubro de 2014. O Sistema Nacional de Museus está vinculado ao Departamento Nacional
de Cultura, criado em 2007, que, por sua vez, está subordinado ao Ministério de Educação e
Cultura (MEC). Assim como o Brasil, o Uruguai possui uma definição legal do termo museu19,
aplicada tanto para os museus do Estado como para os museus privados (Lei Nº 19.037/2012)20.

3. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DO MERCOSUL NA ÁREA CULTURAL


O museu é um instrumento com potencial para fortalecer a percepção crítica e reflexiva
da realidade social de cada país, e constituí-se como uma ferramenta política e social utilizada
para inclusão de identidade e cidadania para garantir o direito à memória dos grupos e movi-
mentos sociais.
A partir da importância apresentada sobre os museus, este texto pretende apresentar
algumas reflexões a partir de duas questões chaves para traçar um estudo comparativo entre os
países do Mercosul em relação as políticas culturais no campo dos museus.: primeiro, como
16
Este órgão foi um marco de uma política pública no setor. As ações propostas pelo IBRAM buscaram (e buscam)
qualificar e modernizar os espaços museológicos existentes, garantindo o processo de preservação da memória
nacional sob a guarda destas instituições.
17
Art. 1º Consideram-se museus, para os efeitos desta lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, inves-
tigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e
turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultur-
al, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. Parágrafo único. Enquadrar-se-ão nesta
lei as instituições e os processos museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o território
visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e à participação das comunidades (Lei Nº 11.904/2009).
18
O sistema Nacional de Museus foi criado com o objetivo de conformar um sistema nacional que fortaleça
a institucionalidade, promova a cooperação e a otimização de recursos humanos e econômicos dos museus no
Uruguai. Acesso disponível em < http://www.museos.gub.uy/index.php?option=com_k2&view=item&lay-
out=item&id=287&Itemid=60> Acesso em 11/09/2015.
19
Artigo 2. São museus a efeitos da presente lei, aquelas instituições sem fins lucrativos, criadas a partir de um
conjunto de bens culturais ou naturais considerados de interesse patrimonial, documentados, estudados e expos-
tos, com a finalidade de promover a produção e a divulgação de conhecimentos, com fins educativos e de deleite
da população.
20
Fonte:<http://www.museos.gub.uy/index.php?option=com_k2&view=item&id=353:anteproyec-
to-de-ley-de-museos-y-sistema-nacional-de-museos&Itemid=22>Acesso em 10/09/2015.

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estes países estão organizando a gestão de seus museus, como planejam o orçamento para a
área e como executam as ações sociais? e, por fim, e não menos importante, como estão sendo
empregadas e planejadas as políticas nacionais de Museus como estratégia de integração entre
os países do Mercosul?
Os museus são instituições que atualmente crescem cada vez mais como um espaço de afir-
mação de segmentos sociais, podendo se perceber isto através das diferentes tipologias de museus
existentes, tais como comunitários, populares, étnicos, temáticos, além dos museus tradicionais.
Este aumento demonstra uma nova perspectiva dos museus em reivindicar uma afirma-
ção da diversidade cultural e fortalecer a identidade cultural com a ideia de pertencimento a
uma determinada coletividade. Neste sentido, o campo das Políticas Públicas tem como desafio
construir indicadores que consistam em avaliar sua abrangência e desenvolvimento.
No caso da gestão cultural existe pouca tradição na construção de números que demons-
trem sua importância para o desenvolvimento humano. No entanto, este panorama vem sofrendo
alterações. Embora de uma forma ainda tímida, a partir do momento em que dados consisten-
tes estão sendo apresentados pode-se realizar parâmetros e auxiliar onde os recursos públicos
podem ser investidos. Como, por exemplo, em 2011, quando o IBRAM publicou Museus em
Números, material produzido através da coleta de informações geradas pelos museus a partir do
questionário “Cadastro Nacional de Museus”. Esta publicação possibilitou ao campo museoló-
gico do Brasil conhecer as fortalezas e as fragilidades desta área, contribuindo, assim, para o
aperfeiçoamento da gestão das políticas públicas culturais.
Nesta perspectiva, e discorrendo sobre os poucos indicadores existentes sobre os museus
do Mercosul, este texto se justifica no sentido de apresentar algumas questões para a produção de
novos dados sobre as políticas públicas e para reunir informações sobre os museus do Mercosul.
Dessa forma, pretende-se avaliar o desenvolvimento simbólico, social, cultural e econômico que
os museus produzem na sociedade, e assim visualizar a construção de uma articulação política
do setor cultural dos países do Mercosul para fortalecer o papel dos museus como instituições
centrais para a promoção de políticas para a cultura e a memória.
Visto que este texto tende a analisar de forma comparativa as políticas públicas de cul-
tura e a criação de mecanismos de cooperação e desenvolvimento de ações conjuntas no campo
dos museus existentes nos países do Mercosul, e entendendo que o museu se apresenta como
uma instituição a serviço da sociedade, vinculados na sua maioria a órgãos públicos, faz-se
necessário conhecer o funcionamento da parte administrativo- burocrática destes museus nos
países do Mercosul.

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Assim sendo, é importante trabalhar na perspectiva do pensamento teórico da Muse-


ologia latino-americana, através dos estudos de autores e teóricos do Subcomitê Regional do
Comitê Internacional do ICOFOM21 para a América Latina e o Caribe (ICOFOM LAM).
Dessa forma a gestão cultural está presente nesta discussão, abordando as transforma-
ções contemporâneas associadas às novas dimensões atribuídas ao campo da cultura e trazendo
a gestão em museus como um dos processos estratégicos e de planejamento gerais das ativida-
des do museu.
A gestão dos museus está sendo apresentada nos termos propostos pelo Código de Ética
do ICOM para Museus22, que apresenta uma norma mínima para museus, lembrando a necessi-
dade de cada instituição museológica estipular claramente o seu estatuto jurídico, sua missão,
sua permanência, seu caráter não lucrativo, e recomendando a elaboração de um texto legal que
defina sua missão, seus objetivos e suas políticas, assim como seu próprio papel e composição.
A política cultural abordada aqui apresenta como base Antônio Albino Canelas Rubim
(para o caso brasileiro), que em 2010 analisou a gestão cultural do governo Lula, pois, segundo
o autor, houve um enfrentamento às três tristes tradições no tratamento da cultura no Brasil:
ausências, autoritarismos e instabilidades.
As ausências aparecem pela inexistência de políticas públicas articula-
das pelo Estado e depois pela substituição do poder de deliberação do
Estado pelo mercado através das leis de incentivo. O autoritarismo, por
sua vez, se expressou ao longo dos anos pela falta de interlocução dos
governos com a sociedade. Finalmente, a instabilidade se expressa pela
falta de políticas continuadas e consistentes, com mecanismos claros de
coordenação que pudessem manter a consistência diante das transições
de governo. (RUBIM, 2010 p.11-18).
Estes três pontos refletem a forma como a cultura foi conduzida através de seu contexto
político. As ausências de políticas públicas marcam o modelo neoliberal iniciado no governo
Collor e estendido até o final do governo Fernando Henrique. O autoritarismo reflete a falta de
diálogo do governo com a sociedade, o que na gestão do Ministro da Cultura Gilberto Gil e Juca

21
A teoria da Museologia no campo internacional está ligada a criação do Comitê Internacional de Museologia
(ICOFOM) em 1977, que encontra-se dentro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) fundado em 1946. Para
saber mais ver CARVALHO, Luciana Menezes de. Em direção à Museologia latino-americana: o papel do ICO-
FOM LAM no fortalecimento da Museologia como campo disciplinar. 2008. Dissertação (Mestrado) – Programa
de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, UNIRIO/MAST, Rio de Janeiro, 2008. 107 p. Disponível em
<http://www.unifal-mg.edu.br/museumpunifal/sites/default/files/museumpunifal/documentos/em-direcao-a-mu-
seologia-latino-americana.pdf >. Acesso em 10/09/2015.
22
O Código de Ética do ICOM foi aprovado por unanimidade pela 15ª Assembleia Geral do ICOM realizada em
Buenos Aires, Argentina, em 4 de Novembro de 1986, modificado na 20ª Assembleia Geral em Barcelona, Espa-
nha, em 6 de julho de 2001, sob o título Código de Ética do ICOM para os Museus e revisto pela 21ª Assembleia
Geral realizada em Seul, Coreia do Sul, em 8 de outubro de 2004. O documento principal do ICOM é o Código de
Ética para Museus. Estabelece normas mínimas para a prática profissional e atuação dos museus e seu pessoal. Ao
aderir à organização, os membros do ICOM adotam as provisões deste Código.

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Ferreira, tornaram-se diferente, pois, priorizou-se o diálogo na formulação de políticas públicas,


de forma que proliferaram seminários, câmaras setoriais, consultas públicas, conferências muni-
cipais, estaduais e nacionais. Já a instabilidade marca a falta de continuidade de políticas públi-
cas. No governo Lula criou-se o Sistema Nacional de Cultura, o Plano Nacional de Cultura e a
construção de um Sistema Nacional de Indicadores e Informações Culturais (SNIIC), bem como
os investimentos na área de Economia da Cultura em ação conjunta com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), represen-
tando um avanço importante para a gestão da cultura, numa perspectiva democrática e popular.
Conforme Souza (2006, p. 24) o conceito de políticas públicas é polissêmico, no qual
as políticas públicas são formas adotadas pelo Estado de como deve ser empregado o dinhei-
ro público; estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas
eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real. Para a
autora, as “[...] decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes ques-
tões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz” (2006).
Da mesma forma a autora Anita Simis (2007, p.133), que aborda a política pública como
uma escolha de diretrizes gerais, que tem uma ação e que estão direcionadas para o futuro, cuja
responsabilidade é predominantemente de órgãos governamentais, os quais agem almejando o
alcance do interesse público pelos melhores meios possíveis, que no caso de uma política cultu-
ral é a difusão e o acesso à cultura pelo cidadão.
Néstor Garcia Canclini, um dos principais representantes dos estudos culturais latino-
-americanos, apresenta discussões, questões teóricas e metodológicas relacionadas a movi-
mentos sociais e políticas nacionais e transnacionais para a cultura. Canclini conceitua política
cultural como:
um conjunto de intervenções realizadas pelo Estado, as instituições e
os grupos comunitários organizados a fim de orientar o desenvolvimen-
to simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter
consenso para um tipo de ordem ou de transformação social” (CANCLI-
NI,1987, p.26).
Para Canclini a política cultural não está somente vinculada ao governo, mas também a
outras instituições. Este projeto trabalha com a perspectiva que as Políticas Públicas são vistas
como posturas do poder frente às demandas sociais e o conceito política pública para a cultura,
como objetivo de orientar o desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da
população e contribuir para algum tipo de ordem ou transformação social.
Neste sentido o autor Cris Shore (2010), em “La antropolgía y el estúdio de la Política
Pública: Reflexiones sobre las “formulación” de las políticas”, aborda como a antropologia
pode prover uma perspectiva crítica para compreender a maneira em que as políticas funcionam:
como símbolos, estatutos de legitimidade, tecnologias políticas, formas de governabilidade e

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instrumentos de poder que muitas vezes ocultam os seus mecanismos de funcionamento. Este
autor apresenta várias questões importantes no sentido de avaliar as políticas públicas e seus
impactos: como devemos estudar o trabalho da formulação das políticas públicas? E qual é exa-
tamente o objeto de investigação quando decidimos a estudar quem elaborou estas políticas e o
funcionamento desta elaboração? Estas questões levantadas por este autor são relevantes para o
desenvolvimento deste artigo e para problematizar as instituições que formulam estas políticas.
O autor Hugo Achugar (1994) em seus texto “A política cultural no acordo Mercosul”,
apresenta problematizações a cerca  da formulação de uma política cultural no âmbito do Mer-
cosul. Conforme Achugar (1994) “Nem bem se começa a falar de integração, e em especial de
políticas culturais, vários personagens aparecem. Nação, Identidade, Tradição, Modernização e
Mercado surgem quase que imediatamente, porém também surgem outros, talvez mais abstra-
tos: a Homogeneidade e a Heterogeneidade”.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto termina trazendo questões para refletirmos sobre a importância de compreen-
dermos como estes países estão trabalhando suas políticas culturais no campo dos museus.
Primeiramente, é importante que seja realizado um mapeamento sobre a legislação referen-
te aos museus, às ações, às publicações produzidas pelas instituições, enquanto diretrizes na cons-
trução de políticas públicas na área dos museus. Para isto, duas perguntas são norteadoras: Qual
a legislação de cada país do Mercosul sobre o setor museológico? Quais instituições públicas são
responsáveis pela política e gestão dos museus nos governos nacionais dos países do Mercosul?
Em seguida, é relevante a identificação das instituições e o mecanismo utilizado pelos
governos dos países do Mercosul para a implantação de políticas voltadas para o sistema nacio-
nal de museus. Quais são as estratégias políticas de participação para a aplicação das políticas
culturais nestes países? Quais são os acordos e convênios existentes entre os países do Mercosul
em relação a cultura e museus?
Através, desta proposta de reflexões e questionamentos será possível entendermos o pro-
cesso dessas políticas culturais nesta área e como estes programas influenciam na própria carac-
terística da cultura destes países do Mercosul. Um estudo comparativo referente aos interesses
comuns que se expressam em práticas, serviços e bens artísticos e culturais determinantes para o
exercício da cidadania, possibilitará promover o conhecimento e a compreensão da diversidade
museal do Mercosul.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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n.20, 1994. p. 215-2009
BRASIL. Lei nº 11.904 de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto de Museu. Brasília, DF, 14 de janeiro
de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/Lei/L11904.htm>.
Acesso em: 10 set. 2015.
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Cristina Amélia Pereira de. - Porto Alegre: Ministério da Cultura/UFRGS/ EA, 2014. 54 p.
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Acesso em: 22 mar. 2015
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SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, v. 8, n. 16,
2006. p. 20-45.

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IMATERIAL: APROXIMAÇÕES LÉXICO-CONCEITUAIS


ENTRE CAPITALISMO E PATRIMÔNIO
Andréa Doyle1

RESUMO: O artigo aproxima as noções de capitalismo contemporâneo e de patrimônio cultural


a partir de um ponto comum: sua característica imaterial. Mostra-se a visão de importantes
pensadores do capitalismo atual que percebem uma virada nas formas de produção a partir da
entrada das TICs na economia. Discute-se o conceito de patrimônio imaterial através da análise
das orientações da Unesco adotadas pelo Iphan, usando como exemplo o recente registro do
Ofício das Cuias do Baixo Amazonas. Percebe-se que tanto capitalismo quanto o patrimônio
imaterial têm como características comuns o fato de serem coletivos, utilizarem recursos
ilimitados e serem passíveis de serem materializados. Conclui-se, usando o caso do Japão, que
quando o capitalismo começa a usar os saberes vivos na produção, começa-se a valorizar o
patrimônio imaterial.

PALAVRAS-CHAVE: imaterial, capitalismo, patrimônio, Ofício das Cuias, cultura popular

A virada do milênio, como já seria esperado, trouxe questionamentos sobre o nosso


modo de vida. Quando dizemos nosso, pensamos urbano, metropolitano, consumista, conecta-
do, globalizado. Mesmo que o temido bug do ano 2000 não tenha destruído todos os sistemas de
informação (parece piada, mas foi uma preocupação real2), o intento de fechar um ciclo, fazer
o balanço e começar outro, ainda que pela simples sequência do calendário, existe e é válido.
Nossa investigação se situa nesse contexto: entre os anos 90 do século passado e a pri-
meira década do novo milênio. Muitos pensadores investigaram as mudanças no mundo, no
sistema capitalista, na organização do trabalho e, o que nos interessa particularmente, nos usos e
nos fluxos da informação. Aqui, o foco vai para alguns economistas e filósofos que se dedicaram
ao estudo do impacto da informação e da comunicação no sistema capitalista, como Antonio
Negri, Maurizio Lazzarato, Christian Marazzi e André Gorz.

1
Andréa Doyle é Engenheira-Mestre em Informação e Comunicação pela Universidade de Metz (França) e mes-
tranda em Ciência da Informação no PPGCI do IBICT/UFRJ. Contatos: (21) 98037-0909 | email: andrea@hibrida.
art.br . Por favor, citar: DOYLE, Andréa.
2
Leia em: http://www.tecmundo.com.br/historia/8795-2038-o-bug-do-milenio-atacara-novamente.htm Acesso
em: 25 de julho de 2015

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Cada um tem seu ângulo de análise para perceber as transformações e definir o momen-
to atual: para Marazzi, que olha principalmente para os processos fabris, o capitalismo hoje é
pós-fordista (MARAZZI, 2009), para Lazzarato & Negri, que partem do operário e da explora-
ção pelo capital da sua subjetividade, o capitalismo é pós-industrial (LAZZARATO & NEGRI,
2001) e para André Gorz, que vê a captura de todo o ser, de tudo o que ele tem de intangível, o
capitalismo é imaterial (GORZ, 2005).
Qualquer que seja o ponto de vista, todos concordam que há uma mudança, que se vem
desenvolvendo desde os anos 70 do século passado, e que se consolida na virada do milênio. O
elemento central dessa transformação é a informação: sua entrada nos processos de produção,
através das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e a consequente mudança na
natureza do trabalho e no perfil do trabalhador.
Por volta da mesma época, ou seja, com origens no pós-guerra e consolidação nos anos
2000, houve igualmente uma mudança na percepção internacional do conceito de patrimônio
cultural. Ao passo que anteriormente se cuidava apenas de preservar prédios e monumentos, a
saber, o que se considera patrimônio material, hoje há um olhar para os saberes, ritos e processos
populares e tradicionais, ou seja, para o patrimônio cultural imaterial.
No dia em que começamos a pensar neste artigo, a notícia principal no site do Ministério
da Cultura (MinC) era a do registro, na qualidade de patrimônio cultural imaterial brasileiro,
do Ofício das Cuias do baixo amazonas. Trata-se de um saber tradicional, principalmente de
mulheres das comunidades ribeirinhas, que aprendem e transmitem o processo de produção ar-
tesanal das cuias de geração em geração. Esta prática foi considerada culturalmente importante
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e assim, digna de proteção,
logo de registro.
O processo de registro do Ofício das Cuias, que levou quase 10 anos para ser concluído3,
consiste em uma descrição exaustivamente detalhada da produção: com textos altamente deta-
lhados, fotografias, áudios e vídeos. A maneira que se encontrou para proteger um patrimônio
imaterial foi transformá-lo em documento, foi materializá-lo sob a forma de informação passível
de ser indexada e recuperada, divulgada e estudada, foi fazê-lo virar objeto de estudo de várias
ciências, em particular da Ciência da Informação (CI).
Além do registro, diz Raimunda Santana Azevedo, integrante da Associação das Artesãs
Ribeirinhas de Santarém (COELHO, 2015), o processo do Iphan também representa a valoriza-
ção dessa comunidade: por um lado o reconhecimento de que elas fazem um trabalho importante
para todos, e por outro a expecta-tiva de um aumento nas vendas das cuias. Intangível e material
lado a lado, assim como nas considerações sobre o capitalismo.

3
Segundo notícia no site do Minc, disponível em: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/
OiKX3xlR9iTn/content/id/1270277 Acesso em: 12 de junho de 2015.

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O que se pretende aqui é perceber se, para além da cronologia, o termo imaterial indica
mais similaridades entre os dois conceitos/fenômenos e se eles se afetam de alguma forma.

1. INFORMAÇÃO, SUBJETIVIDADE E CONTROLE DO ACESSO


Para Christian Marazzi, a entrada das tecnologias de informação e de comunicação (TIC)
na produção fabril representa uma “virada linguística” (MARAZZI, 2009). O autor explica que
a linha de produção perfeita, no fordismo, era silenciosa. Qualquer comunicação significava
erro e interrupção do trabalho. No sistema pós-fordista, a comunicação não só faz parte, como é
imprescindível ao processo de produção.
Marazzi entende que com as mudanças na otimização da produção (produção enxuta, es-
toque mínimo), na relação com o consumidor (customização de produtos, ao contrário da padroni-
zação da época fordista) e nas vendas (idealmente, no pós-fordismo, se vende antes de produzir),
a informação e a capacidade de recebê-la, processá-la, usá-la e transmiti-la, tanto das pessoas
quando das máquinas, perpassa todas as etapas de fabricação de qualquer indústria, serviço e até
das atividades do setor primário, hoje altamente informatizados.
As capacidades de comunicação, de auto-gestão, de decisão, para André Gorz (2005),
são algumas das faces de um saber vivo - ao contrário do saber morto4, aquele cristalizado sob
a forma de máquinas e processos fechados - que a pessoa desenvolve ao longo da vida, da edu-
cação, das experiências, do tempo livre. Esse saber vivo é adquirido no cotidiano e não pode ser
ensinado nem treinado no âmbito do trabalho. Porém, o trabalho não só se utiliza desses saberes
dentro de sua produção, como depende deles para se desenvolver apropriadamente.
Lazzarato & Negri (2001) também partem das redes informáticas para explicar a integra-
ção do trabalho imaterial com o trabalho industrial e terciário. Mas seu foco é o operário5 e como
a nova organização da empresa captura sua subjetividade. “Como prescreve o novo management
hoje, é a alma do operário que deve descer na oficina. É a sua personalidade, a sua subjetividade
que deve ser organizada e comandada.” (LAZZARATO & NEGRI, 2001, p. 25). Mas eles tam-
bém entendem que não se trata apenas de um indivíduo, de uma subjetividade. Como as pessoas
vivem em sociedade e dependem das relações sociais para se desenvolverem, os autores con-
cluem que “o trabalho imaterial se constitui em formas imediatamente coletivas e não existe, por
assim dizer, senão sob a forma de rede e fluxo.” (Lazzarato & Negri, 2001, p. 50).
A relação entre produção e consumo, entre criador e público, também pode nos ser útil
para entender as novas relações de trabalho.

4
Os conceitos de saber vivo x saber morto são uma releitura dos conceitos marxianos de trabalho vivo e trabalho
morto, segundo Albagli (2013, p.108). Lazzarato & Negri falam muito de trabalho vivo e trabalho morto, mas não
usam os termos saber vivo e saber morto.
5
Antonio Negri foi um dos fundadores do movimento operaísta italiano dos anos 70, formado por pensadores
neomarxistas que começaram a discutir o operário social e o trabalho imaterial (Cocco, 2001).

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É o trabalho imaterial que inova continuamente as formas e as condições


da comunicação (e portanto, do trabalho e do consumo). Dá forma e ma-
terializa as necessidades, o imaginário e os gostos do consumidor. E esses
produtos devem, por sua vez, serem potentes produtores de necessidades,
do imaginário, dos gostos. (LAZZARATO & NEGRI, 2001, p. 44).
Se o trabalho imaterial produz ao mesmo tempo subjetividade e valor econômico, por
outro lado, tal trabalho de criação de subjetividades, ainda que para sua transformação em
mercadoria, tem duas características interessantes. A primeira é que a relação de criação entre
autor e público não se esgota pela venda, ela se mantém viva. A segunda é que o produto ima-
terial “ideológico” não se esgota com o uso, mas, ao contrário, se multiplica. (LAZZARATO
& NEGRI, 2001).
Assim, a questão que se apresenta é como definir o valor do produto final desse trabalho,
que fez uso de saberes que não podem ser mensurados em quantidade, nem em valor de aquisi-
ção ou em tempo? Isso é o que Gorz (2005, p. 29) chama de “crise do conceito de valor”. Quan-
do se inclui na produção saberes diversos, heterogêneos, sem medida comum, que não fazem
parte do sistema de mercado, a atribuição de valor é obrigatoriamente arbitrária.
Falando sobre elementos fundamentais que não fazem parte do sistema de mercado, ou
que não tem “valor” no sentido econômico, Gorz diz:
É o caso, por exemplo, das riquezas naturais que, como o sol, a chuva,
não se podem produzir, nem deles pode-se apropriar; é principalmente
o caso dos bens comuns a todos e que não podem ser divididos, nem
trocados por nada, como o patrimônio cultural. No entanto é verdade
que, se não podem ser apropriadas ou “valorizadas”, as riquezas naturais
e os bens comuns podem ser confiscados pelo viés das barreiras artificiais
que reservam o usufruto delas aos que puderem pagar o direito de aces-
so. (GORZ, 2005, p. 31)
Lazzarato & Negri explicam a mesma coisa, de outro modo: a cooperação social que de-
fine a produção hoje “não pode em nenhum caso ser predeterminada pelo econômico, porque se
trata da própria vida da sociedade” (2001, p. 52). Nem a iniciativa, nem o processo de produção
são controláveis pelo capital. A ele só resta a gestão dessa atividade e a criação dos dispositivos
de controle.

2. O CONCEITO DE PATRIMÔNIO IMATERIAL


Desde sua criação em 1946, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên-
cia e a Cultura (Unesco) se atribui o papel de discutir a educação, a cultura e a ciência de forma
global e propor aos estados-membros a adoção de algumas recomendações com o objetivo de
estimular a paz entre as nações. O impacto de suas resoluções e convenções é muito grande,
especialmente no Brasil, influenciando diretamente a política pública cultural do país.

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Com a Convenção para proteção do patrimônio mundial, cultural e natural de 1972, a


Unesco começa um processo de definição pela afirmação que há necessidade de se proteger as
culturas (que ainda não trata do imaterial). Mais tarde, em 1989, vem a Recomendação sobre
a salvaguarda da cultura tradicional e popular, que não usa o termo imaterial - usa o termo
cultura viva - mas já inclui elementos intangíveis nas definições. Finalmente a Convenção para
a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial de 2003, estabelece a definição de patrimônio
imaterial que usamos hoje, a saber:
Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, represen-
tações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instru-
mentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados
- que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos re-
conhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este pa-
trimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é
constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu
ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando
um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.
(Unesco, 2003, p. 4)
Regina Abreu (2015) ressalta que a grande novidade da Convenção de 2003 foi a inclusão
da sociedade civil, especialmente as comunidades detentoras do patrimônio a ser considerado,
no processo de patrimonialização, com o papel mais fundamental: a iniciativa ou, no mínimo, a
co-participação na demanda de registro. Assim, para que o processo se inicie, é preciso que haja
intenção de registrar um saber, festa, lugar ou expressão (esses são os 4 tipos de registro de que
dispõe o Iphan) e que isso seja uma decisão do grupo, junto com os técnicos do Iphan.
Nessa conceituação há o entendimento que as práticas tradicionais são associadas a ítens
materiais, assunto ao qual voltaremos mais adiante, e que elas são constantemente recriadas, de
geração em geração. Este é o traço característico da oralidade que, em comparação com a escrita
(uma vez escrito, o conteúdo se fixa e passa a ter valor de verdade oficial), precisa ser lembrado
pelos indivíduos e recriado pelo grupo, sempre dependendo das subjetividades e das relações
sociais naquele momento.
Este tema foi maestralmente tratado em “O Narrador” de Walter Benjamin (1996, p. 197-
221), assim como em “O mito do Bagré”, relato da experiência antropológica de Jack Goody
(1972, apud Jeanneret, 2011). O primeiro destaca o papel único da subjetividade do narrador
e de sua relação com o ouvinte, que poderá vir a ser o futuro narrador. O segundo sublinha a
importância da coletividade para a execução de um rito, em que cada membro lembra um pouco
e que somente juntos conseguem reconstituir a tradição, atualizando-a a cada vez. Ambos cons-
tatam a impossibilidade da escrita dar conta dessa relação frágil e fluida.

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Voltando à Convenção da Unesco, além de definir o que se considera imaterial, enu-


mera as ações para proteção desse patrimônio que incluem a identificação, a documentação, a
pesquisa e a divulgação, entre outras. Todas as ações sugeridas para a proteção do patrimônio
imaterial, passam obrigatoriamente pela sua materialização, pela sua transformação em infor-
mação gravada em algum suporte.
A cada bem imaterial registrado pelo Iphan, se faz um vídeo sobre o processo e se pu-
blica um livro com as descrições detalhadas e belas fotografias. Infelizmente, até a finalização
deste artigo, nem o filme, nem o livro sobre o Ofício das Cuias estavam disponíveis para con-
sulta6. A publicação do dossiê é o final de um longo caminho, ou de etapas de materialização,
que incluem: a identificação dos bens imateriais, o inventário desses bens - que funciona como
um pré-registro - seguido, para alguns, do registro, e finalmente da divulgação do patrimônio.
Para além da documentação, que como já vimos, é uma forma de materializar o patri-
mônio, existem também “os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais” (Unesco, 2003,
p. 4). Vera Dodebei já concluiu que não é possível separar material de imaterial no momento de
preservar os bens:
A falta aparente de um corpo material na condição efêmera de produ-
ção não exclui a materialidade do imaterial, nem a imaterialidade do
material. Preservar uma construção religiosa sem a liturgia, uma língua
sem o falante, é observar uma única face ou natureza do objeto. Mesmo
com a criação de leis, normas e procedimentos para a proteção dos bens
patrimoniais de natureza intangível ou imaterial é necessário compreen-
der o caráter de virtualidade desses bens e a impossibilidade prática de
separar o material do imaterial. (DODEBEI, 2007, p. 76)
No caso específico das cuias: o saber-fazer é intangível, a produção das cuias é material,
sua venda é a entrada do material feito a partir do imaterial em um mercado. É claro que não há
comparação possível desse processo de venda das cuias nem com a indústria fordista (que não
usava o saber vivo), nem com a pós-fordista (que estuda/cria subjetividades/desejos para então de-
senvolver produtos que respondam a eles, enquanto que as cuias são a expressão de uma tradição).
Porém não se pode deixar de compreender que sempre que há produto, relação comercial e venda,
há inserção no sistema capitalista.

3. COLETIVO, ILIMITADO E MATERIALIZADO


As principais aproximações entre a idéia de imaterial, tanto pelo ponto de vista dos estu-
dos sobre o capitalismo, quanto através daqueles sobre o patrimônio, o que justamente foi nosso
objetivo com esta pesquisa, se apresentam para nós da seguinte forma: o imaterial é coletivo, é
ilimitado e é materializado.

6
Ver dossiês dos outros bens registrados no site: http://portal.iphan.gov.br/publicacoes/lista?categoria=22&bus-
ca= Acesso em: 15 de julho de 2015.

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Tanto Regina Abreu (2015) quanto Lazzarato & Negri (2001) enfatizam, cada um a res-
peito do seu assunto, patrimônio e trabalho respectivamente, a dimensão social, a dependência
do grupo, ou seja, a face coletiva do imaterial.
A característica ilimitada do imaterial é melhor entendida quando se compara um livro a
uma batata, por exemplo. Quando uma pessoa lê um livro, alguma parte desse conteúdo fica com
ela, mas o livro não se esgota por isso: ele pode ser lido novamente por outras pessoas, sem tirar
nada daquela primeira pessoa que o leu. Não é o caso da batata, que ao ser comida, acaba. Sobre
esse ponto, tanto Lazzarato & Negri (2001) quanto Gorz (2005) são enfáticos: a única forma que
o capital tem para exercer algum papel nesse ciclo de produção totalmente externo a ele é através
da limitação do acesso, da escassez artificial. Interessantemente, não encontramos tais considera-
ções nos estudos sobre o patrimônio. Talvez por que o patrimônio imaterial dependa muito mais
diretamente da dimensão viva, dos coletivos que os recriam, ou ainda por que não há necessidade/
tentativa de controle de acesso.
Já quanto à sua materialidade, ficamos com os dossiês do Iphan, as considerações de
Dodebei (2007), que pondera sobre a dificuldade de se pensar a patrimonialização do material e
do imaterial separadamente, assim como com a consideração de Marazzi (2009, p. 65) quando
fala da mudança de foco dos contratos e acordos comerciais. “De agora em diante, patentes,
copyrights, trade-marks e trade-secrets serão os verdadeiros objetos das contendas nas nego-
ciações internacionais”.

4. JAPÃO, 1950
Curiosamente, é no ano de 1950, no Japão, que encontramos a principal aproximação en-
tre os estudos sobre o capitalismo e o patrimônio, a partir das observações de Christian Marazzi
(2009) e de Regina Abreu (2015).
O primeiro localiza o início da transformação industrial no Japão dos anos 50, que, por
conta principalmente da crise financeira e da Guerra da Coréia, tinha um mercado restrito e não
podia aplicar a produção em massa. Assim, iniciou-se a técnica da “produção enxuta” na fábrica
da Toyota, que ficou conhecida como toyotismo (em contraponto ao fordismo) e que significa
redução de empregados e produção just-in-time (só se produz o que já está vendido), com fun-
cionários altamente dedicados e fiéis aos valores da empresa (começo da mobilização total do
ser de que fala Gorz). Essas técnicas começaram a ser introduzidas em empresas ocidentais a
partir dos anos 70 e 80, depois de crises financeiras e outras mudanças sócio-culturais.
Ao mesmo tempo, segundo Abreu (2015), o Japão foi o primeiro país a ter uma legislação
de preservação do patrimônio imaterial, enquanto ainda não se falava sobre isso no ocidente.
Mais interessante ainda é a forma que o país encontrou para preservar sua cultura imaterial: ao
contrário do modelo ocidental de documentação e registro das práticas, as leis japonesas fomen-

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taram a transmissão viva das técnicas (tão diversas quanto fazer arranjos florais, caligrafia ou a
cerimônia do chá, para só citar alguns), através de incentivos financeiros para mestres e aprendi-
zes. Assim, a preservação integral da prática e da filosofia por trás dela, de seus gestos e rituais,
de seus tempos e espaços, fica garantida.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É nossa convicção que, a partir do momento em que se começa a usar os saberes vivos
dentro do sistema capitalista, como recurso, processo e produto final, se começa a valorizar o
patrimônio cultural imaterial. A coincidência cronológica tanto no Japão quanto no Ocidente nos
levam a crer que a preocupação global com o patrimônio imaterial está intimamente ligada com
a percepção que a indústria tem do seu valor.
Ao mesmo tempo, também observamos que, enquanto o saber vivo pode e tem sido cada
vez mais capturado como matéria-prima para a produção fabril, a valorização do patrimônio
imaterial também se apresenta como forma de resistência de culturas periféricas ou marginali-
zadas. Entendemos ser esse o caso das produtoras das cuias amazonenses, que recuperam estima
e sustento a partir da patrimonialização e que assim, podem seguir com seu modo de vida, sem
serem obrigadas ao êxodo ou a se submeterem à exploração do emprego formal.
Para ampliar a questão, e contando ainda com coincidências cronológicas, no momento
em que fomos concluir o artigo, a leitura de uma notícia nos despertou novos questionamentos
sobre a relação do patrimônio com o capitalismo no que se refere ao imaterial.
A matéria publicada na Folha de São Paulo intitulada “Regra para baianas do acarajé
deixa evangélicas apreensivas em Salvador”, de 02 de dezembro de 2015, levanta a questão da
religiosidade e da vestimenta das baianas de acarajé em Salvador, município que regulamentou
a profissão. Primeiro patrimônio imaterial brasileiro, registrado em 2005, o ofício de baiana
do acarajé completa 10 anos - que é justamente o prazo definido para a revisão do registro do
patrimônio (o Iphan entende que uma prática viva se transforma com o tempo e portanto seu
registro precisa ser atualizado) - e traz novas contradições.
Trata-se (entre outras regras como tamanho de tabuleiro, normas da vigilância sanitária,
etc.) da obrigatoriedade de uso de vestimentas tradicionais. Algumas baianas, que exercem o
ofício há muitos anos, se converteram a igrejas evangélicas e tem a orientação de não usar as
roupas tradicionais que, segundo seus pastores, remetem às religiões afro-brasileiras.
Então se coloca o problema: o acarajé é um patrimônio religioso? Ou melhor: se a ori-
gem de uma cultura é religiosa mas ela transborda ao longo dos anos para a vida profana, a
religião original ainda tem que ser a opção de fé de todos os seus praticantes? As vestimentas
são religiosas? É justo que alguém, seja um pastor ou uma secretária da Ordem Pública, interfira
no modo de vestir das baianas? Se ela não usa as roupas, a baiana do acarajé é menos detentora/

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propagadora do seu patrimônio tradicional transmitido de geração em geração? A preocupação


da prefeitura é com o patrimônio ou com o apelo visual das baianas para o turismo cultural? Será
que são poucos casos e a questão seria tão minoritária que não vale ser considerada, ou será que
a avaliação do Iphan vai levar em conta essas mudanças nas práticas vestimentares das baianas?
Por qualquer ângulo que se olhe a questão, a estreita relação entre valorização do pa-
trimônio e exploração comercial está sempre em jogo e apresenta potencialidades, tanto para o
surgimento de conflitos quanto de soluções.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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POLÍTICA CULTURAL Y CONSTRUCCIÓN DE PAZ EN COLOMBIA


Andrés Tafur Villarreal1

RESUMO: Esta ponencia presenta los antecedentes de una investigación cuyo objetivo principal
es explorar sobre la relación entre políticas culturales y construcción de paz. Se argumenta que
esta relación puede indagarse productivamente mediante la exploración de la naturaleza de la
politica cultural puesta en marcha por distintos agentes, y por medio del examen del potencial
de dicha política cultural para promover la paz. En el caso colombiano, esta relación puede
rastrearse a través de la movilización cultural de dos agentes: el Estado, cuya política cultural
(cultural policy) estuvo dirigida durante la década de 1990 a la construcción de paz, y las
víctimas del conflicto armado, cuya política cultural (cultural politics) ha estado en el centro de
su resistencia por la verdad, la memoria y la reparación simbólica. En adelante se desarrollan
estos dos ámbitos de relación, para concluir con una reflexión sobre la reparación de la sociedad
a través de las políticas culturales.

PALAVRAS-CHAVE: construcción de paz, política cultural, víctima, memoria, reparación


simbólica.

1. INTRODUCCIÓN: ACLARACIONES CONCEPTUALES


1.1 La construcción de paz
Se entiende en un sentido amplio como las “acciones dirigidas a identificar y apoyar
estructuras tendientes a fortalecer y solidificar la paz para evitar una recaída al conflicto”
(Boutros-Ghali, 1992). Esta definición ha sido reelaborada por Rettberg (2012), quien la
comprende como “un proceso dinámico, no secuencial, con altibajos y que implica diversos
retos y frentes de acción paralelos”, que “ocurre en múltiples ámbitos (internacional, nacional
y local) e involucra a actores de diferente naturaleza (domésticos e internacionales, públicos
y privados, independientes y colectivos)” (2012, p. 4). En tanto que sobrepasa a los actores
armados en contienda y no ampara su actividad a la resolución de los conflictos (por la vía de
la negociación o por la vía militar), su dimensión temporal puede ser más amplia que la de una
guerra o la de una eventual negociación política.

1
Comunicador social periodista y filósofo. Estudiante de maestría en ciencia política, Universidad de los Andes,
Colombia. a.tafur10@uniandes.edu.co

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1.2 Las políticas culturales


Se entienden como “la movilización de la cultura llevada a cabo por diferentes tipos
de agentes - el Estado, los movimientos sociales, las industrias culturales, las instituciones
tales como museos y organizaciones turísticas, asociaciones de artistas y otros - con fines de
transformación estética, organizativa, política, económica y/o social” (Ochoa, 2003, p. 20). Por
el lado del Estado, el Ministerio de Cultura de Colombia construyó su propia definición, desde la
cual ha recopilado, discutido y validado socialmente las políticas culturales nacionales vigentes,
cuya primera fase fue publicada en la publicación del Compendio de las políticas culturales
nacionales (Ministerio de Cultura, 2010). De acuerdo con esta definición,
Las políticas culturales son las grandes nociones que asume el país
para orientar los procesos y acciones en el campo cultural, mediante la
concertación y la activa participación del Estado, las entidades privadas,
las organizaciones de la sociedad civil y los grupos comunitarios, para
de esta manera responder con creatividad a los requerimientos culturales
de la sociedad. (Rey, 2009, p. 32)
Álvarez, Dagnino y Escobar (1999, 2001) han elaborado una definición de política cultural
que se distancia de ésta perspectiva — que “normalmente designa acciones del Estado o de otras
instituciones con respecto a la cultura, vista como un terreno autónomo separado de la política,
y muy frecuentemente reducido a la producción y consumo de bienes culturales” (Álvarez et al,
1999, p.135) — para centrarse en el “proceso que se desata cuando entran en conflicto conjuntos
de actores sociales que a la vez que encarnan diferentes significados y prácticas culturales, han
sido moldeados por ellos” (Escobar et al, 2001, p.25, 26). Esta definición de política cultural
asume que las prácticas y los significados, “especialmente aquellos que, en virtud de la teoría,
se han considerado marginales, de oposición, minoritarios, residuales, emergentes, alternativos,
disidentes y similares, todos en relación con un orden cultural predominantemente determinado”
(2001, p.26), pueden ser la fuente de procesos que deben ser aceptados como políticos. Estas son
las coordenadas en las que gravitan las víctimas.

2. LA CULTURIZACIÓN DE LA VIOLENCIA
Los límites entre diferentes formas de violencia han dejado de ser evidentes. En términos
de sus efectos, no se pueden separar tajantemente aquellos producidos por los conflictos político
militares de aquellos producidos por prácticas generalizadas de criminalidad. En Colombia esto
puede resultar indicativo, si se considera que el 81 por ciento de los muertos de su conflicto
interno son civiles (Centro Nacional de Memoria Histórica, 2013).2 Lo anterior ha llevado a

2
Según datos del informe Basta Ya, del Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH), de las 220 mil personas
que murieron a causa del conflicto desde 1958 hasta el 2012, 180 mil eran no combatientes. Ver estadísticas: http://
www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/estadisticas.html

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algunos autores a definir la guerra colombiana como una “guerra contra la sociedad” (Pecaut,
2001), argumentando que la heterogeneidad de los fenómenos violentos, su dispersión y
fragmentación, y el emborronamiento de las fronteras entre terror organizado y desorganizado,
hace que parezca presuntuoso “trazar líneas claras entre la violencia política y aquella que no
lo es”, puesto que “lo seguro es que ya nadie está al abrigo del impacto de los fenómenos de la
violencia” (2001, p. 90).
Este proceso de “banalización de la violencia”, por una parte, impacta profundamente
las estructuras del orden social y cultural, provocando irreparables daños emocionales, morales
y políticos (Centro Nacional de Memoria Histórica, 2013); y, por la otra, instaura “ciudadanías
del miedo” (Rotker, 2000, p. 5), ciudadanías en las que “uno de los factores determinantes en
la mediación de lo social es la angustia cultural” (Martín-Barbero, 2000). Fenómenos como las
masacres3, la desaparición forzada4, el homicidio5, la violencia sexual6, el desplazamiento7, las

3
Según datos del informe Basta ya, del Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH), entre 1985 y 2012, se
presentaron 1982 masacres, dejando como saldo un total de 11751 víctimas. Ver bases de datos: http://www.centro-
dememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/basesDatos.html
4
Las cifras sobre desaparición forzada no están construidas y se encuentran fragmentadas en distintas institucio-
nes, razón por la cual no son confiables. Medicina Legal habla de un histórico de 21 mil casos (1970 - 2013), la
Fiscalía de 26 mil, el CNMH de 25 mil (1985 - 2012), mientras que en la Unidad de Víctimas hay denunciados unos
31 mil. Las organizaciones de víctimas sugieren que los casos pueden sobre pasar los 50 mil en un período de 40
años (1970 - 2010).
5
De acuerdo con datos de la Policía Nacional, procesados por el Observatorio del Programa Presidencial de De-
rechos Humanos y Derecho Internacional Humanitario, la tasa de homicidios en Colombia en promedio durante el
período 1990 - 2013 fue de 32,33 por cada 100 mil habitantes. En total fueron asesinadas 532.474 personas, de las
cuáles, para la Policía, el 80% fueron causados por ‘casos de intolerancia’, los cuales obedecen a riñas, soluciones
de conflictos entre vecinos o los llamados líos pasionales. De acuerdo con el portal Verdad Abierta (verdadabierta.
com) dentro del conflicto, los homicidios han sido utilizados por los grupos armados ilegales como una forma de
sembrar terror en los territorios que controlan, una de las prácticas más usadas fue la de los asesinatos selectivos,
con los que se buscaba ocultar la magnitud de otras prácticas (como las masacres) pero causando miedo en las
comunidades o el enemigo. Ver cifras en página del Observatorio http://historico.derechoshumanos.gov.co/Obser-
vatorio/Paginas/Observatorio.aspx
6
En Colombia se presentan, en promedio, 38 casos diarios de violencia sexual contra las mujeres, según la De-
fensoría del Pueblo. Según los exámenes médicos legales realizados en 2014 por violencias de pareja, de 43.807
mujeres y hombres, 37.881 correspondieron a mujeres, es decir el 86,5 % del total, y 5.926 para varones, es de-
cir el 13,5 %. Tomado de http://www.eltiempo.com/carrusel/violencia-sexual-en-colombia-numero-de-casos-dia-
rios/15828716
7
Según el informe de ACNUR de 2014 Tendencias Globales del Desplazamiento Forzado Colombia es, después
de Siria, el segundo país del mundo con más desplazados internos, con un total de 6’044.151 personas. Ver. http://
www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/Publicaciones/2015/10072.pdf?view=1

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ejecuciones extrajudiciales8, la impunidad9, la corrupción10, o el secuestro11, se superponen unos a


otros generando una “ética del desencanto” que atraviesa el sinsentido de lo social y de lo personal.
Es en el contexto de estas prácticas de inseguridad, ciudadanías del miedo y “éticas del
desencanto” en el que la cultura es invocada y “aparece como el hilo que podría suturar las
heridas sociales y restaurar el tejido de la vida común” (Ochoa, 2004, p. 22).

3. LA VIOLENCIA, LA CULTURA Y LA PAZ


Durante las últimas décadas en Colombia la idea de “cultura” ha pasado a nombrar un
anhelo de resolución no bélica del conflicto armado o del estado exacerbado de violencias,
representándosela como el escenario que haría posible generar un nuevo estado de convivencia.
Dicha propuesta ha aparecido reiterada, por un lado, desde el ámbito gubernamental y, por otro, en
los discursos de grupos de artes populares en diversas ciudades y regiones del país, intelectuales
y artistas, y movimientos sociales (indígenas, campesinos, víctimas, etc). Esta interpelación a la
cultura como “campo crucial de intervención social y político” en los discursos del Estado y de
la sociedad civil, se explica por la transformación de las fronteras entre arte, cultura y política
(Ochoa, 2003)12, y las metamorfosis en el sentido de las artes y la cultura a nivel global (Miller
& Yúdice, 2004).
Pero, en un contexto de guerra y de violencia generalizada, no atribuible exclusivamente
al conflicto armado, ¿Qué implica pedirle a “la cultura” que restaure ámbitos de convivencia?
¿Qué entendemos por “políticas culturales” en estos contextos? Según Ochoa (2004), la idea de
cultura como un ámbito desde el cual es posible construir la paz se traduce de distintos modos:

8
La dirección de Derechos Humanos de la Fiscalía General de la Nación habla de cinco mil casos de ejecuciones
extrajudiciales, o “falsos positivos”, que no son otra cosa que asesinatos a sangre fría por parte de efectivos del ejér-
cito nacional, para hacer pasar civiles por guerrilleros muertos en combate. En su informe del año pasado, Human
Rights Watch identificó a más de 180 batallones y unidades tácticas que cometieron ejecuciones extrajudiciales
entre 2002 y 2008. Ver. https://www.hrw.org/es/report/2015/06/23/el-rol-de-los-altos-mandos-en-falsos-positivos/
evidencias-de-responsabilidad-de
9
En Colombia, nueve de cada diez asesinatos quedan impunes. Estadísticas muestran que sólo es 20 por ciento de
los casos llegan a ser judicializados. Tomado de: http://www.eltiempo.com/politica/justicia/impunidad-en-colom-
bia/16115768
10
Colombia aparece en el puesto 83 en el ranking de corrupción de Transparencia Internacional entre 168 países,
ver https://www.transparency.org/cpi2015
11
Según datos del CNMH, desde 1970 hasta 2010, fueron secuestradas en Colombia más de 27 mil personas. Ver
bases de datos: http://www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/basesDatos.html
12
Con “transformación de las fronteras”, se quieren significar dos cosas: 1. La pluralización de lo que se considera
válido como texto cultural (desde las telenovelas, pasando por el rock, las sinfonías clásicas y el folclor), lo cual
tiene que ver tanto con las transformaciones en el campo de las comunicaciones (segunda mitad del siglo XX) como
con el surgimiento de la diversidad como paradigma social. Y 2. La manera en que tanto diferentes grupos (de la
sociedad civil) como instituciones (del Estado) “reclaman la cultura como un campo crucial de intervención en el
orden social y político”. A este propósito, todo el campo cultural, no sólo las artes, se constituye en pre-texto para la
búsqueda de alternativas. “Así, todo el campo de lo simbólico se consolida hoy como objeto de la política cultural.”
(Ochoa, 2003, p.17).

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La cultura sería aquello que permitiría “reconstruir la convivencia” o “el


tejido social”; crear una “zona de distensión” en medio de la violencia;
darle una ruta diferente a los históricos hábitos de la venganza que llevan
a la persistencia infinita de la guerra; permitir la presencia del duelo o
transformar el sentido mismo de la política; deconstruir la historia de
exclusiones para transformarla en procesos de inclusión (Ochoa, 2004,
pp. 18,19)
Pero una cosa es proponer que “la cultura” permite un proceso de reconstrucción social
hacia “la paz”, y otra, sin embargo, es traducir ese ideal en prácticas concretas. Transitar de las
definiciones ideales al ámbito de la transformación real implica, por una parte, comprender la
manera como las diversas formas de la violencia han afectado el ámbito de lo que nombramos
como cultura y, por otra, caracterizar en rigor la idea de paz que se invoca a través de la cultura y
el campo de acción de las políticas culturales. Según De Zubiría (2015), uno de los peligros que
subyace a esta relación es identificar la cultura y el Ministerio de Cultura con la paz, emulando
el discurso institucional. Este “artificio”, parte de las premisas falsas de que:
(…) cultura es paz, violencia es no-cultura; todo conflicto es violencia, hay
que abolir el conflicto para ser culturales; hay que silenciar la violencia
y el conflicto en nombre de la tolerancia. Pretendiendo ocultar y olvidar
la persistente relación entre cultura y violencia en la historia de nuestro
país y a nivel de la cultura occidental. (De Zubiría, 2015, p. 94).
El punto central a este respecto radica no tanto en equiparar la “cultura” con la
“convivencia pacífica” sino en dar espacio a las manifestaciones culturales como campos en
los que sea posible escuchar las contradicciones, las dificultades y los duelos, asumiendo la
contradicción y el conflicto no violento como lugar fundamental desde el cual pensarse, en el
entendido de que “la paz no es la resolución de un conflicto armado, sino la construcción de
un nuevo contrato social y la institucionalización de un orden democrático no excluyente en lo
político, lo económico, lo social y lo cultural” (Salazar, 2000, p. 178).

4. LA PAZ EN EL PANORAMA DE LAS POLÍTICAS CULTURALES


Las políticas culturales están lejos de ser cuestiones puramente estatales. Los discursos y
la movilización de la sociedad civil en torno a la cultura, constituyen otras maneras de concebir
y hacer política (s) en el sector cultural. Esto tiene que ver con la progresiva centralidad que
ocupa la exigencia que tanto el Estado como la sociedad civil hacen de la cultura, al postularla
como sustituto de la política (politics). La paz ha estado en el prisma tanto de las políticas
culturales formuladas desde la institucionalidad del Estado (Colcultura, Ministerio de Cultura)
como desde el seno de las comunidades organizadas, ya sea de artistas, intelectuales, jóvenes
y mujeres, o de base social, como los movimientos étnicos y los sectores campesinos y más
recientemente, las víctimas. Para el caso colombiano, se puede afirmar que durante la década

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de 1990 e inicio de la del 2000, existió una tradición oficial que nombró la cultura como eje de
la política nacional de paz, a través de diversos documentos tales como planes institucionales,
discursos y cartas presidenciales, manifiestos, ponencias de foros nacionales y regionales,
artículos de prensa, editoriales, entrevistas, declaraciones públicas, entre otros materiales
recogidos y publicados por la Presidencia de la República, que hicieron parte del debate nacional
en torno a la Ley General de Cultura (397/1997) y la creación del Ministerio, denominado (no
gratuitamente) para la época, “el Ministerio de la Paz” (Presidencia de la República, 1997).13
Por otra parte, las manifestaciones culturales también han constituido una herramienta muy
útil para las organizaciones de víctimas del conflicto armado. En la brega por denunciar las
violaciones a sus derechos civiles, económicos, sociales y culturales las víctimas han hecho uso
de diversas técnicas y narrativas propias de las artes, que les han dado visibilidad en la esfera
pública. Se puede decir que los más importantes esfuerzos en Colombia por “hacer memoria”
y “contar la verdad” de las atrocidades de la guerra, han sido fundamentalmente una iniciativa
de las víctimas, muchas veces re-victimizadas por los actores implicados en la confrontación -
incluyendo los actores estatales -, más que del mismo Estado. Es desde estas dos perspectivas
- la del Estado y la de las víctimas - que podemos hablar de relaciones entre políticas culturales
y construcción de paz.

4.1 La cultura en la política nacional de paz14


Hasta la década de 1990, Colombia no había contado con una Política Nacional de
Cultura, sino con un conjunto de planes atomizados que, como señalan Herrera y Mena (1994),
representan a lo sumo un conjunto de propuestas viables, que no alcanzaron su implementación
completa ni la debida sanción presidencial (1994, p. 141)15. Desde 1930, la cultura había sido
vista como un subsector de la educación, desarrollada por una oficina de extensión del Ministerio
del ramo, hecho que no varió con la creación del Instituto Colombiano de Cultura, Colcultura,
en 1968: “(…) como bien ha sido afirmado por Juan Luis Mejía Arango, era para el Ministro de
Educación de turno un instituto descentralizado más al que no podía dedicarle, si acaso, más del
3% de su tiempo al año, especialmente debido a la creciente y compleja problemática del sector
educativo” (Morales, 2001, pp. 22,23).
Esta situación cambió, por lo menos formalmente, tras la reforma institucional de 1991,
con la entrada en vigencia de un nuevo pacto constitucional. La transición produjo cambios
sustanciales tanto en el diseño y materialización de las políticas como en la institucionalidad
cultural, lo cual llevó a la progresiva “autonomización” del sector que desembocaría finalmente
13
Sobre la “política nacional de paz” a través de la cultura, puede verse (Colcultura, 1992, 1997), (Presidencia de
la República, 1994, 1995a, 1995b, 1996, 1997), (Ministerio de Cultura, 1998, 2001a., 2001b, 2001c).
14
Se anexa consolidado
15
Los planes de cultura anteriores a la transición de 1991 fueron los de1972-76, 1974, 1976, 1983-85 y 1990.

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en la aprobación de la Ley General de Cultura y en la creación del Ministerio. El optimismo


que vivía el país de la mano del desarme y la desmovilización de distintas organizaciones
guerrilleras, pronto colocó la cultura en las coordenadas de la gestión pública y a la paz como
uno de sus objetivos centrales.
El Departamento Nacional de Planeación (1991) trazó tres desafíos para la “nueva
concepción de la actividad cultural” en los “tiempos de transición”: el primero era la consolidación
de la democracia, de acuerdo con el régimen participativo señalado por la nueva Carta: “Para
lograrlo, se propiciarán nuevos espacios para la participación ciudadana, procurando que ella sea
cada vez mas [sic] amplia y mejor. El campo de la cultura favorece ese proceso participativo
de los ciudadanos que está en el centro del protagonismo de la sociedad civil.”(1991, p. 1). El
segundo era la apertura, que sería asumida como el “desafío” de entrar en interrelación con otras
sociedades, economías y culturas. El reto a esta parte, según el criterio de los planificadores, era
doble: “de un lado, afirmar y preservar la identidad cultural, múltiple y diversa, y de otro, asimilar
y aprovechar la riqueza de otras expresiones culturales.” (1991, p. 1). El tercer “desafío” en ciernes
era la descentralización político-administrativa de su gestión, una tarea inconclusa desde 1974.
Las recomendaciones del DNP fueron consignadas en el Plan Nacional de Cultura 1992
- 1994, “Colombia: El camino de la paz, el desarrollo y la cultura hacia el siglo XXI”, que
orientó sus políticas, estrategias y programas sobre la base de un planteamiento rector: el rol
de la cultura en la formación para la paz. El plan reconoce que en el momento que atraviesa
Colombia, se precisa del “robustecemiento de los valores democráticos y la recuperación del
sentido de la convivencia pacífica y tolerante” (Colcultura, 1992, p. 1), para lo cual el papel de
la cultura “cobra una importancia sin precedentes.” Aquello comprometía definir los criterios
globales acerca de la cultura y su papel en la vida nacional, los objetivos del Estado y de la
sociedad civil en el sector, en el marco de las “trascendentales innovaciones de la Constitución
de 1991”, esto es: una política cultural centrada menos en los productos culturales que en el
reconocimiento de las tradiciones y las prácticas significativas de las comunidades que habitan
el territorio. El programa “CREA: Una expedición por la cultura colombiana” (1992 - 1998)16,
nació con el doble propósito subyacente a los planes: “rescatar, valorar, promover y difundir
nuestras manifestaciones culturales a lo largo y ancho de todo el territorio nacional” (Colcultura,
1997, p. 1), y, paralelamente, “reafirmar la cultura como una estrategia valiosa en la búsqueda

16
Consistió principalmente en una serie de ‘encuentros culturales’ con muestras de cultura local y regional que
tenían lugar a nivel municipal, departamental, regional y, finalmente, nacional, de manera consecutiva. Se llevó
a cabo entre 1992 y 1998. Su desarrollo concretó del grandes procesos. “El primero culmina con un Encuentro
Nacional en Bogotá en 1995, con la presencia de 1.687 artistas de las regiones en la capital; el segundo, en agosto
de 1998, justo antes del cambio de gobierno, con una muestra de 2.235 artistas. Previo a cada Encuentro Nacional
se habían realizado, en el primer caso, 102 encuentros intermunicipales, 29 departamentales, 6 regionales; y en el
segundo, 15 encuentros intermunicipales, 26 departamentales, 4 regionales. (Ochoa, 2003, p. 31)

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de la paz, la reconciliación nacional, la convivencia, el respeto por la diferencia, el diálogo y la


libre expresión de ideas” (1997, p. 2).
La creación del Ministerio de Cultura fue motivada por la presidencia de Ernesto Samper
por la supuesta capacidad intrínseca de la cultura para aportar a la paz. De manera posterior a
su creación, en el gobierno de Andrés Pastrana, el ministerio fue defendido ante sus potenciales
detractores como un ministerio necesario para la superación de la violencia. En una misiva a
los alcaldes y gobernadores del país, la entonces ministra Aracely Morales, suscribía que su
Ministerio compartía con los colombianos, “la confianza en el poder de la cultura para construir la
paz” (2002, p.25). En 2001, el gobierno nacional citó a intelectuales, artistas, y gestores culturales
de todo el país a suscribir el Manifiesto por la Paz desde la creatividad y la diversidad (2001a.),
que pretendió sentar “líneas de acción en diversos planos para hacer efectivo el compromiso de
los promotores de la cultura con los imperativos de la paz” (VV.AA, 2001d., p.8).
Ochoa al igual que Araújo (2003) polemizaron con la retórica de la paz que se gestó
en las políticas culturales a partir de la década de 1990, sobre la base de dos planteamientos
que se suscriben en esta ponencia: 1. imaginar la paz como ausencia de conflicto, esto es, la
dificultad de asumir los dilemas y conflictos de la diversidad, lo que se traduce en un “lenguaje
que niega lo conflictivo en la movilización de lo cultural desde el estado” (Ochoa, 2003, p.
126), y 2. en esa misma dirección, “la supuesta capacidad intrínseca de la cultura para aportar
a la paz” (Araújo, p. 28). A este respecto, se pueden señalar otras tres situaciones igualmente
críticas en el propósito institucional de lograr la paz a través de la política cultural, que fueron
saldadas parcialmente en la formulación del Plan Nacional de Cultura 2001 - 2010, “Hacia
una ciudadanía democrática cultural.”17 Estas son: (3) la dinámica intervencionista que impedía
consolidar procesos de largo plazo, (4) la ausencia de participación ciudadana en la construcción
de los planes y programas, y (5), finalmente, el logro relativo en la tarea de la descentralización.

4.2 La política cultural de las víctimas: un repertorio de memorias18


La política cultural de las víctimas no es tanto una policy como una dimensión de político
(politics). Lo correspondiente a las prácticas políticas concretas de diseño e implementación
de programas y proyectos específicamente relacionados con la movilización de lo simbólico
pensado como expresiones artísticas (sea éste desde la “alta cultura”, desde “la cultura popular”
o desde “las industrias culturales”), patrimoniales, de difusión cultural, etc., sería algo parecido

17
Este plan se construyó colectivamente a través de consultas, foros regionales y encuentros nacionales, al tanto que
se presentó no como un plan de Estado sino de la sociedad. Su duración lo vinculó más a una política de Estado que
a un plan de gobierno, lo cual pretendió consolidar las políticas culturales como políticas públicas, (estas dos carac-
terísticas no estaban en planes anteriores). Por último, instaló lo cultural en el espacio de lo político, en un diálogo
entre política cultural y cultura política.
18
Se anexa consolidado

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políticas culturais
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a lo que en inglés se llama cultural policy. Con Álvarez, Dagnino y Escobar, utilizamos el
concepto de cultural politics
para llamar la atención sobre el vínculo constitutivo entre cultura y
política y sobre la redefinición de la política que esta visión implica. Este
lazo constitutivo significa que la cultura, entendida como concepción
del mundo y conjunto de significados que integran prácticas sociales,
no puede ser comprendida adecuadamente sin la consideración de las
relaciones de poder imbricadas con dichas prácticas. Por otro lado,
la comprensión de la configuración de esas relaciones de poder no
es posible sin el reconocimiento de su carácter “cultural” activo, en
la medida que expresan, producen y comunican significados. Con la
expresión política cultural nos referimos, entonces, al proceso por el
cual lo cultural deviene en hechos políticos (Álvarez et al, 1999, p. 135).
Ochoa prefiere hablar de “lo político de lo cultural”, para comprender la perspectiva de
estos autores, dado que se construye sobre todo desde “prácticas teorizadas como marginales”,
tanto por los estudios culturales, preocupados por el textualismo, como por la ciencia política
y la sociología política, preocupadas por la política formal, institucional. Esto es “prácticas
culturales históricamente pensadas como marginales, ahora analizadas como prácticas de
poder” (2003, p. 74), por oposición también a la noción iberoamericana (que ellos consideran
una noción dominante) de políticas culturales como un campo de mediación entre obra artística
y producción19.
La noción de repertorio refiere fundamentalmente a una práctica cultural. Taylor la
define, en oposición a la noción de archivo, como los gestos, la performatividad, la oralidad,
el movimiento, la danza y el canto, entre otras manifestaciones de las comunidades, y dice
que son un tesoro de inventiva que les permite participar en la producción y reproducción de
conocimiento por el solo hecho de hacer parte de su transmisión. Respecto del caso colombiano,
citando a Taylor, el Grupo de Memoria Histórica (GMH) afirma que el “repertorio” da cuenta de
“los relatos de los sobrevivientes, de la observación de sus prácticas y gestos, del reconocimiento
de los traumas, de las reiteraciones y de los silencios, formas efímeras de conocimiento y
de evidencia” (Grupo de Memoria Histórica, 2009, p.23). El archivo, por el contrario, sería
aquello referido a la política oficial del recuerdo, aquello que se encuentra al servicio del poder,
materializado en sofisticados soportes textuales.

19
Siguiendo con Ochoa, esta expansión de la noción de políticas culturales, para incluir todas las dimensiones
simbólicas de la cultura, “es precisamente uno de los procesos a través de los cuales están cambiando las fronteras
entre arte y cultura y es una de las dinámicas desde las cuales la noción estética de lo cultural está siendo absorbida
por el sentido social de la simbolización de lo cultural a través de las políticas culturales. No sólo se pluralizan los
textos de la cultura reconocidos como objeto de política cultural; se transforma la relación de valor entre el sentido
de lo cultural como dimensión estética o como dimensión social. Esta polémica sobre cómo definir el valor de las
políticas culturales se hace especialmente visible en el frágil juego de las traducciones no sólo de las palabras sino
entre campos de pensamiento sobre cultura”, (2003, p. 75).

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La unidad de análisis de las iniciativas de memoria de las víctimas en el trabajo del GMH
son los discursos, representaciones, prácticas y significados que construyen las comunidades y
organizaciones afectadas por la violencia con el fin de hacer público su dolor y denunciar las
injusticias de las que han sido objeto. Citando a Veena Das, estos discursos, representaciones,
prácticas y significados, son asumidos como “juegos de lenguaje” que constituyen formas de
vida, “donde se definen los repertorios de posibles enunciados y acciones, mediante los cuales
las personas enfrentan la diversidad” (2009, p.19). Esto supone, como se sabe, una comunidad
de lenguaje y significación, una cultura compartida. Los medios de expresión equivalen a lo
que Elizabeth Jelin llama “vehículos de la memoria”: “memoria que se produce en tanto haya
sujetos que comparten una cultura” (p.19). Los “vehículos de la memoria” pueden ser tanto
libros como archivos u objetos conmemorativos, pero también expresiones y actuaciones “que
antes que re-presentar el pasado, lo incorporan performativamente” (p.19). Esto nos saca de la
esfera exclusiva de los textos culturales, y nos instala en las coordenadas de las prácticas de los
sujetos y de los movimientos sociales, lo que de paso amplía el concepto de política cultural.
Como señalan Escobar y compañía, la política cultural que ponen en marcha los movimientos, y
léase dentro de ese espectro a las organizaciones de víctimas, no es prerrogativa de aquellos que
plantean exigencias basadas en la cultura, sino que compromete a todos “cuando intentan otorgar
nuevos significado a las interpretaciones culturales dominantes de la política, o cuando desafían
prácticas políticas predominantes” (2001, p.25). La política cultural de los movimientos de
derechos humanos, por ejemplo, “debe trabajar para otorgar nuevos significados (y transformar)
conceptos culturales dominantes sobre los derechos y el cuerpo” (p. 34).
La oposición entre repertorios y archivos da cuenta de esta disputa por los significados y las
representaciones en el terreno de la memoria. El Centro Internacional para la Justicia Transicional
(ICTJ), habla de “iniciativas no oficiales de memoria” para referirse a los repertorios a través de
los cuales se “visibilizan otras formas de hacer justicia y reparación, y además de construir verdad
y memoria: una fórmula “desde abajo” que permite que las víctimas interpelen al Estado y exijan
el cumplimiento de estos derechos, partiendo de las particularidades regionales” (Briceño-Donn
et al, 2009, p. 6). Esto supone de entrada que la Ley de Justicia y Paz (975/2005) - y podríamos
decir hoy que la Ley de Víctimas y Restitución de Tierras (1448/2011)- “no es el único y tampoco
el más importante escenario de justicia transicional en Colombia.” Por el contrario, algunas de
estas memorias funcionan como “prácticas de reparación” que inciden en la recuperación de la
autoestima, la confianza y los lazos sociales; y como “prácticas de resistencia” que denuncian las
injusticias a la vez que sirven como antídoto contra la impunidad y el olvido. Se trata, en todo
caso, de “prácticas materiales mediadas por la cultura”, en tanto son memorias que han quedado
“ancladas en cuerpos y en los sentidos”, que “no se pueden confinar a esferas mentales o subjetivas
únicamente” (GMH, 2009, p.24).

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5. CONCLUSIÓN: ¿SIRVEN LAS POLÍTICAS CULTURALES PARA REPARAR


LA SOCIEDAD?
Posterior a la aprobación de la Ley de Víctimas, el Ministerio de Cultura produjo un
documento que pretendió (o pretende) sentar las bases de lo que sería una política pública desde
la cultura y el arte en el marco de las víctimas del conflicto armado colombiano (Ministerio de
Cultura, 2011). El objetivo es buscar que la institucionalidad cultural opere sobre la base de la
normatividad transicional, ligada a una comprensión profunda de los derechos de las víctimas.
Se suscribe que la política pública quiere llegar a posibilitar escenarios tendientes a formas
simbólicas de reparación, o por lo menos, a convertirse en posibilidad de construcción de memoria
y puesta en público de sentidos, ligados a la violencia y a las condiciones de actualización del
pasado marcado por el conflicto. Es decir: inscribir de lleno el arte y la cultura en la construcción
de memoria sobre la violencia y el conflicto armado.
Esta iniciativa empieza a tender puentes entre las dos nociones de política cultural descritas
hasta acá en dirección de la construcción de paz en Colombia, no obstante que su centro son las
víctimas del conflicto armado definidas por la Ley 1448 de 201120, lo cual excluiría tanto a las
personas victimizadas con ocasión del conflicto antes de 1985, como a la población no víctima
(por lo menos directamente). Si bien se propone la reconstrucción de la memoria, “desde abajo”,
a través de expresiones culturales y artísticas como un cohesionante de los tejidos sociales
fragmentados, tanto a nivel local como regional y nacional, y como garante de no repetición; los
sujetos de derechos en la construcción de memoria, en el marco del conflicto armado y, desde
la cultura para este proyecto, son afro-palenqueros y raizales, indígenas, jóvenes, niñas y niños,
victimizados; LGTBI, desplazados, población urbana marginalizada y campesina, mujeres,
opositores políticos y defensores de derechos humanos, es decir, aquellos que caben dentro de
la categoría de víctima, definida por la ley, y que gozan del “enfoque diferencial” de derechos.
La iniciativa, siendo loable dado que se propone incluir a población tradicionalmente
excluida, concentra la política en un sector de la población, perdiendo de vista el imperativo de
la reconciliación nacional, máxime cuando nos encontramos ad portas de cerrar el capítulo de la
guerra interna por la vía de la negociación política. Por otro lado, tampoco considera las distintas
tipologías de daño con ocasión del conflicto, ni sus impactos diferenciados sobre los cuerpos,
las relaciones y los imaginarios de la sociedad colombiana. Caracterizar los daños individuales
y colectivos, los materiales e inmateriales, podrían facilitar el campo de acción de una política
que se proponga reparar, ya no las víctimas del conflicto armado, sino la sociedad colombiana,
herida de muerte por todo tipo de violencias. Derechos como la verdad y la memoria, objeto

20
Artículo 3. Víctimas. Se consideran víctimas, para los efectos de esta ley, aquellas personas que individual o
colectivamente hayan sufrido un daño por hechos ocurridos a partir del 1º de enero de 1985, como consecuencia de
infracciones al Derecho Internacional Humanitario o de violaciones graves y manifiestas a las normas internacio-
nales de Derechos Humanos, ocurridas con ocasión del conflicto armado interno.

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de la reparación simbólica, deben ser asumidos en su doble titularidad: como derechos de los
afectados pero también como derechos de la sociedad en general.

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Anexo 1
Documento Entidad
La cultura en los tiempos en transición 1991 - 1994 Departamento Nacional de Planeación

Plan Nacional de Cultura 1992 - 1994 Instituto Colombiano de Cultura, Colcultura


Colombia: el camino de la paz, el desarrollo y la cultura
hacia el siglo XXI
CREA: una expedición por la cultura colombiana 1992 - 1998 Instituto Colombiano de Cultura, Colcultura

Crear es vivir (1994) Presidencia de la República, Colcultura


Debate cultural (1995a) Presidencia de la República, Colcultura
Materiales para una cultura (1995b) Presidencia de la República, Colcultura
El trabajo cultural en Colombia Presidencia de la República, Colcultura
Ministerio de Cultura, ministerio de la paz (1997) Presidencia de la República, Colcultura

Plan Nacional de Cultura 1998 - 2000 Ministerio de Cultura


Construir el país que queremos
Manifiesto por la paz desde la creatividad y la diversidad. La Presidencia de la República
cultura le declara la paz a Colombia (2001)

Cultura para construir la paz. El Ministerio de Cultura a los Ministerio de Cultura


Alcaldes y Gobernadores de Colombia (2001)

Cátedra para la cultura de paz desde la diversidad Presidencia de la República, Ministerio de


y la creatividad Cultura, Departamento Nacional de Planeación
Plan Nacional de Cultura 2001 - 2010 Ministerio de Cultura
Hacia una ciudadanía democrática cultural
Hacia una política pública desde la cultura y el arte en Ministerio de Cultura
el marco de las víctimas del conflicto armado
colombiano (2011)
Recomendaciones desde la cultura para el postconflicto en Consejo Nacional de Cultura
Colombia (2014). Borrador

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A ECONOMIA CRIATIVA NO CONTEXTO BRASILEIRO E POLITICAS


DE PROPRIEDADE INTELECTUAL: UMA DISCUSSÃO EM ABERTO
Andreza Barreto Leitão1
Marcelo Carlos Gantos2

RESUMO: No presente artigo, busco compreender o debate que associa cultura e de-
senvolvimento, tendo como foco a institucionalização da Economia Criativa como política pú-
blica no Brasil. O propósito foi entender o que explica a entrada deste conceito nas políticas
culturais no Brasil e quais as suas implicações com políticas de propriedade intelectual. Através
de pesquisa de campo, entrevistas, pesquisa bibliográfica e documental, compreendeu-se que a
Economia Criativa é uma política pública de tipo multicêntrica, sendo implementada por atores
estatais e privados e que o uso do conceito é por vezes arbitrário, podendo ser associado a dis-
cursos de globalização hegemônica e de globalização contra-hegemônica. A institucionalização
dessas políticas no Brasil é associada ao neo-desenvolvimentismo dos governos PT e à promo-
ção do Soft Power em tempos de megaeventos (Copa do Mundo e Olimpíadas).

PALAVRAS-CHAVE: Economia Criativa, Políticas Públicas, Globalização Hegemôni-


ca, Globalização Contra-hegemônica, Propriedade Intelectual.

Recentemente, o conceito de Economia Criativa ganhou e perdeu espaço institucional


no Ministério da Cultura Brasileiro. Em linhas gerais, podemos entender a Economia Criativa
como o ciclo que envolve a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que incorpo-
ram o conhecimento, o patrimônio cultural, a criatividade e o capital imaterial como principais
recursos produtivos. A Economia Criativa tenta, portanto, conjugar as noções de Cultura e de
Desenvolvimento sócio-econômico.
O papel da cultura como propulsora de um tipo de desenvolvimento contra-hegemôni-
co tem sido observado desde a “Década Mundial do Desenvolvimento Cultural” (DMCD) da

1
Graduada em Ciências Sociais (CCH/UENF), mestre em Políticas Sociais (PPGPS/LEEA/UENF); E-mail: an-
dreza_bl@yahoo.com.br
2
Doutor em História Social da América (UFF), Professor associado do Laboratório de Estudos do Espaço Antró-
pico (LEEA/UENF); E-mail: mcgantos@gmail.com

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UNESCO, que ocorreu entre 1988 e 1997 (CUELAR, 1997), sendo que entre os anos de 1992 e
1995, o economista e ex-ministro da cultura, Celso Furtado integrou a Comissão Mundial de Cul-
tura e Desenvolvimento daquele mesmo organismo internacional. Adiante veremos que seu nome
será evocado na busca pela construção de uma Economia Criativa com um “selo” brasileiro.
Paralelamente, nos anos de 1994 na Austrália, com o “Creative Nation”, e de 1997 no
Reino Unido, com as “Indústrias Criativas”, ocorrem experiências no campo das políticas públi-
cas que seriam marcos do que mais tarde se convencionou chamar “Economia Criativa”.
Ana Carla Fonseca Reis (2011) observa que no contexto de globalização há um aumen-
to da demanda por serviços criativos no setor de turismo: a valorização da cultura ofstream,
das identidades locais, da experiência, do único, do singular. Passemos a analisar as mudanças
concernentes ao fenômeno da globalização, que vem se desenhando desde o final da Segunda
Guerra Mundial, unida à expansão do capital multinacional.
Boaventura de Sousa Santos (2002) afirma que longe de cumprir a expectativa de ho-
mogeneização e uniformização, a globalização das últimas três décadas “parece combinar, a
universalização e a eliminação das fronteiras nacionais, por um lado, o particularismo, a diver-
sidade local, a identidade étnica e o regresso ao comunitarismo, por outro.” (ibid., p. 26). Sousa
Santos entende o fenômeno como um campo de conflitos entre grupos sociais, estados e interesses
hegemônicos frente a grupos sociais, estados e interesses subalternos, ou contra-hegemônicos.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (2002), existe uma globalização hegemônica, pau-
tada no Consenso de Washington (também chamado de “consenso neoliberal”) que, na metade
dos anos 80, conteria as prescrições sobre o futuro da economia mundial, as políticas de de-
senvolvimento e o papel do Estado, sendo assinado pelos Estados centrais do sistema mundial.
Contudo, por mais que todas as dimensões do que se entende por globalização tenham sido afe-
tadas por esse consenso, nem todas são parte da cartilha. Nesse sentido, Boaventura vislumbra
a possibilidade da emergência de uma globalização contra-hegemônica.
As manifestações da globalização contra-hegemônica são denominadas pelo autor como
fenômenos de “localização”, uma vez que passam pela reterritorialização enquanto redescoberta
do sentido do lugar e da comunidade, frente a uma economia e uma cultura cada vez mais des-
territorializadas. Tais iniciativas teriam a função de proteger as populações e o meio ambiente
dos excessos do comércio livre. Em suas palavras:
Entendo por localização o conjunto de iniciativas que visam criar ou
manter espaços de sociabilidade de pequena escala, comunitários, as-
sentes em relações face-a-face, orientados para a auto-sustentabilidade
e regidos por lógicas cooperativas e participativas. As propostas de loca-
lização incluem iniciativas de pequena agricultura familiar […], peque-
no comércio local […], sistemas de trocas locais baseados em moedas
locais […] formas participativas de auto-governo […]. Muitas destas

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iniciativas se assentam na ideia de que a cultura, a comunidade e a eco-


nomia estão incorporados e enraizados nos lugares geográficos concre-
tos […]. (SOUSA SANTOS, 2002, p. 72)
Vale lembrar que Sousa Santos (2002) situará como inerentes à globalização hegemônica
do consenso neoliberal os novos direitos de propriedade internacional para investidores estran-
geiros, inventores e criadores, suscetíveis de serem objeto de propriedade intelectual (SOUSA
SANTOS, 2002, p. 31), além da subordinação dos estados nacionais às agências multilaterais
como o Banco Mundial, FMI e OMC.
Os direitos de propriedade intelectual são um dos baluartes da globalização hegemônica.
No livro “Economia Criativa – como ganhar dinheiro com ideias criativas”, de John Howkins
(2013) ( autor que em 2001 cunhou o conceito de “Economia Criativa” que discutimos aqui),
alguns dos capítulos versam especificamente sobre propriedade intelectual e podemos constatar
a centralidade desse tema:
Próximo ao final do século XX, a natureza do trabalho mudou. Em 1997,
os Estados Unidos produziram US$414 bilhões em livros, filmes, mú-
sica e outros produtos ligados a direitos autorais. Os direitos autorais se
transformaram no seu produto de exportação mais importante, superan-
do artigos de vestuário, produtos químicos, automóveis, computadores
e aviões. A revista Fortune disse que o valor econômico do jogador de
basquete Michael Jordan, obtido através de direitos autorais e merchan-
dizing, superou o PIB da Jordânia. (HOWKINS, 2013, p. 11)
Richard Florida, outro autor de destaque na área, aponta que deve haver problematização
nos usos da criatividade como valor econômico, principalmente no que diz respeito às políticas
de propriedade intelectual. Embora conceba como inegável a riqueza gerada pelo potencial cria-
tivo humano, o autor traz à luz o caráter empobrecedor e limitador em tais políticas:
Muitos analistas, por exemplo, apregoam que a “propriedade intelectu-
al” [...]hoje é mais valiosa do que qualquer tipo de propriedade física.
[...] No entanto, como bem afirma Lawrence Lessing [...], nossa tendên-
cia à superproteção e à disputa exacerbada no que se refere à proprieda-
de intelectual pode acabar restringindo e limitando o impulso criativo.
(FLORIDA, 2011, p. 37)
O conceito de Economia Criativa traria o estigma da relação com recrudescimento das
políticas de propriedade intelectual posto que na experiência britânica as “Indústrias Criativas”
se definiam como “indústrias que tem sua origem na criatividade, habilidade e talento individu-
ais e que apresentam um potencial para a criação de riqueza e empregos por meio da geração
e exploração de propriedade intelectual” 3.

REIS,2008. Também Disponível em: http://www.culture.gov.uk/about_us/creativeindustries/default.html


3

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A nova política cultural britânica recebeu críticas em função de sua abordagem economi-
cista da cultura, que favorecia a competitividade em detrimento do acesso democrático aos bens
culturais, situando a gestão de Blair como uma reprogramação da mesma agenda neoliberal do
thatcherismo (GARNHAM, 2005, apud De Marchi, 2012).
De Marchi (2012) cita como “mais cuidadosa” a análise de David Hesmondhalgh(2005),
que situa New Labour de Tony Blair como um “hibrido de neoliberalismo, conservadorismo e
social-democracia”, essa classificação aparentemente esdrúxula traduziria que por um lado, os
novos trabalhistas mantiveram-se fieis aos princípios básicos da agenda do partido, em especial,
a defesa dos serviços públicos, mas, por outro, “implementaram certas medidas que, na prática,
assumiam uma postura liberalizante, defendendo as leis de mercado [...].” (ibid., p.8)
Mais tarde, a UNCTAD4 definiria as indústrias criativas em quatro categorias amplas:
1) Patrimônio Cultural (incluindo artesanato, festivais e expressões da cultura tradicional), 2)
Artes (artes visuais: pintura, escultura e fotografia/ artes dramáticas: teatro, dança, ópera, circo,
música) , 3) Mídia (edição e mídia impressa, audiovisual, cinema e rádio) e 4) Criações Fun-
cionais (design de moda e de interiores, arquitetura, conteúdos digitais, jogos), os quais são
apresentados como setores intrinsecamente inovadores e privilegiados na geração de emprego e
renda. ( DUISEMBERG, 2008, p. 61)
Sobre a implementação dessas políticas, é importante ponderarmos as perspectivas dos
trabalhos de Yúdice (2006) que critica a instrumentalização da cultura para fins políticos, so-
ciais ou econômicos. Para o autor, é como se tal instrumentalização esvaziasse o sentido das
culturas, que deveriam ser entendidas como um sistema fechado, autoreferenciado.
Ainda acerca da discussão sobre cultura e desenvolvimento, Garcia Canclini (2012) as-
severa que, na prática, a respeito do desenvolvimento cultural nos países latino-americanos ob-
servam-se contradições entre os discursos progressistas e as medidas regressivas. As principais
críticas, segundo Canclini (2012) se fundamentam na observação de que por mais que estejam
presentes nos discursos e declarações as afirmações de que a cultura e as artes tenham grande
potencialidade para a atração de investimentos, geração de empregos, dinamização do turismo e
elevação do PIB, os programas orçamentários fixados pela dívida tendem à austeridade, cortan-
do fundos destinados à cultura, promovendo demissões, o que acaba reduzindo a potencialidade
criativa, bem como o consumo e o acesso aos bens culturais.

4
“A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) foi estabelecida em 1964,
em Genebra, Suíça, atendendo às reclamações do países subdesenvolvidos, que entendiam que as negociações rea-
lizadas no GATT não abordavam os produtos por eles exportados, os produtos primários. A UNCTAD é Órgão da
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), mas suas decisões não são obrigatórias. Ela tem sido
utilizada pelos países subdesenvolvidos como um grupo de pressão.” Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Confer%C3%AAncia_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas_sobre_Com%C3%A9rcio_e_Desenvolvimento

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No Brasil, o conceito de Economia Criativa chega a partir de 2004, com a XI Reunião


Ministerial da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD),
isto é, o tema é introduzido por um organismo supranacional.
Percebe-se que o conceito de “Economia Criativa” já começava a ser introduzido no
país, desde a primeira gestão de Lula, seja por meio de ações, projetos ou debates em que di-
versos atores o colocariam na pauta da agenda das políticas públicas. A categoria “atores de
políticas públicas” designa tanto indivíduos (pessoas), quanto grupos (atores coletivos), que
agem intencionalmente em uma arena política. Os atores também podem ser governamentais ou
não governamentais. Dentre os governamentais estão os políticos eleitos, ou os designados (in-
dicados) politicamente para determinado cargo e o corpo de funcionários públicos (burocratas).
Já dentre os atores não governamentais, podemos encontrar grupos de interesse, partidos polí-
ticos, meios de comunicação, Think tanks (que são organizações de pesquisa e aconselhamento
em políticas públicas), policytakers (os destinatários das políticas públicas) as organizações do
terceiro setor (ONGs, OSCIPs, Associações da Sociedade Civil Organizada), e outros stakehol-
ders (interessados nas atividades ou impactos de uma política pública), tais como organismos
internacionais, comunidades epistêmicas, financiadores, especialistas, etc., que podem inclusive
formar redes de políticas públicas (SECCHI, 2013).
Em 2005 ocorre, em Salvador, o I Forum Internacional de Indústrias Criativas, organi-
zado por iniciativa do embaixador Rubens Ricupero (então secretário-geral da UNCTAD) e do
ex-Ministro Gilberto Gil. Em 2006, é lançada uma pesquisa da FIRJAN5, com base em dados
da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) indica a participação com indicadores dos se-
tores criativos para o PIB nacional nesse mesmo ano em que, além disso, o módulo “Economia
Criativa” é inserido no Fórum Cultural Mundial do Rio de Janeiro (REIS & DEHEINZELIN,
2008). A FIRJAN neste caso atuou como grupo de interesse (por representar uma organização
do setor da indústria e comércio) e como Think tank (por atuar na produção e disseminação de
conhecimento para a formulação de políticas públicas).
Outro ator relevante é o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas). De acordo com Heliana Marinho, em 2006 o SEBRAE Nacional cria uma gerência
específica para trabalhar a Economia Criativa:
[...] o SEBRAE nacional, pensando nessa direção, criou uma coordena-
ção própria pra trabalhar a Economia Criativa, é uma coordenação que
começa a fazer as conexões necessárias dentro do sistema SEBRAE,
desse sistema fazem parte 27 estados e essa coordenação passa a en-
tender o que os diversos estados fazem nesse ambiente da Economia
Criativa, e também passa a prospectar, a sistematizar e a definir novos

5
Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro no Rio de Janeiro

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VII Seminário Internacional

políticas culturais
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métodos de trabalho. (Heliana Marinho da Silva6 - Gerente da Área de


Economia Criativa do SEBRAE-RJ.)
Em 2007, ocorrem dois Seminários Internacionais no Ceará e São Paulo. (REIS, 2008,
p.21). Isso demarcará focos de grupos de onde surgem alguns dos policymakers ou “empreen-
dedores políticos” das políticas da Economia Criativa no país: no Ceará, ligados primeira à
secretária da pasta no MinC, Claudia Leitão e em São Paulo, ligados à Ana Carla Fonseca Reis.
No ano de 2008 são editados trabalhos pelo SEBRAE & SECULT de Vitória e pela Fundação
Itaú Cultural, de São Paulo, que sistematizam experiências e possibilidades acerca do tema
(2008, p. 13).
Buscaremos entender as políticas relativas à Economia Criativa como políticas públicas
multicêntricas (SECCHI, 2013), isto é, políticas que podem ser formuladas tanto por organiza-
ções privadas, organizações não governamentais, organismos multilaterais, redes de políticas
públicas (policy networks), que, paralelamente aos atores governamentais/estatais, apresentam-
-se na função de formular ações e gerar agenda, tendo em vista questões de interesse público
(neste caso, o argumento do desenvolvimento através da cultura).
Cabe analisarmos que antes da institucionalização da Economia Criativa no Ministério
da Cultura, através da criação da secretaria, o tema da articulação entre cultura e desenvolvimen-
to já vinha sendo desenvolvido institucionalmente no MinC, chancelado pelo termo “Economia
da Cultura”. Em 2006, o MinC cria o Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultu-
ra (Prodec)7 . Havia, neste período, contudo, uma resistência no âmbito do MinC à abordagem
da Economia Criativa, ou Indústrias Criativas, pois, desde a experiência britânica, as políticas
da Economia Criativa têm sido associadas a governos de tendência neoliberal e particupalmente
ao recrudescimento de políticas de proteção à propriedade intelectual:
Trabalhamos com o termo Economia da Cultura8 ao invés de Econo-
mia Criativa ou Indústria Criativa por entendermos que o primeiro, ao
invés de delimitar o campo, o alarga, pois abrange outros setores como
ciência e tecnologia. Já o conceito de indústrias criativas circunscreve
o campo aos setores regidos por patente e propriedade intelectual [...]9.
6
Transcrição da fala durante a cerimônia de abertura do Cultura Brasil II, em 10 de dezembro de 2012.
7
O escopo dos setores do PRODEC já era bastante amplo, envolvendo: Todos os segmentos artísticos (música,
audiovisual, artes cênicas, artes visuais); Telecomunicações e radiodifusão (conteúdo); Editorial (livros e revistas);
Arte popular e artesanato; Festas populares;Patrimônio Histórico Material e Imaterial (suas formas de utilização
e difusão); Software de lazer; Design; Moda; Arquitetura; Propaganda (criação). Neste artigo, aponta-se como os
pólos mais dinâmicos da Economia da Cultura no Brasil:
Música (produtos e espetáculos); Audiovisual (em especial conteúdo de tv, animação, conteúdo de Internet e jogos
eletrônicos); Festas e expressões populares (onde se destacam o Carnaval, o São João, a capoeira e o artesanato).
8
Percebe-se que os setores eram próximos aos atualmente adotados pela Secretaria da Economia Criativa, sendo
que nesta abordagem é explicitado o não-uso da expressão “Economia Criativa” ou “Industrias Criativas” para se
evitar a alusão ao modelo inglês, que é relacionado às políticas de propriedade Intelectual. (PORTA, 2008) Dispo-
nível em: http://www2.cultura.gov.br/site/2008/04/01/economia-da-cultura-um-setor-estrategico-para-o-pais/
9
Disponível em: http://www2.cultura.gov.br/site/2008/04/01/economia-da-cultura-um-setor-estrategico-para-o-
-pais/

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É importante percebermos como o modelo de arenas sociais de políticas públicas se en-


quadra para uma identificação da advocacy, ou processo de defesa de pautas para a formação de
agenda das políticas da Economia Criativa no Brasil, com a atuação paralela de diversos atores
e, sobretudo, partindo da iniciativa de especialistas, de acordo com Celina Souza, denominados
“empreendedores políticos” ou “empreendedores de políticas públicas” que formam a “policy
community”. Para a autora, tais empreendedores “ [...] são cruciais para a sobrevivência e o su-
cesso de uma idéia e para colocar o problema na agenda pública. Esses empreendedores podem
constituir, e em geral constituem, redes sociais”(SOUZA, 2006, p. 32).
Assim, evidencia-se a ação tanto de organismos supranacionais (UNCTAD, PNUD e
UNESCO), Forum Cultural Mundial, bem como na esfera nacional a Firjan e o Sistema “S”
(SESI, SENAI, SEBRAE, SENAC), Institutos Culturais, Fundação Itaú Cultural e de organis-
mos estatais (Secretarias de Estado e Cultura do Rio de Janeiro, do Ceará, do Espirito Santo) são
alguns dos atores institucionais – ou “empreendedores políticos” (SOUZA, 2006) –, que pude
identificar, envolvidos na introdução do tema na agenda de políticas públicas nacionais, antes
mesmo da criação da SEC/MinC, propriamente dita.
No que tange às Políticas Culturais brasileiras, a entrada do presidente Lula, com as
gestões dos Ministros Juca Ferreira e Gilberto Gil, constituiu um marco em termos de avanços.
Para Rubim (2010), as políticas culturais no Brasil possuiriam três tradições: “ausências, auto-
ritarismos e instabilidades”. Porém, a entrada do PT, enquanto “esquerda no poder” deu lugar
ao tema da inclusão de minorias por via da construção de políticas públicas participativas; estas
teriam ressonância também na esfera da cultura. Até o ano de 2003 não existiam políticas cultu-
rais no governo federal voltadas para povos indígenas, culturas populares, quilombolas, ciganos,
entre outros segmentos dos quais se constitui a diversidade cultural brasileira. Antes de inicia-
tivas como o Programa Cultura Viva de 200410, com a identificação dos Pontos de Cultura, por
exemplo, os investimentos em Cultura, subsidiados em peso via lei Rouanet11 eram aplicados
majoritariamente ao eixo Rio – São Paulo e os recursos públicos beneficiavam preferencialmen-
te setores da produção artística ali circunscritos.
Veremos que quando da eleição da Presidenta Dilma Rousseff e indicação de Ana de
Hollanda à pasta da cultura, ocorrerão tensões. Tensões estas em termos de descontinuidades

10
Criado em 2004, por Célio Turino, na Secretaria da Cidadania Cultural/MinC, “o Programa Cultura Viva in-
centiva, preserva e promove a diversidade cultural brasileira, contemplando iniciativas culturais que envolvem a
comunidade em atividades de arte, cultura, cidadania e ecnomia solidária. Além dos pontos de cultura, o programa
abrange quatro ações: agente cultura viva, cultura digital, escola viva e Griô.”
11
A Lei Rouanet consiste numa política de incentivos fiscais que possibilita às empresas (Pessoas Jurídicas) e aos
cidadãos (Pessoas Físicas) aplicarem uma parte do Imposto de Renda devido à União (sendo 4% para o IRPJ e
6% para o IRPF) em ações culturais. Tal legislação resultou numa espécie de estímulo à propaganda gratuita por
parte das empresas e corroborou para a perpetuação de desigualdades, uma vez que estando boa parte da classe
empresarial do país situada no sudeste, seus investimentos, consequentemente, concentraram-se nessa região.

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VII Seminário Internacional

políticas culturais
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com relação à abertura democrática das gestões de Juca Ferreira e Gilberto Gil. Tal fato coin-
cidiria com o anúncio da criação da pasta “Economia Criativa”. A sucessão no MinC, pela
ministra Ana de Hollanda, então indicada pela presidenta Dilma Rousseff, frustra algumas
expectativas de continuidade ao tratamento dado à Cultura, principalmente para os entusiastas
da fase anterior. As críticas à gestão da ministra já no início de seu mandato foram constantes,
chegando a ser esboçado um movimento “fora Ana de Hollanda” em listas de discussões sobre
culturas populares.
No momento em que se estruturava a criação desta nova pasta denominada Secretaria
da Economia Criativa (SEC) no MinC, a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC) e a Secretaria
da Identidade e da Diversidade Cultural (SID) haviam se fundido em uma única nova pasta, a
saber, a Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC). O MinC, desde a gestão do
ministro Gilberto Gil, adotara um conceito de Cultura subdividido em 3 dimensões: simbólica,
política e econômica. Dentre os posicionamentos contrários à entrada do conceito de Economia
Criativa no Ministério da Cultura brasileiro, apresenta-se um quadro em que o tratamento das
dimensões simbólica (diversidade cultural) e política (cidadania cultural) passa a ser articulado
a uma pasta, ao passo que a dimensão econômica receberia uma autarquia própria, o que poderia
sugerir uma posição privilegiada a esta última.
Ana de Hollanda em seu discurso de posse enfatiza a conexão da atuação do MinC ao
programa de governo da presidenta Dilma, em consonância com “as grandes metas nacionais
de erradicar a miséria, garantir e expandir a ascensão social, melhorar a qualidade de vida
nas cidades brasileiras, promover a imagem, a presença e a atuação do Brasil no mundo.”
(HOLLANDA, 2011). As políticas da Secretaria da Economia Criativa, de acordo a então mi-
nistra da Cultura Ana de Hollanda no texto de abertura do Plano da SEC/MinC, seriam estra-
tégicas para o Governo Federal, pois significariam ainda um compromisso do Ministério da
Cultura com o “Plano Brasil sem Miséria”, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS), por meio das ações de inclusão produtiva, e com o “Plano
Brasil Maior”, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) através
da promoção da “competitividade e inovação dos empreendedores criativos brasileiros”.
O plano da Secretaria da Economia Criativa em sua fase de formulação contou com
o “Questionário de Levantamento de Demanda para os Setores Criativos”. Tratava-se de uma
primeira coleta de dados voltada para os trabalhadores criativos. É um momento de busca de
articulações de interesses e de coleta de informações sobre as demandas dos setores. Nesta fase,
a consulta popular através da web aparentemente favoreceu o acesso de produtores culturais a
este questionário. O planejamento visou à consolidação de um modelo próprio de Economia
Criativa, alinhado à nossa realidade, com diretrizes e ações a se efetuarem até 2014. No texto de
abertura da secretária, lê-se que:

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VII Seminário Internacional

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Trata-se de [...] levar em conta o que historicamente descartamos e ex-


cluímos [...]. O plano da Economia Criativa (2011 – 2014) representa o
desejo e o compromisso do Ministério da Cultura, no Governo Dilma
Rousseff, de resgatar o que a economia tradicional e os arautos do de-
senvolvimento moderno descartaram: a criatividade do povo brasileiro.
(Claudia Leitão, Plano da SEC/MinC, 2011)
O conceito de Economia Criativa do modelo brasileiro não traz exatamente a mesma
definição britânica, mas tem como foco os processos:
[...] definimos Economia Criativa a partir das dinâmicas culturais, so-
ciais e econômicas construídas a partir do ciclo de criação, produção,
distribuição/circulação/difusão e consumo/fruição de bens e serviços
oriundos dos setores criativos, caracterizados pela prevalência de sua
dimensão simbólica. (Plano da SEC/MinC, 2011, p. 23)
Diferente do modelo inglês, excluiu-se o pressuposto da geração de propriedade intelec-
tual como definição dos setores criativos que compõem a Economia Criativa brasileira:
Considerar que os setores criativos são aqueles cuja geração de valor
econômico se dá basicamente em função da exploração da propriedade
intelectual expressa uma percepção bastante restritiva, posto que a pro-
priedade intelectual não corresponde a um elemento obrigatório nem
definidor único de valor dos bens e serviços criativos. Desta forma, con-
clui-se que a distinção mais significativa para a economia criativa de-
veria se dar a partir da análise dos processos de criação e de produção
ao invés dos insumos e/ou da propriedade intelectual do bem ou serviço
criativo. (Plano da SEC/MinC, 2011, p. 22)
De Marchi (2012) situa a Economia Criativa propagada pela SEC/MinC como neode-
senvolvimentista, que mais que uma abordagem economicista, pautaria-se em “valores éticos”:
“[...] equalizando demandas de equidade social, com as de sustentabilidade ambiental-eco-
nômica visando ao bem-estar coletivo”(DINIZ, 2010, apud DE MARCHI, p. 5). Além disso,
têm-se a ampliação das economias de exportação, em que, junto ao agronegócio, a cultura passa
a configurar, visando à competitividade internacional. Outra caracterização seria o compromisso
dos estados com a democracia, absorvendo, organizando e orientando as novas demandas sociais
das recentes sociedades pluralistas. Dentro dessa leitura de De Marchi, poderíamos associar os
processos implementados pela SEC/MinC como propulsores do fenômeno que Sousa Santos
denominou como “localização”, isto é, uma possível face contra-hegemônica da globalização.
Percebi que, além do neodesenvolvimentismo que De Marchi (2012) aponta como ca-
racterístico do governo PT, o conceito de Economia Criativa deveria ser associado à noção de
Soft Power. De acordo com Suplicy (2013), o conceito de Soft Power foi criado por Joseph Nye,
professor da Universidade Harvard, contrapondo-se ao poder bélico ou meramente econômico,
chamado “hard power”. Sua definição seria: “a capacidade de um país influenciar relações in-

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ternacionais, exercer um papel de encantamento e sedução através de qualidades “softs”, em


especial manifestações culturais fortes e diversas.” E prossegue:
Isso se chama “soft power”. Se for suficientemente atraente, funciona-
rá como uma luz que conquistará visitantes, investidores e sonhadores.
Quando o conjunto é de tal monta consistente, pode exercer extraordiná-
rio poder (soft power) como Hollywood em relação aos EUA, a moda e a
gastronomia na França, os monumentos históricos da humanidade na Itá-
lia e na Grécia... Trata-se, porém, muito mais que cinema, comida ou mo-
numentos. São valores, posições históricas, políticas externas e autoridade
moral que, no conjunto, geram admirações e sonhos. (SUPLICY, 2013)
Gastronomia, moda, cinema, monumentos... o escopo das atividades que estimulam o
soft power de uma nação coincide com o das indústrias criativas. Percebe-se uma relação direta
entre as políticas da economia criativa, os megaeventos esportivos (que foram temas exausti-
vamente debatidos em mesas de encontros, seminários e congressos sobre economia criativa
recentemente no Brasil12) e esse conceito de soft power, estabelecendo-se como políticas de pro-
moção de um poder simbólico a partir da construção da imagem dos países no contexto global.
Marta Suplicy ainda comenta:
Londres conseguiu, no período da Olimpíada, construir uma imagem
bastante positiva da Inglaterra. Trabalha agora para manter e ampliar
esta conquista. Foca nas parcerias e presença cultural que possam gerar
este tipo de dividendo no mundo. (SUPLICY, 2013)
É nesse contexto que deve ser compreendido o planejamento estratégico da SEC/
MinC, que teve sua primeira etapa delimitada entre os anos de 2011 e 2014, isto é, visando a
projetar o Brasil no mercado global de bens simbólicos. Vale analisar as palavras da secretária
Claudia Leitão:
[...] A gente produz mas não distribui!! Não é?! [...] nós precisamos de
exportar, de sermos exportadores dessa economia! Por que que a China
tem que ser o grande exportador dos bens e dos serviços criativos do
mundo? Onde está o Brasil? Qual é a marca do Brasil no mundo? Nós
agregamos valor aos nossos produtos e serviços?? O John Howkins, pai
do conceito de Economia Criativa, diz que o Brasil faz sonhar enquanto
país, mas não tem produtos onde esse valor agregado se coloque, se
anexe, então nós temos que trabalhar para que esses produtos tenham
a nossa cara, “as caras brasileiras” como dizem no SEBRAE (Claudia
Leitão13, então secretária da SEC/MinC).
12
Citando alguns eventos em que o tema da Economia Criativa se cruzou com o do “legado dos megaeventos”:
“I Seminário Internacional Economia Criativa: novas perspectivas”, realizado pela FGV e Iniciativa Cultural –
Instituto das Indústrias Criativas em 20 e 21 do mês de setembro de 2011; “I Encontro Funarte de Políticas para
as Artes” nos dias 8 à 10 de novembro de 2011; “Seminário Internacional de Economia Criativa do SESI-SP” de
17 a 18 de abril de 2012; “Encontro Nacional de Empreendedorismo Cultural - Cultura Brasil II”, dias 10 e 11 de
dezembro de 2012.
13
Durante a palestra de abertura do Cultura Brasil II, que ocorreu no 10 de dezembro de 2012

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Vimos que o papel da cultura como propulsora de um tipo de desenvolvimento con-


tra-hegemônico tem sido observado desde a “Década Mundial do Desenvolvimento Cultural”
(DMCD) da UNESCO, que ocorreu entre 1988 e 1997 (CUELAR, 1997), sendo que entre os
anos de 1992 e 1995, Celso Furtado integrou a Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimen-
to da UNESCO e aparentemente esse histórico vem sendo evocado pela SEC/MinC, isto é, pelos
atores governamentais que neste momento passam a formular as políticas públicas da Economia
Criativa. No texto de abertura do Plano da SEC/MinC, a então secretária ressaltava:
Celso Furtado lutou durante toda a sua vida por um desenvolvimento
desconcentrador, fundamentado na diversidade cultural regional brasi-
leira. E por isso, foi um crítico inclemente das sociedades capitalistas
e “de sua forma sofisticada de controle da criatividade e de manipula-
ção da informação”. O que afligia Furtado era a consciência de que a
estabilidade das estruturas sociais não igualitárias estaria diretamente
relacionada ao controle por grupos privados dos bens de produção da
criatividade artística, científica e tecnológica. (Claudia Leitão, Plano da
SEC/MinC, 2011)
Para Furtado, os problemas do país são problemas de formação. Essa é uma sociedade de
origem colonial que ainda não resolveu seus problemas de formação, sendo que os dois impas-
ses principais são a dependência externa e a exclusão social. O Brasil e demais países periféricos
estariam perdendo em todos os campos, principalmente no campo cultural, porque nessa área
prevalece o mimetismo, a imitação da cultura estrangeira e a auto-desvalorização da própria
cultura. De nada adiantaria pensar apenas em desenvolver tecnologia e maquinário, se a popu-
lação continuasse a privilegiar os padrões de consumo externos. Esse é o fator que radicaliza o
grau de subdesenvolvimento e dependência. Nesse sentido, segundo Celso Furtado, a saída dos
países periféricos para romperem com a condição de dominação seria o estimulo à criatividade.
No dia 10 de maio de 2013, consegui marcar uma entrevista com Luciana Guilherme
(então Diretora de Empreendedorismo, Gestão e Inovação da SEC/MinC). Perguntei a ela o que
muda na passagem do tratamento da Economia da Cultura para a Economia Criativa:
Muda bastante coisa. Primeiro tem uma base que nasce: nasce da Eco-
nomia da Cultura; mas se amplia, porque a Economia Criativa não trata
da economia apenas gerada a partir dos setores da cultura, mas ela se
amplia para outros setores de base cultural, de base simbólica, mas que
se encontram em outras esferas, em outras dinâmicas... Então a gente
começa a falar do design... a gente começa a falar da moda... o próprio
artesanato passa a ser incluído no Ministério. Mas mesmo assim hoje,
o Ministério tem um recorte... a Economia Criativa se você for pensar
hoje toda a Economia Criativa digital, existe aquela que usa de suporte
digital fortemente, seja no próprio processo de criação, seja no suporte
de outras áreas, que não são digitais. O artesanato, por exemplo: as pla-
taformas de comércio eletrônico hoje são serviços de apoio ao processo

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políticas culturais
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de comercialização e distribuição, que é o elo mais frágil da cadeia do


artesanato... Então, na verdade, o que a gente começa a discutir com a
Economia Criativa são processos de inovação, tecnologias sociais, novos
modelos de negócios... (Luciana Guilherme. Diretora na SEC/MinC)
Conforme já analisado, no Plano da SEC/MinC a questão da geração de propriedade
intelectual não aparece como fator determinante do valor, mas vemos que paralelamente à es-
truturação da secretaria, no país, o debate sobre propriedade intelectual torna-se mais acirrado.
Esse foi um tema que vi emergir nos eventos que presenciei sobre Economia Criativa.
Ao mesmo tempo, setores da indústria cultural internacional também passam a se movi-
mentar nesse período. Em abril de 2011, Greg Frazier, vice-presidente executivo da Associação
Cinematográfica dos EUA (MPAA, no original), visitou São Paulo e Brasília com o objetivo
de pressionar autoridades locais por maior atenção no combate à pirataria. Na ocasião, Frazier
chegou a se encontrar com equipes ministeriais da Cultura e Justiça. Em entrevista à Folha de
São Paulo, ele fez comentários sobre a reforma dos Direitos Autorais no Brasil e afirmou que
“a democratização do acesso à cultura não esta[va] na agenda de interesses da associação”14.
Percebe-se que havia todo um aparato de conformidade aos ditames da OMC e da OMPI
tomando forma a nível nacional, coincidindo com o período de gestão da então Ministra da Cul-
tura Ana de Hollanda. Desde o primeiro mês de gestão, a ministra demonstrou que estaria em
direção oposta aos seus antecessores, Gilberto Gil e Juca Ferreira, defensores da flexibilização
da lei de direitos autorais e da manutenção de políticas de cultura digital no MinC: em janeiro
de 2011, uma de suas primeiras ações ao assumir a pasta foi remover as licenças Creative Com-
mons do site do Ministério da Cultura15. Em função desta conduta, percebi um mal estar por
parte de representantes de setores da cultura e das políticas culturais, que associavam a criação
da SEC/MinC a esta tendência da ministra Ana. Com a baixa popularidade, Ana de Hollanda é
destituída do cargo de ministra da Cultura em 11 de setembro de 2012, entrando em seu lugar a
então senadora Marta Suplicy.
Feita a leitura do Plano da SEC/MinC, eu já havia percebido o desejo dos policymakers
da Secretaria em afastar a definição da Economia Criativa proposta pelas políticas governamen-
tais do Estado brasileiro da ideia de propriedade intelectual, isto é, gerar propriedade intelectual
não é o que define os setores criativos. Porém, a preocupação com questões de direitos autorais

14
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/903278-democratizar-a-cultura-nao-e-nosso-interes-
se-diz-vice-presidente-da-mpaa.shtml Acesso em 30 de julho de 2011.
15
“Na prática, aquilo significou apenas que o conteúdo do site (os textos e vídeos) não estaria mais disponível para
ser usado e reproduzido pelos usuários nos termos da licença. Mas, em um contexto mais amplo, sinalizou que a
ministra não compartilhava da visão de seus antecessores em promover a cultura livre e a circulação de ideias,
sobretudo no ambiente online. Sua atitude foi aplaudida por membros das entidades que representam a indústria
cultural.” Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/link/ana-de-hollanda-sai-do-ministerio-da-cultura/, Acesso
em 11 de setembro de 2012.

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aparece num dos objetivos do plano, que diz respeito aos “marcos legais” (Plano da SEC/MinC,
2011, p. 39). Perguntei diretamente à Luciana Guilherme, então diretora neste órgão, como a
SEC/MinC tem se posicionado com relação às políticas de propriedade intelectual:
Olha, a gente acredita que deve haver um equilíbrio entre o direito do
autor e o acesso. Eu acho que não dá pra gente ter uma posição fechada,
hermética e inflexível no que se refere aos direitos autorais. Essa discus-
são está posta e no Brasil o debate tem sido bem forte, bem amplo, e a
gente sabe que a acessibilidade precisa ser pensada. No que se refere à
propriedade intelectual, a gente tem uma visão onde é preciso tratar o
direito de propriedade intelectual, o direito autoral, de uma forma que
promova o acesso, mas que garanta o direito, sem polarizar. Há uma
discussão no que se refere à flexibilização dos direitos, seja por parte
do próprio autor, ou seja ele ter o direito de dizer o que ele cede e o que
ele não cede, até às questões ligadas à educação... hoje há um grande
debate, quer dizer, em termos de educação sobre qual o nível de acesso
que se dá. Então, a resposta não é fechada, mas o que a gente acredita
é que deve haver um equilíbrio entre o apoio ao autor mas também o
acesso, que promova desenvolvimento. Porque o acesso à informação,
o acesso á criação gera possibilidade de novos processos criativos, de
novos processos de desenvolvimento e de formação dos profissionais
desses setores, então isso pra gente é fundamental . [...] Fala-se inclusi-
ve de “direitos coletivos”, não é? Então, é um universo bastante amplo,
mas que sempre o que a gente coloca é o “caminho do meio”, (Luciana
Guilherme – então Diretora de Empreendedorismo, Gestão e Inovação
da Secretaria da Economia Criativa, MinC.)
Em evento realizado pela ITEP/UENF, em novembro de 2012, também pude fazer re-
gistro da fala de Afonso Luz ( ex-diretor do Museu da Cidade de São Paulo, curador de arte e
consultor em projetos) acerca da posição da ex-ministra Ana de Hollanda, quanto à criação da
SEC/MinC e quanto a sua postura no que diz respeito aos direitos autorais:
Eu estou atuando na câmara dos deputados, lá estamos mantendo um
programa [...] que se chama culturas urbanas e cidades criativas. [...]
Quando a Dilma assumiu, ela indicou uma pessoa muito polêmica para
a pasta da Cultura, a minha vontade no começo era ajudar com que ela
fizesse uma boa gestão. De fato essa coisa da Economia Criativa foi uma
boa gestão; malgrado ela. Porque até ela começou a boicotar a situação,
porque ela tinha uma mentalidade muito atrasada de modelo econômico
de o que que era rentabilidade da criatividade, ligado ainda ao modelo
de arrecadação da antiga luta sindical dos autores... e que a gente sabe,
isso, no Brasil, o último a receber é o criador. E ela ainda achava que
estava nos anos 60, na luta pelo reconhecimento de direito de autor...
que é uma coisa legítima, mas que tem que ter uma visão social con-
temporânea, mudar e sair dessa lógica policialesca e arrecadatória de
fiscal. O modelo dos antigos fiscais que passavam lá vendo as notinhas

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e pedindo suborno pra não autuar. E a gente baniu isso... eu e a frente


parlamentar toda que estava lá nos opusemos frontalmente à ministra, e
apoiamos essa parte da Economia Criativa que fizemos dentro do orça-
mento. (Afonso Luz – crítico, curador de arte e consultor em projetos)
A mudança do termo “Economia da Cultura” para “Economia Criativa”, apesar das con-
trovérsias não envolvia relação direta com recrudescimento às politicas de propriedade intelec-
tual, nas palavras da ex-secretária:
Quando analisamos as definições de indústrias criativas no resto do mun-
do, o primeiro ponto que aparece é o copyright. E nós, propositalmente,
retiramos a palavra copyright do Plano da Secretaria da Economia Cria-
tiva. A visão de propriedade é ainda muito marcada por um direito civil
do século XX, onde a função social não está presente. 16 (Claudia Leitão,
então secretaria da economia criativa)
No caso brasileiro, no que tange aos argumentos quanto ao desenvolvimento da dimen-
são econômica da cultura e a reflexão sobre os marcos regulatórios, durante o evento “Cultura
Brasil”, presenciei na palestra de abertura a explanação da então secretária Claudia, em que ela
citava um exemplo curioso. Ela relata que levou até um evento do BNDES uma estatueta do
“Padre Cicero” e que também já presenteou à ministra Marta Suplicy com uma dessas. O detalhe
é que o Padre Cicero era “chinês” (sic). Segundo a secretária, ele ainda possuía um chip eletrô-
nico que reproduzia a gravação do “bendito da mãe das Candeias”, muito cantado nas romarias:
Então eu mostrei o Padre Cícero, tirei da caixa – do “made in China” – e
apertei então o botãozinho do chip e o padre Cícero canta benditos!!!!
[...] ele simplesmente levou gravado os benditos que as crianças cantam
no horto onde fica a estatua do Padre na cidade de Juazeiro do Norte,
então você aperta o botão e o padre Cícero canta os benditos que são
cantados no horto... e isso então, quer dizer que agora nós estamos ‘im-
portando’ Padre Cícero! [...] eu fiz essa provocação em Recife, e eu fico
aqui pensando com vocês... vocês todos já estão muito convencidos da
importância desses setores, vocês não precisam de convencimento, mas
o nosso trabalho é imenso ... Eu fiz questão de comprar o Padre Cícero
e já entreguei pra ministra Marta Suplicy, porque penso que nós temos
que exatamente nos dar conta do que significa isso [...] .17(Claudia Lei-
tão – Secretária da Economia Criativa18)
Ou seja, a intensificação da comercialização de bens culturais trata-se de um fenômeno
que já está em curso. Dentro dessa perspectiva acerca da globalização cultural, enquanto esta-
ríamos a manter pudores com respeito à ideia de desenvolver a dimensão econômica da cultura

16
Disponível em http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/noticias/entrevista-com-claudia-leitao
17
Este caso também foi noticiado em páginas como: http://www.tribunadoceara.com.br/blogs/nonato-albuquer-
que/religiao/a-fama-de-padre-cicero-foi-parar-na-china/
18
Durante a palestra de abertura do Cultura Brasil II, que ocorreu no 10 de dezembro de 2012

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políticas culturais
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brasileira, agentes estrangeiros lucram com ela. Todavia, pergunto à Luciana Guilherme se de
fato é possível promover a dimensão econômica da cultura sem prejudicar suas dimensões po-
lítica e simbólica:
Olha, eu acho que é possível, sim. Só que não é uma solução única.
Quando a gente fala aqui de economia, a gente não está falando de uma
economia “predatória” e capitalista, a gente está falando de uma eco-
nomia onde a diversidade cultural é um valor principal, e para isso, ela
precisa ser resguardada. Se você trata isso de qualquer forma, de uma
forma massificada e destrutiva, a gente não concorda com isso. Mas
por exemplo, hoje a gente percebe como o design vai beber da fonte da
cultura popular, das matrizes culturais brasileiras... o Brasil tem uma
riqueza, uma pluralidade, que se o avanço econômico for agressivo no
sentido de destrutivo, ele vai perder sua maior fonte! Quer dizer, acaba
sendo muito burro (risos) atuar dessa forma! Não temos respostas para
todos os setores, a gente está construindo isso. A gente quer trabalhar
sempre o valor da diversidade cultural como um princípio norteador,
e ao mesmo tempo casando isso com o processo de inovação.(Luciana
Guilherme – Diretora da SEC/MinC.)
Analisando o plano da SEC/MinC (2011-2014), percebe-se que o projeto de articulação
interministerial é deveras ambicioso, abrangendo 14 ministérios. Levando-se em conta que a
definição de Economia Criativa evoca desafios financeiros, políticos e estruturais que estão
acima da capacidade do MinC de lidar no presente período, percebe-se o quanto tal projeto de
implementação das políticas da Economia Criativa necessariamente ampliaria o escopo de um
Ministério destinado à área da cultura. Na articulação com os demais ministérios e secretarias
considera-se o grau de prioridade da política em pauta nas agendas, os recursos que cada um
deles controla e onde seriam distribuídos nessa articulação.
Em setembro de 2013, a secretária Claudia Leitão é substituída por Marcos André Carva-
lho, que atuava como superintendente na Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro. Marcos André
era responsável pela coordenadoria da Economia Criativa criada em 2009 no Estado do Rio de
Janeiro. Em março de 2015 chega a ser anunciado em coluna de O Globo19 , de Ancelmo Gois,
o fim da Secretaria da Economia Criativa e a dispensa do secretário. O fato, contudo, é esclare-
cido no mesmo dia no site do MinC20, onde afirmou-se que não houve demissão do secretário,
mas que o mesmo pediu desligamento para assumir a coordenação do programa de promoção
da economia criativa das Olimpiadas 2016, a convite do governo do Rio de Janeiro. Na mesma
matéria, lê-se que o MinC, em dialogo com a pauta prioritária do governo federal, que é a edu-
cação, irá fortalecer ações entre educação e cultura. E que o ministério continua discutindo a

19
http://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/ministerio-da-cultura-acaba-com-secretaria-de-economia-criati-
va-562106.html
20
http://cultura.gov.br

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melhor maneira de dar transversalidade ao tema da “Economia da Cultura” – que reaparece – e


da “Economia Criativa”. No link que leva à Secretaria da Economia Criativa no site oficial do
MinC, lê-se a apresentação da Secretaria da Educação e Formação Artistica e Cultural (Sefac).
Aparentemente, por estar ligada ao soft power que a visibilidade que o país passaria a
desenvolver em função dos megaeventos (Copa do Mundo e Olimpiadas) e haja vista a baixa
que os mesmos sofreram no que tange à opinião pública, a institucionalidade da SEC/MinC
foi fragilizada.
Creio que restrições orçamentárias do próprio MinC, particularmente as que vem ocor-
rendo no segundo governo de Dilma, também tenham pesado na interrupção das ações da pasta.
As relações intersetoriais da SEC/MinC também eram bastante amplas, envolvendo articula-
ções com parceiros institucionais, agências de fomento e desenvolvimento e órgãos bilaterais e
multilaterais. O planejamento mostrou-se bastante articulado, mas conforme analisado, exigiria
uma pactuação intensiva. A implementação trataria, dentre outras coisas, do funcionamento de
tais políticas em si, e isso implica em uma série de outras questões (e interesses) que envolvem
o custeio dessas políticas. Cabe ressaltar que em políticas novas essas questões ganham peso
maior, em virtude da pouca institucionalização.
Percebi no decorrer da investigação que o tema “Economia Criativa” é bastante con-
troverso e, inicialmente, eu mesma tive dificuldades de direcionar minha argumentação. Como
pano de fundo da recepção das políticas da Economia Criativa no país, pude notar embates
cognitivos que situavam tais políticas como hegemônicas ou contra-hegemônicas. As noções de
hegemonia e contra-hegemonia das políticas de tempos de globalização que aqui utilizo vem do
trabalho de Boaventura de Sousa Santos (2002).
A expressão de um discurso contra-hegemônico reside em associações dos membros das
SEC/MinC ao pensamento de Celso Furtado (1978), autor que afirma que “implícito na criativi-
dade existe um elemento de poder”, e aponta que países periféricos só superariam a dependência
quando passassem a criar suas próprias soluções, suas próprias inovações e abandonassem o
mimetismo cultural. Também convergente com uma leitura contra-hegemônica é a abordagem
de De Marchi (2013) ao apontar o neodesenvolvimentismo da gestão do PT com características
democráticas e inclusivas.
Por outro lado, temos as leituras que situam tais políticas como concernentes à globali-
zação hegemônica, tais como a de Yúdice (2006), que critica o uso da cultura para fins políticos
ou econômicos e Canclini (2012), que faz observações sobre medidas regressivas a partir de
politicas para a Economia Criativa na América Latina.
Admitiu-se que, geralmente, quando assume caráter conservador, isto é, não adaptado às
novas tecnologias e sem compromisso com os direitos de acesso (software livre, copyleft, etc),
a implementação da Economia Criativa servirá à globalização hegemônica, que não favorecerá

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aos produtores, mas sim aos reprodutores e difusores destes conteúdos: grandes editoras, gra-
vadoras, as ‘majors’, as multinacionais no âmbito da indústria cultural. A principio, a posição
oficial da primeira equipe da SEC/MinC foi de não priorizar as industrias culturais e de optar
pela flexibilização dos direitos autorais. Porém o título “Economia Criativa” continua sendo tra-
balhado por diversos atores governamentais e não-governamentais, visto que ele tem facilidade
em ser assumido por políticas públicas multicêntricas, desse modo, as projeções da primeira
equipe da SEC/MinC não delimitam todas as ações que envolvem o termo.
No curto espaço de tempo em que realizei a pesquisa não termino por optar por uma
dessas abordagens, mas procurei organizar nas leituras feitas e nas observações do campo e das
entrevistas quais os argumentos pertinentes a cada posicionamento contrário ou favorável e de
que modo eles fazem sentido numa percepção geral que a Economia Criativa é um conceito
arbitrário, posto que pode ser adaptado a diversos grupos de interesses, setores do campo da cul-
tura, atores governamentais ou não governamentais, e, desse modo, assumindo ainda conotação
hegemônica ou contra-hegemônica, dependendo de como e por quem é evocado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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e ações 2011-2014. Brasília: Minc, 2011.
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Nestor Garcia Canclini y Mariza Urtega orgs. 1ª ed. Buenos Aires : Paidós 2012.

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CARAVANAS E POLÍTICAS CULTURAIS


Antonio Albino Canelas Rubim1

RESUMO: O texto percorre as trajetórias da relação entre caravanas e políticas culturais na


Bahia entre 2011 e 2014. Partindo da premissa que tais expedições culturais não são novidade em
termos de procedimentos, realiza-se, de início, uma visitação a algumas marcantes experiências
internacionais e nacionais. Através do recurso a teoria da viagem e ao tratamento das viagens
na literatura, busca-se conformar um panorama de possíveis funções das caravanas. Com base
neste desenho analítico, as caravanas da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, são estudadas
e avaliadas, sempre em sua relação com a política de territorialização da cultura, assumida pela
secretaria entre 2007 e 20014.

PALAVRAS-CHAVE: Caravanas culturais; políticas culturais na Bahia; Bahia 2011-2014;


gestão cultural; políticas públicas de cultura.

Caravanas culturais existem há muito tempo. Difícil delimitar com precisão seu instante
de inauguração. Os acontecimentos históricos, na maioria das vezes, não possuem datas e fron-
teiras bem delimitadas. Como processos, eles se tecem no cotidiano para explodir em momen-
tos, quase sempre, imprecisos. Improvável saber quando se iniciou o deslocamento territorial
de grupos e/ou instituições com finalidades culturais. Alguns exemplos podem ser tomados para
expressar esta já longa e diferenciada história. Eles servem de introdução ao estudo dos experi-
mentos das caravanas culturais realizadas pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia entre
os anos de 2011 e 2014.
No contexto ibero-americano aparecem com destaque as famosas missões pedagógi-
cas mobilizadas pela república espanhola na década de 30 (SOCIEDAD ESTATAL DE CON-
MEMORACIONES CULTURALES, 2006). Anos surpreendentes para Espanha pelo leque de
possibilidades abertas em horizonte centralmente contemporâneo. Revoluções sociais como as
acontecidas nas Astúrias quando o proletariado, com os mineiros na vanguarda, tomou o poder
(NOSTY, 1974 e DÍAZ, 2012). Guerra civil, na qual se defrontam democracia, republica e
brigadas internacionais contra o facismo de Franco, a intervenção nazista e a grave omissão do
Ocidente. A Guernica de Pablo Picasso grita a dor desta tragédia mundial e espanhola.

1
Doutor, pesquisador do CNPq e professor da UFBA. E-mail: albino.rubim@gmail.com

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As Missões Pedagógicas, criadas em 20 de maio de 1931, organizadas pelo Instituto de


Livre Ensino, conforme Carmen Calvo Poyato, ex-ministra da Cultura da Espanha, na apresen-
tação do livro Las misiones pedagógicas 1931-1936, visavam: “...paliar el injusto desnivel que
existía entre la vida cultural de que disfrutaban las ciudades (...) y un mundo rural que perma-
necía al margen, dedicado al duro trabajo del campo”. De acordo com a ex-ministra: “El acceso
a la cultura se había convertido en un derecho, y asegurar su democratización era un deber
esencial para el Gobierno”. O projeto, que acolheu jovens intelectuais de variadas tendências
democráticas, “…se fundamentaba en un intercambio de conocimientos y saberes”, no dizer de
Carmen Calvo Poyato. As populações rurais recebiam uma mostra da “gran cultura española”,
através do Museo del Pueblo, do Servicio de Cine, das Bibliotecas Circulantes, do Servicio de
Música, do Coro e do Teatro del Pueblo. Os jovens intelectuais se encontravam com “...una
cultura popular que desconocían y que incorporaron a sus personales estilos creativos a través
de nuevos temas y enfoques”. Não por acaso, Xan Bouzadas Fernández propõe que as iniciati-
vas culturais da República Espanhola estejam, juntamente com o Conselho das Artes inglês e o
Ministério dos Assuntos Culturais francês, entre os atos inauguradores das políticas culturais no
mundo ocidental (FERNÁNDEZ, 2007).
Atravessando o oceano Atlântico, três outros exemplos de experimentos de expedições
culturais se destacam. Logo depois da Revolução Mexicana, a recém-criada Secretaría de Edu-
cación Pública desenvolveu o projeto de missões culturais para levar a cultura aos rincões do
país (OROZCO,2007). A Casa da Cultura Equatoriana, fundada em 1944, nos anos 60 e 70 mo-
vimenta caravanas culturais, que buscavam “...acercar la cultura del pueblo mediante la difusión
de las artes por los territorios y la instalación de núcleos provinciales de la Casa de la Cultura,
pretendiendo descentralizar de esta forma la actividad cultural” (COLOMA, 2012). Entre 1992
e 1998, o Conselho Nacional de Cultura (COLCULTURA) da Colômbia, depois transformado
em Ministério da Cultura, implantou um programa chamado CREA: Una expedición por la cul-
tura colombiana, que pretendia: “...rescatar, valorar, promover y difundir nuestras manifestacio-
nes culturales a lo largo y ancho de todo territorio cultural” (COLCULTURA apud GAUTIER,
2003, p.30). O programa consistiu principalmente na realização uma série de “encuentros cul-
turales” em todo país - em níveis municipais; departamentais; regionais e, finalmente, nacional
- com o objetivo de inverter o tradicional fluxo cultural da capital para a periferia (GAUTIER,
2003, p.31). Em seu livro, Ana María Ochoa Gautier analisa com apuro este processo de expe-
dições e festivais culturais.
No Brasil, alguns exemplos se impõem. O mais famoso intitula-se Missão de Pesquisas
Folclóricas, desenvolvida por iniciativa do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo,
sob a gestão de Mário de Andrade, um dos inventores das políticas culturais no Brasil nos anos
30. A expedição, inspirada na perspectiva de certo Modernismo pós-1924, que buscou redesco-

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brir o Brasil, teve como antecedentes a visita dos modernistas a Minas Gerais, acompanhando o
poeta francês Blaise Cendrars, e, especialmente, as viagens de Mário de Andrade à Amazônia,
de maio a agosto de 1927, e ao Nordeste, de dezembro de 1928 a fevereiro de 1929. O seu livro,
O turista aprendiz, deriva de suas anotações destas viagens (ANDRADE, 2002). Nelas, Mário
de Andrade recolherá vasto material sobre culturas e lendas populares, inclusive através de
registros fotográficos. Algumas de suas obras posteriores incorporam tais materiais. Exemplo
admirável: o romance Macunaíma, publicado em 1928 (ANDRADE, 1970). A expedição, che-
fiada por Luis Saia, partiu em 1938 de São Paulo em direção ao Norte e Nordeste, composta de
quatro pesquisadores e técnicos “...com a missão de anotar, desenhar, fotografar, filmar, gravar
manifestações da nossa cultura profunda e recalcada, além de recolher objetos, instrumentos e
artefatos” (CALIL, 2010, p.3). O difícil manuseio e inadequada mobilidade dos equipamentos,
então existentes, de gravação da imagem e do som, por certo, tornaram a missão bastante com-
plicada, mas ela conseguiu resultados admiráveis.
Nos anos 60 acontecem interessantes experimentos de caravanas culturais. A UNE-Vo-
lante aparece como a mais conhecida. Durante três meses, ela excursionou pelas capitais do
país, veiculando ampla programação cultural, que envolveu atividades como: teatro, música,
artes visuais, fotografia, cinema, debates etc. Nomes como Augusto Boal, Oduvaldo Viana Fi-
lho, Gianfrancesco Guarnieri, Carlos Lyra, Carlos Estevam, Francisco de Assis, Nelson Lins de
Barros, Armando Costa, Arnaldo Jabor, dentre outros, participaram das viagens ou nelas tiveram
suas obras apresentadas (BERLINCK, 1984, p.38 e 39). A UNE-Volante pretendeu levar às mas-
sas uma cultura popular revolucionária. Aconteceram duas caravanas até a UNE ser proibida
pela ditadura militar em 1964.
O Conselho Nacional de Cultura que havia tentado realizar, em 1962, o projeto Trem da
Cultura, em conjunto com a Rede Ferroviária Nacional, finalmente conseguiu viabilizar a “Ca-
ravana da Cultura”. O projeto, composto por apresentações de espetáculos de música erudita,
coral, canto, distribuição de livros e discos de música erudita e popular, além de exposições de
artesanato e arte infantil, percorreu os estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e
Alagoas. Após o golpe de 1964, com Pascoal Carlos Magno, secretário geral do CNC, afastado,
ocorreu a suspensão do projeto (CALABRE, 2009, p.62).
Dentre as experiências mais recentes, destaque para o projeto Cultura em Movimento:
SECULT Itinerante, desenvolvido pela Secretaria de Cultura do Ceará, na gestão de Cláudia
Leitão. O projeto se tornou o “carro-chefe”, em uma cristalina demonstração de sua relevância
para secretaria. Ele conjugou um conjunto significativo de frentes: assessoria a prefeituras, ca-
dastro de artistas e ativistas culturais, mapeamento do patrimônio material e imaterial, capaci-
tação de agentes e atores culturais, eventos artístico-culturais, constituição de programas, redes
e sistemas culturais, debates, audiências públicas, divulgação da cultura cearense, produção de

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conhecimento acerca da cultura, exposições e mostras culturais, documentação cultural, dentre


outros. De agosto de 2005 a julho de 2006, a SECULT Itinerante percorreu o interior do Cea-
rá, enquanto a SECULT nos Bairros movimentou Fortaleza de fevereiro a setembro de 2006.
Dez cidades-polo regionais acolheram o projeto. Delas partiram as equipes da secretaria, que
visitaram cada uma das dez macrorregiões do Ceará, durante 20 a 25 dias. O projeto conseguiu
números expressivos em muitas de suas áreas de atuação (LEITÃO e GUILHERME, 2014).

1. VIAGENS E POSSIBILIDADES
As múltiplas denominações, formatos e conteúdos não conseguiram obscurecer alguns
traços compartilhados, que caracterizaram tais experiências. A rigor, todas elas se configuraram
como viagens empreendidas por coletivos com finalidades culturais. Em sua Teoria da viagem:
poética da geografia, Michel Onfray afirma a viagem como “...uma ocasião para ampliar os cin-
co sentidos. Sentir e ouvir mais vivamente, olhar e ver com mais intensidade, degustar ou tocar
com mais atenção”. Para ele, na viagem “...o corpo abalado, tenso e disposto a novas experiên-
cias, registra mais dados que de costume” (ONFRAY, 2009, p.49).
A abertura de sentidos para o novo propiciado pela viagem, não se atém às paisagens,
flora, fauna, territórios e patrimônios tangíveis e intangíveis. Esta disposição corporal, mental,
perceptiva abrange os mais diversos registros. De acordo com Onfray, por exemplo: “...a viagem
solicita o desejo e o prazer da alteridade” (ONFRAY, 2009, p.60). O viajante aciona a experi-
ência advinda das novas realidades e de alteridades, convidadas ao diálogo. Mas ele vai além.
Em suas visitações, ele tece novos achados. Michel Onfray, com evidente exagero, escreve: “Na
viagem, descobre-se apenas aquilo que se é portador” (ONFRAY, 2009, p.26). Melhor trocar
“apenas” por “também”.
A viagem como caminho de autoconhecimento, descobrimentos e transformações do
próprio viajante possui vasta presença na literatura. O escritor cubano Alejo Carpentier, em di-
versos de seus livros, transita neste horizonte. O percurso viajado em Os Passos Perdidos faz o
protagonista constatar que: “a selva, com seus homens resolutos, (...) tinham me ensinado muito
mais” que arte, textos e livros. Logo depois, ele conclui: “...compreendi que a obra máxima
proposta ao ser humano é de forjar seu destino” (CARPENTIER, 1985a, p.237). Em Concerto
Barroco, a viagem de um rico índio mexicano à Europa serve para que ele compreenda que “...
Às vezes é necessário afastar-se das coisas, por um mar no meio, para ver as coisas de perto”
(CARPENTIER, 1985b, p.85). Ele constata que: “...muito se aprende viajando” (CARPEN-
TIER, 1985b, p.88). Com a viagem, ele apreende sua identidade de índio mexicano. Ou seja, a
viagem, ao confrontar outro mundo, permite que ele desvelar sua identidade, antes obscurecida.
No recente romance de Mia Couto, um dos personagens centrais, o sargento português Germano
de Melo, servindo em Moçambique, escreveu: “Foi preciso viver entre gente negra e estranha

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para me entender a mim mesmo” (COUTO, 2015, p.315). Em uma circunstância mais próxima,
no tempo e no espaço, o baiano Aleilton Fonseca no livro O Pêndulo de Euclides escreve a via-
gem, geográfica e subjetiva, de Euclides da Cunha da sua crítica a Canudos até sua admiração
ao povo sertanejo: antes de tudo um forte (FONSECA, 2009).
As visitações a uma teoria da viagem e do tema viagem na literatura permitem esboçar
algumas possibilidades do ato de viajar. Entretanto não se pode esquecer que, como qualquer
fato humano, contradições perpassam as viagens. Se aquelas possibilidades existem, impossível
esquecer outras viagens terríveis. O trafego de navios negreiros e sua opressão ainda hoje persis-
tem, em especial, nas sociedades de classe em que vivemos, quando, além das contradições hu-
manas, existem heranças e antagonismos de poder dilacerando o ambiente societário. Possível
agora, feita esta ressalva, retornar às potencialidades das viagens e elucidar seus acionamentos
por políticas culturais.
O desenho realizado, ainda que não exaustivo, viabiliza confeccionar uma síntese das
potencialidades destes deslocamentos coletivos culturais, em especial, tomando uma perspecti-
va iluminada por políticas orientadas por culturas cidadãs. Não se trata de construir um quadro
em sua plenitude, mas de esboçar um panorama que configure as principais modalidades acio-
nadas por estes empreendimentos coletivos e culturais, com seus potenciais, dilemas e riscos.
Duas alternativas de expedições conformam os desenhos mais tradicionais. A caravana
que pretende difundir repertórios culturais para populações distantes dos polos culturais. Levar
novos repertórios apresenta-se como atitude bastante louvável, pois assegura acesso a modali-
dades de cultura antes impossíveis para determinadas populações. O risco subjacente a este ato
generoso decorre de se imaginar que somente esta tem o status de cultura reconhecida, despre-
zando outros registros culturais inclusive aqueles existentes nos territórios e compartilhadas
pelas populações. Neste caso, as missões se inscrevem no hoje contestado modelo de democra-
tização da cultura, inaugurado por André Malraux: levar Cultura, sempre com C maiúsculo, para
populações acusadas de desprovidas de cultura (LEBOVICS, 2000 e FERNANDEZ, 2007b).
O segundo se refere às caravanas dedicadas a conhecer e mesmo reconhecer realidades
culturais invisibilizadas por circunstâncias, preconceitos e discriminações sociais. Sem dúvida,
esta atitude sublime sugere uma perspectiva positiva, pois implica em trabalhar a diversidade
cultural, sua preservação e ampliação. O perigo se esconde e se encontra na entronização acríti-
ca de culturas localizadas. Com facilidade este procedimento se traduz em populismo cultural.
Tudo proveniente do povo aparece sempre com valoração positiva, olvidando que ele está per-
passado de contradições, decorrentes de sua situação de subalternidade em uma sociedade de
exploração capitalista. Desde Gramsci a percepção de complexidade está anotada.
Existem caravanas que se orientam pela proposição de novos diálogos e intercâmbios.
Posteriormente eles podem se estabelecer através da constituição de redes. A rigor, estas expe-

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dições para realizarem seu intento requerem conhecimento prévio dos repertórios culturais a
serem trocados. Sem este saber anterior, o potencial de efetiva troca fica seriamente comprome-
tido, quando não se transforma em mero espetáculo subsumido ao desejo de visibilidade. O co-
nhecimento prévio solicitado facilita a conformação de redes mais duradouras. Estimular, criar
e fomentar redes de cooperação cultural, dos mais diferenciados tipos, pode ser um dos motores
de caravanas, mas quase nunca aparece como dado isolado e não prioritário. Outras expedições
têm metas que guardam intimas correlações com as enunciadas. Trata-se de missões voltadas
também à identificação de ativistas e instituições culturais. Da mesma maneira, quase sempre,
elas não assumem esta busca com exclusividade.
Outro tipo possível de missões se associa diretamente à discussão das políticas de cul-
tura, inclusive de financiamento. O advento da atenção com a participação no campo cultural
exigiu a abertura de canais para que ela se realize. As caravanas, ao lado de conferências, conse-
lhos, colegiados e eventos, conformaram um destes canais possíveis de ausculta e participação
das comunidades culturais. Nesta perspectiva, elas dialogam com a construção da cidadania
cultural e sua exigência de debate público das políticas culturais (CHAUI, 2006). Mais que dis-
cutir políticas, em casos específicos, elas transmutam-se em instantes e instâncias de elaboração
conjunta de políticas culturais para os territórios visitados ou até para regiões maiores: municí-
pios, estados e nação.
Uma observação se impõe. Tais alternativas das expedições não se configuram como
opções excludentes. Em geral, diversas intenções se conjugam em uma viagem. As diferentes
combinações possíveis dão o caráter e o tom destas expedições. Necessário pensar como tais
caravanas, que combinam funções distintas, se traduzem em experimentos efetivamente realiza-
dos e como elas se articulam, ou não, com as políticas culturais desenvolvidas.

2. POLÍTICA DE TERRITORIALIZAÇÃO E EXPEDIÇÕES CULTURAIS


O governo Jaques Wagner, a partir de 2007, (re)pensou a regionalização da Bahia através
da noção de territórios de identidade. Ela agregou os 417 municípios baianos em 26 e depois
27 regiões. O processo de regionalização consiste em impor um princípio de divisão, conheci-
da e reconhecida, do mundo que legitima as fronteiras do território, conforme Pierre Bourdieu
(1989). No caso da Bahia, a noção esboçada pela Secretaria de Planejamento e assumida pelo
governo estadual trouxe inscrita em sua formulação a dimensão cultural, pela via da identidade,
diferente de muitas opções que esquecem tal horizonte e acionam, de modo primordial, aspectos
de geografia física (como clima, flora, fauna, paisagens, dentre outras) e econômicos (produção
predominante etc.). Desde o primeiro momento, a Secretaria de Cultura percebeu esta novidade
e trabalhou com afinco e sintonia com esta política de territorialização. Ela se destacou entre as
secretarias estaduais por sua decidida inserção nesta política.

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A absorção da perspectiva estadual em singular política cultural se fez através de inú-


meras iniciativas. Logo, a secretaria criou a Superintendência de Desenvolvimento Territorial
da Cultura, instância responsável por formulações e ações destinadas a esta área. Depois, ela
desenvolveu: representantes territoriais; conferências territoriais; circulação por territórios das
etapas finais das conferências estaduais de cultura (Feira de Santana, 2007; Ilhéus, 2009; Vitória
da Conquista, 2011 e Camaçari, 2013); deslocamento dos centros culturais da secretaria para
a estrutura da superintendência, visando alinhar suas iniciativas com o processo de territoriali-
zação; descentralização das atividades da secretaria, observando uma lógica territorial em seus
registros de atuação (artes, bibliotecas, culturas identitárias e populares, formação, patrimônio
material e imaterial etc.); desconcentração do financiamento da cultura, antes voltado quase
exclusivamente para Salvador, buscando democratizar o acesso das comunidades culturais aos
recursos públicos; reforma do Conselho Estadual de Cultura, com a inclusão de representação
territorial, que perfaz metade dos dois terços de membros da sociedade civil. As publicações e
os relatórios da secretaria, citados na bibliografia, indicam resultados alcançados nestas e em
outras áreas.
Diferente do que aconteceu no Ceará, este conjunto de atividades, apesar de estar inti-
mamente vinculado às expedições culturais, por via da política de territorialização, não estava
inscrito necessariamente nas excursões culturais e não se circunscreveu a um período datado da
gestão. Elas se desenvolveram em rico diálogo com tal política e se configuraram em dois pro-
jetos distintos e complementares: a FUNCEB Itinerante e a Caravana Cultural da SECULT-BA.
A FUNCEB Itinerante como a denominação indica se constituiu em uma iniciativa da
Fundação Cultural do Estado da Bahia, instituição ligada à secretaria e agora voltada ao campo
das artes. Lançada em 2011, com periodicidade anual, as expedições visitaram 26 municípios
baianos em quatro edições. A perspectiva territorial conformou a escolha de cidades polo em
26 dos 27 territórios de identidade existentes, ficando de fora apenas Salvador. As visitas acon-
teceram, em cada edição, a seis ou sete municípios, sempre distribuídos em diversas regiões da
Bahia. Deste modo, a FUNCEB Itinerante percorreu grandes distâncias. Ela realizou reuniões,
extensivas e intensivas, dos diretores, coordenadores e assessores da Fundação com artistas e
agentes culturais. Este diálogo direto envolveu mais de mil ativistas culturais. Nele, a equipe
da FUNCEB levou informações para as comunidades culturais, apresentou os responsáveis e os
programas desenvolvidos, ouviu os artistas e buscou um conhecimento mais apurado da realida-
de cultural e artística de cada município e território. Tal imersão, quase sempre de duas semanas,
permitiu inclusive maior entrosamento da própria equipe da Fundação. Receberam a visita da
FUNCEB Itinerante: Alagoinhas, Barreiras, Ilhéus, Itaberaba, Senhor do Bonfim, Vitória da
Conquista em 2011; Cruz das Almas, Euclides da Cunha, Jequié, Santa Maria da Vitória, Sea-
bra, Teixeira de Freitas em 2012; Itapetinga, Jacobina, Macaúbas, Paulo Afonso, Porto Seguro,

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Serrinha, Valença em 2013 e Amargosa, Caetité, Feira de Santana, Ibotirama, Irecê, Juazeiro,
Pintadas em 2014.
O relatório de gestão da Fundação Cultural reconhece que ” ..apenas com a abertura des-
te olhar, para além da compreensão do estado a partir da realidade da capital, é possível apontar
para uma mudança real na política estadual” (FUNCEB, 2014, p.34). De acordo com o relatório,
a itinerância da FUNCEB, com seu processo de diálogo, permitiu divulgar políticas públicas de
artes; criar, formatar e reformar formulações e ações, a exemplo do Programa de Difusão das
Artes, que contemplava artes integradas; do Calendário das Artes, com a implantação de edi-
tais simplificados e territorializados para financiar as artes; além de promover a divulgação das
atividades artísticas desenvolvidas nos territórios e reestruturar procedimentos de comunicação
institucional, visando maior aderência e penetração das mensagens nos territórios de identidade.
A FUNCEB Itinerante teve papel relevante também no estímulo à organização do campo das ar-
tes, na participação dos artistas nas diferentes etapas das conferências de cultura e, em especial,
na construção coletiva de sete colegiados setoriais das artes: artes visuais, audiovisual, circo,
dança, literatura, música e teatro. Ela inspirou as caravanas culturais capitaneadas pela Secreta-
ria de Cultura do Estado da Bahia, a partir de janeiro de 2012.

3. AS CARAVANAS CULTURAIS DA SECULT-BA


A inspiração da FUNCEB Itinerante não fez das caravanas da secretaria uma mera re-
petição, ainda que mais abrangente em termos temáticos. Em verdade, elas atenderam a uma
formulação distinta do projeto da Fundação. Seu propósito se distanciou da meta de visitar
todos os territórios de identidade da Bahia. Em uma perspectiva nitidamente complementar ao
projeto anterior, as caravanas priorizaram mergulhar em conjuntos de municípios próximos e
situados em territórios distantes e desprivilegiados do estado, com exceção da primeira caravana
realizada em janeiro de 2012 na Chapada Diamantina. As três expedições seguintes, de modo
deliberado, optaram por regiões afastadas e com história de pouca atuação da SECULT: oeste
de Bahia (2012), sul da Bahia (2013) e sertão semiárido da Bahia (2014). Para esboçar um bre-
ve relato das caravanas e do modelo desenvolvido recorre-se às publicações da secretaria e às
observações do autor, como membro das caravanas, às anotações em diários de campo escritos
pelo autor, ainda não editados, bem como ao livro publicado pelo autor com textos escritos no
período, todos referenciados na bibliografia.
A primeira caravana teve contornos bem singulares. Intimamente associada ao traba-
lho dos circuitos arqueológicos desenvolvido pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural
(IPAC), órgão vinculado à secretaria, a primeira edição expressou o projeto e a colaboração com
a Universidade Federal da Bahia e as prefeituras locais. O IPAC desenhou e organizou a viagem.
Sediada em Lençóis, ele acolheu visitas a sítios arqueológicos localizados em Lençóis, Nova

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Redenção e Iraquara, além de percorrer patrimônios materiais, em processo de tombamento,


na cidade de Wagner, a exemplo de antigo hospital e centro educacional, instalados por missão
presbiteriana no interior da Bahia nos inícios do século XX, e em povoados remanescentes do pe-
ríodo da exploração de diamantes na Chapada. Reuniões, em torno do projeto, aconteceram com
comunidades envolvidas e prefeituras em Lençóis e Wagner. Em Nova Redenção, meio fora do
script, devido a não presença do projeto no município, ao lado da visitação à gruta onde se loca-
lizou esqueleto quase completo de uma preguiça gigante, ocorreu um animado encontro, no qual
se apresentaram diversas atrações culturais, inclusive seu prefeito, um ativista cultural, que cons-
truiu um singelo e movimentado espaço cultural no pequeno município de sete mil habitantes.
O conhecimento de algumas expedições culturais, a experiência da FUNCEB Itinerante
e as marcantes impressões deixadas pela primeira caravana em todos seus participantes, por cer-
to, criaram os alicerces para a construção do modelo de caravana que passou a ser implantado
ainda em 2012 pela secretaria. Tal tessitura vigorou na segunda, terceira e quarta edições, com
pequenos e necessários ajustes, derivados das experiências adquiridas. Depois da seleção e do
planejamento realizados na esfera da secretaria, equipe de pré-produção percorria os municípios
escolhidos contatando responsáveis municipais de cultura, prefeitos e comunidades culturais.
Tais diálogos viabilizavam a definição de local, dos horários e da programação. Cada caravana
compreendia uma apresentação de atrações culturais locais, por vezes também de municípios
aderentes, decidida por cada cidade sem interferência da secretaria. Depois das duas horas, em
média, da mostra cultural, acontecia uma exposição sucinta das políticas culturais da secretaria
e uma conversa aberta com as autoridades e as comunidades culturais. Além destas atividades,
ocorreriam visitas a grupos e instituições culturais dos territórios, inclusive aquelas apoiadas,
como pontos de cultura, e aos poucos espaços pertencentes à secretaria, dada sua reduzida es-
trutura no interior da Bahia. A conformação deste modelo implicou em melhor planejamento e
documentação, além de material visual mais elaborado, como cartaz e ônibus plotado.
A segunda caravana teve como destino o oeste da Bahia, com suas terras pós e em torno
do Rio São Francisco. Território pertencente à Pernambuco até a Confederação do Equador, ele
apresenta grande distância do restante da Bahia e de sua capital. Durante muitos anos manteve
um isolamento notável. Sua incorporação recente à dinâmica estadual se deu através de zonas
exploradas pelo agronegócio, com levas de colonos de outros estados, principalmente gaúchos.
Devido à distância e localização nas fronteiras da Bahia, a região mantém forte intercâmbio e
presença, inclusive cultural, de outros estados, como Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Piauí.
A predominância de cerrados aproxima a região de alguns destes estados, nos quais o cerrado
aparece como bioma dominante.
A caravana circulou por Ibotirama, Paratinga, Bom Jesus da Lapa, São Felix do Coribe,
Santa Maria da Vitória, Correntina, São Desidério e Barreiras. O secretario com uma pequena

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comitiva esteve ainda em Carinhanha e Malhada. Nelas aconteceram encontros com autorida-
des culturais e visitas a espaços culturais, como em Carinhanha, onde deu para ver o trabalho
cultural da prefeita Chica do PT, e reunião na câmara municipal com autoridades e comunidade
cultural em Malhada. Destaques para a ativa vida cultural apresentada em Ibotirama; para as po-
lêmicas ensejadas em Santa Vitória da Vitória e em Barreiras; para algumas iniciativas culturais
visitadas, a exemplo de pontos de cultura e de leitura, inclusive instalados em acampamentos
de sem-terra e para as diversas e muitas vezes surpreendentes manifestações culturais marcan-
tes na região, como a presença da capoeira e da música inspirada pelo Rio São Francisco. Esta
potencialidade musical permitiu realizar um espetáculo com músicos desta região na segunda
Celebração das Culturas dos Sertões, ocorrida em Juazeiro da Bahia, em 2013. Um interessante
diálogo intercultural entre oeste e norte da Bahia, integrados pelas águas encantadas do São
Francisco. Da caravana resultou a convicção da urgência de uma política cultural específica para
uma região tão singular como o oeste da Bahia.
Outro destino distante da capital e de relações mais corriqueiras com o estado: o sul da
Bahia, objeto da terceira caravana. Ela transitou por Teixeira de Freitas, Nova Viçosa, Caravelas,
Alcobaça, Prado, Itamaraju, Eunapólis, Itapebi, Belmonte, Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro,
onde se localiza o único centro cultural da secretaria na região. Pequena comissão e o secretário
viajaram também à Itanhém para reunião com prefeitos desta cidade e de Vereda, Lamarão e
Igaporã, além de um vereador de Medeiros Neto. Comitivas culturais de Guaratinga e de Itagi-
mirim se fizeram presentes nos encontros de Eunapólis e Itapebi, respectivamente. Em suma, dos
21 municípios dos dois territórios de identidade visitados, 17 de algum modo dialogaram com
a caravana. No sul emergiu a notável força das culturas negras, em uma feição mais estilizada,
turística e copiada de Salvador, como aconteceu principalmente nas litorâneas cidades de Porto
Seguro, Santa Cruz Cabrália e Prado, ou em uma pegada mais de raiz, como ocorreu em Nova
Viçosa, Caravelas e Belmonte, mais apartadas do turismo. Em Nova Viçosa, além da visita ao
excepcional sítio Natura de Frans Krajcberg, brilharam movimentos de dança e música negras,
provenientes do povoado de Helvécia, antigo quilombo. Em Caravelas, a surpreendente presença
de duas escolas de samba, com baterias, passistas, porta estandartes, que galvanizam o carnaval
da cidade, demonstraram que a Bahia possui escolas de samba, desmentindo a afirmação reite-
rada de sua inexistência, alimentada por um olhar soteropolitano. Em Belmonte, uma autêntica
festa de largo. Lotada pela população a praça São Sebastião acolheu inúmeras atrações cultu-
rais: filarmônicas, quase centenárias; manifestações de culturas populares e exuberante presença
negra. A constatação da marcante vida da cultura negra na região, para além do Recôncavo da
Bahia; a vibrante cena musical semiprofissional quase urbana de Itamaraju; as expressivas danças
embalando corpos e as culturas indígenas de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, descontadas
suas concessões à lógica do turismo, compõem a cena cultural diversa e rica da região.

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A quarta e última caravana viajou pelas terras semiáridas do sertão baiano. Região mais
próxima de Salvador, muitas vezes castigada pela seca e pelo clima difícil, ela também sofria
uma frágil atuação da Secretaria de Cultura, inclusive sem nenhum equipamento próprio instala-
do. Aliás, em muitos dos municípios visitados pelas caravanas nunca o secretário ou a secretaria
marcaram presença, como bem observavam seus habitantes. Região debilitada economicamente
pelas carências e dificuldades sócio geográficas, ela mostrou sua riqueza na organização comu-
nitária, história de lutas e manifestações culturais. Cabe citar os exemplos mais contundentes.
A potente herança do Conselheiro traduz-se em diversificadas cenas culturais: música, teatro,
literatura e no emblemático parque e memorial de Canudos, dedicado a manter viva a história
dos sertanejos. A cultura musical dos sertões torna-se visível em acontecimentos tão distintos
como o ambicioso projeto da Orquestra Santo Antonio, de Conceição de Coité, e a Orquestra
Sanfônica de Serrinha. O artesanato de sisal, organizado na cooperativa em Valente, transita no
Brasil e no exterior. A imensa presença indígena em Banzaê, com aproximadamente um terço
da população do município, mantém e assume com vigor seus traços culturais. Antes de tudo,
um forte ambiente identitário, mas organizado e articulado em conexões, por vezes, atualizadas.
A caravana trafegou por Nova Soure, Cipó, Ribeira do Pombal, Banzaê, Tucano, Euclides da
Cunha, Canudos, Monte Santo, Cansanção, Valente, Conceição do Coité e Serrinha.

4. OBSERVAÇÕES ACERCA DAS CARAVANAS E POLÍTICAS CULTURAIS


Dois perigos inerentes às expedições culturais, a visão civilizadora, tipo levar a cultura
ao povo, e o olhar populista, de fazer uma apologia a quaisquer produtos da cultura popular, não
atingiram as caravanas. Longe de tais riscos, elas se pautaram por uma genuína busca de co-
nhecer as complexas e diversas manifestações culturais existentes na Bahia. Atitude importante,
quando se sabe que os quadros dirigentes da Secretaria de Cultura tradicionalmente provêm de
Salvador e algumas poucas cidades. Esta educação da equipe, bem como maior conhecimento
e coesão alcançados através da participação nas expedições, consolidaram patamares mais qua-
lificados de formulação e de atuação da secretaria. Superar a visão soteropolitana do ambiente
cultural baiano constituiu-se em passo fundamental para pensar e realizar uma efetiva política
cultural para toda Bahia.
Não se tratou só de conhecer a diversidade, mas de reconhecê-la através do aval a atores
e atividades, muitas vezes, desconsiderados, discriminados e mesmo perseguidos. O conheci-
mento / reconhecimento ensejou contatos com agentes e instituições culturais, essenciais para
a conformação de redes, formais e informais, que incorporaram a participação de comunidades
culturais ao trabalho da secretaria, democratizando sua atuação, em diferentes ambitos, a exem-
plo da realização e seleção de projetos; da maior presença da secretaria no estado e de melhor
equilíbrio na distribuição de recursos financeiros. O fundo de cultura não só foi continuamente

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ampliado entre 2011 e 2014, passando de 24 milhões para 41 milhões neste último ano, como
teve sua atuação melhor repartida entre capital e interior, que multiplicou quase por três sua
participação percentual. Cabe ressaltar que a formação de redes poderia ser mais potencializada
se a caravana tivesse organizado uma estrutura dedicada especificamente a esta relevante tarefa.
O aprimoramento dos procedimentos das expedições, constante nestes anos, entretanto
não as transformou em processos plenamente eficazes. Elas ainda pecaram em diversos aspec-
tos, em especial, na articulação com as comunidades culturais locais e com outras atividades
desenvolvidas pela secretaria. Em alguns municípios as apresentações e os debates, apesar da
garantida não formalidade, ganharam um teor por demais oficialista, subordinando uma expres-
são mais livre e talvez mais crítica das comunidades culturais. Uma articulação mais larga com
ativistas e instituições culturais poderia minorar esta ênfase, decorrente da atuação mais incisiva
dos dirigentes locais. Em contraponto, cabe registrar que a mobilização das autoridades muni-
cipais pelas caravanas mostrou-se positiva para uma maior inserção da cultura na cena política
e administrativa do estado. Processo similar ocorreu através da realização de conferências mu-
nicipais e territoriais de cultura.
A (des)articulação que se demonstrou mais problemática derivou da não concretização
de medidas que deveriam continuar e complementar as expedições. A constatação da neces-
sidade de políticas culturais específicas para determinadas regiões, como o oeste e o sul, por
exemplo, não teve desdobramentos devidos na dimensão exigida. Iniciativas aconteceram, mas
nada que configurasse uma política mais continuada e sistemática para tais regiões. A fragilida-
de da estrutura da secretaria, a dificuldade de recursos humanos e financeiros e outras questões
internas se tornaram evidentes, apesar de esforços no sentido de construção das políticas. Com
relação ao oeste uma proposta chegou a ser esboçada, mas não discutida, continuada e implan-
tada. Esta desconexão deprimiu o impacto das caravanas em algumas de suas potencialidades,
como aprimorar políticas de territorialização, fundamento da existência das expedições. A for-
mulação e implantação de políticas culturais regionais, através de procedimentos dialógicos,
fortaleceriam em muito a territorialização da cultura na Bahia. Apesar destas e de outras limita-
ções, as caravanas se converteram em instrumentos nada desprezíveis para as políticas públicas
de cultura. Por certo, elas ocuparam e podem continuar ocupando um lugar de destaque no seu
desenvolvimento de políticas culturais.

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POLÍTICA CULTURAL E CULTURA DA POLÍTICA:


UMA PERSPECTIVA ETNOGRÁFICA DO PROGRAMA CULTURA VIVA
Ariel Nunes1

RESUMO: Este texto é fruto de algumas reflexões sobre o Cultura Viva, programa nacional
que é tema de pesquisa de doutorado em Antropologia Social. Para abordar a formulação e im-
plementação do programa, estou desenvolvendo uma pesquisa de campo (etnografia) com os
gestores de cultura, nos espaços onde as ações do Cultura Viva são elaboradas e implementadas.
Trago aqui uma perspectiva etnográfica centrada no diálogo com os gestores e idealizadores do
programa, que participam ou participaram da elaboração e consolidação do Cultura Viva - inau-
gurado pelo Ministério da Cultura em 2004. O programa é estruturado por princípios e práticas
orientadas para a diversidade cultural e essa particularidade constitui o problema central da
pesquisa em andamento.

PALAVRAS-CHAVE: política cultural, cultura viva, antropologia política, ministério da cultura.

1. APRESENTAÇÃO
A proposta de uma pesquisa com os gestores do Ministério da Cultura implica aqui em
uma etnografia “através do estado”2 - compreendido a partir das práticas e narrativas produzidas
por uma comunidade institucional que está em relação com coletivos e artistas contemplados
pelo Cultura Viva. Procurarei evitar compreender o estado como uma forma de organização
política administrativa racional e centralizada. O interesse aqui está nas suas transversalidades,
que podem ser observadas a partir das redes de implementação e participação do Cultura Viva.
O diálogo com esses interlocutores nos ajuda compreender a relevância da diversidade cultural
para implementação desse programa nacional, que recentemente se tornou Lei federal. A noção
de gestor será aqui aplicada em um sentido amplo, que estende aos secretários, coordenadores e
diretores dos setores internos do Ministério da Cultura que estão direta ou indiretamente envol-
vidos na implementação do programa.

1
Doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB). arielvisnunes@gmail.com
2
Ao invés de utilizar Estado, optei em manter estado em minúsculo como um recurso de escrita para evitar
compreendê-lo como uma unidade estável, centralizada ou monolítica. Autores como Veena Das ((2008), John Gle-
dhill (1994); Michel Rolph Trouillot (2001) também optam por manter estado em minúsculo, reforçando o caráter
dinâmico de tal categoria.

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Considero aqui que a formulação, implementação e execução do programa Cultura Viva


indicam a participação de diversos agentes (institucionais e não institucionais). No plano propo-
sitivo, de formulação do programa, destaco aqui os idealizadores (como Célio Turino, Antônio
Augusto Arantes entre outros); na implementação do Cultura Viva estou considerando os ex-
-gestores que efetivaram o programa em 2004 e os atuais gestores que implementam e sucedem
o programa. No que diz respeito à execução do programa considero aqui, como atores chave, os
artistas e demais contemplados pelo Cultura Viva.
É importante contextualizar o lançamento do programa Cultura Viva, que ocorre dentro
de um quadro de mudanças no setor administrativo do MinC e no cenário político brasileiro3. O
primeiro edital dos Pontos de Cultura ocorreu em 2004; momento em que a recém-criada Secre-
taria de Programas e Projetos (SPP) discutia a proposta das BACs – Bases de Apoio à Cultura.
As BACs propunham a construção de centros culturais pelo Brasil (Turino, 2009). Estes centros
culturais seriam estruturas pré-montadas com teatro, estúdio e salas para oficinas e shows. O
projeto das BACs foi formalmente extinto através da portaria nº 156 de 6 de Julho de 2004,
momento em que se revogou a portaria nº 525, implementando o Programa Cultura Viva. Junto
ao lançamento do Cultura Viva, também foram criados os Pontões de Cultura, responsáveis pela
articulação dos Pontos de Cultura e pela capacitação de produtores e gestores culturais. Ainda
em 2004, Célio Turino já Secretário da SPP/MinC, relatou que as BACs eram um projeto arqui-
tetônico sem conceito, uma estrutura sem fluxo (Turino, 2009).
O Cultura Viva é um programa nacional recente que aponta para um novo paradigma
nas políticas públicas culturais. Os Pontos de Cultura são a principal ação do programa e são
3
O primeiro ano do governo do Presidente Luiz Inácio da Silva (2003) marca uma reestruturação do MinC
por meio do Decreto 4805/03, que configurou da seguinte forma: uma Secretaria Executiva, com três diretorias
(Gestão Estratégica, Gestão Interna e Relações Internacionais). Seis Representações Regionais (em Minas, Pará,
Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo) e seis Secretarias (Secretaria de Políticas Culturais
(SPC), a Secretaria de Articulação Institucional (SAI), a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (SEFIC), a
Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC) - atualmente nomeada de Secretaria de Cidadania Cultural
(SCC) - a Secretaria do Audiovisual (SAV) e a Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural (SID). Pela primeira
vez o Ministério da Cultura realizou concursos públicos para cargos administrativos e fez convênios com o IBGE e
o IPEA - que promoveram pesquisas, estatísticas e a formulação de indicadores para auxiliar na criação de políticas
públicas. A reforma da Lei Rouanet ocorreu junto a seminários intitulados “Cultura para todos” realizados nas seis
Representações Regionais. Neste mesmo ano o Ministério promoveu fóruns de discussões entre artistas de diver-
sos segmentos. O Programa Cultura Viva foi inaugurado com cinco ações: Pontos de Cultura, Escola Viva, Ação
Griô, Cultura Digital e Agente Cultura Viva. Todas estas ações vinculadas aos Pontos de Cultura e articuladas por
eles. Com o desenvolvimento do Programa Cultura Viva, outros prêmios e ações foram concebidos. O Programa
se estendeu com a criação do Mais Cultura (2007), que possibilitou que a Secretaria de Cidadania e Cultura (SCC/
MinC) firmasse convênios com estados e municípios. Estes convênios descentralizaram os recursos do Programa e
reforçaram as redes dos Pontos de Cultura conveniadas aos estados e municípios. Desde 2007 a seleção de Pontos
de Cultura passou a ser realizada com os estados ou os municípios e não mais diretamente ao Ministério da Cultura.
Junto ao Mais Cultura, o MinC também estabeleceu parceria com outros Ministérios, com o Congresso Nacional,
Bancos Públicos e organismos internacionais. Dentre as parcerias destas ações estão: o Banco do Brasil,a Caixa
Econômica Federal, o Banco da Amazônia (BASA), o Banco do Nordeste (BNB) e o Banco Nacional de Desenvol-
vimento Econômico (BNDS) O Programa Cultura Viva se estende também aos Pontões e Pontinhos de Cultura.

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compostos por artistas, grupos e coletivos culturais contemplados via editais públicos. Operam
através do modelo de gestão compartilhada entre MinC, Secretarias estaduais e municipais de
Cultura, artistas, produtores e agentes culturais. O Cultura Viva estaria inserido em uma política
que propõe o reconhecimento, inclusão e fomento daqueles que não protagonizaram as políticas
públicas culturais antecedentes, a dizer: artistas populares, mestres e griôs, artistas circenses,
atividades culturais de periferias, de mídias digitais comunitárias, assim como atividades cul-
turais produzidas por comunidades indígenas e de terreiros. O programa descentralizou convê-
nios, criou grupos organizados em redes e veio acompanhado de expectativas de participação
de novos atores, mas também encontrou obstáculos na sua execução, como descontinuidades
de gestão, dificuldades de lidar com prestações de contas e atrasos no repasse das parcelas dos
convênios com os Pontos.
Em julho de 2014 foi sancionada a Lei 13.018 (ou a Lei Cultura Viva), que define o pro-
grama enquanto “política do Estado Brasileiro” (MinC, 2014), sugerindo perenidade às ações
do programa, independente das alternâncias de gestão na administração pública. Por estar in-
cluída em alguns grupos virtuais4 dos Pontos de Cultura de Goiás e região Centro-Oeste, pude
acompanhar a elaboração do projeto, a pressão pela aprovação e a consolidação do Cultura Viva
enquanto lei, assim como a repercussão desse processo entre os artistas e produtores culturais.
Observando e conversando com os coordenadores dos Pontos de Cultura (os ponteiros), pude
perceber a existência de campos de forças, que a princípio podem aparentar uma simples di-
cotomia entre estado e sociedade, ou entre poder público e artistas, mas que se revelam como
processos muito mais complexos5.
Em 2014, semanas antes da aprovação da Lei Cultura Viva, assim escreviam os ponteiros
em um dos seus grupo virtuais:
Salve Ponteirada: Socializando informação.... A CARAVANA VAI
PARTIR: A pé, de avião, pela estrada, de barco ou bicicleta, tem gente
de todo o Brasil se mobilizando para estar em Brasília nos dia 01 e 02 de
julho, invadindo o planalto, a esplanada dos ministérios e o congresso
nacional com as cores, tambores, demandas e interesses da cultura brasi-
leira, por um país melhor, mais criativo e diverso. Organize o seu ponto,
seu grupo, sua trupe e venha participar deste assalto poético à capital

4
Os grupos virtuais competem aqui principalmente, ao pcgoias@googlegroups, pontosdeculturadf@google-
groups, entre outros da região centro oeste nos quais estou incluída. Nesses grupos os coordenadores dos Pontos de
Cultura (chamados de ponteiros) organizam suas atividades, compartilham dúvidas de editais e organizam reuniões
com os gestores de cultura. Os ponteiros também participam nas redes sociais como Facebook, Twitter e Whatsapp.
5 .
Durante o mestrado (Nunes, 2012) observei que a maior parte dos ponteiros realizam a captação de recursos,
coordenam as atividades culturais e mediam as relações com os gestores municipais, estaduais e do MinC. No en-
tanto, alguns ponteiros também são gestores (nas secretarias de cultura locais, por exemplo). Ou seja, muitas vezes
um artista pode ser gestor, o que constitui uma das complexidades desse campo de estudo. Assim compreendemos
que oposições do tipo Estado-sociedade, ou poder público- artistas não se aplicam facilmente ao Cultura Viva.

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federal! Tem ônibus saindo do Rio de Janeiro e de outros estados.Para


fazer parte desta caravana envie um email para: plataformapuentebra-
sil@gmail.com
E assim seguiram os ponteiros pela esplanada, em seu assalto poético pela aprovação
da lei Cultura Viva. O êxito na demanda dos ponteiros foi comemorada e pulverizada nos seus
grupos virtuais. Naquele momento foi recorrente ouvir dos artistas contemplados pelo Cultura
Viva que é um dever do estado fomentar as manifestações artísticas e culturais do país, ao passo
que seria um direito dos artistas participarem das políticas públicas culturais. De acordo com os
ponteiros, a Lei Cultura Viva garantiria esses direitos, desde que a administração das secretarias
de cultura (municipais e estaduais) e a própria gestão interna do MinC estejam em um “diálogo
harmonizado” (comentou um ponteiro em uma das respostas ao e-mail citado).
A postura e comunicação dos gestores com os artistas parece ser um aspecto importante
para os conveniados ao Cultura Viva. Tal expectativa pode ser observada na recente nomeação
do ministro Juca Ferreira (2015), que em seu discurso de posse sustentou a diversidade cultural
como um componente importante para a construção de políticas públicas culturais, “compreen-
dendo a cultura sob a dimensão simbólica, econômica e de direito” (Ferreira, 2015).
O discurso e a cerimônia de posse do ministro Juca de Oliveira em 2015 contou com a
presença de milhares de artistas e agentes culturais no Teatro Funarte Plínio Marcos, em Brasília.
Todos pareciam ansiosos, mas satisfeitos com o retorno do ministro. Em conversas com pontei-
ros, agentes e produtores culturais pude perceber que os ministérios de Gilberto Gil (2003-2005)
e Juca Ferreira6 são apontados como os mais bem sucedidos, especialmente porque esse período
corresponde ao lançamento, implementação e desenvolvimento do Cultura Viva. Postura bas-
tante distinta da que pude acompanhar na pesquisa de mestrado (Nunes, 2012), no contexto da
gestão da ministra Ana de Hollanda7. O retorno de Juca Ferreira ao MinC (2015) parecia sig-
nificar para muitos artistas a manutenção do programa (e a garantia de direitos e deveres) com
a aprovação da Lei Cultura Viva, que era aguardada pelos ponteiros que conheci, desde 2010.
Não somente os artistas contemplados pelo Cultura Viva referenciam as gestões de Gil
e Juca. Autores como Barbalho (2007), Botelho (2007), Rubim (2006 e 2007) e Calabre (2007

6
Juca Ferreira foi ministro entre 2005 e 2009, momento importante (implementação) do Cultura Viva, e retor-
nou ao mesmo cargo recentemente em 2015.
7
Naquele momento, a hipótese de descontinuidade do programa foi reforçada em Junho de 2011, quando ocor-
reu a Marcha dos Pontos de Cultura que contou com a presença de 284 ponteiros que se deslocaram até Brasília
para uma audiência com a Ministra Ana de Hollanda a fim de reivindicarem o fortalecimento do programa e cobrar
o cumprimento dos compromissos assumidos pela gestão anterior. As cobranças não diziam respeito apenas aos
pagamentos de prêmios e editais, mas também ao posicionamento da ministra em relação à Lei Cultura Viva. Na
ocasião foi entregue à Ministra o Manifesto dos Pontos de Cultura, e também foi protocolada uma carta indicando
nomes para compor as comissões de acompanhamento dos editais e dos Pontões de Cultura. O encontro marcou um
diálogo direto entre ponteiros e a Ministra, mas posteriormente observei que as reivindicações dos ponteiros não
foram totalmente acertadas ou resolvidas. Cf: Nunes, 2012.

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e 2009) ressaltam mudanças significativas nas gestões desses dois Ministros, ao ampliarem a
noção de cultura para além da erudita, reforçando a diversidade cultural como elemento estru-
turante dessas políticas.
Percebemos que os antecedentes e o contexto de implementação do Cultura Viva são
simultâneos a diferentes aspectos da política nacional, “desde a mudança na troca de partidos no
executivo federal, até os aspectos simbólicos dos personagens envolvidos na esfera pública da
cultura na época” (Correia, 2013). Ao mesmo tempo, é importante salientar que a reorientação
da noção de cultura e as mudanças ocorridas nos setores administrativos do MinC, não estão
isoladas de outras instâncias internacionais e processos multilaterais. Neste sentido, o Cultura
Viva indicaria mudanças de paradigmas que por sua vez, ocorrem em níveis que vão além da
relação local-nacional. Mas isto não pressupõe uma relação de causa efeito, nem de parte/todo.
Compreendo essas relações multilaterais como aspectos inerentes ao atual contexto e processo
político-cultural. Em nível internacional e multilateral, observamos um consenso em termos de
políticas que contemplem e promovam a diversidade cultural. Em nível nacional temos a formu-
lação de uma política em consonância com esses princípios8.
O Cultura Viva pode ser analisado sob várias abordagens e estratégias de pesquisa. Du-
rante o mestrado (Nunes, 2012) realizei uma etnografia com os artistas envolvidos na execução
do Cultura Viva, abordando o modo de organização (virtual, inclusive) dos ponteiros convenia-
dos. Para o doutorado estou interessada em compreender como a noção de “cultura” é engen-
drada na atual agenda política do MinC. Se o programa Cultura Viva indica uma reorientação
da ideia de cultura brasileira e uma reformulação no modo de se fazer política pública cultural,
a noção de diversidade cultural parece estar no centro dessas mudanças.

2. DIVERSIDADE CULTURAL E CIDADANIA COMO EIXOS DO CULTURA VIVA


O Programa Cultura Viva - Programa Nacional de Promoção de Cidadania e da Diver-
sidade Cultural - carrega em seu próprio nome os termos “diversidade cultural” e “cidadania”.
Nos discursos dos gestores de cultura e nas ações implementadas pelo MinC desde 2003, per-
cebemos que a temática sobre diversidade cultural não só orienta, mas estrutura as políticas
públicas culturais, deslocando a ideia de uma nação homogênea, para heterogênea e diversa;
ao mesmo tempo em que amplia a noção de patrimônio material para o imaterial, do erudito ao
popular. São nesses deslocamentos que problematizamos a diversidade cultural.

8
Importante lembrar que a diversidade cultural é reforçada como projeto político a partir de dois marcos inter-
nacionais: a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (2001) e a Convenção sobre a Proteção e Promoção
da Diversidade das Expressões Culturais (2005) – ambos documentos elaborados pela UNESCO. A Declaração
Universal sobre Diversidade Cultural (2001) constitui o primeiro instrumento internacional que centraliza questões
referentes à diversidade cultural. Este documento, no qual o Brasil é um dos países signatários, também apontou para
o reconhecimento das comunidades tradicionais e sugeriu o desenvolvimento de políticas ligadas a cultura imaterial..

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Quando afirmo “nação homogênea”, me refiro à idéia de construção de uma identidade


nacional, que durante a república velha, aparecem as primeiras tentativas de pensar a sociedade
brasileira a partir da interação das três raças (Souza, 2000; Oliven, 2006; Barbalho, 2007; Cala-
bre, 2007 e 2009). A proposta de criação de uma “identidade nacional”, marcada principalmente
pelo movimento modernista, não contava diretamente com a participação de instituições estatais.
Já na república nova, conforme observa Oliven (2006), há uma centralização do poder, o que faz
com que as instituições assumam a tarefa de criação da identidade nacional9. Com a redemocra-
tização do país e o fim do regime militar, o tema da “diversidade” toma força nas regionalidades,
reforçada em expressões do tipo“cultura gaúcha”, “cultura nordestina” “cultura sertaneja” etc
(Oliven, 2006).
No contexto desta pesquisa em andamento, observo que a diversidade cultural é um
termo operante tanto nas esferas institucionais - secretarias e próprio MinC - como nos espaços
participativos dos ponteiros, nas entrevistas com idealizadores do programa, artistas e demais
agentes culturais. A diversidade cultural, portanto, pode ser aqui compreendida como o grande
problema desta pesquisa, e também, como uma uma categoria analítica e local de uma etnografia
transversal. Ou seja, a diversidade cultural é um termo operante tanto nas esferas institucionais
dos setores internos do MinC, como para os ideólogos do programa e para os artistas contem-
plados pelo Cultura Viva.
O aspecto mais latente do Cultura Viva é de reconhecer a diversidade cultural nas locali-
dades ou em suas singularidades. De se fazer o “do-in antropológico” (Gil, 2003) nestes pontos
que manifestam e produzem cultura:
“(...) toda política cultural faz parte da cultura política de uma sociedade
e de um povo, num determinado momento de sua existência. No sentido
de que toda política cultural não pode deixar nunca de expressar aspec-
tos essenciais da cultura desse mesmo povo. Mas, também, no sentido
de que é preciso intervir. Não segundo a cartilha do velho modelo es-
tatizante, mas para clarear caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar.
Para fazer uma espécie de “do-in” antropológico, massageando pontos
vitais da Nação, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos,
do corpo cultural do país (...). Porque a cultura brasileira não pode ser

9
Em meio a esse contexto, em 1936, Mário de Andrade foi solicitado para a criação de uma instituição nacional
de serviço ao patrimônio histórico. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) foi inaugu-
rado em 1937 e indicava a preocupação do Estado com a “memória nacional” - muito embora esta “memória” se
concentrasse em uma “história oficial da nação”, ou ou na história dos vencedores (Benjamin, 1987). A noção de
cultura brasileira durante este período era marcada pela perspectiva da “mestiçagem das três raças”, de uma “cultu-
ra do consenso em torno dos valores da elite brasileira” (Barbalho, 2007). A obra Casa Grande e Senzala, publicada
1933, de Gilberto Freyre, também pode ser observada através do seu discurso positivo sobre a mestiçagem. Nas
palavras de Barbalho (2007) este tipo de enfoque nos remete a uma “diversidade harmoniosa”, como se o encontro
das três raças fosse um processo sem conflitos. Para mais detalhes conferir Nunes, 2012, capítulo II: breve histórico
das políticas públicas culturais.

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pensada fora desse jogo, dessa dialética permanente entre a tradição e a


invenção...” (Gil, 2003, grifos meus, p. 3).
Neste trecho do discurso de posse de Gilberto Gil, observamos que através de uma “pers-
pectiva antropológica”, o Ministério da Cultura propunha ampliar as fronteiras - para as culturas
populares; afro-brasileiras, indígenas, de orientações sexuais, de periferias, da mídia áudio-vi-
sual, das redes informáticas etc. A expressão “massageando pontos vitais da Nação” ou o “do-in
antropológico” marcaria uma transformação da noção de “cultura nacional” e do fazer política
pública cultural - orientados agora para a diversidade cultural10. Ao mesmo tempo, notamos que
a gestão Gilberto Gil reforçava um “Estado presente, democrático, responsável, capaz de apoiar
e potencializar a cultura brasileira, por meio de políticas variadas” (Gil, 2013, p. 413). Nessa
“perspectiva antropológica” o estado não seria um produtor de cultura, mas garantiria as condi-
ções de acesso a bens e manifestações artísticas-culturais.
Em várias situações, seja no seu discurso de posse, seja em aulas magnas ou em falas aos
deputados e senadores na câmara, Gilberto Gil se preocupava em estabelecer relações entre as
noções de diversidade e nação. Mas, como coloca Turino, que nação é esta que o ministro Gil
se refere?
De certo não é uma massa compacta e estática e muito menos um conjun-
to de estereótipos e tradições inventadas A Nação para qual olhamos pre-
cisa ser vista como um organismo vivo, pulsante, envolvido em contra-
dições e que necessita ser constantemente energizado e equilibrado. Uma
acupuntura social que vai direto ao ponto” (Turino, 2004, p.137, 2004).
Um dos aspectos mais marcantes desse programa, portanto está na possibilidade de se
pensar a cultura nacional em suas singularidades e multiplicidade. Tal perspectiva, por sua vez,
aponta para a maneira como a cultura está pautada nas políticas culturais. A “perspectiva antro-
pológica” aponta para uma reorganização a ideia de nação (homogênia para heterogênea e diver-
sa); e de estado (detentor da identidade nacional para um estado que garante direitos de acesso).
Caberá verificar etnograficamente como essa perspectiva antropológica se sucede na
implementação do programa, como a diversidade cultural se sustenta nessa perspectiva e como
orienta políticas nacionais como o Cultura Viva, e como essas questões estão reorientando ca-
tegorias como nação, estado e sociedade. Percebemos que a medida que aprofundamos o tema
da diversidade cultural junto às noções de estado e nação, mais aproximamos de outras catego-
rias, como participação, cidadania e direitos. O desafio aqui será o de operar no “adensamento
e na dispersão” desses termos (Teixeira e Souza Lima, 2010), e na possibilidade de verificar
etnograficamente como essas noções e categorias se comportam. Neste sentido, novamente, a

10
Esse momento também é marcado pela figura do ministro Gilberto Gil; um artista negro, tropicalista e ativista,
que carregava a expectativa de ser capaz de simbolizar a mudança pela qual a pasta deveria passar, como “uma
expressão metonímica do próprio governo Lula” (Dias: 123, 2014).

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etnografia com os gestores de cultura que implementam o programa são essenciais para dar cabo
das questões que estamos levantando.
A diversidade cultural é considerada aqui o termo chave para a pesquisa, mas não po-
demos ignorar o tema da cidadania e direitos culturais na construção do Cultura Viva. Cabe
lembrar que a cidadania não só nomeia o programa mas também está alinhada com a noção de
diversidade cultural. Segundo o Ministério da Cultura (MinC, 2014), o Cultura Viva assume que
o estado deve financiar a produção de conteúdos culturais, reconhecer e proteger culturas orais
e o patrimônio cultural imaterial, bem como o fomento à utilização de novas tecnologias como
base para a produção de conteúdos e expressão da diversidade cultural brasileira (MinC, 2014).
Ainda de acordo com o Ministério da Cultura, a lei Cultura Viva teria como principal objetivo a
ampliação do acesso da população brasileira aos seus direitos culturais11, mediante o fortaleci-
mento das ações de grupos culturais já atuantes na comunidade12.
Além dos gestores e artistas contemplados pelo Cultura Viva, outros atores não podem
ser ignorados na construção, consolidação e implementação do Cultura Viva. Me refiro primei-
ramente, aos ideólogos do programa, que nem sempre são gestores ou artistas. E às vezes, são os
dois. Fazem parte de um contexto específico, mas importante na dinâmica do programa. Atuam
direta e indiretamente na formulação do Cultura Viva e ocupam uma posição de referência. Ca-
berá à etnografia em curso, questionar em que medida a noção de diversidade cultural já operava
entre esses idealizadores que antecedem o lançamento do programa, quais eram as estratégias e
argumentos para a efetivação do Cultura Viva e como essas negociações se sucederam - ques-
tões que possivelmente nos direcionaria a outras esferas de articulação que vão além dos setores
internos ao MinC.
Dentro dessa esfera de atores fronteiriços com a gestão pública há um outro grupo im-
portante na construção do programa, direta ou diretamente naquilo que se refere a submissão
de projetos aos editais dos Pontos e de outras captações ou incentivos: os produtores culturais,
11
Cabe destacar que os direitos culturais já estão previstos pela Constituição de 1988, justamente no princípio
da cidadania (art. 1º, II), que prevê “pleno exercício de direitos culturais”. Princípio que já operava na agenda in-
ternacional - desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 . A Constituição de 1988 define que a
proteção das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e de outros grupos são objetivos a serem perseguidos.
Mas, conforme apontam Abreu e Barbosa (2011), para além dos dispositivos propriamente constitucionais, vários
pactos internacionais estabelecem direitos culturais, que são tratados, no âmbito interno, como direitos sociais
(Abreu e Barbosa, 2011).
12
A lei Cultura Viva também operaria como a política de base do Sistema Nacional de Cultura (SNC), reafirman-
do a gestão compartilhada do programa Cultura Viva entre a União, estados e município. Junto ao SNC, opera o
Conselho Nacional de Políticas Públicas Culturais (CNPDC) - instância máxima dos espaços participativos asso-
ciado ao Ministério da Cultura. Os colegiados setoriais, por sua vez, compõem o CNPDC e estão expressivamente
compostos por agentes culturais que coordenam os Pontos de Cultura, também conhecidos como ponteiros. Esses
espaços participativos são organizados em grupos e plataformas virtuais protagonizadas por ponteiros e demais
artistas e agentes culturais contemplados pelo programa Cultura Viva. Nesses espaços virtuais os artistas comparti-
lham dúvidas, organizam atividades e constroem cartas e manifestos para os gestores do MinC. Este espaço virtual
também será explorado na etnografia desta pesquisa.

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que também são peças chaves para a tradução da linguagem dos editais para os artistas contem-
plados pelo Cultura Viva. Essa mediação foi observada durante a pesquisa de mestrado (Nunes,
2012) onde percebi que alguns artistas - como o Seu João, exímio luthier e tocador de violas
de Taguatinga que era analfabeto e não tinha CNPJ e que portanto não possuía o conhecimento
técnico necessário para construir um projeto, participar do edital dos Pontos de Cultura, fazer
as prestações de contas etc. Ao que pude observar, quando o artista não faz a mediação direta
com o Cultura Viva, quem faz é o produtor cultural, que algumas vezes opera como um mero
captador de recursos e um tradutor da linguagem técnica dos editais.
Contudo, também ocorre dos ponteiros serem produtores, artistas e administradores si-
multaneamente. Há artistas que são administradores, produtores e mesmo gestores de secretarias
municipais e estaduais. Muitas vezes os produtores podem fazer a mediação entre artistas e
coletivos, enfim são inúmeras as possibilidades. Nessas relações também há outras modalidades
de organização como as ONGs, os coletivos, organizações e organismos multilaterais, OEA,
UNESCO, Banco Mundial e BNDS - que se articulam junto ao programa Cultura Viva.
Quando proponho um trabalho sobre a elaboração e implementação do programa Cultura
Viva estou lidando com múltiplas transversalidades que vão desde os interlocutores e demais
mediadores envolvidos, como as próprias categorias, conceitos e metáforas que são acionadas
por esses atores, em seus diversos segmentos. Se a elaboração do Cultura Viva implicaria em
entrevistas com os ideólogos do programa, a implementação e a execução do programa poderia
ser observada através da etnografia com os gestores de cultura que, junto aos contemplados do
programa- constroem o Cultura Viva. Portanto, quando tratamos especialmente da implemen-
tação do programa, estamos dialogando diretamente com aqueles que efetivam e coordenam
(institucionalmente ou administrativamente) o Cultura Viva enquanto programa nacional, ou
seja, atuam nos espaços onde se efetivam as políticas públicas culturais. Esses agentes são o que
aqui chamo de gestores de cultura.
A pesquisa de doutorado propõe uma etnografia nos setores internos do MinC (espe-
cialmente a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural/SCDC, a Secretaria de Políticas
Culturais/SPC e a Secretaria de Assuntos Intitucionais/SAI), junto à análise de documentos que
marcam a diversidade cultural como eixo do Cultura Viva, análise dos discursos dos gestores
que competem ao programa; e também, a observação e participação nos ambientes virtuais e nos
eventos co-presenciais entre gestores, público e artistas (as chamadas Teias).
Ao realizar uma etnografia com os gestores do MinC, estamos em um terreno institucio-
nal, e que a produção de políticas públicas culturais se faz com o estado. No entanto, proponho
trabalhar com essa categoria através de seus efeitos. O efeitos de estado por sua vez, podem ser
percebidos nas intencionalidades presentes em documentos, discursos, e até no próprio ato de
fala do gestor. Os efeitos de estado podem ser aqui compreendidos como as transversalidades

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das práticas de governo que implicam na formulação e implementação do Cultura Viva, mas que
por sua vez, mais uma vez, extrapolam os espaços institucionais. As relações entre cultura e po-
lítica, portanto, indicam ser muito mais complexas do que uma mera formalidade institucional.
Se a pesquisa se concentra no tema de políticas culturais, percebemos no decorrer da etnografia
que há uma cultura da política que engendra o saber fazer política cultural; numa outra ponta dos
Pontos vamos observando as transversalidades do Programa Cultura Viva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CONSELHO DE POLÍTICA CULTURAL DE VOLTA REDONDA:


UM MOVIMENTO ORGÂNICO PARA AS REAIS LIBERDADES
POLÍTICO-CULTURAIS
Bárbara Cunha Ferreira de Oliveira1
Marcos Vinícius Araújo Delgado2

RESUMO: Devido à necessidade de uma instância participativa e da lapidação da democracia


deliberativa em nosso espaço político como estratégia de aperfeiçoamento das inúmeras áreas
da vida pública é que a conquista de direitos se manifesta de forma empoderada e organizada
pelos sujeitos sociais envolvidos que acreditam no teor transformador, democrático e cidadão
da cultura.
Este trabalho tem como objetivo descrever a atuação do Conselho Municipal de Política Cultural
do município de Volta Redonda, considerando o papel das estratégias de mobilização social na
redemocratização da política cultural da cidade.

PALAVRAS-CHAVE: Conselho; Política Cultural; Participação

1. INTRODUÇÃO
Visto que é um direito do cidadão brasileiro participar e conquistar seu espaço politica-
mente, as instâncias dos conselhos municipais trazem à tona esse solo fértil quando de fato é
orgânico e promovido por suas bases.
Isto será explicitado pelo presente artigo, em que após uma explanação sobre o que os
autores que tratam dos temas conselhos gestores e democracia participativa teorizam e pro-
blematizam, pela metodologia de estudo de caso, uma ex-conselheira contará o histórico da
formação do Conselho de Política Cultural de Volta Redonda e de forma breve alguns trabalhos
realizados pelo conselho durante o mandato de 2015 em que participou. Depois haverá a seção
de análise e discussão em que após o relato ter sido feito, se verificará pela lente da teoria con-
vergências, contradições e problematizações.

1
Graduada em Administração Pública pela UFF (Universidade Federal Fluminense); barbara_infomusic@yahoo.
com.br.
2
Mestrando em Administração pela UFF (Universidade Federal Fluminense); marcos_delgado43@hotmail.com

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2. OS CONSELHOS GESTORES COMO INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO NAS


DECISÕES PÚBLICAS
A promulgação da Constituição de 1988 marcou o cenário político brasileiro quanto as
relações entre o Estado e a sociedade, ampliando o conceito de participação para a participação
cidadã, resultado da constante pressão dos movimentos sociais que tiveram seu nascedouro nas
décadas de 70 e 80. O rompimento do paradigma centralizado e tecnocrático de gestão das po-
líticas públicas permitiu, nos moldes da descentralização política da gestão pública, o desenvol-
vimento de um novo conceito a ser institucionalizado – a Participação Cidadã, tendo como base
a universalização dos direitos sociais, ampliação do constructo de cidadania e uma nova pers-
pectiva do papel e caráter do Estado (GOHN, 2002). A participação, por sua vez, passa ganhar
destaque na formulação, implementação e controle das ações do Estado de políticas públicas,
caracterizando a sociedade civil como sociedade política capaz de atuar diretamente, inovar e
dinamizar nos novos mecanismos de exercício da democracia participativa (GOHN, 2002).
Em meados dos anos de 1990, o processo de redemocratização do país começava a
amadurecer fundado nos novos instrumentos formalizados de promoção da vontade coletiva, os
quais se destacam os plebiscitos, referendos, ações civis públicas, audiências públicas, leis de
iniciativa popular, fóruns temáticos, orçamentos participativos e conselhos gestores. Desta for-
ma, a Constituição legitimou um novo formato institucional. Neste contexto Teixeira considera
que (2007, p.1)
As políticas sociais sejam desenvolvidas de modo democrático, em que
a sociedade, via órgãos representativos, participe dos espaços de deli-
berações das diretrizes das políticas, do planejamento, da execução, do
controle e da supervisão dos planos, programas e projetos.
Dado que o art. 204 da Constituição estabelece que a participação da população deve ser
viabilizada “por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle
das ações em todos os níveis”, assim como o orçamento participativo, os conselhos gestores se
constituíram como protagonistas no processo de descentralização das políticas públicas, tornan-
do-se espaços propícios para o diálogo e novas relações entre o Estado e a sociedade, permitindo
o acesso da população às instâncias decisórias (DIEGUES, 2013). Os conselhos gestores como
importantes mecanismos de fortalecimento da participação cidadã e controle social das ações
governamentais, na visão de Maciel (2010, p. 12) significam
espaços privilegiados para o exercício político, uma vez que represen-
tam, do ponto de vista da lei, uma iniciativa que possibilita o estabele-
cimento de novos fóruns de participação e novas formas de relaciona-
mento entre o Estado e a sociedade civil. Os Conselhos são investidos
de prerrogativas deliberativas e fiscalizadoras.
Traduzem em “espaços de representação plural, para que a sociedade e o governo pos-
sam negociar, disputar e compartilhar responsabilidades na produção de políticas públicas em

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áreas específicas” (TATAGIBA, 2004, p.348). Percebe-se que a ideia da concepção dos conse-
lhos gestores como o elo das relações entre a sociedade e o Estado compartilha dos conceitos
defendidos por Habermas em sua obra Mudança Estrutural da Esfera Pública onde busca des-
crever um espaço diferenciado de interação com o Estado, no qual os indivíduos pudessem dis-
cutir acerca de questões relacionadas ao bem coletivo e possibilitar presença política nas ações
governamentais, assim como é descrito por Avritzer (2000, p. 31)
Nesse espaço os indivíduos interagem uns com os outros, debatem o
conteúdo moral das diferentes relações existentes ao nível da sociedade
e apresentam demandas em relação ao Estado (...). Os indivíduos no
interior de uma esfera pública democrática discutem e deliberam sobre
questões políticas, adotam estratégias para tornar a autoridade política
sensível às suas discussões e deliberações. (...) a ideia aqui presente é de
que o uso público da razão estabelece uma relação entre participação e
argumentação pública.
Assim sendo, os conselhos gestores ainda assumem o papel como instâncias de controles
dos negócios estatais por meio da participação políticas dos cidadãos, capazes de estabelecer
mecanismos de “formulação de diretrizes, prioridades e programas sociais, e formas de acom-
panhamento e controle da gestão”, implicando a transparência do poder público quanto ao mo-
nitoramento e avaliação das políticas públicas (SANTOS, 2002, p. 104).
Nesta lógica, Gohn (2011, p. 7) reforça que os conselhos gestores podem ser entendidos
como “canais de participação que articulam representantes da população e membros do poder
público estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos”. Possibilitam a eficiên-
cia na alocação justa dos recursos públicos, uma vez que, por meio de canais públicos e plurais,
permitem a integração e participação nos processos de planejamento, formulação e controle das
ações do governo (DIEGUES, 2013). Em linhas gerais, Gohn (2002, p. 21) conclui a respeitos
dos conselhos, esclarecendo que eles
podem fazer política publicizando os conflitos; como interlocutores
públicos poderão realizar diagnósticos, construir proposições, fazer de-
núncias de questões que corrompem o sentido e o significado do caráter
público das políticas, fundamentar ou reestruturar argumentos segundo
uma perspectiva democrática: em suma, eles podem contribuir para a
ressignificação da política de forma inovadora.
Neste sentido, Tatagiba (2012, p. 82) declara que “podemos compreender os conselhos
como instâncias pelas quais passam os variados e muitas vezes conflitantes fluxos de deliberação
e de regulação que emanam de pontos distintos do aparelho do Estado e que incidem na sua área
de política correspondente”. Dada a definição, a autora ressalta sobre a legitimidade da existência
dos conselhos no interior das ações do Estado, sendo este o principal desafio institucional en-

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frentado, uma vez que há a relação de conflito entre a consideração das exigências previamente
discutidas por meio das instâncias de participação e a concretização das políticas públicas.
A autora ainda propõe uma discussão a respeito do caráter híbrido dos conselhos gesto-
res que revelam a justaposição de competências entre os atores que os compõe. O fato de que
estes sejam os mesmos que deliberam, responsáveis pelo controle e, muitas vezes, pela imple-
mentação da política, favorecem o potencial de democratização das decisões públicas, no entan-
to ainda carregam os riscos de que as mesmas possam apresentar maior nível de atendimento a
interesses particulares. Desta forma, Teixeira (2000) discute acerca da efetividade dos conselhos
para os negócios públicos, afirmando como condição sine qua non para a eficácia política em
prol do bem coletivo. O autor destaca três aspectos principais que buscam elucidar essa pre-
missa. Ele destaca que “para o conselho ter efetividade é preciso paridade, representatividade e
pressão social para que a deliberação se concretize”.
Para a condição de paridade, Teixeira (2000) ressalta que o número de conselheiros
eleitos não necessariamente revela nível significativo de igualdade na dinâmica das discussões
no interior dos conselhos e ainda sim, o acesso a informação, disponibilidade e formação destes
atores sociais mostram-se como elementos fundamentais que fortalecem o princípio de pari-
dade. Assim, “temos uma paridade legal onde percebemos, de fato, uma total assimetria entre
os representantes do governo, de um lado, com tempo disponível, assessoria, equipamentos e
informações, e os representantes da sociedade, de outro lado, sem nenhuma destas condições ”.
(TEIXEIRA, 2000, p. 93)
No que se trata da representatividade, o autor coloca que algumas entidades que fazem
parte dos conselhos nem sempre desempenham papel de representar o interesse coletivo, uma
vez que se fundam em posições ideológicas que dificultam este processo e não garantem a efe-
tividade do conselho. Nesta perspectiva, Fuks e Perssinotto (2006) discutem sobre as relações
entre os recursos, decisão e poder na dinâmica do papel dos conselhos como instrumento polí-
tica argumentando que não basta apenas que tais instituições participativas existam para que a
ampliação da participação aconteça. Fatores como constrangimentos socioeconômicos, de na-
tureza simbólica e política podem representar poderosos obstáculos ao caráter de participação e
ainda destacar a desigualdade política entre os atores envolvidos.
Teixeira (2000) ainda entende que a mobilização social deve ser considerada no âmbito
das deliberações nos conselhos como forma de efetivar as decisões coletivas diante do poder pú-
blico dominante. Ele afirma que as decisões públicas podem ser incompatíveis com os interes-
ses da massa dominante da população, o que faz com que a pressão de movimentos populares,
por exemplo, influencie no caráter democrático das deliberações. Assim como, segundo Gohn
(2002), os conselhos gestores “são frutos de demandas populares e de pressões da sociedade
civil pela redemocratização do país”, de acordo com Teixeira esta mesma lógica de participação

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se atribui ainda ao caráter decisivo das políticas públicas, isto é, no contexto de amadurecimento
destes órgãos perante o arcabouço jurídico constituído de amparo legal às decisões.
Destaca-se ainda acerca da origem dos conselhos como condição de maior possibilida-
de de efetividade de suas ações dentro do contexto da democracia participativa, colocando em
prática a discussão sobre aqueles constituídos de forma a oportunizar o repasse de recursos, tor-
nando-os apenas consultivos e sem poder de deliberação (GOHN, 2002). Neste sentido, Teixeira
(2000) revela que a efetividade dos conselhos pode ser percebida uma vez que eles ganhem res-
peitabilidade e sejam reconhecidos pela sociedade como órgãos de legítima representatividade
dos interesses públicos e quando não são vistos pelo poder público como órgão da sociedade
civil desempenhando apenas a função de referendar as iniciativas governamentais e cumprir mí-
nimas exigências legais visando o repasse de recursos federais. Tal como esclarece Gohn (2002)
Nos municípios sem tradição organizativa-associativa, os conselhos têm
sido apenas uma realidade jurídico-formal, e muitas vezes um instru-
mento a mais nas mãos dos prefeitos e das elites, falando em nome da
comunidade, como seus representantes oficiais, não atendendo minima-
mente aos objetivos de mecanismos de controle e fiscalização dos negó-
cios públicos.
Teixeira (2000) salienta que a eficácia está relacionada diretamente com a forma de
como eles foram constituídos, isto é, se o processo que originou é fruto dos anseios da sociedade
tendem a ter maior grau de institucionalização, sucesso e participação nas políticas públicas de
nível municipal, assim como afirma Noronha (2000).
Cabe citar que a efetividade e eficácia dos conselhos está diretamente relacionada com
o papel controlador das atividades do Estado, da forma como aponta Diegues (2013). O autor
revela que o controle democrático dos negócios públicos está relacionado a três questões fun-
damentais que viabilizam tal processo, como o amparo jurídico para as deliberações dos con-
selhos, a definição clara de uma autonomia decisória e a legitimidade destes órgãos perante a
sociedade. Pois,
O papel do conselho não se restringe à fiscalização ou ao mero acom-
panhamento das atividades do poder público, referendando decisões já
tomadas, mas envolve uma avaliação dos seus atos e decisões em com-
paração com parâmetros estabelecidos (TEIXEIRA, 2000, p. 108).
Assume-se, portanto que os conselhos gestores, como uma nova relação da sociedade
com o Estado “constituem uma das principais experiências de democracia participativa no Brasil
contemporâneo” (TATAGIBA, 2004, p. 209). Todavia, cabe citar a consideração da autora a res-
peito da limitação e conflito dos conselhos na deliberação acerca dos critérios públicos justos de
distribuição de recursos para políticas dadas como prioritárias quando é envolvido o sistema de
repasse de emendas parlamentares. Tal dispositivo institucional favorece uma política clientelis-
ta capaz de constranger a competência deliberativa dos conselhos e impactar negativamente no

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seu papel dentro do cenário político. Ainda em relação às limitações que estes órgãos possuem
diante do sistema político vigente, destacam-se os canais de comunicação entre a sociedade, os
conselhos e as atividades do Estado, a cultura participativa, a representatividade destes órgãos e
a perspectiva do poder público quanto ao seu caráter democrático (CARVALHO & TEIXEIRA,
2000, GOHN, 2002). Sobre os conselhos de gestão pública, na visão de Teixeira (2000, p. 118),
O desafio que se apresenta para a sociedade civil é o de torná-los efetivos, ampliando
seu impacto não sobre a gestão, mas na elaboração de novas políticas públicas. Para os diversos
níveis do Estado, o desafio é garantir recursos para o funcionamento autônomo destas instâncias
e para a implantação das políticas nelas formuladas.
Por fim, Gohn (2002) abre o debate da democracia participativa viabilizada pelos con-
selhos quanto às políticas urbanas, por exemplo, ressaltando a importância dos movimentos
populares para a formação destes órgãos e os respectivos impactos do mesmo na criação de um
arcabouço jurídico de instrumentos capazes de estabelecer a aproximação entre a sociedade e as
decisões públicas no contexto urbano.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A metodologia de pesquisa seguiu a linha qualitativa por um estudo de caso. Segundo
Yin (2001), é adequado quando a questão de pesquisa visa desvendar o “como” ou o “por que”,
quando não há controle sobre eventos comportamentais por parte do pesquisador ou quando são
focalizados acontecimentos contemporâneos.
Portanto, o estudo de caso é válido para a compreensão da relação entre entendimento
e conhecimento sobre o viés histórico da constituição e consolidação do CMPC VR- Conselho
Municipal de Política Cultural de Volta Redonda.
Para o estudo de caso, foram coletadas informações e entrevista por uma conselheira do
primeiro mandato do CMPC VR ocorrido em 2015, além de ter sido feita uma revisão de litera-
tura. A entrevista direcionada ao sujeito-chave do caso foi gravada e transcrita.
A entrevista foi semiestruturada, uma vez que o roteiro foi composto por poucas pergun-
tas abertas, em que foi priorizado certa liberdade para a fala da ex-conselheira.
O material coletado foi analisado por meio de elementos da análise do discurso que,
segundo Maingueneau (2000, p.13), é a “disciplina que, em vez de proceder a uma análise
linguística do texto em si ou a uma análise sociológica ou psicológica de seu ‘contexto’, visa a
articular sua enunciação sobre um certo lugar social.
No decorrer da exposição do relato, foi utilizada a reprodução de trechos originais das
falas da artista e ex-conselheira entrevistada, buscando efetivar maior transparência aos proces-
sos interpretativos realizados. As interpretações que se seguem a partir das análises fazem parte

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dos sentidos construídos através do diálogo com os autores, os quais foram refratados por suas
subjetividades e visões de mundo (BAKHTIN, 1992).
Segue o nome da entrevistada, tendo ela autorizado sua respectiva identificação por
nome e segmento em que atua: Bárbara Cunha (representante em 2015 da cadeira de Movimen-
tos Sociais, especificamente pela Economia Solidária e musicista).

4. RELATO HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DO CMPC-VR


Em meados de 2012 começou a haver uma mobilização por parte de artistas, produtores
culturais e demais interessados em fazer com que a ideia de um conselho de cultura passasse
a existir e a funcionar no município de Volta Redonda. Tão logo, esse grupo de pessoas inte-
ressadas começaram a se reunir em reuniões informais em alguns espaços sede de cultura da
cidade, tais quais: auditório de um teatro no centro, na universidade pública, em um bar que
tem inúmeras apresentações e intervenções culturais e na sede de uma ONG que trabalha com
o contexto sociocultural.
Daí foi criado um grupo pelo Facebook denominado “Cultura: Questões e Soluções”, em
que serviria de base para postagens de informações e críticas ao Sistema Nacional de Cultura,
de mobilizações para o possível futuro conselho de cultura para o município e para avisos de
reuniões. Em dezembro de 2012, a secretaria de cultura convocou um fórum, em que os pales-
trantes e segmentos para comporem os grupos de trabalho foram escolhidos entre quatro paredes
pelo próprio poder público. Inclusive, não houve uma pessoa sequer convidada a palestrar que
fosse da própria cidade, eis que é uma enorme contradição. Os grupos eram: Artesanato/ Artes
Visuais, Literatura, Patrimônio Material e Imaterial, Fotografia e Audiovisual, Música (erudita e
popular), Artes Cênicas (dança, circo, teatro) e Produção e Gestão Cultural. Optei por participar
deste último e me senti como se aquele fórum fosse um castelo de cartas marcadas.
Nós artistas que estávamos engajados em formar um conselho e seguir uma política
cultural, organizamos um protesto, em que um manifesto de três páginas foi lido, roupas pretas
foram usadas, cartazes colocados ao lado de fora do teatro que sediou o fórum e fita adesiva
branca em nossas bocas também, em que na hora da leitura interpretativa do manifesto, foram
arrancadas de forma uníssona de nossas bocas.
Muito questionado foi o secretário de cultura, a mesa composta em vários momentos por
nós artistas organizados durante o fórum. Apesar de haver muitas pessoas presentes que eram fa-
voráveis aos programas atuais da secretaria e elas defenderem em muitos momentos nos grupos
de trabalho o próprio secretário de cultura conseguimos nos posicionar e dizer o que queríamos.
Aconteceu um absurdo de um dos gestores a nível estadual convidado para falar na mesa
dizer que a secretaria de cultura da cidade poderia muito bem fazer o Plano Municipal de Cul-
tura sozinha, mas ela optou por chamar a sociedade para discutir. Falava como se não fosse um

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direito nosso como cidadão decidir a política que a gente quer e colocou a secretaria municipal
como benevolente por “permitir” que a gente participasse, ora.
Depois desse fórum, um grupo de nove artistas ou demais engajados na causa passaram
se reunir às terças-feiras na casa de um dos envolvidos no grupo pra discutirmos o andamento
das questões, nosso papel na organização e sugerirmos ações.
O nome desse grupo era “Artistas em Movimento”, que de fato virou por um tempo um
movimento social. Foram feitas em média sete reuniões na casa de um dos artistas do movi-
mento para se discutir, estudar e elaborar o conselho municipal de cultura que se queria e como
iríamos nos organizar como um todo.
Em uma reunião até estudamos uma apostila do curso de extensão que foi dado pela
Universidade Federal Fluminense chamado “Formação em Política e Cidadania: os conselhos
municipais como referência”, baseado nos estudos de Fernando Tenório. Discutimos o conceito
de Gestão Social, democracia deliberativa e participação. Além das articulações legais, políticas
para a implantação do conselho. Ainda que de forma teórica nestes momentos iniciais.
Houve uma conferência de cultura em 2013 em que se elegeram dois delegados. Apenas
um foi até a conferência nacional.
Por quase um ano o grupo dos “Artistas em Movimento” se desfez e praticamente duas
pessoas que não são artistas, entretanto que participaram da constituição do movimento é que
foram as responsáveis por fazer a interlocução com o poder público para o conselho estar de
acordo com a legislação e entrar em vigor. A briga foi justa e árdua, inclusive para que o con-
selho fosse composto de 60% da sociedade civil e 40% poder público. O que foi conquistado.
No final de 2014 as articulações com a sociedade civil começaram a acontecer para os
possíveis conselheiros serem eleitos. Este também não seria atrelado a nenhuma instituição,
cada conselheiro teria que comprovar representatividade no segmento que se candidatasse, po-
rém não seria condição mínima representar alguma instituição propriamente dita. Foram nove
cadeiras para a sociedade civil e seis para o poder público. Tais quais: Artesanato, Artes Cênicas,
Dança, Artes Visuais, Música, Literatura, Cultura Popular, Movimentos Sociais e Associações
de Bairro. As secretarias envolvidas foram: Cultura, Planejamento, IPPU- Instituto de Pesqui-
sa e Planejamento Urbano, Educação, Desenvolvimento Econômico e Turismo e secretaria de
Ação Comunitária.
O primeiro mandato duraria um ano para a “arrumação da casa” com funcionalidades
como: estruturar o regimento interno, consolidar reuniões, estratégias e ações, dentre outros.
Durante 2015 as reuniões aconteceram às terças-feiras por duas horas. Tivemos a presen-
ça em peso dos conselheiros da sociedade civil, entretanto do poder público essa participação
foi ínfima. Muitas coisas foram realizadas em apenas um ano de gestão como: acompanhamento
com conquistas para os músicos locais de um típico festival de rock da cidade; uma comissão

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de Patrimônio Histórico e Cultural atuante em que uma ida ao INEPAC- Instituto Estadual do
Patrimônio Cultural foi realizada para esclarecimento de dúvidas de como se tomba um bem;
uma audiência pública sobre patrimônio histórico e cultural e negociação com a empresa e de-
mais envolvidos responsáveis pela restauração do cine 9 de abril; encontros setoriais com cada
segmento a parte com convocatória de toda a cidade para compor as propostas o Plano Muni-
cipal de Cultura ocorridos em uma instituição de ensino federal; dois encontros setoriais geral
para agregar todas as pessoas interessadas; um I seminário de Cultura e Educação voltado para
professores, estudantes e artistas, articulado pela comissão Permanente de Educação e Forma-
ção do conselho; a conquista de uma sala própria na biblioteca municipal e revisão e ajustes do
regimento interno.
Cinco comissões foram formadas: Avaliação de projetos, Educação e Formação, Patri-
mônio Histórico e Cultural, Orçamento e Finanças e Legislação e Normas.
Durante a trajetória de um ano de mandato, três conselheiras da sociedade civil saíram.
Duas delas por motivos internos, inclusive. Nesse um ano de gestão também foram enviadas ao
poder público duas notificações para que eles comparecessem às reuniões com vista de ser enca-
minhado ao Ministério Público essa negligência por parte deles, senão não seria possível pensar
em uma política pública, propriamente dita, entretanto em uma reunião foi deliberado que a
secretária de cultura iria dialogar com os outros gestores/técnicos conselheiros pessoalmente,
porque senão, através da fala de um dos técnicos do governo que era conselheiro não haveria
formas de “acordos” para quaisquer coisas que fizéssemos.
Muita coisa foi conquistada em apenas um ano de mandato, mas todos os conselheiros
estavam cientes de que muito mais falta conquistar, como uma conferência para validar o PMC-
Plano Municipal de Cultura e a consolidação do Fundo de Cultura para que os projetos dos
artistas dos vários segmentos comecem a vigorar com verbas como uma proposta de política
pública municipal.

5. ANÁLISE E DISCUSSÃO
A partir do relato coletado, podemos interpretar o movimento de constituição do CMPC-
-VR como ação estratégica oriunda da sociedade civil e sob uso de mecanismos de mobilização
capazes de ampliar a dimensão participativa nas decisões sobre a política cultural do município.
Desta forma, considerar o uso de redes sociais, bem como a utilização de espaços diversos que
favorecem o diálogo entre os atores sociais configuram o que tem sido discutido acerca da Teo-
ria dos Novos Movimentos Sociais que, além de ter sido o bojo de formação e institucionaliza-
ção dos conselhos de políticas públicas, nos fornece base para discussão do papel da sociedade
civil nos novos arranjos institucionais de participação social. (GOHN, 2002).

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Embora os conselhos possam representar espaços legítimos para promover a discussão


da decisão pública, o seu caráter híbrido ainda pode significar o processo ambivalente em que
a tomada de decisão dos atores é conduzida (TATAGIBA, 2004). Isto é, a iniciativa do poder
público da cidade demonstrado pelo antigo secretário de cultura até meados de 2012 em convo-
car o fórum - sob o lema da participação cidadã - para definir os rumos do Plano Municipal de
Cultura, entendida como forma de reforçar as assimetrias de poder, desqualificando a ação dos
atores locais previamente inseridos na dinâmica de democratização da política cultural em Volta
Redonda, assim como na fala de um gestor no dia do fórum em que “a secretaria poderia fazer
o plano sozinha, mas optou por abrir para a sociedade”. Daí a relevância crucial dos sujeitos
artistas envolvidos em se organizarem em movimento, fazerem o protesto e tomarem as rédeas
de toda a consolidação do processo para a implantação de um conselho municipal, assim como
para a elaboração democrática do PMC.
Assim como Teixeira (2000) aborda, a pressão social realizada pela sociedade civil no
intuito de horizontalizar os atores a serem escalados, bem como o caráter autônomo daquela em
instituir um novo espaço público para as deliberações pode ser entendida como condição para a
efetividade da organização em termos de controle social exercido.
Da forma como visto por Teixeira (2000), o parâmetro que afirma a efetividade do conse-
lho sob o aspecto da representatividade nos permite compreender a formação do CMPC-VR que
acaba sendo constituída por atores oriundos de diversos segmentos culturais da sociedade civil
de forma a potencializar a compreensão das principais demandas dos munícipes (AVRITZER,
2000). No entanto, a baixa representatividade do poder público nos encontros pode representar
obstáculos à efetividade da atuação do conselho, fragilizando o seu potencial deliberativo, pois
não há como consolidar uma política pública de cultura sem as decisões deliberadas também de
gestores nas reuniões (GOHN, 2002). Mesmo porque a Cultura é completamente intersetorial,
necessitando uma política conjunta com a transversalidade das outras secretarias, inclusive.
Por fim, podemos afirmar que as conquistas do primeiro ano de atuação do CMPC-VR
refletem a trajetória de mobilizações realizadas para redemocratização da política cultural de
Volta Redonda, uma vez que a maturidade das demandas já havia sido previamente levantada
antes mesmo do processo de institucionalização do conselho. Sendo assim, o movimento so-
cial formado no âmbito das mobilizações de constituição do conselho foi elemento chave que
favoreceu sua efetividade do primeiro ano de exercício, porém fatores como a ampliação da
participação do poder público deve ser revista para que promova a sustentabilidade das ações
perante a sociedade.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante um ano de mandato, principalmente os conselheiros da sociedade civil mui-
to conquistaram, pois, participação é conquista, como diz DEMO (2009). A periodicidade das
reuniões em ser uma vez na semana criou uma sequência favorável ao andamento das ações,
principalmente com a principal meta, que era mobilizar os cidadãos para elaborarem o Plano
Municipal de Cultura, além do ganho de sede própria, que não era dentro de uma secretaria mu-
nicipal evitando assim cooptações e impedimentos de diversas formas. O aprender a caminhar e
compreender a dinâmica política se deu de forma introdutória em 2015.
Apesar do reconhecimento perante a cidade ainda ser baixo e muitas pessoas não sa-
berem da existência do CMPC VR, todo o processo de formação do conselho com muitos di-
álogos, depois de um enorme grupo de engajados no contexto da cultura ter diminuído, ter se
tornado um movimento social, fez com que se consolidasse no bojo da democracia participativa
como deve ser e por isso é orgânico por si mesmo. Sendo assim, os teóricos nos mostram que
o processo de real liberdade dessa conquista de direito e empoderamento da classe de artistas e
outros cidadãos envolvidos no conselho só tende a crescer e se aperfeiçoar.
Mesmo havendo problemas com a participação da gestão pública nas reuniões, a próxi-
ma meta está em tempo, que é a consolidação do Fundo Municipal de Cultura para que então
comecem os projetos dos artistas locais acontecerem e serem remunerados, configurando assim
de fato uma política pública efetiva, eficiente e eficaz.

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HÁ DIÁLOGO ENTRE A GESTÃO CULTURAL E A POLÍTICA CULTURAL?


Bárbara Heliodora Andrade Ramos1

RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões referentes ao
entendimento dos pesquisadores sobre a definição da gestão cultural. Analisa-se se há diálogo
com a política cultural, partindo do exame da possível especificidade da gestão cultural.Com
o propósito de proceder a uma análise crítica da produção acadêmica sobre o tema, realizou-se
uma reflexão teórico-conceitual baseada na literatura disponível sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Conceitos, Cultura, Gestão Cultural, Política Cultural.

1. INTRODUÇÃO
A produção acadêmica sobre gestão cultural, no Brasil, ainda é relativamente escassa e
deficiente quanto à sua construção científica. Para pesquisar a diversidade conceitual, sua com-
plexidade, ambiguidades e contradições, utilizaram-se como principais fontes as bibliografias
encontradas na literatura nacional e internacional pertinente, em periódicos científicos e anais
de eventos.
Realizou-se uma crítica da diversidade conceitual e de sua correspondente complexidade
na produção acadêmica sobre gestão cultural, tal como tratada pelos pesquisadores brasileiros.
O que existe nesta produção acadêmica limita-se, em última análise, a discutir uma série de
assuntos que não constituem o objeto mesmo da gestão cultural. Os conceitos variam de ampli-
tude, de definições restritas até às mais extremamente amplas.
A Gestão Cultural, no sentido mais amplo, refere-se à especificidade de um campo. Mui-
tos nomes foram dados à noção de Gestão Cultural, tais como, promoção cultural, gerência da
cultura, mediação cultural, administração cultural, gestão das artes e da cultura. Gestão cultural
abrange, assim, todos os conhecimentos e práticas de gestão nas áreas de artes e cultura.
Da mesma forma, várias são as definições que, ao longo do tempo, têm sido dadas à Ges-
tão Cultural. No entendimento da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,

1
Administradora, Especialista em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Mestre em Admi-
nistração pelo Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal Fluminense (UFF) e-mail:
ramosbarbara07@gmail.com

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a Ciência e a Cultura), a Gestão Cultural é apresentada de forma genérica como uma estratégia
de discernimento de bens no campo cultural brasileiro e mundial. Cabe aos mediadores e ges-
tores culturais, agentes inseridos neste campo, trabalharem este poder simbólico, do que podem
resultar ganhos econômicos e sociais em bases democráticas.
Uma aproximação necessária ao objeto aqui estudado consiste no entendimento do ter-
mo Gestão Cultural. Ele ganhou vigência em diversos países, a exemplo dos ibero-americanos,
justamente pelo ângulo de análise que aqui se adota. Por isto realizou-se um esforço de análise
interpretativa do que os pesquisadores brasileiros entendem ser Gestão Cultural.
Tal expressão surge com as transformações contemporâneas associadas às novas dimen-
sões atribuídas ao campo da Cultura. Seu uso para identificar uma categoria profissional começa
a adquirir maior relevância nos países ibero-americanos somente a partir de meados da década
de 1980. Os autores Zubíria, Trujillo e Tabares (2001) apresentam, pelo menos, três diferentes e
significativas teses para a compreensão desse universo, no qual já expressam a tensão existente
em torno desse tema, contribuindo para delinear o campo ainda conflituoso da gestão cultural.
A primeira tese não apresenta grandes discussões em torno da gestão cultural, pois a
considera apenas uma nova nomenclatura diante das denominações anteriores para esse campo
de trabalho, de modo que não provoca alterações substanciais para o campo. A segunda tese con-
sidera pertinente a permanência das denominações anteriores, mas, ao associar a ideia de gestão
e cultura, corre-se o risco de permitir uma ingerência excessiva do econômico e do mercado
na dimensão cultural. A terceira tese, contrária à anterior, defende que a terminologia gestão
cultural está mais próxima das transformações ocorridas nos últimos anos e, portanto, é a deno-
minação que mais reflete a realidade atual do campo cultural. Tais concepções expressam certa
tensão em torno do tema, mas, ao mesmo tempo, contribuem para delinear o campo profissional
da Gestão Cultural.
A partir do trecho acima, deve-se precisar a noção de gestão cultural, que, nas palavras
de Andrés (2002):
Es un conjunto de herramientas y metodologías empleadas en el diseño,
producción, administración y evaluación de proyectos, equipamientos,
programas o cualquier otro tipo de intervención que dentro del ámbito
de la cultura creativa se realiza [...] con la finalidad de crear públicos,
generar riqueza cultural o potenciar su desarrollo cultural en general
(ANDRÉS, 2002, p. 8).
Já nas palavras do autor Jorge Bernandez López (2003), Gestão Cultural: “Es la admi-
nistración de los recursos de una organización cultural, con el objetivo de ofrecer un producto
o servicio que llegue al mayor número de público o consumidores, procurándoles la máxima
satisfacción. ” (LÓPEZ, 2003, p. 3).

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Assim, é preciso compreender que o trabalho em gestão cultural, embora discutido, ain-
da está em processo de adequação e de utilização de metodologias próprias para que possa haver
sustentabilidade e viabilidade econômica da área cultural, o que não significa, de forma alguma,
que se deva submetê-lo, como manifestação artística, às regras e lógicas de mercado.
A expressão Gestão Cultural também entra nos discursos sobre Cultura na América La-
tina, na segunda metade da década de 1980, tanto em instituições governamentais como em
grupos culturais das comunidades.
Busca-se analisar a gestão cultural e apresentar novas perspectivas para seu entendi-
mento que possibilitem compreender as lógicas que determinam as bases teóricas dos processos
de gestão no âmbito da cultura. Discutem-se os conceitos apresentados por estudiosos da área,
tendo em vista identificar e examinar as dimensões de tais conceitos, a fim de esboçar uma defi-
nição que dê conta de suas especificidades.
Para tanto, o trabalho está dividido em cinco seções, além desta introdução e das consi-
derações finais. a primeira trata do conceito de cultura e sua definição operacional; a segunda
traça um paralelo entre os conceitos de administração, gerência e gestão; a terceira trata das
noções pertinentes ao conceito de gestão cultural; a quarta apresenta as terminologias utilizadas;
e por último, são feitas algumas distinções conceituais entre a Gestão Cultural e os termos Pro-
dução Cultural, Política Cultural e Ação Cultural.

2. CULTURA
Procura-se, em primeiro lugar, conceituar cultura e estabelecer uma definição operacio-
nal, vale dizer, uma definição que dê conta das diversas formas de intervenção dos gestores no
fazer cultural, isto é, a produção, distribuição e consumo de bens culturais.
A cultura permeia todas as ações da sociedade e, por consequência, todos os programas
de governo. Cultura é comportamento; manifesta-se nas mínimas relações do cotidiano; é postu-
ra frente ao mundo. Exemplificando: a organização de um povo para a realização de atividades
de interesse coletivo, como a criação de cooperativas, é cultura; a conformidade ou inconfor-
midade em enfrentar filas, sujeira nas ruas, maus cheiros, também podem ser manifestações de
cultura; assim como o são todas as formas de resistência, o modo de encarar as adversidades, as
lutas, individuais ou coletivas, tudo isto são fenômenos de natureza cultural.
A literatura de antropologia, sociologia e ciências humanas em geral oferece centenas
de definições de cultura. Não cabe aqui recuperá-las, nem mesmo fazer a sua crítica. Para os
fins deste artigo, é conveniente adotar uma definição bastante ampla que contemple a perspec-
tiva antropológica.
Nas palavras de Lustosa da Costa (2006):

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A cultura aqui é entendida em sentido amplo, contemplando toda heran-


ça não biológica que faz a diferença entre os povos; vale dizer, os diver-
sos processos de designação e simbolização (linguagens), as inúmeras
maneiras de lidar com a morte, o desconhecido e o imaginado (religiões
e artes), as formas singulares de se relacionar com a natureza (tecnolo-
gias), as maneiras particulares de regular as relações sociais (institui-
ções), inclusive, a produção e distribuição de bens (economia), as dife-
renciadas formas de sociabilidade gratuita (festas, jogos e brincadeiras)
e os julgamentos coletivos sobre o bom, o belo, o útil e o verdadeiro
(ética, estética e pragmática) (LUSTOSA DA COSTA, 2006, p. 15).
Este mesmo autor lembra que nem tudo é cultura, pois:
Na verdade, o que caracteriza o trabalho da cultura é sua dinâmica in-
trínseca, sua interdependência com outras culturas, sua capacidade de
renovação. Ela se faz mais pujante quando se atualiza, alimentando-se de
suas bases materiais, do mundo da vida, do discurso sobre si mesma e,
sem dúvida, da influência externa (LUSTOSA DA COSTA, 2013, p. 374)
Para esta discussão convém circunscrever a noção de cultura ao universo da política, da
produção e da gestão cultural, de modo a não deixá-la demasiadamente ampla e vaga. No âm-
bito deste artigo, interessa focalizar o aspecto da funcionalidade da cultura que pode subsidiar a
construção de uma definição de gestão cultural.
Portanto, pensar em cultura como objeto de gestão cultural requer que se proceda a uma
redução ou operacionalização do conceito de cultura, no sentido de estabelecer o escopo da ação
dos police makers e gestores. Pois, evidentemente, está fora do alcance de sua intervenção a
maioria dos objetos materiais ou simbólicos que pode a imaginação humana criar.
Em que pese se possa adotar uma definição ampla de cultura, fundada na perspectiva
antropológica, cabe buscar uma operacionalização que inscreva a ação do Estado no domínio da
Cultura. Segundo Thiry-Cherques (2012), “cultura é o sistema composto pelos objetos reais e
ideais valorizados por uma sociedade”. (THIRY-CHERQUES (2012, p. 21). O autor concebe
a cultura como um sistema de valores e objetos, no qual todo objeto cultural compreende uma
forma que representa a linguagem e a capacidade de se mover de forma racional e normativa.
Tem-se que o objeto cultural é representado por um valor, atribuído segundo os diferentes gru-
pos sociais. Em resumo, são a expressão de sentimentos e conhecimentos, adotados por um
grupo social ou pelo criador individual, o artista. Nesse sentido, a política e a gestão cultural
apontam para os objetos culturais.

3. ADMINISTRAÇÃO, GERÊNCIA OU GESTÃO


Procura-se também apresentar os conceitos de administração (gerência ou gerenciamen-
to) e gestão em suas relações com esse fazer cultural. Isto significa que não se pretende exami-

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nar exaustivamente os conceitos de gestão, mas indicar aquilo que se considera essencial para
estabelecer nexos com a produção cultural. Pretende-se ainda apresentar, analisar e discutir as
principais definições de gestão cultural, adotadas por estudiosos identificados com a área.
Antes de proceder a uma definição de gestão cultural, estabelecendo seu escopo, caracte-
rísticas e especificidades, é imprescindível analisar e discutir os próprios conceitos de adminis-
tração, gerência e gestão. Antes de mais nada, cabe verificar se há alguma distinção entre estes
termos. Apesar de a literatura referente ao tema ser vasta e crescente, existe muita discordância
em relação ao que eles são e como ocorrem.
O tema é aqui discutido buscando esclarecer alguns conceitos, tendo em vista a multipli-
cidade de enfoques, embora, hoje em dia, muitos autores estabeleçam distinções pouco funda-
mentadas. Como cada autor tem sua própria definição, para evitar envolvimento em discussões fi-
losóficas, pretende-se fornecer definições simples e práticas para o entendimento dos três termos.
O termo Administração trata dos problemas típicos das empresas ou organizações, como
os recursos financeiros, recursos patrimoniais e recursos (ou talentos) humanos. Ela cria um
ambiente favorável para realização dos objetivos. O termo Gerenciamento trata de níveis espe-
cíficos da organização, como departamentos ou divisões ou projetos. O termo Gestão trata de
níveis especializados, tanto no que diz respeito à administração, quanto ao gerenciamento.
Para Motta (1991), a gerência é a arte de pensar, de decidir e de agir; a arte de fazer acon-
tecer, de obter resultados. O aprendizado gerencial é o processo pelo qual o indivíduo adquire
novos conhecimentos, atitudes e valores e fortalece sua capacidade de análise de problemas,
envolvendo quatro dimensões básicas:
[...] (1) a cognitiva, habilidade de compreender o particular por meio do
conhecimento do geral; (2)a analítica, habilidade de saber a utilidade e
a potencialidade das técnicas administrativas e adquirir mais realismo,
profundidade e criatividade na solução de problemas; (3) a comporta-
mental, habilidade de adquirir novas maneiras de interação humana,
dentre padrões alternativos conhecidos e validados socialmente e; (4) a
de ação, denota a capacidade de interferir intencionalmente no sistema
organizacional. (MOTTA, 1991, p. 151).

4. GESTÃO CULTURAL
Abordou-se a diversidade de olhares, a respeito da gestão cultural, a fim de apresentar
as suas convergências e divergências. Acerca do conceito de gestão cultural, apresenta-se um
breve mapeamento de caráter epistemológico e se elencam algumas sugestões para interpretação
e usos do conceito. Desse modo, colocaram-se alguns desafios para dar início às reflexões.
O tema da Gestão Cultural tem sido estudado, nos últimos dez anos, por pesquisadores
de origens diversas, identificados com a “Cultura” ou com os “Estudos Culturais”, com contri-

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buições pontuais sobre o que acreditam ser a “Gestão Cultural”. Nesse sentido, a literatura sobre
“Gestão Cultural” contempla temas os mais diversos: Política Cultural, Produção Cultural, Ação
Cultural, Direitos Culturais e até Diversidade e Multiculturalismo. Mas a maioria dos autores
diz muito pouco, especificamente, sobre Gestão Cultural, ainda que se aceite uma definição
ampla do termo.
A Gestão cultural, apesar de ser um termo recente, é associada a múltiplos significados e
nomenclaturas: promoção cultural, gestão de cultura, mediação cultural, administração cultural,
gestão da cultura, gestão das artes ou gestão da cultura.
Vista dessa perspectiva, a Gestão Cultural incorpora uma amplitude conceitual extensa,
o que implica no fato de a falta de especificidade ser um dos seus principais impasses teóricos.
Daí ser deficiente quanto à sua construção científica. Os conceitos variam de amplitude: de defi-
nições restritas até às extremamente amplas que, a rigor, extrapolam o objeto da Gestão Cultural.
A este respeito, Rubens Bayardo (2007) observa que “lo que está en el centro del debate
no es la gestión, sino los modos y las conceptualizaciones que la orientan en tanto que fenomeno
cultural. Lo imprescindible y central es lo que se entienda por gestión y cómo se le conciba”.
(BAYARDO, 2007, p. 16).
Decorre do entendimento deste autor que a gestão cultural como uma profissão comporta
várias definições. Em contrapartida, os usos e perspectivas para a sua abordagem estão dados
pelo contexto social e das disciplinas de que emergiu.
Alfons Martinell (2008) reflete que:
[...] a pesar de que la cultura siempre ha reclamado algún tipo de orga-
nización por parte de la comunidad, la gestión cultural, como la enten-
demos hoy en día, es un campo de actuación muy reciente. Podríamos
afirmar que a pesar de su rápido crecimiento en los últimos años aún está
en fase de estructuración y definición. (MARTINELL, 2008, p. 267).
Mas por que falar em gestão cultural? Qual é o contexto que enquadra a aparição desta
nova disciplina? Por que sua expansão?
Para Ochoa (2014), a gestão cultural é implementada como uma ideia que, para muitos
críticos, reduz a cultura a uma comercialização de produtos. Este é um terreno difícil quando:
“una palavra sea utilizada de maneras tan distintas testifica su incoherencia fundamental como
concepto unitario, pero al mismo tiempo, es aquí donde radica su fuerza y su trampa. (OCHOA,
2014, p. 8).
A busca de definição do objeto e do escopo da gestão cultural pode se orientar para uma
nova abordagem da gestão desse universo específico de organizações, projetos e manifestações.
Conforme Lustosa da Costa,
[...] essa definição consiste em discutir concepções particulares da natu-
reza humana, das relações do indivíduo com o seu universo simbólico,

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dos métodos e práticas do fazer artístico (e cultural) e das relações entre


ética e estética. Nessa concepção, a gestão cultural buscaria definir-se
como gestão do belo e do sensível. (Anotações de sala de aula, 2014).
É possível situar o locus e o focus da gestão cultural. Para o estabelecimento de um ade-
quado referencial teórico-analítico é importante alcançar clareza no conceito de gestão cultural,
indicando tanto o locus (objeto) como o focus (abordagem). Segundo Keinert (2000), eles po-
dem ser verificados do ponto de vista metodológico. O locus indica o território a ser estudado e
analisado, os fenômenos empíricos. O focus é a perspectiva teórica que subsidia as discussões,
análises e compreensões no campo desta temática.
Os processos de gestão cultural podem dar-se no âmbito de organizações da administra-
ção pública (secretarias de cultura, museus, centros culturais), em organizações da sociedade
civil, como também na órbita de empresas, fundações ou institutos privados, a exemplo de gru-
pos culturais de natureza comunitária. Em cada uma dessas instâncias, a gestão cultural possui
características específicas, com diferentes graus de complexidade, e pode recorrer a ferramentas
de gestão que melhor se adequem aos objetivos visados.
A gestão cultural precisa criar referenciais próprios de ação, adaptados às suas particula-
ridades, com base no conhecimento do contexto no qual vai atuar. Como agente de mudança, o
gestor precisa estar atento ao cenário cultural, através da identificação das demandas de públicos
diferenciados. Além disso, assume um papel de mediador que opera entre atores diversos.

5. TERMINOLOGIAS UTILIZADAS
Administração Cultural, como um ramo da administração, trata do conhecimento dos ob-
jetivos, prioridades, suas avaliações, alternativas de ação, formulação de planos complementa-
res, organização e execução de ações e consequentemente suas avaliações, seguidas da medição
de resultados operacionais, financeiros, contábeis, legais que darão o suporte a uma boa gestão.
Gerência Cultural, também como um ramo da administração, informa e capacita os trabalhado-
res culturais para resolver problemas. Gestão Cultural, portanto, por um lado, tem um universo
cultural amplo, marcado pelo compartilhamento de redes de significados; por outro, tem a espe-
cificidade de alguns significados, e não deve ser pensada como um fim último.
Colombres (2009) aponta para a administração cultural que foi substituída por gestão
cultural, desde que a primeira foi questionada por vários setores da área cultural, e conclui: “una
primera definición que nos acerca a las posibilidades de la palabra es que si bien ésta está rela-
cionada com la administración, com la obligación de rendir cuentas también implica dar origen,
generar, producir hechos, conducir realizaracciones” (COLOMBRES, 2009, p. 26).
A gestão cultural, designada como um campo de atuação profissional, está vinculada à de-
nominação que mais reflete a realidade das pesquisas atuais. É preciso compreender que o trabalho
em gestão cultural ainda está em processo de adequação e de utilização de metodologias próprias.

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6. ALGUMAS DISTINÇÕES CONCEITUAIS


Convém que se façam agora algumas distinções conceituais entre a Gestão Cultural e os
termos Produção Cultural, Política Cultural e Ação Cultural.

6.1. Gestão Cultural e Produção Cultural


A produção cultural dedica-se a toda atividade profissional que consiste em gerenciar
desde a organização de eventos culturais até à confecção de bens culturais. Os produtores cultu-
rais podem organizar shows, exposições de arte, espetáculos de música, dança, teatro, bem como
coordenar a gravação de um filme, de discos, de vídeos, programas de TV, rádio, e inúmeras
outras atividades de expressão cultural.
Rubim (2005) sugere três movimentos mínimos de criação, divulgação/transmissão e or-
ganização. No entanto, dentro da noção de “assimilar a complexidade e as vicissitudes do mun-
do contemporâneo” (RUBIM, 2005, p. 15) associa o sistema econômico e a complexidade da
sociedade com o sistema cultural. Canclini (1997) destaca que, dentro de uma ordem material,
não existirá “produção de sentido que não esteja inserida em estruturas materiais”. (CANCLINI,
1997, p. 29). Neste sentido Gadelha e Barbalho (2013) compreendem que existem:
a) Meios de produção (os recursos tecnológicos para a produção artís-
tica e as modificações ocorridas pela introdução de novos materiais –
acrílicos, plásticos – e novos procedimentos – multiplicação, mecânica
ou eletrônica da imagem);
b) Relações sociais de produção (entre artistas, intermediários e públi-
co; relações institucionais, comerciais, publicitárias; interação dentro do
país e com a arte estrangeira). (GADELHA e BARBALHO, 2013, p. 13)
Nesse contexto estrutural há uma relação construída dentro do processo artístico (au-
tor-oba-intermediário- público) e a sociedade. Assim, é preciso ter ciência da associação entre
material e simbólico dentro da definição de produção cultural.

6.1.1.Gestão Cultural e Política Cultural


A política cultural dedica-se aos princípios, meios e fins responsáveis por nortear as
ações. Difere da gestão cultural, como a capacidade de resposta no âmbito local e em sua relação
com uma sociedade global e conectada. Esta pauta-se pela organização dos meios disponíveis
para execução destes princípios e fins. Portanto, a gestão cultural faz parte do processo da polí-
tica cultural.
Apreende-se da análise de Marilena Chauí (1995) que, sob o ponto de vista da cultura
política, a gestão cultural refere-se ao estimulo de formas de auto-organização da sociedade e
sobretudo das camadas populares, criando o sentimento e a prática da cidadania participativa.

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Neste sentido é preciso compreender e identificar, na política cultural brasileira, sua tra-
dição oligárquica, autoritária com que opera com a cultura, a partir de um Estado, com diversas
modalidades de relação com a cultura. A corrente liberal identifica cultura e belas-artes, estas
últimas vistas como privilégio de uma elite escolarizada e consumidora de produtos culturais.
A corrente autoritária se apresenta como produtor oficial de cultura e censor da produção cul-
tural da sociedade civil. A corrente populista manipula uma abstração genericamente denomi-
nada cultura popular, entendida como produção cultural do povo e identificada com o pequeno
artesanato e o folclore, isto é, com a versão popular das belas-artes e da indústria cultural. A
corrente neoliberal, que identifica cultura e evento de massa, consagra todas as manifestações
desenvolvidas pela massmidia, e tende a privatizar as instituições públicas de cultura, deixando-
-as sob a responsabilidade de empresários culturais. (Chauí,1995)
 Um aspecto relevante nesta análise é observar a relação dos produtores e agentes cul-
turais (gestores) com os órgãos públicos. Observa-se a influência de natureza clientelista das
corporações artísticas que encaram o Estado sob a perspectiva do grande balcão de subsídios
e patrocínios financeiros. Tem-se que as práticas, valores, ideias e comportamentos colaboram
para ampliar a visão de todos os envolvidos na atuação de sujeitos culturais.
Teixeira Coelho (1997) completa essa definição afirmando que as iniciativas dos agentes
visam “promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a preservação e divulgação do
patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas responsável”; considera,
ainda, política cultural como uma “ciência da organização das estruturas culturais” que tem
como objetivo “o estudo dos diferentes modos de proposição e agenciamento dessas iniciativas,
bem como a compreensão de suas significações nos diferentes contextos sociais em que se apre-
sentam”. (TEIXEIRA COELHO,1997, p. 292)
Para Canclini (2001), as políticas culturais resumem-se a um “conjunto de atividades
realizadas pelo Estado, instituições civis e grupos comunitários organizados a fim de orientar o
desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso
para um tipo de ordem ou de transformação social”. (CANCLINI,2001, p. 65).
Yúdice (2002) reforça o caráter administrativo e burocrático de uma política cultural:
La política cultural se refiere a los soportes institucionales que canalizan
tanto la criatividad estética como los estilos colectivos de vida: é um
puente entre los dos registros. La política cultural se encarna en guías
para la acción sistemáticas e regulatorias que adoptan las instituiciones
a fin de alcanzar sus metas. Em suma, es más burocrática que criativa u
orgânica (YÚDICE, 2002, p. 11)
As discussões suscitadas pelo conceito de políticas culturais estão focadas no campo de
atuação dessas políticas e nos agentes envolvidos em sua formulação e prática. Isaura Botelho
(2008) reconhece duas dimensões da cultura que deveriam ser consideradas alvo das políti-

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cas culturais. A dimensão sociológica, distintamente privilegiada por tais políticas, refere-se ao
mercado, à cultura “elaborada com a intenção explícita de construir determinados sentidos e de
alcançar algum tipo de público, através de meios específicos de expressão”. (BOTELHO, 2008,
p. 47). Já a dimensão antropológica remete à cultura produzida no cotidiano, representada pelos
pequenos mundos construídos pelos indivíduos, que lhes garante equilíbrio e estabilidade no
convívio social. Esta última perspectiva apresenta-se como o grande desafio para o alcance dos
gestores da cultura. Por sua vez, o reconhecimento do caráter público de uma política cultural se
configura como mais um dilema na definição deste termo.
 
6.1.2. Gestão Cultural e Ação Cultural
A ação cultural articula os processos de mediação entre as práticas culturais e os diversos
públicos com os quais elas se relacionam. É a partir desse conceito que se tem o entendimento da
gestão cultural e de suas ferramentas que podem potencializar os resultados de ações e projetos,
e auxiliar na construção de condições de sustentabilidade a longo prazo.
De acordo com Teixeira Coelho (2008), “a noção contemporânea de ação cultural é
condizente com a visão mais ampla da cultura como ação: o objetivo da ação cultural (a meta
de toda política cultural) é a criação das condições para que as pessoas inventem seus próprios
fins”. (TEIXEIRA COELHO,2008, P.22).
Alkmin (2007) apresenta uma detida reflexão para ação ou animação cultural: “esta ação
cultural estaria vinculada aos valores da diminuição das desigualdades culturais; à abertura de
espaço para novos talentos; à análise das ideologias; experimentação e despertar de novos in-
teresses; à formação de públicos e, por fim, à recuperação de registros históricos”. (ALKMIN,
2007, p. 5). Como contribuição dessa reflexão, Wanderley (2011) apresentou uma possível de-
finição para o termo ação cultural no qual, de maneira confluente, esta “fica reconhecida como
uma intervenção que é ao mesmo tempo técnica, política, social e econômica, promovida pelos
órgãos públicos, privados e do terceiro setor. ” (WANDERLEY,2011, P.9). Para Villhena (2009):
A ação cultural concebe programas, projetos e atividades relativos ao
aprendizado de técnicas artesanais, artísticas e científicas; à difusão de
obras simbólicas; à formação de grupos sociais, em defesa de direitos ci-
vis ou de cidadania; à educação popular de tratamento informal; ao apren-
dizado de habilidades corporais e desportivas. (VILHENA, 2009, P.4)
Conforme Castro (2010), “a ação cultural está ligada ao turismo social; à conservação e
popularização do patrimônio; à criação ou formação de centros de informação; ao treinamento
de animadores semiprofissionais”. (CASTRO, 2010, P.12). Cabe ainda ressaltar que estes sa-
beres estariam resguardados por um ambiente adequado à prática e à teoria, capaz de transmitir
conteúdos inovadores, alinhado com o meio no qual esta ação é proposta e que, por último,
possibilitasse o desdobramento da experiência vivida.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dado que a gestão cultural precisa criar referenciais próprios de ação, adaptados às suas
particularidades, o diálogo com a política cultural perpassa por contextos político-institucionais,
como a própria estrutura interna do Ministério da Cultura, o marco legal do país. Assim como a
heterogeneidade dos gestores que condiciona a sua gestão e limita o alcance de seus objetivos.
Há um entendimento extremamente racionalista sobre o conceito de cultura, na prática
da gestão cultural, fato que a submete a elementos de política pública alheios a ela. Esta circuns-
tância passa a gerar conflitos no processo de planejamento das ações culturais. Com as ferra-
mentas que a ciência e a experiência prática já comprovaram, o tema levanta novos paradigmas
conceituais que devem ser levados em conta pelos agentes culturais do presente e do futuro.
A gestão cultural aproxima-se do conceito de política cultural, uma vez que implica em
fazer escolhas. Nesse sentido, é clara a opção do Ministério da Cultura por alguns segmentos
específicos da população, ao privilegiar sobre tudo aquela parcela da sociedade que se encontra
diante de todo tipo de exclusão – social, cultural, econômica.
Uma das características da gestão cultural é a de contar com certa liberdade para ade-
quação às finalidades específicas da cultura. Talvez uma das capacidades mais requeridas aos
gestores seja exatamente a de adaptabilidade às condições do contexto.
Como a literatura sobre gestão cultural no Brasil é ainda incipiente, o conhecimento mais
aplicado do assunto tem um grande percurso à frente. O primeiro desafio importante para a ges-
tão cultural refere-se à sua própria operacionalização. Isto tem despertado grande interesse no
âmbito acadêmico das escolas de gestão. O segundo desafio consiste numa maior preocupação
com a formação de gestores culturais e seu reconhecimento como atividade profissional.
A análise até aqui desenvolvida ajuda a compreender por que as políticas públicas para
o setor cultural estão mudando, principalmente nos países em desenvolvimento. Impõe-se que
sejam considerados os aspectos econômicos, sociais e políticos pertinentes, bem como as con-
tradições socioeconômicas e os conflitos de interesses emergentes em escala internacional.

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AFIRMAÇÃO E EXPANSÃO TERRITORIAL EM POLÍTICAS CULTURAIS:


UMA ANÁLISE DOS PROGRAMAS CULTURA VIVA E ARTE NA RUA
PELA PERSPECTIVA DO TERRITÓRIO
Beatriz Terra Freitas1

RESUMO: O presente trabalho procura, ensaisticamente, fazer uma análise da perspectiva do


território e das territorialidades nas políticas culturais, mais precisamente nos programas Cul-
tura Viva, do governo federal, e Arte na Rua, no município de Niterói – Rio de Janeiro. Para
isso, serão trabalhados os conceitos de política cultural e território e serão desenvolvidas duas
categorias: políticas de expansão territorial das manifestações artístico-culturais e políticas de
afirmação territorial das manifestações artístico-culturais. O artigo também busca estudar o ter-
ritório dentro da concepção das políticas urbanas, através do Caminho Niemeyer em Niterói.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas culturais, território, Caminho Niemeyer, Arte na Rua, Cultura


Viva.

1. INTRODUÇÃO – PROBLEMATIZAÇÃO DO CONCEITO


Para dar início a esse trabalho, é importante elucidar alguns pontos. O conceito de po-
lítica cultural é amplo, complexo e abarca contradições. Talvez por isso, poucos são os autores
que buscam dar uma definição concreta do termo. Alexandre Barbalho (2005) vai realizar um
esforço de desconstruir o conceito na concepção de Teixeira Coelho para, depois, reconstruí-lo.
Política cultural existe nas ações concretas, nas relações sociais, não é uma ciência, um saber
específico; mas é, e deve ser, objeto de análise e estudos acadêmicos.
Primeiro, é preciso dizer que é um desafio lidar com política cultural. Cultura, em sua
concepção mais contemporânea, é flexível e fluida. Está nos encontros, nas trocas, nas misturas.
O desafio está em como o campo das políticas públicas – um campo mais rígido e fixo – vai lidar
com a maleabilidade do campo cultural. Certeau (2012, p. 234) vai dizer que “A gestão de uma
sociedade deixa um enorme ‘resto’.” E esse resto, gerado pelos embates, é o que seria considera-
do cultura. Em outro momento, o autor faz uma analogia com o termo “espuma”, porque cultura
é aquilo que escapa às mãos dos gestores culturais.
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades (PPCult – UFF) e pesquisadora na
Fundação Casa de Rui Barbosa, setor de Estudos de Política Cultural. beatriztfreitas@gmail.com

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A partir disso, há de se tornar claro, também, que este trabalho considera e reconhece
política cultural para além da esfera governamental. Aqui, política cultural – e política pública
de uma maneira geral – é entendida por práticas e ações feitas tanto por setores estatais quanto
não-estatais, ampliando o conceito mais comum e ordinário que se tem atualmente. Sobre isso,
Barbalho diz:
Uma última questão que gostaria de acrescentar nesse nosso percurso
em torno do conceito de política cultural é a possibilidade de que alguns
pesquisadores discordem de se compreender intervenções não-estatais
na cultura como política cultural. Creio que nestes casos há uma visão
estreita do significado de público, entendido como sinônimo de Estado.
Essa igualdade estabelecida entre Estado=público nega a existência da
esfera pública e é particularmente complicada quando se refere à cultura
e à política. (BARBALHO, 2005, p.40)
É necessário lembrar que o Estado não é um agente ou um ator. São relações sociais,
relações de forças, onde se tem disputas e jogos, e onde – apesar de ser, aparentemente, distan-
ciado de nós, algo externo a nós – a sociedade civil está incluída. E, por ser uma relação, pode
haver um uso desigual, principalmente, se pensarmos que os sujeitos acionam as políticas cul-
turais segundo seus instrumentos e meios, ou seja, sujeitos não acionam as políticas culturais de
forma igualitária, pois estão posicionados no mundo de modos diferentes.
O mercado também é um agente não-estatal que deve ser pensado nesse trabalho. Har-
vey (2006), ao definir renda monopolista, diz:
O que espero ter exposto, ao invocar o conceito de renda monopolista
dentro da lógica da acumulação do capital, é que o capital possui meios
de se apropriar e extrair excedentes das diferenças locais, das variações
culturais locais e dos significados estéticos, não obstante a origem. [...] O
problema para o capital é achar os meios de cooptar, subordinar, merca-
dorizar e monetizar tais diferenças apenas o suficiente para ser capaz de
se apropriar das rendas monopolistas disto. (HARVEY, 2006, p. 237, 238)
O papel do mercado é, justamente, cooptar e subordinar o que ele puder e isso se torna
problemático, especialmente, quando as fronteiras entre o Estado e o mercado são desvanecidas
e o papel de um e outro começa a ser confundido, como tem acontecido no caso das parcerias
público-privadas (PPP). Barbalho levanta essa questão:
Interessa observar, no entanto, como o Estado, na sua interface com o
setor privado, se redime da atuação como contraponto, como alternativa,
que é o que se espera de regimes democráticos... [...] De modo que, por
falta de uma política governamental bem definida e delineada, a cultura
vem se tornando cada vez mais dependente do mercado e de sua “mão
invisível”. E perde sua garantia de efetivar-se como direito fundamental.
(BARBALHO, op. cit., p. 42)

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Dito isso, é conveniente dizer que nesse artigo, nos próximos itens, será trabalhada a
questão institucional das políticas culturais. O primeiro ponto trará os conceitos de hegemonia e
isotopia dentro do Caminho Niemeyer (Niterói-RJ), por ser um objeto que dialoga com temas de
requalificação e planejamento estratégico; o segundo ponto tecerá duas categorias pensadas para
esse trabalho, na perspectiva das políticas culturais. O objetivo de tratar da política cultural no
seu âmbito institucional é para dar conta de analisar, ainda que ensaisticamente, como o Estado
tem lidado com a questão do território dentro de seus programas e projetos de governo.

2. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO, HEGEMONIA E ISOTOPIA:


CAMINHO NIEMEYER E POLÍTICAS URBANAS
Como princípio norteador deste trabalho, consideraremos que o território é tanto forma-
do pelos sujeitos e grupos como formador das identidades desses sujeitos e grupos. As vivências
e redes que se desenvolvem em um lugar vão além das fronteiras estabelecidas por um mapa
físico, rígido em seus limites. A partir das relações traçadas ali, trocas e diálogos, faz-se clara
uma relação entre cultura e território. Sendo assim, trabalhar com políticas urbanas também é
importante dentro de um contexto das políticas culturais, visto que uma política urbana pode
influenciar diretamente numa política cultural. Por esse motivo, neste item do presente artigo,
falaremos de uma característica, se assim posso chamar, dos governos de forma geral e em outro
momento, entraremos no caso do Caminho Niemeyer, aplicando o que foi visto antes.
Atualmente, existe uma tendência nas grandes cidades – cidades com características
internacionais, ou que querem passar a ter – de realizar grandes projetos de intervenção urbana
a fim de “inovar” as cidades, criar um marketing urbano2 para vender a imagem da cidade, trans-
formando-a em um cenário a ser consumido, em uma vitrine, um cartão-postal. Fazem parte,
desse contexto, as PPP – como já foi mencionada anteriormente – que promovem certas fusões
entre o mercado e o governo para desenvolvimento de um planejamento estratégico ou projetos
de revitalização/requalificação, conceitos primordiais nesse contexto. Dentro desses projetos,
a dimensão cultural tem sido utilizada muitas vezes para “validar” essas grandes intervenções
diante da população local, como a construção de museus, teatros, entre outros equipamentos
culturais. Arantes (2013, p. 15) diz que:
quando, nos dias de hoje, se fala de cidade (pensando estar “fazendo
cidade”...), fala-se cada vez menos em racionalidade, funcionalidade,
zoneamento, plano-diretor etc., e cada vez mais em requalificação, mas
em termos tais que a ênfase deixa de estar predominantemente na ordem
técnica do Plano – como queriam os modernos – para cair no vasto do-
mínio passe-partout do assim chamado “cultural” e sua imensa gama de
produtos variados.
2
Também pode ser chamado de city marketing. Trata-se de reorganizar e inovar a imagem das cidades para, prin-
cipalmente, atrair entrada de turistas e de investimentos do capital financeiro estrangeiro.

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A cooptação de autenticidades culturais locais, como já diria Harvey, pelo capital levam
a um discurso que busca produzir um sentido único. Segundo Arantes, através disso, forma-se
um pensamento único, um senso comum acerca dos planejamentos urbanos. Quem faz a cidade
– os planejadores urbanos e o mercado – irá utilizar-se de um enunciado cultural para “abrilhan-
tar” – e com isso, deixar acima de qualquer questionamento – seu projeto.
Assim sendo, essa formação da cidade, esse discurso empregado para implantação dos
projetos excluindo – ou fazendo de tudo possível para excluir ou dificultar – a participação
social, torna-se, aparentemente homogênea. Um discurso quase natural. É a hegemonia3 atuan-
do. E a hegemonia parece eterna, mas são disputas de sentido, são blocos históricos, como diz
Gramsci. No campo da política cultural, a hegemonia é bem aplicada, pois não se questiona a
forma como o Estado age nesse campo. Por esse motivo, é importante procurar fazer um esforço
para explanar o conceito de política cultural antes de utilizá-lo, a fim de tratá-lo de forma am-
pliada e deixar claro de que limites estamos falando.
Gramsci afirma que a sociedade civil é complexa. Dentro desse contexto da hegemonia e
do consenso, há também os sujeitos com autonomia. Lefebvre (1999, p. 40) diz que a coerência
nessa coexistência “é apenas aparente, ainda que essa aparência se fortaleça através de sistema-
tizações imperiosas.” Nesse sentido, ele apresenta o conceito de isotopia que é, nas palavras do
autor, “um lugar (topos) e o que o envolve (vizinhança, arredores imediatos), isto é, o que faz
um mesmo lugar. Se noutra parte existe um lugar homólogo ou análogo, ele entra na isotopia.”
(Ibidem, p.43) No atual momento em que vivemos, os lugares parecem-se muito uns com os
outros. As cidades buscam em outras maiores inspirações para seus planejamentos urbanísticos
que geram – quase como uma ordem – as mesmas conseqüências: processos de espetaculariza-
ção4, gentrificação5, entre outros.
Ao mesmo tempo, Lefebvre diz que há a heterotopia: “Entretanto, ao lado do ‘lugar mes-
mo’, há o lugar outro, ou o outro lugar. O que o torna outro? Uma diferença que o caracteriza,
situando-o (situando-se) em relação ao lugar inicialmente considerado.” 6 Essa diferença é o que
possibilita os encontros, as trocas, o contato com o diverso, formando um campo de tensões alta-
mente complexo, um possível-impossível como diz o autor. O alhures, como o autor usa, é o que
propicia as brechas, onde podemos resistir, ainda que seja uma micro-resistência em comparação

3
Hegemonia, em Gramsci, é a formação de um bloco histórico e ideológico que, através de um sistema de alianças
com alguns setores da sociedade, cria consensos e uniformiza o pensamento.
4
Processo que, a partir das grandes intervenções urbanas dos planejamentos estratégicos, esvazia os espaços, di-
ficultando a apropriação daquele espaço pela população local. Espaços que são voltados à visitação – consumação
– turística.
5
Termo oriundo da palavra da língua inglesa gentry, “gente de boa família” em livre tradução. Gentrification foi
desenvolvido para falar de ressignificações dos espaços da cidade. Gentrificação ficou mais ligado a expulsão de
uma população pobre de um determinado local que passa por um processo de elitização.
6
Idem

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ao poder esmagador da hegemonia. Mas é nessa resistência que se tenta mostrar que nem tudo é
igual e nem tudo pode ser subordinado pelo discurso dominante. Nessa lógica, Certeau diz:
Assim, as maneiras de utilizar o espaço fogem à planificação urbanística:
capaz de criar uma composição de lugares, de espaços ocupados e espa-
ços vazios, que permitem ou impedem a circulação, o urbanista é incapaz
de articular essa racionalidade em concreto com os sistemas culturais,
múltiplos, fluidos, que organizam a ocupação efetiva dos espaços inter-
nos (apartamentos, escadarias etc.) ou externos (ruas, praças etc.) e que
os debilitam com vias inumeráveis. (CERTEAU, op. cit., p. 233).
Como exemplo, podemos olhar mais de perto o objeto proposto para este item do traba-
lho. O Caminho Niemeyer vai do espaço atrás do Terminal Rodoviário João Goulart – que con-
tém os prédios do Teatro Popular, Memorial Roberto Silveira e Fundação Oscar Niemeyer – no
bairro do Centro de Niterói, até a Estação das Barcas em Charitas, passando pela Praça Juscelino
Kubitscheck (Centro), pelo Museu Petrobrás de Cinema (São Domingos) e pelo Museu de Arte
Contemporânea – MAC (Boa Viagem). O projeto foi idealizado após o “sucesso” da construção
do MAC que, teoricamente, devolveu a auto-estima que a cidade havia perdido quando deixou
de ser capital do estado do Rio de Janeiro. O MAC passou para o Brasil uma imagem de uma
Niterói moderna, projetada para o futuro, por ter uma obra do famoso arquiteto Oscar Niemeyer.
Logo, a logomarca da Prefeitura seria trocada do brasão7 – usada em documentos oficiais – para
um desenho do MAC, utilizado tanto em documentos oficiais, como nas mídias.
Por problemas entre a UFF e a Prefeitura com relação aos terrenos que seriam dedicados
para a construção do Caminho, a Prefeitura teve de realocar o projeto, uma parte ficando atrás
do Terminal Rodoviário, na época chamado de Aterrado Norte e mal quisto pelos moradores do
Centro devido a anos de abandono. Por isso, o Caminho converteu-se em um descontinuado,
sem uma ligação clara entre seus prédios. E, essa parte localizada atrás do Terminal Rodoviário,
acabou não tendo uma integração com o Centro de Niterói; fica escondida por vazios urbanos
(estacionamentos, áreas degradas, com mato crescente) e pelo próprio Terminal.
O Caminho Niemeyer foi pensado às pressas, deixando muitas falhas em relação à le-
galidade de sua implantação. O prefeito à época, Jorge Roberto Silveira (PDT – Partido Demo-
crático Trabalhista), passou por cima da sociedade civil – ao não realizar audiências públicas,
por exemplo –, da Câmara dos Vereadores e da Lei Orgânica do Município para aprovação e
construção do projeto. Escolheu Selmo Treiger, empresário e engenheiro para a presidência do
Grupo Executivo do Caminho Niemeyer, fazendo deste um braço empresarial da prefeitura,
reforçando os laços das PPP. Assim sendo, parece que o Caminho segue uma tendência, já co-
mentada anteriormente, do marketing urbano a fim de vender a imagem da cidade para atração

7
Brasão é um desenho criado para classificar uma família, clã, cidades, regiões etc. obedecendo às leis da herál-
dica que estabelecem regras para os símbolos criados.

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turística e de capital financeiro. Durante o processo, o discurso da Prefeitura é de que o Caminho


Niemeyer iria revitalizar a área do Centro de Niterói, mas só o fato de um conjunto de prédios
de Oscar Niemeyer ter ficado escondido devido à falta de integração com o Centro, já aponta
que esse projeto não deu certo.
Com a entrada de Rodrigo Neves (PT – Partido dos Trabalhadores) na Prefeitura de Ni-
terói, em 2013, havia um interesse, junto com a Secretaria Municipal de Cultura, de retomar as
atividades do Teatro Popular Oscar Niemeyer, ação que só pode ser realizada a partir da entrada
da Ampla8 como parceira. Desde outubro de 2013, então, tanto o Teatro quanto o Memorial Ro-
berto Silveira estavam funcionando com programação frequente e a Fundação Oscar Niemeyer
estava abrigando a presidência do Caminho Niemeyer e alguns órgãos da Prefeitura. Entretanto,
em pesquisa realizada em 2014, pude perceber que o Caminho Niemeyer tinha pouca visita-
ção – exceto em dias de grandes shows. Alguns moradores do Centro que foram entrevistados
– fora do Caminho Niemeyer, na Avenida Rio Branco, principal Avenida do bairro – não fre-
quentavam, por vezes nem sabiam o que era. As poucas pessoas com quem conversei dentro do
Caminho eram turistas, quando não eram os próprios funcionários. Marcos Gomes, presidente
do Caminho Niemeyer, demonstrou um desejo, por parte da municipalidade, de criar um senti-
mento de pertencimento entre os moradores da cidade e o Caminho e fazer com que as pessoas
conhecessem o espaço e convivessem lá.
No início de 2015, viam-se mais pessoas no Caminho, mais apropriação: pessoas sen-
tadas na curta faixa de grama que tem perto do mar, conversando, fazendo piqueniques, entre
outras atividades. Porém, ao mesmo tempo em que mais sujeitos tomaram aquele espaço para
si, o lugar passou a ser mais regulado. Uma guarita na entrada do Caminho Niemeyer onde, em
2014 não ficava ninguém, em 2015 passou a ter alguns funcionários que, de forma aleatória – ou
não –, pedem a documentação para algumas pessoas. A entrada para carro que antes ficava o
tempo todo aberta, agora mantém uma cancela.
Simultaneamente, também no início de 2015, muitas pessoas passaram a andar de patins
e skates no Caminho Niemeyer, aproveitando que é um tipo de espaço que falta na cidade e é
propício para isso, visto que o terreno é plaqueado9, característica das obras do arquiteto. A prin-
cípio foi um movimento espontâneo da população, mas devido ao êxito da ação, foi cooptado
tanto pelo mercado – ao começar, em alguns eventos, a colocar barracas para vender artigos de
esporte, especialmente para patins e skates – como pela Prefeitura – ao fazer uso do movimento
como propaganda positiva para mostrar que ela começou a ação e que está incentivando esse
tipo de uso do espaço.

8
Empresa de energia que presta serviços à região Metropolitana do Estado do Rio Janeiro, principalmente os
municípios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Magé.
9
Plaqueado é definido pela colocação de grandes placas de cimento em uma área plana.

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Dessa forma, explicitam-se as tensões e contradições do espaço e da relação entre Estado


e agentes não-estatais. Como na cultura, essa relação que se cria entre a população e o objeto
espetacular é complexa e dinâmica. Ela muda de acordo com as ações e respostas dos agentes
inseridos no processo. Apesar do esforço empreendido pelo capital e pela esfera pública em con-
trolar e regular um território, desde sua idealização no papel, passando por sua construção, até
sua operação e manutenção, as ligações que são ali feitas e desenvolvidas, as práticas culturais,
as trocas, os diálogos, os encontros10... São micro-resistências, são formas de “conter e resistir”
– segundo Hall –, são meios de agir nas brechas contra o discurso homogeneizador.

3. POLÍTICAS DE AFIRMAÇÃO TERRITORIAL DAS MANIFESTAÇÕES


ARTÍSTICO-CULTURAIS E POLÍTICAS DE EXPANSÃO TERRITORIAL DAS
MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICO-CULTURAIS
Ainda não há uma bibliografia extensa que se debruce sobre o tema das políticas cul-
turais, procurando explicitar e ampliar o conceito antes de usá-lo como algo corriqueiro, como
algo subentendido. Menos ainda há trabalhos que façam uma ligação entre políticas culturais
e territorialidades. O papel das políticas culturais deve ser, para além das menções já feitas, o
de desmascarar as relações de institucionalização, de demonstrar a dimensão do que é público.
Entretanto, nos programas de governo, esse objetivo não fica claro.
Para esse trabalho, foram desenvolvidas duas categorias para pensar a relação entre terri-
tório e políticas culturais: políticas de afirmação territorial das manifestações artístico-culturais
e políticas de extensão territorial das manifestações artístico-culturais. A primeira se caracteriza
por programas e ações de governo que têm como objetivo fomentar e incentivar as manifesta-
ções já existentes em um determinado território; a segunda é definida por programas e ações de
governo que buscam levar um produto cultural ou uma manifestação já pronta e fechada para
um determinado território. É importante ressaltar que essas categorias não são, necessariamente,
contrárias, opostas. Dentro de um mesmo programa, às vezes, podemos aplicar as duas catego-
rias ou pode haver contradições. Há contaminação entre elas. Além disso, não se pode dizer que
um modelo é melhor que o outro, ambos tem problemas e aplicações positivas.
A fim de aplicar essas categorias, serão trabalhados aqui – como mencionei antes, en-
saisticamente – dois casos: O Programa Cultura Viva do governo federal e o Arte na Rua do
município de Niterói.

10
“Encontros” entendido aqui, segundo Bhabha, quando diz que cultura é feita no encontro com o diverso,
o diferente.

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3.1 O Programa Cultura Viva


O Programa Cultura Viva foi criado e regulamentado em 2004 e 2005 por meio de duas
portarias do Ministério da Cultura – MinC e estava vinculado à Secretaria de Programas e Pro-
jetos Culturais – SPPC11, cujo secretário, na época, era Célio Turino. Tem como objetivo “a am-
pliação do acesso da população aos meios de produção, circulação e fruição cultural”12 e possui
três palavras-chave: autonomia, empoderamento e protagonismo. Uma das principais ações do
Programa são os Pontos de Cultura, que se caracterizam pelo fomento a iniciativas culturais já
existentes, através de editais de prêmios e bolsas. Segundo Turino (2009, p.85):
O objetivo do programa é integrar o Ponto a um sistema mais amplo,
vivo, pulsante. Conforme historiado, Ponto de Cultura e programa Cul-
tura Viva nascem juntos e estão indissociavelmente associados, como
pode ser verificado no documento de formulação do programa, escrito
em junho de 2004: “O Cultura Viva é concebido como uma rede orgâ-
nica de gestão, agitação e criação cultural e terá por base de articulação
o Ponto de Cultura”.
No início, o Programa contava com cinco ações: os Pontos de Cultura, a Escola Viva,
Griôs, Cultura Digital e Agente Cultura Viva, todas elas sendo vinculadas aos Pontos de Cultura.
De 2005 a 2011, foram abertos 3.670 pontos de cultura em todos os estados, (de acordo com o
site do MinC), numa tentativa de capilarizar o programa.
Em 2013, o programa passou por uma reformulação, tendo inclusive mudado o nome
do programa para “Programa Nacional de Promoção da Cidadania e da Diversidade Cultural –
Cultura Viva” (sendo antes chamado de Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania
- Cultura Viva). O tema da diversidade cultural no Brasil foi uma das ênfases do Programa desde
sua criação. No novo formato, uma das principais mudanças nessa reformulação foi a permissão
para que grupos culturais sem CNPJ pudessem participar dos editais, diminuindo a burocracia
do processo e possibilitando que muitos grupos e manifestações culturais fossem beneficiados
com o programa.
Célio Turino destaca alguns problemas no funcionamento do programa:
Quando viajo pelo Brasil e realizo encontros e reuniões com Pontos de
Cultura, percebo que esse compartilhamento é real. Enquanto método
de gestão, o programa enfrentou inúmeras dificuldades, burocratismo
no processo de conveniamento, normas inadequadas à realidade, atraso
no pagamento de bolsas para jovens, atraso no repasse de recursos aos
Pontos, prestação de contas emperrada e em desajuste com a dinâmica
da vida. Se observarmos bem, até os recursos repassados não são tão
expressivos, R$ 60 mil por ano, equivalentes a R$ 5 mil por mês. Apesar
11
A SPPC foi criada em 2004 juntamente com a Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural – SID. Atualmen-
te, nenhuma das duas consta mais no organograma do MinC.
12
Disponível em http://www.cultura.gov.br/culturaviva/culturaviva/objetivos-e-publico

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das limitações, a adesão e o apoio ao programa são efetivos. Os partici-


pantes tomaram o Cultura Viva para si, se apropriaram dos valores do
programa e começam a identificar-se como movimento social, até se
definindo como “ponteiros”. (Ibidem, p. 87)
Em 2014, foi sancionada a Lei Cultura Viva que tenta desburocratizar os processos de
prestação de contas e o repasse de recursos. Uma das novidades é a auto-declaração como Ponto de
Cultura, que ainda está sendo implantando e gerando dúvidas entre os representantes dos Pontos.
Primordialmente, o programa busca, através dos Pontos de Cultura, fomentar as ações
já existentes em um determinado lugar, dando aos grupos incentivos financeiros e meios para
iniciar o Ponto e mantê-lo após a retirada do incentivo, que tem duração de dois anos. Dessa
forma, muitas comunidades periféricas que não eram contempladas com políticas culturais de
forma geral, passaram a ser e assumiram uma posição no mapa político-cultural. À esse progra-
ma, atribuo a categoria das políticas de afirmação territorial das manifestações artístico-culturais
pois as manifestações já existentes são as que são contempladas no programa e o incentivo é de
que os agentes locais administrem e mantenham o Ponto.
Porém, uma crítica ao programa deve ser clara, para além das críticas feitas pelo próprio
Turino sobre a burocratização dos processos de conveniamento e prestação de contas – algo que,
de fato, prejudicou o funcionamento de muitos Pontos, obrigando-os a pararem as atividades. O
programa acaba por nublar as possibilidades que os sujeitos têm de lutar contra o financiamento
público e de ser subordinado pela lógica do Estado. O próprio Turino comenta: “Há risco de,
nesse processo, os movimentos culturais irem se institucionalizando, perderem a espontaneidade
ou até mesmo serem cooptados? Há.” (Ibidem, p. 65) Logo, é importante ficar atento a este fator.
E isso mostra a necessidade da ligação em rede, para que cada Ponto se apóie no outro em com-
partilhamento. Mas quando um ponto dessa rede sai, a rede tem a possibilidade de se rearticular.

3.2 Arte na Rua


Como ainda não há uma escrita oficial sobre o programa ou uma descrição de seus objeti-
vos e etapas, as análises que faço aqui são baseadas na observação dos materiais de divulgação do
Arte na Rua e da minha própria vivência como estagiária da Fundação de Arte de Niterói – FAN,
no período de janeiro a julho de 2014. Recentemente, soube da existência de um programa, entre
2006 e 2008, chamado Cultura para Todos que tinha os mesmos moldes do Arte na Rua, porém
essa análise restringe-se ao período de 2013 a 2015, durante o governo de Rodrigo Neves, tendo
Arthur Maia como Secretário de Cultura de Niterói e André Diniz como Presidente da FAN.
Desde 2013, a FAN através da Secretaria Municipal de Cultura tem realizado o programa
Arte na Rua, que propõe intervenções artísticas gratuitas em diversos pontos públicos da cidade,
como praças e esquinas, privilegiando as zonas sul e central da cidade, mas acontecendo tam-
bém na zona norte e região oceânica, em menor escala. O acesso ao programa se dá através de

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inscrição em chamada pública que fica aberto de março a setembro do ano vigente. Os artistas,
preferencialmente moradores de Niterói, devem se inscrever por correio ou levando o projeto à
própria Fundação, que passará pelo crivo de uma comissão formada por até três pessoas, sendo
uma da FAN e outras duas escolhidas pelo Conselho Municipal de Cultura. O valor para cada
apresentação é de R$ 750,00, pagos em até três meses pela FAN, só podendo participar da cha-
mada pessoa física.
Durante os três anos de funcionamento do programa (2013, 2014 e 2015), pode-se obser-
var alguns pontos. Primeiro, os grupos proponentes são, em sua maioria, fixados – com escolas
de dança ou teatro, por exemplo, ou mesmo endereço residencial – na zona sul de Niterói, que
compreende os bairros mais caros de se morar e “melhor localizados”. Pouco se vê propostas de
grupos que não estejam dentro dessa região. Na chamada pública, há a possibilidade de colocar,
em ordem de preferência, os lugares para apresentação. A maioria dos proponentes preferia as
esquinas e praças de Icaraí, um dos bairros da zona sul.
Segundo: em uma rápida análise das programações do Arte na Rua de 2015, observa-se
que a maioria dos locais de apresentação concentrava-se na zona sul. No panfleto de setembro
de 2015, por exemplo, constata-se um total de três apresentações em bairros da zona norte (Fon-
seca e Barreto), diante de 15 apresentações em Icaraí e Santa Rosa (bairro vizinho de Icaraí) e
nenhuma apresentação na região oceânica de Niterói. O projeto que pretende expandir as apre-
sentações culturais, para outros territórios, acaba não cumprindo esse propósito e repetindo o
que já existe, pois esses bairros da zona sul, assim como os bairros da zona central, já recebem
atenção e recursos devido, também, ao acúmulo de equipamentos culturais nessas regiões.
Terceiro ponto está no fato do personalismo das políticas culturais de Niterói. A chamada
prevê que o proponente pode inscrever mais de um projeto, mas apenas um seria aprovado. Ou
seja, o mesmo proponente não pode ter mais de um projeto aprovado durante o ano vigente da
chamada pública. Entretanto, muitos grupos e artistas inscreviam, e eram aprovados em mais
de um projeto. Desse modo, o fazer cultura na cidade fica restrito aos mesmos grupos e lugares.
Quarto e último ponto é o fato de que o projeto busca regular algo que é espontâneo, ou
deveria ser. Músicos de rua, apresentações com características de teatro itinerante, por exemplo,
tomam as ruas há muito tempo, às vezes como forma de crítica ao governo, inclusive. O Arte na
Rua acaba por limitar essa característica mais engajada dos artistas de rua e, ao mesmo tempo,
limitar o espaço, na própria rua, que esses artistas têm para se manifestar, a uma esquina ou a
uma praça. Nesse caso, o problema é o mesmo que no programa Cultura Viva, pois há a pos-
sibilidade de que essas manifestações sejam cooptadas pelo discurso do governo e, da mesma
forma, essa política nubla a possibilidade de questionamento às ações da Prefeitura.
Esse programa, iniciado no governo de Rodrigo Neves (PT), buscava diferenciar-se do
evento Festa da Música que aconteceu em 2011 e 2012, mais no final de cada ano, no governo

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de Jorge Roberto Silveira (PDT). Os grupos que tocavam neste evento – como o nome diz,
voltado apenas para a música – não se inscreviam através de chamada pública, mas através de
formulário no site do evento e de contato com a FAN e a Secretaria Municipal de Cultura. Evi-
dentemente, a rede de contatos dentro desses órgãos contaria muito para que um grupo fizesse
sua apresentação. Porém, os palcos do Festa da Música localizavam-se em vários bairros da
cidade, inclusive na zona norte e na região oceânica. Ainda assim, as mudanças no esquema e
organização do Festa da Música para o Arte na Rua foram necessárias, ao menos para mascarar
um processo de mais democrático.
Pelas características do Festa da Música e do Arte na Rua, eu usaria, para ambos, a ca-
tegoria das políticas de extensão territorial das manifestações artístico-culturais. No primeiro
caso é mais fácil de perceber o controle da municipalidade ao levar apresentações culturais
fechadas, sem possibilidade de intervenção pelos moradores que recebem a atração. No se-
gundo caso, sendo somente pela sua proposta, poderíamos arriscar a categoria das políticas de
afirmação das manifestações artístico-culturais. Mas o seu funcionamento na prática demonstra
que o programa funciona como no caso das políticas de extensão territorial das manifestações
artístico-culturais. A existência de uma chamada pública que, teoricamente, é uma ferramenta
democrática, não altera uma característica personalista que está entranhada na política cultural
da cidade, devido a anos de administração pública feita dessa forma.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso ficar atento às mudanças que podem acontecer tanto em questão à apropriação
e ao tratamento dado ao Caminho Niemeyer, quanto na questão dos programas de governo.
No primeiro caso, um fator que pode, em breve, influenciar na relação objeto espetacular e
população local, é o plano de requalificação do Centro de Niterói, cujo nome é “Centro que
Queremos”, pois prevê uma integração entre o Caminho e o Centro de Niterói, além de uma
estação intermodal (que juntaria o Terminal, as Barcas e um provável metrô que faria o trajeto
Niterói-São Gonçalo). Esse fator poderia provocar mudanças na apropriação daquele espaço
pela população local. O projeto já tem site e detalhes de como será a intervenção urbanística no
Centro. Desde a entrada de Rodrigo Neves na Prefeitura, a discussão sobre esse projeto surgiu,
mas poucas foram as audiências públicas sobre ele até agora.
No segundo caso, ao comparar o programa Cultura Viva e o programa Arte na Rua,
podemos perceber porque estão em categorias diferentes, como lidam com a questão das polí-
ticas culturais. Obviamente, é necessário ter em mente a diferença da dimensão territorial e dos
braços de ação entre um programa e outro; o primeiro é um programa nacional, que se estende
em um país com proporções continentais; já o segundo é um programa municipal de uma cidade
pequena, se comparada ao Rio de Janeiro, por exemplo. Ainda assim, é possível ver algumas

344
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políticas culturais
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semelhanças nos discursos dos governos – não só do MinC e da FAN, mas também de outros
estados e cidades – quanto ao desejo, mesmo que às vezes não realizado, de expandir as políticas
culturais para chegar em territórios periféricos, e quanto às ferramentas através da qual essa po-
lítica se dará - edital ou chamada pública. Poderíamos dizer que essa questão de descentralizar
as políticas culturais tem sido uma preocupação atual de diversos governos e isso tem sido feito
tanto através da expansão territorial das manifestações artístico-culturais quanto da afirmação
territorial das manifestações artístico-culturais.
Porém, muito relevante, é o fato de que, através desses casos – tanto do Caminho Nie-
meyer, como dos programas – o que se entende de território nas esferas federal e municipal, é o
seu sentido rígido, previsto nos mapas físicos, nos limites e nas fronteiras. Ainda não se pensa
em territorialidades, em territórios a partir das narrativas, das trocas e dos encontros, território
como ponto essencial na formação cultural de um grupo. Talvez esse entendimento de território
dentro das políticas culturais seja a chave para tomarmos essa relação com as instituições para
nós, fazendo desaparecer, ou diminuir, o abismo que ainda vemos entre nós, população, e as
políticas públicas, principalmente cultural e urbana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Ana Rodrigues Cavalcanti. O conceito de hegemonia: de Gramsci a Laclau e Mouffe. Lua
Nova, São Paulo, v. 80, 2010, p. 71-96.
ARANTES, Otília. A estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas. IN: ARANTES, Otília [et al.].
A cidade do pensamento único: Desmanchando Consensos. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p. 11-74.
BARBALHO, Alexandre. Política Cultura. IN: RUBIM, Linda (org.) [et al.]. Organização e produção da
cultura. Salvador: EDUFBA; FACOM/CULT, 2005, p. 33-52.
BHABHA, Homi. Introdução: os locais da cultura e Capítulo 1. O compromisso com a teoria. IN: O local
da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
CERTEAU, Michel de. Conclusão. IN: A cultura no plural. 7 ed. São Paulo: Papirus, 2012, p. 233-253.
DOMINGUES, João Luiz Pereira.Programa Cultura Viva: Políticas Culturais para a emancipação das
classes populares. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana), Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
HAESBAERT, Rogério; LIMONAD, Ester. O território em tempos de globalização. Etc... Revista
Eletrônica de Ciências Sociais Aplicadas, Niterói, nº 2 (4), v. 1, agosto de 2007, p. 39-52.
HARVEY, David. A arte da renda: a globalização e transformação da cultura em commodities. IN: A
produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2006, p. 219-239.
JACQUES, Paola Berentein. Espetacularização Urbana Contemporânea. Cadernos PPG-AU/FAUFBA,
Salvador, 2004, p. 23-29.

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LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. 1 ed. 3ª reimpressão. Belo Horizonte: UFMG, 1999.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Disponível em http://www.cultura.gov.br/culturaviva/culturaviva/
aprensentacao Acesso em 10 de jan. de 2016.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Disponível em http://www.cultura.gov.br/culturaviva/culturaviva/
objetivos-e-publico Acesso em 10 de jan. de 2016.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Disponível em http://www.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de-cultura/
apresentacao Acesso em 10 de jan. de 2016.
SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA E FUNDAÇÃO DE ARTE DE NITERÓI. Disponível em
http://www.culturaniteroi.com.br/blog/?id=159 Acesso em 10 de jan. de 2016.
SANCHEZ, Fernanda. Cidade Espetáculo: Política, Planejamento e City Marketing. 1. ed. Curitiba:
Editora Palavra, 1997.
TURINO, Célio. Ponto de Cultura: O Brasil de baixo para cima. 1 ed. São Paulo: Anita Garibaldi, 2009.
VAINER, Carlos. Pátria, empresa e mercadoria: Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento
Estratégico Urbano. IN: ARANTES, Otília [et al.]. A cidade do pensamento único: Desmanchando
Consensos. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p. 75-103.

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POLÍTICAS CULTURAIS E AUDIOVISUAL:


A EXPERIÊNCIA DE REALIZAR UM FILME VIA FUNDO DE CULTURA
DO ESTADO DA BAHIA
Calila das Mercês Oliveira1
Raquel Machado Galvão2

RESUMO: O presente artigo reflete sobre as nuances das políticas culturais na prática pelo
prisma híbrido do territorial e do audiovisual. A partir da lei 9.431/2005, de criação do Fundo
de Cultura da Bahia é possível para os agentes públicos financiar e viabilizar a realização de
projetos culturais. Foi através do edital Territórios Culturais (2014) da Secretaria de Cultura
da Bahia (Secult/BA) que a proposta do filme Antônio, o menino que queria ser Castro Alves
foi aprovada e executada. Anexo à dissertação de Calila das Mercês, o filme de animação e
documentário apresenta recortes da vida e obra do escritor baiano Antônio Torres e imortal da
Academia Brasileira de Letras (ABL). Apresentamos o processo de produção do filme, assim
como desafios encontrados na cadeia produtiva audiovisual, sem perder de vista os diálogos e
dinâmicas envolvidos nas tramas da Secult/BA com agentes e produtores culturais do estado.

PALAVRAS-CHAVE: Antônio Torres, Audiovisual, Bahia, Fundo de Cultura, Territórios


Culturais.

1. PRIMEIROS DIÁLOGOS
As relações entre instituição Estado (poder público) e artistas podem ser variáveis a con-
siderar fatores como período (época), espaço (lugar), natureza da arte, formação, visão política,
local de fala do agente, etc. Na história recente da arte ocidental, desde as dinâmicas estabelecidas
pelo mecenato renascentista na Itália, que fez escola nos séculos subsequentes - XX e XXI - até os
registros da escritora Virginia Woolf em Um teto todo seu (1928), quando indicou que para uma

1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Literatura na Universidade de Brasília (UnB), mestre em Litera-
tura e Diversidade Cultural/Estudos Literários pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), MBA em
Comunicação Corporativa pela Universidade Salvador (Unifacs) e bacharel em Comunicação Social/Jornalismo
pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail: caliladasmerces@gmail.com
2
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária na Universidade de Campinas (Uni-
camp), mestre em Literatura e Diversidade Cultural/Estudos Literários pela Universidade Estadual de Feira de
Santana (Uefs), especialista em Gestão Pública pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e bacharel em Comu-
nicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). E-mail: raquelgcultura@gmail.com

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mulher escrever ela teria que ser independente financeiramente, estamos acompanhando críticas,
indicações e/ou diagnósticos expostos sobre o fazer arte e suas dinâmicas.
Contudo, antes de tratarmos especificamente da realização do filme Antônio, o menino
que queria ser Castro Alves, propomos inicialmente algumas reflexões no que tange as relações
estabelecidas entre os artistas e produtores culturais brasileiro e o estado. É muito recorrente a
alguns artistas a não compreensão da arte como produto e a alguns gestores do estado o inverso.
Estamos, então, diante de uma busca que possa harmonizar as relações recentes estabelecidas
entre os dois agentes culturais. Como o artista e o estado podem trabalhar juntos sem que haja
uma relação que se assemelhe a uma prestação de serviços do artista-proponente para o estado?
Como o artista e o estado poderiam ser duplamente interessados no financiamento da realização
da obra de arte e duplamente interessados em compreender os processos criativos no que tange
a execução da proposta?
Diante das leis, regimentos, atuações e funções, cabe-nos refletir qual o papel ideal do es-
tado e as dinâmicas que podem ser estabelecidas diante da parceria com o produtor-criador e qual
o tipo de postura caberia ao artista financiado pelo estado diante do seu processo criativo que no
seu âmago deveria ser autônomo.
Nosso lugar de fala é o estado da Bahia do ano de 2013 até 2015. E o encontro de onde
culminou a ideia inicial do filme foi no Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade
Cultural na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Ambas jornalistas, vindas de
trajetórias similares na área de produção cultural e comunicação, achávamos que o nosso tempo
de pesquisa acadêmica poderia ser potencializado através de ações e realizações culturais.
A partir do grupo de pesquisa Descaminhos do Viandante: Espaço Nacional, Fronteiras
e Deslocamentos na Obra de Antônio Torres3 teve início o projeto de dissertação de autoria
de Calila das Mercês: Antônio, o menino que queria ser Castro Alves: a escrita de si e outros
diálogos em Antônio Torres. E nas nossas trocas acadêmicas nos intrigava o fato de Antônio
Torres ser um escritor da Bahia, premiado internacionalmente, cujos livros foram traduzidos
para países como Cuba, Argentina, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Israel,
Holanda, Espanha, Portugal, Bulgária e Vietnã, etc. e tendo nascido na pequena cidade de Sátiro
Dias, no semiárido da Bahia, ser pouco conhecido fora do circuito acadêmico. A ideia de realizar
um filme, uma construção artística como a tratamos, foi impulsionada pela ausência de informa-
ções e a necessidade de democratização do acesso à informação para a população da Bahia não
necessariamente letrada.

Grupo de pesquisa vinculado a Universidade Estadual de Feira de Santana sob coordenação do Professor Dr.
3

Roberto Henrique Seidel.

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Assumimos a produção executiva do filme e tendo a Secretaria de Cultura do Estado da


Bahia, sob gestão do então Secretário Antônio Albino Canelas Rubim4, aberto em dezembro de
2012 e janeiro de 2013 o edital n. 08/2013 - Territórios Culturais - junto com outros 19 editais,
resolvemos adaptar o filme para a proposta da secretaria de cultura que previa firmar parceria
com 27 projetos de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e 04 projetos de ate R$ 95.000,00
(noventa e cinco mil reais). Sendo, até então, a terceira e a última edição do edital Territórios
Culturais na Bahia (2008 / 2012 e 2013), foram inscritas na edição 112 propostas por pessoas
físicas e jurídicas residentes na Bahia.

2. TERRITORIALIZAÇÃO DA CULTURA
Um pouco antes de se falar em política de territorialização na Bahia foi sancionada a lei
9.431/2005, de criação do Fundo de Cultura do Estado da Bahia (FCBA). Seu artigo primeiro a
apresenta o fundo e seu objetivo de “incentivar e estimular a produção artístico-cultural baiana,
custeando total ou parcialmente projetos estritamente culturais de iniciativa de pessoas físicas ou
jurídicas de direito público ou privado.” (online, 2005, p.1). Entre as suas finalidades destacam-se:
I - apoiar as manifestações culturais, com base no pluralismo e na di-
versidade de expressão; II - promover o livre acesso da população aos
bens, espaços, atividades e serviços culturais; III - estimular o desenvol-
vimento cultural do Estado em todas as suas regiões, de maneira equi-
librada, considerando o planejamento e a qualidade das ações culturais;
IV - apoiar ações de manutenção, conservação, ampliação e recuperação
do patrimônio cultural material e imaterial do Estado; V - incentivar a
pesquisa e a divulgação do conhecimento sobre cultura e linguagens
artísticas; VI - incentivar o aperfeiçoamento de artistas e técnicos das
diversas áreas de expressão da cultura; VII - promover o intercâmbio e
a circulação de bens e atividades culturais com outros Estados e Países,
difundindo a cultura baiana; VIII - valorizar os modos de fazer, criar e
viver dos diferentes grupos formadores da sociedade. (online, 2005, p.1)
E durante a seu percurso foram muito recorrentes críticas ao Fundo de Cultura justifi-
cadas pelo apoio via editais públicos de projetos que majoritariamente tinham como local de
execução a cidade de Salvador/BA. As outras cidades não ficavam completamente incluídas
nesse processo de acesso aos recursos originários do FCBA. A partir do Governo Jaques Wagner
na Bahia (2007), sob gestão do Secretário de Cultura Márcio Meireles5, foi dado um novo tom
à dinâmica do fortalecimento de diálogo com artistas e produtores culturais, potencializando
inclusive aqueles que não residiam na capital da Bahia. Os territórios de identidade, então, pas-
saram a ser balizadores dessa política.

4
Professor titular da Universidade Federal da Bahia - docente do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade.
5
Ator. Reconhecido por ser um dos criadores do teatro Vila Velha (Salvador) e do bando de teatro Olodum.

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Na publicação Território e Identidade (2013), de Mireya E. Valencia Perafán e Humberto


Oliveira, é sistematizada essa questão de realização de políticas que além de geográfica desem-
boca no simbólico:
Desde 2007, o Governo da Bahia trabalha com a abordagem territorial
e busca “identificar prioridades temáticas de nidas a partir da realidade
local, possibilitando o desenvolvimento equilibrado e sustentável entre
as regiões”. Na Bahia existem, atualmente, 27 Territórios de Identidade,
constituídos a partir da especifidade de cada região. Com base numa
consulta popular as comunidades, a partir de seu sentimento de perten-
cimento e representações sociais, identificaram tais territórios, que são
unidades de planejamento das políticas públicas do Estado. (PERAFÁN
& OLIVEIRA, 2013, p. 17)
O edital Territórios Culturais, cuja primeira edição aconteceu em 2008, chega para ra-
tificar essa visão institucional de região cultural. A própria Lei Orgânica de Cultura da Bahia
(12.365/2011) reafirma esta questão ao colocar como um dos seus princípios orientadores a
“territorialização de ações e investimentos culturais” (online, 2011, p. 2).
O edital Territórios Culturais, somado a outras ações como Conferências Territoriais
de Cultura, Encontros de Dirigentes de Cultura e contratação de Representantes Territoriais de
Cultura, etc. capilarizou através de um único edital a distribuição de recursos que deixava lacuna
nos outros editais setoriais por área artística e de formação6.
A nossa decisão de inscrição no projeto no Territórios Culturais se deu justamente por
acreditarmos em construções na Bahia que vão além do eixo da capital. O edital encaixava-se
nos nosso ideais porque tanto nós enquanto produtoras e os demais agentes envolvidos no pro-
jeto estavam falando de cidades fora do eixo Salvador e região Metropolitana. Conceição do
Jacuípe, Feira de Santana, Teixeira de Freitas, Cachoeira e Vitória da Conquista: éramos vozes
vindas diferentes lugares buscando fazer arte e cinema, tarefas universais e inerentes àqueles
que as buscam.

3. PRODUÇÃO E CRIAÇÃO: O PROCESSO


A elaboração de projetos culturais prevê alguns modelos que deverão ser seguidos para a
realização da parceria com o Estado. Alguns guias e cartilhas servem de baliza para esse encaixe
das ideias. A nossa opção inscrever o projeto no edital Territórios Culturais se deu, como já foi
relatado, pela abrangência da possibilidade de atuação do projeto. Evidentemente quem vai pro-

6
Editais lançados pela Secult/BA de dezembro de 2013 a janeiro de 2014: Audiovisual, Artes Visuais, Circo, Cul-
turas Digitais, Culturas Populares, Culturas Identitárias, Dança, Economia Criativa, Formação e Qualificação em
Cultura, Literatura, Museus, Música, Projetos Estratégicos em Cultura, Patrimônio Cultural, Arquitetura e Urbanis-
mo, Publicação de Livros por Editoras Baianas, Teatro, Territórios Culturais, Restauro e Digitalização de Arquivos,
Dinamização de Espaços Culturais, Apoio a Grupos e Coletivos Culturais, Demanda Espontânea, Apoio a Ações
Continuadas de Instituições Culturais, Eventos Calendarizados e Mobilidade Artístico Cultural.

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duzir o projeto tem que se familiarizar ou estar familiarizado com os termos que são utilizados
na elaboração da proposta. Tarefa que ao nosso ver pode ser melhor executada por aqueles que
já tem uma iniciação universitária, da área de produção cultural e/ou gestão pública.
A inscrição do projeto se deu via Sistema de Informação e Indicadores Culturais (SIIC),
o Clique Fomento, sendo:
O Sistema de Informações e Indicadores em Cultura – SIIC é um apli-
cativo de acesso público gratuito, concebido e mantido pelo Governo do
Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura, conforme artigo 23
da Lei Estadual Nº 12.365 de 30 de novembro de 2011 – Lei Orgânica
da Cultura - que dispõe sobre a Política Estadual de Cultura e institui o
Sistema Estadual de Cultura.
O SIIC é composto dos seguintes módulos:
1. Cadastro Cultural
Registro e divulgação de espaços, bens culturais, instituições e pessoas,
serviços e produtos relacionados com a cultura baiana.
2. Pesquisas e Indicadores Culturais
Montagem e registro de pesquisas diretas ou coletadas em campo rela-
cionadas à economia da cultura, culturas populares, linguagens artísti-
cas e a elementos do Cadastro Cultural.
3. Fomento à Cultura – Disponível Fundo de Cultura da Bahia em pri-
meira versão
Divulgação de mecanismos e formas de apoio financeiro a ações cultu-
rais, inscrição e acompanhamento de propostas de pessoas físicas e jurí-
dicas domiciliadas na Bahia e gerenciamento do processo de concessão
de apoio e prestação de contas. (Online, 2016)
O SIIC para a sua função de inscrição demonstrou ser um sistema bastante eficaz - a
considerar o nosso local de fala: produtoras-jornalistas, com experiência anterior, familiaridade
com a utilização de plataformas, mestrandas. No formulário obrigatório delimitamos o título do
projeto, o segmento, outros segmentos, a natureza do projeto, a natureza secundária, fizemos um
resumo, uma descrição detalhada, definimos os objetivos, a justificativa, delimitamos as metas,
as informações sobre público alvo, fizemos um roteiro de execução com cronograma, plano
de distribuição, inserimos os profissionais da ficha técnica e delimitamos o orçamento final no
valor de R$ 68.330,00 (sessenta e oito mil e trezentos e trinta reais). Em resumo, o projeto foi
dessa forma delimitado:
Antônio, o menino que queria ser Castro Alves é uma produção de cur-
ta-metragem no formato documentário que retratará fragmentos da vida
do escritor baiano Antônio Torres, imerso a sonhos e limitações no inte-
rior da Bahia na década de 1950, em contraste com sua recente eleição
à Academia Brasileira de Letras. O projeto prevê circulação do curta no

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Litoral Norte/Agreste Baiano, nas cidades que têm os menores IDH do


Território (IBGE 2000-2010). (2014, autoria própria).
Levamos praticamente vinte dias do mês de janeiro de 2014 elaborando o projeto que foi
enviado pela proponente Calila das Mercês Oliveira (também diretora, produtora e roteirista do
filme) ao sistema no dia 21/01/2014. Considerando os segmentos do projeto (cinema, audiovi-
sual e literatura) e as naturezas envolvidas (distribuição, criação, produção, pesquisa, memória
e formação) e a sua abrangência o valor de 68.330,00 reais para uma produção de 30 minutos
que é considerada de baixo orçamento. Para se ser uma ideia, em 2013, em no Edital de Apoio a
Curta-Metragem realizado pela Secretaria de Audiovisual (Sav) ligada o Ministério da Cultura
(MinC) o valor total de produção de um curta-metragem de 5 até no máximo 15 minutos foi de
R$ 90.000,00 (noventa mil reais).
Tendo cumprido todas as normas delimitadas pela Secult/BA, dentro dos prazos delimita-
dos, a proposta foi dada como inscrita no dia 17/02/2014 e como aprovada no dia 09/04/2014, três
meses após a realização da inscrição. O primeiro ajuste na proposta (de cronograma) foi solicitado
e realizado no dia 25/05/2014 e aprovado no dia 02/06/2014. O Termo de Acordo e Compromisso
(TAC) com a Secretaria de Cultura, sob tutela do então secretário Albino Rubim, foi assinado no
dia 22/07/2014 e publicado em Diário Oficial.
Um segundo ajuste (de cronograma) foi solicitado e realizado no dia 29/10/2014 e até
então, aproximadamente dez meses depois da inscrição da proposta, não havíamos recebido
a primeira parcela do recurso. Foi no dia 12/12/2014 que a primeira parcela no valor de R$
47.831,00 foi repassada para a proponente. Por conta desse primeiro atraso no repasse, também
recorrente na segunda parcela, tivemos que adiar a execução do projeto em mais de seis meses o
que resultou na necessidade de novos diálogos na equipe e na necessidade de revisão das metas
e das suas datas.
O processo de produção, não dissociado do criativo, aconteceu de janeiro a setembro de
2015, que previa a pré-produção e a produção, e a circulação do filme foi realizada em outubro
de 2015. Durante o processo de execução do projeto fomos acompanhados pelos funcionários da
Coordenação do Edital Territórios Culturais – Diretoria de Territorialização da Cultura.
Envolvendo mais de 20 funções na produção do filme, profissionais vindos da Universi-
dade do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Estadual de Vitória de Conquista (UESB),
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), e demais autodidatas, realizaram o projeto
em sua completude sob a direção e roteiro de Calila das Mercês. A história, inclusive, partiu de
uma de suas crônicas. Atuando também como produtora do curta, houve uma confluência com o
que Walter Benjamin tratou no texto O autor como produtor, de ser um modelo de levar outros
produtores à produção:

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Assim, é decisivo que a produção tenha um carácter de modelo, capaz


de, em primeiro lugar, levar outros produtores à produção e, em segundo
lugar, pôr à sua disposição um aparelho melhorado. E esse aparelho é
tanto melhor quanto mais consumidores levar à produção, numa pala-
vra, quanto melhor for capaz de transformar os leitores ou espectadores
em colaboradores. (BENJAMIN, 1996, p. 132)
Colaboração foi uma palavra fundamental nesse processo. Apesar dos desafios encontra-
dos durante o processo de realização do filme, a equipe envolvida empenhou-se em produzi-lo
de forma íntegra e completa, assim como circulação e a distribuição inicialmente proposta no
projeto. Embora tenhamos nos agendado para realizar a proposta, em sua maior parte, durante
o ano de 2014, foi preciso rever a agenda por conta da liberação do recurso e de outras questões
que foram surgindo.
O trabalho artístico teve um resultado muito positivo, por se tratar de uma ação inédita
que foi realizada no território Litoral Norte/Agreste Baiano​com o intuito de tornar acessível e
pública a vasta obra de Antônio Torres, que ganhou mais visibilidade nos noticiários nacionais
em 2013, mas que é pouco conhecido ainda em s​eu estado natal, a Bahia. O escritor, hoje com
75 anos, pode contar com esse curta como um anexo à sua grande e memorável história de vida,
para que os jovens e crianças possam se inspirar e saber que é possível correr atrás e conquistar
os seus sonhos de infância.
As projeções planejadas pelo projeto atingiram um público de aproximadamente 1000
pessoas, em sua maioria de comunidades de baixa renda. Foram feitas articulações com os muni-
cípios e o projeto foi amplamente divulgado em sua circulação. O projeto também previu a rea-
lização de 200 cópias do filme que estão sendo distribuídos para cineclubes do território, univer-
sidades, escolas públicas e pontos de cultura, importantes meios de difusão da cultura e da arte.

4. CIRCULAÇÃO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


A maior satisfação em realizar um trabalho como este é a não finitude, o filme não ter-
mina com a entrega dos DVD’s e as sessões. Existem alguns desdobramentos que consistem na
formação de leitores, de apreciadores de filmes locais​e um estímulo às pessoas, principalmente
aos jovens de baixa renda, que persistam em busca dos seus sonhos e também possa​m​ver a arte
como um alicerce para a vida.
O filme sobre Antônio Torres é um trabalho que mescla além da história de um menino
que se torna homem e escritor, ​também faz um recorte da memória de um povo. É através deste
menino de um vilarejo, o Junco, que abordamos símbolos de uma Bahia muitas vezes esquecida
ou apagada do circuito da “baianidade”.
Ao participar das sessões vimos jovens e adultos acenarem com a cabeça ao ouvirem ​as
histórias contadas pelos entrevistados, vimos pessoas saírem das sessões emocionadas. Elas nos

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agradeciam por ter​mos​ ido até ​elas, por ter​mos​ encarado as estradas que distanciam as​ outras​
pessoas desta Bahia​ até então não conhecida por nós que produzimos o filme​. Elas nos inspi-
raram e com certeza, são estas pessoas que ficarão nas nossas memórias como facilitadoras de
uma atividade, muitas vezes incompreendida, chamada arte.

5. PRESTAÇÃO DE CONTAS: EM BUSCA DE UMA RELAÇÃO IDEAL


Alicerçados no Decreto N. 14.845 de 28 de novembro de 2013 que redefiniu o Regula-
mento do Fundo de Cultura da Bahia, que no seu Capítulo VIII apresenta a obrigatoriedade da
apresentação da prestação de contas final de projeto cultural, apresentamos em janeiro de 2016
o que nos foi exigido pela execução do edital Territórios Culturais 2014.
Entre a documentação obrigatória, um ofício de encaminhamento, o formulário de pres-
tação de contas (disponibilizado em excel), extrato bancário (mês a mês das movimentações),
relatório de atividades, documentos comprobatório das despesas (notas fiscais e recibos), ma-
terial de divulgação, cópia do termo de acordo e compromisso (TAC e prorrogação), cópia do
orçamento aprovado, 20% das cópias do produto do projeto (40 DVDs) e enceramento da conta
do projeto.
Ao contrário do processo de inscrição do projeto cultural, todo o material da prestação
de contas foi impresso e entregue. Acreditamos que a prestação de contas seja necessária por
ser tratar de uma parceria com o público, contudo mesmo sendo um projeto de baixo orçamento
ele prevê um nível de profissionalização muito alto. O formato de prêmio, a exemplo de alguns
realizados pela Fundação das Artes (Funarte) e da Biblioteca Nacional é uma opção que poderia
ser considerada em produção dessa natureza. O ideal também para nós que produzimos o filme
é que todo o processo, incluindo a prestação de contas, pudessem ser concluídos na internet.
A Secretaria de Cultura do Estado da Bahia oferece para todos os proponentes com
projetos aprovados a possibilidade de realizar um curso de prestação de contas, que acontece
em Salvador, sendo, em alguns momentos, multiplicados em salas de videoconferências em 32
cidades da Bahia, o que podemos considerar uma ação de formação positiva.
O nosso propósito ao realizar o presente artigo é formalizar algumas discussões em tor-
no dos formatos que estão pré-estabelecidos e evidenciar as tradições e contradições existentes
diante da realização de um processo, neste caso um filme. Acreditamos na arte como processo,
e para o artista-produtor lidar com cronogramas, notas e demais trâmites burocráticos torna-se
um desafio muito maior do que o que foi inicialmente pensado, ainda mais quando é preciso
rever o tempo.
Sendo o governo interessado em agregar a sua marca nas realizações artísticas é inte-
ressante pensar para os tempos vindouros uma revisão das leis e dinâmicas que envolvem a
execução de projetos apoiados. Durante o processo de realização do filme, apesar da concorrên-

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cia, percebemos que a aprovação do projeto configura-se como a etapa inicial. A execução em
si, com seus prazos, metas e produtos, e adaptar-se aos imprevistos de mudanças de datas para
receber o recurso da parceria aparece como o desafio maior.
Foi necessário durante a execução do projeto viabilizar parcerias que contemplassem o
que por questão de tempo e burocracia não foi possível realizar via remanejamento de recursos.
No projeto, entre rendimentos e recursos, devolvemos cerca de 5% do que foi aprovado para o
Fundo de Cultura porque em alguns momentos a produção achou mais viável realizar parcerias
do que entrar com pedido de troca, ainda mais diante dos atrasos de execução em relação ao
cronograma inicial e de imprevistos comuns que acontecem durante uma produção.
Precisamos pensar políticas públicas para a cultura que contemplem ideias junto com os
produtos. Ficamos muito satisfeitas com o significado e a abrangência do projeto que vem nos
abrindo como pessoas e profissionais da cultura, mas nos vemos no papel de questionar também
o status quo que vem sendo mantido há anos na dinâmica dos agentes públicos e privados.
Nos vemos agora familiarizadas com as dinâmicas e buscando formas que sejam menos
desgastantes para os artistas envolvidos na realização de um projeto cultural. No que abarca a
criação e o seu processo, pensamos no estado enquanto colaborador, muito além do fiscalizador.
Ficamos pensando nos lugares de fala daqueles que se diferem de nós. Indígenas, vozes
das comunidades chamadas tradicionais. Como eles encarariam os desafios pelos quais passa-
mos? Como podemos (re)pensar a arte na sociedade de consumo na qual estamos inseridos?
Existem possibilidades? Qual é mesmo o nosso papel enquanto artistas e o do estado enquanto
um dos principais agentes de gestão social?
Conseguimos transformar verdadeiras realidades sociais com o nosso projeto. Dialogar
com pessoas de uma Bahia desconhecida por nós. Amplificar um nome da literatura em um terri-
tório híbrido que é o cinema. Lidar com arte é uma tarefa diferenciada que modifica e questiona
as dinâmicas de opressão vigentes. Compartilhar tudo isso com as pessoas. Agora e avante, pelo
que virá, como é possível para os autores-produtores poder mais?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996.
MERCÊS, Calila das. Antônio, o menino que queria ser Castro Alves. Produção de Calila das Mercês e
Raquel Galvão. Direção de Calila das Mercês e Patrícia Moreira. Conceição do Jacuípe/BA. Digital. 30
min. Color, 2015.
Edital Territórios Culturais. Edição 08.2013. Disponível em: <https://territoriosculturaisbahia.files.
wordpress.com/2014/05/edital-territorios.pdf>. Acesso em 20 de janeiro de 2016.

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Lei Nº 12365 de novembro de 2011. Disponível em: <http://www.cultura.ba.gov.br/arquivos/File/


Lei12365de30112011LeiOrganicadaCultura.pdf>. Acesso em 15 de dezembro de 2015.
PERÁFAN, Mireya E. Valencia. OLIVEIRA, Humberto. Territórios e Identidade. Disponível em:
<https://territoriosculturaisbahia.files.wordpress.com/2014/04/cartilhas_secult_set13_territc3b3rio-e-
identidade.pdf>. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
Lei Nº 9.431 de 11 de fevereiro de 2015. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/documents/10907/9637
83/1382041683515LEI_N9431_com_alteracoes-ba.pdf/4385fbd0-ff7d-443a-a9c1-5e73501d8303>.
Acesso em 14 de dezembro de 2015.
Sistema de Informações e Indicadores em Cultura – SIIC. Disponível em: <http://siic.cultura.ba.gov.
br/o-que-e-siic>. Acesso em 14 de dezembro de 2015.
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Tradução: Vera Ribeiro. São Paulo: Circulo do Livro, 1990.

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BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS NA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS


DO LIVRO, LEITURA E BIBLIOTECA
Camila Rodrigues Leite1

RESUMO: Estudo exploratório, de abordagem qualitativa acerca da atuação das bibliotecas


comunitárias na incidência em políticas públicas culturais, especificamente na área do livro, leitura,
literatura e biblioteca. Apontamentos a partir de pesquisa empírica com bibliotecas comunitárias,
investigando as maneiras como foram se constituindo sujeitos políticos na esfera pública.

PALAVRAS-CHAVE: bibliotecas comunitárias, política pública do livro, leitura e biblioteca

1. INTRODUÇÃO
Nos últimos dez anos têm crescido muito o número de pesquisas sobre as políticas pú-
blicas do livro, leitura, literatura e biblioteca no Brasil. As pesquisas acompanham os grandes
avanços na própria consolidação de políticas públicas nacionais, regionais e municipais nesta
área. No rol dos avanços, destacam-se, por exemplo, a aprovação do Plano Nacional do Livro
e Leitura (PNLL) em 20062; dos Planos Estaduais do Mato Grosso do Sul (2010), de Tocan-
tins (2012) e do Distrito Federal (2012), do Rio Grande do Norte (2013), da Bahia (2014) e do
Paraná (2015) e dos Planos Municipais de Canoas (2012), de Joinville (2012), de Porto Alegre
(2013), Nova Iguaçu (2014), Salvador (2014) e São Paulo (2015). Além de outros estados e
municípios que já iniciaram seus processos de construção dos Planos, como por exemplo, os
estados do Rio de Janeiro e a cidade de Belo Horizonte.
Importante observar que o PNLL destaca em suas diretrizes:
o papel que à biblioteca e à formação de mediadores assumem no de-
senvolvimento social e da cidadania e nas transformações necessárias da
sociedade para a construção de um projeto de nação com uma organi-
zação social mais justa. Elas têm por base a necessidade de formar uma
sociedade lei­tora como condição essencial e decisiva para promover a
inclusão social de milhões de bra­sileiros no que diz respeito a bens, ser-

1
Mestre em Educação pela PUC-Rio, Assessora Pedagógica do Programa Prazer em Ler do Instituto C&A.
email:camilarleite@gmail.com
2
PNLL, 2006. Acessado em 15/01/2015:http://www.cultura.gov.br/pnll

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viços e cultura, garantindo-lhes uma vida digna e a es­truturação de um


país economicamente viável. (PNLL, 2006)
Neste sentido, torna-se imprescindível que os sujeitos que atuam diretamente nas biblio-
tecas como mediadores de leitura, formando leitores, ajam de modo direto e efetivo na constru-
ção das políticas públicas do livro, leitura, literatura e biblioteca.
Destes planos aprovados, listados acima, merece ressalva os que foram construídos em
parceria com a sociedade civil, envolvendo mediadores de leitura, como o próprio PNLL indica
que deve ser feito. Assim, destaco aqui os Planos Municipais de Porto Alegre, de Salvador, de
Nova Iguaçu (R|J) e de São Paulo, nos quais pude verificar in loco que contaram com a real
participação da sociedade civil em articulação com os governos locais.
Encontramos artigos científicos, dissertações e teses sobre a criação e implementação de
tais políticas. São exemplares a participação da sociedade civil e do setor privado em programas
e projetos com metas e objetivos definidos, com vistas a realização de ações de promoção e fo-
mento à leitura que vão de encontro a construção dos planos.
No entanto, existe um ator importante nesse processo que ainda não se tornou visível: as
bibliotecas comunitárias.
Por conta disso, o foco escolhido para este trabalho diz respeito à participação das biblio-
tecas comunitárias e, em especial dos mediadores de leitura destas bibliotecas, na construção de
tais políticas.
O termo biblioteca comunitária pode ser definido como: um projeto so-
cial que tem por objetivo, estabelecer-se como uma entidade autônoma,
sem vínculo direto com instituições governamentais, articuladas com as
instâncias públicas e privadas locais, lideradas por um grupo organizado
de pessoas, com o objetivo comum de ampliar o acesso da comunidade
à informação, à leitura e ao livro, com vistas a sua emancipação social.
(Machado, 2009:91)
Contudo, ainda são poucas as pesquisas que tratam do papel das bibliotecas comunitá-
rias na construção de políticas públicas do livro, leitura, literatura e biblioteca no Brasil. Diz a
mesma autora citada acima que:
Os ambientes que convencionamos chamar de ‘bibliotecas comunitá-
rias’ são ainda pouco estudados na universidade, em que pese sua rele-
vância no panorama sociocultural de nosso país. A expressão ‘biblioteca
comunitária’ já é, por si só, uma questão a ser discutida, pois lida com
um conceito – o conceito de comunidade – que sofreu grandes transfor-
mações a partir dos anos 90 (Machado, 2006: 38).
Afinal, por que não encontramos artigos científicos sobre o papel das bibliotecas comu-
nitárias nas políticas públicas do livro, leitura e biblioteca? Como se daria a participação dos
próprios sujeitos que integram as bibliotecas comunitárias na produção de conhecimento sobre
suas práticas?

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Este trabalho foi elaborado a partir desta percepção: ausência ou pouca aparição das bi-
bliotecas comunitárias. Como tenho acompanhado de perto a atuação de algumas delas julguei
por hora minha tarefa escrevê-lo.
A experiência de assessoria a um programa nacional de incentivo à leitura tem me opor-
tunizado acompanhar, durante os últimos cinco anos, a consolidação de polos de leitura/redes,
compostos por cinco ou mais bibliotecas comunitárias, em oito cidades brasileiras: Rio de Janeiro
e Nova Iguaçu (RJ), São Paulo (SP), Belo Horizonte e Betim (MG), Recife e Olinda (PE), Sal-
vador (BA). A partir dessa inserção, proponho essa pesquisa empírica com vistas a realizar um
estudo exploratório, de abordagem qualitativa acerca da atuação das bibliotecas comunitárias na
incidência em políticas públicas culturais, especificamente na área do livro, leitura, literatura e
biblioteca. Utilizarei como fontes da pesquisa os dados recolhidos no trabalho de campo.
Interessa interrogar fundamentalmente: 1) sobre o perfil destas bibliotecas comunitárias
e de seus integrantes; 2) os modos como os polos de leitura foram se caracterizando como co-
letivos culturais; 3) as maneiras como as bibliotecas comunitárias, através dos mediadores de
leitura foram se constituindo sujeitos políticos na esfera pública, impactando tanto as trajetórias
singulares como a consolidação das políticas nas esferas locais.

1.1 Caracterização do campo


O programa nacional no qual tenho atuado conta atualmente com mais de setenta biblio-
tecas comunitárias espalhadas por várias regiões do Brasil. No entanto, neste artigo tratarei ape-
nas das bibliotecas com as quais tive relação direta através do trabalho de assessoria pedagógica,
desde 2011. São elas:

Polo Conexão Leitura - Rio de Janeiro (RJ)


Associação Meninas e Mulheres do Morro – Biblioteca Atelier das Palavras
Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – Biblioteca Elias José
Instituto de Estudos da Religião – ISER – Biblioteca Vinícius
SIC - AIACOM Colégio Agostiniano - Biblioteca Esquina do Livro
Polo Baixada Literária – Nova Iguaçu e São João de Meriti – RJ
Programa de Desenvolvimento de Área (Rancho Fundo)
Centro Comunitário São Sebastião CECOM – Bibliotecas Mágica e Ziraldo
Centro Comunitário de Santa Rita SARITA

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Associação Comitê Ponto Chic


Centro Cultural Nossa Casa – Biblioteca Nossa Casa
Polo Sou de Minas, uai - BH – MG
Assoc. Comunitária da Vila Presidente Vargas - Bibl Livro Aberto
Conselho de Pais Criança Feliz (Leitura ao Pé da Serra)
Centro Cristão Evangélico Educacional
Grupo de apoio à Criança e Adolesc do Cabana e Região
Instituto Cultural Aníbal Machado - Borrachalioteca (Sabará)
Polo EMredando leituras - Salvador – BA
Assoc. Benef Cultural Ugo Meregalli
Assoc. de Moradores Conj.Sta Luzia
Assoc. de Moradores Ilha Amarela Asmoilha
Assoc. Ideologia Calabar
Assoc. Sons do Bem (Bibl. Maria Rita)
Casa do Sol Pe. Luis Lintner
Sofia Centro de Estudos (Bibl Paulo Freire)
Polo Rede Releitura – Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes – PE
Assoc. Cultural - Bibl. Simon Bolivar
Assoc. Cultural - Bibl. Amigos da Leitura
Assoc. Círculo Histórias do Coque
Assoc. Instituto Peró Arte e Cidadania
Bibl Comunitaria Educ Guri
CEPOMA Centro de Educação Popular Mailde Araújo
Creche Escola IC - Lar Mei Mei
Movimento Cultural Boca do Lixo
Polo TOK Literário - Salvador – BA

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Congregação das filhas pobres São José de Calasanz (Biblioteca S José de Calasanz )
Congregação das filhas pobres São José de Calasanz (Biblioteca Novo Amanhecer)
Instituto das Irmãs Franciscanas da Imaculada (Biblioteca Tia Jana)
Instituto das Irmãs Franciscanas da Imaculada (Biblioteca Sandra Martini)
Instituto das Irmãs Franciscanas da Imaculada (Biblioteca Condor Literário)
ONG Gerarvida (Biblioteca Pe Luis Campinotti)
ONG Gerarvida (Biblioteca Alfonso Pacciani)
Polo LiteraSampa – São Paulo
Associação Maria Flos Carmeli
Centro Comunitário Casa Mateus
IBEAC Inst. Bras.Est. e Apoio Comum.Queiroz Fo
Instituto Criança Cidadã
Programa Comunitário Reconciliação
Polo Redes de Leitura - POA - RS
Associação de Moradores da Grande Santa Rosa - Bibl. Aninha Peixoto
Associação de Moradores da Vila Chocolatão (a/c Cirandar)
Biblioteca Comunitária do Cristal
Assoc. Amigos do CEPRIMA
CIRANDAR C Integ. Redes Sociais e Culturas Locais
Clube Literário Jardim Ipiranga

1.2 Sobre as bibliotecas comunitárias


Destacam-se algumas características comuns dos perfis das bibliotecas pesquisadas.
Estão localizadas em municípios do sudeste e nordeste brasileiro, em áreas urbanas de
grandes cidades, em territórios periféricos e favelizados, inseridas em comunidade de baixa
renda, na maioria das vezes marcadas pela criminalidade violenta e pela violência policial. São
comunidades populosas e adensadas, nas quais se percebe, na maioria dos casos, a ausência de
saneamento básico e de serviços públicos de qualidade como: coleta de lixo, acesso à água, es-
colas, postos de saúde, equipamentos culturais e de assistência social.

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Como não existem bibliotecas públicas dentro destas comunidades, e também por que,
na maioria dos casos, as bibliotecas escolares existentes no território não têm seus acervos bem
organizados, não emprestam livros, nem sempre dispõem de acervos de literatura de qualidade
e muitas das vezes não tem um profissional específico para dinamizá-la, as bibliotecas comuni-
tárias se tornam espaços de referência importantes nas suas localidades.
O trabalho das bibliotecas está organizado a partir de quatro grandes eixos: Espaço,
Acervo, Mediação e Gestão.
No que diz respeito aos espaços físicos, vale relatar que variam entre:
a) Casas de moradores alugadas ou cedidas para serem as bibliotecas;
b) Salas em organizações sociais, como ONGs, Igrejas, Centro Espíritas etc;
c) Garagens, galpões e lajes doadas, emprestadas ou alugadas.
Há uma distinção entre as bibliotecas que surgiram com suporte de organizações sociais
(algumas originalmente sendo “projetos” dessas entidades) e aquelas que foram criadas autono-
mamente pelos próprios moradores dos locais onde estão inseridas.
Cada um dos espaços está organizado a partir das suas peculiaridades, priorizando a cria-
ção de ambientes confortáveis, convidativos, aconchegantes, nos quais o objeto livro tem maior
destaque e cada um dos públicos se identifica com seu “canto”. Os espaços tendem a subdividir
para atender seus diferentes públicos: crianças, adolescentes e jovens e adultos. Apesar das
crianças, adolescentes e jovens serem o público prioritário da maioria delas, isso não significa
que não atendam também adultos e idosos, que com menos frequência e em menor quantidade,
também são usuários.
A maior parte do público é constituída pelas camadas populares, estudantes da rede pú-
blica de ensino, moradores das comunidades onde estão inseridas e do entorno.
Rodas de conversa sobre autores e livros, mediação de leituras, contação de histórias,
saraus com música e poesia, encontros com autores, empréstimos de livros, atividades na pra-
ça, na rua, na escola, no posto de saúde são algumas dentre as inúmeras atividades realizadas
pelas bibliotecas.
É muito importante apontar que o acervo destas bibliotecas é prioritariamente de literatu-
ra, obras literárias de qualidade para o público infantil, juvenil e adulto. Ou seja, há uma diver-
sidade literária. Os acervos estão catalogados e classificados por gêneros literários, favorecendo
o acesso e à formação dos leitores, tendo em vista principalmente a construção da autonomia
dos leitores. Destaca-se também que em todas as bibliotecas pesquisadas os acervos já estão
automatizados em programas como o Bibilivre, o Biblioteca Fácil e o Alexandria.
Com objetivo de democratizar o acesso aos livros de literatura de qualidade, à incentivar
a leitura e a formar leitores em suas comunidades, as bibliotecas tem estabelecido relação com
diversas instituições em seus territórios.

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Os processos de gestão das bibliotecas são marcados pelo compartilhamento das toma-
das de decisão e da distribuição das tarefas entre os integrantes. Buscando envolver também os
usuários das bibliotecas.
É fundamental esclarecer que muitas destas bibliotecas viviam a partir do trabalho volun-
tário, ou de projetos sociais com captação restrita de recursos. Atualmente, recebem recurso fi-
nanceiro do programa nacional ao qual me refiro, garantindo remuneração de mediador de leitura
e coordenador da biblioteca, além de recursos para espaço, acervo, comunicação e administração.

1.3 Sobre os integrantes


São considerados integrantes das bibliotecas os e as mediadores de leitura, os e as co-
ordenadores e gestores das bibliotecas. O perfil de seus integrantes é diverso. No entanto, des-
tacarei apenas algumas características comuns, importantes para o recorte da pesquisa. Majo-
ritariamente mulheres jovens e adultas, negras, mães, casadas, com baixa escolaridade, com
exceção das que completaram cursos na área de humanas, em universidades privadas, através
das políticas de ingresso ao ensino superior criadas nos últimos anos no Brasil. Existe também,
em menor número, um grupo de mediadores homens, jovens, cursando faculdade, ou recém
formados, oriundos das camadas populares, moradores das comunidades de baixa renda onde
estão localizadas as bibliotecas, esses dois grupos vivem sem carteira assinada, recebendo cerca
de 1 a 2 salários mínimos.
A maior parte dos integrantes está envolvida nas bibliotecas há pelo menos três anos,
sendo que alguns já estão há mais dez anos. Ou seja, o trabalho desenvolvido, considerando os
níveis distintos de pertencimento, de algum modo, atravessa significativamente a vida cotidiana
dessas pessoas.
Há em seus relatos tanto aqueles que se aproximaram das bibliotecas por já terem pré-
via paixão pelos livros, como aqueles que chegaram pela remuneração financeira, ou simples-
mente uma oportunidade de trabalho como outra qualquer e no processo foram criando e/ou
estreitando sua relação com os livros e com a literatura. O fato é que hoje, esses integrantes que
já estão há mais de três anos atuando nas bibliotecas anunciam que é a formação deles próprios
como leitores que se torna um dos principais ativos para continuarem mobilizados no trabalho
com as bibliotecas.
O fato da maioria dos integrantes morar na própria comunidade onde a biblioteca está
inserida favorece aspectos que merecem ser relatados: em primeiro lugar há um processo de
identificação direta entre ele e os outros moradores da comunidade, como ele também mora
lá, em si essa situação facilita que qualquer outro morador também possa ser (ou querer ser)
mediador de leitura, coordenador ou gestor da biblioteca. Em segundo lugar, este integrante
conhece a comunidade por dentro, sabe das suas características, dos seus anseios e problemáti-

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cas, o que possibilita que o trabalho da biblioteca esteja em consonância com as demandas da
própria comunidade. O integrante tem mais facilidade para se relacionar com os usuários das
bibliotecas por conhecer suas famílias, suas histórias de vida, seu local de moradia, facilitando,
por exemplo, que vá até sua casa cobrar a devolução de livro emprestado. Por fim, essa aproxi-
mação beneficia também que as atividades promovidas e desenvolvidas nas e/ou pela biblioteca
acabam se tornando parte da programação da própria comunidade.

2. COMO OS POLOS/REDES DE LEITURA FORAM SE CARACTERIZANDO


COMO COLETIVOS CULTURAIS E SUJEITOS POLÍTICOS?
A maior parte dos polos/redes de Leitura foi constituída a partir de 2009. Deste período
até o momento atual, pude acompanhar as diversas e complexas matizes do processo de se agru-
par e ir, aos poucos, se constituindo como grupo, como coletivo cultural, que reconhece seus
objetivos, que alinha princípios, que definem metas e passam a atuar juntos em prol de pautas
comuns, experienciando processos de gestão compartilhada3.
Cada polo/rede de leitura é composto por cerca de 5 a 14 bibliotecas comunitárias. A par-
tir de reflexões acerca da importância da construção de uma identidade coletiva, desde o início
criam nomes próprios, que os representam enquanto grupo. E assim, cada coletivo tem um nome
e é composto por bibliotecas que também têm seus nomes e identidades.
Cada polo/rede de leitura tem autonomia para criar suas formas de trabalhar, tendo como
base os processos democráticos de gestão compartilhada. Eles se organizam através de Grupos
de Trabalho (GTs), de Conselho Gestor, de coordenação colegiada etc. Alguns possuem carta
de princípios e regimento interno, com premissas e combinados construídos coletivamente para
auxiliar os processos de tomada de decisão e atuação colaborativa.
Neste trabalho aqui apresentado, o que merece destaque é a maneira como esses cole-
tivos foram se constituindo sujeitos políticos na esfera pública, impactando tanto as trajetórias
singulares de seus integrantes, como a consolidação das políticas nas esferas locais.
Ao ter que criar um plano de ação anual, cada um desses polos/redes, teve que reconhe-
cer o que era atividade específica de cada biblioteca e o que era atividade comum a ser desen-
volvida por todos eles juntos, como um coletivo. As atividades de organização dos espaços e
dos acervos das bibliotecas, por exemplo, apesar de serem de competência de cada biblioteca,
passaram a ser executadas de modo compartilhado e colaborativo. Presenciei alguns mutirões,
nos quais todos os integrantes daquele polo/rede iam para uma única biblioteca descartar livros,
catalogá-los no programa de computador, classificá-los, etiquetá-los e arrumá-los nas estantes.

3
Processos e procedimentos colaborativos, com ênfase no diálogo, que proporcionem, ao conjunto dos sujeitos,
equidade de participação no projeto coletivo, e a visão integrada de planejamento, monitoramento e avaliação na
promoção da aprendizagem.

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Outro exemplo importante são as atividades de mediação de leitura que passaram a não
ser desenvolvidas apenas dentro das bibliotecas, ganharam as ruas, as casas, as praças, os par-
ques. Primeiro ainda ocupando os espaços públicos das próprias comunidades e em seguida,
ocupação dos espaços públicos das cidades, como eventos organizados pelos coletivos: saraus,
concursos literários, contação de histórias, pés de livros, eventos culturais etc.
Contudo, o que é mais significativo é que de 2010 para cá esses polos/redes, que passaram
a se reconhecer como coletivos culturais, encontraram como estratégia para a sustentabilidade:
a incidência nas políticas públicas, em especial as relacionadas às áreas de cultura e educação.
Com o PNLL, que estimula a participação da sociedade civil na construção dos planos estaduais
e municipais, esses coletivos passaram a se organizar como sujeitos políticos. Em seus planos de
ação anuais passaram a aparecer atividades que iam muito além da organização dos espaços fí-
sicos e acervos das bibliotecas, assim como das atividades de mediação de leitura, as atividades
que começaram a surgir referiam-se a apropriação deles de que a leitura por ser um direito hu-
mano, deve ser encampada como luta política de garantia de direito para todos. Passamos assim,
a encontrar nos planos de ação anuais atividades como: a) Estudo e debate sobre o PNLL; b)
Estudo e debate sobre a lei orgânica municipal; c) Estudo e debate sobre os planos municipais e
estaduais de educação e cultura; d) Conversa com vereadores e deputados das comissões de edu-
cação e cultura da câmara e da assembleia legislativa; e) Conversa com secretários de educação
e cultura; f) Criação de Grupos de Trabalho para a construção dos Planos estaduais e municipais
do livro, leitura e biblioteca; g) Articulação com outros setores das cadeias produtiva, criativa e
mediadora do livro, leitura e biblioteca; h) Articulação com as bibliotecas escolares; i) Articula-
ção com as bibliotecas públicas; j) Articulação com escritores e ilustradores; l) Articulação com
livreiros, editoras e livrarias. m) Organização de audiência pública; n) Produção de seminário
sobre as políticas públicas do livro, leitura e biblioteca; o) Estudo sobre orçamento público etc.
Ou seja, as atividades ganharam perspectiva pública. Os integrantes se posicionando
como cidadãos da cidade, aprendendo a conhecer seus direitos, reconhecendo-se como autores
dos processos de construção e fortalecimento da democracia nas cidades, descobrindo que a lei-
tura é um direito humano, que todos têm direito ao livro, a leitura e a biblioteca. Que o trabalho
que desenvolvem nas comunidades é de garantia deste direito e, portanto, precisa ser reconheci-
do pelo poder público, como uma ação pública, garantindo por exemplo recursos públicos para
manutenção das próprias bibliotecas.

3. ALGUNS APONTAMENTOS
As características apontadas acima suscitam reflexões sobre o modo pelo qual se conec-
tam as trajetórias individuais dos integrantes das bibliotecas comunitárias e a composição de um
sujeito político no campo de debates sobre as políticas públicas de leitura no Brasil.

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O que define um sujeito político? O reconhecimento da capacidade de interferir na his-


tória, participando das decisões relativas à vida. Agir como sujeito político implica em uma ati-
vidade lúcida, reflexiva e deliberativa, cujo objetivo é a instituição de uma sociedade autônoma,
permitindo formar projetos coletivos para empreendimentos coletivos (Castoriadis,1992).
Uma análise ainda parcial e preliminar considera que o nível de pertencimento dos inte-
grantes, influencia no engajamento à incidência em Políticas Públicas. Que por sua vez, como
em um processo de retroalimentação, fortalece o pertencimento à causa, como mola propulsora
que anima os projetos de vida. Ou seja, as trajetórias de vida alinhadas com o entendimento e
reconhecimento das bibliotecas comunitárias como sujeitos políticos, favorecem a participação
dos integrantes em espaços como: conselhos municipais e estaduais de cultura, audiências pú-
blicas, fóruns de leitura, reuniões de articulação com parlamentares e secretários de estado, diá-
logo frequente com outros atores, tais como as universidades, os conselhos de biblioteconomia,
livreiros, editoras, fóruns de orçamento participativo, dentre outros.
As diferentes formas organizativas dos sujeitos políticos estão em linha com os dis-
tintos tempos, espaços e demandas de várias ordens. Para ilustrar essa afirmação, percebe-se
que atualmente, o campo temático da participação, por exemplo, tem se deparado com as
debilidades em torno da ideia de representação. Nesse domínio, a noção de coletivos cultu-
rais, no qual incluo o modo de organização das bibliotecas comunitárias, responde, em parte,
demandas contemporâneas:
Os coletivos culturais são atualmente uma das expressões mais eferves-
centes dos movimentos sociais contemporâneos. Tais movimentos estão
inseridos no conceito dos novos movimentos sociais (...) coletivo cultu-
ral é um movimento independente e desierarquizado, formado por um
grupo de pessoas [na maioria das vezes jovens oriundos de territórios
subalternos] unidas por interesses comuns. Além disso, uma caracte-
rística que merece destaque, pertencente a estes coletivos, é a capaci-
dade de transformação mútua, ou seja: (I) transformam e interagem no
território, proporcionando novas dinâmicas que questionam [direta ou
indiretamente] a lógica política contemporânea, colocando em eviden-
cia uma postura contra hegemônica, de transformação e ressignificação
dos diferentes espaços; e (II) ao mesmo tempo também se transformam,
pois possuem vida, são dinâmicos e abertos a inovação e ao diálogo.
Interagem e se conectam com outros atores, formam redes e circuitos
culturais, sejam elas no espaço físico ou virtual. (Marino, 2013)
A pesquisa em andamento haverá de explorar mais essa articulação direta entre os perfis
das bibliotecas comunitárias, as trajetórias individuais e o componente de participação da socie-
dade civil presente no texto do próprio plano nacional do livro, leitura e biblioteca.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL, Ministério da Cultura e Ministério da Educação. Plano Nacional do Livro e Leitura. 2006.
CALABRE, Lia. Políticas Culturais no Brasil: balanço e perspectivas. In: RUBIM, Antonio Albino
Canelas; BARBALHO, Alexandre. (orgs.) Políticas culturais no Brasil. Salvador: Edufba, 2007.
CANCLINI, Néstor García. Leitores, espectadores e internautas. São Paulo: Iluminuras, Observatório
Itau Cultural, 2008.
CASTILLÓN, Silvia. Organización de la sociedad civil por el direcho a leer y escribir. Texto apresentado
em Buenos Aires na reunión do Plano Nacional de Leitura, julho de 2007.
GOHN, Maria da Glória. O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais, ONGs e redes
solidárias. São Paulo: Cortez, 2005.
MACHADO, Elisa Campos e BARBOSA, Maria Christina de Almeida. Bibliotecas comunitárias
em pauta. Itau Cultura, 2006. Disponível em: http://novo.itaucultural.org.br/midiateca/bibliotecas-
comunitarias-em-pauta/Acesso em: 15/07/2015
MACHADO, Elisa Campos. Análise de políticas públicas para bibliotecas no Brasil. InCID: R. Ci. Inf.
e Doc., Ribeirão Preto, v. 1, n.1, p. 94-111, 2010.
MACHADO, Elisa Campos. Uma discussão acerca do conceito de biblioteca comunitária. Revista
Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Campinas, v.7, n. 1, p. 80-94, jul./dez. 2009– ISSN:
1678-765X.
MARINO, Aluísio. Coletivos Culturais na cidade de São Paulo: ação cultural como ação política.
São Paulo, 2013. Trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em gestão de projetos culturais e
organização de eventos. CELACC/ECA – USP.
MILANESI, Luís. Biblioteca. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas Culturais no Brasil: tristes tradições, enormes desafios.
In: RUBIM, Antonio Albino Canelas; e BARBALHO, Alexandre (orgs.). Políticas culturais no Brasil.
Salvador, Edufba, 2007.

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GESTÃO CULTURAL E DESAFIOS FRENTE ÀS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS


Carla Anéte Berwig1

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo abordar as mudanças tecnológicas e suas
implicações na elaboração de políticas culturais e na gestão da cultura. Mostrando que as
inovações tecnológicas e os comportamentos decorrentes desse uso modificaram a cultura, tanto
em seu modo de produção quanto em sua recepção/fruição. Para isso, focalizaremos em recursos
tecnológicos empregados no setor cultural dos museus. Ao final, faremos sugestões que visam
modificar o enfoque dado à cultura e o modo de ação no contexto digital, abandonando ideias,
conceitos e práticas voltadas ao passado.

PALAVRAS-CHAVE: cultura, tecnologia, políticas culturais, gestão cultural, competências


digitais.

1. INTRODUÇÃO
Vivemos em um tempo em que as mudanças significativas propiciadas pelas tecnolo-
gias de informação e comunicação incidem diretamente na maneira como as pessoas produzem
e usam a cultura. Os bens culturais não são mais escassos. Pelo contrário, são abundantes e
estão ao alcance da mão, com distribuição instantânea, o que, em grande medida, dispensa os
mediadores necessários outrora. É claro que não podemos nos deixar levar pela ilusão da não
mediação e pela crença na existência de uma “neutralidade técnica” na organização das infor-
mações disponíveis nesses meios. Na verdade, os mediadores foram substituídos e, por vezes,
ficam ocultos. É preciso também considerar as desigualdades socioeconômicas presentes nesse
processo, que afetam o acesso e a qualidade da informação a que as pessoas têm alcance. No
entanto, é inegável a existência de uma maior autonomia cultural do indivíduo, já que agora não
está mais sujeito ao sistema de produção e distribuição tradicional de bens culturais. E, além
disso, com poucos recursos tecnológicos, é possível também produzir cultura.

1
Graduada em Letras Português-Inglês pela Universidade Tuiuti do Paraná, especialização em Literatura Infanto-
juvenil (PUC/PR), Literatura Brasileira (UFPR), Ensino de Língua Estrangeira (UFPR), Gestão Cultural e Políticas
Culturais (Universidade de Girona e Itaú Cultural), Mestrado e Doutorado em Letras (UFPR). Gestora cultural da
Fundação Cultural de Curitiba. E-mail: caberwig@yahoo.com.br.

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O tempo para o uso ou consumo cultural também mudou, proporcionando experiências


culturais quase instantâneas aos usuários, provocando imensas mudanças na dinâmica das so-
ciedades. Todos esses aspectos não foram ainda considerados, na escala e dinâmica que o tema
exige, pelas políticas culturais e incorporados pela gestão cultural, os quais ainda estão muito
voltados a conceitos do passado.
Diante desse cenário, pretende-se neste texto fazer uma reflexão sobre a dinâmica cul-
tural contemporânea, ressaltando a importância de elegermos um conceito de cultura adequado
para guiar nossas ações.
Focalizaremos especificamente nos museus, nos quais a tecnologia provocou uma revo-
lução, alterando o modo como as pessoas veem e se relacionam com essas instituições.
Ilustraremos o texto com exemplos de instituições que têm conseguido operar mudanças
em seu modo de gestão, levando em conta as mudanças tecnológicas e o modo como as pessoas
se relacionam com a cultura. Por fim, faremos sugestões sobre quais valores, competências e
condutas julgamos importantes para as políticas culturais e a gestão cultural nesta nova realida-
de digital.

2. CULTURA E TECNOLOGIA
O surgimento das novas tecnologias, como se sabe, provocou uma mudança muito gran-
de em todos os setores da vida humana. Esses impactos foram sentidos na medicina, na educa-
ção, nos esportes, nos processos de produção industrial, na vida social e familiar, na comuni-
cação e também na cultura. Portanto, o setor cultural não pode ficar à margem dessa revolução
digital que está afetando diretamente o uso/ consumo dos produtos culturais, o acesso à arte e à
cultura, seja de qualquer ponto de vista adotado.
A tecnologia e a cultura são interdependentes, qualquer mudança em uma, acarretará
mudanças na outra. Dessa forma, é importante que tenhamos um conceito de cultura bem de-
finido para pautar nossa ação. O conceito antropológico de cultura já não é mais apropriado,
principalmente se tivermos em mente os estudos sobre a cultura e o planejamento e a prática de
políticas culturais, pois ele é muito abrangente (tudo é cultura), ambíguo, impreciso e inconsis-
tente. A respeito disso Teixeira Coelho esclarece:
“Quando tudo é cultura — a moda, o comportamento, o futebol, o modo
de falar, o cinema, a publicidade —, nada é cultura. Mais relevante:
quando em cultura tudo tem um mesmo valor, quando tudo é igualmente
cultural, quando se diz ou se acredita que tudo serve do mesmo modo
para os fins culturais, de fato nada serve...” (TEIXEIRA COELHO,
2008, P. 20)
É preciso, portanto, eleger um conceito que seja operacional. Nesse sentido, Carvalho
(2011) vê a necessidade de uma redefinição do conceito de cultura no âmbito da sociedade do

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conhecimento. Dessa forma, as políticas culturais não podem ignorar o processo de dissemina-
ção e uso das novas tecnologias.

3. A MUDANÇA NO PERFIL DOS MUSEUS


Ao analisarmos o nosso entorno, o que fica claro é que está em curso uma significativa
mudança de comportamento do público da arte e da cultura, em grande medida provocada e pos-
sibilitada pela tecnologia. As pessoas desejam compartilhar experiências, interagir, ser ouvidas,
participar ativamente da experiência cultural.
Prova disso é que o perfil do público dos museus tem se modificado, exigindo novas
práticas dessas instituições. Na contemporaneidade as exposições não ficam restritas apenas a
mostrar objetos artísticos, mas sediam também manifestações artísticas ou de natureza estética.
Para Botallo (2007), a mudança radical de mentalidade em relação aos museus, consiste
no fato de que atualmente o museu não é mais questionado em sua permanência orgânica, mas
passa a ser questionado em sua forma/estrutura, e esse raciocínio funciona como elemento cata-
lisador para a aproximação com outras mídias e com outros setores da indústria cultural. O que
reforça esse novo pensamento, na opinião da autora, é que existe um claro desejo de transpor as
fronteiras disciplinares, em direção a uma proposta inserida no contexto de uma cultura envol-
vida com as mídias de massa. Assim, as mídias de massa passam a não ser vistas como inimigas
do museu, que, por sua vez, amplia seu escopo de ação e permite diferentes apropriações e múl-
tiplas sensibilidades.
A partir da compreensão dessa nova mentalidade, algumas instituições ao redor do mun-
do entenderam que deveriam se aproximar de seu público, que as pessoas desejam experimen-
tações coletivas e que o museu deve sair de sua posição de autoridade para uma posição de
compartilhamento. Nesse sentido, é fundamental ouvir o público, perceber o que é valioso para
ele e a tecnologia pode ser uma importante aliada nessa tarefa.
Diferentemente de outros setores da área cultual, como, por exemplo, a indústria editorial
e a música, que tiveram seu modelo de negócios tradicional afetado, a digitalização permitiu aos
os museus novas oportunidades, ampliando os pontos de contato das instituições com os usuários,
oferecendo possibilidades de inter-relação tanto para os criadores como para as instituições.
A explosão da Internet, no início dos anos 2000, fez com que os museus começassem a
criar suas páginas na Web, com informações sobre horários, valores cobrados para a entrada e
localização. Uma década mais tarde, surgiram as redes sociais, as páginas com recursos mul-
timídia e os primeiros aplicativos. Na atualidade, os museus investem na internet das coisas e
na conectividade, com aparatos de todos os tipos, tecnologias “usáveis”, telas tácteis, robôs,
aplicativos de reconhecimento facial, beacons (dispositivos que emitem ondas curtas), para
conhecer a geolocalização dos visitantes e suas preferências em relação a obras e objetos ex-

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postos, sensores inteligentes e até sistemas de recomendação para satisfazer as necessidades


dos visitantes.
De acordo com o Anuário AC/E 2015 de Cultura Digital, elaborado pela Acción Cultural
Española, que analisa o uso das novas tecnologias no setor cultural, os museus foram o setor que
melhor soube tirar proveito das ferramentas digitais para inovar em suas exposições e enriquecer
as visitas na Espanha. Para confirmar essa afirmação, os dados apurados pelo relatório revelam
que 83,3% desses espaços, em sua grande maioria públicos, estão presentes na Internet, têm
imagens digitalizadas de seus acervos e contam com aplicativos educativos. Dessa forma, aca-
bam incorporando ao mundo cultural também as empresas que desenvolvem essas tecnologias.
Para realizar esse estudo, foram pesquisadas 226 instituições em diversos países. A pes-
quisa revelou que o Museu de Arte Moderna de Nova York, Moma, e a Tate Galery, de Londres,
são os que estão à frente no uso de tecnologias. O primeiro colocado, criou blogs e canais multi-
mídia com tutoriais para suas obras no site, e tem aplicativos para todos os sistemas operacionais
de celular. Possui também nove páginas nas diferentes Redes Sociais. No entanto, em relação a
esse último aspecto, foi o Louvre que mais tirou proveito do Facebook, com 1,6 milhão de fãs,
enquanto que no Twitter é o Metropolitan Museum de Nova York que tem o domínio, muito
engajado com a interatividade com seus seguidores.
Especificamente no contexto da Espanha, dados coletados pelos pesquisadores do Anuá-
rio AC/E de Cultura Digital 2015 mostraram que o desenvolvimento do país com relação a esses
recursos é bastante positivo, apesar de estar atrás de outros países no uso de certos aplicativos.
Dessa forma, em 2012, 42% dos museus desse país já contavam com códigos QR para uma
análise alternativa das obras. Destaca-se o exemplo do Museu do Romantismo, em Madri, que
faz uso de todas as redes sociais e, além disso, criou listas de músicas no aplicativo spotify para
aqueles que desejarem se sentir imersos no clima do início do século 19.
No que diz respeito à digitalização das obras, também há avanços registrados nos últi-
mos dois anos. Em destaque estão o Museu do Prado, que já tem um arquivo com mais de 8.000
imagens, e o MNCARS, de Barcelona, com 9.000.
São vários os problemas enfrentados nesse sentido, que devem ter solução mais à fren-
te. O principal deles está relacionado ao Direito de Autor. No entanto, muitas instituições já
têm abordado esses problemas e conseguido compartilhar seus conteúdos com a comunidade,
permitindo o livre acesso a imagens de alta resolução e documentos, por meio de licenças livres
como o Creative Commons, fazendo do museu um lugar mais social e participativo também no
ambiente virtual.
Cada instituição deve procurar criar sua política de difusão cultural levando em conta o
entorno digital, com previsão de licenciamento para todos os casos. É importante ressaltar, que
essas ações requerem uma mudança de paradigma dos museus em relação ao seu papel, que

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além de guardar, conservar e difundir o conhecimento, devem também passar a compartilhá-lo


e criá-lo juntamente com a sociedade.
Apesar do orçamento elevado de que dispõem essas instituições em diversos lugares do
mundo, em comparação com outros segmentos da área cultural, segundo conclusão da pesquisa,
nos últimos anos, as contas vêm exigindo uma maior presença de investidores privados. Nesse
sentido, a maior dificuldade relatada pelo Anuário diz justamente respeito ao financiamento de
projetos digitais. O Museu de Arte Contemporânea de Castilla e León, por exemplo, investiu nas
redes sociais e desenvolveu softwares livres para que os cidadãos possam se envolver mais com
o museu. No entanto, dispõe de apenas dois funcionários para conduzir a tarefa da digitalização
do museu.
Após a apresentação de todos esses exemplos, do contexto internacional, de como os
museus vêm incluindo as ferramentas digitais em seu funcionamento, nas exposições e como
estratégia de comunicação com seu público, não resta dúvida de que a tecnologia não é nociva
para a área cultural, desde que seja usada adequadamente.
Nesse sentido, o físico espanhol Jorge Wagensberg (2013), que criou o Museu de Ciência
de Barcelona e transformou a museologia em ciência, em entrevista ao Jornal O Globo, faz um
alerta de que a tecnologia fica obsoleta rapidamente, e o que deve prevalecer na concepção de
um museu são as boas ideias para contar histórias com criatividade e beleza.
No entanto, o uso inteligente desses recursos, de acordo com a conclusão do estudo
publicado no Anuario AC/E de Cultura Digital 2015, tem servido para ampliar o público dos
museus e colaborado para que as pessoas se aprofundem mais nas obras, com um rendimento
comunicacional e educativo mais abrangente e os museus, por meio dos dados colhidos, passam
a conhecer mais e melhor seus visitantes.
Como pudemos perceber os museus ao redor do mundo se encontram em um momento
de mudança e transformações no modo de apresentar suas exposições e coleções. É visível e
cada vez mais frequente o uso de novas técnicas e tecnologias como parte de estratégias para
melhor atender os visitantes, facilitando o acesso ao conhecimento, tornando a visita mais rica
e interativa. A combinação da digitalização com a virtualização tem modificado a museologia
no mundo e também no Brasil. E a incorporação da tecnologia aos museus tem exigido novos
olhares, novas formas e novos fazeres.
No nosso País, são muitos os problemas que os museus enfrentam: baixos orçamentos,
falta de estrutura e de profissionais capacitados, grandes distâncias, isolamento, alta concentra-
ção em algumas regiões, como Sul e Sudeste. Mas apesar de todos esses empecilhos, segundo
Gouveia e Dodebei (2007), quase a totalidade dos museus brasileiros já se habituou a ter um
novo espaço para sua divulgação, exposições, para suas atividades educativas, enfim, para cons-
truir seu projeto de memória.

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Henriques (2004, pág. 6) elenca algumas categorias para definir os museus dentro do
ciberespaço. A primeira seria a de “folheto eletrônico”, na qual estão incluídos os sites de quase
todas as instituições brasileiras, que funcionam como espaço para divulgação, apresentando
o museu e informando os horários e programação. A segunda categoria seria a do “museu no
mundo virtual”, na qual a instituição torna possível o acesso a informações sobre seu acervo,
com imagens das exposições, chegando a permitir visitas virtuais. Sendo assim, o museu físico
é projetado numa dimensão virtual. A terceira categoria diz respeito aos “museus realmente
interativos”, são aqueles museus considerados museus virtuais de fato, nos quais sua imagem
no ciberespaço não corresponde apenas à estrutura física do museu, mas o visitante consegue
interagir para além da simples observação.
Incorporar esses recursos digitais aos museus requer o desenvolvimento de certas com-
petências digitais aplicadas ao setor cultural, é o que abordaremos no próximo item.

4. PROPOSTAS PARA A GESTÃO CULTURAL EM UM CONTEXTO DIGITAL


As profundas transformações digitais pelas quais tem passado a sociedade contempo-
rânea têm impacto na cultura e consequentemente nas equipes e nas pessoas que fazem parte
do setor cultural, exigindo que essas se adaptem rapidamente às novas demandas. Não se trata
de apenas de saber usar as novas ferramentas tecnológicas, mas de algo bem mais complexo.
Trate-se de identificar quais as competências necessárias para que os gestores e profissionais
da cultura desempenhem com êxito as novas tarefas, em um cenário incerto e em permanente
mudança. Todos são afetados em maior ou menor grau, desde os artistas e criadores, os gerentes
e administradores, até as equipes técnicas mais tradicionais. E a maioria desses profissionais
não está preparada para dar respostas a essas novas funções requeridas, impondo-se então um
problema de adaptação e uma necessidade de reciclagem e mudança de mentalidade.
Dessa forma, apresentamos o modelo desenvolvido por Roca Salvatella (2004) apud Ce-
rezo (2015), contendo oito competências digitais que acreditamos serem essenciais a qualquer
organização e profissionais, especialmente aos gestores da cultura, para se adaptar as necessi-
dades do mundo contemporâneo. No entanto, para incorporar essas competências, é importante
destacar que a tecnologia deve estar subordinada à inteligência e à criatividade, e não o contrá-
rio. São elas:
1. Conhecimento digital: é a capacidade para desenvolver-se criativa, profissional e
pessoalmente dentro do universo digital. Isso significa incorporar a lógica digital
para o desempenho profissional, promovendo desde a melhora dos processos admi-
nistrativos até a incorporação de dados para as tomadas de decisão. É o desenvolvi-
mento de uma visão digital.

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2. Gestão da informação: trata-se da competência para buscar, obter, avaliar, organizar


e compartilhar informações em um contexto digital, algo essencial em se tratando do
setor cultural e criativo que vive essencialmente da gestão da informação e de sua
transformação em conhecimento.
3. Comunicação digital: é a habilidade para comunicar-se, relacionar-se e colaborar
de forma eficaz com ferramentas e entornos digitais. Aqui destaca-se a importância
das redes sociais dentro das organizações culturais durante todo o processo criativo,
aproximando os criadores de seu público, ajudando gestores a melhorar os modelos
de relação e difusão de suas ofertas culturais.
4. Trabalho em rede: capacidade para trabalhar, cooperar e colaborar em entornos di-
gitais. As instituições culturais sempre trabalharam com equipes multidisciplinares,
mas a digitalização trouxe novas possibilidades que requerem novas ferramentas,
plataformas e, principalmente, processos, para extrair o máximo de potencial, rede-
finindo hierarquias e estruturas.
5. Aprendizagem contínua: capacidade para gerir a aprendizagem de forma autônoma,
conhecer e usar os recursos digitais, manter e participar das comunidades de aprendi-
zagem. O processo digital requer um contínuo aprendizado, pois está em permanente
transformação, exigindo que os profissionais da cultura estejam em constante alerta
para as inovações.
6. Visão estratégica: capacidade para compreender o fenômeno digital e incorporá-lo
à organização estratégica dos projetos desenvolvidos pelo gestor e pelas instituições
culturais.
7. Liderança em rede: capacidade para dirigir e coordenar equipes de trabalho distri-
buídas em rede e entornos digitais, em ambientes menos hierárquicos, mais planos e
difusos, requerendo um tipo de liderança diferente da tradicional.
8. Orientação aos usuários: capacidade para entender, compreender, interagir e satisfa-
zer as necessidades dos novos usuários em contextos digitais.

5. CONCLUSÃO
Neste texto analisamos como certas tecnologias mudaram a cultura, tanto em sua recep-
ção quanto em sua fruição e quais as implicações para as políticas culturais e a gestão da cultura.
Inicialmente falamos sobre a relação de interdependência entre cultura e tecnologia e apontamos
a necessidade de haver uma revisão do conceito de cultura para guiar as ações dos gestores e
orientar a elaboração das políticas culturais, levando em conta as transformações por que vem
passando o mundo contemporâneo inserido na sociedade de informação.

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Para entendermos como as novas tecnologias modificam a cultura, focalizamos nos


museus, analisando como as instituições museológicas, em nível internacional e nacional, in-
corporaram essas novas tecnologias em seus projetos expositivos, como forma de aproximar o
público com a instituição e como estratégia de comunicação.
A partir dessa análise, propomos ao setor da cultura a adoção de uma visão digital, por
meio do desenvolvimento de competências, com foco em uma nova maneira de pensar que
transforme a cultura organizacional, os processos, as relações entre os diferentes setores e áreas,
e o diálogo e relação com os usuários, enfim, algo mais complexo do que a simples incorporação
de recursos tecnológicos. Acreditamos que para atingir tal fim, as organizações culturais, que
têm como base o talento, precisam escolher e implantar o modelo de competências que julga-
rem mais apropriado, para difundi-lo e impulsioná-lo da melhor forma, buscando parcerias para
viabilizá-lo sob o ponto de vista econômico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CULTURA E DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES. POLÍTICAS CULTURAIS


PARA QUEM?
Carla Cristina Rosa de Almeida1
João Policarpo Rodrigues Lima2
Maria Fernanda Gatto Padilha3

RESUMO: A questão dos subsídios às artes e da influência do setor cultural no desenvolvimento


econômico divide opiniões nas diversas áreas de conhecimento. Assim, o objetivo deste artigo
é discutir a relação entre cultura e desenvolvimento das cidades, bem como os diferentes
desencadeamentos acerca da implementação de políticas culturais. O debate traz evidências de
que as políticas culturais têm privilegiado as classes mais altas de renda, fato agravado pelas
trajetórias da urbanização das grandes cidades, caracterizadas pela alta segregação social.

PALAVRAS-CHAVES: Amenidades culturais, planejamento urbano, desenvolvimento urbano.

1. INTRODUÇÃO
A não viabilidade econômica de grande parte dos serviços culturais, juntamente com a
visão que consagra a importância da preservação de identidade nacional e do direito à cultura,
faz com que os subsídios às “artes” sejam praticados em diversos países. Porém, são diversas
(e divergentes) as abordagens sobre o papel do Estado como propulsor do setor cultural. Afinal,
por que a oferta cultural importa? Dessa forma, o objetivo deste artigo é discutir a relação entre
cultura e desenvolvimento das cidades, bem como os diferentes desencadeamentos acerca da
implementação de políticas culturais.
No campo da teoria econômica, em geral, a discussão perpassa pela análise das externa-
lidades positivas dos investimentos públicos em cultura e a sua capacidade (ou não) de exceder
os custos de intervenção. Alguns autores colocam a questão sob o ponto de vista da importância
das amenidades culturais e de consumo para atração de capital humano e, consequentemente,

1
Doutoranda em Economia – PIMES/UFPE, Recife. Professora do Departamento de Ciências Econômicas – FE/
UFMT, Cuiabá. E-mail: carlalmeidarosa@gmail.com
2
Doutor em Economia pela University of London, Inglaterra. Professor do Departamento de Economia – UFPE,
Recife e Pesquisador do CNPq. E-mail: jprlima@ufpe.br
3
Doutora em Economia pela UFPE, Recife. Professora do Departamento de Economia – UFPE, Recife. E-mail:
mariagatto@gmail.com

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das decorrentes externalidades que contribuem para o crescimento econômico das cidades, como
visto na seção 2.
Outros discutem a inclusão da cultura nos projetos urbanos de revitalização e dinamiza-
ção de regiões e municípios, enfocando para além da sua função econômica, seu papel no âm-
bito social. Por sua vez, sob a ótica do direito à cultura e acesso à cidade, as políticas culturais
também são importantes no processo de fortalecimento da cidadania. Tais visões são abordadas
na seção 3.
Por sua vez, na seção 4, traz-se uma revisão empírica acerca do desenvolvimento cultu-
ral de cidades brasileiras e, por fim, na seção 5, tem-se as considerações finais.

2. AMENIDADES CULTURAIS E CRESCIMENTO DAS CIDADES


Diversos autores da área de Economia Regional e Urbana vêm procurando demonstrar a
relação entre amenidades culturais e desenvolvimento das cidades, cujas teses mais conhecidas
são as de Edward Glaeser e Richard Florida.
Glaeser enfoca a importância das amenidades de consumo em geral em detrimento da
produção como indutor de crescimento econômico, as chamadas cidades consumidoras (GLA-
ESER, 2011; 2005; GLAESER, MARÉ, 1994; GLAESER et. al., 2001). O argumento baseia-se
na tese de que, devido à aglomeração de indivíduos com alto nível de capital humano, em geral,
a renda média da população nessas localidades tem crescido mais que a média dos salários, bem
como tem apresentado taxas mais altas de crescimento populacional em comparação ao cres-
cimento do emprego4. Englobam-se os casos de São Francisco e Londres, como cidades para
consumo, e o caso de Paris, cujo fator de atração de pessoas consiste nas amenidades estéticas.
Os autores apresentam que nas grandes cidades modernas são observadas quatro ameni-
dades principais: (i) diversidade de bens de consumo e serviços, com os últimos particularmente
importantes para o município – restaurantes, teatros, etc. – já que são não comercializáveis fora
do local; (ii) conjunto de atributos estéticos e físicos, que podem estar relacionados a aspectos
naturais ou arquitetônicos; (iii) serviços públicos essenciais, tais como escolas públicas de qua-
lidade e baixa taxa de criminalidade; e (iv) velocidade, que consiste em uma ‘amenidade virtual’
relacionada ao tempo de deslocamento dentro do município (commuting costs)5.

4
A redução do custo de ideias vincula-se a aglomeração de pessoas no espaço – spillovers de conhecimento. O
consequente aumento de produtividade da área urbana tem origem, portanto, na qualificação dos trabalhadores.
5
Dentre exemplos de políticas governamentais executadas com tais propósitos, pode-se citar cidades de médio
porte do Canadá, que têm investido em amenidades culturais como fator de atração de migrantes, particularmente
importante para o crescimento em um país com baixa taxa de natalidade e alta taxa de envelhecimento. Grant e
Buckwold (2013) apresentam o caso de Halifax, um município de cerca de 372 mil habitantes em 2006, e que apre-
sentava alta participação relativa de imigrantes que atuavam profissionalmente na área da cultura.

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Richard Florida (2002; 2003), por sua vez, relaciona o sucesso das cidades com a pre-
sença da classe criativa6. Sua hipótese consiste em dois argumentos principais: (i) que pessoas
talentosas e criativas têm maior capacidade de contribuir para inovação e, consequentemente,
crescimento econômico; (ii) que tais tipos de indivíduos – muitos ligados as atividades intensi-
vas em tecnologia - buscam locais ricos em amenidades naturais e culturais.
Dado que o espaço não é neutro e exerce influência na decisão locacional, já que as di-
ferentes classes de indivíduos não estão distribuídas uniformemente (e nem aleatoriamente) e
que as pessoas não buscam apenas empregos na escolha da habitação, o que faz com que alguns
lugares se tornem destino da classe criativa? Florida (2003) afirma que os centros criativos são
regiões que apresentam características específicas, cujos atributos são de interesse de indivíduos
pertencentes à classe criativa. Dentre esses atributos, destacam-se as amenidades relacionadas
ao estilo de vida, que incluem possibilidades de atividades esportivas e culturais, além de rela-
ções sociais. Nesta última, a tolerância tem papel fundamental e pode ser observada através da
identificação de lugares com baixas barreiras à entrada de pessoas7.
Em termos de implicações de políticas, para o autor, cidades cujos governos investem
milhões em estádios e em medidas de atração de grandes lojas varejistas estão “presas ao passa-
do”. Ao não realizar investimentos em amenidades de estilo de vida, as ações serão ineficientes
para atrair jovens talentosos, sobretudo para as pequenas e médias cidades que dependem de
fluxos migratórios para seu desenvolvimento.
Em oposição ao papel central dos consumidores culturais no desenvolvimento atribuída
pelos autores mencionados, Markunsen e King (2003) e Markunsen (2013), enfatizam a impor-
tância da própria classe cultural. Comparam a função dos artistas para o desenvolvimento re-
gional ao dos bens públicos8, uma vez que contribuem não somente a partir dos fluxos de renda
atuais, mas também através dos retornos para a região em virtude de investimentos passados,
sobretudo em infraestrutura.
Por sua vez, uma das principais críticas ao modelo de Glaeser é apresentada em Stoper e
Scott (2009) e está vinculada especialmente a dois aspectos. O primeiro refere-se ao problema
para identificar as preferências dos indivíduos que vivem nas grandes cidades, atribuindo às
amenidades de consumo como fator central de atração de habilidosos, sem mensurar se essas
preferências são reais. Em segundo lugar, contrapõem-se as conclusões sobre mudança nas pre-

6
Classe criativa é um conjunto de pessoas que se engajam em funções profissionais cuja criação tem papel central
e pode assumir formas diversas. (FLORIDA, 2002, p. 4).
7
Economists speak of the importance of industries having “low entry barriers,” so that new firms can easily enter
and keep the industry vital. Similarly, I think it’s important for a place to have low entry barriers for people---that
is, to be a place where newcomers are accepted quickly into all sorts of social and economic arrangements. (FLOR-
IDA, 2002, p. 7).
8
“Artists as potential entrepreneurs bring strengths and deficits to enterprise development that differ from other
types of entrepreneurial candidates (…) scientists, engineers” (MARKUSEN, 2013, p.3).

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ferências dos indivíduos mais talentosos, que teriam passado a valorizar mais as amenidades de
consumo em detrimento de residir em cidades de temperaturas mais amenas, provocando cresci-
mento populacional nos centros consumidores. Nesse sentido, Stoper e Scott (2009) apresentam
diversos exemplos de fluxos migratórios e crescimento populacional, em diversos períodos do
século XX nos Estados Unidos, que não apresentam nenhuma relação com o clima.
Dentre as principais críticas ao modelo de Florida, podem-se citar os textos de Glaeser
(2005) e de Stoper e Scott (2009). Ambos os trabalhos apontam que não foram encontradas evi-
dências empíricas da relação entre os índices de diversidade e tolerância – Gay e Bohemian9 - e
crescimento urbano, o que fragiliza a tese de Florida sobre cidades com baixas barreiras à entra-
da de pessoas, atração de classe criativa e sua contribuição no desenvolvimento local. Glaeser
(2005) concorda sobre a crescente importância da classe criativa na economia, porém, discorda
sobre o ineditismo da ‘teoria da classe criativa’ em relação ao mainstream da Economia Urbana,
já que não avança teoricamente do consenso de que capital humano precede o sucesso das cida-
des10. Por sua vez, Stoper e Scott (2009) apontam que, ao contrário da maioria das teorias sobre
inovação, Florida não discute os canais que estimulam e possibilitam a interação entre os agentes.
Stoper e Scott (2009) ainda acrescentam que Glaeser e Florida subestimam a impor-
tância do trabalho de baixa qualificação para manter o sistema urbano em operação, sobretudo
que trabalhadores de alto e de baixos salários são complementares para a emergência da nova
economia nas maiores cidades
The emerging new economy in major cities has been associated with a
deepening divide between a privileged upper stratum of professional,
(…) on the one side, and a mass of low-wage workers—often immigrant
and undocumented—on the other side. (…)The low-wage segment of
the labor market is itself one of the critical foundations of urban life
today and hence of current patterns of growth, not only because workers
in this segment carry out basic production activities such as electronics
assembly or garment making, but also because this is the sphere of the
janitors, security guards, transport workers, short-order cooks, child-
-minders and so on, who maintain the networks, infrastructures and ser-
vices that help to keep the entire urban system in operation. (STOPER,
SCOTT, 2009, p. 164).
Consequentemente, tais teses, sobretudo a de Florida, induzem a sugestões de políticas
que aumentariam hiato entre as classes sociais, levando a uma segmentação do mercado de
trabalho e afetando a qualidade da cidadania e participação política. Por fim, Stopper e Scott
(2009) afirmam que ambas as teses deixam em aberto a maior questão sobre o progresso das
cidades: a identificação das forças que levam ao processo de crescimento e desenvolvimento
9
Apresentado em Florida (2002).
A saber: a ideia de criação de conhecimento de Adam Smith; a geração e difusão de ideias em áreas urbanas de
10

Alfred Marshall; a criatividade em área urbanas de Jane Jacobs e a nova teoria do crescimento de Paul Romer.

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urbano na sua origem, ou seja, o que levou ao agrupamento de indivíduos habilidosos em deter-
minadas regiões.
At what point do individuals recognize a place as offering this or that
amenity, and at what point does such recognition begin to spark off
growth? How does a sufficient concentration of skills offering an effec-
tive opportunity for interaction emerge in the first place? More crucially,
how and why do specialized accumulations of highly skilled individuals
(such as actors and directors in Hollywood, or semiconductor engineers
in Silicon Valley) come to characterize individual places—as opposed
to accumulations of randomly assorted members of the creative class?
(STOPER, SCOTT, 2009, p. 153).
Nesse sentido, os autores consideram que são a produção e os postos de trabalho que
dirigem a prosperidade urbana e, somente a partir daí é que surgem as amenidades sociais,
culturais, materiais e econômicas. Tais amenidades são endógenas ao crescimento urbano e não
causadoras desse processo e, sendo assim, é com relevância marginal que devem ser observadas
como fatores de atração de capital humano.
Um forte argumento para tal afirmação baseia-se no entendimento de que as escolhas
locacionais individuais estão inseridas em um conjunto de possibilidades, que incluem as prefe-
rências, mas que também (e principalmente) estão fortemente ligadas à restrição orçamentária
definidas pelas oportunidades de trabalho.
Many individuals unquestionably have strong preferences for warm
winters or upscale urban amenities or certain kinds of social diversity,
and they are frequently prepared to act on the basis of these preferences.
(…) most migrants—unless they enjoy a private income or are able to
capitalize on some purely personal talent that can be practiced anywhe-
re—are unlikely to be able to move in significant numbers from one lo-
cation to another unless relevant employment opportunities are actually
or potentially available. (STOPER, SCOTT, 2009, p. 161).
Por sua vez, criticando fortemente as teses que enfocam o papel da cultura para regene-
ração de cidades pós-industriais, Andy Pratt (2008; 2009) coloca que o risco de gentrificação11
dos espaços culturais nas cidades prejudica a classe cultural (PRATT, 2008; 2009). Além disso,
aponta que o fator de desenvolvimento local e a criatividade estão nos produtores culturais e
‘artistas reais’ e não nos consumidores que realizam gastos na localidade em virtude das ameni-
dades culturais existentes12.
Defende, portanto, políticas de desenvolvimento da indústria cultural e não apenas po-
líticas de promoção de consumo. As ações públicas devem, ainda, considerar que a valorização
11
Valorização de uma determinada região em virtude da instalação de novos pontos comerciais ou outras edifica-
ções, que prejudica a permanência de antigos moradores devido ao aumento dos custos.
12
Nesse sentido, reforça a crítica de Peck (2005 apud PRATT, 2008) a Florida, que ignora a dimensão produtora
da indústria cultural e considera o ‘consumidor criativo’ autônomo como um agente de mudança.

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imobiliária dos espaços culturais pode forçar deslocamentos, o que, em última instância, pode
contribuir para o próprio declínio da localidade13. Ademais, ressalta que ‘vender cidades’ com
recursos públicos é uma forma de taxação socialmente regressiva.

3. CULTURA COMO POLÍTICA URBANA E SOCIAL


No âmbito das relações entre urbanismo e cultura, tem sido discutida a importância das
políticas culturais para revitalização14 urbana, através da regeneração de áreas urbanas degra-
dadas ou ‘vazias’, preservação de patrimônio ou ambientes históricos, construção de equipa-
mentos culturais, entre outras (VAZ, 2004; 2013). Sobretudo nas últimas décadas, a inclusão da
cultura, assim como de outros bens não materiais, tem sido presente nos projetos urbanos das
cidades pós-industriais como instrumento de desenvolvimento econômico e reversão de danos
causados pelos processos de industrialização. Além disso, constitui “elemento diferencial na
disputa entre as cidades por apresentar as melhores condições para atrair capitais, investimentos,
empresas, moradores e turistas” (VAZ, 2004, p.2).
Algumas intervenções, que alinham criatividade a questões urbanas, têm sido denomi-
nadas de ‘criativas’. Dentre os principais tipos de políticas tem-se creative-clad – dotar a cidade
de uma roupagem criativa, como o recorrente exemplo de Bilbao; creative-class – realizar in-
vestimentos que atraiam a instalação de pessoas criativas (em conformidade as teses de Florida);
e a creative-cash - “fomentar produtores criativos do próprio local” (MORAES, 2012, p. 15) 15.
São muitos os exemplos de cidades onde investimentos em projetos que alavancam a
cultura, turismo e/ou atividades esportivas foram bem sucedidos quanto ao aumento da renda e
a redução da taxa de criminalidade. Na Itália, a cidade de Turim, ao passar uma crise de desin-
dustrialização, teve sua economia alavancada através do investimento em atrações esportivas e
culturais. Medellin, cidade colombiana considerada a cidade mais violenta do mundo em 1991,
através de políticas articuladas, tornou-se referência turística e concomitante inclusão social
(REIS, KAGEYAMA, 2011).
No Brasil, a maior parte dos exemplos são de políticas direcionadas às áreas dentro das ci-
dades e não voltadas a criar uma ‘cidade criativa’. Sobre instalações de equipamentos culturais ou
de revitalização de espaços urbanos degradados, Machado (SD, p. 29-30) menciona os casos do

13
Como exemplo, apresenta o caso de Hoxton, em Londres, onde a constituição de rede de produção social de
artistas e novos médios trabalhadores contribuiu para regeneração urbana, mas a formação de cluster de consumo,
posteriormente, induziu a gentrificação das residências.
14
Sobre as diferentes denominações atribuídas as intervenções urbanas ao longo do tempo, ver Vaz (2013). Atu-
almente, é comum o uso do termo revitalização como forma de expressar a inclusão da população no processo de
transformação física e econômica local.
15
A discussão sobre intervenções urbanísticas, criativas ou não, é muito ampla e foge ao escopo desse trabalho.
Para uma introdução sobre política urbana criativa, ver Moraes (2012).

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(…) Pelourinho, em Salvador; a criação do Porto Digital no Recife An-


tigo, em Recife; a construção do espaço cultural Dragão do Mar, em
Fortaleza; a recuperação da área portuária, em Belém; a revitalização
da área da Praça da Estação, em Belo Horizonte e da região da Lapa,
no Rio de Janeiro; a construção da Ópera do Arame, em Curitiba; a re-
qualificação da região da Estação da Luz (Pinacoteca, Museu da Língua
Portuguesa, Sala São Paulo), em São Paulo”.
São muitas e diversas as críticas ao estrito ‘sucesso econômico’ das intervenções, que fo-
gem ao escopo desse trabalho, que se atem ao resultado das políticas em termos de melhoria de
renda e, principalmente, de acesso ao consumo cultural por parte dos residentes. Nesse contexto,
ainda que seja difícil avaliar o custo-benefício de tais ações, historicamente, as intervenções
urbanas têm-se concentrado nas áreas mais centrais e valorizadas das cidades, inclusive gerando
gentrificação e espetacularização16 da urbe (VAZ, 2004; 2013), além do aumento geral do custo
de vida e remoções forçadas (MORAES, 2012). Para Vaz (2004, p.3),
Não se trata, portanto, do planejamento cultural enquanto provisão e distribuição de
equipamentos e atividades culturais no território da cidade (..), mas “de projetos para inter-
venções urbanísticas nas quais se faz uso estratégico de recursos culturais tendo por objetivo o
desenvolvimento local, e que podem ou não estar associadas a planos e políticas culturais.
Dessa forma, a construção de equipamentos culturais não é capaz, por si só, de mudar a
realidade local quanto ao desenvolvimento17, como muitas vezes também não promove demo-
cratização cultural18 aos residentes. A ampliação da oferta não garante o consumo cultural, pois
os hábitos dependem de fatores contextuais e experiências passadas, que influenciam a identifi-
cação do indivíduo com um ou outro determinado tipo de manifestação cultural. Libânio (2014,
p. 6) afirma que
Viu-se que havia obstáculos materiais ao consumo e fruição cultural,
tais como a má distribuição ou ausência de espaços culturais e os preços
altos, mas que as barreiras simbólicas eram as predominantes, impe-
dindo que novos segmentos da população tivessem acesso à oferta da
cultura “clássica”. (....) a descentralização dos equipamentos culturais
tem sido levada a cabo pelos governos no Brasil, muitas vezes sem as
necessárias ações de mobilização e formação de público.
No campo da Sociologia, através da ideia de capital cultural, Pierre Bourdieu coloca que
o “gosto” por determinados tipos de bens culturais não ocorre de forma aleatória, mas afeta gru-
pos sociais específicos, fortemente relacionado à formação do indivíduo e sua inclusão em deter-

16
A espetacularização da cidade é resultado do planejamento urbano estratégico no qual o valor mercadológico
predomina sobre os valores artísticos e antropológicos.
17
É o que ocorreu na região da região da Estação da Luz, onde não se alterou a lógica de consumo e tráfico de
drogas da Cracolândia (MORAES, 2012).
18
No que tange ao termo democratização, Botelho (2006) diferencia facilitação de acesso às manifestações artísti-
cas tradicionais de democratização cultural, sendo esta última um conceito muito mais abrangente.

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minado grupo social e, portanto, reflete fortemente as desigualdades sociais. (MORAES, 2010).
Sob o ponto de vista da teoria econômica, num dos primeiros trabalhos empíricos sobre consumo
cultural, Becker e Stigler (1977 apud MORAES, SAMPAIO, 2010) apresentaram que a deman-
da por bens artístico-culturais presente afeta positivamente a demanda futura dos indivíduos e,
portanto, ao contrário da maioria dos bens, os culturais possuem utilidade marginal crescente.
A constatação de que grande parte das políticas de ampliação de oferta cultural, ligadas
ou não a revitalização de áreas urbanas degradadas, remete a outro problema persistente ao lon-
go do tempo: as desigualdades econômicas e sociais. Tais desigualdades são refletidas nas tra-
jetórias de urbanização, com predominância dos espaços privados de interação, em detrimentos
de praças, parques e outros espaços culturais e de lazer. Assim, a cidade tem-se tornado, cada
vez mais, espaço de trabalho, enquanto as horas de lazer, entre elas, o consumo cultural, ocorrem
dentro dos domicílios. Segundo Botelho (2003, p. 4),
deslocamentos físicos se tornam, cada dia mais difíceis, pode-se dizer
que a mobilidade territorial e o uso de equipamentos culturais se con-
vertem, cada vez mais, em direito e privilégio das classes com maior
poder aquisitivo. (...) De um lado, acompanharam o desenvolvimento da
cidade; de outro, foram construídos em função de demandas dos setores
já mais habituados ao consumo de cultura.
Especialmente em países em desenvolvimento marcados por profundas disparidades so-
ciais, “o acesso à cidade é restrito a uma parcela da população, sendo, portanto, apenas virtu-
alidade para a grande maioria, em especial classes populares urbanas, moradores de favelas e
periferias” (LIBÂNIO, 2014, p. 5). A política cultural, portanto, assume lugar no processo de
construção da cidadania. Se a cultura pode ser qualificada como bem comum, assim como o
conhecimento e a informação, então “a dimensão cultural da existência é (ou pode vir a ser) im-
portante ferramenta, veículo e processo para a inclusão das classes populares no espaço urbano
e ampliação do real acesso à cidade” (LIBÂNIO, 2014, p. 2).
Então, por um lado, percebe-se que as cidades têm perdido sua função de promover
convívio social ao longo do tempo e, por outro, que o consumo cultural pode contribuir para
reversão desse processo. De acordo com o atual Ministro Juca Mendes, “A política cultural que
reorganiza a relação com a periferia não só concomitantemente constrói outra cultura política;
ela já é, em si, resultado de uma outra visão sobre a ocupação das ruas e dos espaços públicos,
de uma política voltada a superar modelos excludentes” (FERREIRA, 2016)19.
Estas reflexões indicam que as políticas culturais devem ser pensadas de forma trans-
versal, caso contrário, não têm efeito, nem como política urbana, nem para promover o setor

“A reversão de equívocos históricos para novos imaginários urbanos”, publicado na Folha de São Paulo em
19

03/01/2016, disponível no link http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/01/1723759-a-reversao-de-equiv-


ocos-historicos-para-melhorar-as-cidades.shtml

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cultural. Logo, devem ser avaliadas no que tange aos seus resultados, não somente em termos de
renda gerada à classe cultural e ao entorno de onde está sendo realizada, mas também em termos
de democratização do acesso as artes e a participação política em relação a cidade, legitimando
o direito constitucional à cultura e ao exercício de cidadania.

4. DESENVOLVIMENTO CULTURAL DE CIDADES BRASILEIRAS:


REVISÃO EMPÍRICA
O desenvolvimento cultural das cidades pode ser analisado por diferentes óticas, perpas-
sando pela oferta e distribuição de equipamentos culturais, pela eficácia da gestão cultural, pela
análise do mercado de trabalho e outros indicadores, dente outras.
Os principais estudos sobre o Brasil que enfocaram especificamente a problemática dos
equipamentos culturais foram realizados a partir de estudos de casos das grandes cidades. Em
geral, a distribuição dos equipamentos culturais nas principais metrópoles do país reflete a se-
gregação da oferta de serviços públicos e privados. Observa-se, portanto, um ‘vazio’ nas peri-
ferias, que na sua maior parte são áreas de baixa renda, como demonstrado por Botelho (2003)
e Bógus e Pasternak (2011) para região metropolitana de São Paulo. Outro exemplo em que os
empreendimentos no campo do entretenimento seguiram a estratégia de localização nas prin-
cipais vias de circulação e áreas de maior renda é Curitiba. A concentração dentro da RM tam-
bém é evidente: 26 dos 50 novos empreendimentos a partir de 1998 foram instalados na capital
(FERREIRA, FERNANDES, HUÇULAK, 2011)20.
Com finalidade de comparar as diferentes localidades do país, um dos estudos pioneiros
e, até o momento, um dos mais abrangentes, é a pesquisa realizada pelo Ipea (SILVA, 2010).
Elaborou-se um indicador de desenvolvimento da economia da cultura (IDECULT) em nível
municipal e também para as mesorregiões. As variáveis utilizadas foram referentes ao consumo
cultural das famílias, mercado de trabalho cultural e sobre a oferta de equipamentos culturais.
Apesar das diversas limitações impostas pelo uso de um indicador que não é capaz de
registrar “as interações sociais que engendram as dinâmicas de produção da diversidade cultu-
ral”, apreendendo apenas “aspectos materiais e quantificáveis”, o estudo é inédito ao trazer uma
radiografia do país em nível municipal (SILVA, 2010, p. 37). Traz também um panorama da
distribuição dos equipamentos, divididos em quatro grupos: equipamentos culturais tradicionais
(bibliotecas, museus, teatro ou casa de espetáculos, cinemas, bandas de música e orquestras,
para os quais, em geral, existe política pública); equipamentos de lazer (clubes e associações
recreativas); equipamentos privados de distribuição de bens culturais (videolocadora, loja de

O movimento de instalação de multinacionais na capital, intensificado a partir dos anos 90, aumentou a demanda
20

por serviços e, consequentemente, estimulou criação de empreendimentos ligados ao entretenimento.

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discos, cds e fitas, livrarias e shopping center) e equipamentos audiovisuais (estação de rádio
AM e FM, geradora de TV, provedor de internet e cinema).
No que tange ao acesso à cultura ‘medida’21, os dados reportam uma forte desigualdade
dentro do território brasileiro. As bibliotecas são os equipamentos mais bem distribuídos, “os
museus aparentemente mais frequentes no extremo Sul e os teatros em São Paulo e Rio de
Janeiro”, enquanto há uma “ausência quase completa de orquestras e cinemas nos municípios
brasileiros”. (SILVA, 2010, p. 64).
Ferreira Neto e Perobeli (2013), através da base de dados da Pesquisa de Informações
Básicas Municipais - MUNIC (IBGE, 2009), elaboraram o Índice de Potencial de Desenvol-
vimento das Atividades Culturais (PDAC) para as microrregiões do estado de Minas Gerais.
Utilizaram informações ligadas à cultura, tais como características da gestão e dos trabalhadores
da administração pública, dados sobre arrecadação e gastos do município e informações sobre
oferta de equipamentos culturais, atividades e cursos nessa área, totalizando 35 variáveis. Atra-
vés de técnicas de análise fatorial, auferiram que três fatores principais explicam a variância:
atividades e estrutura cultural; acesso à cultura e gestão cultural. Os resultados apontam que 64
das 66 microrregiões apresentaram valores que indicam deficiência de infraestrutura.
Diniz e Machado (2011) elaboraram indicadores relacionados a oferta cultural para in-
cluí-los em análise sobre gastos familiares com cultura. Para estudar consumo nas nove princi-
pais regiões metropolitanas do país e no Distrito Federal, com uso de análise fatorial, construí-
ram o indicador com base em cinco variáveis - número de museus, número de teatros ou salas,
número de centros culturais, número de cinemas, número de ginásios e outros poliesportivos
– disponibilizadas pela base MUNIC. As estimações mostraram que uma maior oferta de equi-
pamentos exerce influência negativa sobre os gastos, o que pode estar relacionado a melhor
gestão pública cultural e, consequentemente, maior disponibilidade de lugares para visitação e
eventos culturais gratuitos.
Por sua vez, Luckewe; Padilha e Wanderley (2014), sob o argumento de que a oferta de
bens culturais não tem sido suficiente para reduzir as desigualdades de consumo, apresentam
um Índice de Demanda Cultural para comparar nove capitais brasileiras e avaliar as atividades
organizadas pelo poder público. Verificaram posições melhores para Porto Alegre e Distrito
Federal em diversos segmentos, tal como cinema, fotografia e internet, evidenciando também as
desigualdades regionais.
Particularmente sobre o mercado de trabalho em regiões metropolitanas, destacam-se
os trabalhos de Machado, Rabelo e Moreira (2014), que avaliaram a influência de determinadas

21
“(...) o setor cultural não é a cultura, o consumo não é a cultura, embora ambos se constituam em partes impor-
tantes dos dinamismos culturais mensuráveis nas nossas bases de dados mais importantes e consolidadas”. (SILVA,
2010, p. 37).

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características sobre a probabilidade de ocupação no mercado cultural – dados do Finanças


do Brasil (FINBRA/Tesouro Nacional) e Pesquisa Mensal de Emprego (PME-IBGE) - e Di-
niz (2008), acerca dos principais determinantes dos rendimentos dos trabalhadores - dados do
Censo Demográfico de 200022. Em complemento, Ferreira Neto, Freguglia e Fajardo (2012)
investigaram os diferencias de salários no setor cultural brasileiro a partir de dados da PNAD.
Mais recentemente, os esforços dos pesquisadores têm consistido em agrupar as cidades,
no intuito de classificá-las conforme tipologias específicas ou conforme seus graus de desen-
volvimento cultural. Machado (SD), em estudo sobre cidades criativas, traz informações acerca
do desenvolvimento cultural dos municípios brasileiros, a partir de informações análogas as
utilizadas por Ferreira Neto e Perobeli (2013). Agrupou-se cidades em cinco categorias: mista,
não criativa, pouco criativa, algo criativa e criativa, sendo que o aspecto que mais diferenciou
as cidades foi o gasto per capita com cultura. A maioria dos municípios enquadrados no cluster
criativo estão no Sul e Sudeste, enquanto a maioria dos não criativos localizam-se no Nordeste
e Norte.
A autora ainda traz dados sobre as 10 principais RM brasileiras referentes ao mercado de
trabalho – proporção ocupada na classe criativa, grau de informalidade e rendimento médio da
classe criativa e outras ocupações – e gastos privados com consumo dos 25% mais ricos – recor-
te para avaliar barreiras ao consumo não monetárias. Em consonância com outros estudos, veri-
ficou-se que cidades com maior proporção de famílias que não realizam gastos culturais também
apresentam maior proporção de chefes com menor grau de escolaridade, ao mesmo tempo em
que a participação relativa dos domicílios chefiados por mulheres nos gastos positivos é maior.
No quesito de políticas urbanas criativas, aponta os baixos esforços da gestão pública para
transformar cidades brasileiras em criativas, a exemplo do que foi feito em Londres, Barcelona,
Medellín, São Francisco, Nova York, Bilbao e Glasgow. Contudo, destaca as ações nas cidades de
médio porte, tais como Tiradentes (MG), Brumadinho (MG), Parati (RJ) e Guaramiranga (CE),
em contradição as ações mais comuns, focadas na revitalização de áreas dentro das cidades.
Na mesma direção, Machado et. al. (2013) apresenta uma tipologia da relação entre
amenidades urbanas e potenciais clusters criativos. As variáveis são compostas de informações
sobre a população, tais como nível educacional, estado civil, condições da residência e outras
(Censo Demográfico/IBGE); sobre o desenvolvimento cultural (MUNIC) e gastos municipais
(FINBRA) de 5570 cidades brasileiras. Conciliando duas técnicas de análise multivariada –
análise de cluster e análise discriminante – novamente, os resultados confirmam que os clusters
com maiores potenciais, apesar de dispersos, estão, em sua maioria, localizados nas regiões Sul
e Sudeste. Concluem que

A autora ainda classificou as localidades de acordo com seu “ambiente cultural”, através de uma análise de
22

agrupamentos (clusters) com base na Pesquisa Básica de Informações Municipais do IBGE.

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in terms of amenities, there is still a lot to be accomplished in order to


achieve reasonable conditions for good quality of life in the municipali-
ties, particularly for the ones in the North and Northeast regions of Brazil.
Por fim, têm-se escassas pesquisas empíricas acerca da relação entre desenvolvimento
econômico e cultural das cidades no Brasil. Especificamente mencionando as hipóteses de Flori-
da, tem-se os estudos de Golgher (2008) e Cavalcanti e Silveira Neto (2014). O primeiro discute
a relação entre a distribuição de trabalhadores qualificados e trabalhadores na economia criativa
com dados municipais e análise de cluster. O autor agrupa os municípios conforme índices de
qualificação, tecnologia e entretenimento em oito categorias. Confirmam-se as disparidades re-
gionais, visto que as capitais e os municípios das regiões Sul e Sudeste apresentam os valores
mais elevados para diversos indicadores, com destaque para São Caetano do Sul (SP), Niterói
(RJ) e Florianópolis (SC).
Cavalcanti e Silveira Neto (2014, p. 17-18) construíram indicadores para criatividade e
nível educacional (capital humano) e, através de painéis espaciais para três anos (Censos 1991,
2000 e 2010), auferiram o impacto dessas variáveis no dinamismo das 293 maiores cidades bra-
sileiras. Concluíram que crescimento do emprego tem associações mais significativas com as
medidas de capital humano em comparação às medidas da classe criativa e, sugerem, portanto,
que “is better for policy makers to support the accumulation of higher education per se, than to
focus on policies that aim at attracting professionals in a specific field such as the creative class”,
contradizendo a hipótese de Florida (2002, 2003).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na área de Economia Urbana, procurou-se demonstrar visões acerca do setor cultural
vinculadas ao crescimento e/ou desenvolvimento econômico local ou regional, sobretudo com
base em Glaeser e Florida. Como visto, tais autores colocam as políticas culturais com objetivos
externos ao setor cultural, sendo que a defesa das políticas de promoção de amenidades tem sido
fortemente criticada. Destacam-se Stopper e Scott, que apontam que tais ações podem contri-
buir para o aumento do hiato entre as classes sociais, enquanto Andy Pratt enfatiza o problema
da gentrificação.
Os debates que vinculam cultura e urbanismo direcionam-se, principalmente, a estudos
de casos do impacto das políticas de promoção de cidades criativas e de revitalização de áreas
degradadas. Porém, cabe enfatizar que a importância da cultura para além do seu âmbito estético
e/ou econômico, sobretudo o entendimento do seu papel para o pleno desenvolvimento de ca-
pacidades e expressões que ele faculta aos diferentes grupos, também tem consistido no âmbito
das justificativas para a existência de políticas culturais. Essa visão legitima o direito a cultura,

388
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não apenas constitucional, mas também a luz da importância da cultura como fator de distinção
social e como facilitadora de acesso à cidade e a cidadania.
Estudos recentes mostram que a maioria das cidades brasileiras apresentam baixo grau
de desenvolvimento cultural, agravadas pelas fortes disparidades regionais, alta segregação ur-
bana e desigualdade de renda. Apesar da escassez de trabalhos empíricos sobre o tema, recen-
temente, o Ministério de Cultura tem incorporado em seus debates23 a articulação entre política
cultural e urbana. Inclusive, o atual Ministro Juca Mendes reconhece tal lacuna, já que “A essa
altura, parece óbvia e até mesmo tardia a correlação entre a agenda do Ministério da Cultura e a
agenda do direito à cidade, ou entre a política cultural e a política urbana”24.
Em geral, as discussões trazem evidências de que as políticas culturais têm privilegiado
as classes de maior poder aquisitivo, tanto na forma de subsídios para as manifestações culturais
tradicionais, quanto em relação às verbas destinadas para construção dos equipamentos, com a
maioria instalada nas áreas urbanas de maior renda. Como agravante, as trajetórias de urbani-
zação das cidades, fortemente marcadas pela segregação, têm contribuído para perda da função
da cidade como meio de interação social. Então, tem-se que o ponto de vista, compartilhado
por acadêmicos e por articuladores de políticas públicas, é que as ações culturais não têm efeito
se não forem articuladas com outras áreas da gestão pública, tais como educação, segurança e
planejamento urbano.

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www.fflch.usp.br/centrodametropole/antigo/v1/pdf/espaco_debates.pdf>

23
A exemplo do Seminário” Cidade e Cultura: a construção de outro imaginário urbano”, realizado em outubro de
2015 e disponibilizado integralmente na plataforma YouTube, através do link <https://www.youtube.com/watch?-
v=5zm9qKrpsik&feature=youtu.b>
24
“As cidades e a cultura: uma reflexão a partir do Movimento Ocupe Estelita”, publicado na Revista Carta Capital,
em 05/08/2015 e disponível no link <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/as-cidades-e-a-cultura-uma-refle-
xao-a-partir-do-movimento-ocupe-estelita-9633.html>

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BAIRRO DO RECIFE: DO COMPLEXO TURÍSTICO-CULTURAL


AO CLUSTER DE NEGÓCIOS CRIATIVOS
Carla Lyra1

RESUMO: Este artigo aborda a trajetória das políticas culturais e urbanas para compreender as
transformações no bairro do Recife (área do Porto) com a construção de novos equipamentos
culturais que estão conectadas a outras áreas da cidade como o Cais José Estelita (área da antiga
Estação Ferroviária). Neste cenário, o Plano do Complexo Cultural elaborado em 2003 foi
identificado como instrumento de planejamento de uma rede cultural que articularia a construção
da paisagem urbana recifense. Identificamos mudanças de paradigmas com relação às políticas
culturais o surgimento de clusters de negócios criativos tendo como marco a nova gestão de
Eduardo Campos (2007 – 2014).

PALAVRAS-CHAVE: política cultural, tecnologia, cluster de negócios criativos, Porto


Digital, equipamentos culturais.

1. INTRODUÇÃO
A memória das reconfigurações dos usos do patrimônio no bairro foram analisadas a
partir da década de noventa tendo como marco o surgimento do movimento Manguebeat2. A
Teoria Ator-Rede foi uma ferramenta metodológica utilizada para desvendar a inter-relação en-
tre o Movimento Manguebeat, a criação do Porto Digital e as políticas de regeneração urbana e
cultura através de uma abordagem sobre as interconexões de quadros de memória dos diferentes
atores que participaram desses processos. Um estudo de caso sobre o bairro do Recife e terri-
tórios em conexão como o Cais José Estelita trazendo à tona questões como economia criativa,
cooperação público-privada, modelos de cidade-mercadoria e especulação imobiliária.
A memória das reconfigurações dos usos do patrimônio no bairro foram analisadas a
partir da década de noventa tendo como marco o surgimento do movimento Manguebeat3. A
1
Doutora em Memória Social – UNIRIO. E-mail: clyra2@gmail.com
2
Emergindo da “periferia da periferia”, da lama, o Manguebit (como foi chamado pelos grupos que o consti-
tuíam), ou mangue beat (como ficou conhecido por meio da mídia nacional), vai transformar a cidade do Recife
(PRYSTHON, 2005).
3
Emergindo da “periferia da periferia”, da lama, o Manguebit (como foi chamado pelos grupos que o consti-
tuíam), ou mangue beat (como ficou conhecido por meio da mídia nacional), vai transformar a cidade do Recife
(PRYSTHON, 2005).

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Teoria Ator-Rede foi uma ferramenta metodológica utilizada para desvendar a inter-relação en-
tre o Movimento Manguebeat, a criação do Porto Digital e as políticas de regeneração urbana e
cultura através de uma abordagem sobre as interconexões de quadros de memória dos diferentes
atores que participaram desses processos. Um estudo de caso sobre o bairro do Recife e terri-
tórios em conexão como o Cais José Estelita trazendo à tona questões como economia criativa,
cooperação público-privada, modelos de cidade-mercadoria e especulação imobiliária.

2. COMPLEXO TURÍSTICO-CULTURAL E EQUIPAMENTOS CULTURAIS


Ribeira do Mar dos Arrecifes dos Navios4. Cinco séculos nos separam das viagens ul-
tramarítimas. O Plano para o Complexo Turístico-Cultural Recife Olinda - “No Território do
Passado - a contrução do Futuro” elaborado a partir de 2003 consistiu no desafio de representar
cenários no espaço e no tempo de um mundo globalizado para atração de turistas para Recife
(PREFEITURA DO RECIFE, 2007). O plano estratégico tinha como objetivo geral oferecer
propostas e instrumentos para promover a integração do planejamento e gestão territorial com
a gestão das atividades turístico-culturais na região, que compreende os núcleos históricos de
Recife e Olinda e seus eixos de conexão. No relatório do Plano, são discutidos fundamentos bá-
sicos para o reconhecimento da identidade da região e reflexões sobre a questão da pluralidade
cultural e marcos consagrados na defesa do patrimônio material e imaterial5.
O Complexo Cultural é definido como “território que sintetiza a expressão da cultura
local e que pode tornar esta identidade como vetor estratégico para seu desenvolvimento”. A
classificação de territórios culturais foi realizada tendo como fundamento o agrupamento de
bens culturais de natureza material e bens culturais de caráter imaterial. Em 2003, a equipe
responsável pela elaboração do Plano do Complexo Turístico Recife - Olinda realizou o levanta-
mento dos equipamentos culturais do Bairro do Recife e das circunvizinhanças. De acordo com
o relatório, o principal referencial tomado para a classificação do “equipamento cultural”6 foi
levar em consideração a atividade nele exercida, buscando também “identificar de forma mais
abrangente suas relações com a expressão das manifestações artísticas e dos valores culturais,
assim como também o significado que uma edificação ou espaço determinado assume em ter-
mos da representação da memória coletiva”.
O diagnóstico do Complexo Turístico Cultural Recife-Olinda identificou o Porto Digi-
tal como ator do processo de transformação do centro do Recife em polo de desenvolvimento

4
Menção de Duarte Coelho (1537) ao vilarejo portuário de colonização portuguesa que surgiu em função do co-
mércio de importação e exportação na capitania hereditária de Pernambuco.
5
Este plano foi elaborado durante a gestão do PT na esfera municipal (João Paulo) e federal (Governo Lula).
6
O relatório define “equipamentos culturais” como espaços ou edificações que consolidariam a principal feição
formal da cultura local expressa no território compostas por expressões de significativo valor religioso, histórico,
arquitetônico (2003; p.41).

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caracterizado pela relação de parceria público-privado. Desta forma, o Governo de Pernambu-


co celebrou um Contrato de Gestão com o Núcleo de Gestão do Porto Digital7, com o objetivo
de construir a cooperação técnica para apoiar, implementar e acompanhar o desenvolvimento
de estudos de viabilidade do Projeto de Requalificação Urbanística, Expansão Imobiliária e
Atração de Investidores para a zona já referenciada. O projeto do Complexo foi bastante dis-
cutido, entretanto, as notícias sobre ele na mídia cessaram em 2008, ao mesmo tempo em que
acontecia o leilão do terreno e o processo de aprovação do Projeto Novo Recife para o Cais
José Estelita8.

3. O PORTO DIGITAL E A REGENERAÇÃO DO BAIRRO DO RECIFE


No ano 2000, o Governo do Estado de Pernambuco lançou o projeto Porto Digital Em-
preendimentos e Ambiente Tecnológico. O Bairro do Recife foi escolhido para este projeto por
apresentar uma disponibilidade de espaços ociosos e custo relativamente baixo para empresas,
localização central na malha urbana, capacidade de impulsionar a revitalização do bairro históri-
co e resgatar o caráter funcional e simbólico do local; e, por apresentar uma grande oferta de equi-
pamentos e manifestações culturais exigidas pelos novos grupos de investidores (GIRÃO, 2005).
No ano 2000, o Governo do Estado de Pernambuco lançou o projeto Porto Digital Em-
preendimentos e Ambiente Tecnológico. O Bairro do Recife foi escolhido para este projeto por
apresentar uma disponibilidade de espaços ociosos e custo relativamente baixo para empresas,
localização central na malha urbana, capacidade de impulsionar a revitalização do bairro históri-
co e resgatar o caráter funcional e simbólico do local; e, por apresentar uma grande oferta de equi-
pamentos e manifestações culturais exigidas pelos novos grupos de investidores (GIRÃO, 2005).
Historicamente, a iniciativa privada teve pouca participação na conservação dos centros
históricos na América Latina. A partir dos anos 1990 - ponto de mutação das políticas de rege-
neração - esse quadro mudou, pois o setor passou a ser parceiro fundamental no financiamento
dos projetos de regeneração de áreas patrimoniais. Os sistemas de financiamento dos projetos de
regeneração dependem dos esquemas de gestão, especialmente da composição dos organismos
decisórios que controlam a aplicação dos recursos, isto é, da composição e do papel dos atores
produtivos privados, especialmente os do mercado imobiliário (ZANCHETI, 2011).
O Porto Digital é definido como um parque tecnológico e sistema local de inovação e tem
como função garantir a propagação de novos produtos para exportação dispondo de duas incuba-
doras: a C.A.I.S. do Porto e a incubadora do Portomídia. A incubadora C.A.I.S. do Porto (Centro

7
DECRETO Nº 23.212, DE 20 DE ABRIL DE 2001 - Qualifica a Associação Núcleo de Gestão do Porto Digital
como Organização Social - OS.
8
Sobre o processo de ocupação do Cais José Estelita ver: LYRA, Carla. #OcupeEstelita: a construção do imaginá-
rio da resistência. In: Latinidade. Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 23-32, jul./dez. 2014.

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de Apoio de Integração e Suporte a Novos Empreendimentos de TIC) tem como principal objeti-
vo dar suporte a startups de TIC voltadas para o desenvolvimento de soluções para problemas da
economia pernambucana e que se apresentem, também, em outros contextos regionais, nacionais
e internacionais, de modo a garantir condições de crescimento e escalabilidade do negócio9.
O cluster tecnológico como instrumento de regeneração urbana surge como uma alter-
nativa ao desenvolvimento das metrópoles contemporâneas que tiveram parte de seus territó-
rios desqualificados neste processo de 30 anos de reestruturação produtiva, desindustrialização
e reindustrialização. Em dez anos, o Porto Digital se transformou em um cluster10 com 103
organizações entre empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), serviços es-
pecializados e órgãos de fomento, empregando cerca de 6,5 mil pessoas e faturando cerca de
R$1 bilhão (faturamento estimado em 2010)11. Este cluster que opera no território do Bairro do
Recife é um dos principais polos de tecnologia do Brasil impulsionando o setor de tecnologia
de Pernambuco, que representava apenas 0,8% do PIB em 2000 e passou para 4,8% em 2008
(BERBEL, 2008).
O fenômeno das transformações urbanas e sua relação com a globalização foi analisado
por Castells (1999). O autor analisou a crise financeira internacional no início dos anos 90 e
demonstrou a vulnerabilidade das cidades em relação aos fluxos globais em transformação. Para
isto, elaborou conceitos para explicar a relação entre espaço e práticas sociais tais como: fluxos/
espaço de fluxos, fluxos de rede/infraestrutura tecnológica, rede de comunicação/ferrovias. As-
sim sendo, para analisar a regeneração ocorrida no bairro do Recife Antigo é necessário com-
preender a integração global dos mercados financeiros, as redes interativas de computadores e
o papel do Estado na inovação tecnológica, as novas formas históricas de interação, controle e
transformação social no contexto da década de noventa com os processos de desregulamenta-
ção, privatização, desmantelamento do contrato social entre capital e trabalho. Como coloca o
autor, os principais processos de geração de conhecimentos, produtividade econômica, poder
político/militar e a comunicação via mídia estão transformados pelo paradigma informacional e
conectados a redes globais de riqueza, poder e símbolos.
Neste contexto, David Harvey (2005) analisa o relacionamento entre o Estado e o fun-
cionamento do modo capitalista de produção, assim como, as conexões entre a formação da ide-
ologia dominante, a definição do “interesse comum ilusório” na forma do Estado e os interesses
específicos reais da (s) classe(s) dirigente(s):

9
Disponível em: <http://www.portodigital.org/>.
10
Clusters são concentrações geográficas de empresas e instituições interconectadas por uma determinada área de
interesse. Os clusters incluem fornecedores de serviços especializados, tais como componentes, máquinas e infra-es-
trutura e alcançariam canais e consumidores e, de forma lateral, produtores de bens complementares. Além disso, os
clusters também incluem, muitas vezes, instituições governamentais, de pesquisa e universidades. Exemplos mais
conhecidos: Vale do Silício e a indústria cinematográfica de Hollywood (Porter,1998 APUD BERBEL, 2008).
11
Dados coletados na página do Porto Digital. Disponível em:< www.portodigital.org>.

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Esse tipo de governança urbana se orienta principalmente para a cria-


ção de padrões locais de investimentos, não apenas em infra-estruturas
físicas, como transportes e comunicações, instalações portuárias, sane-
amento básico, fornecimento de água, mas também em infra-estrutu-
ras sociais de educação, ciência e tecnologia, controle social, cultura e
qualidade de vida. O propósito é gerar sinergia suficiente no processo
de urbanização, para que se criem e se obtenham rendas monopolistas
tanto pelos interesses privados como pelos poderes estatais”. (HAR-
VEY, 2005; p.232).
É a partir deste quadro que podem ser compreendidas as políticas elaboradas para a
criação de clusters de negócios criativos no bairro do Recife e as políticas de Economia Criati-
va. Este desenho de políticas seria o resultado de inovações culturais, políticas, de produção e
consumo de base urbana. Numa perspectiva crítica, de acordo com Harvey (2005), existiria uma
conexão vital subterrânea entre a ascensão do empreendedorismo urbano e a inclinação pós-mo-
derna para o projeto de fragmentos urbanos, no lugar de um planejamento urbano abrangente, a
exemplo de Houston, Dallas, Denver e o Vale do Silício nos Estados Unidos.

4. EM BUSCA DE UM NOVO PARADIGMA:


CIDADES E ECONOMIA CRIATIVA (2008)
As transformações no bairro do Recife estão também relacionadas às políticas de Econo-
mia Criativa no segundo ciclo da gestão Eduardo Campos (PSB) entre 2007 e 2014. A cidade do
Recife iniciou um debate sobre Cidades Criativas e Economia Criativa a partir da criação da Se-
cretaria de Economia Criativa do MINC12 em 2008. Em função de sua importância crescente, esta
nova economia criativa despertaria interesse de governos através de estudos e políticas para fo-
mentar o setor. De acordo com Vaz (2004), é principalmente através da cultura que as cidades po-
derão se individualizar, acentuando suas identidades e marcando seu lugar no panorama mundial.
A proliferação de imagens, eventos, festivais, ícones arquitetônicos, espaços públicos renovados
seriam a matéria-prima do marketing urbano. Com a cidade pós-industrial, são difundidas novas
formas de intervenção através dos planos estratégicos e dos projetos urbanos focados na produção
de serviços, informações, símbolos, valores, estética, conhecimento e tecnologia a exemplo do
Plano do Complexo Turístico Cultural Recife Olinda e da implementação do Porto Digital.
O processo de regeneração urbana do bairro também utiliza a bricolagem e, ao longo do
tempo, assimila processos europeus de revitalização. Na década de 1990, a reabilitação urbana
de base cultural havia se tornado regra na Europa legitimada pela abordagem de cidade criativa
(MILES, 2012). As transformações urbanas nas cidades criativas estão pautadas por referências
elaboradas pelos planejadores das cidades europeias - cenários, sujeitos, discursos e práticas
Informações coletadas a partir de entrevista e do página do Ministério da Cultura. Disponível em: < http://www.
12

cultura.gov.br/secretaria-da-economia-criativa-sec>.

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numa nova configuração de memórias e experiências. Para Miles (2012), a cidade criativa é
uma cidade socialmente fragmentada e na qual se valoriza a cultura entendida como as artes, em
detrimento da cultura enquanto articulação de valores partilhados no cotidiano.
Um dos exemplos europeus que inspirou a elaboração de políticas culturais e urbanís-
ticas em Recife nos últimas décadas foi Barcelona. A Prefeitura de Barcelona promoveu um
programa de revitalização econômica, social e urbanística na cidade - especialmente em seu
Distrito 2213 - para os Jogos Olímpicos de 1992. O Modelo Barcelona consistiu não apenas em
um projeto urbano, mas principalmente em uma operação imobiliária composta de uma ideia de
cidade acoplada a uma programação econômica e financeira, cujo sucesso estaria condicionado
a gestão de uma sociedade com forma jurídica autônoma (PONTUAL, 2007).
Essa transformação em Barcelona foi um processo longo e contínuo que durou mais de
vinte anos. A partir de 2001, a prefeitura passou a desenvolver ações de planejamento e gestão
urbanística, infraestrutura avançada, edificação e inserção de projetos corporativos e de clusters,
baseada no conceito de cidade inteligente e compacta14. As mudanças promovidas foram orien-
tadas a fim de criar uma região com infraestrutura de ponta, que combinasse espaços públicos e
privados, com áreas verdes coletivas para, desta forma, atrair indústrias, instituições de ensino
e pesquisa e serviços de apoio, gerando sinergias e estimulando a criação de uma sociedade
intensiva em conhecimento.
Pardo (2010) descreve marcas, memória e aprendizados para reinventar Barcelona e seu
processo de abertura para o mar com intervenções profundas nos mais de quatro quilômetros
de praias públicas, conectadas por passeios e dispondo de serviços básicos. A canalização e a
gestão das águas pluviais foi finalizada garantindo a limpeza e a salubridade da areia das praias e
das águas, bem como eliminando todas as construções industriais. O legado dos jogos de 92 foi a
imagem cultural de Barcelona com alto valor econômico, ingrediente fundamental para a retro-
alimentação dos processos de mudança e fator fundamental da coesão social do projeto coletivo
da cidade. Entretanto, algumas medidas da política cultural no planejamento dos equipamentos
culturais indicam que a estratégia implementada enfrenta grandes contradições e limitações com
relação à participação da comunidade artística e da comunidade local.
O modelo Barcelona também foi analisado por Manuel Delgado (2007) a partir de uma
perspectiva antropológica revelando a criação de cidades-commodities ou cidades-negócio -
produzidas através de dinâmicas globalizadoras de internacionalização de um modelo de inter-
venção urbana aliada aos interesses de grandes corporações multinacionais. As cidades seriam
convertidas em produto de consumo através de estratégias de marketing promovido pelo capital

Ver Plano Municipal de Cultura da cidade do Recife elaborado em 2009.


13

Ver El proyecto @22Barcelona. Disponível em: http://www.redbcm.com.br/arquivos/cidadescriativas/barcelo-


14

na.pdf. Acesso em 28 abr. 2015 e o sítio web – Barcelona 22 disponível em: <http://www.22barcelona.com/>.

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financeiro e imobiliário, assim como, pela indústria do turismo e do entretenimento. Este mode-
lo possuiria, desta forma, um caráter intervencionista, tecnocrático e manipulações da noção de
diversidade cultural como slogan publicitário, a invenção de “lugares de memória” e “políticas
monumentalizadoras”. O modelo de cidade-negócio elabora o seu conceito de memória partindo
da escolha de acontecimentos históricos e imagens produzindo uma memória coletiva oficial e
institucionalizada que passaria a orientar o uso prático e simbólico do espaço urbano. No caso
do Recife, o modelo do Projeto Novo Recife - com a construção de doze torres no Cais José
Estelita - iniciou a destruição dos galpões de açúcar, assim como, para erguer o Cais do Sertão
é derrubado o Armazém 10 apagando a arquitetura da memória portuária.

5. PORTO DIGITAL E A ECONOMIA CRIATIVA EM PERNAMBUCO


As expressões “economia criativa” e “indústrias criativas” são relativamente recentes e
constituem produtos da “terceira revolução industrial” relacionados diretamente ao paradigma
de produção da sociedade contemporânea baseada na era pós-industrial, pós-fordista, do co-
nhecimento, da informação e do aprendizado (MIGUÉZ, 2007). No Reino Unido, o conceito
foi utilizado para contextualizar o programa de indústrias criativas elaborado como resposta a
um quadro socioeconômico pós-industrial global no programa de reposicionamento mundial da
imagem do país - Creative Britain ou Cool Britain. No Brasil, o termo surgiria em 2004 com o
encontro promovido pela UNCTAD e sistematizado no documento “Consenso de São Paulo”.
A Economia Criativa, por sua vez, abrangeria, além das indústrias criativas, o impacto de seus
bens e serviços em outros setores e processos da economia e nas conexões que se estabelece-
riam entre eles. Como consequência, desencadearia mudanças sociais, organizacionais, políti-
cas, educacionais e econômicas (REIS, 2010).
A crescente importância da cadeia da economia criativa nas últimas décadas motivou o
aumento do interesse do Brasil pela área. O Plano Brasil Criativo (BRASIL, 2011) define qua-
tro forças que impulsionam o desenvolvimento: a organização flexível da produção, a difusão
das inovações e do conhecimento, a mudança e adaptação das instituições e o desenvolvimento
urbano do território resultado de uma dinâmica econômica local. Este plano apresenta um es-
copo dos setores criativos15 em concordância com os parâmetros da UNESCO16 onde o setor do
patrimônio imaterial é considerado tradicional, por ser transmitido por gerações, e vivo, por ser
transformado, recriado e ampliado pelas comunidades e sociedades em suas interações e práti-
cas sociais, culturais, com o meio ambiente e com a sua própria história. Os recursos culturais
urbanos incluem, não apenas o patrimônio histórico, industrial e artístico, as paisagens e os
15
Os setores criativos são aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador
de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em produção de
riqueza cultural, econômica e social.
16
Disponível em: < http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/intangible-heritage/>.

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marcos urbanos, mas também, o patrimônio imaterial - tradições, festivais, rituais, gastronomia,
lazer entre outros.
De acordo com o relatório de atividades do Porto Digital, existe no Recife um enor-
me potencial nos setores ligados à economia criativa. “Tais atividades, suportadas por uma
base sólida de tecnologia da informação, possibilita o lançamento do Recife e de Pernambuco
como exportadores de serviços ligados à economia criativa de classe mundial, em especial nas
áreas de design, jogos e cine-animação” (PORTO DIGITAL, 2013). O Programa Pernambuco
Criativo/Governo do Estado de Pernambuco que faz parte do Planejamento 2012 - 2015 está
alinhado com o Plano de Economia Criativa do Governo Federal e foi definido como um “pro-
grama de articulação, fomento e estímulo ao desenvolvimento das cadeias produtivas criativas,
envolvendo um plano de ações para o horizonte de 04 anos em 07 eixos de atuação”. As Metas
Estratégicas da Nova Economia são: consolidar o desenvolvimento, gerar emprego e renda, pro-
mover a Economia do Conhecimento e a Inovação, aumentar e qualificar a infraestrutura para o
desenvolvimento.
O Planejamento 2012 - 2015 apresentou também uma cronologia da execução da Políti-
ca de Economia Criativa cujo debate despontou com força em 2008. Um dos setores contempla-
dos foi a cadeia do audiovisual que, a partir de 2009, foi fortalecida pelo Fundo Pernambucano
de Incentivo à Cultura (Funcultura/PE)17. Em 2011, foi criado o GT de Economia Criativa18
como parte do Programa Polo Metropolitano do Governo Estadual, que tinha como objetivo
construir uma nova experiência de uso e sustentabilidade de equipamentos públicos e incluía
outros centros culturais como a Fábrica Tacaruna e Centro de Referência da Moda. Foram pen-
sados também polos para Olinda e para o interior de Pernambuco: Goiana, Caruaru, Garanhuns,
Arcoverde, Salgueiro e Petrolina.

6. DO MOVIMENTO MANGUEBEAT AO CLUSTER DE NEGÓCIOS


CRIATIVOS (2013)
Em 2013, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado contratou a Fundação
Gilberto Freyre para realização de um estudo estratégico para implantação de um potencial clus-
ter metropolitano de negócios criativos entre as duas cidades, que teve como objetivo analisar
estratégias capazes de fomentar ações entre o Bairro do Recife e o Sítio Histórico de Olinda
(FUNDAÇÃO GILBERTO FREYRE, 2013). O estudo da Fundação Gilberto Freyre contextu-
aliza a tradição de criatividade e inovação que se estende do porto do Bairro do Recife à colina
histórica de Olinda – na perspectiva da ciência, tecnologia e arte – demarcando três períodos:

Disponível em: <http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/funcultura/editais/o-que-e-2/>.


17

O Núcleo Gestor foi formado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, AD/Diper, Secretaria Estadual de
18

Cultura, FUNDARPE, Secretaria de Tecnologia e Porto Digital.

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1) o período holandês e a retomada portuguesa de 1630 até 1750; 2) segunda metade do século
XIX até os anos 1960; 3) retomada cultural e tecnológica a partir dos anos 1990 com o movi-
mento Manguebeat e a constituição do polo de tecnologia da informação do bairro do Recife
onde o movimento Manguebeat é apontado como marco referencial da cultura e das artes e a
implantação de um polo de tecnologia e inovação no Bairro do Recife como marco tecnológico.
O documento define cluster no mundo da indústria como “uma concentração de empre-
sas que se comunicam por possuírem características semelhantes e coabitarem no mesmo local.
Elas colaboram entre si e, assim, se tornam mais eficientes”. A estratégia de ressignificação do
território Recife/Olinda pelos negócios criativos se apoia na ênfase em negócios transmídia e
na articulação sinérgica de 5 hubs19 em implantação ou a serem implantados/adaptados: Por-
tomídia, Polo da Moda20, Museu Luiz Gonzaga – Cais do Sertão no bairro do Recife, Fábrica
Tacaruna em Peixinhos, Museu do Futuro Imaginário em Olinda.
Na ausência de uma articulação e continuidade de projetos como o Plano do Complexo
Cultural, surgem políticas de negócios centradas em territórios específicos, a exemplo dos clus-
ters de negócios criativos e novas controvérsias relacionadas a sua arquitetura institucional e po-
lítica. Um análise dessas controvérsias pode ser vista em Bayardo (2013) que enfoca a noção de
indústrias criativas e sua relação com as políticas culturais a partir do caso da cidade de Buenos,
descrevendo o contexto da instalação de uma dinâmica setorial que omite os antecedentes em po-
líticas culturais para legitimar políticas públicas de ordem econômica e social. O autor argumenta
que as indústrias criativas aparentam envolver políticas culturais, porém diluem os contornos
emanados de seu fundamento nos direitos culturais e na realização da cidadania. As indústrias
criativas muitas vezes fazem desaparecer as políticas culturais sob políticas econômicas e sociais
orientadas a gerar investimentos, renda, comércio externo, emprego e empreendedorismo.
Enquanto o Complexo Cultural pensava a descentralização das atividades culturais, estas
novas políticas concentram suas ações na área portuária ocupada pelo Porto Digital que, por sua
vez, possui conexões com as iniciativas pública e privada. O Cais do Sertão faz parte do Proje-
to Porto Novo21. O texto no site do Porto do Recife define os projetos Porto Novo (iniciativa
pública) e Porto Novo Recife (iniciativa privada) como “grandes obras, nas quais o Porto do
Recife, através do Governo de Pernambuco e da iniciativa privada, devolvem à cidade espaços
antes dedicados à operação portuária”. Um grande projeto de requalificação e reurbanização de
áreas nobres que vai dialogar e enriquecer as opções de lazer, cultura, comércio, arqueologia e
turismo do Bairro do Recife”22.
19
Um hub funciona como a peça central, que recebe os sinais transmitidos pelas estações e os retransmite para
todas as demais. Todas as placas são ligadas ao hub ou switch, que serve como uma central, de onde os sinais de
um micro são retransmitidos para os demais.
20
Disponível em: <http://www.marcopemoda.com.br/>.
21
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8ApJamaQN_4>.
22
Disponível em: <http://www.portodorecife.pe.gov.br/conheca_portonovo.php>.

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O Cais do Sertão recebeu a visita de 83 instituições públicas (4.330 visitantes), 93 pri-


vadas (5.531 visitantes), tendo realizado atendimento especial de 519 pessoas e cerca de 11.050
visitas mediadas em 3 meses de acordo com o relatório de atividades do segundo semestre de
2014. Em 2015, o Porto Digital comemorou seus quinze anos de existência no bairro do Recife.
Entre os seus resultados, a instalação de 260 empresas e a geração de oito mil empregos com um
faturamento de um bilhão e trezentos mil reais por ano23 e a conquista pela segunda vez do título
de melhor parque tecnológico do país.
A revitalização do Porto do Recife e o Parque Tecnológico consolidam uma rede de
parcerias público-privadas no território do bairro do Recife e criam novos fluxos turísticos e
equipamentos culturais redirecionamdo o fluxo de investimentos na cidade. Novas conexões são
estabelecidas e outros lugares de memória “esvaziados”. Bairros que possuem um patrimônio
cultural tombado e espaços culturais como o Pátio de São Pedro, muitas vezes não são integrados
a esses novos circuitos. Ao mesmo tempo, projetos e programas são redesenhados e as mudanças
políticas “engavetam” processos e planejamentos participativos. Espaços culturais que tem a sua
governança afetada por fatores externos e necessitam de novas parcerias para se (re) inventar.
O Plano do Complexo Cultural previa a revitalização da Fábrica Tacaruna. O conjunto
fabril foi tombado em 1994 como patrimônio histórico e artístico pelo Governo Estadual e,
em 1996, foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação. Em 2000, o governo
anunciou a criação do Centro Cultural Tacaruna que, se transformou em 2009 em uma nova
promessa: o Centro de Cidadania Padre Henrique que teria três cinemas, três teatros, um museu
virtual, um espaço para gravação e edição de música, cinema e vídeo em formato digital, uma
escola integral e um centro de cidadania. A Fábrica acabou cedida para o Centro de Pesquisa,
Desenvolvimento, Inovação e Engenharia Automotiva da Fiat Chrysler em 201524.
A notícia de que a Fábrica Tacaruna seria utilizada para outros fins gerou uma polêmica
na cidade25 e repercurtiu nas redes sociais onde foi criado o grupo “A Fábrica é Nossa”26. Mais
uma vez o Porto Digital se destaca no processo e articulação de novos setores da economia
envolvendo o desenvolvimento de softwares e tecnologia e, enquanto o Parque tecnológico
se fortalece e expande o seu território no bairro de Recife, Santo Antônio e Santo Amaro, as
obras e equipamentos culturais previstos para os Núcleos do Complexo Cultural Recife/Olinda
foram caracterizadas por descontinuidades e controvérsias: Território Recife (Casa da Cultura),
Território Tacaruna (Fábrica Tacaruna) e o Cais José Estelita. Uma cartografia de projetos, pro-
23
Dados do vídeo institucional em comemoração aos 15 anos do Porto Digital e do relatório de atividades do Cais
do Sertão, 2014.
24
Disponível em: <http://al-pe.jusbrasil.com.br/noticias/115487787/deputados-repercutem-uso-da-fabrica-tacaru-
na-como-centro-de-pesquisa-da-fiat>.
25
Disponível em: <http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2014/04/08/internas_viver,498156/
uso-da-fabrica-tacaruna-como-polo-de-pesquisas-enterra-projeto-cultural.shtml>.
26
Disponível em: <https://www.facebook.com/afabricaenossa>.

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gramas e legislações que são modificadas por fluxos e pela dinâmica das atividades econômicas
e “flutuações” políticas. Naufrágio ou nau frágil? Equipamentos culturais como âncoras de cul-
tura que absorvem investimentos sem continuidade das suas funções e objetivos originais nos
últimos vinte anos e sem garantia de sustentabilidade – palimpsestos da memória da governança
no Brasil e sua arquitetura político-cultural. Equipamentos culturais são fechados e a população
(re) ocupa espaços a exemplo do #Ocupe Estelita, do Ocuparque e a Fábrica Tacaruna é Nossa
reivindicando o direito à cultura, à memória e à cidade.

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O PAPEL REGULATÓRIO DO ESTADO NA ECONOMIA DA CULTURA.


Carlos Alberto Cerqueira dos Santos1

RESUMO: O artigo visa analisar o papel regulatório estatal na economia cultural a partir de uma
leitura do conceito de regulação com uma abordagem a respeito dos respectivos instrumentos de
intervenção, reservando especial atenção à ação dos municípios.

PALAVRAS-CHAVE: Regulação, economia, cultura, intervenção estatal.

1. INTRODUÇÃO. COLOCAÇÃO DO TEMA


Qualquer tentativa de traçar um papel do Estado com relação a cultura de um modo ge-
ral – a regulação econômica para fins deste estudo – passa pelo seu reconhecimento como uma
preocupação estatal, e a consequente institucionalização.

1.1 Cultura como preocupação estatal


A colocação da questão da influência das políticas culturais no desenvolvimento do Es-
tado, seja no viés humano, econômico ou político, encontrou oportunidade em diversos debates
setoriais na Europa e América, dentre eles o promovido na Conferência Mundial sobre as Políti-
cas Culturais (MONDIACULT, México, 1982) em que se consignou alguns princípios que pas-
sariam a balizar a instrumentalização da atuação estatal nas últimas décadas (SICSUR, 2012).
São eles: a identidade cultural, a importância da promoção e valorização da diversidade;
a dimensão cultural do desenvolvimento, a valorização dos fatores culturais para um desenvol-
vimento equilibrado; cultura e democracia, descentralização dos espaços e aproximação a toda
a população; patrimônio cultural, proteção das obras materiais e imateriais refletidoras da criati-
vidade de um povo; criação e educação artística, facilitação e fomento da criação nacional com
estimulo a consciência sobre a importância da arte e da criação intelectual; e a relação entre
cultura, educação, ciência e comunicação, elaboração de políticas complementares e harmôni-
cas (UNESCO-CMPPC, 1982).

1
Bacharel em Direito e Mestrando em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ, e-mail: car-
los.acesan@gmail.com.

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Delimitados os princípios de atuação que foram ampliados e desenvolvidos de acordo


com as experiências dos diversos países envolvidos – tome-se, com relação ao Brasil, o exem-
plo mais recente de planificação na Lei 12.343 de 2010 (Plano Nacional de Cultura) proposto
pelo Ministério da Cultura –, necessário se faz demarcar o alcance das competências dos órgãos
públicos no trato da cultura tanto como importante vetor de desenvolvimento social quanto
econômico por meio da profissionalização e crescimento da denominada “indústria cultural”2.
A cultura recebe investimentos públicos desde recursos humanos à gestão e proteção
do patrimônio, passando pela manutenção e disponibilização de equipamentos culturais, orga-
nização e apoio a eventos e manifestações populares, aos incentivos e patrocínios a projetos
dos mais variados direcionamentos, abarcando os três níveis de governo e sendo, inclusive, de
difícil mensuração.
Este desafio foi acolhido pela Fundação Getúlio Vargas que em 2015 publicou uma pes-
quisa denominada “A cultura na economia brasileira” que se popôs a fazer uma análise socioe-
conômica do setor cultural brasileiro em suas três dimensões, o orçamento público, o mercado
de trabalho e o consumo das famílias (FGV, 2015). O levantamento dos dados e sua interpreta-
ção técnica tomou como base o orçamento anual aprovado, o total empenhado e a evolução dos
gastos públicos no setor apreciado.
Importante se faz destacar que, inclusive para fins das ideias a serem desenvolvidas neste
trabalho, o Plano Nacional de Cultura – MinC (Lei 12.343 de 2010) estabelece a compreensão
da cultura a partir de três prismas: o simbólico, consubstanciado no patrimônio cultural em suas
diversas nuances; o cidadão, ligado a ideia de cultura como direito social constitucional; e o
econômico, racionado as potencialidades da indústria criativa, seja pela geração de empregos,
seja pela geração de renda pelo empreendedorismo e o desenvolvimento da cadeia produtiva.
A análise feita pela FGV, considerando o orçamento de 2013, expõe que o valor aprova-
do nas três esferas de governo chegou a patamar de aproximadamente US$ 4,8 bilhões, sendo a
maior parcela dos estados (US$ 1.9 bi), seguido pelos municípios (US$ 1.8 bi), demostrando a
importante participação destes que costumam empenhar quase a totalidade dos valores aprova-
dos anualmente. Além disso, da aplicação dos recursos pela União estimados em US$ 1.1 bi, 6%
foram destinados a transferências para estados e municípios (FGV, 2015).
Destaca-se também o crescimento da participação no orçamento brasileiro ao longo dos
anos 2000. No intervalo entre os anos de 2003 a 2013, houve crescimento de cerca de 16,1% ao
ano, o dobro do crescimento anual do orçamento total (8,02%), acumula-se 346% com relação
a cultura frente ao 87% referente ao orçamento total.

Cf. as diretrizes “QUALIFICAR A GESTÃO CULTURAL” e “ESTRUTURAR E REGULAR A ECONOMIA


2

DA CULTURA” traçadas pelo plano nacional, anexo da Lei 12.343 de 2010.

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Assim, o referido estudo encontra relevância ao demonstrar a importância econômica do


setor cultural e sua potencial função para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro, com
soluções criativas e sustentáveis. Dá-se relevo ao papel do Estado no incentivo, controle e dire-
cionamento de uma prospera atividade produtiva por meio da denominada intervenção estatal no
domínio econômico cujos contornos serão a seguir analisados, delimitando objeto deste artigo.

1.2 Intervenção estatal na economia da cultura


A forma e intensidade da intervenção estatal possuiu característica diversas de acordo
com o momento histórico da evolução do Estado, assumindo nuances características no modelo
Liberal, Social e Democrático de Direito (ou pós-social) em que se consagrou a figura de “Esta-
do Regulador”. A dedicação do texto constitucional de 1988 à ordem econômica e o desenvolvi-
mento em todas as esferas federativas pode ser indicada como um grande motor para a evolução
acadêmica do tratamento pelos juristas da função interventiva do Estado na economia.
Trata-se da mais delicada função do Estado na ordem econômica estabelecida pela Cons-
tituição da República, pois cuida da ingerência do governo na liberdade de empresa e na eco-
nomia de mercado, “mediante imposições administrativas destinadas a corrigir distorções que
atentem contra a soberania nacional, a função social da propriedade, a livre concorrência e a
liberdade de escolha do consumidor” (MOREIRA NETO, 2014, p 660), assim como em face
da justiça social que reflete as finalidades de redução das desigualdades regionais e sociais e a
valorização do trabalho.
O artigo 174 da carta constitucional estabelece as bases do que se tem como um conceito
amplo de regulação que exclui, considerando a classificação de intervenção direta e indireta, a
atuação do “Estado empresário”, compreendendo o condicionamento por lei ou ato normati-
vo, disciplina e direcionamento da atividade privada.3 Preceitua-se que o Estado como agente
normativo e regulador da atividade econômica exercerá as funções de fiscalização incentivo e
planejamento.
Daí se pode identificar o fomento público, a planificação econômica e a regulação
propriamente dita que constitui um sentido restrito do termo 4. A função incentivadora se dis-
tancia da regulação, conforme o conceito que será tratado mais adiante, por meio da ausência
de autoexecutoriedade e a bilateralidade da intervenção.
3
Em doutrina se sustenta a conceituação do termo regulação em três âmbitos de sentido, amplo, intermediário e
restrito, sendo o proposto neste trabalho como intermediário. Prefere-se a abordagem utilizada, tendo como parâ-
metro a classificação de intervenção direta e indireta, pois, caso contrário, o conceito de regulação se confundiria
com o de intervenção no domínio econômico (Por todos, OLIVEIRA, 2013).
4
O professor Alexandre Aragão exclui, em obra referência sobre o tema, do conceito de regulação a atuação como
fomentador, rejeita a classificação adotada por meio de uma concepção mais restrita do termo, enquadrando ambas
atividades como espécies do gênero “intervenção do Estado na economia”. Note-se, porém, que não há diferenças
práticas no tratamento da matéria pela adoção de uma ou outra classificação, apenas útil para fins de sistematização
metodológica (ARAGÃO, 2002, p. 23)

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No âmbito deste trabalho, não se analisará a atuação do Estado no campo do fomento


público, o Estado-incentivador, pois tema para outra oportunidade; em vez disso, serão tratados
os aspectos da regulação propriamente dita que compreende as atividades de condicionamento e
disciplina em geral, mais especificamente a sua aplicação na economia da cultura.
Para tanto adota-se o conceito proposto por Alexandre dos Santos Aragão para quem a
regulação é
“o conjunto de medidas legislativas, administrativas, convencionais,
materiais ou econômicas, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado,
de maneira restritiva da atividade empresarial ou meramente indutiva,
determina, controla, ou influência o comportamento dos agentes eco-
nômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco
da constituição e os orientando em direções socialmente desejáveis”
(ARAGÃO, 2012, p. 292).
Este conceito traz elementos interessantes para o delineamento da atuação regulatória
estatal na economia, não sendo diferente para a área cultural. Assim, delimitado o tema que se
pretende avaliar, cumpre desenvolvê-lo.

2. LEITURA DA ATUAÇÃO ESTATAL NA CULTURA A PARTIR DO CONCEITO


DE REGULAÇÃO
Sobre a economia da cultura Sérgio Sá Leitão expôs que, pelo ponto de vista da econo-
mia, identifica-se “como o conjunto de atividades econômicas relacionadas a cultura”, um cam-
po da economia; por outro lado, pelo ponto de vista cultural, “trata-se do conjunto de atividades
culturais com impacto econômico”, isto é, que venha a gerar valor econômico, além do cultural,
uma dimensão da cultura (LEITÃO, 2007, p. 197), evidenciando a existência do valor social e
econômico no tratamento do tema, um duplo valor.
Esta abordagem tende a demonstrar a necessidade de uma leitura da regulação no cená-
rio em apreço com atenção a premissas metodológicas diferenciadas, embora não se pretenda
escapar do conceito anteriormente proposto, uma vez que na exposição a ser desenvolvida serão
examinados institutos e concepções intuitivas, assim como instrumentos pouco usuais em outros
palcos regulatórios5.
O papel de controle, indução e influência no comportamento dos agentes econômicos em
homenagem à interesses sociais definidos no marco da constituição e orientando em direções
socialmente desejáveis, assume maior relevo no trato da economia da cultura pelo referido du-
5
Cumpre alertar que a indústria áudio visual, além do papel de destaque no meio cultural, possui um tratamento
diferenciado com relação as demais manifestações, estando, inclusive, mais próxima do modelo regulatório habitual
– assumindo relevo a atuação da agência reguladora ANCINE –, muito disso se deve a política institucional diferen-
ciada de apoio que recebeu o referido setor ao longo da história de seu desenvolvimento no Brasil, além de sua pla-
nificação exclusiva e maior abertura para regulamentação. Diante disso, este estudo manter-se-á afastado da análise
do setor audiovisual, embora muitas das ideias a serem desenvolvidas poderão ser a ele igualmente aplicáveis.

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plo valor. Embora a atividade ordenadora não dispense o caráter normativo, a este não se limita,
ficando latente na abordagem regulatória da cultura o destaque recebido pelas demais funções,
sobretudo as ligadas a concretização das ações constantes dos planos e as intervenções de cará-
ter econômico-indutivas. Sobre o assunto sempre se apresenta a diferenciação entre a regulação
e a regulamentação (GUERRA, 2004, p. 13-27).
As competências típicas do regulador que podem se manifestar de forma parcial ou con-
junta, presta-se, a um só tempo, a “assegurar as condições de exploração de dada atividade
econômica e à consecução de objetivos públicos consentâneos com os princípios da ordem
econômica” como na lição do professor Floriano de Azevedo Marques Neto para quem o Estado
pode “exercer regulação sobre atividades consideradas serviço público ou não. Naquelas a re-
gulação é imprescindível e prevalecente, nas outras há de ser menos intensa, mas nem por isso
desnecessária” (MARQUES, 2004, p. 211-214).
O papel regulador não depende da adjudicação de serviço público, tampouco da existên-
cia de relações de parceria com os agentes privados. Também não se cogita a imprescindibilida-
de da existência de agências reguladoras, o órgão responsável pode ser ou não dotado de perso-
nalidade jurídica, tendo como um de seus objetivos principais a tutela dos usuários da atividade
regulada, no caso em exame, não só dos consumidores de cultura, mas também dos artistas, pois
não se valoriza apenas o produto, mas também a manifestação geradora de patrimônio material
e imaterial.
Conforme se destacou, a atividade regulatória transcende o aspecto ordenatório, não
excluindo outros tipos de relação, notoriamente na área cultural isso toma maior relevo, poden-
do se vislumbrar nas relações de meio como de parceiro ou utente, ou nas finalísticas como de
fornecedor ou indutor de atividades socialmente interessantes. Isto exposto, cumpre aprofundar
a analise destes instrumentos.

3. INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO REGULATÓRIA NA


ECONOMIA CULTURAL
A partir do conceito de regulação e do papel executado pelo Estado na área cultural é pos-
sível tratar da análise de instrumentos dos quais se poderá lançar mão na busca dos objetivos de in-
dução, controle e direcionamento pelos meios econômico ou materiais, abstrata ou concretamente.
Cumpre ressaltar que a enumeração aqui proposta não tem a pretensão de ser exaustiva,
em vez disso, espera-se analisar o viés regulatório de instrumentos já utilizados pelo Estado na
área cultural ou cuja tendência já se pode vislumbrar, não havendo prejuízo para o diagnóstico
ou criação de outros mecanismos. Isto, pois, “a relação entre o Estado e a economia é dialética,
dinâmica e mutável, sempre variando segundo as contingências políticas, ideológicas e econô-
micas”, revelando-se uma relação de mútua ingerência e limitação (ARAGÃO, 2002, p. 21).

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Objetiva-se dar uma ótica própria como parte de uma maior política pública para instru-
mentos que podem ser – ou já são – usualmente utilizados por gestores públicos na persecução
das ações que cabem ao Estado no desenvolvimento da economia da cultura, tais como:
(a) “formular e implementar políticas públicas de cultura tendo em vis-
ta a elevação do grau de acesso ao consumo, a defesa da diversidade
cultural, a capacitação de técnicos e empreendedores, a formação de
públicos, o estímulo à criação, à produção e à distribuição, a promoção
de exportações e a valorização dos conteúdos nacionais; (b) produzir e
apoiar a produção e disponibilização de levantamentos de dados, além
de pesquisas e estudos sobre diversos aspectos relacionados ao tema, a
fim de permiti uma melhor quantificação e também ajudar a qualificar o
debate, a formulação e a avaliação das políticas públicas”, como forma
de democratização e participação dos agentes e consumidores; (c) “re-
gular as práticas econômicas tendo em vista o equilíbrio dos mercados e
a mediação entre o interesse das empresas e o interesse público” (LEI-
TÃO, 2007, p. 203).

3.1 Planejamento Econômico


Em um primeiro momento é necessário falar sobre planejamento econômico mesmo
tendo em vista a ressalva de que não se trata de um instrumento de regulação (entendida de
forma restrita), pois constitui uma espécie do gênero intervenção no domínio econômico. A
localização neste momento do trabalho se dá mais por razões metodológicas do que técnicas,
tendo em vista a importância para a leitura dos instrumentos.
Entretanto, esta estratégia tem lugar na medida em que “a constituição tem, no plane-
jamento, o ponto chave para todos os demais instrumentos de intervenção, por via do qual,
identificado o quadro existente (diagnóstico do mercado) é elaborado um prognóstico, prevendo
as ações a serem desenvolvidas” (SOUTO, 2000, p. xi). É na planificação que se define as ativi-
dades, ações e mecanismos necessários ao atingimento dos objetivos do Estado.
Segundo Sérgio de Andréa Ferreira o planejamento é “ um processo, a atividade de
aplicação de um sistema racional de escolhas entre um conjunto de alternativas reais de investi-
mentos e de outras possibilidades para o desenvolvimento, baseado na consideração dos custos
e benefícios econômicos e sociais” (FERREIRA, 1980, p.19).
Em outras palavras, o planejamento representa a escolha política de um curso de ações,
dentre outras alternativas, para alcançar determinados objetivos e finalidades públicas, como um
processo em que a “planificação é o resultado e o plano é o documento que o formaliza” (FER-
REIRA, 1980, p.19).
A constituição de 1988 incorporou esta ideia de sistema, dando à planificação papel de
destaque no Estado Regulador ao dispor no artigo 174 que “Como agente normativo e regulador

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da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo


e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
Mais que isso: o constituinte ao mesmo tempo que reconhece a intervenção, baliza os limites pelo
inequívoco reconhecimento do caráter facultativo do direcionamento para a iniciativa privada.
A Lei Maior dispõe também, no parágrafo 1º do mesmo artigo, que “a lei estabelecerá as
diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorpora-
rá e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”. Nesse sentido, com
relação ao tema deste estudo, há a recomendação do §3º do artigo 215, atualmente concretizado
no Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343 de 2010) e o Plano Plurianual (art. 165, §1º) que in-
corpora as diretrizes, objetivos e metas do investimento da Administração e baliza a elaboração
dos programas nacionais, regionais e setoriais (§4º), sem prejuízo da concepção de orçamento-
-programa anual.
De acordo com estas premissas, faz-se necessário visitar a Lei 12.343 de 2010 que ins-
tituiu o Plano Nacional de Cultura – PNC para a proposição dos instrumentos a serem tratados
a partir do próximo tópico. Nesse sentido, é importante iluminar, em especial, o disposto nos
incisos I, V e X do artigo 3º, segundo os quais compete ao poder público:
“I - formular políticas públicas e programas que conduzam à efetivação
dos objetivos, diretrizes e metas do Plano;  V - promover e estimular o
acesso à produção e ao empreendimento cultural; a circulação e o inter-
câmbio de bens, serviços e conteúdos culturais; e o contato e a fruição
do público com a arte e a cultura de forma universal; X - regular o
mercado interno, estimulando os produtos culturais brasileiros com
o objetivo de reduzir desigualdades sociais e regionais, profissiona-
lizando os agentes culturais, formalizando o mercado e qualifican-
do as relações de trabalho na cultura, consolidando e ampliando
os níveis de emprego e renda, fortalecendo redes de colaboração,
valorizando empreendimentos de economia solidária e controlando
abusos de poder econômico;” (grifei).
Estas competências refletem, sem detrimento das demais, as diretrizes estratégias e
ações que cabem ao Estado no fortalecimento de sua função na institucionalização da cultura
por meio de políticas públicas. No âmbito da análise dos instrumentos propostos serão apro-
fundados os conceitos.

3.2 Equipamentos públicos de cultura e criação de ambientes


O PNC trata do equipamento culturais ao dispor sobre o acesso à cultura e delimita as
duas principais facetas da intervenção regulatória, a qualidade do serviço posto ao consumidor da
cultura – relacionado ao “acesso à arte, à cultura, à memória e ao conhecimento para o exercício
pleno da cidadania e para a formação da subjetividade e dos valores sociais” – e a qualificação e

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desenvolvimento da produção cultural – “gerando suporte aos produtores das diversas manifesta-
ções criativas, alargando possibilidades de inovação e resultado, pressupondo novas conexões e
cooperação institucional entre artistas, criadores, mestres produtores e gestores culturais.
Note-se o lugar de destaque que ocupam os equipamentos culturais na criação de am-
bientes aptos a sediar o desenvolvimento da economia da cultura em seus diversos aspectos,
com relevo para as ações e estratégias de formalização e fidelização de público, ampliação do
acesso à fruição cultural para demandas específicas da sociedade (como inclusão e acessibilida-
de), expansão do consumo como estímulo a formação de mercado de bens e serviços culturais,
manutenção e infraestrutura para garantir e incentivar padrões de qualidade e, dentre outras, a
geração de informação e pesquisa no setor.
No campo da rede de equipamentos culturais públicos, a atuação regulatória se dá: a) de
forma ostensiva, pelo aspecto da normatização administrativa a que se sujeita o agente cogestor
ou utilizador do espaço, por meio do qual se pode estabelecer padrões de contratação em confor-
midade com a planificação ou; b) discreta, pela geração de influência no mercado.

3.3 Controle de preços e democratização do consumo


A democratização do consumo também se situa na esfera do acesso, da garantia a todos,
independentemente da condição social, da fruição de cultura desde as mais populares as mais
eruditas. Nesse cenário se coloca a discussão sobre a barreira representada pelo preço dos pro-
dutos culturais.
Inegável que a regulação dos preços praticados na economia é um dos mais sensíveis no
tratamento do tema, muito em função da tensão que pode gerar pela aproximação aos limites da
intervenção do Estado, consubstanciados na isonomia, propriedade, ato jurídico perfeito, livre
exercício da atividade econômica e o justo lucro.
Não se advoga aqui a impropriedade do controle de preços, tanto que o tratamos como
um instrumento de intervenção, porém cabe ressaltar a necessidade de se fazer com apoio ao
devido processo legal e ao consensualismo administrativo, para que não se considere um preço
como arbitrário ou elevado sem a devida análise casuística.
No ambiente cultural o debate torna-se mais complicado em virtude do valor social além
do econômico, pois não se exige que os preços sejam apenas justos, mas também, acessíveis a
todos, incentivando a formação de público e a universalidade.
No âmbito deste instrumento se colocam de forma direta as leis de meia entrada e gra-
tuidades, em um ponto de vista ordenador, e outros atos administrativos de forma indireta, por
meio dos equipamentos públicos, em um ponto de vista de influência econômica, seja pelo limi-
te de valor nas bilheterias ou por outras políticas de acesso (meias e gratuidades).

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3.4 Licitações e desenvolvimento


O PNC ao dispor sobre a estruturação e regulação da economia da cultura aponta para a
construção de modelos sustentáveis, estimulando e formalizando a cadeia produtiva, ampliando
o mercado de trabalho, o emprego e a geração de renda, criando e atualizando os mecanismos
de atuação.
Abordar a função regulatória da licitação consiste em identificar dentre as funções tradi-
cionalmente reconhecidas pela doutrina como precípuas à ideia de licitar – os objetivos tipica-
mente apontados são a garantia da proposta mais vantajosa para a administração e o respeito à
isonomia entre os participantes do certame – o uso do referido instrumento para atingir outros
valores que não aqueles tradicionalmente perseguidos.
Além disso, com atenção a redação atual dada ao artigo 3º da Lei 8.666/93, pela lei
12.349, que significou a inclusão pelo legislador da promoção do desenvolvimento nacional
sustentável como objetivo, o uso da licitação como instrumento de regulação do mercado passou
a ser parte da atividade interventiva da administração pública na economia.
Na lição do Professor Marçal Justen Filho consiste em “aproveitar a oportunidade da
contratação para fomentar o desenvolvimento nacional” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 450). Neste
sentido, a redação do “caput” do art. 3º da lei de Licitações que mencionou expressamente o de-
senvolvimento nacional, dando ampla guarida a tal interpretação, demonstrando a adesão a uma
tendência verificada na legislação, como na dispensa de licitação para indução de determinadas
atividades, a preferência de produtos nacionais e os requisitos de habilitação como forma de
estimular a adimplência para com a seguridade social, dentre outros.
É inegável a magnitude dos recursos gastos para que a administração pública compre
bens e contrate serviços. Há um verdadeiro poder de compra, pois, sua necessidade pode ser
utilizada como instrumento de influência na economia. Assim, o procedimento licitatório e o
contrato buscam, além de obter o técnico e economicamente mais vantajoso e garantir a isonomia,
promover outros objetivos constitucionalmente tutelados, especialmente relacionados à redução
das desigualdades e ao desenvolvimento econômico e social (ARAGÃO, 2012, p. 325).
Notadamente, para fins deste trabalho, na realidade da economia da cultura, a primeira
noção corresponde ao poder de compra do poder público, por meio do qual se pode vislumbrar
o impacto das contratações em orientar as práticas do mercado para direções socialmente dese-
jáveis; a segunda corresponde ao desenvolvimento de modelos de negócio, introduzindo susten-
tabilidade e profissionalismo aos agentes.
Na análise da licitação como reguladora de mercado é útil examinar os contratos de co-
gestão e de contratação artísticas que podem prever nos instrumentos convocatórios ou licitató-
rios elementos e ou modelos de negócio, com cláusulas de sustentabilidade e, até mesmo, requi-

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sitos técnicos ou fáticos que restrinjam a competitividade, desde que anterior e justificadamente
tendam a atingir o objetivo almejado de forma proporcional a restrição dos direitos envolvidos.

3.5 Normatização, recomendação, orientação e capacitação de agentes culturais


Também com relação à diretriz de institucionalização da cultura, coloca-se o instrumen-
to estatal de regulação na função de cooperação entre os órgãos públicos e a iniciativa privada
no sentido do desenvolvimento do setor.
Consiste em um conjunto de atividade de ordenação, pesquisa, geração de dados para
acompanhamento quantitativo e qualitativo, criação de estratégias de integração e difusão de
espaços para dialogo e troca de aprendizado e experiência entre os gestores e agentes culturais.
A ferramentas vão desde a instituição e atualização de normas regulatórias (marcos le-
gais), passam por programas de capacitação e profissionalização de agentes, gestores e produto-
res culturais, apoio técnico a pequenas iniciativas locais e ao associativismo, ao estímulo para o
estudo e formação de sistemas públicos de informação.

4. ATUAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL: OS MUNICÍPIOS


Notoriamente, os municípios dentro da estrutura federativa assumem papel de destaque
na implementação de políticas públicas culturais levando-se em consideração institucionaliza-
ção como estratégia de desenvolvimento social e econômico na ideia de duplo valor da cultura.
Esta reflexão se coloca a partir da própria relação do Estado com a cultura que é, tra-
dicionalmente para os antropólogos, de criador e criatura, sendo aquele fruto desta (MEIRA,
2007, p. 162-163). Assim, “se o Estado não é produtor de cultura nem instrumento para o seu
consumo, que relação pode ele ter com ela? Pode concebê-la como um direito do cidadão, e,
portanto, assegurar o direito de acesso”, o direito de fruição, o direito de criar, produzir e de par-
ticipar das decisões sobre políticas culturais (CHAUÍ, 2006, p.162-163). Mais que isso: trata-se
do papel de difusor e protetor das manifestações culturais dos mais variados matizes e assegurar
a participação social como corolário do Estado Democrático de Direito.
Soma-se a esta constatação, as características naturais de uma sociedade étnico e cultu-
ralmente diversificada como a brasileira e o dever de garantir o direito à diversidade cultural ou
à interculturalidade, em um debate mais moderno.
Nesse contexto os municípios estão mais próximos da realidade das manifestações desde
as mais singelas às mais complexamente arraigadas no modo ser, viver e falar de seus cidadãos.
Revela, dessa forma, maior capacidade institucional em realizar o papel declinado pela consti-
tuição de forma comum às três esferas da federação.
Os instrumentos propostos neste trabalho, como se viu, podem ser identificados em
práticas e políticas já implementadas, ainda que de forma incipiente, em diversos municípios,

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Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016

carecendo apenas de uma nova ótica para suas estruturas na sofisticação do seu tratamento e
desenvolvimento, visando aos objetivos de, sem detrimento de outros: a) incentivar as manifes-
tações culturais do município por meio da difusão e valorização das expressões artísticas e da
cultura local; b) criar oportunidades de acesso à produção cultural brasileira em âmbito local
como forma de ampliar os espaços de diálogo e interação entre as manifestações; c) propiciar à
comunidade local o reconhecimento de sua identidade cultural por intermédio da preservação
e cultivo à memória; proporcionar às comunidades locais o desenvolvimento socioeconômico,
geração de renda e trabalho por meio da economia da cultura (indústria cultural).

5. CONCLUSÃO
Ao longo do presente artigo buscou-se identificar a importância econômica do setor cul-
tural e sua potencial função para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro, com soluções
criativas e sustentáveis, a partir do que se denominou duplo valor da economia cultural.
Uma leitura a partir do conceito de regulação estatal foi proposto para iluminar a atuação
estatal no setor, evidenciando as características e examinando instrumentos a serem utilizados
para disciplina e incentivar a iniciativa econômica de acordo com planos de desenvolvimento.
Não houve, portanto, a ousadia de querer discorrer sobre todas as técnicas de interven-
ção, tampouco sobre todos os instrumentos de possível utilização pelo Estado na regulação da
economia da cultura, tema demasiadamente amplo, em vez disso almejou-se relacionar algumas
técnicas – em parte já conhecidas – com o planejamento econômico do setor cultural, estabele-
cendo o liame com o reconhecimento de um papel regulador.
Estabeleceu-se neste trabalho as bases que, embora singelas, expõem os elementos aptos
a dar início à discussão sobre a atuação estatal nas três esferas de governo, por meio dos aspectos
dos deveres e responsabilidades socioeconômicas, dedicando especial atenção aos municípios
que – julga-se – exercem papel fundamental. Se tais ideias tiverem o condão de despertar a re-
flexão sobre as questões declinadas, terão atingido seu objetivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MEIRA, Márcio. “Institucionalidade pública da gestão cultural no Brasil”. in: Políticas públicas de
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REDE WEB DE MUSEUS: ACESSO AOS ACERVOS MUSEOLÓGICOS


DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Carlos Henrique Marcondes1
Elenora Nobre Machado2
Éricka Madeira3

RESUMO: Apresenta a Rede Web de Museus do Estado do Rio de Janeiro enquanto política
que objetiva ampliar o acesso aos acervos os museus do estado através da disponibilização
de fichas de peças museológica de diferentes acervos e suas imagens no portal Web da Rede.
Discute as potencialidades da Web para os museus como meio de alcançarem um público mais
amplo e necessidade de considerá-la nas políticas museológicas. Discorre sobre as políticas
da Superintendência de Museus. Mecanismos de cooperação e fomento da Rede são descritos
e a sua plataforma tecnológica – um sistema de base de dados compartilhada, voltado para a
disponibilização na Web de acervos e suas imagens, e para sua gestão, é apresentada. Futuros
desenvolvimentos da Rede, como organização e a criação de novas funcionalidades para o
sistema, como exposições e aulas virtuais, são apresentados.

PALAVRAS-CHAVE: políticas culturais, museus na Web, base de dados museológica, gestão


de acervos, documentação museológica

1. INTRODUÇÃO
A Web é cada vez mais onipresente nas atividades humanas, sejam elas educacionais,
econômicas, políticas, sociais ou culturais. Naturalmente que uma plataforma tão abrangente
como Web não deixaria de influenciar os museus e a maneira como desenvolvem suas atividades.
Estudo desenvolvido pelo Instituto Nacional de Museus e Serviços de Biblioteca dos
EUA em 2008 sobre a utilização de museus e a Internet (http://interconnectionsreport.org/), con-
cluiu que “the amount of use of the Internet is positively correlated with the number of in-person
visits to museums.” Assim, pode-se esperar que a Web, por si só, represente um incremento na
visitação e divulgação dos museus. No entanto a Web tem um potencial muito maior que esse
para as instituições de preservação da memória e cultura e para os museus em especial.

1
Profº Drº Depto. de Ciência da Informação, UFF, marcon@vm.uff.br.
2
Coordenadora de Museologia, Superintendência de Museus/SEC-RJ, elenora.cultura@gmail.com.
3
Gerente de Projetos Museológicos, Superintendência de Museus/SEC-RJ, emsouza.cultura@gmail.com.

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A Web e os formatos digitais de conteúdos tornam os museus e seus acervos acessíveis a


um público muito mais amplo do que seria possível num museu presencial. Ela vem se tornando
um instrumento sem precedentes para a disseminação desses acervos, a um público cada vez
muito mais amplo, a qualquer hora, de qualquer lugar, através de dispositivos como computado-
res convencionais até “smartphones” (HSI, 2002). A Web pode contribuir assim para democra-
tizar o acesso a estes conteúdos, antes só disponíveis ao público presencial. A possibilidade de
disseminarem seus acervos através da Web amplia os papeis e justificativas sociais, educacio-
nais e culturais dos museus. Hoje se torna cada vez mais necessário que os museus levem em
conta a Web e suas possibilidades em suas políticas.
Em consonância a essa nova realidade, ao potencial que a Web representa nos dias atu-
ais, às vantagens que um trabalho em rede pode oferecer no compartilhamento, disseminação
e disponibilização de informações e conhecimento, além da necessidade da realização de um
controle eficaz dos acervos dos museus, a Secretaria de Estado de Cultura (SEC) e a Fundação
Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (FUNARJ) desenvolveram o Projeto
Rede Web de Museus.
A Rede Web de Museus do Estado do Rio de Janeiro tem como objetivo ampliar o acesso
aos acervos dos museus do estado, tornando-se instrumento de uma política pública que visa a
cooperação, integração participação, compartilhamento e preservação da memória dos museus
do estado, através de seus acervos, disponibilizando-os a partir do portal Web da Rede (://www.
museusdoestado.rj.gov.br/). Neste sítio usuários podem consultar os acervos de diferentes mu-
seus do estado através de palavras-chave digitadas num formulário de busca. São recuperadas
fichas descritivas das peças que correspondam às palavras-chave, acompanhadas de uma ou
mais imagens das peças.
O SISGAM – Sistema Web de Gestão de Acervos Museológicos -, plataforma tecnoló-
gica da Rede, é um ambiente colaborativo que permite aos museus vinculados compartilharem
uma base de dados comum, disponibilizarem e gerenciarem seus acervos utilizando padrões e
metodologias comuns. Fichas individuais de cada peça catalogada podem ser associadas à suas
imagens digitais. Uma vez catalogadas as pecas e suas imagens podem ser consultadas a partir
do portal da Rede na Web.
Este trabalho é o relato de uma experiência; tem como objetivo apresentar a Rede Web de
Museus do Estado do Rio de Janeiro enquanto política pública para ampliar o acesso aos acervos
de seus museus através da sua disponibilização na Web e viabilizar a cooperação entre museus
do estado. O trabalho está organizado da seguinte maneira: na seção 2 é discutida a importância
da Web e a necessidade destes considerarem a Web na formulação de suas políticas; na seção 3 é
apresentada a Rede Web de Museus do Estado do Rio de Janeiro, sua proposta, seus objetivos e
seus instrumentos; na seção 4 são apresentadas as funcionalidades da plataforma Web da rede; a

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seção 5 apresenta a Superintendência de Museus a Rede Web e suas políticas culturais vigentes
na área de museus, nas quais se insere a Rede; por fim por fim, na seção 6, são apresentadas as
considerações finais e os desenvolvimentos futuros da Rede.

2. MUSEUS NA WEB
Como o estudo mencionado anteriormente confirma, a Web aumenta a visitação aos
museus. Ferramentas como Facebook, Instagram e Twitter permitem hoje aos museus terem mi-
lhares de “seguidores” e divulgarem assim suas atividades e muitos museus, de fato, já as veem
utilizando. Contudo, a possibilidade de alcançar um público muito mais amplo que o público
presencial é a maior potencialidade trazida pela Web. Esta potencialidade vem sendo explorada,
a exemplo do que já existia para outras instituições de memória e cultura como as bibliotecas,
por exemplo, para criação de catálogos “online” dos acervos e também, exposições virtuais.
Catálogos museológicos na Web são ferramentas de busca que contêm registros de peças
da coleção do museu. Podem contemplar a coleção inteira ou estarem segmentados por subco-
leções ou exposições específicas. Além disso, na maioria das vezes, entradas dos catálogos são
acompanhadas de imagens das peças, permitindo a experiência com coleções museológicas a
um público muito mais amplo.
Variantes dos catálogos “online” são as exposições virtuais, sobre temas ou coleções
específicas. No momento em que este trabalho estava sendo escrito uma pesquisa aleatória com
o tema “virtual museum” na ferramenta de busca Google permitiu identificar: “Online Tou-
rs”, British Museum, (://www.britishmuseum.org/explore/online_tours.aspx); “Online Tours”,
Louvre, Paris, (http://www.louvre.fr/en/visites-en-ligne); Virtual Tour do National Museum of
Natural History, EUA, (http://www.mnh.si.edu/panoramas/); exposição do escultor americano
Alexander Calder, na National Gallery of Art, Washington, EUA, (http://www.nga.gov/exhibi-
tions/calder/realsp/room1-enter.htm), as “Online Exibits” do Museum of the History of Science
(http://www.mhs.ox.ac.uk/exhibits/).
A Web também trouxe a possibilidade e o novo conceito de Web museus, aqueles que não
têm uma existência física e só realizam suas atividades através da Web. Estes museus reúnem
coleções de imagens de objetos específicos, como o The Virtual Diego Rivera Web Museum
(http://www.diegorivera.com/), o Museu da Pessoa (http://www.museudapessoa.net/pt/home),
ou, o que é bastante inovador, fichas e imagens de objetos que pertençam a diferentes museus
num único sítio Web; exemplos são o Web Museum (http://www.ibiblio.org/wm/) e a Web Gal-
lery of Arts (http://www.wga.hu/).
A Web também amplia a capacidade dos museus se comunicarem entre si e articularem
suas atividades. Várias redes de museus articulam-se através da Web, com finalidades diversas,
como projetos educacionais conjuntos (The Museumnetwork, http://www.museumnetworkuk.

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org/elearning/), busca de oportunidades de fundos e financiamento (NEMO – Network of Mu-


seums Organization, http://www.ne-mo.org/), cooperação técnica (Spectrum, http://www.col-
lectionstrust.org.uk/spectrum), cooperação internacional (Ibermuseus – Rede de Museus da
Ibero-america, http://www.ibermuseus.org). Um projeto que se assemelha à proposta da Rede
Web de Museus do Estado do Rio de Janeiro é o catálogo coletivo Artefacts Canada, de acervos
de museus canadenses, mantido pelo CHIN - The Canadian Heritage Information Network –,
http://www.pro.rcip-chin.gc.ca/artefacts/index-eng.jsp.
Juntamente com novas possibilidades a Web traz também novos desafios para os mu-
seus, ampliando as perspectivas profissionais e necessidades de capacitação para enfrentar estes
desafios. Tópicos como arquitetura de informação de sítios Web de museus, digitalização e re-
gistro fotográfico de acervos, curadoria e preservação dos novos acervos digitais, são demandas
cada vez mais urgentes a serem incluídas na agenda de formação e capacitação dos profissionais
de museus. Desafiante também é a possibilidade trazida pela Web e pelas tecnologias da assim
chamada Web semântica, de integrar acervos de instituições arquivísticas, bibliotecas e museus
(RINEHART, 2003), (MARCONDES, 2015).
As potencialidades que a Web traz para os museus vêm sendo discutidas sistematica-
mente no evento anual “Museums and the Web” (http://mw2014.museumsandtheweb.com/). O
evento ocorre sistematicamente desde 1997 e este ano ocorreu sua 18ª. edição.

3. A REDE WEB DE MUSEUS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ENQUANTO


UMA POLÍTICA PÚBLICA
Como foi visto o advento de novas tecnologias de informação transformaram a forma
de comunicação do museu com seu público. Depositários de privilegiados aspectos da herança
cultural de uma sociedade, museus são levados a procurar os novos caminhos oferecidos pelas
tecnologias Web para se fazer representar ou realizar seus programas em um ambiente virtual,
integrando-os com um público novo, acostumado à velocidade quase instantânea e à realidade
virtual, através de redes e sistemas integrados.
Ao lado das novas funcionalidades de integração com o público o museu continuou a
realizar o tratamento técnico de seu acervo, documentando-o e tratando adequadamente as suas
informações, atividades fundamentais para o gerenciamento e segurança desses acervos, facili-
tando a sua disponibilização, acesso e disseminação.
Em consonância a essa nova realidade e atentos a necessidade de um controle eficaz de
seus acervos, em 2008, a Superintendência de Museus da Secretaria de Cultura do Estado do Rio
de Janeiro (SEC) e a Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (FUNARJ),
desenvolveram o projeto REDE DE MUSEUS.

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Com o patrocínio da Oi, através da Lei de Incentivo à Cultura, e apoio do PRODERJ4, o


projeto REDE DE MUSEUS teve como principais propostas: interligar através da Web os acer-
vos das unidades museológicas vinculadas a FUNARJ/SEC, acessíveis através de um navegador
comum, migrar para um novo sistema de gerenciamento de acervos museológicos e atualizar a
base de dados de suas unidades disponibilizando-a através de sua página institucional.
Essas propostas visaram ampliar, utilizando as facilidades da Web, o potencial cultural,
artístico e educativo dos acervos dos museus, tornando os seus conteúdos informacionais aces-
síveis a um público mais amplo. Este objetivo esta alinhado com a diretriz do Plano Nacional
de Cultura, de “Universalizar o acesso dos brasileiros à fruição e à produção cultura” (PLANO
NACIONAL SETORIAL DE MUSEUS, 2010).Além disso, pretendeu otimizar o controle e a
segurança das coleções desses museus.
O SISGAM, plataforma de gestão e registro de acervos, desenvolvida neste projeto, foi o
responsável pela interligação das unidades museológicas vinculadas àSEC, através de um sistema
comum, utilizando normas e padrões que permitiram um melhor gerenciamento de seus acervos.
Dado aos bons resultados obtidos com a utilização do SISGAM e considerando o poten-
cial que a Web representa nos dias atuais, às vantagens que um trabalho em rede pode oferecer
no compartilhamento, disseminação e disponibilização de informações e conhecimento, além
da necessidade da realização de um controle eficaz dos acervos dos museus,em novembro de
2013, a SEC, recebeu novamente recursos da OI, através da Lei de Incentivo à Cultura, para
dar prosseguimento ao Projeto Rede de Museus, agora denominado Rede Web de Museus. O
novo projeto visa estabelecer uma política estadual integrada e colaborativa para os museus
do Estado do Rio de Janeiro facilitando o compartilhamento e gerenciamento de informações
relativas aos acervos destas instituições, através de sua adesão à rede e a utilização do Sistema
de Gerenciamento de Acervos Museológicos (SISGAM) pelas instituições que fazem parte do
Sistema Estadual de Museus (SIM/RJ).
Em 21 de maio de 2014 foi criada oficialmente, a Rede Web de Museus do Estado do
Rio de Janeiro, através da Portaria no. 513 da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado
do Rio de Janeiro (FUNARJ). A Rede tem como principal objetivo oferecer uma infraestrutu-
ra gerencial, tecnológica e de padronização que permita dinamizar a gestão cooperativa sobre
os acervos dos museus do Estado, tendo em vista a ampliação do acesso, a oferta dos serviços
integrados e a presença na Web. Para isso, dispõe de um conjunto de instrumentos normativos,
metodológicos, tecnológicos e gerenciais e do portal unificado de consulta pública para disponi-
bilizar aos seus colaboradores.

4
PRODERJ, Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio de Janeiro, http://www.pro-
derj.rj.gov.br/.

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A política e o fomento implícitos na proposta da Rede partem do pressuposto que, com


seus próprios recursos, a presença de um museu na Web envolve infraestrutura tecnológica,
tecnologia, expertise e custos bastante significativos. Ao fomentar estes recursos e torná-los
disponíveis aos museus do estado, a Rede se constitui num instrumento político para fomentar
a ampliação do acesso a estes acervos, a oferta de serviços integrados e a presença na Web
desses acervos.
Iniciada em 2008 a partir dos museus pertencentes à SEC/RJ, hoje, fazem parte da rede
24 instituições museológicas com cerca de 55.000 itens de acervo cadastrados e suas respecti-
vas imagens.
Instituições como o Museu das Telecomunicações Oi Futuro, museu privado, o Museu
Histórico da Cidade (MHC), pertencente à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, o Museu
Casa Scliar, de Cabo Frio, o Museu Internacional de Arte Naif (MIAN) e Centro de Documen-
tação da Fundação Theatro Municipal do Rio de Janeiro são alguns dos museus que estão pre-
sentes na Rede.
Em vias de aderir à Rede estão os museus vinculados à Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como o Museu D. João VI, Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz, Centro de Estu-
dos e Pesquisas/Museu Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro e o Museu do Bonde.
Importante ressaltar que na Rede estão presentes museus pertencentes às esferas mu-
nicipais, estaduais e federais, todos localizados no Estado do Rio de Janeiro e cadastrados no
Sistema Estadual de Museus.
A adesão à Rede de Museus poderá ser feita de duas formas: colaborativa e plena. A ade-
são colaborativa destina-se às instituições que possuem um Sistema próprio de documentação,
mas que passam a integrar de forma colaborativa a Rede Web de Museus. Os dados dos siste-
mas dessas instituições – um conjunto básico de campos de catalogação e suas imagens - são
migrados para o SISGAM e passam a ser disponibilizados no portal da Rede. Membros colabo-
rativos participam da Rede e agregam seus acervos ao portal, permitindo a pesquisa integrada
nas coleções suas a partir da ferramenta de busca do portal, proporcionando assim novas opções
de curadoria, de pesquisa e de geração de conhecimento.
A adesão plena destina-se às instituições que não possuem sistema próprio de documen-
tação e gerenciamento de acervo, que passam a integrar a Rede como usuárias do SISGAM. Isto
significa utilizar não somente sua ferramenta de busca sobre a base de dados coletiva de acervos,
mas também suas funções de acesso restrito, destinadas ao gerenciamento de acervos.
A Rede se baseia em normas comuns de tratamento de acervos museológicos, cabendo a
Superintendência de Museus orientar e auxiliar as instituições em suas demandas. Um conjunto
de 28 campos, vários dos quais são repetitivos, compõe a ficha de descrição dos objetos museo-
lógicos no SISGAM. A identificação destes campos e respectivas regras de entrada de dados são

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descritas no Manual do usuário do SISGAM (2012). Além destes 28 campos, cada ficha pode
incluir uma ou mais imagens de cada peça.

4. A PLATAFORMA TECNOLÓGICA DA REDE


A plataforma tecnológica da Rede, o SISGAM, vem sendo utilizado nos museus vin-
culados à SEC com êxito, desde 2008. Através dela os museus realizam um controle eficaz do
patrimônio museológico sob sua a guarda, que envolve desde a entrada do objeto no museu, sua
pesquisa, conservação, circulação e segurança até a sua disponibilização na web.
É um sistema que oferece dois conjuntos básicos de funcionalidades. Em primeiro lugar
o sistema se constitui num mecanismo de busca sobre a base de dados de acervos museológi-
cos onde estão armazenadas fichas de objetos, associadas a uma ou mais imagens das pecas
correspondentes. Esta base de dados é separada por museu, permitindo assim que a base seja
compartilhada por acervos de vários museus. Através de uma ferramenta de busca a base pode
ser pesquisada por palavras-chave que correspondem ao conteúdo de todos os campos da ficha
museológica, como tipo de objeto, título, autor, material, técnica, descrição, data, etc. Muitos
dos campos têmseu conteúdo controlado, através de tabelas do sistema, como: tipos de objetos,
autores, materiais, técnicas, etc.
A interface Web de busca do SISGAM para os usuários pode ser vista na figura seguinte.

Figura 1: Interface de busca do SISGAM

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Além de permitir uma busca transversal em todos os acervos dos museus da rede, o
SISGAM também possui um conjunto de funcionalidades voltado para a gestão de acervos
museológicos. Estas funcionalidades estão disponíveis somente para acesso restrito, isto é, aos
usuários cadastrados no sistema.
Através das funcionalidades de acesso restrito curadores, museólogos e documentalistas
tem a sua disposição funções como registro das peças, manutenção das tabelas de padronização
do sistema, registro das transações ocorridas em cada peça e emissão de relatórios diversos.
A base de dados do SISGAM esta dividida em dois tipos de registros: registros de fichas
de objetos e, vinculados a estes, registros de transações ocorridas numa determinada peça. O
sistema prevê a possibilidade de registrar, para cada ficha museológica, as transações ocorridas
no objeto. Estão previstos os seguintes tipos de transações: avaliação do estado de conservação,
avaliação monetária, conservação/restauração, empréstimo e cessão, participação em exposi-
ções, baixa de acervo e histórico de publicações. As diversas transações ficam agregadas à ficha
do objeto, permitindo ao gestor registrar e consultar todas as ocorrências relacionadas à peça ao
longo de sua trajetória.
As funções para gestão de acervos do SISGAM, de acesso restrito, podem ser vistas na
seguinte figura.

Figura 2: Funções para gestão de acervos do SISGAM

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Imagens digitais das peças e o registro sistemático de informações sobre as mesmas,


além de viabilizarem a disponibilização dessas imagens através da Web, contribuem também
para a preservação e segurança dos acervos. Hoje muitos museus interessados em participar da
Rede, não têm ainda seus acervos, ou pelo menos seus “destaques”, digitalizados. No intuito
de padronizar as catalogações das instituições colaborativas, a Rede adotou um conjunto de
campos básicos para o registro de uma obra - Object ID (http://archives.icom.museum/objectid/
about.html), iniciativa do Instituto Getty, que permite identificar inequivocadamente uma peça,
evitando o comércio ilegal de objetos de roubados.
Outro instrumento chave usado para compatibilizar a descrição das peças dos diferen-
tes museus da Rede é o Thesaurus de Acervos Museológicos, desenvolvido por Helena Dodd
Ferrez e Maria Helena Bianchini (1987) As categorias do Thesaurus, ao serem empregadas na
classificação/descrição das peças dos diferentes museus da Rede, têm um papel fundamental ao
agregarem registros de peças de tipologias diferenciadas. Encontra-se em andamento projeto
que visa a ampliação e atualização deste instrumento para atender esta diversidade de acervos
que compõe a Rede.
Oferecer informações padronizadas foi uma das principais iniciativas da Rede Web de
Museus que, visando promover maior intercâmbio entre as suas bases de dados e facilitar a recu-
peração da informação de seus acervos, desenvolveu o Manual do Usuário do SISGAM (2012),
para ser utilizado pelos técnicos dos museus que utilizam o sistema, para a pesquisa e descri-
çãofísica dos itens de suas coleções, proporcionando maior controle e segurança desses acervos.

5. A SUPERINTENDÊNCIA DE MUSEUS E A REDE WEB DE MUSEUS


Criada através do Decreto N° 41282/ 2008, a Superintendência de Museus, órgão da Se-
cretaria Estadual de Cultura, tem como missão estabelecer e promover em museus e instituições
afins, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, políticas públicas voltadas para a preservação do
patrimônio e da memória, valorizando a diversidade cultural e orientando, em caráter técnico,
ações de gestão, comunicação, pesquisa e educação.
Pretende ser referência na formulação de diretrizes para museus e instituições afins, vi-
sando a salvaguarda do patrimônio material e imaterial no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.
Estão vinculados a SMU os seguintes museus: Museu de História e Artes do Estado do
Rio de Janeiro (Museu do Ingá), Museu Antonio Parreiras, Casa de Oliveira Vianna, Casa da
Marquesa de Santos/Museu da Moda Brasileira e Museu Carmen Miranda.
Buscando atender às diversas demandas da área, não só para as unidades vinculadas,
como para uma atuação efetiva em todo o Estado, a Superintendência de Museus desenvolve
suas atividades com a seguinte Estrutura:

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Figura 3: Estrutura da Superintendência de Museus do estado do RJ

O planejamento da Superintendência de Museus estabeleceu cinco eixos de atuação, que


traçam diretrizes, estratégias e ações para o desenvolvimento de programas e projetos e que são
também, a base para a construção da Política Estadual de Museus: difusão de bens culturais,
Inovação memória e Cidadania, Preservação do Patrimônio Cultural, Modernização da Gestão,
Formação e Fortalecimento de Redes e Sistemas.
Em 2008, foi criado o Sistema Estadual de Museus, que pelo decreto nº 42.306, publi-
cado em 22/02/2010, mas com atuação desde o ano de 2009, surgiu com a finalidade de integrar
uma ampla e diversificada rede de instituições de caráter museológico - públicas e privadas
- para que, juntas, unissem esforços para o desenvolvimento de ações ligadas à valorização,
preservação e ao gerenciamento do patrimônio cultural em nível regional.
O processo de criação do SIM-RJ obedeceu às orientações do SBM – Sistema Brasileiro
de Museus, pertencente à estrutura do Instituto Brasileiro de Museus, IBRAM -, e que tem por
finalidade facilitar o diálogo entre museus e instituições afins, objetivando a gestão integrada e
o desenvolvimento dos museus, acervos e processos museológicos brasileiros.
Trabalhando de forma integrada com a esfera federal e municipal, a SMU/SEC tem as
suas ações direcionadas a atender à sua missão e as normas estabelecidas pelo Instituto Brasi-
leiro de Museus (IBRAM). Este instituiu, através da Resolução Normativa nº 1, de 31 de julho

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VII Seminário Internacional

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de 2014, que regulamenta os artigos 11 e 12 do Decreto nº 8.124/13, o Inventário Nacional dos


Bens Culturais Musealizados (INBCM). O INBCM é um instrumento de inserção periódica de
dados sobre os bens culturais musealizados que integram os acervos museológico, bibliográfico
e arquivístico dos museus brasileiros, para fins de identificação, acautelamento e preservação,
previstos na Política Nacional de Museus.
Atentos àestas normativas, a Rede Web através do SISGAM, vem trabalhando no sentido
de viabilizar a exportação de dados das instituições vinculadas à Rede, possuindo em seu elenco
todos os campos compatíveis para alimentar o INBCM, sendo capaz de realizar a exportação de
dados em formatos como XML, Excel e Dublin Core.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Rede Web de Museus do Estado do Rio de Janeiro esta em fase de implantação e ins-
titucionalização. Pretende-se que a Rede tenha mecanismos e fóruns próprios de gestão. Assim
a Rede ampliará suas oportunidades de se desenvolver, de desenvolver projetos e de obter mais
fomento para os museus do estado.
Estão previstos futuros desenvolvimentos na plataforma SISGAM para facilitar o acesso
aos acervos dos diferentes museus da Rede e potencializar seu uso educativo e cultural. Será
oferecido aos usuários a opção de “navegação” pelas categorias do Thesaurus., a exemplo das
estruturas de “navegação” por categorias como as disponíveis no sítio do Victoria and Albert
Museum, (http://collections.vam.ac.uk), facilitando a recuperação de registros de peças museo-
lógicas disponíveis em diferentes instituições. Com isto usuários poderiam “navegar” por estas
categorias, escolher uma categoria e recuperar fichas de peças correspondentes, disponíveis em
acervos de diferentes museus.
Às facilidades de recuperação de informações proporcionadas pela ferramenta de busca
do portal da Rede planeja-se também agregar facilidades para a elaboração, por parte de cura-
dores ou professores, de exposições, ou aulas “virtuais” com comentários ou textos agregados,
enriquecendo o potencial educativo e potencializando as sinergias existentes entre os acervos
dos diferentes museus da Rede.
A Superintendência de Museus, através do Projeto Rede de Museus, pretende promover a
troca de experiência, a cooperação técnica e o compartilhamento de informação e conhecimento
entre as instituições do estado, tendo como perspectiva a atualização continuada das equipes e a
adoção de normas, padrões e boas práticas de documentação. Também pretende promover promo-
ver ações educativas e culturais com base nos conteúdos das instituições participantes da Rede.
O trabalho cooperativo em rede é uma experiência nova no Brasil. A Rede abre caminho
para que os museus explorem todas as potencialidades e sinergias do trabalho cooperativo e
tirem partido das oportunidades trazidas pelas tecnologias de informação.

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Fomentando a cooperação, a adoção de padrões, a plataforma tecnológica, a hospeda-


gem da base de dados e a presença na Web, a SMU/RJ, através da Rede, vem contribuindo
efetivamente para que museus do estado que, por seus próprios meios, levariam muito tempo
e despenderiam recursos, possam gerenciar, disponibilizar e disseminar as suas informações,
fazendo sua transição para o uso da Web de forma segura e suave.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. MINISTÉRIO DA CULTURA. INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. RESOLUÇÃO


NORMATIVA Nº 1, DE 31 DE JULHO DE 2014. DOU de 01/08/2014 (nº 146, Seção 1, pág. 19).
BRASIL. MINISTÉRIO DA CULTURA. INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. RESOLUÇÃO
NORMATIVA Nº 02, DE 29 DE AGOSTO DE 2014. DOU de 01/098/2014 (nº 167, Seção 1, pág. 14).
ESTADO DO RIO DE JANEIRO. SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA. SUPERINTENDÊNCIA
DE MUSEUS. Texto sobre a Política Estadual de Museus do Estado do Rio de Janeiro. Fev. 2016.
FERREZ, Helena Dodd; BIANCHINI, Maria Helena S.  THESAURUS para acervos museológicos.
Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória, 1987.
HSI, Sherry. The Electronic Guidebook: A study of user experiences using mobile web content in a
museum setting. In:  Wireless and Mobile Technologies in Education, 2002. Proceedings. IEEE
International Workshop on. IEEE, 2002. p. 48-54.
MANUAL DO USUÁRIO E DE ENTRADA DE DADOS. Rede de Museus do Estado do Rio de
Janeiro, Sistema de Gerenciamento de Acervos Museológicos (SISGAM), 2012.
MARCONDES, Carlos Henrique. O papel dos modelos conceituais para interoperabilidade entre
acervos de arquivos, bibliotecas e museus. Desafíos y oportunidades de las Ciencias de la Información
y la Documentación en la era digital: Actas del VII Encuentro Ibérico EDICIC 2015 (Madrid, 16 y
17 de noviembre de 2015. Disponível em: <http://edicic2015.org.es/ucmdocs/actas/art/107-Marcondes_
modelos-conceituais.pdf>. Acesso em 11 fev. 2016.
PLANO NACIONAL SETORIAL DE MUSEUS - 2010/2020 (Brasília – DF: Ministério da Cultura,
Instituto Brasileiro de Museus, 2010).
RINEHART, Richard. MOAC - A Report on Integrating Museum and Archive Access in the Online
Archive of California.DLib Magazine, v. 9, n. 1, 2003. Disponível em: <http://www.dlib.org/dlib/
january03/rinehart/01rinehart.html>. Acesso em: 13 fev. 2010.

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ECONOMIA DA CULTURA COMO VETOR DE DESENVOLVIMENTO PARA O


ESTADO DA BAHIA: ALGUMAS REFLEXÕES.
Carmen Lúcia Castro Lima1

RESUMO: O presente artigo discute se o modelo de desenvolvimento do estado da Bahia,


historicamente pautado nas atividades industriais e agrícolas, pode incorporar os segmentos
culturais e criativos. A principal conclusão do artigo é que, para a consolidação da economia da
cultura no estado da Bahia, são necessários fundamentalmente a sensibilização e o reconhecimento
dos atores públicos e empresariais privados sobre a importância econômica e social dos setores
produtores de bens simbólicos.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura, Desenvolvimento, Economia Baiana

1. INTRODUÇÃO
Desde o final do Século XX, estudiosos têm apontado tendência a mudanças expressivas
na dinâmica de acumulação e de desenvolvimento das sociedades. A nova lógica, expressa na tese
da centralidade do trabalho intelectual e criativo, impactaria, particularmente, na dimensão econô-
mica da cultura nas sociedades atuais. Yúdice (2004) chama a atenção para a tendência atual de se
utilizar “cultura como recurso”, visando à melhoria social, política e econômica das comunidades.

1
Doutora em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), professora da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB) e da Universidade Católica de Salvador (UCSAL) e economista da Agência de Fomento
do Estado da Bahia (Desenbahia). carmen.lima20@gmail.com.
Saliento que embora assine como autora, este artigo é resultado de um trabalho coletivo, fruto da experiência de
todos os membros da Diretoria de Economia da Cultura do estado da Bahia que atuou, durante o período de 2013 e
2015, na formulação de políticas públicas para esta área”. Os coautores do artigo são:
• Daniel Carneiro: especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, coordenador técnico do
Programa Bahia Criativa. danielcarneiro77@gmail.com
• Luiz Filipe Dunham: mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade pela Univer-
sidade Federal da Bahia (UFBA), técnico em nível superior da Diretoria de Economia da Cultura da
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. filipeadunham@gmail.com
• Pierre Malbouisson: licenciado em História e graduando em Economia pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA). pmalbouisson@gmail.com
• Rita Clementina: gestora cultural e coordenadora do Projeto Mercado Salvador Criativo. rclementina@
gmail.com
• Tais Viscardi: bacharel em Letras pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e assessora da direção do
Museu de Arte da Bahia. taiscviscardi@gmail.com

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No século XXI, com a sociedade do conhecimento, exige-se um novo padrão de de-


senvolvimento para as economias emergentes. A questão que se apresenta é se estas, que têm
seus modelos pautados nas atividades industriais e agrícolas, podem incorporar os segmentos
culturais e criativos nas suas estratégias de desenvolvimento. Particularmente, será discutido, no
presente trabalho, o caso do estado da Bahia.
Além desta introdução, o artigo está estruturado em cinco partes. O debate sobre cultura
e desenvolvimento será o tema da seção 2, enquanto a participação do segmento cultural na
economia baiana será discutida na seção seguinte. Posteriormente, serão abordados os principais
fatores favoráveis à exploração do potencial econômico da cultura na Bahia. Em seguida serão
elencados os maiores entraves ao aproveitamento desse potencial. Na última parte deste artigo,
serão feitas as considerações finais.

2. CULTURA E DESENVOLVIMENTO: DEBATE ATUAL


As atividades econômicas culturais, assim, vêm apresentando um significativo potencial,
principalmente como fonte de ocupação e renda e promoção de inclusão social. Além disso, as
especificidades culturais enquanto fatores intangíveis de competitividade das empresas e das
nações são motivos de interesse crescente (LIMA, 2009)2.
A relação entre cultura e desenvolvimento é, certamente, um dos pontos centrais dos de-
bates contemporâneos. O ambiente acadêmico tem assistido, nos anos mais recentes, ao cresci-
mento do número de estudos e pesquisas dedicadas a esta temática. Também é crescente a publi-
cação de documentos de organizações internacionais que articulam cultura e desenvolvimento.
Na XI Reunião da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(Unctad), realizada em junho de 2004, a comunidade internacional reconheceu que os segmen-
tos com conteúdo simbólico geram externalidades positivas, ao tempo em que preservam e
promovem o patrimônio e a diversidade culturais (UNCTAD, 2010).
A aprovação da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais (UNESCO, 2006), em 2005, veio reforçar substantivamente o protagonismo contem-
porâneo da esfera cultural. Esta assume como premissa básica a diversidade como patrimônio
comum da humanidade e sugere a relação entre cultura e desenvolvimento. Neste sentido, a
cultura deve ser o elemento-chave em todos os centros de decisão governamental, cortando,
transversalmente, o conjunto das políticas públicas voltadas ao desenvolvimento.
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, no Relatório das Nações Unidas
sobre a Economia Criativa, intitulado Widening local development pathways, que as indústrias
culturais e criativas impulsionam as economias e o desenvolvimento. O relatório, apresentado

2
Neste artigo, considera-se segmento cultural tanto os campos tradicionais da arte e da indústria cultural como as
atividades que geram bens com valor cultural significativo, a exemplo de moda, publicidade e design.

430
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na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco), tem como objetivo contribuir para a formulação de nova agenda de desenvolvimento
sustentável pós-2015, que reconheça o efeito multiplicador da cultura (UNESCO, 2013).
A Unesco (2013) estima que o comércio mundial de bens e serviços criativos totalizou
um recorde de US$ 624 bilhões em 2011, e mais do que duplicou entre 2002 e 2011. Nesse
mesmo período, as exportações de produtos do segmento registraram aumento médio anual de
12,1% nos países em desenvolvimento. Além disso, a contribuição de atividades culturais priva-
das e formais representou, em média, 5,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
Observa-se que, desde os anos 1990, vários governos passam a considerar as atividades
produtoras de bens culturais/criativos como pilar estratégico para o desenvolvimento dos países. O
Reino Unido tem um trabalho relevante na formulação de políticas voltadas às indústrias criativas,
consideradas estratégicas para combater a depressão econômica que atingia as cidades industriais
no final do século XX (BRITISH COUNCIL, 2014). Além do Reino Unido, outras experiências
importantes nessa área podem ser citadas como: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelân-
dia, Cingapura, Hong Kong e os países membros da União Europeia (UNCTAD, 2010).
No caso do Brasil, a temática surgiu a partir de 2004, durante a XI Conferência da Unc-
tad em São Paulo, com a realização de um painel dedicado exclusivamente às indústrias cria-
tivas na perspectiva dos países em desenvolvimento. Nos últimos 11 anos (2004-2014), houve
um avanço na discussão em relação à dimensão econômica da cultura como elemento de política
pública. A criação da Diretoria de Economia da Cultura no Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES); a instituição da Secretaria de Economia Criativa no Ministério
da Cultura (SEC/MinC) e as iniciativas de vários governos estaduais e municipais e entidades
privadas são indicativos da maior relevância do tema no debate sobre o modelo de desenvolvi-
mento para o Brasil.
Uma questão que se coloca no presente trabalho é: o segmento cultural/criativo pode se
consolidar como vetor estratégico para o desenvolvimento da Bahia? Esta possibilidade será
discutida a seguir.

3. O SEGMENTO CULTURAL E A ECONOMIA BAIANA


No estado da Bahia, a partir da segunda metade do século XX, estabeleceu-se um mo-
delo de desenvolvimento, impulsionado pelo governo, com o objetivo de ampliar a estrutura
produtiva da Bahia pela via industrial. Estes investimentos concentravam-se na capital e na
Região Metropolitana de Salvador (RMS), proporcionando uma matriz econômica com baixa
diversificação produtiva (BARRETO, 2014). Assim, o modelo econômico que se consolidou
na Bahia, no final do século XX, terminou por privilegiar uma indústria intensiva em capital e
concentrada na RMS.

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A partir de uma análise da evolução recente da economia baiana, verifica-se um maior


dinamismo na economia do estado com a ampliação de investimentos em infraestrutura, servi-
ços e turismo e diversificação industrial, com a implantação da indústria automobilística e de
calçados. No entanto, como conclui Barreto (2014), o estado da Bahia ainda não escapou total-
mente da divisão nacional do trabalho que o coloca enquanto produtor de bens intermediários e
matérias-primas para indústrias de outros estados, além de consumidor de bens produzidos por
estes e gerador de divisas no agronegócio e turismo.
Considerando-se o panorama acima apresentado, procurou-se inferir o peso da cultura
na economia da Bahia a partir de dados sobre ocupação e renda, haja vista que não existe uma
estimativa dessa participação no PIB do estado. Para isso, foram consideradas três fontes: os in-
dicadores de ocupação da publicação Infocultura (2014), produzidos pela Secretaria da Cultura
(Secult) e a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI); o mapeamento
da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN, 2014), e a síntese dos indi-
cadores elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (SINTESE, 2013).
Com base nos dados do Censo Demográfico de 2010, estimou-se que o segmento cul-
tural/criativo3 incorpora 57.619 ocupados na Bahia, em torno de 1% da população ocupada do
estado, estando à frente do setor metalúrgico (0,65%) e da indústria têxtil (0,22%). O segmento
cultural/criativo e as atividades relacionadas a este ocupam 111.613 pessoas em seu trabalho
principal, o qual representa 1,91% do total do estado (INFOCULTURA, 2014).
A Firjan, em seu mapeamento da indústria criativa em 2014, organizou dados relacio-
nados ao emprego formal do setor4. Segundo esses dados, os empregados criativos representam
1,4% do mercado de trabalho formal na Bahia. Em uma análise evolutiva, entre 2004 e 2013,
houve aumento do número de empregos criativos na Bahia (de 2.390 para 3.354) e da participa-
ção em relação ao total da economia formal (de 1,1% para 1,3%) (FIRJAN, 2014).
Outra publicação importante na tentativa de estimar o peso do segmento cultural na eco-
nomia é a Síntese de Informações e Indicadores Culturais do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE)5. Segundo ela, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do-
micílios (PNAD) de 2012, o setor cultural/criativo e atividades relacionadas na Bahia ocupa 171
mil pessoas, o que representa 2,6% do total dos ocupados no estado. O estudo apresenta, ainda,
o rendimento médio da população ocupada no setor cultural/criativo: em torno de R$ 1.553,00,

3
Nesta publicação, o segmento cultural/criativo são as atividades que geram, preservam, conservam e transmitem
bens com conteúdo simbólico-cultural. Estas são: atividades culturais (patrimônio, artes cênicas, artes visuais, livros
e periódicos, audiovisual, música e mídias interativas e artesanato) e criações funcionais (publicidade e arquitetura).
4
Na classificação da Firjan, a área da cultura inclui os seguintes segmentos: expressões culturais, patrimônio e
artes, música e artes cênicas; o setor cultural, segundo essa classificação, seria uma subdivisão do que se entende
por indústria criativa.
5
Ressalte-se que o IBGE, em sua delimitação do segmento cultural, inclui apenas as atividades econômicas relacio-
nadas à produção de bens e serviços direta ou indiretamente ligados à cultura e tradicionalmente ligados às artes.

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valor ligeiramente superior ao rendimento médio da população ocupada nos demais setores da
atividade produtiva, aproximadamente R$ 1.460,00 (SISTEMA, 2013).
Essas informações apontam uma significativa importância do setor cultural/criativo para
a economia baiana em termos de geração de ocupação e renda. Neste sentido, a Bahia, enquanto
o estado com maior PIB da Região Nordeste e maior contingente populacional, poderia ampliar
a participação das atividades culturais na economia. Nas duas próximas seções serão discutidos
alguns fatores favoráveis e desfavoráveis para que isso ocorra.

4. POTENCIALIDADES E AVANÇOS DA ECONOMIA DA CULTURA NA BAHIA


O potencial cultural e criativo da Bahia é comumente usado para referenciar o estado em
âmbito nacional e internacional. Em função de suas trajetórias históricas, sociais e econômicas,
a Bahia é reconhecida por sua riqueza e diversidade cultural.
A despeito das várias identidades coexistentes no estado, durante muitos anos foi, a
‘baianidade’ que prevaleceu como discurso identitário hegemônico, principalmente no âmbito
midiático e das políticas públicas6. E embora hoje estas sejam pautadas considerando toda a
diversidade identitária e territorial do estado, não há como negar a força simbólica que ainda
reside em torno da ‘marca’ baianidade, encenada e reiterada nas ruas de Salvador e Recôncavo
e nas produções culturais de maior visibilidade.
A inconteste riqueza cultural baiana se traduz ainda por meio de seu vasto patrimônio,
revelado em festejos populares, danças, artesanato, gastronomia, entre outros; além das próprias
edificações históricas que preservam a memória desde a fundação da Nação. A Bahia, em 2015,
apresenta 186 bens materiais e imateriais sob salvaguarda do estado. Além destes, ainda há os
bens tombados e registrados pelos poderes públicos federal e municipal (IPAC, 2015).
No contexto da economia da cultura, esse potente repertório simbólico vem sendo con-
vertido em mola propulsora para o desenvolvimento de um mercado cultural, a exemplo do
Carnaval. Nesse sentido, a música é incontestavelmente o setor cultural baiano que mais se
sobressai nacional e internacionalmente, tendo a axé music como expressão de maior apelo co-
mercial com base na propalada ‘baianidade’.
Além da citada produção musical, outros setores merecem destaque. Em que pese o pro-
tagonismo do Rio de Janeiro e de São Paulo, a Bahia é reconhecida como importante centro de
criação e produção nas artes cênicas. O segmento audiovisual merece destaque não apenas pelas
produções locais de curta e longa metragem, como por atrair um grande número de projetos de
fora, interessadas nas histórias, no patrimônio e nas paisagens do estado. A publicidade é outro
6
O texto identitário da baianidade tal como se reconhece hoje ocorreu, sobretudo, a partir da necessidade do
Governo do Estado da Bahia (a partir da década de 70) de criar um programa político que conjugasse a cultura
e o turismo, conforme aponta Jocélio Teles (SANTOS, 2005). Desse modo, investiu-se no que seria um aspecto
diferenciador da cultura baiana no cenário nacional: o elemento afro.

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segmento que se sobressai nacionalmente, haja vista nomes baianos figurarem entre os princi-
pais do segmento publicitário brasileiro. Como promissoras e potenciais atividades criativas, a
Bahia também desponta nos segmentos de design, moda e jogos eletrônicos.
As ações do poder público são de grande relevância para o desenvolvimento de qualquer
segmento econômico. Nesse sentido, a institucionalização da dimensão econômica da cultura,
reconhecida pela Lei Orgânica da Cultura e pelo Plano Estadual da Cultura, representa um
avanço importante para o setor. Acrescente-se a isto a publicação do Documento Bahia Criativa
que buscou estabelecer “diretrizes estratégicas, de forma a construir uma carteira de iniciativas
integradas para o fortalecimento do segmento criativo na Bahia”.
No âmbito das políticas públicas, evidenciam-se também, nos últimos anos, ações de
apoio à profissionalização e à gestão dos empreendimentos culturais, como o Qualicultura – pro-
jeto executado pela Secult em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae) –, que ofereceu capacitação e formação técnica aos setores criativos. Por sua
vez, o Escritório Bahia Criativa, convênio entre MinC e Secult, promove ações de atendimento
e suporte aos empreendedores criativos a partir de capacitações, consultorias, assessorias técni-
cas, palestras e debates, entre outras iniciativas, em todo o estado.
Merecem destaque, também, as ações de fomento empreendidas pelo estado, como: o
Edital de Economia Criativa, da Secult-BA, que se destina a projetos que contribuam para o
desenvolvimento da dimensão econômica da cultura; o Edital de Ideias Inovadoras, promovido
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), que destina uma linha de
financiamento específica para inovações relacionadas à economia criativa; o Edital Fapesb, de
apoio a projetos de caracterização de Indicação Geográfica (IG), que financia iniciativas com
a finalidade de identificar e caracterizar produtos ou serviços originários de um local ou região
(BAHIA, 2014).
Evidencia-se ainda o crescente interesse das universidades pelo tema, com a produção de
diversos trabalhos de pesquisa e extensão sobre a cultura. As instituições de ensino superior em
funcionamento na Bahia possuem um amplo conjunto de cursos de graduação e pós graduação
relacionados à economia da cultura (BAHIA, 2014).
No âmbito acadêmico, destaca-se o Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade, da Universidade Federal da Bahia, no qual uma das áreas de concentração
investiga a cultura como elemento essencial para o desenvolvimento. A sua existência vem pro-
porcionando, desde 2004, a produção de teses e dissertações que discutem a dimensão econômica
da cultura, bem como a formação de especialistas em gestão e políticas culturais (BAHIA, 2014).
Não obstante este cenário, a produção de dados sobre o setor ainda é incipiente, não so-
mente na Bahia, mas em todo o Brasil. Neste contexto, a criação do Observatório de Economia
Criativa, que objetiva produzir, reunir e difundir informações quantitativas e qualitativas sobre

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a economia criativa brasileira, aponta para a perspectiva de realização de novas pesquisas sobre
o setor (UFBA, 2013).

5. LIMITES E DESAFIOS DA ECONOMIA DA CULTURA NA BAHIA


Uma análise preliminar das informações apresentadas nas seções anteriores é suficiente
para inferir que a cultura na Bahia reúne elementos suficientes para assumir um papel de desta-
que na matriz econômica do estado. Entretanto, há alguns obstáculos à consolidação, de forma
estratégica, das atividades culturais na agenda de desenvolvimento do estado.
O segmento cultural, devido às suas especificidades, é um mercado de alto risco para o
investimento privado. Seu processo produtivo caracteriza-se pela participação de equipes po-
livalentes, o que exige a coordenação de diferentes competências, especialidades e recursos.
Além disso, cada produto cultural é único, e os empresários da área cultural possuem capacidade
bastante limitada de aprendizado com as experiências anteriores (LIMA, 2009).
Com relação à demanda, há acentuada aleatoriedade e incerteza. A pesquisa Públicos
de Cultura: hábitos e demandas (SESC, 2014), que traça o perfil do consumo cultural para
o país, revela que 51% dos entrevistados não costumam realizar atividades culturais, mesmo
durante os finais de semana. Se o público não consome cultura, o setor mostra-se como um
ambiente de alto risco para o empresariado, que, em muitos casos, não tem garantia de retorno
dos valores investidos.
Outro fator que pode ser elencado como empecilho a um maior desenvolvimento econô-
mico da cultura é a dificuldade de os agentes deste setor acessarem mecanismos de distribuição
dos produtos culturais (UNCTAD, 2010). É válido afirmar que, para qualquer atividade artística
e cultural, o processo não pode se encerrar no fim do ato criativo. É necessário que o resultado
de todo um processo de investimento financeiro e intelectual alcance o público. Desse modo,
podem-se consolidar uma rede produtiva e um mercado de bens culturais.
A despeito do já mencionado potencial econômico do setor, muitos artistas e/ou agentes
culturais são resistentes à ideia de associar o seu fazer criativo a uma gestão empresarial de suas
carreiras, organizações ou projetos. Não raro observa-se nesses agentes um discurso que refuta
a visão de cultura atrelada ao desenvolvimento e ao mercado, como se isso prejudicasse a liber-
dade e a sensibilidade criativa dos envolvidos no processo.
A insuficiência de informações sobre o setor é outro fator relevante. O Plano da Secre-
taria da Economia Criativa (2011), lançado pela Secretaria de Economia Criativa do Minis-
tério da Cultura, afirma que a carência de dados impede o conhecimento e o reconhecimento
de vocações e oportunidades a serem reforçadas e estimuladas por meio de políticas públicas
consistentes (BRASIL, 2012). A construção de indicadores, a partir de metodologias elaboradas

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exclusivamente para o setor cultural, permitiria mensurar o real desenvolvimento econômico


das atividades culturais no estado.
O Plano da Secretaria da Economia Criativa aponta, ainda, que os marcos legais no Bra-
sil não atendem as especificidades do mercado cultural/criativo. Assim, seria necessária a ade-
quação do arcabouço jurídico, nas áreas previdenciária, trabalhista, financeira e de propriedade
intelectual, que favoreça o desenvolvimento do segmento criativo (BRASIL, 2012).
Outro entrave relevante diz respeito à pouca diversificação das receitas da atividade eco-
nômica cultural, o que a torna dependente basicamente de recursos públicos. Como consequên-
cia, observa-se que, em geral, não há uma continuidade dos projetos sem o apoio governamental,
ou a iniciativa de buscar a sustentabilidade econômica para além das fontes públicas de fomento.
Por fim, em que pese um maior protagonismo econômico da cultura, ainda não há re-
conhecimento, por parte dos agentes empresariais e governamentais na Bahia, da importância
estratégica da economia da cultura para o estado. Barreto (2014) demonstra que a atração de
investimentos, no período 2007-2012, visou ao fortalecimento de setores tradicionais competi-
tivos, como o químico, o petroquímico, o de petróleo, gás, papel e celulose; à consolidação de
setores produtores de bens finais e à ampliação de atividades em que a Bahia mostra vantagens
comparativas significativas, como a mineral, a de energia eólica e a indústria naval. Assim, o
segmento cultural não está presente na agenda de investimento dos atores econômicos do estado.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concepção da cultura como vetor estratégico de desenvolvimento, hoje em evidência
principalmente nos países desenvolvidos, surge como uma resposta direta à crise e como estraté-
gia de sobrevivência em áreas fortemente atingidas pela depressão econômica. Esta reformula-
ção do modelo é provocada por mudanças na economia global e a percepção de que houve uma
transferência de grande parte da produção manufatureira tradicional para outros centros, como
a China e a Índia. Assim, em que pese o potencial econômico da cultura, o efetivo salto do setor
cultural como motor de desenvolvimento, nos países centrais como o Reino Unido, ocorreu a
partir do esgotamento dos modelos industrialistas (BRITISH COUNCIL, 2014).
Diante da escassez de alternativas nos setores historicamente priorizados, os governos
desses países enxergaram nas atividades econômicas culturais e criativas um possível caminho
para a construção de vantagens competitivas. Passaram, então, a desenvolver ações de apoio,
estruturação e incentivo a tais atividades, em muitos casos gerando efeitos significativos e de
caráter estruturante. Por conta dessas iniciativas de sucesso, é crescente o número de nações que
passam a conferir caráter estratégico ao setor.
Na Bahia, o potencial de desenvolvimento econômico a partir da cultura é inegável, já
que o estado é culturalmente diverso, possui produção cultural relevante em diversas linguagens

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políticas culturais
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e conta com um número significativo de profissionais ocupados no setor. Além disso, demonstra
significativos avanços ligados à formação técnica e ao apoio governamental, ainda que existam
críticas a respeito da forma e do alcance dessas ações.
A transformação desse potencial em resultados concretos, no entanto, esbarra em entra-
ves que envolvem não apenas características do mercado, barreiras institucionais, problemas
com distribuição e demanda, mas também a postura dos agentes produtivos perante o panorama
atual. Talvez o obstáculo mais significativo resida na resistência dos agentes públicos e em-
presários em reconhecer a relevância econômica do setor cultural, concebendo um modelo de
desenvolvimento que vá além dos setores agrícolas e manufatureiros tradicionais. Em síntese,
não há, ainda, a vontade política necessária para avançar com a agenda da economia da cultura
na Bahia (até mesmo no Brasil).
Para incorporar o segmento cultural no modelo de desenvolvimento do país, é funda-
mental, portanto, que este seja inserido na pauta e nos projetos das casas parlamentares e do
Poder Executivo, sob uma perspectiva econômica, e passe a dividir (e disputar) espaço com se-
tores tradicionais no âmbito das políticas. Essa mudança de perspectiva passa, necessariamente,
pela sensibilização de atores públicos e empresariais privados sobre a importância econômica e
social dos setores produtores de bens simbólicos. Assim, deve ser uma construção política que
possibilite a participação dos agentes dos segmentos criativos na formulação de um novo padrão
de desenvolvimento para o Brasil e a Bahia.

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REGULAÇÃO DO USO DAS EXPRESSÕES CULTURAIS TRADICIONAIS EM


COMPASSO DE ESPERA: ENTRE A PROPRIEDADE INTELECTUAL
E O PATRIMÔNIO IMATERIAL
Carolina Guimarães Starling de Souza1
Everaldo Ferreira da Silva2

RESUMO: O desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a proteção das Expressões


Culturais Tradicionais esbarra num impasse de difícil solução. Por um lado, os instrumentos
de Propriedade Intelectual existentes se mostram inapropriados para corresponder à complexa
realidade das comunidades tradicionais; por outro, as políticas de salvaguarda do patrimônio
imaterial não garantem a valoração econômica e a inibição à apropriação indevida desses bens
culturais. O objetivo deste trabalho é apresentar o impasse, buscando caminhos para um avanço
nas ações que visam a proteção das expressões citadas.

PALAVRAS-CHAVE: propriedade intelectual, patrimônio imaterial, expressões culturais


tradicionais, políticas culturais.

1. INTRODUÇÃO
A dificuldade de estabelecer um marco regulatório voltado à utilização das Expressões
Culturais Tradicionais-ECT reflete-se na ausência de consensos mínimos sobre temas referentes
ao objeto da proteção jurídica. Isso porque as discussões sobre a regulação do uso das manifesta-
ções criativas tradicionais encerram controvérsias entre usuários, criadores e Estado que dizem
respeito às próprias categorias do debate.
O objetivo deste trabalho é demonstrar que a atual inexistência de proteção jurídica às
Expressões Culturais Tradicionais (ECT) é consequência, dentre outros fatores, das divergên-
cias de entendimento sobre a matéria, configurando um impasse que possibilita a livre utilização

1
Carolina Starling:: Bacharel em Geografia pela Universidade de Brasília, Mestre em Preservação do Patri-
mônio Cultural pelo IPHAN e Coordenadora de Difusão de Direitos Autorais, da Coordenação-Geral de Difusão
e de Negociação em Direitos Autorais e de Acesso à Cultura, da Diretoria de Direitos Intelectuais, da Secretaria-
Executiva do Ministério da Cultura. E-mail: carolstarling84@yahoo.com.br carolina.souza@cultura.gov.br
2
Everaldo F. Silva: Graduado em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e em Administração de Empresas (EAESP-
-FGV) e Coordenador Substituto de Legislação em Direitos Autorais, da Coordenação-Geral de Regulação em Di-
reitos Autorais, da Diretoria de Direitos Intelectuais, da Secretaria-Executiva do Ministério da Cultura.  E-mail:
everaldo.silva@cultura.gov.br

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das criações dessas coletividades por parte dos usuários. Esses, em geral grandes empresas, não
são submetidos a qualquer contrapartida voltada aos detentores das ECT, que permanecem sem
a valorização simbólica e material das expressões do seu processo criativo.
Para atendermos ao objetivo mencionado, consolidamos, no primeiro item, as perspecti-
vas antagônicas sobre o tema, explicitando os argumentos que dão corpo ao impasse citado. No
segundo item, apontamos a inconsistência da proteção autoral quando aplicada às ECT, o que dá
respaldo à necessidade de um instrumento legal voltado especificamente para o contexto em que
se situam. A seguir, no item 3, analisamos criticamente as políticas de salvaguarda do patrimô-
nio imaterial e suas possibilidades de aplicação à proteção das criações tradicionais.

2. DIVERGÊNCIAS QUE ENVOLVEM AS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS


PARA AS EXPRESSÕES CULTURAIS TRADICIONAIS
O debate sobre a necessidade de regulação do uso das Expressões Culturais Tradicio-
nais pode ser apreendido a partir de duas perspectivas antagônicas. A primeira considera que os
conhecimentos tradicionais e as ECT estão suscetíveis à exploração indevida e devem ser pro-
tegidos a partir dos instrumentos de propriedade intelectual existentes, como o direito de autor,
patentes, marcas, indicação geográfica, desenho industrial e repressão à concorrência desleal. A
segunda linha de argumentação defende que esses conhecimentos e expressões são produzidos
a partir de um modo próprio de organização das comunidades e devem ser protegidos e valo-
rizados por uma legislação sui generis que contemple as suas especificidades, ou por meio de
instrumentos de salvaguarda ao patrimônio cultural imaterial.
Oposições como as acima citadas permeiam o tratamento da questão pelas instâncias e
grupos sociais envolvidos, notadamente por organizações multilaterais, como OMPI e UNES-
CO. As referências a “populações” ou a “povos”, por exemplo, se, à primeira vista, parecem
designar um mesmo conteúdo, resultam, após análise crítica, de diferentes perspectivas sobre os
detentores das criações. Por um lado, o termo “povos indígenas”, consagrado pela Convenção
169 da OIT, atribui às comunidades papel ativo na produção de cultura e, portanto, na definição
das normas que regulamentam sua conduta. Por outro, a menção ao termo “populações” apenas
identifica um conjunto de indivíduos, relegando a segundo plano a dimensão coletiva, criadora
e portadora de direitos.3
Os embates por trás das designações revelam implicações concretas para os grupos en-
volvidos. Nesse sentido, ainda que o objeto desse artigo seja a proteção jurídica às Expressões

3
Sobre o uso dos termos “populações” e “povos”, compartilhamos a perspectiva da OIT, conforme segue: “Outra
inovação é a distinção adotada na Convenção entre o termo ‘populações’, que denota transitoriedade e contingencia-
lidade, e o termo ‘povos’, que caracteriza segmentos nacionais com identidade e organização próprias, cosmovisão
específica e relação especial com a terra que habitam”. (in: página 08 da “Convenção nº 169 sobre povos indígenas
e tribais e Resolução referente à ação da OIT/Organização Internacional do Trabalho - Brasília : OIT, 2011)

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Culturais Tradicionais, parece-nos válido apontar, por analogia, a abordagem dada ao uso dos
Conhecimentos Tradicionais pela recém aprovada Lei da Biodiversidade (nº13123/2015), visto
que em tal normativa foram incorporadas escolhas em relação às oposições aqui destacadas. A
propósito, a consagração do termo “populações indígenas”, no dispositivo citado, sustenta em
parte a tese de sub-representação dos povos tradicionais no processo de elaboração dessa lei4. Tal
sub-representação trouxe como consequência um dispositivo legal que, no nosso entendimento,
não atende integralmente à compreensão defendida pela Convenção da Diversidade Biológica
(CDB) e por grande parte dos representantes das coletividades tradicionais, segundo a qual:
(...) o consentimento prévio e informado é um processo ‘permanente’ de troca de infor-
mação e deve ser iniciado antes do acesso/utilização do recurso genético e/ou do conhecimento
a ele associado. A utilização dos recursos e conhecimentos referidos fica condicionada à manu-
tenção do consentimento ao longo da parceria. Para cada novo uso específico pretendido, ainda
que do mesmo conhecimento ou recursos cujo acesso já tenha sido consentido, deve haver novo
consentimento. (BENSUSAN; BAPTISTA E LIMA, 2003, p. 209).
Um dos aspectos enfatizados na discussão internacional é a ausência de um marco jurí-
dico que disponha de orientações sobre gestão, proteção, acesso e utilização dos conhecimentos
tradicionais. Entre os organismos que atuam na reflexão sobre políticas públicas voltadas para
a proteção aos Conhecimentos e Expressões Culturais Tradicionais, destaca-se a Organização
Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). De acordo com essa instituição, um dos principais
problemas enfrentados pelas comunidades é a ausência de reconhecimento jurídico sobre a titu-
laridade das Expressões Culturais Tradicionais:
Comumente transmitidas por meio da tradição oral, as ECT’s se manifestam por meio de
uma canção, de um conto, de uma dança, um símbolo, um ritual, dentre outros. Elas são a forma
materializada de uma tradição cultural e normalmente seus autores são desconhecidos, ou seja,
as ECT’s estão enraizadas nos costumes de uma comunidade de forma natural e sem uma real
noção de quando elas foram adotadas e quem as adotou. (OMPI, 2010, pp. 15)
A OMPI é favorável tanto à proteção das ECT por meio dos instrumentos de Propriedade
Intelectual, quanto a partir da elaboração de um marco legal sui generis, enfatizando a possibi-

4
No documento “Pedido de Veto ao Projeto de Lei nº. 7735/2014 – Dos Guardiões da Agro e Biodiversidade,
Detentores dos Saberes/Conhecimentos Tradicionais, Povos dos Campos, das Florestas e das Águas” (in: http://ter-
radedireitos.org.br/wp-content/uploads/2015/05/VETA-DILMA-PL-7735.pdf), representantes das Comunidades
Tradicionais assinalam:
“(...) Reiteramos nosso repúdio acerca da assimetria na amplitude das discussões rea-
lizadas com os setores privados interessados, especialmente, na exploração econômica
do patrimônio genético nacional, com os quais foi noticiada a realização de mais de
trezentas reuniões, em detrimento dos poucos espaços que tiveram que ser conquista-
dos por nós (...)
“(...) O texto dessa lei retroage quando ignora a terminologia povos indígenas, contra-
riando o avanço no reconhecimento dos direitos desses (...)”.

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lidade de ganhos econômicos para as comunidades. Prevalece no ponto de vista da instituição,


portanto, a visão de que as ECT são ativos culturais e econômicos das comunidades detentoras.

3. AS EXPRESSÕES CULTURAIS TRADICIONAIS SOB A ÓTICA


DA PROPRIEDADE INTELECTUAL
A propriedade intelectual é dividida em direito autoral e propriedade industrial. O direito
autoral é regulado no Brasil pela Lei nº 9610/98. Esta atribui ao criador os direitos morais e
patrimoniais sobre a sua obra. Os direitos morais são imprescritíveis e estão associados à per-
sonalidade do autor, como por exemplo, o de exigir seu nome associado à obra. Já os direitos
patrimoniais possuem duração limitada, até 70 anos após a morte do autor, no caso de obras
literárias e musicais; e podem ser transferidos a terceiros a partir de instrumentos como a licen-
ça, a cessão e a concessão.5 Já a propriedade industrial compreende as marcas, as patentes de
invenção e modelos de utilidade, as indicações geográficas, o desenho industrial e a repressão à
concorrência desleal e é regulada no Brasil pela Lei nº 9279/96.
A legislação brasileira de propriedade intelectual não é explícita no que diz respeito aos
conhecimentos tradicionais. A lei nº 9610/98 menciona em seu artigo 46: “Além das obras em
relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio
público: (...) II as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos tra-
dicionais.”. Desse modo, a lei é clara ao distinguir os conhecimentos tradicionais de obras em
domínio público.
A Lei de Direito Autoral (LDA) define como autor a pessoa física criadora de obra literá-
ria, artística ou científica6. No caso das obras coletivas, é assegurada a proteção às participações
individuais, cabendo ao organizador a titularidade dos direitos7. Cabe ressaltar que o conceito
de obra coletiva apresentado na lei autoral é completamente distinto da noção de coletividade
presente nas comunidades tradicionais.
A LDA prevê que para que uma obra seja protegida, a mesma deve atender ao critério
principal da originalidade. Essa garante que a obra seja fruto de uma ação criativa e inventiva do
autor. Cabe mencionar que a proteção recai sobre a materialização da obra e não sobre as ideias
que a originaram. Nota-se, portanto, que a proteção por direito autoral é possível apenas quando
a criação expressa originalidade e possui titularidade definida
5
Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subse-
qüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.
Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucesso-
res, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de
licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito (...).
6
Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.
7
Art. 17. É assegurada a proteção às participações individuais em obras coletivas. § 2º Cabe ao organizador a
titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva.

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A definição da titularidade é um dos aspectos mais controversos para a proteção das


Expressões Culturais Tradicionais pela Propriedade Intelectual. Devido às especificidades das
relações sociais presentes nas comunidades tradicionais, suas manifestações culturais são trans-
mitidas, na maior parte dos casos, de maneira intergeracional, a partir de um fluxo de informa-
ções compartilhado, dificultando a identificação de um indivíduo, ou conjunto de indivíduos,
como titular (es) dos direitos sobre a obra.
Além da complexidade presente na definição da autoria, o enquadramento das expressões
culturais aos instrumentos de Propriedade Intelectual pode inserir as comunidades em uma lógica
mercadológica, além de conferir um direito exclusivo sobre os bens culturais, prejudicando os
modos de vida e a sociabilidade dessas coletividades. Ressalta-se nesse posicionamento a lógica
privada e individual dos instrumentos de Propriedade Intelectual existentes, o que vai de encon-
tro com as relações sociais presentes nas comunidades tradicionais. Nesse sentido, CARBONI
E COELHO (2013) pontuam que a transformação das expressões culturais tradicionais em mer-
cadoria, ao introduzir nas comunidades a lógica da autoria possibilitam distorções em seu plano
simbólico e dinâmica econômica; e introduzem conceitos jurídicos estranhos a seu contexto.
Por essa razão, como os direitos de propriedade intelectual protegem as
obras individualmente criadas, uma vez que, pelo menos, até o presen-
te momento, não há um direito coletivo das comunidades tradicionais
sobre suas expressões culturais, a imposição de tais direitos exclusivos
tende a gerar escassez de informação para a criação de novas expressões
culturais, sem falar de outros impactos indesejados, como, por exem-
plo, a competição entre os indivíduos das comunidades pela autoria e,
consequentemente, pela titularidade dos direitos sobre tais expressões.
(CARBONI E COELHO 2013, pp. 366)
Segundo ARNT e SALAINI (2010) a criatividade e a imaginação ocorrem a partir de
uma dinâmica coletiva de intercâmbio entre elementos culturais distintos. Desse modo, a apli-
cação da perspectiva do direito autoral aos bens culturais de origem tradicional torna-se inade-
quada. “Na tentativa de proteção de um determinado “bem” da cultura, pode-se atingir negati-
vamente o próprio princípio responsável pela construção de objetos artísticos, rituais, etc. por
não se relevar o caráter dinâmico das construções culturais.”. (ARNT e SALAINI, 2010, p. 17)
Entendemos, portanto, que os instrumentos de Propriedade Intelectual não são suficien-
tes para proteger as Expressões Culturais Tradicionais, uma vez que não foram elaborados com
essa finalidade e não contemplam a complexidade e as especificidades que o modo de vida des-
ses grupos envolve. Não podemos desconsiderar, entretanto, que as comunidades tradicionais,
em muitos casos, já sofrem pressões de mercado, além de diversos conflitos territoriais.
Outro ponto a ser destacado é a organização política desses grupos e seu crescente co-
nhecimento jurídico, o que permite uma apropriação interna dos instrumentos disponíveis para

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a proteção e valorização dos seus bens culturais. No que diz respeito especificamente aos povos
indígenas, a Convenção 169 da OIT estabelece:
Art 7º. I. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas
próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimen-
to, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e
bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de
alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio de-
senvolvimento econômico, social e cultural.

4. PROTEÇÃO DAS EXPRESSÕES CULTURAIS TRADICIONAIS A PARTIR DOS


INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
A Recomendação da Unesco de 1989 sobre a salvaguarda da cultura tradicional e po-
pular destaca a importância das ECT como parte do patrimônio cultural. Nesse documento, a
cultura tradicional e popular é definida como:
(...) o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural,
fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos e que
reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade enquanto
expressão de sua identidade cultural e social; as normas e os valores se
transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas
compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os
jogos, a mitologia, os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e
outras artes.
Como instrumentos de proteção, são ressaltados os inventários e a documentação, além
de ações de promoção e divulgação. Recomenda-se também que as Expressões Culturais Tra-
dicionais devem ser protegidas de forma análoga às demais produções intelectuais. Já a Reco-
mendação para a Diversidade Cultural, de 2001, afirma a importância do reconhecimento dos
direitos autorais, opondo-se à equiparação dos bens culturais a mercadorias ordinárias ou a
meros bens de consumo.
Art 8º. Frente às mudanças econômicas e tecnológicas atuais, que abrem
vastas perspectivas para a criação e a inovação, deve se prestar uma par-
ticular atenção à diversidade da oferta criativa, ao justo reconhecimento
dos direitos dos autores e artistas, assim como ao caráter específico dos
bens e serviços culturais, que, na medida em que são portadores de iden-
tidade, de valores e sentido, não devem ser considerados como merca-
dorias ou bens de consumo como os demais.
A Recomendação apresenta como diretriz a elaboração de políticas de preservação com
o objetivo de combater o tráfico ilícito do patrimônio cultural. Ressalta, também, a necessidade
de respeitar e proteger os sistemas de conhecimentos tradicionais, reconhecendo a contribuição
dos mesmos para a proteção ambiental e para a gestão dos recursos naturais. Merece relevo

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a menção à necessidade de garantia dos direitos de autor e conexos, em equilíbrio com os de


acesso à cultura.
Desse modo, nota-se que a UNESCO reconhece a necessidade de garantir os direitos
autorais cabíveis no que tange aos bens culturais, mas é assertiva ao mencionar que os mesmos
possuem características próprias que os distinguem das mercadorias e bens de consumo.
Em 2003, a Unesco tratou da proteção ao patrimônio imaterial na Convenção para a Sal-
vaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Nesse documento, os processos de globalização e
de transformação social são citados como ameaças à preservação do patrimônio imaterial, sendo
recomendada a adoção de medidas de proteção e salvaguarda. Conforme a Convenção:
Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, representa-
ções, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumen-
tos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhe são associados – que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem
como parte integrante do seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultu-
ral imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente
recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua
interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de
continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversida-
de cultural e à criatividade humana.
Como instrumentos de salvaguarda são citados a identificação, a documentação, a inves-
tigação, a proteção, a promoção, a valorização, a transmissão e a revitalização do patrimônio
cultural. Nota-se, portanto, que a proteção às expressões pelo viés do patrimônio cultural não
abrange o direito de uso exclusivo, a necessidade de autorização e a remuneração ao autor,
elementos presentes no direito autoral. Sobre esse tema, Vitor Lúcio Pimenta de Faria ressalta:
A proteção jurídica de expressões culturais indígenas - pelo viés dos
direitos que asseguram a diversidade cultural - não toca as questões
relacionadas à proteção jurídica das mesmas expressões pelo viés dos
direitos de propriedade intelectual. São proteções distintas. Esta, mais
preocupada com a exploração das obras intelectuais consubstanciadas
pelas expressões culturais. Aquela, mais preocupada com a continuida-
de e a transmissão das expressões culturais. (FARIA, 2012, p. 123).
Por não implicar sanção material às práticas de utilização indevida, os registros de sabe-
res e modos de fazer, próprios das políticas de salvaguarda do patrimônio imaterial, conforme
nosso entendimento, não são plenamente eficientes como instrumentos de proteção e valoriza-
ção das expressões que escapam à clássica identificação de autoria.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme analisamos, o debate sobre as Expressões Culturais Tradicionais encerra di-
vergências que adiam a regulação de seu uso.

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Ora alocadas como um caso particular a ser acolhido pela perspectiva da Propriedade
Intelectual, ora compreendidas como passíveis de proteção por instrumentos sui generis, as
Expressões Culturais Tradicionais continuam sendo exploradas economicamente por usuários
desobrigados de quaisquer contrapartidas.
É possível que o retorno financeiro pela utilização das ECT não faça sentido a algumas
comunidades tradicionais. Pode também estimular, conforme já advertimos, a inserção da lógica
concorrencial descontextualizada dos modos de vida desses povos. Isso posto, uma normativa
que contemple as especificidades das comunidades, obtida com a participação de todos os en-
volvidos no processo, é caminho viável para a elaboração de políticas públicas voltadas à pro-
teção das ECT.
Contudo, do nosso ponto de vista, a construção de mecanismos objetivos de compensa-
ção material à exploração econômica das Expressões Culturais Tradicionais independe da rati-
ficação de uma das perspectivas em debate. Isto é, não nos parece justificável condicionar um
controle mínimo do uso das ECT ao arrefecimento das divergências analisadas. Tal condiciona-
mento apenas prorroga a situação vigente, na qual empresas ampliam sua rentabilidade median-
te a exploração, sem contrapartida, de criações alheias. Cabe dizer, por fim, que os mecanismos
aos quais nos referimos acima – podemos imaginar, como exercício, um Fundo de Repartição
de Benefícios – dependem de soluções jurídicas que garantam a obtenção de recursos a serem
destinados aos detentores das Expressões Culturais Tradicionais, o que hoje lhes é negado pela
lacuna normativa.

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Diciembre, 2010. pp 09-21.

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REFLEXÕES SOBRE FORMAS DE SUSTENTABILIDADE


PARA O CAMPO CULTURAL: PONTO CINE.
Carolina Marques Henriques Ficheira1

RESUMO: Este artigo apresentará a sala de cinema - Ponto Cine, localizada na periferia do
Rio de Janeiro, no bairro de Guadalupe. Esta análise irá refletir as soluções encontradas, no que
concerne a sustentabilidade do espaço cultural. Também pretende abordar o contexto histórico
do campo audiovisual bem como as políticas públicas desenvolvidas para o setor e como as
mesmas o afetam.

PALAVRAS-CHAVE: audiovisual, políticas culturais e sustentabilidade.


.

1. INTRODUÇÃO
O Ponto Cine é uma sala de cinema localizada na zona periférica do município do Rio
de Janeiro. Indo em contra aos prognósticos2 de mercado, Adailton Medeiros cria e equipa uma
agradável e sofisticada3 sala de cinema no subúrbio carioca. No princípio, seu desafio era con-
seguir patrocinadores que pudessem minimamente pagar os custos de uma audaciosa obra. Nas
palavras de Melo Neto (2002, p. 268) o marketing de patrocínio é o “conjunto de significados
a serem transmitidos ao mercado através da associação, objetivando patrocínio (clube, musica,
comunidade ou meio-ambiente)”. Sob essa perspectiva, ainda no ano de 2006, nenhum patro-
cinador conhecia a sala e por essa razão seria complexo ter elementos a serem transmitidos ao
mercado que objetivasse a agregação de valores desta sala de cinema com alguma marca.
Desta forma, podemos vislumbrar o quanto foi difícil se sustentar no início da gestão da
sala de cinema em meio a uma região com poucos apelos mercadológicos, como é comumente,
valorizado por núcleos de comunicação e marketing das empresas patrocinadoras.

1
Autora: Carolina Marques Henriques Ficheira é mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, formada em
Produção Cultural pela UFF. É parecrista da Lei Federal de Incentivo à Cultura, do Distrito Federal, do Estado do
Rio de Janeiro e do município do Rio de Janeiro. Leciona a disciplina de Captação de Recursos, Mercado e Leis na
ESPM- RJ bem como na Pós-Graduação na Gestão do Entretenimento desta insituição. e-mail: carolinaficheira@
gmail.com
2
Adailton Medeiros, criador do Ponto Cine, escreveu um artigo como colunista convidado para a Revista O Glo-
bo. O artigo “Eu vi primeiro”  em 16 de agosto de 2010.
3
http://www.pontocine.com.br/o_cinema_ponto_cine.html

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Mas o projeto nascia fortalecido, eu acabara de assinar um contrato de patrocínio com a


Petrobras, que passaria a patrocinar o ProSocialCinema no Ponto Cine e isso ajudaria e muito, não
só na formação de plateia como na própria manutenção do cinema.(MEDEIROS, 2014, p. 255)
Este cinema se tornaria um exemplo de gestão para o campo cultural, enfrentando as
diferentes adversidades presentes neste território.
Estamos falando de Guadalupe, um bairro do subúrbio que, como tantos outros, convive
ainda com modelos e práticas do século 19 e que não parece pertencer ao Rio de Janeiro das
belas paisagens, praias e monumentos. Aliás, muitos cariocas das regiões mais abastadas da
cidade acreditam que ele pertence à Baixada Fluminense ou à Zona Oeste carioca, seja por falta
de foco, mira errante, ignorância geográfica ou desprezo aos mais profundos lastros do perten-
cimento. (MEDEIROS, 2014, p.243)
Helyenay Araujo ( 2010, p.111) afirma que o bairro possui um dos IDH mais baixos da
cidade, possuindo pouca assistência do poder público e com dificuldades estruturais para um
bairro periférico.
Contrariando as adversidades estruturantes de seu território, esta sala de cinema, hoje,
é promovida pelo incentivo de diversos patrocinadores:

Por esta razão, faz-se necessário nos debruçar e refletir sobre as diferentes ferramentas
criadas por Adailton para a manutenção deste espaço cultural que se tornou referência na área. Por-
tanto, é imprescindível fazer uma contextualização histórica da construção desta sala de cinema.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: PONTO CINE4


Para falar do Ponto Cine, devemos descrever o local físico em que este ocupa. O cinema
está situado em um shopping que possui em sua constituição diversas salas comerciais, dividas
em três andares. Sua estrutura está mais relacionada a um centro comercial5 que um shopping,
uma vez que o cinema se tornou âncora deste comércio.

4
É importante grifar que as falas descritas pelo Adailton Medeiros foram realizadas em entrevista concedida em
21 de novembro de 2014, na sede da empresa.
5
http://www.guadalupeshopping.com.br/

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Antes de o cinema ser aberto, houve um incentivo que as pessoas abris-


sem seus próprios negócios, como a maioria não era do ramo, muitos
foram à falecia, levando o shopping consigo.
Um pouco antes dessa época, Adailton trabalhava no projeto Cinema BR em Movimento6
e vislumbrou que aquele local, com pouca circulação de pessoas, poderia ser ideal para exibir os
filmes. A direção do shopping não acreditou na aderência que Adailton poderia trazer para o local.
A primeira exibição foi o filme Tainá e teve muitos espectadores na plateia deste centro comercial.
Depois que o nervosismo passou por conta do número de pessoas que
estavam no shopping, a direção pediu a segunda exibição. E teve 1000
pessoas com o filme Deus é Brasileiro. Foi um sucesso para o shopping
e para os lojistas.
Foi desta forma inusitada que Adailton foi chamado para fazer um cinema. Muito empol-
gado aceitou o convite, não prevendo os possíveis desembolsos financeiros que isso traria para
ele. Caberia a ele trazer equipamentos e cadeiras. A princípio não sabia que era tão caro comprar
poltronas. Primeiro impasse encontrado: valor das poltronas. Desistiu de comprar cadeiras no-
vas. Adailton encontrou uma senhora que tinha um depósito no bairro do Passeio, centro do Rio
de Janeiro, que pediu R$ 17.000,00 por 100 cadeiras, mas ele não conseguiria comprá-las. Um
dia, após inúmeras ligações, foi até o local e ofereceu R$ 1.000,00 e um caminhão para retirar
as poltronas. A senhora já impaciente por resolver a situação, não pensou duas vezes, vendeu
para ele. Ao mesmo tempo, ele também precisava de um parceiro para gerir o conteúdo exibido.
Foi atrás da Empresa Distribuidora S/A- RioFilme7 que ofereceu a ele R$ 81 mil reais. A notícia
soou para o exibidor como um alento para melhorar a infra-estrutura do cinema que ele havia
imaginado com a direção do Shopping.
Adailton começou a estudar cinema digital e percebeu que o avanço tecnológico poderia
auxiliá-lo na feitura de uma sala de exibição que não poluiria o meio ambiente. Segundo Lucca
( 2009), o filme fica gravado em uma mídia e no equipamento que será usado para fazer a pro-
jeção. Em vez da tradicional película fotográfica, o filme digital é todo transformado em código
binário e fica gravado em um disco. Este, por sua vez, é lido por um computador e “traduzido”
para imagens de alta definição. Quem assiste a um filme digital geralmente não nota muita dife-
rença, mas esse tipo de projeção traz várias vantagens.  Por esta razão que surgiu o uso do selo
Carbon Free8, trazendo para sua marca uma sintonia com o meio ambiente ( menor emissão de
co2 no transporte, o não uso de resíduos químicos para produzir a película e nem a incineração
das películas pós exibição) ao mesmo tempo que seu ingresso estaria em acordo com a popula-

6
http://www.cinemabremmovimento.com.br/
7
http://www.rio.rj.gov.br/web/riofilme/ Vale informar que em 2015, Adailton Medeiros teve sua dívida liquidada
junto a Riofilme.
8
http://www.iniciativaverde.org.br/programas-e-projetos-carbon-free.php

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ção local9, já que não haveria transporte da película e portanto o preço «deveria» ser menor. Isso
não é uma realidade de mercado, mas é assunto para outro momento10.
O dinheiro prometido pela Rio Filme sairia alguns meses depois. No final do processo da
construção da sala, o que inicialmente seria um aporte transformou-se em empréstimo. Adail-
ton estava tão endividado, que se viu obrigado a aceitar as condições redefinidas pela distribui-
dora. No fim, a sala lhe custou R$ 476.000,00.
Para continuar existindo e estancar sua dívida, o empresário se viu como um novo em-
preendedor do campo audiovisual, o qual teria que buscar patrocínios que o ajudaria a manter
esta sala de cinema em Guadalupe. Foi neste momento que iniciou sua empreitada no campo
de patrocínio: entender as estratégias utilizadas pelas marcas, o seu papel na sociedade e ainda
construir uma marca sólida no mercado. (MELO NETO, 2003)
Adailton entendeu que o Ponto Cine11 possui em sua visão ser o maior difusor do cinema
brasileiro, criador de novas alternativas de difusão, formador de  plateia e uma referência no
mercado exibidor cinematográfico brasileiro para as Classes C, D e E. (MEDEIROS, 2014).
Possui como missão “interiorizar o cinema culturalmente nas pessoas e geograficamente no
Brasil, em especial o cinema brasileiro”. Helyenay Araujo (2010, p.123) relata que isto se deve
a um processo de formação de plateia a fim de “formar percepções e sentidos sobre mensagens
fílmicas” dos espectadores.
Indo além, a constituição da empresa é uma instituição humanista - a favor do homem e
de seu convívio em harmonia com a natureza – e social – que visa o investimento dos resultados
nos meios de produção e bem-estar dos seus colaboradores e não, exclusivamente, no acumulo
de capital. É com este foco que seus projetos são desenvolvidos e a empresa é gerida, tanto é que
o Ponto Cine se torna mediador das atividades partilhadas dos seus funcionários, como é o caso
de peças de teatro que os mesmos participam ( ARAUJO, 2010, p.118).
Sob o seu olhar, Medeiros possui contribuições importantes a serem dadas ao campo
do audiovisual.

3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO AUDIOVISUAL 12


Para Adailton, não existe uma indústria na área audiovisual. Como conta, a Política Pública
Cultural Brasileira foi feita de ciclos, a partir de quem está no poder, portanto possui uma característica
de sazonalidade.

9
R$8,00 (inteira) e R$4,00.
10
Para maiores informações acessar: http://aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.813.627/12.0.813.627.pdf
11
Informações retiradas do próprio site.
12
Tomamos como olhar as impressões de Adailton Medeiros sobre o campo de estudo.

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No governo do Juca Ferreira (em 2010), era 1, 3 % do orçamento. Já no


governo da Marta Suplicy era de 0,11 % do orçamento. Nesse período
diminuiu 12 vezes. O cinema é o mais afetado com isso porque precisa
de mais recursos que as outras áreas. Produzimos mais filme, mas ainda
assim é muito pouco, poucas salas de cinema, com uma média 3 / 4 mi-
lhões por filme.
Lia Calabre (2003, p.15) também concorda ao afirmar que na gestão do Presidente Fer-
nando Collor de Melo, toda a estrutura federal no campo da cultura foi radicalmente alterada.
Em abril de 1990, o Presidente promulgou a Lei n° 8.029, que extinguia, de uma só vez, diversos
órgãos da administração federal, em especial da área da cultura como FUNARTE, Pró-Memó-
ria, FUNDACEN, FCB, Pró-Leitura e EMBRAFILME e reformulava outros tantos como o
SPHAN. Todo o processo foi feito de maneira abrupta, interrompendo vários projetos e traba-
lhos que vinham sendo realizados por mais de uma década. O processo de desmantelamento
culmina com a extinção do próprio Ministério da Cultura, criando uma Secretaria de Cultura
que teve como primeiro Secretário Ipojuca Pontes que, em 1991, passou o cargo para Sérgio
Paulo Rouanet. Como se nota, o audiovisual e os outros campos foram afetadas por esta ação
do ex-presidente levando a um desmantelamento do setor. Ainda que a Lei Federal de Incentivo
à Cultura (criada em 1991) e a Lei do Audiovisual (criada em 1993) tenham auxiliado o fomento
da área, o setor só conseguiria ter uma política mais focada, com a criação da Agência Nacional
de Cinema em 2003.
A partir desta reflexão, podemos dizer que o campo audiovisual se estrutura em três se-
tores: Produção, distribuição e Exibição. As políticas públicas, majoritariamente, concentram
os recursos no campo da Produção. As salas de cinema, em sua maioria, são pulverizadas, mas
as redes Cinemark Cinepolis, GSR, Araujo, Espaço e UCI representam 46,2% das salas de exi-
bição. Por sua vez, a distribuição , é operada por alguns entes do setor, levando alguns líderes
do mercado a afirmar que o gargalo está nesta área. De um total de 98 distribuidoras13 atuantes
no país, as majors representam as cinco maiores distribuidoras por renda de filme no país. Já
as distribuidoras brasileiras, são compostas por poucas de porte mediano( tais como Downtwn
filmes e Paris Filmes) e muitas de pequeno porte ( tais como Vitrine filmes e California filmes).
Mesmo assim, em 2013, dos 397 filmes lançados, 129 eram filmes brasileiros14. Desta forma, te-
mos uma estrutura complexa do mercado e como Adailton colocou, “uma área feita de ciclos”,
a partir de uma política pública. Complementamos dizendo que, ainda hoje é uma área sensível
às mudanças políticas do país, tornando-se frágil.
De que maneira garantir patrocínio se esta está vinculada diretamente a políticas de go-
verno, muito contribuída por uma sazonalidade dos governantes, por meio de deduções fiscal?
13
http://oca.ancine.gov.br/distribuicao.htm
14
todas as informações foram retiradas do http://issuu.com/oca_ancine/docs/anu__rio_estat__stico_do_cinema_
bra

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Como realizar a captação de recursos incentivados se as fontes de recursos, em sua maioria,


estão comprometidas com as estratégias das empresas? É nessa perspectiva que Adailton, como
agente do setor audiovisual, foi entender o papel da sua marca no cenário do audiovisual: con-
quistar novos espaços de patrocínio e otimizar recursos financeiros ao mesmo tempo em que
procurava novas estratégias, indo além do retorno midiático.
Foi com esta entoada sobre o campo e uma relação humanística com seus funcionários
que Adailton criou a ambiência dos projetos e passou a captar recursos no meio empresarial.

4. POSSÍVEIS FORMAS DE SUSTENTABILIDADE.


Para Ana Carla Reis (2003) estabelece diferentes valores passíveis de serem analisados
sob a ótica do patrocínio: valores sociais, culturais, econômicos, históricos e estéticos. Ousaria
inserir mais um: valor ambiental. Neste cenário de valores: Ponto Cine estuda as empresas a fim
de buscar uma linha de convergência com esses, pois precisa detectar possíveis patrocinadores
que trabalhem sob um mesmo entendimento dos seus pilares. Ponto Cine possui como pre-
missas: difundir a cultura nacional, promover socialmente o cinema, contratar mão-de-obra da
região e gerar o desenvolvimento local15. Para ratificar essa informação: a sala de cinema possui
dez anos de estrada que confirma o papel de democratizar o acesso do cinema às classes popu-
lares, difundir a estética audiovisual brasileira e ainda não poluir o meio-ambiente por trabalhar
com o cinema digital e por este motivo possui o selo Carbon Free16, como já falamos anterior-
mente. É com este olhar que Adailton seleciona seus patrocinadores: unidos por uma causa.
Como já aponta o terceiro setor, em Cruz e Estraviz (2001), a mobilização de recursos é pautada
por causas em detrimento de negócios, ou seja uma “prática social no seio de um determinado
segmento social” (MACHADO NETO, 2005, p.65) . É com esta entoada que Adailton faz a sua
interface com seus possíveis patrocinadores, através de um estudo detalhado. Em suas palavras:
Empresas que se preocupam com a educação ou com a evolução humana
interessa a marca. Vai utilizar o beneficio fiscal, mas caso acabe a lei, ela
dará continuidade, pois existe um comprometimento com seus parceiros,
com seus funcionários, com a sociedade em que ela está estabelecida.
Não vale uma empresa que se a lei acabar, o patrocínio também acabe.
Sob este olhar, o Censo GIFE17, entrevistou alguns empresários e foi afirmado que, se os
incentivos fiscais fossem revogados, apenas 5% deixariam de investir na área; 32% afirmaram
que o volume de investimentos permaneceria inalterado e 41% disseram que o volume diminui-
ria. O secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti afirma que “Esta é uma área de tiroteio, de
potencial conflito quando entendemos o contexto da reforma da lei Rouanet”, tendo em vista

15
para maiores informações, acesse o Capítulo 6 de Araujo ( 2010).
16
http://www.pontocine.com.br/redelimpadeexibicao/
17
mapeamento bienal que a Rede GIFE faz sobre o Investimento Social Privado (ISP) de seus associados.

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que as “políticas culturais (são) de cada agente, fundação ou empresa interessada em patrocínio
(MACHADO NETO, 2005, p.59). O fato é que toda a área cultural necessita se estruturar antes
que ocorra um retrocesso de patrocínios. Por esta razão, apenas 33% do faturamento 18do Ponto
Cine está em projetos incentivados.
Sob a ótica do Ponto Cine, suas metas são “fugir do mercado” e atingir pessoas. “Fugir
do foco” para promover a circulação de novas ideias e oportunidades. Adailton lança mão de que
a cultura e esporte promovem a grande prospecção da marca:
Associar a marca a uma ideia é muito mais importante, pois atinge o
inconsciente daquele consumidor. É mais eficiente que só exposição de
marca, como a colocação de um outdoor, que passa a não ser notado
mais. A marca precisa criar vida; precisa ter movimento para ser notada.
Somente quem pode fazer isso são as pessoas: somente a cultura e o
esporte podem fazer.
Concordando com Melo Neto (2003) e Adailton, as ações de patrocínio promovem o
envolvimento emocional com a marca e assim apreendem a marca no uso do projeto. A marca
passa a ser parceria do projeto. O patrocinador passa a ganhar vida na localidade de Guadalupe
na medida em que esta auxilia o desenvolvimento local e o Ponto Cine amplia a exposição da
marca nos materiais de divulgação bem como na mídia, promovendo uma apropriação dos mes-
mos pela sociedade.
Os outros 33% do pilar de faturamento do Ponto Cine são os produtos comestíveis bem
como produtos próprios, criados pela empresa. São eles: bilheteria, pipoca, dvd, camiseta19 e
propagandas. Em acordo com Wolf (2003, p.40), “tem se tornado cada vez mais pesado os ren-
dimentos de uma empresa exibidora, junto com o movimento mais recente de publicidade antes
da exibição dos filmes”. Portanto, esta parte é importante alavanca de sustentabilidade para a
sala de cinema. Podemos exemplificar o Tela Móvel20, idealizado por Adailton, no qual a van
adaptada exibe trailers dos filmes, que entrarão em cartaz, em qualquer lugar da cidade, tornan-
do-se uma potente ferramenta de comunicação. Veja o exemplo a seguir:

18
Informação dada em entrevista.
19
http://www.pontocine.com.br/galeria/mostra_globo_news_documentarios_-3.html
20
http://www.pontocine.com.br/anuncie.html

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Os restantes 33% do faturamento são destinados a projetos diretos, tais como as midio-
tecas móveis nas fábricas da FIRJAN21. Ousaria dizer que o projeto “Mostra GloboNews de
Documentários” também entraria nesta categoria devido ao seu perfil no mercado. Segue as
informações disponibilizadas no portal G1 da emissora Rede Globo de televisão22:
Durante quatro semanas, a equipe de Responsabilidade Social, em par-
ceria com a GloboNews, promove no Ponto Cine, em Guadalupe, no
Subúrbio do Rio, a Mostra GloboNews de Documentários. As sessões
às segundas serão fechadas para convidados, seguidas de debate, mas
os filmes serão abertos ao público, de quinta a quarta-feira da semana
seguinte, às 13h, a R$ 2. A mostra acontece nos dias 30 de março, 6 e
13 de abril.
Indo além da prerrogativa posta nas leis de incentivo23 e da venda de produtos comestí-
veis e de propaganda, os projetos desenhados pelo Ponto Cine, sejam eles de captação indireta
(via renuncia fiscal) ou direta, ambos os modelos buscam a transformação social, um dos pontos
presentes na diretriz da empresa. A prática desenvolvida pelo Ponto Cine se aproxima do con-
ceito Cultura como Recurso desenvolvido por George Yudice (2013), no qual o autor explicita
que a cultura pode ser entendida como cidadania, confiança, cooperação e interação social e
também desenvolvimento econômico. Nas palavras dele (2013, p. 53) “não é somente colocar a
cultura como mercadoria, equivalendo a uma capacidade instrumental, mas modo de cognição,
organização social até mesmo emancipação social”. E desta forma, as prática de seus projetos,
promove o empoderamento, o aprendizado, a formação, geração de renda e desenvolvimento
local, renovação urbana e dinamismo na comunidade do seu entorno. Isso pode ser notado nas
palavras de Araujo ( 2010, p.135) que se debruçou densamente sobre esta instituição:
As pessoas se reconhecem como atuantes no bairro, no sentido de dis-
cutirem temáticas relevantes e manterem aquele espaço de exibição (
Ponto Cine) aberto para que outras atividades possam ser desenvolvidas
(...) o espaço como bem público do bairro.
Nota-se que este espaço de cultura se torna veículo da consolidação da cidadania pautada
na participação ativa da população local.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que a área cultural esteja crescendo, após anos 90, esse sistema (criado pelo Ponto
Cine) realimentado por diferentes fontes de renda é a prova de que a área pode prosperar ainda
mais. Indo de encontro a Yudice (2013, p. 31), os propósitos estabelecidos à arte e a cultura

21
informação fornecida por Adailton Medeiros em entrevista.
22
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/03/veja-dicas-culturais-do-rjtv-para-o-fim-de-semana.html
23
Para saber mais, acesse: Lei Federal de Incentivo à Cultura, Lei do audiovisual, Lei de Incentivo à Cultura do
Estado do Rio de Janeiro e Lei Municipal de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro.

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podem promover “a coesão social em questões divergentes e, desde que é um setor de trabalho
intenso, elas ajudam na redução do desemprego”.
Por esta razão, o estudo sobre a economia e cultura, é fundamental para a solidificação
da área, como já se nota no Rio de Janeiro. Na pesquisa realizada pela FIRJAN24 sobre a área
cultural percebeu que o setor possui um progresso urbano e regional; empregos qualificados e
alto valor agregado; 26 mil empresas produzindo serviço criativo; 96 mil profissionais estão em-
pregados no núcleo criativo e o Rio de Janeiro possui o Produto Interno Bruto equivalente a R$
18,6 bilhões, corresponde a 4,1% de tudo que é produzido no Estado – a maior participação do
PIB criativo. Desta forma, é inegável a contribuição dos benefícios socioeconômicos para este
Estado através do sistema retroalimentado da cultura. Esta reflexão sobre esta sala de cinema
se torna importante reflexão para a sustentabilidade do campo, como mostra o crescimento e o
equilíbrio financeiro esboçado pelo Ponto Cine.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

AUGUSTINI, Gabriela & COSTA, Eliane. De baixo para cima. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2014.
ARAUJO, Helyenay Souza. Defesa de dissertação ( mestrado). Um cinema em Guadalupe: exibição
e constituição de público no projeto Ponto Cine. Universidade Pontifícea Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Comunicação. Orientadora: Profa. Dra. Adriana Andrade Braga.
CALABRE, Lia. (Org.) Políticas Culturais: diálogo indispensável. Rio de Janeiro: Edições Casa Rui
Barbosa, 2003.
CRUZ,C., Estraviz, M. Captação de Diferentes Recursos para Organizações Sem Fins Lucrativos. São
Paulo: Instituto fonte, 2001.
LUCA, Luiz Gonzaga Assis de. Cinema digital. Um novo cinema?. São Paulo: Imprensa Oficial SP,
2004.
MACHADO NETO, Manoel Marcondes. Marketing Cultural: das práticas à teoria. Rio de Janeiro:Editora
Ciência Moderna, 2005.
MELO NETO, Francisco Paulo de. Marketing de Patrocínio. Rio de Janeiro:Sprint, 2003.
WOLf, Rafael Henrique. Defesa de conclusão de curso. Empresas exibidoras de cinema no Brasi.l
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia.. Orientador: Prof. Dr. Maurício Chalfin
Coutinho. Novembro de 2003.
YUDICE, George. A conveniência da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.

24
http://www.firjan.org.br/economiacriativa/download/analise_especial_rio_de_janeiro.pdf

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SITES VISITADOS:
www.ancine.gov.br
www.cultura.gov.br
http://www.firjan.org.br/economiacriativa
www.gife.org.br
www.g1.com.br
www.pontocine.com.br

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CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURAL DE BELO HORIZONTE –


AVANÇOS E DESAFIOS DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA FORMULAÇÃO DA
POLÍTICA DE CULTURA
Caroline Craveiro1

RESUMO: Este artigo busca apontar os principais avanços e desafios da atuação do Conselho
Municipal de Política Cultural de Belo Horizonte, a partir de considerações relativas aos atributos
da composição, natureza deliberativa, objetivos e funcionamento. Os conselhos de Cultura
correspondem a instâncias de articulação, pactuação e deliberação, conforme o Ministério da
Cultura (MINC, 2011) e a análise de sua eficácia e efetividade torna-se fundamental para a
reflexão sobre os espaços e mecanismos da participação social na formulação da política de
cultura.

PALAVRAS-CHAVE: conselho de cultura, participação social, política cultural

1. INTRODUÇÃO
Um Conselho de Cultura, seja municipal, estadual ou nacional, corresponde a um dos
elementos constitutivos dos Sistemas de Cultura, também de âmbitos municipal, estadual ou
nacional, e baseados nos princípios da política nacional de cultura, correspondem a uma instân-
cia de articulação, pactuação e deliberação (MINC, 2011). Enquanto uma instância colegiada
permanente, de caráter consultivo e deliberativo, o Conselho de Cultura deve integrar a estrutura
político-administrativa do Poder Executivo, ser criado por Lei e ser constituído por represen-
tantes do poder público e da sociedade civil. A representação da sociedade civil deverá ser de,
no mínimo, 50% dos membros e deve ser eleita democraticamente pelos respectivos segmentos.
Segundo o MINC (2011), os Conselhos de Cultura têm como atribuições gerais propor e apro-
var diretrizes para os Planos de Cultura, acompanhar sua execução, apreciar as diretrizes dos
Sistemas de Financiamento à Cultura, além de fiscalizar a aplicação de recursos e as ações do
órgão gestor da cultura.

1
Técnica da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, formada em Geografia pela UFMG, com espe-
cializações em Estudos Ambientais pela PUC-MG e em Gestão Pública pela PUC-MG, mestranda em Geografia
– Tratamento Espacial da Informação pela PUC-MG. – carolinecraveiro@pbh.gov.br

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Segundo Teixeira (2005), a composição, principalmente no que tange à paridade, a na-


tureza deliberativa, os objetivos e o funcionamento dos Conselhos são atributos fundamentais
para a análise de sua eficácia e efetividade enquanto espaços de partilha de poder, explicitação
de conflitos, democratização da democracia e resultados de melhor gestão da política pública
de cultura. Para a autora, os Conselhos apresentam problemas e desafios vinculados a estes atri-
butos que devem ser superados com medidas que busquem olhar para os setores que não estão
presentes no conselho e estimular sua participação, criar e valorizar arenas e espaços da socie-
dade civil para que esta se fortaleça para integrar o conselho, criar mecanismos para a articula-
ção entre conselhos de políticas públicas da cidade, produzir dados e acessar informações para
subsidiar as decisões do conselho, não se limitando aos dados do órgão gestor, mas incluindo
estudos de ONGs e universidades, desenvolver estratégias de articulação entre os conselhos dos
entes federados, assim como também buscar articular espaços participativos da própria esfera,
como por exemplo os fóruns de Orçamento Participativo e viabilizar recursos para os Conselhos
e sua atuação nas deliberações orçamentárias.
O COMUC, como é chamado o Conselho de Política Cultural de Belo Horizonte, confi-
gura-se como um espaço instituído legalmente, ordenado por meio de lei, decreto e Regimento
Interno, apresentando composição de 50% de membros da sociedade civil, eleitos por seus pares
e segmentos e que busca empreender o que dispõe o Ministério da Cultura em relação ao papel
do Conselho. No entanto, como apontou Teixeira (2005), ao avaliarmos sua experiência desde
2011, verificamos que muitos problemas estão presentes e se colocam como desafios para a ges-
tão pública municipal e para a própria sociedade.
Para Faria e Moreira (2005), a garantia, do ponto de vista legal e formal, a organização
do conselho, sua agenda periódica e atividades, a convocação de conferências, o estímulo aos
fóruns, nem sempre corresponde ao que chamam de cultura participativa. A Cultura, segundo
eles, é central para as práticas e reflexões da governança e é fundamental que se trabalhe com a
transversalidade. Assim, o estabelecimento de uma cultura participativa pressupõe ir além da
cultura como espaço de arte, abrangendo outras esferas da cidadania, tais como a ambiental, a
mobilidade, a cultura alimentar, valores éticos, os hábitos de saúde, a cultura da paz, o que pres-
supõe, inclusive outros formatos de gestão. Assim, segundo os autores, a cultura participativa
de uma cidade é mais abrangente do que a constituição de um conselho e envolve outras di-
mensões para além do formal e institucionalizado. No entanto, neste artigo, buscaremos, ainda
que considerando tais limitações, reconhecer nos conselhos de cultura espaços possíveis para a
participação social.
Como aponta Teixeira (2005), os conselhos correspondem a espaços de partilha do po-
der, nos quais alguns níveis de decisão são acessados a partir de interesses diversos que se con-
frontam, posto que são também estes espaços de exposição de conflitos e, nos quais, a visibili-

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dade das tomadas de decisão já se mostram como um avanço diante das tomadas em gabinetes
fechados. Para a autora, os conselhos também se constituem espaços para democratização da
democracia, o que segundo ela, corresponde à forma como os conselheiros aprendem a escutar
uns aos outros, respeitar divergências, perceber contradições e estabelecer acordos e consensos.
Outro ponto ressaltado por Teixeira (2005) é que os conselhos de cultura podem promover me-
lhorias na forma da gestão da política de cultura quando consolidam mecanismos de avaliação,
fiscalização, estabelecem diretrizes para atender a um número maior de pessoas, otimizam re-
cursos e evitam corrupção. Para Faria (2005), a partir da avaliação da atuação dos conselhos, é
necessário buscar compreender os novos rumos que deveremos tomar, a fim de instituir novas
dinâmicas participativas, avaliando os impasses na construção democrática e na construção de
uma nova cultura política que sirva à formação de cidadãos plenos e ao desenvolvimento da
vida nas cidades (Faria, 2005, 122).

2. CONSTITUIÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURA DE


BELO HORIZONTE
O Conselho Municipal de Política Cultural de Belo Horizonte – COMUC, foi instituído
pela Lei 9.577, de 02 de julho de 2008, a partir de demandas da sociedade civil legitimadas por
conferências municipais de cultura e movimentos culturais da cidade. O decreto 13.825, de 28
de dezembro de 2009 que o regulamentava, no entanto, dispôs uma composição que fora am-
pla e intensamente questionada pela sociedade civil, posto que se configurava de 34 membros,
dos quais 17 seriam indicados pelo poder público, representando pastas da administração e 17
seriam representações da sociedade civil, das quais 06 dos setores artísticos eleitos por entida-
des, 09 por representantes das regionais administrativas do município e 02 representantes de
notório saber que seriam indicados pelo Prefeito. Esta composição e a forma de indicação dos
representantes da sociedade civil via entidade e via indicação do Prefeito foram alvo de críticas
e debates que resultaram na revogação deste decreto e sua substituição pelo Decreto 14.424, de
18 de maio de 2011. Esta alteração foi resultado do trabalho de uma comissão de estudos criada
a partir de uma reunião pública, com membros do poder público e da sociedade civil e institu-
ída pela Portaria FMC 48 de 27 de dezembro de 2010. O trabalho desta comissão resultou na
realização de consultas públicas e na elaboração do novo decreto, que dispôs nova composição
para o Conselho a ser formado por 30 membros, dos quais 15 são do poder público indicados
pelos respectivos órgãos e 15 da sociedade civil, sendo 06 dos setores artísticos eleitos pelos
seus pares e 09 representantes das regionais administrativas eleitos pelos moradores destas áre-
as. Houve, portanto, a partir dos debates promovidos e pelo trabalho da comissão, a retirada
da indicação dos representantes artísticos pelas entidades e dos 02 notórios saber indicados
pelo Prefeito, buscando-se assim, maior abertura à participação do cidadão, não restringindo a

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inserção no conselho via entidade e eliminando a tradicional indicação de notórios saber pelos
prefeitos, como se dá em conselhos tradicionais do Patrimônio, por exemplo. A principal ques-
tão em pauta e ressaltada durante o processo de reformulação foi a garantia da ampla e diversa
participação do cidadão. A partir daí, com o novo decreto, foi instaurado em 2011, o primeiro
processo eleitoral para o então Conselho Municipal de Cultural (a alteração do nome para Con-
selho Municipal de Política Cultural se deu em 2014). Este momento foi importante para esta-
belecer o que foi disposto pelo MINC (2011) relativo ao processo democrático na escolha dos
membros do Conselho representantes da sociedade civil e como aponta Faria e Moreira (2005),
inibir conselhos que se estruturem com características corporativistas, relacionadas a áreas que,
de fato, não representam, sem vínculos com as dinâmicas da sociedade civil e restritos a grupos
que não abarcam a cidade, mas que podem forçar a lógica das relações políticas para apoio de
eventos ou espaços.
Em 2011, todas as representações da sociedade civil tiveram candidaturas e após as elei-
ções, foi iniciado o trabalho do colegiado, com a instauração sistemática de seu funcionamento,
a partir da discussão do Regimento Interno, que durou cerca de seis meses e representou um
momento rico de debates que iam além das matérias regimentais, além da definição da agenda
de reuniões ordinárias. A partir de então, o Conselho veio atuando junto à Fundação Munici-
pal de Cultura na formulação do Plano Municipal de Cultura, finalizado em 2013 e aprovado
pela Câmara Municipal de Belo Horizonte em 2015, na colaboração para realização da 3ª e 4ª
Conferências Municipais de Cultura, em 2013 e 2015, respectivamente, além de promover de-
bates em torno de temas pertinentes às representações setoriais e regionais, como a revisão da
Lei Municipal de Incentivo à Cultura, os usos dos espaços públicos, a atuação e manutenção
dos equipamentos culturais públicos (Centros Culturais, Teatros, Museus, etc. ), além de ações
específicas como editais, festivais e outros projetos da gestão pública de cultura da cidade.

3. ATUAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURAL – AVANÇOS


E DESAFIOS
Durante os dois primeiros mandatos do Conselho Municipal de Política Cultural (2011-
2013 e 2013-2015), destacam-se os trabalhos relacionados à formulação do Plano Municipal de
Cultura, à instauração dos debates em torno da revisão da Lei Municipal de Incentivo à Cultura,
tendo como referência a implantação do Sistema Municipal de Cultura. O Sistema Municipal de
Cultura também foi tema deste período resultando na instituição deste através da Lei 10.901, de
11 de janeiro de 2016. Estes resultados mais a colaboração do Conselho na realização da 3ª e 4ª
Conferências Municipais de Cultura, em 2013 e 2015, além da Conferência Extraordinária em
2013 com foco no Plano Municipal de Cultura, podem ser considerados resultados efetivos da
atuação do conselho na formulação da política. Durante todo o processo, houve a possibilidade

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de inserção de questionamentos, sugestões e verificação de informações pelos conselheiros que


se destacaram também pelo perfil de indução de alguns procedimentos pela instituição, tais
como o aumento no número de realização de reuniões públicas para definição de projetos e
ações específicas, como festivais e editais. O acompanhamento do Conselho de Política Cultu-
ral também em comissões de trabalho da instituição, como, por exemplo, na Comissão do Edital
Mestres da Cultura Popular (2014 e 2015) promoveu a inserção de conselheiros no exercício
mais próximo da execução da política, possibilitando um contato mais direto na formulação
do mecanismo e no processo de avaliação. Houve a inserção da participação de conselheiros
nas comissões de elaboração do Plano Municipal de Leitura, Livro, Literatura e Bibliotecas, no
Comitê de Acompanhamento da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, além da constituição de
grupos de trabalho específicos do colegiado com temas pertinentes às discussões promovidas.
Desta forma, buscou-se ampliar a participação do Conselho em vários âmbitos de formulação
das políticas no âmbito da Fundação Municipal de Cultura.
Muitos são os desafios que o Conselho Municipal de Política Cultural ainda tem a supe-
rar em seu percurso. Um dos desafios atuais é a ampliação da atuação do Conselho no processo
de acompanhamento na elaboração orçamentária definida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e pela Lei Orçamentária Anual (LOA), assim como no entendimento destes instrumentos
na estrutura do Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG). Nos últimos anos, o Conse-
lho Municipal de Política Cultural foi consultado sobre as possibilidades de projetos e avaliação
das propostas, mas não consolidou proposições relativas ao tema, nos prazos estabelecidos.
Verifica-se, portanto, a necessidade de definir as estratégias e mecanismos para que esta atua-
ção se efetive com mais qualidade e não se disperse ao longo do ano através de resoluções ou
recomendações fragmentadas. Como aponta Teixeira (2005), os conselhos que não discutem o
orçamento, as contas públicas, não acompanham o gasto público podem se perder em assuntos
muito genéricos e se dispersarem do poder que teriam de fato.
Outro desafio é ampliar a capilaridade e mobilização dos conselheiros junto a seus setores
e regionais. Percebe-se uma fragilidade, em algumas representações, na interlocução com seus
pares a fim de consolidação de propostas, questionamentos e encaminhamentos. Alguns conse-
lheiros, nas eleições de 2015, foram eleitos com apenas um voto, o que revela um esvaziamento
do processo de participação e pouca articulação com os segmentos que buscam representar. As
ações de descentralização no território, através dos fóruns regionais e setoriais, visam criar es-
paços para que coletivos se constituam e tenham representação com base mais ampla e diversa.
A constituição dos fóruns consultivos setoriais e regionais, já pautado durante os últi-
mos anos pelo colegiado e por grupo de trabalho constituído para sua definição, ainda está em
curso, o que pressupõe a necessário investimento nos próximos anos a fim de efetivá-los nos
moldes descritos pela política nacional, para o âmbito municipal. Já foram realizadas reuniões

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a fim de se incrementar fóruns já existentes, como os do Audiovisual, Música, Leitura, Mani-


festações da Cultura Popular, além de se identificar, no âmbito das regionais, a realização de
Comissões Locais de Cultura pelos centros culturais. O Conselho tem buscado, ao longo deste
processo, ressaltar a implantação do Sistema Municipal de Informações e Indicadores Culturais,
com a fundamental ação de Mapeamento Cultural como ferramenta para a gestão da política de
cultura. A visibilidade dos territórios culturais e artísticos é uma pauta constante no âmbito do
conselho e já resultou também na constituição de um grupo de trabalho voltado para a interlocu-
ção com os centros culturais dispostos nas regionais da cidade, além de representação no grupo
institucional para implantação do Mapeamento cultural. Além disso, conforme afirmam Faria e
Moreira (2005), os conselhos devem descentralizar a ação no território, capilarizando também
as políticas públicas, buscando integrar espaços da cidade.
Outro grande desafio para o Conselho Municipal de Política Cultural, desde o segundo
processo eleitoral, realizado em 2013, é a ampliação e diversificação para sua composição. O
aumento das vacâncias de algumas representações, o baixo número de participantes do proces-
so, seja como eleitor ou como candidatos, aponta para um esvaziamento e desinteresse em ser
designado como conselheiro municipal de cultura. A principal justificativa para esta queda no
interesse de integrar o conselho está no impedimento do conselheiro em participar dos meca-
nismos de incentivo e fomento no âmbito municipal, dada sua condição como agente público
municipal pelo Decreto 14.635, de 10 de novembro de 2011. Estas restrições inibiram a partici-
pação de muitos agentes culturais do município (artistas, produtores, técnicos de arte, etc.) que
concorrem no acesso, principalmente, à Lei Municipal de Incentivo à Cultura.
Outro ponto constatado que reduz a potencialidade de participação social no conselho re-
fere-se aos critérios estabelecidos para os candidatos regionais que, diferentemente do que ocor-
re em outros conselhos de políticas do município, impede a participação do cidadão comum, do
usuário da cultura, uma vez que requer comprovação, por meio formal, de 02 anos de atuação
na área artística ou cultural de sua regional, em moldes do que é exigido das representações ar-
tísticas. Este requisito tem impedido que o cidadão comum, usuário da cultura, e também agente
cultural no sentido mais abrangente e antropológico, insira-se como candidato no processo de
eleição do Conselho e possa integrá-lo e formular, em conjunto com as demais representações, a
política cultural da cidade. Esta análise também vai ao encontro do que propõe Moreira e Faria
(2005) em relação à composição de um conselho para além das linguagens artísticas, mas com
a inclusão de outros e diversos atores que convivem na cidade.
O Conselho Municipal de Política Cultural também tem como desafio ampliar os ins-
trumentos de comunicação a fim de dar maior visibilidade aos seus trabalhos para a cidade. A
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Adjunta de Gestão Comparti-
lhada, possui um Portal para abrigar as informações de todos os conselhos e colegiados de polí-

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ticas públicas da cidade. Nele, estão dispostas as legislações, agendas, pautas, atas, integrantes,
resoluções, e outras informações gerais sobre os conselhos. No entanto, o Conselho Municipal
de Política Cultural já pautou a necessidade de buscar criar, junto à Fundação Municipal de
Cultura, outros canais de comunicação, inclusive, para superar outro grande desafio que é o de
renovar e inserir novos agentes culturais e cidadãos nos processos de participação.
Em relação ao papel e atuação, muitos conselheiros, tanto alguns representantes do po-
der público como da sociedade civil, demandam ações de formação e capacitação para a parti-
cipação, debate político e sobre instrumentos da administração pública. No âmbito da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte, foram realizados cursos junto à ESAF – Escola de Administração
Fazendária, anualmente, a partir de 2013, a fim de contemplar todos os conselhos de políticas
públicas. Este tipo de ação, inclusive, é apontado por Teixeira (2005), como um exemplo de
medida para articular conselhos de políticas por meio de programas de capacitação integrados.
No entanto, a participação dos conselheiros municipais de cultura foi pequena, justificada pela
maioria, pela incompatibilidade de datas e horários. Cabe ressaltar que a atuação do conselheiro
municipal de cultura pelos representantes da sociedade civil é caracterizada como uma atividade
de interesse público, sem remuneração e que o tempo dispendido para esta atuação concorre
diretamente com o seu trabalho, fonte de renda, além das atividades familiares. Isto remete
a uma questão posta por Teixeira (2005) relativa à paridade, que, formalmente existe, mas na
prática, é comprometida em função de condições distintas e desiguais de participação entre os
membros do poder público e os da sociedade civil, visto o diferente acesso a informações e o
tempo disponível para a participação. As dificuldades dos membros da sociedade civil compro-
metem a efetividade da paridade como um atributo do conselho. Outro ponto que também pode
ser ressaltado é que muitos membros do poder público não têm, de fato, um compromisso com
o conselho, não se envolvendo nas discussões, proposições ou encaminhamentos.
As ações de capacitação no âmbito da própria Fundação Municipal de Cultura foram
realizadas, esporadicamente, a partir dos temas relativos ao Orçamento, aos Sistemas Nacional
e Municipal de Cultura, Agenda 21 da Cultura, além de seminários específicos para os quais o
conselho é convidado. Foram realizadas visitas técnicas aos equipamentos culturais do órgão
gestor para que os conselheiros tivessem conhecimento e acesso a informações diretas por parte
dos gestores e equipes. Estas ações promoveram um envolvimento maior também por parte dos
servidores da Fundação Municipal de Cultura com o Conselho. Cabe ressaltar que uma das de-
mandas por parte dos servidores é a garantia de que 03 dos 7 membros representantes do órgão
sejam eleitos pelo conjunto dos servidores. Esta eleição já acontece desde 2011, no entanto, sem
ter sido incorporada na normativa do colegiado.
Dentre tantos desafios, o Conselho Municipal de Política Cultura também se depara com
a necessidade de desenvolver capacidades de gestão de tempo, de conflitos, de instituir proce-

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dimentos para melhor definir prioridades num contexto complexo, heterogêneo e diverso da
Cultura, por meio da inscrição de suas pautas, proposições e deliberações.
Aliar o trabalho do Conselho a outras instâncias da esfera pública também é um desafio
para efetivar proposições e encaminhamentos, como por exemplo, a necessária interlocução
com a casa legislativa, esta que, muitas vezes, tem receio da atuação de conselhos fortes e inci-
sivos. A elaboração do Plano Municipal de Cultura e da Lei do Sistema Municipal de Cultura
demonstrou a importância de um conselho que não restrinja o olhar ao poder executivo e que
saiba operar com as estruturas dos poderes da administração pública. No entanto, há que se am-
pliar o suporte para que o conselho se muna de conhecimentos, instrumentos e ferramentas que
fortaleçam suas atribuições de análise, avaliação, formulação e deliberação.
Ao analisar as atividades, proposições, resoluções e trabalhos do Conselho, é possível
levantar problemas e desafios relativos à eficácia e efetividade de alguns de seus atributos.
Os resultados efetivos relativos à formulação do Plano Municipal de Cultura, outro elemento
constitutivo do Sistema de Cultura, além da instituição deste, representaram um avanço para
consolidação da política pública do município e concretizou também as demandas e proposições
consolidadas ao longo de 4 conferências municipais (2005, 2009, 2013 e 2015). É importante
destacar que o Conselho passou a ser reconhecido como uma instância na estrutura da política
pública, sendo solicitado para análise e para pauta por parte de vários setores e grupos da cidade.
As recomendações, moções, resoluções aprovadas desde 2011, tiveram resultados naquilo que o
órgão gestor detinha governabilidade. A exemplo da Resolução aprovada em 2013 que pautava
a diretriz de equilíbrio na distribuição do recurso da Lei Municipal de Incentivo à Cultura nas
regionais do município, que gerou a formulação de um edital diferenciado denominado Des-
centra Cultura a fim de possibilitar maior capilaridade do recurso, com maior possibilidade de
acesso por produtores de outras regionais da cidade. Este edital, no entanto, apontou que outras
medidas deverão ser tomadas, mas representou uma ação decorrente de deliberação do conse-
lho. A baixa de resultados efetivos pode, segundo Teixeira (2005) desestimular a participação e
gerar a sensação de frustração. No entanto, é necessário informar aos conselheiros quais são as
reais possibilidades orçamentárias disponíveis para o setor e para a execução pela instituição.
O entendimento dos trâmites administrativos e legais no âmbito da gestão pública também são
fundamentais para que o Conselho compreenda o cenário orçamentário no qual a Cultura está
inserida na cidade e os alcances de governabilidade do órgão gestor da cultura. Um ponto im-
portante a ressaltar é que, à medida que os elementos constitutivos do Sistema de Cultura se con-
solidarem e se fortalecerem, o próprio Conselho terá maior possibilidade de ampliar a eficácia
e efetividade de sua atuação, a exemplo da implantação do Plano Municipal de Cultura, agora
uma referência para a política cultural da cidade para os próximos 10 anos, com revisão a cada
Conferência Municipal. Estes instrumentos reforçam-se e contribuem para o fortalecimento de

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toda a estrutura sistêmica da política. Desta forma, o entendimento do funcionamento do Con-


selho de Cultura passará pela compreensão e análise do funcionamento dos demais elementos
constitutivos do Sistema e as deliberações do Conselho devem abranger todo este, em especial,
o acompanhamento do Plano de Cultura e do Fundo Municipal de Cultura.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das leituras dos relatórios anuais do Conselho Municipal de Política Cultura
de Belo Horizonte, verificou-se que o colegiado, desde 2011, buscou constituir-se conforme as
prerrogativas do Ministério da Cultura, no contexto da adesão ao Sistema Nacional de Cultura
e implantação do Sistema Municipal de Cultura. Juntamente com a Conferência de Cultura
estabeleceu-se como instância de articulação, pactuação e deliberação. Estas três competências
que definem, inclusive, sua natureza, demandam constantes ajustes na gestão pública destes
Conselhos para que se garanta o reconhecimento da diversidade, de conflitos, de invisibilidades,
para que se promovam espaços e tempos de pactuação, exposição de divergências, exposição
de interesses e para que se negocie, construam-se consensos, definam-se prioridades, enfim, se
efetivem os direitos de saber, falar, ouvir, perguntar, avaliar, duvidar, propor, decidir. Enfim,
espera-se que a articulação se constitua a partir de laços com as escalas do local e se ampliem
para alçar propósitos com outros níveis de governo; que a pactuação se institua a partir de instru-
mentos democráticos, transparentes e éticos, envolvendo os contextos diversos da Cultura e que
a deliberação seja eficaz e efetiva, resultando em mudanças para o interesse coletivo da cidade.
Os conselhos, a partir de suas experiências, se deparam com a necessidade constante de repensar
seu funcionamento, seu formato, seus suportes, linguagens, o que reflete uma dinâmica vívida
da cidade, da sociedade, da Cultura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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conselho? Conselhos municipais de cultura e cidadania cultural. São Paulo: Instituto Pólis, 2005. 128p
FARIA, Hamilton, MOREIRA, Altair. Cultura e governança: um olhar transversal de futuro para o
município. In: FARIA, Hamilton, (Org.); MOREIRA, Altair; (Org.); VERSOLATO, Fernanda, (Org.)
Você quer um bom conselho? Conselhos municipais de cultura e cidadania cultural. São Paulo: Instituto
Pólis, 2005. p.9-18
FARIA, Hamilton. Conselhos municipais de cultura e cultura participativa: reavaliar caminhos e buscar
horizontes. In. FARIA, Hamilton, (Org.); MOREIRA, Altair; (Org.); VERSOLATO, Fernanda, (Org.)
Você quer um bom conselho? Conselhos municipais de cultura e cidadania cultural. São Paulo: Instituto
Pólis, 2005 – p. 114-122

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MINISTÉRIO DA CULTURA, 2011. Guia de Orientações para os Municípios – Sistema Nacional de


Cultura – cartilha – p.80
TEIXEIRA, Ana Cláudia. Formação dos conselhos no Brasil. In. FARIA, Hamilton, (Org.); MOREIRA,
Altair; (Org.); VERSOLATO, Fernanda, (Org.) Você quer um bom conselho? Conselhos municipais de
cultura e cidadania cultural. São Paulo: Instituto Pólis, 2005 – p.19-25
FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA, 2013, 2014 e 2015. Relatórios do Conselho Municipal de
Política Cultural 2013, 2014, 2015 – manuscritos – comuc.fmc@pbh.gov.br

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PONTOS DE CULTURA: O MUNDO QUE VI


Cesar de Mendonça Pereira1
Milene Morais Ferreira2

RESUMO: O presente trabalho abordou a ação prioritária do Programa Cultura Viva: os Pontos
de Cultura. Buscamos analisar a subsistência dos Pontos de Cultura nos municípios de Recife
e Olinda por meio de uma pesquisa qualitativa. Pela qual identificamos os Pontos de Cultura
em atuação e seus respectivos gestores; suas atividades; os benefícios advindos do fato da
instituição tornar-se um Ponto de Cultura e, suas novas formas de subsistência. Percebemos que
nem todos os Pontos, localizados nos municípios de Recife e Olinda, que estão devidamente
cadastrados e conveniados com a Fundarpe estão desempenhando suas atividades. Concluímos
que o Programa contribuiu para o fortalecimento da legitimidade e credibilidade perante outros
parceiros, possibilitou a articulação em redes com Pontos diversos de todas as regiões do país e
ampliou a mobilização de recursos da instituição.

PALAVRAS-CHAVE: Comunidade, Cultura Viva, Pontos de Cultura.

1. INTRODUÇÃO
Ao nos deslocarmos, costumamos notar as placas indicando preservação de patrimônio
cultural ou pensar na expressão característica de cada região? O patrimônio cultural é de fun-
damental importância para a memória, a identidade, a criatividade dos povos e a riqueza das
culturas. Reúne todos os bens seja ele material ou imaterial. Preservar o patrimônio é resgatar
a memória e a identidade de um povo entendendo, antes de tudo, a importância do patrimônio
para um reconhecimento histórico posto que ao preservá-lo, sua memória também é preservada.
Sabendo deste valor, sentimos a necessidade de elaborar este trabalho.
Danças, canções, festas e outras atividades culturais, comidas típicas, artesanato, jogos,
religiosidade, brincadeiras, rituais, mitos, idiomas e dialetos característicos, adivinhações, pro-
vérbios, contos, causos, lendas, crenças e superstições constituem o legado de um povo, herança
que com ele nasceu e se desenvolveu, pois os costumes são adquiridos através de tradições e

1
Analista em Ciência e Tecnologia da Fundação Joaquim Nabuco e Doutorando em Ciências da Cultura na Uni-
versidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – UTAD/Portugal. cesar.pereira@fundaj.gov.br
2
Estudante do curso de Ciências Sociais da UFPE, estagiária da Coordenação Geral de Estudos Educacionais da
Fundação Joaquim Nabuco. milenemorais2008@gmail.com

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transmitidos de geração em geração. Geralmente, a atenção é voltada para essas particularida-


des, com a chegada de determinada época do ano. Quando, devido a sua tradição, uma locali-
dade se destaca entre as demais. No carnaval, por exemplo, Recife e Olinda comemoram sem
igual. No são João, Caruaru é abrigo do evento cultural. Já no friozinho do inverno, a procura
é grande por Garanhuns, onde se encontra o Festival de Inverno de Garanhuns, o maior festival
de arte e cultura de Pernambuco.
Em uma tentativa de valorizar a cultura popular, que pode ser definida como qualquer
manifestação em que o povo produz e participa de forma ativa, o Ministério da Cultura, na pri-
meira gestão do então Ministro Gilberto Gil, instituiu, através da Portaria Nº 156 de 6 de julho
de 2004, o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, uma rede orgâ-
nica de criação e gestão cultural, cuja principal ação é os Pontos de Cultura. O Programa Cultura
Viva objetiva reconhecer e potencializar ações culturais, já desenvolvidas por setores histo-
ricamente esquecidos das políticas públicas, procurando criar condições de desenvolvimento
econômico alternativo e independente para a sustentabilidade da comunidade. Dessa forma, à
medida que os movimentos sociais são reconhecidos como sujeitos de manifestações culturais
legítimas, os poderes locais passam a respeitá-los e a reconhecê-los.
Em 4 de outubro de 2007, através do Decreto 6.226, o Governo Federal lançou o Progra-
ma Mais Cultura, que sinalizava investimento de 4,7 bilhões de reais na área cultural no período
de 2007 a 2010. O Programa Mais Cultura apresenta três linhas de ação, a saber: Cultura e Ci-
dadania, Cidade Cultural e Cultura e Renda. O Programa Cultura Viva está inserido na linha de
ação Cultura e Cidadania, portanto contemplado pelo Mais Cultura.
Visando à implementação descentralizada de ações do Programa Mais Cultura, o Minis-
tério da Cultura firmou acordo de cooperação técnica com o Governo do Estado de Pernambuco,
por intermédio da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) em
8 de maio de 2008. Dando continuidade ao processo de implementação do Mais Cultura, a Fun-
darpe lançou edital em 30 de junho de 2008, visando à criação de 10 Pontos de Cultura em cada
uma das 12 Regiões de Desenvolvimento (RD) do Estado, totalizando 120 Pontos de Cultura,
conveniados diretamente com a Fundarpe com recursos oriundos do Mais Cultura.
O idealizador dos Pontos de Cultura, Célio Turino (2009: 167), explica como acontece
o processo: “o ministério transfere recursos e são os estados ou municípios de grande porte
que lançam editais e transferem recursos para as entidades, além de fazer o acompanhamento”
e destaca as muitas vantagens deste novo processo “o Ponto de Cultura tornar-se política de
Estado, realizada pelos diversos entes federados...; agrega novos recursos... e torna a seleção e
acompanhamento mais próximos da realidade local”.
O presente artigo originou-se de um subprojeto e, tem por objetivo analisar a subsistên-
cia dos Pontos de Cultura nos municípios de Recife e Olinda. O subprojeto, “Pontos de Cultura:

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a quantas andam?”, é resultado de um projeto maior, denominado “A estadualização dos Pontos


de Cultura no Estado de Pernambuco” que tem como objetivo geral avaliar os Pontos de Cultura
do Estado de Pernambuco conveniados diretamente pela Fundarpe, a fim de subsidiar aqueles
que trabalham com políticas públicas culturais no Estado. A realização deste trabalho foi pos-
sível por estar inserido no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/
CNPq da Fundação Joaquim Nabuco.
O trabalho torna-se relevante por investigar os Pontos de Cultura nos municípios de
Recife e Olinda e estabelecer um contato direto com uma importante política pública cultural,
já que os Pontos de Cultura surgem em uma tentativa de atender à transversalidade da cultura
através da gestão compartilhada entre poder público e comunidade.
A pesquisa visa perceber como os Pontos de Cultura estão funcionando; quais as ativida-
des que são desenvolvidas nos Pontos e, como elas são mantidas, levando em consideração os
recursos disponibilizados pelo poder público. Outro alvo de discussão está relacionado ao fato
de tornar-se Ponto de Cultura, evidenciando as mudanças ocorridas através deste fato, como por
exemplo, os benefícios que os Pontos trazem para a comunidade.
Pensar Pontos de Cultura compreende pensar alteridade, a qual envolve julgamentos de
valor; a aproximação com o outro e o conhecimento do outro. Assim como a frase sugestiva:
“Eu sou um outro” (RIMBAUD apud. LEITÃO, 2009, p. 31,). O outro sempre se encontra
incluído em todas as expressões do eu. O exercício do autoestranhamento nos incita a refletir
sobre o que somos; sobre o que excluímos de nós e o que nos falta, ou ainda melhor, sobre o que
poderemos vir a ser.
Segundo o antropólogo F. Laplantine (2003), a experiência da alteridade (e a elabora-
ção dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a
nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que con-
sideramos ‘evidente’. Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos,
mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de ‘natural’. Começamos, então,
a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. Sendo assim, o co-
nhecimento antropológico da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras
culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas ou-
tras, mas não a única.
A estrutura dos Pontos de Cultura acolhe a diversidade e a heterogeneidade dos grupos
que os compõem, assim, é necessário pensar e observar confluências e alteridades e construir
uma visão de futuro. A afirmação do sociólogo português Boaventura de Souza Santos (2003),
permite pensar de forma relativista a questão entre igualdade e diferença. Afinal, é a partir do
reconhecimento e da valorização da diferença que se consegue enfrentar a desigualdade:

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(...) Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferio-
riza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as
diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza
as desigualdades (SANTOS, 2003, p.56).
Cada cultura, como pressupõe o relativismo cultural, tem uma forma de expressão espe-
cífica. Dessa forma, trata-se de pregar que a atividade humana individual deve ser interpretada
em contexto, nos termos de sua própria cultura. Toda cultura é fruto de recombinação, de emis-
são, conexão e reconfiguração. Quanto mais heterogênea e diversa for uma cultura, mais rica e
estável ela será.
A maior contribuição que o programa Cultura Viva apresentou foi o fato de evidenciar
que diversos sujeitos que atuavam anonimamente na sustentação da diversidade cultural ne-
cessitam do apoio e do reconhecimento do estado, mas que este também necessita deles com a
mesma urgência. O que está, hoje, em processo ativo nos Pontos é um circuito de reinventar e
inventar o tradicional nos formatos que bem entender, com os suportes que bem arrumarem na
marra e no jeito que der para colocar a cara na rua.

2. PONTOS DE CULTURA
As manifestações culturais populares condensam a “essência” da cultura de um povo, e,
portanto, de sua identidade nacional, que se refere ao conjunto de sentimentos, os quais fazem
um indivíduo sentir-se parte integrante de uma sociedade ou nação. Isto ocorre, conforme o pen-
samento de Fiorin (2009), a partir de uma consciência de uma única identidade ou como forma
de alteridade, buscando demonstrar a diferença com relação a outras culturas.
Montes (2007) traz a perspectiva da cultura como elemento de reconstrução de identida-
des. Para ela, A identidade não é uma coisa, algo que alguém carrega consigo, como o CPF e o
RG, mas uma construção da cultura na vida social, que se dá sempre pelo contraste com o outro,
pois, só o outro nos coloca a questão de nossa identidade e só ele nos obriga a dizer quem somos.
A identidade, conforme postula Hall (2006), emerge na interação com o meio social,
uma vez que nos constituímos como sujeito no outro, pois não nascemos completos. Nos conhe-
cemos a nós mesmos pelo que supomos sermos vistos pelo olhar do outro.
Já que, o convívio social promove a assimilação da identidade do grupo, além de sua vei-
culação pela mídia, tradições e mitologia. Identidades são criações, por isso são frágeis, suscetíveis
a distorções, simplificações e interpretações variando entre os indivíduos. Segundo  Fiorin (2009),
há dois princípios que regem as culturas, e se definem pela exclusão e pela participação. A exclu-
são se manifesta por meio da triagem e segregação dos indivíduos, já a participação promove a
heterogeneidade e a expansão cultural. A síntese da cultura consiste na definição de fatores de in-
tegração nacional, baseados na língua, monumentos históricos, modelos de virtudes nacionais etc.

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Segundo Fichtner (2008), a diversidade cultural é definida por muitos em termos de raça,
gênero e etnia. Há aqueles para os quais a concepção é mais ampla envolvendo as possíveis dife-
renças entre os seres humanos. Há grupos em que todos defendem a sua cultura como identidade
coletiva, eles possuem uma característica específica, consideram a diferença como um absoluto
e a alteridade dos outros aparece como uma ameaça.
Os Pontos de Cultura são centros de atividades culturais comunitárias que formam ar-
tistas e desenvolvem atividades diversas onde a cultura aparece como ação viva, como prática
social, política e como direito do cidadão. As práticas dos Pontos de Cultura são basicamente
processos que têm uma dinâmica própria que se manifesta em formas específicas. A essas for-
mas pertencem manifestações como tradições orais, o narrar, o cantar, o dançar, práticas sociais,
rituais, festas, conhecimentos e as práticas de relacionarem-se com a natureza e com o universo,
habilidades artesanais e performáticas.
Seguindo esta perspectiva, entende-se que não há um modelo padrão para o Ponto de
Cultura, seja quanto à estrutura física ou mesmo em relação à programação de seu funcionamen-
to. Os Pontos são organizações culturais fortalecidas e reconhecidas institucionalmente ao esta-
belecer uma parceria com o Estado. Um aspecto comum a todos é a transversalidade da cultura
e a gestão compartilhada entre poder público e comunidade. O Ponto de Cultura, de acordo com
Turino (2009), não pode ser para as pessoas, e sim das pessoas; é um organizador da cultura em
nível local, atuando como um ponto de acolhimento e propagação da cultura. Enquanto um elo
na articulação em rede, o Ponto de Cultura não é uma ferramenta cultural do governo nem um
serviço. Seu foco não está na carência, na ausência de bens e serviços, e sim no potencial prático
de pessoas e grupos. Ponto de cultura é cultura em processo, desenvolvida com autonomia e
protagonismo social.
Segundo Turino (2009), o Ponto de Cultura começa a funcionar legalmente a partir do
acordo contratual entre o governo e os proponentes, definindo responsabilidades (do acesso às
decisões compartilhadas com a comunidade) e direitos inerentes aos acessos e serviços dispo-
nibilizados pelo Ponto. Cabe registrar que as instituições, não surgiram pelo edital, elas já de-
senvolviam um trabalho, já tinham um mínimo de estrutura e viram no edital da Fundarpe uma
oportunidade de serem reconhecidos pelo governo, e se firmarem como agentes multiplicadores.
Com isso, a comunidade onde o Ponto se localiza, pode respirar e trabalhar cultura, se
alimentar dessa cultura e divulgá-la, sucessivamente. Alguns são ONG voltadas para a ação so-
cioeducativa; outros são escolas de samba, associações de moradores, quilombos, aldeias indí-
genas, grupos de teatro, conservatórios, núcleos de extensão universitária, museus, cooperativas
de assentamentos rurais. Cada qual com sua especificidade e forma de organização.
Ainda conforme o registro de Turino (2009), durante o processo de implantação e acom-
panhamento dos Pontos, há tensão. De um lado, as instituições culturais, apropriando-se de

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mecanismos de gestão e recursos públicos; de outro, o Estado, com normas de controle e regras
rígidas. Essa tensão, de certo modo inevitável, cumpre um papel educativo que, em longo prazo,
resultará em mudança em ambos os campos. O objetivo seria uma burocracia mais flexível e
adequada à realidade, assim como um movimento social mais bem preparado no trato das ques-
tões de gestão, capacitando-se para melhor acompanhar as políticas públicas e o planejamento
de suas atividades específicas.

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Com o propósito de investigar a subsistência dos Pontos de Cultura nos municípios do
Recife e Olinda, considerou-se necessária a execução de uma pesquisa de campo, a fim de le-
vantar informações a respeito dos Pontos de Cultura.
A pesquisa foi do tipo descritiva com abordagem qualitativa, em que se buscou levantar
conhecimento a respeito dos Pontos de Cultura, conforme registrado por Miguel e Ho (2010, p.
92), cuja preocupação é o entendimento de um fenômeno para descrever sua existência em uma
população e não o desenvolvimento ou o teste de uma teoria, mas sim o provimento de informa-
ções para que teorias sejam elaboradas ou refinadas.

3.1 Procedimentos para a coleta de dados


Fizemos uso inicialmente do levantamento e da análise histórico-documental a respeito
do Programa Cultura Viva e, em seguida, das tradicionais técnicas de coleta de dados: entre-
vistas semiestruturada e observação sistemática para o levantamento das informações iniciais.
Realizamos as entrevistas junto aos gestores dos Pontos de Cultura conveniados pela Fundarpe.
Houve uso do diário de campo, através do qual foi possível considerar a opinião do entrevistado
sobre aspectos não contemplados.
Selecionamos, para a amostra da pesquisa empírica, 34 Pontos de Cultura, seguindo
como critério de escolha, o fato de serem todos eles devidamente cadastrados e conveniados
pela Fundarpe e localizados nos municípios de Recife e Olinda. Com a finalidade de examinar
os Pontos de Cultura em atuação, nos respectivos municípios, e observar suas particularidades.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir do levantamento e da análise histórico-documental a respeito do Programa Cul-
tura Viva, conseguimos discutir sua ação prioritária que é o Ponto de Cultura. Como explanado,
essa ação cria condições favoráveis para a consolidação de uma base social da cultura, assegu-
rando a valorização da conversa e troca entre os diversos agentes; o reconhecimento de si no
indivíduo que se apresenta; a percepção de sua centralidade no processo de construção do pro-

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grama; o surgimento de uma solidariedade imaginária entre figuras distintas ou a possibilidade


de balanceamento de energias, a troca de saberes.
A partir disso, são invertidas as formas de abordagens dos grupos sociais, onde o Minis-
tério da Cultura diz quanto pode oferecer e os proponentes definem, a partir de seu ponto de vista
e de suas necessidades, como aplicarão os recursos, a exemplo, investimentos na adequação
física do espaço, aquisição de equipamentos, realização de oficinas e atividades continuadas,
estúdio multimídia, dentre outros. Uma vez que, a inversão da lógica de investir recursos onde
há carência e passar a investir em potência criativa, apostando em iniciativas que já existem nas
localidades, enquanto organismos pulsantes e vascularizados, que irradiam cultura pelas veias
das comunidades, é uma importante característica do programa Cultura Viva, especialmente da
ação Pontos de Cultura.
Tão ou mais importante que o recurso é o processo de transformação que o Ponto de
Cultura desencadeia: respeito e valorização das pessoas da própria comunidade, novas formas
de pactuação entre Estado e sociedade, fortalecimento da autonomia, conexão em rede, intensi-
ficação da troca de saberes e fazeres, liberação de sonhos e energias criativas. Os valores que o
Ponto de Cultura agrega vão além dos monetários. Em vez de entender a cultura como produto,
ela é reconhecida como um processo. Este novo conceito se expressou com o edital de 2004,
para seleção dos primeiros Pontos de Cultura.
Encontramos alguns obstáculos para ter acesso aos Pontos, por estarem envolvidos com
outras atividades, não se dispuseram a marcar entrevista. As dificuldades também estão relacio-
nadas ao fato de estarem inativos; não conseguir entrar em contato com o Ponto e, até mesmo,
não haver interesse, por parte do gestor do Ponto, em participar da entrevista. Quinze gestores
se dispuseram a responder o questionário.
Os Pontos de Cultura em atuação nos municípios do Recife e Olinda totalizam dezoito.
A princípio, foi possível estabelecer contato com todos. Com o passar do tempo, no entanto,
houve alguns problemas para a realização da entrevista. Como, por exemplo, a falta de agenda
e até mesmo o esquecimento da data da entrevista por parte dos gestores. Foi possível, contudo,
conhecer quinze Pontos de Cultura e assim, realizar a entrevista com seus respectivos gestores.
No momento das entrevistas, dos quinze Pontos que responderam, apenas quatro encon-
travam-se parados. Todavia, tinham previsão de começar as atividades. Elas iniciariam assim
que a Fundarpe disponibilizasse o recurso.
As atividades variam de acordo com a característica de cada Ponto. O Ponto de Cultura
Almirante do Forte, por exemplo, possui atividades voltadas para o maracatu. O Estrela Brilhan-
te, assim como o Almirante, é um Ponto direcionado para o maracatu e apresenta atividades que
focam neste tema, são elas: corte e costura, aulas de percussão e computação.

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Já o Ponto de Cultura Bandas Centenárias, Convergência Digital PE não dispõe de ati-


vidades físicas, porque como o próprio nome enuncia, é um Ponto digital. Então, funciona 24h
em qualquer local do mundo. Conseguindo, assim, trabalhar múltiplas instituições e múltiplas
possibilidades de serviços. O Ponto apresenta palestras, partituras, vídeo aula, e-book, apresen-
tação, ensaios, isto se deve a intenção de lidar com 183 bandas filarmônicas.
O Ponto de Cultura Bonecos de Pernambuco realiza atividades pensando na formação
de artistas em teatros de bonecos, fazendo um link com o audiovisual. Um pensamento muito
parecido encontra-se no pessoal do Centro de Capoeira São Salomão – Projeto Caxinguelês, que
também expressa em seu nome, seu principal foco de ação, a capoeira. O Ponto possui aulas de
informática, leitura e escrita, sambada, capoeira e encontra no audiovisual uma forma de guar-
dar momentos e divulgar o seu trabalho.
O Ponto Circocidadania apresenta uma ampla gama de atividades. As aulas são diversas:
malabares, equilíbrio, acrobacia de solo e molas, acrobacia aérea e objetos de manipulação,
além de aulas de teatro, dança popular, criatividade literária, canto, música percussiva.
Com uma variedade semelhante a essa, temos o Ponto Daruê Malungo. Lá é possível en-
contrar aulas de dança, percussão, confecção de fantasias e adereços, artes manuais, confecção
de instrumentos, artes plásticas e oficinas de leitura.
Há um Ponto em que as atividades são realizadas preferencialmente na rua, são elas:
capoeira, percussão, breakdance, danças populares e africanas. Apenas uma é feita na sede, a
oficina de leitura. A cada 15 dias, um lugar na cidade é escolhido para levar o que foi produzido
nessas atividades, em uma exposição chamada “eco”. Crianças e adolescentes são acompanha-
das de uma estrutura e fazem uma apresentação pública a respeito de um determinado tema. Tra-
ta-se, portanto, de um recolhimento das superproduções que fazem nas comunidades, sobretudo
com foco na área de dança e música percussiva. Esse é o Ponto de Cultura Eco da Periferia, uma
Cultura Viva.
Uma proposta semelhante produz o Ponto de Cultura Sankofa – Centro de Formação
em Cultura e Tecnologias Afrodescendentes, com o “kizomba”. A proposta do kizomba é resga-
tar, preservar e divulgar o processo cultural. Assim como o grupo do Eco, este, pensa que não
adianta fazer um trabalho com adolescentes, crianças e adultos se eles não têm onde mostrar. As
atrações são caboclinho, maracatu, afoxé, bloco de samba, samba, etc. Trata-se de um encontro
mensal com o intuito de interagir com outros segmentos culturais da comunidade, e também
adjacentes para que eles voltem seu olhar para a cultura popular.
A ideia do Ponto Forró Pé-de-Serra: Formação, Circulação e Memória, é como o nome
infere, formar novos talentos do forró, circular com eles e preservar a memória. Para isso, reú-
nem aulas de: sanfona; percussão; canto; violão; produção musical, programação visual.

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Em concordância com a ideia de preservar a memória, neste caso, principalmente do


pastoril, temos o Ponto Jornada para o Futuro. No entanto, as atividades não são focadas somen-
te no pastoril, mas também em outras manifestações, como frevo, maracatu, ciranda e forró. O
trabalho acontece de acordo com ciclos festivos.
O Ponto de Cultura Seu Malaquias – O Gigante do Alto, também trabalha com ciclos,
mais precisamente, o carnavalesco. O Ponto é projetado para a discussão de temas da agre-
miação, isto é, trabalham basicamente na confecção do tema do desfile, que ocorre durante o
carnaval, promovido pela Prefeitura da Cidade do Recife, suas ações estão diretamente ligadas
a ações que sirvam para o desfile. Então, as principais atividades são: confecção de adereços,
fantasias, alegorias, aulas de dança, etc.
Memória Viva Feminista é o Ponto que faz atividades mensais ou bimensais procurando
garantir uma dinâmica para as ações e práticas feministas. As atividades são sempre à noite,
na terceira semana do mês. Também ocorrem oficinas de construção da memória, devido ao
objetivo de fortalecer a capacidade do movimento e das ativistas produzindo a memória do fe-
minismo, elas são voltadas para um público específico: mulheres, ativistas etc., mas as ações são
abertas assim como a biblioteca.
Atividades culturais e educativas com música, artesanato, dança, teatro, xadrez, artes
plásticas, capoeira e yoga são suas principais atividades. Há também cursos de áudio e vídeo,
desenho gráfico. Com relação aos cursos, quando terminam, os alunos são encaminhados para
algumas empresas. Pois o objetivo deste Ponto é divulgar, promover e executar atividades socio-
culturais, educacionais e profissionais, com o mais diverso público. Trata-se do Ponto de Cultura
Mudando a Vida com a Arte.
O Ponto Um Quilombo Cultural – Grupo Bongar: Jovens da Comunidade Xambá tam-
bém se preocupa com a formação dos jovens. Por isso, oferece uma oficina de formação, para os
jovens da comunidade, em edição de vídeo, fotografia, filmagem. Além disso, também são ofe-
recidas oficinas de dança, percussão, capoeira e vídeo. Assim como o Daruê, o Eco e o Sankofa,
o Quilombo Cultural também tem um projeto. Este é realizado todos os anos e é denominado
“tem preto na tela”. A princípio este trabalho tinha o formato de mostra, seminário que debatia
temas relevantes.
De um modo geral, o tempo que decorre entre a disponibilização, por parte da Fundarpe,
de uma e outra parcela para os Pontos de Cultura, é significativo. Devido à complexidade na po-
lítica de prestação de contas, a qual não cabe ao cidadão que faz cultura no país. Essa cobrança
obscura pode ser percebida a partir do depoimento dos entrevistados:
I2: “Os Pontos de Cultura são uma maravilha. São excelentes, estão
desenvolvendo cultura ai no país inteiro. Agora a política de ponto de
cultura, essa parece que foi muito cruel com muitos pontos de cultura
porque muita gente se desestruturou”.

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I10: “O grande limite da política foi realmente a parte burocrática e ai


esbarra numa coisa geral que é a ausência de um marco regulatório para
o acesso da sociedade civil a assuntos públicos. Por que hoje as regras
que somos submetidos, são as mesmas impostas para a prefeitura, e a
gente faz coisas diferentes. (...) Então esse limite estruturante da relação
do estado com a sociedade via o financiamento do fundo público, foi
um grande entrave para a organização da política e do seu êxito. Houve
muita dificuldade em lidar com essa burocracia, acredito que o grande
limite foi esse. Mas é uma política pública de maior relevância”.
Para manter as atividades, os Pontos de Cultura buscam novas formas de subsistência.
Muitas vezes, elas se dão por meio de parcerias com outras instituições; através de outros proje-
tos, outros editais; vendas de serviços, como por exemplo, espetáculos, oficinas, palestras, etc.;
ceder um dos espaços para aluguel e assim, conseguem gerar renda; existe ainda, os que tiram do
próprio salário por amor ao que fazem e por não aceitar que a difusão e transmissão dos saberes
sejam interrompidas. Nas falas que seguem isto será pontuado pelos informantes.
I2: “Um pouco de magia, criatividade, muito trabalho e colaboração. É
necessário juntar a inteligência com os potenciais que temos. (...) O pou-
co ou muito depende do quanto você trabalha. O quanto você divulga, o
quanto vai buscar”.
I2: “As ações que criamos são autônomas, não esperamos pelo poder
público, então vamos fazer. Quando temos o apoio do poder público, a
gente garante que essas pessoas que trabalham, porque tudo isso aqui
demanda tempo, demanda uma série de coisas. Então se você tem uma
verba para pagar essas pessoas, é claro que fortalece, mantém o com-
promisso ainda mais forte porque você garante que aquelas pessoas vão
receber, mas independente disso, tem uma galera que está disposta a fa-
zer com ou sem. Então as atividades são mantidas na medida do possível
porque também temos limitações. Também tem o fato de que quando te-
mos o compromisso com o poder público, firmado, temos menos liberda-
de. Quando não temos, a gente tem menos condições, menos pernas, mas
mais liberdade. Esses projetos todos partem de ideais, comprometimento
com a vida, com a sociedade, enfim, com aquele foco que é o projeto”.
I4: “Trabalho por amor, porque é isso o que gosto de fazer, porque é gra-
tificante ver profissionais ganhando dinheiro com aquilo que aprendeu”.
É inevitável notar os benefícios que o fato de tornar-se um Ponto de Cultura traz para es-
sas instituições. Primeiramente, com relação ao reconhecimento do trabalho e, com isso, nota-se
uma melhoria nas relações. Há uma visibilidade maior para a comunidade a qual o Ponto está
inserido, em consequência da fixação em um determinado local, o grupo e o Ponto se fortalecem
mutuamente. Em seguida, por possibilitar uma estruturação de equipamentos, por exemplo,
proporcionando uma melhoria nas aulas, oficinas, e ações de um modo geral. São muitas as
opiniões que reforçam esse pensamento.

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I14: “O Ponto de Cultura foi realmente um elemento facilitador e de re-


conhecimento do mais humilde cidadão que faz cultura no país. Houve
uma revolução cultural, o governo deveria ter isso como uma grande
imagem, mas como também a cultura não tem muita visibilidade nesse
país, o governo não sabe nem como lidar ou como divulgar ou ainda
como fazer a visibilidade da importância disso. Então, é a política mais
importante, mas ao mesmo tempo com uma fragilidade também maior
nessa parte burocrática e que por isso alguns sofreram muito”.
I11: “Pra gente foi legal porque através do Ponto de Cultura a gente
conseguiu circular bastante pelo Brasil, participando das teias etc., e isso
gerou uma visibilidade para o grupo, comunidade”.
I6: “A ideia reconhece, valoriza seu grupo, sua comunidade. Você tem o
reconhecimento de passar em editais. Eu acho que o Ponto de Cultura tem
essa visão de se autodenominar, se autossustentar. Você tem uma visão
maior fora do estado, com o município e algumas empresas. Você tem um
respaldo maior por estar documentado, pode concorrer a outros projetos.
Acredito que a grande visão do ponto de cultura é ser registrado”.
I14: “Fazíamos cultura há tanto tempo e o estado não reconhecia então,
o reconhecimento público para a gente é importante. A gente sente que
faz parte de um país, que está integrado. As ONGS sempre foram vistas
de fora, mas a partir do ponto de cultura você se sente integrado, você
integra esse país, você se olha com uma visão mais nacional”.
Apenas três Pontos de Cultura acreditam que não houve mudanças ao receber a chancela
de Ponto, pois, segundo os mesmos, as pessoas que frequentam, fazem isso por conhecer o traba-
lho da instituição que, como relatado, não surgiu a partir do edital. Há ainda, quem acredite que
não trouxe benefícios, mas reforçou a importância daquele trabalho. Como nas falas a seguir:
I8: “Não mudou porque já fazíamos esse trabalho. Mas deu uma força
para produzirmos o curso de deficientes, já que ajudou a comprar os ma-
teriais específicos que eu não teria como conseguir. Mas o fardamento
eu sempre forneci, a água, o lanche”.
I3: “Não trouxe visibilidade alguma por parte do Estado e em nível da
comunidade é que não mesmo. Não achei que mudou não. Minha grande
vontade de ser Ponto de Cultura era para abrir as portas”.
Apesar de suas particularidades socioeconômicas, de um modo geral, aconteceram mu-
danças nos Pontos, mesmo que mínimas, quanto à infraestrutura e aos equipamentos, como
investimentos na adequação física do espaço, compra de equipamentos, realização de oficinas e
atividades continuadas, estúdio multimídia. Alguns montaram biblioteca, adquiriram uma boa
parte de apetrechos ligados ao audiovisual, como: câmera filmadora, câmera fotográfica, equi-
pamentos de iluminação, de som, além de equipamentos específicos para atender as atividades
propostas, outros conseguiram até fazer reformas. Repetidamente, três Pontos de Cultura acre-
ditam que não houve melhoras nesses aspectos. Para exemplificar essa divergência de opiniões:

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I10: “Isso foi bem relevante. Parte do recurso estava voltada para a es-
truturação em termos de equipamentos, então a gente realmente conse-
guiu comprar máquinas fotográficas bacanas, que seriam do kit multi-
mídia, foi bem legal. Compramos computadores portáteis, projetores,
tripés para as máquinas fotográficas, gravadores para registrar a me-
mória desses eventos. Vamos adquirir agora uma caixa de som portátil
para realizar atividades itinerantes, para melhorar também no cineclube,
uma televisão grande para fazermos um vídeo debate, para as atividades
correrem melhor”.
I1: “Não. Inclusive tem que melhorar”.
“A cultura está na memória de um povo” (I5). Esse é o desafio predominante nos Pontos.
Por esse motivo, os grupos lutam para manter vivas suas características. Tentam documentar
algumas referências para que no futuro, uma criança possa desfrutar dos valores e expressões
artísticas e culturais de sua comunidade, e desta forma, não perder sua história, sua memória.
Entendendo que “o pequeno é que faz o grande, porque o grande não consegue fazer algo tão
grande assim” (I4).
I2: “Eu vi o mundo através dos óculos que a capoeira me botou e gostei.
Então quando eu digo que quero ensinar capoeira para os jovens e para
as crianças, é para de alguma maneira, retribuir também o que a capoeira
me deu. Então eu vou fazer isso independente de qualquer coisa, por que
é um compromisso que eu tenho com a capoeira”.
Esse é o sentimento que prevalece nos Pontos de Cultura. As instituições promovem suas
atividades em decorrência dos seus esforços e de sua vontade de transmitir e propagar saberes,
acreditando estar cumprindo um compromisso com a sociedade. E que, para isso, é necessário
repassar a história e os valores de sua respectiva etnia. “A cultura conscientiza, transforma,
muda. Porque ela é prazerosa” (I8).
Podemos inferir, em concordância com o Catálogo Cultura Viva (2009), que as prin-
cipais finalidades do programa Cultura Viva, mediadas pelos Pontos de Cultura, estão sendo
respeitadas. Na medida em que ocorre a ampliação e garantia do acesso aos meios de produção
e difusão cultural, a identificação de parceiros, promoção de pactos com diversos atores sociais
governamentais e não governamentais etc., permitindo, por fim, a consumação da cultura en-
quanto expressão simbólica, econômica e de direito.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Geralmente, pensar cultura é a última coisa que é proporcionada à comunidade. O que
a comunidade consome de arte, geralmente são canções que exaltam o machismo, propõe a
violência, etc. Com a proposta de trazer a oportunidade de ter uma expressão cultural artística
diária, valorizando a cultura local, a partir de uma identidade, o beneficiado direto do projeto

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é a comunidade. Através da atuação do Ponto de Cultura, a instituição também contribui com


o poder público, que se faz presente por meio do desenvolvimento das atividades culturais dos
Pontos. Portanto, trata-se de uma política de cooperação mútua.
Um fator característico observado nos Pontos de Cultura foi a capacidade de agregar
pessoas, independente de formação, idade e nível socioeconômico.
Na rede do Ponto de Cultura, verificou-se que as instituições conseguiram ver suas ati-
vidades repercutindo com outros programas, com outros Pontos de Cultura do Estado e até do
país, através dessa teia nacional que o programa Cultura Viva propõe. Transmitindo reconheci-
mento e capacidade de atuação cultural para a instituição.
O Ponto de Cultura é uma ação que auxilia na realização de atividades culturais nas
comunidades. A efetivação das atividades depende da cooperação dos atores culturais. Já que
o Ponto não conta com um modelo pré-determinado de estrutura ou programação. Por este
motivo, encontramos algumas dificuldades para o avanço do projeto, mas não trouxe grandes
problemas ou alteração nos resultados.
A política dos Pontos indica que a questão da cultura não se limita a uma específica
cadeia de valor que seria cada vez mais importante, mas investe no conjunto das atividades
econômicas, exatamente na medida em que essas se tornam cada vez mais cognitivas e que,
pois, seus processos de valorização se tornam imediatamente culturais. A implementação da Lei
Cultura Viva trouxe uma ratificação desta importância. Os Pontos de Cultura agora figuram uma
política de estado e não mais de gestão, ou melhor, se firmam como algo da obrigação do estado
fomentar, o que é muito importante, principalmente para um estado que tem como marca forte
a sua diversidade cultural.
Assim, essa ação cria condições favoráveis para a consolidação de uma base social da
cultura, assegurando meios mais perenes para a conquista de bibliotecas, teatros, centros cultu-
rais dinâmicos, museus vivos e políticas de fomento à formação, produção e difusão cultural.
A partir disso, são invertidas as formas de abordagens dos grupos sociais, onde o Ministério da
Cultura diz quanto pode oferecer e os proponentes definem, a partir de seu ponto de vista e de
suas necessidades, como aplicarão os recursos. Dessa maneira, o Programa Cultura Viva e sua
principal ação, os Pontos de Cultura – que tinham como objetivo reconhecer e investir em ações
culturais geridas por grupos e instituições que já têm uma trajetória com resultados impactantes
dentro do campo que atuam –, contribuíram para o fortalecimento da legitimidade e credibilida-
de perante outros parceiros, possibilitou a articulação em redes com Pontos diversos de todas as
regiões do país e ampliou a mobilização de recursos da instituição.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Educação” na USP - 22 de set. 2008. Disponível em: <http://www.bildung.unisiegen.de/mitarbeiter/
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Isaura Pereira Queiroz. São Paulo: Brasiliense, 2003.
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2012.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Viva cultura viva do povo brasileiro, Brasília: Museu Afrobrasil, 2007.
MONTES, Maria Lúcia. O ideário da cultura brasileira. In: Discurso de abertura da TEIA, Brasília:
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RIMBAUD, Arthur apud. LEITÃO, Cláudia Souza. Seminário Internacional do Programa Cultura Viva:
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SANTOS, Boaventura de Souza. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo
multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
TURINO, Célio. Ponto de cultura: o Brasil de baixo para cima. São Paulo: Anita Garibaldi, 2009.

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O LUGAR DA PERFORMANCE ARTE NO EDITAL


PRÊMIO FUNARTE ARTES NA RUA (2011 A 2013)
Charlaine Suelen Rodrigues Souza1

RESUMO: O presente artigo busca expor o lugar da Performance Arte nas Políticas Públicas
para as Artes e utiliza, como exemplo, a Fundação Nacional das Artes, a Funarte. O recorte
dentro deste universo refere-se ao edital Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança,
Teatro). A pesquisa percorre os anos de 2011 a 2013 investigando a quantidade de projetos
na área da Performance Arte que foram contemplados e suas principais características. Em
um universo de três editais e 206 projetos premiados, foram encontrados 13 projetos que se
assumem dentro desta linguagem.

PALAVRAS-CHAVE: Performance, Funarte, Políticas Públicas para as Artes, Editais, Artes


na Rua.

1. INTRODUÇÃO
A partir do século XIX, com o segundo processo de industrialização da produção de bens
e do trabalho na Europa, a forma de relacionamento das pessoas entre si muda e isso reverbera
nas artes. Nesse período, entre os séculos XIX e XX, surgem diversos movimentos artísticos
de vanguarda que questionam os modos de produção e relacionamento da sociedade europeia
e, ao mesmo tempo, se utilizam deles para criação. Os artistas, seguindo a lógica de mudança
de paradigma na produção, aprimoraram suas criações de maneira a romper com as fronteiras
invisíveis que separavam as artes.
Esta lógica de criação e produção híbrida se desenvolve ao longo do século XX ao ponto
de surgir deste contexto entre as décadas de 1960 e 1970, uma geração de artistas que, aos pou-
cos, abole artifícios, acessórios para criação e exibição e apontam e utilizam o corpo como prin-
cipal campo de trabalho para além das já consagradas artes do corpo, como a dança e o teatro.
Nesta proposta de criação e exposição, o corpo do artista e os corpos, vontades e ações
do público entraram no jogo da criação. Começa a surgir o que se estabeleceu apenas na década
de 1970 como Performance. Considerada uma arte de fronteira que lida com o corpo do artis-
1
Especialista em Gestão Cultural: Cultura, desenvolvimento e mercado, pelo SENAC - Lapa Scipão/SP. E-mail:
charlaine.rodrigues@gmail.com

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ta e abarca todas as outras artes. Uma arte nova e que ainda é considerada de vanguarda e de
pouco entendimento e aceitação. Ela trabalha pelo artista presente na ação e por vezes, saindo
dos locais convencionais de apresentação (galerias, teatros, museus e etc) e produzindo em
plataformas diferenciadas. As instituições públicas que beneficiam projetos culturais nem sem-
pre estão preparadas para receber propostas híbridas que falem de teatro, música, performance
e artes visuais. Os equipamentos culturais possuem geralmente salas específicas, formatos de
programação, perspectivas e limites de orçamento. Ao mesmo tempo, sendo ela uma expressão
artística que começa a ganhar mais espaço em centros culturais, escolas de formação, entende-
-se também que a necessidade financeira para sustentar essa arte e seus representantes também
precisa avançar e crescer junto com ela. Daí surge o impasse: como legitimar publicamente algo
que não possui definição, formato e linguagem própria.
As políticas públicas voltadas para a cultura enfrentam a complexidade do segmento que
é regido por valores, em sua maioria, subjetivos. Para isso, cresce a necessidade de haver uma
mudança de paradigma em prol de meios de legitimar sua relevância para ampliar seus recursos
e credenciar profissionais. É preciso pensar em políticas públicas que auxiliem o maior alcance
para a população da diversidade artística do país.
Neste ambiente de financiamento às artes, a performance ainda procura seu espaço. Sen-
do originária, principalmente, nas Artes Cênicas, ela não pode ser chamada de teatro, dança ou
circo. Por possuir um caráter híbrido e de borda entre as linguagens, nem sempre há legitimação
no campo das artes visuais (talvez uma das mais flexíveis de classificação e envolvimento).
Como uma arte legítima, reconhecida pela crítica, pelos artistas, instituições públicas e privadas,
ela ainda caminha para abrir este espaço de acesso a financiamentos.
A presente pesquisa pretende estabelecer uma análise para averiguar como encontra-se
a legitimação da performance nas políticas públicas para as artes e utiliza como objetos de pes-
quisa a Fundação Nacional das Artes e a performance. Foram selecionados os editais regulares
de artes por onde a arte da performance transita para análise de três anos (2011, 2012 e 2013),
para estruturar informações em três aspectos principais: 1) em quais destes editais é aceita como
forma de trabalho a Performance Arte; 2) quantos projetos foram efetivamente foram aprova-
dos que tenham a performance como característica principal ou secundária e 3) quais são esses
projetos e suas características.
O estudo de caso reúne essas informações e parte para análise de dados. A partir do recorte
de tempo, inicia-se um cruzamento entre os editais a fim de chegar a um denominador que englo-
be editais regulares da Funarte e que possuam oficialmente a abertura para a linguagem da per-
formance arte. Restam nesta análise o edital Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança
e Teatro) e o edital Rede Funarte de Artes Visuais, constituindo seis textos para investigação.

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2. PERFORMANCE NA ARTE CONTEMPORÂNEA


“Em performance a figura do artista é o instrumento da arte. É a própria arte”. Battcock
(1984 apud COHEN, 2002, p.76).
Se fosse possível resumir a arte da performance em uma sentença, talvez a de Gregory
Battcock2 seja uma das mais simples e diretas. Mas, ainda assim, ela sozinha não consegue dar
conta de explicar o que seja essa manifestação artística.
Em primeiro lugar, a expressão performance é uma palavra de língua inglesa. Tradu-
zida para o português significa ‘desempenho’. Na vida cotidiana e no meio artístico, ela pode
ser utilizada para explicar o desempenho do artista ao fazer determinada obra: o desempenho
daquele ator ao interpretar “Hamlet”, de Shakespeare3; o desempenho da bailarina em “O lago
dos cisnes”4; o desempenho de Van Gogh ao pintar “Doze girassóis numa jarra”5. Até esse mo-
mento, ela é uma expressão de ação. A partir do início do século XX, alguns movimentos de arte
de vanguarda começam a reconfigurar a forma de fazer e interpretar a arte. Com isso, a palavra
‘performance’ começa a ser destacada pela capacidade de fazer do artista e ela, a palavra, aos
poucos é elevada ao status de manifestação artística se destacando das outras artes a partir da
década de 1970.
Para a artista sérvia Marina Abramovic
Performance é um certo tipo de construção mental e física em que o
artista se apresenta na frente do público. Performance não é uma peça
teatral, não é algo que se pode aprender e, então, interpretar, fazendo
o papel de uma outra pessoa. É mais como uma transmissão direta de
energia. (ABRAMOVIC, 2013, p.02)
A grande criação da performance na verdade está no fato dela poder, precisar e ser por
gestação união das artes plásticas, ritos terapêuticos, intervenções, teatro e dança. Para o brasi-
leiro Renato Cohen numa visão, a princípio, romântica da performance
O trabalho de um artista de performance é basicamente um trabalho
humanista, visando libertar o homem de suas amarras condicionantes,
e a arte, dos lugares comuns impostos pelo sistema. Os praticantes da
performance, numa linha direta com os artistas da contracultura, fazem
parte de um último reduto que Susan Sotang6 chama de “heróis da von-
tade radical”, pessoas que não se submetem ao cinismo do sistema e
praticam, à custa de suas vidas pessoais, uma arte de transcendência.
(COHEN, 2002. p.45).

2
Artista e historiador americano (1941 - 1980)
3
William Shakespeare, dramaturgo inglês (1582-1616)
4
Espetáculo de ballet, composto pelo russo Pyotr Llynch Tchaikovsky (1840-1893) entre os anos de 1875 e 1876.
5
Pintura em óleo sobre tela, criada em 1888, pelo holandês Vincent van Gogh (1853-1890).
6
Susan Sotang (1933-2004) foi uma escritora e crítica de arte norte-americana. Expressão retirada do livro “Styles
of Radical Will”, de 1966.

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O corpo passa a ser a plataforma e o dispositivo de trabalho. Pintar uma tela precisa dis-
por do artista além do pincel, todo o corpo. Este torna-se templo de adoração e, ao mesmo tem-
po, suplício. Os limites do corpo são explorados e a capacidade de concentração e resistência.
Este artista começa a ser chamado de performer. As apresentações performáticas mais conheci-
das e que estigmatizaram a arte, são as que promovem o esforço, sacrifício, dor ou modificações
corporais ou manuseio de elementos até então não usuais na arte.
Para Lehmann, uma das principais mudanças no teatro que promoveram a performance
são na forma de lidar com o público, trazendo-o ativamente para a cena. Promovendo criações
onde este é responsável pela ação e pelo entretenimento.
Parte do que define a linguagem da performance, principalmente em sua origem está no
frescor de executar uma partitura aberta a diversas possibilidades e esse ser o grande mérito.
A performance busca o choque ao invés da fruição. É uma arte de intervenção em quem faz e
em quem recebe. Não utiliza diretamente elementos estéticos elaborados em sua origem. Hoje,
as ações performáticas ganharam mais espaço em galerias, mostras individuais e festivais. O
próprio desenvolvimento da linguagem ao longo dos anos ampliou significados e possibilidades
estéticas. As performances ganharam mais produção. Com ela vieram ensaios, direção, contra-
tos e cachês. (2002. Pag.45-46).
A performance trabalha com collage, termo que quer dizer colagem. Uma maneira de
sobreposição de referências, estéticas, expressões que separadas não possuem coesão artística,
mas sobrepostas produzem arte. Como afirma Cohen: “Numa primeira definição, collage seria
a justaposição e colagem de imagens não originalmente próximas, obtidas através da seleção e
picada de imagens encontradas, ao acaso, em diversas fontes”. (COHEN, 2002. Pag.103). Outra
característica do teatro é a mise em scéne. Consiste em um momento crucial do artista solo, nada
antes e nada depois. Por seu caráter alternativo, foge dos espaços convencionais do teatro e abre
espaço na cidade por meio de outras possibilidades de espaços. Ela também contribui para o
desenvolvimento de outros espaços e outros olhares. (COHEN, 2002. p. 57-59).
Em performance, o mais importante é o instante presente. O que está acontecendo e não
a história a ser contada. O performer possui ou elabora uma partitura corporal, uma sequência
de ações que podem levá-lo a algum lugar, às vezes previsto e às vezes não previsto. Nesta di-
nâmica, costuma-se dizer que o performer não possui personagem e esta é a uma das principais
diferenças desta linguagem. Geralmente há o que chama-se de persona, uma versão preparada
do performer para aquele momento. Segundo Cohen, a persona diz respeito a algo mais uni-
versal, arquetípico (exemplo: o velho, o jovem, o urso, o diabo, a morte, etc). A personagem é
mais referencial. Uma persona é uma galeria de personagens”. (COHEN, 2002. Pag.107). Há
uma postura específica, objetivos específicos. Um estado, que executa uma partitura corporal e

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mental visando a realização artística. Sua vida, suas habilidades, sua idiossincrasia, são expostos
e ele precisa muito mais se mostrar, se expor para que sua arte possa ser assimilada.
Na passagem para a expressão artística performance, uma modificação
importante vai acontecer: o trabalho passa a ser muito mais individual.
É a expressão de um artista que verticaliza todo o seu processo, dando
sua leitura de mundo, e partir daí criando o seu texto (no sentido sígni-
co), seu roteiro e sua forma de atuação. O performer vai se assemelhar
ao artista plástico, que cria sozinho sua obra de arte; ao romancista,
que escreve seu romance; ao músico que compõe sua música. (COHEN,
2002. p.100)
Seu trabalho pode ser pautado em apresentações, exposições, vídeos, música ao vivo ou
a fusão de todos eles. O performer pode ser a própria instalação de uma obra. Grande parte dos
profissionais que trabalham hoje vieram ou do teatro ou das artes plásticas, pois ela encontra
espaço para operar basicamente entre as duas.
Após 40 anos dessa forma artística ser trabalhada, reafirmada e adaptada ao tempo, como
qualquer arte já passou por questionamentos até possuiu sua morte decretada pela imprensa,
pelo mercado e pela crítica e pelos próprios artistas. Há que se pensar qual o lugar da performan-
ce na atual configuração da sociedade e das relações humanas, artísticas e culturais. Esse lugar
precisa ser reconhecido pela arte também pelos mecanismos de financiamento e instituições.
Como todas as manifestações artísticas e culturais hoje no Brasil possuem meios para
viabilização ela, enquanto também arte, necessita e possui direito dentro do universo da cultura,
afinal existe trabalhos que possuem quase custo zero e outros que necessitam de aporte para sua
realização. Neste momento ela esta num impasse de reconhecimento.

3. POLÍTICAS PÚBLICAS: DESENVOLVIMENTO DAFUNARTE


O ciclo de criação de uma política pública não é muito diferente do ciclo de um projeto
ou qualquer outra demanda e urgência de uma sociedade ou grupo de pessoas. O ciclo basica-
mente consiste em: identificação do problema, formação de agenda, formulação de alternativas,
tomada de decisão, implementação, avaliação e extinção. A rotina de criação de editais da Fu-
narte é algo relativamente novo, nos últimos 10 anos a instituição vem criando esta rotina.
Até 2005 a Funarte era responsável por editais de ocupação de seus espaços e alguns edi-
tais pontuais de criação artística e apoio a eventos. Falta a instituição dar mais autonomia para os
fazedores artísticos. Neste mesmo ano foram criadas as câmaras setoriais para discussão sobre
soluções na área da cultura. A partir dessas discussões e recursos disponíveis identificam-se
quais são as necessidades e formulação de alternativas. As decisões caminham para a criação de
mais editais e a continuação dos já existentes. A linha de desenvolvimento da instituição possui
uma lógica. Primeiro fomentar atividades em seus equipamentos culturais. Criar uma circulação

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de trabalhos no Brasil onde ela produz a circulação. Mais adiante, após identificada a necessi-
dade de mais verba e distribuição pelo país, ela parte para a tomada de decisão de criação de
maneiras de fomentar o acesso a recursos.
Em 2006, diversos editais são lançados em diversas áreas artísticas e se mantém até os
dias de hoje. Agora ela financia projetos independentes de sua necessidade produzindo. Ela
apenas opera, regula e acompanha os processos, mas a realização está nas mãos dos produtores.
Todos os anos estes são lançados e passam por avaliações e reformulações. Geralmente sofrem
mudanças de uma edição para outra. Esse processo faz parte da implementação de qualquer
política pública. Essas discussões e reformulações da forma como a Funarte lida com a distri-
buição de verbas completam uma década e as discussões não param.
Como qualquer política pública em algum momento a política de editais deve acabar,
pois o problema pode ter sido resolvido ou, mais provável, é a substituição por outra que seja
mais eficaz e que atenda às necessidades de uma nova geração de artistas. Deve-se considerar
também que se trata do serviço público e de recursos públicos. Os procedimentos e necessidades
para a execução final de projetos possui ritmo próprio que nem sempre seguem o mesmo ritmo
dos artistas.
Criada em 1975, a Fundação Nacional das Artes, a Funarte, é um órgão ligado ao Go-
verno Federal, administrado e submetido ao Ministério da Cultura, para desenvolver e aplicar
políticas públicas para as artes nos seguintes âmbitos: artes visuais, música, teatro, dança e
circo. Seus principais objetivos são “[...] o incentivo à produção e à capacitação de artistas, o
desenvolvimento da pesquisa, a preservação da memória e a formação de público para as artes
no Brasil”7.
Seu principal formato de fomento se estabelece por meio de bolsas e prêmios em dinhei-
ro. Todos os anos a instituição lança editais para premiação de projetos enviados de todo o Bra-
sil. Existem editais tradicionais publicados todos os anos para atender aos segmentos artísticos
nas suas principais necessidades: criação e circulação dos trabalhos.
O desenvolvimento de editais de seleção pública para apoio a projetos culturais são estão
submetidos à Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que institui o Programa Nacional de
Apoio à Cultura (PRONAC); ao Decreto nº 5.761, de 27 de abril de 2006 que regulamenta a Lei
nº 8.313 e estabelece a sistemática de execução do PRONAC, o Decreto Nº 6.170, de 25 de julho
de 2007 que dispõe sobre as normas relativas a transferências de recursos da União mediante
convênios e contratos de repasse, a Portaria Interministerial Nº 127, de 29 de maio de 2008 que
estabelece normas para execução do disposto do Decreto nº 6.170 e a Lei Nº 8.666, de 21 de
junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.

7
Fonte: http://www.funarte.gov.br/a-funarte/. Acesso em 28/03/2015.

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Uma rede de leis e procedimentos que moldam a forma de promover recursos públicos para as
artes no país.
Existe um procedimento básico e necessário para elaborar e manter um edital, principal-
mente os que são de origem e de responsabilidade da administração pública. Segundo o Manual
de Orientação para Elaboração e Gestão de Editais de Seleção Pública de Projetos e Iniciativas
Culturais8, as seleções devem ser regidas pelos seguintes princípios: transparência, isonomia,
legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, equilíbrio na distribuição re-
gional de recursos e acesso à inscrição.

4. METODOLOGIA DE PESQUISA
O recorte feito nesta pesquisa seguiu alguns princípios: selecionar editais da Funarte nas
áreas de Artes Cênicas e Artes Visuais, tendo ao final pelo menos um de cada área; editais que
beneficiem projetos de criação artística; sua regularidade de lançamentos pela instituição e um
período em que os editais e seus vencedores possam ser avaliados.
Foram selecionados os três últimos anos (2011 a 2013) que possuem fechamento de
atividades e entrega de relatório público final, ou seja, números e dados já foram reunidos e os
projetos já foram finalizados.
A partir do recorte de tempo houveram outros filtros a fim alcançar um recorte passível
de pesquisa e que tenha relevância no ambiente da instituição: encontrar editais de artes por
onde a arte da performance pode transitar com maior ênfase: os editais na área Artes Cênicas
(Dança, Circo e Teatro), os editais de Artes Visuais e os editais do departamento da Funarte de-
nominados ‘Artes Integradas’. Desta seleção foram encontrados 96 editais no período de 2011
a 2013.
Dos 96 textos, o próximo passo foi excluir os que não possuíam ocorrência todos os anos
do recorte temporal selecionado. De 96 ocorrências, o número foi reduzido para 65.
O próximo filtro foi a exclusão de editais de ocupação dos espaços pertencentes a Funar-
te e a manutenção apenas dos editais criação artística livre. O número foi reduzido para quinze
textos de seis editais, sendo quatro específicos para circo, dança, teatro e artes visuais e dois
editais que englobam as três formas de artes cênicas produzidas para encenação na rua.
O último recorte foi possível apenas após leitura de todos os 15 textos dos editais citados
acima. A busca observou o ‘Objeto’ do edital, local logo no início do texto da maioria dos editais
onde é descrito para qual tipo de trabalho/projeto é destinado o prêmio. O Objeto é o único pre-
sente em todos os textos que corresponde ao objetivo artístico do projeto. A pesquisa priorizou
apenas editais onde é possível a identificar a abertura para a Performance Arte como possível

8
http://www.cultura.gov.br/legislacao/-/asset_publisher/siXI1QMnlPZ8/content/portaria-n%C2%BA-
-29-2009-minc/10937. Acesso em 28/03/2015

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manifestação artística a ser considerada para recebimento de prêmios. Dos seis editais citados,
apenas dois assumem em seus ‘Objetos’ a Performance Arte diretamente descrita. Desta forma,
o filtro e a seleção final de editais para análise de textos e vencedores se estabeleceu apenas com
dois editais que citam a palavra Performance no texto.
Devido a abrangência do tema, foi eleito apenas o edital Prêmio Artes Cênicas na Rua
(Circo, Dança e Teatro) para ser analisado, por ser essa a arte que mais se aproxima da lingua-
gem da Performance.

5. ANÁLISE
5.1. Edital Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança e Teatro)
Presente dentro da Coordenação de Teatro da Funarte, o Edital Prêmio Funarte Artes
Cênicas na Rua, teve sua primeira edição em 2009. Seu principal objetivo é fomentar manifes-
tações artísticas nas áreas do circo, dança e teatro e que sejam desenvolvidas nas ruas ou em
espaços abertos e públicos, como praças e parques. Tem um recorte mais flexível onde os propo-
nentes podem propor projetos híbridos que utilizem mais de uma linguagem artística.

5.2. Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança, Teatro) 2011
O edital é restrito às ‘Performance Cênicas’, não se tratando de um termo oficial e seg-
mentado no universo da pesquisa em Performance, mas um posicionamento da instituição em
defender o perfil dos projetos a serem apresentados de acordo com o edital - artes cênicas.
A lista de selecionados não define nenhum projeto em uma linguagem específica. Esta
definição cabe aos proponentes. Após a listagem dos projetos selecionados, a pesquisa buscou
compreender melhor as características de cada projeto selecionado a fim de identificar quais ti-
nham como característica principal ou secundária a linguagem da performance arte. A pesquisa
buscou os resultados conquistados por meio de publicação dos grupos e artistas e obedeceu as
definições dos grupos sobre seus trabalhos.
Como para a Funarte em seu texto no edital não há a consideração da performance como
arte independente, a única forma de encontrá-la é sua associação com alguma arte cênica. Por
entender que os projetos podem se englobar em mais de uma arte cênica, foram realizadas algu-
mas combinações das artes cênicas. Quando essas são feitas e somadas a elas o quesito sem de-
finição na lista geral é possível identificar cinco possibilidades, mas sendo o objetivo encontrar
projetos na área da performance, outras combinações são necessárias nesta busca, é necessário
assumir que para a Funarte a performance não é uma arte principal.
Sendo assim as definições e combinações foram estabelecidas da seguinte maneira:
1. Circo
2. Circo | Dança

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3. Circo | Dança | Performance


4. Circo | Dança | Performance | Teatro
5. Circo | Dança | Teatro
6. Circo | Performance
7. Circo | Performance | Teatro
8. Circo | Teatro
9. Dança
10. Dança | Performance
11. Dança | Teatro
12. Teatro
13. Teatro | Performance
14. Dança | Performance | Teatro
15. Sem definição
Entre as quatorze possibilidades de definição do formato e segmento dos projetos sele-
cionados, cinco foram reconhecidos como performance ou utilização dela indiretamente. Sete
dos 63 selecionados não foram possíveis sua definição devido a falta de informações sobre os
projetos. Dos 63 projetos, 05 possuem a performance arte como linguagem. Trabalhos que, ou
assumem diretamente ser tratado como performance ou possuem maneiras de realização dife-
renciada, cuja linguagem pode ser associada a ela. Este número corresponde a 08% do total de
aprovados.
Projetos contemplados: Águas Passadas da Beira Mar, Na Casa de Paulo, Cambana,
Circulação OCUPADO e Nave pirata.

5.3 Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança, Teatro) 2012
Apesar do aumento no número de projetos a serem contemplados, o número de propostas
na área da performance permaneceu o mesmo: Cinco projetos. O perfil de propostas associadas
a outra arte cênica se inverteu. Em 2011 foram quatro projetos na área de teatro e performance
e um de dança e performance. Em 2012, quatro projetos podem ser relacionados ou se assumem
como dança/performance receberam recursos contra um de teatro/performance. 74% dos proje-
tos foram de artes isoladas, sendo, mais uma vez, o teatro o principal vencedor (60% do total de
aprovados). Apesar da quantidade de aprovados na área da performance ter se mantido, a por-
centagem caiu para 7% devido ao aumento do número total de prêmios. O número de projetos
de artes híbridas diminuiu, sendo 26% e desses 7% pertenciam ao campo da performance e os
outros 19% a outras artes.
Durante a análise dos trabalhos vencedores pode-se perceber uma mudança de postura
do artista. Nesta edição, durante a divulgação da realização dos projetos, os grupos e artistas as-

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sumem diretamente seus trabalhos como performances, como será descrito adiante. Os artistas
possuem trabalhos mais estruturados dentro da linguagem e os grupos histórico de trabalhos,
interesse e pesquisa nesta área. A lista completa com os cinco trabalhos apresentou os seguintes
resultados: Antologia da Árvore, Macaco Nú, Pele do lugar - corpo e cidade, Perfografia e Posso
dançar pra você?

5.4 Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança, Teatro) 2013
A premiação em 2013 recuou na quantidade de projetos aprovados na área da perfor-
mance. Em 2013, foram apenas três que correspondem a 4% do montante. Projetos de uma única
linguagem ainda são os mais premiados e este ano com aumento para 87% do total. Houve uma
queda na porcentagem dos projetos de teatro e aumento nos premiados em circo. Deve-se des-
tacar uma queda no espaço para projetos híbridos, onde a performance se encaixa, o que pode
apontar por mais formalidade da instituição e comissão de avaliação na escolha dos vencedores.
Projetos contemplados: Coisas Que Fazem o Coração Correr Mais Rápido, Estética da
Via Crucis em Romaria, Sandwalk With ME
Ao todo, foram 206 projetos que tiveram acesso a R$ 7.834.500,00 (sete milhões oi-
tocentos e trinta e quatro mil e quinhentos reais). Desse número, 13 projetos se enquadram na
linguagem pesquisada e, ainda assim, é preciso considerar adequações e projetos que abriguem
outras linguagens em conjunto para que a Performance Arte possa ter acesso. Os treze projetos
identificados somam 458 mil e cem reais e mostram outro dado: dos treze projetos, sete, ou seja
54% deles, foram premiados no módulo A, que corresponde a menor premiação entre as três fai-
xas de valores do edital. Ainda ponderando os valores recebidos pelos projetos, no ano de 2013
onde houveram apenas três projetos vencedores, todos estavam dentro do módulo A e receberam
32.700 reais para execução do trabalho.
O panorama geral aponta para a valorização dos projetos com apenas uma linguagem
artística. Cerca de 82% deles são apenas de Teatro, ou de Circo ou de Dança e nessa sequencia
de maiores vencedores. Propostas de linguagem múltipla correspondem a 18%, enquanto que a
Performance Arte ocupa 6% do total de projetos ganhadores do edital.

6. REFLEXÕES FINAIS
“A Performance não possui uma forma única, sempre foi alternativa. Eu gostaria de
vê-la respeitada antes de eu morrer”. Quando Marina Abramovic fala sobre o desejo de ver a
Performance reconhecida, ela expõe junto com seu discurso uma legião de artistas que ainda
não possuem espaço para as suas expressões. Espaço aqui não se refere ao prédio, mas reconhe-
cimento da Performance como uma arte própria e necessária. Suas provocações estão fora do
local da repetição ou da exposição, como a maioria das outras artes, e essa particularidade dela

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precisa ser reconhecida. Se esta necessidade é real para uma artista como Marina Abramovic
que possui mais de 40 anos de carreira, obteve trabalhos expostos nas maiores galerias e festi-
vais do mundo, é preciso refletir sobre a situação da grande maioria dos artistas que executam
essa mesma arte e precisam de reconhecimento e subsídios.
Os editais promovidos pela Funarte ainda precisam alinhar a distribuição de recursos
para esta e outras formas de manifestação artística consideradas não convencionais. A pesquisa
mostra uma intenção de abrigar essa arte. As políticas públicas de cultura no Brasil ainda estão
em processo de elaboração, implementação e avaliação, mas já mostram favorecer tanto artes
que existem há milênios, como o teatro e a dança, e as mais recentes como a Performance. O
espaço pode ainda parecer pequeno, mas ele existe e cabe aos gestores, artistas e demais pro-
fissionais pensarem em qual seria a melhor política pública para esta arte. Em 2010 a Funarte
lançou um edital de festivais de arte chamado “Apoio a Festivais de Fotografia, Performances e
Salões Regionais”. Nele, três dos quinze projetos aprovados eram de festivais de Performance
Arte. Nenhum seguiu com mais edições após o prêmio da Funarte e o edital teve apenas uma
ocorrência. Esta informação mostra um interesse da instituição, ou pelo mostrou em 2010, em
valorizar essa arte. O que precisa ser desenvolvimento ao longo dos anos é como viabilizar algo
que possa ser apresentado sem modificar a obra em função da necessidade de repetição, posso
gerar indicadores e materiais que comprovem sua execução. A Funarte é uma instituição pública
que utiliza em sua maioria verbas públicas, portanto, ela precisa prestar contas do que financia.
O que se apresenta hoje é uma arte cada vez mais híbrida de plataformas diversas que
conversam entre si, ou não. O próximo passo é alinhar as produções aos mecanismos de reco-
nhecimento das manifestações artísticas, embora se a arte é de vanguarda essa adequação não
será na mesma velocidade das criações, mas as discussões e manifestações que a rua aborda re-
verberam no dia a dia e provocam, de certa forma mudanças no cotidiano das pessoas por onde
as intervenções passam. Essa força é real e presente.
Chegará um momento em que provavelmente a Política Pública de financiamento a cul-
tura por meio de editais terá que ser superada por algo ainda mais amplo e democrático e perene.
Em 2013 prefeituras, governos estaduais e federal instituíram as conferências de cultura onde
foram elencados os novos problemas para formação de agenda para políticas públicas para cul-
tura. Estive presente para conferência de São Paulo. Nenhum representante na área da Perfor-
mance Arte esteve presente para defender mais apoio para a linguagem artística e ela não entrou
diretamente em pauta. Para se credenciar uma arte é preciso criá-la e também usar de estratégias
para que ela seja reconhecida. Este material levantado pode ser uma maneira de auxiliar os ar-
tistas e gestores a pensarem para além da verba direta, mas quais são as maneiras de sustentar a
criação de um artista.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Acesso em: 08 mai.2015.

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AÇÕES CULTURAIS EM MUSEUS PARA PESSOAS PRIVADAS DE


LIBERDADE: PROJETO CONSTRUINDO1
Christiane Maria Castellen2

RESUMO: O presente trabalho pretende contribuir nas reflexões e na produção teórica do


campo das políticas culturais, quanto à realização de projetos e programas de ações educativas
de inclusão sociocultural, que promovam a integração à sociedade de indivíduos submetidos
ao regime de privação de liberdade. Apresenta o Projeto CONSTRUINDO, realizado pelo
Museu Histórico de Santa Catarina, a partir do ano de 2009, e seu desdobramento no Museu da
Imagem e do Som de Santa Catarina e no Museu de Arte de Santa Catarina – unidades culturais
vinculadas à Fundação Catarinense de Cultura. O Projeto tem como objetivo promover o acesso
e a integração de um grupo de reeducandos da Penitenciária Estadual de Florianópolis, através
de ações educativas socioculturais em visitas mensais nas exposições.

PALAVRAS-CHAVE: pessoas em privação de liberdade; ação cultural em museus; educação


patrimonial; inclusão sociocultural.

O presente trabalho pretende subsidiar o desenvolvimento de estudos, quanto à realiza-


ção de políticas culturais de inclusão sociocultural, que promovam a integração à sociedade de
indivíduos submetidos ao regime de privação de liberdade. O texto apresenta as ações educa-
tivas e de inclusão sociocultural do Projeto CONSTRUINDO – desenvolvido pelo Núcleo de
Ação Educativa do Museu Histórico de Santa Catarina com o objetivo de promover o acesso de
reeducandos da Penitenciária Estadual de Florianópolis ao patrimônio cultural de três museus
vinculados à Fundação Catarinense de Cultura: Museu Histórico de Santa Catarina (MHSC),
Museu da Imagem e do Som de Santa Catarina (MIS/SC) e Museu de Arte de Santa Catarina
(MASC). O projeto busca oportunizar experiências, percepções, descobertas e apropriações da

1
Este texto foi baseado e em parte extraído de: CASTELLEN, Christiane Maria. O Educador frente a outras rea-
lidades: educação patrimonial para pessoas privadas de liberdade do sistema carcerário. In: FONSECA da SILVA,
Maria Cristina da Rosa (org.) Cadernos de docência: contribuições para a formação em artes visuais. Florianópolis
: AAESC, 2015. pp 39-62
2
Christiane Maria Castellen: Licenciada em Educação Artística, com Habilitação em Artes Plásticas e Especialis-
ta no Ensino das Artes Visuais / UDESC. Analista Técnica em Gestão Cultural da Fundação Catarinense de Cultura,
na função de Educadora do Museu Histórico de Santa Catarina – Palácio Cruz e Sousa. Membro do Grupo de Pesqui-
sa Educação, Arte e Inclusão. UDESC – Cnpq. christianecastellen@fcc.sc.gov.br ; cmcastellen@gmail.com

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pluralidade de sentidos e narrativas presentes no espaço de um museu, em visitas às exposições


realizadas em encontros mensais. O referido Projeto enfatiza a importância do acesso ao patri-
mônio cultural e da educação patrimonial como instrumentos de integração e inclusão sociocul-
tural para sujeitos privados de liberdade.
Sujeitos em privação de liberdade são reconhecidos como presos, presidiários, apena-
dos, detentos ou reeducandos, e são aqueles que cumprem pena de detenção em decorrência de
sentença condenatória3. A população carcerária, estando em um lugar condicionado e restrito à
vigilância, é, muitas vezes, invisibilizada à sociedade, salvo nas projeções midiáticas de situa-
ções conflituosas no sistema prisional.
É possível que uma das questões mais complexas da realidade social brasileira, na atuali-
dade, possa ser identificada e encontrada na situação carcerária. De acordo com o Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen)4, de junho de 2014, realizado pelo Departa-
mento Penitenciário Nacional (Depen) / Ministério da Justiça, o Brasil possui a quarta maior
população prisional, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. No país
existem 1.424 unidades prisionais, cuja população carcerária totaliza 607.731 pessoas em regi-
me de privação de liberdade. De acordo com o Levantamento, todas as unidades exibem taxa de
ocupação superior a 100%, e em um espaço concebido para custodiar 10 pessoas existem por
volta de 16 indivíduos encarcerados5.
Segundo o levantamento do Infopen o perfil das pessoas presas do sistema penitenciário
brasileiro é majoritariamente: de jovens (56%)6, de negros (67%), de baixa escolaridade (68%)7
e de baixa renda, sendo a maior parte solteira (57%). O tráfico de entorpecentes é o crime de
maior incidência, respondendo por 27% dos crimes informados, seguido de roubo, com 21%
(INFOPEN, 2014).
Tais índices abafam conflitos socioculturais que merecem profundas reflexões e vão
além das discussões sobre Direitos Humanos, Segurança Pública, direito à Justiça, combate à
criminalidade. Reflexões e ações que pertencem a toda a sociedade, e cuja problemática exige
a atuação de gestores públicos, legisladores e operadores jurídicos, na condução e construção
de caminhos mais encorajadores, tanto para a população carcerária como para toda a sociedade.

3
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/301646/reeducando
4
O Infopen é um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro. Levantamento disponí-
vel em http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/11/080f04f01d5b0efebfbcf06d050dca34.pdf
5
O levantamento menciona que, entre 2000 e 2014, a taxa de aprisionamento aumentou 119%. Em 2000, havia
137 presos para cada 100 mil habitantes. Em 2014, essa taxa chegou a 299,7 pessoas. Caso esse ritmo de encarce-
ramento se mantenha, em 2022, a população prisional do Brasil ultrapassará a marca de um milhão de indivíduos.
Em 2075, uma em cada dez pessoas estará em situação de privação de liberdade (p.16).
6
O relatório informa que são considerados jovens, pessoas entre 18 e 29 anos, de acordo com o Estatuto da Juven-
tude (p. 48)
7
Índice referente apenas ao ensino fundamental incompleto.

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A magnitude do problema, segundo o Depen, exige a intensificação de esforços e o en-


volvimento dos três poderes da República, em todos os níveis da Federação, em busca de solu-
ções e estratégias inteligentes para equacionar os problemas existentes. Ao propor uma política
nacional de melhoria dos serviços penais, abrangendo quatro eixos, cuja amplitude aponta al-
ternativas penais, de gestão de problemas e serviços relacionados ao hiperencarceramento, bem
como a modernização do sistema penitenciário brasileiro, o Depen destaca, no seu terceiro eixo,
a “ humanização das condições carcerárias e a integração social” (INFOPEN, 2014).
A melhoria nesse eixo específico depende da promoção de um modelo intersetorial de
políticas públicas de saúde, de educação, de trabalho, de cultura, de esporte, de assistência social
e de acesso à justiça. Conforme o Infopen, para que “esses serviços alcancem as 607 mil pessoas
que se encontram nos presídios brasileiros, as políticas devem ser implementadas pelos gestores
estaduais especializados nas diferentes temáticas sociais governamentais” (INFOPEN, 2014).
Como se percebe, cabe ao Estado cumprir, para que sejam aplicadas, de fato, todas as condições
e garantias necessárias para a ressocialização, prevenindo o crime e possibilitando o retorno e a
convivência em sociedade.
Em relação à representação de pessoas privadas de liberdade, que se encontram segrega-
dos espacialmente, discriminados socialmente, é de conhecimento geral, devido às problemáticas
de nosso sistema prisional, de que estão frequentemente vinculados aos discursos e práticas rela-
cionados a violências e crimes. Separada das normas de convívio social, a população carcerária
compõe, muitas vezes, representações perversas, traduzidas em preconceito, estigma e rejeição.
Buscando também contribuir para a desconstrução de olhares e concepções que produ-
zem e reproduzem a lógica classificatória e segregadora de pessoas em situação de privação de
liberdade, a narrativa aqui proposta abre espaço, para reflexões e ações junto a grupos estigma-
tizados que se encontram nesse espaço de exclusão social.
Diversos documentos manifestam e asseguram ao cidadão a inclusão social e a demo-
cratização do acesso aos bens da cultura. Dentre eles, destacam-se: a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948); o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(1966); a Emenda Constitucional n.° 48 de 2005, no art. 215 da Constituição Federal; o Plano
Nacional de Cultura e as diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Museus.
Também o Parecer do Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica
nº 4/2010, aprovado, que trata das Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e
adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais8, estabelece: A prisão
“[...] não implica, contudo, a suspensão dos seus direitos ao respeito, à dignidade, à privacidade,

8
No Decreto nº 7.626, de 24/11/2011, da Presidência da República, é instituído o Plano Estratégico de Educação
no âmbito do Sistema Prisional – PEESP, que contempla a educação básica na modalidade de educação de jovens
e adultos, a educação profissional e tecnológica, e a educação superior. 

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à integridade física, psicológica e moral, ao desenvolvimento pessoal e social, espaço onde se


insere a prática educacional” (MEC, 2010)9.
Os estudos contemporâneos acerca da função social dos espaços museológicos também
apontam discussões crescentes nas últimas décadas, onde se incluem reflexões e problemáticas
do uso educativo deste patrimônio cultural. Diferentes práticas em abordagens sociais, culturais
e também políticas vêm proporcionando maior interação deste espaço museológico com a so-
ciedade, permitindo multiplicar suas utilizações e ações. Tais práticas permitem a multiplicidade
de iniciativas e apontam diversas experiências histórico-culturais, que se ampliam e se transfor-
mam em espaços de formação nos vários campos da ação humana.
O acesso e a formação de público nos espaços museais são considerados compromissos
sociais. Para compreensão da função social dos museus, a definição do Conselho Internacional
de Museus assegura:
Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço
da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire,
conserva, pesquisa, comunica e expõe o patrimônio material e imaterial
da humanidade e de seu meio ambiente para fins de educação, estudo e
lazer (ICOM, 2007).
É no potencial educacional do museu que projetos e programas vêm oportunizando prá-
ticas inclusivas de democratização do acesso aos bens da cultura a diferentes grupos sociais.
No âmbito dos museus, o Núcleo de Ação Educativa (NAE) do MHSC compartilha da
definição de exclusão social compreendida por Aidar, que se refere aos “processos pelos quais
um indivíduo, ou um grupo de indivíduos, encontra-se com acesso limitado aos instrumentos
que constituem a vida social e são, por isso, alienados de uma participação plena da sociedade
em que vivem”(AIDAR, 2002). Nesse contexto, seria possível verificar que, no Brasil, grande
parcela da sociedade encontra-se excluída dos espaços museológicos, devido a questões econô-
micas, sociais e também políticas.
Seguindo essa mesma lógica, pode-se considerar que os sujeitos em situação de priva-
ção de liberdade dentro do sistema prisional encontram-se inseridos nesse fenômeno de exclu-
são social. A população carcerária, tendo seus direitos civis e políticos suspensos, seria conse-
quentemente o público mais excluído do espaço do museu e do acesso ao patrimônio cultural.
Daufemback salienta que a prisão “ parece operar na legitimação dessa rejeição, pois nomeia
e localiza um grupo de pessoas que material e simbolicamente não fazem parte dos valores da
sociedade” (DAUFEMBACK, 2005). A própria punição por pena de reclusão, muitas vezes,
cria visões discrimadas de marginalização do indivíduo, operando, reforçando e até ampliando
a ideia de rejeição na reintegração social.

9
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14906&Itemid=866

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Ao considerar que as dinâmicas sociais e as instituições limitam alguns grupos de uma


ampla participação na sociedade, Aidar argumenta que “os museus, como instituições culturais,
podem executar um papel numa rede de elementos excludentes, ou por oposição, serem ferra-
mentas para a inclusão social” (AIDAR, 2002).
Para combater esse complexo quadro de exclusões, além de desconstruir visões cristali-
zadas, superando representações preconceituosas sobre determinados grupos sociais e parcelas
da população, é necessária: “uma atuação em rede que perpasse serviços sociais, civis e gover-
namentais, e meios que possibilitem a participação política, econômica e cultural dos grupos em
questão” (CHIOVATTO & AIDAR, 2009).
Contribuir para o desenvolvimento social, combater as desigualdades e promover a in-
clusão de públicos que tradicionalmente não são frequentadores dos espaços museais têm sido
também objetivos das ações educativas e culturais realizadas através dos setores e/ou núcleos
educativos. Tais ações encontram-se inseridas no campo da educação não-formal e promovem ex-
periências de diversos públicos no contato com o patrimônio cultural. A Educação Patrimonial é:
um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indiví-
duo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão
do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está
inserido. Este processo leva ao reforço da autoestima dos indivíduos e
comunidades e à valorização da cultura brasileira, compreendida como
múltipla e plural (HORTA et al.,1999, p.6).
As ações desenvolvidas pelo NAE/MHSC visam, além de oportunizar espaços de constru-
ção e troca de conhecimentos de forma interativa, garantir uma educação crítica, reflexiva, estética
e artística, bem como promover a inclusão sociocultural e a acessibilidade de públicos diversos.
No ano de 2009, estabeleceu-se o início do Projeto CONSTRUINDO – desenvolvido
pelo Núcleo de Ação Educativa do Museu Histórico de Santa Catarina, com o objetivo de pro-
mover o acesso de reeducandos da Penitenciária Estadual de Florianópolis ao patrimônio cul-
tural de três museus vinculados à Fundação Catarinense de Cultura: Museu Histórico de Santa
Catarina (MHSC), Museu da Imagem e do Som de Santa Catarina (MIS/SC) e Museu de Arte
de Santa Catarina (MASC). O referido Projeto enfatiza a importância do acesso ao patrimônio
cultural e da educação patrimonial, como instrumentos de integração e inclusão sociocultural de
indivíduos submetidos ao regime de privação de liberdade.
Desde a década de 1980, a Fundação Catarinense de Cultura (FCC)10 mantém um Con-
trato de Prestação de Serviços de mão de obra com a Penitenciária Estadual de Florianópolis11.
A FCC tem como missão valorizar a cultura através de ações que estimulem, promovam e pre-
servem a memória e a produção artística catarinense. Além de executar ações de apoio e desen-

10
Órgão da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte / Santa Catarina.
11
Órgão da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão.

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volvimento da área cultural do estado de Santa Catarina, estão, sob sua responsabilidade, várias
instituições culturais, entre as quais os museus mencionados – MHSC, MIS/SC e MASC – e
o Centro Integrado de Cultura Henrique da Silva Fontes (CIC), complexo cultural que abriga
museus, teatro, cinema e oficinas culturais.
A Penitenciária Estadual de Florianópolis, instituição com a qual a FCC mantém o refe-
rido Contrato, está situada geograficamente vizinha ao CIC. O complexo penitenciário abriga
aproximadamente 950 presos do sexo masculino, maiores de 18 anos. Cerca de 21012 deles en-
contram-se em regime semiaberto, que possibilita uma vigilância menos rigorosa, estruturado
para que o indivíduo possa trabalhar e estudar. Cada três dias trabalhados resultam em um dia
de remissão de pena.
Há, no Contrato entre a FCC e a Penitenciária, dez reeducandos que realizam trabalhos
principalmente no CIC. A presença deles nos espaços culturais do CIC é diária em serviços de
manutenção, tais como: jardinagem, limpeza do estacionamento, pinturas, pequenos reparos, en-
tre outros, sempre sob a supervisão de um técnico da FCC/CIC. A participação dos integrantes
do grupo, cuja faixa etária varia entre 23 e 55 anos de idade, é intermitente, pois podem ser subs-
tituídos por condutas de comportamento ou pela liberação do alvará de soltura. O grupo é forma-
do por indivíduos que possuem, em comum, histórias de violência e/ou delitos. É este número
relativamente pequeno de pessoas que compõe o grupo participante do Projeto CONSTRUINDO.
A primeira visita realizada pelos reeducandos ao espaço expositivo do Museu Histórico
de Santa Catarina13 foi promovida em agosto de 2009, após uma semana de trabalhos de limpeza
efetuados pelo grupo nos muros do Museu. Criou-se uma oportunidade de aproximação desse
grupo, como público visitante, a fim de conhecer esse patrimônio cultural, como sujeito de direi-
to. Juntamente com os órgãos e setores responsáveis, foi possível concretizar o acesso do grupo
a uma visita mediada ao museu, mediante a dispensa de um período de trabalho.
Com a repercussão positiva dessa primeira visita entre todos os envolvidos, principalmen-
te entre os visitantes, foi possível sensibilizar e mobilizar técnicos, setores e órgãos envolvidos na
ação, com a finalidade de viabilizar a continuidade das visitas ao Museu. As condições favoráveis
e o caráter educativo do Museu reforçam e contribuem para que novos olhares sobre esse público
possam ampliar oportunidades de realizar ações, em um processo educativo continuado.

12
Dados informados pela Penitenciária Estadual de Florianópolis, em 23/11/2015.
13
Localizado no centro de Florianópolis e instalado no Palácio Cruz e Sousa, seu acervo é composto por móveis e
objetos diretamente ligados à história política do Estado, sendo um dos maiores patrimônios sua edificação, impor-
tante exemplar da arquitetura eclética do final do século XIX.

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O Projeto CONSTRUINDO vem sendo coordenado e mediado por mim e pela arte-edu-
cadora Márcia L. Carlsson, ambas do Núcleo de Ação Educativa do MHSC14.
Assim, parcerias, planejamentos, agendas compatíveis, recursos humanos, estrutura e
transporte foram viabilizados para que, em 2010, novos encontros fossem realizados, eviden-
ciando-se a proposição de um Projeto, com visitas sistemáticas do grupo de reeducandos ao
Museu, através de encontros mensais. O objetivo inicial tinha como proposta o acesso, a integra-
ção e a participação do grupo nas ações educativas socioculturais, oportunizando experiências,
percepções, descobertas e apropriações da pluralidade de sentidos e narrativas presentes nas
exposições apresentadas no espaço do MHSC. No entanto, em 2012, foi possível o desdobra-
mento do Projeto CONSTRUINDO em ações no MIS/SC15 e no MASC16, ambos localizados no
Centro Integrado de Cultura. Esse desdobramento do Projeto permite aos reeducandos o contato
com acervos e linguagens presentes nas diferentes tipologias dos museus, propiciando novas
experiências de subjetividade e de produção de conhecimento, a partir da cultura visual e do
patrimônio cultural.
A escolha do nome do Projeto foi amplamente discutida pelo grupo durante os encon-
tros iniciais, mas somente durante o 6º encontro, com a presença do artista Edgar Bessa, no ano
de 2010, decidiu-se por CONSTRUINDO. Esse nome possui a referência de algo que está em
construção coletiva, considerando que o sufixo INDO, em itálico, sugere este movimento dos
próprios participantes (reeducandos), num processo contínuo de passagem, de fluxo e de mu-
dança. A logomarca do Projeto, criada pelo reeducando Marco Antônio e definida sob orientação
de Moysés Lavagnoli - designer gráfico da FCC -, é aprovada pelo grupo em agosto de 2013.
Para o desenvolvimento do Projeto, optamos pela utilização do aporte metodológico da
pesquisa-ação Thiollent (1996), por meio da qual os pesquisadores e os participantes representa-
tivos da situação estão envolvidos de modo cooperativo e participativo17. Como suporte teórico,
destacamos conceitos de “mediação”, em Vygotsky (1989); de “dialogia”, em Bakhtin (1992;
2003); de “relações de poder”, em Foucault (1973; 2003; 2005); de “educação patrimonial”, em

14
Outras informações sobre o Projeto constam de publicações Castellen;Carlsson, 2013 e Castellen;Carlsson, 2015
citadas nas referências ao final deste artigo. Em setembro deste ano, ingressou na equipe do NAE/MHSC a arte-
-educadora Cristiane Ugolini.
15
Criado em 1998, com a finalidade de preservar, documentar, pesquisar e comunicar acervos audiovisuais de
relevância nacional e, preferencialmente, do estado de Santa Catarina. Seu acervo está divido em cinco Coleções:
Filmes; Som; Imagens; Equipamentos e Registros Textuais.
16
Criado em 1949, como Museu de Arte Moderna de Florianópolis (MAMF), seu acervo é representado por artistas
nacionais e estrangeiros e possui mais de 1.750 obras entre pintura, gravura, escultura, fotografia, objetos e outras.
17
Com base empírica, esta metodologia é concebida e realizada em estreita cooperação entre as partes, e dá lugar
a uma grande diversidade de propostas nos diversos campos de atuação social. Idealizada como metodologia de
articulação do conhecer e do agir, a pesquisa tem como objeto de investigação a situação social e os problemas de
diferentes naturezas, havendo, durante o processo, um acompanhamento das decisões, das ações e de cada atividade
dos sujeitos envolvidos (Thiollent, 1996).

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Horta (1999); de “objeto gerador”, em Ramos (2004); e de “inclusão social aplicada a práticas
dos museus”, em Aidar (2002).
Os procedimentos para a atuação durante a visita do grupo são selecionados a partir de
objetos e conteúdos geradores de conhecimento e reflexão presentes nas exposições. Tais proce-
dimentos proporcionam a elaboração de ações flexíveis e compartilhadas com os participantes,
como forma de estabelecer relações construtivas com o grupo, assim como iniciativas comunitá-
rias. Inicialmente os participantes recebiam com certa desconfiança a oportunidade de escolher
e dialogar com liberdade de expressão.
As visitas mediadas às exposições de longa e curta duração, realizadas nos três museus
com tipologias diferentes (história, arte, imagem e som), permitem não apenas ampliar o re-
pertório visual em diferentes linguagens e técnicas, como também reflexões acerca de novas
narrativas, histórias e memórias. A riqueza de proposições pode ser observada a partir de alguns
títulos das exposições temporárias visitadas: Isso não posso contar; Pintar o futuro; Do Concei-
to e da Afeição; Contaminações: Linhas da infância; Grupo de Risco; Na Pele; O Tesouro do
Morro da Igreja; Pinceladas de Luz; Fotografando o Silêncio; Ritos, Ditos e Ditados: Memó-
rias Inventadas; Guerra do Contestado: 100 anos de memórias e narrativas; Gravar: técnica e
expressão; Além de 3x4; Guerreiros do bronze ao aço; O coração no Olho; Na sombra de uma
origem; Diálogo entre Eros, Psique e Thanatos.
Procuramos promover visitas nas exposições que proporcionem experiências, vivências,
memórias e ressignificações individuais e coletivas. É possível perceber a importância das ações
vinculadas ao patrimônio cultural, a partir dos diálogos dos participantes que se encontram nos
relatórios dos encontros.
Foram realizados 32 encontros do Projeto com o grupo de reeducandos no decorrer des-
ses anos, totalizando 42 exposições visitadas, de longa e curta duração, em três museus da FCC,
sendo dezenove visitas mediadas no MHSC, sete no MIS/SC e cinco no MASC18.
São oportunizados, sempre que possível, encontros com curadores de exposições e ar-
tistas, permitindo assim o estabelecimento de diálogos e relações sobre experiências, subjeti-
vidades e processos criativos. Debates e reflexões sobre temas contemporâneos nessas práticas
sociais promovem a sociabilidade e o fortalecimento de posicionamentos individuais diante do
grupo sobre percepções e descobertas. Foram promovidos onze encontros presenciais com a
participação de artistas, curadores e um cineasta19.

18
Além dos encontros mencionados, foi possível, em 30/04/2010, realizar um encontro do Projeto CONSTRUIN-
DO no Museu Victor Meirelles (MVM). Esse Museu encontra-se geograficamente vizinho ao MHSC, mas não
pertence à FCC.
19
Foram convidados a participar dos encontros, os seguintes artistas e expositores: Clara Fernandes, Tercília dos
Santos, Kátia Áurea, Edgar Bessa, Susana Bianchini, Giovana Zimermann, Rô Cechinel, Danísio Silva, Maria
Helena Rosa Barbosa, Giliard Lach, Heloisa Caminha Bradacz e Carlos Jr.

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Já as oficinas temáticas e as vivências em oficinas práticas são estruturadas conjugando


relações com as visitas nas exposições, sendo elaboradas diferentes metodologias, com proce-
dimentos que possibilitem experiências significativas e interativas. É possível perceber, algu-
mas vezes, o receio de alguns reeducandos no início dos procedimentos, talvez por acreditarem
que realizam essas ações de forma incorreta, ou mesmo por inibição. Mas o fortalecimento de
vínculos entre os participantes e o respeito às individualidades permitem ao grupo maior auto-
confiança para a realização dos trabalhos. É possível também observar a valorização das ações
e o envolvimento de todos os participantes com as temáticas propostas e com os materiais dis-
ponibilizados. Tais materiais proporcionam experiências em diferentes linguagens, bem como a
descoberta de potencialidades e a autovalorização de suas próprias possibilidades.
O momento das oficinas é considerado, por alguns, muito importante, pois propicia
maior interação e descontração nas atividades. Até agora, foram elaboradas treze vivências em
oficinas práticas de pintura, recorte e colagem, desenho, gravura, fotografia, música, palavra,
narrativas, retrato e desenho com teatro de sombra; e três oficinas temáticas de patrimônio cul-
tural e história da fotografia.
Projeções de filmes que dialogam com as temáticas das exposições também permitem
experiências na linguagem cinematográfica. Foram realizadas duas exibições durante os encon-
tros: O tesouro do Morro da Igreja e Victor Meirelles - Quadros da História.
Em todos os encontros, há um espaço de “rememoração”, possibilitando reavivar me-
mórias de experiências, diálogos e reflexões em relação a visitas anteriores. É possível perceber
relações qualitativas de reconhecimento com os repertórios temáticos, narrativos e visuais dos
patrimônios culturais visitados.
Nos horários dos encontros em visitas aos museus, as proibições e limitações de suas vi-
das cotidianas apontam possibilidades de outros significados, como demonstra o comentário de
um dos participantes: “Neste momento sou um homem livre!” (NAE, 2010). Há compromisso e
assiduidade com os calendários e as ações do Projeto, como também há espera especulativa, na
expectativa de novos encontros, por parte de todos os envolvidos. Eis a fala de um dos partici-
pantes: “Se vocês marcarem o dia do próximo encontro, a gente não marca visita com a família
neste dia pra poder estar aqui.”(NAE, 2014)
A fim de registrar as ações desenvolvidas durante as visitas, foram elaborados instru-
mentos e estratégias, que foram compartilhados e autorizados pelos participantes do Projeto.
São relatórios descritivos dos encontros, registros fotográficos, captação de imagens em vídeos,
registros das ações nas oficinas, produções e relatos de opiniões dos participantes (reeducandos,
artistas, mediadores, psicólogos, funcionários). Diversos materiais impressos, como convites
de exposições, reproduções de obras de arte, folders e catálogos, são doados, quando dispo-
nibilizados pelas exposições. Faz-se necessário, ainda, avançar em metodologias de avaliação

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qualitativa, para identificar processos, experiências e conhecer os impactos das ações propostas
pelo Projeto.
O Projeto proporcionou, até o momento, a participação de 76 reeducandos, sendo que
retornaram ao Museu, quando em liberdade, 50% dos participantes no ano de 2010. A rotati-
vidade dos integrantes do grupo, devido à intermitência de sua participação – substituição por
conduta de comportamento ou liberação do alvará de soltura –, impõe ao Projeto uma adaptação
constante. Alguns indivíduos participam no decorrer de um ano ou mais, outros, em apenas dois
ou mais encontros.
O Projeto CONSTRUINDO contempla, além do desenvolvimento de ações integradas
com as equipes dos núcleos educativos dos museus, o compartilhamento das ações realizadas
com servidores de setores específicos da FCC, que são fundamentais para a realização e a ma-
nutenção do Projeto. Também são compartilhadas informações do Projeto com funcionários da
Penitenciária, proporcionando interações construtivas entre sujeitos e contextos diferentes. A
presença de alguns desses técnicos em três encontros, a fim de acompanhar o Projeto, fez com
que também eles visitassem/conhecessem os museus e sua função social. Foi possível ampliar,
também, o diálogo sobre as ações do Projeto com a representante do Programa de Educação nas
Unidades Prisionais e Unidades de Intervenção da Secretaria de Estado da Educação de Santa
Catarina. Em agosto de 2010, foi oportunizada uma visita técnica ao complexo penitenciário.
Experiência essa importantíssima para reconhecimento do contexto em que vivem os participan-
tes do Projeto CONSTRUINDO.
Os reeducandos consideram importante que o Projeto seja compartilhado. Sobre esse
desejo deles, destaca-se o comentário de um dos participantes: “Quero que o projeto seja divul-
gado para olharem diferente para nós”(NAE, 2010)
A FCC e suas casas vinculadas, assim como a Penitenciária Estadual de Florianópolis,
são instituições mantidas e administradas pelo poder público estadual, e estão, também, sujeitas
à sazonalidade de suas gestões. É nesse contexto que o Projeto CONSTRUINDO envolve sujei-
tos históricos diversos, que se encontram inseridos em campos de atuação com missões comple-
tamente diferentes. Em ambas as instituições tem sido possível dialogar sobre a relevância do
Projeto e assegurar sua realização e continuidade.
O Projeto CONSTRUINDO viabiliza iniciativas que extrapolam a ação interna da insti-
tuição e incorpora diversas experiências histórico-culturais. Ele abre novas intervenções, pos-
sibilitando a renovação de conceitos e práticas tanto para as instituições envolvidas (FCC e
Penitenciária) como para a formação docente, a universidade e os próprios museus.
Ao serem promovidas ações em que os reeducandos possam vivenciar e dialogar nos
espaços museológicos, em contato com os códigos e significados potencializados pelos objetos
do patrimônio cultural, acredita-se favorecer não só o reconhecimento desses espaços como

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lugares de direito e de cidadania, mas também de significações pessoais e comunitárias. Para


Milene Chiovato, as ações de leitura, significação e apropriação dos objetos museais “apontam
ao mesmo tempo para o sujeito que lê e para o mundo ao seu redor, estabelecendo um fluxo de
significação entre objeto, sujeito e mundo”(CHIOVATTO in AIDAR & CHIOVATTO, 2010).
É evidente e perceptível a importância e a valorização atribuídas pelo grupo de reedu-
candos, a este espaço/tempo aberto às visitas, narrativas, reflexões e propostas. A educação pa-
trimonial contribui não apenas no “reforço da autoestima dos indivíduos e comunidades”, como
aponta Horta (1999), mas pode ir além de informação e conhecimento, como menciona Martins:
Trata-se de um processo de consciência de ser cidadão, de ser respon-
sável pelo todo elaborado de um mundo ou parte dele. Representa uma
ação não apenas para preservação, para a defesa da memória da histó-
ria, do respeito e das referências tão necessárias para ser o que somos:
pessoas de um lugar, com referências, pertencimentos bem peculiares
que por sermos da raça humana, somos ao mesmo momento, locais e
universais (MARTINS, 2012, p.190).
Creio que é a partir da apropriação e ressignificação do patrimônio humano e cultural,
e na implementação de ações, de forma a possibilitar a integração e a inclusão sociocultural de
indivíduos privados de liberdade, que poderemos também avançar na aplicabilidade das deman-
das sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Creio que os resultados produzidos pelo Projeto CONSTRUINDO, possam contribuir na
visibilidade de ações de inclusão sociocultural junto ao complexo fenômeno de aprisionamento,
na medida em que apontam condições favoráveis para a realização de procedimentos possíveis
para diversos profissionais de diferentes campos de atuação.
É possível que ações dessa amplitude oportunizem pautas de reivindicação no plano
institucional, legal e social, em torno de demandas e realizações que proporcionem a integração
à sociedade de indivíduos em situação de privação de liberdade. As relações contemporâneas,
ao reivindicarem novos olhares, promovem o rompimento de paradigmas, provocando novas
práticas sociais, que contribuem na busca de alternativas para problemas sociais tão complexos
como os do sistema carcerário no Brasil.
São os órgãos públicos os proponentes e reguladores de “lugares culturais”, e nesses
lugares são constituídas práticas sociais. Compondo muitas vezes o que Leite chamou de “car-
tografia do poder”, o autor observa que “os lugares singularizam-se principalmente pelas re-
presentações e práticas construídas pelas pessoas que neles interagem” (LEITE, 2004). Nesse
sentido, torna-se vital a mobilização de interlocutores diferenciados nos planos institucionais,
contribuindo para legitimar práticas e projetos participativos em parceria, com o intuito de in-

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corporar novos sujeitos na construção de uma nova realidade. Fortalecendo a ideia de que é pos-
sível pensar um mundo novo, com alternativas e possibilidades, Boaventura Santos afirma que
“devemos buscar credibilizar, ampliar simbolicamente as possibilidades” de vê-lo a partir do
presente, dando visibilidade a experiências possíveis, “que não estão dadas porque não existem
alternativas para isso, mas são possíveis e já existem como emergência”(SANTOS, 2007).
Penso ser consenso de todos que inúmeros desafios se apresentam para toda a sociedade.
Para nós, gestores e servidores públicos (das diferentes áreas), o desafio é refletir sobre uma po-
lítica atenta para a diversidade e complexidade que compõem não só os espaços institucionais,
mas os espaços de sociabilidade na contemporaneidade.
Conforme Boaventura Santos,
[...] é preciso fazer transgressões. Buscamos o novo nos interstícios, en-
tre as realidades, [...] de nossa sociabilidade, que estão articulados de
maneira muito complexa. Precisamos migrar de um campo a outro, de
um estrato a outro, de uma linguagem a outra; a transdisciplinaridade é,
em parte isso. Temos ainda de buscar conceitos que venham de outros
conhecimentos (SANTOS, 2007, p.48).
Espero que a experiência dos participantes do Projeto CONSTRUINDO possa contribuir
na reflexão sobre políticas culturais e em práticas efetivas de integração de pessoas em situação
de privação de liberdade.
O Projeto CONSTRUINDO, após anos de realização, foi no ano de 2015 inserido no
Plano Museológico do Museu Histórico de Santa Catarina, sendo normatizado como um projeto
de atuação sistemática. Assim, o projeto possibilita abrir portas, derrubando estigmas, minimi-
zando o processo de exclusão, ampliando discussões e apontando oportunidades em contextos
com múltiplas dimensões sobre políticas públicas, culturais, sociais e educacionais, com vistas
à integração e inclusão social do sujeito em privação de liberdade em toda a sua complexidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de Educação, Ciências e Letras nº 31. Porto Alegre, 2002.
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CASTELLEN, Christiane Maria; CARLSSON, Márcia Lisbôa. Olhares compartilhados: construindo
diálogos com reeducandos no museu. In: I ENCONTRO BRASILEIRO DE PESQUISA EM CULTURA:
pesquisa e produção do conhecimento para além da universidade, 2013 São Paulo. Anais CD-Rom. São
Paulo. EACH USP, 2013.

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_________.CONSTRUINDO: possibilidades de ações socioculturais com reeducandos no museu.


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CHIOVATTO, Milene.  Ações extramuros: diminuindo barreiras. In: AIDAR,G. &
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ecologia de saberes. In: Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação humana. Boitempo, São
Paulo, 2007.
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REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7626.htm
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http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf

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MEDIAÇÃO CULTURAL: PROBLEMATIZAÇÕES E CONTEXTO


Cintia Maria da Silva1
Renan Ribeiro Beltrame2

RESUMO: Este trabalho pretende investigar de que maneira o contexto histórico explica as
transformações ocorridas na práxis do mediador cultural a partir da década de 1990, e em que
medida estas mudanças interferem na qualidade pedagógica das ações educativas oferecidas por
equipamentos culturais da cidade de São Paulo. Para tanto, são utilizadas referências teóricas da
educação e história que embasem nossa hipótese.

PALAVRAS-CHAVE: Educação, Mediação Cultural, Neoliberalização da Educação.

1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo apresentar parte da pesquisa intitulada “Mediador Cultu-
ral: profissionalização e precarização das condições de trabalho” que está sendo desenvolvida
junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes, no Instituto de Artes da UNESP.
Nosso interesse é expor o contexto histórico no qual o trabalho do mediador cultural so-
fre transformações, e como estas interferem na relação direta com os públicos. Há, na mediação
cultural, uma clara contradição: contrata-se pesquisadores críticos e qualificados, todavia, para
transmitir conhecimentos (já) consolidados pelas instituições. Apontaremos nossa compreensão
sobre mediação cultural, seu papel na educação e na construção de conhecimento, e também
sua contribuição na formação do sujeito crítico e reflexivo, qualificado para transformar sua
realidade e sociedade.

1
Graduada em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (2010), e mestranda em Artes
pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, na linha de pesquisa
Processos artísticos, experiências educacionais e mediação cultural, sob orientação da Prof.ª Dra. Rejane Galvão
Coutinho. E-mail: cintiamasil@gmail.com
2
Graduado em Licenciatura e Bacharelado em História pelo Centro Universitário Fundação Santo André (2011).
Pós-graduado em nível de especialização lato sensu em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo
André (2013). E-mail: beltrame.renanr@gmail.com

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2. MEDIAÇÃO CULTURAL NA DÉCADA DE 1990


Na cidade de São Paulo, o trabalho educativo realizado em museus e instituições cul-
turais se inicia com a inauguração do Museu de Arte de São Paulo (1947) e do Museu de Arte
Moderna (1948), que contratavam estudantes de Artes e ofereciam visitas monitoradas.
Ao final da década de 1990, com a montagem das chamadas “megaexposições”, é pos-
sível notar algumas mudanças ocorridas na apresentação, divulgação e promoção de arte. Es-
sas exposições, a exemplo das que foram montadas em São Paulo, tais como: Brasil+500, no
Parque do Ibirapuera/2000; Rodin, na Pinacoteca do Estado de São Paulo/2001 e no Pavilhão
da Oca/2004, garantiram que nomes de artistas e obras consagradas pudessem circular pelos
corredores de museus e instituições culturais, que passaram a contar com a contribuição finan-
ceira de grandes empresas e bancos. Os novos mecenas das artes, assim como os do passado,
não patrocinavam arte e cultura por simples generosidade ou filantropia. As grandes empresas
e instituições financeiras utilizavam (e ainda utilizam) os incentivos fiscais para apadrinhar
grandes exposições – e, em contrapartida, vincular e promover a marca da empresa, gerando
mais rentabilidade.
As grandes exposições causaram frisson nas cidades por onde passaram, aumentando
expressivamente a rota de circulação simbólica das artes visuais. Muitas pessoas se disponi-
bilizaram a fazer o que não era habitual: ir até museus e instituições culturais contemplar as
obras dos grandes mestres (ainda que esse contato não tenha comprovadamente transformado a
maneira de perceber e se relacionar com a arte). Também data desta época o inchaço numérico
das visitas escolares, que começaram a inflar as estatísticas de visitação. Diante da eloquência
e grandiosidade dessas exposições, se fez necessário investir na contratação e formação dos
profissionais que atenderiam o grande público – afinal, estes também fariam parte do marketing
realizado pelas empresas. Assim, a importância da presença da figura do mediador cultural neste
período foi atender o grande volume de pessoas que frequentavam essas exposições.
Naquele momento, o contexto político brasileiro era de intensa transformação: o proces-
so de redemocratização se iniciou em 1985, mas se consolidou efetivamente com a promulga-
ção da Constituição Federal de 1988. O primeiro presidente eleito pelo voto popular, Fernando
Collor de Mello, assumiu o poder em 1990 e, diante de graves denúncias de corrupção, renun-
ciou à presidência da república (o que não evitou seu impeachment). Se Collor deu início ao
processo de privatização no Brasil, foi pelas mãos do presidente Fernando Henrique Cardoso,
em seu primeiro mandato (1994-97), que o Neoliberalismo direcionou o sistema econômico no
país. Além das privatizações de empresas estatais (por exemplo, a Vale do Rio Doce, a Telebrás
e a Eletropaulo), também é notório o crescimento da privatização da cultura (WU, 2006), cla-
ramente estimulada por meio de: a) leis de incentivo fiscal: renúncia fiscal à contribuintes do
Imposto de Renda (IR) que queiram financiar projetos culturais, por meio de doação ou patrocí-

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nio; b) criação das Organizações Sociais (OSs): entidades da sociedade civil sem fins lucrativos,
passam a administrar equipamentos públicos de arte e cultura (museus, bibliotecas, teatros) por
meio de contrato de gestão firmado com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.
Não por acaso foi nesse período em que a discussão sobre políticas públicas para edu-
cação ganhou fôlego no Brasil. Adentrada a nova fase democrática brasileira, anunciada com
a promulgação da Constituição Federal em 1988, o debate sobre educação no país ganhou
novos contornos e foi colocada em pauta a ação da escola junto às temáticas pertinentes à
manutenção do estado Democrático de Direitos, consolidação e defesa dos Direitos Humanos,
participação cidadã e o papel da sociedade civil organizada na concepção de uma metodologia
adequada à nova realidade brasileira, que entendesse e atendesse toda a gama de diversidades
sociais do país na formação de sujeitos capacitados a agirem na construção daquela dinâmica
societária. A prática educativa, principalmente aquela implementada em instituições de Ensi-
no Formal, ganhava o caráter de polo de discussões sobre o agir político contemporâneo, onde
profissionais da educação perspectivavam aglutinar condições para a realização de um projeto
educativo emancipador.
(...) a despeito das ambiguidades, é forçoso reconhecer que a década
de 1980 foi marcada por um vigoroso movimento organizativo-sindical
envolvendo os professores dos três graus de ensino. A organização dos
educadores na referida década pode, então, ser caracterizada por meio
de dois vetores distintos: aquele caracterizado pela preocupação como
significado social e político da educação, do qual decorre a busca de
uma escola pública de qualidade, aberta a toda a população e voltada
precipuamente para as necessidades da maioria, isto é, a classe traba-
lhadora; e o outro marcado pela preocupação com o aspecto econômi-
co-corporativo, portanto, de caráter reivindicativo, cuja expressão mais
saliente é dada pelo fenômeno das greves que eclodiram a partir do final
dos anos de 1970 e se repetiram em ritmo, frequência e duração crescen-
tes ao longo da década de 1980 (SAVIANI, 2013, p. 404).
Todavia, a nova ordem social proclamada não rompeu com os traços do desenvolvimen-
to social brasileiro estabelecido até então. Alteradas as regras de participação nas instituições
governamentais, a subordinação da classe trabalhadora à autocracia do Estado capitalista bra-
sileiro se manteve inalterada. Além de não romper com os meios de apropriação de capitais, a
Nova República deixou intactas na Constituição Federal mecanismos de manutenção da ordem

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política e social implementados pela Ditadura bonapartista Civil-militar3 que perdurou no Brasil
por 21 anos, e que pretendeu superar. Não responsabilizou o Estado e não puniu os perpetra-
dores, diretos ou indiretos, civis e militares que violaram Direitos Humanos durante o regime
imposto anteriormente, e estabeleceu relações institucionais limitadoras da participação social
efetiva nas decisões das políticas nacionais. A formação das novas políticas públicas para a edu-
cação brasileira não ficaram de fora deste contexto, e assim como todo o conjunto de espaços
reservados para o atendimento da população, pagaram caro pela reorganização da autocracia
brasileira que desarmou seu aparato militarizado e se institucionalizou para garantir a produção
do valor numa nova etapa da mundialização do capitalismo. Desta forma, as concepções a res-
peito de uma educação emancipadora foram sufocadas.
Orientadas por organizações multilaterais, principalmente BM, FMI e BID, as reformas
gerenciais e organizativas do Estado brasileiro, tanto em nível federal estadual ou municipal,
tiveram como pano de fundo a reorganização das forças produtivas nesta etapa de desenvolvi-
mento econômico e social. A neoliberalização dos mercados exigiu mais do que uma remode-
lação da atividade industrial em nível mundial como saída de uma crise. Uma nova concepção
sobre o mundo, sobre seu passado, presente e futuro, sobre as formas de sociabilidade e pers-
pectiva da história, foi forjada para atender às necessidades da reprodução capitalista. Cultura,
educação – práticas educativas –, arte, cidadania, política, esporte, lazer... a lógica do mercado
cooptou a atividade socializadora e institucionalizou seu acesso, limitou-a à compra e à venda
de seus produtos na perspectiva de condicionar o consumo de bens produzidos e incentivar o
avanço neoliberal no acúmulo de capitais. Isto porque se fez necessário ao capital implementar
um duro processo de desmonte do que se considerou como Estado de bem-estar social na Euro-
pa e nos EUA, fruto de intensa mobilização da classe trabalhadora no pós- segunda guerra mun-
dial. Sindicatos e movimentos de lutas sociais conquistaram garantias de atendimento, por parte
do poder público, em setores como saúde, previdência social, educação, transporte e moradia.
Ao enfrentar a resistência dos trabalhadores no desmantelar daquela forma de gerenciamento do

3
“Importa dizer que a institucionalização da autocracia burguesa é a expressão jurídica do politicismo, enquanto
o bonapartismo é sua expressão explicitamente armada, na exata medida em que ambos são formas (no plural) de
poder político de uma mesma forma de capital, de um mesmo modo de ser capitalista, que o politicismo sintetiza.
No sentido de que o politicismo é a essência, tanto de uma como do outro, exprimindo a estratégia e a tática da
incompletude econômica de nossa burguesia e de sua correspondente estreiteza política. /.../ Resultam, pois, dois
pólos para a genuína dominação capitalista no Brasil: a truculência de classe manifesta e a imposição de classe
velada ou semivelada, que se efetivam através de um mero gradiente, excluída a possibilidade de a hegemonia bur-
guesa, no caso, resultar de e no quadro integracionista e participativo de todas as categorias sociais, que caracteriza,
com todos seus limites conhecidos, a dominação de tipo democrático-liberal. /.../ Ou seja, do mesmo modo que,
aqui, a autocracia burguesa institucionalizada é a forma de dominação burguesa em ‘tempos de paz’, o bonapartis-
mo é sua forma ‘em tempos de guerra’. E na proporção em que, na guerra de classes, a paz e a guerra sucedem-se
continuamente, no caso brasileiro, no caso da objetivação do capitalismo pela via colonial, as formas burguesas de
dominação política oscilam e se alternam entre diversos graus de bonapartismo e de autocracia burguesa institucio-
nalizada, como toda a nossa história republicana evidencia” (CHASIN, p. 127-128, 2000).

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Estado e da economia, a burguesia internacionalizada necessitou reordenar as perspectivas da


classe trabalhadora, no sentido mais largo do termo.
Em suma o neoliberalismo se tornou hegemônico como modalidade de
pensamento que se incorporou às maneiras cotidianas de muitas pesso-
as interpretarem, viverem e compreenderem o mundo. O processo de
neoliberalização, no entanto, envolveu muita ‘destruição criativa’, não
somente dos antigos poderes e estruturas institucionais (chegando mes-
mo a abalar as formas tradicionais de soberania do Estado), mas também
das divisões do trabalho, das relações sociais, da promoção do bem-
-estar social, das combinações de tecnologias, dos modos de vida e de
pensamento, das atividades reprodutivas, das formas de ligação à terra e
dos hábitos do coração. (HARVEY, 2008, p. 13).
A respeito do quadro brasileiro é preciso destacar ainda a eficácia com que o traço re-
pressivo do Estado atuou no combate aos movimentos de lutas sociais. Testado pelo mundo
afora, o uso da violência monopolizada pelo Estado se mostrou como arma fundamental para
a implementação do neoliberalismo. Não só as ditaduras chilena e argentina como também o
governo Reagan e o thatcherismo colocavam-se escancaradamente violentos na sua ação de
criminalização das forças sociais contestadoras da ordem social imposta. A ditadura brasileira
deixou mais forte esta característica deste Estado de via colonial de entificação do capitalismo4,
e no período de implementação do neoliberalismo no Brasil, se multiplicam os exemplos desta
herança ainda calando as mentes e as bocas que se abriram no direcionamento de algo diferente
do que estava sendo imposto.
As perspectivas para a educação no Brasil se mostram há muito tempo reféns e órfãs
de todo este processo. Reféns, pois, como qualquer outra área de discussão sobre políticas pu-
blicas no país, tem descartada, sem não antes ser ridicularizada, qualquer proposta que tenha
como prerrogativa a melhoria da condição de vida dos trabalhadores, e órfã porque, no Brasil
em particular, as organizações da classe trabalhadora – partidos políticos, centrais sindicais e
movimentos de lutas sociais – não criam prerrogativas teórico/práticas que atendam a realidade
atual e que assumam concreta possibilidade de efetivação, se não imediata, pelo menos a curto
ou médio prazo.
O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas políti-
co-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor
promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras
individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por
sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio.
4
“Alude-se aqui, portanto, ao passo que configuraram a forma particular da objetivação do capitalismo no
Brasil – a via colonial, expressão criada por J. Chasin para designar um caminho particular hiper-retardatário, não
revolucionário, marcado pela conciliação entre o arcaico e o moderno (com a especificidade de que ambos são ex-
pressões do capital), pela subordinação ao capital externo e pela superexploração da força de trabalho.” (COTRIM,
p.1, 2013).

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O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apro-


priada a essas práticas; o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualida-
de e a integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e
funções militares, de defesa, da política e legais requeridas para garantir
direitos de propriedade individuais e para assegurar, se necessário pela
força, o funcionamento apropriado dos mercados. Além disso, se não
existirem mercados (em áreas como a terra, a água, a instrução, o cuida-
do da saúde, a segurança social ou a poluição ambiental), estes devem
ser criados, se necessário pela ação do Estado. Mas o Estado não deve
aventurar-se para além dessas tarefas. As intervenções do Estado nos
mercados (uma vez criados) devem ser mantidas num nível mínimo,
porque, de acordo com a teoria, o Estado possivelmente não possui in-
formações suficientes para atender devidamente os sinais do mercado
(preços) e porque poderosos grupos de interesse vão inevitavelmente
distorcer e viciar as intervenções do Estado (particularmente nas demo-
cracias) em seu próprio benefício. (HARVEY, 2008, p.12).
As práticas educativas brasileira são vítimas desta conjuntura, dominada pela lógica do
mercado neoliberal. E a escola pública, pensada como polo aglutinador de discussões é sucate-
ada e esvaziada de sentido. O ensino privado capitaneado pela financeirização mundializada as-
sume o terreno e o horizonte da práxis formadora5 por todo o território nacional. O Plano Diretor
da Reforma do Aparelho do Estado aprovado em 1995 deu as bases para que serviços públicos
essenciais previstos pela Constituição Federal de 1988 pudessem ser realizados tanto pelo Es-
tado quanto pela iniciativa privada cumprindo com a tarefa de criar mercados e contribuir com
suas expansões. O sistema de OSs e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OS-
CIPs) passou a ser implementado para a “realização dos serviços sociais, culturais e científicos
do Estado, ou seja, estão sendo criadas organizações públicas não estatais que executam esses
serviços com mais autonomia e eficiência” (PEREIRA, p. 150, 2008). Eficiência esta destacada
pelo antigo responsável pelo Ministério da Administração Pública e Reforma do Estado no 1º
governo Fernando Henrique Cardoso (1995/98) em 1995, Luiz Carlos Bresser Pereira, ideali-
zador da Reforma Gerencial do Estado que recebeu apoio dos governos estaduais do período,
“principalmente do governador de São Paulo, Mário Covas, e do governador do Rio Grande do
Sul, Antonio Britto” (PEREIRA, p. 157, 2008).
As já citadas, e outras organizações multilaterais (Organização das Nações Unidas –
ONU – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO
5
Faz-se referência neste ponto à análise de Marx na construção de sua crítica ao materialismo de Feuerbach
ao identificar o trabalho (objetivo, ineliminável intercâmbio material da sociedade com a natureza) como processo
matrizador ontológico-primário da socialidade. Nesta perspectiva Marx apresenta o processo de trabalho como
“modelo de práxis, abrindo de vez a via para a compreensão do modo de ser e reproduzir-se do ser social enquanto
gestador de totalidades complexas e dinâmicas, com legalidades e estruturas particularizadas historicamente. É esta
concretização que permite a Marx uma crítica radical da ordem burguesa, na construção da teoria social de que O
capital será a pedra angular.” (NETTO, p. 34, 1994).

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– e Organização Mundial do Comércio – OMC – por exemplo), junto ao Estado por meio de
ministérios, secretarias, universidades, fundos e bancos, das empresas privadas com suas in-
dústrias, universidades e bancos e setores da sociedade civil organizada com a formação de
Organizações Não Governamentais – ONGs – OSs e OSCIPs, a partir da década de 1990 domi-
naram a discussão sobre cultura e educação, mercantilizaram e institucionalizaram seu fazer,
seu acesso e seu desfrutar. O pensamento sobre o que é cultura, e o que é educação, sua razão e
seu devir foi monopolizado por este conglomerado institucional, blindado pela lógica do mer-
cado que, ao consolidar-se deu sentido à sua argumentação e afastou, pela exclusão, qualquer
contra argumentação. No Brasil as políticas públicas para cultura e educação foram orientadas
e implementadas pela proposta neoliberal dada pelo direcionamento macroeconômico do país
desde a abertura das fronteiras brasileiras aos mercados internacionais no pós-redemocratiza-
ção com o governo de Fernando Collor de Mello (1990/92), consolidada pelos dois mandatos
de Fernando Henrique Cardoso (1995/98 e 1999/2002), que implementaram as orientações
do Consenso de Washington e deliberaram os processos de sucateamento e privatização do
espaço público, e rearranjadas pelas presidências comandadas pelo Partido dos Trabalhadores
com Luiz Inácio Lula da Silva (2003/06 e 2007/10) que estabilizaram as condições de inves-
timentos, principalmente do capital financeiro nacional e internacional, junto à atividades do
governo conservando os meios de apropriação de capitais, e realinharam o posicionamento da
classe trabalhadora frente ao combate ao neoliberalismo, plano este, seguido por Dilma Rous-
seff (2011/14 e 2015/atualmente)
O mais plausível é dizer que a manutenção da política macroeconômica
de FHC não foi um fator que contribuiu para o realinhamento eleitoral
do subproletariado, mas sim para o realinhamento das elites hegemô-
nicas do bloco no poder. O apoio do subproletariado ao governo Lula,
conseguido com os programas de transferência e com o aumento do
salário mínimo, ao lado da manutenção da política econômica, possibili-
tou a manutenção da dominação da fração bancário-financeira no bloco
no poder. Mais que isso, completou-se o processo de legitimação na
medida em que a hegemonia restrita da fração bancário-finaceira, du-
rante o governo FHC, torna-se uma hegemonia ampla, incorporando os
segmentos fora do poder. (TEIXEIRA, PINTO, 2012, p. 26).
Em âmbito estadual os governadores do Partido da Social Democracia Brasileira em
São Paulo desde 1995 constituíram amplo mercado cultural e educacional no desenrolar de
suas políticas públicas. Atrelados ao compromisso capitalista de valorização dos mercados,
entregaram à iniciativa privada a administração dos recursos públicos para a cultura por meio

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das OSs e OSCIPs que guiaram a consolidação de um sólido mercado de arte, cultura, saber
e entretenimento6.

3. PROFISSIONALIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO


Diante destas perspectivas políticas e sociais, como se deu a transformação da profis-
são? Ao que tudo indica, a primeira geração de educadores que se consolidou na área, passou
a coordenar as equipes posteriores de mediadores culturais. Estes antigos “monitores” trouxe-
ram à discussão teóricos e pesquisadores internacionais para repensar as práticas educativas
da educação não-formal no contexto brasileiro. Contudo, o fato destes atuais coordenadores
trazerem outras perspectivas e compreensões sobre o que é o trabalho de mediação cultural, a
precarização das condições de trabalho (ANTUNES, 2005) ainda é uma realidade. Reconhecer
os mecanismos de dominação velados pela precarização do trabalho é um passo para compreen-
der e transformar a importância deste trabalhador e sua contribuição para a formação de sujeitos
críticos e emancipados.
Como o mediador cultural não é um profissional regulamentado pelo Ministério do Tra-
balho e Emprego (MTE), é mais fácil manter o trabalho precarizado. É comum encontrarmos
estudantes contratados como estagiários para exercerem a função do mediador cultural, assim
como os contratos terceirizados por empresas especializadas na seleção e formação de media-
dores culturais – quase sempre geridas por antigos mediadores culturais. Geralmente, paga-se
salários abaixo das qualificações exigidas, os contratos de caráter temporário impossibilitam o
gozo de férias remuneradas e o acesso ao 13º salário. Muitas vezes não se tem acesso nem ao
vale-transporte ou vale-alimentação. Adoecer é sempre uma preocupação, já que não há assis-
tência médica.
No discurso institucional, a mediação cultural é valorizada e respeitada, os mediado-
res culturais são “peças” fundamentais para o bom “aproveitamento” do público – a missão
e valores das empresas são humanizados e solidários. Na prática institucional, os mediadores
culturais são considerados transportes passivos do conhecimento curatorial e têm seu trabalho

6
Em dias atuais a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo repassa dinheiro público para administração de
OSs em todos os seus 18 Equipamentos Culturais com espaços de visitação que passaram por processos de musea-
lização e que desenvolvem ações no âmbito da Educação Não-formal recebendo o público.
De acordo com a própria secretaria, estes equipamentos culturais juntos receberam, em 2014, uma soma de 3 mi-
lhões de pessoas e todos oferecem uma grande gama de temas e distintas abordagem e opções para os públicos das
mais variadas idades, e que comungam de uma preocupação central: “oferecer acesso a população menos favore-
cida” (www.cultura.sp.gov.br). Por conta disto, 07 destes equipamentos têm entrada gratuita (Casa Guilherme de
Almeida, Casa das Rosas, Memorial da Resistência de São Paulo, Museu Casa de Portinari, Museu Felícia Leiner,
Museu Índia Vanuíre e Paço das Artes), e aqueles outros 11 que cobram ingresso (Catavento, Pinacoteca do Estado,
Estação Pinacoteca, Museu Afro Brasil, Museu da Casa Brasileira, Museu da Imagem e do Som, Museu da Imigra-
ção, Museu da Língua Portuguesa, Museu de Arte Sacra, Museu do Café e Museu do Futebol) oferecem gratuidade,
obrigatoriamente, um dia por semana (www.cultura.sp.gov.br).

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precarizado (baixos salários, ausência de benefícios e direitos trabalhistas, acúmulo de funções,


terceirizações). Eis o paradoxo: a) dos requisitos: pesquisador curioso, sujeito crítico, de espírito
inquieto e criativo. b) das atribuições: reprodutor de conhecimento oficializado pelas institui-
ções. Partindo da contradição institucional entre as exigências contratuais e da prática requerida,
percebemos uma grande lacuna a ser investigada. Qual o real reconhecimento e compreensão
que administradores dos equipamentos culturais fazem do papel do mediador cultural? Por que
exigem pesquisadores (na teoria) se o que anseiam destes profissionais é a simples reprodução
de conhecimentos consolidados? De que maneira teoria e prática se dissociam nas ações edu-
cativas? Por que precarizar as condições de trabalho do profissional responsável pelo contato
direto com o público?

4. MEDIAÇÃO CULTURAL E A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO


Aqui, é importante ratificar nossa perspectiva educativa do que consideramos ser os
pressupostos sobre a prática de mediação cultural (BARBOSA, CUNHA, 2010; BARBOSA,
COUTINHO, 2009), e quais as qualidades e saberes que julgamos fundamentais para um me-
diador cultural (ALENCAR, 2008). Se em seu surgimento este profissional era formado para
proferir boas palestras sobre interpretações e afirmações dos significados estabelecidos pelas
sumidades intelectuais, essa concepção de trabalho se adaptou às transformações sofridas pela
sociedade. Atualmente, concebemos esse profissional como sujeito ativo na construção de co-
nhecimentos, e não mais um mero transmissor dos saberes consolidados. A mediação cultural é
um encontro entre pessoas que estão dispostas ao diálogo, já compreendemos de antemão que
não há discurso pronto que caiba em uma conversa, em uma troca de experiências, em percep-
ções compartilhadas (LARROSA, 2011).
Contudo, inserida na particularidade do modo de produção capitalista, a prática educa-
tiva está submetida à divisão social do trabalho estabelecida pelo mercado, na qual a dinâmica
econômica e social cria espaços institucionais que tomam para si o controle da Educação tornan-
do-a mercadoria bastante singular, controlada pelo Estado e empresas privadas na manutenção
da produção social. Com o desenvolvimento do neoliberalismo, novas instituições – de claro
conluio entre Estado e iniciativa privada no intuito de garantir o controle sobre a Educação – são
criadas e passam a exercer forte domínio acerca das práticas educativas.
Completamente mercantilizada está a educação brasileira. Desde os níveis básicos e
fundamentais, até os mais altos graus de diplomação oferecidos pelas instituições de ensino
superior. Cada vez mais as perspectivas educacionais são reduzidas e orientadas pela iniciativa
privada nacional e internacional num contexto de economia plenamente mundializada.
A Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, responsável pela gestão de dezoito mu-
seus, oferece em todos estes estabelecimentos serviços de ação educativa para o atendimento ao

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público, por meio de atividades educacionais da mais variada gama de diversidades, inclusive
estabelecendo parcerias junto à Secretaria de Educação do Estado. É importante observar que
estes dezoito Equipamentos Culturais pertencentes à Secretaria de Cultura têm seus recursos
gerenciados pelo sistema de OSs. Respondem todos às normas e metas estipuladas pelo Estado,
mas têm garantida a autonomia nos processos de utilização do que lhes é repassado. Fora o fi-
nanciamento do poder público, as OSs têm garantidas também a liberdade de capitanear dinhei-
ro por outros meios como cobrança de bilheteria, patronos e patrocínio de empresas privadas e
estatais dos setores produtivo ou financeiro.
Questionamentos sobre o processo de configuração deste quadro, sobre o panorama edu-
cacional que esta relação estabelece, ou quais os resultados efetivados por este relacionamento,
assim como a respeito das perspectivas para educação estabelecidas nesta dinâmica ofertada
pelas OSs, fazem parte da práxis educativa que envolve os agentes diretamente localizados neste
processo. Refletir sobre o desenvolvimento desta dinâmica permite o aprimoramento da ação
educativa em equipamentos culturais e o desenrolar de perspectivas para a educação, entendida
como processo formador.
Dito isso, propomos apontar as qualidades deste profissional, que aparecem primeiro em
sua formação. Esta se dá ao longo de sua trajetória – no curso superior, nas instituições culturais,
com as equipes de trabalho e os muitos grupos atendidos. Só investigando e refletindo sobre a
própria experiência é possível a este profissional perceber se está no (seu) caminho certo, se
está, ou não, realizando bem seu trabalho com o público. A formação acontece tanto na ausência
de condições mínimas de trabalho (que forçam a procura de caminhos e possibilidades educa-
tivas), como trabalhando em ambientes produtivos e criativos, com pessoas preocupadas com
suas ações e que demonstram um grande respeito ao público atendido.
A educação não-formal realizada no contexto museal (MARANDINO, 2008; MAR-
TINS, 2003; MARTINS, 2013) deve ser aberta e flexível, mas apresenta duas características que
se afetam mutuamente, interferindo na qualidade da atividade educativa proposta e dificultando
o trabalho do mediador: o pouco tempo dado ao diálogo (apenas uma hora e meia de duração de
visita para ouvir os participantes, contextualizar suas falas diante o objeto exposto e construir
novos conhecimentos), e a descontinuidade do trabalho de construção do conhecimento. O que
podemos esperar de um trabalho onde a continuidade não é esperada? Como contribuir na for-
mação do sujeito em um único encontro de pouco mais de uma hora?
É necessário que este profissional tenha claro que nós, seres humanos, somos sujeitos
históricos, inacabados e inconclusos, e que a história se constrói com a mediação e interação
humana. Assim como o mundo, estamos em constante processo de transformação, e cabe a cada
um de nós contribuir para a construção do que virá a se tornar realidade. Desta forma, compre-
endendo a necessidade de construir nossas histórias coletivamente, o mediador cultural conse-

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guirá propor ao público que seu papel não é reproduzir significados oficiais, senão potenciali-
zar a relação entre espectador e bens culturais, na intenção de ampliar horizontes perceptivos,
aprofundar olhares e leituras de imagem e criar novas possibilidades de compreensão. Sob esta
perspectiva, é imprescindível que cada indivíduo possa observar, perceber e questionar o mundo
de modo reflexivo e indagador. Se o ser humano nasceu para ser mais (FREIRE, 2013), cabe
a todos a tarefa da criticidade na educação. Esse ponto é de fundamental importância para que
o mediador cultural compreenda que seu papel não é transmitir conhecimento, mas sim, criar
condições para a aprendizagem.
Também é importante ao mediador cultural reconhecer e respeitar os saberes que o públi-
co traz consigo. O que chamamos de repertório deve ser utilizado pelo mediador com um instru-
mento para romper hierarquias de saberes entre professores e alunos. Partindo do princípio que
o indivíduo possui muitas experiências acumuladas ao longo de sua trajetória de vida, torna-se
clara a ideia de que, cada qual a seu modo, todos possuímos inteligências diversas e dignas de
valoração. Saber respeitar os conhecimentos do outro é imprescindível para contribuir no pro-
cesso de emancipação dos sujeitos. É preciso saber ouvir, respeitar e valorizar o conhecimento
alheio – o que não significa dizer que o conhecimento trazido pelo outro, portador de sua história
e identidade, seja recebido como verdade absoluta, impassível de discussão, problematização,
de diálogo. Do mediador cultural espera-se uma sensibilidade ímpar, que saiba colocar em re-
lação ao repertório do grupo: a exposição, as obras e os artistas, o seu próprio repertório e do
mundo (MARTINS, 2003); deve ser comunicativo, se fazer entender; saber ouvir e trabalhar em
equipe; saber respeitar e se fazer respeitado. O mediador precisa ser um pesquisador nato, um
curioso que se realiza nas investigações do todo e das partes, do geral e do detalhe; tem que ser
provocador e saber aguçar a curiosidade e vontade de aprender do outro. Deve ser um bom leitor
de imagem e conseguir atiçar o olhar investigativo e reflexivo do público que, assim como um
arqueólogo, vai cavar a terra atrás de indícios e respostas. Mas não de qualquer jeito: a investi-
gação deve ser cuidadosa, pois dali pode surgir uma preciosidade – ou não. É preciso, inclusive,
saber lidar com os não-achados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS NA EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS


EM ÂMBITO MUNICIPAL
Cláuber Gonçalves dos Santos1
Ricardo Luis Sampaio Pintado2

RESUMO: As Audiências Públicas em nível municipal constituem-se em um relevante


instrumento de democratização dos processos decisórios (art. 216-A, § 1º, X da CF) na
medida em que servem como meio de legitimar as políticas públicas culturais locais a partir da
vinculação das decisões nela tomadas, superando-se com isso o caráter meramente informativo
ou consultivo que tem caracterizado este tipo de oitiva no Brasil. Democracia, soberania popular
e participação social são valores constitucionais que alicerçam diretamente a cultura e as políticas
culturais, pois que sustentam a razão de ser destas políticas - a promoção, ao final, dos direitos
humanos em sua dimensão cultural

PALAVRAS-CHAVE: audiências públicas, vinculação, política cultural

1. INTRODUÇÃO
O presente estudo busca demonstrar a relevância das Audiências Públicas como meio de
concretização do princípio democrático nos processos decisórios previstos no art. 216-A, § 1º, X
da CF e como instrumento essencial na realização dos princípios constitucionais formadores do
sistema nacional de cultura em âmbito municipal. É sabido que a democracia e a participação do
povo são indispensáveis para a manifestação da soberania popular e para a evidência da coisa
pública. A democracia conjugada com a soberania popular exige a participação dos cidadãos
na coisa pública. As políticas públicas implantadas pela Administração Pública ligam a todos
os cidadãos e a eles se dirigem. Portanto, cabe indagar o caráter desta vinculação quando ditas
ações emanam genuinamente da vontade popular quando estas são manifestadas pela própria
comunidade. Os mecanismos de exercício direto da democracia no Brasil são raros de serem

1
Advogado, Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPEL. Doutorando do Programa de Pós-Graduação
em Memória Social e Patrimônio Cultural - ICH/UFPEL.E-mail: clauber.rs@gmail.com
2
Arquiteto e Urbanista, Professor Adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
de Pelotas, docente dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, e Museologia - UFPEL, doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural - ICH/UFPEL.E-mail: rspintado@gmail.com

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utilizados. O referendo e o plebiscito, desde 1988, pouco foram utilizados. A iniciativa popular
possui requisitos difíceis de serem preenchidos, logo, sendo inviabilizada.
A Audiência Pública representa outro mecanismo importante de democracia, constituin-
do-se em oportunidade para que a comunidade se manifeste sobre tema determinado, em mo-
mento e local apropriados ao tratamento da matéria. A Constituição Federal de 1988, a partir da
inclusão do art. 216-A por força da Emenda Constitucional nº 71, de 29 de novembro de 2012,
abre um espaço para a realização das Audiências Públicas até então não existente. Diz este dis-
positivo que o Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma
descentralizada e participativa, institui-se por um processo de gestão e promoção conjunta de
políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federa-
ção e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico
com pleno exercício dos direitos culturais. Estabelece ainda como princípio basilar no inciso
X a obrigatoriedade de democratização dos processos decisórios com participação e controle
social. A partir desta nova ordem, as Audiências Públicas expandem o âmbito de possibilidade
de intervenção popular nas decisões agora sobre o exercício dos direitos culturais e como forma
de efetivação no processo de implantação de políticas públicas.
Todavia, é inadequado que tais audiências tenham apenas caráter consultivo, ao con-
trário, também devem possuir um efeito vinculatório sobre a deliberação política dos agentes
públicos, justamente pela intervenção direta dos verdadeiramente interessados que, nesse mo-
mento, opera-se pela força da inovação trazida na ordem constitucional através da Emenda
Constitucional nº 71.
Diante dessa perspectiva, as Audiências Públicas no âmbito municipal é o foco da aná-
lise, pois é nesse ambiente político-jurídico em que a comunidade pode deliberar com maior
consciência sobre sua realidade, interferindo com propriedade sobre a condução das ações cul-
turais do município.

2. DEMOCRACIA: A ESTRUTURA JURÍDICA QUE POSSIBILITA


A PARTICIPAÇÃO POPULAR
A democracia no ordenamento jurídico brasileiro é dotada de expressiva relevância nor-
mativa, uma vez que a Constituição de 1988 estabelece-a como cláusula pétrea (art. 60, §4°,
II), não se admitindo sequer a possibilidade de proposta de alteração constitucional que busque
suprimi-la do ordenamento jurídico.
O processo democrático exige a escolha livre, por meio de voto secreto e universal, e
em associação com os representantes do povo ou por decisão livre, em conjunto e direta em
plebiscito, referendo, iniciativa popular (CANOTILHO, 2002, p.295) ou em algumas propostas
de democracia participativa (MORAIS, 2006, p.211).

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Nesta lista inclui-se a compreensão do princípio da maioria como possibilidade da mi-


noria ser – em outra ocasião – a maioria – ou princípios contramajoritários. Esses elementos são
estruturadores do entendimento atual sobre a democracia, a falta de qualquer um pode prejudi-
car algum aspecto da configuração democrática. Sem a democratização no seio da sociedade, o
Estado não será democrático (RIBEIRO, 2003, p.39), terá apenas a denominação. A análise des-
tes elementos é fundamental, pois que guardam uma relação direta com o objeto desta análise.

2.1 Princípio da maioria: a incidência na democracia


É sabido que os princípios jurídicos não são absolutos, mas sofrem a delimitação de uns
pelos outros. Segundo Alexy (1997, p.86), uma norma-princípio é um mandado de otimização
para que algo seja realizado, na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e
reais existentes. Essa realização na maior medida possível deve ser observada com cautela no
caso do princípio da maioria, pois que este pode conduzir à violação das regras que impedem
o governo irrestrito da maioria sobre a minoria (STERN, 1984, p.590-592). Disso decorre a
proteção e inviolabilidade dos direitos da minoria (HÄBERLE, 1977, p.35-37). Essa proteção à
minoria e a imposição de limites à maioria garantem a manutenção da pluralidade e das condi-
ções democráticas básicas do Estado.
Tais garantias essenciais, uma vez violadas, desqualificam a própria decisão democrática
e majoritária, ao retirar dignidade e autonomia (liberdade) da pessoa (cidadão) e a igualdade,
além também de violar as regras garantidoras da possibilidade de alterar a posição de minoria
à maioria. Sem as condições mínimas para manifestar e exercer sua vontade, a democracia
transforma-se em tirania da maioria (HÄBERLE, 1977, p.244). A autodeterminação política,
seja para compor a maioria ou a minoria, pressupõe a garantia da própria dignidade humana.
Por conseguinte, a democracia pressupõe um Estado constitucional fundado sobre o governo do
Direito e constituído na soberania popular.

2.2 Soberania popular na democracia


A soberania é um componente autocompreensivo da democracia no Estado constitu-
cional. A soberania não existe para o exercício dentro do Estado, o que se quer dizer é que os
princípios constitucionais, os direitos humanos, a divisão dos poderes, a responsabilidade do
governo (servidores públicos lato senso), entre outros, não são incompatíveis com a soberania.
Se a soberania fosse interna, esses elementos do Estado poderiam ser suprimidos a qualquer
momento, então o poder poderia ser concentrado em uma ou algumas mãos, os juízes ou ou-
tros funcionários do Estado poderiam instituir ou destituir arbitrariamente, os direitos humanos
perderiam a sua centralidade e importância na vida jurídico-política. Enfim, diversas situações
contribuiriam para as transformações estatais, já independentes da volonté générale (KRIELE,

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1990, p.224-225). Por isso, a soberania é inalienável, una, imprescritível e indivisível (DALLA-
RI, 2005, p.81), e o representante do soberano não pode ser qualquer um. O representante não
pode impor aos seus representados tal condição que lhe retirem a capacidade de exercer a sobe-
rania (ROSSEAU, 1996, p.23-25).
Com esta perspectiva, a soberania popular não pode ser, por conseguinte, competência-
-competência3 do povo para qualquer decisão, pelo contrário, o próprio Estado constitucional
reconduz (deve reconduzir) sua legitimidade ao poder de decisão do povo. Esta identificação ba-
seia-se em dois elementos diferentes que remontam à Revolução Francesa, o pouvoir constituant
e pouvoir constitué. O primeiro está associado junto ao povo e significa a soberania, originária
e decisória sobre a Constituição, pondo-se em estado de latência no ato legislativo-constituinte.
De poder soberano originário passa, com a constituição, a constituir-se pouvoir constitué, até
a revogação ou ruptura da Carta Magna. A soberania popular permanece latente nas mãos dos
cidadãos, como indicam alguns artigos da nossa Constituição (arts. 1º, § único e 14, I, II e III da
CF). Por conseguinte, a constituição democrática diferencia-se entre os portadores e os execu-
tores do poder estatal. A soberania, neste sentido, significa detenção ou porte do poder estatal.
A soberania não significa somente o exercício do poder pelo próprio povo, mas que o
poder emanado está dividido e é exercido em diversos órgãos constitucionais, em favor e com
o consentimento do povo. No Estado constitucional, determinadas competências e direitos, na
grande maioria, são dirigidos ao povo, como a eleição e a votação (Art. 14 da CF), a colabora-
ção partidária (Art. 17 da CF), a união (Art. 5º, XVII, da CF), a reunião (Art. 5º, XVI, da CF), a
petição (Art. 5º, XXXIII e XXXIV, da CF), a educação (Art. 6º da CF), a manifestação pública
da opinião ou do pensamento (Art. 5º, IV, da CF), a liberdade de ir, vir e ficar (Art. 5º, XV, LIV
e LXVIII, da CF) etc. Para o Estado constitucional, a soberania do povo significa o pouvoir
constituant e a portadora do poder do Estado. Ele só pode constituir-se com a liberdade e com a
democracia (KRIELE, 1990, p.226), com pleno respeito à dignidade humana.
No regime democrático, o povo fica com o poder soberano latente e capacitado para agir.
Este é o modelo de Estado de ROUSSEAU, o mesmo de HOBBES4, mas, para este, com outro
nome de governo. A soberania monárquica, a popular ou de seus representantes não estão dentro
da constituição, mas sobre ela. O significado prático é que a soberania popular pode suprimir

3
A competência-competência indica a possibilidade soberana de decidir sobre quem e quando deve competir qual
competência. A faculdade desta alta competência pode indicar ou deter cada competência do Estado (KRIELE,
1990, p.87).
4
Para o autor do Leviatã, a finalidade e o desígnio dos Homens condizem com a restrição sobre si mesmos de
viabilizar a convivência na república como precaução para com a própria conservação e satisfação. Para ele, a di-
ferença das res publicas está na distinção do soberano. Quando o representante é um, tem-se a monarquia, quando
uma assembléia é de todos, tem-se uma democracia (governo popular) e quando de apenas de uma parte, chama-se
aristocracia. A tirania e a oligarquia são as mesmas formas de governo, mas detestáveis (HOBBES, 2003, p.143 e
158-159).

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ou romper as condições reais-jurídicas da liberdade individual, com a qual seria suprimido, ao


mesmo tempo, as condições reais da democracia (KRIELE, 1990, p.226-227).
A soberania popular também é delimitada pelo próprio Estado constitucional enquanto
Estado democrático e constituído, uma vez que através da liberdade e da dignidade humana, cria
a necessária condição para a concretização da democracia. Para que a democracia fundamente,
em última análise, o Estado como democrático, é necessária a participação popular, ou seja,
o governo do povo se manifesta por meio de mecanismos eletivos realizados de forma livre e
igualitária, na observância do princípio da legalidade por parte do Estado, na colaboração coti-
diana do cidadão e em muitos outros mecanismos (KRIELE, 1990, p.133-136).
Na perspectiva de uma democracia cidadã, o processo de decisão política, principalmen-
te as de graves consequências, deveria estar ligado à formação da vontade pública do cidadão e
direcionado ao bem público (SCHACHTSCHNEIDER, 1994, p.25), daí se concluir que não se
pode estabelecer o parlamento como instância única de manifestação democrática, carecendo de
um aumento do local de seu exercício e das formas como ela se realiza, seja direta ou indireta-
mente, além de se pensar em mecanismos de representação das classes sociais.
No caso brasileiro, nossa democracia possui mecanismos adequados para colocar em
prática a soberania popular, ao proporcionar o exercício desta soberania ao legítimo detentor. O
processo democrático realiza-se na liberdade de admitir um discurso em torno da admissão da
verdade e da correção (SCHACHTSCHNEIDER, 1994, p.103) baseada na pluralidade de opini-
ões, de sentimentos e de conhecimentos, tendo sempre a participação do povo.
Verificado que a soberania popular se manifesta mediante a realização do processo de-
mocrático e que a vontade pública deve ser buscada além da que é manifestada através do
parlamento, resta saber de que modo as Audiências Públicas inserem-se neste processo como
legitimadoras e fortalecedoras da atuação das esferas legislativa e executiva municipais e como
corroboradora dos princípios acima tratados.

3. AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO


As Audiências Públicas são consideradas instrumentos recentes no sistema juspolítico
brasileiro. Sua aparição só foi ocorrer a partir da instalação e dos debates promovidos pelas
Subcomissões Temáticas da Assembleia Constituinte de 1988, por força do art. 24 do Regimento
Interno regrador desta Assembleia, dado o longo tempo ditatorial vivenciado até então no país.
O ordenamento jurídico brasileiro permite a utilização das Audiências Públicas em vá-
rias situações. No âmbito constitucional os arts. 29, XIII, 194, § único, 198, III, 204, III e 225
da Constituição Federal apontam, de forma implícita, a utilização desta forma participativa. Já
o art. 58, § 2º, II é categórico ao afirmar a sua utilização pelas Comissões Temáticas do Con-
gresso Nacional.

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No âmbito infraconstitucional, a lei de licitações (Lei 8.666/93, art. 39), o Estatuto das
Cidades (Lei 10.257/01, arts. 43, II e 44) e os casos relacionados ao setor elétrico (art. 4º, § 3º
da Lei 9427/96, que instituiu a ANATEL), entre outros, estabelecem a obrigatoriedade das Au-
diências Públicas para a tomada de decisões executivas e legislativas.
Como se pode observar, a opção do legislador foi estabelecer um mínimo de casos que
entende seja indispensável a realização da participação direta da sociedade através desta modali-
dade; vez que este processo garante à comunidade diretamente envolvida o direito de manifesta-
ção, permitindo uma maior eficácia e legitimidade jurídica e política das decisões (GORDILLO,
2003, p. XI-10).

3.1 Audiência Pública no âmbito municipal e o princípio democrático à luz do art.


216-A da Constituição Federal
As Audiências Públicas são um importante mecanismo de participação da sociedade na
atividade legiferante e administrativa do Município. Durante o processo legislativo municipal,
por orientação constitucional (artigo 58, § 2°, ll), deverão ser realizadas na fase constitutiva,
no âmbito das Comissões Temáticas. Todavia, não há no ordenamento pátrio uma lei geral que
oriente o procedimento para sua realização. Em razão disso, a literatura jurídica sugere que o
procedimento deve submeter-se aos princípios constitucionais que norteiam exercício do poder
político de forma democrática, em especial o princípio democrático, funcionando como ferra-
menta útil de técnica social na tentativa de diminuir a controvérsias no âmbito da sociedade civil
e de tomada de decisões que sejam consensualmente aceitas (CAVALCANTE, 2007, p.2).
A eficiência na realização das Audiências Públicas será atingida na medida em que o Po-
der Legislativo e Executivo contemplarem os diversos pontos de vista expostos pelos adminis-
trados, possibilitando a mais ampla discussão a respeito dos assuntos expostos, para que ao final
seja possível a obtenção da melhor decisão, sobretudo legítima. Cabe ressaltar que, como forma
de assegurar a plena consecução da participação popular no âmbito do processo legislativo, as
Câmaras de Vereadores devem regulamentar a prática de Audiências Públicas em consonância
aos princípios da legalidade, do contraditório, da igualdade e da busca da verdade material,
tendo em vista que a plena realização dos mecanismos da democracia semidireta, vale dizer,
atribuindo aos mecanismos eficácia deliberativa, dependem de edição de leis que regulamentam
seus aspectos, para que possam ser devidamente utilizados (MENCIO, 2007, p.67). Já o Poder
Executivo tem nas Audiências Públicas um instrumento de efetivação das políticas públicas na
medida em que a tomada de decisões fica respaldada pelos próprios interessados por contemplar
suas necessidades.

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3.2 A vinculação dos debates das Audiências Públicas à luz do princípio democrático
A efetividade do resultado das decisões proferidas em Audiências Públicas é tema bas-
tante controverso na literatura jurídica. Questiona-se se são decorrentes da conjugação do direito
de petição e de informação. De um lado, autores como Perez (2004), Mencio (2007), Soares
(2002), entre outros, defendem que o resultado da Audiência Pública não vincula a decisão polí-
tica a ser tomada, chegando a afirmar que os institutos de democracia participativa, nos quais es-
tão incluídas as Audiências Públicas, não podem sobrepor- se aos de democracia representativa.
Segundo Perez (2004), as Audiências Públicas integram os institutos de participação
popular de caráter não vinculante. Para o autor, o instituto tem caráter consultivo ou meramente
opinativo; pois que consistiria em uma sessão pública de debates destinada ao esclarecimento e
para a discussão dos aspectos relacionados à decisão a ser tomada. No mesmo sentido, Mencio
(2007, p.155) argumenta que uma lei não pode estabelecer a vinculação dos resultados sob pena
de ferir o princípio da democracia representativa, que autoriza que poucos escolhidos decidam
em nome de muitos cidadãos. Segundo a autora, no âmbito do Processo Legislativo Municipal,
os vereadores, após oitiva dos diversos pontos de vistas, têm ampla liberdade para incorporar ou
não o anseio da população em um projeto de lei.
Esta separação entre vinculatividade ou não das decisões tomadas no âmbito das Audi-
ências Públicas revela um fenômeno interessante; é que no Brasil as Audiências Públicas reali-
zadas sem um procedimento previamente conhecido pelos participantes transformaram-se em
Town Meetings (GORDILLO, Cap. XI-10), ou seja, manifestos populares meramente consulti-
vos, de caráter informal, abertos ao público de forma ilimitada para uma troca livre de opiniões
entre a autoridade e o cidadão a respeito de um tema específico, confundindo-se os institutos.
Aliados à corrente doutrinária que apregoa a vinculação dos resultados das decisões das
audiências públicas estão autores como Moreira Neto (2007), Oliveira (1997), Fonseca (2003),
entre outros, para os quais o instituto constitui-se em um mecanismo de afirmação do Estado De-
mocrático de Direito. Conforme Moreira Neto (2007), as Audiências Públicas têm como principais
características a formalidade de seus procedimentos e a vinculação de seus resultados, posto que
conferem legitimidade às decisões dos agentes públicos.
Nesse sentido, Fonseca (2003, p.301) assevera que a Audiência Pública é uma forma
de efetivação dos princípios do Estado Democrático, do Estado de Direito e da participação
popular, constituindo-se em importante vertente de prática democrática, tomada em sua plena
concepção doutrinária, o que significa a possibilidade de acesso e exercício do poder.
Para os autores acima referidos a eficácia vinculatória está condicionada à existência
de previsão legal, sob o argumento de que o exercício direto do poder pela população, com a
dispensa dos representantes políticos, deve dar-se através de uma lei especifica. Oliveira (1997),
inclusive, atrela a eficácia vinculatória do instituto conforme os vários graus de intensidade e

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níveis de profundidade alcançados durante o processo participativo, que dependerão da fase em


que é realizada a Audiência Pública. Se realizada durante a instrução, será apenas informativa,
salvo disposição legal em contrário; todavia, se realizadas em fase decisória, o agente público
não poderá afastar-se do resultado obtido com o debate.
Observa-se que ambas as posições reconhecem as Audiências Públicas como um me-
canismo eficaz ao aperfeiçoamento da democracia, no entanto, a vinculação ao resultado está
na aceitação ou não do exercício simultâneo do poder entre a população e seus representantes.
Nota-se, dessa forma, que uma solução razoável para a controvérsia que há em torno da vincu-
lação das decisões advindas dos debates das Audiências Públicas encontra-se na observância ao
sentido que deve ser dado à democracia.

3.3 Audiências Públicas e processos decisórios no âmbito cultural


No âmbito cultural, a vinculatividade das decisões nas Audiências Públicas agora en-
contra suporte também no art. 216-A da Constituição Federal que, por força da Emenda Cons-
titucional nº 71, de 29 de novembro de 2012, em seu inciso X, preconiza a “democratização
dos processos decisórios com participação e controle social” entre os princípios regedores do
Sistema Nacional de Cultura.
Por força da inovação constitucional, a Carta Magna confere às Audiências Públicas a
força normativa necessária, agora clara, para que seus resultados produzam efeitos no âmbito
municipal, na medida em que as questões locais relacionadas aos direitos culturais possam ser
discutidas diretamente com a comunidade envolvida, num modelo de consolidação das políticas
públicas culturais, além de permitir maior eficiência na gestão destas políticas e na publicidade
dos atos legislativos e executivos.
À luz desse entendimento, para as audiências realizadas durante o processo legislativo
onde o tema é a cultura, não há que se cogitar a eficácia meramente informativa, tendo em
vista que o procedimento terá sempre caráter decisório, já que a finalidade é a aprovação de um
projeto de lei; tratando-se do âmbito da Administração Pública, sua adoção deve necessariamente
ocorrer da mesma forma, pois a decisão de quais políticas públicas (ações municipais) serão
tomadas em relação aos fenômenos culturais deve também ser objeto de decisão popular de
modo a que se realize o princípio democrático – norma-princípio - na maior medida possível.
A adoção das Audiências Públicas como meio de realização dos processos decisórios no
âmbito cultural tem agora força normativa e, como tal, exige comportamentos a ela alinhados.
Sua implementação através de regras que visem tornar efetivos os mecanismos de participação
popular na tomada decisões de política cultural, portanto regras de procedimento, não é de for-
ma alguma conflitante com o sistema constitucional brasileiro; ao contrário, é com ele perfeita-
mente compatível.

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Assim, percebe-se que a vinculação do legislador ou do gestor público ao resultado dos


debates da Audiência Pública é consequência do regime democrático e da aplicação do princípio
da participação social no exercício dos direitos culturais e, como tal, não pode ser afastada.
Do contrário, estar-se-ia ferindo o princípio democrático ao não respeitar a soberania
popular sobre estas questões. Pode-se dizer, destarte, que a participação popular por meio da
democracia representativa pode ser exercida simultaneamente à prática da democracia partici-
pativa que a Audiência Pública possibilita efetivar, posto que
“todas essas modalidades de participação em relação à legitimidade a
que visem são igualmente essenciais à realização de uma democracia
plena; por outro lado, a participação restringida ou limitada a um as-
pecto de legitimidade, com esquecimento dos demais só realiza uma
democracia parcial” (MOREIRA NETO, 1992, p. 27-28).
Nos Municípios, a implementação da democracia participativa por via das Audiências
Públicas não implica abandono da forma representativa nem a adoção de um regime misto,
em que parte das decisões possam ser tomadas pelos munícipes e outra pelos governantes. Na
verdade, o que se tem é a abertura dos Municípios para uma maior participação da população,
sobretudo na elaboração das leis locais e no programa executivo, num verdadeiro compartilha-
mento das decisões. A vinculação política promovida pelas Audiências Públicas não é oposta ao
regime representativo, ela é sim afirmadora deste próprio regime. Entender de forma contrária
significa não só dissociar o vínculo entre representantes de representados, como também invali-
dar a própria razão de ser da representação.
Nessa linha de argumentação, Falcão (2004) pondera que ainda que a democracia brasi-
leira seja predominantemente representativa, não é impróprio reconhecer a presença concomi-
tante de democracia direta e participativa no ordenamento, de modo que esses modelos não são
mutuamente excludentes. Como caracterizadora e concretizadora do princípio democrático, per-
mite estabelecer nova determinação do modo como se quer ser governado (MOREIRA NETO,
2007, p.257) proporcionando que o agir do Município esteja coadunado com os interesses pre-
dominantes da coletividade.
Além disso, as Audiências Públicas são instrumentos hábeis à legitimação das leis uma
vez que o processo legislativo garante apenas que as estas sejam elaboradas em consonância ao
princípio da legalidade. Não garante, contudo, a legitimidade das normas ou mesmo a eficácia.
Da mesma forma, as decisões municipais devem ser precedidas de um amplo debate público
mediante um programa que seja claro e detalhado para permitir uma eficaz discussão, pois que
estas decisões impactam toda a coletividade.
É preciso evidenciar que a atividade legiferante municipal se alicerça no consenso e que
a intensidade da coerção, característica da lei, está diretamente vinculada ao grau de participação
da sociedade na elaboração da norma, daí porque tanto mais a sociedade possa participar e ver

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observado seus anseios, tanto menor será o grau de coerção. Nesse aspecto, o Município tem
papel fundamental, por ser forma de Administração Pública mais descentralizada e mais próxima
do cidadão e de suas aspirações sociais. Deve, portanto, fomentar debates com a população em
torno da cultura que objetiva proteger e resguardar, produzindo canais de participação popular,
sobretudo durante o processo legislativo e na formulação de políticas públicas municipais de
realização dos direitos culturais.
As decisões sobre os direitos culturais obtidas por Audiências Públicas legitimam a de-
cisão do Poder Público e fortalecem a tutela aos direitos culturais, consolidando a atuação do
Município, seja no plano normativo (legislativo) seja no plano executivo – realização das po-
líticas públicas culturais - que são de transcendência social. Por serem os direitos culturais de
múltiplas expressões e ante a diversidade dos fenômenos culturais a serem protegidos, as Audi-
ências Públicas tornam-se um mecanismo idôneo de formação de consenso da opinião pública a
respeito da juridicidade e conveniência da atuação do Município no âmbito cultural, assim como
conhecer a compreensão da comunidade sobre os temas antes de comprometer-se formalmente
com a diretriz política a ser implementada.
As Audiências Públicas mostram o sustento fático, ou a sua ausência, ao que se quer
decidir sobre os bens e direitos culturais, permite aos agentes públicos e ao cidadão formar
opinião e legitimar a atuação do Município, cumpre com o princípio da transparência pública
nas decisões e fortalece a decisão jurídica sobre a matéria, gerando um consenso de opinião e
devolvendo ao cidadão o exercício do poder.

4. CONCLUSÃO
O Estado brasileiro a partir de 1988 trouxe em sua Constituição a democracia com ele-
mento estruturante e organizador da relação entre o jurídico e o político. Se for verdade que o
Brasil passou pelo processo de redemocratização, também é verdade que os instrumentos utiliza-
dos nos países ditos democráticos estão aqui presentes – como é o caso das Audiências Públicas.
A democracia e seus princípios que a ela se relacionam encontram na delimitação consti-
tucional o ponto de equilíbrio para o processo democrático saudável. A participação dos cidadãos
no processo democrático não pode ensejar que se criem novos instrumentos de dominação, muito
pelo contrário, trata-se de verificar nos novos tempos as formas mais eficazes e de densificação
da participação popular, a partir da realização e efetivação da soberania popular na democracia.
A realização das Audiências Públicas não pode ser vista como mera formalidade na re-
alização do processo legislativo. Ela permite o resgate da participação popular diretamente nas
decisões de seu interesse, no espaço que lhe é próprio – o parlamento. Se o povo participa dire-
tamente das questões políticas locais, expondo suas necessidades, como ignorar, por completo,
as propostas realizadas? Nenhum sentido tem em ouvir o povo e ignorar suas pretensões no

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âmbito legislativo e executivo. A lei não é recomendação. A Administração não é absoluta e in-
dependente. A Constituição Federal agora de forma explícita coloca no centro da realização dos
direitos culturais a participação popular nos processos decisórios e permite que as Audiências
Públicas tornem-se mecanismos de efetividade dos princípios constitucionais aqui desenvolvi-
dos. Toda norma é eficaz, ou possui um mínimo de eficácia. Quando a sociedade se organiza e
discute o tema está afirmando os princípios constitucionais formadores do Estado brasileiro – a
participação popular, a igualdade, a dignidade humana. O legislativo e o executivo sempre fo-
ram e sempre serão o eco dos anseios populares e devem ser capazes de entender e refletir sobre
os anseios sociais, convertendo-os em norma aquilo que o povo reclama.
O fato do Estado brasileiro ainda encontrar-se numa forma embrionária sobre a aplica-
ção e desenvolvimento das Audiências Públicas não mais agora serve como justificativa para
o avanço na utilização deste instituto. É preciso avançar. O legislador constitucional já deu o
primeiro passo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra:
Almedina, 2002. 1229 p.
CAVALCANTE, João Paulo de Souza. As audiências públicas como forma de participação popular
na construção dos atos administrativos complexos. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1504, 14 ago.
2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10279>. Acesso em: 5 ago. 2012.
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MODOS DE VIDA, REFERÊNCIA CULTURAL E AMBIENTE:


NARRATIVAS PARA POLÍTICAS PÚBLICAS DE PATRIMÔNIO
Claudia Feierabend Baeta Leal1
Luciano de Souza e Silva2
Mônica Castro de Oliveira3

RESUMO: A partir de exemplos ficcionais e não-ficcionais de construções de barragens e dos


efeitos destas sobre os modos de vida das populações e as regiões de que são deslocadas, propõem-
se com esta comunicação destacar os sentidos dessas barragens para as comunidades atingidas
e pensar de que maneiras e em que medida o patrimônio cultural, por meio do licenciamento
ambiental, pode significar a afirmação e a proteção dos modos de vida das comunidades. Trata-
se de analisar o licenciamento ambiental como política pública que pode significar formas de
preservar tais modos de vida e referências culturais, afetivas e espaciais, entendendo-o como
contexto de discussão sobre a própria noção de patrimônio cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Licenciamento ambiental, preservação, patrimônio.

Divinéia, Mato Grosso, 1950. A iminência da construção de uma barragem para desviar
o curso do rio Jurapori a fim de torná-lo navegável em toda sua extensão – barragem essa que
causaria a inundação da pequena cidade – mobilizou seus moradores, assim como engenheiros
da companhia responsável, que tinham como tarefa arrefecer as animosidades e resistências
ao empreendimento. Por meses, no meio das atribulações domésticas, familiares, amorosas,
políticas do cotidiano de seus moradores e forasteiros, discutiu-se e disputou-se acerca de tal
construção. Por um lado, da parte dos moradores, colocava-se a defesa, por vezes violenta, da-
quele modo de vida há tempos ali assentado, das relações sociais, familiares, afetivas de seus
habitantes, das pequenas propriedades conquistadas a duras penas; por outro, no discurso dos

1
Doutora em História Social (Unicamp); técnica em história do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN), professora do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do IPHAN; clau-
dialeal@iphan.gov.br
2
Mestrando do Programa de Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do IPHAN; técnico
em arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); luciano.souza@iphan.gov.br
3
Mestre em História (UFF), Mestre em Preservação do Patrimônio Cultural (IPHAN); técnica em história do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), superintendente do IPHAN/ Rondônia; monica.
oliveira@iphan.gov.br

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responsáveis pela barragem, argumentos em prol do progresso, do desenvolvimento, do interes-


se coletivo.4
Sobradinho, Bahia, 1977. Os municípios de Juazeiro, Sento Sé, Xique-Xique, Remanso,
Casa Nova, Pilão Arcado convivem com o trânsito de caminhões e forasteiros, por causa da
construção da barragem de Sobradinho, que inundaria mais de 1000 km2 e entraria em operação
em pouco tempo. A represa tiraria toda a gente de lá a partir de 1979: debaixo d’água, lá se ia a
vida inteira das comunidades que moravam na região havia gerações e que teriam que ir embora
por medo de se afogar. Aos moradores, restava tentar organizarem-se e unirem-se, local e nacio-
nalmente, em torno das demandas de “indenização justa” e, mais tarde, de “terra por terra”, nos
primeiros passos para a criação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).5
Javé, 2004. A cidade estava com sua existência comprometida, pois uma barragem havia
sido aprovada e Javé estava no caminho das águas. A população havia enviado emissários para
levantar informações junto aos engenheiros da obra e as notícias com que retornaram eram de-
salentadoras: era a maior desgraça que um povo poderia viver. Os moradores, reunidos, mostra-
vam sua indignação pela perspectiva de terem que deixar suas terras marcadas pelo costume das
divisas cantadas, e se agarraram ao que lhe foi então apresentado como única solução: a cidade
só não seria inundada se lá houvesse alguma coisa importante, histórica, grande; se lá houvesse
coisa de tombamento que pudesse virar patrimônio. Decidiram que escreveriam as histórias da-
quele lugar, a “Grande História do Vale de Javé”, acreditando que assim revelariam o patrimônio
daquele povo e impediriam o desaparecimento de suas casas, de seus mortos, de seu cotidiano,
de seus modos de vida.6
Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 1997. Era concedida a licença prévia para instala-
ção da Usina Hidrelétrica de Irapé no rio Jequitinhonha, junto aos municípios de Berilo e Grão
Mongol. O longo processo para a instalação da barragem, que seria inaugurada apenas em 2006,
foi bastante penoso para a população local, em especial para as 1.200 famílias deslocadas, que
residiam em oito municípios à beira do Jequitinhonha e seus afluentes. As alterações, perdas, vio-
lações de direitos, doenças foram algumas das consequências que o grupo que se organizou na Co-
missão de Atingidos pela Barragem de Irapé (CABI) narraram sobre a instalação da hidrelétrica.7
4
“Fogo sobre Terra” Disponível em http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/fogo-so-
bre-terra/trama-principal.htm, acesso em 14fev.2016; “ ‘Fogo Sobre Terra’ é a luta entre o futuro e o passado” O
Globo, Rio de Janeiro, 05/05/1974; Acervo O Globo. Disponível em http://acervo.oglobo.globo.com/, acesso em
14fev.2016.
5
Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Sobradinho – Informações técnicas” Disponível em http://www.
observabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/12/sobradinho/, acesso em 14fev.2016; SÁ e GUARABYRA (2012);
MAB (2011).
6
O Filme Narradores de Javé, de 2004, dirigido por Eliane Caffé e com roteiro de Eliane Caffé e Luiz Alberto de
Abreu, está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Trm-CyihYs8 (acesso em 14fev.2016)
7
GESTA, 2011; Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Irapé – Transformações” Disponível em http://
www.observabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/20/irape-presidente-juscelino-kubitschek-de-oliveira, acesso em
14fev.2016.

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Altamira, Pará, 2015. Moradores de ilhas do rio Xingu são notificados da necessidade
de deixarem suas terras e casas, pois a instalação da barragem de Belo Monte estima inundar de
200 a 500 km2 e, com isso, deve deslocar 20 mil pessoas. Seu João e dona Raimunda já saíram,
sem necessariamente apresentarem resistência à determinação da concessionária Norte Ener-
gia, mas sendo submetidos à rotina de desrespeito e violação de direitos que se tem reportado
na região: mesmo cumprindo o prazo para retirar seus pertences de onde viviam, tiveram sua
casa queimada antes que pudessem esvaziá-la; e em troca, receberam uma indenização inex-
pressiva, uma condenação à miséria, visto que perdiam sua terra e a vida sem fome que haviam
conquistado ali.8
A diferença entre esses exemplos, apesar das aproximações e até coincidências, é que
Divinéia e Javé são localidades ficcionais imaginadas pela criatividade de Janet Clair e de Elia-
ne Caffé e Luiz Alberto de Abreu, respectivamente. Trata-se da telenovela “Fogo sobre Terra”,
televisionada pela Rede Globo entre maio de 1974 e janeiro de 1975, e do filme “Narradores
de Javé”, lançado em 2004. Essas cidades não foram efetivamente inundadas; suas casas e mo-
radores não foram deslocados ou mortos por causa das águas; mas a discussão sobre o que se
quer preservar frente à iminência da destruição de cidades, comunidades, modos de vida está
presente nesses exemplos ficcionais, em que o destaque está na vida das personagens, e não nos
empreendimentos e tampouco nas políticas públicas.
A cidade ficcional de Divinéia, localizada temporalmente em 1950, mas criada em mea-
dos da década de 1970 por Janet Clair, é certamente uma inspiração das discussões em torno da
instalação da Usina Hidrelétrica de Itaipu, com concessão para operação já em 1973.9 A escri-
tora, em entrevista dada em 1974, às vésperas do início da novela, declarou que, para o enredo,
inspirara-se “em notícias de jornais sobre cidades do interior que vão desaparecer sob as águas
para dar lugar a obras gigantescas e maravilhosas.”10 As personagens que criou reproduziam
ações descritas nos relatos sobre Itaipu,11 com reuniões nas escolas das comunidades; a distri-
buição de pôsteres, cartazes; a divulgação de programas de rádio e de filmes.12
Janet Clair descreveria em sua novela a instalação de uma dessas “obras gigantes-
cas e maravilhosas”, mostrando, no entanto, como já indicava em sua entrevista, que enten-

8
BRUM, 2015; Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Belo Monte – Transformações” Disponível em
http://www.observabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/25/belo-monte, acesso em 14fev.2016.
9
Cf. Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Itaipu– Transformações” Disponível em http://www.obser-
vabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/28/itaipu, acesso em 14fev.2016.
10
“ ‘Fogo Sobre Terra’” é a luta entre o futuro e o passado” O Globo, Rio de Janeiro, 05/01/1974.
11
É possível acompanhar o desenrolar do enredo da novela por meio dos resumos diários dos capítulos, publicado
no jornal O Globo, entre maio de 1974 e janeiro de 1975. Ver Acervo O Globo. Disponível em http://acervo.oglobo.
globo.com/, acesso em 14fev.2016.
12
GERMANI, 2003, apud Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Itaipu– Transformações” Disponível em
http://www.observabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/28/itaipu, acesso em 14fev.2016.

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dia que, em tais cidades, “o bem é encarado como mal e, de fato, o que pode vir a ser um bem
a longo prazo, ocasiona problemas imediatos.”13 Sua posição crítica não passou desapercebida
pelas autoridades à época: a resistência dos moradores de Divinéia ao empreendimento e os con-
tornos da história teriam sido alvo da Censura Federal, que proibira a sinopse no ano anterior e,
mesmo liberando a difusão da trama em 1974, teriam imposto vários cortes e alterações à autora.14
A história da Javé, por sua vez, remete, de um lado, ao pouco acesso das populações aos
processos, procedimentos e instrumentos oficiais de patrimonialização, e às dificuldades para o re-
conhecimento dos seus direitos à sua própria cultura. Por outro, contribui também para descontruir
a ideia de narrativas populares homogêneas, sem conflito, e propõe um relato sobre as negociações
necessárias para a construção de narrativas sobre memória, história, passado e patrimônio.
A discussão sobre as formas de resistência a barragens e outras obras públicas ou pri-
vadas e o que se quer preservar dos potenciais danos causados por estas está presente também
nos casos reais elencados acima, e na agenda das instituições ambientais e de patrimônio já há
vários anos. Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado deram efetivamente lugar ao grande
lago que alimenta a barragem de Sobradinho e seus nomes mantêm-se tão vivos em parte graças
à música “Sobradinho”, de 1977, de Sá e Guarabyra, na qual cantam, segundo os compositores,
os sentidos das barragens “do ponto de vista do sertanejo”15: o adeus às cidades, a perda da vida
inteira, o medo de se afogar. Para os relatos da Igreja e o sindicato envolvidos com os desdobra-
mentos da construção da barragem, tratava-se da “destruição do patrimônio cultural que cons-
tituía o modo de vida da população ribeirinha que ocupava a área alagada com a conformação
do reservatório” (grifos meus).16
O trabalho realizado pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais para avaliação dos
impactos da UHE de Irapé no Vale do Jequitinhonha partiu exatamente das categorias e sentidos
utilizados pelos moradores da região, da “caracterização etnográfica dessas comunidades” para
descrever suas atividades, suas formas de ocupação do território, a organização da paisagem;
em outras palavras, para “qualificar as especificidades socioculturais que definem seu modo
complexo e particular de reprodução social” (GESTA, 2011, p. 10). O objetivo do relatório era
exatamente identificar “as mudanças compulsoriamente experimentadas em seus sistemas de
uso dos recursos naturais” (idem, p. 14), as perdas sofridas e os efeitos a jusante de barragem.
Em Belo Monte, por sua vez, a usina que governo nenhum tinha conseguido tirar do pa-
pel desde a ditadura civil-militar, “mas que ressurgia a cada governo, mesmo na redemocratiza-

13
“ ‘Fogo Sobre Terra’” é a luta entre o futuro e o passado” O Globo, Rio de Janeiro, 05/05/1974.
14
“Fogo sobre Terra – Censura” Disponível em http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/nove-
las/fogo-sobre-terra/censura.htm, acesso em 14fev.2016.
15
Depoimento de Sá e Guarabyra em “História da Música Sobradinho de Sá e Guarabyra” Disponível em https://
www.youtube.com/watch?v=s_pmGhMJiIg, acesso em 14fev.2016. Publicado em 12/09/2012.
16
Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Sobradinho – Transformações” Disponível em http://www.obser-
vabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/12/sobradinho, acesso em 14fev.2016.

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ção do país” (BRUM, 2015), é agora um fato e a região de sua implantação, cenário de violações
de direitos humanos (MPF, 2015) e de perdas nas tradições econômicas e sociais locais, com
ameaças à “reprodução social da agricultura familiar na região”, “intensificação dos problemas
fundiários”, “aliciamento dos especuladores de terra sobre as famílias empobrecidas”, além das
“expectativas criadas devido ao emprego temporário oferecido pela empresa, as invasões de
terras indígenas e a exploração ilegal de madeira na região”.17
Com esses relatos, nota-se que, para descrever os sentidos da construção de barragens
e hidrelétricas para as comunidades, cujas vidas são dramaticamente atingidas por esses em-
preendimentos, não basta falar em impactos: tal descrição, conforme sugere Célio Bermann
(2014), demanda termos como “perdas, prejuízos, danos, desastres, expulsões, expropriações,
desaparecimentos, privações, ruínas, desgraças, destruição de vidas e bens, muitas vezes per-
manentes e irreversíveis.” (grifos no original) Demanda também um investimento detalhado
para conhecer seus modos de vida, seus lugares, seus monumentos, manifestações, suas formas
de socialização e reprodução, com vistas tanto a avaliar as alterações compulsórias a que tais
modos de vida foram submetidos, mas também para poder propor formas de proteção da cultura
dessas populações.
O objetivo desta comunicação é propor o destaque aos sentidos das barragens para
as comunidades atingidas no âmbito das políticas públicas; é propor também pensar de que
maneiras e em que medida o patrimônio cultural, por meio do licenciamento ambiental, pode
significar a afirmação e a proteção dos modos de vida das comunidades. O entendimento que
se propõe aqui do licenciamento ambiental é de um importante instrumento e contexto em que
tais situações de ameaça e impacto a modos de vida - modos de vida por vezes desconhecidos
de grande parte da população, de estudiosos e de instituições estatais - devem ser avaliadas, es-
tudadas e evitadas. Trata-se de analisar o licenciamento ambiental como possibilidade de pre-
servação de tais modos de vida e referências culturais, afetivas e espaciais, entendendo-o como
contexto de discussão sobre a própria noção de patrimônio cultural, frente a ações e normativas
recentes que tendem a limitar a bens já acautelados o que deve ser conhecido e protegido dos
impactos de grandes empreendimentos.
Propor tal perspectiva significa problematizar a Instrução Normativa nº 001, de 25 de
março de 2015 (doravante IN nº 001/2015), publicada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - IPHAN, que “Estabelece procedimentos administrativos a serem observa-
dos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nos processos de licenciamento
ambiental dos quais participe” (IPHAN, 2015). Determina ainda que o IPHAN será instado a se

Observatório Sócio-Ambiental de Barragens. “Belo Monte – Transformações” Disponível em http://www.ob-


17

servabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/25/belo-monte, acesso em 14fev.2016; SEVÁ (2005, apud “Belo Monte –


Transformações” op. cit.)

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manifestar nos processos de licenciamento ambiental federal, estadual e municipal quando fo-
rem identificados, na área de impacto direto do empreendimento, “bens culturais acautelados em
âmbito federal” (idem, art. 1º), o que significa incluir os bens tombados conforme o Decreto-lei
nº 25/1937, o bens arqueológicos protegidos pela Lei nº 3924/1961, os bens registrados de acor-
do com o Decreto nº 3551/2000 e, por fim, os bens valorados nos termos da Lei nº 11.483/2007,
referente aos bens da extinta RFFSA (idem, art. 2º).
A indicação desse escopo pode parecer adequada à atuação do Iphan, que se manifesta-
ria, portanto, em prol dos bens pelos quais é legal e institucionalmente responsável – aqueles
“acautelados em âmbito federal”. No entanto, é possível identificar nesse recorte uma conside-
rável redução das possibilidades ambientais, culturais, sociais e epistemológicas que vinham
se colocando, nacional e internacionalmente, desde os anos 1970, nos debates sobre categorias
como natureza e cultura, ambiente e patrimônio; no âmbito de um processo de ampliação de
formas de identificação e patrimonialização de bens; e até de multiplicação de frentes de atuação
do Iphan. A publicação dessa normativa, nesse sentido, bateria de frente com a ampliação de
perspectivas, noções, experiências referentes não só aos entendimentos sobre patrimônio cultu-
ral, como também às práticas do Iphan de preservação do patrimônio cultural e ainda ao papel
desse órgão no licenciamento.
Para pensar nos debates sobre noções como desenvolvimento, meio ambiente, cultura,
patrimônio e nas formas com que tais noções marcaram as discussões sobre a preservação do
patrimônio cultural, é importante indicar alguns marcos dos debates sociais, conceituais e ins-
titucionais que vêm marcando esses temas, e que foram discutidos, entre outros, por Oliveira
(2015) e Leal e Silva (2016) referentemente aos contextos nacional e internacional a partir dos
anos 1970, quando a noção de cultura sofreu uma importante ampliação e o meio ambiente pas-
sou de uma noção exclusivamente relacionada à natureza para a compreensão do ser humano
como usuário e parte desse meio.
Internacionalmente, é fundamental destacar dois documentos elaborados no contexto das
Nações Unidas na década de 1970, a saber, Declaração sobre o Meio Ambiente Humano ou
Declaração de Estocolmo (ONU, 1972), e a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial
Cultural e Natural (UNESCO, 1972). Desta última, já foi destacada em outros estudos a impor-
tância da aproximação entre cultura e natureza no campo do patrimônio (SCIFONI, 2004; LEAL,
2010). No que concerne à Declaração de Estocolmo, que foi dedicada “a discutir a problemática
da relação homem-natureza, em especial no que se refere ao desenvolvimento e à utilização dos
recursos naturais” (OLIVEIRA, 2015, p. 20), é central a noção do homem como “obra e cons-
trutor do meio ambiente que o cerca” (ONU, 1972). O texto final deu grande destaque à ligação
entre economia e meio ambiente, com ênfase na importância de o desenvolvimento econômico e
social assegurar um ambiente de vida e trabalho favorável (LEAL e SILVA, op. cit., p. 69).

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No Brasil, um importante marco foi a Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional
do Meio Ambiente. Esse documento conciliou desenvolvimento socioeconômico com preserva-
ção e recuperação da qualidade ambiental e criou instrumentos fundamentais e que continuam
em vigência para a proteção do ambiente, notadamente o ambiente natural (OLIVEIRA, op. cit.,
p. 48), como a Avaliação de Impacto Ambiental, licenciamento ambiental, criação de espaços
protegidos, Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama).
Faz-se ainda necessário destacar a importância da Resolução CONAMA nº 1/1986, que
prevê estudos mínimos para obtenção de licença ambiental por aqueles empreendimentos que,
potencialmente, pudessem causar danos ao meio ambiente. É particularmente importante para
os argumentos desta comunicação a aproximação promovida entre ambiente natural e cultural.
Nesse sentido, destaca-se o inciso c da alínea I do art. 6º, que determinou que avaliação de im-
pacto deveria contemplar
a sócio economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos,
históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência
entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utiliza-
ção futura desses recursos (MNA, 1986, grifos nossos).
Para além dos “sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunida-
de” – bens que, no momento de publicação dessa Resolução, já estavam atrelados à noção de
patrimônio e à atuação do IPHAN havia cinco décadas –, ressalta-se principalmente o destaque
à perspectiva da comunidade na definição de seus sítios e monumentos referenciais e às “re-
lações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização
futura desses recursos”. Com isso, incluíam-se entre os aspectos a serem considerados como
relevantes nos estudos de impacto ambiental as relações entre homens e mulheres e os recursos
ambientais: as atividades simbólicas e também as econômicas; os lugares, a ocupação e usos da
terra; as formas de socialização, as manifestações culturais, os modos de vida.
A Constituição de 1988 coloca-se como mais um elemento definidor dos aspectos que
se tomam, nesta discussão, como centrais para a ampliação dos sentidos de patrimônio e para a
importância da perspectiva das comunidades na identificação e valoração dos bens culturais e
naturais. Como destacaram Leal e Silva (op. cit., p. 68), de um entendimento de “conjunto dos
bens móveis e imóveis” vinculados a fatos memoráveis da história do Brasil ou de “excepcional
valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”, devidamente inscritos em pelo
menos um dos Livros do Tombo do IPHAN, o patrimônio cultural brasileiro passa a ser definido
como os bens de natureza material e imaterial “portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216 da Constituição
1988), protegidos pelo poder público “por meio de inventários, registros, vigilância, tomba-
mento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.

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Essa perspectiva tomava cultura “no sentido antropológico mais amplo de invenção co-
letiva de símbolos, valores, ideias e comportamentos” (CHAUÍ, 1995, p. 81), marcando a ofi-
cialização de um processo de ampliação dos sentidos de cultura que já vinha sendo notado desde
os anos 1970. Além disso, explicita o que Ulpiano Bezerra de Meneses (2012, pp. 33-34) cha-
mou de “deslocamento de matriz”: “os valores culturais (os valores, em geral) não são criados
pelo poder público, mas pela sociedade”. Tal perspectiva está marcada pela noção de referência
cultural presente no texto, a qual remete a discussões importantes no âmbito da preservação do
patrimônio na década de 1970 e aos sentidos e valores atribuídos pelos diversos grupos sociais
aos bens com os quais se relacionam (FONSECA, 2006).
A Constituição de 1988 também estabeleceu perspectivas interessantes para o meio am-
biente: além destinar um capítulo exclusivamente para o tema (Capítulo VI), definiu meio am-
biente como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” (caput da Cons-
tituição, 1988), indicando um entendimento que sublinha a necessidade de sua preservação,
mas que não veta o uso e exploração dos recursos naturais. Sua proteção é proposta de forma
coletiva e pública: é atribuída responsabilidade tanto ao Poder Público como à coletividade na
defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e incentivou-se a educação
ambiental em todos os níveis de ensino com vista a promover “a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente” (idem, art. 225, inciso VI). O tema, porém, extrapola o capítulo
dedicado a ele: como afirmou Juliana Santilli (2005, p. 67), a questão ambiental “está presente
em diversos outros capítulos do texto constitucional (economia, desenvolvimento agrário etc.)”.
Isso significa perceber na Constituição uma perspectiva transversal para as políticas ambientais,
identificando um conjunto de políticas públicas que influenciariam o campo ambiental e que
incluiriam da defesa nacional à função social da propriedade, da política agrícola à política ur-
bana, da saúde à cultura (idem, p. 67 e ss.).
Vale também chamar atenção para a influência dos movimentos ambientalistas na adoção
de medidas políticas e institucionais para proteção do meio ambiente no Brasil. Com a atuação
dos movimentos que se afirmavam na luta pelo respeito sociocultural das famílias atingidas por
empreendimentos de infraestrutura – como o Movimento dos Atingidos por Barragem – e em
sua aliança com os povos da floresta – “índios, seringueiros, castanheiros e outras populações
tradicionais” (Santilli, op. cit., p. 32), foi-se consolidando a ideia de que “a melhor maneira de
tratar as questões ambientais” seria envolver “todos os cidadãos interessados”, com destaque
para a participação nos processos decisórios, conforme se lê na Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (ONU, 1992), mais conhecida como Rio 92.
No âmbito específico do patrimônio cultural e da atuação do IPHAN, desde a Resolu-
ção Conama nº 01/1986, alguns processos de licenciamento passaram a ser enviados ao IPHAN
pelos órgãos ambientais para que a instituição se manifestasse sobre os impactos aos “sítios e

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monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade”. Privilegiou-se, no entanto,


a avaliação de impacto de empreendimentos sobre os sítios arqueológicos, o que foi fortalecido
pela publicação da Portaria nº 230, de 17 de dezembro de 2002, que previa a compatibilização
das “fases de obtenção das licenças ambientais em urgência com estudos preventivos da arque-
ologia” (grifos nossos) nas áreas de impacto dos diversos empreendimentos que surgiam no país.
Nesse mesmo contexto, dá-se a publicação do Decreto nº 3551, de 04 de agosto de 2000,
o qual instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o patrimônio
cultural brasileiro e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Com esse Decreto, pro-
punha-se “uma noção sempre mais abrangente, mais realista, menos exclusivista e excludente
do que sejam as nossas heranças culturais”, que incluísse também “as inumeráveis formas ex-
pressivas que a nossa gente vem gerando ao longo dos séculos e prossegue produzindo rotineira
e cotidianamente” (GIL, 2006).
Percebe-se nesse trecho de apresentação do Decreto 3551/2000 pelo então Ministro
da Cultura, Gilberto Gil, que estava previsto – como já constava da Constituição de 1988 – o
“deslocamento de matriz” (Meneses, 2012) que delegava à “nossa gente” (e não somente ao
poder público e técnicos do órgão nacional de patrimônio) a competência na identificação e
valoração dos bens culturais, reconhecidos como patrimônio pelo Estado. Propõe-se inclusive,
simultamentamente à publicação do Decreto, um instrumento que, em certa medida, sistemati-
zava tal deslocamento de matriz, o Inventário Nacional das Referências Culturais (INRC) – ou,
nos termos de seu Manual de Aplicação:
O INRC é, antes, um instrumento de conhecimento e aproximação do
objeto de trabalho do IPHAN, configurado nos dois objetivos principais
que determinaram sua concepção:
1. identificar e documentar bens culturais, de qualquer natureza, para
atender à demanda pelo reconhecimento de bens representativos da
diversidade e pluralidade culturais dos grupos formadores da socie-
dade; e
2. apreender os sentidos e significados atribuídos ao patrimônio cul-
tural pelos moradores de sítios tombados, tratando-os como intér-
pretes legítimos da cultura local e como parceiros preferencias de
sua preservação. (CORSINO, 2000, p. 8, grifos nossos)
Nos trechos destacados, percebe-se o claro diálogo com a Constituição de 1988, com
referência aos “grupos formadores da sociedade”, e também o esforço de propor uma nova apro-
ximação em relação aos bens culturais, que procurasse apreender “os sentidos e significados”
dos moradores, descritos aqui como “intérpretes legítimos da cultural local” e cuja atuação na
preservação desta é estimulada.
Vale destacar aqui a aproximação a aspectos para os quais já se chamou a atenção nesta
comunicação, em especial a valorização da perspectiva da comunidade na definição de seus bens

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referenciais, presente da Resolução Conama nº 1/1986, e na importância do envolvimento dessa


comunidade na preservação do ambiente natural e cultural, que se identificou na Constituição
de 1988 e também na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92).
Cumpre ainda destacar, de acordo com Leal e Silva (op. cit., p. 70-71), as formas como o
IPHAN lidou com a aproximação entre patrimônio e meio ambiente, criando procedimentos que
passaram a considerar o meio natural como parte constituinte do patrimônio cultural, como, por
exemplo, o reconhecimento das relações entre bens registrados como patrimônio imaterial e os
recursos naturais necessários à reprodução dos saberes, dos modos de expressão e mesmo das ce-
lebrações; ou a criação da chancela da paisagem cultural, conceituada como “porção peculiar do
território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual
a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores.” (IPHAN, 2009, Art. 1º).
Nesse processo de ampliação de entendimentos do patrimônio, dos atores legítimos ou
legitimados nos processos de atribuição de valor, das relações entre cultura e natureza e seus
efeitos no campo do patrimônio, coloca-se a importância de problematizar a determinação da
IN nº 001/2015 de fazer coincidir o âmbito de atuação do IPHAN no contexto do licenciamento
ambiental com o âmbito de sua atuação independentemente do licenciamento. É certo que, como
destacou Oliveira (2015, p. 67), ao se comparar a IN nº 001/2015 com “o que fora estabelecido
pela Portaria nº 230/2002 e com que era rotina em várias Superintendências do Iphan”, deu-se
uma considerável ampliação do papel do IPHAN: “As responsabilidades criadas por seu artigo
2º18 (...) e a obrigatoriedade de um Projeto Integrado de Educação Patrimonial (art. 35, inciso
V) implicam o envolvimento de diversas áreas e, mais ainda, a articulação entre elas.” Por
outro lado, quando se analisam as possibilidades criadas pelo licenciamento ambiental e pela
noção de referência cultural para pensar o patrimônio em estreita relação não só com o meio
ambiente, como com os sentidos atribuídos pela comunidade aos bens culturais (Leal e Silva,
op. cit, p.74), nota-se o movimento que Boaventura de Sousa Santos denomina “pensamento
ortopédico”, definido como “o constrangimento e o empobrecimento causado pela redução dos
problemas a marcos analíticos e conceptuais que lhes são estranhos” (SANTOS, 2008, p. 15).
No formato atual, a IN nº 001/2015 reduz as possibilidades de conhecimento de bens culturais
passíveis de proteção pelo poder público federal, uma vez que limita o escopo de atuação do
IPHAN a situações em que ele já deve se manifestar, independentemente do contexto do li-
cenciamento ambiental; em outras palavras, limita a atuação institucional aos problemas que o

18
Trata-se do artigo que especifica quais seriam os “bens acautelados em âmbito federal”, cuja existência na área
de influência direta do empreendimento determinaria a necessidade de manifestação do IPHAN nos processos de
licenciamento ambiental: “I - tombados, nos termos do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937; II - arqueo-
lógicos, protegidos conforme o disposto na Lei nº 3.924, de 26 de Julho de 1961; III - registrados, nos termos do
Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000; e IV - valorados, nos termos da Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007.”
(IPHAN, 2015)

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próprio IPHAN enuncia (LEAL e SILVA, op. cit., p.75), produzindo, portanto, desconhecimento
e invisibilidade das referências culturais não patrimonializadas das populações atingidas pelos
empreendimentos.
Diante das diversas possibilidades elaboradas durante o processo de criação e consoli-
dação do licenciamento ambiental para construir uma noção mais ampla de meio ambiente, in-
cluindo o meio ambiente cultural, as noções de cultura e patrimônio; para afirmar a participação
social na formulação de políticas referentes à preservação desse meio ambiente, na identificação
de suas referências culturais e nas relações simbólicas e de existência com o meio ambiente na-
tural; para, enfim, se apropriar dos avanços notados na legislação brasileira e nos procedimentos
técnicos, notadamente no IPHAN, propomos um olhar de estranhamento frente à escolha da
Instituição de restringir a atuação no licenciamento ambiental apenas àqueles bens já reconheci-
dos pela própria instituição. A discussão proposta nesse artigo procura destacar as possibilidades
disponíveis, porém invisibilizadas nessa trajetória.
Em Divinéia, a abertura das comportas da barragem em 05 de janeiro de 1975 no horário
nobre da Rede Globo marcou o desfecho do longo processo de disputa entre “o futuro e o passa-
do”, entre diferentes visões de mundo, diferentes formas de poder, de resistência, de articulação,
de expectativas. Marcaram-no também a festividade barulhenta daqueles que se aproximaram
da companhia responsável pela barragem, locais ou forasteiros; a indignação triste dos deslo-
cados, acompanhando de Nova Divinéia, pelo rádio, a inauguração da barragem; e a morte de
Nara, moradora da cidade e personagem do núcleo principal da novela, que preferiu afogar-se a
abandonar a terra onde nascera e criara seus descendentes.
Ainda que o sertão não tenha virado mar, Remanso, Casa Nova, Santo Fé e Pilão Arcado
submergiram e formam hoje um grande lago. 72 mil pessoas foram atingidas pela barragem,
entre moradores das cidades e comunidades indígenas.19 A música de Sá e Guarabyra conserva
sua atualidade quase 40 anos após seu lançamento, e a atuação do Movimento dos Atingidos
por Barragens, criado em 1991 após anos de articulação dos atingidos desde a construção da
barragem de Sobradinho, torna cada vez mais cruciais suas bandeiras “contra a injustiça, pelos
direitos dos atingidos por barragens, por um modelo energético popular que leve em conta as
necessidades do povo, e por um projeto popular para o Brasil” (MAB, 2011).
Javé também se foi sob as águas: a barragem foi construída; os moradores, deslocados; a
“Grande História do Vale de Javé” não chegou a ser escrita pelos moradores ou pesquisada por
estudiosos ou instituições de patrimônio. Nada foi tombado, e o único remanescente material
da história desse lugar - o sino da igreja - foi preservado por iniciativa dos moradores, que ar-
riscaram suas vidas para salvarem-no da inundação com grande esforço. Os deslocados de Javé

“Sobradinho – Informações Técnicas” Disponível em http://www.observabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/12/


19

sobradinho, acesso em 14fev.2016.

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partiram juntos de suas terras; talvez fossem assentados em uma mesma localidade e mantives-
sem alguns dos vínculos que houvessem cultivado por gerações, ou mesmo preservassem as
narrativas daquele vale, em torno daquele sino e das divisas cantadas que não marcavam então
mais nada além de água.
As comunidades afetadas pela UHE de Irapé sistematizaram os efeitos da construção da
barragem, elencando a perda de terras férteis; a perda de recursos naturais; o aumento da migra-
ção, das doenças, da fome; o desrespeito ao povo, seus bens e sua cultura; indenizações injustas;
alterações na qualidade da água a jusante da barragem e nas condições de vida e da organização
produtiva das comunidades ribeirinhas naquela região.20 Em suma, destacaram como o modo de
vida das comunidades fora comprometido a partir da instalação da UHE Irapé (GESTA, 2011).
Já a respeito de Belo Monte, mesmo com os relatos terríveis sobre e das “vítimas dessa
guerra amazônica” (BRUM, op. cit.), mantem-se o projeto do empreendimento, em detrimento
claro da variedade de populações indígenas, ribeirinhas e tradicionais e seus respectivos modos
de vida, que serão irremediavelmente afetados, assim como a biodiversidade da região. Am-
biente, cultura, patrimônio e modos de vida em risco pela produção de desconhecimento a que
tais grupos e lugares são submetidos por políticas públicas que têm diminuído as possibilidades
ambientais, sociais, culturais, políticas e epistemológicas dos instrumentos existentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERMANN, Célio. A desconstrução do licenciamento ambiental e a invisibilização do social nos projetos


de Usina Hidrelétricas. In: ZHOURI, Andréa; VALENCIO, Norma. (orgs.). Formas de matar, de morrer
e de desistir: Limites da resolução negociada de conflitos ambientais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2014.
BRUM, Eliane. “Vítimas de uma guerra amazônica” El País, 22/09/2015, disponível em http://brasil.
elpais.com/brasil/2015/09/22/politica/1442930391_549192.html, acesso em 14fev.2016.
CHAUI, Marilena. Cultura política e política cultural. Estudos Avançados, São Paulo, v. 9, n. 23, p. 71-
84, abr. 1995.
CORSINO, Célia. Apresentação. In: IPHAN. Inventário Nacional de Referências Culturais: manual de
aplicação. Brasília: IPHAN, 2000.
FONSECA, Maria Cecília Londres. Referências culturais: bases para novas políticas de patrimônio
in: IPHAN. Patrimônio Imaterial: O Registro do Patrimônio Imaterial: Dossiê final das atividades da
Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial. Brasília: MinC/IPHAN, 2006.

GESTA, 2011; “Irapé – Informações técnicas”. Disponível em: http://www.observabarragem.ippur.ufrj.br/barra-


20

gens/20/irape-presidente-juscelino-kubitschek-de-oliveira

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GRUPO DE ESTUDOS EM TEMÁTICA AMBIENTAL (GESTA). Relatório Técnico – Impactos da


UHE Irapé para comunidades a jusante da barragem. Belo Horizonte, outubro de 2011. Disponível em
http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/wp-content/uploads/2014/05/Relat%C3%B3rio-sobre-quali-
dade-da-%C3%A1gua-a-jusante-da-UHE-Irap%C3%A9-2011.pdf, acesso em 30out2014.
GIL, Gilberto. Apresentação. In: IPHAN. Patrimônio Imaterial: O Registro do Patrimônio Imaterial:
Dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial. Brasília: MinC/
IPHAN, 2006.
LEAL, Claudia F. Baeta. Patrimônio da Humanidade e patrimônios nacionais. In: IPHAN. A questão do
nacional no Iphan. Anais da III Oficina de Pesquisa. Rio de Janeiro: Copedoc/DAF/IPHAN, 2010, pp.
47-60.
LEAL. Claudia F Baeta e SILVA, Luciano de Souza. De possibilidades sociais e epistemológicas e
do desperdício de experiências: a preservação do patrimônio cultural no contexto do licenciamento
ambiental. Anais do III Encontro Brasileiro de Pesquisa em Cultura – GT Patrimônio Cultural. Crato, 08
a 10 de outubro de 2016. Disponível em http://ebpc.ufca.edu.br/, acesso em 15fev.2016.
MENESES, Ulpiano. T. Bezerra de. O campo do Patrimônio Cultural: uma revisão de premissas. I
Fórum Nacional do Patrimônio Cultural: Sistema Nacional de Patrimônio Cultural: desafios, estratégias
e experiências para uma nova gestão. Brasília: Iphan, 2012, tomo 1, pp. 25-39.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF). Relatório de Inspeção Interinstitucional: áreas ribeirinhas
atingidas pelo processo de remoção compulsória da UHE Belo Monte. 2015. Disponível em http://www.
prpa.mpf.mp.br/news/2015/arquivos/ Relatorio_inspecao_ribeirinhos_Belo_Monte_junho_2015.pdf,
acesso em 15fev.2016.
MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB). “História do MAB: 20 anos de
organização, lutas” Disponível em http://www.mabnacional.org.br/historia, acesso em 14fev.2016.
Publicado em 11/01/2011.
OLIVEIRA, Mônica Castro de Oliveira. O patrimônio como ambiente: o papel do IPHAN no
licenciamento ambiental. Dissertação de Mestrado. Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural) -
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SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. Proteção jurídica à diversidade biológica e
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SANTOS, Boaventura de Sousa. “A filosofia à venda, a douta ignorância e a aposta de Pascal”. Revista
Crítica de Ciências Sociais [Online], 80 | 2008, Disponível em http://rccs.revues.org/691, acesso em
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SCIFONI, Simone. A UNESCO e os patrimônios da humanidade: valoração no contexto das relações
internacionais. in: Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ambiente e
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ONU. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Estocolmo, 1972 .
ONU. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, 1992.
UNESCO. Convenção sobre a proteção do Patrimônio mundial, cultural e natural. Paris, 1972.

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LEGISLAÇÃO
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000.
BRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.
BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de1981.
BRASIL. Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007.
IPHAN. Instrução Normativa nº 001, de 25 de março de 2015.
IPHAN. Portaria n° 230, de 17 de dezembro de 2002.
IPHAN. Portaria nº 127, de 30 de abril de 2009.
MNA. Resolução CONAMA n° 001, de 23 de janeiro de 1986.

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A ‘CIDADE CRIATIVA’ COMO UM NOVO PARADIGMA


NAS POLÍTICAS URBANO-CULTURAIS
Claudia Seldin1

RESUMO: O conceito de ‘cidade criativa’ vem se tornando cada vez mais rotineiro em se
tratando de políticas urbano culturais contemporâneas. No Brasil, o termo ganhou atenção tar-
diamente, havendo um foco especial em cidades como Rio de Janeiro, onde projetos de reno-
vação de frentes marítimas foram pareados com noções de economia criativa. Neste artigo,
defendemos o argumento de que a ‘cidade criativa’ representa uma nova fase de um processo de
‘culturalização’ do espaço urbano iniciado nos anos 1970 para repaginar as imagens de cidades
que buscavam inserir-se competitivamente na rede global. Trataremos brevemente do caso de
Berlim, onde o status de ‘cidade criativa’ está consolidado e onde as políticas que o enfatizam
vêm enfrentando reação negativa. Concluiremos com considerações sobre o Rio de Janeiro e o
Distrito Criativo do Porto.

PALAVRAS-CHAVE: Berlim; Cidade Criativa; Distrito Criativo; Rio de Janeiro; Zona Portuária

1. SÉCULO XX: O PROCESSO DE ‘CULTURALIZAÇÃO’ DAS CIDADES


O conceito de ‘cidade criativa’ vem se tornando cada vez mais rotineiro em se tratando
de políticas urbano culturais contemporâneas. Sabemos, no entanto, que o pareamento das ideias
de ‘criatividade’ e planejamento urbano não é nada novo. É fato que a criatividade sempre pos-
suiu um papel essencial na maneira de se pensar o espaço, organizar as formas, os fluxos e pro-
por interações entre pessoas e lugares. Apesar disso, a noção de criatividade parece, hoje, ganhar
momentum, sendo introduzida como uma espécie de novidade capaz de repaginar as imagens de
cidades que buscam inserir-se competitivamente na rede global.
Esta busca por imagens atraentes para as cidades também não é recente, consistindo em
uma parte integral daquilo que chamamos de processo de “culturalização” do espaço urbano
(VAZ, 2004). Este processo, conflagrado a partir dos anos 1970, vem implicando na utilização
da cultura e do entretenimento como instrumentos para a revitalização pontual de áreas tidas

1
Claudia Seldin é arquiteta e urbanista, mestre e doutora em Urbanismo pelo PROURB/FAU-UFRJ com período
sanduíche na Bauhaus-Universität Weimar (Alemanha). Atualmente é pesquisadora de pós-doutorado com bolsa
FAPERJ/CAPES - PAPD no PROURB-FAU-UFRJ. E-mail: claudia-prourb@ufrj.br Uma versão preliminar deste
artigo foi apresentada no XVI ENANPUR em 2015.

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como estratégicas para regenerar cidades economicamente abaladas pelo fenômeno de desin-
dustrialização. Segundo Bianchini (1993), a visão da cultura como um possível instrumento de
salvação para os problemas das cidades na segunda metade do século XX não aconteceu por
acaso. No contexto europeu ocidental, por exemplo, a ênfase no desenvolvimento de políticas
culturais com desdobramentos urbanos se explicou pela diminuição das horas de trabalho nos
novos setores dominantes da economia, o que levou a um aumento na proporção de renda e de
tempo disponível para gastos com lazer. Porém, mais do que isso, as crises de recessão de 1973 e
1979 impulsionaram a emergência de um contexto político-econômico neoliberal, caracterizado
pela diminuição da atuação do Estado e pelo abandono das formas de controle público sobre o
espaço. Com isso, as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento urbano passaram a re-
fletir tendências de descentralização de funções e de redução de despesas administrativas, levan-
do ao encorajamento de patrocínio de atividades e eventos culturais por parte do setor privado.
Nos anos seguintes, as políticas públicas nos EUA e na Europa Ocidental passaram a
ser formuladas de modo a atrair investimentos privados para o desenvolvimento dos centros
urbanos, utilizando o discurso de que a demanda por serviços seria impulsionada, os gastos au-
mentariam e novos empregos seriam criados. Dentro desta lógica, houve um incentivo especial
a serviços conectados às atividades culturais e de entretenimento, levando à construção de gran-
des centros culturais e de convenções, novos estádios esportivos e espaços para festivais e feiras.
Assim, a necessidade de atenuar problemas socioeconômicos, a união de setores públicos
e privados e as “expectativas exageradas em se tratando da capacidade da cultura em compensar
a diminuição dos empregos perdidos” (KRÄTKE, 2011, p. 22) tornaram-se fatores complemen-
tares para a criação de um “planejamento cultural estratégico” (SELDIN, 2015b), calcado no
discurso da regeneração urbana pelo viés cultural. Esta regeneração, também tida como “revita-
lização, reabilitação, revalorização, reciclagem, requalificação, renascença” (ARANTES, 2002,
p. 31), tinha como objeto principal trazer visibilidade às cidades e atrair novos investimentos e
turistas culturais, reaquecendo as economias locais.
No âmbito do ‘planejamento cultural estratégico’, podemos destacar alguns modelos
que ganharam popularidade em nível global nas últimas quatro décadas, dentre eles: a transfor-
mação de uso de antigos armazéns industriais em residências e ateliês para jovens e artistas; a
requalificação de frentes marítimas e vazios urbanos como complexos de entretenimento, lazer
e cultura; a implantação de grandes equipamentos culturais dotados de projeto de arquitetos cé-
lebres em centros históricos e áreas degradadas; a promoção de megaeventos internacionais (em
especial esportivos); entre outros. Cabe ressaltar que estes modelos não são exclusivos e podem
ser aplicados simultaneamente, mesclando-se e incorporando aspectos uns dos outros. Juntos,
eles configuram o que argumentamos aqui ser a primeira fase do processo de ‘culturalização’

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do espaço urbano – uma fase em que predomina a busca incessante pelo status de ‘cidade de
cultura’ ou de ‘capital de cultura’2.
Foi nos EUA, durante a década de 1980, que primeiro se observou uma intensificação da
exploração imobiliária das fábricas desativadas, com ênfase especial na revitalização de frentes
marítimas e zonas portuárias degradadas. Antigos armazéns ao longo de orlas ganhavam novos
usos através de projetos urbanos e arquitetônicos pontuais, criando faixas de complexos comer-
ciais e de lazer, como demonstram os casos de Nova York, Boston e São Francisco.
Já na Europa Ocidental, apesar da regeneração de frentes marítimas ter se tornado uma
forte tendência – vide os exemplos de Docklands e Southbank em Londres (Inglaterra) e do Dia-
gonal Mar e Poblenou em Barcelona (Espanha) –, o foco principal das políticas públicas recaiu
sobre a implementação de grandes equipamentos culturais em centros históricos degradados.
Isso porque os museus e centros culturais passaram a ser vistos como elementos relacionados à
qualidade de vida da cidade, assim como os festivais artísticos, as grandes competições esporti-
vas e outros eventos high-profile de cultura. Nestes casos, mostrou-se crucial o papel do design e
do renome dos profissionais da arquitetura, que acabariam por contribuir para um fortalecimento
de verdadeiras grifes de projeto, bem como da prática de branding urbano.
Esta lógica de venda da imagem cultural de uma cidade e sua consequente transformação
em vitrine urbana fez surgir exemplos emblemáticos no cenário europeu, dentre os quais desta-
camos a Paris do governo de François Mitterrand (1981-1995), a Barcelona olímpica de 1992 e
Bilbao pós-1997 – lar da arquitetura espetacular da filial do Museu Guggenheim projetada por
Frank Gehry. Embora alguns gestores urbanos considerem estes casos como bem-sucedidos
devido ao aumento da atividade turística e ao fortalecimento/inserção destas cidades no ‘mapa
cultural global’, uma parte significativa das populações locais sofreu com os efeitos negativos
da aplicação prática da busca do status de ‘capital de cultura’.
A partir do momento em que esta fórmula passou a adentrar as políticas públicas das
mais diversas cidades – incluindo o Rio de Janeiro –, as consequências negativas da busca pelo
status de ‘capital de cultura’ passaram a ser percebidas e sentidas em escala global. Em todo o
mundo, as estratégias de revitalização urbana de fundo cultural começaram a enfrentar duras crí-
ticas por parte de acadêmicos, lideranças locais e movimentos sociais, que apontavam para uma
multiplicação de ‘elefantes brancos’ nas cidades e para uma desigualdade no acesso aos espaços
renovados, indagando para quem eram efetivamente construídos. Mais do que isso, os críticos
apontavam para a desconsideração das singularidades locais em meio à adoção de projetos urba-

2
Esclarecemos que este termo faz uma alusão ao título homônimo, concedido pela Comissão Europeia às suas
cidades a partir de meados dos anos 1980. Apesar do título propriamente dito se limitar àquele continente, consi-
deramos que a ideia por traz dele reproduz uma tendência global – da busca de uma imagem de cidade repleta de
opções culturais mundialmente reconhecidas.

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nísticos genéricos e importados, que levavam à produção de espaços simulados, onde a criação
de disfarces urbanos é favorecida em detrimento de espaços contextualizados.
Simultaneamente, outra consequência polêmica era observada em relação ao ‘planeja-
mento cultural estratégico’: o fenômeno da gentrificação, em especial o tipo referido pelo soci-
ólogo Andrej Holm como “fase pioneira” (2013, p. 174). Em outras palavras, a área renovada
– transformada em descolada pela presença de espaços culturais e de artistas – passa por um
processo de valorização tão profundo que as pessoas que ali habitavam não conseguem mais
arcar com os seus elevados custos. São, assim, obrigadas a deixar a região – agora habitada pela
classe média.
Argumentamos aqui que estas consequências negativas da busca pelo status de ‘capital
de cultura’, pareadas com transformações significativas na esfera econômica, vêm contribuindo
para o que percebemos como uma transição de paradigmas urbanos inseridos nas políticas pú-
blicas contemporâneas. Se até o início dos anos 2000, observávamos um foco na busca pelo sta-
tus de ‘capital de cultura’, agora podemos perceber uma clara repaginação e uma segunda fase
dos processos de ‘culturalização’ do espaço urbano, culminando na busca do status de ‘cidade
criativa’ – um paradigma no qual predomina a imagem de conhecimento e inovação.

2. CRÍTICA À ‘CIDADE CRIATIVA’


A passagem do século XX para o século XXI serviu para reforçar imensamente a cha-
mada economia simbólica, bem como seus efeitos nas cidades pós-industriais. Durante a dé-
cada de 1990, ampliou-se pelo mundo o consumo de serviços e de bens culturais em massa,
levando à glorificação do capital cultural como motor econômico. Em pouco tempo, as cidades
foram ficando cada vez mais interconectadas em função da internacionalização da economia e
do avanço das tecnologias de ponta, que permitiram a integração e a ampla difusão dos meios
de comunicação.
Simultaneamente, intensificava-se a competição entre as cidades por atenção e investi-
mentos na rede global. A crescente homogeneização das ‘capitais de cultura’, já nos anos 1990-
2000, fez com que a multiplicação de equipamentos culturais, de entretenimento e lazer se tor-
nasse não mais um fator diferenciador e de destaque, mas ‘lugar comum’ em termos de políticas
públicas. A falta de autenticidade e singularidade na experimentação da vida urbana começava a
apontar para a necessidade de novas formas de se vender a imagem da cidade. Foi neste contexto
que a noção de ‘criatividade’ começou a ganhar espaço nos discursos das políticas públicas.
A ‘criatividade’, como conceito aplicado ao planejamento urbano, remete a meados da
década de 1990 através de obras como “The Creative City” de Landry & Bianchini (1995).
Porém, a instrumentalização do termo e a sua expansão mundial, se intensificaram apenas a
partir dos anos 2000, quando o conceito foi moldado em uma vertente econômica passível de

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utilização por gestores urbanos à procura de uma ‘atualização’ de suas plataformas eleitorais.
Esta atualização deveria implicar em custos baixos de investimentos públicos sem transformar
significativamente as relações de mercado surgidas nas décadas anteriores, sem danificar as
parcerias consolidadas entre setores públicos e privados e sem invalidar os programas já concre-
tizados de ‘culturalização’ das cidades. Foi exatamente isso que a polêmica “teoria de classe” do
economista estadunidense Richard Florida (2002) propiciou.
Com obras como “The Rise of the Creative Class” (2002) e “Cities and the Creative
Class” (2005), Florida contextualizava o início do século XXI como um momento de declínio
das restrições físicas das cidades e comunidades, no qual a criatividade se tornava a principal
força motriz do crescimento e desenvolvimento urbano regional. O autor apontava que o ele-
mento chave para a competição de uma cidade na rede global não era mais o fluxo de capital
e a troca de bens, de mercadorias e de serviços, mas sim a capacidade em desenvolver e reter
a energia criativa de sua própria população, bem como de atrair as pessoas criativas de outras
partes do mundo. Em outras palavras, tratava-se do advento do “capital humano” como “segredo
da produtividade” (2002). Sua teoria pregava o novo papel das cidades como ‘potencializadoras’
e incentivadoras deste capital humano. Ou seja, a nova chave para a competição urbana estaria
na habilidade em atrair para uma cidade as pessoas altamente qualificadas, produtoras de ideias.
A controversa pesquisa de Florida propunha, então, a ascensão de uma nova classe so-
cial, essencial para o crescimento econômico das cidades contemporâneas. Caracterizada como
jovem, boêmia, cool, diversificada e tolerante, esta nova classe combinaria profissionais muito
diferentes entre si – artistas, cientistas, pequenos empresários, técnicos de tecnologia da infor-
mação, líderes políticos, entre outros – todos reunidos no mesmo grupo de produtores do capital
cognitivo e pioneiros urbanos. Ainda de acordo com ele, porque a “classe criativa” é móvel e
cosmopolita, pode escolher onde viver no mundo – um fato que leva à busca constante pela
melhor cidade onde habitar (SELDIN, 2015a). Esta escolha seria feita com base no potencial
para uma ótima qualidade de vida e na disponibilidade de um conjunto específico de amenida-
des. Sobre estas amenidades, sua pesquisa destaca que a presença de grandes e espetaculares
equipamentos culturais, esportivos e de entretenimento já não é tão desejável como em décadas
anteriores, sendo inclusive repudiada, havendo uma preferência por lugares originais e autênti-
cos. Entre os itens almejados estão: uma cena cultural alternativa ao invés de grandes museus
e centros culturais espetaculares; áreas verdes e pequenos parques locais no lugar de estádios
esportivos de grandes clubes; pequenos cafés e bares ao invés de restaurantes de rede e assim
por diante. Com base nessa lógica, os gestores urbanos contemporâneos deveriam se concentrar
menos na simples atração de turistas culturais através da repetitiva fórmula de projetos urbanos
grandiosos, e mais na captação e manutenção desta classe criativa através da valorização da
autenticidade local.

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O impacto deste conceito de criatividade para o planejamento urbano foi tal que, em
2004, pouco após a publicação de “The Rise of the Creative Class”, a UNESCO anunciou a im-
plantação de sua Rede de Cidades Criativas, com os objetivos de promover o desenvolvimento
socioeconômico e cultural de suas cidades através das indústrias criativas e de conectar social
e culturalmente comunidades diversas. Esta ação contribuiu imensamente para despertar o po-
tencial econômico do binômio ‘cidade-criatividade’, que seria fortalecido ainda mais em função
da crise financeira conflagrada em 2008. Como consequência da popularidade deste conceito
lucrativo, até o ano de 2014, 69 cidades passaram a configurar oficialmente a rede da UNESCO.
O que podemos perceber, no entanto, é que, com poucas exceções, a maioria destas cidades é
desconhecida no cenário internacional. A esperança de seus gestores é que o novo status de ‘ci-
dade criativa’ contribua para alavancar sua visibilidade e crescimento econômico.
Cabe ressaltar aqui que, apesar da grande popularidade entre os gestores urbanos, a po-
lêmica em torno da “teoria de classe” de Florida também tem sido significativa, havendo inú-
meras críticas à distinção congelante entre os vencedores e perdedores da economia urbana, à
combinação de pessoas muito diferentes e com objetivos pessoais e profissionais diversos em
uma única classe social homogênea e à glorificação de um grupo de gentrificadores como bravos
exploradores urbanos (SELDIN, 2015a). Krätke (2011) salienta inclusive que, apesar de geral-
mente possuir uma conotação positiva, a ‘criatividade’ como conceito é algo vago e passível
de diversas interpretações. Isso porque se trata de uma atividade essencialmente humana, e,
portanto, subjetiva. O autor afirma que é o ator humano, e não as coisas ou territórios, que são
criativos, levando-o a crer que a noção de ‘cidade criativa’ não passaria de uma ficção (p. 03).
Para Krätke (2011), a busca pelo status de ‘cidade criativa’ surgiu, portanto, como uma
nova etapa do marketing urbano e do processo de venda das imagens urbanas – um novo slogan
a ser explorado na competição entre cidades. Essa nova ideologia teria impulsionado, na última
década, a criação de estratégias de desenvolvimento espacial baseados na expansão de setores in-
dustriais especializados, mais especificamente os serviços financeiros e corporativos do tipo FIRE
– “finance, insurance & real estate” (p. 20). Dentre estas estratégias estariam os projetos de exten-
são de centros de negócios e a reconversão de sítios industriais abandonados, não mais apenas em
espaços de cultura e entretenimento, mas em clusters ligados às indústrias criativas e tecnológicas.
Apesar das muitas críticas, a criação de políticas e projetos específicos para atrair a “clas-
se criativa”, conforme o proposto por Richard Florida, tem sido adotada por gestores urbanos
de diferentes cidades. Aqui, abordaremos mais especificamente o caso de Berlim, onde o status
de ‘cidade criativa’ encontra-se mais consolidado e onde a ênfase recente em políticas voltadas
para a indústria criativa tem gerado uma forte reação por parte da população local; bem como o
caso do Rio de Janeiro, onde o status começa a ganhar atenção, mesmo que ainda pareado com
um quadro de megaeventos e arquiteturas espetaculares.

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3. BERLIM: CIDADE MODELO PARA O PARADIGMA DA CRIATIVIDADE?


A cidade de Berlim assistiu a uma intensificação considerável de seus processos de ‘cul-
turalização’ e branding urbano após a queda do muro e a reunificação da Alemanha em 1989 e
1990, respectivamente, como propõe Colomb (2012). No início dos anos 1990, a necessidade
de reformular a imagem desta cidade, posicionando-a como uma potência econômica e políti-
ca europeia era urgente, o que culminou em um processo de “ocidentalização”, norteado, em
grande parte, pelas mesmas estratégias de ‘planejamento cultural estratégico’ vistas em outras
cidades, porém de forma muito mais intensa e rápida. Dentre os projetos urbanos e arquitetôni-
cos mais emblemáticos calcados na instrumentalização da cultura, destacamos a regeneração da
Potsdamer Platz – uma antiga área adjacente ao muro de Berlim, onde agora situam-se edifícios
de escritórios e o complexo de entretenimento Sony Center, e as caras renovações da Ilha de
Museus (Museumsinsel) e do edifício do Parlamento (Reichstag) – este último dotado de uma
nova cúpula de vidro projetada pelo arquiteto britânico Norman Foster.
Até o início da década de 2000, Berlim já havia se reestabelecido como uma ‘capital de
cultura’ atraente e um disputado destino turístico, porém isso não foi suficiente para evitar que a
cidade enfrentasse uma grave crise financeira em decorrência de um escandaloso colapso bancá-
rio, envolvendo partidos políticos e o setor imobiliário. Assim, a partir de 2001, com a ascensão
de outra coalizão partidária ao poder, novas políticas foram criadas a fim repaginar a imagem
da cidade, atrair capitais de outros setores e enfatizar o papel de Berlim como uma proeminente
‘cidade criativa’. Sob a liderança do então prefeito Klaus Wowereit (2001-2014), foi adotada
uma postura de benefício às indústrias criativas e de publicidade da capital alemão como uma
‘metrópole cosmopolita’ – excitante, socialmente liberal e dotada de uma cena cultural dinâmi-
ca, distribuída em espaços autênticos. Tratava-se de uma clara transição das políticas aplicadas
nos anos 1990 pelos partidos mais conservadores, que pregavam uma imagem de cidade ordena-
da, fechada à imigração e oposta às ocupações e formas alternativas de apropriação do espaço.
A influência da teoria de Richard Florida em Berlim tornou-se clara através dos discursos
de Wowereit, incluindo sua famosa frase proferida durante uma entrevista de TV em 2004 so-
bre a cidade ser “pobre, mas sexy”. Em outras palavras, Berlim estava economicamente falida,
porém possuía uma imagem atraente – e que poderia ser explorada criativamente em nome do
lucro. Cabe ressaltar que a insuficiência de recursos financeiros constituía uma realidade com a
qual a cidade e seus habitantes vinham lidando há décadas. No contexto europeu, Berlim sempre
foi famosa pelo estilo de vida barato, atraindo muitos jovens, boêmios e artistas, seduzidos pelos
relativamente baixos aluguéis e custos de vida (principalmente em comparação com outras cida-
des europeias e alemães). Por isso, as medidas inicialmente adotadas pelo prefeito para a explo-
ração da faceta sexy de Berlim iam de encontro com a consolidação desta imagem. Dentre estas
medidas, destacamos: a facilitação da entrada e concessão de vistos para artistas estrangeiros;

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a bem sucedida candidatura de Berlim para adentrar a Rede de Cidades Criativas da UNESCO
(sob a especialidade do Design); a criação de um novo slogan para a cidade – “be Berlin”; e o
encorajamento da formação de clusters de empresas criativas em espaços degradados.
Em consonância com a teoria de Florida, as agências de marketing urbano locais passa-
ram a concentrar seus esforços na promoção da subcultura como ponto atrativo da cidade, dando
atenção especial aos espaços dotados de ‘uso temporário’ (Zwischennutzung) – vistos como
autênticos e como centros da cultura alternativa berlinense. Atenção especial foi dada às ‘praias
urbanas’ montadas na margem do Rio Spree (que corta a cidade) durante o verão, aos cafés e
bares de aparência mais decadente, aos mercados de pulgas e aos squats culturais.
A apropriação, pelo marketing urbano berlinense, de espaços culturais criados esponta-
neamente é um ponto que merece atenção especial aqui. Esclarecemos que, em Berlim, a prática
do uso temporário foi possibilitada pela presença abundante de vazios intersticiais, lacunas e
brechas espaciais – em sua maioria resultantes de processos de desindustrialização ou da que-
da do muro. Tratava-se de antigas áreas industriais, de companhias de transporte e serviços
urbanos, terrenos de edifícios demolidos, entre outros espaços, onde os custos de revitaliza-
ção mostravam-se muito altos. Por isso, foram deixados de lado, tanto pelo Estado quanto por
seus proprietários, que o alugavam por preços muito baixos ou simplesmente permitiam sua
ocupação em troca da proteção contra o vandalismo ou contra a degradação. O resultado deste
relativo descaso implicou em uma demonstração de real criatividade por parte dos ocupantes e
usuários temporários, que, com pouco capital e muita força de vontade, conseguiram revitalizar
os espaços através de suas atividades, remodelando sua imagem e contribuindo para aumentar
seu valor imobiliário. Apropriações alternativas do espaço somadas à riqueza cultural da cidade
eventualmente fariam com que, até o fim da década de 2000, Berlim alcançasse o novo status
almejado de ‘cidade criativa’, atraindo novos habitantes e sendo mundialmente celebrada como
um lugar jovem e autêntico.
A ascensão da Berlim Criativa, no entanto, não veio sem custos. O início da década
de 2010 marcou a constatação de enormes gastos em obras públicas, de uma nova estagna-
ção econômica e de um fortalecimento das medidas de austeridade do governo, implicando
na diminuição de serviços providos pelo Estado e em um aumento do número de berlinenses
dependentes de assistência social. A cidade, antes conhecida pelos baratos alugueis, viu subir
consideravelmente os preços e o custo de vida, principalmente nos distritos situados na antiga
Berlim Oriental e cujas imagens eram altamente ligadas à subcultura. A nova atenção recebi-
da pelos espaços tidos como alternativos implicou em processos de valorização e especulação
imobiliária, gerando diversos despejos dos terrenos tomados por usos temporários, squats e co-
munas, cujos contratos de permanência fixados durante as décadas de 1980-1990 chegavam ao
fim. A partir de 2010, inúmeras ocupações residenciais e culturais que figuravam nas brochuras

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promocionais oficiais foram despejadas ou ameaçadas de despejo pelos proprietários – em sua


maior parte instituições financeiras e incorporadoras interessadas em transformar os terrenos em
clusters criativos.
Em pouco tempo, a população local começou a perceber que as políticas adotadas con-
tribuíam para o acúmulo de riquezas de apenas uma pequena parcela da população e que a visão
de crescimento criativo da cidade contribuía para a segregação, a exclusão e a marginalização de
certos grupos e comunidades com interesses desconsiderados no processo de branding urbano.
A percepção do fortalecimento da gentrificação e das crescentes desigualdades socioeconômicas
como resultados diretos das políticas públicas de desenvolvimento urbano-cultural vem gerando
um forte movimento de reação por parte da população berlinense, historicamente acostumada
a reivindicar sua participação no processo de construção da cidade. Ironicamente, esta reação
tem sido encabeçada por uma parte considerável daquela que constituiria a “classe criativa” lo-
cal: artistas autônomos, pequenos empreendedores, ativistas ambientais e lideranças locais. Nos
últimos anos, campanhas, passeatas, panfletagens e protestos vêm sendo realizados contra os
novos grandes projetos urbanos, deflagrando uma onda de movimentos sociais que lutam contra
o chamado ‘desenvolvimento criativo’ da cidade.
Um dos exemplos desta luta consiste no movimento social MediaSpree Versenken (afun-
dem o MediaSpree), iniciado em 2006, para protestar contra a operação urbana MediaSpree.
Esta previa o desenvolvimento de projetos de empresas ligadas ao setor criativo, bem como a
implantação de arenas de eventos, edifícios de escritórios, hotéis e apartamentos de luxo em
uma faixa de 3,7 quilômetros em ambos lados do Rio Spree. O movimento social deflagrava a
aversão da população local ao plano, que propunha a venda de grandes parcelas de terras públi-
cas para investidores privados, bem como a elaboração de contratos imobiliários que negligen-
ciavam a legislação urbana vigente. Ademais, o MediaSpree previa a retomada e a renovação
de antigos armazéns e edifícios industriais em ambos os lados do rio – muitos dos quais eram
ocupados por squats, bares e clubes alternativos há décadas, possuindo extrema popularidade.
Dentre os slogans do movimento destacavam-se “salve sua cidade”, “lute por sua cidade” e
“parem a privatização”. Em 2008, o movimento conseguiu que fosse realizado um referendo
público acerca do plano, levando aproximadamente 300 mil habitantes a votarem por sua revi-
são (SELDIN, 2015).
O movimento MediaSpree Versenken abriu espaço para outros protestos contra as polí-
ticas de incentivo ao desenvolvimento criativo berlinense. Em maio de 2014, outro referendo
foi realizado na cidade, desta vez em função de um projeto para o antigo aeroporto de Berlim
Oriental, o Tempelhof – uma área de cerca de 356 hectares, transformada em parque público em
2010. Mais de 700 mil eleitores votaram contra a construção de apartamentos de luxo e uma
grande biblioteca central no terreno, provando que a população local não aceita mais os projetos

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que privatizam indiscriminadamente o espaço público. No caso de Berlim, a crítica feita pela
própria população é de que as políticas urbano-culturais recentes vêm intensificando fronteiras
invisíveis, que não se limitam mais à tradicional divisão física entre leste e oeste. As novas li-
nhas de fragmentação desta cidade são diversas e representam ilhas: ilhas de criatividade, ilhas
de riqueza, ilhas de qualificação profissional, ilhas de migração...

4. DISTRITO CRIATIVO DO PORTO NO RIO DE JANEIRO: PARA QUEM?


Enquanto assistimos às inúmeras críticas às políticas que incentivam indiscriminada-
mente a economia criativa, trazendo gentrificação e desigualdade em cidades como Berlim, no
Brasil, continuamos a perseguir o novo paradigma, como o observado recentemente na capital
carioca. Porém, é necessário destacar que, no caso do Rio de Janeiro, os planos de renovação
urbana vêm incentivando um modelo de planejamento estratégico de fundo cultural mais condi-
zente com a primeira fase do processo de ‘culturalização’ das cidades (observado nos EUA e na
Europa na década de 1990) e que pouco se relaciona com o que já foi teorizado sobre economia
e criatividade no século XXI. A construção de grandes equipamentos culturais, a abertura para
os megaeventos (Copa do Mundo, Olimpíadas) e a produção de espaços espetaculares em meio
à pobre infraestrutura urbana, altos preços e pouca tolerância social chocam-se com a ideia de
uma cidade que deveria investir em profissionais do conhecimento e em amenidades de caráter
cultural autêntico e alternativo, pouco espetacular. Essa mistura de discursos contribui para o
desenvolvimento de políticas urbano-culturais disparates, confusas e pouco eficientes. Um bom
exemplo do choque provocado pela confusão de discursos político-culturais no Rio de Janeiro
consiste no caso da zona portuária, em especial no âmbito da operação urbana Porto Maravilha.
Ressaltamos que o quadro de esvaziamento da região portuária carioca já despertava o
interesse da prefeitura local e da iniciativa privada para a sua revitalização desde os anos 1980.
Com a escolha da cidade como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, foi finalmente concretizada
a operação Porto Maravilha, com a intenção admitida de promover o desenvolvimento econô-
mico da região em função de sua localização estratégica. Para tal, buscou-se apoio em um forte
discurso de revitalização cultural do espaço urbano através da introdução de um programa de
valorização dos pontos turísticos locais, como um mirante no topo do Morro da Providência,
acompanhado de teleférico e plano inclinado com custo superior a R$ 75 milhões (FAULHA-
BER & AZEVEDO, 2015), o Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) e o Museu do Amanhã
(projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava).
Em meio à implantação de grandes equipamentos culturais dotados de arquitetura de
grife, em 2015, foi anunciada na área a criação do Distrito Criativo do Porto. O evento de
lançamento do mesmo ocorrido no auditório do MAR trouxe representantes da Prefeitura, da
Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp), da Firjan, do Sebrae, do

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Instituto Light e dos coletivos locais, que se apresentaram para uma plateia composta predomi-
nantemente de membros de empresas convidadas. A ideia do evento era claramente a “venda”
da ideia da região como um cluster criativo em potencial, um local cuja imagem será repaginada
e futuramente capaz de se transformar em referência da economia criativa brasileira, passível
de “internacionalização e competitividade” em meio à um quadro de “efervescência carioca”3.
Neste contexto, a região é apresentada como se fosse anteriormente vazia – de pessoas, de iden-
tidade cultural, desconsiderando a sua enorme importância para a consolidação da cultura local
(na região, localiza-se, por exemplo, a Pedra do Sal – área tombada e referência para a cultura
negra, para as comunidades quilombolas, para o samba e choro).
Mais do que isso, o compromisso social e a contrapartida do Distrito à população ali
residente, até então, são quase nulos, relegados a pequenas ações, como um projeto de qualifi-
cação profissional dos alunos de uma escola local – algo que não seria capaz de anular o imenso
processo de gentrificação que ocorreria caso o Distrito obtivesse o sucesso atentado.
O caráter excessivamente econômico desta iniciativa vai de encontro com as intenções da
própria operação Porto Maravilha, polêmica e criticada pelas inúmeras remoções provocadas –
especialmente no Morro da Providência, como citam Faulhaber e Azevedo (2015), pelo excessi-
vo foco nos empreendimentos imobiliários, pela pouca preocupação com habitação social e pelo
até então não cumprimento do legado prometido, como enfatizam Galiza, Vaz e da Silva (2014).
Até este momento, o sucesso do Distrito em atrair novos negócios criativos para a re-
gião e criar o ‘ar de efervescência’ necessário para sua total requalificação parece ameaçado em
virtude do esvaziamento e da falta de sucesso dos empreendimentos imobiliários locais. Em
outubro de 2015, a Folha de São Paulo mencionava os milhares de metros quadrados desertos de
edifícios corporativos construídos na região, atentando para a pouca probabilidade de ocupação
dos mesmos em função da atual crise econômica. De acordo com a reportagem, a zona portuária
carioca conta atualmente com uma taxa de 22,05% de edifícios vazios4, o que nos leva a crer na
falta de articulação entre políticas urbanas e culturais para compreender o que seria necessário
para a consolidação de um Distrito que funcionasse efetivamente como polo criativo da cidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que observamos, de forma geral, é que a ‘cidade criativa’ de hoje não se mostra neces-
sariamente aberta para acolher as ideias inovadoras e capazes de romper com padrões urbanos
estabelecidos, mas sim para processos que se mostrem economicamente criativos. Neste sentido,

3
Frases proferidas durante o evento de lançamento do Distrito Criativo do Porto no MAR em 11 ago. 2015.
4
VILLAS BÔAS, Bruno. Desertos, prédios esperam empresas no Rio. Folha de São Paulo, 25 out. 2015. Dispo-
nível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/10/1698215-desertos-predios-esperam-empresas-no-rio.
shtml>. Acesso em: 23 jan. 2016.

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a criatividade, ao invés de espontânea, acaba pré-determinada, através de categorias rentáveis em


um esquema de perversão do seu conceito primário de originalidade e autenticidade. No âmbito
do planejamento, observamos que este novo paradigma acaba surgindo como mais um jargão ur-
bano, como ‘sustentabilidade’ e ‘diversidade’, sendo utilizado para justificar projetos e políticas
que atendem a interesses específicos dos detentores do capital.
Ao analisarmos Berlim e Rio de Janeiro como vitrines para a transição de paradigmas
urbanos – da ‘capital de cultura’ à ‘cidade criativa’ – percebemos que seu mais recente título
consiste apenas em uma repaginação de processos de culturalização urbana percebidos há mais
de quatro décadas. Mais do que isso, os casos provam que a ‘cidade criativa’ é uma cidade con-
traditória, pois não é necessariamente pensada em benefício daqueles que alega promover – uma
“classe criativa” que acaba expulsa das áreas que ajuda a qualificar. Em função de sua depen-
dência da autenticidade e inovação, há de se considerar também que a ‘cidade criativa’ em voga
em cada momento esteja sempre em transição. Neste sentido, nos cabe indagar: o que será, no
futuro próximo, das cidades que hoje apostam todas as suas cartas em um modelo fadado a ser
constantemente superado?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Berlin Reader. Berlim: Transcript, p. 171-187, 2013.
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AU/FAUFBA, ano 2, n. especial, p. 31-42, 2004.

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FORTALEZA DA DESIGUALDADE E DA CRIATIVIDADE:


REFLEXÕES SOBRE AS CIDADES NO SÉCULO XXI
Claudia Sousa Leitão1
Luciana Lima Guilherme2
Raquel Viana Gondim3

RESUMO: O século 21 será (e já é!) o século das cidades. Estudos e pesquisas nacionais e
internacionais indicam que a vida rural foi gradativamente se tornando menos atraente e, desde
a segunda metade do século 20, um grande contingente da população do mundo, que vivia no
interior dos países, passa a buscar nas cidades novas oportunidades. Esse fenômeno trouxe grandes
impactos para a vida urbana no planeta, especialmente, para os países em desenvolvimento:
o inchaço das cidades, seguido de uma infraestrutura insatisfatória ou ausente, o aumento do
desemprego, o incremento da violência e do consumo de drogas, entre outras mazelas que
transformaram as cidades em espaços de exclusão e de desumanização. Esse artigo reflete sobre
o conceito de território criativo, a partir da análise de Peter Hall sobre as ‘cidades eternas’,
assim como pelo conceito de economia criativa proposto em 2011 pela Secretaria Nacional da
Economia Criativa (SEC). Por último, toma a cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará,
como objeto de pesquisa, no intuito de identificar os paradoxos contidos na construção da
categoria ‘cidade criativa’.

PALAVRAS-CHAVE: Economia criativa, cidade criativa, Setores criativos.

1. O DESTINO DAS CIDADES E AS CIDADES COMO DESTINO


A partir do seu livro, “As cidades do Amanhã”, Peter Hall reflete sobre as chamadas ‘ci-
dades eternas’, aquelas que viveram tempos áureos ainda hoje presentes nas representações que

1
Doutora em Sociologia pela Sorbonne, Université René Descartes, Paris V. É professora do Programa de Pós-
-Graduação em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará (UECE), onde lidera o Grupo
de Pesquisa sobre Políticas Públicas e Indústrias Criativas e participa da Rede de Pesquisadores de Políticas Cul-
turais-REDEPCULT, tendo sido também pesquisadora e consultora ad hoc do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico -CNPq. Consultora em Políticas Públicas para a Economia Criativa da Organização
Mundial do Comércio (OMC) e da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
E-mail: claudiasousaleitao@yahoo.com.br
2
Doutoranda do Programa de Pós-grad. Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED /IE/UFRJ).
Professora de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). E-mail: guilherme.luciana@gmail.com
3
Doutoranda em Ciências da Cultura UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – Vila Real, Portu-
gal).  Professora da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) nos cursos de Audiovisual e Novas Mídias e Design de
Moda. E-mail:gondim.raquel@gmail.com.

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fazemos das cidades nas quais gostaríamos de ter vivido: Atenas de Péricles, Florença renas-
centista, Londres elizabethana, Paris e Viena modernas, assim como Berlim contemporânea. O
urbanista inglês não constrói um pensamento determinista para explicar o êxito dessas cidades a
partir de seus planejamentos. Pelo contrário, aponta os desastres cometidos por esses processos,
observando que muitas decisões políticas, tomadas a partir de diagnósticos ou planos, foram, em
muitos casos, profundamente danosas às cidades, posto que desconectadas dos desejos de suas
populações (FREITAG, 2005 apud LEITÃO; DOS SANTOS, 2006).
Embora reconheça a grande contribuição das ‘cidades eternas’ para mundo contempo-
râneo, o urbanista inglês também as interpreta a partir a reflexão de Benjamim (LEITÃO; DOS
SANTOS, 2006, p. 220): “Nunca houve um monumento de cultura que não fosse também um
monumento de barbárie”. Desse modo, observa que muitas cidades monumentais, hoje grandes
destinos turísticos no mundo, foram construídas a partir do aniquilamento de outras culturas,
tornando hegemônicos seus legados e histórias, em detrimento de outros legados e histórias.
Essa constatação não o impede de buscar identificar as razões pelas quais essas cidades atingi-
ram, em um determinado momento histórico, um desenvolvimento notável. Ao procurar deno-
minadores comuns entre elas, encontra algumas características interessantes:
• Em nenhuma das seis cidades a ‘idade de ouro’ surgiu do nada ou de repente. Em to-
dos os casos, ela foi fruto de longos processos de maturação, em que o investimento
em arte e o incentivo à cultura constituíram uma constante;
• Todas as cidades atingem o auge, o florescimento de sua cultura, em um período de
transição e ruptura com as fases históricas anteriores, aventurando-se em um outro
campo cultural e em território desconhecido;
• Todas essas cidades, que poderíamos chamar de ‘criativas’, caracterizam-se por uma
atitude cosmopolita: com abertura para outras terras e gentes, sem xenofobia ou fal-
sos nacionalismos;
• Finalmente, todas as cidades investiram em infraestrutura tecnológica e em educa-
ção para produzir mudanças em suas dinâmicas econômicas, capazes de permitir a
eclosão da inventividade e da inovação. (LEITÃO; DOS SANTOS, 2006, p. 149).
As observações de Hall são fundamentais para pensarmos as cidades do século 21. Ao
enfatizar os papéis da cultura e da ciência e tecnologia para o seu desenvolvimento, o urbanista
acaba por nos oferecer boas pistas para refletirmos sobre os fundamentos que devem legitimar a
categoria ‘cidades criativa’. Senão, vejamos.
No novo século, distritos, bairros, cidades, bacias ou regiões, em diversos países, vem
sendo estruturadas para se tornarem ‘territórios criativos’. Dessa forma, passam a se constituir o
locus privilegiado de políticas, programas e ações voltados à criação de uma ambiência propícia
à produção, difusão e consumo da criatividade e da cultura que, através das tecnologias tradicio-

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nais e contemporâneas poderão favorecer a produção de bens e serviços com alto valor agregado.
Esses territórios passam a buscar fundamento do seu desenvolvimento na economia criativa, uma
economia fruto dos avanços da economia do conhecimento e da cultura, cujos grandes ativos são
a memória, a diversidade cultural, assim como o conhecimento científico e tecnológico.
Se a criatividade é uma invenção da cultura, como afirma Celso Furtado (2008, p.116), a
economia criativa é uma aposta em um novo desenvolvimento a partir e através da cultura. Em-
bora não haja inovação sem criatividade, criatividade não é sinônimo de inovação. Inovação é a
transformação do conhecimento e da criatividade em riqueza e bem-estar social. Três elementos
aparecem como essenciais para a inovação: o conhecimento (a ciência) e criatividade, que cons-
tituem sua matéria-prima, aliados à indispensável transformação, o seu processo. O fato é que
a inovação contém necessariamente conteúdo cultural, uma vez que tem por objetivo, direto ou
indireto, participar e qualificar as nossas formas de viver e, para o bem ou para o mal, afetá-la.
Em outras palavras, o objeto da inovação é intervir nos nossos meios de produção, comunica-
ção, deslocamento, saúde, moradia, alimentação, entretenimento, enfim, no nosso cotidiano,
para torná-lo mais confortável, mais digno e mais humano. Por isso, são os conteúdos culturais
das tecnologias que desempenham papel essencial no processo de transformação da ciência em
riqueza e bem-estar. Dito de outra forma, parte significativa do processo inovador reside na in-
corporação da cultura/criatividade à tecnologia.
Essa é a tarefa precípua das políticas públicas para a economia criativa nas cidades,
pois elas constituem fundamento e condição necessária para a transformação dos seus destinos.
Afinal, uma ‘cidade criativa’ deverá ser, antes de tudo, uma cidade humana, que traduza na qua-
lidade de vida de sua população os direitos e deveres essenciais aos direitos à cidade.

2. A CULTURA COMO EIXO ESTRATÉGICO DO DESENVOLVIMENTO:


A NOVA AGENDA DA ECONOMIA CRIATIVA NO MUNDO
Em 2001, quando o inglês John Hawkins escreveu seu livro The Creative Economy -
How People Can Make Money From Ideas (“Economia Criativa – Como as Pessoas Podem
Ganhar Dinheiro a Partir de Ideias”, tradução livre), certamente não imaginou que produziria
um best seller. Mas, Howkins trouxe à baila uma reflexão sobre a qual ainda poucos haviam se
debruçado e que foi posteriormente difundida nos debates sobre desenvolvimento: a de que os
bens e serviços produzidos pela imaginação ganhariam cada vez mais prestígio na sociedade do
conhecimento do século 21.
As discussões sobre as dinâmicas econômicas desses bens e serviços não tardaram em
chegar à Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD)
que lança o primeiro Relatório Mundial sobre a Economia Criativa – Creative Economy Report
2008, num esforço de aprofundar o conceito e de compilar informações e dados sobre a econo-

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mia dos bens simbólicos dentro de uma perspectiva mundial. As indústrias criativas compreen-
deriam um conjunto de atividades baseadas no conhecimento, que produzem bens tangíveis e
intangíveis, intelectuais ou artísticos, com conteúdo criativo e valor econômico. Elas constituem
os ciclos de criação, produção e distribuição de produtos e serviços que utilizam criatividade e
capital intelectual como insumos primários; constituem um conjunto de atividades baseadas em
conhecimento, focadas, entre outros, nas artes, que potencialmente geram receitas de vendas
e direitos de propriedade intelectual; constituem produtos tangíveis e serviços intelectuais ou
artísticos intangíveis com conteúdo criativo, valor econômico e objetivos de mercado; posicio-
nam-se no cruzamento entre os setores artísticos, de serviços e industriais e constituem um novo
setor dinâmico no comércio mundial.
Em relação aos setores criativos, organismos internacionais, como a Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), propuseram sistemas de classifi-
cação (frameworks) que apresentam e organizam estes setores a partir de categorias no sentido
de criar uma base comum para o desenvolvimento de análises comparativas entre os diversos
países. A seguir, a proposta de classificação sugerida pela UNCTAD:

Figura 1: Classificação da UNCTAD para as indústrias criativas

Fonte: UNCTAD (2010; p. 8)

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A UNESCO avança no desenho da proposta de um framework, sugerindo uma estrutura


mais compacta, ainda que mantendo uma convergência com a classificação setorial da UNCTAD.
Vide a seguir a proposta da UNESCO:

Figura 2: Classificação da UNESCO para os setores culturais e criativos

Fonte: BRASIL (2011, p.28)

Os relatórios produzidos pela UNCTAD e pela UNESCO tornaram-se marcos no reco-


nhecimento da relevância estratégica da economia criativa como vetor de desenvolvimento, de-
monstrando, especialmente, a força das indústrias criativas. A mensuração dessa economia, con-
tudo, é fruto da compilação de dados produzidos pelos diversos países, sem a presença de uma
cesta de indicadores e de um tratamento estatístico comum, o que fragiliza os resultados aferidos.
De qualquer modo, em suas três edições (2008, 2010 e 2013), vão gradativamente confirmando
algumas hipóteses sobre a força dessa nova economia; “apesar da crise financeira mundial ter
provocado queda drástica no comércio internacional em 2008, entre 2002 e 2011, as exportações
de bens e serviços criativos cresceram, anualmente, em torno de 12,1% nos países em desenvol-
vimento, chegando a US$ 227 bilhões em 2011 (UNCTAD, 2013), destacando-se como um dos
setores mais dinâmicos do comércio internacional” (UNCTAD, 2012; UNESCO, 2013):
A economia criativa é um conceito em evolução baseado em ativos criativos que poten-
cialmente geram crescimento e desenvolvimento econômico;

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Ela pode estimular a geração de renda, a criação de empregos e a exportação de ganhos,


ao mesmo tempo, que promove inclusão social, diversidade cultural e desenvolvimento humano;
Ela abraça aspectos econômicos, culturais e sociais que interagem com objetivos de tec-
nologia, propriedade intelectual e turismo;
É um conjunto de atividades econômicas baseado no conhecimento, caracterizado pela
dimensão do desenvolvimento e de interligações cruzadas em macro e micro níveis para a eco-
nomia em geral;
É uma opção de desenvolvimento viável que demanda respostas de políticas inovadoras
e multidisciplinares, além de ação interministerial;
Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, também enfatiza os papéis da economia cria-
tiva no desenvolvimento das nações:
Além de gerar postos de trabalho, a economia criativa contribui com
o bem-estar geral das comunidades, fomenta a autoestima individual
e a qualidade de vida, o que resulta em um desenvolvimento sustentá-
vel e inclusivo. Em momentos em que a comunidade internacional está
estruturando uma nova agenda de desenvolvimento pós-2015, é vital
reconhecer a importância e o poder dos setores cultural e criativo como
impulsionadores de desenvolvimento (UNESCO, 2013, p.11).
No Relatório de 2013 a UNESCO inclui exemplos interessantes que demonstram a con-
tribuição dos setores culturais e criativos para a qualidade de vida dos países em desenvolvimen-
to. Na Argentina, por exemplo, as indústrias culturais e criativas empregam cerca de 300.000
pessoas e representam 3,5% do PIB do país. No Marrocos, as indústrias editorial e gráfica em-
pregam 1,8% da população ativa, com um volume de negócios de mais de 370 milhões de dóla-
res, assim como o valor de mercado da indústria musical, que era de 54 milhões de dólares em
2009, e que não cessa de aumentar desde então. Em Bangkok (Tailândia), a indústria da moda
por si só tem dado lugar a 20.000 negócios de diversas proporções, envolvendo muitos jovens
que ganham a vida como designers de pequena escala. Em Chiang Mai, também na Tailândia, a
Iniciativa Cidade Criativa Chiang Mai (CMCC) é um laboratório de ideias e uma plataforma de
atividades em rede que associa ativistas do setor de educação, membros de organismos privados
e estatais e grupos comunitários locais. Apoiando-se no acervo cultural local, a CMCC busca
tornar a cidade mais atrativa como lugar de residência, trabalho e investimento e promovê-la
como destino para investimento, negócios e indústria criativa. Na cidade de Pikine (Senegal), a
Associação Africulturban criou uma academia de hip hop que ensina os jovens: inglês, grafis-
mo e design digital, produção de música e de vídeo, marketing, além de como chegar a ser um
disc-jockey. Este programa inovador está ajudando os jovens professionais do setor criativo a
desenvolverem-se com mais eficácia nos mercados local e mundial, ambos em constante evolu-
ção artística e tecnológica.

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3. A ECONOMIA CRIATIVA NO BRASIL


Vinte e cinco anos depois da gestão de Celso Furtado, à frente do Ministério da Cultura,
institucionalizou-se no Governo Federal a Secretaria da Economia Criativa, para liderar políti-
cas públicas voltadas a retomar, reavivar e ressignificar as relações e as conexões entre cultura
e desenvolvimento, com a missão de contribuir para transformar a criatividade brasileira em
inovação e a inovação em riqueza.
A Secretaria da Economia Criativa nasce sob o pensamento de Furtado:
Todos os povos lutam para ter acesso ao patrimônio cultural comum
da humanidade, que se enriquece permanentemente. Resta saber quais
serão s povos que continuarão a contribuir para esse enriquecimento e
quais aqueles que serão relegados ao papel passivo de simples consumi-
dores de bens culturais adquiridos nos mercados. Ter ou não ter direito à
criatividade. Eis a questão. (FURTADO, 1984, p.25).
Enquanto política pública, a economia criativa foi assim denominada a economia re-
sultante:
[...] das dinâmicas culturais, sociais e econômicas construídas a partir do
ciclo de criação, produção, distribuição/circulação/difusão e consumo/
fruição de bens e serviços oriundos dos setores criativos, caracterizados
pela prevalência de sua dimensão simbólica (BRASIL, 2012, p. 23).
Na perspectiva da construção de um conteúdo próprio às economias criativas ibero-a-
mericanas, caribenhas e africanas, a criação da Secretaria da Economia Criativa brasileira cons-
tituiu um fato animador, pois a Secretaria, ao invés  de dogmatizar um conceito de economia
criativa, busca garantir princípios que devem fundamentá-la:
• Diversidade Cultural: valorizar, proteger e promover a diversidade das expressões
culturais nacionais como forma de garantir a sua originalidade, a sua força e seu po-
tencial de crescimento;
• Inclusão social: garantir a inclusão integral de segmentos da população que em situ-
ação de vulnerabilidade social por meio da formação e qualificação profissional e da
geração de oportunidades de trabalho, renda e empreendimentos criativos;
• Sustentabilidade: promover o desenvolvimento do território e de seus habitantes
garantindo a sustentabilidade ambiental, social, cultural e econômica;
• Inovação: fomentar práticas de inovação em todos os setores criativos, em especial
naqueles cujos produtos são frutos da integração entre novas tecnologias e conteú-
dos culturais.

4. A ECONOMIA CRIATIVA E O DIREITO À CIDADE


Se o século 21 é o século das cidades, é tarefa dos governos e das organizações interna-
cionais formular políticas e garantir os direitos dos indivíduos à vida com qualidade e dignidade

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nas cidades. Publicada na França em 2000, a “Carta Europeia para a Proteção dos Direitos do
Homem na Cidade” constitui um desses documentos:
Considerando que a maior parte da população do planeta vive hoje em
cidades,
Considerando que as cidades constituem o futuro da humanidade,
Considerando a crise dos estados nacionais e o crescimento dos valores
democráticos de proximidade possíveis nas cidades,
Considerando que as cidades surgem como a possibilidade de um novo
espaço político e social no século XXI,
Considerando que uma boa gestão das cidades requer o respeito e a garan-
tia dos Direitos do Homem para todos os habitantes, assim como a pro-
moção dos valores de coesão social e de proteção dos mais vulneráveis,
Considerando a necessidade de qualificação dos espaços públicos para
todos s nas cidades,

As cidades europeias assumem os seguintes compromissos:

Parte I. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. I. Direito à Cidade


A cidade constitui um espaço coletivo pertencente a todos os habitantes
que têm o direito de nela encontrar as condições de desenvolvimento
político, social e ambiental, ao mesmo tempo em que assumam seus
deveres de solidariedade.
As autoridades municipais favorecem, por todos os meios à sua dis-
posição, o respeito à dignidade de todos e à qualidade de vida de seus
habitantes.

PARTE III. DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS.

Art. XV. Direito à Cultura


Os cidadãos das cidades têm direito à cultura em todas as suas expres-
sões, manifestações e modalidades possíveis.
As autoridades locais, em cooperação com as associações culturais e o
setor privado, fomentam o desenvolvimento da vida cultural urbana no
respeito à diversidade, Espaços públicos propícios à atividades culturais
e sociais são disponibilizados aos cidadãos das cidades em condições
iguais a todos.[...]

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Nesse contexto, elas se comprometem a respeitar o patrimônio natural,


histórico, arquitetônico, cultural e artístico das cidades e de promover a
renovação do patrimônio existente [...]

Art. XXI. Direito ao Lazer


As cidades reconhecem o direito dos cidadãos a dispor de tempo livre.
As autoridades municipais garantem a existência de espaços lúdicos de
qualidade abertos a todas as crianças sem discriminação.
Como podemos observar, a Carta Europeia estabelece os direitos essenciais dos indi-
víduos nas cidades que, por sua vez, favorecem às dinâmicas econômicas relativas à criação,
produção, difusão, distribuição e consumo/fruição dos bens e serviços criativos e culturais. Os
direitos culturais estão inseridos no direito à cidade são direitos propulsores dessa nova econo-
mia dos produtos simbólicos. É o que também afirma Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO,
por ocasião do Terceiro Fórum Mundial da UNESCO sobre Cultura e Indústrias Culturais, que
ocorreu em Florença, entre os dias 2 a 4 de outubro deste ano (UNESCO, 2014): “[...] cultura
cria emprego, gera renda e estimula a criatividade. É um vetor multifacetado de valores e iden-
tidade. Mais que isso, a cultura é uma alavanca que promove a inclusão social e o diálogo”.
Ao final do Fórum de Florença, os participantes adotaram a Declaração de Florença que
defende a integração da cultura à agenda de desenvolvimento pós-2015, a qual as Nações Uni-
das devem adotar no primeiro semestre de 2015. A declaração reflete os resultados de consultas
nacionais sobre cultura e desenvolvimento, conduzidas em conjunto em cinco países – Bósnia
e Herzegovina, Equador, Mali, Marrocos e Sérvia – pela UNESCO, o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
As consultas nacionais revelaram até que ponto a cultura tem o poder
de atrair e mobilizar as pessoas. A cultura é a chave para políticas mais
inclusivas, portanto, mais sustentáveis’, afirmou o ministro da Cultura
do Marrocos, Mohamed Amin Sbihi. Aminata Haidara Sy, representan-
do o ministro da Cultura do Mali, por sua vez, lembrou a importância
do patrimônio cultural, por exemplo, os manuscritos e os mausoléus de
Timbuktu, para permitir o diálogo e a unidade nacional. O ministro dos
Assuntos Civis da Bósnia e Herzegovina, Serdoje Novic, destacou os
benefícios que a preservação do patrimônio e o investimento nas artes
trazem para o desenvolvimento urbano sustentável. Por fim, o ministro
da Cultura da Sérvia, Ivan Tavosac, lembrou o dinamismo do cinema e
das artes como um todo, contribuindo para o desenvolvimento e a ino-
vação. (UNESCO, 2014)
A compreensão dos significados da economia criativa vai, portanto, crescendo entre as
cidades do mundo. A Declaração de Florença (UNESCO, 2014) clama especialmente aos gover-
nos, à sociedade civil e ao setor privado para melhorar:

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Capacidades humanas e institucionais; ambientes legais e políticos;


novos modelos de parceria e estratégias de investimento inovadoras;
pontos de referência e de indicadores de impacto para monitorar e ava-
liar a contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.

5. FORTALEZA E SUAS VOCAÇÕES CULTURAIS E CRIATIVAS


Vários estudos e pesquisas intentam refletir sobre as origens da criatividade humana. Da
Antropologia à Psicologia, inúmeras são as tentativas científicas de explicar, mais do que com-
preender, a criatividade humana, Afinal, ela seria fruto da necessidade? A carência de recursos
materiais seria um motor capaz de estimular a criatividade nos seres humanos? Poderíamos
dizer que criatividade dos cearenses decorreria da histórica pobreza de sua população?
Embora seja uma cidade litorânea, Fortaleza também carrega consigo os imaginários dos
sertões, dos vales e das serras, que constituem o estado. Constituída de famílias que aqui chega-
ram, em função do êxodo das grandes secas, e que consigo trouxeram seus saberes e fazeres tra-
dicionais, adaptando-os a uma vida urbana e contemporânea, a cidade acabou por reunir tradição
e contemporaneidade, riquezas artesanais e novas tecnologias, características interessantes em
tempos pós- industriais, em que a dimensão cultural e tecnológica dos bens e serviços se fundem
para agregar valor a um território. Fortaleza é, portanto, esta cidade da (con)fusão de mundos
e imaginários, ao mesmo tempo sertaneja e litorânea, tradicional e contemporânea, uma capital
com grande vocação cultural e econômica para os serviços, característica da economia criativa.
Com a retomada da área de Planejamento Estratégico da cidade, em 2012 a prefeitura de
Fortaleza dá institucionalidade e apoio de capital humano para o Instituto de Planejamento de
Fortaleza (IPLANFOR) que assumiu o desafio de pensar a cidade, seus problemas, desafios e
vocações, para construir um Plano capaz de desenvolver a cidade, hoje reconhecida pela grande
concentração de renda e pela violência. Assim, se começou a construir o ‘Fortaleza 2040’, um
Plano que vem sendo conduzido por experts em diversas áreas do conhecimento, acompanhado
da população da cidade e o governo municipal.
Enquanto consultoras do ‘Fortaleza 2040’ para a Economia Criativa, levantamos, a partir
de dados secundários, as vocações da cidade e de sua região metropolitana relativas aos setores
culturais/criativos. Chegamos aos seguintes quadros:

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Figura 3: Fortaleza | Cidade do Patrimônio Cultural e do Design – setores contemplados

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Fortaleza| Cidade das Artes, do Entretenimento e das Mídias

Figura 5: Fortaleza | Cidade das Artes, do Entretenimento e das Mídias – setores contemplados.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

A economia criativa é uma realidade crescente no mundo e poderia ser um eixo estraté-
gico para o desenvolvimento das cidades brasileiras. Os setores do audiovisual, design de moda,
jogos digitais e música são exemplos de atividades com potencial de desenvolvimento econômi-
co para Fortaleza, embora assim ainda não sejam percebidos pelos governos. Enquanto o design
de moda é fruto de uma histórica vocação da cidade, que já foi um grande polo de confecções no
Brasil, os jogos digitais perscrutam uma tendência que pode vir a ser fortalecida com o necessá-
rio apoio de políticas públicas. Relativamente à musica, Fortaleza goza de um reconhecimento

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nacional em função da qualidade dos profissionais atuantes, tanto no núcleo criativo (cantores,
músicos, arranjadores, produtores etc) quanto nas demais áreas de atuação dessa cadeia pro-
dutiva. No audiovisual, vale ressaltar uma geração de profissionais que vem se destacando na
produção de conteúdos relacionados à TV aberta, à TV paga e ao cinema.
Por outro lado, a cidade é historicamente vocacionada ao comércio de bens e serviços.
E essa vocação pode e deve ser ampliada para o campo cultural e criativo. Para isso, é necessá-
rio o desenvolvimento de estratégias capazes de transformar Fortaleza, por exemplo, em uma
capital de serviços culturais e criativos. De modo integrado às estratégias de desenvolvimento
do turismo na cidade, a economia dos setores das artes e do entretenimento demonstra poten-
cial de crescimento quando associados, por exemplo, às festas, espetáculos e eventos que já
fazem parte do calendário turístico cultural da cidade (réveillon, carnaval, festas juninas, festas
religiosas, micaretas).
Por outro lado, o artesanato e a gastronomia também caminham juntos como insumos
estratégicos ao desenvolvimento turístico e cultural da cidade. O talento do cearense para as
atividades manuais e artesanais (rendas, bordados, artefatos de decoração, utensílios domés-
ticos) poderia ser melhor aproveitado caso dialogasse de forma mais intensa com o design de
interiores e arquitetura. A gastronomia, por sua vez, aparece no setor de serviços como uma
possibilidade concreta de produção de riquezas, ampliando o leque de atuação dos profissionais
atuantes na cadeia produtiva, tais como: consultores, chefs de cozinha, assistentes, nutricionistas
entre outros. Por último, não podemos subestimar a potencial econômico do humor da cidade
de Fortaleza. Essa representativa expressão da nossa cultura, reconhecida nacionalmente, vem
crescendo, tanto na produção de conteúdos para a TV, o rádio e a internet, quanto nos stand up
comedy nos bares, restaurantes, casas de show, shoppings centers, barracas de praia entre outros
espaços de lazer na cidade.
A economia criativa é uma economia de redes que conectam sistemas produtivos. Ao
apresentarmos as vocações culturais/criativas mais pujantes, chamamos a atenção para os se-
tores conexos que se relacionam de forma direta ou indireta com os segmentos priorizados. A
Fortaleza - Cidade do Patrimônio Cultural e do Design está absolutamente imbricada à Fortaleza
- Cidade das Artes, do Entretenimento e das Mídias. Mas, as vocações da cidade para os setores
aqui elencados fazem de Fortaleza uma cidade efetivamente criativa?

6. FORTALEZA… UMA CIDADE CRIATIVA?


De início era o movimento. Era o nomadismo de homens e mulheres à procura de água
para saciar a sede e de sombra para amainar o sol inclemente. E, como nos descreveu poetica-
mente Gustavo Barroso no Hino de Fortaleza: “Junto à sombra dos muros do forte, a pequena
semente nasceu”. Fortitudine será a divisa que marcará de forma ambivalente a sua heráldica.

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Afinal, a qual fortaleza nos referimos? A do pequeno arraial do Forte, como observou João Brí-
gido (apud BARBOSA, 2001), ou à fortaleza moral, virtude de um povo?
De início era o movimento. Era o comércio simbolizado pela figura de Hermes, símbolo
da inteligência industriosa e realizadora, da astúcia, rapidez e criatividade. Deus das negocia-
ções, das intermediações e das encruzilhadas, Hermes, através dos seus quatro rostos simboliza
o encontro entre o céu e a terra e entre os quatro pontos cardeais, representando, ao mesmo tem-
po, ambiguidade e completude. Hermes aparece em várias culturas com as características que
lhe dão origem: mistura e movimento. Seja como mágico, satírico, médico, músico ou artesão,
o deus alado se transfigura para interpretar culturas através da leitura de símbolos e signos que
compõem as culturas. Ele é o deus do hermetismo e da hermenêutica, do mistério e da arte de
decifrá-lo (LEITAO, 2001).
Os mitos funcionam como narrativas explicativas das trajetórias humanas, ou seja, eles
servem para intermediar as tensões e as contradições do real. Fortaleza é território, por excelên-
cia, desses contrastes, conflitos e paradoxos. Ao observarmos os indicadores de desenvolvimen-
to humano da cidade, especialmente na perspectiva da concentração de renda, da violência, da
infraestrutura, da educação e da saúde, Fortaleza apresenta resultados preocupantes que apon-
tam para uma cidade apartada, injusta e desumana.
Mas, Fortaleza também é território de gente industriosa e criativa, de uma população
habituada a reunir realidades diversas para produzir novos modos de ser e de estar no mundo.
Tal qual Hermes, os fortalezenses conhecem o nomadismo e assim aprenderam a viver e a sobre-
viver em situações adversas, desenvolvendo tecnologias sociais, éticas e estéticas próprias. Tal
qual Hermes, os fortalezenses aprenderam a negociar, a inventar, a fazer circular, a convencer 
para vencer e assim construíram uma cidade.
Enfim, é inconteste que a cultura e a criatividade começam a se deslocar dos discursos
artísticos, produzindo novos e importantes impactos na ampliação dos significados do desen-
volvimento. Como matriz estratégica para as dinâmicas econômicas, a cultura começa a ser
considerada como um recurso estratégico. Por isso, os indicadores relativos à construção ou à
produção de obras de infraestrutura (tais como saneamento, estradas, habitação, urbanização)
passam a não ser suficientes para medir o desenvolvimento humano. Nas sociedades do conhe-
cimento, ser desenvolvido significa conquistar um novo patamar relativo à qualidade de vida,
através de um novo trabalho capaz de produzir inclusão, garantindo a sustentabilidade da vida
do individuo, mas também do planeta. Por isso, as sociedades exportadoras de commodities vão
perdendo prestígio diante daquelas que passam a produzir bens e serviços com valor agregado.
Com a transfiguração da economia industrial para as economias pós-industriais, as co-
nexões entre cultura e desenvolvimento sustentável passam a ser percebidas sob dois enfoques:
de um lado, a criação de programas de desenvolvimento dos setores culturais e criativos pro-

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priamente ditos (as artes, o turismo, o patrimônio cultural, os segmentos criativos); de outro, a
formulação de políticas públicas que consideram a cultura como eixo estratégico de desenvol-
vimento dos Estados, a partir da produção de planos que realizam o cruzamento das políticas
culturais com as demais pastas dos governos (educação, ciência e tecnologia, saúde, trabalho e
emprego, meio-ambiente, entre outras) em prol do desenvolvimento sustentável, especialmente,
das dinâmicas econômicas dos bens e serviços simbólicos.
Por outro lado, a economia criativa é uma temática eivada de contradições e paradoxos
como é contraditório e paradoxal o próprio sistema capitalista. Para tanto, é preciso estar atento
ao fenômeno da estetização da economia, denominado por Gilles Lipovestsky e Jean Serroy
(2014) de “capitalismo estético”. Esse fenômeno se relaciona diretamente com o crescimento
das indústrias criativas no século 21 e sua apropriação pelo mercado. Na era da globalização,
a economia também se estetiza e se desmaterializa para se dedicar às dimensões imateriais do
consumo. Se a oferta dos produtos culturais é imensa, temos cada vez mais a impressão de que
o nosso acesso se dá ao produto padronizado, ao produto industrializado. Assim vivemos em
um mundo da diversidade homogênea que oferece uma grande ameaça à diversidade cultural
do planeta. Afinal,  com o esgotamento das grandes distinções entre arte e indústria, cultura e
entretenimento, imaginação e negócios, criatividade e marketing, cidade e shoppings, tudo pa-
rece submergir ou emergir a favor de um mundo kitsch, presente seja nos bairros ricos quanto
nas periferias das diversas cidades do mundo. Se tudo sucumbe à sedução estética, as cidades
correm o risco de se tornarem espécies de shoppings-centers e o resultado será dramático para
os seus habitantes: quanto mais se busca consumir  o belo, menos a vida lhe parece  bela; quanto
mais o produto cultural se prolifera e está acessível nos diversos mercados, menos educação se
possui para fazer escolhas e, por isso (como diria Amartya Sen) menos liberdade se goza, menos
autonomia se possui; quanto mais se consome produtos de lazer, mais despolitizado se está.
As cidades que recebem títulos de ‘cidades da cultura’ ou ‘cidades criativas’ pelos gover-
nos ou organizações internacionais (como a UNESCO) são exemplos da apropriação das cidades
pelo capitalismo estético e sua sedução consumista e hedonista. Elas são assim são denominadas
por anunciarem a multiplicação de lugares para arte, com novas estratégias de marketing e de
comunicação, sempre voltadas ao “consumo estetizado” ou a uma indústria criativa ameaçadora
da diversidade cultural. Devemos avançar na busca de um modelo de economia criativa que seja
crítico a essas categorias de ‘cidades criativas’. Uma cidade criativa não é a cidade do consu-
mismo exacerbado, do trabalho precário, dos contrastes sociais abissais, da ausência do Estado,
da exclusão, da dependência, da domesticação das mentes, do esvaziamento de imaginários, do
estimulo ao individualismo possessivo!
Por isso, não devemos nos esquecer dos ensinamentos de Peter Hall quando se refere ao
apogeu das grandes cidades do mundo, destacando condições essenciais para sua construção: o

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investimento contínuo nas artes e na cultura; a aposta na inovação; a valorização da diversidade


cultural e do cosmopolitismo; e, por último, o investimento em infraestrutura e educação. Não
se deve denominar um território de ‘criativo’ somente por se ter mapeado naquele território vo-
cações culturais ou talentos empreendedores dentro dos setores culturais/criativos. Um território
tornar-se-á verdadeiramente criativo caso seja sujeito (e não objeto!) de um novo desenvolvi-
mento que seja libertador e humano. Não basta criatividade nem criativos para construirmos
‘cidades criativas’. Fortaleza que o diga. A verdadeira Fortitudine, a Fortaleza empreendedora,
criativa e inovadora ainda está por nascer.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Demócrito Rocha, 2001, v. 4, p. 09-16.
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UNESCO – Representante da Unesco no Brasil. As indústrias criativas impulsam as economias e o


desenvolvimento, segundo o Relatório da ONU. 14 nov. 2013. Disponível em: <http://www.unesco.
org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/creative_industries_boost_economies_and_
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UNESCO – Representante da Unesco no Brasil. A cultura é vital na agenda global de desenvolvimento
pós-2015, enfatiza a Declaração de Florença. 9 nov. 2014. Disponível: <http://www.unesco.org/new/
pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/culture_is_vital_in_the_global_development_agenda_
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Industries Report 2008. Disponível em: <http://www.unctad.org/en/docs/ditc20082cer_en.pdf>. Acesso
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______. Relatório de Economia Criativa 2010. : economia criativa uma, opção de desenvolvimento. – Brasília:
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ja-esta-disponivel-para-consulta-e-download/>. Acesso em: set. 2013.

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O EDITAL NA POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES


Cleide Vilela1
Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi2

RESUMO: O objetivo deste artigo é compreender o papel dos editais na política pública de
financiamento à cultura. A perspectiva utilizada foi a de que os instrumentos não são neutros,
pois, além de serem uma tecnologia/artefato, podem expor a filosofia gerencial e o modelo
organizacional nos quais se inserem. Concluímos que o edital é um modelo que privilegia
o produto cultural na lógica de financiamento à cultura e pode favorecer uma política de
democratização do acesso.

PALAVRAS-CHAVE: Financiamento à cultura, Instrumento de gestão, Edital, Fundo de


cultura, Política cultural.

1. INTRODUÇÃO
Este artigo é resultado da pesquisa de mestrado realizada no Programa de Pós-Gradua-
ção em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da Universidade de Brasília
(PPGDSC/UnB). A análise parte da abordagem da instrumentação da ação para compreender o
edital enquanto um instrumento da política pública de financiamento à cultura. Nesta perspecti-
va, o edital não é neutro, ele é portador de uma “concepção concreta da relação política/socieda-
de e sustentado por uma concepção de gestão” (LASCOUMES E LES GALÈS, 2012 a, p.22).
A primeira parte do texto busca entender a escolha pelos editais na política pública de
cultura e sua imbricação com a política de finaciamento à cultura vigente. Em seguida, apre-
sentamos a perspectiva dos instrumentos de gestão para caracterizar o edital enquanto um ins-
trumento de seleção de projetos culturais, apresentando algumas conclusões prévias sobre seus
aspectos de artefato/substrato técnico, filosofia gerencial e modelo organizacional nos quais o
edital se insere e, por fim, tentamos identificar o tipo de política cultural que ele pode favorecer.
Neste artigo, privilegiamos o entendimento dos editais para escolha de projetos culturais
a serem financiados por meio de subsídios de fundos de cultura. Apesar do texto propor uma

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional do
Ceam/UnB. E-mail: vilela.cleide@gmail.com.
2
Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional do
Ceam/UnB. E-mail: fatima.makiuchi@gmail.com

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discussão genérica sobre a ferramenta de escolha de projetos culturais, o modelo de finaciamento


à cultura implementado na gestão de 2011 a 2014 no Distrito Federal foi o norteador na análise
realizada na dissertação.
Mesmo sabendo que os editais não são a principal política do Ministério da Cultura
(MinC) e o modelo apresenta sinais de esgotamento, a abordagem é justificada pelo ministério
encorajar estados e municípios a adotarem este modelo de seleção de projetos em diversos ma-
teriais e cartilhas destinados a gestores de cultura de municípios e estados, principalmente os
voltados para implementação de sistemas de cultura.

2. OS EDITAIS NA POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA


A literatura sobre as políticas públicas de cultura no Brasil é unânime em afirmar o caráter
excepcional da gestão de Gilberto Gil (2003 a 2008) à frente do Ministério da Cultura, compara-
da ao histórico das gestões anteriores. Entre as características apontadas, ressalta-se a ampliação
do entendimento do conceito de cultura e dos públicos atendidos pelas políticas executadas pelo
ministério e, também, uma maior abertura para a participação social por meio de conferências,
seminários, consultas e pela criação do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC).
Apesar dos avanços, o financiamento apresentou limites, pois “continuou subordinado
de modo unilateral e perigoso às leis de incentivo” (RUBIM, 2015, p. 15). O projeto de lei que
cria o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura) foi encaminhado ao
Congresso em 2010, no final da segunda gestão do presidente Lula, ainda que a necessidade
de reformulação da Lei Rouanet fosse apontada desde 2003. O texto do projeto foi alterado na
primeira gestão do governo Dilma Rousseff e, atualmente, uma nova discussão sobre o Pro-
cultura está sendo realizada. Este caminho demonstra uma série de disputas sobre a questão do
financiamento à cultura pelos diferentes atores desta política pública e, também, a inadequação
da política de financiamento para as novas políticas para a diversidade cultural o que evidencia
o descompasso entre elas (RUBIM, 2015).
Uma das alternativas para ampliação do público atendido pelas políticas de financiamen-
to foi a de utilizar os recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC) direcionados às atividades
culturais “que precisam ser democratizadas e não encontram sua sustentabilidade nos merca-
dos” (LIMA e ORTELLADO, 2013, p. 352). Os fundos de cultura estariam em consonância com
o Estado enquanto mecenas e “entendidos como verbas que são distribuídas para viabilização
do fazer artístico, para fomento dos processos de criação e para democratização do acesso para
todos os públicos” (OLIVIERI, 2004, p. 60).
A escolha pelos editais, na primeira gestão do governo Lula, tinha como objetivo dar
uma resposta imediata às dificuldades apontadas pelo campo nos seminários cultura para todos
a fim de diminuir a concentração regional e setorial do mecenato, pois as alterações estruturais

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da política de financiamento à cultura poderia levar um tempo maior (CALABRE, 2013, p. 40),
o que de fato ocorreu. Os editais começaram a serem utilizados de maneira mais sistemática a
partir da gestão de Juca Ferreira (2008/2010) no Ministério da Cultura, apesar de não serem um
instrumento novo na área cultural: empresas já utilizavam este instrumento para apoiar projetos
aprovados na modalidade mecenato da Lei Rouanet antes do governo Lula, ainda que de manei-
ra tímida, e, também, há exemplos esporádicos de utilização de instrumentos semelhantes aos
editais3, nos municípios e estados, ao definir critérios de seleção de projetos artísticos e culturais.
No caso da modalidade mecenato, houve uma mobilização do MinC para que os maiores
investidores estatais (Petrobrás, bancos públicos) utilizassem o mecanismo. Lia Calabre (2013, p.
40) afirma que, a partir de dados levantados, o percentual de recursos disponibilizados pelas leis
de incentivo através de editais saltou de 3% em 2003 para 13% em 2008, ela ainda acrescenta que
a adesão ao modelo editais se deu também em empresas e fundações privadas, “buscando ampliar
a abrangência e melhorar a transparência das ações implementadas” (CALABRE, 2013, p. 40).
O edital, instrumento das políticas de financiamento à cultura, teria sua escolha justifica-
da pela transparência e acesso aos recursos públicos. A transparência, através dos critérios a se-
rem observados para que um projeto cultural seja financiado com recursos públicos e, também,
pelas informações sobre valores disponibilizados, número de projetos a serem contemplados,
critérios de seleção como uma maneira de superar a “política de balcão”4. O acesso seria facilita-
do por suprir a intermediação e “pulverizar recursos para que eles gerassem com a capilaridade
do investimento os contextos criativos que independiam de uma industrialização vertical da
cultura” (LUZ, 2013, p. 85).
Na perspectiva da intermediação, José Márcio Barros (2013, p. 280), ao discutir a diver-
sidade cultural e a gestão, identifica uma “nova colonização” cultural, na figura de mediadores
(consultores culturais), que se coloca entre o Estado e o campo da cultura popular e práticas
periféricas a partir da escrita de projetos culturais para participação em editais. Salgado et al
(2010, p. 103), apesar de salientarem a importância dos editais em determinadas políticas, tam-
bém afirmam que em outros casos, “o edital torna-se um instrumento burocrático de acesso ao
financiamento (…) por sua linguagem técnica e exigências na seleção de projetos”. Participar de
um edital, exige, no mínimo, conhecimento técnico de elaboração de projetos.
A pesquisa de Costa et al (2010, p.70) questiona se a sociedade civil está preparada
para trabalhar com a inscrição de projetos culturais que preveem, por exemplo, planos de ação

3
Caso dos concursos destinados à produção na área de artes cênicas, em 1979, pela Fundação Cultural do do Es-
tado da Bahia (ALVES et al, 2004, p.44); e da Instrução de 30 de setembro de 1987 que “institui uma comissão de
seleção, que regulamenta concessão de auxílio parcial para projetos artísticos culturais do Distrito Federal”.
4
Entendemos “política de balcão” como uma modalidade do clientelismo que “indica um tipo de relação entre
atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções,
em troca de apoio político” (CARVALHO, 1997)

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e orçamentos. Os autores defendem uma política de formação e qualificação na área da cultura


para que a sociedade se aproprie desses mecanismos, mas não se avança na discussão sobre o
modelo mesmo do financiamento que está posto em jogo. Os editais são aceitos enquanto uma
política e se propõe uma formação para que os proponentes e beneficiários se adequem a ela.
A limitação dos editais para garantir a “inclusão” de setores da população que não pos-
suem acesso a recursos para desenvolver ações na área da cultura é objeto de reflexão do estudo
de Abreu e Barbosa da Silva (2012) sobre o Programa Mais Cultura do Ministério da Cultura.
Os autores apontam que regras como um período mínimo de atuação na área cultural podem não
garantir a equidade e a descentralização dos recursos para os projetos culturais.
Segundo Afonso Luz (2013, p. 86), ex-Secretário de Políticas Culturais da gestão Juca
Ferreira (2008-2010), os editais seriam importantes para o público dos Pontos de Cultura e de
pequenos e médios projetos e iniciativas culturais e tinham como princípio a “capilarização de
recursos como forma mais eficaz de investimento nos ambientes criativos e no impulso de uma
economia da cultura”. No entanto, a dificuldade atribuída aos gestores dos pontos de cultura em
relação à gestão dos projetos e complexas prestações de contas na primeira gestão do governo
Dilma Rousseff demonstra uma “inadequação dos procedimentos do Estado brasileiro para aco-
lher de modo democrático e satisfatório os novos agentes culturais” que foram “incluídos”5 a
partir das novas políticas (RUBIM, 2015, p. 16).
Outra crítica ao editais, seria a reprodução de um modelo provisório de política de aten-
ção à diversidade cultural, “mais do que pluralizar, ampliar e multiplicar as instituições per-
manentes de trabalho com a cultura” (BARROS, 2013, p. 280). Nesta perspectiva, destaca-se
a vulnerabilidade econômica dos proponentes que são remunerados apenas pelo produto final
e não por toda pesquisa e concepção da obra e do projeto cultural e, também, pela incerteza
do lançamento ou não de editais já que a maioria não tem periodicidade regular (LIMA E OR-
TELLADO, 2013).

5
O governo Lula é caracterizado, em muitos estudos, como um governo de políticas de “inclusão”. No entanto,
acreditamos que essa categoria supõe uma outra que é a dos “excluídos”. A reflexão de Guareschi (1992) sobre
os “excluídos” culturais faz-se necessária no caso das políticas públicas de cultura. Mesmo que a política pública
do ministério tenha sido inovadora ao reconhecer as diversas culturas, compreender que é preciso “incluir” essas
culturas em uma determinada política pública que possui uma racionalidade específica pode estar reproduzindo os
modelos de políticas difusionistas dos anos 1970 em que se elegia o que era bom para ser consumido pelos demais.
Aqui está uma das justificativas em compreender os instrumentos e tentar buscar abrir um caminho para soluções
inovadoras e de uma perspectiva pluralista, a exemplo da Lei Cultura Viva. Neste sentido, Catherine Walsh (2007)
faz uma reflexão importante na busca de políticas que tenham como horizonte a interculturalidade. Defende as
políticas de inclusão para que elas adotem esta perspectiva, apesar da crítica a este modelo de racionalidade: “El
problema es –y allí va la otra perspectiva– que ser reconocidos como seres ‘étnicos’ e incluidos con una categoría
de lo ‘especial’ –así también con derechos específicos– puede perpetuar la colonialidad del ser si no apunta a cam-
biar las estructuras institucionalizadas que siguen manteniendo y reproduciendo la racionalidad de la modernidad
como norma ontológica.”

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O modelo, ainda que comtemple grupos e indivíduos que estavam à margem da política
de financiamento, “não supera a lógica de mercantilização do resultado do processo de produção
cultural” e limita-se a “comprar ou ajudar a comprar bens e serviços culturais” (LIMA E OR-
TELLADO, 2013, p. 354). Desse modo, essas políticas ainda são pautadas pela democratização
do acesso em que um produto é elegido como relevante para ser consumido pela população:
Isso significa que, ainda que os subsídios contribuam para a emancipa-
ção da lógica de mercado – no sentido da produção não de pender da sua
comercialização –, eles mantêm a forma de compra e venda, através do
financiamento da produção e da difusão das obras pelo estado (LIMA e
ORTELLADO, 2003, p. 354).
No item a seguir, discutimos o edital a partir da instrumentação da ação pública com a
finalidade de compreender as críticas levantadas a partir da escolha deste instrumento. Nessa
perspectiva, os objetivos e finalidades da política de financiamento podem encontrar limites
na instrumentação.

3. OS EDITAIS: INSTRUMENTOS DE GESTÃO


Entendemos que as políticas públicas são compostas pela ação coletiva estruturada, na
qual meios são escolhidos para ação, exercício ou limitação do poder do Estado (OLLAIK e
MEDEIROS, 2011, p. 1945). Desse modo, a ação pública é constituída tanto por um espaço
sociopolítico construído tanto por técnicas e instrumentos quanto por finalidades, conteúdos e
projetos de ator (LASCOUMES e LES GALÈS, 2012b, p. 21).
Os instrumentos são dispositivos técnicos e sociais que organizam as relações entre o
Estado e aqueles a quem a política pública é endereçada de acordo com as representações e
significados que carregam (LASCOUMES e LES GALÈS, 2007, p. 4). Eles “permitem traduzir
princípios em ações concretas coordenadas entre poder público e atores de diferentes tipos”
(BARBOSA DA SILVA e LABREA, 2014, p. 18).
Além disso, podem ser interpretados como um tipo de instituição em particular, um dis-
positivo técnico com a finalidade genérica de carregar consigo um conceito concreto da relação
políticas/sociedade e sustentado por um conceito de regulação. Segundo este raciocínio, o ins-
trumento determina a maneira como os atores se comportam, cria incertezas sobre os efeitos de
equilíbrio de poder e acaba privilegiando determinados atores e interesses e exclui outros. Os
atores sociais e políticos têm capacidades de ação que diferem amplamente de acordo com os
instrumentos escolhidos (LASCOUMES e LES GALÈS, 2007). Desse modo, o edital pode ser
interpretado enquanto instituição social (instrumento) porque possui características previsíveis
baseadas na racionalidade prevista na lei de licitações e nas lei de criação do respectivo fundo a
que ele atende e suas regulamentações.

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Labatut et al. (2012) faz um percurso semelhante na análise de tecnologias gerenciais


(que interpretamos como sinônimo de instrumento neste artigo) ao identificarem que elas car-
regam suposições, mitos racionais, sistemas de crenças, hipóteses e restrições materiais que
resultam em forças institucionais mais amplas, construção de um padrão de ações e abertura de
novas possibilidades de desempenho e invenções.
Para fins de análise, compreendemos que o instrumento é composto por três dimensões:
1) artefato ou substrato técnico – conjunto de técnicas, aspectos materiais e regras: modelos, ba-
ses de dados, algoritmos, etc; 2) filosofia gerencial – sistema de conceitos que denotam objetos e
objetivos que constituem os alvos de uma racionalização; 3) modelo organizacional – descreve
os papeis e cenas coletivas, a forma como o trabalho é envolvido em rotinas organizacionais
(LABATUT et al., 2012; LASCOUMES e LES GALÈS, 2007; 2012a)
Os autores que discutem os instrumentos também enfatizam que dificilmente aparecem
sozinhos, há uma pluralidade de instrumentos mobilizados, o que põe em questão a sua coor-
denação; os instrumentos, também, podem ter múltiplos propósitos que portam ambiguidades.
O edital, na perspectiva da lei de licitações, atende diferentes finalidades e setores da política,
ele se encontra mobilizado em políticas muito diferentes em suas formas e fundamentos. Desse
modo, o edital é utilizado para dar regras de diferentes tipos de seleções na gestão pública brasi-
leira, desde a definição de regras para concusros de seleção de pessoal a licitações.
O edital é, também, parte de um conjunto de instrumentos e ferramentas da política de fi-
nanciamento. Primeiro, ele está sujeito à lei que cria o fundo de cultura e suas regulamentações.
Esta lei corresponde ao entendimento de fundo especial como “o produto de receitas especifi-
cadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços” (BRASIL,
1964), pois ainda não foi criada uma lei complementar, como disposto no art. 165 da Consti-
tuição de 1988, para estabelecer normas para instituição e funcionamento de fundos. Assim, o
fundo também tem normas próprias de controle e prestação de contas que não podem elidir a
competência específica do Tribunal de Contas e é uma uma exceção ao princípio de unidade de
tesouraria que possibilita que seus recursos tenham uma conta própria (F. BRASIL, 2014).
Em segundo lugar, os fundos específicos de cultura obedecem aos preceitos do § 6° do
art. 216 da Constituição, instituído em 2003. Neste caso, a constituição permite que os entes
federados vinculem até 0,5% da receita tributária líquida em fundos para financiamento de pro-
gramas e projetos culturais. Estes recursos, porém, não podem ser utilizados para despesas com
pessoal e encargos sociais, serviço da dívida e qualquer outra despesa corrente não vinculada
aos investimentos ou ações apoiados. Neste aspecto, o edital é um instrumento que guia uma
seleção de projetos culturais para “terceiros” para que estes prestem serviços financiados com
recursos públicos com fins públicos (SALAMON, 2001). Para Salamon (2001), esta seria uma
das características distintivas das ferramentas de gestão mais recentes da ação pública: partilha

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com atores da sociedade civil, principalmente com ONGs, de uma função governamental refe-
rente a um direito básico.
Britto e Santos (2009) argumentam que este entendimento de previsão de subsídio para
a cultura em regime de colaboração com o setor privado permite a implementação de políticas
neoliberais, com pouca participação do Estado, cujo “fomento é atividade de Estado que atra-
vés do particular, realiza objetivos de interesse geral”. As autoras também colocam um outro
questionamento sobre a continuidade dos serviços públicos de cultura, pois a ideia de fomento
a projetos e programas pressupõe “apoio, suporte e estímulo a atividades específicas e transitó-
rias, advindo da concepção de autossustentabilidade das organizações” com pouca margem para
custeio permanente a grupos e instituições.
O argumento a favor dessa política de transferência de recursos a projetos culturais é
a de evitar o dirigismo cultural. Isto é, uma forma de intervenção realizada pelos agentes cul-
turais e instituições para a coletividade ou público a que se voltam “sem que sejam estes con-
sultados sobre suas necessidades ou desejos” (COELHO, 1997, p. 151-152). Mesmo que haja
algum grau de intervenção inerente a toda política cultural por essas possuírem as seguintes
características:
1) no campo da cultura, a oferta é que determina a procura, mais do
que o inverso – e portanto um certo grau de dirigismo é inevitável; 2)
programas culturais sustentados por políticas públicas devem destinar-
-se àqueles modos e práticas culturais não cobertos habitualmente pelas
diversas ramificações da indústria e do mercado cultural – e novamente
o dirigismo surge como etapa incontornável; 3) o agente cultural, que
passa por uma formação específica, tem suas responsabilidades públicas
próprias e não pode furtar-se a elas limitando-se a ser um elo passivo na
corrente de transmissão dos desejos do público ou da comunidade a que
deve atender. (COELHO, 1997, p. 152-153)
Por último, o edital é um modo de selecionar projetos culturais, de acordo com a lógica
da lei de licitações. Os projetos culturais, de maneira geral, são selecionados de acordo com
as modalidades concurso ou prêmio, previstas na lei 8.666/1993. Na modalidade concurso, os
projetos culturais são entendidos como um produto ou serviço artístico que deve ser escolhido
pelos princípios da moralidade, eficiência e impessoalidade (art. 37 da constituição); e também
aquele que reúne melhores condições para o desempenho de uma atividade de interesse do poder
público ou da sociedade (MARTINS JUNIOR, 2005, p. 38).
O edital é, portanto, um “ato por meio do qual se convoca os interessados em participar
do certame licitatório” (MIRANDA, 2004, p. 89) e, também, onde se estabelecem as condições
que regem o processo. É intrínseco ao edital a publicidade através de publicação de avisos no
Diário Oficial; o prazo de 45 dias entre a publicação do edital e a data de realização do evento; a
possibilidade de dispensa de documentos nos casos da modalidade concurso e convite.

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Aqui também há controvérsias sobre a necessidade ou não de utilizar a modalidade con-


curso que implica um processo licitatório no caso de produtos e serviços artísticos e culturais.
Para Miranda (2004, p. 66) a aquisição de obras de arte e objetos históricos estão no rol da
dispensabilidade de licitação, apesar do autor argumentar que a obra de arte, por se tratar de um
objeto singular e características únicas pode também estar no conjunto de exceções da inexigi-
bilidade de licitação e não dispensabilidade pois, para ele, não há como aferir objetivamente os
requisitos técnicos, tampouco se valorar qual obra de arte é mais importante ou mais bela.
Na perspectiva de Lascoumes, Le Galès, Labatut, Ageri e Girard, o edital é um artefato
para seleção de projetos culturais, inserido numa filosofia gerencial adotada pela lei de licitações
que enfatiza a transparência e o mérito e que também orienta os procedimentos do órgão gestor
da cultura com relação aos projetos culturais beneficiados e a rotina dos proponentes de projetos
culturais. Portanto, não são apolíticos, “sua elaboração e desenvolvimento é o resultado direto
de escolhas políticas e não podem ser entendidas somente de acordo com sua função, mas tam-
bém pelos significados que possuem para as pessoas que as criam e as utilizam” (LUCIO et al,
p. 153-154).
Outro aspecto relevante é que ele também é uma peça comunicacional ou um gênero dis-
cursivo. O edital possui, desse modo, um conteúdo – “o enunciado do edital apresenta acima de
tudo um conteúdo preciso por buscar legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade por
meio desse gênero discursivo.” (…); um estilo - “ (…) o estilo da linguagem no edital corres-
ponde ao padrão culto da linguagem, presente na redação oficial, com impessoalidade, clareza
e concisão, formalidade e uniformidade” (NUNES, 2014, p. 113); e uma construção composi-
cional por uma estrutura fixa (NUNES, 2014, p. 115). E, portanto, “os candidatos podem apre-
sentar determinadas dificuldades durante o processo seletivo por desconhecer a representação
organizada e hierarquizada do conteúdo semântico do edital, sua composição textual e da sua
adequação pragmático-discursiva à situação de interlocução” (NUNES, 2014, p. 115).
Para participar dos editais também são necessários conhecimento sobre a elaboração
de projetos culturais, que devem se adequar à proposta dos editais. Neste sentido, escrever um
projeto cultural pode demonstrar desigualdades entre os candidatos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das críticas ao modelo de seleção de projetos realizado pelos editais, estes são
apontados por alguns autores como o meio necessário para se escolher projetos culturais da
sociedade de maneira transparente e mais acessível. A maioria dos editais solicitam um projeto
cultural para avaliação da proposta, com exceção de alguns editais realizados pelo Ministério da
Cultura que permitiram a candidatura a partir de documentos registrados em áudio e/ou vídeo
com o objetivo de ampliar o acesso a pessoas que não estão familiarizadas com a linguagem do

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projeto cultural. Este tipo de seleção pode sair onerosa para uma prefeitura de pequeno porte, se
pensarmos na perspectiva da gestão municipal.
Para além da seleção de projetos, o que se coloca em jogo são sinais de esgotamento
deste modelo de financiamento que privilegia o produto ou o bem cultural. Nesta perspectiva,
Lima e Ortellado (2013, p. 366) propõem a criação de políticas de financiamento que promo-
vam o processo de produção e não do produto cultural e pela “desburocratização da prestação
de contas, de maneira a preservar a flexibilidade do desenvolvimento dos projetos e a respeitar a
informalidade dos agentes”. Para isso, propõem uma espécie de bolsa, a renda básica cidadania
para os agentes culturais, mesmo sabendo que isso possa gerar parasitismos ou free ridings.
Pose (2015, p. 39) também defende que os governos devem construir políticas culturais de ma-
neira mais participativa possível para que as necessidades principais de seus cidadãos, que não
podem ser atendidas pelo mercado ou outras vias, sejam acolhidas. Pois, promover o consumo
cultural pode provocar mais consumo e não uma cidadania mais “culta”.

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UMA POLITICA CULTURAL PARA O DESIGN


Cristina Portugal1
Eliane Jordy2
Juan Carlos Arañó3

RESUMO: Este artigo pretende contribuir para a reflexão sobre a necessidade de uma política
cultural para o Design. Discorre sobre a importância da criação da Sociedade Brasileira do
Design da Informação (SBDI) como entidade que promove por meio de Congresso e outras
atividades, uma política cultural para o campo do Design e áreas afins pelo prisma de incentivar a
evolução simbólica material e imaterial. Como instituição civil organizada, a SBDI, busca atuar
na formação da cultura ao visar o desenvolvimento de uma consciência crítica para o imaginário
social, a fim de orientar o desenvolvimento simbólico, tanto sobre as diferenças culturais, o
respeito pela diversidade e o diálogo intercultural. Isto porque, já não podemos desconhecer a
importância das experiências que ampliam o campo do design, dada a sua abrangência e alcance
como fenômeno social.

PALAVRAS-CHAVE: Política cultural, Design da Informação, Cidadania, Cultura

1. INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta a Sociedade Brasileira do Design da Informação (SBDI) 4 como
entidade que promove por meio dos Congressos intitulados, CIDI | Congresso Internacional de
Design da Informação e CONGIC | Congresso Nacional de Iniciação Científica em Design da
Informação, uma política cultural para o campo do Design e áreas afins pelo prisma de incenti-
var a evolução simbólica material e imaterial, além de discorrer sobre a importância da referida
sociedade para o desenvolvimento, discussão do Design da informação, e sobre o seu impacto
social e cultural para o grupo social envolvido.

1
Doutora em Design - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, crisportugal@gmail.com
2
Mestre em Design - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, eliane.jordy@gmail.com
3
Doutor em Artes - Universidade de Sevilha. Espanha, arano@us.es
4
As informações sobre a SBDI contidas neste artigo tiveram como base textos de relatórios internos e anais
dos congressos CIDI e CONGIC, dentre outros documentos elaborados pelo conselho científico da SBDI, Carla
Spinillo, Edna Lúcia Cunha Lima, Guilherme Cunha Lima, Joaquim Redig, Luiz Antonio Coelho, Mônica Moura,
Priscila Farias, Rita Couto, Solange Coutinho e demais colaboradores da SBDI.

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Lima, Ortellado e Souza (2013) - com base na noção de política de cultura definida pela
UNESCO - entendem as políticas culturais como um conjunto de princípios operacionais, práti-
cas administrativas, orçamentárias e procedimentos que fornecem uma base para a ação cultural
do Estado. E, neste caso, reconhecem a existência e a legitimidade de políticas culturais postas
em ação por atores não estatais, como no caso da SBDI.
A SBDI é uma entidade sem fins lucrativos, fundada em Recife, no ano de 2002. O seu
surgimento representa o início do processo de institucionalização da disciplina do Design da
Informação no país. E, contou também com o lançamento da Revista Brasileira de Design de
Informação, periódico brasileiro com pontuação no Qualis CAPES, como publicação da SBDI.
Como ação de políticas culturais para o Design foi criado o primeiro Congresso promo-
vido pela SBDI realizado, em 2003, na cidade de Recife, sendo representado como um horizonte
de grandes avanços, a primeira tomada de consciência brasileira (coletiva) sobre a relevância do
Design da Informação, segundo palavras de Joaquim Redig (2004):
Embora nesse período tenha florescido o Design Gráfico nacional, setor
a que está vinculado o Design de Informação, esta especialidade perma-
neceu aparentemente esquecida, tanto pela teoria, nas escolas, quanto
pela prática, nos escritórios, empresas e repartições – a não ser em al-
guns ensaios isolados, como o sistema de Comunicação Visual do ser-
viço de ônibus urbano do Recife, de Edna Cunha Lima, ou o de São
Paulo, de Cauduro / Martino, ou a sinalização urbana do Rio de Janeiro,
da PVDI, de Aloísio Magalhães (REDIG, 2004, p: 1).
Para Redig (2014), o designer contemporâneo deve assumir uma responsabilidade eficaz
e coerente, diante da definição de estratégias diversificadas. Tarefa que deve ser assumida junto
ao Poder Público, pois de acordo com o autor a informação tem primordial importância na for-
mação da cidadania.
Não há cidadania sem informação, nem informação sem Design. Esses
pequenos exemplos, somados a tantos outros, trazem a noção de cida-
dania para o âmbito da responsabilidade do designer, e particularmente
do designer de informação. Cabe-nos assumir junto ao poder público
esta responsabilidade, através das entidades acadêmicas e profissionais
(REDIG, 2004 p: 66).
A SBDI como entidade científica congrega pesquisadores, docentes e profissionais, que
atuam em sistemas de informação e comunicação analógicos e digitais, na gestão e produção da
informação. Um de seus objetivos é o de contribuir para o desenvolvimento, organização e difu-
são científica do Design da Informação enquanto área acadêmico-científica em âmbito nacional
e internacional, promovendo e estabelecendo o diálogo e a cooperação entre profissionais, do-
centes e pesquisadores, e fomentando o interesse de estudantes pela área, contribuindo, assim,
para sua formação profissional e intelectual.

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2. A SBDI E A CULTURA
Nas palavras de Arañó (2011), a cultura é o que permite que enquanto seres humanos te-
nhamos esperança, ela estimula nossos sentidos e possibilita novas formas de ver e compreender
a realidade. Cultura vista como o conjunto de características próprias, espirituais e materiais,
que caracterizam e distinguem uma sociedade e um grupo social. Referem-se a todas as artes,
assim como modos de vida, sistemas de valores, tradições, crenças e visões de mundo.
Quando falamos sobre cultura, convém esclarecermos que a construção de uma política
pública, exige estratégias diferentes quanto às duas dimensões da cultura – antropológica e so-
ciológica – embora ambas sejam igualmente importantes. Para a pesquisadora Isaura Botelho
(2001), na dimensão antropológica, a cultura se produz “através da interação social dos indivídu-
os, que elaboram seus modos de pensar, sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades
e diferenças”. Neste sentido, “a cultura é tudo que o ser humano elabora e produz, simbólica e
materialmente falando”. Por sua vez, segundo a autora, a dimensão sociológica não se constitui
no plano do cotidiano do indivíduo, pois é elaborada com a intenção “de construir determinados
sentidos e de alcançar algum tipo de público, através de meios específicos de expressão”.
Em outras palavras, a dimensão sociológica da cultura, segundo Botelho (2001),
Refere-se a um conjunto diversificado de demandas profissionais, ins-
titucionais, políticas e econômicas, tendo, portanto, visibilidade em si
própria. Ela compõe um universo que gere (ou interfere em) um circuito
organizacional, cuja complexidade faz dela, geralmente, o foco de aten-
ção das políticas culturais (BOTELHO, 2001, p.74).
Neste sentido, a proposta de criação da SBDI como entidade científica e como circuito
socialmente organizado visava, naquele momento, estimular, por diversos meios, a produção,
a circulação e difusão científica do Design da Informação enquanto área acadêmico-científica.
Criando mecanismos, fornecendo meios que favorecessem aos envolvidos sua própria compreen-
são de valor cultural permitindo-lhes o pleno desenvolvimento de suas capacidades e habilidades
através da valorização do conhecimento, estético e técnico, que estão profundamente imbricados.
Assim, segundo Botelho (2001), para intervir nas políticas públicas é necessário muito
convencimento e, sobretudo, dois tipos de investimento, dado o fato de que as políticas cultu-
rais, isoladamente, não conseguirem atingir o plano do cotidiano:
• O primeiro é de responsabilidade das pessoas diretamente interessadas. Isto significa
organização e atuação efetivas da sociedade, em que o exercício real da cidadania exi-
ja e impulsione a presença dos poderes públicos como resposta a questões concretas;
• O segundo refere-se à área de cultura dentro do aparato governamental. Uma polí-
tica cultural que queira cumprir a sua parte tem de saber delimitar seu universo de
atuação, precisando, portanto, ter estratégias específicas para a sua atuação como
articuladora de programas conjuntos.

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Como instituição civil organizada a SBDI busca atuar na formação da cultura ao visar o
desenvolvimento de uma consciência crítica para o imaginário social, a fim de orientar o desen-
volvimento simbólico, tanto sobre a cultura visual e material, as diferenças culturais, a liberdade
de expressão, o respeito pela diversidade e o diálogo intercultural. Isto porque, já não podemos
desconhecer a importância das experiências que ampliam o campo do design - dada a sua abran-
gência e alcance como fenômeno social.
Os eventos realizados pela SBDI como ações de políticas culturais para o Design, os
quais serão descritos em detalhes mais adiante, colaboram positivamente para a educação em
Design, e áreas afins, ao criar um lugar propício de reflexões e discussões. Considerando, nas
palavras de Arañó (2011), que, tanto a opinião pública, quanto organizações internacionais como
a UNESCO5, OCDE6, Banco Mundial e o BID7 identificam a educação como principal instru-
mento para o desenvolvimento dos países, crescimento das economias, aumento da produtivi-
dade para superar o abismo da pobreza interna ao possibilitar o conhecimento externo entre os
países desenvolvidos, e os em desenvolvimento. Ainda a educação pode ser contemplada como
elemento-chave para restabelecer a coesão social, a evitar a deslocação de jovens, prevenção da
criminalidade e abuso de drogas, afirmando os valores da sociedade, etc.
A LDBEN vem favorecer a atuação do design no âmbito educacional quando estabelece
a lei nº 9.394/96, no seu art. 26, § 2º para o ensino de arte:
[...] a arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação
básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. Observará as seguintes di-
retrizes: o conteúdo será distribuído entre as diversas séries e níveis da educação básica pelas es-
colas, abrangerá obrigatoriamente as áreas de: a) música, teatro e dança; b) artes visuais (artes
plásticas, fotografia, cinema e vídeo) e design; c) patrimônio artístico, cultural e arquitetônico
(BRASIL, 2009) (Grifo nosso).
Esta nova orientação foi devidamente normatizada nos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais da Educação Brasileira (PCNs), que apresentam dois projetos de lei sobre os conteúdos de
educação formal da escola brasileira: Projeto de Lei (PL741/07).
O Design é um amplo campo que envolve e para o qual convergem diferentes disciplinas.
Para o designer Antonio Fontoura (2002), ele pode ser visto como uma atividade, um processo
ou ser entendido em termos dos seus resultados tangíveis. O Design também pode ser visto como
uma função de gestão de projetos, como atividade projetual, um serviço social, uma atividade
conceitual, ou ainda como um fenômeno cultural. Pode ainda ser tido como um meio para adicio-
nar valor às coisas produzidas pelo homem e também como um veículo para as mudanças sociais

5
Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.
6
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
7
Banco Interamericano de Desenvolvimento.

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e políticas. (FONTOURA, 2002, p.68). Vindo ao encontro das ideias de Fontoura sobre o campo
de Design, lançamos mão das palavras de Bonsiepe:
Existe o perigo de se cair na armadilha das generalizações vazias do tipo
‘tudo é Design’. Porém, nem tudo é Design e nem todos são designers.
O termo Design se refere a u m potencial ao qual cada um tem acesso e
que se manifesta na invenção de novas práticas da vida cotidiana. Cada
um pode chegar a ser designer no seu campo de ação. E sempre deve-se
indicar o campo, o objeto da atividade projetual. [...] Design é uma ati-
vidade fundamental, com ramificações capilares em todas as atividades
humanas; por isso, nenhuma profissão pode pretender o monopólio do
Design (Bonsiepe, 1997, p.15).
Diante do que foi dito faz-se oportuno citarmos Kerckhove (1998), que se ocupou em
discutir a relação do Design, da tecnologia e da cultura, com vistas a problematizar a necessi-
dade de políticas culturais para o Design. Para o autor, existem claramente mais questões no
Design além de servir para conter e seduzir. Num sentido mais amplo, o Design desempenha um
papel metafórico, traduzindo benefícios funcionais em modalidades cognitivas e sensoriais. O
Design encontra a sua forma e seu lugar como uma espécie de som harmônico, um eco da tec-
nologia. Ele frequentemente faz o eco do caráter específico da tecnologia e corresponde ao seu
impulso básico. Sendo a forma exterior visível ou texturizada dos artefatos culturais, o Design
emerge como aquilo a que poderíamos chamar de pele da cultura.

3. AS PRÁTICAS E AÇÕES DA SBDI


A criação da SBDI, em 2002, se deu por iniciativa de alguns pesquisadores e professores
de universidades brasileiras. O Design da Informação consistia em tema de discussão relevante
internacionalmente para o campo do Design, desde meados dos anos 1970. Redig (2004) aponta
a relevância do Design da Informação em eventos como a criação do IIID (International Insti-
tute for Information Design, sediado na Áustria), a edição do Design Information Journal, e o
boletim da Glyphs Inc. - entidade internacional liderada pela antropóloga Margaret Mead e pelo
designer Rudolf Modley - como contributos que ofereceram abrangência ampla para a dissemi-
nação da Pictografia como linguagem universal.
Pode-se dizer que - dada a importância do campo do Design para a criação simbólica
material e imaterial da cultura, soma se a isso, o célere crescimento do valor da informação com
a disseminação das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) – tudo isso contribuiu
para a SBDI criar os Congressos intitulados CIDI | Congresso Internacional de Design da Infor-
mação e CONGIC | Congresso Nacional de Iniciação Científica em Design da Informação tendo
como principal objetivo discutir o estado da arte do Design da Informação e, consequentemente,
promover o intercâmbio entre pesquisadores da área; divulgar a produção científica brasileira e
internacional; e ainda contribuir para a consolidação do Design da Informação no Brasil.

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Os Congressos científicos com periodicidade bienal promovidos pela SBDI são patroci-
nados por agências de fomento à pesquisa brasileira como CNPq, CAPES, FAPERJ, FACEPE,
FAPESP, entre outras, tangibilizam o encontro de diversos especialistas na área do design e
áreas afins. Tais encontros geram reflexões e ações que visam promover o desenvolvimento
cultural diante da tarefa de realização conjunta proporcionando uma profícua oportunidade de
intercâmbio entre pesquisadores, profissionais e estudantes do Brasil e do exterior.
Na 6º edição do Congresso em 2013, realizado em Recife, comemorando os 10 anos de
sua fundação, foi consolidada a inserção do Brasil na área de Design da Informação no cenário
mundial, proporcionando visibilidade e intercâmbio entre a produção nacional, além de ter pro-
porcionado o contato entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros, assim como estudantes e
profissionais participantes dos eventos na discussão do estado da arte do Design da Informação.
Um exemplo desta inserção foi o convite, durante o evento, de trazer para o Brasil a
Editoria do Information Design Journal, publicado pela John Benjamin, onde a professora Carla
Spinillo da UFPR foi convidada como General Editor e a professora Solange Coutinho da UFPE
como Editorial Manager.
E ainda durante o Evento foram produzidos e lançados os seguintes documentos: Livro
de Resumos com 88 páginas; Lançamento do Selected Readings do 5º CIDI; lançamento do nú-
mero da InfoDesign - Revista Brasileira de Design da Informação, São Paulo | v. 10 | n. 3 [2013]
(ISSN 1808-5377); Lançamento de quatro livros sobre design pela editora Rio Books e outras
editoras e Anais do Congresso online editado pela Editora Blucher, São Paulo.
Em 2015, a 7º edição do Congresso realizada em Brasília, proporcionou visibilidade e
intercâmbio entre a produção nacional e internacional, como parte do 7o Congresso Internacio-
nal de Design de Informação 2015 – CIDI e 7o Congresso Nacional de Iniciação Científica em
Design de Informação – CONGIC, organizados pela SBDI e a Universidade de Brasília – UnB.
Entre as parcerias firmadas, destacamos a realizada com a Royal College of Art de Londres, a
mais importante universidade de Pós-Graduação em Arte e Design do mundo, para a realização
da exposição intitulada Graphics RCA. Nela foram expostos trabalhos originais dos alunos do
RCA de coleções e arquivos especiais. A mostra foi a primeira exibição, no Brasil, de obras de-
senvolvidas por alunos e ex-alunos do Royal College of Art de Londres.
Durante o CIDI 2015, a SBDI divulgou o apoio ao Congresso intitulado Information+
Interdisciplinary practices in information design and visualization que será realizado em julho
do corrente ano na Carr University of Art + Design na cidade de Vancouver, Canadá. Consoli-
dando suas ações de políticas culturais tanto no Brasil como no exterior.
Também contou com a publicação de livro de resumos, Anais do Congresso online edita-
do pela Editora Blucher, São Paulo e lançamento do número da InfoDesign - Revista Brasileira
de Design da Informação| v. 12 | n. 2 [2015].

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Em 2017 será realizada a 8º edição do Congresso que oferece a oportunidade tanto para
profissionais quanto para estudantes apresentarem e discutirem sobre os temas que são focos de
reflexão. Edições anteriores foram realizadas em Recife, 2003; São Paulo, 2005, Curitiba, 2007,
Rio de Janeiro, 2009; Florianópolis, 2011; Recife, 2013 e Brasília, 2017.
Verificaram-se nos relatórios dos eventos que o maior número de participantes é de profes-
sores e alunos da cidade que sedia o congresso e de cidades vizinhas. O evento itinerante objetiva a
disseminação e democratização da informação, pois facilita o acesso de pesquisadores, professores
e alunos das regiões mais próximas ao evento, possibilitando assim uma valorização de todas as
regiões já alcançadas, dado o tamanho continental do Brasil que gera alto custo de locomoção.
O gráfico abaixo apresenta os dados sobre a participação por região do Brasil no con-
gresso realizado em Recife, no ano de 2013. Podemos observar que é sempre maior o número
de participantes oriundos das cidades que já sediaram o evento do que das cidades que ainda não
ocorreu nenhuma edição de Congresso realizado pela SBDI.

Figura 1: Número de participantes no CIDI e CONGIC 2013 por Estados

Os trabalhos apresentados nos eventos CIDI e CONGIC em sessões oral e pôster, são
publicados em anais trazendo o estado da arte do Design da Informação, divulgando assim, a
produção científica brasileira e internacional.
Os artigos são agrupados nos seguintes eixos temáticos:
• Comunicação: Aspectos e questões relacionados à eficácia comunicacional de sis-
temas informacionais analógicos. Investigações enfocando o design de instruções,

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formulários, sistemas de signos, símbolos gráficos, mapas, artes sequenciais, roteiro,


storyboard, fazem parte deste eixo temático;
• Educação: Aspectos e questões referentes ao papel do design da informação na edu-
cação. Estudos sobre currículos de graduação e pós-graduação, artefatos didático/
instrucional, métodos e abordagens de ensino/aprendizagem numa perspectiva do
design da informação, entre outros;
• Sociedade: Aspectos e questões do design da informação relativas à produção e uti-
lização de artefatos por indivíduos e seus efeitos na sociedade. Estudos em áreas
como design social, design vernacular, produção artesanal, semiótica relacionados
ao InfoDesign se enquadram neste eixo temático;
• Tecnologia: Aspectos e questões do design da informação relativas à produção e
utilização da tecnologia por indivíduos. Estudos em áreas como: interação humano/
computador, design de hipermídia, visualização de dados, design de jogos, realidade
aumentada, animação, broadcasting design e avaliação de interfaces computadoriza-
das se enquadram neste eixo temático;
• Teoria e História: Abordagens/contribuições históricas e teóricas ao design da infor-
mação. Pesquisas sobre pioneiros e primórdios do design da informação, propostas
de taxonomias, assim como modelos e métodos para seu estudo, enquadram-se neste
eixo temático;
Além disso, com o intuito de criar encontros regionais, como um desdobramento do
Congresso Internacional de Design da Informação, que ocorre bianualmente, a Sociedade Bra-
sileira de Design da Informação – SBDI, em parceria com Universidades brasileiras têm rea-
lizado encontros, mesas redondas e jornadas denominadas “Ecos do CIDI”. A intenção é que
esses encontros disseminem ideias e fomentem reflexão para pequenos grupos, e venham a dar
visibilidade aos trabalhos de outras regiões ainda menos favorecidas ao acesso à informação.

4. CONCLUSÕES
Apesar da presidente Dilma Rousseff ter vetado integralmente, o projeto de lei nº 24,
de 2013 (nº 1.391/11), que dispõe sobre a regulamentação do exercício profissional de designer
(G1 28/10/2015), o Design tem assumido papel preponderante em nossa sociedade. Tanto que
hoje ele já possui representante junto ao Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério
da Cultura- MinC. Este espaço não existia, e foi concedido em função do interesse do MinC em
incluir esta área como ferramenta para valorizar a produção cultural do país.
Devemos acrescentar que através de iniciativas e ações como a criação da SBDI, é pos-
sível avançar nas políticas culturais colaborando para o entendimento da relevância do campo

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políticas culturais
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do design para a sociedade e contribuindo para o desenvolvimento local e regional das cidades
que sediam os congressos.
A atividade do Design pode ser classificada como cultura visual e material das socieda-
des de consumo, ao participar dos processos culturais por meio da configuração de artefatos,
ambientes e sistemas analógicos e digitais.
O Design da Informação segundo Mirsoeff (2003), como produtor de cultura visual
deve ser tratado desde um ponto de vista muito mais ativo e se baseia no papel determinante
que ele desempenha na cultura mais ampla à qual pertence. Ela realiza aqueles momentos nos
quais o visual se põe no interdito, se debate e se transforma como um lugar sempre desafiante
de interação social.
O importante desta discussão para o campo do Design é compreender a responsabilidade
social do designer enquanto produtor e criador de sistemas informacionais, comunicacionais e
estéticos, os quais de alguma maneira irão influir para a construção da cultura e por sua vez na
estrutura de uma sociedade.
De acordo com Arañó (2011), a cultura é a base estrutural para um mundo simbólico de
significados, crenças, valores e tradições que são expressas através da linguagem, arte, religião
e mitos. Assim, ela desempenha um papel fundamental no desenvolvimento humano e no com-
plexo tecido das identidades e hábitos dos indivíduos e das comunidades.
As transformações tecnológicas que se proliferam de forma célere, segundo Portugal
(2013), estão criando uma nova cultura cada vez mais visual que está transformando nossa
maneira de interagir com os objetos, as pessoas e o meio ambiente. As mudanças que ocorrem
na organização e na produção de conhecimento criam a base de uma nova sociedade, na qual o
saber passa a ser entendido como o produto de negociações coletivas que envolvem pessoas e
artefatos tecnológicos. Dessa forma, transformando a estrutura de nossa subjetividade, mudam
também as formas de construção do conhecimento e, consequentemente, os processos culturais.
O Design é um processo ativo que influencia a sociedade criando cultura visual e mate-
rial. Segundo esta ótica, Meurer (1997) diz que o mundo em que vivemos é mais que a matéria –
que se há solidificado como forma – e que se deteve no tempo. Sua forma está definida mediante
a atividade, e a ação é o seu centro. Se o Design é concebido orientado em direção à ação, en-
tendida como interação ativa e mudança criadora, ele não focará somente o objeto como forma.
Ao contrário, os designers irão preocupar pelo desenvolvimento de modelos de processos intera-
tivos, nos quais os objetos desempenham um papel central indiscutível como meio para a ação.
Segundo esta visão, o Design se relaciona com a totalidade do espectro concreto e intelectual da
interação humana, da interação entre as pessoas, dos produtos, e com o mundo em que vivemos.
Tomando esta definição do Design como campo, que nas palavras de Meurer (1997)
“se relaciona com a totalidade do espectro concreto e intelectual da interação humana”. Neste

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sentido fica clara a necessidade de políticas culturais para o Design que colaborem para a con-
solidação da área.
A descrição deste trabalho nos fez refletir sobre a importância da realização de políticas
culturais que atentem para a necessidade de investir em iniciativas e ações como a da SBDI,
a fim de colaborar para o entendimento da relevância do campo do design para a sociedade.
Acreditamos que toda política cultural deveria considerar trabalhos onde as demandas do grupo
social envolvido e as políticas públicas sejam aliadas, e alinhadas, num projeto cultural comum
com trabalhos bem incorporados.

AGRADECIMENTO
Ao conselho científico da SBDI, Carla Spinillo, Edna Lúcia Cunha Lima, Guilherme
Cunha Lima, Joaquim Redig, Luiz Antonio Coelho, Mônica Moura, Priscila Farias, Rita Couto,
Solange Coutinho e demais colaboradores da SBDI.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Maio 2014 vol. 1 num. 2 Disponível em: http://www.proceedings.blucher.com.br/article-list/cidi2013-
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OS PRIMEIROS CONGRESSOS NACIONAIS DE MUSEUS NO BRASIL


E SUA IMPORTÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO
DE UMA POLÍTICA NACIONAL MUSEAL
Daniel Campelo de Oliveira1

RESUMO: O objetivo deste trabalho é fazer uma análise específica nos três primeiros congressos
nacionais de museus, realizados entre os anos de 1954 e 1963, identificando os atores sociais
envolvidos e os principais temas abordados nas discussões. Em um momento em que os museus
brasileiros buscavam se alinhar as intencionalidades de investimentos do Governo, os sujeitos
envolvidos nestes encontros se destacaram pela organização inédita neste sentido no país. Ao
dar luz a estes congressos pretendemos vislumbrar sua importância perante aos rumos que os
museus e a museologia tomaram a partir de sua realização.

PALAVRAS-CHAVE: Política de museus, Congressos nacionais de museus, Museologia,


Museus.

Alguns estudos acerca do Estado e sua relação com a sociedade, presentes de forma pre-
ponderante na produção historiográfica brasileira, são relevantes para introduzir o assunto, na
medida em que elaboram reflexões naturalizadas dessa relação.
Ao organizar uma coletânea de textos sobre o campo de política cultural no Brasil repu-
blicano, desde as experiências da Era Vargas nos anos 1930 e 1940, até o período contemporâ-
neo da gestão do ministro da cultura Gilberto Gil, no período de 2003 a 2009, Alexandre Bar-
balho e Antonio Albino Canelas Rubim atentam para o fato da produção acerca desta temática,
apesar de consistente, “... ainda não se estabeleceu em nosso meio social um capital crítica sobre
política cultural. ” (BARBALHO; RUBIM, 2007)
Ao analisar de forma mais detalhada as décadas de 1950 a 1970, especificamente no que
se refere às intenções e práticas políticas dos museus no Brasil, este trabalho pretende preencher
uma pequena parte desta lacuna citada por estes autores.
Na década de 1950 o “campo museológico” no país encontrava-se em formação. Os três
decênios anteriores foram essenciais para o desenvolvimento da museologia e dos próprios mu-
1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro – UNIRIO. E-mail: dnlcampelo@gmail.com

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seus no país. Desde a fundação do Museu Histórico Nacional em 1922, e da criação do curso de
museus (atualmente Escola de Museologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Unirio)
dez anos depois, o Brasil passava por um momento de alinhamento com novas tendências da
museologia, sobretudo após a criação da Organização Nacional do Conselho Internacional de
Museus – ONICOM, no ano de 1948, atualmente conhecida como ICOM-Brasil.
Especificamente entre os anos de 1956 e 1962 foram realizados os três primeiros con-
gressos nacionais de museus no país, todos organizados pelo conselho nacional. Primeiro Con-
gresso Nacional de Museus realizado em Ouro Preto, Minas Gerais em 1956; Segundo Con-
gresso Nacional de Museus, realizado na capital do Estado de São Paulo em 1959; e o Terceiro
Congresso Nacional de Museus, realizado em Salvador, Bahia em 19622. Nestes encontros fo-
ram discutidos os principais problemas enfrentados pelos profissionais que atuavam nos museus
brasileiros. Mudança de legislação, valorização dos profissionais e problemas estruturais foram
algumas das principais temáticas abordadas nestes eventos, que contribuíram para modificar de
forma indireta, ou mesmo diretas, na construção de uma trajetória política de museus em âmbito
nacional. O Conselho Internacional de Museus – ICOM, juntamente com a divisão das Nações
Unidas para educação e cultura – UNESCO, também organizou diretamente um encontro no
país, no ano de 1958, contando com o apoio do conselho nacional. O Seminário Regional da
UNESCO sobre a função educativa dos museus, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, contri-
buiu para aumentar o intercâmbio entre profissionais da museologia que atuavam na América
Latina e no restante do mundo.

1. INSTITUIÇÕES MUSEOLÓGICAS NACIONAIS E LEGISLAÇÃO EXISTENTE


O artigo 148 da Constituição federal brasileira de 1934 destinava à União, aos Estados
e aos municípios, o favorecimento do desenvolvimento da cultura em geral, com o objetivo
de proteger o interesse histórico e o patrimônio artístico do país. Na constituição de 1937, os
serviços relativos à educação foram ampliados, a partir da criação do SPHAN e seu Conselho
Consultivo. Com relação aos museus, no mesmo artigo destinado ao tratamento do patrimônio
histórico e artístico, há a indicação de que deveriam cooperar com as atividades do SPHAN.
O Museu Histórico Nacional, o Museu Nacional de Belas-artes e outros
museus nacionais de coisas históricas ou artísticas, que forem criados,
cooperarão nas atividades do Serviço do Patrimônio Histórico e Artísti-
co Nacional, pela forma que for estabelecida em regulamento (Capítulo
III. Secção III. Lei nº 378).
Em um período em que os museus estavam subordinados ao recém criado Ministério da
Educação e Cultura - MEC, houve uma forte comunicação entre o governo federal e os museus,
2
Essas informações encontram-se no Arquivo Institucional do Museu Histórico Nacional. Série AS-DG1. Caixas:
2A e 3.

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através da centralização das decisões referentes a esse assunto no MHN e na Inspetoria de Mu-
seus, ambos comandados por Gustavo Barroso, no final do mesmo decênio o projeto se alterou
e a museologia brasileira passou por um período de transformações
A década de 1940 foi marcada pela criação de diversos museus federais no país. Na cida-
de de Petrópolis-RJ foi criado o Museu Imperial, através do decreto-lei de número 2.096/1940.
No mesmo ano foi criado na cidade de São Miguel das Missões-RS, o Museu das Missões, além
do Museu do Ouro em Sabará, MG, em 1945, todos inaugurados após a publicação de decretos-
-leis federais.
Gradativamente foram criados serviços públicos responsáveis por administrar o interes-
se destes órgãos públicos. Na cidade do Rio de Janeiro foi criado o Serviço de Museus da cidade
do RJ, subordinado a Secretaria geral de educação e cultura da prefeitura do Distrito Federal,
também no ano de 1940. Esse órgão representou concessão pública à atenção específica para as
necessidades dos museus na cidade.
Em paralelo à criação de instituições museológicas, a museologia se consolidava. Nas
palavras do historiador Paulo Knauss: “A década de 1940 se confirmou como a década em que
a museologia se afirma como campo intelectual no Brasil” (KNAUSS, 2011). Foi também o pe-
ríodo da renovação do currículo do Curso de Museus do MHN. Criado no ano de 1932, o Curso
de Museus do MHN recebeu novos disciplinas, investimento e procurava se alinhar às novas
tendências da museologia mundial, fato pertinente para este, desde o decreto lei nº 24.735 de
1934, que alterou pela primeira vez o Estatuto do Curso, o concedendo relativa autonomia em
relação ao MES (Ministério da Educação e Saúde),3 e posteriormente ao MEC.
No final dos anos 40, mais precisamente em 1948, com a fundação do ICOM-Brasil, os
profissionais que atuavam nos museus brasileiros iniciaram as discussões que seriam vigentes
em décadas posteriores: a função e os objetivos das instituições museais brasileiras. Neste mes-
mo período, os museus brasileiros passaram a se preocupar com a divulgação de seu acervo para
um público ampliado. Data de 1952 a primeira pesquisa de público em museus realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. Foi apontado um número de 1.226.000
visitantes em 104 museus que participaram da pesquisa (TRIGUEIROS, 1955, p.29).
Já o caráter educacional é destacado pelo historiador Paulo Knauss. No trecho apresen-
tado a seguir, nota-se a mudança de interesses e perspectivas das instituições museais existente
no Brasil, primeiro ele apresenta a intencionalidade dos museus até a década de 1940, e por fim
a mudança a partir da década de 1950 no país.
Os museus mais antigos do Brasil, (...), tinham como foco a pesquisa e,
por isso, não era de surpreender que não tivessem horário de visita, pois
recebiam apenas pesquisadores agendados (...) Nos anos de 1940, porém,

3
Relatórios do MHN. Arquivo Institucional do Museu Histórico Nacional. Série AS-DG1. Caixas 2ª e 3.

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todos os museus tendiam a combinar o interesse pelo tratamento técnico


das peças com a missão educativa dos museus. (KNAUSS, 2011, p. 583).
Se durante o século XIX os museus voltavam sua atenção às pesquisas científicas, a
partir da década de 40 e 50 do século XXI, principalmente, a preocupação com os visitantes se
difundiu, e mais especificamente projetos voltados para os estudantes. Torna-se imprescindível
neste momento alinhar o Brasil dentro do cenário internacional, e entender como a museologia
e os museus eram vistos e administrados ao redor do planeta.
O ICOM foi criado no ano de 1946, com o objetivo de estabelecer uma normatização
a todos os museus do planeta, e visava apontar diretrizes para as funções destes,4 pois após as
tragédias ocorridas no decorrer da primeira metade do século XX, a preocupação com os bens
materiais históricos e artísticos havia se intensificado. Vinte anos antes da criação do ICOM,
ocorrera uma tentativa de se estabelecer uma entidade capaz de abarcar os museus e os profis-
sionais atuantes na área ao redor do mundo, o Escritório Internacional de Museus – IOM, porém
sua atuação se restringiu aos países França, Estados Unidos, Alemanha, Itália e Grã-Bretanha,
uma vez que o diálogo com países fora deste eixo ocorreu de forma limitada. (CRUZ; 2006)
Um dos museus brasileiros que recebeu esta comunicação foi o Museu Nacional de Be-
las Artes – MNBA sediado no Rio de Janeiro. Tão logo os representantes da instituição respon-
deram à recém-criada organização internacional, foi feito um convite para que um representante
do museu fluminense acompanhasse a reunião de abertura da nova instituição. (CRUZ, 2006)
Se no período da formação do projeto de Gustavo Barroso, com a criação do MHN e do
Curso de Museus durante as décadas de 1920 e 1930, a influência do projeto europeu não é tão
visível, até porque a comunicação internacional entre os profissionais estava em formação, a par-
tir da criação do ICOM, na segunda metade da década de 1940, estes elementos se evidenciam.
A criação dos diversos museus através de decretos-leis entre as décadas de 1940 e 1950
evidenciavam que o diálogo entre sociedade civil, organizada principalmente no Icom-Brasil,
e a sociedade política, responsável pelos decretos que criavam estas novas instituições, permite
visualizarmos a composição de um Estado que atendia às necessidades da comunidade museal
que se formara anos antes, e se encontrava em fase de desenvolvimento e estruturação política.
No dia 12 de abril de 1954 Getúlio Vargas instituiu seu último ato legal em relação aos
museus, ao criar Museu do Diamante em Diamantina, MG através do decreto-lei de nº 2.200.
Seus governos (1930-1945, e 1951-1954) foram caracterizados pela criação de diversos museus,
e favorável atenção concedida aos à museologia. Dois meses após o suicídio do presidente, dois
representantes de museus nacionais foram enviados pelo Governo federal, para a capital da
Grécia para participarem do Segundo Estágio sobre os museus e a educação, promovido pelo

4
Cf. http://icom.museum/the-organisation/history/. Acessado em 03/01/2014.

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ICOM, os professores Jenny Dreyfus e Vitor Stawiaski, funcionários do MHN e do Museu Na-
cional, respectivamente. (CRUZ, 2006).
O tema educação em museus que permeava as discussões dos profissionais das institui-
ções museais do país assumiu maior destaque através do contato dos brasileiros com o ICOM, até
que ficou decidido a realização do Primeiro Congresso Nacional de Museus no Brasil. A cidade
escolhida foi Ouro Preto, MG, e o evento realizou-se no ano de 1956. Nas palavras da presidente
do ICOM-Brasil à época do evento, através do congresso: “selou-se o início da cooperação sis-
tematizado entre os educadores oficiais e os técnicos de museus” (TRIGUEIROS, 1958, p.11)
A importância deste primeiro congresso, organizado pelo conselho nacional do ICOM,
tratou majoritariamente sobre educação e museu, pois permitiu um debate acerca das dificulda-
des encontradas em instituições distintas, com problemas que se convergiam. Foram apresenta-
dos alguns temas relativos a memória de instituições como por exemplo, o Museu do Banco do
Brasil e o Museu Antônio Parreiras, de Niterói, Rio de Janeiro.
Com a possibilidade de museus distintos se tornarem visíveis dentro da comunidade mu-
seal, o evento incentivou a realização de eventos posteriores, e cada vez mais audaciosos, inclu-
sive em relação a propostas de mudanças de legislação referentes aos próprios museus do país.

2. CONGRESSOS E ENCONTROS DE MUSEUS DURANTE AS DÉCADAS DE 1950 E
1960 NO BRASIL: PROPOSTAS DE MODIFICAÇÕES NA LEGISLAÇÃO
Com a organização desta instituição entre os anos 1956 e 1962 realizaram-se no país
os três primeiros congressos nacionais de museus. Além do “Seminário Regional da UNESCO
sobre a função educativa dos museus” no Rio de Janeiro em 1958, que foi o único dos grandes
eventos organizado diretamente pelo ICOM com parceria da UNESCO. A organização nacional
do Conselho Internacional dos museus, apenas apoiou a realização deste encontro.
A análise destes congressos nos permite identificar a presença repetida de profissionais
de destaque que atuaram nos museus brasileiros neste período, assim como perceber quais eram
os principais questionamentos e objetivos expostos por estes agentes sociais.
O primeiro dos eventos promovido pelo Comitê Nacional do ICOM, ocorreu em julho
de 1956, o Primeiro Congresso Nacional de Museus. Dividido em dez diferentes tópicos de dis-
cussão e com aproximadamente 140 congressistas convidados, os representantes das principais
instituições museais brasileiras debateram sobre sua situação administrativa, além de dedicar
atenção especial para o tema da legislação específica dos museus, incluindo possíveis regula-
mentações que deveriam ser constituídas a partir das sugestões do encontro.
Foram apresentados 72 trabalhos durante os cinco dias de encontro, e em sua grande
maioria com a temática voltada para os serviços educativos nos museus, além das publicações

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geradas a respeito da memória de algumas instituições museais, como por exemplo, do Museu do
Banco do Brasil (MONTEIRO, 1956) e do Museu Antônio Parreiras de Niterói (ÁVILA, 1956).
Um dos tópicos presente no encontro tratava da situação que se encontravam os museus no
Brasil. Foi feita a apresentação de resenhas históricas de algumas destas instituições, no qual foram
apresentadas instalações e organizações estruturais dos prédios que as abrigavam com objetivo de
tornar visível para a comunidade museal os percalços enfrentados nas diferentes casas históricas.
Porém o destaque maior foi para as sugestões de legislação e regulamentação que se dire-
cionava aos museus, as quais deveriam ser constituídas. Há de se destacar alguns dos convidados
neste encontro, como por exemplo, Juracy Silveira e Guy de Hollanda, professores e funcionários
do Ministério da Educação e Saúde e Dioclésio Redig de Campos (TRIGUEIROS, 1958, p. 91).
Desta forma, os organizadores do Encontro cumpriam com dois de seus objetivos incluídos no
projeto do evento: além de tomar uma atitude que passa a ser constante nos eventos seguintes,
convidar especialistas em museus internacionais para opinar nas técnicas museológicas adotadas
no país com a finalidade de reunir propostas e levá-las para o conhecimento do governo.
O presidente do SPHAN Rodrigo Mello Franco de Andrade foi escolhido como um
dos presidentes de honra do Encontro, o que foi visto como tentativa ainda maior de estreitar a
ligação da ONICOM com o órgão federal de preservação. Reuniram, portanto, representantes
do MEC e o Serviço do Patrimônio, os dois grandes órgãos aos quais as instituições museais
estavam atreladas e subordinadas.
Dois anos após a realização do congresso organizado pelo ICOM-Brasil, o próprio ICOM
em parceria com a UNESCO decidiu realizar o Seminário Regional sobre a Função Educativa
dos Museus. Tratou-se de uma série de conferências e mesas-redondas ocorridas de 07 a 30 de
setembro de 1958 na cidade do Rio de Janeiro, envolvendo representantes de vinte países da
América Latina, museólogos dos Estados Unidos, França, Países Baixos e Reino Unido, além
do presidente do ICOM, Georges Henri Rivière (TORAI, 1995, p. 10).
No documento final, redigido pelo próprio presidente do ICOM, e publicado pela UNES-
CO, destacou-se como fator primordial dos debates e discussões ocorrido ao longo do semi-
nário, que o museu pode trazer muitos benefícios a educação. È preciso pensar esta premissa
sem colocar em perigo o cumprimento da conservação e investigação científica, por exemplo.
(TORAI, 1995, p. 10).
Pouco aos antes de alcançar a década de 1960, os especialistas em museus, museólogos e
demais profissionais que pensavam e atuavam nas principais instituições internacionais, ligadas
ao ICOM e a UNESCO, ainda buscavam formas mais adequadas dos museus servirem à edu-
cação. A análise dos temas propostos neste encontro ajuda a pensarmos de que forma este tema
ainda era uma incógnita para estes sujeitos.

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O tema: “Exposição polivalente e exposição especializada” presente em uma das con-


ferências pode ser destacado aqui. Exemplos ainda em fase de teste, no Museu do Homem em
Paris e no Rilksmuseum em Amsterdã, serviram como exemplo de como um público distinto e
completamente heterogêneo era tratado. (TORAI, 1995, p. 13).
Já o Segundo Congresso Nacional de Museus foi realizado em dezembro de 1959, em
São Paulo, e sobre essa reunião há poucas informações disponíveis Uma das mais relevantes
é que tal encontro reforçou a importância do tema museu e educação, já tratado no Primeiro
Encontro realizado em Ouro Preto, e realçado no Seminário Regional da UNESCO, dedicado
inteiramente a função educativa dos museus, realizado em 1958, na cidade do Rio de Janeiro.
Em 1962, com a realização do Terceiro Congresso Nacional de Museus, na cidade de
Salvador, surgiram as ideias mais relevantes em relação à formulação de diretrizes legais para
os museus brasileiros. A comunidade museal, que vinha se aglutinando em torno dos primei-
ros congressos pela Organização Nacional do ICOM, resolveu produzir documentos sugestivos
para uma política de museus. Com o título “Utilização cultural de material de museus”, os
idealizadores abriram os debates declarando que o encontro não possuía finalidade de discutir
legislação, no entanto concluem o encontro, afirmando que “é preciso introduzir modificações
na legislação...”
Destaque para as quatro sugestões para uma política de museus, apresentadas já no pri-
meiro dia do evento: transformar os museus em autarquias, gerando uma política oficial de
museus; fazer com que os museus de maior expressão cultural, de mais rico patrimônio passem
a integrar universidades, como institutos anexos; fazer com que os museus de menos campo de
ação, como os regionais e municipais se organizassem em redes de cooperação e assistência,
sob proteção dos estados, municípios e entidades particulares; e por fim garantir a divulgação
dos museus na sociedade.
Um dos pontos mais relevantes das propostas finais deste encontro foi da criação de uma
Associação Brasileira de Museologia, que de fato ocorreu um ano depois, em 1963, quando foi
criada a ABM.
Após a criação da ABM no início da década de 1960, a organização dos eventos em ní-
vel nacional passou a tutela da nova associação. As mudanças em relação à legislação vinham
ainda em forma de sugestões, pois os profissionais responsáveis pelas propostas não possuíam
força política para a efetiva alteração de leis. É interessante notar que anos depois, entre 1969
e 1973, O Programa de Ação Cultural, vigente durante o ministério de Jarbas Passarinho, não
possuía uma função explícita de formular uma política oficial de cultura. (MICELI, 1970, p.56)
Mesmo esse dado sendo posterior ao período destacado, nos permite pensar sobre a dificuldade
de modificação da legislação patrimonial no país.

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O fato é que os profissionais da área de museus, que passaram a se organizar desde a


criação do ICOM-Brasil, ao invés de adotar o critério do embate com o Governo, resolveram se-
guir, com a criação da ABM, de se alinhar ao setor federal, buscando receber alguns benefícios
provenientes desta aliança.
Nosso objetivo na dissertação será destacar o posicionamento político dos profissionais
envolvidos nestes encontros apresentados, assim como os cargos públicos exercidos por eles.
E por fim tentar analisar a existência ou não de uma rede de intelectuais capazes de um diálogo
mais íntimo com o Governo Federal durante as décadas de 1960 e 1970.

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ANÁLISIS FESTIVAL ESTÉREO PICNIC:


CRECIMIENTO DE LOS FESTIVALES Y LA OFERTA MUSICAL
EN COLOMBIA (2010-2015)
Daniela Herrera Dimaté1

RESUMO: El Festival Estéreo Picnic es un festival musical que se ha realizado desde el 2010
en Bogotá, Colombia, poniendo a la ciudad como referente para giras de músicos. Se analiza la
historia, cadena de valor y factores del entorno del Festival, cómo estos influyen en el Festival,
y también cómo influye éste en la economía de Bogotá. El análisis del Festival se realiza desde
la perspectiva de que éste es una manifestación positiva e influyente en la industria creativa de
la música en Colombia, que ha experimentado un crecimiento favorable a nivel local y mundial
en años recientes.

PALAVRAS-CHAVE: Festival de música, cadena de valor, indicadores de medición, Bogotá.

En Colombia en la última década se ha evidenciado un crecimiento en la oferta musical,


tanto bandas locales que se dan a conocer en el exterior como bandas internacionales que visitan
frecuentemente Colombia; a comparación de la década de los noventas donde en el país se
presentaban contadas agrupaciones internacionales vigentes de la época, esto se debía en gran
parte a la imagen negativa de violencia que dejó el narcotráfico y el conflicto interno en general.
No solo los artistas o promotores temían por su seguridad, sino que tampoco existía el capital
humano ni herramientas técnicas ni tecnológicas suficientes para poder desarrollar conciertos
de alta calidad con estándares internacionales. En especial en la última década se ha notado una
mejora y crecimiento en este aspecto en Colombia y en especial en la capital país. El presente
artículo tiene por objetivo analizar los factores del entorno que han dado pie al crecimiento en
la escena musical en Colombia, específicamente en los festivales de música, y entre festivales,
el que ha presentado un acelerado crecimiento en el último lustro: el Festival Estéreo Picnic.

1
Especialista en Gerencia y Gestión Cultural de la Universidad del Rosario (2016)
Actualmente coordinadora del Museo de Artes Gráficas de la Imprenta Nacional de Colombia, ha trabajado en
varios festivales musicales y eventos culturales de la ciudad de Bogotá (2009-2015) a nivel operativo.
e-mail: dherreradimate@gmail.com

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Antes de analizar los factores del entorno se revisarán las definiciones e historia de los
festivales de música a escala local e internacional.
Por Festival de música se entiende un evento público, muchas veces al aire libre, que
presenta más de dos artistas y puede llegar a durar varios días. En su acepción moderna incluye
servicios como variedad de comidas, ferias de arte y diseño, baños, parqueadero y transporte.
Se puede decir que es un evento masivo por lo general, aunque la cantidad de asistentes no
define si es un festival o no; la cantidad de artistas sí. Además los festivales se financian a través
de patrocinadores comerciales. Este tipo de eventos ha venido creciendo en el mundo y en
Colombia, ya que el precio de la boleta incluye una cantidad de artistas (verlos por separado sería
mucho más caro): todo en un mismo lugar por un mismo precio. También se han popularizado
estos festivales debido al cambio de formato de ventas en el sector de la música: la venta de
discos ha disminuido y para los artistas puede resultar más rentable realizar giras de conciertos
que quedarse esperando las ganancias sobre las ventas de discos (incluso en formatos digitales
como iTunes o servicios de streaming2).
Los festivales de música pueden centrarse en un solo género musical (como los festivales
de música clásica) o en varios. Esta caracterización es relevante en tanto define el carácter del
evento, así como el tipo de público objetivo. Los festivales de música como se conocen hoy en
día nacieron en la década de los sesentas y algunos persisten hasta hoy. Ejemplos de festivales
memorables en el mundo (por el cartel de artistas que presentaron y por la cantidad masiva de
asistentes) son: Woodstock Music & Art Fair (Nueva York, EEUU, 1969), Glastonbury Festival
of Contemporary Performing Arts (Somerset, Inglaterra, 1970-presente), Rock in Río (Río de
Janeiro, Brasil, 1985-presente) y Coachella Valley Music and Arts Festival (Indio, CA, EEUU,
1999-presente). Estos festivales de música combinan distintos géneros de música contemporánea
como rock, indie, hip-hop, electrónica, entre otros.
En Colombia han existido dos grandes festivales que también han servido como escuelas
de aprendizaje para las artes escénicas y las personas involucradas en ellas3, tanto artistas como
técnicos, procesos de logística y de distribución de boletería: el Festival Iberoamericano de
Teatro de Bogotá (1988-presente) y Rock al Parque (1995-presente). La falta de experiencia
y equipamientos en Bogotá se evidenciaron en la primera edición del Festival Iberoamericano
de Teatro cuando la escenografía, luces y equipos de sonido de obras internacionales fueron

2
Servicio de consumo en línea de música, videos o películas.
3
Entrevista con un técnico de sonido de la empresa Árbol Naranja el 11/03/2015.
Árbol Naranja es una plataforma de entretenimiento que presta servicios de marketing cultural, y en especial so-
porte musical como estudios de grabación, alquiler de backline, equipos de producción, salas de ensayo, agencia de
manejo y booking. Ver: http://arbolnaranja.com/

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trasladadas de Caracas a Bogotá en aviones del ejército venezolano para ahorrar costos, ya que
había otro festival de teatro en Venezuela4.
Por su parte, Rock al Parque inició con los esfuerzos del cantante del grupo de rock
colombiano La Derecha Mario Duarte, el empresario musical y publicista Julio Correal y la
subdirectora de fomento del Instituto Distrital de Cultura y Turismo, Berta Quintero, con el
objetivo de realizar un festival para promover las bandas locales de la escena del rock así como
escenarios de tolerancia y convivencia. El formato de este festival es distinto al del Festival
Estéreo Picnic (FEP), ya que lo gestiona la Alcaldía Mayor de Bogotá, la entrada es gratuita,
muchas de las bandas se escogen por concurso abierto al público y no está abierto a cualquier
género musical (en tanto hay otros Festivales al Parque), por ende no representa competencia
para el FEP.
El Festival Estéreo Picnic no fue el primer festival en realizarse en Bogotá con un formato
similar al de Coachella o a Glastonbury, de hecho en el 2010 (primer año en que se realizó el
FEP) se realizaron otros dos festivales en las afueras de Bogotá: Nemcatacoa y Soma. El último
fue organizado por la misma empresa que realiza el FEP y tuvo buenas críticas, mientras que
Nemcatacoa fue una experiencia financieramente fallida debido a problemas con el patrocinador
principal. Sin embargo, Estéreo Picnic fue el festival que más ganó en cuanto a percepción de
marca y recordación entre los asistentes5.
La primera edición del FEP, que se realizó en abril de 2010, fue el producto de una
unión de dos empresas que, para no competir entre ellos, decidieron juntar los artistas que
habían “bookeado6” en un mismo día. Las empresas son Absent Papa y T310, ambas venían
compitiendo y habían realizado eventos a menor escala en la ciudad de Bogotá, y se componen
de 6 miembros fundadores e inversionistas principales hasta el día de hoy. Si se compara el
cartel de artistas de la primera versión del FEP con el que se hará en el 2016 se evidencia un
aumento considerable en cuanto a cantidad de artistas: en el primer festival hubo un total de 6
artistas (3 internacionales y 3 nacionales), mientras que en el 2016 se esperan alrededor de 53
bandas (17 nacionales apróx. el resto internacionales).

4
Charla con Anamarta de Pizarro, actual directora del Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá. 19/09/2015
5
Duque, R. y Granados, A. (2013). Music Festival Management in Colombia-Festival Estéreo Picnic (tesis de
pregrado). Universidad de los Andes, Bogotá, Colombia.
6
Bookeado: expresión derivada del verbo en inglés to book, quiere decir cuando se ha concertado la contratación
de un artista.

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Imagen 1: Primer cartel de artistas del FEP (2010)7

Es evidente entonces que el crecimiento del FEP se refleja en el aumento de oferta


musical. Sin embargo, se debe analizar de qué manera es que esta oferta de valor se genera y qué
factores han influido para propiciar este crecimiento. Para hacer el ejercicio de dibujar la cadena
de valor (concepto propuesto popularmente por Michael Porter -1985) se tomó como referencia
la Cadena de valor de las artes escénicas hecha por Stephen Preece (2005).

Imagen 2: Cartel del FEP para el 20168

7
Resident Advisor. Imagen extraída de http://www.residentadvisor.net/event.aspx?148619
8
TuBoleta. Imagen extraída de http://vive.tuboleta.com/baners/picnic16/lineup.jpg

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La cadena valor es un concepto en el que se distingue el proceso de transformación de


ciertos recursos en una oferta de valor para los usuarios del producto o servicio. Vale aclarar
que esta oferta se presenta desde el interior de la empresa y es así pues reflejo de su entorno. De
este modo se distinguen dos tipos de actividades: actividades primarias y actividades de apoyo.
Como su nombre lo dice, las actividades primarias son las que la empresa realiza directamente
y se podría decir son clave para la operación, si una de ellas deja de funcionar la cadena de
valor se rompe. Las actividades de apoyo son también importantes en la producción de valor,
pero son de apoyo ya que pueden ser fácilmente tercerizadas, opción que se toma a menudo
en organizaciones artísticas, ya que permite enfocarse hacia las actividades primarias. Las
actividades de apoyo son cruciales y se relacionan por lo general con la distribución, ya sea de
productos (como boletería) o de personas (como se hace con el transporte).

Imagen 3: Cadena de valor del FEP9

Las actividades primarias son codependientes, y en general el concepto de cadena


significa que si un eslabón falla la cadena se rompe. Es así que no existen jerarquías más allá de
las actividades primarias y las de apoyo, pero sí un orden que va de la planeación a la ejecución.
Como actividad primaria se encuentra el área de Programación o booking de artistas. Esta
área es la encargada de gestionar los artistas nacionales e internacionales que harán parte de
la oferta musical. Esta área es la principal oferta de valor ya las personas compren las boletas
porque les llama la atención algún nombre del cartel, este factor incide más en el momento
previo al evento (después hay otros factores que complementan la experiencia del festival).
Esta curaduría musical no se hace de un día para otro, de hecho los bookers viajan a distintos
festivales alrededor del mundo y hacen relaciones públicas para poder gestionar el cartel con un
año de anticipación para las bandas internacionales. Esto también se debe a la alianza que existe
entre festivales de la región latinoamericana y con los organizadores del festival Llolapallooza
9
Adaptado de Preece, S. (2005). The Performing Arts Value Chain. International Journal of Arts Management, 8
(1), 21–32. Extraído de http://www.jstor.org/stable/41064860

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en Chicago (1991-1997, y 2003-presente), festival que se ha extendido a países de la región


como Chile, Argentina y próximamente Colombia.
Esta alianza permite que entre los festivales de la región se repartan los gastos a la hora
de traer tiquetes. Por ejemplo, a los organizadores del FEP les saldría excesivamente costoso
traer al integrante de la banda Oasis Noël Gallagher, entre tiquetes aéreos, viáticos, entre otros
costos, no sería viable ni sostenible, y esto es con un solo artista. Mientras que gracias a esta
alianza se pueden gestionar más artistas internacionales, ofreciendo así una mayor variedad, lo
que a su vez aumenta la posibilidad de llamar la atención de varios públicos, y de este modo se
incrementa la expectativa del número de asistentes al festival.
En cuanto al área de Personal, se refiere al capital humano con el que cuenta la empresa.
Esta área es imposible de imitar ya que cada jefe de área cuenta con experiencia en su campo:
por ejemplo los bookers o curadores musicales se guían por su gusto (o por pensar qué bandas
pueden llamar la atención) y por intuición, el director de mercadeo está a cargo de ingeniarse
estrategias novedosas de mercadeo. También está el director de ingeniería de sonido, quien
es muy importante ya que no sirve de nada traer un gran show si la empresa contratante no se
puede adaptar a las necesidades técnicas y tecnológicas del artista (esto se llama un rider donde
se listan las necesidades de instrumentos, luces y demás que utiliza el artista; cuando no se tiene
un equipo exacto al que pide el artista, se puede ofrecer uno equivalente).
En resumidas cuentas, se necesita de curadores musicales para que propongan las
bandas, de ingenieros de sonidos capaces de adaptarse a las necesidades de las bandas, y un
departamento de marketing que sepa promocionar estas bandas para vender la mayor cantidad
de boletas posible.
Como ya se dijo, el área de Promoción es crucial ya que se encarga de comunicar
masivamente la existencia del evento para poder vender la mayor cantidad de boletas posible.
En las campañas de publicidad se contemplan estrategias como activación de marcas (ATL
y BTL), manejo de redes sociales, publicidad en radio, medios impresos y community
management, entre otros.
Un valor agregado del área de Promoción es que se ingenian en conjunto con los
patrocinadores experiencias acorde a cada patrocinio, de este modo, por ejemplo, con la empresa
Caterpillar (originalmente es una empresa fabricante de maquinaria de construcción y tiene
además una línea de calzado) quienes en el 2014 en el FEP ofrecían la experiencia de montarse
a una máquina retroexcavadora pequeña y recolectar balones de playa (de plástico)10.
Finalmente en actividades primarias se encuentra el área de Producción. Si las anteriores
áreas son de planeación, esta es la de ejecución del evento. Esta área también aporta gran parte
de la oferta de valor, pues hay un tipo de público que va a festivales y compra la boleta aún
10
Para referencias visuales visitar http://www.zoomenlinea.com/?p=25737

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sin saber quién va a tocar. En producción se incluye el montaje audiovisual, la distribución


del espacio: tanto locación o venue del festival, como el layout o disposición de escenarios
(también flujo de personas, ubicación de servicios adicionales como comida, baños, etc.). Aquí
es cuando los ingenieros de sonido e ingenieros de luces ponen en marcha el rider o propuesta
de producción de los artistas, es decir: el sonido, pantallas que transmiten el show en vivo, la
acústica (se debe escuchar bien desde cualquier lugar que rodee las tarimas, no se debe escuchar
eco), supervisión de cada show y resolución de imprevistos respecto a éstos.
Ahora, sobre las actividades de apoyo, éstas se clasifican desde lo interno a lo externo, o
desde la planeación a la ejecución. Es así que Gobernanza se enuncia como superior, esta área
permea tanto a la empresa como al evento, ya que, según Preece, consiste en la supervisión de la
organización, por lo general en forma de una junta directiva (Preece, p.23). En el caso de Absent
Papa/T310, son 6 socios fundadores que supervisan todas las actividades de la empresa, y cada
uno se centra en su especialidad (booking, finanzas, mercadeo).
El área de Administración se refiere a la gestión de la empresa y de los distintos
departamentos en los que se divide para poder realizar el festival. Unas de las áreas son marketing
y diseño, producción, logística, finanzas, booking, comercial y prensa.
Es claro el por qué el área de Recaudación de fondos es importante, pues esta área
se enfoca en obtener y asegurar financiación. El FEP se financia en gran parte a partir de
patrocinadores, de préstamos de bancos e inversión propia de los 6 socios fundadores (al
principio era más grande la inversión externa que ahora). Asimismo se han realizado en el
pasado convenios con embajadas de otros países donde éstas se encargan de cubrir los gastos de
viaje de un artista (viáticos, tiquete aéreo) que por lo general es representativo del país al que
pertenece la embajada y éste les ayuda a promover su cultura en Colombia. Como se mencionó
anteriormente, la alianza con otros festivales en la región es crucial para poder gestionar y
asegurar la presencia de los artistas del cartel en el festival.
En actividades de apoyo está finalmente la Logística del evento. Al ser un evento de
asistencia masiva contempla la logística típica de un evento de este tipo, primero el de escoger
un venue o locación ideal con acceso fácil, y segundo los demás factores de la logística de un
evento masivo: baños, acceso al venue, salidas de emergencia, transporte para los asistentes y
para los artistas. La logística de los artistas incluye gestión de visas, tiquetes aéreos, hoteles,
transporte, alimentación, entrega de viáticos y prueba de sonido. Actividades complementarias
que también requieren de una planeación y logística minuciosa son: la oferta de comidas y
distribución en el venue, la feria de diseño (elección de diseñadores, ingreso de mercancía,
facturación, distribución de locales en el venue). En logística también se incluye una sección
crucial que es la de boletería: distribución y acceso a la misma, así como el recaudo del dinero.
El recaudo se hace a través de la empresa encargada de la venta de boletas.

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Habiendo descrito la cadena de valor del Festival Estéreo Picnic pasamos a reflexionar
sobre los factores que han dado pie a que la escena musical en Colombia y, en especial los
festivales de música, prosperen.
El primer factor identificado es el factor ciudad, o más bien Bogotá como capital musical.
De acuerdo a uno de los socios fundadores del FEP, también booker, Philippe Siegenthaler
“Bogotá se volvió una referencia en la región y en el continente como que se pueden hacer
conciertos, son exitosos, va gente, se venden boletas, hay una producción decente, buena, y las
bandas finalmente terminan teniendo una experiencia buena”11. Según Siegenthaler, Bogotá es
la quinta ciudad de Latinoamérica (junto a Río de Janeiro) para hacer conciertos (después de
Santiago de Chile, Buenos Aires, Sao Paulo y México D.F.), ya que en esta ciudad se encuentra
un amplio mercado, con gustos diferentes y diferentes niveles de poder adquisitivo.
Otro factor que mencionó Siegenthaler es el creciente interés del público hacia la oferta
musical y en especial a los espectáculos musicales en vivo. “Es un público que en los últimos
15 años ha avanzado de no existir prácticamente”12 dijo Siegenthaler, ya que, como se expuso
en la introducción, no existían muchos conciertos y tampoco existía la costumbre de ir y además
de pagar por conciertos (por ejemplo Rock al Parque es un evento gratuito). Se pasó de no
tener una oferta ni una demanda sólida por conciertos a una nueva generación, actual, que tiene
inculcado o ya planea para pagar y asistir a espectáculos en vivo. De este modo el crecimiento
del público, o la demanda, ha aumentado considerablemente.
Un factor externo que se discutió fue la Ley 1493 de 2011 también conocida como la
Ley del espectáculo público. Esta ley disminuyó la cantidad de trámites necesarios para poder
hacer un espectáculo público y bajaron ciertos impuestos para los ejecutores del evento gracias
a esto. Sin embargo esta ley no contempla lo que se debe pagar de recaudo por derechos de autor
a Sayco-Asimpro13 ni el impuesto de Hacienda. En total los promotores del concierto pagan
entre el 25% y el 35% del total del show, dependiendo del formato del show, la envergadura, los
costos de las boletas y otros cuantos factores. De acuerdo a Siegenthaler esta ley representó una
pequeña ayuda, y es válido si se compara a cómo estaba Colombia hace 10 años, sin embargo
él piensa que no se debe comparar a cómo estaba el país hace 10 años sino comparar Bogotá y
Colombia con los gobiernos líderes en promoción de la cultura y en beneficios tributarios para
este sector. De hecho Siegenthaler mencionó que si fuera por los promotores, ellos bajarían a
estándares de primer mundo la carga de impuestos a la cultura, ya que, según él, Colombia se

11
Entrevista directa 10/11/2015
12
IBÍD.
13
Organización (avalada por la Dirección Nacional de Derechos de Autor) encargada de realizar el recaudo de
las remuneraciones provenientes de la comunicación y almacenamiento digital de obras musicales, entre otros
formatos. El dinero recaudado se entrega a entidades tenedoras de los derechos de autor y conexos quienes deben
distribuir estas regalías entre los artistas, intérpretes, productores y creadores. Tomado de http://www.osa.org.co

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ha ceñido por la carga de impuestos a la región, que, tanto en Latinoamérica como en España,
son altos en comparación a países como Alemania, Francia, Suiza, Austria, Inglaterra, los países
escandinavos, e incluso Estados Unidos. Él dice que en estos países hay un mayor entendimiento
del público y del Estado de apoyar la cultura y el esparcimiento.
Un factor adicional es el de cómo las economías creativas benefician a distintos sectores
de comercio y por lo tanto de la economía. Según Siegenthaler, gracias al FEP, uno de los
sectores que más se beneficia es el del turismo, tanto nacional como internacional. El festival
debe recibir apropiadamente a los artistas y es por esto que gestiona hoteles, tiquetes aéreos y
demás; el festival debe alimentar a los artistas y a los empleados (temporales y permanentes), se
puede necesitar dar abasto hasta para 300 personas entre artistas y empleados, lo que representa
un gasto considerable en alimentación y en transporte. El turismo internacional también se
beneficia porque vienen personas de fuera del país y de la ciudad, lo que alimenta la circulación
turística en Bogotá con todo lo que esto conlleva. Esto es un beneficio para Bogotá, que no es
reconocida internacionalmente por sus atractivos culturales (monumentos o parques naturales)
como sí lo es Cartagena, por ejemplo, sino por las experiencias que ofrece.
En cuanto a patrocinadores, estos también se benefician, tal vez de una forma más
indirecta. De acuerdo a Siegenthaler los patrocinadores se benefician del FEP como lo harían de
cualquier otra plataforma de promoción, en tanto se espera generar un retorno de inversión. El
festival como tal no mide el impacto de cada marca o el retorno de inversión como tal; esto lo
hace cada marca y es información clasificada. Por ejemplo con Tigo se hizo el ejercicio de que
a todo el plantel del FEP recibió una tarjeta SIM de esta empresa, y al final del evento los que
quisieran podían quedarse con ese operador. Otra forma de beneficio para los patrocinadores
es la activación de boletas en locaciones de ventas como Adidas. Entonces si el FEP va a una
tienda de Adidas y regala boletas, las ventas que se registran en esa tienda aumentan en relación
a otros días. En pocas palabras, el comercio también se beneficia al patrocinar este tipo de
eventos. A pesar de que los impactos de cada marca no se miden desde el FEP, se asume que las
marcas están satisfechas en tanto vuelven a patrocinar el evento.
Hablando de medición, los indicadores que se utilizan para medir el impacto y éxito del
evento son relevantes, Siegenthaler compartió los que se utilizan para medir el FEP: el primero
se trata de la venta de boletería, que no es lo mismo que la cantidad de asistentes ya que con los
patrocinios se acuerdan boletas para que ellos dispongan de ellas. Además, la venta de boletas
no se puede analizar aisladamente del gasto del presupuesto invertido en el festival. Es así que
se mide el éxito en términos de asistentes, dependiendo de cuánto se gastó en relación a cuántas
personas pagaron boleta. Por ejemplo, no es lo mismo que un festival cueste 100 pesos y vayan
10 personas, a que cueste 200 y vayan 9, en el último caso el indicador es mucho más bajo. Si
cuesta más y va menos gente el indicador va a ser mucho más bajo. Se dice que hasta el FEP

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2015 fue que se logró un punto de equilibro respecto a este indicador (la cantidad invertida fue
proporcional a la cantidad de compradores de boletas).
Otro indicador es el de cantidad de patrocinios. Es así que para el FEP la empresa
organizadora monitorea a los patrocinadores pasados y los que podrían llegar a serlo. Se monitorea
en términos de crecimiento y presencia a nivel de mercado, qué tan activos están según también
estén dispuestos a dar patrocinios y recursos. Esta medición es bastante importante (pues es la
modalidad de financiación del festival) y se hace constantemente, ya que se desea analizar cómo
están los patrocinadores y qué experiencias desean proveer al público en el festival, qué tan
creativos les permite ser su presupuesto, y si se pueden inventar más cosas o hay que racionalizar
ciertos gastos y demás.
Se preguntó sobre si existía un indicador en cuanto a curaduría musical o booking y
se encontró que es en realidad algo intuitivo de los bookers, ya que la cantidad y variedad de
bandas depende del presupuesto que exista. Del mismo modo, no se afirma que un artista es
bueno o exitoso dependiendo de la cantidad de boletas que se vendan, ya que a veces se ha
invertido lo mismo en dos artistas diferentes, y resulta uno vendiendo más boletas que el otro.
Esto no le quita legitimidad al artista que vendió menos boletas. En el FEP, como ya se dijo,
la cantidad de boletas vendidas puede estar relacionada a la variedad de bandas. Lo mismo
sucede con las bandas nacionales. No hay un indicador o un factor específico que diga el radio
o cantidad de bandas locales que debe haber por bandas internacionales. Lo cierto es que el
FEP se ha instaurado como una importante plataforma de lanzamiento para bandas nacionales
(como Bomba Estéreo y Monsieur Periné), ya que si una banda aparece en el cartel despierta la
curiosidad de los asistentes al evento y promueve el consumo de estas bandas.
En cuanto a derechos de autor, es de anotar que el FEP es una marca registrada, y
asimismo el merchandising que se vende en el evento aporta ganancias a los organizadores del
evento. Otro tipo de derechos de autor por el que deben pagar son los que se pagan a Sayco-
Asimpro dependiendo de la cantidad de asistentes, entre otras circunstancias.
Otro factor a tener en cuenta es la oferta de valor que les otorga el FEP a los distintos
actores que interactúan dentro de éste. El actor más importante es el público, pues es para
quien se hace el evento, a éste se le otorgan tres días de libertad (la duración del festival), de
olvidarse de lo cotidiano y de lo que se vive en Bogotá o de la ciudad en la que estén. Entonces
desde el FEP, Absent Papa/t310 sienten que le aportan un granito de arena al esparcimiento
y al olvidarse y sentirse simplemente libres. En general también aportan al abrir la mente del
público en cuanto a gustos musicales, en estos festivales se descubren bandas que no se llegarían
a consumir por vía orgánica14.

Es decir que no se buscarían por internet ya que muchas no aparecen en los listados musicales ni suenan en emi-
14

soras de radio.

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A los patrocinadores se les aporta visibilidad y validación ante su público objetivo. Este
tipo de eventos ayudan a que marcas se posicionen pues permite un acercamiento directo a los
jóvenes, es decir, las marcas se validan ante un púbico y una comunidad. El FEP respalda de
manera fuerte a esas marcas que quieren entrar, se quieren establecer, o quieren presentar un
nuevo producto; al hacerlo por medio del FEP lo están haciendo a través de una marca sólida y
bastante querida por una comunidad. Es así que el FEP se ha vuelto en una comunidad, donde
el sentido de pertenencia es tal que las personas reclaman sobre qué artistas se han debido traer
y cuáles se deben traer en el futuro.
Las personas que trabajan en el FEP, ya sea habitual u ocasionalmente, aprenden que en
Colombia se pueden hacer eventos culturalmente a un primer nivel internacional. Que si bien
hay tradiciones y características latinas y colombianas, la gente hoy en día sale impresionada
del FEP del nivel de trabajo y profesionalismo de muchísima gente que trabaja allá. Entonces,
al convertirse en un referente internacional, es como tener una carta de validación, un
referente profesional relevante, dado el grado de credibilidad que tiene el festival, nacional
e internacionalmente.
A los artistas se pretende aportarles una buena experiencia del país. Además de conocer
a un público local bastante entregado y bastante caluroso, y que ha comprobado que tiende a
crear fanatismo y tiende a seguir consumiendo las bandas que ve en vivo. Es así que a través
del FEP se han visto crecer bandas que antes venían a Bogotá a presentarse solas, y después
de presentarse en el FEP agotan entradas (como Foals ó Vetusta Morla). Esta no es una regla
general, pero sí hay un aporte y un empuje grande a la fanaticada de esas bandas.
Otro factor de éxito es el venue o locación del FEP. Desde el 2013 se ha realizado en el
Parque 222 que solía ser un lote para canchas de fútbol. Según Siegenthaler, la locación sería
difícil de mejorar ya que está central, al lado de la vía más grande de Bogotá, alejado de zonas
residenciales, y además ellos han hecho que la locación se adapte a sus necesidades. Cuando
empezaron no había facilidades para hacer conciertos, ni la infraestructura, y con todas las
complicaciones del mundo. Se ha ido acoplando esa infraestructura existente a las necesidades
y obligaciones del FEP para con la gente, los proveedores, los artistas y demás.
Finalmente, como aspectos a mejorar Siegenthaler no considera que la distribución
de boletería sea uno que deba hacerlo, ya que, como la locación, se ha ido adaptando a las
necesidades del FEP y provee una plataforma de acceso internacional, el know-how que ha
adquirido con este tipo de festivales lo sitúa como el mejor proveedor de este servicio. Esto es
relevante ya que según él, la demanda cada vez es más grande y cada vez es más rápida, y los
clientes nuestros quieren comprar cada vez con mayor antelación y con unos beneficios, por lo
menos de velocidad, cada vez mayores. Es así que TuBoleta, y en general como es común de
las economías creativas, afirma la teoría que el distribuidor (quien por lo general no tiene como

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actividad primaria una economía creativa) es el que más dinero gana por ser el final de la cadena
de valor que es el de distribución.
En cuanto a impuestos, se dejó claro que todavía se puede llegar a ser como ciudades
donde los gobiernos apoyan tributariamente más a espectáculos públicos.
En cuanto a mejoras internas, para los organizadores del FEP es supremamente importante
el tema de vender una experiencia, más allá de un concierto, y en este sentido Siegenthaler
afirma que el secreto de los organizadores es que creen que debe ser una experiencia más allá
de lo que alguien puede ver en un escenario; tiene que ser una experiencia global 360° de lo
que la gente básicamente vive desde que llega a una locación a vivir un concierto. Todo esto
se refleja en la atención al detalle que con el paso de los años han ido, primero, entendiendo y
descubriendo, y después solucionando. También se afirma que a pesar de que siempre habrá algo
por mejorar, en el 2015 por primera vez respiraron un poco más tranquilos en tener muy bien
concebido el tema de experiencia.
Es así que se ve cómo el FEP se inscribe en las dimensiones de la cultura en cuanto a
formación (que ofrecen a las personas que trabajan con ellos), circulación y apropiación del
evento, ya que el público exige como si fuera un accionista más del evento, y durante el evento se
ve que los asistentes cuidan las instalaciones y muchos se cuidan entre ellos. Es decir que existe
una comunidad sólida, al punto de que compran la boleta sin saber qué artistas se van a presentar.
Del mismo modo el FEP representa la definición de economía creativa que propone el
Proyecto de Economías Creativas de Brasil, donde se dice que
…los sectores creativos son todos aquellos cuyas actividades productivas
tengan como proceso principal un acto creativo generador de valor
simbólico, elemento central de la formación del precio y que resulta
en producción de riqueza cultural y económica. (MINISTERIO DE
CULTURA DE BRASIL, 2014, p. 32)
El valor simbólico se ve desde el amor y dedicación que transmiten los socios al FEP y
cómo esto se traduce hasta en el más mínimo detalle, logrando que sea una experiencia única
en Colombia asistir a este evento. Y finalmente, como plataforma de intercambio entre artistas
nacionales e internacionales se traduce en el éxito que está teniendo la música colombiana en el
exterior, por ejemplo con los últimos triunfos de los Grammy 2015 de bandas como Monsieur
Periné y Bomba Estéreo, los últimos se presentaron con el rapero Will Smith en este evento. Es
así que se evidencia que Colombia ha mejorado respecto a su propio pasado en cuanto al sector
musical, aunque todavía hay campo para mejorar y estar a la par de referentes internacionales.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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millones a Colombia. El Espectador, Bogotá, 18 de noviembre de 2015. Disponible en: <http://www.
elespectador.com/entretenimiento/conciertos-de-paul-mccartney-madonna-y-katy-perry-han-d-articu-
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DUQUE, Remy y Álvaro Granados. Music Festival Management in Colombia – Festival Estéreo Picnic
(tesis de pregrado). Bogotá: Universidad de los Andes, 2013.
MINISTERIO DE CULTURA DE BRASIL. Proyecto de Economías Creativas de Brasil: políticas, di-
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p. 21–32, 2005. Extraído de <http://www.jstor.org/stable/41064860>
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UNIVERSIA. Preguntas frecuentes sobre la Ley 1493 del 26 de diciembre de 2011. Bogotá, 9 de enero de
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BRASÍLIA POR PESSOAS: ENVOLVENDO A POPULAÇÃO NAS POLÍTICAS


CULTURAIS DA CIDADE
Daniela Pereira Barbosa1

RESUMO: O presente trabalho trata de um experimento envolvendo cidade, cultura e internet;


com a finalidade de envolver a sociedade em uma pesquisa acadêmica específica para auxílio
na conclusão de uma dissertação de mestrado. A dissertação foi concluída e o experimento,
intitulado “Brasília por Pessoas”, ficou em segundo plano, mas não foi esquecido. Como um
projeto que envolve políticas culturais, com um viés social, apresentamos suas bases formais,
metodologia e resultados esperados, a fim de que possa ser replicado e desenvolvido em outros
níveis. A principal contribuição é o envolvimento do cidadão nos processos de concretização do
projeto, o que o torna um experimento social colaborativo, envolvendo os cidadãos em propostas
de políticas urbanas que envolvem cultura e sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Política cultural, Cidade, Brasília, Fotografia.

1. INTRODUÇÃO
A região do Distrito Federal (DF) apresenta um grande abismo social, agravado ainda
por questões espaciais. O DF é a única unidade da Federação Brasileira dividida em Regiões
Administrativas (RA) e não em cidades como o restante do Brasil. A organização do território
do DF, no entanto, deixa bastante claro que a divisão das RA se dá por classes sociais, onde a
população com menor poder econômico se encontra bastante afastada do centro, este sendo lo-
cal de concentração do maior número de empregos do DF. A partir daí, é possível perceber que
a maior parte da população do DF guarda intensa relação com Brasília, que é centro do poder e
local de grande concentração de interações relativas dentro do DF, sejam de nível social, cultural
e econômica. É justamente na rodoviária do Plano Piloto, local central de Brasília, que toda a
população do DF potencialmente se encontra, por ser local de chegada e partida para todo o DF.
Tratando-se de política cultural, segundo Alexandre Barbalho,
Uma política cultural é um conjunto mais ou menos coerente de princí-
pios (conceitos e diretrizes), objetivos (onde se quer chegar), estratégias
(como alcançar os objetivos projetados), meios necessários e as ações a
serem realizadas (os programas e projetos concretos). Importante frisar

1
Mestre em Design, Tecnologia e Sociedade pela UnB – Universidade de Brasília. E-mail: barbosa.dnl@gmail.com

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que deve haver uma lógica entre as partes do conjunto – é esta lógica
que dá sentido a uma política cultural. (p. 8).
Nesse sentido, política e cultura devem trabalhar em conjunto para que o cidadão seja
beneficiado. Ancorados em nossos estudos e convicções, que tratam a sociedade como um siste-
ma complexo em que os próprios habitantes devem fazer parte do planejamento, ações e resulta-
dos das políticas públicas, lançamos neste trabalho uma proposta de política cultural que abranja
e envolva o cidadão desde o seu início até o produto final.
Nossa proposta neste artigo é a intervenção cultural, por meio do auxílio da internet,
culminando em uma exposição de fotografias envolvendo a população do DF. A proposta envol-
ve práticas colaborativas, onde a população, por meio de incentivos, participaria ativamente no
processo de produção e execução desta intervenção. O resultado seria a exposição virtual das
fotografias, organizadas de modo a contemplar os fotógrafos amadores (que seriam a própria
população do DF), e pensando-se em longo prazo, a elaboração ainda de uma exposição física
das imagens. A contribuição popular se daria por meio do compartilhamento de imagens com
hashtags específicas, que possibilitariam a busca e seleção das melhores fotografias. O cidadão,
estimulado a participar de um movimento cultural na cidade, seria motivado a tirar fotografias
a partir de seu smartphone e divulga-las na rede social instagram, para depois fazer parte da
exposição que valorizaria a participação popular.
Nossa metodologia fez parte de uma das etapas para a dissertação da idealizadora deste
projeto, que pesquisava a relação entre habitante e cidade e sua ocupação também por meio da
internet. O projeto “Brasília por Pessoas” foi, então, um dos frutos desta pesquisa específica.
Como fazia parte de uma das etapas do processo de reflexão, o projeto não foi levado adiante,
mas percebemos ser de grande relevância cultural e social para o Distrito Federal, podendo ain-
da ser replicado em outras cidades do Brasil a fim de trabalhar na democratização dos centros
por meio de cultura e arte, tendo o cidadão como ator ativo no processo. O habitante, desta ma-
neira, faria parte de uma rede colaborativa de participação em um dos processos de consolidação
da proposta, o que lhe daria identidade social e responsabilidade política e cultural.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO
No coração de Brasília está a Rodoviária do Plano Piloto, local de chegadas e partidas de
ônibus, além da linha central do metrô. A rodoviária do Plano Piloto, a princípio, serve para que
sejam interligadas todas as cidades do DF com o centro, possibilitando o deslocamento dos ha-
bitantes a seus locais de trabalho ou estudo; além de chegada em diversas localidades do centro.
Desta maneira, podemos perceber este espaço, a rodoviária, como sendo de uso e apropriação
popular e ainda localizado no centro de Brasília, sendo lugar de grande concentração de popu-
lações de todo o DF independente da classe social.

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Consideramos, porém, que muito mais do que a chegada e partida dos ônibus e metrô,
a rodoviária é uma verdadeira representação da imagem da população da cidade, imagem esta
que é construída por todo o Distrito Federal, com suas diversas classes sociais. O próprio Lú-
cio Costa2, em 1987, se dizia surpreendido com a realidade na Rodoviária do Plano Piloto “à
noitinha”. O urbanista, em seu projeto, havia pensado para aquele espaço um “local requintado,
meio cosmopolita”, nas palavras dele. Porém, segundo Costa, quem se apropriou de fato daque-
le lugar foram os brasileiros, os trabalhadores do DF, aqueles que “construíram a cidade e estão
ali legitimamente”. No final do depoimento, Costa fica satisfeito ao admitir que aquelas pessoas
estavam certas em se apropriar do local, e ele, que havia pensado em um lugar requintado, esta-
va errado. A citação a seguir é uma cópia do depoimento de Lúcio Costa extraído da publicação
Registro de uma Vivência, p. 311.
“Eu caí em cheio na realidade, e uma das realidades que me surpreen-
deram foi a rodoviária, à noitinha. Eu sempre repeti que essa plataforma
rodoviária era o traço de união da metrópole, da capital, com as cida-
des-satélites improvisadas da periferia.
É um ponto forçado, em que toda essa população que mora fora entra em
contacto com a cidade. Então eu senti esse movimento, essa vida intensa
de verdadeiros brasilienses, essa massa que vive fora e converge para a
rodoviária. Ali é a casa deles, é o lugar onde eles se sentem à vontade.
Eles protelam, até, a volta para a cidade-satélite e ficam ali, bebericando.
Eu fiquei surpreendido com a boa disposição daquelas caras saudáveis.
E o ‘centro de compras’, então, fica funcionando até meia noite... Isto
tudo é muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro ur-
bano, como uma coisa requintada, meio cosmopolita. Mas não é. Quem
tomou conta dele foram esses brasileiros verdadeiros que construíram a
cidade e estão ali legitimamente. Só o Brasil... E eu fiquei orgulhoso dis-
so, fiquei satisfeito. É isto. Eles estão com a razão, eu é que estava errado.
Eles tomaram conta daquilo que não foi concebido para eles. Foi uma
bastilha. Então eu vi que Brasília tem raízes brasileiras, reais, não é
uma flor de estufa como poderia ser. Brasília está funcionando e vai
funcionar cada vez mais. Na verdade, o sonho foi menor do que a re-
alidade. A realidade foi maior, mais bela. Eu fiquei satisfeito, me senti
orgulhoso de ter contribuído.”. (30/III/87)
Mesmo quase 30 anos após este depoimento, podemos constatar que a realidade da
Rodoviária do Plano Piloto, em termos de apropriação popular, permanece a mesma. Os preços
praticados no local fazem referência a um ambiente popular, com a presença de lojas, camelôs
e vendedores ambulantes. Justamente por esta dinâmica observada na rodoviária, com grande

2
Lucio Costa foi um grande urbanista brasileiro; pioneiro da arquitetura modernista no Brasil. Ficou conhecido
mundialmente pelo projeto do Plano Piloto de Brasília.

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fluxo de pessoas vindas de diversas cidades do DF, sua paisagem urbana é também local de
trocas e interações culturais, por colocar no mesmo local pessoas de classes sociais diversas.
Mesmo quem não utiliza o transporte público, por vezes transita ou passa pela rodoviária para
resolução de problemas diversos, ou para oferecer carona. Além disso, mesmo aquele cidadão
que, em seu carro, passa ao lado da Rodoviária, tem uma visão privilegiada do que ocorre na-
quele lugar, que escancara realidades sociais presentes no DF. Esta realidade tão à mostra pode
causar desde admiração até repúdio ou desconforto, porém, o que importa é que está presente
no Centro da Capital, ostentando as distintas realidades do DF. Estas realidades distintas é jus-
tamente o que enriquece a cultura do lugar.
A rodoviária, por sua localização central, é local de fácil acesso por transporte público,
o que possibilita encontros diversos. A partir de lá, o cidadão que habita no Plano Piloto ou em
outras cidades do DF segue para seu destino final, mas sempre há encontros entre os usuários
e interações com o local: cheiro de comida sendo preparada; pessoas apressadas que passam
correndo para não perder o ônibus ou metrô; música ambiente; lojas com produtos diversos;
pessoas em filas lado a lado indo para locais opostos da cidade, mas por estarem lado a lado,
veem-se em um mesmo local, o que provavelmente não seria possível em outro ambiente. Essa
vida no ambiente da rodoviária, por colocar todos em sintonia, é local de início, de partida e de
chegada. É justamente lá onde Brasília encontra o seu povo.

Figura 1: Rodoviária do Plano Piloto de Brasília

Foto: Daniela Barbosa

Como reflexões e avaliações acerca do potencial desta proposta, e considerando a tec-


nologia envolvida como um importante passo para a concretização do projeto, avaliamos ser
importante sugerir que nossa ideia privilegiasse a inserção das pessoas na era digital, ou seja,

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percebemos que a educação para a cultura digital seja uma importante reflexão em nossa pesqui-
sa por demonstrar ao cidadão a possibilidade de fazer parte de uma política de desenvolvimento
cultural, em que o próprio cidadão comum é o protagonista.
Consideramos que o espaço da Rodoviária do Plano Piloto de Brasília tem a capacidade
de abrigar manifestações culturais, seja a partir da rede conectada, seja no próprio espaço Físico.
Essas manifestações culturais, como proposta de aproximar cidadão e cidade, devem abranger a
realidade dos habitantes de todo DF.
Considerando que grande parte da população que frequenta a rodoviária do Plano Pilo-
to tem acesso à internet por meio de smartphones, e contamos ainda com a potencialidade do
“Conecta DF”, rede gratuita e aberta com cobertura digital na rodoviária. Assim, a proposta de
envolver a sociedade em uma manifestação cultural digital é possível, e estimularia a interação
e a valorização do habitante das cidades do DF dentro de Brasília, como formadores da cultura
da cidade. Esta interatividade é capaz de materializar a cultura urbana, que já é observada na
rodoviária, sendo justamente o retrato cultural do DF se fazendo presente em Brasília. Assim,
ao invés da tentativa de mascarar uma realidade, restringindo-a a rodoviária, esta exposição
cultural visa justamente mostrar a “cara de Brasília”, sem ideias e pré-conceitos estabelecidos
do que é o brasiliense.
Desta maneira, o habitante das cidades do DF para além do Plano Piloto, que não encon-
tram na Capital a sua representação, ou a sua valorização enquanto cidadão, poderia perceber
nesta exposição aspectos de sua cultura, sua cidade e seus anseios, o que promoveria a identifi-
cação maior do cidadão com Brasília. Mesmo se tal exposição não pudesse ter lugar no Espaço
Físico da cidade, ela poderia ser divulgada no ambiente virtual, analogicamente ao que ocorreu
na cidade de Palmas, como explicam André Lemos; Eugênia Rigitano e Leonardo Costa (2007),
na publicação Cidade Digital. Os autores dedicam um dos capítulos para tratar da inclusão
digital no Brasil, e um dos projetos destacados é o “Cidade do Conhecimento3”, em Palmas
(TO). Parafraseando os autores, trata-se de um ambiente virtual para a educação à distância,
promovendo assim a inclusão digital e gestão do conhecimento. Estas atitudes buscam inserir
os cidadãos na Sociedade da Informação. É valioso o viés cultural que o projeto propõe, pois os
Netcidadãos, como são chamados os participantes, constroem o portal a partir de relatos da sua
história, inclusive com a criação de álbuns de fotografias.
O projeto, além dessa possibilidade de construção interativa, ainda oferece informações
gerais sobre a cidade, mas o principal é focar no relato dos cidadãos neste ambiente digital.
Os usuários ajudam a construir o portal por meio também de arte e cultura, tendo neste espaço
eventos virtuais como, por exemplo, a exposição fotográfica ‘Palmas’, em que o usuário pode

3
De acordo com a publicação Cidade Digital, de 2007, o projeto era chamado “Cidade do Conhecimento”, mas
ele mudou de nome, e hoje o projeto é chamado “Palmas Virtual”.

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navegar em um museu virtual de fotos sobre a cidade. Os autores ainda destacam que, para que
o cidadão tenha acesso ao programa Cidade do Conhecimento, são oferecidos pontos públicos
de acesso fixo e uma unidade móvel, com a presença de monitores para ajudarem a navegação.
Percebemos, a título de reflexão acerca das potencialidades que avaliamos neste artigo,
como um projeto nesses moldes seria importante culturalmente para Brasília, pois traria a reali-
dade das demais cidades do DF de maneira visível para os habitantes de todo o Distrito Federal,
mesmo entre cidades distantes que não têm muito contato entre si. Tal proposta seria capaz de
unir os habitantes de todo o Distrito Federal por meio da tecnologia, já que podemos concluir que
muitos habitantes do Plano Piloto conhecem pouco ou quase nada das demais cidades do DF. A
ideia é confrontar realidades distintas de maneira dinâmica e interativa onde, por meio do conta-
to com o outro e do reconhecimento de Brasília como lugar de todos, a democracia de acesso e
uso do espaço do Plano Piloto possa ser mais bem compreendida por todos os habitantes do DF.
Ademais, a internet como meio de divulgação, informação e disseminação de uma proposta nesse
sentido é capaz de se valer como um aliado à democratização dos espaços de Brasília.

3. METODOLOGIA
Em nosso processo de pesquisa, desenvolvemos uma proposta considerando as possibi-
lidades de disseminação de ideias no ambiente digital, envolvendo a população do DF a partir
da publicação de fotos de Brasília, com a possibilidade de captura e análise dessas imagens por
nós. Propusemos a partir das redes sociais facebook e instagram, o projeto “Brasília por Pesso-
as4”. Na página da rede social facebook estão disponíveis todas as imagens coletadas, além dos
devidos créditos aos fotógrafos que colaboraram para o projeto.
A fim de envolver a população do Distrito Federal na pesquisa, e para conhecer como
o cidadão revela a cidade para a rede conectada, propusemos o desafio a partir da rede social
facebook em que os usuários utilizariam a hashtag “#brasiliaporpessoas” em suas fotografias
tiradas na cidade de Brasília e divulgadas na rede social instagram. Periodicamente, essas ima-
gens foram capturadas por nós e divulgadas na rede social facebook, na página do projeto. Para
estimular a produção, foi explicado que se tratava de uma pesquisa com finalidade acadêmica,
e que a interação com a comunidade seria de extrema importância. O projeto, aos poucos, se
popularizou, e cada vez mais pessoas começaram a acrescentar a hashtag proposta em suas foto-
grafias de Brasília. Em 11 de dezembro de 2015 tínhamos um total de 358 marcações (hashtag)
no instagram.
Escolhemos a rede social instagram por ela permitir mapeamento e sistema de buscas
de imagens por hashtags, que funciona para fins de busca de imagens marcadas pelos usuários
naquela rede social. O facebook funcionou como uma espécie de repositório, uma biblioteca do

4
Disponível em https://www.facebook.com/bsbporpessoas?fref=ts. Acesso em 8-6-2015.

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que estava sendo coletado. O resultado nos revela a visão de Brasília que os usuários desejam
mostrar: uma cidade bela, destacando sempre suas qualidades arquitetônicas e naturais, além de
fotografias de festas, encontros e passeios na cidade.

4. RESULTADOS ALCANÇADOS
Devemos considerar que o alcance do projeto não se deu de modo a promover uma real
discussão acerca da realidade em todo DF, e nem contemplou todas as classes sociais existen-
tes, já que as imagens divulgadas representam apenas a realidade daquelas pessoas que tiveram
acesso ao desafio. Nas figuras a seguir (2, 3 e 4), temos exemplos das imagens do projeto Bra-
sília por Pessoas.

Figura 2: Compilação n. 1 de imagens do projeto “Brasília por Pessoas”.

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Figura 3: Compilação n. 2 de imagens do projeto “Brasília por Pessoas”.

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Figura 4: Compilação n. 3 de imagens do projeto “Brasília por Pessoas”.

Vale lembrar que o desafio não era a finalidade da dissertação em que o projeto teve iní-
cio, mas apenas uma etapa que envolvesse a sociedade no projeto. Dessa maneira, a repercussão
do projeto “Brasília por Pessoas”, apesar de ter tido um alcance notável, com diversas contribui-
ções e participação da sociedade, não teve um alcance capaz de abranger o Distrito Federal em
sua totalidade, e nem representa a realidade de todo o DF nas imagens. Devemos lembrar que as

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diretrizes do projeto para a coleta de imagens eram bastante abrangentes, não sendo obrigatória
a tomada de imagens críticas, mas sim apenas o fornecimento, por meio de hashtags, de fotos de
Brasília tiradas pelos cidadãos.
A experiência nos valeu principalmente pela constatação da garantia de disseminação
de conteúdo pela rede conectada para um projeto cultural como este, e da possibilidade, por
meio do Ambiente Digital, de democratizar espaços da cidade a partir de intervenções culturais
críticas, que promoveriam valorização do cidadão que habita lugares afastados do centro. Para
fins de continuidade do Projeto, poderíamos propor, considerando que a finalidade seria uma
exposição com imagens da realidade do Distrito Federal, a divulgação maior desse projeto ou
de algum análogo, com apoio governamental e social, tendo como princípio maior a valorização
do cidadão.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A divulgação do projeto se deu principalmente pela rede social facebook, e a coleta de
imagens foi apenas a partir da rede social instagram. Nossa ideia considerou o alcance que seria
naturalmente promovido por meio da internet, e o interesse e divulgação que se daria a partir
dos usuários. As pessoas que contribuíram com o projeto eram aquelas interessadas em colabo-
rar com uma pesquisa acadêmica, mas que não consideravam necessariamente o viés social ou
cultural que o Brasília por Pessoas poderia representar. As contribuições foram espontâneas e
livres, sendo a vivência do cidadão na cidade e suas impressões de extrema importância para que
nós pudéssemos entender o papel da internet em nossas pesquisas. Consideramos que o projeto
é ainda inacabado e que poderia ainda ser explorado além do que foi concebido por nós.
A troca de experiências da pesquisa com o cidadão conectado a partir do Brasília por
Pessoas foi enriquecedora, já que a própria internet foi um meio capaz de divulgação, comu-
nicação e divulgação do andamento do projeto. Foi bastante válido acompanhar a publicação
de pessoas desconhecidas, que marcavam suas publicações com o intuito de colaborar com o
projeto. A internet, dessa maneira, é um meio indiscutível de interação, divulgação e propagação
de conteúdo, sendo capaz de auxiliar a promover projetos culturais.
Um estudo das relações do cidadão com a rodoviária do plano piloto nos fez entender
como aquele espaço representa a “cara de Brasília”, mas que parece estar restrito à rodoviária.
Com o Brasília por Pessoas, as “caras de Brasília” poderiam fazer parte de uma vivência maior,
tendo possibilidade de expansão em todo o território do DF, mas principalmente levando as pes-
soas que moram em RA’s afastadas e que têm contato com Brasília a realmente se encontrarem
na cidade, buscando e construindo em Brasília sua própria identidade para além da rodoviária. O
habitante que se sente bem-vindo no espaço de Brasília apenas como força de trabalho poderia ter
sua marca, através do Brasília por Pessoas, definida como parte integrante e importante na Capi-

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tal Federal. Tal situação, além da valorização do cidadão, ainda pode ser capaz de promover uma
política cultural de real envolvimento com a sociedade, que auxiliaria na construção do projeto.
Ademais, esperamos que o projeto sirva de inspiração para que as cidades sejam inci-
tadas a valorizar sua força cultural, expondo as fotografias dos habitantes e ajudando no esta-
belecimento de uma nova cultura urbana, onde os habitantes sejam capazes de estabelecer uma
relação com os espaços das cidades que vai além da relação de força de trabalho.
Para que tal valorização se estabeleça, e pensando no projeto Brasília por Pessoas como
parte integrante do processo, ocorre-nos a importância de uma estrutura física que exponha as
fotografias, dando os devidos créditos aos fotógrafos. É importante que tal exposição, se ocor-
resse, não ficasse restrita apenas à rodoviária, por exemplo, mas que fosse expandida a locais de
valorização e incentivo à cultura, como museus; além de locais de grande concentração de pes-
soas, como Centros Comerciais, praças e parques. Desta maneira haveria uma real valorização
do habitante que, por exemplo, trabalha na limpeza do Centro Comercial, mas que certamente
não é público alvo das lojas de lá por apresentam um preço elevado. Com uma exposição que
envolva a sua participação naquele espaço, este cidadão teria uma maior consciência política de
que aquele também é seu espaço, e que a cidade deve, cada vez mais, se democratizar.
As consequências indiretas seriam a politização e conscientização dos habitantes da ci-
dade, que, por se valorizarem enquanto cidadãos, também acabam por se integrarem à vida
política, cultural e social da cidade, impondo seus valores e garantindo processos de democrati-
zação. A presença da identidade popular em locais economicamente valorizados da cidade, nes-
se sentido, favorece a ocupação e a representação do povo além da rodoviária, mas na própria
imagem da cidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Editora Universidade de Brasília, 2014.
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Editora Universidade de Brasília, 2ª edição, 2010.
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Governo da Bahia. Salvador, 2013.
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Empresa das Artes, 1995.
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– Salvador: EDUFBA.
LYNCH, Kevin. A imagem da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
RELATÓRIO do Plano Piloto de Brasília/elaborado pelo ArPDF, CODEPLAN, DePHA. – Brasília:
GDF, 1991. 76p., il. Disponível em: http://brasiliapoetica.blog.br/site/media/relatorio_plano_piloto_de_
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VASSÃO, Caio Adorno. Arquitetura Livre : Complexidade, Metadesign e Ciência Nômade / 1v. – São
Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2008. – 303p.

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NOTAS SOBRE O FINANCIAMENTO À MÚSICA ATRAVÉS DA LEI ROUANET:


UMA POLÍTICA DA OFERTA
Daniela Ribas Ghezzi1

RESUMO: Este trabalho é um excerto de um artigo mais amplo sobre o público dos espetáculos
de música ao vivo no Brasil a partir de dados do Sistema de Indicadores de Percepção Social –
SIPS 2015, pesquisa nacional realizada pelo IPEA. No presente texto, de escopo mais restrito,
exploro principalmente o aporte de recursos oriundos da renúncia fiscal à área da música.
Comento o “estado da arte” das políticas para o setor musical, em que a Lei Rouanet (principal
instrumento de renúncia fiscal para a área da cultura) torna-se imprescindível enquanto
mecanismo de fomento à música. Isso perfaz uma política centrada na oferta, ainda que haja
ações pontuais de estímulo à demanda.

PALAVRAS-CHAVE: Renúncia fiscal, Lei Rouanet, Políticas públicas para a música, Mercado
musical.

1. CONSUMO MUSICAL NA ATUALIDADE


O consumo de música tem sofrido transformações importantes em função principal-
mente das mudanças tecnológicas. Elas têm reconfigurado os hábitos de consumo de música,
alterando a relação entre consumo doméstico, em dispositivos móveis, e ao vivo. O cenário
ainda é movediço e novas acomodações vêm surgindo, o que torna difícil a interpretação e o
mapeamento de todos os agentes que compõem o negócio da música na atualidade2. Além disso,
o contexto brasileiro é fortemente marcado pela ação do Estado no incentivo e financiamento de
atividades artísticas.
Nesse cenário, têm relevância o desenvolvimento dos smartfones, das redes 3G e 4G
para telefonia celular, e de softwares (chamados de players) de escuta musical sob demanda via
internet. Esta nova forma de acesso à música gravada é chamada de streaming, e reconfigurou

1
Doutora em Sociologia (UNICAMP). É Pesquisadora em Ciências Sociais e Humanas III no Centro de Pesquisa
e Formação do SESC São Paulo. Membro Titular do Colegiado Setorial de Música (gestão 2015-2017) do Conselho
Nacional de Política Cultural – CNPC do Ministério da Cultura – MinC. E-mail: daniribas@cpf.sescsp.org.br e
daniribasproducoes@gmail.com.
2
O Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo promoveu em 2015 o Ciclo de Debates “Perspectivas do
Novo Mercado Musical”, com o objetivo de compreender este cenário em constante redefinição. Vide: http://cen-
trodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/atividade/novo-mercado-musical.

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completamente a forma de se escutar música. Se numa etapa inicial o importante era ter a cópia
digital do fonograma (em que o download era a prática cultural predominante3), no momento
atual a tendência é de expansão do consumo via streaming (em que é necessário um player
instalado em dispositivo que disponibilize as faixas/discos/artistas demandados através da in-
ternet). Vende-se não a posse do fonograma, mas a facilidade de ouvir quando e onde quiser via
internet, gratuitamente4 ou sob assinatura mensal do serviço (numa forma em que as assinaturas
“Premium”, em expansão, financiam a forma “Freemium”5).
O comércio eletrônico obedece atualmente ao princípio da “cauda longa”6, que descreve
a transformação do mercado de massa (em que um único produto tem altos índices de venda)
para um mercado pulverizado (em que a venda de muitos produtos, somadas, podem gerar
grandes receitas).
Com a ampliada e diversificada oferta de produtos musicais, com a venda de facilidade
de acesso pelos players (em que o uso do fone de ouvido durante as tarefas cotidianas pode
acabar gerando heavy users e alimentando o “desejo por cultura”7), somado às campanhas de
artistas independentes vendendo o show através da disponibilização do disco, o tipo de fruição
ordinária é a cotidiana: doméstica, em trânsito, em espera, etc. Os players oferecem playlists
de editores/curadores e de usuários para que o ouvinte não tenha que escolher o que vai ouvir,
usando para isso logaritmos e cruzamentos que mapeiam os hábitos musicais mais frequentes,
que por sua vez retroalimentam o sistema de informações. Este tipo de escuta ordinária pode
alimentar o desejo por uma experiência de fruição extraordinária, contemplada, por exemplo, na
ida a um show de música ao vivo.

3
A pesquisa Públicos da Cultura, realizada em Agosto de 2013 pelo Sesc e Fundação Perseu Abramo, traz dados so-
bre uso da internet (ouvir música 11%, de um universo de 55% das pessoas que usam internet) e uso do celular (ouvir
música 15%, de um universo de 87% que têm celular). Fonte: http://www.sesc.com.br/portal/site/publicosdecultura.
Tais dados referem-se a práticas anteriores à tecnologia do streaming chegar ao Brasil (em 2013 com o Deezer).
4
Exceto pelo custo de acesso à internet pago às operadoras.
5
Grosso modo, a diferença entre essas duas maneiras de consumo não é no limite de acesso às faixas, playlists de
editores e usuários, velocidade, ou outras restrições. Em geral, na forma “freemium” há anúncios publicitários, e na
forma “premium” não. A disponibilização de faixas para escuta se dá entre gravadoras (detentoras dos fonogramas,
e responsáveis pelo pagamento aos artistas), players de streaming, e agentes chamados agregadores digitais (que
fazem contratos de licença entre as gravadoras e os players). O ouvinte renova sua licença de acesso às faixas a cada
sincronização do dispositivo com o software, mecanismo que contabiliza quantas vezes a faixa foi reproduzida. As
escutas só geram rendimentos a partir de 30 segundos, e as assinaturas “Premium” geram, por faixa, remunerações
maiores do que a modalidade “Freemium”.
6
Conceito discutido e popularizado por Chris Anderson em seu livro A Cauda Longa - Do mercado de massa
para o mercado de nicho, de 2006. Fator chave para o êxito nas vendas de tipo cauda longa é o custo de armaze-
namento: se ele for baixo, como no caso do streaming, é possível ter êxito com esse tipo de negócio em função da
soma das pequenas vendas. Outro fator chave são ferramentas como motores de busca e softwares de recomen-
dações, que permitem que os consumidores encontrem produtos fora da sua área geográfica. Vale também a leitu-
ra da entrevista de Chris Anderson à Revista Época em 2006: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,E-
DG75221-5856-433,00.html.
7
DONNAT (2011).

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Contudo, deve-se considerar que tal “democratização” do acesso pela internet parece
reforçar o que se chama de “lei do acúmulo”: quem já tem hábitos frequentes de escuta musical
diversificada é quem sai de casa mais vezes para ir a espetáculos, passando a ser ainda mais afi-
cionado. Isso, por um lado, incrementa o mercado de shows, mas por outro revela a persistência,
para a maior parte da população, de barreiras materiais e simbólicas no consumo de música,
fruto de processos educacionais e da exposição aos códigos musicais.
O espetáculo musical vem, dessa forma, ganhando importância dentre os hábitos cul-
turais contemporâneos, especialmente em centros urbanos. Para além da sociabilidade que a
música ao vivo engendra, ela proporciona uma fruição mais profunda, atenta e interessada em
relação à escuta cotidiana ordinária de arquivos digitais. Por outro lado, no Brasil, artistas, pro-
dutores, educadores e outros agentes reivindicam políticas públicas específicas para cada etapa
da cadeia produtiva, especialmente para a gravação e circulação de obras musicais. Redes de
trabalho colaborativo vêm se organizando politicamente e consolidando festivais de importância
nacional. O circuito de pequenos palcos independentes de música autoral vem se fortalecendo.
Isso vem aumentando consideravelmente a oferta de shows. Dito isto, é necessário voltar a
atenção para o contexto brasileiro, em que as políticas públicas ganham destaque na difusão de
produtos musicais.

2. A POLÍTICA CULTURAL PARA O SEGMENTO MUSICAL: A LEI DA OFERTA


Para além do mercado definido atualmente pelas gravadoras e players, no caso brasileiro
outras forças operam no segmento da música, tendo relevância as políticas culturais. O principal
dos instrumentos da política cultural é a renúncia fiscal (em que as empresas optam por aplicar os
impostos devidos na produção cultural), também chamada de mecenato. Há legislação para o me-
canismo de renúncia fiscal em níveis municipal, estadual e federal. No âmbito federal, o principal
instrumento de renúncia é a Lei Federal de Incentivo à Cultura (no. 8.313 de 23 de dezembro de
1991, mais conhecida como Lei Rouanet, em homenagem ao então Secretário de Cultura8).
Importante ressaltar que o mecenato através da renúncia fiscal não é exatamente uma po-
lítica cultural, e sim um dos muitos instrumentos possíveis de financiamento a serem utilizados
numa política cultural mais ampla. Ela foi importante quando foi criada, pois diante da ausência
de um Ministério e de uma preocupação mais ampla sobre o universo artístico, qualquer meca-
nismo de financiamento à cultura assume relevância. Apesar disso, há um lado pernicioso em se
tomar a parte pelo todo: dentre os projetos previamente aprovados pelo MinC, cabe à iniciativa
privada escolher, segundo seus próprios critérios, quais deles merecerão recursos públicos atra-
vés da captação autorizada pelo MinC. E isso, ao longo das décadas, acabou por gerar distorções

8
Sobre o funcionamento da Rouanet, vide: http://www.cultura.gov.br/projetos-incentivados.

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(como a concentração de recursos), uma vez que tais escolhas acontecem em função dos interes-
ses do marketing cultural dessas empresas, e não da relevância artística das propostas ou de sua
capacidade de contribuir para a superação de entraves identificáveis no mercado artístico. Uma
política cultural deve ser sistêmica e permanente, procurando identificar gargalos e lacunas que
devem ser alvos de programas específicos, independentemente de seu alcance mercadológico e
sustentabilidade econômica.
A Rouanet, criada no final de 1991, só assume maior relevância para a área cultural no
final da década com a estabilização da economia, com as empresas abrindo seus respectivos
capitais à bolsa de valores e declarando seu lucro real, e incorrendo no pagamento de impostos
suscetíveis ao mecanismo da renúncia fiscal. Segundo estudos do IPEA (SILVA, 2007) rela-
tivos à década de 90 e aos primeiros anos no século XXI, os diversos segmentos produtivos
relacionadas à música sofreram um impacto positivo com o aporte de recursos provenientes da
renúncia fiscal. No estudo há considerações sobre a geração de emprego e mercado de trabalho,
exportações e importações, difusão, etc. Ressalto os dados referentes à ocupação dos músicos e
do segmento de espetáculos. Há uma correlação entre o aporte de recursos e o incremento dos
setores de espetáculos ao vivo e de ocupações de músicos:
O segmento de espetáculo ao vivo e atividade artística também cresceu
no período entre 1992 e 2001 (7,9% ao ano), mas sempre com as osci-
lações resultantes das modalidades de financiamento e em decorrência
das instabilidades econômicas. Depois da vigência das leis de mecena-
to, o segmento cresceu em praticamente todos os anos, com exceção de
1999, quando declinou em 5,1% relativamente ao ano anterior. (SILVA,
2007, p. 305)
Nota-se a importância dos aportes das leis de incentivo, mas também sua dependência
em relação à economia. Isso reforça o argumento de que uma política cultural deve ser mais
ampla do que o instrumento de renúncia, para que o setor não fique à deriva das oscilações do
mercado financeiro. O estudo aponta ainda uma forte correlaçpla que o instrumento de renos
anos, com excessnistO estudo aponta ainda uma correlação entre mecenato e o mercado de tra-
balho: com as leis de incentivo, o número de ocupações como “músico” (essencial a atividades
como os espetáculos) cresceu em todos os anos (com exceção de 1999, com queda de 16,9% em
relação ao ano anterior), atingindo picos de crescimento em 1995 (32,3%) e 1998 (22,7%). As
ocupações como “músico” nunca foram inferiores ao patamar de 1992, ano em que a Rouanet
começou a ser colocada em prática. (SILVA, 2007, p. 305-306). Ainda segundo o mesmo estu-
do, os aportes “(...) explicam parte do comportamento do segmento musical no que se refere à
geração de ocupações (...) (justificando) o financiamento público organizado, mesmo quando se
destina a eventos isolados” como shows e projetos de circulação. (SILVA, 2007, p. 306). Con-
tudo, que esta correlação positiva não exclui a necessidade de uma política cultural sistêmica.

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Com a política cultural que começou a se desenhar a partir de 2003 com a gestão do
Ministro Gilberto Gil, o segmento musical passou a contar com instâncias de regulação e par-
ticipação social. Em 2005 foi criada a Câmara Setorial da Música, ligada ao Centro de Música
– Cemus da Fundação Nacional das Artes – Funarte9). Com a Câmara Setorial, a Funarte era a
responsável pela política das Artes. A política para a música empreendida desde então passou
por 3 momentos10. Na etapa atual, em que a estratégia é a de incentivar o desenvolvimento da
infraestrutura do setor, ganham destaque ações de incentivo à formação e à produção de conhe-
cimento, e de tentativa de ampliação do fomento e mapeamento das demandas11. Observa-se
uma preocupação com a formação, mas as ações, centradas em Prêmios, acabam por reforçar a
política centrada na oferta cultural.
Com a criação do Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC em dezembro de
2007, a Câmara Setorial (ligada à Funarte entre 2005 e 2008) foi transformada no Colegiado
Setorial de Música, que foi instalado entre 2008 e 2009 com vistas à construção de políticas
de âmbito nacional, passando a ser coordenado diretamente pelo MinC. Em 2010 o Colegiado
elaborou o documento Plano Setorial da Música12 (complementar ao Plano Nacional de Cultura
– PNC, transformado em lei no mesmo ano13). O Plano consiste num relatório das atividades
da Câmara (2005-2008) e do Colegiado (2008/2009-2010), levando em conta os 10 pontos da

9
Em 2005 o MinC criou a Câmara Setorial da Música, que foi coordenada pelo Centro de Música - CEMUS-Fu-
narte (à época dirigido pela ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda). Apenas 10 entidade estavam representadas
e tinham direito a voto (ABEM-Editores, ABEM-Educação Musical, ABPD, ABEPEC, ABER, ABERT, ABM,
ABMI, ECAD, e OMB). Essas entidades representavam principalmente os setores de gravadoras, editoras, meios
de comunicação, e direitos autorais. Músicos, produtores, festivais, redes e público não tinham representação fixa
com direito a voto. Em 2005 houve 7 reuniões temáticas da Câmara, e em cada uma participaram, além das asso-
ciações acima, algumas entidades convidadas, sem, contudo, o direito a voto.
10
Num primeiro, foram priorizadas ações de fomento à realização e circulação de espetáculos através do Projeto
Pixinguinha, e da Pauta Funarte de Música Brasileira para a ocupação das Salas. Num segundo, havia a transfe-
rência de recursos aos músicos e produtores para realização de projetos de criação, produção e circulação musical,
através de programas como o Prêmio Funarte de Apoio à Gravação, Prêmio Circuito Funarte de Música Brasileira,
e Seleção de Projetos de Ocupação das Salas. Fonte: ESTEVES, Eulícia. “Políticas públicas para a música”, Ciclo
Perspectivas do Novo Mercado Musical. CPF Sesc São Paulo. 20Ago2015. https://centrodepesquisaeformacao.
sescsp.org.br/atividade/novo-mercado-musical.
11
Principais ações atuais: Prêmio Palcos Musicais Permanentes (destinado ao circuito cultural formado por peque-
nas casas noturnas), Prêmio Festivais e Mostras de Música, Convênios para a realização de Feiras de Música, Feira
Música Brasil, Bolsas de Aperfeiçoamento Técnico e Artístico, Prêmio de Produção Crítica em Música, e Prêmio
Funarte de Música Brasileira.
12
Para o Plano Setorial da Música vide: http://pnc.culturadigital.br/wp-content/uploads/2012/10/plano-setorial-de-
-musica-versao-impressa.pdf
13
Para o Plano Nacinal de Cultura vide: http://www.cultura.gov.br/documents/10883/11294/METAS_PNC_final.
pdf/ e http://pnc.culturadigital.br. O PNC está atualmente em processo de consulta pública de revisão, que vai até
15 de fevereiro de 2016.

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“Carta de Recife” elaborada pela Rede Música Brasil14 na Feira Música Brasil promovida pelo
MinC em 200915.
Em 2015 o MinC e a Funarte lançaram a Política Nacional das Artes – PNA16, cujo obje-
tivo principal é a implementação de políticas públicas atualizadas, fundamentadas e duradouras
para as artes, divididas por linguagens. E diretamente ligada à PNA está a reestruturação da
Funarte, no sentido de tornar a instituição capaz de atender às suas atribuições. Para o processo
de construção da política há um comitê executivo (com representantes do MinC e Funarte), os
articuladores (que fazem a mediação entre sociedade civil e poder público) e consultores (que
sistematizarão os documentos gerados no processo). Originalmente, a PNA previa quatro eixos
de ação: Caravana das Artes (com rodas de conversa por todo o país para coletar sugestões);
Seminários Temáticos; Encontros Setoriais e uma Plataforma Digital colaborativa. Mas uma
avaliação estratégica adiou as Caravanas para o final do processo, no momento em que já houver
tido um processo interno de levantamento dos trabalhos e experiências já realizadas em âmbitos
público e privado17.
Até o momento, o comitê executivo delimitou três projetos transversais para a PNA:
Rede Nacional de Difusão das Artes (plataforma voltada à difusão e circulação das linguagens
artísticas); Pacto Federativo do Fomento às Artes (diretrizes comuns entre os três níveis de
poder para o fomento às artes, mas com seleções descentralizadas); e Marcos Legais das Artes
(revisão da legislação tributária, fiscal, trabalhista e previdenciária para a regulamentação do
setor cultural). No tocante à música, o ponto central é a criação de uma autarquia reguladora da
música, aos moldes do que a Ancine representa para a área do audiovisual, já preconizada desde
a Carta de Recife de 2009. Um primeiro estudo sobre sua criação foi entregue ao ministro em

14
“No início de 2009, foi criado o fórum virtual Pró-Conferência Nacional de Música, com o objetivo de fomentar e
organizar as discussões em torno das políticas públicas para a área musical, como preparação para a Conferência Na-
cional de Cultura, realizada em março de 2010. Este movimento surgiu por iniciativa da sociedade civil organizada,
e o Centro de Música/Funarte logo o reconheceu como um ambiente privilegiado para a articulação do setor musical.
Em meados de 2009, o Fórum Pró-Conferência Nacional de Música foi então acolhido pelo recém criado programa
Rede Música Brasil / Funarte, passando a se chamar Fórum Virtual Rede Música Brasil – RMB. (...) O Conselho da
RMB é formado por entidades musicais com representatividade nacional (SEBRAE, ABMI, ABEART, ABRAFIN,
ABEM, ABER, ABPD, ARPUB, BM&A, CUFA, FNM, FED. DAS COOPERATIVAS DE MÚSICA, CIRCUITO
FORA DO EIXO, CASAS ASSOCIADAS e MPB)”. Fonte: http://culturadigital.br/redemusicabr/
15
O 4o. Encontro da RMB foi realizado na Feira Música Brasil em Recife (PE), e gerou o documento “Carta de
Recife”. Sobre a Feira, vide: http://culturadigital.br/blog/2009/12/07/feira-musica-brasil-2009/. Para ver a Carta
de Recife, vide: http://www.musicaltda.com.br/2010/12/carta-de-belo-horizonte-reproducao/. O primeiro ponto da
Carta de Recife é a criação da Agência Nacional da Música, aos moldes da Ancine, demanda ainda muito forte no
segmento e priorizada nos debates da Política Nacional das Artes, de que falarei adiante.
16
Sobre a Política Nacional das Artes – PNA vide: http://culturadigital.br/pna/ e http://www.cultura.gov.br/politi-
ca-nacional-das-artes-pna-
17
Sobre a nova metodologia da PNA vide: http://culturadigital.br/pna/destaque/remodelada-metodologia-do-pro-
cesso-de-construcao-da-pna/

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dezembro de 201518. Mas apesar dos avanços que tal política representa, observa-se que não há
uma preocupação com uma política capaz de incrementar a demanda. Os três eixos da PNA to-
cam em questões importantes (circulação artística, fomento a projetos, e regulação da profissão),
mas continuam centrados na oferta.
Paralelamente a este processo da PNA ocorreu a renovação dos Colegiados Setoriais do
Conselho Nacional de Política Cultural19. O processo, aberto à sociedade civil para voto e can-
didaturas, deu-se em duas fases, uma através de plataforma digital20 e outra presencial. O pro-
cesso teve recorde de participação (mais de 70 mil pessoas votaram em seus representantes). O
Colegiado Setorial da Música, de que passei a fazer parte desde esta última eleição, já iniciou os
trabalhos, e primeiro deles está sendo reunir num único documento todas as demandas do setor
musical desde a Câmara Setorial da Funarte, passando por todos os mandatos do Setorial, pelos
pontos constantes do Plano Setorial da Música, pelas propostas compiladas pela Rede Música
Brasil, e pelas metas do Plano Nacional de Cultura. O objetivo é o de contribuir com a PNA mas
também com o processo de revisão do PNC.
Mas o que se nota é que a amplitude do negócio da música no Brasil extrapola os limites
desses órgãos governamentais e instâncias de representação social, que acabam não dando conta
das demandas do setor. Em 10 anos de discussões sobre qual seria a política adequada ao seg-
mento da música, nota-se que apesar dos esforços governamentais em sistematizar as demandas
e ampliar os mecanismos de participação social do setor, não se avançou muito em políticas e
programas continuados (em modalidades diversas dos tradicionais editais e prêmios) para a área
da música. Da mesma forma, os esforços para uma melhor regulação da arrecadação e distribui-
ção de recursos gerados por direitos autorais21 ainda estão longe de atenderem às demandas do
setor. Na ausência de um Fundo Setorial da Música ou de uma autarquia reguladora específica
(como a Ancine no caso do setor audiovisual), o mecanismo da renúncia fiscal da Lei Rouanet,

18
Sobre a entrega do documento ao Ministro, vide: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/
OiKX3xlR9iTn/content/id/1311913
19
Sobre a renovação dos Colegiados Setoriais do CNPC vide: http://www.cultura.gov.br/cnpc
20
Sobre a plataforma digital da renovação dos Colegiados, vide: e http://cultura.gov.br/votacultura/
21 “
No Brasil, o direito autoral é regulamentado pela Lei 9.610/1998, alterada em 2013, com a aprovação da Lei nº
12.853/13. Alguns pontos dessa nova lei entraram imediatamente em vigor com a publicação, mas outros aspectos
precisaram ser regulamentados pelo Decreto 8.469/2015, que regulamenta a Lei da Gestão Coletiva dos Direitos
Autorais”. Para ver quais as mudanças trazidas pelo decreto sobre o funcionamento da arrecadação dos direitos
autorais, vide: http://www.brasil.gov.br/cultura/2015/06/transparencia-na-arrecadacao-de-direitos-autorais.

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apesar das distorções que causa22, ainda cumpre um papel importante no financiamento de pro-
jetos na área da música23.
Os dados abaixo, retirados do Sistema de Apoio à Lei de Incentivo – Salic24 podem dar
uma ideia de como a Lei Rouanet ainda é um instrumento importante para o aporte de recursos
na área da música. Em 2014, de um total de R$ 1,3 bilhão movimentado pela Rouanet para to-
das as 7 áreas, cerca de 300 milhões foram destinados à área da música (cerca de 23% do total),
montante distribuído entre 800 projetos em média. Como há projetos que captam recursos num
período maior que um ano, a soma de todos eles resultaria num número maior do que os projetos
incentivados realmente. No site do MinC de onde tais dados foram retirados não há, atualmente,
um recurso que possibilite separar ou filtrar tais casos. Em 2014 a música só foi superada pelas
artes cênicas, que ficou com 24% do montante dos incentivos. Esse percentual destinado à mú-
sica manteve-se razoavelmente estável entre 2005 e 2014, pois teve uma variação de apenas 6
pontos percentuais no período: 18% em 2006 e 24% em 2011. As tabelas a seguir podem ilustrar
tais dados25:

22
Para corrigir tais distorções foi criado em 2010 o Projeto de Lei nº 6.722, que institui o Programa Nacional de
Fomento e Incentivo à Cultura (ProCultura) como o novo marco regulatório que irá substituir a Lei Rouanet, man-
tendo o mecanismo da renúncia fiscal mas implantando outros dispositivos que minimizam as distorções que causa.
Para o acompanhamento da tramitação vide: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idPro-
posicao=465486.
23
O assunto está longe de se encerrar. Recentemente (03/02/2016) houve uma reviravolta a partir de uma decisão
do TCU em que “eventos culturais com potencial lucrativo ou que possam atrair investimento privado serão proi-
bidos de receber incentivos fiscais através da lei Rouanet”. Vide: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/02/
1736700-tcu-proibe-lei-rouanet-para-projetos-com-fins-lucrativos-e-autossustentaveis.shtml.
24
Para acesso ao Salic vide: http://novosalic.cultura.gov.br/.
25
Os dados utilizados nesta seção sobre a Lei Rouanet foram extraídos do sistema SalicWeb por JLeiva Consultoria
em Cultura e Esporte e apresentados na palestra “Um Raio-X da Lei Rouanet”, com João Leiva, Karina Poli, e Inti
Queiroz, que fez parte da Semana Internacional da Música de São Paulo – SIM SP 2015, realizada entre os dias 02
e 05/12/2015 no Centro Cultural São Paulo – CCSP. Vide: http://www.simsaopaulo.com/pb/events/um-raio-x-da-
-lei-rouanet/.

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Projetos incentivados pela Lei Rouanet - BRASIL: 2005/2014

Percentual do incentivo da Lei Rouanet destinado às diferentes áreas - BRASIL: 2005/2014

De acordo com as categorias disponibilizadas no Salic para a consulta, não é possível sa-
ber quantos deles se dedicam à área de pesquisa/criação/produção/gravação de discos, quantos
são na área de difusão e circulação musical (que inclui o aporte espetáculos musicais, festivais,
etc.), e quantos são projetos dedicados à formação de público, por exemplo. Isto só seria pos-
sível com uma extração manual, projeto a projeto, o que dificulta bastante a construção desse
indicador. Mas ainda que não seja possível ainda extrair tais estatísticas, é possível deduzir que

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a maioria dessas ações seja na área de difusão musical (shows, principalmente), justamente
aquela que mais dá visibilidades às empresas patrocinadoras. O próprio estudo do IPEA aqui
citado (SILVA, 2007, p. 306) sugere que o aporte da renúncia fiscal incrementa a ocupação no
setor, justificando o financiamento público em eventos isolados de difusão (como shows). Por-
tanto, ainda que não haja uma ação orquestrada das empresas nesse sentido, pode-se dizer que
o mecanismo da renúncia fiscal, por sua natureza, reforça a tendência de uma política centrada
na oferta.
As categorias disponibilizadas no sistema referem-se aos segmentos: música erudita,
música instrumental, música popular, áreas (musicais) integradas, artes integradas, e orques-
tras26, conforme tabela abaixo:

26
Tais divisões relacionam-se às instruções normativas, que regulamentam os procedimentos para apresentação,
recebimento, análise, aprovação, execução, acompanhamento, prestação de contas e avaliação de resultados de
propostas culturais que são submetidas ao MinC. A mais recente versão é datada de 24 de junho de 2013, que man-
tém pontos de 1995 quanto à natureza dos projetos e faixa de imposto a ser deduzido pela empresa. Ela estabelece
que há dois níveis de dedução do imposto devido pelas empresas: 30% (artigo 26, destinado à música popular
com intérprete ou quando há áreas e artes integradas, ou ainda a propostas que não se encaixam ao previsto na
instrução), e 100% (artigo 18 da instrução, destinado às demais modalidades acima listadas). Após a avaliação
feita por peritos contratados pelo MinC, os projetos são enquadrados em um ou outro artigo de acordo com sua
natureza, o que gera tal classificação pouco condizente à realidade das manifestações musicais. Tal diferenciação
foi criada justamente em função da área musical, para limitar o acesso de propostas em música popular cantada
com enorme poder de mobilização de público e mercado (como o sertanejo e o axé, por exemplo) aos recursos
públicos, e também para rebater a crítica de que as empresas não investiam nada além do imposto devido para ter
um enorme retorno de marketing (com a nova instrução, as empresas só podem deduzir 30% do imposto devido).
Por outro lado, em função dessa instrução normativa criada para frear distorções, os cantores em início de carreira
disputam os mesmos recursos que intérpretes consagrados, incorrendo-se numa outra distorção. A atual instrução
normativa passou recentemente (até 8 de dezembro de 2015) por processo de consulta pública. Vide: http://www.
cultura.gov.br/banner-3/-/asset_publisher/axCZZwQo8xW6/content/lei-rouanet-aberta-consulta-publica-da-ins-
trucao-normativa/10883?redirect=http://www.cultura.gov.br/banner-3%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_axCZ-
ZwQo8xW6%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dco-
lumn-3%26p_p_col_count%3D2.

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Percentual do incentivo da Lei Rouanet destinado aos diversos segmentos musicais -


BRASIL: 2005/201427

Como é sabido, um dos gargalos do financiamento via renúncia fiscal é a etapa de captação
de recursos após a aprovação do projeto. Os dados das tabelas acima referem-se aos projetos que
conseguiram captar recursos na iniciativa privada após a aprovação (que em 2012 foram cerca de
30% do total). Dentre o total de projetos que conseguem captar recursos, os de música popular
(que são 48% do total dos aprovados) têm a menor taxa de sucesso na captação (58% não conse-
guem captar). Já as orquestras e os produtores de grandes eventos lideram a relação de captadores.
Este foi um brevíssimo panorama sobre a oferta musical no país, tanto do ponto de vista
das políticas públicas estruturantes do setor, como do ponto de vista do principal mecanismo de
financiamento público a projetos musicais – a renúncia fiscal, que acaba reforçando a política da
oferta. O que se nota é que tanto o poder público como a iniciativa privada possibilitaram uma
política centrada na oferta de bens culturais, deixando em segundo plano aquilo que garantiria
um mercado cultural perene e sustentável: o estímulo à demanda. Apesar dos crescentes esfor-
ços para tanto, não há ações sistêmicas e consistentes para uma política da demanda. Isso seria
necessário principalmente em municípios pequenos, áreas rurais, em populações de baixa renda
e escolaridade.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AÇÕES PARA O ESTÍMULO À DEMANDA


Do ponto de vista das ações na esfera da educação, que é a principal linha de atuação para o
estímulo à demanda, há duas iniciativas importantes mas que, infelizmente, não lograram cumprir
totalmente com seus objetivos. A primeira que destaco é o Ensino Musical nas Escolas, causa leva-

27
Não estão aí discriminados quais os percentuais de “verba direta” (equivalente aos 70% não deduzidos pela
empresa, que assim aporta recursos próprios como numa espécie de patrocínio) e de incentivo (100% de dedução).
Cálculos apontam que entre 2009 e 2014 a área da música recebeu R$1,6 bilhão, sendo 75% do montante na
forma de incentivo (faixa de 100% de dedução) e 25% do montante na forma de recursos diretos não deduzíveis.
Os maiores beneficiários dos recursos diretos são projetos de grande apelo comercial. Fonte: SalicWeb, extração
JLeiva, SIM SP 2015.

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da adiante desde 2006 pelo Grupo de Ação Parlamentar pró Música - GAP. Diante das dificuldades
enfrentadas pelo GAP no poder legislativo, o grupo criou em 2008 a campanha “Quero Educação
Musical na Escola” sendo, desde então, a causa prioritária do GAP. A Lei 11.769/2008, que deter-
mina que a música deve fazer parte dos conteúdos obrigatórios, já foi aprovada, mas ainda carece
de regulamentação para ser cumprida pelas escolas. Em 2013 houve uma resolução do Conselho
Nacional de Educação regulamentando a Lei e estipulando seu cumprimento. Contudo, ela não foi
ainda homologada pelo Ministério da Educação e, portanto, ainda não têm valor. O GAP continua
pressionando para que a lei seja finalmente regulamentada e aplicada.
A segunda iniciativa que merece destaque é o Programa “Mais Cultura”, criado em 2007
para a promoção do acesso à cultura em escolas e universidades públicas. As chamadas públicas
são destinadas a projetos elaborados por municípios e estados, por pessoas físicas, e por pessoas
jurídicas sem fins lucrativos que sejam de natureza cultural. Os projetos selecionados devem
desenvolver ações em escolas e universidades em pelo menos um dos três eixos: Cultura e Ci-
dadania, Cultura e Cidades, e Cultura e Economia. Contudo o programa não tem ainda a força
necessária para incentivar a demanda como seria necessário.
Do ponto de vista das políticas públicas norteadas pelo PNC e SNC, o programa que
mais se relaciona à ideia de uma política da demanda é o “Cultura Viva”, que visa estimular e
desenvolver capacidades e potenciais artísticos através do apoio a iniciativas culturais já existen-
tes, dando a oportunidade à população de desenvolver suas vocações artísticas e difundi-las em
todas as suas expressões. A principal estratégia utilizada é a implantação de Pontos de Cultura,
espaços de gestão coletiva que se constituem não apenas em polos de criação, como também de
fruição culturais, visando à construção de novos valores de cooperação e solidariedade através
do fazer cultural. Conforme já argumentei em outro texto, “o pressuposto básico é o de que não é
necessário ‘levar’ cultura a tais segmentos sociais, uma vez que eles já são produtores de cultura
que necessitam apenas serem reconhecidos como tais”. (GHEZZI, 2015). Com tal programa,
espera-se que os elos com o mundo social passem necessariamente pela cultura, o que contribui
para o início de uma política da demanda através do estímulo ao desejo por cultura. Mas apesar
da multiplicação dos Pontos de Cultura, o programa não é capaz de responder sozinho por uma
política consistente e sistêmica centrada na demanda cultural.
Outra iniciativa do MinC que pode contribuir com tal propósito é o “Vale Cultura”, cria-
do para os trabalhadores de baixa renda (até 5 salários mínimos). O benefício de R$50 mensais
(cumulativos e válidos em território nacional) é oferecido pelas empresas aos seus trabalhadores
formalizados. As empresas que aderem ao programa têm em contrapartida isenção em encargos
sociais e trabalhistas sobre o valor concedido, além de abatimento no imposto de renda em até
um por cento. E os beneficiários podem usar o auxílio para a ida a cinemas, museus, teatros, es-
petáculos, shows e a compra e aluguel de CDs, DVDs, livros, revistas e jornais, além de cursos

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de formação artística, compras de instrumentos musicais, ou mesmo em programas culturais


com um custo mais elevado. Em relação aos hábitos musicais propriamente ditos, o Vale Cultura
poderia incorporar na lista de bens e serviços elegíveis o pagamento de assinaturas de música
por streaming. Ao incentivar o consumo de bens culturais, o programa incrementa também a
economia da cultura. “Cerca de 18 milhões de brasileiros podem ser beneficiados com o Vale-
-Cultura, representando um aumento de R$ 11,3 bilhões na cadeia produtiva da Cultura” (GHE-
ZZI, 2015). Contudo, deve-se considerar que o Vale Cultura é um recurso que se lança mão, e
não exatamente uma política sistêmica. Ele vale por sua abrangência, mas não resolve a questão
das barreias simbólicas que dificultam o acesso, tampouco é capaz de estimular adequadamente
o desejo por cultura.
Ainda que haja tais ações que estimulem a demanda, elas não são suficientes para eli-
minar as barreiras simbólicas que impedem o acesso pleno à cultura. O incentivo continuado às
práticas amadoras, e ações perenes de educação formal e informal em música seriam essenciais
para o estímulo à demanda.
Apesar da recente diversificação de mecanismos de fomento pela Funarte, os Prêmios
e Editais (que se caracterizam pela seleção de poucos projetos de excelência para usufruto do
fomento) continuam sendo as modalidades mais utilizadas para a promoção do acesso à cultu-
ra, limitando o alcance das ações propostas para o incremento da demanda. Da mesma forma,
programas estaduais e municipais de educação musical têm papel importante no estímulo ao
desejo por cultura, mas o que se nota é que os municípios de pequeno porte e as áreas rurais,
além da população em situação de vulnerabilidade social, ainda carecem de políticas eficientes
de promoção do acesso à cultura. Nessa perspectiva, cabe pensar em políticas estruturantes não
apenas da oferta de música, mas principalmente em políticas voltadas à ampliação da demanda.
Assim se estaria contribuindo não apenas com o setor musical especificamente, mas com a área
cultural de maneira ampla, pois ao priorizar uma política da demanda, desenvolve-se o desejo
por cultura, fundamental ao desenvolvimento humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. RJ: Elsevier/
Campus: 2006.
BOTELHO, Isaura. Dimensões da Cultura e Políticas Públicas. In: São Paulo em Perspectiva, São
Paulo,  v. 15,  n. 2,  p. 73-83, Abril  2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-88392001000200011&lng=en&nrm=iso.

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BRASIL. Metas do Plano Nacional de Cultura. São Paulo: Instituto Via Pública; Brasília: Ministério
da Cultura, 2012. Disponível em: http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/uploads/Biblioteca
Table/9c7154528b820891e2a3c20a3a49bca9/60/13661436941701177432.pdf
COULANGEON, Philippe. Sociologia das práticas culturais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2014.
DIAS, Marcia Tosta. Quando o todo era mais do que a soma das partes: álbuns, singles e os rumos da
música gravada. In: ITAÚ CULTURAL. Revista Observatório Itaú Cultural / OIC n. 13, Set. 2012. São
Paulo: Itaú Cultural, 2012, p. 63-74.
DONNAT, O. Democratização da cultura: fim e continuação? In: ITAÚ CULTURAL. Revista Observatório
Itaú Cultural / OIC n. 12, Mai./Ago. 2011. São Paulo: Itaú Cultural, 2011, p. 19-34.
GHEZZI, Daniela Ribas. Mapping Brazil – Cultural Participation / Democratização e Acesso à Cultura
no Brasil. Holanda, DutchCulture, 2015. Disponível em: http://dutchculture.nl/en/mapping/mapping-
brazil-cultural-participation.
IBGE. Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2007-2010. RJ, 2013. Disponível em: ftp://
ftp.ibge.gov.br/Indicadores_Sociais/Sistema_de_Informacoes_e_Indicadores_Culturais/2010/indic_
culturais_2007_2010.pdf.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Cultura em números: anuário de estatísticas culturais 2010. Brasília:
MinC, 2010. Disponível em: http://www2.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2009/10/cultura_em_
numeros_2009_final.pdf.
SESC. Públicos de Cultura. Sesc/Fundação Perseu Abramo, 2013. Disponível em: http://www.sesc.com.
br/portal/site/publicosdecultura/.
SILVA, Frederico A. B. Política Cultural no Brasil, 2002-2006: acompanhamento e análise. Brasília:
Ministério da Cultura, 2007.
TURINO, C. Pontos de cultura: O Brasil de baixo para cima. São Paulo: Ed. Anita Garibaldi, 2ª ed., 2010.
VICENTE, Eduardo. Da Vitrola ao IPod – uma história da indústria fonográfica no Brasil. São Paulo:
Alameda, 2014.

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OFERTA CULTURAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:


UMA ANÁLISE POR ÁREA DE PLANEJAMENTO
Daniele Cristina Dantas1

RESUMO: O desenvolvimento da gestão cultural tem levado à incorporação de práticas que


empregam informações quantitativas nas diferentes etapas do ciclo das políticas públicas e seu
amadurecimento tem favorecido a compreensão da eficiência do uso de indicadores nos processo
de gestão cultural. Tais processos favorecem as análises do estado atual, o monitoramento e
o planejamento das ações. O presente trabalho tem como objeto a análise espacial da oferta
cultural na cidade do Rio de Janeiro no ano de 2013, a partir de indicadores construídos com
dados da Secretaria Municipal de Cultura. As análises são feitas por áreas de planejamento
(APs), favorecendo o reconhecimento de uma configuração da oferta cultural neste perfil de
equipamentos culturais na cidade que difere do comumente representado.

PALAVRAS-CHAVE: indicador cultural, gestão cultural, análise espacial, dados de registro


administrativo, Rio de Janeiro.
.

1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da gestão cultural tem levado à incorporação de práticas gerenciais
que empregam informações quantitativas nas diferentes etapas do ciclo das políticas públicas.
O amadurecimento da gestão cultural na última década favorece compreender que as ações de
uma política pública para cultura tendem a ser mais eficientes com o uso de indicadores como
subsídio às análises do estado atual, assim como no monitoramento e planejamento das ações
em relação ao que pode e pretende ser melhorado.
Considerando possibilidades de análise da realidade cultural a partir de dados quan-
titativos, aspectos empiricamente observados tornam-se objetos de estudo convenientes. No
presente trabalho, este objeto tem como recorte a cidade do Rio de Janeiro, segunda grande me-
trópole do país, na qual se reconhece a percepção da existência de diferenças na distribuição de
infraestrutura para a fruição cultural em seu território, em função de características históricas
e sociais de sua ocupação. Considera-se ocorrer uma concentração de equipamentos culturais

1
Especialização em Estatística Aplicada (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro); mestre em Estudos
Populacionais e Pesquisas Sociais (Escola Nacional de Ciências Estatísticas); danielecdantas@gmail.com.

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em algumas regiões (como o Centro da cidade) em detrimento de outras. Aliado a esse fato, a
oferta de infraestrutura para fruição no município está sob diferentes níveis de gestão, a saber:
municipal, estadual, federal ou privada.
Para a fundamentação das análises que seguem, considera-se indicador cultural a par-
tir de três perspectivas teóricas, a saber: como estatísticas que dão suporte ao monitoramento
para o planejamento cultural contextualizando os fenômenos culturais existentes (YUE; KHAN;
BROOK, 2011); como ferramenta que auxilia na definição de problemas e no desenho de ten-
dências culturais orientando o planejamento cultural (FANCHETTE, 1979); e como instrumen-
to que fornece informações relevantes para as políticas culturais (PFENNIGER, 2004).
Buscando recursos para a análise, aplicou-se um método estatítico para construção de
um indicador sintético para a análise da oferta cultural em equipamentos sob a gestão da Secre-
taria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro (SMC-RJ), utilizando-se recursos de geoprocessa-
mento para a representação dos resultados no território, que possibilitam melhor compreensão
da distribuição do indicador no espaço estudado. Foi utilizada como unidade de análise as áreas
de planejamento (APs) da cidade, que representam agrupamentos de bairros contíguos.
Nesta perspectiva, o indicador proposto é composto por informações referentes à capa-
cidade e ao número de atividades realizadas nos diferentes equipamentos culturais da cidade,
representando o entendimento de oferta cultura a partir da relação entre a capacidade física de
recebimento do público e as atividades realizadas nos espaços culturais em análise. Assim, o
Indicador de Oferta Cultural (IOC) representa a oferta cultural nas diferentes regiões da cidade.
Através dele identifica-se a distribuição dos equipamentos culturais na cidade e a representação
quantitativa (em representação percentual) da oferta cultural.
Para a organização dos dados, o processamento e a apresentação das informações foram
utilizados o Excel, do pacote Microsoft Office. Para a representação espacial dos resultados foi
utilizado o ambiente de geoprocessamento ArcGIS v.10.

2. O RIO DE JANEIRO E OS EQUIPAMENTOS CULTURAIS DA SECRETARIA


MUNICIPAL DE CULTURA DA CIDADE
Em seus 450 anos, o Rio de Janeiro foi capital do país, desde o Brasil Império até a
mudança da capital da República para Brasília nos anos 1960. Município da região Sudeste, o
Rio de Janeiro é capital do estado de mesmo nome e tem uma população de, aproximadamente,
6.320.446 habitantes, composta por 53% de mulheres e 47% de homens2, vivendo em uma área
de 1.224,56 km² 3. Sua divisão administrativa apresenta 05 (cinco) áreas de planejamento com

2
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponível em <www.ibge.gov.br>.
3
Fonte Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ), disponível em <http://www.armazemdedados.
rio.rj.gov.br>.

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16 (dezesseis) regiões de planejamento e 33 (trinta e três) regiões administrativas, onde se ins-


crevem seus 160 (cento e sessenta) bairros.
Considerando que a oferta de infraestrutura para usos culturais, compreende equipamen-
tos sob diferentes perfis de gestão, a saber: pública federal, estadual e municipal (distribuídos
em diferentes secretarias e fundações); além de equipamentos culturais privados ou de organi-
zações sociais e coletivos artísticos, a distribuição destes espaços apresenta-se mais concentrada
em algumas regiões.
De acordo com dados do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ),
autarquia pública da cidade, em 2008, registravam-se 661 equipamentos culturais sob a gestão
municipal (por fundações públicas e outras secretarias), estadual e federal, além de equipamen-
tos privados, entre museus, bibliotecas, teatros, salas de cinema, galerias, espaços e centros
culturais, escolas e sociedades musicais. Os equipamentos sob a gestão municipal estão distri-
buídos em secretarias municipais ou órgãos da gestão pública na cultura, ciência e tecnologia,
educação e turismo, por exemplo.
Reconhece-se que a diferença no tipo de gestão (municipal, federal ou estadual; em nível
de secretaria ou fundação; pública, privada ou comunitária) implica no perfil de gerenciamento
da cultura para a sociedade; assim como pode ajudar na compreensão da dinâmica de oferta e
usos culturais nas diferentes regiões da cidade. Este cenário fundamentou o avanço dos debates
sobre o desequilíbrio na distribuição da oferta de infraestrutura de serviços culturais e demandas
por ações em busca do equilíbrio entre os bairros e regiões da cidade, a partir dos anos 1990.
Outro aspecto que se pode observar refere-se ao perfil da distribuição dos equipamentos
culturais no território e verificar que a distribuição de equipamentos culturais de perfis de alguns
tipos de gestão não obedece à mesma dinâmica. Como referencial analítico, a observação de equi-
pamentos culturais sob o mesmo perfil de gestão, os dados da SMC-RJ oferecem informações que
permitem avaliar espaços sob a mesma gestão e política. Tais espaços totalizam 52 (cinquenta e
duas) unidades entre teatros, bibliotecas, museus, lonas e arenas culturais e espaços culturais mul-
tiuso, conforme detalhamento na Tabela 2 por tipo, Área de Planejamento e Região Administrativa.
É possível verificar que a presença de equipamentos culturais sob a gestão da SMC-RJ
em todas as Áreas de Planejamento. Contudo, nem todas as APs têm todos os tipos de equipa-
mento cultural.

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Tabela 1: Equipamentos Culturais sob a gestão da Secretaria Municipal de Cultura, por Áreas de
Planejamento (APs) e Regiões Administrativas (RAs), Rio de Janeiro, 2013

Fonte: SMC-RJ. Dados de registro administrativo, jan-dez, 2013.

Nota-se que a Arenas e Lonas Culturais são equipamentos presentes nas APs 3, 4 e 5,
Teatros são equipamentos culturais presentes nas APs 1, 2 e 3 e Museus equipamentos culturais
presentes APs 1 e 2. Estas informações permitem que se identifique que as diferentes áreas da
cidade têm diferentes infraestruturas de equipamentos culturais, o que tende a influenciar no
perfil da oferta em cada uma delas.

3. A CONSTRUÇÃO DO INDICADOR
A proposta metodológica compreende a quantificação de aspectos da dinâmica cultural
por meio de indicadores que permitam a visualização analítica da distribuição da infraestrutura
para a fruição cultural no ano de 2013 nos equipamentos culturais sob a gestão da Secretaria
Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. A construção do indicador considera primeiramente os
valores relativos de cada variável em relação ao total delas. Em seguida, a uniformização dos
pesos considera uma distribuição igual para todos. A partir deste segundo passo, a soma de todas
as variáveis encontradas deve somar 1 (um) e os resultados encontrados para cada uma estará
compreendido entre 0 (zero) e 1 (um). Para favorecer a leitura dos resultados, o valor encontrado
foi multiplicado por 100, figurando em percentual. A partir daí, aplicou-se o método proposto às
informações agregadas em 05 (cinco) Áreas de Planejamento da cidade.

4. O INDICADOR DE OFERTA CULTURAL (IOC)


A formulação do indicador corresponde a uma estrutura de somas e produtos em linhas
e colunas totalizando 1. O formalismo para a construção dos indicadores e suas respectivas
operações matemáticas que traduzem a representação final do indicador proposto considera que
seja um elemento da matriz de informações que representa o sistema de informações
de oferta cultural sob a gestão da prefeitura municipal do Rio de Janeiro, onde os índices
correspondem, respectivamente as seguintes informações: Equipamento Cultural, Atri-
buto de Medição do Equipamento Cultural, Áreas de Planejamento.
Para que se possa visualizar a Tabela 2 traz a representação dos atributos do indicador:

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Tabela 2: Apresentação de atributos do Indicador de Oferta Cultural (IOC)

Assim, o elemento representa as Atividades realizadas nas Arenas Culturais


localizadas na Área de Planejamento 1 e é o total da Capacidade das Lonas
Culturais distribuídas nas cinco Áreas de Planejamento do município do Rio de Janeiro.
Tendo em vista que os dados originais apresentam variação significativa que dificultaria
o processamento do indicador, a composição do indicador segue duas fases: (1) uniformização
do conjunto de dados; e (2) ponderação dos indicadores a partir dos pesos atribuídos.
Na Fase 1, a uniformização considera os Equipamentos Culturais (i) e seus Atributos de
Medição(j) e é representada por:

Cada observação será resultado da divisão do valor original da célula pelo total do atri-
buto de medição do equipamento (j) que representa. Por exemplo, o valor assumido por P1,2,1 será
o resultado da divisão do valor da Capacidade das Arenas Culturais da AP1 (x1,2,1) pela Soma da
Capacidade das Arenas Culturais ( ). Com este processo, busca-se diminuir a amplitude
em um conjunto de dados com grande variabilidade, conforme representa a Tabela 3:

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Tabela 3: Representação dos valores uniformizados do Indicador de Oferta Cultural (IOC)

Assim, todas as observações serão representadas em uma mesma escala, variando entre
0 e 1, para representar os atributos de medição de cada equipamento cultural.
Na Fase 2, a ponderação é realizada a partir do número de Equipamentos Culturais (i) e
do número de seus Atributos de Medição (j) e é representada por:

Onde n(i) * n(j) representam os pesos atribuídos para o cálculo do indicador, respecti-
vamente, 1/6 e 1/2.
Visto que o indicador tem distribuição igual, o fator utilizado na ponderação será uma
constante (W) de valor igual a aproximadamente 0,0833:

Assim, temos a representação para o cálculo do indicador, onde

Desta forma, o indicador que representará a presença de oferta cultural, em função da


capacidade dos equipamentos culturais e do número de atividades realizadas neles durante o ano
de 2013, em nível de Áreas de Planejamento será representado na Tabela 4:

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Tabela 4: Representação da Composição do Indicador de Oferta em Equipamentos Culturais sob a


gestão da Secretaria Municipal de Cultural do Rio de Janeiro

Considerando os processos de uniformização e ponderação anteriormente realizados e


compreendendo que j é um atributo que compõe a informação do equipamento cultural, pode-se
reuni-los de modo a representar o indicador final, onde:

Com isso, o indicador final, que representará a presença de oferta cultural, nos diferentes
equipamentos culturais nas Áreas de Planejamento é representado na Tabela 5:

Tabela 5: Indicador de Oferta Cultural por Equipamentos sob a gestão da Secretaria Municipal de
Cultural do Rio de Janeiro por Área de Planejamento

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Desta maneira, os resultados alcançados terão sua distribuição no território representada


em imagens que favorecerão as análises.

5. RESULTADOS E ANÁLISES
A partir dos resultados do indicador que representa a capacidade dos equipamentos cul-
turais associada às atividades realizadas nos equipamentos presentes em cada Área de Planeja-
mento (AP), apresentado na Tabela 6, nota-se que as APs 1 e 2 têm valores próximos (respec-
tivamente 25,44 e 25,16) e que a AP3 (que representa bairros da Zona Norte da cidade) tem o
valor mais elevado (29,62). A AP4 (onde ficam os bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca) tem
o menor valor (3,91) e a AP5 (onde estão os outros bairros da Zona Oeste) tem um valor inter-
mediário (15,88). Este resultado confirma a existência de desequilíbrio na oferta cultural em di-
ferentes áreas da cidade no período em estudo, com destaque para as APs 4 e 5, que registram os
resultados gerais mais baixos. Maior equilíbrio é verificado entre as APs 1, 2 e 3, com destaque
para a AP3 que registra a maior concentração da oferta cultural na cidade no período analisado.

Tabela 6: Indicador de Oferta Cultural por Área de Planejamento (IOC-AP),


município do Rio de Janeiro, 2013 (%)

Fonte: SMC-RJ. Dados de registro administrativo, jan-dez, 2013.

Arenas Culturais, presentes nas APs 3 (12,90) e 5 (3,77) têm uma representação mais
expressiva na AP3 do que na AP5. Nas Bibliotecas, que estão presentes em todas as APs, regis-
trou-se maior oferta cultural nas APs 3 (6,52) e 2 (4,68). Em relação à oferta cultural nos Centros
Culturais, foram verificados resultados mais expressivos nas AP1 (7,03), seguida da AP3 (4,41)
e da AP2 (4,16). Sobre a oferta cultural nas Lonas Culturais conferiu-se a maior oferta na AP5
(10,65), alcançando-se resultados mais discretos nas outras APs que têm este tipo de equipa-
mento cultural (AP4 com 1,07 e AP3 com 4,95). Nota-se que a oferta cultural nas Lonas Cultu-
rais da AP5 tem um dos maiores indicadores de oferta da cidade no ano de 2013. Este resultado
pode representar a importância deste equipamento cultural, presente exclusivamente nas regiões
da cidade mais afastadas das zonas centrais, para a região, da mesma forma que o resultado das

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Arenas na AP3 (12,90), reiterando a importância destes equipamentos na distribuição da oferta


cultural nos subúrbios em relação à oferta cultural na cidade. Os resultados que traduzem a dis-
tribuição da oferta cultural na cidade apresentado na Tabela 6 podem ser visualizados na Figura
1. Nela as APs 4 e 5 estão representadas como Áreas mais carentes em oferta cultural pela SM-
C-RJ e as AP 3 e 1 como as Áreas com melhor cobertura.
Representando a oferta cultural nos diferentes equipamentos culturais, é possível reco-
nhecer, nos mapas a seguir, a importância de cada um deles nas regiões em que estão presentes.
Na Figura 2, nota-se a ausência de Arenas Culturais nas Áreas de Planejamento 1, 2 e 4 e a maior
concentração de oferta cultural deste tipo de equipamento cultural na Área de Planejamento 3,
onde as Arenas são equipamentos mais presentes. A Figura 3 representa a oferta cultural em
Bibliotecas na cidade, o único tipo de equipamento cultural presente em todas as Áreas de Pla-
nejamento. Reitera-se a informação lida na Tabela 6, que informa a menor oferta cultural neste
tipo de equipamento nas APs 5 (1,46) e 4 (1,78), assim como maior oferta cultural deste tipo de
equipamento na AP 3 (6,52) seguida da AP2 (4,68).
A oferta cultural nos Centros Culturais da cidade está representada na Figura 4. A partir
dela é possível reiterar a importância dos Centros Culturais na AP1, visto que a oferta cultural
neste tipo de equipamento nesta região da cidade é de 7,03%. É destacada a ausência dos Cen-
tros Culturais na AP5. Nota-se o valor baixo registrado na AP4 (1,06). Contudo, é importante
reconhecer que este é um entre os poucos equipamentos culturais disponíveis na AP4, respon-
dendo por 35,71% da capacidade dos equipamentos culturais existentes e por 66,39% das ativi-
dades realizadas nesta Área de Planejamento.
Instaladas exclusivamente nos bairros mais distantes do Centro e da Zona Sul da cidade,
a oferta das Lonas Culturais nestas regiões menos atendidas por equipamentos culturais tem
resultados positivos. Tendo em vista que sua presença é expressiva na AP5, a imagem reitera a
posição destacada deste equipamento cultural para esta Área de Planejamento (10,65), conforme
se vê na Figura 5. A ausência de oferta cultural deste equipamento cultural nas APs 1 e 2 confir-
mam a ausência de Lonas Culturais nestas regiões.

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Figura 1: Indicador de Oferta Cultural por Área de Planejamento (IOC-AP),


município do Rio de Janeiro, 2013

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ), 2010.

Figura 2: Oferta Cultural em Arenas Culturais por Área de Planejamento,


município do Rio de Janeiro, 2013

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ), 2010.

Figura 3: Oferta Cultural em Bibliotecas por Área de Planejamento,


município do Rio de Janeiro, 2013

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ), 2010.

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Figura 4: Oferta Cultural em Centros Culturais por Área de Planejamento,


município do Rio de Janeiro, 2013

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ), 2010.

Figura 5: Oferta Cultural em Lonas Culturais por Área de Planejamento,


município do Rio de Janeiro, 2013

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ), 2010.

Figura 6: Oferta Cultural em Museus por Áreas de Planejamento,


município do Rio de Janeiro, 2013

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ), 2010.

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Figura 7: Oferta Cultural em Teatros por Áreas de Planejamento,


município do Rio de Janeiro, 2013

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP-RJ), 2010.

De forma oposta, A Figura 6 representa a ausência de oferta cultural em Museus nas APs
3, 4 e 5 e sua concentração na AP1 (12,72). Esta região reúne importantes museus na cidade.
Verifica-se que, em menor proporção, a AP4 também registra oferta cultural em museus no ano
de 2013 (3,95).
Presentes em parte da cidade, os Teatros são os equipamentos com maior oferta cultural
na AP2 (12,37), registrando um dos maiores indicadores de oferta cultural da cidade no ano de
2013. A AP1 (3,47) e a AP3 (0,83) também registram oferta cultural em teatros no ano de 2013.
Contudo, o indicador de oferta cultural na AP3 é significativamente baixo.
Conforme ilustra a Figura 7, as APs 4 e 5 registram resultado igual a zero no que se refere
a presença de teatros, visto que na estrutura da Secretaria Municipal de Cultura não se registra a
presença deste tipo de equipamento cultural nestas regiões da cidade. O atendimento às deman-
das por pauta teatral na região é cumprido pelas Lonas Culturais.
Retomando a análise geral pelo IOC, verifica-se que as APs 4 e 5 têm os menores va-
lores do indicador, respectivamente, 3,94 e 15,88. Valores bem diferentes dos verificados nas
APs 3 (29,62), 2 (25,16) e 1 (25,44). Diferente de todas as outras, a AP5 é a única que tem pelo
menos um tipo de Equipamento Cultural sob a gestão da SMC-RJ em cada Região Administra-
tiva; mesmo que em algumas tenha apenas um tipo de equipamento. Contudo, corroborando o
desequilíbrio, verifica-se que a AP$ tem apenas três Equipamentos Culturais, todos situados na
mesma RA (RA XVI Jacarepaguá).
Analisando as Áreas com os melhores resultados, as APs 1e 2 eram aquelas onde se
esperava encontrar maior valor para o resultado do indicador sintético. Contudo, foi a AP3 que
apresentou o maior resultado (29,62). Esta AP concentra quase todas as Arenas Culturais da ci-

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dade, além de ser a Área onde está situado o Centro Cultural João Nogueira4, Equipamento Cul-
tural com valores expressivos tanto em Capacidade quanto em número de Atividades realizadas.
Nota-se que a infraestrutura de equipamentos culturais da SMC-RJ na AP3 atende a uma
região com presença de infraestrutura cultural por outros níveis de gestão diferente do obser-
vado nas APs 1 e 2, nas quais se verifica a oferta cultural também em equipamentos federais e
estaduais, além dos privados.
Analisando a concentração da Oferta Cultural na Zona Sul e no Centro nota-se que a soma
representa, aproximadamente, 50% da oferta cultural de toda a cidade. Resultado expressivo,
visto que os outros 50% estão distribuídos em três Áreas de Planejamento, que geograficamente
representam tanto área física, quanto contingente populacional expressivos. Contudo, este resul-
tado precisa ser analisado pela perspectiva histórica da ocupação do território, tanto comercial e
populacional quanto por equipamentos culturais, na cidade do Rio de Janeiro, que se consolidou
entre Centro e Zona Sul há mais tempo e passou a contemplar outras regiões da cidade em tempos
mais recentes, com a instalação de novos equipamentos culturais.
Isto pode ser verificado pelas variações observadas no Indicador de Oferta Cultural na
AP3 com a presença de Equipamentos Culturais de instalação recentes, como as Arenas Cultu-
rais, mas que precisa ser avaliado com cautela na APs 4 e 5, especialmente pelo tipo e infraestru-
tura do tipo de Equipamento presente nelas. Isto porque os equipamentos culturais que existem
nestas Áreas não têm capacidade de receber em sua programação produções que demandam
maior infraestrutura dos espaços, mas são importantes nas últimas décadas por amenizarem a
ausência de anos atrás.
Há 25 anos, aproximadamente, a AP5, por exemplo, teria muitos resultados iguais a zero,
visto que as Lonas e Arenas Culturais foram inauguradas entre 1992 e 2004, e estes são os Equi-
pamentos culturais mais presentes nesta Área de Planejamento. Conhecer o histórico de insta-
lação e dinâmica de uso dos Equipamentos culturais ajuda a verificar mudanças, considerando
a construção de um indicador que represente o tempo que cada Equipamento Cultural existe e
encontra-se em funcionamento, como a presença deste Equipamento Cultural pode influenciar e
representar a possibilidade de oferta cultural em cada região da cidade.
Os Centros Culturais são equipamento culturais ausentes apenas na AP5, que tem Lonas
Culturais e uma Arena Cultural e são equipamento culturais que não existem nas APs 1 e 2 (que
concentram Centros Culturais). A AP3 tem maior diversidade de Equipamentos culturais, não
existindo nela apenas Museus. Neste contexto, é importante reconhecer a chance de oferta cultu-
ral gerada com a instalação de Lonas e Arenas Culturais em áreas onde não existiam equipamen-
tos culturais da SMC-RJ até meados dos anos 1990.

4
O Centro Cultural João Nogueira é uma construção já existente (o antigo Imperator), que foi incorporada à es-
trutura da SMC-RJ e inaugurada em 2012.

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Os vazios de representação de Equipamentos culturais públicos municipais, que seriam


identificados há 25 anos, foram amenizados com a presença destes tipos de equipamento cul-
tural. Porém, a ocupação destes equipamentos culturais, suas linhas de ação e perfil de progra-
mação, por exemplo, são questões a serem avaliadas em um estudo sobre o desenho da política
cultural da SMC-RJ, visto que não são questões captadas pelo indicador de oferta proposto.

6. CONSIDERAÇÕES
Com a observação do indicador a partir das Áreas de Planejamento foi possível identi-
ficar e reconhecer alguns aspectos da oferta cultural nos equipamentos culturais da Secretaria
Municipal de Cultura no Rio de Janeiro. Confirmou-se o desequilíbrio na oferta cultural em
algumas regiões da cidade e foi possível reconhecer a importância de alguns equipamentos
culturais em algumas delas, como as Lonas Culturais para parte da zona oeste. A representação
do desequilíbrio na Oferta Cultural nas diferentes Áreas de Planejamento traduz que, de modo
geral, esta oferta não está distribuída geograficamente de forma equânime. Contudo, isso não
invalida todo o conjunto de realizações existentes nos diferentes Equipamentos Culturais, sua
representação para a população e importância no conjunto das ações culturais tanto em contexto
local quanto para a cidade.
Com isso, é importante reconhecer que o resultado de um indicador sinaliza possibilida-
des de leitura sobre uma situação para a qual ele foi construído. Mas as respostas, que ele per-
mite que sejam alcançadas, necessitam de aprofundamento e esclarecimentos que serão obtidos
com a análise qualitativa da gestão cultural em seus diversos aspectos, desde as propostas de
ação, às tomadas de decisão, os ajustes de objeto, entre outros fatores que podem influenciar o
resultado dos projetos, ações, programas de uma política.
Assim, os resultados traduzidos por indicadores isoladamente, em algumas circunstân-
cias, suscitarão questões não evidenciadas no cotidiano sem oferecer respostas diretas, visto que
é através da análise do conjunto de decisões e ações da gestão que se podem alcançar alguns
esclarecimentos. Porém, quando as análises se fundamentam em um conjunto de informações
quantitativas sobre o cotidiano da gestão, o processo para que se identifiquem respostas passa a
ter parâmetros mais objetivos.
Isto corrobora a importância de se consolidar conjuntos de dados do cotidiano da gestão
por períodos mais longos, construindo séries de dados longitudinais, que permitirão ao gestor
avaliar as ações de sua política em perspectiva no tempo e verificar os resultados alcançados,
possibilitando o monitoramento e os ajustes durante o processo de gestão. Assim, seria possí-
vel analisar cenários anteriores e posteriores à instalação de alguns equipamentos culturais, da
mudança na programação oferecida, verificar se os resultados foram mais expressivos em um

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Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016

momento específico ou se se trata de um equipamento cultural de referência para uma região da


cidade ou para o público da cidade.
O uso de indicadores na gestão tende ainda a ser favorecido pela adesão ao um sistema
de indicadores que auxiliará na ampliação da análise dos resultados alcançados através de um
indicador sintético, assim como na identificação de outras características que podem ajudar na
compreensão de aspectos da gestão verificados com o uso de um indicador isolado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FANCHETTE, S. Les indicateurs culturales: theorie et pratique. Reunion d’experts sur lês estatistiques
et lês indicateurs culturels. Paris: UNESCO, 1979. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/
images/0003/000380/038077fb.pdf> Acesso em 13 abr. 2013.
PFENNINGER, M. Indicadores y Estadísticas Culturales: Breve repaso conceptual. In: Boletín GC,
n. 7, 2004. Disponível em: http://www.gestioncultural.org/ficheros /1_1316771694_MPfenniger.pdf>
Acesso em 13 abr. 2013.
YUE, A; KHAN, R; BROOK, S. Developing a local cultural indicator framework in Australia: a case of
the city of Whittlesea. In: Culture and Local Governance, v. 3, n. 1-2, 2011. Disponível em <https://
uottawa.scholarsportal.info/ojs/index.php/clg-cgl/article/view/191/174> Acesso 16 abr. 2013.

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PERSPECTIVAS SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL


NO PROGRAMA CULTURA VIVA
Daniele Sampaio da Silva1

RESUMO: Este estudo foi realizado na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Setor de Políticas
Culturais, entre 2012 e 2014, e contou com a orientação da Profa. Dra. Lia Calabre. Seu
objetivo foi a análise empírica dos impactos sociais, culturais e humanos em comunidades onde
se estabeleceram os Pontos de Cultura - uma das vertentes do Programa Nacional de Cultura,
Educação e Cidadania – Cultura Viva, criado em 2004, durante a gestão de Gilberto Gil no
Ministério da Cultura do Brasil. Entre outras coisas, buscou-se verificar o alcance desta política
como fomento à diversidade cultural – seu princípio fundante. Neste artigo, há uma síntese das
ações empreendidas nesta pesquisa, a qual envolveu estudo bibliográfico e pesquisa de campo
em dois Pontos de Cultura da cidade de Campinas-SP.

PALAVRAS-CHAVE: Programa Cultura Viva, Pontos de Cultura, Diversidade Cultural.

1. INTRODUÇÃO
O principal objetivo desta pesquisa foi verificar, com base em estudos teóricos e traba-
lhos de campo, os impactos das ações dos Pontos de Cultura, vertente do Programa Nacional
de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, criado em 2004 na gestão de Gilberto Gil no
Ministério da Cultura. Os Pontos de Cultura, dentro da perspectiva do MinC, são definidos como
organizações da sociedade civil já existentes, que recebem apoio financeiro e kits de cultura di-
gital disponibilizados através de editais públicos. Desde a criação do programa, os projetos con-
templados recebem por três anos o valor correspondente a três parcelas de R$60 mil, tendo como
contrapartida a realização das atividades propostas no plano de trabalho submetido no edital. De
acordo com os conceitos básicos dos criadores do programa, o Ponto de Cultura está apoiado em
quatro pilares conceituais: autonomia, protagonismo, empoderamento e gestão compartilhada.
A fim de se estudar esta vertente do programa Cultura Viva, esta pesquisa se dividiu em três
etapas: 1) levantamento e estudo de documentos oficiais sobre os princípios do programa, análise
dos estudos realizados pelo IPEA nos anos de 2009 e 2011 - onde avaliou-se a implementação e

1
Produtora Cultural, Fundadora da SIM! Cultura, Pesquisadora de Políticas Culturais pela Fundação Casa Rui
Barbosa e Mestranda em Artes da Cena pela UNICAMP. Email: danisampaio08@gmail.com

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políticas culturais
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alcance das ações previstas no programa - e bibliografia relacionada às políticas culturais. 2) ob-
servação empírica de impactos sociais, culturais e humanos em duas comunidades com Pontos de
Cultura na cidade de Campinas-SP, envolvendo a aplicação de entrevistas aos gestores, colabora-
dores, alunos/frequentadores e população moradora/trabalhadora das comunidades onde os Pontos
estão inseridos. 3) comparação reflexiva entre o estudo teórico e os dados coletados na pesquisa
de campo.
Partindo do princípio de que o programa tem como premissa a promoção da diversidade
cultural, procurou-se contemplar no trabalho de campo Pontos de Cultura que envolvessem
ações e públicos beneficiados completamente divergentes. Assim, o primeiro ponto observado
está localizado em uma região nobre da cidade de Campinas e tem como atividade principal a
realização de saraus musicais a um público majoritariamente acadêmico: a Cia Sarau. O segun-
do ponto está localizado em uma região historicamente menos favorecida da cidade, e tem como
ação principal atividades culturais voltadas para o atendimento de crianças e jovens de baixa
renda: a Casa de Cultura Tainã.

2. LOCALIZANDO OS PONTOS: BREVE HISTÓRICO DO MINISTÉRIO DA


CULTURA 1985-2010
O Ministério da Cultura (MinC) foi criado em 1985 por meio do Decreto No 91.144,
durante a gestão do presidente José Sarney (CALABRE, 2009). Como poderá ser verificado,
historicamente o ministério é marcado por uma infeliz tradição de não continuidade de progra-
mas. Até 1990, a pasta foi chefiada por quatro ministros, o que inviabilizou a implementação
de qualquer política nacional de cultura. A única ação de destaque deste período, foi a criação
da primeira lei federal de financiamento às atividades artísticas do país, conhecida como Lei
Sarney. No entanto, a lei foi fortemente criticada por diferentes segmentos da sociedade, prin-
cipalmente por conta da falta de transparência na aplicação dos recursos e por sua concentração
nas mãos de poucos artistas/produtores.
Para fragilizar ainda mais as ações da pasta, em 1990 o MinC foi extinto pelo então
presidente Fernando Collor de Mello, que transformou o ministério em Secretaria de Cultura
vinculada e subordinada à Presidência da República. Em resposta às críticas à Lei Sarney e a
fim de se corrigir os problemas detectados na sua implementação, o então Secretário da Cultura,
Paulo Sérgio Rouanet, promulgou a lei que instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura - a
chamada Lei Rouanet. Mas as críticas ao novo modelo de financiamento continuaram, sobretu-
do por conta da concentração dos recursos na região sudeste.
Em 1992, no governo do presidente Itamar Franco, o Ministério da Cultura foi recriado
e teve três dirigentes em apenas dois anos. De forma que, notadamente, o ministério é marcado

663
VII Seminário Internacional

políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016

já nos seus primeiros dez anos por sucessivas substituições de dirigentes e por ações típicas da
chamada política de evento, com ações isoladas e com caráter imediatista.
É entre 1994 e 2002, período dos dois governos do Presidente Fernando Henrique Car-
doso, que o MinC vai vivenciar seu primeiro período de estabilidade. Ali, introduziu-se no país
a política neoliberal do Estado mínimo, com práticas análogas àquelas inauguradas por Ronald
Reagan e Margaret Thatcher, nos EUA e Grã-Bretanha respectivamente, na década de 1980 –
desenvolvendo-se, nestes países, novos modelos de fomento à cultura, baseados em transferên-
cias de responsabilidades e regulação por práticas de mercado (WU, 2006, passim). Em sintonia
com este movimento, o MinC, chefiado nestes oito anos por Francisco Correa Weffort, empe-
nhou a quase totalidade de suas ações na promoção da Lei de Incentivo - ou Lei do Mecenato,
como passou a ser chamada. Mas a despeito das fortes investidas na promoção da Lei, não foram
cumpridas as proposições iniciais de corrigir as desigualdades de apoio às expressões artísticas
em nível nacional. Pelo contrário: ao concentrar os recursos no eixo sul do país e por priorizar
projetos vinculados aos chamados grandes nomes da indústria cultural, a principal política deste
período agravou ainda mais as desigualdades regionais da área cultural no país. Pior, de acordo
com Rubim, a cruel combinação entre escassez de recursos estatais e a afinidade desta lógica de
financiamento com os ideários neoliberais, fez que parcela considerável dos criadores e produ-
tores culturais passasse a identificar política de financiamento e políticas culturais com as leis
de incentivo (RUBIM, 2012).
Em mão contrária às práticas neoliberais, entre 2003 e 2010, período dos dois mandatos
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, observa-se um empreendimento da pasta para a ins-
titucionalização da cultura em nível nacional. Este seria o segundo período de estabilidade do
MinC, quando Gilberto Gil assumiu a chefia da pasta até 2008. Neste intervalo, verificou-se uma
forte articulação entre poder público e sociedade civil que resultou na criação e implementação
de diferentes políticas culturais nos âmbitos municipal, estadual e federal. É neste período que
a pasta ganha notoriedade e se amplia o debate em torno das políticas culturais em diferentes
segmentos da sociedade brasileira.

2.1. A gestão do ministro Gilberto Gil e o Programa Cultura Viva


Pode-se afirmar que a maior contribuição da gestão de Gilberto Gil à frente do MinC
(2003-2008) foi o alargamento do sentido de cultura, que passou a ser pensado a partir de uma
perspectiva antropológica. No lugar da indústria cultural, com pretensões universalizantes ou
homogeneizadoras, a promoção e valorização das mais variadas formas de viver foram protago-
nizadas. O reconhecimento e legitimação da diversidade cultural - traço inquestionável da pro-
dução cultural nacional - contrastou radicalmente com as gestões anteriores, onde os princípios
da homogeneização típicas do movimento de globalização contaminaram fortemente o setor.

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Neste sentido, é possível localizar no leque de ações empreendidas pelo MinC, de um


lado, propostas voltadas para corrigir as distorções de políticas já existentes - como por exem-
plo o debate em torno dos Direitos Autorais, a Reforma da Lei Rouanet, a ampla consulta pú-
blica através dos seminários “Cultura para Todos” e do Conselho Nacional de Cultura, etc. Por
outro, houve a proposição de novas ações públicas nos âmbitos municipal, estadual e federal, a
reestruturação administrativa e a criação de secretarias internas na busca de setorizar e facilitar a
operacionalização do ministério; a criação de editais de incentivo à produção de diferentes seg-
mentos da cultura em diferentes partes do país; a abertura de diálogo com outros ministérios; o
convênio com o IBGE na busca de indicadores no setor; a institucionalização do Plano Nacional
de Cultura, etc.
Neste sentido, a criação do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – o
Cultura Viva ganha destaque. Com propósitos de se colocar como espaço para a conquista da
cidadania e tornar-se um instrumento para a superação da exclusão social (BRASIL, 2006), o
programa reconheceu o papel estratégico da cultura como base da construção e preservação
das identidades brasileiras. Para alcançar tais objetivos, o Programa foi criado a partir de cinco
vertentes (BRASIL, 2004):
a) Pontos de Cultura: ação que articula as demais ações do Cultura Viva. Compreende
o apoio institucional e financeiro do MinC a entidades civis que desenvolvem ativi-
dades de impacto sócio-cultural em suas comunidades. Até abril de 2012, eram 2,5
mil Pontos de Cultura em 1122 cidades brasileiras.
b) Agente Cultura Viva: pretendia favorecer atitude crítica, auto-estima e consciência
de si em jovens atuantes em Pontos de Cultura. Um edital de seleção de bolsistas
selecionaria projetos de capacitação de jovens como agentes culturais.
c) Cultura Digital: ação catalizadora da rede formada pelos Pontos de Cultura, des-
tinada a fortalecer, estimular, desenvolver e potencializar  redes virtuais e presen-
ciais. Dentre suas atividades, destacam-se o papel de facilitadora da apropriação e do
acesso às ferramentas multimídia em software livre pelos Pontos de Cultura para a
geração de autonomia.
d) Escola Viva: com o intuito de integrar Pontos de Cultura com a escola, articulando
formas de saber reflexivo e sensível por meio da cultura.
e) Griôs – Mestres dos Saberes: apoio a projetos pedagógicos que contemplem as prá-
ticas da oralidade, dos saberes e dos fazeres dos Mestres e Griôs nas  parcerias dos
Pontos de Cultura com escolas,  universidade e entidades do terceiro setor.
Por ser responsável pela rede de integração entre todos as iniciativas do programa, os
Pontos de Cultura são elemento central do Cultura Viva. Ainda que se possa discorrer sobre
algumas limitações do programa - uma certa burocracia estatal dificultando a implementação

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Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016

do próprio programa e mesmo de ações da sociedade civil, por exemplo (IPEA, 2011) -, nunca
uma política pública mobilizou tão expressivamente diferentes segmentos da sociedade. Mais:
possibilitou uma mudança de paradigma na maneira de entender a ação cultural. Assim, por
exemplo, o lançamento de outro programa articulado ao Cultura Viva, o Mais Cultura, inseriu
as iniciativas desta área na agenda do governo federal, tomando-as como políticas estratégicas
de redução da pobreza e a desigualdade social. Aí, um grande avanço no entendimento da cul-
tura – menos como política de evento e entretenimento, como em gestões anteriores do MinC, e
mais como ação política transformadora.
A fim de verificar o alcance desta ação sua ação – sempre dentro da perspectiva da diver-
sidade cultural - foram pesquisados dois Pontos de Cultura na cidade de Campinas-SP com pro-
gramações e público-alvo completamente diferentes. Para tanto, além da pesquisa bibliográfica
acerca das políticas culturais, foram realizadas pesquisas de campo envolvendo a aplicação de
entrevistas com os gestores dos pontos, alunos e público frequentador, e moradores das comu-
nidades onde estão inseridos.

3. BREVE APRESENTAÇÃO: A CIA SARAU E A CASA DE CULTURA TAINÃ


A Cia Sarau foi criada em 1993 como espaço cultural voltado à arte e à música a partir do
encontro entre o músico José Eduardo Gramani e o então professor na Unicamp, Álvaro Tucun-
duva. A Cia Sarau está localizada na região norte de Campinas, a 4km da Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP), no distrito de Barão Geraldo. A despeito da simplicidade estrutural
do espaço, durante seus mais de 20 anos de existência, a Cia Sarau reúne em seu histórico mú-
sicos nacional e internacionalmente reconhecidos.
Entre 2007 e 2009, a Companhia Sarau, em conjunto com a Boa Companhia Teatro
(Associação Cultural Boa Companhia), foi um Ponto de Cultura do Programa Cultura Viva do
Ministério da Cultura em parceria com a Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Cam-
pinas. Depois, entre 2010 e 2012, foi Ponto de Cultura do programa 300 Pontos de Cultura –
Rede Estadual de Pontos de Cultura, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, por meio
de um convênio com o MinC. Com ações que contemplaram apresentações musicais, peças de
teatro e atividades formativas, o Ponto de Cultura Boa Companhia e Cia Sarau desenvolveram
seus projetos em duas sedes e com programações paralelas. Para esta pesquisa, foram abordadas
apenas as atividades desenvolvidas na Cia Sarau.
A Casa de Cultura Tainã teve sua fundação como resultado da articulação dos moradores
provenientes das áreas dos antigos cortiços de Campinas - em sua maioria ocupados pela popula-
ção negra e pobre da cidade. Em parceria com a COHAB - Companhia Metropolitana de Habita-
ção -, as autoridades locais removeram a população dos cortiços para bairros recém construídos,
em regiões bem afastadas do centro. Neste contexto, foi criada a Vila Castelo Branco. Anos mais

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tarde, seus moradores fundariam a Associação de Moradores da Vila Castelo Branco, a qual, atra-
vés de um concurso promovido na comunidade, passou a ser chamada de Casa de Cultura Tainã.
A Casa de Cultura Tainã é uma entidade cultural e social sem fins lucrativos, cuja mis-
são é possibilitar o acesso à informação, fortalecendo a prática da cidadania e a formação da
identidade cultural, visando contribuir para a formação de indivíduos conscientes e atuantes na
comunidade2. Segundo o gestor do ponto, a Casa apresenta-se como uma das poucas opções de
ação comunitária efetiva no bairro, sendo reconhecida como uma das únicas referencias cultu-
rais numa região onde se registram todos os tipos de carências, resultantes da falta de políticas
sociais que assegurem a sobrevivência e a qualidade de vida de crianças e jovens.

4. ENTREVISTAS COM OS GESTORES, MORADORES E FREQUENTADORES


DOS PONTOS
A Cia Sarau possui sede própria desde sua fundação. A viabilização de sua programação,
antes de ser tornar Ponto de Cultura, era possível graças a pequenos patrocínios e recursos ad-
vindos de editais públicos, incluindo projetos captados na Lei Rouanet. De acordo com a entre-
vista realizada com o gestor da Cia Sarau, os dois convênios firmados com o Programa Cultura
Viva possibilitaram um importante redimensionamento na ação cultural do espaço. O principal
benefício teria sido de ordem prática: a aquisição de um piano de cauda e equipamentos téc-
nicos, responsáveis por garantir a reestruturação do espaço e a ampliação dos saraus – que se
tornaram mais frequentes.
Em uma perspectiva simbólica, o gestor afirma que a articulação entre os Pontos de
Cultura da cidade ainda teria contribuído para a desconstrução de preconceitos entre diferentes
segmentos da música - como a música popular e o hip hop, por exemplo. Segundo ele, os fre-
quentes encontros com os representantes dos Pontos promoviam este exercício de alteridade ao
colocar juntos e no mesmo espaço propostas e projetos tão diversos entre si. Na medida em que
o programa criava condições para o encontro entre diferentes linguagens, os preconceitos eram
substituídos pelo reconhecimento e respeito pela diversidade.
Por fim, destaca o amadurecimento político dos movimentos culturais da cidade em
função dos encontros periódicos entre os Pontos de Cultura. Isto, atrelado à conscientização e
à integração dos vários movimentos sociais da região, teria promovido um sentimento de per-
tencimento e de coletividade. Ao final, ainda segundo o gestor, a sensação de estar trabalhando
sozinho fora substituída pela ideia de ser parte de um todo.
Em relação às dificuldades enfrentadas durante a execução do plano de trabalho, pode-
-se dizer que os problemas elencados na entrevista reiteram os pontos levantados pela pesquisa
realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2009 e 2011). Assim, além de

2
Extraído de: http://www.taina.org.br/casa.php / (acesso em 28/11/2013).

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nunca ter recebido a terceira parcela do primeiro convênio, a burocracia estatal, a falta de pre-
paro dos funcionários da Secretaria de Cultura de Campinas, a ausência de retorno aos e-mails
e telefonemas, dificuldades para esclarecer procedimentos na prestação de contas e o atraso do
pagamento das verbas, teriam sido os enfrentamentos recorrentes da gestão da Cia Sarau durante
os dois convênios.
Para conferir outras perspectivas acerca da ação do programa Cultura Viva, foram en-
trevistados moradores e/ou trabalhadores da comunidade onde a Cia Sarau está localizada. Para
tanto, concentramos a abordagem em um raio de até 1km da sede da Cia Sarau. A faixa etária
dos entrevistados esteve compreendida entre 21 e 62 anos, sendo 72% do sexo masculino e 28%
do sexo feminino. Deste total, 14% confirmaram que conheciam e frequentavam a Cia Sarau,
contra 29% que disseram não conhecer e 57% que conheciam, mas nunca havia frequentado
suas atividades. Quando perguntado sobre o tipo de vínculo que possuíam com o bairro, 14%
responderam que trabalhavam e 86% que moravam no bairro. Quanto ao grau de escolaridade,
7% disseram ter o Primeiro Grau completo, 14% completaram o Segundo Grau, 72% cursavam
ou já havia concluído a Graduação e 7% tinham Pós Doc. Em relação à profissão, foram con-
templados as seguintes respostas: antropólogo; advogado; ator; comunicador social; dançarina;
marceneiro; músico; produtor cultural, sapateiro e sociólogo. Sobre o nível de frequência à ati-
vidades culturais, tais como espetáculos de teatro, dança, show, 14% afirmaram que frequentam
em média uma vez a cada três meses, outros 58% frequentam uma vez por mês e 28% frequen-
tam uma vez por semana. Quando questionados sobre o que costumavam fazer no tempo livre,
foram contempladas as seguintes respostas: animação em 3D; caminhar; ir ao cinema; correr;
dormir; encontrar os amigos; fotografar; jogar futebol; pescar; ler. Por fim, foi perguntando
aos entrevistados o que eles entendiam por Ponto de Cultura. Do total de pessoas abordadas,
7% afirmaram não conhecerem, contra 93% que afirmaram já terem ouvido falar. Deste total,
foram contempladas as seguintes definições: ações de continuidade; intercâmbio de gestão e
ação cultural; espaço onde as pessoas conversam, debatem e retornam; problemas burocráticos;
incompatibilidade com o sistema; traz benefícios para os moradores; uma coisa genial; projeto
que mobiliza as pessoas; ação que promove encontros; estabelece contato com gente de outras
classes sociais; um ponto de transversalidade; retrato da comunidade.
No sentido de contemplar o ponto de vista de quem foi beneficiado com as ações do
Ponto de Cultura, foram aplicadas entrevistas também ao público frequentador da Cia Sarau ao
longo de quatro sessões dos saraus. Em sua maioria, o público da Cia Sarau é constituído por
acadêmicos e profissionais liberais, sendo 46% residentes no distrito de Barão Geraldo, 40% em
outras regiões de Campinas e 14% em outras cidades. A faixa etária dos entrevistados ficou con-
centrada entre 23 a 63 anos, dos quais 66% do sexo feminino e 34% do sexo masculino. Quanto
ao grau de escolaridade, 7% possuíam ensino superior incompleto, 63% graduação e 30% pós

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graduação. No tocante às profissões, foram recebidas as seguintes respostas: antropólogo; advo-


gado; atriz; designer de interiores; economista; engenheiro; engenheiro eletrônico; engenheiro
de alimentos; estudante; jornalista; músico; professor; professor de inglês; professor univer-
sitário; servidor público federal; zootecnista. Quando questionados sobre como se deslocam
até a Cia Sarau, 28% afirmaram que se deslocam a pé ou de bicicleta e 72% de carro próprio.
Sobre a frequência às atividades promovidas no espaço, 20% revelaram estar pela primeira vez
no espaço cultural, contra 80% que disseram ser frequentadores assíduos. No que diz respeito
à frequência à espetáculos de teatro, dança e show, 3% disseram que não costumam frequentar,
enquanto 20% frequentam em média uma vez ao ano, 59% em média uma vez a cada três meses
e 18% em média uma vez por mês. Em relação ao tempo livre, os entrevistados responderam que
normalmente se ocupam com as seguintes atividades: aeromodelismo; artes plásticas; batucar;
caminhar; cantar; carpintaria; ciclismo; cinema; fotografia; jogar tênis; ler; nadar; ouvir música;
piano; pintura; teatro; tocar violão. Para entender o nível de relação com o espaço, foi pedido
aos entrevistados que classificassem a Cia Sarau em até cinco palavras. Entre as classificações,
tivemos como respostas: manancial no deserto cultural; simples, alegre, musical; familiar; uma
jóia; genial; simples; aconchegante; importante; sui generis; uterino; respeito; valorização mú-
sica brasileira; orgânico; variado; qualidade e afinidade; descontraído; selecionado; agradável;
próximo; caseiro; programa de governo ; caloroso; lugar apaixonante; oportunidade; simplici-
dade; um jeito de fazer; excelente. Por fim, foi perguntado ao público frequentador o que enten-
diam por Ponto de Cultura, dois quais somente 7% disseram não conhecer o programa e 93%
afirmaram conhecer – exatamente a mesma proporção dos entrevistados da comunidade. Dos
93%, foram dadas as seguintes definições: descentralização da verba; pessoas com projetos e
iniciativas culturais financiadas pelo governo; dinheiro na mão de quem sabe fazer; subsídio pú-
blico para promover atividades culturais; projeto para gestores culturais; grupos que promovem
eventos; geração de acesso; programa do governo que cria pontos culturais; espaços de criação
e atividades culturais; ideia boa, mas que precisa aprimorar; atividade que gera elo entre artista e
público; promove cultura de nível; projeto de incentivo à cultura; apoio financeiro para projetos
valiosos; intercâmbio cultural; verba federal para a cultura.
A Casa de Cultura Tainã também tornou-se Ponto de Cultura em 2004. Desde sua fun-
dação, a Casa ocupou diferentes espaços públicos da cidade. Por esta razão, sua gestão até 2004
esteve pautada na busca de verba para subsidiar as oficinas promovidas pelo espaço e suprir
materiais básicos, tais como produtos de limpeza e papelaria - as contas de água e luz eram de
responsabilidade da Prefeitura Municipal de Campinas. De acordo com o gestor da Casa, a verba
para suprir estas rubricas advinha principalmente de pequenos patrocínios locais. Por este moti-
vo, a Casa sempre enfrentou problema de falta de condições para a execução de suas atividades.

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Assim como no primeiro Ponto entrevistado, a principal transformação da Casa depois


de se tornar Ponto de Cultura segundo o seu gestor, foi de ordem estrutural. Durante os dois pri-
meiros anos do convênio, mesmo contrariando o plano de trabalho aprovado no edital, foi reali-
zada uma grande reforma que envolveu o conserto dos banheiros, a instalação de ventiladores,
o retorno do fornecimento de água e luz, a abertura de uma janela na sala dos computadores, a
criação de um estúdio com tratamento acústico e a inclusão digital da Casa e de seus colabora-
dores. Esta investida possibilitou que colaboradores com maior experiência se aproximassem
e as atividades promovidas pela Casa fossem numérica e qualitativamente ampliadas. Como
resultado instantâneo, o gestor aponta o aumento significativo do alcance de beneficiados, que
praticamente dobrou, e a divulgação da ações da Casa que passou a ser reconhecida enquanto
referencia nacional na sua atuação – sobretudo pela própria comunidade.
No entanto, a despeito do resultado prático da obra, a Casa entrou num período de crise
que acarretaria no seu esvaziamento e quase desmantelamento. Ao contrário da Cia Sarau que
conseguiu permanecer ativa depois do fim dos convênios, a Casa de Cultura Tainã perdeu seus
colaboradores ao fim da primeira gestão. Para o gestor, a principal razão teria sido o enfra-
quecimento da militância depois que as atividades passaram a ser remuneradas – até então, o
oficineiros prestavam trabalho voluntário. Para ele, a chegada da verba teria esvaziado um ideal
compartilhado. Já de acordo com as entrevistas com a comunidade e ex-colaboradores, a cen-
tralização da gestão e a falta de transparência na aplicação do recurso teriam sido as principais
razões para o seu enfraquecimento. Segundo ex-colaboradores, a despeito das reuniões gerais
que envolviam todos os monitores das oficinas serem frequentes, a pauta se resumia em comuni-
car as decisões do gestor sobre os próximos encaminhamentos. Tal instabilidade interna levaria
a Casa a não mais oferecer atividades em sua sede a partir de 2006. Assim, no lugar de ter sua
ação ampliada, a Casa de Cultura Tainã perdeu seus colaboradores e passou a realizar pequenos
projetos de forma pontual.
No tocante às dificuldades da administração do Ponto, o gestor aponta como principal
problema a burocracia no trato estatal. Segundo ele, a noção de gestão compartilhada não estava
presente entre Estado e Ponto de Cultura e, portanto, jamais poderia ser exigida na gestão do
Ponto. Depois, a ausência de comunicação com o poder público teria sido o principal impediti-
vo para a realização das atividades propostas no plano de trabalho. Segundo o gestor, inúmeros
contatos foram feitos com a Secretaria de Cultura de Campinas e com o Ministério da Cultura
para esclarecer dúvidas simples, porém decisivas para a continuidade do projeto. Por fim, fez
críticas à exigência da prestação de contas, já que para ele o que deveria ser avaliada é o resul-
tado das ações empreendidas no projeto e não o que e quanto se gastou.
A abordagem aos moradores e/ou trabalhadores da Vila Castelo Branco também ficou
concentrada num raio de 1km de distância da Casa de Cultura Tainã. A faixa etária dos entre-

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vistados variou entre 22 e 85 anos, dos quais 85% eram do sexo feminino e 15% do sexo mas-
culino. Deste montante, todos afirmaram conhecer a Casa, sendo que 73% afirmaram já terem
frequentado atividades contra 23% que nunca frequentaram. A respeito do tempo de moradia ou
trabalho na Vila Castelo Branco, 12% responderam que trabalham e moram no bairro, outros
12% que trabalham, mas não mora, e 76% que moram e não trabalham. Em seguida, observa-se
um claro contraste aos entrevistados do primeiro Ponto de Cultura no que se refere ao grau de
escolaridade, profissão e frequência à atividades culturais. De acordo com o que foi apurado,
23% possuíam o primeiro grau completo, 8% o segundo grau incompleto, 19% o segundo grau
completo e 50% preferiram não responder. Sobre a profissão, foram contempladas as seguintes
respostas: atendente de padaria, arte-educador, batuqueiro, professor, professor particular de
língua portuguesa, músico, aposentados. Em se tratando da frequência à atividades culturais,
19% confirmaram frequentar pelo menos uma vez por mês, 31% uma vez a cada três meses em
média, 12% pelo menos uma vez a cada seis meses e 38% não frequentam. A respeito sobre o
que costumam fazer no tempo livre, foram contempladas as seguintes respostas: andar de bici-
cleta, tocar com a banda, costurar, pintar, fazer ginástica, cozinhar, caminhar, dançar, navegar
na internet, participar de passeios promovidos pelos projetos sociais, frequentar as atividades
oferecidas pelo “Sistema S” (mencionados SESI e SESC). Por fim, o entendimento sobre Ponto
de Cultura revelou que apenas 15% dos entrevistados desconheciam esta vertente do Programa
Cultura Viva, contra 73% que afirmaram conhecer e 12% que preferiram não responder. Dentre
as definições do que é um Ponto de Cultura, foram contempladas as seguintes respostas: casa
de cultura; ponto que aglomera atividades culturais; espaço de cultura; ponto de encontro entre
pessoas e práticas; recinto que pode realizar atividades voltadas para a arte e cultura; lugar de
convivência; espaço para dividir saberes; arte e social juntos; reunião das capacidades múltiplas
de uma comunidade, espaço comunitário, casa de todos os moradores.
As entrevistas aos frequentadores e colaboradores da Casa de Cultura Tainã ficaram
restritas a profissionais e beneficiados que atuaram na Casa entre 2004 e 2008. A ausência de
realização de atividades somado à resistência em falar sobre a relação com a Casa de Cultura
Tainã, restringiu o contingente entrevistado em menos da metade do contingente entrevistado
no primeiro ponto. A faixa etária esteve concentrada entre 16 a 28 anos entre os alunos e de 19
a 37 anos entre os colaboradores – idades correspondentes à época do contato com o Ponto de
Cultura. Deste total, 38% eram do sexo feminino e 62% do sexo masculino. Quando perguntado
sobre o grau de escolaridade, 84% afirmaram possuir o segundo grau completo, 8% o ensino
superior incompleto e outros 8% o ensino superior completo. Aqui também nota-se um contraste
com os frequentadores do primeiro Ponto de Cultura, onde 63% teriam graduação. No tocante
às profissões, os entrevistados deram as seguintes respostas: educador, arte-educador, educado-

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ra-social, batuqueiro, músico e terapeuta ocupacional. Quanto ao tipo de relação que tinha com
o bairro, 38% disseram ser moradores e 62% em bairros vizinhos.
Quando perguntado como se deslocavam até o Ponto de Cultura, 84% afirmaram que
faziam o trajeto a pé, 8% de bicicleta e apenas 8% de carro – contrastando com os 72% da Cia
Sarau que afirmaram ir de carro próprio. Sobre a frequência às atividades promovidas pela Casa
de Cultura Tainã à época do convênio, 46% afirmaram frequentar em média três vezes por se-
mana, 16% pelo menos uma vez por semana e 38% pelo menos uma vez por mês. No que diz
respeito à frequência à atividades culturais, 23% disseram frequentar, uma vez ao ano, 46%
uma vez a cada três meses e 31% uma vez por mês, em média. Sobre como costumam ocupar o
tempo livre, foram contempladas as seguintes respostas: praticar esporte, artes marciais, capo-
eira, banda, BMX (modalidade esportiva com bicicleta), ouvir música, ir ao shopping, estudar,
ir ao cinema, ficar com família e amigos, assistir televisão, jogar vídeo-game, tocar bateria,
caminhar, ler. Quando perguntado como classificavam a Casa de Cultura Tainã, foram dadas as
seguintes respostas: uma escola; segunda casa; espaço de convívio da comunidade; ponto de
partilha de conhecimento; lugar de aprendizado e fortalecimento; respeito; valorização da negri-
tude; conhecimento e prática; reconhecimento do papel social de cada um; força coletiva; ação
social, cultural e artística. Por fim, sobre o que entendiam por Ponto de Cultura, tivemos como
respostas: transformação; espaço de valorização da cultura; conhecimento e evolução; local de
reconhecimento e respeito à cultura; a comunidade inteira; lugar em que as pessoas tem prazer
em ir; casa de convívio comunitário.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa se propôs a verificar alguns dos impactos sociais, culturais e humanos das
ações propostas no Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva. A par-
tir de estudos teóricos sobre políticas culturais e da observação empírica em duas comunidades
da cidade de Campinas-SP, procurou-se averiguar como os agentes envolvidos nas ações dos
Pontos de Cultura enxergam as transformações locais a partir da implementação dos Pontos.
Buscou-se, ainda, verificar como o programa atua na construção de uma política plural e inclu-
siva, em favor de uma democracia cultural.
Criado em 2004 na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, o Programa Cultura
Viva rompeu com um pensamento neoliberal - predominante nas gestões políticas brasileiras na
década de 1990 -, onde a produção cultural esteve pautada em práticas universalizantes e homoge-
neizadoras. A partir de 2004, o Ministério da Cultura aposta na construção de uma política nacional
de cultura por meio da legitimação e promoção da diversidade cultural. Para tanto, fundamentado
em um entendimento antropológico de cultura, seu discurso oficial passa a orientar diretrizes que
tomam por base a articulação de três dimensões da cultura: simbólica, econômica e cidadã.

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Através do reconhecimento e potencialização de inúmeras iniciativas da sociedade civil,


o programa Cultura Viva reconheceu e incorporou diferentes atores sociais que constituem as
identidades brasileiras. No entendimento desta pesquisa, este reconhecimento e incorporação
atuam na construção de novas práticas de convívio em que se reconhece as qualidades de uma
sociedade notadamente plural e heterogênea, como a brasileira. Como sugere o pensador argen-
tino Néstor Garcia Canclini, diversidade não no sentido de igualdade homogeneizante,
(...) mas em seu poder constituinte de consolidação de sociedades efeti-
vamente democráticas, o que significa reconhecer que o modo de produ-
ção do social se dá a partir de relações de negociação, conflito e trocas
recíprocas. (CANCLINI: 2004,15).
Neste sentido, foram realizadas pesquisas de campo em dois Pontos de Cultura da cidade
de Campinas, incluindo entrevistas com os gestores, colaboradores, frequentadores e morado-
res/trabalhadores de duas comunidades. A primeira necessidade observada nas entrevistas com
os dois gestores foi a urgência da fala. Ou a busca pela escuta. A despeito de ambos reconhe-
cerem e reiterarem a potência do programa, os dois reconhecem que os resultados alcançados
poderiam ser muito mais significativos se houvesse mais escuta por parte dos representantes
públicos. De certa forma, as limitações apontadas nas duas entrevistas reiteram o que as pesqui-
sas realizadas pelo IPEA (2009, 2011) revelaram. No caso da Cia Sarau e da Casa de Cultura
Tainã, os principais problemas enfrentados durante os convênios poderiam ser sintetizados nos
seguintes tópicos:
a) Problemas de comunicação com os agentes da Secretaria de Cultura de Campinas e
do Ministério da Cultura;
b) Despreparo da equipe da Secretaria de Cultura de Campinas: os gestores relataram
que tiveram documentos perdidos, inserção de formulário de outro Ponto de Cultura
na prestação de contas do seu projeto, além da equipe demonstrar uma total falta de
informação sobre quais encaminhamentos deveriam ser investidos;
c) Problemas de comunicação entre os demais Pontos de Cultura da cidade, o que au-
mentava as dificuldades de resolução de problemas que poderiam ser compartilhados;
d) O atraso no pagamento das parcelas, comprometendo o cronograma de trabalho pro-
posto e obrigando os gestores a atrasarem os compromissos firmados com colabora-
dores alunos e públicos;
e) O não pagamento da terceira parcela do primeiro convênio (nos dois Pontos de Cul-
tura), impedindo a execução dos planos de trabalho.
A despeito das dificuldades, os dois gestores reconhecem que o recurso disponibilizado
pelo programa, mesmo quando não repassado em sua totalidade, foi determinante para uma pro-
fusão das ações promovidas pelos Pontos. Isto pôde ser comprovado tanto na reforma estrutural

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e na aquisição de bens materiais, como no redimensionamento das atividades realizadas pelos


dois Pontos, seja através da contratação de profissionais mais preparados, no aumento na frequ-
ência de atividades, no maior alcance de beneficiados.
Outra contribuição da pesquisa, foi a desconstrução de um certo imaginário de que os
Pontos de Cultura teriam 1) como ação principal as manifestações denominadas populares; 2)
com foco nas populações de baixa renda; 3) e contemplariam, majoritariamente, jovens e adul-
tos em situação de vulnerabilidade social. As entrevistas com os frequentadores e moradores/
trabalhadores do Ponto de Cultura Cia Sarau comprovaram o contrário. Com uma programação
de saraus musicais, o Cia Sarau tem como público majoritário profissionais liberais com curso
superior completo e que se deslocam, em sua maioria, com automóveis próprios. Nota-se aqui o
quanto a ação do programa pode ser abrangente e diversificada.
Outra questão que as entrevistas revelaram é a desconstrução do pressuposto de que pes-
soas com maior grau de escolaridade (e, por dedução, com maior renda per capita) frequentem
programas culturais com mais assiduidade. Como se observou, embora a grande maioria dos
entrevistados da Casa de Cultura Tainã tenha grau de escolaridade inferior quando comparado
aos entrevistados do primeiro ponto, o nível de frequência anual a atividades culturais é superior
aos entrevistados da Cia Sarau. Isso pode sugerir que a fruição e a produção de bens culturais é
fortalecida por noções como identidade e pertencimento – o que, diga-se, opõe-se como concei-
to e como prática da idéia de “consumo de cultura” que parece nortear as políticas culturais an-
teriores ao Cultura Viva. O grau de escolaridade pode criar condições favoráveis na facilitação
do acesso à cultura, mas não parece determinar sua frequência.
Também em ambos os casos há um reconhecimento por parte do público beneficiado
acerca da importância social e cultural das ações dos Pontos em suas respectivas comunidades.
Isso fica evidente na questão sobre o que entendem por Ponto de Cultura, onde as noções de
política cultural e política de Estado são evidentes nas respostas dos entrevistados da Cia Sarau,
enquanto identidade, pertencimento e comunidade constituem como pano de fundo das respos-
tas sobre a Casa de Cultura Tainã).
Baseado nestes e em outros dados que não caberiam neste artigo, as reflexões levanta-
das neste estudo confirmam a hipótese sobre o Programa Cultura Viva atuar como uma política
pública de promoção à diversidade cultural. A despeito dos muitos problemas que o programa
comprovadamente possui, é preciso reconhecer os significativos avanços que o mesmo promoveu
na emancipação de pessoas, manifestações e comunidades que, antes, viviam à revelia do Estado.
Para tanto, basta lembrar que não existe um modelo padrão de Ponto de Cultura e do quanto isto
favorece para uma diversidade de instituições e manifestações serem contempladas no programa.
De certo, há muitos desafios pela frente. E isso, sem dúvida, é de se celebrar.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Cultura (MinC). Cultura Viva: Programa Nacional de Cultura, Educação e
Cidadania. Brasília, 2004.
CALABRE, Lia. Políticas culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2009.
CANCLINI, N. Diferentes, desiguales y desconectados: mapas de la interculturalidad. Barcelona:
Gedisa, 2004
IPEA. Cultura viva: as práticas de pontos e pontões. Ipea/Coordenação de Cultura. Brasília: Ipea, 2011.
ARAÚJO, Herton E.; BARBOSA, Frederico A. B. (Org.). Cultura Viva – avaliação do programa arte,
educação e cidadania. Brasília: Ipea, 2010.
RUBIM, Antonio Albino Canelas; ROCHA, Renata (Org). Políticas Culturais. Salvador: EDUFBA, 2012.
WU, Chin-tao. A privatização da cultura. São Paulo: Boitempo, 2006.

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DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DA CULTURA E POLÍTICA CULTURAL DO


MUNICÍPIO DE UIRAMUTÃ – RR
Dayana Soares Araújo Paes1
Lindinaia Perereira Melquior2
Omério Cavalcante de lima3

RESUMO: O presente artigo contempla inicialmente um diagnóstico da cultura local do


município de Uiramutã, apontando assim características da economia local, patrimônio histórico,
natural, material e imaterial para compreender a dinâmica do cotidiano. Posteriormente segue
uma análise sobre de que forma ocorre a gestão pública cultural deste lugar. Para isso, foram
realizadas entrevistas com moradores da região, onde parte deles são indígenas, visitas a pontos
importantes da região, bem como pesquisas bibliográficas e documentais. Após as vivências e
observações, percebemos que mesmo com tanta diversidade cultural, a política pública cultural
de Uiramutã precisa se estruturar para que ocorra uma boa gestão de forma a atender às demandas
dos povos indígenas desta região.

PALAVRAS-CHAVE: política cultural; diagnóstico situacional; Uiramutã

1. INTRODUÇÃO
Em Boa Vista-Roraima foi oferecido um curso de extensão em Gestão Cultural, reali-
zado pela Universidade Federal de Roraima em parceria com o Ministério da Cultura. Neste,
os participantes foram divididos em grupos para realizar um diagnóstico inicial da cultura nos
municípios e, nosso grupo, foi contemplado com Uiramutã. Desta forma, apresentaremos alguns
recortes da pesquisa que fizemos por meio de uma breve descrição histórico-geográfica, caracte-
rísticas da economia local, cultura e patrimônio histórico, natural, material e imaterial. Para tan-
to, realizamos entrevistas com autoridades locais, artesões e pessoas que vivem há muito tempo
na região, trazendo relatos importantes que contribuem para compreender a vida cotidiana no
município. Além disso, consultamos documentos e visitamos diversos locais para compreender-
mos as potencialidades do município do ponto de vista da cultura e do patrimônio.

1
Mestranda no programa de pós-graduação Sociedade e Fronteiras(UFRR), Professora do Curso de Artes Visuais
da UFRR, conselheira no Conselho Estadual de Cultura de Roraima - dayana.soares@ufrr.br.
2
Licenciada em pedagogia; gestora cultural do município de Uiramutã- lindinaia@hotmail.com
3
Gestor cultural do município de Uiramutã - omerio_ui@hotmail.com

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Pudemos perceber que, apesar da diversidade cultural e patrimonial do município, a


gestão da cultura por parte do governo municipal ainda precisa se estruturar, principalmente do
ponto de vista das políticas públicas. Esperamos que este trabalho possa contribuir para a gestão
cultural de Uiramutã, tendo em vista o que coletamos, observamos e percebemos. Apesar disso,
reconhecemos que há um longo e gratificante caminho a percorrer para que as políticas públicas
culturais do município aconteçam de forma a engrandecer a cultura local e sua população.

2. METODOLOGIA
O presente artigo se baseia em uma pesquisa qualitativa hermenêutica4 de caráter explo-
ratório, que se utilizou de diferentes abordagens e técnicas, com análise documental de fontes
primárias e secundárias, entrevistas semiestruturadas e estudo de campo, pois, de acordo com
Flick (2004, p. 22), “a pesquisa qualitativa não se baseia em um conceito teórico e metodoló-
gico unificado”.
Num primeiro momento, reconhecemos a importância de consultar os documentos ofi-
ciais, para partir deles direcionar o nosso olhar. Aqui elencamos a legislação e outros documentos
relevantes que tratam da cultura e das políticas culturais nas diversas esferas do poder público.
Em seguida, vislumbramos a possibilidade de aprofundar certos conceitos por meio da
bibliografia especializada. Interessou-nos particularmente definir as ideias de patrimônio cultu-
ral natural, material e imaterial e política pública de cultura. Além disso, procuramos entender
questões específicas no âmbito da gestão, como a gestão cultural, o Sistema Nacional de Cultura
e os órgãos gestores da cultura.
Num terceiro momento, planejamos dois estudos de campo ao município de Uiramutã.
Neles, pudemos vivenciar minimamente o que é estar no município percorrendo e interagindo
com a diversidade patrimonial. Entrevistamos moradores, visitamos locais considerados sagra-
dos, avistamos construções e monumentos simbolicamente relevantes, comemos e bebemos da
culinária local, entre outras vivências que tornaram possível compreender um pouco mais da
importância deste artigo para pensarmos a gestão cultural do município.
A fundamentação teórica deste artigo se encontra nas respectivas seções, de forma que
poderemos dialogar os diversos assuntos abordados com os conceitos e categorias de análise nos
locais adequados.

4
“a perspectiva hermenêutica dá conta de que a experiência humana está atrelada ao contexto sociocultural e que
é difícil conceber uma linguagem nas ciências sociais que exclua este contexto, quer seja pelos valores do pesqui-
sador, quer pelos do grupo estudado”. (GONDIM, 2003, p. 150).

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3. BREVES APONTAMENTOS DA HISTÓRIA E DO PERFIL SOCIOECONÔMICO


DO MUNICÍPIO
O município de Uiramutã, antes denominado Vila do Uiramutã, pertencia ao município
de Normandia, sendo emancipado em 1995 (FREITAS, 2009). No mapa da divisão municipal
de Roraima (figura 1), localizamos o município no ponto mais setentrional do Brasil, nordeste
do estado, local que compõe a tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana.
Boa Vista dista 330km do Uiramutã, que possui 8.065,56 km2, dos quais aproximada-
mente 98% desta área pertencem à Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (figura 2). A porcenta-
gem restante é formada pelo núcleo urbano uiramutense, “isolando-o” dentro da reserva.

Figura 1: Divisão municipal do estado Figura 2: Identificação das áreas indígenas


de Roraima do estado de Roraima

Fonte: SILVA (2007, p. 166)

Fonte: SILVA (2007, p. 172)

Esta situação peculiar revela alguns dados interessantes quanto à demografia local, for-
mada por 8.375 habitantes, segundo o IBGE (2010), sendo que a população urbana é de 1.138
habitantes e a rural é de 7.237 habitantes. Assim, considerando a elevada porcentagem da po-
pulação rural e o contexto territorial marcado pela presença da Terra Indígena Raposa-Serra do

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Sol, não surpreende que 7.382 habitantes sejam identificados como indígenas (IBGE, op. cit.),
aproximadamente 88% da população residente.
A característica da população atual, sobretudo na classificação do IBGE por cor ou raça,
nos remete à ocupação humana originária da região, muito antes da ocupação pelos europeus e
da emancipação municipal. Uiramutã é considerado o município roraimense com a maior por-
centagem de população indígena em relação ao total de habitantes. No município, esta popula-
ção é subdividida em vários povos como Macuxi, Ingaricó, Patamona, Taurepang e Wapixana.
Por volta de 1914, a Igreja Católica passou a realizar suas atividades religiosas com os
povos. Desde então, percebemos a influência desses novos saberes e doutrinas presentes no lo-
cal, visto que a maior parte da população professa esta religião. É justamente dos missionários
católicos que temos os primeiros relatos que registram a população, as atividades econômicas e
a chegada de outros imigrantes. As crônicas de viagens e os diários se tornaram fontes importan-
tes para a compreensão do surgimento da vila, e depois município, em suas origens.
Segundo Silva (2007), o garimpo é a primeira atividade econômica praticada por não
indígenas a partir da década de 1920, com crescimento até o auge da atividade na localidade da
década de 1940. O autor ressalva que “a atividade garimpeira não significa povoamento defini-
tivo” (SILVA, 2007, p. 111), mas certamente temos os resquícios das primeiras aglomerações,
como é exemplo a vila de Uiramutã, onde hoje é a sede do município. Após este impulso inicial,
o estado de Roraima e seus municípios produtores de ouro, como é o caso de Uiramutã, pas-
saram por mais dois períodos de intensa atividade garimpeira até o declínio final na década de
1990, quando diversos fatores convergem para desencorajar a prática em grande escala, como:
maior fiscalização por parte da Polícia Federal e demarcação de terras indígenas.
Outro fator de extrema relevância para o contexto histórico-social do município foi a
chegada dos fazendeiros que se dedicaram à criação de gado bovino. Com isso, algumas famí-
lias indígenas passaram a trabalhar para esses fazendeiros e, conforme o tempo foi passando, as
terras indígenas foram sendo tomadas pelo gado. Houve épocas de grandes conflitos para que
esses proprietários saíssem das terras e mais tarde deu-se início aos processos de demarcação
das terras indígenas. Atualmente podemos observar que, mesmo com a saída dos fazendeiros do
município, a população aprendeu a lidar com a criação de gado e hoje a carne bovina faz parte
da culinária de Uiramutã.
Um fato importante a ser exposto é o “memorial da aliança de amizade do marechal Cân-
dido Rondon com os povos de Uiramutã”. Por volta de 1928, o marechal Rondon, que demarca-
va as fronteiras do Brasil com os países vizinhos, esteve em Uiramutã e deixou um sabre como
memorial de aliança de amizade com o povo Macuxi. Atualmente este sabre está sobre a guarda
de Dona Avelina Pereira, uma indígena macuxi nascida na Comunidade Maturuca, mas resi-

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dente na Comunidade Ticoça, fundada por seu esposo Lauro Melquior, em 1977. Durante uma
entrevista, ela nos relatou algumas histórias que recorda de sua infância acerca do episódio5.
[...] Por volta de 1928, Tuxaua Amijor mandou o jovem Merequior ir
com os padres pela Guiana para ir pra Manaus passar um ano pra apren-
der a cultura dos brancos. Aí os padres mandaram recado pra fazer pista
grande pra pousar avião que ia trazer o exército e o chefe deles... Tu-
xaua Apá chamou os tuxauas e comunidades do Maracanã, Uiramutã,
Pedra Branca e Lilás pra trabalhar e depois receber os brancos que iam
chegar na comunidade. Em 1930, aí veio comitiva do marechal Cândido
Rondon (dono da espada), os padres do Brasil e Merequior... os padres
reuniram o povo cedo pra rezar missa, aí colocaram Merequior que ti-
nha aprendido ser branco pra ser Tuxaua no lugar do tuxaua velho Apá
Amijor. O Marechal falou pro povo e tirou sua roupa (farda), sapato e
cinto e colocou no Merequior e deu a espada como símbolo de amizade
com as comunidades indígenas da região. O Tuxaua vestia a farda nas
reuniões e no domingo pra ir pra missa e visitar os parentes. O capataz
Oscar vestia a roupa do Merequior na ausência dele. Já na velhice ele
passou o cargo pro filho Lauro Melquior e pra simbolizar o ato repas-
sou a espada do Marechal Rondon pra o mesmo e recomendou que este
ato se repetisse toda vez que mudasse de tuxaua na comunidade. [...] o
quartel já veio varias vezes aqui pra ver a espada e cantar hino do Brasil
na comunidade. Daí vai ser repassada pro meu neto Milton Melquior,
quando eu me for.
Devido à importância que é dada à espada guardada pela Dona Avelina, o Exército Bra-
sileiro, por intermédio do 6º PEF/7º BIS6, realiza anualmente um evento cívico-militar, como
cerimônia de repasse da espada, e parada militar.
Finalizando esta seção, destacamos que as comunidades apresentam certa vocação para
a pecuária bovina de corte, cuja criação é extensiva, prática herdada pelos antigos fazendeiros.
Além disso, as propriedades naturais e culturais do município podem vir a transformá-lo num
expressivo polo turístico, representando sua principal potência econômica. Outra atividade que
gera trabalho e renda é a produção e comercialização do artesanato, que será exposto adiante.
O mercado local de Uiramutã é movimentado pelos recursos oriundos de benefícios so-
ciais como o Programa Bolsa Família, Crédito Social, aposentados, pensionistas e salário mater-
nidade rural, provento de salários de servidores federais, estaduais e municipais, e recursos oriun-
dos da Guiana, pois toda a área de fronteira faz compra dos produtos da cesta básica em Uiramutã.
A agricultura sempre foi de subsistência, trabalhada de forma coletiva e familiar com o
cultivo principalmente da mandioca, que é a base de alimentação, feijão, milho, cará, banana,
batata e mamão. Além disso, diversos programas governamentais, ligados à produção e distri-

5
Entrevista concedida por dona Avelina Pereira aos autores deste trabalho, em setembro de 2015.
6
6º Pelotão Especial de Fronteira/7º Batalhão de Infantaria de Selva, instalado no município desde 2002.

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buição de alimentos impulsionam a produção local, gerando trabalho e renda para os moradores
do município.

4. A CULTURA NO MUNICÍPIO
4.1. Estruturação da política cultural no município
Hoje a gestão da cultura é feita pela Secretaria de Educação, Cultura e Desportos. O mu-
nicípio ainda está na fase inicial na institucionalização e implementação do Sistema Municipal
de Cultura. Não foram criadas as leis municipais, plano de trabalho e gestão específica de cultu-
ra, mas já estão em discussão projetos de lei para criação de todo o aparato dos órgãos munici-
pais de cultura. Por enquanto, a cultura figura apenas na Lei Orgânica de Uiramutã, conforme o
artigo 157 (Uiramutã, 1998, p. 34):
DA CULTURA E DO PATRIMONIO HISTORICO E CULTURAL
Art. 157 - O Município no exercício de sua competência:
I - apoiará as manifestações da cultura local;
II - protegerá por todos os meios ao seu alcance obras, objetos, docu-
mentos e imóveis de valor histórico, artístico, cultural e paisagístico.
Art. 158 - Ficam isentos do pagamento do imposto predial e territorial
urbano os imóveis tombados pelo Município, em razão de suas caracte-
rísticas históricas, artística.
Como ações de cunho de valorização cultural baseadas em políticas públicas, podemos
citar o ensino da língua materna dos povos indígenas locais na educação básica, tanto na rede
municipal quanto na estadual. Além disso, são trabalhadas nas escolas as artes cênicas, artesa-
nato e feiras culturais, que reivindicam as tradições dos povos originários da região.
Para além da esfera governamental, as organizações indígenas trabalham e lutam em
defesa da cultura local, a saber: a Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIRR),
que luta por uma educação diferenciada, respeitando valores locais (língua, arte, cultura, tradi-
ções, culinárias etc); o Conselho do Povo Indígena Ingaricó (COPING), que também defendem
a mesma causa, contudo acrescentam os saberes, expressões e artesanatos, principalmente ces-
tarias, como fonte de geração de renda; o Conselho Indígena de Roraima (CIRR), que é a maior
organização dos direitos indígenas, e também vem incentivando e apoiando ações culturais no
município; a Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (SODIURR), que também
apoia ações culturais; a Associação do Fórum de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentá-
vel de Uiramutã (AFDU), uma organização de interesse público que apoia ações voltadas para
a educação, saúde, geração de renda, empreendedorismo, cultura e meio ambiente, cujo tema
também é muito discutido no Fórum de Agricultura Familiar de Uiramutã.

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No município de Uiramutã, apesar da diversidade cultural, como a cultura nordestina e a


trazida pela Igreja Católica, predominam as culturas indígenas, porém as políticas de incentivo
ao desenvolvimento cultural ainda não estão efetivadas como políticas de governo municipal
e a sociedade não tem o “valor cultural” como resgate de cidadania, inclusão social, fonte de
renda e postos de trabalho. Por isso, apontamos a necessidade de paulatinamente sensibilizar,
incentivar, criar, organizar e implementar as políticas da cultura.

4.2. Identificação dos elementos culturais que caracterizam o município7


4.2.1. Patrimônio cultural natural
Uiramutã está situado no extremo norte de Roraima, cujas paisagens da chamada terra
de Macunaima possuem beleza cênica surpreendente. Esta singularidade cênica possui enorme
potencial turístico, principalmente pelas serras e cachoeiras, com piscinas naturais possibilitan-
do a prática de turismo ecológico.
O município se localiza no planalto das Guianas, região de serras onde há muitos desní-
veis. Os rios e igarapés formam muitas cachoeiras e corredeiras. As mais acessíveis e visitadas
são as cachoeiras: Banho do Paiuá, Sete Quedas, Urucá e Rebenque.
As formações geomorfológicas que despertam mais interesse são: o Monte Caburaí,
ponto mais setentrional do Brasil, localizado onde se encontra a nascente do rio Uailã; a Serra
do Sol, com 2.370m de altura, e o Monte Roraima, com 2.875m. Todas ficam dentro do Parque
Nacional do Monte Roraima, onde vive o povo Ingaricó.

4.2.2. Patrimônio cultural material


Por patrimônio cultural material reconhecido pela população, temos a Biblioteca Pública
Municipal, Ginásio Poliesportivo, Praça Pública, Igrejas e Malocas Indígenas. A biblioteca é
mais frequentada pelos alunos e professores das escolas. Esta também é aberta para a população
e possui espaços para pesquisas e realização de projetos. No momento, existe o projeto infantil
denominado de “Cantinho da Leitura” e “Cantinho dos Números”. Como o futebol é muito prati-
cado por toda comunidade, o ginásio é bastante frequentado e também utilizado para a realização
dos eventos locais. Em outros momentos, a Praça Mariano Rufino foi mais frequentada, quando,
por exemplo, havia a feira de produtos agrícolas, mas atualmente a feira não acontece mais.
Apropriando-nos de Teixeira, Pozzi e Silva (2012, p. 17), “o patrimônio cultural de um
povo é formado pelo conjunto de saberes fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que re-
metem à história, a memória e a identidade desse povo”. Assim, todo patrimônio brasileiro faz
parte da história da construção da sociedade e transmite para as gerações futuras o conhecimento

7
Partimos da definição da Constituição Federal de 1988: “Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de na-
tureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...]”.

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do passado da humanidade, fortalecendo a identidade de um determinado grupo social através


de simbologias de valor cultural.
O Catolicismo, como citamos acima, foi introduzido em 1913 por missionários benedi-
tinos, conforme Freitas (2014, p. 120), o qual é predominante no município e na Terra Indígena
Raposa Serra do Sol. Destacamos a Igreja Sagrado Coração de Jesus na Comunidade Maturuca,
como templo central de todas as Igrejas, mas também há em outros locais, como as localizadas
em Willimon, Makuquem, Pedra Branca etc. Há também evangelização por parte das Igrejas
Evangélicas Assembleia de Deus de Roraima, Assembleia de Deus de Madureira, Assembleia
de Deus de Minas Gerais, Adventistas do Sétimo Dia, Testemunhas de Jeová, Mundial do Poder
de Deus e Igreja Missionária Indígena.
Construções indígenas também são consideradas patrimônios culturais, pois as paredes
são feitas de madeira e cipó revestido com barro, e a cobertura é de madeira com palha de Buriti,
que ainda é muito comum o uso dessas moradias nas comunidades.

Figura 3 - Memorial da homologação da Terra


Figura 4 - Urna funerária
Indígena Raposa-Serra do Sol.

Fonte: fotografia de Alê Brum, 2015. Fonte: fotografia de Dayana Soares, 2015.

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Há também o Monumento do Memorial da Homologação da Terra Indígena Raposa Serra


do Sol na Comunidade Maturuca (figura 3), feito pelos artistas plásticos Bartô e Máximus, em
8

2007. Segundo Dionito José de Souza, 48 anos, residente em Maturuca desde sua infância, ex-co-
ordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIRR) no período de 2007 a março de 2011, o
monumento “foi um presente para os tuxauas relembrarem a luta e o sofrimento das comunidades”.

4.2.2.1. Sítios arqueológicos em uiramutã: urnas funerárias e sítios cerimoniais


A expressão Rue’ penaron é conhecida na língua macuxi como lugar antigo e muito
respeitado pelos detentores dos conhecimentos tradicionais onde são encontrados vestígios an-
cestrais. Vale ressaltar que esses lugares sagrados não são de livre acesso para qualquer pessoa
da comunidade, pois eles podem ser também espaços que no passado aconteceram guerras entre
povos diferentes, ou lugares de antigos aldeamentos, visto que se encontram vestígios humanos
de interesse arqueológico e vestígios de cerâmicas, cestarias e utensílios de caça, elementos
identitários de um determinado grupo que ocupou esse espaço.
A importância do sítio arqueológico de urna funerária (figura 4) para os indígenas não
é apenas a quantidade de materiais que podem ser encontrados, nem o estado de conservação
dos objetos identificados, mas o valor e significado que eles assumem para os grupos indígenas,
como uma continuidade simbólica no processo de ocupação da terra (MARQUES, 2009, p. 35).
Adotando a definição de Martins (2008, p. 72), “sítio arqueológico é o local onde são
encontrados os vestígios de ocupações antigas”. Sendo assim, o município é vasto em sítios
arqueológicos de cemitérios indígenas, pinturas e desenhos rupestres. Destacamos as urnas fu-
nerárias indicando a forma de sepultamento pelos indígenas antes da chegada dos missionários
beneditinos. Era escolhido um local, como caverna ou pedras inclinadas, e colocavam seus pa-
rentes dentro de urnas de cerâmica onde o sol nem a chuva pudessem deteriorar por completo
os cadáveres.
Existem várias pinturas e gravuras rupestres que, por vezes, podiam indicar um local
de caça, localização de endereço etc. Há também lugares considerados sagrados pelos nativos,
como Chefe do Rato, Chefe do Veado, Chefe do Catitu na serra do Pacará, Chefe da Cutia e
outros locais que não podem ser visitados sem autorização, pois exige um ritual de purificação
para chegar a esses locais.
Encerramos esta parte do nosso trabalho, ao mesmo tempo em que foi o ponto de partida
para nossas argumentações nesta seção, com as definições do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN-RJ) (2006, p. 26):
8
Em 11 de dezembro de 1998, o Ministro da Justiça, Renan Calheiros, assina a Portaria 820/98, que declara a Terra
Indígena Raposa Serra do Sol – TIRSS posse permanente dos povos indígenas, em área contínua. Em 18 de abril
de 2005, foi revogada a Portaria 820/98 pela Portaria 534/05 em que o Presidente da Republica Luiz Inácio Lula da
Silva assina e homologa a demarcação pelo Decreto de 15 de abril de 2005.

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a) As jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunho


da cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, monte artificial ou
tesos poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras não especifica-
das aqui, mas de significados idênticos a juízo da autoridade competente.
b) Os sítios nos quais se encontra vestígios positivos de ocupação pelos paleoamerín-
dios tais como grutas, lapas e abrigo sob a rocha;
c) Os sítios identificados como cemitérios sepulturas ou locais de pouso prolongados
ou de aldeamento, ”estações” e “cerâmico”, nos quais se encontra vestígios humanos
de interesse arqueológicos ou paleoetnográfico.
d) As inscrições rupestres ou locais de suco de polimentos de utensílios e outros vestí-
gios de atividades de paleoameríndios.
Assim, ressaltamos que deve haver um grande esforço para identificar e catalogar estes
sítios, para que eles sejam reconhecidos oficialmente como patrimônio e recebam a devida pre-
ocupação na preservação e respeito às comunidades locais.

4.2.3. Patrimônio cultural imaterial


4.2.3.1. Artesanato
Com os recursos naturais da região, existe a produção do artesanato, que abrange uma
variedade de artefatos e objetos (figura 5). Como matéria-prima tem a fibra da palha do buriti, ci-
pós de arumã, titica e jacitara, utilizados para a confecção de cestarias, vestimentas, utensílios do-
Figura 5: Artesanato dos povos indígenas de Uiramutã
mésticos decorativos, biojoias, ade-
reços para danças etc. Há as semen-
tes usadas majoritariamente para
fazer colares, pulseiras e brincos. A
madeira serve para fazer utensílios
de cozinha, como, por exemplo, co-
lher de pau, remo, canoas, bandejas
etc. A argila é usada para a fabrica-
ção de cerâmica, como panelas de
barro, pratos, potes etc. Além disso,
existem pinturas usadas nas cesta-
rias, cerâmicas e no corpo. Cada
povo tem sua forma de produção,
Fonte: fotografia de Dayana Soares, 2015.
contudo, devido ao contato entre os
povos indígenas e não indígenas, muitos hábitos passaram por transformações tanto na estética
visual, quanto na maneira de produzir.

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O povo ingaricó é formado por exímios artesãos, que possui no trançado um dos elemen-
tos mais expressivos de sua cultura. Belíssimos cestos de cipó titica e fibra de arumã, com uma
variedade de trançados, são confeccionados pelos homens e têm múltiplas funções. Além das
combinações de cores, formas e tamanhos valorizarem as peças, o material é enriquecido ainda
mais quando lhes são agregados elementos de matizes iconográficos.
Há também o primoroso chapéu de cipó, um tipo tradicional de sandália pïta pi’pï, co-
lares mo’mo e bolsas pakara, taimé. Os dois últimos artefatos podem ser confeccionados pelas
mulheres, mas sua produção costuma ser de peças de tamanho bem pequeno. Parece haver entre
os Ingaricó a noção de que os grandes artesãos são homens, e assim cabe às mulheres um papel
secundário nessa atividade.

4.2.3.2. Tradições
A medicina tradicional ainda é muito utilizada para tratamento de úlceras, sarnas, dores
musculares, inflamações. Além destas, há pajés e curandeiros, que ainda seguem suas tradições
e rituais, exemplificados mais adiante. As danças também estão presentes entre os povos, nas
quais se destacam a parixara, tucui e ximidim. Na entrevista realizada com Quésia Pereira da
Silva, da Maloca do Uiramutã, tivemos o relato de que esses três termos são usados para dançar
e cantar durante eventos que ocorrem nas comunidades.
Cada etnia tem seu cântico e sua dança e as melodias são diferentes. Durante as entre-
vistas, foi-nos explicado como ocorre entre o povo macuxi. O tucui é cantado e dançado para
receber o parixara. Então, quando há uma comunidade que vai fazer festa, dança o tucui e usa
vestimentas e adereços típicos dessa dança. Assim, o parixara também possui suas vestimentas
e adereços, sendo que a fibra da palha do buriti é muito utilizada com adereços de semente e
pena. No caso da parixara, a letra da melodia quer dizer “a minha bonita saia de palha balança,
traz bebida pra eu beber”. O ximidim tradicionalmente era usado no Natal e em festividades re-
ligiosas dentro da comunidade, como no Sábado de Aleluia, por exemplo. Cada dança tem uma
pintura corporal diferente.
Quésia Silva9 relembra que, na época em que era criança, todos da comunidade dan-
çavam, principalmente os mais velhos e adultos. Com a entrada dos não índios em Uiramutã
algumas falas, do tipo “essas danças de vocês é feia”, foram intimidando os índios e, aos poucos,
apenas os mais antigos sabiam dançar e cantar. Percebendo que havia o risco de acabar com
essa tradição Quesia, que também é professora, iniciou uma ação com toda comunidade para
não deixar que isso ocorresse. Devido à inclusão da educação escolar indígena nas comunidades
indígenas de Roraima, a inserção de atividades que trabalham as questões culturais dos povos

Entrevista concedida aos autores em setembro de 2015. Quésia Silva é professora e ministra aulas de língua
9

Macuxi.

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tradicionais foi facilitada. Assim foi possível mobilizar professores e alunos para ensinar tucui,
parixara e ximidim. Atualmente, a maioria dos jovens sabe participar dançando e cantando junto
com os mais antigos nos eventos que acontecem na comunidade.
Outro fator discutido foi a diferença entre o pajé e curandeiro. Quesia Silva nos disse que
o pajé recebe um tipo de entidade e que essa entidade é capaz de detectar o problema do enfer-
mo. Para isso o pajé faz uso de algumas plantas, fumo e rituais, realizando assim uma espécie
de cirurgia espiritual. Nesse momento, Lindinaia Melquior, que também participava da roda de
conversa, lembrou e relatou uma experiência que teve com um pajé da comunidade:
[...] [meu filho] chorava demais e cresceu o umbigo, ficou grande né,
maior que um botão mesmo, assim, ficou grande aí já tavam encami-
nhando ele pra fazer cirurgia em Boa vista, aí quando o Pajé passou lá
em casa de tardezinha viu ele chorando demais, mas chorava muito, aí
ele perguntou porque ele tava chorando, aí eu mostrei o umbigo, que ele
tava chorando, tava sangrando, aí ele pegou e disse assim, minha filha
é, minha filha, compra o cigarro quando for a noite eu vou vir aqui. Aí
tudo bem. E nisso já tava sendo encaminhado pra ir pro médico em Boa
Vista fazer cirurgia. Aí eu comprei. Eu pedi pro meu esposo comprar o
cigarro, comprou e quando foi a noite ele foi lá. Aí eu presenciei né, ele
fazendo todo o ritual dele né, incorporando outro espírito no corpo...
quando ele fumou e entrou outro espírito né, aí era acho que tipo um ve-
nezuelano falando, aí ele falou, ele disse tipo ‘nossa né, você e seu filho
quase morriam né’ e eu também, eu quase morria no parto, o meu filho
também, aí ele disse, vou fazer cirurgia, aí ele pegou e vi ele fazendo
assim com o dedinho né, fez, aí rapidinho ele pediu uma tesoura não sei
de quem lá, por que eu não via mais ninguém lá né, só mesmo espírito
né, aí ele pegou e disse assim, não vai ser mais preciso você levar seu
filho pra Boa Vista, só não deixa ele chorar, não deixa. E uma semana
né, em três dias vai tá bem melhor, mas durante uma semana, vai sumir,
vai voltar ao normal o umbigo do seu filho. Tudo bem né, enquanto os
médicos estavam preparando a remoção, a viagem, realmente, eu não
deixei ele chorar, quando tava com três dias não sangrava mais e em
uma semana sumiu [...].
Nesta roda de conversa, pudemos entender melhor como é feita uma pajelança, ilustran-
do alguns processos e rituais empregados, corroborando aquilo que nos explicava a entrevistada.
Ainda conforme a entrevistada, o curandeiro atua de forma diferente. Este trabalha mais
com as plantas medicinais, chás, rezas e banhos. Uma das plantas muito utilizadas é o pião
roxo, em que o curandeiro vai fazendo a reza no enfermo e sacudindo o pião roxo. Depois dis-
so, ele pode recomendar que um chá de uma determinada erva ou planta seja bebido para que
o indivíduo melhore.

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4.2.3.3. Culinária
Muito da cultura dos povos indígenas do município se manifesta com muita força na
culinária local. A damurida (caldo de carnes diversas, com folhas de caruru e pimenta) é o mais
comum na culinária local, faz parte do cotidiano do povo indígena e pode ser consumida com
beiju e farinha d´agua. A tanajura (formiga saúva fêmea) é também um aperitivo muito apreciado
pelo povo local, tanto pelo sabor como pela as propriedades medicinais. Este pode ser consumido
cru, assado, frito e também na damurida. Uma curiosidade é que, nos dias que as saúvas voam,
todas as escolas no município liberam os alunos para pegar o inseto. Há um projeto de lei na
Câmara dos Vereadores para instituir feriado municipal nos três dias em que os insetos aparecem.
Cono’repa (soldado de cupim) é consumido como fonte de alimentação, consumido cru
com molho de pimenta. Por suas propriedades medicinais combate gripe, pneumonia, asma. Po-
de-se também fazer dele uma pasta e passar em úlceras e outras inflamações externas. Manivara
(cupim fêmea) também é um aperitivo e, como a saúva, é consumida no início do período das
chuvas. Muchiua (larva de besouro) é consumido assado e é encontrado em tronco da palmeira
de buriti. A rã é consumida assada e na damurida. Lagartas de maniva e mutamba são consu-
midas assadas e na damurida. Todas essas iguarias fazem parte do cardápio local. Há também
o tacacá, feito de peixe com amido de mandioca, e o beiju de mandioca, que não podem faltar
nas refeições.
Nesta seção ainda, é preciso destacar outro aspecto da cultura culinária local: as bebi-
das. O caxiri é uma bebida de mandioca brava, que depois de ralada é cozida e colocado em
recipiente para fermentar (mandioca com batata, milho, cará, abobora, macaxeira). Pajuaru é
outra bebida típica local, bastante consumida na região, também é feita de mandioca. Primeiro é
feito o beiju que é “deitado” na folha de maniva ou banana para levedar. Ganha liga consistente,
depois é misturado com água e colocado em recipiente para fermentar. Após esse processo, está
pronto para o consumo. O sumo de pajuaru ou “whisky do indígena” é um licor concentrado que
é aparentemente doce, mas possui um pouco de amargo. Ele tem a fama de deixar quem o con-
some com três dias de ressaca. Tanik (batata roxa com caldo e cana) e mocororó (caldo de caju)
também são bebidas facilmente encontradas nas comunidades do município.

4.3. Eventos culturais no município de Uiramutã


As festas e datas comemorativas demonstram o predomínio das tradições dos povos in-
dígenas, porém há diversas comemorações inspiradas em outras culturas, como a festa junina,
sobretudo trazidas por imigrantes, além das datas de certos feriados nacionais, como ocorre em
7 de Setembro.
Abaixo, no quadro 1, apresentamos diversos eventos que compilamos, os quais fazem
parte do calendário festivo da população.

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Quadro 1: Compilação de datas comemorativas e festejos do município de Uiramutã

Fonte: Prefeitura Municipal de Uiramutã e organizações locais. Organizado pelos autores.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após investigarmos o município, podemos afirmar que há muito que considerar em termos
culturais, porém também há muito que fazer na construção de uma gestão cultural no município.
Esta constatação não pressupõe uma crítica à gestão como um todo, pois, durante a execução deste
trabalho, pudemos perceber que diversas iniciativas têm sido tomadas para implantar os órgãos
fundamentais da política de cultura municipal. Assim, o “muito que fazer” não indica a inoperân-
cia, mas sim o reconhecimento que, apesar das iniciativas atuais, o caminho para a plena cidadania
cultural no município demandará tempo e trabalho árduo dos diversos atores envolvidos.

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Pudemos vivenciar a história desta população encravada na arquitetura, nos monumen-


tos e nas histórias orais. Visitamos diversas localidades reconhecidas por todos como patrimônio
cultural natural, cujas paisagens derivam de uma geomorfologia privilegiada que, ao longo das
centenas e milhares de anos, pode ser estruturada e moldada para o resultado que temos hoje.
Da mesma forma que o patrimônio natural envolve o município, o patrimônio cultural material
e imaterial permeia todo o cotidiano dos povos residentes ali. Tal fato não nos causa estranheza,
tendo em vista a localização do município e sua configuração étnica e demográfica.
Assim, podemos concluir ressaltando as potencialidades culturais intrínsecas do local,
moldadas ao longo da história. Não podemos afirmar que é necessário “valorizar” a cultura
local, porque sabemos que a população se reconhece nas tradições, nos locais sagrados, nas
paisagens. Então, julgamos que necessária é a valorização do ponto de vista dos incentivos e do
fomento à cultura local, cuja realização por parte do poder público municipal é o que desejamos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de


outubro de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988 (com as emendas).
BRASIL. Lei n.º 3.924, de 26 jul. 1961. Dispõe sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3924.htm. Acesso em 4 jan. 2016.
FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman, 2004.
FREITAS, A. Geografia e História de Roraima. Boa Vista: IAF, 2009.
GONDIM, S. M. G. Grupos focais como técnica de investigação qualitativa: desafios metodológicos.
Paidéia (Ribeirão Preto), 2002, vol.12, n. 24, p.149-161.
IBGE. CENSO DEMOGRÁFICO 2010. Características da população e dos domicílios: resultados do
universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.
MARTINS, D. C. Patrimônio Arqueológico. In: BARRETO, Euder, et. al (Org.). Patrimônio Cultural
e educação: artigos e resultados. Goiânia, 2008.
SILVA, P. R. de F. Dinâmica territorial urbana em Roraima – Brasil. Tese (Doutorado). Departamento
de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2007.
TEIXEIRA, L.; POZZI, A.; SILVA, J. L. (org.). Patrimônio arqueológico e paleontológico de Alagoas.
Maceió: IPHAN-AL, 2012.
UIRAMUTÃ. Lei Orgânica do Município de Uiramutã. Uiramutã: Câmara de Vereadores, 1998.

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INTELECTUAIS E A POLÍTICA CULTURAL NA DÉCADA DE 1930:


GUSTAVO CAPANEMA E MÁRIO DE ANDRADE EM MISSÃO
Eduardo Augusto Sena1

RESUMO: O marco inicial da institucionalização das políticas culturais no Brasil pode ser
arbitrado no ano de 1930, momento de criação do Ministério da Educação e Saúde durante
o governo de Getúlio Vargas. A partir de 1934, contudo, entra em cena a figura de Gustavo
Capanema, que irá representar verdadeiro divisor de águas na história da instituição, ao
arregimentar em torno de si verdadeiro grupo de notáveis do seu tempo. Ao mesmo tempo, na
cidade de São Paulo outro grupo de igual importância e qualidade, capitaneado por Mário de
Andrade, dará os primeiros passos para a criação da primeira experiência efetiva de política
cultural no país: o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Esse ensaio procurar
anotar algumas das características desses dois momentos, mas tendo como elo central a figura
de Mário de Andrade.

PALAVRAS-CHAVE: políticas culturais, políticas públicas, intelectuais, identidade nacional

A relação entre Estado e cultura no Brasil tem raízes que remontam ao início do século
XIX, com a transferência da corte portuguesa para a cidade do Rio de Janeiro, ocorrida em
1808, momento que simboliza uma inaudita “presença material e simbólica da elite europeia”
(VARELLA, 2014) em terras brasileiras. Período a partir do qual são criadas então as primei-
ras instituições culturais no país, com especial destaque para a Biblioteca Nacional, o Museu
Nacional de Belas Artes e o Museu Histórico Nacional (BOTELHO, 2007), mas certamente a
partir de uma perspectiva que objetivava conformar a cultura “num patamar de elevação social
que corresponderia à própria distinção de classe, a ser feita entre os brasileiros, tidos como
aculturados, e os europeus, tidos como representantes da cultura letrada, sofisticada e ideal”
(VARELLA, 2014).
Esse impulso inicial não se desdobrou, contudo, em iniciativas destinadas a ampliar o
seu alcance ou revestir-se de outra intencionalidade, permanecendo de certa maneira apenas
enquanto testemunho de um período bastante singular na história do país. Por esse motivo,

1
Eduardo Augusto Sena é mestre em Ciência da Informação pela ECA/USP e assessor de Projetos Especiais da
Fundação Bienal de São Paulo (eduardo.sena@gmail.com)

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concordam diferentes autores que apenas na década de 1930 as políticas culturais serão, de fato,
objeto detalhado da ação estatal (CALABRE, 2007; BOTELHO, 2007; CALABRE, 2009). O
marco inicial dessa trajetória situa-se em novembro de 1930, data de criação do Ministério da
Educação e Saúde Pública, e que assinala o início do processo de institucionalização das polí-
ticas culturais no país, ocorrida no interior do aparelho estatal durante o período do governo de
Getúlio Vargas (1930-45).
Com efeito, ao longo da década de 1930, é realizado o primeiro esforço de implanta-
ção de um sistema articulado de políticas a nível nacional, o que resultou na criação de novas
instituições “com o fito de preservar, documentar, difundir e mesmo produzir diretamente bens
culturais, transformando o governo federal no principal responsável pelo setor” (BOTELHO,
2007). Outras instituições, existentes desde os tempos do império (acima citadas), também fo-
ram incorporadas a esse sistema (BOTELHO, 2007).
Embora o Ministério tenha sido criado já no primeiro ano do governo de Getúlio Vargas,
a entrada em cena de Gustavo Capanema, nomeado titular da pasta em julho de 1934, é consi-
derado um divisor de águas na história dessa instituição2. Não apenas pela longevidade de seu
mandato (CALABRE, 2009)3, mas principalmente pelas emblemáticas iniciativas postas em
ação e o incrível grupo de colaboradores com que contou na sua gestão.
Especificamente no campo da cultura, isso significou a participação de intelectuais de
variadas matizes no desenvolvimento de políticas públicas focadas em diferentes frentes de
atuação. Nomes emblemáticos da literatura, das artes plásticas, da arquitetura, da música e da
pintura, emprestaram seu prestígio e talento ao empreendimento coletivo, em voga no período,
de modernização e de superação do atraso, pelas vias da cultura e da educação, de um país que
fora o último das Américas a abolir a escravidão, contava ainda com um enorme contingente
de analfabetos e uma população desprovida de aprendizado para lidar com os seus direitos e a
participação em uma sociedade livre (BOMENY, 2012).
Intelectuais do porte de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Candido Portinari, Carlos Drum-
mond de Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Manuel Bandeira, Anisio Teixeira, Gra-
ciliano Ramos, Gilberto Freyre, entre outros ainda, orbitaram de modo decisivo as ações do
Ministério, a ponto de associar seus nomes a políticas que marcaram época em seus campos de
atuação e a receber, em conjunto, a denominação de constelação Capanema (BOMENY, 2011).
Entre os feitos mais simbólicos e ricos em consequência desse período, podemos desta-
car dois que perduraram até os dias atuais, rompendo, ainda que a custo, as dificuldades ineren-

2
Previamente a Gustavo Capanema foram titulares da pasta Francisco Campos (de novembro de 1930 até setembro
de 1932) e Washington Pires (de setembro de 1932 até julho de 1934). Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/
dossies/AEraVargas1/anos307/IntelectuaisEstado/MinisterioEducacao. Acesso em 15 de janeiro de 2015.
3
Gustavo Capanema exerceu a função Ministro da Educação até o final do primeiro governo de Getúlio Vargas,
em 1945.

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tes à intricada trajetória das políticas culturais no Brasil. Destacamos incialmente o prédio do
próprio Ministério da Educação e Saúde, construído no centro do Rio de Janeiro e hoje denomi-
nado Palácio Capanema, considerado “obra exemplar da ousadia de um tempo, responsável pela
inclusão do Brasil no cenário internacional da arquitetura” (BOMENY, 2012).
Inicialmente, o vencedor do concurso para seleção do projeto de construção do prédio, re-
alizado em 1935, foi Arquimedes Memória, que havia sucedido Lucio Costa na direção da Escola
de Belas Artes. O projeto não seria levado a cabo, e no ano seguinte o ministro Capanema soli-
citou ao próprio Lucio Costa a elaboração de uma nova proposta. Para tanto, organizou-se uma
comissão integrada por alguns dos arquitetos desclassificados no concurso (Carlos Leão, Jorge
Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Oscar Niemeyer e Ernani Vasconcellos), e que contou com a
orientação e o aporte intelectual do arquiteto modernista suíço Le Corbusier. Desse modo, forma-
da uma nova e jovem equipe, sob os auspícios do ministro, e contando com tal consultor de peso,
outro projeto foi desenvolvido, com renovada mirada e perspectiva, resultando na construção de
edifício que é considerado obra pioneira da arquitetura moderna no Brasil (BOMENY, 2012).
Outro símbolo sempre lembrado desse período consiste em uma instituição que trilhou
um bem sucedido caminho e se consolidou ao longo do século XX: o Serviço do Patrimônio
Artístico Nacional (SPHAN), posteriormente rebatizado de Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), denominação que perdura até os dias atuais. O processo de criação
do órgão contou com a participação ativa de ilustre personagem que, tal qual Gustavo Capa-
nema, marcaria de forma decisiva os rumos das políticas culturais no país. Trata-se do poeta,
escritor e intelectual paulistano Mário de Andrade, figura de proa do Modernismo Brasileiro e
dotado de múltiplos talentos, capaz de circular com destreza pela cultura erudita, o folclore e as
manifestações da cultura popular.
Atendendo a um pedido pessoal do ministro, redigiu, em 1936, o Anteprojeto de Pre-
servação do Patrimônio Artístico Nacional4, instrumento que nortearia a institucionalização do
SPHAN. No documento, Mário de Andrade sugeriu compreender o registro, defesa e promoção
do patrimônio cultural brasileiro sob o prisma de uma concepção bastante abrangente de bem
cultural, antecipando em vários aspectos, especialmente na dimensão do imaterial e simbólico,
concepções que, mesmo no âmbito das convenções da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), levariam ainda várias décadas para se cristalizar
(TORELLY, 2015).
O projeto final de criação do órgão, redigido ao cabo por Rodrigo Melo Franco de Andra-
de, nomeado o seu primeiro diretor, cargo que exerceria até 1967, não contemplou integralmente
suas proposições, sendo “abandonado naquilo que trazia de mais desafiador e avançado para seu

4
A íntegra do documento elaborado por Mário de Andrade está disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/
ckfinder/arquivos/Protecao_revitalizacao_patrimonio_cultural%281%29.pdf. Acesso em outubro de 2015.

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tempo: a memória dos grupos populares, das etnias que compõem a brasilidade, da diversidade
dos saberes e fazeres do país” (BOTELHO, 2007).
De todo modo, a instituição seria criada em janeiro de 1937, por força da Lei n.º 378, e
posteriormente regulamentada pelo Decreto-lei n.º 25, de novembro do mesmo ano (CALABRE,
2009). Teria início então um período de intensos trabalhos, que passaria à posteridade como a
“fase heroica” do SPHAN, no qual um grupo de notáveis de uma geração empreendeu a tarefa
sistemática de identificar e registrar os elementos mais importantes do patrimônio histórico e
cultural nacional, superando uma tradição que julgavam amadora no registro do nosso passado.
Como a recuperar o tempo perdido nesse processo de passar a limpo a história de um
país em grande medida ainda em formação, dedicaram-se a essa tarefa com afinco, utilizando-se
principalmente do tombamento como instrumento. Com efeito, Silvana Rubino aponta que o
trabalho de tombamento “tem início em 1938 e, até dezembro daquele ano, 215 bens haviam
sido inscritos em livros de tombamento” (RUBINO, 1996), o que representava quase a terça par-
te de um total de 689 bens patrimoniais inscritos durante as três décadas em que Rodrigo Melo
Franco de Andrade esteve à frente da instituição.
Contudo, cabe a ressalva que nessa operação o passado a evocar e a valorizar foi cla-
ramente delimitado no tempo e no espaço, e o registro dos bens privilegiou sobretudo o bem
edificado, com predomínio do imóvel religioso católico e urbano. Além disso, o mapa dos bens
tombados no período parece indicar que a geografia do passado nacional concentra-se em esta-
dos vinculados a ciclos econômicos – Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo, além do
Distrito Federal (RUBINO, 1996).
Adicionalmente, as opções do período em questão permitem inferir, mais destacadamen-
te, o papel central atribuído ao século XVIII e ao estado de Minas Gerais (terra natal de Rodrigo
e cuidado pessoalmente por ele) como os elementos mais importantes de nossa formação histó-
rica. Estado que representava, inclusive, a proto-história da preservação no Brasil, em virtude da
ordem régia expedida pela rainha Maria I no ano de 1790, em que solicitava o registro dos mo-
numentos arquitetônicos do ciclo do ouro (RUBINO, 1996). A proeminência de Minas Gerais
assentava-se na importância de sua literatura, música, arquitetura e pintura (no qual se sobressaí
a obra de Aleijadinho), mas também no fato de que o estado era profundamente lusitano, com
uma arquitetura em que eram ausentes os sinais característicos de origem africana ou ameríndia.
Dessa maneira, é possível afirmar que, grosso modo, a primeira geração de colaborado-
res do SPHAN registrou um conjunto de patrimônios históricos e culturais que atribuía grande
valor ao elemento reinol de nossa formação (enquanto excluía a herança do elemento africano
e indígena), bem como aos bens urbanos edificados de caráter monumental. Nesse processo, as
escolhas realizadas na “fase heroica” da instituição relegaram à sombra os conflitos e contrastes
de uma sociedade historicamente desigual e multifacetada (RUBINO, 1996).

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Parece evidente que aos poucos a trajetória dessa instituição foi tomando orientação me-
nos complexa daquela expressa em Mário de Andrade no seu Anteprojeto. Importante lembrar
contudo que, durante quase uma década inicial, seus integrantes operavam no interior de um Es-
tado autoritário, cujos dirigentes preocupavam-se em forjar uma identidade nacional e celebrar
um passado (que ao menos soasse) glorioso, e que nos franqueasse um lugar ao lado das grandes
nações civilizadas do mundo ocidental.
Aparentemente Mário de Andrade tinha em mente coisa bastante distinta quando redigiu
o seu Anteprojeto. De fato, esse documento já representava, em síntese, as concepções e concei-
tos que vinham sendo formulados por uma personalidade irrequieta e ativa, ávida em também
descobrir e formular o sentido de nossa cultura e identidade. Inquietações que lhe faziam com-
panhia desde há muito, e no momento mesmo em que as colocou no papel a pedido do amigo
Capanema, já constituíam os nortes de outra instituição que, tendo o próprio Mário de Andrade
à frente, pode ser considerada a primeira iniciativa especificamente orientada para o desenvolvi-
mento de uma política cultural no Brasil: o Departamento de Cultura e Recreação da Cidade de
São Paulo (CALABRE, 2009).
De tal sorte que, se no plano federal contava Capanema com uma verdadeira constelação
de intelectuais, que movimentava e fazia vibrar a então capital federal, na cidade de São Paulo
outro grupo de igual qualidade e importância também se dedicava, no mesmo período, à tarefa
de pensar o país e elaborar cultura e política em chave propositiva, com o semelhante intento
de fazer emergir das sombras do atraso um país novo, revigorado, apto à enfim encarar o seu
destino manifesto e por em marcha a missão que o programa republicano preconizava e admitia.
Se os dois grupos não podem ser vistos simplesmente como polos apartados, visto que se
frequentassem e em alguns casos mantivessem mesmo estrita colaboração, é certo que talvez os
pontos de partida fossem diferentes. Não era para menos. As duas cidades, já então consideradas
as principais do país, tinham passado e trajetória muito distintos. São Paulo era menos populosa,
ainda que em franco crescimento, talvez por isso mesmo mais plástica, e os seus atores não es-
tavam diretamente submetidos aos rigores e limites impostos pela atmosfera política e cultural
de uma capital federal.
Além disso, São Paulo havia sido o palco da Semana de Arte Moderna de 1922, marco
explosivo da renovação estética e artística representada pelo movimento modernista, que deita-
ria raízes profundas na cultura brasileira. Para o crítico Mário Pedrosa, é necessário proclamar
“a importância da Semana de Arte Moderna para o desenvolvimento não só artístico e literário
do Brasil, como cultural e espiritual” (PEDROSA, 2004).
O legado dessa experiência fora vital para as ações do Mário de Andrade e de todo um
grupo notável de artistas e intelectuais modernistas, que dela tomaram parte ativamente, e os

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impulsionava em outra direção. Na verdade, em meados da década de 1930 o espanto, o choque


e a recusa do cânone já tinham lugar cativo na cidade.

DEPARTAMENTO DE CULTURA E RECREAÇÃO DE SÃO PAULO:


PRIMEIROS PASSOS E UMA GRANDE MISSÃO
O ano de 1934 representou um bem vindo momento de distensão do clima político no
país, num período marcado por grande instabilidade política. No caso do estado de São Paulo,
certamente havia o que se celebrar. Além da votação de uma nova Constituição pelo Congresso
e da anistia concedida aos opositores do regime do presidente Getúlio, beneficiando inclusive
os participantes da chamada Revolução Constitucionalista de 1932, que havia posto em choque
São Paulo e o governo federal, e fora nomeado um paulista e civil, Armando de Sales Oliveira,
ligado ao Partido Democrático, como interventor do Estado.
Ato contínuo, este nomeia para o cargo de prefeito da cidade de São Paulo Fábio Prado,
membro de tradicional família paulistana, e que mantinha relações com o grupo modernista,
Mário de Andrade entre eles (JARDIM, 2015). Um novo grupo se salientava então no poder,
formando, como mencionamos acima, uma espécie de versão paulista da constelação Capa-
nema, e que “se mobilizou pela elaboração de um projeto nacional que partiria de São Paulo”
(BOMENY, 2012). Integrantes da elite política, intelectual e financeira da cidade, tinham a con-
vicção de que “as questões candentes do Brasil concentravam-se na precariedade da educação
oferecida e na falta de valorização da cultura” (BOMENY, 2012).
Para dar conta desse intento, são postos em marcha dois projetos principais: a criação da
Universidade de São Paulo, obra de Armando de Sales Oliveira a partir de campanha liderada
por Júlio de Mesquita Filho, diretor do jornal O Estado de São Paulo, e do Departamento de
Cultura e Recreação da Prefeitura de São Paulo (JARDIM, 2015).
Mário de Andrade, que havia sido um dos principais organizadores da Semana de 22 e já
então reconhecido escritor, poeta e agitador cultural, é apresentado por Paulo Duarte ao prefeito
Fábio Prado como o nome ideal para a direção do Departamento. Após um período de hesitação,
aceitaria a função, na qual despenderia todas as suas energias (JARDIM, 2015).
O Departamento de Cultura e Recreação de São Paulo seria então instituído pelo prefeito
Fábio Prado através do Ato n.º 861, de 30 de maio de 1935, e a cidade de São Paulo, já então uma
metrópole “na qual o moderno e o arcaico conviviam de forma nem sempre pacífica” (PENTEA-
DO, 2015), passaria a contar com um inovador organismo de fomento e planejamento das ações
de cultura no município:
Planejado a partir de algumas estruturas já existentes, como o Theatro
Municipal, o Arquivo Histórico, o Parque Infantil Pedro II e a Biblio-
teca Municipal, a concretização do projeto representou o esforço sem

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precedentes de reunir diversos equipamentos culturais sob a responsa-


bilidade de uma única instituição (PENTEADO, 2015, p. 19).
Mário de Andrade permaneceria à frente do Departamento até 1938, que contou inicial-
mente com quatro divisões: Bibliotecas; Educação e Recreios; Documentação Histórica e So-
cial; Expansão Cultural. Essa última, cuja chefia coube ao próprio Mário, era responsável pela
difusão das mais variadas manifestações artísticas realizadas na cidade, ficando subordinadas a
ela os serviços de teatro, cinema, radioescola e discoteca pública municipal (CALABRE, 2009).
Em julho de 1936, seria criada uma quinta divisão, de Turismo e Divertimentos Públicos (PEN-
TEADO, 2015).
E formulou uma política cultural cujo projeto visava, segundo Antônio Cândido, não
apenas a “rotinização da cultura, mas a tentativa de arrancá-la dos grupos privilegiados para
transformá-la em fator de humanização” (CÂNDIDO, 1977). O professor e ensaísta Carlos Au-
gusto Calil, experimentado gestor cultural, sintetiza do seguinte modo o espírito desse período:
Mário de Andrade participou ativamente de um projeto político da elite
paulistana, de cunho social-democrata, que via no acesso à cultura um
meio eficaz de suplantar o atraso intelectual e político. O grupo de Pau-
lo Duarte, Sérgio Milliet, Rubens Borba de Moraes, do qual Mário de
Andrade fazia parte, reunido em torno do governador Armando de Sales
Oliveira, visava criar instituições que, uma vez este eleito presidente,
seriam implantadas no país. São Paulo tornou-se um laboratório de polí-
ticas públicas de promoção do bem-estar social pela via da cultura, sem
populismo (CALIL, 2015, p.14).
Nesse sentido, é importante salientar que o Departamento não era simplesmente afeito às
pautas eminentemente culturais, mas também “abrigava ações de Assistência Social, Esportes,
Lazer, de Turismo, Estatística e Planejamento, Meio Ambiente, tudo o que se pudesse classificar
sob o manto da educação lato sensu” (CALIL, 2015).
Esse conceito abrangente de ação, e a decisão de destinar 10% do orçamento municipal
para colocá-lo em prática, decisões do próprio prefeito Fábio Prado, simbolizam o prestígio com
que contava Mário de Andrade e o Departamento de Cultura. Além disso, sua relevância pode
ser aferida pelo fato de que a estrutura da Prefeitura contava com apenas outros cinco departa-
mentos: Obras; Expediente e Pessoal; Higiene; Fazenda; Jurídico (CALIL, 2015).
Durante o período em que esteve a frente do Departamento, um conjunto muito signifi-
cativo de iniciativas foram desenvolvidas, nas mais diferentes áreas, de acordo com o escopo
estabelecido, e com a colaboração de nomes importantes da cultura e da arte – Manuel Ban-
deira, Cecília Meireles, Roquete Pinto, Francisco Mignone, e mesmo de professores franceses
da recém criada Universidade de São Paulo – Claude Lévi-Strauss, Paul Arbousse-Bastide,
Pierre Monbeig.

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E como não poderia deixar de ser, em consonância com o ideário modernista e os con-
ceitos expressos no trabalho desenvolvido para o Anteprojeto do SPHAN, a atenção com o
patrimônio imaterial adquiriu caráter transversal durante toda a sua gestão:
No intuito de investigar aspectos formadores de uma verdadeira “bra-
silidade”, realizaram-se pesquisas de manifestações da cultura popular
no interior do estado de São Paulo e, na Bahia, Camargo Guarnieri par-
ticipou do II Congresso Afro-Brasileiro. Essas iniciativas culminaram
naquele que talvez tenha sido o mais ambicioso dos projetos do Depar-
tamento de Cultura: A Missão de Pesquisas Folclóricas (PENTEADO,
2015, p. 21).
Projeto realmente ambicioso, a Missão pode ser inclusive considerada símbolo da “ins-
titucionalização da experiência de Mário de Andrade como o turista aprendiz que, no final dos
anos de 1920, realizara duas viagens vincadas pela perspectiva etnográfica, na esfera das mani-
festações musicais e das danças dramáticas” (PENTEADO, 2015). Antes ainda, durante a Sema-
na Santa de 1924, Mário já havia tomado parte, junto a D. Olivia Guedes Penteado, Tarsila do
Amaral, Oswald de Andrade e René Thiollier, na “viagem de descoberta do Brasil”, que percor-
reu as cidades históricas de Minas Gerais com o intuito de apresentá-las ao poeta franco-suíço
Blaise Cendrars (LOPEZ; FIGUEIREDO, 2015).
Missão que tem início em fevereiro de 1938, quando parte de São Paulo rumo aos esta-
dos do Norte e Nordeste do Brasil um grupo composto por Luís Saia, a quem coube chefiar a
expedição; Martin Braunwieser, musicólogo e maestro; Benedicto Pacheco, que desempenhava
a função de técnico de som; e Antônio Ladeira, ajudante geral. Entre fevereiro e julho desse ano,
visitaram cinco cidades em Pernambuco, dezoito na Paraíba, duas no Piauí, uma no Ceará, uma
no Maranhão e uma no Pará.
Não se tratava contudo de mera viagem turística. Antes, o papel que iriam desempenhar
mais apropriadamente se assemelhava ao de corajosos desbravadores, destinados a uma jorna-
da cujo caráter era exploratório e de pesquisa, contava com propósitos bem definidos e deman-
dava certa urgência na sua execução: prospectar, coletar e registar, em diferentes suportes, as
manifestações da cultura popular, com seus ritos, saberes e modos de vida, que se reproduziam
nessas regiões.
Partiram de São Paulo munidos dos “mais modernos recursos da técnica para o registro
fonográfico, fotográfico e cinematográfico das manifestações” (PENTEADO, 2015), e previa-
mente orientados teórica e metodologicamente para a pesquisa etnográfica. Luís Saia havia in-
clusive sido aluno da antropóloga Dina Lévi-Strauss no curso de Etnografia por ela ministrado
entre abril e outubro de 1936, justamente com o intuito de formar pesquisadores especializados
em folclore (PENTEADO, 2015).

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A Missão, contudo, iria se revestir de caráter quase heroico. Embora os mais avança-
dos para a época, os equipamentos usados para o registro eram pesados, de difícil operação e
inadaptados à mobilidade (CALIL, 2010), o que amplificava as dificuldades já à época naturais
ao empreendimento de tal natureza por territórios ainda inóspitos e com escassa infraestrutura.
A despeito das dificuldades que enfrentaram no caminho, esses intrépidos viajantes pro-
cederam ao registro e coleta de um vasto material, indicativo da rica diversidade cultural es-
praiada pelo território brasileiro, e que conforma um formidável mosaico de festas, cantos,
danças, instrumentos musicais e peças de cultos religiosos5.
A experiência, inovadora para a época e inédita na sua execução, pode ser considerada
o primeiro esforço efetivo e metodicamente orientado de mapeamento e registro das dinâmicas
culturais brasileiras. A urgência a que se impunha essa Missão estava atrelada à necessidade de
“registrar as manifestações da cultura popular em vias de desaparecimento, face à industria-
lização e à difusão massificada de referências culturais estrangeiras por meio do rádio ou do
cinema” (PENTEADO, 2015), mas, como salientamos acima, sua artesania era igualmente de-
corrência da reconhecida contribuição que Mário de Andrade e seus colabores atribuíam a essas
manifestações no desvelar de uma estética e identidade genuinamente brasileiras.
Esse formidável projeto é contudo realizado nos estertores da gestão de Mário de An-
drade à frente do Departamento. Os rumos da política nacional já eram outros quando esses
viajantes retornaram a São Paulo. A instituição da ditadura do Estado Novo, no final de 1937,
iria por fim ao curto interregno mais arejado de todo o primeiro governo de Getúlio Vargas. Iro-
nicamente, um dos principais precipitadores do golpe deflagrado era justamente “o crescimento
da candidatura do paulista Armando de Sales Oliveira à presidência durante o ano de 1937, com
perspectiva de ser eleito em janeiro de 1938” (CALIL, 2015).
Os estados da federação passariam para a intervenção federal, e o prefeito Fábio Prado,
substituído pelo engenheiro e urbanista Prestes Maia, técnico pouco interessado – e mesmo
hostil – às ações do Departamento de Cultura. Mário de Andrade é exonerado em maio de 1938
e se muda para o Rio de Janeiro, cidade em que “não encontrou tarefa à altura de seu prestígio
e capacidade” (CALIL, 2015).
Terminava assim, de modo melancólico, a grande contribuição de um dos maiores inte-
lectuais brasileiros do século XX ao inovador projeto de institucionalização das políticas cul-
turais tornado realidade na cidade de São Paulo por obra de um grupo tanto visionário quanto
formidável. Mas não relegado ao esquecimento.

5
“Além dos discos registrados, contendo perto de 1.500 melodias, a Missão trouxe na sua bagagem 1.126 foto-
grafias, 17.936 documentos textuais (cadernetas de anotações, cadernos de desenhos, notas de pesquisas, notações
musicais, letras de músicas, versos da poética popular e dados sobre arquitetura), 19 filmes de 16 e 35 mm, mais de
mil peças catalogadas entre objetos etnográficos, instrumentos de corda, sopro e percussão”. Disponível em: http://
www.centrocultural.sp.gov.br/Colecoes_Missao_de_Pesquisa_Folclorica.html. Acesso em 10 de novembro de 2015.

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VII Seminário Internacional

políticas culturais
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Departamento de Cultura e Recreação da Prefeitura de São Paulo não teria as ativida-
des encerradas com a saída de Mário de Andrade, servindo mesmo de embrião à atual Secretaria
Municipal de Cultura de São Paulo. Mas não recuperaria mais o mesmo vigor e elã criativo. De
modo bastante expressivo, o farto material da Missão de Pesquisas Folclóricas simbolizou para
os anos vindouros um monumento representativo do espírito de Mário de Andrade à frente da
instituição, e permitiu uma análise comparada de duas linhas de atuação no campo do patrimô-
nio e de construção da identidade nacional, quando comparado à atuação do SPHAN no período
que mencionamos acima.
Cuidadosamente sistematizado por Oneyda Alvarenga, grande colaboradora e amiga do
poeta, e que permaneceu à frente da Discoteca Pública (que hoje leva seu nome) até o ano de
1968, esse legado está salvaguardado no Centro Cultural São Paulo, e tem sido objeto da aten-
ção de pesquisadores e demais interessados nas dinâmicas culturais mais profundas de um país
hoje orgulhoso de sua cultura como ativo inalienável. Constituí um registro ainda vivo e proces-
sual, não reificado, de manifestações que ainda hoje, mesmo sob condições as mais difíceis, são
reproduzidas em diferentes pontos do nosso território.
Em carta a Paulo Duarte, datada de três de abril de 1938, um amargurado Mário de
Andrade se queixaria de haver sacrificado por completo três anos de sua vida e falhado naquilo
que justificaria tal sacrifício: impor e normalizar o Departamento de Cultura na vida paulistana
(CALIL, 2015). Faleceria menos de sete anos depois dessa missiva, nunca recuperado do trauma
pela demissão do Departamento de Cultura.
Oito décadas depois, com a cômoda distância imposta pelo tempo, é possível rechaçar,
de certo modo, tal afirmação. Afinal, mesmo após tanto tempo, é surpreendente notar como as
elaborações conceituais e a prática como gestor de Mário de Andrade tenham sido historica-
mente recuperadas e em boa medida tenham norteado o desenvolvimento de diferentes políticas
culturais ao longo de todo esse período.
Hoje, em reconhecimento do vigor intelectual de uma personalidade sobretudo visioná-
ria, todo um esforço vêm sendo realizado para atualizar o legado desse importante intelectual, à
luz dos desafios colocados para o campo cultural na atualidade, em face das enormes mudanças
sociais, políticas, demográficas e informacionais que tem no palco no século XXI.
A cidade de São Paulo certamente é muito diferente daquela em que viveu (e morreu de
amores) o poeta. A política parece permanecer tão fria e insensível aos grandes espíritos, como o
era há oitenta anos. Mas, ao menos, as transformações em curso têm permitido as gerações atu-
ais conhecer melhor o servidor público e gestor exemplar que existe por trás do escritor de obras
literárias que restaram tão atuais ainda hoje, tal o caso de Macunaíma, o herói de nossa gente.

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VII Seminário Internacional

políticas culturais
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São Paulo tem hoje na cultura um dos seus maiores atrativos, defendido com vigor por
número cada vez maior de pessoas. Leva seu nome a principal biblioteca pública da cidade, a
segunda maior do país, e o acervo da Missão está hoje salvaguardado no Centro Cultural São
Paulo, inaugurado em 1982, cuja Discoteca leva o nome de uma de suas grandes colaboradoras,
Oneyda Alvarenga.
Oxalá o poeta esteja nos vendo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Canelas; BARBALHO, Alexandre. (orgs.). Políticas culturais no Brasil. Salvador: Edufba, 2007. pp.
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um departamento de cultura. São Paulo: Imprensa Oficial, 2015. 336p.
CALIL, Carlos Augusto. O poder de mandarzinho. In: CALIL, Carlos Augusto; PENTEADO, Flávio
Rodrigo (orgs.). Me esqueci completamente de mim, sou um departamento de cultura. São Paulo:
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CALIL, Carlos Augusto. Mário da Cultura Andrade. In: Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas
de campo. NASCIMENTO, Aurélio Eduardo; CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim (orgs.). São Paulo:
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LOPEZ, Telê Ancona; FIGUEIREDO, Tatiana Longo. Por esse mundo de páginas. In: ANDRADE,
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PEDROSA, Mario. Acadêmicos e Modernos: textos escolhidos III. Otília Arantes (org.). São Paulo:
Edusp, 2004. 428p.

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VII Seminário Internacional

políticas culturais
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PENTEADO, Flávio Rodrigo. sonhar, respirar, conversar, viver Departamento. In: CALIL, Carlos
Augusto; PENTEADO, Flávio Rodrigo (orgs.). Me esqueci completamente de mim, sou um departamento
de cultura. São Paulo: Imprensa Oficial, 2015. pp. 18-25.
RUBINO, Silvana. O mapa do Brasil passado. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
Brasília, nº 24, 1996. pp. 97-105.
TORELLY, Luiz Philippe Peres. O turista aprendiz e o patrimônio cultural. In: ANDRADE, Mário de. O
turista aprendiz. Brasília: IPHAN, 2015. pp. 11-15.
VARELLA, Guilherme. Plano Nacional de Cultura: direitos e políticas culturais no Brasil. Rio de
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PARTICIPAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICAS CULTURAIS


NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA EM
BERTIOGA – APLICAÇÃO DO DIAGNÓSTICO RÁPIDO PARTICIPATIVO
Elisa Selvo Chaves1

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar a estratégia do Conselho Municipal de
Políticas Culturais de Bertioga no processo participativo de elaboração do Plano Municipal de
Cultura, através da mobilização da sociedade civil para o entendimento de seu protagonismo no
resultado final, analisando aspectos relevantes da situação atual e propondo o diagnóstico rápido
participativo como ferramenta de escuta pública.

PALAVRAS CHAVE: Bertioga; Plano Municipal de Políticas Culturais; Diagnóstico Rápido


Participativo

1. INTRODUÇÃO
Os conselhos municipais de cultura são espaços importantes para a construção de deba-
tes e trocas de informação sobre as possibilidades de construção da cidadania cultural dos mu-
nicípios e nos últimos anos, principalmente após a aprovação do Sistema Nacional de Cultura,
em 2012, houve proliferação significativa no campo da instituição desses conselhos, visando
promover a participação e controle social e, ao mesmo tempo viabilizar recursos financeiros em
todos os níveis de governo.
O município de Bertioga busca hoje sua identidade cultural. A alta convergência migra-
tória não conduz somente à vulnerabilidade social, mas traz consigo o potencial de criatividade,
conhecimento, diversidade e beleza, premissas essenciais para o diálogo com vistas à paz e ao
progresso. O Conselho Municipal de Políticas Culturais de Bertioga procurou, desde o início
de sua primeira gestão, integrar-se de todos os mecanismos que promovam a cultura na cidade
em suas três dimensões: simbólica, cidadã e econômica e traçar uma rota entre o que somos e
o que queremos ser. Têm sido norteadores do processo as Metas do Plano Nacional de Cultura,

1
Presidente do Conselho de Políticas Culturais de Bertioga, graduada em Turismo pela Faculdade Anhembi Mo-
rumbi com pós-graduação em Comunicação Empresarial pela Escola Superior de Propaganda e Marketing e espe-
cialização em Gestão Cultural pelo SESC. Desenvolveu carreira em treinamento corporativo. E-mail: selvo@uol.
com.br

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a Agenda 21 da Cultura e os seminários sobre Economia Criativa. No contexto de trabalhar


as questões ligadas à quebra da sazonalidade, agregar a participação coletiva da sociedade na
produção de bens culturais e artísticos, gerar ‘empregos verdes’ nas áreas da construção civil,
pesca e turismo ecológico além de incentivar o empreendedorismo em contraponto à excessiva
taxa de informalidade, o Conselho Municipal de Políticas Culturais propõe, como seu principal
objetivo, acompanhar a gestão pública na elaboração do Plano Municipal de Cultura. Nesse
contexto, tornou-se imprescindível o conhecimento dos contextos geográfico, demográfico, so-
cial, econômico e histórico e dos principais desafios a serem enfrentados, aliado a uma série de
alternativas de ação e à decisão de legitimar as demandas da população através de escutas ativas
e democráticas tendo escolhido como principal ferramenta o Diagnóstico Rápido Participativo,
pela facilidade de aplicação e pelo potencial de engajar a população em favor das políticas lo-
cais. O sucesso do diálogo dependerá da participação dos setores civis como ONGs, empresas,
sindicatos, universidades, meios de comunicação e também da transparência, prestação de con-
tas e livre acesso às informações da gestão pública.

2. COMO É BERTIOGA?
2.1. Aspectos físicos
Estância balneária pertencente à Baixada Santista, distante 118 quilômetros da capital,
Bertioga possui 491,2 km2 de área. Mais de 90% de seu território consiste em área de preserva-
ção permanente. Registra índice pluviométrico de 2.692 mm/ano e a temperatura média anual é
de 24ºC. Certificada como Município Verde e Azul, seus 33 quilômetros de costa estão divididos
em 6 praias principais.
Além das praias e da área de serra, Bertioga distingue-se pelo canal – um braço de mar
que separa a cidade da ilha de Santo Amaro (Guarujá), conhecido por sua beleza e tranquilidade,
além de ser um excelente ponto de pesca, de onde se avistam pontos turísticos como o forte São
João, os píeres e marinas e a balsa que faz a travessia para o Guarujá – e por sua hidrografia
composta pelos rios Itapanhaú, Guaratuba e Itaguaré. A avenida Vicente de Carvalho, que mar-
geia o canal, está em processo de reurbanização assim como a orla da Enseada, sua praia central.
O município ocupa posição de destaque no cenário regional e estadual devido a sua
significativa quantidade de área verde preservada. Bertioga conta com 87,2 km² de área ciliar e
apenas 1,4% desse total sofre com a ação do homem. O estado de preservação das áreas ciliares
na Unidades de Conservação leva em consideração cursos d´água, nascentes e manguezais que
estão inseridos no Parque Estadual da Restinga de Bertioga, Parque Estadual da Serra do Mar,
Parque Municipal da Ilha do Rio da Praia e Reserva Particular do Patrimônio Natural. Como
prioritário para a conservação da biodiversidade, o município engloba a Terra Indígena do Rio

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Silveiras, situada nos limites leste de Bertioga e avançando pelo Município de São Sebastião,
cuja população indígena é assistida pelas duas cidades.

2.2. Demografia
Possui 47.645 habitantes segundo o senso IBGE de 2010, com uma população estimada
de 53.679 em 2013 (IBGE, cidades@). A população é marcadamente urbana, não havendo pre-
dominância de gênero. A densidade demográfica do município – 96,74 hab/Km2 – é a menor da
Baixada Santista (IBGE, 2010), sendo que a ocupação territorial ainda encontra-se em transição
diferentemente da situação na Baixada Santista onde a ocupação encontra-se consolidada (Ins-
tituto Pólis, 2012).
Entre as 13 cidades da Baixada Santista e Litoral Norte, Bertioga apresentou a maior
taxa geométrica de crescimento anual da população, ressaltando-se o crescimento da população
acima dos 60 anos de 3 para 5% em contraste à diminuição do número de jovens até 29 anos,
que caiu de 50 para 41% nos últimos dez anos (Instituto Pólis, 2012).
Com taxas de migração entre as mais altas do estado e da região em que se insere, 51,2%
(NEPO, 2007), principalmente devido ao incremento da construção civil na década de 1970, a
etnia original, composta por indígenas e caiçara, vem sendo substituída principalmente por ha-
bitantes provindos do nordeste.
Nota-se, nos últimos 10 anos, a tendência de aumento dos domicílios de uso ocasional,
ao contrário do que vem ocorrendo no litoral norte. A população oscila dos menos de 50 mil
residentes até 250 mil eventuais nas altas temporadas (Instituto Pólis, 2012).
Os principais vetores de ocupação são os serviços, comércio e empregos públicos. Os
rendimentos médios dos bertioguenses são menores do que as médias registradas no estado de
São Paulo e no Brasil. Observa-se também que a taxa de informalidade – 47% – é superior às
da região, do estado e do país (Instituto Pólis, 2012). O rendimento nominal mensal de 67% dos
domicílios encontra-se abaixo de 3 salários mínimos (IBGE, 2010), sendo os menores índices
observados nos setores afastados da orla e no interior da Rodovia SP-552. Os maiores valores de
rendimento encontram-se próximos à orla marítima e principalmente na Riviera de São Louren-
ço, onde encontra-se o maior número de domicílios ocasionais.
O Programa Bolsa Família beneficiou 2.194 famílias em setembro de 2015, sendo sig-
nificativo o número de descumprimentos de condicionalidades. Das 69 famílias indígenas ca-
dastradas no município, 57 são beneficiárias do Programa. Observa-se grande necessidade de
políticas públicas voltadas à geração de empregos na região.
Apesar do padrão de desenvolvimento urbano marcado pela segregação socioespacial, e
para além de sua condição de cidade de veraneio responsável pela atração de grande população

2
Rodovia Doutor Manuel Hipolito Rego, conhecida como Rio Santos

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flutuante, Bertioga tem vivido nos últimos anos uma queda consistente nos seus índices de crimi-
nalidade. O número reduzido de homicídios, latrocínios e roubo de veículos faz da cidade um dos
municípios mais seguros da Região Metropolitana da Baixada Santista (Instituto Pólis, 2012).

2.3. Economia
Em 2015, o município de Bertioga teve uma arrecadação de pouco mais de 307 milhões.
Do total arrecadado, temos como destaque o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbana (IPTU), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Imposto Sobre Servi-
ços (ISS), que em termos percentuais representam cerca de 36% da arrecadação municipal do
exercício. Outra importante receita é a cota parte dos royalties e compensações financeiras da
produção do petróleo, que representaram cerca 14% do total arrecadado.
Apesar da taxa de crescimento econômico ser superior aos demais municípios, a renda
per capita é inferior, ocasionando acentuada vulnerabilidade socioeconômica. Existem na cida-
de 11 mil empregos formais (RAIS/TEM 2010).
A condição de estância balneária garante ao município repasses de verba para investi-
mento em infraestrutura voltada para o turismo e a promoção do turismo regional. Em janeiro
de 2014 houve aporte de 15 milhões de reais (Gomes, 2014), entre repasses do DADE3 e da
Fehidro4, para a realização de melhorias na cidade.
Os esportes náuticos e a pesca são elementos importantes para se levar em consideração
no planejamento de atividades culturais.

2.4 . Aspectos político institucionais


Administrativamente, Bertioga foi distrito do município de Santos de 1944 até 19 de
maio de 1991,quando adquiriu autonomia política, por movimento emancipacionista ainda co-
memorado O atual prefeito está em seu segundo mandato consecutivo e foi também o primeiro
prefeito eleito após a emancipação da cidade.
Suas relações com o controle social são recentes. Foram mapeadas aproximadamente
55 organizações da sociedade civil, sendo a mais antiga a dos pescadores, originada em 1928,
porém poucas se encontram formalmente institucionalizadas (Instituto Pólis - Projeto Litoral
Sustentável, 2013).

2.5. Aspectos culturais


Como todo o litoral paulista, Bertioga possui vestígios de ocupação pré-histórica em
sítios arqueológicos chamados de Sambaqui. Antes da chegada dos portugueses era habitada
pelos índios tupiniquim.
3
Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias
4
Fundo Estadual de Recursos Hídricos

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Bertioga abriga o primeiro forte documentado do Brasil. Construído em 1532, o Forte


São João – tombado pelo Iphan em 1940 – está fortemente ligado à figura do recém-canonizado
São José de Anchieta, à fundação da cidade do Rio de Janeiro e ao alemão Hans Staden.
A Vila de Itatinga é outro patrimônio de Bertioga que faz parte da história do Brasil.
Autêntica vila inglesa, construída em 1910, abriga a primeira usina hidrelétrica do País e ajuda,
até hoje, a fornecer energia para o Porto de Santos.
Na divisa de Bertioga com o município de São Sebastião, encontra-se a Aldeia do Rio
Silveira, localizada em área de 948 hectares que abriga cerca de 500 índios da etnia tupi-guarani
assistidos por programas de educação e saúde do município de Bertioga. Por suas origens, a ci-
dade sedia anualmente, no mês de abril, o Festival Nacional da Cultura Indígena com exposição
de artesanato, apresentação artística e esportiva das etnias participantes promoção de discussões
temáticas voltadas às questões indígenas.
Mantém-se a tradição de blocos de carnaval bastante lúdicos e familiares. Os desfiles
têm início às 20 horas, terminando por volta das 22 horas. A presença do SESC (Serviço Social
do Comércio) é marcante nas atividades culturais desenvolvidas na região central, havendo
intensa parceria com a prefeitura para compartilhamento de apresentações artísticas, embora o
SESC local não seja aberto ao público. Grupos isolados assumem várias iniciativas interessantes
como saraus, dança de salão, apresentações musicais e forte foco em inclusão. Importante ini-
ciativa cultural e turística, o Revela Bertioga5 é um encontro de fotógrafos, totalmente aberto ao
público, que revela talentos, desenvolve oficinas, exposições e mesas de debate e proporciona a
possibilidade de participação em expedições fotográficas a parques, rios e outros atrativos.

2.6. O Conselho Municipal de Políticas Culturais de Bertioga


Foi criado por Lei Municipal em dezembro de 2011 e iniciou sua gestão efetivamente
em março de 2012. Atendendo ao princípio da co-gestão, tem composição paritária, sendo qua-
tro membros representantes da sociedade civil e quatro do poder público, além dos respectivos
suplentes, podendo qualquer membro ser eleito para a presidência. A sociedade civil é represen-
tada por entidades que contenham em seu estatuto atuação na área cultural – sem a presença de
especialistas ou notáveis.

3. DESAFIOS
3.1. Infraestrutura urbana
Geograficamente o município assemelha-se a um comprido e estreito retângulo com
distância de 44 quilômetros entre os extremos, cortado longitudinalmente pela ‘Rio Santos’.
As dispersas áreas urbanizadas intercalam-se com grandes áreas desocupadas distribuídas ao
5
http://www.revelabertioga.com.br/

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longo da costa marítima. Não há capilaridade no acesso entre os espaços urbanizados, provo-
cando imensos gargalos no fluxo de trânsito da rodovia, com impacto nas questões de segurança,
saúde, acesso a bens culturais, coleta de lixo e muitos outros. O transporte público é precário e
lento. Atualmente, não há integração entre transporte urbano e interurbano. Há queixas da po-
pulação que após a meia noite os ônibus só passam a cada duas horas, o que limita o usufruto
de atividades de lazer e cultura.

3.2. Contexto sociocultural


O município de Bertioga, considerado estância turística, pouco valorizou seu potencial
cultural nos últimos anos apesar de possuir relevante papel histórico. A expansão imobiliária,
notadamente durante a década de 1970 gerou (i) convergência migratória, (ii) aumento signifi-
cativo no número de veranistas, (iii) elevação do custo de vida e notadamente (iv) a dissociação
dos saberes e fazeres originais, tanto da cultura local quanto da cultura migrante, causada pela
demanda por serviços domésticos.
O predomínio das “segundas residências”, 62,18% do total de domicílios, em detrimento da
modalidade turística baseada em meios de hospedagem provoca grandes desequilíbrios no espaço
urbano, trazendo grandes inconvenientes e desafios, notadamente em déficts de serviços urbanos e
significativos passivos socioambientais (Instituto Pólis, 2012). Os comerciantes encontram dificul-
dades na manutenção de seus empreendimentos devido à constante flutuação de turistas.
No que tange as questões culturais, percebe-se que a população flutuante não visita a
cidade com esse objetivo. Os proprietários de domicílios ocasionais e convidados, normalmente
permanecem em seus condomínios fazendo pouco uso dos equipamentos da cidade e sua inte-
ração com a população local faz-se somente através da contratação de serviços domésticos. Há
também os visitantes ocasionais, às vezes de comportamento inadequado, que se apropriam dos
locais públicos e promovem tumulto, sem gerar renda e sem qualquer interesse em participar de
atividades culturais.
Quanto à população local, nota-se extremo senso de não pertencimento, de exclusão e
baixa autoestima. A oferta de bens culturais existente é considerada elitista por muitos, não exis-
tindo estímulo para que desenvolvam a própria produção cultural. Registram-se deficiências na
oferta de espaços e equipamentos culturais e problemas de acesso à cultura para a maior parte
da população sendo inexistentes os cinemas, teatros e salas de espetáculo (Instituto Pólis, 2012).
A ausência de políticas de geração de emprego e renda torna preocupante a dependência
da prefeitura e dos grandes condomínios residenciais.

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3.3. Fragilidade das organizações e movimentos populares


Há pouca participação ativa da sociedade civil, fruto de um aparente cansaço participa-
tivo e perda de dinamismo. Na visão da população o nível de autonomia das organizações da
sociedade civil é frágil. A estruturação de muitas das organizações é recente, especialmente nos
bairros populares (Instituto Pólis - Projeto Litoral Sustentável, 2013).
É perceptível que a organização da sociedade civil em Bertioga está fortemente vincula-
da ao chamado à participação popular nos espaços institucionais que foram criados pelo Poder
Público local, muitos deles vinculados a sistemas nacionais de políticas públicas, sem ter tido
tempo para construir uma história ou espaços de organização própria ou autônoma. (Instituto
Pólis - Projeto Litoral Sustentável, 2013 – pg 32). A ausência de oportunidades de trabalho no
município acaba conduzindo a um clientelismo exacerbado de todas as formas de controle so-
cial. A articulação entre as organizações do município é baixa e consequentemente o nível de
articulação regional é ainda menor.
A ausência de planejamento em políticas públicas gera desafios tanto à efetivação das
políticas públicas quanto ao funcionamento dos conselhos. O controle social do orçamento re-
sume-se a algumas audiências públicas nas quais se percebe a baixa capacidade de participação
da população.

4. ALTERNATIVAS E AÇÕES DO CONSELHO DE POLÍTICAS CULTURAIS


4.1 Participação do Conselho Municipal de Políticas Culturais em ações relevantes
Em suas duas gestões, o Conselho Municipal de Políticas Culturais traçou estratégias
para garantir quórum e motivação dos conselheiros. O processo de credibilidade foi estabelecido
gradualmente. Com espaço na rádio local para divulgar ações e iniciativas, utilização de redes
sociais e permanente articulação, o conselho ampliou sua visibilidade.
Discutia-se ainda a melhor forma de comunicação com a Câmara Municipal e optou-se
pela utilização da Tribuna Livre6. Houve público expressivo, principalmente considerando o
horário, e a mídia contemplou o assunto de forma satisfatória.
A capilaridade das ações do conselho estendeu-se também às consultas públicas da Re-
visão do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentado. Por ocasião do primeiro encontro, não
havia, por parte da comissão designada para conduzir os trabalhos, menção à criação de plano
setorial de cultura, que passou a ser contemplado após algumas intervenções do conselho. Em
reunião com o Núcleo Gestor encarregado da revisão foram detalhadas questões, sugestões e
propostas referentes ao Plano Municipal de Cultura, Agenda 21 da Cultura e Economia Criativa
– posteriormente entregues em forma de relatório.

6
Mecanismo de participação cidadã que permite expressão ao munícipe que represente um grupo de interesse
público, após a sessão ordinária da Câmara Municipal, mediante agendamento prévio.

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Através das referidas dinâmicas, o conselho criou poder de convocação e aumentou sua
expressão estando em condições de organizar o diálogo dos principais atores locais para que
analisem as questões de cultura como um todo e proponham ações conjuntas, minimizando a
sobreposição de determinados setores ou particularidades na definição de políticas públicas.
O Conselho Municipal de Políticas Culturais manteve-se cuidadoso com relação a su-
gestões de que o Plano Municipal de Cultura fosse rapidamente elaborado mesmo que ‘copiado
e colado’ de algum plano existente, analisando alternativas e mantendo contato com o represen-
tante regional do Ministério da Cultura. Constatando que o município não havia aderido ao Pla-
no Nacional de Cultura, o Conselho promoveu a necessária articulação para que o documento
fosse localizado, preenchido e enviado ao Ministério da Cultura. Os prazos estavam sendo ob-
servados e o primeiro passo deveria ser a elaboração do Sistema Municipal de Cultura, iniciativa
assumida pelo conselho. Em quatro reuniões, que contaram com representantes dos artesãos,
fotógrafos, músicos, artistas visuais foi elaborado documento entregue simbolicamente ao pre-
feito durante a I Conferência Municipal de Políticas Culturais sendo, em seguida, protocolado
na Secretaria de Turismo, Esporte e Cultura. Durante dois anos o Conselho oficializou pedido
de vistas ao processo e em 2015, constatando que o processo havia desaparecido e considerando
que a Secretaria estava sob nova gestão, voltou a protocolar o documento.

4.2. Foco nas Metas do Plano Nacional de Cultura (PNC)


O entrosamento com a representação regional do Ministério da Cultura resultou em par-
ceria importante para a definição dos objetivos do conselho. Conhecendo a agenda do Ministé-
rio, nossa opção foi priorizar as ações de acordo com as 53 Metas do Plano Nacional de Cultura.

4.3. Reuniões de Capacitação para o Plano Municipal de Cultura


Participação requer conhecimento, base essencial para a sensibilização e para a mobili-
zação. Em agosto de 2015, o Conselho e a Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Cultura
realizaram o I Encontro de Capacitação para a Elaboração do Plano Municipal de Cultura, com
a presença de 27 participantes. Em novembro do mesmo ano, realizou-se um encontro de ca-
pacitação de gestores, com a presença do prefeito e secretários municipais. Nas duas ocasiões
a presença de Sérgio Azevedo, especialista em gestão e políticas públicas, contribuiu para o
sucesso da iniciativa.

4.4. Estímulo ao Debate Público


Utilizando, como norteadores, o “Guia de Orientação para a Construção de um Plano
Municipal de Cultura, do Projeto MinC – UFBA7”, o “Guia de Orientações para os Municípios –
7
Ministério da Cultura e Universidade Federal da Bahia

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Perguntas e Respostas” (MinC, 2011), o Guia GPS do Programa Cidades Sustentáveis (Progra-
ma Cidades Sustentáveis, 2013) e a Agenda 21 da Cultura (Institut de Culture), elencaram-se as
premissas e princípios mantendo-se o foco no protagonismo e participação popular sustentando
o carácter consultivo, deliberativo e fiscalizador do Conselho Municipal de Políticas Culturais.
Além da observância à legislação aplicável e da consistência técnica do Plano, cuja respon-
sabilidade cabe ao poder executivo, o conselho permaneceu atento às diversas interlocuções
permeando a pluralidade dos envolvidos com ênfase em ações estruturantes que devem atender
as necessidades e aspirações culturais do cidadão bertioguense ultrapassando a dimensão dos
mandatos dos governantes. No Guia GPS8 (Programa Cidades Sustentáveis, 2013) encontramos
subsídios para o passo a passo do planejamento com base em informações organizadas, indi-
cadores e visão de futuro a partir de depoimentos dos gestores públicos após o diálogo com a
população e o consequente plano de metas a ser consolidado no Plano Municipal de Cultura. De
acordo com o Programa Cidades Sustentáveis (2013)
O planejamento municipal precisa considerar a dimensão cultural como um dos pilares
para o desenvolvimento sustentável. As comunidades crescem e se aprimoram a partir da preserva-
ção de suas manifestações culturais, que em particular reforçam um senso de identidade local, mo-
tivo pelo qual a gestão municpal deve adotar políticas públicas para a promoção e inclusão cultural

4.5. Escolha da Ferramenta de Escuta Ativa


O Diagnóstico Rápido Participativo – que tem sua origem no movimento de pesquisa-
-ação inspirado em Paulo Freire – proposto no Curso SESC de Gestão Cultural, apresentou-se
como uma base sólida para que a sociedade civil exercesse seu efetivo controle social promo-
vendo a cultura em suas dimensões simbólica, cidadã e geradora de trabalho e renda. Sua apli-
cação, amplamente discutida nas reuniões do Conselho de Políticas Culturais – e avaliada pe-
rante as propostas de escutas simples com espaços livres para manifestações, pesquisas on-line
abertas ou fechadas, “world café” (ou café compartilhado) ou aplicação de formulários físicos
ou eletrônicos – foi acatada como ferramenta de avaliação e mapeamento da realidade cultural
de Bertioga.

4.6. Emprego do Diagnóstico Rápido Participativo


4.6.1 Justificativa
Os membros do Conselho Municipal de Políticas Culturais levaram em conta a impor-
tância do levantamento de demandas, problemas, e informações de natureza qualitativa como
base para a elaboração de estratégias de ação, considerando também que a metodologia promove

8
Gestão Pública Sustentável

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a mobilização dos interessados em torno da reflexão sobre a situação atual e visualização de


cenários futuros, envolvendo os participantes, não apenas como fonte de informação, mas como
agentes de pesquisa. A rapidez que permite, em pouco tempo, reunir e sistematizar informações
sobre a realidade diagnosticada eliminava também problemas relacionados à escassez de recursos
para o investimento em processos mais demorados e custosos de diagnóstico. E, neste caso, rapi-
dez não está de forma alguma relacionada à superficialidade nem dos relatos nem das avaliações.
Segundo Isaura Botelho e José Marcio Barros (Curso SESC de Gestão Cultural, 2013)
O Diagnóstico Rápido Participativo é uma técnica de diagnóstico que permite a realiza-
ção de reflexões críticas e propositivas sobre a realidade, considerando as experiências e as per-
cepções dos participantes da atividade. Estimula a capacidade de reflexão e a busca de soluções
a partir da interlocução, da construção de consensos e compromissos

4.6.2. Metodologia
Foram realizadas, no total seis (6) oficinas participativas. A primeira, a título de valida-
ção da ferramenta, reuniu um grupo de dezoito (18) voluntários, sendo que as outras cinco (5)
tiveram ampla divulgação e documentação total, incluindo filmagens e gravações de áudio para
efeitos legais. Também por deliberação do Conselho e para melhor refletir a realidade do muni-
cípio, as oficinas foram estabelecidas geograficamente e não por setores de atuação.
Dois membros do Conselho assumiram o processo de mediação e condução das oficinas.
Como fator de descontração dos entrevistados, as matrizes de sistematização foram substituídas
por folhas de papel pardo tamanho A1 e foram distribuídos lápis de cera, canetas hidrográficas
e outros recursos de livre manifestação de expressão.
Com o objetivo de sanar lacunas referentes ao entendimento do que é o Plano Municipal
de Cultura, um resumo do conteúdo das oficinas de capacitação foi exposto aos presentes, que
em seguida – com apoio de recursos visuais – eram convidados a formar grupos e expor, sinteti-
camente, cinco (5) fatores positivos, ou potencialidades, da realidade cultural de seu segmento,
classificando-os como 1 (muito positivo), 2 (importante) e 3 (perceptível, mas não tão impor-
tante). Os participantes tiveram a oportunidade de expor, argumentar e principalmente de criar
sinergias não imaginadas. A etapa seguinte consistiu em traçar a síntese dos cinco principais
problemas, na opinião do grupo, para que fossem hierarquizados de acordo com sua frequência,
gravidade e possibilidade real de solução, com notas de 1 a 3. A partir da somatória dos pontos,
os grupos partiam para a definição do grau de prioridade que dariam ao problema de acordo com
sua plataforma de ação estratégica. O desafio final consistiu em apresentar soluções para cada
problema, conforme a possibilidade de atuação dos participantes. Para encerrar os trabalhos, que
duravam em média 3 horas, cada grupo apresentou seus trabalhos.

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4.6.3. Resultados
Durante os trabalhos com o grupo piloto, os principais problemas observados foram: a
falta de compreensão do contexto do Plano Municipal de Cultura, a carência de vocabulário e
terminologias para tratar as questões culturais e algumas interrupções para exposição de percep-
ções pessoais. Como ponto positivo destacaram-se a motivação, o entusiasmo e a contextuali-
zação adequada dos assuntos tratados. Os problemas foram facilmente sanados e a aplicação do
DRP nos cinco (5) bairros gerou resultados bastante inspiradores. Em uma escola, a funcionária
perguntou por que não íamos lá todos os finais de semana. Um grupo de artesãs surpreendeu
pela vivacidade e clareza das apresentações. Técnicos contratados para proporcionar apoio lo-
gístico, se valeram de sua condição de munícipes, para contribuir com as pesquisas.
A proposta de utilização de material lúdico, substituindo a matriz de sistematização, foi
providencial e o “conjunto da obra” será transformado em um painel que ficará exposto durante
a Audiência Pública do Plano Municipal de Cultura. O conteúdo do material foi sistematizado,
sem grandes dificuldades, pelos próprios membros do conselho. Em uma pasta Excel encon-
tram-se compilados, em 5 (cinco) planilhas, os resultados dos grupos por localidade, seguidos
de 2 (duas) planilhas onde foram elencados 8 (oito) Fragilidades e Obstáculos – utilizando os
problemas apontados pela população agrupados de acordo com suas semelhanças, e seis (6)
Vocações e Potencialidades de acordo com o mesmo princípio.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Participação é uma das características mais importantes de um bom Plano Municipal de
Cultura. Para uma participação cidadã é necessário mobilizar, motivar e envolver. O Conselho
Municipal de Bertioga propõe-se a atuar como espaço de consulta e debate tendo ainda o obje-
tivo de divulgar as plataformas colaborativas disponíveis para ampliar a troca de informações.
Em um momento em que tudo está por fazer, são amplas as perspectivas do Plano Mu-
nicipal de Cultura de Bertioga. A governança democrática somente ocorrerá se entendermos o
cenário cultural como contexto das políticas públicas voltadas à população e não meramente
à captação de recursos. A participação da sociedade civil no Plano Municipal de Cultura vai
torná-lo mais plural, diverso, humanizando suas propostas na construção dos modos de gestão.
Essa participação também é importante na formação de indivíduos ativos, inventivos, vigilantes
e capazes de mover a sociedade na busca de soluções inovadoras, assegurando a continuidade
de propostas significativas para os objetivos públicos. O diagnóstico é o primeiro passo para
conhecermos, de maneira ampla, a situação do município sob a ótica de seus habitantes. Através
dessa lente poderemos repensar a complexidade da participação da sociedade na cultura e con-
sequente impacto na qualidade da democracia no desenvolvimento de relações humanizadoras e
éticas, sem disputas entre a sociedade civil e o poder público. É a forma de identificarmos como

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chegamos à situação atual, e definirmos através do diálogo intercultural, as estratégias para lidar
com os desafios, reconhecer as oportunidades e agir.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FARIA, H. M., & VERSOLATO, F. (2005). Você quer um bom conselho? São Paulo: Publicações Pólis.
Gomes, A. C. (06 de fevereiro de 2014). Notícias. Acesso em 01 de Maio de 2014, disponível em
Prefeitura Municipal de Bertioga: http://www.bertioga.sp.gov.br/noticia.php?idnot=5620 IBGE. (2010).
Institut de Cultura. (s.d.). Culture 21. Acesso em 02 de Maio de 2014, disponível em Agenda 21 da
Cultura: www.agenda21culture.net
Instituto Pólis - Projeto Litoral Sustentável. (2013). Relatório número 6 - Diagnóstico Urbano
Socioambiental - Município de Bertioga. São Paulo.
Instituto Pólis. (2012). Projeto Litoral Sustentável - Desenvolvimento com Inclusão Social. São Paulo.
MinC - UFBA. (s.d.). Guia de Orientação para a Construção de um Plano Municipal de Cultura.
MinC. (2011). Guia de Orientações para os Municípios - Perguntas e Respostas.
NEPO. (2007). Campinas.
Programa Cidades Sustentáveis. (2013). São Paulo: Rede Nossa São Paulo.

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VISÃO PANOMRÂMICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CULTURA NA


TRÍPLICE FRONTEIRA BRAZIL-GUYANA-VENEZUELA: VIABILIDADE
JURÍDICO-ECONÔMICA
Emanuel Henrique de Sousa Loureto1
Elói Martins Senhoras2

RESUMO: Este artigo busca apresentar as políticas públicas apoiadas em preceitos jurídicos
para analisar sua viabilidade econômica no estado de Roraima voltadas para a cultura na
tríplice fronteira entre Brasil, Guyana e Venezuela, embasado em alguns esforços estatais e da
iniciativa privada para promoção de atividades que visam a experiência intercultural na região
tranfronteiriça. As políticas públicas, muitas vezes dogmatizadas a questões socioeconômicas
são apresentadas como um respeitável mecanismo de desenvolvimento regional. Deste modo,
observou-se pormenorizadamente alguns eventos locais recorrentes à temática cultural, como
meio de explicitar uma realidade de extremo norte inerente ao contexto roraimense com os
países vizinhos de raízes culturais e lingüísticas bem distintas e sua disposição de influência
sociocultural, capaz de incrementar político e economicamente a realidade amazônica.

PALAVRAS-CHAVE: cultura, políticas públicas, integração, tríplice fronteira.

1. INTRODUÇÃO
A Cultura envolve todo um sistema de conjuntos de valores, símbolos, bcostumes e
tradições de um povo que são passados de geração em geração através das práticas sociais e
da vida em sociedade. As manifestações culturais expressas por meio de festas populares são
um exemplo da expressão da cultura de um povo, pois elas contribuem para a afirmação da
identidade cultural das comunidades em que são realizadas, reforçando a diversidade cultural e
consequentemente atraindo expressivo número de turistas.
O artigo está dividido em três partes, no qual se destaca na primeira parte a importância
das políticas públicas voltadas para a cultura como forma de democratização das artes, bem
1
Graduado em Relações Internacionais (UFRR) e mestrando em Desenvolvimento Regional da Amazônia
(NECAR – UFRR) e-mail: e.loureto@gmail.com
2
Professor e pesquisador do Departamento de Relações Internacionais (DRI), do Programa de Mestrado em Geo-
grafia (PPG-GEO), do Programa de Mestrado em Sociedade e Fronteiras (PPG-SOF) e do Programa de Mestrado
em Desenvolvimento Regional da Amazônia (PPG-DRA) da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e-mail:
eloisenhoras@gmail.com

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como dos desafios e das dificuldades que decorrem da sua implementação e o embasamento ju-
rídico para sua aplicação. Na segunda parte, aborda-se um pouco da região de tríplice fronteira
onde está inserido o estado de Roraima, no qual também se abordará acerca das políticas cultu-
rais para a integração que se desenvolvem nessa localidade e dos seus benefícios.
A terceira e última parte buscará em mostrar como as políticas públicas para o meio
artístico-cultural podem ser efetivas quando firmadas com uma ação paradiplomática3, ou seja,
ações por parte de um ator subnacional, neste caso o estado de Roraima, com outros atores in-
ternacionais (neste caso Venezuela e Guyana) e sua viabilidade jurídico-econômica,

2. AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A CULTURA


No que consta as Políticas Públicas para cultura, acredita-se que por meio destas haverá
certa democratização das artes, destarte, há uma série de empecilhos para que isto ocorra, os en-
gajamentos políticos para a área da cultura ainda são poucos, apesar de se perceber uma gradual
mudança nesta conjuntura.
É necessário, no entanto, antes de adentrar nos meandros políticos acerca do conceito de
políticas públicas, entender o conceito de cultura. O autor Roque Laraia (2009) se empenha em
conceituar antropologicamente o termo ao fazer uma abordagem histórica, no qual demonstra a
origem do termo cultura como sendo junção sintetizada de kultur, palavra de origem germânica
com civilization de origem francesa, feita por Edward Tylor (1832 – 1917) no final do século
XVIII. Entretanto, já era uma ideia abordada por John Locke (1632 – 1704), Jacque Turgot
(1727 – 1781) e Jean-Jacque Rousseau (1712 – 1778), no qual todos expressavam o papel da
educação na formação cultural do homem.
Ao mesclar duas esferas societárias bem distintas, a cultura sendo soft e a política sendo
hard, no qual ambas são indispensáveis em uma comunidade estruturada, deve-se entender o
funcionamento das políticas públicas como sendo mecanismo do Estado para melhorar o con-
vívio social. Dessa forma, Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política
que analisa o governo à luz de grandes questões públicas, já Lynn (1980) a entende como um
conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Outros autores como Peters
(1986) segue o mesmo meio:
política pública é a soma das atividades dos governos, que agem dire-
tamente ou por delegação, e que influenciam na vida dos cidadãos. [...]
Contudo, a definição mais clássica é atribuída a Lowi apud Rezende
3
Segundo Senhoras “O termo paradiplomacia subnacional representa um marco importante para compreender a
ação paralela em âmbito internacional de governos locais e regionais através do estabelecimento de contatos per-
manentes ou não com atores correspondentes em outros países e com entidades públicas ou privadas estrangeiras.
[...] Enquanto fenômeno de repercussão nas relações internacionais que quebra o monopólio das relações interes-
tatais do clássico sistema westphaliano de poder, a paradiplomacia roraimense têm relevância positiva no processo
de integração regional nos últimos anos e isto não pode ser menosprezado.” (SENHORAS, 2009, p.02)

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(2004:13): política pública é ‘uma regra formulada por alguma autori-


dade governamental que expressa uma intenção de influenciar, alterar,
regular, o comportamento individual ou coletivo através do uso de san-
ções positivas ou negativas. (SOUZA, 2009, p.68)
No que diz respeito às artes, as dificuldades quanto à sua democratização estão relacio-
nadas aos altos custos para o acesso aos produtos artísticos, tais como o cinema, teatro, concerto,
dentre outros. O estigma de arte como algo supérfluo e desnecessário continua, inclusive para
os formuladores de políticas públicas, cuja visão está associada à rentabilidade dos programas
voltados para cultura.
Deste modo, observa-se de acordo com Dye (2009) que “A política racional é a que pro-
duz ‘ ganho social máximo’, isto é, os governos devem optar por políticas cujos ganhos sociais
superem os custos pelo maior valor e devem evitar políticas cujos custos não sejam excedidos
pelos ganhos”. (2009, p.111)
Ocorre também certo conservadorismo por parte do Estado, que estreita o leque de in-
vestimentos públicos em áreas de maior rentabilidade, porém os modelos teóricos-empíricos
tradicionais não são capazes por si só de abordar todas as questões sociais, por não abordar no-
vos atores. Outro grave problema que aflige as políticas públicas no geral, incluindo as voltadas
para cultura, é o baixo grau de formalização das mesmas no que diz respeito ao intercâmbio de
informações e recursos. (FARIA, 2003).
Assim, observa-se que mesmo que haja o esforço por parte do Estado, a esfera privada e
a própria população são atores responsáveis:
A perspectiva de política pública vai além da perspectiva de políticas
governamentais, na medida em que o governo, com sua estrutura admi-
nistrativa, não é a única instituição a servir à comunidade política, isto
é, a promover políticas públicas. (DYE, 2009, p. 31)
Ou seja, mesmo que os esforços para maior valorização da cultura ocorram, o Brasil
possui barreiras difíceis de serem superadas, a exemplo da corrupção nas esferas políticas, do
déficit cultural no ensino, da falta de interesse por parte dos políticos e da população no geral.
Quando se observa estas questões, infere-se a influência da cultura de massa na sociedade atual,
pois seria esta uma das causas para desestímulo à presença e participação da população geral em
programas culturais, como teatro, sarais, desfiles, concertos, dentre outros. Deste modo, desve-
la-se os conceitos da Comunicação Social de cultura de massa e indústria cultural, para entender
como a mídia é um fator fundamental no âmbito cultural e pode auxiliar no sucesso de políticas
públicas voltadas para este campo.
A professora Titular da Escola de Comunicações e Artes de Universidade de São Paulo
– ECA/USP, Anamaria Fadul, em seu artigo Indústria Cultural e a Comunicação de Massa, uti-
liza-se das ideias de Adorno e Horkheimer, nas quais explicitam que a cultura de massa norte-a-

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mericana era, por exemplo, bem desenvolvida desde bem antes da alemã ou italiana, contudo era
voltada para massificação da cultura. No livro Dialética do Iluminismo, anunciava a decadência
da cultura no Ocidente por causa dos meios de comunicação de massa no início do século XX
em contraponto com “eldorado cultural” que fora o século XIX.
Porém este era muito restrito e falacioso, uns poucos tinham acesso à cultura, enquanto
outros muitos trabalhavam em regime semi-escravo nas fábricas com pouquíssimas oportunida-
des de entretenimento. No livro Indústria Cultural e Indústria de Massa, Adorno e Horkheimer
tentam mostrar que faltava seriedade nos grandes meios de comunicação, sejam, eles jornais,
revistas, televisão, dentre outros, que se preocupavam somente com as cifras econômicas e “ma-
nipulação das consciências”.
A gênese do conceito de Indústria Cultural se deu na Escola de Frankfurt, que na ver-
dade era o Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de Frankfurt. Os pensadores “fank-
furtianos” tinham enorme aversão por este conceito criado por eles, um deles, Hebert Marcuse,
afirmava que “a sociedade de massa contemporânea é uma nova forma de totalitarismo, só que
muito mais perigosa, porque este totalitarismo não é percebido como tal.” (FADUL, Indústria
Cultural e a Comunicação de Massa).
Havia sempre a desconfiança dos novos veículos de comunicação. Baudelaire escreveu
um artigo sobre uma exposição de fotos em 1857, no qual se mostrava intolerante em relação
à fotografia como uma arte, achava que esta era uma destruição da cultura. A mesma intolerân-
cia sobre os novos meios culturais eram expostos na medida em que estes surgiam, Adorno e
Horkheimer se posicionavam contrários à ideia de cinema como uma arte:
O filme não pode ser considerado arte, porque basta que se olhem as
cifras astronômicas que recebem seus diretores – e não podem ter ne-
nhum tipo de preocupação séria com a sociedade, com a cultura ou com
a arte. (ADORNO, HORKAIMER apud FADUL, Indústria Cultural e a
Comunicação de Massa).
Há também os que defendam que a Indústria Cultural propiciou o livre acesso das pes-
soas a diversos meios culturais, além de beneficiar aqueles que vêem nela uma forma de renda.
O acesso a diferentes formas e modos da cultura é muito mais veloz atualmente, com o advento
tecnológico-digital as pessoas escolhem o querem ver, e mais, a quando e onde ver.
Por outro lado, destaca-se a importância da cultura popular nesse cenário de transforma-
ções e difusão cada vez mais veloz de produções culturais. Neste contexto, é notória a garantia
jurídica das políticas culturais, como pedra basilar do próprio direito ambiental. Para a autora Cris-
tiane Derani (2008) há uma unidade dialética entre natureza e cultura numa realidade social de in-
dissocibilidade, realidade esta, compreendida pelo prisma das “forças socializantes da natureza”4.

4
Die vergesellschftend Kräfte der Natur. Cultura compreendida como continuação gradual da natureza. HELLER,
p. 61 apud DERANI, p.49

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O arcabouço que assegura políticas públicas para a Cultura mostra, desta maneira, asse-
gurado pela Constituição Federal de 1988 (vide artigos 170 e 225). Ainda que implicitamente,
há de ser notado que as questões ambientais se embasam na premissa de uma “natureza humani-
zada”, o valor que dos recursos naturais, são socialmente atribuídos (DERANI, 2008).
Sob a perspectiva do ser humano, não somente como ator, mas também como um patri-
mônio natural que se é buscado asseverar as leis que garantam a preservação de práticas cultu-
rais. Desta forma, convergente com a proteção dessas práticas, o Direito Ambiental busca, de
certa forma, também a valorização da cultura nativa e popular brasileira.
A cultura popular aparece como manifestação da cultura que parte do próprio povo,
sendo muitas vezes mais acessível do que outros meios culturais. Isso, no entanto, não significa
que não seja necessária a adoção de políticas públicas voltadas para a cultura popular. Pelo con-
trário, ela se faz essencial para que haja a valorização da música, das danças, dos artistas e das
manifestações que se encontram na cultura popular, bem como na difusão dessa cultura para as
gerações futuras para que ela não se perca em meio a tantas informações, inovações e transfor-
mações que se vê no mundo.

3. INTERAÇÃO CULTURAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA


A tríplice fronteira Brasil-Guyana-Venezuela está localizada no ponto mais setentrional
do Brasil, ao norte do estado de Roraima. Essa região fronteiriça é caracterizada pela forte mul-
ticulturalidade devido à presença de vários povos que habitam a região, tais como brasileiros,
venezuelanos e guyanenses, além de diversas etnias indígenas que fazem parte desse contexto
fronteiriço. A proximidade entre as cidades fronteiriças dos dois países com o Brasil através do
estado de Roraima, as chamadas cidades gêmeas5, apresenta uma diversidade imensa de culturas
que estão imersas num ambiente de intensa rede de relações, sejam elas políticas, comerciais,
sociais ou culturais.
O contexto das relações internacionais de toda essa região é caracterizado pelo intenso
fluxo de mercadorias (tanto legais quanto ilícitas), investimentos e serviços que agitam o comér-
cio da região, relações políticas e intenso trânsito de migrantes e turistas. Quanto aos aspectos
culturais, quando se fala em uma região multicultural estamos falando da presença de pelo me-
nos três idiomas distintos, costumes, tradições e religiões tão diversas que interagem constante-
mente nesse espaço de contato.
As cidades de Pacaraima (Brasil) e Santa Helena de Uairén (Venezuela), bem como
Bonfim (Brasil) e Lethem (Guyana) correspondem às cidades gêmeas localizadas nessa tríplice

5
De acordo com Becker “A presença de cidades gêmeas, isto é, cidades vizinhas localizadas em cada lado frontei-
riço, é importante indicador das redes de relações. [...] Como lugar de convergência de redes de relações, as cidades
gêmeas rompem com as delimitações fronteiriças oficiais fundadas nas soberanias nacionais, e são mais ativas
quando localizadas em fronteiras tripartites.” (BECKER, p.58 e 59, 2009.)

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fronteira. Não apenas as cidades gêmeas são delineadas por essa intensa rede de relações, mas
também a capital do estado de Roraima, Boa Vista, recebe os reflexos de pertencer a uma região
tão plural e diversificada. Boa Vista situa-se a apenas 230 km de Santa Helena de Uairén, na
Venezuela, o seu acesso ocorre pela via terrestre através da BR-174. Já Lethem, na Guyana, fica
à apenas 125 km da capital de Roraima, onde o acesso se dá por meio da BR-401, o qual foi
facilitado pela inauguração da ponte sobre o Rio Tacutu, em 2009, que interliga os dois países.
A construção da ponte se mostra como um elemento integrador do espaço territorial Bra-
sil-Guyana. Tal como afirma Oliveira:
Esse espaço integrador pode ser interpretado também como um lugar
seguro e ao mesmo tempo como um lugar inseguro, que estabelece a
diferença entre nós (brasileiros) na margem de cá do rio e os outros
(guyaneses) na margem de lá do rio. São interpretações com base nas
teorias de fronteiras e nas linhas imaginárias que legitimam e regulam o
nosso poder sobre o outro que é estrangeiro no nosso espaço territorial.
Espaço integrador que é materializado pelas distintas normas diplomáti-
cas, pelas leis e outros aparatos burocráticos das relações internacionais,
que dão suporte para normatização das relações no território da fronteira
e da identidade nacional. (OLIVEIRA, 2009, p.4)
Oliveira (2009) alega ainda que o diálogo brasileiro com a fronteira guyanense é mais
complexo do que com a fronteira venezuelana, pois no caso Brasil-Guyana há a presença de
diferentes povos indígenas que convivem com duas culturas nacionais distintas nessa região:
a brasileira que é herdeira do reino ibérico e a guyanense que é herdeira do reino anglo-saxão
(motivo pelo qual utilizam a grafia em inglês). Enquanto que no caso Brasil-Venezuela, os idio-
mas e a cultura de ambos os países são herdeiros dos reinos ibéricos, o que facilita o diálogo
entre ambos.
Coincidentemente no ano 2009, houve a adesão da Venezuela ao Mercosul, o qual foi ra-
tificado em 2012. Este fato pode possibilitar uma maior integração na área fronteiriça, pois com
a assinatura de diversos protocolos, sobretudo nos trâmites aduaneiros e de imigração podem
possibilitar uma dinâmica local de turismo e comércio com impactos positivos para Roraima
(LOBO e NETO, 2010).
Assim, percebe-se que as integrações físicas e comerciais entre o estado de Roraima e
estes países com os quais faz fronteira estão cada vez mais se consolidando. Entretanto, inda-
ga-se neste artigo quanto à integração no âmbito cultural no contexto dessas relações. Quais as
ações voltadas para a integração cultural entre os três países? Quais os benefícios gerados pelos
investimentos nessa área para a região? Quais as barreiras impostas para a implementação de
políticas públicas culturais?

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4. RORAIMA: PALCO DA INTERAÇÃO CULTURAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA


Primeiramente, acredita-se que os benefícios gerados pela interação cultural por meio de
políticas públicas culturais não somente em áreas de fronteira, como também de políticas cultu-
rais voltadas para a população de maneira geral, representa ganhos significativos para a socie-
dade. Além de permitir um maior acesso aos bens culturais à população, dar maior valorização
à cultura local, aos artistas e suas produções, as políticas públicas voltadas para a integração
cultural na tríplice fronteira permitem um maior conhecimento acerca da cultura do outro, na
construção de confiança mútua e de relações pacíficas e cooperativas com os países vizinhos.
Além do mais, um maior conhecimento a respeito da cultura destes países e a construção
de boas relações por meio de políticas públicas culturais na região podem auxiliar de maneira
positiva no aumento de investimentos, na abertura de novos mercados, no aumento de bens e
serviços e do turismo nesses países.
Neste sentido a aplicabilidade jurídico-econômica, é apresentada nos artigos 170 e 225
da CF-1988, que confabula a viabilidade de empreendimentos culturais constitucionalmente.
Assim, a região amazônica no geral, um objeto tradicionalmente analisado para os estudos eco-
lógicos, revela um escopo muito mais amplo de abordagens.
Remete-se então a Lei n. 6.938, de 31 e agosto de 1981 que estipulou as diretrizes para
o desenvolvimento de Política Nacional de Meio Ambiente. Assim, questões culturais podem
ser inseridas no inciso I do art. 4° da Lei n. 6.938/81, ao afirmar que a Política Nacional do Meio
Ambiente visará à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação
da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.
As políticas públicas, desta forma asseguradas pela Constituição e por leis que compe-
tem à Legislação Ambiental. Observa-se alguns órgãos públicos e privados, desempenhando
papel de promotores culturais.
A Universidade Federal de Roraima se revela pioneira em Roraima no que diz respeito
ações que envolvam o intercâmbio com os Estados fronteiriços, principalmente na área da edu-
cação e cultura. O evento “Vozes da Fronteira, que tem como objetivo reunir grupos artísticos
do Brasil, Guyana, Suriname e Venezuela durante as atividades comemorativas ao aniversário
da UFRR em 2011 e 2012, é uma destas iniciativas. Além de apresentações culturais com a
presença de músicos e artistas desses países, ocorrem apresentações de danças típicas, como
a venezuelana denominada parranda de tambores, assim como palestras em torno da questão
cultural, dentre outros manifestações culturais e ações acadêmicas
Alguns eventos realizados pelo Serviço Social do Comércio (SESC - Roraima), também
são organizados com a proposta de promover a interação cultural com a Guyana e Venezuela. O
“Grito Rock Bonfim” foi organizado com a finalidade de juntar bandas do Brasil e da Guyana
na fronteira entre esses países, e o “Fronteira Cultural” com edições em 2011 e 2013, evento no

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qual diversas manifestações culturais de artistas brasileiros, venezuelanos e guyanenses, foram


reunidas com a ideia de promover a circulação e a difusão da música, dança, teatro, artes visuais
e audiovisual dos três países na cidade de Pacaraima em Roraima, são alguns exemplos dessas
ações culturais.

Foto 1: “Vozes da Fronteira” – UFRR, 2012

Fonte: Autor

Foto 2: Steal Band no “Fronteira Cultural” – Pacaraima 2013

Fonte: Autor

Contudo, poucas são as políticas públicas culturais voltadas para a integração cultural na trípli-
ce fronteira desenvolvidas pelos governos locais. OArraial dasTrês Nações é um dos poucos exemplos
que encontramos.

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O “Arraial das Três Nações” já contou com quatro edições entre os anos de 2008 e 2012.
De acordo com Jacildo Bezerra6, um dos organizadores do evento, na primeira edição o “Arraial
das Três Nações” tinha como objetivo promover a integração do Brasil, e mais precisamente
do estado de Roraima, com os demais países da tríplice fronteira no que diz respeito ao âmbito
cultural, no rompimento de barreiras para a redução dos preconceitos e a desmistificação dos
estereótipos que muitas vezes se constroem com relação às nações vizinhas de Roraima. Para
tanto foram trazidos elementos culturais da Venezuela e Guyana, tais como: grupos folclóricos,
peças de artesanato, de vestuário, assim como fotografias para a exposição dos países.
Para a realização da festa o primeiro passo da ação pública foi enviar representantes do
governo de Roraima para os respectivos países no intuito de estabelecer contatos para que real-
mente houvesse a participação dos países vizinhos. Com a ação firmada, a abertura do evento
contou com representantes dos três países, o governador de Roraima representando o Brasil e os
cônsules da Guyana e Venezuela. Para quem chegava à festa, logo na entrada era possível obter
informações sobre esses países nas barracas que foram preparadas para cada nação, onde tinha
comidas típicas, revistas e fotografias dos três países.
Para animar a festa, havia três bonecos gigantes que circulavam entre o público, cada qual
caracterizado pelas vestimentas que lembravam cada um dos países: “Seu Zé”, no estilo caipira
das festas juninas representava o Brasil, “Juanito” a Venezuela e “Mr. Brown”, com enormes
tranças ao estilo rastafári que representava a Guyana. O slogan do evento também era representa-
do pelos três personagens que juntos marcavam a união dos três países nessa grande festa.
Quanto às dificuldades para a realização do evento, segundo o entrevistado, estava re-
lacionado a algumas questões burocráticas. A maior barreira foi a questão burocrática que a
orquestra filarmônica juvenil da Venezuela sofreu para entrar no Brasil. Como a Venezuela ainda
não havia entrado para o Mercosul, era necessário certos documentos para entrar no país. Por
falta de documentos necessários, a orquestra com mais de 70 componentes foi barrada na fron-
teira e impedida de se apresentar no evento. Para outras questões tais como a fronteira, o idioma
e a receptividade não houve empecilhos para que o evento se concretizasse.
Além de entretenimento à população de Roraima, a primeira edição do Arraial das Três
Nações foi além das expectativas culturais e superou todas as metas previstas de emprego e
movimentação de renda no período da festa. De acordo com dados da Secretaria Extraordinária
da Promoção Humana e Desenvolvimento7, o Arraial das Três Nações levou ao Parque Anauá
um público de 170 mil pessoas durantes as nove noites do evento, além de 56 atrações, entre
bandas de música e grupos folclóricos que fizeram parte da programação do Arraial, envolvendo
diretamente mais de 400 artistas.
6
Gerente do Núcleo de Artes da Unidade de Cultura de Boa Vista, localizado no Palácio da Cultura, em entrevista
realizada em 01/06/2012.
7
SOUZA,2007

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Dessa forma, além de gerar emprego e renda e de aumentar o turismo no período do


evento, a população também pôde conhecer mais da cultura dos três países num clima de ale-
gria, harmonia e cooperação. Nos anos posteriores o arraial do Anauá continuou a ser denomi-
nado de Arraial das Três Nações. Apesar da menor proporção de grupos vindos da Venezuela e
da Guyana nos anos seguintes, o arraial ainda conta com a presença de muitos turistas vindos
desses países.
Contudo, no ano de 2011 não houve a celebração tradicional do arraial junino promovido
pelo governo, a festa do Arraial do Anaúa ou Arraial das Três Nações foi cancelado naquele ano
devido à situação financeira pouco favorável do governo ou por falta de vontade política. Infe-
lizmente a falta de investimentos é um empecilho para que algumas políticas públicas culturais
deixem de ser efetivadas.
As ações que propiciam físicas e comerciais entre Roraima e estes países fronteiriços são
mais consolidadas, no âmbito cultural essas ações ainda não são conformadas de modo efetivo.
Todavia, os poucos eventos ocorridos no estado explicitam o quão promissor é meandro cultural
nas relações internacionais em regiões de fronteira.

5. CONCLUSÃO
Apesar de incipiente, os investimentos em cultura estão cada vez mais ativos e se mos-
tram promissores para o desenvolvimento do estado de Roraima. No que diz respeito às ações
que envolvem a integração cultural na tríplice fronteira alguns eventos estão sendo organizados
para este fim. No entanto, ainda há muitas barreiras a serem derrubadas com relação à efetiva-
ção de políticas públicas voltadas para a cultura na tríplice fronteira, principalmente no que diz
respeito à falta de incentivos, investimentos ou vontade política.
As integrações físicas e comerciais com a Guyana e a Venezuela estão cada vez mais se
consolidando, porém a integração no âmbito cultural ainda dá seus primeiros passos. Acredita-
-se que a integração na tríplice fronteira através da vertente cultural é uma boa maneira de se co-
nhecer a cultura do outro, de se praticar a tolerância e o respeito à cultura alheia, de se promover
o diálogo e a cooperação para que haja uma relação positiva e pacífica com os países vizinhos.
Além do mais, uma maior integração no âmbito cultural pode significar um maior au-
mento do comércio, de investimentos, de bens e serviços e do turismo. Para tanto, a adoção de
políticas públicas que levem em conta essa vertente cultural se fazem essenciais num ambiente
de fronteira, principalmente pela multiculturalidade e diversidade presentes nesse espaço.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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junina. Trabalho de conclusão de curso em Tecnologia em Gestão de Turismo. IFRR, 2010.
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DYE, Thomas R. Políticas públicas e o desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise,
Brasília: Editora UNB, 2009.
FADUL, Anamaria. Indústria Cultural e a Comunicação de Massa. Disponível em: <http://www.
crmariocovas.sp.gov.br/pdf/c_ideias_17_053_a_059.pdf>, acessado em: 18/04/2012.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 23 ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
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LOBO, Ellen Regina dos Santos; NETO, João Félix de Santana. Integração da Venezuela ao Mercosul
e os seus reflexos para o desenvolvimento econômico do Estado de Roraima. Editora UFRR: Boa
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Subnacional Roraima-Guiana e os descaminhos do Contencioso da ponte do Rio Tacutu. Coluna de
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REINAUX, Marcilio. Introdução ao Estudo da História da Arte. Recife: UFPE, 1991.
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Contencioso da ponte do Rio Tacutu. Coluna de Artigos UFRR (2009). Disponível em: <http://works.
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SOUZA, Celina. Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010.
PORTAL DO GOVERNO DO ESTADO DE RORAIMA. Lançado oficialmente XVIII Arraial do
Anauá. Disponível em: http://www.rr.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=532:ar
raial-das-3-nacoes-movimentou-r-2-milhoes&catid=45 . Acesso em: 06/06/2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA. Grupo Imbaúba encerra o “Vozes da Fronteira”.
Disponível em: http://ufrr.br/noticias/398. Acesso em : 08/06/2012

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PARTICIPAR E GERIR: ETNOGRAFIA DO COLEGIADO SETORIAL DE DANÇA


DO RIO GRANDE DO SUL
Emanuelle Maia de Souza1

RESUMO: O presente artigo configura uma análise das relações entre participação política
e políticas culturais a partir do caso do Colegiado Setorial de Dança do Rio Grande do Sul.
Este estudo foi desenvolvido fundamentalmente a partir da etnografia do referido Colegiado
na cidade de Porto Alegre/RS correspondente ao primeiro ano da gestão 2014-2015. No caso
analisado, a participação não se dá de forma massiva embora haja um entendimento a respeito de
sua importância por parte dos membros do Colegiado para a construção de uma gestão cultural
de qualidade.

PALAVRAS-CHAVE: Participação política, Gestão Cultural, Políticas Culturais.

O presente artigo configura uma análise das relações entre participação política e políti-
cas culturais a partir do caso do Colegiado Setorial de Dança do Rio Grande do Sul. Este estudo
foi desenvolvido fundamentalmente a partir da etnografia do referido Colegiado na cidade de
Porto Alegre/RS correspondente ao primeiro ano da gestão 2014-2015. E também pela etnogra-
fia de eventos públicos de dança nos quais o Colegiado esteve envolvido direta ou indiretamente
na organização. Ressalto, portanto, um olhar antropológico que se debruça sobre aspectos mi-
cropolíticos, sobretudo tendo em vista o envolvimento institucional dos sujeitos em um órgão
que compõe o atual Sistema Estadual de Cultura do RS.
Ademais este trabalho se apresenta como desdobramento de minha dissertação de mes-
trado em Antropologia Social defendida em 2015 pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFGRS). Tal investigação se concentrou na produção e circulação de documentos oficiais
bem como participação política e engajamento no contexto do Colegiado nos anos de 2013 a
2015. De modo que ao me deparar com o universo das políticas culturais na cidade de Porto
Alegre em eventos tais como Conferências de Cultura e os Diálogos Culturais pude perceber a
ênfase dada à participação política como elemento de cidadania seguindo a orientação política
do governo (PT) do qual se originam essas políticas. No caso analisado, como demonstro a se-
1
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: manu.
maias@gmail.com

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guir, a participação não se dá de forma massiva embora haja um entendimento a respeito de sua
importância para a construção de uma gestão cultural de qualidade.
Busquei, portanto, compreender essa articulação entre participação e gestão através da
etnografia do Colegiado. A partir da qual uma política governamental passa a ser estudada não
apenas “do jeito que deveria ser” em termos de funções prescritivas burocráticas mas também
como ela se dá nas práticas dos sujeitos que participam do Colegiado. Assim minha principal in-
terrogação é: como o entendimento da participação constrói uma noção de gestão cultural entre
os sujeitos que se envolvem com o Colegiado?

1. SOBRE COLEGIADO SETORIAL


Os Colegiados Setoriais de Cultura, como anteriormente mencionado, integram a estru-
tura do Sistema Estadual de Cultura sendo apontado como uma das instâncias de articulação,
pactuação e deliberação juntamente com o Conselho Estadual de Cultura, as Conferências Esta-
duais de Cultura e a Comissão Intergestores Bipartite do Rio Grande do Sul sob gestão da Secre-
taria de Cultura (SEDAC). Sua função prevista em lei (Lei nº 14.310/2013) é de assessoramento
para analisar, debater e propor políticas públicas para cultura, promovendo diálogo entre “so-
ciedade civil” e Secretaria de Cultura. No Rio Grande do Sul são instituídos dez Colegiados, a
saber: Artes Visuais, Audiovisual, Circo, Culturas Populares, Dança, Livro, Leitura e Literatura,
Memória e Patrimônio, Museus, Música e Teatro.
Quanto à composição, do ponto de vista previsto em lei que institui o Sistema Estadual
de Cultura do Rio Grande do Sul, os Colegiados são formados por cinco representantes do “Po-
der Público”, escolhidos dentre técnicos, especialistas ou servidores indicados pelo Secretário
de Estado da Cultura e/ou por órgãos relacionados ao setor. Mas como fundamental incentivo à
“participação civil”, a composição dos Colegiados Estaduais possuem o dobro de representantes
da “sociedade civil”, totalizando dez membros. Para compor o quadro de representantes da “so-
ciedade civil” não há impedimento prévio para que qualquer cidadão possa se candidatar, em-
bora seja desejável (e é o que normalmente acontece) que seja relacionado profissionalmente ao
setor que esteja interessado e somente pode ser eleito se aprovado anteriormente pela plenária.
Além disto, os mandatos têm duração de dois anos, a contar a partir da data da posse, podendo
haver apenas uma recondução.
Desde que comecei a etnografar o Colegiado Setorial de Dança, em outubro de 2013,
com a eleição dos delegados responsáveis pela gestão do ano de 2014 – 2016, já se anunciavam
como pauta “emergencial” a discussão e elaboração do Plano Setorial de Dança (PSD) que in-
tegraria o Plano Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul. Sobretudo, por ter o Rio Grande do
Sul aderido “tardiamente” ao Sistema Nacional de Cultura em relação aos demais estados. Além
disso, o ano de 2014 sendo ano eleitoral, os membros do Colegiado tinham interesse em finalizar

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e aprovar o plano antes das eleições (que aconteceriam em outubro de 2014) para evitar correr
os riscos de com uma possível mudança de governo haver também a rejeição do Plano Estadual.

2. “PEDAGOGIA DA ADESÃO”: ESTRATÉGIAS PARA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA


Como já referido, apenas para atuar como delegado no Colegiado era necessário ser
eleito pelos demais membros, a participação como não delegado, todavia, era aberta a qualquer
pessoa interessada. Porém, por mais esforços que tivessem de divulgação e mobilização de mais
pessoas – já que as reuniões compunham cerca de doze participantes – os encontros geralmente
aconteciam com praticamente as mesmas pessoas, não variando muito o número de participan-
tes (que são, em geral, bailarinos, coreógrafos, diretores artísticos ou que se reconhecem pela
categoria mais abrangente de profissionais da dança); o que, por outro lado, manteve a continui-
dade dos debates no momento da elaboração do Plano.
Sobre essa baixa cota de participação do setor interessado era nítido o incômodo dos
membros, por isso a esse respeito considero que esteja relacionado o constante investimento na
busca por mais participantes para o Colegiado. Tal investimento se dava fundamentalmente atra-
vés de discurso pedagógico que consiste em “apresentar” o Colegiado como ponte de diálogo
entre a “sociedade civil” e o Estado, colocando-o como possibilidade de engajamento em busca
de melhorias para profissionais da dança.
Assim, em cada oportunidade de maior contato com o público-alvo (bailarinos, produ-
tores culturais, profissionais da dança) em eventos tais como Encontros da Dança e Mostras
Coreográficas, por exemplo, havia uma apresentação do Colegiado Setorial de Dança. As apre-
sentações, em geral, se davam através da exposição sobre a estrutura do Colegiado (sobre o que
consistia e quem integrava) e também sobre testemunhos de delegados os quais declaravam a
importância do envolvimento com Colegiado para o setor.
Em um dos registros do diário de campo tratei sobre o 2º Encontro Estadual de Dança, o
qual foi realizado na cidade de Porto Alegre nos dias 27 a 30 de novembro de 2014 e promovido
pela Coordenação de Dança do Instituto de Artes Cênicas (IEACen) – órgão vinculado a Secre-
taria de Cultura do Estado/RS – com outras entidades do setor de dança. Através deste evento
foi proposto, além de mostras coreográficas, um conjunto de debates sobre o problema da des-
continuidade das ações governamentais, de baixa participação, entre outras questões registradas
a partir da etnografia da mesa redonda “Dança, políticas públicas e representatividade”.
No decorrer do debate a fala de Paola Vasconcelos, que integrava a referida mesa como
representante do Colegiado, me chamou atenção ao fazer uma espécie de relato das ações da
entidade até aquele momento. Sua fala buscava demonstrar o quanto o Colegiado supostamente
pode contribuir para a transição de “políticas de governo” para “políticas de Estado”. Pude per-
ceber que para além de certa compreensão institucional a esse respeito, sua fala expunha muito

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de experiência pessoal (e política) com o Colegiado: “O Colegiado me ensinou isso (...) que a
gente tem que se organizar, construir, cobrar e fazer algo diferente pela dança”. De modo que
“organizar, construir, cobrar e fazer” dizem respeito, ainda que não seja de forma específica ao
contexto das políticas culturais, a um tipo de aprendizado de gestão. Participar do Colegiado era,
conforme seu posicionamento, uma maneira de contribuir politicamente para o setor da dança.
Também segundo Paola, não há formação educacional (se referindo à graduação em
dança) que dê atenção às políticas públicas. Por isso o Colegiado funciona, a partir dessa pers-
pectiva, como ferramenta de aprendizado sobre gestão cultural e outras possibilidades de ações
bem como de familiarização com o arcabouço de tais políticas. Isto é, o Colegiado possibilita
tanto o contato com as ações políticas propriamente ditas (tais como as pautas de engajamento,
por exemplo), bem como fornece uma espécie de modus operandi para lidar com demandas
culturais e funcionamento burocrático de esferas públicas onde são possíveis os diálogos entre
demandantes e poder público.
Assim, como destaca a pesquisadora em políticas culturais Isaura Botelho:
As políticas culturais, isoladamente, não conseguem atingir o plano do
cotidiano. Para que se consiga intervir objetivamente nessa dimensão, são
necessários dois tipos de investimento. O primeiro é de responsabilidade
dos próprios interessados e poderia ser chamado de estratégia do ponto de
vista da demanda. Isto significa organização e atuação efetivas da socie-
dade, em que o exercício real da cidadania exija e impulsione a presença
dos poderes públicos como resposta a questões concretas e que não são
de ordem exclusiva da área cultural. Somente através dessa militância
poder-se-á “dar nome” – no sentido mesmo de dar existência organizada
– a necessidades e desejos advindos do próprio cotidiano dos indivíduos,
balizando a presença dos poderes públicos. (BOTELHO, 2001:75)
E justamente pensando na importância de envolver mais “demandantes”, isto é, pro-
fissionais do setor da dança que estes delegados do Colegiado direcionavam seus esforços de
divulgação. Já que estes, em alguma medida, necessitavam de políticas culturais para exercerem
sua profissão, mas principalmente porque estes eram conhecedores destas “necessidades” do
plano do cotidiano como bem ressaltou Isaura Botelho. Os quais são responsáveis por dar uma
outra “cara” às políticas culturais no sentido de não ter mais políticas elaboradas apenas por
experts, podendo portanto contribuir para direcionamento eficaz da gestão pública a respeito de
políticas culturais.
Assim como Isaura Botelho assinala a importância do envolvimento dos interessados na
gestão de políticas culturas, Claudia Fonseca e Jurema Brites (2006) destacam a importância
de investigar a atualização de formas de “participação política” em variados espaços sócio-cul-
turais e chegam a afirmar que se trata de “uma das mais caras utopias modernas: a ampliação
dos espaços democráticos” (11). Assim, as organizadoras reuniram em sua obra diversas expe-

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riências políticas, a partir de recortes etnográficos, em outras esferas consultivas e deliberativas


desenvolvidas por instâncias governamentais para fomentar a participação tais como Conselhos
municipais e estaduais e também os Orçamentos Participativos (OPs).
Retomando a necessidade de recrutamento de pessoas, outro exemplo que pode ser re-
lacionado pode ser visto também através de uma página na rede social Facebook cujo nome é
“Ações do Colegiado Setorial de Dança do RS”. Criada e gerida por Cláudia Dutra no início de
sua gestão (2014 – 2015) como secretária e suplente do Colegiado, com o intuito de divulgação
do Colegiado, a página contém dentre outras coisas, dados (uma espécie de currículo profis-
sional) sobre os membros-delegados, atas das reuniões, informações sobre eventos bem como
registros fotográficos das reuniões.
Dentre esse material divulgado, há dois vídeos que se conformam ao discurso pedagógi-
co ao qual me referi anteriormente: um diz respeito mais ao Sistema Estadual de Cultura e como
o Colegiado se insere nesse contexto encenado por Diego Esteves e produzido por equipe do
IEACen; o outro produzido por Cláudia mais focado no Colegiado. Utilizando diversos recursos
didáticos tais como esquemas, gráficos e figuras, Cláudia é quem faz a narrativa dos elementos e
funções que compõem o Colegiado. A seguir apresento uma imagem retirada da rede social Fa-
cebook que considero relevante, pois registra a publicação de vídeo apresentando o Colegiado:

Figura 1: Difusão de ações na internet

Fonte: Página “Ações do Colegiado Setorial de Dança do RS”. Rede social Facebook (05/11/ 2014)

Tal posicionamento pode ser lido como estratégia de mobilização e adesão, mas também
como se a inteligibilidade das ações do grupo passasse pela necessidade da compreensão do

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sistema. Aqui, poderíamos pensar em termos de analogia ao que Das e Poole (2008) apontam
como “pedagogia de conversão” para tratar da estratégia do Estado para socializar (bem dizer,
“manejar” ou “pacificar”) pessoas consideradas insuficientemente socializadas em termos da
lei. No caso do Colegiado sugiro pensar em termos de “pedagogia da adesão” que se interessa
tanto em socializar e familiarizar novos membros para compor seu quadro como contar com a
presença de sujeitos interessados em suas ações dentro do campo das políticas públicas.
Entretanto, é necessário dizer que tal estratégia se mostrou parcialmente eficaz (pelo
menos durante o tempo o qual etnografei) já que o Colegiado, quase chegando ao fim do pri-
meiro ano de gestão, realizou novas eleições para preencher algumas cadeiras que estavam em
vacância pela ausência de delegados e respectivos suplentes responsáveis. E desta forma, foram
eleitos cinco novos membros (Claudia que era suplente foi eleita como delegada) entre delega-
dos e suplentes.

3. SOBRE A NÃO PARTICIPAÇÃO: ALGUNS ELEMENTOS PARA A


COMPREENSÃO DO FENÔMENO
Pensando na necessidade que o grupo enxerga de obter mais participantes, destaco a
perspectiva de Heredia e Palmeira (2012), no qual um dos pontos do trabalho demonstra que
importa estudar não apenas aqueles casos (a exemplo de Conselhos) considerados de “sucesso”
em termos de participação no sentido de alterarem significativamente a estrutura política no
município, por exemplo, mas também traz à tona situações de dificuldades de funcionamento
em que os Conselhos existem quase que por uma formalidade.
Assim, analiticamente podemos apontar alguns elementos que contribuem para a com-
preensão do fenômeno da não participação:
a) Frequencia das reuniões (engajamento segundo disponibilidade):
O Colegiado se organiza através da realização de reuniões que inicialmente eram agen-
dadas de acordo com a disponibilidade dos membros e após os primeiros meses passaram a ser
quinzenais. Importa ressaltar tal frequencia para a realização das reuniões porque demonstra
o grau de disponibilidade que se exige para garantir presença constante. Assim, geralmente
eram compostas por pessoas que foram anteriormente eleitas ou indicadas como delegados,
sendo que a composição “efetiva”, diz respeito a três representantes do Estado (que já ocupam
cargos públicos que podem ser relacionados ao setor da cultura ou a servidores públicos do
setor de licenciatura em dança), e mais nove pessoas que representam a “sociedade civil”. De
modo geral, nem sempre iam todas as pessoas eleitas como delegadas (e/ou suplentes) e poucas
vezes constatei presença de outras que não estivessem oficialmente requisitadas para estar ali
participando dos debates. De certa forma esse quadro possibilita a compreensão de que o grupo
reunido no Colegiado tivesse um caráter de compromisso mais “institucional”, no sentido de

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que somente aqueles que ocupam cargos como delegados e/ou suplentes podem ser considera-
dos presenças efetivas.
b) Não remuneramento:
Relacionada à lei que institui o Sistema Estadual de Cultura gostaria de chamar atenção
ao último artigo (Art. 15) que trata especificamente dos Colegiados, no qual se lê: “A participa-
ção nos Colegiados Setoriais de Cultura será considerada relevante serviço prestado à sociedade
e não será remunerada”. Nenhum dos cargos desempenhados em Colegiado é remunerado, mes-
mo aqueles que constituem os indicados pelo “poder público” e já são servidores públicos, go-
zam de sua remuneração normalmente, ou seja, não há adicional ou acréscimo de salário algum
em função de seu desempenho como membro. De todo modo, categorizar a participação como
um serviço relevante soa quase como justificação pela não-remuneração.
c) Centralidade geográfica das reuniões:
Em um dos Encontros Estaduais de Dança o Colegiado foi apontado por uma pessoa pre-
sente como sendo centralizado demais. Já que com exceção de uma reunião realizada na cidade
de Pelotas, as demais sempre ocorreram na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre.
Por se tratar de um órgão estadual, a interlocutora que lançou a questão, criticava o fato de que
realizar as reuniões sempre na capital poderia representar dificuldades para interessados que
residem no interior em participar. Embora fosse consenso entre os debatedores que integravam
a mesa redonda de que o Colegiado deveria mesmo expandir pelo interior; o argumento para a
centralização das reuniões é que os membros-delegados, sua maioria, moram na capital e região
metropolitana. No entanto, a descentralização não ocorreu o que não acarretou a desistência dos
poucos delegados que residiam no interior.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Busquei através do presente trabalho destacar a importância da participação política pro-
porcionada pelo chamado “governo participativo” como forma de aprendizado e desenvolvi-
mento de uma noção de gestão cultural. Trata-se de envolver politicamente os sujeitos através da
criação de esferas consultivas do ponto de vista institucionalizado – aqui no caso representado
pelo Colegiado Setorial de Dança do Rio Grande do Sul. Vale ressaltar, entretanto que não se
configura como esfera exclusiva de participação política deste ou de qualquer outro setor.
Gostaria de evidenciar que o fenômeno da baixa participação aqui apontado não serve,
entretanto, como quesito avaliativo para eficácia desta esfera consultiva – e que também não
configura objeto de minha investigação. Ainda que tenha assinalado elementos-chave para uma
possível interpretação sobre este fenômeno, tal característica implica talvez num debate de re-
presentatividade ou de extensão do órgão do ponto de vista de sua condição de esfera estadual.

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Em outras palavras, não se trata de uma avaliação dos desdobramentos da chamada “participa-
ção civil” no que diz respeito à sua efetividade democrática ou eficiência de gestão cultural.
Por outro lado, esse mesmo grupo que embora composto por um número não tão expres-
sivo de membros foi responsável pela elaboração do Plano Setorial de Dança do Rio Grande do
Sul (PSD), aprovado no dia 1 de julho de 2014 pelo Secretário Estadual de Cultura. E mesmo
não cabendo aqui questionar até que ponto tal documento garante a realização ou modificação
efetiva das políticas, destaco o modo como é valorizado pelo grupo como fruto do seu trabalho
e que tem sido comemorado como documento pioneiro em termos estaduais de diretrizes para
políticas públicas do setor.
O que de todo modo sublinho que aquilo que, de certa forma, perpassa essas experiências
participativas é que seus modos de funcionamento são regulamentados e previstos pelo Estado.
Por se tratar de uma “nova” instância, quero dizer, uma instância recente no que se refere a
ferramentas governamentais em que é fomentada a participação como fundamento de uma polí-
tica institucional específica, o Colegiado se apresenta como contexto relevante para pensarmos
não apenas a complexidade do fenômeno da participação, mas também como possibilidade de
recorte etnográfico que integra a implementação de um sistema mais amplo no que se refere a
políticas públicas para cultura contemporaneamente.

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políticas culturais
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INDICADORES CULTURAIS E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: UMA ABORDAGEM


CENTRADA NA EXPERIÊNCIA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES
Erivan da Silva Dantas Filho1
Allana Pessanha de Moraes2
Martha Maria Gonzaléz García3

RESUMO: Este trabalho tem como eixo temático as Políticas de Cultura relativas à cidade
de Campos dos Goytacazes. Desde 2004, tem sido desenvolvido um programa de Iniciação
Científica e Extensão, a partir da Officina de Estudos do Patrimônio Cultural do LEEA-UENF4,
que busca dar conta de diferentes aspectos relativos à diversidade cultural no município. O uso
dos indicadores culturais é hoje um campo em ascensão no que diz respeito às políticas e estudos
ligados à cultura. O interesse por dados culturais pela Officina e seu uso na Educação Patrimonial,
parte da necessidade de um melhor entendimento da realidade cultural local, relativa à cidade de
Campos dos Goytacazes, e da compreensão de cultura por seus habitantes.

PALAVRAS-CHAVE: Indicadores Culturais, Cultura, Educação Patrimonial, Memória.

1. INTRODUÇÃO
O eixo central da pesquisa aqui analisada é definido no âmbito das políticas culturais. Ao
considerarmos que se trata de um objeto de estudo recente, este conceito de políticas culturais
ainda não alcançou um consenso entre os teóricos.
Canclini, afirma que as políticas culturais resumem-se a um conjunto de intervenções
realizadas pelo Estado e outras instituições civis incluindo grupos comunitários a fim de orien-
tar o desenvolvimento simbólico satisfazendo as necessidades culturais da população e obtendo
consenso para um tipo de ordem ou de transformação social (CANCLINI, 2001).

1
Graduando em Ciências Sociais pela UENF e Graduando em Letras/Português/Literatura pelo IFF. Bolsista de
Iniciação Científica e integrante da Officina de Estudos do Patrimônio Cultural. E-mail: edantas13@outlook.com
2
Mestre em História e Educação pela Universidade do Porto - Portugal. Bolsista de Extensão e integrante da Of-
ficina de Estudos do Patrimônio Cultural.. E-mail: allana.moraes@gmail.com
3
Graduada em Engenharia Agroindustrial pelo Centro Uiversitário Matanzas Camillo Sinfuego - Cuba. Bolsista
de Extensão e integrante da Officina de Estudos do Patrimônio. E-mail: martagg0227@gmail.com
4
A Officina de Estudos do Patrimônio Cultural constitui-se em um Grupo de Pesquisa (CNPq). Está alocado no
âmbito do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico, do Centro de Estudos do Homem – CCH, da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF.

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políticas culturais
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Teixeira Coelho (1997) considera a política cultural como uma ciência da organização
das estruturas culturais. Esta tem como objetivo o estudo dos diferentes modos de preposição e
organização de iniciativas no campo cultural, compreendendo suas significações nos diferentes
contextos sociais em que se apresentam (COELHO, 1997). Desta forma, estamos de acordo com
Marilena Chauí que entende as políticas culturais como uma política de “Cidadania Cultural” e a
define como “a cultura como direito dos cidadãos e como trabalho de criação” (CHAUÍ, 2006).
Ao se falar de Cidadania Cultural, devemos formular uma série de per-
guntas, que na maioria das vezes não podem ser prontamente respondi-
das. A ideia de cidadania no Brasil anda a par à ideia de participação e
é neste sentido, que as perguntas devem ser direcionadas para entendi-
mento das práticas culturais exercidas pela população. O que as pessoas
em Campos dos Goytacazes fazem em termos de cultura? Vão ao cine-
ma ou à biblioteca? Frequentam o museu? Ou preferem assistir a shows
musicais? Quando viajam costumam mais ir ao teatro do que quando
estão na cidade? De que forma se dá o consumo cultural no município?
(Teixeira, 2015, p. 07).
Com o objetivo de melhor entender os indicadores culturais e de utilizá-los em relação à
realidade cultural local, no âmbito municipal, a Officina iniciou uma pesquisa de iniciação cien-
tífica centrada nesta abordagem que tem como objetivo principal o desenvolvimento de estudos
que possam contribuir à um aprofundamento e reflexão sobre os indicadores culturais, conse-
guindo reproduzir em dados uma proporção da visão que a população apresenta em relação às
práticas culturais na cidade de Campos dos Goytacazes. Deste modo, o objetivo é compreender
a noção de cultura por parte seus habitantes. O uso dos indicadores culturais é hoje um campo
em ascensão no que diz respeito às políticas e estudos ligados à cultura partindo de um entendi-
mento desta, como construtora de uma identidade e memória na sociedade.

2. CONCEITUAÇÃO E BREVE HISTÓRICO DOS INDICADORES CULTURAIS


E DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
O surgimento dos indicadores de cultura se deu nos Estados Unidos nos anos 1960 como
uma ferramenta de política social para dar respostas à necessidade de se conhecer as conse-
quências do crescimento dos movimentos sociais no país. Em 1986, a Unesco criou o projeto
Framework for Cultural Statistics/FCS, que antecede o projeto implementado na Comunidade
Européia nos anos 1990, sobre estatísticas culturais. Um novo impulso foi dado pela Unesco
em 1998, com o Primer Informe Mundial de la Cultura (GETINO, 2010). Na América Latina,
países como Argentina e alguns países Andinos (Chile, Peru, Colômbia e Venezuela) apresen-
tam produções em nível nacional, focando no entanto apenas a dimensão econômica da cultura
(TEIXEIRA, 2015).

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Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016

No Brasil o primeiro Sistema de Informações e Indicadores Culturais/


SINIC, foi fruto de um acordo de cooperação, assinado entre o Ministé-
rio da Cultura/MinC e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/
IBGE, em 2004. Alguns pesquisadores da área de cultura consideraram
questionável a estratégia do IBGE em adotar como base os critérios de
grupo e classe detalhados na Comissão Nacional de Classificação/Cnae,
por nele incluírem-se as atividades que não estão de fato relacionadas à
criação e às praticas culturais, como a fabricação de aparelhos telefôni-
cos, computadores e artefatos de caça, pesca e esporte (OBSERVATÓ-
RIO, 2007, apud TEIXEIRA, 2014, p.02).
Como indicadores culturais, partimos dos conceitos de Satorre e Pfnniger. Satorre, afir-
ma que estes são importantes instrumentos para as pesquisas culturais, pois permitem “ nos
aproximar da descrição da realidade da experiência cultural de maneira objetiva e que facilitam
seu reconhecimento concreto” (SATORRE, 2011). Já Pfnniger, afirma que o termo indicador
cultural seria utilizado para descrever as ferramentas desenhadas a partir de dados que atribuem
sentido e facilitam a compreensão de uma informação sobre a área cultural (PFNNIGER,2004).
A Educação Patrimonial, tradução do Heritage Education – expressão inglesa, surge no
Brasil em meio a importantes discussões da necessidade de se aprofundar o conhecimento e a
preservação do Patrimônio Histórico-Cultural. Foi exatamente em 1983 que se iniciam efetiva-
mente as ações de Educação Patrimonial por ocasião do 1º Seminário sobre o “Uso Educacional
de Museus e Monumentos”, no Museu Imperial de Petrópolis, RJ. O princípio básico da Educa-
ção Patrimonial (TEIXEIRA, 2006):
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educa-
cional centrado do Patrimônio Cultural como fonte primária de conheci-
mento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto
com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múlti-
plos aspectos, sentidos e significados, o trabalho de Educação Patrimo-
nial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conheci-
mento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-
-os para um melhor usufruto desses bens, e propiciando a geração e a
produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação
cultural (HORTA, 1999, p.04).
É através do conhecimento crítico por parte das comunidades e indivíduos do seu Patri-
mônio que se dá o processo de preservação desses bens, bem como no fortalecimento dos sen-
timentos de pertencimento. O Patrimônio é algo herdado dos pais e antepassados. Essa herança
só passa a ser nossa, para ser usufruída, se nos aproximarmos dela, se a conhecermos e reconhe-
cermos como algo que nos foi legado, e que deveremos deixar como herança para nossos filhos,
para as gerações que nos sucederão no tempo e na história (HORTA, 2005).
A Educação em suas formas de mediação, possibilita a interpretação dos bens culturais,
tornando-se um instrumento importante de promoção e vivência da cidadania. Consequente-

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mente, gera a responsabilidade na busca, na valorização e preservação do Patrimônio, contri-


buindo para a formação de:
Um sujeito ativo na cena política, reivindicante ou provocador da mu-
tação, da transformação social (...). O direito de produzir, bem como o
direito de acesso aos bens culturais, o direito de participar, interferindo
no processo de decisões que envolvam a política cultural do país e, por
último, o direito à memória histórica (FERNANDES apud AMORIM,
2004, p.78).
Ou nas palavras de Freire:
Herdando a experiência adquirida, criando e recriando, integrando-se as
condições de seu contexto, respondendo a seus desafios, objetivando-se
a si próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domí-
nio que lhe é exclusivo – o da História e o da Cultura (FREIRE, 1984,
p.36).
Os problemas pertinentes ao patrimônio cultural requerem do conjunto da sociedade um
conhecimento mínimo sobre si mesmo, uma vez que muitos elementos deste fazem parte do
nosso quotidiano – como decisões sobre o uso de edifícios históricos, fortalecimento das ma-
nifestações da cultura popular, gestões urbanas que alteram o traçado de uma rua, entre outros
– e requerem desta mais que opiniões técnicas. Tudo aquilo que envolve o patrimônio cultural
supõe um processo de seleção pautada em critérios éticos e políticos. Sem uma “alfabetização
cultural”, dificilmente a comunidade pode processar todas as informações necessárias para par-
ticipar da tomada de decisões. (TEIXEIRA, 2015).
Consequentemente estará propício para a criação de uma ética, de ações, trazendo o
desejo de não reproduzir o status quo, mas de ação concreta de melhoria das condições sociais
globais, do desenvolvimento da comunidade na qual se insere e da requalificação do Patrimônio
coletivo acumulado ao longo das gerações, verdadeira riqueza de um povo, herança real que
deixamos para os nossos filhos.
Deste modo, o trabalho educativo deve promover a elucidação, nas comunidades, quanto
à natureza e ao valor dos seus bens culturais, naturais e dos saberes e modos de fazer, a fim de
que se possa conhecê-los a promover a construção da memória da população, possibilitando a
(re) construção da identidade (AMORIM, 2004).
Como reflete Funari:
Para o povo, há, um sentimento de alienação, como se sua própria cul-
tura não fosse, de modo algum, relevante ou digna de atenção. (...) É
comum que os grupos dominantes usem seu poder para promover seu
próprio patrimônio, minimizando ou mesmo negando a importância dos
grupos subordinados, ao forjar uma identidade nacional à sua própria
imagem, mas o grau de separação entre os setores superiores e inferiores

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da sociedade não é, em geral, tão marcado quanto no Brasil (FUNARI,


2004 apud AMORIM, 2004, p.79).
As escolas podem e devem participar deste processo de apropriação, através de visitas a
museus, arquivos e bibliotecas públicas. Faz-se necessária a estimulação dos alunos pela expe-
riência direta com o objeto de estudo. Para tanto, os professores podem, também, por exemplo,
utilizarem objetos culturais na sala de aula ou nos próprios locais onde são encontrados, como
peças chave no desenvolvimento dos currículos e não simplesmente como mera ilustração das au-
las. Observe a sugestão de metodologia pelo Guia Básico de Educação Patrimonial (ibid, p. 11):
São quatro etapas: Observação, Registro, Exploração e Apropriação.
1. Observação: recomenda-se o uso de atividades que estimulem a percepção visual/
sensorial por meio de perguntas, experimentação, jogos, etc. Os objetivos nesta fase
são: identificação do objeto, da sua função e seu significado e o desenvolvimento da
percepção visual e simbólica;
2. Registro: o uso de desenhos, descrição verbal ou escrita, gráficos, fotografias, ma-
quetes, mapas e plantas baixas, favorecem a fixação do conhecimento percebido,
aprofundado da observação e análise crítica, além de desenvolver a memória, o pen-
samento lógico, intuitivo e operacional;
3. Exploração: nesta etapa parte-se para a análise do problema, levantamento de hipó-
teses, discussão, questionamento, avaliação, pesquisa em outras fontes como biblio-
tecas, arquivos, cartórios, etc. desenvolve-se as capacidades de análise e julgamento
crítico, interpretação das evidências e significados;
4. Apropriação: o educando já será capaz de recriar, reler, dramatizar, interpretar em
diferentes meios de expressão como pintura, escultura, drama, poesia, etc. Esta fase
propicia o desenvolvimento da capacidade de auto-expressão, apropriação, partici-
pação criativa, valorização do bem cultural.
Através destas etapas o trabalho com a Educação Patrimonial torna-se mais fácil e atra-
tivo, pois envolve o trabalho interdisciplinar e participativo entre alunos e professores, além de
desenvolver habilidades que ultrapassam o âmbito da sala de aula.
Além disso, a educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos mo-
vimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações cultura (BRASIL, 1996).

3. EXPERIÊNCIA COM INDICADORES E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM


CAMPOS DOS GOYTACAZES
Nos estudos em andamento em relação aos indicadores, são considerados os inúmeros
resultados e informações já produzidas sobre o setor cultural em nível nacional e estadual que

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foram disponibilizados nos últimos anos5, mostrando uma realidade cultural regional pouco
familiar se comparada com a realidade empírica que os membros da Officina se dispuseram a
pesquisar. A análise dos indicadores nacionais afirmou a necessidade de um indicador e de in-
formações que englobem de forma concreta a visão cultural da região.
A necessidade de uma leitura mais precisa da realidade cultural local, tem sua finalida-
de também na ligação de um indicador de cultura relacionado às políticas públicas desta área.
Sendo um instrumento quantitativo e qualitativo, é chave nas discussões das políticas públicas
culturais, também sendo utilizado como avaliador destas. Partimos também do entendimento de
que estas políticas devem ser criadas ou melhoradas com o objetivo de socializar a cultura e os
equipamentos culturais, ou seja, tornar a cultura democrática e acessível, pois esta é um direito
do cidadão, como já mencionado (CHAUÍ, 2006).
A construção dos indicadores e a análise dos dados obtidos no âmbito da cultura de-
vem ser vistos como um importante instrumento para os gestores e responsáveis pelas políticas
públicas culturais, de acordo com Lluís Bonét i Augustí. Um indicador cultural deve ser um
instrumento sintético que permita a formulação de novas políticas culturais ou a manutenção de
outras. Segundo este ainda, os indicadores devem ser influenciadores diretos do avance tecno-
lógico e da expressão multicultural da nossa sociedade, sendo instrumento do crescimento da
participação democrática dos cidadãos (BONET i AGUSTÍ, 2004).
Além da construção de um indicador e do estudo destes, as pesquisas foram também in-
tencionadas de modo a contribuir com os outros interesses da Officina de Estudos do Patrimônio
Cultural e principalmente na utilização dos indicadores culturais como base de dados prévia à
aplicação dos cursos de educação patrimonial ministrados como parte do projeto de extensão.
Os dados referentes à realidade cultural de Campos dos Goytacazes também pretendem
contribuir para uma maior reflexão sobre as práticas culturais locais e as políticas públicas mu-
nicipais voltadas para a promoção e difusão cultural. Neste sentido, os dados levantados nesta
pesquisa podem contribuir para estimular estudos semelhantes em municípios vizinhos, o que po-
deria gerar um conjunto de informações interessantes na região. Segundo Carvalho da Silva para
que exista qualidade de verdade nas estatísticas culturais brasileiras, é necessária a existência de
uma rede de indicadores que posso mobilizar diversos pesquisadores em diversas regiões, para
que dessa maneira seja garantido um sistema de informações de qualidade (CARVALHO, 2008).
Para uma melhor percepção da realidade cultural municipal foi sistematizado um questio-
nário, pois este instrumento permite uma tabulação objetiva e consequentemente resultados céle-
res. A princípio, foram utilizados como dados de referência questionários aplicados e tabulados

5
IBGE. Sistemas de Informações e Indicadores Culturais 2007-2010. 1ª ed. Rio de Janeiro, 2013. SILVA, Fred-
erico A. Barbosa e ARAUJO, Herton E. Coord: Indicador de Desenvolvimento da Economia da Cultura – Idecult.
Brasília: IPEA, 2010.

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pelos pesquisadores da Officina no ano de 2014. Nestes foram obtidos dados referentes aos equi-
pamentos culturais e o público que os frequenta, sendo possível também, entender as condições
sociais de acesso à cultura nos espaços analisados. Com base nestes dados foi iniciada a constru-
ção de um novo questionário referente ao ano de 2015. Em um primeiro momento o questionário
colhe informações socioeconômicas, com o objetivo de conhecer traços do entrevistado como sua
escolaridade, idade, cor e sua renda mensal.
Após estas informações, foram colhidos dados com intenção de entender a visão que o
entrevistado tem da cultura e de suas práticas culturais, incluindo perguntas que tem como alvo a
percepção de algumas questões patrimoniais e relacionados aos órgãos de cultura do município.
A proposta inicial para número de questionários aplicados era de 300, número que foi alcançado
principalmente devido à digitalização deste, ação que proporcionou maior alcance do público,
particularmente devido à divulgação nas redes sociais.
Como temos trabalhado com os indicadores de cultura, os dados reunidos a partir dos
questionários foram produzidos na forma de gráficos, pois dessa maneira podem ser facilmente
entendidos por aqueles que o acessarem e por possibilitarem um uso célere nos minicursos de
Educação Patrimonial ministrados pela equipe da Officina. Entre as pessoas que acessam estes
dados, estão incluídos os próprios pesquisadores, os responsáveis pelas políticas culturais e a
sociedade em geral. Os modelos dos gráficos utilizados na pesquisa podem ser vistos a seguir.

Gráfico 1: Frequência dos entrevistados no período de um ano ao Museu em Campos/Acervo Officina.

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O gráfico acima, produzido como parte dos dados para um entendimento dos indicadores
de cultura, apresenta a frequência em que os entrevistados em Campos visitam o museu em sua
cidade. Estas porcentagens nos mostram que 51% dos entrevistados nunca freqüentaram o Mu-
seu Histórico de Campos. Dados como estes revelam que embora exista um expressivo número
de equipamentos culturais na cidade isso não se reflete nos níveis de apropriação da cultura. O
grande índice de equipamentos culturais na cidade não se reflete nas práticas culturais nem no
desenvolvimento das políticas de cultura municipais.

Gráfico 2: Conhecimento do entrevistado acerca do Coppam/Fonte: Acervo Officina.

O gráfico acima apresenta o conhecimento dos entrevistados em relação ao Conselho


de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal/Coppam. Uma grande maioria não tem
conhecimento do órgão responsável pelas leis de preservação e tombamento do patrimônio em
Campos. Mesmo apresentando resultados de maioria negativa em relação ao conhecimento dos
órgãos no âmbito cultural, podemos perceber uma porcentagem maior do que esperada em-
piricamente de conhecedores deste mesmo órgão. Estes dados, além de servirem para os res-
ponsáveis pelas políticas públicas também seriam disponibilizados para o público em geral,
influenciando e impulsionando o debate acerca da área cultural pelos habitantes locais. Estas
discussões se mostram interessantes, pois a partir do momento em que surge um interesse pelas
questões culturais, um indivíduo consegue fazer uma leitura da dimensão cultural em que está

743
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inserido, tornando-o consciente do que Stuart Hall chama de sistema de representação cultural
sendo esse sistema, preceptor da construção de uma identidade cultural (HALL,1997).
Como já mencionado os dados construídos ao longo da pesquisa foram também utiliza-
dos na preparação dos minicursos de Educação Patrimonial ministrados pela Officina neste ano.
A partir dos dados obtidos, foram feitas análises sobre as principais carências de informações por
parte da população, para que assim, pudéssemos colocar foco nestas questões nos minicursos.
Como exemplo, os dados apontaram que a percepção de patrimônio material e imaterial por par-
te da população era bastante distorcida pois não havia uma percepção correta destes conceitos, o
que causava certa confusão. Estes dados nos fazem questionar a capacidade do cidadão campista
em intervir nos processos de seleção dos bens patrimoniais a serem preservados. Assim, durante
os dois minicursos ministrados, estas informações foram essenciais para a criação do material
didático e para as palestras. Os dados são apresentados para os participantes do curso através da
apresentação dos gráficos ilustrativos que bem representam a pesquisa, cumprindo deste modo
também um dos objetivos já citados, que é tornar os dados disponíveis ao público em geral.
Uma das abordagens que buscamos com estes indicadores é confrontar os dados obtidos
por meio dos questionários aplicados com os dados disponibilizados pelos órgãos culturais em
nível nacional. Esta abordagem pode ser explicada nos resultados dos índices nacionais. No
Idecult (SILVA e ARAUJO, 2010), a cidade de Campos dos Goytacazes apresenta um nível alto
no âmbito cultural, fato que não é observado nas pesquisas empíricas feitas pelos pesquisadores
locais da área cultural. Assim, buscamos compreender o nível de conhecimento do cidadão, a
partir da participação, em relação às instituições e órgãos que decidem sobre as questões cul-
turais no município. Os resultados vistos nos gráficos acima apontam para um nível baixo de
participação, afirmados no desconhecimento dos órgãos de cultura e na frequência mínima aos
equipamentos culturais municipais.
Neste sentido, fez-se necessário encontrar uma forma, um caminho e a partir disso, vi-
mos desenvolvermos um espaço de pesquisa, ensino e extensão que valorize a cultura e o patri-
mônio cultural regional, ao mesmo tempo em que buscamos uma educação mais cidadã, através
da Educação Patrimonial.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso dos indicadores de cultura no Brasil como base de dados quantitativos e qualitati-
vos, apresentam resultados céleres e confiáveis acerca das práticas e da visão de cultura por parte
da população em uma região, e podem ser utilizados nas atividades relacionadas à Educação
Patrimonial. O estudo destes indicadores pela Officina continua por fim, subsidiando e colabo-
rando com o curso sobre as práticas da Educação Patrimonial promovendo assim o conhecimento
relacionado à cultura e ao mesmo tempo instruindo sobre a importância dos indicadores culturais

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como ferramenta para o entendimento dos fenômenos culturais, fato que valoriza a cultura e o
patrimônio cultural regional, ao mesmo tempo que busca uma educação mais cidadã, através da
Educação Patrimonial. Estas pesquisas e ações afirmam o objetivo da Officina, de favorecer ao
desenvolvimento de um espaço de pesquisa, ensino e extensão que valorize a cultura e o patri-
mônio cultural regional, buscando à par a formação dos estudantes e pesquisadores, contribuir ao
exercício de uma educação mais cidadã, por meio da Educação Patrimonial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM, Rômulo Alves de. Educação Patrimonial e Patrimônio: As representações sociais do


Professor de História do ensino Fundamental, da 5ª serie, das redes municipais do Recife e do Cabo de
Santo Agostinho. 2004. 235 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife. 2004.
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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394/96, 20 de dezembro de
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SATORRE, Afons Martinelli (2011): “O uso dos indicadores em pesquisa no setor cultural: salto da
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TEIXEIRA, Coelho. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997.
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TEIXEIRA, Simonne MORAES, Allana et alli. A gente também: Educação Patrimonial e Cidadania.
Uberlândia, MG. Revista de Extensão/UFU, V. 5, 2005 – 2006.

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LA “CUESTIÓN NACIONAL” COMO PROBLEMÁTICA AUSENTE


EN LOS PROCESOS DE FORMACIÓN DE GESTORES CULTURALES
Federico Escribal1

RESUMEN: La emergencia de la gestión cultural como disciplina autónoma, que viene ope-
rándose progresivamente en nuestra región desde el último cuarto del siglo pasado ha generado
un vasto y complejo dispositivo de ámbitos de formación académica en la Argentina. A la luz
de los recientes procesos políticos de recuperación de la centralidad soberanía en el marco de
la integración regional, nos permitimos reflexionar acerca de la carencia sistémica de espacios
de reflexión y abordaje de la cuestión nacional en estas currículas, sobre la hipótesis de que se
están generando técnicos y no cuadros políticos: se enseña el cómo pero no sobre qué; fortale-
ciendo a partir de este déficit la carencia de agentes que puedan comprender el valor estratégico
y la complejidad de la discusión sobre los derechos culturales y la diversidad cultural en nuestro
subcontinente en el siglo XXI.

PALABRAS CLAVE: Soberanía cultural; políticas culturales; gestión cultural; formación.

La emancipación de la gestión cultural como campo autónomo en el fenómeno social de


la creación simbólica en su configuración moderna es –medida en tiempos históricos- una nove-
dad-. Si la comprendemos, junto a Jose Luis Mariscal Orozco “en el centro de los procesos de
creación, producción, formación y difusión” (2012: pag 23) tanto en su faceta operativa como en
la de soporte creativo para la creación artística, podemos identificar que progresivamente fue ga-
nando independencia en relación a la misma. Como otros ámbitos nacidos a la luz de la hiper-es-
pecialización posmoderna, es un campo que se va forjando a la luz de su propio desarrollo: en
la Argentina, este proceso de conformación disciplinar comienza a configurarse en la década de
1980 a partir de la difusión de ciertas miradas en torno a la animación sociocultural como las de
Ezequiel Ander Egg o Tony Puig Picart o la propuesta geoculturalmente superadora por parte
de Adolfo Colombres y su escuela de promoción cultural; pero es recién en la década de 1990

1
Estudiante avanzado de la Licenciatura en Gestión del Arte y la Cultura por la Universidad Nacional de Tres
de Febrero. Ex Director Nacional de promoción de los Derechos Culturales y Diversidad Cultural de la Nación
(2011/2015). Integrante del Centro de Estudios Iniciativa Sur. Docente de Procesos de Cambio Cultural y Legis-
lación Cultural en la Tecnicatura en Gestión y Administración de Políticas Culturales del Gobierno de la Ciudad de
Buenos Aires / fescribal@gmail.com

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cuando la disciplina comienza a delinearse más nítidamente y generar marcos institucionales in-
cipientes desde donde legitimar su intervención. Se conjugan la activa participación de agencias
de cooperación internacional -principalmente europeas- en la implementación de programas de
intercambio y formación cultural, que permitió que toda una generación de gestores se formase
a partir de las experiencias y recursos técnicos de los países centrales y la creación de diversas
carreras universitarias en gestión cultural que deben considerarse como un factor determinante
para la conformación disciplinar y que es donde el presente trabajo busca situar su diagnóstico.
Vamos a referirnos genéricamente como “gestión cultural” a la disciplina que engloba el
proceso de diseño e implementación de políticas culturales en sus diferentes ámbitos, dimensio-
nes y espacialidades, sin desconocer las tensiones de campo que la utilización de este concepto
han suscitado en teóricos suramericanos como el mismo Colombres (2008) o Jose Luis Casti-
ñeira de Dios (2006) por ser una categoría epistemológica eurocéntrica y poco comprensiva en
su aplicación de las particularidades histórico – identitarias de nuestra Patria Grande, ni dejar
de adherir a las mismas, simplemente para simplificar el abordaje de aquello que nos convoca
en este trabajo.
Otra de las dificultades intrínsecas del campo es que la gestión cultural plantea para
constituirse como disciplina autónoma dentro del campo cultural la múltiple dimensionalidad
que la disciplina propone, pudiendo su ejercicio discurrir entre la gestión del patrimonio tra-
dicional y las “bellas artes”, a la intervención en los conglomerados de la industria cultural o
creativa, pasando por el universo de las políticas socioculturales y su impacto a nivel comuni-
tario. Añade complejidad y dinamismo la dinámica del desarrollo del campo en la actualidad,
con vertiginosos avances de las TICS, la conquista de nuevos derechos basados en el respeto del
multiculturalismo, la mutación topológica de redes de comunicación, que demandan una cons-
tante actualización y debate de los paradigmas en los que la gestión cultural descansa.
Ahora bien, no debemos perder nunca de vista desde donde reflexionamos y en qué di-
rección: en ese sentido, compartimos que “la dimensión cultural constituye un eje fundamental
en la conformación de un bloque latinoamericano que se integre al mundo globalizado” (Ga-
rreton: 2008). Nuestra región concentra, conjugadas, biodiversidad y diversidad cultural en una
escala y complejidad únicas; y como sustento de su potencia un universo filosófico ontológico
invisibilizado y negado, por suerte cada vez menos. La posibilidad de aportar desde Suramérica
universos simbólicos y sistemas de valores superadores de la actual configuración de la moder-
nidad globalizada es tangible en la comprensión de la potencia del hilo conductor que une al
Buen Vivir postulado por la tradición quechua y aymara, que encuentra en el presidente boli-
viano Evo Morales su máximo divulgador desde su investidura, con la Tierra sin Mal guaraní,
la Comunidad Organizada como paradigma filosófico humanista del peronismo en Argentina y
tantas otras corrientes del pensamiento-acción americanas. Son, lo mismo pero no lo igual. El

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reconocimiento de esta potencia, la plena asunción del marco identitario que nos corresponde, y
la voluntad de desarrollarnos académicamente desde paradigmas epistemológicos geocultural-
mente referenciados son condiciones necesarias para poder proyectarnos en el siglo XXI en el
papel que la Humanidad nos demanda.
La primera década del siglo trajo de la mano de procesos de democratización popular en
una mayoría de los países de la región, una redefinición del rol del Estado, impulsando políticas
culturales y asumiendo en ese sentido el mandato de las históricas conferencias de la UNES-
CO desarrolladas entre la de Venecia en 1970 y sus correlatos continentales que acabaron con
Americult en Bogotá en 1978. Es en esta última justamente donde aparece la sugerencia de la
Conferencia para que los Estados Miembro asuman la responsabilidad de formar agentes, clasi-
ficándolos en las siguientes categorías: a) administradores culturales, b) animadores culturales,
c) conservadores del patrimonio cultural, y d) archivistas, museólogos, y bibliotecarios.
Es en estos primeros años del siglo que verificamos un crecimiento sustantivo en escala
de trabajos académicos que dan cuenta de la conformación disciplinar del campo, lo que hace
posible encontrar libros de gestión cultural en las librerías, y hasta editoriales especializada en
la temática. En el plano académico en la Argentina actualmente existen seis carreras de grado
vinculadas a la gestión cultural, cerca de una decena de cursos de posgrado y una gran cantidad
de cursos de pregrado. Lo que intentaremos develar en este trabajo es la presencia –o ausen-
cia- de enfoques ideológicos orientados a la generación de conciencia nacional como vectores
dinamizadores de la política cultural a ser generada por los actores en formación.
Volviendo a Colombres coincidimos en que
“(…) el personal no puede formarse como si fuera a trabajar luego con
vientos propicios, en el marco de una cultura reconocida, desarrollada y
que goza de plena salud, sin complejo alguno de inferioridad ni vestida
con el pobre ropaje de lo periférico. Hay cuestiones que deberá conocer
a fondo, como la compleja interacción entre cultura popular y cultura de
masas, entre cultura popular y cultura ilustrada, y entre cultura nacio-
nal y cultura universal, dialécticas casi borradas hoy por el proceso de
globalización neoliberal, el que pretende acabar así con la fundamental
dialéctica de lo propio y lo ajeno, que diferencia el campo de pertenen-
cia del campo de referencia. Deberá conocer también los mecanismos de
dominación, las formas históricas de penetración cultural, y sobre todo
las vías para alcanzar en lo simbólico una desasimilación del modelo
dominante y el pleno control de la cultura.” (2008: p. 4)
La teoría del control cultural esbozada por Bonfil Batalla (1982) ordena tipos ideales
en la dialéctica entre los Pueblos como sujeto en relación a su capacidad de decisión sobre los
elementos culturales. Ordena en un cuadro de doble entrada cuatro tipologías de producir, usar
y reproducir elementos culturales: en función de lo propio y lo ajeno, tanto en relación con el

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elemento en sí como en la potestad de definir su utilización (el poder cultural), nos habla de
culturas impuestas (donde tanto los elementos como la decisión de cómo se utilizan son ajenas
al Pueblo), enajenadas (donde sobre elementos propios las decisiones se toman fuera de la Co-
munidad y sobre intereses ajenos a la misma), apropiadas (donde el Pueblo decide como utilizar
elementos culturales “importados”) y –por último- autónomas. En estas, tanto los elementos
como la decisión de cómo producirlos, usarlos y reproducirlos son propios.
Curiosamente, en contextos sociohistóricos como los descriptos por Colombres, donde el
campo de pertenencia aparenta estar borrado por medio de una acción política y comunicacional
implacable e ininterrumpida, nuestras casas de Altos Estudios parecen darle una relevancia mar-
ginal –cuando se la dan- a la cuestión nacional como universo de problemática académica a la
hora de formar aquellos agentes responsables de diseñar e implementar políticas culturales en los
diversos niveles y orientaciones. La representación del quehacer del gestor pareciera estar desvin-
culada en la proyección práctica de lo referido a la necesidad de desarrollar conciencia nacional.
En el presente trabajo describiremos la relevancia que se le otorga a estas reflexiones
desde una perspectiva curricular: aún en la comprensión de que entre currícula explícita (el plan
de estudios) y la implícita (aquello que efectivamente se dicta en el aula) existe un universo de
matices dentro del cual cada cátedra y docente en conjunción con el estudiantado resignifican la
práctica pedagógica, nos resulta relevante identificar los posicionamientos superestructurales –y
sus carencias- a la hora de proyectar los cuadros técnico-dirigenciales de ámbitos estratégicos
como el de las políticas culturales en nuestro país.
Pasemos al análisis curricular en concreto: la primera carrera de grado del país en lo
respectivo a este tema es la Licenciatura en Gestión del Arte y la Cultura de la Universidad Na-
cional de Tres de Febrero. Creada formalmente en 1998, su primera cohorte comenzó a cursar en
el año 20002. En el plano curricular podemos constatar que sobre treinta y cinco materias, solo
en dos de ellas aparecen contenidos estrictamente ligados a la georeferenciación específica ar-
gentina: al igual que en los restantes espacios formativos que vamos a analizar, lo que se enseña
es el “como” gestionar, sobre un enorme desconocimiento del “qué” se gestiona.
Recién en el cuarto nivel de la rama de “Lenguajes artísticos” aparece el componente
“Artesanía y folclore”, materia que –más allá del enfoque de cátedra- innegablemente deberá
sobrevolar las particularidades culturales argentinas. Dicha materia se presenta en el quinto cua-
trimestre, el primero del tercer año de cursada, ya en una segunda mitad de la carrera. Incluso
es posible recibirse de Técnico en Gestión del Arte y la Cultura sin cursarla. El otro espacio
curricular que aporta a un conocimiento de lo propio es “Historia de la Cultura III” donde en un
cuatrimestre se sobrevuela por todo lo que aconteció en Suramérica en el plano de lo cultural,
con particular detalle en la Argentina, si es que esto fuese posible en tan escaso tiempo.
2
Personalmente, inicié mi vida universitaria en su seno, en 2001.

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La Universidad Nacional de Mar del Plata ofrece otra de las formaciones de mayor data-
ción, que recientemente (en 2014) alcanzó el grado después de una década ofreciendo una Tec-
nicatura en Gestión Cultural. Si bien se destaca la vocación de vincularse con su territorio –no
solo en perspectiva local sino complementariamente ubicándose como el ámbito de formación
de gestores culturales para el ámbito provincial bonaerense- no existen referencias puntuales a
la construcción de soberanía cultural en el sentido que planteamos inicialmente. Sobre quince
materias del plan de estudios original, se repite la inexistencia de expresiones que remitan al
lugar específico desde el cual se produce el fenómeno educativo. La “Historia cultural del siglo
XX” se visita en tan solo un cuatrimestre, y no hay indicios curriculares de que se profundice
desde una perspectiva suramericana o argentina.
La Universidad Provincial del Sudeste trabaja una Tecnicatura Universitaria en Gestión
Cultural y Emprendimientos Culturales con una currícula de tres años y veintidós materias.
Entre ellas, dos materias dedicadas a “Historia cultural” y otras dos a “Geografía cultural”, que
han de orientarse a un conocimiento sobre lo propio. Complementariamente, la inclusión pro-
gramática de un espacio de revisión de “Experiencias de gestión” vincula al estudiantado con
el territorio, pero sigue sin garantizar que puedan conceptualizarse las dificultades derivadas de
los procesos de colonización pedagógica y penetración simbólica que lo afectan en términos
superestructurales.
Debemos destacar que se observa una aproximación progresiva a la cuestión en las ca-
rreras de reciente formulación, lo que puede tomarse como un indicio de desarrollo de campo
profesional. Los siguientes ejemplos se inscriben, en nuestra opinión, sobre esta línea:
En el caso de la Licenciatura en Gestión Cultural de la Universidad Nacional de Avella-
neda, creada en 2010, ya se visualiza un posicionamiento que asume desde donde se produce el
hecho educativo y hacia donde se forman los profesionales encargados de dinamizar el campo
cultural. En los objetivos de la carrera se expresa:
“El objetivo de la carrera es formar profesionales capaces de concebir,
diseñar, implementar, gestionar y ejecutar políticas culturales, proyectos
de investigación de las distintas manifestaciones artísticas y de los espa-
cios socioculturales; producir y desarrollar empresas de bienes y servi-
cios culturales; brindar servicios de asesoramiento cultural y de protec-
ción del patrimonio material e inmaterial alertando sobre el deterioro y
el ultraje del patrimonio cultural urbano y rural; promover las diferen-
tes tradiciones culturales e identidades étnicas y locales, asumiendo un
compromiso ético ante la sociedad.”
Asimismo, en el plan de estudios postula como uno de los diez puntos nodales del perfil
profesional que se busca formar que los estudiantes logren generar diagnósticos socioculturales
“con especial énfasis en la región y Latinoamérica”. Si bien no hay espacios curriculares defi-

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nidos en su abordaje sobre la cuestión nacional, es de destacar el ámbito interdisciplinario de


“Trabajo Social Comunitario”, que a lo largo de cuatro niveles integra a los estudiantes de las
diferentes carreras de la Universidad (Ciencias Ambientales, Turismo, Enfermería, entre otras) y
los vincula dinámicamente con organizaciones de base de la región donde la misma está inserta,
promoviendo una dialéctica entre academia y territorio que retroalimenta el proceso formativo
en una dinámica freireana.
A partir de 2009, en la Universidad Nacional de General Sarmiento, también situada
en el conurbano bonaerense, funciona la Licenciatura en Cultura y Lenguajes Artísticos. Esta
presenta una mayor carga curricular orientada a la reflexión académica desde una posición geo-
culturalmente referenciada3 y parece haber tenido una vocación de conformarse en ese sentido
desde su diseño programático inicial. Se destaca en su currícula asimismo la inclusión de la
materia “Culturas Populares, creencias e interculturalidad” que demuestra una vocación por
abordar la cuestión de la diversidad cultural, estratégica para nuestro bloque regional.
Por último, la Universidad Nacional del Nordeste, de gran historia y arraigo en la región
Litoral de la Argentina, con sedes en las ciudades capitales de Chaco y Corrientes (Resistencia y
Corrientes, unidas por un puente) lanzó hace escasos años la Licenciatura en gestión y desarrollo
cultural. Presenta una fuerte impronta de georreferenciación cultural: con materias específicas
desde el primer año de cursada como “Ambiente y territorio en Argentina y el NEA” o “Antro-
pología cultural”, o “Las culturas originarias en el NEA” e “Historia de las artes en Argentina
y el NEA” en el segundo. Sobre esta línea, al menos ocho materias sobre treinta y siete totales
tienen –desde su enunciación curricular- planteos vinculados al desarrollo de la gestión de po-
líticas culturales vinculadas al territorio desde el cual se forma a los agentes, y con una mirada
integradora de lo local, lo regional y lo nacional. Otro aspecto destacable de su plan de estudios
es que asigna una particular relevancia a la gestión cultural en el marco del Estado, siendo éste
el ámbito primario para el diseño e implementación de políticas culturales con la soberanía
como horizonte, en tanto no se encuentra motorizado por el afán de lucro como el campo de lo
privado, ni amenazado por su sustentabilidad financiera como suele ser el caso del tercer sector.

CONCLUSIONES
Como consignamos previamente, el enfoque que prima en el diseño curricular de las
carreras de grado sobre gestión cultural en Argentina es una mirada de la técnica por sobre el co-
nocimiento profundo y distintivo de la diversidad cultural constitutiva de la identidad nacional.

3
Son un total de diez materias sobre treinta y cinco: Historia Latinoamericana Contemporánea, Historia Argentina
Contemporánea, Problemas del Arte Argentino y Latinoamericano I, Historia Latinoamericana Contemporánea,
Problemas del Arte Argentino y Latinoamericano II, Problemas del Arte Argentino y Latinoamericano I, Problemas
del Arte Argentino y Latinoamericano I, Arte Argentino y Latinoamericano II, Problemas Culturales Latinoameri-
canos, Culturas Populares, Creencias e Interculturalidad.

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En la Argentina, los gestores culturales pueden alcanzar un grado de legitimidad acadé-


mica en el país desconociendo: la matriz identitaria conformada por la convergencia de la matriz
indígena junto al mestizaje criollo enriquecido por los aportes inmigratorios y el componente
afroamericano, la complejidad de cada uno de estos mundos en particular, las características
geoculturales de cada una de nuestras regiones y sus expresiones de la cultura popular –en una
Nación lo suficientemente vasta-, los grandes hacedores de la cultura popular nacional, las nue-
vas tendencias y movimientos artístico-culturales. Notamos que una mayoría de los estudiantes
egresan desconociendo la existencia de Atahualpa Yupanqui o que Horacio Salgán está vivo, por
nombrar solo dos de los grandes referentes de la música argentina del siglo XX.
Como corolario –nobleza obliga- hemos descripto que paulatina y progresivamente cada
vez más cátedras comienzan a percibir la necesidad de, cuando no romper con los paradigmas
epistemológicos eurocéntricos, al menos complementarlos con autores y miradas geocultural-
mente centradas en nuestro bloque regional. Sobre esa máxima de Rodolfo Kusch citada por
su colega Carlos Cullen de que “el pensamiento no se toca ni se ve, pero gravita, arraiga sobre
el suelo donde se lo produce”, ciertos esbozos de soberanía cultural comienzan a colarse en
los contenidos que ciertos docentes incorporan a sus clases, que bien podrían inscribirse en la
categoría de Estudios y otras prácticas intelectuales latinoamericanas en cultura y poder que
propone Daniel Mato (2003) para superar la mirada eurocéntrica de los Estudios Culturales
Latinoamericanos e incluir los procesos de producción y distribución simbólicos que emanan
de las experiencias sociales que se dan en nuestro continente y que suelen ser negadas por parte
de la academia.
Resta ver si este proceso logra consolidarse, profundizarse, y perforar las lógicas institu-
cionales-académicas para generar corrientes epistemológicas autónomas en el marco de las po-
líticas culturales, que permitan abordar sin condicionamientos los problemas particulares que se
dan en nuestras sociedades sin el pesado lastre de lo impuesto, con toda la potencia de lo propio.
En los albores de este siglo XXI la Humanidad parece estar demandando nuevos enfoques para
superar crisis humanitarias, ecológicas y económicas cuyas causas se encuentran en las lógicas
imperantes en los centros de poder y que difícilmente encuentren en ellos opciones superadoras.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

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en COLOMBRES, Adolfo (compilador) La cultura popular, México, La Red de Jonás Premiá Editora,
1982
CASTIÑEIRA DE DIOS, Jose Luis. Crítica de la gestión cultural pura en Revista Aportes para el Estado
y la Administración Gubernamental, Buenos Aires, Año 12 Nº 23, 2006, pp 79-92

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COLOMBRES, Adolfo. Jugar en el bosque ¿militancia cultural o gestión profesional? Ponencia


presentada en el Congreso Provincial de Cultura de la Provincia de Buenos Aires (Argentina), 2008
GARRETON, Manuel. El espacio cultural latinoamericano revisitado en RUBIM, Linda Rubim y
MIRANDA, Nadja “Transversalidades da cultura” Salvador, EDUFBA Coleçao Cultura, 2008.
MARISCAL OROZCO, Jose Luis. Profesionalización de gestores culturales en Latinoamérica: Estado,
universidades y asociaciones, México, Universidad de Guadalajara, 2012
MATO, Daniel. Prácticas intelectuales latinoamericanas en cultura y poder. Sobre la entrada en
escena de la idea de “Estudios Culturales Latinoamericanos” en un campo de prácticas más amplio,
transdisciplinario, crítico y contextualmente referido en Revista Iberoamericana, Vol. LXIX, Núm. 203,
Abril-Junio 2003, Universidad Central de Venezuela, pp 389-400

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O ARTIGO 231 E A VALIDADE DO REGISTRO DO PATRIMÔNIO CULTURAL


Felipe Teixeira Bueno Caixeta1

RESUMO: Jurado de morte pelos parlamentares ligados aos setores do agronegócio, mineração
e energia, o Artigo 231 da Constituição Federal, ao evocar uma noção de terras tradicionalmente
ocupadas, pode promover uma ecologia da política do patrimônio cultural; apreciado à luz dos
conflitos ambientais, o Registro surge como instrumento capaz de frear e reverter os projetos
de desenvolvimento predatório, o que explicaria a pouca ênfase em sua aplicação pelo Estado
capturado pelo grande capital.

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio Cultural, Tradição, Conflito Ambiental, Democracia.

A Constituição de 1988 estabeleceu um emaranhado de leis extenso e denso como uma


floresta tropical, a legislação e o direito se impõem e sobrepõem em códigos, capítulos, artigos,
parágrafos e incisos que regulam praticamente todas as dimensões da vida do cidadão; em 1984
as massas nas ruas não conseguiram eleições diretas, mas os ativistas aportaram o desejo repri-
mido de Democracia e justiça social na Constituinte de 1988. Nos Artigos 215 e 216, fixaram a
responsabilidade do poder público, em colaboração com as comunidades, em promover e pro-
teger o patrimônio cultural por meio de “inventários, registros, vigilância, tombamento e desa-
propriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”; no parágrafo 5 do Artigo 216,
lê-se: “ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas
dos antigos quilombos”, o Artigo 68 é incontestável, “aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado pemitir-lhes os títulos respectivos” (Brasil, 1988). Uma segunda frente de trabalho asse-
gurou os direitos indígenas ao território habitado, por meio do Artigo 2312.
São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas
em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as

1
Jornalista e cineasta, mestrando do Programa Cultura e Territorialidades (PPCULT/UFF). f.caixeta@gmail.com
2
O Artigo 231 vem sendo atacado pela bancada ruralista no Congresso Nacional, por meio da PEC 215, cuja re-
dação foi aprovada em 27 de outubro de 2015 e consiste de uma grave ameaça aos povos indígenas, quilombolas
e ao meio ambiente. Por meio da emenda constitucional, caberá ao Parlamento identificar, reconhecer e fazer a
demarcação de terras tradicionalmente ocupadas, atribuição hoje do Executivo; como trata-se de emenda, não cabe
veto presidencial.

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imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao


seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segun-
do seus usos, costumes e tradições. (BRASIL, 1988)
A década seguinte à redemocratização, diferente do que possa imaginar o ingênuo leitor,
não temporalizou usufrutos das conquistas asseguradas na Constituição Cidadã; logo no ano
seguinte à promulgação da Carta, com a eleição de Fernando Collor (1989) e nos dois governos
Fernando Henrique Cardoso (1994 - 2002), avançou um macro programa neoliberal, que agiu
também nas micropolíticas, com efeitos profundos nos processos de subjetivação, com a difu-
são de uma proposta ideológica generalizante e massiva de que só havia um caminho a seguir,
na direção de uma entrada subalterna do Brasil na globalização da economia e mundialização
da cultura; os anos 1990, também conhecidos por “A fernandécada” entre os ativistas sociais,
localizam uma memória clandestina e vibrante, que é a da resistência de populações tidas por
mais fracas como índios, quilombolas, agricultores sem terra e favelados, que saíram da invisi-
bilidade com a Constituição debaixo do braço, remando contra a maré, para mobilizar a defesa
de seus modos de vida ecologicamente mais equilibrados e plurais.
Os conflitos ambientais, que também podem ser compreendidos como conflitos culturais
e identitários, eclodiram na cena pública, evidenciando uma disputa da imaginação social, do
território e do modelo de desenvolvimento a ser implementado no Brasil em democratização.
De acordo com o estudioso dos conflitos desta natureza, o economista Henri Acselrad, difusor
da noção de justiça ambiental3,
Conflitos ambientais são aqueles envolvendo grupos sociais com mo-
dos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo
origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das for-
mas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por im-
pactos indesejáveis, transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos,
decorrentes do exercício das práticas de outros grupos (ACSELRAD,
2004, p. 25).
Escreve Alfredo Wagner, antropólogo estudioso dos conflitos ambientais e identitários
na Amazônia, autor de uma cartografia social junto aos povos da floresta.
Na década de 90 foram as chamadas “quebradeiras de coco babaçu” e
os “quilombolas” que se colocaram na cena política constituída, conso-
lidaram seus movimentos e articularam estratégias de defesa de seus ter-
ritórios, juntamente com outros povos e comunidades tradicionais, tais
como os “castanheiros” e os “ribeirinhos”. Além destes começaram a se
consolidar no último lustro, as denominadas “comunidades de fundos de

3
A Rede Brasileira de Justiça Ambiental, lançada no Rio de Janeiro em 2001, a partir do encontro e articulação
dos chamados atingidos e resistentes no território, reúne mais de 200 entidades e movimentos sociais, entre povos
tradicionais, centros de pesquisa universitários, terceiro setor e dispõe de um amplo banco de dados reunidos sobre
os casos de conflito ambiental, até então disponível pelo sitio www.justicaambiental.org.

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pasto” e dos “faxinais”. Estes movimentos, tomados em seu conjunto,


reivindicam o reconhecimento jurídico-formal de suas formas tradicio-
nais de ocupação e uso dos recursos naturais. (ALMEIDA, 2008, p. 19)
Como se vê, neste ponto, ao lado da noção de “tradição” no sentido etimológico de dizer
através do tempo, “significando práticas produtivas, rituais e simbólicas que são constantemente
reiteradas, transformadas e atualizadas, mantendo, para o grupo, um vínculo do presente com
o seu passado”, conforme normatizou o IPHAN em 2006 (2010, p. 49), noções de “tradição”
e “tradicional” aparecem na cena pública pela voz dos resistentes no território, atingidos por
conflitos ambientais, culturais e identitários do presente, são termos potentes que expressam
reivindicações de movimentos sociais de grupos atingidos por injustiças ambientais e o racismo
contra suas culturas, vistas como inferiores, menosprezadas como de coisa de negro, pobre, ín-
dio, favelado ou periférico. A posição “a tradição e a cultura estão acabando”, criticada, comba-
tida e menosprezada pelos estudiosos das linhas de Ulf Hannerz (1997, p 3-39), Eric Hobsbawn,
entre outros, tornou-se fulcral para grupos tidos por mais fracos frearem projetos do capitalismo
predatório que degradam o meio ambiente, rompem sociabilidades festivas e o patrimônio cul-
tural; ao enquadrar o olhar como que por um manual a ser seguido à risca, o olhar antropológico
sobre a cultura pode anular a resistência e produzir argumentos que favorecem os contendores
na intervenção no território.
O reconhecimento jurídico formal das práticas de uso comum, median-
te a ação dos movimentos sociais, permite registrar conquistas efetivas,
contrariando simultaneamente tanto as interpretações deterministas de
que se estaria diante de uma “crise do tradicional” mediante o cresci-
mento demográfico, quanto as interpretações evolucionistas que reiteram
uma “crise dos comuns” indicativa de seu trágico declínio ou de uma
“tendência inexorável ao desaparecimento. (ALMEIDA, 2008, p. 20)
Ainda que não percebessem, ao reivindicarem o reconhecimento jurídico-formal de suas
formas tradicionais de ocupação das terras e uso dos recursos naturais, por meio do Artigo 231,
quilombolas, indígenas e quebradeiras de coco elaboraram uma ecologia para o patrimônio cul-
tural, evidenciando estar na cultura o instrumento para coibir propostas degradantes do meio
ambiente e da diversidade, pelo avanço do agronegócio, da mineração, instalação e operação de
empreendimentos poluentes, bem como para criar condições sociais para a reversão das injus-
tiças ambientais que afetam mestres e comunidades de saberes tradicionais, deslocados para os
bairros pobres e insalubres das cidades.

OS LIMITES DA POLÍTICA PATRIMONIAL


Em uma sociedade extremamente desigual, na qual alguns setores detém a capacidade
de concentrar para si as decisões políticas, a informação, as riquezas, o acesso à água, à mora-

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dia e ao saneamento, os melhores alimentos, empregos, sistemas de educação, saúde e meios


de transporte, enquanto podem localizar sobre as maiorias mais negras e pobres, indígenas e
quilombolas, pescadores artesanais, agricultores de subsistência e extrativistas, a carga maior
da poluição como os esgotos, os lixões e a contaminação industrial, privando-os da água po-
tável, do alimento, da saúde e da educação escolar, degradando seus ambientes e segregando
suas culturas, forçando-os a residir nos trechos comercialmente desinteressantes nas margens
inundáveis de rios, encostas e a se empregar nas tarefas mais insalubres e mal remuneradas,
em suma, em uma sociedade marcada pelo racismo e as injustiças ambientais, conforme veio
a ser designada pelos movimentos sociais esta estratégia de violação de direitos e imposição
desproporcional de riscos sobre populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e
informacionais (ACSELRAD, 2003, p. 63), como o Registro do patrimônio imaterial poderá vir
a ter efetividade? Como acreditar que ele poderá angariar o respeito de grupos e instituições nos
três poderes, frear a produção das iniquidades socioculturais e ambientais que atrapalham ou
impedem os modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, colocando em
risco o acervo cultural popular?
Com frequência, o tombamento de espaços, lugares e a patrimonialização de formas de
sociabilidades festivas, com a justificativa do enobrecimento4 das áreas ou da preservação das
culturas, podem acontecer motivados por preocupações turísticas, financistas e comerciais, que
pouco levam em conta as pessoas que residem no território e continuam os saberes tradicionais.
O pesquisador Tito Bartolomeu escreve que a partir do Governo Médice, 1973, com o Programa
Nacional de Reconstrução das Cidades Históricas, por exemplo, houve incentivos ao turismo, ao
comércio de artesanato e a espetáculos folclóricos, que Salvador, Olinda, Recife, São Cristovão
(Se) e São Luís (Ma) iniciaram políticas de tombamento que atravessaram os anos 1980; ao lado
de neutralizar lideranças culturais das classes mais populares e conseguir uma censura prévia
de conteúdos, para Frei Tito, a bem intencionada política de Aloisio Magalhães, apropriada e
desvirtuada pela ditadura civil-militar, produziu a gentrificação dos centros urbanos históricos,
com remoção, segregação e exclusão dos moradores das áreas tradicionalmente ocupadas, bem
como logrou a expropriação das culturas, com a difusão de uma certa representação de cultura
popular para-folclórica, para tentar referenciar uma imagem do governo com a de um regime
nacionalista e ao lado do povo, o que de fato não era o que ocorria.
Os danos provocados pela política cultural autoritária e incipiente perduram nas práticas
sociais e no imaginário, muitos cidadãos defendem que “no tempo dos militares a atenção para
a Cultura era maior”, conforme problematizou o mestre Raimundo Aniceto, líder da Banda
Cabaçal Irmãos Aniceto e ilustre morador do município de Crato no Ceará. Mestre Raimundo

4
O pesquisador Bartolomeu Figueroa de Medeiros esclarece que o termo gentrificação é um neologismo da pala-
vra inglesa gentrification, que pode ser entendida como enobrecimento.

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conta que em 1976 a Banda Cabaçal Irmãos Aniceto foi levada por apoiadores locais da cultura
cratense ao encontro do presidente Ernesto Geisel em Brasília, na ocasião o coração duro do
ditador teria abrandado por alguns instantes, ao som e com a dança dos pifes e facões, então ele
teria mandado redigir uma carta para o prefeito de Crato, ordenando colocar os irmãos Aniceto,
agricultores sem terra, em trabalho com carteira assinada; o prefeito inseriu os irmãos Antônio
José e Raimundo Lourenço da Silva na folha da prefeitura, sem a carteira, em cargo comissiona-
do de salário mínimo que depende da boa vontade do político da hora para continuar a receber
o provento. Observa-se que a banda dos Anicetos colaborou para a sedimentação de uma ima-
gem de sua terra natal, o Crato, como uma Cidade da Cultura; remunerados para um número de
apresentações anuais, a cabaçal foi encaminhada para dois, três ou mais eventos semanais, sem
hora extra, recursos adicionais, previdência social ou outros direitos trabalhistas, em atividade
incessante a ponto de atrapalhar as roças de subsistência dos músicos agricultores.
Ao lado de não incluir os outros mestres, grupos e elementos do patrimônio cultural do
Crato na política cultural, o reconhecimento pelo poder público municipal não resultou em me-
lhoria significativa sequer nas condições de vida da família Aniceto, “a depender dos recursos
pagos a banda, esposa e filhos morriam de fome”5, disse Dona Raimunda da Silva, viúva de
mestre Antônio, o Pife Número 1 do Brasil, falecido em janeiro de 2015.
Em tempos democráticos, estará a política patrimonial mais aberta à participação dos prin-
cipais beneficiários, isto é, até que ponto ela está preparada para incluir, escutar e possibilitar que
os mestres da cultura, os continuadores dos saberes tradicionais e resistentes no território falem
por si mesmo e não por mediadores, decidam como melhor fazer para desenvolver os bens cultu-
rais, sem as intervenções verticalizadas por parte de especialistas, acadêmicos, políticos, gestores,
produtores e empresários, sem o risco de serem cortados da folha por expressarem ou assumirem
uma posição de autonomia, sem que ao final do processo de patrimonialização, se descubram
excluídos de suas terras tradicionalmente ocupadas ou expropriados da sua cultura enobrecida?
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, de 1997 a 2000, ao lado do tomba-
mento do patrimônio de cimento e cal, os prédios históricos, iniciou-se a política nacional do
patrimônio imaterial (PNPI) para abranger saberes, festejos, pessoas, formas de sociabilidades;
o Decreto 3551/2000, que instituiu o “Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que
constituem patrimônio cultural brasileiro” e determinou a organização do Inventário Nacional
de Referências Culturais (INRC), estabeleceu que após a devida documentação, aprovado o
Registro pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, as informação reunidas sobre o bem
deveriam constar em um ou mais dos quatro livros tombos: Saberes; Celebrações; Formas de
Expressão; Lugares.

5
Raimunda Lourenço da Silva, em depoimento ao autor em 20 de janeiro de 2015, na cidade de Crato no Ceará.

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Como se depreende da consulta aos princípios da política do patrimônio imaterial no


Brasil, o PNPI resultou de um diálogo internacional cujo marco inicial teria sido uma reivindi-
cação de um pequeno grupo de países liderados pela Bolívia à UNESCO em 1989; destes estu-
dos, derivou a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular. O objetivo
do Registro no Brasil não seria assegurar a integridade física do bem por meio de fiscalização,
conservação e restauração, “mas propiciar sua continuidade, com base na produção de conheci-
mento, documentação, reconhecimento, valorização, apoio e fomento” (IPHAN, 2010, p. 23);
o Registro opera associado à elaboração e execução de planos de salvaguarda de forma com-
partilhada com a comunidade proponente, para “definir e organizar ações para a melhoria das
condições socioambientais de produção, reprodução e transmissão dos bens registrados”; com o
Decreto 3551/2000, o Estado abriu a política pública, visto que “os planos visam a gestão autô-
noma da salvaguarda desses bens culturais por parte de seus detentores e produtores” (2003, p.
24); no entanto, como era de se esperar, a lógica neoliberal atravessou a formulação da política
e em franca contradição com o seu dever constitucional, o Estado se desresponsabilizou sobre a
continuidade do bem imaterial registrado: com a previsão de reavaliação a cada dez anos, cons-
tatado o fracasso das salvaguardas, “fica mantido o Registro no livro tombo, como referência
cultural de seu tempo”. (2003, p. 24)
Para o autor Bartolomeu Figueroa, durante o governo FHC, as expressões “intangível”
e “imaterial”, ainda que precariamente, ficaram relacionadas ao patrimônio indígena, culturas
quilombolas não foram vistas como um bem para o Estado preservar; o pesquisador menciona a
desatenção do presidente FHC com os povos de quilombo, para evidenciar o grau de percepção
do Estado e da sociedade com as culturas dos descendentes de escravos e quilombolas no Brasil
democratizado, ou seja, a dificuldade em incluir nas representações do que seja um patrimônio
cultural nacional a ser preservado, a parte desta herança continuada por esta populações. Em
2002, após oito anos de governo FHC e 15 anos do Artigo 68, o Brasil tinha mapeado 743 co-
munidades remanescentes de quilombo, 71 tituladas e nenhuma constava do INRC (2001).
Em meio ao caos social, provocado pela radicalidade da aplicação do modelo liberal, com
a flexibilização de leis e direitos em favor dos projetos do grande capital, algo mudou, com a
eleição do primeiro presidente de origem de classe popular no Brasil, Luís Inácio Lula da Silva,
em fins de 2002. No primeiro ano do Governo Lula (2003-2010), em 20 de novembro de 2003, o
primeiro presidente do PT assinou o Decreto 4887, para regulamentar o procedimento para iden-
tificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanes-
centes de quilombo, fortalecendo a Fundação Palmares para o reconhecimento para a titulação
pelo INCRA, sem contudo proceder o registro como patrimônio imaterial, atribuição do IPHAN.
Durante a gestão de Lula, a sociedade e o poder público compartilharam a confecção de
um plano para estruturar um Sistema Nacional de Cultura (SNC), onde ficou evidente a preo-

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cupação com o patrimônio cultural popular, os conflitos identitários, o racismo e a reprodução


das injustiças ambientais, a condição social dos mestres populares e a quebra na sequência
geracional da transmissão dos saberes. No ponto culminante, artistas, ativistas, pesquisadores
e gestores de munícipios de todos os estados participaram de três Conferências Nacionais de
Cultura em Brasília.
Imagina-se, neste sopro de prosperidade dos movimentos sociais e clamor republicano
pela Cultura durante o Governo Lula, que o IPHAN viesse a ter a sua posição fortalecida, em
vista da sua missão institucional; aconteceu que o orçamento do Ministério da Cultura, ao qual
o órgão está vinculado, ainda que tenha dobrado de 2009 a 2015, já na gestão da sucessora de
Lula, a primeira mulher presidenta, Dilma Rousseff, permaneceu em cerca de 900 milhões de
Reais por ano após os cortes de julho de 2015; o IPHAN, esforçando-se para avançar o PNPI,
com infraestrutura e corpo técnico reduzido, burocracias sistêmicas, metodologias centraliza-
das, sem recursos, emperrou; pressionado por empreendedores de mega-eventos, portos, uni-
dades fabris, barragens, monoculturas, em vez de atuar no licenciamento, estabelecer e cobrar
condicionantes duras, veio a retirar o tombamento de bens como o Estádio do Maracanã no Rio
de Janeiro e do Cais Estelita no Recife para viabilizar as obras; o IPHAN, que precisava ganhar
asas para responder ao imenso passivo de demandas do patrimônio material e imaterial, impedir
mais danos pela política do crescimento econômico a qualquer custo, pode-se dizer não foi dado
nem o exercício pleno das pernas, porque talvez se o tivesse e com ele a autonomia para correr
ao lado da lei, seria inevitável a criação de incontornáveis obstáculos a projetos estratégicos para
a acumulação de mais capital pelos super-ricos. O Programa Nacional do Patrimônio Imaterial
chegou em 2015 enfraquecido, com 28 bens registrados, os acervos de informações resultantes
dos inventários não estão sistematizados, digitalizados e acessíveis ao público.
O autor Bartolomeu Figueroa defende que a titulação pelo INCRA confere a posse da
terra, enquanto o Registro transforma a continuidade das culturas quilombolas em uma res-
ponsabilidade do Estado; o antropólogo mostra que o Registro quando resultante de processos
horizontais, compartilhados e participativos, pode configurar uma tática de comunidades mais
frágeis e vulneráveis, no seu estudo de caso, os quilombolas, para agenciarem ou repelirem
imposições nefastas do poder, defenderem seus modos de vida, estabelecerem compromissos
para impedir a degradação das terras. À luz do Artigo 231 e do Registro, conclui que a patri-
monialização, conjugada com a posse da terra, amplia a noção esquizo do patrimônio dividido
em material e imaterial, transformando o Quilombo em um monumento nacional, inserindo nas
referências culturais do país, povos e culturas desprezados e silenciados, colaborando para a
superação do paradigma da política patrimonial brasileira associada à preservação de um patri-
mônio nacional branco, senhorial e católico.

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Michel de Certeau, ao pensar a arte da sobrevivência pelos mais fracos, diferencia es-
tratégia e tática: enquanto a estratégia é vertical, emana do poder, vem de cima para baixo, a
tática é definida na horizontalidade, avança da base da pirâmide de baixo para cima, ocorre cir-
cunstancialmente e de forma relacional. Para este francês que pesquisou no nordeste brasileiro a
língua falada pelos camponeses do sertão pernambucano, as táticas dos mais fracos não seriam
de confronto direto com o poder, nem eles assimilariam ou reproduziriam passiva e alienada-
mente tudo o que o poder lhes impõe: com astúcia, como um palhaço Mateus trampolino, eles
agenciam o que lhes é imposto, se apropriam dos signos e valores, os ressignificam e modificam
o uso de acordo com suas necessidades, ativando um jogo cuja principal característica é a re-
sistência cotidiana e silenciosa dos tidos por fracos, dominados ou subalternos. Certeau sugere
que a partir da ideologia dominante do catolicismo (estratégia do poder), o sertanejo devolveu a
religiosidade popular como tática de resistência cotidiana; em suas caminhadas pela cidade, ele
vê o sentido com qual os espaços são projetados e os usos que de fato as pessoas comuns fazem
dele, transformando-os continuamente em lugares com significados, modos de apropriação, vi-
vências e memórias coletivas diferentes daquelas pretendidas pelo poder.
“Essas performances operacionais dependem de saberes muito antigos.
Os gregos as designavam pela métis. Mas elas remontam a tempos mui-
to mais recuados, a imemoriais inteligências como as astúcias e simula-
ções de plantas e peixes”. (CERTEAU, 2012, p. 46)
Por métis entende-se a sabedoria. Se o Registro pode operar como a tática dos mais fra-
cos, pela qual eles se apropriam dos símbolos e do discurso dominante da patrimonialização,
para assim poderem continuar modos de vida com autonomia e maior justiça social coma pro-
teção do Estado, no entanto, uma vez que tal façanha talvez possa não ser conseguida, além do
risco do Registro, se obtido, poder vir acompanhado da imposição de novos problemas como a
gentrificação, as perguntas centrais deste artigo, em que medida o Registro acrescenta algo ou
colabora para fortalecer os grupos resistentes no território e a continuidade dos saberes tradicio-
nais, como em vez de inscrição inócua em livro tombo, que engessa modos de fazer e exclui os
mais pobres, conseguirá ser uma política viva e participativa para a transmissão dos saberes, a
promoção dos direitos e a conquista de uma vida desejável pelos atingidos pelas injustiças am-
bientais, permanecem sem resposta.
Em breves linhas, buscamos refletir sobre a importância do Artigo 231, jurado de morte
pelos deputados ruralistas, para uma urgente e necessária ecologia da política do patrimônio
cultural; conclui-se que o INRC e o Registro, como instrumentos para o reconhecimento jurídi-
co-formal das formas tradicionais de cultura, ao envolverem a elaboração de um plano de salva-
guarda com os atingidos para a proteção e continuidade do bem ameaçado, poderiam colaborar
para fortalecer a permanência dos povos étnicos, pescadores caiçaras, quilombolas e outros

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grupos populares em suas terras tradicionalmente ocupadas, para pensar, coordenar e obrigar
cumprir, uma ação interinstitucional vigorosa para uma qualidade de vida desejável em zonas
de sacrifício poluídas nas cidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Janeiro: Relume Dumará, 2004. 262 p.
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“castanhais do povo”, faxinais e fundos de pastos: terras tradicionalmente ocupadas. 2ª ed. Manaus:
Edição do PGSCA–UFAM, 2008.
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1990
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Cidadania. 1a ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. 315 p.
HOBSBAWN, Eric. “Introdução”. In: HOBSBAWN, Eric; REANGER, Terence (org). A invenção das
tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 9-23.
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de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial no Brasil (2003-2010). 1a ed. Brasília: Ministério da
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PELBART, Peter Pal. Vida Capital: Ensaios de Biopolítica.1a ed. - 2a reimpr. São Paulo: Iluminuras,
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POLLAK, Michael. “Memória e identidade social”. IN: Revista Estudos Históricos, 10, 1992/1.
Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/104.pdf.

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LEI MUNICIPAL MURILO MENDES:


O MODELO PRECURSOR DE INCENTIVO À CULTURA
DE JUIZ DE FORA – MG
Fernanda Amaral de Almeida1

RESUMO: A Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Juiz de Fora, Minas Gerais, denominada Lei
Murilo Mendes, representa o principal mecanismo de fomento à cultura do município, financiando
anualmente aproximadamente sessenta projetos artísticos e culturais. A Lei Murilo Mendes integra
um modelo de gestão pública da cultura que prioriza a produção artística local e possibilita que a
classe artística execute seus projetos por meio de repasse direto de recursos públicos.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura. Políticas Públicas. Lei de incentivo.

1. INTRODUÇÃO
A Lei Municipal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Murilo Mendes, destaca-se
como uma iniciativa pioneira na área político cultural. Criada em 1994, no município de Juiz de
Fora - Minas Gerais, foi a primeira lei de incentivo cultural, originada no interior do Brasil, no
modelo de fundo, ou seja, com repasse direto do recurso financeiro ao favorecido, o que possi-
bilita ao artista ou produtor executar seu trabalho sem a dependência da captação de recursos da
iniciativa privada
Desde 1995 quando foi lançado seu primeiro edital, até o ano de 2016, a Lei Murilo
Mendes realizou 18 edições, financiando a produção de 1000 projetos. Esse financiamento re-
sultou na produção de aproximadamente 230 títulos em CDs, cerca de 450 publicações, além de
curtas metragens, espetáculos teatrais e oficinas de capacitação artística.
Para entender a dinâmica e o desenvolvimento das políticas culturais em Juiz de Fora,
é necessário falar do seu órgão gestor de cultura municipal: a Fundação Cultural Alfredo Fer-
reira Lage – Funalfa. A Fundação, que teve sua criação em 1978, além de ser a gestora da Lei

1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Especialista em Gestão Pública pela Universi-
dade Federal de Juiz de Fora, Coordenadora da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Juiz de Fora, Servidora
da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage, Presidente do Conselho Municipal de Cultura de Juiz de Fora. Email:
leimurilomendesjf@gmail.com

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Murilo Mendes, administra a Biblioteca Municipal Murilo Mendes, o Centro Cultural Bernardo
Mascarenhas, o Museu Ferroviário, o Anfiteatro João Carriço, o Centro Cultural Dnar Rocha, e
o Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU). Espaços importantes de vivência da cultura no
perímetro urbano do município.
A Fundação publica livros, promove atividades destinadas a vários segmentos da socie-
dade, realiza eventos como o Festival Nacional de Teatro, Corredor Cultural, Corredor da Folia
e oportunidades anuais de apresentação de artistas locais e nacionais em Juiz de Fora.
A Funalfa também implantou e é a gestora do Conselho Municipal de Cultura e do Con-
selho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural tendo ainda como algumas de suas ati-
vidades a de promover periodicamente as Conferências de Cultura e Seminários de Patrimônio.
Diante do quadro exposto, percebemos a característica forte de valorização da cultura
pelo município, assim como percebemos que a Lei Murilo Mendes não é o único objeto de pre-
ocupação e de gerência da Fundação e não se trata da única forma de apoio e disseminação da
produção cultural da cidade, no entanto, a Lei Murilo Mendes é certamente o maior veículo de
financiamento da cultura local, tanto no que se refere ao montante e recursos financeiros inves-
tidos anualmente, quanto em termos quantitativos.

2. A POLÍTICA CULTURAL NO BRASIL


Chegar à implantação e aprimoramento de um mecanismo que priorize a valorização do
artista local e ao mesmo tempo, que tenha um olhar atento sobre seu impacto diante da comu-
nidade representa entender a cultura como objeto complexo que não pode ser limitado somente
à perspectiva artística, mas sim como a conjugação de vários indicadores sociais, econômicos e
políticos, segundo cada lugar e tempo em que se apresenta.
A UNESCO (1945), organismo das Nações Unidas destinado a questões de educação
cultura e ciências, define cultura como “um conjunto de características distintas espirituais,
materiais, intelectuais e afetivas que caracterizam uma sociedade ou um grupo social”. (http://
unesdoc.unesco.org/)
Entender a cultura como este mecanismo de poder, como uma conjugação do desenvol-
vimento social e econômico de um país é fundamental para determinar que a cultura seja um
dos projetos do Estado.
A influência do Estado sob a prática cultural em um país é, sem dúvida, bastante signi-
ficativa, sendo determinante para aqueles que vivem do “fazer cultural”. Da mesma forma, o
modo como cada governo administra suas políticas culturais irá determinar o destino dos recur-
sos para a prática e a fruição da cultura pela sociedade.

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A cultura deve ser entendida como um ponto de partida para todo projeto
de nação, para o desenvolvimento social, para as oportunidades econô-
micas, mercados potentes, empresas inovadoras e cidadãos conscientes.
(CHAUÍ, 2006, P. 21)
Fazendo um breve histórico das políticas culturais brasileiras, em âmbito nacional, des-
tacamos o período a partir das décadas de 1980 e 1990, quando, com o fim da censura, abriu-se
uma nova era para a cultura brasileira, beneficiando vários setores, especialmente o editorial.
Em 1985, foi criado o Ministério da Cultura, e em 1986, a primeira Lei de Incentivo à Cul-
tura: Lei Sarney. A partir de então se inaugura uma nova modalidade de Incentivo ao setor cultural.
Já na década de 1990, com a posse do Presidente Collor, há um desmonte das institui-
ções culturais: extingue-se o Ministério da Cultura, a lei Sarney, A Empresa brasileira de filmes
– Embrafilme, a Fundação Nacional das Artes - Funarte, Fundação do Cinema Brasileiro. Em
1991, houve-se a instituição da Lei Rouanet e a progressiva retomada do financiamento à cul-
tura. Em 1993, há a promulgação da Lei do Audiovisual, concedendo descontos de 100% para
empresas que realizem investimentos realizados na atividade audiovisual.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, o incentivo à cultura baseia-se, fundamen-
talmente, nos mecanismos de renúncia fiscal nas esferas nacional e municipal.
Na gestão da cultura, com a presidência de Luís Inácio Lula da Silva, houve um balanço
e crítica aos mecanismos de incentivo no que tange às propostas de mudanças na Lei Rouanet.
O Ministério da Cultura passou a atuar, a partir de 2003 na implantação do Sistema Na-
cional de Cultura e no processo de elaboração do Plano Nacional de Cultura.
Uma das principais marcas da gestão de Lula foi o processo de des-
centralização das políticas culturais. A partir da idéia de “cultura para
todos”, o Governo pretendia ampliar o acesso aos bens e serviços cul-
turais e apoiar ações voltadas para integração e inclusão de todos os
segmentos sociais, na valorização da diversidade e no diálogo com os
múltiplos contextos da sociedade brasileira, nesse sentido foram criados
o Programa Mais Cultura e o já citado Cultura Viva. Essa mudança tam-
bém se alinhava com um dos princípios importantes da gestão de Gil, a
federalização das políticas culturais. Nessa perspectiva é que se deu a
criação de um Sistema Nacional de Cultura, que consistiu no empenho
por parte do Ministério de implantar um sistema de gestão integrado
entre as políticas públicas federais, estaduais e municipais. (BEZERRA;
WAYNE, 2012 P.6)
Importante destacar as atividades direcionadas à implantação de políticas públicas de
cultura em todo Brasil, a partir desse período. Nos governos de Lula e Dilma, foram organizados
em várias capitais brasileiras Seminários Estaduais tendo como um dos seus objetivos, a implan-
tação do Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura.

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Dentro do Sistema Nacional de Cultura o critério de partilha e de transferência de re-


cursos da União para Estados e Municípios no se dará segundo Índice de Gestão Municipal em
Cultura (IGMC) combinado com outros indicadores culturais de modo a se construir um Índice
de Desenvolvimento das Políticas Culturais, que vai permitir classificar os municípios e estados
em graus de complexidade de suas respectivas políticas culturais, possibilitando o estabeleci-
mento dos critérios de partilha de recursos financeiros.
Juiz de Fora merece destaque nesse contexto, enquadrando-se entre os municípios bra-
sileiros com população acima de 500 mil habitantes que possuem mecanismos de fomento à
cultura, segundo dados do Ministério da Cultura, sendo o quarto maior município do estado de
Minas Gerais, o segundo do interior de Minas Gerais. (MINC, 2010). “Neste sentido, as leis mu-
nicipais, estaduais e federais de incentivo à cultura, sejam através de mecanismo de mecenato ou
fundo de recursos precisam ser conhecidas e utilizadas.” (BARROS, JUNIOR, 2011)
Como toda política pública, as políticas culturais necessitam prever, em seu planejamen-
to, as suas fontes e mecanismo de financiamento. No entanto, é a clareza quanto às prioridades e
as metas a serem alcançadas em curto, médio e longo prazo que possibilita a escolha de estraté-
gias diversificadas e adequadas para o financiamento de atividades artísticas e culturais.
Hoje a produção cultural brasileira deve suas atividades basicamente às leis de incenti-
vos fiscais federais, estaduais e municipais. O financiamento é um dos mais poderosos meca-
nismos para a consecução de uma política pública, já que é através deste que se pode intervir de
forma direta na solução de problemas ou no estímulo às atividades culturais.
O incentivo a realização de projetos culturais tem se mostrado um importante instrumen-
to de política pública, permitindo maior desenvolvimento e dinamização das atividades culturais
no município, garantindo o acesso da população a bens culturais de qualidade. Assim, a melhor
forma do poder público respaldar a cultura é através do aprimoramento das leis de incentivo e
da ampliação dos critérios democráticos de aplicação de recursos.

3. MECANISMOS DE INCENTIVO À CULTURA – O MODELO DE JUIZ DE FORA


De modo geral os recursos orçamentários destinados a área da cultura, quando existen-
tes, são sempre ínfimos comparados aos de outras áreas e às necessidades culturais dos muni-
cípios. A eficiente utilização dos recursos, através de patrocinadores e parceiros, é fundamental
para viabilização dos projetos planejados. Neste sentido, as leis municipais, estaduais e federais
de incentivo à cultura, sejam através de mecanismo de mecenato ou fundo de recursos precisam
ser conhecidas e utilizadas. E no caso específico da Lei Murilo Mendes, o valor repassado anu-
almente aos artistas cujos projetos são aprovados, tem girado em torno de R$1.000.000,00 (um
milhão de reais), o que certamente representa uma cifra relevante.

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As políticas culturais devem ser aplicadas seguindo as mesmas regras e procedimentos


adotados em relação às políticas públicas em geral, ou seja, devem seguir um planejamento e
respeitar as normas e limites orçamentários
As leis de incentivos fiscais representam hoje, no contexto da produção cultural brasi-
leira, a maior fonte de recursos disponível aos produtores e artistas do, sendo o maior estímulo
financeiro às atividades culturais do país. Este estímulo tem permitindo maior desenvolvimento
e dinamização das atividades culturais também nos municípios, garantindo o acesso da popula-
ção a bens culturais de qualidade. Assim, a melhor forma do poder público respaldar a cultura
é através do aprimoramento das leis de incentivo e da ampliação dos critérios democráticos de
aplicação de recursos.
A seleção pública de projetos, prática cada vez mais difundida e estimulada pelo Mi-
nistério da Cultura nos últimos 12 anos, é assinalada por instrumento de escolha de projetos
e iniciativas que promovam o desenvolvimento econômico, social e cultural da população, e
apresenta várias vantagens em relação a outras formas de estímulo à produção e ao acesso às
expectativas culturais.
O grande diferencial do incentivo à produção cultural por meio de seleção pública está
na formação de um canal de diálogo entre o poder Público e a sociedade civil, pelo qual se
toma conhecimento das iniciativas e ações culturais que existem, além de oferecer espaço para
novas idéias e propostas, estimulando assim a criatividade e a diversidade de ações e agentes
culturais contemplados.
Juiz de Fora, neste sentido, tem sido pioneira e vem procurando adequar os valores
patrocinados à realidade da produção cultural da cidade e prestigiar projetos inovadores que
tragam retorno para a cidade.
O mecanismo de incentivo à cultura de Juiz de Fora se viabiliza através da Lei Municipal
Murilo Mendes de Incentivo à Cultura, criada em 1994, por meio da Lei nº8525/94. Ao longo de
sua aplicação, a Lei Murilo Mendes apoiou e vem apoiando inúmeras manifestações nas mais
diversas áreas da cultura produzida na cidade de Juiz de Fora. Cada vez mais, a legislação de
incentivo às artes em Juiz de Fora vem sendo aprimorada, no sentido de corrigir imperfeições e
distorções avaliadas durante sua implantação e execução.
Do patrimônio ao cinema, da literatura à música, do teatro à dança, passando pelas artes
visuais e manifestações populares, as mais significativas vertentes da produção cultural de Juiz
de Fora têm se beneficiado com os recursos da Lei Murilo Mendes para ativar sua criatividade
e concretizar projetos culturais que serão direcionados também para o crescimento cultural da
cidade e seus cidadãos. Apesar dos recursos serem menores do que a demanda da produção ar-
tística da cidade, a aplicação de verbas públicas na área cultural ganhou, a partir da consolidação
da Lei Murilo Mendes, transparência e credibilidade.

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Em vinte e um anos de sua existência, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura Murilo


Mendes incentivou, apoiou e fez crescer a produção da cidade de Juiz de Fora em todas as áreas
artístico-culturais, do cinema ao vídeo, da literatura à música, do teatro à dança, passando pelas
artes plásticas, patrimônio e memória.
Para se ter uma ideia da evolução da Lei Municipal de Incentivo à Cultura Murilo Men-
des, nos últimos 21 anos de sua existência, em sua primeira edição em 1995, a mesma disponi-
bilizou o recurso de R$100.456,34, tendo 75 projetos inscritos e 37 aprovados, chegando a um
valor recorde no ano de 2014, quando disponibilizou uma verba de R$ 1.100.000,00 (um milhão
e cem mil reais), contemplando 65 projetos.
Como resultado desse incentivo, a comunidade artística contemplada através da Lei Mu-
rilo Mendes produz espetáculos de teatro, oficinas de capacitação em diferentes áreas artísticas,
livros, CDs e filmes de curta, média e longa metragem. Parte dessa produção, no mínimo 30%
desses produtos, são entregues à Funalfa após a conclusão dos projetos. Este material contempla
um acervo que hoje conta com mais de 5000 exemplares de livros, 2000 CDs e 500 DVDs e
realizar a distribuição dessa contrapartida representa uma maneira de retribuir à sociedade os
impostos pagos, que financiam a realização dos projetos culturais.
Por ser também um dever do Estado promover o acesso aos cidadãos a bens culturais, a
partir de 2011 um método inicial de distribuição proposto pelo atual Superintendente da Funalfa
foi implantado. Os produtos oriundos das contrapartidas – livros, CDS, DVDS, ingressos para
espetáculos, passaram a ser mais amplamente distribuídos para bibliotecas públicas, comunitá-
rias e particulares, para entidades educacionais e culturais, projetos sociais e para cidadãos que
procuram a Fundação.
Atualmente, a Fundação distribui, em média, 1500 exemplares de livros, 500 CDS e 100 DVDS
mensalmente, demonstrando o grande interesse já despertado na população pelo que é produzido em
sua cidade.

4. JUIZ DE FORA – CIDADE DE MURILO MENDES


Juiz de Fora tem sido pioneira quando se trata de política pública para a cultura e vem
procurando adequar os valores patrocinados à realidade da produção cultural da cidade e presti-
giar projetos inovadores que tragam retorno para a cidade.
O mecanismo de incentivo à cultura de Juiz de Fora se viabiliza através da Lei Municipal
Murilo Mendes de Incentivo à Cultura – Lei Murilo Mendes. Criada em 1994, quando se criou
também o FUMIC, Fundo Municipal de Incentivo à Cultura.
A existência deste fundo difere a Lei Murilo Mendes de outras leis similares que privile-
giam a renúncia fiscal como instrumento de captação de verbas junto ao empresariado. Já que,
neste caso, o proponente recebe de maneira direta o recurso para realizar o seu projeto.

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Disponibilizar, à classe artística e produtores locais, um recurso próprio, no modelo de


fundo, desde 1995, demonstra o vanguardismo da cidade de Juiz de Fora, afinal, só muito recen-
temente o Ministério da Cultura passou a indicar que os municípios criem seus próprios fundos.
Juiz de Fora, cidade cultural por vocação, berço de Murilo Mendes e Pedro Nava, de-
monstrou grande avanço ao se tornar a primeira cidade de médio porte, a criar uma lei de incen-
tivo cultural no Brasil. Certamente, trata-se de um modelo revolucionário, diferente da legisla-
ção até então existente em todo o país, que tinha como princípio a renúncia fiscal.
O modelo de repasse de recursos direto entre poder público e artista é de suma im-
portância, pois retira das mãos do empresariado a decisão sobre quem irá produzir cultura no
município, ou seja, são as políticas publicas que irão contemplar as propostas que forem mais
interessantes para aquela população.
Desde sua criação, a Lei Murilo Mendes foi um mecanismo de financiamento público
que evoluiu na medida em que se adaptou às demandas da classe artística, ao mesmo tempo em
que se consagrou como uma maneira eficaz de distribuição dos recursos municipais destinados
à cultura de maneira democrática, contribuindo para a valorização e fortalecimento da produção
artística local.
Consolidou-se como um instrumento de apoio efetivo a criações comprometidas com
a qualidade. Ao longo dos anos destinou recursos às mais variadas manifestações culturais, do
teatro à dança, da literatura à música, do cinema ao vídeo, passando pelas artes plásticas e outras
expressões da arte.
Ao instituir a Lei Murilo Mendes, criou-se também a COMIC – Comissão Municipal de
Cultura, composta por representantes do poder público e da classe artística, sendo essa comis-
são a responsável pela avaliação dos projetos. A comissão garante transparência ao processo,
pois é composta por 7 membros titulares e 7 suplentes, dos quais , 2 titulares e 2 suplentes
são eleitos pela classe artística. Ao mesmo tempo, a comissão atenta-se para a diversidade das
iniciativas contempladas ao ser formada por profissionais reconhecidos em diferentes áreas
artístico- culturais.
A definição sobre quais projetos serão contemplados passa por três etapas de avaliação:
primeiramente é feita a análise documental, quando uma comissão formada por servidores da
Funalfa lê cada projeto e verifica se foram apresentados todos os documentos exigidos pelo
edital. A segunda fase consiste em uma análise feita por pareceristas de cada área específica,
que atribuem notas de 0 a 100 a cada projeto e os projetos com nota acima de 80 seguem para a
ultima fase de avaliação.
A terceira e decisiva etapa de avaliação é a análise realizada pela Comic. A comissão, con-
forme dito anteriormente é composta por membros do poder público e da sociedade civil, sendo
que parte da comissão é formada por membros eleitos pela comunidade artística. Essa comissão ,

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assim como os pareceristas, também atribui uma nota a cada projeto. Ao final do processo é feita
uma média aritmética entre as duas notas e a nota final será a nota do projeto. A partir dessa nota
é feita uma classificação dos projetos em cada área e aqueles que obtêm as maiores médias são
contemplados, de acordo com o recurso disponibilizado pelo edital daquele ano.
A democratização da Lei Murilo Mendes tem sido ampliada a cada ano. Nas últimas
edições, a classe artística contribuiu também com sugestões, visando aperfeiçoar sua legislação,
através de reuniões abertas à população com os gestores da cultura na cidade. E a partir de 2010,
com o advento do Conselho Municipal de Cultura – Concult, este também passou a propor
medidas que buscam o aprimoramento da lei e anualmente avalia o edital, faz suas ressalvas ou
ratifica suas exigências.
Em quinze anos de sua existência, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura Murilo Men-
des incentivou, apoiou e fez crescer a produção da cidade de Juiz de Fora em todas as áreas
artístico-culturais, do cinema ao vídeo, da literatura à música, do teatro à dança, passando pelas
artes plásticas, patrimônio e memória.
A repercussão nacional e internacional, além das premiações que muitos projetos apoia-
dos pela Lei Murilo Mendes vêm obtendo são indicativos seguros de que a melhor forma do po-
der público respaldar a cultura é através do aprimoramento das leis de incentivo e da ampliação
dos critérios democráticos de aplicação de recursos.
Se a cidade já apresentava uma forte raiz nas artes, o advento do incentivo do poder Pú-
blico favoreceu a ascensão de muitos talentos. Assim, a Lei Murilo Mendes revela a vitalidade
da produção da cidade e a necessidade de fomentar as potencialidades criativas.
A cidade aos poucos vai tomando consciência da importância no investimento dos ar-
tistas e grupos culturais locais e do usufruto dos produtos culturais resultantes dos projetos
financiados colocados à disposição da comunidade. Através da Lei é que se tem visibilidade da
produção cultural da cidade.
A Lei Murilo Mendes é responsável ainda por movimentar a cadeia produtiva e econô-
mica do município, seja através das remunerações pagas às equipes de cada projeto, seguindo
cada qual sua planilha de despesas, seja através da prestação de serviços. Gráficas, estúdios,
produtoras de vídeo e ouras espécies de empresas apresentam um significativo aumento de sua
produção quando os projetos começam a ser executados.
Ter um meio efetivo de financiamento da produção cultural, em uma cidade de médio
porte como Juiz de Fora, dá a sua comunidade artística, a oportunidade de estar em pé de igual-
dade, em caráter qualitativo, a muitas produções realizadas nas grandes cidades.
O trabalho de um artista, mesmo que por alguns momentos denote solidão, é um proces-
so de troca permanente entre quem cria e o meio em que ocorre a criação, o que nos leva a ima-
ginar que a expressão artística direciona-se, quase sempre, à coletividade. E esse pensamento

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se coaduna à idéia de cultura como um bem inerente ao homem, como objeto meio e fim para o
alcance de uma sociedade mais tolerante, mais justa e feliz.
Partindo desse pressuposto, tomamos consciência do importante papel do Poder Público,
no incentivo e valorização das práticas culturais, sobretudo quando falamos das esferas muni-
cipais. Afinal, quem melhor poderá conhecer as potencialidades e demandas de uma cidade que
sua própria administração?
Quando o gestor público diz que está aprovisionando a população de direitos culturais,
deve-se ter atenção, pois, de certa maneira, falar isso é dizer ao indivíduo que ele é livre para
criar, produzir e usufruir o que quiser. E nesse sentido, podemos afirmar que cultura e cidadania
estão intrinsecamente ligadas, na medida em que a liberdade de criação é absolutamente depen-
dente da liberdade de expressão.
A gestão da cultura responsável e consciente deve primar por políticas e ações culturais
que tenham por objetivo criar condições para que os indivíduos façam a cultura que desejam
usufruir. Se gestão é escolha, deve-se estar atento e zelar pelas transformações vividas pela ci-
dade, seguindo o fluxo contínuo de mudanças dos processos artísticos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, José Márcio; JUNIOR, José Oliveira. Pensar e agir com a cultura: desafios da gestão
cultural. 1ª ed. Belo Horizonte: Observatório da Diversidade Cultural, 2011.
BEZERRA, Jocastra Holanda; WEYNE, Rachel Gadelha. Política cultural no Brasil contemporâneo:
desafios e percursos. IV Seminário Internacional de Políticas - Setor de Políticas Culturais. Rio de
Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2013.
BRASIL.JUIZ DE FORA Lei Nº 08525, de 27 de agosto de 1994. Cria o Programa Cultural Murilo
Mendes, institui o Fundo Municipal de Incentivo à cultura - FUMIC, e dá outras providências. Diário
Oficial do Município. Juiz de Fora, MG, 27 ago. 1994.
BRASIL.JUIZ DE FORA. Decreto Nº 3120, de 19 de setembro de 1978. Institui o Estatuto da Fundação
Cultural Alfredo Ferreira Lage – FUNALFA. Diário Oficial do Município. Juiz de Fora, MG, 19 set.
1978.
CHAUÍ, Marilena. Cidadania cultural: o direito à cultura. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006.
MINC. Ministério da Cultura. Sistema Nacional de Cultura. Disponível em: www.cultura.gov.br.
Acesso em: 23 de março de 2015.
MINC. Ministério da Cultura. Cultura em números: anuário de estatísticas culturais. 2ª edição.
Brasília: Ministério da Cultura, 2010.

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PONTOS DE CULTURA: POLÍTICAS PÚBLICAS E A PRODUÇÃO DE UMA


SUBJETIVIDADE MAIS AUTÔNOMA
Flávia Junqueira1

RESUMO: Partindo da ideia de que as políticas culturais limitam a noção de cultura, defendida
por Félix Guattari, pretendemos pensar de que forma um programa de política cultural brasileiro
– os Pontos de Cultura, por meio do Programa Cultura Viva – pode ser, a longo prazo, um passo
para uma cultura mais autônoma, capaz de subverter a produção de subjetividade capitalística.
Este trabalho não tem como objetivo defender ações de um governo específico, mas sim, lançar
luz nos possíveis caminhos de autonomia que as políticas públicas deveriam seguir.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura Viva, Pontos de Cultura, Autonomia, Subjetividade.

1. INTRODUÇÃO
Félix Guattari, no livro Cartografias do Desejo, organizado por ele e Suely Rolnik a
partir de sua visita ao Brasil no início da década de 80, afirma que o conceito de cultura é pro-
fundamente reacionário, à medida que é uma maneira de separar as atividades semióticas, ou
seja, de produção de sentido, em esferas pré-determinadas. Ao serem isoladas, essas atividades
semióticas são padronizadas, ou, nas palavras dele, “capitalizadas para o modo de semiotização
dominante” (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 15). Mais longe, ele chega a dizer que a cul-
tura autônoma não existe no nível da produção, da criação e nem do consumo real, apenas dos
mercados econômicos e do poder.
Para melhor entender a assertiva acima, lembramos os diversos sentidos de cultura que
Guattari destaca no livro. A primeira ideia de cultura foi no sentido de “cultivo do espírito”, caso
que ele chama de “cultura-valor” porque corresponde a um julgamento valorativo, determinan-
do quem tem ou não cultura. O segundo sentido seria de “cultura-alma coletiva”, ligada à ideia
de civilização. Esta ideia, ele explica, é um tanto ampla e ambígua, visto que foi empregada pelo
partido nazista, mas também por movimentos de emancipação, por exemplo. Por fim, a outra
importante utilização do termo cultura seria no sentido de “cultura-mercadoria”. Neste sentido,

1
Doutoranda em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), linha de pesquisa Tecno-
logias de Comunicação e Cultura. E-mail: flavinhajunqueira@gmail.com

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não há um julgamento de valor ou uma ideia de grupo ou povo, mas há a presença de bens, como
equipamentos culturais, de especialistas e todos que trabalham em tais equipamentos, além das
referências teóricas e ideológicas que a área abarca, contribuindo para a circulação da cultura
dentro de um sistema mercadológico (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 17).
A tese de Guattari é de que esses três sentidos de cultura permanecem presentes, com-
plementando-se um ao outro. A produção da subjetividade capitalística2 traz uma vocação uni-
versal da cultura, essencial para a construção coletiva de trabalho e controle social, mas que
também precisa tolerar as minorias, as margens (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 19). Para
ele, a principal característica dos modos de produção capitalísticos é que eles não funcionam
unicamente no registro dos valores de ordem do capital, de troca, mas também no controle da
subjetivação, o que o filósofo chama de “cultura da equivalência” ou “sistemas de equivalência
na esfera da cultura”. Dessa forma, o capital ocupa-se da sujeição econômica e a cultura, da
sujeição subjetiva.
A grande questão é que, uma cultura que pensa em mercado, precisa de margens conve-
nientes, ou seja, as margens são definidas pelo próprio sistema de produção capitalística. Nas
palavras do autor, “nas últimas décadas, essa produção capitalística se empenhou, ela própria,
em produzir suas margens, e de algum modo equipou novos territórios subjetivos” (GUATTARI
& ROLNIK, 1996, pág. 20).
A definição das margens sob o discurso da democracia está na essência da criação das
políticas públicas. Definir o que se entende por cultura permite aos governos controlar as cultu-
ras periféricas. E de uma maneira geral, na década de 80, contexto da fala de Guattari, os Minis-
térios da Cultura se consolidavam como órgãos independentes em alguns países como Portugal,
por exemplo, ou se abriam para uma cultura mais popular, como foi o caso da França.
Poder-se-ia dizer que, neste momento, Ministérios da Cultura estão co-
meçando a surgir por toda parte, desenvolvendo uma perspectiva mo-
dernista na qual se propõem a incrementar, de maneira aparentemente
democrática, uma produção de cultura que lhes permita estar nas socie-
dades industriais desenvolvidas. E também encorajar formas de cultura
particularizadas, a fim de que as pessoas se sintam de algum modo numa
espécie de território e não fiquem perdidas num mundo abstrato (GUAT-
TARI & ROLNIK, 1996, pág. 20).
Mas o que acontece de fato, para o autor, é a reprodução do conceito de cultura-valor,
em meio aos conceitos de cultura-alma e cultura-mercadoria, sob uma falsa ideia de democracia
que, na verdade, mantém os velhos sistemas de segregação. Este seria um discurso modernista

2
Guattari coloca o sufixo “ístico” na palavra “capitalista” para criar um termo capaz de englobar não apenas as
sociedades classificadas como capitalistas, mas também setores do capitalismo periférico (ou “Terceiro Mundo”),
assim como economias ditas socialistas, mas que funcionam sob “uma mesma cartografia do desejo no campo so-
cial, uma mesma economia libidinal-política” (GUATTARI & ROLNIK. 1996, pág. 15).

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assumido pelos Ministros da Cultura e especialistas que, embora pregue a difusão da cultura no
campo social, omite que essa difusão não se dá de forma justa e homogênea.
Aqui no Brasil a política cultural demonstrava seguir os passos europeus3. O Ministério
da Cultura ganhou sua independência do MEC em 1985, a partir de um projeto pensado por Tan-
credo Neves, mas colocado em prática pelo seu sucessor, José Sarney. Faremos aqui um pequeno
resumo das políticas culturais no país a fim de compreender um pouco melhor nosso contexto.

2. BREVE RESUMO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL
Como afirmado acima, o Ministério da Cultura aqui no país tornou-se independente na
década de 80, mas as políticas para a área começaram muito antes, ainda no governo de Getúlio
Vargas. Entre 1934 e 1945, o Ministro Gustavo Capanema, quando o órgão ainda era da Edu-
cação e Saúde (MES), com a ajuda de intelectuais como Mário de Andrade4, Manuel Bandeira,
Heitor Villa-Lobos, Carlos Drummond de Andrade, entre outros, iniciou um importante processo
de “construção institucional do campo da cultura” (CALABRE, 2015, pág. 5). De uma maneira
geral, foi um período em que Vargas voltou-se para a construção de instituições em setores onde
o Estado ainda não atuava. Nessa época foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
(SPHAN, que depois viraria o IPHAN), assim como o Instituto Nacional de Cinema Educativo
(INCE) e o Instituto Nacional do Livro (INL). Não podemos deixar de mencionar também que a
radiodifusão teve grande destaque no governo Vargas, tendo ganhado uma legislação específica
ainda em 1932.
Em 1953 o Ministério da Educação separa-se da Saúde e torna-se Ministério da Educa-
ção e Cultura (MEC). Embora a Cultura tenha ganhado mais espaço dentro da pasta, este não
foi um período relevante para o campo de fato, visto que o Estado não promoveu grandes ações,
além de muito ter investido na consolidação dos meios de comunicação de massa (CALABRE,
2015, pág. 7). Com o período da ditadura militar, a partir de 1964, em contraste com a repressão
e censura do regime, foi, assim como no governo Vargas, um momento de institucionalização
do campo da produção artístico-cultural, com a criação do Conselho Federal de Cultura, da Fun-
dação Nacional de Artes (Funarte), a Embrafilme, além da recuperação de instituições como a
Biblioteca Nacional e o Museu Nacional de Belas Artes, por exemplo.
Indo ao encontro do que Guattari destaca como um problema das políticas públicas – a
definição de margens e a consequente limitação do campo – podemos dizer que não foi uma
coincidência que as principais medidas de políticas culturais pensadas aqui no Brasil, e também

3
Segundo Lia Calabre, “um marco internacional na institucionalização do campo da cultura foi o da criação, em
1959, do Ministério de Assuntos Culturais da França, promovendo ações que se tornaram referência para diversos
países ocidentais” (CALABRE, 2013, pág.2).
4
Vale lembrar que Mario de Andrade esteve à frente do Departamento de Cultura de São Paulo de 1935 a 1938,
primeiro órgão especificamente criado para a cultura no país (CALABRE, 2015, pág. 6).

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em outros países da América Latina, foram nos períodos de maior controle ideológico por parte
do Estado, em governos autoritários e ditatoriais. Como nos mostra a historiadora Lia Calabre:
Vivemos, na América Latina, em uma conjuntura que guarda muito da
herança do processo histórico originado na década de 1930, momen-
to de fortalecimento e modernização dos Estados Nacionais, no qual
o campo da cultura, vinculado ao da educação, também foi objeto de
elaboração de políticas. Nas décadas de 1960 e 1970, podem ser identi-
ficadas novas iniciativas, por parte dos governos, em inserir a cultura no
campo das políticas públicas. Em muitos países da América Latina, esse
período correspondeu ao dos governos autoritários, às ditaduras milita-
res. A partir da década de 1980, de maneira gradativa e diferenciada, as
questões das políticas culturais foram sendo incorporadas aos progra-
mas de governo, dentro da perspectiva da construção de sociedades mais
democráticas e menos desiguais. No século XXI, a base do conceito de
política cultural foi deslocada para a da ação articulada entre o Estado
e a sociedade como um todo – nas suas frações organizadas ou não. Ou
seja, a premissa é a de que uma política cultural é, por essência, demo-
crática, logo, só pode ser construída de forma participativa (CALABRE,
2013, pág. 3).
Voltando à democracia, como afirmado anteriormente, Tancredo Neves tinha entre seus
planos dar à Cultura um Ministério próprio, plano que foi colocado em prática pelo seu sucessor
José Sarney em 1985. Foi neste período também que surgiu a primeira lei de incentivo fiscal, a
Lei nº 7.505, de 1986. A medida, que ficou conhecida como Lei Sarney, recebeu muitas críticas,
mas é inegável que ela funcionou como um protótipo para os modelos de financiamento públi-
co-privados tão comuns hoje. Mas a cultura ainda viria a sofrer seus piores dias. No governo
Collor, em 1990, o Ministério da Cultura foi extinto, substituído por uma secretaria e seus ór-
gãos foram redistribuídos. A Lei Sarney também foi extinta e em 1991 foi editada a Lei nº 8.313,
a Lei Rouanet, que também previa o uso de incentivo fiscal para a cultura e que está vigente
ainda hoje, tendo passado por algumas alterações (CALABRE, 2014, pág. 142).
O período dos governos Fernando Henrique Cardoso foi de valorização na Lei Rouanet,
atraindo investidores para a cultura e, consequentemente, deixando nas mãos da iniciativa pri-
vada parte significativa do apoio à produção artística e cultural do país. A partir de 2003, com o
governo Lula, tem-se a ideia de cultura como direito básico e importante pilar para o desenvolvi-
mento da democracia. Lula nomeou o cantor Gilberto Gil como Ministro da Cultura e foi a partir
daí que surgiu a proposta dos Pontos de Cultura, foco de nossa observação.

2.1. Pontos de cultura


Os primeiros passos dados pelo Ministro Gil foram em direção à sociedade, no intuito
de ouvir os diversos setores da cultura nas instâncias não só federais, mas também estaduais

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e municipais, por meio dos seminários “Cultura para todos”. Segundo Calabre, a grande con-
tribuição destes seminários “foi a de abrir canais de diálogos entre o MinC e os mais variados
atores sociais que atuam no campo da cultura” (CALABRE, 2014, pág. 144), criando uma rede
de interlocução entre os agentes envolvidos. A proposta de programa para a cultura na campanha
de Lula já demonstrava uma compreensão de cultura por uma perspectiva mais antropológica,
não limitada às belas artes e às letras (COSTA, 2011, pág. 26).
O grande mérito da gestão de Gil foi estar antenada à cultura digital e pensar na inserção
da população não apenas pelo acesso a ferramentas, mas aos modos de produção neste contexto,
como explica a pesquisadora Eliane Costa:
Tomando o computador e a internet como pontos de partida, e não como
linha de chegada, o Ministério da Cultura, na referida gestão, foi além
da concepção de inclusão digital como mero acesso ao computador, in-
corporando uma reflexão sobre os usos da tecnologia no campo cultural,
bem como a perspectiva da autonomia do usuário e do fortalecimento de
uma cultura de redes. Diante do quadro de desigualdade que marca, tan-
to a sociedade contemporânea, quanto o ciberespaço, o MinC introduziu
em suas políticas públicas, no período estudado, a questão dos direitos
culturais e da diversidade, procurando fortalecer as oportunidades de
acesso aos meios de produção de conteúdos culturais em mídia digi-
tal, habilitando, assim, a difusão desses arquivos pela internet (COSTA,
2011, pág. 16).
Entre as principais ações desse período está a criação do Programa Cultura Viva5, em
2004, no qual estão inseridos os Pontos de Cultura. O principal objetivo do programa é a am-
pliação do acesso da população aos meios de produção, circulação e fruição da cultura. Ainda
segundo Costa, ele como pilares conceituais a autonomia, o protagonismo e o empoderamento.
Nas palavras da autora:
A proposta dos Pontos de Cultura inverte a lógica de atuação do Estado:
em vez de levar ações culturais prontas para as comunidades, são estas
que definem as práticas que desejam fortalecer, com reconhecimento e
apoio do governo. Escolhidos mediante edital público dentre iniciati-
vas já desenvolvidas por organizações da sociedade civil há pelo menos
dois anos, em localidades com precária oferta de serviços públicos e
equipamentos culturais, nos grandes centros urbanos ou em pequenos
municípios, e envolvendo populações de baixa renda ou em situação
de vulnerabilidade social, os Pontos de Cultura selecionados tornam-se
responsáveis por articular e impulsionar ações em suas comunidades,
passando a receber recursos diretos do Fundo Nacional de Cultura – da
ordem de R$ 5 mil por mês, por três anos (COSTA, 2011, pág. 76).

5
Vale ressaltar que o Programa Cultura Viva virou Política Nacional de Cultura Viva (PNCV) em 2015, pela chan-
cela da presidente Dilma Rousseff.

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Como Costa destaca, o valor recebido pelos Pontos selecionados é relativamente baixo,
mas para grupos e coletivos que não tinham incentivo nenhum, faz uma grande diferença, além
da chancela do governo ser importante para que tais grupos tenham sua credibilidade e legitimi-
dade reconhecidas pela sociedade e os poderes públicos locais. E em 2015, completos dez anos
de sua criação, houve um importante avanço no programa: a possibilidade de autodeclaração
como Ponto de Cultura. Ou seja, por meio de um cadastro nacional, entidades, grupos ou co-
letivos podem se tornar um Ponto de Cultura sem depender de uma pré-avaliação do governo.
Interessa-nos aqui chamar a atenção para a base conceitual do Programa Cultura Viva,
visto que ele prega justamente o protagonismo e o empoderamento dos próprios agentes cultu-
rais, sendo este um importante passo em direção à construção de uma cultura mais autônoma,
que se liberte da ideia de “cultura-valor”. Isto nos leva de volta a Guattari e a ideia de construção
de subjetividade.

3. A CULTURA E OS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO


Guattari prefere falar em subjetivação, ou produção de subjetividade, ao invés de ideolo-
gia, e compara esta produção a uma natureza maquínica, industrial, ou seja, essencialmente fa-
bricada. As máquinas de produção de subjetividade variam de acordo com sua proporção. Podem
ser em menor escala, territorializadas, como numa etnia ou uma corporação profissional, ou em
escala internacional, como uma produção industrial do sistema capitalístico. Essa produção de
subjetividade seria a matéria-prima da evolução das forças produtivas, funcionando como uma
economia coletiva do desejo (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 25). A influência na subjeti-
vidade age no íntimo dos indivíduos, alterando sua maneira de perceber o mundo e se articular
como tecido urbano. Isso o permite afirmar que pensar numa revolução, numa mudança social
em nível macropolítico, pode dizer respeito também à produção da subjetividade, e isso deve ser
levado em conta pelos movimentos de emancipação (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 26).
A ideologia, para ele, fica na esfera da representação, quando a produção essencial do
que ele chama de Capitalismo Mundial Integrado (CMI) é de uma modelização dos comporta-
mentos, da sensibilidade, da memória, das relações sociais, sexuais e até mesmo dos fantasmas
imaginários. Para além da ideia freudiana de sujeito, o filósofo prefere falar de “agenciamento
coletivo de enunciação”, que não corresponde a um indivíduo ou a uma entidade social prede-
terminada (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 31). São estes agenciamentos de enunciação
que produzem a subjetividade, num processo que implica o funcionamento de máquinas de ex-
pressão não só de natureza infra-humana ou infra-pessoal, como a percepção, a sensibilidade, o
afeto, o desejo, a representação e etc, mas também de natureza extrapessoal, como sistemas ma-
quínicos, econômicos, sociais, tecnológicos, ecológicos, entre ouros. Nas palavras do francês:

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Não existe uma subjetividade do tipo “recipiente” em que se coloca-


riam coisas essencialmente exteriores, as quais seriam “interiorizadas”.
As tais “coisas” são elementos que intervêm na própria sintagmática da
subjetivação inconsciente. São exemplos de “coisas” desse tipo: um cer-
to jeito de utilizar a linguagem, de se articular ao modo de semiotização
coletiva (sobretudo da mídia); uma relação com o universo das tomadas
elétricas, nas quais se pode ser eletrocutado; uma relação com o univer-
so de circulação na cidade. Todos esses são elementos constitutivos da
subjetividade (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 34).
O que Guattari afirma é que a subjetividade é manufaturada, fabricada individualmente a
partir do entrecruzamento de determinações coletivas, o que não quer dizer que a subjetividade
coletiva seja resultado do somatório de subjetividades individuais. Já o “processo de singulari-
zação da subjetividade se faz emprestando, associando, aglomerando dimensões de diferentes
espécies” (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 37). Enquanto o capitalismo funciona como
uma máquina de produzir subjetividades, a singularização seria um caminho para a autonomia.
Voltando ao que já foi dito anteriormente, se Guattari afirma que os movimentos de
emancipação devem levar em conta que uma revolução em nível macropolítico diz respeito
também à produção de subjetividade, podemos dizer que os movimentos sociais e coletivos, por
exemplo, capazes de afirmar outras maneiras de ser e outras percepções, são movimentos poten-
cialmente autônomos contra a subjetividade capitalística e podem, portanto, levar a processos
de singularização da subjetividade.
Numa outra perspectiva, podemos usar outros autores para afirmar a mesma lógica de
funcionamento. Michael Hardt e Antonio Negri enxergam nos movimentos sociais um caminho
de luta contra o sistema por dentro dele. Recorrem a Deleuze ao citarem que “pertencemos aos
dispositivos e atuamos no seu seio” e complementam afirmando que “a chave da ação política
hoje, a partir deste ponto de vista, envolve a luta pelo controle ou a autonomia da produção de
subjetividade. A multidão se faz compondo no comum as subjetividades singulares que resultam
deste processo” (HARDT & NEGRI, 2009, pág. X)6.
Negri, desta vez com Maurizio Lazzarato, ao falar da classe operária, afirma que sua
própria existência enquanto classe depende de uma recomposição política, um posicionamento
de negação enquanto força de trabalho e afirmação de sua autonomia (LAZZARATO & NEGRI,
2001, pág. 17).
Em outras palavras, ambos afirmam que é possível uma autonomia, partindo de dentro
do próprio sistema, levar à singularização. Enquanto a economia subjetiva capitalística, segundo
Guattari, leva a uma infantilização da vida diária, onde “pensam por nós, organizam por nós a

6
No original: “’We belong to the dispositifs, and act within them’. [...] A key scene of political action today, seen
from this vantage point, involves the struggle over the controlo r autonomy of the production of subjectivity. The
multitude makes itself by composing in the common the singular subjectivities that result from this process”.

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produção e a vida social” (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 41), fazendo com que tudo de-
penda da mediação do Estado – dependência essencial na subjetividade capitalística – o próprio
autor, porém, coloca a criação num lugar alternativo dentro dessa lógica:
Se considerarmos o que efetivamente se passa no campo da criação artís-
tica e científica, jamais encontraremos sistemas de centralização, institui-
ções que controlem totalmente os processos criativos. De algum modo,
as produções artísticas e científicas procedem de agenciamentos de enun-
ciação que às vezes atravessam não só as instituições e as especialidades,
mas também países e até épocas. Há sempre uma espécie de multicentra-
gem dos pontos de singularização no campo da criação. Isso não impede
que haja, num momento ou noutro, um indivíduo criador ou uma escola
[...]. Só na cabeça dos generais e dos déspotas da cultura é que existe a
ideia de que se possa programar uma revolução, por exemplo, cultural.
Por essência, a criação é sempre dissidente, transindividual, transcultu-
ral (GUATTARI & ROLNIK, 1996, pág. 36) (grifos do autor).
Retomando a questão dos Pontos de Cultura, embora seja um programa governamental,
portanto delimitador de bordas, não podemos ignorar que trata-se de uma medida que, de certa
forma, subverte essa ordem capitalística a partir do momento em que dá aos grupos a possibili-
dade de seguirem construindo sua própria cultura, de dentro para fora. Embora Guattari afirme
que não há cultura autônoma, apenas dos mercados econômicos e do poder, ele mesmo evoca a
criação artística como dissidente e transcultural. Nesse sentido, devemos ficar atentos às ideias
potentes que possam, de alguma maneira, ir contra o sistema capitalístico.
De maneira crítica não podemos perder de vista que nem sempre a autonomia prevalece-
rá, pois cada lugar e cada grupo terão suas ideologias e interesses que muitas vezes reproduzem
internamente a lógica capitalística, mas devemos lembrar também que o programa Cultura Viva
permitiu que grupos como comunidades de jongo, quilombolas ou indígenas7, por exemplo, ti-
vessem acesso a recursos que dificilmente teriam, possibilitando uma mobilização em rede com
outras, semelhantes ou não, o que fortalece sua cultura e amplia os horizontes para o futuro das
comunidades. Pensando a médio e longo prazo, o impacto educacional e social amplia as chan-
ces de um pensamento mais autônomo.

4. CONCLUSÃO OU PONTOS DE POLINIZAÇÃO


Podemos também ligar a ação dos Pontos de Cultura à metáfora da polinização do eco-
nomista Yann Moulier Boutang. O francês usa as abelhas para exemplificar a lógica econômica
atual. Na economia política tradicional, o papel das abelhas é o de produzir mel e cera, en-
quanto na natureza o real e indispensável trabalho das abelhas é a polinização, cumprindo uma

7
A relação completa dos Pontos de Cultura do país está disponível no Mapa Cultura Viva no link: http://culturaviva.
org.br/#lat=-0.9774344238459801&lng=-48.136936988976345&zoom=4 (Acesso em: 12 de dezembro de 2015).

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importante função para o equilíbrio da vida na biosfera Diante de tamanha importância, o valor
da polinização das abelhas não tem preço (MOULIER BOUTANG, 2012, pág. 76). Segundo
Boutang, a polinização não é percebida, embora represente ¾ da produção da abelha, enquanto
damos importância a apenas ¼ de sua ação, representado pela produção de cera e mel.
Fazendo um paralelo com os Pontos de Cultura, enquanto agentes autônomos e empo-
derados, suas ações repercutem não apenas no imediatismo da chancela Estatal, mas, a longo
prazo, funcionam como grandes polinizadores que expandem as linhas limítrofes impostas pelas
políticas públicas. Segundo os dados do MinC, desde a criação do programa Cultura Viva, em
2004, foram implementados 4.500 Pontos de Cultura no país, e a meta prevista no Plano Nacio-
nal de Cultura é chegar a 15.000 Pontos de Cultura em funcionamento até 20208. Ainda estamos
longe de atingir tal meta, e provavelmente não a atingiremos a tempo, mas este certamente é
um bom norte. Como proposto ainda no resumo deste trabalho, não pretendeu-se aqui defender
um governo específico, mas tentar enxergar uma via alternativa, valorizando uma proposta de
política pública com potencial para dar uma real autonomia ao campo da cultura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALABRE, Lia. Desenvolvimento de políticas públicas culturais. Texto desenvolvido para a segunda
edição do Curso de Formação para Gestores Públicos e Agentes Culturais do Estado do Rio de Janeiro,
2015.
______. Política Cultural em tempos de democracia: a Era Lula. Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros, Brasil, n58, p. 137-156, jun. 2014.
______. Políticas Culturais – Panorama Internacional. Texto desenvolvido para a primeira edição do
Curso de Formação para Gestores Públicos e Agentes Culturais do Estado do Rio de Janeiro, 2013.
COSTA, Eliane. Jangada Digital: Gilberto Gil e as políticas públicas para a cultura das Redes. Rio de
Janeiro: Beco do Azougue, 2011.
GUATTARI, Felix & ROLNIK, Suely. Micropolítica – cartografias do desejo. Petrópolis: Editora Vozes,
1996.
HARDT, Michael & NEGRI, Antonio. Commonwealth. Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 2009.
LAZZARATO, Maurizio & NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de
subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
MOULIER BOUTANG, Yann. Revolução 2,0, Comum e Polinização. In: COCCO, Giuseppe &
ALBAGLI, Sarita (Org.). Revolução 2.0 e a crise do capitalismo global. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.
8
Dados dos Pontos de Cultura disponíveis em: http://www.cultura.gov.br/cultura-viva1 (Acesso em: 12 de dezem-
bro de 2015). As Metas do Plano Nacional de Cultura podem ser acessadas pelo link: http://www.cultura.gov.br/
documents/10883/11294/METAS_PNC_final.pdf/ (Acesso em: 12 de dezembro de 2015).

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POLÍTICAS DE SALVAGUARDA DA CULTURA IMATERIAL, PARTICIPAÇÃO


SOCIAL E DIÁLOGOS ENTRE IPHAN E DETENTORES NA CONSTRUÇÃO DO
PROCESSO DE REGISTRO DAS CONGADAS MINEIRAS:
O CASO DO REINADO DE SANTO ANTONIO DO MONTE E ARAÚJOS, NA
REGIÃO CENTRO-OESTE
Francimário Vito dos Santos1

RESUMO: Está em curso pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN/
MG, a pesquisa de Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC, para embasamento
do Pedido de Registro das congadas mineiras. Interessa-nos compreender através da observação
participante os processos de construção da política, tendo como foco a mobilização da base
social, as parcerias entre os entes públicos e privados e a construção de diálogos com os
detentores e a comunidade. É de igual interesse observar as implicações que ocorrem quando o
poder público municipal passa a organizar o reinado. O objetivo é refletir sobre o processo de
patrimonialização e a diversidade de contextos onde ocorrem os ritos que compõem as festas
de reinado em Santo Antônio do Monte e Araújos. Haja vista que no segundo o poder público
municipal tem uma grande influência sobre a organização da festa, enquanto no primeiro sua
participação é mínima, ficando a cargo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.

PALAVRAS-CHAVE: Reinado; Patrimônio imaterial; Pedido de Registro; Políticas Públicas;


Participação social.

1. INTRODUÇÃO
O culto em louvor a Nossa Senhora do Rosário é antigo e antecede ao período da coloni-
zação portuguesa no Brasil. Em território brasileiro, os congados são manifestações artísticas e
religiosas, cujas homenagens são recorrentes à Virgem do Rosário e São Benedito. No entanto,
outros santos consagrados pela Igreja Católica são inseridos nos festejos como, por exemplo,
Santa Efigênia, Divino Espírito Santo, Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio e outros. É
na região sudeste, mais precisamente no estado de Minas Gerais, onde há uma maior ocorrên-
cia dos festejos. Tanta expressividade contribuiu para que fosse dado início pelo Ministério da

1
Mestre em Antropologia Social pela UFRN. Especialista em Patrimônio pelo Programa de Especialização
em Patrimônio – PEP/IPHAN. Professor Adjunto I do Centro Universitário de Formiga – UNIFOR-MG. E-mail.:
francimariovitos@gmail.com

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Cultura, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, o processo


de produção de conhecimento com o objetivo de fundamentar o seu Pedido de Registro. No
centro-oeste mineiro, os festejos recebem o nome de “reinado”, em outras regiões são conhe-
cidos por “congadas” e “congados”, noutras por “catupé”, e, ainda, como “moçambique”. Essa
pluralidade de termos sinaliza para a existência de um campo de pesquisa diverso e complexo
do ponto de vista etnográfico e analítico.
Mesmo que o intuito da discussão não trace um apanhado de ideias sobre as origens do
folguedo, haja vista que o interesse maior é compreendê-lo a partir de uma perspectiva proces-
sual, portanto, antropológica, penso que, em termos introdutório, seja interessante trazer alguns
dados a esse respeito. Alguns estudiosos do folclore também contribuem na tentativa de esta-
belecer marcos temporal e territorial a respeito dos cultos e festividades em homenagens aos
santos negros. Para Cascudo (2010) trata-se de um folguedo de formação afro-brasileira, em
que se destacam as tradições históricas, os usos e costumes tribais de Angola e do Congo, com
influências ibéricas, no que diz respeito à religiosidade. “Especificamente, como vemos e lemos
no Brasil, nunca esses autos existiram no território africano” (CASCUDO, 2010. p. 150).
Fato esse também percebido pela pesquisadora Eloisa Borges em sua pesquisa de mes-
trado sobre o reinado em Santo Antônio do Monte. “O congado tem como principais elementos
constitutivos as cerimônias de coroamento de reis negros, perpétuos e festeiros, os cortejos
processionais, as danças e cantigas” (BORGES, 1997. p. 12). Supostamente, três motivos con-
tribuíram para o processo de fragmentação da totalidade das congadas: transformações históri-
ca, econômica, social e política; a morte dos velhos congadeiros e a perseguição implacável da
Igreja Católica, destaca a autora.
Em meados do século XX, há no Brasil algumas ações que visam ao registro das práticas
culturais criadas pelo povo em todo seu território. Entram em cena os chamados folcloristas.
Algumas críticas que se costumam tecer acerca dos textos folclóricos dizem respeito à busca por
elementos capazes de definir as origens e, consequentemente, à autenticidade das práticas cul-
turais. Segundo Vilhena (1997), as contribuições dos folcloristas foram cruciais para a definição
de um discurso político ideal. Assim, foi possível estabelecer um ideário de nacionalidade bra-
sileira ou “cultura brasileira”. Para alguns pesquisadores, resguardadas as devidas limitações,
os resultados desses estudos apresentavam “uma visão simplificadora da realidade, que, muitas
vezes, perdia a dimensão e sua riqueza” (COSTA, 2012. p. 65).
Assim como Rabaçal (1976), por enxergar a complexidade das manifestações popula-
res em torno de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, optou por nomeá-las de “Congos,
Congados e Congadas”, com o objetivo de compreendê-las na sua pluralidade, optei por usar o
termo “reinado”, por levar em consideração que nos contextos de pesquisas os quais apresento
no artigo – Santo Antônio do Monte e Araújos – é recorrente o uso da referida terminologia

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pelos moradores para a definição desse momento festivo, que acontece anualmente na segunda
quinzena do mês de agosto. “Ainda que cada participante tenha uma predileção por tal santo
milagroso, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito constituem o denominador comum da
devoção da maioria dos congadeiros” (RABAÇAL, 1976. p. 43).
Para Costa (2012), que pesquisou as congadas em Serra do Salitre, na região do Alto
Parnaíba, os congados representam a aparição de Nossa Senhora do Rosário o que estruturou as
comemorações atualmente marcadas pela participação dos ternos. “É o evento mítico situado
no tempo do cativeiro, e que a partir dele foi instaurado um reinado idealmente responsável
pela conformação da festa como um todo” (COSTA, 2012. 67). Portanto, assegura a autora, “o
reinado, garante que a festa seja realizada com muita alegria, dança, cantoria e comida” (Idem).
Além disso, a festa de reinado é composta por reis perpétuos, reis congos, festeiros, mordomos
e ternos compostos pelos congadeiros.
O termo reinado carece de uma reflexão pormenorizada, uma vez que se estrutura a par-
tir de uma complexa rede de significados que interligam o plano das crenças religiosas à vida
cotidiana dos congadeiros, reis, festeiros e devotos dos santos padroeiros. O reinado comporta
uma gama de ritos: ritual de levantamento dos mastros, coroação de reis e rainhas, pagamento
de promessas, cortejos e procissões, missa conga e outras formas de homenagens aos santos.
Para entender a amplitude simbólica do reinado e o lugar do culto à Virgem do Rosário
nesse festejo religioso, que é o ritual de coroamento de reis e rainhas, Vilarino (2014), com base
na fala da rainha conga de Minas Gerais sobre a função de uma coroa nos ritos congadeiros,
faz a seguinte ressalva: “A coroa é a confirmação da presença da força protetora da santa junto
àquele rei/rainhas coroado” (VILARINO, 2014. p. 100).
Outra função, não menos importante que se percebe no contexto do reinado, além do
culto à santa e demais rituais que os envolve, é o fato de promover entre os ternos (grupos de
dançadores), sobretudo, aqueles compostos por negros, a noção de pertencimento aos ancestrais
escravos. Assim, é possível perceber que o reinado “esteve [e está] diretamente associado à
escravidão, é uma manifestação religiosa em que seus praticantes rememoram aquele tempo
através de seus rituais” (VILARINO, 2014. p. 97). A fina observação etnográfica sobre as “fes-
tas dos pretos” associada aos relatos colhidos “parecem associar Nossa Senhora do Rosário à
Liberdade e São Benedito ao cativeiro” (COSTA, 2012. p. 54). Elementos que forçam a postura
de seriedade, devoção e respeito adotada pelos congadeiros durante os dias de reinado.
Assim, após rápida introdução acerca das manifestações festivas em homenagem aos
santos padroeiros, o objetivo do artigo é trazer algumas reflexões acerca do processo de patri-
monialização e a diversidade de ritos em louvor a virgem do Rosário, com destaque para a festas
de reinado em Santo Antônio do Monte e Araújos, sobretudo, no que diz respeito à sua organiza-
ção. Para isso, trago como exemplo empírico a realidade de Araújos, onde a presença do poder

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público municipal é massiva tanto na estrutura como na organização da festa; enquanto que, no
primeiro a organização, implementação e estrutura do evento ficam a cargo da Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário, junto aos congadeiros e comunidade. De modo que torna-se possível
observar as implicações que ocorrem, quando o estado passa a comandar festejos de origem po-
pular. Interessa-nos, também, compreender os processos de construção da política, tendo como
foco a mobilização da base social (comunidade e detentores), as parcerias entre os setores públi-
cos e privados, e a construção de diálogos envolvendo os detentores e a comunidade.

2. A NOÇÃO DE RAIZ E O PERÍODO EXTRACOTIDIANO IMPOSTO PELAS


FESTIVIDADES DE REINADO
Para dar mais consistência à discussão, peço emprestado a Costa (2012) o termo terno
de raiz, usado por ela, a partir dos discursos dos congadeiros locais, para pensar meu contexto
de pesquisa. “Terno de raiz ou terno legítimo é aquele que mantém as características informadas
pela tradição” (COSTA, 2012. p. 127). Nesse sentido, é possível perceber que os ternos de Mo-
çambiques, podem ser pensados a partir da referida categoria.
Segundo a tradição, os antigos escravos dançadores do Moçambique
eram exclusivamente pessoas mais velhas (os pretos-velhos) que dan-
çavam em círculos vestiam saia, e usavam moringas nos calcanhares e
joelhos – chocalhos feitos de cabaça. Costuma-se seguir as cores tradi-
cionais do estilo – branco, azul e rosa em homenagem à Nossa Senhora
do Rosário (COSTA, 2014. p. 132-135).
Em Santo Antônio do Monte, contexto etnográfico das observações, há vinte e três ternos
de congadas, destes apenas três são ternos de Moçambiques, e apenas um, terno de Vilão. Este,
além de possuir alguns instrumentos musicais como tambores sanfonas, o que chama a atenção
são os bastões ou varinhas – termo comumente falado pelas pessoas da cidade - enfeitados com
fitas coloridas, e o fato de seus dançadores portarem chapéus semelhantes aos que são usados
pelos militares. Como observa Costa (2012), o Vilão possui uma performance própria mais liga-
da à dança do que às músicas. A coreografia (ou bailado), que dramatiza um confronto, aparece
como aspecto específico do estilo, enfatiza a autora.
No que se refere aos ternos de Moçambiques existentes na cidade, apenas dois trajam
vestes que representam tradicionalmente as cores usadas por Nossa Senhora (branco e azul), ele-
mentos que segundo Costa (2012), podem se caracterizar como terno de raiz, ideia defendida pelos
Moçambiques de Serra do Salitre. O outro grupo, chamado de Moçambique São Benedito, seus
dançadores estão caracterizados com as cores do santo, ou seja, branco amarelo, marrom e branca2.

2
“As imagens de São Benedito presentes na Serra de Salitre e na região como um todo, além de representá-lo
como negro, e vestindo uma roupa franciscana marrom, o que tornou essa cor, junto ao amarelo, representativa do
santo nas festas em sua homenagem” (COSTA, 2012. p. 60).

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Em contrapartida, o terno os “Canarinhos da Serra”, descrito pela referida autora, se dis-


tancia do conceito de raiz, enfatizado pelos dançadores dos ternos de Moçambiques e do Vilão,
sobretudo, a partir do uso de elementos performáticos. Desse modo, “a batida forte e o vestiário
inovador, sobretudo, das dançarinas, procuram mais chamar a atenção e, assim, se sobrepor aos
outros ternos, do que corresponder ao estilo legítimo” (COSTA, 2012. p. 142).
No que diz respeito aos outros dezenove ternos de congadas existentes na cidade, pode-
-se estabelecer uma relação de aproximação de estilo entre os ternos Beija-Flor e Cateretê da
Serra de Salitres, o que nas palavras de Costa (2012) “são desvinculados da tradição, e são mais
permissivos quanto às regras, pois trazem apenas meninas entre suas integrantes, além de capi-
tãs” (COSTA, 2012. p. 143). É o caso dos ternos Congada Filhas de Maria e Congada Meninas
do Rosário, até onde pude observar.
A diversidade dos ritos festivos e devocionais que mesclam elementos religiosos afro-
-brasileiros e católicos, praticados anualmente em todas as regiões mineiras, a partir de um
calendário tradicional, e a noção de pertencimento e fortalecimento dos grupos que através da
cultura reafirmam os vínculos com seus ancestrais negros escravos, tudo isso, associado ao ca-
ráter festivo que dá um atributo extracotidiano às cidades e comunidades rurais durante os dias
de louvores, são evidências que chamam a atenção do Estado brasileiro para viabilizar políticas
públicas de salvaguarda que assegurem sua manutenção e reforcem o valor simbólico e material
perante os detentores3.
O contexto de excepcionalidade impulsionado pelas festividades em homenagens aos
santos padroeiros permite que a cidade vivencie um período fora do comum, pois somente “o rito
dá asas ao plano social e inventa, talvez, sua mais profunda realidade” (DAMATTA, 1981. p. 31).

3. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA NO ÂMBITO DA PRESERVAÇÃO


DO PATRIMÔNIO IMATERIAL E O PROCESSO DE MOBILIZAÇÃO
DA BASE SOCIAL
Ficam evidentes, com base nas reflexões acima, que as manifestações que fundamen-
tam os ritos festivos em louvor aos “santos pretos”, além de demarcarem um momento espe-
cial que rompe com a vida cotidiana, propiciam que os sujeitos devotos possam revisitar as
memórias afetivas de tempos antigos e ressignificá-las. Memórias essas que são reforçadas de
tempos em tempos, durante as festividades, e contribuem para o fortalecimento da identidade
negra dos grupos. As cantigas, danças, adereços, instrumentos e tantos outros elementos ritu-
alísticos que compõem o folguedo são cruciais para que os congadeiros acessem as memórias
do cativeiro vivido pelos seus ancestrais, e passem a ressignificá-las através de uma postura

3
É interessante destacar que no tocante à implementação de políticas de salvaguarda o Estado só se manifesta
mediante anuência, por escrito, dos principais interessados na manutenção da pratica, no caso os detentores.

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de resistência e de lutas. Isso os torna sujeitos autônomos e politicamente conscientes de suas


condições de exclusão.
O fato de os congadeiros estarem imbuídos desses sentimentos de resistência e luta, foi
crucial e serviu de ponto de partida para o início das primeiras ações de mobilização com vistas
a salvaguardar as festividades que acontecem no estado de Minas Gerais, em torno do culto à
virgem do Rosário. Esforços coletivos de detentores, base social, poderes públicos locais e en-
tidades representativas (associações e irmandades)4, fizeram chegar ao IPHAN, um documento
solicitando o Pedido de Registro das congadas mineiras. A partir daí o órgão deu início às pes-
quisas de mapeamento e identificação através do uso de metodologia própria, o Inventário Na-
cional de Referências Culturais – INRC, que tem como objetivo juntar evidências possíveis para
embasar a referida política de proteção. É interessante, nesse caso, destacar o caráter coletivo
das ações de solicitação de Pedido de Registro. “As propostas de Registro devem ser necessa-
riamente coletivas, envolvendo, sempre que possível, a representação dos detentores dos bens
em questão” (IPHAN, 2010. p. 23). Assim, o caráter coletivo do pedido, junto ao caráter descen-
tralizador da instrução do processo e o caráter transitório da inscrição formam as características
que diferem o Registro do Tombamento.
Juridicamente, o reconhecimento possui bases legais no Decreto 3.551 de 4 de agosto
de 2001, que institui o “Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patri-
mônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras provi-
dências” (BRASIL, 2000). Ação essa que segundo Laurent Lévi-Strauss sinaliza que “o Brasil
tomou iniciativa notável” (2001. p. 23). Sobretudo, porque, durante muito tempo, o estudo e a
salvaguarda das formas de patrimônio cultural imaterial, “em particular aquelas ligadas à vida
cotidiana e às culturas populares, serem vistas como primos pobres das políticas de conservação
do patrimônio, se comparadas com os meios e esforços consagrados às obras de artes e aos mo-
numentos” (LÉVI-STRAUSS, 2001. p. 23).
Não resta a menor dúvida sobre a importância de tal instrumento jurídico nas ações de
implementação e fortalecimento das manifestações populares existentes no Brasil, em particu-
lar, aquelas cujos detentores têm um significativo legado na formação da identidade de brasili-
dade, como os povos originários, a saber, indígenas e afro-brasileiros, culturas e formas de vidas
que, por muitos anos, foram deixadas de escanteio pelo Estado.
4
Em 2008 foi encaminhado, ao Presidente do IPHAN, ofício do Prefeito Municipal de Uberlândia solicitando o
reconhecimento das Congadas de Minas como Patrimônio Cultural do Brasil. Esta solicitação foi acompanhada de
cartas de apoio dos municípios de Uberaba, Campos Altos, Ibiá, Frutal e Monte Alegre de Minas, e da Associação
dos Congos e Moçambiques Nossa Senhora do Rosário de Ibiá, que reiteram a importância desta expressão reli-
giosa e cultural no estado. Após uma série de deliberações junto à prefeitura de Uberlândia e internos ao IPHAN,
em 2011 foi enviada cópia do processo de Registro das Congadas de Minas para a Superintendência do IPHAN em
Minas Gerais, que a partir de então ficou responsável pelas pesquisas e encaminhamentos necessários à instrução
do referido processo. Em julho de 2012 o IPHAN/MG iniciou os trabalhos de inventariamento das Congadas de
Minas, utilizando a metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais.

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Para compreender a complexa história da política cultural brasileira, incluindo os pro-


cessos de estagnação, descasos políticos, falta de investimentos e tantos outros, Rubim (2010)
dá algumas pistas. Para ele, a área de cultura enquanto uma política de estado brasileiro, é mar-
cada por ‘tristes tradições’: “ausência, autoritarismo e descontinuidade” (RUBIM, 2015 p. 11).
Não me interessa, no momento, realizar um apanhado de ações políticas com base nas
três tradições. De acordo com Rubim (2015), o governo Dilma, no que se refere às ações de po-
líticas culturais tem sido marcado por “descontinuidades”. Os dois anos de experiência atuando
como consultor da UNESCO, realizando atividades específicas no Departamento de Patrimônio
Imaterial – DPI/IPHAN, permitiram-me acompanhar a saga que é a descontinuidade de ações já
em andamento, sobretudo, por restrições de recursos financeiros. Na maioria das vezes, os téc-
nicos já têm ido à localidade, iniciado um processo de mobilização e diálogo junto aos grupos,
além de comprometerem-se moralmente com a continuidade das ações. De repente, de uma hora
para outra, vem a informação via chefia imediata de que os recursos destinados ao projeto em
andamento foram suspensos, porque o Ministério da Cultura foi atingido com cortes de gastos.
Outros casos de descontinuidade de ações dependiam, para assim prosseguir, de suas aprova-
ções no orçamento do ano seguinte.
Enfim, os projetos são paralisados e todo um trabalho realizado como os detentores é in-
terrompido, ocasionando entre os integrantes do grupo um sentimento de frustação e descrédito.
Foi o que aconteceu às ações do projeto de Pedido de Registro das Congas mineiras, sobretudo,
no que tange aos diálogos já em estágio bastante adiantado entre os congadeiros, lideranças po-
líticas municipais e o IPHAN.
Não é meu propósito nesse artigo fazer um apanhado dos diversos momentos históricos
da política cultural brasileira, mas pontuar algumas ações, sobretudo no âmbito da preservação
do patrimônio imaterial, a partir do referido decreto. Nesse sentido, direciono meus esforços
para análise de algumas ações que marcam um contexto antes e outro depois das “Políticas Cul-
turais no Governo Lula” (RUBIM, 2010).
Anterior ao Decreto, e de importância ímpar, a Constituição Federal Brasileira de 1988,
em seu artigo 216, prevê o reconhecimento dos bens culturais imateriais como patrimônio a
ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade. O artigo define, também, que o poder
público – com a colaboração da comunidade – promoverá e protegerá o Patrimônio Cultural
Brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de
outras formas de acautelamento.  
Embora o instrumento jurídico que salvaguarda os bens culturais de natureza imaterial
tenha sido sancionado, ainda nas gestões do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso,

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e do Ministro da Cultura Francisco Weffort, com saldo dos bens registrados5, o período de 2003 a
2011, que corresponde às duas gestões do Presidente Lula, que teve como Ministro da Cultura, na
primeira gestão Gilberto Gil, e no segundo mandato, o ministro Juca Ferreira, foi definitivamente
decisivo para a consolidação e implementação da política de salvaguarda dos bens intangíveis.
Foi possível perceber que o período contabilizou o Registro de 21 (vinte e um) bens, distribuídos
em todas as regiões do país, e inscritos nos quatros livros6.
Diante do quadro de avanços das ações de preservação da política, é crucial fazer um
apanhado das transformações, sobretudo, no que se refere às lutas e demandas impostas pelos
movimentos sociais. Como bem frisa Soto et al (2010) nos governos democráticos represen-
tativos, os direitos políticos dos cidadãos incluem a possibilidade de participar das decisões
governamentais (SOTO et al, 2010. p. 26). A autora refere-se ao mecanismo democrático de-
nominado participação social, ou como se costuma falar no dia a dia das ações de salvaguarda
de patrimônio imaterial do IPHAN: mobilização da base social, de modo que o diálogo com a
sociedade permitiu enfrentar os autoritarismos, enfatiza Rubim (2015). Para melhor elucidar a
ideia de participação social nos processos de decisão política do governo Lula, é preciso ir ao
cerne da questão:
As lutas sociais e o processo de organização popular fizeram com que
em 1989 a nordestina Luiza Erundina fosse eleita prefeita do município
de São Paulo, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que por sua vez
convidou a filósofa Marilena Chauí para assumir a pasta da secretaria
de Cultura. Marilena Chauí instituiu o conceito de Cidadania Cultural,
apregoando a cultural como um direito do cidadão (BEZERRA E WEY-
NE, 2013. p. 06).
Estavam, portanto, plantadas as bases que viriam a ser o modelo de política cultural do
futuro governo nacional petista, a partir de 2003, acrescenta a autora. Em seu discurso de pos-
se, o Ministro Gilberto Gil (2003) deixa evidente o “início de uma nova fase na política cultural
do país”, no sentido antropológico, com a preocupação em “revelar os brasis”, suas múltiplas
manifestações culturais, e na retomada do papel ativo do Estado na formulação de políticas cul-
turais, procurando, sobretudo, estabelecer diálogos e compartilhar com a sociedade brasileira a
revisão, formulação e execução das políticas públicas de cultura. Nesse sentido, a cultura, pela
primeira vez na história do país, passou a ser vista como importante ferramenta de inclusão,
cidadania e desenvolvimento. A democratização e acesso aos bens culturais decorrentes da im-
plementação dessas mudanças podem ser percebidas em diversas áreas no campo institucional
das políticas culturais. No âmbito das políticas de preservação da cultura imaterial é possível

5
Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, inscrito no Livro de Registro dos Saberes (20/12/2012), e a Arte Kusi-
wa – Pinturas Corporais e Arte Gráfica Wajãpi, inscrita no Livro de Registro Formas de Expressão do IPHAN, na
mesma data.
6
Informações disponíveis no site http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/228.

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perceber inúmeras ações, sobretudo, no que tange ao reconhecimento de práticas culturais


produzidas por populações até então desmerecidas pelo Estado como grupos indígenas e afro-
descendentes, cuja importância é fundamental para formação da identidade brasileira7.
O primeiro contato estabelecido entre os congadeiros de Santo Antônio do Monte e o
IPHAN se deu em agosto de 2014, por ocasião de uma reunião realizada entre os representan-
tes da empresa terceirizada responsável pela coleta de dados para compor a primeira fase do
INRC. Na ocasião, fui convidado pelo presidente da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
a estar presente. A pesquisadora apresentou o projeto, expôs os objetivos, falou sobre a atuação
do IPHAN, em seguida, abriu a sessão para perguntas e questionamentos dos congadeiros. As
perguntas giraram em torno das interferências do órgão sobre o reinado, desde a imposição de
mudanças a recursos financeiros. Após o término da reunião, orientei o presidente da Irmandade
a encaminhar um ofício à Superintendência do órgão no Estado de Minas Gerais, solicitando a
visita de um técnico para prestar mais esclarecimentos sobre o projeto.
Um ofício em resposta chegou à Irmandade confirmando a reunião para novembro de
2014. Próximo à data acertada, o compromisso foi desmarcado sob a alegação de problemas téc-
nicos burocráticos. No ano seguinte, em março, o ofício foi refeito, e eu fui à Superintendência
do IPHAN entregá-lo, pois o objetivo era que a referida reunião ocorresse antes das festividades
do reinado, que acontecem entre os meses de julho e agosto. Em resposta à solicitação, o órgão
agendou uma visita para os dias 10 e 11 de junho de 2015. De fato, o primeiro diálogo entre o
técnico e os detentores aconteceu na sede da Irmandade. Na ocasião, o servidor destacou tópi-
cos importantes, como o papel do IPHAN durante e após um processo de Pedido de Registro,
deixando explícito que em nenhum momento o órgão interferiria nas dinâmicas das congadas
nem na organização do reinado; nem o fato de um bem cultural ser reconhecido com patrimônio
cultural em nível nacional implicaria no recebimento de recursos financeiros oriundos do gover-
no. A posição do órgão é de prover políticas públicas de culturas visando à manutenção do bem.
No dia seguinte, o técnico reuniu-se com o prefeito, a secretária de Educação e Cultura,
e o presidente da Irmandade. Apresentou-se o projeto e a justificativa pela qual as congadas da
cidade tinham sido escolhidas para uma pesquisa mais detalhada. Entre os 332 municípios que
mantinham vivas as festividades em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, Santo Antônio
do Monte estava incluso, e que o passo seguinte das pesquisas seria a realização de Encontros
Regionais de congadeiros, em cidades polo, com a presença de pelo menos dois integrantes
de cada congada. Imediatamente, o prefeito sugeriu que o evento fosse sediado na cidade, e
justificou seu interesse oferecendo o prédio do SEDUC, para a realização do evento, além de

7
Para que tais ações atingissem de forma democrática os mais diversos grupos localizados no interior do país,
foram necessárias medidas de reestruturação dos órgãos de cultura. Foi quando, pela primeira vez na história do
IPHAN, houve concurso destinado a contratação de técnicos especializados em diversas áreas do conhecimento.

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outras parcerias. Justificou ainda, como forma de enfatizar a grandiosidade do reinado perante
a região, que várias congadas de cidades vizinhas vêm para a cidade na época dos festejos. O
técnico ouviu as propostas e ficou de analisar junto ao superintendente, e que, posteriormente,
daria uma resposta.
No dia 13 de agosto de 2015, portanto, em pleno reinado, o técnico do IPHAN retornou
à cidade para comunicar ao prefeito que o município seria uma das cidades a sediar um dos En-
contros Regionais de congadeiros8. Enfim, de acordo com o técnico, o calendário dos encontros
estava previsto para acontecer entre os meses de novembro de 2015 e fevereiro de 2016, no
entanto, até o momento tais ações ainda não foram executadas. O que se sabe é que, enquanto
o orçamento da União, referente ao ano letivo de 2016 não for aprovada, não há expectativas
quanto à continuidade das ações do projeto. O cenário que pareceria estar fluindo do ponto de
vista da construção de diálogos e mobilização da base social sofreu uma interrupção. O que só
reforça de forma direta e contundente a realidade de descontinuidade que se instalou na gestão
do governo Dilma.

4. POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA E A PARTICIPAÇÃO DO PODER


PÚBLICO NA GESTÃO: O CASO DE SANTO ANTÔNIO DO MONTE E ARAÚJOS
O primeiro contato que estabeleci com os congadeiros de Santo Antônio do Monte partiu
de um convite do presidente da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, para que eu participas-
se de uma reunião com as presenças dos pesquisadores contratados pelo IPHAN e os detentores,
cuja pauta era a realização de uma pesquisa sobre as congadas mineiras. O mais interessante
ainda estava por vir. Antes do evento alguns participantes me perguntaram sobre o que seria a
reunião, e de modo geral, expus, destacando que o instituto do órgão público encarregado é de
criar ações destinadas à preservação e continuidade das práticas culturais de relevante valor
afetivo para os grupos locais e, consequentemente, para o Brasil como um todo. Após isso,
ouvi uma frase meio sussurrada saindo da plateia: “mas nós não aceitamos que o nosso reinado
fique como o de Araújos!” Bom, inicialmente, eu senti que a frase soou como uma resistência
à presença do IPHAN, por se tratar de um órgão público. A frase, se tornou uma questão a ser
melhor investigada.
Após a reunião, abriu-se um espaço para os congadeiros se pronunciarem e sanar al-
gumas dúvidas. O presidente da irmandade foi o primeiro a pedir a palavra, e sua observação
foi em tom de desabafo, alegando que, durante muitos anos, os “órgãos públicos” gestores de
cultura os procuraram para realizar estudos e pesquisas, e colher dados sobre o reinado, fazendo

8
Os Encontros Regionais com os congadeiros, serão realizados em sete municípios mineiros, em data ainda por
definir: Divinópolis, Machado, Montes Claros, Santo Antônio do Monte, São João Del Rei, Sete Lagoas e Uber-
lândia. Conforme documento oficial expedido do IPHAN/MG.

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uma série de promessas, e ao final dos trabalhos, nunca voltaram para mostrar seus resultados.
É igualmente interessante, que, em sua fala, poder público dá a entender que é uma única coi-
sa, não há distinção nítida se é municipal, estadual ou federal. O poder público trata a cultura
com descaso. Depois, eu apurei que tais estudos tinham sido realizados pelo IEPHA - Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. Como já expus no texto acima,
no geral, a grande preocupação dos congadeiros era de que forma o IPHAN iria interferir na
organização da festa de reinado. Foi por conseguir associar o desabafo do presidente com a fra-
se que partiu da plateia, antes da reunião ter início, mais a grande questão que foi inerente aos
detentores, que resolvi problematizar esse tópico.
Depois, em conversas e informações com alguns congadeiros e comunidade em geral,
comecei a entender que havia uma diferença entre as festividades de reinado da cidade e aquelas
que acontecem na cidade vizinha de Araújos. Ouvi queixas no seguinte sentido: “o reinado virou
uma micareta, com trio elétrico, muita bagunça”. “Nós não queremos que aqui fique igual ao
que findou o reinado de Araújos”. Mas o que havia contribuído para tal transformação, a ponto
de causar tanta resistência por parte dos moradores e congadeiros? A resposta não demorou a
vir. O fato é que, em Araújos, a organização do reinado está sob a responsabilidade do poder
público municipal, transformando-o numa espécie de “espetáculo alegórico, contrastando com o
sentido de missão” (COSTA, 2012. p. 63). Ao contrário do reinado de Santo Antônio do Monte,
cuja organização, estrutura e promoção da festa ficam a cargo da Irmandade e da comunidade.
A prefeitura apoia, sem necessariamente ter o compromisso de realizá-la.
Por detrás das palavras, com ares de desaprovações proferidas pelos congadeiros, es-
tão sentimentos bastante difundidos entre os devotos dos santos padroeiros, a fé e o sacrifício.
Para eles o trabalho dedicado para homenageá-los é recompensado pelas graças alcançadas. A
essência de existência da festa reside no fato de cada indivíduo se doar e oferecer o que pode.
Na maior parte das vezes, as ofertas se dão em formas de serviços voluntários, sobretudo, nos
almoços, jantares e outras ações promovidas na comunidade com o intuito de angariar fundos, e
durante o reinado, nas preparações das refeições. Para Costa (2012) realizar as festas e participar
dos grupos superando o cansaço e as dificuldades financeiras é uma forma singular de expressão
de louvor, e mais, é a profunda devoção que enaltece a organização das festas e a participação
nos ternos, não as roupas ou enfeites.
Motivado pelas inquietações dos congadeiros acerca do reinado de Araújos9, fui observar,
sem grandes pretensões, a sua festa. Mesmo que eu nunca tivesse ido à cidade, fiz questão de não
pedir ajuda a qualquer informante local, fui sozinho. Era uma manhã de domingo, segundo dia de

9
Não vou ater-me na descrição do reinado da localidade. O propósito é mostrar algumas diferenças em relação
à festa em Santo Antônio do Monte, e que seja possível refletir sobre a questão da gestão pública municipal na sua
organização.

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reinado. Ao chegar ao perímetro urbano, ainda distante do local dos festejos, em frente à igreja
matriz, no centro, ouvi sons de tambores que pareciam vir de todos os cantos. Ao seguir caminho,
logo percebi o quanto a cidade estava enfeitada de fitilho, muito brilho. Mais lembrava um céu
estrelado com sol a pino. Não que em Santo Antônio do Monte não se usam enfeites, mas eles se
restringem à ornamentação de locais estratégicos como o pátio do salão da irmandade, a frente da
matriz, e frente às residências dos reis e rainhas congos e perpétuos, e festeiros.
Toda a festa se concentrava ao redor da igreja matriz cujo padroeiro é São Sebastião,
embora algumas manifestações de louvor aos “santos pretos” estivessem acontecendo por toda
cidade, principalmente, motivadas pelas visitas dos ternos. Montado em frente à matriz que
estava enfeitada, havia um palco relativamente grande, o que indicava que ele não se destinava
apenas às apresentações dos ternos, mas a outros tipos de shows, e uma tenda onde os festeiros
recebiam as homenagens dos ternos após o oferecimento das refeições.
Em uma das avenidas que ladeava a concentração dos ternos, inúmeros bares e restauran-
tes, vendendo bebidas e comidas, cada um tocando um gênero musical diferente, cujo repertório
ia do axé, passando pelo funk até o forró. Esse cenário espetaculoso e carnavalesco acontecia
simultaneamente às apresentações dos ternos na tenda. A outra avenida sediava uma feira a céu
aberto, de proporções gigantescas, chegando a dois quilômetros de extensão. Nela, vendiam-se
de quase tudo, desde produtos eletrônicos importados, brinquedos, utilidades domésticas, arti-
gos religiosos, produtos de belezas, acessórios de couro, comidas e bebidas variadas.
Como se não bastasse o espetáculo massificado na terra, nos ares era possível observar
voos rasantes de helicópteros, que proporcionavam passeios para aqueles mais abastados, e,
diante de tantas fantasias e enfeites, o que menos os chamavam a atenção eram os ternos de
congadas com seus bailados, músicas e devoções.
Em resumo, mesmo que as conclusões sejam preliminares há, sim, diferenças marcantes
entre as festas de reinado existentes nas duas cidades. O fato é que não me demorei a percebê-
-las, apenas algumas horas de pesquisa exploratória foram suficientes para compreender os mo-
tivos pelos quais os congadeiros de Santo Antônio do Monte oferecem tamanha resistência em
entregar a organização da festa ao poder público, seja ele qual for, municipal, estadual e federal.
Temem, sobretudo, que a festa se transforme numa espécie de carnaval, e que as congadas e
seus ternos se tornem meros acessórios de alegoria diante do cenário fantasioso produzido pelo
Estado. A congada ou reinado torna-se, assim, “mais uma apresentação ou um espetáculo do
que uma demonstração de fé, o que, segundo os congadeiros da Serra do Salitre, esvazia o seu
conteúdo original” (COSTA, 2012. p. 63. Grifo meu).

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Escrever sobre as nuances do reinado e suas representações, mas especificamente pen-
sando o recorte das políticas públicas de preservação da cultura imaterial, tem se mostrado para
mim um exercício reflexivo prazeroso, porém complexo. A cada texto produzido sobre o tema
surgem novas ideias e impulso para continuar a desvendar seus encantos.
O tema da mobilização social entre o poder público e os congadeiros, imprescindível no
campo do processo de patrimonialização tem sido uma das vertentes transversais aos festejos,
em homenagem à virgem do Rosário que mais tem instigado, e se apresenta com mais evidência.
A ideia de envolver os principais atores no processo através de troca de diálogos, se conduzido
com o devido cuidado e atenção gera produção de conhecimento e fortalece o senso de perten-
cimento, essencial na manutenção das congadas.
Mesmo que a as reflexões acerca da inserção do poder público na organização do reina-
do, especificamente no contexto da cidade de Araújos, possa parecer um problema, sobretudo,
na visão de alguns congadeiros e devotos, penso que se trata de terreno fértil para aprofunda-
mentos futuros.
Os conceitos de raiz, alegoria, enfeites, escolas de sambas e espetáculos, abordados por
Costa (2012), mesmo tendo sido trabalhados timidamente no meu contexto de pesquisa, foram
significativos para compreender as disputas e tensões entre as duas cidades.

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SOCIOLOGIA DA DIVERSIDADE E DESAFIOS DO PATROCÍNIO


À CULTURA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Francis Miszputen1

RESUMO: Este trabalho estuda, de modo sucinto, os conceitos de desigualdade e diversidade,


traçando uma linha do tempo na evolução destes conceitos no mundo e no Brasil, e os estende
até um olhar para a diversidade cultural brasileira. A partir desses conceitos, discorre sobre os
desafios do modelo de fomento à cultura no país e alguns dos efeitos perversos da legislação de
incentivo. Conclui-se com uma observação analítica do Prêmio Rio Sociocultural, evidenciando
a manifestação prática das questões que se apresentam nesse contexto.

PALAVRAS-CHAVE: desigualdade, diversidade cultural, efeitos perversos, leis de incentivo


à cultura.

1. APRESENTAÇÃO
Este trabalho pretende, incialmente, introduzir - à luz do texto “Desigualdade e diversida-
de: os sentidos contrários da ação”, de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (Botelho e Schwarcz,
orgs., 2011:166) – os conceitos de desigualdade e diversidade.
A partir do entendimento sobre a evolução destes conceitos no pensamento mundial e bra-
sileiro, aproveitando não somente o texto em referência, mas também o conhecimento adquirido
em outras leituras e aulas, pretende-se descrever, sucintamente, o olhar específico para a diversi-
dade cultural no Brasil de hoje.
Ao final, à guisa de conclusão do trabalho, se descreve, também de modo sucinto, um
caso de sucesso na parceria público-privada de fomento a projetos socioculturais no estado do
Rio de Janeiro, principal área geográfica de atuação do Instituto Cultural Cidade Viva2.

1
Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais  pelo CPDOC-Fundação Getulio Vargas. Professora Adjunta da
Universidade Candido Mendes, nos cursos de graduação e pós-graduação em Produção e Política Cultural. Profes-
sora convidada do MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão, da Fundação Getulio Vargas. Diretora de
Projetos do Instituto Cultural Cidade Viva. E-mail: francis@institutocidadeviva.org.br | francis@pobox.com
2
Informações sobre a instituição podem ser obtidas no sítio http://www.institutocidadeviva.org.br.

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2. DESIGUALDADE E DIVERSIDAE – UMA LINHA DO TEMPO


DO PENSAMENTO MUNDIAL
Segundo Guimarães, em nosso texto de base (2011:166), as sociedades modernas, ao
redor do mundo, viveram contrastes muito significativos. O surgimento dos Estados-Nação, o
capitalismo, a convivência urbana, regidos por valores jurídicos e constitucionais de liberdade e
igualdade, contrapunham-se, nos mesmos contextos, às solidariedades étnicas, a formas pré-ca-
pitalistas de produção, à vida rural e às hierarquias sociais vigentes desde muito antes da criação
desses Estados. Essa oposição gerou uma inexorável necessidade de rearticulação dessas mes-
mas sociedades, objeto sobre o qual discorremos a seguir.
Citando Charles Tilly, em seu texto Desigualdades Duradouras, nosso autor de base nos
explica, a partir desses contrastes, o conceito que dá título à obra do citado. Aquelas que Tilly
chamou de “desigualdades duradouras” são pares binários de contrastes: branco/negro; homem/
mulher; cristão/judeu; nacional/estrangeiro; heterossexual/homossexual. Estes “pares binários”
são alimentados por mecanismos de reprodução: “exploração, barreiras de controle, adaptação,
emulação”, nas palavras de Tilly (1998, apud Guimarães in Botelho e Schwarcz, 2011:169).
Complementando Tilly, é relevante chamar a atenção do leitor para os “efeitos perver-
sos”, descritos por Raymond Boudon (1979:7), verificáveis quando analisamos as aplicações do
pensamento liberal na sociedade moderna. Vejamos:
No pensamento liberal, as diferenças de classe são legítimas, desde que o princípio da
igualdade de oportunidades seja respeitado. No entanto, as consequências que advieram da le-
gislação criada, em tese para garantir essa igualdade de oportunidades, na sociedade do final do
século XIX, início do século XX, foram lutas contestatórias contra os mecanismos de explora-
ção ou barreiras de controle que neutralizavam justamente as políticas que visavam à igualda-
de de oportunidades, estes últimos, os “efeitos perversos” dessa legislação. Da mesma forma,
surgem, na mesma época ou pouco depois, inúmeras ações afirmativas para forçar a criação de
contrabarreiras institucionais – políticas de diversidade para impedir que diferenças culturais
servissem para reproduzir categorias binárias de oposição.
– Que alternativas se apresentaram às lutas contestatórias? Quais as estratégias utilizadas?
Ainda segundo Guimarães (Guimarães in Botelho e Schwarcz, 2011:170), o embasa-
mento para enfrentar essas lutas veio através de duas correntes de pensamento:
– a visão individualista – que tem por argumento principal que “o preconceito nutre os
estereótipos” (2011:170), e propõe uma mudança de comportamento na sociedade como um
todo, com o fim do preconceito que gera discriminação e desigualdades sociais; e
– a visão socioeconômica – com o argumento de que “ações afirmativas nutrem os pares
binários e a proposta consequente de “buscar inovações políticas e organizacionais baseadas em
outros princípios: renda, local de residência, etc.” (2011: 170).

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Estas duas visões levaram as nações modernas a tentativas de solução para as desigual-
dades em diversas frentes: homogeneização cultural dos cidadãos; unificação linguística, reli-
giosa, de costumes; identificação dos indivíduos como membros através de símbolos da nação.
As tentativas de implementação dessas medidas acabaram por evidenciar uma nova ne-
cessidade: a da adaptação às diferenças culturais, i.e., a necessidade de aceitação e convívio
com as diferenças como caminho único e indicado para conviver com as diferenças sem gerar
desigualdades, ou pelo menos, minimizando essa possibilidade. Surge, a partir daí, o conceito
de diversidade e suas diversas aplicações políticas e práticas.
A nação pioneira neste trajeto foi a Grã-Bretanha. A implantação precoce do capitalismo,
as tensões geradas por ele, associadas à extensão do império britânico, que implicava em conviver
com diferenças fisionômicas, genéticas, linguísticas e religiosas, associados à influência da antro-
pologia social e do desejo do alcance da “igualdade” política, cultural e social culmina com o en-
tendimento da necessidade sem volta do reconhecimento, respeito e “cultivo da diversidade cultu-
ral, linguística e religiosa” como condição para aproximar os indivíduos da igualdade e cidadania.
Em termos universais, Guimarães produz duas definições muito oportunas sobre o “esta-
do da arte” dos dois conceitos:
Desigualdade – “quebra da regra de igualdade de tratamento e de oportunidades na es-
fera pública”;
Diversidade – “expressão cultural, religiosa, linguística, etc. de membros de grupos
sociais, especialmente os de minoria política, social ou demográfica”. (2011:172)

3. O PENSAMENTO BRASILEIRO
Ainda e sempre baseados em Guimarães, diríamos que podemos começar uma linha do
tempo do pensamento brasileiro sobre a - naquele momento não chamada assim - diversidade,
com Joaquim Nabuco (1883 apud Guimarães, 2011:173), quando o grande abolicionista lembra,
em discurso, o “liberalismo” do Senado ao conceder elegibilidade aos libertos.
Saltando para o pós-guerra, Guimarães encontra em Gilberto Freyre o elemento de con-
solidação da identidade nacional brasileira baseado na mestiçagem como principal promotor
dessa identidade. Voltando ao texto de Freyre, entendemos rapidamente por que Guimarães o
cita como um marco no reconhecimento da diversidade: reconhecendo o convívio, em todos os
níveis, inclusive o doméstico, de indivíduos de raças, religiões e culturas diferentes e fazendo
uma quase ode à mestiçagem como o elemento formador da identidade brasileira, Freyre po-
deria ser considerado o tradutor, por excelência, das primeiras manifestações internacionais de
reconhecimento da diversidade.
Apesar de não citado no texto de Guimarães, considero que cabe aqui uma lembrança
do “homem cordial”, assim denominado por Sérgio Buarque de Holanda (1995;139-197). Suas

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observações, ainda num momento em que o termo diversidade propriamente dito não estava na
pauta das discussões, demonstram o estreito convívio entre raças, credos e culturas no Brasil
como gerador de um processo identitário que também nos ajuda a compreender por que preci-
samos considerar a diversidade como elemento formador indiscutível da sociedade brasileira.
Guimarães segue com Florestan Fernandes (1965 apud Guimarães, 2011:173). Firme
defensor da corrente socioeconômica, apresentada rapidamente aqui na página 3, Fernandes
sustenta, segundo nosso autor de base, que as desigualdades sociais são apenas relativamente
duradouras desde uma perspectiva estrutural, pois dependem do avanço do desenvolvimento
econômico ou do resultado dos conflitos das classes sociais.
Chegamos aos anos 70, quando o pensamento ligado ao governo militar segue a linha de
que desigualdade de renda e de bem-estar podem ser explicados por exploração e barreiras de
oportunidades típicas do Brasil, como a reserva de mercado de trabalho para os imigrantes no
início do século XX.
Finalmente, passamos pelas décadas de 1980 e 1990 observando o surgimento de novos
movimentos negros que pleiteavam: direito ao reconhecimento da diversidade cultural e po-
líticas públicas diferenciadas. Com o ambiente político favorável, esses movimentos tiveram
o apoio de indígenas, homossexuais, sem-terra. No entanto, o contexto favorável não foi sufi-
ciente para suplantar a morosidade e a apatia governamental.
Evidenciam-se naquele momento, portanto, os grandes desafios sociais que o Brasil en-
frenta ainda hoje, para lidar com a diversidade de modo verdadeiramente compatível com o
pensamento mundial contemporâneo a esse respeito.

4. DESAFIOS DO BRASIL DE HOJE – UM OLHAR PARA A DIVERSIDADE CULTURAL


A defesa da autonomia cultural é muito ligada à preservação da identi-
dade coletiva. Cultura e identidade são conceitos que remetem a uma
mesma realidade, vista sob dois ângulos diferentes. (Cuche, 1999: 14)
Há aproximadamente trinta anos, iniciou-se no Brasil o processo de fomento governa-
mental à cultura através de renúncia fiscal. Nesse modelo de política pública, o governo abdica de
receber parte do imposto devido pelas empresas, com o objetivo de que elas utilizem estes recur-
sos no patrocínio às manifestações culturais que receberem este direito através de julgamento do
projeto realizado por uma comissão especializada e publicado em Diário Oficial. Este mecanismo
se repete, hoje, nas esferas federal, estadual e municipal.
Surge a pergunta-desafio: Como conciliar os interesses da iniciativa privada com o bene-
fício sociocultural que os projetos realizados podem trazer aos seus verdadeiros beneficiários, a
sociedade brasileira, harmonizando objetivos empresariais com bem-estar social e preservação
da identidade cultural brasileira?

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Desde a Semana de Arte Moderna, passando pelo Cinema Novo, o Tropicalismo, entre inú-
meros outros movimentos de reforço da identidade cultural brasileira, nossas diversas modalidades
artísticas vêm buscando uma aproximação em profundidade com os saberes e fazeres nacionais.
No entanto, a despeito destas iniciativas, a própria geografia do Brasil constitui um uni-
verso de diversidade. Fazer com que um gaúcho demonstre afinidade nacional com um nativo
da Amazônia já representa um enorme desafio; promover uma verdadeira interação e reconheci-
mento entre o Boi de Parintins e a Milonga da serra gaúcha é, na prática, próximo do inexequível.
Daí, a nosso ver, resulta a primeira grande dificuldade na escolha de projetos culturais a
serem patrocinados: - Quem é mais representativo da cultura brasileira? Quem tem mais “mérito
cultural”, no dizer da legislação de fomento?
De fato, não se pode nem deve discutir o mérito cultural de uma ação. A própria identi-
ficação de uma manifestação como “cultural” já lhe confere o mérito necessário para ser assim
chamada. A questão está muito mais na relação desta manifestação cultural com a comunidade
que a originou.
Quando nos deparamos com uma apresentação do Jongo da Marambaia, por exemplo,
composto por descendentes dos escravos que o trouxeram e fixaram no Brasil, não nos cabe discu-
tir se as práticas que lhe foram agregadas são ou não parte integrante da sua própria identidade. Se
existem agora e estão integrados na ação e nas apresentações, passam a ser parte integrante deste
fazer e, portanto, do saber que o torna patrimônio cultural imaterial genuinamente brasileiro.
Com este quadro em mente, e a título de conclusão, segue, neste último subtema, um
exemplo de ação cultural em que a parceria entre os três setores-pilares do nosso modelo de
patrocínio – governo, patrocinador, produtor cultural - foi bastante bem-sucedida.

5. O PRÊMIO RIO SOCIOCULTURAL


Sucessor do Prêmio Cultura Nota 10, realizado nos mesmos moldes por cinco anos segui-
dos, o Prêmio Rio Sociocultural explica assim a sua existência, na abertura do seu sítio na Internet:
O Prêmio Rio Sociocultural marca presença como um importante reco-
nhecimento às ações socioculturais do Estado do Rio de Janeiro e tem a
certeza de contribuir para consolidar a identidade do povo fluminense.
Nesta quarta edição, serão distribuídos R$ 100.000,00 em prêmios!
Uma realização do RIOSOLIDARIO e do Instituto Cultural Cidade
Viva, apoiada pelo SEBRAE/RJ, com o patrocínio da Ceg Rio e da Se-
cretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro – SEC/RJ, Governo do
Rio de Janeiro e Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro,
ele contabiliza, em três edições, um total de 758 ações inscritas repre-
sentando a totalidade dos 92 municípios. O Prêmio Rio Sociocultural
tem o objetivo de identificar, premiar e dar visibilidade às ações inova-
doras, criando potencial para que projetos exemplares se multipliquem.

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Representantes das instituições parceiras formam um Comitê Técnico


responsável pela seleção das dez ações finalistas, das quais cinco se con-
sagram vencedoras, sem ordem de classificação, por um Júri de excelên-
cia especialmente convidado. Dirigentes, produtores de renome, patro-
cinadores, alunos de escolas de gestão e produção cultural e formadores
de opinião são, também, convidados para formar uma Comissão Espe-
cial, dando parecer sobre cada uma das finalistas, constituindo assim um
vasto acervo de depoimentos abalizados, fundamental para o futuro dos
premiados. Assim, vários vencedores saem do anonimato, conquistam
apoios, além de crescerem através do reconhecimento público dado pelo
Prêmio Rio Sociocultural.
Através do Prêmio Rio Sociocultural, ganharam mais voz, entre muitos outros, os proje-
tos: Ópera de Acari, Lona na Lua e a ONG TemQuemQueira.3
No entanto, apesar de seu grande sucesso no atingimento e superação de seus objetivos,
o Prêmio Rio Sociocultural não tem nenhuma garantia de perpetuação. É um projeto cultural
como qualquer iniciativa de entretenimento, devendo ser submetido novamente ao enquadra-
mento a cada ano, disputando o patrocínio como se ainda não tivesse comprovado, de forma tão
contundente e eloquente, a sua importância.
Apresenta-se o desafio: como perpetuar uma ação sociocultural, transformá-la num Pro-
grama permanente, que dependa apenas de seus próprios resultados para garantir sua perenização?
Lá se vão três décadas de incentivo e permanece a questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

TEXTO BASE:
GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Desigualdade e diversidade: os sentidos contrários da ação
in BOTELHO, André e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Agenda brasileira. Temas de uma sociedade em
mudança. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

OUTROS TEXTOS REFERENCIADOS:


BOUDON, Raymond. Efeitos Perversos e Ordem Social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 1999.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 2001.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

3
O texto de abertura, os projetos aqui elencados e outros contemplados pelo Prêmio podem ser conhecidos nos
vídeos disponíveis em http://www.premioriosociocultural.com.br

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A ECONOMIA CRIATIVA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESENVOLVIMENTO


ECONÔMICO: O CASO DO ESTADO DO CEARÁ.
Francisco Ricardo Calixto de Souza1
Francisco Roberto Pinto2

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo evidenciar que a economia criativa pode ser
utilizada como uma política pública fomentadora de desenvolvimento econômico sustentável
para o Estado do Ceará. Procuramos demonstrar a necessidade de o governo do Ceará realizar
um Mapeamento das Indústrias Criativas do Ceará, assim como foi feito no Estado do Rio de
Janeiro pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN). Com apoio em um
estudo realizado em 2013, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (Panorama
da Economia Criativa no Brasil), o artigo tem a intenção de incentivar o desenvolvimento e
implementação de políticas públicas integradas focadas na indústria criativa, a chamada
indústria do século XXI, baseada na inovação, na criatividade e no simbólico como matérias
primas principais.

PALAVRAS-CHAVE: Economia criativa, indústrias criativas, Produto Interno Bruto (PIB),


desenvolvimento econômico sustentável, políticas públicas.

1. INTRODUÇÃO
O sistema de produção capitalista existe na história da humanidade desde a derrocada
do feudalismo, na idade média, e a ascensão das ideias do iluminismo, do humanismo e de uma
nova classe de comerciantes, os burgueses. Fazendo uma rápida retrospectiva histórica, este
sistema econômico passou, no decorrer de vários séculos, por várias fases, a saber: a fase co-
mercial com as grandes navegações e a pilhagem das colônias, com colonizações de exploração,
como a que ocorreu no Brasil, por exemplo. Neste sentido, o desenvolvimento econômico de
países como Inglaterra, Alemanha, Holanda e Espanha dentre outros, é fruto da acumulação de
riquezas e capitais advindos da fase comercial e colonialista deste sistema econômico. Já a fase

1
Mestrando em Planejamento e Políticas Públicas (UECE); Especialista em Administração Pública (FAERPI);
Bacharel em ciências econômicas (UFC). E-mail: ricardo.calixto@sda.ce.gov.br
2
Doutor em Administração pela Universidade Federal da Paraíba (2004), Doutor em Gestão de Empresas pela
Universidade de Coimbra (2008), Pós-doutorado pelo PROPAD, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Professor da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: roberto.pinto@uece.br

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da revolução industrial é caracterizada pelo advento da mecanização da produção, que eleva sig-
nificativamente a produtividade e, consequentemente, o lucro dos capitalistas. Principalmente
na Inglaterra e outros países da Europa, berços desse sistema, observa-se ao longo da História
o cumprimento de largas e extenuantes jornadas de trabalho, seguido de baixíssimas remunera-
ções, confirmando a “mais valia” da teoria marxista (Marx, 1967).
Mais recentemente, chega-se à fase da revolução eletrônica, com o uso intensivo da Tec-
nologia da Informação e Comunicação (TIC) e com processos de produção industriais flexíveis
ou enxutos, componentes do modelo conhecido como Toyotismo, com aumento das responsabi-
lidades individuais, agregação de valor com o uso de componentes eletrônicos e informatizados
e consequente utilização intensiva de alta tecnologia, principalmente nos países desenvolvidos.
Na Europa, nos anos iniciais desta fase do capitalismo os trabalhadores nos países desen-
volvidos ganhavam salários com média de valores maior do que o salário dos trabalhadores de
países ditos em desenvolvimento. Por conta dos altos custos trabalhistas do Estado de bem-estar
social (welfare state) nos países da Europa, as grandes plantas industriais deslocaram-se para pa-
íses em desenvolvimento com o objetivo de pagar menores salários, o que, na lógica capitalista,
faz sobrar um maior excedente, lucro econômico ou mais valia relativa, segundo Marx (1867).
Anos após o lançamento da principal obra de Karl Marx – que analisa o modo de produção
capitalista, introduzindo os conceitos de mais valia absoluta e relativa, valor de uso e valor de
troca – no início do século XXI, John Howkins, autor inglês, introduz o conceito de um novo
tipo de indústria ou processo de produção, onde o principal insumo são as ideias, a criatividade
e a inovação. A isso chama de economia criativa (Howkins, 2001).
O conceito da economia criativa e seu estabelecimento como uma disciplina de estudo
ganhou expressão e relevância a partir da década de 2000, como já foi dito. A partir de iniciati-
vas isoladas no começo do século XXI, o que se observa atualmente é que a economia criativa
se estende em uma ampla gama de áreas de responsabilidade política e administração pública,
segundo Oliveira et al. (2013).
Alguns governos no mundo criaram ministérios, departamentos ou unidades especiali-
zadas para lidar com as indústrias criativas – como é o caso do Brasil, por exemplo, que contou
com uma Secretaria de Economia Criativa (SEC) ligada ao Ministério da Cultura (MinC) na
gestão do então Ministro Gilberto Gil (2010 a 2014), cuja Secretária foi a professora universitá-
ria e Ex-Secretária de Cultura do Ceará, Claudia Leitão. No entanto, em 2014 o novo Ministro
da Cultura (do segundo governo da Presidenta Dilma Rousseff), Juca Ferreira, extingue esta Se-
cretaria e estabelece dentro de sua gestão uma abordagem institucional mais ligada à economia
da cultura, que é somente uma parte da chamada economia criativa.
É importante ressaltar que o termo Economia criativa é, ainda, um conceito em evolução,
e ao redor do mundo são apresentadas diferentes definições e formas de mensuração e caracte-

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rização. Howkins (2001) sustenta a ideia de que a economia criativa se assenta sobre a relação
entre a criatividade, o simbólico e a economia. Assim, economia criativa seria, segundo o autor,
“o conjunto de atividades econômicas que dependem do conteúdo simbólico – nele incluído
a criatividade como fator mais expressivo para a produção de bens e serviços” (HOWKINS,
2001). Para Oliveira et al. (2013), esta forma permite caracterizar economia criativa como uma
disciplina distinta da economia da cultura, que guarda grande relação com aspectos econômi-
cos, culturais e sociais que interagem com a tecnologia e propriedade intelectual, numa mesma
dimensão, e tem relações de transbordamento muito próximas com o turismo e o esporte.
O presente artigo, acerca da economia criativa como política pública fomentadora de
desenvolvimento econômico no Estado do Ceará, justifica-se plenamente quando percebemos
que a indústria tradicional em todo o Brasil, e particularmente no Ceará, emprega cada vez
menos pessoas; diminui seu peso na composição do PIB enquanto o setor de serviços (onde a
economia criativa está inserida) eleva sua participação e importância. Vemos, também, que o
parque industrial cearense sofre um crescente processo de desindustrialização, com intensa di-
minuição no número de plantas industriais e que a indústria presente no Estado é intensiva em
mão de obra, pouco intensiva em alta tecnologia agregada e apresenta baixos salários, ou seja,
é pouco agregadora de maiores rendimentos, que acelerariam o motor da economia do Estado,
proporcionando desenvolvimento econômico, maior arrecadação de impostos, com consequente
melhora nos indicadores socioeconômicos, como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é ressaltar a importância da economia criativa
como uma nova estratégia ao desenvolvimento da economia do Estado do Ceará, como forma
de incentivar a aplicação de políticas públicas para o fomento dessa nova indústria, de forma
institucionalmente integrada.
Com o objetivo de ressaltar a importância econômica estratégica dada à economia cria-
tiva relatamos abaixo um estudo solicitado pelo principal agente financeiro de desenvolvimento
regional do Nordeste e a percepção da economista Tania Bacelar acerca deste tema.
Em 2014 o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) “patrocina um estudo abrangente des-
tinado a lançar luzes sobre a trajetória recente do desenvolvimento nordestino, identificar pers-
pectivas e apontar desafios e iniciativas estratégicas para o futuro próximo”. Implementou,
assim, sob o comando do Escritório Técnico do Nordeste (ETENE) e no âmbito de um Projeto
de Cooperação Técnica com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura –
IICA, um trabalho intitulado: “Estudos Prospectivos sobre o Desenvolvimento do Nordeste
do Brasil”, no horizonte 2022. Tais estudos foram realizados sob a coordenação técnica da CE-
PLAN Consultoria Econômica e Planejamento. Nesta perspectiva, a economista, consultora do
CEPLAN e Coordenadora Geral do Estudo, Tania Bacelar aponta que:

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Nos anos recentes, o Nordeste viu se expandirem polos onde tais ativi-
dades se desenvolveram. Promover a interação entre os cientistas, no
NE muito concentrados nas Universidades, com os empreendedores,
estimulando a cooperação, é a iniciativa principal a ser patrocinada. Ao
mesmo tempo, a economia criativa avança no mundo e, no Brasil, o
Nordeste é um celeiro para o desenvolvimento de muitas de suas ati-
vidades constitutivas. Iniciativas que apoiem a expansão da produção
de cinema, de eventos culturais, design e serviços criativos, atividades
associadas à conservação e acesso ao patrimônio natural e cultural, a
produção de jogos eletrônicos, entre outras atividades criativas devem
ser priorizadas no horizonte 2022. O financiamento adequado das uni-
dades de produção, a oferta de infraestrutura e equipamentos específicos
(laboratórios, por exemplo) de apoio aos produtores, a implantação de
marcos legais que consolidem o desenvolvimento e a formalização dos
empreendedores são iniciativas que podem fazer avançar a economia
criativa nos próximos anos. (BACELAR, 2014, p.175).
Como podemos observar, para a pesquisadora do CEPLAN a Economia Criativa seria
esta nova indústria do século XXI. No entanto, a economia criativa pode vir a ser ou não uma
importante fonte de divisas para economia cearense, contribuindo assim para o desenvolvimen-
to sustentável do Estado do Ceará e da Região Nordeste? O presente estudo vai na direção das
respostas a essas questões.

2. DEFININDO E DELIMITANDO A ECONOMIA CRIATIVA


Com o intuito de iniciarmos um estudo sobre o potencial de impacto da economia cria-
tiva na economia formal de um Estado como o Ceará, é de suma importância definirmos o prin-
cipal indicador afetado pela alteração (positiva ou negativa) no nível de atividade econômica
de uma determinada região: o Produto Interno Bruto (PIB). Logo após, passamos a conceituar
o que seja a economia criativa, embora de início já afirmarmos que este é um conceito ainda
em evolução, para o qual ao redor do mundo são apresentadas diferentes definições e formas
de mensuração de seu impacto nas respectivas economias. Procuramos também estabelecer o
alcance de sua influência nos países desenvolvidos e em países ditos em desenvolvimento com
o é o caso do Brasil.
Para a ciência econômica, o Produto Interno Bruto (PIB) representa a soma (em valores
monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região, durante um
período determinado (trimestre e ano são mais usados). O PIB é um dos indicadores mais utili-
zados na macroeconomia, com o objetivo de quantificar a atividade econômica de uma região,
seja ela uma cidade, um estado ou um país. Na contagem do PIB, consideram-se apenas bens e
serviços finais, excluindo da conta todos os bens de consumo intermediários. Isso é feito com o

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intuito de evitar o problema da dupla contagem, quando valores gerados na cadeia de produção
aparecem contados duas vezes na soma do PIB.

3. O SURGIMENTO DA ECONOMIA CRIATIVA


Embora oficialmente não reconhecido pela comunidade acadêmica mundial, o termo
economia criativa surge pela primeira vez no mundo no ano de 2001, no Reino Unido, quando
o inglês John Howkins escreve o livro The Criative Economy – How People Can Make Money
From Ideas; que em uma tradução livre pode ser lido como: “Economia Criativa - como as pes-
soas podem ganhar dinheiro a partir de ideias”. A ideia central deste livro é a de que os bens e
serviços produzidos pela imaginação ganhariam cada vez mais prestígio na sociedade do conhe-
cimento do século XXI. Howkins (2001) sustenta a ideia de que a economia criativa se assenta
sobre a relação entre a criatividade, o simbólico e a economia. Assim, a economia criativa é o
conjunto de atividades econômicas que dependem de conteúdo simbólico – nele incluído a cria-
tividade, como fator mais expressivo para a produção de bens e serviços.
Com o objetivo de fixarmos o conceito, podemos caracterizar a economia criativa como
um conjunto de atividades econômicas distintas e maior que a economia da cultura, que guarda
grande relação com aspectos econômicos, culturais e sociais que interagem com a tecnologia e
propriedade intelectual numa mesma dimensão, e tem relações de transbordamento muito pró-
ximo com o turismo e o esporte segundo Oliveira et al. (2013).
Em 2008 este tema ganha relevo e as discussões sobre as possibilidades de desenvolvi-
mento de atividades econômicas onde a criatividade agrega valor a estes bens e serviços, são
tratadas na Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD),
que lança o primeiro Relatório Mundial sobre a Economia Criativa – Creative Economy Re-
port 2008, num esforço de aprofundar o conceito e de compilar informações e dados sobre a
economia dos bens simbólicos dentro de uma perspectiva mundial. Para a UNCTAD (2008)
as indústrias criativas formariam um conjunto de atividades baseadas no conhecimento, que
produzem bens materiais e imateriais, intelectuais ou artísticos, com conteúdo criativo e valor
econômico agregado.

4. A IMPORTÂNCIA DA ECONOMIA CRIATIVA


Mesmo como conceito em evolução, entretanto, do ponto de vista econômico, a econo-
mia criativa é um conjunto de segmentos dinâmico, cujo comercio mundial cresce a taxas mais
elevadas do que o restante da economia, independentemente da forma de mensuração empre-
gada como metodologia. Para Leitão (2015) produtos e serviços baseados em criatividade e
conhecimento têm elasticidade-renda elevada, e mesmo durante momentos de crise econômica
seu comércio mundial não foi negativamente afetado,

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VII Seminário Internacional

políticas culturais
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Em economia, a elasticidade rendimento da procura é a medida do impacto decorrente de


uma variação na renda sobre a demanda (ou procura) de um bem. Ou seja: a elasticidade-renda
da demanda mede a variação percentual na quantidade demandada de um determinado bem,
diante de uma variação percentual na renda do consumidor.
Neste sentido, a economia criativa promove a diversificação econômica, de receitas,
de comércio e inovação e pode se relacionar, de forma simbólica, com as novas tecnologias,
notadamente as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Iniciativas baseadas na abor-
dagem de economia criativa podem promover a revitalização de áreas urbanas degradas, um
exemplo é a iniciativa da UNESCO chamada de “Rede de Cidades Criativas (creative cities ne-
twork)” ou mesmo o desenvolvimento das áreas rurais com forte herança de patrimônio cultural
conforme Oliveira et al. (2013).
Em relação ao mercado de trabalho e seus aspectos sociais e econômicos, tem sido docu-
mentado na literatura - notadamente no Mapeamento das Indústrias Criativas no Brasil realizado
pela FIRJAN em 2008 e mais recentemente em 2014 que as ocupações criativas tendem a pagar
melhores salários e tem sido associada a empregos de melhor qualidade, níveis de satisfação acima
das ocupações de rotina, por conta do compromisso e senso de envolvimento cultural e criativo.
Percebe-se, adicionalmente, que a indústria criativa poderia reforçar a cultura como va-
lores e tradições que identificam uma comunidade ou nação. Além do papel de coesão social e
inclusão, este esforço tem o potencial de gerar atratividade turística. Esta é maneira pela qual a
economia criativa se relaciona com a cultura e com o turismo. Outra maneira se relaciona ao tu-
rismo cultural ou religioso (como seria o caso de Juazeiro do Norte; Canindé e Aracati) centrado
no patrimônio cultural. A abordagem da economia criativa pode contribuir para a exploração
racional e sustentável desse tipo de turismo e para a preservação do patrimônio material e ima-
terial, do meio ambiente e para o benefício das populações locais.
O Relatório Sobre a Economia Criativa da UNCTAD serviu para aprofundar o conceito
e compilar informações e dados sobre a economia dos bens simbólicos dentro de uma perspec-
tiva mundial. Para a UNCTAD as indústrias criativas formariam um conjunto de atividades
baseadas no conhecimento, que produzem bens materiais e imateriais, intelectuais ou artísticos,
com conteúdo criativo e valor econômico agregado. Sobre o referido Relatório da UNCTAD a
autora afirma que:
Este Relatório foi um marco no reconhecimento da relevância estratégi-
ca da economia criativa como vetor de desenvolvimento, demonstrando,
especialmente, a força das indústrias criativas, com uma média de 10%
de crescimento anual. Essa mensuração, contudo, é fruto da compilação
de dados produzidos pelos diversos países, sem a presença de uma cesta
de indicadores e de um tratamento estatístico comum, o que fragiliza os
resultados aferidos. Vale ressaltar que, neste Relatório, as metodologias

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quantitativas, em sua grande parte, somente capturam ou mensuram a


produção de riquezas das indústrias, ignorando a participação dos micro
e pequenos empreendedores, assim como a informalidade em que estão
mergulhadas milhões de pessoas, em todo o planeta, que trabalham nes-
tes segmentos. (LEITÃO, 2015, p. 01).
Para a UNCTAD, mesmo com a crise financeira mundial de 2008, que provocou uma
queda significativa no comércio entre países, entre 2002 a 2011, as exportações de bens e servi-
ços criativos cresceram, anualmente, em torno de 12,1 % nos países em desenvolvimento, che-
gando a US$ 227 bilhões em 2011 (UNCTAD, 2013), ganhando destaque no comercio mundial.
Neste período os Estados passam a investir nos setores criativos e culturais, mesmo enfrentando
vários obstáculos que são enumerados por Leitão (2015, pag. 02):
• Baixa disponibilidade de recursos para o financiamento de negócios;
• Investimento insatisfatório em capacitação dos agentes atuantes em cadeias produtivas;
• Pouca infraestrutura, especialmente, no que se refere à distribuição e difusão dos
seus bens e serviços.
Em consequência, segmentos como áudio visual, literatura, música, moda, design, ar-
quitetura, vão se tornando cada vez mais importantes na composição do PIB de alguns países.
Para Leitão (2015) as indústrias criativas se tornaram eixo estratégico de desenvolvimento de
países como Austrália, China, Estados Unidos e Inglaterra. No entanto, vemos que o sistema
capitalista em sua fase atual globalizada apresenta como característica marcante a sua financei-
rização, notadamente nos países desenvolvidos da Comunidade Econômica Europeia, onde os
investimentos especulativos se sobressaem aos investimentos em produção cuja taxa de retorno
é mais lenta.
Por outro lado, outra característica são os planos de ajustes neoliberais do Fundo Mone-
tário Internacional (FMI) para serem aplicados nos países em desenvolvimento como o Brasil
ou que chegaram em 2014 à grave crise econômica como a Grécia ou Portugal. A produção de
riquezas destes países é caracterizada pela exportação de commodities que perdem, gradativa-
mente, sua importância econômica frente à exportação de bens e serviços de alto valor agregado,
que apresentam elevada tecnologia.
É neste cenário econômico mundial que estudos e pesquisas constatam a evolução do
desempenho dos setores criativos mesmo em momentos de crise na economia dos países. Se-
gundo Leitão (2015), esses estudos anunciam a transformação do trabalho, a ampliação do setor
de serviços na composição do PIB e a necessidade da constituição de fundos específicos para
o financiamento dos setores criativos. Citando alguns jornais e revistas econômicas, a autora
aponta que:
Nos Estados Unidos, o desemprego cresceu em todas as categorias, mas
os trabalhadores dos setores criativos foram os que menos perderam

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emprego e renda nos anos anteriores e posteriores à crise econômica de


2008. Nos setores que empregam mão-de-obra braçal e não-especiali-
zada o desemprego subiu de 5% para 9,3%, o dobro da classe criativa.
(Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 2012).
E em relação ao impacto econômico dos investimentos em setores criativos na Espanha
e em toda a Europa, a pesquisadora aponta que:
Segundo estudo recente de pesquisadores da Universidade de Valência,
um aumento de 1% na proporção de postos de trabalho nos serviços cria-
tivos incrementa entre 1.000 e 1.600 euros o PIB per capita. (La cultura
como factor de innovación económica y social; 2012). Programa “Euro-
pa Criativa” investirá €1,8 bilhão (2014-2020) para ampliar a competiti-
vidade dos empreendimentos criativos europeus e reforçar suas ligações
com os segmentos industriais tradicionais. (LEITÃO, 2015, p. 02).
Após esta rápida contextualização da importância da economia criativa na economia
mundial, passemos a observar como a economia criativa se apresenta no Brasil em relação às
ocupações formais e criativas.

5. ECONOMIA CRIATIVA NO BRASIL: EMPRESAS E OCUPAÇÕES FORMAIS


Em outubro de 2013 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publica o
estudo intitulado: “Panorama da Economia Criativa no Brasil” cujo objetivo foi segundo Oli-
veira et al. (2013) o de “contribuir para o debate sobre a economia criativa a partir de uma sis-
tematização dos diferentes conceitos e formas de mensuração existentes, para propor algumas
formas de mensuração de sua participação na economia brasileira”.
Neste sentido apresentamos alguns dados deste Estudo a seguir, com o fim de demons-
trar os possíveis ganhos para a economia cearense com a aplicação de políticas públicas integra-
das que utilizem a economia criativa como fomentadora de desenvolvimento econômico.
Em relação aos aspectos metodológicos da análise de dados do estudo do IPEA (2013)
sabe-se que a economia criativa pode ser mensurada a partir de duas dimensões: a setorial e a
ocupacional. De acordo com a dimensão setorial, o que importa é o setor de atuação da empresa
e se este é um setor típico da economia criativa ou não. Por sua vez, de acordo com a dimensão
ocupacional, o interesse é na ocupação do trabalhador e se esta é uma ocupação típica da eco-
nomia criativa ou não.
Neste caso, pode haver quatro situações, ilustradas pelo quadro 2. A primeira situação é
aquela em que trabalhadores em ocupações criativas trabalham em empresas cuja atividade-fim
pertence à definição de economia criativa- por exemplo, atores em uma emissora de televisão.
Estes são, na denominação de Florida (2012), os criativos especializados. No sentido horário,
a segunda situação é aquela em que trabalhadores criativos não estão trabalhando em empresas
cuja atividade –fim seja eminentemente criativa. Um exemplo são os designers que trabalham

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em montadoras de automóveis. Estes trabalhadores são chamados por Florida (2012) de criati-
vos embutidos. O terceiro caso é aquele em que nem a ocupação nem a empresa estão no campo
da economia criativa. Por fim, o quarto caso é o das ocupações de apoio, que são aqueles traba-
lhadores em ocupações não criativas em empresas criativas. Um exemplo seriam os contadores
da emissora de televisão. Cabe ressaltar neste estudo, que a literatura não é explícita a respeito
da superioridade de um recorte sobre o outro. Além disso, há algumas dificuldades metodológi-
cas associadas ao recorte ocupacional, ou das classes criativas.

Quadro 2: Recortes de mensuração da economia criativa

Fonte: Florida (2012). Elaboração dos Autores.

Segundo a terminologia de Florida (2012) o trabalho voluntário ou não remunerado, a


identificação de ocupações que ainda não foram codificadas, a informalidade e o fato de que mui-
tos trabalhadores criativos exercem mais de uma ocupação dificultam o enquadramento tanto no
recorte ocupacional como no setorial, embora afetem mais o primeiro. No entanto, neste estudo
optamos por reportar os indicadores de acordo com os dois recortes: ocupacional e setorial.
Assim, a tabela 1 abaixo traz a evolução do número de trabalhadores formais da economia
criativa, tanto pelo critério ocupacional quanto pelo setorial. Nota-se que o número de trabalha-
dores da economia criativa se situa em torno de 2% de acordo com ambos os critérios. No recorte
ocupacional, a economia criativa empregou 575 mil trabalhadores formais em 2010, o que re-
presenta 1,89% da economia criativa em relação ao total de trabalhadores formais apontados na
pesquisa da Rais; de acordo com o critério setorial, foram 583 mil empregados, o que representa
1,91% da economia criativa em relação ao total da Rais (30.485.676 trabalhadores formais).

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Tabela 1: Evolução do emprego da economia criativa e do emprego total (2003-2010)

Fonte: Rais. Elaboração dos autores.

Vemos na tabela acima, que independente da classificação do setor a que pertençam os


trabalhadores (recorte ocupacional ou setorial) há uma forte evolução que acompanha e equiva-
le ao índice de participação da economia criativa no Produto Interno Bruto no Brasil, ou seja,
oscila entre 1,2 a 2%.
As taxas de crescimento anual do emprego na economia criativa não parecem se diferen-
ciar da taxa de crescimento total do emprego, conforme mostrado no Gráfico 1 e no Gráfico 2,
a seguir. Chama a atenção o crescimento verificado no ano de 2008 sob o recorte ocupacional,
mas este crescimento foi parcialmente corrigido em 2009, sugerindo que talvez esse ano seja
fora do padrão.

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Gráfico 1: Crescimento anual do emprego em economia criativa: recorte ocupacional.

Fonte: Rais. Elaboração dos autores.

Gráfico 2: Crescimento anual do emprego em economia criativa: recorte setorial (em %)

Fonte: Rais. Elaboração dos autores.

Analisando a pesquisa realizada pelo IPEA, vemos que com respeito à distribuição dos
empregos criativos por área, há diferenças entre os recortes setorial e ocupacional. Os autores
da pesquisa afirmam que isso já era esperado. De acordo com o recorte setorial, os segmentos
que mais empregam são: publicação e mídia impressa, new media (o qual inclui publicidade, por
exemplo), serviços criativos e audiovisual.

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De acordo com o recorte ocupacional, os trabalhadores estão em sua maior parte em ocu-
pações ligadas aos serviços criativos e design (Gráfico 3). Estas diferenças ocorrem devido aos
“criativos embutidos” e às ocupações de apoio. Nos segmentos de publicação e mídia impressa
e new media, há muitas ocupações de apoio, além dos próprios trabalhadores criativos. Segundo
Oliveira et al. (2013) estes são os segmentos que mais empregam trabalhadores, segundo o re-
corte setorial. Entretanto, pode-se dizer que há vários trabalhadores de serviços criativos (entre
os quais se incluem, entre outros, os arquitetos e profissionais de ensino) e também designers em
empresas cuja atividade-fim não está exatamente ligada à economia criativa.

Gráfico 3: Distribuição do emprego formal por área da economia criativa:


critério ocupacional x setorial (Rais, 2010).

Fonte: Rais. Elaboração dos autores.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em 2014, a economia do Estado do Ceará apresentou um crescimento do PIB de 4,36%.
De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), dentre as
atividades que compõem o PIB – indústria, serviços e agropecuária – o setor de serviços (onde

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está inserida a economia criativa), no quarto trimestre deste ano, teve crescimento de 2,89%, em
relação ao quarto trimestre de 2013, e menor dos que os 4,51% registrados no terceiro semestre
de 2014, crescendo 4,50 %. No ano, o índice ficou em 3,59%. Seguindo a tendência verificada
nacionalmente, a indústria fechou em queda, com -1,89% no quarto trimestre, ficando o acumu-
lado no ano também negativo, com 1,87%.
No momento da apresentação deste artigo vivenciamos um cenário econômico com o
encerramento do ano de 2015, que é apontado por vários economistas e administradores como
um ano com forte recuo do nível de atividade econômica. Espera-se num ambiente explícito de
recessão uma queda de pelo menos 4,0% no PIB com inflação superior a 10%.
É neste cenário econômico que apontamos a necessidade do incentivo através da apli-
cação de políticas públicas que fomentem o surgimento de negócios baseados na economia
criativa. Como vimos nos gráficos apresentados no estudo a aplicação de políticas públicas pelo
governo do Estado do Ceará incentivando atividades ligadas às indústrias criativas e à cultura
- que hoje é atendida somente pelos editais anuais da Secretaria de Cultura do Estado - acarreta-
riam num forte incremento no nível de emprego total com maiores rendimentos auferidos pelos
trabalhadores criativos seja pelo recorte setorial ou ocupacional.
Neste sentido, vemos a importância do incremento do setor de serviços no PIB cearense,
onde se insere a economia criativa com a realização pelo governo do Estado de um Mapeamento
da Indústria Criativa no Ceará, detalhando as cadeias produtivas e os possíveis Arranjos Produ-
tivos Locais (APL) dos empreendimentos criativos ou Clusters como também são conhecidos
na literatura de economia no mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Ministério da Cultura. Plano da Secretaria da Economia Criativa: Politicas, Diretrizes e Ações
(2011- 2014), Brasília: Ministério da Cultura, 2011.
BACELAR, Tânia. CEPLAN. Nordeste 2022 - Estudos Prospectivos – Documento Síntese. Banco do
Nordeste do Brasil e Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – Fortaleza: Banco do
Nordeste, 2014.
FLORIDA, R. The rise of a criative class. Washington monthly, May2002.
________. The rise of the criative class. Revisited. Revisited and expanded. (S.I) Basic Books, 2012.
HOHKINS, John. The Creative Economy- How People Can Make Money From Ideas. Penguin Books,
2002, 264p.
IPECE- INSTITUTO DE PESQUISA E ESTRATÉGIA ECONOMICA DO CEARÁ. Apresentação do
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LEITÃO, Cláudia Sousa. Economia Criativa e Desenvolvimento. http://revistasera.info/economia-


criativa-e-desenvolvimento-claudia-leitao/ acesso em :outubro de 2015.
MARX, Karl. O Capital. Ano: 1867. Tradutor: SANT’ANNA, REGINALDO; Editora: CIVILIZAÇAO
BRASILEIRA; Coleção: CRITICA DA ECONOMIA POLÍTICA.
OLIVEIRA, João Maria de; ARAUJO, Bruno Cesar de; SILVA, Leandro Valério. Panorama da Economia
Criativa no Brasil – 1880 Texto para Discussão. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),
Brasília, outubro de 2013.
UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Nossa diversidade
criativa: Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento. Brasília: UNESCO, Ed. Papirus,
1997.
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Industries Report 2008.Disponível em: <http://www.unctad.org/en/docs/ditc20082cer_en.pdf>. Acesso
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EL PLAN DEPARTAMENTAL DE CULTURAS DE COCHABAMBA:


PRIMER INSTRUMENTO PARA LA GESTIÓN DE POLÍTICAS PÚBLICAS
CULTURALES EN EL ÁMBITO AUTONÓMICO DEL ESTADO
PLURINACIONAL DE BOLIVIA
Franz Cabrera Quispe1

RESUMO: Se presenta la propuesta del Plan Departamental de Culturas de Cochabamba


(PDCC), primera experiencia de planificación estratégica del ámbito de la gestión pública cultural
en Bolivia. El Plan constituye el instrumento base para la aplicación de políticas culturales
en el Departamento de Cochabamba y fue realizado respondiendo al contexto institucional
y de organización territorial establecido en Bolivia a partir de la promulgación de la Nueva
Constitución Política del Estado el año 2011. El PDCC constituye un aporte específico respecto
al rol de las culturas en los procesos de desarrollo porque, tomando como base la concepción del
Vivir Bien (horizonte de desarrollo del Estado Plurinacional de Bolivia), propone ámbitos de
acción específicos para el impulso de políticas públicas culturales.

PALAVRAS-CHAVE: Planificación cultural, Políticas Públicas, Desarrollo.

1. INTRODUCCIÓN
El año 2009 fue aprobada y promulgada en Bolivia una Nueva Constitución Política
del Estado (CPE), que há cambiado notablemente la determinación y estrutura del país. Boliva
asume el Vivir Bien como nuevo horizonte y paradigma de Desarrollo y en ese contexto se ha
emprendido la formulación del Plan Departamental de Culturas de Cochabamba como instru-
mento que pretende ser una respuesta al proceso arduo de generación de Políticas Culturales que
debe seguirse para la consolidación del nuevo Estado y el logro del Vivir Bien en el contexto de
la cualidad autonómica del Departamento de Cochabamba.
La intención fundamental es avanzar hacia el ejercicio pleno de los derechos culturales
de todos los habitantes del departamento, para ello el Plan Departamental de Culturas de Cocha-
bamba se propone como un instrumento de planificación, a mediano y largo plazo y orienta las
acciones del conjunto de instituciones del sector, y de los agentes del campo de las culturas en
el Departamento.

1
Economista especializado en Planificación y Gestión Cultural. limbert.cabrera@gmail.com

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2. ENFOQUE CONCEPTUAL
2.1 Vivir bien
El Vivir Bien es la noción fundamental que guía la definición de políticas públicas para el
desarrollo del Estado Plurinacional. Se trata de un conjunto de conceptos filosóficos que se cons-
tituyen en paradigma de desarrollo alternativo a la noción de bienestar como progreso material.
Dada la complejidad del planteamiento, no hay aún consenso pleno respecto a la defini-
ción del Vivir Bien. Se asume básicamente la definición establecida en La Ley N° 300, Ley Mar-
co de la Madre Tierra y Desarrollo Integral para Vivir Bien, que plantea la siguiente definición:
“El horizonte civilizatorio y cultural alternativo al capitalismo y a la
modernidad que nace en las cosmovisiones de las naciones y pueblos
indígena originario campesinos, y las comunidades interculturales y
afrobolivianas, y es concebido en el contexto de la interculturalidad. Se
alcanza de forma colectiva, complementaria y solidaria integrando en su
realización práctica, entre otras dimensiones, las sociales, las culturales,
las políticas, las económicas, las ecológicas, y las afectivas, para per-
mitir el encuentro armonioso entre el conjunto de seres, componentes y
recursos de la Madre Tierra. Significa vivir en complementariedad, en
armonía y equilibrio con la Madre Tierra y las sociedades, en equidad y
solidaridad y eliminando las desigualdades y los mecanismos de domi-
nación. Es Vivir Bien entre nosotros, Vivir Bien con lo que nos rodea y
Vivir Bien consigo mismo” (Ley 071. Art.5, 2)
Considerando la definición planteada se puede afirmar que, a diferencia del concepto
occidental de “bienestar”, la propuesta del Vivir Bien es la expresión, basada en aspectos cul-
turales, que condensa una forma distinta de entender la satisfacción compartida de las necesi-
dades humanas.
La Constitución Política del Estado (CPE), en sus Arts. 7, 8 y 9, incorpora el “Vivir
Bien” como principio de la “vida comunitaria”, rescatando la visión de los pueblos indígenas
en la que el ser humano ya no es el centro de la organización jurídica.Se entiende que en este
contexto, el reconocimiento de la diversidad cultural permitirá asegurar el ejercicio de los dere-
chos, la responsabilidad y obligación social mediante procesos colectivos de toma de decisiones
y acción, donde la comunidad es la protagonista e impulsora de procesos y no receptora pasiva
de directrices verticales.

2.1.1 Las Dimensiones del Vivir Bien


En un ámbito que permita una operativización de los planteamientos mencionados, se
han identificado lo que serían las dimensiones del Vivir Bien que harían posible su gestión:

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El acceso a los bienes materiales y el disfrute de ellos. La satisfacción de ne-


cesidades materiales de los seres humanos de forma colectiva e individual. Se
produce y se consume para satisfacer necesidades, no para acumular ni generar
exclusión.
La realización afectiva, espiritual y subjetiva. Se refiere al orden subjetivo que
permite identificar el bienestar, la sensación de la población en términos de su
estado de ánimo y satisfacción compartida en comunidad y en armonía con la
naturaleza. Tiene que ver con lo cualitativo de la experiencia humana y se expre-
sa en el reconocimiento a la identidad, el aprovechamiento del tiempo libre y la
celebración de la vida.
La vida en comunidad (No podemos vivir bien si el otro vive mal). Se considera
aquí la responsabilidad colectiva en la toma de decisiones sobre los recursos, el
espacio público y las necesidades materiales y espirituales en los distintos niveles
territoriales e institucionales. Se refiere también al respeto entre los grupos socia-
les de diversas culturas y respeto a la diferencia como la base de las relaciones
sociales coexistentes.
Volver a ser. Supone la recuperación de la identidad cultural y con ello la cos-
movisión y principios como la complementariedad, la reciprocidad y otros que
aseguran condiciones de equilibrio en las relaciones económicas sociales y am-
bientales.
Armonía con la madre tierra. Implica la renovación en la mirada a la naturaleza
superando el enfoque utilitarista; volver a la naturaleza, saber que todo vive y
que todo está interconectado e interdependiente, y donde el hombre es una parte
más de esa naturaleza y no el centro. La construcción de relaciones de respecto
y reciprocidad entre el ser humano y la naturaleza.

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Gráfico 1: Dimensiones del Vivir Bien

Elaboración propia en base a información de MPD: 2009

2.2 Vivir bien y culturas


Desde la construcción relativa al Vivir Bien se entiende que las culturas contienen la me-
moria histórica, las identidades, los territorios, las prácticas sociales, las creaciones y adaptacio-
nes tecnológicas y las cosmovisiones de los pueblos; son, así, la base de la acción humana que
genera procesos de cambio. Las culturas son un elemento constituyente de las características de
vida de las personas, quedando absolutamente superado el cliché que indicaba que al hablar de
cultura se hace referencia sólo al espacio del ocio y las bellas artes.
Tomando en cuenta lo mencionado se ha evidenciado que lo cultural representa una
parte fundamental del desarrollo porque determina, además de posibilidades de generación eco-
nómica, el fortalecimiento del capital social de un territorio, entendido como el conjunto de
relaciones sociales que identifican una comunidad y que ayuda a establecer sus posibilidades
organizativas para acometer desafíos en bien de sí mismos.
Se evidencia que las culturas determinan la base real de lo que implica el desarrollo; si
bien lo que se busca es satisfacer las necesidades básicas, hay que tener en cuenta el modo en
que las necesidades se manifiestan y aspiran a ser cubiertas por los colectivos. A pesar de la po-
breza material, la vida de las comunidades se compone de elementos culturales imprescindibles
para el mantenimiento de sus capacidades sociales, que también inciden en la superación de sus
necesidades básicas (Seminario Internacional Biarritz, 2010).

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En ese mismo sentido, la propuesta del Vivir Bien al tener entre sus bases la valoración
de la vida y la búsqueda de la realización de las personas en un ámbito comunitario, afirma que
la cultura no es un medio para el desarrollo, sino un fin. Las divergencias culturales, el tejido
de la diversidad, dejan de ser impedimentos para convertirse en oportunidades que deben ser
tenidas en cuenta como opciones para mejorar las condiciones de vida.

2.3. Planteamiento operativo


Para el desarrollo del Plan Departamental de Culturas se ha planteado la siguiente defini-
ción de campos operativos desde lo cultural para la gestión de la propuesta teórica del Vivir Bien:

Gráfico 2: Ámbitos de acción para la operativización del Vivir Bien desde la gestión cultural

Elaboración Propia

2.4. Concepción de culturas adoptada en el plan departamental de culturas


de Cochabamba
• Se apunta aquí un conjunto componentes que sintetizan el entendimiento de culturas
que adopta la gestión pública departamental de Cochabamba.
• La cultura es producción que involucra tanto al individuo como a la colectividad,
encontrándose siempre en constante transformación.
• Forma parte de la manera en que entendemos, sentimos y vivimos tanto nuestra rea-
lidad como la del mundo, así constituye espacio y memoria.

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• Se relaciona a un conjunto de significantes (bienes, valores y costumbres) que nos


identifican como miembros de una determinada sociedad.
• Involucra procesos de creación y recreación de conocimientos concretos, delimita-
dos y específicos sobre el universo material, científico y técnico; conocimiento que
se transmite, recrea y rectifica o confirma de generación en generación.
• Comprende características de los procesos de la producción de bienes, expresados
en la diversidad de acciones y hechos en los cuales los individuos y las comunidades
plasman su saber, sus formas de hacer y su sentido y sensibilidad estética.
• Implica el ejercicio de un conjunto de representaciones, percepciones, interpretacio-
nes y valores simbólicos y significados, expresados en lenguajes, costumbres, formas
compartidas de ver el mundo y de actuar de modo peculiar y diferente al de otros
individuos, pueblos o sectores sociales.
• Es un factor de desarrollo y bienestar psicosocial, medio que permite el fortaleci-
miento democrático y la participación ciudadana.
• Es un derecho humano inalienable de todos los habitantes del territorio.
• Cabe también apuntar que se asume la visión de horizontalidad en la comprensión de
las culturas, es decir, en ningún caso se supone que una cultura sea superior a otra.
Así, en el contexto global, todas las culturas entrarían en una suerte de intercambio
con el mismo “estatus”, sin embargo, un factor de diferenciación, será tanto las for-
mas como los medios que estas culturas empleen para recibir y externar sus crea-
ciones, patrones de conducta, ideas, producciones, valores, gastronomía, creencias,
modelos de vida, etc.

3. PROPUESTA ESTRATÉGICA
El Plan Departamental de Culturas de Cochabamba se propone como un instrumento que
busca esencialmente el fortalecimiento de identidades y procesos culturales para la convivencia
de personas y comunidades en relaciones de armonía e igualdad. En ese sentido, este plan se ar-
ticula a la visión de construcción departamental enunciada en el Plan Departamental de Cocha-
bamba para Vivir Bien y enriquece, desde un ámbito sectorial, las propuestas para alcanzarla.

3.1. Objetivo y estructura del plan


3.1.1. Objetivo del Plan Departamental de Culturas
La visión de futuro o aspiración de la población en cuanto al ámbito de acción de este
Plan Departamental de Culturas del Departamento de Cochabamba 2014–2025 es:
Afirmar las identidades y los procesos culturales del departamento de
Cochabamba a través del diálogo intra e intercultural, la descolonizaci-

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ón y la creatividad social, en ejercicio pleno de los derechos culturales


para vivir bien.
Este objetivo ha sido construido en un largo proceso de encuentros entre diversos actores
territoriales y sectoriales del departamento y se establece como finalidad consensuada para el
desarrollo cultural departamental.

3.1.2. Propuesta de Gestión


En un primer momento del diseño de los ámbitos de acción del Plan se ensayó la genera-
ción de un ámbito específico de acciones correspondiente a cada una de las dimensiones del Vivir
Bien, sin embargo la cualidad integral del paradigma, además de la búsqueda de ámbitos de acci-
ón cultural adecuados a la institucionalidad departamental han generado cuatro ejes estratégicos
de acción diseñados en una secuencia lógica para la estructuración de las propuestas operativas.

Gráfico 3: Dimensiones del Vivir Bien y Ejes estratégicos del Plan departamental de Culturas

Elaboración Propia

3.2. Líneas transversales y ejes estratégicos para el desarrollo cultural


3.2.1. Líneas Transversales
Las líneas transversales del Plan Departamental de Culturas son enunciados que facilitan
el flujo y el diálogo entre los Ejes Estratégicos de acción en diferentes niveles de concreción,
armonizando y unificando enfoques y lenguajes.

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a) Descolonización
Implica asumir la compleja diversidad de voces, proyectos e imaginarios producidos por
las distintas comunidades de la diversidad departamental, también fortalecer la capacidad de
autodeterminación de cada comunidade en un proceso básico de liberación y de autonomía en
favor de incrementar y garantizar el ejercicio los derechos de los pueblos indígenas, colectivos
urbanos y distintos grupos sociales.
Descolonizar, en términos interculturales, implica que ya no existe un centro como me-
dida de otras culturas, más bien permite un principio de diálogo entre ellas. La idea es construir
un contexto de convivencia mediante la participación igualitaria entre todas las culturas.
b) Interculturalidad
Alude a la relación respetuosa entre culturas y al establecimiento de relaciones armóni-
cas con otros diversos. Asumir la diversidad desde la óptica de la interculturalidad supone un
ejercicio de doble vía: se quiere entender al otro pero también se busca ser entendido por el otro.
Al reconocer la diversidad cultural de un territorio, se develan las particularidades cultu-
rales de los espacios que la constituyen, lo que implica repensar las maneras de intervención en
este ámbito. Supone también una pedagogía que permita entender que la transformación de los
individuos se produce en interacción con otros y que el proyecto colectivo es entre diferentes.
c) Inclusión
La promoción de inclusión implica abordar las ineficiencias institucionales que generan
actos de exclusión por parte de distintos agentes y que resultan en desventajas basadas en gé-
nero, edad, etnicidad, ubicación, situación o incapacidad económica, educativa, de salud, etc.
Dado el carácter pluricultural del departamento de Cochabamba, la inclusión cultural
requiere que se reconozca y promueva la diversidad cultural como elemento fundamental de
las iniciativas.

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Gráfico 4: Líneas transversales y Ejes estratégicos del Plan departamental de Culturas

Elaboración Propia

3.2.2. Ejes estratégicos de acción


El conjunto de Ejes estratégicos ha sido definido como un sistema de relaciones confor-
mado por las políticas públicas, sus dimensiones, los programas a impulsarse a partir de estos
y los componentes de cada uno de ellos. El conjunto de los Ejes responde de manera integral
al objetivo planteado y entre ellos tienen en común su relación con el proceso de la producción
cultural del conjunto territorial del departamento de Cochabamba.
Se han definido cuatro ejes estratégicos de acción:
• Fortalecimiento de Identidades y Territorialidades
• Reconstitución del tejido social para la convivencia armónica
• Comunidades creativas
• Gestión del conocimiento y fortalecimiento institucional

3.2.3. Las Políticas Culturales


Las políticas culturales constituyen ámbitos específicos de gestión pública fruto de la or-
ganización de los Ejes Estratégicos en temáticas específicas. Son criterios o directrices de acción
elegidas como guía en el proceso de toma de decisiones al poner en práctica los ejes estratégicos
en niveles institucionales.

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3.2.4. Líneas de acción estratégica


Constituyen compartimentos concretos para la implementación de cada una de las Po-
líticas Culturales Departamentales. Se han establecido como perímetros necesarios para dar
operatividad a las iniciativas de acción pública para el desarrollo cultural y engloban acciones
encaminadas al logro de un objetivo determinado.

3.2.5. Los Programas


Son espacios específicos de acción de las políticas culturales y responden al campo defi-
nido por las estrategias. Serán incluidos en la programación estratégica departamental y a partir
de ellos contaran con recursos y medios para su concreción.

3.2.6. Los componentes de Programa


Los componentes de Programa constituyen propuestas de acción concreta, interrelacio-
nadas y coordinadas entre sí. Se materializarán en iniciativas implementadas efectivamente en
el territorio del departamento y con participación de todos los actores involucrados.

4. MARCO PROGRÁMATICO
4.1. Eje estratégico 1: Fortalecimiento de identidades y territorialidades
Este eje estratégico está fundado en la idea de valoración de los patrimonios tangibles e
intangibles propios de las culturas locales como fuentes para la revitalización de las memorias
y la construcción de futuro. Promueve el reconocimiento, fomento y salvaguardia de las formas
de creación y de las memorias en el conjunto del territorio departamental, y la democratización
de las oportunidades de goce y disfrute de las creaciones del patrimonio en general. Plantea
también acciones para la afirmación y reconocimiento de las territorialidades como escenarios
de prácticas sociales y culturales en la pluralidad departamental. Se busca establecer referentes
de la identidad cultural departamental y nacional.
En el caso del patrimonio tangible, que alude a las narraciones oficiales construidas por
el conjunto institucional de la sociedad y que se materializa en sitios simbólicos, monumentos,
parques, edificios, etc., su protección no se plantea sólo por su valor estético o material, sino
por ser elementos depositarios de la memoria de prácticas sociales y culturales que les otorgan
distintos sentidos. Por otro lado, el patrimonio intangible constituye el conjunto de legados
culturales que hemos recibido como herencia relativa a las costumbres de vida; la relación cons-
truida con el territorio, las lenguas indígenas, los nuevos lenguajes, los imaginarios colectivos,
entre otros.

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Política 1: Política Departamental de Gestión del Patrimonio Cultural para el


reconocimiento y empoderamiento social.
Tiene el objetivo de Conocer y reconocer la riqueza patrimonial construida por las comu-
nidades y personas del departamento de Cochabamba para impulsar los procesos de patrimonia-
lización incluyentes, participativos y bajo la idea de que la memoria y la creación son elementos
edificantes del Vivir Bien.
Líneas de acción:
• Investigación y Conocimiento de la Memoria Departamental
• Protección, Valoración, Conservación y sostenibilidad del patrimonio cultural del
departamento
• Reconocimiento, Difusión y Comunicación para la valoración social del patrimonio
• Participación Social para el respeto de la diversidad cultural

4.2. Eje estratégico 2: Reconstitución del tejido social para la convivencia armónica.
Se promueve la construcción positiva de relaciones de convivencia en el territorio de-
partamental. Para ello se busca la edificación de vínculos de interculturalidad e intraculturalidad
entre individuos y grupos humanos del departamento con otras regiones del país y el mundo. Se
reconoce la pluralidad de las expresiones del territorio y sus diferencias inherentes asumiendo
estas no como limitaciones, sino como posibilidades de articulación positiva.
Se valida y valora la coexistencia en la diversidad, y en ese marco se promueve la no
discriminación y se rechaza cualquier manifestación de racismo y violencia. Se abordan también
acciones específicas para la descolonización, acciones y mecanismos para el desmontaje de las
trabas y prejuicios heredados del proceso de colonización cultural de los pueblos promoviendo
que las oportunidades lleguen a todos.

Política 2: Política departamental de descolonización e impulso a la intra e interculturalidad


Busca establecer condiciones para la convivencia armónica y encuentro departamental
generando de ámbitos de concurrencia y re-conocimiento a través de la reivindicación histórica
de las culturas, la construcción dialogada de conocimientos e instituciones y el cuestionamiento
de cualquier tipo de discriminación.
Líneas de acción:
• Interculturalidad, revalorización identitaria, encuentro y diálogo para la construcción
de comunidad
• Educación ciudadana y descolonización del espacio público para la construcción
de comunidad.
• Inclusión, despatriarcalización y lucha contra toda forma de discriminación.

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4.3. Eje estratégico 3: Comunidades creativas.


Se busca la estimulación y realización de las grandes posibilidades creativas que carac-
terizan al territorio del departamento de Cochabamba. Se considera un conjunto de iniciativas
de respaldo a procesos de creación, producción, disfrute y participación en los flujos y canales
de circulación de las expresiones artísiticas y culturales del departamento. Se trabaja también la
creatividad ligada a lógicas de producción y circulación económica abriendo espacios para las
industrias creativas e iniciativas productivas basadas en la activación de los acervos culturales
del territorio departamental.

Política 3: Política departamental de formación, producción y difusión de expresiones


artísticas e intelectuales para la convivencia comunitaria
Se busca promover el acceso igualitario de la población del departamento a la partici-
pación y disfrute de las manifestaciones artísticas creativas asumiendo estas como fundamento
para la construcción de una nueva ciudadanía.
Líneas de acción:
• Formación y educación artística y cultural
• Participación en la producción artística y cultural.
• Muestra y circulación de manifestaciones artísticas y culturales.

Política 4: Política departamental de desarrollo de la economía creativa e industrias


culturales
Promoción del desarrollo de capacidades creativas e innovadoras para la puesta en mar-
cha de proyectos de desenvolvimiento económico desde el sector Cultural.
Líneas de acción:
• Cultura y Desarrollo Económico con Identidad

4.4. Eje estratégico 4: Fortalecimiento institucional y gestión del conocimiento para


el desarrollo cultural
Para que las prácticas de convivencia pacífica y participación ciudadana puedan ser ade-
cuadamente planteadas y gestionadas es necesario formar personas y colectivos que cuenten con
las capacidades necesarias para conducir procesos de desarrollo cultural. Se proponen iniciativas
encaminadas al fortalecimiento de las capacidades, principalmente de los servidores públicos.
Se busca también la generación de procesos de comunicación para el desarrollo cultural,
entendiendo a la comunicación en una perspectiva amplia como un proceso de producción, cir-
culación y apropiación de sentidos.

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Política 5: Mejoramiento de capacidades institucionales para la gestión y difusión del


patrimonio y las culturas
Fortalecimiento de las capacidades institucionales estableciendo sistemas de colaboraci-
ón cultural en las administraciones públicas del departamento para gestionar de modo eficiente
y constructivo las posibilidades de desarrollo cultural.
Líneas de acción:
• Fortalecimiento de la institucionalidad pública para el desarrollo cultural
• Articulación de Cochabamba con el país y el mundo a partir de su condición de ter-
ritorio de encuentro e interculturalidad.

Política 6: Política Departamental de Comunicación Cultural para el fortalecimiento y la


participación comunitaria
Promoción de la producción de conocimiento y contenidos ligados al fortalecimiento de
las identidades y las culturas e impulsar su difusión para el desarrollo del departamento.
Líneas de acción:
• Comunicación pública para y desde el território.

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POLÍTICAS CULTURAIS SOBRE OS ARQUIVOS, PATRIMÔNIO E MEMÓRIA


FERROVIA NO BRASIL.
Frederico Antonio Ferreira1
Rodrigo Pereira2

RESUMO: Artigo busca examinar as políticas culturais em torno da Memória e do Patrimônio


Arquivístico Ferroviário expressas nas normas jurídicas em torno da liquidação e extinção da
Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) entre os anos de 1999 a 2007. Procurando
transcender a perspectiva exclusivamente administrativa, legal e financeira busca-se evidenciar
como que as legislações relacionadas aos acervos e as práticas previstas para eles, manifestam
os conflitos de ideias sobre as ferrovias e as disputas em torno desta Memória e Patrimônio.

PALAVRAS-CHAVE: Rede Ferroviária Federal S.A, Memória, Patrimônio Arquivístico,


Legislação, Política cultural.

1. POR UMA INTRODUÇÃO


Uma das obras mais famosas do autor brasileiro Heitor Villa-Lobos, conhecida popular-
mente como “Trenzinho Caipira” é parte integrante das Bachianas brasileiras nº 02 e tem como
aspecto mais característico fazer com que os instrumentos da orquestra imitem o movimento
que se assemelham ao de uma locomotiva. Essa obra composta em 1930, mostra a importância
que as ferrovias possuíam tanto na integração nacional, quanto na formação histórico-cultural
de inúmeras localidades no Brasil. Esse destaque das estradas de ferro para o país dá ao assunto
uma relevância ímpar.
Parte desta importância econômica e da amplitude do tema pode ser medida pelas dimen-
sões da própria malha ferroviária que compunha a então Rede Ferroviária Federal Sociedade
Anônima – RFFSA. As ferroviais ativas no Brasil, na década de 1990, chegavam aproximada-
mente vinte e dois mil quilômetros de extensão, contendo seiscentos e sessenta estações e aproxi-
madamente sessenta mil funcionários (RFFSA, 1991). Mesmo atendendo a setores da economia
1
Mestre em História, doutorando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Arqui-
vista do Departamento de Órgãos Extintos – DEPEX – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG.
Contato: arquivistafred@gmail.com
2
Mestre em Ciências Sociais (UERJ), mestre em Arqueologia (UFRJ), doutorando em Arqueologia (UFRJ). La-
boratório de História das Experiências Religiosas (LHER/IH/UFRJ). Contato: rodrigopereira.cso@uol.com.br

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como siderurgia, agricultura, construção e energia (RFFSA, 1991), a empresa foi colocada em
liquidação em 1999 (BRASIL, 1993) sendo definitivamente extinta em 2007 (BRASIL, 2007a).
Os mais de cento e sessenta anos de existência das ferroviais no Brasil e as inúmeras
instituições públicas e privadas envolvidas com sua implantação geraram uma série de registros,
seja em bens móveis e imóveis, seja como documentos de caráter arquivísticos, biblioteconô-
micos ou museológicos de grande valor histórico, artístico e cultural. A sequência de criações
e extinções, nem sempre coordenadas e planejadas, de empresas ferroviárias entre 1850 a 2007
contribuíram para a formação do Patrimônio Cultural Ferroviário Brasileiro.
Diante disso, este artigo procura contribuir para o debate acerca das Políticas Culturais
em torno do Patrimônio Arquivístico Ferroviário Brasileiro, buscando refletir sobre seu valor
histórico e social, assim como evidenciar como que as legislações relacionadas aos acervos e
as práticas previstas nestas, manifestam os conflitos de ideias sobre das ferrovias e as disputas
em torno da Memória e do Patrimônio. Por mais que as medidas tomadas pela administração
pública quanto a destes arquivos pareçam meramente rotineiras e despretensiosas refletem as
relações de poder intrínsecas à produção e circulação de significados simbólicos vinculados a
este conjunto documental.

2. O PATRIMÔNIO ARQUIVÍSTICO FERROVIÁRIO BRASILEIRO


Para fins deste artigo, consideraremos Política Cultural como o conjunto de intervenções
realizadas pelo Estado, cujo objetivo seja o de satisfazer as necessidades culturais da popula-
ção e assim promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas (COELHO, 1997).
Dentre os modos concretos como esta pode manifestar-se, tem lugar privilegiado o ordenamen-
to do aparelho burocrático estatal no sentido de viabilizar as iniciativas tomadas pelos agentes
públicos no sentido de promover a produção, a distribuição e o uso da cultura assim como a
preservação e divulgação do Patrimônio Histórico (COELHO, 1997).
Como Patrimônio, ou Patrimônio Cultural, entendemos o bem ou conjunto de bens – na-
turais ou culturais – de importância reconhecida para determinado lugar, região, país ou mesmo
para a humanidade, que passam por um processo de proteção e preservação (COELHO, 1997).
Tal concepção coaduna com a perspectiva utilizada pela Constituição de 1988. A Carta Magna
classifica como Patrimônio as formas de expressão, os modos de criar, de fazer e viver, assim
como criações científicas, artísticas e tecnológicas (BRASIL, 1988). Para além destes já citados,
elenca também como sendo Patrimônio as “obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais” (conforme o Art. 216, IV). Além disso,
os coloca como responsabilidade do Estado no sentido de que cabe “à administração pública,
na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua
consulta a quantos dela necessitem” (conforme Art. 216, § 2º).

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Nesta perspectiva de compreensão do conjunto dos registros documentais sob a perspec-


tiva de Patrimônio, conforme descrito na Constituição Federal, é possível identificar a formação
de um Patrimônio Arquivístico. Entendemos como Patrimônio Arquivístico o conjunto dos ar-
quivos de valor permanente3, públicos ou privados, existentes no âmbito de uma nação, de um
estado ou mesmo de um município (ARQUIVO NACIONAL, 2004). Assim, é possível afirmar
que o conjunto de documentos de valor permanente sob a custódia das empresas ferroviárias
brasileiras, sejam eles de natureza pública ou privada, formam um Patrimônio Arquivístico.
Isto posto, o Estado possui sobre eles uma dupla responsabilidade: protege-los como
Patrimônio Cultural assim como promover a gestão destes de modo a garantir sua utilização
para quanto deles necessitarem. Podemos definir que as ações desenvolvidas pelo Governo no
sentido de proteger, conservar e disponibilizar estes conjuntos de documentos públicos são tam-
bém Política Cultural. A forma como o Estado organiza seu aparelho burocrático, por meio da
legislação, no sentido de viabilizar a gestão documental e as providências para franquear sua
consulta são medidas importantes no sentido de atender as necessidades culturais de sua popu-
lação na construção social de seu passado (MEDEIROS, 2011).

3. OS ESTUDOS RELATIVOS AO PATRIMÔNIO ARQUIVÍSTICO FERROVIÁRIO


Os estudos sobre o Patrimônio Arquivístico Ferroviário muita das vezes aparece como
aspecto residual dentro da historiografia acerca das ferrovias no Brasil. Os acervos documentais
relacionados às primeiras linhas férreas do país se confundem com o conjunto dos documentos
da RFFSA. Os poucos pesquisadores que se voltam para a temática dos arquivos focam-se em
casos específicos, restritos aos arquivos de unidades regionais, especialmente as do centro-sul do
país. Em contraponto, sobre outras unidades no norte-nordeste há quase que o completo silêncio.
Merece destaque positivo os esforços promovidos por Oliveira (2010, 2011, 2012), Car-
mo (2012), Souza (2010) e Gomes (2013) que tanto em aspectos técnicos relacionados à docu-
mentação ou refletindo acerca da memória e do patrimônio ferroviário brasileiro, contribuem
para suscitar o debate acerca destes aspectos que parecem secundarizados diante da importância
econômica das ferroviais. Essas características de restrição sobre as análises destes conjuntos
documentais não permitem sua compreensão total e ofuscam a importância histórica e cultural
enquanto patrimônio, assim como as políticas culturais empreendidas pelo Estado sobre eles.
Para as instituições responsáveis pelas políticas públicas de gestão do patrimônio cultu-
ral ligado à memória ferroviária, especialmente aquelas relacionados a RFFSA, eles são geridos
de modo particionado por diversos órgãos como Inventariança da Extinta RFFSA, Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Departamento Nacional de Infraestrutura

3
Arquivo Permanente - Conjunto de documentos preservados em caráter definitivo em função de seu valor. Tam-
bém chamado de arquivo histórico (ARQUIVO NACIONAL, 2004).

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de Transporte (DNIT), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, (MPOG), assim como


Ministério dos Transporte (MT) cada um adotando sua própria gestão deste patrimônio arquivís-
tico (BRASIL, 2007a; 2007b).

4. A TRAJETÓRIA DO PATRIMÔNIO ARQUIVÍSTICO FERROVIÁRIO


A história da formação deste Patrimônio Arquivístico Ferroviário se confunde com a
própria trajetória das linhas férreas no Brasil. As primeiras estradas de ferro do país datam do
II Reinado (FAUSTO, 2012). Os contatos com as firmas europeias traziam consigo métodos e
processos de trabalho pautados na burocracia weberiana e com eles a busca por uma maior siste-
matização do trabalho, através de um maior registro mais apurado das atividades em documentos
(BUZELIN, 2009). Diante destas inovações técnicas e administrativas, se formavam os primeiros
acervos que comporiam o Patrimônio Arquivístico Ferroviário Brasileiro.
A marcha da cafeicultura entre o fim do século XIX e início do século XX fez com que
as ferrovias avançassem (FAUSTO, 2012). Neste período algumas firmas ferroviárias passaram
a incorporar outras. Esta inclusão trazia consigo a inclusão de mais documentos (BUZELIN,
2009). A medida em que as firmas ferroviárias se fundiam ou eram adquiridas, umas pelas
outras, os acervos das primeiras se misturavam com os de sua sucessora ou simplesmente desa-
pareciam, perdendo assim sua unicidade4 e sua integridade enquanto fundo5 documental (BU-
ZELIN, 2009).
A partir da década de 1930 o Estado passa a encampar algumas empresas ferroviárias.
Durante o governo do presidente Juscelino Kubitscheck (anos) é fundada a RFFSA (BRASIL,
1957). Em um primeiro momento os arquivos eram geridos de modo autônomo por cada uni-
dade (BUZELIN, 2009). Com o Golpe Militar de 1964 tem lugar o processo de geração de um
sistema administrativo e de normatização único para toda a empresa (BUZELIN, 2009). Com
isso as práticas de gestão de documentos se padronizaram.
Os acervos das antigas estradas de ferro são negligenciados e mesclados com os novos
registros, perdendo assim sua integridade e organicidade original impossibilitando a compreen-
são de seu contexto orgânico de acumulação6 (BUZELIN, 2009). Estas unidades enterrariam de-
finitivamente a memória e os resquícios das antigas estradas de ferro que antecederam a RFFSA.
4
Princípio da Unicidade é uma premissa arquivística que postula que os documentos de arquivo devem conservar
o seu caráter único em função de seu contexto orgânico de produção, independentemente de sua forma, gênero, tipo
ou suporte sobre o qual está registrado (DURANTI, 1994).
5
Fundo Documental é o conjunto de documentos de uma mesma proveniência, equivale à arquivo (ARQUIVO
NACIONAL, 2004).
6
Entende-se como contexto orgânico de acumulação às inter-relações existentes entre as funções, atividades e
tarefas desenvolvidas por uma entidade, que formam um todo orgânico refletido nas inter-relações de seus docu-
mentos que, no conjunto – o arquivo – reflete a missão do seu produtor, determinando seu significado. A perda de
organicidade, por acumulação não metódica ou desordem dos documentos, resultaria na perda da sua plena inteli-
gibilidade (RODRIGUES, 2004, p. 47).

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Isto posto, é importante frisar que desde os primórdios da formação Do Patrimônio Ar-
quivístico Ferroviário o modo como este foi gerido, seja enquanto empresa privada seja após sua
encampação pelo Estado em 1957, atuou em função de sua utilidade para fins administrativos,
legais e fiscais, em detrimento de sua importância histórico-cultural.
O modo como os arquivos das primeiras ferrovias foi tratado pela empresa estatal refle-
tem, em última análise, o conflito entre duas visões sobre do tema. As transformações gradativas
quanto à gestão dos documentais originários da própria RFFSA, assim como os acumulados das
antigas ferroviais, antes de serem medidas sem pretensão refletem as relações de poder próprias
a produção e circulação dos significados simbólicos ligados a estes arquivos e os aspectos que
os vinculam à memória e à formação do patrimônio histórico e cultural.
Na década de 1990 a RFFSA sofre os efeitos das mudanças advindas das transformações
na conjuntura política pelas quais o país passava, assim como, das transformações nas filosofias
gerenciais da Administração Pública. Após um longo processo de enfraquecimento político-insti-
tucional a empresa tem parte de suas atribuições compartilhadas por outras estatais (SETTI, 2008).
Neste contexto houve o fechamento das cessões relacionadas a informação e documenta-
ção nas unidades regionais e a dispensa dos técnicos responsáveis por sua manutenção (BUZE-
LIN, 2009). Isso fez com que estes acervos fossem administrados por outros setores e com isso
a uniformidade dos modos de gestão acabasse se perdendo.
Dentro do Governo de Fernando Collor (1990-1992), a RFFSA é introduzida no Progra-
ma Nacional de Desestatização (PND). A empresa é desmembrada em regiões em 1996 e estas
foram disponibilizadas para cessão à iniciativa privada no Governo Fernando Henrique Cardo-
so (1995-2002). Cinco grandes companhias adquirem a concessão destas subdivisões7 (SETTI,
2008). A RFFSA veio a ser extinta em 2007, já no Governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-
2010). Com isso, parte da documentação relativa a funcionários em exercício foram cedidas para
as concessionárias (BUZELIN, 2009).
Os demais funcionários da RFFSA, assim como bens e recursos que não foram incor-
porados às empresas concessionárias passaram a ser de responsabilidade da União (BRASIL,
2007a). Para este fim criou-se a Inventariança da Extinta RFFSA (BRASIL, 2007b); dentre suas
atribuições estava o tratamento dos acervos arquivísticos e bibliográficos à serem transferidos
para os órgãos sucessores responsáveis.
A forma como se deu o processo de liquidação, extinção e concessão da malha ferroviá-
ria vai influenciar diretamente no modo como o patrimônio arquivístico seria gerido a partir de
então. A preocupação com os aspectos econômicos, jurídicos e administrativos e a relativização
7
A Companhia Ferroviária do Nordeste adquire a concessão das linhas no Nordeste, a Ferrovia Centro Atlântica e
a Vale do Rio Doce conseguem a concessão de linhas em Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e Tocantins; A MRS
adquire as linhas localizadas no Rio de Janeiro, Sul de Minas e Leste de São Paulo, a Ferrovia Bandeirantes no
interior paulista, a América Latina Logística na região Sul e a Novoeste no Mato Grosso do Sul (SETTI, 2008).

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de sua importância histórico-cultural estão patentes nas legislações relativas ao tema8. As Polí-
ticas Culturais previstas para os agentes públicos que seriam detentores deste Patrimônio se re-
sumiria a receber, administrar e zelar pela sua guarda e manutenção (BRASIL, 2007b) e mesmo
assim, tais premissas seriam de responsabilidade de apenas um dos sucessores.

5. A LEGISLAÇÃO ACERCA DO PATRIMÔNIO ARQUIVÍSTICO FERROVIÁRIO


O debate a respeito da responsabilidade do Estado sobre a produção cultural assim como
a formulação de princípios que norteiem a elaboração de política públicas de cultura tem ganha-
do força nos últimos anos (CALABRE, 2009). A cultura e o patrimônio deixam de ser entendi-
dos como aspectos secundários da ação dos governos e passam a assumir um papel estratégico
principalmente no que tange a inclusão social e a diminuição das desigualdades (CALABRE,
2009). Para uma compreensão adequada das políticas culturais desenvolvidas pelo Estado – es-
pecialmente aquelas voltadas para a defesa do Patrimônio Arquivístico Ferroviário no período
após 2007 – faremos um mapeamento das ações dos governos previstas para o setor nas legisla-
ções9 no sentido de garantir a manutenção, a divulgação e a utilização deste Patrimônio.
Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso as legislações relacionadas a extinta
RFFSA foram quase que exclusivamente voltadas para a criação das diretrizes que norteariam
a condução do processo de liquidação da empresa. Elas não apresentam determinações acerca
dos documentos10. Já durante o Governo de Luís Inácio Lula da Silva a temática volta a agenda
política. Entre 2003 e 2007, cinco decretos11 e uma medida provisória12 buscaram terminar com
o processo de liquidação da firma e decidir os sucessores dos bens econômicos assim como do
patrimônio histórico, cultural, arquivístico e bibliográfico da extinta RFFSA e consequentemen-
te de suas antecessoras.
A Medida Provisória nº 353, de 22 de janeiro de 2007, pôs fim ao processo de liquidação
e iniciou uma nova fase no tratamento dos acervos. Além de determinar as atribuições da re-
cém-criada Inventariança quanto aos documentos e demais bens de interesse histórico cultural,
define as instituições sucessoras destes. Diz a norma, em seu Artigo 9º Parágrafo Único, que
caberá ao IPHAN “receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e
cultural, oriundos da extinta RFFSA, caso o bem seja classificado como operacional, e ainda que
o mesmo deverá garantir seu compartilhamento para uso ferroviário (BRASIL, 2007a).

8
Medida Provisória nº 353, de 22 de janeiro de 2007 e Decreto nº 6.018 também de 22 de janeiro de 2007.
9
Medida Provisória nº 353, 22 de janeiro 2007, Decreto nº 6.018, 22 de janeiro de 2007, Decreto nº 11483 de 31
de maio de 2007, Decreto nº 7430 de 17 de janeiro de 2011.
10
O Decreto nº 3277 de 07 de janeiro de 1999, assim como o Decreto nº 4109 de 30 de janeiro de 2002,
11
Decreto nº 4839, 12 de setembro de 2003; Decreto nº 5103,11 de junho de 2004; o Decreto nº 6018 de 22 de
janeiro de 2007; Decreto nº 11483 de 31 de maio de 2007; Decreto nº 7430 de 17 de janeiro de 2011
12
Medida Provisória nº 353 de 22 de janeiro de 2007

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Quanto ao enorme patrimônio econômico da extinta gigante das ferrovias brasileiras, os


bens móveis e imóveis operacionais seriam destinados ao Departamento Nacional de Infraes-
trutura de Transportes (DNIT). Quanto a gestão dos recursos humanos ativos ou inativos, estes
seria dividido entre o MPOG e a VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A13. Os assun-
tos relativos a pessoal jubilado com direito a complementação de aposentadoria seria destinado
ao MPOG, especificamente ao Departamento de Órgãos Extintos (DEPEX), assim como seus
processos trabalhistas, passariam a pertencer a Advocacia Geral da União (AGU).
A forma como a legislação definiu a destinação dos acervos documentais que compu-
nham o patrimônio ferroviário brasileiro, existentes na RFFSA, deram as linhas gerais do modo
como eles seriam administrados. A distribuição dos arquivos tendo como base aspectos jurídi-
cos, administrativos e econômicos, fracionou o fundo documental por diversos órgãos, fazendo
que se repetisse, mais uma vez, a trajetória de perda da identidade dos acervos assim como sua
individualidade e a possibilidade de compreensão de seu contexto orgânico de acumulação.
Considerando a vaga especificação do legislador enquanto o que venha a ser “bens mó-
veis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural” (BRASIL, 2007a) em contraponto à espe-
cificação minuciosa no que tange a aspectos jurídicos, de pessoal e os relativos às propriedades
da extinta RFFSA (BRASIL, 2007), fez com que o modelo de gestão deste patrimônio sob a
custódia desta ignorasse os acervos oriundos das empresas que a antecederam e ainda secunda-
rizava a importância histórica, cultural e como patrimônio destas.
Os ditames propostos a estes outros sucessores levam em conta, apenas, sua utilidade
para fins jurídicos, econômicos e administrativos. Logo, compromete a sua utilidade jurídica,
enquanto instrumento de gestão e mesmo enquanto registro das atividades financeiras. Se já não
fosse o suficiente, destina ao IPHAN a completude dos bens de valor histórico e cultural, e não
especifica os modos como este deva divulga-los nem prevê nenhuma Política Cultural voltada
para a preservação, disseminação, preservação da memória documental das ferrovias no Brasil
nos acervos distribuídos pelos outros órgãos sucessores.
De modo a regulamentar as normas descritas na Medida Provisória anteriormente citada,
no mesmo dia de sua assinatura, é editado o Decreto nº 6 018/2007. Além de dividir a adminis-
tração fundiária dos terrenos da antiga RFFSA entre o DNIT e a Secretaria do Patrimônio da
União – SPU (órgão do MPOG) – ainda arrola o Arquivo Nacional (AN) como destinatário de
parte do acervo e como responsável por assessorar a Inventariança no processo de gestão destes
à serem transferidos (BRASIL, 2007b). Tal norma, em linhas, gerais não altera o panorama geral
do processo de particionamento dos arquivos descritos pela Medida Provisória – com a inserção

13
Empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes cuja função e construir estruturas para a circulação de
ferrovias.

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de órgãos como SPU e AN tal processo se expande – porém o Decreto determina que o proces-
samento técnico dos acervos se deem sob as “normas específicas” (BRASIL, 2007b).
A partilha dos arquivos, como o previsto pela legislação, além de priorizar categorias
como as relativas à administração financeira, patrimonial e de recursos humanos do órgão ex-
tinto, deixa sem sucessor outros conjuntos documentais como a administração geral da empresa
e àquela criada no desempenho de suas funções finalísticas. Essa falta de definição leva a uma
interpretação discricionária de cada entidade pública quanto ao conjunto documental a ser as-
sumido, aprofundando os embates entre eles e dificultando a coordenação no sentido de uma
valorização do Patrimônio Arquivístico Ferroviário como um todo e na concepção de Políticas
Culturais comuns.
A definição de cinco órgãos sucessores para um acervo que mede aproximadamente
quinhentos e sessenta e quatro mil trezentos e trinta e um metros lineares de documentos distri-
buído em onze Estados, mais o Distrito Federal, (medida superior a distância entre a cidade do
Rio de Janeiro/RJ e Vitória/ES) cria uma situação complexa quanto a busca por uma definição
de Política Cultural comum a todos eles no sentido de buscar conservar, divulgar e dar acesso a
este Patrimônio Arquivístico.

6. O PATRIMÔNIO ARQUIVÍSTICO FERROVIÁRIO E A LÓGICA


ESTATIZAÇÃO-PRIVATIZAÇÃO
Apesar das linhas férreas não terem sido necessariamente privatizadas no sentido estrito
da palavra, foram entregues – por meio de concessão – à iniciativa privada para exploração eco-
nômica. Considerando o interesse predominantemente econômico destas, os aspectos relaciona-
dos a preservação da memória e do Patrimônio Ferroviário, assim como a definição de Políticas
Culturais em torno destes, ficaram quase que exclusivamente sob a jurisdição do Estado.
As iniciativas públicas e privadas no sentido de fusão dos fundos das antigas ferroviais e
o fracionamento do acervo da extinta RFFSA demonstram, sob uma ótica ampliada, a própria ló-
gica de construção e desmonte do setor ferroviário. Enquanto na primeira metade do século XX
as ferrovias passavam da lógica da iniciativa privada para o setor público, nas últimas décadas
do mesmo século há o movimento de desmonte do setor enquanto empresa estatal e sua recons-
trução enquanto iniciativa privada (BUZELIN, 2009). Nem na primeira fase, nem na segunda, a
compreensão do Patrimônio Arquivístico Ferroviário recebeu um tratamento que possibilitasse
sua manutenção assim como divulgação e disseminação.
Nesse sentido de se prospectar as Políticas Culturais relacionadas a este Patrimônio é
importante frisar que apesar da incúria e dos entraves jurídicos e administrativos gerados pelas
sucessivas normas acerca deste, existem iniciativas em órgãos públicos que têm atuado no sen-
tido do manter esta memória.

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O IPHAN – órgão responsável segundo a legislação pela administração, guarda e manu-


tenção dos acervos dos bens de valor artístico, histórico e cultural da extinta empresa ferroviária
– tem desenvolvido diversas atividades em torno deles, porém, com uma clara priorização do
patrimônio construído em detrimento dos conjuntos documentais. Um ano após o decreto de ex-
tinção da empresa ferroviária, o Instituto cria a Coordenação Técnica do Patrimônio Ferroviário
que intermediaria as relações com a Inventariança – RFFSA (CAVALCANTI, et al, 2012) 14.
Buscando dar maior objetividade aos termos citados na legislação ao referir-se a bens de
valor artístico, histórico e cultural é publicado uma portaria15 que determina as características
dos bens passíveis de serem considerados como de valor histórico-cultural e no ano seguinte
emite outra norma interna16 onde estes bens são listados de modo explícito. Neste arrolamento
dos bens que formariam o Patrimônio Cultural Ferroviário são listados bens móveis e imóveis
e pouquíssimas menções são feitas ao Patrimônio Arquivístico. O desenvolvimento de Políticas
Culturais voltadas para estes acervos, por sua vez, recai em problemas típicos de uma instituição
pública, como a falta de infraestrutura e condições para o armazenamento destes documentos,
a escassez de recursos humanos assim como os problemas próprios do desmembramento dos
fundos (PROCHNOW, 2014).
Quanto aos demais órgãos sucessores dos acervos pertencentes a extinta RFFSA as Po-
líticas Culturais no sentido de promover a preservação e divulgação do patrimônio histórico
assim como incentivar seu estudo e pesquisa, são mínimas, isoladas e desconexas. A Inventa-
riança da antiga empresa ainda está em atuação e procura dar tratamento aos acervos de modo
a enviá-los a seus sucessores, logo entendendo que cabe a estes desenvolver tais políticas. A
SPU, por sua vez, buscou desenvolver iniciativas junto ao IPHAN no sentido de tornar imóveis
incorporados da antiga ferrovia em centros culturais e museus17, porém as iniciativas não fo-
ram levadas à frente. Quanto ao DEPEX, subdivisão do MPOG para gestão de ex-funcionários
aposentados da extinta Rede, não há menção de políticas culturais, assim como o AN que até o
momento atua apenas assessorando a Inventariança quanto a procedimentos técnicos (ARQUI-
VO NACIONAL, 2015).
Assim sendo, o processo de construção de uma Política Cultural relacionada ao Patrimô-
nio Arquivístico Ferroviário, diante da ausência de uma definição geral para as Políticas Cul-
turais neste caso, ainda está em construção. As medidas adotadas, ainda que de forma errática,
mostram o interesse político no sentido de superar as limitações pertinentes às legislações acerca

14
Portaria IPHAN nº 208 de 2008.
15
Portaria IPHAN nº 407 de 21 de dezembro de 2010.
16
Portaria IPHAN nº 441 de 13 de dezembro de 2011;
17
Conforme pode ser observado pela notícia veiculada no site do próprio órgão: https://gestao.patrimoniodetodos.
gov.br/pastanoticia.2009-07-02.8239097967/spu-ms-promove-o-resgate-da-memoria-ferroviaria-em-ms-atraves-
-dos-imovies-da--rffsa

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do tratamento a ser dado ao Patrimônio Arquivístico Ferroviário, porém ainda são pautadas pelo
interesse administrativo, legal e econômico e uma secundarização de sua importância histórico-
-cultural como suporte da memória local, regional e mesmo nacional.

7. A DUPLA RELEVÂNCIA DO PATRIMÔNIO ARQUIVÍSTICO FERROVIÁRIO


Assim sendo, a responsabilidade do Estado quanto a condução das Políticas Culturais
no que se refere ao Patrimônio Arquivístico Ferroviário possui uma abrangência ampliada. Ao
mesmo tempo que deve-se buscar a preservação, divulgação, disseminação da memória das fer-
rovias enquanto patrimônio de valor histórico e cultural, existe a necessidade de se ter em vista
a gestão documental, como instrumento de apoio à administração e como elementos de prova e
informação para quantos precisarem deles.
Os órgãos estatais sucessores deste Patrimônio Arquivístico, apesar dos tímidos avanços
já empreendidos, precisam coordenar suas atividades no sentido de elaborar Políticas Culturais
que visem preservar, promover e difundir este Patrimônio de modo a torna-lo acessível, não
apenas para os demais institutos governamentais, mas para toda a população afim de torna-lo
útil aos cidadãos que dele necessitarem e a manutenção das representações e simbolismos pró-
prios dos grupos sociais que têm nas estradas de ferro um aspecto importante de sua cultura.
Conforme Storino (2013), ao se referir a memória e cultura ferroviária, postula que para além da
dimensão poética, ou romântica, geralmente relacionada do mundo ferroviário, a sua história e
memória estão marcadas por dramas sociais.

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OS SENTIDOS DO SEM SENTIDO: LEMBRANÇAS DO “REDESENHO”1


Frederico Augusto Barbosa da Silva2

RESUMO: O texto é um conjunto de anotações e reflexões sobre a análise de processos de


políticas públicas. Tem como objeto-memória as discussões, acordos e desacordos conceituais
com Valéria Labrea a respeito do papel da linguagem e de formas possíveis de análise do que
significa “dizer” em políticas públicas. Esse diálogo expressa o encontro entre uma perspectiva
analítico-sociológica e outra mais próxima das cartografias das subjetividades e dos discursos,
algo aparentemente muito próximo do que se chama epistemologias do Sul.

PALAVRAS-CHAVE: política pública; linguagem; narrativa; discurso; Cultura Viva; Redesenho;

1. LINGUAGEM E IDEOLOGIA
A linguagem expressa o limite do que se pode dizer. Sobre o que esta além da linguagem
há o silêncio. Partimos daqui simplesmente para afirmar que a linguagem pode ser usada de
muitas maneiras, mas que embora só se possa dizer algo de dentro da linguagem, contar estórias,
narrar, analisar e avaliar envolvem usos da linguagem muito diversos.
Não reduziremos a análise das políticas pública à adesão a campos ideológicos específi-
cos agenciados por ideia gerais como discurso, narrativa, cultura, estado, sociedade civil, redes,
autonomia etc. Mas na análise de programas de ação concretos podemos encontrar este conjunto
de léxicos associados em quadros de significação complexos.

1
“Os grupos sujeitados não o são menos no nível dos senhores que dão a si mesmos, ou a quem aceitam, do que
no nível de suas massas; a hierarquia, a organização vertical ou piramidal que os caracteriza tem por meta conjurar
toda possível inscrição de não-sentido, de morte ou de estilhaçamento, impedir o desenvolvimento de destruições
criativas, assegurara mecanismos de auto conservação fundados na exclusão de outros grupos; seu centralismo
opera por estruturação, totalização, unificação, substituindo as condições de uma verdadeira “enunciação” coletiva
pela organização de enunciados estereotipados apartados a um só tempo do real e da subjetividade (é nessas cir-
cunstâncias que se produzem fenômenos imaginários de edipianização, superorganização e castração de grupos).
Os grupos sujeitos definem-se, ao contrário, por coeficientes de transversalidade que conjuram as totalidades e
hierarquias; são agentes de enunciação, suportes de desejos, elementos de criação institucional; por meio de suas
práticas não param de confrontar no limite de seu próprio não-sentido, de sua própria morte ou fragmentação (...)
um grupo-sujeito sempre corre o risco de se deixar sujeitar, numa crispação paranoica em que deseja a todo o custo
se manter e eternizar como sujeito” (Deleuze, G. Prefácio, In Guattari, F. Psicanálise e transversalidade –
ensaios de análise institucional , I deias & L etras , A parecida , SP, 2004, páginas 12 e 13).
2
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

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Então, precisamos de uma inicial e rápida formulação a respeito da linguagem e do uso


de assertivas formais (teorias) no processo de análise em políticas públicas. Usar as narrativas
como método é diverso de tomar tudo como narrativa, usar dados estatísticos como recurso
analítico é diverso de tomá-los como medidas-limite de relações sociais, fazer contas ou usar de
proporções numéricas nem sempre é usar teorias econômicas, mas tudo isso envolve o uso de
linguagens com estruturações e procedimentos específicos.
Para muitos o sentido da linguagem é um referente. Proposições deveriam retratar o
estado das coisas. O raciocínio proposicional permitiria a aposição de valores de V ou F para
as sentenças. Mesmo com níveis de generalização variáveis a linguagem poderia ser objeto de
contraste direto ou indireto com as coisas pela derivação lógica de enunciados protocolares ou
observacionais. Pressupõem-se sempre a possibilidade de estabelecimento de valores de verda-
de em contraste com posições ideológicas. Os discursos não corresponderiam ao real, mas atra-
vés do discurso ainda seria possível o desvelamento de posições de sujeito particulares e, mais
misteriosamente, de dentro do próprio discurso saltariam marcadores de posição.
Não é esse tipo de colocação que gostaria de compartilhar.
Gostaria de compartilhar algo mais simples, a necessidade de delimitar formalmente
sobre o que estamos falando ao fazermos pesquisa, avaliação ou políticas públicas. Nesse caso,
gostaria de me apoiar em um conceito difícil e que foi usado de forma recorrente no processo de
Redesenho do Programa Arte Cultura e Cidadania- Cultura Viva: O conceito de rede3.

2. ESTORINHA SOBRE COMO O CONCEITO DE REDE FOI PARAR


NO REDESENHO
Partimos aqui já de resultados da reflexão e não das estórias intricada dos seus múltiplos
processos e narrativas. Depois da primeira pesquisa4 o interesse da Secretaria da Cidadania e

3
O processo conhecido por “Redesenho” ou mais propriamente Grupo de Trabalho Cultura Viva – (GT-Cultura
Viva) tinha objetivos simples: rediscutir conceitos e estabilizá-los, na forma em que os atores achassem mais
conveniente, até mesmo mantendo-os e, por outro lado, resolver alguns problemas pontuais surgidos de pesquisas
anteriores: comunicação, monitoramento e acompanhamento. Na prática até mesmo o nome gerou conflitos a res-
peito dos significados do processo. A desconfiança entre os atores, sintoma das dificuldades estruturais de diálogo,
oferecia-se como marcador de significados.
4 .
A primeira pesquisa foi seguida foi seguida por um conjunto de entrevistas com gestores federais da cultura,
depois por um conjunto de pesquisas de campo e por uma coletânea de artigos sobre o Programa Cultura Viva,
inclusive com artigos realizados no âmbito da primeira pesquisa. A ordem das pesquisas é a seguinte: a) Barbosa da
Silva, F.A. & Araújo, H.E. Cultura Viva – avaliação do programa arte educação e cidadania, IPEA, Brasília, 2010;
b) Barbosa da Silva, F.A. & Midley, S. Políticas Públicas Culturais – a voz dos gestores. IPEA, Brasília, 2011; c)
Barbosa da Silva, F.A. e Calabre, L. Pontos de Cultura – olhares sobre o Programa Cultura Viva”, IPEA, Brasília,
2011; d) Barbosa da Silva, F.A. & Ziviani, P. Cultura Viva – as práticas de pontos e pontões, IPEA, Brasília, 2011;
d) Barbosa, C. L; Medeiros, R. C. F.; Lyra, V. M. G. Avaliação dos Pontões de Cultura do Programa Cultura Viva.
O Olhar dos gestores do Programa Cultura Viva. Relatório da Pesquisa Avaliativa do Programa Cultura Viva. IPEA:
Brasília, 2011 (Coordenação de Cultura, IPEA (não publicada); e) Barbosa da Silva. F. A. & Labrea, V.V. Li-
nhas gerais de um planejamento participativo para o P rograma C ultura V iva , I pea , B rasília , 2014.

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Diversidade Cultural (SCDC)5 era multiplicar o conhecimento do programa. A segunda rodada


de aproximação incluía-se no rol da pesquisa e não da avaliação, incluía imersões nos pontos de
cultura, oficina com pontões para conhecer sua atuação e atualização dos dados através de ques-
tionário. Não era no seu conjunto uma pesquisa avaliativa. Foi toda pontuada e demarcada pela
equipe do primeiro secretário do programa e de seu sucessor. Nenhuma mudança de objetivos
foi negociada posteriormente, embora algumas perguntas adicionais tenham sido feitas ou, ao
menos, foi assim o entendido, com o objetivo de explorar as possibilidades de escalonamento de
valores a serem transferidos. Não tínhamos instrumentos para dar essa resposta. A pergunta não
foi abandonada, mas também não foi respondida.
A pesquisa com os pontos gerou um relatório que mostrava a complexidade de cada ponto
de cultura. Elaboramos tipologias e nenhuma delas permitia inferir qualquer necessidade de mu-
danças conceituais. Apenas mostravam certa instabilidade semântica ou nos usos diferenciados
dos conceitos centrais do programa. Essa instabilidade é um fato. O programa, qualquer programa
de ação pública é dinâmico, especialmente aqueles que ainda estão em processo de maturação.
As oficinas com os pontões foram muito ricas. Nada de muito novo surgiu dali. Os pro-
blemas foram enfatizados. O contexto do programa já era diferente dos primeiros anos heroicos,
que permitiram a sua rápida expansão. Voltando aos objetivos da pesquisa, podemos dizer que
a ideia era focar nos problemas enfrentados pelos pontões na perspectiva própria dos pontões e
mapear as densidades das suas relações em rede.
O terceiro elemento era o questionário. O nível de respondentes foi baixo, cerca de 10%
do universo total, mas já era um número maior do que o da primeira pesquisa. As tabulações
mostraram um pessimismo e críticas importantes. Resolvemos descartar as tabulações por ra-
zões simples e técnicas, o já assinalado percentual de retorno, a incompletude de muitos ques-
tionários, o que nos obrigava a muitos descartes e, finalmente, a incomparabilidade dos dados
de uma pesquisa feita in locu, como na primeira e outra feita pela internet e aparentemente
contaminada com dúvidas e desânimos em relação ao programa.
O processo de negociação do “redesenho” tem outra história. Voltaremos à estrutura do
que foi pactuado mais a frente e na Nota 10 (dez). No momento interessa voltar à questão do pa-
pel do conceito formal na análise de política pública, nesse caso, o conceito escolhido é o de rede.
Fizemos uma opção analítica já no processo de “redesenho do CV”, passo que não estava
previsto inicialmente e que foi o de mostrar que a rede não poderia ser totalizada pela multidão
de redes, inclusive por estas advogarem a autonomia (fazer os planos de trabalho) e por pos-

5
Manteremos o nome SCDC como referência, embora seja uma mescla institucional entre Secretaria da Cidadania
Cultural (SCC) e Secretaria da Identidade e Diversidade (SID).

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suírem interesses divergentes do discurso parafrásico6. Discursos análogos não significam o


mesmo ainda porque são realizados de diferentes posições estruturais.
Interessante que a torção analítica implicava no reconhecimento de conceitos que já fa-
ziam parte do próprio sentido do programa, especialmente aquele que se referia a atuar em rede.
A questão controvertida era a definição de que tipo de agenciamento ou qual a participação do
poder público nisso tudo. Então, situávamo-nos no mesmo nível discursivo, embora em posição
desconfortavelmente diversa, como objeto ou alvo de críticas.
O maior drama não era representado neste teatro, mas no campo do imaginário polí-
tico. Valores (ou conceitos) como autonomia, protagonismo, emancipação – e rede - fixavam
sujeitos em um espaço de diálogo no qual os componentes constitutivos da linguagem eram
compartilhados e configuravam os limites do que se podia dizer. A posição institucional, real
ou imaginária, pouco se nos importa, as desconfianças, ancoradas em comportamentos que as
solidificavam, afinal o programa estava diante de inúmeros impasses, dizia que o diálogo seria
politicamente impossível. A saída honrosa era dizer que o imaginário e a prática se opunham.
Assim, mantinham-se os valores e poder-se-ia acusar a realidade de não dispor os meios para
realiza-los7. A oposição entre discurso e prática jamais foi a minha posição interpretativa. O
simbólico e o prático são constituintes. O que estava comprometido era o diálogo, em parte pelo
método desenhado, mas especialmente pela dificuldade de conversar.
Algo nos justificava a escolha interpretativa. Os trabalhos avaliativos anteriores mostraram
que muito do que se dizia a partir do discurso inaugural se realizava de forma limitada, não apenas
por questões de gestão pública, mas também pelas dinâmicas insuficientes da sociedade civil.
A separação de tipos de rede e o apontamento da necessidade de demarcação empírica
tinha um componente político, seja no sentido de se lançar mão de informações para que os pro-
cessos de diálogo funcionassem, ou para se delimitar uma agenda a respeito da qual se discutiria
e travaria debates políticos.
A volta analítica para uma estratégia pragmática tinha uma razão. A colonização do “re-
desenho” pelo próprio discurso inaugural a interpelar-nos continuamente abria uma janela para
conversação com os pontos.
Abriam-se espaços para rearticular ações comuns e de interesse mútuo, do Estado e
da sociedade civil, qual seja o da construção de uma plataforma digital dialógica. As reuniões

6
Labrea, V. & Barbosa da Silva, F.A, As redes imaginadas do Cultura Viva, VIII ENECULT, Salvador, Bahia,
2012.
7
Passeron, P. & Bourdieu, P. usam de estratégia similar: as pesquisas sociológicas são dispostas no campo de lutas
social pelas igualdades. Os discursos oficiais a respeito da desigualdade da escola, por exemplo, mas também do
acesso a cultura, poderiam ser apontados como parte de processo ideológicos de legitimação da dominação, en-
quanto a realidade da escola e das instituições culturais fazem distribuições, mas sempre mantendo uma dinâmica
de reprodução das desigualdades estruturais reais. Ver Bourdieu, Pierre e Passeron, Jean-Claude – Los herederos
– los estudiantes y la cultura, Siglo XXI Editores, Buenos Aires, Argentina, 2003.

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nesse caso foram muito interessantes e promissoras. As dificuldades operacionais mais uma vez
limitaram essas possibilidades, dependentes da ação dos próprios pontos, mas também do des-
travamento de limitações burocráticas.
Esta linha, aparentemente promissora, não andou.

3. AO SUL: EPISTEMOLOGIAS DAS HETEROGENEIDADES


E SUBJETIVIDADES
Teoricamente lidei com um desafio. As epistemologias do sul, que em parte demarcam
a maneira com a qual os atores dos novos movimentos sociais se deslocam politicamente, têm
como uma de suas características a de posicionar os sujeitos da ação e do discurso no quadro de
campos ideológicos, de interesses e institucionais específicos, sendo que eles jamais são tota-
lizados, sendo sempre fractais e relativamente dispersos, o que significa que a união de hetero-
gêneos se dá pela adesão a um referente8 estabilizado em quadros de narrativas coerentes, mas
relativamente incomensuráveis entre si.
Essas epistemologias abrem margens para ideias de redes, cartografias, transversalida-
des, ações locais, rizomáticas, emergências, ausências etc. A ação pública caracteriza-se pela
ação em escala e por uso de instrumentos de largo alcance, pois formais. Difícil lidar com as
“epistemologias do sul” ou diria “pós-modernas”. A ideia de rede também aqui era desafiadora.
Os discursos da autonomia, da liberdade e das redes são perfeitos, pois constroem um re-
ferente carregado de todos os valores indiscutíveis. E também interpelam e constituem sujeitos.
No sentido analítico que emprestamos a noção de rede, a categoria “redes híbridas”,
caracterizadas pelas transversalidades9e implícita nas versões de rede que corriam, não fazia
sentido, pelo menos para a finalidade de sua construção empírica, pois ela estabelece interlocu-
tores ocultos, que estão no nível das metáforas, do excedente de significado, isto é, estão além de
significados literais. Deslizamos por dois deles, em negrito, e simultaneamente encontrávamos
limites (comentário que segue a conjunção adversativa):
a) as redes híbridas, na percepção corrente, superariam o Estado verticalizado na di-
reção de um Estado democratizado, Estado-rede; entretanto, na literatura das redes híbridas,
elas são descritas desde as alianças das altas finanças, dos burocratas juristas dos Estados
modernos e até as redes pessoais que sustentam as políticas públicas,
b) as redes híbridas carregam água para discursos contra hegemônicos; entretanto, es-
ses discursos não indiciavam quais seriam os suportes sociais concretos para a sua realização,
ou as crenças e os valores substantivos a serem compartilhados no fazer político;
8
Conjunto de ideias, crenças, valores, representações. Hipóteses de ação, algoritmos etc. que constituem as moti-
vações para a ação.
9
Ver Guattari, F. Psicanálise e transversalidade – ensaios de análise institucional, Ideias & Letras,
Aparecida, SP, 2004 e, especialmente, o prefácio de Gilles Deleuze.

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O fato básico para usar a ideia das redes híbridas era a afirmação de que os atores do CV
eram profundamente despolitizados, no sentido específico de não disporem de um ideal contra
hegemônico e afinidades de crenças em coletivos mobilizados; também não teriam desenvol-
vido um princípio de oposição concreto estabilizado, muito menos diretrizes concretas para
uma reorganização política que escapassem às premissas discursivas do próprio programa (há
uma ausência de projeto coletivo e ambiguidades relativamente ao Estado como realizador das
políticas públicas). Pessoalmente, acredito que estas hipóteses são bastante complicadas, quase
platônicas, em sentido de senso comum, já que opõem o mundo das ideias, real, ao das práticas.
Estas deveriam corresponder ao mundo das ideias políticas definitivas. Não sabia, e não sei o
que são estas ideias.
A ação social é composta por elementos dinâmicos, evidentemente, e o máximo que eu
indicava era que as “redes” não possuíam os ingredientes de um movimento social em rede ati-
vado no sentido específico dos movimentos sociais que têm nas mudanças estruturais (relação
Estado-sociedade) suas referências.
Também era evidente a preocupação das “associações” com as redes das quais eram
“nós de rede”, a exemplo das vinculações feitas com atores políticos locais, nem sempre per-
tencentes ao programa10. Para continuarem atuando, precisavam imediata renovação e potencia-
lização de fluxos financeiros. Parte desse problema implicava não em redesenho, mas em editais
que, inclusive, permitissem participação de pontos que já eram parte do programa.
Tudo muito simples e ao mesmo tempo sem tradução em iniciativas administrativas.
Enfim, vamos o que me interessou nos usos do conceito de rede no “redesenho”. A
ideia de rede hibrida não descreve e não ordena categorias analíticas que permita descrições do
que acontece nas redes, com os atores, nas suas conexões e projetos. Na verdade, defende ou
produz um referente contra-hegemônico, um genérico. Trata-se de uma narrativa, quer dizer, é
uma posição no campo de relações. Evidentemente, esta posição narrativa poderia servir como
uma luva para vários dos atores que conduziam os processos, pois justificava um interminável e
cansativo diálogo poético em torno dos encantos do programa, indiciando um trabalho de Sísifo
parafrásico, a justificar a instabilidade e a indecisão política, ou em continuar com mais do mes-
mo, ainda que o quadro fosse o da criação de fantasmáticas oposições e inimigos. Para mim toda
ação é relacional, dinâmica, indeterminada, processual. Toda rede é híbrida. E daí? O que fazer?

10
Latour, B. chama a atenção para as associações entre “humanos” e “não-humanos” nas redes. Por exemplo, um
dispositivo tecnológico não é apenas um instrumento passivo, mas uma agência ou ator rede na ação (actantes ou
atuantes), pela simples razão de que sua presença atua. Máquinas, documentos, números, critérios, índices estão
todos conectados.

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A escolha do tipo “redes híbridas” é a volta do parafuso. Um artifício habilidoso que tem
muitas consequências, caso se aceite todos os seus elementos configuradores11.
De novo, usamos a paráfrase mais querida dos admiradores de Wittgenstein, a linguagem
pode ser percebida por seus usos, os sentidos são os usos. O caráter performático, fazer existir,
mudar o estado das coisas por atos de linguagem ou atos institucionais são práticas de produção
de sentidos. Dizer que um programa existe e é uma “rede” implica propor problemas relacio-
nados ao uso do nome próprio, talvez do nome do pai, autoridade que delimita o que é possível
ser, dizer e fazer. O que o nome indica? Quais suas relações com as qualidades constitutivas do
conjunto de ações que compõem o programa? Dizer o nome próprio implica em reconhecer, dar
sentido, criar laços simbólicos. Podemos situar o programa Cultura Viva no campo das palavras
vagas, redes de metáforas que o constituem (potência, processos, subjetividades, redes etc.),
mas para além do caráter performático das falas sobre o programa, o que são efetivamente os
componentes constitutivos do programa?12

4. REDES, REDINHAS E REDÕES.


Os problemas são hiatos entre uma imagem da realidade e o que ela efetivamente cons-
titui. A delimitação de problemas não descarta o caráter subjetivo, processual ou simbólico da
realidade, mas remete à possibilidade de coordenação das ações, buscando maior efetividade
e mesmo eficiência. Se o imaginário associado ao programa não descarta a intencionalidade,
senão, a intencionalidade burocrática do Estado e econômica dos mercados, não descarta as
possibilidades de coordenação dos atores no quadro de ações sequenciadas e planejadas.
Escolhemos a metáfora das redes para exemplificar o problema. Dela derivamos uma
série de elementos. Em primeiro lugar, não existia uma rede do “Cultura Viva”, existiam muitas
11
Havia uma posição sobre as redes que gravitava nas perspectivas do redesenho. Trata-se da posição próxima a de
Castells a respeito das redes. Para este autor as redes definem as estruturas organizacionais contemporâneas, com as
ideias de flexibilidade e adaptabilidade inerentes às rede e que tornam-nas vantajosas sobre formas de organização
burocrático-racionais. Do ponto de vista da atividade política a internet possibilita a coordenação de atividades glo-
bais e descentralizadas e ainda permitem e facilitam mobilizações e coordenação de ações. Eu, como coordenador do
Redesenho por parte do Ipea, via potenciais nisso, mas não eram potenciais de ativismo social no sentido de estabe-
lecimento de um projeto contra hegemônico. Estávamos tratando de um programa com móveis políticos e interesses
diferenciados. O ativismo social depende de elementos circunstanciais e de compartilhamento de ideais políticos
que não passam necessariamente pela adesão a um programa governamental. Seja como for, a ideia de uma gestão
de conhecimentos do programa pressupunha o acesso e uso intensivo da internet para coordenar ações e organizar a
gestão. Disso podem vir desdobramentos inusitados em termos de redes e ativação de movimentos sociais.
12 Usamos da analogia entre políticas públicas e paradigmas para descrever as relações entre os planos mais
abstratos e discursivos, suas opções e operações reais. As políticas públicas carregam sentidos ideológicos e materiais
a um só tempo e, políticas frágeis não são capazes de resolver os problemas que entraram no seu quadro de referências
e soluções. Esta analogia vem da sociologia e da análise de política públicas francesa, bastante sensível à produção de
sentidos própria da política. Um programa não é uma política e disso decorrem muitos problemas analíticos, a come-
çar do tipo de orçamentação a que é objeto. A analogia funciona a todo a vapor a favor da interpretação, mas deve-se
reconhecer que os recursos que um programa mobiliza são muito diferentes daqueles presentes nas políticas.

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redes cujas ações de base não poderiam ser qualificadas por uma geral relacionada ao programa
(“fazer o que edital diz”), pois as demandas específicas de cada uma delas parecia-nos muito
diferentes, já pela denominação genérica das redes temáticas, mas também pelos contextos re-
ais, onde as redes de políticas já exigiam mediações entre atores muito diferentes daquelas que
pressupunha o simples repasse de recursos.
As conexões entre os pontos de rede também pareciam-nos frouxas. Aqui o problema
não era apenas o da conectividade, ademais algo fluido, mas a possibilidade de estabelecer
alianças pró-redes mais fortes. Inclusive os dados mostravam que as redes eram percebidas
muito mais em relação a outros atores locais do que em relação a atores do próprio programa.
Os dispositivos tecnológicos eram evidentemente pouco eficazes em qualquer sentido, seja nas
relações entre Estado-sociedade ou de sociedade-sociedade.
O potencial de coordenação das ações era pouco explorado. A reconfiguração e disponi-
bilização de meios tinham múltiplos sentidos: a) potencialização das conexões entre atores de
forma horizontal, b) gestão estatal de recursos de informação que poderia ir desde a facilitação
das prestações de contas até a gestão de conhecimentos, c) Estado como simples transferidor de
recursos financeiros e acanhado desempenho na avaliação e acompanhamento.
A tipificação das redes tinha outro objetivo. Em primeiro lugar delimitar possibilidades
e formações de rede diferenciadas, não imaginávamos que um genérico “redes hibridas” fosse
capaz de resolver qualquer problema ao trazer as redes para o campo metafórico do raciocínio
prático cotidiano.
Aliás, ressalve-se, algo deste raciocínio, do senso prático, do raciocínio de entremeio,
híbrido tem algo de interessante. É uma descrição de como o raciocínio natural funciona. Como
afirma Deleuze, é um tipo de raciocínio que diz respeito ao fazer como se pode. Evidentemente,
há muitos pressupostos aqui, especialmente de que as redes, coletivos e grupos (muitos defen-
dem que os nomes aqui remetem aos mesmos fenômenos) devem ter conexões e meios de co-
ordenação de suas práticas, algo impensável em ações fragmentadas e desconectadas no imenso
território nacional13.
Nas pesquisas eram muito evidentes os desconhecimentos mútuos de pontos que no
mapa eram perfeitamente próximos territorialmente (em alguns casos vizinhos de bairro e de
município). A ideia de rede de política, pressupondo mais ou menos participação do ator público,
vinha como pressuposto para organizar e conectar atores. Entretanto, algo inusitado acontecia.

Ver Deleuze, G. Prefácio, In Guattari, F. Psicanálise e transversalidade – ensaios de análise institucional, Ideias
13

& Letras, Aparecida, SP, 2004.

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As dificuldades do pensamento autoritário ou autonomista em pensar o Estado como parceiro. A


construção ideológica do Estado-máquina dominante é muito forte e em geral se desconhece as
re-descrições do Estado e das políticas públicas como redes de atores plurais.
Como reduzir os excedentes de significações do conceito de rede, ou como reduzir a
metáfora das redes a seus sentidos literais ou a descrições bem definidas? Não precisamos apos-
tar em separações muito rígidas entre ficção e não ficção, discurso e realidade, significado do
falante e significado literal, mas de descrições conceituais formais úteis sobre o que são redes
de políticas.

5. TIPOLOGIA DAS REDES


A elaboração de tipos tem finalidades heurísticas precisas e seu uso depende da aceita-
ção de pressuposições de sentido. A pretensão de que um tipo ideal faça sentido nos quadros do
senso prático é uma aposta no escuro, ou seja, é altamente improvável de encontrar as condições
adequadas de realização. É pouco provável que a delimitação empírico-conceitual do tipo seja
entendida nos quadros do raciocínio natural.
Seja como for, os tipos não compõem o quadro das epistemologias realistas, uma onto-
logia das redes, por exemplo, é impossível; a função dos tipos-ideais é organizar instrumentos
e pressuposições empírico-conceituais próprias para a descrição da complexidade histórica. A
explicação a respeito do funcionamento das redes de política tece diálogos com a literatura das
formas corporativas de representação. Apresenta, teórica e empiricamente, os limites desta lite-
ratura para descrever novas configurações históricas onde os processos de representação política
e a permeabilidades das instituições estatais a outros atores não estatais se torna maior. Ao invés
do Estado soberano (ficção jurídico-política da filosofia política moderna), aparecem as políti-
cas públicas e um Estado cuja dinâmica é marcada pela interpenetração com atores múltiplos,
sejam individuais ou coletivos (as redes).
Assim, a ficção conceitual do Estado como uma máquina decisória e com poder de domi-
nação (“aquele que assina, que tem a caneta”, como nos disseram) contra ou favor da sociedade,
depende do gosto ideológico do freguês.
Por um lado, a ficção do Estado era descrita como tendo os significados da atuação sele-
tiva em relação a interesses sociais e seus processos decisórios eram configurados pela presença
de grupos (organizados em torno da ideia de interesses econômicos de classe), direta ou através
de representantes, em agências estatais. Neste caso, existem redes fechadas, pois o Estado é per-
meável a grupos com histórias muito precisas de diálogo e captura do “fundo público”.
Com a complexificação do processo decisório, com a multiplicação das agencias públi-
cas, com a reorganização da administração pública em políticas setoriais e com a desorganiza-

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ção das categorias corporativas, a descrição do funcionamento do Estado em suas relações com
a sociedade mudou radicalmente, embora parte desse imaginário tenha permanecido inclusive
nas estruturas de organização de conselhos participativos, que dialogam (ou deveriam dialogar)
com o Estado em termos de ideias gerais em nome de todos, embora, efetivamente, parte das
ações ainda aqui devam ser descritas na sua seletividade característica.
Por outro lado, a ficção política desloca o Estado do centro, colocando-o em contextos
sociais, quando, então, passa a ser descrito como parte de redes onde circulam atores plurais
com referências a objetivos que não se resumem a interesses de classe ou gerais, mas se ligam
aos objetivos de políticas públicas, proteção social, realização de direitos difusos etc. A ideia
das redes temáticas ganha sentido neste quadro, delimitando os tipos “redes fechadas” (com
representação e mediação de interesses globais de programas ou políticas) e “abertas” (com
representações e objetivos locais específicos e singulares).
A ideia de redes de política é transladada para reconhecer ainda certa gravitação das
ações públicas em torno do Estado. As redes temáticas pressupõem outro tipo de mediação de
interesses em geral em torno de um conjunto de ações fracamente regulada pelo poder público.
Evidentemente, a estrutura de cada política vai condicionar a estrutura das redes tanto de polí-
ticas quanto temáticas. Nenhuma dos tipos de rede prescinde do diálogo com a política, no seu
sentido de projetos globais em disputa político-ideológica.
O que embaralha os tipos de redes é, na verdade, a inclusão de outros elementos. Algo
bastante confuso na discussão das redes era a ideia das redes de movimentos sociais. Estes
funcionam em outro registro que não é o das políticas públicas. São movimentos acionados por
diferentes mecanismos. Antes eram os coletivos operários, clubes e associações, incluindo dos
intelectuais e partidos e hoje são movimentos mais ou menos espontâneos ativados em torno de
temas e mobilizados a partir de redes de informação digital, sobretudo14.

6. METÁFORA
Acabamos discutir o uso do tipo-ideal para descrever as redes. Passamos a discutir a rede
como metáfora. O problema mais central da metáfora, desafio para as teorias da linguagem, é
saber como ela difere de enunciados ou emissões de sentido literal. A metáfora aponta para um
excedente de significações de uma emissão literal15. Essa redução analítica passou a ser central

14
As descrições feitas por Darnton sobre o papel da literatura que circulava em meios alternativos e que confi-
guraram os movimentos revolucionários modernos relativiza a novidade da ideia de rede, mas para não sermos
anacrônicos devemos reconhecer os papeis da internet nos novos movimentos socais e formas de demanda política.
Ver também Castells, M – Redes de Indignação e esperança – movimentos sociais na era da internet, Editora Zahar,
RJ, 2013.
15
Não nos esqueçamos de que há outras formas de sentença cujo sentido excede os sentidos literais, a exemplo da
ironia.

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tanto para a elaboração e uso dos tipos, quanto para delimitar enunciados de forma a torna-los
capazes de descrever concreta e criteriosamente as redes.
O problema todo era saber o que os falantes (das redes do CV) tentavam comunicar e
porque não diziam o que queriam significar? Porque as redes não funcionavam bem para alguns
e funcionavam bem para outros? A primeira parte da resposta tem uma inspiração searleana: a
metáfora tem um significado para o falante que se distingue do significado das sentenças e pa-
lavras. As metáforas requerem, para terem sentidos, um conhecimento do contexto de crenças e
um compartilhamento de suposições de base entre ouvinte e falante.
Os significados das sentenças são diferentes das intenções do falante, as sentenças não
têm sentido literal, mas a comunicação ainda assim acontece. Searle aponta a ironia e atos de
fala indireto como exemplos de ruptura do sentido literal em relação as emissões, entretanto
ainda aqui o que se quer significar depende das sentenças.
Evidentemente, quando se diz que o CV é uma rede podemos dizer que a emissão tem
um sentido literal. Ao dizer que é metafórico, queremos dizer algo diferente. Quando afirmei
que era uma metáfora dei um sentido específico: havia um excedente de significações que pre-
cisava ser mais bem qualificado e, em segundo lugar, o conceito não tinha precisão tipológica
ou descritiva.
Pelas pesquisas empíricas, o CV era um conjunto de redes com diferentes graus de conec-
tividade entre si, estruturas e relações com o próprio programa. Apesar de tudo o que se dizia a
respeito de redes temáticas, territoriais, digitais etc. os sentidos não tinham estabilidade semânti-
ca (e nem precisavam ter para os usos cotidianos) e tornavam as possibilidades de ação intencio-
nal difíceis de serem delineadas. Para a razão prática (raciocínio de entremeio, por definição, isto
é, empírico e teórico, simultaneamente) esta questão é irrelevante basta que a metáfora produza
efeitos simbólicos de crença e ação para sua efetividade. Acompanhados de Searle, nossa questão
era passar do significado metafórico para o literal, de forma a definir parâmetros ou critérios em-
píricos de assertibilidade e, portanto de significação das redes para as políticas públicas.
Entretanto, o que importa no momento é que as sentenças tinham algumas condições de
verdade definidas temporal e contextualmente. Como se dizia, “O CV é de fato uma rede. Faz
reuniões presenciais, virtuais e ainda faz as Teias”. Outros, ou os mesmos em momentos diferen-
tes, afirmavam que “o CV já foi uma rede e agora não é mais” e, ainda, “a rede acabou em 2010,
a secretaria (SCDC) não conseguiu manter o processo de produção dos editais” e nem as ações
do digital, “as Teias precisam ser revitalizadas”. O argumento mais duro e, talvez mais simples,
era o de que ser rede era participar dos editais, fazer o que estava previsto, desenvolver o que já
se desenvolvia e que isto já implicava na existência das redes. O que abriu uma janela para tratar
as redes na agenda do redesenho foi uma fala de um gestor do programa “não organizamos os

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registros e informações dos funcionamentos das redes”. A informação é a prova dos nove. Ou a
informação tem outros usos como, por exemplo, o uso performativo, fazer existir?
Não contextualizarei o cenário das falas e as tensões internas e externas que as motiva-
ram . O certo é que estas falas estimularam um novo conjunto de procedimentos e temas de
16

acompanhamento e trabalho17. Na falta da fala ativa das “redes”, que não foram mobilizadas
virtualmente e, na ausência de atitude política reflexiva e ativa dos representantes da Comissão
– a postura e a apatia eram evidentes – percorremos caminhos previstos, mas com ênfase dife-
renciada. O conceito de redes poderia ser o objeto de uma reflexão política mais detida.
Estas discussões permitiram trazer a questão das formas das redes, depois associadas
com dispositivos de políticas (gestão de conhecimento e gestão compartilhada). A primeira for-
ma de gestão é técnica e pressupõem um conjunto de definições que estão longe de qualquer
capacidade institucional. O genérico é mais fácil e pressupor que a sociedade civil sabe fazer é
um caminho da razão prática.
Mas esta proposição, a de que parte dos funcionamentos do programa poderia ser aperfei-
çoada a partir de abertura de canais de comunicação, registro de decisões, procedimentos a serem
seguido etc. faz parte de qualquer linguagem de accountability de políticas públicas. A segunda
parte já se realizava no próprio GT, e mostrava todos os problemas relacionados aos processos par-
ticipativos. Certamente o próprio GT vivia um problema sério de desenho e de representatividade.
Mesmo estabelecendo um conjunto de condições de verdade, o pano de fundo, as supo-
sições de base não estavam estruturadas. Em realidade as redes são mais “termos atributivos”,
definindo condições de verdade a respeito do programa, mas sem a delimitação do pano de fun-
do factual sobre que tipo de coisas o falante esta se referindo. Evidentemente podemos afirmar
que eles estão falando de relações horizontais de autonomia de liberdade, de contra hegemonias.
Mas temos que concordar que estes conceitos (ou quase conceitos) não definem factu-
almente e analiticamente os atributos das redes. Também aqui os limites não são muito claros.
Como afirma Searle: “uma mulher pode ser corretamente descrita como “alta”, ainda que seja
mais baixa que uma girafa que se poderia corretamente descrever como “baixa”18.

16
Estas falas não são isoladas, em geral, para cada uma delas há controvérsias. Para a falta de registro há o contra
argumento dos relatórios, dos livros, dos enunciados dos editais, de uma quantidade imensa de dados não explora-
dos. Se as redes estão previstas, se os pontos foram aprovados e as prestações de conta das atividades comprovam
que eles realizaram o que estava nos editais, logo, temos redes. Entretanto, é possível questionar se realizar formal-
mente o que está previsto é fazer rede ou fazer política pública em rede e, assim, seguem-se sucessivos argumentos
e movimentos de interpretação.
17
O desenho operacional do Redesenho implicava atacar problemas específicos do programa, a exemplo, de mé-
todos de comunicação e organização de processos, em conjunto com atores da sociedade civil. No final, ganhou a
forma de um Grupo de Trabalho em forma de assembleia, o que transformou profundamente os sentidos originais.
A intenção original apenas se desdobrou em poucas reuniões específicas para a discussão da implementação de uma
plataforma digital. Sem sucesso prático.
18
Searle, J.R. Expressão e significado – estudo da teoria dos atos de fala, Editora Martins Fontes, SP, 2002.

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Para Searle a paráfrase de uma metáfora implica na tradução de sentido, a repetição em


outros termos, e sempre a custa de uma perda, mesmo expressando boa parte do conjunto de
condições de verdade.
Não utilizamos a metáfora em sentido tão delicado, apenas para expressar que a metáfora
das redes tinha usos imprecisos e retóricos.
De qualquer forma, se o “significado de uma palavra é o seu uso”, a ideia de rede expres-
sava certas afinidades e comunidades de crença, não carecendo de maiores análises. Dissemo-lo
claramente ao descrever brevemente o CV e suas representações expressas do plano cognitivo,
sem realizar uma hermenêutica mais sólida dos níveis discursivos que estavam em jogo19.
A ideia das redes passou se constituir em metáforas mortas20 pelos efeitos dos usos rotinei-
ros. Todavia atendia a necessidades semânticas da comunidade de política estabelecida em torno
do PCV. Podemos andar por outro caminho: as redes predicavam o programa, sem significado lite-
ral e com intencionalidades específicas dos falantes (reunir, compartilhar, legitimar, discutir etc.).
Para um ouvinte externo, bastava um mínimo conhecimento a respeito dos significados
literais do que são as redes para a compreensão do que se falava. Entretanto, nas tentativas de
precisar seus sentidos evidenciava-se um excedente importante de significados. O significado
não estava no léxico e também não estava na sentença, mas no falante, no seu contexto e no
campo semântico que mobiliza potencialmente.
Outro problema era o de relacionar programa, o significado das redes e as consequências
disso tudo na ação dos atores/falantes. A metáfora faz bem esta comunicação. Outro caminho
era tomar a rede como objeto a ser predicado. Foi o que se fez com o estabelecimento de tipo-
logias de redes.
O objetivo era esclarecer e proporcionar condições para refletir a respeito de alternativas
de ação de forma mais consistente. Que se decidisse que as redes eram temáticas ou de política
(os métodos de ação seriam diferentes) e mesmo que ambas fossem espécie do gênero rede hí-
brida contra hegemônica, não nos importava muito.
Para resolver o problema, pelo menos em parte, estabelecemos uma tipologia de redes,
como já vimos. Elas, as tipologias, deveriam ajudar a pensar concretamente as linhas de força
das ações: redes temáticas, redes de política ou redes de política pública. Redes mais soltas com
fomento e com mínimas intervenções, gestão do programa e forma compartilhada e gestão de
redes por seus objetivos locais e específicos. Concentramo-nos instrumentos das políticas, o
que achamos mais forte e central, independentemente do que achávamos que seriam redes: a

19
Barbosa da Silva. F.A.& Labrea, V.V. Linhas gerais de um planejamento participativo para o Programa Cultura
Viva, Ipea, Brasília, 2014.
20
Searle, J. R. Ob. cit. pp. 133.

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plataforma digital, a gestão de conhecimento, a possibilidade de um instrumento de interação e


reconhecimento mútuo e virtual entre os atores.
A decisão a respeito da forma da gestão de rede era do gestor em campo de diálogo e in-
teração com a sociedade civil. O máximo que poderíamos fazer na ética da mediação era oferecer
uma organização analítica, tentativamente clara, que permitisse melhorar o quadro conceitual da
decisão. Na era das epistemologias do sul o gestor tinha muitas possibilidades, inclusive escolher
todos os conceitos de rede, um, dois ou mesmo reinventar nos quadros da ação política.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Começamos dizendo que a pesquisa e a avaliação de políticas públicas têm um momento
de construção conceitual formal. O momento analítico permite o entendimento do léxico que
frequenta as narrativas. E que usaríamos o exemplo do conceito de redes. Este não era o foco
inicial do redesenho, que, aliás, era bem singelo, embora complexo: resolver problemas pontu-
ais com a participação das redes.
Os objetivos e os métodos do redesenho mudaram desde dezembro de 2011 no lança-
mento do livro as práticas de pontos e pontões, na Câmara dos Deputados, quando foi combina-
do, e seu início, no ano seguinte. Alguns dos acordos sobre as operações e métodos mudaram.
A ideia de concentrar esforços no conceito de rede foi tardia. O espaço do diálogo do GT
definitivamente não funcionou e então imaginamos que a nossa ação poderia se concentrar na
ideia de gestão de redes e na criação de mecanismos de gestão de conhecimentos do programa
como um todo.
Desenvolvemos uma extensa reflexão a respeito de tipos de redes de políticas e dos
instrumentos que poderiam ser usados para cada uma delas. Imaginamos uma plataforma di-
gital, aliás, ideia nada criativa, e a possibilidade de trabalhar com tipos de redes diferenciadas.
As redes de políticas, as redes temáticas e as redes de políticas públicas já eram tipos de redes
que penetraram no programa gradualmente pela incorporação de políticas para a diversidade,
políticas comunitárias e outas relacionadas a questões indígenas, patrimônio imaterial, museus
sociais etc.
O ponto de foco era a plataforma digital de gestão do conhecimento. Naturalmente,
como é de conhecimento público, nada disso funcionou. E, fim.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Barbosa da Silva. F. A. & Labrea, V.V. Linhas gerais de um planejamento participativo para o Programa
Cultura Viva, Ipea, Brasília, 2014.

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Searle, J.R. Expressão e significado – estudo da teoria dos atos de fala, Editora Martins Fontes, SP, 2002.

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FORMAÇÃO EM GESTÃO CULTURAL NO BRASIL:


DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Gabriel Medeiros Chati1

RESUMO: O presente trabalho buscou refletir sobre a questão da formação em gestão cultural e
suas demandas no contexto brasileiro. A partir de uma breve reflexão teórica, defendeu-se que a
questão é central para a definição e efetivação das políticas de cultura, além de ser uma demanda
social, presente nas prioridades estabelecidas nas Conferências Nacionais de Cultura e outros
marcos institucionais, como o Plano Nacional de Cultura. Foi identificada a oferta de formação
superior em gestão e produção cultural a partir de seis universidades federais, apresentando suas
principais características e temas. Traçou-se ainda um perfil dos gestores públicos de cultura no
Brasil a partir dos dados da pesquisa Perfil dos Estados e Municípios Brasileiros, suplemento
Cultura 2014, do IBGE, num cruzamento de dados sobre a estrutura dos órgãos municipais e
seus respectivos dirigentes.

PALAVRAS-CHAVE: gestão cultural, produção cultural, formação em cultura, política


cultural, Munic 2014.

O tema da formação e capacitação na área cultural é recorrente devido a sua importância


para o desenvolvimento do campo, gerenciamento das instituições e efetiva implementação da
política do setor. Muitos autores o abordaram anteriormente com perspectivas semelhantes, en-
fatizando a crescente necessidade de preparação de sujeitos críticos para lidar com a diversidade
de atividades e agentes que envolvem a gestão cultural (MARTINELL, 2000, 2007; CUNHA,
2005, 2011; RUBIM, 2008; CALABRE, 2008). Entre os elementos que aproximam tais aná-
lises parece estar a relação inexpugnável entre cultura e política, numa compreensão de que a
formação do gestor ou produtor cultural2 além ter de prover condições para o desenvolvimento

1
Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade (Univille, 2012), Bacharel em Produção Cultural (UFF, Niterói,
2007). Professor da Universidade Federal do Pampa, Coordenador do Bacharelado em Produção e Política Cultu-
ral, campus Jaguarão/RS. E-mail: gabrielchati@unipampa.edu.br
2
Ao longo deste trabalho não será feita distinção entre produtor cultural e gestor cultural compreendendo que há
mais convergência entre essas funções ou perfis profissionais do que distinções. Em linhas gerais, reconhece-se que
o gestor deve lidar com o âmbito político do campo cultural de maneira mais recorrente do que o produtor; este
último muitas vezes trabalha focado na execução das ações e não em seu planejamento, tarefa precípua do gestor.

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das competências técnicas inerentes à organização da cadeia produtiva3, deve “estabelecer um


compromisso com a realidade de seu contexto sociocultural, político e econômico” (CUNHA,
2011, p. 96). Assim, essa formação deve se estruturar enquanto “um processo formativo para
esses profissionais, seja no ambiente não formal, seja na academia”, uma verdadeira política
educacional que forme sujeitos comprometidos “com a consolidação de uma política cultural
democrática e voltada para a transformação social” (idem).
Antonio Albino Canelas Rubim, exemplo de pensador que envereda com frequência na
temática da formação, entende que o tema da gestão cultural “apresenta-se hoje como revestido
de fundamental importância para o desenvolvimento da cultura no Brasil e no mundo e de polí-
ticas culturais efetivamente contemporâneas e imaginativas” (2008, p. 47). Rubim compreende
que enquanto processo sócio-histórico a modernidade promove uma
autonomização (relativa, é claro) do campo cultural em relação a outras
esferas societárias, notadamente a religião e a política. Tal processo [...]
implica a constituição da cultura como campo social singular, que arti-
cula e inaugura instituições, profissões, linguagens, símbolos (RUBIM,
2008, p. 46).
Assim, neste contexto de mudança, considerando os gestores culturais como “profissio-
nais dedicados à organização da cultura” (idem), Rubim vai destacar a importância dessa atua-
ção como parte da legitimação do próprio Estado Moderno. É preciso formar sujeitos capazes de
construir, propor, executar e avaliar políticas culturais “por meio de expedientes democráticos
[...] em lugar de mera coerção, típica de situações autoritárias” (idem). O autor compreende
que este campo “exige crescentemente que sejam formados indivíduos para as novas profissões
associadas às instituições que funda”, assim, é preciso preparar hábeis mediadores para atuação
no complexo campo cultural, sejam estes ligados às instituições culturais (públicas ou privadas),
ou ligados a grupos de artistas e organizações comunitárias, associações e demais frentes de
trabalho da área cultural.
Pensar e planejar o campo da produção, circulação e consumo da cultura
dentro de uma racionalidade administrativa é uma prática que pertence
aos tempos contemporâneos. A gestão cultural é um campo novo, com
fronteiras fluidas, no qual o perfil profissional se encontra em pleno pro-
cesso de construção (CALABRE, 2008).
Como destaca Calabre, há uma emergência de demandas que nascem desse processo de
mudança, assim, este trabalho parte do pressuposto que a formação em gestão cultural é questão
sine qua non para a implementação de qualquer política cultural, posto que os gestores cumprem
papel fundamental na articulação dos agentes e instituições culturais.
3
Exemplos dessas competências de caráter técnico são as relacionadas aos bastidores da produção artística e cul-
tural, desde a divulgação à cenografia, sonorização, figurino, entre outras, das quais os gestores e produtores devem
ter conhecimentos gerais.

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Por ser atualmente docente de um curso superior que busca formar justamente futuros
gestores culturais, senti-me provocado a pensar mais atentamente qual o cenário e as necessida-
des da formação em gestão cultural no Brasil, sempre na sua relação com as políticas culturais
e a partir do contexto das gestões públicas municipais. Também a minha própria formação em
produção cultural, algo relativamente recente no país4, impele-me a pensar este cenário. Co-
meço assim essa investigação sem saber quais seriam todas as demandas de formação na área,
mas algo parece-me certo a priori: dar conta destas necessidades passa, indubitavelmente, por
capacitar indivíduos para nela atuar.

1. UMA DEMANDA SOCIAL REAL


Desde o primeiro governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva, em 2003, ocorreu
uma série de mudanças na política pública de cultura em âmbito nacional. Durante todo o pri-
meiro mandato até a metade do segundo, o Ministério da Cultura (MinC) foi chefiado pelo
músico, compositor e ativista cultural Gilberto Gil (2003 a 2008). O ministro-artista conduziu a
pasta a partir de uma premissa que colocava a cultura numa dimensão antropológica que, entre
outras questões, extrapola a noção de cultura delimitada ao campo das belas artes. Também
outra premissa se instalava naquele momento para a efetiva construção da política de cultura: a
participação social. Nitidamente filiada a premissas democráticas, a gestão organizou a primeira
Conferência Nacional de Cultura (CNC) no ano de 20055. As conferências, na perspectiva do
Sistema Nacional de Cultura (SNC), cumprem a função de reunir a maior diversidade de agentes
culturais que, a partir do debate que se inicia ao nível local (através das conferências munici-
pais), apontam suas demandas, anseios e sugestões para o aprimoramento da gestão cultural do
país. Assim, a partir dos resultados destas conferências6, considerando que estas reúnem boa
parte das necessidades elencadas pelos agentes culturais, fui buscar subsídios que auxiliassem
na identificação da percepção sobre a formação em gestão cultural a partir de um documento que
é resultado de ampla consulta de caráter público e com efetiva participação popular.
As conferências, por questões metodológicas, colocam à Plenária Final a tarefa de defi-
nir prioridades frente ao número muito expressivo de propostas a serem avaliadas. Nesse senti-
do, algumas propostas que chegam até ela (a plenária) podem não constar no documento final.

4
Atualmente são quatro os cursos superiores na área ofertados em instituições públicas federais, sendo o mais
antigo deles aquele no qual me formei, o Bacharelado em Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense
que no ano de 2015 completou duas décadas.
5
As conferências nacionais acontecem de quatro em quatro anos e, desde a primeira em 2005, aconteceram outras
duas (2009 e 2013).
6
Os dados apresentados neste trabalho se focaram somente no resultado da Plenária Final da 3ª CNC, pois, por uma
questão metodológica, a última conferência deve considerar as demandas aprovadas nas edições anteriores, atualizan-
do-as conforme o avanço ou estagnação da situação. O documento pode ser acessado em: http://cncvirtual.culturadi-
gital.br/wp-content/uploads/sites/6/2013/12/Propostas_Aprovadas_III-CNC.pdf (consultado em 05/12/2015).

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Assim, apesar de compor os anais dos encontros, há propostas que não são qualificadas enquan-
to prioritárias, caso que não atinge aquelas relacionadas à formação em gestão cultural como
atesta a 4ª proposta (1.14), na qual se defende a necessidade de “Criar, desenvolver, fortalecer
e ampliar as estratégias para a formação e capacitação em gestão cultural de forma permanente
e continuada, envolvendo gestores e servidores públicos [...] e privados, [...] dos diversos seg-
mentos” (III CNC, 2013, grifo meu). O teor desta proposta (assim como de outras em número
significativo) aponta claramente para a demanda em formar e capacitar os agentes culturais para
a gestão cultural sejam estes servidores públicos ou agentes privados.
Para perceber a questão da demanda por formação para além das conferências, busquei
outra referência importante, o Plano Nacional de Cultura (PNC) 7. Entre seus objetivos constam
“qualificar a gestão na área cultural nos setores público e privado” (XI) e “profissionalizar e
especializar os agentes e gestores culturais” (XII). Tais objetivos fortalecem o compromisso
institucional na capacitação de pessoas para atuarem na área da produção e da política cultural.
Dentre as metas do PNC que dialogam com o temário da formação e capacitação, destaca-se a
de nº 18: “Aumento em 100% no total de pessoas qualificadas anualmente em cursos, oficinas,
fóruns e seminários com conteúdo de gestão cultural, linguagens artísticas, patrimônio cultural
e demais áreas da cultura” (2011, p.12, grifo meu)8.
Assim, diante do que apontam esses documentos importantes da política de cultura em
âmbito nacional, considero que estamos diante de uma meta-necessidade: a principal necessida-
de da gestão cultural no Brasil é justamente a de formar gestores para exercê-la.

2. PANORAMA DA OFERTA DE FORMAÇÃO SUPERIOR NA ÁREA DE GESTÃO


NO BRASIL
A oferta de cursos superiores que se relacionam com a formação em gestão cultural no
país é pequena. Considerando somente a rede pública, foi possível identificar seis instituições
federais de ensino, entre universidades e institutos de tecnologia, que ofertam cursos na área da
produção cultural conforme Tabela 1, abaixo. Entre elas, duas se destacam pelo pioneirismo, a
Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Os primei-
ros cursos implementados na área no Brasil datam de 1995-96 ofertados por estas universidades.
Há uma distinção entre os dois cursos; o primeiro, com uma maior ênfase em artes, é lotado no
Instituto de Artes e Comunicação Social, sendo vinculado ao Departamento de Artes. O segun-
do se apresenta enquanto uma formação em comunicação social que, vinculado a Faculdade de
Comunicação, oferta a habilitação em Produção em Comunicação e Cultura.

7
Instituído pela Lei nº 12.343/2010; disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/
lei/l12343.htm (acesso: 18/04/2014).
8
Disponível em: http://pnc.culturadigital.br/wp-content/uploads/2013/07/DOCUMENTO_TECNICO_METAS_
PNC.pdf (consultado em 05/12/2015).

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Tabela 1: Relação de cursos em Produção Cultural.


Legenda – CC: Conceito do Curso. Dados compilados pelo pesquisador.

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), câmpus


Nilópolis, iniciou a oferta da formação de Tecnólogo em Produção Cultural (2003-2005), pas-
sando a Curso superior de Tecnologia em Produção Cultural (2006, em extinção) e hoje conta
também com um bacharelado (desde 2012). O IFRN no ano de 2012 estruturou o Curso Superior
de Tecnologia em Produção Cultural, hoje curso regular do câmpus Natal Cidade Alta, como
atesta a Tabela 1, é o curso melhor avaliado pelo Ministério da Educação.
Em 2012 foi aberta a primeira turma do Bacharelado em Produção e Política Cultural na
Universidade Federal do Pampa, câmpus Jaguarão, no sul do estado do Rio Grande do Sul. Além
do destaque para a relação entre política e cultura, o referido curso se distingue dos demais por

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estar localizado em um município distante de uma capital (350 km de Porto Alegre) e em região
de fronteira (na divisa com o Uruguai, cidade de Rio Branco). A primeira turma de formandos,
composta por 23 discentes de diferentes regiões do país, defendeu seus trabalhos de conclusão
em dezembro de 2015. Ainda na Unipampa, mas no câmpus São Borja – também região de fron-
teira, mas com a Argentina – encontra-se o curso de Comunicação Social com habilitação em
Relações Públicas e ênfase em Produção Cultural, bacharelado ofertado desde 2011.
Além destes cursos, recentemente a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, câm-
pus Santo Amaro, inaugurou o Bacharelado Interdisciplinar em Cultura, Linguagens e Tecnolo-
gias Aplicadas que aborda temas da produção e gestão culturais.
Pode-se dizer que o contexto de oferta de formação superior na área da produção cultural
é de expansão apesar da localização destes estar concentrada em regiões metropolitanas (Rio de
Janeiro, Salvador e Natal). A presença já significativa de cursos no interior (Rio Grande do Sul
e Bahia), por outro lado, aponta para uma tendência de descentralização importante.
Deste levantamento e análise parcial dos cursos, inclusive dos seus projeto-político pe-
dagógicos, atesta-se que o caráter inter e multidisciplinar está presente em cada um. Os temas
enfatizados nas formações e até mesmo as habilitações, apesar de distintas em alguns casos, são
complementares e contribuem cada um à sua maneira, para a melhor desenvoltura do gestor
cultural. Creio que a promoção de um intercâmbio entre os discentes dos diferentes cursos, na
modalidade de mobilidade acadêmica, poderia enriquecer a formação dos formandos, prepa-
rando-os melhor para a atividade profissional, proporcionando, inclusive, o conhecimento de
realidades distintas regionais e locais.
O fato de nenhum dos cursos de graduação identificados neste trabalho ser na moda-
lidade semipresencial ou à distância, aponta para a prevalência da modalidade presencial, em
período integral. Considerando que o alcance dessa modalidade é relativamente limitado, é pos-
sível repensar essa escolha da gestão dos cursos e instituições de ensino envolvidas na tentativa
de implementar uma formação superior que facilite o acesso às pessoas que não tem condições
de atender aos cursos presenciais. Tal perspectiva parece-me estratégica para ampliar a oferta
e alcance dos cursos, mas é desafiadora na medida em que a prática é elemento essencial para
a formação dos produtores-gestores e o arcabouço teórico mínimo ou básico, ainda não foi de-
finido, bastando dizer que a área não dispõe de Diretrizes Curriculares. Assim, garantir que a
perspectiva prática e aplicação da teoria seja garantida e chegar a um consenso sobre que temas
e áreas do conhecimento são basilares na formação do gestor, são tarefas por fazer.

3. O PERFIL DOS GESTORES PÚBLICOS NO BRASIL


Recentemente, em novembro do ano passado, foi publicada pesquisa do Instituto Bra-
sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre o Perfil dos Estados e Municípios Brasileiros,

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com um suplemento específico de cultura. Tendo como ano base 2014, a pesquisa atualizou o
panorama da área cultural em especial no que se refere à gestão pública. Desta pesquisa pode-se
obter dados específicos acerca do perfil dos gestores públicos dos 5.570 município do país, in-
formações sobre a estrutura dos órgão gestores estaduais e municipais, nível de institucionaliza-
ção da política nacional de cultura (em especial aquilo que prevê o Sistema Nacional de Cultura,
Emenda à Constituição nº 71/2012), entre outras questões.
Para este trabalho, dediquei-me a analisar os dados relativos à formação dos gestores,
sua escolaridade e área de conhecimento. Os dados brutos, disponibilizados pelo IBGE através
de planilhas eletrônicas, foram manipulados a fim de se obter condições de traçar um perfil des-
tes gestores, numa perspectiva de análise quali-quantitativa. Foram considerados menos rele-
vantes os dados de gestores sem formação superior, e, sobre os que a tem, não foi feita distinção
entre os níveis, assim, graduação e pós-graduação são tratadas meramente enquanto “formação
superior”. A pesquisa do IBGE traz dados referentes às características dos órgãos gestores de
cultura nos níveis municipal e estadual. Atribui-se ao órgão gestor a “responsabilidade [...] de
formular e implementar uma política a partir da realidade das Unidades da Federação e dos mu-
nicípios, não apenas em termos de sua vida cultural, mas também levando em consideração a
sua realidade socioeconômica” (IBGE, MUNIC 2014, p. 26). Além do papel do órgão gestor, o
IBGE reconhece a necessidade da institucionalização destes quando afirma que
A existência de instrumentos de gestão, instâncias de participação e de
mecanismos de financiamento é fundamental para dinamizar a política e
a economia da cultura, bem como potencializar e alavancar o desenvol-
vimento das atividades artístico-culturais (IBGE, MUNIC 2014, p. 26).
No trabalho, abordo somente os dados referentes aos municípios, cruzando aqueles sobre
a conformação dos órgãos com os da formação dos gestores. Infelizmente a Munic 2014 não
levantou dados sobre as áreas de formação das equipes destes órgãos, concentrando-se apenas
nos gestores máximos (secretários, presidentes, diretores, etc., conforme o caso). Assim, foi a
partir dessas informações que procurei neste trabalho identificar as áreas de formação dos gesto-
res públicos municipais, na pretensão de verificar quantos têm formação na área cultural e, mais
especificamente em gestão, produção, patrimônio e/ou política cultural.
A pesquisa do IBGE estabeleceu a classificação dos órgãos quanto a secretaria exclusi-
va, secretaria em conjunto a outras políticas, órgão da administração indireta (fundações, por
exemplo), setor subordinado a outra secretaria e setor subordinado à chefia do executivo9.

9
Os dados aqui compilados seguiu a classificação do IBGE, salvo na categoria setor subordinado, onde não se
fez distinção quanto ao órgão gestor ser um setor subordinado a uma secretaria ou ao executivo, sendo considerado
simplesmente como subordinado.

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Gráfico 1: Área de formação dos gestores públicos municipais, sem distinção quanto à natureza do
órgão. Fonte: dados compilados pelo pesquisador com base nos dados brutos da Munic 2014, IBGE.

* Foram consideradas as variáveis da formação superior, em nível de graduação ou pós-graduação; por exemplo,
psicopedagogos foram contabilizados enquanto formados em Pedagogia, especialistas em história afro-brasileira
foram contabilizados na categoria História, e assim por diante.
** A presença do termo cultura, foi usado como critério para a identificação de um sujeito formado na categoria
Cultura, independentemente do nível de formação, desde que superior.

O Gráfico 1 demonstra que a diversidade de áreas de formação dos gestores públicos


na área cultural no Brasil é expressiva. O universo estudado aponta que dos 5.570 municípios
brasileiros, 5.260 têm órgão ou setor que responde pela gestão da política cultural e 310 (5,6%)
não dispõem de aparelho em âmbito municipal para tal; 9 (0,16%) não responderam. Dentre os
gestores que respondem pela pasta cultura, 1.493 (26,8%) não têm formação superior e 3.758
(67,5%) a têm, seja em nível de graduação ou pós-graduação. Das informações presentes no Grá-
fico 1, destacam-se as formações em Pedagogia e Letras, com mais de 30% do total se somadas.
Também a presença de áreas das ciências naturais, exatas e sociais aplicadas (Administração,
Direito, Ciências Biológicas e Matemática), a princípio menos afeitas à área cultural, chamam a
atenção (somadas representam mais de 15% do total). Como esses dados não levaram em conta
a natureza do órgão (se exclusivo, conjunto, etc.), há situações em que o gestor responde pela
área da cultura concomitantemente à outras, como educação, turismo, esporte, etc. Esse fato ex-
plica, mesmo que parcialmente, o elevado número de profissionais ligados à área da educação.

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Em comparação aos dados levantados em 200610, “os municípios com secretarias exclu-
sivas passaram de 4,3% (236), em 2006, para 20,4% (1 073), em 2014, os com secretarias em
conjunto com outras políticas passaram de 73,8% (4 007), para 57,3% (3 014), no mesmo perí-
odo” (IBGE, MUNIC 2014, p. 28). Estes dados apontam, por um lado, para uma especialização
ou atenção maior para a pasta e de outro, uma perda de espaço, já que de 2006 para cá “houve
um declínio no percentual de municípios brasileiros que responderam possuir alguma estrutura
em 2014, passando de 97,5% (5.426) para 94,5% (5.260)” (idem). A seguir apresento um gráfico
com o panorama geral das áreas de formação, independentemente da estrutura do órgão gestor.
O IBGE não faz uma análise aprofundada das áreas de formação dos gestores, mas com-
preende que “o nível de escolarização dos gestores e dos funcionários públicos estaduais e
municipais no Brasil vem melhorando ao longo do tempo, o mesmo também ocorre em relação
aos lotados no setor cultural” (2014, p. 36). Reconhece também que essa questão é importante
para a qualificação da gestão cultural, pois “produz impactos positivos no planejamento e nos
resultados da ação de governo” (idem).
A seguir veremos dados que, além da área de formação superior, consideraram a nature-
za ou estrutura do órgão, situação na qual esse panorama se altera, conforme o caso. A sequência
de apresentação dos gráficos vai de acordo à natureza ou estrutura do órgão gestor municipal
iniciando daquela que seria a mais adequada, Secretaria Exclusiva (Gráfico 2), seguida de Órgão
da Administração Indireta (Gráfico 3), Secretaria em Conjunto à outras políticas (Gráfico 4), e
Setor Subordinado (Gráfico 5).

10
A primeira vez que a Pesquisa com o Perfil dos Municípios Brasileiros trouxe o suplemento específico de cultu-
ra, em 2006. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2006/ (consultado em
15/01/2015).

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Gráficos 2 a 5 (da esq. para dir., de cima para baixo): Área de formação dos gestores públicos
municipais, por natureza do órgão.

Fonte: dados compilados pelo pesquisador com base nos dados brutos da Munic 2014, IBGE.

Conforme apontam os dados, temos diferentes conjunturas de acordo com a estrutura


do órgão gestor. A maior proporção de gestores com formação na área da cultura se encontra
nos Órgãos da Administração Indireta, com 6,59%, estando neste caso empatado com as áreas
de Arte e Comunicação, atrás apenas de Administração e Direito (ambos com 9,89%). Na outra
ponta, com a menor proporção, temos os Setores Subordinados e as Secretaria em Conjunto, nas
quais apenas 1,5% do gestores têm formação específica. Nas Secretarias Exclusivas, em compa-
ração às Conjuntas e Subordinados, o percentual de 3 pontos chama a atenção, apontando que,
assim como nos Órgãos da Administração Indireta, é maior a especialização dos trabalhadores.
Os dados percentuais são importantes para termos uma leitura sobre qual tipo de estru-
tura tem absorvido mais trabalhadores especializados, mas isoladamente podem desvirtuar a
análise. Nesse sentido, é importante avaliar também os números absolutos envolvidos: quanti-
dade de órgãos, pessoal empregado em cada um deles, entre outros. Infelizmente o número de

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municípios com Órgãos da Administração Indireta é ínfimo (119), proporção de 2,3% do total, e
o de Secretarias Exclusivas (1073, ou 20,4%), ainda aquém da necessidade.
A seguir, na Tabela 2, em complementação aos dados apresentados nos Gráficos 1 a 5,
pode-se averiguar os números absolutos do pessoal empregado por tipo de estrutura e área de
formação, bem como sua proporção interna ao tipo de órgão e média geral.

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4. DIFERENTES BRASIS: DESAFIOS À FORMAÇÃO DE GESTORES CULTURAIS


NO PAÍS CONTINENTAL
Dos 5.570 municípios brasileiros, 80,65% têm menos de 30 mil habitantes. Apenas 11%
dos municípios tem 50 mil ou mais habitantes e, se elevamos o recorte para 100 mil e 200 mil
ou mais, esse percentual cai para 5,19% e 2,5% respectivamente11. Em termos de representação
do conjunto da população de pouco mais de 190 milhões de pessoas, o somatório das popula-
ções dos municípios na faixa de até 30 mil habitantes, corresponde a 24,46% (ou 46,6 milhões
de pessoas). O somatório da população dos municípios de até 50 mil corresponde a 33,55% do
total ou 64 milhões, seguido de 45,25% (até 100mil) e 55,78% (até 200 mil). Na outra ponta
da questão temos uma concentração populacional nítida se considerarmos que os 15 municípios
(0,27%) mais populosos, com 1 milhão de habitantes ou mais, somados tem 21% da população
total (cerca de 40 milhões de habitantes).
Analisando os dados aqui reunidos, percebemos que os menores municípios em termos
populacionais, aqueles de até 30 mil habitantes, representam cerca de um quarto da população
total e os de até 50 mil, pouco mais de um terço do total, um contingente significativo. Uma
política de formação de gestores deve assim priorizar esses municípios, o que acaba se mos-
trando um desafio já que estamos falando em 4.492 (até 30 mil) e 4.954 (até 50 mil) localidades
diferentes, respectivamente. Diante deste quadro, é imprescindível a utilização de tecnologias
de informação e comunicação para aumentar o alcance e efetividade das ações de formação.
Cursos semipresenciais, com conteúdos e processos disponibilizados parcialmente em meio di-
gital, parecem uma alternativa. Não encontrei dados objetivos acerca do número de gestores
culturais atuando hoje no país, mas é importante que tenhamos um contingente proporcional a,
no mínimo, um por município. Isso significa que, de partida, teríamos de ter 5.570 profissionais
capacitados e distribuídos por todo o Brasil, sendo obviamente necessário um número maior de
gestores nas cidades com maior número de habitantes. Essas questões devem ser aprofundadas
a fim de que se estabeleça, por exemplo, um parâmetro mínimo de gestor por habitante como
acontece em outras áreas.
É claro que isoladamente a questão da dispersão ou adensamento populacional não diz
muito a respeito das necessidades da formação em gestão cultural no Brasil. No entanto, deve-
mos considerar a dimensão territorial e a distribuição da população se quisermos ter um contin-
gente de gestores, devidamente capacitados, para que a cultura se consolide enquanto um campo
de atuação profissional, gerador de riqueza e renda.

11
Todos os dados acerca da população brasileira foram obtidos pelo portal do IBGE e tem como base o Censo
brasileiro de 2010. Portal do IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm
(acesso em 06/12/2015).

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5. CONSIDERAÇÕES: PRÓXIMOS PASSOS


Pelos dados aqui reunidos em espécie de aproximação inicial sobre a questão da forma-
ção em gestão cultural no Brasil, entende-se que são inúmeros os desafios em direção à cons-
trução de uma resposta adequada a essa demanda. Entre as quais, nessas considerações, destaco
a oferta ainda pouco significativa de cursos superiores nas áreas correlatas. Uma estimativa da
oferta baseada no número de vagas dos cursos identificados, aponta para pouco mais de 350
vagas anuais. Este número, isoladamente, não corresponde ao número de formandos dos cursos,
posto que há evasão por diferentes motivos e os dados sobre egressos são de difícil identificação.
Nesse sentido, é preciso estipular métodos e desenvolver pesquisas que acompanhem essa ques-
tão da formação e gerem indicadores que subsidiem o planejamento da qualificação profissional
na área da gestão cultural. Há de se pensar inclusive na descentralização da oferta de formação
com polos regionais localizados em municípios do interior e desenvolver cursos em modalida-
des semipresenciais.
Ainda acerca da formação superior, não obstante a necessidade de se estabelecerem as
Diretrizes Curriculares Nacionais, bem como a regulamentação da atividade profissional do
gestor cultural, se considerarmos toda a legislação atinente à área da produção, gestão e política
cultural hoje em vigor, há balizas suficientes para sua consolidação.
Também o reconhecimento social, legal e institucional do ofício de gestor cultural é
importante. Hoje tramita na Câmara Federal projeto de lei, de nº 5575/201312, que visa regula-
mentar a profissão do Produtor Cultural, Esportivo e de Ações Sociais, mais um indício do grau
crescente de institucionalização do campo da gestão e produção cultural no Brasil.
Finalizo assim minha reflexão acerca das necessidades da gestão cultural no Brasil na
qual enfatizei a questão da formação e qualificação da força de trabalho na área, suas limitações
e desafios. Também foquei meu levantamento a partir do panorama levantado pela MUNIC
2014, e na oferta de cursos em nível de graduação na rede pública federal, defendendo que al-
guns desafios ainda se apresentam frente à necessidade de consolidação da formação, entre eles
o fortalecimento e reconhecimento pelo Estado dos próprios cursos que oferta e a regulamenta-
ção da profissão do produtor cultural.

12
Projeto de autoria do Deputado Giovani Cherini (PDT/RS); disponível em: http://www.camara.gov.br/propo-
sicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0FEE6C4FE1446A8740A7B370D0C779E8.proposicoesWeb2?cod-
teor=1088528&filename=PL+5575/2013 (acesso: 06/12/2015).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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brasileiros: um quadro contemporâneo. Revista Observatório Itaú Cultural OIC - n. 6, (jul./set. 2008),
p. 66-73, São Paulo, SP : Itaú Cultural, 2008.
CUNHA, Maria Helena. Gestão Cultural: Profissão em formação. Dissertação de Mestrado. Belo
Horizonte: UFMG, 2005. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/
handle/1843/FAEC-856N9M/1000000598.pdf?sequence=1 (acesso: 15/02/2016).
_______. Formação do profissional de cultura: desafios e perspectivas. Políticas Culturais em Revista,
1 (4), p. 95-105, Salvador, BA: UFBA, 2011.
IBGE. Portal do IBGE, Censo 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/
populacao/censo2010/default.shtm (acesso: 06/12/2015).
_______. Perfil dos Estados e Municípios do Brasil 2014 – suplemento Cultura. Disponível em:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95013.pdf (acesso: 02/02/2016).
MINISTÉRIO DA CULTURA. Resultado da Plenária Final da 3ª Conferência Nacional de Cultura.
Brasil, 2013. Disponível em: http://cncvirtual.culturadigital.br/wp-content/uploads/sites/6/2013/12/
Propostas_Aprovadas_III-CNC.pdf (consultado em 05/12/2015).
_______. Plano Nacional de Cultura. Brasil, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12343.htm (acesso: 18/04/2014).
RUBIM, Antonio Albino Canelas. Formação em organização da cultura no Brasil. Revista Observatório
Itaú Cultural OIC - n. 6, (jul./set. 2008), p. 47-55, São Paulo, SP : Itaú Cultural, 2008.
MARTINELL, Alfons. La Gestión Cultural: Singularidad profesional y perspectivas de futuro. Girona/
Espanha: Unesco, 2000.
_______. Políticas culturales y gestión cultural: Organum sobre los conceptos clave de la práctica
profesional. Girona/Espanha: Documenta Universitaria, 2007.

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POLÍTICAS CULTURALES EN EL MUNICIPIO DE GENERAL PUEYRREDON:


UN ANÁLISIS CUANTITATIVO PARA LA ACCIÓN DESDE LA
GESTIÓN CULTURAL
Gabriela Adriana Costaguta1

RESUMO: El presente trabajo trata de un análisis cuantitativo de ordenanzas y decretos del


Honorable Concejo Deliberante del Partido de General Pueyrredon (Pcia de Buenos Aries.
Argentina) y persigue el objetivo de analizar y promover el debate y la reflexión las políticas
culturales de este cuerpo en los últimos diez años desde la mirada de la gestión cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas culturales, Cultura, Desarrollo, Gestión cultural.

1. FUNDAMENTACIÓN
La concepción de cultura tiene incontables intentos de definiciones. Dentro de ese uni-
verso, podemos afirmar que está constituida por un conjunto de saberes, reglas, normas, cos-
tumbres, comportamientos adquiridos, creencias, valores y mitos que se transmiten y se recrean
de generación en generación. En este sentido, la cultura encierra en si el concepto de identidad
entendido como el sentido de pertenencia a un territorio, que constituye una construcción social
en constante transformación y, el de diversidad de las culturas en las que las asimilaciones de
una cultura a otra proporcionan desarrollo y crecimiento.
En el contexto de definiciones y transformación nos encontramos con el enfoque de
Yúdice cuando señala que “El recurso de la cultura sustenta la performatividad en cuanto lógica
fundamental de la vida social hoy” (Yudice 2002:43). Comprende así a la cultura, como una
herramienta que impulsa las estructuras sociales, políticas y económicas. Entendemos además
que la globalización ha provocado que las industrias culturales y creativas, atraviesen fronteras
de manera instantánea y las políticas en estos términos deben por un lado afirmarse en términos
identitarios y en otros abrirse a la pluralidad y la diversidad.
Por su parte, el Estado debe redefinir su rol en el campo de las políticas culturales de
manera constante para permitir así el desarrollo cultural.

1
gabrielacostaguta@gmail.com

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Pero es también trascendental fijar la relación que existe entre la concepción de cultura
que se tiene en un determinado territorio, “los modelos de gestión cultural que se lleven adelante,
y el modelo de gestión en que se organiza administrativamente la ejecución de la política cultu-
ral”. (Mariscal Orozco, 2007: 30-31)
Tomemos la definición de García Canclini
“Entendemos por políticas culturales el conjunto de intervenciones rea-
lizadas por el Estado, las instituciones civiles y los grupos comunitarios
organizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las ne-
cesidades culturales de la población y obtener consenso para un tipo de
orden o transformación social” (García Canclini,1987:26).
Y la de Teixeira Coelho:
“La política cultural constituye una ciencia de la organización de las
estructuras culturales y generalmente es entendida como un programa
de intervenciones realizadas por el Estado, instituciones civiles, enti-
dades privadas o grupos comunitarios con el objetivo de satisfacer las
necesidades culturales de la población y promover el desarrollo de sus
representaciones simbólicas” (Coelho, 2009:241).
Ambos autores formulan la intervención del Estado como premisa fundamental guiados
por la participación de grupos comunitarios.
En este sentido realizamos la investigación con la finalidad de reconocer las políticas
culturales de orden municipal en el Partido de General Pueyrredon, Provincia de Buenos Aires,
Argentina, y si las mismas se encuentran en consonancia con esta transformación, con la apertura a
la cooperación nacional e internacional y con las convenciones que protegen el patrimonio cultural
inmaterial y material y el desarrollo sostenible.

2. MARCO TEÓRICO
Analizar las políticas culturales en el marco del contexto político contemporáneo ofrece
una perspectiva de agudas tensiones que han afectado a todo el planeta. Las políticas neoliberales
y la globalización han proporcionado la necesidad, por un lado, de una fuerte reafirmación de lo
local por el devenir de un proceso de desterritorialización de los flujos sociales, lo que conlleva
una pérdida del poder político estatal, y por el otro la generación de estrategias que permiten asu-
mir los procesos de reformas y actualización con las propuestas de organismos internacionales.
Ello requiere además una fuerte participación de la ciudadanía en un marco con flujos
de información dentro de un paradigma de democracia participativa comprendiendo a la socie-
dad como diversa, pluriétnica y multicultural.
En relación a lo que venimos mencionando, en el año 2005 la UNESCO aprueba en
París lo que constituye un hito a nivel mundial en nuestra materia: la “Convención sobre la
protección y la promoción de la diversidad de las expresiones culturales” que promulga en su

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articulado que la diversidad cultural es una característica esencial de la humanidad, de la que


constituye un patrimonio común y uno de los principales motores del desarrollo sostenible de las
comunidades, los pueblos y las naciones. Además se destaca allí la necesidad de incorporar la
cultura como elemento estratégico a las políticas de desarrollo nacionales e internacionales, así
como la cooperación internacional para el desarrollo. Considera que la cultura adquiere formas
diversas a través del tiempo y el espacio y que esta diversidad se manifiesta en la originalidad
y la pluralidad de las identidades. Reconoce la importancia de los conocimientos tradicionales
como fuente de riqueza inmaterial y material.
A diez años de ese acontecimiento y ante la evaluación que realiza la UNESCO en su
informe Anheier y Kononykhina (en Unesco, 2015:11) afirman la necesidad de colaboración
permanente entre el Estado y la sociedad civil para el diseño de políticas, pero que entre los
retos que enfrenta esta la insuficiencia en la capacidad local y nacional de los países, como así
también la carencia de financiamiento y de recursos humanos calificados y por último la falta de
concientización del vínculo entre la sociedad civil y la Convención. Estos dos acontecimientos
son un mojón que apuntala el período de diez años, de 2005 a 2015, que se ha tomado como
base para el estudio de este trabajo.
Análogamente la calificación de recursos humanos se viene dando desde diferentes fren-
tes, uno de ellos es la profesionalización de la gestión cultural en donde se encuentra inserto un
compromiso metodológico y conceptual para contribuir a la formación de políticas culturales
“a partir de nuestra práctica pero también con herramientas teóricas y metodológicas que nos
permitan construir el campo académico de la gestión cultural” (Mariscal Orozco, 2007: 38)

3. MARCO CONTEXTUAL
El Partido de General Pueyrredon se encuentra en la Provincia de Buenos Aires, Argenti-
na. Su cabecera es la ciudad de Mar del Plata que, según el Ente Municipal de Turismo con sede
en Mar del Plata, cuenta con una población estable de 650.000 habitantes y el arribo de turistas
anuales en un número que supera los 8.000.0002 de personas.
Su ubicación geográfica tiene características preferenciales. Una gran franja costera con
playas sobre el Océano Atlántico, un cordón frutihorticola que la rodea y una gran zona de lagu-
nas, bosques y sierras que le ofrecen al entorno un paisaje cultural privilegiado.
Su economía se basa principalmente en el turismo, la pesca y los tejidos. Además posee
una importante planta industrial con una variada cantidad de empresas.
Asimismo Mar del Plata, como consecuencia de una capacidad hotelera enorme instala-
da para el turismo, es la primera ciudad sede de Congresos y Convenciones del interior del país
con un registro de más de 200 reuniones anuales.

2
http://www.turismomardelplata.gov.ar/

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Su contexto político tiene en la actualidad la misma raigambre democrática que el resto


del país, con un Poder Ejecutivo a cargo de un Intendente y una pluralidad de partidos que
forman el Poder Legislativo a través del Concejo Deliberante, quien aprueba sus resoluciones a
través de Ordenanzas, ambas autoridades elegidas por elecciones locales y nacionales. El Poder
Judicial depende de la Provincia de Buenos Aires.
En el contexto temporal que abarca nuestra investigación, según se señalara al final del
punto anterior, gobernaban intendentes elegidos por elecciones libres de dos partidos políticos,
la Unión Cívica Radical en un período y Acción Marplatense en dos períodos consecutivos, des-
de el 2007 hasta el 2015, la que de un partido vecinal pasó a integrarse con el partido gobernante
a nivel nacional.

4. OBJETIVOS
El presente trabajo tiene como objetivo central
• Generar un espacio de análisis, reflexión y debate de las políticas culturales.
Y como objetivos específicos:
• Identificar las políticas culturales de la región.
• Redefinir el rol del Estado en la cultura.
• Promover el impulso de procesos de participación ciudadana.

5. METODOLOGÍA
La presente investigación se basó en el análisis cuantitativo de 333 ordenanzas, decretos
y resoluciones comprendidas, entre los años 2005 al 2015, dictadas en el Concejo Deliberante
del Municipio. No se incluyó en el listado a las normas emitidas referidas a bibliotecas (barria-
les, escolares o de discapacidad).
Se trata del primer paso de una investigación que continuará y que permitirá la reali-
zación de un seguimiento más profundo y exhaustivo de la legislación, ya que los campos de
búsqueda y los ejes temáticos comprenden gran vastedad de análisis.
Se tomaron criterios de clasificación para sintetizar la información y presentarla con
simplicidad expositiva a los fines de una mejor comprensión de las normas relevadas. De esta
manera organizamos una clasificación en tres grupos según los siguientes criterios: Patrimonio,
Estructura orgánica, promoción y espacio público y Convenios.

5.1. Patrimonio
En este eje predominan las ordenanzas en las que se aceptan donaciones de bienes mue-
bles e inmuebles (43,80%) Y le siguen las de “dar de baja” bienes muebles (33,70%) o donar a

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las Asociaciones de Fomento bienes en desuso del Municipio (6,7%). Todo lo cual representa un
total del 84,23% de las ordenanzas relevadas.
En cuanto a la preservación del patrimonio y la declaración de patrimonio histórico re-
presenta solo un 6,6%.
Sobre patrimonio inmaterial en el año 2010 se aprobó la ordenanza que permite crear “El
Archivo de la palabra hablada” y en el 2011 otra que ordena desarrollar el “Programa de Protec-
ción y Difusión del Patrimonio Intangible del Partido General Pueyrredon” esto representa el 2,
2% del total en el mismo período.
La declaración de Patrimonio Cultural y Turístico a las actividades que realizan aso-
ciaciones artísticas de carnaval, murgas, comparsas, y otras es del año 2015 y aún no se en-
cuentra vigente.

Fuente: Digesto del Honorable Concejo Deliberante.


Elaboración propia.

5.2. Estructura, promoción y espacio público


Los reconocimientos a personalidades destacadas de la cultura, a través de la colocación
de placas recordativas, la designación de “vecino destacado”, “visitante notable”, la imposición
de nombres a salas de teatros o espacios urbanos, distinción al “mérito ciudadano”, declaración
de “interés municipal” significan un 27%, el reconocimiento de pago a diferentes actores,
músicos y contrataciones el 13,73%, y los premios a la producción artística y sus respectivos
reglamentos, el 8,58%. Todo lo cual representa el 49,31% del total.
Para la promoción de actividades, permisos para la utilización del espacio público y
de inmuebles del Municipio para ferias de artesanías, manualidades y diseño, del libro, de y
conciertos el 40%.

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Para la estructura orgánica el 6, 43%, incluyendo en el año 2015 un concurso interno


de oposición y antecedentes por única vez para cubrir cargos en la Escuela Municipal de Arte
Dramático y la Escuela Municipal de Danza entre otras,
En cuanto a Industrias Culturales se crea la División Industrias Culturales en el 2013 y
sobre Tics (0, 85%) las ordenanzas son de los años 2014 y 2015 cercanas al final de un mandato.
Sobre el Teatro Independiente una ordenanza del año 2009 describe la designación de salas o
espacios teatrales independientes, pero en el año 2015 recién se define que trata la “actividad
teatral independiente”.
También se instituye en el ámbito del Partido de General Pueyrredon el Festival de Cine
Marplatense con carácter permanente y se crea la Plataforma Municipal de Música en el ámbi-
to, que incluirá archivos en formato MP3 o similares de artistas locales, creándose por decreto
la Dirección de Programas Socio-Culturales y la División Formación y Producción Artística
Social y la División Acción Cultural Comunitaria dependientes de la Dirección de Programas
Socio-Culturales de la Secretaria de Cultura, aprobando sus misiones y funciones, y que aún no
está publicado, todos ellos del año 2015.

Fuente: Digesto del Honorable Concejo Deliberante.


Elaboración propia.

5.3. Convenios y Cooperación


Convenios varios (mutuales y prestadores) un 90,9% y para cooperación internacional
9,09%, solamente una norma que autoriza al Departamento Ejecutivo a realizar las gestiones ne-
cesarias ante el Banco Interamericano de Desarrollo para la obtención de fondos destinados a la
preservación del patrimonio histórico de la ciudad de Mar del Plata y especialmente, a la remode-
lación y puesta en valor del espacio ocupado en el año 2005 por la Estación Terminal de Ómnibus.

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Fuente: Digesto del Honorable Concejo Deliberante.


Elaboración propia.

Otra lectura que nos interesó verificar en esta investigación es en relación a los años de
elecciones municipales. Durante el período 2005-2015 hubieron tres elecciones (años 2007,
2011 y 2015) Las ordenanzas referidas a cultura ascendieron exponencialmente en esos años
representando el 34,82%.

Año Porcentaje
2007 6.30%
2011 12,91%
2015 15,61%
Fuente: Digesto del Honorable Concejo Deliberante.
Elaboración propia.

6. CONCLUSIONES
De la presente investigación resulta que, en abierta contradicción con la teoría expuesta
al comienzo, existe una deficiente capacidad del gobierno para ampliar su concepción de las
políticas culturales en el Partido de General Pueyrredon, y que las normas emitidas en el ámbito
comunal tienen un espectro limitado al apoyo a las artes y al mantenimiento del patrimonio
tangible reduciendo la cultura en esos términos no constatando una apertura a políticas transver-
sales ni al desarrollo de la diversidad cultural. Y no se trata simplemente de ausencia de presu-
puesto, en muchos casos, como por ejemplo la adecuación de edificios públicos en desuso para

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desarrollo de la actividad cultural, la anomia normativa es alarmante y denuncia un desapego de


grandes proporciones por el ejercicio de actividades en tal sentido.
El resultado de este análisis afirma la necesidad de proporcionar nuevos enfoques para la
realización de políticas culturales que impliquen no solo la diversificación de la legislación sino
también la compilación, el seguimiento y la evaluación de impacto previo de las ordenanzas y
el directo beneficio que operaría a favor de la cultura y la identidad del poblador, así como la
integración de la actividad en los marcos de desarrollo sostenible y la apertura a la cooperación
nacional e internacional. O sea, incorporar aunque sea de soslayo el espíritu dogmático de la
cátedra expuesto al comienzo de este trabajo.
Este también demuestra que en los años de elecciones municipales y con una apariencia
más bien propagandística, se incrementan los reconocimientos, la creación de bandas, coros, o
promoción de actividades, así como el pago de servicios a diferentes actores culturales. El hecho
resulta una demostración demagógica ya que continúan ignoradas las categorías de patrimonio
intangible, tics, industrias culturales y creativas, turismo cultural, recursos culturales, y coope-
ración. Entendemos que recién en esa época quienes impulsan estas acciones recuerdan de una
manera casi alegórica que la política cultural es un espacio de intervención crucial referido a
la idea de cultura y poder, pero utilizando el concepto como aporte a su propio sostenimiento
político más que al capital simbólico, a la participación ciudadana y al desarrollo sostenible.
Además, en términos de participación, sigue siendo una convalidación de acciones ya enca-
minadas más que de intervención original y efectiva en la sociedad civil u organizaciones del
tercer sector.
Resultan también mínimas las medidas que se encaminaran a la protección y promoción
de la diversidad de las expresiones culturales en el territorio del Partido, solo se otorgó en el
año 2009 una “Distinción al Mérito Ciudadano” a dos hermanos que a través de un programa de
televisión difundían la práctica del surf y otras actividades de entretenimiento.
Es evidente que son necesarios otros enfoques metodológicos y otras propuestas políti-
cas para el diseño de políticas culturales que involucren e incorporen a los hacedores, creadores,
y profesionales preparados en la temática. Es decir una transformación de las estructuras para
que las políticas nos sean solo un mero maquillaje de sistemas patrimonialistas que incorporan
en mínimos casos en su argumentación palabras como consenso, participación ciudadana y di-
versidad sin ejecutarlas en la realidad y menos aún ocuparse de conceptos tales como calidad de
vida en el espacio público, fortalecimiento del tejido social, o del “buen vivir”.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O MODELO DE GOVERNANÇA PÚBLICA E AS POLÍTICAS CULTURAIS


Gabriela Maria Carvalho Feijó1

RESUMO: A presente pesquisa se insere no campo de administração pública, observa os


arranjos institucionais empregados pelo Ministério da Cultura (MinC) brasileiro, especificamente
estuda dois programas, o Sistema Nacional de Cultura (SNC) e o Plano Nacional de Cultura
(PNC), sendo que ambos recebem recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Sendo assim,
procurou-se analisar tais arranjos frente à ótica de Governança Pública, que explica o atual
formato estrutural que trouxe um novo desenho institucional para as políticas culturais, que
tem por objetivo a descentralização por meio da municipalização, tendo em vista uma gestão
compartilhada entre os entes federados, com maior envolvimento e controle da sociedade civil.
Dessa forma, foi realizada uma pesquisa qualitativa onde as informações foram coletadas por
meio de análise bibliográfica e documental.

PALAVRAS-CHAVE: Ministério da Cultura, Governança Pública, Políticas Culturais

1. INTRODUÇÃO
O presente estudo se insere no campo de administração pública e estuda os arranjos
institucionais empregados pelo Ministério da Cultura brasileiro para implementar suas políticas
culturais. Procura-se aqui analisar tais arranjos frente à ótica de governança pública dentro do
processo de políticas públicas.
William Jenkins (1978) compreende políticas públicas como um conjunto de decisões
que se inter-relacionam e são tomadas por determinados atores, que selecionam os objetivos e
meios para alcançá-los tendo em vista uma determinada situação, na qual essas decisões devem
estar de acordo com a capacidade de implementação desses atores. Aqui fica clara a existência
de múltiplos tomadores de decisão, a importância de atores externos no processo decisório e a
orientação da tomada de decisão tendo em vista o cumprimento de metas.
Podemos auferir das colocações acima que as políticas públicas fazem parte de um fe-
nômeno complexo que consiste em numerosas decisões tomadas por diversos indivíduos e or-
ganizações. Englobam, também, o conjunto de escolhas potenciais ou escolhas não feitas, indo
além da esfera legislativa.

1
Mestranda em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo. (feijo.gabriela@gmail.com)

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Dessa forma, é possível afirmar que determinadas políticas públicas culturais operam de
modo normativo, isto é, são implementadas por força de Lei, ocorrem primeiramente na esfera
federal para então atuar nos governos subnacionais, de forma impositiva. A questão cultural
foi enquadrada nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal (CF), que instauram o Sistema
Nacional de Cultura (SNC) e o Plano Nacional de Cultura (PNC). Ao introduzir cultura na CF
a questão de acesso e diversificação cultural entra para a agenda formal, e consequentemente
para as agendas locais. Surge então um processo de modernização do Estado nacional que exige
novos padrões estruturais (SOUZA, 2004).
A motivação por trás desse estudo se deu justamente pelo redesenho institucional das
políticas de cultura, no caso o SNC, que atrela a distribuição dos recursos do Fundo Nacional
de Cultura (FNC) aos entes federados à adesão do sistema e suas demandas específicas, reali-
zados por gestão compartilhada entre governo e sociedade civil. Logo, o presente estudo busca
analisar as políticas culturais sob a luz da teoria de Políticas Públicas, tendo por base o modelo
de Governança Pública.
O diálogo proposto aqui se dá de modo descritivo, caracterizando as políticas implemen-
tadas e descrevendo os programas abordados, SNC e PNC, bem como sua forma de financia-
mento, FNC, para então analisar como as políticas culturais utilizam o modelo de Governança
Pública para desenvolver seu processo de implementação. Dessa forma, foi realizada uma pes-
quisa qualitativa onde as informações foram coletadas por meio de análise bibliográfica e docu-
mental. Instrumentos de pesquisa que trouxeram os subsídios necessários para a interpretação e
sintetização das informações.
Sendo assim, este estudo tem por objetivo identificar o atual padrão estrutural das polí-
ticas culturais brasileiras, apontando as diferenças de atuação nas esferas federal e local, bus-
cando assim contribuir com o estudo de Governança Pública. Como objetos de estudo serão
abordados o SNC, instrumento de cultura e ponte para o PNC, política norteadora com estra-
tégias, metas e ações definidas, e o FNC, fundo de financiamento para a cultura. Procurou-se
responder a seguinte questão: Sob a vertente do modelo de Governança Pública, como se dá o
arranjo institucional das políticas públicas de cultura? Buscando contribuir para a literatura de
políticas culturais, procurou-se responder esse questionamento e explicar esses novos padrões
estruturais. Logo a seção a seguir procura trazer os subsídios teóricos para a análise do modelo
de Governança frente aos programas culturais.

2. REFERENCIAL TEÓRICO
A idéia de Governança ganha destaque em estudos de políticas públicas, apesar de não
haver um consenso sobre sua definição, podendo variar de acordo com o contexto em que é

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empregado. O termo está presente em diversas áreas das ciências sociais, como relações inter-
nacionais, ciências políticas e administração.
Na literatura de administração pública o termo surge na década de 90 e envolve uma
abordagem do modelo de administração pública focada em gestão participativa, mercados e
competição. Esse modelo de governança seria capaz de melhor nortear o processo de políticas
públicas, isto é, de produzir bens e ofertar serviços públicos. A discussão sobre governança tam-
bém envolve a necessidade de repensar a lógica de interação entre Estado e sociedade, sendo
assim, governança consiste na capacidade do governo de prestação de serviços. (CAPELLA,
2008). Apesar dos diferentes conceitos esse estudo entende o conceito de governança como um
modelo horizontal de relação entre atores públicos e privados no processo de elaboração de po-
líticas públicas (KOOIMAN,1993; RICHARDS e SMITH, 2002, apud SECHI, 2009).
O modelo de Governança Pública, mais desenvolvido na Europa, opera num sistema
aberto, isto é, recebem insumos do ambiente, processam e desenvolvem para o ambiente produ-
tos e serviços acabados. Surge em modelos pós-burocráticos, após crises e reformas do Estado,
e se desenvolve em ambientes democráticos e participativos.
Isso demonstra uma atuação menos rígida do Estado e uma formulação mais participa-
tiva que técnica no processo decisório. Sechi (2009) aponta três impulsionadores do modelo de
Governança Pública: o primeiro consiste na “crescente complexidade, dinâmica e diversidade
de nossas sociedades coloca os sistemas de governo sob novos desafios e que novas concepções
de governança são necessárias” (KOOIMAN, 1993, p. 6. Apud SECHI, 2009); O segundo im-
pulsionador refere-se à inclusão de valores neoliberais e o chamado esvaziamento do Estado,
onde se contesta a capacidade do Estado em resolver problemas coletivos; O terceiro abrange
a Governança pública como parte do modelo de Administração Pública Gerencial, New Public
Management, focando no desempenho e tratamento dos problemas, ou ainda sendo considera-
da uma de suas vertentes ou um desdobramento desse modelo, “há alguma semelhança entre
as duas perspectivas e parece claro que o recente interesse em governança, em parte, tem sido
alavancado pela crescente popularidade da administração pública gerencial e a idéia de formas
genéricas de controle social” (PIERRE, PETERS, 2000, p. 65. apud SECHI, 2009).
Vale ressaltar ainda que a governabilidade não está associada à capacidade de governança:
Um governo pode ter governabilidade, na medida em que seus dirigen-
tes contem com os necessários apoios políticos para governar, e, no en-
tanto, pode governar mal por lhe faltar a capacidade da governança.
Existe governança em um Estado quando seu governo tem as condições
financeiras e administrativas para transformar em realidade as decisões
que toma (BRESSER PEREIRA, 1998).
O objetivo de estudar a capacidade estatal é para entender porque algumas promessas
de melhor governanças são bem sucedidas enquanto outras permanecem inalcançadas. Para

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Fukuyama (2013) esse processo de governança consiste na habilidade governamental de fazer e


implementar regras, e entregar serviços seja uma democracia ou não.
Essa visão mais pluralista do Estado permite uma inclusão maior e participação de ou-
tros atores, que também farão parte do modelo de Governança Pública, em vista de formular
as políticas públicas e aumentar a participação da sociedade na gestão, que deixa de ser apenas
receptora de serviços.
É possível observar o modelo de Governança empregado no processo de formulação e
implementação dos programas culturais, como o SNC e o PNC, que operam por gestão compar-
tilhada entre governo e sociedade civil, envolvendo assim outros atores no processo decisório.
Para Barbalho (2005, p 8) uma política cultural abrange um conjunto, mais ou menos,
“coerente de princípios (conceitos e diretrizes), objetivos (onde se quer chegar), estratégias
(como alcançar os objetivos projetados), os meios necessários e as ações a serem realizadas (os
programas e projetos concretos)”. Frisa ainda que é necessário haver uma lógica entre as partes
desse conjunto, essa definição vai de encontro à própria conceituação de políticas públicas.
Em 2005, a questão cultural volta a ser foco de discussão normativa no Brasil e passa a
ser mais bem regulamentada na Constituição Federal, alterando os artigos 215 e 216 por Emen-
das Constitucionais, que institui o Sistema Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Cultura,
ambos realizados por gestão compartilhada entre governo e sociedade civil, garantindo assim
uma melhor regulamentação do campo.
Este tipo de medida coloca as políticas culturais brasileiras no rol das políticas sociais,
visando a ampliação do acesso e da diversidade, e consequentemente opera de acordo com o tipo
de política redistributiva, com base em políticas regulatórias. Partindo dessa orientação redis-
tributiva para as políticas culturais brasileiras o presente estudo irá contextualizar os programas
desenvolvidos pelo governo federal e seu processo de implementação no território nacional.
Para tanto, a próxima seção procura contextualizar as políticas culturais, aproximando assim
essas políticas do modelo de Governança pública, aqui estudado.

3. CONTEXTUALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS


A Lei Federal de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet – é o principal instrumento para a
instituição de políticas públicas para a cultura nacional e tem por finalidade captar e canalizar
recursos para o setor cultural. É operada por três mecanismos de financiamento: Fundo Nacional
da Cultura (FNC), Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e Incentivo a projetos
culturais (Mecenato). No entanto, esses mecanismos não operam da forma planejada. O que
vemos é uma grande ênfase ao mecenato, enquanto o FNC e o Ficart não possuem atrativo tri-
butário suficiente para garantirem seu êxito, sendo que o Ficart não chegou a sair do papel.

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Vale ressaltar que o presente estudo não tem por objetivo analisar o processo de financia-
mento dessas políticas, todavia, utilizou-se aqui do mecanismo do Fundo Nacional de Cultura
para explicar os arranjos institucionais adotados para a implementação das políticas culturais,
uma vez que este instrumento é responsável pelo repasse de recursos.

3.1. Fundo Nacional de Cultura (FNC)


Atualmente, o governo federal utiliza o FNC para implantar seus programas culturais. O
fundo possui duas formas operacionais de apoio aos projetos:
a primeira é a disponibilização de verba a fundo perdido para pessoas
físicas e para entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos. A se-
gunda, a efetivação de empréstimos reembolsáveis para pessoas físicas
ou entidades sem fins lucrativos (OLIVIERI, 2004, p. 103).
Os apoios são celebrados por meio de convênios, que serão publicados no Diário Oficial
da União (DOU) após análise jurídica e aprovação do projeto, sendo que os proponentes podem
ser de instituições públicas ou de instituições privadas sem fins lucrativos, o que gera uma certa
concorrência entre as esferas pública e privada, ocorrendo também no mecenato, gerando certo
desconforto entre as partes que disputam o mesmo recurso federal.
O Ministério da Cultura (MinC) defende a importância da cultura para o desenvolvimen-
to do país e busca enfrentar os principais desafios para a cultura, entre eles a necessidade de as-
segurar a continuidade das políticas públicas culturais em todas as esferas de governo, contando
ainda com a participação e controle social, e também, proporcionar estruturas organizacionais e
recursos humanos e financeiros.
Dessa forma, utiliza-se de instrumentos como o Sistema Nacional de Cultura e do Plano
Nacional de Cultura para alcançar esses objetivos, mostrando assim a intenção de articulação
entre a esfera nacional e a local, tendo em vista medidas descentralizadoras para a implementa-
ção dessas políticas, atreladas ao repasse do fundo nacional.

3.2. Sistema Nacional de Cultura (SNC)


A resposta encontrada para solucionar esses desafios foi o Sistema Nacional de Cultura
(SNC), criado em 2005 pelo Decreto Nº 5.520, que conta com uma gestão articulada e com-
partilhada entre Estado e Sociedade, abrangendo todos os entes federados. De acordo com o
MinC, o SNC “é um processo de gestão e promoção conjunta das políticas públicas de cultura”.
Organizado de modo colaborativo entre “os entes federados (União, estados e municípios) e a
sociedade civil de forma democrática e participativa”.
O processo de adesão ao SNC ocorre de forma voluntária e se dá através da assinatura
do Acordo de Cooperação Federativa, que define os compromissos firmados entre as partes para

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a construção do SNC. Entre eles temos a criação das seguintes estruturas por parte dos entes fe-
derados: Órgãos Gestores da Cultura; Conselhos de Política Cultural; Conferências de Cultura;
Planos de Cultura; Sistemas de Financiamento à Cultura; Sistemas Setoriais de Cultura (quando
pertinente); Comissões Intergestores Tripartite e Bipartites; Sistemas de Informações e Indica-
dores Culturais; Programa Nacional de Formação na Área da Cultura. Esses elementos devem
ser implementados em âmbito federal, estadual e municipal.
O SNC foi regulamentado pela Emenda Constitucional n° 71 de 2012 que acrescenta o
artigo 216-A a Constituição Federal2, fazendo com que o acesso à cultura seja um direito do cida-
dão. Esse instrumento de gestão compartilhada de políticas públicas de cultura tem por objetivo:
Formular e implantar políticas públicas de cultura, democráticas e per-
manentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade civil,
promovendo o desenvolvimento – humano, social e econômico – com
pleno exercício dos direitos culturais e acesso aos bens e serviços cultu-
rais (MINC, 2012b, p. 61).
Atualmente, a implementação do sistema vem acontecendo por meio de assinatura do
acordo de cooperação, buscando assim o desenvolvimento do SNC entre as partes. É função do
Ministério da Cultura – órgão coordenador do SNC – fomentar o processo de adesão3 ao sistema
e acompanhar sua implantação. O MinC aponta ainda algumas questões administrativas que
reverberam no campo cultural:
Esses desafios não são fáceis de serem superados. E essa concepção de
gestão se confronta com a cultura política tradicional, que é da desconti-
nuidade administrativa com as mudanças de governo; da competição in-
tra e intergovernos; e da resistência política à institucionalização da parti-
cipação social, apesar de assegurada na Constituição (MINC, 2011, p.14).
O SNC ainda caminha para uma implementação com maior foco de planejamento e
continuidade administrativa, uma vez que atualmente apenas 2022 municípios fazem parte des-
se programa, correspondendo a apenas 36,3% dos municípios brasileiros, apresentando assim
uma queda de adesão ao Acordo de Cooperação, que contava com 2327 municípios em 2014.
Mostrando assim a dificuldade de continuidade administrativa apresentada no campo cultural.
Tentando sanar essa dificuldade de planejamento e continuidade, o MinC atrela ao SNC
outro programa cultural, o Plano Nacional de Cultura (PNC) formulado por fóruns, consultas
públicas e Conferências Nacionais de Cultura (CNCs), que buscam viabilizar a participação e o

2
“Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e
participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e
permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento
humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais” (CF/88).
3
Atualmente o SNC conta com a adesão de todos os estados e de 2022 municípios, operando de forma pactu-
ada e compartilhada entre governo e sociedade civil. (Dados obtidos pelo Ministério da Cultura. Atualizado em
13/07/2015).

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controle da sociedade civil no processo de formulação das políticas públicas culturais. O PNC é
apoiado por lei específica, Lei Nº 12.343/2010 e amparado pelo §3º do artigo 215 da Constitui-
ção Federal4, sob a supervisão do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC).

3.3. Plano Nacional de Cultura (PNC)


O PNC define as diretrizes para os próximos 10 anos para a área cultural, e estará vigente
até 2020. Para aderir ao PNC as partes interessadas devem primeiramente aderir ao SNC, por
adesão voluntária, e qualquer ente federado pode solicitar sua inclusão ao sistema, por meio do
Acordo de Cooperação Federativa, já citado. Atualmente o plano é composto de 36 estratégias,
275 ações e 53 metas.
No entanto, ao aderir ao SNC o ente está aderindo também ao PNC, pois uma das exi-
gências é a elaboração de um plano de cultura, também de 10 anos, com diretrizes, estratégicas
e metas para aquele território. Dessa forma, as partes ingressantes terão acesso aos recursos
federais para a cultura, bem como assistência técnica para elaborar o plano. Os estados e os
municípios que aderirem ao SNC passam a contribuir para o alcance das metas do PNC, bem
como serão incluídos no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC),
“que tem por finalidade integrar os cadastros culturais e os indicadores a serem coletados pelos
municípios, os estados e o Governo Federal, para gerar informações e estatísticas da realidade
cultural brasileira” (MINC, 2011, p. 49).
Com a implantação do PNC a cultura passa a integrar a agenda dos municípios, estados,
Governo Federal e sociedade civil, para tanto o alcance das metas propostas depende de todas
as partes integrantes cooperando para atingir os objetivos propostos.
Diante do exposto a presente seção procurou apresentar brevemente os programas de-
senvolvidos para a cultura e sua interação com os entes federados, sendo assim a próxima seção
procura aprofundar esse estudo ao aproximar esses programas do modelo de Governança Públi-
ca, que traz maiores subsídio para compreender a forma como estes programas são desenvolvi-
dos e implementados.

4
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional,
e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. (...)  § 3º A lei estabelecerá o Plano
Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações
do poder público que conduzem à: I -  defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II -  produção, pro-
moção e difusão de bens culturais; III -  formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas
dimensões; IV -  democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional.

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4. ANÁLISE DOS RESULTADOS: O MODELO DE GOVERNANÇA PÚBLICA E AS


POLÍTICAS CULTURAIS
Nesse novo contexto de descentralização sobressaltam-se os mecanismos horizontais de
cooperação, operados por redes que alocam e regulam recursos coletivos por meio da sociedade
e outros níveis de governo, sendo que a autoridade e responsabilidade não são mais centradas no
Estado e nem repassadas para o setor privado. Sechi (2009) aponta que “essa abordagem rela-
cional e o resgate das redes/comunidades/sociedades como estruturas de construção de políticas
públicas, é a grande novidade proposta pelos teóricos da Governança Pública”.
Dentro dessa lógica o Estado passa ter de lidar com uma série de redes interorganiza-
cionais, A teoria das redes pretende integrar o mundo das técnicas e o mundo dos agentes. Uma
rede é “uma totalidade aberta capaz de crescer em todos os lados e direções, sendo seu único
elemento constitutivo o nó” (MORAES, 2000), ou seja, a rede opera em prol da resolução de
um problema comum. O Estado permite um maior envolvimento de outros atores no processo
de políticas públicas disponibilizando plataformas organizacionais, mecanismos de democracia
deliberativas e redes de políticas públicas, como demonstra a proposta do MinC com a implan-
tação de fóruns participativos, consultas públicas e Conferências Nacionais de Cultura.
Essa coordenação dos diversos atores envolvidos no processo de políticas públicas é
marcada pelas parcerias público-privadas (PPPs) que consistem na “cooperação entre atores pú-
blicos e privados de caráter temporário no qual os atores desenvolvem produtos mutuamente e/
ou serviços e onde riscos, custos e benefícios são compartilhados” (KLIJN e TEISMAN, 2003,
p. 137, apud SECHI, 2009). Conforme figura explicativa abaixo, a atual construção do desenho
das políticas de cultura atrela a distribuição dos recursos, oriundos do FNC, ao processo de ade-
são voluntária dos entes federados, ao SNC e ao PNC, que por sua vez devem atender exigências
como a criação de órgãos gestores responsáveis, planos decenais territoriais, fundos de cultura,
entre outros, com auxilio da sociedade civil.
Esses programas trouxeram um novo desenho institucional para as políticas públicas cul-
turais que tem por objetivo a descentralização por meio da municipalização, tendo em vista uma
gestão compartilhada entre os entes federados, com maior envolvimento e controle da socieda-
de civil. Todavia, isso não implicou na transferência de capacidade decisória para os estados e
municípios, mas sim na delegação de responsabilidade (SOUZA, 2004) sobre a implementação
das políticas culturais territoriais.
De acordo com a figura abaixo é possível observar que o repasse de recursos federais
está atrelado ao ato de adesão aos programas federais, que ocorre de forma voluntária. A im-
plementação desses programas culturais refletem uma maior necessidade de interação entre os
entres federados, independente de suas capacidades estatais, que podem variar de acordo com
cada estado e município.

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Figura 1: Contextualização e articulação dos programas culturais

Fonte: Figura elaborada pela autora com base em informações disponíveis pelo MinC.

Ao aderir o SNC, o município ou estado, precisa atender as demandas do programa ao


criar órgãos gestores de cultura, conselhos, conferências, bem como precisa elaborar um plano
de cultura, o que resulta diretamente à adesão do PNC, fazendo com o que o ente federado passe
a incorporar o processo de planejamento para o campo cultural, sendo que o repasse de recursos
pelo FNC só ocorre frente à adesão aos programas.
Estes novos arranjos institucionais foram criados em 2005 e impulsionados em 2010,
sendo relativamente recentes. O que se identifica nesse processo é que há uma delegação de
responsabilidade para os territórios sem de fato transferir o poder decisório, uma vez que o pro-
grama já está estabelecido e vigente. Apontando assim a adoção de um modelo de Governança
pública através de políticas descentralizadoras, que desenvolvem as políticas dentro do território
impulsionadas pelos programas federais.

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A atuação do Estado no modelo de Governança não possui um consenso entre os estu-


diosos do campo. Alguns enxergam uma diminuição da ação estatal no processo de políticas
públicas, pois passam a envolver também atores não estatais nesse processo de elaboração, aqui
não teria um ator que se destacasse durante esse processo, mostrando assim uma horizontalidade
desse sistema. Todavia, uma outra vertente defende que o Estado mantém seu papel de liderança
durante o processo de políticas públicas, pois ao invés de focar-se no processo de elaboração
e implementação o Estado voltaria sua atenção para a coordenação e controle, ou seja, há uma
descentralização da prestação de serviços para outros atores, mas há um aumento do controle do
Estado, que agora passa a atender um ambiente de maior complexidade e com maiores deman-
das sociais. E é nessa segunda versão de participação estatal que se enxerga o governo federal
no processo de implementação de políticas culturais.
Diante do exposto é possível assegurar que o Estado mantém seu papel de liderança
durante o processo de políticas públicas, pois ao invés de focar-se no processo de elaboração
e implementação o Estado voltaria sua atenção para a coordenação e controle, ou seja, há uma
descentralização da prestação de serviços para outros atores, governos locais, mas há um au-
mento do controle do Estado, que agora passa a atender um ambiente de maior complexidade e
com maiores demandas sociais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo de Governança Pública apesar de ganhar espaço no processo de implementa-
ção de políticas públicas apresenta certa contradição, pois como modelo hierárquico pode dar
espaço às questões participativas? O presente estudo não procurou trazer uma resposta a essa
questão, mas sim demonstrar como o processo de implementação de políticas culturais se encai-
xa à Teoria de Políticas Públicas, sob a ótica de Governança Pública.
Inicialmente mostrou-se a associação das políticas culturais às políticas sociais, mos-
trando assim seu caráter redistributivo. Essa tipificação é importante uma vez que ajuda a enten-
der a lógica governamental para essas políticas e conseqüentemente sua reação na sociedade.
Posteriormente foram apresentados os programas culturais, o Sistema Nacional de Cul-
tura e o Plano Nacional de Cultura, ambos operados por meio indutivos, com base nos recursos
do Fundo Nacional de Cultura. Ao executar o processo de indução dos programas federais, no
caso o Sistema Nacional de Cultura, não se pensa numa lógica linear que considere as desigual-
dades econômicas e sociais municipais, o que resulta na existência de capacidades administrati-
vas diferenciadas (ABRUCIO apud GRIN, 2014).
Com uma abordagem mais política, percebe-se certa autonomia estatal e um cuidado
maior com suas capacidades, em busca de um Estado desenvolvimentista com foco no bem-es-
tar social. Souza (2004) afirma que essa nova governança local que descentraliza ou municipa-

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liza as políticas sociais universais não implica na transferência de capacidade decisória para os
governos locais, mas sim na delegação de responsabilidade de implementação, levantando ainda
a dificuldade de alguns municípios para implementar as políticas propostas. Dessa forma faz-se
importante atrelar o modelo de governança às capacidades estatais, que vão variar de acordo
com o ente envolvido, sendo necessário um próximo estudo para desenvolver as necessidades
de capacidades locais nos entes federados.
Acredita-se que é necessário o entrelaçamento das capacidades através de arranjos ins-
titucionais que permitem a implantação de processos de decisão, execução e controle. Sendo
assim, essa forte demanda pelo processo de modernização do Estado nacional que exige novos
padrões estruturais por parte dos municípios e estados faz com que os entes busquem ampliação
de suas capacidades estatais e apliquem o modelo de Governança Pública para atender essa nova
demanda, por meio de uma gestão compartilhada.
De um modo geral a Governça Pública acompanha o dinâmico processo de empodera-
mento da sociedade e permite sua ação no processo de políticas públicas através do mecanismo
de democracia deliberativa. O próprio envolvimento estatal não é algo consensual podendo ser
observado uma descentralização no processo de formulação e implementação, e um aumento
do controle e coordenação, como foi possível observar nas políticas culturais. Todavia, o que é
possível observar é um entendimento de Governança Pública como algo que vai além do Estado
em uma abordagem relacional com atores não estatais, regidos por redes interorganizacionais
em prol de um problema comum, nesse caso, a ampliação e a diversificação da cultura.

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O LUGAR DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS


NA CONSTRUÇÃO DA REDE INTERFEDERATIVA DE CULTURA
Gabriela Martins Durães Brandão1
Cícero Nogueira Marra2

RESUMO: Os Consórcios Públicos Intermunicipais (CPI) vêm se consolidando como um


instrumento importante para o ganho de escala nas ações municipais e para o desenvolvimento
regional cooperativo. Mesmo assim, pouco se sabe sobre o potencial desse instrumento para
a coordenação de políticas públicas, sobretudo na área da cultura. Nesse sentido, este estudo
expõe algumas dificuldades e avanços na relação cooperativa entre municípios e aponta
oportunidades para o aproveitamento dos consórcios na construção de uma rede interfederativa
e na coordenação do Plano Nacional de Cultura.

PALAVRAS-CHAVE: Consórcios Públicos, Plano Nacional de Cultura, Federalismo, Municípios.

1. INTRODUÇÃO
Os consórcios públicos intermunicipais (CPIs) são organizações formadas a partir da
cooperação voluntária de dois ou mais entes da federação, responsáveis por executarem a gestão
associada de ações públicas a elas delegadas. Uma vez formados, os CPIs se tornam parte da
administração indireta de todos os entes da Federação consorciados, podendo assumir a perso-
nalidade jurídica de associação pública ou de direito privado. Através deles, se torna possível,
ainda, a “territorialização” das políticas setoriais, servindo também como um modelo gerencial
e de planejamento microrregional que pode se traduzir em ganhos de escala nos serviços muni-
cipais em áreas como saúde, saneamento e, recentemente, a cultura.
O presente artigo visa contribuir para a escassa literatura sobre os Consórcios Públicos
de Cultura (CICs), através da análise exploratória dos dados provenientes do IBGE (Pesquisa
de Informações Básicas Municipais e do Censo Cultural) complementado pelo levantamento
bibliográfico. A primeira parte do trabalho tratará dos modelos sistêmicos de descentralização
1
Bacharel em Administração Pública, graduada pela Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho – Fundação
João Pinheiro (FJP-MG). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental na Secretaria de Estado de
Cultura de Minas Gerais. | g.mdbrandao@gmail.com
2
Bacharel em Administração Pública graduado pela Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho – Fundação
João Pinheiro (FJP-MG) | cicero.n.marra@gmail.com

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e coordenação de políticas públicas federativas criados após a Constituição de 1988; a segunda


será dedicada à conceituação do Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura;
e a terceira, a uma visão ampla sobre os CICs existentes no Brasil e a aplicabilidade desse ins-
trumento no setor da cultura.

2. OS CAMINHOS PARA A DESCENTRALIZAÇÃO VIA REDES FEDERATIVAS:


ALIANDO COOPERAÇÃO E COORDENAÇÃO
As crises política, econômica e de legitimidade que levaram ao fim do regime militar
(1964-1985) abriram espaço para a descentralização administrativa, tributária e política do Es-
tado, alinhada à “onda neoliberal minimalista” que teria seu auge no Brasil na década de 1990.
(FARAH, 2001, p.120). Nos anos que antecederam 1988, os governadores empossados pas-
saram a reivindicar para si maior protagonismo nas políticas públicas locais (FARAH, 2001,
p.134, ALMEIDA, 1995, apud RAVANELLI, 2014, p.7) reforçando o consenso, posteriormente
vocalizado pela maioria dos membros da constituinte, de que a descentralização era um fim em
si e sinônimo da desejada abertura democrática3.
Sem dúvida, a reforma que viria com a promulgação da Constituição de 1988 foi mais
profunda para os municípios. A responsabilidade assegurada pelo texto constitucional na provi-
são dos direitos essenciais como os de saúde, educação e assistência social, passou a ser compar-
tilhada com as prefeituras, que, por sua vez, tiveram sua base tributária reforçada4. Finalmente,
os municípios foram elevados à categoria de entes autônomos da federação, transformando o
Brasil em uma das federações mais descentralizadas do mundo no que se refere à distribuição
de recursos tributários e de poder político (SOUZA, 1996).
Por outro lado, a descentralização também trouxe consigo sintomas adversos que carac-
terizam um cenário de “fragmentação institucional” (FRANZESE, 2010; FARRAH, 2001). A
ver: o crescimento desenfreado de novos municípios, passando de 3.992 em 1980 para 5.565 em
2010, segundo o IBGE; a competição desses pelas transferências do governo federal ao Fundo
de Participação dos Municípios (FPM); e o uso ineficiente dos recursos públicos, conforme
exaltado por Pereira (2014). Nesse sentido, o referido autor adverte que a criação de novos
municípios pequenos - com até 10 mil habitantes e limitada escala de produção – “empurram

3
Tanto a esquerda quanto os liberais dos anos 80 defendiam a seu modo a descentralização como condição para
ruptura das estruturas tradicionais de poder rumo a um modelo mais ativo e cidadão. Marta Arretche (1996), em
oposição, considera que descentralização não é uma engenharia idêntica ao federalismo e questiona a legitimidade
dos argumentos de ambos os lados, afirmando que a democracia estaria mais ligada à formação de instituições que
reproduzem este valor do que com a escala em que se dão as decisões políticas.
4
Segundo Fonseca e Leite (2011) apud Rezende e Afonso (2004) apesar de seu ímpeto descentralizador, na
prática, a Constituição de 1988 implantou um federalismo fiscal duplo: por um lado, criou mecanismos de trans-
ferência de grande parte dos recursos de tributos federais – IR e IPI – para estados e municípios; por outro, criou
contribuições sociais para financiar as responsabilidades sociais da União.

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para cima” os custos médios dos serviços públicos básicos na medida que dificultam o aprovei-
tamento compartilhado de capital e trabalho a ponto de se reduzir o custo unitário de produção.
Somado a tudo isso, os artigos 23 e 24, que co-responsabilizam os três níveis da fede-
ração na execução de determinadas políticas públicas comuns e concorrentes, garantem mais
descentralização e, ao mesmo tempo, sugerem um horizonte de cooperação na ação pública. No
entanto, a inexistência de quadros legais e institucionais apropriados para a cooperação e a co-
ordenação intergovernamental facilita a reprodução de relações verticais e horizontais conflitu-
osas na federação, que, por sua vez, oscila de forma ambígua entre a competição e a cooperação
(SOUZA, 2005; RAVANELLI, 2014). Essa realidade aprofunda a mencionada fragmentação,
que passa a se manifestar ora como sobreposição das políticas públicas no território e desperdí-
cio de recursos públicos, ora simplesmente como abandono da ação estatal5.
Uma das formas que o Estado vem buscando minimizar os efeitos da fragmentação tem
sido a articulação de “redes interfederativas”. As redes são aqui entendidas conforme Abrúcio
e Soares, enquanto a “criação de instituições, políticas e práticas intergovernamentais que re-
forcem os laços entre os entes, sem que se percam o pluralismo e a autonomia característicos
da estrutura federativa” (2001, p.48) Considerando que o federalismo é, na leitura de Abrucio
(2005), um sistema de governo que pressupõe a soberania compartilhada e o equilíbrio entre a
autonomia e interdependência dos pactuantes, o desafio da coordenação de políticas públicas se
confunde com o desafio do fortalecimento de redes interfederativas.
Os modelos da saúde e assistência social6 são os maiores paradigmas em termos de co-
ordenação interfederativa no Brasil, servindo, inclusive, como inspiração para a organização da
rede de cultura a partir de 2002 em diante7. Esforço que foi materializado, anos depois, no reco-
5
Sobre esse constrangimento, Marta Arretche afirma que: (...) qualquer ente federativo estava constitucionalmente
autorizado a implementar programas nas áreas de saúde, educação, assistência social, habitação e saneamento. Si-
metricamente, nenhum ente federativo estava constitucionalmente obrigado a implementar programas nessas áreas
(ARRETCHE, 2004, p.22).
6
O tradicional setor de Saúde vem construindo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) um modelo descentralizado
através das NOBs (Normas Operativas Básicas) de racionalização dos repasses de recursos e dos gastos pelos esta-
dos e municípios, além da criação de instrumentos de fiscalização e avaliação das políticas de saúde. Em especial,
a partir da NOB-96, o SUS procurou estruturar-se pela responsabilização de cada instância de governo e estimular
a parcerias entre governos. Duas diferenças fundamentais separam o Sistema Nacional de Saúde do atual Sistema
Nacional de Cultura segundo Abreu (2011): 1) o Conselho Nacional de Saúde (CNS) possui uma influência mais
Inter burocrática do que pela sua relação com a sociedade civil e 2) o Sistema de saúde consegue influenciar na
gestão do município através das Normas Operacionais Básicas (NOB) com o repasse financeiro.
7
Ainda que a intenção de se construir uma rede de políticas de cultura tenha origem no governo Médici na década
de 1970 (ABREU, SILVA, 2008; CALABRE, 2007), os primeiros passos rumo à EC 71/2012, que acrescenta o
artigo sobre o Sistema Nacional de Cultura (SNC) na CF, foram dados apenas a partir da gestão Lula/Gilberto Gil.
Segundo Zimbrão (2012), dentre os principais marcos dessa trajetória destaca-se a realização da primeira Confe-
rência Nacional de Cultura em 2005; o lançamento do Programa Cultura Viva e a aprovação da Emenda Consti-
tucional nº 48, de 2005, que dispõe sobre o Plano Nacional de Cultura e da PEC 150/2005, que vincula recursos
das receitas das esferas de governo à cultura. Vale lembrar que o “Programa Cultural para o Desenvolvimento do
Brasil” balanço de governo lançado no segundo mandato do ministro Gilberto Gil em 2007, sugeria a aprovação do
SNC como um dos pilares para uma futura política cultura cidadã.

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nhecimento constitucional de um sistema de direitos culturais complementado pela publicação


de legislações infraconstitucionais para nortear a atuação estatal. Isto é, a aprovação do Sistema
Nacional de Cultura (SNC) e do Plano Nacional de Cultura (PNC).

3. O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA (SNC) E O PLANO NACIONAL


DE CULTURA (PNC)
A definição mais concisa (porém não menos correta) sobre o Sistema Nacional de Cul-
tura é dada por Eliardo Filho
Na prática o SNC nada mais é do que um conjunto de Propostas de
Emenda à Constituição (PECS), acompanhadas de Projetos de Lei (PLs),
visando criar regras cogentes que obriguem os gestores públicos em to-
dos os níveis de governo (federal, estadual e municipal) a cumprir com
as metas de uma política nacional de cultura. (FILHO, 2011, p.100-101)
O minimalismo de Filho não deixa de soar como uma crítica à priorização por parte dos
gestores culturais àquilo que chamou de: (busca pelo) “potencial simbólico e de mobilização
gerado pelas PECs.” (FILHO, 2011, p.82). Isto é, a opção consciente dos agentes culturais em
enfatizar os processos de institucionalização das políticas públicas em relação à (e às vezes em
detrimento da) implementação direta. O que, segundo o autor, serviria para garantir a sustentabi-
lidade do projeto no curto e médio prazo, já que elas preenchem um vazio de constitucionaliza-
ção e minimizam a instabilidade das ações culturais geradas pelo histórico baixo financiamento
à cultura e a falta de organicidade da participação popular nas estruturas institucionais que usam
estes recursos8.
De fato, o Sistema Nacional de Cultura surge somente com a inserção do texto do Art.
216-A da Emenda Constitucional nº 71, de 29 de novembro de 2012. No artigo, o SNC é con-
cebido como um conjunto de instâncias de articulação, pactuação e deliberação (locais, regio-
nais, tripartites, bipartites, nacional) que têm como objetivo ampliar a participação popular e
promover a gestão integrada e a articulação entre os entes da federação. Dentre os instrumentos
que viabilizam esta integração e articulação estão os planos municipais, estaduais e nacional
de cultura. Além dos planos, a ideia central na estruturação das instituições de representação
ligadas ao SNC é a da coordenação das ações culturais nos três níveis federais, organizados a
partir do Conselho Nacional de Políticas Culturais e da sua relação com a Comissão Nacional
de Incentivos Culturais (CNIC) e com a Comissão do Fundo Nacional de Cultura (FNC), três
instancias de abrangência nacional.

8
Tudo isso pode ser resumido nas palavras do próprio ex-ministro Gil citado por Abreu e Silva: “O que consegui-
mos em um primeiro momento com o Sistema Nacional de Cultura foi insatisfatório e insuficiente, porque foi apenas
a articulação para a criação e não para a implementação propriamente” (ABREU, SILVA; 2011, p.42) ou ainda, nas
palavras de Luiz Eduardo Abreu (2011, p. 92): “o sistema (Nacional de Cultura) ainda é a luta pela sua constituição”.

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Para integrar estados e municípios à construção da rede, o Sistema aposta na estratégia


de assinatura de protocolos para criação de conselhos paritários e fundos locais de recursos
financeiros para a cultura. Para isso, o congresso normatizou a composição federativa do SNC
no § 4º do Art. 216-A, sugerindo uma estrutura mínima para os sistemas distritais, estaduais e
municipais9. Segundo o relatório “Cultura em Números” de 2010, 33,9% dos municípios brasi-
leiros teriam aderido formalmente ao SNC10.
Um dos instrumentos de gestão previstos no SNC é o Plano Nacional de Cultura (PNC)
inscrito na Constituição Federal via Emenda Constitucional nº 48/05 que regulamenta o Art.
215. O Plano foi posteriormente tratado pela Lei 12.343/10 e consiste num planejamento dece-
nal alinhado com os princípios do SNC e organizado sobre cinco estratégias: 1) Fortalecimento
a ação do Estado no planejamento e na execução das políticas culturais; 2) Incentivo, proteção
e valorização da diversidade artística e cultural brasileira; 3) Universalização do acesso dos
brasileiros à fruição e à produção cultural; 4) Ampliação e participação da cultura no desenvol-
vimento socioeconômico sustentável e 5) Consolidação dos sistemas de participação social na
gestão das políticas culturais.
Segundo Filho (2011) o Plano aplica de forma explícita ao setor cultural todos os instru-
mentos constitucionalmente reconhecidos à disposição do federalismo cooperativo. Esses ins-
trumentos – como o planejamento conjunto das esferas de governo, a integração entre as ações
de governo e os Planos Plurianuais (PPAs) e os mecanismos de participação social e direito
fundamental - possuem outro efeito gradual, mas intenso, de mobilização coletiva, e que para o
autor é o aspecto crucial da construção do PNC.
A cooperação horizontal também é outro vetor importante do Plano Nacional de Cultura,
a ponto de defender abertamente o uso dos CPIs como meio para articulação das ações e dos
atores que compõem o setor em seu Artigo 3°
Compete ao poder público, nos termos desta Lei: VII - articular as polí-
ticas públicas de cultura e promover a organização de redes e consórcios
para a sua implantação, de forma integrada com as políticas públicas de
educação, comunicação, ciência e tecnologia, direitos humanos, meio
ambiente, turismo, planejamento urbano e cidades, desenvolvimento
econômico e social, indústria e comércio, relações exteriores, dentre ou-
tras. (BRASIL. Lei nº 12.343, de 02 de dezembro de 2010.)
9
Aos Sistemas Estaduais e Distrital de Cultura é facultada a implementação instantânea de três dos componentes
descritos (Sistemas de Informações e Indicadores Culturais; Programas de Formação na Área da Cultura; e Siste-
mas Setoriais de Cultura). Embora não sendo obrigatórios é importante que todos os Estados que tenham condições
também instalem esses componentes. (PEIXE, 2013). Todavia, Abreu e Silva (2011) discutem no âmbito do projeto
“Mais Cultura” que a administração pública do setor não havia “desenvolvido mecanismos razoáveis para bene-
ficiar os municípios que tinham feito o seu ‘dever de casa’”, ou seja, não há comprovação que os municípios que
seguiram à risca as instruções do SNC foram mais beneficiados pelos recursos dos editais.
10
Nesse quesito, o Estado do Ceará estaria à frente dos demais, com adesão de mais de 82,1% de seus municípios
ao SNC, seguidos em termos absolutos por Mato Grosso do Sul (69,2%) e Acre (50%).

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É preciso lembrar que dois dentre os doze princípios defendidos no SNC no Art. 216-A,
destacam a preocupação quanto à construção de um sistema de cooperação de políticas e que,
portanto, convergem com os fundamentos conceituais dos Consórcios Intermunicipais de Cultu-
ra (CICs) nas redes interfederativas. A ver, os incisos: IV) cooperação entre os entes federados,
os agentes públicos e privados atuantes na área cultural; e V) integração e interação na execu-
ção das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas; Assim, buscaremos entender um
pouco mais sobre o funcionamento desse instrumento, além de resgatar alguns dados e o que
a literatura vem produzindo sobre eles de forma geral no país e no setor da cultura a partir de
2005, marco da publicação da lei geral dos Consórcios Públicos Intermunicipais.

4. OS 10 ANOS DA LEI DE CONSÓRCIOS: PROBLEMAS, INOVAÇÕES


E OPORTUNIDADES.
Embora o artigo 23 da Constituição já previsse em seu parágrafo único a promulgação de
lei complementar para regular “(...) a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios” (BRASIL. Constituição, 1988) o tema foi reinserido somente em 1998 pela
Emenda Constitucional nº 19, que alterou o artigo 24111. Sete anos depois os consórcios foram
devidamente regulamentados com a promulgação da Lei nº 11.107/05, a Lei dos Consórcios
Públicos, e, mais tarde, com o Decreto n° 6.017/07ª. Desde então, lá se vão 10 anos de aplicação
da lei com significantes avanços assim como importantes omissões que serão discutidas a seguir.
No que diz respeito à regulamentação jurídica de novos consórcios e antigos, a atual
legislação resolve a histórica insegurança jurídica12 admitindo tanto a associação via pessoa
jurídica de direito público quanto a de pessoa jurídica de direito privado: no primeiro caso a
associação se torna uma autarquia interfederativa e parte da administração indireta de todos os
entes consorciados; no segundo caso, uma associação civil sem fins econômicos (todavia, não
há obrigatoriedade na adequação ao novo formato público para aquelas já firmadas como asso-
ciações privadas).
Os recursos financeiros são direcionados ao consórcio de três formas, segundo Pereira
(2014): 1) Através da prestação de serviços ou pelos bens que fornece, sendo que suas despesas

11
Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998: “União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-
nicípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federa-
dos, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos,
serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos” (BRASIL. Constituição, 1988.)
12
A possibilidade de atuação consorciada entre entes federados é anterior à lei de 2005, tendo sido prevista em
todas as Constituições Federais desde 1891. No entanto, sem lei que as regulamentassem, elas acabariam sendo
firmadas enquanto associações de direito privado, o que as colocariam durante longo período a beira da informali-
dade. Não por acaso, as primeiras experiências surgiriam somente na década de 1960, impulsionadas, por um lado,
pelo ainda tímido protagonismo dos municípios em diferentes áreas de políticas públicas, mas principalmente, pela
atuação de lideranças políticas interessadas (CRUZ, 2001).

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administrativas devem ser diluídas no preço do serviço ou do bem13; 2) via contrato de rateio e 3)
via celebração de convênios para entes não consorciados, inclusive com transferência de recur-
sos. Em termos contábeis, o consórcio público deve possuir um orçamento mensal, estruturado
em dotações, e aprovado em assembleia.
Ainda no rol de inovações, a legislação impacta significativamente a Lei 8666/93 e seus
artigos 23, 24, 26 e 112. Isso se traduziu em ampliação dos valores licitatórios14 e novas hipó-
teses de dispensa de licitação para celebração de contratos, além da possibilidade de licitações
compartilhadas e redução de valores de impostos.
Por outro lado, podemos listar de acordo com a literatura, uma série de insuficiências
no que diz respeito ao financiamento dos CPIs: em primeiro lugar, não há regulamentação para
operações de crédito nem previsões de linhas para consórcios públicos: não existe regulação
específica, embora o Decreto nº 6.017/07 preveja a contratação de operações de crédito con-
forme os limites e condições próprios estabelecidos pelo Senado Federal, em consonância com
o inciso VII do art. 52 da CF/88. Além disso, a celebração de convênios via transferência de
recursos com a União não leva em conta a pessoa física do consórcio e sim a condição de cada
um dos consorciados, se utilizando do extrato emitido pelo subsistema Cadastro Único de Exi-
gências para Transferências Voluntárias (CAUC) de cada uma delas. Trata-se de um erro não
somente por ser incompatível à personalidade jurídica, mas também por não contribuir para a
estabilidade dos consórcios, já que, segundo a regra, um único município poderia inviabilizar a
possibilidade de repasse de recursos de toda uma região.
Em relação à flexibilidade nos formatos de CPIs, a redação atual permite que um mes-
mo consórcio atue em várias áreas de políticas públicas ao mesmo tempo. Para isso, os ditos
objetivos que delimitam a área de atuação deverão ser definidos pelos entes de federação que se
consorciarem, observados os limites constitucionais”15 e respeitando os “objetivos de interesse
comum16”. A lei permite também que o ente se relacione com vários consórcios ao mesmo tem-
po, podendo este se consorciar em relação a todos ou apenas a uma parcela deles. A associação
pode ainda ser firmada entre entes das três esferas de governos da federação e entre municípios
não limítrofes. Segundo Borges (2005) essa autonomia ao município consorciado somente pôde
ser materializada graças ao exercício de direitos concedidos pela Lei 11.107 como a subscrição
e ratificação (integral ou parcial) do protocolo de intenções; a alteração, retirada e extinção do
consórcio; e a manutenção de contabilidade e fiscalização próprias.

13
Para essa contratação a licitação será dispensada, conforme versa o art. 2º, §1º, inciso III da Lei nº 11.107/2005.
14
O § 8º da Lei 8666 permite no caso dos consórcios públicos a aplicação do dobro dos valores permitidos para
cartas-convite, tomadas de preço e concorrência (quando se tratarem de consórcios formados por até três entes da
federação) e o triplo dos valores quando formados por mais de três entes da federação.
15
Art. 2º da Lei n.º 11.107/05
16
Art. 1º da Lei n.º 11.107/05

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5. CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS DE CULTURA (CICS) NA


TEORIA E NA PRÁTICA
Há dez anos, o IBGE em parceria inédita com o MinC, publicava o Suplemento de
Cultura da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC 2006) que trazia consigo um
preocupante raio x da gestão municipal da cultura do ano anterior. Segundo a pesquisa, 84,6%
dos municípios brasileiros não possuíam órgãos exclusivos para gerir a cultura; desse número,
72% a possuíam anexa à outra pasta e 12,6%, subordinada à outra secretaria. Essa realidade
não alterou em grande medida em 2010. Segundo o Relatório “Cultura em Números” do MinC,
somente 4,35% dos municípios possuem secretarias exclusivas de cultura e 11,61% possuem
Planos Municipais ou Intermunicipais de cultura. O resultado de ambas pesquisas sugere que o
desafio da universalização dos direitos culturais, pregados pelo Art. 215 da Constituição Fede-
ral se confunde também com o desafio da revitalização das instâncias locais de poder no setor,
marcadas por toda sorte de assimetrias federativas (que podem ser tão desiguais quanto seus
indicadores sociais regionais).
Tendo isso em mente, a conexão entre instâncias locais, Consórcios Públicos Intermuni-
cipais de Cultura (CICs) e Plano Nacional de Cultura parece lógica: a maioria dos municípios
dá pouca importância ou apresenta baixa capacidade financeira e técnica para executar indivi-
dualmente ações culturais - sobretudo os menores que estão mais distantes do financiamento
das capitais e do cuidado das políticas públicas. Por isso, parece razoável que os CICs sejam a
ferramenta mais importante e juridicamente mais estável para que as prefeituras somem forças
e evitem a atuação fragmentada. Por parte das instituições federais, os CICs podem funcionar
como um elo importante à disposição do Plano Nacional de Cultura para coordenar suas ações e
conjugar eficiência de recursos, integração regional, e capilaridade nas políticas públicas.
Essa conclusão é compartilhada por Luana Vilutis (2013) que enxerga, ainda, quatro
metas do Plano Nacional de Cultura nas quais a atuação dos Consórcios Públicos poderia ser
determinante: 1) na expansão ou criação de infraestrutura para construção, modernização de es-
paços culturais tendo em vista a acessibilidade, preservação do patrimônio e ganhos em termos
de tecnologia de comunicação; 2) na integração da programação tanto da agenda entre teatros,
bibliotecas e museus quanto da logística para seu público via transporte ou plataformas itine-
rantes de cinema, bibliotecas, teatro, brinquedotecas, etc. 3) no fortalecimento institucional, via
capacitação seus gestores e conselheiros de cultura e 4) no Desenvolvimento Regional, ou seja
o fomento à economia da cultura, por meio do reconhecimento de territórios criativos com ati-
vidades culturais integradas e produção cultural local.
Todavia, os dados do relatório “Cultura em Números” de 2010, revelam que os CICs em
atividade no Brasil aproveitam parcialmente essa vocação conforme mencionada por Vilutis. A
maior parte deles atuam na área de organização de fóruns intermunicipais (67,19%), seguido

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pela itinerância de programação artística e cultural (17,97%), outras atividades (10,16%), pela
utilização de equipamentos culturais (3,12%) e, finalmente, pela a manutenção de grupos artís-
ticos permanentes, que apresentou o menor porcentual (1,56%).
Outra pesquisa, a Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE17, permite uma
análise em termos absolutos dos municípios que possuem CICs. A edição 2011 mostra que, dos
2.903 municípios brasileiros que participam de no mínimo um CPI, 248 (ou 8,5%) afirmaram
possuir no mínimo um CIC. Desse total, 208 (ou aproximadamente 82%) correspondem a muni-
cípios de até 50.000 habitantes. Além disso, nota-se a concentração do fenômeno nas regiões su-
deste e sul, representando, juntos, cerca de 66% da incidência (94 municípios na região sudeste
e 70 na região sul). Não por acaso, os estados da federação com maior número absoluto de mu-
nicípios com consórcios em cultura são, em primeiro lugar, Minas Gerais com 48, seguidos por
Rio Grande do Sul com 39 e São Paulo com 34. Todavia, segundo Prates (2010), os dados não
permitem uma análise profunda do fenômeno, já que não revelam o número real de consórcios
operantes nem dizem nada sobre a sua densidade institucional, ou seja, sobre a sua fragilidade
ou sua consistência.
Se há consenso no potencial dos CPIs na articulação de políticas públicas, não se pode
dizer o mesmo a respeito dos fatores que induzem ou não a formação de novos consórcios. Cal-
das (2007) identificou, todavia, duas vertentes teóricas que explicam o fenômeno de forma com-
plementar: a teoria do “enfoque na ação racional”, que credita a formação de novos consórcios
a estímulos externos vindos dos estados e União; e a do “enfoque do capital social”, resultante
do interesse local independentemente dos estímulos externos. Outros fatores mais específicos
também são mencionados por Dieguez (2011) como a estrutura institucional da área de política
envolvida, o capital social gerado por um problema em comum e a atuação ativa dos governos
estaduais para estimular um padrão mais cooperativo nos municípios.
Embora esses quesitos mencionados possam funcionar como quadros teóricos impor-
tantes para entender os fatores que induzem ou limitam a formação de novos CICs, pouco se
conhece e se escreve sobre casos concretos de consorciamento e, por isso, poucos dados qualita-
tivos estão disponíveis. Os números do IBGE sugerem, por um lado, que o fenômeno possa estar
relacionado com a atuação dos estados e da União como indutores, já que todos os municípios
entrevistados que se declararam participantes de pelo menos um CIC alegavam o envolvimento
do estado de origem na composição, e 146 (ou 58%) alegavam participação da União.
Por outro lado, através de levantamento bibliográfico, pudemos destacar duas iniciativas
cujo protagonismo das lideranças locais foi mais decisivo na constituição dos CICs. Em primeiro

Caldas (2007) alerta para duas limitações para o uso da base de dados do IBGE: 1) Elas permitem comparar os
17

consórcios apenas pela unidade de análise que são os municípios 2) as bases de dados sofreram mudanças metodo-
lógicas na forma de categorizar os consórcios públicos e os setores de atuação.

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lugar, o CIC “Culturando”, pioneiro no setor e até hoje um dos mais conhecidos. Formado em
2010 pela união de dezoito cidades18 no interior do estado de São Paulo, o consórcio abrange um
território de quase um milhão de pessoas e já articulou desde então mais de 25 milhões de reais19
entre convênios com o Ministério da Cultura (MinC) e Governo Federal, além de investimentos
do próprio consórcio e receitas de assessoria e consultoria para outros projetos. O custeio é dis-
tribuído proporcionalmente pelos consorciados utilizando-se a o índice populacional do IBGE
como base de cálculo do valor a ser pago por cada município (SILVA e PASSADOR, 2014).
O outro caso a ser destacado é o do atualmente inativo consórcio intermunicipal de cultura
das prefeituras de Muriaé, Cataguases, Itamarati de Minas, Leopoldina e Miraí, constituído para
fomentar a cadeia criativa e produtiva do cinema, audiovisual e da cultura digital na chamada
Zona da Mata mineira, conforme destacado por Vilutis (2006). Enquanto esteve ativo, entre 2012
e 2015, o consórcio oferecia suporte às produções audiovisuais, acesso a serviços municipais,
compras governamentais, circulação, e no apoio institucional entre poder público e sociedade
civil. O consórcio previa também a articulação estratégica com outras áreas, especialmente com
a educação, por meio da certificação técnica via Escola Municipal do Audiovisual em Muriaé e
com o Projeto Escola Animada, envolvendo a rede pública de ensino de 10 cidades da região.

6. CONCLUSÃO
No âmbito nacional, os avanços na consolidação de uma rede interfederativa de cultura
são inegáveis: os principais componentes do SNC já estão constituídos e o PNC já se afirmou
como instância ampla de participação (ZIMBRÃO, 2012; FILHO, 2011). Ao mesmo tempo,
produtores, agentes e público estão cada vez mais interessados em interferirem nos processos
de decisões culturais (CALABRE, 2007). Apesar desses reconhecidos avanços, o PNC deve
preencher o “vácuo” na articulação entre essas instâncias e entre os entes federativos e orientar
estratégias objetivas de modo a possibilitar sinergias na atuação do para que esse se afirme en-
quanto um verdadeiro modelo de rede interfederativa.
Ainda que o Sistema Nacional de Cultura e o Plano Nacional não tenham regulamen-
tado uma efetiva coordenação interfederativa que mobilize os governos subnacionais para a
ação cooperada no setor de cultura, os avanços conquistados pela legislação dos CPIs na última
década sinalizam, pelo menos, um horizonte de oportunidades para a Cultura. Segundo Batista
(2004) o grande mérito da lei dos consórcios (Lei 11.107 de 2005) foi a ampliação do papel

18
Araçatuba, Ariranha; Barretos; Cajobi; Colombia; Guaraci; Guariba; Jaboticabal; Matão; Monte Azul Paulista;
Monte Alto; Orlândia; Pirangi; Pontal; Sertãozinho; Serra Azul; Viradouro e Vista Alegre do Alto.
19
Ao todo foram “7 milhões e 200 mil reais, sendo dois terços do MinC e um terço de contrapartida do Consórcio
para o programa “Pontos de Cultura”, R$ 9,17 milhões do Governo Federal para modernização de 13 bibliotecas
públicas; a formação de 60 agentes de leitura; 25 Cine Mais Cultura; 22 Pontos de Leitura R$ e10 milhões, asses-
sorando municípios em outros projetos”. (VILUTIS, 2013)

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estratégico desses, servindo também como um espaço de diálogo a disposição entre poder pú-
blico e organizações da sociedade civil, além de facilitar o financiamento e a gestão associada
ou compartilhada de serviços públicos via parcerias, convênios e contratos. Isso quer dizer que
a maior segurança jurídica que os CPIs gozam após a lei, permite que prefeituras (limítrofes
ou não) explorem novos formatos de cooperação e a partir deles, tenham acesso a uma série de
vantagens em termos de organização, participação social, controle e incremento nas fontes de
financiamento e otimização de recursos culturais municipais.
Embora a análise dos dados disponíveis permita relacionar uma forte presença dos go-
vernos estaduais na composição dos CICs disponíveis, os casos estudados em profundidade
sugerem que a sua formação está ligada à experiência pontual de municípios pioneiros. Por isso,
o que se espera, é que novos trabalhos acadêmicos investiguem essas duas influencias na repro-
dução e longevidade dos consórcios. Essas informações serão determinantes para complementar
a estratégia de fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura e auxiliar na redistribuição o
investimento cultural no Brasil.

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CONEXÃO CULTURA: DIÁLOGO COM A JUVENTUDE


DE MANGUINHOS E MARÉ
Hilda da Silva Gomes1
Monique Ramos Garcia da Silva2
Carmen Evelyn Rodrigues Mourão3

RESUMO: O texto relata o desenvolvimento do Projeto “Produção Cultural no território de


Manguinhos: olha nós aí”, em seu primeiro ano na Rede Carioca de Pontos de Cultura do Rio
de Janeiro. Tem como objetivo, através de ações educativo-culturais, promover a inserção de
jovens, moradores dos territórios socialmente vulnerabilizados, como Maré e Manguinhos, no
mundo do fazer cultural, estimulando a reflexão sobre as relações entre cultura e identidade,
pluriculturalidade e democracia no processo de formação cidadã. Sua proposta pedagógica
oportuniza a possibilidade de participação dos jovens em ações culturais comunitárias, seu
engajamento em ações profissionais no campo da cultura, valorizando as expressões da cultura
local e ampliando as interfaces na rede dos pontos de cultura.

PALAVRAS-CHAVE: Territórios e Cultura, Ações educativas, Redes comunitárias.

“ Eu não sabia que a favela podia ser vista como um lugar que tem cultura...”
Fábio; Jovem participante do projeto

“Qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz?”
Minha alma (O Rappa)

Vivemos um momento de efervescência no contexto das discussões que envolvem o


conceito de política cultural tanto em sua atuação como na ação dos agentes envolvidos. Botelho
(2001, p. 3) aponta duas dimensões da cultura que deveriam ser consideradas alvos das políticas
culturais. A dimensão sociológica que explicitamente constrói sentidos voltados para a cultura

1
Coordenadora do Serviço de Educação em Ciências e Saúde do Museu da Vida/Fiocruz; hilda@fiocruz.br
2
Bolsista do Projeto ‘Produção Cultural no Território de Manguinhos: olha nós ai” / Museu da Vida/Fiocruz; mo-
niqramos@gmail.com
3
Supervisora Pedagógica do Programa de Produção Cultural do Museu da Vida/Fiocruz; carmen.evelyn@yahoo.
com.br

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enquanto aspecto mercadológico e a dimensão antropológica que nos leva ao mergulho da cul-
tura produzida no cotidiano e as interfaces produzidas nas relações estabelecidas com o mundo.
A dimensão antropológica nos seduz pois amplia possibilidades no espaço da educação
não formal e fomenta novas tessituras nos fazeres e saberes diários. Nestas reflexões e discus-
sões voltamos nosso olhar para a oportunidade de fazer parte de uma grande rede formada por
atores e agentes sociais que gera empoderamento, fortalece a autonomia e abre portas para o
protagonismo. Esta grande rede se constituiu nos Pontos de Cultura como ações estruturantes do
Programa Cultura Viva, desenvolvido pelo Ministério da Cultura (MinC) desde o ano de 2004.
Como Barbalho (2008: p. 21) entendemos as políticas culturais como “o conjunto de
intervenções práticas e discursivas no campo da cultura” e como um espaço cultural já estabele-
cido na cidade do Rio de Janeiro, buscamos potencializar em nosso trabalho com os jovens do
território de Manguinhos e Maré sua participação como cidadãos e cidadãs que estão no fazer
cultural como processo.

1. PROJETO “PRODUÇÃO CULTURAL NO TERRITÓRIO DE MANGUINHOS:


OLHA NÓS AI”
O Museu da Vida e a juventude do seu território têm uma relação duradoura de pelo
menos 12 anos. Esta relação foi inaugurada com o Curso de Formação de Monitores cujo foco
era capacitar os jovens para atuarem no apoio à mediação em centros e museus de ciência. Esta
primeira proposta vem sob a forma inicial de um curso de os jovens monitores atuavam como
apoio ao atendimento ao público visitante do Museu da Vida.
A partir de 2012, a proposta sofreu uma inflexão e é criado o Programa de Iniciação
à Produção Cultural. A nova proposta ampliou a formação, referenciada numa atividade que
investe de forma sistemática na ampliação do capital social e cultural dos jovens. O público é
atendido tem faixa etária entre 16 e 19 anos que vive em situação de vulnerabilidade social e
por isso prioriza-se a promoção da autoestima e o sentimento de pertencimento que pretende
fortalecer a sua identidade social e cultural. Está comprovado nas entrevistas realizadas para o
processo seletivo que eles querem investir em sua formação, pois as famílias acreditam e valori-
zam a educação como instrumento indispensável para a vida de seus filhos. Em nossa sociedade
excludente e desigual, essas famílias se deparam com o dilema da escolha entre investir na edu-
cação e a necessidade imediata de aumentar a renda familiar, colocando os jovens no mercado
de trabalho.
A maior ênfase na produção cultural abre uma possibilidade de inserção destes jovens
nos processos culturais desenvolvidos neste território, por meio da integração com as iniciativas
e equipamentos culturais locais. Pretende-se, através de ações educativo-culturais, oportunizar
a participação dos jovens no mundo do fazer cultural, estimulando a reflexão sobre as relações

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entre cultura e identidade, pluriculturalidade e democracia e a importância do acesso à cultura


no processo de formação cidadã. Também oportuniza seu engajamento em ações comunitárias
e profissionais no campo da cultura, valorizando as expressões locais e articulação com os mo-
vimentos sociais.

2. PROPOSTA EDUCATIVA E INTERFACES COM A CIÊNCIA E A CULTURA


Buscamos construir uma proposta educativa que também trouxesse o olhar de autores4
que acentuam a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais, para uma
participação organizada e ativa na democratização da sociedade. Nossa preocupação também
estava nas perspectivas de instrumental teórico e prático que possibilitasse reflexão sobre a re-
alidade social.
A proposta educativa apoia-se em autores (LIBÂNEO, 1989; FREIRE, 1987) que acen-
tuam a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais, para uma participa-
ção organizada e ativa na democratização da sociedade.
No contexto da luta de classes, o saber mais importante para o oprimido é a descoberta
da sua situação de oprimido, a condição para se libertar da exploração política e econômi-
ca, através da elaboração da consciência crítica passo a passo com sua organização de classe.
(FREIRE, 1987, p. 39).
Para Vygotsky (1998) o homem não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado,
através de recortes do real, operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe, portanto enfatiza
a construção do conhecimento como uma interação mediada por várias relações, ou seja, o co-
nhecimento não está sendo visto só como uma ação do sujeito sobre a realidade, como no cons-
trutivismo, e, também pela mediação feita por outros sujeitos. O outro social pode apresentar-se
por meio de objetos, da organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia o indivíduo. De
acordo com estes princípios, os objetivos que propomos visam possibilitar a construção de uma
leitura mais crítica da realidade e das diferentes demandas sociais, trazendo para o campo da cul-
tura e dos fazeres culturais, o debate sobre as contradições da sociedade onde estamos inseridos.
Segundo Morin (2003), a cultura fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de repre-
sentação da realidade, ou seja, o universo de significações que permite construir a interpretação
do mundo real. Ela representa o local de negociações no qual seus membros estão em constante
processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significações.
Já o Plano Nacional de Cultura (PNC) apresenta cultura como:
Cultivo das infinitas possibilidades de criação simbólica expressas em modos de vida,
motivações, crenças religiosas, valores, práticas, rituais e identidades, tecidas em uma complexa
rede que caracteriza a diversidade. (BRASIL, 2008, p.11).
4
José Carlos Libâneo e Paulo Freire.

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O PNC afirma que as políticas culturais devem reconhecer e valorizar esse capital sim-
bólico, por meio de fomento à sua expressão múltipla, gerando qualidade de vida, autoestima e
laços de identidade entre os brasileiros, desvanecendo relações assimétricas e valorizando a di-
versidade. Desta forma, oferece instrumental teórico e prático para que os jovens reflitam sobre
sua identidade e se apropriem de conceitos fundamentais para construção de conhecimentos que
os levarão a se perceberem como cidadãos capazes de transformar sua realidade. Busca ainda
“contribuir para a ampliação do capital cultural dos jovens, valorizando a cultura científica, a
popularização da ciência e a promoção da saúde” (MOURAO et al, 2015), estimulando a refle-
xão e discussão sobre a realidade socioambiental de territórios socialmente vulnerabilizados,
como Manguinhos e Maré.
Para fundamentar a nossa ação pedagógica nos alimentamos das reflexões de  Gohn:
O processo político-pedagógico de aprendizagem e produção de saberes envolve a
aprendizagm para a cidadania; aprendizagem para atuar no mundo  do trabalho e/ou de desen-
volvimento de potencialidades ; aprendizazagem pelo exercício d epráticas que capacitam os
indivíduos a se orgnizarem em objetivos comuntários voltados para a solução de problemas
coletivos e cotidianso, gerados pela participação em associações, movimentos, foruns, conse-
lhos;aprendizagem pela cultura para potencializar  a leitura do mundo. (GOHN,2010,p.55)
Trilla (1998) destaca que a educação não-formal permite além de contribuições de di-
versas áreas, a composição de diferentes bagagens culturais. Esta compreensão pode fazer com
que algumas práticas da educação não-formal se apresentem como uma possível proposta de
educação inovadora e transformadora que busca a partir das relações vividas no cotidiano, da
valorização de questões não consideradas e outros campos educacionais, fazer emergir as bases
de uma relação educacional diferenciada.
O trabalho pedagógico aponta para a importância da pluralidade de culturas, reconhe-
cendo os diferentes sujeitos socioculturais e abrindo espaços para a manifestação e valorização
das diferenças. A ideia é promover ações educativas que possibilitem a compreensão das cone-
xões entre as culturas, das relações de poder envolvidas na hierarquização das diferentes mani-
festações culturais, assim como das diversas leituras que se fazem quando distintos olhares são
privilegiados. Suas atividades propõem aos jovens exercitar e aprimorar a criatividade e capaci-
dade de expressão através de debates, seminários, dinâmicas de grupo, oficinas de multimídia,
fotografia, leitura e escrita, teatro, música, além de oficinas técnicas visando instrumentalizá-los
para o planejamento e realização de eventos e atividades culturais. Estas atividades, além de
proporcionarem conhecimento na produção cultural, objetivam aguçar a visão crítica sobre a
realidade local e global, sendo desenvolvidas na sede do Museu da Vida (Fiocruz) e em outros
espaços culturais do território como a Biblioteca Parque de Manguinhos.

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3.AMPLIANDO AS REDES
O Programa de Produção Cultural do Museu da Vida passou a integrar, em 2014, a Rede
Carioca de Pontos de Cultura com o projeto “Produção Cultural no território de Manguinhos:
olha nós aí”5, e será subsidiado pelos próximos 3 anos. Esta rede, mantida pela Secretaria Mu-
nicipal de Cultura do Rio de Janeiro, abrange 50 instituições representantes das mais variadas
formas de expressão artístico-culturais que se articulam em estratégias de fomento de ações
culturais locais e regionais, de formação de pessoal, desenvolvimento de capital, entre outras.
Com esta integração, o projeto agregou à equipe pedagógica, recursos e potencialização
do trabalho educativo, já que foi possível a contratação de três jovens egressas das turmas ante-
riores e uma profissional de nível superior para provimento de suas atividades administrativas e
educativas, através das quais são planejadas as estratégias para melhor inserção dos jovens em
ações culturais.
Para aprofundamento das questões que estruturam as políticas culturais como “o con-
junto de intervenções práticas e discursivas no campo da cultura” apostamos na abordagem do
trabalho colaborativo como um espaço que prioriza a responsabilidade coletiva para o desenvol-
vimento de uma cultura pautada na formação de sujeitos críticos e conscientes de suas possibili-
dades de atuação no contexto social. O Programa que abriga o projeto, é organizado em módulos
que se desenvolvem simultaneamente durante oito meses. Os conteúdos estão centrados em
temas que envolvem as relações entre a Ciência e a Cultura, as interfaces presentes nas discus-
sões sobre Identidade, Cidadania e Historicidade, a participação em oficinas de Comunicação e
Expressão, a atuação em práticas de produção cultural e estágio em espaços educativo-culturais.
Além do aprofundamento nos módulos, estão planejadas dez visitas técnicas com o obje-
tivo de conhecer espaços culturais, ações e expressões artísticas do estado do Rio de Janeiro. As
instituições a serem visitadas são definidas tendo em vista abranger a diversidade cultural local
e oportunizar o direito à livre circulação dos jovens na cidade do Rio de Janeiro.
As visitas propõem o conhecimento sobre a contemporaneidade e a importância da di-
versidade levantando questões sobre a preservação e promoção do patrimônio cultural. Viabi-
lizam experiências de sensibilização socioambiental, permitem a participação ativa dos jovens
na construção de conhecimentos de forma a sentirem-se provocados a enfrentarem os vários
desafios oferecidos. Objetivam aguçar a visão crítica sobre a realidade local e global6 a partir de
discussões que focalizam questões relevantes ao processo de construção da autonomia e prepa-
ração de cidadãos capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural e o

5
Edital da Rede Carioca de Pontos de Cultura / Secretaria Municipal de Cultura e Sociedade de Promoção da Casa
de Oswaldo Cruz nº 12045/2014.
6
Atividades desenvolvidas pela equipe do Projeto Território em Transe/ Coordenadoria de Cooperação Social /
Presidência da Fundação Oswaldo Cruz que visa, por meio da construção da história social de Manguinhos, mobi-
lizar o protagonismo local de seus moradores por meio de ações coletivas, na luta por garantia de direitos.

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mundo do trabalho para nela inserir-se e atuar de forma ética, visando contribuir para a transfor-
mação da sociedade em função dos interesses sociais e coletivos.
Os jovens participam de um período de estágio (dois meses) em espaços educativo-cul-
turais como museus, organizações sociais, centros culturais e setores de eventos culturais de
unidades da Fiocruz ou de outras instituições públicas. Para o estágio foram estabelecidas algu-
mas parcerias com instituições de grande visibilidade cultural e política neste território como a
Biblioteca Parque de Manguinhos7, que não apenas proporcionam oportunidades para os jovens,
como também reforçam as iniciativas culturais locais.  
Mourão (2014) destaca que a dinâmica de expressão e fruição cultural comunitária con-
tribui para o reforço do tecido social a partir da ampliação das referências comunitárias de per-
tencimento à história territorial e aos fazeres culturais locais: passo decisivo para a ampliação
da participação social e o fortalecimento da democracia e da cidadania.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Plano Nacional de Cultura coloca a integração da cultura com ações de inclusão so-
cial, por meio dos Pontos de Cultura, como um de seus principais objetivos. O Museu da Vida,
recentemente tornou-se um Ponto de Cultura Carioca, integrando-se assim a esta estratégia da
política nacional de cultura. Esta oportunidade ampliou os processos de trabalho e consolida
ainda mais a representatividade e ação do Programa de Produção Cultural do Museu da Vida no
território onde a Fiocruz está inserida.
A cultura no seu sentido amplo, e o enfoque particular na sua expressão e no seu fazer,
possibilita uma ampla gama de reflexões e experiências que podem trazer contribuições sig-
nificativas para os diversos contextos, nos quais os jovens se encontram inseridos. Buscamos
instrumentalizar os jovens para que consigam compreender e participar de forma mais crítica da
sociedade em que vivem.
Vivemos situações onde as emoções se mostram à flor da pele, entendendo que o sorriso
e as lágrimas aparecem juntos e misturados. Estas vivências compartilhadas, no desenvolvimen-
to das atividades educativas oferecidas, criam um movimento de construção compartilhada de
saberes, promovendo a confiança dos jovens em seu potencial criativo, minimizando conflitos,
e também, propondo momentos que possibilitem uma reflexão crítica sobre a realidade e os
seus posicionamentos em relação às situações desafiadoras. Nas rodas de conversa realizadas,
as discussões sobre política, apontaram as dificuldades que encontramos em exercitar a ética
e o respeito às diferenças em situações cotidianas e possibilitaram a ênfase na importância da
participação social para a garantia dos direitos individuais e coletivos.

7
www.cultura.rj.gov.br/espaco/biblioteca-parque-de-manguinhos.

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Essa ação representa uma riqueza de práticas pedagógicas que oportuniza o estabeleci-
mento de novas relações educativas, sociais e culturais. Neste momento estamos construindo
novas parcerias que viabilizem a inserção dos jovens nos equipamentos culturais locais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBALHO, Alexandre. Textos Nômades: Política, Cultura e Mídia. Fortaleza: Banco do Nordeste do
Brasil, 2008. 144 p.
BOTELHO, Isaura. Dimensões da cultura e políticas pública. Disponível em www.scielo.br . São Paulo:
Perspectiva, 2001. Vol. 15, nº 2.
BRASIL. Ministério da Cultura. Caderno “Diretrizes Gerais para o Plano Nacional de Cultura”. Conselho
Nacional de Política Cultural (CNPC). Brasília, agosto de 2008. Disponível em http://www2.cultura.gov.
br/site/wp-content/uploads/2008/10/pnc_2_compacto.pdf. Acesso em 10 de janeiro de 2016.

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projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010. 103 p. Coleções questões da nossa época; v. 1.
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120 p.

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UNESCO, 2011. 102 p.
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In: DUQUEVIZ, Beatris et al. Diálogos sobre saúde e protagonismo infanto-juvenil: ações e desafios
para a Fiocruz. Rio de Janeiro: Coordenadoria de Cooperação Social/Fiocruz, 2014. p. 17-29.
MOURAO, Carmen et al. Educação e cultura: Ações e desafios do Museu da Vida com a juventude de
Manguinhos. In: VII Encontro Regional de Ensino de Biologia RJ/ES: tecendo laços docentes entre
Ciência e culturas. Anais do VII EREBIO RJ/ES 1. Ed.; MGSC Editora, 2015. p. 284-288.
TRILLA, Jaume. La educación informal. Barcelona: PPU, 1987.
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Barcelona: Ariel Educación, 2003.
VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 224 p.

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A PRÁXIS COTIDIANA COMO FATOR CONTRIBUTIVO NA FORMULAÇÃO DE


POLÍTICAS CULTURAIS PARA O SETOR AFRO-BRASILERO EM ALAGOAS: DA
SOCIEDADE CIVIL PARA A ESFERA PÚBLICA GOVERNAMENTAL.
Igor Luiz Rodrigues Da Silva1
Claudia Cristina Rezende Puentes2
Natalia Teles Bezerra3

RESUMO:. Este artigo focaliza para as contribuições elaboradas e construídas a partir de nossas
vivências enquanto gestores culturais oriundos do processo de militância do segmento afro-
brasileiro. Bem como de um longo processo de pesquisa acadêmica articulando tais vivências
à legislação pertinente, com o intuito de contribuir efetivamente para a elaboração de políticas
públicas favoráveis à comunidade afro-brasileira, especialmente a alagoana, que detém o marco
do “Quebra de 1912” em sua trajetória de construção identitária.

PALAVRAS-CHAVE: Política Cultural, Plano Setorial, Cultura Afro-brasileira, Políticas


públicas, Alagoas.

1. INTRODUÇÃO
No Brasil do século XXI, muito se tem discutido e problematizado sobre o papel das
Políticas Culturais como instrumento de promoção, incentivo e salvaguarda de manifestações
culturais existentes no país, sobre a distribuição de recursos, eixos de atuação e alcance dessas
políticas. Refletir sobre este campo epistemológico a partir das nossas vivências é importante

1
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas, Mestre em Antropologia pela Universidade
Federal de Sergipe; Assessor Técnico da Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas, Professor das Faculdade Mau-
ricio de Nassau e Raimundo Marinho, membro do CONEPIR, membro do Conselho Estadual de Políticas LGBT,
atua com pesquisa em cultura popular, cultura afro-brasileira, comunidades quilombolas, diversidade, cidadania e
meio ambiente. igorluizcso@gmail.com
2
Possui Pós-graduação em Gestão de Instituições de Ensino Superior (FMN-2009). Pós-graduanda em Educação
em Direitos Humanos e Diversidade (UFAL). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Administração
de Sistemas Educacionais. Atua no segmento de fomento e apoio à produção cultural, membro do Conselho Esta-
dual de Promoção da Igualdade Racial, Membro do Conselho Estadual de Direitos e Defesa da Mulher. Pesquisa-
dora do núcleo Híbrido-UNIT. claudiacult@gmail.com
3
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas; Socióloga/ Pós Graduada em Gestão Pú-
blica e Gestão Cultural pela UFAL; Assessora Técnica da Secretaria de Estado da Cultura, coordenadora da Rede
de Pontos de Cultura de Alagoas, possui pesquisa em cultura popular, religiões de matriz africana e gestão cultural.
natiteles@gmail.com

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para que se possa dialeticamente e na práxis, articular novas perspectivas contributivas para o
desenvolvimento democrático da cultura em suas múltiplas instâncias e lugares.
O Brasil conduzido por suas elites pretendia ser um país branco, “civi-
lizado e europeu. Vivia a contradição de negar mais da metade de sua
população, negra, ex-escrava e indígena, queria industrializar-se, mas
vivia a barbárie de uma escravidão tardia, um capitalismo dependente,
baseada numa economia agroexportadora e enterrada no debate sobre
raça, para excluir e negar o caráter positivo da miscigenação na identi-
dade brasileira, com isso comprometendo o desenvolvimento da Nação.
O final do século XIX e o início do século XX são marcados por efer-
vescências sociais. A exclusão da população negra, numa combinação
entre racismo, discriminação, preconceito e pobreza, torna-se o centro
dos debates sobre o destino da Nação. A solução encontrada foi o ideal
de branqueamento, com base improvável numa ciência infundada. Num
segundo momento pretendia-se estabelecer a cordialidade do “homem”
brasileiro, como fruto e resultado da miscigenação, elementos esses
que vão servir de fundamento à teoria da democracia racial, no inicio
do século XX.
Neste mundo real e simbólico de longa duração, polarizado pela cultura
de origem judaico-cristão que serviu de ideologia do colonizador e ao es-
tabelecimento do estado brasileiro, a cultura afro-brasileira, numa outra
perspectiva, na sua diversidade constitui unidades: nas religiões, nos seus
territórios materializados, nos terreiros de candomblé, nas casas de um-
banda, na culinária, na capoeira, nos clubes negros (encontrados no sul e
sudeste), no samba, no maracatu, e em tantas outras manifestações que se
espalham por todos os cantos do país. (NOGUEIRA e NASCIMENTO:
2012: 70).
Embora tenha já conquistados e assegurados muitos direitos, a população que se autode-
nomina afro-brasileira, ainda passa por um processo incurável de racismo, intolerância e inferio-
rizarão de suas manifestações e práticas culturais que se alastram diariamente, e se apresentam
de forma latente nas redes sociais, meios de comunicação e etc.. Nas palavras de Rossano Lopes
Bastos: “Como falar em inclusão social diante de um abismo que se afirma cada vez maior de-
vido ao racismo e suas formas mais perversas de exclusão?” (Bastos, 2012: 90).
As lutas dos movimentos negros espalhados pelo país foram muito importantes ao longo
de todo século XX, durante a ditadura militar, um campo repleto de limitações de liberdade,
de direitos, os grupos e movimentos são fundamentais para responder positivamente contra os
abusos e absurdos provocados pelos poderio político e militar instaurados no poder desde o
golpe de 64. É nesse movimento contrário que surgem os grupos teatrais, musicais e a primeira
companhia de teatro negra, como forma também de exaltar a negritude e todo um legado cultural
que corre a nação através de uma sociedade marginalizada e excluída.

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As contribuições da sociedade civil, através do movimento negro alagoano, têm fomen-


tado várias ações que vem de encontro à gestão pública, sejam elas a falta de discussão com o
próprio movimento ou a falta de recursos para editais que fomentem especificamente a cultura
afro-brasileira. A exemplo do próprio MinC que através de suas diversas Secretarias e Funda-
ções abarca o segmento da cultura negra, em Alagoas essa ação é inexistente ou inexpressiva, ao
ponto de criarem verdadeiros grupos de ‘ataque’ ao poder público nas esferas estadual e munici-
pal. Mas essas ações do movimento tendem a articular, ao mesmo tempo, de forma dicotômica,
a integração de grupos culturais das mais diversas regiões do estado. Como coloca o historiador
Douglas Apratto Tenório ( 2015):
Estamos descobrindo em nosso Estado a uma descoberta de nossa iden-
tidade que sempre esteve vinculada à hegemonia branca, europeia e ibé-
rica. É um fato novo que emergiu nas últimas décadas do século passado
e que foi resgatado e influenciado externamente por Brasília através da
promulgação da Constituição Cidadã de 1988, estabelecendo direitos a
índios e negros e que teve como ponto alto neste século XXI, em Ma-
ceió, a celebração do pedido público do Perdão do Estado ao povo negro
pela Quebra dos terreiros em 1912. Negros e índios ainda têm muito
caminho a percorrer até alcançar pela sociedade local, muito ciosa de
seu sangue e tradição caucasiana, o reconhecimento da importância de
suas presenças na história e na formação do povo alagoano. (TENORIO,
2015: 11).
A partir da percepção estabelecida a partir da Constituição de 1988, a comunidade afro-
-brasileira em Alagoas passa a construir suas próprias estratégias na busca permanente pelas
suas raízes históricas e valorização da sua identidade. Um bom exemplo dessa integração ge-
radas a partir da zona de conflito do movimento negro e o poder público pode ser caracterizado
pelo evento realizado pela UNEAL chamado Xangô Rezado Alto, que esse ano de 2016 está na
sua 5º versão. O movimento iniciou no trato do movimento negro com o episódio do Quebra
de 1912 que teve como fundamentação as transações políticas oposicionistas ao Governador
Euclides Malta.
Malta foi eleito Governador, reeleito e usou largamente seu conhecimento e poder para
garantir o domínio político, tanto na Assembleia Legislativa, quanto nos municípios. Angariou
com sua carreira, muitos inimigos e a oposição instauram o movimento salvacionista, com o ob-
jetivo de dar um término à era Maltista. O processo de desmoralização governamental embasado
em aspectos de suspeitas de corrupção partilhava da degradação moral.
Usando do arquétipo de feitiçaria, a oposição passou a relacionar o político, aos movi-
mentos de Xangô. Os ataques dos adversários de Euclides Malta aparecem sutilmente, enquanto
os jornais publicam matérias para demonstrar a associação do político com as casas de Xangô:

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Entre nós, como em todas as cidades brasileiras, o feitiço tem uma in-
fluência poderosa na maioria da população e, pouco a pouco, por um
phenomeno social digno de estudo, essa influência decisiva, em vez de
diminuir ou limitar-se a baixa sociedade, ascende às alturas, prepondera
na política. O feitiço decidiu a candidatura do sr.(.....)e, actualmente, o
feitiço prepara a eleição do Dr. Euclides Malta no cargo de governador.
(Correio de Alagoas. Maceió: 21/02/1906. n.331. Ano III. Pág.2)
O Jornal de Alagoas lança a série, intitulada “Bruxaria”, estabelecendo vínculos com as
casas de Xangô, especialmente a de Dona Marcelina, na Praça dos Martírios levantando suspei-
tas de feitiçarias contra os adversários políticos de Malta, como o publicado em 04 de fevereiro
de 1912:
(..) Um bode sacrificado a Oxalá tinha pendurado no pescoço o retrato
do Cel. Clodoaldo da Fonseca (...)Em outras foram achados dois retratos
do Cel Clodoaldo e do Dr. Fernandes Lima, sob um montículo de barro
fedorento e aluminado por quatro velas de sebo. Eis todo o cortejo bes-
tial que cercava e prestava mão forte ao Governo do Sr. Euclides Malta.
(Jornal de Alagoas. “Bruxaria” Maceió, 04/02/1912. Ano V. pág.1)
A oposição política forma o grupo denominado Liga dos Republicanos Combatentes,
chefiada pelo sargento reformado Manoel Luiz da Paz, que objetiva a agitação popular contra o
Governo do Estado. Executando vários atos de perseguição e até mesmo de invasão antes dos
terreiros de Xangô, a Liga perturbou os moradores de Maceió. Tomaram à força residências de
vários políticos, correligionários de Malta. Muitos deles abandonaram seus cargos e fugiram de
Maceió temendo por sua integridade física e de suas famílias. O objetivo dessas ações violentas
aos correligionários de Malta era o de retirá-lo do poder, feito que conseguiram, quando da inva-
são do Palácio do Governo em 29/12/1911. O Governador escapou da invasão e foi refugiar-se
em Recife.
Com o pretexto de que o governador, pessoas ligadas a ele e membros do Partido repu-
blicano Conservador protegiam ou frequentavam as sessões de Xangô. A Liga resolveu então
em nome da soberania, destruir as casas do Xangô alagoano. Foi o próprio Manoel Luiz que
comandou o pior de todos os episódios de rua que Maceió viveu. Contando com a “incorpora-
ção” de alguns militares que estavam insatisfeitos com o salário percebido a Liga fortificou-se
e partiu para o Quebra. À meia noite do primeiro dia de fevereiro começou a perseguição aos
terreiros de Maceió. Os atos foram de barbárie, com os suspeitos sendo surrados, como no tem-
po da escravidão, seus corpos foram arrastados pelas ruas como demonstração de força da Liga.
Os primeiros terreiros a serem invadidos foram os de Chico Foguinho, de João Funfun,
Pai Aurélio e Tia Marcelina, todos na proximidade da Praça Sinimbú. A invasão que mais cho-
cou a comunidade afrodescendente foi a do terreiro de Tia Marcelina.

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Era no terreiro dela que, diziam os adversários de Malta, o Governador contava com a
ajuda dos trabalhos de magia. Tia Marcelina, africana, negra da costa, como era chamada. So-
bre Tia Marcelina, podemos ressaltar o que nos relata Abelardo Duarte: “Era em Maceió uma
espécie de Menininha do Gantois na Bahia. Fora contemplada com a coroa de Dadá, irmão mais
moço de Xangô, na liturgia africana; da África proviera à distinção que a sagrara.” (DUARTE,
1974, p. 19)
A mais famosa dona de terreiro de Maceió, após encerrar o rito festivo a Oxum, teve sua
casa invadida, seus filhos-de-santo agredidos, e ela, teve a cabeça aberta com um golpe de sabre,
seu corpo caiu ao chão banhado em sangue, vindo a falecer dias depois.
Segundo informações do Babalorixá M.M, enquanto era agredida, Tia Marcelina clama-
va gemendo, por Xangô ‘Kaô Kabecilé4’, não por ser filha de Xangô, mas por ser ele o Orixá
da justiça. Contou-nos também o Babalorixá que após algum tempo o algoz de Tia Marcelina
foi secando, primeiro secou-lhe a perna, depois o corpo todo e vindo a falecer. Manoel Martins
que havia trabalhado com Malta, também teve seu terreiro invadido pela ação da Liga, todos
sofreram agressão e o pai-de-santo teve seu cavanhaque arrancado com epiderme e tudo. Vários
chefes de terreiros sofreram as atrocidades em nome da soberania.
Os objetos, apreendidos pelos membros da Liga nas invasões eram expostos ao escárnio
em desfile pelas ruas de Maceió. Após a cerimônia de zombaria, os pertences desapossados dos
Xangôs eram levados para a sede daquela associação onde permaneceram por algum tempo.
Algumas peças de Legba foram levadas para a redação do Jornal de Alagoas e expostas por
vários dias. Muitos dos pertences dos terreiros de Xangô foram desviados, como as joias, que
desapareceram, já os panos usados nos cultos, os ilús e os atabaques, foram queimados na via
pública, como prova de poder. Sobre o desaparecimento das joias, Abelardo Duarte nos relata:
Ao que parece, muitas peças e objetos daqueles cultos foram fetichistas
perderam-se ou foram desviados (...)pulseiras e braceletes de ouro e de
prata, colares de coral, anéis de ouro cravejados de pedras semi-precio-
sas, roubados não se sabe por quem, e de paradeiro até hoje desconheci-
do. (DUARTE, 1974, p. 11).
Na sequência, as peças foram oferecidas pela Liga dos Republicanos Combatentes à
Sociedade Perseverança e Auxílio dos Empregados do Comércio de Maceió. Esse fato resguar-
dou os restos mais importantes de peças e objetos dos cultos de Xangô existentes em Maceió.O
Quebra de Xangô em Alagoas foi a maior perseguição realizada no Brasil aos cultos de origem
africana. E não se limitava somente ao âmbito da Liga, várias ações oficiais ocorreram com os
mesmos moldes, as milícias atuavam em nome do governo por todo o estado de Alagoas. O
silêncio dos ilús e dos atabaques imperou.

4
Saudação ao Orixá Xangô.

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Os remanescentes dos Xangôs voltaram a realizar os cultos aos Orixás, com uma forma-
tação diferenciada, sem o som dos ilús e dos atabaques Essa nova maneira de praticar a religião
afrodescendente foi chamada de “Xangô rezado baixo”. Sobre a nova forma de expressão do
Xangô, destacamos a observação de Gonçalves Fernandes:
Ninguém podia suspeitar o que se passava no interior daquelas casas
simples, de arquitetura tosca e fachadas humildes, mas que conserva-
vam em suas salas apertadas um rico oratório trabalhado em madeira,
onde se guardavam imagens inofensivas de santos católicos, mas aos
quais os fiéis consagravam orações em língua africana. Esses cultos re-
alizavam-se sem música, sem danças, sem toadas (...)sem a presença de
objetos litúrgicos que sempre foram a marca desse tipo de cerimônia.
(FERNANDES, 1941, p. 28)
O governo do estado de alagoas em um ato de reconhecimento às atrocidades cometidas
à época do Quebra, levou o então governador Teotônio Vilela Filho na entrega da Comenda
Zumbi dos Palmares, em 19 de novembro de 2012 a pedir perdão ao povo de matriz africana
do estado. Tal ato teve como ápice a entrega da Comenda à Yalorixá Mãe Neide Oyá D’Oxum,
primeira mulher sacerdotisa de matriz africana a ser aclamada por políticos, oriundos daqueles
que mataram seus ancestrais em 1912.
Na mesma perspectiva de reparação e objetivando atender à demanda imposta pela le-
gislação, em 29 de novembro de 2013, o governo do estado criou o Conselho Estadual de Pro-
moção da Igualdade Racial – CONEPIR, órgão colegiado paritário, de caráter deliberativo e
integrante da estrutura básica da Secretaria da Mulher e dos Direitos Humanos que tem por
finalidade propor em âmbito estadual, políticas de promoção da igualdade racial, com ênfase na
população negra, nas comunidades quilombolas, nas comunidades indígenas, nas religiões de
matriz africanas e outros segmentos étnicos da população alagoana, com o objetivo de combater
o racismo, o preconceito e a discriminação racial e de reduzir as desigualdades raciais, inclusive
no aspecto econômico e financeiro, social, político e cultural, ampliando o processo de controle
social sobre as referidas políticas.
Composto de forma paritária por 26 membros e, como previsto no seu Capítulo II, Art.
3º O Conselho Estadual de Promoção de Igualdade Racial - CONEPIR será composto por 26
(vinte e seis) membros titulares com seus respectivos suplentes que demonstrem comprometi-
mento e\ou sensibilidade com o combate ao racismo e a defesa da igualdade racial, nomeados
pelo Governador do Estado. Os 13 membros do Poder Público representam: Secretaria de Esta-
do da Mulher e dos Direitos Humanos, Secretaria de Estado da Defesa Social e Ressocialização,
Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social, Secretaria de Estado da Saúde,
Secretaria de Estado da Educação, Secretaria de Estado de Políticas sobre Drogas, Secretaria
de Estado da Cultura, Gabinete Civil, Universidade Estadual de Alagoas, Instituto de Terra de
Alagoas, Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e Assembleia Legislativa

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do Estado de Alagoas. Já os membros da sociedade civil com atuação comprovada na promoção


da igualdade racial em âmbito estadual e regional, sendo: 05 (cinco) representantes da popula-
ção negra, entidades sindicais e sócio-culturais que atuem na promoção da igualdade racial, 02
(dois) representantes dos povos indígenas, 01 (um) representante das comunidades ciganas, 02
(dois) representantes das religiões de matriz africana, 02 (dois) representantes das comunidades
quilombolas e 01 (um) representante de Capoeira.
Outro importante instrumento de reconhecimento dos direitos e da promoção da igualda-
de racial, valorizando a cultura afro-brasileira é o 20 de novembro. Instituído por decreto fede-
ral, como o dia da consciência negra, em reconhecimento a luta do maior líder de negros escra-
vizados das Américas, Zumbi dos Palmares, que faleceu em 20 de novembro de 1695, na Serra
da Barriga. Em 2007, o Ministério da Cultura, através da Fundação Cultural Palmares, entrega a
população brasileira, em especial ao povo negro de Alagoas, o Parque Memorial Quilombo dos
Palmares, como lugar sagrado recebe todos os anos milhares de pessoas que procuram invocar
a sua ancestralidade, seus laços de pertencimento e promoção dos direitos.
A Serra da Barriga, para além da sua característica de território sagrado, é também um
importante cenário de lutas políticas, de reivindicações e formulação de políticas públicas. A
partir das manifestações realizadas pelo movimento negro de todo o estado, o governo de Ala-
goas abre-se para o diálogo e, em um movimento de aproximação, e porque não de interesse
político, passa a organizar junto ao movimento afro-brasileiro e o Governo Federal, através da
Fundação Cultural Palmares, os festejos do 20 de novembro, com uma programação extensa
durante todo o mês, em especial na semana que antecede à data, culminando com entregas de
Comendas e outras homenagens a figuras que atuam com destaque na promoção de políticas
públicas, favorecendo a igualdade racial e manutenção das tradições.
Desde a década de 50 em Alagoas, os religiosos de matriz africana fazem o movimento
de êxodo, levando até sete horas de viagem para virem do interior até Maceió a fim de exaltar
Iemanjá na festa das águas, comemorada no dia 08 de dezembro, dia da padroeira do estado,
Nossa Senhora da Conceição, sincretizada com o Orixá Iemanjá pelos praticantes dos cultos
afro-brasileiros, mais especificamente pelo povo do Xangô do Nordeste. São centenas de grupos
das mais diferentes nações que se reúnem nas praias de Maceió, entre Pajuçara e Ipioca, sendo
que o fluxo maior fica registrado na praia de Pajuçara. Desde as primeiras horas do dia 08, é
comum notar a presença de sacerdotes de religião de matriz africana, filhos e filhas de santo
trazendo sobre a cabeça as oferendas para Iemanjá em um momento que atraem simpatizantes e
transeuntes que, extasiados, acabam interagindo com os religiosos.5

5
O escrito produzido sobre o dia 08 de dezembro é fruto de um longo processo de acompanhamento das festivida-
des que homenageiam a Rainha do Mar. Desde a graduação em Ciências Sociais, pela UFAL que temos participado
de pesquisa de campo objetivando a coleta dos dados acima expostos.

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Com a crescente demanda por parte de religiosos optantes pelas religiões neo-pentecos-
tais, especialmente os ligados à IURD, vários conflitos vem acontecendo no dia 08 de dezembro.
Para a comunidade de terreiro a manifestação de cultos conflitantes com as atividades já sacrali-
zadas pelos religiosos de matriz africana é uma perseguição aos moldes do Quebra de 1912. No
ano de 2010 houve um enfrentamento que quase causou intercorrências graves, com agressões
físicas que iniciaram com os seguranças dos religiosos neo-pentecostais. Em ato orquestrado po-
liticamente os evangélicos pleitearam a ocupação da praia da Pajuçara, o poder público, através
dos órgãos licenciatórios municipais, concedeu a utilização por parte da categoria de religiosos
evangélicos, em detrimento aos praticantes de religião de matriz africana que, historicamente,
ocupam as praias nos últimos 70 anos.
Em 2015 o movimento de religiosos com o apoio do CONEPIR, acionou o poder públi-
co, através de ação no Ministério Público Estadual para garantir a realização dos seus ritos. A
ação teve início quando, um dos líderes de matriz africana buscou autorização para o fechamen-
to da avenida para a realização de uma carreata em saudação à Iemanjá e contra a intolerância
religiosa no estado. No que foram prontamente atendidos pelo poder público que interviu de
maneira a dirimir os problemas que pudessem ser causados em um conflito direto. Tal ação
originou-se porque os evangélicos solicitaram do mesmo órgão licenciado, a realização do ato
Maceió de Joelhos, no mesmo dia e local que os rituais são praticados pelos religiosos de matriz
africana. Após uma verdadeira batalha jurídica, que contou com advogados de peso no estado,
praticantes ou não da religião de matriz africana, além do apoio da igreja católica e de alguns
representantes da Igreja Batista em Maceió, o movimento religioso e os seus representantes ob-
tiveram a autorização para realizar a carreata, como também a garantia da permanência na praia
da Pajuçara até a meia noite do dia 08 de dezembro6.
Como desmembramento dessas ações ocorridas no ano de 2015, o movimento afro-bra-
sileiro em Alagoas, lança a proposta para fazer do dia 08 de Dezembro, uma data tombada como
Patrimônio Imaterial de Alagoas e assim, assegurar de forma legitima as festividades que vão
ocorrer nesta data a partir deste momento. O processo de tombamento é realizado pelo Conselho
Estadual de Cultura, vinculado a Secretaria de Estado da Cultura. Vale ressaltar que é um pro-
cesso longo e que precisa de pesquisas, relatórios e comprovações que assegurem a importância
histórica, cultural e social do dia para a sociedade alagoana. Nesse sentido, mais uma vez o po-
der público, e as esferas governamentais se vêem obrigados a intervir e dar respostas plausíveis
a população negra do Estado, como forma de assegurar os princípios constituintes.
Também em 2015, o movimento negro e os religiosos de matriz africana solicitaram ao
CONEPIR que atuasse de forma a diminuir os casos de intolerância religiosa que estavam ocor-

6
Os relatos a cerca do dia 08 de dezembro sobre as constantes batalhas judiciais, são baseados na nossa experiên-
cia enquanto militante do movimento afro-brasileiro, enquanto líder religiosa e membro titular do CONEPIR

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rendo nos quilombos alagoanos. Através de denúncias feitas para os representantes do Conselho,
do caso de expulsão de uma mulher quilombola de sua comunidade por ser praticante de religião
afro-brasileira, como também a liderança do quilombo do Muquém, estava sofrendo insultos em
sua porta, por participar do Xangô do Nordeste. A partir dessa solicitação, o CONEPIR acionou
seus parceiros e realizou o 1º Encontro de Comunidades Quilombolas e Povos Tradicionais de
Terreiro de Alagoas, no quilombo de Muquém. Representantes das mais diversas regiões parti-
ciparam do encontro, estudantes, religiosos, quilombolas do sertão alagoano e da capital se des-
locaram para a cidade de União dos Palmares para uma imersão cultural de grande importância.
Observamos que o grande interesse da sociedade alagoana em participar do evento cons-
tituiu, sobretudo em contribuir para a promoção de políticas públicas que minimizem as ques-
tões de intolerância. Foram abordados vários temas dentro do encontro que durou dois dias. Os
objetivos do encontro versaram sobre propiciar e fortalecer o sentimento da pertença cultural
das comunidades quilombolas e povos tradicionais de terreiro de alagoas, fomentar estratégias
culturais para a preservação do bem imaterial produzido nas comunidades, desenvolver estra-
tégias para a construção e consolidação de redes de proteção social para a população negra,
particularmente aos jovens que consolidem na construção de estratégias coletivas para viabilizar
a referida rede.
Em 2016, o 2º Encontro de Comunidades Quilombolas e Povos Tradicionais de Terreiros
de Alagoas já está sendo organizado, debatido, com um formato que possa contemplar ainda
mais as comunidades quilombolas espalhadas em todo o estado, bem como o maior numero de
terreiros. Em uma ação de aproximação ainda maior com o movimento negro, a Secretaria de
Cultura do Estado de Alagoas, através da Superintendência de Identidade e Diversidade Cul-
tural, colocou como uma ação estratégica no planejamento de 2016, o 2º Encontro, garantindo
assim recursos necessários para a sua execução, bem como a participação de outros setores do
governo nesse processo de fortalecimento de políticas.
Nesse primeiro momento, tentamos construir uma analise baseada nas ações oriundas do
movimento afro-brasileiro em Alagoas e que depois de muita luta e reivindicações são absorvi-
das, em partes, pelos órgãos governamentais, como forma estratégica de apaziguar os ânimos
sem que mexa nas estruturas hierarquizantes do Estado, predominando ainda, a política cliente-
lista, patriarcal e de exclusão. Assim, o movimento continua gritando pelos direitos, pela igual-
dade e pelo respeito as suas crenças e tradições. Por isso é importante a construção e a efetivação
do Plano Nacional de Cultura, bem como o plano setorial para cultura afro-brasileira, como
fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade mais igual e que todos e todas possam
se beneficiar das produções culturais realizadas e fomentadas por eles próprios, como condição
básica de demarcação de suas identidades.

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2. O PLANO NACIONAL DE CULTURA E A POLÍTICA CULTURAL


Na atual conjuntura, de um esforço continuo na busca pelo reconhecimento da diversida-
de, da pluralidade, as políticas culturais se constituem como fator importante para a preservação
dessa diversidade brasileira, bem como um elemento preponderante para o incentivo a produção
dos bens culturais, sem fazer distinção de grupos, sem privilegiar quem tem o maior poder de
barganho nas estruturas econômicas. Ao mesmo tempo as politicas culturais também tem como
objetivos, garantir o acesso, democraticamente de distintos públicos aos bens culturais, espetá-
culos e produtos culturais.
Os debates sobre as políticas culturais modernas têm como primeiro
marco as conferências da Unesco nos anos 1970, nas quais pouco a pou-
co foi se consolidando, no plano teórico, uma distinção entre dois tipos
de políticas: as políticas de democratização da cultura e as políticas de
democracia cultural. As primeiras buscavam ampliar o acesso às ativi-
dades e aos produtos da cultura da elite, com o objetivo de democrati-
zá-lo. O segundo tipo, então predominantemente “teórico”, buscava, a
partir de uma concepção “socioantropológica” de cultura, valorizar e
apoiar também as práticas culturais populares (em oposição a apenas
as da alta cultura e as da cultura de massa promovida pelos meios de
comunicação) (Fabrizio, 1980). (LIMA, et al... 2013: 02).
O Plano Nacional de Cultura (PNC) é um conjunto de princípios, objetivos, diretrizes,
estratégias e metas que devem orientar o poder público na formulação de políticas culturais.
Previsto no artigo 215 da Constituição Federal, o Plano foi criado pela Lei n° 12.343, de 2 de
dezembro de 2010. Seu objetivo é orientar o desenvolvimento de programas, projetos e ações
culturais que garantam a valorização, o reconhecimento, a promoção e a preservação da diversi-
dade cultural existente no Brasil. O PNC foi elaborado após a realização de fóruns, seminários e
consultas públicas com a sociedade civil e, a partir de 2005, sob a supervisão do Conselho Na-
cional de Política Cultural (CNPC). Um marco importante nesse processo foi a 1ª Conferência
Nacional de Cultura, realizada em 2005, depois de conferências municipais e estaduais.
O Ministério da Cultura (MinC) estabeleceu 53 metas, e a lei que estabelece o Plano
Nacional de Cultura (PNC) prevê a criação de um comitê executivo para acompanhar a revisão
das diretrizes, estratégias e ações do Plano. Esse comitê deverá ser composto de representantes:
do poder Legislativo; dos estados e das cidades que aderirem ao Sistema Nacional de Cultura
(SNC); do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC); do Ministério da Cultura (MinC).
O Plano tem duração de 10 anos, ou seja, ele é válido até 2 de dezembro de 2020. O
Ministério da Cultura (MinC) é o coordenador executivo do Plano Nacional de Cultura (PNC)
e por isso é responsável pelo monitoramento das ações necessárias para sua realização. A apro-
vação do PNC em forma de lei situa a cultura na agenda de cidades, de estados, de outros or-
ganismos do Governo Federal e da sociedade. Por isso, sua execução depende da cooperação

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de todos, e não apenas do Governo Federal, para que seja possível realizar as ações e alcançar
as metas.
O Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) também é responsável por esse mo-
nitoramento. Sendo usados indicadores nacionais, regionais e locais que mostrem a oferta e a
demanda por bens, serviços e conteúdos, além de indicadores de nível de trabalho, renda, acesso à
cultura, institucionalização, gestão cultural, desenvolvimento econômico-cultural e de implanta-
ção sustentável de equipamentos culturais. Por isso, o Sistema Nacional de Informações e Indica-
dores Culturais (SNIIC), gerenciado pelo MinC, é fundamental nesse processo. O Plano baseia-se
em três dimensões de cultura que se complementam: a cultura como expressão simbólica; a
cultura como direito de cidadania; a cultura como potencial para o desenvolvimento econômico.
Além dessas dimensões, também se ressalta no PNC a necessidade de fortalecer os proces-
sos de gestão e participação social. Esses tópicos estão presentes nos seguintes capítulos do Plano:
(i) Do Estado, (ii) Da Diversidade, (iii) Do Acesso, (iv) Do Desenvolvimento Sustentável e (v) da
Participação Social. Além disso, o Plano é composto de 36 estratégias, 274 ações e 53 metas.
Os Planos Setoriais Nacionais têm como objetivo garantir que as especificidades pró-
prias de cada setor da cultura sejam observadas e atendidas pelas políticas públicas.
Plano Nacional de Cultura está comprometido com o fortalecimento de políticas especí-
ficas para os setores. Isso está expresso em suas ações e metas, a saber:
Ação 2.2.1 Formular e implementar planos setoriais nacionais de linguagens artísticas
e expressões culturais, que incluam objetivos, metas e sistemas de acompanhamento, avaliação
e controle social. (Lei n°12.343/2010: Anexo, Capítulo II)
Meta 46 – 100% dos setores representados no Conselho Nacional de Política Cultural
com colegiados instalados e planos setoriais elaborados e implementados. (Metas do PNC, 2011).
A formulação dessas políticas deve estar baseada em processos de consulta e participa-
ção da sociedade, como expresso no objetivo XIV do PNC (Artigo 2º, Lei 12.343/2010), o que
reforça a necessidade de que o processo de elaboração e de tomada de decisão dos Planos Seto-
riais seja estruturado num amplo sistema de discussão e reflexão coletiva sobre a atual situação
de cada setor. Dentre os 19 setoriais que fazem parte do Plano Nacional de Cultura, apenas 09
possuem seus planos setoriais. Entre os que ainda não possuem, está o de Cultura Afro-Brasileira.
A elaboração do plano nasce das demandas dos diversos setores que compõe o segmento
afro, que estão debatendo e ampliando a participação, elaborando propostas para que políticas
públicas sejam efetivadas, mas por que o plano não foi consolidado? Embora se saiba que por
meio da fundação Palmares, muito já se conseguiu realizar, em termos de ações afirmativas, reco-
nhecimento de patrimônio imaterial, eventos temáticos e a valorização das expressões culturais.

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3. NOTAS CONCLUSIVAS
Nossa contribuição para a efetivação das políticas públicas lançadas pelas mais diversas
esferas do governo, uma vez que cabe à Secretaria de Estado da Cultura, ampliar os princípios
que são postos pelo Ministério da Cultura, em consonância à Constituição Brasileira em seus
artigos 215º e 216º, que asseguram o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, apoiando e incentivando a valorização e a difusão das manifestações culturais
e que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, toma-
dos individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, tais como indígenas, comunidades
quilombolas e povos tradicionais de terreiros, tem sido cotidianamente uma batalha para que,
possamos incorporar o conhecimento adquirido dentro da esfera acadêmica e na militância, com
o aprendizado que é trabalhar em uma instituição que gere as questões culturais no estado.
Tendo em vista que estamos situados em um estado que vem de uma longa tradição de
domínio da elite coronelista branca patriarcal, em detrimento à população negra que original-
mente constituiu a formação sócio histórica do estado e que, ainda é o principal alvo de políticas
excludentes, discriminatórias e violentas, nossas ações devem e são construídas a partir de um
longo e cansativo diálogo com os gestores.
O que se torna claro hoje em dia, é que muitas pesquisas realizadas pelos pesquisadores
das áreas de humanas, estão mais ligadas à temas de interesses do cotidiano, das militâncias po-
líticas, de gênero, sexo, religião, juventude, violência, da promoção e sensibilização para os di-
reitos sociais, culturais, pela busca de políticas públicas que construam a valorização da diversi-
dade cultural, das múltiplas sociabilidades e realizações. Como propõe Eunice Durham (2004):
“Estamos em suma, produzindo uma nova e intrigante etnografia de nós mesmos” (2004:14).
O pesquisador no cenário atual deve estar buscando dialogar mais com o campo, com as
necessidades do campo, com a astúcia militante inerente a todo individuo como um “Animal po-
lítico”. Assim para Michel Agier: “Esse lugar do antropólogo pode ser definido de duas maneiras:
primeiro, é claro, como um lugar social negociado na situação de investigação a partir da qual
se pode conceber o engajamento crítico do pesquisador, como expos alhures; em seguida, como
lugar intelectual, no sentido de que o antropólogo tem necessidade, hoje em dia, de ferramentas
teóricas atualizadas para dar conta da relação contemporânea entre identidade e cultura”. (p.07).
O lugar de onde escrevemos este trabalho está situado em relações complexas, de jogos
de poderes em que ainda perpetuam velhas práticas políticas, de ideologias de dominação e
segregação, de escolhas baseadas nos padrões patriarcais e de elites brancas, que promovem
“um resgate” da cultura popular, “resgate” das manifestações da cultura afro-brasileira, situando
muita das vezes, esses “resgates” nos interesses políticos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DUARTE, Abelardo. Catálogo Ilustrado da Colação Perseverança. Maceió: Instituto Histórico e
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A aventura antropológica. Teoria e Pesquisa; (org.) Ruth C. L. Cardoso. – Rio de Janeiro: Paz e Terra,
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TENORIO, Dougla Apratto. A presença na Identidade alagoana.- Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2015.www.cultura.gov.br -Visitado em 30 de setembro de 2015.

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POLÍTICAS CULTURAIS PARA A MUSICALIZAÇÃO EM SÃO PAULO:


DIÁLOGOS E CONTRASTES ENTRE O VOCACIONAL MÚSICA
E O PROJETO GURI.
Inti Anny Queiroz1

RESUMO: O presente estudo apresentar dois programas de ensino de música em São Paulo, o
Programa Vocacional e o Projeto Guri, estabelecendo um diálogo com o projeto da Orquestra
de Instrumentos Nativos do boliviano Cergio Prudencio apresentado no livro “Hay que caminar
sonando”. Neste estudo buscaremos descrever e analisar as propostas enquanto políticas públicas
para a música e ações de incentivo à musicalização de jovens, observando as propostas em diálogo
e pensando em meios de proporcionar um melhor aproveitamento dos programas paulistas.

PALAVRAS-CHAVE: música, musicalização, juventude, políticas culturais.

1. INTRODUÇÃO – O CONTEXTO DAS POLÍTICAS PARA MÚSICA NO BRASIL.


A produção musical no Brasil e na América Latina, bem como, o ensino de música, mas
principalmente a circulação e difusão da música, de certo modo, quase sempre foi pautado por
estéticas vindas do exterior, principalmente vindas da Europa e dos Estados Unidos.
Para compreendermos ações atuais nas políticas culturais para música é relevante
observarmos processos históricos que nos trazem às formas da música e seu ensino como
acontecem atualmente. Neste artigo buscamos inicialmente uma análise de um panorama
histórico, num segundo momento como contraponto comparativo, a experiência de um projeto
de musicalização de jovens na Bolívia e por fim um descritivo sobre duas experiências de
musicalização atuais no estado e município de São Paulo, o Vocacional Música e o Projeto Guri.
A fase embrionária das políticas culturais no Brasil pode ser pensada a partir da chegada
da Família Real Portuguesa no início do século XIX. Este período apresenta claras influências da
cultura francesa e demonstra a relevância da cultura proveniente da elite econômica e cultural,
isto é, da cultura erudita como prioridade nos investimentos iniciais de políticas culturais no país.
Na época, a maior parte da população brasileira era analfabeta, muito pobre e raramente
tinha acesso a qualquer um dos produtos dos investimentos em cultura quase sempre feitos para
1
Doutoranda e mestre no Programa de pós-graduação em Filologia e Língua Portuguesa na Faculdade de Filoso-
fia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH da Universidade de São Paulo – USP. Inti.queiroz@gmail.com

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entretenimento da elite e da nobreza presente. Os feitos do Estado esboçavam uma tendência


exclusivista e civilizatória que foram reforçadas com as missões francesas na cidade do Rio
de Janeiro a partir dos idos de 1820 e durante todo o século XIX. O fenômeno das missões
francesas “se inscreve num quadro mais amplo do que a mera circunstância da presença da corte
no Brasil. Foi na verdade, parte do processo de rompimento com a arte colonial barroca, mestiça
e autodidata.” (LOPEZ, 1995, p.15)
Desde o período colonial e sobretudo após a chegada da Corte de D.
João VI ao Brasil, em 1808, a ‘cultura’ foi pensada de duas formas
pelas oligarquias políticas e econômicas que se sucederam no poder. De
um lado era associada ao conhecimento que certas pessoas – ‘cultas’,
acumulavam ao longo da vida. A cultura seria, desse ponto de vista,
um privilégio daqueles que ‘naturalmente’ teriam aptidão intelectual,
uma minoria letrada num país de analfabetos. De outro, a cultura estava
associada somente às artes como a música, a pintura, o teatro, a literatura,
de origem europeia. Nessa perspectiva, a ‘sociedade culta’, com ênfase
nos artistas, seria aquela que dominasse esses instrumentos sofisticados
marcadamente europeus. (MEIRA, 2004, p. 13)
A história das políticas específicas para a música tiveram início em 1848 com a fundação
também no Rio de Janeiro, do Conservatório Nacional de Música em uma das salas do Museu
Imperial. Após a Proclamação de República em 1889, o conservatório passa a ser chamado de
Instituto Nacional de Música e amplia suas atividades.
Na chamada Era Vargas (1930 – 1945), mas principalmente no período do Estado Novo
(1937 – 1945) observamos a criação e implantação de diversos órgãos públicos de cultura que
visavam o reforço de estrutura nacional e de um projeto de incentivo à cultura institucional,
consolidado e orquestrado pelo governo. O forte apelo nacionalista do governo Vargas possibilitou
a criação e o estabelecimento de entidades que privilegiavam a cultura de identidade nacional,
ainda que com influência europeia em sua gestão. A Era Vargas foi fortemente marcada por
uma nova perspectiva para o país e para a população de modo geral. “Nos anos 30 procura-
se transformar radicalmente o conceito de homem brasileiro. Qualidades como ‘preguiça’,
‘indolência’, consideradas como inerentes à raça mestiça, são substituídas por uma ideologia do
trabalho.” (ORTIZ, 2003, p. 42)
Dentre as entidades criadas no governo Vargas uma das mais importantes e que mais
demonstravam a tentativa do governo em implantar uma ideologia nacionalista no país foi
o Conservatório Nacional do Canto Orfeônico (1942) que tinha como principal articulador
o maestro Heitor Villa-Lobos. O conservatório buscava ensinar a música erudita, o canto
patriótico e folclórico para jovens músicos cariocas que deveriam atuar como arte-educadores
em instituições educacionais.

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O canto orfeônico tem suas origens na França, no início do séc. XIX,


quando era uma atividade obrigatória nas escolas municipais de Paris. É
um canto coletivo, de característica se organizam conjuntos heterogêneos
de vozes. A prática do canto orfeônico não exige conhecimento musical
ou treinamento vocal prévio. (CARICOL, 2013, p. 2)
Porém, ainda que em dissenso com a política nacionalista de Vargas, a proposta estética
musical de ensino do canto orfeônico trazia toda sua metodologia da cultura francesa. O projeto
do Conservatório visava além da arte musical, ensinar também preceitos de disciplina e trabalho
para que estes pudessem multiplicar os ensinamentos do canto orfeônico nas escolas e atingir
assim a juventude estudantil.
O canto orfeônico aplicado nas escolas tem como principal finalidade
colaborar com os educadores para obter a disciplina espontânea e
voluntária dos alunos, despertando, ao mesmo tempo, na mocidade, um
sadio interesse pelas artes em geral e pelos grandes artistas nacionais e
estrangeiros. (VILLA-LOBOS, 1946 apud WISNIK, 2004, p.179)2
A experiência do Conservatório do Canto Orfeônico ilustra bem como foi pensada
inicialmente a musicalização da juventude e seguiu durante muitos anos do século XX em todo
país, pautado pelo ensino de música erudita, visando a disciplina como processo civilizatório e
a difusão de hinos cívico-patrióticos. A música popular também era ensinada no Conservatório,
porém era tratada como Folclore e como um tipo inferior de estética musical quando comparado
às obras de música erudita. Villa-Lobos entendia que a música poderia influenciar na construção
do caráter de cada indivíduo.
Ainda nos anos 1930, em São Paulo, durante a gestão de Mário de Andrade no
Departamento de Cultura da cidade, o ensino de música e a musicalização tiveram tímida
atividade. Nos documentos presentes na obra do autor “Sou um departamento de cultura”
(ANDRADE, 2015) é possível encontrar documentos que relatam a doação de um piano pelo
Theatro Municipal de São Paulo em julho de 1935 para o ensino de música a crianças num
recinto localizado no Parque Dom Pedro.
O terceiro piano, de pouca necessidade no teatro, é no entanto
necessaríssimo nos parques infantis, onde será utilizado para ensino
às crianças de rodas, danças e cantigas tradicionais do Brasil, que o
progresso deste município e o seu excessivo contagio com as massas
populares de imigrantes, expulsaram daqui. (ANDRADE, 2015, p. 150)
Ao longo dos anos, os conservatórios de música públicos e particulares foram sendo
instalados num país pobre, que privilegiava a exclusão cultural e permanecia assim carente de
investimentos em sua cadeia produtiva de música popular regional. A priorização pelo ensino da
2
Trecho do texto “Educação musical” parte do relatório completo sobre o programa de implantação nacional do
ensino do Canto Orfeônico nas escolas, publicado no Boletim latino-Americano de música, Ano VI, Tomo VI, 1ª
parte, Rio, 1946.

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música erudita como possibilidade de “civilização” e a compreensão da música popular como


música folclórica foi recorrente nos poucos programas governamentais de música implantados
até final da ditadura militar.
Apenas nos anos 1980 e com a redemocratização foi que este panorama teve alguma
alteração. A chegada de diversas escolas internacionais para o ensino particular de música e a
implantação de novos programas para ensino das artes começaram uma nova etapa no ensino
de música.
Foi em 1980, que na cidade de São Paulo surgiu a EMIA - Escola Municipal de Iniciação
Artística criada numa pequena casa no Parque Municipal Lina e Paulo Raia. Ainda que a escola
tenha surgido durante o período da ditadura militar, desde o início buscou trabalhar com o
ensino das artes para crianças entre 5 e 12 anos, principalmente música, teatro, dança e artes
visuais de forma reflexiva e democratizante. Atualmente a Escola tem um espaço fixo no bairro
do Jabaquara.
Em 1995, o então governador de São Paulo Mario Covas cria o Projeto Guri, inicialmente
sediado na Oficina Cultural Mazzaropi onde eram atendidas 180 crianças e adolescentes entre
8 e 18 anos. O projeto visava a musicalização como transformação cidadã e atualmente é um
dos principais programas de musicalização infantil do governo do estado ao lado da EMESP
(Escola de Música do Estado de São Paulo) e do Conservatório de Tatuí. Os três programas são
atualmente geridos por Organizações Sociais de cultura em parceria público privada.
No ano de 2001, surge na cidade de São Paulo, o programa Vocacional, a partir de um
projeto popular chamado “Teatro Vocacional” que privilegiava o incentivo ao artista amador,
à criação artística e o empoderamento social pela arte. Também no âmbito da prefeitura de
São Paulo, e inspirado na experiência da EMIA, em 2008 nasce o PIÁ – Programa de Iniciação
Artística que visa atender crianças de 5 a 12 anos no aprendizado e produção artística. Atualmente
os dois programas atendem 2.670 crianças (Piá) e 5.280 (Vocacional) em 74 equipamentos da
cidade. Do total de vagas, 16% são para a música.
Ainda sobre o ensino de música devemos ressaltar que uma lei de obrigatoriedade do
ensino de música nas escolas foi aprovada no ano de 2008 pelo presidente Lula, lei federal
11.769/2008. Esta lei, ainda que esteja sendo aplicada em seu potencial mínimo, permite que
professores licenciados em qualquer disciplina possam ministrar aulas de música nas escolas.
Não é intenção deste estudo adentrar no assunto sobre o ensino de música nas escolas,
porém visto que este tem sido relegado a professores de outras disciplinas e que boa parte
das escolas, principalmente públicas, não cumpram com o estabelecido, é possível dizer que o
incentivo à musicalização fora do universo da escola regular se faz ainda mais necessário e por
isso propomos esta reflexão acerca de dois programas realizados atualmente em São Paulo: o
Vocacional Música e o Projeto Guri.

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Para melhor ilustrarmos e completarmos nossa reflexão trazemos a ótima experiência da


Orquestra de Instrumentos Nativos da Bolívia de Cergio Prudencio. O diálogo com a proposta
de Prudencio permeia nosso artigo não apenas em termos teóricos e de reflexão, mas também
como uma possibilidade de diálogo entre diferentes formas de ensino e criação musical. O texto
do boliviano deve nos guiar para compreendermos a ideia de musicalização contemporânea e
de fortalecimento da cultura popular local. Achamos essencial a esta reflexão a observação da
proposta correlata de outro país da América Latina em que os procedimentos técnicos da música
erudita orquestral podem (e devem) dialogar com a criação libertária de uma música popular
regional. Buscamos assim compreender as especificidades e possibilidades que permitem unir
os dois programas para musicalização de jovens que ocorrem em São Paulo.

2. A EXPERIÊNCIA BOLIVIANA DE CERGIO PRUDENCIO.


O boliviano Cergio Prudencio em sua obra “Hay que caminar sonando” traz a ideia de
um manifesto pela música contemporânea boliviana. Ele fala que o século XX foi o século da
interpretação, em que nos limitamos a fazer um culto a arte de épocas anteriores à nossa. Prudencio
trata muito bem da questão da reflexão do papel do músico formado por um conservatório, ou
mesmo por uma universidade, que tem como futuro (in)certo a entrada em alguma orquestra, ou
ministrar aulas de música erudita, ou ainda que seja de música popular, que esta seja nos moldes
tradicionais do ensino de música.
Prudencio evidencia que atualmente a oferta de músicos é maior que a demanda e se torna
cada vez mais um problema para estes profissionais buscar sobreviver de música, principalmente
se continuar sendo pela interpretação de uma música feita por outros compositores em tempos
anteriores. Ele ressalta que é necessário ter uma mudança de direção e buscar uma música
atual, que possa refletir a real música contemporânea. “El problema radica em querer sobrevivir
musicalmente em base a un trabaljo que lo han hecho outros y em outro tiempo”3. (PRUDENCIO,
2010, p. 21)
Ele acredita que só por meio da criação é possível essa mudança e cita Schoenberg
dizendo “Arte é arte nova”. Neste novo momento de mundo é preciso perceber que estamos
num período em que temos muitas influências culturais e esta arte nova suscita também a uma
nova vivência. Apenas através de novas experiências estéticas seria possível educar o homem de
forma permanente para sua sensibilidade e espírito. Para Prudencio a arte deve ser viva. Desta
forma, ele justifica e defende a criação de seu projeto da Orquestra de Instrumentos Nativos que
deve trazer conteudos da atualidade com a necessidade de trabalhar em busca de expressões novas
e relacionadas ao nosso ser social. O conceito de arte muda em função do sistema econômico-

3
“ O problema está em querer sobreviver musicalmente com base num trabalho feito por outros e em outros tem-
pos”.

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social que se pretende chegar e é por meio desse novo olhar que a musicalização contemporânea
e o ensino de música para crianças e jovens deve ocorrer. Prudencio descreve que o trabalho deve
ser realizado inicialmente por um desenvolvimento técnico, desenvolvimento da infraestrutura e
também com formação e capacitação do elemento humano. Fala da importância da investigação
da música indígena, base cultural de todos os países latinoamericanos e como a partir dessas
tradições poderão criar novas sonoridades locais.
A proposta criada para este novo projeto musical deve se alimentar da pesquisa de
musica regional popular, mas com autonomia de criação. Ele acredita que estes novos processos
de criação e produção musical tem grande importância na questão da “libertação nacional”,
perante uma nova atitude de defesa da personalidade cultural local na construção de uma
sociedade nossa. Isto é, para ele, esta nova geração de músicos e de estéticas musicais criadas
com referências musicais regionais pode gerar uma força não apenas regional, privilegiando a
diversidade estética de cada cidade, estado ou país, mas também num processo emancipatorio
de identidade nacional. A busca pelo ensino, pesquisa e por uma música autoral, própria, com
elementos locais é para Cergio Prudencio uma forma de empoderamento.

3. CRIAÇÃO MUSICAL, DISCIPLINA E EMPODERAMENTO


As experiências do Conservatório do Canto Orpheônico de Villa-Lobos e da Orquestra
dos Instrumentos Nativos de Cergio Prudêncio apenas se distanciam dos programas que iremos
tratar aqui em termos de tempo e espaço. Não seremos injustos em dizer que alguns princípios
destas experiências poderão ser observados atualmente em São Paulo, tanto no Projeto Guri
quanto no Vocacional Música.
A busca por um diálogo entre estes programas de musicalização incide principalmente
em pensar na adolescência, principalmente entre 14 e 18 anos, período em que a música é
concretamente apresentada ao jovem, se faz mais presente e pode atuar como uma possibilidade
de novos caminhos artísticos ou mesmo como carreira profissional.
Primeiramente é importante frisar que os programas Vocacional Música e Guri são
notoriamente diferentes não apenas em termos de propostas estéticas, éticas, políticas, mas
também em números e abrangência. Porém o que observaremos aqui não serão os resultados
quantitativos, mas sim, como foi pensada em cada caso a musicalização desses adolescentes e
quais são os pontos convergentes e que se colocados em diálogo poderiam trazer benefícios às
propostas, para assim beneficiar ainda mais estes jovens artistas da música e produzir esta nova
música evidenciada por Prudencio.
O Projeto Guri se mostra maior em termos quantitativos, não apenas por ser um
programa estadual, mas por estar vinculado a uma Organização Social (OS), a Santa Marcelina
Música, isto é, o Guri não é um programa 100% público, é uma PPP (Parceria Público Privada)

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conta com investimentos públicos, privados e também de outras parcerias público-privadas.


Atualmente o Guri está em 316 municípios do estado, atendendo aproximadamente 30 mil
crianças e adolescentes de até 18 anos. Foi criado durante a gestão do Governador Mario Covas,
como um programa público, porém a partir de 2004 passa a ser vinculado à gestão de uma OS
de cultura, flexibilizando sua gestão, que passa a não utilizar mais as regras de gestão pública
vigentes e cada vez mais incentivando o recebimento de patrocínio de empresas públicas e
privadas via leis de incentivo fiscal culturais. O Guri tem como seus princípios organizacionais
básicos: “Promover, com excelência, a educação musical e a prática coletiva da música, tendo
em vista o desenvolvimento humano de gerações em formação.”4 (Site do projeto Guri, Quem
somos, Princípios organizacionais, 2015)
O Programa Vocacional, mais especificamente o programa Vocacional Música, é um
programa da Prefeitura de São Paulo, com gestão articulada pelas Secretarias de Cultura
e Educação e atende mais de 5000 pessoas/ mês, jovens e adultos acima de 14 anos em 74
equipamentos públicos do município de São Paulo. Tem como princípios do programa:
Os seis princípios – o artista-orientador e o coordenador como mestre
ignorante, o nomadismo no espaço público, a ação cultural, as relações
entre forma e conteúdo, a memória do processo e a apreciação /
contemplação – surgiram ao longo dos dez anos de existência do
programa, em um processo de pesquisa coletiva – com o qual contribuíram
todos os artistas que participaram do vocacional – e são considerados
conceitos essenciais à pratica dialógica com o artista vocacionado.”5
(VOCACIONAL, Princípios do Programa)
As experiências relatadas nas ultimas edições da Revista Vocare, anuário do programa
Vocacional escrito a diversas mãos por gestores, coordenadores artísticos, artistas-orientadores
e vocacionados6 demonstra bem que o programa busca articular de forma dialógica, isto é, com
total diálogo criativo, toda a proposta pautada principalmente num processo de “pesquisa-ação”
em que os próprios vocacionados participam da criação dos métodos e materiais pedagógicos.
Este tipo de metodologia evidencia o processo dialógico proposto pelo Vocacional Música em
que o vocacionado está em diálogo com seu “outro” e não apenas cria sua música, mas a produz
através da troca cultural. O teórico russo Mikhail Bakhtin explica bem o que seriam essas
relações dialógicas.
(...) relações lógicas ou às concreto-semânticas que por si só carecem
de momento dialógico. Devem personificar-se na linguagem, tornar-se
4
Informações do site do projeto Guri disponível em: < http://www.projetoguri.org.br/quem-somos/principios-or-
ganizacionais/ > acesso em 10 de julho de 2015.
5
Informações no impresso distribuído pela Secretaria Municipal de Cultura e pelo programa Vocacional. A publi-
cação anual intitulada VOCARE, edição 2013 “As premissas pedagógicas: o material norteador”.
6
O programa chama seus alunos de vocacionados e seus professores de artistas-orientadores e estes devem atuar
como mestres ignorantes aquele que não está ali para ensinar, mas orientar e aprender junto com o grupo.

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enunciados, converter-se em posições de diferentes sujeitos expressas


na linguagem para que entre eles surjam relações dialógicas. Devem
tornar-se discurso, ou seja, enunciado, e ganhar autor, criador de dado
enunciado cuja posição ele expressa. São possíveis não apenas entre
enunciações integrais mas o enfoque dialógico é possível a qualquer parte
significante do enunciado, inclusive uma palavra isolada. (BAKHTIN,
2010. p. 209)
Não apenas a proposta estético-metodológica busca esse diálogo, mas a ideia é que os
participantes do programa sejam parte ativa-responsiva do mesmo enquanto gestores culturais
e territoriais, tornando assim a gestão compartilhada não apenas entre as secretarias de cultura
e educação mas também entre todos os envolvidos. Nos encontros dos vocacionados com seus
artistas-orientadores, a maior preocupação não é apenas o ensino de música em si, mas como
articular a criação e a produção de música para o empoderamento do indivíduo-artista em
seu território.
Por outro lado, o Projeto Guri, como bem evidenciado em sua descrição de princípios,
busca a excelência artística na prática coletiva de orquestra. O ensino de música não é
compreendido como processo artístico e sim como ensino musical em que obras de compositores
tidos como referência musical, tanto eruditos como populares são interpretadas. Ao contrário do
Vocacional Música em que as atividades são idealizadas a partir das demandas de cada grupo
de vocacionados, o projeto Guri traz uma proposta mais conservadora de ensino de música ao
propor um programa mais rígido a ser cumprido no curso básico de Fundamentos da Música
e nas aulas de instrumentos musicais tradicionalmente utilizados em orquestras. A proposta
busca ativar por meio de três pilares a música no mais alto grau de excelência: composição,
performance e apreciação. As apresentações dos grupos de adolescentes do Projeto Guri são
conhecidas pelo formato orquestral e a interpretação de grandes obras da música erudita e
popular, bem como pela regular interpretação do hino nacional brasileiro nas apresentações
das orquestras participantes do projeto. Tanto o repertório quanto a metodologia do projeto
nos remete diretamente aos preceitos de erudição do Conservatório do Canto Orfeônico de
Villa-Lobos. Porém este método mais conservador de ensino musical, em que aulas regulares
de instrumentos musicais compõem a estrutura base do programa, proporciona aos alunos do
Projeto Guri a possibilidade de terem contato com instrumentos musicais de orquestra logo nas
primeiras aulas. O investimento em equipamentos e instrumentos musicais é uma das bases
do projeto. O patrocínio de empresas públicas e privadas a uma OS de cultura possibilitou que
ao longo dos anos o Projeto Guri pudesse manter um grande acervo de instrumentos musicais
nos equipamentos em que atua. A não obrigatoriedade de licitação pública para a compra de
instrumentos, pois a entidade responsável pelo programa não é um órgão público, permitiu que
esse tipo de metodologia pensada para a criação de orquestras mais tradicionais fosse aplicada.

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Por outro lado, podemos observar duas lacunas nesta metodologia. Primeiro, estes instrumentos
não pertencem ao patrimônio público paulista, o que nos permite pensar que não há uma garantia
de continuidade do programa, bem como considerá-lo uma política pública para música. Em
segundo lugar, não há a possibilidade dos alunos do programa levarem os instrumentos musicais
para casa e continuarem suas práticas fora do ambiente de aulas.
No plano municipal, a dificuldade em relação aos instrumentos musicais é ainda maior.
A compra e manutenção de equipamentos e instrumentos musicais para o programa Vocacional
Música ainda é um obstáculo, pois boa parte dos equipamentos estão diretamente vinculado a
duas secretarias municipais numa gestão compartilhada, a da Cultura e da Educação. Porém
os diversos relatos de artistas-orientadores na revista Vocare demonstram que a criação e a
produção musical acontecem por meios alternativos como instrumentos em sucata, gravação
em computadores das bibliotecas, ou mesmo com o uso de instrumentos e equipamentos de
vocacionados e artistas-orientadores.
Coincidentemente ou não, parte das aulas do Projeto Guri na cidade de São Paulo acontecem
nos mesmos espaços em que acontecem as experiências musicais do Vocacional Música, nos CEUs
(Centro de Artes e Esportes Unificados). “A gestão dos CEUs é compartilhada entre as prefeituras
e a comunidade, com a formação de um grupo gestor, que fica encarregado de criar um Plano de
Gestão, e também conceber o uso e programação dos equipamentos”7 (site CEU)
Ao pensarmos que os programas utilizam o mesmo espaço e buscam como princípio
fundamental a musicalização, o diálogo entre os dois programas poderia ser naturalmente
possibilitado e incentivado por seus gestores. Os CEUs enquanto instituição de parceria entre
sociedade civil, governo e prefeitura também poderiam incentivar o diálogo entre os programas
bem como a troca artística entre seus participantes. Porém, de acordo com relatos dos artistas-
orientadores do Vocacional, isto infelizmente não ocorre. Além dos programas serem geridos
por diferentes entes federados, as diferenças político-partidárias, bem como as diferentes
metodologias de ensino, mantém os projetos separados ainda que dividam os mesmos espaços.
Ao retornarmos à experiência de Cergio Prudencio na criação da Orquestra de Instrumentos
Nativos, percebemos que nos processos de musicalização é possível pensar em alternativas para
a produção de música, como a construção de instrumentos. Esta possibilidade é utilizada no
Vocacional Música, não apenas como uma alternativa, mas como uma necessidade, visto que
entre os vocacionados de música, muitos deles não tem condições financeiras de comprar um
instrumento musical e os do Projeto Guri não são compartilhados com o Vocacional.
Um dos relatos trazidos na Revista Vocare que conta a trajetória de Edison Pereira, 52 anos,
atualmente em situação de rua, ilustra bem este panorama e como as dificuldades são superadas.

7
Sobre os CEUs. Disponível em: < http://ceus.cultura.gov.br/index.php/home/o-programa> acesso em 13 de julho
de 2015

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“Sua vivência na rua, como sua profissão de coletor de materiais recicláveis, se faz presente em
suas composições. Edison traz a ideia de reciclagem estilística e sonora para as suas composições,
através de uma liberdade harmônica, melódica e rítmica.” (Revista Vocare, 2013, p. 16)
Por quase não terem instrumentos para uso, os vocacionados “improvisam” suas
experiências, principalmente utilizando a tecnologia disponível nos computadores dos CEUs.
A composição musical coletiva de diversos grupos só foi possível através do uso de softwares
de música. Esta nova modalidade digital musical proporcionou uma extensa produção aos
vocacionados, principalmente para os interessados no RAP8.
Acompanhando uma orientação de Fernando Diniz, no extremo sul de
São Paulo. Ele buscou aproximar a música das realidades vividas por
seus vocacionados em suas comunidades, trazendo para a orientação
três canções que se relacionam com o trânsito caótico vivenciado
diariamente na estrada M’ Boi Mirim: A ponte (Lenine e GOG), Da
ponte pra cá (Racionais MCs) e Triunfo (Emicida). (Revista Vocare,
2013, p. 64)
Os vocacionados participam não apenas de composições de novas músicas, mas
aprendem um pouco da chamada “Cultura remix” tão comum na criação musical do RAP.
Desta forma ressignificam a cultura periférica a partir de seus olhares experiências e histórias
de vida. Seja uma produção nova para o movimento Hip Hop de São Paulo, seja uma canção
do coral das senhoras da terceira idade de uma biblioteca, seja o grupo de adolescentes que
tocam violões nas tardes após a escola, o Vocacional atua com poucos equipamentos mas com
muita criatividade. O programa busca em cada vocacionado a nova música do fundo da alma
e com seu tom territorial. A música urbana de São Paulo ganha novas possibilidades ao ser
pensada como processo dialógico de troca cultural e empoderamento periférico. O mesmo
empoderamento social e identitario que Prudencio buscou em seus meninos da Orquestra de
Instrumentos Nativos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas públicas de música no Brasil, mais especificamente em São Paulo, assim
como mostrou Cergio Prudencio, deveriam não apenas pensar em alternativas e novos modos de
incentivar a musicalização, mas sim buscar meios de otimizar equipamentos, ampliar o diálogo
entre os programas dos diferentes entes federados, bem como pensar em novos modos de
produção musical, com a inclusão da produção digital de música num projeto mais conservador
como o Guri.

8
O RAP (Rhythm and Poetry) é um dos quatro elementos do movimento Hip-Hop que se completa com outras
linguagens como a dança dos B-Boys, o improviso e a arte dos MCs e o grafite. O movimento Hip-Hop paulistano
é conhecido com um dos mais importantes do país.

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As experiências de musicalização em São Paulo, mais especificamente do Programa


Vocacional Música e do Projeto Guri, ainda que tragam olhares, ideologias e métodos diferentes,
buscam a musicalização como processo coletivo. Ainda que uma preze pela excelência musical
e a outra pelo empoderamento social a partir da música, ambas tem pontos de diálogo na
musicalização em grupo.
Fica claro que as maiores barreiras para que este diálogo concreto entre os dois
programas ocorra não são espaciais, mas sim políticas e burocráticas. As condições de diálogo
são favorecidas pelo compartilhamento de espaço, mas seus gestores, enquanto funcionários de
instituições públicas de diferentes vertentes partidárias, nada podem fazer para que este diálogo
artístico ocorra. Neste mundo contemporâneo em que as diferenças políticas estão acima das
necessidades públicas quem realmente perde são os participantes dos dois programas, que
poderiam juntos criar um novo e rico movimento musical na cidade com a maior diversidade
artística da América do Sul.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Mario. Me esqueci completamente de mim sou um departamento de cultura. Organizadores


Carlos A. Calil e Flavio Penteado. São Paulo: Imprensa oficial, 2015.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. 5ª ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2010 [1963].
CALABRE, Lia. Políticas culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2009.
CARICOL, Kassia. Panorama do ensino musical. 2013. Disponivel em: < http://www.amusicanaescola.
com.br/pdf/PanoramaEnsinoMusical.pdf > acesso em 10 de julho de 2015.
LOPEZ, Luiz Roberto. Cultura brasileira: de 1808 ao pré-modernismo. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1995.
MEIRA, Marcio Augusto Freitas de. Para uma política pública de cultura no Brasil. Ministério da Cultura.
São Paulo. 2004. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2004/07/01/para-uma-politica-publica-
de-cultura-no-brasil-por-marcio-augusto-freitas-de-meira/ > acesso em 02 de julho de 2015.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2003.
PRUDENCIO, Cergio. Hay que caminar sonando. La Paz: Artelibro,2010.
VOCARE. Revista do Programa Vocacional. Ano 3. Sec. Educação & Sec Cultura. São Paulo: Serrano,
2013.
_______, Revista do Programa Vocacional. Ano 4. Sec. Educação & Sec. Cultura. São Paulo: Windgraf,
2014.
WISNIK, José Miguel. Getúlio da paixão cearense, Villa-Lobos e o Estado Novo. IN: Música. Coleção
O nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2004.

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A POLÍTICA CULTURAL DO EXÉRCITO


Iracema A de Alencar1

RESUMO: Considerando que o Exército se afasta do campo político, a partir da Constituição


de 1988, a instituição buscará novas áreas de atuação e, principalmente políticas de aproximação
com a Sociedade. Na perspectiva aqui adotada uma das áreas mais profícuas para estabelecer
essa aproximação será a cultura e, a educação, como meio de qualificação do seu corpo
profissional, que atuará em uma nova dinâmica relacional. Por isso, faremos um breve estudo da
política cultural do Exército implementada, a partir dos anos ‘90 e que constituirá um verdadeiro
espaço de fronteira, considerando todas as articulações e possibilidades de projetos e formações
identitárias que este propiciará.

PALAVRAS-CHAVE: Política Cultural, Exército Brasileiro, Identidade, Fronteira, Ensino

As Forças Armadas se organizaram no período do Congresso Constituinte, para manter


o dispositivo constitucional que lhes assegurasse, além da defesa da pátria e dos poderes
constitucionais, a incumbência da manutenção da lei e da ordem, que significou a sua própria
identidade, pois estava intrinsecamente ligada à autonomia institucional constituída e a seu
papel no sistema político. Ou seja, a Constituição de 1988 reconheceu a necessidade histórica e
militar das Forças Armadas e, por outro lado, a sociedade civil lhe concedeu grande autonomia,
ficando à parte das questões relativas à temática militar.
Na Constituição de 1988 a representação política da nação reconhece a necessidade
histórica e militar das Forças Armadas, mas o Poder Legislativo pouco se ocupa de tudo que
diga respeito ao aparelho militar e à defesa nacional. Quando o faz substantivamente encontra-
se, em geral, na dependência de iniciativas do executivo; quando opera no plano da generalidade,
prende-se a uma visão equivocada do aparelho militar como provedor de atendimento social. A
sociedade civil, o governo e o legislativo relegam o aparelho militar ao seu próprio cuidado, como
se os temas militares fossem “coisas de milico”, não merecendo um tratamento efetivamente
nacional (OLLIVEIRA, p.3).
Uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores Samuel Alves Soares e Eliezer
Rizzo, quanto à opinião de parlamentares e militares ao que tange essa questão seria a teoria da
1
ALENCAR, Iracema A de. Mestre em História Comparada (PPGHC) - UFRJ. Email - 1ten.iracema@gmail.com

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inexistência de risco iminente. Em uma visão funcionalista, muitos parlamentares consideram


que não se pode reconhecer uma alta prioridade às questões militares quando inexistem
ameaças de guerra. Não havendo ameaças, ou não sendo percebidas enquanto tais, elas não se
transformam em questões políticas; portanto não sensibilizam os partidos e os eleitores. Por não
fazerem parte do cotidiano do sistema político nem de suas preocupações de médio prazo, os
temas militares não chegam até a opinião pública, não fazem parte das agendas eleitorais e não
dão voto aos candidatos nem aos partidos.
A falta de uma questão perceptível de defesa nacional, apresentada pela suposta falta de
risco iminente, desobriga o sistema político a pensar além dos termos imediatos. Porém, este
círculo vicioso simboliza também a percepção que os militares têm de sua própria condição:
funcionários públicos dedicados, mas não reconhecidos, cuja missão externa (a defesa do país
contra um inimigo estrangeiro) é mal percebida e cuja dimensão da missão interna (a defesa do
país contra o inimigo interno – instituições ou grupos que interfiram na lei e na ordem do país)
é mal acolhida, embora estimulada em situações de crise política.
As Forças Armadas são instituições de natureza política, pois o Estado é entidade política
e as Forças se destinam a apoiá-lo na implantação ou defesa de suas políticas, a serviço da
sociedade. Essa condição de figuras políticas faz com que a existência, o preparo e o emprego
das Forças Armadas dependam fundamentalmente da vontade da sociedade manifesta através
dos seus canais de influência política e da decisão do Estado de as usarem como instrumento
para defender e ter segurança, para defender e dar segurança à Sociedade, para sobreviver e
se impor, mesmo em condições adversas; dependem enfim da existência de claros objetivos
políticos, sem os quais não é possível legitimar o uso da força (FLORES, 28-35).
Ressaltamos, porém, que a visão da inexistência de um “perigo iminente” leva a Sociedade
e o Estado a uma perspectiva apática em relação à defesa nacional e a não produção de projetos
solidários, causando uma redução da mística que sustenta as Forças Armadas: sua neutralidade
sociopolítica, sua coesão interna e sua articulação com a Sociedade. Outro caso seria o conceito
de integridade ou de soberania nacional que perdera o apelo e consistência2.
Uma situação assim caracterizada não sensibiliza a Sociedade em relação à defesa
nacional e às Forças Armadas, induzindo, concomitantemente, à perda de confiança mutua entre
a Sociedade e as Forças Armadas e à emersão de dúvidas na Sociedade quanto à razão de ser
das Forças Armadas. As quais comandadas pelo natural instinto corporativo de autodefesa, são
propensas a não reconhecer a sociedade e o Estado como inspiração e guia das instituições

2
Neste caso vemos claramente a ação de Organizações Não Governamentais e Laboratórios Farmacológicos In-
ternacionais divulgando, via internet, campanhas de defesa do território da Amazônia como área livre de interesse
mundial. Alegando, além de sua diversidade biológica, a não condição do governo brasileiro em implementar polí-
ticas de proteção desta área do nosso território.

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militares. Resulta, naturalmente, destes fatos certa orfandade funcional e a consequente


propensão para o aumento da autonomia corporativa militar.3
No entanto, essas percepções encontram abrigo na estrutura estatal que não foi corretamente
equacionada na Constituição de 1988 no tocante às missões militares, à natureza das Forças
Armadas e à direção política sobre elas. Nada está previsto no plano da corresponsabilidade do
Executivo e do Legislativo, mas tudo conduz a uma acomodação entre Forças Armadas e esses
poderes. Em resumo, cabe exclusivamente ao presidente da República, comandante supremo
das Forças Armadas, deliberar sobre seu emprego derivado de declaração de guerra apreciada
pelo Legislativo (art. 84, XIX, da Constituição) e para a garantia dos poderes constitucionais, da
lei e da ordem no plano nacional (Lei complementar n° 97/99). Quanto ao Legislativo, além de
deliberar sobre os recursos orçamentários destinados às Forças Armadas, cabe-lhe a iniciativa
não exclusiva do referido emprego militar no plano nacional, a deliberação sobre a decretação
do Estado de Defesa (art. 136, SS 4° a 6°), a constituição de comissão de acompanhamento para
fiscalizar a execução do Estado de Sitio ou Estado de Defesa (art. 140) e a autorização para a
declaração de guerra e a celebração da paz (art. 84, XIX e XX).
A ausência de um projeto que pudesse ser entendido como nacional, ao contrário do
vigente durante os anos de governos militares, em boa medida ajuda a explicar a crise de
identidade enfrentada pelos militares brasileiros. Noutros termos, a indefinição de como e para
que deveria estar estruturada a Instituição Militar, simultaneamente ao desinteresse dos governos
civis em definir, em virtude dos interesses nacionais, quais eram as questões de projeção e de
defesa em nosso país, são fatores que seguramente ajudaram a sedimentar a aludida crise.
No entanto, durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995-1998), a definição prática de uma missão militar de ordem interna por parte do presidente
da República, ao lado do consentimento das Forças Armadas – sobretudo o Exército – em
efetuarem missões desse tipo, constituem a nosso ver um autêntico turning point. Em nossa
perspectiva, isso levou ao início da superação da crise de identidade militar e à construção de
um novo tipo de influência por parte dos quartéis.
Diante deste cenário o Exército Brasileiro, a partir dos anos ’90 inicia um processo
permanente de atuação no campo da cultura. É claro que desde o século XIX havia a preocupação
com a cultura, no que tange a preservação da memória da instituição. Podemos dizer: que o Museu
do Exército, inaugurado em 1865; a fundação em 1881 da Biblioteca do Exército; a criação
em 1882 da Revista do Exército Brasileiro; a criação da Revista Defesa Nacional, em 1913 e a
fundação do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, em 1934, foram os acontecimentos
que marcaram os primórdios da atuação na área cultural, no âmbito da Força Terrestre.

3
Vale lembrar que a autonomia é uma tendência inerente às organizações lineares e burocratizadas civis e militares,
constituindo-se em permanente desafio para o controle político. Ela não é, portanto, um problema apenas militar.

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A Diretoria de Assuntos Culturais, Educação Física e Desportos – DACED, criada em


31 de março de 1980, pelo decreto nº 84.608 daria assistência aos assuntos culturais no que se
relaciona às áreas de museologia, arquivologia, historiografia e biblioteconomia, pois tornava
o Museu Histórico do Exército, criado pela portaria nº 061 de 1986 e instalado no Forte de
Copacabana, um importante ponto turístico do Rio de Janeiro e sede do Arquivo Histórico do
Exército, que possui um valioso acervo de fontes primárias acerca da História do Brasil.
Mas somente na década de 90 implementou-se uma política autônoma da instituição,
projetando a área cultural de forma mais evidente, dedicando-se exclusivamente à preservação
e a difusão do acervo, que compõe o patrimônio histórico do Exército, à pesquisa da História
Militar e à manutenção dos valores que norteiam a Instituição. Assim, pelo decreto presidencial
nº 99.735, de 27 de novembro de 1990, a DACED foi transformada em Diretoria de Assuntos
Culturais (DAC), desvinculando-se esse território da área de educação física e desportos, atuando
como órgão técnico-normativo da cultura militar do Exército Brasileiro.
A partir deste novo horizonte torna-se fundamental a criação de uma diretoria totalmente
voltada para a cultura e suas áreas de influência, como a museologia, a pesquisa e o mercado
editorial. Antes a cultura era vista como mera mantenedora da história da Instituição, com os
históricos das Organizações Militares, história de seus patronos e, em datas comemorativas, a
organização de algum tipo de exposição do seu acervo “histórico”.
A Diretoria de Assuntos Culturais vai de encontro aos novos rumos sociedade brasileira,
que, a partir do final da década de 90 desenvolve várias frentes de valorização e incentivo à
cultura nacional, como criação de leis de incentivos fiscais, implantação de projetos e avaliação
de cursos de nível superior e de pós-graduação, no intuito de qualificar mão-de-obra para as
novas tecnologias do mercado. Inserida no Departamento de Ensino e Pesquisa, a Diretoria
de Assuntos Culturais será responsável pela aproximação do Exército aos novos campos do
conhecimento e, consequentemente, do poder.
Na atualidade a temática do patrimônio cultural continua relacionada à questão das
identidades, mantendo a referência ao pertencimento nacional. A instituição Exército Brasileiro,
em vários documentos, se coloca como detentora do patriotismo e valores cívicos do país.
Segundo José Murilo de Carvalho os militares se sentem os “donos absolutos do patriotismo e
credores da gratidão da pátria”. Em seu artigo “O cólera das legiões” ele faz uma breve análise
do posicionamento dos militares diante da nova configuração política do país desde o início dos
anos 90. Neste contexto, segundo ele, os civis admitem a necessidade e a importância das forças
armadas, mas as querem sob a supervisão democrática e adaptadas às circunstâncias do país e
do mundo (CARVALHO, 356-358).

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1. POLÍTICA CULTURAL DO EXÉRCITO


Segundo Mario Chagas a ação política invoca a memória, seja para afirmar o novo, seja
para ancorar o passado na experiência que se desenrola no presente. É esta ação que faz coincidir
memória, identidade e representação nacional. As instituições que tratam da preservação e da
difusão do patrimônio material e imaterial articulam e se tornam, concomitantemente, campos
discursivos, centros de interpretação e arenas politicas.
A memória política ao ser invocada reconstitui o tempo passado, mas faz dele uma leitura
influenciada pelas experiências daquele que lembra. Essa memória é construção que se atualiza
no presente e projeta-se para o futuro. Para atualizar-se e projetar-se de um tempo em outro
a memória lança mão de diversas fontes, com intenção pedagógica, um desejo de articulação
entre os que foram e os que vieram depois, uma vontade de formar e produzir continuidades. É
possível recortar o passado, conferindo-lhe um sentido atualizado, rearticulado no contexto, e
dotado de significado (CHAGAS, 137-139).
O Sistema Cultural do Exército (SCEx) definido pela Portaria n° 615 do Estado Maior do
Exército, de 29 de outubro de 2002, é formado por todos os comandos em todos os níveis (todas
as unidades militares são parte do sistema). Ele tem por finalidades a coordenação da execução
dos objetivos culturais e o estabelecimento de um canal técnico entre os diversos comandos
militares. O SCEx atuará alinhado com o Sistema de Comunicação Social e com o Sistema de
Ensino. Cabe ao Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), por intermédio da
Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEx), a responsabilidade pelas
atividades culturais no Exército Brasileiro. Ainda fazem parte do Sistema Cultural do Exército
a Fundação Cultural do Exército, a Biblioteca do Exército, o Arquivo Histórico do Exército e o
Centro de Comunicação Social do Exército.
Os objetivos do Sistema Cultural do Exército são:
1) Participar do desenvolvimento cultural do país, como integrante do Sistema
Cultural Nacional.
2) Estabelecer novos laços culturais e ampliar os já existentes, tanto no País como no
exterior.
3) Projetar a imagem do Exército a partir dos seus valores culturais.
4) Divulgar as realizações da Instituição nos campos da obtenção do conhecimento,
das artes e das manifestações comportamentais.
5) Preservar, restaurar, recuperar e divulgar o patrimônio material histórico, artístico e
cultural do Exército.
6) Incentivar a preservação das tradições, da memória e dos valores morais, culturais e
históricos do Exército.

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7) Estimular, no público interno, o interesse pela preservação do meio-ambiente e pela


melhoria da qualidade de vida.
8) Maximizar a difusão, nos públicos internos e externos, de sentimentos de
nacionalidade, patriotismo, amor fraterno e mútua compreensão social.
9) Incentivar os procedimentos destinados ao enaltecimento dos feitos e dos vultos
importantes da vida nacional.
10) Promover a preservação do patrimônio imaterial de interesse para o Exército.
Observamos que em vários pontos do Sistema Cultural do Exército tem-se a preocupação
latente de preservação do patrimônio cultural do Exército como parte integrante da história do
país, preservação de valores culturais formadores de nossa nacionalidade e patriotismo. Além
disso, sempre em aproximação, ou melhor, como formador da sociedade brasileira. O destaque
dado a esses temas pode ser interpretado como uma estratégia de exercício de poder no campo
da cultura imaterial e da história do país.
O sistema cultural do Exército possui uma política de ação que regula principalmente as
atividades culturais, com destaque para as em negrito, que devem:
a. ser conduzidas para incidir, positivamente, na motivação e na coesão dos Quadros
e para manter a boa imagem da Instituição, junto à população brasileira;
b. ser direcionadas para facilitar o cumprimento da missão constitucional do Exército e
consentâneas com as características próprias da atividade-fim da Força Terrestre;
c. estimular os públicos externo e interno a conhecer e valorizar os feitos da nossa
História Militar, incentivando o culto aos símbolos da Pátria e aos heróis nacionais; e
d. fomentar o desenvolvimento cultural no âmbito do Exército Brasileiro, buscando:
1) elevar o nível cultural dos quadros;
2) incutir nos quadros os conceitos positivos, já mencionados, da modernidade resultante
da evolução social, intelectual e comportamental da humanidade
3) preservar os atributos éticos e os valores que devem ornar o caráter dos militares e
da própria instituição militar;
4) preservar a memória e o patrimônio histórico, artístico e cultural do Exército;
5) apoiar a criação e a difusão das manifestações e dos bens culturais;
6) firmar convênios para obter recursos destinados aos projetos culturais;
7) interagir os militares do Exército com as demais Forças Armadas e com a
sociedade em geral, por meio do estreitamento dos laços culturais;
8) aperfeiçoar a Doutrina Militar Terrestre por intermédio da pesquisa da nossa História
Militar; e
9) ampliar o nível de conhecimentos sobre a conjuntura internacional e a História de
outros povos, por intermédio de intercâmbios culturais com países amigos.

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É fundamental destacar que consta na portaria do Sistema Cultural do Exército como


principais funções:
“b) Prever, em simultaneidade com as ações de preservação do
patrimônio, pesquisa histórica e divulgação, mecanismos de influência
intelectual sobre o público interno e externo, num processo contínuo
de desenvolvimento e aperfeiçoamento de mentalidade coerentes
com a realidade social do País e com a evolução da humanidade. c)
O Exército é parte da Sociedade Brasileira, por ela criado e nutrido, e
para ela são dedicadas as suas ações. Por conseguinte, a harmonia entre
as entidades militares e as civis deverá ser total, com seus integrantes
interagindo em ambiente de cortesia recíproca e irmanados, para atingir
os anseios do povo brasileiro.” (ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO.
Portaria n°615 de 29/10/2002, grifos nosso)
Dentro deste contexto de inserção do Exército no campo cultural, a Diretoria de Assuntos
Culturais, criada em 1990, será o órgão normativo que irá atuar diretamente nesse processo de
aproximação com a sociedade civil através da cultura. Suas principais funções serão de estímulo
à elaboração de projetos, produção de normas e controle das atividades para preservação, difusão
e controle do patrimônio histórico, artístico e cultural do Exército; qualificação dos quadros
no âmbito cultural; fiscalização e execução de programas e atividades culturais; dinamização
de trabalhos do Conselho de Assessoramento Cultural e coordenação de sua ligação com o
Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e com a Academia de História
Militar Terrestre do Brasil (AHMTB); interagir com a Fundação Cultural Exército Brasileiro
no desenvolvimento de projetos e/ou atividades culturais de interesse da Força e elaboração do
Plano Básico de Cultura do Exército.
A partir desta breve análise da legislação pertinente à Política Cultural do Exército e ao seu
Sistema Cultural podemos identificar o esforço do Exército Brasileiro em buscar um espaço no
cenário cultural nacional. O Exército se reconhece como fundamental na dinâmica da vida do país
e compreende a proficiência do Sistema Cultural como canal perene e fértil de sua comunicação
com outros setores da Sociedade Brasileira, em particular com as demais Forças e com o Sistema
Internacional. Além disso, vê a atividade cultural como influente estímulo ao patriotismo e ao
orgulho pela nacionalidade, pois como parte da História do país possui um rico patrimônio histórico
e artístico cultural nas organizações militares (OM), que devem ser divulgados.
Além disso, como a própria portaria que regula o Sistema Cultural do Exército define,
os objetivos de suas ações são de prever, em simultaneidade com as ações de preservação do
patrimônio, pesquisa histórica e divulgação, “mecanismos de influência intelectual sobre o
público interno e externo, num processo contínuo de desenvolvimento e aperfeiçoamento
de mentalidade coerente com a realidade social do País e com a evolução da humanidade.
O Exército é parte da Sociedade Brasileira”, por ela criado e nutrido, e para ela são dedicadas

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as suas ações. Por conseguinte, “a harmonia entre as entidades militares e as civis deverá
ser total”, com seus integrantes interagindo em ambiente de cortesia recíproca e irmanados para
atingir os anseios do povo brasileiro. (ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO. Portaria n°615 de
29/10/2002. Grifo nosso)
A preocupação em criar uma diretoria voltada para cultura é interpretada por nós como
um projeto de aproximação, melhor, ocupação de um espaço na sociedade brasileira ligado
no campo cultural. As medidas tomadas por essa diretoria e os vários convênios firmados são
resultados dos contatos das tradições castrense e civil. A preocupação em estabelecer uma
imagem acadêmica e científica é o resultado da bricolage dos elementos destas duas tradições. Ou
melhor, há no Exército a busca por um perfil mais próximo dos centros de cultura, estabelecendo
diretrizes e novos valores para o ensino e a cultura castrense.
Vemos claramente todas essas ações como esforços de participar do desenvolvimento
cultural do país, como integrante do Sistema Cultural Nacional. De maneira a projetar a
imagem do Exército a partir dos seus valores culturais. Entendemos essa projeção de imagem
como uma atualização de sua identidade cultural, adequando-se aos novos tempos. Uma vez
que consideramos que a identidade é construída a partir das relações e não estritamente de sua
organização institucional, o campo cultural será formador de fronteiras, em que as relações com
a sociedade civil se estabelecerão possibilitando a atualização de sua identidade, a partir das
apropriações de novos elementos.

2. CONCLUSÃO
A partir dessas breves considerações sobre a legislação pertinente à Política Cultural do
Exército e ao seu Sistema Cultural podemos identificar o esforço do Exército Brasileiro em buscar
um espaço no cenário cultural do Brasil. O Exército se reconhece como fundamental na dinâmica
da vida do país e compreende o Sistema Cultural como canal perene e fértil de sua comunicação
com outros setores da Sociedade Brasileira, em particular com as demais Forças e com o Sistema
Internacional. Além disso, vê a atividade cultural como influente estímulo ao patriotismo e ao
orgulho pela nacionalidade, pois como parte da História do país possui um rico patrimônio
histórico e artístico cultural nas organizações militares (OM), que devem ser divulgados.
Além disso, como a própria portaria que regula o Sistema Cultural do Exército define,
os objetivos de suas ações são de prever, em simultaneidade com as ações de preservação do
patrimônio, a pesquisa histórica e a divulgação, mecanismos de influência intelectual sobre o
público interno e externo, num processo contínuo de desenvolvimento e aperfeiçoamento
de mentalidade coerente com a realidade social do País e com a evolução da humanidade.
O Exército é parte da Sociedade Brasileira, por ela criado e nutrido, e para ela são dedicadas
as suas ações. Por conseguinte, a harmonia entre as entidades militares e as civis deverá

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ser total, com seus integrantes interagindo em ambiente de cortesia recíproca e irmanados para
atingir os anseios do povo brasileiro.
Vemos claramente todas essas ações como esforço de participar do desenvolvimento
cultural do país, como integrante do Sistema Cultural Nacional. Com isso, procura-
se projetar a imagem do Exército a partir dos seus valores culturais. Entendemos essa
projeção de imagem como uma atualização de sua identidade cultural, adequando-se aos novos
tempos, uma vez que consideramos que a identidade é construída a partir das relações e não
estritamente de sua organização institucional. A identidade cultural do Exército está expressa
como consequência e não como um objeto dado. Sua formação é a partir do patrimônio material
e imaterial, e como uma consequência dele. A Instituição em determinado momento de seu
desenvolvimento, o elege como elemento que deve ser conservado como valor que transcende
seu simples uso (ARJONA, 11-19).
A aproximação com os espaços civis de cultura e seus projetos, que influenciaram
diretamente na política cultural do Exército, estabeleceu espaços de fronteiras.
As fronteiras são os lugares onde as comunidades são diásporas e os limites não
imobilizam, mas, curiosamente, são atravessados. Frequentemente, é nas regiões fronteiriças que
as coisas acontecem: a hibridez e a colagem são algumas das expressões usadas para identificar
qualidades nas pessoas e em suas produções (BARTH, 1969).
O conceito de fronteira nos remete a outras possibilidades de análise do processo de
construção da política cultural do Exército. Ao considerar as relações estabelecidas entre o
Exército e as instituições culturais civis um espaço de fronteira é preciso dizer que esta interseção
conduz a uma nova identidade da instituição, ou seja, para nós sua identidade é fluida e se
estabelece a partir de suas relações e não estritamente sua organização institucional.
Nesta perspectiva, a criação de um órgão para gerenciar e normatizar a cultura do
Exército foi fundamental na aproximação com a sociedade civil. O projeto seria a apropriação de
elementos da política cultural das instituições civis, no intuito de construir uma nova identidade
cultural do Exército Brasileiro. A partir desta nova identidade a instituição ocuparia uma posição
mais dinâmica no cenário sócio-político do país. A construção desta identidade está sendo feita
a partir dos esforços em modificar o ensino, modernizando-o, pois, como mencionamos, para
ter seu discurso reconhecido é necessário que ele seja proferido por agentes qualificados, pois
só assim tornar-se-á legítimo no campo em que busca exercer o poder. A superação da perda
do espaço político pelo ganho do espaço cultural será base de todo esse processo de formação
de fronteiras, inserção de novos elementos em sua cultura, construindo uma teia de princípios
norteadores de uma nova identidade, cujos interesses principais serão os da construção de uma
memória associada à valorização da cultura e do ensino.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LEGISLAÇÃO
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,
1988.
DECRETO PRESIDENCIAL nº 99.735, de 27 de novembro de 1990.
ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO. Portaria n°615 de 29 de outubro de 2002.
___. Decreto nº 84.608, de 31 de março de 1980.
___. Portaria nº 061 de 19 de dezembro de 1986.
LEI COMPLEMENTAR n° 97 de 9 de junho de 1999.

LIVROS E ARTIGOS
ARJONA, Marta. Patrimônio cultural e identidade. Havana: Editorial Letras Cubanas, 1986.
BARTH, F. Ethnics Groups et boundaries. The social organization of culture difference. Bost: Little
Brown, 1969.
CARVALHO, J. M. Pontos e Bordados. Escritos de História e Política. Minas Gerais: UFMG, 1999.
CHAGAS, M. Memória política e política de memória. In: ABREU, R. e CHAGAS, M. Memória e
Patrimônio: Ensaios Contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina, 2003. p. 137-166.
FLORES, Mário César. Bases para uma política militar. São Paulo: UNICAMP, 1992.
OLLIVEIRA, Eliezer Rizzo. O presidente, o congresso e a defesa nacional. Correio Popular, 25-6,
1996.

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PORQUE A CULTURA É UMA POLÍTICA SETORIAL?


Irmina Anna Walczak1
Frederico Augusto Barbosa da Silva2
Juliana Veloso Sá3

RESUMO: O campo das políticas públicas tem como um dos seus desafios a multiplicação
das fontes e aumento dos seus recursos e, para tal, aguarda definições a respeito de vinculação
constitucional de recursos tributários. O texto que segue discute outra parte do desafio do
financiamento que é a organização da sua gestão. Também discute a necessidade de consolidação
de um orçamento único por esfera de governo, a definição de fundos próprios sob a deliberação
de conselhos de cultura setoriais. Para tal, vislumbra a também necessária discussão do escopo
de financiamento da cultura, sua abrangência e de classificações orçamentárias adequadas a
processos de deliberação e accountability.

PALAVRAS-CHAVE: políticas culturais, financiamento, políticas setoriais.

1. INTRODUÇÃO
A cultura é fluida, móvel e localizada no tempo e no território. Pode-se dizer que seus
dinamismos não são abstratos e nem anteriores às relações sociais e institucionais, mas que são
constitutivos, isto é, se expressam ou que são dimensões das relações cotidianas, estas, por sua
vez, mais ou menos formais ou institucionais.
Nossa intenção é explorar a cultura como objeto de política pública. Evidentemente, a
cultura seguirá sua trajetória de forma inabalável, continuará fluida, móvel e localizada, inde-
pendentemente do que possamos dizer. Continuará sendo parte das instituições e do cotidiano.
Continuará sendo dimensão ou adjetivando a economia (economia da cultura), a política (cultura
política, cidadania cultural) e o simbólico (artes, culturas comunitárias e identidades coletivas)
ou permanecerá em suas formas objetivas e subjetivas. Nada do que possamos dizer demoverá

1
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília, Assistente de Pesquisa do Ipea. irminawalczak@
gmail.com
2
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesqui-
sa Econômica Aplicada (IPEA) e professor do Mestrado em Direito e Políticas Públicas, UNICEUB/Brasília. fred-
erico.barbosa@ipea.gov.br
3
Mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília, Assistente de Pesquisa do Ipea. jvelososa@gmail.com

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a cultura dos seus caminhos. Entretanto, gostaríamos de manter a ideia de cultura como objeto
de política pública, mas também discutir um sentido literal para as políticas culturais setoriais.
Queremos asseverar exata e literalmente o que significa dizer que as políticas culturais
são parte de uma política setorial. Em nossa discussão propomo-nos a enfrentar um conjunto de
questões e articulá-las em torno de saber como as políticas públicas funcionam. Assim, ao que
parece, ao resolvermos essa discussão, resolvemos uma parte de problemas que tem interesse
intrínseco para os atores, mas que são falsos problemas, pelo menos na perspectiva muito parti-
cular na qual pretendemos elaborá-los. Antes de tentar resolver o problema é necessário formu-
lá-lo de forma mais definida. Não desejamos voltar à discussão dos conceitos de cultura, por ser
em grande parte já reconhecida, mas passamos por duas abordagens, legitimismo e pluralismo
que nos permitirá uma primeira aproximação do tema da política cultural como política setorial,
autônoma e especializada.

2. ESCOPO DAS POLÍTICAS CULTURAIS - LEGITIMISMO E PLURALISMO


O campo da cultura mantém-se em movimento e constante transformação, o que reper-
cute nas relações entre cultura e Estado. Da mesma forma, o conceito de cultura é um produto
histórico e apresenta uma diversidade de sentidos, que vão se transformando ao longo da histó-
ria em função dos referenciais de política e das relações de força dos atores envolvidos.
É possível compreender a cultura como o conjunto das artes, um sistema de significados
e valores ou um modo de vida4– em uma abordagem sintética. Quaisquer das ideias modernas
de cultura sublinham a capacidade humana de compreender e de construir uma ordem social.
Pode-se associar cada modalidade de política pública a um conceito de cultura, a objeti-
vos específicos e a determinados instrumentos de intervenção. Se tomarmos como exemplo as
políticas de produção e difusão cultural nas modalidades de políticas de democratização cultural
e políticas de democracia cultural, a primeira concebe cultura no sentido das artes legitimamente
reconhecidas, as belas artes (teatro, ópera, museu, etc.). A segunda modalidade está estreitamen-
te ligada a uma concepção de cultura como modo de vida, próxima do sentido antropológico,
plural e cotidiana.
Além de partir de conceitos distintos, os objetivos e instrumentos priorizados em cada
tipo de política cultural citado também se diferem. Políticas de democratização cultural visam
ampliar o acesso à cultura consagrada. Para isso, se valem de instrumentos de intervenção como
equipamentos culturais voltados para a difusão da “alta cultura”, orquestras públicas e eventos
artísticos com entrada subsidiada. As políticas de democracia cultural buscam apoiar a produção
simbólica de segmentos sociais diversos. Seus instrumentos de política são, por como indicado

4
Williams, Raymond. Marxism and literature. Oxford, New York: Oxford University Press, 1978, p.13.

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por Lima (2013) o fomento à cultura popular e comunitária5. Acrescentamos que a discussão a
respeito da democracia cultural, políticas culturais de vizinhança, política culturais comunitárias
carecem de discussões mais elaboradas. Muitos são os instrumentos de para a cultura popular e
comunitária, se consideramos as comunidades afrodescendentes, ribeirinhos, extrativistas etc.,
o fomento será um instrumento limitado.
Seja como for, considerando a ideia de cultura legítima e pluralista, também podemos
ter diferentes modalidades de políticas culturais, mas nos limitamos, por economia, aos tipos
diretamente marcados6. Uma modalidade de política está orientada para a promoção do acesso à
cultura legítima a um maior número de pessoas, para que esse tipo de produção não se mantenha
restrito às elites. A outra, que se originou de críticas dirigidas à democratização, reconhece que
existe uma pluralidade de produções culturais, sejam elas populares ou comunitárias, que são
igualmente legítimas e importantes, e que é um direito participar desses processos culturais.
No Brasil, os direitos culturais, de acordo com a Constituição de 1988, referem-se ao
direito de produzir, fruir, transmitir bens e produções culturais e reconhecer formas de vida7. Vol-
taremos a essa questão à frente. Por enquanto, assinalamos que não apenas as artes mas também
a cultura do cotidiano são objetos de política cultural, ou seja, as formas e condições de vida,
as formas de participação, expressão e criatividade no contexto social – concepção essa que se
aproxima daquela de cunho antropológico e converge com as políticas de democracia cultural.
As ações públicas produzem referencias setoriais na medida das relações e representações
produzidas pelos atores. Alguns recolocam as questões e modificam os sentidos propostos pela
Constituição, propondo novos instrumentos de ação e focos. Essas proposições tanto significam
ajustamentos como antecipações de novos sentidos, nem sempre compartilhados em paradigmas
de políticas, mas articulando novas significações, foi o que aconteceu com a proposta da Agên-
cia nacional do Cinema (ANCINE), com a criação do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e
com o Programa Arte Cultura e Cidadania-Cultura Viva. Mudanças de paradigmas nas políticas
culturais trazem consigo mudanças de concepção da cultura, outros objetivos e instrumentos a
serem mobilizados. Mas a presença de paradigmas diferenciados não implica na substituição de
um por outro. Muitas vezes paradigmas relativamente incomensuráveis coexistem.
Legitimismo e pluralismo como constitutivos de referenciais alternativos de políticas
culturais mantêm estreita relação com duas abordagens a respeito das práticas culturais. Ambas

5
Lima, Luciana Piazzon Barbosa; Ortellado, Pablo; Souza, Valmir de. “O que são as políticas culturais? Uma
revisão crítica das modalidades de atuação do estado no campo da cultura”. Anais do IV Seminário Internacional
Políticas Culturais – Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2013, p.5.
6
Passeron, J. O raciocínio sociológico – o espaço não popperiano do raciocínio natural, editora Vozes, Petrópolis,
RJ, 1995.
7
Barbosa, Frederico et al. “A Constituição e a Democracia Cultural”. Políticas Sociais – acompanhamento e aná-
lise nº 17. Brasília, Ipea, vol. 2, 2009, p.227-281, pg. 239.

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pautam-se na ideia de que as práticas culturais se relacionam com processos de socialização


referindo-se a disposições incorporadas, ou habitus, que vem a ser um conjunto de saberes e
fazeres incorporados, “estruturas interiorizadas, esquemas comuns de percepção, de concepção
e de ação”8.
De acordo com a vertente legitimista, o acesso aos bens de cultura de maior legitimidade
requer disposições adequadas para reconhecê-los e apreciá-los. As instituições culturais, junta-
mente com a escola e a família, seriam as principais responsáveis por desenvolver no público as
competências necessárias para fruir determinados bens e, assim, universalizar o acesso a eles. Vê-
-se logo a semelhança com as premissas da democratização cultural. Com caráter marcadamente
macrossociológico, a abordagem legitimista mostra sua relevância nas análises estatísticas, em
que o maior número de consumidores de cultura está entre aqueles com maior grau de escolari-
dade e maior renda, em outras palavras, maior capital cultural e econômico, considerando grande
parte das práticas culturais, como a ida a teatros, danças, cinemas, museus, etc9.
Em convergência com a democracia cultural, o disposicionalismo pluralista reconhece
a pluralidade de práticas realizadas pelos indivíduos, a multiplicidade de interesses e de formas
de engajamento nas práticas culturais. Desse modo, revela-se bastante afinada com a complexi-
dade do contexto cultural atual, em que a cultura legítima convive com outras tantas produções
culturais de menor reconhecimento social, mas igualmente legítimas na escala dos indivíduos
e grupos de socialização. E todas as possibilidades de práticas podem ser combinadas para par-
ticipar o universo dos diferentes atores sociais: pessoas que gostam de teatro e ópera, mas não
perdem uma estreia de Star Wars; dançam break, forró e balé clássico; frequentam assiduamente
os cinemas de arte, mas também assistem aos filmes mais “comerciais” com amigos ou fami-
liares. O disposicionalismo pluralista propõe uma abordagem analítica à escala do indivíduo e,
assim, torna compreensíveis os números das estatísticas que escapam dos padrões esperados,
como por exemplo, pessoas de baixa escolarização que frequentam museus de modo intensivo
ou que simplesmente gostam de obras consagradas.
Por outro lado, parte das instituições culturais prefere atenuar fronteiras. É comum que
no mesmo momento em que um museu expõe um conjunto de graffitis, apresente ópera, realize
apresentações de grupos profissionais de break. Difícil estabelecer fronteiras precisas entre o
que é cultura legítima, massiva e popular. Todas estas classificações estão enraizadas em deter-
minados contextos históricos. Com as fronteiras borradas, fica mais complicado selecionar um
conjunto de bens culturais que merece o apoio do Estado para sua produção e difusão e outros
que não, a exemplo do que propõe a democratização.

8
Bourdieu, P. O senso prático. Livro 1. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.99).
9
A exemplo da pesquisa do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre práticas culturais dos brasi-
leiros realizada pelo Ipea em 2014 (circulação restrita).

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Mesmo que o legitimismo e o pluralismo encontrem no equipamento cultural um ins-


trumento chave de política, as duas abordagens propõem formas distintas de ação pública. A
primeira busca promover políticas culturais de formação de público por meio da escola e dos
equipamentos culturais, sendo estes instituições ofertantes, em geral, especializadas. O pluralis-
mo requer das instituições culturais estratégias flexíveis e envolvimento com os públicos especí-
ficos. O que demanda não apenas redes de equipamentos públicos, processos de fortalecimento
das instituições e da relação entre elas, e processos de profissionalização de quadros técnicos
para atuação nesses espaços, como no caso do legitimismo. Na abordagem pluralista as institui-
ções precisam ser capazes de entender as demandas dos seus públicos específicos. É preciso que
haja um ajustamento da oferta com a demanda. As ações devem multiplicar as possibilidades de
socialização e exposição a bens simbólicos, visto a relevância desses processos no estímulo às
práticas culturais. Como foi dito em outro contexto,
O papel do Estado no fortalecimento dos processos de formação de “uma
cultura da cultura” é central, afinal, o funcionamento dos mercados dei-
xado a si mesmo pode significar o recrudescimento de desigualdades e
exclusões, no caso do legitimismo, e de empobrecimento das condições
de desenvolvimento das sociabilidades, das possibilidades de exercício
de prazer estético e fruição cultural aberta aos indivíduos, no caso do
pluralismo. Portanto, as políticas culturais estariam, por um lado, situa-
das em relações íntimas e sinérgicas com os processos de universaliza-
ção ou, simples e diretamente, seriam parte dos processos de reprodu-
ção das desigualdades e distinções sociais e, por outro lado, deveriam
oferecer condições para as práticas estruturadas e plurais, mesmo que
temporárias e de baixo engajamento reflexivo (Barbosa e Sá, 2015).

3. POLÍTICA (INTER)CULTURAL – AS PROMESSAS


Em 2003, o presidente Lula assumiu o cargo e nomeou como Ministro da Cultura Gil-
berto Gil. A partir deste momento, o mencionado conceito antropológico de cultura tomou conta
dos discursos do Ministério. Ainda na sua fala de pose, o músico referiu-se a “do-in antropológi-
co” fazendo referencia a uma técnica de massagem chinesa que busca, através de estímulos nos
pontos certos do corpo, um funcionamento equilibrado do organismo. Esse tratamento especial
seria dado à cultura brasileira visando à inclusão de todas as vertentes e modos de produção e
consumo cultural, em especial, as formas de vida cultural, suas representações e sentidos mar-
ginalizados e excluídos por anos das políticas feitas para as belas artes. Num trecho que já se
tornou emblemático, o Ministro disse:
(...) toda política cultural faz parte da cultura política de uma sociedade
e de um povo, num determinado momento de sua existência. No sentido
de que toda política cultural não pode deixar nunca de expressar aspec-
tos essenciais da cultura desse mesmo povo. Mas, também, no sentido

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de que é preciso intervir. Não segundo a cartilha do velho modelo estati-


zante, mas para clarear caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar. Para
fazer uma espécie de do-in antropológico, massageando pontos vitais,
mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural
do país (Gil, 2003).10
Lançando mão do conceito antropológico de cultura, o Ministro assumia o compromisso
institucional de reconhecer a importância de toda e qualquer produção artística, assim como o
modo de vida; abraçava a diversidade e a diferença cultural e propunha igualar o fazer popular
às artes: “Não existe <<folclore>> o que existe é cultura”11. Em consequência, comprometia-
-se a criar uma política cultural que atendesse a diversidade das expressões artísticas com suas
especificidades, uma política que respondesse a toda uma nação, sem referir-se mais às antigas
dualidades. Além disso, com a metáfora de “casa” prometia abertura do Ministério à sociedade
civil e estabelecimento de um diálogo constante com comunidades, produtores, artistas e acadê-
micos: “(...) quero que esta aqui seja a casa de todos os que pensam e fazem o Brasil”12.
Enfim, pautado nos conceitos de reconhecimento, identidade, horizontalidade e parti-
cipação, o projeto político de Gilberto Gil para a cultura brasileira aproximava-se, pelo menos
discursivamente, à interculturalidade, entendida como um campo híbrido, fluido, polissêmico,
criativo e promissor da diferença, ou seja, um campo de convivência e construção histórica de
projetos ou das políticas que coloca no centro da discussão as questões do respeito da diversida-
de cultural e do reconhecimento social como vínculo fundamental entre os indivíduos.
A ferramenta base desta ideologia13 é o diálogo dialogal que exige a presença e a partici-
pação do outro para a sua sustentação. Na necessidade de abertura ao outro, exige a construção
ou a internalização de uma nova consciência - a de que os nossos critérios não são absolutos - o
que faz com que a troca seja realizada não só a partir de conceitos, mas também a partir do pen-
samento simbólico que se situa entre o objetivo e o subjetivo, sem deixar espaço para a omissão
ou a exclusão de alguma das partes, sendo que nada existe sem interação com o outro.
O Programa Cultura Viva, criado através da Portaria Ministerial 156/2004, tem sido uma
tentativa de trazer ao plano das políticas culturais as vontades políticas referidas no discurso.
Se entendemos as políticas culturais como “um conjunto de princípios operacionais, práticas
administrativas e orçamentárias e procedimentos que fornecem uma base para a ação cultural

10
Discursos do Ministro da Cultura Gilberto Gil. Brasília: Ministério da Cultura. Disponível em: http://www1.
folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u44344.shtml Acessado em 13/02/2016.
11
Ibid.
12
Ibid.
13
Pode ser vista também como uma meta narrativa ou série de estratégias para administrar problemas das socie-
dades multiculturais e coloniais.

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do Estado”14, o programa é uma associação desse conjunto de elementos com uma dose de ino-
vação. Ele trouxe uma inversão na lógica de organização da política cultural – deslocou o uso
de recursos financeiros do equipamento para o apoio às associações que já desempenhavam um
papel de produtores artísticos e mobilizadores comunitários. Mudou o eixo do produto para o
processo. Estabelecimento das regras que isentam os grupos postulantes da necessidade de um
registro formal foi crucial para a participação de muito grupos marginalizados e, com isso, para
o fortalecimento da democratização cultural. Os pontos de cultura, com diversas capacidades de
operação e em diferentes níveis de agenciamento tornaram-se espaços experimentais, abertos
às manifestações artístico-culturais de uma localidade. A gestão compartilhada, realizada pelos
membros da sociedade civil, e uma maior participação da sociedade civil na formulação, ava-
liação e no redesenho do Programa permitiram um avanço em direção à prática intercultural.
Contudo, ainda existem mais expectativas criadas nas narrativas do que as práticas. No
citado anteriormente discurso de posse ao cargo do ministro, Gilberto Gil traçou uma promessa
de equiparar a cultura à economia, à política e à saúde. Isto é, de reconhecer o real valor da área
cultural e investir nela como numa área estratégica, assim como é feito naquelas outras instân-
cias. Segundo o Ministro, seria por meio da “cultura” que se poderia reforçar a autoestima da
população brasileira e realizar um novo e promissor modelo de desenvolvimento. A transversali-
dade fazia parte do plano de reforçar a importância da cultura e explorar seu potencial como um
elo entre diversas políticas públicas e programas do Governo Federal. Embora continuadamente
evocado, o conceito permanece no campo da teoria, o que, de um lado, poderia ser atribuído
à tradição de setorialidade das políticas públicas no país, e de outro, ao fato da cultura não ser
bem-vinda nas discussões referentes à demarcação das terras, aos programas de moradia ou
sistemas de transporte público.
Enfim, durante últimos doze anos, as idéias do reconhecimento da diversidade, da política
pautada no dialogo, etc. tem permeado as narrativas produzidas pelos ministros e seus secretá-
rios. Enquanto as práticas não se materializem, servem as promessas repetidas como mantras:
Em 2003, o orçamento do MinC era de mais ou menos R$ 287 mi-
lhões. Em 2010, eram R$ 2,3 bilhões. Isso nos garantiu a possibilidade
de expandir o conceito de cultura. Passamos a incorporar no MinC a
visão antropológica de que tudo que ultrapassa o plano funcional e entra
no plano simbólico chega ao plano da cultura, e portanto interessa ao
ministério. Moda, gastronomia, arquitetura, toda a produção simbólica
popular do país (Ferreira, 2016).15
14
Lima, Luciana Piazzon Barbosa; Ortellado, Pablo; Souza, Valmir de. “O que são as políticas culturais? Uma
revisão crítica das modalidades de atuação do estado no campo da cultura”. Anais do IV Seminário Internacional
Políticas Culturais – Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2013, p.1.
15
Entrevista concedida pelo ministro Juca Ferreira ao portal Nexo, datada em janeiro de 2016. Disponível em: http://
www.cultura.gov.br/banner-1/-/asset_publisher/G5fqgiDe7rqz/content/-somos-um-ministerio-pos-crise-diz-ju-
ca-ferreira/10883 Acessado em 13/02/2016.

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4. QUE SIGNIFICA POLÍTICA SETORIAL?


Em primeiro lugar, significa que o conjunto de políticas, programas e ações possui todos
os elementos de estruturação institucional que traça fronteiras e competências claras em relação
às suas finalidades16. Não queremos com isso trazer de volta a fluidez e complexidade da cultura.
Também não queremos abandoná-las. Na verdade, a cultura não é objeto de políticas públicas.
Jamais foi. Deixemo-la em seu caminho natural.
As políticas públicas são produtoras de significações, são normativas, são parte de cultu-
ras políticas e não são universais; em muitos casos os valores acionados pelas políticas públicas,
a exemplo da presença do Estado, são incomensuráveis com outros, que não admitem-no. A
existência de ações públicas organizadas faz conviver então valores e formas de ação ademais
contraditórias e até antagônicas.
A presença do Estado como núcleo semântico da ideia de política pública é um fato, em-
bora as modalidades e intensidades empíricas de sua intervenção e imposição possam ser muito
variadas de política a política.
Enfim, as práticas culturais, tradicionais ou não, comunitárias ou não, são tensionadas e
modificadas pelas políticas públicas. A pressuposição de um conceito operacional de cultura para
a política pública implica em escolhas entre valores, na descrição de formas organizacionais e
de como a ação terá sequência. A ação pública muda ritmos, dá densidades e modula a cultura.
O que desejamos é expressar a diferença entre a ação territorial, que é necessariamente
transversal e intersetorial, tendo por objeto problemas concretos, e as setorialidades, que têm
como objeto questões delimitadas e construídas para separar âmbitos de atuação específicos. A
lógica setorial desenvolve lógicas de reprodução autônomas, o que implica em trabalho de am-
pliação de recursos direcionados.
As políticas culturais são territoriais, com estruturação setorial. Os desenvolvimentos
culturais que expressem a diversidade ou a interculturalidade, abrangem não apenas formas de
reconhecimento de culturas, mas também as possibilidades de troca, discussão, enriquecimento
mútuo e desenvolvimento de projetos comuns17.
No entanto, o Brasil tem uma estrutura de política cultural setorial, aliás, a setorialização
crescente das políticas públicas permite a economia da ação, a instrumentalização e racionaliza-

16
Pierre Muller define o setor como uma reunião e objetivos e papéis sociais estruturados em trono de uma lógica
vertical e autônoma de reprodução. Também propõe que a lógica setorial se dá em trono de profissionalizações
específicas. Nada a obstar, desde que se reconheçam a presença de formas institucionais que dão unidade à atuação
de atores específicos. A profissionalização da administração pública brasileira, sua forma organizacional e a história
da acomodação de contradições das políticas setoriais do poder executivo exigem a distribuição de competências
digamos “setoriais” por diferentes órgãos. A lógica profissional no Brasil envolve a formação de redes corporativas
que não se limitam, ou nem sempre, a um órgão específico. O que é importante assinalar para o nosso ponto de vista
é que a lógica setorial agrupa e atua sobre apenas um aspecto da vida social. Ver Muller, P. Un schéma d´analyse
des politiques sectorielles, in Revue française des Science politique, 35ª année, no 2, 1985, pp. 165-189.
17
Barbosa da Silva, F.A. & Araújo, H. Indicador de desenvolvimento da economia da cultura.

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ção da operacionalização administrativa, mas dificulta a coordenação e resolução de problemas


relacionados às garantias de direitos constitucionalizados.
É difícil resolver, por exemplo, a questão do o acesso às linguagens das artes em especí-
fico, ou às formas de cultura, em geral, sem uma educação que dialogue com as suas referências
comunitárias, ou o acesso à educação, como lógica setorial, sem distribuições econômicas. É
difícil falar de garantias de direitos quilombolas ou indígenas, sem distribuições econômicas,
reconhecimento de titularidades ou direitos de uso de terras tradicionais, mas também de acesso,
educação, saúde, moradia e mesmo de crédito produtivo etc. Esses temas são constitucionaliza-
dos na cultura, têm diferentes posições nas políticas setoriais, mas forte interpelação na política
setorial de cultura, ou seja, no Ministério da Cultura (MinC)18.
O objeto das políticas culturais são as relações simbólicas e estas envolvem a criativida-
de, a produção, a circulação, a difusão e a distribuição, mas também a conservação, a memória,
o patrimônio material e imaterial, as artes, mas também tradições e identidades. Enfim, as rela-
ções simbólicas e ação pública envolvem efeitos de poder.
Aqui enfrentaremos a reflexão a respeito da natureza da ação pública e da sua forma orga-
nizacional mais elementar, por isso assinalamos não termos, necessariamente, que fazer escolhas
a respeito de um conteúdo específico de cultura e nem de um genérico, excessivamente amplo.
Não precisamos do conceito de cultura, mas de um escopo de áreas de ação. Os discursos
mais gerais, os “sentidos antropológicos”, as “epistemologias do sul”, as “cartografias das sub-
jetividades”, os “resgates das culturas populares”, o “acesso a bens culturais”, a “autenticidade
da cultura”, o “desenvolvimento da cultura”, ademais de serem metáforas19 muito importantes
para as políticas culturais, fogem das nossas competências e não poderiam nos servir de objeto
aqui, então, deixamo-los para aqueles mais capazes.
Queremos indicar os elementos aparentemente triviais, embora centrais e necessários
das políticas públicas. Em primeiro lugar, que as políticas públicas pressupõem a presença de
órgãos estatais. A presença autônoma de outros atores não está, por pressuposto, descartada,

18
Mesmo em políticas culturais voltadas para a arte, a intervenção do Estado em suas múltiplas frentes é deman-
dada, embora estas venham a ser acionadas desde o setorial. Pudemos ver este aspecto no processo de formulação
do Plano de Cultura do Distrito Federal (DF), quando os grupos e representantes das artes da “periferia” apontaram
para o fato de que a atuação dos órgãos de segurança do próprio Distrito Federal não condizia, em relação a alguns
movimentos culturais das cidades satélites, com o comportamento de reconhecimento de direitos. Ver Barbosa da
Silva, F.A & Veloso Sá, J. Políticas sociais – acompanhamento e análise, no 24, IPEA, Brasília, DF, 2016.
19
Aceitamos o problema tal qual o colocado por John R. Searle; “O problema da metáfora diz respeito às relações
entre, de um lado, o significado da palavra e da sentença e, de outro, o significado do falante ou o significado da
emissão. (...) Entretanto, sentenças e palavras possuem somente os significados que possuem. Em termos estritos,
sempre que falamos do significado metafórico de uma palavra, expressão ou sentença, estamos falando do que um
falante poderia querer significar ao emiti-las em divergência com o que a palavra, expressão ou sentença realmente
significa”. In “Expressão e significado”, Martins Fontes, SP, 1995, página 123. As expressões genéricas ou retóri-
cas em políticas públicas nem sempre são instrumentos dela, mas da política das políticas públicas. Portanto, seu
espaço analítico é diferente.

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mas estes se coordenam ou são coordenados por ideias, princípios, regras ou programas de ação
estabelecidos no quadro de normas constituídas pelo poder público. Em segundo lugar, o que
define as políticas públicas não são as ideologias gerais ou os discursos sobre seus objetos, mas
suas relações com instrumentos de ação pública.
Mas, então, o que define os limites de uma política setorial de outra? A cultura faz inter-
faces com outras políticas. A cultura compartilha de ideias e objetivos comuns com aquelas po-
líticas, a exemplo, da ideia democratização, da participação, da equidade, do reconhecimento de
identidades múltiplas etc. Tem ações comuns com a educação, com a juventude, com as comu-
nicações, com o audiovisual, com as tecnologias digitais, com a organização e uso dos espaços
urbanos etc. Também tem instrumentos comuns: programação orçamentária, metas, objetivos,
definição de públicos, instrumentos de conveniamento, contratação, fomento e financiamento,
bolsas, premiações, indicadores, definição de produtos, inscrição em peças político-jurídicas
como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA), Plano Pluria-
nual (PPA), leis, medidas provisórias, decretos, portarias, tudo justificado pela própria Consti-
tuição. Têm-se ainda planos, políticas, programas que em geral são definidos setorialmente, mas
que fazem apelos a mediações intersetoriais e a transversalidades.
Assim, a setorialidade organiza programas, dispõe orçamentos e elenca ações, mas tam-
bém permite na própria organização setorial processos de ação e orçamentação que envolvam
diferentes órgãos. Em resumo, o ponto central é a presença de órgãos capazes de agir e que
tenham competências setoriais e capacidades de mediação em função de referenciais de ação
compartilhados, a exemplo, do desenvolvimento cultural, democracia cultural e reconhecimento
das culturas formadoras.

5. POLÍTICAS CULTURAIS CONSTITUCIONALIZADAS E O ORÇAMENTO


DA CULTURA
A Constituição de 1988 definiu um escopo amplo de atuação como âmbito dos direitos
culturais. Originalmente o MINC se organizou formalmente para abranger o previsto constitu-
cionalmente. Políticas para as artes, para o patrimônio material e imaterial, para os quilombos,
para o livro, leitura e literatura e para a memória. Entretanto, grande parte das ações ficou fora do
escopo das atribuições formais do MINC, como as políticas indígenas e os arquivos, e para parte
das ações o ministério não tinha como alcançar, a exemplo de ampla política de livro e leitura.
As mudanças políticas também trouxeram novas questões e deslocaram a agenda política
cultural. A questão da igualdade racial ganhou uma secretaria e para lá se deslocou o problema das
terras de quilombos; o cinema e audiovisual ganharam uma agência que toca questões de outros
setoriais; a questão indígena continua sendo de competência de outros órgãos, mas ganhou pe-
quena visibilidade na cultura; as questões de gênero ganharam uma secretaria específica no caso

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das mulheres e visibilização em políticas do MINC na forma de editais de valorização e apoio


aos movimentos LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).
Dados estas transformações, qual seria o escopo de orçamento e, especialmente, um
orçamento setorial da cultura? Estamos nos adiantando à discussão, por esta razão nos justifi-
camos brevemente. O orçamento do MINC é proposto pelo próprio MINC e por esta razão não
há problemas. O setorial indica um rol e ações e propõe-se a realiza-los através dos orçamentos.
Pode discuti-lo em órgão de participação e a peça orçamentária deve traduzir planos ou polí-
ticas. O acompanhamento de outras políticas, entretanto, aponta que a definição de escopo de
um orçamento é algo relevante e delicado, especialmente em contextos de restrições fiscais. As
vinculações na área de saúde constituem-se em exemplo desse caso20. Saber se o FIES ou os
gastos tributários indiretos compõem ou não os recursos previstos constitucionalmente para
a educação são outros exemplos21, assim como as definições de escopo na área de assistência
social, aumentam ou restringem os recursos da área, tanto no governo federal, quanto nos Es-
tados e municípios22. A questão não é discutida na área cultural, portanto, não é um problema a
que se deva adiantar. Entretanto, as propostas de emenda constitucional que vinculam recursos,
apesar de definirem percentuais de receitas líquidas a serem destinadas à cultura, provavelmente
exigirão a definição de métodos de acompanhamento da destinação de recursos para a área e
de aplicação dos novos critérios. Esses métodos geraram os sistemas de orçamento de políticas
de saúde (SIOPS), assistência e educação (SIOE) e, mais importante, permitem a produção de
informações de base para desvendar a participação dos setoriais nos dinamismos econômicos.

20
Na área da saúde a grande controvérsia se dá em torno das vinculações de recursos e da aplicação de seus crité-
rios.
21
O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) é um programa vinculado ao Ministério da Educação (MEC). Fi-
nancia a graduação na educação superior em instituições privadas que tenham avaliação positiva pelo MEC e na
forma da Lei 10.260/2001. O financiamento, a partir de 2010, era realizado a taxa de juros de 3,4% a.a., o período
de carência é de 18 meses e o e amortização para 3 (três) vezes o período de duração regular do curso, acrescido de
12 meses. O Agente Operador é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A partir do segundo
semestre de 2015 a taxa de juros passou a ser de 6,5% ao ano para contribuir com a sustentabilidade do programa
e responder às condições do ajuste fiscal.
22
Na assistência social, conforme diz José Lucas cordeiro, “o orçamento nacional da política de assistência social
é elaborado tendo como referência os PMAS e PEAS. Este, por sua vez, é submetido à aprovação do CNAS e,
uma vez aprovado, é encaminhado é encaminhado à Secretaria de Planejamento e Orçamento, que se incumbe de
agrega-lo à peça orçamentária do governo federal e apresenta-lo à apreciação do legislativo”. Segue, agora proble-
matizando: “a fim de possibilitar a descrição desse processo, é necessário definir em primeiro lugar, qual é efeti-
vamente o orçamento da assistência social. Nesse sentido, é possível indagar se ele é: composto de todas as ações
classificadas na função Assistência Social na estrutura de governo; apenas o orçamento pertencente (ou vinculado)
ao órgão gestor da política de assistência social; e, se, por sua o orçamento do Fundo de Assistência Social” página
41.Acrescenta adiante que “a falta de padronização, implicando a falta de informações, revela a necessidade urgen-
te de esforços no sentido de que todos os entes federativos disponibilizem para a sociedade todas as informações
necessárias para que se possa acompanhar a atuação do governo”, página 52. Cordeiro, José Lucas, Política de
Assistência Social no Brasil – heterogeneidade no trato do orçamento, Editora da UnB, Brasília, 2014.

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A Constituição de 1988, sendo programática, contém a definição de escopo das políti-


cas culturais, inicialmente no seu artigo 215 “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização
e a difusão das manifestações culturais”. Indica a proteção das culturas populares, indígenas,
afro-brasileiras e de outros grupos presentes no processo civilizatório nacional. Como objetivos
a serem realizados através do instrumento do Plano Nacional de Cultura (PNC) de natureza
plurianual, fala da defesa e proteção do patrimônio cultural brasileiro, da produção, promoção e
difusão de bens culturais, da formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas
múltiplas dimensões, da democratização do acesso aos bens de cultura e da valorização da di-
versidade étnica e regional.
O artigo 216 amplia o escopo e define outros instrumentos de política. O patrimônio
cultural é definido como de natureza material e imaterial, pode ser tomado individualmente ou
em conjunto, é portador de referência à identidade, à ação e, à memória dos diferentes grupos
abrangendo formas de expressão, modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísti-
cas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Define métodos (“com a colaboração da comunidade”) e instrumentos (“por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acau-
telamento e preservação”) e que “cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela ne-
cessitem”. Segue falando de incentivos à produção e acessos a bens, instrumentos jurídicos de
penalização a danos e ameaças ao patrimônio e “tombamento de documentos de bens e sítios
detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”.
O artigo 216A faz longa e repetitiva referência ao escopo da cultura e objetivos do Sis-
tema Nacional de Cultura: “Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime
de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e pro-
moção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre
os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano,
social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais”.
Nesse artigo expressa-se a ideia do federalismo cooperativo. Define como componentes
do SNC: “a cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área
cultural, a integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e ações desen-
volvidas, a complementaridade nos papéis dos agentes culturais, a transversalidade das políticas
culturais, autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil, a transparência
e compartilhamento das informações; a democratização dos processos decisórios com partici-

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pação e controle social, a descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das
ações, a ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura
e que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de
cultura em leis próprias”.
O artigo da Constituição elenca elementos da estrutura do SNC como modelo para as
respectivas esferas de governo: órgãos gestores da cultura, conselhos de política cultural, con-
ferências de cultura, comissões intergestores, planos de cultura, sistemas de financiamento à
cultura, sistemas de informações e indicadores culturais, programas de formação na área da
cultura, sistemas setoriais de cultura.
Como se vê, a Constituição Federal fincou marcadores gerais a respeito dos direitos
culturais. Embora algo do que já se fazia em termos de políticas culturais setoriais tenha dei-
xado traços no texto e nas suas normas gerais, inclusive deixando claras certas orientações e
instrumentos, as realidades políticas introduziram, na própria estrutura normativa constitucio-
nal, outras demandas e concepções, para cuja realização são necessários outros instrumentos.
A coordenação de ações interfederativas e seu acompanhamento ou monitoramento por órgãos
participativos, por exemplo, exigem orçamentação clara, bem como informações adequadas de
execução e até de resultados.
Além, disso, os setoriais de cultura, os órgãos, conselhos e fundos, são definidos como
instrumentos centrais do SNC e para a realização dos objetivos culturais. Entrementes, as infor-
mações dizem que há uma lacuna na maturação da setorialização da cultura na esfera municipal,
como podemos perceber pelos Mapas 1A e 1B a seguir que revelam o hibridismo da cultura com
outras áreas e ausência de estruturas autônomas. Sabe-se que o mesmo padrão também acontece
nas UF´s.

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Mapa 1A: Setorialidade da Cultura – Presença de Órgão de Secretaria Cultural Intersetorial

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais,


Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2006.

Mapa 1B: Setorialidade da Cultura – Presença de Órgão Gestor Autônomo

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores


Sociais, Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2006.

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Em 2014, 98% dos municípios já tinham estrutura na área cultural (308 dos 5.560 muni-
cípios não tinham nenhuma estrutura cultural). Apenas 20% tinham secretaria exclusiva.
Se a lógica setorial diz que os órgãos, como instâncias, transformam seus objetivos em
objetivos finais setoriais, MINC, Secretarias Estaduais, Secretaria do Distrito Federal e Secreta-
rias Municipais assimilam os seus desenvolvimentos aos objetivos da democratização e demo-
cracia cultural23.
Já nos alongamos demais. Para finalizar esta seção, lembramo-nos que para a discussão
da programação de ações de políticas públicas e seu acompanhamento são necessários conheci-
mentos específicos e informações adequadas a respeito do desempenho orçamentário e dos re-
sultados. Sejam quais forem as definições de escopo ou abrangência da cultura, deve-se ter uma
procedimentalização e formalização, do contrário seria impossível qualquer participação social
na discussão das políticas. Um pouco de conhecimento sobre orçamentos mostra que apesar das
formalidades, o orçamento é uma peça jurídica que tem certa plasticidade.
Todavia, em políticas nacionais federativas, quando o esforço fiscal alocado para a área
ganha significação, o bom uso do recurso público, que implica transparência e possibilidade de
discussão racional, exige um mínimo de formalização e procedimentalização. Esses elementos
deslocam questões gerais de legitimidade da ação para seus resultados, condições de aperfeiço-
amentos e melhoria no funcionamento da poder público.
Outra questão é saber se a execução dos recursos culturais realizados em outras setoriais
deverá ser caracterizada como recursos da cultura. Como a vinculação ainda não aconteceu, não
é necessário sofrer por antecipação, embora essa discussão possa ser oportuna para discutir a
institucionalidade da cultura nos Estado, Distrito Federal e municípios, já que sabemos que os
setoriais da cultura são ainda em grande parte siameses da educação, dos esportes e do turismo.
Seja como for, é necessário realizar harmonização das contas e orçamentos da cultura. É
um desafio e uma oportunidade de melhor dimensionar o quanto já se avançou na institucionali-
zação das políticas culturais. Os impactos da cultura no dia-a-dia das populações e comunidades
são reais como já se viu em inúmeras pesquisas, mas há muito ainda a se fazer para qualificar a
administração pública em geral e para o convencimento, através de argumentos menos etéreos,
de que aumentar os orçamentos, não apenas para realizar direitos culturais, mas para ampliar e
solidificar definitivamente a democracia cultural vale a pena, além de permitir maior participa-
ção social e mais qualificada.

23
A estrutura organizacional dos setoriais locais é muito diversa e pode ser contemplados por outras formações
institucionais, a exemplo de autarquias, institutos e fundações. As conexões disso tudo com orçamentos, órgãos de
participação, orçamentos e transferências de recurso são muito variadas. No entanto, não se descarta a possibilidade
desta variedade poder ser coerente com a setorialização e com os valores de participação, accountability e demo-
cratização da cultura como parte de políticas púbicas.

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VII Seminário Internacional

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A HETEROGENEIDADE DA POLÍTICA CULTURAL CONTEMPORÂNEA:


AS MÚLTIPLAS FORMAS DE GESTÃO DOS EQUIPAMENTOS
CULTURAIS PÚBLICOS
Jackson Raymundo1

RESUMO: Apesar dos avanços institucionais das últimas décadas, a política cultural no Brasil
ainda apresenta desafios profundos para a sua plena consolidação em todas as esferas. Os
progressos legislativos, orçamentários etc. convivem com ameaças constantes de retrocessos.
Nesse quadro, estão os equipamentos culturais públicos, boa parte deles anterior aos próprios
órgãos governamentais da área. A ampliação da noção de cultura e da dimensão dos direitos
culturais, bem como as mudanças no âmbito administrativo, complexificaram os desafios da
gestão cultural, particularmente nas instituições públicas, fundadas sobre outras bases. Assim,
torna-se comum a busca por soluções heterogêneas na administração de equipamentos culturais
públicos, seja através de fundações, consórcios, parcerias com associações de amigos ou
organizações sociais, alv

PALAVRAS-CHAVE: Política cultural, Instituições culturais, Associações de amigos,


Organizações sociais, Consórcios públicos.

1. INTRODUÇÃO
A cultura deve ser compreendida tanto como um direito humano, indicado pelo artigo 27
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quanto como um direito fundamental, previsto
pelo artigo 215 da Constituição Brasileira. O direito à fruição artística e à memória são basilares
tanto para a cidadania individual quanto para a afirmação da identidade e diversidade cultural
de um povo. E não é só isso: a cultura deve também ser lembrada como segmento econômico,
gerador de emprego e renda. O fomento e a garantia dos direitos culturais pelo Estado, no
entanto, continuam a ser um déficit em nosso país.
A gestão pública na área da Cultura teve avanço nas últimas décadas, através da
consolidação de leis de financiamento da produção cultural e do patrimônio histórico e artístico,
como na década de 90, do aumento substancial do orçamento para a área e da ampliação do

1
Graduado e Mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estudante da Especialização em
Administração Pública Contemporânea da UFRGS. Servidor da Câmara dos Deputados. E-mail: jacksonraymun-
do@yahoo.com.br.

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conceito de cultura, nos anos 2000, e da institucionalização de sistemas e planos de cultura


em todos os níveis, na corrente década. O Ministério da Cultura, que possui três décadas de
existência (ressalva: nos mais de dois anos do governo Collor, deixou de ser ministério para se
tornar secretaria), apesar do incremento, segue tendo um orçamento bastante inferior a outras
áreas2, além de dificuldades de execução acima da média3.
A prática administrativa, porém, não se restringe ao nível “macro” (políticas públicas
nacionais), como as políticas citadas anteriormente. A sua consolidação depende de um eficiente
funcionamento do “meso” (políticas regionais, estaduais e setoriais) e, sobretudo, de sua plena
realização no plano “micro” (prestação de serviços na “ponta”). Dados de 20104 apontam que
apenas 4,35% dos municípios brasileiros possuem secretaria exclusiva de cultura, enquanto
em 73,85% a área está junta de outras; em 2,67% dos municípios, ainda, havia uma fundação
pública de cultura. A presença de centros culturais nas cidades deixa muito a desejar: 24,80%.
Assim, sendo o foco desta disciplina a gestão dos serviços públicos, o estudo se
concentrará na prestação de serviços na área da cultura, aproveitando experiências de parceria
do Estado com o Terceiro Setor. Mais detidamente, o estudo de caso será desenvolvido a partir de
uma forma de gestão (ou de cogestão, ou de apoio à gestão) de equipamentos culturais exercidas
por organizações da sociedade civil: as Associações de Amigos, sobretudo a realidade do Rio
Grande do Sul, comparando com outros modelos, com o das Organizações Sociais, aplicadas no
Estado de São Paulo.

2. O ESTADO NA GESTÃO DA POLÍTICA CULTURAL


A relação do Poder Público com a cultura, até o final do século passado, se dava basicamente
através da administração de equipamentos culturais, da conservação do patrimônio histórico e
artístico e do financiamento a determinadas linguagens – este, por vezes ligado a estratégias
propagandísticas de governos, como foi o caso do cinema em diversos momentos da História.
Muito antes de existir órgãos próprios de política cultural, o Brasil já possuía instituições
públicas de cultura. Data de 1810 o mais antigo equipamento cultural do país: a Biblioteca
Nacional, sediada na então capital Rio de Janeiro; em 1818, D. João VI funda o Museu Nacional
(também no Rio). No Rio Grande do Sul, o Theatro São Pedro foi inaugurado em 1858; em
1877, iniciam-se as atividades da Biblioteca Pública do Estado; e, em 1903, o então presidente

2
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO. Lei Orçamentária Anual 2015. Disponível em: <http://antigo.planeja-
mento.gov.br/ministerio.asp?index=8&ler=s1146>. Acesso em 07/08/2015.
3
FOLHA DE S. PAULO. Orçamento dobrou desde 2009, mas gastos da Cultura estão estagnados. Matéria de
02/06/2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/06/1636662-gastos-do-ministerio-da-
cultura-estao-estagnados-ha-cinco-anos.shtml. Acesso em: 07/08/2015
4
MINISTÉRIO DA CULTURA. Cultura em números: anuário de estatísticas culturais - 2ª edição Brasília: MinC,
2010.

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(equivalente a governador) Borges de Medeiros cria o “o Museu do Estado”, transferido, dois


anos depois, para a casa do ex-presidente provincial Júlio de Castilhos, recebendo o seu nome
– Museu Júlio de Castilhos.
A menção a essas instituições serve para demonstrar o quão antiga é a presença do Estado
na área cultural. A novidade estabelecida nas duas últimas décadas reside numa concepção mais
ampla de cultura. Nela, o Estado não deve se limitar a gerir os seus próprios equipamentos, mas
também fomentar a produção artística protagonizadas pela sociedade civil (o que se materializaria
em editais de fomento, criação de fundos setoriais, leis de renúncia fiscal etc.). Mais adiante, e
sob outra perspectiva, o conceito de “cultura” se alarga: convivendo com a visão tradicional e
consagrada que relaciona a cultura com as artes, ganham força uma visão mais antropológica e
também a noção de “cidadania cultural”.
A política cultural é marcada pela instabilidade. Mesmo equipamentos culturais “antigos”
podem enfrentar crises sérias e serem repentinamente fechados, como ocorreu com instituições
como o Museu Nacional, no início de 2015. Ou perspectivas que pareciam consolidadas, como
o apoio do poder público ao carnaval - algo que vem desde a década de 1930, pelo menos -, de
uma hora para outra são postas em xeque, tal como no início de 2016, quando se disseminou,
com intensidade inédita, um discurso opondo o carnaval aos investimentos em saúde (se um dia a
implicância é com o carnaval, no outro dia pode ser com qualquer outra manifestação cultural)5.
A manutenção ou ampliação das políticas culturais depende tanto da capacidade
orçamentária do ente público, quanto da vontade política do governante da ocasião. Por vezes,
iniciativas importantes são descontinuadas pelo simples fato de terem sido criadas por um governo
anterior – quando não a própria existência de uma secretaria específica é desfeita, mesmo que
haja ações consolidadas. Se em áreas como saúde, educação e segurança as políticas “de Estado”
são mais perceptíveis e o acompanhamento da sociedade é mais direto, o mesmo não ocorre na
cultura; enquanto naquelas áreas o cidadão se sente em condições de reivindicar (atendimento
médico eficiente, escola de qualidade, policiamento ostensivo...), na cultura, via de regra, as
reivindicações são protagonizadas (quando não restritas) aos atores da própria comunidade.
A efetividade da política cultural comumente esbarra nas dificuldades advindas do
emaranhado de legislações e procedimentos administrativos – muitas vezes, incompatíveis com a
realidade do tema. Para exemplificar, pode-se destacar o pagamento de cachês a artistas é precedido
de uma série de exigências que, no intento de serem moralizadoras, causam constrangimentos
desnecessários: um ator, ou músico, tem características identitárias de seu trabalho que são suas.
Outro exemplo é a contratação de profissionais para o desenvolvimento de tarefas auxiliares que

5 Sobre o tema, fiz um texto, intitulado “A folia dos outros”, que foi publicado no Caderno PrOA, do jornal
Zero Hora, em 24/01/2016 (disponível aqui: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2016/01/municipios-
cancelam-o-carnaval-em-nome-de-projetos-de-saude-4958389.html).

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pouco cabem ao Estado, como projetor (de cinema), cenógrafo, bilheteiro etc. Por fim, um terceiro
exemplo é a compra de equipamentos: a Lei 8.666/93, que versa sobre as licitações e contratos da
Administração Pública, possui limitações na área da cultura que desafiam qualquer gestor: se um
órgão precisa comprar um determinado tipo de piano, deve ser aquele piano, que por vezes não
tem empresa produtora concorrente, ou não há as três necessárias para emitir orçamentos e abrir
um processo.
Além disso, há casos de “gigantismo” estrutural da cultura em certas localidades – sem
correlação orçamentária. Em outras palavras, um excesso de instituições, incompatível com a
proporção do erário público destinada à área. É o caso da política estadual da cultura no Rio
Grande do Sul, que será esmiuçado adiante.

3. DISTINTOS MODELOS DE GESTÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE CULTURA


A gestão pública da política cultural no Brasil, e particularmente dos equipamentos
culturais, se estrutura basicamente a partir de cinco possibilidades: a) Prestação Direta, através da
Administração Direta - ministério, secretarias estaduais e municipais, diretorias, coordenadorias
etc; b) Prestação direta, através da Administração Indireta – em forma de autarquias ou fundações
públicas, de direito público ou privado; c) Prestação indireta, através de contratos de gestão com
Organizações Sociais (OSs); d) Prestação indireta; através de termos de parceria com OSCIPs
e/ou convênios com Associações de Amigos; e) Consórcios públicos. Além disso, é comum a
cessão de uso de algumas áreas das instituições, a fim de atender finalidades comerciais (lojas
de souvenirs, livrarias, cafés, restaurantes etc.), para as Associações de Amigos, com o objetivo
de reverter a renda gerada pela utilização desses espaços para a própria instituição.
O primeiro modelo de gestão é o mais presente em todas as esferas federadas: segundo
a pesquisa Cultura em Números6, coordenada pelo Ministério da Cultura, apenas 2,51% não
possuíam nenhuma estrutura específica de cultura no ano de 2010. Os desafios apresentados
pela política de cultura possuem peculiaridades em relação às demais áreas, como exposto
no item anterior, que esbarram ou se complicam nas limitações legais (pagamento de cachês,
compra de equipamentos etc.). Com a ampliação do escopo do que vem a ser “política cultural”,
as necessidades de presença do Estado também aumentaram: hoje, não basta administrar seus
próprios, e sim fomentar o desenvolvimento de ações lideradas por grupos da sociedade civil.
Além disso, é crescente o reconhecimento por parte do Poder Público de novas linguagens
artísticas e manifestações - algumas, não são novas em existência, mas no reconhecimento
como manifestação cultural. Cada linguagem demanda atenção e políticas específicas. Dentre
as mais comuns, estão: cinema e vídeo, música, teatro, dança, circo, artes visuais, design e

6
Idem.

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moda, fotografia, patrimônio, arquitetura, museus, culturas tradicionais, carnaval, gastronomia,


capoeira, artesanato, cultura digital, bibliotecas, livro e literatura.
Para o Estado dar conta de tamanha heterogeneidade de expressões, sujeitos e trajetórias,
foram criados tanto órgãos para as linguagens especificas quanto os colegiados setoriais - hoje,
são 17 colegiados em nível nacional (complementados por grupos de trabalho, fóruns etc.),
mesclando representações majoritárias da sociedade civil com as do poder público, replicados
também nos Estados. Diante de tantas responsabilidades institucionais, e das inevitáveis
limitações orçamentárias, como fica a sustentação das instituições culturais – algumas delas,
como já dito, bem anteriores inclusive à noção de política cultural? É aí que entram os outros
modelos de gestão anteriormente citados.
A alçada de uma instituição à categoria de autarquia ou fundação, adquirindo maior
autonomia administrativa e financeira, não obedece a critérios muito claros. As razões, em
geral, estão ligadas a conjunturas políticas. No Rio Grande do Sul, das 34 instituições ligadas
à Secretaria da Cultura, três são fundações – pertencentes à Administração Indireta, portanto –,
enquanto todas as demais são subordinadas à Administração Direta. O modelo de gestão de cada
uma é distinto: a Fundação Teatro São Pedro é pública de direito privado; a Fundação Orquestra
Sinfônica de Porto Alegre, autarquia; já a Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore é
público de direito público. Pode-se citar, ainda, a Fundação Cultural Piratini (responsável pela
TVE e a Rádio FM Cultura, subordina, nos últimos anos, à Secretaria de Comunicação), que
também é fundação pública de direito privado.
Distinta é a situação das fundações responsáveis pela centralização das políticas para
as artes. No plano federal, há a Fundação Nacional de Artes (Funarte), e em diversos estados
e municípios existem fundações nesses moldes, que podem exercer um papel complementar à
secretaria exclusiva, ou substitutivo a ela. Exemplos: Fundação Cultural do Estado da Bahia,
concomitante à secretaria estadual, e Fundação Municipal de Arte e Cultura de Gravataí (RS),
que administra toda a política para a área, devido à inexistência de uma secretaria municipal.
No terceiro tópico, está a prestação indireta dos serviços, baseado no firmamento
de contratos de gestão do Estado com Organizações Sociais (OSs) para a administração de
equipamentos e ações culturais. O modelo, adotado principalmente no Estado de São Paulo, será
mais detidamente trabalhado a seguir.
O quarto modelo, também de prestação indireta, é aquele cuja base se dá através de
termos de parceria do Poder Público com OSCIPs, ou ainda convênios com Associações de
Amigos. É o mais comumente utilizado para a gestão de equipamentos culturais públicos. O Rio
Grande do Sul, que possui um considerável número de instituições públicas estaduais, serve de
exemplo (o item 4.1 fará Estudo de Caso acerca do tema).

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Os consórcios públicos, citados na quinta possibilidade, estão consolidados como modelo de


gestão para facilitar a circulação de serviços e a compra de objetos, sobretudo em áreas como saúde
e saneamento. Geralmente se estruturam a partir de municípios com considerável homogeneidade
geográfica, econômica, social e cultural, próximos topograficamente e apresentando uma relação
de interdependência. Na cultura, porém, ainda é um formato de uso incipiente. O caso destacado é
o Consórcio Intermunicipal Culturando (CIC), que reúne 25 municípios do Norte do Estado de São
Paulo. O consórcio já firmou quatro convênios com o Ministério da Cultura, estabeleceu parcerias
com diversas universidades e ofereceu curso livre em gestão cultural. Seu escopo de atuação,
segundo o estatuto, não se limita aos municípios consorciados, podendo prestar serviços para fora
deles. Como situação negativa envolvendo consórcios, está a vedação do repasse de recursos pela
União a municípios inadimplentes, o que, numa relação colegiada, prejudicaria a todos.

4. ESTUDO DE CASO: AS ASSOCIAÇÕES DE AMIGOS DAS INSTITUIÇÕES


CULTURAIS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
O Rio Grande do Sul é uma das unidades da federação com maior número de instituições
culturais. Há “institutos” para diversas linguagens artísticas (do Patrimônio Histórico e Artístico,
do Livro, da Música, de Cinema, de Artes Visuais, de Artes Cênicas) e mais de duas dezenas
de equipamentos: museus, bibliotecas (inclusive de bairro, em Porto Alegre), teatros, cinemas,
discoteca, arquivo histórico, casa de cultura, orquestra... Todos próprios do governo estadual,
alguns localizados em lugares privilegiados da Capital gaúcha, em verdadeiros cartões-postais
da cidade e do Estado.
Dar conta de tudo isso é um desafio imenso para qualquer gestor. Num Estado bastante
apegado a suas tradições (o que inclui suas instituições consagradas), como é o Rio Grande do
Sul, as coisas acabam, no decorrer dos anos, se naturalizando e adquirindo “pernas próprias”. A
“autonomia” pode ser positiva ou negativa, dependendo, quando não há mobilização da sociedade,
da prioridade dada pelo governo da ocasião.
O governo 2011-2014, liderado por Tarso Genro, verificou, logo em seu início, uma
necessidade de diagnosticar a situação de cada instituição cultural, assim como a situação de
cada associação de amigos e sua relação com os próprios do Estado. Por isso, o governador criou
a Comissão para Avaliação das Associações de Amigos de Instituições ligadas à Secretaria da
Cultura, instituída pelos Decretos nº. 47.851, de 22 de fevereiro de 2011, e nº. 47.944, de 11 de
abril de 2011. A Comissão foi composta, na titularidade, pelo coordenador jurídico da Secretaria
da Cultura, pelos diretores do Departamento Artístico e do Departamento Administrativo (este,
à época dirigido pelo autor) e por membro da Procuradoria-Geral do Estado.
Durante mais de quatro meses, a Comissão realizou oitivas com praticamente todos os
diretores das 34 instituições culturais ligadas à Secretaria da Cultura e com os representantes

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das respectivas Associações de Amigos. O quadro, em linha geral, era de absoluta falta de
uniformidade de padrões e realidades, seja por falta de presença do Estado na sustentação às
instituições, seja por interesses privados absolutamente enraizados.
A legislação gaúcha acerca das Associações de Amigos, que tem como base a Lei Estadual
nº 9.186/19907, dá conta, principalmente, da possibilidade de cessão ou autorização de uso de
espaços das instituições para finalidades comerciais. Pouco avança em relação à intervenção na
gestão, sobre quais os limites e possibilidades e os papéis exercidos pelos diferentes agentes.
Nesse vazio legal8, e nos vazios administrativos deixados pelo Estado, o improviso acabou
predominando, chegando a situações quase inverossímeis.
A possibilidade das Associações de Amigos se financiarem está prevista na Lei nº
9.186/1990. Em seu §3º do artigo 5º, estabelece que “a Associação poderá reservar até 30% dos
recursos recebidos para a sua própria administração e manutenção”. No entanto, em diversas
situações isso não ocorria. Por exemplo, uma associação, que se dizia apta a ser “amiga” de
qualquer instituição, fazia uso de salas do Estado e oferecia cursos com o nome do equipamento
público, porém fazendo apenas repasses semanais à direção, longe de atingir os 70% exigidos
por lei (e somente após o pedido e justificativa da direção da instituição e o aceite da presidência
da associação).
Como demonstração da diferença de procedimentos, pode-se citar as bilheterias dos
teatros. Em um deles, toda a renda que ficava com a instituição (15%, já que o restante vai para
a produção do espetáculo) ia para o caixa único do Estado, sem passar pela Associação. Em
outro, os recursos eram direcionados à entidade de amigos, não passando pelo Tesouro.
Os casos mais comuns, porém, estavam na diferença de sincronia entre o diretor da
instituição, indicado pelo governo, e as direções das associações - às vezes com dinâmica
eleitoral própria, outras vezes fomentadas por quem está na gestão do equipamento. Intrigava a
absoluta dissintonia entre os procedimentos de uma instituição para outra, assim como o corrente
fato (tratado como natural) de servidores do Estado trabalharem, na prática, como servidores da
associação, inclusive mexendo com dinheiro em espécie. Mas a situação majoritária nessas
instituições, contudo, era de liderança “redobrada” por parte do diretor da instituição, que, por
um lado, administrava os recursos oriundos do Estado, por outro, aqueles vindos diretamente da
arrecadação associativa.

7
A referência em legislação sobre as Associações de Amigos, no Rio Grande do Sul, é a Lei Estadual nº. 9.186,
de 27 de dezembro de 1990, que “dispõe sobre a cedência de áreas em instituições estaduais de cultura e dá out-
ras providências”, regulamentada pelo Decreto nº. 33.836, de 31 de janeiro de 2001, alterado pelos Decretos nº.
33.876, de 1º de março de 1991, nº. 39.986, de 18 de fevereiro de 2000, nº. 41.158, de 29 de outubro de 2001, nº.
41.871, de 9 de outubro de 2002, e nº. 45.178, de 20 de julho de 2007.
8
No plano federal, a legislação acerca das Associações de Amigos está prevista no Estatuto dos Museus (Lei nº
11.904/2009), com o reconhecimento e a previsão de atribuições dessas entidades.

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Por fim, cabe destacar que a criação pelo Estado de mecanismos mais amplos e
horizontais de financiamento da cultura acabou por gerar uma consequência em relação às
instituições culturais. Sempre com necessidade de recursos para desenvolver seus projetos,
os equipamentos públicos, através das associações de amigos, disputam editais públicos
com entidades privadas da sociedade civil. Se não há uma vedação legal, há uma inevitável
possibilidade de questionamentos éticos.

5. CONCLUSÃO: LIMITES, PROBLEMAS E POSSÍVEIS CAMINHOS
A gestão da política cultural exige da Administração Pública a necessidade de ser criativa
e estar preparada para lidar com processos completamente heterogêneos. Enquanto na saúde,
ou na educação, é possível se pensar na construção de grandes redes, com equipamentos e
produtos idênticos e, portanto, de compra massificada, na cultura essa massificação torna-se
mais complexa. Agregado a isso, está a própria reflexão do papel que efetivamente deve caber
ao Estado no âmbito da cultura: criador/gerente ou fomentador/patrocinador? A resposta que
parece ser a mais adequada é: os dois.
A preservação da memória e a existência de espaços culturais que não sigam a lógica
do mercado (a busca incessante pelo lucro) são direitos culturais essenciais e inalienáveis as
quais o Estado não pode fugir. Se o Estado é pouco presente, acabam prevalecendo os interesses
comerciais da iniciativa privada, que, na área cultural, geralmente são definidos pelo setor de
marketing das empresas. Por isso, mais importante do que as leis de renúncia fiscal que permitem
à empresa seguir sua estratégia comercial, são os fundos que irão financiar a produção artística
de forma republicana e transparente - lembrando, seja dinheiro de leis de incentivo ou de fundos,
a fonte sempre é a mesma: o orçamento público.
Dentro da “criatividade” necessária, o Estado de São Paulo, na esteira do Programa
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), liderado pelo então ministro Bresser-
Pereira em meados dos anos 1990, tem transformado o sistema de gestão, ou cogestão, dos
equipamentos públicos de cultura. Em vez das Associações de Amigos, a qualificação dessas,
ou de outras associações da sociedade civil, como Organizações Sociais (OSs) – o termo é um
dos mais importantes elementos do PDRAE. Inicialmente adotado pelo Governo do Estado de
São Paulo apenas nas áreas de saúde e cultura (e a partir de 2009 também em esporte e pessoas
com deficiência), em 2005 a qualificação passou a ser feita também na cultura. Como preconiza
os princípios das OSs, foi repassado ao Terceiro Setor a gestão de equipamentos e serviços
públicos, mediante o firmamento de contratos de gestão. A importância dessas organizações no
orçamento para a área é grande: em 2010, por exemplo, respondeu a 54,6%.
A experiência paulista de Organização Social permite problematizar o conceito de
“publicização”, assim como a própria concepção inicial de Organizações Sociais formulada

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por Bresser-Pereira. Neles, estavam previstos o controle social do equipamento público, através
de um conselho de administração, afora o fato (implícito) de a OS estar vinculada a uma
instituição específica. No entanto, o que tem acontecido é uma mesma organização comandar
diversos espaços e programas estaduais, possuindo apenas um conselho de administração para
todos. Tornam-se, assim, praticamente “subsecretarias” de um Estado que se omitiu de fazer a
administração direta, mas que garante polpudos repasses.
Os desafios da gestão pública de cultura passam por um aprimoramento dos modelos
já existentes, como o das fundações públicas, das Associações de Amigos, o das OS etc.,
mas também por um debate com o Legislativo e Tribunais de Contas sobre a necessidade de
atualização dos procedimentos administrativos à realidade do meio cultural.
Tal atualização pode significar também uma maior presença do Estado na gestão de
seus equipamentos culturais pela via da prestação direta exercida pela Administração Indireta
(fundações públicas, autarquias). Ao possuírem estatuto jurídico diverso da Administração
Direta, as fundações ou autarquias permitem uma flexibilidade maior na concretização de ações,
além de poderem centralizar as distintas linguagens artísticas num órgão só. Todavia, hoje as
limitações também atingem esses órgãos, mesmo que numa intensidade menor em relação à
Administração Direta.
O modelo de Associação de Amigos não parece estar superado. No entanto, carece de
renovação na sua existência, que passam: 1) por uma padronização, mesmo que elementar, de
seu caráter, seu papel, suas possibilidades e seus limites; 2) pela incorporação plena da noção
de “controle social”, com o firmamento de conselhos transparentes e escolhidos de forma
democrática; 3) pela mobilização social para que tenham quadro de associados relevante,
instigando a participação da sociedade civil nas instituições públicas.
Outros modelos de gestão podem ser pensados ou aprimorados. Toda novidade, porém,
dificilmente será aplicada arbitrariamente pelo Executivo, dado o emaranhado de obstáculos,
necessitando ser dialogada com os demais poderes e os órgãos de fiscalização e controle - e, é
claro, contando com a participação da sociedade civil.

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SUÁREZ, Naila L. C. O Modelo de Gestão das Organizações Sociais de Cultura de São Paulo.
FGV-EAESP, 2011. Disponível em: <http://gvpesquisa.fgv.br/publicacoes/pibic/o-modelo-de-gestao-das-
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PERSPECTIVAS E DESAFIOS DO PLANO NACIONAL DO LIVRO


E LEITURA (PNLL)
Jailton de Araújo Lira1

RESUMO: O objetivo desse artigo é analisar como os desdobramentos do Plano Nacional do


Livro e Leitura (PNLL) se inserem na criação de Planos Municipais do Livro, Leitura (PMLL),
bem como apresentar a importância da participação das bibliotecas comunitárias liderando o
processo de construção desses planos municipais. Tal inserção na condução desse processo
evidencia como as bibliotecas comunitárias ampliam não apenas a participação política desses
espaços, mas fundamentalmente amplificam o conceito da biblioteca redefinindo parâmetros ao
colocá-lo na mesma perspectiva da política pública ao dar mais visibilidade as bibliotecas ao
inserir a letra B na sigla dos planos.

PALAVRAS-CHAVE: Política Cultural, Política Pública, PNLL, PMLL, Bibliotecas


Comunitárias.

1. INTRODUÇÃO
Gostaria de começar apresentando um aspecto que serviu como insight e que reconfigu-
rou a forma como vinha conduzindo esta pesquisa, aconteceu durante o VI Seminário de Polí-
ticas Culturais realizado na Fundação Casa de Rui Barbosa em maio de 2015, ao participar das
discussões referentes às Políticas Culturais Setoriais: Livro e Leitura.
Logo após as apresentações, as perguntas na sua maioria eram direcionadas a um dos
temas, no caso sobre Instituto Nacional do Livro (INL) e nenhuma indagação ao quadro atual da
política do livro e leitura foi feita. Mediante essa constatação, perguntei aos palestrantes como
avaliavam a atual política do livro e leitura no cenário nacional.
O intuito do questionamento era partilhar as impressões sobre o atual momento do setor,
apesar de não haver comentários sobre o questionamento busquei estabelecer um paralelo entre
o INL e o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) referente à condução política do INL que
era verticalizada e centralizada já o PNLL funciona mais como um indicador e sua efetivação

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades – PPCULT - Universidade Federal
Fluminense – UFF. Bacharel em Biblioteconomia. jailtonunirio@gmail.com

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só é possível por uma maior descentralização em sua execução ficando a cargo dos estados e
municípios criarem seus planos estaduais e municipais.
Apesar da reformulação do questionamento o que se seguiu foram conversas abertas em
que aproveitei para elencar os atores envolvidos, as cidades que estão com seus planos aprovados
ou em pleno curso e só a partir daí me dei conta que não tinha atentado que essa descentraliza-
ção produziu desdobramentos que me auxiliaram a repensar a pesquisa e que apresentarei nos
próximos capítulos como, por exemplo: a mudança de foco na condução na Política de Estado, a
adesão e protagonismo dos atores que atuam nas bibliotecas comunitárias na condução dos deba-
tes para a aprovação dos planos municipais do livro e leitura, as disputas envolvendo esses novos
atores com os velhos dilemas do setor, a inclusão da letra B na sigla do PMLL.
Foi graças a uma pergunta não respondida que atentei que as perguntas certas ainda não ti-
nham sido feitas e só depois delas é que consegui explorar melhor o desenvolvimento da pesquisa.

2. MUDANÇA DE FOCO NA CONDUÇÃO DA POLITÍCA DE ESTADO


A primeira experiência governamental que concebeu maior importância à cultura en-
quanto política de Estado ocorreu no Departamento de Cultura de São Paulo, na direção de
Mário de Andrade servindo posteriormente como modelo para a esfera federal. É no Governo
Vargas que esse investimento político fica mais evidente e a cultura passa a ter um papel mais
efetivo no planejamento e na execução de ações em âmbito nacional.
Com a articulação do Estado e a crescente importância dada às questões da formação e
valorização de uma identidade nacional, aliadas pela atuação vigorosa de intelectuais, educado-
res e artistas possibilitou pensar e estruturar com a nova configuração política, todo um aparato
estatal que se dedicará a criação de uma política cultural, como observa Rubim:
[...] A política cultural implantada valorizava o nacionalismo, a brasili-
dade, a harmonia entre as classes sociais, o trabalho e o caráter mestiço
do povo brasileiro. A potência desta atuação pode ser dimensionada, por
exemplo, pela quantidade de instituições criadas, em sua maioria já no
período ditatorial. Dentre outras, podem ser citadas: Superintendência
de Educação Musical e Artística; Instituto Nacional de Cinema Edu-
cativo (1936); Serviço de Radiodifusão Educativa (1936); Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1937); Serviço Nacional do
Teatro (1937); Instituto Nacional do Livro (1937) e Conselho Nacional
de Cultura (1938). Também não é mera casualidade que este período es-
teja entre os mais contemplados em termos de estudos. (RUBIM, 2007,
p. 16-17)
Aqui cabe uma apresentação mais detalhada do Instituto Nacional do Livro (INL). O
instituto foi criado através do decreto-lei nº 93, de 21 de dezembro de 1937 tendo como objeti-
vos principais a publicação da Enciclopédia Brasileira e do Dicionário da Língua Portuguesa, a

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edição de obras de interesse para a cultura nacional, estímulo ao mercado editorial e a criação
de bibliotecas públicas.
Sua estrutura administrativa era centrada em três seções, a saber: Seção de Enciclopédia
e Dicionário, Seção das Publicações e Seção das Bibliotecas.
Essas seções cumpriam na concepção de Oliveira (1994) o papel de braço intelectual,
editorial e distribuidor do INL cuja principal ocupação era centrada na produção e distribuição
do livro, relegando assim as bibliotecas uma atuação secundária como meros receptores do ma-
terial bibliográfico editado por ela, não posso esquecer-me de mencionar que das três seções, a
seção das bibliotecas era a única que não tinha representação no Conselho de Orientação. Este
Conselho de Orientação era composto por cinco membros que eram nomeados pelo Presidente
da República cuja função era elaborar o Plano da Enciclopédia e do Dicionário e exercia influ-
ência no referido órgão.
A centralização de tais objetivos, não foi capaz de produzir ao longo da sua trajetória
um legado que creditasse a eficácia de sua política livresca e muito menos legitimou as biblio-
tecas públicas como espaços dinâmicos.
Em decorrência disso e do desinteresse estatal em reformular sua ação, ocorre o desmonte
do INL em três fases: à primeira em 1973 quando da transferência de toda sua linha editorial para
as editoras comerciais, depois sua fusão com a Biblioteca Nacional em 1987 originando a Fun-
dação Nacional Pró-Leitura e por fim ocorre a extinção desse órgão em 1990, transferindo para a
Biblioteca Nacional suas atribuições.
Como vimos à centralização não alcançou as metas estabelecidas e o setor não conseguiu
fortalecer-se em âmbito nacional.
Porém, é na gestão do governo Lula com o Ministro Gilberto Gil responsável pela pasta
da Cultura que ocorre a reformulação das políticas do livro, leitura e bibliotecas. O PNLL é fruto
de intenso debate ocorrido em algumas regiões brasileiras com o objetivo de recolher opiniões
dos diversos setores envolvidos com a área e a soma desse material serviu como base na forma-
tação dos seus quatro eixos de atuação apresentados a seguir.
• Democratização do acesso
• Fomento à leitura e a formação de mediadores
• Valorização do livro e a comunicação
• Desenvolvimento da Economia do livro
Os eixos servem como referenciais norteadores importantes para os estados e municípios
criarem seus planos estaduais e municipais, adaptando às suas realidades locais, descentralizan-
do a execução de tomada de decisão. A interlocução dos Ministérios da Educação e Cultura visa
somar esforços na atuação do PNLL evitando assim a duplicidade ou fragmentação de investi-
mentos de recursos humanos e financeiros.

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3. NOVOS ATORES, VELHOS DILEMAS


A participação social na construção de políticas públicas garante a ampliação de di-
reitos e estabelece um maior controle social aos organismos responsáveis pela execução dos
recursos públicos.
O primeiro Plano Municipal do Livro e Leitura (PMLL) aprovado no país foi o de Porto
Alegre, apesar da aprovação do PNLL ter ocorrido em 2006 somente em 2010 são dados os pri-
meiros passos com o intuito de mobilizar o município para a importância do tema.
O intenso debate com a sociedade civil organizada e entidades governamentais levou a
aprovação do primeiro PMLL em 2013.
A liderança no processo de discussão das bibliotecas comunitárias na formulação dos
Grupos Temáticos (GTs) ou Fóruns é uma das marcas dessa trajetória porto alegrense cujo obje-
tivo é à criação do documento que servirá de base para a política do setor2.
Apesar dos sete anos decorridos, período que compreende a aprovação do PNLL e do
PMLL de Porto Alegre há uma mobilização de cunho politico intensa. Michel de Certeau (1994)
afirma ser possível observar nas práticas cotidianas indícios de resistências no microcosmo da
sociedade. Resistências essas capazes de desenvolver estratégias que fragilizam e subvertem a
ordem dominadora.
Em seu livro A invenção do cotidiano o autor “está mais preocupado com a prática de
apropriação e o uso da mesma por grupos ou indivíduos”.
Podemos perceber essa apropriação por parte do movimento de bibliotecas comunitárias
que vem pleiteando a aprovação dos planos municipais. Essas lutas demandam tempo e enga-
jamento junto às esferas do poder, disputas que percorrem velhos dilemas da estrutura estatal
como a burocracia, o autoritarismo e as fragilidades institucionais.
Nesse cenário parece difícil superar as rotinas do modelo político brasileiro. Todavia,
como bem caracterizou Certeau é na movimentação de posições que os grupos irão perceber as
brechas para evitar sua desarticulação assim o conceito de tática de se encaixa perfeitamente no
desafio de reconfigurar posições:
[...] “chamo de tática a ação calculada que é determinada pela ausência
de um próprio. Então nenhuma delimitação de fora lhe fornece a con-
dição de autonomia. A tática não tem por lugar senão o do outro. E por
isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a
lei de uma força estranha. Não tem meios para se manter em si mesma,
à distância, numa posição recuada, de previsão e de convocação própria:
a tática é movimento ‘dentro do campo de visão do inimigo’, como di-
2
Essa marca criada por Porto Alegre apresenta um dado importante: sendo as bibliotecas comunitárias desprovi-
das de reconhecimento no campo biblioteconômico sua atuação no campo político acaba lhe proporcionando outro
tipo de reconhecimento e ao mesmo tempo lança suas demandas na construção de um projeto mais amplo sobre o
que é Biblioteca. Discutiremos esse aspecto com mais detalhamento no capítulo 4.

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zia von Büllow, e no espaço por ele controlado. Ela não tem portanto
a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o
adversário num espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe
por golpe, lance por lance. Aproveita as ‘ocasiões’ e delas depende, sem
base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O
que ela ganha não se conserva. Este não-lugar lhe permite sem dúvida
mobilidade, mas numa docilidade aos azares do tempo, para captar no
vôo as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que utilizar, vigi-
lante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância
do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar
onde ninguém espera. É astúcia. (CERTEAU, 1998, p. 100-101).
Assim, logo após a aprovação do plano de Porto Alegre, outras cidades brasileiras co-
meçam a buscar informações junto aos membros que fizeram parte do GT do PMLL desta
cidade. Com o intuito de trocar experiências para facilitar o encaminhamento político. Saber o
“caminho das pedras” é fundamental para evitar um maior desgaste de tempo, visto que o tempo
político é diferente das demandas dos proponentes.
Com essas trocas de informações, paulatinamente a ideia de uma rede começa a ser
construída, novos desafios surgem e com isso vão reformulando suas ações, mas sempre numa
perspectiva de aprender na prática e dialogando com quem já passou por situação similar.
Essa incidência política colaborativa é fundante dessa fase de construção dos planos em
que se evidenciam disputas e ao mesmo tempo mecanismo colaborativos fortes.

4. PLANOS MUNICIPAIS DE LIVRO E LEITURA


Nesta seção gostaria de apresentar um pouco do histórico das cidades que estão com seus
planos aprovados ou em via de aprovação.
Tais percursos apresentam os aprendizados produzidos, os desafios inerentes às agendas
públicas e o empoderamento que estão ocorrendo por parte dos grupos envolvidos.
Todavia, tecer afirmações sobre o sucesso alcançado por Porto Alegre precisa ser relati-
vizado, pois um dos problemas postos é a questão orçamentária.
O orçamento de Porto Alegre é de aproximadamente R$ 300.000,00, valor este não fixa-
do em termos percentuais da arrecadação municipal, ou seja, caso haja algum remanejamento de
recursos por necessidade da administração municipal esse valor poderá ser alterado.
Continuando a análise pelo prisma do orçamento, nos deparamos com o caso da cidade
de Nova Iguaçu que teve seu plano aprovado duas vezes, sendo a primeira por efeito de manobra
política do legislativo anulada e a segunda com apoio de todo o legislativo aprovada e dotado de
percentual de 2% do orçamento municipal.

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Nova Iguaçu conseguiu garantir a dotação orçamentária e o grupo que liderou a apro-
vação do plano vê à necessidade de criar mecanismos de monitoramento visando não deixar o
plano se tornar letra morta.
Para isso esses grupos precisam entender o funcionamento dos três mecanismos que
regulam os gastos públicos, são eles: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).
As cidades de Salvador (2013) e São Paulo (2014) também aprovaram seus planos sem
dotação orçamentária, porém no plano de São Paulo está previsto a criação de um fundo para a
execução dos projetos previstos.
No caso de Recife, Belo Horizonte, e Rio de Janeiro já estão com GTs ou Fóruns traba-
lhando para aprovação de seus planos. Já as cidades de São Luís e Duque de Caxias ainda estão
na fase de aprovação do GT ou Fórum. Apresentamos os diferentes estágios que as cidades
estão passando no quadro abaixo:

Município Formação de GT/Fórum Aprovação do Plano


Porto Alegre SIM SIM
Salvador SIM SIM
Nova Iguaçu SIM SIM
São Paulo SIM SIM
Recife SIM --
Fortaleza SIM --
São Luís *NÃO --
Duque de Caxias *NÃO --
Belo Horizonte SIM --
Rio de Janeiro SIM --
*Em processo de oficialização

5. A INCLUSÃO DA LETRA B
De acordo com Bourdieu (1989, p.28) ao nos depararmos com nosso objeto de pesquisa
um aspecto que devemos pensar é “tomar para objeto o trabalho social de construção do objeto
pré-construído: é ai que está o verdadeiro ponto de ruptura”.
Para isso buscaremos identificar as condições de sua pré-construção.
A circulação de livros e ideias no período colonial já era vista como um perigo que de-
veria ser combatido, imagine a criação de uma Biblioteca. Tais proibições tinham como pressu-
postos a manutenção da condição escravocrata alinhados com a metrópole.

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Posto isso é impossível pensar a criação de bibliotecas para um público que não podia ter
acesso, devido sua condição social de servidão.
Aos poucos abastados que tinham condições de transitarem no regime educacional e ter
acesso aos livros era possível em suas residências à existência de bibliotecas particulares, outro
extrato social que dispunha de tal dispositivo eram as ordens religiosas que dispunham de material
para catequisar as novas almas.
Essa abordagem histórica é necessária, pois se a Biblioteca não está ligada a uma con-
dição de direito e sim de privilégio temos ai um ponto inicial a nos determos. Sabemos que tais
proibições serão extintas com a vinda da família real que permitirá a circulação e produção de
impressos, porém somente a Imprensa Régia tinha autorização para tal, o que aponta para o
segundo ponto, com isso cria-se o monopólio do que poderia ser editado e distribuído e por fim
o restrito grupo de quem teria acesso a essa produção visto que a grande maioria da população
era analfabeta.
A construção social da Biblioteca e sua relação com a estrutura social brasileira foi base-
ada inicialmente por intermédio de privilégios, monopólio e circulação restrita.
Como já foi observado, tivemos nos anos 30 do século passado uma nova ressignificação
da Biblioteca brasileira através do INL, com intuito de acabar com os privilégios de poucos e
ampliar a circulação, porém sem perder de vista o monopólio do projeto de Biblioteca que seria
construído nesse período.
O desafio posto atualmente na construção do PNLL é justamente romper com essa cons-
tituição histórica de monopólio do significado da Biblioteca brasileira, alguns elementos apon-
tam para este exercício de ressignificação como a inclusão da letra B (de Biblioteca) na sigla
dos planos municipais, orientação essa fruto de intensos debates que viam a necessidade de
legitimar a biblioteca.
Aqui usaremos a concepção de campo de Bourdieu com o intuito de elencar as relações
produzidas e as disputas em curso analisando como podem contribuir para a construção de um
modelo que possa dar conta de entender esse sistema de relações:
[...] A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de
construção do objeto que vai comandar – ou orientar – todas as opções práticas da pesquisa. Ela
funciona como um sinal que lembra o que há que fazer, a saber, verificar que o objeto em ques-
tão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial de suas propriedades
(BOURDIEU, 1989, p. 27).
Nosso modelo irá se debruçar em três campos, apresentamos o quadro abaixo com a
configuração de cada campo e suas características referentes a grupos, interesses e disputas:

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CAMPOS SUBCAMPOS INTERESSES DISPUTAS


Gestores públicos, Monopólio das Manutenção do conceito
Político
Legisladores. decisões de biblioteca
Ampliação
Maior participação
Econômico Editoras, Livrarias do Mercado
política nas decisões
Consumidor
Ampliação de
Bibliotecas Públicas, Fortalecimento das
Instituições
escolares. Bibliotecas
Oficiais
Biblioteconomia
Reconhecimento
Social Bibliotecários Valorização salarial
profissional

Bibliotecas Reconhecimento Ampliação do conceito


Comunitárias destes Espaços de biblioteca

O esquema apresentado acima busca explicitar como cada campo está composto apre-
sentando seus interesses e disputas.
No entanto, um desses campos que denomino Biblioteconomia Social, possui um maior
número de subcampos e está numa forte movimentação interna muito motivada pela criação dos
planos municipais.

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A construção de novas representações na Biblioteconomia apresenta-se como uma pos-


sibilidade de ampliar o diálogo com outros grupos para um fortalecimento da área.
É justamente essa ampliação do conceito de bibliotecas que percebo como grande ele-
mento desse processo, visto que essa ressignificação conceitual vem construindo um novo mar-
co histórico na política do setor:
[...] E apesar disso, os homens não definem, habitualmente suas ansie-
dades em termos de transformação histórica e contradição institucional.
O bem-estar que desfrutam, não o atribuem habitualmente aos grandes
altos e baixos das sociedades em que vivem. Raramente têm consciência
da complexa ligação entre suas vidas e o curso da história mundial; por
isso, os homens comuns não sabem, quase sempre, o que essa ligação
significa para os tipos de ser em que se estão transformando e para o tipo
de evolução histórica de que podem participar. (MILLS, 1969, p. 10).
Observamos como essa prática, nos remete ao conceito de Habitus de Bourdieu, assim
podemos depreender que nesse primeiro momento as bibliotecas comunitárias disputam uma res-
significação da biblioteca, o fato desses espaços não estarem no escopo institucional oficial pode
ser uma tentativa de entender esse estágio, por isso essa conceituação de habitus é importante:
[...] Sistema de esquemas geradores de práticas que, de maneira sistemá-
tica, exprime a necessidade e as liberdades inerentes à condição de clas-
se e a diferença constitutiva da posição, o habitus apreende as diferenças
de condição captadas por ele sob a forma de diferenças entre práticas
classificadas e classificantes – enquanto produto do habitus – segundo
princípios de diferenciação que, por serem eles próprios o produto de
tais diferenças, estão objetivamente ajustados a elas e, portanto, tendem
a percebê-las como naturais. (BOURDIEU, 2007, p. 164).
Ou seja, essa concepção de uma estrutura que condiciona o indivíduo em suas práticas
que quer estabilizar um posicionamento dos agentes sociais com vias de naturalizar as práticas
e seu modo de reprodução está no cerne da relação entre campo e habitus:
[...] a teoria da prática de Bourdieu está ancorada na tese da existência
de uma inter-relação causal entre as matrizes socialmente adquiridas de
produção da conduta individual (habitus), de um lado, e as proprieda-
des estruturais dos contextos de socialização, atuação e experiência dos
agentes (campos), de outro. (Peters, 2013, p.52)
Entretanto, a própria estrutura pode fornecer os elementos para que essa estabilização
se altere fazendo com que os agentes operem diretamente no campo, alterando e reivindicando
novos procedimentos agênticos buscando novas possibilidades de se pensar a construção social,
operando diretamente nas brechas:
[...] as abordagens objetivistas interrompem precocemente seu trabalho
na fase do registro de tais regularidades ou propriedades estruturais, pri-
vando-se assim do diagnóstico dos princípios ou mecanismos agênticos

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capazes de responder pela geração e reprodução histórica dos padrões


societários observados. Nesse sentido, na ausência do exame dos ver-
dadeiros motores ou matrizes subjetivas de conduta através das quais
a agência dos atores é produzida e organizada de modo a engendrar a
existência de regularidades institucionais, as perspectivas objetivistas
são espuriamente levadas a passar da hipótese do coletivo à sua hipós-
tase, a confundir “o modelo da realidade” com “a realidade do modelo”,
reificando abstrações conceituais como “sociedade”, “classe” ou “modo
de produção”, isto é, concebendo-as como entidades autônomas capazes
de “agir” à maneira de agentes históricos concretos. (Peters, 2013, p. 50)
Todo o engajamento estético-político das bibliotecas comunitárias em dar visibilidade
a importância da instituição Biblioteca demonstra a importância que esse espaço ainda tem e
mostram como sua função social ainda precisa se fortalecer.
As redes construídas por esses grupos demonstram a necessidade de um diálogo entre
a classe bibliotecária e esses agentes que possuem outra dinâmica de atuação, mas que via o
campo político vem se fortalecendo.
É justamente esse interesse em comum que pode criar uma possibilidade de fortalecer
uma prática como observa Rancière:
Denomino partilha do sensível o sistema de evidências sensíveis que
revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que
nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa
portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas.
Essa repartição das partes e dos lugares se funda numa partilha de espa-
ços, tempos e tipos de atividades que determina propriamente a maneira
como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam
parte nessa partilha. (Rancière, 2009, p. 15)

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo apresentou os desdobramentos do PNLL em diálogo com a atuação de biblio-
tecas comunitárias na construção de Planos Municipais do Livro e Leitura.
Tal participação das bibliotecas comunitárias na construção dos PMLL’s no territó-
rio nacional deu maior visibilidade à articulação política desses grupos em defesa da institui-
ção Biblioteca.
Outro aspecto importante da atuação desses grupos foi a inclusão da letra B em suas
siglas, muito mais que a inclusão de uma letra é a escolha política em evidenciar qual seu inte-
resse nesse projeto e como as possíveis parcerias com a classe bibliotecária pode ainda dar mais
força a esse movimento que se constitui como uma nova possibilidade de pensar a Biblioteca
brasileira com grupos diversificados, mas com interesses em comum.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Zouk, 2007.
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Oficial da União, Rio de Janeiro, v. 76, n. 295, p. 25586, 27 dez. 1937.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1 : artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MILLS, Charles Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
OLIVEIRA, Zita Catarina Prates de. A Biblioteca “fora do tempo”: políticas governamentais de
bibliotecas públicas, 1937-1989. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, 1994.
PETERS, Gabriel. Habitus, reflexividade e neo-objetivismo na teoria da prática de Pierre Bourdieu. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo (SP), v. 28, n. 83, p.47-71, Disponível em: <http://www.scielo.
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RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO experimental ; ED.
34, 2009.
RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais no Brasil: tristes tradições, enormes desafios.
In: RUBIM, Antonio Albino Canelas; BARBALHO, Alexandre (Org.). Políticas culturais no Brasil.
Salvador: EDUFBA, 2007. (Coleção Cult).

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DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL CULTURAL E GESTÃO SOCIAL:


OS TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE DA BAHIA
Janaína Santos Dias1
Angeline Coimbra Tostes de Martino Alves2

RESUMO: O trabalho apresenta uma análise preliminar da Política de Desenvolvimento


Territorial Cultural do Estado da Bahia implementada desde 2007. Faz parte de uma pesquisa
em andamento baseada na análise de documentos oficiais e não oficiais e na realização de
entrevistas com técnicos ligados à formulação e à implementação da política “Territórios de
Identidade” ecomatores sociais. O objetivo é buscar compreender em que medida a abordagem
sociocultural dos “Territórios de Identidade da Bahia”se enquadra no referencial da gestão social
e em que aspectos vêm horizontalizando e criando novos paradigmas para a ação do estado nas
suas estratégias de desenvolvimento.

PALAVRAS-CHAVES: Desenvolvimento Territorial, Cultura, Gestão Social, Participação Social

“[...] trabalhamos com o elemento cultural, mas não com aquela cultura que a gente
classificou como nas manifestações, mas sim a cultura do modo de vida. Nós estamos propon-
do que o modo como se organiza a sociedade é um processo cultural” (SERPA, 2015).
(Trecho de Ubiramar Bispo - Coordenação Estadual dos Territórios – CET, Bahia)

1. INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa em que medida a política de desenvolvimento regional do estado da
Bahia, denominada “Territórios de Identidade”, se insere na lógica da gestão social e valoriza a
participação cidadã, bem como suas implicações e repercussões no âmbito governamental.
São analisados os resultados parciais da pesquisa empírica de dissertação de mestrado da
primeira autora. Trata-se de um estudo de caso, baseado na análise de documentos oficiais e não
1
Economista, mestranda do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGAd UFF) na Universidade Fede-
ral Fluminense. Email: janainadias@id.uff.br
2
Economista, especialista em Administração Pública e mestre em Administração (PPGAd UFF) pela Universida-
de Federal Fluminense. Email: actmalves@id.uff.br e angelinecoimbra@gmail.com

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oficiais e na realização de entrevistas com técnicos ligados à formulação e à implementação da


política “Territórios de Identidade” e atores sociais estudiosos do tema. A revisão bibliográfica
examina conceitos e perspectivas teóricas relacionadas com desenvolvimento, territorialidade,
cultura,gestão social e a participação social segundo a ótica da teoria habermasiana da democra-
cia deliberativa.
O objetivo é buscar compreender como a abordagem territorial cultural dos “Territórios
de Identidade da Bahia” introduz em seu desenho e implementação a gestão social e em que
aspectos vêm horizontalizando a ação do Estado nas estratégias de desenvolvimento.
Essa perspectiva suscita ainda as seguintes questões: até que ponto um projeto político
de desenvolvimento territorial, que prioriza a dimensão sociocultural como vetor estratégico,
vem aproximando a sociedade e o Estado na articulação das políticas públicas do estado? E se
há protagonismo dos atores locais, pluralismo nos espaços públicos colegiados e participação
cidadã na dinâmica social, política, cultural e econômica do Estado.
Desde os anos 2000, tem havido grandes transformações e desafios na vida social, po-
lítica, econômica e cultural brasileira. Transformações significativas vêm ocorrendo no ritmo e
no modo do país se desenvolver num caráter mais amplo, sustentado, democrático e inclusivo,
que ao mesmo tempo vem criando oportunidades e impondo desafios para a sociedade, para o
Estado e para as relações Estado-sociedade.
A regionalização do estado da Bahia a partir da abordagem cultural que vem conside-
rando toda a diversidade cultural, ambiental, econômica e social existente nesse estado, esta-
beleceu umnovo paradigma na formulação das políticas públicas e ao invés de governar “para”
a sociedade, passa a governar “com” a sociedade, respeitando a organização espacial, a que a
população se sente pertencente, e naturalmente estabelece seus vínculos e interrelações (SE-
PLAN, 2016). A política é estruturada a partir da gestão social nos 27 territórios de identidade
do estado utiliza-se de diversos instrumentos como: o Plano Plurianual Participativo (PPA-P),
que fomenta a participação social por meio dos Colegiados Territoriais de Desenvolvimento
Sustentável (Codeter´s), os Diálogos Territoriais, o Plano Territorial de Desenvolvimento Sus-
tentável (PTDS) e Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e demais instâncias que são espa-
ços de representação e delegação territorial.
Chauí (2009) destaca que uma prática de representação política é autêntica quando a par-
ticipação popular é política e democrática e é capaz de produzir suas próprias leis, as normas, as
regras e os regulamentos, que dirijam a vida sociopolítica e que a democracia exige a ampliação
da representação pela participação e pela descoberta de outros procedimentos que garantem a par-
ticipação como ato político efetivo, que aumenta à medida que há a criação de um novo direito. A
autora também salienta que falar de participação na construção de políticas públicas significa dar
voz e visibilidade aos agentes sociais e desconstruir a hierarquia das diferenças através do diálogo.

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O trabalho será desenvolvido em três seções, além dessa introdução e das considerações
finais. A primeira tratará da questão do desenvolvimento territorial, a segunda da gestão social
com enfoque na teoria habermasiana e a terceira trata da questão da identidade nos territórios e
da gestão social, onde serão apresentados dados empíricos do caso em estudo.

2. DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
As discussões com ênfase nas questões regionais foram retomadas no âmbito do governo
federal a partir dos anos 2000 e a concepção territorial vem se fortalecendo desde então.Políticas
de intervenção nos espaços vêm sendo propostas como uma mudança no objeto de ação, de um
setor específico ou de um ator social, para um novo objeto relacionado com as diferentes dimen-
sões que caracterizam o território e tem contribuído para a ampliação do entendimento do ter-
ritório, como expressão política organizada no espaço, de suas identidades e práticas culturais.
A incorporação territorial cultural nas políticas de desenvolvimento no Brasil3, desde os
anos 2000, vem acarretando significativas mudanças no modelo de atuação do Estado dentre as
quais se destaca a valorização das iniciativas e dos atores locais em detrimento do padrão ver-
tical e descendente, que historicamente caracteriza a estratégia estatal para o desenvolvimento
(ZANI e TENÓRIO, 2014).
A abordagem dos “Territórios de Identidade da Bahia”, assim como os Territórios de
Cidadania do Governo Federal,é inspirada na regionalização do país pelo programa Territó-
rios Rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) a partir de 20034. A política de
desenvolvimento da Bahia é estruturada a partir do território5, o que implica a multissetoriali-
dadedo desenvolvimento e o envolvimento plural de atores. Também implica ações e políticas

3
Programa Cultural para o Desenvolvimento do Brasil. Brasília: Ministério da Cultura, 2006. Disponível em:
www.cultura.gov.br/programaculturaldesenvolvimentobrasil.
4
A configuração dos Territórios de Identidade teve como principal indutor o Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), que, em 2003, através da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), introduziu o Pro-
grama Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat) com o objetivo de “promover o
planejamento e a autogestão do processo de desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e o fortalecimento e
dinamização de sua economia. Disponível em: http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?con-
teudo=51
5
No início do ano 2007, o Fórum Baiano de Agricultura Familiar reivindicou o reconhecimento, a adoção e o esta-
belecimento dos 26 territórios de identidade da Bahia (hoje o estado possui 27 territórios de identidade) como dire-
triz básica do planejamento público estadual, junto ao secretário do planejamento estadual e a partir de então outras
secretarias de governo foram envolvidas no processo, o que resultou numa mapa com as novas regiões do Estado
que passou a ser utilizado como instrumento de orientação para a promoção do desenvolvimento social em todo o
território baiano norteando a concepção dos Plano Plurianual PPA 2008/2011 e PPA 2012/2015 e PPA 2016/2019.A
política dos territórios como unidades de planejamento norteou também o programa do governo federal Territórios
da Cidadania em 2008 (SERPA, 2015, p.24).

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implementadas a partir do processo deliberativo e dialógico6 e que esses sejam aderentes ao


cotidiano das pessoas, das instituições e economias locais de modo que possam ser construí-
dos entre atores e setores e que gerem capacidades e possibilidades de transformação social. O
desenvolvimento territorial parte do reconhecimento de que a sustentabilidade do processo de
desenvolvimento territorial é tributária do envolvimento ativo das forças sociais nele presentes,
o que pode garantir a aderência do processo à dinâmica socioeconômica vivenciada no território
(MDA, 2005).
A participação é entendida a partir da ideia de gestão social7, que é concebida como en-
volvimento dos diferentes atores do território em todas as fases da política de desenvolvimento,
desde a mobilização dos agentes até a avaliação das ações implementadas nos territórios e o
controle social.
Os Territórios de Identidade da Bahia são uma importante ferramenta para o planejamen-
to governamental do Estado, como objetivo de promover de maneira integrada o desenvolvi-
mento sociocultural dos 27 territórios baianos, que são unidades de planejamento das políticas
públicas do Estado. O conceito de território trabalhado pelo governo da Bahia é:
o território é conceituado como um espaço físico geograficamente de-
finido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensio-
nais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política
e as instituições e uma população com grupos sociais relativamente dis-
tintos que se relacionam interna e externamente por meio de processos
específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam
identidade, coesão social, cultural e territorial. (SEPLAN-BA)8.
Ao incorporar a dimensão territorial como base de operacionalização das ações numa
abordagem sociocultural, na qual as identidades territoriais e o sentido de pertencimento dos

6
Os primeiros Diálogos Territoriais ocorreram entre os meses de abril e junho de 2010, visando a promoção de
uma discussão sobre política territorial, o fortalecimento do papel dos membros do CAPPA (Conselho de Acom-
panhamento do PPA), com maior integração junto aos Colegiados Territoriais e a prestação de contas das ações de
governo, desde 2007, nos Territórios de Identidade.Uma das iniciativas mais importantes dos Diálogos Territoriais
foi a exposição sobre as realizações do governo a partir das demandas apresentadas pelos territórios durante o PPA-
-P (2008-2011). Os Diálogos Territoriais aconteceram nos 27 Territórios de Identidade, com a participação de apro-
ximadamente 2,6 mil pessoas. Em 2013, ocorreu o segundo Diálogos Territoriais, em 20 Territórios de Identidade,
como o objetivo do governo prestar conta das suas ações e submeter à avaliação dos Territórios sua execução do
PPA (2012-2015) seus programas para a avaliação popular. Ver em http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/
conteudo.php?conteudo=46.
7
As bases normativas da gestão dos Territórios de Identidade da Bahia desde implementado desde 2007e do Pro-
grama Territórios de Cidadania do governo federal lançado em 2008 foram delineadas a partir dos Territórios Ru-
rais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) desde implementados desde 2003 que possui dentre outras
norrmas: (a)a integração de políticas públicas a partir do planejamento territorial; (b) ampliação dos mecanismos
de participação social na gestão das políticas públicas para o desenvolvimento do Território calcados no pluralismo
dos atores, no processo deliberativo dialógico e que estes sejam aderentes ao cotidiano das pessoas, instituições e
economias locais (MDA,2003).
8
Disponível em: www.seplan.ba.gov/mapa.br

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agentes sociais possam ser centrais no planejamento e na gestão estatal das políticas públicas,
o estado da Bahia vem, desde 2007, ativando um modelo de gestão social9. A estratégia põe ên-
fase nas relações sociais, que possibilitem modificações e transformações econômicas, sociais,
políticas e culturais capazes de se adequarem à situação específica de cada território e na forma
como cidadãos e grupos interagem, valendo de seus recursos disponíveis de modo a responder
com efetividade aos desafios encontrados em meio à diversidade do estado. Dessa forma, a ideia
de desenvolvimento territorial cultural é indissociável da ideia de gestão social e controle social
(TENÓRIO et al., 2008, p.158).

3. GESTÃO SOCIAL
A gestão social tem sido vista como um processo dialógico, de decisões compartilhadas
entre os agentes envolvidos (BOTREL et al., 2011).
Os autores chamam a atenção para o fato de que diferentemente da gestão estratégica,
que é pautada pelo mercado, cujo objetivo central é o lucro, necessitando para isso excluir os
competidores, a gestão social se pauta na solidariedade, onde os participantes têm voz ativa. As-
sim, deixam claro que enquanto a primeira é pautada no indivíduo, esta se pauta na coletividade.
A participação social é elemento fundamental da gestão social, pois é a partir dela que a
coletividade assume um papel ativo nas decisões públicas e no controle social, permitindo que o
espaço público e político e a sociedade civil e sua infraestrutura, tenham função de garantir uma
força integradora e autônoma da prática do entendimento entre cidadãos.
Segundo Jürgen Habermas (1995, p.41), “a participação [é] uma prática comum, cujo
exercício é o que permite aos cidadãos se converterem no que querem ser: atores políticos res-
ponsáveis de uma comunidade de pessoas livres e iguais”.
O elemento argumentativo no interior do processo deliberativo, como tendênciacontem-
porânea, surgiu na teoria democrática a partir dos anos 1970 (AVRITZER, 2000).
Parece adequado, quando se trata de estudos acerca de participação social, cidadania,
controle social, desenvolvimento local e territorial, cujo a priori é a possibilidade de diálogo
entre partes distintas e interesses diferenciados, utilizar para análise a teoria habermasiana da
democracia deliberativa, que tem por princípio a racionalidade intersubjetiva.
Habermas demonstra que é necessário ir além de uma razão subjetiva, propõe uma mu-
dança de paradigma, a intersubjetividade, o processo de decisão dialógico (VITALE, 2006). A
sociedade contemporânea, para avançar na emancipação da razão moderna, precisa superar o
individualismo e avançar na intersubjetividade, na solidariedade. Fortalecer a razão dialógica,
argumentativa, comunicativa, é avançar na democracia.
9
Em seus documentos oficiais o estado da Bahia utiliza o conceito de Gestão Cultural como pressuposto de suas
políticas territoriais. Maiores informações ver em: http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?-
conteudo=46

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Assim, um importante conceito do autor é o de espaço público ou esfera pública, que ele
considera como um fenômeno social elementar e que
pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de con-
teúdos, tomadas de posição e opiniões. [...] A esfera pública constitui
principalmente uma estrutura comunicacional do agir orientado para
o entendimento, a qual tem a ver com o espaço social gerado no agir
comunicativo, não com as funções nem com os conteúdos da comuni-
cação cotidiana. [...] O espaço de uma situação de fala, compartilha-
do intersubjetivamente, abre-se através das relações interpessoais que
nascem no momento em que os participantes tomam posição perante os
atos de fala dos outros, assumindo obrigações ilocucionárias. Qualquer
encontro que não se limita a contatos de observação mútua, mas que
se alimenta da liberdade comunicativa que uns concedem aos outros,
movimenta-se num espaço público, constituído através da linguagem.
Em princípio, ele está aberto para parceiros potenciais do diálogo, que
se encontram presentes ou que poderiam vir a se juntar. [...] os proces-
sos de formação de opinião, uma vez que se trata de questões práticas,
sempre acompanham a mudança de preferências e de enfoques dos
participantes – mas podem ser dissociados da tradução dessas disposi-
ções em ações. Nesta medida, as estruturas comunicacionais da esfera
pública aliviam o público da tarefa de tomar decisões; as decisões pro-
teladas continuam reservadas a instituições que tomam resoluções. Na
esfera pública, as manifestações são escolhidas de acordo com temas
e tomadas de posição pró ou contra; as informações e argumentos são
elaborados na forma de opiniões focalizadas. Tais opiniões enfeixadas
são transformadas em opinião pública através do modo como surgem
e através do amplo assentimento de que “gozam”. [...] Na esfera pú-
blica luta-se por influência, pois ela se forma nessa esfera. Nessa luta
não se aplica somente a influência política já adquirida (de funcioná-
rios comprovados, de partidos estabelecidos ou de grupos conhecidos,
tais como o Greenpeace, a Anistia Internacional, etc.), mas também
o prestígio de grupos de pessoas e de especialistas que conquistaram
sua influência através de esferas públicas especiais [...] a influência
política que os atores obtêm sobre a comunicação pública, tem que
apoiar-se, em última instância, na ressonância ou, mais precisamen-
te, no assentimento de um público de leigos que possui os mesmos
direitos. [...] temos que fazer uma distinção entre atores que surgem
do público e participaram na reprodução da esfera pública e atores
que ocupam uma esfera pública já constituída, a fim de aproveitar-se
dela. Tal é o caso, por exemplo, de grandes grupos de interesses, bem
organizados e ancorados em sistemas de funções, que exercem influ-
ência no sistema político através da esfera pública. Para preencher sua
função, que consiste em captar e tematizar os problemas de sociedade
como um todo, a esfera pública política tem que se formar a partir dos

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contextos comunicacionais das pessoas virtualmente atingidas (HA-


BERMAS, 1997, p. 92-94).
Desde sua origem, este conceito tem algumas características ligadas ao debate democrá-
tico contemporâneo. A ideia é de um espaço onde os indivíduos interagem, debatem as decisões
tomadas no âmbito político, pelas autoridades, como também avaliam o conteúdo moral das di-
ferentes relações existentes na sociedade e apresentam suas demandas ao Estado. Os indivíduos
discutem e deliberam sobre questões políticas na esfera pública, adotam estratégias para chamar
a atenção da autoridade política (AVRITZER, 2000).
De acordo com a teoria habermasiana, o processo de decisão governamental necessita
de sustentação por meio da deliberação dos indivíduos racionais em fóruns amplos de debate e
negociação. No entanto, a deliberação não é resultado de uma agregação de preferências fixas
individuais. A deliberação resulta de um processo de comunicação, em espaços públicos, que
antecede e auxilia a própria formação da vontade dos cidadãos (FARIA, 2000).
Nesse sentido, segundo Habermas (1995), quando as formas de comunicação estão
suficientemente institucionalizadas, a política dialógica e a política instrumental entrelaçam-se
no campo das deliberações. Tudo gira em torno das condições de comunicação e dos proce-
dimentos que outorgam à formação institucionalizada da opinião e da vontade políticas, sua
força legitimadora.
Para Avritzer (2000), Habermas faz uma tentativa sociológica de reincorporar a argu-
mentação ao mundo social. A dinâmica dessa tentativa é supor a presença de um mundo com
pré-interpretações distintas e propor uma solução para o problema sociológico da produção da
ordem que envolva o consenso argumentativo das partes sobre as características da ordem social
em disputa. A isso o filósofo alemão denomina ação/agir comunicativo, nas próprias palavras
do autor:
O agir comunicativo depende de um processo de interpretação cooperati-
vo em que os participantes se referem simultaneamente a algo no mundo
subjetivo, no mundo social e no mundo objetivo; mesmo que no ato de
sua manifestação ele consiga enfatizar respectivamente apenas um dos
três componentes. Os falantes e ouvintes utilizam o sistema de referência
dos três mundos como uma moldura no interior da qual tecem e interpre-
tam definições comuns relativas à situação de sua ação. Nesse sistema
de referência, eles não se referem diretamente a algo no mundo, mas
relativizam suas próprias exteriorizações tendo em vista a possibilidade
de que o outro ator venha a contestar a validade delas (HABERMAS,
2012, p. 221).
O problema da intersubjetividade tem a ver com a possibilidade de sujeitos variados
compartilharem o mesmo mundo da vida. Este entendido como o mundo subjetivo, objetivo e
social de cada indivíduo.

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O mundo moderno, destaca Vitale (2006), trouxe consigo um dilema complexo. O pro-
cesso de fragmentação da sociedade, representado também pelo individualismo liberal, gerou
um desequilíbrio nas esferas de valor. As instituições surgidas com o Estado moderno e o siste-
ma capitalista prevalecem sobre as outras esferas de valor. O individualismo prevalece sobre a
solidariedade, por exemplo, tão importante para o bom desenvolvimento democrático, inclusive
na versão deliberativa habermasiana.
Confome a autora, Habermas denomina esse processo de colonização do mundo da vida
por imperativos sistêmicos, o que constituiria numa sociopatologia.
A colonização do mundo da vida é como o que ocorre na atualidade, a economia e a
administração pública, seus valores se sobrepondo aos valores culturais, sociais e éticos dos
sujeitos e da coletividade. Na teoria democrática deliberativa habermasiana, a racionalidade
instrumental e a racionalidade argumentativa devem conviver, com a segunda legitimando a
primeira. Não o contrário, como ocorre no processo de colonização do mundo da vida.

4. TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE E GESTÃO SOCIALL


Serpa (2013) destaca que,pela primeira vez, um governo estadual sinalizou a possibilida-
de de construção de uma gestão participativa, estabelecendo e criando instâncias de diálogo com
movimentos sociais e a sociedade civil organizada no sentido de levar em conta as demandas e
propostas levantadas pela população (Idem, p.51).
No início de 2007, foi realizado o PPA Participativo10 do Estado da Bahia, que foi o
primeiro passo do governo em direção a abertura de canais efetivos de diálogo com a sociedade
baiana. AS plenárias do PPA participativo ocorreram nos 27 territórios de identidade, foram re-
gistradas mais de 806 demandas sociais, mas as metas do PPA hoje são territorializadas. O Plano
Plurianual de 2008/2011foi elaborado a partir do PPA participativo passando a ser metodologia
e instrumento de gestão dos PPAs 2012/2015 e 2016/2019. Ao longo dos últimos quatorzes
anos, o governo do Estado da Bahia vem tratando a política territorial como política de Estado,
a lei 12.214 de 29 de dezembro de 2014, que dispõe sobre os princípios, diretrizes e objetivos
da Política de Desenvolvimento Territorial do Estado da Bahia, institui o Conselho Estadual de
Desenvolvimento Territorial (Cedeter)11 e os Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sus-

10
Destaca-se que foram capturadas mais de oito mil propostas formuladas pelos representantes da sociedade civil
organizada em cada um dos vinte e sete territórios e cerca de doze mil pessoas contribuíram apresentando propostas
(IPEA, 2015).
11
O Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial (Cedeter) é um órgão de caráter consultivo e de assessora-
mento, vinculado à Seplan, com a finalidade de subsidiar a elaboração de propostas de políticas públicas e estraté-
gias para o desenvolvimento territorial sustentável e solidário do Estado da Bahia. Foi, primeiramente, instituído
pelo decreto n.º 12.354, de 25 de agosto de 2010, e, posteriormente, pela Lei 13.2014/14. Mais informações ver em:
http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=51.

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tentável (Codeter´s)12, o Comitê de Acompanhamento do Plano Plurianual (CAPPA)13, o Plano


Territorial de Desenvolvimento Sustentável (PTDS)14, o Plano Plurianual Participativo (PPA-P),
o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE)15.
A Bahia foi também o primeiro estado a criar a rede estadual de territórios, denominada
de Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia (CET). Esta rede inspirou a
criação de similares em vários estados da federação e organização da Rede Nacional de Territó-
rios (MDA, 2016).
Ubiramar Bispo, da Coordenação Estadual dos Territórios (CET) ressalta que:
a política territorial desenvolvida no estado tem caráter finalista se cons-
tituindo como um instrumental que dá suporte a integração das políticas
setoriais. A CET articula em rede os colegiados territoriais no Estado da
Bahia, estimulando o diálogo entre os territórios e a consolidação e forta-
lecimento dos colegiados e mediação de conflitos (SERPA, 2015, p.27).
O estado da Bahia possui um meio físico diverso, culturas diversas e formas de interagir
no espaço também diversas.
Thiago Xavier, atualmente Diretor de Planejamento Territorial do estado,ressalta que
O estado é muito diversificado e por isso ter formulado políticas ho-
mogêneas dentro dessa diversidade transformou o ativo do estado que
12
O Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável (Codeter) é o fórum de discussão e de participação
social presente em todos os Territórios de Identidade. Trata-se de um espaço de planejamento, cogestão e concerta-
ção de políticas públicas, programas e projetos. Cada Território de Identidade possui um colegiado, composto por
representantes de organizações da sociedade, que representam toda a diversidade social do território, e de órgãos
e instituições públicas municipais, estadual e federal. O Codeter tem composição paritária com, pelo menos, 50%
da sociedade civil e o máximo de 50% do poder público. A consolidação dos colegiados significa a construção de
políticas públicas de forma mais democrática, transparente e participativa. Mais informações ver em: http://www.
seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=51.
13
Com a criação do Comitê de Acompanhamento do Plano Plurianual (Cappa), o governo fortaleceu os instrumen-
tos de transparência. O Cappa é composto pelos representantes da sociedade civil eleitos para comporem o CE-
DETER, sendo onze titulares. Sua função é acompanhar a execução do Plano e mediar o diálogo entre a sociedade
e o Estado. A SEPLAN fornece os insumos sobre o PPA e o Comitê faz suas incursões, recomendando possíveis
ajustes, além de apresentar aos territórios suas impressões Maiores informações ver em:.http://www.seplan.ba.gov.
br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=51.
14
O Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável (PTDS) é o principal instrumento orientador das estratégias
e intervenções no Território. Tem como objetivo facilitar a articulação e a implementação de programas e projetos
que viabilizem o desenvolvimento territorial sustentável. Ele é resultado do amplo processo de sensibilização, mo-
bilização e construção coletiva dos principais atores do Território, tanto do poder público, como da sociedade civil
organizada.O PTDS é um instrumento elaborado pelo território e para o território, qualificando significativamente
as suas demandas e proposições para os órgãos públicos nas diversas esferas. O Governo Estadual pode, inclusive,
consultá-lo para elaboração de suas políticas para os territórios.A maioria dos 27 Territórios do Estado da Bahia
possui um PTDS elaborado ou estão em fase de elaboração. Maiores informações ver em:http://www.seplan.ba.
gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=51.
15
O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é um instrumento de gestão que orientará os investimentos públicos
e privados. Sua importância para a Bahia está em apontar, através de lei:As áreas adequadas à implantação de arran-
jos socioprodutivosespecíficos;Os locais que devem ser protegidos devido à maior vulnerabilidade ambiental;As
regiões que se encontram degradadas ou em estado de degradação que deverão ser objeto de ações de recuperação.
Maiores informações ver em: www.zee.ba.gov.br.

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é justamente a sua diversidade em um passivo que é a desigualdade


regional que ainda persiste em todo o estado, o diretor de planejamento
territorial expõe que 80% da arrecadação de todo o estado vem do ter-
ritório metropolitano de Salvador e que isso é uma grande pobreza para
o estado, pois o estado não consegue se desenvolver mais, pelo nível de
concentração extremamente elevado e pelo tamanho e potencialidades
do estado isso não se justifica.
Os Territórios de Identidade força o estado a pensar políticas públicas
específicas para cada território e que esse é o desafio da gestão estatal;
pensar as políticas a partir da diversidade e estimular as articulações in-
tersetoriais e as transversalidades e para isso é necessário trazer a popu-
lação a participar desse processo, pois o estado precisa ser mais eficiente
no processo de gestão e formulação das políticas e eficaz na execução
das mesmas e para isso é importante promover um processo de concerta-
ção para atingir os objetivos que as políticas pretendem, que é alavancar
o desenvolvimento sustentável do estado, a melhoria da qualidade de
vida a partir das potencialidades locais, modos de vida e culturas locais
nos territórios.
A Bahia foi o estado que mais aperfeiçoou e sofisticou os instrumen-
tos de política territorial e de participação social. O primeiro passo foi
o primeiro PPA-P terrritorializado (metas territorializadas) e o estado
acompanhou a mudança metodológica do PPA, passando o PPA a ter um
caráter estratégico reforçando a função planejamento a Bahia foi o esta-
do que mais aderiu a esse novo modelo que acreditamos ser uma modelo
que comunica melhor dentro do governo e para a sociedade quais são as
entregas em produtos e serviços que o estado pretende fazer e traz com
muitas clareza de linguagem comunicação quais são os programas e
compromissos e quais setores que irão participar destes compromissos,
quais suas metas e iniciativas descrevendo e quantificando essas entre-
gas colocando quais os indicadores de partida e onde se quer chegar ao
final do PPA. Essa estrutura facilita o processo de participação social, a
sociedade é chamada a participar, esse ano de 2015 estamos indo para o
terceiro PPA-P e a cada ano de escuta tentamos evoluir na gestão, hoje
já está inserido no sistema coorporativo de planejamento do estado a
escutas não como uma coisa a parte, mas todas as demandas territoriais
e setoriais são inseridas no FIPLAM16 que já funciona há três anos.
16
FIPLAN-BA é o Sistema de Informações Contábeis e Financeiras do Estado da Bahia – SICOF visa promover
o redesenho dos processos que compõem a estrutura de gestão e operacionalização da programação governamen-
tal, do orçamento, da execução orçamentária, da execução financeira e da contabilidade pública, envolvendo as
atividades e procedimentos das áreas de planejamento e finanças e permite que em uma única ferramenta sejam
sistematizados os processos de elaboração dos instrumentos de planejamento, de monitoramento e avaliação da
execução orçamentária, assim como as ações de gestão orçamentária, financeira, contábil e patrimonial no âmbito
da Administração Pública Estadual, inclusive com a possibilidade de abranger as empresas públicas e as sociedades
de economia mista não dependentes integrantes da estrutura governamental. Maiores informações ver em: http://
www.portalfiplan.ba.gov.br/.

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Conforme Antônio Canelas Albino Rubim, Secretário de Cultura do estado, no período


de 2011 a 2014, a regionalização e reorganização do estado em Territórios de Identidade é uma
conceituação muito cara ao campo da cultura, pois além de falar em território, fala sobre iden-
tidade, ou seja, onde há a ideia de identidade daqueles lugares e locais, que pertencem àquele
território, é fundamental e obviamente que a noção de identidade está ligada à cultura. Isso por-
que introduz na própria classificação dos Territórios de Identidade, que a cultura é importante,
que a cultura faz parte da classificação do estado. Desde o início, em 2007, na gestão de Márcio
Meirelles, que a Secretaria de Cultura (SECULT) foi a secretaria que levou mais a sério a reor-
ganização do estado em territórios de identidade. A SECULT foi quem mais se apropriou deste
conceito. O ex-secretário ainda observa:
Desde 2009 até hoje têm sido realizadas as conferências territoriais de
cultura, um fato inédito no país, pois sempre acontecem as conferências
municipais e estaduais e setoriais. Uma inovação, se não me engano, a
Bahia é o único estado onde ocorrem conferências territoriais. São vinte
e sete territórios de identidade, foram realizadas vinte e sete conferên-
cias territoriais. Eu gostaria de falar sobre as conferências, pois elas são
muito importantes. Na minha gestão já eram tradição, as conferências de
cultura, em 2011 ocorreu e em 2013 nós resolvemos então qualificá-las
no seguinte sentido: em geral há aquela conversa de que as conferências
nunca dão em nada, então em 2013 fizemos um levantamento de todas
as conferências territoriais anteriores e do que foi demandado em 2007,
2009 e 2011 e chegando em 2013, na Conferência Estadual de Cultura,
expusemos todas as demandas e apresentamos tudo o que foi feito e
tudo que não foi feito, porque achamos importantíssimo que as pessoas
vissem primeiro o que pediram, uma memória e visão de cada território,
uma memória do que foi alcançado para deslegitimar, inclusive a fala
de que as conferências não dão em nada, que essa falação não serve pra
nada, provamos por A+ B que aconteceu isso e aconteceu aquilo e como
isso tudo tem a ver com as demandas colocadas e, por fim, as coisas que
não foram feitas e disso saiu um caderninho, por exemplo, o Território
do Sisal tem um caderninho que diz tudo isso, o Território do Extremo
Sul também tem um caderninho que diz tudo também. Essa ação é uma
maneira que chamamos de devolutiva, é uma maneira de se devolver
à comunidade uma memória das conferências territoriais para que de-
mandas que já foram atendidas não se repitam, por exemplo, e também
como respeito e para dizer que levamos a sério as conferências e fazer
um acúmulo sobre o pensamento do território. Considero essa ação mui-
to positiva, dando um “plus” às conferências, elas ficaram num patamar
mais interessante,a meu ver,um desdobramento extremamente positivo.
Lula Dantas, representante da Comissão Nacional de Pontos de Cultura (CNPdC) e tam-
bém integrante e fundador da Associação do Culto Afro Itabunense-BA, que promove oficinas

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gratuitas de tradição oral, artesanato, capoeira, cultura digital, teatro e dança no estado diz que
a associação existe desde 1987 e, em 2008, com o processo de territorialização das políticas cul-
turais pela SECULT se transformou em Ponto de Cultura (conveniado inicialmente à Secretaria
Estadual de Cultura (SECULT), hoje ao Ministério da Cultura (MinC) e, a partir de então, os
trabalhos da associação tiveram mais visibilidade, hoje a associação tem assento em diversos
conselhos e fóruns municipais, estaduais e nacionais ligados à cultura como o Conselho Setorial
de Cultura Afro Brasileira. A respeito de sua militância e participação nas políticas do estado
Lula expõe:
Sou babalaxé no terreiro de AséOyaFunké, comunidade de nação Ketu
dedicado a orixá Oya. A associação cultural hoje é ponto de cultura e
funciona há quarenta anos no mesmo local na minha comunidade em
Itabuna e que através da divulgação e promoção da cultura da sua co-
munidade e que após virar Ponto de Cultura a visibilidade aumentou e
nos envolvemos em movimentos sócio-culturais e entramos em campos
de batalha antes inimagináveis para os povos de culturas tradicionais. È
evidente que não foi de dez anos pra cá que estamos lutando por direi-
tos, reconhecimento e acesso, estamos na luta há muitos anos. Há qui-
nhentos anos que meu povo luta por direito ao território, à cidadania e à
identidade. Enquanto comunidade tradicional e cultural negra chegamos
há um reconhecimento institucional através do Ponto de Cultura que
vem nos dando certa visibilidade e possibilidade de articulação política
com outros movimentos e lideranças que tem enriquecido muito nosso
processo de formação enquanto militantes e possibilidades de interação.
Ainda estamos na luta por nossa cidadania cultural, pois isso ainda é
utópico e surreal no nosso país, o que foi criado e instituído é ainda
muito pouco, os espaços onde temos visibilidade a luta e a defesa por
direitos são ainda muito limitados para a efetividade de nossa cidada-
nia e diversidade, digo que existe ainda uma distância muito grande do
Estado que queremos para o Estado que temos, somos o país que ex-
pressa a diversidade cultural que tem uma mescla de povos e processos
civilizatórios múltiplos. A cultural nos leva a uma participação social
ainda muito nova em espaços de representação política. Penso que a
cultura, a pasta da cultura, as políticas culturais devem fazer o papel de
interlocução e dizer para o resto do Estado, para as outras pastas e para a
sociedade o que representa e o que é a nossadiversidade que sem acesso
aos meios de comunicação, sem autonomia esses grupos sempre estarão
á margem, mesmo que o discurso seja de culto ao protagonismo, empo-
deramento da sociedade civil.O que vivemos ainda é muito distante do
que queremos como direitos. A participação social e política dos dife-
rentes grupos culturais em espaços públicos, conselhos fóruns ainda é
pouca e é necessário que diálogos entre os movimentos sociais e entre as
lideranças se intensifiquem. Existe ainda a necessidade de que tenhamos
assento e representatividade nas diversas pastas políticas.

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Na atuação e nas ações da Secretaria de Cultura Estadual (SECULT) e sua estratégia da


participação da sociedade civil nas diversas etapas de construção e formulaçãoda política de
desenvolvimento regional da Bahia como um todo se percebe a existência de alinhamento com
o governo federal, desde a implantação da política dos Territórios de Identidade, os governo
estadual e federal são do mesmo partido político; as questões conceituais e metodológicas a res-
peito do planejamento de médio prazo, os macros objetivos de longo prazo focados em aspectos
sociais e culturais e a própria territorialização do planejamento reforçam a noção de alinhamento
(IPEA, 2015, p.15)17.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho buscou-se, a partir de uma análise parcial da política de desenvolvimento
territorial e cultural do estado da Bahia, avaliar em que medida a gestão social, conceito funda-
mental e pressuposto da gestão das políticas do estado, é valorizada na construção das políticas
e como vem aproximando a sociedade e o estado nesse processo.
Nanova regionalização territorial do estado da Bahia,a partir de critérios socioculturais,
tendo os Territórios de Identidade como unidade de planejamento,percebe-se um avanço no que
se refere à gestão social das políticas, na criação e institucionalização de instâncias de represen-
tação e participação social e na construção de espaços públicos de participação ativa e diálogo
da sociedade civil no processo de construção das políticas, especialmente no campo cultural, o
que vem de certa forma expressando um novo paradigma na relação Estado-Sociedade, confor-
me expõe Antônio Rubim, secretário de cultura do estado durante o período 2011-2014.
De acordo com Castro (2005), a regionalização do estado baseada em critérios sociocul-
turais enfatiza as dimensões política, simbólica e cultural na caracterização do estado em terri-
tórios e nessa caracterização está inserida a consciência regional e identidade territorial. Em sua
fala, Antônio Albino Rubim, se refere a um constructo sociocultural que se manifesta enquanto
representação da realidade. O território também se caracteriza como um espaço de disputa e de
poder, base para essa representação que é apropriada e reelaborada pelos diferentes grupos de
interesse que se mobilizam para defender seus interesses territoriais.
A institucionalização da participação social nas políticas públicas guarda suas contradi-
ções com as práticas discursivas e com as práticas políticas e estas estão relacionadas à atuação
do Estado como agente tensionador da relação com a sociedade.
Conforme Coutinho (1980), a socialização da participação política não passa somente
pelas formas institucionais que assumem em determinado momento, mas sim no processo pelo
17
Sobre o alinhamento dos Territórios de Identidade com o governo federal ver também: SEPLAN, BAHIA. Se-
cretaria de Planejamento. .Plano Plurianual 2012–2015: alinhamento conceitual e metodológico. Salvador:[s.n.],
2011b e MINISTÉRIO DA CULTURA. Programa Cultural para o Desenvolvimento do Brasil. Brasília: Ministério
da Cultura, 2006, 49p.

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qual a política se socializa e progressivamente propõe novas formas de socialização do poder. A


participação social no ciclo das políticas territoriais da Bahia vem se mostrando capaz de produ-
zir a aprendizagem política dos diferentes grupos da sociedade, possibilitando a experimentação
de novas formas de atuação e organização, que possam alterar a correlação de forças e o cenário
político para além das inovações inscritas nos programas governamentais. Lula Dantas em sua
fala expõe com clareza esse aspecto.
Nesse sentido, também Habermas, em sua teoria do agir comunicativo, tem por foco o
processo democrático, dialógico. Diferentemente de autores liberais como Schumpeter e outros,
que se atinham ao momento da decisão. A razão intersubjetiva no espaço público, parte da ideia
de que a ação administrativa do Estado tem por legitimação o processo democrático de criação
de demandas nesse espaço público, oriundo de um processo dialógico entre os indivíduos in-
teressados, que discutem e chegam a uma opinião, responsabilizando-se e comprometendo-se
com ela. O que traz uma ideia de coesão social, a que a cultura está intimamente ligada.
A incorporação da nova metodologia do Plano Plurianual e as conferências territoriais
são um avanço em termos de modernização da administração pública, mas ainda muito deve se
aprimorar na efetiva incorporação da participação social nas políticas territoriais como políticas
de estado e nos mecanismos de controle social, comoo monitoramento e avaliação das políticas
pela sociedade de todos os territórios de identidade do estado.
A gestão social do desenvolvimento territorial cultural dos Territórios de Identidade da
Bahia deve ser vista como parte de um processo de mudança gradual e contínua, que tende a
consolidar-se somente na medida em que a sociedade de fato se aproprie das políticas de estado
e os resultados conquistados se acumulem, formando um ciclo virtuoso de redução das desi-
gualdades persistentes no estado da Bahia,como salienta ThiagoXavier, e ocorra aumento quan-
titativo e qualitativo da participação social, propiciando decisões mais acuradas para a gestão
das políticas territoriais, para a sustentabilidade das conquistas e promover o desenvolvimento.
O representante do movimento social deixa claro que ainda falta muito para que haja
uma verdadeira participação social, talvez seja necessário conhecer mais de perto como o pro-
cesso e a interação dos atores funciona.

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ESTRATÉGIAS DE MEDIAÇÃO CULTURAL NA BIENAL INTERNACIONAL


DE ARTES DE SÃO PAULO: ENTRE A GESTÃO DO PÚBLICO
E A MEDIAÇÃO ARTÍSTICA
Jessica Seabra1

RESUMO: O tema da mediação cultural readquiriu relevância desde meados da década de 90


nos discursos políticos e programáticos que apelam à formação e atração de públicos para a
cultura. Este apelo, muito associado ainda aos princípios da “democratização cultural”, revelam
também as preocupações na manutenção de instituições culturais em um contexto em que o poder
público tende a desvincular-se do financiamento à cultura. Estas preocupações têm suscitado o
aumento dos chamados “serviços educativos” e de novas estratégias de mediação cultural. Este
artigo procura mostrar um breve histórico de como vem sendo realizadas as ações educativas
na Bienal Internacional de Artes de São Paulo em consonância com estas mudanças. Por fim,
procura apontar a influência da chamada “virada educacional” nas mostras recentes da Bienal.

PALAVRAS-CHAVE: Bienal Internacional de Artes de São Paulo, mediação cultural, políticas


culturais, virada educacional.

1. INTRODUÇÃO
Desde meados da década de 80 muitas instituições culturais passaram a lidar com um
novo e crescente contingente de visitantes-consumidores, atraídos por políticas culturais que
sublinham a importância do desenvolvimento de programas de formação e atração de públicos
para as artes e a cultura. Nesse cenário, as chamadas ações educativas passaram a ser uma neces-
sidade, tanto em termos propriamente educativos - para “qualificar” o encontro do público com a
arte, quanto em termos operacionais - para gerir o público massivo dentro do espaço expositivo.
A ampla divulgação de diversos tipos de bens culturais até então restritos a certas cama-
das sociais que se seguiu elevou a mediação cultural a um imperativo social (LAMIZET, 1999),
numa visão que sublinha a importância da cultura para a construção da cidadania. À medida
que “a cultura se faz visível pela mediação” 2 (LAMIZET, 1999, p.15), as políticas culturais
surgem como uma interpretação institucional da mediação cultural, esta entendida como um
1
Mestranda do programa de pós-graduação do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(IAU-USP). Email: jeseabra@gmail.com
2
Tradução da autora “la culture se donne à voir par la médiation” (LAMIZET, 1999, p.15)

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trabalho de representação de um lugar social. Nesse sentido, a mediação cultural é um conjunto


de atividades produtoras de representação e significação que numa dialética entre o individual
e o coletivo:
(…) constitui as formas culturais de pertença e de sociabilidade dando-
-lhes uma linguagem e dando-lhes as formas e os usos pelos quais os
atores da sociabilidade apropriam-se dos objetos constitutivos da cultu-
ra que funda simbolicamente as estruturas políticas e institucionais do
contrato social. 3 (LAMIZET, 1999, p.9).
Esta visão está associada à construção de determinados cânones de sociabilidade no
espaço público, entendidos em um sentido ideal, enquanto contexto particularmente favorável
ao desenvolvimento de uma nova sociabilidade e de cidadania ativa. Este é um entendimento
profundamente associado aos princípios republicanos franceses4 da “democratização cultural”,
os quais defendem a importância do acesso às artes e à cultura e que, cada vez mais, encontra
nas práticas e consumos culturais um elemento de reforço dos sentidos de coesão social e de
qualificação das competências individuais. (QUINTELA, 2011)
Apesar do contexto mais recente de retração do papel do Estado enquanto agente im-
pulsionador de atividade artísticas e culturais e das críticas a esta visão sacralizada da cultura,
constata-se que ela ainda sustenta, do ponto de vista ideológico, o desenvolvimento de muitas
políticas culturais contemporâneas. No Brasil, sob o auspício de leis de incentivos fiscais, ocor-
reu um notório aumento do número de eventos e projetos culturais. Tal proliferação está asso-
ciada à entrada de novos agentes institucionais na cena cultural, a exemplo de grandes grupos
econômicos, que lançando mão das leis de incentivo passaram a consolidar sua presença no
meio cultural como forma de distinção social.
O maior exemplo é a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei n. 8.313, de 1991), conheci-
da como Lei Rouanet, bem como suas congêneres criadas pelos governos estadual e municipal.
Estas promovem incentivos fiscais5 usados como instrumentos de um novo modelo de gestão
que foi implementado para administrar os bens culturais a partir da criação das Organizações

3
Traduzido pela autora: “c’est le sens de la médiation qui constitue les formes culturelles d’appartenance et de
sociabilité en leur donnant un langage et en leur donnant les formes et les usages par lesquels les acteurs de La
sociabilité s’approprient les objets constitutifs de la culture qui fonde symboliquement les structures politiques et
institutionnelles du contrat social.”
4
A partir do pós-II Guerra Mundial, no âmbito do processo de constituição do Estado de Bem Estar Social na
Europa do Norte e Centro, o setor cultural veio a ser considerado como um dos domínios de competência e atuação
direta do Estado, fundamental para a criação de melhores condições de bem-estar e para o reforço da coesão social.
(QUINTELA, 2011, p.4)
5
Pessoas jurídicas e físicas podem investir na cultura através da Lei Rouanet, em forma de patrocínio ou doação.
Para exposições de artes visuais é permitida a dedução de até 100% do valor da doação ou do patrocínio no imposto
a pagar. No caso do patrocínio, tem-se o direito à publicidade do patrocinador, o que faz com que os apoiadores,
além da isenção fiscal, estejam investindo também na imagem institucional, como mais um valor agregado à marca
de sua empresa.

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Sociais (OS) e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), com a Re-
forma do Estado no Brasil, iniciada em 1995. Subordinadas à Secretaria Estadual de Cultura,
estas instituições representam um novo modelo de gestão de serviços públicos no qual o Estado
delega a grupos selecionados a condução de instituições públicas e de seu patrimônio.
Tais políticas culturais contemporâneas inseridas na chamada “virada educacional”, que
será objeto de breve debate no presente artigo, relacionam-se ainda a movimentos mais amplos,
como a ressignificação de grandes exposições no modelo bienal em um novo contexto geopolítico.
As últimas duas décadas presenciaram um imenso crescimento da quantidade de bienais
internacionais, em especial de arte contemporânea. De acordo com Marieke van Hal, diretora
fundadora da Biennial Foundation6 e pesquisadora do departamento de curadoria do Royal
College of Art, nesse período surgiram aproximadamente cem bienais de arte contemporânea ao
redor do mundo, inseridas no que pode ser considerado um processo de globalização do sistema
artístico internacional até então restrito aos grandes centros da arte moderna: Nova York, Lon-
dres, Paris e Berlim. Com isso, há a presença relevante de muitos países e regiões emergentes
com bienais criadas recentemente, como Bruxelas, capital da União Europeia; Rússia, Índia e
China, pertencentes aos BRICS; Singapura, pertencente aos Tigres Asiáticos, além de países do
Oriente Médio.
Spricigo (2009) aponta para a coincidência cronológica desse “efeito Bienal” com o
processo de reestruturação geopolítica após a queda do Muro de Berlim, no qual diversas ci-
dades buscaram se reposicionar em um novo cenário global descentralizado que superava a
polarização política entre Ocidente e Oriente vigente durante a Guerra Fria. A partir da década
de 1990, as importantes mudanças no cenário político e econômico mundial implicaram, entre
outras coisas, a saída do Estado como o grande investidor e o declínio de temas como a produção
massificada e o planejamento das cidades e sua substituição pela gestão empresarial do espaço
urbano (ARANTES, 1999).
Nesse contexto, as bienais direta ou indiretamente inserem-se em estratégias competiti-
vas para reposicionar as cidades no panorama mundial, com uma crescente convergência entre
cultura e economia. Nesse sentido, há uma concorrência por capital simbólico7, por quotas de
mercado e por monopólios. Por outro lado, há as demandas políticas e econômicas locais por

6
Organização independente que opera como uma plataforma para coletar e difundir informações sobre as bienais.
Mais informações no site <www.biennialfoundation.org>.
7
De acordo com Pierre Bourdieu, o poder simbólico é “o poder invisível o qual pode ser exercido com cumplici-
dade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1989, p. 8). O
autor reconhece que os sistemas simbólicos, tal como a arte, exercem poder estruturante na sociedade porque são
estruturados. Essa estrutura diz respeito a símbolos capazes de contribuir com uma maior integração social, uma
vez que formam consensos sobre a realidade, facilitando assim a reprodução da ordem social. (BOURDIEU, 1989,
p. 10). Bourdieu observa ainda que há uma proximidade de interesses entre os detentores do poder simbólico e os
detentores do poder temporal, político ou econômico. Ver mais em: BOURDIEU, Pierre. Sobre o poder simbólico.
In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

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significação cultural e por supremacia, exacerbando as singularidades de determinadas culturas


e locais.
Essa fusão entre a promoção de culturas locais e os interesses econômicos das cidades
que abrigam essas exposições corresponde a uma ligação intrínseca entre cultura e economia e
diz respeito, nas teses de Jameson (1991) e Harvey (2007), à transição de um regime de mono-
pólio para um regime crescentemente estetizado e transnacional de capitalismo, que promove
o consumo individualizado e a fragmentação do espaço urbano. Neste contexto, as bienais com
toda a carga simbólica dos locais em que estão inseridas, contribuem no estabelecimento de
nichos de mercado e na atração de um público internacional para gerar capital cultural, assim
como novas fontes de renda através do turismo de arte.
A Bienal Internacional de Artes de São Paulo recentemente vem se alinhando com ten-
dências do mundo globalizado da arte, reinserindo-se em um mapa cultural. Dentre essas ten-
dências está a chamada virada educacional, onde programas educativos tem se alinhado forte-
mente com as políticas culturais da instituição e da cidade de São Paulo. Com isso, o presente
trabalho propõe mostrar um breve histórico das ações educativas ou de mediação que vem sendo
realizadas na Bienal de São Paulo. É mostrado de forma sucinta o conjunto frequente de técni-
cas que utiliza e disponibiliza aos mediadores, de forma a constituir um entendimento geral que
articula a narrativa dominante do espaço, própria à chamada arte contemporânea de seu tempo.
Será investigado como o Educativo articula esta mudança na experiência da recepção
coletiva da obra de arte ao mesmo tempo em que passa a constituir-se como uma importan-
te ferramenta na estratégica de formação de público. Com isso, pretende-se observar como o
Educativo Bienal, criado, entre outras causas, como contrapartida social das verbas captadas,
recentemente transformou-se em um signo de sucesso de público, e, portanto, de visibilidade
das marcas relacionadas à Bienal.

2. BREVE HISTÓRICO DA MEDIAÇÃO NA BIENAL DE ARTES DE SÃO PAULO


O curador Bruce Ferguson, que coeditou o influente livro Thinking About Exhibitions
(1996), aponta para a existência recente do que ele denomina de “bienais discursivas”. O termo
refere-se ao fato de que conferências, eventos interdisciplinares, workshops, atividades educacio-
nais, e discussões públicas tem se tornado elementos cada vez mais importantes nesses projetos.
Essa expansão para além da exposição em si, abrangendo mais do que obras de arte, de-
monstra como as bienais configuram-se agora como veículos para a produção de conhecimento
e debate intelectual. Desta forma, o discurso, através do uso da linguagem, pode ser considerado
uma forma de produção de conhecimento, em que a linguagem é entendida como um sistema
de representação.

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Essa discursividade se destaca no campo das exposições também nas práticas de media-
ção, mas adquiriu um caráter de participação ativa e de troca entre mediador e visitante muito
recentemente. Usualmente, no Brasil, quando se fala de mediação da arte, adota-se,
(…) via de regra, (…) o ponto de vista da educação (da arte), dos pro-
jetos pedagógicos, serviços e programas educativos de museus, univer-
sidades e instituições culturais – um lugar (ainda) coadjuvante, ou não
plenamente incorporado, e de interesse secundário por parte do campo
(ou seria do sistema?) da arte. (GONÇALVES, 2013, p.70)
Dessa forma, a curadoria das mostras e as práticas de mediação são frequentemente
apartadas, “concebidas como processos distintos: comunicáveis, mas hierarquicamente distan-
tes” (GONÇALVES, 2013, p.70). Isso ocorre devido a uma ideia errônea de que a mediação se
constitui como uma tentativa de tradução da curadoria, esta detentora do discurso, verdadeiro,
da arte. Daí também a ideia de que a mediação se constitui como um ensino, uma educação,
através da qual são transmitidos conhecimentos aos visitantes. Essa ideia imperou nas práticas
de mediação na Bienal de Artes de São Paulo entre 1951 e 1984, período que se constituiu por
“Propostas Educacionais em História da Arte”, realizadas por historiadores de arte, de acordo
com Minerini Neto. A partir de 1985, com a chegada da equipe coordenada pela arte-educa-
dora Ana Cristina Rocco Pereira de Almeida, as iniciativas calcadas na história da arte seriam
compartilhadas com “visitas e atividades específicas para crianças e adolescentes, para os quais
deixará de imperar a transmissão de valores da história da arte”, de modo a “acolher leituras
e interpretações manifestas por cada participante”, (MINERI NETO, 2014, p.25), iniciando o
período caracterizado por “Propostas Educacionais em Arte/Educação”.
Essa postura, que vê os visitantes como interlocutores e o papel da mediação o de pro-
curar um debate que considere a identidade e o background de cada participante, procura sub-
verter a lógica que subjulga a prática, que nega sua qualidade criativa e intelectual. É uma
postura que vê a mediação também como um processo curatorial, porque ela “envolve esco-
lhas, construção de narrativas, precisão no recorte, conhecimento histórico e postura política
(sim!)” (GONÇALVES, 2013, p.71). Em última instância, vê as práticas de mediação também
como artísticas, o mediador como artista, algo como buscar recuperar a virada antropológica no
mundo da arte contemporânea, ocorrida na segunda metade dos anos 1990, também no campo
da mediação da arte. Explicamos: para Hall Foster, o “artista como etnógrafo” era tipicamente
um visitante internacional sancionado vindo de fora da cultura local com a qual ele estava se
envolvendo. Paul O’Neill em seu livro The Culture of curating and the curating of culture(s)
(2012) traça esse fenômeno como um modo de problematizar o papel do curador que estabe-
lece uma representação descontextualizada da arte não-ocidental – uma visão que olhou para
preocupações formais e estéticas ao invés de especificidades socioculturais. De modo análogo,
poderíamos pensar no mediador como etnógrafo, como aquele que problematiza os contextos

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culturais dos visitantes, mais do que simplesmente transmite informações, esforçando-se no


sentido de imiscuir arte e vida.
Essa ideia vai ao encontro da afirmação de Nicolás Paris (apud GONÇALVES, 2013,
p. 72), artista e educador colombiano, conhecido internacionalmente por seus projetos de arte
e pedagogia:
Trabalhar no âmbito cultural pressupõe, inevitavelmente, uma “pedago-
gia instável”, como diria Irit Rogoff, onde o significado não é inerente
aos espectadores/participantes, nem imposto por uma autoridade, mas
ganha vida no momento mesmo da atualização.
Essa visão não estava presente até 1985 na Bienal de Artes de São Paulo, como visto,
embora a Bienal apresente em seus discursos a função educacional como fundante, desde a
primeira edição, em 1951. É controverso: embora tenha sido criada originalmente como uma
exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, que chamava para si a tarefa de estender a
pregação da modernidade para o grande público, nada que afirmasse sua função educativa cons-
tava nos estatutos da Bienal, até 1966, quando foi inserida a necessidade de realizar palestras.
Esse item foi retirado em 1984 e “desde então nada consta sobre educação nos estatutos, que
passaram por dois novos e recentes ajustes em 1998 e em 2009” (MINERI NETO, 2014, p.89).
De acordo com Mineri Neto, os questionamentos trazidos pelos visitantes na primeira
edição da Bienal fez com que os comissários de cada delegação de países na mostra representa-
dos conduzissem visitas aos espaços destinados aos artistas de seu país. Essa ação foi denomi-
nada “passeios explicativos”, nos quais, em sintonia com preceitos modernistas, a arte moderna
era explicada aos visitantes a partir de conhecimentos postulados na história da arte. Na edição
seguinte, a Bienal além de preparar uma pequena equipe para a oferta de passeios explicativos,
organizou o plano didático estruturado em ciclos de conferências por artistas, críticos nacio-
nais e estrangeiros, chefes de delegações e membros do júri, e cada sala apresentava um cartaz
que conduzia o visitante. Esse modelo começou a se esgotar na mostra “Tradição e Ruptura”
realizada em 1984 e 1985. A partir dai as mediações na mostra deixaram de ser orientadas ma-
joritariamente pela história da arte para se abrir às proposições da arte/educação a partir da 18ª
Bienal em 1985.
A preocupação em instruir as classes populares e inicia-las na arte moderna foi uma das
tônicas de vários discursos que justificavam a Bienal de São Paulo, entre eles o de Mário Pedrosa
(1986). Mas antes disso, já em 1930, Mário de Andrade pensava na criação de museus modernos
com ensinamentos ativos. Tratando do acesso à cultura no Brasil, Mário de Andrade escreve:
Num país como o nosso, em que a cultura infelizmente ainda não é uma
necessidade quotidiana de ser, está aguçando com violência dolorosa o
contraste entre uma pequena elite que realmente se cultiva e um povo
abichornado em seu rude corpo. Há que forçar um maior entendimento

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mútuo, um maior nivelamento geral de cultura que, sem destruir a eli-


te, a torne mais acessível a todos, e em consequência lhe dê uma valida-
de verdadeiramente funcional. Está claro, pois, que o nivelamento não
poderá consistir em cortar o tope ensolarado das elites, mas em provocar
com atividade o erguimento das partes que estão na sombra, pode-as em
condição de receber mais luz. Tarefa que compete aos governos. (Mário
de Andrade apud DUARTE, 1977, p.152-153. Grifo nosso).
Esse “nivelamento geral de cultura” não se assemelha em nada com “a dissolução de
algumas fronteiras e divisões fundamentais, notadamente o desgaste da velha distinção entre
cultura erudita e cultura popular” que Jameson (1985, p.16) aponta como uma das características
da pós-modernidade, mas sim à ideia de democratização do acesso à cultura, ao conhecimento
científico e aos bens simbólicos, de um projeto moderno, ideia essa que passa pela indústria
cultural, pelos meios massivos de comunicação e pela oferta de produtos e bens tecnológicos. E
ainda assim, é uma ideia corrente hoje nas políticas públicas no Brasil que alçaram a cultura a
carro-chefe. Associada a processos de “revitalização urbana”, de grande apelo midiático, capa-
zes de atrair grande volume de visitantes, vem promovendo o enobrecimento urbano de áreas da
cidade e consequente gentrificação, além de uma espécie de substituição da educação. É como
se a democratização do acesso a cultura fosse empurrada com capacidades redentoras de inclu-
são social, em um sistema que prioriza investimentos a curto prazo em cultura em detrimento de
investimentos a longo prazo em educação.
Isso fica mais claro na passagem em que Mário de Andrade concebe o museu como lugar
de educação:
Sim, temos enorme necessidade de escolas primárias e de alfabetização.
Mas a organização intelectual de um povo não se processa cronologi-
camente, primeiro isto e depois aquilo. Tanto mais em povos crianças e
contemporâneos como o nosso, com avião, parques infantis, radio, bi-
bliotecas públicas, jornal e impossibilitados por isso de qualquer Idade
Média. Não entreparemos, portanto, no sofisma sentimental do ensino
primário. Ele é imprescindível, mas são imprescindíveis igualmente os
institutos culturais em que a pesquisa vá de mãos dadas com a vulgariza-
ção, com a popularização da inteligência. (…) São Paulo entrou ultima-
mente numa corrida que, por felicidade, não é armamentista, é cultural.
(…) Não basta ensinar o analfabeto a ler. É preciso dar-lhe contempo-
raneamente o elemento em que possa exercer a faculdade nova que ad-
quiriu. Defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização.
(Mario de Andrade apud DUARTE, 1977, p.153-154).
Hoje, se substituirmos os “parques infantis, radio, bibliotecas públicas, jornal” por celu-
lares, tabletes, informações em rede, mundo digital-virtual, e variadas tecnologias, o discurso se
manteria atual e similar a discursos aplicados como justificativa para as políticas públicas cultu-
rais que vem sendo implantadas em São Paulo e no Brasil. Através de um novo modelo de gestão

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de serviços públicos no qual o Estado delega a grupos selecionados a condução de instituições


públicas e de seu patrimônio, tem ocorrido uma fusão entre cultura e capital que fez com que
a própria estrutura dos museus fosse transformada, qualquer que seja a forma histórica em que
se apresente. Passaram de local de uma cultura de elite a polo midiático de atração econômica,
visitados por um número cada vez maior de consumidores de arte de classe média. (WU, 2006;
ARANTES, 2005). Essa mudança faz parte do que Otília Arantes denomina de nova cultura dos
museus8, na qual estas instituições passam a apresentar uma atitude cada vez mais hedonista.
Aliás, parece relevante que o mencionado texto de Mário de Andrade tenha sido republi-
cado no final da década de 70 em uma publicação patrocinada pela então Secretaria da Cultura,
Ciência e Tecnologia. Esta iniciativa foi contemporânea internacionalmente ao início de um
grande afluxo de capital corporativo nas instituições de artes visual impulsionado pelas políticas
de livre mercado e no ethos da década de Reagan e Thatcher. A partir dos anos 1980, as empresas
transformaram museus, galerias de arte e grandes exposições em seus próprios veículos de re-
lações públicas, assumindo a função, e explorando o status social que instituições culturais têm
na sociedade. (WU, 2006). O que se veicula indiretamente é que “ao patrocinar instituições de
arte, as corporações apresentam-se como partilhando de um sistema de valores humanista com
museus e galerias, disfarçando seus interesses particulares com um verniz moral universal.”
(WU, 2006, p.147-8).
Na década de 1980, com a criação do cargo de curador chefe na figura de Walter Zanini,
o discurso da Bienal esforça-se em falar da contemporaneidade da arte brasileira, colocada em
patamar de igualdade com as manifestações internacionais. Essa transformação do espaço expo-
sitivo em que as obras passaram a ser separadas pelo viés da analogia de linguagem e não mais
no modelo veneziano de representações nacionais fez necessária a distribuição ao público de um
folheto com orientações e sugestões de roteiro através dos núcleos curatoriais, além do serviço
de monitores e um vídeo na entrada da exposição apresentando como era feita uma Bienal. (MI-
NERI NETO, 2014, p.101).
Já na década de 90 a Bienal seria marcada por “um processo de constantes crises, com
artistas e agentes culturais em oposição, conflito, negociação e aceitação no mercado de arte e
na indústria da propaganda e dos negócios” (ALAMBERT e CANHETE, 2004, p.189). Parale-
lamente a Bienal se firmava como uma grife de sucesso, atraindo um público cada vez maior.
Nesse sentido, a gestão de Edemar Cid Ferreira na presidência da Bienal, entre 1993 e 1997,
8
Na convenção da crítica, a cultura dos museus, de acordo com Fabbrini, “teve início em 1977, com a inauguração
do Beauborg, o Museu Nacional de Arte Moderna do Centro Georges Pompidou, em Paris, de Richard Rogers e
Renzo Piano; consolidou-se com a filial do Museu Guggenheim, na cidade de Bilbao, em 1997, de Frank O. Gehry;
e atingiu nova fase, de expansão para o Oriente, nos anos 2000, com os projetos de franquias do Beaubourg em
Xangai, na China, e do Museu do Louvre, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos” In: FABBRINI, Ricardo
N. “A Fruição nos novos museus”. Revista Especiaria n19., 2009, p.245. Disponível em: <http://www.uesc.br/
revistas/especiarias/ed19/15_ricardo.pdf>

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teve muito a contribuir. Ávido por publicidade, Cid Ferreira estabeleceu laços estreitos com a
imprensa. A equipe de monitores voltou a ser destaque na mídia, mostrando que aquela gestão
na Bienal tinha por objetivo promover a educação das massas, mesmo argumento usado nas
primeiras Bienais, que, agora, atrelava-se ao interesse econômico de atrair patrocinadores. (MI-
NERI NETO, 2014, p.162).
A partir de então as parcerias se tornariam cada vez mais numerosas. Lilian Amaral
aproximou a Bienal de São Paulo da FDE – Fundação para o desenvolvimento da Educação e
também do Serviço Social do Comércio (SESC), ao conduzir ação educacional para a 23ª edi-
ção. Essas parcerias, em associação com a grandiloquência do presidente da Fundação Bienal
fez com que o número de monitores crescesse, objetivando atender todo o público que passasse
pela Bienal. Com isso, qualquer pessoa que chegasse à exposição poderia solicitar acompanha-
mento de um monitor, ainda que a coordenação aconselhasse a formação de grupos de visitas a
fim de assegurar a disponibilidade de seus monitores. Com números oscilantes, falou-se entre
110 e 130 monitores. Outros números surpreendem:
(...) Diariamente, a Fundação Bienal, por meio da Coordenação da Ação
Cultural Educativa e Monitoria, oferece vagas para professores de artes
e áreas afins das redes pública e particular de ensino e para orientadores
pedagógicos da rede municipal para o curso de Formação de Mediado-
res em Artes. São 4 mil vagas para os professores interessados e 800
para os coordenadores pedagógicos da prefeitura (…). O curso com-
preende uma palestra sobre o tema Desmaterialização da Arte no Final
do Milênio, comenta a história da Bienal e sua relação com a cidade de
São Paulo propõe exercícios de leitura da obra de arte, realiza visitas
comentadas e orientadas por interlocutores-monitores no espaço expo-
sitivo e propõe uma discussão final sobre como preparar os alunos para
as visitas e os interessarem sobre arte contemporânea. (GUIA VOGUE,
1996, s/p apud MINERI NETO, 2014, p.168)
No entanto, essa profissionalização das ações educativas ainda encontrariam dificulda-
des em gerir o número cada vez maior de visitantes no espaço expositivo. Um exemplo foi a
25ª edição que a partir de um convênio firmado com a Secretaria de Estado da Educação, no
qual esta subsidiou a compra de ingressos, investindo cerca de um milhão de reais e a Fundação
Bienal, como contrapartida, responsabilizou-se pela realização de visitas monitoradas de cerca
de 200 mil estudantes e professores. Entretanto, quando esse convênio foi firmado, já estava em
curso a formação dos mediadores já selecionados. Percebeu-se que a demanda havia aumenta-
do demasiadamente e não havia orçamento disponível para contratar novos mediadores e nem
tempo para formá-los. A solução encontrada foi gravar e exibir um vídeo no Pavilhão da Bienal
para contextualizar a exposição a estudantes e professores que, sozinhos, assistiam ao vídeo e se
autoconduziam pela exposição. Mirian Celeste, coordenadora de educação da mostra, descreve:

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O vídeo foi feito como a tábua de salvação, pois tivemos de assumir a


visita de 200.000 alunos da rede estadual, no meio do caminho, em troca
de verbas conseguidas pela Fundação Bienal. Não haveria possibilidade
de contratar educadores para toda esta turma. (...) Foi uma operação
de guerra, pois queríamos honrar os compromissos, tanto o Programa
de Ação Educativa como a FDE – Fundação de Desenvolvimento da
Educação. Para que a visita fosse viabilizada com um mínimo de media-
ção possível traçamos um projeto – Jovens Protagonistas: contratamos
alguns educadores para este projeto que ficavam nos espaços com ca-
miseta identificatória do projeto, oferecemos a todos os educadores que
acompanharam as turmas o guia da Bienal além de algumas dicas e re-
gras do espaço e todos os grupos começariam a visita vendo o vídeo no
auditório do MAC. Eram longas filas na rampa externa com entrada, se
não me engano, onde 458 alunos (lotação completa) entravam no audi-
tório de uma em uma hora, com uma estratégia para entrada e saída para
perder o menor tempo possível. Dalí saíam acompanhados pelos profes-
sores. (Martins, 2014, e-mail apud MINERI NETO, 2014, p.189-190).
Esse nos parece um exemplo radical de massificação da experiência de recepção coletiva
da obra de arte. Nela, a relação distraída com a obra de arte “não é mais do que apreensão super-
ficial e maximamente interessada da obra enquanto bem de consumo” (ARANTES, 1993, p.240)
em um sistema que proporciona uma experiência cansativa de contato com obras de arte, numa
perspectiva ainda pior do que aquela dada por Valéry (1993, p.54), pois à “justaposição de produ-
ções que se devoram umas às outras” são somadas horas de espera antes de adentrar a exposição.
Essa situação mudou um pouco recentemente. Embora com público crescente a cada
edição, atraindo cerca de 500 mil pessoas, a Bienal de Artes de São Paulo tem se empenhado
em promover diálogos entre seus diferentes agentes - curadores, artistas, educadores, públicos e
equipes internas – que suscitem a proposição de diferentes estratégias de fruição das obras e dos
projetos. As ações e as parcerias propostas pelo Educativo Bienal são avaliadas e analisadas de
diferentes maneiras, gerando parâmetros qualitativos, fundamentais para o aprimoramento de
propostas, mostras itinerantes e próximas edições.
Essa postura se fortaleceu com o fortalecimento das próprias ações educativas, antes em
evidente descontinuidade, com a presença de novas equipes educativas a cada nova mostra bie-
nal. A partir da criação do Educativo Permanente, em 2011 sob a curadoria de Stela Barbieri, as
propostas de fruição na exposição foram organizadas nos grandes eixos conceituais “encontro”,
“diálogo” e “experiência”, que propõem diferentes eixos de atuação, voltados para qualquer
pessoa com interesse em conversar sobre arte. Nesse contexto, cursos, conversas, visitas e ações
de ateliês são adaptados às necessidades dos participantes e outros florescem da convivência
com o público. Também aos mediadores é dada maior autonomia na decisão de como interagir
com cada público, podendo trazer sua própria perspectiva dentro da visita.

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Com isso, abrem-se pequenas possibilidades de fruir a exposição da maneira como se


quiser: deixando a ingenuidade do lado de fora da exposição, sem tentar dar conta de tudo o
que é exposto, e através da seleção de algumas poucas obras através de um olhar detido e moro-
so, pensar na fruição na perspectiva do artista. Ou ainda, se o visitante-interlocutor preferir, dar
uma pausa para as selfies, em um registro contemporâneo mais próximo do fruidor-consumidor
de Baudrillard. 9
Citam-se aqui as selfies para não deixar esquecer que esse afluxo de um grande contin-
gente de pessoas formando um verdadeiro fenômeno de grandes exposições que atraem longas
filas são expressão enfática de um processo de estetização do social10. Para Otília Arantes (1993)
os museus – e, dizemos nós, as grandes exposições como as Bienais - tem adotado uma postura
hedonista frente à estetização deles próprios e da vida. E essa postura, mais do que simplesmen-
te requerida pelo próprio funcionamento da sociedade de consumo, é uma questão de políticas
públicas, ainda que de fundo claramente econômico.

3. A VIRADA EDUCACIONAL NAS BIENAIS DE SÃO PAULO


Como demonstrado, a gradativa profissionalização dos serviços educativos na Bienal
aconteceu como resposta a novos imperativos políticos, econômicos e sociais, em um momento
de mudança das políticas culturais, que passaram a ser conduzidas por mecanismos de incen-
tivos fiscais. Salienta-se o uso de técnicas oriundas das áreas do marketing e da gestão, tendo
como objetivo delinear estratégias capazes de dotar a Bienal de maior visibilidade, alargando
sua audiência e potenciais patrocinadores.
Em face deste contexto, ocorre certa subversão dos motivos que fundamentam a exis-
tência de equipamentos como o Educativo Bienal, de maneira que a Bienal parece “moldar”
seus objetivos de forma a justificar os apoios públicos. Relegando, dessa forma, o Educativo a
contrapartida social.
Entretanto, a educação recentemente tem ganhado importância de modo a deixar de ser
um serviço educativo para se tornar característica fundante de diversas instituições, processos
artísticos e curatoriais. De acordo com Paul O’Neill e Mick Wilson, autores do livro Curating
9
O fruidor-consumidor insere-se na perspectiva de Baudrillard de que na atual sociedade de consumo os objetos
não são mais tomados isoladamente, mas sempre em relação com os outros, valendo não mais pela sua utilidade
singular, mas sim pela sua representação. Nesse ambiente em que tudo é misturado e homogeneizado, também a
cultura é integrada, convivendo com a vida cotidiana. Com isso, a cultura se torna também ela objeto de consumo,
passando a ser consumida como representação de bom gosto. Esse processo é chamado de culturalização da cultu-
ra por Baudrillard. Ver mais em: BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991.
10
Diversos são os estudos (entre eles os de Frederic Jameson, David Harvey, Mike Featherstone, Zygmunt Bau-
man, Jean Baudrillard e Otília Arantes), sobre a sociedade dita pós-moderna que enfatizam o apagamento das
fronteiras entre arte e vida cotidiana e o colapso das distinções entre alta cultura e cultura popular ou de massa. À
essa “desestetização” da arte haveria um momento complementar de “estetização do social” ou estetização da vida
cotidiana, quando o ato de consumir deixou de ser necessário para se tornar estético e, além disso, sinônimo de
reconhecimento e felicidade.

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and the educational turn (2010), formatos, métodos, programas, modelos, condições, processos
e procedimentos educativos tem penetrado as práticas curatoriais e artísticas contemporâneas e
seus concomitantes quadros críticos. Este fenômeno está inserido na chamada “virada educa-
cional”, que é:
Oriunda em certa medida da chamada virada social; por outro lado, de
uma crítica ao mercado da arte e ao capital cultural, (…) entre tantas
outras possíveis origens, (…) consiste em uma mudança radical nas ma-
neiras de atuar e existir, principalmente, de artistas e curadores, em que
o foco da criação e organização de objetos de arte se desloca para a pro-
dução de espaços dialógicos e situações de convívio, tendo como uma
de suas bases teóricas principais, a pedagogia crítica e investigações ex-
perimentais e mais radicais realizadas no campo da educação na década
de 1970. (GONÇALVES, 2006, p.17-18)
Nesse sentido, em uma tentativa de ampliar o potencial crítico social da arte as curado-
rias de edições recentes da Bienal utilizam-se de discursos e estratégias que colocam as relações
humanas no centro da criação e interpretação da arte contemporânea. É o caso, por exemplo, da
estética relacional e da arte participativa, em estreita colaboração com a comunidade. Questio-
na-se, nos diversos âmbitos da arte, da produção ao consumo, a tradicional relação entre o objeto
de arte, o artista e os públicos.
Podem ser citadas neste contexto as 27ª edição (2006), na qual a curadora Lisett Lagnado
privilegiou aspectos da globalização cultural tais como migrações, terrorismo, subjetividade
etc.; ou a 29ª edição (2010) que contava com áreas intituladas “Terreiros”, espaços com diversas
atividades que faziam alusão a espaços públicos como praças, entendidos como o lócus da ação
política. Essas mostras parecem buscar uma práxis educacional cada vez mais expandida, em
consonância com “práticas colaborativas e interdisciplinares” que se aproximam do mundo da
vida, estetizando elementos do presente na forma artística.
Com a penetração da educação e suas consequências ativas nos mais diversos âmbitos
artísticos acredita-se na tendência da diminuição da autonomização organizacional da função
educativa no Educativo Bienal. Esta autonomização é consequência da visibilidade do trabalho
educativo e do sucesso da sua programação e se traduz muitas vezes no isolamento das progra-
mações do Educativo e das exposições. Isto reforça sua condição subserviente da função princi-
pal da Bienal – criar e mostrar as obras artísticas, enquanto manifestações da cultura erudita. Ou
seja, a tendência, acredita-se, é que o serviço educativo lentamente deixe de ser percebido como
um “mal necessário” no caminho de uma democracia cultural e afirme-se como um espaço de
experimentação e troca.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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QUINTELA, Pedro. Estratégias de mediação cultural: Inovação e experimentação no Serviço
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SPRICIGO, Vinicius. Relato de outra modernidade: contribuições para uma reflexão crítica sobre
a mediação da arte no contexto da globalização cultural. [tese de doutorado] São Paulo, Escola de
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INSTITUTO PRETOS NOVOS: A MÃE ÁFRICA NOS PROVOCA A REPENSAR AS


POLÍTICAS CULTURAIS
João Guerreiro1

RESUMO: A partir de uma obra de expansão de um imóvel residencial, em uma área onde
recursos de valorização imobiliária vem provocando um intenso processo de intervenção urbana
na Cidade do Rio de Janeiro, surgem demandas para se pensar os limites e possibilidades de
uma política cultural que dê conta da diversidade cultural e de agendas. O artigo visa mostrar
a constituição do Instituto Pretos Novos - e o processo de negociação e conflito entre essa
instituição e os gestores de políticas públicas culturais do Rio de Janeiro.

PALAVRAS-CHAVE: Política cultural, Patrimônio cultural, Memória, Instituto Pretos Novos,


Sociedade civil.

1. INTRODUÇÃO
Este trabalho busca apresentar uma das ações de políticas culturais realizadas fora do espa-
ço público estatal na zona portuária do Rio de Janeiro. Busco debater a importância do surgimento
da “sociedade civil” no sentido gramsciano para a implementação de políticas culturais dos/por/
com representantes de instituições que acabaram alargando as fronteiras do fazer “a” política.
Pretendo mostrar o processo de constituição de uma instituição sem fins lucrativos –
Instituto Pretos Novos – que impacta o olhar do poder público sobre a região denominada de
“Pequena África” e a importância do reconhecimento das políticas culturais produzidas nos
territórios, em espaços públicos não estatais.
A partir de uma demanda por apoio financeiro/técnico e de reconhecimento de um espa-
ço de memória invisibilizado nos últimos 150 anos, iremos debater os limites e possibilidades
de se pensar uma política pública cultural a ser produzida em conjunto com atores culturais que
ressignificam territórios para além da lógica do mercado.

1
Doutor em Políticas Públicas de Cultura pela UFRJ, professor e coordenador do Bacharelado em Produção Cul-
tural no IFRJ/Campus Nilópolis. jguerreiro2@gmail.com

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2. A SOCIEDADE CIVIL E OS FAZEDORES DE POLÍTICA CULTURAL


No bojo do processo de redemocratização pelo qual o país inicia notadamente a partir
das décadas de 1970-1980, os embates, negociações, conciliações e resistências levaram a so-
ciedade brasileira a algumas (re)conquistas, como o direito de associação, reinstitucionalização
de partidos políticos, incluindo alguns que se diziam representantes da classe trabalhadora, e o
voto universal.
Saindo de um processo de ditadura militar que durou 19 anos, podemos dizer que surgiu
(ou se fortaleceu), pós-1980, o que Gramsci denominou de “sociedade civil” (sindicatos, parti-
dos políticos, igrejas, instituições civis, entre outras) ou uma esfera pública não estatal.
Segundo Coutinho (1997), esta esfera pública não estatal faz com que o Estado precise
negociar com esta “sociedade civil” e, assim, se amplie. Ainda segundo Coutinho, o Estado
ampliado gramsciano não pode se legitimar apenas pela coerção/repressão. Ele precisa gerar
consensos e, para isso, precisa atender outros segmentos sociais que não apenas os da classe
burguesa. Foi, portanto, pelo processo de obtenção de direitos de cidadania que foi possível a
ampliação do Estado, o que possibilitou a sua permeabilidade às demandas das classes sociais
até então não representadas.
Cabe ressaltar que a simples ampliação do Estado e o surgimento de novos representan-
tes na relação de poder dentro deste mesmo Estado e no interior desta sociedade civil (que por
si só também é heterogênea), não garantem avanços em direção a uma radicalização/universali-
zação da cidadania. Este movimento é também heterogêneo e um processo de avanços e recuos.
Com efeito, no final da década de 1970, outras esferas públicas passam a se constituir
na defesa de um projeto de retorno à democracia formal tendo como base a defesa dos direitos
humanos – origem do que foi definido por Dagnino (2004) como o início de um processo de
cidadania ampliada no Brasil. Segundo esta autora, instituições como a igreja católica, sindica-
tos e familiares de perseguidos políticos iniciam um movimento de defesa pela volta ao Estado
Democrático de Direito, tendo como pano de fundo a defesa pela volta dos exilados políticos.
Nos anos de 1980, um novo projeto político participativo e democratizante surge a partir
da Sociedade Civil e, importa deixar claro, não a partir da absorção e/ou permissão do Estado:
questões como direito a ter direitos e de disputa na construção dos significados destes direitos
norteiam este projeto. Amplia-se a noção de cidadania que, até então, na discussão acadêmica
brasileira, ainda era fortemente influenciada pela concepção marshalliana2 dominante desde o
final da década de 1940. Tem-se início uma luta pelo reconhecimento do direito da mulher às de-
cisões sobre seu corpo, a um projeto de desenvolvimento que levasse em conta o meio ambiente,
direitos de grupos minoritários, enfim, uma série de pressões e lutas sociais - anteriores até ao

2
Para uma discussão sobre a concepção marshalliana de cidadania, ver Coutinho (op. cit.).

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período ditatorial - que conquistam espaços de debates e, muitas destas demandas são acolhidas
pela chamada Constituição Cidadã de 1988.
Segundo alguns autores3, neste período surgem, também, discussões sobre a possibilida-
de de articular um projeto dentro do Estado, ampliando a esfera pública com participação dos
representantes dos setores organizados da sociedade na formulação das políticas públicas. O
debate era sobre a constituição de novos agentes políticos. Buscava-se romper com a dicotomia
Sociedade Civil (representando o bem) versus o Estado autoritário (o mal). Entretanto, logo após
a promulgação da Constituição de 1988 vem a primeira eleição direta para presidente do país
após 29 anos. Esta seria a primeira eleição universal no Brasil: apesar das mulheres poderem
votar desde 1933, apenas com a Constituição de 1988 os analfabetos adquiriram este direito.
Como resultado dessa eleição, um projeto de corte neoliberal vai conduzir a sociedade bra-
sileira a partir do ano 2000 até 2002. Neste projeto, avaliamos que há uma redefinição do espaço
de atuação da sociedade civil junto ao aparelho de Estado e, os grupos que se articularam, inicial-
mente no movimento “Diretas Já” e, posteriormente, nos debates que levaram a promulgação da
Constituição de 1988 se vem alijados do processo de construção de uma democracia participativa.
Muitos desses atores sociais vão atuar em diversas outras instâncias – como governos es-
taduais, municipais etc. – implementando processos de participação popular em diversas áreas.
Sustentamos neste artigo que, mesmo com um hiato de 15 anos entre a constituição de 1988 e a
eleição de 2003, o projeto de ampliação do Estado no sentido gramsciano se rearticula e vai ter
no Ministério da Cultura, no período de 2003 à 2010, seu principal exemplo de funcionamento4.
A constituição das políticas culturais a partir dos processos de Conferências Munici-
pais, Estaduais e Federais de Cultura, além do fortalecimento dos espaços de participação de
representantes da sociedade civil nos mais diversos níveis de governo – Conselhos de Políticas
Culturais com caráter deliberativo – vai fomentar a ampliação e o reconhecimento de ações
culturais antes invisibilizadas. Mesmo com tensões, enfrentamentos e negociações, a forma de
fazer política cultural vai descer o planalto e também será percebida no porto do Rio de Janeiro.

3. PROGRAMA CULTURA VIVA: ENTRE AS INTENÇÕES


E OS RESULTADOS ALCANÇADOS
A implementação de uma proposta de política cultural ativa – mesmo que no governo
Lula os recursos desta política fossem ladeados à utilização dos recursos de renúncia fiscal e
de parcerias, assim como em governos anteriores - foi uma das marcas da gestão Gil/Juca do

3
Ver Dagnino (2004) e Chauí (2006), entre outros.
4
Para uma discussão sobre o processo de constituição do programa de política cultural que vigorou no MinC entre
2003 e 2010, ver o documento A imaginação a serviço do Brasil, 2002.

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Ministério da Cultura, entre 2003/2010, e, principalmente do discurso oficial. Entretanto, nesta


formulação de política cultural, só no último ano de gestão foi possível apresentar uma proposta
alternativa ao direcionamento da política pública de cultura dos departamentos de marketing das
grandes empresas privadas em direção a um fundo público de cultura.
Sem dúvida, o grande expoente dessa novidade que veio do Planalto Central foi o então
Programa Cultura Viva, baseado nos pontos de cultura, fortalecimento da cultura digital, e busca
de reconhecimento de ações culturais produzidas por seguimentos da sociedade que, anterior-
mente, não eram vistos como fazedores de cultura.
Apesar da ousadia do programa, principalmente em inverter o fluxo dos parcos recursos
do MinC em direção às periferias e grupos/coletivos culturais fora do alcance da indústria cul-
tural, os resultados não chegaram nem perto da meta traçada.
Em entrevista5 realizada com o então ministro Gilberto Gil durante a Teia 2007 (GIL,
2007), este disse que a meta era saltar do número de 650 Pontos de Cultura até então existentes,
para o total de 20.000 (vinte mil) ao término do mandato, no ano de 2010. Entretanto, o número
de Pontos de Cultura chegou a 3.190. O principal motivo apontado pelo ministro foi que os re-
cursos previstos (R$ 4,8 bilhões) não chegaram “aos cofres” do MinC.
As críticas feitas em relação à pouca abrangência, falta de recursos e difícil conectividade
entre as ações do Programa Cultura Viva nos parecem relevantes. Entretanto, uma avaliação de
tal programa deve observar que havia uma luta política que vinha/vem sendo travada dentro do
Estado brasileiro. Levando-se em conta o que Coutinho (1997) enfatiza do conceito gramsciano
de guerra de posições, sugere-se que a sociedade civil ocupou, no período de 2003 a 2010, um
novo espaço dentro da esfera pública – neste caso no governo. Grupos até então marginalizados
das ações oriundas de políticas públicas culturais, passaram a operar junto ao Estado no desenho
e na implementação de um projeto democratizante e participativo no interior do Ministério da
Cultura (MinC). Sustento, também, que após 2010, esses grupos perdem espaço no MinC e há
um retrocesso nos ganhos obtidos no período anterior. Poderíamos afirmar que em um cenário
eleitoral em que o então candidato da oposição derrotado – Senador José Serra – tivesse saído
vitoriosa da eleição, dificilmente teria tanta facilidade em desmontar o Programa Cultura Viva,
dada a articulação dos movimentos socioculturais. A ironia do destino, então, foi que esse papel
ficou nas mãos do governo de continuidade administrativa.
Se o Programa Cultura Viva se notabilizou pela receptividade das principais demandas
coletivas do segmento cultural participativo, sabemos que a busca pela construção de espaços
de participação social, a partir das demandas e lutas políticas, não se restringiu à área cultural,
nem nela surgiu.

5
Entrevista concedida à Maíra Lemos. Teia na Tela. DvD da Teia 2007.

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Contudo, essa luta pela ampliação dos espaços de participação extrapola a relação entre
o MinC e os movimentos socioculturais e vai informar ou mesmo influenciar outras relações de
construção de formulação da política cultural em outras esferas e regiões.
Na região portuária do Rio de Janeiro, que vem sendo objeto do maior investimento pú-
blico do estado por conta dos megaeventos esportivos (Copa das Confederações de 2013, Copa
FIFA de Futebol de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016), temos uma ressonância das lutas pela
participação dos atores locais nas definições da macropolítica cultural e, também, na forma de
se relacionar com este novo ator social da região: o interventor urbanístico.
E, apesar de a zona portuária estar no centro de negócios de um município que se vê
cosmopolita ou mesmo global, são as expressões culturais locais que vem entrando na cena de
negociação como representantes da sociedade civil junto ao poder público.
Dentre essas expressões culturais, irei me deter sobre uma em especial: o Instituto Pretos
Novos (IPN). O faço por entender que IPN foge ao padrão de constituição de uma instituição
de defesa do patrimônio material/imaterial, por ter surgido a partir do descaso do poder público
brasileiro com a herança de uma época que muitos querem esquecer ou ocultar e, ao mesmo
tempo, pelo acaso em que um importante achado histórico se torna público.

4. INSTITUTO DE PESQUISA E MEMÓRIA PRETOS NOVOS – IPN6

Mesmo separado de ti pelo Atlântico


Minha trilha são seus românticos cantos,
Mãe! Me imagino arrancado dos seus braços.
Que não me viu nascer, nem meus primeiros passos.
(GOG)7
Quando falamos do IPN – Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos – devemos
levar em conta a situação excepcional do processo de constituição desta entidade privada sem
fins lucrativos.
Há 20 anos, em janeiro de 1996, por ocasião de uma obra de reforma na casa de n.° 36
da Rua Pedro Ernesto, Bairro da Gamboa, os moradores se depararam com ossadas. Após os
operários, que buscavam espaço para fazer fundações estruturais, retirarem diversos ossos que,
segundo a moradora e atual diretora do IPN, Ana Maria Merced, preencheram seis caixas de
papelão, acharam que poderia se tratar de algum cemitério clandestino ou de vítimas de uma
chacina. Em conversas com vizinhos, especialmente com um que tinha interesse e estudava a
história da região, descobriram sobre a existência de um possível Cemitério de Pretos Novos.
6
Essa seção é baseada em GUERREIRO, João (2013), capítulo 4.
7
Trecho do RAP Carta à Mãe África, de GOG. Fonte: http://letras.terra.com.br/gog/872766/

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Procuraram ajuda de arqueólogos e historiadores através de um amigo do Centro Cultu-


ral José Bonifácio. Com a notícia, a prefeitura do município foi contatada e Merced e seu com-
panheiro, Petruccio, receberam uma visita de técnicos da prefeitura e de uma equipe de arqueó-
logos levada por eles. A consequência foi uma primeira escavação no quintal da casa que durou
quatro meses. Foi confirmado que a residência estava sobre um antigo Cemitério. Constatou-se
que se tratava de um cemitério denominado de Pretos Novos. O cemitério recebeu esse nome
por ser um local onde foram depositados os restos mortais de milhares de africanos que foram
escravizados e trazidos para o Brasil. Muitos que lá estão, chegaram ao país já mortos. Outros
morriam assim que chegavam, e outros, também enterrados nesse cemitério, teriam morrido no
processo de trabalho. Em comum, segundo Merced, está o anonimato desses africanos. O Cemi-
tério dos Pretos Novos foi construído em 1770 e desativado em 1831.
Se o Oceano Atlântico, chamado por Paul Gilroy como o Atlântico Negro, é para muitos
estudiosos das ciências sociais o lugar das trocas culturais exercidas durante a diáspora africana,
no auge da escravização da população negra, o cemitério acompanha esta trajetória pelo Atlân-
tico. Sempre próximo aos mercados de escravos nas praias, os cemitérios tornaram-se o fim da
diáspora para muitos.
O casal encontrou 5.563 fragmentos que posteriormente permitiram identificar 28 cor-
pos. Ao observarem a riqueza de material que havia sido descoberto pelos moradores, a prefei-
tura sugeriu uma pesquisa no terreno da residência. Resumindo: três anos depois, a pesquisa
não tinha sido concluída, Merced e Petruccio foram morar no auditório da empresa da família e
sofreram todo o tipo de pressão para terem sua residência desapropriada. Em qualquer momen-
to, porém, foram oferecidos recursos financeiros para compensar o transtorno e para ressarci-los
pelas escavações que começaram a comprometer a estrutura do imóvel.
Ao retornar ao imóvel, a família tinha que resolver o que fazer daquele momento em
diante. Optou-se por reformar a residência, adquirir a casa ao lado e, de forma autônoma e sem
financiamento público, construir um centro de memória dos Pretos Novos na região da Pequena
África. Portanto, uma demanda geográfica cultural fez com que surgissem praticantes que opta-
ram privadamente por preservar um possível patrimônio público, parte da história da Pequena
África. Cabe ressaltar, que quando foi feita essa escolha, nenhum sinal ou potencial de financia-
mento ou investimento público foi acenado em direção ao IPN.
As obras de reforma do imóvel que, conforme salientado, teve a sua estrutura compro-
metida a partir de 1996 com as escavações, ocorre em 1998 com recursos exclusivos do casal
proprietário da residência. Se o poder público local, até 1999, só apresentou proposta de desa-
propriação, o novo governo empossado no ano de 2000 procura os proprietários com propostas
de parcerias, mas as conversas não chegaram a concretizar qualquer aporte financeiro no que já

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se desenhava como um centro de memória da Pequena África, com ênfase na história e pesquisa
sobre o Cemitério dos Pretos Novos.
As escavações que até então estavam paralisadas deveriam ser retomadas em 2001, a
partir de uma parceria entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e o Instituto de Arqueologia do Bra-
sil8 (IAB). De acordo com informações veiculadas pela imprensa9 na ocasião, o financiamento
para a escavação do quintal da casa do IPN era de cerca de R$ 240 mil (duzentos e quarenta mil
reais). Entretanto, de acordo com Merced, nem as escavações, nem a pesquisa realizada pelo
IAB foram concluídas.
Com relação às pesquisas iniciadas pela bioarqueóloga Lilia Machado, do IAB, elas fo-
ram interrompidas em 2005, com o falecimento da pesquisadora. Assim, no ano de 2011, segun-
do Sheila Souza (SOUZA, 2012), um grupo de pesquisadores com experiência em estudos sobre
populações do passado, retomou as pesquisas sobre os remanescentes humanos encontrados no
antigo Cemitério dos Pretos Novos. Com base nessa pesquisa está sendo possível identificar a
origem regional dos africanos escravizados que aportaram no Caís do Valongo10.
Mesmo com dificuldades que poderia levá-lo ao recuo, mas, ao mesmo tempo, com in-
centivos de estudiosos, pesquisadores, turistas e ativistas do movimento negro, o IPN é fundan-
do em 2005, ou seja, quase dez anos após a descoberta do Cemitério dos Pretos Novos, como
nos explica Merced em entrevista. O IPN tem
por finalidade propor reflexões, estimular projetos educacionais e de
pesquisa, para a preservação da memória relacionada aos fatos e aconte-
cimentos afins ao período da escravidão legal, com seus desdobramen-
tos nos dias atuais, analisando suas consequências ao longo do processo
civilizatório, incorporados à diversidade inter-étnica que compõe a tota-
lidade do povo brasileiro. (MERCED, 2013)
Depreende-se da conversa com Merced, que antes da institucionalização do IPN foram
feitas diversas tentativas junto ao poder público, seja para a manutenção do espaço, seja para
financiar atividades de pesquisa. Ambas tentativas fracassaram. As hipóteses levantadas para
essas negativas são várias: dificuldades de obtenção de recursos públicos pela falta de uma per-
sonalidade jurídica; falta de documentação; desinteresse do poder público local e; dificuldade

de formatar projetos de acordo com as exigências apresentadas pelos editais. Mas, a despeito
8
A página eletrônica do Instituto informa que o IAB foi fundado em 29 de abril de 1961. É uma instituição partic-
ular de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos (ONG), que tem por MISSÃO a dedicação integral à Pesquisa,
Ensino e Divulgação da Arqueologia Brasileira. A sede do IAB, no município de Belford Roxo (RJ), é credenciada
junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para Guarda de Acervos Arqueológicos.
9
Jornal Folha de São Paulo, 20/11/2001. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ul-
t95u40857.shtml. Acesso em 16 março 2013.
10
Souza (2012) apresenta nesta pesquisa os avanços obtidos na identificação dos traços genéticos e culturais extraí-
dos das arcadas dentárias encontradas e a utilização de recursos da pesquisa forense que possibilitaram a conclusão
da diversidade de origens dos africanos escravizados. Ver Revista Ciência Hoje, nº 291, ano 2012.

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dessas dificuldades e mesmo com recursos próprios, no ano de 2005, o casal adquiriu mais dois
imóveis vizinhos, visando expandir o terreno das escavações e do projeto.
Perguntada sobre os financiamentos públicos do espaço antes do ano de 2003, a resposta
de Merced foi direta:
mantido exclusivamente pelo esforço do casal de proprietários do imó-
vel, auxiliados pelo trabalho e valores voluntários de pessoas de diver-
sos segmentos da sociedade civil identificadas com os ideais da promo-
ção da igualdade racial e social do Brasil (2013).
A partir de 2003, conforme hipótese sustentada nesse artigo, a construção de fóruns
locais, estaduais e federal de discussão e desenho de uma política cultural participativa, indi-
retamente beneficia o IPN. A horizontalidade da discussão, que vai apontar para a implantação
do Programa Cultura Viva e os pontos de culturas, é decorrente de ações gestadas no seio da
sociedade civil e representa o acúmulo de musculatura de um participante no campo político até
então sem ser ouvido: o praticante.
Essa nova conjuntura política, onde os fóruns e conselhos de cultura se fortalecem, trans-
borda e é propiciada por instituições como IPN, que embora não esteja vinculado ao Estado,
passa a recorrer a ele não como gestor, mas como possível parceiro financiador dos projetos.
Percebemos que, a partir do ano de 2003, ao lançar o então programa Cultura, Educação
e Cidadania, o Ministério da Cultura tem como uma das suas ambições “promover” o protago-
nismo e a emancipação social, garantindo o acesso aos bens culturais necessários para a expres-
são simbólica e artística. E, além dessa retórica criticada como passível de representar o dirigis-
mo estatal, articula e possibilita a constituição de fóruns de debate como lócus de formulação de
propostas coletivas de políticas públicas de cultura. Estamos argumentando aqui que, no âmbito
do Ministério da Cultura, as forças políticas da sociedade passaram a ter um papel participativo
e não apenas representativo. Até porque as representações conquistadas pelos setores no Conse-
lho Nacional de Política Cultural (CNPC) são importantes na medida em que os representados
participem dos fóruns de construção dessas representações. É nos fóruns municipais que perce-
bemos os praticantes interferindo na constituição das políticas.
As dificuldades apresentadas pelo casal que dirige o IPN possibilita-nos entender por-
que, em 2003, quando estava programada a primeira exposição itinerante com parte do material
até então escavado, pesquisado e catalogado, a mesma resultou apenas na exposição de imagens.
A viabilização da circulação do material seria obtida a partir do financiamento da expo-
sição itinerante por parte da Companhia Docas do Rio de Janeiro, autoridade portuária subordi-
nada à Secretaria dos Portos do governo federal. Entretanto, os recursos não foram suficientes
para garantir a integridade, segurança e conservação das ossadas. Com isso, a circulação e apre-
sentação das ossadas foram suspensas.

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Seguindo os conselhos recebidos por amigos, representantes do poder público e de outras


instituições, Merced e Petruccio resolveram constituir uma personalidade jurídica para buscar
viabilizar recursos para que o IPN cumprisse sua finalidade. Ao ser perguntada sobre os princi-
pais motivos ou dificuldades que enfrentaram para acessar as fontes de financiamento, a resposta
de Merced ressaltou a complexidade da elaboração dos projetos e de enquadramento dos proje-
tos por eles elaborados nos editais e convênios que, a princípio, poderiam beneficiá-los.
Aqui nos deparamos com uma das principais críticas ao modelo adotado pelo poder pú-
blico no âmbito do conveniamento ou contratação de instituições relacionadas à Cultura e em
suas diversas instâncias. A lei que regula as ações nessa área é a Lei Geral de Licitações, Lei
8666/93, que diz em seus primeiros artigos e parágrafos:
Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos
administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade,
compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração
direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as so-
ciedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios.
Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões,
permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão ne-
cessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste
entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de
vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a
denominação utilizada (BRASIL, 1993).
Não nos prenderemos a uma análise crítica da referida lei, mas importa sublinhar que ao
vincular qualquer tipo de contratação de qualquer instituição aos requisitos dessa lei, regulam-se
convênios e contratos de instituições como IPN da mesma forma com que se regularam a cons-
trução e reforma de estádios de futebol para a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014, ou mesmo
para os equipamentos esportivos destinados aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos – Olimpíadas
Rio 2016. Ou seja, o preenchimento dos formulários e comprovações documentais solicitados
é muito além da capacidade administrativa de quem produz arte ou permite a fruição de bens
imateriais, como pudemos observar nas ações do IPN.
Sob o forte argumento de que recursos públicos devem ser utilizados com transparên-
cia e controle social, acabou-se criando entraves, às vezes intransponíveis, para praticantes e
instituições de pequeno porte que os representem. No caso dos convênios realizados junto aos

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Pontos de Cultura, segundo estimativas do Ministério da Cultura de 2007, 90% destes ficaram
inadimplentes por não conseguirem prestar contas de acordo com a legislação. A razão é fácil
de ser percebida. Grandes instituições culturais como AfroReggae, Central Única de Favelas
(CUFA) e Ação da Cidadania já possuem expertise e pessoal qualificado na atividade meio de
administração, o que facilita a elaboração dos projetos e as posteriores prestações contas. Os re-
cursos advindos de projetos como o Ponto de Cultura – média de R$ 5 mil (cinco mil reais) por
mês – vinham se agregar a outros recursos de outras fontes que elas conseguiam movimentar.
Já os pontos de cultura que iniciaram a institucionalização das suas atividades após esse
reconhecimento, via Programa Cultura Viva, não tiveram, na esmagadora maioria das vezes,
oficinas de elaboração de projetos ou de prestação de contas, apesar de algumas caravanas com
técnicos da área cultural que visitaram algumas cidades quando os editais foram publicados.
Assim, agentes culturais de pontos de culturas localizados em áreas informais das cidades – fa-
velas, loteamentos irregulares, ocupações etc. – ou moradores de pequenos municípios e áreas
rurais não tinham como adquirir os materiais de consumo ou equipamentos a não ser no comér-
cio local. Tivemos, então, centenas de recibos de compra de materiais sem o número do Cadas-
tro Nacional de Pessoa Jurídica dos estabelecimentos. Acreditar que todos os pontos de cultura
nessa situação tiveram intenção de burlar a lei seria muito extremo. Mas, segundo a Lei 8666/93,
intenção e dolo tem o mesmo resultado. Defendemos que o problema foi utilizar a referida lei
para regular os contratos e convênios com o Ministério da Cultura sem, por um lado, qualificar
todos os proponentes que tiveram os projetos deferidos, e sem ter contingente de pessoal para
realizar essa árdua tarefa. Como o decorrer do tempo e com as experiências de outras formas de
reconhecer ações culturais informais – como, por exemplo, o Prêmio Myriam Muniz concedido
pela Fundação Nacional das Artes (FUNARTE) – a forma de reconhecer os espaços culturais
que atuam como um ponto de cultura se modificou. Buscou-se diminuir a burocracia, possibili-
tar que pessoas físicas participassem de editais e premiações e, com isso, alargar o horizonte de
visibilidade de ações culturais. Entretanto, o Tribunal de Contas da União ainda não reconhece
as premiações como uma ação legal, o que vem gerando processos contra gestores públicos que
a vem utilizando.
Por outro lado, surgiram diversos escritórios, instituições e consultores especializados
em elaborar projetos culturais, enquadrá-los nas leis de incentivos fiscais nas diversas instâncias
de poder e realizar prestações de contas. Não estando esses gastos discriminados nas rubricas
dos editais, acabaram gerando custos administrativos acima dos que eram esperados, tanto pelo
poder público, quanto pelos praticantes.
Retornando ao caso específico do IPN, vamos verificar que só no ano de 2010, após a
descentralização das políticas de fomento à cultura via edital para os Estados, ele se beneficia
com um projeto de Ponto de Cultura. Mas gostaria de salientar que é a partir de 2003 que essa

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instituição consegue dar prosseguimento às pesquisas e exposições itinerantes das ossadas e


fragmentos de artesanatos achados no sitio arqueológico onde estão inseridos.
O casal dono da residência e, depois, implantadores do IPN, teve duas opções ao se de-
parar com as ossadas nas escavações: esquecer ou “desescondê-las” 11. Em entrevista à Bolivar
Torres, em 2007, Merced lembrou:
logo que apareceram os primeiros ossos, me avisaram que eu não devia
falar com ninguém, para não dar confusão, mas eu sabia que aquilo não
podia ficar esquecido. Havia uma história, uma história bonita e sofrida
– e ela precisava ser contada” (MERCED apud TORRES, 2007).
Esses dois personagens praticantes da cultura material da Região Portuária hoje tem o
IPN, que conta com área de exposição permanente do material do sitio arqueológico, uma área
de exposição temporária – que irá abrigar exposições externas – e uma sala multimídia para
palestras, projeções etc.
Finalmente, em 2010, foi selecionado o projeto que deu origem ao Ponto de Cultura Pre-
tos Novos. Tendo uma opção político pedagógica, o Ponto de Cultura vem realizando oficinas
para diversos alunos, professores, guias de turismo e pesquisadores.
No ano de 2010, as oficinas tiveram a participação de 640 pessoas. No ano de 2011, a
participação foi de 911 pessoas e, em 2012, mais mil pessoas fizeram as oficinas.
Assim, lançando mão de uma demanda criada com a lei 10.639 que torna obrigatória nas
escolas o ensino da história e da cultura afro-brasileira, o IPN encontrou meios de alcançar o tão
desejado financiamento estadual/federal para contemplar uma demanda da sociedade civil por
fazer valer os seus “lugares de memória”. Pierre Nora nos lembra que:
os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há me-
mória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter
aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, nota-
riar atas, porque essas operações não são naturais. É por isso a defesa,
pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e
enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à incandescên-
cia a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância come-
morativa, a história depressa os varreria. São bastiões sobre os quais
se escora. Mas se o que eles defendem não tivesse ameaçado, não se
teria, tampouco, a necessidade de construí-los. Se vivêssemos verda-
deiramente as lembranças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se,
em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los,
transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de
memória. É este vai-e-vem que os constitui: momentos de história arran-
11
Célio Turino, gestor do programa Cultura Viva durante a gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira, falou em diversas
entrevistas que o papel dos Pontos de Cultura era “desesconder” a cultura gestada nos porões da sociedade e que
nunca foi reconhecida pelo Estado ou pelo mercado. O neologismo desesconder significa, portanto, ampliar a visi-
bilidade das ações culturais ao invés de criar novas ações.

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cados do movimento da história, mas que lhe são devolvidos. (NORA,


Pierre, 1993. p.7).
Trata-se, na verdade, do que fica de um tempo no outro. O que fica do Cemitério dos
Pretos Novos nas nossas vidas através da opção exercida pelo casal dono da residência. O espa-
ço do IPN é, ao mesmo tempo, um lugar simbólico - onde ocorre a formação de uma possível
identidade e de um pertencimento de um grupo social - e material, pois representa, através das
ossadas recuperadas, o registro físico e de como se produziu e reproduziu a vida social do país
em um determinado (e triste) tempo da nossa história. Mas já não mais possui a função de ce-
mitério: agora, recontextualizado, se transformou em patrimônio.
Hoje, 20 anos depois do início das obras de expansão da casa de Merced e Petruccio, o
IPN se tornou um Ponto de Cultura reconhecido pelo poder público e vem recebendo apoio da
Concessionária Porto Novo e da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária
(CDURP). Apesar dos recursos serem sazonais, o instituto vem conseguindo realizar Oficinas
de Histórias gratuitas através do Projeto Memorial Pretos Novos e realizando exposições em
sua sede.

5. DESAFIOS DA POLÍTICA CULTURAL A PARTIR DO EXEMPLO DO IPN


O caso do IPN nos possibilita pensar que a radicalidade da política cultural deve com-
preender a integração dos diversos agentes culturais na definição de ações e metas a serem
alcançadas. De uma escavação para a ampliação de um imóvel residencial à descoberta de um
patrimônio cultural de importância reconhecida por parte da sociedade, está o gestor público e
a alocação de recursos.
Uma política cultural que se queira abrangente tem que ser flexível, com prazos de revi-
são e, principalmente, ser produzida coletivamente. Os conselhos municipais de políticas cul-
turais devem ser o locus de definição da política cultural a ser implantada pelas secretarias
municipais de cultura. Mas, também, a necessidade de integração entre os setores da gestão
pública se mostra importante neste caso, que parece fugir à regra de constituição de uma deman-
da social, mas que é, na prática, mais corriqueira do que imaginamos. Ou será que a dinâmica
cultural pode ser prevista em planejamentos fixos, físicos e sólidos? Ao lidarmos com o cultural
devemos ter em mente as exceções, as inovações e as criatividades dos grupos culturais e demais
agentes envolvidos.
Cabe salientar que incorremos a todo o momento no risco de reificar a “cultura”, como
se ela existisse de fato. Defendemos que a cultura é uma invenção móvel e variável, fruto do
conflito de diversos interesses em disputa e que, em essência, não há nada em si mesma que seja
a cultura. O caso do IPN serve para reforçar a nossa certeza.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Guerreiro. Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2013.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 23 de junho de 1993. Lei da Licitação. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em 19 abril 2013.
CHAUÍ, Marilena. Cidadania cultural: o direito à cultura. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006.
COUTINHO, C. Notas sobre cidadania e modernidade. Revista Praia Vermelha, Rio de Janeiro, vol 1,
nº 1, 1º semestre de 1997.
DAGNINO, Evelina. Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos e práticas na
esquerda latino-americana. In: ALVAREZ, Sônia, DAGNINO, Evelina e ESCOBAR, Arturo (orgs.)
Cultura e Política nos Movimentos Sociais Latino Americanos: Novas Leituras. Editora da UFMG,
2000. P. 61-102.
_______. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? Em Daniel Mato (coord.),
Políticas de ciudadania y sociedad civil en tiempos de globalizacion. Caracar: FACES, Universidad
Central de Venezuela, 2004. P. 95-110.
GIL, Gilberto. Entrevista concedida a Maíra Lemos. Teia na Tela. Belo Horizonte, nov. 2007. DVD
03, Teia 2007.
Gilroy, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: 34/Universidade
Cândido Mendes – Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
GOG. Rap Carta à mãe África. Disponível em: http://letras.terra.com.br/gog/872766. Acesso em 14
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GUERREIRO, João. Quando o centro é a periferia: dinâmica cultural na região portuária do Rio
de Janeiro. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social. Rio de Janeiro, 2013. 267f.
INSTITUTO DE ARQUEOLOGIA DO BRASIL. Portal do IAB. Disponível em http://www.arqueologia-
iab.com.br/. Acesso em 12 fev. 2016.
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Paulo, v. 10, 1993. P. 7-28.
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Públicas de Cultura da Coligação Lula Presidente. São Paulo, PT, 2002. Disponível em http://www.
fpabramo.org.br/uploads/aimaginacaoaservicodobrasil.pdf. Acesso em 10 fev. 2016.
SOUZA, Sheila M. de. et. alli. Cemitério dos Pretos Novos: técnicas modernas ajudam a compreender
questões da escravidão. In: Revista Ciência Hoje, nº 291, abril 2012. p. 22-27.
TORRES, Bolivar. Desenterrando a história. Revista Viva Favela. Disponível em http://novo.vivafavela.
com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=87&infoid=45043&from_info_index=261. Acesso em
12 fev. 2016.

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VASSALO, Simone P. Memórias em conflito: o Instituto dos Pretos Novos e as releituras da história da
Zona Portuária do Rio de Janeiro. 34º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, Minas Gerais, 2010.
Disponível em http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gi-
d=1593&Itemid=350. Acesso abril 2013.

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MAPEANDO MESTRES E MESTRAS DOS SABERES POPULARES TRADICIONAIS


José Jorge de Carvalho1
Letícia C.R.Vianna2
Flávia S.Salgado3

RESUMO: O documento traz resultados gerais da pesquisa realizada no âmbito do Projeto


Encontro de Saberes. Trata-se de um mapeamento de mestres e mestras dos saberes populares
tradicionais convergente com o Programa 1.1 do Plano Setorial para as Culturas Populares
do Ministério da Cultura. Foram mapeados 1.127 mestres identificados por meio de políticas
públicas federais e estaduais recentes; e formulados indicadores básicos relativos ao alcance
destas políticas.

PALAVRAS-CHAVE: Mapeamento de Mestres, Saberes Populares; Encontro de Saberes;


Inclusão no Ensino e Pesquisa

É com satisfação que o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino


Superior e na Pesquisa (INCTI/UNB/CNPq) apresenta neste Seminário os primeiros resulta-
dos do Projeto Mapeamento de Mestres e Mestras dos Saberes Tradicionais. Este trabalho foi
proporcionado pelo Ministério da Cultura – MinC; e é uma ação convergente com uma diretriz
da Carta das Culturas Populares, retirada do I Seminário Nacional de Políticas Públicas para as
Culturas Populares e divulgada em fevereiro de 2005. Converge também com o Programa 1.1 do
Plano Setorial para as Culturas Populares da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural
do Ministério:
O mapeamento aqui proposto pretende levantar um conjunto de infor-
mações que identifique, quantifique e localize os indivíduos, grupos
e comunidades de praticantes das culturas populares de todo o país.
Para construir esse mapeamento nacional, o programa prevê a arti-
culação com os governos estaduais e municipais, com instituições
de pesquisa públicas e privadas, incorporando informações já cole-

1
Doutor em Antropologia, Professor Titular DAN/UnB e Coordenador do INCTI/UnB/CNPq - jorgedc@terra.
com.br
2
Doutora em Antropologia, e Coordenadora de Pesquisa no INCTI/UnB/CNPq - viannaleticia@hotmail.com
3
Geógrafa, Mestranda em pelo PPCULT – Programa de Pós Graduação em Cultura e Territorialidades e bolsista
DTI do INCTI/UnB/CNPq.- flavia.sededepeixe@gmail.com

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tadas. Ações: 1. Realizar mapeamento das manifestações culturais,


dos indivíduos, grupos, comunidades, instituições e organizações de
culturas populares, disponibilizando as informações resultantes em
uma plataforma livre e de fácil acesso. (MINISTÉRIO DA CULTURA,
2012, p.45)
A pesquisa para o mapeamento aqui apresentado foi desenvolvida de junho de 2014 a
setembro de 2015 no âmbito do Projeto Encontro de Saberes, o qual é implementado e coorde-
nado pelo INCTI/UNB/CNPq. A premissa é a de que a identificação de mestre ou mestra é um
indicador elementar de ocorrência de expressões culturais populares tradicionais. O ponto de
partida para o trabalho foi a busca, arrolamento, seleção e escalonamento de fontes de infor-
mação já existentes sobre mestres reconhecidos para a pesquisa. O esforço se deu no sentido
da centralização e sistematização das informações relativas aos mestres e mestras identificados
através das seguintes fontes:
1) Titulações por legislações estaduais (AL; CE; PB; PE) de reconhecimento de mestres
das culturas populares (de 2002 até 06/2014);
2) Titulações pelas três edições do Prêmio de Culturas Populares do Ministério da Cul-
tura –MinC (Humberto Maracanã/2008; D.Izabel/2009; Mazzaropi/2012);
3) Titulações pelo Prêmio Viva Meu Mestre de Capoeira do Ministério da Cultura-
MinC (2012);
4) Identificação através do Programa Sala do Artista Popular do Centro Nacional de
Folclore e Cultura Popular-CNFCP (de 1983 até 06\2014);
5) Identificação através do Projeto Encontro de Saberes coordenado pelo Instituto Na-
cional de Ciência e Tecnologia para a Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa -
INCTI/CNPq/UnB (de 2007 até 12\2014).
6) Identificação através do Mapeamento realizado pela Associação de Sambadores e
Sambadeiras do Recôncavo – ASSEBA (2010);
7) Identificação através do Mapeamento realizado pelo Pontão de Cultura Jongo-Ca-
xambu (2009).
Ao longo do trabalho foram identificados 1.127 mestres. O gráfico a seguir mostra as
proporções relativas ao número de mestres identificados por região, o mapa mostra a densidade
das ocorrências e a tabela mostra a proporção por estado da federação.

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Por meio deste mapeamento, foi possível a sistematização de informações sobre dife-
rentes linhas oficiais de ação de identificação, reconhecimento, apoio e fomento de mestres das
culturas populares nas escalas federal e estadual. Além desses programas oficiais de identifica-
ção de mestres observados nas escalas nacional e estadual, até o momento, foram identificados
mestres através de dois mapeamentos feitos pelas bases sociais de determinadas expressões
culturais: um em “território jongueiro” em escala regional (Sudeste); e um em “território do
samba de roda” em escala local (Recôncavo Baiano). Destaca-se que estes dois mapeamentos
foram apoiados pelo Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura; que a partir de 2007 pro-
porcionou a implementação do Pontão de Cultura Jongo Caxambu, com sede em Niterói (RJ) e
do Pontão de Cultura Casa do Samba, com sede em Santo Amaro (BA).
O gráfico a seguir mostra a proporção de mestres identificados por tipo de fonte de
informação

O universo numérico deste gráfico (1.157) não corresponde ao universo absoluto de


mestres identificados (1.127). Isso se deve ao fato de 30 mestres apareceram em mais de uma
fonte de informação. O gráfico reflete o alcance da política pública para a área. E também o
potencial de mobilização social para a ação de identificação e reconhecimento de pessoas que
são suas referências; pois mesmo os reconhecimentos oficiais são construídos sobre al-
gum respaldo na indicação das bases sociais que têm mestres das culturas populares como refe-
rência. Destaca-se que em apenas quatro estados (AL; CE; PB; PE) foram identificados mestres

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através de legislação estadual. Na Bahia existe lei estadual que ainda não foi implementada, as-
sim como em Minas Gerais. É visível a correlação entre a proporção da área de saber artesanato
(observada no gráfico relativo às áreas de saber) e a proporção do Programa SAP. Observa-se
o quanto é significativo numericamente e proporcionalmente o instituto de leis estaduais de
reconhecimento. Nesse sentido, é interessante a ponderação por parte do Ministério da Cultura
sobre a possibilidade de um programa de estímulo aos estados da federação que ainda não o
fizeram, implementarem e aplicarem leis voltadas ao reconhecimento de mestres e mestras
Uma questão metodológica que se colocou como um desafio para a sistematização das
informações foi a classificação das maestrias em categorias gerais relativas às áreas do saber. O
princípio básico é o de que, embora seja uma categoria genérica e não necessariamente usada
em todos os contextos de socialização dos saberes populares tradicionais (como nas comunida-
des indígenas, ou de terreiro, por exemplo, que não usam correntemente o termo), a categoria
mestre é, aqui, formulada como relativa à pessoa que é referência nos processos de transmissão
e atualização das tradições, sobretudo quando não é a escrita a forma de expressão primordial.
O mapeamento realizado permite a observação de uma grande diversidade de expres-
sões culturais e as muitas possibilidades de nominação e classificação de expressões e saberes
que caracterizam as maestrias. Por outro lado, também traz à luz a complexidade dos saberes po-
pulares – uma complexidade que no ambiente acadêmico poderia ser chamada de transdiscipli-
naridade. Por exemplo: uma artesã de trançado de fibra de buriti, além de dominar o conceito e
a técnica de feitura de cada peça artesanal, normalmente domina os saberes do manejo do buriti,
seu ciclo reprodutivo, seu ambiente de florescimento, os modos do extrativismo ou cultivo não
predatório; e outros conhecimentos que poderíamos mesmo correlacionar com conhecimentos
reconhecidos como alta ciência do meio ambiente. Uma artesã ceramista, para além da mo-
delagem plástica do barro, precisa saber da química e da física do barro, condições de pureza,
da liga, das temperaturas seguras para o bom cozimento; das propriedades químicas e físicas
dos pigmentos empregados - se liberam toxinas e a peça pode ser utilitária além de decorativa.
Em relação às artes da performance, também existe a transdisciplinaridade, na medida em que
um brincante detentor de saberes, geralmente poder ser ator, músico, artesão, artista plástico,
devoto, tudo ao mesmo tempo. E geralmente um mestre brincante não se limita a uma só brin-
cadeira, uma só especialidade. Em geral muitos papeis são desempenhados envolvendo vários
saberes. Assim, várias práticas e saberes podem estar ou estão necessariamente imbricados.
E uma pessoa pode assumir diversos papéis, cultivar muitos saberes correlatos (ou não) e ter
várias maestrias. Nesse sentido, cada pessoa geralmente é classificada como mestre de uma ou
mais expressões culturais; e certamente dever ter conhecimento denso e profundo sobre muitas
áreas do saber. Uma pessoa pode ser mestre em umas expressões e, em outras, ser apenas um
sabedor ou aprendiz.

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No processo de trabalho de sistematização das informações das várias fontes, foram


encontradas diversas formas de nominar as expressões de maestrias. Buscou-se uma correlação
entre as categorias observadas (expostas nas listas estaduais a seguir) com categorias organi-
zadoras genéricas, formuladas para classificar as maestrias encontradas conforme as seguintes
áreas do saber:
1) espiritualidade
2) saúde e cura
3) manejo do meio ambiente \biodiversidade 
4) artes da performance e celebrações
5) artesanato\tecnologias
6) liderança
7) outros
O gráfico a seguir indica a proporção entre as ocorrências das maestrias; e mostra as
áreas do saber mais e menos visibilizadas nas políticas públicas espelhadas nas fontes de infor-
mação observadas. Destaca-se a correlação entre a proporção da área de saber artesanato e a
proporção do Programa SAP - visível no gráfico relativo às formas de identificação. O universo
numérico do gráfico (1.034) não corresponde ao universo absoluto de mestres identificados
(1.127). Isso se deve ao fato de 24 pessoas terem maestrias identificadas em mais de uma área
do saber; (identificadas nas listas com um asterisco*) sendo que 4 são reconhecidos em três ou
quatro áreas. E também alguns mestres (109) não apareceram com a maestria identificada nas
fontes de informação.

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Em relação às áreas do saber, foi possível ver com clareza as menos visibilizadas nas
políticas públicas refletidas pelas fontes de informação observadas. Nesse sentido o mapeamento
já indica o que e onde está o menos visível, apoiado e fomentado, nas ações como as aqui obser-
vadas; de modo a subsidiar tomadas de decisão no sentido priorização da inclusão destas áreas do
saber nas políticas para ciência, cultura e educação nas três esferas do pacto federativo. Também
sugere um universo muito rico e potencialmente muito maior de pessoas de maestrias diversas,
ainda a serem identificadas, tendo em vista a proporção entre o universo total abordado (1.127) e
a população total do país (a estimativa do IBGE é de 204 milhões de habitantes em 2015).

PERSPECTIVAS
Um mapeamento de mestres e mestras como este realizado pelo INCTI, é um atendimen-
to à demanda posta tanto pelos segmentos da sociedade, quanto pelos setores públicos, no senti-
do de dar visibilidade, facilitar intercâmbios e redes, centralizar informações para gestão de po-
líticas consequentes e complementares nas esferas públicas da cultura e sociedade. Mapeamen-
tos integrados, tal como é proposto pelo Plano Setorial para as Culturas Populares, conformam
um empreendimento de magnitude. E é fundamental neste momento que se dê a consolidação
da política pública participativa na direção da identificação, reconhecimento, apoio, fomento e
inclusão de mestres em lugares de relevância e influência para as artes e ciências no país. Tanto
as três esferas dos poderes públicos, quanto a sociedade civil, precisam manter o interesse e con-
dições de realização de mapeamentos integrados, no sentido de trazer ao conhecimento público
a diversidade cultural no território em uma escala que proporcione a visualização dos sujeitos
da história, guardiões das tradições - os tesouros humanos.
A pesquisa para o mapeamento que apresentamos foi desenvolvida de junho de 2014
a setembro de 2015, como uma ação integrada ao Projeto Encontro de Saberes - implementa-
do pelo INCTI/UNB/CNPq. Este Projeto teve início em 2010, na Universidade de Brasília; e
é voltado para a inclusão de mestres dos saberes tradicionais na docência universitária. Está
em expansão e consolidação em diferentes campus de várias universidades brasileiras: UFMG;
UFJF; UFSB; UFPA; UECE. O resultado do trabalho está assentado sobre vários instrumentos,
tais como planilhas por estado, listas nominais por maestria e forma de reconhecimento, quadros
com distribuição dos mestres por município, mapas virtuais experimentais, gráficos indicadores,
textos analíticos e relatórios. Foram mapeados 1.127 mestres e mestras dos saberes populares
tradicionais, identificados em fontes de informações relativas às políticas públicas nas escalas
federal e estadual. E também mestres identificados por mapeamentos realizados pelas bases so-
ciais de expressões culturais em escala regional e local. Foi possível observar as áreas do saber
mais e menos privilegiadas. E, de alguma maneira, alertar para o fato de que as menos visíveis
e fomentadas (as relativas à saúde, cura, meio ambiente, espiritualidade, liderança política) são

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fundamentais para a soberania dos povos e nações que constituem a nação brasileira! Tão funda-
mentais quanto as artes performáticas, as celebrações, artesanatos e tecnologias para a definição
das identidades culturais no território.
Nesse sentido o mapeamento é, por si, uma pesquisa desafiadora para o INCTI, pois
instiga o desenvolvimento de métodos de trabalho científico e a reflexão sobre resultados. Por
outro lado, oferece à rede de mestres, professores, alunos e colaboradores do Projeto Encontro
de Saberes, informação sobre quem são, o que sabem e onde estão os potenciais mestres a serem
incluídos como referências no ensino superior e pesquisa. Esperamos também que tanto os po-
deres públicos, quanto a sociedade civil, possam aproveitar os resultados do trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSEBA – Associação de Sambadeiros e Sambadeiras da Bahia – Sambadores e Sambadeiras da Bahia,


ASSEBA-Rede do Samba de Roda, Associação Chegança dos Marujos Fragata Brasileira-IPHAN,
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sambadores-e-sambadeiras-da-bahia – acessado em 23/01/2016).
BRASIL-MINISTÉRIO DA CULTURA --Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural – Plano
Setorial para as Culturas Populares, Brasília: MINC/SCC, 2012.
CASTRO, Maria Laura Viveiros de & FONSECA, Maria Cecília Londres – Patrimônio Imaterial no
Brasil – Legislação e Políticas Estaduais, Brasília, UNESCO, Educarte, 2008.
CARVALHO, José Jorge de – Projeto Cartografia dos Mestres e das Expressões das Culturas Populares
Tradicionais. Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, mimeo, s/d.
CARVALHO, José Jorge e FLÓREZ FLÓREZ, Juliana – Encuentro de Saberes: Proyecto para Decolonizar
el Conocimiento Universitário Eurocéntrico in: Nomadas 41, Universidad Central, Colombia, octubre
2014, p. 131-146.
CNFCP/IPHAN/MINISTÉRIO DA CULTURA – Catálogos da Sala do Artista Popular , nº 1 ao 180 e
Catálogos Extras, Rio de Janeiro, 1983-2013
PONTÃO DE CULTURA DO JONGO/CAXAMBU – Território Jongueiro disponível em http://www.
pontaojongo.uff.br/territorio-jongueiro (acessado em 23/01/2016).

LEIS ESTADUAIS
ALAGOAS – Lei nº6.513 de 22 de setembro de 2004 – Registro do Patrimônio Vivo do Estado de
Alagoas.
BAHIA – Decreto Lei nº 9.101 de 19 de maio de 2004.
BAHIA – Lei nº 8.899 de 18 de dezembro de 2003 – Registro dos Mestres dos Saberes e Fazeres do
Estado da Bahia.

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CEARÁ – Le nº 13.842 de 24 de novembro de 2006.


CEARÁ – Lei nº 13.427, de 30 de dezembro de 2003.
CEARÁ – Decreto nº 27.229, de 28 de outubro de 2003.
CEARÁ – Lei nº 13.351 de 22 de agosto de 2003 – Registro dos Mestres da Cultura Tradicional Popular
do Estado do Ceará.
MINAS GERAIS – Decreto nº 42.505, de 15 de abril de 2002 – Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial ou Intangível que constituem Patrimônio Cultural de Minas Gerais.
PARAÍBA – Resolução nº 001, de 01 d agosto de 2005.
PARAÍBA – Decreto-Lei nº 26.065 de 15 de julho de 2005.
PARAÍBA – Lei nº7.694 de 22 de dezembro de 2004 – Registro dos Mestres das Artes – Canhoto da
Paraíba.
PERNAMBUCO – Decreto-Lei nº 27.753, de 18 de março de 2005.
PERNAMBUCO – Decreto-Lei nº 27.733, de 11 de março de 2005.
PERNAMBUCO – Decreto-Lei nº 27.503, de 27 de dezembro de 2004.
PERNAMBUCO – Lei nº 12.196 de 2 de março de 2002 – Lei Raul Henry – Registro do Patrimônio Vivo
do Estado de Pernambuco (RPV-PE).
SANTA CATARINA – Decreto nº 2.504, de 29 de setembro de 2004 – Registro de Bens Culturais de
Natureza Imaterial ou Intangível que constituem o Patrimônio Cultural de Santa Catarina.

PRÊMIOS
BRASIL – MINISTÉRIO DA CULTURA – Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural – Prêmio
Culturas Populares 2008 – Edição Mestre Humberto de Maracanã. 1ª edição, 2008.
_______. Secreataria da Cidadania e da Diversidade Cultural- Prêmio Culturas Populares 2009 - Edição
Mestra Dona Izabel, 2a edição, 2009.
_______. Secreataria da Cidadania e da Diversidade Cultural - Prêmio Culturas Populares Edição 100
anos de Mazzaropi, 2011.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístic Nacional e Fundação Palmares//MINISTÉRIO DA CULTRA
– Prêmio Viva Meu Mestre 2011.

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A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE E SEUS PRIMEIROS 10 ANOS:


UMA APROXIMAÇÃO A PARTIR DOS RELATOS DAS PARTES1
José Márcio Barros2
Raquel Salomão Utsch de Carvalho3

RESUMO: Este artigo reflete sobre avanços obtidos e desafios atuais da Convenção sobre a
Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005). Para tanto, reporta
aos Relatórios periódicos quadrienais sobre as medidas para proteger e promover as expressões
culturais, emitidos pelos países latino-americanos Equador, Peru e México (2012) e ao relatório
“Repensar as politicas culturais”, lançado pela Unesco, em dezembro de 2015, no contexto dos
10 anos da Convenção. O artigo é fruto de análises iniciais, realizadas no âmbito da pesquisa “A
Convenção da Unesco e as políticas para a diversidade cultural no espaço latino americano”, em
desenvolvimento ao longo de 2016 pelo grupo Observatório da Diversidade Cultural (CNPq).

PALAVRAS-CHAVE: Diversidade Cultural, Convenção da Unesco, Políticas públicas.

1. INTRODUÇÃO
Adotada pela Assembleia Geral da UNESCO em 20 de outubro de 2005, a Convenção
da UNESCO sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais completou
em 2015 uma década de existência, apontando para avanços, mas também para desafios impor-
tantes nos contextos culturais dos países signatários. Após o período de dois anos envolvendo
discussões e negociações em torno de seu texto, a Convenção entrou em vigor em 18 de março
de 2007, validada inicialmente por 30 países. A Convenção conta hoje com a ratificação de 139
países e uma organização de integração econômica regional (União Europeia).
Em seu texto, estabelece princípios, objetivos e compromissos para a construção de uma
agenda internacional que, dentre outras coisas, assegure aos países a criação de mecanismos

1
Produto parcial da pesquisa “A Convenção da Unesco e as políticas para a diversidade cultural no espaço latino
americano”, desenvolvida pelos pesquisadores Giuliana Kauark, José Marcio Barros, Juan Brizuela, Kátia Costa,
Plínio Rattes, Raquel Utsch , Renata Melo, Tatiana Corsini e Vítor Costa, integrantes do Grupo de Pesquisa Ob-
servatório da Diversidade Cultural.
2
Dr em Comunicação e Cultura. Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes da UEMG e em Comunica-
ção da PUC Minas. Coordenador do Observatório da Diversidade Cultural. josemarciobarros@gmail.com
3
Graduada em Jornalismo e Mestre em Comunicação Social (Puc Minas). Pesquisadora do Observatório da Di-
versidade Cultural. raquel.utsch@gmail.com

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de proteção e promoção das diferentes expressões culturais frente aos efeitos da globalização e
constantes ameaças de homogeneização cultural decorrentes.
A Convenção busca fortalecer a construção de uma relação social que “galvanize as
diferenças sem, contudo, se perderem a singularidade e a especificidade das identidades” (Mi-
guez, 2011:38), em uma conjuntura de intensificação dos processos migratórios, de diáspora, de
hibridização e sincretismo. Outro aspecto importante diz respeito à dimensão das trocas comu-
nicacionais na atualidade, em que as tecnologias de informação e comunicação assumem papel
central nas relações sociais, uma vez que intensificam as trocas culturais, mas acentuam o risco
de desequilíbrio entre países ricos e pobres.
Dentre os objetivos deste marco político e institucional internacional, pode-se destacar:
o reequilíbrio do comércio de bens e serviços culturais; a adoção e fortalecimento de políticas
públicas de cultura; a criação de um quadro de cooperação e de solidariedade internacional; a
integração da cultura nas políticas de desenvolvimento sustentável.
O maior desafio da Convenção da Unesco (Dupin, 2015) consiste em servir como marco
legal que confira tratamento diferenciado à cultura nos acordos comerciais internacionais, de
forma a não submetê-la à lógica do Direito comercial internacional e à ação da Organização
Mundial do Comércio (OMC). O que se pretendeu foi atuar na perspectiva de que a proteção e
promoção da diversidade cultural deve ser considerada premissa para as trocas comerciais no
mundo globalizado. Para tanto, a Convenção afirma as dimensões econômica e cultural dos bens
e serviços culturais, como portadores de valores e sentidos, bem como reconhece a legitimidade
das políticas públicas culturais nacionais. O Artigo 1º da Convenção (UNESCO, 2005, p. 3)
trata, nessa direção, da necessidade de “(g) reconhecer a natureza específica das atividades, bens
e serviços culturais enquanto portadores de identidades, valores e significados” e “(h) reafirmar
o direito soberano dos Estados de conservar, adotar e implementar as políticas e medidas que
considerem apropriadas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em
seu território”.
Como observa a autora, relatório publicado pelo Serviço de Avaliação e Auditoria da
UNESCO em 2014, elaborado com base em documentos de 22 países-membros dos cinco con-
tinentes, relaciona tendências e mudanças tangíveis nas políticas, na legislação e nos programas
adotados pelos países, bem como fatores que dificultam ou impedem a implementação da Con-
venção, revelando-a como fonte de inspiração em países que adotaram novo marco regulatório
ou políticas de cultura.
O estudo informa que países com marcos políticos correspondentes aos objetivos da
Convenção aprimoraram o perfil de suas políticas, fortalecendo a ligação com outras áreas, prin-
cipalmente, as estratégicas de desenvolvimento sustentável, nacionais e regionais. Conforme o
relatório, a implementação da Convenção impacta a concepção de novas políticas e programas,

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especialmente nas indústrias culturais e criativas nos países da África, América Latina e da Ásia
(Dupin, 2015), inclusive na criação de novos ministérios ou departamentos governamentais, a
exemplo dos países latino-americanos: a Argentina que transformou sua Secretaria Nacional de
Cultura em Ministério da Cultura (2014), o Peru que criou um Ministério da Cultura (2010) e o
Chile, cujo programa de Governo inclui a criação de um Ministério da Cultura em substituição
ao Conselho Nacional da Cultura e das Artes.
A integração da cultura nas políticas de desenvolvimento sustentável é respaldada nos
princípios do artigo 2, conforme explica a autora: a complementaridade dos aspectos econô-
micos e culturais do desenvolvimento (princípio 5) e o desenvolvimento sustentável (princípio
6) – que articulam dimensão cultural e objetivos ambientais e econômicos. No Brasil, destaque
para o Plano Nacional da Cultura 2011-2020 que, além de citar por várias vezes a Convenção,
incluiu a economia criativa como dimensão do desenvolvimento.
A despeito da Resolução da ONU de 29 de outubro de 2014 enfatizar o papel do campo
da cultura na Agenda de desenvolvimento pós-2015, e da grande mobilização realizada por
organizações governamentais e não governamentais pelas redes sociais, enfatizando a cultura
como catalisador e motor do desenvolvimento sustentável, a medida não logrou sucesso. A
cultura apresenta-se como uma variável secundária dentre os 17 objetivos adotados na Cúpula
das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável 2015 e que constituem a Chamada
Agenda 2030 (ONU,2015).
Especificamente no plano da difusão das expressões culturais, a Convenção enfrenta o
desafio da articulação entre diversidade cultural e políticas de comunicação. Nesse contexto,
podem ser apontadas duas exceções latino-americanas (Dupin, 2015): a regulamentação dos ser-
viços de comunicação audiovisual na Argentina e a aprovação pelo Uruguai da Lei de Serviços
de Comunicação Audiovisual (2014).
Destacam-se também os esforços para cooperação internacional (Dupin, 2015), explici-
tados no artigo 12 do acordo, que recomenda aos países-membros a promoção da cooperação
por meio do diálogo sobre a política cultural; o fortalecimento das capacidades estratégicas e de
gestão do setor público nas instituições culturais; o intercâmbio cultural internacional; o com-
partilhamento de informações e de melhores práticas; o fortalecimento de parcerias com e entre
a sociedade civil; a promoção da utilização das novas tecnologias; a celebração de acordos de
coprodução e de codistribuição (UNESCO, 2005).
As diretrizes operacionais do artigo 14 da Convenção, relacionadas, por sua vez, aos
artigos 15 – Modalidades de Colaboração; 16 – Tratamento Preferencial para Países em De-
senvolvimento; e 18 – Fundo Internacional para a Diversidade Cultural, apontam ao necessário
fortalecimento das indústrias culturais e de capacidades, por meio da troca de informações e da

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formação, bem como a transferência de tecnologias na área das indústrias culturais e o apoio
financeiro (UNESCO, 2005).
Nesse sentido, destaca-se a importância de medidas adotadas pelos países, no âmbito da
Convenção, tais como a formação de base sobre a elaboração de políticas favoráveis a indústrias
culturais e criativas e a construção de banco de especialistas para prestar assistência técnica
direta aos países em desenvolvimento (DUPIN, 2015). O artigo 13 – Integração da cultura no
desenvolvimento sustentável – convida, por sua vez, os países membros a “envidar esforços
para integrar a cultura nas suas políticas de desenvolvimento” e, de acordo com o artigo 14 –
Cooperação para o desenvolvimento, os países-membros “deverão apoiar a cooperação para o
desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza, com vistas a favorecer a emergência de um
setor cultural dinâmico” (UNESCO, 2005, p. 8).
Nos últimos anos, ganhou relevo no âmbito das discussões da Convenção os temas do
diálogo intercultural, dos direitos culturais e da economia criativa. Segundo Lima (2014), indi-
cam uma segunda fase na implementação da Convenção: a revisão das regras de funcionamento
do Fundo Internacional - mantido por contribuições voluntárias dos países membros -, a apre-
sentação dos primeiros relatórios quadrienais (artigo 9) pelos países signatários da Convenção e
a implementação do artigo 21.
O artigo 21 prevê que “[...] as Partes comprometem-se a promover os objetivos e prin-
cípios da presente Convenção em outros foros internacionais” (CONVENÇÃO..., 2005). A dis-
cussão contribui para a universalização e ampliação de fontes de financiamento da Convenção,
referindo-se, sobretudo, à necessária “recuperação do espaço da diversidade cultural na agenda
internacional da cultura, um dos maiores desafios atuais da Convenção” (LIMA, 2014: 34).
“Para a devida implicação da sociedade civil na implementação da elaboração do rela-
tório periódico quadrienal sobre as medidas para proteger e promover as expressões culturais,
observa-se ainda que as partes da Convenção devam recorrer ao acordo, como norte das polí-
ticas públicas. Uma vez referenciado em programas e ações (Hanania, 2011), a justificativa de
posições com base na Convenção legitima as disposições do acordo, a fim de que se concretizem
resultados favoráveis à diversidade de expressões culturais.”

2. RELATÓRIO PERIÓDICO QUADRIENAL: UM OLHAR SOBRE AS MEDIDAS


PARA PROTEGER E PROMOVER AS EXPRESSÕES CULTURAIS
Os Relatórios quadrienais sobre as medidas implementadas pelos países para proteger e
promover as expressões culturais, consiste em obrigação prevista no artigo 9 Convenção, sobre
ações de intercâmbio de informações e transparência:

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As Partes:
(a) fornecerão, a cada quatro anos, em seus relatórios à UNESCO, informação apropria-
da sobre as medidas adotadas para proteger e promover a diversidade das expressões
culturais em seu território e no plano internacional;
(b) designarão um ponto focal, responsável pelo compartilhamento de informações rela-
tivas à presente Convenção;
(c) compartilharão e trocarão informações relativas à proteção e promoção da diversida-
de das expressões culturais.
Até 2014, 71 relatórios foram apresentados pelos países signatários, de forma a compar-
tilhar informações e colaborar para o trabalho orientado a uma visão global sobre o estado e as
tendências na gestão da cultura nos níveis nacional e internacional.
Os relatórios quadrienais4 reportam políticas e medidas implementadas para apoiar a
criação, a produção, a distribuição, a difusão e a fruição de bens e serviços culturais nacionais;
as medidas de cooperação internacional que apoiam a mobilidade dos artistas, proporcionam
maior acesso ao mercado e fortalecem as indústrias culturais nos países em desenvolvimento; as
medidas tomadas para envolver a sociedade civil nos processos de política cultural. Os países
signatários da Convenção disponibilizam informações gerais; relatam as medidas (políticas)
para proteção e promoção da diversidade das expressões culturais, ações do estado e sociedade
civil para sensibilização e participação da sociedade civil e resultados e desafios da Convenção.
Em 2015, a UNESCO divulgou uma primeira análise dos relatórios das partes, intitula-
do RePensar as Políticas Culturais (2015)5 , procurando refletir sobre o alcance das mudanças
pretendidas, mediante as ações realizadas para alcançar os quatro objetivos da Convenção:
apoiar sistemas de governança sustentáveis da cultura; alcançar uma troca equilibrada de bens
e serviços culturais e ampliar a mobilidade dos artistas e dos profissionais da cultura; incluir
a cultura nas decisões sobre desenvolvimento sustentável; promover os direitos humanos e as
liberdades fundamentais.
Foram tratados os desafios nas áreas do digital, dos meios de comunicação do serviço
público e do tratamento preferencial, bem como da igualdade de gêneros e da liberdade de cria-
ção artística. O objetivo é definir de que modo as políticas culturais puderam ser reformuladas a
partir dos esforços realizados para implementar a Convenção, bem como auxiliar na implemen-
tação do Programa de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas até 2030.
Destaca-se aqui, no que se refere ao objetivo de apoiar sistemas de governança susten-
táveis da cultura, o reconhecimento conferido, pelo relatório, à implementacao de politicas e
medidas, bem como aos mecanismos de apoio a criação, produção, distribuição e acesso a bens

4
< http://www.unesco.org/culture/cultural-diversity/2005convention/en/programme/periodicreport/>
5
<http://en.unesco.org/creativity/sites/creativity/files/gmr_summary_es.pdf>

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e servicos culturais, com ênfase ao papel da tecnologia para participacao cidadã e redesenho
da cadeia de valor da cultura. Nesse sentido, o relatório recomenda a ampliação do campo de
ação política - inclusive o legislativo - da Convenção, para introdução de leis sobre a liberdade
de informação e as telecomunicações, bem como as questões relativas ao comércio eletrônico e
governança da Internet.
Quanto ao objetivo de alcançar uma troca equilibrada de bens e servicos culturais e
ampliar a mobilidade dos artistas e profissionais da cultura, o relatório da Unesco reconhece o
aumento da cota de exportações de bens entre 2004 e 2013, assim como valida os impactos po-
sitivos resultantes da implementação de novos marcos legais e acordos comerciais, como decor-
rência de protocolos de cooperação cultural. No entanto, ressalta a atual distância da condição
de equilíbrio no plano das trocas culturais, frente ao forte domínio dos países desenvolvidos.
Apesar de alguns países terem adotado medidas para diminuir os obstáculos à circulação
dos profissionais das indústrias culturais e criativas, o relatório aponta que os artistas, princi-
palmente os originários do Sul, nem sempre podem viajar livremente através do mundo, o que
evidencia a necessidade de políticas favoráveis à mobilidade, a fim de se ampliar o acesso a
novos mercados.
A inclusão da cultura nos marcos legais para o desenvolvimento sustentável, terceiro
objetivo da Convenção, reporta ao engajamento da Convenção e Programa para o desenvolvi-
mento sustentável até 2030, tendo em vista a criação de condições favoráveis ao crescimento
econômico inclusivo e sustentável, prosperidade comum e acesso ao trabalho decente. Destaca
ainda a importância das iniciativas de apoio ao crescimento das indústrias criativas, traduzidas
em resultados econômicos, sociais, culturais e ambientais no longo prazo, assim como na gera-
ção de equidade da distribuição dos recursos culturais, imparcialidade, justiça e não discrimina-
ção no acesso à participação cultural. Porém, o apoio decrescente conferido à cultura, por meio
de marcos legais e programas internacionais de ajuda, aponta o grande desafio a ser enfrentado
neste contexto.
Sobre o objetivo de promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais, o docu-
mento aponta as restrições à liberdade artística e ao acesso às expressões artísticas como fator li-
mitador com implicações nos contextos cultural, social e econômico. No que se refere à igualdade
de gênero, atesta que as mulheres, embora muito presentes no setor criativo, não detêm posições
profissionais de destaque nas organizações culturais, o que demonstra a necessidade de políticas e
medidas que visam ao reconhecimento, apoio e promoção das mulheres, na condição de criadoras
e produtoras de expressões culturais, bem como de cidadãs integrantes da vida cultural.

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3. POLÍTICAS PARA A DIVERSIDADE CULTURAL NA AL: PRIMEIRAS


CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE EQUADOR, MÉXICO E PERU
Por meio de análises iniciais, desenvolvidas no âmbito de pesquisa realizada pelo grupo
Observatório da Diversidade Cultural,6 referentes aos relatórios quadrienais organizados por
Equador, México e Peru, é possível observar que estes países relatam um histórico comum,
ao enfatizar as consequências severas do processo de colonização e homogeneização cultural,
como fator responsável pela fragilidade do ambiente institucional e que compromete fortemente
a capacidade de planejar políticas e tomar medidas efetivas para proteger e promover a diversi-
dade cultural.
Os relatórios enfatizam o contexto histórico do passado colonial que resultou na institui-
ção do racismo, do euro centrismo e do paternalismo e, nesse sentido, a ruptura com as visões
culturais conservadoras é apontada como grande desafio das políticas públicas na área cultural.
Frente à meta convergente da institucionalização, os países reconhecem avanços, ainda que re-
lativos, demonstrados nos relatórios por meio de políticas e medidas implementadas para apoiar
a criação, produção, distribuição, difusão e fruição de bens e serviços culturais nacionais, bem
como de cooperação internacional, mobilidade dos artistas, acesso ao mercado e fortalecimento
das indústrias culturais e de envolvimento da sociedade civil nos processos de política cultural.
A criação do Ministério da Cultura é caracterizada como marco da intenção de conferir
institucionalidade às políticas culturais. Nesse sentido, enfatiza-se o esforço de criação de poli-
ticas públicas e para fortalecimento das instituições, o trabalho de sensibilização e envolvimento
da sociedade civil e iniciativas de articulação com organizações internacionais e outros países
que precisam ser potencializadas, para alcance da transformação no contexto regional.
No entanto, os países atestam que os esforços atuais são limitados e consideram os recur-
sos disponibilizados escassos, tendo em vista a extensão e diversidade cultural que caracterizam
o universo atendido por essas políticas públicas. De forma geral, observa-se, com base nos rela-
tórios do Equador, México e Peru - tendo como norte as diretrizes e princípios da Convenção da
Unesco a ocorrência de processos incipientes que contam com poucos e insuficientes recursos.
Em maior ou menor medida, há necessidade de ampliação do envolvimento e mobili-
zação da sociedade civil em torno da implementação das políticas públicas para a proteção e
promoção da diversidade, de forma a legitimar esses processos e os objetivos da Convenção da
Unesco. Mediante as expressões de participação da sociedade, ainda assim, observa-se o pouco

6
Tomando como universo de pesquisa uma amostra dos países Brasil, Bolívia, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chi-
le, Equador, Peru, Cuba e México, o projeto “A Convenção da Unesco e as políticas para a diversidade cultural no
espaço latino americano”, desenvolvido pelo grupo de pesquisa Observatório da Diversidade Cultural, propõe-se a
investigar, no contexto dos dez anos da Convenção da UNESCO, completados em outubro de 2015, as apropriações
e repercussões deste instrumento jurídico e político internacional nas políticas nacionais de cultura de países latino
americanos.

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conhecimento, em geral, dos cidadãos quanto à importância da cultura, especialmente, como


dimensão central do desenvolvimento econômico.
Nesse contexto, a partir dos relatórios, ressalta-se a necessidade premente de alterar as
visões tradicionais que excluem a cultura dos assuntos urgentes nas políticas públicas dos países
em desenvolvimento, especialmente quanto ao planejamento dos gastos públicos, destacando-se
as implicações negativas da falta de políticas públicas de Cultura.
A insuficiência de indicadores culturais compromete, por sua vez, a avaliação das políti-
cas e seus programas e ações, decorrente, muitas vezes, da percepção e experiência dos gestores,
o que demonstra a dificuldade em produzir indicadores apropriados para efetivo alcance dos
objetivos da Convenção, sinalizando o desafio de sistematizar dados e compreender o universo
cultural e suas especificidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DUPIN, Gisele. Dez anos da Convenção da Diversidade Cultural – contribuições para um balanço.
In: Diversidade cultural: políticas, visibilidades midiáticas e redes. Paulo Miguez (Org). Salvador:
EDUFBA, 2015. 273 p. : il. – (Coleção Cult). p.15-58.
HANANIA, Lilian. O impacto da Convenção da Unesco sobre o debate “comércio e cultura. In:
Diversidade cultural e desigualdade de trocas: participação, comércio e comunicação. José Márcio
Barros e Giuliana Kauark (Orgs). São Paulo: Itaú Cultural; Observatório da Diversidade Cultural,
Editora PUCMinas, 2011. p. 59-70.
LIMA, PAULO. A Convenção da Unesco sobre diversidade cultural e a agenda internacional da cultura.
In: Dimensões e desafios políticos para a diversidade cultural. Paulo Miguez, José Márcio Barros,
Giuliana Kauark (Orgs). Salvador: EDUFBA, 2014. 287 p. - (Coleção CULT). p. 25-40.
MIGUEZ, Paulo. Algumas notas sobre comércio internacional de bens e serviços culturais. In:
Diversidade cultural e desigualdade de trocas: participação, comércio e comunicação. José Márcio
Barros e Giuliana Kauark (Orgs). São Paulo: Itaú Cultural; Observatório da Diversidade Cultural,
Editora PUCMinas, 2011. p. 17-28.
ONU, Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, disponível em https://nacoesunidas.org/
pos2015/agenda2030/. Acesso em 13/02/2016
PITOMBO, Mariella. Choque de civilizações? In: Diversidade cultural e desigualdade de trocas:
participação, comércio e comunicação. José Márcio Barros e Giuliana Kauark (Orgs). São Paulo: Itaú
Cultural; Observatório da Diversidade Cultural, Editora PUCMinas, 2011. p. 29-44.
UNESCO. Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224por.pdf>. Acesso: 13/02/16.
________. Rapports périodiques quadriennaux / 2012 / 2013. Disponível em: <http://www.unesco.org/
culture/cultural-diversity/2005convention/index.php?hl=fr&controller=periodicreport&action=list>.
Acesso: 13/02/2016.

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________. Re|Shaping Cultural Policies. Paris 07 SP, France, 2015. Disponível em: < http://unesdoc.
unesco.org/images/0024/002428/242866E.pdf>. Acesso: 13/02/2016.

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QUANDO A POESIA VIROU POLÍTICA: O PERCURSO DOS PONTOS DE


CULTURA NO BRASIL, DE PROGRAMA GOVERNAMENTAL
À REDE CULTURA VIVA.
José Maria Reis e Souza Junior1

RESUMO: A complexidade dos movimentos e mobilizações coletivas da atualidade tem


demandado das ciências sociais novas formas de análise e compreensão dessas realidades, e
a concepção de Redes Sociais, fundamentadas na teoria da Dádiva, têm se apresentado como
uma alternativa viável de análise sociológica, recomposição e organização da vida social na
contemporaneidade. Os Pontos de Cultura e a Rede Cultura Viva são um desses movimentos
socioculturais da contemporaneidade que demandam uma abordagem capaz de apreender a
complexidade de suas relações sociais e trocas simbólicas. Assim, o artigo objetiva “localizar”
a Política Nacional de Cultura Viva na Política Nacional de Cultura, contextualizando-a e
demarcando seu papel e espaço, bem como iniciar um debate sobre a natureza e as características
da então Rede Cultura Viva.

PALAVRAS-CHAVE: Pontos de Cultura, Rede Cultura Viva, Redes Sociais, teoria da Dádiva,
Relações Sociais.

1. INTRODUÇÃO
No início era um ponto.
No início existiam a potência da participação política de instituições visando mudanças
sociais e o afeto e solidariedade das pessoas, que compunham essas instituições, como um dife-
rencial em suas práticas: “temos que mudar a realidade social local, mas tem que ser com muito
amor e ternura”, tendo como eixo central o fazer cultural, a cultura como o “ponto focal” de
suas ações, a partir da cultura tem-se a intervenção e participação política da instituição em seus
demais programas, tais como educação, meio ambiente, artes, protagonismo juvenil, comunica-
ção, direitos humanos, saberes tradicionais, e etc.
Essas instituições culturais tem em comum a realização de práticas socioculturais em
busca do desenvolvimento local de suas comunidades, com uma militância ativista muito forte
1
Bacharel em Turismo (UFPA), Mestre em Geografia (PPGEO/IFCH/UFPA) e Doutorando em Desenvolvimen-
to Socioambiental (PPGDSTU/NAEA/UFPA). Professor colaborador do Curso de Formação de Especialistas em
Desenvolvimento de Áreas Amazônicas (FIPAM/NAEA/UFPA). zehma@hotmail.com

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pela cidadania e direitos culturais, pela defesa da diversidade cultural, mas tendo sempre como
“pano de fundo” a transformação da realidade local em que estão inseridas, que quase sempre
são realidades de exclusão territorial e social. São assim, quase que inevitavelmente, organiza-
ções da sociedade civil organizada, quase sempre organizações não-governamentais, das mais
variadas naturezas jurídicas (associações culturais, sociais e ambientais, associações comunitá-
rias, cooperativas, institutos, fundações, e etc). Pode-se dizer que a promoção do desenvolvi-
mento local e comunitário é uma característica dessas instituições.
Outra característica marcante percebida é que essas instituições, por buscarem na con-
secução de suas ações o desenvolvimento comunitário, são promotoras de territorialidades
marcantes em seus lugares. Em parceria com escolas, associações de bairro, clubes de mães,
bibliotecas públicas, universidades, museus, teatros, terreiros de santos, cineclubes, paróquias,
um espectro quase sem fim de outras instituições públicas e privadas, assim como com pessoas
das mais diversas culturas e natureza, tais como agentes de leitura, agentes de saúde, mestres e
mestras griôs da cultura popular e tradicional, artistas e produtores culturais; engendram ações
socioculturais que intervêm sobremaneira na dinâmica territorial e social de suas localidades.
Com a colaboração dessas instituições e pessoas territorializam-se e promovem territorialidades
por meio do “fazer cultural”.
Fazem oficinas de cultural digital em tribos indígenas do Cerrado, ensinando e apren-
dendo a editar vídeos a partir de uma estética e visão de mundo indígena, trocam saberes com
mestres carpinteiros da Amazônia, guardiões de uma cultura milenar de talhar embarcações,
realizam palestras de parteiras para alunos de medicina e obstetrícia no Sul do país, promovem
batalhas de b-boys na periferia de São de Paulo, e fazem teatro de rua no centro do Rio e Janei-
ro. Isso tudo são territorialidades articuladas por essas instituições que visam a transformação
social local por meio da cultura, arte e educação.
Assim, Ponto de Cultura é uma potência de transformação social promovida por insti-
tuições e pessoas, que colocam a cultura no centro de suas atenções, é uma ação cultural para
mudar a realidade de suas localidades, que já existiam, quando o governo federal criou em 2004
o Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura.
Dessa forma, o presente artigo inicia com esta “prosa poética” para marcar o fato de que
os Pontos de Cultura, enquanto ideologia e ação sociocultural já existiam quando se instituiu o
Programa Cultura Viva pelo Ministério da Cultura– MinC.
Essa forma militante de ver e viver a vida com poesia e afeto, essa forma profunda, en-
raizada de viver, essa cultura viva, já era uma realidade, apenas não se tinha visibilidade disso
(TURINO, 2010),.muitos menos algum processo organizado de interconexão e comunicação
entre esses, e desses com o Estado, mercado e sociedade em geral.

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políticas culturais
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Em outras palavras, não havia uma política cultural de base local e comunitária, muito
menos uma rede efetiva (ou pelo menos este sentido, de forma explicita) que conectassem todas
estas instituições e práticas.
Por isso, este trabalho objetiva “localizar” a Política Nacional de Cultura Viva na Políti-
ca Nacional de Cultura, contextualizando-a e demarcando seu papel e espaço nessa política, bem
como iniciar um debate (que pretendemos aprofundar com pesquisa específica) sobre a natureza
e as características da então (embrionária) Rede Cultura Viva, fazendo uma discussão teórico-
-metodológica sobre a teoria da Dádiva, relacionada à teoria de Rede Social.

2. O PROGRAMA CULTURA VIVA NO CONTEXTO DA POLÍTICA NACIONAL
DE CULTURA
O Brasil tem uma historiografia muito rica e heterogênea sobre políticas públicas seto-
riais de cultura. A partir de Rubim (2010), Miranda; Rocha; Egler (2014) e Silva; Abreu (2011)
podemos demonstrar, sucintamente, a gênese e a trajetória da política cultural no Brasil, com os
seguintes períodos: 1) Da chegada da corte portuguesa em 1888 ao início da década de 1960:
visão bastante patrimonialista de cultura, quando se criou as primeiras instituições culturais do
país, quase todas de orientação museológica, tais como a Biblioteca Nacional, e o Museu Nacio-
nal de Belas-Artes. Posteriormente, com o transcorrer da Revolução de 30, o ideário de cultura
pregado pelo estado brasileiro de Vargas era para a construção de uma identidade nacional; 2)
Do golpe militar em 1964 à abertura política em 1990: período marcado pelo sentido de con-
trole político e censura cultural, toda produção artístico-cultural passava pelos instrumentos de
censura antes de serem veiculadas. O patrulhamento ideológico era forte. Em 1985 é criado o
Ministério da Cultura, mas sem dúvida o referencial desse período é a promulgação da Consti-
tuição Brasileira em 1988; 3) De 1990 a 2002 com os projetos neoliberais para a cultura: a partir
dos anos de 1990 acirram-se no Brasil as políticas neoliberais e com a cultura não seria diferen-
te. O papel do Estado diminui e implementam-se incentivos fiscais com intuito de promover um
financiamento privado da cultura e arte; 4) De 2003 a 2010 com a construção e estruturação do
Sistema Nacional de Cultura – SNC: o início do governo Lula marca uma abertura de diálogo
com sociedade e a admissão de um conceito antropológico, econômico e simbólico de cultura.
Construção do Sistema Nacional de Cultura – SNC. O programa Cultura Viva foi criado nesse
período. Marcos são as gestões dos Ministros Gilberto Gil (2003 – 2008) e Juca Ferreira (2008-
2010) à frente do MinC.
A história da política cultural brasileira complementa-se a partir de 2011, com a eleição
da Presidente Dilma Rousseff, que é tido como um período de continuidade, avanços e contra-
dições (BARBALHO, 2014).

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É um período estratégico e relevante por ser o momento de efetivação do Sistema Nacio-


nal de Cultura – SNC por meio da aprovação no Congresso Nacional da Emenda Constitucional
n° 71/20122.
A constituição Federal passa a vigorar acrescida do artigo 216 – A, que define
O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração,
de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão
e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e
permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo
por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico
com pleno exercício dos direitos culturais. ( E.C. n. 17/2012).
O SNC é o formato sistêmico de gestão e promoção da política cultural brasileira. Por
meio de sua estruturação e implementação busca-se institucionalizar as políticas públicas de
cultura no país. Institucionalizar significa criar os marcos políticos e legais necessários, federa-
lizar a adesão ao sistema por meio da assinatura do Acordo de Cooperação Federativa por parte
de estados e municípios que se comprometem a criarem seus sistemas por meio de leis próprias,
prever orçamentos e recursos para as políticas culturais, e por fim, este que talvez seja o seu
maior legado que é garantir a continuidade das políticas públicas de cultura no Brasil, que desde
a sua gênese estiveram ao gosto dos governantes de “plantão”; marcadas por ausências, autori-
tarismos e instabilidades (RUBIM, 2013.).
O Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura surgem em 20043 nesse contexto de
expansão e usufruto dos direitos culturais assegurados pela “Constituição Cultural” (FILHO,
2011), e implementados por este MinC, por meio de uma Política Nacional de Cultura, que tem
como missão garantir a todos os cidadãos brasileiros o pleno exercício dos direitos culturais.
Segundo a Portaria nº 118 de 30 de dezembro de 2013 do Ministério da Cultura, o Pro-
grama Cultura Viva – PCV insere-se no Sistema Nacional de Cultura definindo que “As Redes
de Pontos e Pontões de Cultura integrarão a Rede Cultura Viva, sendo reconhecidas no âmbito
do Sistema Nacional de Cultura - SNC - como unidades culturais de base comunitária, voltadas
ao desenvolvimento de políticas públicas regionais ou setoriais de cultura.”. Dessa forma, os
Pontos e Pontões de Cultura, e todas as demais ações do Programa Cultura Viva, são reconheci-
dos como a política de base comunitária do Sistema Nacional de Cultura – SNC.
Política esta que tem seu próprio “microcosmo político” compostos de alguns elementos
fundamentais tais como os Pontos e Pontões de Cultura (ações fundamentais e prioritárias do
PCV), os Pontos de Rede (parcerias estabelecidas entre o governo federal e os entes federados,

2
Originária do PEC n. 416/2005 de autoria do Deputado Federal Paulo Pimenta (RS-PT). No Senado passou a ser
o PEC n. 34/2012.
3
O Programa Cultura Viva foi criado pela Portaria 156, de 6 julho de 2004, publicado no Diário Oficial da União
– DOU de 7 de julho de 2004.

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estados, municípios, ou consórcios para o estabelecimento de redes territoriais, por meio da


assinatura de protocolos. Parceria prevista a partir da adesão do(s) ente(s) federado(s) ao SNC),
as Redes Temáticas e Identitárias (formadas por Pontos e Pontões de Cultura, Grupos, Coleti-
vos, instituições e outros agrupamentos que se articulam para atuar em um segmento ou tema
específico. Exemplos: Rede de Pontos de Cultura Indígena, Rede de Cultura e Saúde, Brasil
Memória em Rede, e etc.), e as Teias (encontros dos Pontos e Pontões de Cultura e das comuni-
dades participantes para promover uma mostra ampla e diversificada da produção cultural dos
Pontos, debater a cultura brasileira e suas expressões territoriais e identitárias, propor estratégias
de políticas públicas culturais e analisar e avaliar o programa).
Para além de um possível conceito acadêmico sobre a “Teia”, ela é muito mais do que
uma conferência política ou uma mostra artístico-cultural, é um processo vivido4, associativo,
e construído compartilhadamente; a Teia não é feita, é reconstruída a cada momento em que é
realizada. O processo (re) inicia no território, no local, os Pontos e Pontões de Cultura iniciam
o debate sobre a política cultural geral, e especificamente, o PCV; tiram estratégias e definições,
realizam uma Teia Estadual e/ou Regional e elegem delegados à Teia Nacional. Em meio a isso,
o processo de produção política, artística e cultural dos Pontos também é realizada colaborativa-
mente. Amostras artísticas das mais variadas linguagens, painéis, vivências, rodas de conversas,
oficinas e seminários são planejados, organizados e executamos conjuntamente entre os Pontos
e Pontões de Cultura e o Ministério da Cultura, e são agregados à programação.
É na Teia que se realiza o Fórum Nacional de Pontos de Cultura – FNPdC, instância
maior e soberana de debate, definição de estratégias e deliberação política do movimento na-
cional de Pontos de Cultura; e elege-se a Comissão Nacional de Pontos de Cultura – CNPdC,
colegiado autônomo, de caráter representativo de Pontos e Pontões de Cultura, instituído por
iniciativa destes, e composta por representantes eleitos no FNPdC. A CNPdC é a responsável
pela realização e coordenadora do FNPdC.

3. CULTURA VIVA: DE PROGRAMA SETORIAL À REDE SOCIAL


O Programa Nacional de Promoção da Cidadania e da Diversidade Cultural – Cultura
Viva foi criado com o intuito de valorizar o protagonismo sociocultural e fomentar as manifes-
tações culturais de grupos e comunidades, permitindo também, por meio do acesso as ferramen-
tas, técnicas e tecnologias sociais e digitais, sua difusão e fluição cultural.

4
As Teias realizadas até o momento foram: Teia 2006 “Venha Se Ver e Ser Visto”, São Paulo (SP); Teia 2007
“Tudo de Todos”, Belo Horizonte (MG); Teia 2008 “Iguais na Diferença”, Brasília (DF); Teia 2010 “Tambores Dig-
itais”, Fortaleza (CE), e Teia 2014: “TEIA Nacional da Diversidade”, Natal (RN). Tivemos a oportunidade de poder
participar das 3 ultimas Teias como delegado ao FNPdC, e posteriormente, como membro da CNPdC representando
o Fórum Paraense de Pontos de Cultura.

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O Programa Cultura Viva, assim foi conceituado, na sua criação pelo Ministério da Cul-
tura, quando ainda se chamava Programa de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva5
O Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva,
do Ministério da Cultura (MinC), tem por objetivo incentivar, preservar
e promover a diversidade cultural brasileira ao contemplar iniciativas
culturais locais e populares que envolvam comunidades em atividades
de arte, cultura, educação, cidadania e economia solidária. Com isso a
missão de “ ‘des-esconder’ o Brasil, reconhecer e reverenciar a cultura
viva de seu povo”, em 2004, a então Secretaria de Programas e Proje-
tos Culturais (atualmente de Secretaria de Cidadania Cultural) do MinC
iniciou a implantação dos pontos de cultura, que são a expressão de
uma parceria firmada entre Estado e sociedade civil. Por meio de edital
público, os pontos recebem recursos do governo federal para, assim,
terem condições de potencializar seus trabalhos, seja na contratação de
profissionais para cursos e oficinas, produção de espetáculos e eventos
culturais, entre outros. Além dos pontos de cultura, o programa Cultura
Viva é integrado por um conjunto de ações: Cultura Digital, Griô, Escola
Viva e, mais recentemente, Cultura e Saúde. (IPEA, 2010. pags.39-40)
Partindo do conceito básico apresentado a cima, depreendem-se sentidos como de inte-
gração, conexão, diversidade, identidade, compartilhamento; que a nosso ver aludem (mesmo
que naquele momento, ainda sutilmente) à concepção de redes.
Sobre as concepções de redes, o geógrafo Milton Santos exprime
As definições e conceituações se multiplicam, mas pode-se admitir que
se enquadram em duas grandes matrizes: a que apenas considera o seu
aspecto, a sua realidade material, e uma outra onde é também levado em
conta o dado social (SANTOS, 2006, p. 176).
Atualmente a Rede Cultura Viva6 é uma realidade, consiste em um ambiente de interlo-
cução interinstitucional e de estratégia política protagonizado pelos Pontos e Pontões de Cultu-
ra, pelo MinC, por gestores públicos dos entes federados, e por todas as instituições, entidades,
grupos formais e informais e agentes culturais que são beneficiários desta política pública.
Há de se ter uma agenda, um pacto, um plano geral em comum, que comungue interesses
e desafios coletivos, um sistema de gestão, informação, comunicação, mobilização, monitora-
mento e avaliação, onde os diversos planos de trabalho possam ser acompanhados de forma

5
A portaria n. 118, de dezembro de 2013 do MinC reformula o programa Cultura Viva que dentre outras alterações,
a partir de então, denomina-se Programa Nacional de Promoção da Cidadania e da Diversidade Cultural – Cultura
Viva.
6
No dia 01/09/2015 acompanhamos o debate virtual que a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do
Ministério da Cultura – SCDC/MinC promoveu para apresentar e discutir a proposta de plataforma digital para a
Rede Cultura Viva, conforme anunciado em www.cultura.gov.br . .A Rede Cultura Viva foi lançada oficialmente
em 5/10/2015, em evento em Brasília, conforme convite que recebemos, e que infelizmente não pudemos participar
por questões de agenda.

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integrada, sistêmica. A gestão é compartilhada, mas a coordenação é da Secretaria de Cidadania e


Diversidade Cultural - SCDC e será composta pelos diversos espaços de democratização e parti-
cipação política, desde ambientes virtuais de participação e deliberação, até os diversos eventos,
fóruns (em todas as escalas, mas sobretudo na escala nacional), Teias, a Comissão Nacional de
Pontos de Cultura – CNPdC, e toda e qualquer estratégia de participação e colaboração que vier
a ser criada para tais fins. Esses “elementos” compõem e são compostos pela Rede Cultura Viva.
As redes sociais têm se apresentado como uma alternativa viável de análise sociológica,
recomposição e organização da vida social na contemporaneidade. A complexidade dos movi-
mentos e mobilizações coletivas da atualidade tem demandado das ciências humanas e sociais
novas formas de análise e compreensão dessas realidades. A “lupa” dos antigos marcos teóricos
positivistas baseados somente em certos conteúdos substantivos, tais como a economia, já não
dão mais conta de “enxergar” essas realidades com nitidez.
Os processos de desterritorialização e multiterritorialização (HAESBAERT, 2005) das
sociedades complexas contemporâneas nos colocam novos paradigmas7, novos atores, conflitos
e mediações que ultrapassam as esferas sociais, políticas, econômicas e institucionais, e cada vez
mais tornando evidente a relevância das dimensões simbólicas e culturais, integradas as estas.
Dessa forma, Martins (2010) aponta para a emersão de um novo paradigma sociológico
que supere as teses de caráter holístico que reduzem os movimentos sociais a mudanças na es-
trutura geral da sociedade (sobretudo, as estruturalistas e funcionalistas), como também as teses
individualistas (com fortes influências da psicologia psicossocial behaviorista e da administra-
ção moderna) que reduzem as mudanças sociais a um conjunto de ações e estratégias individuais
ou coletivas de pequenos grupos pelo poder e controle de recursos coletivos, convencionalmen-
te, chamado de capital social.
Essa dualidade clássica que no plano da vida concreta se dá entre indivíduo e sociedade
e no campo do pensamento teórico entre individualistas e estruturalistas é que precisa ser supe-
rada por meio de uma compreensão e apreensão dos fatos e das mudanças sociais (sobretudo em
se tratando dessas mobilizações coletivas contemporâneas) como expressões da complexidade
humana e social, dimensões da vida real que não são excludentes, muito menos dicotômicas.
Assim, a perspectiva de análises sociológicas a partir das abordagens de redes sociais
emergem (ou submergem) ancoradas na teoria da Dádiva que surge como o terceiro paradigma
na busca de superação da dualidade dicotômica entre individualismo e holismo decorrentes dos

7
Paradigmas são “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem
problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma Ciência. Uma investigação histórica
cuidadosa num determinado momento revela um conjunto de ilustrações recorrentes quase padronizadas de dif-
erentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na observação. Esses são os paradigmas da comu-
nidade, revelados nos seus manuais, conferências e exercícios de laboratórios” (KHUN, 1975 apud LOUREIRO,
2011. pg. 54.).

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interesses utilitários e calculados ou por normas sociais estruturadas e reguladas, respectiva-


mente. (CAILLÉ, 1998).
Que nas palavras de Martins (2008) são abordagens que apresentam
a ação e a estrutura, não como opostos, mas como elementos consti-
tuintes de um movimento incessante e ambivalente de trocas – às vezes
organizativas, às vezes degenerativas -, de objetos materiais e simbóli-
cos - não estáticos – em circulação na vida social, resultando, a cada
momento, na criação de novos lugares (estruturas) e de novas identifica-
ções (ações). (MARTINS, 2008.pg. 13.).
Dessa forma, o conceito de rede social que mais reflete esta perspectiva antiutilitarista8,
relacional e compreensiva, que busque superar o dilema sociológico clássico entre estrutura e
agência, exprime que esta “é o conjunto de pessoas com as quais o ato de manter relações de
amizade e camaradagem, permite conservar e esperar confiança e fidelidade ... sendo importan-
te reconhecer que essas redes, tradicionais ou modernas, são alianças generalizadas criadas na
aposta na dádiva e na confiança” (Caillé, 2002. pg.65).
A teoria da dádiva, que foi sistematizada por Marcel Mauss, em seu “Ensaio sobre a
Dádiva: forma e razão da troca em sociedades arcaicas”, onde procurou demostrar que Estado e
mercado não foram universalizantes, que não há evidências desses em sociedades tradicionais
arcaicas e que os mesmos são naturais de sociedades mais complexas, como as modernas; con-
tudo se observarmos a história da humanidade, independentemente de serem arcaicas ou moder-
nas, podemos perceber, segundo o autor, um sistema de reciprocidades de caráter interpessoal e
intersubjetivo. Um sistema que se dá em torno de uma tríplice obrigação coletiva que se exprime
no Dar, Receber e Retribuir de bens simbólicos e materiais, que religa a parte ao todo e é conhe-
cida como dádiva ou dom (Mauss, 2003 apud Martins, 2005).
Assim, Martins (2008) afirma que
O reconhecimento da existência de uma obrigação social – a dádiva –
que se impõe nas interações concretas entre os homens (e não apenas no
plano das crenças coletivas) e que obedece a uma determinação relativa
passível de ser modificada no curso da troca de bens entre indivíduos,
permitiu a Mauss flexibilizar o esquema teórico durkheimiano e perce-
8
Sobre o Utilitarismo ou a “relação social de utilidade” nas palavras de Marx e Engels, podemos dizer que “Esta
transposição absurda e arbitrária, só deixa de o ser no momento em que as primeiras relações deixem de ter im-
portância por sí mesmas para os indivíduos, em que já não representam uma actividade espontânea passando
a constituir uma máscara que esconde, não a categoria abstracta de utilização, mas sim um objectivo real, uma
relação real, precisamente aquela que é designada por relação de utilidade. Este disfarce no plano da linguagem
só tem sentido quando constitui a expressão consciente ou inconsciente de um disfarce real. No caso presente, a
relação de utilidade tem um sentido bastante rigoroso, significa que eu tiro um proveito do mal que faço a um outro
(exploitation de l’homme par l’homme); neste caso preciso, por outro lado, o proveito que eu tiro de uma relação
é um elemento completamente estranho a esta relação, é aquilo que já encontramos mais atrás no capítulo “bens”:
espera-se de toda a aptidão um produto que lhe é alheio, trata-se de uma relação determinada pelas condições soci-
ais – e esta relação é precisamente uma relação de utilidade” (MARX; ENGELS, 1978. pgs. 259 - 260).

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ber o caráter paradoxal e mutante das práticas sociais, sobretudo no pla-


no das trocas diretas. Esse avanço teórico fica evidente no comentário
seguinte sobre as formas de trocas e de contratos na antiga civilização
escandinava: “De todos esses temas muito complexos e dessa multi-
plicidade de coisas sociais em movimento, queremos considerar aqui
apenas um dos traços profundos, mas isolado: o caráter voluntario, por
assim dizer, aparentemente livre e gratuito, e no entanto obrigatório e
interessado, dessas prestações” (Mauss, 2003 : 188-189). (MARTINS,
2008. pg.16).
Bourdieu, por sua vez, quando tratando da economia dos bens simbólicos9, centrou suas
análises sobre a dádiva no tempo de intervalo entre o dar, receber e retribuir (ou como chamou
o “dom”, e o “contra-dom”), percebendo que não se devolve no ato em que se recebe, imediata-
mente; é como se o intervalo temporal definisse a diferença entre a troca de dádivas e o “toma
lá, dá cá”. Esse tempo difere a dádiva da troca mercantil, generosidade do retorno calculado.
(Bourdieu, 1996; 1996a).
Contudo é necessário ressaltar que a dádiva por não ser igual a troca mercantil não quer
dizer que seja gratuita, a dádiva “não é uma coisa mas uma relação social” (GOLDBOUT, 1992
apud PORTUGAL, MARTINS 2011), e por ser uma relação social não existe relação em sentido
único, sem sequer a esperança do retorno, sem a volta não será relação, uma volta “desinteres-
sada”, que leva Bourdieu a afirmar que “podemos concluir que a dádiva gratuita não existe, ou
que é impossível”. (BOURDIEU, 1996. pg. 162).
Mas essa verdade estrutural é como que recalcada coletivamente. Só po-
demos compreender a existência do intervalo temporal se tivermos a hi-
pótese de que quem dá e quem recebe colaboram, sem sabê-lo, com um
trabalho de dissimulação que visa negar a verdade da troca, o “toma lá, dá
cá”, que significa a anulação da troca de dádivas. Estamos aqui diante de
um problema difícil: se a sociologia se atem a uma descrição objetivista,
reduz a troca de dádivas ao “toma lá, dá cá” e deixa de poder mostrar a
diferença entre uma troca de dádivas e uma ação de crédito. Assim, o im-
portante na troca de dádivas e que, através do intervalo de tempo interpos-
to, os dois trocadores trabalham, sem sabê-lo e sem estarem combinados,
para mascarar, ou recalcar, a verdade objetiva do que fazem. Verdade que
o soci6logo desvenda, mas correndo o risco de descrever como cálculo
cínico um ato que se quer desinteressado e que é preciso tomar como tal,
em sua verdade vivida, e que o modelo teórico também deve perceber e do
qual deve dar conta. (BOURDIEU, 1996. pg. 160 – 161).
Diante do exposto, acreditamos que as abordagens dos fatos e mudanças sociais a partir
da teoria da dádiva, como perspectiva teórica, e com a teoria da rede social, pelo lado prático-me-
todológico são bem adequadas para compreender esses movimentos e mobilizações coletivas da
9
BOURDIEU, P. Razões da Prática: Sobre a teoria da ação. Tradução: Mariza Corrêa. Campinas, SP: Papirus,
1996. pgs.157 - 193.

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contemporaneidade, que fogem às formas convencionais de articulação e organização política, que


fundamentam suas trocas materiais e simbólicas em base solidárias, associativas e antiutilitaristas.
Laços de solidariedade e generosidade (mas também de tensões e conflitos) que vimos
também, no caso brasileiro, em redes de políticas de populações tradicionais quilombolas (SAN-
TOS, 2013) e em grupos de artesãos de Brinquedos de Miriti (FERREIRA JUNIOR; FIGUEI-
REDO, 2014) na Amazônia, em políticas de voluntariado no Espírito Santo (FONTES, 2008) e
em políticas nacionais de saúde, onde nessas, comprovou-se que a perspectiva de mobilização e
organização em redes sociais de movimentos de educação popular em saúde proporcionaram a
quebra de paradigmas existentes no campo da biomedicina, promovendo pensamentos, práticas
e saberes contra-hegemônicos e emancipatórios. (MARTINS, 2010).
Para situar esse embate, podemos tomar como exemplo o caso das mu-
danças verificadas no campo biomédico na atualidade, a partir de pres-
sões importantes exercidas por forças diversas: por um lado, o saber
biocartesiano utilitarista, que se propõe como o único saber verdadeiro
sobre a saúde; por outro lado, os diferentes saberes de cura já existentes,
como a medicina doméstica e a medicina xamânica, construídos a partir
de experiências vividas e reproduzidas pelas tradições e memórias que
foram reprimidas e perseguidas durante muito tempo e que, inclusive,
de forma desorganizada, vêm questionando o monopólio do saber médi-
co pelo biocartesianismo da clínica médica (Martins, 2003). Essas mu-
danças, no interior do campo médico e em suas fronteiras, são reflexos
de outras mudanças que vêm ocorrendo na vida social, tendo como uma
de suas principais legitimações as novas redes interativas do cotidiano.
(MARTINS, 2010)
Assim, cremos que laços semelhantes de solidariedade, generosidade, associatividade,
antiutilitarismos, individualidades, coletividades, confiança, doação e gratidão; mas também de
conflitos, tensões, hegemonias, incertezas e paradoxos são possíveis (ou passiveis) de serem
observados nas relações sociais que compõem a Rede Cultura Viva, e na vida associativa dos
Pontos e Pontões de Cultura.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa é a complexidade (MORIN, 2004 e FURTADO; SAKOWSKI; TÓVOLI, 2015)
de relações cooperativas e associativas que compõem a Rede Cultura Viva enquanto política
pública de Estado10, relações estas que se dão entre os Pontos e Pontões de Cultura, e destes

A Lei nº 13.018 de 22 de julho de 2014, de autoria da Deputada Federal Jandira Feghali (PCdoB – RJ) institui a
10

Política Nacional de Cultura Viva, ou seja, torna o Programa Cultura Viva, um programa governamental em uma
política pública de Estado assegurada por lei. A Lei Cultura Viva como ficou conhecida foi uma reivindicação do
movimento nacional de pontos de cultura amplamente debatida e defendida nas Teias, Fóruns, nas Conferencias
de Cultura (em todas as suas escalas), pela CNPdC e em todos os espaços e momentos de articulação política do
movimento. É considerada uma vitória.

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com o Estado e mercado, instaurando (ou melhor, “enredando”) relações de naturezas sociais,
econômicas, políticas, culturais, e institucionais que precisam ser elucidadas, sobretudo nessa
perspectiva de redes sociais que propõem formas novas de pensamento, de participação demo-
crática e ação pública.
A Rede Cultura Viva enquanto a “arquitetura social” de efetivação da Política Nacional
de Cultura Viva, e esta como a política de base comunitária (com sua localização determinada)
da Política Nacional de Cultura ainda precisa ser melhor discutida e construída entre sociedade
civil e Estado, entre os Pontos e Pontões de Cultura, e todos os demais movimentos e coletivos
participantes, e as esferas de governo, em todas as suas escalas, mas sobretudo, no plano federal
com o Ministério da Cultura. É uma arquitetura social em construção, colaborativamente.
Por exemplo, a inserção da Política Nacional de Cultura Viva – PNCV no Sistema Nacio-
nal de Cultura – SNC não deveria limitar-se ao acesso a recursos financeiros por parte dos entes
federados (estados e municípios); a PNCV deve ser uma filosofia de política pública no âmbito
do SNC. Fazer Cultura Viva em seu território deveria ser um indicador de desenvolvimento11.
Há desafios grandiosos e diversos (tal como as expressões culturais, tradicionais, popu-
lares e comunitárias que a PNCV representa) que precisam ser superados.
No âmbito institucional, mecanismos de participação social e de inserção na PNCV
precisam ser aperfeiçoados. A Rede Cultura Viva institui e operacionaliza dispostos importan-
tes da Lei 13.018/2014 (a Política Nacional de Cultura Viva) como a Certificação Simplificada
e o Termo de Compromisso Cultural – TCC que precisam ser popularizados e aplicadas em
todo país, em escalas nacional, estadual e municipal. A autodeclaração de Pontos e Pontões
de Cultura, feita de maneira autônoma e deliberada por parte desses no portal virtual da Rede
Cultura Viva (http://culturaviva.gov.br/), implementado assim, o Cadastro Nacional de Pontos
de Cultura como parte importante da certificação simplificada, e do uso do TCC como um
“contrato social” em bases mais justas e desburocratizadas entre os PC’s e o Estado para acesso
a recursos e ações da PNCV, ao invés dos famigerados convênios baseados na Lei 8.666; são
consideradas avanços de efetivação desta política pública. Todavia há de se ter um processo
amplo de educação e popularização sobre esses novos mecanismos de política sociocultural
para que sejam amplamente utilizadas e acessadas em todo o território brasileiro, porém para

11
Atuamos como Pesquisador Colaborador no projeto de Pesquisa “Programa Cultura Viva: impactos e transfor-
mações sociais (2014 – 2015) ”, promovido pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade
de Brasília – UnB, por meio de uma parceria com a Comissão Nacional de Pontos de Cultura – CNPdC, e financia-
mento do CNPq e Ministério da Cultura. A pesquisa teve por objetivo desenvolver indicadores qualitativos para
investigar quais foram as transformações sociais geradas pelos Pontos de Cultura na comunidade; nos utilizando
do conceito e dos indicadores da Felicidade Interna Bruta – FIB para analisar as práticas socioculturais de Pontos
de Cultura do DF, concluirmos que os PC’s promovem desenvolvimento, afetos, saberes e bem estar social local.
Previsão de publicação de seus resultados para março de 2016.

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isso aconteça torna-se necessário que os estados e municípios também adéqüem suas legis-
lações criando, de preferência suas próprias “leis cultura viva”, para assim equipararem seus
arcabouços jurídico-institucionais.
Por fim, por não ser objetivo deste artigo esgotar esse debate, pelo contrario, para nós
ele inaugura uma discussão que pretendemos aprofundar com uma pesquisa de doutoramento,
divulgando seus resultados ao longo desse processo por meio de outras publicações, podemos
concluir que a concepção de Redes Sociais, fundamentadas na teoria da Dádiva configuram-se
plenamente em possibilidades reais de emancipação política e social (instituindo uma cultura
cívica) dos Pontos e Pontões de Cultura; e por parte do Estado uma ferramenta eficaz de plane-
jamento e gestão territorial e temática da Política Nacional de Cultura Viva - PNCV.

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MUSEOLOGIA SOCIAL E POLÍTICA CULTURAL: A EXPERIÊNCIA DA REDE DE


MUSEOLOGIA SOCIAL DO RIO DE JANEIRO
Juliana Leite Tavares Veiga1

RESUMO: A museologia social diz respeito aos movimentos e iniciativas de valorização da


memória e dos patrimônios materiais e imateriais das comunidades, vinculados aos territórios
localizados de forma geral em bairros periféricos, favelas, áreas rurais e ribeirinhas. O presente
artigo apresenta a experiência da Rede de Museologia Social do estado do Rio de Janeiro,
discutindo questões como intercâmbios, institucionalização e captação de recursos, a partir do
entendimento de que um aspecto importante da política cultural se dá através da demanda de
grupos e iniciativas da sociedade civil.

PALAVRAS-CHAVE: museologia social, política cultural, rede.

1. POLÍTICA CULTURAL E TERRITÓRIO A PARTIR DE UMA


PERSPECTIVA AMPLIADA
Em grande parte das vezes em que o termo política cultural é mencionado se faz refe-
rência a uma política de Estado voltada para a cultura. Essa referência fica ainda mais arraigada
quando se fala sobre uma política pública de cultura, como se o sentido do público estivesse
intrinsecamente imbricado no poder público de Estado. De fato, há uma dimensão da política
cultural como política governamental, porém o público também pode se referir a algo comum;
uma política para todos.
Sobre a questão mencionada acima, o autor Alexandre Barbalho afirma que “uma po-
lítica cultural é duplamente pública. (...) Instituições não-estatais e empresas privadas também
promovem políticas de cultura. Como foi dito, tal dimensão pública encontra-se intrinsecamente
na cultura e na política” (BARBALHO, 2005, p. 40). Nessa perspectiva, cabe dizer que grupos
culturais afinados em torno de objetivos comuns, também constituem políticas à medida que
agem sobre o território através de práticas culturais – que são concomitantemente políticas.
O autor diferencia política cultural e políticas de cultura da seguinte maneira: a primeira
diria respeito “ao universo das políticas públicas voltadas para a cultura implementadas por um
1
Mestranda no programa de Cultura e Territorialidades (Ppcult) pela Universidade Federal Fluminense.
Email: julianaltv@gmail.com

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Governo” (BARBALHO, 2009, p. 2), em que os objetivos consistiriam em “ordenar, hierarqui-


zar ou integrar um conjunto necessariamente heterogêneo de atores, discursos, pressupostos e
práticas administrativas” (BOLÁN In BARBALHO, 2009, p. 2); e a segunda, “se referem às
disputas de poder em torno dos valores culturais ou simbólicos que acontecem entre os mais
diversos estratos e classes que constituem a sociedade” (BARBALHO, 2009, p. 2).
É claro que os conceitos se complementam, não estando fechados em si. E é por isso
mesmo que, ainda que entenda a importância metodológica atribuída à distinção entre as descri-
ções colocada pelo autor, não a usarei no artigo. O sentido conceitual de política cultural e/ou
política(s) de cultura – atribuída ao Estado e/ou aos grupos culturais da sociedade civil – estará
relacionado ao contexto analisado. De fato, o que é interessante compreender é que o termo
público não está colado ao sentido estatal, governamental.
Dessa forma, se faz necessário enfatizar que seja qual for o referencial norteador dado à
política cultural, ele está perpassado a todo tempo por disputas, conflitos e interesses concorren-
ciais dos grupos. O jogo político só é possível nessa dinâmica, tanto entre os grupos – e ainda
dentro do mesmo grupo –, quanto entre os grupos e o Estado. Ora ela se mostra harmônica, ora
concorrencial, dependendo do que está em disputa em dado momento.
É aqui que a política cultural – strito e lato senso – se entrelaça com a questão do territó-
rio, para além de um meio meramente físico. Como pensar uma política cultural sem se pensar
seus efeitos no território no qual agentes culturais, públicos diversos, comunidade estejam in-
seridos? Como fazer políticas culturais, a não ser de forma a beneficiar uma parte da população
que invariavelmente se localiza física e simbolicamente dentro de um território? Como não
considerar a dimensão simbólica e identitária dos grupos, a partir dos territórios, para se elaborar
políticas de cultura?
Assim, as políticas culturais precisam partir de mapeamentos e diagnósticos, ou seja,
da forma como grupos e indivíduos agem/afetam/se inserem (n)os territórios. E a ampliação do
conceito de território está justamente aí: em sua forma simbólica, identitária e afetiva, e não só
física, conforme mencionado. Os usos desses territórios, seus saberes e fazeres, transformados
historicamente pelas sociedades – daí a importância da dimensão temporal do território e não só
espacial – são fundamentais para se pensar em políticas culturais.
Nesse sentido o território, tanto quanto a cultura e a política cultural, é construído social-
mente, através de conflitos e disputas de poder, em uma perspectiva de constantes transforma-
ções e reconfigurações – é nesse contexto então que se insere meu objeto de pesquisa, a saber, a
Rede de Museologia Social do RJ, que será abordada no próximo tópico deste trabalho.
Porém o território não foi sempre pensado desta maneira. Seu conceito surge, segundo
Marcelo José Lopes de Souza, na tradicional geografia política:

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como o espaço concreto em si (com seus atributos naturais e socialmen-


te construídos), que é apropriado, ocupado por um grupo social. (...)
a identidade sócio-cultural das pessoas estaria inarredavelmente ligada
aos atributos do espaço concreto (natureza, patrimônio arquitetônico,
‘paisagem’) (SOUZA, 1995, p. 84).
O autor diz ainda, que essa visão utiliza os termos território e espaço sem distinção,
“obscurecendo o caráter especificamente político do primeiro” (idem).
Dessa forma, Souza enfatiza seu interesse em descortinar o campo de forças que com-
plexifica as disputas inerentes ao território. O autor afirma ainda que da mesma maneira que o
poder é onipresente nas relações sociais, o território também “está presente em toda a espacia-
lidade social – ao menos enquanto o homem também estiver presente” (SOUZA, 1995, p. 96).
Outro geógrafo que conceitua o território é Rogério Haesbaerth, que vai dizer da relação
intrínseca entre homem e território:
sem dúvida o homem nasce com o território, e vice-versa, o território
nasce com a civilização. Os homens, ao tomarem consciência do espaço
em que se inserem e ao se apropriarem ou, em outras palavras, cercarem
este espaço, constroem e, de alguma forma, passam a ser construídos
pelo território (HAESBAERTH, 2007, p. 42).
O autor também afirma que não existem espaços puramente simbólicos ou funcionais,
justamente devido ao território estar relacionado de forma intrínseca ao homem, e, portanto, as
suas relações sociais e de poder. Por isso, ao mesmo tempo em que o território significa domínio,
também remete a uma visão subjetiva e simbólica, que é inerente ao humano.
Nesse sentido, ainda conforme Haesbaerth, “o território pode moldar identidades cultu-
rais e ser moldado por estas, que fazem dele um referencial muito importante para a coesão dos
grupos sociais” (2007, p. 49). A partir dessa perspectiva, e levando em conta o que já foi dito
sobre a relação das políticas culturais e do território, coloca-se a questão do multiculturalismo
e da identidade.
Para mostrar que o conceito de multiculturalismo é amplo e polissêmico, Stuart Hall en-
fatiza pelo menos seis dos seus tipos, que não serão abordados aqui. O importante é atentar para
sua pluralidade e heterogeneidade, através de “uma série de processos e estratégias políticas
sempre inacabadas” (2006, p. 50).
O perigo de conceitos polissêmicos é que podem ser usados de forma ampla e até con-
traditória. Assim, o uso problemático do multiculturalismo na perspectiva da política cultural é
a “con-formação da diferença” (idem, p. 57). Em uma prática que o autor chama de “subalterni-
zação da diferença”, ao invés de um “sinônimo conveniente de obliteração da diferença” (idem),
que seria valorizar a diferença enquanto alteridade.
Nessa perspectiva, como seria pensar a construção de políticas estatais de cultura a partir
da alteridade? Sem que os multiculturalismos fossem encapsulados em diferenças múltiplas,

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mas separadas e intocáveis, ou seja, livre de luta e conflitos? A consolidação das políticas, assim,
não seria uma contradição, já que política pressupõe embates? Como garantir uma política da
diversidade, sem que a diferença seja sinônimo de “con-formação”?
Adicionando a isso a questão da identidade, ainda no contexto da formulação de políticas
governamentais de cultura: a constituição de políticas de valorização da diferença, voltadas aos
grupos minoritários que não tiveram sua identidade reconhecida na construção das políticas até
então, negaria o pressuposto de igualdade? E ainda, a ideia de não fixação e engessamento das
identidades é possível quando estas são enquadradas na forma de políticas culturais? Talvez
todas essas perguntas possam se resumir na questão colocada por Hall, “se o maior reconhe-
cimento da diferença e a maior igualdade e justiça para todos podem constituir um horizonte
comum” (2006, p. 85).
A formulação de uma resposta pode ser dada por Bhabha, ao falar da negociação: “quan-
do falo de negociação em lugar de negação, quero transmitir uma temporalidade que torna pos-
sível conceber a articulação de elementos antagônicos ou contraditórios (...)” (BHABHA, 2007,
p. 51). Ou seja, ambos os mecanismos podem operar de forma articulada, ora valorizando uma
demanda por igualdade, ora dando ênfase as questões da diferença, variando de acordo com o
contexto político-social.
As políticas elaboradas pelo Estado, de fato não são suficientes como atendimento e/
ou contenção de uma demanda, visto que as demandas são muitas e estão em constantes trans-
formações, por isso, elas estarão representando o interesse de uma parcela da sociedade, e não
da sociedade como um todo, além de estarem, por outro lado, em constantes defasagens com a
necessidade dinâmica dos grupos, em contraposição aos processos burocráticos do Estado.
Dessa forma, se faz ainda mais importante a articulação de grupos e redes com a intenção
tanto de pressionar o governo por formulações de políticas culturais que lhes atendam, quanto de
formular a partir de suas próprias demandas e ações em seus territórios políticas públicas de cultu-
ra. José Joaquín Brunner (1985) sugere que a cultura seja pensada como uma constelação móvel e
fluida de circuitos, em que interviriam seus agentes de produção simbólica, públicos e instâncias
organizacionais, que ele define como o mercado, a administração pública e a comunidade.
Nessa perspectiva, novamente, não há como falar em política sem entender que essas
diferentes instâncias serão acionadas pelos agentes de acordo com o contexto situacional de um
dado momento.

2. REDE DE MUSEOLOGIA SOCIAL DO RJ


A museologia social diz respeito aos movimentos e iniciativas de valorização da me-
mória e dos patrimônios materiais e imateriais das comunidades, vinculados aos territórios lo-

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calizados de forma geral em bairros periféricos, favelas, áreas rurais e ribeirinhas. Essa ideia
corrobora o processo de autonomia e resistência das comunidades frente a uma cultura/memória
oficial imposta, na qual estas não se veem representadas.
É a memória da comunidade que está em jogo, a memória (re)construída pela coletivida-
de. A museologia social diz respeito às iniciativas desenvolvidas por e para as comunidades, que
conjugam o despertar para a consciência patrimonial, para orgulho de si, dos saberes e fazeres,
ligados ao território, e ao trabalho sócio-cultural que multiplica potenciais. Identidade e perten-
cimento são palavras-chave dessas iniciativas.
Nesse sentido, o primeiro movimento da Rede, ainda com outro nome 2, foi iniciado em
2007, tendo tido apenas três encontros naquele momento. Em 2013, a articulação em rede para
tratar da museologia social é retomada por gestores de espaços ligados à memória de base co-
munitária, museólogos, produtores culturais, pesquisadores e interessados pelo tema, conforme
fragmento abaixo:
A reunião de retomada da Rede foi realizada em outubro de 2013 no
Museu da República (IBRAM/MinC). O chamado para este dia foi feito
por e para diferentes pessoas cuja contribuição pessoal e profissional
(em razão de suas experiências singulares) e também institucional (em
razão das instituições por quem falam) são indispensáveis à Rede de
Museologia Social do Rio de Janeiro. No decorrer das reuniões, estão
presentes grupos, instituições e processos que associam o seu fazer à
museologia social. Também participam representantes de instituições e
instâncias públicas da cultura e da museologia, como o Sistema Estadual
de Museus (SIM-RJ/SECRJ) e o Curso de Museologia da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), além de pesquisadores
de diferentes áreas (JANUÁRIO e SILVA, 2014, p. 416).
O trecho abaixo foi retirado do facebook da Rede em 2015:
Ela tem como objetivo promover a conexão e a troca de experiências en-
tre comunidades populares, movimentos sociais e instituições que atu-
am no campo da memória, patrimônio e cultura. Surge com o intuito de
potencializar a memória como fator de inclusão e transformação social,
integrando e dando voz às diversas iniciativas e narrativas históricas que
compõem o Rio de Janeiro.3
Dessa forma, a Rede de Museologia Social do RJ passa a realizar encontros bimestrais
para debater diversas questões relacionadas à museologia social e à consolidação de políticas
neste campo. Os encontros são itinerantes, possibilitando que os espaços pertencentes à rede se
conheçam, apresentem suas ações e dialoguem, além de confirmar uma perspectiva importante
para a Rede de descentralização política, econômica e geográfica. Sua formação e articulação já

2
Cujo blog é: http://redemuseusmemoriaemovimentossociais.blogspot.com.br/
3
Ver: https://www.facebook.com/groups/212231862288591/

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indicam o fortalecimento dessas iniciativas, imprescindíveis para a consolidação de uma políti-


ca de direito à memória das comunidades.

2.1. Intercâmbios
A Rede participou da Teia Estadual de Cultura, que é o encontro dos pontos de cultura
do estado, em dezembro de 2013 na região serrana do RJ. Participou da Teia Nacional da Di-
versidade, que é o encontro nacional dos pontos de cultura, em maio de 2014, em Natal (RN);
e da Teia da Memória, que integra a programação do Fórum Nacional de Museus, realizado em
novembro de 2014 em Belém do Pará. Ainda em 2014, participou da mesa redonda “Redes e
Sistemas Articulados: gerando conexões”, no III Fórum Estadual de Museus – primeiro evento
em que estive presente, ainda sem saber que a Rede seria meu objeto de estudo no mestrado.
Mais recentemente, em setembro de 2015, participou de um evento da Primavera de Mu-
seus, no Mulheres de Pedra, em Pedra de Guaratiba – espaço conhecido a partir de uma visita
de alguns integrantes da Rede em iniciativas na zona oeste do RJ; e em outubro, participou do
V Encontro Internacional de Ecomuseus e Museus Comunitários na UFJF, em Juiz de Fora –
evento em que também estive presente.
Algumas outras ações da Rede de Museologia Social são apontadas no trecho abaixo:
A Rede concretamente já facilitou o intercâmbio de saberes e o desen-
volvimento de iniciativas embrionárias, já se abriu para o diálogo com
outras redes, dentro e fora do campo museal e ocasionou a construção de
projetos que unem atores de diferentes lugares e iniciativas. Vale desta-
car que parte significativa de sua atuação também diz respeito às políti-
cas públicas de cultura. Um exemplo disso é o diálogo constante com o
Fórum de Pontos de Cultura do Estado do Rio (que é a rede estadual dos
pontos de cultura) (...) (JANUÁRIO e SILVA, 2014, p. 417).
Cada encontro da Rede já é em si um intercâmbio. O processo de retomada da Rede com
o primeiro encontro em outubro de 2013, teve como inspiração a Rede Cearense de Museus
Comunitários4, devido a sua experiência anterior. Declaradamente, a Rede estimulou o surgi-
mento da Rede SP de Memória e Museologia Social 5, criada em 2014, após o intercâmbio entre
integrantes da rede de São Paulo, em visita no encontro da rede do Rio de Janeiro.
E ainda, em agosto de 2014, a Rede de Museologia Social do RJ realizou um encontro
em Cachoeiras de Macacu (RJ), fortalecendo a ideia de criação do Museu da Umbanda, já exis-
tente naquela localidade. Hoje, o projeto é conhecido como Território Sagrado de Boca do Mato.
Segue o depoimento de Wellington Lyra, postado em 16 de abril de 2015 no facebook da Rede:
A visita da Rede de Museologia ao bairro sagrado de Boca do Mato no
ano passado gerou bons frutos, e o terreiro Ilê Axé Omin incorporou a
4
Ver: https://museuscomunitarios.wordpress.com/
5
Ver: https://redespmuseologiasocial.wordpress.com/

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nomenclatura sugerida pelo Mário de Souza Chagas, gerando este vídeo


produzido pelo cineasta Pedro Paulo Rosa (...). Outra ação de desdobra-
mento – esta mais recente – é um mapeamento que faremos em Cachoei-
ras de Macacu de todas as casas religiosas da cidade (iniciando este mês
pelas casas de matriz africana e indígena) com a ajuda do Projeto INCID
(indicadores de cidadania), do Ibase, que vai gerar um “Mapa da Fé” na
cidade, todo georreferenciado com GPS. Valeu Rede, vocês são demais!
A Rede de Museologia Social do RJ, portanto, é um movimento político, no qual ques-
tões relacionadas ao direito à memória das comunidades são constantemente colocadas em pau-
ta. Aliás, é essa pauta que perpassa as reuniões e os encontros da Rede; as possibilidades de
visibilidade e viabilidade dessas iniciativas museais de memória, imbricadas no território em
que vivem as comunidades.
O próprio intercâmbio realizado nos encontros da Rede é um ato político na medida em
que afirma a importância da museologia social enquanto prática. Ali, além de serem valorizados
os saberes e fazeres daquela comunidade, são colocadas as dificuldades da iniciativa, princi-
palmente em se manter, bem como as formas encontradas de resistir. Na verdade, o existir no
contexto da museologia social já é por si só resistir.

2.2. Institucionalização
No tópico anterior foi possível observar que a Rede participa de intercâmbios e even-
tos institucionais desde o início de sua criação, possibilitando também o estabelecimento de
parcerias com diferentes instâncias de governo. Dessa forma, não seria precipitado afirmar que
formas diversas de institucionalização vem ocorrendo desde o início, – inclusive a própria for-
mação da Rede pode ser considerada um tipo de institucionalização – apesar dessa questão ser
colocada objetivamente pela Rede através da discussão do CNPJ, conforme analisado abaixo.
Nesse processo de pactuação e consolidação da Rede, alguns temas são recorrentes. Des-
taco a escolha pela institucionalização ou não através de um CNPJ próprio da Rede e a questão
da captação de recursos, tratada a seguir. O que se coloca em relação a isso é que, por um lado,
seria positivo, já que em alguns editais de fomento à cultura essa formalização é facilitadora;
mas por outro lado, seria preciso assumir o pagamento de impostos e de um contador para tal.
Essa é uma questão ainda controversa, pois a Rede não dispõe de recursos financeiros.
Ao mesmo tempo, entende-se que ela, de certa maneira, se institucionaliza na medida em
que alguns de seus membros possuem CNPJ ou estão em vias de possuir. Além da participação,
conforme mencionado, de representantes de instituições públicas de cultura e museologia.
Assim, uma das integrantes da Rede é assessora do Sistema Estadual de Museus, da Su-
perintendência de Museus da Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro. Através dela, a
Rede (REMUS-RJ) foi convidada a participar do I Encontro de Redes do Estado, juntamente com

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a Rede de Acessibilidade em Museus (RAM-RJ) e a Rede de Educadores em Museus (REM-RJ),


que aconteceu em setembro de 2015 – evento em que estive presente, participando da construção
do documento final. Esse é um exemplo importante, e que por isso deixei para tratar aqui.
De acordo com a divulgação do encontro, o objetivo era “ampliar o diálogo entre órgãos
e movimentos de museus, realizar importantes trocas de experiências e promover a interioriza-
ção dos debates ocorridos nas redes, numa parceria que leve informação, formação e eventos
para museus de todo o Estado”, através da colaboração entre as redes e entre as redes e o Estado.
Para firmar essa colaboração, ao final do encontro foi feito um documento em conjunto
que destacava as propostas e necessidades das redes frente à Superintendência de Museus e a
oferta em apoio à mesma. Para isso, as redes se dividiram em três grupos, formulando cada um
o seu documento. Posteriormente, compilaram-se os três documentos em um, unindo o que era
comum às redes e especificando o que era importante para cada grupo.
Ficou claro que para a Superintendente de Museus o ideal era que o documento fosse ela-
borado com proposições gerais e comuns as três redes, ao mesmo tempo em que cada rede insistia
em destacar questões específicas, que atendessem às necessidades de cada um dos grupos. Dessa
forma, alguns pontos foram colocados como comuns e outros destacados como específicos.
Esse exemplo é importante à medida que possibilita o entendimento sobre quão delicado
é formular políticas públicas de cultura que contemplem todos os grupos culturais, nesse caso,
do Estado. Mesmo com um grupo relativamente pequeno, – representantes de três redes e alguns
interessados nos assuntos discutidos – com um tema em comum: museus; as especificidades de
cada grupo acabavam por exigir diferentes aspectos na redação do documento para que todos se
sentissem representados.
No caso da Museologia Social a especificidade que se espera que seja levada em con-
sideração é que não se trata de uma rede de museus oficiais do Estado, mantidos por ele, mas
de uma museologia que tem ainda mais dificuldade de dar continuidade em suas ações, pautada
nos movimentos e iniciativas da sociedade civil que reivindicam seu direito à voz, no que diz
respeito às suas memórias, histórias e patrimônios culturais.
A ideia é que esse documento e suas demandas sejam considerados no Plano Estadual
de Cultura, conforme mencionado pela Superintendência de Museus durante o encontro. Para
isso, foi proposto que uma nova reunião fosse realizada em janeiro ou fevereiro de 2016, e que
o Encontro de Redes se tornasse um evento anual realizado por esta Superintendência.
Percebe-se assim, que a questão da institucionalização é muito mais ampla do que parece
a priori. O que se dá, são graus diversos de institucionalização de acordo com a demanda situa-
cional do grupo. Isso porque o jogo dialético com o poder público acaba se fazendo necessário,
tanto pela questão do direito à representatividade – a exemplo do encontro de redes, de pontos
de cultura e de museus comunitários – quanto pela questão dos recursos.

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Essa dialética não está dada, por isso não é sempre harmônica ou estável. Ela varia de
acordo com o que está em jogo; isso implica dizer que essa relação é mediada também por con-
flitos. O trajeto percorrido e os caminhos que vão se costurando dependem dessa dialética que se
estabelece nas relações dos integrantes da Rede, no interior dos próprios movimentos museais,
ou seja, o jogo político se dá também no microcosmos dessas iniciativas.

2.3. Captação de Recursos


Passo agora para a questão dos recursos, que será analisada através de dois processos
iniciados pela Rede em 2015; o projeto para o edital Cultura de Redes do Ministério da Cultura
e os projetos para as Emendas Parlamentares dos deputados federais do psol Chico Alencar e da
rede Alessandro Molon.
Tanto para o edital quanto para as emendas – projetos nos quais participei já que fazia
parte do grupo de articulação da Rede – mesmo que em proporções orçamentárias diferentes, o
objetivo era que o recurso fosse usado para ações como: oficinas e cursos referentes ao temas da
museologia social e de elaboração de projetos, exposições itinerantes, premiações em dinheiro,
um seminário internacional sobre museologia social, intercâmbios, mapeamentos/diagnósticos
acerca das iniciativas da Rede e outras que pudessem se juntar a ela, chamadas públicas para
fomentar o desenvolvimento de movimentos da museologia social ainda embrionários, consul-
torias contábil, de inventário participativo, etc.
No caso do referido edital, a Rede de Museologia Social concorreu na categoria local,
sem CNPJ. Essa categoria possibilitava que “coletivos artísticos”, termo proposto pelo edital,
sem CNPJ, participassem através do CPF de um dos integrantes de algum movimento da Rede.
Ela, de alguma maneira, assume sua condição não institucionalizada em um CNPJ, já que tam-
bém poderia ter concorrido como “entidade cultural”, termo utilizado no edital, através do CNPJ
de alguma instituição da Rede que o tivesse. Além de optar pela facilidade em relação ao envio
de documentos proporcionada por essa escolha.
A Rede foi classificada em 53º lugar entre 215 coletivos classificados nesta categoria,
o que não garante o prêmio, já que segundo o edital, apenas os vinte primeiros lugares seriam
beneficiados com o recurso.
Constam no roteiro de entrevista que escrevi para a pesquisa de campo, a ser iniciada
no começo de 2016, perguntas sobre a satisfação em relação à inscrição dos projetos no edital
e nas emendas parlamentares. Sobre este aspecto, me interessa saber principalmente o que os
grupos pensam sobre a vinculação político-ideológica dos deputados para os quais os projetos
das emendas parlamentares foram propostos, e antes, o que pensam sobre a articulação da Rede
com uma política partidária. Não houve uma discussão direta sobre este assunto, e essa preocu-

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pação também não apareceu em nenhuma das reuniões que se realizou para conversar a respeito
dos projetos para as emendas.
A possibilidade de recursos a partir das emendas parlamentares surge através de uma
conversa em um dos encontros da Rede. Assim, uma das participantes menciona conhecer os
dois deputados citados e a assessoria de um deles e em seguida aciona esses contatos. Ambos
se disponibilizam a conhecer a proposta para a emenda. Dessa forma, dois projetos são escritos
com o intuito de apresentar a Rede de Museologia Social do RJ, com a descrição de sua histó-
ria, seus integrantes e parceiros, sua missão, meta para 2016, as ações a serem realizadas e um
demonstrativo básico de desembolso.
Provavelmente, a resposta sobre aprovação das propostas só será dada no início de 2016,
até lá o grupo de articulação segue se encontrando para discutir questões referentes a esses
projetos. Independente dos resultados acerca dos processos empreendidos para a captação de
recursos é importante mencionar que as ações aqui relatadas foram as primeiras na tentativa de
viabilizar algumas atividades de forma regular e sistemática, características importantes para a
elaboração de políticas de cultura.
Ainda que a captação de recursos traga a possibilidade de novas atividades e ampliação
da Rede é fundamental que continuem a ser valorizados os saberes e fazeres das comunidades
dos movimentos e iniciativas de memória, os intercâmbios e as trocas possibilitadas através dos
encontros bimestrais da Rede. De acordo com o que já foi mencionado, esses deslocamentos
para outros territórios e perspectivas diversas no âmbito da museologia social, é também uma
questão política – de descentramento geográfico, econômico, ou seja, de encontro da alteridade.

3. CONCLUSÃO
Através deste trabalho foi possível perceber quanto a museologia social está relacionada
ao território. Pensar a identidade, a memória e o pertencimento dessas iniciativas e movimentos,
na perspectiva processual e relacional a partir dos territórios, em sua dimensão não só física, mas
simbólica e afetiva é fundamental para entender a criação desses museus comunitários, pontos
de memória, ecomuseus e projetos de valorização da memória e da história dessas comunidades.
É essencial compreender que a política cultural vai além de uma questão governamental,
e que esta também precisa ser elaborada a partir desses diversos modos de fazer e dos saberes
dos diferentes grupos e iniciativas, imbricados em seus territórios.
Sem dúvida, os intercâmbios realizados pela Rede são um importante exemplo disso,
já que um aspecto da política cultural diz respeito aos movimentos da sociedade civil, que se
agregam para realizar suas demandas, cobrar do Estado iniciativas que contemplem suas ne-
cessidades, etc.

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Com o acompanhamento da Rede de Museologia do RJ é possível perceber como ambas


as formas de política – governamental ou não – estão intrincadas e são acionadas de acordo com
o contexto e o que se busca alcançar, em um dado momento.
Mesmo que a Rede não tenha optado até aqui pela criação de um CNPJ, outros aspectos
acabam por indicar que existem diferentes graus de institucionalização, que também são acio-
nados dependendo das situações que vão sendo apresentadas. Nesse sentido, não acredito que
o potencial da luta por direitos mais abrangentes seja anulado conforme o grau de instituciona-
lização do grupo, posto que, se a institucionalização é uma questão situacional que vai sendo
constantemente reconfigurada, ela depende do trajeto que vai sendo construído, ou seja, não
está dada a priori. E este trajeto pode ser inclusive na direção de cobranças mais contundentes
perante as políticas do Estado, caso estas não estejam atendendo aos interesses dos grupos.
O importante aqui talvez seja colocar os objetivos da museologia social e, portanto, da
Rede em favor do direito que esses grupos têm de existir/(re)existir de forma a terem suas memó-
rias valorizadas. E claro que isso implica em disputas e conflitos; entre a necessidade de enqua-
dramento da diversidade existente pelo Estado e a luta de cada grupo e/ou rede por representativi-
dade e o reconhecimento de suas especificidades, como foi visto; e ainda, entre e dentro dos pró-
prios grupos, que mesmo com objetivos comuns também apresentam interesses concorrenciais.
Além disso, a formação de redes afins por todo o país pressiona o poder público a se abrir
ao diálogo a essas representações. Daí a importância dos encontros, dos intercâmbios, das trocas,
que fortalecem as iniciativas e dão fôlego para que os trabalhos continuem, apesar das dificuldades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Culturais em Revista, 2 (2), p. 1-3, 2009. Disponível em: www.politicasculturaisemrevista.ufba.br
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Cultura. Salvador: EDUFBA; FACOM/CULT, 2005.
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HALL, Stuart. Da Diáspora – Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

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CEOM - Ano 27, n. 41 - Museologia Social. Santa Catarina: Unochapecó, 2014. Disponível em: https://
bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc/issue/view/168
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In:
CASTRO, Iná, GOMES, Paulo C. e CORRÊA, Roberto (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

LINKS CONSULTADOS
http://redemuseusmemoriaemovimentossociais.blogspot.com.br/ (Acesso em: fevereiro/2014).
https://www.facebook.com/groups/212231862288591/ (Acesso em: janeiro/2015).
https://museuscomunitarios.wordpress.com/ (Acesso em: setembro/2015).
https://redespmuseologiasocial.wordpress.com/ (Acesso em: setembro/2015).

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POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA E A POTENCIALIZAÇÃO DE PRÁTICAS


ARTÍSTICOS-CULTURAIS PERIFÉRICAS NO ESPAÇO URBANO
DO RIO DE JANEIRO
Juliana Lopes1

RESUMO: Este trabalho pretende refletir sobre a potencialização das práticas artísticos-culturais
periféricas da sociedade civil na cidade do Rio de Janeiro pelas políticas públicas de cultura nos
séculos XX e XXI. Atuantes nas margens geográficas e sociais da cidade e com concepções
políticas e cidadãs próprias, tais práticas alcançam visibilidade e ampliam sua capacidade de
ação na cena pública carioca, contribuindo para a ressignificação do espaço urbano do Rio de
Janeiro, por meio da ativação de novas redes simbólicas, sociabilidades e imaginários.

PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas de cultura, práticas artísticos-culturais, sociedade


civil, periferia, Rio de Janeiro.

1. INTRODUÇÃO
De acordo com os princípios da Agenda 21 da Cultura2, as cidades são territórios privi-
legiados da elaboração cultural e constituem os âmbitos da diversidade criativa, onde a pers-
pectiva do encontro de tudo aquilo que é diferente e distinto torna possível o desenvolvimento
humano e integral. Esta convivência nas cidades implicaria em um acordo de responsabilidade
conjunta entre Estado e sociedade civil (Agenda 21 da Cultura, 2004,).
HARVEY (2014), aponta que o termo “cidade” tem uma história icônica e simbólica
profundamente inserida na busca de significados políticos. Reconhecendo no urbano uma mul-
tiplicidade de práticas prestes a transbordar de possibilidades alternativas, de acordo com a
perspectiva de Lafebvre.
Nos últimos 25 anos (19990-2015), o espaço urbano do Rio de Janeiro, vendo sendo res-
sigificado por práticas artísticos-culturais, sobretudo em territórios e comunidades periféricas,

1
Doutoranda em Comunicação e Cultura na linha de pesquisa mídia e mediações socioculturais no Programa de
Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: juliana.culturarj@
gmail.com.
2
A Agenda 21 da cultura foi aprovada no dia 8 de maio 2004, em Barcelona, pelo IV Fórum de Autoridades Locais
pela Inclusão Social de Porto Alegre, no marco do primeiro Fórum Universal das Culturas. Aprovada por cidades e
governos locais de todo o mundo comprometidos com os direitos humanos, a diversidade cultural, a sustentabilidade,
a democracia participativa. Documento disponível em: http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br.

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promovendo experiências sensíveis (RANCIÉRE, 2009). Ao longo deste período, territórios e


mapas, são revelados na cidade em meio a seus conflitos e tensões sociais por meio de inicia-
tivas da sociedade civil no campo da arte e da cultura com forte vínculo comunitário e relação
estreita com seus territórios de origem. Para RIBEIRO (2005,p.268), “o que vem ocorrendo é
uma crescente aproximação entre política e território usado (Santos, 1999); entre práticas sociais
e praxis; entre cultura e cultura política; entre saberes tradicionais e educação política, como
força dos que resistem”.
Por meio de um panorama, da década de 90 até os tempos atuais, este trabalho pretende
refletir sobre a potencialização das práticas artísticos-culturais periféricas da sociedade civil na
cidade do Rio de Janeiro pelas políticas públicas de cultura nos séculos XX e XXI. Atuantes
nas margens geográficas e sociais da cidade e com concepções políticas e cidadãs próprias, tais
práticas alcançam visibilidade e ampliam sua capacidade de ação na cena pública carioca, con-
tribuindo para a ressignificação do espaço urbano do Rio de Janeiro, por meio da ativação de
novas redes simbólicas, sociabilidades e imaginários.
Na primeira parte do trabalho abordamos o contexto político e social do Rio de Janeiro,
na década de 90, marcado pela representação da “cidade partida” pelos meios de comunicação
tradicionais e o protagonismo das ONGs com iniciativas no campo da arte e da cultura na marca
da “democratização do acesso” e da “inclusão social” tendo como público alvo crianças e jovens
em situação de vulnerabilidade social. Na década seguinte, 2000-2010, amplia-se a visibilidade
e a participação política, social e cultural de ONGs, agentes, grupos artísticos, redes e artistas
de territórios periféricos da cidade do Rio de Janeiro. Tais atores afirmam-se no espaço urbano
como novos produtores e mediadores de cultura, por meio da operação de novos conceitos e
práticas em torno da inventividade e da criatividade, operando fluxos culturais em busca de
desconstruir estereótipos e imaginários estigmatizantes.
Na segunda parte do trabalho analisamos a centralidade da cultura (HALL,1997) e a
cultura como recurso (YÚDICE, 2004) nas políticas públicas dos anos 20003, na interface com
a vida social. Partimos do pressuposto de que as políticas públicas deste período ao adotar o
conceito alargado de cultura - antropológico e incorporar abordagens em torno da diversidade
e da cidadania, ampliam e potencializam a atuação de grupos, práticas, manifestações e expres-
sões artísticas e culturais até então historicamente pouco ou nada contempladas, gerando novas
ambiências e experiências nas cidades brasileiras.
Por último, abordamos o contexto urbano contemporâneo do Rio de Janeiro, no mote dos
“Megaeventos”, como a Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos (2016). Buscamos anali-
sar, a partir das manifestações de 2013, uma nova geração de práticas artísticos-culturais desen-

3
Gestão de Gilberto Gil (2003-2008) e Juca Ferreira (2008-2010) no mandato do Presidente Luís Inácio Lula da
Silva (2003-2010).

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volvidas por grupos e/ou coletivos de jovens em espaços públicos, que por meio de novas formas
de organização, no “espaço híbrido do urbano e da internet” (CASTELLS, 2013), ativam novas
sociabilidades e imaginários. Por último busca-se compreender a importância do Prêmio Ações
Locais, da Prefeitura do Rio de Janeiro, como uma política inovadora ao reconhecer e fomentar
uma nova cena de atores e práticas artísticos-culturais periféricas, no marco de uma cultura 2.0,
construindo a passagem no âmbito das interações do Estado com a sociedade civil, da mediação
das ONGs para o reconhecimento e fomento de agentes culturais não-institucionalizados.

2. DA INCLUSÃO SOCIAL À CHAVE DA INVENTIVIDADE E CRIATIVIDADE


DA PERIFERIA
Na década de 90, o Rio de Janeiro encarna a representação da “cidade partida”, ancorada
no dualismo morro e asfalto. Nos meios de comunicação tradicionais, notícias e imagens “sobre
as galeras de rua, quebra-quebras, “grupos ligados ao narcotráfico, meninos de rua”, “chacinas”
(ANSEL,2013,p.67); (HERSCHMANN,2005,p.39), contribuem para o imaginário de uma cida-
de perigosa ou em guerra instaurando a cultura do medo. Três episódios principais, com grande
destaque na mídia, contribuíram diretamente para esta representação: o assassinato de 11 jovens
moradores da favela de Acari em junho de 1990, a execução de 7 crianças e adolescentes que
dormiam em frente a Igreja da Candelária em julho de 1993 e a chacina de 21 pessoas na favela
de Vigário Geral em agosto de 1993. Nos três eventos, policiais militares foram acusados e jul-
gados pelos crimes.
Frente a este contexto e de uma profunda estigmatização das margens geográficas e so-
ciais da cidade - favelas, subúrbios e periferias - e de seus moradores, as ONGs protagonizam
a reinvenção do campo da produção cultural, através das diferentes linguagens da arte como o
teatro, a música, a dança, as artes visuais e o cinema pelo viés da formação artístico-cultural não
formal com forte vínculo comunitário, voltada especialmente para crianças e jovens. De forma
geral, tais organizações, destacam-se por ter entre seus objetivos a promoção do acesso à arte e
à cultura, bem como a da inclusão social e à cidadania como forma de combater desigualdades;
a formação de uma rede de proteção social e a garantia de direitos a partir da noção de desen-
volvimento humano relacionada à inclusão do público de suas atividades em um conjunto de
possibilidades e oportunidades de diferentes ordens (sociais, econômicas, política, cidadãs etc).
A interação do Estado com a sociedade civil no Brasil ganha contornos após o fim do
regime militar, em especial a partir da Constituição de 1988, favorecendo o surgimento das or-
ganizações não-governamentais (ONGs). Sem fins lucrativos, com recursos públicos e/ou priva-
dos, tais organizações, desenvolvem atividades em áreas como educação, meio ambiente, saúde,
assistência social, cultura, direitos de minorias. Neste cenário contemporâneo, de acordo com
Reis (2013,p.8), “ganha espaço a ideia segundo a qual novos atores sociais entram em cena”. A

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própria sociedade passa a ser vista como um tipo de recurso para a organização da vida coletiva,
além do Estado e do mercado. Tanto em nível global, como no contexto brasileiro.
Organizações como o Nós do Morro (Vidigal), Afroreggae (Vigário Geral), Central Úni-
ca das Favelas – CUFA (Cidade de Deus) e Cia. Étnica de Dança (Andaraí) protagonizaram no
Rio de Janeiro práticas artísticos-culturais na intersecção entre arte, cultura e cidadania em terri-
tórios periféricos da cidade. Ramos (2007) qualifica a emergência do que denomina de “grupos
de jovens de favelas e periferias ligados a iniciativas de cultura e arte” como um acontecimento
marcante na cena política brasileira e carioca dos anos 90. De acordo com a autora seria possível
identificar alguns aspectos comuns a estas iniciativas: o investimento nas trajetórias individuais
e nas histórias de vida, valorizando o campo simbólico da subjetividade por meio da formação
de artistas e líderes que são dançarinos, cineastas, atores, escritores e músicos e que ocupam a
mídia como artistas e ativistas; a afirmação territorial por meio de músicas, camisetas, roupas,
grafites com imagens associativas aos nomes das comunidades de origem e a forte presença da
denúncia do racismo e a afirmação racial negra.
Na década seguinte (2000-2010) observa-se progressivamente, o crescimento da visibi-
lidade e da participação política, social e cultural de ONGs, agentes, grupos artísticos, redes e
artistas de territórios periféricos da cidade do Rio de Janeiro. Nesta cena cultural urbana, emer-
gem conceitos e práticas que operam um deslocamento dos sentidos historicamente atribuídos
à periferia como território de pobreza, violência, ausência e aos seus moradores como carentes
e excluídos. Na esfera do discurso e da prática, os territórios de periferias e seus moradores
passam a ser enunciados por alguns de seus atores como potentes e criativos, em uma busca
de inversão de estereótipos e imaginários estigmatizantes. Pela chave da inventividade e da
criatividade novas narrativas, arranjos locais e fluxos de conhecimento buscam provocar deslo-
camentos e atravessamentos na produção das subjetividades na dimensão espacial do cotidiano
(Santos, 2008).
Binho Cultura, é poeta, escritor e produtor cultural. Morador da Vila Aliança4 e idealiza-
dor do Festival Literário da Zona Oeste – FLIZO, aponta a “potência e uma demanda artística”
da região e a necessidade de se fomentar o que chama de um “contra fluxo cultural” do eixo cen-
tro-zona sul da cidade. A FLIZO, se apresenta como um “projeto de valorização da produção
cultural da Zona Oeste carioca com ações de fomento à leitura, à criação literária e discussões
de temas que convergem as questões da vida urbana, do fazer da arte e do exercício da educação

4
A Vila Aliança foi formada por moradores que vieram do Morro do Pasmado, Praia do Pinto, Favela do Esque-
leto, Brás de Pina e Penha, áreas valorizadas pela especulação imobiliária, no contexto das remoções do Governo
Lacerda nos anos 60, sendo o primeiro conjunto habitacional da América Latina. É considerada uma das áreas com
o mais baixo índice de desenvolvimento humano do Rio de Janeiro e uma das favelas mais violentas da cidade,
alvo de operações policiais constantes com o objetivo de reprimir o tráfico de drogas. (Fonte: Entrevista com Binho
Cultura, concedida a autora no dia 09/06/2015).

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libertária”5. O evento é realizado há três anos em um complexo de 40 bairros, mobilizando um


conjunto de artistas da região e de outras áreas da cidade em diálogo com professores e estudan-
tes das escolas públicas. Ocupa equipamentos educacionais, culturais e espaços públicos como
escolas, universidades, clubes, praças. O objetivo principal seria inserir a Zona Oeste no mapa
cultural da cidade.
Descobrimos mais de 200 autores, artistas de renome e alguns premia-
dos internacionalmente e começamos a chamar a atenção que se Ipane-
ma e Copacabana tinham Vinícius de Moraes e Tom Jobim, nós temos
o José Mauro Vasconcelos do Meu Pé de Laranja Lima, o Avelino que
é autor de Boemia, o compositor mais gravado pelo Nelson Cavaqui-
nho que mora em Campo Grande. Porque a nossa região estava fora do
eixo de cultura. Aí eu começo a entender uma outra questão... o poder
público não investia porque achava que não tinha demanda. A gente só
tem dois teatros públicos. O Artur Azevedo em Campo Grande e o Má-
rio Lago em Vila Kenedy que a Secretaria de Estado de Cultura passou
para a comunidade. A gente não tem uma Biblioteca Parque. E isto eu
não estou falando de bairro não, eu estou falando de uma zona oeste.
1/3 da população do Rio de Janeiro está aqui e a gente não tem estes
equipamentos. Não tem hoje como falar de fazer cultura ignorando a
existência da zona oeste e que existe uma potência e uma demanda ar-
tística. Quando você vem da Tijuca pra cá, quando o Abel Lobo vem do
Leblon pra cá, a gente está propondo um contrafluxo cultural com uma
programação de qualidade que faça valer a pena você sair da sua casa,
pegar o trem, sabendo que se corre um risco de a qualquer momento
acontecer um tiroteio. Mas você vai pensar que vai ter uma programação
que vale a pena ir lá. Vale o risco. Porque a gente enfrenta este mesmo
risco para fazer o fluxo natural, seguir o fluxo. Então a gente agora quer
estimular o contrafluxo. A Flizo é um grande chamado para as pessoas
virem a zona oeste. (Binho Cultura, entrevista concedida a autora em
09/06/2015, na Nave do Conhecimento da Vila Aliança)
A partir da entrevista acima pode-se afirmar que os atores e as práticas artísticos-cul-
turais periféricas do novo milênio legitimam-se na cena carioca cultural urbana como novos
produtores e mediadores de cultura, construindo um circuito alternativo de produção, difusão
e circulação artístico-cultural, formação de novas redes e alcançando visibilidade pública. Esta
mediação não se daria como ponte ou como a figura do intermediário entre criadores e consumi-
dores, mas sim na abolição das barreiras e das exclusões sociais e simbólicas e na valorização
das experiências e das práticas diversificando as possibilidades e potências inventivas da produ-
ção cultural (MARTÍN-BARBERO: 2006, p. 34).

5
Ver http://flizo.org/

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Para Heloísa Buarque de Hollanda (2004), a afirmação das vozes da periferia seria uma
das emergentes tendências culturais nos anos 2000, apontando um rito de passagem da cultura
à cidadania na cena carioca.
Indo direto ao ponto das tendências culturais emergentes na década de
2000, não há como não ressaltar como principal fenômeno deste início
de século XXI a afirmação das vozes da periferia urbana no mercado
cultural. Pode-se dizer, sem hesitação, que o efeito “Cidade Partida” não
caracteriza mais a cultura carioca. Como observa Paulo Lins, no lugar
das favelas (antigos similares das senzalas) surgem as neofavelas (atuais
similares dos quilombos) com voz própria, beleza própria, inserção no
mercado cultural e alto poder agregador. Definir hoje a cultura do Rio
de Janeiro é antes de mais nada imaginar estratégias e políticas culturais
a partir desta rede de canais recém-abertos, das perspectivas efetivas de
inclusão social que a nova cultura urbana carioca vem sinalizando e do
sonho de estarmos assistindo ao inédito rito de passagem da cultura à
cidadania. (HOLLANDA,2004)
Seguindo a afirmação de Hollanda (2004), as políticas públicas de cultura da primeira
década do novo milênio (2000-2010) parecem realizar o “rito da passagem da cultura à cidada-
nia” ao reconhecer “rede de canais recém-abertos, das perspectivas efetivas de inclusão social”
protagonizadas por atores da sociedade civil na sociedade brasileira. Por meio de novas aborda-
gens e contornos e pela noção da cultura como expressão de diversidade e cidadania avança-se
na construção de políticas públicas de maior cunho democrático permitindo a potencialização de
práticas artísticos-culturais que até então tinham tido pouca ou nenhuma relação com o Estado.

3. A CENTRALIDADE DA CULTURA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DOS ANOS 2000


A centralidade da cultura nas sociedades contemporâneas tem sido problematizada como
parte estruturante da vida social na dimensão do global, da vida local, cotidiana, da identidade e
da subjetividade no lugar de tensões e disputas simbólicas e políticas em contextos complexos
(Hall,1997). Assim, os estudos culturais trazem a noção do termo cultura como uma rede de
significados preenchida de signos e símbolos onde todas as práticas sociais são preenchidas de
significação ao expressar ou comunicar um significado:
“Porque a cultura se encontra no centro de tantas discussões e debates,
no presente momento? Em certo sentido, a cultura sempre foi importan-
te. As ciências humanas e sociais há muito reconhecem isso. Nas huma-
nidades, o estudo das linguagens, a literatura, as artes, as ideias filosófi-
cas, os sistemas de crença morais e religiosos, constituíram o conteúdo
fundamental, embora a ideia de que tudo isso compusesse um conjunto
diferenciado de significados (uma cultura) não foi uma ideia tão comum
como poderíamos supor. Nas ciências sociais, em particular na sociolo-
gia, o que se considera diferenciador da “ação social” (como um com-

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portamento que é distinto daquele que é parte da programação genética,


biológica ou instintiva) é que ela requer e é relevante para o significado.
Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A
ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para
os que a observam: não em si mesmas em razão dos muitos e variados
sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que
significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta
uns em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão
sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamen-
te as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas
“culturas”. Contribuem para assegurar que toda ação social é “cultural”,
que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e,
neste sentido, são práticas de significação.” (HALL: 1997, p. 02)
Nas políticas públicas de cultura da primeira década do milênio (2003-2010)6, a cultura
ganha a centralidade da vida social distanciando-se do slogan anterior “Cultura é um bom negó-
cio”7. Adota-se o conceito de cultura alargado – antropológico – definido em três dimensões inter-
dependentes: simbólica (relacionada ao imaginário, às expressões artísticas e práticas culturais),
cidadã (a cultura como direito e importante em contextos de vulnerabilidade social) e econômica
(cultura como economia, geradora de crescimento, emprego e renda); toda a sociedade brasileira
passa a ser o público privilegiado das ações das políticas, não somente no lugar de público/consu-
midor de bens e serviços culturais, mas também no de criador. Observamos a retomada do papel
ativo do Estado nas políticas públicas de cultura em busca da efetivação e da garantia dos direitos
culturais. Ressalta-se também a criação de canais de participação popular nos processos de for-
mulação daquelas políticas por meio de espaços de diálogo entre o poder público e a sociedade
civil. Passam a ser realizados fóruns, seminários, conferências e consultas públicas convocando
a participação de diferentes atores do campo artístico e cultural. Mais do que políticas culturais
inéditas, começam a nascer então novas culturas políticas de acompanhamento e participação da
sociedade civil na gestão da coisa pública (res publica) ( RUBIM, 2007, p.29).
Ao adotar uma concepção ampliada do conceito de cultura e do fazer cultural na socie-
dade brasileira, as políticas públicas ampliam seu campo de atuação para além das linguagens
artísticas tradicionais e passam a reconhecer e incorporar novas modalidades: as culturas po-
pulares, afro-brasileiras, indígenas, de gênero, de orientações sexuais, das periferias, da mídia,
audiovisual, cultura digital etc. De acordo com BARBALHO (2007,p.52), a questão identitária

6
Mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva na Presidência da República e do músico Gilberto Gil (2003-
2008) e do sociólogo Juca Ferreira (2008-2010) no Ministério da Cultura.
7
O slogan refere-se ao lema das políticas públicas de cultura na gestão do cientista político Francisco Weffort no
mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). O slogan visava incentivar o investimento de
empresas da iniciativa privada na cultura por meio de renúncia fiscal utilizando como mecanismo a Lei Federal de
Incentivos à Cultura (Lei Rouanet).

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se pluraliza, sendo recorrente nos documentos e falas oficiais do governo o uso do plural de
palavras como política, identidade e cultura: as políticas públicas, as identidades nacionais e as
culturas brasileiras. A preocupação estaria em revelar os brasis, trabalhando com as múltiplas
manifestações culturais, em suas variadas matrizes étnicas, religiosas, de gênero, regionais etc.
Haveria neste momento uma preocupação com os setores historicamente pouco ou nada con-
templados pelas políticas públicas anteriores.
Neste âmbito, os conceitos de diversidade e cidadania apontam os rumos das políticas
públicas deste período reconhecendo e potencializando a entrada em cena de novos atores e prá-
ticas sociais do campo artístico e cultural brasileiro para além de criadores relacionados estrita-
mente às belas-artes. Do ponto de vista do gerenciamento, no ano de 2004, é criada a Secretaria
da Identidade e Diversidade Cultural (SID), a fim de garantir o reconhecimento, a proteção e a
promoção da diversidade cultural brasileira. No âmbito internacional o Ministério da Cultura
atua ativamente para a aprovação da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expresssões Culturais8 adotada pela Conferência Geral da Unesco, em 2005, e ratificada
pelo Brasil em 2007. O documento estabelece direitos e obrigações para os países signatários,
que devem compartilhar responsabilidades em nome da diversidade das expressões culturais.
O conceito de cidadania passa a ser operado pelas políticas públicas na percepção da
cultura como um direito e de relevância em territórios e contextos de vulnerabilidade social. As-
sim, para além do acesso aos bens e serviços culturais é necessário garantir o direito à produção,
criação, difusão, circulação e participação nas decisões sobre a cultura (CHAUÍ, 2006). A recon-
figuração da noção da política de acesso à cultura para às políticas de diversidade e cidadania é
a chave para que os investimentos públicos passem a potencializar atores e suas práticas artísti-
cas e culturais comunitárias, que tenham o território e o cotidiano como locus privilegiado das
ações. Passe-se então a investir nas pessoas como produtoras de cultura e não em infraestrutura
física. Neste sentido, o Programa Cultura Viva9, se torna um marco ao reconhecer e fortalecer
organizações comunitárias (ONGs) com histórico de trabalho em seus territórios, os “Pontos de
Cultura”. Ao reconhecer e valorizar o protagonismo da sociedade civil o programa aposta na
reconfiguração de responsabilidades entre Estado e sociedade.
Seguindo na linha dos estudos culturais, os usos da cultura, suas apropriações ou res-
significações realizadas pelas políticas públicas e pelos atores da sociedade civil, são relevantes

8
Para saber mais sobre a Convenção ver: http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224por.pdf
9
O Programa Cultura Viva foi criado em julho de 2004 pela Secretaria de Programas e Projetos Culturais do Minis-
tério da Cultura. Inicialmente foi composto por 4 linhas de ação principais: Pontos de Cultura, Escola Viva, Cultura
Digital e Ação Griô Nacional. Opera por meio de conceitos como: autonomia, empoderamento, protagonismo e
gestão em rede. Tem como público principal de suas ações: populações de baixa renda;, estudantes da rede básica
de ensino, comunidades indígenas, rurais e quilombolas; agentes culturais, artistas, professores e militantes que de-
senvolvem ações em contextos de desigualdades e exclusões sociais e culturais. (Programa Cultura Viva – Programa
Nacional de Arte, Educação, Cidadania e Economia Solidária. 3. ed. Brasília, Ministério da Cultura, 2004).

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para reflexão aqui proposta. Yúdice (2004), nos auxilia ao conceber a cultura como um recurso.
O autor, ao debater o lugar que a cultura assume na sociedade contemporânea, aponta a legi-
timidade conferida a esta no auxílio à resolução de questões como “melhoria sociopolítica e
crescimento econômico”, considerando um protagonismo atribuído a cultura, nunca antes visto
nestas proporções.
O que eu gostaria de frisar desde já é que a cultura está sendo crescente-
mente dirigida como um recurso para a melhoria sociopolítica e econô-
mica, ou seja, para aumentar sua participação nessa era de envolvimento
político decadente, de conflitos acerca da cidadania (Young, 2000: 81-
120), e do surgimento daquilo que Jeremy Rifkin (2000) chamou de
“capitalismo cultural. (YÚDICE: 2004, p.25)
Podemos dizer que a cultura passa a ser vista sob o paradigma da associação de uma
eficiência no tratamento aos territórios onde há “vulnerabilidades sociais”. Seja pelas políticas
públicas ou pela sociedade civil, assim como nas interações entre estes dois atores, a cultura
passa a ser ressignificada como ferramenta de justiça social, exercício da cidadania e desenvol-
vimento local.

4. A RESSIGNIFICAÇÃO CONTEMPORÂNEA DO ESPAÇO URBANO


DO RIO DE JANEIRO: DO PORTO MARAVILHA ÀS AÇÕES LOCAIS
A cidade do Rio de Janeiro passa atualmente por um importante processo de transfor-
mação urbana, no que tange a projetos de mobilidade e infraestrutura, tendo como mote a pre-
paração da cidade para a realização dos “Megaeventos”, como a Copa do Mundo de 2014 e os
Jogos Olímpicos de 2016. As obras em andamento têm gerado um grande transtorno no que
tange a circulação na cidade, assim como tensões e conflitos sociais, como as remoções das
casas de moradores em regiões que de acordo com o plano urbanístico afetariam a realização
dos jogos. Alguns atores, como o Comitê Popular Rio - Copa e Olimpíadas, vêm denunciando
publicamente o que na visão deles seria o “projeto excludente de cidade” imposto à população
de acordo com o interesse de grandes corporações e com “legados sociais” questionáveis (
HERSCHMANN; FERNANDES, 2015, p.2).
Sob o emblema “Rio Cidade Olímpica”, no conjunto das transformações urbanísticas
conduzidas pela Prefeitura do Rio de Janeiro, o “Porto Maravilha10”, é o mais emblemático por
realizar intervenções na área central da cidade, especialmente na zona portuária, em um proces-
so denominado pela Prefeitura de “revitalização de áreas degradadas”. Tais intervenções englo-
bam a demolição do Elevado da Perimetral, a reforma da Praça Mauá, a construção de túneis e

De acordo com o site oficial do projeto, o “Porto Maravilha”tem por finalidade “promover a reestruturação local,
10

por meio da ampliação, articulação e requalificação dos espaços públicos da região, visando à melhoria da qualida-
de de vida de seus atuais e futuros moradores e à sustentabilidade ambiental e socioeconômica na área portuária”.
Disponível em: http://www.cidadeolimpica.com.br/porto-maravilha/.

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vias expressas, a reurbanização do Morro da Conceição, a construção de um Aquário Marinho e


a construção de dois museus: o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã.
Equipamentos culturais clássicos, como os museus, têm sido utilizados como estratégia
de recuperação dos espaços públicos na reinvenção da imagem das cidades globalizadas. O Mu-
seu de Arte do Rio (MAR), inaugurado em 2013, de acordo com o seu site, busca por meio de
suas exposições do acervo permanente e temporário e demais programações como seminários,
encontros, debates, cursos, shows musicais e programa de educação “promover uma leitura
transversal da história da cidade, seu tecido social, sua vida simbólica, conflitos, contradições,
desafios e expectativas sociais11.” Analisando a programação do museu percebe-se a intenção
do mesmo de se inserir e consolidar na vida social e cultural da cidade incorporando as tensões
e conflitos dos quais marcaram a sua construção. Ativando canais de diálogo com diferentes
públicos: moradores locais, acadêmicos, estudantes da rede pública, universitários, professo-
res, artistas, mcs e bboys, o museu vem adotando diferentes estratégias a fim de se consolidar
como um espaço central na cidade. Mais recentemente, em dezembro de 2015, foi inaugurado a
poucos metros do MAR, na beira da Baía de Guanabara, o Museu do Amanhã que propõe fazer
uma integração entre arte, ciência e tecnologia por meio de ambientes audiovisuais, interações
e jogos. Com grande divulgação midiática, longas filas têm se formado para acesso do público
aos conteúdos, desde da sua inauguração.
A construção dos museus mencionados é compreendida pelo poder público municipal
como uma ação de valorização do patrimônio histórico e promoção do desenvolvimento social
e econômico da região por meio de projetos de grande impacto cultural. Canclini (2008), ao
analisar três configurações imaginárias sobre o urbano destaca: as cidades do conhecimento
(onde destaca-se o papel da informação, do saber e das comunicações), a do espetáculo e a do
reconhecimento entre diferentes calcada em processos de migrações, multi e interculturalidade.
Todavia para o autor, a questão que se coloca é se de fato haveria uma transformação da cidade
mediante o conhecimento e a cultura ou se as cidades se convertem em espetáculo cultural sem
a modificação de suas desordens estruturais.
Estamos transformando as cidades mediante o conhecimento e a cultura
ou convertemos as cidades em espetáculo cultural sem modificar as de-
sordens estruturais? A espetacularização do social existe desde há sécu-
los (missas, desfiles e outros ritos massivos), mas sua hipertrofia numa
época de industrialização da cultura aumenta o risco de nos desviarmos
da satisfação das necessidades sociais: no âmbito urbano a redução da
cidade ao espetáculo se associa ao predomínio do marketing e à cap-
tação de investimentos sobre o sentido do social dos bens materiais e
simbólicos.(CANCLINI, 2008, p. 19)

11
Ver: http://www.museudeartedorio.org.br/

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O autor aponta que nas últimas décadas na caracterização do urbano tem-se levado em
consideração os processos culturais e os imaginários dos que habitam as cidades, onde além das
explicações demográficas e socioeconômicas, os estudos urbanos atuais, dão lugar às represen-
tações culturais nas quais se manifestam a heterogeneidade e a complexidade social (Canclini,
2008, p. 16). Nesta heterogeneidade, grupos de artistas, ongs, intelectuais e experiências comu-
nicacionais buscam reelaborar as relações entre conhecimento e vida urbana com orientações
que tratam de ações conflitantes e do acesso desigual à cultura. O imaginário não seria consi-
derado estritamente em sua dimensão simbólica, mas também como lugar de elaboração de
insatisfações, desejo e busca de comunicação com os outros (Canclini, 2008, p.15;p.21).
No mesmo contexto urbano contemporâneo do Rio de janeiro, no contraponto da cons-
trução de grandes equipamentos culturais clássicos em contextos de “revitalização urbana” e no
marco das manifestações de 2013, é possível perceber uma nova geração de atores e práticas
artísticos-culturais realizadas por grupos e/ou coletivos de jovens no espaço urbano carioca. Es-
tas práticas, não-institucionalizadas, englobam um universo de saraus de poesia, rodas de rima,
cineclubes, festas, ocupações e residências artísticas, rodas de funk e de hip-hop, apresentações
teatrais e musicais. Realizadas em espaços públicos (ruas, parques, praças e viadutos) dos bair-
ros do centro, da zona norte e da zona oeste da cidade, os eventos seriam um espécie de resposta
destes grupos às insatisfações cotidianas com a cidade. Potencializados pela internet, mobilizam
e comunicam suas iniciativas pelas redes sociais e canais alternativos de comunicação, em uma
espécie de ativismo cultural. Uma característica marcante da atuação destes grupos e/ou cole-
tivos é a atuação em rede em um “híbrido entre cibernética e espaço urbano” (Castells,2013).
Para o autor este híbrido constitui um terceiro espaço, o da autonomia, como uma nova forma
espacial dos movimentos em rede.
Este híbrido de cibernética e espaço urbano constitui um terceiro espa-
ço, a que dou nome de espaço da autonomia, porque só se pode garantir
autonomia pela capacidade de se organizar no espaço livre das redes de
comunicação; mas, ao mesmo tempo, ela pode ser exercida como força
transformadora, desafiando a ordem institucional disciplinar, ao reclamar
o espaço da cidade para seus cidadãos.(CASTELLS,2013, p.164-165).
Todavia podemos mencionar um outro tipo de rede mobilizada por esta nova geração de
práticas artísticos-culturais contemporâneas na dimensão da “potência estético-comunicativa” e
da “ comunicação-comunhão de sentidos e significados compartilhados” (FERNANDES, 2009.
Nesta perspectiva “a rede é tratada com um tipo de relação social, na perspectiva de que a inte-
ração, a troca, o sentido e o significado compartilhados por grupos de indivíduos representam
metaforicamente uma teia relacional complexa” (FERNANDES, 2009, p.168).
Na interface com as novas dinâmicas das práticas artísticos-culturais periféricas da ci-
dade, o Prêmio Ações Locais – Rio 450 Anos, da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de

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Janeiro, foi lançado em 2014, com o objetivo de mapear, reconhecer e fomentar iniciativas de
cunho artístico e cultural não-formalizadas com reconhecido impacto local em suas comunida-
des. Anunciado como o “Ponto de Cultura 2.0”, tendo em vista a mudança do “proponente” das
ONGS para iniciativas não-formalizadas de grupos ou pessoas físicas, o prêmio previa um re-
corte geográfico e territorial prioritário com vistas a contemplar um maior número de iniciativas
nos bairros da zona norte e oeste, visando uma maior descentralização de recursos públicos pela
cidade e de ativar canais de diálogo e comunicação com atores até então a margem das políticas
públicas muncipais. O prêmio recebeu 882 inscrições, sendo 610 “chanceladas12” e 85 iniciati-
vas premiadas no valor de R$40.000,00.
Em reportagem do Jornal O Globo, intitulada “Cultura na Raça”13, em uma referência às
práticas artísticos-culturais “invisíveis” e/ou sem qualquer apoio financeiro, as iniciativas chan-
celadas e contempladas pelo prêmio foram “plotadas” em um mapa da cidade do Rio de Janeiro,
a fim de visibilizar a distribuição espacial das iniciativas na cidade. Das 610 iniciativas, 163 são
da zona norte, 28 de Bangu, 14 do Complexo da Maré, 25 da Rocinha, de 11 a 20 em Santa Cruz,
Senador Carmará, Vargem Grande, Realengo e Cidade de Deus, de 2 a 10 na Pavuna, Vigário
Geral, Complexo do Alemão, Ilha do Governador, Madureira. Do ponto de vista do conteúdo
das iniciativas é possível perceber um conjunto bem diversificado:
(...) Há cineclubes, saraus, grupos de teatro e bibliotecas comunitárias;
oficinas de artes visuais, de DJ e de dança afro; festivais de hip-hop, de
circo e de rock; rodas de rima, de samba e de capoeira; batalhas de bar-
beiros e encontros de praticantes de bambolê; aulas de forró, de escultu-
ra em areia, de grafite. Dos mais inusitados, estão no mapa a Escola de
Blogueiros no Jacarezinho, a Oficina de Danças Circulares para idosos
no Catete e um borboletário em Senador Camará, com exposição das
espécies de borboletas encontradas no bairro. (Reportagem do Jornal O
Globo, “Cultura na Raça”, de 30/05/2015).
A partir desta nova geração de atores e práticas artísticos-culturais perifeŕicas é pos-
sível pensarmos na ação política de sujeitos sociais por meio de híbridos institucionais (RI-
BEIRO, 2005).
Os sujeitos sociais e a ação política apresentam, agora, maior complexi-
dade, confrontando paradigmas que orientaram, até há pouco tempo, os
projetos de transformação social. Estes sujeitos propõem novos híbridos
institucionais, atuam em várias escalas, exigem a releitura do Estado,
defendem diferentes sentidos de nação, rejuvenescem tradições e impe-
dem a sua completa absorção em instituições da modernidade. Nas pa-
12
As iniciativas chanceladas foram reconhecidas pela Prefeitura por meio de um documento oficial, valorizando
a importância da iniciativa na cena cultura urbana da cidade. A ideia seria também a de facilitar a inscrição dos
projetos “chancelados” em outros mecanismos de fomento da prefeitura.
13
Reportagem publicada em 30/05/2015, no Jornal O Globo. Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/o-
-mapa-da-cultura-carioca-feita-na-raca-16305108

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lavras de Milton Santos: “A partir dessas metamorfoses, pode-se pensar


na produção local de um entendimento progressivo do mundo e do lu-
gar, com a produção culturais, que são também territoriais”indígena de
imagens, discursos, filosofias junto à elaboração de um novo ethos e de
novas ideologias e novas crenças políticas, amparadas na ressurreição
da idéia e da prática da solidariedade (2000: 167 e 168).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão proposta nestre trabalho busca reconhecer o espaço urbano lócus privilegiado
de observação de dinâmicas e intervenções artísticas, culturais, estéticas e políticas e a cidade
produtora de processos culturais e comunicacionais plurais, tornando-se um lócus privilegiado
para as disputas simbólicas e para a construção de novos imaginários em contextos de afirmação
de identidades e diferenças.
Por meio de um panorama, da década de 90 até os tempos atuais, propomos tecer uma
reflexão sobre a potencialização de práticas artísticos-culturais periféricas da sociedade civil
no espaço urbano do Rio de Janeiro pelas políticas públicas de cultura dos séculos XX e XXI.
Nas interfaces das políticas públicas com a sociedade civil, das incorporações e das redefinições
conceituais acerca da centralidade da cultura e das novas dinâmicas e formas de organização
de grupos e práticas do campo da arte da cultura, buscou-se refletir de que forma tais práticas
engendram ressignificações no que tange ao simbólico, as sociabilidades e ao imaginário do
espaço urbano carioca, ao se ampliar o olhar para experiências, agenciamentos e linhas de fuga
que disputam uma agenda e um projeto político democratizante para a cidade na marca de suas
disputas, tensões e conflitos.
A partir da atuação de uma rede de atores e suas práticas artísticas e culturais periféricas
em meio a uma cidade-espetáculo em preparação para as Olimpíadas de 2016, observa-se no
espaço urbano uma efervescente cena que propõe outras narrativas e olhares para a cidade em
torno de uma disputa simbólica, política e cultural e apontando novos significados para as polí-
ticas públicas de cultura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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do favelado. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de
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BARBALHO, Alexandre e RUBIM, Antonio (orgs). Políticas culturais no Brasil. Salvador: EDUFBA,
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BARBERO, Jesús Martin. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 4.ed. Rio de
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BRASIL.MINC. 1a Conferência Nacional de Cultura 2005/2006: estado e sociedade: construindo
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_______. Programa Cultura Viva – Programa Nacional de Arte, Educação, Cidadania e EconomiaSolidária.
3. ed. Brasília, Ministério da Cultura, 2004. “Cultura na Raça”. Reportagem do Jornal O Globo, publicada
em 30/05/2015.
Entrevista com Binho Cultura, concedida para a autora, em 09/06/2015, na Vila Aliança, zona oeste do
Rio de Janeiro.
UNESCO, Declaração Universal da Unesco sobre a Diversidade Cultural. Unesco: Paris, 2001.

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PATRIMÔNIO PORTUÁRIO EM CIDADES TOMBADAS DO PARANÁ


E SANTA CATARINA: ENTRE A PRESERVAÇÃO E A PERDA
Juliana Regina Pereira1

RESUMO: O presente artigo propõe uma breve reflexão sobre preservação e requalificação do
patrimônio portuário em cidades históricas tombadas pelo IPHAN no litoral dos estados do Paraná
e Santa Catarina, com especial atenção ao caso do complexo das Indústrias Matarazzo junto ao
porto de Antonina-PR. Questões relacionadas ao tombamento do conjunto da cidade conduzem as
análises de especificidades no tratamento desta categoria de patrimônio a partir da percepção de
transformações da tecnologia e demais atividades predominantes em áreas portuárias, bem como
sua ação sobre o espaço simbólico. Por fim, o trabalho destaca a importância do diálogo entre
preservação e planejamento no sentido de (re)significar atribuições memoriais da cidade portuária.

PALAVRAS CHAVE: cidades tombadas, patrimônio portuário, indústria portuária, região Sul.

O presente trabalho é dedicado a uma breve análise sobre o lugar da cidade portuária em
relação à concepção moderna de cidade com ênfase nas especificidades que a caracterizam como
palco de interações e disputas culturais, tomando por objeto de análise o caso do complexo fabril
das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo em Antonina, pequena cidade portuária na costa
paranaense. Entendido como ruína moderna, o complexo se encontra em severas condições
de deterioração em razão do abandono desde o encerramento de suas atividades em 1972. Sua
propriedade é objeto de disputa entre os herdeiros da família Matarazzo, e os entraves judiciais
vieram a público em razão da conclusão do processo de tombamento federal do conjunto histó-
rico e paisagístico de Antonina, que abrange parte da área de construção da indústria e do porto.
O intenso fluxo de pessoas e mercadorias nas zonas portuárias, percebido como efeito
de lugar, imprime sua marca sobre a região do porto e a cidade contígua em aspectos diversos,
seja através do cosmopolitismo, característica indissociável de diversas cidades portuárias de
trânsito internacional, ou de um aspecto generalizado de degradação física e simbólica do espa-
ço portuário. Com relação à dimensão material, novas políticas para o desenvolvimento urbano,

1
Mestranda em História pelo PPGHIS da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: julianarpe-
reira@outlook.com.

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reutilização e preservação do patrimônio têm trazido à tona o porto como objeto de estudos, con-
forme se observa em diversos projetos de requalificação de centros históricos e waterfronts que
têm retomado importância de territórios portuários em localidades diversas na Europa e Amé-
rica. Diante deste contexto, colocam-se importantes questionamentos: Em que medida projetos
de intervenção que têm como objeto central o porto são capazes de trazer para um contexto de
desenvolvimento urbano atual a leitura das interações e processos que ali tomaram lugar ao lon-
go tempo? E de que maneira é possível ressignificar a relação dialógica entre o porto e a cidade
em seus aspectos de materialidade e simbologia memorial? Para pensar estar questões, propo-
mos traçar um breve retrospecto da formação econômica e urbana da baía de Antonina, uma vez
que o reconhecimento em esfera oficial do valor histórico e cultural desta cidade evidencia sua
demanda de integração entre o planejamento e urbano e propostas de preservação.
Uma das primeiras áreas exploradas economicamente pela coroa portuguesa na região
sul do Brasil, a baía de Antonina era tida como local estratégico para o controle da região,
e para a busca por índios e metais preciosos, em razão de sua extensa entrada para as terras
do continente. A ocupação de Paranaguá, bem como de suas localidades vizinhas, como An-
tonina, Morretes e Guaraqueçaba, impulsionada pela exploração do ouro no início do século
XVIII, passou por um processo de desaceleração quando das primeiras descobertas de jazidas
de minerais preciosos em Minas Gerais, fazendo com que as povoações instaladas no litoral
paranaense voltassem suas atividades produtivas da mineração para a subsistência. Em 1798,
Antonina é elevada à categoria de vila, e a reabertura dos portos brasileiros dez anos mais
tarde traz fôlego à atividade portuária da região cujo controle é disputado entre os portos de
Antonina e Paranaguá. Como consequência do acirramento desta disputa, o Caminho da Gra-
ciosa, via que liga o planalto paranaense ao litoral através da Serra do Mar, é reaberto para
facilitar o escoamento da produção agrícola, em especial de erva-mate, do interior do estado
para o litoral.
A partir do século XIX, com a industrialização do processo de beneficiamento da erva-
-mate, o crescimento do volume de exportações impulsiona um rápido desenvolvimento urbano,
observado na abertura de novas ruas, construção das igrejas de São Benedito e Bom Jesus do
Saivá, do trapiche, e do mercado de Antonina. Obras para tornar carroçável o Caminho da Gra-
ciosa e a construção da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá intensificaram, na segunda metade
do século XIX, a comunicação entre Antonina e as demais cidades do Paraná.
O ano de 1917 marcaria, então, o surgimento de um novo período de crescimento na
cidade. Em um vasto terreno junto ao atracadouro Itapema foi instalada primeira unidade para-
naense das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, dedicada a moagem de trigo, sal e açúcar.
O conjunto foi construído sob o padrão arquitetônico de inspiração manchesteriana característico

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de edifícios fabris das Indústrias Matarazzo2, cuja ornamentação é construída com ênfase em
elementos da estrutura, com uso decorativo de materiais e texturas dos tijolos cerâmicos e das
pedras de fecho, e destaque para as cintas entre os pavimentos e lanternins de motivo ornamental.
O complexo abarca além dos edifícios fabris, os casarões da administração, uma escola nomeada
em homenagem a seus fundadores, e uma vila operária formada por 50 casas de quatro peças per-
tencentes à empresa, onde os funcionários residiam sem custo. O moinho foi mantido em ativi-
dade pelas seis décadas seguintes, fornecendo farinha de trigo, sal e açúcar por via marítima para
diversas localidades do Brasil, e há indícios de que no terminal portuário3 da empresa se operava
também o despacho de cargas por contrato. A indústria, que contava com seu próprio terminal
portuário, foi, no entanto severamente afetada pelo assoreamento dos canais da baía, onde a falta
de investimentos de manutenção das áreas navegáveis, somada ao aumento do calado das embar-
cações, leva, a partir da década de 30, a atividade portuária de Antonina à decadência. Com sua
economia estagnada, a cidade viveu em 1972 o fim do funcionamento das Indústrias Matarazzo e
em 1976 a desativação definitiva do ramal ferroviário Morretes-Antonina.

Figura 1: Ruínas das Indústrias Matarazzo junto ao porto de Antonina-PR

Foto da autora
2
Sobre este tema ver: VICHNEWSKI, Henrique Telles. As Indústrias Matarazzo no Interior Paulista: Arquitetura
Fabril e Patrimônio Industrial (1920-1960). Dissertação (Mestrado História) – Universidade Estadual de Campi-
nas, Campinas, 2004.
3
Neste ponto, se faz imprescindível esclarecer que a função privada do terminal portuário (ou terminal de uso pri-
vativo – TUP) o diferencia da orientação de uso público do porto. Para fins de distinção, trataremos por ‘terminal
portuário’ o espaço circunscrito ao complexo industrial das IRFM.

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Oficializado em 2012, o tombamento federal do conjunto arquitetônico e paisagístico da


cidade de Antonina supõe que a evidenciação do valor patrimonial atribuído ao local histórico
esteja articulada à valorização dos laços identitários que o vinculam à cultura local. Todavia, suas
demandas de desenvolvimento urbano são vagas, senão inexistentes. Na leitura do Plano Diretor
de 1982, constante na documentação dos arquivos do IPHAN Paraná, poucas são as menções
à necessidade de se elaborar um planejamento de longo prazo para a revitalização das áreas do
porto, de modo que o estudo de meios de instrumentalização do próprio território como forma de
valorizar o desenvolvimento histórico do tecido urbano envoltório ao porto à fábrica permanece
em segundo plano se comparado ao enfoque que o estudo, encomendado pela superintendência
paranaense do IPHAN, confere a elementos pontuais da arquitetura histórica na cidade.
Embora os meios práticos para a preservação da área tombada ainda sejam incertos, a
extensão do tombamento compreende além do centro histórico da cidade, grande parte do com-
plexo edificado das Indústrias Matarazzo e do porto anexo, para o qual está prevista “a retomada
da atividade portuária, por meio de diretrizes para ocupação da área, desde que sejam preser-
vados e recuperados os imóveis remanescentes mais importantes individualizados no registro
do bem”4. Destacada no próprio texto em publicação do IPHAN, a postura de isolamento de
determinados pontos da arquitetura histórica falha ao preterir qualquer possibilidade de constru-
ção de leitura, apreensão ou percepção da paisagem edificada enquanto conjunto de operações
através do qual se desenvolvem ao longo do tempo as interações que dão à cidade sua forma e
identidade, códigos estes que direcionam a construção de um futuro conectado com sua história.
Enquanto representações materiais de proezas da tecnologia e pujança econômica, as es-
truturas portuárias abandonadas ou esvaziadas de função se vêem atribuídas de um valor de re-
memoração que não está vinculado a seu estado original, mas à representação do tempo decorrido
desde sua criação, denunciado pelas marcas da idade5. Tida corpo visível da degradação irrefreável
da obra do homem pelo tempo, a ruína se oferece na concepção de Riegl (1904) como chave para
trazer à consciência do espectador o contraste entre a grandeza do passado e o presente, exprimin-
do um remorso de natureza romântica de queda profunda, e nostalgia de um passado que sonharia
ser conservado6. Deste modo, as aspirações românticas associadas a esta leitura do monumento
em ruínas sugerem que a atribuição simbólica construída pela representação imagética da deca-
dência ocasionada pela ação do tempo atue dialogicamente com o esvaziamento do valor de uso,
possibilitando a um só tempo a construção de um novo sentido de existência ao monumento, e

4
IPHAN. Conselho Consultivo confirma tombamento do Centro histórico de Antonina, no Paraná. Brasília, 2012.
Disponível em <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=16419&sigla=Noticia&retorno=-
detalheNoticia>. Grifo nosso.
5
RIEGL, Aloïs. O Culto Moderno dos Monumentos: sua Essência e sua Gênese. Goiânia: Editora UCG, 2006.
pp.50
6
Idem, pp. 63

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constantemente ressignificando suas atribuições originais. Segundo esta nova forma de organi-
zação, o patrimônio se encontra associado tanto ao território quanto à memória, elementos estes
que atuam como vetores de uma construção identitária fortemente marcada pela obliteração, isto
é, da identidade em busca de si própria. No âmbito deste constante processo, “o patrimônio define
menos o que se possui, o que se tem e se circunscreve mais ao que somos, sem sabê-lo, ou mesmo
sem ter podido saber”7, atendendo à anamnese coletiva na forma de seu dever com a conservação,
a comemoração e a reabilitação da memória.
Entendido como objeto histórico, o lugar de memória encontra na leitura historicizada
a monumentalização do patrimônio, e de modo complementar, a categorização de suas tipolo-
gias evidencia a existência de uma rede articulada de identidades, momentos e locais diversos
que fazem parte de “uma organização insconsciente da memória coletiva que nos cabe tornar
consciente de si mesma”8. Assim, a abordagem proposta nas políticas federais de preservação
do patrimônio visa refletir por via da chamada Retórica da Perda, - segundo a qual instituições,
valores e vestígios associados a uma determinada identidade cultural têm como destino a perda,
compreendendo como efeito dessa visão um enquadramento mítico para o processo histórico
condicionado de modo absoluto à destruição e homogeneização do passado e das culturas9 - so-
bre a valorização da condição histórica da cidade como forma de oficializar ações de preserva-
ção por parte dos órgãos públicos e da sociedade civil “no sentido de tornar exemplar e digna de
ser conhecida as condições atuais das cidades tombadas e a história que cada uma abriga”10. Até
meados de 2015 figuravam dentre os conjuntos urbanos protegidos em esfera federal 77 cidades
históricas distribuídas por todo o território nacional, registradas com o intento de servir como
testemunho dos “processos de transformação do país, por meio da preservação de expressões
próprias de cada período histórico”11.

7
Idem.
8
NORA. Op. Cit. pp.27.
9
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio
de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996. pp. 22
10
IPHAN. Conjuntos Urbanos Tombados (cidades históricas). Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/
detalhes/123>.
11
Idem.

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Figura 2: Centro histórico de Laguna, cidade tombada no litoral sul do estado de Santa Catarina

Foto: Felippe Lopes

Faz-se necessário também compreender em que em contextos históricos e geográficos


diversos, as áreas portuárias representam espaço privilegiado de interações socioeconômicas,
desenvolvimento técnico e apropriações simbólicas que oferecem uma série de possibilidades
ao estudo do patrimônio industrial. Neste campo, o estudo das transformações nas áreas envoltó-
rias ao porto encontra respaldo nos movimentos políticos, econômicos e sociais que mantêm em
constante mudança as relações entre o porto e a cidade, as quais na dimensão material ganham
corpo visível através do traçado urbano da região portuária, vias e ferrovias para o escoamento
de cargas, técnicas construtivas e aspectos arquitetônicos dos edifícios, além de guindastes e
demais maquinarias empregadas no porto, elementos que se encontram indissociavelmente re-
lacionados aos usos, saberes e sociabilidades exercidas neste espaço.
Sob o sentido memorial, a simbologia pode também ser atribuída ao espaço do porto
através de representações iconográficas estruturadas em características
frequentemente identificadas a partir da paisagem construída no diálogo
com o mar, como que a demonstrar a conflitante relação entre interiori-
dade e exterioridade, identidade local e informação estrangeira, em ter-
ritórios tão fortemente marcados pelo portal simbólico para o que vem
de fora (RUFINONI, 2012, p.13)
Assim, em consonância com as transformações que se operam no espaço, a representa-
ção simbólica do porto também se preserva na forma de valores que consolidam um imaginário
da navegação fortemente ligado à expansão da indústria, à navegação a vapor, e ao trânsito
constante de mercadorias e pessoas nas cidades portuárias.

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O litoral sul do Brasil conta com cidades históricas tombadas em âmbito federal en-
quanto conjuntos arquitetônicos e artísticos nos quais se encontram preservadas “características
herdadas da riqueza histórica e diversidade cultural de seus fundadores e habitantes”12, ao que se
soma a presença de inúmeros sambaquis e sítios arqueológicos. Nos estados do Paraná e Santa
Catarina, os primeiros povoamentos surgiram principalmente em função da atividade minerado-
ra, de colônias de imigrantes, e a partir de fortificações erguidas no Brasil colonial como forma
evitar a entrada de espanhóis e franceses no litoral e suas fronteiras. Observa-se no Paraná, alem
do mencionado caso da cidade de Antonina, a organização de Paranáguá em torno da atividade
portuária, beneficiada pela proximidade em relação ao porto de Santos, ao passo que em Santa
Catarina, povoamentos estratégicos estabelecidos por navegadores europeus deram origem a
São Francisco do Sul, cidade histórica localizada em uma ilha na Baía da Babitonga, e que conta
até os dias de hoje com um porto de escoamento em atividade.

Figura 3: Centro histórico de São Francisco do Sul-SC, de onde se pode ver os guindastes do porto

Foto: IPHAN/SC

No entanto, o afastamento das atividades portuárias em relação aos centros urbanos re-
verbera invariavelmente no tecido urbano envoltório, e é possível compreender este fenômeno
como efeito provocado por um acelerado processo de obsolecência tecnológica. A partir do últi-

IPHAN. Conjuntos históricos tombados (cidades históricas): Sul. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/
12

pagina/detalhes/102>.

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mo quartel do século XX, na medida em que transformações nos padrões da logística portuária,
somados à modernização dos navios de carga, percebe-se com maior intensidade a limitação,
ou mesmo incapacidade, de dar continuidade às atividades produtivas em antigas instalações
portuárias. A este respeito, Del Rio (2001) afirma que
Por um lado, os modernos e gigantescos navios de carga, a conteine-
rização e a especialização do movimento portuário, as dificuldades de
acomodar as novas logísticas portuárias às limitadas instalações e espa-
ços das áreas centrais e a difícil acessibilidade dos meios de transportes
de apoio – rodovias e ferrovias – foram fatores fundamentais para seu
esvaziamento, em detrimento de novas instalações portuárias em grande
portos mais afastados, tecnológica e fisicamente preparados para os no-
vos tempos (DEL RIO, 2001)
A década de 1930 marcou a decadência defitiva do porto de Antonina, pois além dos ma-
ciços investimentos públicos no porto concorrente em Paranaguá, o assoreamento do fundo da
baía e o aumento do calado das novas embarcações tornava as antigas instalações antoninenses
inviáveis para utilização. No mesmo período houve grande queda das exportações de erva mate,
sobretudo para a Argentina, de modo que a queda nas exportações de madeira, ocorrida logo em
seguida, provocou o fechamento de diversas de empresas exportadoras que operavam na região,
o que levou a cidade a um novo período de estagnação econômica. Após décadas de decadência,
A inauguração da BR-277 em 1970 põe fim definitivo às atividades industriais na cidade, uma
vez que a até então utilizada estrada da Graciosa, íngreme e pavimentada em pedra, deixa de
ser atrativa ao transporte de cargas. Quado do fechamento do moinho das Indústrias Matarazzo,
em 1972, a falta de oferta de emprego levou muitos dos antigos operários e pequenos comércios
que atendiam à empresa a abandonar a cidade, deixando certo número de edificações do centro
da cidade abandonadas13.
Por fim, o ramal ferroviário que ligava o planalto a Antonina seria desativado em 1976.

IPHAN. Parecer técnico sobre o tombamento do conjunto histórico e Paisagístico de Antonina-PR. Curitiba,
13

2010.

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Figura 4: Centro histórico de Paranaguá-PR, núcleo do qual a atividade industrial portuária tem sido
paulatinamente deslocada

Foto: IPHAN/PR

Rufinoni (2012) entende que o fenômeno do esvaziamento provoca “a degradação fun-


cional não apenas dos portos propriamente ditos, mas também de grande parte dos tecidos
envoltórios”14, sendo as áreas contíguas à zona do porto em abandono também expostas ao pro-
cesso de deterioração pela ação do tempo. Neste sentido, elementos de infra-estrutura presentes
na malha urbana, tais como ferrovias e vias de acesso, podem dificultar a renovação de dinâmi-
cas de integração com o entorno em razão de sua caracterização fundiária, algo que faz destas
estruturas alvos preferenciais de especulação, além dos entraves impostos pela sobreposição da
administração do espaço em diferentes esferas tanto do poder público quanto do poder privado.
A preservação de edifícios históricos localizados em propriedades particulares é particularmente
complicada. Como exemplo disto temos o caso da inclusão de parte do terreno das Indústrias
Matarazzo ao tombamento de Antonina, em que a intenção se realizar qualquer intervenção no
sentido de preservar o referido patrimônio esbarra em querelas familiares sobre a propriedade
do terreno, o qual permanece inacessível aos órgãos de preservação.
Diante do labirinto de atribuições administrativas criado nas mencionadas esferas, cria-
-se, ao redor do porto e da renovação de seus usos e interações simbólicas no âmbito da cidade
portuária, uma arena na qual proliferam discussões e diferentes proposições no sentido de co-

14
RUFINONI, Op. Cit.

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ordenar renovação e preservação da memória e do patrimônio edificado. Abordando diferentes


possibilidades de reapropriação do espaço portuário, estas discussões têm ganhado terreno no
sentido de ressignificar atribuições econômicas, políticas e simbólicas destes territórios a partir
de propostas de intervenções modernizadoras que, em diferentes escalas, buscam possibilidades
de adaptação de antigos edifícios a novos usos, além da renovação da paisagem em cidades
portuárias. Embora sejam conhecidos projetos de grande envergadura, tais como em Baltimore,
nos Estados Unidos e Puerto Madero, na Argentina, no contexto brasileiro, são características
as dimensões pequenas das cidades históricas que ainda conservam patrimônio edificado de
natureza portuária, sendo igualmente reduzidas as possibilidades de financiamento de projetos
de reabilitação.
Neste sentido, a experiência oferecida pelo Programa Monumenta em São Francisco do
Sul, Santa Catarina, representa um importante esforço no sentido de estabelecer diálogo entre a
ideia de preservação da cidade como documento histórico e instrumentalização da cidade histó-
rica como espaço para a melhoria da qualidade de vida de sua população. O processo de renova-
ção do centro histórico da cidade realizado a partir de 2006, promoveu a restauração de diversos
edifícios históricos de valor arquitetônico nas proximidades de seu terminal marítimo, contri-
buindo para o reforço da atividade turística no local. Tendo em vista a diversidade de possíveis
intervenções, e as ainda mais variadas possibilidades de impacto a ser exercido sobre o tecido
urbano portuário, cabe questionar em que medida estas propostas de intervenção são capazes de
reconhecer no território portuário sua dimensão documental enquanto locus da história urbana.
De modo semelhante à cidade catarinense, nas cidade paranaense de Paranaguá, onde é mantido
em atividade o maior porto agroexportador do Brasil, intervenções de preservação são voltadas
especialmente para elementos pontuais da arquitetura urbana, o que promove um afastamento
simbólico dos elementos de natureza portuária da paisagem cultural da cidade. Em nenhum dos
mencionados casos há edifícios industriais localizados na zona de tombamento, o que faz do
tombamento das Indústrias Matarazzo em Antonina caso sem paralelo nos estados da região Sul.
No âmbito dos projetos, embora possam ser medidos retornos econômicos positivos a
partir da atribuição de novos usos comerciais, atividades culturais e turísticas nas cidades por-
tuárias de São Francisco do Sul, Paranaguá e de certo modo até Antonina, a preservação da
identidade histórica circunscrita ao espaço do porto, ainda representa um desafio à integração
entre as áreas modificadas e suas regiões envoltórias na medida em que intervenções de preser-
vação transcendem à reabilitação física, atingindo também o espaço simbólico da cidade. Neste
sentido, quando há degradação material do espaço físico, também o espaço social submetido
ao processo de degradação, e se torna, ele mesmo, arena na qual usos e atribuições simbólicas
podem ser ou não reconstruídas e ressignificadas de acordo com a conveniência da reabilitação
do espaço físico.

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De maneira geral, pensar os processos de transformação em áreas portuárias e a inope-


rância de projetos de intervenção que integrem as zonas portuárias aos centros históricos dos
conjuntos urbanos tombados nos estados do Paraná e Santa Catarina nos motiva a refletir sobre a
natureza dos valores simbólicos atribuídos às áreas dos portos, e em que medida existe o desejo
de se incorporar aspectos relacionados à indústria portuária à identidade histórica construída no
esteio da reabilitação destas cidades históricas. Assim, neste palco privilegiado de interações
sobre o tempo da tecnologia e do crescimento acelerado das demandas de produtividade, a deca-
dência de estruturas e edificações funcionais passa a oferecer um vislumbre de interações sociais
e padrões de ocupação do espaço que que se choca com a percepção moderna de uso. Enquanto
lugar de significados em constante desconstrução e reconstrução, o espaço do patrimônio por-
tuário é constituído elementos que, desagregados pela ação do tempo, persistem na forma de
fragmentos materiais e simbólicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, Pierre. Efeitos de Lugar. In: A Miséria do Mundo. Petrópolis: Editora Vozes, 1997. pp.
159-166.
DEL RIO, Vicente. Voltando às origens. A revitalização de áreas portuárias nos centros urbanos.
Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 015.06, Vitruvius, ago. 2001.
_____. Conjuntos históricos tombados (cidades históricas): Sul. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.
br/pagina/detalhes/102>.
_____. Conselho Consultivo confirma tombamento do Centro histórico de Antonina, no Paraná.
Brasília, 2012. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarD etalheConteudo.
doid=16419&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia>.
IPHAN. Parecer técnico sobre o tombamento do conjunto histórico e Paisagístico de Antonina-PR.
Curitiba, 2010.
MENEGUELLO, Cristina. Da Ruína ao Edifício: Neogótico, reinterpretação e preservação do passado
na Inglaterra vitoriana. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.
MONIÉ, Ferédéric. VASCONCELOS, Flavia Nico. Evolução das relações entre cidades e portos: entre
lógicas homogeneizantes e dinâmicas de diferenciação. Confins Revue franco-brésilienne de géographie
vol.15, 2012.
MORSE, Richard. As “cidades periféricas” como arenas culturais: Rússia, Áustria, América Latina.
Estudos Históricos, vol. 8, no. 16, 1995, pp.205-225. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/
index.php/reh/article/view/2004/0>.
RIEGL, Aloïs. O Culto Moderno dos Monumentos: sua Essência e sua Gênese. Goiânia: Editora UCG,
2006.

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RUFINONI, Manoela Rossinetti. Territórios portuários, documentos de história urbana: as intervenções


no porto de Gênova e os desafios da preservação. Cidades, Comunidades e Territórios (Dec/2012), pp.
12-24.

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UM MUSEU NA CONTEMPORANEIDADE: O CASO DO MUSEU DAS COISAS


BANAIS NO INSTAGRAM
Juliane Conceição Primon Serres1
Ana Ramos Rodrigues2
Rafael Teixeira Chaves3

RESUMO: Neste artigo apresentaremos o estudo que está sendo desenvolvido através do
aplicativo instagram do Museu das Coisas Banais (MCB). O MCB é um museu virtual e
contemporâneo que utiliza o ciberespaço para coleta e exposição de objetos pessoais. Além
do website, os objetos são apresentados por meio de outras ferramentas digitais. Recentemente
foi incorporado o instagram às ferramentas utilizadas pelo MCB para expor as peças do
acervo virtual. O uso desta ferramenta possibilitou outros tipos de abordagens indo além de
ser meramente um dispositivo de comunicação. Assim, o MCB tem a missão de preservar e
compartilhar memórias de objetos tidos como banais através da rede, atuando como suporte de
compartilhamento informacional e de comunicação museológica.

PALAVRAS-CHAVE: museu virtual – objetos banais – instagram

1. INTRODUÇÃO
O Museu das Coisas Banais (MCB) é um museu virtual, ou seja, existe apenas no cibe-
respaço, está voltado para a preservação e o compartilhamento de memórias e para a reflexão
sobre a cultura material do tempo presente. Criado em 2014 o MCB é um projeto de pesquisa
vinculado ao Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A
proposta deste projeto é trazer para o mundo virtual objetos do cotidiano com as suas histórias,
visando uma aproximação do museu com seu público.
O acervo do Museu é constituído de forma participativa, os usuários enviam as fotografias
de seus objetos juntamente com suas narrativas, assim compartilham memórias pessoais, afeti-
vas, que ao entrar no espaço público (acervo), se tornam compartilhadas. Conforme Federico

1
Professora do Curso de Museologia e do Programa de Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade
Federal de Pelotas. E-mail: julianeserres@gmail.com.
2
Doutoranda em Políticas Públicas (UFRGS). Professora substituta do Curso de Museologia do Departamento de
Ciências da Informação da UFRGS. E-mail: ana.rodrigues@ufrgs.br
3
Graduando em Museologia Universidade Federal De Pelotas. E-mail:rafateixeirachaves@gmail.com

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Caselegno (2006, p.19), a memória coletiva toma forma quando toda coletividade pode acessá-la
e nutri-la, por que são os indivíduos que participam de sua criação.
A sistemática da passagem dessa memória pessoal para o espaço público ocorre quando
os usuários “doam” um objeto pessoal, que passa a integrar ao acervo do Museu a partir do
preenchimento da ficha disponível no site do MCB - <https://wp.ufpel.edu.br/museudascoisas-
banais/envie-seu-objeto.
Portanto, todo o processo museológico do MCB ocorre no ciberespaço, da coleta à expo-
sição de acervos. A proposta desse artigo é apresentar um estudo de caso, o da mídia de interação
social Instagram que, se configura como uma ferramenta de compartilhamento de informações
multimídias, principalmente no formato de fotos e vídeos, bastante utilizada pelo Museu.
O Instagram do MCB vem demonstrando que pode ser um instrumento de análise mu-
seológica, possibilitando atividades como estudo de público a partir da interatividade com o
usuário, neste caso, chamado de seguidor. Um exemplo desta relação acontece quando, através
da postagem da logomarca do Museu, procura-se saber como os seguidores a avaliam e como
aquela imagem identifica e define o Museu. Nessa pesquisa realizada, os usuários relacionaram
a imagem do guarda-chuva com proteção, a associação foi de que o Museu preserva objetos e
os “protege”.

Figura 1: Logomarca do Museu

Fonte: museudascoisasbanais.com.br

A ferramenta, que vem sendo utilizada não só como meio de comunicação, mas como
uma plataforma museológica, vem permitindo a aproximação com os usuários e a elaboração
de uma espécie de curadoria, onde os usuários participam da organização do acervo, através da
criação de um banco de dados on-line para que o próprio usuário cadastre seu objeto/memória
que será compartilhado no aplicativo, desta forma cria-se uma sistematização das informações
levantadas além da disponibilização destas ao longo do tempo.

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2. POTENCIALIDADES DAS REDES SOCIAIS


Em um primeiro momento é possível aferir que o uso das redes sociais de compartilha-
mento de memórias em um Museu virtual pode ser uma ferramenta de coleta, interatividade, e
comunicação, criando condições para um diálogo mais próximo com o público. Neste caso, tra-
balha-se com representações dos atores sociais, ou com construções indenitárias do ciberespaço
(RECUERO, 2009. p 25).
No caso do MCB um outro tipo de interação possibilitado pela rede relaciona-se direta-
mente com o acervo. Os objetos são representados através das fotografias, sendo que cada uma
traz consigo uma memória pessoal expressa em uma narrativa particular, apesar dessa singu-
laridade, essas lembranças muitas vezes tornam se comuns entre os usuários que também tem
memórias associadas ao mesmo tipo de objeto. Essa identificação possibilita uma troca entre os
usuários, desta forma tornando este processo de objeto-recordação dinâmico e multidirecional.

Figura 2: Acervo do MCB

Fonte:https://www.facebook.com/media/set/?set=a.570766153054445.1073741831.509757732488621&type=3

Os objetos que antes desempenhavam um valor afetivo particular para um indivíduo,


ganham um novo status. A relação deixa de ser pessoal e, através da mediação e interação ocor-
ridas na utilização do Instagram, percebe-se que um determinado objeto desperta a memória de
outros seguidores. O uso do Instagram, como uma ferramenta de interação nas redes sociais tem
demonstrado ser um aliado dinâmico e contemporâneo aos processos museológicos, permitindo
a reflexão sobre os objetos e memórias a eles associadas.
O Instagram também tem se mostrado um importante recurso para divulgar o Museu,
conforme demonstram os registros de entrada de acervo. Cada usuário, quando vai registrar seu
objeto no site do Museu, indica como tomou conhecimento da existência do MCB. Ao preen-
cher a ficha, 90% dos usuários dizem que conheceram o MCB através do Instagram, ou seja, a
ferramenta possibilita atingir de forma expressiva o público do Museu.

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Figura 3: Ficha de registro de acervos

Fonte: http://wp.ufpel.edu.br/museudascoisasbanais/envie-seu-objeto/

Os museus de modo geral cada vez mais utilizam esses espaços virtuais como meios
de divulgação e em alguns casos, como o aqui descrito, também como meio de interação com
o público e dinamizador do próprio acervo. A internet possibilita uma aproximação do público
com os museus e permite uma grande interatividade, não apenas entre público e museu, mas, no
caso do MCB, entre os próprios usuários.
A partir de um recurso desenvolvido para o Instagram do MCB também tornou-se pos-
sível conhecer um pouco dos seguidores ou, se preferirmos, público do Museu. 4 O recurso per-
mite conhecer em tempo real as pessoas que visualizam a página do MCB através de seus logins
e localiza-las no mapa, conforme indicado na figura a seguir.

Figura 4: Mapa dos seguidores do MCB

Fonte: http://museudascoisasbanais.com.br/instagram/mapa/

Ferramenta desenvolvida por Luan Einhardt, acadêmico de Ciências da Computação da UFPEL e colaborador do
4

MCB.

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O mapa permite concluir que o público do MCB conecta-se de todo o país e visita ao
Museu a qualquer hora, outra grande possibilidade da rede: um museu que não fecha.
Para sabermos o alcance do Museu no Instagram, também está em curso uma pesquisa,
através de dois questionários online. Para pesquisa de opinião: o primeiro está relacionado ao
que os estudantes de Museologia do Brasil acham de um museu no Instagram?”5 O segundo,
formulário condiz com uma pesquisa de opinião direcionada aos profissionais de Museus, Redes
Sociais, Comunicação, para saber como percebem o uso do Instagram pelo Museu.6
Foram desenvolvidos questionários onde os entrevistados são profissionais, estudantes e
os usuários do Instagram que são seguidores do MCB somando 611 entrevistados. O Instagram
do MCB vem demonstrando que o público pode interagir com as práticas da instituição, utili-
zando as ferramentas disponíveis no aplicativo, como curtir, comentar, compartilhar. Também
possibilita o contato direto com o museu através de mensagens, sendo elas privadas ou não,
desta forma possibilita ao usuário a criação de uma curadoria própria e compartilhada com os
demais indivíduos que ali interagem. Esse tipo de abordagem mostra que o Instagram vai além
de uma rede de compartilhamentos e se torna uma ferramenta de comunicação museológica.
Através do material coletado podemos afirmar que o MCB apresenta mais de 5 mil se-
guidores no Instagram. A partir disto, apontamos que 90% consideram os usuários do Instagram
do MCB, como visitantes do Museu. O Instagram possui duas opções de interação: curtidas e
comentários, o qual já ultrapassou 41 mil curtidas e 13 mil comentários. Através do aplicativo o
Museu está recebendo acervo, a doação é concluída somente após o preenchimento da ficha de
inventário online, que pode ser preenchida pelo celular. Isto seria um novo mecanismo de cria-
ção de coleção? A pesquisa aponta que 95% consideram um mecanismo contemporâneo de cria-
ção de coleções. Uma outra questão foi colocada, se os usuários consideram acervo, os álbuns e
as coleções de texto e imagens da sua rede social. A pesquisa indica que 80% consideram acervo
suas postagens nas redes sociais. Como os seguidores são de diversos lugares e através de uma
postagem interagem com os outros usuários, a pesquisa também aponta que 70% dos usuários
consideram a Instagram do Museu uma comunidade. E para finalizar perguntou-se aos usuários
se eles consideram um Museu no Instagram como um museu, 99% consideram que sim.
A pesquisa intencionou conhecer a percepção dos usuários sobre o uso da ferramenta, além
de permitir uma comunicação mais dirigida e explorar as potencialidades do uso do Instagram.

5
Disponível em: <https://docs.google.com/forms/d/1kzv3nxeQBCrWw10eePxJiZvgSBzDufwGHu_Tub0uN94/
edit?c=0&w=1&edit_requested=true&pli=1> Acesso em 02\02\2015
6
Disponível em: <https://docs.google.com/forms/d/1IRuyRWHQpdxV9BXZr8-hpxDgHPtmwcnMohw-
M9UEWX3Q/viewform?c=0&w=1&edit_requested=true> Acesso em 02\02\2015

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3. UM EXPERIMENTO DE PARTICIPAÇÃO
Apresentamos aqui uma proposta desenvolvida no Instagram, inspirada no trabalho de
pesquisa do Octave Debary, Howard Becker e Philippe Gabel (2011), no qual eles convidavam
pessoas para inventarem uma história a partir de objetos encontrados nos Marché aux Puces da
França. A proposta desenvolvida pelo MCB consiste na mesma sistemática apresentada pelos
autores, porém, através do Instagram.
Na cidade de Pelotas no Rio Grande do Sul, semanalmente, aos sábados, ocorre uma fei-
ra, no modelo de Mercado das Pulgas. Os expositores do Mercado foram convidados a escolher
um objeto que encontra-se a venda ou exposição e contar sua história, supostamente real. Com
essas informações e imagem, é postada no Instagram a seguinte chamada: Vamos Brincar? A
partir da história inicial do expositor, cada usuário realiza a continuidade da história e produzem
novos relatos, demonstrando as possibilidades de narrativas dos objetos, as polifonias possíveis.
A seguir apresentamos um estudo de caso: uma xícara e suas narrativas verdadeira e ficcionais.
História narrada pelo expositor:
Estas duas xícaras de chá, elas foram de uma senhora que veio da Es-
panha morar aqui no Brasil. Ficou viúva aos 24 anos, quando ela ficou
mais velha adoeceu e eu fui cuidar dela. Quando ela faleceu fui cuidar
do genro dela e com a morte do genro, eu fui cuidar da filha dela então
eu fiquei na família quase 20 anos, então quando ela faleceu me deram
vários objetos onde eu guardo até hoje com muito carinho estas xícaras
de chá, e por que com muito carinho? Por que nestas xícaras nos tomá-
vamos chá quando eu chegava para cuidar dela, chá com bolachas [...]

Figura 5: Proposta do MCB no Instagram:

Fonte: https://www.instagram.com/p/BA5ePgqMAlW/?taken-by=museudascoisasbanais

Os usurários realizam a continuidade desta história a partir do relato inicial:

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• emiliamatiaslima ... na casa havia um belo jardim interno e nós sentávamos em


uma varanda para conversar. Ela contava histórias de sua família e do povoado na
Espanha. Como sabia que eu gostava de poesia, ela declamava poemas diversos. Não
esqueço quando a ouvi dizer, de Florbela Espanca: “ É pensando nos homens que eu
perdoo aos tigres as garras que dilaceram.”...
• rosangela.oliveira82 ... estas duas xícaras que se enchiam de chá, hoje se enchem de
saudades das estórias da Espanha, das bolachas, dos contos ilimitados de uma vida
preenchida de amor e humildade de uma Senhora que dedicou mais de 20 anos da
sua vida a uma família. Entretanto, até os dias de hoje estas duas xícaras contam as
estórias das estórias de uma vida....
• tchellonamaste... de uma vida misteriosa, com aroma de mistérios... uma vida dupla,
assim como as duas xícaras, era a representação daquela história de uma senhora que
talvez fosse sozinha, mas nunca solitária... ela tinha um hábito incomum de...
• melzinhareggaehotmailcom... de todo fim de tarde servir chás as suas visitas, reu-
niões na sua casa era de lei. Era chás quentinhos e gelados tudo que é sabor, risadas
pra todo lado...
• joabegarozi ... porque a vida tinha dessas artes. Uma hora era solidão e vazio no
corredor; outra hora risadas e olhares brilhantes que enchiam o vazio de felicidade.
Maria sabia que o amor não era feito pra todos. Mas a solidão, ah! Essa era feita!
• lucianabiffi ... imersa na dualidade de amar e não ser correspondida, Maria decidiu
mudar a rotina! Hoje não tomaria chá, e sim café! Num lugar onde nunca tinha ido
antes, para esperar as brincadeiras que o destino reservava para ela, que ela chama
de acaso.
• joabegarozi ... sentou-se numa das mesas vazias do lugar. Olhou além das demais
mesas e pode ver o sol se escondendo no horizonte. Lembrou-se que não se lembrava
mais de como era o por do sol. Pediu o café e aos poucos as mesas iam ficando ocupa-
das. Mas talvez imersa no jogo de luzes que o sol projetava no céu, Maria não se dava
conta da movimentação e menos ainda que na mesa ao lado alguém lhe dirigia olhares.
A poética envolvida nas narrativas, as lembranças inventadas, a polifonia das coisas, o
poder de evocação dos objetos, todos esses mecanismos são despertados através de sua exposi-
ção no Instagram do MCB. Octave Debary et all. (2010), afirma que história museal e patrimo-
nial repousa sobre essa mesma lógica de revalorização dos “restos da história”:
As dinâmicas patrimoniais que emergem em decorrência de situações
de ruptura histórica se fazem acompanhar, com frequência, de uma po-
lítica de conservação daquilo que desaparece, ainda sim conclui que a
segunda-mão designa tanto um objeto do passado quanto um momento
presente. O valor espectral do objeto me reporta ao que sou ou ao que

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não sou mais. O que não sou mais senão através de um objeto, que se
transformou em resto e que se contrapõe ao desaparecimento a ao es-
quecimento, tornando assim presente o que é ausente. Como denominar
esse poder de ressureição? Uma lembrança. Lembrança que se vai bus-
car, remexer e fazer sair da memória de um sótão como naquele de um
museu etnográfico. Uma lembrança retomada pelos outros e que existe
por si. (DEBARY, 2010).
Segundo Francisco Ramos (2004, p.32) os objetos são “geradores” motivando a reflexão
sobre a relação entre o sujeito e objeto; por isso é importante perceber a vida dos objeto, enten-
der e sentir que os objetos expressam traços culturais, que os objetos são criadores e criaturas
do ser humano.
Assim, os objetos tornam-se grandes propulsores de discursos sociais, evocadores de
memórias, sobretudos esses objetos carregados de afetos que, guardados pelas pessoas, transmi-
tidos, colocados em museus, são repositórios de afetos.
Conforme Debary (2010), os objetos têm mais sorte do que nós, retirados de um sótão,
de um porão, até mesmo de um descarte, podem ser expostos em um grande dia no qual se bene-
ficiam do sol, do vento, da chuva. Quem dentre nós poderá dizer ter tido uma segunda existência
senão o Cristo e mesmo para ele, essa segunda vida foi bastante breve.

4. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Segundo Pierre Lévy, O mundo humano é ‘virtual’ desde a origem, bem antes das tecno-
logias digitais, porque ele contém em toda parte sementes de futuro, possibilidades inexplora-
das, formas por nascer que nossa atenção, nossos pensamentos, nossas percepções, nossos atos
e nossas invenções não deixam de atualizar. (2001, p. 137).
Virtualmente um museu no ciberespaço apresenta infinitas possibilidades. O MCB vem
trabalhando alguns recursos que potencializam um caráter participativo dos usuários, essas tec-
nologias aplicadas à museologia permitem uma grande interatividade entre público-museu, pú-
blico-acervo e público-público. Porém, mesmo que os usuários potencialmente sejam bilhões, é
preciso, como em um museu físico, conhecer o público do MCB, quem acessa, de onde acessa,
como interage com o Museu. Esse público visitante é potencialmente doador de acervos ao
MCB, ou seja, a existência e permanência do Museu depende de seus usuários. Assim, para um
museu virtual ou no ciberespaço, como deveria ser para um museu físico, a comunicação justifi-
ca a existência da Instituição. Um museu que não comunica não é museu, as ferramentas da rede
permitem ampliar, virtualmente, ao globo o acesso ao Museu. O Instagram vem se mostrando
uma ferramenta muito importante nesse sentido.
As pessoas são o que elas dizem e narram sobre si, suas memórias. O Museu preserva a
memória por intermédio de vestígios (aparentemente banais) de nossa existência; vestígios esses

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que servem de pretexto para falarmos sobre quem nós somos, ou gostaríamos de ser. O MCB
salvaguarda, nesse sentido, aquilo que é mais pujante nos objetos: o metafísico, o sentimento,
o sensível, enfim, tudo aquilo que se refere ao nosso patrimônio afetivo. Em uma época em que
tudo evolui muito rápido e o descarte de objetos, modas, tendências, estilos e tantas outras coisas
acontece de forma quase avassaladora, preservar o banal prova que nem tudo é tão descartável
assim, ao menos para algumas pessoas. O MCB preserva, com a ajuda da tecnologia, as histórias
e memórias das pessoas, por meio de seus objetos.

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contribuir para a viralização de campanhas: um estudo de caso sobre a campanha #SomosTodosMaca-
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SCHEINER, Teresa Cristina. Apolo e Dioniso no templo das musas. Museu – Gênese, ideia e representações
na cultura ocidental. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura,
Universidade Federal do Estado do Rio e Janeiro – UFRJ. Rio de Janeiro, Brasil, 1998.

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PARTICIPAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO: OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO


DO SISTEMA ESTADUAL DE CULTURA DO RJ
Juliano Borges1
Simone Amorim2

RESUMO: Partindo de uma reflexão sobre aspectos do processo de institucionalização de


políticas participativas no contexto da gestão pública da cultura fluminense, o artigo analisa a
criação do Sistema Estadual de Cultura do RJ, destacando paradoxos da implantação de políticas
participativas face aos limites da ação do poder público e da sociedade civil, em um Estado
historicamente caracterizado por ausência de políticas ou por uma atuação de matiz liberal. A
análise foi construída a partir de um duplo local de fala, já que os autores foram coordenadores
técnicos do Plano Estadual e dos Planos Setoriais de Cultura, e são também pesquisadores do
tema. Com o intuito de entender e dimensionar as dificuldades e os avanços obtidos, as reflexões
propõem uma análise que pretende contribuir para o entendimento dos processos aqui descritos.

PALAVRAS-CHAVE: Política Cultural, Instituições Públicas, Rio de Janeiro.

Desde a última década uma série de novos mecanismos institucionais vem sendo criados
e implementados pelos órgãos públicos de gestão de cultura no Brasil, com o intuito de incorpo-
rarem o planejamento e a cultura participativa como políticas de Estado. Visões críticas (CALA-
BRE, 2009, RUBIM, 2008, BOTELHO, 2001) analisam essa nova postura, protagonizada pelos
órgãos da gestão pública, como a possibilidade de ruptura do histórico de descontinuidades e
autoritarismos que desde o período inaugural, na década de 1930, caracterizam as políticas cul-
turais brasileiras.
De fato, desde a realização da I Conferência Nacional de Cultura, em 2005, um diálogo
cada vez mais frequente tem aproximado os governos federal, estaduais e locais de produtores,
gestores, artistas e pesquisadores do campo cultural, via novas formas institucionais estimu-
ladas e implementadas em parte considerável das regiões brasileiras. Sob o guarda-chuva da
articulação e costura de um Sistema Nacional de Cultura, políticas de financiamento, gestão de

1
Juliano Borges é doutor em Ciência Política (IUPERJ) e professor adjunto do curso de Comunicação Social do
IBMEC, julianoborges@gmail.com
2
Simone Amorim é Gestora Cultural, Doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ), http://
www.cultura.rj.gov.br/apresentacao-projeto/plano-estadual-de-cultura

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equipamentos, de ampliação da participação popular na definição da agenda do setor, entre uma


série de outras iniciativas; têm possibilitado a criação e o fortalecimento de espaços deliberati-
vos mais plurais, como Conselhos paritários entre o poder público e a sociedade, a realização
(inédita até 2005) de Conferências de políticas, um debate sobre os Fundos de cultura, além da
criação de Planos decenais; que permitem a negociação das prioridades no investimento dos
recursos públicos, de modo que políticas de gabinete, pensadas “para” e não “com” a população
possam gradualmente deixar de ser a característica da pasta.
No estado do RJ, esse movimento teve início em fins de 2009, quando pela primeira vez
o órgão gestor de cultura fluminense (SEC-RJ) propôs a construção de uma política participati-
va, de longo prazo – por meio de um plano decenal, sujeita a revisões periódicas, não restrita à
classe artística, junto aos 92 municípios do estado. O desenvolvimento de um Sistema Estadual
de Cultura foi iniciado com um entusiasmado chamamento à participação social pela própria
secretária de Estado de Cultura:
A SEC propõe também a criação do Sistema Estadual de Cultura (...)
que pode ser entendido como um novo modelo de gestão de políticas pú-
blicas para a cultura, e que possibilitará à sociedade participar da elabo-
ração, do acompanhamento e da avaliação dessas políticas. A sociedade
civil, que produz nossa cultura, está, desde já, convidada a participar da
consulta pública do Plano Estadual de Cultura. Sua contribuição fun-
damental irá enriquecer e legitimar ainda mais esse processo. Espera-
mos, assim, consolidar os instrumentos que respondam aos desafios da
cultura na atualidade e contribuam para o amadurecimento de um novo
paradigma da gestão da cultura no estado do Rio de Janeiro. 3
Desde então essa dinâmica sofreu avanços importantes, naquele que vem a ser um dos
principais efeitos desse movimento; qual seja ampliar, de fato, o número de interlocutores e
segmentos representados, bem como a quantidade de canais de comunicação entre as partes
interessadas nas políticas públicas de cultura, arejando e democratizando a gestão pública. A
produção de um amplo diagnóstico da cultura fluminense foi o ponto de partida desse trabalho,
que adotou desde o início uma metodologia participativa. Ao todo foram quatro anos de mobili-
zação regional, em parceria com poderes públicos municipais, com a realização de reuniões, se-
minários, conferências4, audiências públicas, encontros com as comunidades para levantamento
de diagnósticos5 da área em níveis local e regional, com retorno ao campo para ratificação das

3
“Um Plano para nossa cultura”, Adriana Scorzelli Rattes, secretária de Estado de Cultura (2008-2014). http://
www.cultura.rj.gov.br/apresentacao-projeto/plano-estadual-de-cultura Acesso em 15/01/2016.
4
Conferências estaduais de cultura In: http://www.cultura.rj.gov.br/projeto/conferencias-estaduais-de-cultura
Acesso em 15/01/2016.
5
Diagnósticos regionais In: http://www.cultura.rj.gov.br/downloads-projeto/plano-estadual-de-cultura acesso em
15/01/2016

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informações coletadas; para que a gestão estadual, por fim, tivesse a dimensão dos desafios do
campo cultural, para além da capital e da região metropolitana, histórica e geograficamente mais
próximas da gestão da SEC-RJ.
Esse processo, depois de uma ampla consulta pública (online e presencial), que envolveu
a visita da SEC-RJ a todos os 92 municípios fluminenses, oito conferências regionais pelo esta-
do e o envolvimento de mais de cinco mil participantes, acabou por consolidar a articulação que
culminou com a criação do Sistema Estadual de Cultura do RJ, sancionado pelo governador do
estado após votação favorável da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ),
por meio da Lei 7.035 de 7 de julho de 2015.
Contudo, a despeito de um inédito empenho de mobilização para a participação social e
da qualidade dos documentos aprovados, o processo foi marcado também por desencontros que
podem ser reconhecidos no debate teórico de tipo neoinstitucionalista, responsável por compre-
ender como a sociedade civil em sua atuação no interior das instituições do Estado pode contri-
buir para o aprimoramento do regime democrático.
É sobre as contradições geradas por essas novas institucionalidades, que passam a con-
viver entre velhas estruturas, que esse artigo pretende refletir. Sem esgotar o tema, porém regis-
trando etapas importantes de um processo ainda em consolidação no estado do Rio de Janeiro.
Um debate, portanto, revestido de relevância e atualidade.

1. PARADOXOS DA PARTICIPAÇÃO, LIMITES DA AÇÃO POLÍTICA


Respondendo aos compromissos assumidos pelo novo governo eleito em 2002, o Mi-
nistério da Cultura (MinC) se destacou ao conseguir aumentar os níveis de transparência e de
participação da sociedade na construção de suas políticas. Induzidos politicamente pelo MinC
e seduzidos pela possibilidade de parcerias de financiamento com o governo federal, diversos
estados e municípios brasileiros assumiram também o compromisso de incorporar as represadas
demandas por mais participação social, que se acumulavam desde o final da ditadura militar, na
formulação de políticas de cultura, em particular na construção de mecanismos institucionais de
organização de longo prazo; de representação política; e de financiamento da área.
O processo de redemocratização de cunho neoliberal no Brasil evidenciou, sobretudo
nos anos 1990, um conflito entre forças emergentes de mercado e uma incipiente sociedade
civil. O primeiro, produzindo desigualdades econômicas a instaurar formas diferenciadas de
participação. Se o regime democrático pôde garantir uma igualdade formal a priori, a atuação
autônoma do mercado gerou desigualdades substantivas, instaurando um paradoxo no sistema:
aqueles que mais necessitam participar são, justamente, os que menos recursos possuem (instru-
ção, capacidade de mobilização, recursos econômicos). O móvel da participação é uma exclusão
anterior, mas, sem canais de vocalização suficientes e eficientes, não há veículos que possam

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viabilizá-la. Esse paradoxo é particularmente acentuado na área cultural brasileira, marcada por
forte assimetria política entre os setores artístico-culturais; um histórico de omissão do poder
público, ausência de políticas culturais e alta precariedade administrativa e institucional.
Jean Cohen e Andrew Arato oferecem uma visão otimista da sociedade civil frente ao
Estado (COHEN e ARATO, 1992). Nela, as demandas são sempre superiores às instituições,
mas as ações da sociedade civil interagem com seus movimentos interiores. Dessa forma, o for-
talecimento da sociedade civil estruturaria novos níveis de pluralismo e ampliaria as demandas
sociais existentes, em um fluxo constante de aprimoramento das condições dentro de um sistema
democrático, expandindo como conseqüência o raio de atuação das instituições públicas. Há,
portanto, no confronto com as limitações dos regimes democráticos, uma dependência incontor-
nável da política na ideia de organização da sociedade civil, definida como locus de experimen-
tação social para o desenvolvimento de novos tipos de solidariedade e de relações de cooperação
e de trabalho por meio de associações transclassistas (Idem, p.38). Nessa dinâmica, as organi-
zações culturais desempenham papel especial, uma vez que “contribuem para uma consciência
de cidadania e seu desenvolvimento amplia o espaço da cultura como elemento importante na
construção ativa e consciente na solução de seus problemas” (CARVALHO, 2009, p.20).
A sociedade civil encontra limitações externas impostas pelas instituições vigentes, tor-
nando-se essa sua razão de ser; superá-las. Seu problema é que, estando ela própria inserida
em um quadro institucional, as transformações formuladas no seio da sociedade civil freqüen-
temente constituem-se como balizamentos colocados pelas instituições, gerando, em muitos
casos, uma mera reprodução daquele quadro institucional. O associativismo, em sua dinâmica,
acaba muitas vezes por reproduzir práticas políticas que desejava corrigir, estabelecendo novos
fracionalismos, relações verticalizadas e disputas intergrupos por recursos, no âmbito estatal.
Preocupada com a insuficiência da teoria democrática tradicional em oferecer um mo-
delo político capaz de estimular a cooperação e a igualdade social, pela ênfase que confere às
liberdades individuais, Carol Gould ressaltará a necessidade de encontrar formatos institucio-
nais capazes de proteger e de ouvir os interesses de minorias (GOULD, 1988). Suas premissas
baseiam-se na concepção de política como processo, isto é, à parte da estática institucional e
através de uma dinâmica de interação, os indivíduos tendem a aprimorar seu comportamento
político porque dotados de opções de refúgio no processo de interação e aprendizado políticos
da sociedade civil. Se obrigatória a democratização das instituições, através de relações mais
equânimes entre os indivíduos, está claro que essas mesmas instituições têm também o poder de
conformá-los. O caso brasileiro é exemplar nesse sentido, em que as instituições são marcadas
por ações verticalizadas, mais preocupadas em controlar a cultura do que em promovê-la.
Contra esse ciclo vicioso, é preciso assegurar que as esferas social e cultural possam ser-
vir de veículos paralelos capazes de garantir uma participação política ampla como alternativa de

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refúgio da estática institucional. Gould afirma que a democratização extensiva das esferas econô-
mica e política pode relativizar tanto premissas de mercado (e sua visão imediatista, voltada para
o fim último do lucro), como de Estado (baseadas no controle burocrático e na centralização).
Pela multiplicação de formas de expressão, entretanto, aparentes pelo processo associa-
tivo e pela organização de grupos sociais, a política deve se converter, então, de campo univer-
salizante (quando entendido sob a ótica da estática institucional) em uma forma que abrigue e
estimule transformações. Afirma-se, desse modo, a importância da heterogeneidade dos gêneros
de discurso como alternativa de manutenção e aprimoramento do sistema. E nada mais próprio
e adequado ao campo cultural do que a afirmação da diversidade.
Se considerarmos que a discussão em torno da revitalização da sociedade civil traz nela
a possibilidade de se verem grupos representados em fóruns extragovernamentais, incapazes,
muitas vezes, de dar vazão a essa necessidade de representação (os limites da sociedade política
tradicional), aparece um conjunto de questões relativas à qualidade e a legitimidade da represen-
tação. Um cenário de baixa institucionalização, baixo capital social e falta de credibilidade das
instituições, como o nosso, coloca ainda o problema da concentração de recursos pelos grupos
melhor organizados.
Diante disso, argumentamos que o sucesso na formulação e na implantação de políti-
cas públicas de cultura com a sociedade civil depende do grau de compromisso do Estado de
reconhecer e cobrir seu déficit democrático, via aumento de participação social. Em segundo
lugar, depende do nível de institucionalização e organização (política e administrativa) do poder
público; e, finalmente, da qualidade das relações entre Estado e sociedade civil, em que fatores
como transparência e legitimidade são fundamentais para garantir níveis de confiança pública
necessários para a realimentação do processo. Como demonstraremos, apesar do especial empe-
nho do governo do estado do RJ para melhorar as relações entre o Estado e a sociedade civil na
área da cultura, alguns dos dilemas da participação assinalados marcaram o processo acionado
pela SEC-RJ e limitaram o alcance das políticas participativas até aqui.

2. DILEMAS E DESAFIOS: REFLEXÕES A PARTIR DO PROCESSO FLUMINENSE


Em relação à experiência vivenciada no contexto fluminense, algumas lacunas no que
concerne à transparência e legitimidade ao longo do processo de implantação da política em
análise, contribuíram negativamente na geração de confiança em um nível que realimente o mo-
delo participativo, reforçando de modo continuado a baixa qualidade da relação entre Estado e
sociedade civil. Um exemplo que reforça esse argumento pode ser verificado nas idas e vindas
do processo. Elas explicitam a falta de prioridade da própria pasta da cultura e a falta de unidade
do governo do estado com o compromisso de institucionalização de um processo participativo
no ciclo da política cultural fluminense.

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Durante os cinco anos (2010 a 2015) em que o Sistema e o Plano Estadual de Cultura do
RJ estiveram em fase de construção e de debates públicos, em dois deles nenhuma ação com a
sociedade civil foi realizada, por questões internas de descontinuidade na estrutura profissional
do órgão estadual gestor de cultura. Essas lacunas terminam por acarretar uma desmobilização
dos atores sociais envolvidos, além de uma perda substantiva nos esforços de estabelecimento
de uma metodologia que cumprisse o objetivo proposto. Como é o caso da construção do Plano
Estadual de Cultura, cujas escutas para diagnóstico territorial tiveram que ser parcialmente re-
feitas em algumas audiências e reuniões.
Outro fator que reforça o argumento da falta de prioridade está na coexistência de pro-
cessos paralelos e conflitantes entre si sendo executados simultaneamente pelo Poder Executivo.
Na melhor das hipóteses gerando confusão e falta de entendimento da direção política do órgão,
na pior, escamoteando prioridades de outra ordem. Neste sentido, o exemplo é bastante profícuo
para o entendimento de que os processos políticos são complexos e requerem respostas na mes-
ma proporção da complexidade das relações de poder estabelecidas na sociedade.
No mesmo ano (2009) em que a SEC-RJ dá início ao processo de construção participati-
va do plano Estadual de Cultura, que conforme designação do próprio órgão,
Foi desenvolvido com base no diálogo com gestores públicos dos 92
municípios do estado, representantes de entidades, agentes culturais, ar-
tistas, Comissão de Cultura da ALERJ e o MinC para apontar diretrizes
e estratégias para as políticas públicas no estado do Rio de Janeiro.6
o poder Executivo encaminha para a ALERJ o Projeto de Lei 1975/2009, que dispõe sobre a
qualificação de entidades sem fins lucrativos como Organizações Sociais (OS), mediante con-
trato de gestão. O PL é votado em regime de urgência pelo Legislativo fluminense e aprovado
em menos de trinta dias após a entrada na pauta da casa7. Não discutiremos aqui os ganhos e as
perdas inerentes aos processos de privatização da gestão de equipamentos públicos, via o es-
tabelecimento dessas modalidades de transferência do poder de decisão sobre as estratégias de
gestão do fundo público, pois esse não é o objetivo deste artigo.
Destacamos o fato de que entre 2009 e 2013 a SEC-RJ conseguiu aprovar aquela que
ficou conhecida como a Lei da OS (Lei 5.498 de 07/07/2009), regulamentou o dispositivo legal
por meio dos Decretos 4.256 de 2010 e 42.882 de 2011, e transferiu a gestão de parte significa-
tiva dos equipamentos culturais do estado (toda a rede de Bibliotecas Parque, um projeto ino-
vador e cujo potencial de ampliação do acesso à população aos conteúdos literários é imenso; a

6
Disponível em: http://www.cultura.rj.gov.br/consulta-publica/plano-estadual-de-cultura, acessado em 18/01/2015.
Grifos nossos.
7
O PL entra na Ordem do Dia em 16/06/2009 sendo aprovado pela casa legislativa fluminense em 8/07/2009,
conforme informação disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro0711.nsf/e00a7c3c8652b69a83256c-
ca00646ee5/c987f75b6d60576e83257552006c871b?OpenDocument, acessado em 24/01/2016.

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Escola de Artes Visuais em funcionamento no Parque Lage; e a Casa França-Brasil, no Centro


da capital) para duas organizações até então nada ou muito pouco conhecidas pelo público flu-
minense. Uma das quais criada um ano e meio antes de firmar contrato com o governo do estado
do RJ (03/04/2012), outra, com atuação no estado de PE há mais de uma década (criada 2001),
cuja filial no RJ passou a existir em 20138, mesmo ano de assinatura do contrato de gestão das
bibliotecas com o governo do estado.
Ambos os instrumentos contratuais têm como objeto (cláusula contratual 1.2), uma série
de objetivos a serem cumpridos e “entregues” pelos contratados e que traduzem com clareza a
diretriz da política cultural estabelecida pela SEC-RJ. Entre outros, observam-se como objeti-
vos “Fomentar a formação de mediadores e agentes de leitura”, “Incentivar programas de bolsa
de criação, formação, intercâmbio, pesquisa e residências literárias”, “Desenvolver programas
de ensino para ações no campo cultural, inclusive com o oferecimento de cursos e atividades
gratuitos” etc.
É inquestionável a legitimidade do órgão gestor da cultura em pautar a política pública
a partir da definição de sua agenda. O conflito nesse caso é pelo fato de que entre 2009 e 2013,
portanto o mesmo período em que a SEC transferia a gestão dos equipamentos, definindo seus
objetivos, metas e o desenho institucional de sua atuação para as OS; a mesma Secretaria con-
clamava a sociedade a debater e construir uma política cultural pública participativa, para os
mesmos setores culturais cobertos pela atuação dessas organizações. Enquanto isso, a partir de
abril de 2012, no âmbito do Sistema Estadual de Cultura, eram realizadas audiências e consultas
públicas para definir diretrizes prioritárias que orientariam a construção de planos setoriais da
cultura no estado9, em clara contradição de princípios.
Esse tipo de atuação ratifica o que Maria Alice Rezende de Carvalho (1995, p.4) desta-
cou como a “baixa legitimação da autoridade política do Estado”, aprofundando as reservas por
parte da sociedade civil em relação ao quadro político-institucional:
cujo privatismo “congênito” estreitou excessivamente a dimensão da
pólis, condenando praticamente toda a sociedade à condição de bárba-
ros. A expressão “cidade escassa” refere-se a isto, ou seja, à dimensão
residual da cidadania e, portanto, à sua parca competência para articular
os apetites sociais à vida política organizada – isto que, no mundo das
ideias políticas, caracteriza a “cidade liberal-democrática”.
É nessa cidade liberal-democrática, escassa para a maioria da população que nela vive,
que os conflitos e dilemas em torno da institucionalização de novas formas de participação da

8
Os instrumentos contratuais encontram-se disponíveis para consulta no portal da SEC: http://www.cultura.rj.gov.
br/organizacoes-sociais, acessado em 18/01/2015.
9
Sobre os Planos Setoriais as informações encontram-se disponíveis em: http://www.cultura.rj.gov.br/planos-seto-
riais, acessado em 18/01/2015.

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VII Seminário Internacional

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população nos processos decisórios das políticas vêm coexistindo com os velhos vícios do po-
der estabelecido, cujo círculo restrito vem se reproduzindo desde há muitos anos no campo das
políticas públicas no Brasil.
A tramitação do Projeto de Lei 533/2015, que instituiria o Sistema Estadual de Cultura
e seus componentes, foi também marcada por contradições que, observadas, ajudam a com-
preender os dilemas da participação. Após cerca de três anos de escutas públicas e abertas, que
serviram para a produção de um diagnóstico da cultura fluminense, e de um esforço particular de
mobilização política pelo poder público em todas as regiões do estado, foi produzido um texto-
-base da Lei e do Plano Estadual de Cultura, que absorveu o núcleo das propostas apresentadas
pela sociedade civil para a área da cultura.
A minuta para consulta pública do Plano Estadual de Cultura, apresentada e distribuída
pela SEC-RJ em janeiro de 2013 para a segunda rodada de discussões, chamava a atenção por
uma série de inovações que o distinguiam de projetos de outros estados da federação e do Plano
Nacional, fruto da capacidade de escuta e de incorporação de demandas próprias demonstrada
pela SEC-RJ. Entre essas novidades trazidas pela sociedade civil, destacam-se a questão do pro-
tagonismo juvenil na cultura, numa reaproximação entre educação e cultura; a incorporação de
diversas estratégias de valorização do interior; a imbricação entre cultura e formas sustentáveis
de produção e uma diversidade de fontes de fomento para a área, que passaria a ser dotada de
um fundo próprio sujeito ao controle por um comitê gestor com participação da sociedade civil;
entre outros avanços.
Em 14 de dezembro de 2012 foi aberta uma etapa de consultas pela internet, em paralelo
à realização de outras dez audiências presenciais abertas por todas as regiões do estado, ao longo
de 2013, como forma de garantir canais de escuta pelo poder público. Em dezembro, a versão
consolidada pela SEC-RJ da Lei e do Plano Estadual de Cultura foi encaminhada oficialmente
para a Casa Civil do governo (que já conhecia o teor do documento), onde aí permaneceu por
um período de mais de um ano, imobilizando o andamento dos trabalhos, esfriando as relações
conquistadas pela Secretaria com a sociedade civil, prejudicando a transparência na condução
do processo, com evidente prejuízo de credibilidade e da confiança pública que havia sido con-
quistada com grandes dificuldades.
O incidente evidencia como a fraqueza política da pasta, sua falta de prestígio no interior
do próprio governo, e os reduzidos acompanhamento e pressão pela sociedade foram fatores ne-
gativos na tentativa de promoção de maior institucionalização da Secretaria. Em maio de 2014,
a SEC-RJ ficou excluída de um edital de fortalecimento dos Sistemas de Cultura, lançado pelo
MinC para estados que já os tivessem aprovados10.

http://www.cultura.gov.br/inscricoes-abertas/-/asset_publisher/kQxYTMokF1Jk/content/sai-minc-lanca-edital-
10

-de-fortalecimento-do-snc/10883. Acesso em 15.01.2016.

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A entrada do ano eleitoral de 2014 ampliou a disputa no interior do governo do estado


e o limite do valor da renúncia fiscal que a lei estabeleceria (art. 24) motivou um conflito que
congelou definitivamente o diálogo com a sociedade civil. Inicialmente acordada com a Casa
Civil em 0,5% da arrecadação do ICMS fluminense, o valor foi porém reduzido para 0,4% de-
pois de meses estacionado fora do controle da SEC-RJ. Isso não fez com que o texto fosse logo
encaminhado para a tramitação na ALERJ, no entanto. Ao longo de 2014, entre promessas de
liberação pela Casa Civil e cobranças à SEC-RJ pelos setores que haviam prestado seu enga-
jamento e energia política para o processo, o texto ficou paralisado à espera da definição dos
resultados eleitorais.
A reeleição do partido do governo e a recomposição pós-eleitoral das forças políticas
valorizaram a Secretaria de Estado de Esporte e Lazer– que incorporou ‘Juventude’ ao nome da
pasta em janeiro de 2015 –, passando a ser comandada pelo filho do ex-governador, o neófito
Marco Antônio Cabral. O imobilismo, a partir daí, se acentuou com a possibilidade do valor de
0,4% ser agora repartido entre as duas secretarias e o processo de construção participativa esbar-
rou em limites que excediam a capacidade e a autonomia institucional da SEC-RJ em conduzir e
resolver o processo que ela havia dado início. A crise econômica que se abateu sobre as finanças
do estado só contribuiu para aumentar a disputa, congelar a política e, a essa altura, colocá-la em
xeque perante a sociedade civil, que não teve conhecimento do casuísmo desses movimentos.
Infelizmente, o conflito foi desfeito por motivos menos nobres do que a pressão de uma
sociedade civil atenta e atuante, mas por razões intergovernamentais. Um rumor de que o MinC
lançaria novo edital, voltado ao fortalecimento de sistemas municipais de cultura – mas condi-
cionando no entanto o financiamento de projetos à obrigatoriedade de que seus estados também
tivessem sistemas aprovados – gerou enorme pressão de prefeituras sobre a SEC-RJ. Mesmo
sem confirmação oficial, a informação oficiosa foi importante para despertar a Casa Civil, num
contexto de penúria fiscal, liberando o texto para a Assembleia Legislativa.
A ALERJ, por sua vez, promoveu uma tramitação em regime de urgência, com parca
mobilização política pela sociedade civil e pouco relevante participação das regiões do estado,
aprovando a Lei Estadual de Cultura em 26 de junho de 2015, não sem que a base majoritária
do próprio governo na Assembleia reduzisse para 0,25% o percentual do ICMS destinado ao
fomento da cultura (ficando os outros 0,25% que comporiam o valor original de 0,5% destinados
apenas para projetos esportivos). Os agentes de cultura estiveram alheios a esses movimentos e
o suposto edital (com cláusulas condicionantes aos estados da federação) jamais foi publicado.
A conclusão do processo é exemplar no que diz respeito aos dilemas da participação da
sociedade civil. Sem instâncias formais de acompanhamento e pressão pelos grupos organiza-
dos e sem transparência sobre a natureza do conflito dentro governo, a sociedade civil, após
ter sido encorajada a tomar posição e a contribuir para a formulação de uma política estadual

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de cultura, tomou conhecimento, a posteriori, de um rito de aprovação acelerado, sem tempo e


sem condições para novo esforço de remobilização, depois de um ano e meio sem informações
sobre o processo. O texto aprovado sofreu até emendas positivas, que tornaram obrigatórios a
descentralização de recursos para o interior do estado (art.21,I) e investimentos em ações cultu-
rais para pessoas com deficiência (art.21, III), por exemplo. A promoção de políticas de gênero,
entretanto, foi suprimida do Plano Estadual de Cultura (Eixo 2, estratégia 2.1.2) por força da
bancada religiosa na ALERJ, que logrou ainda incluir entre os objetivos expressos do Sistema
a promoção de manifestações religiosas (art.3, XI), pontos em que a organização da sociedade
civil poderia ter feito significativa diferença.
Mesmo aprovando uma lei que pode ser considerada avançada e construída com a cola-
boração dos agentes da cultura, a SEC-RJ perdeu a oportunidade de fortalecer vínculos com a
sociedade civil ao não ser capaz de integrá-la devidamente no momento decisivo. A despeito da
perda ocorrida com o texto do artigo 24 aprovado, a condução final do processo determinou um
prejuízo político de difícil mensuração pois incidiu, a partir da falta de transparência, tanto na
confiança dos atores que se envolveram quanto na própria legitimidade da política. Um desgaste
que incide sobre a continuidade de iniciativas que se proponham participativas e sobre sua capa-
cidade de converter propostas oriundas da sociedade civil em ações de governo.
Mesmo com as disputas internas, de resto naturais à dinâmica política, o Estado precisa
assegurar unidade de governo, do início ao fim do processo, quanto ao compromisso com polí-
ticas participativas, de modo a não expor suas fragilidades à sociedade. O discurso da participa-
ção cívica na produção e execução de políticas culturais envolve desafios que remetem a formas
mais institucionais de conduzir a relação com os agentes da sociedade civil. Mais grave, porém,
do que evidenciar suas contradições e tornar questionável seu compromisso político é o risco
de não poder contar com a energia cívica e a contribuição dos movimentos sociais num futuro
próximo, retrocedendo novamente a patamares de um passado recente.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo, embora bastante crítico quanto aos desafios enfrentados no processo de ins-
titucionalização do Sistema Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, pretende registrar o potencial
que os avanços conquistados até aqui pode significar em termos de renovação das estratégias
adotadas pelos gestores públicos no campo cultural fluminense.
Uma das conquistas foi sem dúvida a maior diversidade de agentes que se comprome-
teram com a proposta, para além da classe artística (grupos comunitários, usuários dos equi-
pamentos de cultura, organizações não-governamentais da área, projetos sociais e pontos de
cultura), demonstrando uma inflexão na forma como a própria cultura é entendida pelo Estado,
não se limitando às artes e ao patrimônio simbólico, mas às formas de sociabilidades historica-

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mente construídas no território. Outros ganhos de institucionalização se fazem observar, ainda


que timidamente. O Sistema Estadual de Cultura estabeleceu bases que fortalecem o processo
de institucionalização do poder público na área cultura, por meio de mais participação cívica
na formulação, acompanhamento e controle das políticas. Sua efetividade, no entanto, obriga
que o Estado se reestruture segundo essa lógica permeável, tarefa que só poderá ser realizada na
medida em que as pressões da sociedade civil se fizerem atendidas. Nesse sentido, o Conselho
Estadual de Política Cultural, reformulado para responder a exigências democráticas – eleito
e regionalmente representativo, paritário, plural e deliberativo – passa a assumir papel central
como instância de articulação e pressão da sociedade civil sobre o processo de fortalecimento da
institucionalização do domínio da cultura no estado do RJ. A eleição direta ocorrida em dezem-
bro de 2015 e fevereiro de 2016, por meio de conferências regionais e eleição virtual, restitui e
renova o órgão após um vazio institucional de quatro anos11, depois de expirado o mandato do
último Conselho, de resto inexpressivo e sem legitimidade porque até então composto somente
por membros indicados pelo poder público.
Também os editais de chamada pública foram incorporados pela SEC-RJ como prática
regular de promoção cultural, muito embora o volume de recursos investidos em fomento pelo
órgão ainda seja menor que aquele distribuído por essa modalidade, portanto suscetível a volun-
tarismos, preferências pessoais e à continuidade da ‘política de balcão’. Contradições geradas
por novas institucionalidades a conviver entre obsoletas formas de gestão pública. Administrati-
vamente, entretanto, a SEC-RJ estabeleceu uma Coordenação de Políticas Culturais na SEC-RJ,
voltada especificamente para a regulamentação e a implantação dos diversos instrumentos do
Sistema, com destaque para a execução do Programa de Formação e Qualificação Cultural, em
sua segunda edição.
Por fim, o aumento da participação social foi relevante também para forçar a SEC-RJ a
assumir sua vocação de ente estadual, isto é, a de trabalhar como integrador de políticas junto
aos municípios fluminenses em articulação com o governo federal. Isso tem se materializado,
em particular, com a terceira edição do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cultural dos
Municípios (PADEC), promovido pela SEC-RJ, junto com o MinC e a Universidade Federal
Fluminense, para a indução do Sistema de Cultura nos municípios do estado. Ao fazer isso, a
SEC-RJ assumiu o papel de dinamizador de sistemas, sinalizando positivamente para a socieda-
de seu compromisso político com a institucionalização da área cultural em todo o estado e não
somente de suas próprias estruturas.

Os conselheiros têm mandato de quatro anos, podendo ser reconduzidos, pelo governador do estado, por mais dois
11

períodos. Os 25 conselheiros empossados em 17/04/2007 (21 titulares e 4 suplentes) não foram reconduzidos, tendo
em vista que a SEC já planejava uma alteração na estrutura do conselho quando do término do mandato em 2011.

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Por outro lado, apesar desses avanços, não se pode deixar de registrar que o nível re-
duzido de organização dos grupos e a baixa confiança no Estado pelos agentes da área cultural
exerceram impacto negativo sobre a qualidade geral do processo de elaboração participativa do
Sistema Estadual de Cultura, a despeito da promulgação de uma nova lei. A possibilidade de
realização das políticas, malgrado a disposição do Estado, esbarra ainda na alta dependência
das vontades dos gestores, dado o baixo nível de institucionalização do poder público, fator este
que também contribuiu para a redução de confiança, que por sua vez mina a possibilidade de
fortalecimento da própria instituição. Isso ficou patente com a descontinuidade quase total das
políticas setoriais, cujo processo foi negligenciado pela atual gestão, ficando ao desejo particu-
lar de superintendentes continuá-las ou engavetá-las, com danos para a credibilidade da pasta
perante os segmentos culturais que contribuíram para novamente ver seu esforço frustrado sem
a devida entrega dos resultados anunciados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBER, Benjamin R. Strong Democracy: Participatory Politics for a New Age.University of California
Press: Berkeley, 1984.
BOTELHO, I. Dimensões da cultura e políticas públicas. In: São Paulo em Perspectiva. SP, 15 (2): 73-
83, abril/junho de 2001.
CALABRE, L. Políticas culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. RJ: FGV, 2009.
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Cidade Escassa e Violência Urbana. In: Série estudos. IUPERJ:
Rio de Janeiro, n. 91, Agosto, 1995.
COHEN, Jean L. e ARATO, Andrew. Civil Society and Political Theory. Cambridge: MIT Press, 1992.
GOULD, Carol C. Rethinking Democracy. Freedom and social cooperation in politics, economy and
society. Cambridge University Press: Nova Iorque, 1988.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei 7.035/2015 - Sistema Estadual de Cultura do Rio
de Janeiro. http://www.cultura.rj.gov.br/editais/doceditais/lei_sistema_estadual_de_cultura_do_rj.pdf
Acesso em: 15/01/2016.
CARVALHO, Cristina Amélia. O Estado e a participação conquistada no campo das políticas públicas
para a cultura no Brasil. In: Políticas Culturais: reflexões e ações, Observatório Itaú Cultural/Edições
Casa de Rui Barbosa, São Paulo, 2009. p. 19-33.
RUBIM, A. A. C. Políticas Culturais do Governo Lula/Gil: Desafios e Enfrentamentos. INTERCOM –
Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, SP, v. 31, n.1, jan./jun. 2008 p. 183-203.

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O RENASCIMENTO DO GRIÔ AFRO-BRASILEIRO


Julio Souto Salom1

RESUMO: O “griô” é um termo abrasileirado do francês griot, palavra que designa aos
contadores de histórias e guardiões da memória oral em certas sociedades africanas. O programa
Ação Griô (2005-2010), proposto como um eixo estruturante do Cultura Viva, reconheceu e
apoiou financeiramente a mais de 600 griôs de diversas adscrições étnicas e culturais em todo
o território nacional, em projetos pedagógicos articuladas com Pontos de Cultura e outras
entidades culturais. Terminada a política pública: o quê restou? Nesta aproximação inicial a
esta pergunta, constatamos que o termo persiste e prolifera para além dos termos estabelecidos
em editais e Projetos de Lei. A principal mudança nesta pós-vida da política pública cultural é a
adscrição do griô ao universo cultural afro-brasileiro, sendo abandonado o sentido amplo e des-
racializado que estava implícito na proposta inicial.

PALAVRAS-CHAVE: Griô, Cultura Viva, Cultura Afro-brasileira.

1. INTRODUÇÃO: O ESTADO DESCOBRE OS GRIÔS, E VICE-VERSA.


Em 2005, o Ministério de Cultura do Brasil iniciou a Ação Griô Nacional, no marco do
programa Cultura Viva. Podemos pensar esta ação, que teve uma duração de cinco anos, como
parte de uma mudança no campo cultural brasileiro, pela qual formas artísticas e práticas de
conhecimento historicamente invisibilizadas estão ganhando reconhecimento. Anos depois de
este programa ter finalizado no nível federal, certas transformações no âmbito institucional (em
vários níveis de governo do poder público, em diferentes entidades da sociedade civil) e cultu-
ral (referentes simbólicos, atividades e trajetórias de ativistas/artistas) mostram a persistência e
proliferação da figura dos griôs, apontando para a autonomia das dinâmicas político-culturais
da sociedade civil interagindo de forma complexa com as políticas públicas de cultura. Este
artigo apresenta uma aproximação inicial a este renascimento do griô afro-brasileiro, tentando
levantar algumas questões relevantes e incitar um diálogo produtivo sobre este fenômeno. O
texto decorre de uma pesquisa de doutorado ainda em estágio inicial, pelo que em este momento
a prioridade é apresentar certas hipóteses preliminares para a interação com a comunidade aca-
dêmica e cultural.

1
Doutorando em Sociologia (PPGS-UFRGS). E-mail: juliosouto2103@gmail.com.

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Nossa proposta não é uma “avaliação de política pública” nos termos convencionais
(comparando objetivos e metas com resultados e indicadores), mas observar esse programa
concreto da perspectiva dos atores protagonistas, os griôs e mestres. Tendemos a compreende-lo
como acontecimento singular dentro de um processo amplo de transformações culturais aconte-
cidas na última década, como resultado de disputas e gerador de novas reflexões e intervenções
político-estéticas. Partimos da percepção de que no período de governos petistas (entre 2003
e o presente, como um ciclo político que talvez aponte para fase conclusiva) múltiplos atores
atuantes no campo cultural abordaram o estado como um espaço relevante para disputar recur-
sos materiais e simbólicos; ao mesmo tempo em que, com um processo paralelo, as políticas
públicas redefiniram as fronteiras e lógicas internas do campo cultural, permitindo que novos
atores ganhassem protagonismo. Para possibilitar uma análise minuciosa deste processo amplo,
a proposta de pesquisa é reconstruir o contexto do programa Ação Griô, os embates que levaram
a iniciá-lo e as disputas que surgiram a partir dele.
A relevância deste projeto de pesquisa quer se situar no plano desta lenta mas irrevo-
gável transformação histórica na relação das instituições modernas (ciência, arte erudita, es-
tado) com seus “outros”, sendo este Brasil contemporâneo um cenário privilegiado para este
pensar em movimento. Alguns contornos teóricos balizam e ajudam a detalhar estas questões
recorrendo a dois ideias básicas: 1) a colonialidade do saber/poder na modernidade ocidental
(QUIJANO, 2000). Isto implica que nossas vias de produção de conhecimento não estão des-
conectadas das dinâmicas de perpetuação da desigualdade. Tópicos como a polaridade oral/
escrito são fundantes na epistemologia ocidental (DERRIDA, 1973), basilares na criação dos
estados-nação latino-americanos (RAMA, 1998) e paralelos às articulações raça/nação no regi-
me colonial (GILROY, 2007). Indagaremos, portanto, a dimensão decolonial das intervenções
dos griôs. 2) A intimidade de estética e política nas intervenções que impugnam a ordem dada
do real (RANCIÈRE, 2005; 2010). O desentendimento aparece como uma recusa criativa dos
consensos estabelecidos a nível ontológico, aqueles que separam o que existe do que não existe,
relegando os dissensos à “ficção”, à “utopia” ou ao “equívoco”. Esse desentendimento se pode
constituir em emancipação intelectual a través de intervenções dissidentes no real, que são tanto
estéticas quanto políticas. Entendemos que a simples existência dos griôs afro-brasileiros supõe
a impugnação estético-política do regime colonial, redefinindo os conceitos de saber/poder e as
posições sociais e raciais a ele associadas.
Como detalharemos no decorrer deste texto, nossa impressão é que o renascimento dos
griôs no cenário cultural brasileiro transcendeu e redefiniu o que poderia ser lido como “propos-
ta inicial” do poder público, se atentássemos unicamente às declarações oficiais de dirigentes,
os editais do MinC e secretarias de cultura, ou às iniciativas legislativas sobre griôs que apare-
ceram em diversos estados nos últimos anos. Mesmo apontando transformações em um sentido

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semelhante, a ação dos movimentos político-culturais radicaliza e aprofunda os gestos iniciados


desde o estado. Isto embaralha a relação da política pública com as dinâmicas autônomas no
mundo político-cultural (coletivos, movimentos sociais, artistas, comunidades tradicionais, etc).
A dicotomia tradicional traçada entre as interpretações top-down ou bottom-up não funciona, e
observamos uma relação de diálogo e permeabilidade que impede pensar linhas unidirecionais
de causalidade entre as ações do “estado” e as reivindicações da “sociedade”. Mais que uma di-
nâmica de confronto da “sociedade contra o estado”, pensamos em uma ultrapassagem: se bem
as ações apontam num mesmo sentido, em certo ponto as instituições estatais parecem encontrar
um limite ou bloqueio, e a caminhada do griô no cenário cultural brasileiro segue de forma au-
tônoma, redefinindo e configurando os sentidos deste termo.
Eis nosso argumento central, em forma de paradoxo entre duas proposições: 1) não sen-
do o griô um termo expressivo no cenário cultural brasileiro antes da política pública Ação griô,
os griôs passam a existir (ou a proliferar, ou a ganhar visibilidade) com esta política pública. 2)
No entanto, hoje, mesmo sem as bolsas e outros apoios que contemplava tal programa, os griôs
existem na vida cultural afro-brasileira projetando sua atuação para o passado e o futuro, rati-
ficando assim sua existência plurissecular neste território muito antes de ser reconhecidos pelo
poder instituído.
Algumas redefinições aconteceram no processo, até chegar ao seu modo de existência
vigente, relativamente estável mas ainda não completamente fechado. Tal vez a mais importante
delas seja que, se num primeiro momento a política pública formulava o “griô” como uma cate-
goria pouco definida e marcadamente des-racializada, hoje esta figura está unicamente associa-
da ao universo cultural afro-brasileiro. Não há dúvidas de que este singular processo se associa
ao amplo movimento de impugnação das complexas e perversas equações da racialização na
formação da nação brasileira, confrontando os mitos da miscigenação e da “democracia racial”
(MUNANGA, 2008).

2. OS GRIÔS NO PROGRAMA CULTURA VIVA: BREVE CRONOLOGIA


Desde as primeiras políticas culturais no governo Vargas, até os governos neoliberais de
fim do século vinte, a implementação de políticas públicas de cultura no Brasil seguiu padrões
oscilantes em cada momento político, marcadas sempre pela arbitrariedade, o autoritarismo e a
instabilidade (RUBIM, 2007). O projeto democratizador da última década abriu novas possibi-
lidades na formulação de políticas públicas culturais. A partir dos governos do PT encontramos
uma virada no discurso institucional, quando o Ministro de Cultura Gilberto Gil propôs orientar
sua ação a partir do “sentido antropológico da cultura”. Se destaca destes últimos anos o enfren-
tamento sólido de desafios históricos, buscando a gestão aberta e participativa, a estabilidade
plurianual das políticas e a definição democrática de objetivos e metas (RUBIM, 2013). Para

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além esta avaliação, podemos entender a política cultural dos governos PT como três projetos
concomitantes, contraditórios e paradoxais, mas que convivem de forma tensa no mesmo gover-
no: um projeto modernizador humanista, um projeto de fortalecimento econômico da indústria
cultural, e um projeto de extensão de cidadania a partir do reconhecimento da diversidade. O
discurso institucional do Ministério de Cultura reflete esta divisão tripartita da sua ação em múl-
tiplos e importantes documentos, ao falar das “três dimensões da cultura”: a dimensão simbóli-
ca, a dimensão econômica e a dimensão cidadã2. O projeto “iluminista” de preservação e difusão
da “cultura erudita” que começou nos anos 1930 com a criação do SEPHAN, tem continuida-
de atual em políticas de fomento das Artes ou conservação de patrimônio. Em segundo lugar,
uma elevada proporção dos recursos do MinC é orientada a parcerias público-privadas, nas que
empresas patrocinadoras usufruem do valor econômico da cultura como marketing empresa-
rial: desde 1988 a Lei de Incentivo à Cultura (conhecida como “Lei Rouanet”) possibilita, com
seu modelo de renúncia fiscal, a promoção de projetos selecionados e dirigidos pela iniciativa
privada e financiados com recursos públicos. Em terceiro lugar, como inovação do período, o
Programa Arte, Cultura e Cidadania – Cultura Viva, iniciado em 2004, aparece como o grande
projeto de reconhecimento da diversidade cultural. O Cultura Viva propõe ir além da “demo-
cratização do acesso aos bens culturais”, para “democratizar o acesso aos meios de produção,
disseminação e valorização de tais bens culturais”, construindo mediações plurais e inclusivas.
Por isso seu público-alvo são “populações com pouco acesso aos meios de produção, fruição e
difusão cultural ou com necessidade de reconhecimento da identidade cultural” (BARBOSA e
ARAÚJO, 2010, p. 39).
Com o Cultura Viva o poder público quis reconhecer iniciativas associativas e comunitá-
rias já existentes, para estimulá-las por meio de transferências de recursos definidos em editais
ou ações de capacitação e interligação das mesmas. As ações se estruturaram em cinco eixos
com desigual grau de consolidação: Pontos de Cultura (o mais arraigado, unidade estruturante
do programa e âncora dos outros eixos), Cultura Digital, Agentes Cultura Viva, Escola Viva, e
Griôs (Mestres dos Saberes). Nos interessa esse último eixo, que se descreve assim na avalia-
ção do IPEA:
Ação Griô. Griô é uma versão abrasileirada da palavra francesa griot,
que designa os contadores de história, responsáveis, nas sociedades
africanas, por carregar consigo a tradição oral na qual é transmitida

2
Por exemplo, ao estabelecer os eixos norteadores do Plano Nacional de Cultura: “Quais os eixos norteadores do
PNC? O Plano baseia-se em três dimensões de cultura que se complementam: a cultura como expressão simbólica;
a cultura como direito de cidadania; a cultura como potencial para o desenvolvimento econômico”. (http://pnc.
culturadigital.br/entenda-o-plano/ Acesso em 02/05/2015). Em teoria, essas três dimensões devem ser tratadas de
forma integradas e ser avaliadas conjuntamente para qualquer proposta ou ação institucional realizada; na prática,
pareceria que cada ação e programa das instituições de cultura busca efeitos prioritariamente em um dos três eixos,
deixando os outros dois num plano secundário.

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a história de seu povo e o patrimônio de sua cultura. A ação Griô visa à


implementação de uma política de valorização da tradição oral presente
na cultura de muitas comunidades brasileiras, mantida por “contado-
res de histórias”, pessoas que adquiriram conhecimentos de seus ante-
passados e os repassam em forma de narrativas ou casos contados. É a
eles que é dado o nome de griôs. A principal proposta desta iniciativa
é reaprender com os mestres da tradição oral, nossos griôs, o jeito de
construir um conhecimento integrado à ancestralidade, além de incen-
tivar a troca de experiências. Seu objetivo é estimular e sistematizar
o vínculo entre educadores e a comunidade, bem como a dinâmica de
fortalecimento da identidade local. A ação Griô atua com a vivência, a
criação e a sistematização de práticas pedagógicas relacionadas aos sa-
beres e fazeres da cultura oral, envolvendo pontos de cultura, escolas,
universidades e comunidades. A missão desta rede é criar e instituir
uma política pública de Estado que promova o reconhecimento do lu-
gar político, social e econômico dos griôs e mestres de tradição oral na
educação das crianças e jovens brasileiros. A ação prevê a distribuição
de bolsas de trabalho a esses mestres griôs e seus aprendizes no valor
de R$ 350 mensais, durante o período de um ano, para divulgarem e
pesquisarem as tradições orais do país. O primeiro edital, lançado em
setembro de 2006, distribuiu 250 bolsas. A origem desta iniciativa foi
um convênio com a instituição Grãos de Luz e Griô, de Lençóis (BA),
que firmou parceria com o MinC, em 2004, como ponto de cultura. O
trabalho desenvolvido por ela acabou originando um pontão de cultura
e uma das ações do programa Cultura Viva em âmbito nacional: a
ação Griô (BARBOSA e ARAÚJO, 2010, p. 41. Destaques nossos).
Vários aspectos nos parecem interessantes desta política. O primeiro, é o próprio con-
ceito de “griô”, relativamente estranho para a bibliografia antropológica brasileira. No levanta-
mento bibliográfico sobre o tema realizado por Cristiano Pinheiro (2013, p. 18-47) se revisam
estudos desde o início do século vinte sobre contadores de histórias no Brasil e outras práticas
de oralidade no contexto afro-brasileiro sem que apareça o termo “griô” ou “griot”3. Como ex-
plicado na citação anterior, se trata de uma “versão abrasileirada” dos griots, uma palavra de ori-
gem francês para uma figura social de certas sociedades da África ocidental (principalmente na

3
Recolhendo termos da terminologia iorubá pesquisada na costa ocidental da África pelo tenente-coronel britâ-
nico Alfred Burton Ellis, Nina Rodrigues utiliza nomes como akpalô (contador de histórias reconhecido por sua
comunidade), akpalô kpatita (que fazia da contação de histórias uma profissão), arokin (narrador das tradições na-
cionais, geralmente ligados a um rei ou chefe supremo) e o Ologbô (chefe dos arokin, que são aqueles que possuem
o conhecimento sobre os tempos passados), sem constatar a utilização destes termos no Brasil (Nina Rodrigues,
apud PINHEIRO, 2013, p. 33). Essa mesma terminologia é utilizada por Gilberto Freyre e Arthur Ramos na década
de 1930. Sílvio Romero ou José Lins do Rego, com interesse mais literário que antropológico, tambem pesquisaram
o tema, sem constatar a presença do termo griot em terras brasileiras.

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região do antigo Império de Mali), bastante documentada na antropologia francófona4. Pinheiro


conclui que é impossível encontrar na historiografia uma continuidade direta entre o griot histó-
rico da África Ocidental e o griô atual promovido pela política cultural, e descreve um processo
de “(re)invenção da tradição” (PINHEIRO, 2013, p. 44). A apresentação do griô como novidade
promovida desde o estado sugere que, antes da política pública, existiam práticas comparáveis
às dos griots mas o conceito “griô” não era utilizado de forma comum até este momento. Isto te-
ria gerado uma série de efeitos imprevistos, desde a emergência desta categoria como elemento
de identificação, contestação de estigmas e fortalecimento da auto-estima de sujeitos coletivos;
até controvérsias e incômodos de grupos e sujeitos que queriam participar no programa sem
sentir-se contemplados nesta denominação (por exemplo, os pajés indígenas, ou contadores de
histórias de outras identificações raciais e étnicas).
O segundo ponto que chama a atenção na descrição do programa é o protagonismo atri-
buído à instituição Grãos de Luz e Griô (Lençóis, BA). Marco Barzano (2008) e Juliana Lopes
(2009) descrevem com minuciosidade as práticas e a trajetória desta entidade, fundada como
ONG sócio-educativa em 1993. Sua relação com a Secretaria de Programas e Projetos Culturais
(SPPC) do Ministério da Cultura se aprofundou após ser conveniada como Ponto de Cultura em
2004, realizando posteriormente um convênio específico para a implantação da Ação Griô como
política nacional em 2006, mediante a publicação de editais (LOPES, 2009, p. 61-70). Neste
processo destaca a atuação de Lilian Pacheco, coordenadora do Ponto de Cultura, pesquisadora
e promotora da Pedagogia Griô (PACHECO, 2006). Suas pesquisas articulam fundamentações
teóricas da educação biocêntrica com as práticas tradicionais afro-brasileiras em dança, canto
e contação de histórias, buscando formas de dialogar com instituições de ensino formal como
escolas e universidades. Ao estabelecer convenio com o MinC, em 2006, o griô passa de ser uma
proposta pedagógica a uma política cultural em escala nacional.
O programa nacional teria sido inspirado nas pesquisas e práticas educa-
tivas da Associação Grãos de Luz e Griô, na cidade de Lençóis. Porém,
cada ponto de cultura teria a sua própria metodologia de trabalho com
os saberes da tradição oral vinculados a espaços públicos educacionais
formais. Essa parceria seria livre e cada ponto de cultura criaria a sua
forma de didática e relação com a escola. Não haveria, portanto, a inten-
ção de multiplicar ou replicar o trabalho que é desenvolvido em Lençóis
(LOPES, 2009, p. 68).

4
Para documentar a figura do griot, Pinheiro cita o e escritor malinês Amadou Hampâté Bâ (2010) e o historiador
burquinês Joseph Ki-Zerbo, organizador da História Geral da África encomendada pela UNESCO em 1982. Se-
gundo este último, os griots seriam os encarregados de preservar a memória oral, “velhos de cabelos brancos, voz
cansada e memória um pouco obscura, rotulados às vezes de teimosos e meticulosos” (Ki-Zerbo, apud PINHEIRO,
2013, p. 21).

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A coordenação nacional pode ter sido uma dificuldade enfrentada ao tentar englobar numa
mesma categoria guarda-chuvas (“Griôs”) sujeitos e práticas tão diferentes, apenas unidos pela
referência à “oralidade” como canal de comunicação prioritário e a ideia de “tradição” e “ances-
tralidade” como fonte de conhecimento5. Essa dificuldade pode ter repercutido na baixa adoção do
programa pelos Pontos de Cultura. Os dados da avaliação do IPEA (BARBOSA e ARAÚJO, 2010,
Tabela 4, p. 67) mostram que a Ação Griô foi a menos implementada das ações propostas pela
SPPC-MinC: apenas 37% dos Pontos de Cultura a adotaram, o que se contrapõe a outras ações
com grau de adoção muito maior, como a Teia das Culturas (91%), Cultura Digital (61%) ou o
Sistema Nacional de Cultura (46%). Como descrito, todo o projeto nasce do encontro do poder pú-
blico com uma instituição particular, que tinha realizado uma grande pesquisa anterior para desen-
volver uma metodologia pedagógica. O Secretário Célio Turino aponta para essa cumplicidade:
Foi uma grata satisfação receber este projeto [Grãos de Luz e Griô como
Ponto de Cultura em 2004], pois quando definimos as quatro ações do
Programa Cultura Viva (...) observamos que faltava uma integração
dialética entre tradição, memória e ruptura. Tradição enquanto ponto de
partida, memória enquanto reinterpretação do passado e ruptura enquan-
to invenção do futuro. Assim, incluímos uma quinta ação: o Griô (Célio
Turino, em PACHECO, 2006, p. 14).
O projeto de ruptura para a “invenção do futuro” que pretendia o Programa Cultura Viva,
formulado como uma crítica ao presente, necessitava do “diálogo intergeneracional e multisse-
torial” para integrar as fontes renovadoras da “tradição” e da “memória”. Citando Hobsbawm,
o secretário afirma que as tradições podem e devem ser reinterpretadas e reelaboradas pelo
exercício da memória, recuperando palavras esquecidas, mesmo deformando-as ou reimagi-
nando-as no processo. Nesse sentido, o termo “griô”, como neologismo abrasileirado, aparecia
a princípio como uma ferramenta útil para articular em nível nacional esse diálogo de ruptura,
ativando a memória criativa de diferentes setores da sociedade. Porém, com o avance dos de-
bates em Conferências e encontros, foi configurando-se uma posição divergente priorizando o
termo “Mestres” em lugar de “griôs”, que na sua implementação legislativa levou a adotar a
fórmula “Mestres dos saberes e fazeres das culturas populares”6. Há aqui questões em aberto: o

5
No que refere às adscrições raciais, nos editais da Ação Griô (SPPC-MinC, 2006; 2008) não se estabelecia ne-
nhuma referência ao universo afro-brasileiro. Se contemplava a possibilidade de que o projeto pedagógico envol-
vesse comunidade indígena, no qual caso a FUNAI deveria ser comunicada. De fato, vários projetos pedagógicos
envolvendo comunidades indígenas foram contemplados.
6
Figura adotada no atual substitutivo ao PL 1176/2011, após passar pela Comissão de Cultura da Câmara dos De-
putados do Congresso Nacional. No “Parecer às emendas ao Substitutivo oferecido ao Projeto de Lei no 1.176, de
2011” esta questão terminológica se resolve referenciando os consensos construidos na pesquisa acadêmica e nos
debates nas Conferências de Cultura, ratificados nos Planos de Cultura e nas “Leis de Mestres” estaduais. Assim,
se opta por manter o termo “Mestre”, que na linguagem jurídica passa a funcionar como hiperônimo genêrico:
“Nessa designação, já estão compreendidos os Griôs, Babalorixás, Pajés, Sábios, Capitães, Guias e outros tantos
detentores de saberes tradicionais da nossa cultura” (CCULT, 05/06/2014).

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quê implica tal substituição? Qual a possibilidade -ou a necessidade- de construir um mínimo de
unidade na diversidade para fortalecer e consolidar esta política pública cultural no nível fede-
ral? Qual a relação deste debate com a equação raça/nação no Brasil?
O terceiro ponto que chama a atenção é a continuidade do programa como política pú-
blica. Depois da finalização do programa por editais se protocolaram duas propostas de lei no
Congresso Nacional (PL 1176/2011, promovida como “Lei Griô Nacional” e PL 1786/2011,
“Lei dos Mestres”, logo apensadas) e outras semelhantes em diversos estados, que pretendiam
dar estabilidade à política para além dos programas por editais de duração anual. Na proposta
federal, se sugeria que as bolsas dos mestres griôs fossem “de valor equivalente a uma bolsa de
doutorado7”, sugerindo a possibilidade de estabelecer uma comparação (ainda que assimétrica)
entre os saberes do mestre griô e o pesquisador universitário. A tramitação legislativa do progra-
ma, tanto a nível federal quanto em diversos estados8, se encontra estagnada ou arquivada (até
agora, só seis estados do Nordeste aprovaram leis estaduais dos mestres). Visto que os projetos
de “Leis Griô” parecem ter perdido a força inicial, caberia se perguntar pelas conjunturas e dis-
sensos que levaram a este estancamento.
Esta breve cronologia da política pública não tem uma intenção avaliativa. O buscado
é compreender a mesma como um acontecimento, que responde a uma série de demandas e
modifica as condições de exercício de umas intervenções político-estéticas concretas, criando
uma série de efeitos (alguns pretendidos pelo poder público, outros imprevistos). Por isso seria
interessante a virada de perspectiva, para observar a política pública não do ponto de vista dos
legisladores, mas dos griôs. Nos interessará compreender como esses sujeitos passam a se apro-
priar do nome “griô”, com um processo de interligação nacional que articula uma rede de inte-
lectuais da cultura afro-brasileira, e como isso influiu nas condições e formas das suas práticas.

3. OS GRIÔS HOJE: REFERÊNCIA NA CULTURA AFRO-BRASILEIRA


Numa incipiente aproximação etnográfica temos constatado que o termo griô vêm ga-
nhado presença e conteúdo no movimento político-cultural negro brasileiro, inclusive em âm-
bitos com um contato mínimo com as políticas públicas de cultura. Podemos citar algumas
observações isoladas do nosso âmbito geográfico próximo (Rio Grande do Sul, principalmente

7
Rebaixado no substitutivo ao “valor equivalente a uma bolsa de mestrado”.
8
A estadualização da “Lei Griô” corresponde a um processo paralelo de estadualização do Programa Cultura
Viva (Rocha, 2011). No Rio Grande do Sul, o Dep. Catarina Paladini protocolou o projeto da “Lei Griô Estadual”
(PL 20/2013; ver: http://www.al.rs.gov.br/legislativo/ExibeProposicao/tabid/325/SiglaTipo/PL/NroProposicao/20/
AnoProposicao/2013/Origem/Px/Default.aspx, acesso 05/10/2015). Esse PL respondia à celebração, em 2012, do
Seminário Ação Griô na FURG, com a presença de representantes do MinC, de griôs de todo o Brasil e outras entida-
des atuantes no setor cultural, como o Circuito Fora do Eixo (Ver: http://www.psbrs.com.br/v3/index.php?option=-
com_content&view=article&id=8387:projeto-de-lei-sobre-a-cultura-grio-e-protocolado-na-assembleia&catid=-
73&Itemid=522, acesso em 05/10/2015). Este Projeto de Lei foi arquivado em 2014.

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Porto Alegre), na esperança que no presente Seminário de Políticas Culturais possamos compar-
tir outras experiências.
As constatações mais previsíveis neste sentido se observam nas atividades de Pontos de
Cultura ligados ao mundo afro-brasileiro, onde a investigação e preservação desta memória oral
e popular é objetivo explícito: o Quilombo do Sopapo, Afro-sul Odomodê ou a Escola de Ca-
poeira Angola Africanamente. Porém, o griô também aparece como referente e figura social no
sarau de poesia negra Sopapo Poético, assim como em outras atividades culturais eventuais que
não tem uma ligação direta com políticas culturais, independentes de qualquer tipo de incentivo
público. Em fórums e espaços de debate de todo tipo encontramos a presença de auto-declara-
dos Mestres Griô e Griôs Aprendizes, que explicam o significado deste rol nos termos descritos
acima. Suas intervenções, incluindo contação de histórias, música, dança e outras atividades, se-
guem sendo apresentadas em diferentes âmbitos: em escolas e bibliotecas públicas, em eventos
promovidos pelos movimentos negros, com participação em shows, oficinas ou apresentações
específicas em centros culturais, praças públicas ou quilombos. A rede de griôs que se constituiu
em torno da política pública, que persistiu na reivindicação de um desenvolvimento institucional
e legislativo da “Ação Griô”, atua hoje de maneira independente a esta pauta, sem esperanças
de que esta promessa do poder público possa concretar-se no corto prazo. Ao mesmo tempo, o
termo “griot” ou “griô” se tornou um referente reconhecido no cenário cultural, aparecendo em
jornais, blogs, obras literárias ou como símbolo que identifica coletivos culturais.
Por outro lado, constatamos que esta proliferação do griô é relativamente independente
à participação direta na política pública, tanto por excesso quanto por carência. Isto é, hoje en-
carnam a figura de griô ou griô aprendiz pessoas que nunca se envolveram no programa federal;
ao mesmo tempo, pessoas e entidades que tiveram participação ativa parecem hoje pouco iden-
tificadas com o termo, se alguma vez o estiveram. É o caso da maioria de mestres indígenas que
participaram nos editais da Ação Griô, que utilizam uma grande diversidade de termos (pajé,
xamã, etc.) sem que “griô” esteja entre eles.

4. CONCLUSÃO: O RENASCIMENTO DO GRIÔ AFRO-BRASILEIRO


COMO ESPECIFICIDADE
A relativa independência a respeito do programa Ação Griô nos impede falar de uma
causalidade direta, que mostrasse a proliferação dos griôs como um “oportunismo” reativo à
oferta de política pública. Enraizado em práticas culturais plurisseculares e conetando com um
sentimento pan-africanista ou afro-cêntrico, a reivindicação do griô como especificidade afro-
-brasileira aparece como uma marcação da diferença na sua atividade e forma de existência.
Atentando para a novidade do termo no cenário cultural brasileiro, se compreende que o argu-
mento da “invenção da tradição” tenha sido utilizado para explicar a atual proliferação do griô.

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Porém, se escolhemos falar de um “renascimento” e não de uma “invenção” é consi-


derando que esta novidade não se situa unicamente no nível das “práticas culturais”, se enten-
demos estas como uma esfera de atividade “inofensiva” e “artificial”, uma criatividade estéril
desconectada do resto de aspectos sócio-políticos que constituem e afetam a uma comunidade.
Falar em renascimento nos permite situar esta transformação no plano da ontologia política,
articulando a dimensão histórica, cultural e sócio-política. O renascimento do griô se relaciona
com um processo mais amplo empreendido pela comunidade afro-brasileira, que busca consti-
tuir-se como um “corpo socialmente diferenciado dentro da comunhão nacional”, comparável
ao de comunidades indígenas (VIVEIROS DE CASTRO, 2006, p. 49). Nesse sentido, as inter-
venções artístico-culturais dos griôs são percebidas em toda sua potência política. A marcação
da diferença serve para impugnar um consenso nacional que equipara e descaracteriza a todos
os cidadãos, com uma definição do real na que a diferença racial historicamente constituída e
atuante no presente é ignorada de forma premeditada. A simples existência de uma figura so-
cial – o griô – que exige ser reconhecida na sua diferença racial aparece como provocação para
uma ideologia nacional que promulga o esquecimento da racialização, dissolvida na comunhão
mestiça brasileira. As práticas de promoção da memória territorial do negro brasileiro, se sus-
tentam no alinhamento com referentes afro-centrados, que não necessariamente se apoiam na
historiografia branca da ciência moderna. A existência do griô afro-brasileiro contemporâneo
tem o estatuto de verdade do mito, que diferentemente da epistemologia romântica da essência
originária, extrai sua força da aparência. Esta palavra, associada à cultura negra no Brasil, serve
como “recurso provisório de designação de uma cultura mítica que não mais se caracterize só
pelo exercício de uma estrutura fundadora ou originária (africana), mas também por um empe-
nho agonístico com a ideologia dominante no Brasil, que se descreve como a ordem da história”
(SODRÉ, 1983, p. 136). Com esta perspectiva ontológica se forçam os limites das políticas
públicas de cultura de vocação universalista, com problemas para oferecer um tratamento dife-
renciado para o diferente.
A figura dos “Mestras dos Saberes e Fazeres das Culturas Populares” tem utilidade na
linguagem jurídica e institucional, para contemplar e reconhecer toda uma série de práticas e
saberes desprezados pela arte e ciência moderna que historicamente monopolizam o favor do es-
tado. Mas ao mesmo tempo esta homogeneização é observada como ameaça descaracterizante,
pelo que salientar o nome específico que diferencia cada mestre se torna uma urgência. Nesse
contexto, o “griô” emerge com força, pela sua capacidade de conetar os mestres afro-brasileiros
com outras geografias africanas ou da Diáspora.
Esta hipótese abre uma agenda de pesquisa, entroncada com uma ecologia de conheci-
mentos que vêm sendo construída na universidade brasileira. Esta agenda começa pela compre-
ensão das condições básicas das práticas de produção e transmissão do conhecimento realizadas

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pelos griôs, para possibilitar o diálogo com as artes e ciências da modernidade ocidental. Isto
se concretaria num acompanhamento etnográfico dos griôs que abrisse os caminhos do aprendi-
zado, buscando os pontos de solapamento e incomunicação a ressolver. Mas ao mesmo tempo
urge buscar soluções institucionais criativas para fortalecer este renascimento, apoiando a proli-
feração da diferença na ecologia epistêmica brasileira. Para além das instituições culturais con-
templadas nas políticas públicas (museus, Pontos de Cultura, bibliotecas, centros comunitários
etc), o espaço acadêmico que centraliza a Universidade parece oferecer grandes oportunidades
de reconhecimento e aprendizado mútuo, como mostra o caminho trilhado pelo programa “En-
contro de Saberes” (CARVALHO, VIANA e ÁGUAS, 2015).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. No Brasil, tudo mundo é índio, exceto quem não é. Em: RICARDO,
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MÚSICA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL:


UM DEBATE SOBRE O PATRIMÔNIO MATERIAL E IMATERIAL
E A PRESERVAÇÃO DE ACERVOS MUSICAIS
Karina Barra Gomes1
Simonne Teixeira2

RESUMO: O artigo propõe um debate a respeito do patrimônio cultural e das questões


pertinentes a ele e dá destaque aos acervos de música brasileira da atualidade. Considera a
amplitude que o conceito de patrimônio adquiriu ao longo do tempo e contextualiza os acervos
de música brasileira como um patrimônio, expondo os sentidos e o lugar que os patrimônios
imaterial e material têm encontrado na identidade musical do Brasil. O trabalho mostra algumas
tentativas que foram realizadas no século XX e XXI em relação às políticas de cultura de
valorização do patrimônio musical no país, bem como a difusão, preservação, conservação e
tratamento dos patrimônios presentes em alguns acervos musicológicos, com destaque para o
acervo fonográfico da Casa de Cultura Villa Maria/CCVM-UENF, abrigado no município de
Campos dos Goytacazes, RJ.

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio Cultural, Acervos de música brasileira, Patrimônio Musical,


Políticas Culturais.

A partir de uma exposição com base na literatura especializada sobre a evolução do


conceito de patrimônio cultural e sua importância, buscamos, neste texto, refletir sobre a impor-
tância dos acervos musicais e as possibilidades de sua apropriação no contexto de um projeto de
cultura para a Universidade. Com isto, pretendemos dar visibilidade ao acervo fonográfico da
Casa de Cultura Villa Maria/CCVM que começou a conformar-se a partir da doação da casa a
então, recém fundada, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, em Campos
dos Goytacazes/RJ, no ano de 1993.

1
Licenciada em Música pela UNIRIO, Mestre em Políticas Sociais e Doutoranda em Políticas Sociais pela
UENF, professora de Arte na rede pública de ensino em Campos dos Goytacazes/RJ. Email: gomes.karina@
gmail.com
2
Doutora em Filosofia e Letras (História) - UAB/Barcelona; professora associada e atualmente Assessora da
Reitoria para a Casa de Cultura Villa Maria, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Email:
simonnetex@gmail.com

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1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PATRIMÔNIO CULTURAL


Como definição inicial para o termo já consagrado ‘Patrimônio Cultural’ levamos em
consideração a definição de Canclini (1997), em que podemos incluir enquanto tal, a herança
de cada povo, as expressões de sua cultura, os bens culturais visíveis e invisíveis: artesanatos,
línguas, conhecimentos, documentação e a comunicação do que expande através da indústria
cultural. Nesta perspectiva, os bens culturais podem ser tanto os produzidos pela classe hegemô-
nica (museus, obras de arte, casas de cultura), quanto os da cultura popular (música de povos,
escritos de operários e bens simbólicos de todos os grupos sociais).
A origem semântica da palavra patrimônio, segundo Choay, está ligada “às estruturas
familiares, econômicas e jurídicas da sociedade estável” (CHOAY, 1999, p.11) possuindo como
adjetivos: genético, natural, histórico, entre outros, o torna em sua acepção, um conceito “nô-
made”. O termo patrimônio sofreu transferência semântica em seu significado enquanto ambi-
guidades e contradições articulavam visões distintas para o patrimônio histórico e os comporta-
mentos associados a ele (CHOAY, 1999).
A maioria dos autores que discutem o patrimônio concorda com o fato de ser este um
conceito moderno, relacionado ao surgimento do Estado-Nação. É este o estofo que permite
o amplo desenvolvimento conceitual, sobretudo se observamos a relação entre patrimônio e a
ciência; o “patrimônio pretende encarar as visões gerais da ciência, quando a nação começa a
tomar consciência de si mesma como uma nação” (POULOT, 2011, p.476). Nesse aspecto, ele
aponta que esta conscientização de nação seria um tipo de abertura para o futuro, ao mesmo
tempo em que possibilita o laboratório e o arquivo da história no que concerne à construção de
uma identidade a partir do reconhecimento do patrimônio dentro de um país.
Todavia, a oposição hoje existente entre o patrimônio da tradição e o “patrimonialismo
moderno” envolve várias formas de apropriação. Após a Revolução Francesa, na Europa, “o de-
senvolvimento da ciência dos antiquários ou colecionadores fortalecia as ligações entre o patrio-
tismo e as pesquisas artísticas ou arqueológicas” (POULOT, 2011, p. 474). O uso tradicional do
patrimônio se baseia na familiaridade da vida cotidiana, mas a patrimonialização moderna se legi-
tima por meio de uma leitura esclarecida e crítica das obras de arte e dos objetos (POULOT, 2011).
A amplitude e o ecletismo que o conceito de patrimônio vem adquirindo, no decorrer do
século XX, proporciona uma posição de destaque a certos objetos, práticas, habilidades e a pro-
teção de costumes locais no mesmo plano de gêneros de vida ameaçados de extinção (POULOT,
2009), nos quais os valores da civilização estão envolvidos. Dentro dessa perspectiva e na ótica
de Poulot (2009), o próprio patrimônio determina as condições concretas de sua abordagem e o
pesquisador é conduzido ao âmago de seu quadro de valores.
A compreensão do patrimônio histórico e artístico foi bastante ampliada ao serem in-
seridos, como parte de sua representação, os bens imateriais, para além dos bens materiais de

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“pedra e cal”3. O patrimônio imaterial ou intangível é, segundo definição de Fonseca, aquele


que “não se materializa em produtos duráveis” (FONSECA, 2003, p.66). Ele se relaciona com o
transitório, com o fugaz, são representações simbólicas, tais como a arte dos repentistas, a pin-
tura corporal indígena, as festas e manifestações populares e a música, que têm sentido apenas
dentro de seu próprio contexto (FONSECA, 2003).
Neste sentido, Fonseca (2003) propõe que a imaterialidade está na representatividade
dos bens nos termos da diversidade social e cultural, o que é essencial para que a função do
patrimônio se concretize, onde os grupos sociais podem se identificar e se reconhecerem nesse
patrimônio, se apropriando e exercendo sua cidadania.
Contudo, o reconhecimento de novos patrimônios implica numa disputa pela sua conser-
vação e transmissão, bem como em esforços púbicos e privados em favor de múltiplas comuni-
dades numa busca por esse reconhecimento (POULOT, 2009).
A este propósito, Choay (1999) adverte que o crescimento dos tipos de patrimônio e sua
adequação aos valores científicos, estéticos, memoriais, sociais e urbanos sofreram mudanças
à medida que as sociedades foram se adequando aos efeitos da industrialização. Todas as alte-
rações ocorridas no decorrer do tempo sobre os bens patrimoniais foram acompanhadas pelo
crescimento do seu público, ainda que os acordos patrimoniais e o ajuste das práticas conserva-
doras em relação ao patrimônio não se faziam e nem se fazem “sem a presença de dissonâncias”
(CHOAY, 1999, p.14) que conflitam em torno do mesmo.
Entretanto, as ameaças que pairam sobre o patrimônio não impedem que haja um con-
senso em favor da sua conservação e sua proteção. Diversos autores tem se debruçado a refletir
sobre estas dissonâncias ou disputas com respeito ao patrimônio a ser preservado, ou não, e
sua relação com espaços públicos (POULOT, 2009; CHOAY, 1999; ARGAN, 1998). Principal-
mente porque, ao mesmo tempo em que a preservação das antiguidades nacionais era entendida
como um dever patriótico, a patrimonialização coincidia “amplamente com a tradição da cultura
erudita” (POULOT, 2009, p. 22). Porém, o apelo ao nacionalismo popular privilegiou a forma-
ção de coleções capazes de retornar às origens coletivas de uma nova comunidade imaginária,
principalmente no concernente ao patrimônio imaterial.
Contribui, para tanto, uma ampliação do conceito de cultura, a partir dos 1960, favoreci-
do pela emergência de novos grupos identitários, na busca de novos objetos pela antropologia e
pela história, que procuraram dar voz aos diferentes grupos culturais, antes completamente su-
bordinados às identidades nacionais. Os manejos políticos que vinham se desencadeando reve-
laram que o patrimônio era resultante de reconstruções com base na classificação e na escolha,

3
O termo se refere ao fato de os primeiros bens “tombados” no Brasil, limitarem-se ao patrimônio arquitetônico,
exclusivamente.

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ainda que políticas educativas e culturais tenham contribuído para o culto da herança patrimo-
nial, desde a segunda guerra até as últimas décadas (POULOT, 2011).
No Brasil, esta mudança se faz notar, com mais ênfase, na década seguinte, quando teve
início a implementação de importantes ações que foram marcos na história das políticas cultu-
rais no país, ainda sob o regime militar (CALABRE, 2015). Podemos citar, como exemplo, a
criação de novas instituições, entre elas, a Funarte (CALABRE, 2014). Todavia, essas ações não
consistiram ainda numa prática que envolvesse o conceito plural de cultura.
No entanto, para Calabre (2015), o campo dos estudos da cultura no âmbito acadêmico
passou a ser expressivo a partir dos anos 2000. Neste período, a pluralidade do conceito de
cultura passou a ser considerada pelos gestores e elaboradores das políticas culturais no Brasil.
Simultaneamente, novos atores, grupos sociais e novos olhares sobre os campos da cultura e do
patrimônio se efetivavam no campo das políticas de cultura.

2. O PATRIMÔNIO MUSICAL E AS POLÍTICAS CULTURAIS


No âmbito das políticas culturais no Brasil, os Indicadores Culturais (CULTURA EM
NÚMEROS, 2010) apresentam um diagnóstico que aponta a força e a realidade cultural do país.
Consideramos que os indicadores culturais são ferramentas importantes para um entendimento
da realidade cultural, sendo imprescindível conhecer seus resultados (divulgados pelo Ministé-
rio da Cultura), que podem contribuir para aprimorar a gestão de atividades culturais em muni-
cípios e a nível da federação.
Nolasco (2010) afirma que os Indicadores Culturais têm grande importância para a for-
mulação de políticas culturais, pois eles agregam sentido aos dados trabalhados, contribuem
para a definição de prioridades nas políticas culturais e para a efetividade dos programas exis-
tentes, organizam cadastros e pesquisas setoriais.
Os patrimônios imateriais referentes à cultura popular brasileira têm sido anotados e ca-
talogados pelos Indicadores Culturais. Grupos artísticos de manifestações tradicionais popula-
res foram identificados nos seus respectivos estados ou unidades federativas, bem como grupos
de capoeira, escolas de samba e grupos carnavalescos. Também têm sido registrados nos Indica-
dores festivais, concursos, mostras, oficinas e cursos de música oferecidos em todo o país, assim
como os grupos artísticos de orquestras, bandas civis e corais (CULTURA EM NÚMEROS,
2010), o que vem demonstrar a força e os impactos do campo da música na cultura brasileira.
Ao abordar o tema do patrimônio musical, dificilmente pode-se deixar de considerar
tanto as ideias de patrimônio imaterial, quanto as de patrimônio material, pois há, segundo Cotta
(2011), uma indiscutível contribuição que estes conceitos trouxeram ao campo da música.
A música é uma manifestação cultural que possui uma nítida interface material e imate-
rial. A interface material se expressa nos instrumentos, equipamentos, livros, acervos, arquivos,

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coleções, impressos, partituras, obras raras, manuscritos musicais, documentos que caracterizam
a história da música. O seu âmbito imaterial é representado pelas tradições, pelo conhecimento
musical informal transmitido de músico para músico, pelas práticas sociais vivenciadas e pelo
simbolismo ou “corpus simbólico” (COTTA, 2011, p.469) que é absorvido pelas comunidades
onde as práticas musicais se perpetuam ao longo do tempo.
O patrimônio cultural, no que se refere aos grupos musicais, expressa a solidariedade
que une os que compartilham um conjunto de bens e práticas que os identifica, preservando um
prestígio histórico e simbólico sendo, neste sentido, um lugar de cumplicidade social e que, por-
tanto, aponta para a importância de serem adotadas políticas de preservação e difusão de acervos
literários e musicais que representam a vida social e a memória histórica (CANCLINI, 1997).
A tradição presente na história da transmissão da cultura e do saber musical popular
mostra que os músicos brasileiros sempre foram os “portadores ativos” das tradições populares,
ou os guardiões ou “mantenedores” da tradição musical (BURKE, 2010, p.130-131), portanto,
artistas populares que deram início à formação de um patrimônio imaterial musical no país.
Para Canclini (1997), as políticas de patrimônio, de conservação e de administração do
que foi produzido no passado se torna algo necessário, a fim de possibilitar o acesso do patrimô-
nio musical a sua comunidade. Segundo Cotta (2011), a partir de 2003, alguns avanços foram
viabilizados por uma mudança nas políticas públicas para a área da cultura e isso possibilitou
uma maior acessibilidade, também, às verbas públicas, através de editais públicos e programas
culturais desenvolvidos por empresas.
Com isso, passamos a ter uma maior democratização do acesso às fontes musicológicas
que se encontravam inacessíveis devido às políticas restritivas de acesso, por razões de preser-
vação ou de competição intelectual e acadêmicas (COTTA, 2011). Mas muitas dessas fontes já
se encontram disponíveis por meio digital em sites, acervos musicais de bibliotecas e museus
brasileiros, pois foram digitalizados. Isso se tornou possível devido não só aos avanços da tecno-
logia, mas também a um esforço político de musicólogos, que participaram de congressos desde
a década de 1990 e os primeiros anos do século XXI, para que isso ocorresse.
No entanto, é preciso reconhecer que, em pleno século XXI, é importante que haja uma
política efetiva de tratamento e preservação do Patrimônio Musical Brasileiro, no que se refere
aos acervos musicais (COTTA, 2011). Uma mobilização dos profissionais ligados a esta área
multidisciplinar poderá viabilizar as ações necessárias para favorecer essa política de cultura.
Somente a consolidação de um espaço que viabilize uma ação coletiva de profissionais
de áreas transdisciplinares como a musicologia, artes, ciências da computação, biblioteconomia,
arquivologia e história possibilitará a discussão e o estabelecimento de normas descritivas para
fontes musicais manuscritas e impressas, registros sonoros, produção e conservação dos docu-

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mentos digitais, definição de normas técnicas, e políticas de preço para a reprodução digital de
documentos em acervos públicos e privados (COTTA, 2011).
É preciso considerar que, apesar dos avanços que foram alcançados por estes profissio-
nais, este é um processo iniciado ainda nas primeiras décadas do século XX, impulsionado por
intelectuais do Modernismo no Brasil, dentre os quais se destaca Mário de Andrade. Estes “fo-
ram os protagonistas no pensar a ampla e nuançada questão do patrimônio, material e imaterial”
(TONI, 2013, p.61). As duas viagens de Mário de Andrade para o norte e nordeste do Brasil entre
os anos de 1927 e 1929, ocorreram numa tentativa de encontrar os cantos e danças espalhados
pelo país, ainda assim, dando início, com essa pesquisa pioneira, à organização de um material
coletado que antes não havia sido registrado por um musicólogo. Mário, na ocasião, anota “com
escrúpulos centenas de melodias cantadas” (SANDRONI, 1999, p.60), inaugurando o registro
do repertório musical brasileiro não erudito, que tardou ao menos 40 anos para ser revisitado.
Chuva (2012) nos faz recordar, que foi justamente na década de 1920, que ocorreu na
sociedade brasileira uma associação entre modernidade e nacionalidade, o que gerou uma con-
juntura caracterizada de modo bastante singular com a fundação das ações de proteção do patri-
mônio no Brasil. Estas, finalmente, se concretizam com a criação da Secretaria do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional/SPHAN, através do Decreto Lei nº25/1937.
A terceira viagem de Mario de Andrade, já organizada no Departamento de Cultura do
município de São Paulo, ocorreu em 1938 e ficou conhecida como Missão de Pesquisas Folcló-
ricas. Embora envolvido com a organização desta viagem, Mário não participou pessoalmente,
tendo sido esta comandada pelo arquiteto Luís Saia. Segundo Toni (2013), esta foi uma inicia-
tiva fundamental “para se conhecer um pouco a variedade musical do país”, até então o que
havia eram “raros registros de melodias, cantigas e bailados” (TONI, 2013, p.61), em livros ou
em discos.
Segundo Poulot (2011), uma das questões centrais da história cultural do patrimônio é
saber negociar entre os objetos de memória do passado e suas novas civilidades e atributos, pois
não se pode deixar de considerar que os três elementos do passado foram reunidos em breves
percursos ao logo do tempo: patrimônio, memória e história.
Nora (1993) consagrou a ideia de “lugares de memória”, com base na perspectiva de uma
ruptura entre a memória e a história, da qual decorre uma a necessidade de lugares de memória
pelo fato de não haver mais meios de memória (NORA, 1993, p.13). Para o autor, os lugares de
memória possuem três sentidos: material, simbólico e funcional. E, ainda que seja um lugar de
aparência material, como um depósito de arquivos, ele consiste de um lugar de memória “se a
imaginação o investe de uma aura simbólica” (NORA, 1993, p.21). Sem almejarmos a reduzir
estes lugares de memória a um sítio topográfico, a um depósito arquivístico, entendemos que os
locais que abrigam os acervos, musicais em nosso caso, devem ser vistos como espaços mistos,

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híbridos e mutantes, “enlaçados de vida e de morte, de tempo e de eternidade, numa espiral do


coletivo e do individual, do prosaico e do sagrado, do imóvel e do móvel” (NORA, 1993, p.22).
A questão pertinente para esta reflexão acerca do patrimônio musical, acervos musico-
lógicos e memória seria identificar os “lugares de memória” que sejam abrigo para objetos ou
documentos que remetem a um passado, bem como suas novas civilidades e atributos, o que se
alinhava com as questões centrais da história do patrimônio4.
Uma tentativa de ilustrar este debate se manifesta na menção de alguns acervos e coleções
de registros musicais brasileiros que têm sido preservados nos últimos vinte anos, bem como na
apresentação do acervo fonográfico que está abrigado na Casa de Cultura Villa Maria/UENF.

3. OS ACERVOS MUSICOLÓGICOS BRASILEIROS


Os locais que buscam preservar o passado são lugares que abrigam a memória. Para
Alvisi (2007), eles desejam evocar o passado para trazê-lo ao presente como um lastro, pois ne-
les fragmentos de vivências adquirem significados que persistem através das iniciativas desses
lugares de memória.
A salvaguarda, o reconhecimento e a identificação dos bens de produção, informação e
documentação implicam na ação ativa de atores sociais nesses processos de preservação, e não
somente na ação do Estado como lócus único destes. Ao mencionar a articulação de políticas
de salvaguardas e uma visão integrada da sociedade das dimensões material e imaterial do pa-
trimônio cultural, Sant’anna (2007) propõe uma reflexão acerca das políticas de cultura onde os
grupos de pessoas se apropriam e se identificam o que lhes é importante.
No Brasil, alguns acervos musicais atuais estão bem mais completos de fontes e organi-
zados do que foram no fim da década de 1990 ou início dos anos 2000, segundo Cotta (2011).
Com o suporte da tecnologia, muitos documentos se encontram digitalizados e podem ser aces-
sados em sites, o que permitiu e facilitou o acesso dos pesquisadores às fontes.
Segundo Blanco (2006), os acervos musicais baianos têm sido pesquisados devido a sua
importância, pois sua tradição musical vem desde a colonização europeia. Ainda assim, o autor
menciona o prejuízo que o estado da Bahia teve diante dos deslocamentos de acervos, coleções
privadas, coleções do Convento do Carmo de Salvador e obras de compositores que foram pro-
movidos às metrópoles brasileiras ou estrangeiras.
Blanco (2006) associa esses deslocamentos à pouca importância que era dada à música
erudita brasileira pelos baianos, o que prejudicou o interesse das pessoas pelo passado musical
baiano. Portanto, a musicologia da Bahia demorou a se consolidar como campo acadêmico.

4
E aqui, em um sentido mais amplo, tendo-se em conta a pesquisa de mestrado desenvolvida por uma das autoras
sobre as bandas civis centenárias de Campos dos Goytacazes, na UENF, defendida em 2008.

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Em 2006 (BLANCO, 2006), havia vinte instituições possuidoras de acervos relativos à


música em Salvador. Nos 500 municípios baianos, havia 190 fundos de documentos musicais
pertencentes a arquivos públicos estaduais e municipais, sociedades filarmônicas civis, coleções
privadas e acervos bibliográficos.
O Instituto Moreira Salles (IMS) foi fundado em 1990 e tem como objetivo difundir,
preservar, dar tratamento e divulgar acervos de imagens, literatura e som. Ele se estende pelo
estado de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo Franceschi (2007), o IMS é uma
entidade civil sem fins lucrativos, mantido pelo UNIBANCO, inicialmente e, posteriormente,
ampliada pela família Moreira Salles. O IMS se dedica exclusivamente ao desenvolvimento de
programas culturais, entre eles projetos na área de fotografia (acervos e exposições), literatura
(projetos editoriais), cinema (exibições), artes plásticas e visuais (pinacoteca), música brasileira
(acervos e recitais).
No que tange à preservação da memória da música brasileira, o IMS abriga diversos
acervos que foram reunidos ao longo do século XX por artistas, jornalistas e pesquisadores
(FRANCESCHI, 2007). Entre eles estão o acervo do crítico musical José Ramos Tinhorão, a
coleção do pesquisador Humberto Franceschi e a de Boris Schneiderman (1917-2003), “uma
das melhores discotecas de música erudita internacional existente no país”, segundo Franceschi
(2007, p.152). Somam um total de discos em 78 rpm e um repositório de 80 mil fonogramas.
A preservação de acervos documentais e de música impressa do IMS inclui partituras de
Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Pixinguinha, sendo que muitas delas são manuscritas,
destacando um dos períodos mais relevantes da formação da música brasileira para estudos e
pesquisas nesta área (disponível em http://www.ims.com.br/ims/instituto/historia).
O Acervo do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro, que já foi denominado como o
arquivo de música da Real e Imperial Sé Catedral do Rio de Janeiro, teve toda sua seção musical
tratada e digitalizada, em 2005. Os manuscritos são originais e algumas partituras estão auto-
grafadas por José Maurício Nunes Garcia, um dos nomes de referência da música erudita sacra
brasileira (COTTA, 2011).
O Museu de Música de Mariana também teve seus arquivos de áudio editados e gravados
pelo Projeto Acervo da Música Brasileira / Restauração e Difusão de Partituras, realizado entre
2001 e 2003. O acervo encontra-se on-line e ainda disponibilizado através de um banco de dados
no site do Museu, segundo Cotta (2011).
Outros exemplos de acervos brasileiros são o Setor de Musicologia do Museu da Incon-
fidência de Ouro Preto, onde se pode encontrar a coleção inteira do musicólogo Francisco Curt
Lange e o Acervo Curt Lange da Universidade Federal de Minas Gerais (ACL-UFMG), que
contém o arquivo pessoal do musicólogo.

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A Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mantém o Se-


tor de Manuscritos da Biblioteca Alberto Nepomuceno, que também passou por um avanço no
sentido da disponibilidade das fontes digitalizadas. A Divisão de Música e Acervo Sonoro da
Biblioteca Nacional (DIMAS-BN), segundo Cotta (2011), é considerado o maior acervo público
de fontes para pesquisa musicológica no Brasil em termos de quantidade de fontes e se localiza
no Rio de Janeiro.
A inacessibilidade dos acervos musicais foi bastante superada com os avanços da tecno-
logia digital, o que favoreceu os pesquisadores que podem ter acesso livre e gratuito também em
banco de dados. Contudo, para Cotta (2011), a grande dificuldade que se apresenta em relação
aos acervos disponibilizados via internet é a sua inconstância, a curta duração, as mudanças de
endereços na web e a instabilidade no acesso, pois os sites estão constantemente em manutenção.

4. O ACERVO MUSICAL DA CASA DE CULTURA VILLA MARIA


A Casa de Cultura Vila Maria foi doada a Universidade Estadual Norte Fluminense Dar-
cy Ribeiro, no ano de sua fundação em 1993. A casa, construída em 1918, como um presente
de seu esposo à Maria Tinoco Queiróz, foi deixada por esta em testamento, na ausência de her-
deiros, à primeira Universidade que viesse a instalar-se na cidade de Campos dos Goytacazes.
A casa de estilo eclético, rodeada de um amplo jardim, tornou-se a Casa de Cultura Villa Maria/
CCVM da UENF, sede da Reitoria e espaço cultural por excelência da universidade.
Quando da instalação da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, o
filósofo José Américo Motta Pessanha elaborou, a pedido de Darcy Ribeiro, um projeto para a
Casa de Cultura Villa Maria. Em seu projeto, Pessanha assinala que a Villa Maria, “está proje-
tada para a prestação de serviços à comunidade e ao mesmo tempo ser cartão de visitas da Uni-
versidade Estadual do Norte Fluminense” (RIBEIRO, 1993, p.179). Inspirados nesta proposição
foram criados diversos setores na CCVM que tinham por objetivo a promoção e a difusão da
cultura para a comunidade local. Entendemos que, se tratando de uma casa de cultura, que as
prestações de serviço à comunidade dizem respeito às atividades culturais.
Entre 1994 e 2009 foram realizados muitos eventos com a presença de cantores, músicos,
palestrantes, pesquisadores locais e de fora da cidade. A Casa contava, e ainda conta, com um
rico acervo acolhido em seus diversos setores: fonoteca, hemeroteca, sala de leitura e videoteca.
Havia também um auditório que servia à projeção de vídeos. Em tempos mais recentes, ele abri-
ga uma sala com internet comunitária, um projeto desenvolvido por professores da UENF (Villa
Livre) que, em seu momento, constituiu-se no primeiro ponto de internet grátis no município5.

5
O projeto Villa Livre promove internet gratuita para a comunidade utilizando software de código aberto, e desen-
volve atividades como: oficinas de digitalização, de áudio e vídeo e curso de iniciação em Linux.

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A Casa de Cultura Villa Maria permaneceu nos últimos anos (2008-2015) sem a presença
de um diretor e, na atualidade, ela pouco tem cumprido essa função primordial. As prestações
de serviços são acanhadas e quase inexistentes, e ela não tem ocupado o protagonismo de ser, de
fato, o cartão de visitas da UENF. Neste período, os diversos setores ficaram sem projetos siste-
máticos de manutenção das atividades e dos acervos. Com a eleição de uma nova Reitoria (gestão
2016-2019), a CCVM tem sido objeto de um renovado interesse pela comunidade universitária.
Um dos acervos mais importantes da CCVM é o da fonoteca. Este vasto acervo musico-
gráfico, inclui fontes documentais e sonoras referentes à música local, brasileira e estrangeira.
Entre as fontes sonoras presentes no acervo, a diversidade de gêneros e estilos musicais é bem
ampliada e, para vários estilos de gostos, preferências e épocas, que vai do popular ao erudi-
to. Este amplo acervo atendeu, nos primeiros anos de funcionamento da casa, um expressivo
público local, que acorria à Casa de Cultura para escutar música. Estas audições ocorriam em
uma sala equipada com poltronas e auriculares e o usuário podia escolher, em uma relação de
músicas, as que desejava ouvir. Também eram promovidas, ocasionalmente, audições coletivas.
O acervo musical do qual pretendemos tratar nesta ocasião, abriga um amplo espectro
de estilos musicais, com itens que vão desde a cultura musical erudita à popular em que inclui
diversas partes do mundo. Está formado por 17.000 fonogramas, registrados em diversos tipos
de suportes: LPs, fitas cassetes, fitas Dat, fitas de rolo, CDs e mini CDs. Dentre os LPs, podem
ser encontrados discos de vinil de 33 rpm de rotação, discos compactos e discos de acetato.
Este acervo começou a constituir-se com a instalação da Universidade, a partir de doa-
ções. O próprio Darcy Ribeiro, criador e chanceler da UENF doou, em seu momento, aproxima-
damente 500 itens, entre fitas Dat e discos de vinil. Rádios locais, como por exemplo, a Litoral
FM, doou 300 LPs. A primeira Rádio de Campos dos Goytacazes, Rádio Cultura de Campos (a
1ª Rádio do antigo Estado do Rio de Janeiro) doou aproximadamente 1.500 LPs, sendo que, em
sua maioria são LPs de acetato (de 78rpm). Além das rádios, pessoas da comunidade, embai-
xadas e outros fizeram doações ao acervo da CCVM, parte delas anônimas. Entre 1993 e 2009,
Casa de Cultura Vila Maria participava dos Catálogos do projeto Viva a Música, evidenciando a
importância, a nível nacional, do seu acervo.
Em 2003 teve início o processo de digitalização dos fonogramas (LPs e fitas K7), como
parte de um projeto de pesquisa estimulado pelo então diretor da CCVM e com a participação de
funcionários e bolsistas. O Orfeão Santa Cecília de Campos dos Goytacazes6 também contribuiu
financeiramente com a digitalização de parte da coleção de LPs e fitas K7 de parte do acervo.
Como já advertimos, até 2009, a fonoteca funcionava regularmente, disponibilizando
todo o material para acesso gratuito ao público, quando seu funcionamento foi suspenso por

6
Sociedade Musical criada em 1941, pelo musicista Newton Périssé Duarte, também autor da música do hino da
cidade (Campos Formosa).

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tempo indeterminado e seu foco passou a ser a formação de um Núcleo de Pesquisa e Docu-
mentação Musical que se dedicou à preservação dos fonogramas, partituras e fitas VHS que
trazem documentários, shows gravados, filmes que contam a vida e a obra de músicos, livros e
recortes de jornais. Alimentado sempre por doações, a incorporação destes novos itens ao acer-
vo, tornou-se um processo acumulativo, sem um programa de divulgação da coleção. A falta de
recursos interrompeu o processo de digitalização e diminuiu a verba destinada à conservação
do acervo.
A preservação deste patrimônio, de caráter material e imaterial7, é um dos grandes desa-
fios a serem enfrentados neste momento pela nova gestão da Universidade. Depois de 22 anos
de criação, a UENF se destaca no cenário nacional como uma importante Instituição de Ensino
Superior e faz-se necessário repensar o lugar da CCVM neste novo cenário. Dentre os aspectos
a serem considerados estão os seus acervos.
Acreditamos que neste recomeço, a CCVM deva incentivar e fomentar atividades de
pesquisa e produção cultural. Entendemos que a pesquisa e a produção devem configurar-se
ainda, como caminhos de aproximação da Universidade com a cidade e a região. No lugar de,
simplesmente, abrigar exposições eventuais e seminários, ela mesma deve ser capaz de propor
temas e análises sobre questões culturais convocando a comunidade universitária e local ao mais
amplo diálogo. A exemplo da proposta original da UENF, que direciona à experimentação – daí
os Laboratórios no lugar dos departamentos – a Villa Maria deve situar-se como um espaço de
experimentação, sobretudo no campo da cultura, o que constitui sua natureza.
As artes, o ensino das artes e o incentivo da criatividade devem ser permanentemente
estimulados no ambiente universitário, na mesma medida em que se estimula o conhecimento
científico. Uma casa de cultura vinculada à instituição universitária deve desenvolver plena-
mente suas atribuições (ensino, pesquisa e extensão), tomando para si estas competências de
modo criador. Assim, deve incorporar as mais diferentes manifestações da criatividade humana,
evitando a mera reprodução das práticas culturais hegemônicas e de massas, diferenciando-se
pela qualidade crítica e investigativa.
É neste âmbito da pesquisa que deve ser pensado o acervo fonográfico, como um espaço
aberto à consulta e à descoberta, completamente digitalizado e acessível pela web. Para tanto,
deu-se início a um detalhado inventário do acervo fonográfico, ao mesmo tempo em que se pro-
cura definir formas de implementar um banco de dados que possa estar disponível na internet,
com os conteúdos já digitalizados.

7
Material porque são documentos, mas imaterial devido ao seu simbolismo, valor e significado únicos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CAMPOS DOS GOYTACAZES NO PALCO DA CULTURA: 2005 A 2014


Kátia Macabu de Sousa Soares1
Denise Cunha TavaresTerra, D.Sc.2
Lia Calabre de Azevedo, D.Sc.3

RESUMO: Neste artigo analisa-se o processo de participação da população de Campos dos


Goytacazes na elaboração da Política Pública de Cultura do município no período de 2005 a 2014.
Para tal, adota-se o método qualitativo de pesquisa por meio de entrevistas em profundidade
com representantes da sociedade civil que participaram dos Conselhos e/ou das Conferências
de Cultura realizadas no período de estudo proposto, além de fontes documentais como atas
do Conselho Municipal de Cultura. Verificou-se que no município o ator principal da política
cultural é a institucionalização da cultura e não a sociedade. Por isso, propõe-se a adoção de
procedimentos participativos na construção e execução da política cultural por meio da cogestão
da sociedade civil na realização de uma política de Estado.

PALAVRAS-CHAVE: cidadania cultural, política pública de cultura, participação

1. INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira, de modo geral, tem atuado como plateia, receptora e passiva,
diante das políticas culturais adotadas, permanecendo alheia às decisões a serem tomadas e
ignorando suas oportunidades de participação ativa na vida cultural rica e diversa do país. Po-
siciona-se como se estivesse em espetáculo teatral, diante de um palco italiano, sendo simples-
mente plateia e desempenhando um papel de espectador, sem qualquer interação com o que se
representa sobre o palco e/ou com os que estão no palco. O que significa dizer que a sociedade
se encontra bem distante de sua atuação como personagem protagonista da política cultural im-
plantada [ou em vias de ser] pelos governos nas três esferas de poder.

1
Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades, UCAM-Campos/Professora e Coordenadora do Curso
de Licenciatura em Teatro do IFFluminense: katiamacabu@gmail.com
2
Professora colaboradora, Orientadora do trabalho de dissertação de Mestrado da autora, UCAM/UENF: denise-
terra@gmail.com
3
Professora convidada, coorientadora do trabalho de dissertação de Mestrado da autora, FUNDAÇÃO CASA DE
RUI BARBOSA: liacalabre@rb.gov.br

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Questiona-se, qual seria o lugar da sociedade civil, então? Apoiando-se na dramaturgia,


afirma-se que seu lugar, quando protagonista, é basicamente o palco, espaço no qual se desen-
volvem as cenas; neste trabalho, é o ponto de maior destaque de uma ação coletiva e protagonis-
ta na elaboração e na execução da política cultural.
Partindo desta premissa, remete-se à Estética do Oprimido de Boal em contraponto ao
papel passivo que o público desempenha no desenho do teatro aristotélico no qual se utiliza o
recurso da quarta parede, sem qualquer conexão entre palco/atores e plateia/público. Na meto-
dologia de Boal, o espectador é chamado a assumir seu lugar no palco, levando sua realidade
opressora até ele para ali, diante de uma plateia atuante, iniciar sua transformação. Nesta es-
tética, o espectador deve ser transformado. Boal, portanto, subverte os lugares e as posições,
inclusive os espaços, onde o palco pode ser qualquer lugar e o protagonista, qualquer indivíduo.
Elimina-se, assim, a diferença entre ator/espectador, derrubando-se uma primeira opressão, pois
este deixa de ser imobilizado por aquele e passa a interagir diretamente com a peça.
Retorna-se a questão, levantando-se outra premissa: se o palco é essencialmente o lugar
do protagonista e este papel deveria ser exercido pela sociedade nas ações e políticas públicas de
cultura, pode-se afirmar que este é o lugar ocupado pela sociedade brasileira na última década?
Depende, entre outras questões, da dimensão em que se formulam as políticas públicas
de cultura. Sob a ótica das dimensões sociológica e antropológica, possibilita a promoção da de-
mocracia cultural, porque procura identificar a cultura como ela é vivida pela população e pelo
indivíduo. Rubim (2011) afirma que um Estado, quando regulado democraticamente pela socie-
dade, pode conformar uma cultura pública, não redutível à mera feição estatal. Contudo, adverte
Botelho (2001) que embora se elejam a dimensão antropológica da cultura como a mais nobre,
porque é mais democrática, seria exatamente esta dimensão uma das principais limitadoras das
políticas públicas. Acrescenta que
[...] ela é a expressão dos sentidos gerados interativamente pelos indiví-
duos, funcionando como reguladora dessas relações e como base da or-
dem social. Por isso mesmo, ela acaba sendo privilegiada pelo discurso
político, principalmente nos países do Terceiro Mundo, onde os proble-
mas sociais são gritantes e suas economias dependentes. (BOTELHO,
2001, p.75)
Neste diálogo, insere-se Chauí (2008) que argumenta que, mesmo não sendo o Estado
produtor e nem ferramenta para o consumo da cultura, a relação entre eles se dá quando aquele
a concebe como um direito do cidadão, assegurando-lhe “o direito de acesso às obras culturais
produzidas, particularmente o direito de fruí-las, o direito de criar as obras, isto é, produzi-las,
e o direito de participar das decisões sobre políticas culturais”. (ibid., p. 65). Além de os cida-
dãos terem o direito de intervir na definição de diretrizes culturais e dos orçamentos públicos
na formulação da política cultural. Isso seria a garantia tanto do acesso quanto da produção de

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cultura pelos cidadãos no exercício pleno de sua cidadania cultural. Em que contexto se esta-
belece a democratização da cultura? Chauí (2008) afirma que ela pressupõe uma concepção de
democracia diferente de sua definição liberal, ou seja, uma democracia que ultrapasse “a ideia
de um regime político, identificado à forma do governo, tomando-a como forma geral de uma
sociedade” (ibid., p. 67) definindo-a como essencialmente democrática.
Estudos analisados por Botelho (2001) demonstram que há uma suposição de que in-
vestimentos em novos equipamentos culturais, por exemplo, seriam garantidores da promoção
da democratização da cultura. Ela informa que esta visão estaria presente em grande parte das
metas estipuladas nas políticas públicas de diversos países, contudo tal crença não se sustenta
diante dos resultados de suas pesquisas. Nelas se observa que, mesmo quando são construídos
espaços culturais e oferecidos preços mais baixos nos ingressos, como a oferta da metade do
preço real para estudantes e idosos no Brasil, os frequentadores destes ambientes são os que já
tinham vontade ou necessidade de fazê-lo anteriormente. Isto porque o que impede preponde-
rantemente o acesso à oferta da cultura, chamada clássica, aos novos segmentos da população
são as barreiras simbólicas. As desigualdades culturais não se alteram com transferência de
meios financeiros provenientes dos impostos pagos pesadamente pelo conjunto da população
para os mais favorecidos, segundo Botelho (2001). A autora conclui que, ao contrário, a prática
da política de subvenção acaba por reforçar tais desigualdades, visto vir a favorecer “a parte do
público que já detém a informação cultural, as motivações e os meios de se cultivar” (ibid., p.
81). Os resultados auferidos impulsionam uma mudança do paradigma:
[...] hoje não se fala mais em democratização da cultura, mas sim em
democracia cultural, que, ao contrário da primeira, tem por princípio
favorecer a expressão de subculturas particulares e fornecer aos exclu-
ídos da cultura tradicional os meios de desenvolvimento para eles mes-
mos se cultivarem, segundo suas próprias necessidades e exigências. Ela
pressupõe a existência não de um público, mas de públicos, no plural.
(BOTELHO, 2001, p. 81-82)
Tal perspectiva aponta para a percepção de existir não somente um público e um “não
público” como havia feito emergir a democratização cultural, mas, para além desta noção, “há a
segmentação do público em subpúblicos, com suas necessidades, suas aspirações próprias e seus
modos particulares de consumo” (ibid., p. 82).
Chauí (2008) reitera que a cidadania cultural só tem possibilidade de existir por meio de
uma cultura da cidadania e que esta se viabiliza apenas numa democracia. Deste modo, a autora
afirma que, para haver uma nova política cultural, é preciso também que se comece uma cultura
política nova, “cuja viga mestra é a ideia e a prática da participação” (ibid., p.76). Reafirma-se, por
oportuno, que a democracia participativa, relativa à participação popular na gestão pública, está
destacada em um dos princípios fundamentais da Constituição Brasileira de 1988, que é o direito

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à dignidade humana, declarando que “todo poder emana do povo”. Esse poder poderá ser exercido
de modo indireto, por meio de seus representantes, ou direto, em benefício da coletividade.

2. ESTUDO DE CASO
Realiza-se estudo de caso na busca de se mensurar e avaliar o processo participativo da
sociedade civil bem como a qualidade da participação realizada pela sociedade na escala mu-
nicipal, mediante a inclusão de Campos dos Goytacazes no Sistema Nacional de Cultura, e a
efetivação dos instrumentos de gestão participativa: Conselho, Plano e Fundo [CPF da cultura]
e as Conferências realizadas nos anos de 2006, 2012, 2013 e 2014.

2.1. Metodologia
A compreensão do nível de cidadania cultural – participação cidadã – existente no muni-
cípio de Campos dos Goytacazes se realiza a partir da observação dos mecanismos de incentivo
à participação da população. Adota-se a técnica de pesquisa e análise documental das Atas das
reuniões ordinárias realizadas no Conselho de Cultura no período de 2009 a 2014, assim como
das quatro Conferências realizadas no período de estudo.
Utiliza-se, ainda, a metodologia de pesquisa qualitativa empregando a técnica de en-
trevista individual em profundidade com o objetivo de se saber como o conceito de cidadania
cultural participativa é percebido pelo conjunto de dez entrevistados, pessoas com contribuições
diversas e relevantes para a cultura do município. Os entrevistados foram divididos em quatro
grupos distintos: quatro representantes de segmentos da sociedade civil organizada no Conselho
de Cultura [COMCULTURA] e/ou no Conselho de Patrimônio Cultural [COPPAM]; quatro
agentes culturais; um gestor municipal da cultura e presidente dos dois conselhos e uma verea-
dora com assento no Conselho de Cultura.
Por fim, identifica-se a integração das informações e procede-se uma síntese das desco-
bertas que venham a esclarecer a situação-problema elaborada nesta pesquisa, ou seja, a forma
de participação da sociedade civil organizada nos diversos mecanismos de participação: Con-
ferências de Cultura, entre os anos de 2006 a 2014; adesão ao Sistema Nacional de Cultura,
em 2011; aprovação do Sistema Municipal de Cultura, em 2013. Respondendo-se a pergunta:
estaria a sociedade no palco ou na plateia das decisões tomadas?

2.2. Análise dos Resultados


Reafirma-se o espaço do palco, entendido como o lócus onde as “coisas” acontecem,
ou seja, o território da realização das ações e políticas culturais projetadas pelo poder local. A
investigação questiona se é a população, representada pela sociedade civil em conselhos e con-

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ferências, que está no papel principal da vida cultural do município, como sugere a conformação
das políticas públicas do estado democrático.
Tal dúvida ganha maior pertinência quando o que se quer avaliar é a qualidade da par-
ticipação da sociedade civil, seja na elaboração, seja na implementação da política cultural/
ações culturais promovidas pelo poder local ou ainda no monitoramento das ações executadas.
Se existe uma política cultural em Campos dos Goytacazes e não há a efetiva participação da
sociedade nas deliberações dessa política, poderia se afirmar que estaria o poder local fugindo
dos preceitos da cidadania cultural?
Reafirma-se, por oportuno, que a ótica defendida neste artigo é a de que possibilitar o
alcance à cidadania cultural deve ser o objetivo central de uma política cultural que se pretende
eficaz e eficiente no atendimento aos anseios e às necessidades da população, apoiando-se na
garantia dada a todos os cidadãos brasileiros de ter pleno exercício dos direitos culturais.

2.2.1. Análise documental: atas do COMCULTURA


Na análise de vinte e oito atas [sete do biênio 2009-2010 e vinte e uma do biênio 2012-
2014], verificou-se que, durante o funcionamento do COMCULTURA, foram realizados deba-
tes bastante acirrados entre seus membros. Destaca-se que, no primeiro biênio, sua presidência
foi alterada por três vezes, já que era exercida pela presidência da Fundação Cultural Jornalista
Oswaldo Lima - FCJOL e, neste período, houve troca de seu gestor devido à alternância de
prefeitos por questões jurídico-administrativas. Após a criação da Secretaria Municipal de Cul-
tura, ocorrido em 2009, altera-se a presidência também do COMCULTURA, que passa a ser
responsabilidade desta e não mais da FCJOL. Contudo, quando aquela foi extinta em 2012, sua
presidência passou para o superintendente de patrimônio histórico, cargo ocupado pelo então
ex-secretário de cultura.
Tal presidência exercida por um representante do poder público, conforme se verifica em
ata , motivou questionamentos. Ponderou-se que caberia aos representantes da sociedade civil a
4

elaboração de pautas das reuniões, e que esta deveria ficar com um representante da sociedade
civil, porque, de certo modo, seria mais permanente que o do governo. Isto foi defendido por ele,
no entanto não recebeu acolhimento da presidência. Por pertinência, ressalta-se que este pleito,
que aqui está representado por um conselheiro, de fato já está contemplado no âmbito estadual
com a promulgação da Lei Estadual de Cultura5, e foi destaque em algumas das entrevistas re-
alizadas pela autora.
Por meio do fato relatado e de outras contendas observadas nas atas, verificou-se que a
participação no processo decisório é diferenciada quando esta é exercida dentro de um grupo do

4
Realizada em 20 de março de 2009.
5
Nº 7.035 de 07 jul. 2015.

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qual se tem parte em comparação com a decisão tomada quando se está em um grupo [COM-
CULTURA] cuja atividade é controlada por outros membros, neste caso o grupo que representa
o poder público. Assim se distingue o conselheiro que faz parte, caso em se enquadram aqueles
que mantiveram independência em seus posicionamentos, dos que tomam parte, postura clara-
mente voltada para os que participam sempre em sintonia com os preceitos dos que comandam
o grupo, neste caso o poder público que, além de ter a presidência do conselho, desequilibra a
paridade - poder público e sociedade civil - ao ter um membro da câmara de vereadores, que é
da base do governo. Respondem-se, de certo modo, os questionamentos supracitados.
Os conselheiros do mandato 2009-2012 do COMCULTURA realizaram trabalhos de
destaque como a elaboração da minuta do Fundo Municipal de Cultura – FUNCULTURA e do
próprio Regimento Interno do Conselho. No entanto,
[...] A idealização do papel dos conselhos pode criar expectativas exage-
radas e conduzir a maiores frustrações. Os recursos públicos destinados
às políticas sociais são cada vez mais reduzidos. Impõe-se, pois, aos
conselhos, nos diversos níveis, a tarefa crucial de discutir o orçamento
público, não apenas o fundo específico do setor, mas as prioridades na
distribuição dos recursos. (TEIXEIRA, 1996, p 18.)
Contudo, tal atitude por parte dos conselheiros não foi constatada ao longo dos dois
biênios analisados. A frequência e participação dos conselheiros foram destaque nas reuniões
do primeiro período, com exceção de uma que não teve o quórum necessário. Com relação aos
mecanismos de incentivo à participação da população nos encontros deste Conselho, não se ob-
serva tal preocupação, talvez mediante as demandas que estes conselheiros tinham a sua frente
para reestruturar tal colegiado que por anos deixou de atuar, visto a escolha de seus membros ter
ocorrido em 2006 e a nomeação somente em dezembro de 2008.
No período compreendido entre 2012-2014, do qual participou esta autora como mem-
bro efetivo, as convocações para as reuniões não mantiveram uma sistemática periódica, ora
aconteciam quinzenalmente, ora bimestralmente. Nas atas, não há registro nominal da presença
dos conselheiros em cada sessão e nem seu quantitativo. Elas informam apenas os nomes da-
queles que apresentaram suas opiniões no decorrer das reuniões. Este fato acaba por impedir
o levantamento fidedigno da frequência assídua de alguns conselheiros e, por conseguinte, da
ausência sistemática de alguns membros tanto da sociedade civil quanto da representação dos
órgãos públicos. Todavia, pode-se afirmar que a Secretaria Municipal de Educação não se fez
presente por meio de seus representantes no quadro de conselheiros durante os dois anos; a Câ-
mara Municipal enviou o nome de seus representantes apenas no ano de 2014, quando começa
a participação efetiva de sua titular. Enquanto que a representação do Núcleo de Arte e Cultura
de Campos compareceu somente na reunião em que foi realizada a eleição do comitê gestor
do FUNCULTURA para o qual se candidatou e foi eleita, não mais retornando para as demais

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reuniões do período. Salienta-se que não chegou ao conhecimento dos conselheiros ter havido
qualquer notificação formal solicitando que estes retornassem a frequentar as reuniões ou mes-
mo que fossem indicados outros nomes para representarem aquele órgão ou instituição civil.
Dos encontros ocorridos a partir de 2012, pode-se apurar que houve algumas discus-
sões mais acaloradas e grande disposição por parte dos representantes da sociedade civil em
realizarem um trabalho efetivo de participação e de colaboração para que a cultura do municí-
pio se consolidasse à luz da legislação municipal, devidamente amparada ou em vias de fazê-
-lo, segundo relata o presidente do Conselho. Uma parte do grupo de conselheiros apresentava
disponibilidade para contribuir de modo mais eficaz não somente cumprindo o regimento do
COMCULTURA ou a determinação legal do colegiado no município, mas também colaborando
ativamente para que fossem implantadas formas mais abrangentes de participação da sociedade
civil e da população com possibilidade efetiva de promover a cidadania cultural no município.
No entanto, analisando mais profundamente o quadro geral de conselheiros, pode-se ob-
servar que alguns membros da sociedade civil se posicionavam com frequência em sintonia com
os da gestão municipal, fato que, em certos momentos de polêmicas mais acirradas, verificou-se
a tendência destes em acatar, sem questionamentos, o que era apontado como ação cultural defi-
nida pelo grupo gestor/poder executivo. Exemplo deste fato ocorreu, após a leitura da ata da 1ª
reunião, quando diversos conselheiros apontaram um equívoco da relatoria, qual seja o fato de
que determinado ponto não teria sido discutido naquela reunião. Foi solicitada, então, a retirada
deste trecho antes da aprovação da ata, mas uma conselheira, representante de um dos órgãos do
governo, defendeu a secretaria e a presidência do COMCULTURA afirmando, com veemência,
que tinha sido tratado tal assunto. Os demais conselheiros se calaram e, conforme consta em ata
da 2ª reunião, “polêmica a parte, o conselho optou por manter o registro da ata anterior, devida-
mente aprovada pelos presentes” (COMCULTURA, 24 nov. 2012).
Pode-se verificar a questão do grau de controle cívico e a falta de accountability vertical,
isto é, de responsabilização política, como afirmam Magalhães e Costa (2007) entre o poder pú-
blico e a sociedade civil. Accountability pública envolve uma relação de manutenção de trans-
parência das ações do Estado, uma vez que para o efetivo exercício da democracia deve haver
o governo “do povo” e, sem saber o que está sendo feito a seu favor, o povo não pode avaliar se
está sendo bem atendido por seus representantes. (MAGALHÃES E COSTA, 2007, p. 3)
Registra-se que, ao longo do ano de 2013, paralelamente, os conselheiros coordenaram
reuniões com os segmentos de cada estética artística, com a participação de artistas e produtores
culturais, formando, assim, as câmaras técnicas. Ao fim de cada encontro, o conselheiro respon-
sável elaborou um relatório que foi apresentado na reunião do COMCULTURA. A partir destes
encontros, foram levantadas as demandas de artes cênicas, música, patrimônio cultural e audio-
visual, contudo os setores de literatura e arte popular não chegaram a levar ao conhecimento do

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colegiado suas contribuições. Ficou acordado no COMCULTURA, que todas as propostas com-
poriam o Plano Municipal de Cultura, instrumento que até março de 2016 não foi apresentado à
sociedade para seu referendo final.
De modo geral, nestas câmaras ocorreram comentários sobre a crise na produção cultu-
ral do município, que, segundo afirma o presidente do Conselho, está envelhecida [“de cabelos
brancos” conforme ele próprio destaca], no entanto foi exatamente a partir das sugestões apon-
tadas pelos artistas durante as reuniões realizadas nas câmaras temáticas ou técnicas que se pode
demonstrar que a produção cultural permanece viva.
Destaca-se que um dos temas mais polêmicos discutidos no COMCULTURA neste biê-
nio, não só pela importância, mas também pelo envolvimento de grande parte dos conselheiros,
foi, sem dúvidas, o FUNCULTURA, tema de debate constante. Em especial quanto à falta de
dotação orçamentária para o Fundo na Lei Orçamentária Anual – LOA dos anos de 2013 e 2014.
A polêmica se instala quando um conselheiro da sociedade civil levanta o questionamento, já
feito por ele na ocasião do encerramento da II Conferência/2012, sobre a exclusão do artigo
terceiro da Lei 8.205/2010, que criou o FUNCULTURA, e que foi alterado pela Lei 8.257/2011,
que previa um percentual dos royalties6 para tal Fundo, assim como dos impostos do IPTU e
ISS. Segundo o conselheiro, advogados lhe afirmaram que os citados impostos não podem ser
legalmente destinados ao Fundo, mas que isso seria legalmente possível com relação aos royal-
ties, daí ele refuta a alteração na Lei de 2011. O assunto gerou várias discussões e, no intuito de
amainar os ânimos, o presidente informou aos presentes que havia enviado ofício à Secretaria
Municipal de Controle e Orçamento “[...] solicitando a adequação de recursos para o Fundo,
levando em consideração que, por causa de um cochilo, não fomos contemplados no orçamento
do município para este ano” (COMCULTURA: Ata 09 mar.2013). Depreende-se, neste discurso
do referido presidente, uma postura de subserviência e demonstração de pouco poder político do
presidente no grupo gestor do município ao considerar a ausência de dotação orçamentária para
a Cultura naquele ano como um mero “cochilo” do poder público. Como se ele fizesse parte do
governo, mas não tomasse parte dele, como comentado anteriormente.

2.2.2. Entrevistas individuais em profundidade


A partir das entrevistas em profundidade realizadas no período de três meses [abr./jun.
2015], questões que ainda não tinham sido apuradas puderam ser esclarecidas. Destaca-se que,
por mais que os entrevistados fossem diferenciados em suas visões, já que falavam de seu ponto
de observação e atuação, em diversos temas debatidos seus posicionamentos se assemelham.
6
Compensações financeiras pagas mensalmente pelas concessionárias de exploração e produção de petróleo e
gás natural ao Estado (e ao município produtor), relativo a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a data do
início da produção. TCMRJ – SCE/Coordenadoria de Auditoria e Desenvolvimento. Royalties do Petróleo – Estudo
Socioeconômico. (2005, p. 8).

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Todos os entrevistados permitiram sua identificação nominal, o que, de certo modo, possibilita
uma primeira reflexão a respeito do comprometimento e da responsabilidade que cada um de-
monstra ter em seu papel enquanto cidadão/cidadã. Cada grupo foi composto de acordo com seu
papel na cultura local: agente cultural, sociedade civil organizada, vereadora com atuação na
área de cultura e educação e gestor público cultural.
As entrevistas foram realizadas em consonância com os objetivos delimitados e conso-
lidados no roteiro de entrevistas. Para tal, elaboram-se três campos de análise: [01] atuação do
poder público na política cultural do município de Campos dos Goytacazes; [02] participação da
sociedade civil na política cultural do município e [03] a política cultural do município.
Quanto ao primeiro item, os entrevistados levantaram questões como: falta de recursos,
de vontade política ou de ação para executar a política institucionalizada no Sistema e no Fundo
Municipal de Cultura; existência de cooptação ou de desconhecimento técnico dos membros dos
conselhos; constatação de clientelismo, gramática política muito em voga no país; mudanças
arquitetônicas realizadas no prédio histórico do Mercado Municipal e estruturais no Carnaval
campista; críticas à realização de shows de artistas nacionais em detrimento dos locais e ao fe-
chamento e abandono por parte do poder público do Museu Olavo Cardoso e do prédio da Lira
de Apolo. Destacam-se duas atuações positivas deste poder: reforma do Museu Histórico de
Campos e construção do Centro de Eventos Populares Osório Peixoto - CEPOP.
Reflexões acerca disso: a ausência de diálogo entre poder público e sociedade civil é
percebida como algo danoso na construção da política cultural. Como diz Putnam (2000 apud
Fernandes, 2002) a respeito da ação do governo que pode ser tanto um problema quanto uma so-
lução, dependendo de sua decisão de investir no capital social de sua população ou de ignorá-lo.
Reafirma-se, como Iaconivi, Klintowitz e Rolnik (2011), que as práticas dos gestores
municipais pelo país afora tem demonstrado que não se leva em consideração o processo par-
ticipativo como um instrumento de negociação em esferas superiores e, alerta Avritzer (2012),
que a implementação da lei não consegue determinar a efetividade das contribuições definidas
de modo participativo, diante das gestões que não se integram à participação. Entende-se, assim,
que é necessário que haja esta integração e muito mais.
É preciso que a sociedade civil não perca seu poder de fiscalizar, cobrar e de participar
permanentemente e, como diz Oliveira (2010, p. 254), “tornar-se cidadão” [...]. Por último, a
responsabilização pública necessita ser uma prática da gestão como um todo e não um benefício
que é dado ao cidadão quando aprouver ao gestor. Compreendendo a premissa que Eagleton
(2005, p. 16) elabora: cabe ao Estado ser o harmonizador das relações conflituosas e dos antago-
nismos crônicos existentes dentro da sociedade civil e, acrescenta-se ao seu pensamento, os que
existem dentro dos próprios governos.

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No item 02, questões como as diferenças de representatividade da sociedade organizada


dentro dos dois conselhos [COPPAM e COMCULTURA]; a participação da sociedade civil
paritária, a presidência limitada ao poder público e a dificuldade de a sociedade civil campista
conservar seu vigor para a luta de causas comuns foram observadas pelos entrevistados. Caben-
do, assim as seguintes reflexões: [1] confirma-se o pensamento de Putnam (2000) a respeito do
capital social alegando que política tem de ser sinônimo de inclusão e espaço para todos, visto
ser política pública e não privada; [2] atenta Dallari (1996) para a questão de que a participa-
ção no nível formal atinge aspectos secundários quando comparados ao nível real, que é a que
verdadeiramente efetiva as políticas. Cabendo à sociedade civil não somente participar dos co-
legiados e conferências, mas estar no seu papel efetivo de participação real; [3] perspectiva da
institucionalização, de seu fazer construído em bases democráticas e com participação cidadã,
mas também se destaca a existência de forças contrárias dentro da arena política, como apontou
Frey (2000) e [4] Inúmeros exemplos do exercício de cidadania cultural defendida por Marilena
Chauí (2008) foram citados pelos entrevistados, mas evidenciam questões de persuasão e coop-
tação do poder público e falta de accountability vertical para assim poder manipular intenções e
votos ao bel-prazer de seus interesses.
No item 03, as questões foram inúmeras, mas destacam-se: política de cultura feita por
“soluços”, “espasmos” e aos “solavancos”; não é abrangente; não há coordenação de ações e
as questões são tratadas no pessoal, sem pensar no coletivo: sua não existência deve ser uma
política; há tentativas desde a década de 70; não há uma política de Estado, mas de eventos;
cumprem-se as obrigações legais, mas não há um movimento cultural de incentivo e promoção
da cultura; não há política e nem quem a possa estruturar e que os recursos, por serem escassos,
não promovem política de cultura.
A política cultural do município, a partir destes posicionamentos dos entrevistados, leva
às reflexões: [1] os conselhos podem se constituir em mecanismos de fortalecimento da socieda-
de civil e mesmo de controle social do Estado, porque apresentam lógicas distintas e próprias e
por isso mesmo devem manter sua autonomia. Todavia, a atuação indiscriminada em conselhos,
sem que haja mobilização social, com a única preocupação de ocupar espaços, pode levar à
reprodução de práticas clientelistas e burocráticas e não surtirem o efeito desejado de cidadania
cultural e democrática.
[2] Zimbrão (2013) afirma que a pasta da cultura não conta com recursos financeiros
vigorosos e lhe falta estabilidade orçamentária. Então, o que poderia ser a força motriz para as
adesões ao SNC até o presente momento? Seria a expectativa de mudança, ou o reconhecimento
de que o poder de coordenação está com a autoridade central, que é quem pode fazer repasse de
recursos para as políticas acordadas nos planos de cultura. (Ibid., p. 48). Esta reflexão amplia a
observação de modo a que se visualize melhor o porquê de, na concepção da gestão pública de

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cultura, está-se fazendo política pública atendendo aos ditames do SNC. Postura observada em
Campos dos Goytacazes, especialmente no entendimento do gestor entrevistado.
Contudo [3] a implementação, tanto das leis quanto da política cultural nelas instituí-
das, depende de vontade política, demonstrada por meio de atos e decisões governamentais; de
recursos financeiros orçados e utilizados exclusivamente com as demandas apontadas pela so-
ciedade para a cultura e, por último, e talvez o mais importante, deve contar com a participação
democrática e cidadã da sociedade civil desde a sua elaboração, passando pela execução e pelo
controle no uso dos recursos públicos até a avaliação final.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No palco da cultura em Campos dos Goytacazes, o papel principal é da institucionaliza-
ção da cultura e não dos atores. Estes são, em alguns casos, coadjuvantes, quando representantes
da sociedade civil em conselhos e conferências. Confronta-se com o papel de sujeitos históricos
que os atores deveriam ocupar na construção dessas leis.
Fica explícito que: [1] não se alcançou a qualificação necessária do cidadão nem enquan-
to gestor público, nem como sociedade civil [acomodada, distanciada, mal informada de seus
direitos e deveres culturais e sem conhecimento do valor cultural do município]; [2] há entraves
administrativos que impedem que os atores ocupem o palco [falhas de comunicação, diver-
gências estruturais e conjunturais]; [3] existe confronto de princípios e desvios de conduta nas
definições de ações culturais – personalismo; [4] há necessidade de maior interatividade para
haver o exercício da cidadania cultural: espectador sai da passividade e vivencia a realidade no
seu cotidiano e, ao mesmo tempo, experimenta a transformação desta realidade que por vezes é
negativa e precisa ser alterada.
A participação ativa da sociedade provoca mudanças e o atendimento das demandas tem
mais chances de ocorrer. Assim como na poética do Oprimido, espera-se que o povo reassuma
sua função protagonista no teatro e na sociedade. Aponta-se para a possibilidade dessa mesma
conquista vir a ocorrer na formulação de políticas públicas de cultura pelo país afora, mas espe-
cialmente em Campos dos Goytacazes.

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PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM REDE NA POLÍTICA CULTURAL


DO DISTRITO FEDERAL: O CASO DO FÓRUM DE CULTURA
Leandro Antônio Grass Peixoto1
Mayara Souza dos Reis2
Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi3

RESUMO: O presente trabalho apresenta e problematiza aspectos da participação social em


rede na política cultural do Distrito Federal, tendo como base o histórico e as experiências
desenvolvidas no Fórum de Cultura. Apropriando-se das principais abordagens contemporâneas
sobre democracia e participação social, bem como da concepção de política como ação pública e
da metodologia do ator-rede, a análise aqui desenvolvida correlaciona tais categorias e conceitos
com o caso proposto. Conclui indicando o Fórum de Cultura como um ilustrativo dos elementos
teóricos desenvolvidos, em especial no que se refere à dinâmica de participação social em rede.

PALAVRAS-CHAVE: Democracia, Participação social, Redes, Políticas Culturais.

1. INTRODUÇÃO
Os processos sociais organizados sob a perspectiva de redes têm sido objeto de análise
por diferentes autores, com destaque para Bruno Latour (2012), Norbert Elias (1994) e Manuel
Castells (1999). Tal modo organizacional e definidor de diferentes processos sociais, fundado na
horizontalidade e favorecido pelas novas tecnologias de comunicação, inseridas em uma cultura
fluida e de livre informação, constitui uma particularidade do presente tempo histórico.
A participação social em rede, fundamentada na articulação de atores sociais voltados à
definição de aspectos das práticas políticas tem sido um movimento corrente em diferentes con-
textos. As análises dos modelos participativos em rede avançaram como resposta ao fortaleci-
mento dessa tendência de organização da sociedade civil e, por consequência, de ressignificação
das próprias concepções de democracia.

1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da
Universidade e Brasília. leandrograss@gmail.com.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da
Universidade de Brasília. msdreis@gmail.com.
3
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacio-
nal da Universidade de Brasília. fatima.makiuchi@gmail.com.

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Nas políticas culturais, as experiências de participação social têm se incrementado subs-


tancialmente. No Distrito Federal, o Fórum de Cultura ilustra a organização de diferentes atores
sociais que, com o uso das novas tecnologias da informação e a partir de processos não-hierár-
quicos, buscam intervir nas diferentes etapas das políticas.
Sendo assim, o presente trabalho pretende articular os conceitos de rede e participação
social com a experiência do Fórum de Cultura do Distrito Federal. Para isso, no campo teórico
faz-se necessário elucidar cinco categorias: participação social, redes, ação pública e o conceito
de ator-rede. A primeira parte do texto pretende-se a este objetivo. A segunda tratará sobre o caso
do Fórum, estabelecendo relações entre as categorias analisadas e os processos participativos
que se constituem em sua dinâmica. O trabalho conclui para aspectos que permitem indicar a
experiência do Fórum como um ilustrativo da concepção de participação social em rede.

2. REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico deste trabalho busca contemplar os principais conceitos relacio-
nados ao objeto aqui analisado. A compreensão dos elementos práticos referentes ao Fórum de
Cultura do Distrito Federal, sendo este entendido como um processo participativo com efeito na
estruturação das políticas públicas de cultura, exige a elucidação de alguns elementos teóricos. O
primeiro refere-se à própria noção de participação social, aqui construída a partir das contribui-
ções de Evelina Dagnino (2004) e que indicam para o seu incremento desde a promulgação da
Constituição de 1988, bem como problematizam a concepção do significado de sociedade civil.
Em seguida, tomando como base a contribuição dos sociólogos Norbert Elias (1994) e
Manuel Castells (1999), será explicitado o conceito de rede, para em seguida ser contextuali-
zado na dimensão participativa, tomando por base a abordagem de Ilse Scherer-Warren (2006).
A complementação da análise do conceito de rede será feita, em seu caráter metodológico, com
a teoria do ator-rede, desenvolvida por Bruno Latour (2012), e que serve como um importante
instrumento de análise dos processos participativos e seus impactos nas políticas públicas. Por
fim, será apresentada a abordagem da política como acão pública, desenvolvida por Pierre Las-
coumes e Patrick Le Galés (2012), a qual servirá como referência acerca do que se entende aqui
por política pública.

2.1. Participação social


A consolidação da democracia no Brasil enfrenta hoje uma série de desafios. A Consti-
tuição de 1988 alargou significativamente a concepção de cidadania e inaugurou uma nova pers-
pectiva sobre a relação entre Estado e sociedade civil. E é justamente nesse aspecto que reside
um importante entendimento para a própria democracia, referente à compreensão dos conceitos
de sociedade civil e participação social. O tema da participação vem se constituindo como um

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dos pilares do campo de políticas públicas, em especial pelo crescente avanço dos mecanismos
formais de diálogo que impactaram em diversas políticas.
A abordagem desses conceitos se justifica em virtude de sua polissemia, produto de uma
“confluência perversa” (Dagnino, 2004) acerca dos termos. A tendência neoliberal da década de
1990 fez com que determinados fundamentos da Constituição de 1988 se estruturassem dentro
de uma conjuntura que, aos poucos, criou um dilema sobre as concepções de sociedade civil e
participação social. A disputa entre diferentes projetos de sociedade fez com que os termos as-
sumissem uma identidade múltipla, apropriada conforme a pretensão de seu uso.
A começar pela noção de sociedade civil, o projeto neoliberal produziu o que pode ser
chamado de deslocamento de sentido cujo
resultado tem sido uma crescente identificação entre “sociedade civil”
e ONG, onde o significado da expressão “sociedade civil” se restringe
cada vez mais a designar apenas essas organizações, quando não em
mero sinônimo de “Terceiro Setor”. (Dagnino, 2004a, p. 100).
Por consequência, a concepção de participação passa a também a estar associada a um
novo sentido, atrelado a uma concepção de solidariedade, voltada ao trabalho voluntário e à
responsabilidade social. Dagnino (2004a), aponta que essa noção caracterizada pelo privatismo
e pelo individualismo acaba por despir-se de seu significado coletivo e político para se orientar
por uma perspectiva moral.
Além disso, este princípio tem demonstrado sua efetividade em redefinir
um outro elemento crucial no projeto participativo, promovendo a des-
politização da participação: na medida em que essas novas definições
dispensam os espaços públicos onde o debate dos próprios objetivos da
participação pode ter lugar, o seu significado político e potencial demo-
cratizante é substituído por formas estritamente individualizadas de tra-
tar questões tais como a desigualdade social e a pobreza. (Idem, p.102)
Sendo assim, a noção de participação assumida na análise do objeto proposto remonta a
uma ruptura com tal concepção. Por participação, compreende-se a reivindicação do direito a ter
direitos (Dagnino, 2004a). Isso implica em um processo reivindicatório de acesso aos processos
políticos que estabelecem os próprios direitos, resultando na inserção dos indivíduos nas estru-
turas de poder que definem o contexto social. Trata-se da construção de uma nova sociabilidade
que impõe um formato mais igualitário nas relações de poder entre sociedade e Estado, no for-
talecimento da esfera pública e dos debates nela inseridos.
Nessa perspectiva, sociedade civil passa a ser compreendida como um coletivo de atores
que pretendem ser representativos nas diversas etapas das políticas, inseridos em um diálogo
igualitário, mesmo que seja baseado no dissenso. A participação não provém de uma moral fun-
dada no voluntarismo solidário, mas sim na busca pela representatividade dentro dos espaços de
poder que definem os mais variados processos sociais orientados pelo Estado.

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2.2. Rede
O segundo conceito fundamental para a análise do objeto em questão é o de rede. Apro-
priada por diversos campos teóricos, a noção de rede será aqui apresentada sob um viés socio-
lógico baseado em dois autores: Norbert Elias (1994) e Manuel Castells (1999). Tal definição
se faz necessária pelo fato de que a concepção de rede representa um fundamento do modo de
organização participativa aqui analisado.
A abordagem de Elias (1994) sobre o conceito de rede serve como uma base mais ampla,
ilustrativa da própria vida em sociedade. Para ele, a rede pode ser comparada com a trama do
tecido – a tessitura entre fios e nós. Essa referência, visualizada em uma perspectiva estática,
ilustra o ser humano como um ser relacional em seu processo de individualização. Complemen-
tando essa visão com a noção dinâmica da vida em sociedade, insere-se o movimento produzido
pelo fenômeno da vida (e morte) do indivíduo, o que daria a esta rede a característica de estar em
“constante movimento, como um tecer e destecer ininterrupto das ligações”. (p. 35).
A ideia de conexões sustenta o cerne desse conceito, o qual foi posteriormente ampliado
por Castells (1999), em sua aplicação às grandes estruturas políticas, econômicas e informa-
cionais. Desse modo, a estruturação de processos em rede é adequada ao modelo econômico
globalizado atual. Representa, portanto, o próprio design operacional do capital moderno, na
sua volatilidade e fuga de responsabilidades, além de permitir inferir uma descrição das relações
sociais contemporâneas instauradas no âmbito privado a partir do modo de produção capitalista.
A consolidação dessa estrutura de relações pode servir também para colaborar na des-
mistificação do individualismo contemporâneo. A redes, em sua perspectiva horizontal e não
hierárquica, abrem espaço para uma nova perspectiva de mobilização. Sendo multiformes, as
redes aproximam atores sociais diversificados – dos níveis locais aos mais globais, de diferentes
tipos de organizações –, e possibilitam o diálogo da diversidade de interesses e valores. Mesmo
que o diálogo seja permeado por conflitos, o encontro e o confronto das reivindicações e lutas
referentes a diversos aspectos da cidadania permitem aos atores sociais passarem da defesa de
um sujeito identitário único à defesa de um sujeito plural. (Scherer-Warren, 2006. p. 115)

2.3. Ator-Rede
A teoria do ator-rede (TAR) foi estruturada pelo sociólogo francês Bruno Latour (2012), e
sua amplitude está para além do campo conceitual, servindo também como abordagem metodo-
lógica para a compreensão de diferentes processos sociais. No caso das políticas públicas, a TAR
serve como referência de percepção das dinâmicas associativas e dissociativas, de forma a iden-
tificar os lastros resultantes das convergências e divergências entre os diferentes atores sociais.
Uma análise fundamentada na TAR pressupõe permanente tomada de notas dos movi-
mentos dos atores, reorganizadas posteriormente pelo texto. Desse modo, “se você não quer to-

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mar notas e registrá-las, então não se meta com a sociologia: esse é o único meio de alcançar um
pouco mais de objetividade” (p. 198). Para garantir que o relato da dinâmica dos atores seja con-
sistente, deve-se prezar pelos aspectos descritivo e discursivo, capazes de elucidar o movimento
e dar sentido às associações, pois “um bom relato TAR é uma narrativa, uma descrição ou uma
proposição na qual todos os atores fazem alguma coisa e não ficam apenas observando” (p. 189).
É preciso que sejam evidenciados os elementos dinâmicos do processo, destacando os
pontos de passagem obrigatórios do movimento dos diferentes atores. À medida que um media-
dor, ou nó, deixa traços, ele merece ser destacado e analisado. Isso pode ser capaz também de
evidenciar o estabelecimento do vínculo entre os discursos dos diferentes atores. O caráter híbri-
do e imprevisível da rede faz com que o objeto seja resultado e não ponto de partida da análise
do pesquisador. Portanto, é preciso admitir a imprevisibilidade e possibilidade das incertezas
durante a própria construção da pesquisa, bem como focalizar as associações e dissociações
resultantes do processo analisado.

2.4. Política como ação pública


A chamada Sociologia da ação pública (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012) aponta para
uma ampliação do conceito de política pública. Considerando a complexidade da política, esta
é compreendida a partir de cinco elementos: atores, instituições, representações, processos e re-
sultados. Os atores, sejam individuais ou coletivos, são guiados por interesses e fazem escolhas
segundo os recursos que possuem. As representações “são os espaços cognitivos que dão sentido
às suas ações, as condicionam e as refletem” (idem:46). Os atores interagem por meio das ins-
tituições, que normatizam e criam uma rotina para os processos. Por fim, os resultados refletem
as consequências da ação pública e desse conjunto de interações.
Nesse sentido, analisar as dinâmicas das políticas públicas pressupõe a atenção a estes
cinco elementos, devendo ser parte integradora da análise. Esta concepção representa uma rup-
tura com a perspectiva gerencialista da política, que se apoia no voluntarismo do Estado em uma
abordagem que desconsidera elementos subjetivos e políticos. Portanto, a análise aqui desenvol-
vida será orientada por essa complexidade que visa mais do que apontar causalidades e efeitos
das tomadas de decisão, mas também descrever os demais aspectos que envolvem os diferentes
nós dessa rede e suas controvérsias.

3. RESULTADOS ALCANÇADOS
Na dinâmica de remodelagem dos formatos participativos, as políticas públicas de cul-
tura no Brasil nos últimos anos merecem especial atenção. Instituído pela Lei nº 12.343/2010,
o Plano Nacional de Cultura (PNC) prevê, entre as suas 53 metas, pelo menos duas (metas 48
e 49) voltadas especificamente à participação social, onde recebem destaque as intenções de

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fomento de uma plataforma digital de governança colaborativa e a realização de duas Conferên-


cias Nacionais de Cultura com envolvimento de 100% das Unidades da Federação e municípios
que aderiram ao Sistema Nacional de Cultura (SNC). Conforme prevê o Plano, a sociedade civil
pode fazer o acompanhamento das metas pela internet, embora os dados de usuários cadastrados
indiquem baixa adesão à plataforma do Governo Federal, disponível no endereço http://pnc.
culturadigital.br/.

Figura 1: Usuários cadastrados na plataforma de governança colaborativa do PNC

Fonte: Ministério da Cultura (Acesso em 25/11/2015).

Mais recentemente, a Política Nacional de Cultura Viva (Lei nº 13.018/2014) propôs


maior capilaridade às políticas de cultura, o que, segundo o projeto, seria viabilizado pela sim-
plificação dos processos de prestação de contas e repasse de recursos para as organizações da
sociedade civil – incluindo a auto declaração dos Pontos de Cultura.
No Distrito Federal, esse panorama de construção e/ou regulação das políticas culturais
pela sociedade civil parece bastante emblemático ao considerar a conjuntura nacional, ao mes-
mo tempo em que aponta para algumas peculiaridades sob a perspectiva de articulação das redes
de atores sociais, como pode ser observado pelo histórico de atuação de artistas e produtores
culturais da região no âmbito do Fórum de Cultura do Distrito Federal.
Analisando a legislação local, observamos que na década de 1980 – antes da criação da
Secretaria de Cultura do Distrito Federal (Secult), até então ligada à Secretaria de Educação –,
a extinta Fundação Cultural do DF – mais tarde absorvida pela Secult –, passou a autorizar a
participação de um representante da comunidade no conselho gestor da entidade.

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Em 1989, a criação do Conselho de Cultura do Distrito Federal prevê a participação co-


munitária em metade dos 12 cargos do colegiado, um dos responsáveis pela criação, em 1991, do
Fundo de Apoio à Cultura do DF (FAC), uma proposta do Conselho de Cultura encaminhada à
Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) pelos representantes do Poder Executivo à época.
Em 1999, quando o Decreto nº 20.264 estabelece a extinção da Fundação Cultural do DF
e a reestruturação da Secretaria de Cultura, a Lei Complementar nº 267/1999 – reivindicada pelos
segmentos sociais ligados à produção cultural – passa enfim a prever a origem dos recursos que
iriam constituir o FAC, vinculando-o sobretudo às dotações orçamentárias do Distrito Federal.
É também nesse ano que artistas, produtores culturais e outros integrantes do segmento
começam a se organizar em torno do Fórum de Cultura do Distrito Federal, um organismo su-
prapartidário, sem personalidade jurídica, regimento, estrutura ou composição formais, articula-
do para fins de discussão, controle social e apresentação de propostas para as políticas culturais
da região em parceria com outros atores individuais, fóruns, movimentos sociais, colegiados e
demais redes.
A partir das primeiras observações e diálogos preliminares com participantes que se
encontram há mais tempo em articulação no Fórum – identificados neste estudo como “nós”
dentro da abordagem metodológica do ator-rede – observamos que inicialmente a atuação do or-
ganismo é pontual e motivada por situações específicas. Alguns desses atores ou “actantes”, ao
considerarmos a participação ativa no processo, relatam que o marco inaugural da rede estaria
relacionado a uma insatisfação generalizada do movimento cultural do DF em torno de mudan-
ças na gestão e na concepção da Rádio Cultura FM, a emissora pública da região. Na avaliação
de membros do movimento, houve uma queda expressiva de qualidade na programação, o que
mobilizou uma manifestação em defesa da Rádio. O ato reuniu milhares de pessoas ao redor do
Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília, onde funcionava a emissora, como comprovam
os jornais da época.
Verificando a força da mobilização, os artistas e produtores culturais começaram a se
reunir periodicamente e, em 1999, o Fórum resolveu lançar-se para o Distrito Federal, criando
uma marca gráfica e organizando uma série de intervenções artísticas e outras atividades cultu-
rais em um dos teatros de Brasília naquele ano.
Em 2005, os integrantes do organismo resolvem criar um grupo de e-mails para facilitar
a comunicação, ferramenta que em 2015 chega a mais de 500 membros, tornando-se o principal
instrumento para troca de informações da rede, juntamente com as reuniões presenciais não-re-
gulares, uma fanpage na plataforma digital Facebook com cerca de 1.200 seguidores e um grupo
fechado na mesma plataforma com pouco mais de 600 membros.

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Figura 2: Histórico de mensagens do grupo de e-mails do Fórum de Cultura

Fonte: Yahoo Grupos Brasil (Acesso em 25/11/2015).

Pode-se observar pela figura 2 que, no período de 2005 a 2015, foram trocadas mais de
39 mil mensagens apenas no grupo de e-mails do Fórum. De 2005 (79 mensagens) a 2009 (8.077
mensagens), nota-se um crescimento expressivo na comunicação da rede por essa ferramenta,
ao passo que de 2010 (6.785 mensagens) a outubro de 2015 (1.072 mensagens) a queda é gradu-
al, possivelmente influenciada pela criação de outros espaços de interação digital, como aqueles
vinculados à plataforma Facebook.
Scherer-Warren (2008, p. 513) destaca que “as novas tecnologias, especialmente a inter-
net e as rádios comunitárias, são um elemento facilitador na difusão das narrativas e ideários em
construção pelos sujeitos, nós das redes”, sobretudo em decorrência de sua agilidade e ampli-
tude. É o que se observa nas discussões promovidas pelo Fórum de Cultura do Distrito Federal
que, em diversas oportunidades, culminou em mudanças efetivas na estrutura e até na concepção
de determinadas políticas públicas na região.
Tem sido comum que as notas e cartas abertas construídas coletivamente e disponibiliza-
das ao público pelo Fórum ressaltem conquistas que os participantes atribuem à articulação do
organismo, tais como a Emenda à Lei Orgânica nº 52/2008 que ampliou os recursos do Fundo de
Apoio à Cultura do Distrito Federal para 0,3% da receita corrente líquida do DF, as mobilizações
para o cumprimento da legislação vigente e a proposta por trás de grandes eventos para garantia
de incentivo à cultura local, como ocorreu durante o aniversário de 50 anos de Brasília, quando
produtores locais se organizaram em um projeto denominado “Brasília Outros 50”, exigindo a
valorização dos artistas da região.
Além da mobilização com ênfase nas relações com o Estado para controle das políticas
públicas de cultura, as ferramentas de comunicação do Fórum são utilizadas também com a

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políticas culturais
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finalidade de divulgação de trabalhos, compartilhamento de experiências e discussão de outros


temas ligados à formação política, como combate à corrupção, preservação do meio-ambiente,
fortalecimento da educação e promoção da assistência social.
Contudo, a mobilização por canais virtuais não tem impedido ou reduzido o esforço pela
realização de encontros presenciais, “pois neles é onde ocorre o debate mais profundo, a experi-
ência da prática política e os vínculos mais duradouros no interior da rede.” (SCHERER-WAR-
REN, 2008, p. 514). As reuniões, no entanto, costumam ser motivadas por situações que os
atores identificam como mais complexas, exigindo assim uma atuação mais efetiva e articulada.
Enquanto fenômeno interdisciplinar e fluido, a compreensão das redes requer uma aná-
lise dinâmica da trajetória dos atores e dos traços construídos pela interação. Na observação do
Fórum de Cultura do Distrito Federal, notamos por exemplo que não há uma composição fixa
ou sequer formal dos participantes. A atuação varia conforme contextos individuais, como a
condição de determinados atores estarem ou não envolvidos diretamente em cargos públicos; o
panorama político, com maior ou menor grau de envolvimento do segmento cultural em relação
à gestão pública, entre outros aspectos.
Outra controvérsia que impõe maior dinamismo metodológico ao estudo refere-se ao
fato de que os participantes constroem e modificam sua avaliação sobre a formação dos grupos,
sobre seu caminho individual e sobre a interação com os demais atores, sejam eles humanos
ou não-humanos, como no caso em questão, no qual buscamos analisar, entre outros aspectos,
a influência das novas tecnologias de informação e comunicação sobre as interações da rede.
Temos o intuito de avançar nessa investigação, analisando os pontos limitadores de utilização
desses instrumentos também nas relações entre sociedade civil e Estado, o que a plataforma de
governança digital administrada pelo Ministério da Cultura, citada anteriormente, indica ser
ainda um desafio não apenas no Distrito Federal, mas em todo o País.
Cabe ressaltar outro ponto elementar para compreensão das redes e da experiência de
participação civil no âmbito do Fórum de Cultura do Distrito Federal: a concepção de que, nes-
se modelo de organização, o poder tende a ser distribuído de forma mais equânime nos parece
parcialmente verdadeira. Isso pode ser ilustrado pela posição adotada neste estudo de iniciar o
levantamento de informações a partir dos nós, sendo estes os participantes mais antigos do Fó-
rum. Scherer-Warren oferece uma avaliação relevante nesse sentido:
Mesmo em uma rede há elos mais fortes (lideranças, mediadores, agen-
tes estratégicos, organizações de referência, etc), que detêm maior poder
de influência, de direcionamento nas ações, do que outros elos de cone-
xão da rede. (…) Portanto, o que interessa é saber como se dá o equilí-
brio entre essas tendências antagônicas do social e como possibilitam ou
não a autonomia dos sujeitos sociais, especialmente os mais excluídos e

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que, frequentemente, são as denominadas “populações-alvo desses me-


diadores.” (SCHERER-WARREN, 2006, p. 121-122)
Ao mesmo tempo em que as redes apontam algumas fragilidades – ao se apresentarem,
muitas vezes, como alternativa aos espaços formalmente instituídos – e de ampliar as possibi-
lidades de fragmentação – dada a inclusão de novos atores –, observamos alguns sinais de que
elas também operam em um sentido de emancipação, como ressalta Machado:
Os interesses dos indivíduos que os ligam em redes são cada vez mais
cruzados, diversos e frequentemente tênues. Luta-se cada vez mais em
torno de códigos culturais, valores e interesses diversos. Essa luta se dá,
cada vez menos, a partir dos indivíduos e mais sobre a construção de
sujeitos sociais. (2007, p. 277)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fortalecimento das esferas participativas ilustra a ampliação e o fortalecimento da de-
mocracia no Brasil. A Constituição de 1988 representou um marco significativo na formalização
da participação social, muito embora a tendência neoliberal da década de 1990 tenha produzido
um deslocamento de sentido sobre os conceitos de participação e sociedade civil. A partir da
década de 2000, os processos e mecanismos de participação foram incrementados, não só na
perspectiva formal, mas também informal, mediante a constituição de redes e coletivos de atores
orientados pela disputa nas estruturas de poder e na tomada de decisões capazes de impactar nas
políticas públicas.
O Fórum de Cultura do Distrito Federal serve como um recorte desse amplo processo de
participação da sociedade civil nas diferentes etapas da política pública. Estruturado sob a pers-
pectiva de rede, o Fórum tem exercido um papel relevante sobre as políticas públicas de cultura
do DF. Formado fundamentalmente por atores sociais atrelados ao próprio campo cultural da
cidade, com uso das novas tecnologias e sob uma organização horizontal, o Fórum ilustra essa
tendência de um novo formato organizacional da sociedade civil em seu papel de controle e
acompanhamento das políticas, atribuindo um novo caráter à ação pública. Desse modo, a aná-
lise aqui desenvolvida representa uma breve contribuição acerca de um fenômeno mais amplo e
que tende a avançar, que é o das redes de participação social nas políticas públicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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à legitimidade da ação. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 50, n. 3. Rio de Janeiro: UERJ,
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Trad. Roneide Venâncio Majer e Jussara Simões. 8ª edição. São Paulo: Paz e Terra.
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emancipatória? In: Caderno CRH, v. 21, n. 54. Salvador: UFBA, setembro a dezembro de 2008, p. 505-
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BRASIL, Lei nº 12.343/2010 – Institui o Plano Nacional de Cultura - PNC, cria o Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais - SNIIC e dá outras providências.
_____, Lei nº 13.018/2014 – Institui a Política Nacional de Cultura Viva e dá outras providências.
DISTRITO FEDERAL, Decreto nº 20.264/1999 – Dispõe sobre a extinção da Fundação Cultural do
Distrito Federal e a reestruturação da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, na forma da Lei nº 2.294,
de 21 de janeiro de 1999.
_____, Lei Complementar nº 267/1999 – Dispõe sobre a criação de Programa de Apoio à Cultura – PAC.
_____, Lei nº 49/1989 – Altera a estrutura da administração do Distrito Federal, extingue órgãos e dá
outras providências.
_____, Lei nº 111/1990 – Estabelece a competência, composição e classificação do Conselho de Cultura
do Distrito Federal, e dá outras providências.
_____, Emenda à Lei Orgânica nº 52/2008 - Acrescenta os §§ 4º e 5º ao art. 246 da Lei Orgânica do
Distrito Federal.

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_____, Decreto nº 31.414/2010 – Aprova o Regulamento do Fundo de Apoio à Cultura e o Regimento


Interno do Conselho de Administração do Fundo de Apoio à Cultura e dá outras providências.
_____, Decreto nº 31.660/2010 – Altera o Decreto nº 31.414, de 11 de março de 2010, e dá outras
providências.
_____, Decreto nº 34.122/2013 – Altera o Regulamento do Fundo de Apoio à Cultura, aprovado pelo
Decreto nº 31.414, de 11 de março de 2010.

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CIDADANIA NO PLANO NACIONAL DE CULTURA: PERCEPÇÕES SOBRE


PODER E MUDANÇA SOCIAL NAS POLITICAS PÚBLICAS.
Leandro Ferreira Barbosa1

RESUMO: O presente artigo pretende refletir sobre Políticas Públicas e cidadania tendo como
base o Plano Nacional de Cultura. Nessa trajetória, oferece leituras sobre conquista de direitos
e cidadania, procurando delimitar os sentidos de mudança social presentes nos contextos
reivindicatórios.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas, Plano Nacional de Cultura, Cidadania, Poder,


Mudança Social

1. CULTURA COMO DIREITO À CIDADANIA NAS METAS DO PLANO NACIONAL


DE CULTURA.
Através da lei 12.3432 que instituiu a implementação do Plano Nacional de Cultura, es-
tabeleceram-se as cinquenta e três metas para transformar o cenário cultural brasileiro até o ano
de 2020. Estas metas foram construídas através de debate público e de ampla participação da
sociedade e das instituições culturais do país. Assim, temos um extenso campo sobre questões
pertinentes a representatividade e participação social, que foram organizadas através do texto
final que fixou as metas para a gestão da cultura brasileira no governo federal.
O Plano Nacional de Cultura é fruto de um conjunto de documentos de planejamento
na área cultural. Composto de objetivos, diretrizes, estratégias, metas e ações refletidas através
de especificidades setoriais e territoriais, operando e englobando todos os entes federativos da
União (governo federal, estadual, municipal, distrital, etc.). Ou seja, o Plano Nacional de Cultura
foi construído para ser um documento orientador das políticas de cultura do pais, desenvolvido

1
Professor de sociologia da rede estadual de ensino –RJ. Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual
de Londrina – PR. Estudante de doutorado do programa de pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Hu-
mana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro PPFH – UERJ. Mail: leferreirarj@yahoo.com.br.
2
Artigo 215 da Constituição Federal: Lei n.12.343 de 2 de dezembro de 2010, visando orientar o desenvolvimento
de programas e projetos ligados à ação cultural buscando garantir o reconhecimento à diversidade, a valorização, a
promoção e a preservação do patrimônio material e imaterial que é produzido pela sociedade brasileira.

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através do diálogo com a sociedade e expondo suas necessidades e anseios. Esses planos setoriais,
regionalizados, devem ter como referência esse material, somando-se a ele.
O PNC está dividido em trinta e seis estratégias, que por sua vez se dividem em duzentos
e setenta e cinco ações. Este conjunto de estratégias e ações foram organizadas nas cinquenta e
três metas do Plano Nacional de Cultura. São quatro os eixos orientadores para a formulação
dessas estratégias que estão em pauta no campo cultural.
A dimensão simbólica da cultura procura traçar um panorama de estratégias para as
questões que envolvem diversidade: trata da criação, do conhecimento sobre as expressões das
culturas tradicionais, linguagens artísticas, culturas regionais, patrimônio e diversidade cultural.
Temas fundamentais para os debates em torno das questões de identidade e etnicidade.
O segundo eixo da dimensão da cultura se relaciona à sua ação cidadã. O foco se volta
para a questão dos direitos culturais e as estratégias tratam do: acesso, circulação, difusão, frui-
ção, educação, capacitação e infraestrutura. Cultura e Cidadania são centrais nessas ações e é
sobre esses temas que chamamos a atenção nesse artigo.
O terceiro eixo relaciona-se à economia, focaliza a economia sustentável, o desenvolvi-
mento de uma economia criativa, inovação, novos modelos de negócio, financiamento, turismo
cultural, cadeias produtivas, etc.
E finalmente o eixo da Gestão, dividido em duas partes, um que analisa o papel do Es-
tado na gestão da cultura, e também sobre o papel da sociedade nessa administração. O campo
da gestão cultural procura traçar medidas preocupadas com o fortalecimento institucional, com
os instrumentos de gestão, de planejamento, de participação social, de capacitação, e regulação.
Nas metas do Plano Nacional de Cultura, encontramos o entendimento de que a cultura,
na perspectiva de democratização através da noção de diversidade, é um elemento fundamental
na construção da cidadania. A cultura é concebida como um direito social básico do cidadão,
ao lado da saúde, educação, trabalho, moradia e lazer. As políticas públicas devem viabilizar a
ampliação do acesso à produção cultural, bem como sua participação social, protegendo e pro-
movendo o patrimônio e a memória cultural da sociedade brasileira.
Analisaremos como essa cidadania se relaciona com os direitos sociais através das Metas
do Plano de Cultura, preocupados com etnicidade e mudança social. Para articular as referências
conceituais colhidas na análise a um entendimento da dinâmica do poder no âmbito do Estado,
vamos delimitar os campos e as categorias sociais e políticas em uso, procurando assim especifi-
car melhor os possíveis significados do entrelaçamento de cidadania, cultura e políticas públicas.
Vamos mapear os entendimentos da ação cidadã do Estado na cultura também através
dos documentos e dos discursos oficiais do MinC sobre o assunto, além de trazer, mais uma vez,
as preocupações do pensamento sociológico, relacionados à função do campo dos direitos na
mudança social, aqui relacionados às políticas culturais.

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2.MUDANÇA SOCIAL E CIDADANIA.


Direito é um termo da linguagem normativa que trata das normas e de sua dinâmica, e a
existência de um direito se articula sempre à existência de um sistema normativo. Segundo Bob-
bio, o desenvolvimento dos direitos dos homens passaram por três fases: Primeiramente foram
conquistados os direitos de liberdade, que tendem a “limitar o poder do Estado e a reservar
para o indivíduo ou grupos particulares”; posteriormente foram estabelecidos os direitos políti-
cos, onde a liberdade se amplia como autonomia, com a crescente participação dos cidadãos no
campo das decisões, e finalmente, foram conquistas por último os direitos sociais, marcando o
avanço das preocupações com o bem-estar e com a igualdade. Assim, nesses desenvolvimentos,
efetivam-se os caminhos para a viver a liberdade no âmbito do Estado.(Bobbio, 2004)
Podemos interpretar uma possível dinâmica dos direitos dos cidadãos no Estado, que
partiu da conquista dos direitos de liberdade, alcançados com a derrocada do Antigo Regime,
possibilitando a vivência das “liberdades negativas” (liberdade de opinião, de imprensa, de pro-
fessar uma fé que não é a oficial do Estado), para posteriormente avançar sobre os direitos polí-
ticos e sociais, que vão requerer uma posição e uma ação ativa do Estado.
Esta posição requer a produção de uma nova gama de responsabilidades do Estado, orga-
nizados através da prestação dos serviços públicos, o que vai exigir o fortalecimento do Estado
para dar conta de suas novas atribuições. Sobre o desenvolvimento, de um Estado que permitia
minimamente a vivência das liberdades negativas para o Estado Social, Bóbbio, vai comentar:
(...)Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o super poder do
Estado – e, portanto, com o objetivo de limitar o poder - , os direitos
sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da
declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o con-
trário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. (Bobbio, 2004 p. 35)
Dentro desse entendimento é importante salientar o caráter social da mudança nessas
novas atribuições do Estado, relacionadas às transformações que acontecem na sociedade.
Nessa perspectiva, o Estado primeiro nasce liberal, onde os indivíduos que reivindicam
o poder são parte da sociedade; depois torna-se democrático, onde potencialmente todos os indi-
víduos podem participar e reivindicar, e, finalmente torna-se Estado Social quando os indivíduos
“todos transformados soberanos sem distinções de classe”, reivindicam além dos direitos que
defendem a liberdade, os direitos sociais. Os direitos sociais são direitos do indivíduo, que por
meio desse tipo de Estado é concebido como cidadão. Nesses desenvolvimentos, podemos, a
partir do pensamento de Norberto Bobbio, definir um sentido para democracia moderna:
(...) Da concepção individualista da sociedade, nasce a democracia mo-
derna (a democracia no sentido moderno da palavra), que deve ser cor-
retamente definida não como o faziam os antigos, isto é, como o “poder
do povo”, e sim, como o poder dos indivíduos tomados um a um, de

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todos os indivíduos que compõe a sociedade regida por algumas regras


essenciais, entre as quais uma fundamental, a que atribui a cada um, do
mesmo modo como a todos os outros, o direito de participar livremente
na tomada das decisões coletivas, ou seja, das decisões que obrigam a
toda a coletividade. (Bobbio, 2004 p. 51)
Desta maneira, quem vai determinar os caminhos das decisões que são sociais e coleti-
vas será o cidadão através da sua individualização por meio do seu voto, no sufrágio universal.
É a regra da maioria individualizada que vai justificar e sustentar a elegibilidade dos governos
democráticos. Assim garante-se que a representação da vida pública não possa ser dividida com
base em ordens ou estratificações sociais sustentadas nas diferenças entre os homens, principal-
mente as de ordem socioeconômicas.
É importante salientar esse individualismo porque entendemos que todas as diferenças
são historicamente construídas, socialmente delimitadas, relacionadas a um contexto de intera-
ção entre indivíduos e grupos de indivíduos que compõe a sociedade. Por exemplo, é fato que a
exploração do trabalho escravo por quase quatro séculos no Brasil efetivamente criou diferenças
sociais entre os proprietários de escravos e as pessoas escravizadas, nesse exemplo específico,
diferenças entre brancos, índios e negros e da herança desse processo na construção dos lugares
sociais que hoje dão feição à sociedade brasileira. Reconhecer os direitos sociais e políticos de
brancos, índios e negros deve passar necessariamente por essa questão: a da construção das di-
ferenças entre grupos sociais relacionada ao poder no desenvolvimento histórico da sociedade.
Com isso podemos concluir, primeiramente, que não existe igualdade, e que dentro de
um Estado Social essa igualdade é uma meta, um ideal a ser alcançado. Não podemos ignorar
as diferenças sociais, econômicas, políticas e culturais que foram processadas nas interações e
nos conflitos, no desenvolvimento histórico da sociedade. Entendemos que as diferenças produ-
zidas, quando confrontadas com sua historicidade e com as diferenças de poder que envolvem
as relações entre indivíduos e grupos de indivíduos, justificam um tratamento não igual para
esses indivíduos e grupos de indivíduos. Esse reconhecimento da história e das diferenças so-
ciais conformam um dos eixos centrais de um Estado que se quer democrático e social. Bóbbio
afirma que:
(...) Só de modo genérico e retórico se pode afirmar que todos são iguais
com relação aos três direitos sociais fundamentais (ao trabalho, à instru-
ção e à saúde); ao contrário, é possível dizer, realisticamente, que todos
são iguais no gozo das liberdades negativas. (Bobbio, 2004 p. 34)
Desta maneira, reconhecida a diferença que fundamenta indivíduos e grupos de indiví-
duos nas interações sociais, abre-se o caminho para um entendimento sobre a diversidade dentro
desta perspectiva política. Progressivamente, percebemos que o homem parte de seu caráter
genérico na busca por direitos, até a sua especificação, dentro do quadro das interações sociais e
históricas, e de seus resultados na configuração social atual da sociedade.

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O homem passa a ser compreendido na diversidade de suas posições sociais, onde os


critérios de diferenciação devem ser lidos através do prisma da história (os significados sociais
e temporais de gênero, geração, sexualidade, características físicas, sociais e culturais, etc.) E
ao reconhecimento destas diferenças especificas, diversas estratégias de tratamento, visando sua
superação quando assim percebido, ou sua manutenção, quando assim desejado. A leitura e o
caráter da mudança estando diretamente influenciados pelas ideologias disponíveis no contexto
que permitem interpretações diversas sobre os fenômenos sociais. Para efetivar essa pluralidade
reconhecida no âmbito do poder, a democracia trata da representação.
Bobbio comenta que a luta pela afirmação dos direitos do homem no âmbito dos Estados
nacionais se configurou sobretudo através da implementação de regimes representativos, um
processo que envolve a dissolução da concentração de poder administrado verticalmente através
do Estado (Bobbio, 1987).
Em discurso proferido em 2007 pelo então ministro da cultura Gilberto Gil, sobre o tema
diversidade cultural em missão oficial à Colômbia, encontramos uma definição de cidadania
que passa pelo reconhecimento da diversidade cultural brasileira. Segundo Gil:
As sociedades crescem na promoção direta de sua afirmação cidadã. O
conceito mais formal da cidadania que dá direito ao voto e a ser votado
assumiu um grau de sofisticação participativa que passa pela estética. Se
a cidadania é o direito a ter direitos, a percepção dos deveres amplia-se
quando se expande a consciência de si, de sua cultura, de sua capacidade
de contar a própria história e sua identificação com sua gente, seu lugar,
seus hábitos e memória. (Gil, 2007 p.3)
Nessa leitura, a sociedade deve ser a protagonista do processo de inclusão social de
demandas. O Estado deve rever seu modus operandi, mobilizado sobretudo pelo incentivo à
participação social plural. Isso nos leva à necessidade de refletir sobre as interações entre repre-
sentantes e representados, governantes e governados, que é mesmo a essência da vida política
na relação entre Estado, poder e governo.
O Estado, ou a relação entre o conjunto das instituições políticas e a sociedade, atual-
mente é referenciada a uma interação básica de demanda\resposta, onde às instituições políti-
cas cabe a função de dar respostas às necessidades oriundas do sistema social, convertendo as
demandas sociais em políticas efetivamente implementadas pelo poder público e que abarcam
a toda a sociedade. Essa interação se renova nas respostas que o Estado dá e no impacto que as
medidas tomadas causam sobre a sociedade. Assim, novas demandas da sociedade são criadas
numa renovação constante, influenciada pelas disputas políticas entre as classes sociais, modu-
ladas na representatividade dos partidos políticos.
Max Weber procurou delinear o desenvolvimento do Estado basicamente através do de-
senvolvimento oficializado do poder da burocracia e do movimento de monopólio da força para-

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lelamente ao fortalecimento das elites proprietárias em sua organização de classe e expropriação


dos meios de produção dos artesãos. Assim, o Estado caminhou no sentido de organizar seu
aparelho administrativo, provendo serviços públicos, administrado pela classe política represen-
tativa, que através do Estado pode controlar tanto os serviços públicos quanto a violência com
legitimidade por meio dos aparelhos repressivos.
Weber postula os tipos ideais de dominação, que envolvem a relação Estado\Sociedade
civil, entre elas os tipos ideais de: dominação tradicional ancorada nos costumes e valores cul-
turais, dominação burocrática no controle dos regimentos que regulam a máquina do Estado,
dominação pela força no monopólio legitimo da violência (polícia, forças armadas, etc.), domi-
nação formal na execução generalizada e despolitizada das leis (e a questão do acesso à defesa)
, dominação carismática por meio do populismo e personalismo da liderança carismática, etc.
No Manifesto do Partido Comunista, Marx procurou apresentar a organização de classe
modulada na representatividade das lideranças políticas para oferecer a imagem do Estado de
um “escritório administrativo das classes dominantes”, que conseguem efetivar seu domínio
através não só do monopólio dos bens de produção, mas também por meio do controle ideológi-
co da vida política e da legitimidade construída em torno do sufrágio universal.
Por isso, a teoria marxista, que não faz uma análise mais acurada das funções do Estado,
prevê num sentido teleológico progressista (num certo sentido evolucionista, por propor um
sentido de avanço almejado), a superação do Estado através de sua derrocada revolucionária,
desarticulando a face burocrática do poder de classe que envolve sua gestão. Portanto no cerne
da interpretação da função do Estado, está a luta de classes antagônicas e sua representação par-
tidária em conflitos de interesses distintos. A classe oprimida deve lutar para derrubar o domínio
das classes dominantes no Estado.

3. DIVERSIDADE E PODER.
Todas estas interpretações nos oferecem boas ideias para pensar, boas imagens de mo-
vimentos observáveis nas interações entre sociedade civil e Estado. A questão fundamental do
controle da máquina está, entre as versões brevemente delineadas, no controle do poder. Desta-
cando o poder, Bobbio vai comentar em Estado, Governo e Sociedade (1987):
Aquilo que “Estado” e “política” tem em comum (e é inclusive a razão
de sua intercambialidade) é a referência ao fenômeno do poder. Do gre-
go Kratos “força”, “potência”, e arché, “autoridade” nascem os nomes
das antigas formas de governo, “aristocracia”, “democracia”, “oclocra-
cia”, “monarquia”, e todas as palavras que gradativamente foram sendo
forjadas para indicar formas de poder, “fisiocracia”, “burocracia”, “par-
tidocracia”, “poliarquia”, “exarquia”, etc. Não há teoria política que não
parta de alguma maneira, direta ou indiretamente, de uma definição de

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“poder” e de uma análise do fenômeno do poder. Por longa tradição o


Estado é definido como o portador da summa potestas. E a análise do
Estado se resolve quase totalmente no estudo dos diversos poderes que
competem ao soberano. A teoria do Estado apoia-se sobre a teoria dos
três poderes (o legislativo, o executivo, e o judiciário) e das relações en-
tre elas. Para ir a um texto canônico dos nossos dias, Poder e Sociedade
de Lasswell e Kaplan (1952), o processo político é ali definido como a
“formação, a distribuição e o exercício do poder”. Se a teoria do Estado
pode ser considerada como uma parte da teoria política, a teoria política
pode ser por sua vez considerada como uma parte da teoria do poder.
(Bobbio, 1987, p. 76-77)
A cidadania almejada no Plano Nacional de Cultura defende a “democratização da cul-
tura”. Essa democratização, na leitura oferecida pelos gestores, passa pela inclusão cidadã dos
estratos sociais historicamente marginalizados e silenciados na sociedade brasileira. Trata-se,
em relação às teorias expostas de desconcentrar o poder das elites, no caso brasileiro relaciona-
do ao mando dos descendentes de colonizadores europeus e da elite capitalista formada através
de suas ramificações, possibilitando o acesso ao poder na participação no campo das decisões
de negros, índios, mulheres, migrantes, homossexuais, etc. todas as categorias historicamente
exploradas e que nunca puderam participar da vida pública na condição de cidadãos. Democra-
tizar o conceito de cultura dentro dessa percepção, é uma questão de poder e de cidadania.
Veja como essas ideias se expressam no discurso de posse do ministro Juca Ferreira, em
janeiro de 2015:
(...). É preciso avançar com firmeza e determinação também na distri-
buição de poder simbólico e político no Brasil com a democratização da
produção e do acesso ao conhecimento e à cultura. No momento em que
o mundo assiste a uma situação dramática de radicalização de extremis-
mos, é preciso enfrentar também aqui discursos de ódio, o preconceito
social e regional, o racismo, o machismo, a homofobia, a xenofobia e to-
das as demais formas de segregação cultural. Na verdade, banalizamos
a violência. São muitos os fantasmas culturais que ainda assombram
as nações democráticas. Todos eles estão a nos exigir uma revolução
cultural, mudança de comportamento, sensibilidade e visão de mundo.
(Discurso de Posse do Ministro Juca Ferreira, janeiro de 2015)
Segundo Bobbio, essa multiplicação dos direitos se deu principalmente através de três
modos: 1) aumentaram os bens dignos de serem tutelados pelo Estado, 2) alguns direitos tí-
picos monopolizados foram estendidos a outros estratos sociais, e, 3) o homem passou a ser
compreendido não mais em sua generalidade, mas agora em sua especificidade e diversidade.
(Bobbio,2004)
Esse contexto de mudança, por sua notável e crescente especificação, atenta para o ca-
ráter situacional, relacional e temporal dos contextos de reivindicação, formulação e imple-

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mentação desse amplo quadro identitário que passa a ser reconhecido como direito através do
fortalecimento da democracia, da diversidade, e da cidadania. Então o reconhecimento dessas
categorias identitárias nesse contexto tem a ver com a conquista de direitos, que por sua vez se
relaciona com as disputas de poder que envolvem toda a sociedade.
Vamos analisar agora no texto da “Convenção sobre a proteção e promoção da Di-
versidade das Expressões Culturais”(2007), as especificidades sobre o tema positivados nesse
documento que o Brasil endossa como signatário, procurando refletir sobre como a expansão do
conceito de cultura e identidade possibilitou um avanço nos entendimentos da política da cultu-
ra, referidos à noção de cidadania e de seu empoderamento através da participação democrática.
No texto, a noção de diversidade cultural prescinde de “um ambiente de democracia,
tolerância, justiça social e mútuo respeito entre povos e culturas” para poder se expressar em
toda sua potencialidade, fortalecendo a paz e a segurança no plano local e global.
Dentro do entendimento da UNESCO, a compreensão sobre Cultura vem mudando subs-
tancialmente, revendo a velha noção que restringia a cultura ao campo de produção das belas
artes e da literatura erudita. No preâmbulo da Declaração Universal da Diversidade Cultural da
UNESCO, de 2001, encontramos a seguinte definição:
A cultura deve ser considerada como um conjunto distinto de elementos
espirituais, materiais, intelectuais e emocionais de uma sociedade ou
de um grupo social. Além da arte e da literatura, ela abarca também os
estilos de vida, modos de convivência, sistemas de valores, tradições e
crenças (in: Convenção sobre a Diversidade das Expressões Culturais,
2007 p.20)
Esta ampliação da noção de cultura na UNESCO numa retrospectiva passa, grosso modo,
por quatro períodos em que os sentidos e as funções atribuídas à cultura vão se transformando.
Entre 1950 e 1960, para além das artes, Cultura engloba a noção de Identidade Cultural. Essa
noção possibilitou uma tomada de posicionamento político da entidade, que procurou trazer
reflexões e dar respostas a situações específicas, entre elas, “contextos de descolonização, ao
reconhecer a igual dignidade das culturas”.
Entre os anos 1970 e 1980 ampliou-se a consciência dos vínculos entre cultura e desen-
volvimento. Foi nesse período que se estabeleceram as redes de comunicação visando coopera-
ção e solidariedade entre os países em desenvolvimento. A UNESCO procurou promover ações
de intercâmbio, visando fomentar parcerias mediadas pela noção de igualdade entre as partes,
onde cultura também deve ser lida como fundamento de Soberania.
O avanço mais pungente no sentido de fortalecer a cidadania (dentro do recorte proposto
nesse artigo) ocorreu entre os anos 1980 e 1990, marcados pelo reconhecimento das agendas dos
países em desenvolvimento em consonância com seus fundamentos culturais na construção da
democracia. Nesse período a UNESCO passou a reconhecer, dar importância e posteriormente

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empoderar politicamente os grupos e identidades que sofrem as marginalizações e exclusões


sociais vividas por indivíduos pertencentes às minorias, povos indígenas, imigrantes, etc.
Entre os anos 1990 e 2000, se aprofundou esse processo através do diálogo entre culturas
e civilizações diversas. Nesse contexto a diversidade cultural torna-se patrimônio comum da
humanidade através de sua Declaração Universal da Diversidade Cultural, tendo agora que lhe
dar com um duplo desafio: primeiro ao de defender o direito à diferença entre pessoas, grupos
e identidades plurais ansiando, contudo, o convívio mútuo, e por outro lado, a defesa da criação
a partir desse contexto diverso, ampliando a possibilidade de expressão e comunicação entre o
tradicional e o contemporâneo no espaço e no tempo. A dinâmica desigual e violenta imposta
pela globalização capitalista, as guerras, a imigração, as diferenças religiosas, foi e são ainda
grandes desafios em debate dentro dos fóruns internacionais. O reconhecimento de direitos e sua
implementação prática na realidade são questões fundamentais que viabilizam a construção da
participação democrática e da cidadania.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se percebe nessa breve trajetória é o caráter dinâmico que envolve os entendimen-
tos sobre cultura, diversidade cultural, democracia e cidadania. O caráter situacional, relacio-
nal e diacrítico, que é próprio da etnicidade e dos processos identitários, informa a construção
discursiva e amplia a potencialidade política dos termos clássicos que compõe a gramática fun-
damental da vida política contemporânea.
Refletindo sobre mudança social em relação a cidadania, cultura e diversidade cultural,
percebemos em meio às transformações do campo da conquista de direitos pelos homens ao
longo do tempo, que a participação social e democrática criou e potencializou essas noções,
comunicando e respondendo aos problemas sociais, posicionando criticamente os conceitos ao
oferecer reflexões, soluções e ações práticas para os desafios concernentes a cada contexto social
específico, o que atesta, como estamos procurando evidenciar, o caráter situacional e relacional
das noções de cultura e identidade, e de sua politização cada vez maior no quadro das interações
e disputas de interesses presentes na sociedade civil organizada e no Estado. O Plano Nacional
de Cultura e suas metas devem ser pensadas através desta dinâmica conceitual, contra concep-
ções estanques que ainda influem sobre a percepção desses fenômenos sociais determinando a
priori os significados, que como apresentamos, estão em disputa.
Desta maneira, se observa uma amplitude de campos de atuação que envolve o desen-
volvimento da democratização cultural através do acesso ao direito à cultura e à cidadania.
Na perspectiva apresentada no início do artigo, procuramos salientar a importância de relacio-
nar a conquista de direitos às disputas por poder no interior da sociedade e na sua relação com
o Estado.

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A intenção foi oferecer interpretações críticas para a noção de cidadania no Plano Na-
cional de Cultura pensando sobre Estado e Poder nas interações com a Sociedade. A trajetória
partiu do direito, do desenvolvimento da conquista por participação e ampliação das atribuições
do Estado; ofereceu leituras sobre o poder e, brevemente, das formas clássicas que envolveram
seu entendimento; tratou do processo que desenvolveu a compreensão sobre o homem, da sua
generalidade à especificidade na conquista do reconhecimento da diversidade no campo do di-
reito, depois traça paralelos entre esse movimento e a dinâmica da etnicidade e dos processos
identitários – para uma percepção mais acurada do processo de mudança social; a relação entre
individualismo, cidadania e democracia, e como estas ideias se expressam em discursos e docu-
mentos oficiais do MinC.

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PATRIMÔNIO CULTURAL EM PERIGO – A ARTE FUNERÁRIA E O DESCASO


COM SUA PROTEÇÃO EM JUIZ DE FORA/MG
Leandro Gracioso de Almeida e Silva1
Marlise Buchweitz2

RESUMO: O presente trabalho analisou como o poder público municipal tem atuado na
proteção dos jazigos de valor cultural do Cemitério Municipal de Juiz de Fora. Apesar de a
abertura de processo de análise de tombamento ter sido autorizada pelo Conselho de Proteção do
Patrimônio Cultural Municipal, isto não está se refletindo em uma política eficaz de salvaguarda
do acervo. Tanto a administração do cemitério tem-se mostrado indiferente à questão quanto a
Divisão de Patrimônio Cultural não possui poder de fiscalização e portanto, pouco pode realizar
além de notificar. Em meio ao processo, apenas a imprensa e alguns setores da sociedade civil
têm-se mobilizado para cobrar o fim do descaso para com o espaço mortuário. Desta forma, fez-
se um estudo histórico sobre o processo de inserção do cemitério como patrimônio da cidade de
Juiz de Fora e as ações que tal questão necessitou.

PALAVRAS-CHAVE: Cemitério, Patrimonialização, Memória, Identidade

1. A POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EM JUIZ DE


FORA: UM HISTÓRICO
Os primeiros instrumentos para proteção do patrimônio cultural em Juiz de Fora, par-
tindo do âmbito municipal, aconteceram após um movimento de intelectuais que reclamavam a
proteção de bens históricos considerados por eles enquanto importantes para a cidade. O marco
desse movimento, conforme (PASSAGLIA, 1982, p. 18) foi o caso do colégio Stella Matutina,
em 1978, que, prestes a ser demolido, mobilizou a consciência da comunidade sobre a importân-
cia de medidas preservativas. Contudo, a mobilização não garantiu a não demolição do imóvel.
As iniciativas de proteção avançaram na década seguinte, após o entendimento de que as
transformações urbanas e arquitetônicas da cidade estavam descaracterizando-a e fazendo com
que perdesse elementos constituidores de sua identidade (AZEVEDO; JABOUR, 2012, p. 35-39).
1
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação História Social – UFRJ, mestre em Memória Social e Patrimônio
Cultural – UFPel (2016), licenciado e bacharel em História – UFJF (2013/2014) e bacharel em Turismo pela Facul-
dade Estácio de Sá de Juiz de Fora (2011). E-mail: leandroleko.almeida@gmail.com
2
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural – UFPel; Bolsista CA-
PES. E-mail: marlisebuchweitz@gmail.com

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Ainda, existiam dois grupos de intelectuais distintos: os que consideravam a reformulação impor-
tante e necessária para que Juiz de Fora adentrasse na modernidade e que, portanto, a patrimonia-
lização se impunha como um entrave; e aqueles para quem era necessário selecionar alguns bens
para que estes fossem os elos representantes entre a cidade nova que se constituía e a do início de
sua história (AZEVEDO; JABOUR, 2012, p. 35-39).
Conforme (ALMEIDA, 2015, p. 61-64), diante do impasse, esses intelectuais de caráter
mais preservacionistas conseguiram importantes vitórias diante do poder público. A primeira é
anterior a Constituição de 1988, a qual garantiu mais possibilidade de regionalização da gestão e
da seleção dos bens históricos e culturais. Juiz de Fora ganhou, em 1982, sua primeira legislação
voltada à proteção do patrimônio cultural. Evidentemente, não seria possível debater aqui todos
os meandros sobre a questão; no entanto, consideramos que devido a essas iniciativas propostas,
primeiramente por essa lei local e, em seguida, com a legitimação dada pela Constituição, as
quais, somadas às demandas locais, garantiram bons avanços.
Ainda de acordo com (ALMEIDA, 2015, p. 63-64), foi assim, que, em 1989, Juiz de
Fora foi contemplada com a criação da Divisão de Patrimônio Cultural, órgão ligado atualmente
à Funalfa, fundação esta, responsável por gerir a cultura do município. Atualmente, o município
possui cerca de 173 bens materiais tombados e fez o registro de 6 bens imateriais3.
Infelizmente, o patrimônio funerário não foi amplamente contemplado nestes momentos
iniciais de seleção dos bens. Mas, é compreensível se observamos que os bens indicados eram
os tradicionais, os quais, aliás, eram os mais ameaçados naquele momento. Entendemos como
bens tradicionais: praças, monumentos, casarões, igrejas, fábricas antigas, entre outros. Os dois
cemitérios mais antigos da cidade – Cemitério Municipal Nossa Senhora Aparecida e Cemitério
da Paróquia de Nossa Senhora da Glória/Comunidade Confissão Luterana – não fizeram parte
da análise para um possível tombamento até o ano de 2012.
Porém, um pormenor importante existia sobre o tema, o qual diz respeito ao túmulo de
Henrique Guilherme Fernando Halfeld, incluído em pedido de tombamento desde 1999. A princí-
pio, a demanda se justifica por ser étnica e fundacional. Além de ser o possível fundador da cidade,
a força política do Instituto Teuto-brasileiro sobre a questão pode ter contribuído para a inserção
desse jazigo na lista de bens inventariados, uma vez que este sepultado era imigrante de origem
alemã4. O processo foi aprovado em 07 de junho de 2004, apesar de o pedido ser do ano de 1999. 5

3
Lista completa disponível em <http://pjf.mg.gov.br/administracao_indireta/funalfa/patrimonio/index.php>
Acessado em 20 de fevereiro de 2015.
4
A imigração alemã em Juiz de Fora se inicia no século XIX e ainda há um grande grupo de descendentes dos
colonos. In: STHELING, L. J. Juiz de Fora, a Companhia União e Indústria e os alemães. Juiz de Fora: Funal-
fa, 1979.
5
Processo disponível em <http://www.jflegis.pjf.mg.gov.br/c_norma.php?chave=0000021833>. Acessado em 20
de fevereiro de 2015.

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A patrimonialização de cemitérios não é uma novidade no Brasil. Tanto o IPHAN, órgão


de proteção federal, como o IEPHA/MG, órgão de proteção em Minas Gerais, realizaram tom-
bamentos de cemitérios e bens fúnebres quando estes remetiam à memória e à história nacional
e no caso do IEPHA/MG à estadual (CASTRO, 2010, p. 5). O caso do jazigo de Henrique Hal-
feld enquanto patrimônio funerário era exceção em Juiz de Fora, mas como se observa, estava
de acordo com as políticas de patrimonialização de cemitérios do IPHAN e IEPHA/MG naquele
momento. A política local se manteve assim até 2012, quando ocorre uma primeira ruptura.
Em 2012 ocorre uma visita ao Cemitério Municipal de Juiz de Fora realizada pelo Dire-
tor do Museu Mariano Procópio – museu localizado em Juiz de Fora –, e também membro do
Conselho de Proteção e Preservação do Patrimônio Cultural da cidade de Juiz de Fora (COMP-
PAC) naquele momento, Douglas Fasolato; estavam entre os visitantes o jornalista Wilson Cid,
membro do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora (IHG) e membro do COMPPAC,
e também o falecido Wilson Coury Jabour Junior, procurador-geral da prefeitura da cidade e
também membro do COMPPAC. Nesta visita eles observaram que:
[...] a situação do cemitério Municipal era motivo de nossa preocupa-
ção visto o processo de especulação no cemitério, principalmente na
parte antiga, onde as pessoas estavam indiferentes aos valores estéti-
cos-históricos, descaracterizando-os, muitas vezes jogando-os ao chão
para erguer andares e tirando inclusive a capacidade de observação. Ti-
vemos inúmeras conversas e algumas visitas ao cemitério. Uma delas,
especificamente para tentar delimitar o objeto do tombamento, única
solução para impedir a situação. Enfim, fizemos uma visita técnica, em
um sábado chuvoso, com posterior troca de e-mails e do qual saiu uma
lista, mas priorizando o cemitério velho, pelo risco. Conversamos com
várias pessoas e pesquisamos em diversas obras. Essa visita foi em 2012
e antecedeu a construção da proposta, em que ficou decidido que seria
apresentada pelo Wilsinho (informação verbal)6.
Wilsinho, a quem Douglas Fasolato carinhosamente chama era, Wilson Coury Jabour
Júnior que neste mesmo ano tratou de apresentar ao COMPPAC uma proposta com um total de
25 bens funerários selecionados. Neste pedido redigido por Wilson Coury constavam: a antiga
capela e 19 túmulos na ala velha do cemitério e 5 na ala nova. A proposição foi aprovada e
compõe um processo ainda em trâmite7.
Não adentraremos maiores detalhes nesta seleção que julgamos parcialmente limitada
por selecionar um número restrito de sepulturas dentro de um grande universo possível. No
entanto, compreendemos que o grande conhecimento que os três dispunham sobre a história do

6
Trecho de entrevista concedida via chat da rede social Facebook com o Sr. Douglas Fasolato, no dia 15 de feve-
reiro de 2015.
7
DIPAC/FUNALFA n° 011586/2012.

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município e a pouca noção em relação à arte funerária possivelmente implicaram em seleção


restritiva. Para justificar o tombamento, Wilson Coury citou trecho do trabalho da pesquisadora
de cemitérios Elisiana Trilha Castro:
[...] em grande medida, ao preservar um cemitério, a este são incorpo-
rados valores que não se ligam somente ao fato deste lugar guardar os
corpos sem vida. Creditam-se valores religiosos, sociais, arquitetônicos,
históricos ou artísticos, ambientais ligados, geralmente, a uma determi-
nada forma de representar as cidades e a memória coletiva. [...] Mas um
olhar sobre a cidade contemporânea aponta para um modo diferente de
lidar com a morte e com os mortos, que tendem a afastá-los ou apresen-
tá-los de uma forma menos marcante na paisagem da cidade e no coti-
diano. Apesar destas novas práticas ou por conta delas, afinal a inclusão
dos cemitérios como bens patrimoniais pode ser outra forma de afastar
a morte pela aplicação de novos usos, estes são enquadrados dentre os
bens a serem preservados. Mas sua inclusão dentre o rol dos bens cultu-
rais, quando comparada à sua historicidade e valor cultural, ao contrário
de muitos lugares, costumes e edificações, ainda é incipiente8.
Observa-se, assim, que o processo de conscientização local e de inclusão de bens a serem
patrimonializados é lento e demanda conhecimento de causa. Mesmo assim, através do olhar de
alguns poucos indivíduos, pode-se dizer que não fossem eles, provavelmente muito mais estaria
perdido no tempo e guardado apenas na lembrança. A seguir, analisaremos essa tramitação do
processo de tombamento solicitado de por Wilson Coury e que ocorre no DIPAC-Funalfa.

2. A PATRIMONIALIZAÇÃO DO CEMITÉRIO MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA


O pedido realizado por Wilson Coury Jabour Júnior, em dezembro de 2012, foi impor-
tante, pois garantiu que o DIPAC começasse a enxergar a importância da proteção dos cemité-
rios antigos do município. Em 2013, no mês de abril, o órgão propôs em Juiz de Fora o evento
III Olhar sobre o que é nosso realizado em periodicidade anual e no qual se debatem estratégias
de gestão e de proteção do patrimônio cultural. Para o evento deste mesmo ano, a Funalfa trouxe
2 pesquisadoras de cemitérios, a fim de que estas propusessem a importância desses espaços e
apresentassem caminhos para se lidar com a temática.
Destaca-se a pesquisadora Clarissa Grassi Dias, que se dedica há 13 anos a inúmeras
ações para divulgação e preservação do Cemitério São Francisco de Paula, um dos mais antigos
de Curitiba/PR.9 Clarissa é membro da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC),

8
Trecho retirado do pedido feito por Wilson Coury Jabour Junior no qual cita o trabalho de Elisiana Trilha Castro
“Cemitérios, nosso patrimônio nacional”; consta no processo administrativo de posse de DIPAC/FUNALFA, n°:
01158/12.
9
Para saber mais: <http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-cemiterio-que-reflete-a-cidade-ee93zxud8kou-
fxt3gwyqn3sr2>. Acessado em 5 de dezembro de 2015.

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associação que se propõe a divulgar e pesquisar os estudos do morrer no Brasil. Ao ser ques-
tionada sobre o possível tombamento do Cemitério Municipal de Juiz de Fora, Clarissa Grassi
destaca que recomendou alguns caminhos para uma seleção de túmulos. No entanto, a pesqui-
sadora não conferiu à atuação da Funalfa qualquer postura critica mais ampla, por não conhecer
a história do cemitério analisado e por qualquer eventual atuação demandar uma análise mais
apurada (informação verbal).10
Também foi convidada para participar do evento, a historiadora Fernanda Maria de Ma-
tos Costa. Fernanda é mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmen-
te funcionária técnico-administrativa da Universidade Federal do Paraná. Este convite se deu
devido ao seu objeto de estudo durante o mestrado, no qual investigou a história do Cemitério
Municipal de Juiz de Fora durante o século XIX.
Após participação no evento III Olhar sobre o que é nosso, e tendo com parâmetro os
apontamentos das pesquisadoras, Leandro Gracioso de Almeida e Silva, um dos autores deste
artigo, se sentiu instigado a desenvolver uma pesquisa sobre o campo santo. A oficialização da
pesquisa se concretizou com a aprovação no processo seletivo de mestrado em Memória Social
e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas, no ano de 2014; esta pesquisa se
encontra atualmente em fase de finalização.
É importante ressaltar que Fernanda Maria de Matos Costa não se interessou em fazer
qualquer eventual proposição de patrimonialização do Cemitério Municipal de Juiz de Fora. Se-
gundo ela, desenvolver tal procedimento não era seu foco; ademais, a distância se impôs como
uma dificuldade (informação verbal).11 Outro pesquisador que desenvolveu investigação sobre
a morte e o morrer, em Juiz de Fora, foi Paulo Sério Quiossa. Não foi possível contato com ele,
mas sabemos que este pesquisador igualmente demonstrou pouco ou nenhum interesse na ques-
tão, ainda que os motivos para tal não fossem possíveis de se averiguar.
Era desejo de Leandro Gracioso de Almeida e Silva reverter tal situação de “patrimonia-
lização limitada” proposta em 2012. Por isso, o mesmo foi autor de um projeto que visava au-
mentar a abrangência da área a ser tombada, a qual deveria englobar novos túmulos e possíveis
e futuras políticas de educação patrimonial e turismo no local.

3. OS INIMIGOS DO CEMITÉRIO MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA


Os cemitérios de valor histórico padecem de inúmeros problemas que não são de exclu-
sividade destes espaços. De um modo geral, a escassez de recursos e, em alguma medida, o de-
sinteresse de alguns setores públicos e privados limitam a preservação e a conservação de bens

10
Entrevista concedida por Clarissa Grassi via rede social Facebook, em 23 de fevereiro de 2015.
11
De acordo com Fernanda Maria de Matos Costa, em resposta a questionamento feito via e-mail, em 27 de feve-
reiro de 2015.

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materiais de valor cultural. Contudo, no caso do campo santo analisado, a maior ameaça advinha
inicialmente do próprio setor que o administra, o poder público. Indiferente aos valores simbólico,
histórico e cultural que este cemitério detêm, por ser possivelmente o mais antigo cemitério higi-
ênico de Minas Gerais12, houve e ainda há inúmeras tentativas de depreciar ou desconsiderá-lo.
A primeira que consideramos a mais problemática foi uma iniciativa que se tornaria um
futuro projeto de lei, caso aprovada. A proposta feita pelo vereador do município Cido Reis pre-
tendia alterar o regimento do cemitério. O argumento defendido dizia respeito ao fato de haver
inúmeros túmulos, em especial na ala velha13, nos quais não ocorrem sepultamentos há anos,
devido à inexistência de proprietários. Portanto, segundo o vereador, havia real necessidade de
se alterar o regimento, a fim de permitir uma ampliação do direito de uso, o que tornaria possível
a venda de perpetuidade a terceiros, algo atualmente proibido nesse campo santo. Assim, ceden-
do o uso a novas famílias, parte dos problemas de falta de jazigos na cidade seria resolvida.14
Acreditamos que a falta de jazigos nos cemitérios públicos de Juiz de Fora e, em especial
no analisado, não seria resolvida nem sequer parcialmente pela medida. O cemitério sempre ca-
receu de espaço para realizar todos os sepultamentos necessários, e a demanda por sua ampliação
remete aos primeiros anos de seu funcionamento.15 Com o atual crescimento da população da ci-
dade, mesmo que fosse permitida a revenda em pouco tempo, o problema retornaria e persistiria,
uma vez que o Cemitério Municipal é o mais utilizado no município (informação verbal).16
Além disso, autorizar a revenda de jazigos a terceiros, inevitavelmente representaria o
fim da maioria dos túmulos mais antigos, os que por sua vez possuem maior valor histórico e
artístico. É difícil imaginar que, se não houvesse a proteção do tombamento, os novos proprie-
tários teriam compromisso em preservar as estruturas originais da sepultura, afinal estas não
fazem menção a familiares seus.
Diante desta situação, foi apresentado um pedido às pressas, por Leandro Gracioso de
Almeida e Silva. Nesta proposta, o autor justificava o porquê da necessidade de se fazer o
pré-tombamento da ala velha. O pedido foi aprovado gerando um processo atualmente em tra-
mitação, mas longe de um parecer final ocorrer num período próximo.17 Contudo, a aprovação
inviabilizou o projeto de lei mencionado anteriormente, pois, enquanto não se decide sobre o
tombamento, o bem analisado está “pré-tombado”, como prevê a legislação do município.

12
Esta afirmação ainda carece de maior averiguação, mas de acordo com pesquisas em arquivos e jornais, tudo
indica que seja de fato o mais antigo cemitério moderno de Minas Gerais.
13
Denomina-se “ala velha” a primeira divisão do cemitério, ocorrida em 1864. A “ala nova” é de 1925.
14
A notícia completa disponível em <http://www.tribunademinas.com.br/projeto-autoriza-venda-de-jazigo-no-mu-
nicipal/>. Acessado em 06 de dezembro de 2014.
15
FCMRV – Vº Parte – Órgãos e Funcionários da Câmara – I Cemitério – Série 129 – Documentos diversos. Do-
cumento de 13/07/1912.
16
Conforme o administrador Emílio Bravo.
17
DIPAC/FUNALFA n° 00071/2015.

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O segundo inimigo do Cemitério foi a transformação do sentido que a morte obteve ao


longo do tempo. Apesar de ter sido muito comum, sobretudo entre as famílias mais endinheira-
das, o uso de arte funerária nos cemitérios das cidades de economia mais pujante do século XIX
e primeiras décadas do século XX, esse tipo de arte passa por franco declínio desde meados do
século XX. O processo se iniciou nos anos 1930, de acordo com Maria Elizia Borges:
[...] a partir de 1929, a burguesia […] restringiu seus gastos em razão
da crise econômica que se alastrou por todo o país; as obras tumulares
grandiloquentes passaram para segundo plano, tornando-se raro esse
tipo de construção. Ao mesmo tempo, mudava-se o gosto estético da
sociedade, que preferia agora túmulos mais simples, horizontais, de li-
nhas geométricas simplificadas, revestidos de granito ou mármore cinza
e com poucas peças escultóricas de bronze e poucos atributos culturais,
influenciados pelo art-decó (BORGES, 2002, p. 292).
A sociedade havia mudado, e a morte havia transferido seu local: não se morria mais em
casa, mas nos hospitais (ARIÈS, 1977, p. 54). O crescimento das cidades e as transformações
na mentalidade também se impunham como fatores a dificultar um luto dramático. Os cortejos
fúnebres tão comuns, que partiam geralmente da casa do defunto onde o corpo costumava ser
velado, em poucos anos não seriam mais possíveis ou administráveis. O luto tornava-se proibi-
tivo e o culto aos mortos também.
Pregava-se e ainda se defende o distanciamento dos mortos, um não pensar na morte,
afinal a ciência posterga cada vez mais o fatídico momento através de seus avanços. O moder-
nismo defendendo novos valores para a arquitetura e as artes dispensava a estética “exagerada”
das sepulturas que foram pouco a pouco se tornando cada vez mais simples. O mercado de arte
funerária encolheu, os marmoristas que se dedicavam a isso tiveram que migrar seu foco para
a construção civil, ou fecharem seus negócios. Os quase 100 anos em que a arte funerária teve
seu apogeu nos cemitérios brasileiros ficariam para trás, como representantes de um momento
específico da história do Ocidente cristão.
Tais fatores contribuem para pensarmos no porquê da indiferença das famílias para com a
sepultura. Se a mesma indiferença garantiu a preservação de muitas sepulturas pelo Brasil afora,
este ponto de vista também se apresenta como um grande problema na proteção dos cemitérios.
As famílias não realizam manutenção periódica das sepulturas porque isso já não é mais impor-
tante, de modo que as patologias se instalam e vão consumindo lentamente a estrutura do túmulo.
No caso do Cemitério Municipal de Juiz de Fora, uma vez pagas as taxas de perpetuidade
da sepultura, a desapropriação do jazigo é impossível. Sem valores em caixa, a administração
do campo santo conta apenas com recursos transferidos pela Secretaria de Obras para manter
os funcionários e a limpeza das áreas comuns espaço. Ademais, sem maiores preocupações em
manter uma lista de contatos atualizada, e sem uma gestão de documentação mais apurada, a

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administração do cemitério parece não saber sequer quem poderiam ser os donos de algumas das
sepulturas, as quais ficam em ruínas e a administração não pode intervir, já que a manutenção é
de exclusividade do proprietário. Assim, este patrimônio vai sendo destruído aos poucos, pela
“indiferença” compartilhada entre os proprietários dos jazigos e a administração do cemitério.
Por fim, em terceiro lugar, o maior desafio enfrentado pelo Cemitério tem sido os furtos.
Conforme já mencionado, até por volta dos anos 1930, as famílias mais abastadas costumavam
gastar cifras consideráveis na construção de uma sepultura. Na ala nova do cemitério, inaugurada
em 1925, existem, na maior parte das sepulturas, materiais nobres como granito, mármore e bron-
ze. O bronze é certamente o mais fácil de ser furtado e o único possível também, pois qualquer
tentativa de retirada de uma peça de mármore ou de granito implicaria na quebra desta, fato que
acarreta em perda do valor comercial; mas o bronze pode ser novamente dissolvido e fundido.
Diante dessa situação e do descontrole na segurança do Cemitério Municipal, a imprensa
local tem divulgado, ao longo dos anos, casos de furtos de peças neste campo santo. O caso mais
emblemático foi o furto dos ornamentos em bronze da sepultura de Henrique Guilherme Fernan-
do Halfeld. A este personagem que se atribui a fundação da cidade, conforme já discutido, por
isso talvez a maior comoção.
Desde 2013, o túmulo vinha sendo lentamente saqueado. Primeiramente, foi o brasão
de armas do município de Juiz de Fora, depois o mapa da região da Alemanha da qual provinha
Henrique. Por fim, antes de novembro de 2015, furtaram o Brasão da Família Halfeld. Tal ini-
ciativa pareceu ser a gota d’água para a sociedade civil organizada. O senhor Vicente de Paulo
Clemente, descendente de alemães, não deixou de reclamar num grupo da rede social Facebook
intitulado “Comunidade Alemã” o descaso para com a sepultura:
[...] vergonha… túmulo do Fundador de nossa cidade, no Cemitério Mu-
nicipal, dilapidado e despido das placas honoríficas. O mapa da região
de onde nasceu Heinrich Willmem Ferdinand Halfeld [Henrique Gui-
lherme Fernando Halfeld], na Alemanha, o brasão de armas da família
Halfeld e o brasão da cidade, foram violentamente arrancados de suas
bases e roubados por vândalos. Hoje, dia dos mortos, ao visitar o Campo
Santo, tristemente me deparei com essa imagem... (informação verbal)18.
Em seguida, Leandro Gracioso de Almeida e Silva, tendo ciência do caso o denunciou a
imprensa escrita e televisionada da cidade que dedicou matéria sobre a questão nos dias 04 e 05
de novembro de 2015. O jornal Tribuna de Minas publicou matéria da qual reproduzimos parte:
[...] em função das visitas aos cemitérios da cidade no Dia de Finados,
uma postagem no Facebook, publicada no grupo ‘Comunidade Germâni-
ca de Juiz de Fora’ chama atenção para furtos ocorridos no Cemitério Mu-
nicipal. Um dos alvos foi o túmulo do Comendador henrique Guilherme

18
Trecho retirado de comentário de Vicente de Paulo Clemente no grupo, realizado em 2 de novembro de 2015.

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Fernando Halfeld, fundador da cidade. O mapa da região onde ele nasceu,


na Alemanha, além do brasão de armas da família Halfeld e o brasão da
cidade, foram arrancados de suas bases e furtados. [...]19.
Esta matéria foi publicada em seu sítio na internet e foi a capa do veículo em sua fonte
impressa no dia 04 de novembro de 2015. A Rede Globo de Televisão, representada na cidade
pela sua afiliada TV Integração, também apresentou matéria, com duração de 04 minutos e 21
segundos, em seu telejornal diurno.
Na Figura 1 pode ser observado o túmulo mencionado, após os furtos realizados:

Figura 1: Jazigo de Henrique Guilherme Fernando Halfeld


no Cemitério Municipal de Juiz de Fora, em novembro de 2015.

Fonte: Dos autores.

De acordo com as palavras da jornalista Érika Salazar, acontecem furtos no Cemitério


e a administração admite falha na segurança. Na ocasião da reportagem, foram entrevistados
o Sr. Roberto Dilly, responsável pelo Instituto Teuto-brasileiro, o pesquisador deste cemitério
Leandro Gracioso de Almeida e Silva, o administrador do cemitério o Sr. Emílio Bravo e um
descendente do sepultado, o Sr. Pedro Halfeld.
No referido caso, Leandro, Roberto e Pedro demonstraram a insatisfação para com o ato
que não é isolado e que demonstra que a administração municipal não tem garantido a segurança
dos jazigos do cemitério. O Sr. Emílo Bravo tentou minimizar o caso, alegando que havia um es-
forço de sua administração em propor novas iniciativas de segurança. Segundo o administrador,
há uma parceria com a guarda municipal que vigia o cemitério 24h, houve a troca da iluminação,

19
Disponível em <http://www.tribunademinas.com.br/visitantes-denunciam-furtos-no-cemiterio-municipal/>.
Acessado em 10 de fevereiro de 2016.

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moto-monitoramento devido ao relevo do cemitério, além de um estudo para utilizar cães de


guarda para reforçar a segurança20.
Sobre estas medidas, até a conclusão deste artigo nenhuma foi definitivamente imple-
mentada, com exceção da vigilância 24h, fato que demonstra o distanciamento entre o discurso
e a prática. Salientamos que uma pessoa responsável pela Secretaria de Obras foi encaminhada
para auxiliar nos esclarecimentos por parte da administração do Cemitério Municipal, mas ela
não deu entrevista.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Múltiplos tabus estão envoltos aos cemitérios. A estes espaços atribuímos concepções
que envolvem dor, saudade e melancolia. E, certamente, por isso a maioria das pessoas passa
quase toda a vida evitando pensar neles ou no ato de morrer. Consideramos que esta atitude
perante a morte tem forte impacto na proteção jurídica dos campos santos, ainda que parte da
situação tem mudado.
Apesar de iniciativas importantes estarem acontecendo no Brasil, tais como as visitas
guiadas nos cemitérios do Bonfim em Belo Horizonte e de São Francisco de Paula em Curitiba,
ou até mesmo o “cinetério”, proposta que tem como iniciativa transmitir filmes de terror no
Cemitério da Consolação em São Paulo, e também a possibilidade de se visitar virtualmente,
através do Google mapas, os cemitérios São João Batista no Rio de Janeiro e Consolação em
São Paulo, no geral as políticas para com estes espaços funerários são esparsas e restritas aos
grandes centros.
Mesmo com toda a possibilidade pedagógica e turística dos cemitérios oitocentistas,
os exemplos ainda são restritivos. Além disso, apesar destas novas iniciativas reaproximarem
a sociedade destes espaços fazendo com que se apropriem e desenvolvam sentimento de que é
importante sua preservação, estas por si só não dão conta de preservá-los. Por fim, o objetivo
deste trabalho era através de um relato de experiência em um recorte micro, apresentar os de-
safios na preservação dos bens cemiteriais que se apresentam como ainda mais difíceis que dos
bens já consagrados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, F. Narrativas preservacionistas na cidade: a trajetória da defesa do patrimônio de Juiz de


Fora contada através de manifestações populares. Juiz de Fora, MG: Ed. Funalfa, 2015.

20
Informação disponível em <http://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/mgtv-1edicao/videos/t/edicoes/v/pecas-do-
-tumulo-do-fundador-de-juiz-de-fora-sao-furtadas/4588149/>. Acessado em 10 de dezembro de 2016.

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ARIÈS, P. História da Morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves Editora, 1977.
AZEVEDO. N. L; JÚNIOR JABOUR, W. C. Reflexões e Olhares – O Patrimônio Cultural de Juiz de
Fora. Juiz de Fora, MG: Funalfa, 2012.
CASTRO, E. T. Cemitérios, nosso patrimônio nacional: a ação do IPHAN. 2010. Disponível em <https://
elisianacastro.files.wordpress.com/2009/06/artigo-elisiana-abec-2010-patrimonio-funerario-iphan.pdf>
COSTA, F. M . M. da. A morte e o morrer em Juiz de Fora: Transformação nos costumes fúnebres (1851-
1890). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de
Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2007.
_______. – Entrevista concedida via e-mail, em 27 de fevereiro de 2015.
DIVISÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL. Processo Administrativo. DIPAC/FUNALFA, n° 1367/99.
Disponível em <http://www.jflegis.pjf.mg.gov.br/c_norma.php?chave=0000021833>; Processo Admi-
nistrativo. DIPAC/FUNALFA, n°: 01158/12; Processo Administrativo. DIPAC/FUNALFA, n° 00071/15.
FASOLATO, Douglas. – Entrevista concedida via chat da rede social Facebook, no dia 15 de fevereiro
de 2015.
FUNDAÇÃO ALFREDO FERREIRA LAGE. Disponível em <http://pjf.mg.gov.br/administracao_indi-
reta/funalfa/patrimonio/index.php>. Acessado em 20 de fevereiro de 2015.
GAZETA DO POVO. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-cemiterio-que-
reflete-a-cidade-ee93zxud8koufxt3gwyqn3sr2>. Acessado em 05 de dezembro de 2015.
GRASSI, Clarissa Grassi. – Entrevista concedida via a rede social Facebook, em 23 de fevereiro de 2015.
PREFEITURA DE JUIZ DE FORA (Juiz de Fora, MG). Arquivo Histórico. FCMRV – Vº Parte – Órgãos
e Funcionários da Câmara – I Cemitério – Série 129 – Documentos diversos. Documento de 13/07/1912.
STHELING, L. J. Juiz de Fora, a Companhia União e Indústria e os alemães. Juiz de Fora, MG: Funalfa,
1979.
QUIOSSA, P. S. O morrer católico no viver em Juiz de Fora: 1850-1950. Tese (Doutorado em Ciência
da Religião) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2009.
TRIBUNA DE MINAS. Disponível em<http://www.tribunademinas.com.br/vereadores-querem-mudar-
regimento/>. Acessado em 06 de dezembro de 2014.
TV INTEGRAÇÃO – AFILIADA REDE GLOBO. Disponível em <http://g1.globo.com/mg/zo-
na-da-mata/mgtv-1edicao/videos/t/edicoes/v/pecas-do-tumulo-do-fundador-de-juiz-de-fora-sao-furta-
das/4588149/>. Acessado em 10 de dezembro de 2016.

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POLÍTICA CULTURAL MILITAR - UMA REFLEXÃO SOBRE AS DIVERSAS


FORMAS DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL MILITAR
Lecinio Alves Tavares1
Giorgio Pizzani Trindade2

RESUMO: O presente artigo como objetivo apresentar aspectos relevantes dos diversos
Sistemas Culturais Militares no país e no exterior, citando suas principais características,
semelhanças e diferenças. O trabalho irá abordar como as três Forças Singulares gerenciam
seu patrimônio histórico e cultural comparando-se como as outras nações tratam o assunto. A
ênfase do trabalho será pelas práticas desenvolvidas pelo Exército Brasileiro (EB), que será o
referencial para o estudo. O trabalho tem objetivo apresentar os diversos processos que compões
os diversos Sistemas Culturais Militares, traçando um paralelo com o que acontecia no seio da
Sistema Cultural do Exército Brasileiro

PALAVRAS-CHAVE: Política Cultural, Sistemas Culturais Militares, Patrimônio Histórico e


Cultural do Exército, Brasileiro.

1. INTRODUÇÃO
O artigo tem o objetivo apresentar os diversos modelos de gestão cultural do patrimô-
nio histórico e cultural militar e fazer uma comparação com o Sistema Cultural do Exército
Brasileiro (SCEx). A Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEx) é
o órgão técnico e normativo do SCEx e que tem a missão de manter e difundir sua memória,
feitos e tradições. A sua implantação3 ocorreu em um processo evolutivo sistêmico que iniciou

1
Coronel do Exército Brasileiro, Mestre em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exér-
cito, Especialista em Comunicação Social pelo Centro de Estudos de Pessoal e em História Militar Brasileira pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Graduado em Administração pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro e Graduando em História pela UNESA. Fez parte da equipe da Diretoria do Patrimônio Histórico e
Cultural do Exército, até janeiro de 2016, quando atuou na área de planejamento e coordenação da Diretoria, leci-
niotavares@yahoo.com.br
2
Major do Exército Brasileiro, Especialista em História Militar Brasileira pela Universidade do Sul de Santa Cata-
rina (Unisul), graduando em História pela Universidade Estácio de Sá e Pós-Graduando em um MBA de Gerencia-
mento de Projetos na Fundação Getúlio Vargas. Compõe a equipe da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do
Exército, atuando na área de planejamento e coordenação e gestão da Diretoria, giorgiotrindade@gmail.com.
3
Esse tema foi objeto de artigo apresentado no VI Seminário de Políticas Culturais da FCRB, em 2015 - “Sistema
Cultural do Exército Brasileiro dos primeiros trabalhos até o surgimento da Diretoria do Patrimônio Histórico e
Cultural - uma reflexão”, escrito por TAVARES, Lecinio Alves - um dos autores do presente texto.

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em 1970, com a criação do Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP)4. Apesar desse processo
histórico não ser objeto de estudo do artigo, serão agregadas algumas informações relevantes
para compreensão do texto.
O texto é fruto dos trabalhos desenvolvidos pelos autores, que estudaram, na DPHCEx,
entre 2014 e 2015, alguns dos principais Sistema Culturais Militares, inclusive com visitas a
alguns órgãos no país e no exterior; com os objetivos de colher dados sobre diversos Sistemas e
apresentar uma minuciosa proposta de intercâmbios de caráter técnico e cultural para contribuir
com o processo de melhoria contínua do SCEx.
A seguir, serão observadas as características desses Sistemas para estabelecer compara-
ções com o modelo do EB.

2. O SISTEMA CULTURAL DO EXÉRCITO (SCEX)


O SCEx se constitui como o principal instrumento de manutenção, conservação, manu-
tenção, difusão e pesquisa do patrimônio histórico e cultural da Força Terrestre, está inserido no
Sistema de Educação e Cultura do Exército, cujo Órgão Direção Setorial é o Departamento de
Educação e Cultura do Exército (DECEx).
As metas do SCEx são: coordenação de todos os esforços para a consecução dos cha-
mados objetivos culturais e estabelecimento de um canal técnico entre os diversos escalões,
conferindo agilidade aos processos. O seu campo de atuação prioritário é o desenvolvimento
dos valores éticos e morais dos militares, o fortalecimento do sentimento militar e o culto às
tradições castrenses, reforçando a vocação militar, acentuando o compromisso do EB com a
Nação; projetando os seus valores à sociedade em geral. A DPHCEx tem a missão de orientar,
controlar e supervisionar as atividades de preservação, conservação, recuperação, restauração e
divulgação do patrimônio histórico, artístico e cultural da Força.
Além do DECEx e da DPHEx, fazem parte do SCEx, todas as Organizações Militares
do Exército Brasileiro por intermédio de suas Seções de Comunicação Social ou Assessorias
Culturais.
As unidades que integram a estrutura da DPHCEx, são a Biblioteca do Exército (BI-
BLIEx); o Arquivo Histórico do Exército (AHEx), o Museu Histórico do Exército/Forte de
Copacabana (MHEx/FC) e o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial
(MNMSGM). O MHEx/FC tem em sua estrutura, os seguintes Espaços Culturais: o Museu
Militar Conde de Linhares (MMCL), o Panteão a Caxias e a Casa Histórica de Deodoro. A ilus-
tração abaixo demonstra, de forma reduzida, a estrutura básica do SCEx.

4
Fonte: página eletrônica da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército www.dphcex.ensino.eb.br

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Figura 1: Estrutura Reduzida do SCEx

O SCEx alinha-se com a Política Cultural do Exército Brasileiro e suas Diretrizes Estra-
tégicas, contidas nas Portarias 614 e 615, de 29 de outubro de 2002, do Comando do Exército,
que, passam por um período de atualização. A Política Cultural do Exército (PCEx) tem por
objetivo a participação no desenvolvimento da cultura do país, como integrante do Sistema Na-
cional de Cultura(SNC), além de estreitar os laços culturais já existentes com outros segmentos
da sociedade; além de integrá-la às demais políticas do EB.
A PCEx privilegia, entre outros aspectos, a preservação dos valores, da memória e das
tradições militares. A Diretriz Estratégica prevê que a atividade cultural não se limitará somen-
te aos aspectos passados e se encarrega de estabelecer os objetivos culturais.
Dez anos depois da implantação do DEP, em 1980, o Exército Brasileiro criou a Dire-
toria de Assuntos Culturais, Educação Física e Desportos (DACED) “sendo uma tentativa de
centralização e desenvolvimento das atividades culturais na Força com a devida importância”.
(página eletrônica da DPCHEx - adaptado)
O Ministério da Cultura foi criado em 1985, cinco anos depois da instauração da DA-
CED, sendo considerado relativamente recente e foi uma resposta a uma demanda decorrente
de um processo de reordenamento jurídico, político e social a época e que teve como ápice a
promulgação da Carta Magna de 1988.
A Constituição Federal de 1988, tratou uma série de temas relativos à cultura, criando um
arcabouço legal de normas para os trato dos bens públicos e das atividades culturais. Para fazer
face a esse momento histórico, o EB adaptou, mais uma vez, sua estrutura, inclusive para a cap-
tação de recursos, sustentabilidade do patrimônio e formação de recursos humanos. A dificuldade

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de ter capital humano capacitado é um aspecto que todas as instituições públicas que trabalham
com cultura sofreram5.

3. A GESTÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL NA MARINHA


DO BRASIL (MB) E NA FORÇA AÉREA BRASILEIRA (FAB)6

3.1. Gestáo do Patrimônio Histórico e Cultural na Marinha do Brasil


A Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM) 7, sediada
no Rio de Janeiro, é o órgão com a missão de preservar e divulgar o patrimônio histórico e
cultural da Marinha. A sistematização dessa Força Armada para tratar os seus múltiplos aspec-
tos culturais vem desde 1943 com a criação do Serviço de Documentação da Marinha (SDM),
oriundo da Biblioteca da Marinha, de 18468.
Em 1953, o Museu Naval foi reativado, ficando sob a estrutura do renomeado Serviço de
Documentação Geral da Marinha (SDGM), agora diretamente subordinado à Secretaria Geral
da Marinha. Após um processo de seguidas mudanças de estrutura e vinculação, em de 20 de
maio de 1994, o órgão responsável pelas atividades culturais da MB recebeu a denominação de
Serviço de Documentação da Marinha (SDM).
Em 2008, o Comandante da Marinha extinguiu a Diretoria do Patrimônio Histórico e
Cultural da Marinha (DPHCM), alterou a denominação do Serviço de Documentação da Mari-
nha para Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM), passando a
sua direção a ser ocupada por Oficial-General.
A Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha é o órgão responsável
pelo planejamento, coordenação e fiscalização das atividades culturais e pela disseminação da
consciência e da mentalidade marítimas a todos os segmentos da sociedade. A DPHDM tem como
visão de futuro a preservação e divulgação do patrimônio histórico e a memória da Marinha, com
qualidade compatível em criatividade e originalidade, com o melhor padrão internacional.

5
Conforme descreveu DE MARCO (2009): “ o desafio seria ainda maior para a administração pública, que se via
diante da necessidade de formar seus quadros a fim de capacitar para a gestão profissional essa nova estrutura que
se potencializava”.
6
Há de se ressaltar neste artigo que não foi identificada nenhuma ação de forma sistêmica feita pela pelo Minis-
tério da Defesa no sentido de se coordenar as atividades culturais das três Forças Armadas, que atuam com seus
próprios sistemas culturais e que interagem diretamente entre si.
7
Os aspectos da DPHDM e do INCAER foram baseados nos texto Gestão Cultural no Exército Brasileiro: uma
proposta para a Modernização da Gestão do Patrimônio Cultural do Exército. TAVARES (2010) sendo atualizadas
com base em pesquisa na páginas eletrônicas das instituições, na Palestra Institucional do DPHDM, encaminhada
por mensagem eletrônica por Carlos Lopes da Silva, pesquisador da Marinha do Brasil e pelo artigo “SISCULT e
os Sistema de Cultura: realidades, políticas e história” de Aline Pessôa da Ascenção Alcoforado, apresentado no
VI Seminário de Políticas Culturais da FCRB, em 2015. .
8
A Biblioteca da Marinha foi incorporada ao novo órgão ficando diretamente subordinado ao Ministro da Mari-
nha, juntamente com a Seção de História Marítima do Brasil, o Arquivo Histórico e a Revista Marítima Brasileira.

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Para a consecução do seu propósito, essa Diretoria tem como algumas das principais
tarefas: promover estudos e pesquisas e publicar documentação sobre assuntos concernentes à
cultura naval; manter o registro da história marítima brasileira; administrar a Biblioteca da Mari-
nha, o Arquivo da Marinha, a Editora Serviço de Documentação da Marinha, os Navios-Museus
e os Museus que lhe são subordinados, incluindo os diversos espaços para exposições; controlar
o patrimônio histórico e cultural da Marinha; e propor e incentivar a divulgação da cultura e
história marítima para a sociedade em geral.
A DPHDM apoia as solicitações da SGM, órgão a qual é subordinada; do Estado-Maior
da Armada; do Gabinete do Presidente da República; dos Ministérios em geral e dos vários
segmentos das áreas da cultura e educação. A Marinha do Brasil para o desenvolvimento de
seus mais diversos projetos e programas culturais, vale-se de parcerias com instituições como
o Ministério da Cultura; o IPHAN; os Ministérios da Defesa; da Ciência e Tecnologia (MCT),
da Educação e do Turismo (MTur); estados e municípios; associações e fundações, o Exército
Brasileiro e a FAB dentre inúmeras outras instituições do Governo Federal, e entidades públicas
e privadas.

3.2. Gestão do Patrimônio Histórico e Cultural na Força Aérea Brasileira


O Sistema de Patrimônio Histórico e Cultural do Comando da Aeronáutica (SISCULT),
foi implantado pela Portaria Nr 119/GC3, de 26 de fevereiro de 2010, contudo, a ideia de se
criar um órgão, no qual se concentrassem as preocupações com a história e a cultura geral da
Aeronáutica no Brasil é anterior a essa data. como as ações como as que resultaram das cons-
tatações feitas junto à comunidade aeronáutica pelo Tenente Brigadeiro do Ar Deoclécio Lima
de Siqueira.
Em 27 de junho de 1986, o então Presidente José Sarney, criou, por decreto, o Instituto
Cultural de Aeronáutica (INCAER). A iniciativa citada não proporcionou, de forma ampla, uma
política e um gerenciamento centralizados que, como ressalta ALCOFORADO (2015), “im-
pediam a consolidação de uma estratégia de gestão do patrimônio cultural do COMAER” não
proporcionando a exploração de todo o potencial.
A autora ainda cita que com a motivação da Constituição Federal de 1988 e seus artigos
que “determinam a ação do Estado na preservação do patrimônio cultural e na respectiva divul-
gação”, o COMAER iria convergir seus esforços com o Sistema Federal de Cultura, criado logo
em seguida, em agosto de 2005, que visava, conforme lembra a pesquisadora, “articular todos
os órgãos e programas culturais federais”.
Para a implantação do sistema da FAB, foi realizado um estudo entre os anos de 2007 e
2008, o qual mapeou e analisou a realidade cultural dentro do Comando da Aeronáutica (CO-
MAER). Este estudo concluiu que, apenas uma pequena parte das atividades culturais do CO-

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MAER eram administradas de forma centralizada, tudo esse processo desencadeou, em 2010 a
criação do SISCULT.
O sistema em questão tem por finalidade planejar, orientar e coordenar as atividades
culturais no âmbito da FAB. Entre o escopo de suas atribuições estão os assuntos relacionados
com o Patrimônio Histórico Material e Imaterial; Museologia; Heráldica; Documentação His-
tórica; Literatura; Musica; Arquitetura; Produções Artísticas; Tombamento; Tradições, Usos e
Costumes, Crenças, Valores, Ações Históricas e Quotidianas; e Cerimonial.
Para atingir seus objetivos, o SISCULT visa, entre outros: ampliar a capacidade de ge-
renciamento de assuntos relacionados com a Cultura no âmbito do Comando da Aeronáutica
(COMAER); racionalizar os recursos materiais e humanos para gerir assuntos culturais; - inte-
grar-se com os demais Sistemas do COMAER; integrar-se com os Sistemas e Órgãos externos,
públicos ou privados, no trato de assuntos culturais de interesse do COMAER e da sociedade
brasileira; - promover o desenvolvimento cultural no âmbito do COMAER; e ampliar o conhe-
cimento aeronáutico junto ao publico interno e externo, por meio da divulgação do patrimônio
histórico e cultural do Comando da FAB.
O Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (INCAER) é o órgão central do SISCULT
e de assessoramento superior, diretamente subordinado ao Comandante da Aeronáutica (Órgão
de Assessoramento Direto e Imediato). Tendo, ainda, finalidade pesquisar, desenvolver, divulgar
e estimular atividades históricas e culturais referentes à Aeronáutica Brasileira.
O SISCULT é organizado em elos, que são as Organizações da estrutura organizacional
do Comando da Aeronáutica e tem suas constituições e competências definidas em Regula-
mentos e Regimentos Internos próprios ou das Organizações a que pertencem. A esses elos
compete: executar as atividades pertinentes de acordo com as normas elaboradas pelo Órgão
Central (INCAER); desenvolver, executar ou participar das atividades de acordo com as normas
elaboradas pelo Órgão Central; submeter, a apreciação do INCAER, sugestões que visem ao
aperfeiçoamento do Sistema; fornecer, ao Órgão Central do Sistema os elementos necessários ao
planejamento e a elaboração das propostas orçamentárias relacionadas com as atividades rela-
cionadas com o Patrimônio Histórico e Cultural; manter adequadamente o Patrimônio Histórico
e Cultural sob sua responsabilidade; e manter atualizada e disponível a coletânea de normas
elaboradas pelo Órgão.
Atualmente, o Sistema de Patrimônio Histórico e Cultural do Comando da Aeronáutica
passa por uma modernização para atender às demandas sociais e culturais e cumprir as determi-
nações emanadas pelo Comando da Força Aérea Brasileira e se projetar para o futuro.

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4. MODELOS DE GESTÃO DAS NAÇÕES AMIGAS


4.1. República Portuguesa (Portugal)
Em Portugal, o órgão responsável pela gestão cultural do Exército é a Direção de Histó-
ria e Cultura Militar (DHCM) e está ligada ao Estado-Maior do Exército, não se vinculando a
um órgão de Direção Setorial. A missão da DHCM é promover e apoiar a pesquisa, a recolha e a
divulgação dos valores culturais militares, a pesquisa, a preservação e o estudo do patrimônio e
dos documentos históricos militares, bem como propor, coordenar e dirigir as atividades relati-
vas à administração e ao controlo de documentos, livros e do patrimônio histórico, tanto dos que
constituem espólio dos arquivos, bibliotecas e museus na sua dependência direta como dos que
dependem de unidades, estabelecimentos e outros órgãos do Exército de Portugal.
A DHCM é a responsável, pela gestão dos recursos humanos, financeiros e materiais,
alem do patrimônio histórico-militar dos órgãos diretamente subordinados. Entre os quais, des-
tacam-se os seguintes museus militares: dos Açores, de Bragança, de Lisboa, de Coimbra, de
Elvas, da Madeira e do Porto; além do Arquivo Histórico Militar (AHM), o Arquivo Geral do
Exército (AGE) e a Biblioteca do Exército (BibEx).
Percebe-se que a gestão cultural do Exército Português, quanto à missão e estrutura, se
assemelha com o que se pratica no Brasil, ressaltando-se, que o seu órgão central é diretamente
subordinado ao Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, não se vinculando a um sistema de
ensino ou a qualquer um outro.

4.2. Reino da Espanha (Espanha)


O órgão responsável pela atividade em estudo no Exército Espanhol é o Instituto de
História e Cultura Militar (IHCM), que é subordinado ao Chefe do Estado Maior do Exército,
sendo um órgão de nível da Direção e atua de forma integrada no Quartel-General do Exército,
de forma semelhante ao modelo lusitano.
O IHCM é o órgão responsável pela proteção, conservação, pesquisa e divulgação do
patrimônio histórico, cultural, cinema e literatura militar do Exército Espanhol, assessorando
o comando o comando nos assuntos relativos às atividades e tarefas gerais de ação cultural do
sistema, garantindo a preservação e conservação do patrimônio histórico e militar, contribuindo
para a manutenção e guarda dos bens do Exército. coordenar a elaboração e atualização dos guias,
registros, recenseamentos, inventários, catálogos e índices dos fundos do Patrimônio do Exército
e a sua informatização; promovendo e salvaguardando o Patrimônio do Exército; proteção desses
bens de saques; disseminando o conhecimento dos bens pertencentes ao patrimônio do Exército
e a cultura da história militar do Exército Espanhol, tudo isso de modo a proteger e assegurar o
acesso de todos os cidadãos aos bens sob o Patrimônio Militar, sujeitos às restrições, devido à
preservação de bens em custódia ou função da própria instituição, pode ser estabelecida.

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Um aspecto constatado é que os assuntos culturais das Forças Singulares são tratados por
órgãos semelhantes e o Ministério da Defesa coordena algumas atividades de interesses comuns,
como exemplo, as publicações de interesse da defesa, como um todo. Nota-se que a gestão cul-
tural do Exército Espanhol é distinta da praticada no Brasil, na medida em que está vinculada ao
Estado-Maior e não a um outro órgão intermediário com o Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx), no EB; além disso o Ministério da Defesa da Espanha atua efetivamente
nas atividades culturais militares.

4.3. República do Chile (Chile).


No Exército do Chile, a gestão cultural de sua Força Terrestre é feita pelo Departamento
de História Militar, que faz parte da estrutura do Estado-Maior Geral do Exército, atuando sob
coordenação do Chefe do Estado-Maior, para cumprir as normas ditadas pelo Comandante-em-
-Chefe do Exército (CJE).
O Departamento de História Militar tem como missão o trato das questões relativas
à preservação e divulgação do Patrimônio Cultural e do Arquivo Geral do Exército, além do
desenvolvimento e manutenção de museus e bibliotecas institucionais e a de promoção da pes-
quisa histórica e criação de vínculos com outras organizações do segmento civil da sociedade
chilena que estejam relacionadas com o Patrimônio Histórico Cultural da Nação.
No início do Século XXI, o DHM sofreu uma modernização que consistiu na criação de
organizações e na consolidação das suas finalidades, de aconselhar sobre questões relacionadas
à preservação do Patrimônio Cultural e do Arquivo Geral do Exército, também nos aspectos de
desenvolvimento e manutenção de museus, bibliotecas e institucional outras funções que são
determinadas nos respectivos regulamentos
Essa modernização se chamou Projeto Clio, de dia 01 de janeiro de 2002, quando o
Departamento de História Militar ficou subordinado à Chefia do Estado Maior do Exército e se
dividiu em duas seções: a primeira chama-se Patrimônio Histórico e Assuntos Internos, e outra,
Arquivo Geral do Exército.
Atualmente, o Departamento de História Militar responder às missões que lhe foram con-
fiadas, desde a sua reorganização, sendo um órgão que tem um cuidado especial com a restauração,
preservação e divulgação de todo o Patrimônio Cultural do Exército Chileno. Os Museus Militares
dependem operacionalmente, para seu funcionamento, do Departamento de Historia Militar.

4.4. Estado de Israel (Israel).


No Estado de Israel, as atividades culturais relativas a aspectos militares são centraliza-
das pelas Forças de Defesa de Israel (FDI). O órgão responsável por essas atividades culturais é
o Corpo de Educação e Cultura das Forças de Defesa de Israel.

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As iniciativas culturais têm o foco direcionado prioritariamente para as tropas. O Corpo


de Educação e Cultura das FDI é o responsável pela formação de soldados e comandantes mi-
litares, sendo fundado em 1957 e foi projetado para instruir e desenvolver os valores militares
entre as tropas e no seio da sociedade.
O Corpo de Educação e Cultura é dividido em duas brigadas principais e seis unidades
independentes, que são diretamente subordinadas ao Diretor de Educação.
O setor cultural militar israelense tem algumas atividades culturais de destaque como:
bandas militares, eventos, museus militares e teatro, entre outras. No que tange às bandas milita-
res, suas apresentações têm ênfase em músicas novas e jovens e projetam os valores culturais de
Israel nas comunidades locais e no exterior, compondo delegações internacionais de organiza-
ções israelenses e judaicas. Israel possui diversos museus militares, que são administrados, em
sua maioria, por oficiais generais e coronéis da reserva. Nesses espaços culturais, são lembrados
os grandes feitos militares israelenses e cultuados os grandes nomes militares do povo, além de
outras atividades de relevante valor histórico para os militares desse país.
No Exército, o principal órgão responsável pelas atividades culturais é o Departamento
de Cultura e Educação, que é subordinado diretamente ao Departamento de Pessoal. A principal
tarefa do Departamento de Pessoal é ajudar o Comando do Exército nas atividades de comando
e nas educacionais, cumprindo as metas IDF no país, mantendo a formação dos soldados e a
educação de jovens valores.
Percebe-se que em Israel, as atividades culturais militares são desenvolvidas pelas forças
armadas, sob coordenação com o FDI, que desempenha funções semelhantes às do Ministério
de Defesa do Brasil e é um órgão relativamente antigo e já consolidado, fundado em 1957.

4.5. Estados Unidos da América (EUA)


O Centro de História Militar do Exército dos Estados Unidos (CMH) é uma diretoria
dentro do Gabinete do Assistente Administrativo ao Secretário do Exército. É o responsável pelo
uso adequado da história e registros militares em todo o Exército dos EUA. Tradicionalmente,
esta missão significa registrar a história oficial do exército na paz e na guerra, assessorando o
pessoal do exército em questões históricas. É também a organização principal do Programa de
Histórico do Exército Americano.
Dentro do CHM, há o Centro de Recursos Históricos, que gere as instalações para apoiar
a sua equipe profissional. Ele é organizado internamente em uma biblioteca técnica, um arquivo
e instalações de apoio à sua página na internet. Sua missão secundária é servir como memória
institucional do CHM. Esta missão deriva da função de apoio pré-Segunda Guerra Mundial
realizada pela Divisão de Histórico do Colégio de Guerra do Exército. O objetivo da filial é ser
capaz de dirigir um investigador para o local real dos registros ou outras informações, e para ser

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capaz de fornecer o pesquisador com orientações específicas sobre como formular o seu pedido
para que o bibliotecário ou arquivista em posse do material possa fornecer corretamente as in-
formações ou recuperar os registros com um mínimo de dificuldade.
A biblioteca do Centro não é uma biblioteca de serviço completo e não circula seus ma-
teriais. Dentro do sistema histórico do Exército, a função é realizada pelo Instituto de História
Militar do Exército dos EUA em Carlisle Barracks, Pennsylvania.
O Arquivo do Centro está autorizada a ter apenas uma matriz limitada de materiais origi-
nais sob o sistema de gerenciamento de registros do Exército. De direito público a maioria dos
registros criados pelo Exército dos Estados Unidos passam por um processo de reforma e são
entregues ao Arquivos e Registros Administração Nacional para a retenção permanente.
Documentos pessoais de soldados individuais (recrutas a generais), ao contrário dos re-
gistros oficiais de unidades do exército ou outras organizações, por regulamento em vigor são
normalmente depositados no Instituto de História Militar Exército dos EUA em Carlisle Barra-
cks, Pennsylvania, ou em outros repositórios (que pode ser identificadas por meio do Catálogo
União Nacional das Coleções de Manuscritos).
O CMH também serve para os programas de história oral do Exército americano em to-
dos os níveis de comando. Ele também conduz e preserva as suas próprias coleções de história
oral , incluindo as da Guerra do Vietnã , a Tempestade no Deserto , e as muitas operações de
contingência recentes. Além disso, as entrevistas do Centro dentro da Secretaria e Estado-Maior
do Exército fornecem uma base para a história dos anais do Departamento do Exército.
Como representações tangíveis da missão e de artefatos militares busca-se melhorar a
compreensão do profissional das armas. O CMH gere um sistema de mais de 120 museus do
exército e suas ramificações, abrangendo cerca de 450.000 artefatos e 15.000 obras de arte mili-
tar. O Centro também oferece treinamento profissional de museu, visitas de assistência pessoal
e suporte de administração de museus militares em todo o exército. Segue o organograma com
o sistema cultural americano. (Figura 3)

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Figura 2: Organograma do Sistema Cultural do Exército dos EUA

O Museu Nacional do Exército dos Estados Unidos se encontra hoje em construção e está
sendo realizado pela Fundação Histórica do Exército que é uma organização não governamental.

4.6. República Popular da China

Figura 4: Organograma sobre o posicionamento da ACM no ELP.

Adaptado de: https://info.publicintelligence.net/MCIA-ChinaPLA.pdf, acesso em: 9 de fevereiro de 2016 x

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A Academia de Ciências Militares (ACM) é uma instituição de pesquisa, científica mili-


tar sob a liderança direta da Comissão Militar Central (CMC) e o centro de pesquisa militar do
Exército de Libertação do Povo (ELP). O ELP é formado pela Força de Terrestre, Força Naval,
Força Aérea, Força de Foguetes, pela Força de Suporte Estratégico, Força de Polícia do povo e
pela Reserva. (Ministério da Defesa Nacional da República Popular da China). Dentro das ativi-
dades da ACM está previsto coordenar a ciência militar das Forças Armadas e de suas institui-
ções de pesquisa. No âmbito da CMC, a ACM é o quartel–general militar no nível teórico para
orientar a defesa e a assistência do ELP na estruturação nacional. Figura 4: Organograma sobre
o posicionamento da ACM no ELP. Adaptado de: https://info.publicintelligence.net/MCIA-Chi-
naPLA.pdf, acesso em: 9 de fevereiro de 2016.
A ACM tem 3 departamentos administrativos: o de Ciência Pesquisa e Orientação, o de
Trabalho Político e o de Logística. Ela tem ainda 11 unidades de pesquisa, incluindo os De-
partamentos de Estratégia Militar; o de Teorias Operacionais e Doutrinas; o Departamento de
Estruturação das Forças Armadas; o de História Militar e Enciclopédia; e o de Estudos Militares
Estrangeiros, além dos Centros de Trabalho Político Militar; Nacional de Estudos de Fronteiras
e Costa; o de Estudos Nacionais de Política de Defesa; o de Operações Militares de Não Guerra;
o de Estudos Civis Militares de Integração e o de Cooperação China-América de Relações de
Defesa. Possui ainda, um Centro de Publicações Militares, a Biblioteca Militar, o Arquivo Militar
e a Escola de Pós-Graduação Militar como afiliados ao ACM. Mais de 1000 pessoas estão nos
quadros de pessoal que trabalham na ACM e a maioria dos pesquisadores são oficiais da ativa.
O AMC concentra seus esforços na estratégia de segurança nacional, no pensamento
militar e estratégia militar, na teoria operacional, na estruturação da defesa e forças armadas
nacionais, na história militar, no trabalho político militar e nos assuntos militares estrangeiros.
Além disso, o AMC tem a tarefa de desenvolver doutrinas e regulamentos, a realização de expe-
rimentação e avaliação das operações conjuntas e compilar a enciclopédia militar (AMC, 2016).

5. CONCLUSÃO
O presente artigo apresentou diversos modelos de gestão cultural de algumas por insti-
tuições militares, dentro e fora do país. Foram vistos os seguintes modelos: Marinha do Brasil,
Força Aérea Brasileira, Exércitos de Portugal, da Espanha, dos EUA, da e do Chile, além das
Forças de Defesa de Israel e do Ministério de Defesa da China.
Percebe-se, que de modo geral, as atribuições são similares, não há variação nem gran-
des diferenças entre os modelos em questão. Um aspecto ressaltou ao olhos dos autores: evi-
denciou-se que nos Estados Unidos há uma forte integração com o meio cultural local, sendo,
de fato uma política de Estado com ramificações com a sociedade. Os outros modelos, com

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exceção do chinês e do israelense não evidenciaram essa característica de forma mas acentuada,
que seria bastante desejável.
Com relação à subordinação, percebe-se assim que alguns países adotam uma estrutura
de gestão cultural militar em segundo escalão, subordinado ao Comandante da Força Considera-
da (FAB e FDI) ou ao Chefe de Estado-Maior (Espanha, Portugal e Chile) ou órgão de terceiro
escalão, como o Exército Brasileiro e a Marinha do Brasil. Além de estruturas intimamente liga-
das ao Estado, como os EUA e China. Apesar das diferenças, não há variação nas ações e nem
nas finalidades que se destinam, contudo pode ser objeto de estudos futuros mais profundos.
De acordo com o relatado por Rosas (2007), considera-se que a implantação de uma
nova proposta cultural, a partir da década de 1990 trouxe, como consequência uma considerável
aproximação do EB com os espaços civis de cultura e que tiveram grande influência na política
cultural do Exército, servindo como referenciais.
De forma diferente do modelo norte americano, por exemplo, essa aproximação que
parte do Exército Brasileiro com os setores civis da cultura, mesmo sendo devidamente constata
e ser uma nítida evolução nas atividades culturais do Exército, não é tão acentuada, percebe-se
que os passos dados para a integração plena ainda são tímidos, apesar de tudo.
Como ressalta TINOCO (2011), o presente modelo de gestão cultural do EB “necessita
de um processo (dinâmico - os autores) que o atualize como resposta às novas e crescentes de-
mandas legais e sociais”. Espera-se, assim, que este artigo, contribua com o processo da efetiva
participação do EB no ambiente cultural do país e com a divulgação do Sistema Cultural do
Exército no seio da sociedade a que pertence.

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DESAFIOS E ESPECIFICIDADES NA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA CULTURAL


DO MUNICIPIO DE ALTO ALEGRE/RORAIMA
Leila Adriana Baptaglin1
Chloé Virginie Marie Bourgy Noleto2
Edgar Jesus Figueira Borges3

RESUMO: Este trabalho apresenta uma visão panorâmica da gestão cultural no município de
Alto Alegre/Roraima, realizada por meio de um levantamento sobre a construção do Sistema
Municipal de Cultura e de entrevistas com pessoas que fundaram a localidade supracitada.
Também aponta diversas ações realizadas pela equipe da Secretaria Municipal de Cultura,
além de análises situacionais da política e do sistema cultural do município, resultando em um
estudo que expõe o que existe de fazer cultural, suas fragilidades, os desafios, os obstáculos e as
particularidades de Alto Alegre. Trabalha questões relacionadas à legislação do setor cultural e
mostra algumas questões que devem ser superadas para a implantação e consolidação do Sistema
Municipal de Cultura e todos os seus elementos formadores, o que deve gerar a transformação
plena do cenário cultural no referido município de Roraima.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão Cultural. Roraima. Alto Alegre.

1
Doutora em Educação e professora do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Roraima. E-mail: leila.
baptaglin@ufrr.br
2
Diploma de Estudos Superiores Especializados em Design de Eventos (Universidade UQAM – Montreal, CA-
NADA) e Mediação cultural e comunicação (Universidade Paris 1 Panthéon Sorbonne - Paris, FRANÇA); Instituto
Boa Vista de Música – email: chloebourgy@gmail.com
3
Bacharel em Jornalismo e em Sociologia. Especialista em Assessoria de Imprensa; Universidade Federal de
Roraima – email: edgarjfborges@gmail.com

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1. INTRODUÇÃO
Este ensaio objetiva compreender a situação atual da cultura no município de Alto Ale-
gre/RR com intuito de construir o Plano Municipal de Cultura. Como objetivos específicos
tem as seguintes articulações: verificar a situação atual da cultura; identificar as fragilidades,
desafios e obstáculos apresentados na parte cultural; identificar as particularidades culturais.
Desta forma, nosso problema de investigação se articula para entender: Qual a situação atual da
cultura no município de Alto Alegre/RR?
Para isso, utilizamos como metodologia de trabalho o estudo de caso, o qual se caracteri-
za por concentrar-se em casos particulares que podem ser representativos de casos semelhantes,
fundamentando generalizações e autorizando inferências (SEVERINO, 2007).
Inicialmente realizamos uma análise documental das legislações e documentações de
Alto Alegre/RR. Análise documental, segundo Lakatos (2009), é uma metodologia caracteriza-
da pela representação condensada das informações obtidas a partir de documentos.
Para complementação dos dados, foram realizadas entrevistas com pessoas que partici-
param da ocupação da área que deu origem ao município de Alto Alegre. Após coleta de dados,
foram feitas análises no intuito de compreender a atual situação da cultura no município. Estes
dados serão de extrema relevância para a posterior construção do Plano de Cultura do Município
de Alto Alegre/RR.
No desenvolvimento do trabalho, observamos a seguinte estruturação: na parte 2, temos
a Realidade Histórica, Social e Econômica do Município; na parte 3, temos o Diagnóstico Situa-
cional da Cultura no Município e, na parte 4, temos a Situação da Política Cultural do Município.
Após a apresentação geral dos dados, segue a análise a partir de categorias que delineiam
a situação cultural de Alto Alegre/RR.

2. SITUAÇÃO CULTURAL DE ALTO ALEGRE/RR


Este item busca trazer algumas reflexões sobre o município e a situação política da cultu-
ra no Município de Alto Alegre/Roraima. Para isso, a reflexão apresentada apresenta-se calcada
nos dados coletados e nas entrevistas realizadas no município.

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2.1. Contextualizando o município

Figura 1: Mapa de Alto Alegre

Fonte: RORAIMA/SEPLAN (2012).

O município de Alto Alegre foi criado em 1982, a partir do desmembramento do muni-


cípio de Boa Vista. Limita ao norte com o município de Amajari; ao sul com os municípios de
Mucajaí e de Iracema, além da República Bolivariana da Venezuela; ao leste com o município
de Boa Vista e ao oeste, novamente, com a República Bolivariana da Venezuela.
Possui extensão territorial de 25.567,014 km² e densidade demográfica de 0,64 hab/km².
Sua sede está localizada a 87 km de Boa Vista, capital de Roraima. Conforme dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015a), Alto Alegre é o quarto município mais ha-
bitado de Roraima, com população estimada de 16.176 pessoas.
Entre os 15 municípios do Estado, Alto Alegre ocupa a 13ª colocação no ranking do
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), de acordo com dados do Atlas Brasil
2013 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Em 2011, o Produto Interno Bruto (PIB) de Alto Alegre foi de R$ 173 milhões, o quinto
maior de Roraima. O município conta com três vilas: Reislândia, São Silvestre e Taiano. Seu
território abriga nove terras indígenas: Anta, Barata/Livramento, Boqueirão, Mangueira, Pium,

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Raimundão, Sucuba, Truaru e Yanomami. Estas terras são ocupadas pelas etnias Wapichana,
Makuxí e Yanomami.
De acordo com o IBGE, Alto Alegre é o oitavo município da região Norte e o segundo
de Roraima com a maior população indígena, sendo 7.544 dos residentes recenseados como
pertencentes a alguma etnia. Isto equivale a 45,9% da população.

2.2. Perfil histórico


Alto Alegre foi elevado à categoria de município pela Lei Federal n.º 7.009, de 01/07/1982,
quando foi desmembrado de Boa Vista. Tem a sua sede no atual distrito de Alto Alegre, anterior-
mente denominado Colônia de Alto Alegre.
A sede do município é formada atualmente por sete bairros: Centro, Azul, Mutirão, Ma-
ria Benta Dias, Novo Horizonte, Imperatriz e Frederico Pinheiro Viana.
As primeiras ocupações feitas por não-índios na região datam dos anos 1950, quando
colonos japoneses foram incentivados a trabalhar com agricultura, formando a Colônia Agrícola
Coronel Mota, atual vila do Taiano.
A ocupação da área que viria a se constituir como a sede do município de Alegre come-
çou somente em 1970, quando um grupo de 18 migrantes nordestinos, vindos do Maranhão e
liderados pelo agricultor Pedro Costa, que viria a ser o primeiro prefeito do município, decidiu
reunir-se para plantar arroz nas terras devolutas da região.
A primeira área a ser trabalhada como lavoura ficava colada na fazenda Manga Brava, de
propriedade do fazendeiro João Cenésio, paraibano que ocupava a área desde a década de 1960.
Para ocupar o terreno, à época classificado como área devoluta4, Pedro Costa decidiu
pedir permissão ao fazendeiro João Cenésio, evitando possíveis desentendimentos. O senhor
João Cenésio, atualmente com 86 anos, conta que foi procurado por Costa e “autorizou” o plan-
tio com a condição de que fizesse uma cerca para evitar que o gado da fazenda Manga Brava
comesse as plantações dos novos vizinhos (informações verbais)5.
Aí ele veio falar comigo. Disse “Seu João, eu queria falar com o senhor
que lá no Maranhão já tá meio ruim pra gente desenvolver e quero ver se,
depois de suas terras, o senhor dá o consentimento pra nós entrar pra tra-
balhar. Nós somos mais ou menos de 15 a 18 pessoas”. Aí eu digo: “Oia,
Pedro, aqui a cerca é a mata. O meu gado pasta aqui mas não tenho cerca,
não. Eles comem aqui nuns cantos que eu fechei mas pra lá é mata bruta,
eles vai e volta. E aí, a cerca?”. Ele disse: “Não se incomode, que a cerca
nós se ajunta tudo e faz pro gado não passar lá pra nossas roças, pro nosso
trabalho”. Então eu aceitei (CENÉSIO, 2015, informações verbais)6.
4
Terra pública que não integra patrimônio particular, mesmo que estejam irregularmente em posse de particulares.
5
Entrevista concedida por João Cenésio, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015.
6
Entrevista concedida por João Cenésio, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015

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O fazendeiro relembra ainda que o grupo enfrentou muitas dificuldades no começo,


pois não tinha recursos financeiros para comprar equipamentos e para se alimentar: “Eles sem
nada para poder trabalhar. Cumé que a pessoa vem pra uma mata dessas, 16, 18 homens sem
nada? Sem feijão, sem farinha, nem carne, nem nada, nem dinheiro?”, conta o entrevistado
(informações verbais)7.
Procurado por Pedro Costa, João Cenésio conta que foi avalista de 18 empréstimos feitos
pelos agricultores no Banco do Brasil: “Tá mais ou menos com uns 40 anos. Nesse tempo era
um conto e quinhentos para cada um. [...] Na base de hoje era como 300 mil reais. E eu assinei
com esta mão. [...] Esses homens trabalharam e só teve um que não me pagou. Ainda hoje me
deve”, destaca (informações verbais)8.
Entre os parentes e conhecidos de Pedro Costa, todos vindos da cidade de Vitorino Freire
(MA), estava João Mariano da Costa, seu pai. Foi ele, conforme relato de João Cenésio, quem
deu nome de Alto Alegre à futura cidade, homenageando uma localidade do estado do Mara-
nhão. “Ele olhou e disse que era bonito como Alto Alegre. Eu perguntei se ele achava bonito
esse nome. Disse que sim e eu falei: então, de hoje em diante, que Alto Alegre seja. Você botou
o nome e eu batizo” (informações verbais)9
Para se deslocar até Boa Vista, o grupo gastava um dia inteiro. “Saíamos de casa 4 da
manhã e chegávamos em Boa Vista sete da noite”10, relembra o agricultor Raimundo Pinheiro
Viana, que também integrou o grupo que inicialmente ocupou as terras (informações verbais).
Por volta de 1973/1974, conforme Viana foi construída pelo governo municipal uma es-
trada ligando a região a Boa Vista. A obra foi determinada pelo prefeito Júlio Augusto Magalhães
Martins, que decidiu ir visitá-los na lavoura após ter tomado conhecimento do grupo de agricul-
tores que estava plantando arroz e hortaliças no meio da Mata Geral (informações verbais)11.
Em um jipe, relembra Viana, que o prefeito e sua equipe:
chegaram quando estava todo mundo junto. Viram a situação, o que tí-
nhamos para vender e que não podíamos tirar. Não tinha como esco-
ar, né? Ele prometeu que ia fazer uma raspagem, uma estrada pra nós
poder tirar o legume. (...) Com dois dias a máquina chegou fazendo a
raspagem. Fomos bater em Boa Vista já acompanhando no carro deles.
Fretamos um caminhão e levamos 200 sacos de arroz. [...] Beneficiamos
lá e enchemos Boa Vista de arroz pra todo canto. Trocamos em óleo,
sabão, açúcar, em café e ficou um monte de arroz lá dentro do depósito
do governo (VIANA, 2015, informações verbais)12.
7
Entrevista concedida por João Cenésio, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015
8
Entrevista concedida por João Cenésio, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015
9
Entrevista concedida por João Cenésio, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015
10
Entrevista concedida por Raimundo Pinheiro Viana, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015
11
Entrevista concedida por Raimundo Pinheiro Viana, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015
12
Entrevista concedida por Raimundo Pinheiro Viana, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015

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A vida de trabalho na roça não deixava muita margem para diversão. O lazer dos homens
era jogar futebol aos domingos, conforme Valdemar Costa, que também integrou o grupo de 18
maranhenses que foi trabalhar na agricultura na Mata Geral, como era conhecida antes a região
(informações verbais)13. Outra opção era ir dançar nas festas e comemorações realizadas nas
fazendas e comunidades indígenas das redondezas (informações verbais)14.
Com o passar do tempo, os agricultores decidiram fundar um clube para organizar ações
de lazer e de solidariedade, ajudando-se entre si. O pioneiro clube 4S (Saúde, Saber e Sentir
para melhor Servir), liderado por Raimundo Viana e Cananeu Reis, foi responsável por diversas
atividades deste tipo (informações verbais)15.

3. DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DA CULTURA NO MUNICÍPIO


Ao tratarmos das questões relativas ao Patrimônio Cultural, temos que ter em conta que,
foi a partir do Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que temos o início das normativas
para a preservação do Patrimônio Histórico e Artístico. No entanto, a Constituição Federal de
1988 revitalizou e ampliou o conceito de patrimônio apresentando-o, embora ainda com divi-
sões, como Patrimônio Cultural.
Com base nestas considerações, no Município de Alto alegre, de acordo com as Metas
do Plano Nacional de Cultura, considera o patrimônio cultural como um vetor econômico, com
forte potencial para
[...] gerar dividendos, produzir lucro, emprego e renda, assim como esti-
mular a formação de cadeias produtivas que se relacionam às expressões
culturais e à economia criativa. É por meio dessa dimensão que também
se pode pensar o lugar da cultura no novo cenário de desenvolvimento
econômico socialmente justo e sustentável (2012, p.18)
Umas das primeiras ações da Secretaria Municipal de Cultura (SEMC/AA) após a sua
criação em 2013, foi promover um levantamento situacional da cultura no município. Um ques-
tionário aplicado em 12 comunidades indígenas (Sucuba, Ramundão I, Ramundão II, Arapúa,
Livramento, Pium, Anta I, Anta II, Barata, Bouqueirão, Mangueira, Brasília), nas agrovilas
Reislândia (antiga Paredão) e Taiano, além da sede do município, resultou no mapeamento de
parte dos fazedores de cultura em Alto Alegre.
A equipe da SEMC/AA percorreu, ao todo, 660 km apresentando o questionário em
festejos e outros eventos. O trabalho começou a ser feito em agosto de 2013 e foi concluído em
outubro do mesmo ano, ficando sem mapeamento apenas a vila São Silvestre, que não foi visi-
tada por falta de transporte para levar os servidores da Secretaria até a localidade.

13
Entrevista concedida por Valdemar Costa, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015.
14
Entrevista concedida por Valdemar Costa, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015.
15
Entrevista concedida por Valdemar Costa, em Alto Alegre-RR, em maio de 2015.

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Assim, temos que o mapeamento e o inventário cultural do município estão sendo ela-
borados. Por enquanto, foram identificados 45 representantes de diversos segmentos culturais:
artesanato, dança, música (coral, bandas de rock, gospel e forró), manifestações de cultura po-
pular (bumba meu boi e quadrilha junina), artes visuais, cultura indígena, produção audiovisual,
teatro e cultura afro-brasileira.
Cabe destacar que os artesãos catalogados são, em sua maioria, de origem indígena.
Tanto eles como os artesãos residentes na área urbana desenvolvem seus trabalhos com diversas
técnicas, predominando a pintura em pano, o entalhe em madeira e o uso de sementes, cipós e
fibras diversas.
Juntamente com esse levantamento, a equipe da SEMC/AA iniciou o trabalho de cata-
logação do patrimônio histórico do município. Neste sentido, destacamos que a ação começou
a ser feita a partir de uma visita técnica à vila Taiano. Esta localidade, antigamente denominada
colônia agrícola Coronel Mota, foi a sede das primeiras ocupações feitas por não-índios na re-
gião. Isto aconteceu nos anos 1950, quando colonos japoneses foram incentivados a trabalhar
com agricultura no Estado de Roraima, tendo recebido terras naquela parte do atual município.
Na vila Taiano, foi constatada a existência de um conjunto de aproximadamente 25 ca-
sas construídas pelos primeiros habitantes da localidade. Algumas apresentam bom estado de
conservação, outras sofreram leves modificações e outras foram totalmente modificadas pelos
atuais moradores.
Após o mapeamento das casas, foi encaminhado, ainda em 2013, um relatório da SEMC ao
prefeito de Alto Alegre, no qual se destaca a importância da conservação do patrimônio histórico
do município. Partindo deste documento, o prefeito determinou a elaboração de uma lei municipal
de patrimônio. A referida legislação está sendo elaborada pela assessoria jurídica da Prefeitura.
Quanto ao patrimônio imaterial, entendemos que
são os ofícios e saberes artesanais, as maneiras de pescar, caçar, plan-
tar, cultivar e colher, de utilizar plantas como alimentos e remédios, de
construir moradias, as danças e as músicas, os modos de vestir e falar,
os rituais e festas religiosas e populares, as relações sociais e familiares
que revelam os múltiplos aspectos da cultura cotidiana de uma comu-
nidade (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO
NACIONAL, 2012, p. 19).
Sendo assim, destacamos que, em Alto Alegre, há representantes das culturas ameríndias
às afro-brasileiras, além de escritores e compositores como Didi do cordel, Maria Valdeires de
Matos Paiva (compositora do hino do município) e Jacob Rufino de Souza, poeta e autor de mais
de 10 livros que abordam temas como plantas medicinais e contos amazônicos.
A cultura nordestina também está fortemente presente no cotidiano do município, seja
na alimentação, nos termos usados rotineiramente nas conversas ou nos ritmos musicais mais

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ouvidos pelos munícipes, a exemplo do forró. A herança nordestina também está presente nas
danças tradicionais, tendo o seu maior exemplo no grupo de bumba meu boi Douradinho, lide-
rado pelo senhor Raimundo Carin.
Neste sentido, ao tratarmos do patrimônio imaterial, há também os festejos locais que
retratam a história da comunidade e sua vinculação com os migrantes e com a região. No calen-
dário de festejos do município, temos diferentes eventos que retratam este patrimônio.
Além destes patrimônios imateriais, temos os patrimônios naturais que, segundo Zani-
rato (2009, p. 138), “abrangem os valores científicos os que se encontram em áreas que conte-
nham formações ou fenômenos naturais relevantes para o conhecimento da história natural do
planeta”. Entre os patrimônios naturais de Alto Alegre, temos cachoeiras, igarapés e rios que são
utilizados como balneários pela comunidade residente e por visitantes do município, demostran-
do grande potencial turístico e gerador de renda.

4. SITUAÇÃO DA POLÍTICA CULTURAL DO MUNICÍPIO ALTO ALEGRE


No que concerne à Política Cultural do Município de Alto Alegre, temos que levar em
consideração que esta vem regimentada pelo Plano Nacional de Cultura (PNC) e pelo Sistema
Nacional de Cultural (SNC).
Com base nestas políticas de incentivo ao desenvolvimento da cultura, percebemos que
o Estado de Roraima e seus municípios vêm a passos lentos organizando seu sistema cultural.
No município de Alto Alegre, podemos evidenciar algumas leis que regem a estrutura
cultural do município, dentre elas: Lei Orgânica do município (que tem artigos que falam sobre
cultura), Lei do Sistema Municipal de Cultura, Lei de criação da Secretaria Municipal de Cultu-
ra (SEMC), Lei de criação do SMC e Lei de criação da Biblioteca Pública Municipal.
Com base nessas leis que regem o espaço cultural do município, temos que o órgão ges-
tor de cultura é a SEMC do município de Alto Alegre e que as despesas culturais estão previstas
no orçamento anual da prefeitura. Até o ano de 2014, essas despesas relacionadas às ações cul-
turais eram incluídas no orçamento da Secretaria Municipal de Educação e Cultura. A partir de
2015, após a criação da SEMC, um orçamento próprio está voltado às despesas da Secretaria.
Destacamos também que a equipe da SEMC do município de Alto Alegre estava com-
posta por ocupantes de três cargos em setembro de 2015: o Secretário Municipal de Cultura, um
Assessor em Arte e um Assessor de Eventos. Vale ressaltar que a Lei n° 280/2013 de criação da
SEMC prevê um organograma totalmente diferente e estabelece a formação da equipe com seis
cargos (1 Secretário Municipal de Cultura, 1 Secretário Adjunto de Cultura, 3 Assessores Técni-
cos, 2 Diretores Nível I, 2 Diretores Nível II, 2 Assistentes administrativos) ocupados por um total
de 11 funcionários. Esta Secretaria já vem mobilizando algumas iniciativas no sentido de executar
o SMC. Para isso houve duas Conferências Municipais de Cultura, uma no dia 6 de outubro de

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2009 e outra em 6 de agosto de 2013. Desses eventos resultou a criação de 18 metas que vão com-
plementar as 53 inicialmente previstas no Plano Nacional de Cultura. Não foi possível encontrar
os Relatórios que, a princípio, estão sendo arquivados na Secretaria Municipal de Educação.
A Lei nº 289/2014, de 14 de maio de 2014, rege a criação SMC do município de Alto
Alegre. Até setembro de 2015, o mesmo não havia sido criado, assim como o Fórum de Cultura
do município.
A SEMC já se movimentou para incentivar a criação do Conselho Municipal de Políti-
cas Culturais, mas no município encontra dificuldades para criar o CMC e até o Fórum, pois os
possíveis membros já estão envolvidos em outros conselhos.
Pode-se constatar que a SEMC tem um orçamento anual. No entanto, quando houve a
definição do último planejamento anual de Alto Alegre, a secretaria ainda não existia. Como
resultado, o setor cultural não foi inserido neste planejamento. O que há no momento é que a
equipe responsável pela construção do PMC está na fase de construção do Plano de Trabalho,
documento que “permite visualizar a implementação dos componentes constituintes do Sistema
Municipal de Cultura, descrevendo o desenvolvimento das etapas previstas, contendo atividades,
cronograma de execução e metas a serem atingidas em cada uma delas” (BRASIL, 2015, p. 1).
No que tange ao sistema de financiamento da cultura, ainda há grandes problemas a
serem sanados. O resultado da pesquisa aponta que não existe Lei de Incentivo Fiscal no mu-
nicípio de Alto Alegre. A Secretaria não dispõe de pessoal capacitado para participar de editais
de lei de incentivo fiscal do Estado ou da Lei Rouanet e, quanto aos produtores culturais locais,
nenhum inscreveu um projeto a ser beneficiado pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura para o
ano de 2015.
O Fundo Municipal de Cultura foi criado pela Lei nº 289/2014, de 14 de maio de 2014,
de criação SMC do município de Alto Alegre, mas ainda não está institucionalizado.
A importância de se criar um Fundo Municipal de Cultura é que este seja o principal
mecanismo do Sistema Municipal de Financiamento da Cultura, que disponibiliza os recursos
destinados a apoiar programas, projetos e ações culturais implementados de forma descentrali-
zada, em regime de colaboração e financiamento com a União e com o Governo do Estado. Com
o Fundo Municipal de Cultura, o Município se tornou incentivador da ocorrência de iniciativas
culturais locais e apoia o dinamismo dos atores culturais.
Embora haja esta falta de estruturação do SMC, vemos que algumas iniciativas tem
sido realizadas, tais como o mapeamento e o inventário cultural do município que estão sendo
elaborados.
Há também projeto de parceria com a Secretaria de Assistência Social no âmbito de
resgatar dois projetos musicais sociais: a Banda “Tom Jobim” e o Coral “Canto do Curió”, ins-
tituídos durante o segundo mandato do Nertan Ribeiros Reis, entre 2001 e 2004.

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Em articulação com a Secretaria de Educação, há o Programa Mais Educação; em 2013,


3 escolas aderiram ao programa: a Escola Municipal Professora Maria das Dores Pereira de
Matos (Vila São Silvestre), a Escola Municipal Vânia Pereira de Melo (na Vila Reislândia Pa-
redão Novo), a Escola Municipal Profª Edneide Sales Campelo (bairro Centro). Os recursos do
Ministério da Educação foram disponibilizados porem por causa de pendências das Associações
de Pais e Mestres das escolas, não foram aproveitados.
Em 2014, foi iniciado um trabalho de regulamentação dessas Associações. No início de
2015, somente a Escola Municipal Profª. Edneide Sales Campelo estava apta a receber recursos,
mas perdeu o prazo.
Existe também um projeto de parceria com a Escola Estadual Desembargado Sadoc Pe-
reira para retomar as atividades de sua fanfarra.
Ao que concerne ao acordo de Cooperação Federativa entre o Ministério da Cultura e o
Município de Alto Alegre, temos que este foi assinado o dia 08 de agosto de 2014 e foi publicado
no Diário Oficial da União do dia 21 de agosto de 2014. O Plano de Trabalho está em fase de
elaboração e ainda não foi mandado para o Ministério da Cultural (MinC).
De acordo com entrevista realizada com Wilson Roberto Moreira Amorim, Secretário
de Cultura do Município de Alto Alegre, realizada no dia 10 de agosto de 2015, temos que a
Secretaria tinha um conjunto de metas a atingir até o final do ano de 2015. Trata-se da instalação
do CMPC e do FMC da Secretaria. Mas essas metas, conforme o Secretário, não poderão ser
atingidas. A SEMC vai tentar realizar a III Conferência Municipal de Cultura até o final do ano,
em parceria com a Secretaria Municipal de Educação.
Ressaltando a importância da implementação do SMC, o Secretário de Cultura do Mu-
nicípio de Alto Alegre alegou que, em conformidade com Sérgio Mamberti, Secretário de Polí-
ticas Culturais em 2012, destaca que:
trata-se de um projeto que caminha para consolidação efetiva da cidada-
nia cultural. Nela a cultura é um eixo do desenvolvimento e possibilita
que os brasileiros (alto alegrenses) avancem cultural e economicamente
– com justiça social, igualdade de oportunidades, consciência ambiental
e convivência com a diversidade (BRASIL, 2012, p. 11).
O processo de implementação do SMC no município de Alto Alegre está apenas começan-
do. Reconhecendo a cultura em suas três dimensões (simbólica, cidadã e econômica), o município
de Alto Alegre se comprometeu em assumir a responsabilidade de estruturar a Secretaria e as suas
dependências e se alinhar nas metas do PMC. É um caminho longo e sinuoso a ser percorrido.

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5. ANÁLISE DO SISTEMA CULTURAL DE ALTO ALEGRE/RR


A partir dos dados apresentados da cultura no município de Alto Alegre/RR, temos 3
grandes categorias a serem analisadas: 1- o que existe de cultura; 2- fragilidades, desafios e
obstáculos; 3- particularidades culturais.
Ao tratarmos do que existe em termos culturais em Alto Alegre/RR, podemos perceber
que existe uma riqueza significativa em termos culturais relativos aos patrimônios históricos/
materiais, patrimônios imateriais e patrimônios naturais. A diversidade cultural e o hibridismo
potencializam este olhar para o desenvolvimento da cidade. Contudo, na área da gestão cultural,
ainda há muito a ser feito tendo em vista a recente criação da cidade e o recente incentivo ao
desenvolvimento cultural.
Ao buscarmos trazer as fragilidades, desafios e obstáculos, deparamo-nos com uma
realidade que é condizente com os demais municípios do Estado de Roraima: sua recente cria-
ção. Pelo fato de serem municípios com uma história bastante recente, muito há para ser feito
em termos de regulamentação e registro dos bens culturais locais. Todavia, Alto Alegre, como
pudemos observar, apresenta iniciativas significativas no âmbito da preservação de seus patri-
mônios culturais.
No entanto, com base nos diferentes motivos apresentados (recursos humanos, estrutura
física e financiamento) os quais envolvem questões políticas, administrativas e infraestruturais,
a redação do Plano de Trabalho que deveria ser enviado ao MinC não foi finalizada pela SEMC.
Apesar dessas dificuldades em termos de legislação, ações vinculadas à SEMC estão
sendo realizadas no sentido de mapear e registrar a cultura local. Mas essa iniciativa se encontra
suspensa atualmente por falta de recursos e meios de transporte para poder ir a todas as zonas do
município e nas aldeias indígenas para cadastrar os fazedores de cultura de Alto Alegre.
Quanto ao Sistema Nacional se Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), que po-
deria ajudar a esse levantamento, nenhum agente cultural de Alto Alegre estava registrado até
setembro de 2015.
Ao pensarmos nas peculiaridades culturais do município, temos claro que a política
cultural se encontra num momento delicado. Esta situação ocorre por conta da falta de repas-
se do orçamento e da má distribuição de recursos para a cultura, como já foi ressaltado. Além
desses fatores, percebemos que ainda há incompatibilidade nos dados que registram o repasse
e aos gastos com a cultura, há equívocos em relação ao registro de nomes e dados históricos de
locais (biblioteca), alguns documentos jurídicos não se encontram ou desapareceram e a falta de
registro preciso das etnias e dos valores artísticos e culturais dos indígenas presentes na região.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisarmos o contexto cultural do Município de Alto Alegre, percebemos alguns ele-
mentos que nos auxiliam a compreender a situação atual da cultura no município de Alto Alegre/
RR. A partir disso, esperamos poder contribuir com a construção do Plano Municipal de Cultura.
Desta forma, destacamos que o processo de desenvolvimento e preservação cultural em
Alto Alegre perpassa por um amadurecimento do entendimento da legislação e dos valores cul-
turais locais, necessitando de toda uma infraestrutura de recursos humanos, financeiros e físicos
para dar conta das demandas apresentadas.
Infelizmente, o que se percebe é a não continuidade do trabalho e a desestruturação da
SEMC no ano de 2015. Situação essa que merece atenção e cuidado da esfera administrativa do
município para que não signifique um retrocesso na construção do sistema municipal de cultura.

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A CHANCELA DA PAISAGEM CULTURAL COMO INSTRUMENTO


DE GESTÃO DEMOCRÁTICA
Leonardo Alberto Corá Silva1

RESUMO: Introduzida no cenário da preservação do patrimônio cultural nacional, através da


Carta de Bagé em 2007, a Paisagem Cultural se encontra como uma modalidade de preservação
que levanta mais questionamentos do que ações concretas. As dificuldades em lhe reconhecer, e
valorar, provem da abrangência do conceito, que une patrimônio ambiental, material, imaterial,
conferindo uma relevância ao ser humano. É por meio dos esforços de diversas entidades, com
destaque para a metodologia desenvolvida na Espanha pelo Instituto Andaluz do Patrimônio
Histórico – IAPH, que começa a surgir à possibilidade de operacionalização do conceito de
Paisagem Cultural. Buscar-se-á, por meio deste artigo, refletir como essa metodologia poderia
ser empreendida no Brasil para viabilizar o instrumento da chancela, ampliando as ferramentas
de gestão democrática das cidades.

PALAVRAS-CHAVE: Paisagem Cultural, Gestão Democrática, Patrimônio Histórico

1. INTRODUÇÃO
O período denominado de modernidade reflexiva (GIDDENS, 1997) ao qual somos con-
temporâneos coloca o papel do especialista, visto no passado como o agente monopolizador do
conhecimento, em questionamento, obrigando que a ciência como um todo reveja sua relação
hierárquica com a sociedade, e que práticas clássicas de atuação sejam revista, questionadas, e
aprimoradas. O campo da preservação do patrimônio cultural também é alvo de questionamen-
to, havendo uma busca por maior interdisciplinaridade (CASTRIOTA, 2010) e uma compre-
ensão de que o requisito da excepcionalidade do bem como critério para a sua proteção não é
necessariamente primordial para ações de salvaguarda. A ampliação do leque de instrumentos
de preservação no Brasil é respaldada pela constituição federal de 1988, a qual estabelece que
não apenas o tombamento garante a permanência dos bens culturais edificados, mas prevendo
outras ferramentas como inventários, listas, etc, garantindo a qualquer cidadão (e não apenas aos
especialistas) a possibilidade de requerer o reconhecimento como patrimônio de qualquer bem

1
Arquiteto e Urbanista, mestrando no programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e-mail: leonardo@vrp.arq.br

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cultural material e imaterial que lhe seja caro. Meira (2004) aponta que o tombamento é um ato
administrativo sempre tardio, pois reconhece um valor que já é perceptível pela comunidade.
Este envolvimento da sociedade, e o surgimento de ferramentas de gestão democrática através
do Estatuto das Cidades, lei federal 10.257 de 10 de julho de 2001 faz com que o processo de
reconhecimento de da importância da salvaguarda de bens seja cada vez mais carregado de va-
lores simbólicos e afetivos (CASTRIOTA, 2010) para comunidade onde este bem está inserido.
Desde o anteprojeto elaborado por Mario de Andrade de criação do SPHAN, passando
por diversas cartas patrimoniais, nota-se um entendimento de que o bem cultural edificado não
pode ser compreendido como um artefato isolado de seu entorno (STELLO, 2013). Com a
Portaria nº 127 de 2009, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional cria a Chan-
cela da paisagem cultural brasileira, instrumento que desperta dúvidas sobre sua aplicabilidade
(VASCONCELOS, 2012) e conseqüências. A disciplina da Geografia, com campo denominado
Geografia Cultural (STELLO, 2013), foi a qual desenvolveu as primeiras formulações teóricas
a respeito da existência de territórios excepcionais onde a interação entre o homem e a natureza
produziu transformações em ambos, criando culturas e paisagens peculiares. O geógrafo Carl
Sauer no início do século XX (apud NAME, 2010) define que: “A paisagem como objeto central
da geografia e a cultura como marca da ação humana” e “A cultura é o agente, a área natural é o
meio, a paisagem cultural o resultado”, estas preposições são exemplos de uma linha de pensa-
mento que se desenvolver ao recorrer do século passado e estruturam o conceito agora adotado
pelos órgãos de preservação.
Carlos Fernando de Moura Delphim em seu trabalho como coordenado do setor de Jar-
dins Históricos no IPHAN desenvolveu uma série de pareceres publicados no livro Paisagens
do Sul onde é percebido o interesse da instituição em operacionalizar o conceito de paisagem
cultural. É de sua autoria o parecer nº85/09 (DELPHIN, 2009) que propõe o reconhecimento do
bairro Moinhos de Vento em Porto Alegre como uma Paisagem Cultural Urbana, fazendo deste
conceito um instrumento de política pública de preservação, complementar ao plano diretor e
aos instrumentos clássicos disponíveis.
O problema é que a falta de uma metodologia estruturada, inviabiliza por momento a
utilização eficaz da chancela da paisagem cultural como uma ferramenta de gestão do território.
Ciente disto o IPHAN/RS busca através de acordo de cooperação com o IAPH o desenvolvi-
mento de um projeto piloto de estudo da paisagem cultural, tendo como objeto a região missio-
neira gaúcha (STELLO, 2013). A análise do trabalho desenvolvido pelo IAPH na Espanha na
Enseada de Bolonha e na cidade de Sevilha, juntamente com o projeto piloto em curso na região
missioneira gaucha, apresenta possibilidades de aprofundamento no tema, e poderiam servir
como exemplo para que as demais superintendências do IPHAN no Brasil desenvolvam seus
estudos na área.

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É objetivo deste artigo, colaborar na propagação das possibilidades que esta metodologia
trás para as políticas publicas de preservação do patrimônio cultural, e para a gestão democrática
das cidades.

2. DISCIPLINAS DO CONHECIMENTO E A PAISAGEM


Toda a produção humana que visa melhor compreender-se e compreender o ambiente ao
seu redor, gera bens culturais, como a arte, a linguagem, os costumes e os bens edificados. Entre-
tanto é necessário discernir que, para um bem cultural torne-se patrimônio cultural, deve ocorrer
um salto qualitativo onde a sociedade comece a atribuir valores e significados a este. (STELLO,
2013). A noção de patrimônio, passa pela idéia de um legado herdado que deve ser transmitido
a novas gerações, e mesmo que seja possível observar ações de reconhecimento da importância
da preservação de bens culturais desde a antiguidade, o conceito atual de preservação é recente,
sendo estruturado na França após a Revolução Francesa (MEIRA, 2008). No Brasil, apesar
da existência de documentos que comprovam ações de preservação histórica já em 1925 com
as ações de cercamento e consolidação das ruínas da igreja da de São Miguel Arcanjo no Rio
Grande do Sul por parte do governo estadual durante a República Velha, é no Estado Novo que
surge o conceito atual de preservação com a criação do SPHAN em 1937.
É importante destacar que um pouco antes disso, em 1933 o decreto federal nº 22.928
erige a cidade de Ouro Preto como “Monumento Nacional”, e mesmo que este decreto não re-
conheça a paisagem propriamente como o objeto de preservação, há uma preocupação com o
conjunto conformado pelas edificações da cidade e seu traçado urbano. Neste primeiro momen-
to, é possível observar que as cartas patrimoniais entendem a paisagem como um panorama que
compõe o plano de fundo dos objetos excepcionais que se buscava preservar.
Não é na arquitetura que nós iremos encontrar as primeiras teorizações a respeito do con-
ceito de paisagem, e sim na geografia, no campo denominado Geografia Cultural. Vasconcelos
(2012), Stello (2013) e Name (2010) creditam a geógrafos alemães no final do século XIX as
primeiras publicações que apontam a existência de territórios peculiares devido à ação cultural
do homem. O Geógrafo estadunidense Carl Sauer é o principal teórico na formação do campo
que veio a ser chamado de Geografia Cultural (NAME, 2010). A preposição “A cultura é o agen-
te, a área natural é o meio, a paisagem cultural o resultado”, sintetiza o pensamento que Sauer
começa a desenvolver ao longo da década de 1920. As publicações de Sauer são influencias pelo
positivismo cientifico do final do século XIX e início do século XX (RIBEIRO, 2007), e mesmo
que já naquela época o geógrafo perceba a existência de valores simbólicos, afetivos e subjeti-
vos, ele não os considera aproveitáveis em uma análise da paisagem por serem cientificamente
questionáveis. Esta percepção começa a ser desconstruída ao longo do século por geógrafos que
deram continuidade na teorização do conceito de paisagem cultural.

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A paisagem também foi campo de atração de outras disciplinas do conhecimento, com


destaque para a pintura. Deste a idade média (STELLO, 2013) é possível observar a maneira
como a paisagem rural e urbana é representada nas telas, é correto afirmar que a pintura foi a
primeira representação e estudo da paisagem criada pelo homem, servindo como documento
histórico para as gerações futuras. Lacoste apud Name (2010) em seu livro Paisagens Políticas
afirma que a pintura nunca foi uma representação fiel da paisagem, que não seria a paisagem
“real” a figurar nas telas dos pintores, e sim a versão das classes dominantes. Há a compreensão
contemporânea que todo o tipo de representação é um ato político de afirmação de uma inter-
pretação do mundo, e que toda representação esconde por trás um conflito (RAFFEESTTIN
apud SAQUET, 2013). Mas é após a revolução industrial no século XVII, no período em que
o crescimento das cidades européias promoveu um caos urbano, que a paisagem torna-se pro-
tagonista da arte de forma intensa, não apenas compondo panoramas de batalhas ou de cenas
bíblicas como na idade média, mas sendo o objeto representado em pinturas de artistas como
Claude Monet, Édouard Manet e Vincent van Gogh. Enquanto que as pinturas do movimento
impressionista e pós-impressionista eram feitas usualmente em observações in loco, é de Van
Gogh a pintura denominada A Noite Estrelada, pintada por ele no período em que permaneceu
internado em um asilo em Saint-Rémy-de-Provence  (1889-1890), não através da observação,
mas através da memória que ele tinha daquela paisagem.

Figura 1: A Noite Estrelada de Vincent van Gogh (1889-1890)

Fonte: http://cientificando.com.br/blog

No Brasil, Alberto da Veiga Guignard, natural do estado do Rio de Janeiro e pintor radi-
cado em Ouro Preto, um dos expoentes da pintura moderna brasileira, retratou as paisagens de
Ouro Preto com um olhar que ia além do interesse por sua arquitetura barroca, e busca represen-
tar o espírito do local, ou o que agora entendemos como paisagem cultural. Guignard retratava

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as festividades, as tradições, a arquitetura, o meio ambiente, os céus, a população. Guignard não


buscava reproduzir a materialidade da cidade, e sim a sua mitologia, os signos, os significados.

Fotografia 1: Guignard pintando Ouro Preto

Fonte: http://www.elfikurten.com.br

Um exemplo de representação da paisagem em outra disciplina do conhecimento, na lite-


ratura, há a poesia de Cecília Meireles chamada O que é que Ouro Preto Tem?, sobre a cidade de
Ouro Preto e sobre o trabalho de Guignard, neste poema Meireles aponta diversas características
da cidade, que hoje em dia conceituamos como pertencentes ao conceito da paisagem cultural:
“Tem montanhas e luar;
Tem burrinhos, pombos brancos
Nuvens vermelhas pelo ar;
Tem procissões nas ladeiras
Com dois sinos a tocar;
Opas de todas as cores
Anjinhos a caminhar...
Tem Rosário, São Francisco
Santa Efigênia, Pilar...
Tem altares e oratórios
Cadeirinhas de arruar.
Tem casas de doze janelas,
Estudantes a cantar...
Tem saudades e fantasmas
Ouro por todo lugar.
Tem santos de pedra- sabão
Calçadas de escorregar,
E ali, na Rua das Flores,

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Na varandinha do bar,
Tem a figura risonha
Do grande pintor Guignard
Que Deus botou neste mundo
Para Ouro Preto pintar.”
(MEIRELES,1949)
Lacoste apud Name (2010) credita a invenção da fotografia como a primeira reprodução
fidedigna da paisagem. Lacoste acreditava que a fotografia seria uma representação inegável de
uma realidade. Entretanto o fotografo brasileiro Sebastião Salgado defende que “Você não fo-
tografa com a sua máquina. Você fotografa com toda sua cultura”, introjetando a esta represen-
tação valores subjetivos. A fotografia seria assim como a pintura como composição do artista, e
não uma representação da realidade.
Estas reflexões servem para compreender, que a paisagem é objeto de observação de
diversas áreas do conhecimento, sendo a força motriz de algumas manifestações culturais. É
possível que assim como Ouro Preto, todas as paisagens culturais brasileiras dignas de serem
compreendidas como patrimônio, ou seja, que devem ser preservadas e perpetuadas encontrem
representações nos campos da arte como pintura, fotografia, poesia. Como Stello (2013) aponta,
estudar a paisagem abre as portas para a subjetividade, pois estamos tratando com leituras im-
pregnadas de um repertório cultural individual.
A paisagem, como no exemplo da pintura de Van Gogh, pode ser uma representação
embasada na memória, e é importante compreender que estamos lidando com um novo conceito
de preservação que abre a possibilidade de incluirmos memória coletiva e afetividade, conceitos
vistos tradicionalmente como demasiadamente subjetivos, como critérios de valoração. O obje-
tivo dessa reflexão é demonstrar que o homem há séculos percebe a paisagem e busca represen-
tá-la, fazendo com que o conceito de paisagem cultural como algo passível de preservação seja
tardio se comparado ao fascínio que a paisagem desperta no homem.

3. A CHANCELA DA PAISAGEM CULTURAL BRASILEIRA


O conceito de paisagem cultural foi adotado pela UNESCO em 1992 e incorporado
como uma nova tipologia de reconhecimento dos bens culturais, conforme o artigo 1º da Con-
venção de 1972, que instituiu a Lista do Patrimônio Mundial:
“Art. 1º: (1) monumentos: obras arquitetônicas, obras de escultura mo-
numental e pintura, elementos ou estruturas de natureza arqueológica,
inscrições, cavernas, habitações e combinações de recursos, que são de
valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da
ciência; (2) grupos de edifícios: grupos de construções isoladas ou reu-
nidas que, pela sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, têm

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valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da


ciência; e (3) sítios: obras do homem ou obras conjugadas do homem e
natureza, e áreas, incluindo sítios arqueológicos, que são de valor uni-
versal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou
antropológico.”(UNESCO, 1972)
Já no Brasil, o IPHAN, por meio do artigo 1º da Portaria nº 127, de 30 de abril de 2009,
define Paisagem Cultural como: “uma porção peculiar do território, representativa do processo
de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram mar-
cas ou atribuíram valores”.
A necessidade de operacionalizar o conceito de Paisagem Cultural nos leva a observar as
experiências desenvolvidas pelos demais países neste campo. O IAPH é a entidade científica do
Conselho de Cultura e Esporte da Junta de Andaluzia com sede em Sevilha, na Espanha, e se de-
dica ao estudo do patrimônio cultural desde o ano de 1989. A agenda de atividades do instituto é
ampla, cobrindo a investigação, documentação, conservação, restauração, formação, difusão do
patrimônio cultural andaluz. O Instituto possui um laboratório de Paisagem Cultural. O IAPH
compreende que todas as paisagens merecem estudo e reflexão, e o conceito de paisagem cul-
tural é o mais amplo de todos.
“O planeta todo se tornou, em maior ou menor grau, uma paisagem cul-
tural. Direta ou indiretamente, de forma mais ou menos intensa, todas e
cada uma de suas paisagens – sub-regiões, continentes, países, biomas,
bacias hidrográficas, cidades, lugares dentro de cidades – foram e estão
sendo influenciadas pela ação humana.” (RIBEIRO 2013).
Os maiores questionamentos são a respeito da metodologia de identificação de uma Pai-
sagem Cultural, e os estudos desenvolvidos pelo IAPH na Enseada de Bolonha – uma paisagem
mais rural, de vilarejos e campo, e o Guia da Paisagem de Sevilha, tratando de uma Paisagem
Urbana, são importantes referencias para a aproximação com o tema.

4. O INSTITUTO ANDALUZ DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO


Desenvolvido no IAPH e publicado no ano de 2015, o “Guia de Paisagem Histórico
Urbano de Sevilha” é um produto decorrente de uma abrangente análise da paisagem urbana da
cidade de Sevilha e suas conurbações. O primeiro apontamento que podemos fazer a respeito da
publicação é o título que foi escolhido, onde ficam expostas as intenções e o recorte do trabalho.
Guia é uma publicação que se distingue por ser tanto informativa quanto orientadora, é neces-
sário que um guia faça apontamentos e estabeleça conceitos, diretrizes e critérios que devem ser
seguidos a partir da sua leitura.
A ideia de vincular o conceito de paisagem à publicação de um guia prevê implicitamen-
te que haverá alterações nesta paisagem que deverão seguir o que foi estabelecido no guia, é
um conceito flexível se comparado ao tombamento de um conjunto histórico. O guia analisa o

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contexto socioeconômico atual, as potencialidade da paisagem, e busca se antecipar as transfor-


mações que possam surgir, é um conceito de desenvolvimento sustentável.
O IAPH por questões práticas tem trabalhado com uma dicotomia entre paisagens rurais,
e paisagens urbanas, e no caso de Sevilha o recorte atravessa os limites dos municípios, tratando
também das conurbações. O guia esta estruturado sobre doze trabalhos temáticos2 que envolvem
a multidisciplinaridade abordada, com especialistas de oito áreas do conhecimento3. Houve a
contribuição de profissionais do corpo técnico do IAPH, mas também da Universidade de Sevi-
lha. O volume um está estruturado em apresentação, introdução, cinco capítulos4, e síntese. O
volume dois possui dois capítulos5·,anexos e bibliografia.
Em sua apresentação inicial, o guia estabelece que seu objetivo é apresentar uma opção de
desenvolvimento sustentável as regiões metropolitanas, que obtenha um ganho qualitativo (aces-
sibilidade, funcionalidade, conforto) no cotidiano da população. Os autores destacam que a pro-
posta é de gerar novos equilíbrios e de minimizar progressivamente as tensões criadas nas ultimas
décadas. É interessante salientar que uma das críticas que o Estatuto das Cidades recebe é a de
propor instrumentos de gestão democrática que devem ser regulamentados por leis municipais,
não reconhecendo a situação de conurbação urbana que as grandes metrópoles se encontram. O
IAPH ao realizar este estudo, reconhece que são as cidades o local de residência da maior parte
da população ocidental, e que são as regiões metropolitanas que apresentam os maiores proble-
mas de falta de conforto, acessibilidade, mobilidade. Com a elaboração de um guia da paisagem,
dispõe-se de mais uma ferramenta de planejamento urbano, essa de caráter metropolitano.
O trabalho ocorreu no intervalo entre os anos de 2008 -2015, quando o IAPH criou o
Laboratório da Paisagem Cultural. Desde o principio a equipe reconheceu o “protagonismo” do
Rio Guadalquivir, como um elemento ambiental que possibilitou o desenvolvimento humano,
cultural, da sociedade. O rio serviu desde as primeiras ocupações como ligação entre Sevilha e
o mundo, mas também foi fonte de alimentos, água, e espaço de lazer.

2
História e Percepção artística da paisagem. Visão da paisagem urbana desde a história. Projetos urbanos que
traçaram Sevilha; Relação da paisagem urbana com a ordenação territorial e o planejamento urbanístico. Presença
da paisagem nos instrumentos de planificação na conurbação de Sevilha; Geomorfologia e cidade. A paisagem atra-
vés da estrutura física do território. Evolução e construção da situação atual; Arquitetura e Paisagem. Referencias
contemporâneas. Estudos de apropriação da arquitetura contemporânea pela cidadania; Rio e Cidade. Uma visão
desde o meio ambiente. O rio Guadalquivir como apoio de um projeto de “Sevilha Verde”; Atividade econômicas
na cidade histórica. Contribuição do comercio e a formação do paisagem histórico urbano; A construção do espaço
urbano: mobiliário e equipamento; As paisagens históricas da produção em Sevilha; O jardim na formação da pai-
sagem histórica urbana de Sevilha; A cidade submergida: arqueologia e paisagem e paisagem histórico urbano da
cidade de Sevilha; A Paisagem Histórica Urbana de Sevilha e as manifestações festivas – cerimoniais; Percepção
da paisagem histórica urbana de Sevilha através dos meios de comunicação.
3
Historiador de Arte; Arqueólogo; Antropólogo; Arquiteto; Bióloga; Economista; Jornalista; Geólogo
4
Fundamentos e Metodologia; Caracterização do Meio e Articulação Territorial; A Cidade no Tempo; Usos e
Atividades Urbanas com Valores Patrimoniais; Imagens Projetadas e Percebidas da Cidade.
5
Proposta de Objetivos de Qualidade Paisagística; Desenvolvimento de Medidas.

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Destaca-se também a terminologia “Paisagem Histórico Urbana”, a qual seria a realida-


de mais dinâmica e mutável de um grupo maior denominado “Paisagem Cultural”. Em sua con-
ceituação teórica, o IAPH define o guia da paisagem como um novo instrumento de preservação
patrimonial (PP20)
“Desarrolhar um nuevo instrumento patrimonial, em el marco del de-
sarrollo sostenible y la calidad de vida, lo qual implica transcender la
Idea de objetos y tutela em la ciudad y atender aspectos relativos a fun-
cionalidad, usos, comercio, turismo, etc., cuya gestión es determinante
para el mantenimiento del paisaje urbano”( Guia de Paisagem Históri-
co Urbano de Sevilha, 2015, pp20)
Este deve atender aspectos socioeconômicos, ficando evidenciado que tão importante
quanto reconhecer uma paisagem histórico urbana é planejar a sua gestão. A conceituação no
Brasil é similar, tanto a Carta de Bagé (2007) quanto a Portaria nº 127 do IPHAN definem que a
paisagem deve ser gerida por um grupo composto por diversas parcelas da sociedade, e que este
colegiado é fundamental para manutenção da qualidade da paisagem. O IAPH entende que o guia
é uma ferramenta do presente, que deve abranger não apenas as construções históricas (PP19):
“Reflexionar sobre la relación entre arquitectura contemporánea y ciu-
dad histórica, y sobre la presencia de lós nuevos patrimonios (industrial
e inmaterial, entre otros), sin menoscabo de los consolidados.” ( Guia
de Paisagem Histórico Urbano de Sevilha, 2015, pp19)
É interessante que ao incluir a arquitetura contemporânea, o guia se torna uma publica-
ção de valor a todos os arquitetos e urbanistas, e não apenas aos ligados a causa da preservação
histórica, fazendo com que essa dicotomia entre “arquitetos contemporâneos” e “arquitetos do
patrimônio histórico” comesse a ser desconstruída.
Ainda em sua conceituação teórica, o guia aponta o turismo de massas, e a comercia-
lização do patrimônio, como elementos a serem analisados pela potencialidade de produzirem
danos as paisagens culturais. É o processo que podemos reconhecer em cidades como Tiraden-
tes, Minas Gerais, onde o centro histórico parece existir para entreter o turista e é dominado
por pousadas, restaurantes e lojas de artesanato, não atendendo a cidade contemporânea que se
expandiu para fora do perímetro tombado.
Outro símbolo da comercialização do patrimônio acontece nos municípios da Serra
Gaúcha e Catarinense, onde uma série de pórticos destinados ao turista constituem simulacros
(STELLO 2013), uma tentativa dos municípios de vender uma marca para a cidade, e onde se
utilizam recursos que por vezes faltam na conservação do patrimônio existente como é o caso
de Ivoti – RS.

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Fotografia 2: Pórtico de Acesso a Ivoti

Fonte: www.rgdosul.com.br

Fotografia 3: Igreja luterana em ruínas

Fonte: Foto do autor


No guia de Sevilha, foi proposto um recorte, e entre os mais de quarenta municípios que
compem a região metropolitana de Sevilha, apenas dezesseis foram selecionados pelos pesqui-
sadores, totalizando uma área de 191km² de análise. O elemento delimitador do recorte foi o
Rio Guadalquivir, pelos fato dos pesquisadores envolvidos definirem que ele era o elemento
natural estruturador do ponto de vista ambiental, e foi o canal de ligação da cidade com as In-
dias, fazendo de Sevilha um porto que abastecia todas a região. A gestão dessa paisagem parte
do princípio que será promovido um acordo entre os gestores municipais, e um convite para eles
participarem efetivamente do processo, em um processo de convergencia de políticas públicas.
O IAPH aponta que todos os encaminhamentos publicados no guia devem ter sido produto de
consenso entre os agente envolvidos (PP30).
Todos os estudos temáticos desenvolvidos no guia envolvem estudos de percepção, onde
a comunidade é convidada a compartilhar com os pesquisadores as suas leituras sobre os dife-
rentes campos de trabalho. Destaca-se o capítulo “Imagens Projetadas e Percebidas da Cidade”,
onde é realizado um apanhado de muitas representações que espaço urbano de Sevilha sofreu
na pintura, literatura, teatro, cinema, postais, selos, canções, partindo do entendimento que uma

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paisagem cultural reverbera nos demais campos da arte, gerando um acervo de produção cultu-
ral semelhante aos apontados anteriormente neste artigo a respeito da cidade de Ouro Preto. Este
capítulo do guia é um dos mais aprofundados, porque demonstra como o ambiente natural e o
patrimônio material são capazes de gerar uma riqueza imaterial.

5. CONCLUSÕES
Com o aprofundamento do conceito de paisagem cultural, e a adoção de uma metodo-
logia similar a desenvolvida pelo IAPH, ocorrerá um período de experimentações e certamente
de contestações. Como parte do judiciário brasileiro é por vezes conservador nas ações de pre-
servação do patrimônio cultural, acreditando equivocadamente que apenas o bem tombado está
sobre salvaguarda, à paisagem cultural necessitará de envolvimento da comunidade para que o
conceito possa ser operacionalizado e mantido. As iniciativas de Carlos Fernando Moura Del-
phim junto ao IPHAN de reconhecer a existência da paisagem cultural passível de preservação
em determinados territórios, e a impossibilidade de concretizar a chancela desses territórios
podem ser explicados pela ausência de uma metodologia que envolva os agentes locais no pro-
cesso decisório de quais elementos devem ser preservados.
O IAPH ao propor o instrumento do guia da paisagem e estabelecer que os critérios ali
apontados devam provir de consenso, reconhece a incapacidade de um instituto de preserva-
ção no atual contexto gerir um conceito tão abrangente de preservação. A Paisagem Cultural
também inova ao estabelecer a gestão conjunta entre municípios, e a busca por uma política
convergente, sendo que o guia da paisagem se torna um instrumento de gestão regional, e por
vezes metropolitano como no exemplo de Sevilha na Espanha. A chancela da paisagem cultural,
se aplicada com a metodologia do IAPH, é um instrumento de gestão democrática, pois rompe
com a tradição do IPHAN de apenas apresentar planos de gestão as comunidades com sítios
tombados, e exige que os estudos temáticos desenvolvidos envolvam a sociedade civil desde as
primeiras etapas.
É uma possibilidade de repensar o relacionamento da instituição com a comunidade,
desmistificar os instrumentos de preservação, e principalmente compartilhar responsabilidades.
Ao valorar memória coletiva, percepção, afetividade, a paisagem cultural aproximasse de con-
ceitos com os quais a sociedade já se relaciona, rompendo a ideia de que apenas o excepcional,
ou monumental, deve ser valorado, mas também é objeto de preservação o prosaico, o cotidiano,
e o singelo. Ainda há um grande campo para formulações a respeito deste conceito, e mesmo que
a chancela brasileira seja instituída por portaria do IPHAN, certamente há desafios no campo ju-
rídico que necessitam ser mais bem avaliados, afinal a ideia pressuposta no guia da paisagem de
que deve ocorrer a construção de convergências de políticas públicas entre municípios, carece
na realidade brasileira de bons exemplos.

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De qualquer forma, a percepção da existência da paisagem cultural já esta solidificada na


academia, sendo necessário iniciar o processo de propagação desta com a sociedade.

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Perspectivas” FÓRUM PATRIMÔNIO: amb. Constr e patr. Sust, Belo Horizonte.v1.n1,set/dez 2007.
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movida pelo Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul contra a Empresa Goldsztein S/A
Administrações e Incorporações e o Município de Porto Alegre, referente ao processo administrativo
nº01512.000488/2008-23 IPHAN 12 SR/IPHAN, 26, Mar.2009. Disponível em:http://pt.slideshare.net/
moinhosvive/parecer-iphan-moinhos-de-vento. Acessado em 15, Fev.2015.

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INTERFACES ENTRE COMUNICAÇÃO E CULTURA: UMA DISCUSSÃO


CONCEITUAL DA COMUNICAÇÃO NAS POLÍTICAS DO AUDIOVISUAL
Ligia Machado Arruda1
João Alcantara de Freitas2

RESUMO: Pensar o papel social da comunicação tem sido um desafio para as políticas públicas
de comunicação e cultura na contemporaneidade. A criação e promoção de ações sem um
debate conceitual consistente tende a afastar tais políticas do interesse social. Nesse sentido,
é fundamental desenvolvermos uma reflexão conceitual acerca do direito a comunicação e
suas várias dimensões. Fundamentamos tal reflexão a partir das ideias dos pesquisadores Cees
Hamelink e Antonio Pasquali. Posteriormente, tecemos uma interpretação transversal de alguns
editais publicados pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura no ano de 2013, na
tentativa de escrutinar a seguinte questão: como uma política de comunicação e cultura pode
promover o direito à escuta se a reflexão dos valores se manifesta através das mais variadas formas
de interação e subjetividade? Itera-se, no entanto, que os apontamentos aqui feitos derivam de
uma investigação ainda incipiente e que demanda um esforço de pesquisa prolongado.

PALAVRAS-CHAVE: direito à comunicação, políticas de comunicação e cultura, políticas


para o audiovisual.

1. INTRODUÇÃO
Em escala global, assistimos a emergência e consolidação de políticas públicas de cul-
tura para a promoção da diversidade e dos direitos sociais. A implementação destas ações é
intensificada após a Convenção pela Promoção da Diversidade Cultural da UNESCO em 2005,
na qual diversos países assumiram o compromisso de criação, fomento e consolidação de po-
líticas para a promoção dos direitos culturais, sobretudo para os grupos sub-representados e
socialmente vulneráveis.
1
Bolsista de pesquisa do Setor de Estudos e Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa e Graduação
em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: ligiamachado@id.uff.br | CV Plataforma
Lattes: < http://lattes.cnpq.br/1913296460748732 >
2
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais (PPHPBC) no Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
Mestre pelo mesmo programa, Bacharel em Turismo pela Universidade Federal Fluminense e bolsista de pes-
quisa no Museu Casa de Rui Barbosa. E-mail: joaofreitas@id.uff.br | CV Plataforma Lattes: < http://lattes.cnpq.
br/9540497515511545 >

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O interesse social passa então a reger a atuação dos órgãos e entidades públicas de cul-
tura, e ao menos em teoria, busca-se um novo redirecionamento que se distancia da segregação
sintomática do desenvolvimento pelo viés economicista. Nesse diapasão, a inclusão, participa-
ção e difusão se tornam os principais objetivos das políticas culturais contemporâneas.
No contexto brasileiro, tal mobilização ganha força a partir de 2003 com a discussão e
proposta de redefinição dos conceitos de cultura, participação social, direitos culturais e diver-
sidade. Mais de uma década depois, é possível constatar inúmeros avanços e mesmo que em
alguns campos tais progressos representem mais agitação e mobilização do que resultados con-
cretos, a discussão prevalece.
Em setores como o audiovisual, por exemplo, se considerarmos todo o atraso histórico
causado pela peculiar ascensão dos meios de comunicação através do interesse privado, pouco
se avançou. A partir dos anos 2000, assistimos a resistência de disputas que possibilitaram a cria-
ção da Agência Nacional do Cinema (Ancine), da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), a
recente e tardia entrada de canais públicos e estatais – NBR, Canal Saúde e TVE – na televisão
aberta, a implementação dos mecanismos de cotas de programação na televisão por assinatura,
bem como o desenvolvimento e expansão do fomento direto à produção de conteúdos audiovi-
suais. Apesar dessas difíceis e importantes conquistas, a discussão de conceitos essenciais como
comunicação, direito à comunicação, difusão, direito à escuta e participação comunicacional
não receberam o destaque necessário. Mesmo quando ocorriam no campo de interseção entre
comunicação e cultura, pouco foram aprofundadas devido às bem conhecidas barreiras que des-
locam o debate a favor dos interesses dos grandes grupos de mídia e telecomunicações.
Sendo assim, este artigo tem como objetivo promover a discussão dos termos que cons-
tituem as dimensões do direito à comunicação e entender como os conceitos de difusão e direito
à escuta são afirmados pelas políticas da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.
A promoção do direito à escuta se constitui como um ponto central que motivou a realização
desta investigação. Compreende-se que sua prática se manifesta por meio de formas orgânicas
de interação e envolve aspectos de subjetividade. Portanto, o esforço de compreender como uma
política de comunicação e cultura pode promover o direito à escuta se constitui como fio con-
dutor das ideias aqui apresentadas. Para a discussão conceitual, serão articulados argumentos de
autores do campo da comunicação – Cees Hamelink e Antonio Pasquali –, e estudos do campo
da cultura. Já a análise desses conceitos nas políticas da Secretaria do Audiovisual (SAv) ocor-
rerá a partir da apreciação dos editais lançados pela mesma no ano de 2013.

2. ALEGORIAS DO CAMPO DA COMUNICAÇÃO


A crescente promoção de políticas culturais na contemporaneidade tem por objetivo
maior a afirmação de lutas contra os valores estabelecidos pela dita transmissibilidade central

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dos valores sociais, diagnosticada por Michel de Certeau. Por meio das estratégias de controle
da produção e disseminação cultural, grupos dominantes tendem a reger modelos sociais de
comportamento (CERTEAU, 2012). Nesse sentido, a razão que move as políticas públicas de
cultura é criar condições para que os diversos grupos sociais possam expressar suas ideias e va-
lores e, assim, promover o equilíbrio fundamental para a coexistência das diferenças.
Pensar o papel social da comunicação se torna imperativo para a concretização desse
objetivo. Como observa Antonio Pasquali, a midiatização moderna tem favorecido grandemen-
te a mensagem informativa, a qual promove mais informação do que comunicação. Quando o
objetivo informativo prevalece, a mensagem escoa por um fluxo unilateral que tende a silenciar
o receptor, produzindo “mais verticalidade do que igualdade, mais subordinação do que recipro-
cidade” (PASQUALI, 2005, p.27). Dessa maneira, o acesso a transmissão e difusão da produção
cultural nos meios de comunicação representa também um exercício de poder. Quando este
poder não é distribuído entre os representantes dos diversos grupos sociais, aqueles que concen-
tram a transmissão podem livremente explorar tal meio em seu próprio benefício.
A relevância da comunicação para a sociedade demonstra que a sua discussão, em seus
diferentes contextos, deve ser precedida do debate conceitual dos termos que a constitui como
parte e fruto das relações humanas. Cees Hamelink alvitra que a comunicação é um fator vital
para as sociedades, no entanto, também está exposta às formas de controle e exercício de poder,
por isso, a liberdade de nos comunicar deve ser promovida e protegida (2014). O debate con-
ceitual no campo da comunicação e cultura é um caminho necessário para a aproximação das
políticas públicas de sua perspectiva social.
Ao tecer uma discussão conceitual do direito à comunicação na dita “sociedade da infor-
mação”, Pasquali explora o estado mais puro da comunicação. Segundo o autor, a comunicação
está relacionada à comunidade. É parte constituinte da essência das relações humanas. Sem a
função comunicativa não pode haver comunidade, por isso, “qualquer mudança no comporta-
mento comunicativo de um grupo social vai produzir mudanças nas formas de percepção, sen-
timento e de tratamento do outro” (PASQUALI, 2005, p.18). O seu impacto na sociedade faz
transparecer o laço indissociável do interesse social. Por meio dela, portanto, deveria haver o
compartilhamento de simétrico poder de transmitir e receber ideias. Buscando gerar no receptor
um entendimento racional dos argumentos num clima de reciprocidade em que todos os atores
recebem o mesmo papel ativo e desfrutam do uso do mesmo canal (PASQUALI, 2005).
Quando a discussão conceitual da comunicação e do direito de comunicar se aproxima
da sua origem história das relações sociais, percebe-se o seu vínculo indissociável com a es-
sência que constitui as relações humanas. Assim como a cultura, a comunicação está na raiz da
existência humana. Sem a habilidade de codificar e decodificar, receber, reproduzir e transmitir

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mensagens e, assim, estabelecer diálogos não existiria organização social do modo como conhe-
cemos e vivenciamos.
Por esta razão, o debate e desdobramentos do que tange a comunicação não podem ser
sufocados pelos interesses econômicos. Quando a apropriação dos conceitos pelas políticas pú-
blicas é projetada através da lógica econômica, “a sociedade tende a perder em termos de sua
coesão moral e social” (PASQUALI, 2005, p.19). A complexificação dos meios e formas de
comunicação ao longo do desenvolvimento humano – dos diálogos face a face e da escrita para
a reprodutibilidade de mensagens através de veículos impressos – pelo cinema e pela radiodi-
fusão – fez perdurar a impressão de que a utilização dos meios e das grandes infraestruturas de
distribuição só poderia ocorrer por meio do uso eficiente da exploração econômica. No entanto,
apesar dos inegáveis custos envolvidos na manutenção e alimentação dos grandes meios, a sub-
missão dessa atividade aos valores econômicos não se justifica a não ser que a sua concentração
sirva à manutenção das relações de poder. Nas palavras de Pasquali os conceitos de:
[...] comunicação e informação, sempre, e necessariamente, referem-se
à essência da comunidade e das relações humanas. Assim, é inaceitável
que esses termos sejam reduzidos ao nível do discurso técnico ou eco-
nômico, que tentam minimizar ou desvalorizar as repercussões sociais
do factum comunicativo. Consequentemente, a sociedade tem o direito
ontológico e inalienável de observar e participar de qualquer decisão
que afete a sua comunicação ou informação, atividades que constituem
a essência das relações humanas (PASQUALI, 2005, p.18-19).
A participação que se refere o autor supracitado está relacionada não só à participação nas
discussões dessas temáticas, mas também a participação na produção de conteúdos comunicacio-
nais, bem como no desenvolvimento das políticas de promoção da diversidade comunicacional.
O estímulo da difusão dos diversos valores da sociedade nos meios comunicacionais é uma forma
de promover o desenvolvimento pelo viés social. As políticas de fomento audiovisual “animam a
autoconfiança das minorias além de fortalecer a sua articulação” (MERKEL, 2015, p.70).
Este debate acerca da participação comunicacional nos atenta também para o que Cees
Hamelink denomina de direito à escuta. A articulação e luta dos grupos sociais encontra a sua
razão quando estes têm o direito de serem escutados, quando as suas questões são levadas em
consideração tanto pelas esferas governamentais quanto como pelos diversos grupos, consti-
tuindo um processo relacional de comunicação interativa. O direito à escuta seria, como sugere
Hamelink, uma categoria do direito maior de se comunicar:
O direito à comunicação vai além do direito convencional da liberdade
de expressão, o que levanta a questão de como o discurso que ninguém
ouve pode ser útil. A partir dessa percepção, uma nova ideia emergiu: a
de que deve haver um direito de ser escutado, no sentido de garantir que
os diversos pontos de vistas tenham seu espaço e sejam considerados
(HAMELINK, 2014, p.23).

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A comunicação interativa pressupõe a participação na criação e transmissão de ideias, o


espaço para a expressão, o debate e a reflexão dessas ideias e valores. Nesse sentido, a liberdade de
expressão, tanto evocada nos discursos sobre a comunicação, torna-se outro ponto que precisa ter
a sua discussão ampliada. As fronteiras de seu conceito não se encerram em sua antiga concepção.
Como Pasquali nos atenta, a antiga compreensão emerge no século XVIII e é fruto de uma conju-
gação entre as necessidades de liberdade de mercado e expressão. Naquele momento histórico, a
liberdade de expressão se fazia necessária para que existissem livres ideias de mercado. Portanto,
basicamente se restringia a uma garantia da liberdade de se expressar contra o governo, ou seja,
um entendimento limitado às necessidades econômicas daquele momento (PASQUALI, 2012).
Cada vez mais somos provocados a relativizar este conceito. Isso não implica em afirmar
que as transformações tecnológicas dos últimos anos transformaram o seu significado, mas sim
que estão desmascarando uma antiga impressão de que a sua discussão se encerra no interesse
econômico de alguns grupos. Como argumenta Hamelink:
A emergência de tecnologias interativas e a expansão das redes sociais
deslocou a questão da interatividade para o centro das discussões sobre
o direito à comunicação. Estes desenvolvimentos parecem exigir uma
mudança do paradigma de distribuição predominante para um paradig-
ma de interação (HAMELINK, 2014, p.23).
Quando poucos dominam os meios comunicacionais de maior alcance, consequente-
mente, a comunicação em seu sentido interativo fica prejudicada uma vez que o acesso à in-
formações e ideias não implica no envolvimento dos atores sociais em um processo interativo.
“Mesmo se os conteúdos de notícias e entretenimento promovessem o máximo de liberdade de
expressão e o maior acesso possível às fontes de informação, isto não garantiria a participação
das pessoas nos diálogos sociais” (HAMELINK, 2014, p.22).
Embora a comunicação pela radiodifusão promova, através de seu modelo tradicional,
um fluxo comunicacional amplo, direto e unilateral, a emergência da tecnologia digital – com
a proliferação de canais, a redução dos custos de produção audiovisual – torna mais palpável
o compartilhamento do poder de difusão. Christine Merkel, em relatório sobre os dez anos da
Convenção da UNESCO, faz uma breve análise desse novo contexto para o campo da comuni-
cação e cultura:
A tecnologia permite, efetivamente, fazer ouvir novas vozes e novos
talentos. Assistimos à emergência de novos atores e ativistas dos meios
de comunicação, como os jornalistas cidadãos e os produtores de fil-
mes amadores, que redesenham os limites do jornalismo e encorajam os
profissionais dos meios de comunicação a agir mais como detentores e
organizadores de conteúdos (MERKEL, 2015, p.68).
A participação em termos de produção e difusão de conteúdos por diversos atores da
sociedade se torna uma vigorosa ferramenta para a promoção e projeção de vozes que até então

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eram sub-representadas nos veículos de comunicação de massa. Nesse sentido, a comunicação


pública, sobretudo na televisão aberta, passa a ser um meio estratégico para as políticas cultu-
rais. As ações de estímulo ao audiovisual podem transpor o mero incentivo a produção e expan-
dir a sua atuação nos diversos elos da cadeia de valor. Da produção à distribuição, a afirmação
do direito à comunicação por meio das políticas públicas pode assegurar “uma distribuição justa
e pluralista do poder de comunicar” (PASQUALI, 2005, p.22).

3. A PROMOÇÃO À DIFUSÃO E AO DIREITO À ESCUTA NOS EDITAIS DA


SECRETARIA DO AUDIOVISUAL DO MINISTÉRIO DA CULTURA
Desde os anos 2000, é notória e crescente a publicação de editais de fomento direto à
produção de conteúdos audiovisuais. No entanto, como já discutimos no presente artigo, o estí-
mulo e apoio à comunicação por meio da garantia do direito de comunicar vai muito além deste
primeiro elo da cadeia de valor do audiovisual. As políticas públicas que estiverem realmente
dispostas a incentivar o direito à comunicação precisam contemplar também a participação, a
difusão e transmissão das obras, o debate dos valores representados, bem como a diversidade
tanto dos grupos sociais quanto das diferentes regiões que compõem o país.
Embora a parte teórica deste artigo tenha se debruçado sobre esses quatro ramos que
fazem parte da essência do direito à comunicação, o recorte focará na questão da promoção
da difusão e do direito à escuta. Uma análise que propusesse abraçar outras dimensões desse
direito demandaria um debate mais prolongado, considerado isso, optou-se por um recorte de
pesquisa em que as questões pudessem ser melhor aprofundadas. Contudo, fica a certeza de que
as abordagens que não puderam ser contempladas neste trabalho serão objetos de futuros frutos
desta investigação.
A partir da análise dos editais publicados pela Secretaria do Audiovisual do Ministério
da Cultura no ano de 2013, pretende-se verificar se estes conceitos são contemplados e com-
preender como eles foram apropriados pelas normas e disposições desses documentos. Para tais
fins, foram analisados os seguintes editais de fomento:
• O edital de apoio à produção de curtas-metragens 2013, no qual a SAv propôs contem-
plar vinte e cinco obras audiovisuais brasileiras de estilos diversos – ficção, documen-
tário e animação – e temática livre (SECRETARIA DO AUDIOVISUAL, 2013a);
• O edital Longa Doc 2013 através do qual a SAv apoiou a produção de oito longas-
-metragens de documentário brasileiros com temática livre (SECRETARIA DO AU-
DIOVISUAL, 2013b);
• O edital Curta Criança 2013 que fomentou a produção de doze curtas dos gêneros
ficção, animação ou documentário com temática voltada para a infância e para o pú-
blico infantil de até 12 anos (SECRETARIA DO AUDIOVISUAL, 2013c);

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• O edital Carmen Santos de Cinema de Mulheres 2013 que incentivou a produção de


dez curtas e seis médias-metragens, de ficção e documentário, produzidos ou dirigido
por mulheres. Os filmes deveriam ter como temática questões como as de gênero na
sociedade (SECRETARIA DO AUDIOVISUAL, 2013d);
• O edital curta animação 2013: resíduos sólidos em um minuto, o qual contemplou
quarenta curtas de um minuto que tratavam da questão dos resíduos sólidos e a pre-
servação do meio ambiente (SECRETARIA DO AUDIOVISUAL, 2013e); e
A apropriação de alguns conceitos na formulação de políticas públicas nem sempre ocor-
re da forma como o campo teórico prevê. A carência de debates que visem estabelecer consensos
sociais sobre os limites de significação dos termos provoca uma multiplicação de significa-
dos que pode gerar falhas de entendimento, distorções ou, até mesmo, a manipulação destes
(PASQUALI, 2005). Nesse sentido, o presente artigo tende a analisar tais editais tendo como
horizonte a seguinte pergunta: como uma política de comunicação e cultura pode, por exemplo,
promover o direito à escuta se a reflexão dos valores se manifesta através das mais variadas
formas de interação e subjetividade? A promoção de discussões que trabalhem as obras audiovi-
suais em suas diferentes abordagens como, por exemplo, pela linguagem do audiovisual, pelas
representações e pela estética da criação é um caminho possível.
Nesse sentido, a garantia de licenciamento para a utilização das obras audiovisuais em
programas como a Programadora Brasil e em cineclubes é uma ação importante para a pro-
moção do debate dos valores e ideias expressos nas obras contempladas pelas políticas. A Pro-
gramadora Brasil, por exemplo, procura difundir filmes e conteúdos audiovisuais por meio da
distribuição de cópias na Rede Pública de Ensino, nos Centros de Artes e Esportes Unificados
(CEUs) e nos cineclubes solicitantes e beneficiários do programa Cine Mais Cultura onde são
realizados debates pós-exibição dos filmes (SECRETARIA DO AUDIOVISUAL, 2015). Desta
maneira, a SAv promove o acesso e difusão e, de forma indireta, a discussão essencial para a
promoção do direito à escuta.
O edital de apoio à curtas-metragens de 2013 e o Curta Criança 2013 garantiam o li-
cenciamento dos direitos de exibição, distribuição e reprodução das obras contempladas em
programas e políticas públicas do Governo Federal, em emissoras públicas e canais públicos da
televisão por assinatura, no projeto Programadora Brasil, nos canais da internet, bem como em
cineclubes (SECRETARIA DO AUDIOVISUAL, 2013a; 2013b; 2013c; 2013d; 2013e). Desta
forma, cotejando o estímulo à difusão e transmissão.
No Longa Doc 2013, o mesmo acontece, há apenas uma diferença no que tange a dis-
tribuição em canais e emissoras públicas e nos programas do MinC: a veiculação e difusão das
obras nessas janelas ocorreu dezoito meses após a entrega da cópia finalizada (SECRETARIA
DO AUDIOVISUAL, 2013b). Como o acordo de licenciamento aconteceu de forma não onero-

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sa e não exclusiva, os projetos contemplados poderiam realizar contratos de exclusividade com


canais de programação privados nesse período de dezoito meses.
Nos contratos realizados com programadoras e emissoras privadas, geralmente, há a
exigência de um período mínimo para a exploração exclusiva do produto audiovisual. Tal re-
quisito faz sentido se pensamos que a exibição nesses canais precisa de um retorno financeiro
para a sua sustentabilidade, caso contrário, não haveria sentido e estímulo para o investimento
em conteúdos. Assim, a norma promove a convivência saudável entre o interesse econômico e
social. Ainda que o incentivo envolva verba pública, estava previsto a contrapartida de vinte por
cento do orçamento total, o que justifica a exploração exclusiva por canais privados no prazo
de 18 meses, contudo, sem o prejuízo da sua exploração social. Fato possível uma vez que esta
independe de prazos ou exclusividade.
No Edital Carmen Santos 2013, também são apresentadas algumas peculiaridades para
além das já previstas nos demais editais. Devido à realização da ação em parceria com a Secre-
taria de Políticas para as Mulheres e a Empresa Brasil de Comunicação, o regulamento previu o
licenciamento das obras não só para o MinC, mas também para esses órgãos. A medida torna-se
importante para a projeção das vozes femininas e ampliação do alcance das questões de gênero
nos debates sociais, pois estimula ainda mais a sua difusão.
Uma parceria realizada com o Ministério do Meio Ambiente no edital de curtas de ani-
mação: resíduos sólidos em um minuto também ampliou o acesso às obras comtempladas. O
regulamento previa a distribuição e exibição no Circuito Tela Verde: “Mostra Nacional de Pro-
dução Audiovisual Independente, que reúne vídeos com conteúdo socioambiental para serem
exibidos em todo território nacional e em algumas localidades fora do país” (MINISTÉRIO DO
MEIO AMBIENTE). 
Assim, o caminho para o maior alcance das obras fica aberto, no entanto, apenas uma
possibilidade sozinha não é suficiente. A promoção da escuta e reflexão depende de outras ações
que realmente utilizem esse caminho em práticas afirmativas de estímulo à criação de espaços
para o debate. Nos editais analisados foram encontrados mecanismos de acesso às obras pro-
duzidas, mas, diretamente, nada foi encontrado em relação a promoção de espaços para debate.
Como defende Pasquali, o acesso por vezes pode levar a redução da participação. Em
sua argumentação, a participação é entendida como a produção e transmissão de mensagens, ou
seja, a abundância do acesso à informação e ideias de terceiros desencorajaria a produção de
criações próprias de alguém. No entanto, tomamos a liberdade de nos apropriarmos da premissa
de Pasquali e inserir na compreensão de participação a discussão social das informações, valores
e ideias difundidas pelas produções culturais. Esse debate envolveria, portanto, a participação
em termos de produção de reflexões – em que a interação das perspectivas de diversos recepto-
res contribuiria para a construção da obra em sua relação com a sociedade.

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Nesse sentido, a compreensão do que seria essa discussão das obras seria fruto das inter-
seções entre a participação – no sentido de produção de reflexões – e do direito à escuta – que
envolve a ideia de que as informações, ideias e valores manifestos nas formas de expressão cul-
turais devem ser levados em consideração, precisam ser escutados, mais do que reproduzidas.
Por esta razão evitou-se o uso do termo acesso ao longo deste artigo. Quando se preten-
deu falar sobre o alcance da distribuição das obras, utilizou-se o termo “difusão”. Ainda que tal
precaução não tenha evitado a reprodução de ecos no debate, acredita-se que o confronto de sig-
nificados foi amenizado. Contudo, reconhece-se a necessidade de uma abordagem mais lúcida
destas inquietações, as quais seguem como objetivo de pesquisa perene.

4. ÚLTIMOS APONTAMENTOS
No processo de análise dos editais da SAv, foram encontrados, nos cinco editais, dispo-
sições que possibilitavam o estímulo à difusão das obras produzidas através do incentivo. Por-
tanto, os editais foram além do mero fomento à produção, abrindo meios para que os projetos
analisados pudessem chegar aos seus verdadeiros financiadores: a sociedade. Contudo, consta-
tou-se também que a promoção da criação de espaços de debate ocorreu de forma incipiente e
indireta. Poucas foram as disposições que efetivamente poderiam estimular a criação de espaços
de debate, a qual fica extremamente dependente do engajamento continuo dos gestores e atores.
A breve reflexão desenvolvida aqui aponta que a promoção direta à criação de espaços de
discussão social dos conteúdos culturais pode sedimentar o caminho para o alcance da garantia do
direito à escuta. As obras audiovisuais refletem e expressam valores sociais que precisam ser con-
sideradas, precisam ser provocados e utilizados em prol do aprimoramento das relações sociais.
Por fim, vale ressaltar a urgência de se promover e intensificar o debate conceitual no
campo da comunicação e cultura, sem os quais o aprimoramento de suas políticas ficará cada
vez mais prejudicado.

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cinema de mulheres 2013 – apoio para curta e média-metragem. 2013d. Disponível em: http://www.
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SECRETARIA DO AUDIOVISUAL DO MINISTÉRIO DA CULTURA. Edital no 04, de 09 de agosto
de 2013 - Edital curta animação 2013: resíduos sólidos em um minuto. 2013e. Disponível em:
http://www.cultura.gov.br/documents/10889/950734/130815_CGIFA_Edital+Curta+Animacao_V2_
publicado.pdf/85edd934-52d1-4bdb-a854-2a378e405dea. Acesso em: 14 de fevereiro de 2016.
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(SAV): políticas e ações 2015. 2015. Disponível em: http://secretariadoaudiovisualminc.tumblr.com/
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de 2015.

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EDITAL CARMEN SANTOS: POLÍTICA PÚBLICA E O CINEMA DE MULHERES


Lina Rocha Fernandes Távora1

RESUMO: A Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAv/MinC) realizou, em


2013, um edital específico para diretoras mulheres. O edital foi realizado em parceria com a,
então, Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Como resultado,
foram produzidos 10 curtas-metragens, de 5 minutos, e 6 médias-metragens, de 26 minutos.
A política pública foi inovadora ao apostar no incentivo direto para conteúdos audiovisuais
dirigidos por mulheres, contando com pontuação extra para a equipe técnica feminina e que,
ainda, abordasse, de forma ampla, conteúdos sobre mulheres. As temáticas abordadas nas obras
são diversas: violência, empoderamento, questões e estereótipos de gênero, racismo, evolução
dos papeis da mulher etc.

PALAVRAS-CHAVE: Edital, Carmen Santos, Cinema de Mulheres.

1. CINEMA POR MULHERES


Em 2013, pela primeira – e única vez – a Secretaria do Audiovisual do Ministério da
Cultura (SAv/MinC) realizou um edital específico para diretoras mulheres. O edital foi realizado
– desde a sua concepção – em parceria com a, então, Secretaria de Políticas para as Mulheres
da Presidência da República. A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) também entrou como
parceiro, com o compromisso de exibir os filmes na sua rede de programação.
O objetivo do edital é colocar a mulher em função protagonista na cadeia do audiovi-
sual, não só como diretora, mas também assumindo outros cargos, como produtora, roteirista,
diretora de fotografia, diretora de arte, diretora de som e montadora, pois, além da exigência dos
conteúdos audiovisuais serem dirigidos por cineastas mulheres, era dado 0,5 pontos adicionais
para integrantes mulheres em algumas funções específicas definidas na chamada pública. O
edital é voltado exclusivamente para diretoras mulheres, com a busca de um empoderamento de
gênero no segmento audiovisual.
Editais afirmativos são políticas públicas específicas para estimular determinados seg-
mentos da população. De 1995 a 2014, foram lançados comercialmente 1.123 filmes brasileiros.

Servidora e Coordenadora de Programas e Projetos da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAv/


1

MinC) – lina.tavora@cultura.gov.br.

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Destes, 184 foram dirigidos apenas por mulheres, o que representa apenas 16,42%. Em 2015, de
acordo com Informe de Acompanhamento do Mercado3, da Agência Nacional do Cinema (An-
cine), dos 128 longas-metragens lançados comercialmente4 no ano, 14,8% foram dirigidos por
mulheres (apenas 19 produções). Dos 20 filmes brasileiros com maior bilheteria, apenas quatro
foram dirigidos por mulheres: Meu passado me condena 2, de Julia Rezende; S.O.S Mulheres ao
Mar 2, de Cris D’Amato; Linda de Morrer, de Cris D’Amato; e Que Horas Ela Volta?, de Anna
Muylaert (ANCINE, 2016).
Nos Estados Unidos, uma das únicas indústrias cinematográficas autossustentáveis do
mundo, em 2015, apenas 9% das 250 maiores bilheterias norte-americanas foram dirigida por
mulheres. A análise história (1998-2015) demostra pequena variação, com a aumento de apenas
dois pontos percentuais. Quando outras categorias são analisadas (diretoras, roteiristas, produto-
ras, produtoras executivas e diretoras de fotografia) o percentual sobe para 19%. Entre as catego-
rias analisadas, a que a mulher tem a melhor presença é de produtora (22%). (LAUZEN, 2016).

2. O ESTADO E O AUDIOVISUAL
As políticas públicas do audiovisual no Brasil são planejadas e executadas, no âmbito
federal, por duas instituições complementares: Secretaria do Audiovisual (SAv) e Agência Na-
cional do Cinema (Ancine). Além destas duas, há o Conselho Superior de Cinema (CSC), que
deve aprovar as políticas definidas pela SAv e pela Ancine.
O Ministério da Cultura é criado em 1985 (Decreto nº 91.144/1985). Reconhecia-se,
assim, a autonomia e a importância da área, até então tratada em conjunto com a educação. Em
1990, por meio da Lei no 8.028, o MinC foi transformado em Secretaria da Cultura, vinculada à
Presidência da República. A situação do Ministério da Cultura foi revertida pouco mais de dois
anos depois, pela Lei no 8.490, de 19 de novembro de 1992. É neste momento de ressurgimento
do MinC que é criada a, então, Secretaria para o Desenvolvimento Audiovisual (SDAv), hoje
Secretaria do Audiovisual (SAv).
A Agência Nacional do Cinema (Ancine) é criada em 2001, pela Medida Provisória
2.228-1. A Ancine, autarquia especial, vinculada desde 2003 ao Ministério da Cultura, é o “órgão
de fomento, regulação e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica” (BRASIL,
2001). Com a Lei nº 12.485/2011, a Ancine amplia seu escopo de atuação, abrangendo competên-

2
Listagem de Filmes Brasileiros Lançados - 1995 a 2014 (Ancine)
3
Todos os dados apresentados foram extraídos do Sistema de Acompanhamento da Distribuição em Salas de Exi-
bição (SADIS), cujas informações são fornecidas pelas empresas distribuidoras registradas na Agência Nacional
do Cinema. Consolidação dos dados realizada em 09/01/2015. Publicado no Observatório Brasileiro do Cinema e
do Audiovisual – OCA em 22/01/2016
4
Considerou-se longa-metragem lançado comercialmente em 2015 aquele cujo distribuidor tenha informado da-
dos de bilheteria para a ANCINE, com data de estreia em salas de exibição entre 01 de janeiro e 31 de dezembro de
2015, independentemente do ano de produção.

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cias referentes ao serviço de acesso condicionado (tevê paga). Além disso, com a publicação da
Lei, o pagamento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacio-
nal (Condecine) passou a ser devido também pelas concessionárias, permissionárias e autorizadas
dos serviços de telecomunicações5. O produto da arrecadação será destinado ao Fundo Setorial
do Audiovisual (FSA), para aplicação nas atividades de fomento relativas ao desenvolvimento do
setor audiovisual no Brasil. Vale ressaltar, por último, que a Lei 12.485/2011 estimula a produção
audiovisual nacional e independente, pois cria cotas nacionais de conteúdo obrigatórias nas tevês
por assinatura.
Em 2001, O Conselho Superior do Cinema (CSC) é criado, pela Medida Provisória
2.228-1/2001. O Decreto nº 4.858, de 13 de outubro de 2003, dispõe sobre a composição e
funcionamento do Conselho Superior do Cinema, e dá outras providências. Em 2009, o CSC é
transferido da Casa Civil para o MinC, por meio do Decreto nº 7, de 9 de novembro de 2009. O
CSC tem como uma de suas competências “aprovar políticas e diretrizes gerais para o desenvol-
vimento da indústria cinematográfica nacional, com vistas a promover sua auto-sustentabilida-
de” (BRASIL, 2001).
Durante todo esse tempo, SAv e Ancine vinham trabalhando com os seus públicos sepa-
radamente, seguindo suas competências definidas por lei e segmentadas ao longo dos anos. As
políticas públicas federais para o audiovisual, porém, podem ser aperfeiçoadas e ampliadas, a
partir da integração das ações e dos recursos das suas duas principais instâncias.
Em 2014, pela primeira vez, foram lançadas duas chamadas públicas da Secretaria do
Audiovisual com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) – para a produção de filmes
de longa-metragem de baixo-orçamento (R$ 12 milhões) e de documentários (10 milhões)6. No
início de 2016, foram lançados mais três editais para a produção de 22 longas-metragens de
baixo orçamento: ficção (10), infantil (9) e BO Afirmativo (3).
O audiovisual é um setor complexo, pois é, ao mesmo tempo: arte, meio de comunicação,
entretenimento, mercado etc. Assim, as políticas públicas do audiovisual devem fortalecer tanto
o mercado como os circuitos e segmentos mais simbólicos. Nestes últimos, é fundamental a con-
tinuação de políticas afirmativas – tendo a Secretaria do Audiovisual como o seu lócus gerencial.

3. EDITAL – TRANSPARÊNCIA NA POLÍTICA PÚBLICA


A realização de seleções públicas é uma maneira direta de implementar políticas públi-
cas. É uma forma de institucionalizar demandas do setor brasileiro e de dirimir desequilíbrios
na produção audiovisual.

5
A Condecine das empresas de telecomunicações passou por questionamentos judiciais, mas atualmente a liminar
concedida às teles para suspender o seu pagamento foi derrubada.
6
CHAMADA PÚBLICA SAV/MINC/FSA Nº 03, DE 30 DE SETEMBRO DE 2014 (Longa BO) e CHAMADA
PÚBLICA SAV/MINC/FSA Nº 04, DE 30 DE SETEMBRO DE 2014 (Longa DOC).

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As seleções públicas têm sua base legal na Lei nº 8.666/1993, que institui normas para
licitações e contratos da Administração Pública. Em seu artigo 4, § 4º, a referida lei define:
concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho téc-
nico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores,
conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima
de 45 dias.
O Ministério da Cultura lançou, em 2009, a Portaria nº 29, que dispõe sobre a elaboração
e gestão de editais de seleção pública para apoio a projetos culturais e para concessão de prêmios
a iniciativas culturais no âmbito do Ministério da Cultura. Em seu artigo 1º, a Portaria 29 define:
os editais de seleção pública para APOIO a projetos culturais e para concessão de PRÊMIOS a
iniciativas culturais, no âmbito do Ministério da Cultura, observarão o disposto nesta Portaria,
sem prejuízo das demais determinações legais.
Desta forma, divide-se em duas modalidades a forma de incentivar projetos culturais
audiovisuais por meio de editais:
APOIO: incentivo ao desenvolvimento, à produção de uma obra/produ-
to audiovisual. O que se tem é a ideia e o Ministério da Cultura aposta
naquela ideia e acompanha o seu desenvolvimento. O pagamento é feito
em parcelas. Não há cobrança de imposto sobre o valor.
PRÊMIO: reconhecimento do valor artístico de uma obra/produto pron-
to. O pagamento é realizado em apenas uma parcela. Há cobrança de
imposto sobre o valor.
Todo ato de premiar/apoiar um determinado elo da cadeia audiovisual implica em um
exercício institucionalizado para desenvolver o setor no país, sendo um componente fundamen-
tal de defesa da produção intelectual de cinema e audiovisual.
Entre 1997 e 2011, a Secretaria lançou 55 editais, todos de ampla concorrência, sem seg-
mentação de qualquer natureza (gênero, raça/cor). Em 2012, foi a primeira vez que a SAv lançou
um edital afirmativo – o Edital de Apoio para Curta-Metragem – Curta-Afirmativo: Protagonis-
mo da Juventude Negra na Produção Audiovisual, realizado em parceria com a Secretaria de
Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República (SEPPIR/PR). O Curta-Afirmativo sofreu embargos legais, mas saiu
vitorioso. Em 2014 a SAv lançou a segunda edição do processo seletivo. Em 2013, é lançado o
Edital Carmen Santos.

3.1. Edital Carmen Santos


O Edital Carmen Santos - Cinema de Mulheres 2013 – Apoio para Curta e Média-Metra-
gem, foi lançado pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAv/MinC), em par-
ceria com a Secretaria de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria de Políticas

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para as Mulheres (SPM), e teve por objeto o apoio a obras audiovisuais cuja titularidade e dire-
ção sejam de mulheres, podendo ser ficção ou documentário, com a possibilidade de utilização
de técnicas de animação, sendo: 10 obras audiovisuais de curta-metragem, de até cinco minutos,
no valer de até R$ 45.000,00, e seis obras audiovisuais de média-metragem, de 26 minutos, no
valer de até R$ 90.000,00.
A escolha do nome do edital se deu em homenagem e para trazer à tona uma mulher tão
importante para o cinema brasileiro e que, como muitas outras, passam despercebidas pela histó-
ria oficial. Carmen Santos (1904-1952) nasceu em Portugal e viveu no Rio de Janeiro desde 1912.
Estreou como atriz em 1919, no filme “Uruatu”, dirigido pelo norte-americano William Jansen.
Contudo, ela não se ajustaria aos limites do papel de musa sedutora:
assumiu as rédeas de sua carreira e engajou-se incansavelmente na cons-
trução de uma cinematografia nacional. Atuou diretamente na realização
de seus filmes, escolhendo projetos, contratando diretores, produzindo,
estrelando e dirigindo filmes e companhias. No percurso iniciado com
Urutau (1919), de William Jansen, seguiu-se a realização de mais sete
longa-metragens: Sangue mineiro (1929), de Humberto Mauro; Limite
(1930), de Mário Peixoto; Onde a terra acaba (1933), de Otávio Ga-
bus Mendes; mais três de Humberto Mauro - Favela dos meus amores
(1935), Cidade mulher (1936), Argila (1942) -, e Inconfidência Mineira
(1948), estrelado e dirigido por ela (PESSOA, 20027).
O Edital traz dois pontos de incentivo ao cinema de mulheres: fomento ao protagonismo
feminino na cadeia produtiva do audiovisual e estímulo à produção de obras audiovisuais que
tratem de questões diversas sobre as mulheres. Assim, o edital tem como intuito construir uma
política pública de mulheres e da cultura audiovisual de maneira transversal e estruturante, fir-
mando-se como uma ação afirmativa de e sobre mulheres. “As obras audiovisuais deverão ser
inscritas por pessoas físicas, mulheres, brasileiras natas ou naturalizadas, que se apresentem
obrigatoriamente como diretoras, sendo facultativo o acúmulo de outras funções”.
A questão da especificação da temática no edital foi elabora em parceria com a SPM e
tem como base o Plano Nacional de Políticas para Mulheres. O PNPM 2013-2015 cita políticas
audiovisuais três vezes. Na Linha de ação 8.5. é definido: “promoção do acesso das mulhe-
res aos meios de produção cultural, às mídias e a programas de estímulo à produção cultural”
(PNPM) e, mais especificamente, no item 8.5.6., é apontado como ação prioritária:
Estimular a produção, difusão e distribuição de material audiovisual, li-
vros, materiais educativos/informativos e outras produções culturais que
abordem a presença das mulheres na história e na cultura, considerando
as dimensões étnicas, raciais, de orientação sexual, de identidade de gê-
nero, geracionais e das mulheres com deficiência (PNPM) (Grifo nosso).
7
Texto para o programa “Carmen Santos”, Homenagem à atriz, produtora e diretora Maria do Carmo Santos
Gonçalves (Carmen Santos) por ocasião dos cinquenta anos do seu falecimento. Centro Cultural São Paulo, de 10
a 15.12.2002. A autora é Ana Pessoa que também escreveu o livro Carmen Santos e o cinema dos anos 20.

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O Plano define como objetivo para a área cultural a valorização das iniciativas e da pro-
dução cultural das mulheres e sobre as mulheres.
A temática foi questionada por cineastas que consideraram que essa não deveria ser
tratada no edital. Como política pública conjunta da SAv/MinC e da SPM, nesta primeira ação
direta para o cinema de mulheres, porém, foi importante manter o duplo fortalecimento, inclu-
sive como análise de demanda de cineastas e de temas a serem tratados.
A temática deve abordar de forma criativa e inovadora a construção
da igualdade entre mulheres e homens, os direitos da mulher e de sua
cidadania. Os conteúdos devem levar em conta a diversidade das mu-
lheres nos meios urbano e rural (campo/floresta, indígenas, negras e
povos tradicionais).
Em relação ao campo “Detalhe a participação de cada profissional feminina no projeto,
no desempenho das seguintes funções: produção, roteiro, direção de fotografia, direção de arte,
direção de som e montagem. Será necessário a comprovação de cada profissional feminina por
meio do Anexo 3”, está em conformidade com o subitem 5.12 do edital:
Para promoção da participação feminina, será acrescido 0,5 (meio) pon-
to à pontuação final aos projetos por cada integrante da equipe do sexo
feminino no desempenho das seguintes funções: produção, roteiro, dire-
ção de fotografia, direção de arte, direção de som, montagem.
Outro ponto diferencial do edital é que a comissão de seleção foi toda composta por mu-
lheres. O que indica a preocupação da SAv e da SPM na construção de avaliações que fortaleçam
o protagonismo e a proximidade do local de fala. Assim, a avaliação das ideias de roteiros por mu-
lheres cineastas e da área audiovisual complementa o duplo fortalecimento proposto pelo edital.
Paralelamente, mas compartilhamos com a mesma política, a Fundação Nacional de Ar-
tes (Funarte) lançou o Edital Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais. No edital da Funarte,
foram selecionado 10 projetos, com o prêmio de R$ 70 mil. Em 2014, a Fundação repetiu o mo-
delo do edital, lançando o Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais – 2ª edição, também com
a seleção de 10 projetos inscritos por proponentes mulheres, no mesmo valor da edição anterior.
O Edital Carmen Santos de Cinema de Mulheres 2013 foi publicado no dia 02 de julho
de 2013, com inscrições abertas no mesmo dia, com encerramento previsto para o dia 19 de
agosto. No dia 09 de agosto, a Secretaria do Audiovisual, com o intuito de atender todas as inte-
ressadas no Edital, publicou portaria prorrogando o prazo de inscrições até o dia 02 de setembro.
Dessa forma, o Edital ficou com inscrições abertas por 61 dias.
O Edital recebeu 417 propostas inscritas. Segue tabela com o número de inscrições por
Estado:

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INSCRITOS
Estado Qtd
Alagoas 2
Amapá 2
Amazonas 5
Bahia 19
Ceará 12
Distrito Federal 26
Espírito Santo 5
Goiás 9
Maranhão 1
Mato Grosso 4
Mato Grosso do Sul 2
Minas Gerais 35
Pará 4
Paraíba 2
Paraná 21
Pernambuco 7
Rio de Janeiro 76
Rio Grande do Norte 3
Rio Grande do Sul 22
Santa Catarina 17
São Paulo 139
Sergipe 4
Total 417

Neste edital, no qual 16 propostas foram contempladas, São Paulo configura-se como o
estado que mais teve propostas selecionadas, com nove projetos contemplados, seguido do Rio
de Janeiro com três:

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Tabela dos selecionados, em ordem decrescente, do edital Carmen Santos, por Unidades da Federação
Estados com mais Nenhum
1 a 3 selecionados
selecionados selecionado
SP 9 RJ 3 RO 0
MG 2 AC 0
AM 1 RR 0
RS 1 PA 0
AP 0
TO 0
MA 0
PI 0
CE 0
RN 0
PB 0
PE 0
AL 0
SE 0
BA 0
ES 0
PR 0
SC 0
MS 0
MT 0
GO 0
DF 0

É interessante apontar a seleção de duas propostas de Minas Gerais, uma do Amazonas


e uma do Rio Grande do Sul – mesmo dentro de um escopo de apenas 16 projetos selecionados.
Os projetos apresentados por proponentes dos Estados Acre, Alagoas,
Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Ro-
raima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins e com previsão de realização
nessas localidades terão 1 (ponto) ponto acrescido à pontuação final.
A desigualdade do acesso à produção audiovisual é enorme no país. As empresas produ-
toras localizadas no Rio de Janeiro foram responsáveis por 62 longas lançados comercialmente
em 2015, o que corresponde a 48,4% da produção. Em seguida, estão as empresas de São Paulo,
com 40 obras ou 31,3% dos lançamentos. As produções desses dois estados totalizam 102 títulos
ou 79,7%, das obras lançadas (ANCINE, 2016).
A Secretaria do Audiovisual e a Agência Nacional do Cinema devem trabalhar para dirimir
essas discrepâncias, apostando em políticas públicas diferenciadas, afirmativas e regionalizadas.
Segue tabela completa com os selecionados no edital Carmen Santos:

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Título da Temática
Diretora UF Tipo/Gênero Sinopse
obra central

CURTAS-METRAGENS

Tendo em vista que sub-


meter-se a agressões de
qualquer tipo é, para a
maior parte das pessoas,
uma atitude irracional,
este documentário
relata depoimentos de
algumas mulheres que
foram agredidas por
seus maridos, buscando
Tarsila compreender os diversos Violência contra
Atadas SP Documentário
Nakamura aspectos que motivaram a mulher.
a decisão de continuar
com eles. O objetivo é
criar empatia no espec-
tador, fazer com que
ele se coloque no lugar
dessas mulheres e veja
que, no fundo, essas
histórias perpassam por
fragilidades - sobretudo
- humanas.

O curta propõe um diá-


logo entre a
narrativa poética e ima-
gens documentais. Uma
voz em off narra um
texto sobre o feminino
que acompanha as ima-
gens. É na caminhada de Trajetória de
uma mulher e no ir e vir conquistas e
Mulher Beatriz
RJ Documentário do mar que serão inseri- reconhecimento
Movente Taunay
das fotos documentais, das mulheres na
tanto de mulheres anôni- história do país.
mas, como de mulheres
conhecidas, que fazem
parte do nosso caminho
de conquistas, não só
de igualdade perante os
homens, mas na luta por
uma cidadania plena.

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Animação que conta a


história de uma menina
cuja família é marcada
pela violência e que
encontra na música um
refúgio. Ela tenta su-
Violência,
blimar uma realidade
Julia Peres Animação / empoderamento
Prelúdio SP potente e cruel que não
(Lia Jupter) Ficção da mulher,
consegue ser alterada
família.
pela mãe. Essa história
trata do empoderamen-
to da mulher, no caso
a mãe, que é inspirado
pela filha, mulher de
uma nova geração.
Fábula de uma princesa
que, enquanto passea-
va pelo lago, encontra
uma rã. Esta diz ter sido
enfeitiçada por uma
Como era Estereótipos de
bruxa e só voltará a ser
gostoso Fernanda de gênero, liberdade
MG Ficção um príncipe se receber
o meu Paula Silva e empoderamento
um beijo. A rã faz então
príncipe da mulher.
uma proposta machista e
a princesa se esquiva de
uma maneira engraçada
e inesperada, porém,
determinante.
Joana quer fazer uma
festa de aniversário te-
mática, decorada com
seu personagem
favorito, o Batman.
Mas encontra a resis-
tência familiar e de seus
A Festa da colegas por ter escolhi- Estereótipos de
Vera Vasques SP Ficção
Joana do um tema considera- gênero, família.
do masculino. O curta
discute a instalação das
noções de feminilidade
e masculinidade entre as
crianças através da visão
de uma garota esperta e
questionadora.

1254
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Celeste, ao chegar em
casa e fazer uma sopa,
se depara com uma
situação de tensão que
Violência contra
Na minha exige uma escolha, uma
Mirela Kruel RS Ficção a mulher e apoio
sopa não ação. O filme provoca
entre mulheres.
uma reflexão sobre a
máxima de que em briga
de marido e mulher não
se mete a colher.
Um curta sobre a pros-
tituição, violência e
exploração femininas,
desencadeadas pelo
advento da Zona Franca
de Manaus, que motivou
a migração especial-
mente de meninas do
interior do Estado do
Amazonas, atraídas pelo
sonho de uma vida me-
lhor na capital. O roteiro
é baseado em um poema
da jornalista Regina Violência contra a
Os anseios Melo, que traduziu de mulher e precon-
Regina Lúcia AM Ficção
das cunhãs forma lírica a relação ceito em relação à
dessas mulheres com o prostituição.
ambiente da capital. O
filme tenta traduzir o
comportamento dessas
mulheres que, em busca
de sobrevivência, opor-
tunidade e trabalho, aca-
bam recorrendo à pros-
tituição como opção de
sustentação financeira e
de liberdade, tendo que
suportar a intolerância,
o preconceito e a violên-
cia da exclusão social.

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VII Seminário Internacional

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A partir de acervo de
imagens fotográficas
de 1840 a 1960, o filme
traça a história da mu-
lher e seu papel social
na família brasileira. A
construção da
Família igualdade entre mulhe-
Brasileira: res e homens vai sendo Trajetória de con-
Patrícia
Retratos percebida numa trajetó- quistas das mu-
Monte-Mór A. RJ Documentário
da mulher ria de longa duração e lheres ao longo
de Morais
1840 – subjetividade. A mulher da história.
1960* retratada deixa-nos en-
trever papéis sociais,
temas privilegiados,
posições corporais, se-
xualidade, afetividade,
relações sociais, apon-
tando para novos rumos
de sua cidadania.
Vó Ita certa vez percebe
que sua neta enfrenta
problemas de preconcei-
to na escola que mexem
Thallita com a sua autoestima.
Oshiro Ficção, com Ela usa sua sensibilida- Racismo e em-
Fábula de
Meireles SP técnicas de ani- de e experiência para, poderamento da
vó Ita
E mação através da magia da fá- mulher da negra.
Joyce Prado bula, mostrar para a me-
nina que não há nada de
errado em ser diferente
e que existem infinitas
formas de beleza.
Uma atriz iniciante
interpreta Amélia. Anos
se passam, sua carreira
vai se consolidando
e passando por várias
personagens, cada papel Estereótipos de
Ludmilla mostra um novo mo- gênero e Empo-
Papéis de
Rossi de SP Ficção mento da trajetória da deramento da
Adélia
Oliveira mulher na sociedade. mulher ao longo
Décadas depois, ela é da história.
convidada a atuar nova-
mente em Amélia, mas
agora os tempos são
outros e a história está
bem diferente.

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MÉDIAS-METRAGENS

Dona Nilzete descobre


em uma pesquisa
escolar de sua filha que
as estátuas da cidade
onde vive são todas de-
dicadas a homenagear
homens. Ela então se Estereótipos de
Ou isso ou Hadija engaja em um projeto gênero, papel da
RJ Ficção
aquilo Chalupe político que estabelece mulher na
que 30% dos monumen- história do país.
tos teriam que repre-
sentar heroínas locais,
dentre índias, duquesas
e parteiras. Para isso,
Dona Nilzete vai enfren-
tar vários obstáculos.

Ambientado em uma
escola pública de edu-
cação infantil da cidade
de São Paulo, o filme
acompanha crianças de
5 a 6 anos de uma mes-
ma sala de aula em
brincadeiras direciona-
De menino, Angélica Estereótipos de
SP Documentário das para provocar sua
de menina Valente gênero.
imaginação sobre os
papéis tradicionalmente
vinculados a meninos e
meninas. Uma reflexão
sobre a construção
precoce da desigualdade
entre homens
e mulheres.

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VII Seminário Internacional

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O filme conta a história


de Salomão, um homem
truculento que, depois
de atacar a companhei-
ra, foge para a casa da
amante: uma mulher
que não cederá aos seus
A batalha abusos. “A batalha das
Violência contra
das Fabiana Leite MG Ficção colheres” é uma revolta
a mulher.
colheres protagonizada pelas mu-
lheres de um pequeno
lugarejo que se unem
como podem para com-
bater a máxima de que
“em briga de marido e
mulher ninguém mete
a colher”.
Documentário que
propõe reflexão sobre
a atuação da mídia tele-
visiva nos casos de vio-
lência contra a mulher.
Focado em um caso es-
pecífico, o filme é uma
oportunidade de analisar
Quem Violência contra a
a cobertura televisiva do
matou Lívia Perez SP Documentário mulher e o papel
sequestro e da morte da
Eloá? da mídia.
jovem Eloá utilizando
as imagens reais trans-
mitidas na época. É a
possibilidade de pensar
uma alternativa midi-
ática na construção de
igualdade entre homens
e mulheres.
Discussão sobre a
sexualidade feminina
através da visão de seis
Viver de Juily Manghir- Sexualidade
SP Documentário entrevistadas mulheres,
mim malani feminina.
que possuem as mais
diversas formas de
expressão sexual.

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Documentário sobre os
movimentos feministas
do século XXI, acompa-
nhando todas as etapas
da Marcha das Vadias
e da Marcha Mundial
das Mulheres, grupos de
manifestantes que lutam
pela liberdade e pelo
respeito às mulheres. O
documentário investiga Movimentos
Corpo
Carol Araújo SP Documentário o que motiva os movi- e marchas
Manifesto
mentos feministas nos feministas.
dias de hoje, quem são
e o que reivindicam as
mulheres que saem às
ruas para protestar, qual
a importância do movi-
mento, quais devem ser
suas conquistas nos pró-
ximos anos e qual o le-
gado que deixarão para
as próximas gerações.
* A proponente do curta-metragem Família Brasileira pediu prorrogação de prazo
e ainda não entregou o material final.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O setor audiovisual reflete o cenário no qual a nossa sociedade ainda vive – de desigual-
dades – de gênero e de região. Neste artigo relatamos uma ação pontual, porém, inovadora na
política pública audiovisual. Ação esta que contempla o cinema de mulheres de uma forma pro-
funda – com a exigência de diretoras mulheres, com a temática sobre mulheres, com pontuação
extra para equipe técnica feminina e com uma comissão de seleção 100% de mulheres.
Mesmo com a determinação de temáticas sobre mulheres – o que foi inclusive alvo de
críticas – os assuntos e formas de tratar os temas foram variados. As temáticas falam sobre
violência, empoderamento, questões estereotipadas de gênero, sexualidade, funções sociais e
políticas das mulheres, entre outras. Podemos identificar dramas, comédias, ficções, documen-
tários, animações – trazendo à tona, inclusive, o questionamento sobre o que seria um “cinema
de mulheres”. Algo que, apostamos, deve fugir de estereótipos de definições estabelecidas.
Para possíveis futuras edições do Edital seria interessante debater com cineastas brasilei-
ras a questão da definição da temática, mas, acreditamos, que para a primeira chamada pública
a colocação do assunto – de forma ampla – no instrumento convocatório foi fundamental. Neste
momento, ainda não avançamos no debate do que seria este “Cinema de Mulheres” – subtítulo

1259
VII Seminário Internacional

políticas culturais
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do nosso edital e movimento que queremos aprofundar e disseminar8. Mas acreditamos que este
seja um importante questionamento.
No arranjo governamental do audiovisual, é a Secretaria do Audiovisual do Ministério
da Cultura que assume o papel dessa política afirmativa – também contemplada nos editais de
curta, média e longas afirmativos para cineastas negro.
O impacto quantitativo da produção de 16 obras de curta e média-metragem ainda é pe-
queno mas a mudança é simbólica e estruturante, já que teve o intuito de dar protagonismo a mu-
lheres cineastas e reforçar uma qualificação técnica de equipes de mulheres no setor audiovisual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

OCA/ANCINE, Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual da Agência Nacional do Cinema


(OCA/ANCINE). Listagem de Filmes Brasileiros Lançados - 1995 a 2014. (Disponível em: http://oca.
ancine.gov.br/filmes_bilheterias.htm. Acesso: 13 de fevereiro de 2016).
OCA/ANCINE, Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual da Agência Nacional do Cinema
(OCA/ANCINE). Informe de Acompanhamento do Mercado. (Disponível em: http://oca.ancine.gov.br/
media/SAM/2015/Informe_preliminar_2015.pdf. Acesso: 13 de fevereiro de 2016).
LAUZEN, Martha M. The Celluloid Ceiling: Behind-the-Scenes Emplyment of Women on the Top
100, 250, and 500 Films of 250. (Disponível em: http://womenintvfilm.sdsu.edu/files/2015_Celluloid_
Ceiling_Report.pdf. Acesso: 13 de fevereiro de 2016).
Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013. 114 p. : il. (Disponível em:
http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/SPM_PNPM_2013.pdf. Acesso:
11 de fevereiro de 2016).
PESSOA, Ana. Sob a luz das estrelas: relembrar Carmen Santos. Fundação Casa de Rui Barbosa 2002.
(Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/o-z/FCRB_AnaPessoa_Sob_luz_
estrelas_relembrar_CarmenSantos.pdf. Acesso: 12 de fevereiro de 2016).
MIRANDA, Luiz F. A., Dicionário de Cineastas Brasileiros. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura.
Art Editora. 1990.
NEALE, Steave. Genre and Hollywood. USA: Sightlines. 2009.
BRASIL. Medida Provisória n. 2.228-1, de 6 de setembro de 2001. Estabelece princípios gerais da
Política Nacional do Cinema, cria o Conselho Superior do Cinema e a Agência Nacional do Cinema
- ANCINE, institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Nacional - PRODECINE,
autoriza a criação de Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional - FUNCINES,
altera a legislação sobre a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional
e dá outras providências. (in: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2228-1.htm).

8
Em março ocorrerá a Mostra Edital Carmen Santos Cinema de Mulheres e Filmes Convidados, parceria
entre a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e o Centro Cultura Banco do Brasil
(CCBB), em Brasília.

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A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS


PARA CULTURA AFRO-BRASILEIRA EM SANTA CATARINA:
NOTAS SOBRE UM PROCESSO INCIPIENTE
Lisandra Barbosa Macedo Pinheiro1
Hilton Fernando da Silva Pinheiro2

RESUMO: Esta comunicação visa analisar o processo de implementação de políticas públicas


para a cultura afro-brasileira em Santa Catarina, a partir de sua adesão ao Sistema Nacional
de Cultura em 2010, que prevê prerrogativas, estratégias e ações em diversas áreas culturais,
entre as quais, a cultura afro-brasileira. Porém em Santa Catarina percebemos algumas
concepções que dificultam a valorização da cultura afro-catarinense, concepções geralmente
associadas a uma visão eurocentrada de cultura por parte de gestores culturais, que acabam
dificultando a criação e a manutenção de políticas para essas populações. Ainda que se note
certo crescimento da mobilização por parte de algumas instâncias de articulação com o poder
público, a representatividade e participação efetiva da cultura afro-brasileira em Santa Catarina
na implementação das políticas culturais em âmbito estadual ainda é incipiente.

PALAVRAS-CHAVE: Santa Catarina, Políticas Culturais, Cultura Afro-brasileira

No âmbito da política nacional para a cultura, temos um panorama de fomento às artes


populares que remontam ainda à primeira metade do século XX, no governo Vargas. Porém, ins-
titucionalmente, as tratativas dessas políticas eram elaboradas e fomentadas por instituições que
sempre estiveram associadas às outras temáticas como Educação e Desporto. O Ministério da
Cultura, enquanto órgão específico para a administração da cultura, só foi criado em 1985, pelo
Decreto 91.144 de 15 de março do referido ano. Era uma forma de reconhecer a importância
da cultura no desenvolvimento social, a partir da autonomia de sua gestão (CALABRE, 2009).

1
Doutoranda em História do Tempo Presente na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Pesquisa-
dora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros – NEAB/UDESC e ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores
Negros. Analista Técnica em Cultura na Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte/SC. lisamacedo@
gmail.com
2
Mestre em Educação na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Graduando em Música pela Univer-
sidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Técnico em Assuntos Educacionais na Secretaria de Cultura da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. hilton.fernando@ufsc.br

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As políticas formuladas pelo Estado ao longo do século XX (ou mais especificamente até
o período de abertura política, entre as décadas de 1970 e 1980), priorizou a criação de serviços
direcionados ao fomento das áreas da música, patrimônio cultural, artes visuais e fortalecimento
e criação de equipamentos culturais. Porém houve pouca atuação do movimento negro, em arti-
culação com o Estado, na elaboração de diretrizes e ações que favorecessem as práticas culturais
afro-brasileiras (SANTOS 2005). Na década de 1980, com o processo de redemocratização do
país, a atuação e aproximação de instituições do movimento negro com o Estado permitiram
a criação e implementação de políticas que permitissem uma espécie de ‘reparação de dívida
histórica’ com grupos sociais marginalizados. Nesse período algumas ações de valorização da
cultura afro-brasileira foram realizadas em diversos aspectos, inclusive com a criação da Fun-
dação Cultural Palmares, em 1988, que tem por finalidade promover a preservação dos valores
culturais, sociais e econômicos a partir da influência das culturas de matriz africana no desen-
volvimento da sociedade brasileira Mas ainda faltava mecanismos que possibilitassem maior
contato da sociedade civil com o governo. E este deveria se estabelecer através de instrumentos
de controle, de deliberação e articulação das políticas para a cultura afro-brasileira, como os
conselhos, por exemplo.
No âmbito federal, o Conselho Nacional de Politica Cultural teve sua última reestrutu-
ração realizada em 2005, na gestão do governo Lula, porém somente no final de 2012 - e ainda
com muitas dificuldades de articulação regional - constituiu-se e elegeu-se o primeiro Setorial
de Culturas Afro-Brasileiras do CNPC composto por 25 representantes de todas as regiões ad-
ministrativas do Brasil. A criação deste conselho ampara-se por um dos principais marcos legais
existentes para promoção, fruição e salvaguarda da cultura afro-brasileira, a Constituição da
República Federativa Brasileira de 1988, que tem como um de seus Princípios Fundamentais
(no inciso IV do artigo 3º) “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”.
Dentre os marcos regulatórios fundamentais para a valorização da cultura afro-brasileira,
instituídos nas últimas décadas encontramos o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288, de 20 de
julho de 2010) – importante legislação que embasa as políticas afirmativas, e a Lei 10.639/2003
(modificada pela Lei nº 11.645/2008), que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obriga-
toriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Também temos o Decreto
Federal 6040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, criado pela Convenção sobre a proteção e promoção da Diversidade
das Expressões Culturais da UNESCO. Houve uma alteração no teor destas prerrogativas no
Brasil, realizadas por meio do Decreto Legislativo 485//2006, da Convenção nº 169 sobre povos
indígenas e tribais assim como a Resolução referente à ação da Organização Internacional do
Trabalho; Também foi desenvolvido o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentá-

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vel dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana coordenado pela SEPPIR/PR e
que agrega diversas instituições como os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, Meio Ambiente, Saúde, Educação, Cultura, Planejamento, Orçamento e Gestão, Secre-
taria de Direitos Humanos da Presidência da República, Fundação Cultural Palmares, Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-
cuária (Embrapa)3.
Ainda assim, percebemos nesse processo tão recente, que um dos maiores fatores que
geram as dificuldades em implementar politicas publicas para cultura afro-brasileira é o racismo.
De um modo mais amplo, podemos dizer que é a dificuldade que engendram os processos de va-
lorização da cultura afro-diaspórica, que convive com a luta pelo deslocamento das disposições
de poder em prol de uma hegemonia cultural, que até pouco tempo atrás eram travadas pelos
conceitos de cultura popular e cultura erudita, que hoje se tornam muito mais complexas, pois os
processos de legitimação identitária dos sujeitos já não se fazem mais por simples oposições bi-
nárias (centro x periferia; erudito x popular, etc.), pois os negros da diáspora também sofrem as
influências de outras perspectivas relacionadas a gênero, sexualidade, ações político-partidárias
e nacionalidade, entre outros (HALL, 2013). Mas ainda assim, a questão da diferença ainda é o
mote das questões que envolvem racismo, assim com outras práticas discriminatórias. Pode-se
dizer que a cultura negra na diáspora se utiliza de estratégias de poder marcadas pela diferença,
como forma de promover o deslocamento das disposições de poder e também permitindo a va-
lorização cultural a partir das perspectivas da negritude. Na definição de Kabengele Munanga,
“Negritude e/ou identidade negra se referem à história comum que liga
de uma maneira ou de outra todos os grupos humanas que o olhar do
mundo ocidental “branco” reuniu sob o nome de negros. (...) na realida-
de, o que esses grupos humanos têm fundamentalmente em comum não
como parece indicar, o termo Negritude à cor da pele, mas sim o fato de
terem sido na história vítimas das piores tentativas de desumanização e
de terem sido suas culturas não apenas objeto de políticas sistemáticas
de destruição, mas, mais do que isso, de ter sido simplesmente negada a
existência dessas culturas.” (MUNANGA, 2012, p. 20).
Por isso é inegável a importância do movimento negro como uma das principais instân-
cias de articulação com o poder público e instituições culturais em prol da valorização da cultura
afro-diaspórica. No Brasil, esse movimento pode ser percebido em diversas ações, não delegadas
somente por coletivo de entidades negras como MNU e Unegro, mas também pela militância e
articulação política engajada por intelectuais de formação política e acadêmica e personalidades
negras (PEREIRA, 2008), assim como líderes e grupos religiosos de matriz africana e entidades
3
Informações extraídas do Plano Setorial para Culturas Afro-brasileiras, formulado pelo Colegiado Setorial de
Culturas Afro-brasileiras CNPC/Minc e Fundação Cultural Palmares/Minc - 2014. Documento disponível em
http://www.portalafricas.com.br

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artístico-culturais. Diria, então, que essas articulações políticas são manifestações que se tornam
formas de expressão nascidas do intercruzamento de várias experiências apreendidas em lugares
diferentes (CARDOSO, 2012, p. 23).
Também há a questão da apropriação cultural, hoje inerente à cultura popular em geral,
e que no caso da cultura popular negra ainda é assunto tratado com cuidado e restrição inclusi-
ve no âmbito acadêmico. Como bem nos lembra Stuart Hall, a cultura popular enquanto forma
dominante da cultura global acaba por se espaço da mercantilização, adentrando os circuitos
do poder e do capital. O controle das narrativas e representações são administradas pelas bu-
rocracias culturais, de tal modo que acabam por se enraizar nas experiências populares, sendo
defendidas em autenticidade e poder de uso, ao mesmo tempo que se tornam disponíveis para
expropriação (HALL, 2013, p. 379). A cultura negra, então, se torna espaço contraditório: ao
mesmo tempo em que buscam a legitimidade, autenticidade e protagonismo em suas manifesta-
ções, precisam dialogar e ocupar o espaço das culturas hegemônicas, seguindo pelos caminhos
da mercantilização e dos usos de sua cultura. É um tema complexo que merece reflexão apro-
fundada, mas por ora não cabe aos propósitos desta comunicação. Porém, é importante lembrar
que as evidências são mais que suficientes para provar a importância da cultura afro-diaspórica
na fundação, sedimentação e difusão da cultura brasileira, oriunda dos povos de comunidades
tradicionais de matriz africana.
Dos povos Yorùbá, Fon e Bantu temos a matriz da cultura negra brasileira. Ainda que
haja convivência com várias culturas no Brasil, os africanos deixaram traços fortes de sua iden-
tidade, percebido, sobretudo pelos modos de ver o mundo que resistem dentro de comunidades
tradicionais, além de se perceber na historiografia, nas tradições, nas artes, técnicas de trabalho
(modos de fazer e saberes), nas expressões e na comunicação, definindo sendo essenciais para
definir uma identidade nacional (LOPES, 2011). O samba e suas vertentes, a capoeira, o jongo,
o batuque de umbigada, a marujada, o maracatu, o carimbo, o frevo, o forró, a folia de reis, a
congada, o marabaixo, o afoxé e tantas outras manifestações (SOUZA, 2007). A ancestralidade,
a relação com a natureza, a oralidade a relação entre gerações, a relação comunitária, a impor-
tância da mulher negra nas comunidades tradicionais de matriz africana são também outros
elementos definidores do que é cultura afro-brasileira.
Ciente de todas essas premissas, o Colegiado Setorial de Cultura Afro-Brasileira do
CNPC/Minc criou as cadeiras de Cultura Quilombola, Capoeira, Hip Hop e Povos Tradicionais
de Matriz Africana no Conselho Nacional de Politicas Culturais, publicada no Diário Oficial da
União com a Recomendação No. 6, de 31 de julho de 2013. Também foram pautados o racismo
em todas as reuniões do Conselho Nacional de Politica Cultural de 2013 e 2014, uma delas com
a presença da então Ilma. Ministra Luiza Bairros da Secretaria de Politicas de Promoção da
Igualdade Racial da Presidência da Republica.

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Além da proposta de ampliação das cadeiras – proposta ainda não implementada – o


primeiro Colegiado Setorial de Culturas Afro-Brasileiras já garantiu a participação de um re-
presentante da SEPPIR e vem organizando junto com a Fundação Cultural Palmares atividades
para o fortalecimento de todas as culturas negras no Brasil. Uma delas, o Fórum de Cultura
Afro-Brasileira realizado entre os dias 21 a 24/05/2014, na TEIA da Diversidade em Natal/RN.
O Fórum debateu questões sobre a arte negra, juventude negra e protagonismo juvenil,
tombamento de territórios tradicionais, mestres e mestras das culturas afro-brasileiras e marcos
legais (PL 7447/2010, PL 1176/2011). Neste espaço contamos com a presença de cerca de 300
agentes, lideranças, artistas da cultura negra nacional. Os debates reverberam até hoje em todo
Brasil e a Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura – SCDC
garantiu a criação de pelo menos um Ponto de Cultura Negra em cada região brasileira.
Outra importante ação do Colegiado foi protagonizar, a partir de agosto de 2014, con-
sultas públicas para elaboração do Plano Nacional Setorial para as Culturas Afro-Brasileiras.
Foram realizados 20 debates públicos em 15 estados brasileiros. O Plano, porém ainda aguarda
encaminhamentos para se institucionalizar.
Em Santa Catarina, no entanto, esse processo é incipiente. No final de 2010 o Governo
do Estado de Santa Catarina assinou o Acordo de Cooperação Federativa para institucionaliza-
ção do Sistema Estadual de Cultura, modelo de gestão compartilhada entre os entes federados
para fomento e apoio ao desenvolvimento da cultura em todo o território nacional.
O Acordo de Cooperação Federativa, que visa estabelecer e orientar a instrumentaliza-
ção necessária para o desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura foi publicado no DOU,
seção 3, em 17/01/2011. Através deste acordo o Estado passou a aderir oficialmente ao referido
Sistema. Este acordo teve duas renovações através de termos aditivos, em dezembro de 2011
para o exercício de 2012, e em dezembro de 2012 por prazo indeterminado, este último publica-
do no DOU, seção 3, em 07/03/2013.
Ao assinar este acordo o Estado pactuou, entre outros compromissos, o de implantação
e implementação do Sistema Estadual de Cultura, que é um modelo de gestão compartilhada
entre os entes federados. O Sistema em questão propõe como um dos principais instrumentos
de gestão o Plano Estadual de Cultura, e como uma das instâncias de articulação, pactuação e
deliberação, o Conselho Estadual de Cultura.
Para a execução do Acordo de Cooperação Federativa do Sistema e seus componentes, foi
criada uma Comissão para Implementação do Sistema Estadual de Cultura, que criou um plano
de trabalho que se pautou, inicialmente, na elaboração do Plano Estadual de Cultura, que passará
a ser o instrumento norteador das políticas de cultura para o Estado. O Plano foi construído com
base em discussões com participação do poder público e da sociedade civil, nos Fóruns Regionais

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de Cultura que aconteceram em 2012 e no Fórum Estadual de Cultura, que aconteceu nos dias 24
e 25 de junho de 2013, com a presença de representantes da área cultural de todo o Estado.
No primeiro semestre de 2014, paralela à construção da minuta do Plano Estadual de
Cultura, sua sistematização e encaminhamento para as demais instâncias do poder executivo, a
Comissão iniciou a construção da minuta do Sistema Estadual de Cultura, que seria apresentado
como uma nova minuta, porém dialogando com a minuta do Plano. A minuta foi apresentada
para deliberação do Conselho Estadual de Cultura e também disponibilizada para consulta pú-
blica durante a segunda quinzena de julho de 2014, através do sítio eletrônico da Secretaria de
Estado de Turismo, Cultura e Esporte. Após a Consulta Pública, a minuta do Sistema retornou
para o Conselho, sendo revisada e encaminhada para das demais instâncias do poder executivo.
Atualmente, o Governo do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado de
Turismo, Cultura e Esporte, está apresentando a proposta de uma minuta única, tratada como
Lei Orgânica da Cultura, onde temos o Sistema Estadual de Cultura e seus componentes: Plano
Estadual de Cultura, Conselho Estadual de Cultura e Sistema de Financiamento, entre outras
prerrogativas. Esta versão ainda não foi disponibilizada para consulta pública, mas como servi-
dores estaduais e federais na área da cultura, sabemos que esta minuta somente incorporou as
redações das minutas que tramitavam separadamente, entre elas a do Plano Estadual de Cultura
e do Conselho Estadual de Cultura, dois elementos que merecem nossa atenção pois seriam as
duas instâncias de relevante importância para ter a cultura afro-brasileira representada também
em Santa Catarina.
Na redação do Plano Estadual de Cultura aprovado através de Plenária, com participação
da sociedade civil e representantes do poder público catarinense, não vemos nenhuma menção
específica à cultura afro-brasileira, somente menção às culturas tradicionais.
Já com relação à nova legislação do Conselho Estadual de Cultura, dos representantes
por setorial, a Comissão para Implementação do Sistema Estadual de Cultura apresentou ao
Conselho a minuta em 2014, prevendo uma cadeira específica para cultura afro-brasileira, po-
rém o Conselho, reunido em plenária, decidiu por alterar para uma cadeira que comtemplasse
outras manifestações culturais, optando pelo nome de “Culturas Populares, Identidades e Diver-
sidade”. Como percebemos, a questão da cultura afro-brasileira continua sendo irrelevante para
estes representantes, pois não é tratada como prioridade ou vista como relevante o suficiente
para ter uma cadeira específica na representação do Conselho.
Tendo em vista este cenário da cultura afro-catarinense, no primeiro semestre de 2015
foi pensado no Observatório da Cultura Afro-brasileira em Santa Catarina, coordenado pelo
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – NEAB da Universidade do Estado de Santa Catarina.
Trata-se de uma ação vinculada ao Programa de Extensão Memorial Antonieta de Barros, coor-
denada pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros – NEAB/UDESC tem por objetivo pesquisar,

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diligenciar, acompanhar, fiscalizar e colaborar com a implementação de políticas públicas para


fomento, acesso e difusão da cultura afro-brasileira em Santa Catarina, principalmente no que
se refere à produção cultural de artistas e produtores negros. Além disso, o Observatório visa
a produção de pesquisas e produtos culturais a partir do acompanhamento da implementação
de marcos regulatórios, programas e ações de incentivo e fomento à cultura afro-catarinense, e
paralelamente a isso, orientar, capacitar e apoiar grupos, artistas e produtores culturais.
A instituição do observatório é pertinente para que se efetive, na esfera estadual e muni-
cipal, as políticas públicas para a cultura afro-brasileira, sustentadas a partir da implementação
do Sistema Nacional de Cultura, modelo de gestão das políticas de cultura que prevê, além do
Plano Nacional de Cultura (ferramenta de gestão do Sistema), Planos Setoriais para as diversas
linguagens artísticas e culturais, dentre elas, a cultura Afro-brasileira, cuja representatividade
é garantida través da instituição do Colegiado Setorial de Cultura Afro-brasileira e de sua res-
pectiva cadeira reservada no Conselho Nacional de Política Cultural. O Sistema Nacional de
Cultura propicia um modelo de gestão pautado no ação conjunta com os Estados e Municípios,
a partir da implementação de Sistemas Estaduais e Municipais de Cultura, que se estruturam de
forma similar ao Sistema Nacional, respeitando a autonomia e as especificidades de cada ente
federativos. Em Santa Catarina, no entanto, esse processo de implementação deste modelo de
gestão da Cultura ainda está em fase de tramitação dos marcos regulatórios, que são, basicamen-
te, a legislação referente ao Sistema e ao Plano Estadual de Cultura.
O governo de Santa Catarina tem um Acordo de Cooperação Federativa assinado junto
ao Ministério da Cultura, que prevê a implementação do referido sistema, sendo que a partir des-
te marco regulatório se efetivem as prerrogativas já estabelecidas no Plano Nacional de Cultura,
a ampliação do acesso à cultura, a valorização das comunidades tradicionais e/ou historicamente
marginalizadas pelo sistema político e social brasileiro, além do fomento a projetos e ações de
artistas e produtores culturais. Em se tratando de um momento importante para a cultura catari-
nense, como este, é importante que se acompanhe, dentro desse processo de implementação do
Sistema, como estão sendo pensadas e valorizadas as culturas tradicionais e as manifestações
culturas das populações de origem africana deste Estado.
Paralelo ao monitoramento e apoio à implementação das políticas públicas para a cultura
afro-brasileira, o Observatório também busca o apoio direto à produção cultura afro-brasileira
em Santa Catarina, através parcerias com outros órgãos públicos e privados que atuem na área
da cultura, para que sejam realizadas ações como criação de indicadores e informações culturais,
mapeamento de equipamentos, instituições manifestações culturais de origem africana, estu-
dos e produção de conhecimento sobre cultura afro-brasileira a partir de referenciais teóricos e
pesquisas já publicadas, acompanhamento e assessoria para inscrição de editais de instituições
públicas e privadas específicos para a área afim, elaboração de projetos, o auxílio à formação,

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capacitação e (re)produção das manifestações culturais, dentre outras ações a ser elencadas de
acordo com as demandas e os direcionamentos preconizados pelas políticas públicas para a cul-
tura afro-brasileira.
São ações voltadas para a visibilidade e valorização das culturas de matriz africana em
Santa Catarina, que sempre estiveram presentes, porém tratadas como “ínfimas” pelas políticas
publicas. Não se trata de acrescentar uma contribuição étnica à cultura catarinense, como se hou-
vesse uma cultura afro-brasileira homogênea e encerrada em capítulos esporádicos (MAMIGO-
NIAN; VIDAL, 2013). A cultura afro-catarinense segue integrada aos costumes e às expressões
culturais no estado, porém a sempre inviabilizadas pelas políticas públicas que valorizam a cultura
de outros grupos e processos imigratórios, fomentando assim práticas de um racismo institucional.
Sendo assim, acreditamos que, dentro das políticas de ações afirmativas, é importante
colocar a cultura como mais um meio de combate ao racismo, a partir da participação dos atores
culturais negros na construção do Plano Setorial de Cultura Afro-brasileira, e com ele adquirir
recursos através de fundo específico, além do apoio à criação de espaços de participação popular
e instâncias de controle e fiscalização, como os conselhos estaduais e municipais, além do for-
talecimento das políticas de cultura considerando as especificidades das manifestações culturais
de matriz africana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LIVROS E ARTIGOS
CALABRE, Lia. Políticas Culturais no Brasil: Dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. A luta contra a apatia: Estudo sobre a instituição do movimento
negro antirracista na cidade de são Paulo (1915 – 1931). Itajaí/NEAB: Casa Aberta, 2012.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. LTC, RJ. 1889.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e Mediações Culturais. 2ª Ed. Org.. Liv Sovik. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2013.
LEITES, Marlene Hernandez. A Questão da Raça e da Diferença. Belo Horizonte: Nandyala, 2012.
LOPES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. 3ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
MAMIGONIAN, Beatriz G.; VIDAL, Joseane Z. História diversa: Africanos e Afrodescendentes na Ilha
de Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013.
MOORE, Carlos. A África que incomoda. Sobre a problematização do legado africano no quotidiano
brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala, 2010.
MUNANGA, Kabengele. Negritude: Usos de Sentidos. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

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PEREIRA, Amauri Mendes. Trajetória e Perspectivas do Movimento Negro Brasileiro. Belo Horizonte:
Nandyala. 2008.
SANTOS, Jocélio Teles. O poder da cultura e a cultura do poder. Salvador: EDUFBA. 2005.

DOCUMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL:


Ata nº 09/2014 da Sessão Extraordinária do Conselho Estadual de Cultura, realizada em 13 de outubro
de 2014. Disponível em http://conselho.cultura.sc.
Ata nº 30/2014 da Sessão Extraordinária do Conselho Estadual de Cultura, realizada em 28 de outubro
de 2014. Disponível em http://conselho.cultura.sc.
Plano Estadual de Cultura - Caderno de Propostas. Florianópolis, 2013. Disponível em http://plano.
cultura.sc..

SITIOS ELETRÔNICOS:
Conselho Estadual de Cultura - http://conselho.cultura.sc
Fundação Catarinense de Cultura/FCC - http://www.fcc.sc.gov.br
Fundação Cultural Palmares - http://www.palmares.gov.br
Ministério da Cultura - http://www.cultura.gov.br
Plano Estadual de Cultura de Santa Catarina - http://plano.cultura.sc
Portal Áfricas - http://www.portalafricas.com.br
Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte - http://www.sol.sc.gov.br
União de Negros pela Igualdade/Unegro - http://www.unegro.org.br/

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MAPEAMENTO NACIONAL DA DANÇA:


OS AGENTES DA DANÇA E AS POLÍTICAS SETORIAIS
Lúcia Helena Alfredi de Matos1
Gisele Marchiori Nussbaumer2

RESUMO: Este trabalho apresenta o contexto de surgimento, objetivos, etapas, aspectos


metodológicos e resultados preliminares da 1ª etapa do “Mapeamento da Dança nas capitais
brasileiras e no Distrito Federal”, pesquisa desenvolvida a partir de Termo de Cooperação
Técnica entre a FUNARTE/MINC e a UFBA. O Mapeamento visa a identificar agentes da dança
(indivíduos, grupos e instituições) que atuam com formação e produção artística em dança e,
em sua 1ª etapa, em fase de conclusão, abrangeu oito capitais brasileiras de cinco regiões: Sul
(Curitiba), Sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro), Centro-Oeste (Goiânia), Nordeste (Salvador,
Recife e Fortaleza) e Norte (Belém).

PALAVRAS-CHAVE: dança, mapeamento, políticas culturais, políticas setoriais da dança..

Vivemos no Brasil, desde 2003, um amplo e ao mesmo tempo descontínuo debate nos
segmentos culturais e artísticos sobre a necessidade de políticas públicas específicas para cada
área e de representatividade nas instâncias consultivas do poder público que definem e plani-
ficam essas políticas. A gestão de Gilberto Gil (2003-2008) no Ministério da Cultura (MinC),
continuada por Juca Ferreira (2008-2010), mudou o panorama das políticas culturais no país ao
promover uma política pública baseada no diálogo com a sociedade.
O Estado produtor dá lugar ao Estado articulador de políticas, programas e projetos com
caráter mais estruturante, que estimulam uma maior participação e consideram não apenas a ca-
deia produtiva da cultura como toda a sua diversidade. A política cultural do governo federal tem
a pretensão de tornar-se sistêmica e articulada através do Sistema Nacional de Cultura, o qual
propõe a cooperação e atribuição de competências entre os entes federados na sua elaboração e

1
Doutora em Artes Cênicas / PPG Dança - UFBA. Coordenadora do projeto Mapeamento da Dança. luciama-
tos2@gmail.com
2
Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas / PPG Pós-Cultura - UFBA. Vice-Coordenadora do projeto
Mapeamento da Dança. gica.cultura@gmail.com

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execução. Nesse contexto, estados e municípios passam também a se posicionarem de forma di-
ferenciada no que se refere às políticas culturais estaduais e municipais, influenciados, sobretudo,
pelo exemplo nacional.
Uma das mais importantes mudanças ocorridas nas políticas culturais foi o MinC ter ado-
tado uma compreensão mais ampla de cultura, a partir de três visões: simbólica, cidadã e econô-
mica. Como ressalta Isaura Botelho (2007), o fato de o MinC adotar esse conceito mais amplo
teria a vantagem de possibilitar que as instituições a ele vinculadas pudessem conduzir e se de-
dicar mais as políticas específicas. Um dos principais meios a serem utilizados para isso são as
Câmaras Setoriais correspondentes às diversas expressões artísticas, que mobilizam cada setor.
Isso porque essas câmaras têm como objetivo promover um amplo processo de discussão sobre
políticas e planos, estabelecer prioridades e possibilitar “um processo de diálogo contínuo para a
construção e avaliação de políticas públicas a serem conduzidas pela instituição responsável pelas
artes no âmbito do Ministério, que é a Fundação Nacional de Artes” (BOTELHO, 2007, p.130).
Em 2004, com a elaboração da proposta do Sistema Nacional de Cultura foram instaura-
das as Câmaras Setoriais3, dentre elas a de Dança, como um espaço de participação da sociedade
civil, as quais foram formadas por representantes da área eleitos pelos seus pares, especialistas
convidados e representantes governamentais. A partir desse ano, a Câmara Setorial de Dança
inicia um diagnóstico da área, de forma empírica, a partir das experiências de seus membros e
de informações obtidas nos fóruns da classe, indicando a necessidade de levantamento de dados
do setor e propondo diretrizes e ações para a área. Esse trabalho culminou com a estruturação
da versão preliminar do Plano Setorial da Dança (PSD), em 2009, o qual foi referendado na
Pré-Conferência Setorial de Dança4, em 2010, e cuja versão final foi concluída posteriormente
pelo Colegiado.
O PSD apresenta diretrizes e ações para a cadeia produtiva da dança em consonância
com os eixos do Plano Nacional de Cultura (2009). No eixo IV (Ampliar a participação da cul-
tura no desenvolvimento econômico sustentável), em sua segunda diretriz, apresenta a seguinte
proposta: “realização de mapeamento da área da dança, de forma a identificar, estatisticamente,
os diversos elos da cadeia produtiva, com estabelecimento de mecanismos para obtenção de
dados sobre a economia da dança e seus reflexos na economia da cultura” (PND, 2010, p.10).
Para essa proposta, faz-se necessário, entretanto, articular experiências anteriores com as neces-
sidades atuais de uma pesquisa de mapeamento.
Pioneiras pesquisas de levantamento realizadas na área da dança (Rede Stagium/SESC,
2001; Cartografia Rumos Itaú Cultural Dança, 2000-2001; Cadastro de Dança FUNARTE,

3
As Câmaras Setoriais foram transformadas em Colegiados, em 2008, e passaram a fazer parte do Conselho Na-
cional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (MinC), o qual também foi reformulado.
4
As Pré-conferências foram realizadas pelo MinC, em 2010, como etapa preliminar da IIª Conferência Nacional
de Cultura (CNC).

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2009), em sua maioria originadas na iniciativa privada, tiveram como foco o cadastramento
dos agentes culturais e instituições atuantes, como coreógrafos, companhias e escolas. Essas
pesquisas trouxeram uma importante contribuição para a identificação dos agentes culturais da
área, mas não tiveram como meta a coleta de dados que gerassem o levantamento de aspectos
econômicos e sociais.
Por outro lado, os primeiros indicadores da área cultural no âmbito governamental foram
levantados através da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) (IBGE; MINC,
2006), cuja coleta de dados foi feita a partir de três focos: Fortalecimento Institucional e Gestão
Democrática; Infra-Estrutura e Recursos Humanos; e Ações Culturais. Os dados coletados no
MUNIC 2006 foram compilados e organizados pelo Ministério da Cultura, por área artística e
cultural, no documento “Cultura em Números: anuário de estatísticas culturais” (MINC, 2009).
Os resultados foram reveladores para a dança, pois apresentaram informações inéditas para a
área, como: 56,1% dos municípios brasileiros possuem grupos artísticos de dança, sendo essa
a segunda manifestação artístico-cultural mais disseminada no Brasil, ficando atrás apenas do
artesanato; dos 3.123 grupos de dança existentes no Brasil, o Nordeste possui a maior concen-
tração, com 1.026 grupos; 35,5% dos municípios brasileiros revelaram terem festivais de Dança,
sendo que o Estado de Santa Catarina é o que apresenta a maior concentração de municípios
que possuem festivais (60,75%), seguido do Acre e Amapá; 34,8% dos municípios brasileiros
possuem concursos de dança e os estados que possuem um maior percentual de municípios com
essa atividade são Roraima (66,67%), Acre (63,64%) e Amazonas (58,06%); 30,80% dos mu-
nicípios brasileiros declaram possuírem escolas, cursos ou oficinas de dança, com os maiores
percentuais na região Sudeste e Sul.
Através desses dados nota-se que a dança se faz fortemente presente no cenário cultural
brasileiro, mas essas informações são insuficientes para uma análise mais profunda da área, que
desvele as diferentes configurações e modos de organização da dança. É nesse contexto então,
de profundas mudanças nas políticas culturais brasileiras, de maior participação social e da
necessidade de dados e indicadores que balizem e contribuam com essas políticas que surge a
proposta de realização de um mapeamento nacional da dança.

1. O MAPEAMENTO DA DANÇA E A PERSPECTIVA DE UM DIAGNÓSTICO


DA ÁREA
O Colegiado Setorial de Dança, como órgão consultivo do Conselho Nacional de Po-
líticas Culturais do MinC, em seu Regimento Interno, prevê no artigo terceiro como uma de
suas competências “debater, analisar, acompanhar, solicitar informações e fornecer subsídios
ao CNPC para a definição de políticas, diretrizes e estratégias relacionadas ao setor de dança”,

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bem como “propor e acompanhar estudos que permitam identificação e diagnósticos precisos da
cadeia produtiva, criativa e mediadora relacionada ao setor”.
Em 2010 esse Colegiado definiu como ação prioritária, dentre as diretrizes presentes no
Plano Setorial da Dança, a realização de um mapeamento nacional da dança. Nesse mesmo ano,
a reivindicação do Colegiado para a realização do mapeamento foi aprovada pelo Comitê de
Circo, Dança e Teatro do Fundo Nacional de Cultura (FUNARTE/MinC); entretanto, essa ação
não pode ser contemplada no orçamento de 2011.
Mediante interesse da FUNARTE, no início de 2012 foi encaminhado novamente o pro-
jeto de pesquisa “Mapeamento da dança nas capitais brasileiras e no Distrito Federal”5, para ser
realizado via convênio de cooperação técnica com a UFBA e, principalmente por ter sido um
período de finalização de mandato, o termo de cooperação novamente não foi efetivado.
Em reunião realizada no Dia Internacional da Dança, 29 de abril de 2014, com a então
Ministra Marta Suplicy, os representantes do Colegiado Setorial de Dança trouxeram à tona
mais uma vez a questão do mapeamento e a Ministra assumiu publicamente compromisso com
a destinação de recursos para efetivação da primeira etapa desse mapeamento. Diante desse
cenário, o Colegiado Setorial de Dança do CNPC solicitou à UFBA a retomada do projeto e do
termo de cooperação técnica.
Através de articulação do Grupo de Pesquisa PROCEDA – Processos Corporeográfi-
cos e Educacionais em Dança, vinculado a Escola de Dança da UFBA, foi então reestruturado
o projeto, sendo definida para a 1ª etapa a investigação de oito capitais, em cinco regiões do
Brasil: SUL (Curitiba), SUDESTE (São Paulo e Rio de Janeiro), CENTRO-OESTE (Goiânia),
NORDESTE (Salvador, Recife e Fortaleza) e NORTE (Belém). Para tanto, foi formada uma
rede nacional de pesquisadores pertencentes às seguintes universidades, além da UFBA: UNES-
PAR Campus Curitiba II, UNESP, UFRJ, UFPE, UFC, UFPA, UFG, IFG e UPE. Estiveram
envolvidos nessa etapa do Mapeamento 22 pesquisadores, um técnico e 35 alunos de graduação,
oriundos de dez universidades públicas.
Ao se objetivar um diagnóstico preliminar da área da dança, mais especificamente quanto
aos campos da formação e da produção artística, através de uma pesquisa de levantamento, seus
potenciais resultados são parte significativa do contexto observado e operacionalizam conceitos
cujo interesse pode ser tanto teórico, quanto programático. Nessa ótica, as informações coleta-
das, referenciadas empiricamente, são importantes aspectos metodológicos que informam não

5
Em 2011, esse projeto foi readequado para ser aplicado como um piloto na pesquisa “Mapeamento dos Campos
Artístico e Formação em Dança em dois Municípios da Região Metropolitana de Salvador (RMS): Lauro de Frei-
tas e Camaçari”, financiada pela FAPESB/CNPQ. Foi nessa oportunidade que o questionário quanti-qualilitativo
foi elaborado por Lúcia Matos e Teresa Oliveira (2012), tendo sido o mesmo adaptado em 2015 para a pesquisa
“Mapeamento da Dança nas Capitais Brasileiras e no Distrito Federal – 1ª etapa: oito capitais, em cinco regiões do
Brasil” (cooperação FUNARTE/UFBA) pelas pesquisadoras Lúcia Matos, Gisele Nussbaumer, Daniela Amoroso e
Cláudia Malbouisson.

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só sobre a realidade social como também apontam seus impactos e possibilidades de mudanças.
São informações que possibilitam um importante diagnóstico nacional do campo da dança, que
podem servir de embasamento para as políticas setoriais da área.
Os objetivos da 1ª etapa da pesquisa “Mapeamento da dança nas capitais brasileiras e no
Distrito Federal” são amplos, uma vez que se pretende: mapear, via um levantamento de dados
secundários e posterior cadastramento on-line, indivíduos, instituições e grupos, companhias e
coletivos de dança atuantes nas oito capitais brasileiras selecionadas; levantar, analisar e des-
crever quali-quantitativamente aspectos das dimensões social, econômica e artística da dança,
a partir da análise de três tipologias de questionário (indivíduos, instituições e grupos, compa-
nhias e coletivos); publicizar um banco de dados descritivo do perfil de atuação dos agentes da
dança atuantes nas oito capitais, que permitirem a divulgação de seus dados básicos; apresentar
um relatório analítico dessa primeira etapa, incluindo uma triangulação dos dados encontrados
com o Plano Setorial da Dança, com vistas a avaliar a abrangência de suas diretrizes e ações.
Vale ressaltar que o “Mapeamento da dança nas capitais brasileiras e no Distrito Federal”
não se configura como um censo, já que este tipo de pesquisa prevê que toda a população seja
pesquisada. Por não haver uma população pré-definida da dança, a pesquisa caracteriza-se como
de levantamento, atingindo uma ampla e diversificada amostra daqueles que se auto-identificam
como agentes da dança. Ao aderirem à segunda fase da pesquisa, via o questionário on-line,
autorespondente e anônimo, esses agentes contribuem com o levantamento de aspectos relacio-
nados à formação e produção artística da dança, com dados que abrangem a dimensão social,
econômica e artística dos respondentes. Ainda no que se refere aos aspectos metodológicos esta
é uma pesquisa de método misto (CRESWELL, 2007), com a convergência de dados quantita-
tivos e qualitativos.
Nesta primeira etapa6, inicialmente foi realizado um levantamento de dados secundários,
a partir de dados existentes em diversas fontes ou banco de dados sobre indivíduos, instituições
e grupos, companhias ou coletivos de dança, de cada capital investigada. Em seguida, foi efe-
tivada a pesquisa de campo, considerando como unidades de investigação os agentes da dança
que atuassem há pelo menos dois anos na área, em uma das oito capitais investigadas, identifi-
cando indivíduos, grupos e instituições.
Por se tratar de uma pesquisa em rede, com o uso de procedimentos e metodologias de-
finidas pela coordenação nacional, foram realizadas no período anterior à pesquisa de campo,
reuniões virtuais e presenciais com os pesquisadores e estudantes de cada Núcleo, visando a
compreensão dos aspectos teóricos-metodológicos da pesquisa e o treinamento para uso dos
instrumentos de investigação.

6
O termo de Cooperação Técnica FUNARTE/MINC e UFBA abrange apenas a primeira etapa.

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No período de maio a agosto de 2015, foi realizada a pesquisa de campo, via envio de
e-mails aos potenciais participantes visando o preenchimento de dados cadastrais, e o envio de
um segundo e-mail da pesquisa com um link para o(s) questionário(s) on-line. Vale ressaltar
que além das ações por e-mail e redes sociais, foram realizadas ações presenciais, denominadas
plantões, visando identificar locais de menor acesso a essas redes comunicacionais e/ou locais
com grande aglomeração de agentes da dança. Além disso, a coordenação nacional realizou
palestras abertas ao público, em cada capital mapeada, visando apresentar e esclarecer dúvidas
sobre o projeto.
O cadastro foi efetivado pelo site www.mapeamentonacionaldadanca.com.br, incluindo
dados de identificação e descritivo da área de atuação do respondente. Os questionários foram
organizados em três tipologias (indivíduos; grupos, companhias ou coletivos; instituições) e in-
seridos no sistema Lime Survey, um software livre que possibilita a construção de questionários
on-line. A organização dos questionários inclui de sete a oito blocos e, no caso do questionário
de indivíduos, está assim organizado: 1. Adesão à pesquisa, no qual é verificada a pertinência
do respondente ao perfil da pesquisa, a idade mínima de 16 anos e dado o de acordo ao Termo
de Consentimento; 2. Perfil do respondente; 3. Perfil profissional; 4. Vinculação profissional; 5.
Formação em dança; 6. Produção artística; 7. Políticas públicas e participação social; 8. Gestão
da comunicação e informação.
Após a coleta dos dados primários foi realizada a categorização dos dados qualitativos,
a análise dos dados quantitativos e a geração de frequências e tabelas, tarefa executada pela
equipe da coordenação nacional7. Neste momento, encontram-se em processo de finalização os
textos analíticos, visando a publicação dos resultados da pesquisa.

2. OS AGENTES DA DANÇA E AS POLÍTICAS SETORIAIS:


RESULTADOS PRELIMINARES
Na primeira etapa do “Mapeamento da dança nas capitais brasileiras e no Distrito Fe-
deral” 5.212 indivíduos da dança, de oito capitais brasileiras, aderiram ao cadastro (1º passo),
sendo que 83,65% deles acessaram o link enviado por e-mail para responder o questionário. Para
a análise foram considerados apenas os questionários que foram preenchidos até o último bloco
de questões. Deste modo, foram validados 2.623 questionários individuais, assim distribuídos:
426 de Belém, 328 de Curitiba, 223 de Goiânia, 227 de Fortaleza, 281 de Recife, 516 do Rio de
Janeiro, 310 de Salvador e 312 de São Paulo.

7
Fizeram parte da equipe da coordenação nacional, nessa etapa, as pesquisadoras Lúcia Matos, Gisele Nuss-
baumer, Cláudia M. Andrade, Daniela Amoroso e Verônica Ferreira, bem como os estudantes Fernanda Andrade,
William Gomes, Ingrid Melo e Pierre Malbouisson.

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Gráfico 1 : Quantitativo de cadastros realizados e questionários validados, por capital

1200 1047
1000
792 745
800 637 682
543 516
600 426 403 363
400 328 281 310 312
227 223
200
0

o
e
a
za
a
m

iro

ul
i

cif
ib

ad
ân
le

Pa
Cadastros

ne
rit

Re
ta
Be

lv
Go

Ja
Cu

o
r

Sa
Fo


de Questionários validados
o
Ri

Fonte: Mapeamento da Dança – 1ª etapa (2016)

Neste artigo analisaremos apenas questões fechadas e de múltiplas alternativas, relacio-


nadas ao “Perfil do respondente” (bloco2) e “Políticas públicas e participação social” (bloco7).
Ao analisar a faixa etária dos respondentes do questionário para indivíduos da dança,
tem-se como idade média 31,39 anos. Em uma questão aberta, a maioria, 64,5% desses indi-
víduos, se apresenta como do gênero feminino e 31,9% como do masculino. Vale ressaltar que
apenas 0,6% se autodenominam fora desse par heteronormativo, adotando sete nomenclaturas
distintas e outros 3% das respostas foram classificadas como “não se aplica”. Em relação à cor
ou raça, foram adotadas definições propostas pelo IBGE e incluída a possibilidade de auto-de-
claração de outra cor ou raça, resultando nos seguintes dados: 44,3% dos respondentes indicam
a opção branca; seguida de parda, com 33,6%; e de preta, com 16,1%. Os demais 6% estão
distribuídos entre amarela, indígena, mestiça, afrodescendente, morena e negra e 0,4% das res-
postas foram enquadradas como “não se aplica”.
Quanto ao estado civil, um percentual significativo, 69,9%, afirma serem solteiros(as),
24,2% casados(as) ou com união estável, 7% viúvos(as) e 5,2% desquitados(as) ou divorciados.
É significativo o percentual dos respondentes que não têm filhos: 73,6%. No que tange a escola-
ridade, 25,2% possuem nível superior completo ou incompleto (exceto dança), 13,2% especia-
lização completa ou incompleta (exceto dança) e 16,2% possuem ensino médio completo. Na
formação específica em Dança, 17,5% dos respondentes possuem nível superior completo ou
incompleto em dança, 9% pós-graduação stricto sensu - até doutorado completo em dança, 5,5%
tem curso profissionalizante em dança e outros 4,1% especialização completa ou incompleta em
dança. Quanto à faixa de renda familiar mensal bruta, 53,3% dos respondentes informaram que
recebem de 1 a 2 salários mínimos e 15,3% de 2,1 a 5 salários mínimos, correspondendo essas
duas faixas de renda a mais de 60% dos respondentes.

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Considerando-se o bloco de perguntas relacionadas a “Políticas Públicas e Participação


Social” é interessante notar que apenas 25,5% dos indivíduos que responderam ao questionário
do mapeamento participam de associações, fóruns ou de outra(s) forma(s) de organização da
classe de dança, os demais 74,5% não participam, o que demonstra que ainda é necessária uma
maior mobilização e organização da área da dança. Um percentual maior, 43,2%, no entanto,
possui registro profissional no Sindicato dos Artistas e Técnicos do Espetáculo (SATED) e/ou
Sindicato de Dança, isto também muito em decorrência da exigência dessa documentação pelos
Sindicatos, em muitas das capitais pesquisadas, para a autorização das apresentações artísticas
em teatros e espaços culturais.
Em relação às políticas culturais municipais, estaduais e federais, os indivíduos que parti-
ciparam da pesquisa foram indagados sobre seus conhecimentos sobre essas políticas, se as consi-
deram satisfatórias, se abrangem a diversidade da produção de dança, se fomentam as produções
solísticas e se já foram beneficiados(as), direta e/ou indiretamente, com alguma dessas políticas.
Perguntados inicialmente se conheciam as políticas culturais dos seus municípios para a
área da dança, 77,4% dos respondentes afirmam que desconhecem e apenas 22,5% que conhecem.
Quanto à satisfatoriedade dessas políticas em relação ao campo da dança, apenas 3,1%
dos respondentes as consideram satisfatórias, 40,8% afirmam serem parcialmente satisfatórias,
52,5% insatisfatórias e 3,6% declaram não ter opinião formada.
No que se refere à abrangência das políticas municipais no que tange a diversidade da
produção de dança, 4,9% afirmam que as mesmas abrangem essa diversidade, 34,9% que abran-
gem parcialmente, enquanto que 57,5%, a maioria dos respondentes, considera que não abran-
gem. 2,7% declaram não ter opinião formada.
Já em relação ao fomento às produções solo em dança, 9% dos respondentes da pes-
quisa acreditam que as políticas culturais do seu município fomentam a produção solo, 38,1%
dizem que fomentam apenas parcialmente, 45,3% que não fomentam, enquanto 7,6% não tem
opinião formada.
Do total de respondentes, 46,3% afirmam que foram beneficiados(as), direta e/ou indire-
tamente, com alguma das políticas culturais dos seus municípios, enquanto 13,6% parcialmente
e 40,2 afirmam que não.
Questionados em seguida sobre as políticas culturais dos seus estados para a área da dança,
apenas 19,3% afirmam conhecer tais políticas, enquanto que 80,7%, afirmam que desconhecem.
Entre aqueles que conhecem as políticas estaduais para a dança, um percentual muito
pequeno, 3,4%, consideram essas políticas satisfatórias. Para 40,4% dos respondentes, no entan-
to, elas são parcialmente satisfatórias e 53,8% consideram-nas insatisfatórias. Não tem opinião
formada 2,4% dos respondentes.

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Em relação à diversidade da produção de dança, 6,5% dos respondentes afirmam que as


políticas culturais de seu estado abrangem essa diversidade, 36,5% consideram que abrangem
parcialmente e mais da metade dos indivíduos que participaram da pesquisa, 54,4%, afirmam
que não abrangem, além de 2,6% que não tem opinião formada sobre o assunto.
O quadro não muda muito quando questionados se essas políticas fomentam as produ-
ções solo, apenas 6,9% diz que sim, 38,5% parcialmente, 46,5% que não fomentam e 8,1% não
tem opinião sobre o tema.
Quanto a terem sido beneficiados(as), direta e/ou indiretamente, com alguma das políti-
cas culturais dos seus estados, 46% afirmam que foram, 12% parcialmente e 42% que não.
Por fim, com resultados muito próximos em relação às políticas municipais e estaduais,
também no que se refere às políticas culturais federais para a área da dança, foram poucos aque-
les que afirmam conhecer tais políticas, 19,4%; a maioria desconhece, 80,6%.
Em relação à satisfatoriedade das políticas culturais federais para o campo da dança, ape-
nas 3,9% das consideram satisfatórias, 45,1% parcialmente satisfatórias e 48% insatisfatórias.
Dos respondentes, 3% não opinaram.
As políticas federais, na opinião dos indivíduos que participaram da pesquisa, abrangem
pouco a diversidade da produção de dança: apenas 7,7% afirmam que abrangem, 40,9% dizem
que parcialmente, 47,6 que não e 3,7% não tem opinião formada.
Em relação ao fomento das produções solo em dança, para 9,4% dos respondentes as polí-
ticas federais não fomentam esse tipo de produção e 40,4% afirmam que fomentam parcialmente.
Já outros 9,3% não possuem opinião formada enquanto que 40,9% afirmam que não fomentam.
Vale registrar, no entanto, que mesmo tendo um ponto de vista crítico em relação às
políticas federais, 42,5% dos respondentes afirmam que foram beneficiado(a), direta e/ou indi-
retamente, com alguma das políticas culturais federais, 10,8% que foram parcialmente e 46,7%
que não foram beneficiados.
É interessante perceber que, apesar de os editais serem um dos mecanismos de incentivo
a cultura mais conhecidos dos artistas e produtores, apenas 20,8% dos respondentes inscreveram
projetos em editais nos anos de 2013 e 2014. A grande maioria, 79,1%, não inscreveu nenhum
projeto em edital nesse período. Dos que inscreveram, quase a metade, 46,7%, inscreveram
projetos em até dois editais e 25,5% entre 3 e 4 editais. Desses, 44% tiveram até dois projetos
contemplados, 11,9% de 3 a 4 projetos contemplados, enquanto que 39,7% não tiveram nenhum
projeto contemplado.
Ainda em relação aos editais, em uma questão com escala de valores para os enunciados,
tem-se como resultados mais significativos em relação aos questionamentos feitos, que mais da
metade dos respondentes concordam plenamente ou parcialmente que “os editais contemplam
apenas artistas ou grupos reconhecidos da dança” (62%), não “contemplam todas as estéticas de

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dança” (52,3%), “privilegiam majoritariamente projetos relacionados à dança contemporânea”


(51,9%), não “promovem a distribuição equilibrada dos recursos públicos entre as regiões bra-
sileiras” (57,3%), não “promovem a distribuição equilibrada dos recursos públicos entre os seg-
mentos artístico-culturais” (55%) e, para finalizar, uma parcela significativa dos respondentes
considera que os editais não “são instrumentos que indicam que as políticas públicas de cultura
são acessíveis a todos” (46,1%).
Já em relação à inscrição de projetos em leis de incentivo municipais, estaduais e fede-
rais, tem-se que 34,1% dos respondentes da pesquisa tiveram projetos certificados nos anos de
2013 e 2014. Desses que tiveram seus projetos certificados, apenas 25,1% conseguiram captar.
A respeito de como se informam sobre as políticas culturais, em uma questão de múlti-
plas respostas, é interessante destacar que o meio mais citado foi as “redes sociais”, marcado por
63,9% dos respondentes; seguido de “eventos de dança” por 55,6%. Outros meios citados que
merecem destaque são: e-mails (38,8%), sites (36,9%), portais de notícias (22%) e sites gover-
namentais (18,3%), o que reafirma a importância da internet nos dias atuais.
Esses resultados preliminares, que trazem apenas dados referentes as questões fechadas
e de múltiplas opções do questionário para indivíduos, nos indicam que ainda há um grande des-
conhecimento por parte dos agentes da dança (indivíduos) no que se refere às políticas culturais
e setoriais, em qualquer âmbito (municipal, estadual ou federal); que apesar do avanços essas
políticas são consideradas satisfatórias apenas por uma parcela pequena dos respondentes; que
a diversidade da produção da dança e as produções solo devem ser foco de uma maior atenção
por parte dos gestores públicos.
O edital, enquanto principal mecanismo de financiamento da produção em dança, não
é considerado acessível para todos e nem vem cumprindo, de acordo com os respondentes, di-
retrizes que hoje são consideradas fundamentais para que esse instrumento cumpra seu papel,
ou seja, contemplar uma diversidade de estéticas, não priorizar apenas artistas ou grupos reco-
nhecidos, promover uma distribuição mais equilibrada dos recursos públicos entre as regiões
brasileiras e entre os segmentos artístico-culturais.
O enorme percentual de agentes da dança que desconhece as políticas culturais nos três
âmbitos federativos, demonstra ainda a necessidade de uma maior articulação entre os agentes
da dança para que compreendam as configurações das macro-políticas culturais direcionadas
para a área, as lógicas econômicas aí impostas e as reflexões e lacunas dessas políticas para com
as distintas micro-realidades. Além disso, faz-se necessário potencializar a dimensão micropo-
lítica (GUATTARI e ROLNIK, 1996), que pode gerar outros modos de subjetivação e práticas
alternativas aos modelos instituídos, bem como fortalecer os espaços coletivos (como fóruns e
outros movimentos sociais) que possibilitam intervenções e uma maior participação da socieda-
de civil nos espaços decisórios de definição dessas políticas.

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Enfim, quando concluída a 1ª etapa do “Mapeamento da dança nas capitais brasileiras e


no Distrito Federal” ter-se-á outros dados, não apenas relacionados aos indivíduos, mas também
a grupos, companhias ou coletivos e instituições de dança das capitais pesquisadas. Será dis-
ponibilizado um banco de dados com os cadastros, aberto à consulta pública, e uma publicação
digital com o diagnóstico da formação e produção em dança.
A perspectiva é que esses resultados sejam utilizados como parâmetro orientador para
a construção de políticas para a dança no âmbito nacional e nos locais pesquisados. Espera-se
ainda que o Mapeamento realizado em oito capitais brasileiras (Belém, Curitiba, Fortaleza, Goi-
ânia, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo), de cinco regiões, possa vir a abranger todas
as capitais do país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOTELHO, Isaura. A política cultural & o plano das idéias. In: BARBALHO, Alexandre; RUBIM,
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_______ . Pesquisa de informações Básicas Municipais: MUNIC. Perfil dos Municípios Brasileiros:
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Bookman, 2007. 248 p.
DELEUZE, Gilles e GUATARRI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 2. Rio de Janeiro:
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www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u44344.shtml. Acesso em: 11 dez. 2011.
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolíticas: cartografias do desejo. Petrópolis, RJ: Vozes,
1996. 327 p.
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MATOS, Lúcia. The Current State of Dance Micro and Macro Policies in Brazil. In: CONGRESS ON
RESEARCH IN DANCE, 2014, Riverside, CA, USA. doi:10.1017/cor.2014.16. Downloaded from
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_______ . Mapeamento dos campos produção artística e formação em dança em dois municípios
da Região Metropolitana de Salvador (RMS): Lauro de Freitas e Camaçari. Projeto de pesquisa em
andamento, aprovado no edital PPP/ 2010 da FAPESB/CNPQ. Salvador: UFBA, 2012. 26 p.
_______ . Síntese dos resultados do Projeto “Mapeamento dos Campos Artístico e Formação em Dança
em dois Municípios da Região Metropolitana de Salvador (RMS): Lauro de Freitas e Camaçari. Salvador:
UFBA, 2015 (não publicado) .15 p.
NUSSBAUMER, Gisele (org.) Teorias e políticas da cultura: visões multidisciplinares. Salvador:
EDUFBA, 2007. 257 p.
RUBIM, Antônio Albino; BARBALHO (orgs.). Políticas culturais no Brasil. Salvador: EDUFBA,
2007. 181 p.
SANTOS, Boaventura de Souza (2000). Renovar a teoria critica e reinventar a emancipação social. São
Paulo: Boitempo, 2007. 125 p.

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ECONOMIA CRIATIVA: PERSPECTIVAS TEMÁTICAS ABORDADAS


E METODOLOGIAS DE INVESTIGAÇÃO ADOTADAS
Luciana Lima Guilherme1

RESUMO: Este artigo tem como objetivo fazer uma análise da bibliografia produzida sobre
economia criativa e sub-temas correlatos, identificando as principais temáticas pesquisadas
e as metodologias de pesquisa e de investigação utilizadas. Para isso foi feita uma pesquisa
bibliográfica detalhada a partir do portal de periódicos da CAPES priorizando periódicos com
alto fator de impacto. Como resultado, constata-se uma predominância de estudos voltados
para a construção e compreensão de bases conceituais associadas a economia criativa,
cidades criativas, desenvolvimento territorial, análises setoriais e questões voltadas para a
gestão de empreendimentos e desenvolvimento de profissionais. As metodologias qualitativas
correspondem à grande maioria das metodologias utilizadas pelos artigos selecionados.

PALAVRAS-CHAVE: economia criativa, indústrias criativas, cidades criativas, classe criativa,


políticas públicas.

1. INTRODUÇÃO
A temática da economia criativa tem estado no foco das discussões de organismos e co-
munidades internacionais2 nos últimos anos, destacando-se como estratégica para o crescimento
e o desenvolvimento econômico e social de países desenvolvidos3 e em desenvolvimento. A
comunidade acadêmica tem aprofundado esse debate a partir de reflexões fundamentais para
uma maior compreensão dos conceitos envolvidos, seus impactos e suas fronteiras diante de
contextos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais de cada país.

1
Doutoranda do Programa de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), consultora e pesquisadora em Políticas Públicas de Cultura e Economia Criativa, profes-
sora do MBA em Gestão e Produção Cultural da FGV/RJ, .
2
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (United Nations Conference on Trade
e Development – UNCTAD), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organizations – UNESCO)
3
Os Relatórios de Economia Criativa 2008 e 2010, produzidos pela UNCTAD, são resultados de um esforço
colaborativo, liderado pela UNCTAD e pela Unidade Especial para Cooperação Sul-Sul do Programa das Nações
unidas para o Desenvolvimento – PNUD, com o objetivo de apresentar um panorama global de como essa econo-
mia tem evoluído no mundo a partir de dados, indicadores e reflexões.

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Se por um lado essa “nova economia” é defendida como a solução para os desafios de
um reposicionamento econômico, propulsor do desenvolvimento de países em contexto de pós-
-industrialização (BENDASSOLLI ET AL, 2009), por outro, ela é vista com desconfiança a me-
dida que suscita temores associados às tensões relativas à produção e ao acesso à cultura e seus
processos de comercialização, de bens e serviços, submetidos a uma lógica puramente mercantil.
Deste modo, a disputa de discursos e narrativas se faz presente tanto em publicações
técnicas quanto em publicações acadêmicas, ora favoráveis à perspectiva de desenvolvimento
a partir do fomento à economia criativa, ora desfavoráveis na medida que são criticadas como
catalizadoras de políticas excludentes e neoliberais, submissas às práticas mercantis.
O debate tem se dado, então, em torno de reflexões acerca de polarizações e confusões
conceituais voltadas para comparações e a identificação de características próprias nos signifi-
cados de economia criativa e de economia da cultura, indústrias criativas e indústrias culturais,
cidades criativas, classes criativas entre outros.
Ainda incipiente, a bibliografia acadêmica produzida sobre o assunto representa o início
de uma reflexão que pede um maior aprofundamento dada a extensão e a ambigüidade da te-
mática em muitos aspectos. Considerando-se as publicações classificadas pelo Sistema Qualis
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), percebe-se uma
prevalência de artigos que tratam de aspectos relacionados aos conceitos e ao escopo do tema;
a estudos de caso que apresentam análises setoriais, de desenvolvimento de territórios e ou de
estratégias de gestão e fortalecimento de empreendimentos dos setores culturais e criativos.
Este artigo tem como objetivo fazer uma análise da bibliografia produzida sobre o tema,
identificando as metodologias de pesquisa e de investigação utilizadas nas reflexões sobre eco-
nomia criativa, e sub-temas relacionados (indústrias criativas, indústrias culturais, cidades cria-
tivas, classe criativa, inovação, educação e desenvolvimento profissional entre outros). Essa
pesquisa bibliográfica foi realizada no banco de dados do Portal Capes, em periódicos cuja
classificação, segundo o critério Qualis, obedecia às seguintes categorias: A1, A2, B1 e B2. A
utilização desses critérios para a seleção de artigos e periódicos teve como finalidade garantir
que os artigos identificados e analisados estivessem de acordo com os elevados padrões de qua-
lidade e de exigência da produção acadêmica.
Esse trabalho está estruturado em três partes: a primeira corresponde a apresentação
da metodologia utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa bibliográfica, identificando
critérios e fontes de informações utilizados; a segunda apresenta uma análise do panorama de
estudos e pesquisas identificados nesta investigação, indicando principais temas, sub-temas e as-
pectos enfocados, além das metodologias de pesquisa utilizadas para o debate e a reflexão sobre
a temática da economia criativa; por último, a terceira parte refere-se às conclusões deste traba-
lho indicando oportunidades no avanço dos estudos sobre o tema e seus sub-temas relacionados.

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2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada para o desenvolvimento desse trabalho é de natureza qualitativa,
descritiva e exploratória. Diante da relevância crescente da temática da economia criativa, foi
realizada uma pesquisa bibliográfica na base de dados disponível no Portal da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sem delimitar tempo de início.
Por ser um tema recente e de natureza multidisciplinar, o mesmo tem sido tratado por
pesquisadores e estudiosos de diferentes áreas do conhecimento que acabam por publicar em
periódicos das mais variadas áreas. Desta forma, optou-se pela realização do levantamento de
artigos a partir do mecanismo de “busca por assunto” do Portal da CAPES em função dos se-
guintes descritores e expressões associados ao tema: economia criativa, indústrias criativas,
cidades criativas, classe criativa e políticas públicas de cultura e economia criativa. De
acordo com esse procedimento, foram identificadas 58 publicações, sendo 3 teses de doutorado,
2 dissertações de mestrado e 53 artigos científicos.
O foco dessa pesquisa bibliográfica se deu em artigos publicados em periódicos clas-
sificados pelo Sistema Integrado CAPES (SICAPES), de acordo com os critérios Qualis, nas
categorias: A1, A2, B1 e B2. Dos 53 artigos identificados, 36 foram publicados em periódicos
dentro dessas categorias, sendo 19 nacionais e 17 internacionais.
Esses 36 artigos selecionados foram então analisados um a um quanto aos temas e sub-
-temas abordados, sua finalidade e metodologia de pesquisa, no sentido de se identificar os
aspectos priorizados pelos pesquisadores dentro da temática da economia criativa, o panorama
das metodologias de pesquisa mais usuais, as áreas carentes de discussão e aprofundamento e as
metodologias que poderiam vir a ser utilizadas.
Somaram-se, aos 36 artigos selecionados, 4 documentos institucionais publicados pelos
governos do Brasil (Ministério da Cultura) e da Austrália (Austrália Council of the Arts); além
de 4 relatórios de pesquisa publicados em pares pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
(FIRJAN) e pela United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD).

3. ECONOMIA CRIATIVA: LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO


3.1 Aspectos e temáticas priorizados
A incipiência do debate acerca da temática da economia criativa pode ser verificada ao
se analisar o volume e as características dos artigos selecionados para esse trabalho. Dos 36
artigos em questão, 10 tratam de reflexões sobre o conceito de economia criativa e conceitos
relacionados, seus significados, congruências, sobreposições e divergências, além de aplicações
na formulação e no desenvolvimento de políticas públicas; 12 enfocam a relação entre economia
criativa e desenvolvimento local e regional, através de investigações acerca de cidades, distritos
ou clusters criativos; 8 artigos apresentam análises relacionadas com questões de setores especí-

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ficos dessa economia; e, por fim, 7 tratam de práticas de gestão, modelos de tomadas de decisão
e de dinâmicas associadas ao trabalho do profissional dos setores criativos.
Bendassolli et al. (2009) realizam uma revisão teórica com o objetivo de apresentar a
temática como promissora para a investigação científica, com um amplo levantamento de con-
ceitos, especificidades e características defendidos por estudiosos e pesquisadores do campo. A
análise comparativa entre conceitos como indústrias criativas e industrias culturais, de conteúdo
e de copyright, economia criativa e economia da cultura, demonstram o amplo espectro de sig-
nificados e características que se distinguem ou se confundem. Essa porosidade fronteiriça entre
conceitos é reforçada por Serra e Fernandez (2014) ao demonstrarem o quanto os conceitos de
economia da cultura, economia do conhecimento e economia criativa se misturam, mas reco-
nhecem como o fomento a essas indústrias pode ser um fator estratégico gerador de inclusão
produtiva e desenvolvimento para os países, devendo ser tratado com atenção.
Corazza (2013) complementa esse debate a partir de um artigo-resenha que aborda auto-
res, de referência internacional, que desenvolvem reflexões com abordagens multidisciplinares
e críticas sobre o fenômeno do desenvolvimento das indústrias criativas. Indústrias criativas,
criatividade, inovação, cultura, desenvolvimento e classes criativas são temas discutidos numa
análise que apresenta significados conceituais e implicações como resultado de políticas públi-
cas para o desenvolvimento de territórios, criando novas dinâmicas laborais e novos processos
de produção e comercialização de bens e serviços culturais e criativos.
Com as novas dinâmicas de mercado estabelecidas no contexto das indústrias criativas,
Bendassolli et al. (2010) contribuem com reflexões críticas acerca das características exigidas
pelas novas carreiras, delimitadas por fronteiras fluidas e dinâmicas. Ainda que o discurso su-
gira a existência de um novo profissional autônomo e flexível, a crítica levantada enfatiza as
dificuldades reais deste trabalhador em ser ágil e adaptativo à velocidade das mudanças de
um mundo onde o conhecimento e a informação são infinitos e tornam-se obsoletos quase que
instantaneamente. Os significados do trabalho e dos novos perfis profissionais demandados por
essa economia são também detalhados e analisados por Bendassolli et al. (2011), a partir do
desenvolvimento de um modelo heurístico de análise, baseado num instrumento canadense de
medida, que permitiu identificar características considerando-se aspectos relacionados à cen-
tralidade do trabalho na vida do indivíduo, às normas sociais e à ética das relações, aos valores
associados a construção da identidade do indivíduo, aos processos cognitivos e afetivos, dentre
outros. Ainda que a auto-realização esteja presente na maioria dos discursos dos profissionais
envolvidos nesses setores, a precariedade das relações de trabalho se destacam.
Diante destes pontos levantados, até que ponto a admissão da economia criativa, e de
suas indústrias (ou setores), como estratégica para o desenvolvimento de políticas públicas de
cultura é favorável ou não à produção cultural e simbólica, ao trabalhador dos setores culturais

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e ao cidadão-consumidor de bens e serviços culturais? Esse é um debate levantado por Miller


(2011) que, quando na sua incursão sobre a temática, destaca e critica aspectos ideológicos que
julga como perigosos ao desenvolvimento do campo cultural e criativo nesta perspectiva. Ele
considera que a expressão indústrias criativas vem maquiar uma política de direita, neo-liberal,
permeada por um discurso individualista e não engajado em questões sociais e coletivas.
Em contraposição a essa posição, a análise de De Marchi (2014), sobre o Plano da Se-
cretaria da Economia Criativa do Ministério da Cultura do Brasil, vem destacar um processo de
formulação de política pública cultural, no campo da economia criativa, que busca se distan-
ciar de aspectos típicos do fortalecimento de uma indústria proprietária, focada no copyright,
uma marca de mercados neo-liberais. A chamada “Economia Criativa Brasileira” vem reforçar
princípios associados à valorização da diversidade cultural do país, à promoção da inovação, ao
desenvolvimento com sustentabilidade e inclusão social e produtiva, compreendendo a impor-
tância das redes e dos coletivos como mediadores desses processos.
Lima e Ortellado (2013), a partir da análise do programa Cultura Viva (Ministério da
Cultura) e da Lei de Fomento ao Teatro da cidade de São Paulo, levantam uma discussão sobre
fomento e financiamento da cultura destacando a necessidade de se investir não apenas na am-
pliação do consumo de bens e serviços culturais mas, principalmente, na ampliação do direito
de produzir cultura.
Potts et al. (2008) propõem uma nova definição de indústrias criativas que, ao contrá-
rio do conceito inglês vigente que se baseia na natureza criativa dos insumos e na propriedade
intelectual gerada pelos seus produtos, se baseia num novo mercado onde demanda e oferta
operam em redes sociais complexas. Esta nova definição avança o debate, ampliando o con-
ceito de indústrias criativas para sua dimensão dinâmica de rede em vez de se restringir a um
olhar setorial estático, baseado numa classificação meramente industrial que não corresponde
a um olhar microeconômico que contemple agentes, preços, firmas, custos de transação, orga-
nizações, tecnologias entre outros. Ora, se a indústria é então um conceito derivado, mais o é o
conceito de indústrias criativas. Um outro elemento importante, destacado pelos autores, é que
as indústrias criativas compartilham muitas características próprias da economia de serviços,
ainda que fortemente caracterizada pela sua dimensão simbólica que emerge das representações
culturais da sociedade. Assim, é preciso compreendê-las através de uma visão interdisciplinar
de processos sócio-econômicos complexos que integrem ciências sociais, comportamentais e
econômicas com estudos de antropologia, cultura, mídia entre outros.
Na perspectiva do desenvolvimento territorial, especificamente do desenvolvimento das
cidades, a partir da economia criativa, Pratt (2011) analise e critica o conceito de cidades criati-
vas destacando a tensão entre abordagens voltadas para o desenvolvimento de estratégias de pla-

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ce marketing4 e abordagens voltadas para a compreensão acerca das identidades e diversidades


de culturas locais. O autor levanta uma série de questões quanto às reais vantagens/desvantagens
e benefícios obtidos a partir da implantação de políticas voltadas para o desenvolvimento de
cidades criativas, seja na perspectiva da cidade entendida como espaço de produção e consumo
cultural ou na perspectiva de espaço de soluções criativas dos problemas locais a partir de mode-
los de governança territorial. Os conceitos de cidades criativas são analisados a partir do questio-
namento de suas categorias e características, construídas, muitas vezes, sob um viés neo-liberal,
sem um olhar mais aprofundado sobre questões associadas à desigualdade econômica e social
que pode vir a ser gerada, além de processos de gentrificação. Ele critica as “receitas de bolo”
assumidas e aplicadas sem uma leitura mais detalhada das diferenças próprias entre as cidades.
Bontje e Musterd (2009), assim como Pratt (2011), criticam o conceito de cidades cria-
tivas restrito, muitas vezes, ao desenvolvimento de estratégias de place branding. Para esses
autores, dentro deste conceito, há uma priorização evidente de uma classe criativa, altamente
qualificada, em relação a população envolvida com setores declinantes e com pouco acesso à
educação, reforçando desta forma aspectos que aumentam as desigualdades sociais. É reconhe-
cida a relevância de políticas para o desenvolvimento de cidades como espaços geradores de
criatividade e conhecimento, no entanto é chamada atenção para a necessidade de se fugir de
formulas prontas que desconsiderem as especificidades locais.
Em 2013, Pratt e Hutton ampliam a análise acerca das relações entre a economia criativa
e as cidades, investigando sobre e como essa economia se desenvolveu e tem sido percebida
como potencial de desenvolvimento mesmo em períodos de crise financeira, como foi no caso
da crise de 2008. Os autores analisam a associação entre o desenvolvimento das indústrias
criativas concentradas e a primazia de algumas cidades sobre outras, gerando crescimento e dis-
paridades inter-regionais. O que se percebe é que muitos dos gestores públicos e tomadores de
decisão se baseiem em modelos de governança territorial suportados em conceituações frágeis e
inadequadas às especificidades da economia criativa e de seus setores. Aspectos e características
próprias dos mercados tradicionais, no que se refere a sua estrutura e seu modo de organização,
se apresentam de modo diferenciado quando analisados dentro do contexto da economia criativa
e sua dinâmica.
Méndez et al. (2012), no seu artigo sobre economia criativa e desenvolvimento urbano
na Espanha, apresentam uma análise crítica dos setores criativos da Espanha, seu peso na eco-
nomia urbana e sua distribuição territorial, considerando diferentes escalas espaciais e os níveis
de concentração territorial das atividades destes setores nos diversos espaços geográficos. Assim
como Pratt e Huttong (2013), Mendez et al. creditam à economia criativa um potencial estratégi-

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Estratégias de marketing e de promoção das cidades como destinos turísticos, em função de atrativos associados
a produção de seus setores culturais e criativos.

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co relevante para fazer frente à crise econômica enfrentada recentemente pela Europa. O aspecto
simbólico dessa economia é destacado pelo valor que agrega aos seus produtos impactando e
renovando a imagem urbana. As regiões metropolitanas figuram como hubs criativos em função
do adensamento profissional de setores culturais e criativos na Espanha, e dentro dessas regiões
se identificam agrupamentos em determinados bairros ou áreas, o que tem gerado sinergia com
políticas de revitalização de espaços urbanos.
Leitão et al. (2010) contribuem com uma discussão que trata da formulação e implemen-
tação de políticas de fomento à economia criativa para o desenvolvimento do nordeste brasi-
leiro, partindo de um esboço de metodologia voltada para a identificação de bacias e territórios
criativos, entendidos como sub-regiões urbanas/metropolitanas ou sub-regiões interestaduais,
com densidade populacional, densidade de produção, circulação e consumo de bens e serviços
criativos, com densidade institucional e densidade socioeconômica. A identificação destes terri-
tórios criativos se propõe a indicar espaços geográficos com potencial de desenvolvimento local
e regional associado à economia criativa nordestina.
A perspectiva do desenvolvimento regional, também é encontrada no estudo de caso do
Corede Vale do Rio dos Sinos (Consinos) no Rio Grande do Sul, onde Bem e Giacomini (2012)
5

fazem uma análise das potencialidades da região, composta por quatorze municípios, no sentido
de desenvolver, num médio prazo, estratégias de desenvolvimento do setor calçadístico com o
objetivo de reverter o impacto negativo que o mesmo vem sofrendo com a importação de pro-
dutos chineses. A produção de calçados é fruto da imigração alemã que investiu e desenvolveu
o setor, tendo obtido sucesso e crescimento por mais de três décadas. O estudo desenvolvido
buscou identificar atividades criativas de natureza complementar e com potencial de sinergia
para o desenvolvimento e a produção de calçados com alto valor agregado, de modo a torná-los
competitivos frente a concorrência externa.
Na perspectiva do desenvolvimento local, Bento Gonçalves é analisado como um municí-
pio com potencial para se tornar Cidade do Conhecimento, a partir de uma reflexão sobre a con-
vergência entre o modelo de economia criativa brasileiro, defendido pela Secretaria da Economia
Criativa do Ministério da Cultura (BRASIL, 2011), e a concepção de desenvolvimento baseado
em conhecimento, desenvolvida pela taxonomia Generic Capital System, que promove a integra-
ção de sistemas de informação, de aprendizado e de conhecimento (FACHINELLI e CARRILLO,
2014). A convergência entre estes dois modelos reforça a tese de que a cultura local é fundamen-
tal neste processo devendo ser compreendida como vetor estratégico para o desenvolvimento.
A temática do desenvolvimento (local, regional, nacional ou global) tendo como eixo a
economia criativa e seus setores está presente em outros estudos identificados para a construção
desse artigo (YUSUF e NABESHIMA, 2005; REN e SUN, 2012; SILVA, 2010; GOLGHER,

5
Conselho Regional de Desenvolvimento.

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2008). Estratégias de fomento e desenvolvimento de clusters ou arranjos produtivos locais são


descritos como relevantes para o fortalecimento de ambientes criativos e inovadores.
Numa perspectiva setorial, percebe-se que os estudos, pesquisas e reflexões tem prio-
rizado setores associados às chamadas novas mídias ou mídias digitais, tais como: filmes, TV,
musica, jogos digitais, animação entre outros. Talvez porque sejam setores que mais tenham
sido impactados pela velocidade das mudanças no campo da internet e, por conseguinte, tenham
maior potencial de ampliação de mercados e possibilidades de comercialização. Como exemplo
disso, a desverticalização da cadeia produtiva da música é destacada por Nakano (2010) como
um processo que avança a passos largos ampliando mercados e oportunidades para a produção
independente, impactada diretamente pela inovação tecnológica das últimas décadas.
Através de um estudo exploratório sobre a indústria de animação para TV no Brasil,
Gatti Junior et Al. (2014) destacam e analisam um setor que tem sido fortemente alavancado no
país e no mundo, seja pela sua qualidade técnica e capacidade de gestão de negócios, seja por
estar vivendo condições favoráveis relativas a oportunidades de financiamento e a existência de
canais multiplataformas de difusão.
Ao mesmo tempo que alguns setores se profissionalizam e tornam-se competitivos no
âmbito global, o estudo de Batista et Al. (2011) demonstra o quanto as relações contratuais entre
o mercado e os quadrinistas no Ceará são extremamente precarizadas em função de um elevado
despreparo dos profissionais em lidar com questões ligadas à gestão de seus empreendimentos
(formais ou informais) relacionando-se em contrapartida com um mercado pouco instituciona-
lizado e profissional.
Por fim, para além das temáticas e aspectos do campo criativo descritos anteriormente, de
natureza macro, por tratarem de conceituações de base e de desenvolvimento territorial e setorial,
constatou-se, dentre os artigos selecionados, um elevado interesse sobre as seguintes temáticas:
processos de aprendizagem e geração de conhecimento em comunidades e empreendimentos dos
setores criativos (FLACH e ANTONELLO, 2011); interdisciplinaridade e integração de saberes
relacionados à temática da economia criativa (HARTLEY, 2011); gestão de empreendimentos
culturais e criativos na perspectiva do empreendedorismo (JUDICE e FURTADO, 2014).

3.2. Metodologias de pesquisa e tipos de investigação utilizadas


Analisando-se as metodologias de pesquisa utilizadas nos 36 artigos selecionados para
o desenvolvimento desse trabalho, temos o seguinte quadro: 31 foram desenvolvidos através de
metodologias qualitativas, enquanto 1 se utilizou de uma metodologia mista e os 4 restantes se
utilizaram de metodologias quantitativas. A predominância de estudos e pesquisas de natureza
qualitativa é mais do que evidente, sendo a maioria de estudos exploratórios e descritivos basea-
dos em pesquisas bibliográficas voltadas para reflexões teóricas ou revisões de literatura, muito

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freqüentes, visto que ainda existem imprecisões conceituais sobre o tema que precisam ser debe-
ladas ou minimizadas. Os estudos de casos também se destacam como métodos muito utilizados
com o objetivo de se realizar um aprofundamento e uma reflexão teórica baseados em experiên-
cias emblemáticas ou exitosas relacionadas à implementação de políticas públicas de fomento e
desenvolvimento de territórios, setores, empreendimentos e profissionais dos setores criativos.
Ainda é insipiente a produção de estudos quantitativos, sendo menor ainda a produção de
estudos quantitativos comparativos. Os Relatórios de Economia Criativa produzidos pela Uni-
ted Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD (2008 e 2010) corresponderam
a um primeiro esforço de compilação de dados mundiais dessa economia, no entanto em virtude
das metodologias de mensuração não serem padronizadas entre os países as análises comparati-
vas tornam-se mais difíceis.

4. CONCLUSÃO
O tema da economia criativa por ser recente, muito amplo e de natureza interdisciplinar
exige um olhar mais atento e mais aprofundado no sentido de buscar uma maior consistência
conceitual e teórica, além de uma construção coletiva integrada e efetiva. A sobreposição com
outros conceitos ainda gera uma série de confusões que geram uma certa opacidade quanto às
suas fronteiras e delimitações. A centralidade do conceito de economia criativa nos seus seto-
res em contraposição à centralidade nas suas dinâmicas de rede e arranjos produtivos merece
um debate ampliado. O fato dessa economia envolver muitos setores (nas áreas do patrimônio,
artes, mídias e criações funcionais) pede que as especificidades e diferenças existentes entre
estes sejam analisadas de modo a evitar tratamentos e visões generalizantes sobre realidades e
dinâmicas diferentes.
O aprofundamento e a reflexão sobre a economia criativa e seus setores, a partir de méto-
dos qualitativos, são fundamentais e necessários para a compreensão de fenômenos específicos
e merecem continuar a ser desenvolvidos. No entanto, a carência de estudos de natureza quan-
titativa fragilizam a evolução de uma economia que tanto tem crescido mas que ainda necessita
ser encarada e compreendida numa perspectiva macro que permita avaliar seus impactos econô-
micos efetivos no Brasil. Mais do que buscar a desagregação de dados produzidos pelo IBGE no
sentido de fazer projeções e estimativas estatísticas, é necessária a finalização da metodologia
de construção da conta-satélite da cultura. O estudo de metodologias de contas-satélite para o
campo criativo e cultural se faz urgente para o Brasil. Um outro ponto importante é ampliar os
estudos no sentido de que os mesmos tenham condições de apreender aspectos e dados reais da
economia formal e informal deste campo. Em função da fragilidade institucional e legal associa-
da aos setores criativos, há um elevado contingente de profissionais e empreendimentos atuando
na informalidade, movimentando milhões ainda que de modo extremamente precarizado.

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TEATRO DE GRUPO NA CENA PORTO-ALEGRENSE:


NOVOS PADRÕES DE TRABALHO E DEPENDÊNCIA DE VERBAS PÚBLICAS
Luciene Z. Andrade Lauda1

RESUMO: Este artigo tem como objeto de estudo o movimento teatro de grupo na cena
teatral porto-alegrense. O teatro de grupo é retrato de um modo de produção que comporta
conotação tanto política quanto estética, busca autonomia frente às normas capitalistas vigentes
em contraponto ao modelo do teatro comercial, e se faz mais presente em circuitos teatrais
periféricos. A partir de uma reconstituição da história dos principais coletivos da cidade, nas
últimas décadas, este estudo pretende compreender a implicação do movimento teatro de grupo
na conformação das atuais políticas culturais para as artes cênicas, bem como sua dependência
em relação a estas.

PALAVRAS-CHAVE: teatro de grupo, novos padrões de trabalho, políticas culturais.

1. INTRODUÇÃO
O presente estudo faz parte de tese de doutorado em andamento e que tem como questão
central o argumento de que o trabalho artístico continua atuando como modelo fecundo para a
análise das formas contemporâneas de emprego, a recomposição dos mercados de trabalho e a
gestão das carreiras. Tendo como objeto de pesquisa o trabalho de ator de teatro na cidade de
Porto Alegre, este argumento tem como base o pressuposto de que por sua condição de procura
permanente de originalidade e de novidade na concepção e produção artísticas, o trabalho em
arte enquanto atividade produtiva tem implicações originais que inspiram o mundo do trabalho
como um todo.
Esta profissão, cujo trabalho é o próprio processo criativo é atravessada por três as-
pectos que, juntos, a distinguem das demais: a) inovação – diferente de processos repetitivos,
sempre articulando com o novo; b) princípio de incerteza – a atividade artística não transita
em um trajeto programado, caminha em um curso incerto e sua realização não é definida nem
assegurada; c) precariedade – o processo criativo se desenvolve em condições sociais de fragi-
lidade e de desproteção.
1
Socióloga. Doutoranda em Sociologia do Trabalho – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS –
PPGSOC - Orientadora: Prof. Dra. Cinara Lerrer Rosenfield – lulauda09@gmail.com

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O atual crescimento da informalização e precarização das condições e relações de tra-


balho no capitalismo contemporâneo como um possível caminho sem volta, faz com que a
sociedade lance o olhar para o regime de emprego “hiper-flexível” (MENGER, 2002), peculiar
às profissões artísticas. O trabalho em regime de free-lancer e de emprego intermitente dessas
profissões encarna uma das condições da “perfeição concorrencial” (IDEM, p.62), ou seja, em-
pregar e demitir sem custos e de acordo com a necessidade do mercado.
Além disso, apresenta um paradoxo, pois se trata de uma profissão que, ao mesmo tempo
em que exige qualificação e aprendizado constante, desenvolve-se em condições de precarieda-
de. Desta forma, a hiper-flexibilidade aliada ao paradoxo da atividade torna-se produtivo para a
análise de outros grupos profissionais, através da aproximação entre a organização do trabalho
artístico e o desenvolvimento de outros sistemas de trabalhos alternativos ao “assalariado à
moda antiga”.
Para este artigo, no entanto, nos deteremos em um fenômeno peculiar ao trabalho em
teatro que, no decorrer da pesquisa de campo surgiu como um aspecto incontornável: o cresci-
mento do movimento conhecido como teatro de grupo ou teatro contemporâneo, na atual cena
teatral porto-alegrense - que na tese será analisado através da relação entre a busca por renova-
ção estética e a potencialidade e capacidade de renovação da crítica artística. Desta forma, para
atingirmos o objetivo ao qual nos propomos para este artigo, qual seja, analisar a implicação do
movimento teatro de grupo na conformação das atuais políticas culturais para as artes cênicas,
bem como sua dependência em relação a estas, organizaremos este estudo da seguinte forma:
faremos uma reconstituição da história do teatro na cidade, dos anos 1980 – considerados como
a década precursora do fenômeno em questão - aos dias atuais, com destaque para as lutas e con-
quistas de políticas públicas para as artes cênicas de cada período, descrevendo em que medida
as reivindicações foram atendidas, bem como a eficácia das políticas conquistadas, e finalizare-
mos retratando o atual panorama dos grupos teatrais da cena teatral porto-alegrense e a relação
de dependência com as políticas culturais locais.

2. TEATRO DE GRUPO
O ano é o de 2015. O local é o Theatro São Pedro, em Porto Alegre, e o evento é a décima
edição do prêmio Braskem em Cena, considerado atualmente como uma das mais importantes
premiações das artes cênicas do Rio Grande do Sul.
Mirna Spritzer2 recebe o prêmio de melhor atriz, pelo espetáculo Língua Mãe Mame-
loschn3, e entre agradecimentos aproveita a ocasião para reivindicar ações do poder público

2
Atriz, diretora e professora do Departamento de Arte Dramática da UFRGS.
3
Espetáculo com direção de Mirah Lanine, a partir de texto da escritora alemã Marianna Salzmann. Ganhador
prêmio Açorianos Melhor Espetáculo 2015.

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em relação à urgência dos grupos locais em terem suas próprias sedes. A reação da plateia,
formada na sua maioria por profissionais das artes cênicas, é de aplausos e gritos que atestam
apoio à demanda manifesta pela colega em nome da categoria. A questão que se coloca após
este evento é a razão pela qual a atriz, em sua fala, em detrimento de outras demandas, enfa-
tiza e prioriza a necessidade de sedes próprias para os grupos locais.
Fernando Peixoto (1998), afirma que embora o teatro tenha uma trajetória específica,
o que mais tem se modificado nessa trajetória é o próprio significado da atividade teatral, sua
função social. Constantemente redefinida, na teoria e na prática, esta função social, segundo o
autor, tem provocado alterações substantivas na maneira de conceber e realizar teatro. Acres-
centa ser fundamental não perder de vista a verdade dialética do movimento histórico: “a saga
do teatro, fascinante aventura do pensamento e da ação do homem, possui apenas aparência de
autonomia” (PEIXOTO, 1998,p.11). Com isso o autor quer dizer que a prática teatral é essen-
cialmente social. Para Duvignaud (1965), a prática social do teatro forma uma totalidade viva e
coloca em movimento, de certa maneira, a totalidade da sociedade e suas instituições.
Do teatro amador da década de 1950, passando pelo teatro engajado dos anos de chumbo,
ou pelo experimentalismo criativo no período de redemocratização, atualmente, o que parece
estar em jogo na prática teatral perpassa questões do próprio teatro enquanto linguagem estética,
vinculado a novos desafios de sustentabilidade. A fala da atriz aponta para alguns deslocamentos
que podem ser observados no decorrer das últimas décadas, o que vem ao encontro da relação
estreita entre a prática teatral e o conjunto da sociedade, a qual se refere o autor.
A urgência de salas próprias para os coletivos é prerrogativa do trabalho de pesquisa
continuado, característica do teatro contemporâneo, também conhecido como teatro de grupo
que, de acordo com Motolla (2010), se expande atualmente por todo o Rio Grande do Sul. A
expressão teatro de grupo caracteriza um modo de operar marcado pela pouca rotatividade de
seus integrantes e pelo desenvolvimento de um trabalho que não se reduz apenas a montagens
de espetáculos. Mesmo que as linhas estéticas variem entre grupos ou em espetáculos de um
mesmo grupo, existem características centrais desse tipo de teatro tais como, a ideia de continui-
dade, de construção, de pesquisa e de uma identidade poética.
Este fenômeno se constitui de um movimento que veio se desenvolvendo na América
Latina a partir do final dos anos 1980. No Brasil, diversos autores (CARREIRAS, 2008; LIMA,
2014; TROTTA, 2008; MASSA, 2011) considerem este período como sendo o que trouxe con-
sigo as transformações no modelo de teatro praticado até então no país - tanto no que se refere
às questões estéticas, quanto às de conotação política e ideológica, que gestaram o embrião do
que hoje vem a ser o teatro de grupo - e concordam que são os acontecimentos políticos e eco-
nômicos dos anos 1990 responsáveis pelas profundas transformações que vão diferenciá-lo de
formatos verificados em outras partes do mundo.

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3. A CENA TEATRAL PORTO-ALEGRENSE


Apesar de ser considerada uma cena rica e abundante em termos de produção artística,
poucos são os registros que resgatam os processos de experimentação, espetáculos e grupos tea-
trais (SILVA, 2010, p.15). Portanto, devido às escassas fontes primárias, em especial a memória
recente das últimas três décadas, recorremos a fontes secundárias, tais como: a) site da secretaria
Municipal da Cultura - a partir dos espetáculos indicados e dos vencedores do Prêmio Açorianos
de Teatro e Dança4 - acreditando que este dado encerra o que de mais importante foi produzido
na cidade a partir de sua vigência; b) sites e blogs das companhias de teatro; c) biografias dos
principais atores disponíveis na internet; d) Teatropedia - Enciclopédia Virtual das Artes do
Palco, e) em matérias publicadas em jornais e revistas -on-line e físicas- sobre o tema; f) entre-
vistas com atores e diretores de teatro, jornalistas, coordenadores que atuam junto às secretarias
municipal e estadual de cultura, curadores de festivais, e professores do Departamento de Arte
Dramática da UFRGS.
Essa reconstituição não pretende trazer uma exposição completa da história do teatro da
cidade. Nosso objetivo é traçar o caminho percorrido pelos principais representantes da cena
teatral porto-alegrense - com ênfase na organização em grupos - a partir dos anos 1980, acom-
panhando o desenvolvimento de novas linguagens e de renovação estética, as quais identificam
o teatro como uma manifestação de “seu tempo”, ou seja, marcado por fases distintas que se
reconhecem no período sociopolítico no qual está inserido.

4. ANOS 1980
A virada da década de 1970 para a de 1980 anunciava a abertura política para o país e
para a cultura o fim da censura. Herdeiros de um teatro de resistência à ditadura militar, segundo
Silva (2010), atores e diretores acrescentaram novos caminhos aos processos de experimentação
cênica e na relação palco e plateia, em uma busca artística que respondia às mudanças sociais e
políticas do país naquele momento histórico.
Embora alguns autores (RODRIGUES, 2000; SILVA, 2010) apontem os anos 1980 como
um período que apresentou certo esvaziamento na cena teatral brasileira, tanto no que se refere
na ausência de um referencial ideológico para os grupos teatrais – característica predominante
nas décadas anteriores - quanto de público e, principalmente, pela evasão dos atores de teatro
absorvidos pela TV, concordam que apesar disso não há como negar que houve uma intensa
produção teatral que resultou num eficiente sistema de organização grupal, em torno de trabalho
de coletivos reunidos com objetivos distintos dos da década anterior.

4
Instituído pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, no ano de 1977, o Prêmio Açorianos foi originalmente
criado para premiar os melhores nas áreas de teatro e dança de cada ano. Atualmente contempla também música,
literatura e artes plásticas, e é considerado a mais importante premiação cultural do estado do Rio Grande do Sul.

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A possibilidade de liberdade de expressão nutre a cena teatral porto-alegrense, inten-


sificando a diversidade estética, a exploração de novas linguagens e de concepção do espaço
cênico, ao mesmo tempo em que, segundo Silva (2010), torna-se visível o investimento em
dramaturgia realizada através da criação coletiva e fomento da pesquisa do trabalho de ator.
Cenário que propicia a proliferação de grupos centrados na criação coletiva ou na aposta
em montagens de textos de dramaturgos outrora censurados, ao mesmo tempo em que intensi-
fica a luta da categoria por novas salas de exibição, a ampliação das temporadas e por verbas e
patrocínios que viabilizem as produções e a pesquisa. Os principais representantes da época são
a Trupe de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveis (1978)5, o Vende-se Sonhos (1979), o Teatro Vivo
(1979), o Descascando o Abacaxi (1981), o Faltou o João, a Companhia Tragicômica Balaio
de Gatos (1980), o Do jeito que Dá, o Grupo Tear (1980), o Face & Carretos (1982) e, no final
da década, a Cia Di Stravaganza (1988).
Assim, conforme Reis (2000), nos anos 1980 existiam de uma maneira geral, dois tipos
de grupos de teatro em Porto Alegre: os grupos de criação coletiva, influenciados pelo método do
grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone6, onde havia uma grande divisão de tarefas e a pro-
dução era cooperativada; e grupos que funcionavam de maneira mais “tradicional7”, trabalhando
com textos de autores teatrais e com uma ou mais figuras centrais na condução do trabalho.
De acordo com Silva (2010), a década teve um saldo bastante positivo para a produção
teatral na cidade, com um balanço cujos dados mostram, por exemplo, no ano de 1988, 38 pro-
duções locais, e no ano seguinte 44 entre adultos e infantis. Apesar de temporadas com bom
retorno de bilheteria, a classe teatral continuava lutando por novas salas de exibição, a amplia-
ção das temporadas dos espetáculos e, principalmente, a batalha verbas que viabilizassem as
produções que agora incluíam na pauta de reivindicações apoios financeiros que possibilitassem
o processo de pesquisa continuada.

5
O grupo surge em 1978, criado por Paulo Flores e Rafael Baião – ex-alunos do Curso de Arte Dramática da
UFRGS, e Julio Zanotta, escritor. O grupo completa em 2016, 39 anos de existência. Desde seu surgimento centra
seu estudo na relação ator-espectador e no processo de criação coletiva, com espetáculos de sala e de rua. Define o
ator como atuador, fusão de artista com ativista político, cuja atuação não deve ficar restrita ao palco e sim compro-
metida com a realidade. Na pesquisa cênica, o grupo experimenta recursos teatrais com base no trabalho autoral do
ator e na cena ritualística, com influência de Antonin Artaud, Fernando Arrabal, Jerzy Grotowski e Bertolt Brecht.
É, sem dúvida nenhuma, o mais importante grupo na história do Teatro do Rio Grande do Sul, e um dos mais pres-
tigiados no Brasil.
6
O grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone passa por Porto Alegre, no final dos anos 1970, trazendo espetá-
culos e ministrando cursos, em duas ocasiões.
7
Os grupos considerados mais tradicionais eram o Teatro Vivo e o Tear, em que a direção dos espetáculos são
assinadas, respectivamente, por Irene Brietzk e Maria Helena Lopes, ambas professoras do DAD.

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5. ANOS 1990 - A RECONFIGURAÇÃO NAS RELAÇÕES ENTRE ARTE E ESTADO


A partir de 1985, com o fim da ditadura militar, o engajamento político passa a dar lugar
ao experimentalismo e grupos que já desenvolviam trabalhos nesta perspectiva se fortalecem.
A criação coletiva passa a ser o principal percurso de construção de espetáculos dos grupos da
época: “primeiramente por traduzir o ideal libertário e democrático em oposição ao alto nível de
censura vigente no período anterior, e posteriormente, por se opor ao modelo organizacional do
chamado teatro comercial” (LIMA, 2014, p.32).
Ainda no ano de 1985, no governo José Sarney, é criado o Ministério da Cultura (MINC).
Desfeito em 1990, pelo então presidente Fernando Collor, é reativado em 1992, no governo Ita-
mar Franco, e passa a ser um dos principais fomentadores de todos os setores da cultura, princi-
palmente através do instrumento legal a Lei Rouanet8 (Lei n 8.313/91), que objetiva o fomento
à cultura através da captação de recursos de renúncia fiscal.
Essas políticas culturais, no entanto, ao mesmo tempo em que estreitam a dependência
financeira dos grupos teatrais com o Estado sujeitam os projetos elaborados para a obtenção das
verbas destinadas às artes cênicas a condicionantes e alinhamentos com essas políticas, com
implicações particulares para o teatro que se quer fazer no Brasil.
O modus operandi das leis de renúncia fiscal que surgem no rastro da Lei Rouanet,
além de privilegiarem claramente o resultado final em detrimento do processo de criação e de
pesquisa, priorizam os espetáculos com possibilidade de retorno comercial para as empresas,
sobretudo, aqueles que contam em seu elenco com a presença de atores consagrados pela mídia
deixando de fora grupos que não preencham esses requisitos, o que é o caso do teatro realizado
em Porto Alegre e de outras regiões periféricas, ou fora do eixo Rio-São Paulo.
As contradições e condicionantes apresentadas na formulação e implementação das po-
líticas culturais, somadas à instabilidade econômica da época, de acordo com Fischer (2010),
propiciam a retomada com maior vitalidade de coletivos e cooperativas teatrais como alternativa
não somente de resistir às dificuldades financeiras, mas como perspectiva de artistas, coletiva-
mente, empreender suas atividades, preservando a continuidade de suas pesquisas.
Desta forma, por todo o país começam a crescer movimentos que reafirmam as especifi-
cidades da arte teatral e contra os procedimentos adotados pela Lei Rouanet, que em seu formato
configura a mercantilização da Cultura (LIMA, 2014, p. 36). Movimento que cresce em torno
da necessidade de luta por leis de fomento, dentro do modelo de fundo direto ou prêmio, cujo
funcionamento, diferente da Lei Rouanet, não coloca na mão dos departamentos de marketing
das empresas a decisão de quais espetáculos serão ou não incentivados.

8
A lei leva o nome do Secretário de Cultura do Governo Fernando Collor, Sérgio Paulo Rouanet. Foi o instrumen-
to encontrado pelo governo para ampliar o investimento em cultura no país. Aquele que investir em cultura poderá
ter valor total aplicado deduzido do imposto devido. Para empresas o valor poderá chegar a 4% e para pessoas
físicas 6% do valor devido.

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O primeiro dos movimentos a surgir foi o Manifesto da Arte Contra Barbárie9, em 1999,
na cidade de São Paulo, organizado por coletivos e artistas independentes com ampla repercus-
são no país. Com as mesmas características e reivindicações, em 2004, acontece a articulação
de coletivos em nível nacional através do Redemoinho – Movimento Brasileiro de Espaço e
Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral – iniciativa do grupo Galpão Cine Horto de Belo
Horizonte, e é amplamente aderido pelos coletivos e artistas independentes de Porto Alegre. Este
movimento se organiza em rede nacional e, embora com resultados menos expressivos se com-
parado com os obtidos pelos grupos paulistanos, é reconhecido como uma grande conquista para
o quadro artístico-cultural do nosso país, especialmente para os adeptos do trabalho em coletivo.
As discussões suscitadas por esses movimentos políticos que cresceram na década de
1990, e se espalharam pelo país ganhando intensidade nas décadas subsequentes e, de acordo
com Lima (2014), lançaram luz sobre a questão endêmica do fazer teatral, no sentido em que por
sua perda de popularidade para outras linguagens
o teatro passa a se reconhecer como arte que não se adéqua ao modelo
neoliberal de produção. Sendo uma arte de difícil reprodução em grande
escala e diante de um mercado cada vez mais exigente neste sentido, o
teatro passa a ser considerado inviável financeiramente pela dificuldade
em ser autossustentável, tendo de recorrer ao fomento e intervenção do
Estado (LIMA, 2014, p.37).
Essas polêmicas, segundo Carreira (2002), provocaram interferências na vida dos núcle-
os de coletivos repercutindo, a partir daí, numa permanente discussão de modelos culturais, de
forma que os grupos passam a funcionar como elemento dinamizador e provocador, pois para
manterem sua prática artística passam a ser obrigados a uma permanente ação reivindicatória
junto às instituições de caráter público e privado.
Desta forma, o movimento de experimentalismo de novas linguagens estéticas em um
contexto de luta por mudanças nas políticas culturais repercute fortemente em Porto Alegre,
proporcionando o estreitamento nas relações entre artistas e poder público, e resultando na va-
lorização do trabalho de grupos locais através de políticas específicas.
Em 1993 é criado o Fumproarte, pela lei Municipal 7.328. O Fundo entra em vigor no
ano seguinte e opera como financiamento direto dos cofres públicos ao projeto artístico propos-
to. Contempla Artes Visuais, Audiovisual, Música, Patrimônio Imaterial, Humanidades e Artes
Cênicas. No mesmo ano, instituído pela Lei Municipal 7.590, é criado o Festival Porto Alegre
em Cena, considerado atualmente um dos maiores da América Latina. Este festival traz anu-
almente, no mês de setembro, atrações nacionais e internacionais à capital gaúcha, e é um dos
9
O Manifesto resultou na lei 13.279 – 08 de janeiro de 2002, que instituiu o Programa Municipal de Fomento
Cultural direciona a área do teatro, coordenado pela secretaria Municipal de São Paulo, tem como objetivo apoiar a
manutenção e criação de projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral visando o desenvolvimento
do teatro e de seu campo de estudo (texto da lei).

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exemplos da atuação do Estado no campo teatral. Desde 2005, o festival conta com o Prêmio
Braskem em Cena10, que contempla exclusivamente espetáculos locais.
Em 1995 passa a vigorar o Projeto Novas Caras, criado pela Secretaria Municipal de Cul-
tura. Este projeto possibilita temporadas nos teatros municipais a grupos amadores, funcionando
como uma espécie de vitrine para novos atores e encenadores. No mesmo ano, surge o Prêmio
de Incentivo à Pesquisa Teatral do Teatro de Arena11, que contempla dois grupos para ocuparem
o teatro nos dois semestres do ano. Tem como objetivo fomentar o desenvolvimento de pesquisa
de espetáculos teatrais profissionais, fora de propostas do circuito comercial. Em 1996, entra em
vigor a Lei de Incentivo à Cultura do Rio Grande do Sul12 (LIC/RS). Funcionando nos moldes
da Lei Rouanet, propõe a dedução fiscal de 75% do valor do projeto apoiado, do ICMS devido.
Em relação à cena teatral porto-alegrense, alguns grupos que já vinham desenvolven-
do trabalhos centrados na pesquisa e na criação coletiva durante os anos 1980 permaneceram
atuantes na década seguinte, enquanto outros desaparecem. No entanto, o fato importante desta
década é a formação de grupos originais com as características próprias do movimento Teatro de
Grupo, quer de jovens artistas, quer de atores veteranos que assumem a proposta dando novos
rumos às suas montagens, ou ainda de grupos criados por professores do DAD ou sob a influ-
ência do mesmo.
Em 1993, dentro da chamada cena contemporânea, surge o grupo Falos & Stercus, que
se constitui propondo novos paradigmas estéticos e espaciais, ficando conhecido por utilizar
espaços não convencionais. No ano de 1996, o ator e diretor Roberto Oliveira cria a Associação
Cultural Depósito de Teatro, uma entidade cultural sem fins lucrativos com sede própria, onde
apresentava seus espetáculos, recebia outros grupos, realizava oficinas de formação de atores e
mantinha núcleos de pesquisa em teatro, dança e circo, dentro do modelo de criação coletiva.
No ano seguinte forma-se O Povo da Rua – Teatro de Grupo que tem como caracte-
rística o foco de sua produção cênica na manifestação de teatro de rua. Em 1999, outra figura
importante da cena teatral porto alegrense, Dilmar Messias, inspirado no distante projeto do
Circo Catavento, que nasceu e morreu nos anos 1970, do qual foi um dos idealizadores, cria o
Circo Girassol que, além de desenvolver pesquisa para a produção de espetáculos de teatro com
recursos circenses, oferece oficinas à comunidade.

10
Com patrocínio da empresa Braskem, dez espetáculos locais concorrem a premiação de Melhor Espetáculo (júri
e júri popular), Melhor Diretor ou Coreógrafo, Melhor Atriz ou bailarina, melhor Ator ou Bailarino, e destaque.
Cada um dos dez espetáculos é apresentado duas vezes na grade de programação do Festival.
11
Os grupos, além de poderem ensaiar no teatro, recebem o valor de R$30.000 para a realização do projeto. O
projeto passou a enfrentar dificuldades, como atraso no pagamento, a partir da atual administração estadual, o que
está gerando insegurança aos grupos que tem interesse na participação do projeto.
12
A LIC tem uma história bastante conturbada, repleta de mudanças, adaptações e de dificuldades de funcionamen-
to (RIBEIRO, 2010, p.31).

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No mesmo ano surge o grupo Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê, que assim como
O Povo da Rua e o Falos & Stercus, foca suas pesquisas no desenvolvimento de experiências
teatrais de rua ou em espaços pouco convencionais. Movimento que cresce significativamente
nesta década em Porto Alegre e que se consolida no período subsequente, fazendo deste gênero
de teatro uma marca registrada da cena teatral da cidade.
A década finaliza com grande pluralidade de manifestações artísticas e estéticas, man-
tendo alguns elementos de coesão. Esta pluralidade condiz com novas demandas relacionadas
à organização dos coletivos e à interação com a sociedade que não se restringe mais somente a
apresentações de espetáculos, incluindo em suas agendas diversas oficinas que resultam na for-
mação de outros grupos (nas suas sedes ou em comunidades locais), publicações diversas (em
revistas físicas, blogs e sites), além de ações políticas (organização de seminários), que discutem
a urgência de novos mecanismos de apoio à Cultura.

6. DOS ANOS 2000 À ATUAL ORGANIZAÇÃO DO UNIVERSO TEATRAL


EM PORTO ALEGRE
O teatro enquanto manifestação artística passa a reconhecer, segundo Trotta (2008), sua
relativa independência em relação às normas capitalistas adotadas pelo sistema das grandes
produções, o que lhe garante liberdade de criação. Esta liberdade poética, que para os artistas
significa a busca por um novo modo de interpretação e encenação, exige igualmente um novo
modelo de organização e de produção.
As mudanças estéticas e ideológicas que acompanham o caminho percorrido pelo teatro
nas últimas décadas estão atreladas a concepções teóricas respaldadas pelos circuitos universi-
tários. De acordo com Lima (2014), é a partir do contato com os procedimentos difundidos no
meio acadêmico que é possível sistematizar e gerar conhecimentos entendendo teoria e prática
artística como interfaces indissociáveis. Portanto, é importante destacar o papel que o Departa-
mento de Artes Dramáticas da UFRGS13, desde a sua criação, vem desenvolvendo junto à produ-
ção cênica local. Alunos, diretores e atores que se constituíram dentro da academia formam boa
parte da atual cena teatral porto-alegrense e, embora haja profissionais com outras formações, de
uma maneira ou de outra são influenciados por ela. Prova disso é que ainda nas últimas décadas
do século XX, o curso de Artes Cênicas formava atores com o objetivo de desenvolvimento de
carreiras individuais e, atualmente, a formação é voltada para atuação em coletivos, como por

13
O curso de Graduação em Teatro é mantido pelo departamento desde 1957 e, atualmente oferece os cursos de
Bacharelado em Direção Teatral, em Interpretação Teatral e Licenciatura em Educação Artística com habilitação em
Artes Cênicas. A partir do ano de 2007 inicia o Programa de Pós Graduação com o curso de Mestrado, o que possi-
bilitou o retorno de ex-alunos ao curso a partir da possibilidade de continuidade na formação - o grande número de
dissertações que versam sobre as próprias práticas teatrais reforça a relação entre a academia e as produções locais. Em
2014, inicia o curso de Doutorado, atendendo a anseios dos profissionais na formação de docentes e pesquisadores.

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exemplo, o Grupo de Teatro Sarcáustico (2004) e a Cia. Espaço em Branco (2004), que se for-
maram dentro do departamento e já completaram uma década de atividades na cena teatral local.
Além dos grupos remanescentes dos anos 197014, 198015 e 199016, na virada do século
outras grupalidades se formam a partir de atores e diretores experientes que se unem através de
afinidades estéticas, como o Teatrofídico (2003), e o In-Co-Mo-De-Te (2007); ou os que agre-
garam docentes, alunos e atores profissionais como a Cia. Rústica (2004); os que se utilizam de
linguagem híbrida e apostam na fusão entre o teatro, o circo, a dança, a música e as artes visuais,
conciliando profissionais dos diferentes gêneros artísticos, como o Jogo de Experimentação Cê-
nica (2007), e NECITRA (2008); e ainda os que atuam dentro da linha do teatro “militante” ou
teatro “popular”, como o Cambada de Teatro Levanta Favela (2008), e o Grupo Trilho (2006).
Sem esquecer, é claro, de alguns grupos, de iniciativas independentes ou de projetos em torno
de um espetáculo dentro da linha do teatro comercial, principalmente, do gênero de comédia e
stand-up, que circulam por casas de espetáculos17 e festivais18 na cidade e no interior do estado.
Em relação às políticas culturais a década começa a apontar o esvaziamento de alguns
apoios financeiros que durante os anos 1990 haviam funcionado bem, com redução de verbas
no caso de fundo direto e dificuldade de acesso a recursos quando de incentivo fiscal. O que
significa para os grupos locais luta por políticas públicas que atendam a principal necessidade
dos coletivos com proposta de criação coletiva e pesquisa continuada: um local próprio para os
grupos desenvolverem seus trabalhos.
Desta forma, no ano de 2000 o grupo Falos & Stercus, em consonância com iniciativas
semelhantes que acontecem em outros estados brasileiros, inicia o movimento de ocupação de dois
pavilhões abandonados do Hospital Psiquiátrico São Pedro19. A tomada do hoje conhecido como
Condomínio Cênico São Pedro foi seguido pela Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê, no ano

14
Ói Nóis Aqui Traveiz.
15
Cia Di Stravaganza , Face & Carretos.
16
Associação Cultural Depósito de Teatro, O Povo da Rua – Teatro de Grupo, Cooperativa de Artistas Teatrais
Oigalê, Falos & Stercus.
17
Este gênero de espetáculo com caráter mais comercial e linguagem cômica, em geral, conseguem maior sucesso
de público e de bilheteria o que possibilita a locação de salas ou teatros privados. Atualmente os espaços privados
em Porto Alegre são: Teatro da ANRIGS (700 lugares), Bourbon Country (2000 lugares), Teatro CIEE (220 lu-
gares), Teatro do SESC (296 lugares), Teatro do SESI (1684 lugares), Teatro do Centro Cultural santa Casa (284
lugares), Teatro Goethe-Institut Porto Alegre (130 lugares).
18
A XVII edição do Porto Verão Alegre (2106), contou com 58 espetáculos, sendo 6 estreias e, a grande maioria
dos espetáculos se enquadrava no gênero stand-up ou comédia e, segundo a mídia local, os principais espetáculo da
edição anterior foram: Homens de Perto, Bailei na Curva, Guri de Uruguaiana, Iotti - Radicci, Inimigos de Classe,
Se meu Ponto G Falasse, Pois é Vizinha e Homens de Perto 2.
19
Este movimento de ocupação de espaços públicos ociosos por artistas aconteceu simultaneamente em várias cida-
des brasileiras com desdobramentos semelhantes ao do Condomínio Cênico São Pedro. Este tem a particularidade
de interagir e contar com a participação da comunidade remanescente do projeto da reforma psiquiátrica iniciada há
trinta anos. Dos cinco mil internos da década de 1970, o Hospital São Pedro contabiliza hoje 187 moradores.

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de 2002. A partir de então, no ano de 2004, outros grupos que mantêm a mesma proposta de cria-
ção coletiva se unem a esta ocupação, O Povo Da Rua, o Caixa Preta (2002), e o Neelic (2003).
Após quinze anos de luta pela permanência no espaço ocupado, em 2014, uma parceria
entre as secretarias de Cultura e Saúde determina que os pavilhões passem a ser gerenciado pela
Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (SEDAC), o que assegura a permanência
e garante direitos aos grupos que atuam neste espaço.
Outro exemplo de ação e conquista de espaço para ensaios e apresentações de grupos
locais é o projeto Projeto Usina das Artes20, que acontece na usina do Gasômetro desde 2005,
e tem como principal objetivo possibilitar o desenvolvimento de linguagens dos grupos, prio-
rizando o trabalho continuado do artista. Foi sancionada como atividade regular da política
cultural do município de Porto Alegre, através da Lei 10.683 de maio de 2009. Mesmo ano em
que foi instituído o Programa Municipal de Fomento ao Trabalho Continuado em Artes Cênicas
para a Cidade de Porto Alegre21: Lei 10.742 de setembro de 2009. Funciona como um prêmio
para trabalho de grupos com pesquisa continuada, através de edital.
O período encerra, portanto, com inúmeros exemplos não apenas de uma mudança de
conteúdo, mas uma complexa reorganização de procedimentos e de percepções sobre o fazer
teatral e do papel do teatro no contexto sociocultural.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Porto Alegre, alguns grupos permanecem coesos desenvolvendo projetos verdadei-
ramente coletivos, outros mantêm um núcleo permanente, geralmente centrado na figura do
diretor ou encenador, enquanto seus membros se lançam em atividades individuais, trabalhando
como convidados em outros coletivos, ou se associando temporariamente com outros profis-
sionais para a realização de projetos pessoais. Muitas vezes, projetos sem nenhum recurso fi-
nanceiro público ou patrocínio privado, obrigando esses agrupamentos temporários a buscarem
soluções alternativas, como por exemplo, o financiamento coletivo22, tanto para viabilizar um
projeto sem nenhuma verba, como para o retorno de algum espetáculo que obteve algum finan-
20
Funciona através de edital, dez grupos de teatro e dança ocupam anualmente oito salas na Usina do Gasômetro.
Ao redor de cada grupo, no entanto, orbitam outros grupos convidados que também utilizam o espaço. Além da
utilização das salas para ensaios e apresentações, os grupos contemplados também recebem ajuda de custo no
valor de R$ 1.500 mensais. Atualmente, os grupos que fazem parte do Projeto Usina das Artes (edital 2015) são:
Teatro Sarcáustico, Grupo Jogo de Experimentação Cênica, Eduardo Severino Cia de Dança, Ânima Cia de Dança,
NECITRA, Depósito de Teatro, Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela, Espaço em Branco, Grupo
Trilho, Grupo Sílvia Canarim. 
21
A verba não é fixa e oscila de acordo com o orçamento do ano. Em 2015 foram contemplados os grupos Tribo
de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz e Oigalê, que dividiram em partes iguais o prêmio de R$ 250.000.
22
Projeto de financiamento coletivo ou crowdfuding é uma plataforma on-line que busca viabilizar financeiramente
um projeto a partir da colaboração direta das pessoas que se identifiquem com ele. O projeto acontece através da
arrecadação de verbas através das redes sociais, onde os realizadores disponibilizam os custos e formas de apoio,
bem como a recompensa aos apoiadores.

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ciamento na primeira temporada, mas que não dispõe de condições financeiras para arcar com
uma segunda etapa.
As lutas da categoria que nas décadas de 1990 e 2000 resultaram na conquista de alguns
avanços em relação às políticas públicas, como o FUMPROARTE, o Projeto Usina das Artes,
o Condomínio Teatro São Pedro, a Lei de Fomento, e o Prêmio de Incentivo à Pesquisa Teatral
do Teatro de Arena, chegam à metade da segunda década do século XXI com orçamentos estag-
nados, reduzidos ou ameaçados de extinção23, tanto no que concerne às verbas disponibilizadas,
quanto à estrutura dos teatros públicos24, ou de salas próprias, conforme a reivindicação da atriz
mencionada no início deste estudo.
A realidade da cena porto-alegrense, portanto, se constitui em um retrato da instabilida-
de das políticas culturais para a atividade teatral. Embora a sociedade tenha se conscientizado
da estreita dependência financeira das artes com o Estado, através do atual formato das leis de
incentivo que, em Porto Alegre, predominam através do modelo de fundo ou prêmio, as verbas
são insuficientes e não há investimento nenhum por parte do poder público em manutenção ou
ampliação da estrutura existente.
Além disso, generalizou-se a percepção de que não há demanda para o tipo de trabalho
que esses grupos desenvolvem, tanto por parte de possíveis patrocinadores, quanto pelo públi-
co que prestigia o mercado de entretenimento. De acordo com Costa e Carvalho (2008), para
patrocinadores, justamente por não ser entretenimento e, para os consumidores, porque esses
trabalhos são “difíceis”, “complexos”, “estranhos”, e assim por diante. A prova disso são os
dados da Secretaria Municipal de Cultura: em 2014 a ocupação dos teatros municipais ficou
inferior a 39%.
Essa dramaturgia contemporânea que se consolida não somente em novos procedimen-
tos de trabalho, como também em novas linguagens estético-ideológicas, representa a capacida-
de crítica da manifestação teatral frente à sociedade a qual é contemporânea. Portanto, para que

23
O FUNPROARTE ainda continua sendo o fundo de financiamento mais importante para os grupos locais, no
entanto no decorrer de sua existência, reduziu os recursos e inseriu outras atividades passíveis de captação, o que
aumentou a concorrência com as artes cênicas. O Projeto Pesquisa Teatral do Teatro de Arena passou a enfrentar
dificuldades tais como atraso no pagamento, a partir da nova administração estadual, o que está gerando insegurança
aos grupos que tem interesse na participação do projeto. Em dezembro de 2015 os grupos que ocupam o Condomínio
São Pedro receberam ofício do secretário estadual da saúde rescindindo o termo de cessão dos prédios. A categoria
se organizou e, até o presente momento, conseguiram manter a permanência, mas ainda sem uma decisão definitiva.
24
Em termos de espaços públicos disponíveis para apresentações teatrais pouca coisa mudou no decorrer das últimas
três décadas. Os grupos ainda disputam os mesmos teatros criados na década de 1970 e administrados pela prefeitura
(Teatro Renascença, Teatro de Câmara Túlio Piva – fechado para reformas desde 2013 - e Sala Álvaro Moreyra),
e as duas salas da Casa de Cultura Mário Quintana, do governo do estado, criadas na década de 1980 (Sala Carlos
Carvalho e Teatro Bruno Kiefer), e o Teatro de Arena. Tanto os teatros da prefeitura, quanto as salas administradas
pelo estado necessitam de reformas e de modernização, assim como de investimentos em segurança para os frequen-
tadores. As temporadas oferecidas foram reduzidas com o intuito de contemplar um número maior de grupos que
concorrem aos editais, visto que houve aumento sensível de coletivos locais concorrendo aos mesmos espaços.

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o teatro cumpra sua função social, sobre a qual nos referimos no início deste estudo, necessita de
autonomia e de liberdade de criação, pois a renovação da crítica pela arte só é possível através de
um trabalho constante da arte sobre ela mesma. O que só se torna possível fora da dependência
comercial e através do fomento e intervenção efetiva do Estado.

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RODRIGUES, Eder Sumariva. Teatro anos 80: uma década vazia? UFSC, Santa Catarina. 2012.
SILVA, Newton Pinto. Palcos da Vida: o vídeo como documento do teatro em Porto Alegre nos anos
1980. Dissertação de Mestrado. PPGAC/UFRGS. Porto Alegre, 2010.154 pg.
TROTTA, Rosyane. Paradoxo do Teatro de Grupo no Brasil. Dissertação de Mestrado em Teatro.
Uni-Rio. Rio de Janeiro, 2001. 186 pg.

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POLÍTICA E GESTÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL NO BRASIL:


ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE PROCESSOS DE SALVAGUARDA.
Lucieni de Menezes Simão1

RESUMO: As experiências analisadas neste trabalho referem-se às políticas de salvaguarda do


Patrimônio Cultural Imaterial (PCI) conduzidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artís-
tico Nacional (IPHAN) na última década. O foco são alguns processos de registro e planos de
salvaguarda de bens culturais localizados na Região Sudeste, com destaque para o ofício das pa-
neleiras de Goiabeiras, o jongo e as matrizes do samba no Rio de Janeiro. Identifica-se como um
dos grandes desafios a articulação entre detentores, gestores, movimentos sociais e organizações
da sociedade civil chamados a participar da discussão sobre melhor maneira de salvaguardar
saberes e formas de expressão culturais. Argumenta-se que somente através do protagonismo
desses atores socais se pode construir uma política de patrimônio cada vez mais inclusiva.

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio Imaterial; Salvaguarda; Brasil.

1. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS


CULTURAIS E DO ACESSO À CULTURA
No campo das políticas culturais, há uma série de reflexões sobre práticas de salvaguarda
e ações de intercâmbio entre países latino-americanos, que avançaram nas discussões do campo
jurídico e na consolidação dos direitos culturais e de acesso à cultura, com destaque para o im-
portante fórum internacional denominado CRESPIAL2. O antropólogo Eduardo Nivón reflete
sobre a ampliação dos direitos culturais em grandes cidades latino-americanas, como a do Mé-
xico, e vem observando no atual processo de globalização a crescente internacionalização das
agências e das conexões em redes entre agentes sociais, que extrapolam cada vez mais as antigas
fronteiras nacionais (NIVÓN, 2011, p. 11). Loreto Bravo Fernández apresenta um conjunto de
considerações sobre as políticas de salvaguarda do patrimônio imaterial na América Latina,

1
Doutora em Antropologia (PPGA/UFF) atuei como consultora na área de patrimônio imaterial. Atualmente,
integro o quadro docente da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto de Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro da Universidade Cândido Mendes (IUPERJ/UCAM). E-mail: lucieni.ms@gmail.com
2
O Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina (CRESPIAL) foi
criado em fevereiro de 2006, com o objetivo de promover e apoiar ações de salvaguarda e de proteção do vasto
patrimônio cultural imaterial dos povos da América Latina.

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trazendo a experiência da gestão cultural em países como o Chile e o que representou a imple-
mentação de programas com um marcante caráter participativo (FERNÁNDEZ, 2011, p. 15).
No Brasil, o marco legal da política do Patrimônio Cultural Imaterial está situado na
promulgação da Constituição Federal, em 1988. Nos artigos direcionados à cultura, o Estado
garante “a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”
(Art. 215). Reconhece, ainda, que a nação brasileira é diversa e constituída por inúmeros grupos
étnicos e segmentos sociais, destacando-se as “manifestações das culturas populares, indígenas
e afro-brasileiras” (Art. 215, § 1º).
O Artigo 216 amplia a noção de patrimônio ao incluir os modos de vida, os sentidos
e valores atribuídos pelos diferentes grupos que compõe a sociedade brasileira. Dessa forma,
no texto da lei reconhece-se que o patrimônio cultural brasileiro é constituído pelos bens de
natureza material e imaterial (grifos nossos), “portadores de referência à identidade, à ação e
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988[2001]).
A historiadora e pesquisadora Lia Calabre chama a atenção para os avanços da política
cultural, principalmente a partir da primeira década do século XXI:
Uma série de instrumentos de caráter estruturante vem sendo construí-
da. Em, 2005, foi criado, por lei, o Conselho Nacional de Política Cul-
tural [...] Em dezembro de 2010, através da Lei n. 12.343, foi instituído
o Plano Nacional de Cultura (fruto de quase quatro anos de consultas e
debates políticos). O Sistema Nacional de Cultura (SNC) foi estruturado
através da Emenda Constitucional n. 72 de dezembro de 2012. (CALA-
BRE, 2014, p. 1)
As políticas públicas referentes ao patrimônio cultural de natureza imaterial, conduzidas
na última década pelo Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI/IPHAN), têm se mostrado
pioneiras dentro do órgão federal de preservação, desde a sua institucionalização em 1937. O
Decreto-lei 25/37, que organiza a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ins-
tituiu a figura jurídica do Tombamento para a preservação dos bens móveis e imóveis de valor
excepcional. Porém, uma série de outros bens culturais não se enquadrava nessa definição de
patrimônio histórico e artístico nacional (Art. 1º). A partir de meados da década de 1970, os de-
bates sobre o alargamento do chamado campo do patrimônio desenvolveram-se dentro e fora da
instituição. Porém, somente em final da década de 1990, instituiu-se um Grupo de Trabalho de
técnicos do IPHAN e do MinC e uma Comissão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
para o estudo das legislações internacionais e das experiências de reconhecimento das dimen-
sões simbólicas do patrimônio cultural, bem como de estabelecimento dos procedimentos para
o seu reconhecimento (MINC/IPHAN, 2006). A partir de então, o Decreto 3551/2000, de 04 de
agosto de 2000, instituiu a figura do Registro do Patrimônio Imaterial, instrumento jurídico aná-
logo ao Tombamento. A mesma legislação cria o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial,

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que articula as ações de reconhecimento, promoção, difusão e fomento dos bens culturais de na-
tureza imaterial. Somente com a inscrição do bem cultural em um dos quatro Livros de Registro,
inicia-se um meticuloso processo de implantação do Plano de Salvaguarda.
Ao discutirem o estado da arte do Patrimônio Cultural Imaterial no Brasil, Maria Laura
V. de Castro e Maria Cecília Londres Fonseca retomam a conceituação estabelecida pela Con-
venção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, em 2003. Segundo as autoras, a
política conduzida pelo IPHAN se coaduna com as diretrizes da UNESCO, que consolida a
política do patrimônio imaterial em escala mundial e aperfeiçoa as definições de “patrimônio
cultural imaterial” e de “salvaguarda” no sentido de formar um conceito amplo para essas no-
ções (FONSECA; CASTRO, 2008).
Categoria central do novo discurso patrimonialista, a construção de um conceito de sal-
vaguarda ainda está por se formular, do mesmo modo que se precisou o conceito de bem cultu-
ral em meados da década de 1960. Na Recomendação de Nairóbi, no âmbito da 19a Conferência
Geral da UNESCO, em novembro de 1976, retoma-se a definição de salvaguarda, agora com
menos ambigüidades: “a identificação, a proteção, a conservação, a restauração, a reabilitação, a
manutenção e a revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de seu entorno” (UNES-
CO, 1976 apud IPHAN, 2004, p. 220)
Para fins da Convenção do Patrimônio Imaterial, entende-se por salvaguarda,
as medidas que visam garantir a viabilidade do patrimônio cultural
imaterial, tais como a identificação, a documentação, a investigação, a
preservação, a proteção, a promoção, a valorização, a transmissão – es-
sencialmente por meio da educação formal e não-formal – e revitaliza-
ção deste patrimônio em seus diversos aspectos (UNESCO, 2003 apud
IPHAN, 2004, p. 374.
A questão da Salvaguarda faz parte do conjunto das políticas voltadas para o patrimô-
nio cultural imaterial, que tem início com os inventários culturais e o registro, e culminam nas
ações de preservação que visam à valorização e transmissão. O antropólogo Antônio Augusto
Arantes discute alguns aspectos conceituais em torno das ações de salvaguarda, e toma a Con-
venção de 2003 como ponto de partida para uma reflexão sobre a ampliação dos conceitos de
patrimônio cultural e de salvaguarda. Ao tratar as questões metodológicas dos inventários do
patrimônio imaterial, Arantes aborda questões controversas na aplicação desse instrumento e
discute aspectos conceituais e ações de salvaguarda desenvolvidas no Brasil e em outros países.
O autor acredita que tais práticas constituem experiências recentes, ainda em construção, e que,
por isso mesmo, devem ser compartilhadas e debatidas em fóruns internacionais (ARANTES,
2009, p. 174). Portanto, embora haja uma afinidade em termos de protocolos e intenções, no
Brasil a questão da salvaguarda é ainda um território amplo a ser explorado. E há um longo
debate em curso.

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Para Arantes, um dos principais desafios relacionados ao campo do patrimônio imaterial


está relacionado ao que se poderia chamar de “política de representação e tomada de decisões.
[...] Uma vez que nem todos os grupos sociais conseguem o mesmo acesso às entidades go-
vernamentais de seus países” (ARANTES, 2009, p. 177). A questão da representatividade vem
sendo questionada, inclusive, nas listas do patrimônio mundial e imaterial, revelando um campo
de tensões intrínseco ao patrimônio como um todo. Izabela Tamaso reflete sobre os conflitos
inerentes às disputas das memórias coletivas e sobre as questões éticas que envolvem antropólo-
gos na elaboração de “laudos culturais” nos processos de patrimonialização de bens de natureza
imaterial (TAMASO, 2006). Além disso, há muito pouca reflexão sobre este novo momento das
práticas de preservação, principalmente a partir da regulamentação da política do patrimônio
imaterial e de sua institucionalização.
Em 2010, o instituto do Registro completou dez anos e os instrumentos continuam sen-
do aprimorados e testados pelo IPHAN. No âmbito da política de salvaguarda, um dos fatores
a se considerar são as negociações entre agentes sociais locais e instituições de preservação.
Gestores públicos e privados, detentores, brincantes, artesãos, movimentos sociais os mais va-
riados e organizações da sociedade civil são chamados a participar de um complexo processo de
discussão sobre a melhor maneira de preservar, proteger e salvaguardar determinados saberes e
formas de expressão culturais. Investe-se na perspectiva de autonomia desses grupos na gestão
do seu próprio patrimônio cultural, o que implica em responsabilidades compartilhadas. Como
toda essa implementação é muito recente, os resultados das iniciativas ainda são restritos a rela-
tórios internos e, por isso mesmo, pouco compartilhados; ademais, identifica-se uma carência
de profissionais qualificados para acompanhar todo esse movimento.
As antropólogas Letícia Vianna e Morena Salama analisam a política de salvaguarda em
seus dez primeiros anos. Numa perspectiva comparada, as autoras criam um “método que reúne
um conjunto de instrumentos que balizam os procedimentos de coleta, documentação, acompa-
nhamento e sistematização das informações referentes à execução das atividades de salvaguar-
da” (VIANA; SALAMA, 2012, p. 72). Segundo as autoras, os “processos administrativos” são
precedidos por “processos sociais” bastante complexos. Esses instrumentos foram testados nas
primeiras oito experiências de salvaguarda e os resultados revelaram uma apropriação desigual
da política.
Observou-se que ao longo dos processos de salvaguarda não ficaram
suficientemente claros o alcance e a consequência do registro para os
detentores dos bens registrados. Alguns grupos de detentores tinham a
expectativa de que o registro gerasse direitos, que ele fosse, por si só,
um instrumento de proteção de propriedade intelectual e de garantia de
direitos coletivos (VIANNA; SALAMA, 2012, p. 75).

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O “Termo de Referência para Planos de Salvaguarda”, documento técnico elaborado


pelo DPI/IPHAN, informa sobre os requisitos para implantação do Plano de Salvaguarda, como
a inscrição do Bem em um dos quatro livros de Registro e a elaboração de um “planejamento
estratégico baseado no diagnóstico e nas recomendações de salvaguarda arrolados no processo
de Registro. Este planejamento estratégico é elaborado e executado com base na interlocução
continuada entre Estado e sociedade” (IPHAN/DPI, 2011, p. 20). O documento também informa
sobre o âmbito de atuação do Comitê Gestor; ou seja, depois de estruturado, é ele [o Comitê]
que “coordenará todo o desenvolvimento do plano, sua avaliação e desdobramentos, composto
pelo IPHAN, poderes públicos estaduais e municipais e representantes dos detentores do bem
cultural registrado” (IPHAN/DPI, 2011, p. 23).
As recomendações, portanto, fazem parte do dossiê do Registro – resultado material de
produção de conhecimento sobre o bem cultural. Já o plano evidencia uma proposta futura. É
um entendimento coletivo sobre as melhores formas de preservar e valorar o bem, tendo em
vista a criação de um pensamento compartilhado e duradouro sobre a importância de sua trans-
missão e manutenção. Por fim, as ações referem-se a atuações pontuais ainda sem uma visão
global do processo. Estas diversas instâncias subentendem a existência de um comitê gestor bem
estruturado e consensual, que dará estruturação ao plano de salvaguarda.
A elaboração dos planos de salvaguarda tem início nas pesquisas de inventário3, pois
é nesta fase que se estabelecem os primeiros contatos com os grupos e comunidades de deten-
tores. A pesquisa de campo coloca geralmente os investigadores em equipes multidisciplinares
(mas direcionadas aos campos das ciências sociais, sobretudo da antropologia), em contato com
as expressões culturais e com as pessoas que as mantêm. Um papel central é exercido pelo “an-
tropólogo inventariante”, expressão cunhada por Izabela Tamaso, referindo-se à tarefa específi-
ca de executar “qualquer função no Inventário Nacional de Referências Culturais, seja pesquisa,
trabalho de campo ou coordenação de inventários” (TAMASO, 2006, p. 8). Embora não haja
uma maneira digamos “ideal” de conduzir os inventários do patrimônio imaterial, ocorre que em
alguns casos não se consegue obter o envolvimento adequado de segmentos importantes para a
boa conclusão de um plano de salvaguarda consistente, seja porque as pesquisas de campo não
atingiram a profundidade adequada, seja por conflitos internos e externos aos grupos detentores.
As experiências aqui analisadas referem-se à perspectiva mais alargada de salvaguarda
debatida e defendida pelas entidades multilaterais, com a participação dos envolvidos. A mobi-
lização social torna-se, portanto, um dos principais vetores para a gestão participativa, contri-
buindo para a transmissão, difusão e valorização desses bens culturais. Em nossas considerações

3
O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) é a metodologia adotada pelo IPHAN para a produção
e sistematização do conhecimento sobre o bem. Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC: Manual
de aplicação. Brasília: MINC/ IPHAN/ DID, 2000.

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foram incluídos alguns processos de salvaguarda da Região Sudeste que demandam esforços
para a criação e formalização de um comitê gestor, como o das paneleiras de Goiabeiras no Es-
pírito Santo, o jongo/ Caxambu do Sudeste e as matrizes do samba no Rio de Janeiro. O recorte
regional foi escolhido por razão de trabalhos de campo realizados anteriormente4. A exposição
seguirá a ordem cronológica dos registros.

2. AS PRÁTICAS DE SALVAGUARDA DE BENS REGISTRADOS:


ESTUDOS DE CASO
Ofício das Paneleiras de Goiabeiras/ ES foi o primeiro bem de natureza imaterial regis-
trado pelo IPHAN, em dezembro de 2002. Inicialmente, é preciso identificar que o termo panelei-
ra refere-se a um ofício. É aquele indivíduo (artesã ou artesão) que modela e dá forma às panelas
e outros objetos cerâmicos utilitários. Esta que já foi uma atividade eminentemente feminina,
transmitida de mãe para filha, através de processos de aprendizado informal, tem ampliado nos
últimos anos o número de executantes e acarretado uma crescente vulgarização das panelas, com
a sua vinculação ao turismo regional, sempre associado a pratos da culinária capixaba.
A condução dos estudos do IPHAN referentes ao pedido de instrução de Registro do
Ofício das Paneleiras reuniu bibliografia e documentais, levantamentos fotográficos e audiovi-
suais, além de mapas do território (da cidade de Vitória/ES e do bairro de Goiabeiras Velha). A
metodologia utilizada foi a do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), que levou
em conta as funções exercidas pelos principais executantes do ofício. A ênfase recaiu no proces-
so de produção, com a descrição das etapas de confecção do artefato cerâmico e a identificação
dos principais envolvidos com o processo de produção e suas respectivas funções.
Naquele momento, era importante testar os instrumentos técnicos da política de patrimô-
nio imaterial, pois eles subsidiariam as etapas de instrução do Registro. O ofício das paneleiras
se revelava oportuno para esse fim, pelo seu universo limitado e circunscrito a um território e
pela extensa documentação produzida sobre o ofício. Trata-se de um núcleo residencial, com um
número relativamente reduzido de executantes e circunscrito a algumas famílias que tradicio-
nalmente ocupavam a região. Assim, poder-se-ia resultar em trabalho consistente na aplicação
da metodologia do INRC.
Em minha pesquisa de campo realizada na comunidade de Goiabeiras Velha busquei
refletir sobre a apropriação desse processo de patrimonialização. Interessou-me compreender a
forma com que as paneleiras apreenderam a categoria patrimônio e se essa categoria provoca-
va algum tipo de “ressonância” no entendimento do ofício. Ao se apropriarem rapidamente do
“discurso da cultura” tomaram-no como uma ferramenta para se legitimarem profissionalmente

4
SIMÃO, Lucieni de M. A Semântica do Intangível. Considerações sobre o Registro do ofício das paneleiras
do Espírito Santo. Tese de Doutorado. Niterói, PPGA/UFF, 2008.

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e como pauta reivindicatória para pleitos junto aos governos municipal e estadual. Assim sendo,
e atenta ao fato de que a produção da panela de barro é uma prática social em plena vigência no
bairro de Goiabeiras Velha, procurei investigar os modos de apropriação do Registro desse ofí-
cio, considerando os sujeitos sociais envolvidos. Os agentes foram estudados em suas interações
com as instâncias mediadoras do poder público e em seus embates com relação ao mercado.
O que respalda todo esse processo de patrimonialização das paneleiras, segundo a lógi-
ca das pessoas entrevistadas, é a maneira como esse saber-fazer foi cultivado e transmitido no
território de Goiabeiras. Os efeitos positivos da ideia de patrimônio repercutem no processo de
construção da identidade social da paneleira, tornando possível à categoria reivindicar o acesso
ao barreiro e as políticas públicas de saúde e previdência social, ambas debatidas nas oficinas
de salvaguarda que ocorreram durante o ano de 2006. A análise do processo de Registro e o
acompanhamento das ações de salvaguarda permitiram-me tecer algumas considerações sobre
os mesmos: participação assimétrica no processo de patrimonialização do bem, aumento da pro-
dução de panelas e demais produtos, mercantilização crescente, problemas de gestão e conflitos
internos e externos a associação das paneleiras (SIMÃO, 2008)
Como ressaltado anteriormente, este foi o primeiro Registro do Patrimônio Imaterial e
a primeira experiência no uso da metodologia conduzida pelo IPHAN-ES. A questão premente
que se colocava na época era a ameaça da extração da matéria-prima e do risco de desapareci-
mento desta prática dentro da comunidade. A mobilização feita em torno do registro foi bastante
pontual e não procurou abranger nem compreender os processos sociais. Os conflitos referem-se
às disputas locais entre a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (CESAN) e a Associa-
ção das Paneleiras de Goiabeiras (APG) em função do terreno da jazida de onde se retira o bar-
ro para confeccionar as panelas e demais artefatos cerâmicos. Localizada no Vale do Mulembá,
no bairro de Joana D’Arc, em Vitória, esta é até hoje a única jazida utilizada pela comunidade
de Goiabeiras Velha. Nesse caso, a salvaguarda também passava pelo recurso a matéria-prima.
Tais disputas estão relatadas no processo administrativo do Registro e foram atualizadas
através de ações de salvaguarda que visavam à proteção da matéria-prima, culminando na soli-
citação de “Indicação Geográfica” concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI), em 2011. Foi uma ação conjunta com o IPHAN/ES e uma conquista para as paneleiras,
que buscavam uma solução para a “questão do barreiro” e para a colocação das panelas no mer-
cado. No entanto, o dossiê de registro não apontou para um plano mais consistente que mobili-
zasse o segmento das paneleiras, nem tampouco constituiu um Comitê Gestor que abrangesse
outros setores da sociedade capixaba em torno da preservação do ofício a médio e longo prazo.
A revalidação é outro quesito bastante importante nas discussões sobre a política do pa-
trimônio imaterial, uma vez que a legislação prevê a avaliação periódica do bem a cada dez anos
(Decreto 3.551/2000; Art. 7º), por se tratarem de criações culturais de caráter processual e inse-

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ridas em dinâmicas sociais próprias. Nesse sentido, o ofício das paneleiras e a arte kusiwa - pin-
tura corporal e arte gráfica Wajãpi serão os primeiros bens a serem reavaliados e revalidados.
Para tanto, o IPHAN editou a Resolução n. 01, de 18 de julho de 2013, que dispõe sobre
o processo administrativo de Revalidação do Título de Patrimônio Cultural do Brasil dos bens
culturais Registrados. Nesta normativa, o IPHAN informa os procedimentos a serem obser-
vados na instauração e instrução do processo (Art. 2º), que consiste na atualização e eventual
complementação de informações através do INRC.
No caso do Ofício das Paneleiras, o inventário que está sendo aplicado passa a ser com-
preendido como mais um instrumento de salvaguarda. Para a revalidação, a instauração do pro-
cesso administrativo será feita por intermédio do DPI (Art. 3º); porém, a instrução do mesmo
ficará sob responsabilidade da Superintendência do IPHAN em sua área de circunscrição (Art.
4º). Nesse caso das paneleiras, é o IPHAN-ES que solicita informações atualizadas sobre as
ações de salvaguarda desenvolvidas aos detentores e demais partes interessadas e envolvidas
no processo de registro. Eventualmente, se a Superintendência achar necessário, poderá contra-
tar empresa especializada para realizar nova pesquisa de campo, utilizando a metodologia do
INRC. A atualização da documentação deve abranger a produção de documentação fotográfica
e audiovisual, a produção de textos de caráter etnográfico, de modo a viabilizar análise compa-
rativa com a documentação produzida para a outorga do título (Art. 11º). Há um entendimento
de que o INRC é considerado per si uma ação de salvaguarda, principalmente pela mobilização
junto aos segmentos envolvidos.
Finalizada essa etapa de atualização das informações, todo o material produzido será en-
caminhado para uma Comissão Técnica de acompanhamento do processo administrativo (Art.
9º), instituída através da Portaria n. 340, de 26 de julho de 2013, que emitirá nota técnica que
subsidiará a decisão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural sobre a Revalidação do Tí-
tulo de Patrimônio Cultural do Brasil. Pelo trabalho que desenvolvi durante anos junto ao grupo
acompanho de perto os trâmites, torcendo para que as paneleiras obtenham mais essa conquista.
Os outros dois casos de que trato neste trabalho relacionam-se a um conjunto de bens
de origem afro-brasileira registrados pelo IPHAN. Dentre eles, há um número significativo de
saberes e expressões culturais que buscam visibilidade e reconhecimento, acesso a direitos e
afirmação de suas identidades culturais.
A mobilização sobre a expressão cultural jongo partiu da experiência empreendida pe-
los próprios jongueiros, que se articularam e promoveram os “Encontros dos Jongueiros”. Tais
encontros, que se iniciaram em 1996, na região Norte Fluminense, com a articulação de alguns
grupos de jongo de Miracema e Santo Antônio de Pádua e professores do campus da Universida-
de Federal Fluminense, em Santo Antônio de Pádua, ganharam visibilidade a partir do ano 2000,
quando foi constituída a “Rede de Memória do Jongo”. Da mobilização social ao registro no Li-

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vro das Formas de Expressão, em 2005, as motivações que levaram a todo esse processo resul-
taram desses encontros. Neles, foram identificados problemas encontrados pelas comunidades
de jongo que viam suas ações e demandas invisibilizadas pelos poderes públicos locais, tanto no
que se refere ao reconhecimento de seus territórios, quanto ao apoio à tradição do jongo.
Lia Calabre retoma alguns dos principais problemas enfrentados pela população negra
nos municípios com tradição jongueira. Nos anos 80 e 90 do século XX, o jongo e outras mani-
festações da cultura popular quase desapareceram ou se viram relegadas ao campo do folclore.
Portanto, havia a questão do preconceito, da discriminação contra a prática do jongo e da difi-
culdade na transmissão para as novas gerações.
Há o grupo que está em litígio para obter o reconhecimento da pro-
priedade da terra e que sofre com a precariedade dos serviços nas áreas
rurais. Há um grupo, em uma área mais urbana e periférica, para o qual
ao conjunto de preconceitos raciais e sociais se soma o fato de serem
jongueiros. Há, ainda, o claro problema do lugar do negro na história,
que dialoga diretamente com a dificuldade de construção da identidade
negra e da valorização dos fazeres e dos saberes. Temos um somatório
da potência do legado da tradição africana, com fortes elementos de
religiosidade, entrecruzadas com uma realidade marcada pela carência,
exclusão e preconceitos (CALABRE, 2014, p. 6)
O reconhecimento pela via do registro seria um importante instrumento de pressão dian-
te das situações acima apresentadas. De fato, após a cerimônia de proclamação pública do Jongo
como Patrimônio Cultural do Brasil, realizada no X Encontro de Jongueiros, em 2005, na cidade
de Santo Antônio de Pádua, lugar de origem desse movimento de organização das comunidades
jongueiras, deu-se início ao plano de salvaguarda do jongo.
Em 2007, o IPHAN e a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da
Cultura, através do Programa Cultura Viva, consagram uma parceria no sentido de que os bens
registrados fossem automaticamente integrados a esse Programa. O IPHAN criou um “Termo de
referência para a criação de Pontos e Pontões de Cultura de Bens Registrados”, fixando determi-
nadas características próprias e critérios de seleção das entidades para celebração de convênios
(IPHAN/DPI, 2011: 25-28). É nesse contexto de abertura de novos convênios e parcerias que o
Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu é criado.
Nesse sentido, o Pontão passou a ter um papel de articulador das ações de salvaguarda,
através do trabalho de assessoria, pesquisa e extensão universitária, junto às comunidades da Rede
de Memória do Jongo/Caxambu. Quanto aos resultados apresentados pelo Pontão do Jongo, con-
sidera-se que a articulação e consolidação da rede foram as principais ações, uma vez que é em seu
âmbito que se discutiu e construiu a política de salvaguarda do Jongo, com a participação de todos
os parceiros, em especial, das 32 lideranças jongueiras. Entre uma reunião e outra, foram realiza-

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das as demais ações do programa, como as oficinas, seminários, assessorias, que sempre aconte-
ceram de forma descentralizada nas comunidades. (Plano de Salvaguarda do Jongo, 2011, p. 29).
O Plano de Salvaguarda do Jongo no Sudeste, versão final discutida e aprovada na 14ª
Reunião de Articulação do Pontão do Jongo/Caxambu5, em dezembro de 2011, faz referência ao
processo de registro do Jongo e apresenta as três principais linhas de ação desenvolvidas pelo
Pontão do Jongo/Caxambu, em três convênios celebrados entre a UFF e o IPHAN.
Desde o início buscou-se constituir um Comitê Gestor representativo que agregasse as
comunidades e grupos de detentores, os representantes da sociedade civil e dos governos es-
taduais e municipais. Tendo em vista a abrangência regional do jongo, preferiu-se criar uma
“comissão gestora” composta por lideranças jongueiras, técnicos, parceiros e consultores, para
monitoramento de todas as ações desenvolvidas no âmbito do Pontão de Cultura do Jongo/Ca-
xambu. Assim, nas reuniões de articulação e da comissão gestora foram discutidas as principais
demandas do coletivo jongueiro e tecidas as ações para a constituição do plano integrado de
salvaguarda ao qual nos referimos.
Conclui-se, portanto, que a salvaguarda do jongo tem obtido bons resultados, como o
fortalecimento da rede de memória do jongo; a apresentação e aprovação de projetos em editais,
edição e publicação dos conteúdos gerados pelas oficinas de capacitação; e assessoria às comuni-
dades. Embora a gestão do Pontão ainda não seja exercida pelos próprios detentores, como acon-
tece com o samba de roda do Recôncavo Baiano e outros bens registrados, mas através de um
projeto de extensão universitária, a participação dos detentores pode ser considerada um exemplo
de maior sucesso na salvaguarda do patrimônio imaterial brasileiro (IPHAN/DPI, 2011, p. 45).
O Registro das matrizes do Samba no Rio de Janeiro (partido-alto, samba de terreiro e
samba-enredo) parte da mobilização de associações representativas do samba6. A candidatura
teve o apoio dos sambistas, principalmente das velhas-guardas das escolas de samba, com a ade-
são de intelectuais ligados ao mundo do samba e de instituições governamentais. O pedido foi
oficialmente entregue em cerimônia pública, em 2005, contando com a presença do Ministro da
Cultura e do Presidente do IPHAN. Inicialmente, as motivações para essa candidatura estavam
relacionadas à Proclamação do Samba de Roda do Recôncavo Baiano como Patrimônio Imate-
rial da Humanidade, em 2005, e ao reconhecimento desse gênero musical – o samba – como im-
portante forma de expressão da cultura brasileira. Ainda nesse ano, o IPHAN e o Centro Cultural
Cartola celebram convênio para instrução técnica do processo de registro do samba.
5
Pontão do Jongo/Caxambu. Plano de Salvaguarda do Jongo no Sudeste. Niterói: Pontão do Jongo/ Caxambu,
2011. Para ver o documento na íntegra, acessar o endereço abaixo:
http://www.pontaojongo.uff.br/sites/default/files/upload/plano_de_salvaguarda_versao_final.pdf, acessado em 07/
12/2014.
6
O Centro Cultural Cartola, organização da sociedade civil, assina a solicitação em parceria com a Liga Indepen-
dente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIESA) e a Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de
Janeiro (AESCRJ).

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O registro no Rio de Janeiro partiu do entendimento de que certas modalidades de “sam-


ba de raiz” haviam perdido espaço para outras vertentes, sobretudo aquelas ligadas à indústria
cultural. Durante a pesquisa de inventário optou-se por “analisar os variados estilos de samba
no Rio de Janeiro, que se originaram nas reuniões musicais em casa de Tia Ciata, no Estácio,
nas escolas de samba, nos blocos, nos morros, nas ruas e nos quintais” (CENTRO CULTURAL
CARTOLA; IPHAN, 2007, p. 9).
O recorte contemplou as três formas de expressão que mais intimamente
se relacionam com o cotidiano, com os modos de ser e de viver, com a
história e a memória dos sambistas. Em todo o universo do samba no
Rio de Janeiro essas três formas de expressão – samba de terreiro, parti-
do-alto e samba-enredo – são as que implicam relações de sociabilidade:
sua prática está enraizada no cotidiano dos sambistas, na vida das pesso-
as, tendo, portanto, continuidade histórica (idem, 2007, p. 10).
Na pesquisa foi utilizada a metodologia do Inventário Nacional de Referências Cultu-
rais. No dossiê encontram-se indicadas as recomendações de salvaguarda, e foram previstas
ações nas áreas da pesquisa, documentação, transmissão, produção, registro, promoção e apoio
(idem, 2007, p. 117).
Alessandra Lima, ao referir-se aos principais agentes e interlocutores na construção da
salvaguarda das matrizes do samba, reconhece o protagonismo do Centro Cultural Cartola na
condução do inventário e registro. A experiência acumulada na gestão de projetos anteriores
“parece ter facilitado a execução das ações que se iniciaram com o INRC, coordenado pela en-
tidade” (LIMA, 2012, p. 12). As entidades de detentores apresentam dificuldades na gestão de
recursos públicos e terminam por inviabilizar novos contratos. Vianna e Salama (2012, p. 85)
também salientam sobre os problemas que determinadas associações de detentores enfrentam
em assumir os desafios na gestão dos contratos com o Estado.
O Centro Cultural Cartola exerceu papel de destaque no diálogo com as instituições go-
vernamentais, sobretudo, com o IPHAN.
No momento do Registro, outros órgãos governamentais como a Fun-
dação Cultural Palmares (FCP) e a Secretaria de Promoção de Políti-
cas para Igualdade Racial (SEPPIR) também participaram do processo,
mas essas parcerias foram se diluindo ao longo do tempo e não pos-
suíram impacto efetivo na condução das ações de salvaguarda geridas
pelo CCC, embora pudessem eventualmente, apoiar iniciativas pontuais
(LIMA, 2012, p. 13)
No final de 2008, foi firmado novo convênio com o IPHAN, agora realizado no âmbi-
to do Programa Cultura Viva, com o objetivo de implantação de um “Pontão de Memória do
Samba no Rio de Janeiro”. Estruturou-se em eixos de ação visando à pesquisa e documentação,
à transmissão de saberes e produção, ao registro, promoção e apoio (IPHAN, 2007:117) Outro

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aspecto relevante refere-se aos representantes que assumiriam a parte de gestão. Embora não
tenham conseguido consolidar um ao Comitê Gestor nem dialogar efetivamente com todas as
outras instâncias, logrou criar o Conselho do Samba, composto por 21 membros e instituído em
fevereiro de 2009, como instância de representação e orientação do Plano de Salvaguarda do
Samba Carioca.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para lidar com esse conjunto de políticas culturais relacionadas ao patrimônio cultural
imaterial, é preciso compreender, primeiramente, que se trata de “patrimônio vivo” e, portanto,
partilhado por um conjunto significativo de indivíduos e grupos. Os inventários devem ser capa-
zes de identificar e documentar as “referências culturais”, sem, contudo, congelar as expressões
da cultura. Produzidos “em contexto”, devem ser razoavelmente densos em termos de detalhes
históricos e etnográficos (ARANTES, 2009, p 186). Práticas sociais, conhecimentos e formas
de expressão – a que se atribua ou não valor patrimonial – são criadas, apropriadas, amalga-
madas, desenvolvidas, acalentadas ou esquecidas por povos particulares, em lugar e momentos
específicos (ARANTES, 2009, p.181). Campo de tensão e disputa entre os valores atribuídos
localmente e aqueles reconhecidos na arena da preservação, os processos de reconhecimento
prescindem negociações permanentes.
Os ofícios e modos de fazer, quando enraizados no cotidiano das comunidades, produzem
um sentimento de pertencimento ao território e fortalecem as identidades sociais. As Paneleiras
buscam o reconhecimento de seu ofício, elaboram pautas reivindicatórias e buscam melhores
condições de trabalho. Apesar de já terem seu bem registrado há bastante tempo, a categoria
profissional ainda não formalizou seu comitê gestor e as ações de salvaguarda não obtiveram a
adesão e o compromisso de todas as partes dos segmentos. Da mesma forma, as comunidades
de jongo e de sambistas apresentaram dificuldades na constituição de seus comitês. Trata-se
daquilo que Arantes chama de “dilema da representatividade” ao referir-se à complexidade das
questões relacionadas ao âmbito da salvaguarda do patrimônio imaterial e ao fato de que esses
contextos locais não são, de forma alguma, homogêneos (ARANTES, 2009, p. 178).
Tomando esses processos de salvaguarda em curso, pretendi lançar luz sobre a consecução
da política contemporânea do patrimônio cultural imaterial e das práticas de preservação a ela
associada. Por se tratar de processos sociais bastante complexos, espera-se que tais reflexões ve-
nham somar esforços no sentido de construir uma política de salvaguarda cada vez mais inclusiva.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANTES, Antônio Augusto. “Sobre inventários e outros instrumentos de salvaguarda do patrimônio


cultural intangível: ensaio de antropologia pública”. Anuário Antropológico, p. 173-222, 2009.
CALABRE, Lia. Práticas Culturais e Processos de Patrimonialização: a ação das políticas culturais
e o jongo do Sudeste como um possível estudo de caso. Revista Estudos de Sociologia, v. 1, n. 20, 2014.
CAVALCANTI, Ma. Laura V. C.; FONSECA, Ma. Cecília L. Patrimônio Imaterial no Brasil. Brasília:
UNESCO, Educarte, 2008.
CENTRO CULTURAL CARTOLA; IPHAN. Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro.
Partido alto, samba de terreiro e samba enredo. Rio de Janeiro: Centro Cultural Cartola/ IPHAN, 2007.
IPHAN. Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC: Manual de aplicação. Brasília: MINC/
IPHAN/ DID, 2000.
IPHAN. Ofício das Paneleiras de Goiabeiras. Dossiê IPHAN 3. Brasília: IPHAN, 2006.
_____. Jongo no Sudeste. Dossiê IPHAN 5. Brasília: IPHAN, 2007.
IPHAN/DPI. Orientações para implementação da política, sistematização de informações,
monitoramento da gestão e avaliação dos resultados da salvaguarda de bens registrados. Brasília,
maio de 2011.
LIMA, Alessandra R. Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: uma experiência de salvaguarda. Brasília:
DPI/IPHAN, 2012.
MINC/IPHAN. O Registro do Patrimônio Imaterial – Dossiê final das atividades da Comissão e do
Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial, 4ª ed. Brasília: MinC/ IPHAN, 2006.
NIVÓN Eduardo. et. al. Políticas Culturais: teoria e práxis. CALABRA, Lia (org.) São Paulo: Itaú
Cultural; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011.
PONTÃO DE CULTURAL DO JONGO/CAXAMBU. Plano de Salvaguarda do Jongo no Sudeste.
Niterói: Pontão do Jongo/Caxambu, 2011.
SIMÃO, Lucieni de M. A Semântica do Intangível. Considerações sobre o registro do ofício das
paneleiras do Espírito Santo. Tese de Doutorado. Niterói, PPGA/UFF, 2008.
TAMASO, Izabela. “A expansão do patrimônio: novos olhares sobre velhos objetos, outros desafios...”
Série Antropologia. Brasília, Depto. De Antropologia, UnB, 2006.
UNESCO. “Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial”. In; IPHAN. Cartas
Patrimoniais. CURY, I. (org.). Edições do Patrimônio. 3a ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004, p. 371-390.
VIANNA, Letícia; SALAMA, Morena. Avaliação dos Planos e Ações de Salvaguarda de Bens Culturais
Registrados como Patrimônio Imaterial Brasileiro. CALABRE, Lia (org.). Políticas culturais: pesquisa
e formação. São Paulo: Itaú Cultural; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2012.

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CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS COMPARTILHADAS


Luiz Augusto Fernandes Rodrigues1
Marcelo Silveira Correia2

RESUMO: Breve discussão sobre a instituição de políticas compartilhadas para o planejamento


cultural e apresentação de proposta metodológica para a construção de planos municipais de
cultura. O trabalho relata experiência em desenvolvimento no estado do Rio de Janeiro, fruto
de parceria técnica entre o Laboratório de Ações Culturais da Universidade Federal Fluminense
(LABAC-UFF) e a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro (SEC-RJ), ação decorrente
do programa PADEC – edição 2015.

PALAVRAS-CHAVE: plano municipal de cultura , gestão compartilhada , metodologia para


planejamento cultural

1. UM PONTO DE PARTIDA...
Buscar-se-á, aqui, refletir sobre algumas bases conceituais que fundamentaram propo-
sição metodológica para subsidiar a construção de planos municipais de cultura. A formulação
desta possível metodologia partiu da experiência junto ao bacharelado em Produção Cultural da
Universidade Federal Fluminense, e foi formalizada através de parceria entre o Laboratório de
Ações Culturais (LABAC-UFF) e a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro (SEC-RJ)
para ação junto a 34 municípios do Rio de Janeiro através da ação PADEC – Edição 2015.
Começamos por discutir a ideia de gestão cultural. Por gestão cultural vem-se procuran-
do estabelecer a forma particular de lidar com o universo da cultura; deixando a noção de gestão
como universo administrativo. Assim,
Propomos retirar a ênfase do termo gestão, o que tenderia a ter a cultura vin-
culada a ações gerenciais e ao cumprimento de metas e objetivos que nem
sempre são norteados por reais parâmetros de efetividade, e colocar mais
foco no termo cultura, entendido aqui em suas dimensões estéticas sob ba-
ses que ultrapassam os códigos simbólicos mais hegemônicos, dimensões

1
Professor Titular do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense. Doutor em História, pela UFF.
Contato: luizaugustorodrigues@id.uff.br
2
Artista visual e professor licenciado em Letras/Português-Literaturas pela Faculdade de Formação de Professores
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Dinamizador PADEC. Contato: marcelonetcorreia@hotmail.com

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cidadãs construídas a partir do direito universal de ampla participação


dos sujeitos e grupos na criação, fruição e planejamento de processos
no campo da cultura e da arte, dimensões econômicas entendidas aqui
muito mais pela ampliação do acesso aos bens da cultura humana do
que às lógicas de produtividade e geração obrigatória de renda ou lucro.
O que nos parece mais adequado é que a utilização do termo gestão
cultural pressuponha a gestão de processos e mediações no campo
cultural, com suas diferenças e negociações imanentes. Assim, os
gestores culturais, assim puramente nominados, seriam aqueles sujeitos
norteados pelos firmes propósitos da Gestão Cultural. Os demais seriam
gestores institucionais, gestores governamentais de políticas culturais,
gestores ou produtores de projetos culturais, produtores executivos (de
projetos, de espaços...) etc. (RODRIGUES; CASTRO, 2015, s/p, grifos
do documento original)
Por outro lado, diferentes autores vêm apontando a necessidade de se entender política
cultural como esfera que ultrapassa a dimensão governamental. Dentre outros, destacamos Gar-
cía Canclini (2005, s/p) que concebe as políticas culturais como “conjunto de intervenciones
realizadas por el Estado, las instituiciones civiles y los grupos comunitarios organizados a fin de
orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la población y obtener
consenso para un tipo de orden o de transformación social”.
Sob tais pressupostos, busca-se fortalecer a dimensão participativa-cidadã, e inseri-las
nas diversas possibilidades dos circuitos culturais e suas políticas.
Brunner (1985a) designa cultura como um conjunto de circuitos nos
quais intervêm os agentes produtores (artistas e criadores), os meios
de produção (entendidos pelas tecnologias disponíveis e utilizadas, os
recursos econômicos e a propriedade dos meios de produção), formas
comunicativas (divulgação dos bens culturais, agentes distribuidores e
dispositivos de troca), públicos e instâncias organizativas (estas poden-
do ser ligadas ao setor público, privado e/ou comunitário); nas instân-
cias organizativas se encontram as agências financiadoras, produtores
privados, órgãos públicos de controle e estímulo, escolas de formação
etc. Ou seja, as reflexões de Brunner sobre os circuitos nos remetem ao
sistema de produção cultural e suas etapas: produção/criação, distribui-
ção, troca, uso/consumo (ou reconhecimento). (LIMA; RODRIGUES,
2014, p. 853)
Procura-se reforçar a necessidade de canais efetivos de participação como estratégia funda-
mental para se instituir políticas. Como apontado em outro texto (RODRIGUES, 2009, pp. 83-91)
Participação e esfera pública são ideias inseparáveis. Fazem parte da
própria concepção de política. É necessário refletir sobre esse termo. [...]
Nosso desafio, hoje, é alcançar formas que, para além de preservar, de-
mocratizar e incentivar modos e práticas culturais diversificados, criem

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estratégias que reforcem o exercício público e político dos diversos ato-


res sociais, a fim de que todos e cada um possam ser protagonistas de si
mesmos. [...] Creio, firmemente, que nosso desafio é conseguir consti-
tuir redes diversificadas de agentes sociais. O próprio conceito de rede
reforça a possibilidade de êxito de qualquer proposta: rede que se esta-
belece a partir do comprometimento e do envolvimento das mais diver-
sas esferas. É esse trabalho de “varejo” que pode efetivamente construir
novas possibilidades de caminhos conjuntos. Uma ação que se desdobra
nos usuários mais diretos e neles com suas redes mais particularizadas,
que, pouco a pouco, podem se agregar aos “fios” anteriores. Dessa nova
trama serão irradiados novos fios (que a ela se unem) e assim suces-
sivamente, tal qual nós de uma rede que se vai tecendo. [...] O Brasil
vivenciou durante muito tempo a falência de políticas sociais públicas
inclusivas, ficando sob a ação sociocultural de organizações não gover-
namentais. São mais de cem mil ONGs e centenas de milhares de vo-
luntários. Caminho que, sozinho, também não resolve. O aterrorizante
“abismo social” que marca a sociedade brasileira tem mobilizado cada
vez mais ações de segmentos os mais diversificados. Quando nos dete-
mos nos índices de pobreza e de ausência de condições mínimas de vida,
vemos um quadro no mínimo estarrecedor. Em face de tanta carência,
não podemos pensar isoladamente na arte, na cultura, na educação, na
sociabilidade, na exclusão social ou em outros tantos “nas”. Não pode-
mos implementar ações isoladas. Trata-se de prover e garantir a própria
cidadania. Cultura e cidadania seriam como que palavras de ordem.

2. POLÍTICAS DE CULTURA E PARTICIPAÇÃO NO BRASIL HOJE...


Ao observar o Prefácio para o livro de Ana Clarissa Fernandes de Souza (2015), cons-
tata-se a necessidade de se aprofundar os estudos das políticas culturais, destacando o foco
analítico da autora ao refletir sobre a implementação de políticas culturais de cunho mais parti-
cipativo, como aquelas propostas pelo Sistema Nacional de Cultura e pelos sistemas estaduais
e municipais dele resultantes (ações ainda em processo de institucionalização e sistematização.
A proposição de políticas para a cultura e para sua melhor organização
e fomento vem assumindo maior consistência e centralidade, e estamos
vivendo um momento histórico, no qual podem ser constatadas algumas
tentativas de ultrapassar a tônica mercadológica das políticas culturais dos
anos 90 – “cultura é um bom negócio” – em prol de novas formas de
construção de políticas para a cultura em formatos mais democratizantes e
socialmente compartilhados. (RODRIGUES apud SOUZA, 2015, p. VII)
O Sistema Nacional de Cultura (SNC) foi incluído, em 2012, na Constituição Federal de
1988 como Artigo 216-A. Recentemente, passou-se a contar com o Sistema Estadual de Cultura
do Estado do Rio de Janeiro (SIEC) – Lei 7035, sancionada em 7 de julho de 2015. Cabe agora aos
municípios criarem suas leis municipais de cultura (alguns municípios do RJ já criaram suas leis).

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O que integra, minimamente, o Sistema: basicamente o CPF da Cultura, isto é: CONSE-


LHO – PLANO – FUNDO. Institucionalidades geridas por órgão gestor próprio do município
(Secretaria ou Fundação de Cultura) em parceria e controle pela Sociedade Civil.
Buscando implementar o seu sistema de cultura, os municípios devem realizar Confe-
rências de Cultura, momento no qual a sociedade como um todo discute a aponta diretrizes para
a política cultural local. Momento propício, também, para a eleição de representantes da socie-
dade e da vida cultural do município para comporem o Conselho Municipal de Política Cultural
(ou nome similar). Conselho e demais munícipes terão a incumbência também de participar da
construção e acompanhamento do Plano Municipal de Cultura, que estabelecerá metas e diretri-
zes do curto ao longo prazo, prevendo ações de até 10 anos para sua devida implantação. Para
garantir a implantação do Plano são necessários recursos financeiros, mobilizados através do
Fundo Municipal de Cultura.
Complementarmente, os municípios devem se aliar a outras duas demandas do Sistema
Nacional de Cultura: programa de formação na área cultural; sistema de informações culturais.

3. A CRIAÇÃO DOS PLANOS MUNICIPAIS DE CULTURA:


PROPOSTA METODOLÓGICA...
O Plano Nacional de Cultura (PNC) foi incluído na Constituição Federal em 2010, atra-
vés do Art. 215. Foi regulamentado e detalhado na lei nº 12.343/2010 (estruturada em 5 Ca-
pítulos e Anexo com as Diretrizes, estratégias e ações. Contem 53 Metas. Já o Plano Estadual
de Cultura do RJ é peça integrante da Lei do Sistema Estadual (Capítulo 2 desta lei), também
integrado por Anexo estruturado em 6 eixos temáticos, que contemplam 15 diretrizes e um total
de 66 estratégias. São documentos importantes e que devem dialogar com o plano municipal.
Os relatos a seguir apresentam a proposta metodológica desenvolvida para fomentar
junto aos municípios fluminenses a implementação e construção de seus planos de cultura. Os
planos são garantia de condução continuada das políticas e programas culturais locais, e permi-
tem ao município acompanhar a realização de suas metas, e avaliá-las.
A proposta é que o PLANO trace metas e diretrizes que atendam à cadeia produtiva da cul-
tura como um todo. Com isso, pode-se pensar sob a lógica de um circuito ou sistema de produção:
• CRIAÇÃO / PRODUÇÃO;
• DIVULGAÇÃO / DISTRIBUIÇÃO;
• ACESSO AOS BENS E SERVIÇOS;
• FRUIÇÃO, USO E CONSUMO DOS BENS E SERVIÇOS CULTURAIS.
Por exemplo, um CD musical para existir e ser apreciado precisa percorrer um conjunto
de etapas:

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• Precisa que os artistas componham as canções e que o disco seja produzido;


• Precisa estar disponível das lojas, ou em sites (assim por diante);
• Precisa estar acessível aos ouvintes, seja através da compra ou de acesso gratuito
ou subsidiado;
• Precisa que as pessoas efetivamente se apropriem daquele bem; não basta comprar o
CD e deixá-lo na estante. É preciso que ele seja fruído e apreciado.

Para auxiliar na construção do PLANO MUNICIPAL, propõe-se metodologia estrutura-


da em quatro eixos, conforme a seguir.

EIXO 1: FRUIÇÃO E PRODUÇÃO ARTÍSTICA E CULTURAL


(fomento às artes visuais, artes cênicas, música, audiovisual e literatura);

EIXO 2: MANIFESTAÇÕES CULTURAIS POPULARES


(fomento ao artesanato, reforço e/ou implementação de práticas e festejos populares –
como Folias, Blocos de carnaval etc.);

EIXO 3: TURISMO CULTURAL, PATRIMÔNIO AMBIENTAL E CONSTRUÍDO


(valorização, recuperação e preservação dos ambientes afetivos locais e ações de atração
turística a partir dos patrimônios e da memória);

EIXO 4: SOCIABILIDADE, COMUNICAÇÃO, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E


DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICO SUSTENTÁVEL
(ações que reforcem a coesão social e a interação entre as pessoas; formas de compartilha-
mento da gestão pública de cultura – por ex.: Conselhos, Conferências, Fundos de financia-
mento; ações de geração de renda e emprego e de circulação das produções culturais; etc.).

As propostas lançadas devem identificar os agentes protagonistas potenciais (executores


e parceiros) de cada ação e planejá-las segundo perspectivas de curto, médio ou longo prazo.
Como critério genérico para as perspectivas temporais propõe-se:
• ação de curto prazo, 1 a 2 anos;
• de médio prazo, 3 a 6 anos;
• de longo prazo, 7 a 10 anos.

É importante prever formas de Avaliação sobre a cumprimento das metas.


A seguir, sugestão de quadro de propostas.

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4. AÇÃO PADEC 2015 JUNTO A MUNICÍPIOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO...


PADEC é um Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cultural dos Municípios, desen-
volvido a partir de parceria entre a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro com o Mi-
nistério da Cultura. Assenta-se em quatro linhas de apoio: 1) Qualificação da gestão pública da
cultura; 2) Preservação do patrimônio material; 3) Fortalecimento da identidade cultural local;
4) Melhoria da infraestrutura para a cultura local. Para a edição de 2015, o PADEC ofereceu três
linhas de ação aos municípios do estado:
a) Curso de Formação de Gestores Públicos e Agentes Culturais
(em sua segunda edição);
b) Implantação e modernização de espaços culturais;
c) Aplicação de Metodologia de Apoio para a organização dos Sistemas Municipais
de Cultura.
Esta terceira linha de ação foi construída com apoio técnico do Laboratório de Ações
Culturais da UFF. Inclui a proposição da metodologia acima, estimulada junto aos municípios
que conveniaram a ação PADEC, através de processo denominado de Dinamização – Ação de
Apoio aos Sistemas Municipais de Cultura. Não se trata de consultoria para confecção de planos
municipais, e sim de buscar acionar e estimular o desenvolvimento dos planos de forma compar-
tilhada entre executivo municipal da área da Cultura e representantes da sociedade civil.
Como exemplificação (bem sucinta e esquemática) sobre a possibilidade de se pensar
o planejamento cultural local a partir das bases propostas, tomamos – não como forma mode-
lar – um possível exemplo para cada eixo. Importante ressaltar que as diretrizes traçadas em
conferências municipais realizadas são a fonte principal para o processo, que deve retornar para
ampla apreciação por parte da sociedade civil como um todo.

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Exemplo exploratório 1:
Segundo levantamentos para o município de TANGUÁ, pela Munic2006 o muni-
cípio não possuía teatro e já desenvolvera oficinas de formação teatral (apontando
para uma vocação ou desejo local).
Pelo site Mapa de Cultura, observa-se a permanência da inexistência de teatro,
mas também que o município conta com anfiteatro ao ar livre (Espaço Cultural
Observatório de Talentos).
Considerando como DESAFIO, dentro do eixo FRUIÇÃO E PRODUÇÃO
ARTÍSTICA E CULTURAL, o fomento às artes cênicas, podemos então bus-
car elencar um conjunto de ações para enfrentar tal Desafio.
Levando em conta as fases do circuito ou sistema de produção cultural, temos:

Criação / Produção:
a.1) desenvolvimento de oficinas de teatro, de dança, de cenotécnica, de cons-
trução de cenários e figurinos etc.;
a.2) workshops com grupos artísticos locais e externos;
a.3) residências artísticas.

Distribuição e divulgação:
b.1) concursos (esquetes, dramaturgia etc.) e festivais;
b.2) editais para circulação de espetáculos;
b.3) construção de teatro.

[FASES contempladas por indicações gerais]


Troca: deve-se estimular ações com acesso gratuito e oferta de financiamento
através de editais (que devem estimular que as montagens sejam produzidas no
município, estimulando a economia local).
Fruição e uso: contrapartida através de projeto-escola, debates junto às apresen-
tações etc.

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EIXO 1: FRUIÇÃO E PRODUÇÃO ARTÍSTICA E CULTURAL


DESAFIO: FOMENTO ÀS ARTES CÊNICAS
Formas de
Ações Tempo de Ciclo de Possíveis Resultados avaliação
propostas implementação frequência parceiros Esperados dos
resultados

4 oficinas semanais:
- SM Educação a) teatro; . relatórios dos
1.1 Oficinas
(integração b) dança; oficineiros;
de teatro e Curto prazo Anual
curricular); c) cenografia; . acompanhamento
de dança
- grupos locais d) figurino dos egressos.
maquilagem

1.2 Workshops
com grupos 3 workshops . lista de presença;
artísticos Curto prazo Bienal - MinC (1 a cada 6 meses): . atratividade de
(locais e teatro, dança e circo grupos externos.
externos)

- demanda pelo
programa;
5 residências por
1.3 Residên- - grau de satisfação
Chamada anual - FUNANRTE; ano e 5 apresenta-
cias Médio prazo do público
(3 meses cada) - Universidades ções públicas de
artísticas expectador;
resultados/ano
- reverberação em
espetáculos

Apresentações - públicos
Bienal, sg. - Escolas;
públicas de poesias participantes
1.4 Concursos modalidades - Agremiações e
Médio prazo e esquetes. - procura pelas
e festivais (dramaturgia; referências
Publicação de publicações nas
esquetes etc.) locais (júris)
poesias e contos. bibliotecas

- públicos
- Municípios - municípios
1.5 Editais
da região “x” espetáculos envolvidos
de circulação Médio prazo Bienal
- SEC-RJ apresentados - grupos
de espetáculos
- FUNARTE participantes e
concorrentes

- atratividade
- SM Obras; Teatro capaz de
do equipamento
1.6 Construção - Empresas; abrigar espetáculos
Longo prazo Único - capacidade de
de teatro - MinC e Min. cênicos e
absorção das
Turismo multimídias
produções locais

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Exemplo exploratório 2:
Segundo levantamentos do município de CABO FRIO, o I Fórum Municipal
de Cultura (2009) elencou o fortalecimento do movimento de Cultura Negra
como proposta.
Considerando como DESAFIO, dentro do eixo MANIFESTAÇÕES CULTU-
RAIS POPULARES, o fomento às expressões étnicas de matriz afrobrasileira,
podemos então buscar elencar um conjunto de ações (todas presentes no referido
documento) para enfrentar tal Desafio.
Levando em conta as fases do circuito ou sistema de produção cultural, temos:

Criação / Produção:
a.1) apoiar oficinas comunitárias em territórios quilombolas e demais áreas do
município, com temáticas focadas nas expressões culturais afrobrasileiras;
a.2) apoiar e estimular a ampliação das ações dos Quilombos, através de editais
específicos (ou de eixo próprio no PROED – Programa de Editais)

Distribuição e divulgação:
b.1) apoiar com infraestrutura a promoção de feiras de produtos em eventos e
festivais;
b.2) instituir Semana de Consciência Negra;
b.3) criar Festival da Diversidade Cultural;
b.4) criar Centro de Referência de Cultura Afrobrasileira.
 
[FASES contempladas por indicações gerais]
Troca: deve-se estimular ações com acesso gratuito e oferta de financiamento
através de editais.
Fruição e uso: estimular debates a diversidade cultural e étnica nas escolas.

1328
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EIXO 2: MANIFESTAÇÕES CULTURAIS POPULARES


DESAFIO: AMPLIAÇÃO DE AÇÕES DE CULTURA NEGRA
Formas de
Tempo de Ciclo de Possíveis Resultados
Ações propostas avaliação dos
implementação frequência parceiros Esperados
resultados

. relatórios dos
- SM Educação
1.1 oficineiros;
(implementação Oficinas semanais
Oficinas Curto prazo Anual . quantificação
da Lei 10.639); (a definir)
de cultura afro das ofertas em
- mestres griôs
eventos e feiras.

. relatórios
dos grupos
1.2 - Secretaria de
apoiados;
Editais para fomento Promoção da Programa
Curto prazo Bienal avaliação da
das ações dos Igualdade Racial bienal de editais
atratividade
quilombos (SEPIR).
territorial
gerada.

Realização
- Territórios de feiras com
1.3 - procura pela
quilombolas participação
Promoção de Feiras Curto prazo Diversa participação
e outros de produtos
de produtos em feiras
grupos locais de grupos
afrobrasileiros

1.4 Implementação - escolas - envolvimento


Realização anual
da Semana de Curto prazo Anual - quilombos dos grupos locais
das Semanas
Consciência Negra - grupos diversos com os eventos

- envolvimento
dos grupos com
a realização
1.5 Criação de - escolas
Realização anual de festivais
Festival da Curto prazo Anual municipais
dos Festivais - capacidade
Diversidade Cultural - ONGs
geral de
atratividade
dos eventos

1.6 - Criação de - Ministério


Criação - relatórios
Centro de Referência Médio prazo Único do Turismo
do Centro de presença
de Cultura Negra - MinC

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Exemplo exploratório 3:
Segundo levantamentos da realidade e demandas do município de ANGRA
DOS REIS apontadas n a 8ª Conferência municipal de Cultura (2013), destacou-
-se como DESAFIO, dentro do eixo TURISMO CULTURAL, PATRIMÔNIO
AMBIENTAL E CONSTRUÍDO, ações de preservação e valorização do
patrimônio histórico-cultural e ambiental.
Levando em conta as fases do circuito ou sistema de produção cultural, temos:

Criação / Produção:
a.1) desenvolver oficinas regulares de educação ambiental e patrimonial nas
escolas públicas;
a.2) implementar editais para pesquisas históricas, e publicações;
a.3) realizar inventário do patrimônio arquitetônico (formal e afetivo);
a.4) ações de arqueologia.

Distribuição e divulgação:
b.1) contratação de técnicos em conservação, manutenção e restauração do pa-
trimônio histórico;
b.2) implementar programa de visitas guiadas aos bens arquitetônicos
e ambientais;
b.3) criação de arquivo público, abrigando também o acervo do Museu de
Artes Sacras;
b.4) criação e fiscalização de leis de patrimônio (tombamento de sítios históri-
cos, conjuntos arquitetônicos e paisagens culturais e naturais);
b.5) criação do Conselho de Patrimônio, com participação da sociedade civil;
b.6) criação de Escritório do Patrimônio Ambiental, localizado em Ilha Grande.
 
[FASES contempladas por indicações gerais]
Troca: deve-se estimular ações com acesso gratuito e também subsidiadas por
instituições localizadas em bens históricos.
Fruição e uso: estimular debates, visitas e publicações.

1330
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EIXO 3: TURISMO CULTURAL, PATRIMÔNIO AMBIENTAL E CONSTRUÍDO


DESAFIO: PRESERVAÇÃO E VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL
E AMBIENTAL

Formas de
Tempo de Ciclo de Resultados
Ações propostas Possíveis parceiros avaliação dos
implementação frequência Esperados
resultados

. relatórios dos
1.1 oficinas
professores;
de educação - SM Educação; Oficinas s
Curto prazo Bianual . programa de
ambiental - instituições locais emestrais
redações
e patrimonial
escolares

1.2 editais para - quantitativo


pesquisas Editais de pesquisas
Médio prazo Bienal - SEC-RJ
históricas, implantados realizadas e
e publicações editadas

1.3 inventário
Patrimônio - bens
patrimônio Curto prazo Único universidades
inventariado inventariados
arquitetônic

1.4 ações de - ações


Longo prazo Diversas - IPHAN Sítios vitalizados
arqueologia desenvolvidas

1.5 contratação de
técnicos (conserv., Técnicos - quantitativo
Curto prazo Único
manut. e restaur. contratados contratado
do patrimônio)

1.6 visitas guiadas - número


Visitas regulares
aos bens arquitet. Curto prazo Mensal - escolas públicas de visitas
aos bens
e ambient. realizadas

1.7 criação de - quantitativo


Médio prazo Único - Museu de Artes Sacras Arquivo Público
arquivo público de visitação

1.8 criação de leis Leis criadas e - preservação


Curto prazo Único - câmara de vereadores
de patrimônio fiscalizadas dos bens

1.9 criação do Conselho de


- ações do
Conselho de Médio prazo Único - câmara de vereadores Patrimônio
Conselho
Patrimônio (participativo)

1.10 criação de
Escritório do Escritório em Ilha - ações do
Longo prazo Único - IBAMA
Patrimônio Grande Escritório
Ambiental

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Exemplo exploratório 4:
O eixo 4 - SOCIABILIDADE, COMUNICAÇÃO, PARTICIPAÇÃO
SOCIAL E DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICO
SUSTENTÁVEL – se estrutura em ações muitas vezes transversais aos outros
eixos. A criação de Conselhos com integrantes da sociedade, e ações de
comunicação e interação entre governo e sociedade servem como ilustrações
desta questão.
Pensou-se, aqui, em uma breve frente de ação ligada ao município de
ARRAIAL DO CABO, a saber: fortalecer a institucionalidade e gestão
participativa das políticas municipais de cultura.

EIXO 4: SOCIABILIDADE, COMUNICAÇÃO, PARTICIPAÇÃO SOCIAL


E DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICO SUSTENTÁVEL
DESAFIO A: GESTÃO PARTICIPATIVA NA CULTURA

Formas de
Tempo de Ciclo de Possíveis Resultados
Ações propostas avaliação dos
implementação frequência parceiros Esperados
resultados

- Entidades e
1.1 grupos Participação da
Realizar locais Conferências sociedade e de
Curto prazo Bienal
Conferências Muni- - Escritório realizadas representantes
cipais de Cultura Regional do governamentais
MinC

- Entidades
municipais
1.2 Reuniões do
- SM de Educ.
Criar e implantar o Conselho Conselho;
Curto prazo Único - SM de Meio
Conselho Municipal instituído Participação dos
Ambiente
de Política Cultural munícipes
- Câmara de
Vereadores

- SM de Fundo
1.3 Instituir Editais
Finanças regulamentado
Fundo Municipal Curto prazo Único realizados
- Câmara de e em
de Cultura e pagos
Vereadores desenvolvimento

5. À GUISA DE CONCLUSÃO...
O processo de dinamização junto aos municípios tem se revelado muito promissor. Há
municípios que nunca realizaram uma conferência de cultura e cujos encontros de dinamização

1332
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para alavancar o processo de construção do plano de cultura têm se mostrado potentes inclusive
para instituir redes locais. Há municípios que já tem plano de cultura formulado, mas que vêm
percebendo na metodologia proposta uma possibilidade de se alcançar formulações mais con-
cretas e realizáveis no tempo. Houve proposta para estruturar site para acompanhamento das
ações do Plano em permanente processo de avaliação pela sociedade civil. Enfim... processos
potentes em várias perspectivas.
Por outro lado, gestores governamentais têm percebido a necessidade de se pensar o plane-
jamento de modo processual e compartilhado, pois as dificuldades de “escutas” e “presença” são
realmente grandes... (mesmo quando bem intencionados, gestores não são oniscientes nem onipre-
sentes; portanto o compartilhamento deve ser uma ação imanente aos processos de planejamento).
Pelo viés da universidade, as articulações técnicas têm possibilitado maior aderência
entre formulações teóricas e práticas sociais, saindo – cada vez mais – dos muros às vezes en-
castelados da academia...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUNNER, José Joaquín. La cultura como objeto de políticas. Santiago de Chile: FLACSO, 1985.
Programa n. 74, out. 1985a.
BRUNNER, José Joaquín. A propósito de políticas culturales y democracia: um ejercicio formal.
Santiago de Chile: FLACSO, 1985. Programa n. 254, ago. 1985b.
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Definiciones en transición. In: MATO, Daniel (org.) Cultura, política
y sociedad Perspectivas latinoamericanas. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales,
Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. 2005. pp. 69-81. Disponível em http://bibliotecavirtual.
clacso.org.ar/ar/libros/grupos/mato/GarciaCanclini.rtf. Acesso em 11/02/2016
LIMA, Deborah Rebello ; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Ponto de cultura: novas tipologias de fomento
a circuitos culturais – um exemplo brasileiro. Colonialismos, Pós colonialismos e lusofonias - Atas
do IV Congresso Internacional em Estudos Culturais. Abril 2014, p. 852-859. Disponível em http://
estudosculturais.com/congressos/ivcongresso/wp-content/uploads/2014/04/atas-PT-final.pdf>. Acesso
em 30 abril 2014.
RODRIGUES, Luiz Augusto F. Gestão cultural e seus eixos temáticos. In: CURVELO, Maria Amélia [et
al.] (org.). Políticas públicas de cultura do Estado do Rio de janeiro: 2007-2008. Rio de Janeiro: Uerj/
Decult, 2009. pp. 76-93
RODRIGUES, Luiz Augusto F.; CASTRO, Flávia Lages de. Gestores culturais: proposta de categorização
– nuances etnográficas. - Anais do XI RAM / Reunión de Antropologia del Mercosur. Montevideo, 2015.
s/p. [Ainda não disponível on line]
SOUZA, Ana Clarissa F. de. Sistema Nacional de Cultura e Gestão Compartilhada: um estudo sobre o
processo de construção do Sistema Municipal de Cultura de São Gonçalo – RJ. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2015.

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PONTOS DE CULTURA DO RIO DE JANEIRO: POTENCIALIZAR SINERGISMOS


Marcella Francelina Vieira Camargo1

RESUMO: O presente texto tem como objeto a reflexão sobre a gestão participativa da Rede
de Pontos do Estado do Rio de Janeiro, que representa parte da política pública federal Cultura
Viva, de promoção e garantia da diversidade cultural do Ministério da Cultura. O objetivo é
desenvolver uma análise crítica da relação entre a gestão participativa da Rede de Pontos do
Rio de Janeiro e o processo democrático de inclusão de diferentes subjetividades. O estudo
pretende identificar e analisar em que medida os mecanismos de participação estabelecidos pelo
Cultura Viva geram oportunidades e condições efetivas de participação, em termos da inserção
dos diferentes segmentos da diversidade cultural que povoa os Pontos de Cultura do estado, e
quanto isso pode favorecer o alargamento dos mecanismos de participação da Rede Nacional do
Pontos e da sociedade como um todo, contribuindo para a democratização da fruição e produção
da Diversidade Cultural Brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura Viva, Gestão Participativa, Produção de Conhecimento cogniti-


vo-sinestésico-afetivo-estético

1. CONTEXTO HISTÓRICO
O programa Cultura Viva foi lançado em 2004, quando o cantor tropicalista baiano, ne-
gro e compositor, Gilberto Gil2 estava à frente do Ministério da Cultura, no primeiro mandato
do governo de Luis Inácio Lula da Silva. A inovação cidadã da política pública de diversidade
cultural se revelou em diferentes dimensões, especialmente pela sua capilaridade: em dez anos
atingiu 1.000 municípios em 26 estados, fomentando projetos sócio-culturais de diversos seg-
mentos da cultura brasileira. Os projetos foram batizados de Pontos de Cultura. Esta política
pública atingiu a cultura de base comunitária, juventude, quilombolas, comunidades tradicio-
nais, cybernautas, a produção cultural urbana, a cultura popular, e todos os tipos de linguagem

1
Mestre em Antropologia e Sociologia pelo IFCS-UFRJ, fundadora da Escola de Pesquisa de Jovens Pesquisa-
dor@s de Nova Iguaçu, desenvolve pesquisa-ação participativa a 2 décadas, em parceria com a sociedade civil
organizadas e a gestão pública, co-fundadora do GT Pesquisa Viva da Comissão Nacional do Pontos de Cultura, é
ponteira da Casa Nuvem. Email: marcellafvc@gmail.com
2
Praticante da diversidade cultural em sua musicalidade, mistura várias tradições e linguagens da diversidade
cultural brasileira com tecnologia digital.

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artística e cultural3, chegando a territórios que historicamente não tinham atenção do estado no
que diz respeito a saúde e saneamento básico, muito menos às práticas e ações culturais locais.
O objetivo da política era reconhecer os agentes culturais ativos, invisíveis às políticas
de estado e ao mercado, mas que contribuem amplamente no desenvolvimento das comunidades
locais, nas palavras de Gilberto Gil:
“clarear caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar. Para fazer uma es-
pécie de ‘do-in’ antropológico, massageando pontos vitais, mas momen-
taneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país” 4.
Indo na contramão do pensamento hegemônico das classes dominantes, pela necessidade
de levar Cultura ao Povo Brasileiro (TURINO 2009).
O Ministério da Cultura elaborou um edital, aberto às organizações sem fins lucrativos
que desenvolvessem ações com impacto sócio-cultural nas comunidades de baixa renda em todo
o território nacional. Os pilares metodológicos de implementação do Cultura Viva eram e são:
1. O financiamento de R$ 60.000,00 por ano, durante três anos; 2. Disponibilizar equipamentos
com software livre e acesso à internet, para produção e edição multimídia; 3. Promover oficinas,
cursos, acompanhamento, intercâmbio e instigação via meios de difusão do Cultura Viva; e 4.
Plataforma web de distribuição - compartilhamento das produções simbólicas e conhecimento
tecnológico, gerados pela ação autônoma em rede dos pontos de cultura. Na 1a. edição do edital
foram inscritas 800 propostas e selecionados 214 projetos de todo o território nacional.
A implementação e gestão dos projetos do Programa Viva, dos 214 Pontos de Cultura,
era realizada diretamente pelo MinC. Foram muitas as dificuldades de gestão, devido às distân-
cias geográfica, territorial e educacional, e entre gestores5 e ponteiros6. A política em operação
revelou que as contrapartidas exigidas pelos convênios7 influenciam no cotidiano dos agentes
culturais (IPEA, 2011; COSTA, 2008), alterando suas práticas nos projetos de Pontos de Cultu-
ra, destacando-se: as exigências de execução e prestação de contas dos recursos repassados; os
desafios e benefícios que a novidade e a dificuldade de acesso ao universo digital compreendem;
a necessidade da comunicação interna e externa, considerando o mundo virtual como a principal
base do acompanhamento e fomento da rede8, que com o passar dos anos está fortemente apoia-
da nos encontros presenciais.

3
http://www.cultura.gov.br/cultura-viva1
4
Extraído : http://ecodigital.blogspot.com.br/2004/09/pontos-de-cultura-do-in-antropolgico.html
5
Técnicos do MinC, muitos deles oriundos das universidades, ONGs e militância das áreas da juventude e da
cultura.
6
Como as pessoas que desenvolvem os projetos nos Pontos de Cultura se identificam enquanto rede/campo.
7
Convênios são instrumentos legais e jurídicos que formalizam as obrigações entre o Estado e as instituições
proponentes de Pontos de Cultura.
8
Ainda um dos calcanhares de Aquiles.

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Entre os impactos positivos indentificáveis em vários estudos acadêmicos (LAMBRÉIA,


2014; IPEA, 2011; CAMARGO, 2011) está a capilaridade que potencializou e fomentou fluxos
de informações e saberes entre a sociedade civil organizada, os Pontos de Cultura e o corpo
técnico do estado. Uma série de atores, agentes, artistas e ativistas sócio-culturais vem sendo re-
conhecida pelo estado e pela sociedade civil, estabelecendo sinergias com diversos movimentos
sociais9 e aflorando novas representações e comportamentos.
No Brasil, esta amplitude e elasticidade contribuíram para o reconhecimento da Cultura
como um dos Direitos Humanos fundamentais, o que implica a garantia de direitos e do respei-
to, e a valorização da diversidade cultural, que se colocam como transversais aos desafios das
organizações governamentais e não governamentais, em segmentos políticos, econômicos, so-
ciais etc., dialogando diretamente com a agenda 21 das Nações Unidas, que passa a influenciar
a agenda do Estado e dos Pontos, refletindo nas formas de pensar da administração pública da
Rede dos Pontos do Estado do Rio de Janeiro.
Esses diversos fluxos de informação, motivação e compromissos com a inclusão e de-
mocracia povoam o Cultura Viva, de modo que o princípio participativo possa permear todas
as esferas do Cultura Viva, pautando e demandando práticas da Secretaria da Cidadania e Di-
versidade Cultural, o que implica “reflexões e estabelecimento de práticas compartilhadas pelo
governo e Rede de Pontos” (ROLEMBERG:2015, p. 14). Entretanto, ao lado dos impactos
positivos, os percalços de planejamento e gestão nos Pontos e na administração pública aumen-
taram na proporção dos números de Pontos de Cultura na Rede, assim como as disputas entre os
diversos segmentos envolvidos.
Respondendo à necessidade de mecanismos para possibilitar a gestão compartilhada, em
2006 acontece a primeira Teia Nacional em São Paulo. As Teias Nacionais são o locus mais im-
portante de tomada de decisões da Rede Nacional, de troca de experiências sinestésicas, estéti-
cas, cognitivas e afetivas, onde a experiência e a celebração da diversidade cultural são vividas.
Importante destacar que esta é a única instância onde é facilitada10 a participação de ges-
tores: um representante de cada Ponto, delegados ponteiros dos fóruns regionais11 e setoriais12,
e também conta com a participação espontânea e fomentada por diversas entidades nacionais e
internacionais acadêmicas, artísticas, culturais de artistas, pesquisadores, militantes e interessa-
dos na diversidade cultural em geral.

9
Gênero, étnico, geracional, ecológico, rural, estético, artístico em diversas linguagens.
10
Os participantes reconhecidos pelo estado recebem passagem, estadia e alimentação para participar.
11
Um de cada estado.
12
Linguagens artísticas como teatro, dança, música, cultura digital, e também segmentos sociais como juventudes,
indígenas, quilombolas, gênero, LGBT, etc…

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Uma das decisões desse fórum foi a necessidade de ter instituições “experientes13”, como
Pontões14, cujo objetivo seria de fomentar e articular os diversos Pontos, aproximando-os das Re-
des locais e das Redes dos estados e federal. Mais uma vez durante a execução das atividades des-
sas instituições ocorreu uma série de problemas de ordem técnica e burocrática, ligados à fiscaliza-
ção de atividades e à liberação de recursos que descontinuaram as atividades de vários Pontões15.
Em 2012, atendendo às demandas das diversas redes estaduais, foi fundada a Secretaria
da Cidadania e da Diversidade Cultura16 (SCDC) com a função de, entre outras, estimular os
melhoramentos, sistematizar e redesenhar o programa para atender às novas demandas da Rede;
repassar o financiamento e acompanhar os estados e municípios para que distribuam e adminis-
trem publicamente a rede dos Pontos, indo ao encontro do paradigma de desenvolvimento local
delineado por MILANI (2006): “Fomentar uma rede com participação de diferentes atores que
informe, elabore, implemente e avalie as decisões políticas.”
Atualmente, segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados - IPEA (2011),
são cerca de 3.00017 Pontos de Cultura em todo o país, suas ações atendem por volta de oito
milhões de pessoas. Em 2014, o Programa Cultura Viva transforma-se em Política Federal do
Cultura Viva18, cuja meta é implementar 15.000 Pontos no território Nacional até 2020.
Estabelecida a trajetória, no amplo contexto desta política, o desafio do presente texto é
refletir o que é e como acontece a gestão participativa da rede de pontos de cultura, em outras
palavras, levantar e analisar os mecanismos da gestão participativa dentro deste universo rico
em diversidade de modos de vida e expressões culturais, utilizando o estado do Rio de Janeiro
como referência.
Para mergulhar neste universo, adotei como recorte regional o estado do Rio de Janeiro,
por vários motivos: apesar de se tratar de uma política do governo federal, o Cultura Viva é ope-
racionalizado por meio de convênios do MinC com as secretarias estaduais e municipais de cul-
tura em todo o território nacional; O Rio de Janeiro compõe cerca de 10% da Rede Federal dos

13
Pensamos que em um contexto onde é tudo experimental o ser experiente é uma construção de discurso tecno-
crata, o que estava em jogo era a capacidade de fomentar a rede.
14
As instituições selecionadas foram alguns Pontos de Cultura mais antigos, de convênio de 2004 e universidades,
principalmente as públicas.
15
Este desenho da política é retomado para SMC neste ano, 2015.
16
Seu objetivo é fortalecer o protagonismo cultural da sociedade brasileira, valorizando as iniciativas culturais de
grupos e comunidades excluídas e ampliar o acesso aos bens culturais, principalmente no apoio a projetos de espa-
ços culturais denominados Pontos de Cultura e suas unidades de articulação e mobilização denominadas Pontões
de Cultura. Os Pontos de Rede e as TEIAS também são instrumentos de gestão do Programa Cultura Viva. Fonte:
http://www.cultura.gov.br/cidadaniaediversidade
17
No site do MinC está publicada a implementação de 3.500 Pontos, esta diferença de valores corresponde a dois
critérios de contagem diferentes. O IPEA mapeou os Pontos existentes em sua pesquisa realizada em 2011. Já o
Minc contabiliza os convênios implementados, a diferença é que uma mesma instituição/CNPJ, após encerrar o
convênio, pode concorrer ao um novo edital, certa de 17%, estão no seu segundo convênio.
18
Lei 13.018/2014 disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13018.htm

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Pontos; pela extensão, diversidade e densidade de territórios, caracteriza um microcosmo que


reflete a rede Nacional; por eu ser Ponteira, pertencer ao GT Pesquisa Viva e fazer parte da Rede
Estadual e Nacional, e acompanhá-las desde 2008; e por ser o Rio de Janeiro a primeira unidade
da federação a reconhecer e implantar o fórum mensal para discutir e deliberar sobre questões
do Cultura Viva, reunindo Ponteiros e gestores do município, do estado, e da federação; e outros
interessados que foram se agregando a esta rede de diversidade cultural.

2. OBJETO DA REFLEXÃO
O objeto desta reflexão é a gestão participativa da Rede dos Pontos de Cultura. Partindo
de baixo para cima, observa-se19 que o cerca de 280 Pontos ativos e pulverizados pelo estado do
Rio de Janeiro, somente 10% a 15% participam dos diálogos sobre a política, seja nos diários-vir-
tuais ou nos periódicos-presenciais. Este número é alterado, em algumas ocasiões estratégicas,
quando há: 1. Presença de pessoas do poder executivo do Ministério da Cultura, da Secretaria da
Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC), das Secretarias de Cultura na agenda do Fórum; 2.
Eleições de delegados regionais ou setoriais para participar de alguma comissão da rede em nível
estadual ou nacional, ou participar de eventos internacionais representando a Rede. Mas, mesmo
nesses casos, o número de Pontos presentes não ultrapassa 50, o que aponta para a baixa adesão
da Rede aos mecanismos de gestão e representação da política pública Cultura Viva. Todavia
cabe indagar quem são esses participantes, o que os leva a participar, e quem são os ausentes?
Para refletir sobre a participação nos fóruns, podemos traçar alguns perfis iniciais. Em
linhas gerais os Pontos são oriundos de três tipos de convênios20, sendo que parte expoente dos
participantes dos fóruns de discussão é composta por pessoas de instituições que assinaram o
primeiro convênio com o MinC21. A pesquisa da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Ja-
neiro22 mostra que essas instituições já realizavam outras parcerias em diferentes secretarias de
estado, o que pode implicar a não renovação de questões, representações simbólicas e disputas
de interesses no âmbito da diversidade cultural do Estado do Rio de Janeiro.
Em 2008, o Programa Cultura Viva passou a ser mais pulverizado, e para garantir um
melhor acompanhamento foi firmado um convênio entre a Secretaria de Estado de Cultura, o
Ministério da Cultura e a União, delegando à administração da SeC 230 novos Pontos no Esta-
do. Apesar do elevado número de participantes nos fóruns e Teias23, pode-se indagar o quanto
dessa participação é instrumental ou se de fato vem ampliar no sentido de incluir e reconhecer

19
Esta percepção se deve a minha participação nestes espaços.
20
Há três tipos de convênios assinados com o Ministério da Cultura MinC (2004), a Secretaria de Estado do Rio
de Janeiro SeC (2007 e 2014), e com a Secretaria Municipal do Rio de Janeiro SMC (2014).
21
2004
22
Inédita que desenvolvi e coordenei ao longo dos últimos quatro anos, iniciada quando eu fazia parte do quadro
de servidores da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro.
23
A presença dos novos Pontos conveniados com a SMC é insipiente.

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as diversidades culturais que vão formando a Rede, na direção dos questionamentos do espaço
que é dado a outras possibilidades de representações da vida, alargando as opções humanas.
Como apontado pelo IPEA24 2011, outro fator importante é que as organizações que
tiveram projetos aprovados25 como Pontos de Cultura são distintas em termos técnicos, buro-
cráticos e financeiros. Na pesquisa da SeC, identifico que há ONGs de pequeno, médio e grande
porte, onde o significado e a dimensão de ter ou ser um projeto aprovado como Ponto de Cul-
tura causam diferentes impactos. Em instituições como Observatório de Favela, Afro Reaggae
e Dançando para Não Dançar, por exemplo, com orçamentos em milhões/mês, o projeto Ponto
de Cultura é somente mais um, enquanto para instituições de pequeno porte como centros de
umbanda, rodas de capoeira, aldeias indígenas, cineclubes de comunidades, nos rincões do Esta-
do, o projeto de Ponto de Cultura não se diferencia da própria instituição26, e todas as pessoas27
da instituição estão envolvidas nas atividades, gerando uma série de dependências financeiras,
administrativas e cognitivas do poder público.
Essas diferenças de porte das instituições, e de localização, próximas ou não das ins-
tâncias de poder28, condicionam a participação dos Ponteiros nas diversos espaços de tomadas
de decisão. Cabe apontar quatro motivos principais: a falta de recursos dos ponteiros que não
podem usar as verbas federais dos Pontos, e nem receber ajuda de custo para participarem29; a
falta de disponibilidade de tempo, no caso de alguns Pontos, a ausência de um Ponteiro pode
prejudicar as atividades do Ponto como todo; o desconhecimento da importância de seu papel
como colaborador da gestão compartilhada dos Pontos; e a dificuldade de acesso às redes virtu-
ais. (ALENCAR, CRUXÊN, FONSECA, PIRES, RIBEIRO, 2013:119).
Legitimados pelo Programa Cultura Viva, (TURINO: 2009) por serem considerados
como uma rede que representa os territórios e a diversidade cultural, desde sua formulação,
ganharam oportunidades de participação na vida pública, ampliada para Conselhos Municipais,
Estaduais, Nacionais de Cultura, de linguagens artísticas, de comunidades específicas, e várias
outras políticas de transversalidade da diversidade cultural, todavia poucos Ponteiros são “qua-
lificados”, conhecem e/ou têm interesse em participar desses fóruns que discutem e decidem
sobre várias políticas setoriais em âmbito municipal, estadual e federal.

24
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
25
São exigidos das organizações que tiveram projetos aprovados: um nível de formalização, técnicas burocráticas
e administrativas que não faziam parte do escopo de atuação da grande maioria destas organizações.
26
Em CAMARGO: 2011, percebe-se que nas pequenas instituições ainda podemos fazer divisões entre grupos que se
formaram para concorrer aos editais e as instituições que já existiam, apesar das dificuldades de sustentabilidade.
27
Segundo dados da pesquisa da SeC, como as instituições, os números de envolvidos e o tipo de vínculo variam
entre os Pontos (CAMARGO:2011).
28
Todas na capital.
29
Dinheiro para passagem, estadia e alimentação, pois os fóruns são itinerantes, cada mês em uma das regiões, o
que implica um montante considerável de recursos. Em algumas ocasiões as gerências disponibilizam “caronas”.

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Outro pressuposto do Cultura Viva a ser discutido, e que pode estar relacionado com
a baixa adesão à participação, é a crença de que distribuir equipamentos tecnológicos seria o
suficiente para fomentar o fluxo de informação e comunicação da rede, permitindo a subida e
descida de conteúdos veiculados pelos Pontos, e produzindo sinergia na Rede.
Sem dúvida, são enormes os benefícios e possibilidades trazidos pelo universo digital.
Todavia a informatização não chegou com forma, intensidade e sentido iguais para todos os
Pontos, sendo amplas as dificuldades e resistências ao mundo virtual, agravadas por não se
poder usar parte do recurso para pagar provedores de acesso à internet (CAMARGO:2011). Ao
final, as discussões e tomadas de decisões são presenciais.
A problemática se entrelaça em três pilares da política: a diversidade cultural e institucio-
nal; a debilidade da implementação da Cultura digital e a consequente fragilidade da rede e da co-
municação; a distância entre a proposta inicial e os mecanismos reais de formas de participação.
Algumas perguntas podem ser indicadas:
• Quais são os diferentes significados de gestão participativa nos Fóruns e Teias?
• Qual é o papel do gestor público?
• Qual é a ação dos participantes dos fóruns?
• A quais segmentos sociais, étnicos, geracionais etc pertencem?
• Quais são as disputas simbólicas e econômicas em questão?
• Quais são os segmentos do universo de Pontos de Cultura do Rio de Janeiro que
estão fora do campo?
• Há outras ferramentas que possibilitam a participação e estão à margem das disputas?
• Quais os mecanismos de gerenciamento das informações e conhecimentos produzi-
dos pela Rede?
• Como são escolhidas, formuladas e usadas as pesquisas contratadas pelo MinC, e
secretarias
de cultura?
• O que significa participar do Programa Cultura Viva?
A percepção a partir da participação mensais dos fóruns, à luz da pesquisa que reali-
zei na SEC é que a maioria dos Pontos de Cultura está à margem da agenda dos fóruns, o que
implica que grande parte das subjetividades, dos sentidos sobre o dia a dia e suas respectivas
representações de mundo fica fora dos processos de formulação e tomada de decisões da gestão
participativa da Rede dos Pontos de Cultura, e seu reverso é que um mesmo grupo de pessoas
vem construindo os espaços de participação desde o seu início.
Problemática - divide-se em dois eixos:

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Eixo 1 - Gestão participativa dos Pontos de Cultura


Para abordar o tema governança, ou melhor, participação social dos Pontos de Cultura,
torna-se fundamental delinear alguns condicionantes: o papel do estado e os valores que orien-
tam os mecanismos onde se opera a participação, o processo de construção e espaços de parti-
cipação, a qualificação dos grupos de atores; e as diferentes dimensões e significados da gestão
compartilhada participativa na Rede Nacional e entre as Redes dos Pontos de Cultura (MILANI,
2006; COSTA, 2008).
Em termos de orientação principal, a Diversidade Cultural é considerada pelo MinC um
Direito Humano. São os valores de respeito e promoção da Diversidade Cultural que devem
orientar a construção dos espaços de gestão participativa. Nas palavras do formulador do con-
ceito da política (TURINO:2009) “é fundamental que o Estado promova uma agenda de diálo-
gos e de participação”.

Quais são os processos e práticas que operacionalizam essa proposição no cotidiano?
1. Em termos da administração pública, foram estabelecidas Gerências dos Pontos nas
Secretarias de Cultura, onde a tarefa dos técnicos é acompanhar e facilitar o desen-
volvimento dos convênios, seguindo orientações da SCDC/MinC; e
2. São seis (6) fóruns de reflexões e tomadas de decisões na rede de Pontos de Cultu-
ra composta por ponteiros e representantes do estado, a saber: Comissão Nacional
de Pontos CNdP, Fórum Virtual da CNdP, Teias Nacionais, Teias Estaduais, Fóruns
estaduais, Fórum Virtual da Rede Estadual. Na redes, estes fóruns estão todos conec-
tados, e no dia a dia seus impactos são vividos e percebidos de maneiras distintas
pelos Ponteiros/as; há um processo de qualificação para participar com voz, voto e
presença em cada deles.

No corpo de executor e técnico no estado e no município do Rio de Janeiro, foram criadas
as Gerências de Pontos de Cultura, cujas responsabilidades são do quadro de funcionários30: 1.
Repassar os recursos; 2. Acompanhar os Pontos virtual e presencialmente; 3. Prestar assistência
técnica para garantir que os Pontos superem a burocracia31, bem como: 4. Facilitar e fortalecer
a gestão participativa por meio de presença e estabelecimento de diálogos nos fóruns regulares
virtuais e presenciais e extraordinários como as Teias estaduais e nacionais.
Seguindo as orientações da CNPdC, no âmbito estadual no dia a dia, o grupo de e-mail
dos Pontos funciona atualizando as discussões, propondo pautas e, às vezes, encaminhando so-
luções, mobilizações em torno de temas de interesse, como a discussão e votação da implemen-

Uma vez que os projetos e respectivas instituições foram selecionados por edital público.
30

Desde questões como escrever os projetos, fazer a gestão financeira, até a prestação de contas.
31

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tação da lei Cultura Viva no Senado e na Alerj32. No fórum presencial33 acontecem discussões e
são tecidos diagnósticos, que, após serem tomadas decisões nas diferentes esferas de poder, são
abertos aos ponteiros de todos os convênios federal MinC, estadual - SeC e municipal - SMC.
Em contraposição, no fórum nacional, CNPdC, o transporte e a alimentação ficam a cargo dos
interessados, o que na prática inviabiliza a participação de vários ponteiros/as. A verba destinada
aos Pontos não pode ser usada para este tipo de atividade, (MILANI:2006; COSTA:2013).
Em linhas gerais, pode-se descrever a Teia como aberta ao público em geral, mas como
mecanismo de gestão, tomada de decisão e votação tem a seguinte organização em nível nacio-
nal: a. Durante os fóruns estaduais são tirados delegados regionais e setoriais que se encontram
três dias antes da abertura oficial e pública da Teia para discutir questões enviadas pelos fóruns
estaduais e pela CNPdC, relativas aos desafios e estratégias do dia a dia da política pública Cul-
tura Viva, e assim votar e encaminhar propostas; b. Quanto é aberta ao público em geral: cada
ponto pode enviar 1 representante, que se encontrará com gestores públicos, acadêmicos, mili-
tantes das áreas da cultura e social, etc; a dinâmica é que se distribuam em Grupos de Trabalho
– GT, conforme seus interesses, e desenvolvam propostas e encaminhamentos que dependerem
de várias negociações para serem implementados ou não na Rede.
É também neste fórum que há possibilidade da formação de um novo GT. Todas as
propostas são encaminhadas para a assembleia geral, que acontece no penúltimo da Teia, e são
aprovadas ou não. Essas decisões influenciam os fóruns locais e os gestores públicos. Todas as
decisões ficam valendo até a próxima Teia Nacional. Há uma série de mecanismos de escolha de
representantes nos fóruns estaduais para se chegar até as Teias, e acessar oportunidades “tortu-
osas”, no sentido de pouco transparentes, que me proponho a investigar.
Os Fóruns estaduais mensais seguem a pauta determinada por e-mails, onde e quando
todos/as Ponteiros34 têm direito a voz e voto, debatem e deliberam, junto a representantes do
MinC e das secretarias de Cultura. Os temas são os mais variados possíveis, desde a discussão
sobre o significado e representação do que é ser Ponto de Cultura, redesenho de gestão da rede,
até a prioridade de investimentos nas redes, que na prática se traduzem na abertura de novos
editais para fomentar a rede.
As Teias Estaduais, seguindo o mesmo modelo já explicitado da Teia Nacional, são fi-
nanciadas pelo MinC. Participam com direito à voz e a voto um representante de cada Ponto e
um de cada segmento setorial (linguagens artísticas, região, ou diversidade cultural). Os grupos
vão se formando conforme conseguem ampliar seu protagonismo na Rede.

32
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
33
Organizado e patrocinado por Pontos de Cultura.
34
Na trajetória da política estes fóruns foram agregando outros atores, pesquisadores acadêmicos ou não, artistas
e agentes culturais que trabalham com diversas linguagens e segmentos sociais.

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Em termos de gestão participativa, no âmbito federal há a Comissão Nacional dos Pontos


(CNdP), com 617 dos 3.000 representantes organizados em setoriais: a. 1 por estado; b. grupos
de trabalhos temáticos (indígena, matriz africana, gênero, ação griô, escola viva, juventude,
estudantes, pesquisa-ação, cultura digital, etc); c. linguagens artísticas (dança, teatro, música,
audiovisual, etc).
A CNdPC, ao longo do ano, mantém um fórum virtual por e-mails onde, na conjuntura
atual, os 617 membros podem participar; presencialmente cada uma das 6335 setoriais envia um
representante, que se encontra três vezes ao ano com gestores do MinC, acadêmicos e outros
setores interessados em políticas públicas da cultura, para discutir as prioridades da rede, tomar
decisões, fazer encaminhamentos, e organizar a Teia Nacional36, sem periodicidade. É impor-
tante salientar que o Fórum Nacional é financiado pelos rendimentos da aplicação das verbas
voltadas à política pública Cultura Viva.
Nesta descrição dos mecanismos de gestão participativa, há um imbricado caminho de
participação e legitimação de representações em direção às esferas nacionais e internacionais,
espaços que foram sendo desenhados no decorrer da política pública. Para o MInC “Trata-se de
uma política cultural que, ao ganhar escala e articulação com programas sociais do governo e
de outros ministérios, pode partir da Cultura para fazer a disputa simbólica e econômica na base
da sociedade.” Entre as várias questões despertadas ao longo da descrição, cabe também refletir
qual foi e é o papel do Estado na construção destes espaços (LEFEBVRE, 2005).

Eixo 2 - Territórios culturais x Redes da Cultura Digital


Neste eixo pretendo problematizar as diferentes participações na Rede, relacionadas às
oportunidades de vivenciar territórios presencial e virtualmente.
Em 2004, no estado do Rio de Janeiro, o Programa Cultura Viva selecionou 75 projetos.
Nota-se, na distribuição dos Pontos pelo mapa abaixo, que foi ínfimo o impacto no “interior37”
do estado. Com exceção da região do médio Paraíba, a grande concentração de Pontos foi na
região metropolitana, 82,6%. A segunda Chamada Pública organizada pela Secretaria de Estado
de Cultura do Rio de Janeiro se deu em 2008, sendo abertas 230 oportunidades de convênios, e
o desafio era o interior, devido aos entraves técnicos e burocráticos. Tais convênios foram firma-
dos em etapas38, demorando em algumas instituições até cinco anos39. Se por um lado o reconhe-
cimento dos agentes culturais é uma maneira de ampliar a democracia e cidadania, por outro os

35
Fonte, análise dos formulários de inscrição dos membros do fórum.
36
Em 10 anos houve quatro Teias Nacionais.
37
Em oposição ao centro, à área metropolitana.
38
Os projetos tiveram que ser requalificados com a ajuda de um corpo técnico da SeC, o Escritório de Apoio à
Produção Cultural, EAPCult.
39
Como os territórios culturais são dinâmicos (TORRES, 2001), muitos planos de trabalho tiveram que ser refeitos.

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mecanismos de sua efetivação burocrática atravancam e retrocedem as conquistas. (SANTOS,


2007; RANDOLPH,1998). Assim, 34 instituições não conseguiram firmar o convênio, apesar
de serem aprovadas no edital.
Comparando os mapas na página seguinte, verifica-se uma maior pulverização dos 196
Pontos de Cultura conveniados à SeC no Estado, atingindo as oito regiões administrativas, e
reduzindo a concentração na região metropolitana.
Em 2014, novo esforço da SeC para alcançar os 230 Pontos lançou edital para mais 34
instituições. Durante fóruns e Teias foram discutidas as dificuldades das instituições e a con-
centração em certas regiões administrativas, e assim decidiu-se que haveria cotas por região,
no intuito de aumentar o fluxo da política para regiões não metropolitanas. Todavia, apesar dos
esforços de adequação do convênio com a realidade das instituições, as dificuldades burocrá-
ticas persistem. Em janeiro de 2015 foram selecionados os 34 projetos40, mas até 07/09/15 os
convênios ainda não estavam firmados41.
Também em 2014 a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro lança o edital da
Rede Carioca de Pontos de Cultura, implementando mais 50 Pontos no município, um total de
355 convênios no estado do Rio de Janeiro.
Seguindo as mesmas orientações do redesenho do edital da SeC voltado à inclusão de
territórios de maior pobreza, a Rede Carioca de Pontos da SMC priorizou ações das zonas oeste
e norte, onde há maior densidade demográfica e pouca presença do estado, sobretudo nas áreas
de educação e cultura. A concentração de Pontos na capital é justificada pelas dimensões geográ-
ficas do município, densidade demográfica, e concentração de diversos modos de vida.

Priorizando as regiões não Metropolitanas.


40

É importante esclarecer que o segundo edital, 2007, estava aberto a 200 grupos/organizações (com CNPJ). A
41

Secretaria de Cultura faz um pedido especial ao MinC e amplia o reconhecimento a 15%.

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Mapa 1*: Distribuição dos 75 Pontos de Cultura conveniados pelo MinC 2004

Mapa 2*: Distribuição dos 196 Pontos de Cultura conveniados pela SEC 2008

*Fonte: Pesquisa SeC 2015

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Tabela 1: distribuição dos Pontos no estado através da implementação de seus 3 editais.

A Tabela 1, sem considerar o edital da SMC, confirma concentração de 58% dos projetos
de Pontos de Cultura na região metropolitana, cuja a densidade demográfica equivale a 75% da
população do estado.
Ao desmembrarmos a região metropolitana, como propõe o Conselho Estadual de Cul-
tura, em 3 sub-regiões tecemos as seguintes reflexões: a capital concentra 35,5% dos convênios,
seguida pela Baixada Fluminense 13% e Leste Fluminense com 9%. Importante destacar que as
essas duas últimas regiões se caracterizam por agregarem municípios dormitórios, na sua maio-
ria, com baixos índices de saúde, educação, saneamento básico, e cultura, com alta densidade
demográficas 23,6% e 12,6% da população do estado, respectivamente.
Podemos observar algumas tendências na distribuição entre as regiões, na Baixada Li-
torânea, Médio Paraíba, Serrana, cada uma conseguiu acessar em média de 9% dos convênios;
enquanto as regiões, Centro Sul, Costa Verde, Nordeste Fluminense em torno de 4%; região
Norte acessou apenas 3%.
Apesar da orientação de não selecionar Pontos dentro do município do Rio de Janeiro,
o edital da SeC 2014 selecionou 2 Pontos na Capital, em destaque em rosa, todavia trata-se
de instituições indígenas, incluindo esta diversidade cultural no contexto urbano da rede dos
Pontos de Cultura.
Aqui cumpre destacar que, deste conjunto de Pontos do estado, cerca de 15% das insti-
tuições se sobrepõem, ou seja, foram conveniadas primeiramente pelo MinC, e depois pela SeC
e/ou SMC, no total são 303 instituições Pontos de Cultura.

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A narrativa do processo de distribuição dos Pontos de Cultura no Estado pontua as pre-


ocupações com ajustes segundo os redesenhos elaborados nos espaços de gestão participativa
da política pública. Cabe indagar se representa a diversidade que povoa os Pontos, fomentando
o desenvolvimento de um sistema de aprendizagem mútua para reflexão e tomadas de decisão
(RANDOLPH, 1998) que visem o bem comum (ARENDT, 1991).
Dessa reflexão deriva que há uma diferença entre: 1. Os discursos e representações da
Rede dos Pontos proferidos pelo Estado, Ponteiros gestores participativos, e 2. Ponteiros que
estão “mais” ligados aos territórios vividos presencialmente (SANTOS, 2007; TORRES, 2013).
Afinal de contas até aqui naturalizei o conceito nativo de Rede de Pontos de Cultura,
que é usado como se todos os Pontos estivessem conectados trocando fluxos, mas qual é a sua
dimensão? De quais territórios vividos são os Ponteiros que ocupam os espaços de participação
e tecem as representações oficiais da Rede juntamente com o Estado? Este universo é composto
por diversidade cultural, de modos de vida, de apropriação de espaços, experiências estéticas,
inteligências emocionais e sinestésicas; para ilustrar para além da experiência dos modos urba-
nos de vida, os povos quilombolas, indígenas, ciganos, migrantes, imigrantes, afrodescendentes,
rurais, tradicionais, pescadores, etc. De quais diversidades culturais estamos tratando?
As vivências traçam conexões com dimensões multi-institucionais, multidisciplinares
e com teorias e práticas sobre gestão pública. Isto abre diversas possibilidades de presentificar
conceitos e categorias (RIBEIRO, 2011), aproximando as pessoas de um determinado terri-
tório/universo de modo a envolvê-las ou não nas construções de políticas públicas nas quais
estão implicadas.
Há lacunas entre a distribuição dos Pontos nos territórios do estado; a representação
espacial dos Pontos; a presença numérica nos fóruns de reflexão e tomada de decisões; e a par-
ticipação no cotidiano junto às instâncias de governo nos diversos fóruns virtuais e presenciais,
estabelecendo formas diferenciadas de vivenciar e influenciar a gestão participativa na Rede dos
Pontos do Rio de Janeiro.
Mas cabe aqui fazer uma ressalva, não estou negando a existência de uma rede, mas pro-
blematizando seus limites “como espaços de intercâmbio, negociação e definição de espaços
de conflitos e de resistência aos adversários e aos mecanismos de discriminação, dominação e
exclusão” (EGLER:29, 2007) de uma potencial Rede de Pontos do Rio de Janeiro que inclua
as diversidades.

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ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA ÁREA DA DANÇA: UMA ANÁLISE DA


PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DE CULTURA
Marcella Souza Carvalho1

RESUMO: O presente artigo apresenta um contexto recente da organização e articulação


política na área da Dança, traçando um panorama do antes e depois da constituição de espaços de
participação social instaurados pelo Governo Federal a partir de 2003, especialmente os avanços
nas políticas culturais do Ministério da Cultura com a construção do Sistema Nacional de
Cultura. Sob a ótica e princípios da democracia participativa, baseia-se em documentos oficiais,
reivindicações e conquistas da área da Dança, e quais as repercussões e impactos para a área,
principalmente no que se refere à sua autonomia em relação a outras áreas artísticas, levando
em consideração a valorização de um cenário onde o ideal de democracia participativa possa ser
reconhecido como aquele em que se identifiquem avanços e efetivos espaços para representação,
diálogo, deliberação e implementação de novas políticas em conjunto com o Estado.

PALAVRAS-CHAVE: Dança, Democracia, Participação Social, Políticas Culturais.

1. INTRODUÇÃO
A Dança é uma das linguagens artísticas mais antigas que se tem conhecimento, com re-
ferências ainda no período pré-histórico. Estatísticas do IBGE do ano de 2006 (Pesquisa MUNIC
que avaliou o perfil dos municípios brasileiros) apontam que a Dança é a linguagem que, em
segundo lugar – apenas atrás do artesanato –, reúne o maior número de grupos artísticos por mu-
nicípio no país, com índice de 56,1%. Porém, mesmo considerando-se esse percentual, que hoje
é certamente maior, o que se sabe é que há uma escassez de ações específicas do poder público
para a área. Fato é que a Dança é uma expressão artística plural, que representa diversos estilos
de manifestações, crenças e técnicas, mas que tem um histórico de marginalização e de não
reconhecimento pelo Estado e pela sociedade enquanto área autônoma produtiva. A Dança é,
além de tudo isso e conforme demonstrará o presente artigo, uma área de atuação política.
1
Advogada atuante na área de Cultura e Terceiro Setor, Diretora Executiva da Sociedade Amigos de Alfredo An-
dersen. Pós-graduada em Gestão de Projetos Culturais pela USP. Bailarina e professora de dança, integrante da Cia
Flor de Lótus em Curitiba. Produtora cultural. Conselheira da área da Dança no CONSEC – Conselho Estadual de
Cultura do Paraná (12-14). Conselheira do Fórum de Dança de Curitiba. Membro da Comissão de Assuntos Culturais
da OAB/PR. Membro do Colegiado Nacional de Dança – CNPC/MINC 2015-2017. marsouzadv@hotmail.com

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Segundo o mapeamento do Itaú Rumos Cultural de 2009, há 45 organizações da socieda-


de civil que respondem pela Dança em 16 estados. Destas, duas são sindicatos de Dança (Sindi-
cato dos Profissionais da Dança do Estado de São Paulo e Sindicato dos Profissionais da Dança
do Estado do Rio de Janeiro), nove são os Sindicatos dos Artistas e Técnicos de Espetáculo/
Sateds, duas são associações de pesquisa em Dança, 20 são associações, uma é representação
nacional – Fórum Nacional de Dança –, três são Fóruns de Dança, duas são cooperativas, e dois
são sindicatos de produtores das artes cênicas. Retirando-se os 11 sindicatos que não são espe-
cíficos da área da Dança e os dois grupos de pesquisa que não apresentam caráter de discussão
sobre questões de classe especificamente desta ordem política, têm-se 32 organizações específi-
cas da área da Dança que se reúnem para debater as políticas culturais e atuar nesta seara.
Em consonância com o referencial acima citado, o tema proposto neste artigo analisa a
organização política na área da Dança sob a ótica da democracia participativa que emergiu for-
temente com programas do Governo Federal implementados a partir do ano de 2003 – especial-
mente o Sistema Nacional de Cultura –, os quais vieram a impactar diretamente a área da Dança
e demais áreas artísticas. A pesquisa demonstra a estrutura do Sistema Nacional de Cultura e
como ele influenciou as políticas culturais do país sendo essencialmente voltado à participação
popular agindo de forma institucionalizada, ou seja, com o objetivo de atuação em conjunto
com o Estado. Demonstra ainda, uma vez que se analisa o exemplo da Dança, como a classe se
utiliza desses espaços de participação popular para reivindicar, beneficiar-se, e reconhecer-se
enquanto agentes culturais e políticos capazes de mudança para sua área.
Importante destacar que o desenvolvimento e fortalecimento da área da Dança – assim
como de qualquer outra área artística – não se deu e não depende somente de recursos e progra-
mas de órgãos públicos, sejam eles municipais, estaduais ou Governo Federal. Tampouco de leis
de incentivo, ou da vontade política, embora ainda grande parte da produção cultural utilize-se
desses artifícios. O que se quer demonstrar é que ela subsiste, também, da ação e da iniciativa
de distintos agentes participativos, de organizações e movimentos da Dança no país que vêm
gerando demandas, além de propor formatos de encontro e diálogo com o poder público – so-
ciedade civil – há anos2.
Considera-se também como aspecto fundamental para o desenvolvimento dos espaços
de participação e representação política das artes os períodos de transição na administração do
Ministério da Cultura e também da Funarte – Fundação Nacional das Artes, o que reverberou
em alterações nos espaços de representatividade da Dança e mesmo nos órgãos Colegiados e na
estrutura do Sistema Nacional de Cultura.
2
Utiliza-se, aqui, a conceituação de sociedade civil proposta por Bobbio, Matteucci e Pasquino (2009, p.1210),
que a vê como “a base da qual partem as solicitações às quais o sistema político está chamado a responder; como
o campo das várias formas de mobilização, de associação e de organização das forças sociais que impelem à con-
quista do poder político”.

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Sendo assim, essa pesquisa pautou-se na hipótese de que a articulação política na área
Dança passou a se empoderar e reconhecer sua força de representatividade a partir do apro-
veitamento dos espaços de participação social institucionalizada oportunizados pelas políticas
culturais do Governo Federal iniciadas em 2003, e, além disso, das organizações populares des-
centralizadas que surgem nesse mesmo contexto, o que legitima a categoria dentro do universo
da democracia participativa e faz com que se perceba seu lugar frente às políticas públicas, sua
expansão em termos sociais, econômicos, políticos e culturais.
Resta claro, portanto, a importância de se averiguar o desenvolvimento da relação entre
poder público e a área da Dança, verificando as propriedades e especificidades relacionais que
a classe partilha com as políticas culturais do País e de que forma resultam e impactam nas
transformações político-institucionais ocorridas nos equipamentos e também em componentes e
relações decorrentes de fatores externos ao sistema, além de sua própria área artística.

2. A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NAS POLÍTICAS CULTURAIS:


O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA E SUAS ESTRUTURAS.
“A democracia pode ser inventada e reinventada de maneira independente quando exis-
tem as condições apropriadas”, afirma Robert Alan Dahl (1998, p. 9). Também segundo o autor,
a democracia proporciona oportunidades para a participação efetiva, igualdade de voto, aquisi-
ção de entendimento esclarecido e o exercício do controle definitivo do planejamento. Ao mes-
mo tempo em que estes são pressupostos para o princípio de igualdade política, são exemplifi-
cados como os modos de satisfazer a exigência de que todos os membros estejam igualmente
capacitados a participar das decisões políticas (DAHL 2009). Este é o referencial de democracia
participativa ao qual se dedica o presente artigo, e sobre o qual se embasam os entendimentos
que se seguem.
Ao menos duas dimensões teóricas compõem a ideia de democracia para Dahl: o di-
reito a participar e o debate público (DAHL 2009). Participar, neste caso, estando diretamente
relacionado ao direito de se ter informação e acesso à discussão. Portanto, as duas dimensões
se complementam, assim como ambas carregam um potencial para alteração de um processo
democrático e elaboração de políticas públicas.
Ainda, apontando para a discussão da igualdade política, Ronald Dworkin (2005, p.502)
denomina de coparticipativa uma dimensão de democracia em que “o governo exercido pelo
‘povo’ significa governo de todo o povo, agindo em conjunto como parceiros plenos e iguais no
empreendimento coletivo do autogoverno”.
Também nesse sentido, para Gramsci (1981 apud VELLOZO, 2011), a conquista de poder
público pela sociedade civil, requer a articulação entre diferentes grupos sociais e destes com a
sociedade política. Sua afirmação como instância de poder requer a utilização de estratégias em

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busca da hegemonia política e cultural, cuja construção deve-se fundamentar na ampliação da


esfera de participação e na socialização do poder, criando novas relações capazes de intervir de
forma significativa nas relações cotidianas. Assim, traçado o referencial teórico de participação
da sociedade civil nas decisões políticas, cabe apresentar como se deu tal panorama no país.
O período de redemocratização da sociedade brasileira trouxe consigo a participação da
sociedade civil organizada como atores desta nova fase de construção democrática e participati-
va do país. As décadas de 70 e 80 foram palco da multiplicação de movimentos sociais. Novas
formas de organização política e novas pautas começavam a surgir, além da retomada fortifica-
da daquelas que já existiam: sindicados, movimentos identitários, associações civis, entidades
estudantis, grupos culturais, grupos de esquerda, setores progressistas, todos na expectativa de
uma política capaz de incluir a diversidade existente e pautada em ideias de participação e poder
popular. Além da reivindicação de questões específicas, contrariavam o sistema político ditatorial
com a defesa da democracia e disseminavam valores e princípios de participação e justiça social.
Tratava-se, sobretudo, da reivindicação de novas formas de relação entre Estado e so-
ciedade, protagonizada por novos sujeitos políticos antes excluídos que orientavam para cons-
tituição de uma nova concepção de cidadania democrática, igualitária, não limitada à prática do
voto, nem pela outorga mecânica de direitos, mas sim pela participação como meio e fim deste
desejado modelo de democracia.
Todo este cenário influenciou e foi determinante para a consagração e promulgação da
Constituição Federal de 1988, dita Constituição cidadã, que dá formato institucional à chamada
democracia participativa juntamente com uma gama de direitos civis e apreço por decisões co-
letivas. Foi, por certo, uma revisão do modelo de gestão, que anteriormente tinha o Estado como
protagonista, não suscetível a pressões populares.
A Constituição de 1988 inova ao criar espaços públicos para a participação da socie-
dade civil no processo de discussão e tomada de decisão de políticas públicas, sendo tal perfil
flagrante já em seu primeiro artigo, que dá destaque ao exercício direto da soberania popular3.
Para Leonardo Avritzer (2008, p.43), “O Brasil é um dos países com o maior número de práticas
participativas no mundo, com uma infraestrutura de participação bastante diversificada na
forma e no desenho”.
Sendo assim, vê-se o papel do Estado como determinante para o sucesso da inclusão da
sociedade nas decisões políticas. Entretanto, mesmo com o cunho democrático instaurado no
país a partir da Constituição de 1988, a década de 90 foi permeada por um governo neoliberal,
cujas decisões eram concentradas no poder Executivo apenas, ou seja, pouca ou quase nenhuma
centralidade à participação social.

3
Parágrafo único do Artigo 1º da Constituição Federal: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

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Somente na última década, mais especificamente a partir de 2003, se pôde identificar


que o Brasil cumpriu e produziu um amplo conjunto de instâncias e mecanismos de participação
social tal qual e para além do previsto na Constituição. Nele, as conferências e conselhos nacio-
nais de políticas públicas destacaram-se e fortaleceram-se como uma das mais promissoras ino-
vações e principal marca do modelo democrático-participativo da nova gestão presidencial em
2003 por apresentarem conexão direta entre as políticas públicas e os processos participativos:
O governo de Luis Inácio Lula da Silva pretendia tomar a participação como estratégia
de governabilidade, privilegiando formas institucionais de interação entre o governo e a popu-
lação, o que gerou um ambiente inovador no que condiz à relação Estado-sociedade. Podem ser
citados ainda, como exemplos desse período de inovação: a construção participativa do Plano
Plurianual; a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; as Mesas
de Diálogo, as Ouvidorias (com origem na década de 80, mas incluídas na Constituição apenas
em 2004); o aumento das audiências públicas, fóruns e comissões de participação popular; a
elaboração de um Sistema Nacional de Participação (2011); a instituição, em 2014, da Política
Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social, entre outros exem-
plos ao longo dos últimos doze anos.
Não se pretende medir ou analisar aqui a efetividade e alcance dos avanços acima men-
cionados. Por evidente, a avaliação positiva acerca desses programas não é unanimidade, e críti-
cas – principalmente no sentido de que os espaços na maioria das vezes são apenas consultivos
– existem, mas, não restam dúvidas que, em comparação a outros períodos da história do país,
os programas implementados a partir do ano de 2003 representam um maior avanço no que toca
à participação social democrática brasileira. Isso sim é consenso tanto entre movimentos sociais
quanto no meio acadêmico.
Na área da cultura, houve uma profunda reestruturação do Ministério da Cultura a partir
da nomeação, em 2003, do ministro Gilberto Gil, seguido por Juca de Oliveira – atual ministro
– quando se ampliou o leque das políticas culturais por meio do papel central que a sociedade
civil organizada passou a desempenhar no processo recente, e ainda em curso, de construção de
uma política nacional de cultura. Prioridade do MinC desde 2003, esse projeto tem passado pela
construção do Sistema Nacional de Cultura- SNC, um regime de colaboração descentralizado
e participativo que visa articular ações entre as unidades da federação e com a sociedade civil.
De início, uma importante medida providenciada pela nova gestão foi a realização de
uma parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para uma sistematiza-
ção de informações relacionadas ao setor cultural4. Reorganizou-se também a estrutura interna
do Ministério da Cultura, buscando reforçar a articulação entre a administração direta e demais
instituições vinculadas.
Dados retirados do Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2003, site do Minc.
4

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No ano de 2005, foi promulgado o Decreto nº 5.520, que veio reestruturar o Conselho
Nacional de Política Cultural (órgão colegiado integrante da estrutura básica do Ministério da
Cultura). Este órgão, instalado definitivamente em dezembro de 2007, tem como finalidade
“propor a formulação de políticas públicas, com vistas a promover a articulação e o debate dos
diferentes níveis de governo e a sociedade civil organizada, para o desenvolvimento e o fomento
das atividades culturais no território nacional” (Disponível em: http://www.cultura.gov.br/cnpc/
sobre-o-cnpc/. Acesso em 10/09/2015).
Pela primeira vez composto por membros eleitos pela sociedade – além do poder públi-
co federal, estadual e municipal; de setores empresariais, culturais e de fundações e institutos
–, o CNPC forma-se pelos seguintes entes: I - Plenário; II - Comitê de Integração de Políticas
Culturais; III - Colegiados Setoriais; IV - Comissões Temáticas e Grupos de Trabalho; e V -
Conferência Nacional de Cultura.
Ainda no ano de 2005 foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Cultura, advindo desta
a proposta de Emenda Constitucional nº 48/05, a qual prevê a criação do Plano Nacional de
Cultura (PNC), aprovado em dezembro de 2010.
O PNC é ponto de partida para a concretização do Sistema Nacional de Cultura (SNC),
aprovado pela Câmara dos Deputados através da PEC 416/2005. Com a articulação e a integra-
ção de fóruns, conselhos e outras instâncias de participação advindas da sintonia pretendida no
SNC, pretende-se que haja uma superação das ausências no campo das políticas culturais do
país5, com a consequente consolidação de estruturas e de políticas, pactuadas e complementares,
que viabilizem a existência de programas culturais de médios e longos prazos, não submetidas
às intempéries conjunturais.
A aprovação pela Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda à Constituição 416/2005,
acrescentou o artigo 216-A à Constituição para instituir o Sistema Nacional de Cultura (SNC). O
processo de construção do Sistema Nacional de Cultura já está em andamento há algum tempo
em todo Brasil, em que pese em estágios bem diferenciados. Isso porque a implantação do SNC
possui como prerrogativa com a criação, por Estados e Municípios, de órgãos gestores da cultu-
ra, constituição de conselhos de política cultural democráticos, realização de conferências com
ampla participação dos diversos segmentos culturais e sociais, elaboração de planos de cultura
com a participação da sociedade (já aprovados ou em processo de aprovação pelo legislativo),
criação de sistemas de financiamento com fundos específicos para a cultura, de sistemas de in-
formações e indicadores culturais, de programas de formação nos diversos campos da cultura e

5
Segundo Rubim (2009, p. 32), nos últimos cem anos, o percurso histórico das políticas culturais foi permeado
por propriedades como ausência, autoritarismo e descontinuidade, sendo esta última também mencionada pelo
autor como “instabilidade” e compreendida como uma “conjugação de ausência e autoritarismo”. O autor ainda
estabelece como “tristes tradições e enormes desafios” as políticas culturais no Brasil (Rubim, 2007).

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de sistemas setoriais articulando várias áreas da gestão cultural. Isso já têm ocorrido em diversos
municípios e estados do país nos últimos anos. (BRASIL/MINC, 2011, p.3).
Ou seja, o MinC agirá elaborando as proposições políticas através de um processo de
consulta pública instalado em distintas instâncias e fóruns de cultura, juntamente com a experi-
ência vivenciada pelos entes da federação e a sociedade civil, além da incorporação de experi-
ências sistêmicas de outras áreas da gestão pública no Brasil (VELLOZO, 2011, p. 46).
A coordenação do SNC compete à instituição pública responsável pela execução das
políticas da área cultural. Assim, a nível nacional, o órgão gestor é o Ministério da Cultura,
no nível estadual, são as Secretarias Estaduais de Cultura e, no nível municipal, as Secretarias
Municipais de Cultura (ou órgão equivalente).
Para concretizar a almejada articulação, pactuação e deliberação pretendidas, aliam- se
nesta estrutura os Conselhos de Políticas Culturais, as Conferências de Cultura e as Comissões
Intergestoras. Os Conselhos e as Conferências de Cultura integram claramente o objetivo do
SNC de vincular diálogos permanentes com a sociedade civil. Tanto os Conselhos quanto as
Conferências acontecem nas três instancias federativas: municípios, estados e federação, cada
qual em seu âmbito de abrangência e necessidades especificas, sempre com o foco de aderir ao
modelo de rede sistêmica proposto pelo SNC.
Para a concretização desta rede de articulação, o SNC prescinde dos seguintes instru-
mentos de gestão, ressaltando novamente que, como todos os mecanismos desse Sistema, estes
instrumentos também necessitam existir nos três entes federativos: Plano de Cultura, Sistema
de Financiamento da Cultura, Sistema de Informações e Indicadores Culturais e Programa de
Formação na Área da Cultura.
Para a plena satisfação desse modelo sistêmico, e para o funcionalismo do mecanismo
do SNC, far-se-á necessária cooperação, aceitação e comprometimento dos municípios, estados
e distrito, instituindo uma relação embasada pela coparticipação. A diferença em relação aos
modelos de política cultural anteriores reside no fato de ser o SNC uma instituição de pensa-
mento sistêmico, que provoca nas instituições e respectivos gestores de cultura a necessidade
de se colocarem a par da estrutura proposta, bem como de firmar um Acordo e de cumprir e
implementar o chamado CPF da cultura: Conselhos, Participação Social por meio dos espaços
de participação e o Fundo de Cultura (VELLOZO, 2011, p.50)
Além disso, podem também ser destacados como inovações no campo das políticas cultu-
rais do mencionado período a reorganização do Fundo Nacional de Cultura, por meio de Comitês
Técnicos; a formulação de projetos de lei com a revisão da Lei Rouanet e elaboração do Procul-
tura; o Programa Cultura Viva; o Vale-Cultura; a abertura de consultas públicas para ocupação
de espaços de representatividade nessas instâncias e a elaboração dos planos setoriais das áreas
artísticas e de áreas da cultura; e a Proposta de Emenda Constitucional 150 (PEC 150/2003), para

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destinação de recursos à Cultura com vinculação orçamentária de 2% a nível federal, 1,5% esta-
dual e 1% municipal; e, recentemente, a implementação do Plano Nacional das Artes.
Uma vez demonstrados os princípios e funcionamento do Sistema Nacional de Cultura,
cumpre agora traçar a relação da área da Dança, enquanto área autônoma de produção e articula-
ção política, com os mecanismos do SNC e os espaços institucionalizados de participação; qual
o contexto histórico dessa organização da área e por que ela se potencializou na última década,
já que esteve presente em todo o mencionado processo de inovação das políticas culturais no
Ministério da Cultural e construção do SNC, além das conquistas relacionadas à especificidades
da própria área.

3. CONTEXTUALIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA AREA DA DANÇA E


O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA
Considerando a apresentação feita acerca do Sistema Nacional de Cultura e suas es-
truturas, cabe aqui situar a área da Dança em relação aos temas anteriormente mencionados,
analisando os programas e o desenvolvimento da área na esfera de poder federal, destacando
especialmente a valorização da área a partir de dois pressupostos: sua especificidade como nor-
teadora para a construção de programas, a implementação de ações e a ocupação de espaços de
representatividade, e o processo de consulta pública para a elaboração de suas políticas públicas
e a ocupação de seus espaços de representatividade.
Helena Katz fala a respeito da organização da área da Dança na maioria de seus artigos.
As datas e títulos de uma seleção de artigos de Katz que versam sobre políticas culturais já são
suficientes para se ter noção mínima que a trajetória e organização política da classe vem de
muito tempo:

1977 – ENFIM, A UNIAO IMPOSSÍVEL DO PESSOAL DA DANÇA


1978 – SNT DÁ PASSO EM FALSO COM O CORPO DE BAILE
1979 – BAILARINOS UNIDOS PARA MORALIZAR A PROFISSÃO
1979 – UM GRANDE ENCONTRO COM A DANÇA NO TBC
1981 – NA BAHIA, UMA DISCUSSÃO SOBRE A DANÇA NO BRASIL
1987 – NEM TUDO ESTÁ PERDIDO
1996 – BRASIL REDESCOBRE O VALOR DA DANÇA.
1996 – DANÇA: BALANÇO 1996.
1997 – DANÇA: BALANÇO 1997
1998 – DANÇA ESPERA POLITICA CULTURAL ESPECIFICA PARA A ÁREA
1998 – BALANÇO DO ANO DE 1998
2001 – UMA LUTA CRIATIVA PELA DANÇA CONTEMPORÂNEA

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2003 – SETOR MERECE RESPEITO FORA DO PAÍS.


2004 – A DEFINIÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA PARA A DANÇA.
2005 – HOJE É DIA DA DANÇA: QUEM VAI COMEMORAR?
2006 – MUITOS EDITAIS, POUCA POLÍTICA
2009 – FALTA À DANÇA O RECONHECIMENTO COMO UMA
ATIVIDADE PRODUTIVA.
(Organização de títulos dos artigos de Helena Katz, constantes no endereço eletrônico:
http://www.helenakatz.pro.br/. Acesso em 15/09/2015).

O primeiro registro que se tem conhecimento de artistas da Dança reunidos para discus-
são sobre sua situação profissional data de 1979, referindo-se ao Concurso Nacional de Dança
realizado em Salvador/BA, no ano de 1977. Daí surgiram outras iniciativas pelo país, como por
exemplo, a 1ª Mostra de Dança Contemporânea de São Paulo no Teatro Brasileiro de Comédia
(TBC), em 1979, inclusive contaminando ações da esfera de poder federal como os ciclos de
Dança, realizados no Rio de Janeiro, a partir de 1978 (KATZ,1979). No âmbito de poder federal,
a criação da Funarte em 1975 também é considerada, ao lado da atuação do SNT, como marco
inicial de ações para a área da Dança.
Em 1981, o SNT vira Inacen, e a Dança permanece como área de atuação, ocupando
um espaço na nova instituição denominado Serviço Brasileiro de Dança (SBD). Já em 1987 o
então Inacen passa a ser denominado Fundacen, e o SBD transforma-se em Instituto de Dança.
Tal manutenção de um espaço específico para a classe se deu em virtude de reivindicações dos
próprios artista da Dança (VELLOZO, 2011, p.137).
Em 2000, o destaque é para o “Mapeamento Rumos Dança Itaú Cultural”, primeiro levan-
tamento oficial abrangendo a área. Passa-se agora a analisar a Dança no período que se inicia em
2003, pós eleições presidenciais e considerado um novo marco para as políticas culturais. Acom-
panhando o ritmo ditado pelo novo governo de abertura dos canais de participação social, a Dança
esteve presente com suas reivindicações em todo o processo de renovação das políticas culturais
É importante destacar que, a despeito de significativos alcances, não foi efetiva e perma-
nente a autonomia da área da Dança em relação às Artes Cênicas. Para os mais variados demais
aspectos, a Dança permaneceu – e até hoje em alguns casos permanece – sob a rubrica das Artes
Cênicas. Isso implica em divisão dos recursos, e, historicamente, denota-se a falta de critérios
para tal distribuição entre as três áreas (Dança, Teatro e Circo). Há que qualificar o debate das or-
ganizações civis da Dança e dos espaços de representatividade para que a área atinja real autono-
mia, principalmente demonstrando e buscando o reconhecimento de sua autonomia econômica.

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4. OS AVANÇOS NA ÁREA DA DANÇA A PARTIR DAS POLÍTICAS


PARTICIPATIVAS DA CULTURA
Destacam-se agora os acontecimentos que representaram, de alguma forma, avanços
para a área da Dança, e que, notoriamente contaram com a organização e reivindicação da so-
ciedade civil organizada da área, seja nos formatos de fóruns, coletivos ou mesmo por meio dos
representantes de espaços de representação institucionalizada a exemplo do Colegiado Setorial
de Dança, pertencente à estrutura do Sistema Nacional de Cultura.
Não há dúvidas de que o processo de conquista de autonomia da área da Dança iniciou
muito antes dos espaços do SNC, como vimos pelo histórico delineado no tópico anterior, assim
como também parece claro que tal processo perdura até os dias de hoje. Antes de 2003, con-
forme demonstrado, a área já acumulava espaços conquistados nos órgãos públicos de cultura
específicos para a área, alguns prêmios e o Mapeamento Rumos Dança Itaú Cultural, em 2000.
Importante salientar um fator ainda não mencionado e que repercutiu e repercute atual-
mente no que se refere à autonomia da Dança. Em 2001 a classe travou profundo embate com o
CONFEF (Conselho Federal de Educação Física). Por não ter instrumentos legais que resguar-
dem a área a Dança, esta passou a sofrer ameaça da perda de sua autonomia para a Educação Fí-
sica. Através do Projeto de Lei 7370/02, que regula a área da Educação Física, a mesma insistia
em dominar o mercado de trabalho das academias de formação em Dança através da imposição
de que todos os professores de Dança se filiassem ao CONFEF e para isto deveriam ser forma-
dos em educação física ou se “qualificar” num curso de três meses. Foi uma situação acalorada e
ameaçadora que mobilizou os profissionais em Dança, incluindo a mobilização do congresso na-
cional, com o apoio de parlamentares que evitaram que o CONFEF invadisse o campo do ensino
da Dança. Também houve posicionamento oficial do Ministro Gilberto Gil em apoio à Dança.
Atualmente, nova polêmica ronda a classe devido ao texto da Base Nacional Comum
Curricular para o Ensino Básico brasileiro, onde o subcomponente curricular “Dança” está in-
cluído como um dos eixos fundamentais que compõem o componente curricular Educação Fí-
sica, a despeito de toda legislação que determina este conhecimento como pertencente à Arte.
Novamente a classe se organiza e mobiliza nacionalmente, mediante muito debate interno da
própria área, para que uma solução seja dada.
Retomando aos destaques pontuais de avanços para a área a partir de 2003:
• Valorização da área pela escolha de especialistas através de consulta pública para
ocupação dos cargos de Coordenação em Dança do Ministério da Cultura e Funarte;
• Câmara Setorial específica da área da Dança, após manifestação da classe quanto a
existir apenas a Câmara Setorial de Artes Cênicas;

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• Elaboração do Plano Nacional de Dança, com ampla participação da classe, que


servirá como programa instituído com continuidade e específicos das demandas da
endoestrutura da Dança;
• Fundo Setorial de Dança dentro da estrutura do Sistema Nacional de Cultura, espe-
cífico para a área, após manifestação da classe quanto a existir somente o Fundo de
Artes Cênicas;
• Fundo Setorial para a Dança no projeto de lei do Procultura (PL 6722/10), (Programa
Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura), e de um Prêmio para a àrea da Dança,
que até o presente momento, intitula-se “Mabembe” (A inserção destes mecanismos
de fomento setoriais no projeto de lei do Procultura deveu-se a uma articulação na-
cional em torno desta questão específica, ativada por inúmeros militantes da área
da Dança que ocuparam os espaços das audiências públicas do Procultura, durante
2010, em várias capitais do País) (VELLOZO, 2011).
• Moção de Apoio à Câmara Setorial de Dança pelo cumprimento da Recomendação
• n.o 01/2005, aconselha a todas as instâncias públicas ou privadas, em todas as esferas
da Federação, que evitem o uso da nomenclatura ARTES CÊNICAS como expressão
generalizadora de áreas distintas como Teatro, Dança, Circo e Ópera, publicada em
Diário Oficial em 06 de julho de 2010;
• Prêmio específico da área denominado Prêmio Funarte de Dança Klauss Viana;

Outros destaques ainda podem ser descritos, como por exemplo a conquista de verba
para o Mapeamento Nacional de Dança nas capitais, reivindicação já de alguns anos pelo Cole-
giado Setorial de Dança - CNPC. Em audiência com a Ministra Marta Suplicy, no dia 29 de abril
de 2014, Dia Internacional da Dança - quando foi protocolado documento com as reivindicações
da Área -, foram direcionados pelo Ministério da Cultura (MinC) a quantia de 1 milhão de reais
para iniciar o projeto de Mapeamento nas capitais brasileiras (base de dados do Colegiado Seto-
rial de Dança, no site do Ministério da Cultura – acesso em 01/10/2015).
O Mapeamento é uma ação de diagnóstico da área e cuja primeira etapa se tornou possí-
vel através de assinatura de Termo de Cooperação Técnica entre a UFBA e FUNARTE/MINC,
no ano de 2015. Os dados deste diagnóstico serão triangulados com as diretrizes e ações propos-
tas no Plano Nacional de Dança.
Em dezembro de 2008 foi disponibilizado no site da Funarte o Cadastro da Dança Brasi-
leira sendo que em 2009 haviam sido realizados 1.731 cadastros entre profissionais, instituições,
espaços, organizações, projetos sociais, fontes de informação, estabelecimentos de ensino, entre
outros. Uma importante iniciativa da Coordenação de Dança em criar este banco de dados para
uma compreensão mais aprofundada da realidade da Dança no Brasil. (VELLOZO, 2011, p.245)

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Criados a partir das situações institucionalização e de luta pela autonomia da área, o


Fórum Nacional de Dança, o Mobilização Dança (SP), Cooperativa Paulista de Dança, Fórum
de Dança de Curitiba, Fórum de Dança de Goiás, entre outros tantos movimentos e fóruns pelo
Brasil, passaram a atuar em esferas políticas distintas, regionais, debruçados sobre questões e
necessidades específicas da área da Dança. Ou, ainda, como a conquista de cadeiras exclusivas
da área dentro dos Conselhos Estaduais de Cultura (a exemplo do Paraná, onde a classe mobili-
zou- se a ponto de desmembrar a cadeira destinada primeiramente a artes cênicas para cadeiras
exclusivas de Dança, teatro, ópera e circo).
Outro aspecto de destaque nessa construção histórica foi o aumento de cursos universi-
tários de licenciatura em Dança, vertente ainda muito recente no panorama nacional, mas que,
em poucos anos, expandiu-se de forma significativa. Existem hoje no Brasil 35 cursos de Licen-
ciatura em Dança reconhecidos pelo MEC.
Por todas essas conquistas, justifica-se a escolha da área da Dança como exemplo con-
creto de que a participação social realmente impacta na construção de políticas públicas no
âmbito da democracia participativa.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Logo na introdução, no início do presente artigo, foi trazido a estatística do IBGE do ano
de 2006, que indica que a Dança é a linguagem que, em segundo lugar – apenas atrás do artesa-
nato –, reúne o maior número de grupos artísticos por município no país.
Importante reforçar isso, agora em âmbito conclusivo e após o discorrido nos tópicos
do artigo para avaliar alguns pontos. Primeiro que, mesmo considerando-se esse percentual, à
época não havia ações específicas do poder público para a área, e mesmo assim alcançou esse
patamar de existência – que hoje certamente é maior – no país. Sendo assim, é de extrema rele-
vância que se discuta tanto no âmbito interno da classe de Dança, quanto no âmbito externo do
poder público federal, estadual e municipal.
Por outro lado, é necessário que se atente para o número de organizações de Dança
existents no SNC, que certamente não condiz com a amplitude e territorialidade do país e do
próprio índice do IBGE. Também não orna tal índice com o fato de que, ainda que considerando
os avanços alcançados, a Dança não atingiu a plenitude de sua legitimação nos sistemas politi-
co, economico e também cultural como atividade produtiva que necessita de recursos próprios
e programas que abarquem a dimensão democrática e descentralizada dos eixos específicos que
ainda recebem a maioria dos recursos.
Além disso foi possível a compreensão de que, tanto inserida na estrutura de participação
institucionalizada do SNC, quanto em outros fatores que percebia necessidade, a classe se orga-
nizou e garantiu o mínimo de espaço, para que não permanecesse com ações que muitas vezes

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seguem as necessidades provenientes da endoestrutura de outros segmentos artísticos como o


teatro. Ou seja, de variadas formas a classe se articulou e conquistou, a partir do entendimento
de seu potencial e dos Direitos Culturais que lhes são resguardados, mesmo que em algumas
das vezes motivada por fatores externos, tal qual o próprio SNC e o embate com o CONFEF
(VELLOZO, 2011, p.264) .
Pretendeu-se neste artigo delinear a forma com a qual os apontados avanços e conquistas
da área da Dança podem – e se podem – ser atribuídos a um cenário amplificado de participação
social institucionalizada, como se deu a partir de 2003 com o início da construção do Sistema
Nacional de Cultura.
Percebeu-se, também, a trajetória árdua da classe que perdura até os dias atuais, visto
que nem todos os anos representaram avanços, e, aqueles que foram apontados seriam o míni-
mo de reconhecimento e valorização para a área. Muito ainda precisa ser construído. A classe
busca hoje prioritariamente apoio político e suporte jurídico para elaboração de mecanismo le-
gal para a área da Dança que promova a autonomia da Área, definitivamente. Sobre esse ponto
destaca-se a tramitação, atualmente no Senado Federal, do Projeto de Lei nº 644, de 2015, o qual
dispõe sobre o exercício da profissão de Dança – Lei da Dança.
É conveniente repisar também que internamente há intensos debates e divergências en-
tre os representantes da área, mas que convergem para um maior enriquecimento do debate e
a espera de que as decisões sejam sempre hábeis a proporcionar para toda a classe melhores
condições possíveis. Tais posturas, inclusive as de embate político para além do artístico, só se
tornaram possíveis conforme a classe foi tomando consciência da força política da área, através
das conquistas que vieram com o tempo. A área da Dança percebeu que podia, e que organizada,
pode cada vez mais.
Esse é, sem dúvida, um ponto positivo da democracia participativa, tão trabalhada no
primeiro tópico deste artigo. O destaque é total relacionado com o universo da participação da
sociedade civil, e quis-se demonstrar que toda a organização, articulação e avanços citados para
a Dança foram oriundos desses espaços de participação, das organizações civis. Sem dúvida,
o impacto e a influência desses processos participativos foram perceptíveis, renderam frutos, e
renderam, especialmente, a conscientização de que se pode alcançar muito mais.
De todo o exposto, resta claro que a investigação dos problemas políticos e econômicos
da área continuam sendo tão importantes quanto são urgentes, para que se dê continuidade aos
avanços e à busca pelo modo como as alterações na área da Dança se sucederam e em que me-
dida essas políticas consideradas democráticas repercutem no desenvolvimento da área. A luta
pelos avanços na área, principalmente no que toca sua autonomia política e econômica, bem
como a especificidade de sua nomenclatura e espaços de representatividade, é algo que as orga-
nizações civis da Dança buscam em conjunto com o Estado, a partir de mobilização e participa-

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ção ativa que se aperfeiçoa constantemente. Assim, foi possível perceber que o poder não reside
tão somente nas instituições públicas, mas também e principalmente nas organizações do povo.
Isso é o que espera-se ter sido demonstrado a partir do exemplo da área da Dança neste artigo.
Por fim, e partindo do princípio de que toda ação é também política, como não deixar no ar o
fato de que tudo isso possa se dever à relação indissociável do corpo (dança) com a política?!

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POLÍTICA CULTURAL: CONCEPÇÕES DE CULTURA EM UMA ABORDAGEM


CONFIGURACIONAL À UMA ABORDAGEM PROCESSUAL
Marcelo Augusto de Paiva dos Santos1
Alessandra Martins Rosalba2

RESUMO: Este trabalho final visa acompanhar os fundamentos básicos para as propostas
conceituais de cultura para a perspectiva culturalista de Benedict e compará-lo à perspectiva
processual de Sapir a fim de revelar possíveis alicerces para a fundamentação de uma política
cultural como instituição política. O interesse reside em entender as diferenças teóricas que
acarretam e se arrolam nessas duas possibilidades acadêmicas e compreender alguns desafios
inscritos para o exercício da política cultural. Para ilustração e reflexão, algumas inserções sobre
o estudo da dança de Kalela, de Clyde Mitchell, serão usadas como encarnação dos problemas
enfrentados por este artigo.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura, Política cultural, Teoria antropológica, Desigualdades simbólicas.

1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa procura estreitar as relações entre o campo teórico da Antropologia com os
alicerces práticos da política cultural. Para tanto, procura pontuar a forma como a discussão da
teoria pode organizar novas frentes para ação no campo da cultura, demonstrando como a ação
institucional deve estar comprometida com as contribuições científicas correlatas. Desta forma,
pretende debater como expressões culturais, como o exemplo da dança africana, podem conter
em si um múltiplo universo de enfrentamentos sociais que devem ser levados em consideração
em toda diretriz sobre gestão pública de cultura.
O presente artigo procura ilustrar o conceito de cultura para Ruth Benedict, com base
em sua obra Padrões de Cultura e procura rediscutir aproximações e dificuldades que seu argu-
mento possui quando comparado ao debate sobre cultura autêntica e espúria de Edward Sapir.
A comparação permitirá discutir celeumas específicos do tratamento ao termo e tais desafios
serão interpretados com base no estudo sobre a dança Kalela, na cidade de Copperbelt, na atual
Zâmbia, realizado por Clyde Mitchell, em seus estudos africanos. O intuito final é de cartografar

1
Mestrando em Sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. paiva.marcelosantos@gmail.com
2
Graduada em Biblioteconomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. alerosalba@gmail.com

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alguns debates a respeito da interpretação conceitual de cultura e compreender, no quadro das


teorias clássicas e contemporâneas, o caminho escolástico que o léxico percorreu durante seu
amadurecimento acadêmico, no recorte aqui eleito, para antever certas discussões essenciais à
política cultural como um todo. Acredita-se que tal exercício pode lançar luz sobre os fenôme-
nos das políticas culturais, em seu nervo sobre objetivação e redistribuição simbólica.

2. CULTURA COMO ETHOS: A PROPOSTA DE RUTH BENEDICT


Na direção contrária aos estudos antropológicos inscritos a partir de uma concepção
histórica teleológica e refutando a premissa unigenética de cultura defendida por alguns evolu-
cionistas, Benedict procura aprofundar a noção relativista do termo, inspirado em Franz Boas.
Na obsessão de desenhar os alicerces da vida cultural, a autora procura destrinchar a gênese das
configurações sociais, com objetivo de (i) explorar o seu caráter de probabilidade e (ii) com-
preender como os costumes se institucionalizam, se rearranjam e permitem uma dada ordem
cultural. Os seus estudos culturalistas, que se fundamentam na prerrogativa do relativismo cul-
tural, partem, portanto, da premissa configuracional e da prevalência de linhas de conduta que
se institucionalizam na rotina de um arranjo social.
Ruth Benedict se coloca sobre três problemas sociais para fundamentar a ciência do
costume, como verdadeira antropologia científica e desinteressada no fazer metodológico: a) a
questão de não sermos insetos sociais – uma vez que nossa sociabilidade não nos é dada gene-
ticamente, b) a questão do etnocentrismo, para fundamentar a prerrogativa dos arranjos sociais
como objeto dos estudos antropológicos, tecendo uma interessante crítica à síndrome da excep-
cionalidade que marca a forma como o Ocidente havia executado os estudos antropológicos até
então, e c) a perspectiva do preconceito racial como forma de situá-lo à ordem dos assuntos de
costumes e não da biologia.
Construindo um novo paradigma para a Antropologia, Benedict enfrenta então o desafio
de alinhar o costume como real objeto da ciência social e mais além, procura estabelecer a cultu-
ra como problema-central da disciplina, pretendendo anular o caráter essencialista e normativo
que marca a Antropologia evolucionista. Partindo da convicção quanto ao mito da universali-
dade da cultura, Benedict procura evidenciar o caráter relativo do termo, porém, no ensejo de
ampliar os próprios horizontes da disciplina. Para ela, os critérios e códigos selecionam-se em
uma vasta gama de possibilidades sociais, dando origem à fundação cultural de algum grupo.
Ao apontar que a natureza da cultura é plural, Benedict tece um novo escrutínio à Antropologia
procurando entender o campo das referências sócio-culturais para a formação de específico
ethos em distintas realidades norte-americanas.
A confusão entre instinto e identidade, entre a obsessão do mito fundante da humanidade,
revela, na verdade, a colonização dos sentidos sociais em dogmas pela sociedade ocidental, o que

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denota centralmente os vícios aos quais as ciências humanas não se posicionavam reflexivamen-
te. O aspecto posicional da crença na natureza humana adquiria um status bastante agônico nas
sociedades tribais, uma vez que o valor de humanidade não era externo e alargado à realidade ins-
crita entre os membros insiders; a fim e a cabo, eles eram a própria humanidade e não exprimiam
léxico ao termo. Ruth Benedict se empenha em desafogar, em primeira ordem, a concepção de
cultura da sua teleologia metafísica, no intuito de avançar nos seus próprios estudos.
O sistema institucionalizado de uma cultura permite contextualizar o processo da tradi-
ção, observando experiências e crenças, na gênese dos costumes. A função magistral da antro-
pologia seria, então, criar um corpo capaz de observar diferentes arranjos sociais e compreen-
der como formações culturais se fundamentam de maneiras diferentes e o que esses diferentes
arranjos sociais nos dizem, em termos de universais – por exemplo o animismo e as restrições
exogâmicas. Eles existem sobre as mais plurais e diferentes formas em distintos contextos so-
ciais. Porém, na busca de fugir da obsessão pela origem, que para ela é extremamente conjec-
tural - não é porque a crença é comum à todas as culturas que podemos operar diferenciando
genes numa escala evolutiva; podemos compreender os caminhos que a seletividade opera sobre
a organização dos sentidos num arco de possibilidades culturais.
Fugindo também de uma abordagem funcionalista, Benedict procura encontrar com-
preensões acerca dos espíritos culturais que sedimentam um determinado grupo social. Em di-
ferentes exemplos, a autora destrincha a forma como diferentes fenômenos culturais, como a
puberdade, são plásticos ao tipo de percepção social que se atribui pelo corpo social endógeno.
A configuração cultural constrói ritmos que podem ser conflitivos ou consensuais, mas sempre
entrelaçado aos arranjos específicos que montam um determinado grupo cultural.
Nesta abordagem probabilística, o termo cultura adquire maleabilidade teórica e aglutina
para si a noção de diversidade das práticas sociais. Cada sociedade possui propósitos diferentes
para sua programação societal. Propósitos que tecem experiências institucionalizadas, tornando
as motivações pessoais congruentes, com a criação de padrões de cultura. Tais propósitos com-
partilhados geram experiências similares em um universo vasto de possibilidades. É nesta chave
que o costume torna-se nervo fundamental da investigação antropológica.
Por certo, a correta adaptação pessoal não depende de seguir certas mo-
tivações e evitar outras. A correlação existe em outro sentido. Enquanto
aqueles que têm respostas próprias mais próximas do comportamento
que caracteriza a sua sociedade são favorecidos, aqueles cujas respos-
tas próprias caem na área de comportamento não capitalizada pela sua
cultura ficam desnorteados. Estes anormais são aqueles que não contam
com o apoio das instituições de sua civilização. São as exceções que não
adotaram facilmente as formas tradicionais de cultural. (BENEDICT,
2013, p. 175).

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O olhar para a cultura, para Benedict, é o olhar para sua totalidade, integracional e pro-
babilística. Entender a regularidade do costume e seu aspecto configuracional permite compre-
ender a especificidade total de uma cultura. Não obstante, o papel do costume para a construção
das personalidades revela o grande segredo da antropologia, no momento em que se desloca de
uma análise apenas funcional das partes integradas à uma cultura, mas compreende sua funda-
mentação como mundo gnosiológico. Compartilhando uma noção da Gestalt, Benedict compre-
ende a formação cultural como uma composição de forças, nas quais as partes integradas não
são apenas somadas para o resultado da totalidade, mas geram sentidos e novas informações,
dependendo da forma como se posicionam e se interconectam.
Ao estudar os pueblos, nos Estados Unidos, Ruth tenta observar a cultura deles de forma
holista, na procura de entendimentos sobre o arranjo social, procurando seu núcleo significante:
a vida cerimoniosa. Ao observar os microdetalhes desta vida cerimoniosa, ela percebe diversas
funções no que tange o estabelecimento de uma aldeia como um todo, na divisão do trabalho
mágico, para uma composição harmônica do povo (sociedades médicas, das chuvas, sacerdó-
cio). A vida cerimoniosa é imitativa e conduz os ritos de iniciação à vida sobrenatural, como
uma forma de diferenciação. Esta diferenciação está bastante assentada nas estruturas de heran-
ça de família de seus desempenhos cerimoniais, teocrático. O rito permite que o jovem possua
os códigos que os torna sobrenaturais aos outros. Na produção dessa ficção social, por exemplo,
sociedades médicas se fortalecem à medida que curam, uma vez que quanto mais curam, maior
é seu prestígio sobrenatural.
São muitas e diversas as diferenciações funcionais para participação do cosmo mágico
que comporão seus objetivos de vida. Os objetos sagrados, essenciais para a identificação da
consagração mágica, são conquistados pela família. O relacionamento sanguíneo tem como
núcleo a propriedade da casa e o cuidado dos objetos sagrados. Existe, assim, uma competição,
mas não de forma acumulativa, e sim em torno do sucesso na vida sobrenatural e no esforço de
se colocar como donos de propriedades mágicas e na participação nos papéis cerimoniais. Vale
dizer que as famílias possuem a propriedade sobre o símbolo, mas não sobre o poder mágico. O
poder mágico é coletivizado. O patrimônio pessoal não dignifica economicamente uma família
e nem materializa o poder mágico, mas sim fortalece a linhagem requerida, pelo status de posse.
Desta forma, homens pobres podem desfrutam também do poder, mas podem ter maior dificul-
dade para avançar em um dote sobrenatural, se não tiver linhagem que os permita dominar os
códigos de diferenciação mágica.
De forma resumida, Benedict procura tangenciar o tipo de ethos que esta fundação cul-
tural emite, através de seus costumes institucionalizados; cunhando então o adjetivo de apolíneo
aos pueblos, por exprimir o caráter de interioridade da vida individual perante a harmonia social

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do grupo cultural. O viver em si para o grupo, marca firma do que qualifica-se como apolíneo,
dá exemplo de relevo ao tipo da antropologia relativista que Ruth Benedict se propõe.
O núcleo dos processos culturais dos Pueblo se voltava para a edificação da vida cerimo-
nial como forma de acimentar as tradições e a não-individualidade, em torno dos objetivos em
comuns: experiências na vida cerimonial e proteção aos objetos mágicos. A resposta psicológica
que corrobora com o sentido da cultura pelo povo dá norte ao tipo de fortalecimento cultural
harmônico que indica as bases antropológicas de sua concepção relativista. Com este objetivo,
Ruth Benedict contrapõe, como exemplo, os Salish3 dos Kwakiutl4, compreendendo os primei-
ros como individualistas e os segundos como coletivos, como denota o fenômeno do potlaches5.
Ao defender o processo cultural como arco de comportamento possível que povos es-
colhem e capitalizam em suas instituições tradicionais, Benedict atribui ao termo de cultura um
sentido de fundamentação cristalina que denota certa prevalência nos tipos psicológicos inves-
tigados em seus trabalhos de campo. A abordagem que se debruça sobre a troca cultural pode
revelar a infraestrutura que organiza, no campo da probabilidade, um sentido cognitivo promo-
tor de um sentimento harmônico. Esta infraestrutura pode ser a origem dos frutos de estudos
comparativos. Diferentes grupos étnicos podem ter mesma base material de costumes – difun-
didos amplamente, como as técnicas de mascaras, mas cada grupo irá produzir diferenças sobre
esta mesma base.Desta forma, a configuração cultural é maior que o valor das instituições. Elas
transformam instituições em situações e denotam não apenas o seu funcionamento, mas pode
revelar os mecanismos internos de construção social ao qual a cultura se dedica.
A ficção social de uma configuração cultural pode ser a tradição que corteja objetivos da
vida social, elaborando situações complexas e inteiramente específicas da cultura local. Estas si-
tuações são construções nas quais as motivações pessoais se apresentam por meio de costumes,
norteando a integração grupal de um povo. Logo, o conceito de cultura para Benedict possui
três interfaces: (i) um caráter relativo, (ii) um caráter totalizado e (iii) uma plataforma de signifi-
cações pessoais orientadas. Esta combinatória permite a interpretação antropológica se renovar
perante as chaves conceituais antigas, dando corpo para uma perspectiva alargada, porém ainda
grandiloquente, no sentido de que sua obsessão reside em compreender a cultura como aspecto
totalizado e como orientação psicologizante.
Assim,
Quando estas situações (referindo-se à forma como a conduta social é
plástica) que mesmo numa única sociedade são dinâmicas no compor-
tamento humano, são ampliadas em contrastes entre culturas que têm
metas e motivações tão opostas como a dos Zunhis e a dos Kwakiutl,
3
Grupo indígena na Costa norte do Pacífico, abrangendo EUA e Canadá.
4
Grupo indígena na parte nordeste da Ilha de Vancouver, Canadá.
5
Atividade tribal referente à distribuição de bens após falecimento, típico entre alguns indígenas da América do
Norte.

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a conclusão é inescapável. Se estamos interessados no comportamento


humano, precisamos acima de tudo compreender as instituições estabe-
lecidas em toda sociedade, uma vez que o comportamento humano to-
mará as formas que essas instituições sugerirem, mesmo a extremos que
o observador profundamente impregnado da cultural da qual faz parte
não pode sequer imaginar. (BENEDICT, 2013, p. 161).

3. CULTURA COMO PROCESSO: AUTÊNTICO E ESPÚRIA


Apesar de Benedict fugir de uma orientação que toma como sinonímia a relação entre
civilização e cultura (por meio de uma escala de valores e estágios), como bem narra Sapir, em
Cultura autêntica e espúria, a autora não avança no sentido de fundamentá-la. Benedict parece
antever uma confecção de cultura próxima com a ideia de Sapir de gênio de um povo em seus
estudos, mas sua argumentação teórica não se volta sobre as sociedades ocidentais. Sapir pro-
cura, em sua análise, centralizar, então, sobre as culturas nacionais o problema da antropologia.
Ao estabelecer uma conceituação processual de cultura, ou seja, relativo à forma como a
cultura se organiza entre aqueles que a compartilham e como ela cria sentidos6, a chave teórica
de Sapir torna-se diferente da de Benedict. Numa empreitada sobre a forma como a cultura se
homologa e se recria por dentro da ação dos indivíduos, Sapir tece uma robusta crítica ao traba-
lho dos culturalistas:
Até aí tudo bem, mas uma cultura autêntica se recusa a ver o indiví-
duo como uma mera engrenagem, como uma entidade cuja única raison
d’être reside na sua subserviência a um propósito coletivo do qual ele
não é consciente, ou que tenha apenas uma remota relevância para seus
interesses e ambições. As atividades principais do indivíduo devem sa-
tisfazer diretamente seus próprios impulsos criativos e emocionais, de-
vem ser sempre algo mais do que apenas meios para um fim. Uma cultu-
ra autêntica não pode ser definida como uma soma de fins abstratamente
desejáveis, como um mecanismo.Ela deve ser vista como o vigoroso
crescimento de uma planta, cuja folhas e galhos mais remotos são orga-
nicamente nutridos pela seiva das suas raízes. E esse crescimento não é
aqui uma metáfora apenas para o grupo; aplica-se também ao indivíduo.
Uma cultura que não se constrói a partir dos interesses e desejos centrais
dos seus portadores, que opera a partir dos fins gerais em direção ao
indivíduo, é uma cultura exterior. A palavra “exterior”, que tantas vezes
é instintivamente escolhida para descrever tal cultura, é bem escolhida.
A cultura autêntica é interior, ela opera a partir do indivíduo em direção
aos fins. (SAPIR, 2012, p. 44-45).
Preocupado com a relação entre indivíduo e processo cultural, Sapir procura destrinchar
uma noção de cultura sob a perspectiva do conflito. Desta forma, a chave conceitual que o per-

Numa abordagem linguística.


6

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mitirá subdividir cultura entre uma autêntica e uma espúria, é o tipo de relação que os indivíduos
possuem com seu meio externo e suas motivações. Baseado nisso, o autor traz uma séria com-
plicação à noção de cultura de Benedict. Ao abordarmos a configuração cultural, como estrutura
de orientações do costume, na interpretação da autora, o papel do indivíduo se esfacela perante
a incorporação cultural de significados. A sua fortaleza conceitual pressupõe um modelo de so-
ciabilidade orientado e um institucionalismo subjetivo, que coordena reações consonantes aos
padrões culturais. Desta forma, a agência processual entre indivíduos, a problemática relacional
entre interesses próprios e motivações coletivas, passa ao largo de sua problematização, ou pelo
menos, passa de forma relativamente passiva.
Benedict parece provocar um pouco deste conflito quando se refere aos casos de anor-
malidades contemplados na organização cultural, sem retificá-los. Entretanto, sua preocupação
acaba por não indagar sobre a reflexividade cognitiva entre indivíduos e ordens sociais. Esta é a
preocupação de Sapir, como um norte teórico necessário ao problema da cultura. Sapir desenvol-
ve, a partir disto, uma crítica sobre a forma como os fins sociais se transformam, principalmente
no tocante da vida ocidental, uma vez que doutrinamos nossas motivações de forma a reconduzir
os fins imediatos7 como fins não essenciais e elevamos como fins primordiais aqueles fins remo-
tos8, de outrora. Em outras palavras, realinhamos nossas motivações por diferentes processos
culturais, que muito têm a ver com a distribuição de nossas motivações e nossa forma de se situar
no mundo simbolicamente. A perda da adesão à uma autenticidade cultural, vem, portanto, muito
mais de um afrouxamento dos reconhecimentos mútuos com o aspecto endógeno do que por uma
distinção moral de valor civilizatório. Esta distinção moral apenas revela o tipo de racionalidade
que coordena os arranjos ocidentais, tornando-se dogma central à vida cotidiana.
O exercício do controle sobre os bens da vida e sobre o posicionamento no patrimônio
cultural tornam-se então importantes balizadores para a compreensão da correspondência entre
cultura e personalidade. Este novo enfoque traz consigo uma distinta forma de abordagem cul-
turalista, que permite antever o caráter psicológico não por uma doutrina do ethos, mas por um
conflito inerente aos jogos simbólicos que se montam como teias em nossas vidas rotineiras. A
cultura para de ser interpretada de forma holista e congregadora, para alçar saltos maiores, ao
elucidar sua capacidade de incorporação e de domínio. Nestas chaves, a ficção social deixa de
ser abordada como uma configuração cultural de padronização e de personalização, mas passa
a ser um drama social nutrido de confrontos que realocam valores simbólicos e desenham re-
pertórios de institucionalização capazes de rearticular os sentidos de progresso, pertencimento
e participação cultural.

Associados à ideia de satisfação primordial dos indivíduos


7

Para além dos fins de satisfação primordial, causas acessórias à vida, não essenciais.
8

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Herdando o caráter de interdependência entre cultura individual e cultura coletiva da es-


cola culturalista (SAPIR, p. 48), enfrenta o problema do formalismo das culturas ‘novas’, como
a América, que apresentam para si todo o léxico de progresso em andamento, gerando formas de
subjetivação desassociadas do solo fértil da cultura autêntica. Em outras palavras, o problema
da subjetividade não reside sobre o indivíduo como argila sob o processo cultural, mas como eu
volitivo que não só necessita identificar, como necessita compartilhar. Desta forma, a análise da
sociedade ocidental, para o autor, denota justamente esta perda reflexiva sob a volição do indiví-
duo, no que tange seu processo subjetivo, de compartilhar suas motivações com os projetos das
culturas nacionais, seguindo-os com uma ampliada sede de volição e uma cegueira submissa.
O eu individual, ao aspirar à cultura, se agarra aos bens culturais acumu-
lados da sua sociedade, nem tanto pelo prazer passivo de sua aquisição,
mas pelo estímulo que é fornecido à personalidade em desenvolvimento
e pela orientação resultante no mundo (ou melhor, num mundo) de valo-
res culturais. A orientação, por mais convencional que seja, é necessária
apenas para dar ao eu um modus vivendi com a sociedade como um todo.
O indivíduo precisa assimilar grande parte do contexto cultural da sua
sociedade, muitos dos sentimentos atuais do seu povo, a fim de evitar que
sua auto expressão degenere em esterilidade social. (SAPIR, 2012, p. 51).
Desta forma, Sapir enfrenta outra dificuldade dos estudos de Benedict, ao tomar o pro-
blema entre cultura como mundo cognoscível mas também como mundo de ação e transfor-
mação. Para a autora, apesar da mudança ser também um problema da ordem das seleções de
padrões culturais, enfrentando também análises de culturas ‘desarmônicas’, não fica evidente
em seus textos onde que fica a capacidade crítica entre os grupos culturais com as fabricações
culturais que os contextualizam. Em vez do fruto desarmônico ser apenas um problema de insti-
tucionalização cultural da diferença, como fica claro nos exemplos de Benedict sobre a homos-
sexualidade, Sapir demonstra que o problema pode ser muito mais amplo: ele pode ser oriundo
da forma como a cultura se conecta com os indivíduos ao manipular sua capacidade crítica, ao
torna-lo membro de uma cultura autêntica ou de uma cultura espúria. A questão é incontornável.
De forma sintética, o conceito de cultura para Sapir aglutina para si uma noção de con-
flito que chacoalha com a perspectiva espiritual de Benedict e realinha o problema da cultura
de um pólo estrutural para um pólo processual. A condução desse novo paradigma não esgota
ambas as possibilidades abstrativas, mas permite entender o léxico da cultura como instrumento
operativo de suas antropologias e abre margem para uma discussão acalorada sobre a forma
como o tratamento teórico eleito acaba por minar distintas operações intelectuais aos seus traba-
lhos. Apesar de convergir na conformação social da cultura e no relativismo necessário, ambos
perseguem objetivos distintos: Benedict procura entender a possibilidade da cultura como orga-
nização social, Sapir procura revelar o domínio da capacidade crítica da cultura como entendi-
mento no mundo e o seu papel para também a organização social.

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Sapir escreve uma teoria da cultura, cunhando a independência entre estar no mundo e
criar o mundo e indagando-se sobre os limites da modulação cultural. Assim, o capital cultural
deve ser menos o foco da volição no mundo, sob esta medida, e sim o interesse intimo com os
processos autônomos de autojustificação e autosatisfatividade.
Apesar da válvula teórica de Benedict ser inovadora por permitir compreender o papel
da cultura na institucionalização dos costumes e logo, das definições entre insiders e outsiders,
é inegável apontar que seus estudos, ao beber da psicologia do seu tempo, acabam por qualificar
um certo efeito imitativo entre indivíduos e centros de equilíbrio da sociedade. Sapir demonstra
que este efeito imitativo não é isento de ação humana, ele é, na verdade, o grau de autonomia,
perante imposição e mestria individual.
Ao invés da cultura ser o sopro da vida da individualidade, Sapir, sutilmente, inverte a
equação, detalhando que o sopro da vida da cultura é a própria individualidade. Esta armação
teórica realinha toda perspectiva entre fidelidades locais, regionais e nacionais, bem como glo-
bais. Se estamos rumando à uma ordem cultural global, a que preço pagamos com o exercício de
nossas individualidades? Se associamos os nossos bens culturais a ideia capital, meramente de
fins não essenciais, estamos cunhando uma ordem social racionalizada anticultural ou podemos
traçar um novo caminho, no quais as individualidades realinhem a cultura global por meio do
que realmente é autêntico ao espírito da cultura como volição no mundo?

4. DILEMAS CIRCUNSCRITOS: A DANÇA KALELA COMO EXEMPLO


Nesta problematização do termo, o conceito de cultura pode revelar diferentes aborda-
gens antropológicas que importam para os objetivos de uma política cultural. De acordo com
Caio Gonçalves Dias (2011, p. 41),
A gestão cultural, deste modo, se ocupa de criar os meios para que certas
práticas culturais – num universo de significados certamente muito mais
amplo – ganhem um espaço singular para certa coletividade. A gestão
cultural, portanto, se sustenta a partir de critérios socialmente reconhe-
cidos para operar essa transposição, do comezinho para o que deve ser
lembrado, visto e/ou disseminado. Nesse sentido, opera para a partir de
um sistema de relações entre pessoas e instituições, que, articulados,
formatam a produção, a distribuição, o uso e o consumo de algumas
dessas práticas, objetos e ações culturais.
Entendendo a política cultural de uma gestão como prática institucional, entre atores,
de forma a participar sobre a realização, distribuição e proteção das atividades culturais de
um grupo, a operatividade do conceito de cultura pode denotar alguns pontos de reflexão. Ao
compreendermos a noção geertziana de sistematização da cultura como produção de noções
compartilhadas em teias de significações, compreendemos que o envoltório do termo cultura,
inescapavelmente aborda a questão gnosiológica como ponto fundamental.

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A questão do entender um mundo significado e compartilhado cunha uma marca de


solidariedade entre os insiders, na possibilidade de compreensão sobre um mesmo mundo inte-
ligível. Esta noção é essencial para a ruptura com uma ideia de cultura como bem de distinção,
promovendo uma ideia de modo de viver e compreender sobre esta vida. A concepção de cultura
como gnose implica necessariamente na requalificação do mundo social ao mundo cultural,
dando ao segundo liberdade para influência na ação social e no mundo das relações humanas.
Entretanto, a associação entre gnose com cultura acaba por ser apenas um passo rumo ao real
enfrentamento do termo no coração da antropologia. Quando Benedict explora o caráter proba-
bilístico das fundações culturais, ela desafia acertadamente a relação entre causação da cultura
e ordenamento cultural, mas avança pouco em interpor o conflito endógeno do processo. E é
justamente na chave processual, que ele aparece com mais vigor.
A crítica inerente da compreensão de Sapir sobre cultura reside em libertá-la da chave do
pensamento sobre regularidade e coerência. Quando aborda a problemática entre práxis e assi-
milação cultural, o autor investe maciçamente no caráter de confronto entre a gnose da cultura
com a sua “action”. Os universos discursivos em que o processo cultural é disputado e provoca
tensão são plurais, assim como os indivíduos estão alocados em trânsito, não em uma argamassa
petrificante. Assim, a capacidade crítica sobre o processo cultural acaba se tornando essencial
ao debate sobre a organização cultural de um grupo. A questão é complexa: na medida em que
produzimos cultura que nos escapam em distintos intercâmbios conectados, sob que medida
tornamo-nos passivos ao processo criativo e a gnose torna-se illusio?
Como de se esperar, a resposta é tão enigmática quanto a pergunta. Envolve não só com-
preender as fabricações simbólicas, mas as suas próprias formas de sistematização e o caráter
normativo que lhe é constitutivo. Entretanto, a questão é o nódulo central do paradigma da
própria gestão pública pela cultura. Se os significados culturais não são apenas cristalinos, mas
são relacionais e contrastivos, o caráter distributivo da cultura torna-se pedra angular do tipo
de reorganização cultural que uma política na área almeja. Até que ponto o fazer institucional
media as relações entre práxis culturais e incorporação cultural? Em que pontos, talvez seja in-
teressante perguntar, elas se contradizem?
O caso da dança Kalela pode fornecer os gatilhos preciosos para a questão. Enfrentando
a questão da multiplicidade racial da Rodésia do Sul, em 1951, Clyde Mitchell observa o para-
doxo inicial da comum dança abordada, uma vez que apesar da sua origem ser tribal, sua força
de expressão no mundo carrega consigo elementos específicos da urbanidade colonizadora que
imprime para si a própria opressão em relação à tradição local. Em outras palavras, as compo-
sições simbólicas da dança assumiam e aglutinavam para si a própria tensão inerente aos jogos
simbólicos entre colono e colonizado, recriando uma nova forma de expressão artística, valiosa
para entender os mecanismos de sistematização das práticas culturais em ressonância tanto à

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gnose do mundo como à da sua práxis. O encontro entre mundos, numa vasta teia globalizada,
inevitavelmente realinha perspectivas tradicionais a se reinventarem, não em termos unicamente
exógenos, mas em uma polissemia endógena que aglutina o caráter exógeno, cambiando suas
próprias formas tradicionais. O papel do individualismo, do consumo e da divisão comum de
espaços urbanos transformaram os caminhos tradicionais destas sociedades tribais por dentro
e revelam consigo uma noção mais ampla que a perspectiva de Benedict sobre institucionali-
zação de prevalências culturais pode exprimir. Os encontros culturais não se adaptam harmo-
nicamente na medida que criam propósitos sagrados de extremo poder sobre a personalização,
eles transformam o conflito por dentro, se instaurando sobre a razão prática das ações sociais.
Desta forma, a harmonia pode ser imaginada muito mais por um painel de recondução da práxis
cultural, promovendo fenômenos criativos de ressignificação cultural, que não necessariamente
apontam para um processo de fusão cultural, mas para um processo de transformação cultural e
principalmente, de disputas simbólicas sobre o processo de ressignificação.
A fim e a cabo, o debate se traduz pela forma como a estrutura cultural é interpretada, na
medida em que institucionaliza, como é para Benedict, ou se esta estrutura é posicional, disputa-
da e infere, substancialmente, em uma relação de domínio distributivo. A dança Kalela além de
congregar diferentes tribos para suas apresentações e de suprimir suas próprias marcas em uma
ação bastante tribal, reveste a própria questão da etnicidade em conflito.
O uso africano do estilo de vida europeu como um padrão através do
qual se mede o prestígio pode, então, ser visto como um tipo de referên-
cia do comportamento grupal. Os dançarinos mbeni o exibiam, copiaram
os mais óbvios e visíveis símbolos de prestígio. A conexão entre mbe-
ni e kalela é preservada no uso da vestimenta como único símbolo. Os
dançarinos da Kalela não usam mais o uniforme militar, mas as roupas
elegantes dos homens de negócios e profissionais europeus: os africanos,
geralmente, aceitaram os padrões destes homens como aqueles aos quais
eles mesmos aspiram. Os símbolos possibilitaram o menos tangível, em-
bora idealizado, estilo de vida civilizado. O mecanismo é o mesmo, mas
os símbolos de hoje são diferentes. (MITCHELL, 2010, p. 19).
Os atravessamentos das filiações tribais e das filiações socioeconômicas no Cinturão de
Cobre demarcam o lugar destes conflitos e trazem consigo toda a carga simbólica envolvida
como um sistema de estratificação. As composições étnicas e econômicas criavam novas dinâmi-
cas sociais, e, principalmente, rearticulavam novas formas de expressões tribais. Os sentimentos
tribais encontravam novos sopros urbanos e ativavam diferentes respostas às configurações que
se impunham. Contra o pressentimento que o tribalismo se aniquilaria, Mitchell demonstra que
ele se rearranjou de forma a tomar novos caminhos significantes na vida urbana. A dança Kalela
seria apenas uma das formas diferenciadas que o tribalismo assumira.

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Apesar do mesmo tribalismo ter perdido importância na forma de interação administra-


tiva-industrial, ele ainda se preponderava na forma imediata das interações sociais do cotidiano,
permitindo que novos processos culturais se distribuíssem, na medida em que novas organiza-
ções geográficas, econômicas e políticas se configuravam. Para o fim deste artigo, a informação
mais valiosa levantada por Mitchell foi a de que as relações do tribalismo eram importantes
nas próprias formas de relação entre africanos e que um todo novo sistema cultural se diferen-
ciava quando o ente relacional das interações político-industrial entre negros eram os brancos.
As instâncias políticas promovidas pelos próprios africanos procuravam reduzir o efeito tribal
dentro das organizações de representação social congressista, por exemplo. Desta forma, apesar
da estratificação política-industrial adquirir novo sentido urbano para além do caráter tribal, os
encontros e desencontros relativos ao dia-a-dia, observadas no estudo de caso, encontravam no-
vas formas de reorganizar as categorias tribais dentro das próprias práticas populares e também
levavam em conta os sistemas de privilégios impostas pelos brancos.
O autor demonstra diversas formas nas quais diferentes grupos étnicos foram obrigados
a remanejar suas relações sociais, criando novas práticas culturais, como a própria zombateria,
e como esses novos arranjos industriais vieram a criar diferentes interações e diferentes espaços
nos quais o tribalismo se transformava. Desta forma, chamo atenção para o painel distributi-
vo da cultura e principalmente, sua constitutividade relacional. Estas características parecem
atualizar o debate feito por Sapir sobre a reflexividade entre indivíduo e cultura, mas, também,
avançam no sentido de completar um contra-giro. Mitchell (2010, p. 52) conclui que:
Procurei mostrar, neste ensaio, que uma das características da estrutura
social da população africana no Cinturão de Cobre é que, exceto nestes
grupos de dança, o tribalismo não constitui a base para a organização
de grupos coorporativos. Ele continua sendo, essencialmente, uma ca-
tegoria de interação no intercâmbio social casual. Da mesma maneira,
o sistema de prestígio não concorre para a organização dos africanos
em grupos corporativamente atuantes. Ele funciona, sim, como uma ca-
tegoria de interação juntamente com o tribalismo na mediação social
numa sociedade predominantemente mutável. Estes dois princípios de
associação determinam o comportamento de estranhos um com o outro,
principalmente em relações cotidianas. É impossível fazer generaliza-
ções sobre o funcionamento destes princípios sem referência à situação
social específica na qual a interação ocorre.
Desta forma, podemos compreender que para além de um ethos coordenador e regular,
a cultura pode assumir diferentes processos e também assumir diferentes enfrentamentos. Os
processos que surgem destas interações revelam os dilemas nos quais se inscrevem e se en-
frentam tradição e industrialismo, hostilidade tribal e associação intergrupal. O contra-giroque
chamo atenção é de que este caminho das mudanças culturais, como na Rodésia do Sul, pode

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denotar perda de autenticidade cultural, mas também podem demonstrar reinvenção cultural.
Com isto, o critério desenhado por Sapir de práxis cultural pode ser dimensionado para além de
um princípio de autosatisfatividade ou de domínio, como desenhara, mas pode ser visto como
um processo de recriação de novas organizações culturais. Estar no mundo também pode ser
entendida como uma categoria em trânsito. Sendo assim, o percurso entre ‘entender’ o mundo,
no seu sentido gnosiológico, e ‘estar’ no mundo, como categoria de prática e domínio sobre
o processo cultural, param de ser engessados – ou até mesmo antagônicos – para se reencon-
trarem como um completo giro da cultura como circuito. É justamente neste quadrante, que a
política cultural deve ser duplamente comprometida: deve levar em consideração a preservação
de diferentes práticas que ilustram diferentes conhecimentos sobre o mundo – e aqui entram as
diversas práticas de preservação do patrimônio material e imaterial, e devem considerar a forma
prática como os cursos culturais reconduzem novas relações de criatividade, de tensionamento e
enfrentamento. Desta forma, a política cultural não se isola como apenas uma política ideológica
ou memorial, e nem se reduz como árbitro em um grande jogo de representações simbólicas.
É importante, portanto, ressaltar a noção de circuito cultural como um processo sobre o
qual a própria política cultural interfere, na medida que objetifica nossos espaços, novos finan-
ciamentos e novos intercâmbios para o exercício das atividades culturais. Desta forma, dialogam
não só com aspectos tradicionais, mas também com possíveis critérios de concorrência social,
como o caráter de classe ou de gênero. Permite-se, desta forma, novos enfrentamentos surgirem
em processos de industrialização da cultura, desenham novas representatividades, criam novas
corporações. Conclui-se, por ora, então, que a política na área cultural deve compreender os
circuitos culturais como experiências na esfera civil e que os sentimentos envolvidos importam
para a compreensão do mundo e para a ação no mundo, e que quando ambos processos são de-
sassociados, corre-se o risco extremo da mesma política encontrar o que há de pior no cuidado
com as práticas culturais. O giro do circuito deve ser completo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENEDICT, Ruth. Padrões de cultura. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.


DIAS, Caio Gonçalves A cultura como conceito operativo: Antropologia, Gestão Cultural e algumas
implicações políticas desta última. Revista Latino Americana de Estudos em Cultura, Niterói, ano 1,
n. 1, p. 18-34, jul. 2011.
MITCHELL, Clyde. A Dança Kalela: aspectos das relações sociais entre africanos urbanizados na
Rodésia do Norte. In: Feldman-Bianco (org). Antropologia das sociedades contemporâneas: métodos.
São Paulo: UNESP, 2010. p. 365-436.
SAPIR, Edward. Cultura autêntica e cultura espúria. Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro, v. 2, p.
35-60, 2012.

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MEMÓRIA E ESQUECIMENTO: A TRAJETÓRIA DO CENTRO


DE REFERÊNCIA AUDIOVISUAL DE BELO HORIZONTE
Marcelo Braga de Freitas1

RESUMO: Este artigo, ao abordar específica e resumidamente a trajetória do Centro de


Referência Audiovisual de Belo Horizonte (CRAV), pretende colaborar, com as observações
contidas nele, para o entendimento de características comuns, que podem ser encontradas na
construção e na implantação de instituições e políticas públicas congêneres do campo cultural
no país, em suas diferentes instâncias: municipal, estadual e federal.

PALAVRAS-CHAVE: CRAV BH, MIS BH, acervos audiovisuais, instituições e políticas


públicas culturais, memória e identidades culturais.

1. PRÓLOGO
Este artigo é um desdobramento da minha dissertação de mestrado, apresentada em 2015,
no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC MG, intitulada O passado tinha
um futuro: a trajetória do Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte, 1992-2014, com
orientação da Profª Dra Candice Vidal e Souza.
O objeto de estudo foi a construção e a trajetória institucional do Centro de Referência
Audiovisual de Belo Horizonte (CRAV). Um equipamento criado originalmente com a finali-
dade de promover um processo democrático de atualização e de reconhecimento das memórias
coletivas e identidades culturais contemporâneas da população da cidade, em suportes técnicos
audiovisuais, fundado como o embrião da Fundação Museu da Imagem e do Som de Belo Hori-
zonte. Instituição pública do campo da cultura, que possui uma temporalidade, que possibilita a
configuração de sentidos, de significados e de (re) significados, a partir dos relacionamentos que
foram e continuam sendo estabelecidos entre os sujeitos e grupos sociais envolvidos com a sua
história e da pluralidade das manifestações culturais vigentes na Belo Horizonte contemporânea.
Conhecer esse processo de construção institucional de uma política pública do campo
cultural, numa sociedade democrática, para interpretar possíveis sentidos, significados e relações
sociais foi também o que motivou este estudo. Contudo, é importante afirmar que esta dissertação

Mestre em Ciências Sociais. Email: marcelobragaf@gmail.com


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propôs pensar a instituição com a intenção de elaborar uma interpretação crítica sobre os fatos
estudados que envolveram a sua trajetória específica e não teve a pretensão de ser um relato his-
tórico conclusivo sobre o seu desempenho e sua existência.
Nessa perspectiva, apesar deste artigo abordar especifica e resumidamente a trajetória do
Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte (CRAV), acredito que as observações nele
contidas talvez possam contribuir para o entendimento de características comuns encontradas na
construção e implantação de instituições e políticas públicas congêneres para o campo da cultura
no país, em suas diferentes instâncias: municipal, estadual e federal.

2. INTRODUÇÃO
De acordo com José Reginaldo Gonçalves, os museus foram e continuam sendo cons-
truídos no país, “[...] como instituições, como um sistema de relações sociais e um conjunto de
ideias e valores, que fazem parte do cotidiano das modernas sociedades complexas e, particu-
larmente, das grandes cidades” (GONÇALVES, 2003, p.171). Um conjunto híbrido onde, às
vezes, memória coletiva e memória nacional podem se confundir. Para Renato Ortiz (ORTIZ,
1985, p.135), enquanto “[...] a memória coletiva se aproxima do mito e é da ordem da vivência
de um grupo social restrito [...], a memória nacional é da ordem da ideologia, o produto de uma
história social, que transcende os sujeitos e se define como um universal que se impõe a todos os
grupos.” Também é nesse contexto ambíguo e ambivalente de construção de memórias e iden-
tidades culturais que instituições como os Museus da Imagem e do Som e o CRAV se inserem.
O primeiro Museu da Imagem e do Som (MIS), implantado no Brasil foi o museu do
Rio de Janeiro, que com o seu pioneirismo contribuiu para a formatação dos outros museus bra-
sileiros do mesmo gênero. Inaugurado em 3 de setembro de 1965, dentro da programação das
comemorações do IV Centenário da cidade, foi idealizado simultaneamente à criação do Estado
da Guanabara. Segundo Claudia Mesquita, esse equipamento foi matriz e fundou um tipo de
museu no país, que se disseminou por várias outras cidades, dedicado ao desenvolvimento de
estratégias de formação e de preservação da memória coletiva e na construção de identidades
culturais locais em suportes visuais e sonoros, e na respectiva guarda desses acervos gerados,
consagrados a narrativas regionais (MESQUITA, 2003).
Para a autora, a criação do MIS Rio de Janeiro foi um fato histórico singular, resultado da
necessidade de reafirmação de um tipo de valor regional específico, em virtude da transferência
da capital nacional do Rio para Brasília (MESQUITA, 2009).
O MIS RJ, “[...] o primeiro museu audiovisual brasileiro e centro de referência e docu-
mentação sobre memória da cidade” (MESQUITA, 2009, p.152), possui hoje um grande e diver-
sificado arquivo, aberto à consulta pública. O seu acervo contempla, principalmente, os campos
da música, do rádio, do cinema, da televisão e da fotografia. O programa Depoimentos para a

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posteridade, iniciado em 1966, tem mais de 900 depoimentos das várias áreas da cultura. Uma
nova sede com 9.800 m2 está sendo construída em Copacabana, na avenida Atlântica.
Primeiro MIS implantado após a experiência carioca, o MIS SP foi oficialmente criado
em 29 de maio de 1970, vinculado à Secretaria de Estado de Cultura, com o objetivo de pro-
duzir e preservar imagens e sons referentes à cultura do estado de São Paulo. Cinco anos após,
com a reabertura do museu em sua sede própria, em 27 de fevereiro de 1975, quando abriu as
portas para o público, o MIS SP assumiu uma outra dimensão, também pretendida desde a sua
concepção. Com o objetivo de ser um museu moderno, capaz de dialogar com o grande público,
desenvolveu ações educativas e de difusão cultural, tendo como suporte objetos e tecnologias
audiovisuais, naquela época, ainda não acolhidas no universo tradicional dos museus. Ao longo
de sua trajetória o MIS SP ampliou as linhas de sua atuação e procurou desenvolver projetos e
programas sintonizados com as tendências do tempo presente, tendo como desafio, no âmbito de
uma sociedade tecnológica, articular memória e contemporaneidade, manter aceso o interesse
do público pelo seu acervo e programação (GONÇALVES, 2007b), promover o intercâmbio
de experiências culturais amplas (regionais, nacionais e internacionais) no estado e, ao mesmo
tempo, empreender as ações relativas à produção da memória e preservação do patrimônio au-
diovisual paulista. Essas duas experiências, a do MIS Rio e a do MIS SP conciliadas, parecem
dar formatação aos outros museus brasileiros afins, como o Centro de Referência Audiovisual
de Belo Horizonte (CRAV).
O CRAV foi oficialmente inaugurado em 16 de novembro de 1995, durante a adminis-
tração do Prefeito Patrus Ananias2, do PT, na gestão da Secretária Municipal de Cultura Maria
Antonieta Cunha. Contudo, um equipamento cultural complexo como esse teve uma gestação
que começou bem antes da sua inauguração. O seu processo de criação específico teve início em
1992, durante a administração da primeira Secretária Municipal de Cultura de Belo Horizonte,
Berenice Regnier Menegale, que abrangeu o período de 1989 a 1992, quando a Secretaria Mu-
nicipal de Cultura foi criada na administração mista dos prefeitos Pimenta da Veiga3 e Eduardo
Azeredo4, ambos do PSDB. Até 1989, cultura e turismo dividiam a mesma pasta na administra-
ção pública da cidade.

2
Patrus Ananias é membro do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi vereador em Belo Horizonte de 1989 a 1992 e
prefeito da cidade de 1993 a 1996. Disponível em: < http://patrusananias.com.br/blog/proposta-editorial/ >. Acesso
em: 20 out. 2015.
3
Pimenta da Veiga membro do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), foi eleito prefeito de Belo Hori-
zonte em 1988, mas saiu da função em 1990 para se candidatar ao governo do estado de Minas Gerais. Disponível
em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Pimenta_da_Veiga >. Acesso em: 20 out. 2015.
4
Eduardo Azeredo, membro do PSDB, foi eleito vice-prefeito de Belo Horizonte em 1988. Assumiu a função em
1990, quando Pimenta da Veiga renunciou para disputar o governo de Minas. Disponível em: < https://pt.wikipedia.
org/wiki/Eduardo_Azeredo >. Acesso em: 20 out. 2015.

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Aqui cabe dizer que a cidade de Belo Horizonte desde a sua construção, no final do sé-
culo XIX, possui registros fotográficos. Boa parte deles foi realizada por iniciativa da Comissão
Construtora da Nova Capital, (CCNP), por meio do seu Gabinete Fotográfico. O objetivo era
registrar o processo de construção da nova capital para dar publicidade das obras e da trans-
formação urbana “[...] que a cidade moderna, tal como pensada pelo Estado, desejada por suas
elites intelectuais, políticas e econômicas”, promovia. (ARRUDA, 2013, p. 228). Parte desse
acervo fotográfico pode ser consultada no Museu Histórico Abílio Barreto, (MHAB) e no Ar-
quivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH). Para Rogério Arruda, esse conjunto de
fotos que mostram o antes e o depois, no processo de transformação do Arraial do Curral Del
Rei na nova capital mineira, inicia também um processo de construção específico de memória
local como descrito a seguir:
As imagens, tal como atualmente nos chegaram, lograram estabelecer
uma relação entre tradição e modernidade, entre antigo e moderno, entre
passado e presente. Todavia, [...] o moderno e o presente não consegui-
ram anular o seu contrário. Por outro lado, o modelo de modernização
conservadora conseguiu impor alguns de seus fundamentos: escolhas
e decisões restritas a uma elite, benefícios distribuídos desigualmente;
sacrifício de legados arquitetônicos, de memórias, e de comunidades
justificáveis em nome do desenvolvimento e do progresso. (ARRUDA,
2013, p. 229-230).
No século XX, os registros fotográficos, cinematográficos e, mais tarde, videográficos
sobre a cidade de Belo Horizonte continuaram a ser feitos, a meu ver, em grande parte subor-
dinados à perspectiva desse modelo de modernização conservadora, citado acima por Arruda
(2013), à medida que os registros eram, em sua maioria, patrocinados pela elite local e, conse-
quentemente, objetivavam a difusão dos seus valores e ordenamentos sociais. Parte desse arqui-
vo histórico sobrevivente está representado no atual acervo do CRAV, hoje, MIS BH.

3. A TRAJETÓRIA DO CRAV: BREVE EXPOSIÇÃO


Ao assumir a função de Secretária Municipal de Cultura, em 1989, Berenice Menegale
disse ter identificado um déficit de ações e instituições do poder público relacionadas à área da
cultura, e ao trabalho de preservação do patrimônio cultural e histórico da cidade que, apesar
do seu pouco tempo de vida, já havia passado e passava por transformações significativas do
seu espaço físico e das suas manifestações artísticas e culturais, não refletidas publicamente ou
devidamente registradas. Paralelamente a essa constatação, teve o conhecimento da existência
de instrumentos legais que autorizavam o poder público municipal a instalar alguns equipamen-
tos dedicados à preservação da memória e das identidades socioculturais locais, que vivia um
processo de esvaziamento (informação verbal. Entrevista concedida ao autor em 17 out. 2014).

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Foi nesse contexto local sociopolítico e cultural, de escassez de recursos e de políticas


públicas destinadas para à preservação do seu patrimônio cultural e atualização da memória
coletiva da cidade, que o CRAV foi idealizado.
Todo o conjunto de políticas públicas para a área de preservação da memória da cidade
implantadas nesse período, do qual fez parte o CRAV, segundo Berenice Menegale, tinha como
objetivo iniciar um processo de transformação do estado de abandono constatado em que se
encontrava o campo cultural de Belo Horizonte.

4. RUMOS E ABORDAGENS
A trajetória do CRAV pode ser compreendida como um processo de resistência contra
o esquecimento do passado, mas também e, sobretudo, contra o esquecimento das memórias
coletivas e identidades culturais formuladas no presente. Criado com a intenção de formar um
acervo contemporâneo significativo referente à diversidade cultural do município, em suportes
tecnológicos audiovisuais, teve como inspiração inicial o MIS SP, do qual se distanciou com o
passar dos anos, assemelhando-se gradualmente da configuração de instituições tradicionais de
guarda e conservação de documentos históricos.
Durante a sua trajetória, mais especificamente, entre os anos de 1992 a 2014, pude identifi-
car três matrizes de pensamentos diferentes. A primeira, que pode ser representada pelo Projeto de
implantação do Centro de Referências Audiovisuais da Região Metropolitana de Belo Horizonte
(BARROS; et al., 1992), teve como objetivo apresentar um repertório de argumentos conceituais
e operacionais que fossem capazes de justificar a instalação e orientar os trabalhos do CRAV.
Essa primeira matriz de pensamento pretendia iniciar um processo de reconhecimento
e atualização das manifestações culturais plurais produzidas na cidade no tempo presente, em
suportes tecnológicos audiovisuais. Também teve a intenção de formular visões no presente so-
bre fatos culturais históricos do passado de Belo Horizonte. Dessa forma, os responsáveis pelo
CRAV nesse período, 1992-1997, acreditavam que poderiam constituir um acervo futuro em que
o processo recente de produção cultural da cidade pudesse estar continuamente contemplado.
Uma instituição que desejava produzir parte do seu acervo. Experiência que estava em curso
em outras cidades brasileiras com a implantação dos museus da imagem e do som brasileiros,
principalmente nos museus do Rio de Janeiro e São Paulo.
Outra característica dessa produção era que os novos registros levassem em conside-
ração expressões significativas de todos os segmentos sociais que formavam a cultura local.
Introduziu teoricamente o conceito de cidadania cultural como um direito da população para
constituir as suas memórias coletivas e identidades culturais, afastando-se dos métodos oficiais
de consolidação de fatos históricos que privilegiavam as narrativas das elites política, econômi-
ca e intelectual da cidade, desde a sua construção.

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Contudo, na prática, poucos registros referentes às classes populares foram realizados.


Dois fatores que podem contribuir para o entendimento dos motivos dessa relativa fratura entre
o conceito formulado e o exercício praticado pela instituição, além da permanente precariedade
de recursos, podem estar relacionados ao fato de ter havido uma participação pequena ou quase
nula de representantes dos segmentos populares na idealização e na realização dos trabalhos do
CRAV e no curto tempo que essa proposta sobreviveu orientando as ações da instituição. Essa
observação me parece pertinente ser destacada nesse contexto, porque foi somente nele discuti-
da. A necessidade de tratar os temas relativos ao processo de construção cultural da população
de Belo Horizonte de forma socialmente ampla está relacionada a esse momento da trajetória
do CRAV. A defesa conceitual desse pensamento perde força com o passar dos anos e não se
consolida, apesar da importante produção realizada pelo órgão até 1997.
No momento inaugural do CRAV, fazia parte do seu planejamento a perspectiva de se
transformar, o mais rapidamente possível, na Fundação Museu da Imagem e do Som de Belo
Horizonte, autorizada pela Lei Municipal Nº 5.553, de 08 de março de 1989. Dimensão esta
regularizada somente no ano de 2014.
Contudo, ao analisar alguns discursos dos sujeitos envolvidos no processo de formata-
ção do CRAV percebemos uma afinidade de pensamentos que talvez nos permita afirmar que
a estratégia proposta ao CRAV, naquele momento, foi que ele fosse um lugar ambivalente, de
guarda e de construção de representações simbólicas que, formuladas no presente, pretendiam
recuperar e exercitar o olhar crítico formulando versões distintas da história oficial sobre os
fatos culturais vividos, inclusive sobre os fatos compartilhados no tempo presente por grupos
sociais heterogêneos.
O segundo pensamento predominante na trajetória do CRAV pode ser sintetizado pelo
que nomeei de o sonho de uma moderna cinemateca. Abrange o período de 2001 a 2009 e dá ên-
fase à constituição de um acervo cinematográfico sobre a história da cidade e do cinema mineiro
que, muitas vezes, apresentava risco de deterioração. Paralelamente formou conhecimento e im-
plementou ações necessárias para o trabalho de guarda e conservação de arquivos audiovisuais
em diferentes suportes. Reuniu um acervo audiovisual significativo, estabeleceu relações com
instituições afins nacionais e estrangeiras, e desenvolveu ações de fomento e apoio à produção
local de projetos de filmes, festivais, mostras, oficinas e seminários. O CRAV, nesse momento,
pretendia ser protagonista no desenvolvimento de políticas públicas para o setor audiovisual no
município. Entretanto, a partir de 2009, o seu projeto foi interrompido de forma brusca motiva-
do por disputas políticas.
O terceiro pensamento dominante identificado no processo de construção do CRAV per-
passa a sua trajetória desde 1993 até 2014, quando ele se transforma no Museu da Imagem e
do Som de Belo Horizonte. Pode ser representado pelo conjunto de argumentos defendidos

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por membros de outras unidades da área cultural da prefeitura. Em síntese, esse pensamento
questionava a validade da criação de um novo museu público na cidade sem antes consolidar o
papel organicamente constituído do Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB), como o museu
responsável pelas manifestações históricas e culturais de Belo Horizonte, em função de dois fa-
tores principais: a escassez crônica de recursos destinados à área de cultura pela administração
municipal e a necessidade, vista como prioritária por esse grupo, de articular políticas públicas
integradas para todas as unidades de memória e patrimônio da cidade. Essa terceira matriz de
pensamento teve grande impacto na trajetória do CRAV entre 2009 e 2011, ao inspirar a reforma
do estatuto da Fundação Municipal de Cultura que modificou as suas atribuições, vinculando-o
à Diretoria de Políticas Museológicas até 2014, quando foi regulamentado como o Museu da
Imagem e do Som de Belo Horizonte.
Interessante reexaminar duas perspectivas que impactaram a trajetória do CRAV. A pri-
meira é a percepção da ausência de equipamentos e políticas públicas para a área da memória e
da preservação do patrimônio cultural da cidade, constatado por Berenice Menegale e equipe,
ao assumir a Secretaria Municipal de Cultura em 1989, o que orientou várias ações durante a
sua gestão, inclusive a idealização do CRAV, com o objetivo geral de iniciar um processo de
transformação do estado de abandono em que se encontrava a área de preservação da memória e
do patrimônio cultural de Belo Horizonte. O segundo aspecto é o debate que se instala entre as
unidades de memória e patrimônio da secretaria, a partir de 1993, na gestão de Maria Antonieta
Cunha, em torno do caráter das políticas públicas para o setor, em função da limitação de recur-
sos, o que parece promover um ambiente de disputa por recursos financeiros entre as unidades
de cultura da administração direta do executivo mais intensa do que o debate conceitual sobre a
memória da cidade e suas perspectivas.
Se a princípio essas duas visões parecem díspares, ao meu ver, podemos dizer que elas
são, também, complementares. A dinâmica cultural parece exigir dos gestores públicos o com-
promisso com uma atitude permanente de aperfeiçoamento, readequação e atualização das orien-
tações e políticas propostas ao longo do processo de construção das instituições e suas políticas,
independentemente de possíveis disputas, mesmo que legítimas, sejam elas motivadas por qual-
quer orientação, com o objetivo de contribuir para que as instituições públicas possam cumprir o
seu papel social profícuo. Esse parece ser um cenário típico ideal, difícil de ser encontrado.
No entanto, sobre o aspecto da função das instituições em sistemas democráticos, gosta-
ria de resgatar perspectivas do pensamento de alguns autores a respeito do tema. J. Feres Júnior
e José Eisenberg, em estudo sobre a importância da confiança em instituições para a construção
de teorias sobre sociedades democráticas contemporâneas, definem o modelo de democracia
que a eles interessa desenvolver, como aquele onde as instituições “devem servir como espaços
de discussão, deliberação e/ou adjudicação de três tipos de demandas sociais: reconhecimento,

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redistribuição e revisão das regras das próprias instituições”. (JÚNIOR e EISENBERG, 2006,
p. 473). A adoção dessa perspectiva conceitual pelos responsáveis pelos órgãos oficiais do se-
tor cultural, acredito que poderia colaborar para elevar o grau de confiança da população e dos
agentes culturais nas instituições, ampliando a participação cívica no processo de construção
de políticas públicas destinadas ao campo da cultura num sistema democrático, aproximando
os discursos das práticas, permitindo a vivência de experiências sociais que podem, decorren-
tes desse tipo de relacionamento, alterar procedimentos tradicionais da administração pública,
muitas vezes, baseados numa hierarquia predominantemente verticalizada e herdados, contradi-
toriamente, de modelos políticos autoritários.
Para Robert D. Putnam, existe, entre aqueles que trabalham com instituições, a concor-
dância de que elas moldam a política e são moldadas pela história.
1. As instituições moldam a política. As normas e os procedimentos ope-
racionais típicos que compõem as instituições deixam sua marca nos
resultados políticos na medida em que estruturam o comportamento po-
lítico. [...] As instituições influenciam os resultados porque moldam a
identidade, o poder e a estratégia dos atores.
2. As instituições são moldadas pela história. [...] A história é importan-
te porque segue uma trajetória: o que ocorre antes [...] condiciona o que
ocorre depois [...] Os indivíduos e suas escolhas por sua vez influenciam
as regras dentro das quais seus sucessores fazem suas escolhas. (PUT-
NAM, 1996, p.23).
Para Jessé Souza, “as instituições são os grandes elementos para melhoria da vida de ho-
mens e mulheres comuns, [mas] normalmente prometem uma coisa e frequentemente entregam
outra” (PAULA, 2015, p. 15). Transformar os seus procedimentos operacionais parece ser es-
sencial para torná-las efetivamente instituições democráticas e republicanas. Ainda, para Souza,
é preciso conferir à instituição pública uma inteligência que a faça capaz de se articular com as
necessidades das pessoas (PAULA, 2015, p. 15).
Mesmo que o debate público sobre a criação do CRAV tenha ocorrido somente entre
segmentos da elite cultural e política da cidade, parece fundamental, para que a instituição
tivesse o seu trabalho reconhecido por uma parcela maior da população da cidade, que por
meio dos seus agentes, ela pudesse atuar com a perspectiva do reconhecimento da alteridade e
pluralidade das manifestações e trocas culturais existentes entre os diversos grupos sociais da
cidade, funcionando como uma “[...] autêntica polifonia de vozes plenivalentes e equipolentes”
(BAKTHIN, 1997, p. 4).
No entanto, isso parece não ter acontecido. A prevalência de uma lógica simbólica con-
densada pelo projeto de implantação do CRAV, sobre uma lógica técnica, que fosse capaz de
realizar as suas premissas norteadoras, e as disputas por recursos e supremacia de pensamentos

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existentes entre os representantes das unidades de cultura do campo da memória e da preserva-


ção sobre o caráter e identidade do CRAV, possivelmente contribuíram, no âmbito da adminis-
tração direta do executivo, para que a instituição fosse autorizada a falar, mas não a agir, a fazer,
conforme o seu ideário, ao não ser dotada dos recursos necessários para o cumprimento do seu
plano de trabalho.
Outro fator importante a ser observado, que continuou exercendo impacto sobre a tra-
jetória do CRAV, como um freio à sua construção, foi a permanência velada de um tipo de
desprestígio da instituição junto à administração pública, que negligenciou os compromissos
assumidos pela instituição que criou ao não promover a sua regulamentação oficial.
Também é fundamental ressaltar a escassez crônica de recursos a que o órgão esteve
exposto desde a sua fundação. Outra dificuldade que me parece importante ressaltar é a relação
imprecisa que as sucessivas administrações do executivo municipal, independentemente de pre-
missas partidárias, estabeleceram com o CRAV ao longo da sua trajetória, além de interferências
de cunho político-eleitoral. Estas são características perversas a que estão sujeitas todas as áreas
da administração pública e que, para superá-las, os responsáveis pelas instituições precisam
buscar meios.
Contudo, as três vertentes de pensamentos dominantes sobrepostas, ao meu ver, im-
primiram à trajetória do CRAV a característica de efemeridade e criaram a memória de um
processo transitório em permanente construção. Durante esses anos nenhuma delas conseguiu
se consolidar por completo. No entanto, as três propostas deixaram as suas marcas que permane-
cem e podem ser entendidas como um legado da história da instituição que permite potencializar
alternativas futuras para o desenvolvimento do atual MIS BH.
Essa característica efêmera, transitória e temporal, que permanece no decurso da traje-
tória do CRAV, pode ser percebida desde o seu nascimento quando foi criado como um equi-
pamento provisório e assim permaneceu até 2014, quando esteve resignado como uma unidade
de memória do município subordinado às diretrizes da Diretoria de Políticas Museológicas.
Cada etapa desse processo representada por uma matriz de pensamento prevaleceu isoladamente
como uma espécie de mandato. As sobreposições de ideias provocavam um abandono regular
de parte do ideário recente proposto e vivenciado pela instituição de forma incipiente, o que não
permitiu a consolidação de nenhum formato até 2014. Os sucessivos pensamentos hegemônicos
trabalhados de maneira independente, sem articulação com as outras matrizes de pensamentos,
provocaram um esquecimento de fragmentos da trajetória do CRAV.
Contudo, é na recuperação da memória da instituição, procurando articular de forma
solidária as três matrizes de pensamentos identificadas na trajetória do CRAV, que acredito ser
possível também encontrar perspectivas criativas para o desenvolvimento futuro do recém-re-
gulamentado Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte.

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No vídeo Cúmulos, cirros e nimbus5, um dos primeiros registros realizados pelo CRAV,
o professor e doutor em História Econômica, da UFMG, João Antonio de Paula, afirma em seu
depoimento o caráter de exclusão das classes populares no processo de formação sociocultural
de Belo Horizonte:
Belo Horizonte é uma cidade marcada pela mensagem, pela expressão
republicana e também pela vitória de uma certa perspectiva moderni-
zante, que se expressa no traçado geométrico da cidade, na ideia onde os
espaços são cuidadosamente planejados [...] e onde há também uma pre-
sença muito forte de uma ideologia excludente onde a população pobre,
os que construíram a cidade, em princípio, não teriam vez na cidade.
(CÚMULOS..., 1995).
A presença dessa ideologia excludente, à qual se refere João Antonio de Paula, é um dos
aspectos que pode ser observado no acervo histórico e recente constituído de forma contingen-
cial pelo CRAV ao longo da sua trajetória. Ao meu ver, é um dos principais problemas herdados
pelo atual Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte que poderia tentar ser redimensionado
pela instituição.
O CRAV, atual MIS BH, não herdou somente um conjunto de objetos audiovisuais his-
tóricos sobre a cultura do município. Herdou também os conteúdos que estes arquivos expres-
sam, os seus significados, as suas abordagens, os seus discursos e suas funções. Sem um olhar
crítico sobre esse acervo por parte da instituição, os seus herdeiros institucionais arriscam-se
a difundir e consagrar, a reconhecer como legítimos e naturais valores e ordenamentos sociais
nele contidos, trazidos pelas representações audiovisuais da história oficial da cidade, tendendo
a desconhecer os seus limites arbitrários (BOURDIEU, 1996a, p.98), tanto do passado quanto
do presente. Assim, será possível conhecer os sujeitos, valores e as representações simbólicas
que ele carrega, de acordo com princípios democratizantes, que devem orientar as ações das
instituições públicas em sociedades democráticas.
Talvez essa atitude normativa marcante na trajetória do CRAV e que tem como uma
de suas consequências a não promoção de uma produção própria que torne mais equilibradas
socialmente as representações audiovisuais do seu acervo possa ser entendida como expressão,
involuntária ou não, de uma cultura tradicional arraigada, resultante do processo de moderniza-
ção conservador, de um modelo de sociedade idealizado pelas elites locais desde a construção da
nova capital no final do século XIX (ARRUDA, 2013) e que ainda hoje persiste em reproduzir
valores sociais semelhantes àqueles do seu passado histórico, reconhecendo, prioritariamente,
como memória coletiva e identidades locais legítimas da população da cidade as representações
formuladas pelas classes dominantes em detrimento da valorização das manifestações culturais
das classes populares.

Disponível no acervo do MIS BH, 2015.


5

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Para o MIS BH, o repertório de ideias e de ações gerados na trajetória do CRAV, pode
credenciá-lo como um lugar propulsor de identidades numa sociedade contemporânea, onde a
dinâmica de construção-destruição de memórias coletivas e identidades culturais possa con-
templar a experiência de vida dos diversos grupos sociais que formam a população de Belo
Horizonte, independente de convenções sociais conservadoras, dogmatismos e pensamentos he-
gemônicos temporariamente.
Nenhuma tecnologia, por si só, pode realizar essa utopia, apesar do atual favorecimento
das tecnologias audiovisuais e dos dispositivos digitais para mediá-la. Seria necessário reco-
nhecer, antes de tudo, que o recorte proposto por grupos, sejam quais forem, se não levadas em
consideração as múltiplas expressões e necessidades dos segmentos sociais que compõem a
população da cidade, é uma questão arbitrária em sociedades democráticas.
Enquanto isso não puder acontecer, penso que estaremos patinando na construção de
museus e políticas públicas para o campo da cultura, por omissão, repetição ou qualquer outra
motivação, por mais bem intencionados que ainda possam ser aqueles que participam da elabo-
ração dos ritos vigentes das instituições.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Belo Horizonte (Brasil), 1880-1897. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013, p. 157-230.
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BARROS, José Márcio P. R.; et al. Projeto de implantação do Centro de Referências Audiovisuais
da Região Metropolitana de Minas Gerais. Trabalho elaborado para a Secretaria Municipal de Cultura
de Belo Horizonte em 1992.
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Lei municipal nº 5.553, de 08 de março de 1989. Autoriza o
Poder Executivo Municipal a instituir a fundação “Museu da Imagem e do Som” de Belo Horizonte.
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Lei municipal nº 9.011, de 1º de janeiro de 2005. Dispõe
sobre a estrutura organizacional da Administração Direta do Poder Executivo e dá outras
providências.
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal.. Decreto 14.371, de 13 de abril de 2011. Aprova o Estatuto da
Fundação Municipal de Cultura e dá outras providências. Diário Oficial do Munícipio, Belo Horizonte,
13 abr. 2011.
BOURDIEU, Pierre. Ritos de instituição. In: Bourdieu, Pierre. A economia das trocas linguísticas. São
Paulo: Edusp, 1996b, p. 97-106.
CÚMULOS, cirros e nimbus. Direção Marcus Nascimento e Francisco de Paula. Produção: Emvideo.
Roteiro: Marcus Nascimento e Francisco de Paula. Belo Horizonte: Crav, 1995. 1 fita de vídeo (38 min),
VHS, son., color.

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FORTUNA, Carlos. As cidades e as identidades. Narrativas, patrimônio e memórias. In: SANTOS,


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DO LAZER À CULTURA: AS BASES PARA


A POLÍTICA DE CINEMA DO SESC NO BRASIL
Marcelo Costa Lopes1

RESUMO: A política de cinema do Serviço Social do Comércio (SESC) é resultado de um


amadurecimento de suas práticas e reflexões sistemáticas nas dimensões do lazer e da cultura no
Brasil. Buscando entender a extensão desse projeto e seu papel na difusão, formação e circulação
de filmes fora do grande circuito comercial, este artigo propõe analisar o processo que tornou
possível, a partir de dinâmicas de interdependências sociais, estruturadas em ambiências de
sociabilidade e processos formativos mais amplos, as referências de continuidade do trabalho
com o cinema.

PALAVRAS-CHAVE: Cinema, Lazer, Cultura, Política Cultural, SESC.

1. INTRODUÇÃO
O Serviço Social do Comércio (SESC) é uma instituição mantida pelos empresários do
comércio de bens, serviços e turismo em todo o Brasil, voltada para o bem-estar social dos co-
merciários e seus dependentes. Enquadrado como uma entidade paraestatal2, a entidade articula
na sua base constitutiva estruturas que garantem uma vasta cadeia de mobilização de ações ao
longo do território brasileiro, organizada em cinco grandes programas, articulados em ativida-
des e modalidades: Educação, Saúde, Lazer, Cultura e Assistência (SESC, 2010; 2014).
Uma das ações mais destacadas, sua política cinematográfica, ancorada no Programa
de Cultura, é reconhecida nacionalmente pelas contribuições para o segmento dos circuitos de
cinema de arte no país. Composto por um mercado de nicho, os circuitos que abrigam estes cha-
mados filmes de arte são responsáveis pela circulação de grande parte da diversidade de lingua-
gens, estéticas, nacionalidades, formatos e narrativas cinematográficas disponíveis. Embora não

1
Mestre em Memória: linguagem e Educação; Professor substituto do Departamento de História da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia. Email: marcelo_lopes07@yahoo.com.br
2
O SESC integra os chamados Serviços Sociais Autônomos, ou Sistema S, conjunto de instituições criadas e
mantidas pelas contribuições de interesse de categorias profissionais, estabelecido pela Constituição brasileira. Tais
entidades, criadas por lei, de regime jurídico de direito privado, sem fins lucrativos, foram instituídas para ministrar
assistência ou ensino a determinadas categorias sociais. Elas não integram a Administração Pública Direta ou Indire-
ta, contudo, administram, sob fiscalização da União, recursos públicos, especificamente as contribuições parafiscais.

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operem em oposição ao grande mercado, estes espaços guardam particularidades que os perfi-
lam, grosso modo, entre as atividades consideradas como mais “culturais” que “comerciais”.
Eles contribuem também para difusão de muitos filmes de curta e média-metragens que dispõem
de pouca ou nenhuma oportunidade como produtos de trânsito mercantil. É neste universo de
difusão alternativa que o SESC pauta suas programações de cinema, contribuindo tanto como
exibidor quanto educador/formador de plateias, promovendo mostras, festivais, cursos, debates,
oficinas, publicações, eventos, entre outras realizações.
As discussões deste artigo propõem uma análise sócio-histórica sobre o processo de
construção desta política, a partir de recortes da dissertação Memória social e políticas cultu-
rais nas ações de cinema do SESC, desenvolvida durante o curso de mestrado no Programa de
Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia, e defendida em fevereiro de 2015.
O estudo, ancorado na linha de pesquisa Memória, Cultura e Educação, direcionado ao
projeto temático Memória, cinema e processos de formação cultural, toma como eixo as ações
de educação cinematográficas do SESC para a difusão de filmes “não-comerciais” a partir das
reflexões aprofundadas na instituição sobre os temas do lazer e da cultura como tônicas concei-
tuais para a entidade em suas ações pelo Brasil. Trata de um percurso institucional que possibi-
litou, sobretudo a partir dos anos 1980, com a passagem da atuação prioritária do lazer para a
cultura, o desenvolvimento de uma política articulada para a promoção de práticas formativas
estruturadas numa curadoria particularmente composta por filmes de arte, voltada, prioritaria-
mente, para um extenso público de comerciários, familiares e comunidades ligadas a estes.

2. AS DIMENSÕES DA POLÍTICA DE CINEMA DO SESC


Nos termos da sua política cultural, o cinema é formalmente tratado como uma modali-
dade estruturada nas atividades do seu Programa de Cultura3, vinculada a uma rede de atendi-
mentos e espaços de formação, de característica educativa e de acessibilidade. Voltada primor-
dialmente para o atendimento aos trabalhadores do comércio – mas não restrito a estes – essa
política institucional foi articulada em torno de um trabalho de formação cujo objetivo é criar
competências específicas para o consumo cinematográfico num público extenso e diversificado,
classificado como de “baixa renda”. Estimulado a apreciar e usufruir o chamado filme “qualifi-
cado”, ou “de arte”, este público passa a ter acesso a um cinema enquadrado textualmente pela
entidade como “um privilégio das camadas sociais de maior renda” onde a classe popular é
“privada de desfrutar a sétima arte” (SESC, 2007, p. 9).

3
Fazem parte do Programa de Cultura as áreas de Artes Plásticas, Biblioteca, Cinema, Literatura, Artes Cênicas
e Música.

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Pode-se considerar4, resumidamente, que a política de cinema do SESC é o conjunto


das ações institucionais articuladas e gerenciadas, em primeiro plano, pelo seu Departamento
Nacional, seguida pelas iniciativas realizadas pelos seus Departamentos Regionais, visando à
formação de públicos para um cinema diverso nos processos de mediação cultural em espaços
de lazer e tempo livre. Seu modelo operacional, sob esses preceitos, é constituído em torno de
três eixos fundamentais, cujos objetivos visam atender: 1) ao extenso contingente de comerci-
ários, seus dependentes e também a comunidades ligadas direta e/ou indiretamente a estes; 2)
à proposta fundamental de manter-se como um lugar de formação qualitativa para o cinema
de arte, primando pelo desenvolvimento artístico cultural dos espectadores e; 3) estabelecer
espaços e ambiências adequadas para a fruição e reflexão para e sobre a sétima arte, tanto por
meio de ações realizadas diretamente pela instituição, quanto pelo estabelecimento de parcerias.
Tais diretrizes se situam, assim, em torno das ideias da cultura como direito - seja ela material
ou imaterial -, da facilitação do acesso a bens culturais diversificados, e da educação, tomada
nas relações e práticas sociais, realizada de forma contínua e regular. Tais conceitos visam, em
última instância, possibilitar o desenvolvimento das sensibilidades de seu público (SESC, 2007;
2008; 2009; 2011; 2012).
Nas décadas de trabalho com o cinema – e da articulação mobilizada ao longo de Depar-
tamentos Regionais e centenas de centros e unidades operacionais - uma série de modos organi-
zativos, normatizações, sistematizações, assessorias técnicas, e estruturas disponíveis garantiram
a regularidade, a capilaridade geográfica e funcional dessas ações formativas para o cinema. A
pergunta que norteia este artigo perpassa, deste modo, pela indagação sobre como uma instituição
fundamentalmente ligada ao comércio constrói toda esta cadeia de mobilização para a estrutura-
ção de um política de formação de público para um nicho de consumo tão pouco comercial.
Na pesquisa desenvolvida sobre a memória da política de cinema do SESC (LOPES,
2015), alguns pontos apontam para compreender o processo de constituição desta política cultu-
ral em particular. A primeira delas somente pode ser pensada a partir do entendimento desta ação
como a de uma entidade de interesse social, pela explicitação do eixo do seu desenvolvimento
nos meandros da dinâmica do mercado exibidor do país. De natureza paraestatal, o SESC admi-
nistra, a partir da sua principal organização representativa econômica - a Confederação Nacional
do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) -, receitas arrecadadas pelas contribuições
públicas (do seu segmento trabalhista) para aplicação em estruturas e ações de retorno social nos

4
Embora haja documentos operacionais de referência, não há um projeto sucinto/descritivo do que venha a ser
esta política na instituição. Para os objetivos da pesquisa, foi utilizada uma série de documentos norteadores, dentre
eles, os Modelos de Atividade Cinema (módulos de Programação e Instalação de Salas de Exibição) e diversos re-
latórios de gestão, para a apreensão resumida dos principais critérios aos quais a política de cinema do SESC deve
atender. Esses critérios, dispersos nos documentos, são recorrentes e aparecem ao longo dos métodos de trabalho,
na descrição e nas finalidades das atividades.

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seus diversos programas e atividades fins. Isto significa que toda a gestão da política de forma-
ção cinematográfica da instituição, dedicada quase que exclusivamente à atuação nos circuitos
paralelos de exibição, somente é possível, com considerável regularidade e continuidade, gra-
ças à natureza híbrida da entidade, localizada a meio termo dos interesses de uma organização
privada e pública. É o que permite, por exemplo, que suas atividades possam concentrar-se no
estímulo à formação de públicos nos estratos mais populares da realidade brasileira, sem gran-
des conflitos com a lógica comercial do entretenimento imediato de grandes plateias. Seu papel,
tal como deva (ou deveria) ser a conduta do Estado, em muitos aspectos, não é o de produzir
a cultura, mas formular políticas públicas “que a tornem acessível, divulgando-a, fomentando-
-a, como também políticas de cultura que possam prover meios de produzi-la” (SIMIS, 2007,
p.135), atuando, assim, como um agente de fomento e mediação social.
A segunda reflexão aponta para um processo mais complexo, de negociações e arranjos
sociais e históricos, que se constituíram na razão das transformações sociais em que a cultura
passa a ser um tema caro à construção e às políticas do país e do mundo.

3. REFLEXÕES E PRÁTICAS DO LAZER:


BASES PARA UM PROJETO DE CULTURA
Embora sólido, o percurso sócio-histórico que pavimentou o caminho para a política
de mediação cultural (no âmbito geral das ações) não foi planejado nem constituído como um
objetivo claro à estruturação do SESC. As atividades de formação cinematográficas foram se
moldando paulatinamente, ao longo dos anos, imbricadas nas três grandes fases da entidade – a
assistencial, a do lazer e a da cultura.
A primeira dessas fases diz respeito, apenas para o que nos interessa, ao seu período de
criação e às demandas primárias da entidade. Teve origem no desdobramento do pensamento
político brasileiro das décadas de 1930/40, que tinha como foco conter as múltiplas refrações
da crise social decorrentes da intensificação do processo de industrialização do país, dinâmica
econômica que acentuou a onda de crescimento urbano, em especial nas regiões Centro-Sul
(BULLA, 2003, p. 2). Fazendo parte de uma série de medidas do Estado que visavam o enfrenta-
mento das adversidades socioeconômicas, o SESC nascia em 1946, autorizado pelo Decreto Lei
nº 9.853/46 e vinculada à articulação e ao suporte da CNC, como um organismo voltado para o
bem-estar social dos trabalhadores do comércio. Esta fase marcadamente assistencial perdurou
até os anos 1960 e centrava seus investimentos em atividades do serviço social, da saúde, edu-
cação, recreação, alimentação, higiene e habitação.
A estruturação da fase seguinte correspondeu à nova dinâmica conferida aos centros
urbano-industriais nos anos 1950/60. Pautava-se na urgência em estabelecer o equilíbrio da
ordem social em associação a um clima desenvolvimentista em franca atividade, ao tempo em

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que incluía, na celebração do progresso, outras instâncias de estímulo à qualidade de vida como
“espaços em que os cidadãos pudessem exercer lazer e cultura” ligados “a esse conjunto de
transformações que se passavam na cidade” (OLIVEIRA, 2009, p. 54-56).
A concepção de progresso, aliada à ideia de sociedade moderna, respal-
dava-se no crescimento econômico do país, especificamente no surto
industrial que abrira transformações de vulto na sociedade brasileira,
sendo São Paulo a cidade mais profundamente afetada pelas mudan-
ças. O projeto desenvolvimentista, implementado desde o pós-guerra,
impulsionava o ritmo das atividades, carreando alterações de monta na
estrutura da sociedade (ARRUDA, 1997, p. 47).
Este novo cenário punha em foco um tema basilar no eixo da vida social: a ideia de
progresso e modernidade não mais dissociava o tempo útil do trabalhador do tempo livre e do
bem-estar destes, incluindo-se aí o tempo para o consumo das mais variadas formas de arte. Essa
nova característica passou a computar, como um índice de produtividade, a qualidade de vida
particular dos indivíduos e principalmente a sua disposição funcional como mão de obra.
O primeiro grande e efetivo movimento no sentido da superação da fase assistencialista
do SESC foi a realização, em 1969, do seminário Lazer: Perspectivas para uma Cidade que
Trabalha, promovida pela entidade e pela Secretaria de Bem-Estar da cidade de São Paulo. A
figura central dessa discussão, o sociólogo francês Joffre Dumazedier, trouxe, para o centro do
debate, suas teorias e conceitos sobre o lazer associado à educação não-formal. Para o autor, o
tempo do lazer alicerça o momento em que o indivíduo pode expressar ou satisfazer seus impul-
sos e desejos, uma “escolha pessoal e livre e seria também oposto ao conjunto das necessidades
e obrigações da vida cotidiana” (DUMAZEDIER, 1976, p. 31). Desse modo, a função recreativa
- no sentido do divertimento - está relacionada com as outras funções de descanso e desenvol-
vimento do lazer, e orientada para a criação permanente do indivíduo por si mesmo. Liga-se à
distinção entre o lazer e o ócio, tomando o lazer como ocupação não-obrigatória, um elemento
de “livre-escolha” de atividades, ação de “recuperação psicossomática”, de desenvolvimento
pessoal e social alcançável por meio das práticas do lazer.
Na centralidade do tema, outros estudiosos viriam somar contribuições que adensaram
as razões para os avanços na visão institucional do SESC: o trabalho do educador suíço Pierre
Furter, que abrangia a ideia de uma pedagogia fora dos regimes escolares, propondo ainda o de-
senvolvimento e os reajustes da personalidade do homem em qualquer época da sua existência
social (BRANDÃO, 1997, p. 17); e a referência do “historiador e filósofo italiano, chefe de uma
das unidades da Unesco nos anos 80, Ettore Gelpi”, que “esteve no Brasil, a pedido do SESC,
para ministrar o curso sobre Lazer e educação permanente” (LEMOS, 2005, p. 50). Os debates
produzidos por estes teóricos levaram o SESC ao gradual deslocamento da sua atuação para um
serviço social voltado às atividades de tempo livre, mudando a estratégia de mediação da enti-

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dade, fazendo-a organizar suas ações de lazer como educativas em si mesmas, onde os proces-
sos de fruição e aprendizagem estavam ligados diretamente à qualidade da atividade propostas
(ALMEIDA, 1997, p. 88-91).
O Programa de Lazer do SESC era conduzido politicamente por duas perspectivas, uma
ligada a um certo senso econômico e utilitário, tendo o lazer com um “reforço” à saúde e à vi-
talidade do trabalhador, visão ainda tributária da vocação assistencialista da entidade (LOPES,
2015, p. 91). A outra cumpria uma função externamente mais estratégica: mantinha-se como
uma alternativa às restrições políticas no país, para o qual o regime militar já havia inviabiliza-
do qualquer tímida iniciativa que pudesse transpirar preocupações educativas muito explícitas
nos processos sociais, incluindo as ações de cinema. As atividades de lazer se ofereciam “como
porta de entrada mais ‘discreta’ para os valores educativos que a instituição pretendia transmitir,
relacionados à educação cívica, cidadania, sociabilidade e integração com o meio social” (OLI-
VEIRA, 2009, p. 66).
Nos anos seguintes, nos debates que progressivamente avançariam para uma maior ênfa-
se ao Programa de Cultura, o processo sistemático de aperfeiçoamento e reflexão centrado nos
quadros técnicos da instituição foi um fator fundamental. A partir da década de 1960, muitos
intelectuais de renome internacional passariam a vir ao Brasil para palestras, seminários, painéis
e outras dessas atividades de formação promovidas pelo SESC (muito especialmente pelo De-
partamento Regional SP), e alguns deles, como o próprio Joffre Dumazedier, se tornariam, ainda
nessa época, consultores da entidade. Por sua importância como agentes em constante capacita-
ção e pontas-de-lança no trabalho junto às comunidades, muitos destes técnicos formariam um
grupo profissional extremamente atento às questões socioculturais. Essa informação é reforçada
pelo Diretor do SESC São Paulo, Danilo Santos de Miranda5, que começou na instituição como
orientador social, em 1968, ao afirmar que
[...] a necessidade do SESC naquele momento era de pessoas com um
perfil capaz de perceber contextos de cada realidade institucional, ter um
olhar humanista, uma formação humanista, porque até então não havia
uma formação específica que habilitasse um profissional a atuar nesse
ou naquele cargo na instituição.
Certamente, muito das práticas sociais ligadas ao trabalho de mediação destes profis-
sionais tem relação com ambientes que frequentavam, na circulação de bens simbólicos para a
constituição de um gosto específico pelo consumo cultural. No que se refere aos ambientes de
cinema, por exemplo, era parte (recomendável) da formação destes técnicos estabelecer víncu-
los com a dinâmica dos processos de aprendizagem no setor audiovisual, uma vez que a sétima
arte, enquanto uma forte expressão cultural, compunha uma das pontas de ação institucional:

Entrevista concedida a Marcelo Costa Lopes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 25 ago. 2014.
5

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fomentar práticas cinematográficas nas Unidades e em comunidades atendidas fazia parte do


processo de promoção da qualidade de vida.
Outro fator considerável para este cenário complexo de formação no SESC é a ambiên-
cia cultural dos anos 1960/70. Este período de grande efervescência social no Brasil e no mundo
é marcado pela ação uma juventude inquieta que vinha produzindo, participando e debatendo
ideais e processos criativos de diversas ordens e, não por acaso, dali saíram alguns dos prin-
cipais nomes da arte e da intelectualidade brasileira6. Essa geração estabelece paulatinamente
outro nível de percepção e relação com saberes e fazeres específicos no campo da arte, efetivado
nos processos econômicos, políticos e culturais do período, quando então se consolida uma in-
dústria cultural no Brasil7 e um consequente mercado de bens culturais. O espaço para a cultura
toma outra dimensão, se expande para uma arte passível de ser um produto da publicidade, da
arquitetura, das artes plásticas. Passa a incluir, direta e/ou indiretamente, o interesse e o poten-
cial de consumo das classes trabalhadoras no uso do seu tempo livre. Como assevera Renato
Ortiz, a complexificação da divisão do trabalho, a racionalização empresarial envolvendo uma
crescente profissionalização e um novo tipo de relacionamento entre a empresa e o empregado
mudam a tônica dos novos modelos econômicos. A cultura, segundo o autor, passa a ser um bem
comercializável embora, nunca inteiramente uma mercadoria, pois encerra um “valor de uso”
que é intrínseco à sua manifestação (ORTIZ, 2006, p. 146). Isso abre espaço para outra perspec-
tiva institucional no SESC.

4. O PROGRAMA DE CULTURA E A SISTEMATIZAÇÃO DO PROJETO


DE CINEMA
Álvaro Salmito8, ex-Diretor da Coordenação de Estudos e Pesquisas do SESC DN, foi
enfático ao localizar o eixo do processo de transição que concedeu espaço para a cultura na en-
tidade, em decorrência, sobretudo, da ação de alguns dos seus quadros profissionais:
O Programa Cultura do SESC, pra valer, o núcleo duro dele, onde ele
começa a ganhar massa, tanto no Departamento Nacional como nos De-
partamentos Regionais, acontece nos anos 80, no início dos anos 80.
Até então, o programa de maior visibilidade do SESC era o programa
de Lazer, principalmente atividades de Terceira Idade e Turismo Social.

6
Podem ser contabilizadas entre as personalidades atuantes nesse período, todas com algum vínculo de formação
para o cinema, nomes como Vinícius de Moraes, Glauber Rocha, Jean Claude Bernardet, Leon Hirszman, Gustavo
Dahl, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Helena Ignês, Anecy Rocha, Maria Bethânia, Orlando Senna, João Batista
de Andrade, Walter Lima Júnior, Anselmo Duarte, Othon Bastos, Nelson Pereira dos Santos, Guido Araújo e Rex
Schindler.
7
Segundo Renato Ortiz (2006), a indústria cultural, incipiente nos anos 1940/50, se consolida nas décadas de
1960/70. Sua materialização é o resultado da articulação dos interesses do Estado com o avanço de uma nova ra-
cionalidade empresarial nos setores de produção cultural, notadamente na televisão.
8
Entrevista concedida a Marcelo Costa Lopes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 18 ago. 2014.

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(...) É preciso que você saiba que esse Programa Cultura está na gêne-
se, no decreto lei de criação do SESC nº 9.853, de 13 de setembro de
1946. Já está lá a cultura, bem como outras atividades. No entanto, este
programa ficou dormitando até o início dos anos 80. Antes, estas outras
atividades [Lazer] é que tinham proeminência. E o Programa Cultura era
o que mais sofria preconceito pelos dirigentes do SESC. (...) Foram al-
gumas pessoas e alguns regionais que pioneiramente começaram a bater
na (tecla) cultura.
A mudança no enfoque institucional para o Programa de Cultura do SESC corresponde,
no plano externo, a um diálogo de interesses desenvolvidos na entidade com o período de trans-
formação social decorrente da abertura política brasileira, com o processo de recuperação das
instituições democráticas suprimidas por duas décadas de regime militar e que impôs um Estado
de exceção às instituições nacionais. A cultura, nos estertores do regime, a despeito da forte pre-
sença de traços de repressão e censura, era o lugar do debate, da reflexão e do exercício da ação
política no Brasil, e visava dar fôlego e consistência às manifestações populares.
Esse contexto encontrou ressonância na percepção de alguns indivíduos dentro do qua-
dro diretivo do SESC (no Departamento Nacional e em São Paulo, de forma mais destacada que
os outros Regionais), sobretudo na crítica que faziam, nesses termos, à noção funcionalista da
cultura restrita ao lazer e ao entretenimento. Sem abandonar os resultados pioneiros alcançados
no trabalho com o lazer, a ideia em proposta era ampliar o conceito, “não sendo visto apenas
como diversão e evasão, mas ao mesmo tempo como cultura e educação” (LEMOS, 2005, p.
52). De fato, a inquietação dentro do SESC sobre os rumos do desenvolvimento do Programa
de Cultura se exprimia cada vez mais forte. Ao longo desse processo de mudanças no país
alguns profissionais acabariam incorporando discussões importantes sobre a prática cultural,
aprofundando pensamentos e debatendo autores como Mike Featherstone, o teórico da cultura
do consumo9. Como desdobramento dessas reflexões, o autor, anos depois, participaria de vários
seminários promovidos pelo SESC e teria livros publicados no Brasil pelo selo da instituição. A
referência de seu trabalho no desenvolvimento de uma política voltada para a cultura aparece,
por exemplo, na expressão intermediários culturais, cunhada por Pierre Bourdieu, e explicada
pelo autor inglês na definição do campo de ação em que atuavam esses técnicos:
Especialistas e intermediários culturais capazes de vasculhar diversas
tradições e culturas para produzir bens simbólicos e, além disso, forne-
cer as interpretações necessárias sobre seu uso. Seu habitus, disposições
e preferências de estilo de vida são tais que eles acabam por se identi-
ficar com os artistas e intelectuais; todavia, nas condições de desmono-
9
Featherstone (1995) observa um aumento, no final dos anos 1980, do interesse de se teorizar a cultura, o que seria
resultado da “onda” do pós-modernismo. Busca, com isso, refletir a respeito dos motivos que levaram as ciências
humanas de modo geral a se interessarem por tal assunto. Seu objetivo é entender como o pós-modernismo surgiu
e como se transformou em uma imagem cultural tão influente e poderosa.

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polização dos redutos de mercadorias artísticas e intelectuais, eles têm


os interesses aparentemente contraditórios de sustentar o prestígio e o
capital cultural desses redutos e, ao mesmo tempo, popularizá-los e tor-
ná-los acessíveis a públicos maiores (FEATHERSTONE, 1995, p. 39).
De fato, a ideia de popularização de bens culturais “de elite” integra cada vez mais
fortemente as pautas da discussão para o Programa de Cultura neste momento. No caso do ci-
nema, um produto industrial voltado o consumo de larga escala, o desafio da política do SESC
é moldá-lo pedagogicamente como parte de uma programação voltada para utilização de um
segmento de filme tradicionalmente considerado um “privilégio das camadas sociais de maior
renda” (SESC, 2007, p. 9). Para tanto, utiliza da mediação cultural na constituição de estratégias
de acesso que possibilitem, na experiência social, educar as massas para o consumo de um perfil
de produções normalmente restritas ao universo das elites. O deslocamento de um consumo de
massas10 para um consumo de um segmento de elite - e este tratado novamente como um con-
sumo voltado para as massas - é o ponto objetivo da lógica cultural de acesso e estratégias que
o SESC pretende expandir nos anos 1980, tomando como referência ambiências de formação
culturais mais diversas.
Álvaro de Melo Salmito, que desde os anos 1970 foi um dos agentes centrais no DN
para tornar este tema um traço permanente na instituição, aponta os caminhos encontrados para
o diálogo com a nova dinâmica que estruturaria novos caminhos para a entidade: “tínhamos o
Danilo (Miranda) em São Paulo e nós no Departamento Nacional, sem que houvesse uma dire-
triz institucional para o fortalecimento desse Programa. E qual era o caldo de cultura que esse
programa vicejava? Era a redemocratização do Brasil, ao meu juízo”. E prossegue11:
Nos primórdios da redemocratização brasileira, onde era que a política
fluía? Ela só foi ter aqueles grandes comícios depois, quando a Ditadura
fraqueja. Era nos movimentos e nos shows. A bomba do Rio Centro
foi no show de Chico Buarque e outros artistas. Era a cultura por onde
se respirava novos ares e por onde se respirava a política. Onde estava
a respiração da redemocratização? Nas atividades artístico-culturais do
Brasil... e o SESC foi nessa.
A evidência da cultura consistia num ato político. Permeava as várias instâncias na vida
brasileira, evidenciando a voz artística e popular; era um espaço para arregimentar multidões,
o que, até bem pouco antes, era temível e fortemente repreendido pelos tempos mais duros da
ditadura. Ao que Salmito complementa:
No início dos anos 80, quando passa o núcleo duro da ditadura, no Rio e
em São Paulo começa uma série de debates pelos movimentos artísticos.
Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, no Teatro Casa Grande e nós aqui
no SESC. Esse fortalecimento do SESC coincide com o fim da ditadura
Entendendo o cinema como um produto industrial e, portanto, voltado para um mercado de grandes públicos.
10

Entrevista concedida a Marcelo Costa Lopes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 18 ago. 2014.
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militar, com a saída do governo Figueiredo e a entrada do governo Sar-


ney, a Nova República. Isso por volta da primeira metade dos anos 80. É
nesse momento que assume em São Paulo, o Danilo Santos de Miranda,
como Diretor Regional. (...) Isso faz a maior diferença, porque o Danilo
tem o maior orçamento do SESC do Brasil e colocou na cultura a sua
missão maior. Ora, o SESC São Paulo corresponde a aproximadamente
a 40% do orçamento nacional, de todo o Brasil. O SESC de São Paulo
está para o SESC/Brasil assim como o estado de São Paulo na economia
está para o Brasil.
A presença de Danilo Miranda no SESC São Paulo é estratégica: gestor desde 1984, Mi-
randa imprimiu a forte herança cultural dos anos da sua juventude e formação. Para ele, a cultura
passou a ser, com o passar das décadas, o lugar de excelência para as transformações sociais,
e “o SESC percebeu isso muito cedo, assumindo uma perspectiva educativa, não no caráter da
educação regular, da escola, mas de uma educação permanente. É daí que vem a cultura, desse
processo de amadurecimento”12.
No documento interno intitulado Avaliação das Diretrizes Gerais de Ação do SESC, de
1988, a noção de cultura já se demonstra como uma preocupação mais sistemática, tendo o:
‘Campo Cultural’ como a área mais expressiva para a elevação dos in-
divíduos aos patamares superiores da condição humana e da produção
do conhecimento. Possibilidade de enriquecer intelectualmente o indi-
víduo; levá-los à preparação mais acurada; propiciar nova compreensão
das relações sociais; releitura do seu estar-no-mundo, para transcender
suas condições de origem e formação; dotá-los de consciência universal
(LEMOS, 2005, p.81).
A partir de então, na continuidade de debates, cursos e instâncias de discussão nos âm-
bitos nacional e regional, a instituição passa por uma revisão da sua relação com as diversas
artes na perspectiva da recreação e/ou do entretenimento. Na ampliação do referencial sobre a
cultura, em que algumas atividades ganharam especial relevo, o cinema encontrou um espaço
de evidência. É quando este, como uma das vertentes mais importantes do consumo cultural, de
considerável alcance e influência na formação de afetos e comportamentos, se tornaria ponto de
apoio para novas práticas formativas acessíveis para o tempo livre do trabalhador. Sistematizada
numa programação de educação permanente, as ações de cinema integrariam, de maneira arti-
culada, a ampla política de construção da cidadania, tema central na missão declarada do SESC.
Em termos operacionais, as novas estratégias adotadas nas atividades de cinema possibili-
taram, entre as décadas de 1980/2000, uma ampliação no seu modelo de acesso, ao demonstrar-se
potencialmente capaz de se estender por todo o país. Conforme descrita no início deste artigo, sua
programação, voltada para o estímulo ao consumo de filmes de arte por grupos mais populares

Entrevista concedida a Marcelo Costa Lopes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 25 ago. 2014.
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demarcou espaço ao possibilitar uma alternativa ao mercado hegemônico, num período em que,
segundo José Carlos Avellar (2014), os cineclubes vinham perdendo força e era cada vez menor
número de salas dedicadas a um cinema autoral. Se nacionalmente, a principal ação da política
do SESC, ainda nos anos 1980/90, era projeto Filmoteca, cujos filmes eram oriundos do acervo
adquirido junto à Embrafilme e/ou a variados consulados, o que se propunha então, na contramão
do mercado, era uma ostensiva difusão de filmes nacionais e outros tantos não-hollywoodianos.
Nos anos seguintes, com a implantação consecutiva dos projetos A Escola vai ao Cinema (2001-
2007) e CineSESC (2008), o que se pôde observar foi uma articulação cada vez mais maior com
as instâncias da vida cotidiana do seu público, por dento da escola formal ou nas parcerias com
instituições públicas e/ou privadas para a oferta sistemática e contínua de filmes que pudessem
ampliar o raio de circulação de obras de outras origens, estéticas e formatos.
Contudo, mesmo desenvolvendo um amadurecido projeto de cultura na perspectiva de
uma educação permanente, alguns obstáculos são muito mais amplos. Apesar de constituir-se,
ao longo dos anos, numa situação bem mais estável que outras organizações atuantes no circuito
alternativo de exibição, graças à sua condição jurídica paraestatal, que administra uma conside-
rável soma de recursos públicos, alguns dos maiores empecilhos para cumprir as finalidades de
ações culturais como as que propõe, situam-se, segundo Isaura Botelho (2003), nos condicio-
nantes do consumo de bens culturais que, mesmo no caso do SESC, compõem-se de entraves
que não se limitam à realidade das estruturas ofertadas pela instituição.
As pesquisas internacionais existentes apontam para o fato de que as
maiores barreiras à aquisição de hábitos culturais são de ordem simbó-
lica. A primeira lição que se extrai desta evidência é a lei do sistema de
gostos: não se pode gostar daquilo que não se conhece; logo, o gostar
e o não gostar só podem existir dentro de um universo de competência
cultural, significando uma soma da competência institucionalizada pela
hierarquia social, pela formação escolar e pelos meios de informação.
Neste sentido, todos os estudos internacionais sobre práticas e consumos
culturais mostram que é necessário observar a correlação entre acessi-
bilidade a equipamentos (...) e outros fatores, tais como recursos econô-
micos, escolaridade e a existência de hábitos culturais prévios aliados à
educação (BOTELHO, 2004, p.13).
Na busca por vencer constrangimentos – de razão econômica, social, política e educa-
cional – para tentar aproximar os públicos diversos da classe trabalhadora de uma curadoria de
filmes cujo perfil de cinema de arte, de um modo geral, pouco lhes interessa de maneira imedia-
ta, as realizações do SESC permanecem como importantes referências para o circuito paralelo
de exibição brasileiro.
Como lembra Avellar (2014), a existência de um circuito de cinema de arte é uma rari-
dade na América Latina, e isso equivale dizer que a manutenção, a continuidade, a regularidade,

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as alternativas de difusão num cenário de lógica comercial mantém-se como fatores altamente
complexos que dificultam a sedimentação do acesso a outros formatos e linguagens cinemato-
gráficos. É neste sentido, que a compreensão da política de cinema do SESC, como resultado de
um projeto cultural ampliado a partir de discussões sobre o lazer socioeducativo, permite-nos
analisar a extensão desta ação, não apenas pela perspectiva curatorial, mas também pelo alcance
geográfico da instituição, e sua importância no contexto de formação de novos públicos para o
cinema de arte.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percorrendo o caminho das práticas formativas do SESC tematizadas pelas discussões
entre o lazer e a cultura, é possível compreender minimamente como uma instituição, que tem
sua origem ligada ao comércio, dá suporte a uma das maiores redes de difusão do cinema “não-
-comercial” do país. Para tanto, este artigo se apoiou numa reflexão que tangencia os debates
sobre as transformações nos padrões que cercam as políticas do trabalho e suas abordagens
sobre o tempo livre, orientadas para a formação de um outro perfil de trabalhador na contempo-
raneidade. E, desse modo, tratou também sobre como o acesso a manifestações da cultura, como
o cinema, cumpre este papel.
Na construção do Programa de Cultura do SESC, a função recreativa no mundo do tra-
balho aparece no diálogo com processos de formação diversos, que seguem avançando por dis-
cussões mais complexas pertinentes à mudança de tônica dos novos modelos econômicos e dos
contextos políticos o país. Na história da instituição, isto se demonstra nos percursos formativos
dos técnicos do lazer e cultura, desenvolvidos no acompanhamento de temas sociais que vão se
atualizando, contribuindo para a constituição de uma politica de mediação cultural que conferiu
consistência e articulação às ações com o cinema.
Embora consistente, esta política cinematográfica, amparada por recursos substanciais
de manutenção, também é afetada pelas adversidades pelas dinâmicas do contexto geral do mer-
cado cinematográfico. A autonomia de sua gestão, no entanto, diferente das organizações esta-
tais, permite a adequação das ações de forma mais efetiva dentro um projeto maior, que visa, em
última instância, o fomento à aquisição de competências culturais pelo seu público comerciário.
Neste sentido, a transição no SESC operada pelas transformações nos significados do
lazer – anteriormente com tendências ao campo do entretenimento - e da cultura – pensada como
fruição – é resultante da busca por fornecer acesso cada vez maior a uma produção de bem sim-
bólicos e uma reflexão necessária sobre os usos e interpretações de uma arte tornada “comercia-
lizável”. Somado a natureza formal de uma entidade de função social, seus objetivos tratam de
possibilitar, com a promoção da cultura em geral, e do cinema em particular, alternativas para for-
mação de perfil de consumo diferenciado daquilo que é ofertado no grande mercado da cultura.

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A modalidade cinema no SESC redunda numa quase obrigatória vinculação aos espaços
alternativos de exibição, não por uma indicação arbitrária, mas porque dialoga com os proces-
sos de reflexão sobre a arte. A criação de estratégias que permitam o retorno social ao segmento
de classe que lhe dá sustento, fez com que, no desenvolvimento de políticas mais sistemáticas
para a cultura, o cinema avançasse na articulação para a promoção de filmes de arte, cumprindo
uma função educativa de levar diversidade de linguagens, estéticas, nacionalidades, formatos e
narrativas cinematográficas, tão pouco disponíveis, ao seu público-alvo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2015.
OLIVEIRA, Maria Carolina Vasconcelos. Instituições e públicos culturais: Um estudo sobre mediação
a partir do caso SESC-São Paulo. 2009. 233 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade
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ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. Cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo,
Brasiliense, 2006.
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO, Departamento Nacional. Disponível em: <www.sesc.com.br>
Acessado em: 07 mar. 2014.

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______. Modelo da Atividade Cinema – Modelo Programação. Rio de Janeiro, 2007.


______. Modelo da Atividade Cinema – Modelo Instalação de Salas de Cinema. Rio de Janeiro, 2008.
______. Legislação do SESC. Rio de Janeiro: Departamento Nacional, 2010.
______. Sesc/ Senac: patrimônios do Brasil. Rio de Janeiro, 2011.
SIMIS, Anita. A política cultural como política pública. In: RUBIM, Antonio Albino Canelas e BARBALHO,
Alexandre. (Orgs). Políticas culturais no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007, v. 1, p. 133-155.

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PRESTANDO CONTAS À SOCIEDADE: 10 ANOS DOS EDITAIS DE FOMENTO ÀS


ARTES CÊNICAS DA FUNARTE
Marcelo Gruman1

RESUMO: A principal ação do Centro de Artes Cênicas da Fundação Nacional de Artes na


área de fomento são os editais voltados às suas três linguagens (teatro, dança e circo), criados
em 2006 como forma de perenizar a atuação do Estado no campo da produção, manutenção e
circulação das artes cênicas no país. O presente artigo é um excerto de um extenso relatório
elaborado pelo Setor de Políticas de Fomento do CEACEN, pondo em prática o conceito de
“transparência ativa” e subsidiando os gestores públicos com dados e indicadores que auxiliam
na avaliação de suas políticas institucionais a partir de um diagnóstico o mais preciso possível da
realidade. Este relatório é parte constituinte fundamental do projeto de reformulação dos editais
que a instituição promoverá no ano de 2016, bem como uma prestação de contas à sociedade e a
publicização dos resultados obtidos com as ações de fomento que fazem uso de verbas públicas.

PALAVRAS-CHAVE: editais de fomento; gestão; Funarte; políticas culturais; indicadores.

1. APRESENTAÇÃO
A Fundação Nacional de Artes — Funarte é o órgão responsável, no âmbito do Governo
Federal, pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, ao
teatro, à dança e ao circo. Os principais objetivos da instituição são o incentivo à produção e à
capacitação de artistas, o desenvolvimento da pesquisa, a preservação da memória e a formação
de público para as artes no Brasil. Para cumprir essa missão, a Funarte concede bolsas e prê-
mios, mantém programas de circulação de artistas e bens culturais, promove oficinas, publica
livros, recupera e disponibiliza acervos, provê consultoria técnica e apoia eventos culturais em
todos os estados brasileiros e no exterior.
Segundo o Regimento Interno da Funarte, compete ao Centro de Artes Cênicas formular,
promover e fomentar programas, projetos e atividades voltadas para as artes cênicas, inclusive
na formação de recursos humanos, na produção artística, na difusão e no intercâmbio cultural
no Brasil e no exterior. Suas ações de fomento devem estar consoantes com as diretrizes institu-

Doutor em Antropologia Social (MN/UFRJ), Administrador Cultural da Funarte/MinC. E-mail: marcelo.gru-


1

man@funarte.gov.br.

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cionais definidas para cada uma de suas linguagens, como depreendido do relatório de ativida-
des da instituição de 2007, bem como com seus Planos Setoriais construídos a partir do Plano
Nacional de Cultura:
Dança: “A rica oferta da produção brasileira na área de dança está restrita a uma pe-
quena parcela da população. (...) A dependência de modelos de financiamento baseados em
mecanismos de renúncia fiscal não superou ainda o problema da exclusão de grande parte das
manifestações coreográficas do acesso às fontes de financiamento e oportunidades de difusão e
preservação. É preciso promover a formação de público e dos artistas, estimular a circulação da
produção, garantir que as atividades realizadas no país sejam identificadas, registradas e divul-
gadas e estabelecer modelos sustentáveis de manutenção dos grupos de baile e da pesquisa na
linguagem da dança”.
Teatro: “A exemplo das demais linguagens artísticas, o teatro requer uma política de fi-
nanciamento que suporte o desenvolvimento, a produção e a circulação de suas obras. Por conta
de sua natureza de espetáculo vivo, dependente da interação de elementos cênicos e da presença
simultânea e física do público, trata-se de uma modalidade de expressão artística irredutível à
reprodução em escala pela indústria cultural. Nesse contexto, o teatro carece de oportunidades
de autonomia financeira equivalentes às cadeias produtivas do audiovisual, música popular ou
literatura. Esse panorama se agrava por conta das disparidades regionais na oferta de infraestru-
tura de apoio à produção e fruição teatral, bem como pela distribuição irregular dos meios de
capacitação de atores e técnicos e de formação de público”.
Circo: “A diversidade de práticas circenses coloca desafios específicos para a elaboração
de uma política para o setor. Cabe ao poder público e em especial à Funarte criar condições para
que o circo brasileiro possa ver suas demandas e precariedades resolvidas com apoio, capaci-
tação e acesso a espaços dotados de condições satisfatórias de infraestrutura e localização para
suas apresentações. O Estado deve, ainda, promover a pesquisa e a preservação da memória das
atividades circenses, visando o reconhecimento dessa tradição e a criação de programas de cir-
culação de espetáculos, principalmente em regiões de maior isolamento geográfico”.
A principal ação do Centro de Artes Cênicas na área de fomento são os editais voltados
às suas três linguagens, criados em 2006 como forma de perenizar a atuação do Estado no cam-
po da produção, manutenção e circulação das artes cênicas no país:
1. Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz: desenvolvimento de atividades teatrais, de
temática livre e nos mais diversos formatos, incentivando a criação e a circulação de
espetáculos, além de contribuir para a manutenção de coletivos, grupos e companhias.
2. Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna: desenvolvimento de atividades de dança,
contemplando a circulação nacional de espetáculos, atividades artísticas de artistas
consolidados e atividades artísticas de novos talentos.

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3. Prêmio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo: renovação ou manutenção da in-


fraestrutura dos circos brasileiros, incentivo à montagem, renovação e circulação de
números e espetáculos bem como formação em artes do circo.
A Funarte vem pondo em prática o conceito de “transparência ativa”. O Centro de Artes
Cênicas, em consonância com este preceito, está finalizando um relatório estatístico de suas qua-
tro tradicionais premiações, que pretende subsidiar a avaliação de suas políticas institucionais a
partir de um diagnóstico o mais preciso possível da realidade. Este relatório é parte constituinte
fundamental do projeto de reformulação dos editais que a instituição promoverá no ano de 2016,
bem como uma prestação de contas à sociedade e a publicização dos resultados obtidos com as
ações de fomento que fazem uso de verbas públicas.
Ao “zerar o passivo” de dados dos editais de fomento o Centro de Artes Cênicas coloca no
centro da discussão a importância do monitoramento e avaliação das políticas públicas de cultura
a partir de indicadores sólidos referenciais para a gestão. Para tanto, alguns passos são condição
essencial para o sucesso da iniciativa: levantamento de informações; organização das informa-
ções; disponibilização das informações; reflexão crítica sobre as informações. Evitam-se, assim,
tradicionais percalços da administração pública brasileira, exatamente a falta de informação e
consequente ausência de memória institucional e dificuldade de comunicação com o cidadão.
O levantamento de dados e sua constante atualização constituem aquilo que poderíamos
chamar de “cadastro vivo” em oposição ao “cadastro morto”, planilhas deixadas numa pasta de
arquivos analogamente a livros pegando poeira no fundo da estante de uma biblioteca. Ao assu-
mir um papel ativo como formuladora de políticas públicas em todas as suas etapas, a instituição
vai ao encontro do preconizado pelos planos setoriais, especialmente o do teatro2 e da dança3
no que diz respeito ao acompanhamento das informações e dados relativos às ações, editais e
recursos econômicos da área cultural, buscando garantir a transparência e o acompanhamento
dos processos em curso, bem como a divulgação e análise desses resultados. Desta forma, aban-
donam-se as “políticas de evento”, descontínuas, em prol de políticas de Estado, planejadas e de
longo prazo, com desdobramentos qualitativos mensuráveis.
O próprio Ministério da Cultura reconhece a necessidade de levantamento de dados e
construção de indicadores que auxiliem na avaliação das ações planejadas e vem “fazendo o

2
No caso do teatro, chama-nos a atenção, por exemplo, o item 4.2. e o subitem 4.2.2 do Capítulo IV – Do Desen-
volvimento Sustentável: 4.2: Promover o levantamento e avaliação dos dados estatísticos do setor teatral. 4.2.2:
Ampliar e atualizar o sistema de acompanhamento das informações e dados relativos às ações, editais e recursos
econômicos da área cultural, de forma a garantir a transparência e o acompanhamento dos processos em curso.
3
No caso da dança, dois itens (4.3.7 e 5.1.2) do seu plano setorial são relevantes para a discussão sobre o acesso
à informação e a transparência da gestão pública. O primeiro, constante do eixo Desenvolvimento Sustentável, diz
respeito à ampliação e atualização do sistema de acompanhamento das informações e dados relativos às ações, edi-
tais e recursos econômicos da área cultural, “buscando garantir a transparência e o acompanhamento dos processos
em curso”. O segundo, constante do eixo Da Participação Social, fala da “ampliação dos instrumentos de acompa-
nhamento e avaliação das políticas culturais voltadas para a dança, com a divulgação e análise desses resultados”.

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dever de casa” por meio da Coordenação-Geral de Monitoramento de Informações Culturais da


Secretaria de Políticas Culturais, responsável pela implantação do Sistema Nacional de Infor-
mações e Indicadores Culturais – SNIIC, cujo caráter inovador se dá por agregar e entregar à
sociedade informações atualizadas de distintos bancos de dados do próprio MinC, fundamentais
para uma gestão pública transparente. Também merece destaque a parceria entre o MinC e o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE na publicação do suplemento de Cultura
da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC e Pesquisa de Informações Básicas
Estaduais – ESTADIC, com informações valiosas para a gestão pública.
A publicação do relatório dos editais de fomento do CEACEN se coaduna com a Lei de
Acesso à Informação, que estabelece o princípio de que o acesso é a regra e o sigilo a exceção,
cabendo à Administração Pública atender às demandas de cidadãos e cidadãs. O acesso a estes
dados constitui-se em um dos fundamentos para a consolidação da democracia, ao fortalecer a
capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta.
A seguir, apresento alguns dados constantes do relatório e que devem servir de ponto de
partida para uma profunda avaliação das políticas de fomento da Funarte e, especificamente,
do CEACEN.
Os dados: para início de conversa (e análise)

PRÊMIO FUNARTE DE DANÇA KLAUSS VIANNA

Gráfico 1: Premiação, por ano.


(em milhões de reais)

O valor da premiação varia bastante ao longo dos anos, embora tenha havido estabilida-
de entre 2012 e 2014. A variação percentual entre os anos de 2006 e 2015 foi de -40%.

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Gráfico 2: Número de prêmios, por ano.

Assim como o valor da premiação, o número de prêmios varia muito de ano para ano,
dependendo, por exemplo, de suplementação orçamentária via emendas parlamentares.

Gráfico 3: Número de prêmios, por região geográfica. 2006-2015


(total/%)

Cerca de um terço dos prêmios foi destinado à região sudeste, seguida da região nordeste.

Gráfico 4: Concentração de premiados na capital, por região geográfica. 2006-2015

Nas regiões norte e centro-oeste praticamente apenas projetos inscritos nas capitais dos
estados foram premiados. As demais regiões também apresentam alta concentração de premia-
dos nas capitais, o menor índice sendo de 75% no sudeste.

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Gráfico 5: Investimento sobre o total investido, por região geográfica. 2006-2015


(em %)

A região sudeste concentrou quase 40% do investimento do Prêmio Funarte de Dança


Klauss Vianna, quase o dobro da região nordeste, a segunda com maior volume de recursos in-
vestido. Por outro lado, as regiões norte e centro-oeste obtiveram o menor volume de recursos.

Gráfico 6: Número de inscritos, por região geográfica. 2006-2015

Metade dos inscritos no edital de fomento à dança da Funarte é da região sudeste, segui-
da das regiões nordeste e sul, respectivamente. As regiões norte e centro-oeste foram represen-
tadas, somando-se os projetos, pelo mesmo número daqueles da região sul.

Gráfico 7: Concentração de inscritos na capital, por região geográfica. 2006-2015

Tanto quanto o verificado para os premiados, há forte concentração de inscritos nas capi-
tais dos estados, nunca inferior a três quartos do total para cada região do país. As regiões norte
e centro-oeste registraram os maiores índices de concentração.

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PRÊMIO FUNARTE DE TEATRO MYRIAM MUNIZ

Gráfico 1: Premiação, por ano


(em milhões de reais)

Há grande variação nos valores da premiação no edital de fomento ao teatro, declinando


pela metade entre 2014 e 2015. Na comparação entre a primeira e décima edições, a variação foi
de -72%. O investimento depende, dentre outras variáveis, da possibilidade de suplementação
orçamentária, o que ocorreu em 2006 e 2009.

Gráfico 2: Número de prêmios, por ano.

O quadro verificado na premiação se repete no número de prêmios distribuídos ao longo


dos anos. Nos anos de 2006 e 2009, quando houve suplementação orçamentária via emendas
parlamentares, o número de prêmios foi muito superior às demais edições, quase seis vezes
maior na primeira edição do que na última.

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Gráfico 3: Número de prêmios, por região geográfica. 2006-2015

A região sudeste concentrou mais de um terço dos prêmios distribuídos pelo Prêmio
Funarte de Teatro Myriam Muniz, seguida da região nordeste. As demais regiões distribuíram,
percentualmente, semelhante número de prêmios.

Gráfico 4: Concentração de premiados na capital, por região geográfica. 2006-2015

A concentração de premiados nas capitais é, embora ligeiramente menor do que a veri-


ficada no edital de fomento à dança, bastante significativa. Na região norte ultrapassa 90%; nas
demais regiões, nunca é inferior a 70%.

Gráfico 5: Investimento, por região geográfica. 2006-2015


(em %)

A região sudeste concentrou quase metade do valor investido no edital de fomento ao


teatro, seguida da região nordeste. A região nordeste, por sua vez, representa, em termos de re-
cursos investidos, o dobro da soma das regiões norte e centro-oeste.

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Gráfico 6: Número de inscritos, por região geográfica. 2006-2015

A região sudeste concentrou 60% dos projetos inscritos, seguida pelas regiões nordeste e
sul, respectivamente, que apresentam índices semelhantes. A região norte foi a menos representada.

Gráfico 7: Concentração de inscritos na capital, por região geográfica. 2006-2015

A concentração de inscritos nas capitais dos estados é mais acentuada na região norte; a
região sul é a única cuja concentração ficou abaixo de 70%.

PRÊMIO FUNARTE CAREQUINHA DE ESTÍMULO AO CIRCO

Gráfico 1: Premiação, por ano.


(em milhões de reais)

Há significativa variação no volume de recursos investidos no edital de fomento ao circo,


que não aconteceu em dois anos (2008 e 2014).

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Gráfico 2: Número de prêmios, por ano.

A significativa variação também ocorre com o número de prêmios distribuídos ao longo


dos anos. Se é verdade, por um lado, que este número quase dobrou na comparação entre 2006
e 2015, houve uma queda de 40% entre as edições de 2013 e 2015.

Gráfico 3: Número de prêmios, por região geográfica. 2006-2015

A região sudeste concentrou pouco mais da metade dos prêmios distribuídos pelo Prê-
mio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo, seguida das regiões nordeste e sul. O número de
prêmios das regiões norte e centro-oeste, somado, não alcança o da região sul. Deve-se atentar
para o fato de o edital de fomento ao circo não dividir o número de prêmios por região do país.

Gráfico 4: Concentração de premiados na capital, por região geográfica. 2006-2015

Diferente do que ocorre nas editais de fomento ao teatro e à dança, a concentração de


premiados nas capitais dos estados e bem menos significativa em, pelo menos três regiões do
país, não chegando a 50% no caso da região sul. A região centro-oeste é a que apresentada o
maior índice, acima de 80%.

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Gráfico 5: Investimento, por região geográfica. 2006-2015


(em %)

A região sudeste concentrou pouco mais da metade do investimento destinado ao edital


de fomento, seguida da região nordeste que engloba, praticamente, o volume de recursos inves-
tido nas regiões norte, centro-oeste e sul.

Gráfico 6: Número de inscritos, por região geográfica. 2006-2015

A região sudeste concentrou mais de metade dos inscritos no edital de fomento ao circo,
seguida da região nordeste. Assim como no índice referente ao investimento regional, a região
nordeste engloba numericamente os inscritos das regiões norte, centro-oeste e sul.

Gráfico 7: Concentração de inscritos na capital, por região geográfica. 2006-2015

Assim como no índice referente à concentração de premiados nas capitais, no caso dos
inscritos também observamos uma menor concentração do que nos editais de fomento ao teatro
e à dança, nunca ultrapassando 80% em qualquer das cinco regiões do país. Na região sul, por
exemplo, o índice ficou abaixo de 50% e, na região sudeste, pouco acima.

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2. REFLETINDO SOBRE OS DADOS


Os dados apresentados neste artigo e os demais que compõem o relatório a ser divulgado
num futuro breve levantam diversos pontos para reflexão, alguns dos quais colocamos a seguir:
1. A variação no montante destinado aos editais deveria ser técnica, baseada na de-
manda nacional por incentivos a projetos, entretanto, o que ocorre é que a decisão
passa a ser política ao depender da agenda do governo, de possíveis suplementações
orçamentárias, das oscilações do mercado e da disputa por recursos incentivados.
O Estado, ironicamente, passa a disputar com a iniciativa privada a destinação de
verbas públicas. A título de exemplo: em 2006, o Prêmio Funarte de Teatro Myriam
Muniz distribuiu 323 prêmios, embora neste ano o número de proponentes tenha sido
o terceiro menor na série histórica. Por outro lado, em 2015 o volume de recursos foi
menos do que um terço do distribuído em 2006 ao passo que o número de inscritos
foi 30% maior na última edição. O caso do circo também reflete a politização de um
processo que, a princípio, deveria ser eminentemente técnico. Para compensar sua
não realização no ano de 2014, a Funarte destinou a maior fatia de sua verba para os
editais de fomento do Centro de Artes Cênicas ao Prêmio Funarte Carequinha de Es-
tímulo ao Circo, assim como o maior número de prêmios. Não se questiona o maior
investimento na área do circo, mas a falta de critérios objetivos que norteiem a dis-
tribuição de verba entre as linguagens do CEACEN. Isto vale, também, para o teatro
e a dança que, ao longo dos anos, vêm recebendo maior investimento direto através
dos editais Myriam Muniz e Klauss Vianna mais por intuição de maior demanda do
que por fruto de estudos que a comprovem.
2. Deve-se discutir a melhor forma de distribuição dos prêmios, se por estado, região
ou nacionalmente. Esta discussão é importante na medida em que a qualidade dos
projetos varia enormemente, mesmo dentro de uma região e de um estado, fato con-
firmado quando observamos que a maior parte dos contemplados vem das capitais.
3. A evolução no número de prêmios e no valor total das premiações em regiões histo-
ricamente preteridas pelas políticas culturais é um fato a ser louvado. Por outro lado,
não há critérios objetivos para a distribuição de prêmios e definição de categorias
financeiras de premiação para cada região do país. É por este motivo que a discrepân-
cia entre as regiões norte e sudeste não diminui a despeito dos esforços por melhor
distribuição de prêmios e premiações, na medida em que o sudeste é contemplado
com módulos financeiros dos valores mais elevados. Na teoria, sabemos que os cus-
tos de produção na região norte são mais elevados (o “custo Amazônia”), mas não há
estudos objetivos que o comprovem.

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4. Observa-se alta concentração dos projetos inscritos nas capitais dos estados. Em al-
guns casos, especialmente na região norte, praticamente apenas a capital participa.
No médio e longo prazo pretende-se que os editais alcancem de forma homogênea
todas as regiões do país. Um dos meios possíveis de alcançar este objetivo é o esta-
belecimento de parcerias entre a Funarte e as Secretarias Estaduais e Municipais de
Cultura no intuito de elaborar um plano de divulgação maciça de suas ações.
5. Os projetos encaminhados não são homogêneos no que concerne à qualidade. Assim,
outro caminho a ser trilhado é a realização de cursos de capacitação para a elabora-
ção de projetos, melhorando as condições de acesso e maior igualdade entre os pro-
ponentes, por meio de ações sistemáticas da Funarte em parceria com os governos
estaduais e municipais.
6. A baixa qualidade dos projetos apresentados ou a não participação no edital por des-
conhecimento ou falta de qualificação para a elaboração de propostas podem explicar
tanto a pouca representatividade de alguns estados no processo quanto a baixo índice
de premiados destes mesmos estados (Acre, Amapá, Piauí, Sergipe, por exemplo).
Seria necessário verificar se, realmente, tais hipóteses são comprovadas ou se, sim-
plesmente, estes estados não contam com grupos artísticos nas três áreas em desta-
que neste relatório.
7. A modalidade de seleção pública por edital democratiza a aplicação dos recursos
públicos na área cultural, tornando-a transparente, equitativa, ampla e aberta, com
regras claras, objetivos específicos e critérios de avaliação previamente divulgados.
No entanto, diante da forte demanda por parte das três linguagens (teatro, dança e
circo) e de recursos escassos, o percentual de contemplados é muito baixo. Portanto,
deve-se discutir aquilo que a Funarte quer fomentar, uma vez que a pulverização dos
prêmios pelas categorias de inscrição coloca em dúvida o impacto real da ação.
8. É fundamental uma discussão sobre as atribuições de cada uma das esferas da ad-
ministração pública (federal, estadual, municipal), evitando-se que as premiações
se transformem em grandes “guarda-chuvas” abarcando uma gama de categorias
de inscrição cuja pretensão é de alcançar tudo e a todos. Estudos sobre o fomento
público e privado às artes em geral podem revelar sombreamentos no financiamento,
concentrado em determinados elos da cadeia produtiva. Podemos citar, como exem-
plo de ausência ou pouca presença do poder público, a circulação internacional das
artes cênicas no âmbito do governo federal.
9. A informatização dos processos de seleção pública, economizando tempo e recursos
do poder público e dos próprios proponentes, é uma realidade inescapável. Isto não
significa ignorar que grande parte da população brasileira não tem acesso de qualida-

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de à Internet ou simplesmente estão desconectados do mundo virtual, mas de enfren-


tar o desafio irredutível de qualificar o processo através de parcerias institucionais
(SEI, SESC, prefeituras etc.) que ajudam a capilarizar o acesso às inscrições por
meio virtual a garantam a participação de grupos historicamente à margem das ações
das políticas culturais e que vem conseguindo, nos últimos anos, terem reconhecidas
sua cidadania cultural.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para dar conta de uma atuação verdadeiramente nacional e enfrentar os desafios coloca-
dos nas observações acima, a Funarte tem de se revitalizar e, mais do que isso, se reestruturar.
Tal reestruturação articula-se à construção da Política Nacional das Artes (PNA), cujo objetivo
primordial é a implantação de políticas públicas atualizadas, fundamentadas e duradouras para
as artes. Três temas são prioridade, transformados em projetos transversais estruturantes:
a) Rede Nacional de Difusão das Artes: formação de uma rede que possibilite a cir-
culação e intercâmbio da produção artística de cada linguagem por meio de uma
plataforma digital (ou uma série delas) cujo objetivo é funcionar como espaço de
agenciamentos das linguagens artísticas, especialmente voltada para a circulação.
A ideia é que o poder público desenvolva funcionalidades e os setores se apropriem
dos mecanismos, tornando-a viva e sempre atualizada. A Funarte vincularia a esse
espaço os seus editais; os proponentes passariam a se inscrever por meio dele, que
assim induziria à formação de cadastros e indicadores, podendo orientar melhor as
ações da própria Funarte;
b) Sistema Federativo do Fomento às Artes: dentro do problema complexo da criação
de um sistema federativo da cultura, é exequível em curto prazo um “pacto federa-
tivo de fomento”, uma articulação com secretários estaduais de cultura, gestores de
fundos e outros atores a fim de definir as condições para uma nova forma de relação
entre os entes federados no que diz respeito ao fomento;
c) Marcos Legais das Artes: tem como foco quatro eixos principais (tributário, fiscal,
trabalhista e previdenciário), empreendendo-se estudos sobre as legislações vigentes
e constituídas propostas que as revisem no sentido de liberar gargalos, desburocra-
tizar o trabalho dos gestores públicos, regulamentar leis que regem a profissão dos
artistas, dentre outros temas.
Os três temas são etapas importantes a serem vencidas para que haja uma política de fato
estruturante para a arte brasileira e se constitua num sistema que possa fornecer dados para o
planejamento e avaliação das políticas de forma integrada a articulada nacionalmente.

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Sem um diagnóstico preciso da realidade, não é possível modifica-la e, se um dos pilares


da atuação da Funarte é a promoção, em âmbito nacional e internacional, das artes e, especifi-
camente das artes cênicas a partir do conceito de “cidadania cultural” e respeito à diversidade,
dados e indicadores como os apresentados neste artigo e aqueles produzidos pelo IBGE, como o
Suplemento de Cultura dos Perfis de Informações Básicas de Estados (ESTADIC) e Municípios
(MUNIC), bem como metas e estratégias do Plano Nacional de Cultura relacionadas à produção
e circulação de espetáculos, devem ser levados em consideração no momento de elaboração da
política institucional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FUNARTE. Relatório de gestão 2007. Rio de Janeiro: Funarte. 2007. 107 páginas.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Câmara e colegiado setorial de teatro: relatório de atividades 2005-2010.
Brasília: MinC. 2010.
______. Câmara e colegiado setorial de dança: relatório de atividades 2005-2010. Brasília: MinC. 2010.
______. Câmara e colegiado setorial de circo: relatório de atividades 2005-2010. Brasília: MinC. 2010.

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JAPARATUBA EM REDE: A EXPERIÊNCIA DE UMA METODOLOGIA


PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS AGENTES CULTURAIS
Marcelo Rangel1
Bruna Távora2

RESUMO: O presente trabalho relata a experiência que vem sendo desenvolvida no projeto
Japaratuba em Rede: Juventude, Cultura e Cadeias Produtivas que atua na integração de
jovens agentes culturais da cidade de Japaratuba, Sergipe, através do fortalecimento de suas
potencialidades e habilidades. Isto, por meio da educação profissional em gestão cultural,
comunicação & cultura digital e criatividade. Com foco no fortalecimento das identidades
culturais dos participantes e na manutenção do patrimônio cultural de Japaratuba, a iniciativa
busca qualificar profissionalmente, dentro da cadeia produtiva do setor cultural, jovens atuantes
de movimentos culturais.

PALAVRAS-CHAVE: gestão cultural, educação, cadeias produtivas

1. INTRODUÇÃO
Marcada por uma forte concentração nos pólos de produção e distribuição, os bens cul-
turais da sociedade têm sido produzidos sob orientações fortemente mercadológicas. A fruição
de bens culturais de comunidades de todo o Brasil é uma mescla entre produções ancoradas
nas práticas culturais locais e aqueles produtos advindos dos grandes centros e escoados pelas
mídias massivas, como o rádio e a TV. Às expressões culturais locais se juntam bens simbólicos
vindos desde os centros e carregados de significados que, muitas vezes, estão distantes do coti-
diano e do dia-a-dia de comunidades quilombolas, ribeirinhas, rurais de todo o Brasil.
Embora seja uma tendência geral dos processos sociais, a produção cultural fortemente
industrializada se estabelece como problemática pela natureza destes bens. MARTIN-BARBE-
RO (1997) explica que os bens culturais são bens simbólicos que funcionam como elementos de

1
Graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Especialista em
Gestão e Políticas Culturais pela Universidade de Girona/Itaú Cultural. Diretor de Programas e Projetos do Instituto
Banese/Museu da Gente Sergipana. Email: marcrangel@hotmail.com
2
Mestre em Comunicação e Sociedade pela UFS, especialista em Mídias Digitais pela FANESE. Professora subs-
tituta do curso de Comunicação Social da UFS, membro do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e
Sociedade (CEPOS). E-mail: tavora.bruna@gmail.com

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mediação da vida das pessoas e pautam as relações sociais do homem com suas comunidades,
com suas culturas e entre si.
Embora disputem com outras referências culturais próprias das comunidades, estes bens
produzidos industrialmente têm pautado, de maneira ampla, as referências culturais da socieda-
de e, tem contribuído para o enfraquecimento de polos locais de produção e distribuição cultural
e para o enfraquecimento do sentimento de pertencimento cultural de grupos com suas comu-
nidades (HALL, 2005). Esse conteúdo massivo, por se estruturar de maneira organizada e em
escala global, muitas vezes, representa a maioria das referências as quais as comunidades têm
acesso, enfraquecendo as práticas locais e consolidando elementos simbólicos que tem baixa
referência com os pontos regionais/locais.
Frente a essa realidade, grupos e movimentos sociais ao redor do globo tem se apropria-
do de estratégias e ferramentas de produção para viabilizarem a produção cultural de suas co-
munidades. Estas práticas ora funcionam incorporando a lógica predatória do mercado cultural,
ora se configuram como ferramentas de apropriação social (NEUMAN, 2010) e são produzidas
em contextos de atuação cultural com foco no desenvolvimento local e na emancipação humana
dos grupos e seu entorno. Embora se configurem de maneira dispersa na paisagem cultural con-
solidada pela indústria da cultura, esta produção cultural advinda das práticas das comunidades
tem sido responsável por manter vivas expressões tradicionais e seculares de territórios.
No entanto, fazer frente aos processos massivos e industriais dos bens simbólicos se
configura como desafiador já que essas comunidades apresentam uma população vulnerável
socialmente, com baixa renda econômica, baixa escolaridade, reduzida educação e qualificação
profissional e uma cadeia produtiva da cultura dispersa e organizada de modo aleatório.
A partir da compreensão desta realidade, o projeto Japaratuba em Rede: Juventude,
Cultura e Cadeias Produtivas pretendeu fazer frente a estes desafios e integrar uma rede local
de produção cultural. Tem o objetivo de contribuir para a formação e educação profissional da
juventude participante do movimento cultural local e contribuir para o fortalecimento de suas
práticas culturais, para assim possibilitar a articulação de um pólo produtor de cultura capaz de
remunerar os seus agentes, movimentar a economia e sustentar econômica e culturalmente as
expressões já existentes na região.

2. A MATRIZ CULTURAL EM JAPARATUBA


O município de Japaratuba, localizado a 56km de Aracaju, capital de Sergipe, no nor-
deste do Brasil, tem área de 364,899 km2, população de 16.874 habitantes (IBGE, 2010), sendo
que 53% vivem nas áreas rurais, segundo dados do Sistema de Informação de Atenção Básica
de 2010. A densidade demográfica é de 39,13 habitantes por Km², com renda per capita média
de R$ 74,65. A população pratica uma agricultura de subsistência e ocupa-se de serviços tem-

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porários, sendo a administração pública responsável pela maior parte de empregos ofertados à
população economicamente ativa.
Quanto aos jovens, dados do Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil 2013, realiza-
do pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), informam que apenas
30% dessa população finalizou a matriz educacional do ensino médio e, assim como a tendência
geral, também na juventude a taxa de empregabilidade se concentranos serviços informais e na
administração pública.
A cidade de Japaratuba guarda em sua história e tradição muito das culturas indígena,
portuguesa e, sobretudo, negra. Trata-se de um dos mais ricos celeiros de manifestações tradi-
cionais da cultura popular de Sergipe. Apresenta manifestações culturais que reverberam o pas-
sado e garantem, no presente, uma permanente interação entre as gerações, mantendo a memória
cultural das comunidades viva e garantindo a reprodução simbólica de suas culturas. Japaratuba
é uma usina de tradições e alegorias. A riqueza cultural de Japaratuba tem raízes importantes
que contam a história de um povo através das suas danças, cantos, gestos e ritmos, aliados a uma
forte religiosidade que presta homenagens aos seus santos e crenças (BARRETO, 2013)
O Censo artístico-cultural (2013) do município, realizado pela Prefeitura Municipal de
Japaratuba, 2013 confirma essa realidade:

Modalidade Quantidade
1 GRUPOS FOLCLÓRICOS & PARAFOLCLÓRICOS 26
2 TEATROS 10
3 POETAS 31
4 GRUPOS DE DANÇAS & AFINS 31
5 BANDAS FILARMÔNICAS & MARCIAIS 10
6 BANDAS, MUSICAIS & AFINS. 36
7 GINÁSTICA & ARTES MARCIAIS 03
8 QUADRILHAS JUNINAS 11
TOTAL 154
Somado aos grupos catalogados e expostos acima, a cidade ainda apresenta festas tra-
dicionais seculares, como por exemplo, a Festa das Cabacinhas, a Coroação da Rainha do Ca-
cumbi, a Festa de Santos Reis e São Benedito, dentre outras. Acrescenta-se a isso, a recente
apropriação das referências artísticas de Artur Bispo do Rosário pelos artistas e moradores da
região, que a partir da transferência de seus restos mortais para a cidade, se configurou como
referencial simbólico para os cidadãos. Isto impulsionou, nos últimos anos, a criação de festivais
de arte, além de uma produção cultural que vem se nutrindo de sua memória artística e cultural.

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Além disso, entidades organizadas também são identificadas no município como o Ponto
de Cultura Caatingart, no povoado São José, a Associação de Catadoras de Mangaba do Po-
voado Porteiras, a Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares do Assentamento Caraíbas
- Doce Lar (Coomafac), a Associação Quilombola da comunidade Patioba, na comunidade tra-
dicional de quilombolas Patioba, que recebeu a Certidão de auto reconhecimento sob o número
de 06/2006, emitida pela Fundação Cultural Palmares e publicada em Diário Oficial da União
em 12 de maio de 2005.
Nesse sentido, a realidade em que o projeto atua apresenta fortes registros de expressão
e organização culturais. No entanto, por não deterem ferramentas de educação profissional que
possibilitem a sustentabilidade dos processos culturais, muitos grupos apresentam déficit de
apoio e tem suas práticas e expressões culturais ameaçadas pela concepção industrial de produ-
ção cultural da nossa sociedade.
Na perspectiva do local de atuação deste projeto, o que pode ser visto é o desenho de
uma realidade onde, embora a vitalidade cultural da região seja facilmente identificada, a or-
ganização das cadeias produtivas da cultura apresenta-se desestruturada e sem promover um
retorno sociocultural equivalente a sua capacidade para o município e seus habitantes.

3. QUALIFICAÇÃO PARA A PRODUÇÃO CULTURAL


Assim, o projeto Japaratuba em Rede: Juventude, Cultura e Cadeias Produtivas foi
contemplado para patrocínio por meio da seleção pública Integração Comunidades Petrobras
2013 Nordeste, na linha programática Educação para Qualificação Profissional. Com tempo de
2 anos para execução, configura-se como uma proposta de formação, educação profissional e
integração de jovens agentes culturais de baixa renda de Japaratuba atuantes na cadeia produtiva
da cultura.
Realizado pelo Instituto Banese, associação sem fins lucrativos criada e mantida com
recursos oriundos do Banco do Estado de Sergipe e suas empresas relacionadas, voltada para o
desenvolvimento de ações de responsabilidade socioambiental através de apoio e/ou realização
de projetos em sintonia com políticas públicas, com destaque para a promoção da cultura.
Entre suas ações, a mais destacada é a gestão do Museu da Gente Sergipana, voltado para
a promoção do patrimônio cultural de Sergipe através de instalações em multimídia interativa e
exposições de curta duração. Inaugurado em novembro de 2011, já recebeu mais de 300.000 vi-
sitantes, de diferentes idades e origens, cerca de 100 mil estudantes de todo o estado de Sergipe
e uma média de 2.000 viajantes por mês.
Através da integração de jovens de comunidades da cidade de Japaratuba procura-se
destacar as potencialidades, as vitalidades culturais e a ênfase no fortalecimento das identidades
culturais (HALL, 2005) dos participantes. Assim, estão sendo formados para a educação profis-

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sional no campo cultural jovens atuantes em movimentos culturais, na perspectiva de qualificar


profissionalmente - dentro da cadeia produtiva do setor cultural - o grupo do qual os jovens
originalmente participam. Sua área de abrangência corresponde à cidade de Japaratuba incluin-
do suas comunidades e povoados. A proposta inicial previu a participação direta de 50 jovens, e
indiretamente, de suas famílias, suas comunidades e dos grupos artísticos da região que tem na
manutenção de suas práticas culturais suas formas de reprodução simbólica do mundo da vida e
são os responsáveis por manterem vivas as expressões culturais locais e regionais de Japaratuba.
São jovens que atuam em movimentos culturais e, em paralelo, desenvolvem outras ati-
vidades para sustento econômico. Com dificuldades para sustentar economicamente o pulsante
movimento que se desenvolve no local, muitos grupos se extinguem ou se mantém dependentes
de financiamentos aleatórios ou tem acesso limitado às políticas públicas que possam garantir a
manutenção de suas práticas e expressões culturais.
Em contraponto a essa situação, o projeto tem buscado contribuir para o fortalecimento
e sustentabilidade destas práticas por meio da aprendizagem e implementação de metodologias
participativas de produção cultural e de auto-organização dos grupos. Isto para proporcionar
espaços e educação profissional ancorados na cooperação, responsabilidade e respeito ao patri-
mônio cultural da cidade.
Em linhas gerais, pretende se estabelecer como um espaço de aprendizagem de práticas
de comercialização, financiamento, criação artística e gestão cultural, tendo como objetivo final
a criação de uma linha de produtos de comercialização de moda, decoração & ambientação e
utilitários inspirados nas referências culturais da cidade.
Ao final da execução do projeto, espera-se obter como resultados uma profissionalização
da cadeia produtiva da cultura na região, através do lançamento de um selo de comercialização
que possa, no futuro, viabilizar uma melhora econômica dos participantes, da realização de
rodada de negócio e visitas técnicas de intercâmbio de experiências e da educação profissional
destes jovens para uma gestão cultural não predatória, cooperada e sustentável. Além destes be-
nefícios, o projeto visa fortalecer a apropriação social (NEUMAN, 2010) de ferramentas, práti-
cas e técnicas pelos participantes de modo que eles possam participar ativamente das mudanças
e dos rumos da produção cultural de suas comunidades.

4. METODOLOGIA
De forma participativa e interdisciplinar, prioriza-se o trabalho coletivo e solidário, a
cooperação e a auto-gestão dos processos culturais, sendo flexível e adaptável à realidade e às
demandas das(os) participantes.
O trabalho foi iniciado em outubro de 2014, em processo de mobilização social por meio
de reuniões abertas de apresentação do projeto, em articulação com órgãos de gestão de políticas

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para a cultura e juventude do município, associações e grupos culturais da cidade que resultou
no cadastramento de 146 jovens.
Ao longo de sua realização, alguns jovens afastaram-se do projeto por questões pessoais
(dificuldade de integração, desmotivação, trabalho, problemas familiares, etc). Outros, mesmo
com redução da frequência por questões pessoais (trabalho, estudos, dificuldades pessoais, etc),
procuram não se desligar do projeto, participando de algumas atividades para assim manter seus
laços com o projeto e o grupo. Do total de selecionados, o projeto envolve no momento 43 par-
ticipantes, oriundos da sede e dos povoados.

Mapa de povoados participantes do projeto.

Elaboração própria.

Após a etapa inicial, os jovens participaram de uma oficina de mapeamento de identida-


des culturais, conduzida pela Prof. Dra. Maria Augusta Mundim Vargas, professora voluntária
do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO) da Universidade Federal de Sergipe
(UFS). Foi realizado um diagnóstico participativo, um levantamento das festas, saberes e tra-
dições, com ênfase na memória de símbolos e referenciais culturais, bem como estímulo ao
sentimento de pertencimento e à coesão social, através da valorização das expressões culturais

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da cidade. O resultado deste trabalho inspirou a produção da cartografia cultural de Japaratuba,


disponível em: www.japaratubaemrede.wix.com/japaratuba-em-rede.
A partir deste mapeamento aberto, fruto do enredamento de agentes e experiências, fo-
ram desenvolvidas aulas práticas com foco em duas linhas de atuação: a) oficinas de criativida-
de; e b) oficinas de gestão cultural associativa e participativa.
As oficinas de gestão cultural associativa e participativa foram iniciadas em um módulo
sobre produção colaborativa de eventos visando o planejamento e realização de uma feira cultu-
ral na cidade, denominada pelos participantes como I Mostra Cultura em Rede. Neste módulo,
foram apresentados temas como prospecção de apoio e patrocínio, técnicas de comunicação,
promoção, divulgação e avaliação de eventos, além da produção de infraestrutura para realiza-
ção da mostra.
A I Mostra Cultura em Rede foi organizada sob a supervisão da equipe técnica, e apre-
sentou um cortejo cultural pelas ruas da sede do município, mostra de produtos de diferentes
comunidades e apresentações culturais em diferentes linguagens. A perspectiva de apresentar
o trabalho coletivo, com diferentes comunidades em integração, como possibilidade de ação,
movimentou a sede do município e foi prestigiada por autoridades locais e por moradores de
diferentes regiões da cidade.
Após a mostra, a qualificação dos jovens agentes culturais foi aprofundada em um traba-
lho de introdução à gestão cultural, envolvendo noções de cultura e gestão, empreendedorismo
e trabalho colaborativo. Foram introduzidos conhecimentos sobre a interface entre cultura e
mercado, como pensar a equipe e o projeto, informações sobre espaços e equipamentos cultu-
rais e as habilidades e saberes do trabalho em cada frente da gestão cultural. Promovemos ainda
debates e exibições de filmes para propor reflexões sobre hábitos, gostos e consumo cultural,
que geraram uma pesquisa de hábitos e gostos culturais de Japaratuba, em que os participantes
entrevistaram os comerciantes e frequentadores da Feira de Japaratuba, realizada tradicional-
mente aos sábados.
As oficinas de criatividade foram idealizadas como espaço de aprendizagem coletiva
para a produção de itens que comporão um selo de comercialização inspirado nas referências
culturais da cidade de Japaratuba, como a arte de Arthur Bispo do Rosário, as danças popu-
lares como o Guerreiro, o Cacumbi, o Maracatu, as quadrilhas juninas, o artesanato em palha
e cipó, os bordados dentre outros. Conduzidas pela Profa. Dra. Germana Araújo, do curso de
design da Universidade Federal de Sergipe (UFS), foram apresentadas dimensões simbólica,
estética e prática de objetos e produtos de design e foi discutido o que cada comunidade pode
produzir para potencializar a relação de mercado da outra comunidade, buscando ícones locais
que pudessem se desdobrar em sinais gráficos para a configuração de objetos/serviços culturais
e comercializáveis.

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Em seguida, a artista plástica Claudia Oliveira (Claudia Nên), graduada em Educação


Artística (Artes Visuais) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pós-graduada em Cul-
tura e Criação pelo SENAC-SE, orientou a produção de versões do Manto de Artur Bispo do
Rosário com as referências culturais da cidade e suas comunidades/povoados, bem como orien-
tação do olhar para a produção de pinturas de fachadas de casas históricas de Japaratuba. Ainda
neste eixo, foram ofertados cursos profissionalizantes em Xilogravura e Serigrafia pelo Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial de Sergipe (SENAC-SE). Estas ações desembocaram na
produção de objetos de: a) moda, b) decoração e ambientação e c) utilitários.

5. DIÁLOGOS, INTERCÂMBIOS E POLÍTICAS PÚBLICAS


Durante todo este processo, foram realizadas ações de interação com outros jovens, como
os realizadores do Festival Culturarte, na cidade vizinha, Pirambu, com o objetivo de trocar
experiências na elaboração de eventos culturais protagonizados por jovens de locais próximos.
Também participaram de rodas de diálogo com jovens que tem exemplos para apresentar, como
a conversa com Julio Andrade, líder da banda The Baggios, morador da cidade de São Cristóvão
(SE). A atividade teve o objetivo de apresentar a trajetória e as estratégias de ação de uma banda
sergipana com alcance nacional e internacional.
Devido ao intenso diálogo com a Secretaria Municipal de Juventude, Esporte e Lazer,
que nos dá o suporte necessário para consolidar o apoio da gestão pública local para a realização
do projeto, e na perspectiva de fortalecer a ideia de interagir e atuar nas políticas públicas locais
como possibilidade de ação na ação cultural, fomos convidados para atuar na Conferência Mu-
nicipal de Políticas para Juventude. Do grupo de jovens participantes, 3 foram escolhidos como
delegados para a Conferência Estadual.
Ainda em relação às trocas de experiências, a Visita Técnica “de Jovem a Jovem” à Fun-
dação Casa Grande/Memorial do Homem Cariri, na cidade de Nova Olinda- CE, proporcionou
ao grupo sua experiência mais marcante, pela imersão de 3 dias em um contexto caracterizado
pela gestão cultural participativa e sustentável, conduzida por jovens. Nesta viagem, conhece-
mos todas as frentes de atuação da Fundação (TV Casa Grande, rádio comunitária, agência de
turismo de base comunitária, editora, biblioteca, gibiteca) e participamos da Mostra Cine Cariri,
produzida pelos jovens integrantes da fundação. Além disso, visitamos equipamentos culturais
da região e conversamos com o célebre artesão Mestre Espedito Seleiro sobre sua história, mo-
tivações e inspirações para a produção de suas peças, hoje consagradas até internacionalmente.

6. ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM
Após a introdução geral aos dois focos centrais do projeto, aprofundamos a ação atra-
vés da divisão do grupo em 3 frentes de ação: criatividade/produção criativa, gestão cultural e

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comunicação & cultura digital. Os participantes se dividiram de acordo com suas habilidades
e identificações pessoais, e propusemos a cada um dos grupos um trabalho dirigido para uma
segunda ação coletiva, a II Mostra Cultura em Rede, a ser realizada dentro do Festival de Artes
Arthur Bispo do Rosário, que acontece tradicionalmente em janeiro, na Festa de Santos Reis e
São Benedito do município.
A equipe de Gestão Cultural fez reflexões sobre o fazer cultural e buscou ampliar as
referências em ação cultural local, aprofundando a análise sobre a realidade cultural de Japara-
tuba por meio do aprimoramento da pesquisa de hábitos e gostos culturais, além do desenho de
atividades para a referida mostra. Estas atividades foram conduzidas pelo Mestre em Sociologia
pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Ivan Masafret, que atua na elaboração, gestão e
execução de projetos sociais e culturais e é consultor e facilitador em gestão e elaboração de
projetos culturais e sociais.
O grupo de Criatividade trabalhou na confecção dos artigos da linha de produtos inspira-
dos nas referências culturais da cidade e no aprimoramento de técnicas de pintura, impressão e
bordados. Apropriando-se do resultado dos cursos de xilogravura e serigrafia, foram produzidas
bolsas e camisas e gerados os primeiros protótipos de objetos de decoração & ambientação,
moda e utilitários. As ações foram coordenadas e executadas por Claudia Nên, com apoio de
Ilma Santos, artista plástica e produtora cultural, graduada em Artes Visuais pela UFS.
A oficina de Comunicação & Cultura Digital, conduzida por Aline Braga, jornalista gra-
duada pela Universidade Federal de Minas Gerais com atuação em mídias digitais, foi desenvol-
vida no sentido de habilitar os jovens na utilização de ferramentas de comunicação digital. Além
de instrumentalizar os jovens no uso das mídias digitais para a divulgação dos produtos e ações
gerados através do projeto e do patrimônio cultural de Japaratuba, esta oficina contempla uma
análise crítica da cultura e propõe saídas coletivas para problemáticas existentes.
Como forma de exercício prático, antes da II Mostra Cultura em Rede o grupo participou
de uma Feira Cultural promovida pela Associação de Catadoras de Mangaba do Povoado Por-
teiras (Japaratuba-SE), da qual fazem parte alguns dos jovens. Nela, os alunos de gestão cultural
promoveram uma mostra de curtas infantis, os participantes do grupo de comunicação & cultura
digital exercitaram técnicas de cobertura de eventos, e os integrantes do grupo de criatividade
apresentaram alguns produtos em fase de finalização.
Concomitantemente a este trabalho segmentado, periodicamente os grupos foram reu-
nidos para avaliação de atividades, integração e planejamento da II Mostra Cultura em Rede,
realizada entre os dias 04 e 07 de janeiro de 2016, que envolveu exposições de artes visuais e
de produtos de moda, decoração & ambientação e utilitários produzidos no escopo do projeto,
apresentação de trabalhos em eventos acadêmicos, mostras de cinema, biblioteca volante (ofer-
tada graças a parceria com o Sesc-SE) e mini-curso, conforme a programação a seguir exposta.

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04 de janeiro (Segunda-feira)
9h às 18h – BiblioSesc
Local: Praça da Igreja Matriz

17h – Abertura da exposição ‘Cultura em Rede’, com obras de artistas sergipanos e produtos
gerados nas oficinas do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Centro Social Dona Janoca

05 de janeiro (Terça-feira)
9h às 18h – BiblioSesc
Local: Praça da Igreja Matriz
 
14h – Apresentação da pesquisa ‘Hábitos e Gostos Culturais de Japaratuba’ na Jornada Acadê-
mica Artur Bispo do Rosário
Local: Pólo Universidade Aberta do Brasil (UAB)/UFS
 
16h às 19h – Exposição ‘Cultura em Rede’, com artes visuais e produtos gerados nas oficinas
do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Centro Social Dona Janoca
 
06 de janeiro (Quarta-feira) 
8h – Mesa Redonda: Vivências e Experiências, na Jornada Acadêmica Arthur Bispo do Rosário
Participantes: Marcelo Rangel e Bruna Távora, coordenadores do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Igreja Matriz
 
9h às 18h – BiblioSesc
Local: Praça da Igreja Matriz
 
15h – Cine Cultura em Rede: curtas da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis
Local: Câmara de Vereadores de Japaratuba
 
16h às 19h – Exposição ‘Cultura em Rede’, com artes visuais e produtos gerados nas oficinas
do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Centro Social Dona Janoca
 

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07 de janeiro (Quinta-feira)
9h – Mini-curso História das Artes Visuais em Sergipe, com Prof. Marcelo Uchoa (CODAP/
UFS)
Aberto ao Público
Local: Centro Social Dona Janoca
 
9h às 18h – BiblioSesc
Local: Praça da Igreja Matriz
 
16h às 19h – Exposição ‘Cultura em Rede’, com artes visuais e produtos gerados nas oficinas
do Projeto Japaratuba em Rede
Local: Centro Social Dona Janoca
 
17h – Cine Cultura em Rede: ‘Vou Rifar Meu Coração’, de Ana Rieper
Roda de conversa com Raphael Borges, integrante da equipe do filme
Local: Câmara de Vereadores

A diversidade de atividades foi planejada para enriquecer a programação do Festival de


Artes Arthur Bispo do Rosário. Deste modo, procuramos mostrar na prática como a diversidade
da oferta de bens e serviços culturais pode produzir resultados significativos para o empode-
ramento do grupo e para a vitalidade cultural local. Os jovens atuaram em todo o processo de
produção, mobilização popular e divulgação das ações, sob a coordenação dos instrutores e da
equipe técnica do projeto e de ação educativa do Museu da Gente Sergipana.
Durante a mostra, também foi realizada uma visita de familiarização (FAMTOUR), com
jornalistas e produtores culturais de Aracaju, para proporcionar visibilidade às ações do projeto
e à cidade e sua diversidade cultural, que geraram inserções em mídia espontânea com destaque
para os jovens agentes culturais. Estes se envolveram em ações de divulgação, acompanharam
debates acadêmicos, aulas abertas e rodas de conversa, ampliando seu repertório cultural e o
relacionamento com a comunidade e os gestores locais.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades desenvolvidas neste projeto possuem como característica fundamental a
inclusão social e integração comunitária da região, a partir de ações formativas e de espaços
de aprendizagem que são desenvolvidas visando colaborar para a educação profissional dos
jovens. De um modo geral, já percebemos maior coesão do grupo participante, um reconheci-
mento da comunidade local sobre a relevância das ações do projeto, observada a partir da par-

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ticipação de moradores da cidade em nossas atividades e convites para participação em outras


ações locais.
Nas atividades coletivas, fomentamos a integração dos jovens, a participação da popu-
lação local e os laços culturais e sociais com as comunidades de Japaratuba, através da partici-
pação em eventos da cidade e do diálogo com agentes externos, parceiros e coletivos culturais,
escolas e comunidades. Em conjunto, tais atividades têm materializado e fortalecido a proposta
de criação do “espaço de aprendizagem” previsto no escopo do projeto.
Além do aprendizado de novas possibilidades de geração de renda, os cursos profissio-
nalizantes do SENAC têm possibilitado que alguns alunos exercitem o que aprenderam fora
do espaço do projeto. Isto pode ser observado na confecção de faixas pintadas à mão (técnica
aprendida na oficina de serigrafia) para divulgação do comércio familiar por um jovem do po-
voado Sibalde e na divulgação da feira cultural das catadoras de mangaba em faixa pintada por
aluno da comunidade de Porteiras.
O resultado do curso de xilogravura do Senac é notável do ponto de vista estético, nos
trabalhos produzidos com esmero de traços e sensibilidade artística, inspirados nas referências
culturais do município, fato salientado até mesmo pelo instrutor do curso, Elias Santos, e pela
coordenadora pedagógica do Senac, Maria José, em reuniões com a coordenação do projeto.
Por observarmos a necessidade de maior compreensão coletiva e individual sobre o pro-
cesso de aprendizagem e do trabalho em equipe, passamos a utilizar métodos de avaliação aber-
ta e coletiva, em que foram apontados pelo grupo, destacadamente, necessidades de melhoria
de relações interpessoais e de maior envolvimento dos participantes. Deste modo, procuramos
demonstrar a importância do exercício da reflexão e da avaliação no mundo do trabalho cultural,
na perspectiva de construção de um trabalho coletivo, solidário, responsável, baseado na coope-
ração e na gestão participativa.
Para o próximo ciclo, marcado pela finalização do projeto com o lançamento da linha de
produtos inspirados nas referências culturais da cidade no Museu da Gente Sergipana, pretende-
-se aprofundar o conteúdo programático dos 3 grupos de trabalho, de modo a habilitar os jovens
ativistas culturais nas etapas da cadeia produtiva de produção cultural, da pré-produção até a
distribuição. Um mapeamento dos elos da cadeia produtiva local da cultura será desenvolvido
para provocar uma rede de articulação e contatos que possibilite o fortalecimento das cadeias
produtivas da cultura durante e após o trabalho do projeto, de modo a promover a percepção crí-
tica sobre cultura e formas predatórias de trabalho cultural. Através de aulas teóricas e práticas,
alternando-se entre aulas específicas para os grupos e outras envolvendo todos os participantes e
até mesmo a comunidade em geral, visamos o desenvolvimento local através da cultura, incen-
tivando o comércio justo, as parcerias e a sustentabilidade.

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Tendo em vista a análise sobre as possíveis contribuições da cultura para o desenvolvi-


mento, Martinell (2011) avalia que a formação de capacidades dos atores da vida cultural pode
ser vista como um primeiro nível do processo de desenvolvimento. Portanto, orientamos nossa
ação pela qualificação de competências e capacidades que o mesmo autor (2011b) aponta como
habilidades, atitudes e sensibilidades necessárias para o exercício profissional do gestor cultural.
Para que assim, estes jovens agentes culturais possam contribuir para o desenvolvimento de seu
município através das artes e das culturas que praticam.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, Luiz Antônio. Japaratuba: da Origem ao século XIX. Comentários sobre livro. Dispo-
nível em http://www.infonet.com.br/luisantoniobarreto/ler.asp?id=61645&titulo=Luis_Antonio_Barreto
acesso em 19 de setembro de 2013 às 8h56min.
CABRAL, Eduardo Carvalho. Japaratuba: Da origem ao século XIX. Aracaju: Gráfica Triunfo, 2007 
Catálogo: Sergipe, Cultura e Diversidade. Conhecer, Reconhecer e Valorizar. Governo de Sergipe,
Aracaju. 2010
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O SURGIMENTO DOS CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO UNIVERSITÁRIOS


E SUA RELAÇÃO COM A PNC DE 19751
Márcia T. Cavalcanti2

RESUMO: Nos anos de 1970 se configura um contexto político social particular, no Brasil, que
permite o surgimento dos centros de documentação, especialmente nos espaços universitários.
Podemos identificar, neste momento, o surgimento de centros de documentação voltados para
a pesquisa histórica, como, por exemplo, o Arquivo Edgar Leuenroth/AEL. Acreditamos que
diversos fatores, em conjunto, colaboraram para que esse contexto se configurasse, e que
estariam diretamente relacionados não só à academia, mas também aos cenários social, cultural
e político do período. Dentre estes fatores destacamos a publicação da Política Nacional de
Cultura (PNC) em 1975.

PALAVRAS-CHAVE: centros de documentação; políticas culturais; PNC

1. O SURGIMENTO DOS CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO NAS UNIVERSIDADES


Nos anos de 1970 se configura um contexto político social particular, no Brasil, que
permite o surgimento dos centros de documentação, especialmente nos espaços universitários.
Podemos identificar, neste momento, o surgimento de centros de documentação voltados para
a pesquisa histórica, como, por exemplo, o Arquivo Edgar Leuenroth/AEL, que foi o primeiro
arquivo brasileiro de história social a se constituir, no ano de 1974, durante o período do go-
verno civil militar. Acreditamos que diversos fatores, em conjunto, colaboraram para que esse
contexto se configurasse, fatores estes que estariam diretamente relacionados não só à academia,
mas também aos cenários social, cultural e político do período.
Segundo Moreira (1990), a década de 1960 foi marcada pela pesquisa histórica realizada
pelos chamados brasilianistas, os pesquisadores estrangeiros que fizeram um extenso levanta-
mento sobre a História do Brasil em apenas uma década, financiados por agências de fomento e
universidades americanas.

1
Este artigo se originou da tese de doutorado defendida em 2014, no IBICT/UFRJ.
2
Doutora em Ciência da Informação. Bolsista CNPq-PCI/IEN. Integrante do GP Informação, Memória e Socie-
dade. marciacavalcanti@gmail.com

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Motivadas inicialmente pela surpresa da revolução cubana (1959) - que


desperta as agências de financiamento e as universidades norte-america-
nas para a necessidade de conhecer a América Latina e, assim, melhor
avaliar a política externa dos EUA - grandes levas de sociólogos, antropó-
logos, cientistas políticos, e, principalmente, historiadores, passam a vir
para cá com o objetivo de explicar a história política e econômica do país,
estabelecendo, assim, seu perfil como nação. (MOREIRA, 1990, p.66)
Esse interesse estadunidense pela América Latina pode ser analisado como uma das for-
mas não só de conhecer esse novo horizonte que se descortina, mas também implementar modos
de se impor como modelo de nação, especialmente econômica e política, aos então subdesenvol-
vidos países latino-americanos. Longe de nos voltarmos para esta questão, o que nos interessa
é perceber que o governo que se institui a partir de 1964, de certa forma, também se utiliza dos
meios acadêmicos para obter informação sobre sua população, sendo o viés da memória e de sua
preservação uma forma eficaz de realização deste intento. Podemos ilustrar esta ideia a partir
dos incentivos que ele passa a dar às universidades para a criação de centros de documentação
que dessem suporte à pesquisa acadêmica em diferentes áreas, expressos em sua Política Nacio-
nal de Cultura.
A temática dos brasilianistas nos é importante porque a partir de suas pesquisas passamos
a tomar conhecimento dos diversos problemas que surgem no Brasil relacionados às pesquisas
acadêmicas, dentre eles o que nos interessa é justamente a situação do acesso dos pesquisadores
aos documentos necessários às suas pesquisas, e, consequentemente, à informação. Segundo
Moreira (1990), além da própria deficiência nos cursos de formação universitários, voltados es-
sencialmente para a formação de professores e não de pesquisadores, e a falta de uma estrutura
financeira eficaz no que tange ao desempenho profissional, é preciso acrescentar a dificuldade
de acesso aos documentos pelos pesquisadores brasileiros, principalmente pela inexistência de
uma lei geral que regulamentasse o funcionamento dos arquivos.
Mesmo para esses pesquisadores estrangeiros, a consulta a determinados documentos foi
tão dificultosa quanto para os brasileiros, justamente pela quase inexistência de acervos docu-
mentais disponíveis organizados em espaços próprios e que permitissem o acesso à informação
especializada. Para Moreira (1990), outra dificuldade relacionada à produção acadêmica no pe-
ríodo inclui a própria condição de marginalidade a que foram confinados muitos pesquisadores
após a implantação do governo militar, com a demissão de um número significativo de profes-
sores das universidades públicas.
Segundo Moreira (1990), ao analisar a atuação do CNPq pode-se perceber que somente
em 1966 as Ciências Sociais e Humanas foram incorporadas aos setores do conhecimento reco-
nhecidos por este órgão, e somente em 1976 deixou de ser a área que menos recurso recebeu.
Em 1975 o Programa de Apoio à Cultura (Procultura) direcionou recursos para a implementação

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de projetos na área de Ciências Sociais, visando a ampliação e o aperfeiçoamento dos programas


de pós-graduação e a realização de pesquisas.
Ainda a partir de 1975, esse movimento de apoio às ciências sociais
foi reforçado com a nova política nacional de cultura definida pelo Mi-
nistério da Educação e Cultura, que, ao estabelecer a participação das
universidades nas atividades de levantamento de acervos arquivísticos
com valor histórico, estimulou, por seu lado, o surgimento de centros
de documentação vinculados aos estabelecimentos federais de ensino.
(MOREIRA, 1990, p.73)
Ao falar dos centros de documentação não podemos deixar de abordar as questões re-
lacionadas à memória nacional. Até a década de 1970 podemos afirmar, com certa margem de
segurança, que a preocupação com a chamada memória documental, no Brasil, era restrita a
algumas poucas pessoas e instituições. Com relação à pesquisa no campo da História, a memó-
ria (mal) preservada se relacionava a lugares como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB) e arquivos públicos, sempre com ênfase na documentação relativa à Colônia e ao Im-
pério. Novos interesses de pesquisa neste campo, que se volta para o período republicano, não
encontravam retorno nas principais instituições de arquivo existentes, pois as fontes históricas
tratadas e disponibilizadas para pesquisa eram escassas, além de evidenciarem a própria difi-
culdade em que estas instituições se encontravam com relação ao atendimento da demanda que
surge por parte dos pesquisadores.
Podemos supor que os pesquisadores ampliaram o interesse pela compreensão da so-
ciedade brasileira e não se restringiram mais, ou apenas, a analisar ou buscar uma identidade
nacional. Esta busca perpassava outros caminhos e temáticas, como as questões femininas, dos
trabalhadores, do negro etc. Segundo Costa,
O Arquivo Nacional, criado em 1838, e os arquivos públicos estadu-
ais e municipais, organizados somente após o advento da República,
apresentavam problemas de natureza diversa, que dificultavam o de-
senvolvimento de suas atribuições de recolher, preservar e dar acesso
aos documentos oriundos dos órgãos da administração pública A ine-
xistência de um modelo sistêmico de arquivos, bem como a carência de
recursos humanos e materiais contribuiu, entre outros fatores, para que
os documentos gerados pelo poder público fossem descartados de forma
arbitrária e recolhidos assistematicamente. Tal realidade dificultou e por
vezes impediu o tratamento e acesso a um volume considerável de do-
cumentos, sobretudo os de períodos mais recentes. (COSTA et al, 1986
apud MOREIRA, 1990, p. 69)
Portanto, as novas demandas da pesquisa histórica corroboraram a necessidade que pas-
sou a surgir de se preservar estes documentos, incluindo aí até mesmo os documentos privados
(documentos particulares de indivíduos, famílias, grupos de interesse ou empresa), e também

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expos a falta de legislação e de uma política voltada para arquivos e para a preservação da me-
mória nacional.
Moreira (1990) identifica o surgimento dos centros de documentação ao longo da década
de 1970 como uma resposta a essa necessidade, e reflexo até mesmo desta reconfiguração da or-
dem, pois eles tinham como objetivo principal, segundo a autora, a preservação dos documentos
contemporâneos, principalmente os privados.
Mas não podemos esquecer que em 1975 é publicada a Política Nacional de Cultura, que
objetivava preservar o patrimônio artístico e histórico nacional, tendo os museus, bibliotecas e
as diversas categorias de arquivos um papel importante para a preservação da cultura nacional.
Como o governo propôs fazer isso? Ele passa a incentivar a preservação dos arquivos nacionais,
estaduais ou locais, incluindo até mesmo os arquivos particulares, podendo estes arquivos ser
incorporados aos arquivos oficiais. E vai além, destacando o papel das universidades neste pro-
cesso e incentivando estas a criarem arquivos e centros de documentação.
Segundo Knauss (2009), os centros de documentação universitários se constituem em
uma espécie ímpar dentro do universo dos arquivos na atualidade. E sua unicidade decorre do
fato de que surgem como núcleos de apoio à pesquisa, mas também pelo seu perfil diversificado,
pois além de custodiarem diferentes tipos de acervos (museológicos, arquivísticos e bibliográfi-
cos), vão além e produzem instrumentos de pesquisa (bases de dados, guias etc.).
Os centros de documentação criados nos ambientes universitários, frequentemente, ocu-
pam um espaço deixado em aberto pelas instituições públicas. Além de preservarem os docu-
mentos privados, eles também acabam por resgatar documentos de valor histórico que estejam
com sua integridade ameaçada, como documentos jurídicos, cartorários etc.
Camargo (2003), analisando um texto de Sérgio Miceli de 1984, mostra como este cha-
mou a atenção para um processo que ele nomeou de “estatização da cultura” no Brasil dos anos
1970, quando analisa as diferentes iniciativas do governo para a proteção do patrimônio cultural
e do aparato institucional estatal que estendia seu alcance às diversas dimensões do ato cultural.
Uma de suas principais constatações era a de que, ao contrário do que se
poderia supor, não foi apenas o Ministério da Educação e Cultura (MEC)
que, por força de suas atribuições, esteve envolvido nesse processo. A
Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o Ministério
do Interior, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, entre outros,
participaram ativamente de programas federais voltados para a criação
cultural e, particularmente, para o desenvolvimento da vertente patri-
monial de uma política nacional de cultura. Esse movimento foi acom-
panhado pelos estados e municípios brasileiros, que historicamente ten-
dem a reproduzir o modelo federal em suas respectivas esferas de poder.
O mundo empresarial, não somente pelo desenvolvimento da indústria
cultural e pela prática do mecenato – que passou a ser estimulada pelo

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poder público –, também integrou esse conjunto de iniciativas, voltan-


do-se para a sua própria memória e para a produção de uma história
empresarial no Brasil. (CAMARGO, 2003, p.24-25)
Na área das humanidades verifica-se que, desde a década de 1970, várias universidades
partiram para a resolução de um dos principais problemas com os quais se deparava o pesquisador,
que era a falta de acesso aos documentos necessários à realização da pesquisa. Isso ocorria tanto
pela ausência de instituições voltadas para a preservação destes documentos como pelo descaso
do poder público e instituições privadas que não destinavam, até então, recursos financeiros e
humanos para a sua organização e preservação. A Política Nacional de Cultura (PNC) vem como
uma resposta a esse impasse, publicada em 1975, além de recomendar a criação destes centros
delegava as universidades a função de preservar e organizar estes acervos (CAMARGO, 2003).
Os centros de documentação criados nas universidades, em especial nas áreas de huma-
nidades, letras e artes, inicialmente não conseguiram reconhecimento e apoio como órgãos gera-
dores de base informativa, acreditamos que o motivo tenha sido o fato de que naquele momento
o modelo de desenvolvimento econômico do país priorizava o conhecimento gerado pela área
tecnológica. Para que pudessem ser criados precisaram assumir também a função de preserva-
ção da memória, especialmente a memória regional (CAMARGO, 1999).
O início da década de 1970 vê surgir no Brasil os primeiros centros de
documentação voltados para a pesquisa histórica: o Centro de documen-
tação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de
Campinas-, Unicamp (1971); o Centro de Memória Social Brasileira, do
Conjunto Universitário Cândido Mendes (1972), e o Centro de Pesquisa
e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC, da
Fundação Getúlio Vargas (1973). (MOREIRA, 1990, p.66)
Os motivos que deram origem a estes centros, combinados entre si, não são suficientes
para explicar seu surgimento e sua proliferação, acreditamos que políticas públicas no campo
da cultura, além da reforma na educação, também tenham ajudado para que estes espaços de
memória se multiplicassem nas décadas de 1970/80.

2. O ESTADO E A CULTURA
A atuação do Estado no setor cultural durante o período do governo militar foi muito
mais profícua do que podemos imaginar, existindo uma preocupação e incentivos por parte dos
diferentes governos instituídos ao longo do período (1964-1985), com a cultura tornando-se até
mesmo um setor estratégico. Diferentes instituições dedicadas à cultura nacional são criadas,
além de programas, documentos e campanhas.
A construção da política cultural no governo militar seguiu os moldes da Doutrina da
Escola Superior de Guerra (ESG), por ter sido um projeto nacional para o desenvolvimento

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do Brasil nos moldes defendidos pelas Forças Armadas (SILVA, 2001). A decisão do governo
de estimular o desenvolvimento cultural fundamenta-se num conjunto de legislações, como a
Constituição Federal e Decretos-Lei, sendo o de número 200, de 25.2.1967, em seu artigo 39, o
que inclui a cultura como área de competência do Ministério da Educação e Cultura:
SETOR SOCIAL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. I -
Educação; ensino (exceto o militar); magistério. II - Cultura - letras e
artes. III - Patrimônio histórico, arqueológico, científico, cultural e artís-
tico. IV - Desportos. (BRASIL, 1967, art.39)
Essa atuação por parte do Estado na área da cultura resultou na criação, em 1975, de uma
Política Nacional de Cultura (PNC), um programa político criado por Ney Braga, que estava à
frente do antigo Ministério de Educação e Cultura durante o governo do General Geisel, pois
ainda não existia um ministério apenas da cultura. Este documento pode ser visto como uma
forma encontrada pelo governo de reconhecer de maneira oficial a necessidade da inclusão da
cultura nos projetos de desenvolvimento previstos para o país, pois, de acordo com o discurso
governamental do período, a construção do futuro de um país não se fundamenta apenas em
alicerces materiais.
Para isso, o Estado deve atuar no sentido de incentivar a produção de cultura e generali-
zar ao máximo seu consumo, entendendo cultura a partir de duas vertentes: como elemento de
identidade nacional e como elemento criador de civilização.
No ano de 1966 foi formada uma comissão com a função de apresentar sugestões para a
reformulação cultural do país, que propõe a criação de um conselho como o Conselho Federal
de Educação. Neste mesmo ano, em 12 de novembro, foi criado, sob a presidência de Castello
Branco, o Conselho Federal de Cultura (CFC), pelo Decreto-Lei nº 74/1966, tendo o início de
suas atividades em 1967 e seu funcionamento até 1990, quando da sua extinção. O objetivo da
criação deste órgão era decidir sobre assuntos pertinentes às artes, às letras, às ciências e ao
patrimônio histórico e artístico nacional, ou seja, institucionalizar a ação do Estado no setor
cultural (MAIA, 2012, p.35). E suas atribuições principais eram a elaboração do Plano Nacional
de Cultura e a formulação da política cultural nacional.
Sua constituição se deu em quatro câmaras - Artes, Ciências Humanas, Letras e Patrimô-
nio Histórico e Artístico - para deliberação dos assuntos de sua competência, e para decidir sobre
matéria de caráter geral ocorriam reuniões em sessão. Além da elaboração do Plano Nacional de
Cultura outras dezenove atribuições foram estabelecidas ao CFC, dentre elas:
1) formular a política cultural nacional; 2) articular-se com os órgãos
federais, estaduais e municipais, bem como as Universidades e insti-
tuições culturais, de modo a assegurar a coordenação e a execução dos
programas culturais; 3) promover a defesa e conservação do patrimônio
histórico e artístico nacional; 4) conceder auxílios e subvenções às ins-

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tituições culturais oficiais e particulares de utilidade pública, tendo em


vista a conservação de seu patrimônio artístico e a execução de projetos
específicos para a difusão da cultura científica, literária e artística; 5)
promover campanhas nacionais que visem ao desenvolvimento cultural
e artístico; 6) manter atualizado o registro das instituições culturais e
oficiais e particulares e dos professores e artistas que militam no campo
das ciências, das letras e das artes; 7) reconhecer, para efeito de assis-
tência e amparo através do Plano Nacional de Cultura, as instituições
culturais do País, cujo reconhecimento se dará mediante solicitação da
instituição interessada; 8) estimular a criação de Conselhos Estaduais de
Cultura e propor convênios com esses órgãos, visando ao levantamento
das necessidades regionais e locais, nos diferentes ramos profissionais, e
ao desenvolvimento e integração da cultura no País; 9) elaborar o Plano
Nacional da Cultura, com os recursos oriundos do Fundo Nacional da
Educação, ou de outras fontes, orçamentárias ou não, colocadas ao seu
alcance. (BRASIL, 1966, art.2)
Ao lado da figura do Estado repressor vemos uma tentativa de recuperação de sua ima-
gem no campo da cultura com a criação do CFC. No discurso de instalação do CFC o Presidente
Castelo Branco declara que:
Não estaria concluída a obra da Revolução no campo intelectual se, após
trabalhos tão profícuos em benefício da educação, deixasse de se voltar
para os problemas da cultura nacional. Representada pelo que através
dos tempos se vai sedimentando nas bibliotecas, nos monumentos, nos
museus, no teatro, no cinema e nas várias instituições culturais, é ela,
naturalmente, nesse binômio educação e cultura, a parte mais tranquila e
menos reivindicante. Poderia dizer que é a parte dos cabelos brancos, e,
talvez, por isso, já segura do que fez e do que fará pelo Brasil. Cumpre,
porém, dar-lhe principalmente, condições de preservação, e, portanto,
de sobrevivência e evolução. (CONSELHO FEDERAL DE CULTURA,
1975, p.21-22)
Pelo conteúdo do decreto-lei de sua criação é possível percebermos que o objetivo do
CFC, além da formulação de uma política cultural nacional, também se voltava para a preserva-
ção do patrimônio histórico e artístico. O que permitia a construção de uma identidade nacional
e ao mesmo tempo a defesa de um determinado projeto político para o país, definido pelos mi-
litares e civis que o apoiaram, sendo instrumentos importantes incluídos neste projeto a cultura,
a memória e a informação.
Por força do decreto-lei de sua criação, o novo órgão do Ministério da
Educação e Cultura tinha apenas o caráter normativo, consultivo e fis-
calizador, tal como definido no seu Regimento. Na prática, o Conselho
tornou-se encarregado pela distribuição das verbas; financiamento de
instituições públicas e privadas do setor cultural; assessoramento ao mi-
nistro da Educação e Cultura; definição das áreas de atuação do Estado;

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realização de convênios com instituições culturais; elaboração de regu-


lamentos e resoluções; organização de campanhas nacionais de cultura;
e defesa do patrimônio cultural. (MAIA, 2012b, p.3)
Foram feitos convênios com diferentes instituições voltadas para a defesa da cultura e
do patrimônio cultural nacional objetivando a compra de materiais, equipamentos, restauro de
fachadas. Estes convênios também buscavam garantir a essas instituições todas as condições
indispensáveis para a implementação dos programas instituídos. Como uma destas instituições,
as universidades aparecem com a função de coordenar e executar programas culturais. Apesar
de aparentemente estarem em campos opostos na arena política e social durante o período do
governo civil militar, estes dois agentes, universidade e governo, muitas vezes acabam por esta-
belecer alianças, traçando projetos comuns, que atendessem aos interesses de ambas as partes.
Para promover a defesa e conservação do patrimônio o CFC também contava com a
realização de convênios, existindo dentro do conselho a câmara para o patrimônio histórico
e artístico nacional, sendo de competência desta câmara a deliberação de verbas oriundas do
Ministério da Educação e Cultura para a manutenção de prédios e acervos documentais e biblio-
gráficos dos Institutos Históricos e Geográficos. A concessão de “(...) auxílios e subvenções às
instituições culturais oficiais e particulares de utilidade pública, tendo em vista a conservação de
seu patrimônio artístico e a execução de projetos específicos para a difusão da cultura científica,
literária e artística” (BRASIL, 1966, art.2) somente poderia ocorrer se a instituição solicitante
estivesse registrada junto ao conselho. Além das obras arquitetônicas o CFC considerava como
patrimônio nacional também os museus e as bibliotecas.
No ano de 1975 foi criada a Política Nacional de Cultura (PNC), um documento elabo-
rado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) que contou com a contribuição do Conselho
Federal de Cultura.
De acordo com as evidências de que dispomos, a elaboração e redação
do documento enfim aprovado resultou de um trabalho coletivamen-
te diluído entre os principais dirigentes culturais do MEC na época da
gestão Ney Braga, mormente os ocupantes de cargos decisórios, como
o prof. Manuel Diegues Jr., diretor do DAC; Roberto Parreira, gestor
do DAC, prof. Carlos Alberto Direito, chefe de gabinete; ao lado de
mentores da área cultural oficial, entre os quais, intelectuais eminentes
do CFC, como por exemplo Josué Montello, Artur César Ferreira Reis,
Clarival do Prado Valladares, Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto
Freyre, entre outros. (MICELI, 1984, p.57, nota 11)
O texto introdutório, assinado pelo Ministro Ney Braga, esclarece que a divulgação da
PNC completa a elaboração de políticas específicas para as três áreas de atuação do MEC, ainda
estando em fase de execução a Política Nacional Integrada da Educação e a Política Nacional de
Educação Física e Desportos. Neste documento estão contidos:

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a) a concepção básica do que se entende por uma política de cultura;


b) definir e situar, no tempo e espaço, a cultura brasileira;
c) explicitar os fundamentos legais da ação do governo no campo cultural;
d) traçar diretrizes que nortearão o trabalho do MEC;
e) detalhar objetivos e componentes da Política Nacional de Cultura;
f) exprimir ideias e programas;
g) revelar as formas de ação.
O objetivo central da ação do MEC consistia em “apoiar e incentivar as iniciativas cultu-
rais de indivíduos e grupos e zelar pelo patrimônio cultural da Nação, sem intervenção do Estado,
para dirigir a cultura” (BRASIL, 1975, p.5). Podemos perceber neste trecho uma certa preocupa-
ção do ministro Ney Braga em se defender de qualquer tipo de acusação de tentativa de controle
ou até mesmo de manipulação da produção cultural. Não podemos esquecer que na década de
1970 o Presidente Geisel inicia um período de abertura política em que a cultura assume um im-
portante papel como espaço de diálogo entre os intelectuais e o regime militar, basta vermos os
integrantes dos quadros do CFC e até mesmo os que contribuíram na formulação da PNC.
Segundo Cohn (1984), a publicação da PNC em 1975 seria o ponto culminante de um
processo que “percorreu toda a primeira metade da década, de busca de um equacionamento da
cultura adequado ao regime político que se procurava consolidar” (COHN, 1984, p.87). Para
ele, a busca de uma política nacional de cultura no período tem um objetivo bem definido: a
codificação do controle sobre o processo cultural, já que no terreno da cultura o regime político
se encontrava em posição de desvantagem, com uma relativa hegemonia cultural da esquerda
no país. O lançamento da PNC vem consolidar a importância da necessidade de incluir a cultura
nos planos de desenvolvimento nacional.
A PNC esclarece que essa política (cultural) significa a presença do Estado como um
elemento de estímulo e apoio às diferentes manifestações culturais e apresenta um conjunto de
oito diretrizes que condicionam e orientam a ação do governo como instrumento de estímulo e
formação de manifestações culturais:
1. o respeito as diferenciações regionais da cultura brasileira, oriundas
da formação histórica e social do País, procurando relacioná-las em
seu próprio contexto; 2. a proteção, a salvaguarda e a valorização do
patrimônio histórico e artístico e ainda dos elementos tradicionais ge-
ralmente traduzidos em manifestações folclóricas e de artes populares,
características de nossa personalidade cultural, expressando o próprio
sentimento da nacionalidade; 3. o respeito à liberdade de criação, em
todos os campos da cultura, fator precípuo para que esta possa desenvol-
ver-se dentro das aptidões de cada um e através da vocação criativa do
espírito humano; 4. o estímulo à criação nos diversos campos das letras,
das artes e artesanato, das ciências e da tecnologia, bem como a outras

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expressões do espírito do homem brasileiro, visando à difusão desses


valores através dos meios de comunicação de massa; 5. o apoio à for-
mação de profissionais que contribua para desenvolver uma consciência
nacional capaz de zelar e dar continuidade ao que é culturalmente nosso;
6. o incentivo aos instrumentos materiais, atuantes ou em potencial, para
imprimir maior desenvolvimento à criação e à difusão das diferentes
manifestações da cultura, tendo-se sempre em vista a salvaguarda dos
nossos valores culturais, ameaçados pela imposição maciça, através dos
novos meios de comunicação, dos valores estrangeiros; 7. a maior apro-
ximação da cultura brasileira com a de outros povos, como elemento
capaz de estimular a atividade criadora e, ao mesmo tempo, promover
maior contato entre diferentes realidades nacionais, possibilitando as-
sim o acolhimento do que representa criação de outros grupos humanos
dentro da própria vocação brasileira, aberta aos mais amplos contatos e
à compreensão do sentido pluralista da cultura contemporânea, em suas
diversas expressões; 8. o desenvolvimento nacional não é puramente
econômico, mas também sociocultural, ao abranger a plena participação
de cada indivíduo como gerador e assimilador de cultura, contribuindo
de maneira efetiva para elevar o nível de vida. (BRASIL, 1975, p.24-25)
Ao final atribui a responsabilidade de coordenação destas ações por parte do Estado ao
Ministério da Educação e Cultura, sendo que isto se dará através de dois órgãos especializados,
o Conselho Federal de Cultura, normativo e incentivador, e o Departamento de Assuntos Cul-
turais (DAC), ficando as unidades a este subordinadas ou vinculadas como órgãos executivos.
Dentre os objetivos da Política Nacional de Cultura podemos apontar o de preservar os
bens de valor cultural, tendo como meta resguardar o acervo constituído e manter viva a me-
mória nacional, assegurando a perenidade da cultura brasileira. O desaparecimento do acervo
cultural acumulado e o desinteresse pela contínua acumulação da cultura, segundo o documento,
representa risco para a preservação da personalidade brasileira e, portanto, para a segurança
nacional. Mas preservar não significa uma atitude de conservação e sim manter a vivência do
povo em consonância com os valores vigentes. Segundo Miceli (1984), a noção de patrimônio
presente na PNC envolve tanto o acervo associado à história dos grupos dirigentes como às tra-
dições e costumes das classes populares (folclore ou populário).
A parte do documento que cita a dificuldade encontrada na formação de profissionais
com conhecimentos básicos específicos como um dos obstáculos existentes para dinamizar e
desenvolver as atividades no âmbito da cultura pode ser relacionada com os incentivos promo-
vidos pelo governo, via MEC e CNPq, na capacitação de profissionais tanto na formação básica
quanto na superior, incluindo aí a pós-graduação.
Ainda não existia no Brasil, antes do período do governo militar, um esforço articulado
e com metas claras que ligasse o desenvolvimento socioeconômico ao conhecimento científico
e tecnológico, e muito menos que relacionasse estes dois com a cultura. Mas a PNC deixa muito

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claro, no item objetivo, que na estratégia do desenvolvimento a intensificação destes objetivos


propostos representa uma das ações fundamentais. Para que o Brasil ocupe uma posição de
vanguarda não são suficientes o desenvolvimento econômico, a ocupação do território, a indus-
trialização, dentre outros. É necessário que ele desenvolva uma cultura vigorosa que lhe dê uma
personalidade nacional forte e influente.
Nesse rumo de concepções e na conformidade de nossa vocação de-
mocrática, a Política Nacional de Cultura entrelaça-se, como área de
recobrimento, com as políticas de segurança e de desenvolvimento; sig-
nifica, substancialmente, a presença do Estado como elemento de apoio
e estímulo à integração do desenvolvimento cultural dentro do processo
global de desenvolvimento brasileiro. (BRASIL, 1975, p.30)
O documento apresenta nove componentes básicos entendidos como os elementos para
a ação do Ministério da Educação e Cultura no setor. Dentre estes componentes, nos interessa
explicitamente o de número 3:
Revalidação do patrimônio histórico e científico brasileiro – Abrange
a preservação do patrimônio artístico e histórico propriamente dito, e
mais o paisagístico, o arqueológico e o etnográfico. O objetivo central
é preservar os símbolos culturais de nossa história. Nessa área, desem-
penham também papel básico os museus, as bibliotecas e as diversas
categorias de arquivos. (BRASIL, 1975, p.33)
Aparece pela primeira vez no documento a menção à importância dos arquivos, além dos
museus e bibliotecas, como órgãos necessários para a execução destes objetivos de preservação
da cultura nacional.
Os meios adotados pelo governo e considerados por ele como adequados para a execu-
ção destas medidas englobam ideias e programas que visem atender a uma lista de quinze itens.
Dentre estes itens nos chama atenção o que pretende incentivar a preservação dos arquivos
nacionais, estaduais ou locais, de modo particular os de caráter eclesiástico, além de incentivar
a conservação de arquivos particulares ou a incorporação dos documentos conservados pelas
famílias aos arquivos oficiais.
f) incentivar a preservação dos arquivos nacionais, estaduais ou locais,
de modo particular os de caráter eclesiástico, considerada a importância
da paróquia na vida das diferentes regiões do País, e estimular ao mes-
mo tempo a conservação de arquivos particulares ou a incorporação dos
documentos conservados em famílias aos arquivos oficiais. (BRASIL,
1975, p.36-37)
Podemos considerar, no mínimo, curioso este item, pois não existia no país, naquele
período, nenhuma política que se voltasse especificamente para arquivos, ou seja, uma política
nacional de arquivo, e como acontecia com a maioria dos assuntos sem uma pasta específica,
se coubessem eles eram discutidos na pasta da cultura. Segundo Jardim (2008), somente em

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janeiro de 1991 o Estado brasileiro passa a contar com um Conselho Nacional de Arquivos –
CONARQ, que seria incumbido de definir uma política nacional de arquivos e atuar como órgão
central de um Sistema Nacional de Arquivos - SINAR.
O último item do documento, intitulado formas de ação, descreve as ações que deve-
riam ser tomadas para a execução das medidas apresentadas e indispensáveis à realização de
seus programas. Essas diversas formas de ação levavam em conta a regionalização cultural do
Brasil e o sistema de cooperação que deveria ser estabelecido para se implementar os projetos
decorrentes da Política Nacional de Cultura. Também apresentava os órgãos que deveriam fazer
parte deste sistema de cooperação, composto pelo CFC, DAC, Unidades federadas, Ministérios,
Secretarias e, dentro do nosso interesse neste trabalho, as universidades, consideradas como
focos capazes de contribuir para o surgimento do espírito científico e criativo ao associar análise
e pesquisa, cabendo a elas:
b) promover estudos e pesquisas, em nível de planejamento próprio ou
em convênio com outras instituições culturais, para levantamento de
acervos arqueológicos, históricos, etnográficos, artísticos ou folclóricos,
centralizando os dados em organizações de livre acesso aos estudiosos.
Constituir centros de documentação iconográfica e de reprografia dos
acervos e manifestações culturais de suas áreas; c) incentivar o levan-
tamento da documentação histórica, científica e artística de referência
imediata ao Brasil, de diversa data ou atual, retida em fontes estrangei-
ras, para a obtenção de reproduções ou reprografias destinadas às insti-
tuições brasileiras atinentes a cada especialização; d) construir centros
de documentação iconográfica e de reprografia dos acervos e manifesta-
ções culturais de suas áreas. (BRASIL, 1975, p.41)

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do texto discorremos sobre como os militares, durante sua permanência no
governo, interferiram no cenário cultural via a elaboração de uma Política Nacional de Cultura
(PNC), que buscava preservar uma memória e cultura nacionais. Entendemos, portanto, que o
efeito desta política ocorre em função da preocupação com a preservação de uma cultura e uma
memória nacionais presentes na sociedade da época.
Ao fixar formas de ação, a PNC criou um sistema de cooperação que deveria ser realizado
com a participação de diferentes órgãos, inclusive as universidades. Para atender às demandas
apresentadas, era preciso que estes órgãos se estruturassem, e, no caso das universidades, a cria-
ção dos centros de documentação é um sinal dessa estruturação. Se, segundo Camargo (2003),
é possível percebermos um movimento voltado para a criação de centros de documentação e
pesquisa, memória e referência nas universidades, especialmente a partir de 1975, acreditamos
que a PNC vem embasar esse movimento.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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providências. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-74-
21-novembro-1966-375931-republicacao-35524-pe.html>. Acesso em: 10 fev. 2013.
BRASIL. Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sôbre a organização da Administração
Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm>. Acesso em: 10 fev. 2013.
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Documentação e Divulgação, 1975.
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2003.
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Lopes da (Org.). Arquivos, patrimônio e memória. Trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora
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COHN, Gabriel. A concepção oficial da política cultural nos anos 70. In: MICELI, Sérgio (Org.). Estado
e Cultura no Brasil. São Paulo: Difel, 1984.
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MEC, 1975.
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arquivos públicos e privados (1994-2006). Comunicação oral apresentada ao GT-5 - Política e Economia
da Informação. In: ENANCIB, 1, SP: USP, 2008.
KNAUSS, Paulo. Usos do passado: arquivos e universidades. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, ano
22, n.40, p. 09-16, 1º sem. 2009.
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ditadura civil-militar (1967-1975). São Paulo: Itaú Cultural: Iluminuras, 2012. (Rumos Pesquisa)
_________. Políticas culturais e patrimônio histórico: as ações do Conselho Federal de Cultura (1967-
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MICELI, Sérgio (Org.). Estado e Cultura no Brasil. São Paulo: Difel, 1984.
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e programas (1974-1978). Dissertação (Mestrado em Sociologia). São Paulo: FFLCH, 2001.

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PERSPECTIVAS PARA AS UNIDADES DE CULTURA E INFORMAÇÃO1


Marco Antônio de Almeida2
Héctor René Mena Méndez3
Ieda Pelógia Martins Damian4

RESUMO: O trabalho reflete sobre perspectivas proporcionadas pelas Tecnologias de Informação


e Comunicação (TICs) nas unidades de cultura e informação. São discutidas questões teóricas
relacionadas ao acesso à informação e ao enraizamento social das tecnologias. São analisados
casos empíricos de políticas culturais gestadas a partir de unidades de cultura e informação no
Brasil (BSP) e na Colômbia (Medellín), buscando traçar um quadro que aponte a riqueza das
possibilidades em aberto e os desafios correlacionados. Na BSP, foi realizada uma observação no
local. Constatou-se a tendência dessas unidades em configurarem-se como ambientes culturais
da informação, capazes de sistematizar, disponibilizar e comunicar conhecimento intercultural,
numa relação dialógica com seu entorno e seus usuários, especialmente os jovens, apesar das
dificuldades relacionadas.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas Culturais, Mediações Culturais, Tecnologias de Informação e


Comunicação, Bibliotecas, Unidades de Cultura e Informação.


1. INTRODUÇÃO
No decorrer da História, mudanças sociais e tecnológicas influenciaram modificações e
adaptações das unidades de cultura e de informação (independentemente de sua denominação),
isso quando não foram diretamente determinantes em seu surgimento. O longo processo históri-
co de transformação e especialização pelo qual passaram as unidades de informação no passado
levou à especialização das mesmas (bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação). A
apropriação social da informação, dos conhecimentos e da tecnologia não é um processo simples
e linear. A reflexão acerca das práticas e políticas culturais de mediação necessita considerar essa
complexidade, bem como as dificuldades de distintas naturezas para seu enraizamento social.

1
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e ao Conselho Na-
cional de Pesquisa (CNPq) os apoios concedidos.
2
Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP). Docente da FFCLRP-USP e do PPGCI/ECA-USP. Email: marcoaa@
ffclrp.usp
3
Mestrando em Ciências da Informação, PPGCI/ECA-USP. Email: hmena@usp.br
4
Doutora em Administração de Organizações (USP). Docente da FFCLRP-USP. Email: iedapm@usp.br

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Por outro lado, é importante não se considerar apenas os aspectos restritivos, mas também estar
atento para a criatividade das práticas sociais, para as maneiras pelas quais indivíduos e grupos se
apropriam das informações e das tecnologias, como nos lembra Michel de Certeau (1994).
A ideia, sempre reiterada, de que vivemos numa “sociedade da informação”, joga com
o fato de que, além dos meios de comunicação tradicionais – jornais, rádio, televisão, telefone
– também lidamos hoje com outros meios, mais recentes e interativos, como computadores e
laptops com acesso à Internet, câmeras, celulares, Ipods, GPS, etc. Uma questão formulada com
cada vez mais frequência é se a organização da informação nesses ambientes é a mesma de uma
unidade de informação tradicional. Clay Shirky (2010) lembra-nos que na web “não existem
estantes”, e que as classificações podem ser feitas de modos alternativos aos modos tradicionais,
inclusive pelos próprios usuários – entraríamos aqui no território das folksonomias (WALL,
2007; CATARINO e BAPTISTA, 2007).
As TICs vêm gerando novos e acelerados processos de transformação nesse campo: as
diferenciações não cessam de existir enquanto funções/vocações de cada unidade, mas tendem a
convergir em novos espaços híbridos. Há muito mais uma solução de continuidade do que de rup-
tura das bibliotecas às modernas Unidades de Cultura e Informação, na medida em que foram se
adaptando às mudanças tecnológicas e socioculturais que se sucederam em termos de uma histó-
ria de longa duração. Por outro lado, definir hoje o que seria uma unidade de cultura e informação
torna-se cada vez mais difícil, dada a variedade e complexidade de perfis possíveis que as mes-
mas podem adotar. Nesse sentido, a centralidade cada vez maior da dimensão cultural, bem como
o valor atribuído ao conhecimento no mundo contemporâneo, jogam um papel proeminente.
No caso da internet, nota-se que o conhecimento está na rede, mas que é um conheci-
mento codificado; “trata-se antes de saber onde está a informação, como buscá-la, transformá-la
em conhecimento específico para fazer aquilo que se quer fazer”. (CASTELLS, 2003, p. 266).
Repousa, portanto, nesse tipo de “competência”, o que define, efetivamente, a ideia de uma
“divisória digital”, tal como apontada por Castells: o elemento de divisão social mais impor-
tante nesse momento é a capacidade educativa e cultural de utilizar a internet. Embora o mote
do “aprender a aprender” já tenha quase se tornado um clichê, ele expressa essa competência
de localizar e utilizar efetivamente o conhecimento, competência desigualmente distribuída e
relacionada à origem social, à origem familiar, ao nível cultural e ao nível de educação.
Isso é particularmente verdadeiro no caso dos jovens. A condição de ser jovem e, simul-
taneamente, possuir habilidades digitais não é natural, universal, nem homogênea. Pelo contrá-
rio, é um setor que apresenta diferenças, desigualdades e desconexões. Nas palavras de Livings-
tone (2011, p. 26), “a literacidade dos jovens na internet ainda não se relaciona com a imagem
valorizada do intrépido pioneiro [...] já que as instituições que gerenciam seu acesso à internet e
seu uso são restritivas ou não dão suporte”. Trata-se de uma perspectiva que desconstrói o clichê

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de que os jovens seriam, naturalmente, “nativos digitais”. Livingstone aponta a diferença entre
as habilidades demandadas pelas mídias massivas e pela internet. Enquanto que em relação às
primeiras o acesso não era um problema para o desenvolvimento da literacidade, permitindo a
concentração no entendimento e na crítica dos conteúdos, em relação à internet há uma diferen-
ça: o próprio acesso em si já é mais complexo. O desenvolvimento da literacidade nesse meio
envolve habilidades de navegação, busca e seleção de informações, avaliações de relevância e
confiabilidade, identificação de erros.
Assim, buscaremos discutir a seguir aspectos de alguns locus de cultura e informação
que abrem possibilidades interessantes, quiçá inéditas, e que ainda permanecem pouco explora-
dos. São espaços tradicionais, mas com novas configurações, como as bibliotecas e os parques
biblioteca da cidade de Medellín, na Colômbia. E, no caso brasileiro, uma instituição que, pelo
nome e função, deveria ser em princípio aparentada às experiências de Medellín: a Biblioteca
São Paulo (BSP), no Parque da Juventude, na cidade de São Paulo.
No caso da BSP, o foco das análises concentrou-se na prestação de serviços de referência
virtual (SRV), na utilização de redes sociais e na oferta de tecnologia nas unidades de informa-
ção. O SRV está relacionado às diversas formas de disponibilizar os serviços de referência por
meio da utilização das TICs, que podem oferecer uma série de benefícios para os envolvidos.
Por tratar-se de uma tecnologia relativamente recente, existem muitos recursos que podem ser
explorados em benefício tanto das unidades de informação quanto dos usuários que interagem
por meio dessa ferramenta. Em relação às redes sociais e à oferta de tecnologia nas unidades, foi
analisada a estratégia de incorporação de possíveis usuários e a comunicação estabelecida com
os mesmos. No caso específico da BSP, além da análise dos serviços ofertados online, optamos
por buscar incorporar alguns elementos qualitativos à reflexão acerca da relação dos usuários
com a tecnologia. Assim, foi feita uma imersão no ambiente do objeto de estudo, as áreas mul-
timídia da Biblioteca, no pavimento inferior do prédio, que consiste num módulo restrito para o
uso de computadores por crianças e jovens.
Por se tratar de uma pesquisa-piloto exploratória visando lançar as bases para uma pes-
quisa mais abrangente, a escolha das unidades se deu, basicamente, pela diferenciação e di-
versidade de acervos e seus suportes, bem como dos serviços disponibilizados a partir dessas
distintas realidades. Há pouca bibliografia específica acerca dessas experiências, e a maior parte
do que será apresentado a seguir foi organizado a partir de observações in loco dos autores, bem
como de entrevistas com gestores, funcionários e usuários dessas unidades.

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2. POLÍTICAS E MEDIAÇÕES EM UNIDADES CULTURAIS E DE INFORMAÇÃO:


SÃO PAULO E MEDELLIN

2.1. Bibliotecas e Parques-Biblioteca em Medellín


No caso de Medellín, o que desperta a reflexão é, de um lado, a conexão das políticas
culturais com outras políticas setoriais, e, de outro, a busca de integração da cultura e dos co-
nhecimentos locais com as formas consagradas de conhecimento cultural. Um dos pilares dessa
política cultural, o Sistema de Bibliotecas Públicas de Medellín compreende a Biblioteca Públi-
ca Piloto, os parques-biblioteca, o Arquivo Histórico e as bibliotecas de bairro. O sistema possui
um modelo de gestão cooperativo, coordenado pela Biblioteca Pública Piloto e administrado
pela prefeitura ou por meio de convênios de associação, administração delegada e cooperação.
O uso das TICs já se manifesta aqui, na busca de facilitar trocas e proporcionar o diálogo entre
os diversos atores e saberes envolvidos, conectando em particular o sistema Municipal à Rede
Metropolitana, buscando um desenvolvimento harmônico com os demais programas sociais, em
especial os de educação.
Vale destacar que, em relação ao desenvolvimento urbano, as bibliotecas e os parques
biblioteca vêm desempenhando um importante papel na recuperação do tecido urbano e no for-
talecimento do capital social. As unidades são geoestrategicamente localizadas, outorgando-lhes
um papel detonador de processos de desenvolvimento de territórios com altas densidades popu-
lacionais caracterizados por condições de habitação precárias, déficits de equipamentos públicos
e zonas de risco socioambiental. São regiões que concentram elevada população em idade esco-
lar e grande número de estabelecimentos educativos, mas sem a contrapartida de equipamentos
culturais, desportivos e recreativos, além de barreiras de comunicação, mobilidade e limitado
acesso a ferramentas tecnológicas. (MEDELLÍN, 2012). A Biblioteca Espanha, uma das maio-
res, é um exemplo de conexão com outros serviços públicos, especialmente no que diz respeito
à acessibilidade: localiza-se próxima a uma estação de teleférico. Em Medellín, a prefeitura
instalou essas linhas de teleféricos para estabelecer uma conexão entre os morros, que concen-
tram grande parte da população de menor renda, com o sistema de transporte público de larga
escala (metrô/ônibus) que transita no vale, facilitando seu acesso ao trabalho. Sem essa linha de
teleféricos, muitos dos habitantes que teoricamente residiriam próximos à biblioteca, não teriam
facilidade de acesso a mesma. Em um estudo realizado em 2010 para a Rede Metropolitana de
Medellín, constatou-se que 81% dos usuários eram de estratos socioeconômicos baixo e médio
baixo, sendo que o primeiro representava 49% dos usuários. (MEDELLÍN, 2012).
No âmbito instrumental, portanto, os parques biblioteca, com suas associações e co-
nexões, além do impacto sociocultural positivo, vêm colaborando ativamente na redução da
“brecha digital” (nos termos de Castells) em Medellín. Além da agenda cultural e das oficinas

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de formação e encontro da comunidade, são oferecidos, entre outros serviços: a) serviços de in-
formação, com consulta e empréstimo de material; b) serviços tecnológicos como salas virtuais,
bases de dados, oficinas de formação e cadernos digitais (respaldados por 1050 computadores e
portal web); c) salas de leitura e estudo com acesso a livros, CDs e DVDs; d) salas “Mi Barrio”
(Meu Bairro), cenários para a promoção da história e da memória local.
Do ponto de vista das instalações, chama a atenção o cuidado e o planejamento reser-
vado para estes espaços. Os edifícios são fruto de concursos arquitetônicos promovidos pela
prefeitura, que escolhe os projetos a partir de sua funcionalidade e adequação ao local – tanto
do ponto de vista prático como simbólico. O edifício do parque biblioteca Bélen foi o único
cujo projeto não foi resultado de concurso público, sendo uma doação do governo do Japão. A
universidade de Tóquio selecionou o arquiteto Hiroshi Naito, que trabalhou com o apoio dessa
instituição e, localmente, da Empresa de Desenvolvimento Urbano de Medellín. Ele mudou-se
um tempo para a Colômbia, vivendo na comunidade, e criou um projeto que visava constituir
pontes entre a cultura local e a cultura japonesa, além de ter doado sua coleção de livros de
arte e arquitetura para a biblioteca. O resultado foi um conjunto que, além de funcional, possui
grande beleza, constituindo-se hoje num dos pontos turísticos da cidade. Muitos desses parques
bibliotecas agregam outras atividades e serviços ao espaço – quadras poliesportivas, agências de
microcrédito, postos de realocação de emprego.
Outro aspecto importante no caso dos parques biblioteca é que eles buscam atender a
uma estratégia simbólica de redução dos estigmas territoriais e de melhoria da inserção social da
população urbana. Muitas dessas unidades foram construídas em territórios nos quais o imaginá-
rio da comunidade estava associado a situações ou eventos conflitivos ou dramáticos. O parque
biblioteca Léon de Greiff/ La Ladera, por exemplo, ocupou as instalações do antigo Cárcel de
Varones (Prisão); o parque biblioteca La Quintana ergue-se num local que era utilizado como
“botadero de cadáveres” (cemitério clandestino das forças de repressão e do narcotráfico); e o
Parque Belén ergue-se sobre as antigas instalações da Polícia Judicial e de Inteligência do Esta-
do Maior (instituição similar ao nosso antigo DEOPS). A localização dos parques biblioteca em
territórios cujo imaginário da coletividade estava relacionado a fatos ou episódios socialmente
conflitivos, como antigos aparatos de repressão (cadeias, quartéis), zonas de conflito com o
narcotráfico ou regiões sujeitas a desastres naturais, visava, segundo a administração municipal,
reescrever a cidade sobre espaços que outrora foram de dor e morte. Esse cenário ainda não está
totalmente distante. Em um dos parques biblioteca, por exemplo, alguns funcionários “negocia-
ram” com representantes de gangues locais que aquele espaço seria uma “zona neutra” – o seja,
que os conflitos e disputas não se reproduziriam ali. Foram bem sucedidos, até o momento.
Algumas das formas de mediação cultural da informação confundem-se, dentro da pers-
pectiva de Certeau, com uma nova “produção”. Um exemplo são as salas “Meu Bairro”, uma

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iniciativa de conectar o conhecimento local (através de registros de história oral, entre outros),
assim como a produção de informações de interesse da comunidade (jornais e impressos locais,
ou outras formas de produção dos moradores da região), aos demais serviços das bibliotecas
parque. Sintonizam-se, assim, a um objetivo mais amplo, que é o de fortalecimento do tecido
social e do aumento da auto-estima dos cidadãos pela modificação dos imaginários coletivos
e empoderamento local. Em alguns espaços foram desenvolvidas exposições relacionadas às
histórias de ocupação do bairro ou da peculiaridade de algumas atividades locais. No caso do
parque biblioteca 12 de Octubre, por exemplo, foi dado destaque ao desenvolvimento de mo-
vimentos culturais alternativos na localidade em que a instituição está localizada. Foram reco-
lhidos depoimentos, antigas fotos, objetos, que compõem um mapeamento de grupos teatrais,
artistas plásticos, eventos, etc. que floresceram apesar das contingências econômicas e políticas.
Obviamente, atividades dessa natureza demandam uma equipe com formação interdisciplinar,
que é outra das características dessas unidades, que aglutinam não só profissionais da informa-
ção, como também historiadores, antropólogos, tecnólogos, economistas, arte-educadores.

2.2. Biblioteca São Paulo5


A Biblioteca São Paulo (BSP), inaugurada em 2010, faz parte do conjunto de iniciativas
da Secretaria de Estado da Cultura para incentivar e promover o gosto pela leitura, que se dá
tanto pelo livro tradicional como pelo digital. Desse modo, na BSP os livros de papel convivem
com as novas tecnologias – como os e-readers e outras mídias digitais, por meio de oferta pre-
sencial e online.
No contexto online, deve-se considerar a experiência na web, ou seja, a impressão que
o usuário tem da organização online, que compreende elementos como pesquisar, navegar, en-
contrar, selecionar, comparar e avaliar informações bem como interagir e transacionar com a
organização online. A impressão total do usuário virtual e suas ações são influenciadas pelo
design, eventos, emoções, atmosfera e outros elementos experimentados durante a interação
com um site, destinados a induzir a boa vontade do usuário e a afetar o resultado final desta
interação (CONSTANTINIDES, 2004). Ocorre, nesse caso, um processo de mediação cultural e
sociotécnica da informação, envolvendo entidades humanas, sistemas tecnológicos, linguagens
e símbolos culturais. O método SWOT parece, nesse contexto, bastante indicado para avaliar o
uso das TICs nos serviços prestados pelas unidades de informação.
A palavra SWOT é, de acordo com Dias (2006), um acrônimo formado pelas palavras
inglesas: Strengths (forças), Weaknesses (fraquezas), Opportunities (oportunidades) e Threats
(ameaças). As forças, também denominados pontos fortes são, de acordo com o autor, caracte-

As informações e análises dessa sub-seção retomam considerações realizadas em um âmbito mais amplo em
5

DAMIAN, I. P. M.; ALMEIDA, M. A.; MENDEZ, H. R. M., 2015.

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rísticas internas positivas como habilidades, capacidades e competências que uma organização
deve utilizar para atingir as suas metas, enquanto as oportunidades são características do am-
biente externo, que não estão sob o controle direto da organização, mas que apresentam poten-
cial para ajudá-la a atingir ou exceder as metas planejadas. As fraquezas, também chamadas de
pontos fracos, conclui o autor, são características internas negativas, como a ausência de capa-
cidades críticas, que podem restringir o desempenho da organização, enquanto as ameaças são
características do ambiente externo, que não são controláveis pela organização, mas que podem
impedi-la de atingir as metas planejadas.
A análise está sistematizada no Quadro 1:

Quadro 1: Análise SWOT do site da Biblioteca São Paulo (BSP)


Pontos Fortes • oferece ampla gama de ferramentas interativas como Twitter, Facebook, Flickr, BLOG
e RSS;
• oferece opção de busca;
• apresenta uma extensa programação;
• disponibiliza a BSP em Números;
• disponibiliza na seção “Recomendamos” diversos links de interesses convergentes;
• oferece a opção “Ouvidoria”, onde se encontram as opções de contato por e-mail, tele-
fone, fax e endereço completo e possui Pesquisa de Satisfação;
• a opção “Contato” traz o e-mail e o telefone para contato;
• disponibiliza e-mail para agendamento de visita técnica ou monitorada;
• oferece a opção de “Novas Aquisições”, onde os usuários tem a opção de conhecer as
aquisições mais recentes da biblioteca;
• oferece localização da biblioteca por meio da ferramenta Google Maps;
• algumas informações estão disponíveis em português, em espanhol e em inglês;
• oferece consulta ao catalogo da biblioteca;
• opção para sugestão de livros e dvds;
• há informações sobre o endereço físico da biblioteca, telefone e endereço de e-mail.
• oferece a opção “Áudio” e “Vídeo” onde são disponibilizadas “faixas” e “vídeos” que
podem ser ouvidas e assistidos sobre a série de entrevistas “Segundas Intenções”;
• a opção “BSP e você” é dedicada a informar sobre recursos, tecnologias e ferramentas
disponíveis aos usuários da biblioteca;
• disponibiliza a opção “+60”, onde é possível encontrar informações sobre os programas
e ações voltados especificamente ao público com mais de sessenta anos de idade;
• disponibiliza fotos da biblioteca;
• oferece na opção “Acervo Digital” a possibilidade de baixar uma série de livros e links
a diversas bibliotecas virtuais;
• a página inicial (home) se utiliza de recursos que atraem a atenção do usuário como
fotos, cores, movimentos e interação;
• não apresentava problemas de segurança e/ou privacidade porque nem o mesmo nem o
seu usuário forneciam dados pessoais e/ou confidenciais.

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Pontos Fracos • não apresentou boa velocidade de acesso em todos os momentos verificados (houve
necessidade de espera em seu carregamento);

• alguns links testados não funcionaram;

• não disponibiliza Política de Privacidade;

• utiliza na grande maioria de suas páginas, a barra de rolagem que pode dificultar a visu-
alização e o encontro das informações desejadas pelos usuários;

• muita informação disponibilizada na página inicial: muita informação importante pode


passar desapercebida pelos usuários ao utilizarem a barra de rolagem;

• a pesquisa de satisfação deveria ser colocada em lugar de maior destaque ou utilizar


maiores incentivos para que motive o usuário a respondê-la;

• o site era quase que totalmente informativo.


Oportunidades • ser acessível em libras;

• disponibilizar visita virtual;

• oferecer recursos de maior interação e acessibilidade para os usuários;

• disponibilizar Politica de Privacidade;

• maior divulgação do site da biblioteca e dos serviços ali disponibilizados;

• inclusão de outros meios de comunicação entre a biblioteca e seus usuários como, por
exemplo, a utilização de chat;

• disponibilizar a ouvidoria com chamada telefônica gratuita (0800);

• poderia oferecer a opção “Dicas de busca”, para ajudar o usuário em dificuldades.


Ameaças • falta de divulgação e promoção dos serviços oferecidos.

• falta de costume dos usuários para utilizar serviços disponíveis em meio eletrônico;

• falta de acesso à tecnologia;

• ausência de recursos mais interativos;

• custo de aquisição tecnológica principalmente por parte dos usuários.

Além da análise pela matriz SWOT, realizamos uma incursão de caráter exploratório
pela Biblioteca de São Paulo (BSP), com o objetivo de conhecer quais seriam os principais usos
da internet pelos jovens paulistanos que a frequentam. A partir das ideias desenvolvidas por So-
nia Livingstone (2011) acerca dos “nativos digitais”, acreditávamos que estes seriam a exceção
e não a norma nas novas gerações.
Em uma pesquisa sobre o estudo de internet e outras mídias no que tange a seus usos,
valorações, posse e acesso por parte de crianças e adolescentes brasileiros, Brasilina Passarelli

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(PASSARELLI et alii, 2014, p.159) associa o desenvolvimento econômico do Brasil, aliado


à expansão e qualificação das redes de internet e barateamento dos equipamentos, com o au-
mento significativo do uso da rede por parte das novas gerações. “A presença de computadores
conectados à internet nos lares das crianças e adolescentes revela que essa tecnologia, mesmo
popularizada há pouco tempo, avança significativamente à medida que se torna mais acessível
e se inova.” (Ibid., p.165). Vale ressaltar, contudo, que no Brasil e em outros países de América
Latina, o segundo lugar de acesso é a escola; os lugares públicos, como as bibliotecas, ocupam
o terceiro lugar.
Nesse contexto e a partir do foco nas relações entre os usuários e as TICs, o estudo
correspondeu ao desenho das pesquisas qualitativas, já que não foi um processo claramente
definido, mas que partiu da imersão no ambiente do objeto de estudo: as áreas multimídia da Bi-
blioteca, no pavimento inferior, sendo um módulo restrito para o uso de computadores por parte
das crianças e jovens. Na abordagem qualitativa, a pesquisa não trabalhou com um número es-
pecífico de amostra, mas se condicionou por atores que consideramos significativos em relação
ao universo dessa unidade de informação __ 10 jovens da cidade de São Paulo, entre 11 e 18 anos
que frequentam a Biblioteca. Trabalhamos a partir de observação in loco, com uma imersão de
alguns dias no ambiente e com entrevistas não-estruturadas com funcionários da biblioteca, am-
bas focadas no entendimento da dinâmica do uso e acesso dos jovens às TICs. Importante enfati-
zar que o perfil do jovem que visita a BSP é muito diverso. No entanto, a partir das observações
e dos dados adquiridos, se encontraram alguns denominadores comuns, por exemplo: a maioria
dos jovens são estudantes de ensino médio e fundamental, de recursos econômicos limitados.
Além disso, a Biblioteca atende uma parcela de população de rua que vive nas imediações do
bairro onde se localiza a instituição cultural. Pelo período reservado às observações e pelo perfil
dos casos escolhidos, podemos afirmar que a amostra selecionada era representativa do público
que costuma frequentar o espaço.
Assim, as observações realizadas legitimam a premissa de Livingstone, que afirma: “os
jovens mesmos conscientes do fato de que são a primeira geração a crescer com a internet, cor-
roboram a exaltação pública de seu status de nativos digitais” (LIVINGSTONE, 2011, p. 12).
Por exemplo, um dos jovens selecionados acredita que tem o conhecimento necessário no uso
das ferramentas que lhe são possibilitadas pela internet; “eu sei muitas coisas, porque pego um
curso de informática em São José dos Campos; por isso não preciso de ajuda dos funcionários”.
Da mesma forma, um segundo caso, expressou que, pela facilidade de contar com um compu-
tador em sua casa, não lhe resulta difícil o acesso ao equipamento informático disponível na
Biblioteca; “só preciso da ajuda deles (funcionários da biblioteca) para ligá-lo. Em minha casa
tenho computador e conheço bastante bem do que está aqui”, assinalou. Por outro lado, para
além do acesso à “rede do conhecimento”, os jovens apresentam um comportamento restrito

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diante das telas. De acordo com a observação efetivada, dos 10 casos estudados, 8 se limitaram
apenas à tela do Facebook. O uso da rede social está concentrado para atividades como o chat,
compartilhamento de fotos, vídeos e jogar games.
Há que se ressaltar que, apesar da importância que vem conquistando o Facebook no
cotidiano dos jovens brasileiros, percebemos entre os casos selecionados algumas exceções, que
tem considerado a emergência de outras redes sociais como o Instagram. “Eu não gosto muito
do Facebook, porque você ali só encontra drama; no Instagram é diferente, você não tem que
falar muito, sabe; só são fotos [...]”, declara um dos jovens entrevistados. Um fato a ser também
destacado é o pouco critério na seleção da informação quando se trata de pesquisar pela internet:
o site majoritariamente frequentado é Wikipédia.
No que tange aos comportamentos relacionados aos gêneros, observa-se que as crianças
e jovens do sexo masculino parecem identificar-se mais com atividades proativas, ou seja, bai-
xar arquivos de músicas, filmes, e jogar games. Já as meninas e adolescentes do sexo feminino
são visivelmente mais hábeis em atividades de sociabilidade: participar de salas de bate papo,
enviar mensagens e compartilhar/comentar imagens entre seus grupos de pares.
A partir das perspectivas de abordagem mencionadas, elaboramos uma matriz baseada
em Livingstone (2011), para organizar os dados obtidos, os quais, posteriormente, foram enqua-
drados em categorias de análise, apresentadas no quadro 2:

Quadro 2: Avaliação qualitativa BSP/Categorias de análise e aspectos gerais


Categorias de análise Indicadores constitutivos
A. Identidade com a exaltação • Os jovens acreditam que podem utilizar as ferramentas que disponi-
pública do status de nativo digi- bilizadas pela internet.
tal atribuída aos jovens
• O jovem coloca-se na posição de autossuficiente frente aos funcioná-
rios da biblioteca.
• Individualização e comportamento solitário diante das telas.

B. Comportamento limitado • Seu tempo no computador está focalizado na rede social: Facebook e
diante das telas Youtube.
• Pouco interesse e critério para pesquisar pela internet. Seu principal
site é a Wikipédia.
C. Marcada heterogeneidade • A tendência no uso da internet por parte do sexo feminino está mar-
entre os gêneros, que determina cada pela necessidade de socializar; no caso do sexo masculino, está
hábitos e usos das TICs. caraterizada pelas atividades de ação proativa: baixar música, filmes
e jogar games.

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3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: MEDIAÇÕES, PROCESSOS DE FORMAÇÃO


E APROPRIAÇÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO
De modo resumido, podemos dizer que o estabelecimento de uma educação formal se
consolida com a Modernidade, tornando-se uma área de atuação e particular interesse tanto dos
Estados-Nação como da sociedade civil organizada em instituições (pioneiramente a Igreja,
e, posteriormente as empresas capitalistas). As TICs e as mudanças culturais decorrentes de
seu emprego sempre estiveram presentes nesse processo, e seus posteriores desenvolvimentos
acabaram por alterar, progressivamente, esse balanço entre educação formal e informal na con-
temporaneidade. O que se percebe, hoje, é um processo de descentramento e disseminação dos
saberes que passa ao largo da escola e de outras instituições legitimadoras do conhecimento. Isto
não significa que essas instituições tenham perdido totalmente sua importância ou poder, mas
que seu papel na constituição do tecido social está sendo deslocado de lugar e que sua legitimi-
dade esteja sendo contestada. Estas instituições não podem impedir agora que uma diversidade
de saberes socialmente valiosos circule fora de seu território, sem lhes pedir permissão, nos
espaços dos meios de comunicação e da internet.
Uma questão que merece especial reflexão é a de como as políticas culturais, associadas
às TICs, têm possibilitado a emergência de novos ambientes de informação/comunicação co-
nectados a redes sociais, e redimensionado a relação dos indivíduos com a produção, a prática
e a própria construção de identidades e memórias culturais. Estes ambientes surgem a partir
de iniciativas do Estado ou, quando são decorrentes de iniciativas da sociedade civil, recebem
o apoio do mesmo. A constituição de redes sociais a partir das unidades de informação que
alocam essas políticas culturais de acesso e apropriação da informação e do conhecimento tem
sido uma das consequências desse processo, nem sempre prevista, entretanto, no escopo inicial
dessas políticas.
Outro ponto relativo às questões que envolvem as políticas culturais e os processos de
mediação é a presença, bastante marcante em alguns casos, de processos de acesso/divulgação-
-circulação da informação e de processos de acesso/apropriação-formação de competências téc-
nico-culturais. Em outras palavras: a preocupação, de um lado, de fazer circular a informação e
torná-la pública, especialmente a informação cultural; e, de outro, a preocupação em capacitar e
formar os atores envolvidos (individuais e coletivos), traduzida numa oferta de cursos, oficinas,
seminários, projetos abertos, etc. (ALMEIDA, 2014) De um modo geral, a concepção de media-
ção como ação educativa que se estabeleceu hegemonicamente prioriza algumas modalidades
de informação, de tipos de leitura e de práticas de intermediação cultural legitimadas pelo status
quo, em detrimento de outras, que valorizariam o estabelecimento de vínculos mais orgânicos
dos sujeitos com o conhecimento prático, racional e técnico. Enquanto essa primeira concepção
se satisfaria com a assimilação e não com a apropriação da cultura artística e científica, desenca-

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deando mediações e leituras esvaziadas, parece-nos fundamental refletir sobre este ponto, quan-
do se tem em vista uma real inserção dos sujeitos na cultura. (MARTÍN-BARBERO, 2009).
As práticas e políticas culturais de mediação brevemente discutidas apontam para essa
complexidade, ilustrando como a construção de processos de mediação cultural voltados para
o empoderamento dos atores enfrenta dificuldades de distintas naturezas para tentar se enraizar
socialmente. A questão das mediações sociais nos contextos formativos das políticas e ações
culturais mereceria uma maior reflexão. Trata-se do desafio de incorporar uma cultura pedagógi-
ca apoiada em formas de experiência que não se restringem à mediação escrita, ligadas a modos
de negociação entre conteúdos e significados historicamente muitas vezes estigmatizados, dis-
criminados e deslegitimizados. A construção do conhecimento é aqui um fenômeno ao mesmo
tempo individual e social, e o saber, um “produto” da construção ativa dos sujeitos, mediada
técnica, artística e culturalmente. O exemplo das salas “Meu Bairro” nas bibliotecas parque de
Medellín nos permitem verificar que iniciativas dessa natureza são possíveis.
Unidades de Informação, Espaços Culturais, Unidades Híbridas ... a terminologia cam-
biante poderia denunciar a falta de rigor metodológico – mas preferimos pensar que reflita,
antes, a riqueza e multiplicidade das instituições e situações possíveis nesse cenário dinâmi-
co que aproxima as TICs à cultura. Assim, procuramos destacar o valor social e o significado
cultural de alguns desses lócus. Longe de opor tradição à inovação, parece-nos antes que esta
última só se realiza quando consegue lidar criativamente com a primeira. Isso vale tanto para a
incorporação das tecnologias, como para configuração de novos serviços e funcionalidades para
os cidadãos e as comunidades que se relacionam com estas instituições. Desenham-se assim as
possibilidades de constituição de novas ações e cadeias de mediações, numa perspectiva muito
mais dialógica que impositiva.
Essa convergência de perfis diversos e do papel jogado pelas atividades de formação
no empoderamento dos sujeitos pode ser ilustrada pela experiência de Medellín. Outro aspecto
importante presente nesse exemplo foi a equalização de perfis inter e multi disciplinares na
efetivação dessas ações, perceptível no quadro funcional das bibliotecas parque, composto não
só por bibliotecários, mas também por antropólogos, historiadores, pedagogos, informáticos,
arte-educadores, etc.
No caso da BSP foi possível verificar que o SRV representa uma oportunidade de au-
mentar a satisfação e a interação das unidades de informação com seus usuários. Os principais
fatores identificados como possíveis limitadores do progresso desse serviço são a falta de acesso
à tecnologia e o custo da infraestrutura, além de questões relacionadas à formação de profissio-
nais e usuários na utilização da tecnologia.
Nosso propósito não se restringiu a avaliar apenas os sites, mas também buscamos, na
abordagem realizada no âmbito da BSP, alguns elementos que permitissem a reflexão acerca do

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relacionamento entre usuários e TICs no âmbito das próprias unidades de informação. Ali foi
possível constatar algumas das dificuldades que apresenta a internet na prática, mostrando que,
afinal, o acesso à rede não é tão convidativo ou simples como a retórica popular quer acreditar.
Embora seja tentador caracterizar as habilidades on-line dos jovens contemporâneos, conce-
bendo-os como nativos digitais, percebeu-se que é necessário estabelecer alguns limites a esta
lógica de interpretação dos fenômenos que abrange o acesso socialmente significativo às TICs.
Acreditamos que é importante considerar que a desigualdade social não é apenas uma
questão referente à partilha adequada dos recursos, mas de participação na determinação das
oportunidades de vida tanto individuais como coletivas. A premissa subjacente a essa afirmação
é a de que a capacidade de acessar, adaptar e criar novos conhecimentos por meio das TICs é
decisiva para a inclusão na chamada “Sociedade da Informação”. Como já nos mostraram Mark
Warschauer (2006) e Manuel Castells (2003), o acesso é decisivo para a inclusão social. O aces-
so e o letramento digital estão intimamente ligados aos avanços da comunicação humana e aos
meios de produção do conhecimento. A naturalização do status de nativo digital para os jovens
contemporâneos com habilidades on-line é tentadora. No entanto, isso não os coloca isentos de
uma observação crítica. Assim, dominar uma tecnologia significa manejar não só o hardware,
mas tudo o que internet oferece a seus usuários, a partir de uma visão crítica e informada.
O caso da BSP serve para refletir acerca dessa premissa, pois no contexto dessa socie-
dade, “tanto em termos educacionais, quanto culturais e econômicos, o desenvolvimento e a
educação juvenil para o mundo digital não pode prescindir do suporte mediador das instituições
tradicionais da sociabilidade e da educação formal e informal” (PASSARELLI et alii, 2014,
p.175). Diferentemente das unidades observadas em Medellín, a BSP não se enquadra em um
projeto integrado de políticas sociais com outros setores do Estado, dificultando assim um maior
enraizamento no tecido social local e de apropriação de seu espaço por parte dos usuários.
Também não se percebeu, diferentemente de Medellín, um papel mais ativo por parte dos me-
diadores da BSP. Desenham-se assim questões relativas às competências culturais e intelectuais
dos indivíduos e grupos para lidar com a sociedade contemporânea. E finalmente __ mas não por
último __ remete também à necessidade da mediação cultural e da informação e ao papel estraté-
gico dos mediadores nos fluxos tecnoculturais que caracterizam a contemporaneidade.
A reflexão sobre essa dinâmica social contemporânea nos leva a considerar dois pontos
complementares. O primeiro, a importância estratégica que as unidades de cultura e informação
e seus profissionais poderiam desempenhar na sociedade em termos de uma construção cidadã
do conhecimento. Isso é válido tanto para as bibliotecas – públicas, escolares, comunitárias,
especializadas – como para outras unidades, algumas delas com essa clara vocação, como os
museus, e outras que eventualmente atuam nessa perspectiva, como arquivos e centros de docu-
mentação. O segundo ponto foi perceber que definir hoje o que seria uma Unidade de Informa-

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ção tornou-se cada vez mais difícil, dada a variedade e complexidade de perfis possíveis que as
mesmas podem adotar. A partir das experiências discutidas, fomos cristalizando a convicção de
que, de modo crescente, elas tendem a incorporar o universo das práticas culturais dos sujeitos,
cada vez mais mediatizadas pelas tecnologias.
A questão não é focar em mais conhecimento, na lógica da pura acumulação e difusão
quantitativa. O desafio reside na necessidade de se refletir, a partir das mediações e políticas
culturais, as questões relacionadas à formação de acervos, aos formatos informacionais, aos
conteúdos das mensagens, às relações com os usuários. Desse modo, as políticas de informação
e comunicação seriam, hoje, também políticas culturais. Os novos ambientes de informação se-
riam, na verdade, ambientes culturais da infocomunicação, aparatos, dispositivos e tecnologias
mediadoras, capazes de transmitir conhecimento intercultural e proporcionar a comunicação
e a expressão dos indivíduos e grupos. Nesse sentido é que buscamos compreendê-las como
UCIs – Unidades Culturais de Infocomunicação, locais estratégicos para a realização de práticas
e políticas culturais emancipadoras, passíveis de apropriação pelos sujeitos na perspectiva de
construção da cidadania cultural e dos processos de formação permanente, cada vez mais exigi-
dos por nossa sociedade.
Não procuramos criar uma apologia ao digital e às TICs, mas de fazer constar que sua
presença, mesmo que problemática, enriquece e disponibiliza novos meios e recursos para a
criação cultural e para a dinamização das relações sociais. Essas considerações, ainda em cons-
trução, apontam para o fato de que o grau de autonomia e as condições socioculturais dadas para
a apropriação da informação e dos usos das tecnologias variam contextualmente. A presença de
recursos humanos capacitados tanto no plano dos processos culturais, como no domínio de ha-
bilidades tecnológicas, torna-se um elemento de fundamental importância para o sucesso dessas
iniciativas. O encontro de indivíduos e de grupos com as instituições merece ser compreendido
como um processo complexo povoado por práticas heterogêneas e não excludentes.
Diante dos atuais conflitos públicos nos modos de representar a vida social Yúdice (2006,
p. 47) chamará atenção para a função política dos “mediadores” na elaboração e implementação
de “políticas socioculturais” que criem espaços onde as distintas narrativas culturais possam ser
“concebidas e tornadas compatíveis”. O encontro de indivíduos e de grupos com as instituições
merece ser compreendido como um processo complexo povoado por práticas heterogêneas e
não excludentes. Nesse sentido, vale relembrar a lição de Michel de Certeau (1994), ao apontar
não as restrições impostas pelos aparatos aos indivíduos, mas a criatividade das práticas sociais,
para voltarmos nosso olhar para a apropriação das tecnologias e das informações nos processos
vivos de produção e circulação da cultura.
Desse modo, estabelece-se para os profissionais da cultura, da comunicação e da in-
formação o desafio de refletir e construir estratégias de interação com estes e outros usuários

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que envolvam uma efetiva apropriação sociocultural das TICs. O desafio, ao que parece, está
em cristalizar as relações on line/off line de maneira mais consistente, capaz de operar efetivas
mudanças a partir de iniciativas coletivamente orientadas para a construção de habilidades e
conhecimentos socialmente significativos, que contribuam para a construção do conhecimento
socialmente relevante e na melhoria da qualidade de vida dos sujeitos e de suas comunidades.

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LINKS
http://bsp.org.br/

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CULTURA E COMPLEXIDADE NOS PROJETOS E NAS POLÍTICAS


PÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS
Maria Beatriz Afflalo Brandão1

RESUMO: O pensamento complexo se desenvolveu, numa contraposição a simplificação,


já na primeira metade do século XX. A cidade contemporânea passou a ser referenciada
através de palavras que revelavam a sua heterogeneidade, dentre elas, o fragmento, o vazio, a
descontinuidade, a desordem, o caos. Tornou-se complexa. Examinar a relação entre a cidade
contemporânea e a cultura, no sentido de refletir sobre a complexidade atual dos enfrentamentos
dos projetos culturais e seus valores é nosso objetivo. Edgar Morin, Carlos Fortuna, Augusto
Santos Silva, Marilena Chauí e Otília Arantes nos ajudam a percorrer este caminho.

PALAVRAS-CHAVE: modernidade/complexidade, cidade contemporânea, projetos culturais,


interações.
.

1. COM QUAL O CONCEITO DE CULTURA TRABALHAR?


O objetivo principal era estudar a relação entre a cultura e a cidade, observando os movi-
mentos de culturalização da recuperação urbana. Ao exame dos textos, percebeu-se a interação
dos conceitos de análise relativos ao tema e aqueles estabelecidos na teoria da complexidade,
desenvolvida por Edgar Morin.
O objetivo se transformou então na possibilidade de, através destas interações conceituais,
estudar algumas relações entre a cultura e a cidade na complexidade da cidade contemporânea.
De início, o exame conceitual de cultura. Segundo a definição da UNESCO, concluída
na Conferência Mundial de Políticas Culturais em Mondiacult, na cidade do México em 1982,
a cultura deve ser considerada como o conjunto de características espirituais, materiais, inte-
lectuais e emocionais distintas de uma sociedade ou de um grupo social, e que abrange, além
da arte e literatura, estilos de vida, maneiras de vida em comum, sistemas de valores, tradições
e crenças. Poderíamos ter pensado em outras definições de autores que analisam a cultura de
forma diversa, mas entendemos que, por se mais generalizada, esta é a versão do senso comum.

1
Professora da Escola de Belas Artes | UFRJ e Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo,
FAU | UFRJ. E-mail: bitiz.afflalo@gmail.com

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A abrangência da definição estabelecida abarca conflitos e contradições que devem ser


examinados. Segundo Chauí, [2008:55], a origem da palavra está relacionada a colheita e sig-
nificava uma ação que conduz a ‘realização de potencialidades’, ou seja, brotar, florescer, fruti-
ficar. Essa significação dá ao termo a dimensão ideal da produção cultural de uma comunidade.
O conceito transformado, passa a ser referência de estado de civilização, ou seja o cri-
tério ou padrão que estabelece diferenças entre as sociedades, um conjunto de práticas que, no
Iluminismo, permitia-se avaliar a evolução dos regimes políticos. Passa a definir comparações.
Já com valor de hierarquia, passa a ser sinônimo de progresso, ressurgindo no século XIX, na
Antropologia, para avalizar sociedades evoluídas ou primitivas; a partir de parâmetros de au-
sência ou presença de elementos constituintes da sociedade da Europa. Ganha um conceito de
valor, de medida.
Ainda a mesma autora, cita a filosofia alemã definindo cultura a partir da ‘ruptura da
adesão imediata à natureza’, ou seja, a ordem humana tratada como a ordem simbólica, capaz
de uma relação com o ausente, criando uma relação de transcendência. Pela linguagem e pelo
trabalho o homem deixa de aderir ao meio ambiente em contraposição ao animal, “criando um
sentido imanente, que vincula meios e fins para o desenvolvimento da ação, que provoca novas
ações e faz do homem um agente histórico”. É essa concepção de cultura, entendida a partir da
vivência humana de cada grupo, de seus valores e sentidos, que vai ser adotada pela antropolo-
gia social no século XX.
É nesse ponto, que Chauí atenta para a diferença entre comunidade e sociedade. A co-
munidade é coesa, vive sob os mesmos valores e atribui os mesmos sentidos à vida e à mor-
te. Possuem um sentimento de unidade e vigilância de valores. Na sociedade diversificada, os
indivíduos separam-se uns dos outros por interesses específicos. E essa divisão, inevitável na
sociedade contemporânea capitalista, vai dificultar que o conceito de cultura da UNESCO, seja
aquele percebido plenamente, no âmbito das sociedades atuais. Surgem: a cultura dominante e a
dominada, a popular, a clássica, a da elite, a opressora e a oprimida. Cada uma dessas classifica-
ções vai ser estudada sob abordagens diferentes, consequentemente, gerando vários posiciona-
mentos que redundam em diversas políticas públicas que se pretendem a solução dos desníveis.
Se analisarmos sob a perspectiva da complexidade, podemos perceber que o conceito de
cultura estabelecido pelo Iluminismo, a partir da oposição dialética de ausência e presença, tem
o mesmo raciocínio de contraposição entre a adesão animal ao meio ambiente e a transcendência
do homem. A pluralidade de classificações culturais, surgidas a partir das divisões internas da
sociedade, demonstram a fragilidade dos limites destas oposições.
Para que as sociedades adotem uma visão aberta de cultura, é preciso, antes de tudo,
perceber o problema da organização do conhecimento, que se atrela a paradigmas anteriores:

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Pode-se observar que tanto a dimensão como a transcendência cria a mesma organização
do pensamento, a mesma lógica de afirmação/negação, num sistema fechado que não permite
outras combinações e que, por isso mesmo, acaba gerando uma série de subclassificações dessa
mesma dicotomia. A definição de cultura, estabelecida pela UNESCO, abarca as relações que
regem a vida das sociedades que, como tal, compreende as oposições, complementaridades,
relações e interações que geram valores e que se modificam, a partir de novas ações, relações,
oposições e interações.
Para trabalhar este conceito de cultura multifacetado é preciso compreendê-lo num sis-
tema aberto. Segundo Morin, um sistema fechado pode ser exemplificado por uma pedra, uma
mesa, ambas em estado de equilíbrio, se considerarmos a troca de matéria/energia com o exte-
rior. Já uma vela acesa ou uma célula estabelece uma relação de desequilíbrio com a troca pelo
fluxo energético que as alimenta. Sem ele, as duas se definhariam.
Se observarmos o organismo humano, percebemos que nossas células se renovam sem
cessar, enquanto nossa estrutura se mantém equilibrada, exatamente como um sistema aber-
to, onde sua estrutura se mantém em equilíbrio, mas seus constituintes são mutantes. Mesmo
aberto deve se manter fechado ao exterior, e é sua abertura que vai permitir o fechamento, ou
seja, um sistema organizando seu fechamento na e pela abertura. Disso deduzimos algumas
observações interessantes:
• as leis de organização da vida não são de equilíbrio, mas de desequilíbrio em cons-
tante recuperação;
• a inteligibilidade do sistema não está ligada somente à ele mesmo, mas também ao
meio ambiente;
• e essa relação não é somente de dependência, mas constitutiva do sistema.
“Qualquer conhecimento opera por seleção de dados significativos e re-
jeição de dados não significativos: separa [distingue ou disjunta] e une
[associa, identifica); hierarquiza [o principal, o secundário] e centraliza
[em função de um núcleo de noções chaves]; estas operações que se
utilizam da lógica, são de fato comandadas por princípios ‘supralógicos’
de organização do pensamento ou paradigmas: princípios ocultos que
governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos consci-
ência disso.[Morin. 2011:10]”.
Do ponto de vista da teoria da complexidade, a noção de cultura adotada pela antropo-
logia social, a partir de meados do século XX, não se adequa ao real pela negação da relação do
homem com meio ambiente. Perde-se um elo importante.
Ainda trabalhando no conceito estabelecido pela UNESCO, podemos perceber que ‘ca-
racterísticas espirituais, materiais, intelectuais e emocionais distintas de uma sociedade ou de
um grupo social, englobam tanto o conhecimento científico, como o genérico [concernente ao

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gênero humano], que abarca as criações e processos relativos às chamadas ciências humanas. E
é nesse ponto que se situa um desafio cultural’ [Morin, 2002:17], que ainda nos dirige [oculta-
mente] e está entranhado no desenvolvimento da inteligência, a partir do século XIX, ou seja a
divisão entre cultura de humanidades e cultura científicas.
Essa divisão que proporciona a disjunção cada vez mais intensa do saber, ainda que
tenha promovido admiráveis descobertas e um avanço tecnológico a se considerar, nos impede
a reflexão sobre o desenvolvimento humano, torna-se incapaz de pensar os próprios problemas
sociais e humanos que estabelece no seu desenvolvimento; torna-se impossível de abranger,
‘além da arte e literatura, estilos de vida, maneiras de vida em comum, sistemas de valores, tra-
dições e crenças’ [Morin, 2002:19]. Subdivide a vida, enfraquecendo uma percepção global, e
consequentemente o sentido de responsabilidade: cada um tende apenas a ser responsável pela
sua tarefa específica.
Quando os valores e crenças de um grupo perdem suas interações, o tecido cultural se
esgarça, enfraquecendo a cultura como um todo. Conhecer a cultura é conhecer o humano. É
preciso, então, trabalhar a ligação entre os conhecimentos, para daí fazer surgir o novo, que ul-
trapasse os problemas atuais. Todo o conhecimento deve ser orientado para e sobre a condição
humana em toda a sua complexidade.
A cidade é um resumo: conhecer a complexidade humana nos leva ao conhecimento da
condição humana, que nos atenta para a vida com seres e situações complexas. A cidade con-
temporânea é a vida, que se desenrola no social, no unitário e no diverso. Assim, ao observarmos
as relações entre a cultura e a cidade, é preciso, segundo Morin, atentar para a complexidade do
mundo real e para tal, é preciso definir, a priori, algumas condições de provisão para o futuro:
• preparar-se para o futuro incerto, ou seja, para a existência da incerteza; contextuali-
zando, observando possibilidades e consequências;
• esforçar-se para compreender e conceber estratégias, com cenários de ação que pos-
sam conter a possibilidade do acaso;
• efetuar conscientemente nossas apostas, acreditando nas possibilidades, mas jogan-
do com a incerteza.
A visão unidimensional [na cidade] enfraquece a percepção do complexo e o sentido de
responsabilidade [Morin, 2002:14].
“A realidade está tanto no elo quanto na distinção entre o sistema aberto e o seu meio
ambiente... o sistema só pode ser compreendido se nele incluirmos o meio ambiente, que lhe
é ao mesmo tempo íntimo e estranho e o integra sendo ao mesmo tempo exterior a ele” [Mo-
rin,2010:22]. Religar o que está disjunto é a proposta. A divisão da organização política em
setores muito específicos que não se conversam tem sido um problema bastante evidenciado nas
administrações públicas.

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Chauí [2008:65] nos dá, através da descrição do que seja a pintura, a essência do olhar
cultural: a descrição de Chauí sobre a pintura é uma excelente metáfora sobre as contraposições
complementares que a complexidade cultural comporta.
“Que é a pintura? A expressão do enigma da visão e do visível: enigma
de um corpo vidente e visível, que realiza uma reflexão corporal por que
se vê vendo; o enigma das coisas visíveis, que estão simultaneamente lá
fora, no mundo, e aqui dentro em nossos olhos; enigma da profundida-
de, que não é uma terceira dimensão ao lado, da altura e da largura, mas
aquilo que não vemos e, no entanto, nos permite ver; o enigma da cor,
pois uma cor é apenas a diferença entre cores; o enigma da linha, pois ao
oferecer os limites de uma coisa, não a fecha sobre si, mas a coloca em
relação com todas as outras”.
Segundo Morin [2011:36], uma das conclusões dos estudos sobre o cérebro humano é
sua capacidade de trabalhar com o insuficiente, com o vago, com aquilo que não é exato. No
texto, o vidente que é visível, o que está lá fora, mas também dentro, o que não vemos, mas
percebemos e o limite que não se fecha são ingredientes da complexa visão do mundo, que com-
porta um conceito de cultura mais real.
A cultura deve ser vista a partir dos conceitos da complexidade, incorporando interações,
contradições, complementaridades, acasos, conflitos, incapacidade de uma ordem absoluta; ten-
do em conta que a “aceitação da complexidade é a aceitação de uma contradição, é a ideia de
que não se pode escamotear as contradições numa visão eufórica do mundo” [Morin, 2011:64].

2. O ELO ENTRE CULTURA E CIDADE


Um bom início para avaliar cidade e cultura está no exame do conceito de autonomia do
homem, complexa por sua dependência das condições culturais e sociais. Entendemos que para
conquistar a autonomia é preciso uma linguagem, uma cultura, um saber. É preciso um processo
de escolha e decisão, e acreditamos que tanto mais variadas sejam as ideias melhor a capacida-
de de decidir, maior reflexão e maior a autonomia. Mas, na verdade, com frequência pensamos
gozar de uma liberdade de escolha, que não é verdadeira.
“Somos uma mistura de autonomia, de liberdade, de heteronímia, e eu diria mesmo, de
possessão de forças ocultas que não são simplesmente do inconsciente trazidas à luz pela psica-
nálise” [Morin, 2011:67], mas que estão relacionadas ao nosso cérebro e que passam pela razão,
racionalidade e racionalização. Considerando-se razão como a busca da coerência; racionalida-
de como o jogo de estruturas lógicas que nos permitem dialogar com o real e a racionalização
como a tentativa de enquadrar a realidade num sistema coerente; percebemos que é nossa ten-
dência descartar o que não entendemos, selecionar o que favorece a nossa ideia e menosprezar
o que desfavorece. E neste processo cerebral, produzimos.

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Um dos postulados da teoria da complexidade reside na compreensão de que a parte faz


parte do todo e que o todo não existe sem a parte. Como sujeitos integrantes de culturas, somos
“produtores de um processo que é anterior a nós mesmos”, assim somos produtos e produtores si-
multaneamente: “indivíduos produzem a sociedade que produz os indivíduos” [Morin, 2011:74].
Numa analogia com o espaço, vamos encontrar em Milton Santos uma correspondência
quando ele define que “sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os siste-
mas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações
leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço en-
contra a sua dinâmica e se transforma” [2008:63]. A partir desta constatação, Santos propõe con-
siderar o espaço um conjunto indissociável, tratado como processo e como resultado, analisado
através de sua multiplicidade e da diversidade de situações e processos e que, por isso, não é uno,
mas complexo, contraposto à racionalização cartesiana da disjunção entre o homem e o objeto.
Esta ideia é ratificada por Fortuna e Silva [2002:420], na proposta de analisar as relações
entre cultura e cidade, definindo que a cultura, na sua diversidade de ações, tem uma espacia-
lidade própria, que se caracteriza como contextos sociais e que vão ser utilizados nos planos e
políticas de revalorização das cidades. Ainda, segundo eles, “a cidade e a cultura urbana são
realidades incoerentes, recheadas de subcidades e subculturas. São estes fragmentos, no entanto,
que constituem a cidade e a cultura urbana no seu todo, e lhes dão vigor”. Espaços homogenei-
zados contribuem para subtrair a complexidade, diminuindo a vitalidade local.
Chauí, ainda em seu artigo de análise sobre cultura e democracia, chama atenção para
a democracia como forma política na qual, “ao contrário de todas as outras, o conflito é consi-
derado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais para que possa exprimir-se. A
democracia não é o regime do consenso, mas do trabalho sobre os conflitos” [2008:67]. Defende
ainda que a democracia como uma forma de vida social, a cada solução que encontra, reabre seu
próprio problema.
Ora, esse é sem dúvida, um dos conceitos mais pertinentes da teoria da complexidade
moriniana, que defende o não fechamento de soluções definitivas, “... a realidade é mutante, não
se esqueça (sic) que o novo pode surgir, e de todo modo, vai surgir” [Morin, 2011:83]. Isto não
implica em desprezar a ordem, o determinismo, mas considerar a possibilidade de renovação, de
incerteza, do acaso; da possibilidade de uma nova ideia. A complexidade se situa num processo
mais rico, no qual a ação é “a estratégia que permite, a partir de uma decisão inicial, prever certo
número de cenários para a ação, cenários que poderão ser modificados segundo as informações
que vão chegar no curso da ação e segundo os acasos que vão se suceder e perturbar a ação”
[Morin, 2011:79]. Temos então a cidade, como o espaço no qual cada nova ação retroage sobre
si mesmo e sobre o ambiente, estabelecendo um elo indissociável entre cultura e cidade.

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3. A CIDADE CONSUMIDA COMO MERCADORIA


É Otília Arantes [2000], quem nos aponta a terceira etapa do urbanismo, no qual a cida-
de, até então plena de valor de uso, passa a ser examinada e gerenciada a partir de conceitos que
estabelecem valores de troca, valores de mercado.
O ‘tudo é cultura’, da segunda metade do século XX, se transformou numa cultura de
mercado onde o ‘poder da identidade impera’. Diz-se, então que a cidade não ‘se vende’, ou
seja, não se torna importante no cenário global, se não estiver enquadrada numa política cultu-
ralista, cuja base de conceitos gira em torno de ideias mercadológicas do tipo ‘image-making’
[consolidando a imagem], políticas ‘business-oriented’ [relacionadas aos negócios] e ações
‘market-friendly’ [adequadas ao mercado]. Os conceitos básicos desta teoria marqueteira, pela
sua ligação direta com o consumo diário na organização capitalista atual, são teorias de fácil
aceitação acrítica. Fazem parte da racionalização da decisão cotidiana de compra num mercado
de consumo altamente competitivo, e por isso mesmo, pleno de estratégias de venda, exacerba-
das diariamente, nos meios de informação e comunicação.
Como diz Morin, são forças ocultas que nos impelem a uma racionalização estreita, com
foco parcial, muitas vezes nos fazendo acreditar num processo racional de escolha, que na ver-
dade nos é apresentado sob uma ótica específica.
É interessante destacar, que no correr da história humana, a cultura tenha sido vista, mui-
tas vezes, como um movimento de expressão contrário à opressão, mas que nos dias de hoje ga-
nhe um lugar em estratégias urbanas que geram a gentrificação, a homogeneização de espaços e a
cada vez mais clara partição da sociedade em camadas mais favorecidas e outras desfavorecidas.
Otília afirma que para o sucesso dessa política, que transforma a cidade em mercadoria,
não é possível perder de vista a dimensão cultural, usada aqui, exatamente neste valor literal de
medida, de valor de troca das cidades no cenário global. Uma das características dessa estratégia
de implantação de ações urbanas é o uso das palavras chaves, muitas vezes de forma a dirigir a
percepção da ação, com adaptações sutis, que lhes conferem um valor de importância.
O que tem resultado essa política cultural, aplicada em todo mundo em ‘pacotes estra-
tégicos’? Ganham novas conceituações tais como “revitalização, reabilitação, revalorização,
reciclagem, promoção, requalificação, até mesmo renascença, mal encobrindo, pelo contrário
explicitando o sentido inicial de reconquista, inerente ao retorno das camadas afluentes ao co-
ração das cidades”.
As cidades ganham também uma ‘organização’ em algumas áreas, definida a partir da
exclusão da contraposição de quem entra e quem sai legitimada pela dimensão cultural. São
muitos os exemplos, do Soho de Nova York a Docklands de Londres, o processo de recuperação
urbana expulsou moradores locais, que viram destruídos anos de vivência social. Como será o
Porto do Rio? Diferente?

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Segundo Morin [2011(2)], o pensamento fundado na noção do homo economicus, deter-


minado pelo interesse pessoal não vê o que escapa deste interesse e destrói as relações que pre-
cisa para obter o que objetiva. É uma ‘visão produtivista/quantitativista’ que ignora a essência
da qualidade de vida. Ele acredita ainda, que uma forma fechada de racionalização está se espa-
lhando por todo o planeta, produzindo uma irracionalidade total. Alerta para o perigo da crise.
“A crise se manifesta não somente como uma fratura no interior de um
continuum, perturbação num sistema aparente estável, mas também
como crescimento das eventualidades, isto é, das incertezas. Ela se ma-
nifesta pela transformação das complementaridades em antagonismos,
pelo aumento rápido das transgressões em tendências, pela aceleração
do processo desestruturante/desintegrante (feedback positivo), pela rup-
tura das regulações, pela deflagração de processos incontrolados tenden-
do a autoamplificar-se por si mesmos ou chocar-se violentamente com
outros processos igualmente antagônicos e incontrolados. Examinando
o mundo atual, a crise aparece não como um acidente, em nossas socie-
dades, mas como um modo de ser” [Morin, 2010:23].
A cultura, como elemento da produção humana, sofre as mesmas consequências. No
entanto, a crise tem aspectos divergentes e antagônicos, mas necessariamente complementares.
É na crise que se percebe as maiores necessidades. É a crise que nos traz a evolução através de
rupturas e transformações radicais.
Otília atenta para um aspecto crísico: a estetização do medo, com exemplos desde as
habitações expulsas ou bloqueadas, até a impossibilidade de permanência nos parques requali-
ficados e guardados por seguranças. Chama atenção, também, para o significado conflitante de
cultura, que de ações socialmente espontâneas, deixa de ser “o outro ou mesmo a contrapartida,
para tornar-se parte decisiva dos negócios...um grande negócio” [2000:48].
O grande negócio gera então Grandes Projetos por várias grandes cidades do mundo. Mo-
delos e planos são reinventados. Novas articulações entre atores públicos e privados. Um concei-
to de progresso e desenvolvimento que, a cada tempo, se torna mais perigoso e catastrófico, rati-
ficando a ideia dessa política cultural como uma estratégia fatal, título do texto de Otília Arantes.
Há, ainda, nesse movimento, o dogma universal de “que o progresso é uma lei implacável
da história humana” [Morin, 2011[2],23]. É preciso estar sempre em desenvolvimento, em com-
petição, agora relativa às cidades em um mundo globalizado. Mas o certo é que há muito desco-
brimos que o futuro é incerto. A ideia de um progresso, que a partir do crescimento econômico
gerava os desenvolvimentos econômico, social e individual não considerava pontos importantes:
• estamos num universo onde atua um princípio de agitação, dispersão e desordem;
• todo trabalho comporta desperdício e degradação de energia;
• todo organismo vive, não somente da vida, mas também da morte.

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Assim, todo progresso corre o risco de se degradar e comporta o duplo sentido de pro-
gressão e regressão. O progresso como necessidade humana influiu na concepção do mito tec-
noburocrático. Mas o futuro incerto nos faz olhar o passado e reconstruir a história, agora com o
olhar do presente, percebendo a interdependência entre passado, presente e futuro.
É preciso substituir a concepção simplista da causalidade linear para um futuro previ-
sível, por uma visão complexa, já que o passado forma seu sentido de história a partir do olhar
posterior. Efeitos e contrafeitos se entrelaçam: é um novo enfoque a cada novo presente, que
modifica o passado. “O conhecimento do presente requer o conhecimento do passado, que re-
quer o conhecimento do presente” [Morin 2010:14].
E as inovações, criações e invenções futuras dependem do presente. Parte do futuro já
existe e vai operar as ações, interações e retroações que constituem o presente, mas de maneira
incerta. Considerando o tempo como fator de referência cultural, é preciso, de acordo com o
pensamento complexo desenvolvido por Morin, atentar que o instrumento de ligação que nos
faz deslocar entre presente, passado e futuro é o conhecimento, e ele não é linear, é multidimen-
sional, sem fator dominante. É importante ainda, perceber que também a realidade é multidi-
mensional, comportando fatores geográficos, técnicos, políticos, econômicos, ideológicos e que
existe uma rotatividade de evidência desses fatores na evolução humana.
É fato que a evolução segue um princípio multicausal, tanto intrínseco ao processo, como
exterior a ele. E são as invenções, inovações e criações que modificam a evolução, podendo am-
pliar-se e potencializar-se em tendências, infiltrar-se modificando a tendência dominante: “a evo-
lução é deriva, transgressão, criação, é feita de rupturas, perturbações e crises” [Morin, 2010:17].
A teoria do modernismo para as cidades foi direcionada para a pretensão do equilíbrio
da vida urbana organizada, dentro da perspectiva do progresso contínuo, do desenvolvimento
linear. O pós-modernismo elaborou a crítica na superficialidade da meia solução de retomada de
parâmetros culturais anteriores, mesclados a soluções intrinsicamente modernas.
A evolução tecnológica e informacional reconfigurou as necessidades sociais humanas.
Ainda não se tem clareza das profundas modificações que afetam os grupos sociais no presente,
mas já se percebem modificações que estabelecem duas formas de ‘olhar o mundo’, analisadas
por diversos autores: a global e a local. Contrapostos e complementares essas duas vertentes
provocaram algumas modificações na organização dos contextos sociais. A cidade, desde os
meados do Século XX, passa a exercer um elemento de destaque no jogo global do poder, crian-
do as bases para que, como foi dito antes, adquira valores de mercadoria, inserida nos fluxos da
economia global.
A cidade, que passa por este projeto de revalorização da imagem, vai ter os seus espaços
fragmentados, em relação aos dois aspectos importantes: o global e o local. De acordo com San-
tos [2008:284], há espaços que se agregam, sem descontinuidade, constituindo a versão tradicio-

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nal de região; e há aqueles que, embora separados uns dos outros, “asseguram o funcionamento
global da sociedade e da economia”. Os primeiros, as horizontalidades correspondem ao local
e tem uma função básica de produção. Os outros, as verticalidades, controlam o poder, e estão
ligadas através da circulação, do intercâmbio e do controle, relacionados à perspectiva Global.
Fortuna e Santos [2002:433], citando Doreen Massey, indicam os espaços da “geometria
do poder”, traduzidos pelo sucesso de aproximação ao centro [global] contraposto a localização,
que vai significar “incapacidade e sujeição à condição de marginalidade social, política e cultu-
ral”. Essa marginalidade, caracterizada como “laterização social” é muitas vezes inserida numa
estratégia de reconhecimento dos direitos, dentro das perspectivas de “promoção transnacional
da imagem da cidade”, resultando em “fragmentações sociais, políticas espaciais ou mesmo es-
téticas”. Essas fronteiras construídas e imaginadas socialmente, sem delimitação específica no
espaço das cidades, terminam por sofrer as interações e retroações consequentes de um sistema
complexo: “....temos assistido à desterritorialização dos fluxos econômicos, culturais, simbóli-
cos e informativos.” [Fortuna e Silva, 2002:432]
É neste contexto espacial incerto, que a recuperação urbana culturalista vai ser implanta-
da, de acordo com as exigências da verticalidade, mas num contexto complexo, que compreende
também as horizontalidades, incluindo em várias perspectivas as ações, interações e retroações,
que se mesclam na vida das cidades.

4. REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ESPAÇO E CULTURA


A primeira questão que se coloca é relativa à ideia da cidade como espetáculo. A outra se
relaciona aos centros das cidades. Fortuna e Silva, citando Mumford, consideram que a cidade
é “a teatralização da ação social e a estética simbólica da unidade coletiva” [2002:423]. Os cen-
tros citadinos da pré-industrialização eram o palco principal das ações culturais ritualizadas, es-
pecíficas de cada cultura. Hoje, já não traduzem mais a heterogeneidade e a diversidade urbana,
e tornaram-se locais de passagem ou espaços homogêneos segregadores ou foram convertidos
em locais de visitação.
Algumas indagações importantes se colocam neste ponto: será possível que os “palcos”
do espetáculo urbano, ou seja, seus espaços públicos centrais ou não, possam ser resgatados
como espaços de ação social, através de planos e projetos de recuperação urbana baseados em
atividades culturais? Quais são os desvios que este tipo de estratégia pode sofrer? Na cidade
contemporânea, o que tem acontecido com a cultura urbana?
Arantes [2000:23] aponta o nascimento desta etapa urbanística numa conjunção de ações
tanto na Europa, como nos Estados Unidos e cita a crítica de David Harvey para o porto de
Baltimore, que ele denomina “a utopia dos incorporadores: a renovação do Inner Harbor de
Baltimore”. Em sua análise [Harvey, 2009:182, 189], apresenta dados de pesquisas que funda-

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mentaram os processos do projeto, demonstrando os equívocos dos investimentos públicos num


processo de gentrificação sem escalas. Hotéis, arenas, centros de ciências, edifícios de escritó-
rios e de apartamentos, que só conseguiram comercialização depois de alguns descontos, foram
empreendimentos, na sua maioria, financiados por uma parceria público/privada, cuja parcela
financiada com dinheiro da população era muito maior do que os investimentos privados. No
caso do Hyatt Regency Hotel, avaliado em 35 milhões de dólares, o investimento da empresa
foram “meros 500 mil dólares”.
Depois de iniciado esse processo de recuperação as perdas públicas só tendem a aumen-
tar, na medida em que surgem os acasos e incertezas, os quais o setor que lucra, não está disposto
a assumir, requisitando para sua continuidade mais investimentos públicos.
“Para tornar compensadora cada leva de investimentos públicos, faz-se necessária mais
uma leva. A parceria entre o poder público e a iniciativa privada significa que o poder público
entra com os riscos e a iniciativa privada fica com os lucros” [Harvey, 2009:190]. O simples fato
de se trabalhar com os acasos e incertezas, vistos como parte do processo, pode ter consequên-
cias até mesmo nos níveis contratuais das parcerias público-privadas.
Ainda no campo dos investimentos, Fortuna e Santos, em análise do processo do desen-
volvimento português nos chama à atenção para a incapacidade das administrações locais de
arcar com os custos dos grandes projetos, característica mais dominante nos processos atuais de
recuperação urbana culturalista. Considera legítima “a suspeita acerca da sobrequalificação” de
espaços específicos, “bem como a sua privatização e sujeição às regras do mercado” [2002:429].
Essa sobrequalificação, aliada à obediência mercantil, destrói as características de com-
plexidade cultural das localidades, para atender à verticalidade mencionada por Milton Santos.
Um dos pressupostos da teoria da complexidade pra mudar as características da evolução do
mundo atual seria “dar autonomia as coletividades” [Morin, 2010:49]. Mas a política de de-
senvolvimento e recuperação das cidades baseadas num culturalismo global deteriora cada vez
mais essa possibilidade de autonomia, conforme definida neste trabalho.
Ainda citando Fortuna e Santos que, em referência a outros autores, indicam que, pode-
-se perceber nos projetos de renovação cultural bem sucedidos, uma importante participação dos
agentes culturais locais. Em contraposição, outros projetos, cuja assimilação é demorada, muitas
vezes, dependentes de novos investimentos públicos, como no caso de Baltimore, percebe-se a
ocorrência de “exclusão social, fechamento e atomização dos sujeitos no espaço privado, com
prejuízo da consolidação da participação na vida pública de um conjunto de agentes de idade,
sexo, classe, estilos e vida e etnias diferentes” [2002:430].
Outra tendência que se destaca no processo de globalização é a hegemonização dos
campos de produção e consumo cultural, que pode ser analisada de outro ponto de vista. Consi-
derando-se as retroações, conceito do pensamento complexo, podemos avaliar uma complemen-

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taridade importante neste processo: “o impulso de homogeneização da oferta contrapõe-se a um


impulso de heterogeneização na procura”, que pode ser uma possível interpelação que a cultura
local pode fazer e já o faz à globalização. Para tal é importante “complexificar essa dicotomia”
[Fortuna e Santos, 2002:237].
Uma análise do Professor Carlos Lessa, em sua palestra no evento de comemora-
ção dos 40 anos da Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ, ao descrever a ca-
pacidade criativa brasileira, no sentido de absorver o que lhe é externo e transformá-
-lo em outra coisa, com significado local, nos fez atentar para um exemplo peculiar: o
XTUDO. Nos fez perceber o caráter antropofágico inerente à nossa cultura, demonstrando que
desde sua chegada ao Brasil, como cheeseburger, esse sanduíche transformou-se em outro, com
novas características e outros ingredientes, e acima de tudo, com outra identidade.
De hambúrguer, queijo e pão, passou a um sistema combinatório com diversos elementos
adicionados aos originais, como milho, ervilha, queijo parmesão, maionese, batata frita, salada
e outros, que permitem ao comprador estabelecer suas preferências, montando a combinação
que lhe convier. Foi absorvido e devolvido em transformação. É fato que apesar desse processo
culturalista globalizado intensificar a uniformização cultural, o XTUDO comprova que o poder
de retrabalho dessa cultura autoritária pelas sociedades locais não deve ser subvalorizado.
Ainda sobre a complexificação das relações que articulam o sistema mundial, nessa ver-
tente de recuperação urbana culturalista, existe o fator de localização do global ou seja, “fica
cada vez menos possível tratar indiferencialmente (sic) os públicos sem cuidar da diversidade
das maneiras de ser e agir e das referências simbólicas [tradições, linguagens e ícones, etc..] que
os caracterizam” [Fortuna e Santos, 2002:442]. Este é um dado, o aumento da interdependência,
que pode e deve ser explorado na contramão dos processos de homogeneização.
Se examinarmos a história, a partir da perspectiva dos valores do presente, podemos
“perceber que as cidades coloniais foram arenas multiculturais muito antes de se tornarem me-
trópoles urbanas do século XX”, e que o processo de globalização não é novo na história da
humanidade, variando somente a escala, na contextualização das tecnologias existentes.
Mas é exatamente esta tecnologia que vai permitir o acirramento do que Mike Fea-
therstone, citado por Fortuna e Santos [2002:448], denominou de terceira cultura, referindo-se
a agentes “detentores de competências técnicas e profissionais específicas, que lhes permitem
viver entre culturas e estabelecer comunicação entre si, através da retradução dos seus sentidos
e significados”. Têm em geral um descolamento em relação ao local, contraposto ao sentido
antropológico que o espaço adquire para os cidadãos locais.
Ora, uma das premissas do pensamento complexo, definido por Morin, é a disjunção do
saber em especialistas, desconectados do contexto e direcionados para relações específicas que

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lhes subtrai, primeiro a possibilidade de interação com o todo; no caso da cultura, com o contex-
to; e segundo, a responsabilidade sobre as consequências da sua ação em relação a este contexto.
Este monopólio de expertise, defendem Fortuna e Santos, interfere no relacionamento
dos sujeitos na sociedade:
“O grau de maior ou menor resistência, visibilidade e reconhecimento
do local encontra-se cada vez mais desligado daquilo que seus repre-
sentantes conhecem, e mesmo de quem conhecem e com quem se re-
lacionam, e, em contraposição surge crescentemente condicionado por
circunstâncias e ambientes sociais e técnicos alheios à vontade destes”
[Fortuna e Santos, 2002: 450]
O movimento de resistência deste sentido autoritário do conhecimento nos é dado pelo
resultado criado pela superespecialização que permitiu um avanço científico e tecnológico con-
siderável que nos aponta em duas direções. Segundo Morin, há a necessidade de religar esse
conhecimento, e o devemos fazer trabalhando a relação entre a parte e o todo, entre o todo e a
parte. Defende que a patologia da razão está na hipersimplificação que não deixa ver a comple-
xidade do real.
Fortuna e Santos defendem o uso das modernas tecnologias de informação, como recur-
sos decisivos, a partir dos quais os mapas cognitivos do local e do global podem ser reelabora-
dos, ou seja, efetuada uma religação entre essas duas perspectivas que evite que o local fique
cada vez mais a margem do global.
Muito ainda se pode explorar, na relação entre cultura, espaço e a teoria da complexida-
de. Mas trabalhar com a complexidade é compreender que a ação é estratégia, e entender que
devem ser previstos os acasos que vão se suceder e perturbar a ação. A estratégia luta contra
os acasos e busca a informação, mas o acaso não é apenas o fator negativo a ser reduzido. “É
também a chance que se deve aproveitar” [Morin, 2011:79], principalmente para trabalhar com
a cultura e o espaço da cidade. Para tal, é fundamental pensar o projeto em toda a sua complexi-
dade de decisões, em função das relações local/global, parte/todo, específico/genérico, certeza/
incerteza, definições/acasos e principalmente exclusão/ inclusão.
A partir do pensamento de Morin, e juntamente com ele, considerar que, estamos num
mundo que nos parece simultaneamente em evolução, em revolução, em progressão, em regres-
são, em crise, em perigo. Vivemos tudo isso ao mesmo tempo.
Precisamos considerar que, a eficácia política, assim como a eficácia da sexualidade
precisa de incontáveis esforços infrutíferos, de desperdício de energia e de substância vital para
chegar a uma fecundação. Que semear a vida, para nós, é dispender esforços inumeráveis, é
produzir embriões sem número. Semear pode coincidir com se amar, isto é, com o amor que
transfigura dois seres e encontra sua finalidade em seu êxtase de comunhão [Morin, 2010:35].
E eis o símbolo que cada qual pôde e pode viver....

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CLUBE DE ESPECTADORES: OS SÓCIOS COMO PROTAGONISTAS


PARA O DESENVOLVIMENTO CULTURAL
Maria Emília Ribeiro1
Janaína Dias2

RESUMO: O Clube de Espectadores representa para a Gerência de Cultura da Escola Sesc de


Ensino Médio um grande avanço na formação de público. Depois de seis anos de existência do
programa, venho traçar um perfil de alguns dos seus principais sócios, na tentativa de elucidar as
ações futuras do programa, estabelecendo um diálogo direto entre espaço e comunidade, através
de atores sociais e culturais que assim se tornaram espontaneamente. O Clube de Espectadores
é, antes de qualquer coisa, uma política cultural de ação formativa, e com esse intuito, escrevo
este artigo, a fim de mostrar como os sócios podem se tornar peças chaves no desenvolvimento
cultural local.

PALAVRAS-CHAVE: Clube de Espectadores, Sócios, Cidadania Cultural.

1. APRESENTAÇÃO
O Clube de Espectadores é um programa que foi desenhado pela Gerência de Cultura da
Escola Sesc de Ensino Médio desde 2008, quando o Teatro Escola Sesc foi inaugurado, e tomou
forma ao longo desses anos, chegando ao ano de 2014 com 2.156 sócios.
Atualmente, o que hoje se tornou o Espaço Cultural Escola Sesc, ainda trabalha com
as mesmas questões que existiam quando o Clube de Espectadores foi criado: como atrair o
público que está próximo ao espaço? A programação interage com o gosto do público? O gosto
do público é necessário ao espaço, ou é sua função oferecer a diversidade e fruição de diversas
linguagens e produções artísticas?
A partir dessas questões, percebi que se fazia necessário uma análise do perfil dos sócios,
para tentar diagnosticar benefícios para além dos já estabelecidos pelo programa e, através de
entrevistas realizadas com cinco sócios, entender a relação deles com o espaço físico, o entorno,

1
Graduanda do curso de Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense. Bolsista do Programa de Inicia-
ção Científica (PIBIC/FAPERJ) e componente do grupo de pesquisa de Gestão Cultural do Programa de Pós-gradua-
ção em Administração da Universidade Federal Fluminense (PPGAd/UFF). mariavasconcelos00@gmail.com
2
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal Fluminense (PPGAd/
UFF). janainadias@id.uff.br

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a atividade cultural, como também a frequência no espaço e nas ações da Gerência de Cultura.
Para tanto, será necessário expor melhor o programa, o que ele oferece, o que a Gerência de
Cultura entende como sócio e o como o sócio se percebe dentro deste espaço.

2. INTRODUÇÃO
2.1. A escola Sesc de ensino médio
A Escola Sesc de Ensino Médio foi inaugurada no ano de 2008, na cidade do Rio de
Janeiro, no bairro de Jacarepaguá. É uma escola-residência, gratuita, que recebe alunos de todo
o Brasil. No ano de sua inauguração, a escola recebeu 1763 alunos, que iniciaram na primeira
série do ensino médio. Atualmente, a capacidade é para 500 alunos nas três séries. Com no má-
ximo 15 alunos por turma, a escola trabalha a formação cidadã do indivíduo, aliada a formação
acadêmica e profissional.
Os alunos residem na escola, assim como a maioria dos professores e gestores. Visto
que convivem em comunidade, a escola tem toda estrutura necessária ao convívio desta. Vamos
focar particularmente na Gerência de Cultura e sua atuação no campus escolar e ao redor dele,
no entorno da Escola Sesc de Ensino Médio, onde o Clube de Espectadores tem sua atuação. A
Gerência de Cultura é a responsável por administrar todo equipamento cultural da Escola Sesc
de Ensino Médio, promover ações, programas e atividades que proporcionem a comunidade,
tanto interna quanto externa4 a vivência no âmbito cultural.

2.2. O Clube deEspectadores


Quando a equipe da Gerência de Cultura assumiu o espaço em 2008 e inaugurou o equi-
pamento cultural hoje denominado Espaço Cultural Escola Sesc, se viu inserida em um contexto
que não é muito habitual para espaços culturais: localizar-se dentro de um campus escolar com
dedicação a formação cultural destes alunos, mas também compromissada a abrir suas portas a
quem desejasse ter acesso à cultura por meio do espaço. Se constitui aí, então, a necessidade da
Gerência de Cultura conhecer seu público, afinal o desafio de programar atividades culturais não
é pertinente se um espaço não conhece seu público, quem ele quer atingir, quem está por perto.
Surge neste ano o programa Clube de Espectadores com este intuito: conhecer o público, agir
na sua formação e fidelizar ele, tornando a prática de convívio com um espaço cultural possível
e essencial. Desde então a equipe da gerência começa a se dar conta do desafio ali constituído e
a importância do programa que estava vindo à tona. Neste panorama é inserido o programa do

3
Informações retiradas do site da Escola Sesc de Ensino Médio; http://www.escolasesc.com.br/a-escola/quem-so-
mos/acesso em 03 de novembro de 2014.
4
Internos e externos é uma denominação utilizada para diferenciar quem é residente na Escola Sesc de Ensino
Médio e quem não reside nela. Assim, alunos e professores são exemplos de internos e o público espontâneo, que
não reside na Escola, é exemplo de externo.

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Clube de Espectadores, com a perspectiva de trabalhar naquele local o conceito de cidadania


cultural, como elucida Marilena Chauí neste trecho:
Trata-se, pois, de uma política cultural definida pela ideia de cidadania
cultural, em que a cultura não se reduz ao supérfluo, entretenimento, aos
padrões do mercado, à oficialidade doutrinária (que é ideologia), mas
se realiza como direito de todos os cidadãos, direito a partir do qual a
divisão social das classes ou luta de classes possa manifestar-se e ser
trabalhada porque no exercício do direito à cultura, os cidadãos, como
sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, entram em conflito, comu-
nicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam
outras e movem todo o processo cultural. (CHAUÍ, 2008, p.66)
Quando o programa foi criado - com a expectativa de alinhar o público do teatro à sua
programação, tornando-os assíduos a uma variada grade de espetáculos para diferentes gostos
– o novo associado deveria concordar com o regulamento5 que lhes informavam os objetivos
do programa, de modo que aqui escritos, também se tornam claros aos leitores deste artigo. Ini-
cialmente, deixo expostos os conceitos norteadores do programa, traçando assim, em seu início,
estratégias de ação para alcançar objetivos e metas:
• Desenvolvimento cultural da sociedade – todos os indivíduos devem ter a possibili-
dade de aperfeiçoamento do conhecimento em relação à cultura, ao acesso e contato
com linguagens artísticas distintas e a expressar sua cultura de forma artística, já que
todos são sujeitos e produtores culturais e não apenas os artistas;
• A democratização dos bens culturais – distribuição e popularização da arte, através da
ampliação do acesso às peças, exposições, filmes, livros, ou seja, todo e qualquer pro-
duto resultado de uma atividade cultural, assim como seus locais de fruição e consumo;
• A ocupação e utilização das potencialidades dos equipamentos culturais disponíveis
– iniciativas que tenham como princípio o envolvimento de comunidades do entorno
com as práticas culturais desenvolvidas nos equipamentos culturais disponíveis no
campus da Escola Sesc. Os materiais devem ser utilizados pela comunidade, pois
este é o foco das atividades e programas. É através da participação que se concretiza
o direito à cultura;
• Pertencimento comunitário que visa contribuir para a construção do direito à cidada-
nia – cidadania é a qualidade de quem usufrui dos seus direitos civis e políticos. O
acesso às produções culturais é um desses. O programa auxilia os indivíduos através
do sentimento de pertencimento – de fazer parte de uma coletividade e se identificar
com esta por possuírem os mesmos símbolos que expressam valores, medos e aspi-
rações – a desfrutar desse direito;
5
O regulamento foi retirado da dissertação de mestrado “Clube de Espectadores: a relação entre cultura e cidada-
nia”, de Viviane da Soledade Tôrres, assessora técnica da Gerência de Cultura da Escola Sesc de Ensino Médio.

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A Revista Clube de Espectadores é uma estratégia de ação que já foi implantada e segue
sendo o principal meio de divulgação do Espaço Cultural Escola Sesc. Publicada trimestral-
mente, a revista cumpre com o seu papel informativo, sendo entregue em casa pelos Correios,
benefício exclusivo para os sócios. O restante do público que não é associado pode ter acesso à
revista em pontos de distribuição e no Espaço Cultural Escola Sesc;
• A criação da revista Clube de Espectadores como veículo de aproximação entre pú-
blico, artistas e técnicos. A revista apresenta a programação detalhada do Espaço
Cultural Escola Sesc, pretendendo informar aos sócios, parceiros sociais e demais
frequentadores (e possíveis sócios) as ações desenvolvidas ao longo do ano. Bimes-
tralmente são publicadas entrevistas com artistas que fazem parte dos programas,
dicas culturais disponíveis para consulta no acervo, tais como livros, dvd’s e cd’s do
Canto Poético6 e Banco de Con/Textos7, além de informações sobre todos os progra-
mas realizados, as linhas de ação da Gerência de Cultura da Escola Sesc e caminhos
para que o espectador maximize sua fruição. É também um convite a todos os inte-
ressados para um convívio cultural regular num dos poucos equipamentos culturais
da Zona Oeste.
O regulamento ainda prevê benefícios aos sócios:
• Prioridade na inscrição de oficinas, cursos, palestras, debates e/ou qualquer atividade
cultural que haja limitação no número de vagas;
• Brindes produzidos para os programas realizados no teatro (camisa, chaveiro,
boné, livro, etc.);
• Recebimento através de e-mail e correspondência informações sobre a programação
do Espaço Cultural Escola Sesc, bem como a Revista Clube de Espectadores;
• Participação em assembleia anual para sugestão de programação do teatro;
• Atividades exclusivas para associados;
• Prioridade de agendamento nos ônibus de Público Dirigido e no acesso
ao Ônibus Cultural;
• Acesso livre na portaria da Escola Sesc de Ensino Médio mediante a apresentação da
carteirinha em dias de programas de fruição realizados no Espaço Cultural Escola Sesc;
• Empréstimo de livros, cd’s, dvd’s e outros materiais que compõem o acervo do Canto
Poético e do Banco de Con/Textos. Cada sócio tem o direito de retirar até três volu-
mes, podendo permanecer com estes por até quinze dias.
6
O Canto Poético é um espaço cultural no mezanino do teatro, voltado para a leitura de livros e audições de CD’s
de poesia.
7
O Banco de Con/Textos se configura como importante fonte de pesquisa e acuro técnico no campo das artes
cênicas. Com atividades voltadas para artistas, produtores, estudantes de artes cênicas e demais interessados nos
estudos teatrais, o Banco de Con/Textos é um espaço de convivência para pesquisa e estudos coletivos, além de ser
destinado também a encontros e oficinas de dramaturgia.

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É também de dever do sócio cumprir com alguns compromissos com o Espaço Cultural
Escola Sesc:
• Respeitar as regras da Escola Sesc de Ensino Médio, tais como: não fumar nas de-
pendências da escola (inclusive em lugares abertos) e não consumir ou portar bebi-
das alcóolicas no campus;
• Zelar pela conservação do espaço cultural, assim como do material oferecido para
sua fruição;
• Seguir as normas de utilização dos coletores de lixos recicláveis, colaborando com a
política de coleta seletiva proposta pela instituição;
• Não consumir qualquer tipo de alimento nem mesmo bebidas dentro do teatro, para
evitar que suje o mesmo;
• Desligar ou colocar o telefone celular em modo silencioso porque o barulho descon-
centra os artistas e a plateia;
• Filmar e/ou fotografar o espetáculo somente com autorização prévia da produção do
espaço cultural.
Alguns itens desse regulamento estão sendo implantados pouco a pouco, como é o caso
do livre acesso através da carteirinha de sócio, que necessita de um sistema de softwere capaz
de ler individualmente a carteirinha dos sócios na portaria da Escola Sesc. Outros itens estão
temporariamente suspensos, pois irão passar por melhorias, como o empréstimo de livros, cd’s
e dvd’s do Banco de Texto e Canto Poético, que vão passar por reformas para reestruturar todo
seu espaço físico e sua catalogação, de forma que fique mais fácil para que o associado encontre
as peças que necessita. Já sobre a assembleia, a primeira foi realizada no ano de 2014, e foi uti-
lizada com estratégia de ação para esta pesquisa, que irei explanar mais a frente.
É de extrema importância frisar que o Clube de Espectadores, além de uma formação
de público, age como política cultural no meio onde está inserido, tentando dinamizar uma área
que antes não tinha uma oferta de programação variada. A criação de direitos e deveres para o
sócio dentro do regulamento do Clube é feita na intenção de não apenas regulamentar as regras
para convivência no espaço, mas principalmente para que o sócio sinta-se pertencente ao local,
com trocas efetivas entre o espaço e a parte constituinte dele e todos os sócios que se dedicam a
participar ativamente. A participação do cidadão nesse programa fortalece uma rede de cultura,
capaz de dinamizar as atividades culturais não só no próprio espaço, mas também fora dele, nas
comunidades e no entorno de cada sócio, que transmite assim a importância de se fazer articula-
ção entre entidades e população em áreas que o governo sozinho não dá conta para oferecer ati-
vidades culturais. A formação de uma rede no entorno do Espaço Cultural Escola Sesc propor-
cionaria a dinamização das atividades, sem a necessidade de uma liderança governamental, ten-
do no cidadão o principal ator, e no nosso caso, o sócio como protagonista do desenvolvimento

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cultural local, em articulação com o nosso Espaço. O próprio conceito de “redes” elucida que
os cidadãos se unem em torno de um objetivo final, respeitando as diversidades e pluralidades,
mas se mobilizando em torno de ações compatíveis com este objetivo. Segundo Luana Vilutis:
Redes são formas de organização sem hierarquia, autônomas e conecta-
das. A participação é um de seus principais motores e a gestão comparti-
lhada de responsabilidades é o que organiza o fluxo de tomadas de deci-
sões. As redes configuram estruturas abertas e com expansão ilimitada;
elas superam as formas tradicionais de organização piramidal, vertical
e centralizada. As ligações em rede propõe outra forma de convívio,
orientada pela horizontalidade, pela descentralização e desconcentração
das relações. (VILUTIS, 2014, p.11)
Localizado ao lado da Cidade de Deus, e à frente da Gardênia Azul, no bairro de Jaca-
repaguá, o Espaço Cultural Escola Sesc, ao lançar o programa Clube de Espectadores, entende
que não conhece seu público no geral, nem os internos nem os externos. O desafio era saber
quem estava fruindo e consumindo aquela programação, o que essa relação trazia de troca para o
espaço e para o sócio e como o gosto desse público influencia na programação do teatro. No ano
de 2013 foram realizadas entrevistas com alguns sócios do Clube de Espectadores (publicadas
na dissertação que tomo como base meu artigo), no intuito de verificar se o sócio compreende
o conceito e objetivo do programa, trabalhando e focando na construção de uma coletividade,
entorno da cidadania cultural que o programa visa trabalhar.
Essas entrevistas serviram de material de base para uma pesquisa feita por Viviane da
Soledade Tôrres, assessora técnica da Gerência de Cultura da Escola Sesc, que desenvolveu sua
dissertação de mestrado sobre o Clube de Espectadores e a sua relação com a cultura e cidada-
nia, como exemplifica no trecho:
A necessidade de desenvolver o Clube de Espectadores partiu da com-
preensão de que a função de uma programação cultural é adequar-se ao
seu público e às suas expectativas, buscando proporcionar novas experi-
ências artísticas e culturais. O desenvolvimento do hábito de frequentar
um espaço cultural é o início do processo de formação de espectador.
(TÔRRES, 2014, p. 14)
Diferentemente da pesquisa de Viviane, o viés que será abordado nesta pesquisa é mais
individual, buscando conhecer o perfil de alguns dos sócios mais assíduos na programação do
Espaço, identificando o envolvimento deles na cultura e desenvolvimento cultural, tanto em
ações promovidas pelo Espaço Cultural Escola Sesc, quanto no papel desses sócios nos locais
que atuam, em seu território, promovendo a articulação com diferentes tipos de pessoas e atores
sociais e culturais para a melhoria da cena cultural na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

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3. DESENVOLVIMENTO
3.1 Assembleia para Sócios
Como previsto em regulamento, uma vez por ano deve ser realizada uma assembleia
para que os sócios possam expor o que eles estão achando da programação, dar sugestões acerca
dela, críticas e opiniões sobre o espaço físico e o que pode melhorar, dentre outras ações. No dia
15 de setembro de 2014, às 15 horas, aconteceu a assembleia para sócios. O intuito é começar
a implantar um sistema anual, participativo, no qual a maioria tenha direito a fala. Para isso,
convidamos 25 sócios que mais frequentam o Espaço Cultural Escola Sesc a participar desta
primeira assembleia, e mais 05 sócias, professoras do ensino público, que participam conosco
do programa Público Dirigido8 que trabalha a formação de público e fruição de espetáculos em
parceria com escolas públicas do estado e município do Rio de Janeiro.
Nesta primeira assembleia, foram discutidos alguns pontos como segurança, programa-
ção, cursos oferecidos, dentre outros assuntos. Notou-se então a diferença entre a realidade
dos nossos sócios, e a articulação de alguns deles na área de cultura. O contexto social se fazia
presente em todo momento, gerando discussões sobre o oferecimento de atividades gratuitas,
sobre a relação entre poder aquisitivo e possibilidade de fruição e diferenciação de públicos. Foi
posto em questão por uma sócia a necessidade, segundo ela, de uma oferta de cursos gratuitos
para as pessoas que tem baixa renda. A questão discutida gerou um debate sobre oportunidades,
afinal, o espaço e os cursos são para todos? Se forem para todos, é necessário criar uma ferra-
menta para garantir que todos aqueles que não possam pagar um curso ou espetáculo tenha a
vaga garantida?
A pesquisa inicialmente era delimitar a presença dos sócios em termos quantitativos, po-
rém, diante o material recolhido na assembleia, identificamos um potencial a ser estudado: os
perfis do nosso público, dos principais sócios, que representam os associados participando ati-
vamente de tudo que o Espaço Cultural Escola Sesc oferece, e isto identificado, resolvemos pes-
quisar de que maneira esta relação pode ser proveitosa tanto para o espaço quanto para os sócios.
Na assembleia foi aplicado um questionário proposto por nós, que buscava identificar
quais os pontos positivos no Espaço Cultural Escola Sesc, o que faltava lá, quantas vezes eles
frequentavam, dentre outras perguntas. A maioria deles participa do Projeto Uzina9, e frequen-
tam quase que semanalmente o Espaço Cultural, sendo assim, um público potencial para espe-
táculos, shows, oficinas, etc.

8
O programa Público Dirigido trata-se de formação de público desenvolvido em parceria com escolas públicas
municipais e estaduais do Rio de Janeiro. A Gerência de Cultura, além das atividades para fruição, disponibiliza o
transporte desses alunos para que eles tenham fácil acesso ao nosso Espaço e programação.
9
O projeto Uzina oferece laboratórios de artes e produção cultural gratuito para a comunidade interna e externa.
Os laboratórios acontecem, em sua maioria, nas instalações do Espaço Cultural Escola Sesc, e garantem certifica-
ção ao final do semestre letivo, se cumprido 75% de presença.

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A assembleia se constitui, então, como uma estratégia de ação para a pesquisa, por ter um
caráter participativo dos sócios, e por ter um diálogo aberto a melhorias no espaço, no programa
do Clube de Espectadores, nos benefícios reconhecidos e nos questionados (como o Banco de
Con/Textos que se encontra inativo) e nos que ainda podem integrar o programa.

3.2. Entrevistas com os sócios


Após a assembleia, foi percebida a necessidade de aprofundar a relação com alguns só-
cios que nela compareceram, e mostraram diferentes questionamentos e posicionamentos acerca
do programa do Clube de Espectadores, como experiências, maneiras de fruir a programação,
repertório cultural diferenciado, mobilização de certos locais em torno da cultura, e diferentes
realidades cultural/socioeconômica. Para aprofundar este universo, foram feitas 04 entrevistas
com quatro diferentes sócios, para po\der traçar o perfil dessas pessoas e identificar como elas
podem contribuir, interagir e caracterizar melhorias no programa. Foram elas Vinícius Longo,
Ana Clara Katopodis, Jhoalerson Dias e Mônica Maria Rocha. Abaixo seguem relatos dessas
entrevistas, onde destacarei o que os sócios ditam como ponto principal do diálogo com a comu-
nidade e as minhas considerações sobre elas. As entrevistas tiveram duas perguntas centrais, que
foram “Como é sua relação com o Clube de Espectadores?” e “Como você entende a relação e
o diálogo do Clube de Espectadores e a comunidade?”.

3.3. Entrevistas
A primeira entrevista foi feita com Vinícius Longo, 31, artista e produtor, morador da
zona oeste e sócio do Clube de Espectadores desde 2012. Segundo seu relato, a sua relação
com o Clube de Espectadores é intensa, já que ele usufrui muito de todo equipamento cultural
do Espaço Cultural Escola Sesc, e que é efetiva a comunicação dessa política cultural com ele,
porém não para outras pessoas, pelos mais variados motivos, e um deles é segurança. Para ele a
passarela que se localiza em frente a Escola Sesc de Ensino Médio e que a liga o bairro Gardê-
nia Azul e o ponto de ônibus tem um alto nível de periculosidade. Como ele relata neste trecho,
livremente transcrito:
Porque que eu não vinha mais vezes, eu me perguntava. E hoje eu tenho
a conclusão que é de uma possível segurança. O Espaço é muito bom,
excelente, mas o Rio de Janeiro, assim como grandes capitais, não são
lugares seguros. E a maior fragilidade de vocês nesse sentido é a passa-
rela. (trecho de entrevista realizada em novembro de 2014)
A segurança, embora atrapalhe o acesso das pessoas, não às impede de ter conhecimen-
to das atividades que acontecem no Espaço Cultural Escola Sesc, segundo ele. A comunicação
é classificada como boa por Vinícius, principalmente pelo fato de ter a possibilidade que re-
ceber a Revista Clube de Espectadores em casa, isso seria uma forma de atingir o público de

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uma maneira mais sensível, de modo que a Gerência de Cultura transparece sua dedicação para
com os sócios.
Quando perguntado sobre a relação do Clube de Espectadores em diálogo com a comu-
nidade, Vinícius reflete:
Isso é uma coisa muito complicada porque, na verdade, requer um pro-
grama político. Quando você quer envolver pessoas que não querem ser
envolvidas, você tem que primeiro partir do pressuposto de criar interes-
se, e pra você criar interesse você tem que falar a mesma língua. (trecho
de entrevista realizada em novembro de 2014)
O diálogo se faz completamente necessário para a inserção das pessoas no fazer cultural
da região em que elas se encontram, logo a linguagem aproximada de cada pessoa tem que se
fazer presente, para a construção de uma política cultural efetiva, no dia-a-dia, relacionando o
cotidiano das pessoas com a possibilidade de acesso à cultura. Para ele, é necessário que uma
política cultural crie atores sociais dentro do espaço em que ele está inserido. Desta forma, o
diálogo é possível. Vinícius também aponta que as redes – que conceituei ao na introdução deste
artigo como forma de troca entre espaço/sócio – são possíveis para manter esse diálogo, já que
a sociedade civil se vê envolvida de uma forma autônoma.
Eu descobri que a rede é a verdadeira política de fortalecimento da so-
ciedade civil, porque é a sociedade civil por ela mesma, fazendo o que
precisa ser feito para fruto dela própria. Tudo que vira diretriz maior e
precisa ser aprovado em leis, isso leva tempo, e nesse tempo que passa,
os interesses já vazaram. O Espaço Cultural Escola Sesc tem essa poten-
cialidade, vocês tem tudo, tem orçamento próprio, é uma entidade que
está muito à frente de outras da zona oeste. (trecho de entrevista realiza-
da em novembro de 2014)
Ana Clara Katopodis, 20, estudante de medicina, sócia do Clube de Espectadores desde
2012. Faz a leitura da sua relação com o Clube e o espaço muito boa, pois o programa, para ela,
é capaz de atingir muitas pessoas de Jacarepaguá, bairro em que reside e se localiza no entorno
da Escola Sesc de Ensino Médio. Ela enxerga que o bairro tem um déficit de atividades culturais,
e que o Espaço Cultural Escola Sesc, através do Clube de Espectadores, tem a intenção de sanar
essa carência:
Em Jacarepaguá você vê um déficit de espaços que tenham esse mesmo
propósito que o Espaço Cultural Escola Sesc, ele consegue promover
ainda mais a cultura, então eu acho que cada vez mais está havendo uma
divulgação maior, de boca-a-boca mesmo, para o crescimento do Espa-
ço e dessa interação com a comunidade. (trecho de entrevista realizada
em novembro de 2014)
Ana ainda fala sobre os benefícios que ela reconhece que acha interessante e que são es-
senciais à fidelização, como o recebimento da Revista Clube de Espectadores antecipadamente,
em sua residência:

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O sócio do Clube de Espectadores tem acesso às informações antes, o


que eu acho legal também, porque a gente pode se inscrever antes de
todo mundo, temos uma prioridade para se inscrever nos cursos, e eu
acho isso muito importante. (trecho de entrevista realizada em novem-
bro de 2014)
Jhoalerson Dias, 16, estudante da Escola Sesc de Ensino Médio, sócio desde 2012. O
ponto referencial de Jhoalerson é um pouco diferente, pois ele mora ao lado do Espaço Cultural
Escola Sesc, está inserido nesta comunidade interna, e nos apresenta aqui o seu ponto de vista
de acordo com a vivência que tem dentro da Escola Sesc de Ensino Médio.
Jhoalerson conta que nunca utilizou a carteirinha em si para nenhuma atividade em nos-
so Espaço, mas que utiliza a Revista do Clube de Espectadores e faz um julgamento importante,
dizendo que é o principal meio de comunicação com os alunos da Escola Sesc de Ensino Médio
sobre a programação que a Gerência de Cultura disponibiliza. Embora ele tenha apreço para com
a revista, acha que os benefícios do Clube de Espectadores para quem é aluno não são eficientes:
(O aluno da Escola Sesc) não tem muito conhecimento do Clube de Es-
pectadores não é nem por falta de interesse, é mais pela correria. Em re-
lação aos benefícios, como prioridade por ser sócio, acho que os alunos
não veem a necessidade de associar-se porque como moramos aqui fica
mais fácil de ter acesso a tudo, é só chegar um pouco mais cedo e pegar
o bilhete pra o espetáculo, por exemplo. (trecho de entrevista realizada
em novembro de 2014)
Em sua opinião, os benefícios poderiam ser repensados para a comunidade interna, já
que o modo de operação do Teatro com a vida residencial dos estudantes e professores que
moram lá é um pouco diferente, acerca de coisas como horários, atividades exclusivas e prota-
gonismo. O diálogo com o Grêmio Estudantil da Escola é uma ferramenta, segundo ele, para
mobilizar o programa dentro da comunidade interna.
Mônica Maria Rocha, bonequeira, sócia desde 2010. Para ela, o programa do Clube de
Espectadores foi uma conquista para a comunidade de Jacarepaguá, bairro que nasceu e ainda
hoje mora. Mônica me conta sobre a importância de participar de debates acerca da cultura e
também de atividades que são promovidas pelo Espaço Cultural Escola Sesc, pois pra ela aquele
é um espaço de inclusão, de produção de pensamento e diretrizes para pensar o fazer cultural da
zona oeste:
O Espaço Cultural Escola Sesc é um grande parceiro, eu vim crescendo
com ele, desenvolvendo questões, pois eu digo que sou uma ativista
enquanto espectadora, isso é um bem cultural nosso, e eu vejo que te-
mos um tempo valorizado, toda uma curadoria que é importante para o
espectador, principalmente o debate com os sócios do Clube de Espec-
tadores. Isso é uma grande conquista. (trecho de entrevista realizada em
novembro de 2014)

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Segundo Mônica, o diálogo com a comunidade existe, mas pode melhorar, pois isso é
um amadurecimento de todos, da comunidade e do programa enquanto política. A comunidade
precisa reconhecer o espaço como um direito de fruição e o programa pode também aumentar
seus esforços para isso.
São várias faces que você tem dentro de Jacarepaguá, de espectadores,
desde o mais simples até o mais requintado, ou seja, esse diálogo vai se
tecendo com o tempo. É uma questão de conquista. Entender as questões
de cada grupo específico é essencial. (trecho de entrevista realizada em
novembro de 2014)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante o diálogo promovido com estes 04 sócios, observa-se a necessidade de implan-
tação de melhorias no programa Clube de Espectadores para se chegar a uma efetiva formação
de redes culturais e conhecimento do público ainda tão diversificado. A implantação de medidas
práticas, tomadas como estratégias de ação pela equipe da Gerência de Cultura, pode sanar estas
necessidades. Por este motivo, elaborei, com a ajuda dos relatos, uma série de metas que pode-
rão ajudar a desenvolver o Clube de Espectadores junto à comunidade e seus sócios:
• Verificar a presença de cada sócio do Clube de Espectadores: como já foi informado,
cada sócio recebe uma carteirinha de identificação, com um número de cadastro.
Através da implantação de um softwere capaz de ler as informações desse número de
cadastro, será possível saber qual a frequência de cada sócio no nosso espaço, dire-
cionando assim as ações ao perfil do sócio mais frequente, com o intuito de torná-lo
um agente cultural em seu círculo de influência.
• Promover o diálogo com o Grêmio Estudantil: conforme sugerido na entrevista com
Jhoalerson, é necessária a implantação de um diálogo com o grêmio, afim de mobili-
zar os alunos da Escola Sesc de Ensino Médio em torno da formação cultural ofere-
cida pela Gerência de Cultura, e pautar, de acordo com suas necessidades, benefícios
diferenciados para alunos da Escola, devido a situação especial dos alunos.
• Promoção de uma rede articulada: o conceito de cidadania cultural nos permite ex-
plorar uma maior inserção no entorno, a fim de demonstrar o espaço de fruição que
está a disposição de todo cidadão, como é de direito. Isso nos possibilita criar uma
forma de diálogo independente e horizontal, capaz de produzir atores dentro e fora
da instituição, com a capacidade de disseminar o fazer cultural. A abertura do espaço
possibilita essa criação, e a aproximação do Clube com o sócio é a forma mais pró-
xima que temos para o diálogo pertinente e legitimado.
• Criação de uma webtv: a criação de uma webtv exclusiva para o Clube de Especta-
dores, cumprindo o papel tal qual a revista, de divulgação e promoção, pode ser uma

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estratégia eficiente no fortalecimento da imagem do sócio, mas principalmente pode


ajudar a conquistar novos associados através de uma diferente plataforma, diferente
linguagem, como é o audiovisual na internet. A identificação do sócio na programa-
ção, a criação de programas em parcerias com eles, a diversificação e a autenticidade
são exemplos de uma nova linguagem que não é cara e funciona por conta da disse-
minação rápida.
Deste modo, alcançando estes objetivos acima listados, é possível dar o primeiro passo
para a democratização efetiva do Espaço Cultural Escola Sesc, através do Clube de Espectado-
res como política cultural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. In: Crítica y emancipación: Revista Latinoamericana de


Ciencias Sociales. Año 1, n. 1 (jun. 2008). Buenos Aires: CLACSO, 2008.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes
Louro. Rio de Janeiro: DPeA, 2011.
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2012.
TÔRRES, Viviane da Soledade. Clube de Espectadores: A relação entre cultura e cidadania. Rio de
Janeiro: CPDOC/FGV, 2014.
TÔRRES, Viviane da Soledade. “Clube de Espectadores: um programa de cidadania cultural para além
dos muros da Escola Sesc de Ensino Médio”. In: Revista Intercâmbio/Sesc, Departamento Nacional. Vol.
1, n. 3 (out. 2013). Rio de Janeiro: Sesc, Departamento Nacional, 2011.
VILUTIS, Luana. Redes e Consórcios. In: Coleção Política e Gestão Culturais. Salvador: Secretaria de
Cultura do Estado da Bahia. 2014.
WILLIAMS, Raymond. Cultura. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992.

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O ENSINO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A INTERFACE


COM AS POLÍTICAS PÚBICAS NO BRASIL: UM DEBATE EM CONSTRUÇÃO.
Marian Helen da Silva Gomes Rodrigues1
Pedro Diniz Coelho de Souza2

RESUMO: Pretende-se neste trabalho esboçar a discussão sobre as interfaces de implementação


do ensino do patrimônio cultural nas políticas públicas no Brasil, lastreadas pela criação de leis
educacionais, portarias, decretos e projetos neste âmbito. Essa discussão encontrará respaldo
em algumas iniciativas já implantadas no país com tempo de maturação dos seus resultados,
como a implantação da Educação Patrimonial no Mais Educação do Ministério da Educação e a
inserção da disciplina de Patrimônio: Parque Nacional Serra da Capivara na parte diversificada
do currículo escolar do município de Coronel José Dias, na região da Serra da Capivara, PI.

PALAVRAS-CHAVE: Educação, patrimônio cultural, políticas públicas, Brasil.

1. INTRODUÇÃO
O valor cultural está nas coisas, mas é produzido no jogo concreto das
relações sociais. (ULPIANO BEZERRA DE MENESES, 2006).

A proteção e conservação do patrimônio cultural (arqueológico e histórico cultural) é


um tema de constante preocupação por parte da comunidade científica, além disto, a legislação
brasileira determina os cuidados que devem ser tomados para assegurar a sua conservação e
proteção. Inevitavelmente, essa preocupação ganhou atenção especial dos órgãos públicos que
vem intensificando o debate quanto a inserção do patrimônio cultural nas políticas públicas,
no sentido de contribuir para o empoderamento cultural, a conservação, a fruição social e o
engajamento cívico como medida de sustentabilidade cultural no presente e para o futuro da
comunidade nacional.

1
Licenciada em Letras Português, especialista em Preservação do Patrimônio Cultural (PEP/IPHAN), mestre em
arqueologia Pré- Histórica e Arte Rupestre (UTAD/PT), doutoranda em Quaternário, Materiais e Culturas (UTAD/
PT). Diretora executiva do Instituto Olho D´ Água, Coordenadora do Núcleo de Educação Patrimonial e Acervos
do Grupo Documento Cultural (SP),. E-mail: iodainstituto@gmail.com; marianhelen@gmail.com
2
Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mestre em Políticas
Públicas Internacionais pela Univesity College of London – UCL. Membro da Think Tank do Grupo Documento
Cultural (SP), colaborador do Instituto Olho D´ Água. E-mail: pedro.diniz@ecocult.eco.br

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Nesta arena, a Educação Patrimonial pode ser considerada como uma medida de política
pública de preservação patrimonial, visto que segundo Oliveira (2011) uma das principais políticas
públicas brasileira na área da cultura é a de preservação do patrimônio cultural, na qual estão en-
globadas as ações de identificação, proteção, preservação, promoção e disseminação (educação).
Dentro desta perspectiva, fundamentada na importância das ações desenvolvidas com
a comunidade, a inserção de ferramentas de cunho educativo para o fortalecimento da conser-
vação patrimonial tem papel indispensável, já que a sua prática tem como foco transcender o
esforço escolar regular e alcançar a sociedade em geral, no intuito de contribuir para o estreita-
mento de vínculos dos atores sociais com o seu patrimônio. (ROBRHAN- GONZÁLEZ, 2004;
RODRIGUES, 2015a).
Deve-se destacar que este movimento tem ocorrido decorrente da democracia, das le-
gislações nacionais e internacionais, da participação cada vez mais ativa das comunidades na
política, na academia e nos movimentos sociais. Observa-se, inclusive, o número crescente de
publicações, congressos, seminários, encontros, programas que abordam a questão, indicando
esse avanço no Brasil.
Embora essas discussões venham sendo amplamente abordadas nas últimas duas déca-
das, optamos por esboçar nesse artigo as interfaces de implementação do ensino do patrimônio
cultural nas políticas públicas no Brasil, lastreadas pela criação de leis educacionais, portarias,
decretos e projetos neste âmbito, demostrando, como afirma Oosterbeek que “o Brasil possui a
melhor legislação no planeta, pois faz dela uma exigência e não apenas um adereço” (2010:12).
Essa discussão encontrará respaldo em algumas iniciativas já implantadas no país com
tempo de maturação dos seus resultados, a saber: a implantação da Educação Patrimonial no
Mais Educação do Ministério da Educação e a inserção da disciplina de Patrimônio: Parque
Nacional Serra da Capivara na parte diversificada do currículo escolar do município de Coronel
José Dias, na região da Serra da Capivara, Piauí.

2. A POLÍTICA NACIONAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÕNIO CULTURAL:


PREFÁCIO
Para embasar essa discussão cabe, inicialmente, traçar uma linha do tempo destacando
os principais momentos em que, no Brasil, o campo da preservação patrimonial foi instituído
como política nacional.
Nesse cenário o apogeu da política de proteção do patrimônio cultural ocorreu na década
de 1930. A primeira atuação neste âmbito se deu através do decreto nº 22.928 de 12 de julho de
1933, quando a arquitetura da cidade de Ouro Preto foi reconhecida como monumento nacio-
nal. Em 1934 cria-se o primeiro órgão federal voltado para proteção do patrimônio brasileiro: a
Inspetoria dos Monumentos Histórico Nacionais, vinculado ao Museu Histórico Nacional, com

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uma atuação restrita devida à ausência, na Constituição de 1891 e no código civil vigente, de
cláusulas que regulamentassem o direito de propriedade e punições aos que cometessem qual-
quer dano à integridade do patrimônio. (CHUVA, 2011; BAREL FILHO, 2013).
Em 1930, Mário de Andrade, diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São
Paulo, entrega um anteprojeto de lei visando a proteção do patrimônio cultural brasileiro que da-
ria origem à política de proteção do patrimônio cultural através do Serviço do Patrimônio Histó-
rico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Desde então o ensino e a disseminação do patrimônio à sociedade foi considerado um instru-
mento político de preservação. (ORIÁ, 2008).
Digno de nota foi a influência do humanista Paulo Duarte, vanguardista nos debates so-
bre a preservação e difusão do patrimônio arqueológico brasileiro, responsável pela implantação
da mais importante lei de defesa do patrimônio arqueológico - a lei 3.924, em 1961 (SANA-
BRAIA, 2013) que trata dos “monumentos arqueológicos e pré-históricos” e estabelece sua pro-
teção pelo Estado. Sua trajetória em prol da preservação do patrimônio arqueológico brasileiro
trouxe grandes influências na construção de projetos de difusão do conhecimento arqueológico
para a sociedade brasileira.
Posteriormente muitos debates avançaram dentro do IPHAN, todavia, o passo mais im-
portante foi dado com a criação da portaria 230/2002 do IPHAN que legaliza a obrigatoriedade
da Educação Patrimonial – Educação na ótica do Patrimônio Cultural -, tornando-a um elemen-
to fundamental durante etapas de pesquisas arqueológicas preventivas, em áreas onde haverá
empreendimentos de grande porte, pelas diversas fases do licenciamento ambiental, mas a sua
regulamentação é válida também para outras iniciativas, no âmbito da pesquisa e nos investi-
mentos acadêmicos (BASTOS et al., 2007).
A partir daí, como indicado anteriormente, a portaria Interministerial 419/ 2011 surge
para enfatizar essa obrigatoriedade em todas as etapas do licenciamento ambiental, envolvendo
ações de divulgação, inclusão e socialização do patrimônio arqueológico.
Já em 2015 foi lançada a Instrução Normativa IPHAN 01/15 (IN/IPHAN), criada para
reorganizar a realização dos estudos arqueológicos no processo de licenciamento ambiental de
acordo com a magnitude do impacto sobre o patrimônio.
A IN/15 recomenda também, para o planejamento e desenvolvimento das atividades de
educação patrimonial, a consulta da publicação “Educação Patrimonial, Histórico, Conceitos e
Processos”. A inovação mais importante desta instrução normativa no que diz respeito à educação
patrimonial, no entanto, foi a obrigatoriedade da existência de um profissional da área de educa-
ção, formado em pedagogia, ou com licenciatura. Esta exigência visa garantir que a condução das
atividades de educação patrimonial, assim como seu conteúdo, seja condizente com a realidade
do público alvo, possibilitando maior absorção de conteúdo e satisfação por parte do público alvo.

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Com relação à educação patrimonial no sistema de ensino brasileiro, há de se destacar a


Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – 9.394/96, que dá autonomia para que
os sistemas de ensino inserissem nos seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) 3 as peculiari-
dades culturais locais, uma vez que se apresenta como uma possibilidade para inserir de forma
mais sistemática, reflexiva e contínua, a temática do patrimônio arqueológico e histórico cultu-
ral na Educação Patrimonial.
Nesse escopo, entende-se que a elaboração de um PPP deve desencadear no corpo es-
colar uma prática constante de reflexões e debate sobre as questões que permeiam o patrimônio
cultural, visto que tais questões deverão ser enfocadas no sentido de criar sujeitos capazes de
apropriar-se dos estudos ali discutidos numa constante construção de respeito com o patrimônio
cultural identificado e valorado (diz-se valor intangível).
É importante lembrar que nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) a temática da
Educação Patrimonial está prevista no ensino de História. Fica claro, contudo, que a LDB e os
PCNs legitimam a inserção da temática do patrimônio cultural em seus currículos, permitindo
aos educandos reconhecerem o patrimônio cultural do seu lugar, gerando um sentimento de re-
valorização e empoderamento, garantindo a sua preservação e perpetuação.
Avançando nas políticas públicas educacionais, em 2003, a LDB foi alterada pelas Leis
10.639/03 e 11.645/08, sendo que a primeira torna obrigatório o ensino da história e cultura
africana e afro-brasileira, e a segunda inclui o ensino da história e cultura indígena em todos os
níveis da educação básica (fundamental e médio) nas instituições de ensino público e privado.
A lei 11.645/08 vem trazer para a escola uma série de questões que antes eram silenciadas, ou
simplesmente ignoradas pela comunidade escolar, tornando-se de fundamental importância para
que haja um reconhecimento da pluralidade da sociedade brasileira, que foi e é formada por di-
ferentes histórias e culturas. (CRUZ e JESUS, 2013, RODRIGUES et al., 2013).
Como vimos, para a efetivação das referidas leis o Ministério da Educação (MEC) ho-
mologou o parecer nº 01/2004 criando as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Na perspectiva
do MEC as leis e diretrizes propõem a divulgação e produção de conhecimentos, a formação
de atitudes, posturas e valores que eduquem os cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étni-
co-racial - descendestes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos

3
O projeto político-pedagógico é um instrumento teórico-metodológico que a escola elabora no coletivo com a
participação da comunidade escolar, em busca de um rumo, que fornece aporte para a escola inserir as peculiarida-
des culturais, históricas e artísticas locais. Veiga (1995) define projeto-pedagógico da escola como instrumento po-
lítico, por estar intrinsecamente ligado ao compromisso sócio-político, e com os interesses reais e coletivos de um
determinado grupo social. É, portanto, político por representar um compromisso com a formação do cidadão para
uma determinada sociedade e “pedagógico”, no sentido de definir ações educativas e características necessárias às
escolas de cumprir seus propósitos e suas intencionalidades. Nesses termos, o projeto político-pedagógico vai além
de um simples argumento de planos de ensino e de atividades diversas.

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- para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham
seus direitos e sua identidade valorizada. (BRASIL, 2013).

3. O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO DO MEC: A INCLUSÃO DA EDUCAÇÃO


PATRIMONIAL (CONTEXTO NACIONAL)
O Programa Mais Educação foi criado pelo Ministério da Educação (MEC) através da
portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, integra as ações do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como uma estratégia do Governo Federal para
induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação
Integral (7 horas diárias) nas redes estaduais e municipais de ensino por meio de atividades opta-
tivas nos macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental e desenvolvimento
sustentável; esporte e lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital e tec-
nológica; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências
da natureza, economia solidária/educação econômica. (MEC, 2014).
A inclusão da Educação Patrimonial no Programa Mais Educação, está integrada no
macrocampo Cultura e Artes do referido Programa, envolvendo temas associados às políticas
federais desenvolvidas pelos ministérios parceiros, como o Ministério da Cultura, o Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Minis-
tério do Esporte, o Ministério do Meio Ambiente e a Controladoria Geral da União, entre outros.
O principal objetivo desse macrocampo é, segundo o MEC, incentivar a produção ar-
tística e cultural, individual e coletiva dos estudantes como possibilidade de reconhecimento e
recriação estética de si e do mundo, bem como da valorização às questões do patrimônio mate-
rial e imaterial, produzido historicamente pela humanidade, no sentido de garantir processos de
pertencimento do local e da sua história. (MEC, 2014:25).
Ainda dentro desse escopo há outro macrocampo “Memória e História das Comunidades
Tradicionais” cujo objetivo é a:
Valorização da cultura local e diversidade cultural, história oral, identi-
dade e territorialidade das matrizes africanas no Brasil, história e cultura
afro-brasileira e africana, consciência política e histórica da diversidade,
fortalecimento de identidade e direitos, ações educativas de combate ao
racismo e às discriminações, [...]. Apoio às práticas que promovam a
afirmação da história da comunidade por meio da história oral, além de
ações afirmativas que promovam a identidade da comunidade pela coo-
peração, socialização e superação dos preconceitos pessoais e coletivos.
(MEC, 2014:28)
Fica claro, contudo, que os macrocampos de estudo em educação patrimonial e das co-
munidades tradicionais no Mais Educação propõem uma forma dinâmica e criativa às escolas

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se relacionarem com sua herança, sua identidade e o patrimônio cultural de sua região e, a partir
dessa ação ampliar o entendimento dos vários aspectos que constituem o Patrimônio Cultural
brasileiro – nacional, regional e local.

4. O PATRIMÔNIO CULTURAL NO CURRÍCULO ESCOLAR: CASO DE CORONEL


JOSÉ DIAS – SERRA DA CAPIVARA - PI (CONTEXTO LOCAL)
As condições de melhoria de vida estão no próprio lugar onde se vive.
Basta acreditar em uma vida possível no semiárido a partir de um novo
olhar para a realidade e um novo jeito de se viver. A educação para
convivência com o semiárido é necessária. (Carvalho e Oliveira, 2010).
Em 2000 a Cáritas Brasileira selecionou o município de Coronel José Dias, no sudeste
do Piauí, situado do entorno do Parque Nacional Serra da Capivara (Patrimônio Cultural da
Humanidade) com uma população de 4.541 habitantes, para implantação de um projeto piloto,
com objetivo de “desenvolver um conjunto de ações articuladas que possibilitasse melhoria nas
condições de vida das famílias” no município, e propor políticas públicas apropriadas para a
convivência com o semiárido (CARVALHO E OLIVEIRA, 2010).
Para que efetivamente as ações fossem executadas, a Cáritas contou com o apoio dis-
pendido do poder público municipal de Coronel José Dias, cujas principais diretrizes de ações
foram centradas na educação de convivência com o semiárido; democratização das políticas
públicas; fortalecimento a participação da sociedade civil na elaboração, implantação e controle
social das políticas públicas; capacitação de agentes locais para o desenvolvimento sustentável
da região, garantindo a visibilidade e difusão das ações e resultados.
O trabalho educacional configurou-se como a etapa mais importante. As escolas (zona ur-
bana e zona rural) foram escolhidas como palco principal para atingir toda a população. O projeto
foi batizado como “Projeto Fecundação”, cujos eixos de atuação foram delimitados como: Gestão;
Recursos Hídricos, Produção Apropriada e Educação Contextualizada. No cenário da Educação
Contextualizada4, as ações foram sistematizadas através dos três princípios básicos da convivên-
cia: conhecer; refletir e conviver. (CARVALHO E OLIVEIRA, 2010; RODRIGUES, 2011)
Nesse sentido, a prática pedagógica do projeto educação contextualizada foi pautada na
necessidade de se conhecer a realidade, sobre ela refletir e para nela intervir, numa perspectiva
de desconstruir saberes internalizados em torno do semiárido, modificando dessa forma “hábi-
tos, atitudes, valores, comportamentos e conceitos” (SOUSA e REIS, 2003 apud CARVALHO
e OLIVEIRA, 2010:47).

4
Nesta análise não iremos nos estender a todas as ações do Projeto Fecundação, iremos nos atentar, especifica-
mente, para a educação contextualizada, mas para maiores informações recomenda-se a leitura do livro CARVA-
LHO, R. E OLIVEIRA, J.E. S (2010) O sonho construído em mutirão: uma experiência de convivência com o
semiárido. Projeto Fecundação. Cáritas Brasileira Regional do Piauí. Teresina-PI

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Durante 4 anos foram desenvolvidas uma série de atividades, que culminaram na criação
do Plano Municipal de Educação Contextualizada (PMEC). Plano este, elaborado por professo-
res, alunos e sociedade em geral, que foi votado e aprovado pela lei municipal nº 078/2003. O
PMEC de Coronel José Dias é o primeiro no Piauí que institucionaliza a educação contextuali-
zada no semiárido.
Dentro da ótica da Educação Contextualizada, em 2002, a secretaria municipal de edu-
cação junto com o corpo pedagógico e docente inseriu formalmente na parte diversificada do
currículo municipal a disciplina Patrimônio: “Parque Nacional Serra da Capivara só ama
quem conhece (PNSC)”. Mais uma vez o município dá um salto no pioneirismo, pois dos qua-
tro municípios do entorno do Parque, este é o primeiro e único até a presente data a inserir nos
seus currículos a disciplina PNSC.
Importante, destacar, que essa iniciativa contou com a colaboração e participação de
toda a comunidade - alunos, pais, professores e gestores municipais, sociedade civil, por meio
de fóruns de discussões, oficinas, reuniões, chegando ao consenso de inserir essa temática no
Plano Municipal de Educação, e por meio de Grupos de Trabalho criaram a grade curricular – as
aulas acontecem semanalmente, uma vez em cada série do Ensino Fundamental Maior (6º a 9º
ano) abordando assuntos da pré-história regional e local, patrimônio material e imaterial com
destaque para os modos de vida locais. Tal iniciativa é uma das principais responsáveis pelo
engajamento local no que concerne a preservação, empoderamento e fruição social do Parque
Nacional Serra da Capivara (RODRIGUES, 2011).
A proposta está amparada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 9394/96, quan-
do esta diz que a escola tem a incumbência de inserir na parte diversificada dos currículos dos
ensinos fundamental e médio as características regionais e locais da sociedade e da cultura,
abrindo espaço para a construção de uma proposta de ensino direcionada para o contexto em
que cada escola esteja inserida.
Nesses mais de 10 anos de implantação vários são os resultados obtidos, com destaque
para as feiras culturais e o evento anual de cultura (em setembro) um evento em praça pública
em comemoração à Independência do Brasil que reúne a comunidade. Alunos e professores des-
filam na avenida e trazem, em suas alegorias, elementos da cultura local e do Parque Nacional
Serra da Capivara, mostrando as suas peculiaridades históricas, culturais e artísticas (RODRI-
GUES, 2011; 2015b).
Todos os eventos escolares (feiras culturais, desfiles, quadrilhas, semanas do meio am-
biente) estão relacionados com o Parque Nacional Serra da Capivara, com a arte rupestre, com a
fauna, flora da caatinga e os modos de vida no semiárido. Isso demostra que o empoderamento
cultural, a apropriação e fruição do patrimônio local pelos jovens já está consolidado, ou seja, é
uma realidade local.

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De fato, a escola é esse local privilegiado na formação cidadã e tem papel preponderante
na compreensão dos alunos sobre a realidade no qual estão inseridos. A intencionalidade de criar
uma disciplina com esses conteúdos reforça o entendimento sobre o lugar, os modos de vida, as
tradições que são passadas de geração em geração, as potencialidades histórias e artísticas, em
síntese, a história que não está escrita nos livros didáticos e que, muitas vezes, fica encortinada
pela rotina cotidiana.
A iniciativa tem oportunizado a problematização de questões relevantes e tidas na co-
munidade como “tabus”, como a prática da caça de animais silvestres, o processo de desapro-
priação das comunidades de dentro da área do Parque (no período de sua criação – 1979), os
desentendimentos com os gestores do Parque, entre outros.
A mediação de um debate, orientado pelos professores, ajuda a superar tensões, mágoas
e construir entendimentos em prol da preservação do patrimônio mundial em sinergia com o
patrimônio local, pensando no bem-estar da comunidade.
Na compreensão de Morin “é preciso situar as informações e os dados no seu contexto
para adquirirem sentido. Para ter sentido a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto,
e o texto necessita do contexto no qual se anuncia.” (MORIN, 2000:36). O valor de um patri-
mônio está no sentimento de pertencimento que ele desperta nas pessoas, o que reforça a sua
identidade coletiva e a formação da cidadania (FONSECA, 2005).
Outros pontos que merecem ênfase, cujos programas educativos implantados tem influ-
ência direta e indireta, são as iniciativas na cadeia operatória do turismo e da cultural tradicional
capitaneadas pelos jovens locais, tais como:
• Jovens montaram associações de guias condutores do Parque e hoje tem como prin-
cipal renda o turismo cultural;
• Intercâmbio das escolas locais com escolas de outros estados, sobretudo de São
Paulo. As escolas fazem os pacotes para visitar o Parque e dentro das atividades estão
inclusas vivências nas escolas de Coronel José Dias, onde são preparadas diversas
atividades culturais e trocas de vivências;
• Roteiros culturais alternativos sobre os modos de vida da população local foram
montados e os visitantes tem a oportunidade não só de visitar o patrimônio arqueo-
lógico, mas de conviver com a comunidade tradicional, conhecendo locais de refe-
rências históricas.
• Criação do Instituto Olho D’ Água, uma associação de pesquisa e desenvolvimento,
cujo objetivo se assenta na (re) valorização da memória, tradição e identidade lo-
cal, aliada a defesa do Meio Ambiente Cultural e a promoção do desenvolvimento
sustentável, na busca pela integração dos conhecimentos arqueológicos existentes

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com as tradições culturais e saberes das comunidades tradicionais do município de


Coronel José Dias5.
• Aprovação pelo poder legislativo e executivo, dos departamentos municipais de pa-
trimônio arqueológico e histórico cultural local, vinculados a secretária de turismo.
• Criação da lei municipal de tombamento municipal.

Podemos inferir, portanto, que o fortalecimento das políticas públicas municipais no


setor cultural (arqueológico e histórico cultural) vem contribuindo para que a comunidade de
Coronel José Dias passe a olhar para a sua cultura com o entendimento de que os seus saberes
tradicionais, os seus ofícios, os seus lugares, a arquitetura vernacular, os seus mitos, as suas
festas tradicionais, os seus objetos e os modos de fazer são tão importantes quanto o patrimônio
arqueológico milenar da Serra da Capivara. Logo, essa integração fortalece o sistema de ensino
e o potencial turístico da região, unindo ciência e tradição em prol da preservação e perpetuação
do patrimônio arqueológico e histórico-cultural, contribuindo em última instância com o bem
estar comunitário.

5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Devemos considerar que os esforços empreendidos, nos últimos anos, em politicas pú-
blicas de inserção da cultura (na valorização da memória e identidade nacional, regional e local)
tem ganhado destaque em debates, seminários, na criação de decretos, normativas, projetos po-
líticos pedagógicos (entre outros), mostrando um significativo avanço para o fortalecimento da
pluralidade cultural brasileira. Nota-se, todavia, que esse tem sido um compromisso não apenas
do poder público, mas de toda a sociedade.
Nessa arena, a inserção da temática do patrimônio cultural nas políticas públicas educa-
cionais para a preservação, gestão e fruição do patrimônio cultural brasileiro em âmbito local,
regional e nacional já é uma realidade, que cria uma atmosfera propícia para promover a (re)
valorização da história e memória das comunidades, a integração e empoderamento da comu-
nidade local a este conhecimento, de forma sustentável, visando sua continuidade - exemplo do
estudo de caso do município Coronel José Dias aqui apresentado.

6. AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Grupo Documento em nome da professora L.D. Drª Erika Marion Ro-
brahn- González pelo apoio institucional e científico ao Instituto Olho D’ Água, e ao Jorlan da
Silva Oliveira, diretor presidente, do Instituto Olho D Água. .

5
Acompanhar no blog do Instituto as principais iniciativas em andamento: http://documentoculturalolhodagua.
ning.com/

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAREL FILHO, Ezequiel. Lúcio Costa Em Ouro Preto. A Invenção de uma Cidade Barroca. [Dissertação
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PROJETOS CULTURAIS DE EMPRESAS SUSTENTÁVEIS E AS LEIS DE


INCENTIVO À CULTURA NO BRASIL
Mariana de Barros Souza1
Adriana Cristina Ferreira Caldana2
Lara Bartocci Liboni3

RESUMO: Ao se tratar dos atuais problemas globais, apresentam-se, frequentemente,


discussões acerca da sustentabilidade. Por isso, é válido verificar quais práticas vem sendo
realizadas por empresas reputadamente sustentáveis. O Modelo de Criação de Valor Sustentável
(CVS) aponta, nesse contexto, a importância das ações vinculadas à responsabilidade social
corporativa. Naji (2010), conseguintemente, cita a relevância do componente cultural como
base para o desenvolvimento social. O presente trabalho revela, por meio do método de análise
de conteúdo aplicado em pesquisa documental, quais as práticas culturais desempenhadas por
empresas sustentáveis no Brasil. A partir de então, vinculam-se tais práticas à legislação de
incentivo à cultura atualmente vigente no país e verificam-se quais aspectos poderiam ser mais
bem explorados no ambiente corporativo.

PALAVRAS-CHAVE: Índice de Sustentabilidade Empresarial; Desenvolvimento sustentável;


Desenvolvimento Social; Cultura.

1. INTRODUÇÃO
Ao se tratar dos atuais problemas globais, apresentam-se, frequentemente, discussões
acerca da sustentabilidade. Abordar tópicos referentes à marginalização de grupos sociais signi-
ficativos, por exemplo, assim como a degradação ambiental, torna-se cada vez mais necessário
nos dias de hoje (JABBOUR e SANTOS, 2008).
Nesse contexto, Nobre e Ribeiro (2013) estudaram a Sustentabilidade em Organizações
(SEO) de empresas listadas no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). O trabalho reve-
lou que as empresas estudadas atuam, com maior facilidade, nos campos de Gerenciamento

1
Possui graduação em Administração pela Universidade de São Paulo (2013) e é mestranda no Programa de Pós-
-Graduação em Administração de Organizações da FEA-RP/USP. E-mail: mariana.barros.souza@gmail.com
2
Graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1996), mestre em Psicologia (2000) e doutora em
Psicologia também pela USP (2005). É docente da FEARP-USP. E-mail: caldana@fearp.usp.br
3
Doutora em Administração (2009) e mestre em Administração pela FEA-USP (2005). Possui graduação em
Administração pela FEA-RP/USP (2002). Atualmente é docente da FEARP-USP. E-mail: lara.liboni@gmail.com

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de Produto e Combate à Poluição. De acordo com o Modelo de Criação de Valor Sustentável


(CVS), o campo “Gerenciamento de Produto” envolve práticas relacionadas, por exemplo, à
ecologia industrial, ao seu ciclo de vida, ao gerenciamento de stakeholders e à responsabilidade
social corporativa.
Quanto à Responsabilidade Social Corporativa (RSC) – ou Responsabilidade Social Em-
presarial (RSE) –, Sousa et al (2011) apontam que esse conceito se formou, no Brasil, a partir da
realização de diversos projetos liderados por ícones de lutas pelas causas sociais, como Herbert
José de Souza. Tais projetos buscaram conscientizar os cidadãos e envolvê-los na busca por uma
sociedade mais justa e igualitária. É nesse contexto que o setor econômico também começa a se
engajar, procurando reconhecimento pelo mercado consumidor.
Ashley (2002) considera que tais práticas são uma tendência gerada por mudanças no
comportamento dos consumidores, já que os mesmos passaram a sentir afeição por produtos e
práticas que trazem melhorias à sociedade ou ao meio ambiente.
A partir dos resultados apresentados por Nobre e Ribeiro (2013) e com base nas defini-
ções acerca de RSC, assume-se a hipótese de que empresas brasileiras com perfil sustentável
tendem a adotar não apenas práticas de caráter ecológico e ambiental, mas também concentrar
esforços na melhoria dos padrões de vida da sociedade. Recorre-se, portanto, a Naji (2010), que
cita a importância do componente cultural como base para o desenvolvimento social. Em meio
a essa discussão, há de se destacar que, segundo Yang (2007), a cultura pode ser vista como um
aspecto existente em qualquer grupo social – como etnias, grupos religiosos ou organizações
– desde que haja compartilhamento de conhecimentos e comportamentos. E, nesse contexto,
investimento cultural não apenas gera impactos econômicos, mas, principalmente, benefícios
à comunidade, em termos de melhorias sociais – é importante, portanto, que haja atuação go-
vernamental, ao menos no sentido de exercer o papel de investidor público (COMUNIAN;
MOULD, 2014). No Brasil, para atender a essa problemática, destaca-se a atuação governamen-
tal por meio das leis de incentivo fiscal à cultura.
Por todo o supracitado, este trabalho objetiva, primeiramente, verificar quais são as
ações culturais realizadas por empresas que se destacam como organizações engajadas com o
desenvolvimento sustentável. Isso porque a cultura é um componente de grande importância
para o aspecto social e este, por sua vez, é um dos pilares do desenvolvimento sustentável. Em
um segundo momento, pretende-se descobrir se tais práticas fazem proveito da legislação de
incentivo atualmente vigente no Brasil e, por outro lado, quais aspectos das leis poderiam ser
mais bem explorados.

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2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. Desenvolvimento sustentável e Responsabilidade socioambiental
Durante os anos 1960, começam a surgir preocupações relacionadas ao conceito de res-
ponsabilidade socioambiental corporativa, levantadas em meio às discussões sobre o Apartheid e
a Guerra do Vietnã, por exemplo. Mais adiante, nas décadas de 1980 e de 1990, veem-se aumen-
tar as iniciativas relacionadas à temática ambiental, as quais eram abordadas, entre outros fatores,
pelo fortalecimento do movimento ambientalista (MONZONI, BIDERMAN e BRITO, 2006).
Também nesse período, mais precisamente em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (WCED) divulga o Relatório Brundtland, que traz a definição do
termo “Desenvolvimento Sustentável” como um desenvolvimento que vai de encontro às ne-
cessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras no alcance de suas
próprias necessidades. A responsabilidade socioambiental, por sua vez, pode ser definida como
uma obrigação, enfrentada pela gerência organizacional, referente à decisão e ao empreendi-
mento de ações que visem à melhoria do bem-estar social e sejam compatíveis com os interesses
da sociedade e da organização (DAFT, 1997).
Em busca de se determinar as melhores formas de se atingir desenvolvimento susten-
tável, destaca-se a abordagem “Triple Bottom Line”. De acordo com tal modelo, a garantia de
sucesso na adoção de uma estratégia de desenvolvimento sustentável somente se faz possível
quando há ênfase em três diferentes dimensões, a saber: dimensão econômica, dimensão am-
biental e dimensão social. Esses três aspectos estão inter-relacionados, exercendo influência uns
sobre os outros e, portanto, uma organização que pretende desenvolver práticas de sustentabili-
dade corporativa não pode visualizar separadamente a sustentabilidade econômica e as práticas
sociais e ambientais (ELKINGTON, 1998, 2004).

2.2. O aspecto social do desenvolvimento sustentável


Com base em extensa revisão da literatura, Amini e Bienstock (2014) propuseram uma
definição multidimensional para o que chamaram de Sustentabilidade Corporativa, ilustrando-a
por meio de um framework. O modelo compreende cinco dimensões de sustentabilidade, as
quais podem se apresentar em quatro diferentes níveis de sofisticação, de acordo com as práti-
cas adotadas por empresas. Uma das dimensões apresentadas considera a ênfase nos aspectos
econômicos, ecológico-ambientais e social-igualitários. Para essa dimensão, organizações que
apresentam menor nível de sofisticação enfatizam apenas a sustentabilidade econômica, pois
não estão preocupadas com aspectos socioambientais, ou não conseguem entender sua relação
com questões financeiras. Segundo os autores, conforme se amplia a sofisticação referente a
essa dimensão, gradualmente se começa a entender a importância de cada uma das dimensões

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sustentáveis e, então, novas práticas são adotadas. As organizações mais sofisticadas, portanto,
incorporam preocupações econômicas, ambientais e sociais na estratégia empresarial.
Pretende-se, aqui, explorar o pilar social da sustentabilidade. Para tal, aborda-se, primei-
ramente, Vallance et al (2011). Em seu estudo, os autores identificaram a existência de três tipos
de sustentabilidade social, a saber: (1) “sustentabilidade social de desenvolvimento”, a qual está
relacionada com as necessidades da sociedade, como a redução da pobreza e das desigualdades;
(2) “sustentabilidade social de ponte”, referente às mudanças comportamentais que precisam
ocorrer para que se atinjam os objetivos ambientais na sustentabilidade; e (3) “sustentabilidade
social de manutenção”, que diz respeito à preservação de práticas e padrões socioculturais em
um contexto de mudança econômica e social. Ou seja, os autores argumentam que a susten-
tabilidade social é atingida quando se trabalha com questões como o subdesenvolvimento, as
necessidades básicas da população, o fortalecimento de sua ética ambiental e a preservação de
seus valores sociais, suas tradições culturais e seu estilo de vida. Outros autores (SACHS, 1999;
AGYEMAN, 2008), entretanto, defendem que a sustentabilidade social está fundamentada pe-
los conceitos de igualdade, democracia e justiça social.
Desvencilhando-se do aspecto puramente conceitual, atenta-se à questão das práticas so-
cialmente sustentáveis realizadas por empresas. Nesse contexto, nota-se que dois tipos de público
compreendem seu universo: o interno e o externo. No que diz respeito ao público interno, Jabbour
e Santos (2008) apontam ao fato de que o desempenho social de uma organização pode ser avalia-
do a partir da efetividade no gerenciamento da diversidade de seus recursos humanos. Quanto ao
público externo, Ashley (2002), aponta que uma postura empresarial socialmente responsável está
vinculada a todo tipo de ação que contribui para a qualidade de vida da sociedade como um todo.
A responsabilidade social empresarial, segundo o Instituto ETHOS (2010) pode ser de-
finida como:
(...) a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente
da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo
estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvi-
mento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e cul-
turais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo
a redução das desigualdades sociais.
Nesse sentido, em busca de evidenciar seu comprometimento com práticas sociais, as
empresas trazem a questão da responsabilidade social como a forma com que se preocupam com
as pessoas. Em alguns casos, as práticas estão mais voltadas à preocupação com seus colabora-
dores. Em outros, as organizações se empenham, também, em atender e apoiar as comunidades
locais, ou as famílias de seus funcionários. Há, ainda, empresas que interpretam a responsabili-
dade social como seu potencial de contribuir para uma melhor qualidade de vida dos indivíduos
(EHNERT, 2008).

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2.3. A cultura como componente da responsabilidade social


A Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural aponta que a cultura deve ser vista
como um conjunto de características materiais, espirituais, intelectuais e emocionais que dife-
renciam sociedades ou grupos sociais. Não se deve pensar em cultura apenas como arte, pois ela
também compreende estilos de vida, formas de vivência em comunidade, tradições, sistemas de
valores e convicções (UNESCO, 2002).
Sem uma identidade cultural independente, nenhuma nação poderia se tornar um país
desenvolvido, pois a formação cultural é base para o desenvolvimento econômico, político e
social. Por isso, é importante atingir um nível de desenvolvimento cultural tal em que propicie
expansão de acesso à cultura a toda população de maneira igualitária (NAJI, 2010).
Yúdice (2006) aponta, ainda, que por associar-se às práticas políticas e econômicas, a
cultura está também envolvida com a cidadania. As iniciativas políticas, nesse contexto, podem
exercer influências positivas ou negativas na gestão cultural. No que diz respeito aos benefícios
que podem ser gerados, Nemati (2012) propõe que o governo forneça liderança em nível ma-
cro, deixando que os detalhes de dinamização do mercado sejam tratados por organizações não
governamentais. Dessa forma, a iniciativa privada deve contar com administradores da cultura
para assumir tais atividades. No Brasil, conta-se com as Leis de incentivo à Cultura como prin-
cipal mecanismo para o funcionamento desse mercado.

2.4. Legislação referente ao incentivo à cultura atualmente vigente no Brasil


Grande parte da produção cultural brasileira hoje se apoia nas leis de incentivo fiscal
federal, estaduais e municipais. Tal realidade é, em parte, reflexo de um movimento mundial
que teve início nos anos 80, motivado pela crise econômica e apresentou soluções embasadas
no quadro neoliberal vigente. Nesse contexto, governos buscaram cortes de seus financiamentos
em áreas sociais e, particularmente, em cultura. Poucos países deixaram de seguir essa tendên-
cia – a França é destaque em tal cenário, pois manteve as práticas estatais de financiamento às
atividades culturais e artísticas (BOTELHO, 2001).
No Brasil desse período, segundo Arruda (2003), destacam-se iniciativas que prepara-
ram a fundação do Ministério da Cultura, em 1985, durante o governo de José Sarney. A partir da
criação desse Ministério, toda política cultural passa a ser tema exclusivamente destinado a um
órgão governamental. Também nesse momento, as leis de incentivo fiscal – como a denominada
Lei Sarney, de 1986 (a qual foi reformada em 1991 pela Lei Rouanet) e a Lei do Audiovisual,
que data de 1993 – passam a representar importante papel no que diz respeito à produção cul-
tural brasileira.
As leis supracitadas são federais, mas, posteriormente, os governos estaduais também
lançaram iniciativas nesse sentido. Como exemplo, toma-se a Lei n° 12.268, de fevereiro de

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2006, a qual trata do incentivo fiscal destinado à realização de projetos culturais no Estado de
São Paulo. Há, ainda, leis municipais de incentivo fiscal em algumas cidades do país. Segundo
Kavantan (2012), uma das principais diferenças entre as leis de cada esfera reside na abrangên-
cia dos impostos que podem ser repassados para o financiamento de projetos culturais – enquan-
to as federais lidam com Imposto de Renda, as estaduais garantem redução do valor patrocinado
no pagamento de ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços). As
municipais, por sua vez, tratam de impostos como ISS e IPTU.
As leis de Incentivo à cultura têm como fundamentos: (a) o fato de oferecerem redução
fiscal a incentivadores de produtos culturais mediante contribuição financeira; (b) o princípio
de que não oferecem recursos, mas sim a chance de que os recursos sejam captados na iniciati-
va privada; (c) a possibilidade de cadastramento de projetos, com as condições de que tenham
como objeto a cultura e de que sejam de acesso público; e (d) o fato de que os recursos obtidos
de patrocinadores são tomados como recursos públicos, uma vez que incluem o incentivo fiscal
e, por isso, o realizador deve prestar contas da execução financeira e artística do projeto ao go-
verno (KAVANTAN, 2012).

2.5. Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE)


A BM&FBOVESPA, em parceria com outras importantes instituições – Associação Bra-
sileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ABRAPP); Associação Brasilei-
ra das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Associação dos Analistas
e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais (APIMEC); Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa (IBGC); International Finance Corporation (IFC); Instituto Ethos, Mi-
nistério do Meio Ambiente e Fundação Getúlio Vargas (FGV) –, criou o ISE como um referen-
cial para os investimentos sustentáveis e responsáveis no Brasil. O índice é calculado e gerido
tecnicamente pela BM&FBOVESPA e reflete o retorno de uma carteira composta por ações de
empresas reconhecidas por seu comprometimento com o desenvolvimento sustentável. Assim,
tais empresas destacam-se para investidores e a bolsa de valores se São Paulo atua como induto-
ra de boas práticas no meio empresarial (ISE – METODOLOGIA COMPLETA, 2014).
Para que se avalie o desempenho das empresas em relação à sustentabilidade e, assim,
selecionem-se quais delas comporão o índice, existe uma parceria técnica entre a BM&FBO-
VESPA e Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da Fundação Getulio Vargas (FGV).
A metodologia de avaliação foi desenvolvida pelo GVces e conta com um questionário que
avalia o desempenho sustentável das organizações emissoras das 200 ações mais negociadas da
BM&FBOVESPA. Esse questionário se baseia no conceito “Triple Bottom Line”, que considera
elementos ambientais, sociais e econômico-financeiros de maneira integrada, além de tratar de
questões como governança corporativa, características gerais de postura em relação ao desen-

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volvimento sustentável e, ainda, a natureza do produto comercializado pelas empresas. (ISE


– METODOLOGIA COMPLETA, 2014).
Segundo Macedo et al (2012), o ISE se confirma, a cada ano, como um elemento indutor
de empresas na busca de um modelo de negócios que seja adequado ao desenvolvimento susten-
tável. Por sua vez, as organizações brasileiras também conseguem notar, de forma cada vez mais
clara, quais os benefícios gerados pela aparição na carteira do índice. Em sua perspectiva, torna-
-se evidente o valor da participação em iniciativas voluntárias relacionadas à sustentabilidade,
pois por elas são proporcionados ganhos intangíveis – como a reputação e o compartilhamento
de experiências no meio empresarial – e ganhos tangíveis – relacionados a valor de mercado,
desempenho financeiro e valor das ações.

3. METODOLOGIA
3.1 Tipo de pesquisa
Realiza-se um estudo documental qualitativo para abordar a questão das práticas cultu-
rais desempenhadas por empresas sustentáveis no Brasil.

3.2. Amostra e Coleta de dados


O corte amostral deste estudo selecionou empresas que, além de estarem listadas no ISE
em 2014, também já apareceram, ao menos uma vez mais, nas listas dos cinco anos anteriores
de publicação do índice. Assim, selecionam-se empresas que são reconhecidas em relação à
responsabilidade social e à sustentabilidade empresarial, mas que não apenas recentemente ini-
ciaram suas atividades nesse ramo. Empresas que, portanto, tem um histórico de preocupação
com o desenvolvimento sustentável.
Destaca-se que, a princípio, a carteira vigorava de 1° de dezembro do ano em curso a 30
de novembro do ano posterior. Porém, em 2011, houve alteração nesse período, que passou a
iniciar-se na primeira segunda-feira de janeiro, perdurando até o dia que antecede a vigência da
nova carteira, em janeiro do próximo ano (ISE – METODOLOGIA COMPLETA, 2014).

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Quadro 1: Carteiras do índice de sustentabilidade empresarial.

Fonte: Adaptado de BM&FBovespa (2014)

No quadro 1 – em que se expõem todas as empresas listadas nos últimos seis anos de
elaboração do índice – foram cortadas as cinco empresas que apareceram pela primeira vez em
2014 (CIELO, EDP, FLEURY, KLABIN e OI), conforme proposto anteriormente. As outras 35
empresas de 2014 compõem a amostra deste estudo.

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Quadro 2: Empresas que compõem a amostra deste estudo. Fonte: A autora

Conseguintemente, a coleta de dados se iniciou com a busca pelo último relatório de


sustentabilidade de cada uma das empresas que compõem a amostra. O Relatório de Sustentabi-
lidade, segundo (ROVER et al, 2008), é um documento elaborado pela própria empresa, volunta-
riamente, para que se demonstre sua relação com o meio ambiente e a sociedade. Esses relatórios
foram salvos em formato pdf e, em seguida, houve busca pelos seguintes termos no corpo de
texto dos arquivos: “cultura” (que encontra também os termos “cultural” e “culturais”), “arte”
(que encontra também os termos “artes cênicas” e “artes visuais), “livro”, “musica” (que encontra
os termos “música”, “musical” e “musicais”), “exposições”, “exposição”, “acervo”, “biblioteca”,
“museu”, “cinema” (que encontra também o termo “cinemateca”), “audiovisual” e “teatro”.
A escolha dos termos de busca se baseou na redação do artigo 18 da Lei Rouanet, o qual
determina segmentos passíveis de recebimento de doação e patrocínio na produção cultural.
Esta lei foi escolhida, primeiramente, pelo fato de ser considerada a mais antiga das leis de in-
centivo fiscal à cultura no Brasil, após ter reformado a Lei 7.505, de 2 de julho de 1986. Em se-
gundo lugar, a escolha se justifica pelo fato de ser uma lei federal e, portanto, todas as empresas
listadas na amostra, em qualquer região do país que atuem, são por ela atingidas.
A partir de tal busca, foram compiladas as ações culturais executadas por cada uma das
empresas que compõem a amostra e, em seguida, houve categorização de tais iniciativas seguin-
do o critério da análise de conteúdo, o qual envolve a análise das comunicações, por meio de um
conjunto de técnicas, a fim de se obter indicadores capazes de gerar determinada inferência de
conhecimentos referentes a essas mensagens (BARDIN, 2009).

3.3. Análise dos dados


Flick (2009) garante que a análise de conteúdo representa um procedimento clássico
para análise de material textual, não importando a origem desse material. Por isso, realizou-se a
pré-análise – segundo Bardin (2006), a fase em há organização do material a ser analisado para
torná-lo operacional –, na qual foram coletadas, nos Relatórios de Sustentabilidade, as iniciati-
vas empresariais em relação à cultura.
Posteriormente, houve exploração do material com a definição de categorias e, por fim,
tratamento dos resultados e interpretações. Verificou-se, então, o vínculo entre as ações culturais
realizadas e as leis de incentivo fiscal vigentes no Brasil. Assim, foi possível perceber quais das

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práticas culturais desempenhadas por empresas sustentáveis estão alinhadas com os mecanis-
mos determinados pela legislação de incentivo à cultura e, por outro lado, quais vertentes legis-
lativas poderiam ser mais bem exploradas. Para isso, utiliza-se de intuição e análise reflexiva e
crítica (Bardin, 2006).

4. RESULTADOS E CONCLUSÃO
Por meio da análise de conteúdo, conforme Vergara (2005), foi possível trabalhar os
dados coletados para que identificassem o que está sendo dito a respeito do tema “Cultura” em
organizações sustentáveis. Para isso, fez-se uso da técnica de análise temática ou categorial, que
consiste em desmembrar textos em unidades (categorias), seguindo reagrupamentos analógicos
(MINAYO, 2000).
Depreendeu-se, como primeiro resultado da análise, que as empresas com perfil sus-
tentável no Brasil têm percepções diferentes acerca da importância das práticas culturais. Nem
todas elas realizam ou, pelo menos, evidenciam tais ações em seus relatórios de sustentabilidade
– fato que pode ser interpretado de duas diferentes formas: (1) o tema não lhes parece atrativo
a ponto de que seus recursos sejam alocados em prol de tais ações; ou (2) a cultura não é perce-
bida como um componente do desenvolvimento social e, consequentemente, como um aspecto
relevante do desenvolvimento sustentável.
Quanto a esta segunda interpretação, é importante demonstrar que diferentes pontos de
vista são apresentados nos relatórios em relação à conceituação de termos ligados à sustentabili-
dade e ao desenvolvimento sustentável. Enquanto algumas empresas consideram o componente
cultural um dos aspectos principais desse desenvolvimento, outras nem sequer citam a relevân-
cia de tais práticas. Da mesma forma, algumas destacam fortemente a importância das práticas
culturais para a realização de seus negócios, ao passo que outras não o veem da mesma forma. O
Quadro 3 apresenta exemplos de definições trazidas por empresas engajadas com a prática cul-
tural e determinadas a expor tais ações em seus relatórios como parte importante de sua atuação
em prol do desenvolvimento sustentável.

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Quadro 3: Definições trazidas por empresas que consideram a cultura


como componente do Desenvolvimento Sustentável.

Fonte: A autora

Seguindo linha similar, o Quadro 4 demonstra exemplos de empresas que consideram


ações culturais parte essencial de sua estratégia de atuação, independentemente do link desse
conceito com a sustentabilidade. Expõe-se, portanto, que a cultura empresarial está fortemente
voltada à valorização de práticas de cunho cultural.

Quadro 4: Empresas que integram a ação cultural à sua estratégia.

Fonte: A autora

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Por outro lado, há de se destacar que algumas empresas destinam pouca ou nenhuma
atenção, em seus relatórios, a projetos relacionados à promoção e ao incentivo da cultura no
Brasil. É o caso, por exemplo, da Itaúsa. A única menção referente ao tema em seu relatório diz
respeito ao fato de a empresa aparecer listada pela 10ª vez na carteira do Dow Jones Sustainabi-
lity World Index (DJSI), o que garante seu compromisso social, cultural e ambiental. Entretanto,
não se aponta como isso ocorre. Interessante é que empresa controla a Itaú Unibanco Holding
S.A., que também foi objeto de estudo deste trabalho. Esta, por sua vez, evidencia bastantes
ações realizadas em prol do incentivo à cultura.
Outras empresas chegam a citar que apoiam e incentivam iniciativas culturais, mas não
há grande ênfase a isso. Apenas um parágrafo em todo o relatório. Ou, ainda, apenas evidenciam
em seu Balanço Social Anual que houve investimento interno e externo em cultura, mas não há
explicitação de como isso ocorreu. É o caso de companhias como SulAmérica, Coelce, Embraer
e Gerdau.
Ainda sustentando a afirmação de que as empresas sustentáveis no Brasil têm perfis dife-
rentes acerca da realização de práticas culturais, aponta-se que nem todas elas utilizam as leis de
incentivo quando financiam projetos voltados à cultura. Ou, ao menos, nem todas evidenciam o
conhecimento e a utilização leis em seus relatórios anuais, pois apenas 22 das empresas dizem
fazer uso das leis.
Esse número fica ainda mais escasso quando tratamos exclusivamente da Lei do Audio-
visual, pois, em geral, as empresas que financiam projetos via Lei de Incentivo, costumam fazê-
-lo por meio das leis estaduais ou pela Lei Rouanet. Foram apenas três as empresas que citaram
explicitamente a Lei do Audiovisual em seus relatórios. Isso pode ser um indício de desconheci-
mento, no mundo corporativo, dos mecanismos legais, pois, como explicita Ikeda (2013), a Lei
do Audiovisual, quando comparada à Lei Rouanet, garante mais benefícios ao investidor.
A principal diferença entre as leis supracitadas é que os valores aportados por meio da
Lei do Audiovisual não são apenas um patrocínio ou uma doação – como ocorre com a Lei
Rouanet. Para a primeira lei, esses valores são contabilizados como investimento. O agente que
aporta recursos, portanto, assume papel de investidor. Os valores investidos são integralmente
abatidos do imposto de renda devido pelo investidor, assim como ocorre com os projetos en-
quadrados no Art. 18 da Lei Rouanet e, além desse abatimento, o investidor pode lançar tais
montantes como despesa operacional, o que faz com que a base de cálculo de seu imposto de
renda a pagar seja reduzida. Além disso, ainda há a possibilidade de o investidor vincular sua
marca ao material promocional da obra. Por fim, o investimento à Lei do Audiovisual garante a
aquisição de um percentual dos direitos de comercialização da obra. Assim, divergentemente da
Lei Rouanet, o retorno financeiro existe, por previsão legal (IKEDA, 2013).

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O que, então, poderia justificar a falta de investimento em obras de audiovisual é o fato de


que nenhuma das empresas estudadas trabalha em um ramo diretamente ligado a esse e, por isso,
não há uma cobrança externa nesse sentido. Seuring e Müller (2008) afirmam que, em diversos
casos, as iniciativas sustentáveis são motivadas por pressões externas à companhia, provenien-
tes, por exemplo, de agências governamentais, clientes e stakeholders em geral. Neste estudo,
verificou-se que, realmente, muitas das ações culturais apresentadas pelas empresas impactam
diretamente seus stakeholders. O Quadro 5 traz alguns trechos que comprovam o supracitado.

Quadro 5: Ações culturais motivadas e realizadas em função de stakeholders.

Fonte: A autora

Porém, não só essa questão da pressão externa justifica que a baixa incidência de ade-
são à Lei do Audiovisual esteja ligada ao fato de que nenhuma das empresas atua em ramo
diretamente ligado a esse. Outra possível justificativa para isso está relacionada ao nível de
sofisticação das empresas ao implementarem suas ações sustentáveis. Amini e Bienstock (2014)
afirmam que, conforme as organizações se tornam mais sofisticadas em sustentabilidade, suas
atividades com esse escopo deixam de apenas cobrir apenas aquilo que lhes é imposto por regu-
lamentações, ou que é simples de ser desenvolvido, devido a seu core business. Empresas com
alto grau de sofisticação chegam, inclusive, a participar do desenvolvimento e da alteração de
tais regras. As companhias mais sofisticadas conseguem reconhecer que uma abordagem proa-
tiva voltada às práticas sustentáveis pode reduzir seus custos.
Comprova-se, com o Quadro 6, que as ações culturais realizadas por algumas em-
presas estão diretamente ligadas a seu ramo de atuação, o que pressupõe maior facilidade e
relativo comodismo.

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Quadro 6: Ações culturais motivadas e realizadas em função do setor de atuação empresarial.

Fonte: A autora

Nesse sentido, levando em conta a questão da proatividade para apontar empresas com
maior nível de sofisticação, vale destacar, por exemplo, qual o papel assumido pela empresa ao
se envolver com as Leis de Incentivo à Cultura. Para todo e qualquer projeto incentivado, con-
forme Kavantan (2012), o governo é o órgão regulador em questão. O realizador, por sua vez,
é o proponente, o produtor de cultura. Por fim, o incentivador é aquele que destina o dinheiro
à execução do projeto, o que o coloca na condição de patrocinador. Em geral, as empresas es-
tudadas assumem o terceiro papel, apenas incentivando projetos por elas selecionados. Há, en-
tretanto, empresas envolvidas com as práticas culturais e familiarizadas com as leis a ponto de
não apenas atuarem patrocinadoras. Tais empresas assumem a função de produtoras de cultura.
A Tractebel Energia, por exemplo, expõe em seu relatório:
A implantação desses locais [“Centro de Cultura” ou “Centro de Cultura
e Sustentabilidade”] em diferentes regiões vem sendo viabilizada por
meio de recursos próprios da Companhia e também, de forma inova-
dora, por recursos incentivados. Isso porque a construção dos Centros
pode ser contemplada pela Lei Rouanet, atendendo às diretrizes do Mi-
nistério da Cultura, com foco no resgate, preservação e valorização da
história, costumes e tradições locais, geração de emprego e renda, inclu-
são social e digital. O maior resultado dessa política é, portanto, a união
de esforços em torno de um bem maior e duradouro: o acesso à cultura.
Outras delas, apesar de não demonstrarem fazer uso das leis nesse sentido, também atu-
am como produtoras culturais, já que mantêm fundações, centros, teatros, entre outros – os
quais realizam ações culturais como atividade principal ou eventualmente. Esse é o caso, por
exemplo, da Fundação Bradesco; da Fundação CESP; da Fundação Itaú Social; do Instituto Itaú
Cultural; do Instituto Unibanco; do Instituto Unibanco de Cinema; da Fundação Banco Santan-
der (Espanha); do Santander Cultural (Brasil); da Fundação Telefônica; da Fundação Vale; do
Museu Vale; do Museu WEG etc.
Mais uma vez, portanto, afirma-se a heterogeneidade presente na atuação cultural das
empresas sustentáveis no Brasil. Diversidade essa que se apresenta tanto em forma, quanto em

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intensidade, já que há variação no que diz respeito ao escopo de atividades desempenhadas


pelas empresas e, ainda, no que diz respeito à frequência e quantidade de projetos financiados,
elaborados e divulgados por elas.

5. RESULTADOS E CONCLUSÃO
O Ministério da Cultura divulga lista das empresas que apoiam projetos incentivados
no Brasil. Um importante trabalho futuro seria investigar quais das empresas listadas emitem
relatórios anuais de sustentabilidade e se, de fato, todas elas evidenciam esse apoio em seus re-
latórios. Isso porque, assim, perceber-se-ia se, realmente, todas as empresas que não divulgam
o contato com as leis em seus relatórios, não apoiam projetos via lei de incentivo. Dessa forma,
seria possível descobrir se há companhias que não veem a prática cultural como um componen-
te do desenvolvimento sustentável ou se, simplesmente, essas empresas não estão dispostas a
apoiar tais iniciativas.
Outro estudo pertinente refere-se à descoberta de motivos concretos pelos quais há pou-
ca utilização – ou, ao menos, evidenciação – da Lei do Audiovisual. Considerando todos os be-
nefícios trazidos por tal mecanismo legal, é importante verificar por que não há maior aderência
por parte das empresas – sustentáveis, ou não.
Pode-se, ainda, verificar como as Fundações mantidas por grandes empresas realizam
suas ações culturais e como toda essa atividade costuma ser financiada. No caso de não haver
atuação como proponente em Leis de Incentivo, cabe-se investigar o motivo.

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POLÍTICAS PARA A CULTURA NO PLURAL: LIMITES E ABERTURAS


Mariana Luscher Albinati1

RESUMO: Pensar as políticas culturais na sociedade contemporânea requer um esforço


especial no sentido de enxergar os agentes que, reconhecidos ou não, legitimados ou não,
produzem cultura ao expressarem de diferentes maneiras suas subjetividades. Nesse sentido
o artigo propõe encarar a ideia de Cultura no Plural, formulada por Michel de Certeau, como
baliza para a reflexão sobre políticas culturais, tratando de algumas das implicações que a
crescente imbricação entre economia e cultura lança sobre a possibilidade de realização efetiva
dessa perspectiva. Em especial, trata do movimento atual de culturalização das mais diversas
mercadorias, inclusive da cidade-mercadoria.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura no Plural, culturalização, empreendedorismo urbano

A palavra cultura é preenchida com significados variados em diferentes disciplinas, épo-


cas e grupos sociais. E diferentes entendimentos sobre cultura implicam, é claro, na produção
de políticas culturais com objetivos e procedimentos bastante diversos ou mesmo antagônicos.
Pensar as políticas culturais na sociedade contemporânea requer um esforço especial no sentido
de enxergar os agentes que, reconhecidos ou não, legitimados ou não, produzem cultura ao ex-
pressarem de diferentes maneiras suas subjetividades.
Especialmente nas grandes cidades, a reflexão sobre políticas culturais ou o seu planeja-
mento demandam a compreensão das qualidades daquilo que Henri Lefebvre chamou “espaço
diferencial urbano” (LEFEBVRE, 1999). É assim que o autor caracteriza o espaço-tempo que
surge após a era da industrialização, onde está sendo construída a sociedade urbana, conjunto das
sínteses produzidas a partir da reunião dos diferentes, ou seja, da proximidade – inevitavelmente
conflituosa - dos diversos sujeitos, objetos, usos, desejos, etc. Se a cidade, marca da nossa socie-
dade, é a centralidade onde se reúnem todas as diferenças, a cultura urbana não pode ser entendi-
da senão a partir dos diferentes agentes engajados na produção de espaços de expressão cultural.
A apropriação social é a chave de leitura para a ideia de cultura de que tratam estas
notas. Segundo Michel de Certeau, a cultura “não consiste em receber, mas em realizar o ato
1
Doutoranda do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (IPPUR/UFRJ), pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa. marianalbinati@yahoo.com.br

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pelo qual cada um marca aquilo que os outros lhe dão para viver e pensar” (CERTEAU, 1995,
p.143). Trata-se, portanto, de uma apropriação que significa ou ressignifica objetos, espaços,
narrativas, símbolos, etc. Segundo esta visão, os sujeitos da cultura não são apenas aqueles que
a representam colocando nos formatos socialmente legitimados e reconhecidos como artísticos,
mas todos aqueles que empregam suas referências e sua sensibilidade na apropriação do mundo
que lhes é dado.
Com certeza, se é verdade que qualquer atividade humana possa ser cul-
tura, ela não o é necessariamente, ou não é ainda forçosamente reconhe-
cida como tal. Para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor
de práticas sociais; é preciso que essas práticas sociais tenham significa-
do para aquele que as realiza” (CERTEAU, 1995, p.141, grifo do autor).
O conceito de cultura em Certeau não se restringe às artes, se aproxima do cotidiano e
pressupõe o engajamento de um sujeito. Trata dos “comportamentos, instituições, ideologias e
mitos que compõem quadros de referência e cujo conjunto, coerente ou não, caracteriza uma
sociedade como diferente das outras” (CERTEAU, 1995, p.194). No entanto, a definição desses
quadros de referência cultural é objeto de disputas políticas que, frequentemente, resultam na
imposição da produção simbólica elaborada pelo grupo dominante aos demais grupos de uma
sociedade. Uma cultura monolítica, como define Certeau, impede que outras atividades criadoras
sejam reconhecidas como cultura e se tornem socialmente significativas. Como afirma o autor,
a tal ou tal modo fragmentário de prática social atribui-se o papel de ser
‘a’ cultura. Coloca-se o peso da cultura sobre uma categoria minoritária
de criações e de práticas sociais, em detrimento de outras: campos intei-
ros da experiência encontram-se, desse modo, desprovidos de pontos de
referência que lhes permitiriam conferir uma significação às suas con-
dutas, às suas invenções, à sua criatividade (CERTEAU, 1995, p.142).
Essa cultura, ora imposta de forma sutil e sofisticada, ora de forma simples e direta, é de-
nominada por Certeau como Cultura no Singular, em oposição à Cultura no Plural, que parte da
diversidade dos agentes produtores de cultura, acolhendo sua múltipla produção de significados.
A dominação cultural expressa pela noção de Cultura no Singular, ou seja, a determina-
ção daquilo que uma sociedade deve ou não reconhecer como cultura, é produzida a partir da
dominação político-econômica com quem colabora. No contexto atual, a cultura comparece de
forma marcante em variadas esferas da vida individual e social e o seu conteúdo é elaborado em
um jogo que envolve poder (das elites) e astúcia (dos fracos).
Algumas transformações recentes da sociedade nos parecem importantes para pensar a
Cultura no Plural, objeto complexo a que devem corresponder as políticas culturais. Ao discuti-
-las pretendemos avançar no reconhecimento da multiplicidade de agentes produtores de cultura
e do complexo jogo onde agentes dominantes e insurgentes buscam se apropriar das formas
contemporâneas de produção simbólica. Para refletir sobre políticas existentes e também sobre a

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possibilidade de outras políticas, vale o esforço de olhar a produção cultural da sociedade a partir
de diferentes prismas, considerando sempre o jogo, a relação dialética, nunca absoluta, entre as
forças que interferem tanto nas formas culturais como nas suas políticas. Este jogo acontece no
campo da cultura, desde o momento original da definição do próprio campo, uma vez que “quem
são os agentes culturais” e “como se posicionam no seu campo” não são questões pacíficas.

1. CAMPO DA CULTURA – LIMITES E ABERTURAS


O conceito de campo, de Pierre Bourdieu, se refere a um “espaço estruturado de posições
e tomadas de posição” (BOURDIEU, 2007, p.09) onde os agentes sociais se movem conforme
o volume e tipos de capitais que possuem. O campo da cultura envolve os artistas, intelectuais,
comunicadores e também uma série de profissionais ligados à organização da cultura, como pla-
nejadores, produtores e gestores culturais, captadores de recursos, curadores e programadores
de espaços culturais, museólogos, bibliotecários, dentre outras tantas profissões, além de incor-
porar crescentemente novas categorias sociais e profissionais ligadas às chamadas economia
ou indústrias criativas2. Estas incluem, por exemplo, os designers das diversas especialidades,
stylists, gastrônomos, sommeliers, entre outras profissões ligadas ao que Rubim denomina cultu-
ralização da mercadoria, que é o “crescente papel de componentes simbólicos na determinação
do valor das mercadorias, inclusive bens materiais” (RUBIM, 2011, p.105)3. O acúmulo de prá-
ticas culturais tradicionais também confere ao público (das artes) uma posição dentro do campo.
De modo geral, o capital cultural tradicional (acúmulo de educação formal, erudição,
conhecimento sobre as obras de uma suposta alta cultura ocidental) é ainda o mais distintivo
dentro do campo e também aquele que mais interfere na posição dos agentes culturais no campo
de poder mais amplo. No entanto, é importante lembrar que nos diversos sub-campos da cultura
outros ativos podem ser valorizados, constituindo diversas formas de capital cultural que entram
em disputas com aquele tradicional ou buscam reconfigurá-lo.
O capital político entra também no jogo interno ao campo cultural, onde alguns agentes
(indivíduos, grupos ou instituições) se julgam (e são julgados pelos demais) mais aptos a tomar
decisões do que outros, por seu engajamento em determinadas atividades profissionais ou insti-
tuições. Pode-se até propor, grosso modo, uma hierarquização do campo a partir das diferentes
formas de envolvimento dos agentes na atividade cultural, vindo no patamar mais alto os ar-
tistas profissionais, depois os profissionais da área meio (gestores, produtores, comunicadores,

2
Segundo Reis, sob o termo economia criativa estão compreendidos “do artesanato e indústria culturais ao que
se poderia dizer que ‘bebe’ cultura para devolver funcionalidade, a exemplo de design, arquitetura, moda, propa-
ganda, software de lazer, etc.” (2011, p.152). Como veremos, a economia criativa tornou-se um conceito central
no processo, de que fala Fredric Jameson (2001), de desdiferenciação entre cultura e economia, em especial na sua
imbricação com o urbanismo neoliberal.
3
Exagerando na caracterização deste movimento de culturalização da mercadoria, um tumblr lista uma série de
exemplos de produtos que demonstram a crescente “gourmetização da vida”: http://gourmetizacaodavida.tumblr.com/

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técnicos, etc.), abaixo destes os artistas amadores, chegando até os fruidores habituais das artes,
agentes não profissionais, mas que por afinidade são frequentemente incorporados ao campo.
Esta hierarquia, na maior parte dos territórios, teria a forma de uma pirâmide, tendo no topo uma
pequena população de artistas e na base uma população maior que corresponde ao “público”. No
entanto, a maioria da população, na maior parte dos territórios brasileiros, não entraria sequer
nesta base mais larga, por seu baixo capital cultural, se considerarmos o sentido bourdiesiano
do termo. Tomar a cultura apenas pelo seu campo seria, portanto, deixar de fora uma população
de agentes sociais que significam, resignificam e expressam seu universo de referências, mas
que não são reconhecidos socialmente como sujeitos culturais4. As lutas por reconhecimento
tensionam essa hierarquização, afirmando o capital político de grupos culturais marginalizados e
desconstruindo a noção de capital cultural bourdiesiana a partir da valorização de outras formas
culturais, como os saberes ancestrais e populares.

2. LUGAR DA CULTURA – TRANSVERSALIDADE E ISOLAMENTO


Para além do seu campo específico, o lugar da cultura na sociedade moderna também pas-
sa por redefinição. Nos anos recentes, a transversalidade da cultura vem sendo tomada como pau-
ta de reivindicação em estudos que defendem a importância das políticas culturais e orientam sua
formulação. Albino Rubim, apresentando um panorama da cultura contemporânea, afirma que
“A cultura, além de ser um campo social específico, transborda tais limi-
tes e adquire uma transversalidade que perpassa toda a complexa socia-
bilidade contemporânea. Por conseguinte, as políticas culturais têm que
dar conta do seu campo social específico e dessa transversalidade que
faz a cultura permear os mais diferentes campos da sociabilidade atual e
interagir cada vez mais com eles” (RUBIM, 2011, p.106).
Na contraface do processo de autonomização e fortalecimento do cultural nas estruturas
do Estado, observa-se o seu isolamento em relação às demais esferas da vida social. É paradoxal
que a reinvindicação do caráter transversal da cultura seja ladeada pela reivindicação da sua
maior autonomia e institucionalização, o que acontece frequentemente em estudos, encontros e
documentos que orientam as políticas culturais governamentais. Este paradoxo tem origem no
modelo francês de política cultural, que se tornou um paradigma para a atuação estatal. A auto-
nomização da cultura frente à administração pública, ou seja, seu entendimento enquanto coisa
de interesse público e passível de ser administrada, tem como momento fundacional no mundo

4
Pode-se considerar, de acordo com Certeau e com a concepção de campo bourdiesiana, os “agentes culturais”
como “aqueles que exercem uma das funções ou uma das posições definidas pelo campo cultural: criador, anima-
dor, crítico, promotor, consumidor, etc.” (CERTEAU, 1995, p.195). Assim, usa-se aqui os termos “agentes produ-
tores de cultura” ou “sujeitos de cultura” para tratar daqueles que, mesmo não sendo reconhecidos pelo campo,
produzem cultura, entendida de forma mais ampla, conforme o conceito do próprio Certeau.

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ocidental a criação do Ministério dos Assuntos Culturais da França, em 19595. Esta experiência,
segundo Rubim, “fez emergir os modelos iniciais e paradigmáticos de políticas culturais, com
os quais ainda hoje lidam os dirigentes e estudiosos do tema” (RUBIM, 2011, p.109).
Michel de Certeau, no livro A Cultura no Plural, originalmente publicado em 19746,
observa a reconfiguração da cultura e das políticas culturais na França diante dos movimentos
insurgentes que culminaram nas manifestações de maio de 1968. O autor adverte sobre a ino-
cuidade das políticas produzidas a partir das pastas de cultura, marcadas por “considerações
demasiadamente longas e medidas demasiadamente curtas” (CERTEAU, 1995, p.210), argu-
mentando que o estabelecimento das questões culturais de maneira própria com relação aos pro-
blemas sociais, econômicos e políticos, acentua a tendência do “cultural” a se isolar, formando
“um tumor inerte no corpo social” (op cit, p.205). Nesse sentido, a expressão política cultural,
conforme o modelo francês de então, camuflaria “a coerência que liga uma cultura despolitizada
a uma política aculturada” (op. cit., p.217).
Desse modo, o encolhimento e/ou isolamento das instâncias tradicionais onde são formu-
ladas políticas culturais, dentro do Estado, é consequência de duas operações distintas: por um
lado, o elitismo que limitou a atuação dos órgãos de cultura às artes e por outro, a assunção da
cultura pela economia, legando a outros órgãos do Estado e ao próprio mercado a elaboração de
políticas culturais. Se entendermos política cultural como “um conjunto mais ou menos coerente
de objetivos, de meios e de ações que visam à modificação de comportamentos, segundo prin-
cípios ou critérios explícitos” (CERTEAU, 1995, p.195), fica evidente que os órgãos de cultura
não são os únicos nem os principais agentes dessas políticas. Também atuam neste campo grupos
identitários, movimentos sociais e culturais, entre outros tantos agentes, com destaque para os
grupos econômicos e mais ainda aqueles interessados em criar nas grandes cidades um ambiente
favorável aos negócios, operação em que a cultura vem sendo crescentemente utilizada.

3. ECONOMIA DA CULTURA – CENTRALIDADE E SUBORDINAÇÃO


A centralidade assumida pela cultura nos diversos campos da vida social é sem dúvida
devedora da sua associação à economia ou, como propõe Fredric Jameson (2001), do duplo mo-
vimento da cultura para a economia – através da bilionária indústria do entretenimento – e da
economia para a cultura – com a estetização generalizada da mercadoria. O primeiro movimento,

5
O Ministério foi dirigido durante 10 anos pelo escritor André Maulraux, escritor e intelectual reconhecido na
França e internacionalmente, que implementou um modelo chamado democratização cultural, que, centrado na
construção de Maisons de Culture, propunha a difusão das obras da alta cultura francesa, projeto ideológico inte-
grado ao governo Charles de Gaulle (1959-1969) e à tentativa de recuperação do poder da civilização francesa.
6
A primeira publicação, em 1974, era uma compilação de textos para um colóquio, editada em livro apenas em
1980, em francês, e em português no ano de 1995. Referência do original: CERTEAU, Michel de. La Culture au
Pluriel, Paris, UGE, 10-18, 1974: 2ª Ed., Paris, Christian Bourgois, 1980.

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da cultura para a economia, pode ser identificado com a indústria cultural e seus aprimoramentos
produtivos a partir do desenvolvimento da informática e dos meios de comunicação eletrônicos.
Parte-se de modos de difusão cultural artesanais para a produção seriada, em escala industrial,
com grande aporte tecnológico, criando indústrias como a cinematográfica, a fonográfica, a edi-
torial, entre outras. O desenvolvimento dessas indústrias, vale notar, não se deve somente às
possibilidades dadas pela técnica, mas sobretudo às políticas adotadas pelos Estados onde elas
tiveram um desenvolvimento significativo. O maior exemplo é o dos Estados Unidos, que desde
meados do século passado vem tentando derrotar as políticas protecionistas que possam impedir
ou limitar o alcance das produções de corporações americanas de entretenimento no mercado
mundial, intervindo politicamente junto aos organismos multilaterais em favor de uma indústria
que figura entre as mais rentáveis do país.
O segundo movimento, da economia para a cultura, conflui com a etapa mais recente da
reestruturação capitalista, a pós-fordista ou da “acumulação flexível” (HARVEY, 2005), marca-
da pela “culturalização” da mercadoria. Aqui não se trata necessariamente da produção cultural
em escala industrial, mas do acréscimo de aspectos simbólicos aos mais diversos produtos,
inclusive os industrializados: “A produção de mercadorias é agora um fenômeno cultural, no
qual se compram os produtos tanto por sua imagem quanto por seu uso imediato” (JAMESON,
2001, p.22). A sofisticação dos recursos de marketing e publicidade, além do uso intensivo do
design com funções estético-expressivas e não mais apenas de funcionalidade e ergonomia dos
produtos, demonstram esse movimento.
A presença da cultura no consumo cotidiano das populações urbanas sinaliza o estado
atual de imbricação entre economia e cultura, onde a desdiferenciação entre ambas se encontra
naturalizada pelo senso comum. A incorporação dessa desdiferenciação pelo status quo, promo-
vendo a valorização da cultura (em termos de estima social) pelo seu potencial de valorização
econômica dos mais diversos produtos e lugares, tem no ideário da Economia Criativa uma
ferramenta central. Esse ideário, difundido a partir da década de 1990, trata da apropriação da
produção simbólica como insumo da produção econômica de forma geral, transformando algu-
mas formas culturais – expressas nas artes, na criatividade popular, nos diferentes modos de vida
– em ativos de grande importância na reestruturação do capitalismo pós-fordista.

4. COMUNICAÇÃO DA CULTURA – PRODUÇÃO E CONSUMO


A imbricação entre cultura e economia, realizada em grande parte através da comunica-
ção, é interpelada por novas questões a partir do recente advento das tecnologias que liberaram
o polo emissor de informações. Mesmo o desenvolvimento dessas tecnologias sendo patrocina-
do e explorado pelo capitalismo, colaborando em suas estratégias político-econômicas, não se
pode ignorar o potencial que a comunicação adquire quando cada usuário deixa de ser somente

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receptor, mas passa também a emissor de dados, possibilitando uma maior democratização da
comunicação e uma maior diversidade na produção cultural.
Este fenômeno, que deu origem ao termo cultura digital, carrega um potencial transfor-
mador e contra hegemônico que certamente precisa ser considerado em qualquer reflexão atual
sobre cultura, pois coloca novas questões no debate da cultura de massa, desestabilizando o
discurso que atribui à indústria cultural a diminuição dos criadores e a multiplicação dos consu-
midores, como fez Certeau há mais de quatro décadas, e trazendo dados novos para se pensar a
relação entre cultura e passividade.
No bojo das contradições próprias ao capitalismo, as novas possibilidades tecnológicas
são apropriadas também pelos movimentos anti capitalistas, além de inúmeros outros movi-
mentos, valorizando e ressignificando termos como compartilhamento e colaboração. Assim, a
pirataria por um lado – de forma predatória, porém capitalista – e as tecnologias livres por outro
– com licenças do tipo copyleft para produtos culturais e softwares utilitários –, funcionam como
reverso das estratégias de dominação das grandes empresas que crescem apoiadas na elimina-
ção ou no encapsulamento dos produtos concorrentes (comprando outras empresas, fundindo
marcas, cooptando profissionais, etc.). A hipervigilância do Estado, com seu aparato de captura
de imagens em tempo real em todo o espaço urbano tem como contraface a captura de imagens
pelos cidadãos, em tempo real, denunciando a atuação do próprio Estado. A impregnação dos
meios de comunicação pela propaganda do mercado, inclusive com invasão da privacidade dos
potenciais consumidores, tem como contraface a produção de paródias e de denúncias sobre
marcas e produtos, disseminadas de forma viral.

5. LEGITIMAÇÃO PELA CULTURA – RECURSO MATERIAL


E RECURSO SIMBÓLICO
A noção de cultura como recurso, formulada por George Yúdice (2006), ajuda a pensar
nas estratégias contemporâneas com as quais o capitalismo mantém sua dominação nas mais di-
versas esferas da vida, ultrapassando a associação automática entre cultura de massa e alienação.
Para além da indústria cultural ou da produção de mercadorias estetizadas, ONGs, movimentos,
grupos identitários, entre outros agentes sem fins lucrativos passaram a fazer uso da cultura
como recurso para os mais diversos fins.
No livro A Conveniência da Cultura, Yúdice trata do momento histórico atual marcado
por uma nova forma de legitimação da cultura, baseada em sua utilidade, onde “uma vez que
todos os atores da esfera cultural se prenderam a essa estratégia [utilitária] a cultura não é mais
experimentada, valorizada ou compreendida como transcendente”, mas sim como um recurso.
Segundo o autor,

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hoje em dia é quase impossível encontrar declarações públicas que não


arregimentem a instrumentalização da arte e da cultura, ora para melho-
rar as condições sociais, (...) ora para estimular o crescimento econômico
através de projetos de desenvolvimento cultural urbano e a concomitante
proliferação de museus para o turismo cultural (YÚDICE, 2006, p.27).
Podemos acrescentar ainda o uso da cultura no marketing empresarial, através da associa-
ção das marcas ao financiamento de determinados produtos culturais e também, conforme Yúdice,
nas lutas por reconhecimento, como recurso político para a conquista de políticas redistributivas.
Estes usos da cultura, distintos em seus objetivos, se igualam no tratamento do cultural
como meio para alcançar os fins desejados. Desta forma, importa menos o conteúdo transmitido
por um projeto sociocultural do que seus resultados quanto a ocupar o tempo livre de populações
entendidas como potencialmente perigosas ou a favorecer a pacificação e construir um ambiente
seguro para investidores; menos a programação dos museus construídos em áreas degradadas do
que o fluxo de visitantes desejados que eles efetivamente atraiam e a valorização imobiliária que
a sua proximidade acarrete; menos o impacto simbólico produzido por uma montagem teatral do
que a transmissão desse capital simbólico para a imagem das empresas patrocinadoras; menos
o conteúdo cultural que distingue um grupo social marginalizado do que o poder de barganha
política que esta distinção confira ao grupo na conquista de direitos que lhe são negados quando
se integra à massa marginalizada da sociedade.

6. DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO CULTURAL – INTEGRADOS


E CAPTURADOS
O processo atual, em que a cultura ocupa um papel central na sociedade, não pode ser
considerado fora da sua conexão visceral com o capitalismo em sua etapa global. Segundo Yú-
dice, “a culturalização da assim chamada nova economia, baseada no trabalho cultural e mental
(...), tornou-se, com o auxílio da nova tecnologia de comunicações e informática, a base de uma
nova divisão do trabalho” (YÚDICE, 2006, p.38). Grosso modo, pode-se distinguir três posi-
ções básicas nesta nova configuração: os detentores de Propriedade Intelectual, os trabalhadores
da cultura e os grupos que representam a diversidade cultural e a convivência multicultural.
Assim como em qualquer negócio do capitalismo flexível, os proprietários de direitos
autorais podem estar em um lugar (geralmente nos países dominantes) e aferir seus lucros a
partir do trabalho e do consumo realizados em outros lugares.
Os trabalhadores da cultura incorporam, além do campo mais tradicional das artes, os
chamados “criativos”, que trabalham na culturalização de mercadorias diversas e são remune-
rados, em geral, por sua força de trabalho, como em qualquer tipo de produção. Vale destacar
que a precarização do trabalho, característica do capitalismo flexível vigente, marca também o
trabalho cultural, que passou a incorporar a “razão empreendedora” (ALVIM et al, 2012), difun-

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dindo formas como o co-working ou home-office7, que vem sendo enaltecidas por permitirem
práticas que diferem do universo do trabalho formal, como o convívio com a família ao longo
da jornada, a possibilidade de conciliar cuidados domésticos e atividade profissional, a liberdade
para se vestir informalmente, a redução de custos de locação, o compartilhamento de redes de
trabalho, etc. Não se pode ignorar, no entanto, que essas novas formas de organização corrobo-
ram o movimento de precarização do trabalho, que inclui novas e antigas formas de exploração
da mais-valia e exclui as garantias sociais que configuraram a noção tradicional de cidadania.
O que distingue a cultura na divisão do trabalho, enfim, talvez seja a posição dos gru-
pos culturais subalternos, que desempenham um papel econômico, mas não são remunerados
por ele. Em relação ao trabalho cultural, esses grupos, raramente vislumbrados pelas políticas
culturais governamentais, não constituem um exército de reserva, na acepção marxista, mas sua
existência confere lucros ao segmento empresarial que, mesmo não se relacionando diretamente
com questões culturais, é atraído e beneficiado por um ambiente multicultural, como acontece
nas cidades globais: “A culturalização, portanto, também é baseada na mobilização e no ge-
renciamento de populações marginais” (YÚDICE, 2006, p.40) que, conforme Manuel Castells
(apud YÚDICE, 2006), “realçam a vida” e nutrem a inovação dos “criadores”. Ou, conforme
Harvey (2005), na apropriação privada do capital simbólico coletivo.

7. CULTURA E CIDADE – EMPREENDEDORISMO E INSURGÊNCIAS


O capitalismo, em sua fase atual, se apropria da cultura não mais apenas na superestru-
tura, onde ela teria o papel de colaborar para a reprodução do modo de produção, mas também
na própria produção capitalista, que incorpora crescentemente aspectos simbólicos como fonte
de valor das mercadorias. Este movimento de culturalização da mercadoria atinge desde a pro-
dução de automóveis até alimentos, mas é na cidade-mercadoria, talvez o artigo mais complexo
que o mercado busca negociar, que suas múltiplas estratégias se revelam.
David Harvey (2005) procura entender o que diferencia os bens culturais de outras tan-
tas mercadorias no capitalismo, chegando a uma forma de renda que é obtida pela conservação
do caráter único das mercadorias, inclusive os lugares apropriados pelo mercado: a renda mo-
nopolista. O empreendedorismo urbano e o grande interesse pelo local que esta forma política
suscita correspondem aos interesses do mercado globalizado, na tentativa de obtenção e/ou pre-
servação da renda monopolista na exploração desses lugares. Assim, as peculiaridades de uma
localidade são seletivamente destacadas e reinventadas, na forma conveniente ao mercado, em

7
A expressão co-working se refere aos escritórios onde empreendedores compartilham seu espaço de trabalho e
infraestruturas como rede de internet, na maior parte das vezes compartilhando também suas redes de clientes e
fornecedores. O termo home-office, literalmente traduzível como casa-escritório, caracteriza o trabalho daqueles
empreendedores que dedicam parte do seu espaço residencial e, em geral, também do seu tempo pessoal, para exer-
cerem sua atividade profissional.

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um esforço conjunto com os governos movidos pela lógica neoliberal, que impõe a necessidade
de que as cidades tornem-se atraentes para o capital e concorram entre si, mundialmente, para
sediar negócios transnacionais.
Os capitalistas envolvidos na elaboração dos marcos de distinção dos lugares onde de-
senvolvem seus negócios se escondem, conforme Harvey, “nas moitas do multiculturalismo, da
moda e da estética, pois é precisamente por esses meios que as rendas monopolistas podem ser
conquistadas, pelo menos por um tempo” (HARVEY, 2005, p.237). Daí a relação que se estabe-
lece entre as lutas por reconhecimento dos grupos marginalizados da sociedade – cuja produção
cultural constitui em geral grande parte daquilo que distingue as cidades e as torna atraentes – e
as estratégias contemporâneas do capitalismo.
Para o capital não destruir totalmente a singularidade, base para a apro-
priação das rendas monopolistas (e há muitas circunstâncias em que o
capital fez exatamente isso), deverá apoiar formas de diferenciação, as-
sim como deverá permitir o desenvolvimento cultural local divergente e,
em algum grau, incontrolável, que possa ser antagônico ao seu próprio e
suave funcionamento. (HARVEY, 2005, p.238)
Segundo Harvey, “O problema para o capital é achar os meios de cooptar, subordinar,
mercadorizar e monetizar tais diferenças apenas o suficiente para ser capaz de se apropriar das
rendas monopolistas disto” (HARVEY, 2005, p.238). E do lado dos movimentos oposicionistas
(os anticapitalistas ou os que estejam mais interessados em suas questões próprias do que na
competição por visibilidade e financiamento), o problema é usar a validação da sua produção
cultural para abrir novas possibilidades e alternativas, aproveitando a facilidade que as circuns-
tâncias oferecem para sua participação cultural de forma a impor a sua participação política.

8. OBSERVAÇÕES SOBRE AS POSSIBILIDADES DA CULTURA NO PLURAL


EM TEMPOS DE CULTURALIZAÇÃO
Como vimos, as práticas culturais extrapolam o campo da cultura, não coincidem com
seu desenho e não se limitam às suas regras. Tanto pela existência de uma massa de agentes
produtores não reconhecidos dentro do campo, como pela imbricação entre cultura e economia,
gerando formas de consumo e de produção de mercadorias que são também práticas culturais.
Para o Estado, é imensa a dificuldade em produzir e apoiar políticas culturais em diálogo
com esse campo ampliado da cultura, ou seja, políticas capazes de considerar a Cultura no Plu-
ral. Enquanto isso, outros agentes e instituições, do mercado, ocupam o lugar onde se elaboram
as políticas culturais para a sociedade. Nesse contexto, as lutas que se fazem a partir do campo
da cultura, assim como as disputas dentro do próprio campo (por financiamento, visibilidade,
direitos, etc.) passam a ser travadas na língua do capitalismo, tratando a cultura como recurso.
Esse debate sobre as transformações recentes na cultura ganha maior relevância quando se de-

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seja pensar e agir a partir do contexto das grandes cidades, em especial aquelas onde uma ges-
tão de tendência neoliberal trabalha pela sua competitividade no mercado mundial, capturando
aspectos da expressão simbólica dos cidadãos como ingrediente de um amálgama artificial que
passa a ser “a cultura” do lugar.
A idéia de Cultura no Plural não é difícil de entender em uma sociedade cada vez mais
multicultural, situada em cidades onde convivem línguas e costumes de dezenas de lugares,
marcadas pela divisão espacial que ora segrega, ora aproxima grupos constituídos por diferenças
e desigualdades. O mercado, mais sagaz que toda a lenta produção intelectual e do que o pesado
aparelho do Estado, entendeu rapidamente que essa pluralidade possibilitava novas formas de
acumulação de capital econômico. As cidades globais são, nessa conjuntura, uma mercadoria
complexa que incorpora cultura, gerando renda de diferentes maneiras.
Uma delas é a reunião, na cidade, entre os consumidores e as mercadorias diferenciais
com as quais aqueles afirmam suas identificações culturais e se diferenciam em meio à enorme
população urbana. Neste sentido, Nestor Garcia Canclini (1995) e George Yúdice (2006) afir-
mam a possibilidade de exercício efetivo da cidadania mesmo nesta conjuntura de dominação
capitalista através da cultura. Se é verdade que o consumo cultural de mercadorias não obedece
à lógica da satisfação de necessidades e sim à da identificação/diferenciação, também é verda-
deiro, segundo os autores, que ele não serve apenas para dividir a sociedade, mas também para
que ela compartilhe significados.
Outra fonte de renda que se realiza na cidade com a imbricação entre cultura e economia
é a conversão da Cultura no Plural em caricatura, sua transformação em Cultura no Singular,
a ser usada como marca nos rótulos com que se vende a própria cidade. Nesse movimento,
enquanto alguns aspectos da cultura local são destacados – pinçados, costurados, colados, re-
montados numa bricolagem à moda do mercado internacional de cidades –, outros aspectos, e
as populações que os produzem, são esquecidos ou ativamente apagados, configurando uma das
formas mais autoritárias de imposição de uma Cultura no Singular.

REREFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, J. L. R., NUNES, T. de G., CASTRO, Carla Appollinario de. Empreendedorismo tupiniquim:
notas para uma reflexão. In: Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades. Niterói:
ANINTER-SH/ PPGSD-UFF, 03 a 06 de Setembro de 2012.
BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007.
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 1995.

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CERTEAU, Michel de. A Cultura no Plural. Campinas: Papirus, 1995.


HARVEY, David. A produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005.
JAMESON, Fredric. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis: Vozes, 2001.
LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
REIS, Ana Carla Fonseca. O desenvolvimento de uma economia criativa. In: URANI, André;
GIAMBIAGI, Fabio. Rio: a hora da virada. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
RUBIM, Antonio Albino Canelas. Cultura e Políticas Culturais. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2011.
YÚDICE, George. A Conveniência da Cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2006.

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DISCUSSÕES SOBRE UMA OBRA UNIVERSITÁRIA – BREVE ENSAIO


SOBRE A ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA DO INSTITUTO NACIONAL
DO LIVRO E OS PROJETOS DA DÉCADA DE 1950
Mariana Rodrigues Tavares1

RESUMO: Este trabalho se destina a apresentar e analisar o projeto cultural de publicação


da Enciclopédia Brasileira do Instituto Nacional do Livro (1937-1990). Para isto, a narrativa
destacará as principais disputas em torno da escolha dos diretores e chefes de seção, tal como,
a ocorrida com o poeta Mário de Andrade. Além disso, esta análise contemplará também os
nomes dos principais ministros que acompanharam o Ministério da Educação e Cultura ao
longo dos anos 1930 e 1970, salientando seus nomes, partidos e ações. Em linhas gerais, o que
esta comunicação almeja é discutir as políticas públicas de edição em voga nos anos 1930-70,
destacando a principal delas que foi a Enciclopédia Brasileira do Instituto Nacional do Livro e
suas aspirações modernistas e nacionalistas.

PALAVRAS-CHAVE: Instituto Nacional do Livro; políticas culturais de edição; Enciclopédia


Brasileira; disputas intelectuais.

A discussão sobre o desenvolvimento foi emblemática na década de 1950, não apenas,


para se pensar os programas políticos vigentes, mas para questionar a concepção da ciência como
instrumento de modernização do Brasil. Neste período pôde-se verificar o que alguns autores
denominam por aprofundamentos de processos sociais de décadas anteriores, dando origem a
instituições e agências de fomento à pesquisa (Botelho, 2008:271). São frutos desses anos, a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) criada em 1948, o Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas de 1949, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ambos
datados de 1951.
Como parte importante desse processo, há de se considerar também as universidades. A
década de 1950 condensou os primeiros resultados acadêmicos das instituições criadas nos anos

1
Mestranda em História Social pelo Programa de Pós-graduação da UFF. Bolsista de mestrado CNPq com o pro-
jeto Editar a Nação e escrever sua História: Livros, projetos editoriais e disputas letradas no Instituto Nacional
do Livro, 1937-1991 sob a orientação da professora doutora Giselle Martins Venancio. Email para contato: historia.
mari@gmail.com.

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1930, destacando-se nesse período, as produções assinadas pelo Rio de Janeiro e São Paulo, a
saber, as da USP e as da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). Junto dessas duas instituições
há de se acrescentar o papel do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), fundado em
1955 e vinculado ao Ministério da Educação. Ao lado das instituições anteriores, o Iseb foi ao
longo da segunda metade do século XX um dos mais destacados lugares de legitimidade inte-
lectual brasileira (Venancio; Furtado, 2013).
O “furor” desenvolvimentista e a mudança na concepção do projeto de modernização
do Brasil, neste momento pautado na ciência como a força motriz das transformações, fez com
que até mesmo o Instituto Nacional do Livro quisesse imprimir uma nova feição a sua obra
principal, a Enciclopédia Brasileira. Por essas razões, este texto pretende analisar os projetos
editoriais da Enciclopédia preparados na década de 1950, destacando as mudanças que decor-
reram desses anos.

1. OS PRIMEIROS TEMPOS DO INL


Durante os primeiros anos de funcionamento, compreendendo o período de 1937-1945,
o Instituto Nacional do Livro teve como diretor o poeta gaúcho Augusto Meyer e como con-
sultor técnico da Enciclopédia Brasileira, o também escritor Mário de Andrade. Este último foi
autor do anteprojeto mais célebre desta obra e imprimiu aos esboços da publicação o caráter das
discussões nacionalistas em voga no Brasil. A iniciativa de conferir ao país uma obra de cunho
nacional é ilustrativa do projeto político de Vargas que teve na nacionalização o instrumento
para a dissolução dos conflitos de classe (Mendonça, 1986).
Contudo a mudança mais radical na concepção do plano apenas aconteceu na década de
1950 quando a obra se universalizou. A partir de então, o plano deixava o nacional interno para
se concentrar nas disciplinas curriculares das universidades. Nesse período a ciência adquiriu le-
gitimidade e valor social, originando projetos no âmbito estatal. Se em 1930 a legitimidade veio
por meio das políticas estatais de promoção da cultura brasileira, nos anos 1950 a questão girou
em torno da consagração do discurso científico produzido e difundido pelas Universidades.
Nesse ínterim, o projeto da Enciclopédia brasileira se redefiniu e também se transformou numa
nova obra. Sob a justificativa de desenvolver o país em termos nacionais houve o fortalecimento
da ciência, dotada de uma autoridade singular, e pensada enquanto uma atividade que funda-
mentaria os projetos de crescimento e modernização do Brasil. É por este motivo que a década
de 1950 concentrou debates na área da atividade científica e do desenvolvimento associando
posicionamentos de diferentes classes sociais e de diversas orientações ideológicas. (Botelho,
2008). Assim como nos demais setores da sociedade brasileira, englobando de governantes a in-
telectuais, o tema da modernização através da atividade científica das universidades também do-
minou o cenário de discussões acerca da Enciclopédia brasileira do Instituto Nacional do Livro.

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2. REALIZANDO UMA OBRA UNIVERSITÁRIA


A função principal da Enciclopédia, tal qual a definição em 1956, era a de atender às
necessidades do público universitário não especializado. Assim,
A Enciclopédia visa também a fornecer idéias claras sôbre os conceitos
fundamentais, nos vários campos de conhecimento. É imprescindível
que o consulente cujo grau de cultura geral é o universitário possa, ao re-
correr à Enciclopédia, nela encontrar a conceituação específica exposta
com o máximo de precisão e clareza, possibilitando-lhe a compreensão
do assunto que desperta o seu interêsse.
Contudo cerca de um ano depois, uma nova publicação foi realizada pelo Instituto Na-
cional do Livro com vistas a divulgar a formatação da obra, suas normas e diretrizes. No pre-
fácio da Enciclopédia Brasileira – introdução, diretrizes e normas gerais datado de 1957, José
Renato Santos Pereira, diretor do órgão afirmava,
Pareceu-nos, tão logo assumimos a direção do Instituto Nacional do Li-
vro, que era nosso inadiável dever levar a cabo a tarefa de reunir em obra
especial todo o acervo de nossas riquezas, do que somos como Nação,
como aglomerado humano com língua própria, tradições, tipicidades,
características culturais originais e autônomas. A Enciclopédia brasilei-
ra, de que este função me é um anteprojeto, poderá atingir esse objetivo
fundamental, paralelamente à sua função enciclopédica universal.
Imperiosa era a necessidade de ser formada uma equipe inicial. Apressa-
mo-nos a organizá-la, orientados por critérios de competência profissio-
nal comprovada, ilibado renome intelectual e existência de indiscutível
folha de serviços à coletividade. Integram a Comissão Central os srs.
Euryalo Cannabrava, Paulo de Assis Ribeiro, Antônio Garcia de Miran-
da Netto, Cristiano Martins e Srta. Suzana Gonçalves. Em outros seto-
res, prestam valiosa colaboração as sras. Vera de Assis Ribeiro, Maria
Eugênia Aché Pillar e o Sr. Afrânio Coutinho.
Pelo que assegura José Renato, a intenção da Enciclopédia foi a de publicar uma obra
que tratasse sobre o patrimônio cultural do Brasil. No entanto o foco da nova versão deste em-
preendimento se centrou em contemplar não o Brasil e as suas peculiaridades, mas as diversas
áreas do conhecimento que faziam parte do universo acadêmico, recém-instalado no Brasil com
as universidades. Nas palavras do diretor,
A esse grupo de profissionais de alto saber e conhecimento da matéria
cabe no momento a tarefa de fornecer às futuras numerosas comissões
de especialistas nos vários campos do conhecimento humano os ele-
mentos básicos para o trabalho de elaboração de verbetes e monografias
referentes às 26 letras de que se compõe o nosso Alfabeto, na natural
ordem seqüencial de A a Z.

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Amparados pela compreensão e pelo apoio do Excelentíssimo Senhor


Ministro da Educação e Cultura, Professor Clóvis Salgado, que neste
caso traz implicitamente a alta aprovação do Excelentíssimo Senhor
Presidente da República, Dr. Juscelino Kubitscheck, e certos de esta-
rem refletindo necessidade premente da vida universitária e cultu-
ral do Brasil, esses técnicos não vêm poupando esforços no sentido de
superar as barreiras destrutíveis pelo trabalho tenaz e pelo amor superior
a Pátria. (grifos meus)
Na tentativa de superar as carências do Brasil quanto à modernidade, a Enciclopédia
brasileira se adequou as necessidades trazidas pela nova época. Alterou os seus objetivos, asse-
melhando-se muito mais aos pressupostos curriculares universitários do que os defendidos pelo
plano de 1937. Para compreendê-los, faz-se necessário remontar os princípios norteadores da
década de 1930 e as questões travadas por Mário de Andrade.
Na década de 1930 as perguntas norteadoras da Enciclopédia brasileira se referiam a
qual público ela atenderia e qual deveria ser o seu caráter cultural. Foram essas as questões ela-
boradas por Mário de Andrade e direcionadas para o anteprojeto que havia preparado a respeito
da Enciclopédia do Instituto Nacional do Livro. A principal característica da publicação era o
seu caráter nacional e alertava Mário de Andrade que esta deveria atender a todas as camadas
sociais, desde as mais cultas até mesmo as mais populares (Andrade, 1993). O ideal da Enciclo-
pédia projetada pelo Instituto e encomendada a Andrade foi o da multivalência. Nas palavras
do poeta, “cria-se uma obra de caráter misto que possa, conforme o assunto, se dirigir à classe
que este assunto diretamente interesse, e a todas as classes ser útil.” (Andrade, 1993). Para
além disso, a Enciclopédia trazia em sua essência o peso nacional e se diferenciaria das demais,
principalmente da Britânica e da Italiana. Segundo Andrade, ela deveria conter “conhecimentos
a respeito da coisa brasileira”. E justifica por meio dos conteúdos que a obra deveria abordar
como, por exemplo, o conteúdo biográfico-histórico. Para Mário,
Qual a mais importante, a que deverá ter maior desenvolvimento na En-
ciclopédia Brasileira, entre as personalidades de Pedro o Grande da Rús-
sia e o Duque de Caxias? Apesar da importância civilizadora e univer-
salmente histórica do primeiro, parece evidente que o Duque de Caxias e
mesmo a imperatriz Leopoldina são mais importantes dentro da Enciclo-
pédia Brasileira. Só por este critério é que a nossa enciclopédia terá uma
funcionalidade nacional mais legítima, bem mais profunda e fecunda.
Mas não foi apenas isto que inquietava os protótipos da Enciclopédia. Sabendo das es-
cassas informações que circulavam a respeito do Brasil no exterior, a proposta de Mário de
Andrade ao projetar uma Enciclopédia nacionalista também procuraria corrigir o déficit de co-
nhecimento a respeito do Brasil e, mais uma vez, justificava a desproporcionalidade funcional
que faria a Enciclopédia ao dedicar vinte linhas para Pedro o Grande e quarenta linhas para a

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imperatriz Leopoldina. (Andrade, 1993) Sem dúvida, a discussão nacional deu o tom dos deba-
tes na década de 1930 e, principalmente, foi definitiva para fazer emergir a ideia de se produzir
uma Enciclopédia brasileira ao ponto de mobilizar um Instituto e intelectuais nesse serviço.
Entretanto pouco mais de vinte anos depois de criado o Instituto Nacional do Livro e
de elaborado o plano da Enciclopédia Brasileira por Mário de Andrade, o perfil e a função da
Enciclopédia havia sido modificado radicalmente. Considerando todas as razões levantadas na
abertura desse texto que englobam desde a discussão do nacionalismo enquanto uma categoria
conceitual que foi definida nos anos 1930 pelo viés da homogeneidade e, sobretudo, pela busca
das origens culturais brasileiras, até mesmo, a mudança de definição que marcou os anos 1950,
pode-se afirmar que na década de 1950 a Enciclopédia nacionalista havia se transformado numa
obra de caráter universitário. Tudo isso porque foi neste período que o Brasil ingressou numa
nova fase de desenvolvimento econômico, industrial e cultural sendo a força motriz desse mo-
mento a posição do país no cenário internacional. A partir de então, não foi necessário apenas ter
uma obra que apresentasse o Brasil aos brasileiros, mas que, sobretudo, inserisse o país no quadro
de desenvolvimento da época e que estimulasse as pesquisas e os conhecimentos universitários
do período. Por essas razões, as diretrizes da Enciclopédia brasileira postuladas por Euryalo
Cannabrava ilustram a inquietação desse momento e que, especialmente, procuram explicitar as
razões pelas quais a Enciclopédia ainda não havia sido lançada. Nas palavras de Cannabrava,
A principal razão por que a Enciclopédia Brasileira até hoje os seus
trabalhos apenas iniciados, sem possibilidades de se levar essa ingente
tarefa a bom termo, decorre do excesso de escrúpulos e do ideal de per-
feição que animava os seus organizadores. Observa-se comumente no
Brasil e em toda a América Latina a preocupação de realizar certa obra
de maneira tão satisfatória que o resultado de tudo é o malogro ou a con-
finação ao que se denomina os árduos trabalhos preparatórios.
(...)
O resultado de tudo isso é que a aventura enciclopédica implica, tam-
bém, espírito de renúncia, sacrifício do pitoresco e do interessante em
proveito da solidez, precisão e objetividade. Pode-se perfeitamente ela-
borar uma imensa obra que incluiria tudo aquilo que as enciclopédias
não registram. O trabalho, portanto, não é de assimilação indiscrimina-
da, mas de espírito seletivo e alerta perante as indispensáveis omissões.
A Enciclopédia, portanto, não representa apenas o epítome da sabedo-
ria ecumênica, mas também o compêndio, por exclusão, daquilo que se
considera acidental, fortuito, ocasional ou aleatório. A tarefa, sendo de
escolha, inclui assim não somente o que se aproveita, como também o
que se refuga. As omissões em obra de tal magnitude frequentemente
são mais trabalhosas e difíceis do que aquilo que se inclui, seguindo as
normas do consenso universal.

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Além das explicações e enaltecimentos para o trabalho, a questão da Enciclopédia dei-


xava de ter como escopo o nacionalismo para se centrar nos aspectos científicos. Conforme
destacou André Botelho, o caráter dos anos 1950 foi o da definição da ciência e de sua produção
como práticas universitárias. Para Cannabrava, a Enciclopédia deveria atender justamente esse
público e, para isso, o novo plano de redação recuperaria os programas das faculdades e das
instituições de ensino superior para contemplar o novo perfil da publicação. Sobre isso, o chefe
argumenta que:
A Enciclopédia Brasileira, que dedicará ao conhecimento científico pa-
pel relevante em suas páginas, pretende focalizar a dimensão prospecti-
va, sem prejuízo do inventário retrospectivo de importantes aquisições.
Mas é preciso não esquecer que o nosso objetivo consiste em atender às
necessidades culturais do estudante de nível universitário. Daí o estudo
meticuloso dos programas das faculdades e instituições de ensino para
que se possam incluir na enciclopédia verbetes e monografias aptos a
ministrar os conhecimentos exigidos pelo currículo.
Bastaria que a obra em debate satisfizesse esse requisito para que ficasse
demonstrada a sua utilidade. Em nosso meio faltam os manuais escritos
na língua portuguesa e adaptados às nossas necessidades. Se a Enciclo-
pédia Brasileira fornecer aos estudantes universitários indicações preci-
sas no texto e na parte bibliográfica sobre a matéria de ensino em nossas
escolas e faculdades terá, sem dúvida alguma, preenchido uma de suas
mais altas finalidades.
E ainda insistiu na questão da divulgação dos conhecimentos destinados para o público
universitário,
A divulgação dos conhecimentos de nível superior, realizada sob forma
acessível aos indivíduos medianamente dotados, constitui obra de maior
relevância em nosso meio. Não acredito que as deficiências apontadas
em nosso sistema universitário sejam motivadas por incapacidade dos
professores ou falha no preparo dos alunos. O que suscita a desmoraliza-
ção do ensino nacional é a falta de seriedade e de honesto cumprimento
do dever por parte daqueles que exercem postos importantes na admi-
nistração pública.
Acredito sinceramente que a nossa enciclopédia possa influir na melho-
ria do ensino nacional, levando até os estudantes e as pessoas de nível
cultural universitário um repositório de ideias, teorias e princípios que
contribuam diretamente para enriquecer o acervo da civilização brasi-
leira.
Com concepções bastante distintas, a Enciclopédia brasileira do Instituto Nacional do
Livro chegava ao fim da década de 1950 modificada. Se outrora a publicação foi mais nacio-
nalista e, até mesmo, modernista, a partir de 1956 ela se consolidou como sendo uma obra

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universitária. Nessa época, as principais discussões centravam-se no nacionalismo e nas suas


implicações, não apenas, no Brasil, mas no mundo. No entanto, para muitos estudiosos, os
intelectuais brasileiros chegavam ao fim dos anos 1950 sem bases teóricas que pudessem legiti-
mar o nacionalismo e a consciência nacional (Côrtes, 2008). Ainda que tenha havido toda uma
publicação editorial preocupada com a temática nacional, para analistas como Norma Cortês,
tais produções não chegaram a contribuir para a querela nacionalista brasileira. Para a autora,
os anos 1950 marcavam uma superação de pontos de vista de duas gerações de intelectuais
compreendidos entre os que debatiam os aspectos que caracterizaram a nacionalidade brasileira,
os modernistas, e aqueles que problematizaram o real. Nas palavras de Norma Cortês, “longe
de consistir numa simples rixa entre antigos e modernos, a superação dos topoi cognitivos da
tradição sociológica envolvia um claro esforço para a re-significação do ser nacional.” (Côrtes,
2008). Nesse processo de redefinição e, principalmente, de ressignificação de projetos e discus-
sões nacionalistas, a Enciclopédia brasileira emergia numa nova forma e destinada para um
novo público.
Além de uma nova definição, o espaço da seção de Enciclopédia do Instituto Nacio-
nal do Livro esteve imerso em disputas intelectuais, ideológicas e políticas. Talvez um indício
desses conflitos esteja na separação entre os intelectuais cariocas que ocupavam a função nas
comissões organizadoras da obra e naqueles que se direcionavam, cada vez mais, para o discur-
so vitorioso e científico da Universidade de São Paulo. Ao que parece, Paulo de Assis Ribeiro
esteve inserido no segundo grupo, o do discurso paulista. Sua saída certamente também foi con-
dicionada por esse debate de concepções e não apenas por motivos de saúde e da improbidade
de alguns funcionários. Ao se mapear os intelectuais que foram membros das comissões depa-
ra-se com nomes conhecidos do universo católico, do movimento integralista, da filosofia e da
história. Os nomes são: Euryalo Cannabrava como presidente comissão central; Paulo de Assis
Ribeiro como coordenador; Fernando de Bastos d’Avila (padre); Coronel Figueiredo; Arman-
do Hildebrand; Yolanda Monteiro como secretaria; Antonio Houaiss na comissão de filologia;
Celso Cunha na mesma comissão; Afrânio Coutinho, Otávio Melo Alvarenga e José Galante na
comissão de literatura e artes; na comissão de atividades econômicas e sociais tivemos René
Laclette, Paulo Sá e Manoel José Ferreira; na comissão de economia e administração tivemos
os nomes de João Paulo de Almeida Magalhães; Wanderbilt Duarte de Barros e Ostand Cardim;
na comissão de ciências naturais tivemos os nomes de Leonam Azevedo Pena; Othon Henry
Leonardes e Carlos Chagas Filho; e por fim, na comissão de ciências histórica e sociais tivemos
os seguintes nomes: Arthur Rios; Hélio Viana; Américo Lacombe; Giorgio Mortara; Francisco
Clementino Santiago Dantas; Prudente de Morais Neto e Mário Filho. Há de somar a entrada
posterior de Miguel Reale na comissão de religião da Enciclopédia. Os nomes dos personagens
que compuseram as comissões da Enciclopédia foram todos e se não em sua grande maioria,

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pessoas ligadas às antigas instituições que legitimavam o campo dos conhecimentos antes do
advento científico promovido pelas universidades na década de 1950. O Instituto Nacional do
Livro foi um espaço de consagração, concentrando os maiores nomes da intelectualidade que
apenas perderiam a visibilidade anos mais tarde com a consolidação do discurso científico ad-
vindo das Universidades.

3. UMA ENCICLOPÉDIA MODIFICADA – ALGUMAS OBSERVAÇÕES


A Enciclopédia foi refeita no momento de se repensar a realidade social brasileira. Disso
não se tem dúvida, uma vez que, a obra concentrou em seu conteúdo as mudanças e as inda-
gações que marcaram a década de 1950. Em tempos de democracia como foram os “dourados
anos” de Juscelino Kubitschek, as transformações atingiram, não só, as obras impressas, mas
também a arte e a arquitetura. Nesse período, além da construção de Brasília, a novacap, com
uma estrutura arrojada e que rompeu com os modelos até então existentes, as artes plásticas, a
poesia e a prosa, a música romperam com os cânones do passado, ou seja, o modernismo de an-
tes (Côrtes, 2008). Por essas razões, que a década de 1950 marcou uma ruptura com a concepção
de nacionalismo existente desde a década de 1930 e passou a privilegiar, não apenas o conjunto
de características que “definiam os brasileiros”, mas aquilo que inseria o Brasil na modernidade
e principalmente no futuro, tudo isso, a nível mundial.
Para muitos estudiosos da década de 1950, a palavra de ordem desse período foi a ideia
de movimento dadas as transformações decorrentes dos processos de industrialização e de urba-
nização que marcaram estes anos. Foram anos de remissão com o passado e busca por um futuro
de progresso e de desenvolvimento. Talvez tenha sido este o espírito que prevaleceu nos anos
pós Segunda Guerra Mundial, mas no Brasil as novas perspectivas sociopolíticas consolidaram
um debate antecedente sobre a identidade nacional e as suas raízes. Seja pela modernidade
trazida pela ciência e pelas universidades, seja pela mudança de concepção da Enciclopédia
brasileira. Nas palavras de André Botelho,
Ao longo da década de 1950, contudo, outras vertentes interpretativas
passaram a conceber o moderno como construção da sociedade, atra-
vés de perspectivas mais universalistas, como uma sociedade de classes
sob o domínio de uma ordem democrática, secularizada e competitiva,
perspectivas corroboradas também na criação de instituições de caráter
democrático, alicerçadas na ciência (Botelho, 2008).
E foi sob o alicerce da ciência e da modernidade que a década se constituiu. A Enciclo-
pédia brasileira e o próprio Instituto Nacional do Livro foram frutos dessa mudança e desses
novos tempos. Nas décadas seguintes, a situação brasileira se reconfiguraria mais uma vez. O
tempo democrático se esvaia para dar lugar ao longo período ditatorial. Dessa vez, com os mi-
litares no comando. Junto deles, uma nova etapa se instauraria no Instituto Nacional do Livro e

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a Enciclopédia brasileira entraria numa fase de estagnação, e estaria, mais uma vez, imersa nas
disputas entre diretores, chefes de seção e tramas de publicação até a sua consequente extinção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOTELHO, André. Ciência pelo desenvolvimento: a escrita pública de José Leite Lopes. In: BOTELHO,
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FARIA, Daniel Barbosa Andrade de. O mito modernista. 297f. Tese (Doutorado). Instituto de Filosofia e
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rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010.
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MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e economia no Brasil: opções de desenvolvimento. Rio de
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SCHWARTZMAN, Simon. A ação cultural. In: Tempos de Capanema. Simon Schwartzman, Helena
Maria Bousquet Bomeny, Vanda Maria Ribeiro Costa (orgs.). São Paulo: Paz e Terra: Fundação Getúlio
Vargas, pp.97-122, 2000.
_______. A universidade primeira do Brasil: entre intelligentsia, padrão internacional e inclusão social.
Estudos Avançados, vol. 20, n.56, jan./abr. 2006, p.161-189, 2006.
SILVA, Suely Braga da. O Instituto Nacional do Livro e a Institucionalização de organismos culturais no
Estado Novo (1937-1945): Planos, ideais e realizações. 1992. 157f. Dissertação (Mestrado em Ciência da
Informação) – Programa de Pós-graduação convênio CNPq/IBICT – UFRJ/ECO, Rio de Janeiro, 1992.

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REFLEXÕES ACERCA DOS MARCOS LEGAIS


PARA AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS NO BRASIL
Marília Cossich Ramos1
Elisa Campos Machado2

RESUMO: Apresenta uma reflexão acerca do cenário das políticas públicas de cultura, em
vigor, voltadas para as bibliotecas públicas no Brasil. Parte das diretrizes internacionais para as
bibliotecas públicas, ressalta a importância desse tipo de biblioteca para a democratização do
acesso à leitura e à informação, e analisa a legislação e as ações do governo federal voltadas para
o fomento e manutenção das mesmas. Conclui que as legislações existentes, na esfera federal,
não garantem a existência e manutenção de bibliotecas públicas com acervos, espaços e serviços
de qualidade para atender as necessidades de informação e leitura da população brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas públicas, Políticas culturais, Bibliotecas públicas.

1. INTRODUÇÃO
Identificada como o equipamento cultural mais presente nos municípios brasileiros nas
últimas pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e inte-
grantes do processo de democratização do acesso à leitura e à informação, a biblioteca pública
é reconhecida como espaço estratégico de inclusão cultural dentro das políticas públicas de
cultura de Estado no Brasil.
A elaboração e implementação das políticas voltadas para bibliotecas pública, na esfera
federal brasileira, é de responsabilidade do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP),
instituição que tem sua história iniciada dentro do Instituto Nacional do Livro (INL) e que atual-
mente é vinculado à Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) do Ministério
da Cultura (MinC).
Diferentemente de outros país da América Latina, o Brasil não possui uma lei específica
para regular e garantir a existência e o bom funcionamento desse tipo de biblioteca nos 5.570
1
Bibliotecária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Biblioteconomia (PPGB) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
2
Professora Doutora, do Departamento de Estudos e Processos Biblioteconômicos (DEPB) e do Programa de
Pós-Graduação em Biblioteconomia (PPGB) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Líder do Grupo de Pesquisa Bibliotecas Públicas no Brasil: reflexão e prática.

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municípios que compõe a federação. Segundo dados do SNBP atualmente o país conta com mais
de 6.000 bibliotecas públicas, distribuídas nos 26 estados da federação.
Apesar de reconhecer que as políticas públicas não são necessariamente criadas e imple-
mentadas pelo Estado, acredita-se que é determinante para o Brasil uma legislação específica
para garantir a existência de bibliotecas públicas que ofereçam espaços, serviços e acervos de
qualidade para a população, visto que os governos locais, em sua maioria, não reconhecem a
leitura, a literatura e a informação como bem prioritário para a população.
Uma lei desse porte se configura numa macropolítica, estruturante, constitutiva e regu-
latória, passível de agregar outras políticas públicas de nível intermediário e operacionais, de
governo e de agentes não governamentais.
Cabe registrar que no Brasil a incidência de instituições privadas e da sociedade civil no
desenvolvimento de projetos voltados para o acesso à informação e à leitura tem se caracteri-
zado como ações locais, pontuais e, em sua maioria sem continuidade, justamente por falta de
marcos regulatórios nacionais.
Entendo a biblioteca pública como um equipamento cultural estratégico para o desen-
volvimento das habilidades de leitura, para o acesso, aquisição e apropriação da informação e,
consequentemente, para o exercício da cidadania dentro dos princípios da formação humanista,
esta pesquisa se propõe a analisar os marcos legais voltados para o apoio e fortalecimento desse
tipo de biblioteca no país.
O presente relato apresenta os resultados da primeira etapa da pesquisa de mestrado
intitulada “Marcos regulatórios para as bibliotecas públicas no Brasil” 3. Esta pesquisa foi es-
truturada em 2 etapas, sendo a primeira relativa a construção do referencial teórico relativo ao
tema, e a segunda etapa em uma análise das proposições de governo para as bibliotecas públicas
no âmbito federal, vistas como políticas públicas operacionais.
Trata-se de uma pesquisa aplicada, de abordagem qualitativa e documental, que teve
início a partir de um levantamento bibliográfico em documentos primários e secundários ob-
tidos como resultado das buscas nas seguintes bases de dados: Base de Dados em Ciência da
Informação (BRAPCI), no Portal de Periódicos Capes/MEC e a Web of Science, utilizando os
seguintes termos para busca cruzada: políticas públicas, políticas culturais, bibliotecas públicas
e formulação de políticas públicas, dentro do período de 13 anos, que compreende 2003 a 2015.
No que se refere a legislação existente relativa a área tomou-se como base o resultado
do mapeamento das políticas culturais nacionais voltadas para as bibliotecas públicas no Brasil,
que vem sendo realizada por integrantes do Grupo de Pesquisa Bibliotecas Públicas no Brasil:

3
Pesquisa em desenvolvimento no mestrado profissional do Programa de Pós-Graduação em Biblioteconomia
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGB-UNIRIO), integrante do Grupo de Pesquisa “Biblio-
tecas Públicas no Brasil: reflexão e prática”, na linha de pesquisa “Biblioteconomia, cultura e sociedade”.

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reflexão e prática do qual as autoras fazem parte, e as informações disponibilizadas pelo Sistema
Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) do Ministério da Cultura (MinC).
Para a realização da segunda etapa da pesquisa, que refere-se ao levantamento e análise
da legislação que se encontra em fase de elaboração, identificado como proposições de governo,
foi realizado levantamento no Portal das Atividades Legislativas Projetos e Atividades do Se-
nado Federal4 e no Portal da Câmara dos Deputados Federal5 que resultou na recuperação de 35
registros sob temas ligados às bibliotecas públicas.

2. POR QUE BIBLIOTECAS PÚBLICAS NO BRASIL?


Num país como o Brasil, com altos índices de exclusão e de analfabetismo funcional a
biblioteca pública é o espaço da sociabilidade, o espaço da educação informal, da autoinstrução,
que não pode ser reduzido a um espaço unicamente de leitura e de apoio a pesquisa escolar,
como tantos autores vem alertando (MILANESE, 2013; MEDEIROS, 2013, entre outros).
A biblioteca pública, é aquela que é aberta a toda comunidade local, crianças, jovens e
adultos, e oferece espaço, acervo e serviços que objetivam a democratização do acesso à leitura
e à informação. Sendo assim, é considerada equipamento cultural e está no âmbito das políti-
cas públicas do Ministério da Cultura (MinC). Em sua maioria, é criada e mantida pelo Estado
(Município, Estado ou Federação), mas pode ser criada e mantida também pela sociedade civil,
desde que ofereça serviços gratuitos e não restrinja o acesso a grupos específicos.
Oferece acesso ao conhecimento, à informação por meio diferentes recursos e serviços
e “se coloca à disposição, de modo igualitário, a todos os membros da comunidade, indepen-
dentemente de raça, nacionalidade, idade, gênero, religião, língua, deficiência física, condição
econômica e social e nível de escolaridade” (FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE ASSO-
CIACÕES DE BIBLIOTECÁRIOS E BIBLIOTECAS, 2012).
No campo da Biblioteconomia as bibliotecas diferenciam-se de acordo com o acervo e
público que atende, por exemplo: a biblioteca pública atende a todos os tipos de público e por-
tanto deve possuir espaços diferenciados, um acervo diversificado e serviços para atender aos
diferentes interesses de informação e leitura; a biblioteca escolar trabalha em consonância com
o projeto pedagógico da escola ao qual está inserida; a biblioteca universitária tem por objeti-
vo apoiar as atividades de ensino, pesquisa e extensão a comunidade acadêmica; a biblioteca
especializada é voltada para um campo específico do conhecimento. Trata-se de uma tipologia
aceita internacionalmente.
Cabe resgatar os pressuposto considerados pela União Europeia em seu Relatório de 1998:


4
Endereço eletrônico: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/default.asp

5
Endereço eletrônico: http://www2.camara.leg.br

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• a importância do domínio da informação como fator de integração econômica, social


e cultural, sendo conveniente o livre acesso a informação por parte dos cidadãos;
• a importância da cultura na aquisição de novos conhecimentos e de enriquecimento
linguístico, principalmente através da literatura;
• a importância dos fatores democrático, social e cultural na evolução da sociedade, e
não apenas os fatores econômicos e tecnológicos;
• a importância de se garantir o acesso à crescente quantidade de informação disponí-
vel em rede ou em outra forma digital;
• o papel insubstituível das bibliotecas na organização do acesso ao conhecimento e na
mediação entre os meios informacionais tradicionais e os novos;
• a contribuição única das bibliotecas como instituição de apoio à aprendizagem ao
longo da vida.

Já o Manifesto da IFLA/UNESCO sobre bibliotecas públicas publicado em 19946, enu-


mera as missões-chave da biblioteca pública, relacionadas com a informação, a alfabetização, a
educação e a cultura, que são as seguintes:

• Criar e fortalecer os hábitos de leitura nas crianças, desde a primeira infância;


• Apoiar a educação individual e a auto formação, assim como a educação formal a
todos os níveis;
• Assegurar a cada pessoa os meios para evoluir de forma criativa;
• Estimular a imaginação e criatividade das crianças e dos jovens;
• Promover o conhecimento sobre a herança cultural, o apreço pelas artes e pelas rea-
lizações e inovações científicas;
• Possibilitar o acesso a todas as formas de expressão cultural das artes do espetáculo;
• Fomentar o diálogo intercultural e a diversidade cultural;
• Apoiar a tradição oral;
• Assegurar o acesso dos cidadãos a todos os tipos de informação da comunidade local;
• Proporcionar serviços de informação adequados às empresas locais, associações e
grupos de interesse;
• Facilitar o desenvolvimento da capacidade de utilizar a informação e a informática;
• Apoiar, participar e, se necessário, criar programas e atividades de alfabetização para
os diferentes grupos etários.

6 Endereço eletrônico: http://archive.ifla.org/VII/s8/unesco/port.htm

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O Manifesto de Caracas7, resultado de um encontro sobre biblioteca pública realizado em


1985, reafirma os compromissos com o Manifesto da IFLA/UNESCO e aprova diretrizes para nor-
tear a ação das bibliotecas públicas na região. Nessa declaração as bibliotecas passam a ser com-
preendidas como um instrumento de transformação social em toda a América Latina e no Caribe.
Assegurar a toda a população o livre acesso à informação em suas di-
ferentes formas de apresentação. Esta informação deve ser ampla, atu-
alizada e representante da soma de pensamentos e ideias do homem e
da expressão de sua imaginação criativa de tal maneira para que tanto o
indivíduo como a comunidade, possam ser colocados em seu contexto
histórico, socioeconômico, político e cultural. Incentivar a participação
ativa e efetiva da população na vida nacional, aumentando, assim, o pa-
pel da biblioteca como um instrumento para facilitar a mudança social e
participação na vida democrática; servir como um centro de informação
e comunicação para a comunidade; promover o resgate, compressão,
distribuição e defesa da cultura nacional e local; apoiar o desenvolvi-
mento de uma indústria editorial nacional e regional economicamente
forte e culturalmente independentes. (DECLARACIÓN…, 1999, p.57,
tradução nossa).
O Brasil segue as diretrizes internacionais e desenvolve, por meio do SNBP, programas
e projetos de apoio e estímulo a ampliação, valorização e manutenção de bibliotecas públicas.
Vem trabalhando nessa direção desde 1937, quando foi criado o Instituto Nacional do Livro
(INL), no entanto, não implementou até o momento uma legislação que garanta que os municí-
pios e estados brasileiros mantenham bibliotecas públicas com serviços, acervos e espaços de
qualidade para atender a população local.

3. POLÍTICAS CULTURAIS PARA BIBLIOTECAS


Milanesi (2013, p. 66) afirma que “as políticas culturais no Brasil, na prática nunca
deram prioridade às bibliotecas públicas e ao acesso à informação. O resultado desse descaso
de décadas é o atual panorama de bibliotecas vistas como repartições municipais de pouco e
decrescente uso”. Ainda segundo o autor, o que se tem observado ao longo das últimas décadas
é que os maiores investimentos em bibliotecas no país são realizados nas bibliotecas especiali-
zadas e universitárias, sem haver correspondente nas bibliotecas públicas.
Mas para entendermos como se dá a construção de políticas culturais voltadas para um
determinado campo é importante resgatar o conceito de política pública. De acordo com Secchi
(2014, p.2) a política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público [...]
a razão para o estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um
problema entendido como coletivamente relevante”.


7
Endereço eletrônico: http://snbp.culturadigital.br/manifestos/manifesto-de-caracas-sobre-bibliotecas-publicas/

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Nesse sentido cabe iniciar esta reflexão com a questão: a carência de bibliotecas públicas
no Brasil é considerada um problema público?
É importante registrar a defesa de Secchi (2010) por considerar políticas públicas o con-
junto de diretrizes identificadas: - de nível estratégico, - de nível intermediário que envolve as
políticas municipais, regionais ou estaduais e, - de nível operacional. “Essa noção implica que,
a cada nível da política pública, há um entendimento diferente dos problemas e das soluções, há
uma configuração institucional diferente, existem atores e interesses diferentes” (Giuliani, 2005,
apud SECCHI, 2010, p. 7).
Na visão de Ferreira (2003, p. 17) o Estado exerce papel primordial na elaboração de
políticas públicas, sendo assim, estas podem ser compreendidas como:
tomada de posição do Estado diante das demandas da sociedade, que
se traduz, entre outras coisas, em legislações, programas e projetos de
ação voltados à segurança, à educação, à geração de emprego e renda,
à saúde, à regulação da economia, ao uso dos recursos naturais, à segu-
ridade social e a tantos outros aspectos da vida econômica e social que
puderem ser enumerados.
A respeito dessa questão é importante reconhecer que os projetos “Acessibilidade em
Bibliotecas Públicas”8, o “Mais Bibliotecas Públicas”9, e o Bibliotecas em Rede, implementados
pelo SNBP nos últimos anos, são exemplos de tomada de posição do Estado em relação a uma
demanda da sociedade. O primeiro refere-se à necessidade das bibliotecas públicas brasileiras
se transformarem em espaços inclusivos respeitando e propiciando o acesso a todas a pessoas
com deficiência. O segundo projeto trata-se de fomentar a ampliação do número de bibliotecas
públicas e estabelecer um processo de monitoramento dos investimentos realizados pelo gover-
no na implantação de novas bibliotecas públicas nos municípios brasileiros nos últimos anos.
O terceiro, Bibliotecas em Rede, atuou na articulação de redes entre pessoas que atuam nas
bibliotecas e a comunidade local.
No entanto, o Estado ainda não criou uma legislação que garanta a existência e a manu-
tenção de bibliotecas públicas em todo o país, o que resulta num cenário de baixos investimentos
e de fragilidade na atuação do SNBP e dos Sistemas Estaduais e Municipais de Bibliotecas Pú-
blicas, instituições que deveriam ter força para atuar na democratização do acesso à informação
e à leitura por meio da biblioteca pública.
Estudos da área apresentam duas abordagens relativas as políticas públicas: a estatista
e a multicêntrica. A abordagem estatista considera as políticas públicas de monopólio de atores
estatais, já a multicêntrica considera além dos atores estatais no estabelecimento de uma política
pública, as organizações privadas, organizações não governamentais (SECCHI, 2014). Uma lei


8
Endereço eletrônico: http://acessibilidadeembibliotecas.culturadigital.br

9
Endereço eletrônico: http://snbp.culturadigital.br/projetos/maisbibliotecaspublicas/

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políticas culturais
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federal para regular as bibliotecas públicas no Brasil se constitui numa política de governo, no
entanto, essa lei deve prever a participação da sociedade, ou seja, pode ser construída em con-
junto com diferentes agentes, sem favorecer grupos de interesses específicos.
As políticas públicas geralmente agregam características de dois ou mais tipos de polí-
tica e estão dentre as seguintes categorias: regulatórias, distributivas, redistributivas e constitu-
tivas, segundo a visão de Lowi (apud SECCHI, 2014). A lei das bibliotecas públicas proposta
pode ser caracterizada como uma política regulatória e constitutiva.
O processo de elaboração de políticas públicas, também conhecido como o ciclo de
políticas públicas, é composto por sete fases sequenciais e interdependentes: a identificação do
problema, a formação na agenda, a formulação de alternativas, a tomada de decisão, a imple-
mentação, a avaliação e a extinção.
Na fase de identificação do problema percebe-se a diferença entre a situação real e a
ideal ante algum problema; a formulação de alternativas visa a escolha de potenciais soluções
levando-se em conta custos e benefícios; a implementação é a fase em que são colocadas em
prática regras e ações, e por fim, a avaliação tem por objetivo verificar se a política está sendo
bem-sucedida ou não (SECCHI, 2014).
A elaboração e execução de propostas para as bibliotecas públicas envolve diferentes
atores, governamentais e não governamentais, políticos, tais como senadores e deputados, de-
signados politicamente, tais como os integrantes do SNBP, grupos de interesse, como represen-
tantes de classe, editores e livreiros, professores, bibliotecários, formadores de opinião, movi-
mentos sociais, entre outros.
Vale ressaltar que no que ser refere ao segmento da cultura, a tendência atual tem mos-
trado que ao setor público não cabe produzir ou dirigir a cultura, mas fomentar a sua produção, a
sua distribuição e o seu consumo, democratizando e proporcionando acesso à produção cultural
(INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2003).
Como requisitos principais para uma política cultural Rubim ressalta que falar em polí-
ticas culturais implica, dentre outros requisitos, pelo menos: intervenções conjuntas e sistemáti-
cas; atores coletivos e metas” (RUBIM, 2007, p. 13).
De acordo com Rubim (2011) um dos grandes desafios das políticas culturais na con-
temporaneidade é contemplar as dimensões nacionais, locais, regionais e globais de um país,
respeitando suas peculiaridades e singularidades. Neste novo panorama atual, as políticas cul-
turais deixam de serem produzidas apenas pelo Estado e passam a também a serem formuladas
por agentes da sociedade civil.
Calabre (2007) lembra que cada vez mais a população vem buscando formas de partici-
par e interferir nas decisões no campo das políticas públicas culturais, sendo assim:

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políticas culturais
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Um dos possíveis caminhos a serem seguidos nesse processo de cons-


trução de políticas de longo prazo é o do envolvimento dos agentes atin-
gidos por tais políticas. O país vive hoje um movimento contínuo de
construção de projetos coletivos de gestão pública nas mais variadas
áreas. São cada vez mais atuantes os conselhos que contam com a parti-
cipação efetiva da sociedade civil (CALABRE, 2007).
O Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) é um dos espaços abertos pelo
governo a participação da sociedade na construção de políticas públicas e o Comitê Setorial do
Livro e Leitura aborda atua especificamente no campo das bibliotecas públicas.
De acordo com Figueiredo e Figueiredo (1986) as pesquisas de avaliação das políticas
públicas podem ser de dois tipos: a avaliação de processos e a avaliação de impactos. A avalia-
ção de processos busca verificar a eficácia dos programas, ou seja, se eles estão de acordo com
as diretrizes estabelecidas e se atingiram as metas estipuladas. As análises dos impactos, por sua
vez, orientam-se para os efeitos do programa sobre a população-alvo e estabelecem uma relação
de causalidade entre a política e as alterações decorrentes dela. Nesse sentido, de maneira sis-
temática as metas do PNC são revisadas pelo CNPC, por meio de consulta pública e posterior a
partir da análise dos resultados obtidos durante o ano de gestão.
Como já mencionado anteriormente a extinção de políticas públicas também faz parte
do ciclo de políticas públicas e, segundo Giuliani (2005, apud SECCHI, 2010, p. 53) existem 3
fatores que levam a extinção de uma política. São eles, a percepção de: - resolução do projeto
original; - ineficácia das leis ou ações; - a perda de importância do problema e a sua retirada da
agenda política.
No Brasil, a programa de governo mais emblemático que foi extinto na área das bibliote-
cas públicas foi o Programa Livro Aberto que distribuía acervo, equipamentos e mobiliário para
implantar uma nova biblioteca em pequenos municípios ou modernizar bibliotecas já existentes.

4. LEGISLAÇÃO, PLANOS E PROGRAMAS DO GOVERNO FEDERAL


PARA BIBLIOTECAS PÚBLICAS
O SNBP disponibiliza em seu site10 a legislação que incide direta e indiretamente nas
bibliotecas públicas, no entanto, cabe registrar que nessa pesquisa estão sendo destacadas so-
mente aquelas que tem relação direta com este tipo de equipamento cultural. Nesse contexto,
o primeiro decreto que cabe destaque é o de criação do próprio SNBP no ano de 1992, subor-
dinado a Fundação Biblioteca Nacional (BRASIL, 1992). Como já mencionado anteriormente,
a formulação das políticas públicas nesse campo é gerenciada por este organismo. Ao SNBP
cabe oferecer assessoria técnica as bibliotecas e profissionais que atuam no campo, fomentar
a pesquisa e a formação de bibliotecários para atuar na área, a gestão da informação sobre as

10
Endereço eletrônico: http://snbp.culturadigital.br/legislacao/

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bibliotecas públicas no país e o fomento a ampliação do número de bibliotecas e manutenção


das já existentes.
Dentre os recursos que o SNBP tem para planejar e implementar as políticas públicas
voltadas para bibliotecas públicas no Brasil, encontra-se a Lei n.10.753, de 30 de outubro de
2003, chamada de Lei do Livro, institui a Política Nacional do Livro (PNL), que prevê em seu
capítulo V que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão consignar, em
seus respectivos orçamentos, verbas para as bibliotecas com a finalidade de possibilitar sua ma-
nutenção e aquisição de livros. E mais, estabelece a inserção de rubrica orçamentária pelo Poder
Executivo para financiamento da modernização e expansão do sistema bibliotecário e de progra-
mas de incentivo à leitura por meio dos recursos advindos do Fundo Nacional de Cultura (FNC).
Em complementação a esta lei foi apresentado o Projeto de Lei n.1321/2011, pelo então
Senador José Sarney, que propõe a criação do Fundo Nacional Pró-leitura (FNPL). Este Projeto
de Lei é destinado a captação de recursos para atendimento aos objetivos da Lei 10.753, que
pretende instituir a Política Nacional do Livro, e revoga o art.17 da referida lei.
O Plano Nacional de Cultura (PNC), instituído pela Lei nº. 12.343, de 2 de dezembro de
2010, é outro instrumento que o SNBP segue. O PNC é composto por um conjunto de objetivos,
diretrizes e estratégias que orientam a formulação das políticas culturais brasileiras em todas
as esferas do MinC. Com base no PNC, foram estabelecidas 53 metas, das quais 6 delas estão
voltadas diretamente para a área de bibliotecas públicas, a saber:
Meta 20 – Média anual de 4 livros lidos fora do aprendizado formal por
cada brasileiro.
Meta 29 – 100% de bibliotecas públicas, museus, cinemas, teatros, ar-
quivos públicos e centros culturais atendendo aos requisitos legais de
acessibilidade e desenvolvendo ações de promoção da fruição cultural
por parte das pessoas com deficiência.
Meta 32 – 100% dos municípios brasileiros com ao menos uma biblio-
teca pública em funcionamento.
Meta 34 – 50% de bibliotecas públicas e museus modernizados.
Meta 35 – Gestores capacitados em 100% das instituições e equipamen-
tos culturais apoiados pelo Ministério da Cultura.
Meta 41 – 100% de bibliotecas públicas e 70% de museus e arquivos
disponibilizando informações sobre seu acervo no Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais (SNIIC).
Em 2010, no final da primeira gestão do Ministro Juca Ferreira, a preocupação com a
manutenção das bibliotecas públicas no país levou a elaborada a Portaria MinC no. 117, que
estabelecia como condição para liberação de recursos financeiros do MinC aos entes federados
a existência de biblioteca pública em condições minimamente adequadas de atendimento à po-

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pulação. Apesar de ser considerada um avanço e um marco regulador para a área, a mesma foi
revogada em 17 de abril de 2014, pela Ministra Marta Suplicy, por meio da Portaria no. 33/2014/
MinC (MACHADO, CALIL JUNIOR, ACHILLES, 2014).
O Decreto n. 7559 de 1º de setembro de 2011 instituiu o Plano Nacional do Livro e Leitu-
ra (PNLL) que possui dentre seus objetivos: - a democratização do acesso ao livro; - a formação
de mediadores para o incentivo à leitura; - a valorização institucional da leitura e o incremento
de seu valor simbólico; - o desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção
intelectual e ao desenvolvimento da economia nacional.
É importante frisar que nos últimos anos vários representantes do poder legislativo têm
apresentado Projetos de Lei (PL) que envolvem as bibliotecas públicas, entretanto, poucas fo-
ram as contribuições que estes PL’s de fato trouxeram para a área. Sendo assim, Machado, Calil
Junior e Achilles (2014, p. 2291) afimam que:
O fato do país não ter uma legislação reguladora na área de bibliotecas
públicas fragiliza as estratégias de fortalecimento, valorização e qualifi-
cação desse tipo de equipamento cultural, tanto em relação às bibliote-
cas públicas mantidas pelo Estado, como em relação às bibliotecas pú-
blicas e comunitárias mantidas por entidades privadas. Portanto, avaliar
a possibilidade de o país elaborar uma lei específica para a área passa a
ser uma demanda emergencial.
No que tange as proposições de governo, cabe destacar duas que atualmente tramitam no
Senado e na Câmara dos Deputados, tratam-se dos projetos de lei no. 28 de 2015, que propõe
a instituição da Política Nacional de Bibliotecas de autoria do Senador Cristovam Buarque e o
Projeto de lei no. 3727 de 2012, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas públicas no
país, de autoria do Deputado José Stédile.
Recuperando o ciclo de políticas públicas, entende-se que uma nova proposição deve ser
feita a partir de análise de resultado das avalições das políticas públicas vigentes. No entanto,
não foi possível identificar nenhum documento que registrasse avaliação dos processos, ou dos
impactos da Lei do Livro e do PNLL.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do cenário das políticas culturais de governo voltadas para as bibliotecas pú-
blicas apresentado é possível inferir que este tipo de equipamento cultural, apesar de estar na
agenda de governo, não ocupa papel de destaque, ou seja, não é prioridade dentro das políticas
de cultura no país.
Cabe lembrar que o estabelecimento da agenda envolve interpretações político-normati-
vas dos próprios agentes políticos envolvidos no tema, portanto, entender a biblioteca como uma

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instituição social, um espaço de informação, memória, troca e produção cultural, nos seus mais
diversos suportes e formatos é crucial para que a sua falta se transforme em um problema público.
É possível constatar que as diretrizes e normas existentes na atualidade não atendem as
necessidades específicas do país, de maneira a garantir a existência e manutenção de bibliotecas
públicas acolhedoras, com acervos de qualidade, profissionais comprometidos, espaços e servi-
ços voltados para o atendimento das necessidades de informação e leitura da comunidade local.
Além disso, o fato do Brasil não ter uma lei específica para regulamentar uma macropolí-
tica estruturante para esse campo é entendido como mais um problema para o estabelecimento e
a implantação de políticas culturais operacionais efetivas para garantir a existência e a prestação
de bons serviços para a população.
Dentro desse contexto, a segunda etapa desta pesquisa irá analisar as proposições de
governo, que se configuram em projetos de lei, com o objetivo de verificar se as mesmas
trazem contribuições para resolver o problema da fragilidade deste tipo de equipamento nos
municípios brasileiros.

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- PNLL e dá outras providencias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF: 05 set.
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o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC e dá outras providências. Diário
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BRASIL. Ministério da Cultura. Portaria nº 117 de 01 de dezembro de 2010. Estabelece como condição
para a liberação de recursos financeiros do Ministério da Cultura aos entes federados a existência de
biblioteca pública em condições minimamente adequadas de atendimento à população. Diário Oficial [da]

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O PAPEL DO PODER PÚBLICO NO CARNAVAL DOS BLOCOS DE RUA:


A FORMULAÇÃO DA FESTA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO HOJE
Marina Bay Frydberg1
Alex Kossak2
Gustavo Portella Machado3

RESUMO: Este artigo busca compreender a atual configuração do carnaval de rua na cidade do
Rio de Janeiro a partir do papel do poder público na organização e gestão da festa. Relacionaremos
o aumento quantitativo de blocos de rua, a expansão territorial e o crescimento vertiginoso de
público frequentador com as ações e politicas públicas da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro
para com a regulamentação, a mercantilização, a descentralização e a tradicionalização da festa.

PALAVRAS-CHAVES: carnaval do blocos de rua, poder público, política pública, mercantili-


zação, tradicionalização.

“Andar pelo centro do Rio de Janeiro em dias de carnaval é uma outra experiência. As
pessoas estão, na sua maioria, fantasiadas. Fantasias tradicionais – colombinas, palhaços, ciganos
–, fantasias modernas – personagens de desenho, artistas pop –, fantasias de cunho político – vice
decorativo, batedores de panela com camisa da seleção de futebol – e outros tantos envoltos em
muitas flores e, ainda mais, purpurina. Na cidade colorida se sobressai a cor azul, não do céu
ou do mar, mas da marca de cerveja que patrocina o carnaval. Preços tabelados, seja para uma
ou para três, vendedores com crachás numerados pela prefeitura, enquanto blocos oferecem no
microfone recompensa por outra marca de cerveja (mesmo que fabricada pela mesma empresa,
só que de outra cor). Banheiros químicos, estrutura com banheiros, bares cobrando dez reais para
1
Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora do Departamento
do Arte da Universidade Federal Fluminense no curso de graduação em Produção Cultural e no Programa de Pós-
-Graduação em Cultura e Territorialidades. Coordena a pesquisa “Eu quero é botar meu bloco na rua”: Cultura e
economia no carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro, que conta com o financiamento da Faperj e CNPq – UFF.
marinafrydberg@gmail.com
2
Graduando em Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense, bolsista CNPq-UFF no projeto “Eu que-
ro é botar meu bloco na rua”: Cultura e economia no carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro. alexkossak@
hotmail.com
3
Graduando em Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense, bolsista Faperj no projeto “Eu quero
é botar meu bloco na rua”: Cultura e economia no carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro. m.gustavoporte-
lla@gmail.com

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usar o banheiro, multa de 510 reais para quem urinar na rua, mas a cidade permanece com o chei-
ro de urina de outros carnavais. Bloco com hora pra concentrar, pra sair, pra acabar, com percurso
definido, tudo previamente aprovado e publicizado. Mas proliferam-se blocos piratas, blocos se-
cretos, blocos não oficias. Tudo isso sob o olhar de meia dúzia de policias e da guarda municipal,
sempre atento aos ambulantes ilegais (talvez a grande preocupação deles no carnaval).”4
Esta é a configuração atual do carnaval dos blocos de rua na cidade do Rio de Janeiro
hoje, uma série de exigências burocráticas e de aprovações necessárias para se colocar o bloco
na rua; empresas que patrocinam, através da prefeitura, a estrutura do carnaval de rua; e várias
críticas de organizadores de blocos e ligas ao que se chama da burocratização do carnaval por
parte do poder público. O carnaval de 2015 contou com cinco milhões de foliões nas ruas da
cidade, segundo a Riotur, e um milhão de turistas durante o período carnavalesco. Naquele ano
foram aprovados o desfile, as vezes mais de um, de 465 blocos na cidade. Mas nossa pesquisa
já identificou 574 blocos que desfilaram na cidade entre 2014 e 2015. Número expressivo e que
representa uma multiplicidade de formatos e enfoques. Alguns desses blocos se organizam em
ligas e associações que tem como objetivo unir forças para pleitear patrocínio junto as empresas
privadas e uma melhoria na organização da festa junto ao poder público.
Embora os blocos e as ligas e associações possam se relacionar com o poder público em
diferentes níveis, é, sem dúvida, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro a principal instância
organizadora da festa ao pensarmos no carnaval dos blocos de rua na cidade. A prefeitura é a
responsável pela garantia da infraestrutura da festa e da manutenção de serviços básicos como
trânsito e limpeza urbana. Vários são os órgãos da prefeitura que ajudam na organização, como a
Secretaria de Ordem Pública, por exemplo, mas atualmente a gestão do carnaval, seja dos blocos
ou das escolas de samba, está centralizada no órgão de turismo da prefeitura a Riotur – Empresa
de Turismo do Município do Rio de Janeiro. Todavia a prefeitura só subvenciona o carnaval das
escolas de samba.
Este artigo tem como objetivo problematizar o papel da prefeitura na organização do
carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro, como instituição estruturante da festa e construto-
ra dos seus significados. Considerando que esta é uma pesquisa ainda em andamento (os dados
do carnaval de 2016 não serão aqui analisados), a pesquisa teve como metodologia a coleta de
dados que saíram na mídia; recolhimento da legislação envolvendo o carnaval dos blocos de
rua; entrevistas com membros do poder público e organizadores de blocos e ligas, além de uma
etnografia nos dias da festa. Com um discurso de valorização da tradição da festa carnavalesca
dos blocos, ao mesmo tempo que defende uma otimização da gestão pública do carnaval, a
prefeitura se responsabiliza, na maioria das vezes indiretamente, com o carnaval de rua na ci-
dade através de quatro eixos centrais: a regulamentação da festa; a mercantilização da festa; a

Trecho de diário de campo de Marina Bay Frydberg referente ao carnaval de 2016.


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descentralização da festa; e a tradicionalização da festa. Estes quatro eixos da ação da prefeitura


serão aqui explicitados e pensados a partir do exercício de formulação da festa – seja econômi-
co, político, legal e conceitual – para que o carnaval dos blocos de rua permaneça com potencial
turístico e econômico, além de elemento formador da identidade carioca.

1. A PREFEITURA E A REGULAMENTAÇÃO DA FESTA


Foi a partir do boom, assim denominado por Herschmann (2013), do carnaval de rua
na cidade do Rio de Janeiro no início dos anos 2000, que houve a crescente demanda por uma
maior organização logística na cidade para que o carnaval dos blocos de rua pudesse acontecer.
Com a reunião de inúmeros blocos em ligas e associações - processo também iniciado nessa
época, dado que a Sebastiana, primeira liga criada, foi fundada no ano 2000 - os mesmos adqui-
riram mais força política para pressionar e requerer suas necessidades frente ao poder público.
É através dessa organização e suas demandas que o poder público inicia suas intervenções na
gestão do festejo.
Até o ano de 2009 as ações do poder público em relação a questões ligadas ao carnaval
de rua na cidade do Rio de Janeiro eram inexpressivas em termos de regulamentação. O que
encontramos são decretos sobre a patrimonialização de alguns blocos, o que veremos mais a
frente neste artigo. Com a posse e começo da gestão do prefeito Eduardo Paes, inicia-se uma
política pública com relação ao carnaval dos blocos, traduzida em uma série de decretos sobre a
regulamentação do carnaval de rua na cidade.
O decreto Nº. 30.453, de 9 de fevereiro de 2009, posteriormente complementado e revo-
gado pelo decreto Nº. 30.659, de 7 de Maio de 2009, “dispõe sobre as normas e procedimentos
para os desfiles de blocos carnavalescos no Município do Rio de Janeiro”5. Dentre elas está a
necessidade de uma autorização concedida pela Riotur através do preenchimento do “requeri-
mento para autorização de desfiles de blocos e bandas carnavalescas”. Um aspecto interessante
sob esse decreto é a expansão temporal da festa formalizado no primeiro artigo, “Art. 1o Con-
sidera-se período pré-carnavalesco os trinta dias anteriores ao sábado de Carnaval, e período
carnavalesco o compreendido entre o sábado de carnaval e o domingo seguinte ao sábado das
campeãs”6. O decreto também determina um prazo máximo de duas horas para a concentração
do bloco, banda ou escola de samba, e um máximo de quatro horas de desfile.
Ainda em relação aos desfiles dos blocos, há o Decreto Nº 36.760, de 5 de fevereiro de
2013, que proíbe a demarcação de áreas privadas. Assim em seu artigo primeiro “fica proibida,
na Cidade do Rio de Janeiro, a delimitação de espaços, por meio de cordas e/ou seguranças
(“áreas privadas”), pagos ou não, nos desfiles de blocos ou bandas de rua e nos ensaios carna-

Retirado de RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto 30.659, de 07 de maio de 2009.


5

Retirado de RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto 30.659, de 07 de maio de 2009.


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valescos de rua, no período de que trata o art. 1º do Decreto Nº 30.453/2009”7. Caso não haja
o cumprimento do disposto no decreto o bloco tem sua autorização automaticamente cassada e
o indeferimento do pedido de autorização do ano subsequente. E ainda no decreto fica disposto
que a Riotur, tendo a Guarda Municipal como apoio, terá a função de coibir os desfiles de blocos
que não cumpram essa normativa.
Para que os blocos de rua possam desfilar é necessário que solicitem, no período deter-
minado pela prefeitura, autorização para sair as ruas. A regulamentação desta autorização está
normatizada no Decreto nº 37.182, de 20 de Maio de 2013, que criou a “Comissão Especial de
Avaliação dos Blocos de Rua”8. É válido ressaltar que nesta comissão não há presença de nenhum
representante da Secretaria Municipal de Cultura e de um número muito inferior de agentes
diretamente envolvidos com a festa como organizadores de blocos e presidentes de ligas e asso-
ciações. A comissão criada segue os seguintes critérios de avaliação às solicitações de desfiles:
I - a tradição do Bloco de Rua;
II - as características do Bloco em relação ao Carnaval de Rua do Rio
de Janeiro;
III - as características do Bairro/Região onde pretende desfilar o Bloco;
IV - a relação que o Bloco de Rua mantém com a localidade/comunidade;
V - o local de realização do desfile pretendido;
VI - a estimativa de público;
VII - os possíveis impactos que possam interferir no dia-a-dia
da localidade.
(RIO DE JANEIRO, Decreto No 37.182, de 20 de Maio de 2013)
Constata-se através do texto do decreto um maior entendimento das necessidades lo-
gísticas do carnaval por parte do poder público. Além de reconhecer também a “importância
do Carnaval de Rua para a vida social e cultural da Cidade, típicos do jeito de ser e do modus
vivendi da população carioca”9, ficando com o cargo da coordenação da “Comissão Especial de
Avaliação” a Secretaria Municipal de Turismo.
Através desses decretos da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, juntamente com inú-
meros outros aspectos ligados aos blocos de rua da cidade, como a sua expansão quantitativa e
aumento expressivo de público frequentador, é possível constatar a ocorrência de um processo

7
Retirado RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto 36.760, de 05 de fevereiro de 2013.
8
A comissão é composta por representantes das: I - Secretaria Municipal de Turismo - SETUR/RIOTUR; II -
Coordenadorias das Áreas de Planejamento (Subprefeituras); III - Secretaria Municipal de Transportes - SMTR; IV
- Companhia de Engenharia de Tráfego – CET RIO; V – Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos
- SECON-SERVA; VI – Companhia Municipal de Limpeza Urbana - COMLURB; VII - Secretaria Municipal da
Ordem Pública - SEOP; VIII - Guarda Municipal – GM-Rio; IX - Secretaria Municipal de Saúde - SMS; X - duas
Entidades representativas dos Blocos e Bandas Carnavalescos, tendo em vista sua tradição e representatividade.
9
Retirado de RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto 37.182, de 20 de maio de 2009.

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de reconfiguração ao longo da última década. Um processo que está em constante movimento e


aperfeiçoamento, que tem como base a regulamentação da festa, mas também opera sob a lógica
da mercantilização dessa prática cultural popular.

2. A PREFEITURA E A MERCANTILIZAÇÃO DA FESTA


A atual configuração do carnaval de rua já mostra um novo entendimento do potencial de
aproveitamento da festa para diferentes âmbitos. A capacidade de retorno de marca não fica para
trás, tanto para a prefeitura quanto para as empresas privadas aliadas nesse processo de mercan-
tilização do carnaval. Se para a prefeitura a consequência da regulamentação e do investimento
se dá em aspectos políticos e econômicos, como os 2,2 bilhões movimentados na economia
da cidade em 201510, para as empresas não é diferente. O retorno não se restringe no sentido
de associação de marcas privadas como investidoras do carnaval, mas também no sentido de
utilização do espaço público para interesses privados, de mudança das cores sobressalentes na
cidade - como a “onda azul” - e de venda e distribuição de produtos e brindes
Após o início da regulamentação do carnaval de rua na cidade do Rio de Janeiro em
2009, foi também implementado um modelo de parceria público-privada, no qual a Riotur atri-
bui à uma empresa privada, através de um “Caderno de Encargos e Patrocínios”, a gestão do
carnaval de rua. Desde o início desse modelo, a Dream Factory - empresa que organiza o Rock
in Rio, a maratona do Rio, a corrida da ponte, entre outros eventos - ganha anualmente o direito
da gestão do carnaval de rua. Também cabe a ela o papel de encontrar patrocinadores interessa-
dos em associar sua marca com a festa. Compete, então, aos patrocinadores financiar as exigên-
cias da prefeitura para suprir as necessidades de infraestrutura levantadas pela regularização do
carnaval dos blocos de rua.
No entanto, nos últimos anos, têm-se visto mais do que uma associação de marcas entre
carnaval e empresas patrocinadoras da folia. A Ambev11, patrocinadora master do carnaval de
rua nos últimos anos, que deve cadastrar os ambulantes que serão autorizados a comercializar
durante o período carnavalesco. Os ambulantes, então, só podem vender os produtos autoriza-
dos pela cervejaria a preços previamente estabelecidos e tabelados, assim como devem utilizar
objetos de identificação - isopor, guarda-sol, colete e crachá - disponibilizado pela marca. Um
dossiê organizado pelo “Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro”, através da
Fundação Dhesca, descreveu o processo para os ambulantes se regularizarem:
Em 2013, eles tiveram que ficar dias acampados na fila e, depois de
muita confusão, cinco mil conseguiram o crachá, o colete e o isopor da
10
http://rio-negocios.com/turismo-durante-o-carnaval-movimenta-mais-de-r-22-bilhoes-no-rio-de-janeiro/ - Aces-
sado em 13 de Fevereiro de 2016
11
Companhia de Bebidas das Américas (Ambev), faz parte do maior grupo cervejeiro do mundo, funcionando em
17 países com mais de 30 marcas de bebidas.

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Antarctica. Esse processo começou há poucos anos, quando o Carnaval


de rua passou a ser patrocinado e ter regras mais rígidas por parte da
Prefeitura, com cadastramento também de blocos e pedidos de autoriza-
ção para desfiles. Além da autorização feita pelo cadastramento, os tra-
balhadores recebem uma tabela com o preço que devem comercializar
os produtos, além de terem que comprá-los em postos autorizados ou
supermercados, não sendo permitido vender mercadorias de outra cer-
vejaria. A parceria público-privada para garantir o monopólio da venda
de cerveja se estende também à fiscalização e à repressão. Enquanto a
Ambev tem fiscais espalhados nos blocos para checar se as regras estão
sendo cumpridas, a Guarda Municipal faz o papel de recolher as merca-
dorias caso haja alguma irregularidade. Os ambulantes se transformam,
via Estado, em meros funcionários da cervejaria, com crachá, mas sem
qualquer vínculo empregatício ou garantia trabalhista, recebendo por
produção e absorvendo o prejuízo caso sua mercadoria seja recolhida
por guardas municipais ou simplesmente sobre no fim do dia. (PLATA-
FORMA DHESCA BRASIL, 2014, p. 07)
Durante o carnaval de rua de 2016, surgiram relatos sobre a violência praticada aos am-
bulantes e aos blocos, principalmente os que diferem da lógica imposta pela regulamentação. O
primeiro relato ocorreu no dia 03 de Janeiro durante a abertura do carnaval não oficial, que foi
paralisado após confronto da PM12. A repressão continuou durante o carnaval, principalmente
em blocos não oficiais ou com caráter subversivo, como ocorreu com o Planta na Mente, que é
autorizado, mas tem como público-alvo consumidores e defensores da legalização da maconha.
A justificativa da polícia militar/guarda municipal para intervenção no festejo, com a utilização
de armas e artefatos de repressão contra foliões, é somente a presença de ambulantes não ca-
dastrados, mesmo que ironicamente os acontecimentos se restrinjam aos blocos que fogem dos
padrões da prefeitura.
A Desliga dos Blocos, que organiza a abertura do carnaval não oficial, é um dos grupos
a se posicionar contra as ações da prefeitura, e apresentou em 2012 um “Manifesto do Carnaval
de Rua Carioca”, declarando a necessidade de “[...] recusar o modelo empresarial da Prefeitura,
apoiado por associações e blocos dependentes do poder público e do seu projeto de mercantili-
zação da folia” (DESLIGA DOS BLOCOS DO RIO DE JANEIRO, 2012)13 já compreendendo
o panorama que se criava com o tratamento do carnaval enquanto produto e não apenas enquan-
to manifestação cultural popular.
Para agravar a situação, embora os blocos sejam de extrema importância para a consoli-
dação desse produto carnavalesco a ser comercializado e precisem se adequar as regras da Rio-
12
http://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2016/carnaval-nao-oficial-comeca-com-confusao-entre-ambulantes-
-gm-18401860 - Acessado em 13 de Fevereiro de 2016
13
https://curiosidadedecarnaval.wordpress.com/2012/12/19/manifesto-do-carnaval-de-rua-carioca-2012/ - Acessa-
do em 13 de Fevereiro de 2016

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tur, a prefeitura não dispõe de nenhum mecanismo de incentivo direto aos blocos. Ela se restrin-
ge à criação do “Caderno de Encargos e Patrocínios” para demandar às empresas patrocinadoras
os serviços que precisam ser contratados para atender aos blocos, como banheiros químicos,
agentes de trânsito, ambulância, entre outros serviços. Existem, no entanto, outras necessidades
cruciais para existência dos desfiles, bailes e cortejos, como aparelhos e estruturas sonoras,
iluminações, ensaios técnicos, contratação de ritmistas, programação visual, trios elétricos, am-
plificações, etc. A falta de patrocínio tem gerado nos blocos a procura de novas estratégias de
financiamento do carnaval de rua, seja através de oficinas, shows, comercialização de produtos
correlatos (como camiseta e CD) dentro e fora do período carnavalesco e financiamento coleti-
vo, assim como pressionar por mais subsídio público.
Para o presidente da RioTur, Antônio Pedro, em sua entrevista para o jornal O Dia, que
levantou demandas dos blocos, “existem diversos editais culturais, a Lei Rouanet. Carnaval é
cultura. Os blocos poderiam usar outros elementos de arrecadação, como o financiamento cole-
tivo, por exemplo. O Carnaval tem que ser bancado pelas pessoas que o fazem”.14 Foi apontado
na mesma entrevista a dificuldade de conseguir patrocínios quando só há uma grande empresa
patrocinadora - como é o caso da Ambev -, no entanto, Antônio Pedro discordou dessa afirmação.
É certo no entanto que, devido ao crescimento do carnaval desde 2009, o modelo de
parceria público-privado estabelecido tem apresentado resultados, seja através da adequação do
carnaval aos moldes pensados pela prefeitura ou seja através da repressão por um Estado ainda
um tanto quanto positivista. Colocado o problema, é preciso refletir até que ponto a atual gestão
conseguiu coordenar uma das maiores e mais diversas festividades do Rio de Janeiro e do Brasil
e se realmente há o interesse de se pensar a festa enquanto um espaço de diversidade por toda a
cidade ou apenas enquanto um produto a ser comercializado em troca de retorno político, eco-
nômico e publicitário.

3. A PREFEITURA E A DESCENTRALIZAÇÃO DA FESTA


O carnaval dos blocos de rua na cidade do Rio de Janeiro de algum modo sempre respei-
tou, principalmente nos desfiles, a centralidade política da cidade, sejam de corsos (no início do
século XX), dos primeiros blocos (na mesma época) e de toda história do carnaval das escolas
de samba (dos primeiros desfiles à construção do Sambódromo). A história dos blocos também
respeita esta ocupação territorial (PIMENTEL, 2002). O bloco mais antigo ainda em funcio-
namento o Cordão da Bola Preta, de 1918, foi fundado e sempre desfilou no Centro da cidade.
Outros blocos que foram criados em outras regiões, como por exemplo o tradicional Cacique de
Ramos, fundado em 1961, desfila também no Centro da cidade. Embora o carnaval dos blocos

14
http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2016-01-09/em-tempos-de-crise-blocos-fazem-engenharia-para-des-
filar-no-carnaval.html - Acessado em 13 de Fevereiro de 2016

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de rua possa acontecer em diferentes lugares da cidade o Centro permanece sendo o lugar tradi-
cional de muitos desfiles.
Com a retomada do carnaval dos blocos de rua da década de 1980, esta nova festa ga-
nhou outra centralidade, estendendo o carnaval do Centro para a Zona Sul do Rio de Janeiro.
Houve através da criação de blocos como Barbas, em 1981, Simpatia é quase amor, em 1985,
Bloco de segunda e Suvaco de Cristo, em 1986, um deslocamento da centralidade da festa para
os bairros da Zona Sul carioca. Esses novos blocos passaram a dividir aquela região da cidade
com o já tradicional Banda de Ipanema, fundado em 1965, alterando também o perfil do público,
o carnaval de rua passou a ser feito por jovens universitários (BEI, 2007). No início dos anos
2000 temos uma nova retomada do carnaval de rua na cidade do Rio de Janeiro tanto com rela-
ção a fundação de novos blocos, com um aumento de 459% na criação de blocos se comparado
às décadas anteriores (1980-1990), quanto de foliões brincando o carnaval. Herschmann (2013)
aponta que esse crescimento no carnaval dos blocos representa uma tomada da rua pelas mani-
festações artísticas, a revitalização de novos espaços da cidade como a Lapa, uma certa sensação
de segurança (principalmente se comparada com a grande onda de violência que a cidade passou
no final da década de 1990) e uma readequação etária e musical da festa.
Mesmo que se mantenha a centralidade da festa nos bairros do Centro a da Zona Sul da
cidade, o aumento expressivo de blocos impactou também outras regiões da cidade e passou
a ser impulsionado também pelo poder público. Bairros como Barra da Tijuca e Jacarepaguá
apresentaram um crescimento expressivo na criação de blocos, representando um aumento de
750% desde os anos 2000 se comparado as décadas anteriores. Zona Norte e Ilha do Governador
também tiveram um crescimento de 1000% na criação de blocos no século XXI em comparação
com as duas últimas décadas do século XX. Embora o aumento seja expressivo a grande con-
centração de bloco, quase 50% do total, desfila em bairros da Zona Sul e no Centro da cidade. O
carnaval dos blocos de rua encontra-se atualmente distribuído da seguinte maneira:

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Os reflexos do crescimento dos blocos na Zona Sul no início dos anos 1980 persiste
reverberando nos números atuais, a grande concentração de blocos permanece nesta área da
cidade. Os números da distribuição dos blocos por região da cidade é ampliado na disposição do
público por região. Centro e Zona Sul da cidade somam mais de 80% do público do carnaval de
rua na cidade do Rio de Janeiro. Esse número tão expressivo reflete a potência de grandes blocos
que desfilam nesta região da cidade, como por exemplo, Cordão da Bola Preta – com um milhão
e trezentos mil foliões – e Monobloco – com cerca de 500 mil foliões. A distribuição do público
por região apresenta-se da seguinte forma:

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Podemos afirmar que embora haja um aumento nos números de blocos em outras regiões
da cidade não é ainda expressivo o crescimento do público nessas regiões. O Centro e a Zona Sul
permanecem no imaginário carnavalesco como lugares privilegiados pra folia momesca.
A Zona Sul começou a ficar muito incomodada porque além dos blocos
que já existiam na Zona Sul, todo mundo começou a querer desfilar na
Zona Sul. Então o AfroReggae foi desfilar em Ipanema. A Preta Gil -
que surgiu do nada - foi desfilar em Ipanema. O Sargento Pimenta - que
também surgiu assim do nada - foi desfilar no mesmo lugar e no mesmo
dia que o Bloco de Segunda, que tem 28 anos. Entendeu? Como é que
você faz pra decidir naquele espaço publico, na territorialidade, quem
tem direito ou não? Ai começa a precisar de uma regra porque se eu to
disputando com você o mesmo espaço, qual é a regra? A prefeitura deci-
diu, a regra é a antiguidade. Quem já era dali, vai continuar ali.
Rita Fernandes, Presidente do Imprensa que eu gamo e da Sebastiana, entrevista para a
pesquisa em 22 de Junho de 2014.
Com o grande aumento de blocos solicitando desfilar na Zona Sul a prefeitura restringiu
a criação de novos desfiles nessa área da cidade, coligando o incentivo à criação de novos blocos
em outras regiões da cidade. Critérios como antiguidade e associação com o território servem
de parâmetro para a seleção de blocos, mas não garante a adesão aos mesmos. Não obstante a
criação de novos blocos com características locais possa representar uma valorização da diver-
sidade na cidade, também podemos pensar nessa ação pública associada a processos de gentrifi-
cação urbana e de exclusão social. A exclusão social pode ser vista através do desejo público de
diminuir os deslocamentos na cidade, difícil na época carnavalesca, mas também de restringir
a população ao seu local de origem, principalmente moradores da periferia. Já a gentrificação
associada a determinadas regiões da cidade, como a Zona Portuária, por exemplo, ao mesmo
tempo que ajudam na revitalização de algumas manifestações carnavalescas da região (o bloco
Fala meu louro, fundado em 1938 voltou a desfilar em 2013) pode também expulsar seus foliões
tradicionais. Pautado no discurso da valorização da tradição carnavalesca o poder público vem,
ao organizar a criação e desfile de novos blocos, buscando descentralizar a festa a partir das suas
especificidades locais, ao mesmo tempo que constrói políticas homogeneizantes.

4. A PREFEITURA E A TRADICIONALIZAÇÃO DA FESTA


O poder público, especificamente a Prefeitura do Rio de Janeiro, também tem como pre-
ocupação a permanência da festa com suas características tradicionais. Essa almejada tradição
dos blocos de rua é valorizada através de duas ações de preservação da prefeitura. A primeira
foi o reconhecimento de alguns blocos como patrimônio cultural de natureza imaterial carioca.
São eles: a Banda de Ipanema, declarada patrimônio em 200415; o bloco Cacique de Ramos,

DECRETO N° 23.926 de 23 de janeiro de 2004 – D.O.M. do Rio de Janeiro.: 26/01/2004.


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declarado patrimônio em 200516; e o Cordão da Bola Preta, declarado patrimônio em 200717.


Essa ações aconteceram antes do atual prefeito, Eduardo Paes, assumir a prefeitura da cidade
e voltar seus esforços de modo mais objetivo para organização da festa. O gênero musical da
marchinha de carnaval, também foi considerado patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro
em 201518, já na gestão do atual prefeito. O instrumento da patrimonialização foi aqui utilizado
como reconhecimento da manifestação cultural popular, limitando-se a legitimá-lo através do
mecanismos legais. Todavia as ações de patrimonialização em nenhum momento garantem ou
incentivam a permanência dessas manifestações, ou seja, processos legais não se transformam
em ação efetiva de viabilização da manifestação cultural preservada.
A segunda ação do poder público com relação a tradicionalização da festa está novamen-
te pautada em mecanismos legais, agora não mais com relação a processos de patrimonialização,
mas de regulamentação da prática carnavalesca. A defesa da tradição e das características do
carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro se dá através de ações contra o uso de cordas identi-
ficando quem comprou o abadá, também proibido sua comercialização como pré-requisito para
brincar o carnaval nos blocos de rua. Desta forma a prefeitura se posiciona contra a denominada
baianização do carnaval carioca e, através de decretos, estabelece os limites do que pode ou não
acontecer no carnaval de rua da cidade. O não respeito a essas fronteiras será punido pelo não
reconhecimento oficial do bloco através da autorização para o desfile no ano posterior. Embora
fosse pensado que a Riotur junto com a guarda municipal iria fiscalizar essas ações, no carnaval
de 2016 este controle se deu através do órgão de proteção ao consumidor, o Procon, passando a
ser tratado, assim, como assunto de demanda dos foliões.
Assim, por meio de ações legalizantes, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro adentra
o debate sobre os limites da prática carnavalesca tradicional e autêntica nos blocos de rua, legi-
timando e oficializando a distinção entre eles. E através de discursos que retomam as práticas
tradicionais que o poder público justifica suas escolhas e usa da políticas públicas para preserva-
ção dessa tradicionalização. Tradicionalização aqui entendida não só como tradições inventadas
(HOBSBAWAM; RANGER, 1984), mas como “reflexão acompanhada da práxis das expressões
advindas das tradições culturais” (TEIXEIRA, 2004, p.09). Tradicionalização buscada através
de ações de patrimonialização e exercícios de definição do que é o carnaval dos blocos de rua
no Rio de Janeiro. O modelo do carnaval baiano é construído no discurso dos agentes públicos
como o outro que deve ser evitado, aquele carnaval que já sucumbiu à lógica do mercado sofren-
do um processo de mercantilização.
Esta dicotomia entre o carnaval dos blocos de rua na cidade do Rio de Janeiro, pensado
como manifestação cultural, em oposição a uma comercialização apontada no carnaval baiano,
16
LEI Nº 4.068 de 24 de maio de 2005. – D.O.M.do Rio de Janeiro: 06/06/2005.
17
DECRETO N° 27.594 de 14/02/2007. – D.O.M. do Rio de Janeiro.: 15/02/2007.
18
DECRETO Nº39.751 de 05/02/2015. - D.O.M. do Rio de Janeiro.: 06/02/2007

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pode ser facilmente questionado não só em termos das políticas de mercantilização do carnaval
que a própria prefeitura incentiva, como já mostramos acima, mas, principalmente, pelo lugar
que o carnaval ocupa na política pública, responsabilidade da pasta do turismo. Enquanto o
carnaval de maneira geral, mas especificamente o carnaval dos blocos de rua, for pensado em
termos de projeto turístico, associado a grandes cifras que justificam o seu incentivo por conta
do retorno recebido, as políticas públicas que pensam e agem sobre o carnaval estarão conside-
rando de forma superficial o potencial mobilizador e formador da identidades múltiplas que essa
prática popular tem. Ações de tradicionalização da cultura carnavalescas só fazem sentido se
pensadas enquanto política pública de cultura e não somente como políticas pública de turismo.
Bakhtin (2010) compreende a festa como característica primeira e indestrutível da civi-
lização humana por ser isenta de sentido utilitário e por usar de jogos, disfarces, risos, dança e
etc. Desta forma, a festa possibilita que se exponha uma visão não oficial da sociedade, que se
tenha a abolição, por um período determinado, das hierarquias e diferenças. Na mesma linha
de interpretação da festa e do carnaval, Burke (2010) defende o carnaval como o momento de
alteração da hierarquia e do status, o que o autor classifica de “mundo virado de cabeça para
baixo”(p.252), gerando ambiguidades e ambivalências. DaMatta (1997) em seu estudo clássico
sobre o carnaval no Brasil também parte da ideia da festa como um espaço de inversão, onde a
sociedade brasileira nega e reitera a sua organização. Será que podemos permanecer pensando
na festa do carnaval dos blocos de rua como momento da inversão da estrutura social, mesmo
com toda gestão, regulamentação e mercantilização da festa?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BEI. Guia do Carnaval de Rua do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: BEI Comunicação, 2007.
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do município, Rio de Janeiro, RJ, 8 mai. 2009. Disponível em: <http://smaonline.rio.rj.gov.br/legis_
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TEIXEIRA, João Gabriel L. C. Apresentação. In: TEIXEIRA, João Gabriel L. C.; GARCIA, Marcus
Vinícius Carvalho; GUSMÃO, Rita. Patrimônio imaterial, performance cultural e (re)tradicionalização.
Brasília: ICS-UnB, 2004.

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CULTURAS POPULARES E O PROCESSO FORMATIVO PARA ADENTRAR


À DINÂMICA PATRIMONIAL: O CASO DA FOLIA DE REIS DE VALENÇA-RJ
Marluce Magno1

RESUMO: Para as comunidades tradicionais, ter acesso aos recursos disponibilizados pelo
Estado através de programas como o Cultura Viva, requer um processo formativo – uma
“alfabetização patrimonial” – de alguns de seus membros. A dinâmica patrimonial conduzida
pelo Estado pauta-se pela lógica racionalista ocidental e a sua aproximação com a lógica
tradicional em que operam as culturas populares pode ter impactos indesejáveis sobre a segunda.
Este trabalho descreve e analisa a experiência do movimento de Folia de Reis de Valença com
esse processo.

PALAVRAS-CHAVE: Culturas populares, dinâmica patrimonial, Folia de Reis.

1. INTRODUÇÃO
Uma relação mais próxima entre as culturas populares e o Estado, foi inaugurada a partir
da gestão do presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) com programas como Cultura
Viva, convertido em política de Estado em 2014, através da Lei nº 13.018. Uma nova forma de
gerir a cultura, com ativa e ampla participação da sociedade, configura a atual realidade das
políticas culturais no Brasil, expressa através do Sistema Nacional de Cultura (SNC), incorpo-
rado à Constituição Federal (EC 71/2012) e dinamizada pelo Plano Nacional de Cultura (PNC),
também incorporado à Constituição (EC 48/2005).
Uma das ações do Cultura Viva, o Ponto de Cultura, no qual se apoiam os demais me-
canismos do programa, expandiu o alcance do Estado no âmbito da cultura, que hoje se faz
concretamente presente em todo o território nacional. De acordo com o Minc/SCDC, em abril
de 2015 eram 3.500 Pontos2.
A cidade de Valença-RJ, onde empreendi pesquisa de campo cujas observações analiso
adiante, é detentora de três Pontos de Cultura:

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO. magnomarluce@gmail.com
2
Conforme consulta ao Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), acessado através de
http://www.acessoainformacao.gov.br/sistema/site/index.html, em 9 Jul 2015.

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Tipo de Ação Gestor Entidade Responsável Nome do Projeto


Secretaria de Projeto de Integração dos
Rede AGFORV - Associação dos Gru-
Estado do Rio Movimentos Culturais e
Estadual pos de Folias de Valença
de Janeiro Afrodescendentes de Valença-Rj

Secretaria de Associação dos Pequenos


Rede
Estado do Rio Produtores Rurais e Artesãos de Aparcoarte
Estadual
de Janeiro Conservatória

Associação da Comunidade Ne-


Ponto Ministério da Núcleo de Cultura Popular do Vale do
gra Remanescente de Quilombo
Direto Cultura Paraíba – Quilombola São José
da Fazenda São José da Serra
Fonte: e-SIC, Ministério da Cultura.

Minha pesquisa focou o movimento de Folia de Reis do município e incluiu um estudo


das relações entre este e as políticas culturais em vigor.

2. A ALFABETIZAÇÃO PATRIMONIAL E A DINÂMICA PATRIMONIAL


Dirigi minha atenção à aproximação dos foliões, detentores dos saberes tradicionais que
alicerçam a expressão cultural em questão, com os mecanismos de acesso aos recursos públicos,
os editais. Senti-me estimulada por questões propostas por Regina Abreu, que problematiza o
encontro (ou desencontro) da lógica racionalista do Estado com a lógica tradicional das mani-
festações populares. Abreu discute essa relação na qual se espera um protagonismo das comu-
nidades tradicionais que, entretanto, não estão familiarizadas com os códigos que conformam
a “lógica patrimonial”, devendo-se inserir, então, num aprendizado que a autora denominou
“alfabetização patrimonial”.
Neste sentido, observa-se aqui um paradoxo: o projeto do Patrimônio Cultural Imaterial
que visa “salvar” as diferenças, as alteridades ou as diversidades culturais, apresenta sua face
universalista numa lógica racionalista fundada em conceitos e categorias ocidentais. (ABREU,
2014, p.43)
A autora desenvolve suas reflexões tendo como foco os processos de patrimonialização
empreendidos pelo IPHAN. Entretanto estou assumindo que suas questões podem ser estendi-
das a outros cenários nos quais interesses institucionais venham a interagir com interesses dos
grupos tradicionais, envolvendo bens imateriais. Na prática, o Estado tem interagido com os
grupos tradicionais a partir de duas frentes – a da patrimonialização e a das ações de fomento –
mas fortaleceu uma visão combinada de ambas quando introduziu a Emenda Constitucional nº
48 (2005) que adicionou um novo parágrafo ao Art.215, estabelecendo o protagonismo do PNC
na definição de ações integradas do poder público que conduzam a:

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I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;  II - produção,


promoção e difusão de bens culturais;  III - formação de pessoal qualifi-
cado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;  IV - demo-
cratização do acesso aos bens de cultura;  V- valorização da diversidade
étnica e regional. (BRASIL, 1988)
O documento que instituiu o SNC ratifica tal posicionamento ao declarar que “é supera-
da a tradicional separação entre políticas de fomento à cultura (...) e de proteção do patrimônio
cultural, pois ambas se referem à produção simbólica da sociedade” (SNC, 2011, p.34). Assim,
adoto o entendimento de que as ações que envolvem o patrimônio imaterial – seja de patrimo-
nialização ou de fomento – acontecem dentro de uma mesma dinâmica, que eu estou chamando
de “dinâmica patrimonial”:

Regina Abreu indica a necessidade de se pensar certas questões que emergem desse con-
tato entre a lógica racionalista do Estado e as práticas tradicionais de grupos populares, lógica
essa que naturaliza procedimentos tecnoburocráticos esperando que integrantes de comunidades
tradicionais tenham participação ativa, sem questionar sobre o impacto em suas vidas com a
aquisição e o manejo desses procedimentos, assim como suas repercus-
sões. Quais os membros das “comunidades que serão “iniciados” no
preenchimento de dossiês, formulários, solicitações de registros? O que
significará para estas “comunidades” estas novas “iniciações”? Quais os
novos estatutos que estes indivíduos terão em suas “comunidades” após
a aquisição destas novas habilidades e destes novos modos de existên-
cia? (ABREU, 2014, p.43-44)

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3. A FOLIA DE REIS DE VALENÇA E A ATUAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DE


FOLIAS LOCAL
O movimento de Folia de Reis de Valença tem uma atuante Associação, a AGFORV (As-
sociação de Grupos de Folia de Reis de Valença), que vem acumulando conquistas no acesso a
recursos públicos através de editais. Das inscrições que efetuou obteve sucesso com:

Recursos
Ano Referência no Edital Instituição Proposta inscrita
obtidos
Integração das manifes-
tações culturais afrodes-
Parceria entre o cendentes com oficinas
Ponto de Cultura do Progra- Ministério da (confecção e execução de
2008 R$180.000
ma Mais Cultura Cultura e Secretaria instrumentos musicais,
Estadual de Cultura culinária, dança, capoeira,
roda literária,fundamentos
religiosos e outros)

Realização do 40º
Fomento direto (*) Secretaria Estadual de
2010 Encontro de Folias de Reis R$ 29.735
a projetos culturais Cultura
de Valença (2011)

Realizações da AGFORV
Premio de Cultura Secretaria Estadual de na promoção e valorização
2015 R$21.000
Afro-Fluminense 2015 Cultura da cultura afrodescendente
no município.
(*) Com exigência de coparticipação, que foi suprida pela Prefeitura.

A frente da AGFORV desde 2004 está o mestre-folião Francisco José Figueira Ferreira
(Chico da Folia), 51 anos, exercendo papel de destaque nas conquistas acima relacionadas. A
trajetória do Chico, que inclui um processo formativo que se encaixa na definição de Regina
Abreu para alfabetização patrimonial, pode ser reveladora dos recursos (habilidades pessoais,
mediadores, rede de contatos) que propiciaram a AGFORV o domínio dos mecanismos insti-
tucionais que lhe garantiram tais conquistas, e responder a algumas das questões propostas por
Abreu, sobre o impacto da lógica racionalista na vida de grupos que se conduzem dentro de uma
lógica tradicional.
Chico contou do seu início ainda muito jovem na Folia, tendo aprendido a “cantar o
Reis” por volta dos doze anos de idade. Há certa precocidade, pois, nessa idade, seguindo o
percurso mais comum de ascensão dentro de um grupo de Folia, um jovem de doze anos estaria
tocando algum dos instrumentos de percussão ou brincando como palhaço.
Ele falou comigo que era pra eu ir na casa dele que ele ia me passar
uma ‘cópia’. Então eu aí aprendi. Ele passou as passagens dos Reis e
eu aprendi o que era necessário: que em primeiro lugar a gente tinha
que ter respeito, que a gente tinha que fazer parte de uma religião, que

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o fundamento religioso da Folia de Reis é o maior fundamento religioso


que tem nas escrituras sagradas. Então a gente não podia levar aquilo
de brincadeira, que eu precisava aprender a cantar para fazer bonito na
frente dos presépios, na época, por ocasião das festas natalinas... E a mi-
nha vontade de aprender era tanta que com 21 dias eu consegui apren-
der todas as passagens. E ele falou ‘só vou falar que você é um folião
quando você estiver preparado’. E aí me passou e eu fui escrevendo,
minha letra era muito ruim, minha irmã era que escrevia pra mim. E aí,
quando inteirou 21 dias, eu cheguei na casa dele e falei com ele assim:
‘os papéis tão aqui e eu vou falar’. E aí ele falou: ‘não pode repetir um
verso, que se você for cantar na casa de um folião, se você repetir um
verso, ele manda você parar’. Aí deu aquele calafrio, aquele frio na bar-
riga e eu falei a passagem desde quando ele começou até a hora que ele
parou. Ele falou: ‘agora vou te dar uma viola e você vai montar sua folia
e cantar Reis’. (Chico da Folia)
Essa mesma autopropulsão que o fez, ainda menino, abordar um mestre-folião pedindo
ajuda, vai continuar na idade adulta na busca do conhecimento e no aproveitamento de opor-
tunidades que o levaram a aquisição de competências e habilidades que estreitaram distancias
em relação a agentes e dispositivos institucionais. Em certo ponto, o estreitamento chega a de-
saparecer já que, ele próprio, se torna um agente institucional, ao ser contratado como assessor
do Secretário de Cultura e Turismo do município em 2013. Antes disso, desde 2010, atuou pela
Secretaria como agente cultural, difundindo conhecimentos sobre a Folia de Reis nas escolas
municipais. Em algumas situações, eu, como observadora, não conseguia identificar, com cla-
reza, qual era seu lugar de fala: representante das Folias ou da Secretaria municipal? Desconfio
que essa dúvida também possa surgir, vez ou outra, na percepção de seus colegas foliões.
A condição de presidente da AGFORV desde 2004 levou Chico a participar de várias das
atividades que configuraram o extenso processo de reformulação da cultura no país, tais como
conferências, seminários e cursos promovidos pelo Estado. Essas e outras experiências constitu-
íram-se num processo educativo para o simplório Chico, mestre-folião, ex-pedreiro, com forma-
ção escolar restrita aos primeiros anos do Ensino Fundamental. Já no início da minha pesquisa
o encontro desempenhando, também, a função de presidente do Conselho Municipal de Cultura.
O processo de oficialização da Associação também foi uma experiência formativa. O principal
orientador nesse processo foi Nélio Ricardo, fundador da Associação de Folia de Rio das Flores
(2001). Nélio disponibilizou a documentação e outras orientações:
O Francisco me procurou. Eu orientei o Francisco de como deveria fazer.
Eu botei minha secretária à disposição para fornecer todo o material”. (...)
Ele [Chico], muito dedicado... Eu notei que ele tinha, assim, uma vontade
muito grande de organizar as Folias, em Valença.” (Nélio Ricardo)

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Mas o principal mediador no processo formativo do Chico foi o Padre Medoro, que
esteve à frente da paróquia de Valença entre 1998 e 2010. Para Medoro, Chico é detentor de
capacidade de aprendizado e de agenciamento que o distingue nas conquistas da AGFORV:
a gente foi apresentando para o Francisco, que existiam organizações
que poderia se fazer contato. Mas tenho que ser justo e dizer o seguinte:
quanto a esse contato com os órgãos instituídos, do Estado sobretudo,
isto foi pioneirismo dele! Iniciativa dele! Isso é mérito dele! O que eu
mais fazia era apoiar, num momento em que descobri que era importante
fazer determinado contato, eu fazia, às vezes, a mediação. Eu favorecia
com recurso material de transporte, alimentação... Mas sem dúvida o
protagonismo do Francisco tem que ser valorizado! Realmente a cultura
dele ultrapassa a simplicidade dele! (Padre Medoro)
Apesar de conferir mérito ao “protagonismo do Francisco”, no que tange a interação com
os agentes institucionais, o processo que levou a conquista do Ponto de Cultura teve participação
decisiva de Medoro. Algum tempo depois de instituída a AGFORV, o pároco promoveu um en-
contro entre Chico e um amigo de longa data, o chefe da Representação Regional do Ministério
da Cultura para Rio de Janeiro/Espírito Santo, Adair Rocha. O propósito era, principalmente, o
de orientar a AGFORV, sobre os mecanismos legais disponíveis para acesso a recursos públicos
pelos grupos de cultura popular. Segundo Chico, uma das observações de Rocha foi quanto ao
potencial reduzido de sucesso para uma iniciativa isolada por parte da AGFORV, recomendan-
do que as lideranças dos movimentos culturais se organizassem num projeto único. Assim foi
feito. Em 18 de Maio de 2008 foi registrado o Projeto de integração dos movimentos culturais
e afrodescendentes de Valença RJ reunindo, além da AGFORV, as Associações de Capoeira
Negrinho Mandigueiro, Pé na Lua e Pantera Negra, e o grupo de Dança Afro e Samba de Roda.
Coube ao Chico a condição de representante legal do projeto, que se estendeu, posteriormente, à
responsabilidade pela gestão do Ponto de Cultura. O documento já alinhavava as ações que pos-
teriormente viriam a integrar o projeto inscrito no primeiro edital (2008) para implementação
de Pontos de Cultura pela Secretaria de Cultura do estado, em parceria com o governo federal:
Provocar a integração das diversas culturas presentes no seio da popula-
ção valenciana; resgatar, prioritariamente, os elementos da cultura afri-
cana, aumentar e preservar as Folias de Reis e despertar o interesse pela
música e pela dança conseguindo manter a tradição da cultura religio-
sa, folclórica e popular; desenvolver o potencial turístico do município,
principalmente o turismo cultura; [...]3.
Para compor a documentação e preencher os formulários, Chico contou com a colabo-
ração de um amigo que atuava como assessor de um vereador local. A dependência da “boa
3
Obtido do Anexo II, do formulário de inscrição para o Programa mais cultura – ponto de cultura / Ponto de cul-
tura do Estado do Rio de Janeiro, para o projeto identificado por Projeto de integração dos movimentos culturais
e afrodescendentes de Valença-RJ, disponibilizado pela AGFORV.

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vontade” de alguns especialistas tem sido apontada por Chico como fundamental às conquistas
de recursos públicos por editais pela AGFORV. No Seminário de Folia de Reis do Estado do Rio
de Janeiro promovido pelo IPHAN em 2013, que contou com a presença de outros foliões e de
intelectuais, deu breve testemunho sobre a aprovação do Ponto de Cultura:
Conseguimos aprovar o projeto e é o terceiro ano com o projeto e já con-
seguimos atender a 1.400 crianças e eu tenho certeza que a partir do
momento que agente se organizar, precisa disso, procurar as localidades
próximas, precisa ter a boa vontade de um advogado, a boa vontade de
um contador, por que nós também não tínhamos, conseguimos tudo
na base do voluntariado. (Chico da Folia apud SOUZA, p.16, 2013)
Esse mesmo colaborador voltou a ajudá-lo na inscrição para outro edital, em 2010, no
qual também logrou sucesso. Em 2015, outro amigo, que é produtor cultural, o ajudou na ins-
crição para o Premio de Cultura Afro-Fluminense. Uma das limitações para Chico é o uso dos
recursos tecnológicos (computador, internet), cuja habilidade ainda não dispõe.
Chico comentou que chegaram a estudar a possibilidade de inscrever um projeto para a
Lei de Incentivo (Estadual), mas a exigência de compromisso prévio assumido por um patroci-
nador tem inviabilizado a inscrição. A Lei de Incentivo (custeada pela renúncia fiscal do ICMS),
tal como a Lei Rouanet, delega às empresas patrocinadoras a decisão de qual iniciativa cultural
patrocinar, produzindo substancial desigualdade de oportunidades, principalmente no âmbito
das culturas populares, já que a preferência é por projetos que garantam maior visibilidade aos
produtos ou nome da empresa.
A minha pesquisa não contemplou análise da aplicação dos recursos conquistados pela
AGFORV, ou avaliação do seu impacto sobre o público beneficiado, por exemplo, pelas ofi-
cinas promovidas pelo Ponto de Cultura. Quanto ao Prêmio Cultura Afro-Fluminense, tenho
a informação preliminar de que a maior parte será distribuída aos grupos de Folia integrantes
da Associação. Como trata-se de dezoito grupos, o impacto nas finanças de cada um não será
mais do que um pequeno alívio para o dono da Folia, responsável pelos gastos do grupo com a
jornada. Percebi, naqueles foliões que encontrei após a notícia da premiação, alguma satisfação
pelo prestígio que a conquista de um prêmio implica, mas nada próximo da intensa satisfação
demonstrada pelo próprio Chico da Folia que, a cada conquista, fortalece ainda mais sua lide-
rança, não só a frente do movimento das Folias de Reis, mas no universo cultural do município.

4. UM MESTRE-FOLIÃO INTEGRADO AO PRAGMATISMO


DA DINÂMICA PATRIMONIAL
O processo de aprendizado do Chico tem sido motivado pela necessidade de obtenção de
apoio financeiro externo para os grupos de Folia que, até o surgimento dos editais já referidos,
contavam apenas com a “ajuda” incerta e esporádica da Prefeitura ou de políticos locais. Nas inte-

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rações entre os grupos de Folia e o poder local instituído, tem prevalecido processo estruturado a
partir de laços de amizade, de lealdade, de compensações: um ethos que se reproduz por gerações.
Esse aprendizado incluiu identificar e ler editais públicos; participar de conferência mu-
nicipal e regional de cultura, que levaram-no a ser indicado como representante dos movimentos
culturais populares do Médio Paraíba-RJ na II Conferência Nacional de Cultura (2010); aten-
der cursos formativos, com destaque para o Curso de elaboração de projetos e captação de
recursos – em Volta Redonda/Conservatória – promovido pela Secretaria Estadual de Cultura
(2012); exercer seu papel de líder das Folias de Valença em eventos ou debates, como ocorreu
no já citado Seminário Folia de Reis do Estado do Rio de Janeiro promovido pelo IPHAN
(2013) para informar e debater sobre o processo de patrimonialização das Folias de Reis Flumi-
nenses; além de estabelecer uma rede de contatos com outras lideranças de culturas populares
e com representantes institucionais. Pode-se dizer que, hoje, Chico tem um bom entrosamento
com a lógica racionalista que orienta os mecanismos institucionais que conformam a “dinâmica
patrimonial”, relembrando que esta é entendida como o conjunto de ações e relações institucio-
nais que envolvem o patrimônio imaterial, sejam elas voltadas para a patrimonialização ou para
o fomento. Em outras palavras, Chico cumpriu o processo de “alfabetização patrimonial [que]
consiste em ensinar a ‘linguagem patrimonial’ aos membros das ‘comunidades tradicionais’”
(ABREU, 2014, p.43). Retorno, então, ao paradoxo que envolve esse processo – apontado por
Regina Abreu – que se propõe a salvaguardar e fomentar a diversidade cultural, adotando para
tal uma lógica universalista, de feições ocidentais, com potencial para impactos não desejáveis
sobre a lógica tradicional (que se deseja salvaguardar) que rege as comunidades tradicionais.
Ganha centralidade nas reflexões de Abreu os grupos que vivem sua cultura tradicional coti-
dianamente, como é o caso dos povos originários. Entretanto, temos grupos cujos membros se
deslocam, num movimento cíclico, entre um e outro universo – o da lógica racionalista e o da
lógica tradicional – que é o caso dos grupos de Folia de Reis. Seus membros são pessoas inte-
gradas ao sistema socioeconômico dominante, que operam dentro da lógica racional ocidental,
e que a cada período natalino, reconstroem e experimentam um viver ancestral. Entendo, assim,
que os possíveis impactos pensados por Abreu são suavizados quando pensados para grupos tra-
dicionais cujos membros já estão habituados a se conduzir no universo pragmático que orienta
as ações do Estado e dos agentes econômicos.
Pensando na aproximação da lógica do Estado como algo absolutamente novo para uma
comunidade tradicional, Abreu questiona: “O que seria para estas ‘comunidades’ estas novas
‘iniciações’?” No caso dos grupos cujos membros já vivenciam a lógica do Estado no seu coti-
diano, como acontece com os integrantes de grupos de Folia de Reis, esse contato não seria, exa-
tamente uma “iniciação”. Se aproximaria mais da percepção de um conjunto de novas demandas
burocráticas, dentre as muitas às quais já estão sujeitos. Entretanto, tratam-se de demandas que

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envolvem técnicas complexas, exigindo conhecimentos mais específicos para o manejo de me-
canismos que prometem reconhecer e valorizar sua expressão cultural tradicional, antes vivida
apenas com expressão de fé, sem ânsias de reconhecimento público, para além das próprias
famílias de devotos que os recebem em suas casas e/ou os prestigiam nos “Encontros de Folias”
do município. Essas novas demandas burocráticas estariam compreendidas nos processos de
patrimonialização e respectivas ações de salvaguarda formalmente estabelecidas, e na democra-
tização do acesso a recursos públicos estaduais e federais através de editais, que despontaram
no cenário cultural a partir de 2003. No caso do processo de patrimonialização das Folias de
Reis Fluminenses pelo IPHAN, esse tem passado ao largo do movimento de Folias de Valen-
ça. O município não foi um dos quinze escolhidos para o inventário que vem sendo realizado,
e que se propõe a dar suporte ao Registro que abrangerá todas as Folias do Estado do Rio de
Janeiro. Logo, a lógica do Estado não adentrou ao universo das Folias de Valença pelo processo
de patrimonialização, ainda. São as demandas burocráticas dos editais para acesso a recursos
públicos que introduzem o movimento valenciano na dinâmica patrimonial. A existência de
uma Associação de Folias, com um presidente legitimamente constituído, sugere que a primeira
pergunta de Abreu, que versa sobre a escolha dos membros da comunidade a serem “iniciados”
na burocracia Estatal, está respondida: o próprio presidente da AGFORV, Chico da Folia. Pas-
samos, então a segunda questão: “Quais os novos estatutos que estes indivíduos terão em suas
‘comunidades’ após a aquisição destas novas habilidades e destes novos modos de existência?”
(ABREU, 2014, p.43-44)
O Chico tem usado com eficiência o conhecimento que adquiriu ao longo do seu proces-
so formativo, como comprova a conquista de prêmios e editais ocorridos na sua gestão à frente
da AGFORV. Ele ainda comentou que conquistou, para ele, não para a AGFORV, o Prêmio de
Mestre da Cultura Popular, do Ministério da Cultura, em 2009, fazendo jus ao recebimento de
dez mil reais. A ampliação de conhecimentos e conquistas o tem projetado no cenário cultural
municipal, o que certamente contribuiu para levá-lo à assessoria da Secretaria de Cultura e à
presidência do Conselho Municipal de Cultura, por exemplo. É de se esperar, então, que seu
tempo esteja bastante tomado por tarefas e compromissos. No trato das questões da Folia, Chico
lamenta, às vezes, a ausência do envolvimento de alguns colegas foliões, mais afeitos a críticas
e menos interessados em colaborar nos compromissos e atividades da Associação. De minhas
observações posso afirmar que a identidade de Chico como mestre-folião não se perdeu em meio
a tantas novas atribuições e novos grupos nos quais se insere. De fato, ela prevalece, inclusive
no trato com os novos conhecimentos que tem adquirido no campo das políticas públicas.
Devemos tomar em consideração que um mestre-folião é valorizado e admirado pelo
conhecimento que acumula (e externa) dos “fundamentos” da Folia. Que, no passado, esse co-
nhecimento era o elemento acionado em disputas quando grupos se encontravam durante a jor-

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nada: momento muito temido, pois poderia desdobrar-se num conflito físico. Que a transmissão
desses saberes segue certo protocolo e relações de confiança, podendo o acesso ao conhecimen-
to ser dificultado e até restringido, como numa situação descrita pelo mestre Tachico, de Rio
das Flores, ao pesquisador Wagner Chaves. O primeiro mestre a lhe transmitir ensinamentos,
omitiu saberes relevantes, expondo-o a um cumprimento deficiente da jornada e a avaliação
negativa de devotos mais entendidos, o que só foi solucionado quando outro mestre, ouvindo-o
cantar as profecias, identificou suas limitações. Sensibilizado com sua dedicação, esse mestre se
prontificou a ajudá-lo (CHAVES, p.84-86). O que julgo poder afirmar é que o ethos da Folia de
Reis, que eu estenderia a outras culturas populares, contempla uma inclinação à centralização
de conhecimentos na conduta dos seus mestres. Assim, arrisco avaliar que Chico, possivelmente
conduzido pelo habitus, que Bourdieu conceituou como uma “disposição incorporada, quase
postural” (BOURDIEU, 1989, p.61), exerce uma centralização que, ao mesmo tempo em que o
sobrecarrega com tarefas e compromissos, estabelece uma relação de dependência da AGFORV
e seus membros para com ele, no que tange ao acesso a mecanismos públicos de obtenção de re-
cursos materiais para além da esfera municipal. Creio que essa situação foi percebida por um dos
seus mentores, o Padre Medoro, revelando-se motivo de preocupação para o mesmo. Quando o
questionei sobre sua visão de possíveis riscos à continuidade das Folias de Reis em Valença, ele
imediatamente pensou na continuidade da Associação (que não era, de fato, a minha questão).
Eu acho que a gente não teve tempo para ajudar o Francisco a preparar
sucessores pra missão dele. Hoje, talvez seja uma visão equivocada, mas
eu tenho uma impressão de que o Francisco é visto por alguns quase
como “o dono das folias”. Nesse sentido, é uma liderança que não dei-
xa crescer outras lideranças. Não digo que isso seja intencional ou por
mal caráter ou qualquer coisa... Mas dentro da dinâmica dos estatutos
deveria ter havido renovação nos quadros diretivos da Associação. Isso
eu acho importante porque, em primeiro lugar, temos que garantir a con-
tinuidade, com pessoas que tenham competência pra levar adiante. Nós
não somos eternos, como eu, que já saí daqui. (Padre Medoro)
Sabe-se que é prática de um bom mestre-folião, preparar sucessor tão logo sinta-se cansa-
do para continuar na condução da jornada. Creio que Chico, como competente mestre-folião que
é, tão logo se sinta cansado para dar conta das inúmeras tarefas e responsabilidades que assume,
se disponha a compartilhar os novos conhecimentos que adquiriu e a estimular o desenvolvimen-
to das habilidades que hoje dispõe, em outros companheiros. Pode não ser fácil encontrar pessoas
que tenham a combinação de inteligência, dinamismo e autopropulsão do Chico, mas não é im-
possível. Pessoas que, como ele, precisarão desfrutar do respeito e da confiança dos seus pares,
ingredientes que avalio como essenciais na receita que tem produzido uma gestão de sucesso
para o Chico, à frente da AGFORV. Entretanto, um risco não pode ser ignorado: o surgimento de
alguma eventualidade que limite Chico no exercício das suas atuais funções, antes que o estágio

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do cansaço chegue e a subsequente preparação de sucessores aconteça. Poderia significar um


retrocesso da AGFORV no entrosamento com as políticas públicas de valorização e fomento das
culturas populares.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho descrevi a experiência do movimento de Folias de Reis de Valença, atra-
vés da sua Associação (AGFORV), sob a liderança de um mestre-folião que experimenta um
processo de aprendizagem que acaba por distingui-lo dos seus pares no trato com as políticas
culturais. Os grupos de Folia têm acesso a recursos públicos, e a Associação e seu presiden-
te, conquistam prestígio. Uma relação de dependência se estabelece entre a Associação e seus
membros com o presidente, Chico da Folia, que centraliza o conhecimento adquirido da dinâ-
mica patrimonial conduzida pelo Estado. O compartilhamento desse conhecimento com outros
membros do grupo parece ser necessário para que o entrosamento com as políticas culturais do
Estado não venha a sofrer um retrocesso, caso alguma eventualidade limite o Chico no exercício
das suas funções.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Regina. Dinámicas de patrimonialización y “comunidades tradicionales” em Brasil. In: In:


CHAVES, Margarita; MONTENEGRO, Maurício; ZAMBRANO, Marta. (Org.) El valor Del patrimônio:
mercado, políticas culturales y agenciamientos sociales. Bogotá: Instituto Colombiano de Antropologia
e História (ICANH), 2014. p.39-66.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
BRASIL. Constituição. Brasília: Congresso Nacional, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 21 dez. 2015.
CHAVES, Wagner Diniz. Na jornada de Santos Reis – Conhecimento, ritual e poder na folia do Tachico.
Maceió: EDUFAL, 2013.
MINC. Estruturação, institucionalização e implementação do Sistema Nacional de Cultura. Brasília:
Minc/SAI, 2011. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/documents/10907/963783/livro11-602-para-
aprovacao.pdf/d17c52f9-3a60-4196-af5c-a6655f028f3b Acesso em: 7 dez. 2015.
______. As metas do Plano Nacional de Cultura. 3.ed. Brasília: MINC, 2013. Disponível em: http://
pnc.culturadigital.br/wp-content/uploads/2013/12/3%C2%AA-edi%C3%A7%C3%A3o-As-Metas-do-
Plano-Nacional-de-Cultura-at%C3%A9-a-meta-20-espelhado-para-site.pdf . Acesso em: 13 dez. 2015.
SOUZA, Luiz Gustavo Mendel. Ressonância em um campo dissonante. In: Reunião Brasileira de Antro-
pologia, 29, 2014, Natal, Anais da 29ª Reunião Brasileira de Antropologia. São Paulo: ABA, 2014. Dispo-
nível em: http://www.portal.abant.org.br/index.php/45-anais/534-anais-29-rba. Acesso em: 15 set. 2015.

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CINEMATECA POTIGUAR E SUA CONTRIBUIÇÃO


NA POLÍTICA CULTURAL AUDIOVISUAL
Mary Land Brito1
Vanessa Paula Trigueiro2

RESUMO: A Cinemateca Potiguar, situada no IFRN Cidade Alta, surge como espaço de
contribuição na preservação e circulação do material audiovisual produzido pelos realizadores
do Rio Grande do Norte e difusão de filmes nacionais. Com o avanço de suas atuações no
universo audiovisual local, o projeto teve a chance de contribuir para o fortalecimento da
politica cultural, levando o cinema às pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social
e econômica. Para o presente artigo, apresenta-se tanto uma compreensão contemporânea a
respeito do conceito de políticas culturais quanto à atuação da Cinemateca a partir da parceria
com a Mostra Democratizando. Com isso, há também uma reflexão sobre o potencial do uso do
cinema como agente de transformação social e inclusão cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas culturais, Cinema, Cinemateca Potiguar.

1. INTRODUÇÃO
Em outubro de 2015, o Ministério da Cultura (MinC) lançou o Programa Brasil de Todas
as Telas – Ano 2. O Programa foi defendido pelos realizadores da ação, o MinC e a Agência Na-
cional do Cinema (Ancine), como o maior programa de desenvolvimento do setor audiovisual
já construído no Brasil, com investimentos de R$ 646 milhões provenientes do Fundo Setorial
do Audiovisual (FSA). A primeira edição do projeto, lançado em julho de 2014, rendeu 306 lon-
gas-metragens, 433 séries ou telefilmes, a estruturação de 55 núcleos criativos e a realização de

1
Coordenadora Geral do Sistema de Informações sobre a Pessoa com Deficiência na Secretaria de Direitos Huma-
nos da Presidência da República. Também é docente do curso de Produção Cultural no Instituto Federal de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte e coordenadora da Cinemateca Potiguar, projeto de extensão do
Campus Natal – Cidade Alta. Mestre em Multimeios pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas
– Unicamp. E-mail: jornalistamary@yahoo.com.br
2
Docente do curso de Multimídia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte e coordenadora da Cinemateca Potiguar, projeto de extensão do Campus Natal – Cidade Alta. Mestranda
no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
vanessapaulatm@gmail.com

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620 projetos em todas as regiões do país3. O programa foi criado com a intenção de contribuir
para que o Brasil se transforme em um centro atuante de produção e programação de conteúdos
audiovisuais e tem o objetivo de estimular o desenvolvimento dos agentes econômicos e pro-
mover o acesso de um número cada vez maior de brasileiros ao conteúdo produzido também por
brasileiros, em todas as plataformas de exibição.
O Brasil de Todas as Telas é estruturado em quatro eixos: Desenvolvimento de proje-
tos, roteiros, marcas e formatos; Capacitação e formação profissional; Produção e difusão de
conteúdos brasileiros e o Programa Cinema Perto de Você. Esse último destina-se à abertura e
a modernização de salas de cinema, dando destaque a digitalização. Em sua primeira edição,
foram investidos R$ 350 milhões em abertura de novas salas, digitalização do parque exibidor
e investimentos do projeto Cinema da Cidade, que tem o objetivo de construir salas de cinema
em cidades de pequeno e médio porte onde estes espaços ainda não existem. Dos 1.371 muni-
cípios brasileiros com população entre 20 mil e 100 mil habitantes, foco do projeto, apenas 194,
14,15% do total, possuíam salas de cinema em 2014. Pelo menos 450 salas foram construídas
ou reformadas no decorrer de 20154.
Segundo texto veiculado pela assessoria de comunicação do Ministério da Cultura5
O ano da SAv (2015) ainda foi marcado pela política de democratização
do audiovisual nacional, em especial pelos programas Canal Cultura e
Quero Ver Cultura; pela retomada – em versão atualizada – de progra-
mas históricos e reconhecidos, como a Programadora Brasil, os Núcleos
de Produção Digital (NPD) e o Cine Mais Cultura; pela ampliação da
rede de exibição alternativa; e pela retomada da reestruturação da Cine-
mateca Brasileira e do Centro Técnico Audiovisual (CTAv). A secretaria
também organizou a inscrição e a seleção do filme brasileiro a ser indi-
cado ao Prêmio de Melhor Filme em Língua Estrangeira do Oscar 2016
(LEITE, 2016, online).
Na mesma reportagem, o ministro da cultura reforçou o entendimento da importância da
democratização da produção e acesso a conteúdo audiovisual nacional. O discurso de Juca Fer-
reira projeta o pensamento de que a democratização da produção cultural brasileira, bem como
ações de fomento e proteção, deve ser inerente ao plano de desenvolvimento do país.
Ainda nos aproximando dessa discussão que envolve as políticas culturais governamen-
tais, Marta Suplicy, antecessora de Juca Ferreira no Ministério, traz a questão do audiovisual
como ferramenta de inclusão na abertura do Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual – O

3
Fonte: Disponível em: http://www.ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/minc-e-ancine-lan-am-o-programa-bra-
sil-de-todas-telas-ano-2 Acesso: 04 fev. 2016.
4
Fonte: Disponível em: <http://ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/conhe-o-programa-brasil-de-todas-telas>
Acesso: 04 fev. 2016.
5
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-/asset_publisher/waaE236Oves2/content/a-
-setima-arte-muito-alem-da-tela/10883?redirect> Acesso: 04 fev. 2016.

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Brasil de todos os olhares para todas as telas. De acordo com Suplicy (2013), o audiovisual de-
sempenha um papel estratégico na economia e cultural, além disso, “constitui uma ferramenta
fundamental de inclusão social, de exercício da cidadania e de manifestação de nossa identidade
nacional” (Suplicy, 2013, p. 10).
Com a apresentação desses discursos e dessas ações políticas, é notório que a postura
dos agentes culturais governamentais tem confluído para uma defesa sobre a importância da
participação social na construção e no acesso aos bens culturais.
A partir disso, iniciamos uma complexificação do que envolve o termo políticas culturais.
Trata-se de ampliar a compreensão que as ações no âmbito das políticas culturais tem se tornado
um hábito de caráter público, devendo ser exercidas não só pelo Estado, mas pela soma da atua-
ção de diversos setores. De acordo com Canclini (2001), as políticas culturais resumem-se a
um conjunto de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis e
grupos comunitários organizados a fim de orientar o desenvolvimento
simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter con-
senso para um tipo de ordem ou de transformação social6 (CANCLINI,
2001, p. 78).
Seguindo o conceito do autor, entendemos também que ignorar o papel que qualquer ins-
tituição possa vir a exercer no campo da cultura é ir contra os pensamentos, teorizações e ações
da contemporaneidade. Ampliamos essa compreensão, apresentando também que, segundo Fur-
tado (2012), a política cultural deveria ser um “estímulo organizado a formas de criatividade que
enriquecem a vida dos membros da coletividade” (FURTADO, 2012, p. 41).
A partir dessa perspectiva, confluímos para o pensamento de que os agentes de ações
que contribuem tanto para a democratização de acesso aos bens culturais quanto para a trans-
formação social de uma determinada realidade podem estar em diversas esferas sociais e agir
em diversas frentes. É nesse contexto que surgiu a Cinemateca Potiguar, projeto de difusão de
conteúdo audiovisual, tendo como ênfase a circulação de filmes produzidos no Rio Grande do
Norte, mas atuando também na facilitação ao acesso das demais obras brasileiras.

2. CONHECENDO A CINEMATECA POTIGUAR


A Cinemateca Potiguar é um projeto de extensão do Instituto Federal de Educação, Ciên-
cia e Tecnologia do Rio Grande do Norte do campus Natal Cidade Alta que reafirma o compro-
misso do campus com a classe artística da cidade de Natal, oferecendo mais um espaço para a
difusão da cultura local. Inaugurada no dia 29 de outubro de 2014, o projeto surge como espaço
de contribuição na preservação e circulação do material audiovisual potiguar e nacional. Além

6
Texto original: “al conjunto de intervenciones realizadas por el estado, las instituciones civiles y los grupos
comunitarios organizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la pobla-
ción y obtener consenso para un tipo de orden o transformación social” (CANCLINI, 2011, p. 78).

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do viés da difusão e da busca pelo fortalecimento do cinema do Rio Grande do Norte, destaca-se
também o compromisso da Cinemateca Potiguar com a educação por meio do apoio à produção
cinematográfica, principalmente vinculada aos alunos do IFRN Cidade Alta, bem como pelo
incentivo à democratização do acesso ao cinema pela comunidade externa. O contato das comu-
nidades interna e externa do Instituto com a linguagem cinematográfica propicia o acionamento
da função social e educativa do audiovisual com benefícios refletidos em diversas esferas.
O espaço físico da Cinemateca Potiguar está situado no prédio do IFRN Natal Cidade
Alta, na Avenida Rio Branco, principal rua do centro de Natal. A estrutura do espaço conta com
três computadores notebooks com fones de ouvido disponíveis para visualização dos filmes do
acervo e uma sala de exibição climatizada com TV FullHD e home theather apta a receber gru-
pos de até 12 pessoas.
A Cinemateca Potiguar veio preencher uma lacuna latente do audiovisual do estado que
era o fato de não conseguirmos ver os nossos próprios filmes. A partir da identificação desta
demanda, por meio de diversas reuniões do setor, a professora do curso de Produção Cultural
Mary Land Brito criou o projeto e o espaço no Instituto, onde o público pode assistir filmes gra-
tuitamente, assim como os realizadores do audiovisual do estado podem deixar suas obras para
serem vistas. Ou seja, o projeto passa a atuar também como elo entre os que queriam mostrar
seus filmes e aqueles que queriam ver.
No momento atual a equipe da Cinemateca Potiguar é formada por docentes do curso
superior de Produção Cultural e do curso técnico de nível médio integrado em Multimídia, os
professores efetivos Mary Land Brito, Vanessa Paula Trigueiro, Paulo Guilherme Cruz e os
substitutos Fábio D’Silva e Rafaela Bernardazzi. Além disso, há também a participação dos
alunos como bolsistas, cumprindo três horas diárias dedicadas ao projeto, Larissa Sales, Amina
Dantas, Edo Sadistick, Alexandre Sérgio e Daliane Silva. Diariamente a sala de exibição da Ci-
nemateca é frequentada por alunos do IFRN Cidade Alta e pela sociedade civil7, em sua maioria
buscando filmes em caráter de entretenimento. Em nossa metodologia de trabalho, a equipe do
projeto está à disposição do público para indicar filmes e publicações impressas de acordo com
o interesse dos visitantes.
Dentre as atividades desenvolvidas pela Cinemateca Potiguar estão a constante amplia-
ção do acervo, que hoje conta com aproximadamente 600 títulos, por meio do contato com os
realizadores regionais e instituições do setor audiovisual em âmbito nacional; a organização e
manutenção do espaço; a organização de mostras, a produção de material audiovisual que di-
vulgue o projeto; a criação e manutenção de canais de comunicação, como site e mídias sociais.
Outra vertente do trabalho realizado pelo projeto junto ao setor audiovisual é a de parceria com

7
Inseridos nessa categoria de sociedade civil estão pessoas em situação de rua, cujo contato inicial com a maioria
deles se deu por meio das exibições itinerantes da Mostra Democratizando.

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os festivais de cinema, atuando nas áreas de produção de eventos e participação efetiva na pro-
gramação dos mesmos. Desde a sua inauguração, a Cinemateca Potiguar esteve presente como
apoio em todos os festivais de cinema do Rio Grande do Norte, como a Mostra de Cinema de
Gostoso, o Festival Internacional de Cinema de Baia Formosa, o Cine Natal 2014, Goiamum
Audiovisual, Urbano Cine, além de mostras alternativas de cinema de Natal.
Além dos parceiros estaduais, o projeto tem configurado uma relação de parceria com
iniciativas regionais como a produção local de cursos ofertados pelo Centro Audiovisual Nor-
te-Nordeste (Canne) e exibição de filmes do projeto “Cine É Proibido Cochilar”, da Represen-
tação Regional Nordeste do Ministério da Cultura, com exibição de curtas e longas, mesas de
apresentação e debates. A Cinemateca Potiguar também tem parcerias nacionais com o Núcleo
de Produção Digital – NPD do Ministério da Cultura, que irá possibilitar o empréstimo de equi-
pamentos de produção cinematográfica.
Percebe-se, então, que é na esfera da exibição a principal atuação da Cinemateca Poti-
guar. O projeto é produtor ou co-produtor de todos os eventos audiovisuais realizados no espaço
do IFRN Cidade Alta e também realiza parcerias com diversos eventos da cidade, ficando res-
ponsáveis pelas mostras de filmes – em especial, dos filmes potiguares. Além disso, em caráter
mais amplo, também são realizadas parcerias nacionais como o Revelando os Brasis, quando o
projeto atuou na ação de exibição dos filmes em Natal.
A partir da natureza dessas atuações já apresentadas, surgiu o desejo de participar tam-
bém do projeto Democratizando.
O Projeto Democratizando é uma iniciativa integrante da 9ª Mostra
Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul. Por meio do projeto,
pontos de exibição de todo o país se inscreveram para receber os kits
elaborados pela produção da Mostra; os kits contêm obras que buscam
suscitar o debate sobre os Direitos Humanos em âmbito nacional. Além
disso, os espaços inscritos poderão organizar palestras, workshops e ou-
tros tipos  de encontro para discutir Direitos Humanos e outros temas
relacionados. As exibições acontecerão entre janeiro e março de 2015,
e são de responsabilidade das instituições que se inscreveram para rece-
ber o material do Democratizando. O kit Democratizando é totalmente
gratuito e será entregue em caixa personalizada, contendo camisa, bolsa,
bloco de notas, caneta, catálogo do evento e o encarte com 3 DVDs. Em
formato digital, os filmes enviados terão como opção a utilização de
closed caption e audiodescrição, além de legendas para cinco idiomas:
árabe, espanhol, inglês,  francês e mandarim (DEMOCRATIZANDO,
2014).
No entanto, o que, inicialmente, seria uma parceria apenas de exibição e debate sobre o
audiovisual, se tornou uma possibilidade de rever e reconstruir a política de atuação da Cine-
mateca Potiguar. Isso porque, durante as exibições, a equipe da Cinemateca ficou diante de um

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público periférico, que, comumente, não tem acesso ao cinema, ou seja, uma esfera da popula-
ção que ainda não é afetada diretamente pelo universo das políticas culturais federais abordadas
no início deste artigo.

3. UMA AGENDA PERIFÉRICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


Diante dessa contextualização, para o presente artigo estabelece-se um recorte nas ati-
vidades que o projeto tem desenvolvido a partir da realização da Mostra de Cinema e Direitos
Humanos no Hemisfério Sul – Democratizando, em março de 2015. Além da Mostra ter sido
disponibilizada na sala de exibição da Cinemateca, ela foi realizada em cinco diferentes locais:
o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), a Casa do Menor Trabalhador, o auditório do IFRN
Cidade Alta e o Albergue Municipal. Por meio dessa vivência, o projeto teve sua efetiva inser-
ção no universo do cinema como meio de transformação social.
Para melhor compreender essa ação é importante expor, além da apresentação já reali-
zada, um breve panorama da história do projeto Democratizando. Iniciada em 2006, pela então
Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), a Mostra Cinema e Direitos Humanos trans-
mutou-se ao longo dos anos nas suas mais diversas dimensões. Em relação à sua dimensão terri-
torial, a Mostra se expandiu gradualmente. Em sua primeira edição, a Mostra Cinema e Direitos
Humanos no Hemisfério Sul foi realizada em quatro capitais brasileiras (Brasília, Recife, Rio
de Janeiro e São Paulo). Em 2007, em sua segunda edição, a Mostra foi ampliada e exibida em
oito capitais. No ano de 2008 alcançou o número de 12 capitais e em 2009 ampliou ainda mais
esse número, sendo exibida em 16 capitais brasileiras. Em uma contínua expansão, em 2010, na
sua quinta edição, atingiu 20 capitais, culminando, em 2011 na consolidação da Mostra e da sua
chegada a todas as 27 capitais brasileiras.
Nesse contexto, a Mostra chegou a Natal no ano de 2009 e desde então tem como pro-
dução local a empresa Mapa Realização Cultural. Em seu primeiro ano, a mostra aconteceu no
auditório do SEBRAE, no ano seguinte no Teatro de Cultura Popular Chico Daniel (TCP) e, de
2011 a 2015, no auditório do IFRN Cidade Alta.
Ainda em 2014, a Cinemateca Potiguar se tornou parceira do projeto e esteve engajada
na divulgação e mobilização da Mostra, ajudando também na seleção dos alunos bolsistas que
realizaram a produção do evento. Paralelamente a essa ação, foi realizado o cadastro da Cinema-
teca como ponto de exibição do Kit Democratizando. A partir desse contato, o projeto se tornou
um dos pontos focais da Mostra Democratizando, que distribuiu quase 1.000 kits por todo o país
com a intenção de levar o cinema para um grande número de pessoas das mais diversas realida-
des sociais, culturais e econômicas.
O processo metodológico desenvolvido durante a Mostra Democratizando foi pensado
a partir do contato com a Secretaria de Direitos Humanos. Após o cadastro da Cinemateca Po-

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tiguar como ponto de exibição e o recebimento do kit com os filmes a serem exibidos, a equipe
da Cinemateca8 realizou um levantamento sobre instituições que trabalham com pessoas em
vulnerabilidade social e assim foram escolhidos nossos 04 parceiros no projeto (Casa do Menor
Trabalhador, IFRN Cidade Alta, CAPS e Abrigo Municipal).
Para a participação na atividade da Democratizando, a Casa do Menor Trabalhador sele-
cionou alunos de 06 a 13 anos de idade. Diante de um público de faixa etária tão diversa não foi
possível conseguir completo êxito na exibição, já que a escolha dos filmes não agradou em sua
totalidade ao público presente. Na ocasião, foram exibidas algumas animações e, em seguida,
o filme Sophia. Já para os alunos do PRONATEC, com cursos sediados no IFRN Cidade Alta,
foi selecionado o documentário Kátia. O diálogo após o filme demonstrou um engajamento dos
alunos em relação à narrativa.
As exibições no Centro de Atenção Psicosocial (CAPS) e no Albergue Municipal foram as
grandes surpresas do circuito itinerante da Mostra Democratizando realizado pela Cinemateca Po-
tiguar. O público presente demonstrou alto grau de interesse e de participação. Nesses dois locais,
a equipe da Cinemateca realizou uma pré-curadoria dos filmes, selecionando obras que estivessem
alinhadas as orientações do setor de psicologia das duas instituições. Ao chegar aos locais, foram
apresentadas as sinopses dos filmes e o público realizou a escolha de qual filme seria exibido.
Em uma das exibições do CAPS foi escolhido o documentário Cabra Marcado para
Morrer, longa metragem do diretor Eduardo Coutinho. A psicóloga que acompanhou a turma
nos alertou que eles tinham dificuldade de concentração e um filme muito longo poderia des-
motivá-los durante a exibição. Diante do exposto, antes do início da sessão foi apresentado ao
público o recurso de audiodescrição e a maioria optou pela exibição do documentário com a uti-
lização desse recurso de acessibilidade. Ao final da exibição, no momento destinado ao diálogo
sobre a história e sobre as impressões do público diante do filme, a equipe da Cinemateca foi
surpreendida pela unanimidade da aprovação em relação à audiodescrição. Os presentes expu-
seram que o recurso possibilitou que eles acompanhassem o filme mesmo quando estavam can-
sados e baixavam a cabeça. Durante a sessão de Cabra Marcado para Morrer, longa com 119
minutos de duração, foi realizada apenas um intervalo na exibição, momento em que o público
aproveitou para ir ao banheiro e, mediante a reivindicação dos fumantes, fazer o uso de cigarro.
Após o filme, a equipe da Cinemateca Potiguar, com a participação da psicóloga da instituição,
conduziu o debate tendo como centro da questão os direitos humanos.
Outra resposta positiva durante a Mostra Democratizando diz respeito à exibição fílmica
no Albergue Municipal, iniciativa da Prefeitura de Natal que atende pessoas em situação de rua e

8
Na época da realização da Mostra Democratizando, a equipe era constituída pelas duas professoras coordenado-
ras, Mary Land Brito e Vanessa Paula Trigueiro, e pelos bolsistas do Curso de Produção Cultural do IFRN Cidade
Alta, Amina Beatriz, Edo Sadistic, Ianne Freire e Larissa Sales.

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vulnerabilidade social. Assim como aconteceu no CAPS, o setor de assistência social apresentou
o fato de o público ter dificuldade de concentração, apontando que a exibição de um filme muito
longo poderia desmotivá-los. Diante do exposto, o filme Sophia, do diretor paraibano Kennel
Rógis, foi escolhido para a exibição no Albergue. Com duração de 15 minutos, o curta metragem
agradou os presentes e gerou um debate a respeito do apoio da família no processo de qualquer
tipo de recuperação. Logo após esse diálogo, o público solicitou que fosse exibido mais uma
obra audiovisual, o que surpreendeu a própria equipe responsável pelo Albergue. Na ocasião, a
equipe da Cinemateca sugeriu a projeção do curta metragem potiguar Abraço de Maré, buscan-
do, a partir da narrativa fílmica, uma aproximação com um cenário urbano já conhecido pela
maioria dos presentes.
Por fim, durante todo o ciclo itinerante da Mostra Democratizando, o diálogo após a
exibição dos filmes foi realizado ao fim das sessões. Em vários momentos o público expôs seus
medos e fraquezas diante dos problemas que estavam enfrentando, sempre fazendo relação com
o filme apresentado.
O filme sempre organiza algo. Essa organização não está na tela, nem
na sua cabeça sozinha, está no encontro das duas. Onde está o filme?
Não está na tela porque, se você muda sua capacidade de percepção, só
vai ver luzes, sombras e nada mais. Onde está o filme? Ele está nesse
encontro. A gente necessita das historias e dos filmes para ter muitas das
nossas impressões. Às vezes os filmes que ajudam a organizar um sen-
tido. Ou com a ajuda do seu instrumental, fabricar um sentido onde não
se vê. É muito bom sair de filmes onde você enxerga estímulo pra seguir
adiante. É onde você criou um sentido não estava vendo, mas claro que
isso é com o seu repertorio. Junto com o que o filme se dá. O filme se
oferece, se empenha, se dá pra você (CAKOFF, 2010, p.121-122).
A partir das declarações dos presentes, os representantes das instituições aproveitavam
para tratar de assuntos diversos na área dos direitos humanos e bem estar social. Percebe-se,
com isso, que o recurso da exibição audiovisual possibilitou, além de um momento de imersão
na narrativa fílmica, um momento de reflexão a respeito de suas próprias vidas.
E essa reflexão também se estendeu ao projeto. Foi a partir dessas exibições e dos relatos
ouvidos que se chegou a conclusão de que era preciso incluir este público no ciclo da política
cultural e a Cinemateca Potiguar decidiu então dar continuidade a essa atividade iniciada com
a Mostra Democratizando. Com isso, as ações do projeto passaram a não ter apenas o setor
audiovisual e a comunidade interna do IFRN como fio condutor. Essa mudança de postura fez
com que a Cinemateca passasse a dar mais ênfase as comunidades que se encontram à margem
das políticas governamentais, trabalhando a inclusão das pessoas em vulnerabilidade social no
universo do cinema.

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Levando-se em consideração que grande parte da população brasileira


não mantém nenhuma convivência com as linguagens artísticas (ou vi-
vências das mesmas), o processo de formação de plateia se torna muito
mais complexo, as propostas de criação de espaços para amadores, expe-
rimentos, redes e oficinas se apresentam como prioritárias, para dar início
a um processo de alteração deste quadro. (CALABRE, 2010, p. 100).
Os resultados obtidos até então com a realização da Democratizando foi justamente o
que propõe o nome da mostra: a democratização do acesso ao cinema, especialmente aos filmes
nacionais e potiguares, incluído nas exibições. Isso projetou a Cinemateca Potiguar para um
novo público que, como dito anteriormente, no momento de idealização do projeto, não fazia
parte dos planos das ações.
As parcerias com o CAPS e o Albergue Municipal foram então instituídas ainda em
2015. Acordado que a Cinemateca realizaria uma exibição mensal, seguindo o princípio da me-
todologia utilizada durante a Mostra Democratizando, o ciclo de exibições para as instituições
foi retomado no mês de agosto de 2015. A dinâmica no Albergue Municipal continua a mesma,
com a ida da equipe da Cinemateca até o local no turno da noite e a montagem da projeção na
área comum do espaço. Já a dinâmica com a CAPS foi alterada devido uma necessidade interna
identificada pela equipe psicopedagógica da instituição. Os responsáveis pelo Centro de Apoio
perceberam que, para o tratamento dos pacientes, torna-se mais rica a saída deles do espaço de
convívio diário, sendo articulada, dessa forma, a exibição na própria sala de projeção da Cine-
mateca Potiguar.
Além disso, a Cinemateca Potiguar, antes frequentada muito mais pelos alunos do IFRN
e por profissionais do audiovisual, desde o final do mês de abril de 2015 passou a receber visitas
diárias das pessoas em situação de rua. Esse contato se deve diretamente ao trabalho realizado
no Albergue Municipal, local que abriga essas pessoas durante a noite e fica há apenas alguns
metros do Instituto. Os grupos que frequentam diariamente o espaço tornaram-se consumidores
assíduos das obras cinematográficas disponibilizadas no acervo da Cinemateca e, aos poucos,
tem se despertado também o interesse pela filmografia potiguar.
Com esse contato próximo à nossas ações, as pessoas em situação de rua tem participado
também de outras mostras realizadas pela Cinemateca Potiguar. O caso mais sintomático se deu
durante a mostra “Cine É Proibido Cochilar”, um evento de exibição fílmica com duração de
duas semanas que aconteceu em agosto de 2015 tanto na sala de projeção da Cinemateca quanto
no auditório do IFRN Cidade Alta. A participação se deu de forma tão satisfatória que alguns
deles chegaram a assistir os 24 filmes disponibilizados para a mostra, além de participarem dos
debates com cineastas, pesquisadores e representantes do poder público ligados ao audiovisual.
Desta maneira, a Cinemateca Potiguar passa a dar sua contribuição no fortalecimento
de uma política cultural atuando não apenas na valorização do cinema potiguar e nacional,

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mas também apresentando uma linguagem artística a pessoas que fazem parte de uma agenda
periférica das políticas públicas de todas as áreas. Pessoas que normalmente apresentam uma
carência de tratamento digno em diversas áreas e que passam a ter a oportunidade de conhecer
o audiovisual como público.

4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Consideramos que ações como esta, somadas a outras milhares que acontecem no país
produzidas por instituições e pessoas diversas, exercem um papel importante no complemento
da política cultural estatal. Em 2014, ano em que foi inaugurada a Cinemateca Potiguar existiam
26 salas de Cinema em Natal, todas em shoppings centers. E os 122 homens e mulheres que
assistiram algum dos filmes da Democratizando nunca estiveram presentes em nenhuma delas.
Uma pesquisa realizada pela equipe do projeto durante as sessões no CAPS e Albergue Munici-
pal demonstrou que 5 pessoas nunca tinham visto um filme inteiro e que 19 nunca tinham visto
um filme em uma tela grande.
Ainda neste mesmo ano de inauguração da Cinemateca Potiguar, segundo o Informe
Anual Preliminar 2014 da Ancine, 38 novos complexos cinematográficos foram abertos, tota-
lizando 182 novas salas de cinema para o país. Cinco complexos foram reabertos e outros seis
ampliaram seu número de salas, somando mais 205 novas salas, com um total de 2.830 salas de
cinema existentes no Brasil em 2014. O país também fechou 2014 com 62,5% de seu parque
exibidor, 1.770 salas, atuando com tecnologia digital9. Avanços importantes para o universo
audiovisual, mas que, como apresentado no decorrer desse artigo, as políticas públicas não se
mostram suficientes tendo apenas o estado como agente.
É preciso, portanto, contar com a soma de vários esforços e com o potencial de insti-
tuições diversas. É preciso utilizar a força do audiovisual como ferramenta de inclusão social
e cultural, de exercício da cidadania e de manifestação da identidade nacional com toda a sua
diversidade. O ato de “ver filmes, ler e falar sobre eles nos conduz a imaginar outras formas de
sociabilidade e socialização, assim como a nos interrogar sobre outras relações entre os indiví-
duos e a sociedade” (DAUSTER, 2008, p. 08).
As ações realizadas pela Cinemateca Potiguar com a presença do público do Albergue
Municipal e do CAPS já se tornaram uma constante. Isso se deu visto que o público, ao entrar
em contato com as narrativas fílmicas, acionou memórias e despertou para reflexões sobre suas
próprias vidas, passando assim a ver no cinema uma possibilidade tanto de entretenimento quan-
to de transformação social.

9
Disponível em: http://www.ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/ancine-divulga-informe-anual-preliminar-do-
-mercado-de-exibi-o-em-2014 Acesso: 10 fev. 2016

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Além disso, as ações realizadas nos dois locais, hoje se soma também a atuação na Casa
de Apoio a Criança com Câncer Durval Paiva. A exibição cinematográfica é mesclada a uma con-
versa após o filme que propõe um diálogo entre o entendimento da própria narrativa e a história
de vida do público que assistiu ao filme. A partir disso depreende-se que “ver filmes é uma prática
social tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto a
leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais” (DUARTE, 2002, p. 17).
Levar essa percepção ao universo de pessoas em situação de risco e vulnerabilidade
social e econômica confluiu para uma nova e importante proposta incorporada às ações da Ci-
nemateca. Estamos vivenciando o cinema como ferramenta de transformação social, capaz de
alterar vidas ao propiciar o contato com essa expressão artística. “Para saber, para fazer, para ser
ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação” (BRANDÃO, 1981, p.07)
e com essa compreensão, torna-se intenção estimular e educar os mais diversos tipos de público
para refletir e participar da vida cultural brasileira e potiguar por meio do cinema.
Entendemos que o cinema pode se constituir um agente da educação
que possibilita uma aprendizagem estética, sensibilização da inteligên-
cia, descobrimento de sensações, encontros, conhecimento e reconhe-
cimento de diferentes mundos, ideias e culturas, estímulo para sonhar,
desaprender o que foi aprendido para se reaprender com os olhos livres
outras possibilidades de viver (FRESQUET, 2007).
Além do crescimento do público a partir dessa formação crítica que vem sendo estimu-
lada, há também o crescimento pessoal e profissional dos alunos bolsistas e dos docentes do
projeto, tendo em vista que a equipe é constantemente sensibilizada pela realidade social com
a qual trabalha e estimulada a refletir sobre o uso da linguagem cinematográfica e relacioná-la
ao universo extra fílmico. E como no cinema, “uma boa história, uma história bem contada, ela
tem duas características fundamentais: ela tem que mudar quem ouve e tem que mudar quem
conta” (CAMPOS, 2003, p.29).
Trazer para a Cinemateca Potiguar a responsabilidade de ajudar na construção de uma
política cultural tem deixado também como grande contribuição, para todos os envolvidos, com-
petências diversas como trocas solidárias, integração, valorização das diferenças, gerenciamen-
to de conflitos, reconhecimento dos saberes individuais e o cuidado de si e do outro. É o público
e o agente cultural trabalhando na construção de novos repertórios fílmicos e de vida, bem como
na efetivação de uma política cultural que procure atender a todo e qualquer cidadão e toda e
qualquer cidadã. É trabalhar para que cada indivíduo entenda que pode se fazer presente nas
cadeiras de qualquer cinema ou espaço cultural existente no país.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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<http://ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/conhe-o-programa-brasil-de-todas-telas> Acesso: 04 fev. 2016.
ANCINE, Agência Nacional do Cinema. Plano de diretrizes e metas para o audiovisual: o Brasil de
todos os olhares para todas as telas. 1ª edição. Rio de Janeiro: Agência Nacional do Cinema, 2013.
BALÁZS, Béla. O Homem Visível. Tradução de João Luiz Vieira. In: XAVIER, Ismail (Org.). A
Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2003.
BODANSKY, Laís. Cine Tela Brasil e Oficinas Tela Brasil: 10 anos de cinema das periferias e
comunidades de baixa renda São Paulo: Instituto Buriti, 2014.
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Cultura. 1. ed. Brasília, Realização Câmara dos Deputados, 2007.
CAKOFF, Leon (org.). Os filmes da minha vida. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2010.
CALABRE, Lia. Políticas Culturais no Brasil: história e contemporaneidade. Fortaleza: Banco do
Nordeste do Brasil, 2010.
CAMPOS, Fernando Coni. Cinema: sonho e lucidez. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2003.
CANCLINI, Nestor García. Definiciones en transición. In: MATO, Daniel (org.) Estudios
latinoamericanos sobre cultura y transformaciones sociales em tiempos de globalización. Buenos
Aires: Clacso, 2001, p. 65.
DAUSTER, Tânia. Diversidade cultural e educação. In: BARROS, José Márcio (Org.). Diversidade
cultural: da proteção à promoção. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
DEMOCRATIZANDO, 2014. Disponível em: <http://www.mostracinemaedireitoshumanos.sdh.gov.
br/2014/democratizando/>. Acesso: 21 set. 15.
DUARTE, Rosália. Cinema & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
FRESQUET, A. (Org.). Imagens do desaprender: uma experiência de aprender com o cinema. Rio de
Janeiro: Booklink, 2007.
FURTADO, Celso. Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
LEITE, Larissa. A sétima arte muito além da tela. Assessoria de Comunicação do Ministério da Cultura,
04 jan. 2016. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-/asset_publisher/
waaE236Oves2/content/a-setima-arte-muito-alem-da-tela/10883?redirect> Acesso: 04 fev. 2016.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Universidade no século: Para uma reforma democrática e
emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez Editora, 2004.
SILVA, Carlos Rafael Braga; ONOFRE, Leonardo de Freitas. O cinema como representação da
identidade cultural. In: Encontro de História, Rio de Janeiro: Anpuh, 2008.
SUPERINTENDÊNCIA DE ANÁLISE DE MERCADO. Informe de Acompanhamento de Mercado:
Segmento de Salas de Exibição. Ancine, 2014.

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CADASTRO CATARINENSE DE MUSEUS: A INICIATIVA DE COLETAR E


PRODUZIR INFORMAÇÕES SOBRE O CAMPO MUSEAL NO ESTADO
Maurício Rafael1
Renata Cittadin2

RESUMO: Este artigo discorre sobre o processo de construção de uma metodologia, coleta e
análise das práticas, das estruturas e dos processos conceituais nos museus de Santa Catarina,
tendo em vista as transformações do campo museológico brasileiro desde o advento da Política
Nacional de Museus (PNM). Neste cenário, configura-se como estratégica a formatação de
diagnóstico que aponte as limitações e os potenciais dos museus catarinenses, viabilizando,
assim, uma base de dados que referencie o planejamento de políticas públicas que alcancem
as necessidades apontadas. Dessa forma, a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), por meio
do Sistema Estadual de Museus (SEM/SC), desenvolveu o projeto denominado Cadastro
Catarinense de Museus (CCM), com a finalidade de sistematizar as informações obtidas sobre
os museus catarinenses.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas, Museus, Santa Catarina, Indicadores, Cadastro Ca-


tarinense de Museus.

1. AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CAMPO MUSEAL CATARINENSE:


BREVE RETROSPECTO
Os museus configuram-se como agentes de integração entre os indivíduos e as mais
diversas narrativas culturais. São lugares de pesquisa, de reabilitação e de fortalecimento das
identidades culturais, assim como de formação e produção de conhecimento.
Nesse sentido, cada vez mais se faz necessário estabelecer um processo de valorização
e articulação entre as políticas públicas para museus (federais, estaduais e municipais), na ten-
tativa de viabilizar métodos para a qualificação dos processos museológicos desenvolvidos por
essas instituições.

1
Museólogo, mestrando do Programa de Pós-graduação Interunidades em Museologia da Universidade de São
Paulo (PPGMus/USP). Coordenador do Sistema Estadual de Museus de Santa Catarina no período compreendido
entre 2011 e 2015. E-mail: mauricioerriefe@gmail.com.
2
Museóloga, coordenadora Técnica do Cadastro Catarinense de Museus, atua no Sistema Estadual de Museus de
Santa Catarina desde 2011. E-mail: renatacittadin@gmail.com

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A reunião ou a organização dos museus formam um campo próprio, denominado “mu-


seal”, em que valores, critérios, práticas e discursos específicos são reconhecidos (SANTOS,
2004). A dinâmica que ocorre entre as diversas organizações que operam num mesmo espaço
pode ser compreendida por meio da noção de “campo organizacional”, elaborada por DiMaggio
e Powell (1999).
O Estado pode ser considerado um dos principais agentes influenciadores nos campos
organizacionais. Desse modo, as organizações tendem a obedecer às regras do Estado, que é res-
ponsável pelo planejamento, execução e avaliação das políticas culturais. Isso pode ser percebi-
do especialmente nas três últimas décadas, período que o Brasil vem experimentado importantes
transformações no campo da gestão cultural, como afirma Bruno (2011, p.118):
A área correspondente à gestão cultural, em função da sua expressiva
pluralidade tem sido alvo de muitas e importantes iniciativas. Por um
lado, os grupos sociais têm se organizado e atuado de forma sistemática
em função da valorização das mais variadas manifestações culturais e,
por outro, os distintos segmentos do poder público têm proposto diver-
sos modelos de gestão, que se articulam a partir de redes e sistemas,
contando com a dinâmica participação de representantes da sociedade.
No campo da cultura, o Estado atua orientado pelas diretrizes de sua política cultural,
que compreende um programa de intervenções que pode ser realizado tanto pelo próprio Esta-
do quanto por instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários, “com o objetivo
de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas
representações simbólicas” (COELHO, 2004, p.293). É, portanto, um “conjunto de iniciativas,
tomadas por esses agentes, visando promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a
preservação e divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por
elas responsável” (Op cit.).
Mesmo antes da criação da Política Nacional de Museus (2003) ― desenvolvida pelo
Ministério da Cultura (MinC) por meio de esforços conjuntos de diversos profissionais da área
museal ―, a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), por intermédio do Sistema Estadual de
Museus de Santa Catarina (SEM/SC), vinha construindo uma política pública para os museus
no Estado, objetivando a organização do setor e a profissionalização no que concerne às singu-
laridades e à diversidade das práticas e dos discursos sociais.
Apesar de ter sido criado oficialmente em 1991 (Decreto nº 615/91) e de ser um dos
primeiros sistemas de museus do país, a atuação do SEM/SC, enquanto rede articuladora de ins-
tituições museológicas, existe desde 1986, quando foi institucionalizado o antigo Sistema Na-
cional de Museus (SNM) pela Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN/
MinC), cujas normas de funcionamento estão regulamentadas na Portaria nº 13/86. No mesmo
ano, foi criada também, em âmbito federal, a Coordenadoria de Acervos Museológicos - vin-

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culada à Fundação Nacional Pró-Memória (órgão executivo da SPHAN) – e que se destinava


a assessorar os trabalhos técnicos, editar publicações e prover verbas financeiras para o desen-
volvimento das atividades dos museus vinculados a esse órgão. O SPHAN foi extinto em 1990
dando lugar ao Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural (IBPC), que por sua vez foi absorvido
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1994.
Ainda no âmbito nacional, o antigo SNM (solapado juntamente com a Fundação Pró-Me-
mória, em 1990, durante o Governo Collor) possuía competências voltadas para área museológica
brasileira como um todo, tais como: sugerir diretrizes, métodos, estimular programas de capacita-
ção na área, intercâmbio, pesquisas, prestar assistência técnica) e estava vinculado a um comitê,
formado por representantes de entidades museológicas públicas e privadas (Portaria nº 284/86).
Seguindo esse propósito, foi formatado dentro da estrutura da FCC o Sistema Estadual
de Museus, subordinado à antiga Unidade de Ciências, com o objetivo de “articular museus
existentes no Estado no sentido de integrar o Sistema Nacional de Museus, de forma que ve-
nham a merecer a devida atenção daquele organismo [...]” 3.
Documentos arquivados na FCC demonstram que o Sistema Estadual de Museus da-
quela época pautava-se na intermediação com o SNM para apoio financeiro aos projetos das
instituições museológicas catarinenses, bem como na execução de cursos de capacitação dire-
cionados aos profissionais de museus.
Contudo, de forma oficial, como já explicitado anteriormente, o SEM/SC existe desde
1991 e, nesse período, atuava vinculado à antiga Gerência de Organização de Museus da FCC
(GEOMU), com o mesmo propósito de sistematizar ações de apoio aos museus, desta vez com
foco na formatação de editais para auxílio financeiro a projetos técnicos (1995 até 1998).
A partir de 1997, como consequência do sucateamento da estrutura da FCC e no intuito
de expandir uma rede de cursos de capacitação que atingisse o interior do estado, a GEOMU/
FCC e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) empreenderam esforços na criação e
atuação do Núcleo de Estudos Museológicos (NEMU). O NEMU (1997-2012) visava à capaci-
tação dos agentes atuantes em museus catarinenses, bem como a integração dos técnicos em en-
contros distribuídos em diferentes cidades do estado. Isso pode ser considerada uma alternativa
frente à inexistência de um curso de graduação em Museologia em Santa Catarina.
A partir daí, as ações da GEOMU se orientaram mais no sentido de dar
suporte ao NEMU, viabilizando a participação da Gerência como uma
das organizadoras dos encontros regionais que o Núcleo realizava e ga-
rantindo seu transporte e hospedagem (OLIVEIRA, 2006, p.100).
Em 2003, após reforma administrativa ocorrida em toda a estrutura do Governo do Estado
de Santa Catarina, alguns setores e cargos foram extintos na FCC, dentre eles a GEOMU. A partir

Ofício Circular nº 54/86, expedido pela FCC em 10 de outubro de 1986 e endereçado aos museus catarinenses.
3

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de então, e apesar de neste ano nenhuma ação concreta em benefício dos museus ter sido efetiva-
da, os trabalhos relacionados ao campo museológico ficariam sob a responsabilidade da Gerência
de Patrimônio Cultural (GEPAC).
No ano seguinte, influenciada pela implantação do novo Sistema Brasileiro de Museus
(SBM) a FCC desvinculou-se da proposta do NEMU, que a partir deste momento seria executa-
do somente pela UFSC, e focou no desenvolvimento de um amplo debate a fim de reestruturar
a política estadual de museus e reformular sua atuação para o campo museológico catarinense.
Essa reestruturação foi efetivada a partir da realização do 1º Fórum de Museus de Santa
Catarina, realizado na cidade de Florianópolis, em 2005. Na ocasião do evento, que agregou
mais de 120 pessoas de todas as regiões catarinenses, foram formuladas e aprovadas, em ple-
nária, as diretrizes que formam a base da Política Estadual de Museus (PEM), dividida em seis
áreas (eixos) de atuação, denominadas eixos estruturantes, a saber: Capacitação e Formação (1);
Gestão (2); Financiamento e Fomento (3); Democratização e Acesso aos Bens Culturais (4);
Acervos (5); Pesquisa (6)4.
Em 2006, como consequências das deliberações aprovadas durante o Fórum ocorrido
no ano anterior, o SEM/SC foi reativado, por meio do Decreto 4.123/06 que institucionalizava
novamente um programa de políticas públicas direcionado aos museus.
Nos anos que se seguiram, o Sistema concentrou sua atuação na capacitação dos agentes
atuantes em museus e nas instituições afins, com objetivo a instrumentalização de profissionais
em diversas áreas do conhecimento da Museologia. Foram oferecidas oficinas de capacitação
em parceria com o antigo Departamento de Museus e Centros Culturais (DEMU), vinculado ao
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacioanl (IPHAN/MinC) ― e responsável pela
implantação da Política Nacional de Museus, cujo um de seus eixos também versava sobre a
capacitação e formação.
Dando continuidade ao processo de construção da PEM, as diretrizes dos seis eixos su-
pracitados tiveram seu momento de revisão durante o 2º Fórum de Museus, realizado em Join-
ville, no ano de 2010. Na oportunidade, outras diretrizes puderam ser acrescidas, preenchendo,
assim, algumas lacunas existentes. Durante o encontro, também foi percebida a necessidade de
construção de um marco regulatório, em formato de legislação, que efetivasse de forma concre-
ta a política que vinha sendo construída até aquele momento e que, objetivamente, atingisse o
interior catarinense.
Atendendo a esse anseio, no ano de 2011, a atuação do SEM/SC foi novamente reformu-
lada por meio do Decreto Estadual 599/11, estabelecido após consulta e discussão pública. De
acordo com essa legislação o SEM/SC visa à coordenação, à articulação, à mediação, à quali-

4
Mais detalhes sobre as diretrizes de cada eixo programático da Política Estadual de Museus podem ser obtidos
em: http://www.fcc.sc.gov.br/patrimoniocultural//pagina/4426/politicaestadualdemuseus

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ficação, ao fortalecimento e à cooperação entre os museus. Atualmente, reúne 193 instituições


museológicas, entre públicas e privadas, de 106 municípios catarinenses.5. São, ainda, objetivos
específicos do SEM/SC:
I – promover a articulação entre as instituições museológicas existen-
tes no Estado, respeitada a autonomia jurídico-administrativa, cultural e
técnico-científica de cada uma delas;
II – estimular e promover o desenvolvimento de programas, projetos
e atividades museológicas entre as instituições integrantes do Sistema,
respeitando e valorizando o patrimônio cultural de cada comunidade de
acordo com as suas especificidades;
III – divulgar padrões e procedimentos técnico-científicos que sirvam
de orientação às equipes responsáveis pelas instituições museológicas
estabelecidas no Estado;
IV – estimular e promover programas e projetos de incremento e quali-
ficação, bem como incentivar a formação, atualização e valorização dos
profissionais de instituições museológicas existentes no Estado;
V – estimular a participação de museus no Sistema, independente do
tipo, porte e do segmento da sociedade do qual derivam ou fazem parte;
VI – incentivar a criação de redes e sistemas municipais e regionais de
museus, bem como promover o intercâmbio com sistemas e redes nacio-
nais e internacionais;
VII – criar cadastro e incentivar a inclusão de dados, promovendo
sua manutenção e atualização das instituições museológicas estabe-
lecidas no Estado; 6
VIII – propor a criação e o aperfeiçoamento de instrumentos legais, para
aprimoramento de instituições museológicas;
IX – propor medidas para a política de segurança e proteção de acervos,
instalações e edificações dos museus no Estado; e
X – estimular políticas de permuta, aquisição, documentação, investiga-
ção, preservação, conservação, restauração e difusão de acervos muse-
ológicos no Estado.
Desde então, a atuação do SEM/SC ampliou-se, buscando especialmente à consolidação
de um planejamento estratégico que permitisse, além de expandir o olhar da sociedade sobre a
função sociocultural dos museus, instituir políticas de qualificação, valorização e fomento dessas
instituições. Outra novidade, propiciada pela nova legislação, foi a divisão do território catarti-
nense em sete regiões museológicas, quais sejam: Oeste: Meio-Oeste; Serra; Sul; Grande Floria-
nópolis; Vale do Itajaí e Norte - permitindo, assim, um maior conhecimento das especificidades

5
Informação obtida pelo Cadastro Catarinense de Museus, coordenado pelo Sistema Estadual de Museus de Santa
Catarina (SEM/SC).
6
Grifo nosso.

1592
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de cada território e uma atuação regionalizada. Cabe salientar que cada região museológica pos-
sui representatividade no Comitê Gestor do SEM/SC, órgão colegiado responsável pelo planeja-
mento, pela avaliação e pelo monitoramento das ações empreendidas pelo Sistema. Congregam,
ainda, o referido Comitê, representações do Conselho Regional de Museologia (COREM), de
Escolas de Museologia, assim como de algumas secretarias e autarquias públicas estaduais.

Figura 1: Mapa de Santa Catarina com a Figura 2: Reunião do Comitê Gestor


identificação das sete regiões museológicas. do SEM/SC (maio/2014).

Fonte: Fundação Catarinense de Cultura (FCC).

O processo de regionalização das ações do Sistema impulsionou a realização do 3º Fórum


de Museus de Santa Catarina no município de Chapecó, ainda em 2011. O evento oportunizou o
início da construção do Plano Estadual Setorial de Museus (PESM) para o estado, por meio de
consulta pública e de proposição de ações pelos participantes do encontro. O público presente
foi dividido em grupos de discussão, conforme as regiões museológicas às quais pertencia, e
convidado a analisar e construir ações que atendessem às necessidades identificadas por eles em
cada um dos eixos da Política de Museus. Os resultados dessas discussões foram sistematizados
em plenária final, permitindo ao SEM/SC a estruturação de uma proposta de planejamento das
ações da FCC para os próximos anos.
Esta estruturação foi efetivada em 2013, quando a equipe do SEM/SC, com o seu Comitê
Gestor, iniciou o texto base do Plano Setorial de Museus a partir dos diagnósticos e das propo-
sições encaminhadas pelo público presente no 3º Fórum de Museus.
Foram promovidos sete encontros regionais para a discussão do documento base do
Plano. Esses encontros reuniram, ao total, 312 pessoas e serviram como instâncias para consulta
pública, por meio da qual a sociedade civil teve a oportunidade de contribuir para a construção
do documento, realizando reflexões e proposições no texto original.

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Figura 3: Assembleia regional do 4º Fórum de Figura 4: Plenária estadual do 4º Fórum de


Museus de Santa Catarina Museus de Santa Catarina (Florianópolis, 2013).
(Criciúma - Região Sul, 2013).

Fonte: Fundação Catarinense de Cultura (FCC).

No período de 4 a 6 de novembro de 2013, ocorreu o 4º Fórum de Museus de Santa Ca-


tarina, em Florianópolis, no qual, na plenária final, foi deliberado e aprovado pelos presentes o
documento final que compõe o referido Plano e que está sendo o norteador das ações da FCC
para o campo museológico catarinense nos próximos dez anos. Esse documento, que é compos-
to por 6 eixos (os mesmos da Política Estadual de Museus), 6 diretrizes, 22 estratégias e 130
ações, será incorporado à estrutura do Plano Estadual de Cultura (PEC), assim como a outros
segmentos culturais (cinema, teatro, música etc.).
Apesar de ainda não instituído oficialmente, o SEM/SC, desde então, baseia-se nas pro-
postas aprovadas do PESM, sendo ele o principal norteador de suas ações. Um dos principais
projetos instituídos nesse documento foi a elaboração e aplicação do Cadastro Catarinense de
Museus (CCM), que objetiva a implantação de um sistema de indicadores que armazene e gere
informações quanti-qualitativas sobre a atuação dos museus catarinenses e que, consequente-
mente, facilite a identificação de projetos prioritários para a área e sirva para o aprimoramento
da gestão das políticas para o setor no estado de Santa Catarina.

2. AS MOTIVAÇÕES E O DESAFIO DA IMPLENTAÇÃO DO CADASTRO


CATARINENSE DE MUSEUS
Foi no intento de atender à expectativa de coleta e gerenciamento de indicadores que
o SEM/SC iniciou o processo de identificação e mapeamento da estrutura, do funcionamento
e das atividades executadas pelos museus no estado. Até meados de 2012, o SEM/SC tinha o
acompanhamento de 133 museus, aderidos oficialmente à rede, por meio de assinatura de Termo

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de Adesão7. Contudo, o Cadastro Nacional de Museus (CNM), apresentava um mapeamento


de 199 instituições no estado, o que apontava a necessidade de ampliação da rede do SEM/SC
visando o conhecimento e alcance dos museus ainda não cadastrados.
A realidade do funcionamento e das práticas museológicas nesses museus era conhecida
pela equipe do SEM/SC, por meio de visitas técnicas ou de encontros regionais ocasionados
pela realização de oficinas de capacitação, mas esses dados não eram registrados ou quantifica-
dos na forma de indicadores que fundamentassem mais precisamente o planejamento de ações
da FCC para o campo museal.
Contava-se, ainda, com o acesso parcial ao CNM por meio da publicação “Museus em
Números”, editada pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM/MinC) no ano de 2011. Porém,
esses indicadores por vezes apresentavam uma realidade que em muitos momentos era distante
daquela percebida nas visitas técnicas e no contato com os profissionais em museus.
Historicamente, o SEM/SC coletava dos museus, por meio de formulários cadastrais, da-
dos básicos como nome da instituição, endereço, contato, identificação de esfera administrativa,
produzidos por tentativas de mapeamentos nas décadas de 1980, 1990 e início dos anos 2000.
Outras fontes de informação e pesquisa sobre os museus catarinenses foram as publicações do
“Guia de Museus de Santa Catarina (1ª e 2ª edições)”, sendo o primeiro formatado pela extinta
GEOMU/FCC e publicado em 2001 e o segundo organizado e publicado pelo SEM/SC em 2008.
De acordo com a publicação “Museus em Números”, a divulgação dos dados da primeira
pesquisa transnacional de museus realizada pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM/
UNESCO), denominada “Basic Factsand Figures: illiteracy, education, libraries, museums,
books, newspapers, newsprint, filmand radio” 8 (1952), influenciou o Brasil numa rotina de pu-
blicações sobre museus em forma de guias:
Não nos parece coincidência que a data de impressão do primeiro guia
de museus no Brasil tenha ocorrido três anos após o trabalho inicial da
UNESCO, e nem que sua edição tenha sido realizada pelo Ministério das
Relações Exteriores, em inglês. Produzido por Heloísa Alberto Torres,
em 1953, o Museums of Brazil é o resultado da compilação de dados
provenientes do Arquivo do então Serviço do Patrimônio Histórico e Ar-
tístico Nacional (SPHAN), da Divisão de Estatísticas do Ministério da
Educação e Saúde, e do Museu Nacional, instituição da qual a pesquisa-
dora era diretora. No prefácio da publicação, Heloísa Torres faz menção
7
Documento que oficializa a parceria do Sistema Estadual de Museus com as instituições museológicas, os sis-
temas municipais de museus, as universidades que mantêm cursos relativos ao campo museológico e as entidades
organizadas vinculadas ao setor. Essa adesão estimula a articulação entre o poder público e a sociedade civil, au-
menta a visibilidade institucional e favorece a melhoria da gestão e da configuração do campo museal.
8
Tradução livre: Números e fatos básicos: o analfabetismo, educação, bibliotecas, museus, livros, jornais cinema
e rádio. A pesquisa fez o levantamento da quantidade de instituições museológicas em 52 países e tinha o objetivo
de registrar informações capazes de auxiliar na padronização de definições, classificações e métodos para a coleta
de dados.

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a dados recebidos que não foram incluídos no trabalho, por serem con-
siderados “vagos e, em alguns casos, contraditórios” sem, no entanto,
mencionar o instrumento para a coleta dessas informações. Na obra, 175
instituições museológicas foram agrupadas por natureza administrativa,
tipologia utilizada pelo SPHAN à época (IBRAM, 2011, p. 8).
Já a necessidade de informações mais aprofundadas sobre identificação e análise das
práticas museológicas nos museus foi levantada no Brasil no início dos anos 2000 por Myrian
Sepúlveda dos Santos. É o que ela aponta quando afirma que:
Apesar de mais de 80% dos museus brasileiros serem ainda instituições públicas, nós
não encontramos na esfera governamental, no âmbito municipal, estadual ou federal, nem le-
vantamento de dados sobre os museus existentes, nem estudos ou avaliações sobre as práticas
desenvolvidas por eles. (SANTOS, 2002, p. 53).
Entre os anos de 2011 a 2013, durante o período de elaboração do Plano Estadual Setorial
de Museus, ficou latente a necessidade de obtenção de informações não mais empíricas sobre os
museus em Santa Catarina. Surgiu, portanto, paralelamente, o processo de criação de um cadastro
de museus em âmbito estadual, como consequência da escassa produção de informações sistêmi-
cas e periódicas sobre os museus até o referido momento. O SEM/SC necessitava saber, além do
número de museus instalados no estado, informações qualitativas sobre essas instituições.
A partir de 2013, portanto, foi dado início à criação e organização de uma pesquisa para
levante de informações sobre o “ser e o fazer” dos museus no estado, com informações quanti-
-qualitativas que facilitassem a identificação de projetos prioritários para a área.
A execução do Cadastro Catarinense de Museus (CCM) foi dividida em quatro etapas,
sendo elas: coleta de dados; organização da informação; retorno aos museus e à sociedade sobre
os dados coletados; análise e pesquisa para gerenciamento da informação.
Para tanto, a equipe adotou como estratégia de pesquisa a aplicação de um formulário
eletrônico. Esse questionário foi organizado em seis blocos informacionais, totalizando 96 per-
guntas, sendo eles: Identificação (24 questões); Institucional (16 questões); Estrutura e Funcio-
nalidade (29 questões); Atividades Museológicas (20 questões); Responsável pelo preenchi-
mento do cadastro (5 questões); Avaliação (2 questões).
Para que fosse possível aplicar o formulário, optou-se por utilizar uma ferramenta livre
disponível na Internet, o Google Docs, que possibilitou aos museus fácil acesso ao formulário
por meio da homepage da FCC9 e envio de suas informações em meio digital.
Outro ponto muito importante que validou a decisão do SEM/SC em utilizar essa ferra-
menta foi a possibilidade de exportação dos dados coletados e sua futura integração às demais

9
Link para acesso ao formulário do Cadastro Catarinense de Museus disponível na Internet: http://www.fcc.sc.
gov.br/patrimoniocultural//pagina/16649/cadastrocatarinensedemuseus

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plataformas de gerenciamento de informações culturais planejadas pela FCC, e que serão incor-
poradas ao Sistema Estadual de Indicadores Culturais (SEEIC).
Sabendo dos desafios frente ao tamanho do formulário e às limitações da ferramenta
adotada, foi elaborado um caderno de orientações10 com o intuito de dinamizar e facilitar a pes-
quisa por parte dos museus. O seu conteúdo era formado pelas 96 perguntas do formulário, além
de uma indicação de metodologia de trabalho aos respondentes, sugerindo pesquisar e reunir
previamente as informações solicitadas. Também faziam parte do compêndio orientações acerca
do procedimento para acesso e envio dos dados e um glossário museológico. Essa publicação foi
impressa e enviada a museus, prefeituras, fundações culturais e universidades do estado.

Figura 5: Fragmentos do formulário do Cadastro Figura 6: Fundação Catarinense


Catarinense de Museus. de Cultura (FCC)

O lançamento do Cadastro Catarinense de Museus ocorreu durante o 4º Fórum de Mu-


seus de Santa Catarina (2013), em Florianópolis, na apresentação da mesa-redonda intitulada
“A política museológica do Estado de Santa Catarina: avaliação e projeções do SEM/SC”. Na
oportunidade, foram realizados o balanço das ações empreendidas e as prospecções de projetos
futuros do Sistema – dentre eles o CCM.
Após o lançamento foi expedida aos museus, às prefeituras, fundações culturais, universi-
dades e aos órgãos vinculados à área museológica uma correspondência solicitando participação

Link para acesso ao Caderno de Orientação ao Cadastro Catarinense de Museus na Internet: http://www.fcc.
10

sc.gov.br//arquivosSGC/Cadastro_Museus_18x24cm_web.pdf

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na pesquisa e encaminhando o caderno de orientação, com o intuito de não apenas obter o retorno
dos museus já aderidos, mas também de identificar novos museus.

3. RESULTADOS E REFLEXÕES PRELIMINARES


Ao final da data corte da pesquisa (março de 2015), foram iniciados os estudos e a orga-
nização para mensuração dos dados até então coletados. Nessa organização e checagem, identi-
ficou-se a existência de 258 museus em Santa Catarina, sendo que destes, 193 instituições estão
aderidas formalmente ao SEM/SC e os demais se enquadram como mapeados (reconhecimento
da existência do museu, mesmo sem adesão ao Sistema). Também foram identificadas propostas
de criação ou implementação de instituições museológicas no estado. O quadro abaixo traz as
informações detalhadas:

Quadro 1: Informações sobre museus aderidos ao SEM/SC e mapeados em Santa Catarina


1 Museus aderidos ao SEM 93
Museus mapeados ativos 42
2 Museus mapeados inativos 23
Museus mapeados extintos 13
3 Projeto / propostas de museus 22

Ainda vale ressaltar que, dos 193 museus aderidos ao SEM/SC, 140 responderam e 53
deles não atenderam ao chamamento da pesquisa, denotando uma participação de mais de 72%
das instituições pertencentes à rede ― um índice considerado satisfatório.
Verificou-se também a identificação de 15 novos museus, denominados assim por não
constarem nos índices de museus mapeados e por não estarem aderidos oficialmente a nenhum
sistema, como o SBM. A tabela abaixo apresenta os índices citados:

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Quadro 2: Detalhamento sobre a distribuição dos museus em território catarinense


Museus em Santa Catarina
Área Municípios Museus Aderidos Respondeu Novos
Municípios Museus
Região Territorial População * com por ao ao Museus
* mapeados
(km2)* museus região SEM/SC CCM CCM

Oeste 15.119 732.263 76 25 34 4 28 23 2

Meio-
12.792 475.616 43 24 30 7 21 14 2
-Oeste
Serra 22.132 403.750 30 7 13 2 10 8 1

Sul 9.594 906.927 45 24 38 5 31 19 2

Gde
7.041 1.091.157 22 11 48 11 36 26 1
Fpolis
Vale
13.003 1.509.273 53 21 57 12 40 30 5
Itajaí
Norte 15.938 1.311.341 26 14 38 9 27 20 2

TOTAL 295 126 258 50 193 140 15


* Fonte: IBGE (2012)

Um ponto digno de registro sobre o CCM é seu caráter pedagógico, pois, no momento
de coleta das informações e de responder ao formulário, os museus se questionaram sobre sua
atuação ou sobre suas missões institucionais.
Nesse sentido, durante o processo de contato com os museus para sensibilizá-los sobre
a necessidade de encaminharem suas informações para pesquisa e, logo após, na análise dos
formulários, foram identificadas várias instituições aderidas ao SEM/SC que não se enquadram
ao conceito de museu, de acordo com a legislação brasileira para o campo. Algumas dessas or-
ganizações se configuram em outras tipologias de instituições de preservação de memória, como
é o caso de centros de documentação, arquivos ou até mesmo setores administrativos de gestão
cultural dos municípios.
Já as informações qualitativas que aprofundam o conhecimento sobre a atuação dos
museus estão em fase final de mensuração e deverão ser publicadas ainda no primeiro trimestre
de 2016.
Caberá ao SEM/SC, nesse caso, a discussão com o seu Comitê Gestor sobre novos pro-
cedimentos para adesão e registro de instituições ao SEM/SC, bem como a implantação de um
projeto de certificação que estabeleça nivelamentos dessas instituições, segundo critérios especí-
ficos, até atingir o patamar exigido pelas normatizações nacionais e internacionais para museus.
Essa mensuração inicial, aliada com outros dados obtidos pelo CCM, apresentou ao
SEM/SC números e indicadores de um cenário bastante desafiador. Novas discussões estão sen-

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do geradas na equipe e certamente irão guiar os gestores a prospectar e implementar políticas


públicas com mais qualidade e que atendam às especificidades apontadas pelo cadastro.
O perfil predominante entre os museus catarinenses aponta para organizações de peque-
no porte, com natureza jurídica pública, ligadas aos poderes públicos municipais. Os acervos
são predominantemente históricos, antropológicos ou etnográficos acerca de processos migra-
tórios e colonizadores ocorridos no sul do Brasil na segunda metade do século XIX e início do
século XX. Estas características refletem um perfil ainda conservador do campo museológico
em Santa Catarina.
Ainda durante o desenvolvimento do CCM foram registrados e observados alguns as-
pectos sobre os museus e a atuação do SEM/SC, sendo reflexões de grande valia para a análise
e o amadurecimento do campo museal de Santa Catarina.
O primeiro aspecto diz respeito ao envio das informações por parte dos museus: emba-
sados pelo conhecimento prévio das instituições existentes, foram constatadas várias situações
em que os dados enviados ao SEM/SC não estavam condizentes com a realidade; assim como se
verificou que muitos campos ficaram sem resposta por falta de pesquisa na própria documenta-
ção do institucional do museu. Em algumas situações foi necessária a realização de uma, duas e,
por vezes, até três validações (presencial, telefone ou via e-mail) para certificação de determina-
da informação. Por conta desse trabalho muitos gestores de museus conseguiram vislumbrar as
responsabilidades técnicas, operacionais e sociais de uma instituição museológica.
Outro ponto é a necessidade da criação de uma plataforma eletrônica para a transposição
dos dados coletados e o consequente gerenciamento das informações, viabilizando sua constan-
te atualização e dando acesso à sociedade a esse conteúdo para conhecimento e desenvolvimen-
tos de futuras pesquisas.
A iniciativa do SEM/SC em implementar um mapeamento denso sobre a realidade mu-
seológica no estado inspirou e motivou outros sistemas de museus a implementarem esse pro-
grama, como é o caso do Sistema de Museus do Sergipe, Sistema de Museus do Rio de Janeiro
e mais recentemente o Sistema de Museus de São Paulo, que estão em fase de organização do
seu cadastro.
O Cadastro Catarinense de Museus, possivelmente será uma ferramenta de qualificação
das políticas públicas para o setor em Santa Catarina, sendo que o volume de informações gera-
das proporcionará pesquisas multidisciplinares ao campo museológico catarinense.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS. Código de Ética para Museus, 2004.


BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Políticas Públicas no Brasil Contemporâneo: qual é o papel dos
museus e dos Centros de Memória? Cadernos Tramas da Memória, v. 1, p. 115-126, 2011.
DIMAGGIO, Paul, J. Construcción de um campo organizacional como um proyectoprofesional:
losmuseos de arte de los Estados Unidos, 1920-1940. In: POWELL, Walter W.; DIMAGGIO, Paul J.
(orgs). El nuevoinstitucionalismo em elanálisis organizacional. México: FCE, 1999, p. 333-361.
INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Museus em Números. IBRAM/MinC, Brasília, 2011.
ESTADO DE SANTA CATARINA. Decreto Estadual 599/2011. Cria o Sistema Estadual de Museus de
Santa Catarina.
OLIVEIRA, Rafael Pereira. Políticas Culturais e o campo museal em Santa Catarina (1987- 2006).
Dissertação de Mestrado de Curso (Mestrado em Administração). Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2007.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei Federal 11.904/2009. Estabelece o Estatuto de Museus.
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Museus brasileiros e política cultural. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, v. 19, n. 55, ANPOC, 2004.

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CONTRIBUIÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NA LUTA


POR RECONHECIMENTO
Mirnah Leite Medeiros Mascarenhas Andrade1

RESUMO: Este artigo tem o objetivo de refletir sobre as políticas culturais como ações de
reconhecimento de grupos minoritários. Tomando como base as reflexões e conceitos trazidos
por Axel Honneth e Nancy Fraser sobre a Teoria do Reconhecimento, este trabalho analisa o
Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, considerando o aspecto discursivo de seus
princípios e objetivos, ponderando atributos que o localizam nesse debate. Neste sentido, procuro
demonstrar que essas políticas funcionam como uma estratégia tanto num sentido materialista,
quanto num sentido de proporcionar experiências intersubjetivas dos indivíduos beneficiados,
contribuindo na construção de um campo favorável ao reconhecimento social.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura, Política Cultural, Diversidade Cultural, Programa Cultura


Viva, Luta por Reconhecimento.

1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem o objetivo de refletir sobre como as políticas culturais podem ser ava-
liadas como ações de reconhecimento de grupos minoritários. O recorte escolhido abordará as
políticas praticadas a partir do Governo Lula, período da história da política cultural brasileira
onde o discurso da diversidade cultural e do respeito às identidades teve destaque e serviu como
diretriz nas suas formulações.
A partir de 2003, as discussões sobre cultura no âmbito do governo brasileiro passou por
grande mudança na sua abordagem conceitual que orientou a transformação da sua prática polí-
tica. A gestão que se iniciou no Ministério da Cultura (Minc) é considerada um período salutar
para a história das políticas culturais brasileira, que desde seus primeiros momentos demonstrou
um novo caminho para a gestão da pasta, definindo diretrizes mais abrangentes para a sua admi-
nistração, pautando como premissa principal a escolha por se trabalhar baseado num conceito
antropológico de cultura.

1
Aluna de mestrado do Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba PPGS-
-UFBP. Contato: mirnahleite@gmail.com

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Desde sua posse, o ministro demonstrou atenção aos contextos de desigualdade que es-
tão nas bases do nosso país e indicou a necessidade de mudança dessa realidade:
Temos de completar a construção da nação. De incorporar os segmentos
excluídos. De reduzir as desigualdades que nos atormentam. Ou não te-
remos como recuperar a nossa dignidade interna, nem como nos afirmar
plenamente no mundo. (GIL, 2003, s/p).
Considerando os discursos adotados pelo Minc que recorrentemente orientam para a ne-
cessidade de transformação das injustiças sociais, neste trabalho utilizarei a experiência do Pro-
grama Cultura Viva, sobretudo no que diz respeito a sua concepção e princípios que o compõem,
para compreender o alcance da contribuição desta política no tocante à luta por reconhecimento.
Para tanto, utilizarei como referencial a Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth,
que parte dos processos de formação de identidade dos indivíduos através da interação social,
para compreender de que maneira esse intercâmbio possibilita o reconhecimento e o “potencial
de desenvolvimento moral e formas distintas de auto-relação individual” (HONNETH, 2003).
Também utilizarei a contribuição de Nancy Fraser que propõe uma leitura mais materialista da
mesma teoria, baseada na identificação das demandas de reconhecimento e redistribuição, con-
ceitos que esclarecerei adiante. Por fim, procuro articular os conceitos desses teóricos com as
possibilidades da política cultural como uma ferramenta nessa luta.

2. CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES E RECONHECIMENTO


Para falar de reconhecimento é necessário problematizar antes questões relacionadas à
formação da(s) identidade(s) do indivíduo e como essa construção relaciona-se às suas experi-
ências, à sua capacidade de ser ao mesmo tempo sujeito, objeto de “si mesmo” e sujeito social,
de modo que se torna essencial trazer algumas contribuições elaboradas pela psicologia social.
George Mead, em sua obra Spiritu, Persona e Sociedad (2009), fez um aprofundado
estudo a este respeito e explicou que apenas através do olhar do outro ou do grupo social ao
qual pertence é que o sujeito conforma a sua consciência enquanto tal e pode, indiretamente,
experimentar a si mesmo e se ver como objeto de reflexão. Nesse ciclo individuo – interação
social - consciência de si, a linguagem e a comunicação são imprescindíveis e, em certa medida,
é o que proporciona esse processo reflexivo.
O autor oferece uma explicação minuciosa da complexa construção do indivíduo a partir
de estruturas que denomina “Yo” e“Mí”, onde este seria aquilo que assimila o comportamento
social do(s) outro(s) e permite perceber qual o tipo de atitude mais recorrente ou socialmente
aceita, enquanto aquele corresponde a parte mais reativa ou mais espontânea do sujeito, ao passo
que consiste num lugar mais difícil de acessar (ou mais íntimo).
Como num processo de conversação, essas duas camadas internas estão completamente
relacionadas e sempre em processo de interação no contato com outros indivíduos (ou o “outro

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generalizado”) e suas diversas atitudes sociais que passam a ser acumuladas na experiência dos
indivíduos e conformam a “persona”. Esse contexto de interação e apreensão de normas sociais
proporciona o duplo efeito de autoconhecimento e de aprendizado daquilo que lhe é direito e
com isso pode reivindicar questões que serão legalmente cumpridas pelos demais. Assim, de-
senvolve-se a relação de reconhecimento social e “autorrespeito” ou “autoafirmação”.
Em que pese não ser possível aprofundar aqui os estudos apresentados, é essencial com-
preender que para Mead esta relação não se encerra nos sujeitos, ao contrário, quanto mais se
compreende a organização e o padrão social, mais possibilidades o sujeito tem de provocar
mudanças sociais.
Axel Honneth (2003), por sua vez, propõe reconstruir os conteúdos relativos ao reco-
nhecimento a partir das teorias de Hegel e Mead, onde localiza três “formas de reconhecimento
recíproco” (o amor, o direito e a solidariedade), que para ele carecem de maior atenção. Nesta
etapa do trabalho nos valeremos das análises elaboradas no que se refere ao direito.
Ao fazer um apanhado histórico do direito, ele nos revela como as relações jurídicas
tradicionais estavam ligadas a um contexto social e dependia do status ocupado pelo indivíduo
na sua comunidade, de modo que quanto mais estima social, maior o grau de reconhecimento
dos seus direitos pela sociedade. Esse modus operandi se altera a partir de um processo histórico
“que submete as relações jurídicas às exigências de uma moral pós-convencional; desde então,
o reconhecimento como pessoa de direito [...] deve se aplicar a todo sujeito na mesma medida”
(HONNETH, 2003), sendo conferidos assim, princípios universalistas, afastados da estima so-
cial e, portanto, de julgamentos relacionados ao apreço, afeição e comportamento individual.
O autor se debruça então sobre as propriedades atribuídas ao ser humano que lhe confi-
ram imputabilidade como sujeito de direito, afirmando que não existe uma resposta clara para
a indagação e que, ao contrário, essas características tem a ver com a possibilidade de assumir
certos “pressupostos subjetivos” e um conjunto de capacidades que são socialmente reconhe-
cidas como próprias a um sujeito de direito. Neste sentido conclui que além da proteção das
liberdades é necessário que o sistema jurídico assegure aos indivíduos os recursos e estruturas
que lhe permitam acessar esse conjunto de saberes, o que evidencia uma luta social que resultou
em grande medida na ampliação dos direitos individuais fundamentais.
Para ele o reconhecimento está ligado, assim como em Mead, à ideia de autorrealização,
que é sempre construído a partir de experiências intersubjetivas.
Para preparar urna resposta a questão de como se constitui a experiência
de desrespeito que subjaz a esses conflitos sociais, é necessária afinal
uma curta explicação sobre a espécie de auto relação positiva possibili-
tada pelo reconhecimento jurídico. Parece natural começar abordando,
com Mead, urna intensificação da faculdade de se referir a si mesmo
como uma pessoa moralmente imputável, fenómeno psíquico colateral

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da adjudicação de direitos; assim como, no caso do amor, a criança ad-


quire a confiança para manifestar espontaneamente suas carências me-
diante a experiência continua da dedicação materna, o sujeito adulto
obtém a possibilidade de conceber sua ação como uma manifestação da
própria autonomia, respeitada por todos os outros, mediante a experi-
ência do reconhecimento jurídico. Que o auto-respeito é para a relação
jurídica o que a autoconfianca era para a relação amorosa é o que já se
sugere pela logicidade com que os direitos se deixam conceber como
signos anonimizados de um respeito social, da mesma maneira que o
amor pode ser concebido como a expressão afetiva de uma dedicação,
ainda que mantida a distancia: enquanto este cria em todo ser humano
o fundamento psíquico para poder confiar nos próprios impulsos carên-
ciais, aqueles fazem surgir nele a consciência de poder se respeitar a si
próprio, porque ele merece o respeito de todos os outros (HONNETH,
2003, p. 194).
Por isso, Honneth demonstra que apesar da mudança de paradigma do Direito ao adotar
princípios universalistas, ainda existe uma esfera relacionada à estima social que confere aos
sujeitos “referir-se positivamente a suas propriedades e capacidades concretas” (HONNETH,
2003). Para ele as mudanças sociais foram acompanhadas pela transformação da “honra” nas
categorias de reputação e prestígio social, e sob seu prisma existe uma dimensão deste prestígio
que o direito não dá conta de suprir apenas pelo princípio da universalidade, que se refere a auto
realização que se constrói a partir de experiências mais subjetivas proporcionada pelo reconhe-
cimento do outro.
[...] a relação jurídica não pode recolher em si todas as dimensões da es-
tima social, antes de tudo porque esta só pode evidentemente se aplicar,
conforme sua função inteira, as propriedades e capacidades nas quais
os membros da sociedade se distinguem uns dos outros: uma pessoa só
pode se sentir “valiosa” quando se sabe reconhecida em realizações que
ela justamente não partilha de maneira indistinta com todos os demais.
(HONNETH, 2003, p.204).
Neste sentido, o princípio do direito universal que permitiu criar o conceito de sujeito
universal e de imputabilidade moral a todos os indivíduos, independente de status social, não
garante as condições necessárias que possibilitam a construção de um sujeito de direito. Em
sociedades compostas por diversos grupos sociais, cada grupo goza de graus de estima social
diferenciados, que interferem diretamente na construção (ou não) do sentimento de auto reali-
zação dos sujeitos que para ele se estabelece a principalmente a partir do reconhecimento que
possui dentro do seu contexto social.
Nancy Fraser, intelectual que também se dedicou longamente à temática do reconheci-
mento, coloca a dimensão econômica juntamente com a dimensão cultural na centralidade deste
debate. Para a autora a “luta por reconhecimento” foi o paradigma de conflito social que se

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consolidou no final do século XX, onde a questão identitária passou a ganhar um protagonismo
maior que a questão de classe.
A mudança na pauta de reivindicações é denominado por Fraser de “conflitos pós-socia-
lista”. A autora propõe pensar a injustiça a partir de duas maneiras: a “injustiça econômica” e a
“injustiça cultural ou simbólica”. A primeira se apresenta através da privação material, margina-
lização econômica e exploração, enquanto a segunda mostra-se no desrespeito, no ocultamento
de determinadas culturas ou grupos sociais a despeito de outros e na dominação cultural (FRA-
SER, 2006).
Aqui surge a primeira e mais importante diferença entre Fraser e Hon-
neth. Este advoga que todos os conflitos sociais têm como natureza pri-
mária a luta por reconhecimento. [...] Fraser, acredita que Honneth tenha
subsumido as lutas por distribuição de renda ao reconhecimento. Dife-
rentemente dele, ela irá propor uma perspectiva dualista de análise dos
conflitos sociais com o objetivo de pensar um conceito de justiça social
que agregue essas duas dimensões, possibilitando, assim, uma teoriza-
ção da cultura no capitalismo contemporâneo. (MATTOS, 2004, p. 145).
Para Fraser, não há como pensar o conflito social sem considerar estas duas esferas, que
para ela são interligadas, se retroalimentam e reforçam as situações de desigualdade e injustiça
social. Ainda assim, escolhe o caminho metodológico de tratar estes dois problemas separada-
mente, buscando mostrar sua inter relação, e apresentando as soluções específicas para as “de-
mandas de reconhecimento”, voltadas para remediar as injustiças culturais, e as “demandas de
redistribuição”, voltadas para as injustiças econômicas.
Ela chama atenção para o fato de como, muitas vezes, as lutas travadas nessas duas es-
feras e os possíveis remédios para sanar as desigualdades existentes nesses campos podem ser
contraditórias: enquanto as lutas por reconhecimento procuram destacar as diferenças de deter-
minado grupo no intuito de valorar positivamente os aspectos que os distinguem, as lutas por
redistribuição procuram apagar as diferenças na esfera econômica, com a finalidade de alcançar
uma sociedade igualitária no que refere aos valores econômicos. Desta tensão ela localizou o
que chamou de “dilema da redistribuição-reconhecimento”.
De um lado, o movimento negro deve lutar contra a divisão do trabalho
assalariado entre ocupações mal pagas, domésticas, corporais ocupadas
pelas pessoas de cor e, as ocupações técnicas, administrativas e bem pa-
gas ocupadas pelas pessoas brancas. Por outro lado, o movimento negro
deve lutar contra o eurocentrismo e enfatizar a especificidade da cultura
negra. (MATTOS, 2004, p.148).
Importante destacar que as discordâncias entre Honneth e Fraser são relativas às ques-
tões conceituais da Teoria do Reconhecimento. Para o primeiro não há como falar em reconhe-
cimento sem considerar as experiências intersubjetivas, que geraria o desenvolvimento de uma

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autoconfiança essencial para participação na vida social. “Honneth acredita que para afirmarmos
que os conflitos contemporâneos são lutas por reconhecimento cultural é necessário, antes de
tudo, averiguar quais são as formas morais relevantes de privação e sofrimento” (MATTOS,
2004). Enquanto para a segunda o “não-reconhecimento […] é analisado menos em relação às
atitudes depreciatórias sofridas pelos indivíduos, mas mais pela análise de práticas discrimina-
tórias institucionalizadas” (MATTOS, 2004). Fraser realiza uma análise mais materialista tanto
sobre as formas como se operam as injustiças sociais, quanto na busca por formas de reversão
dessa problemática.
É importante nos localizarmos nesse debate, que a apesar de composto por argumentos
discordantes, ambos serão utilizados para a análise das políticas culturais praticadas no Brasil
baseadas no discurso da diversidade e da diferença, como instrumentos positivos na luta pelo
reconhecimento.

3. POLÍTICA CULTURAL, DIVERSIDADE E RECONHECIMENTO


DA DIFERENÇA
A política cultural instaurada no Brasil a partir de 2003 assume a cultura em seu sentido
antropológico, segundo palavras do então ministro em seu discurso de posse (GIL, 2003). Ad-
mitir esse novo conceito significava abarcar a dimensão cotidiana da cultura. Neste sentido, a
cultura está em todas as formas de relação humana que produzem alguma expressão simbólica,
na vida cotidiana, nas relações dos sujeitos com os objetos, com outros sujeitos, com os locais.
A proposta de novo paradigma colocou a diversidade cultural na centralidade do seu discurso,
ao passo que assumiu a questão da diferença como elemento fundamental para compreensão da
pluralidade cultural brasileira.
Este movimento provoca um novo olhar sobre o campo cultural e consequentemente
sobre a questão da identidade. Atentando para a importância das diferenças e da diversidade,
Barbero observa:
[...] algo de radicalmente diferente acontece quando o cultural assinala a
percepção de dimensões inéditas do conflito social, a formação de novos
sujeitos – regionais, religiosos, sexuais, geracionais – e formas de rebel-
dia e resistência. Reconceitualização da cultura que nos confronta com
essa outra experiência cultural que é a popular em sua existência múlti-
pla e ativa não apenas na memória do passado, mas também conflitiva e
na criatividade atuais. (BARBERO, 2003, p. 297).
Vale salientar que outros fatores contribuíram para a possibilidade de mudança de atitude
no que diz respeito à política cultural brasileira. Primeiro, a insuficiência do modelo de gestão as-
sociado à política neoliberal que buscava desvincular a política cultural do Estado e aproximá-la

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do mercado (praticadas no Brasil na Era FHC)2; segundo as discussões acerca da diversidade


cultural que estavam sendo articuladas internacionalmente , vide as ações da Unesco sobre o
tema, motivadas principalmente pelas questões de circulação de bens culturais; e terceiro, é
importante reconhecer a articulação e reinvindicação de movimentos sociais que provocavam a
afirmação de suas diferenças identitárias, exigindo o seu reconhecimento, que pode ser notada
na Constituição de 1988.
Pode-se afirmar que no contexto brasileiro emergiram, principalmente no final do século
XX, demandas pós-socialistas (para utilizar um conceito já apresentado), onde a questão identi-
tária era protagonista das demandas sociais. O Minc parece ter compreendido tais demandas ao
propor um novo modelo de pensamento e ação para a pasta, com uma abordagem que passou a
reconhecer o debate sobre relações de poder dentro do campo da cultura, entendendo-o também
como o lugar de tensão onde se operam desigualdades.
Neste sentido, entre as diversas políticas implementadas, foi criado o Programa Cul-
tura Viva em 2004, por meio da Portaria n. 156/2004, que sofreu alterações com o Decreto n.
6.226/2007 e, mais recentemente, tornou-se a Lei nº 13.018/2014, que institui a Política Na-
cional de Cultura Viva. Com texto inicial sucinto, o Programa deixa claro que se destina às
minorias, designadas como “população de baixa renda; estudantes da rede básica de ensino;
comunidades indígenas, rurais, quilombolas e gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais; agentes
culturais, artistas, professores e militantes que desenvolvem ações no combate à exclusão social
e cultural” (MINC, 2004).
A política consiste em selecionar instituições que já trabalham com atividades culturais
voltadas para estes públicos. As entidades selecionadas recebem incentivo do governo, corres-
pondente a uma quantia de valor que deve ser aplicada em um plano de trabalho.
O foco principal do Programa Cultura Viva estava na escolha de or-
ganizações da sociedade civil que já possuíssem histórico de atuação
em suas localidades. Por meio de chamadas públicas, o governo federal
escolhia quais organizações receberiam os recursos e poderiam executar
as propostas delineadas nos planos de trabalho por elas apresentados.”
(CALEBRE; LIMA, 2014, p. 2)

2
O contexto neoliberal deixou como legado a primeira lei de isenção fiscal para a cultura, a Lei Sarney, que
foi reformulada no governo Collor, tornando-se a Lei Rouanet. O governo FHC, por sua vez, deu maior atenção
ao papel articulador do Estado, no intuito de consolidar esse mecanismo como a política de fomento à produção
cultural. O modelo aproximou o setor privado do campo cultural, que teve como consequencia a submissão deste
pela dinâmica mercadológica embasada na lógica do marketing, Consolidando assim, um modelo de incentivo ba-
seado no retorno comercial que não atingia todas as demandas do setor cultural, deixando de lado principalmente
as expressões mais distantes das linguagens artísticas, que não conseguiram se institucionalizar nesse contexto
neoliberal, que marginaliza a cultura produzida em locais sócio-economicamente desfavorecidos, que por conta da
desigualdade e de outros aspectos, não se configuram como criadores de bens culturais vendáveis.

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Após dez anos de política e das diversas experiências acumuladas3, a criação da Lei mo-
dificou os termos da Portaria para abranger ainda mais o público contemplado, que muitas vezes
não eram aqueles nominados no instrumento anterior. Deste modo a lei reformulou o alcance do
seu público, deixando mais claro os seus objetivos, conforme observamos:
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Cultura Viva:
I - garantir o pleno exercício dos direitos culturais aos cidadãos bra-
sileiros, dispondo-lhes os meios e insumos necessários para produzir,
registrar, gerir e difundir iniciativas culturais;
II - estimular o protagonismo social na elaboração e na gestão das polí-
ticas públicas da cultura;
III - promover uma gestão pública compartilhada e participativa, am-
parada em mecanismos democráticos de diálogo com a sociedade civil;
IV - consolidar os princípios da participação social nas políticas culturais;
V - garantir o respeito à cultura como direito de cidadania e à diversi-
dade cultural como expressão simbólica e como atividade econômica;
VI - estimular iniciativas culturais já existentes, por meio de apoio e
fomento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VII - promover o acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural;
VIII - potencializar iniciativas culturais, visando à construção de novos
valores de cooperação e solidariedade, e ampliar instrumentos de edu-
cação com educação;
IX - estimular a exploração, o uso e a apropriação dos códigos, lin-
guagens artísticas e espaços públicos e privados disponibilizados para a
ação cultural.
Art. 3º A Política Nacional de Cultura Viva tem como beneficiária a so-
ciedade e prioritariamente os povos, grupos, comunidades e populações
em situação de vulnerabilidade social e com reduzido acesso aos meios
de produção, registro, fruição e difusão cultural, que requeiram maior re-
conhecimento de seus direitos humanos, sociais e culturais ou no caso em
que estiver caracterizada ameaça a sua identidade cultural (MINC, 2014).
Realizo uma breve análise dos objetivos do Programa em três dimensões em que a polí-
tica cultural que estou me referindo consolidou seu discurso: Econômica, Simbólica e Cidadã. A
partir disso, procurarei demonstrar sua articulação na luta pelo reconhecimento
No âmbito econômico, o Programa configura-se numa ação de pulverização de recursos
financeiros disponíveis para cultura, de modo a distribuí-lo aos grupos que tradicionalmente não
tinham acesso aos mecanismos de financiamento destinados à cultural e, portanto, estavam mar-
ginalizados dentro da cadeia da produção cultural. É um instrumento material com intenção de
3
De 2005 até o ano de 2011 o programa fomentou juntamente com os municípios e estados parceiros 3.670 Pontos
de Cultura, nos 26 estados da federação (informações do site do Ministério da Cultura).

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reconhecer a diversidade de agentes fazedores de cultura e o contexto de desigualdade existente


entre eles, além de garantir minimamente que estes grupos possuam condição de produção e
fruição de bens e expressões culturais.
Um segundo aspecto a se considerar é que esta facilitação para acessar os recursos é uma
maneira de fomentar a produção cultural e, portanto, a produção simbólica intencional desses
grupos culturais, numa tentativa de fazer brotar ou potencializar a diversidade de criação e en-
carar as diferenças provenientes dos contextos da diversidade. Estabelecer “como beneficiária
a sociedade e prioritariamente os povos, grupos, comunidades e populações em situação de
vulnerabilidade social e com reduzido acesso aos meios de produção, registro, fruição e difusão
cultural”, significa priorizar àqueles que foram historicamente esquecidos quanto a sua capaci-
dade de trabalhar na reflexão dos seus próprios referenciais culturais (MINC, 2014).
O Cultura Viva parece compreender essas mediações plurais e inclu-
sivas, na medida em que promove a inclusão e a articulação entre os
diversos segmentos étnicos e culturais, por meio de Teias, seminários,
estímulo à formação de redes, e potencializa as diversas manifestações
culturais locais nas comunidades (BARROS; BEZERRA, 2014, p. 126).
Por fim, a terceira esfera que quero considerar, é a esfera cidadã ou a esfera do direito
à cultura, princípio marcante nos objetivos do Programa e nas ações que compunham a nova
configuração do Minc. O entendimento da cultura enquanto direito e a abrangência disso para
a criação de uma cultura de participação política nos processos de tomada de decisões, a partir
da criação de fóruns e conselhos e instâncias de participação, foram estimuladas no intuito de
aproximar e considerar a sociedade civil na política pública.
Autonomia, protagonismo, empoderamento, gestão em rede e gestão
compartilhada são conceitos e práticas implementadas pelo Ponto de
Cultura, que foram sendo apropriadas nos discursos e significados pelos
agentes participantes do Programa. Os conceitos estão ligados à cidada-
nia e à conquista de direitos, à emancipação de grupos e comunidades, à
capacidade de gerar emprego e renda e à possibilidade de articulação e
participação social. Somados às novas categorias, foi aplicado o concei-
to de gestão compartilhada, gestão em rede, ou ainda, gestão transfor-
madora para os Pontos de Cultura (MINC, 2004; TURINO, 2009, apud
BARROS; BEZERRA, 2014, p. 126).
À luz de Fraser, é possível localizar nessa política, estratégias que buscam suprir tanto as
demandas de reconhecimento como as demandas de redistribuição. No que tange ao mecanismo
de incentivo financeiro, marcado pela pulverização dos recursos para diversos grupos, podemos
caracterizar a política como um remédio voltado para a demanda de distribuição, visto que os
agentes beneficiados sempre estiveram à margem da indústria e dos espaços onde circulam
os recursos que propulsionam a produção cultural do país. De outro lado, observamos o reco-
nhecimento das características identitárias e das especificidades simbólicas desses grupos. Isso

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está presente no próprio caráter da política que visa proporcionar a possibilidade de produzir e
expressar-se simbolicamente através da realização de ações culturais, como também pode ser
notado quando o ministério lança mão de instrumentos que estimulam a iniciativa de grupos
identitários, como os editais para Pontos de Cultura Indígena. Com isso, a política também
pode ser caracterizada como um remédio para as demandas de reconhecimento, onde através da
produção cultural, os grupos podem gerar uma auto afirmação de suas identidades e produzir
agendas positivas sobre eles próprios.
Em um primeiro olhar, considerando o Programa como específico da pasta da cultura e
de alcance restrito a este campo, e levando em conta a estratégia de redistribuição de recursos
financeiros, esta política poderia ser avaliada como “remédio afirmativo para injustiça”, volta-
do para “corrigir efeitos desiguais de arranjos sociais sem abalar a estrutura subjacente que os
engendra”, não tendo, entretanto, a força dos “remédios de transformação” que, para a autora,
agiriam “precisamente por meio da remodelação da estrutura gerativa subjacente” com uma
mudança mais impactante nas estruturas sociais (FRASER, 2006).
Honneth, por sua vez, compreende que as lutas contra injustiças não estão essencial-
mente ligadas às questões materiais e são, antes, lutas “pelo reconhecimento d[o] que expecta-
tivas intersubjetivas [que] não foram consideradas ou cumpridas” (MATTOS, 2004). Portanto,
tomando-o como referência e considerando a cultura também como expressão de subjetividade
humana, o Programa Cultura Viva pode representar uma política de reconhecimento de ex-
pressões culturais diversas, que vem possibilitando o convívio e a troca de ações e expressões
simbólicas em contextos fragilizados que historicamente foram marginalizados, subjugados ou
simplesmente ignorados.
Também a ideia de direito cultural que é uma característica marcante dessa política,
nos leva a pensar na forma do direito colocado por Honneth, considerando que pela primeira
vez o Estado assume a proposição de que qualquer cidadão tem o direito de produzir e fruir de
bens culturais, constituindo-se assim num direito universal que reverbera em reconhecimento
dos indivíduos.
Toda a dinâmica da luta pelo reconhecimento, para Honneth, parte da re-
lação entre não-reconhecimento e posterior reconhecimento legal. Posto
de outro modo: toda luta por reconhecimento dá-se por uma dialética
do geral e do particular. Afinal, é sempre uma particularidade relativa,
uma “diferença” que não gozava de proteção legal anteriormente que
passa a pretender tal status. Esses conflitos, no entanto, são percebidos
num sentido completamente pré-político. É nesse sentido que Honneth,
contra Fraser, imagina uma experiência de “desrespeito” como estando
na base de todo conflito social (como Taylor). (MATTOS, 2004, p. 160)
Isto tudo me leva a avaliar o Programa Cultura Viva como uma iniciativa que vai além
de uma ação afirmativa que procura amenizar desigualdades pontuais ligadas a redistribuição

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e reconhecimento. Tendo a avalia-la como uma ação de transformação, não direcionada para
suprir carências materiais, mas porque o mecanismo que procura amenizar essa carência tem
como principal objetivo a promoção dos referenciais simbólicos de grupos distintos, que num
exercício contínuo, podem resultar em experiência positivas na intersubjetividade que propor-
cionam auto estima e auto afirmação dos sujeitos.

4. CONCLUSÃO
O Programa Cultura Viva está entre as políticas do Minc que melhor traduziu o discurso
desta gestão. Na prática, imensos equívocos foram cometidos (ao longo desses anos) na imple-
mentação e execução da política, que acarretaram em situações de grande desgaste gerados por
problemas com conveniamento, prestações de contas, atraso na liberação de recursos, entre ou-
tras questões que aqui não puderam ser abordadas, mas que merecem atenção, pois sem o esteio
prático adequado, a operacionalização fica muito aquém do discurso proposto.
Ainda assim, é essencial reconhecer que o Programa possui em seu princípio relevantes
reflexões acerca da contribuição que o campo da cultura pode proporcionar para as lutas por
reconhecimento e, por conseguinte, em mudanças sociais. Também é inegável que a política
conseguiu reverberar o seu discurso e torná-lo realidade na esfera cultural à qual se destinava,
ainda que sem a eficácia dos seus instrumentos de gestão.
O que se mostra interessante é que, se na dimensão da ação, inúmeros
problemas de gestão como prestação de contas, repasse, acompanha-
mento etc, são citados de forma crítica e negativa, podemos afirmar que,
mesmo com todos esses problemas, o reconhecimento e a adesão ao
Programa sempre foram significativos. Essa adesão passa pela aderên-
cia subjetiva, simbólica, ideológica, identitária e discursiva dos Pontos
de Cultura ao Programa Cultura Viva. Assim, podemos afirmar que, do
ponto de vista discursivo e simbólico, o Cultura Viva foi vitorioso na
medida em que consolidou uma dimensão conceitual, identitária e ide-
ológica de articulação entre os sujeitos e a política cultural (BARROS;
BEZERRA, 2014, p. 126).
Seu trabalho no campo do reconhecimento e empoderamento de atores sociais antes
esquecidos, deve ser considerado no tocante à construção da autorrelação dos indivíduos e sua
relação com o grupo, que além de passarem a ser institucionalmente reconhecidos como agentes
culturais são protagonistas respeitados do seu próprio fazer cultural, da sua própria materiali-
zação de expressões simbólicas que representam seu grupo, o que nos direciona ao pensamento
de Honneth:
[...] as realizações, para cujo valor social o indivíduo pode se ver reco-
nhecido, são ainda tão pouco distintas das propriedades coletivas tipifi-
cadas de seu estamento que ele não pode sentir-se, como sujeito indivi-
duado, o destinatário da estima, mas somente o grupo em sua totalidade.

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A auto-relacão prática a que uma experiência de reconhecimento desse


gênero faz os indivíduos chegar é, por isso, um sentimento de orgulho
do grupo ou de honra coletiva; o indivíduo se sabe aí como membro de
um grupo social que está em condição de realizações comuns, cujo va-
lor para a sociedade é reconhecido por todos os seus demais membros.
Na relação interna de tais grupos, as formas de interação assumem nos
casos normais o caráter de relações solidárias, porque todo membro se
sabe estimado por todos os outros na mesma medida; pois por “solida-
riedade” pode se entender, numa primeira aproximação, uma espécie de
relação interativa em que os sujeitos tomam interesse reciprocamente
por seus modos distintos de vida, já que eles se estimam entre si de ma-
neira simétrica”. (HONNETH, 2003, p. 208-209).
Por fim, o reconhecimento institucional desses sujeitos também funciona como um fôle-
go para o enfrentamento de modus operandi excludente que opera, como nos mostrou Honneth,
não apenas nas bases de demandas por redistribuição, mas principalmente de reconhecimento de
subjetividades. Esta possibilidade de se ver e serem vistos remete à potencialização da capacida-
de de diálogo desses indivíduos com a sociedade, possibilitando questionamentos e proposições
de mudança social, conforme assinalado por Mead:
Podemos reformar el orden de cosas; podemos insistir en hacer que las
normas de la comunidad sean mejores normas. No estamos simplemente
obligados por la comunidad. Estamos dedicados a una conversación en
la que lo que decimos es escuchado por La comunidad, y en la cual la
reacción de ésta está afectada por lo que tenemos que decir (MEAD,
2009, p. 196).4

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBERO, Jesús Martins. Dos Meios à Mediação. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.
BARROS, José M.; BEZERRA, Jocastra B. O Cultura Viva e sua potência discursiva. Políticas Culturais
em Revista. Salvador, v. 7, n. 2, 2014, p. 118-135. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.
php/pculturais/issue/view/1006>. Acesso em: 27 jul. 2015.
CALABRE, Lia; LIMA, Deborah R. Do Do-In Antropológico à Política de Base Comunitária – 10 Anos
do Programa Cultura Viva: uma trajetória da relação entre Estado e Sociedade. Políticas Culturais em
Revista. Salvador, v. 7, n. 2, 2014, p. 6-25. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/
pculturais>. Acesso em: 10 jul. 2015.

4 Podemos reformar a ordem das coisas; podemos insistir em fazer que as normas da comunidade sejam normas
melhores. Não somos simplesmente obrigados pela comunidade. Estamos dedicados a uma conversação na qual o
que dizemos é escutado pela comunidade e onde a reação desta é afetada pelo que temos a dizer (MEAD, 2009, p.
196. Tradução minha).

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FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”.


Tradução de Júlio Assis Simões. Cadernos de Campo. São Paulo, v. 15, n. 14-15, p. 231-239, mar. 2006.
Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/view/50109>. Acesso em: 25 jul.
2015.
MEAD, George H. Spíritu, Persona y Sociedad: desde el punto de vista del conductismo social.
Tradução: Florial Mazía. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica S.A., 2009.
GIL, Gilberto. Discurso de posse do Ministro Gilberto Gil. Disponível em: <http://www1.folha.uol.
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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais. (trad. Luiz
Repa). São Paulo: Editora 34, 2003.
MATTOS, Patrícia. O Reconhecimento, entre a justiça e a identidade. Revista Lua Nova. São Pau-
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MINC. Programa Cultura Viva Legislação. Portal da Cultura. 2004. Disponível em: <http://www.cultura.
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AS POLITICAS CULTURAIS DENTRO DA AGENDA GOVERNAMENTAL DE


BOGOTÁ: UMA REFLEXÃO DESDE O MODELO DOS MÚLTIPLOS FLUXOS
Mônica Cristina Moreno-Cubillos1

RESUMO: Analisa-se a entrada das políticas culturais dentro da agenda decisória de Bogotá
desde 1970 até 2005, a partir dos postulados do modelo de Múltiplos Fluxos proposto por John
W. Kingdon. Descrevem-se quatro momentos principais nos quais a convergência dos três fluxos
(problemas, soluções e político) abriu a janela política para provocar as maiores mudanças: a
criação do Instituto Distrital de Cultura y Turismo, a cultura cidadã como elemento central
dentro do plano de governo 1995-1998 e a formulação dos dois documentos de políticas culturais
(2001-2003 e 2004-2016). Refleti-se sobre a influência de participantes dentro do governo para
ativar o fluxo político e algumas falências no sistema de participação.

PALAVRAS-CHAVE: Modelo dos Múltiplos Fluxos, Políticas Culturais em Bogotá, mudanças


nas políticas públicas.

1. INTRODUÇÃO
As políticas públicas são um campo complexo e às vezes contraditório, razão pela qual
alguns autores, para facilitar a compreensão e a análise, falam do processo circular que seguem
as políticas identificando diferentes momentos de ação. Em geral, existe um consenso que de-
marca seis movimentos principais: a constituição de issues ou questões, a formação da agenda
governamental, a formulação, a adoção, a implementação e a avaliação da política. Na realida-
de, estes movimentos podem acontecer simultaneamente e implicam a mobilização de múltiplos
sujeitos que não só fazem parte do governo.
O objetivo deste artigo é refletir sobre como as políticas culturais têm entrado na agenda
governamental e decisória da cidade de Bogotá até a formulação da política cultural vigente,
tomando como base o modelo dos Múltiplos Fluxos proposto por John Kingdon. Por conse-
guinte, primeiro se explicará brevemente este modelo e aquele que precedeu sua construção.
Depois, apresentar-se-ão as principais atividades em relação ao tema cultural desenvolvidas

1
Administradora de empresas – Universidade Nacional da Colômbia. Mestranda em Políticas Públicas – Univer-
sidade Federal do Maranhão. Bolsista do CNPq e membro do Núcleo África e o Sul Global. E-mail: monica.m.
cubillos@gmail.com

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em Bogotá desde a década de 1970 até a formulação do documento de Políticas Culturales


Distritales 2004-2016. Com estes dois elementos, delimitar-se-ão os períodos de maior impac-
to do desenvolvimento da cultura como objeto de políticas na cidade. Finalmente, apontar-se-
-ão algumas conclusões.

2. UMA EXPLICAÇÃO PARA AS MUDANÇAS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS:


O MODELO DOS MÚLTIPLOS FLUXOS DE JOHN KINGDON
Existem diferentes modelos enunciados por diversas correntes e autores que tentam ex-
plicar as mudanças nas políticas públicas. Um destes é a proposta do professor John W. Kingdon
exposta em seu livro Agenda, alternatives and public policies publicado em sua segunda edição
em 1995. Neste, o autor procura responder duas questões principais: por que alguns problemas
se tornam importantes para um governo? e, como uma ideia se insere no conjunto de preocu-
pações dos formuladores de políticas, transformando-se em uma política pública? (CAPELLA,
1996, p. 25). Baseado no modelo de Garbage Can ou Lata de Lixo proposto em 1972 por Mi-
chael D. Cohen, James G. March e Johan P. Olsen; Kingdon desenvolve o modelo conhecido
como Multiple Streams ou Múltiplos Fluxos.

2.1. O modelo Lata de Lixo


O modelo da lata de lixo é uma proposta alternativa ao modelo racional convencional
de tomada de decisões para diferentes tipos de organizações (como universidades) as quais são
descritas como “anarquias organizadas” caracterizadas por: ter preferências problemáticas, ou
seja, uma coleção de ideias “sem estrutura coerente”; trabalhar sobre tecnologias confusas ba-
seadas em prova e erro, e onde os processos não são totalmente entendidos pelos membros da
organização e; contar com uma participação fluida de participantes que variam em quantidade
de tempo e esforço (COHEN et al., 1972, p. 1).
Este modelo estatístico percebe que as organizações operam sob incerteza e com alto
grau de ambiguidade. Para entender este processo, a oportunidade de escolha pode ser vista
como uma lata de lixo que contem diversos problemas e as soluções são jogadas fora pelos par-
ticipantes no momento em que estas são geradas.
Em um modelo racional convencional de tomada de decisões, as oportunidades de es-
colha conduzem primeiro à geração de alternativas de decisão, a análise das consequências e
sua avaliação em termos dos objetivos e finalmente a tomada da decisão; mas isto na realidade
não sempre acontece. No modelo de lata de lixo, as decisões são resultado ou interpretação de
diferentes fluxos independentes dentro da organização. Alguns destes são: os problemas (preo-
cupações das pessoas dentro e fora da organização), as soluções (produzidas pelos membros),

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os participantes (que entram e saem constantemente) e as oportunidades de escolha (que são


ocasiões quando a organização espera produzir um comportamento que leve a uma decisão).
Em palavras dos autores do modelo:
The garbage can process is one in which problems, solutions, and parti-
cipants move from one choice opportunity to another in such a way that
the nature of the choice, the time it takes, and the problems it solves all
depend on a relatively complicated intermeshing of elements. These in-
clude the mix of choices available at any one time, the mix of problems
that have access to the organization, the mix of solutions looking for
problems, and the outside demands on the decision makers (COHEN et
al., 1972, p. 16).

2.2. O modelo dos Múltiplos Fluxos


Para explicar as mudanças nas políticas públicas, Kingdon se centra nos estágios pré-
-decisórios do processo das políticas públicas: o estabelecimento da agenda e a construção de
alternativas para a formulação (CAPELLA, 1996, p. 25). Nestes dois movimentos, duas catego-
rias podem ajudar a explicar o porquê ocorrem as mudanças nas agendas e a especificação das
alternativas: os participantes que estão ativos e os processos pelos quais questões e alternativas
entram em destaque (KINGDON, 1995, p. 15).
Os participantes ativos podem estar dentro e fora do governo e todos são fontes para
identificar e dar relevância as questões ou para formular e escolher as alternativas na agenda.
No interior do governo, Kingdom identifica quatro participantes principais. Primeiro, o
Presidente (o chefe máximo do nível de governo) que pode dominar ou inclusive determinar a
agenda política, mas não pode controlar as alternativas que são consideradas seriamente, assim
como também não determina o resultado final da implementação. Segundo, os nomeados políti-
cos que inclui o conjunto de funcionários de departamentos e agências que são designados pelo
Presidente. Um dos grandes problemas deste grupo é sua impermanência. Terceiro, os funcioná-
rios públicos ou burocratas que são apreciados por ter a experiência necessária, a dedicação aos
princípios consagrados nos programas, assim como um interesse na expansão dos mesmos e a
continuidade em seu cargo. Contudo, eles não têm tanto poder como os funcionários do execu-
tivo para influir na agenda. Finalmente, o Congresso que é uma autoridade legal que administra
informação homogênea e está definida para um período fixo de tempo.
Por outra parte, “participants without formal government positions include interest
groups, researchers, academics, consultants, media, parties and other elections-related actors,
and the mass public” (KINGDON, 1995, p. 45).
O estabelecimento da agenda, que envolve o processo que faz com que questões en-
trem em destaque, implica a transferência de questões desde a agenda não-governamental ou

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informal a uma agenda governamental formal e logo a uma agenda decisória ou política. “A
primeira contém a lista de assuntos que são, há anos, preocupação do país, sem contudo merecer
atenção do governo; a segunda inclui os problemas que merecem atenção do governo; a última,
a lista dos problemas a serem decididos” (VIANA, 1996, p. 7).
Assim como no modelo da lata de lixo, a agenda decisória é afetada por fluxos que
segundo Kingdon são basicamente três. Primeiro, o fluxo de problemas expõe que certas con-
dições se tornam definidas como tal quando as pessoas acreditam que se deve fazer algo sobre
elas. Este não é simplesmente as condições ou eventos externos próprios, mas requerem um
elemento de percepção e interpretação para sua construção (KINGDON, 1995, p. 110). As con-
dições passam a ser definidas como problemas através de comparações de valores e categorias,
sendo identificados através de indicadores sistemáticos, eventos “dramáticos”, a retroalimenta-
ção de programas já existentes que sugerem que as coisas não vão bem.
Segundo, o fluxo de soluções ou alternativas é criado por comunidades políticas consti-
tuídas por especialistas, dentro e fora do governo, de uma área de política dada. As comunidades
políticas variam tremendamente em graus de fragmentação gerando dificuldades de comunica-
ção, integração e estabilidade. Desta forma, para que exista um consenso sobre uma solução se
precisa de sua construção por meio da difusão de ideias e da persuasão. Finalmente, as chances
de um problema a subir na agenda da decisão aumentam dramaticamente se uma solução está
ligada a ele (KINGDON, 1995, p. 143).
Terceiro, o fluxo político flui de acordo com sua própria dinâmica e suas próprias regras,
independentemente dos fluxos de problemas e soluções. Viana (1996, p. 29) resume os fatores
que o compõem em três elementos: o clima ou humor nacional que é uma situação na qual di-
versas pessoas compartilham as mesmas questões durante um determinado período de tempo,
possibilitando solo fértil para que ideias germinarem; as forças políticas organizadas exercidas
principalmente por grupos de pressão e; as mudanças dentro do próprio governo sendo o início
de um novo mandato o momento mais propício para as mudanças na agenda. Finalmente, “con-
sensus building in the political arena, in contrast to consensus building among policy specialists,
takes place through a bargaining process rather than by persuasion” (KINGDON, 1995, p. 163).
Por conseguinte, as transformações na agenda para a tomada de decisões são o resultado
da convergência dos três fluxos descritos, abrindo uma oportunidade de mudança ou “janela
política” onde os defensores de propostas podem conduzir suas soluções ou a atenção para seus
problemas específicos. Em outras palavras, a união se dá quando um problema é reconhecido,
uma solução está disponível e existem as condições políticas para tornar a mudança possível
(VIANA, 1996, p. 30).

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3. AS POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS EM BOGOTÁ


O tema cultural em Bogotá toma força desde finais da década de 1970, momento no qual
no âmbito internacional também começa a ter transcendência a cultura como um eixo prioritário
dentro do modelo de desenvolvimento. Depois da Declaração sobre os Princípios de Coope-
ração Cultural Internacional em 1966 e a Primeira Conferência Intergovernamental sobre os
Aspectos Institucionais, Administrativos e Financeiros das Políticas Culturais em 1970, ambos
liderados pela UNESCO; em janeiro de 1978, celebrou-se a Conferência Intergovernamental
sobre as Políticas Culturais em América Latina e o Caribe em Bogotá dando como resultado a
Declaração com o nome dessa cidade que, segundo os registros das atas da UNESCO da XX
Conferência Geral, ressaltou:
[...] el desarrollo cultural debería tener en cuenta un mejoramiento global
de la vida cultural del hombre. Esto se lograría con políticas destinadas
a integrar más activamente a la juventud, a los habitantes del campo y
la ciudad, y a la mujer en todo quehacer educativo, científico y cultural,
a fin de fortalecer la magna tarea de la preservación y el desarrollo de la
identidad cultural. Así mismo, se deberían iniciar acciones tendientes a
la elaboración y práctica de una política cultural que fomentara la libre
confrontación de los diversos componentes contribuyendo a la plurali-
dad cultural de la nación (PECHA QUIMBAY, 2006, p. 30).
Assim sendo, as políticas nacionais e distritais foram ajustadas e o Instituto Distrital de
Cultura e Turismo - IDCT de Bogotá foi criado com ânimo de promover, programar, integrar,
coordenar e financiar as atividades culturais e turísticas, da mesma forma que os cenários cultu-
rais da cidade que estavam dispersos em diferentes agências.
Os principais esforços do IDCT até a década de 1990 estiveram encaminhados à susten-
tabilidade de si mesmo dentro da estrutura pública distrital com uma sólida organização interna
que pertimisse a realização de suas funções, embora os limitantes do nível orçamentário. Isto
“significó que la entidad ocupara un perfil relativamente bajo dentro del gobierno distrital y se
limitara a la administración de los espacios y escenarios que se pusieron bajo su jurisdicción por
disposiciones del Concejo de Bogotá” (PECHA QUIMBAY, 2006, p. 52).

3.1. O auge das políticas culturais em Bogotá


A década de 1990 esteve fortemente marcada pela preocupação em torno ao tema cul-
tural, questão que foi incentivada pelo programa de ação da UNESCO para o Decênio Mun-
dial para o Desenvolvimento Cultural 1988-1997. Através desta iniciativa, os Estados Membros
adotaram quatro objetivos principais (UNESCO, 1990, p. 8): levar em conta a dimensão cultural
do desenvolvimento, afirmar e enriquecer as identidades culturais, ampliar a participação na
vida cultural e, promover a cooperação cultural internacional. Além disso, é necessário mencio-

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nar a mudança na Constituição Política da Colômbia em 1991 que transformou o conceito de


atividade cultural para poder assimilar as diferentes manifestações de todos os colombianos em
igualdade de oportunidade. Assim,
[...] de la simple divulgación de las Bellas Artes se transitaría hacia una
búsqueda sistemática de apoyo a las formas de expresión y de creación
ciudadanas, así mismo, de una noción conservacionista del patrimonio
se pasaría a un escenario en el que la defensa del patrimonio debería ser
responsabilidad de todos los ciudadanos. [...] También se promovería la
investigación cultural –limitada en ese entonces a disciplinas e institucio-
nes– de la totalidad de los procesos socioculturales del país en una pers-
pectiva interdisciplinaria que correspondiera con las políticas guberna-
mentales sobre ciencia y tecnología (PECHA QUIMBAY, 2006, p. 65).
Como consequência destes novos lineamentos, o governo nacional promulgou o Plano
Nacional de Cultura 1992-1994 “Colômbia: o caminho da paz, o desenvolvimento e a cultura
para o século XXI” que propôs o estabelecimento do Sistema Nacional de Cultura e Desenvol-
vimento Institucional composto de Conselhos nacional, regionais, departamentais e municipais
constituídos como organismos assessores para a formulação de políticas culturais. Desta forma,
o Conselho de Cultura de Bogotá coordenava as atividades do IDCT e determinava os critérios
para conferir os recursos para a promoção da cultura e as artes o que significou uma dinâmica de
concertação entre a entidade distrital e os grupos objeto das ações.
Em 1995, iniciou-se com o desenvolvimento do Sistema Distrital de Cultura abrindo
este espaço à participação de todos os habitantes da cidade. Igualmente, o governo do pre-
feito eleito para o período 1995-19982 teve como foco central e transversal para sua gestão o
Programa de Cultura Cidadã construído sob a hipótese de um divórcio entre a lei, a moral e
a cultura constatado através da “carencia de aprobación moral o cultural de las obligaciones
legales y aprobación cultural y/o moral de acciones ilegales” (MOCKUS, 1999, p. 4). Por meio
das ações e projetos de educação cidadã impulsados neste Programa, procurou-se principal-
mente uma mudança consciente no comportamento, hábitos e costumes das pessoas mediante
a autorregulação interpessoal em situações cotidianas como interações entre estranhos, e em
contextos como o transporte público, o espaço público, as instituições públicas e a vizinhança.
O resultado bem-sucedido das diferentes estratégias implementadas foi demonstrado mediante
a redução das infrações às sinais e normas de trânsito, dos homicídios comuns e mortes em
acidentes de trânsito com presencia de álcool no sangue, dos mortos e feridos com pólvora; e a
censura social de comportamentos indevidos ou agradecimento por comportamentos destacá-
veis ou positivos manifestados em material simbólico, desarme voluntário, criação de Semille-
ros de Convivencia, interrupção de relações clientelistas, maior participação em eventos cultu-

Antanas Mockus Šivickas.


2

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rais3 e campanhas de poupança de água que permitiram superar a emergência de racionamento


(MOCKUS, 1999).
Em 1997, o governo nacional promulgou a Lei Geral de Cultura que além de regulamen-
tar alguns artigos da Constituição de 1991 e estabelecer normas sobre o patrimônio cultural,
fomentos e estímulos à cultura; transformou Colcultura no Ministério de Cultura, “lo que signi-
ficaba para la cultura una presencia definitiva en las decisiones del Estado” (BRAVO, 2008, p.
128). Esta Lei foi objeto de discussão em foros onde foram escutadas vozes de diferentes setores
a favor e em contra.
Terminado o Decênio Mundial para o Desenvolvimento Cultural e depois das conclusões
da Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento, liderada
pela UNESCO (em Estocolmo em 1998), o plano do governo do prefeito para o período 1998-
20014 centrou a execução de políticas culturais
[...] en cumplir con una función de demostración de la ocupación de
espacios públicos con actividades culturales, buscando así lograr un
mayor sentido de pertenencia, mejorando significativamente los niveles
de interacción entre los ciudadanos de diferentes estratos, generando
una concepción de orgullo de lo que significaba ser ciudadano de Bogo-
tá, contribuyendo de esta manera a la construcción de ciudad (PECHA
QUIMBAY, 2006, p. 86).
Desta forma, embora durante a década não se evidência uma continuidade nas políticas
distritais em cultura, aprecia-se a relevância deste fator dentro dos planos de governo para me-
lhorar a convivência e a percepção da cidade.

3.2. A formalização da política cultura da cidade


Com o início do século XXI e a mudança novamente de governo local, os espaços de con-
certação para a formulação das políticas culturais criados com o Sistema Distrital de Cultura fo-
ram resgatados e ampliados. O IDCT liderou o funcionamento deste através de normas técnicas,
administrativas e regulamentárias que ajudaram ao Sistema a promover transformações na relação
entre o Estado e a cidadania, dando participação nos assuntos públicos a artistas, organizações e
entidades culturais de natureza privada, pública ou mista. O resultado deste exercício participativo
foi o documento sobre políticas culturais denominado “Bogotá em Ação Cultural 2001-2004” o
qual partiu de dois pressupostos básicos: o reconhecimento da diversidade da cidadania5 e a mul-
ticulturalidade. As linhas temáticas que definiram o alcance das políticas foram a organização do

3
Como os eventos al parque: Rock al Parque, Jazz al Parque, Rap al Parque; Septimazo; Música en los Templos;
entre outros.
4
Enrique Peñalosa Londoño.
5
Acentuada pelas novas dinâmicas urbanas em Bogotá tais como o recebimento de vítimas do deslocamento for-
çado do conflito armado interno do país e o crescimento da cidade.

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setor cultural da cidade, a formação e a capacitação para o desenvolvimento cultural, a proteção


e salvaguarda do patrimônio cultural, o fomento à arte e à cultura, a promoção e a divulgação
da cultura, a gestão da infraestrutura cultural, e a investigação; assim, as estratégias que permi-
tiram a implementação e o logro dos objetivos propostos se concentraram na descentralização,
na participação, na comunicação, no financiamento e no controle social.
Dentro dos resultados da implementação desta política se encontram a desconcentração
da programação cultural com uma maior participação dos cidadãos os eventos públicos, em es-
pecial dos habitantes dos estratos sócio-econômicos 1 e 2; a consolidação de festivais públicos
de música, dança e teatro; a difusão de programas culturais através do canal de televisão público
da cidade possibilitando maior visibilidade das atividades; o aumento dos ingressos próprios
do IDCT por gestão de eventos em espaços como o Planetário, a Cinemateca, entre outros; os
concursos artísticos e o apoio a organizações e projetos culturais dentro dos quais se destacam
as comparsas nos bairros; as parcerias com agentes públicos e privados para a prestação de ser-
viços turísticos; a realização de atividades culturais e pedagógicas nos museus e bibliotecas; os
programas de formação em artes plásticas, artes musicais e artes dramáticas; entre outros. Como
se aprecia, os esforços se enfocaram na cultura como espetáculo e arte.
Com a culminação do processo de “Bogotá em Ação Cultural 2001-2004”, publicaram-se
as “Políticas Culturais Distritais 2004-2016” as quais mudam o discurso da multiculturalidade
pela interculturalidade e procuram que a cidade se configure como líder em processos demo-
cráticos e participativos. Neste documento muda a concepção da cultura já não como campo da
manifestação senão como campo real de ação de construção política (CORTÉS GÓMEZ, 2007).
Esta perspectiva deu possibilidades aos cidadãos de decidir sobre as práticas e expressões que são
relevantes para sua identidade, as formas de manifestação e o que consideram que deve se proteger
pelo valor histórico, simbólico ou artístico para a comunidade, assumindo um respeito pelas dife-
renças dos habitantes de Bogotá (LONDOÑO et al., 2009 apud FERRO PULIDO, 2013, p. 47).
Para a formulação deste documento se criou a Comissão de Políticas Culturais e se or-
ganizou ao interior do IDCT o Comitê de Políticas Culturais, realizaram-se oficinas de políticas
públicas para conselheiros locais e seminários sobre o assunto. Finalmente, a concertação foi
aprovada pelo Conselho Distrital de Cultura (FERRO PULIDO, 2013, p. 41).
Observa-se que este documento foi um exercício de planejamento a mais longo prazo que
excede o período de quatro anos de governo distrital. Além, esta vez, a política foi organizada
em quatro eixos -legislativo, organizacional, comunicacional e da informação, e dos processos
culturais, artísticos e do patrimônio- incorporados em cinco dimensões -formação, investigação,
criação, circulação e apropriação-. Desta forma, desde 2004, os diferentes planos de governo
têm contido o elemento cultural, cada um com diferentes níveis de relevância e transcendência,
sujeitas aos objetivos de cada mandato.

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4. A CULTURA DENTRO DA AGENDA DECISÓRIA:


MUDANÇAS NAS POLÍTICAS CULTURAIS EM BOGOTÁ
Pode-se dizer que o tema cultural e as políticas culturais em Bogotá estiveram na agenda
não-governamental até 1970. Depois deste ano se mantiveram na agenda governamental, mas
existem momentos específicos onde pularam à agenda decisória pela convergência dos três flu-
xos definidos por Kingdon, abrindo a janela política para permitir as maiores mudanças ou as
definições mais específicas sobre o tema. Desta forma, são identificados quatro anos de entrada
da cultura na agenda decisória: 1978, 1995, 2001 e 2004. A continuação, vai se analisar cada um
destes períodos identificando os três fluxos e os participantes que intervieram.

4.1. 1978: A criação do IDCT


O fluxo de problemas se evidencia através de um evento “dramático”, a Conferência In-
tergovernamental sobre as Políticas Culturais em América Latina e o Caribe e o resultado desta,
a Declaração de Bogotá. A solução que deu resposta às recomendações assinaladas foi a criação
de uma instituição dentro da estrutura pública distrital que pudesse liderar dentro da cidade os
processos e as atividades relacionados com a comunicação, a educação, a ciência e a tecnologia,
elementos vinculados à cultura e seu desenvolvimento (UNESCO, 1978). O fluxo político foi
favorável para a tomada de decisão graças a mudanças no humor nacional geradas pela mesma
Conferência que propiciou a vontade política para a criação do instituto com destinação especial
de orçamento para seu funcionamento.
Os participantes que intervieram para a abertura desta janela se encontram principalmen-
te no governo. O Prefeito da cidade foi quem apresentou o Projeto de Acordo que manifestava
a necessidade de criar o Instituto Distrital para o Turismo, a Cultura, o Esporte e o Lazer. Esta
proposta foi bem recebida pelo Conselho de Bogotá que mediante o Acordo 02 do 14 de Feve-
reiro de 1978 criou o IDCT (PECHA QUIMBAY, 2006, p. 32). Fora do governo, os participan-
tes, segundo a classificação de Kingdon, que tiveram um papel importante foram os consultores,
mais exatamente os organismos multilaterais como a UNESCO, através das recomendações,
resultado de reuniões especializadas sobre o tema.

4.2. 1995: A importância da Cultura Cidadã e sua posição central dentro do plano
de governo
Outro momento em que a cultura entrou na agenda decisória do governo foi no ano 1995.
O fluxo de problemas foi alimentado pelos resultados dos indicadores de convivência e seguri-
dade que mostravam que a cidade tinha graves problemas de violência na resolução de conflitos
e um elevado nível de infrações às normas que desencadeava mortes violentas por acidentes de
trânsito e dificuldades de interação com as autoridades públicas. O fluxo de soluções foi definido

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mediante o Plano de Governo “Formar Ciudad (1995-1998)” que posicionou o programa de Cul-
tura Cidadã como o pilar e primeira prioridade do governo distrital. Finalmente, as mudanças den-
tro do próprio governo com o início de um novo mandato foi o fator que ativou o fluxo político.
Os participantes ativos dentro do governo foram novamente os nomeados políticos e os
funcionários públicos que participaram na formulação e harmonização do Plano de Governo e o
novo Prefeito eleito quem guiou a formulação e aprovou o Plano mediante o Decreto 295 do 1º
de Junho de 1995. Fora do governo, ressalta-se o papel que exerceu a mídia para a comunicação
intensificada, visibilidade e ajuda ao impulso da aceitação das novas propostas pelo público em
geral (MOCKUS, 1999).

4.3. 2001: O primeiro documento de Políticas Culturais Distritais para a cidade


Com todos os avanços em matéria cultural percebidos durante a década de 1990, o fluxo
de problemas seguiu se consolidando. Resultado de indicadores de convivência, segurança e
participação em atividades culturais públicas; retroalimentação dos Planos de Governo desde
1995 que mostraram sucessos na ação cultural para melhorar a imagem, visão e sentido de
pertença na cidade; e eventos “dramáticos” como a promulgação da Lei Geral de Cultura em
1997 e a Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento da
UNESCO em 1998, conseguiram novos consensos sobre os impactos da cultura na cidade e a
relevância de contar com um documento guia que incluísse diferentes setores da população as-
sim como princípios claros para a ação do Estado. A solução foi o documento “Bogotá em Ação
Cultural 2001-2004” o qual é resultado da concertação desenvolvida dentro do Sistema Distrital
de Cultura. O fluxo político foi impulsado esta vez graças a atuação de forças políticas organiza-
das dentro do Conselho Distrital de Cultura e dos Conselhos Locais de Cultura (regulamentados
pelo Sistema Distrital de Cultura, o qual foi reativado com o início do período de governo em
2001) que ampliaram os espaços de participação direta nas políticas culturais.
Para este caso, os participantes ativos dentro dos Conselhos são os definidos no Decreto
781 do 10 de Setembro de 1998. Na Tabela 1 se apresenta a divisão dentro / fora do governo para
cada um dos tipos de Conselhos.

4.4. 2004: O documento atual de Políticas Culturais Distritais


Finalmente, a última mudança significativa nas políticas culturais da cidade ocorreu em
2004. O fluxo de problemas foi sustentado pela retroalimentação do documento anterior e as
mudanças na abordagem da cultura, já não desde uma perspectiva multicultural, mas intercul-
tural. O fluxo de soluções foi o documento atual de Políticas Culturais Distritais 2004-2016,
resultado da concertação esta vez realizada dentro da Comissão de Políticas Culturais criada e o

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Comitê de Políticas Culturais organizado para tal fim. O fluxo político novamente é produto de
forças políticas organizadas combinado com o início de um novo período de governo.
A Tabela 2 mostra os participantes que fizeram parte da Comissão de Políticas Culturais
dentro e fora do governo nas duas edições publicadas. Como o Comitê de Políticas Culturais foi
uma instância dentro do IDCT, este esteve conformado por nomeados políticos e funcionários
públicos desta entidade.

Tabela 1: Participantes ativos nos Conselho Distrital de Cultura e Conselhos Distritais Locais -
Decreto 781 de 1998
Participantes dentro
Participantes fora do Governo
do Governo
Grupos de interesse: Associações de jornalistas da cidade,
representante da produção e os bens e serviços, representante das
indústrias culturais, representante da corporação de artesãos da
Prefeito eleito.
cidade, representante das ONGs culturais.
Pesquisadores: Representantes de cada Conselho de áreas
artísticas (música, dança, artes cênicas, artes plásticas e literatura).
Acadêmicos: Representante da educação superior que desenvolva
Conselho programas de formação cultural.
Nomeados políticos:
Distrital de Movimentos sociais: Representante das comunidades indígenas
Diretor do IDTC e
Cultura organizadas e representante das comunidades negras da cidade,
representante do
representante do Conselho Distrital de Juventude, representante
Ministério de Cultura.
das associações culturais de pessoas com deficiência e
representante de um povo que habite na cidade.
Consultores: Representante do Conselho para a Proteção do
Funcionários públicos: Patrimônio Urbano de Santa Fé de Bogotá, representante do setor
Representantes das cultural, representante das Juntas de Acción Comunal.
Prefeituras Locais.
Público em geral: Representante da comunidade educativa.
Grupos de interesse: Representante do setor cultural da
Associação Cultural, representante de artistas locais,
Nomeado político:
representante de Redes de Ação Local, representante da mídia
Prefeito local.
local, representante das Casas de Cultura e Centros Culturais
da localidade.
Conselhos
Movimentos sociais: Representantes de organizações de mulheres,
Locais de Funcionários públicos:
pessoas idosas e jovens com presencia cultural reconhecida e
Cultura representante da
representante das comunidades negras.
Comissão de Cultura da
Junta Administradora
Público em geral: Representante de Gestores Locais
Local e representante
independentes.
do IDTC.

Fonte: Elaboração própria baseado no Decreto 781 de 1998.

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5. CONCLUSÕES
É evidente que o modelo de Múltiplos Fluxos proposto por Kingdon reúne os elementos de
decisão definidos no modelo de Laxa de Lixo delimitado por Cohen, March e Olsen. As variáveis
básicas levadas em conta no modelo da Lata de Lixo são similares às organizadas por Kingdon
em categorias para explicar as oportunidades de mudança nas políticas públicas, visto que as polí-
ticas são um tipo de decisão especial que envolvem e impactam não só a organização que toma a
decisão, mas também a todo o grupo de habitantes dentro de um território. O modelo de Múltiplos
Fluxos utiliza duas categorias para explicar as mudanças: os participantes ativos e o processo que
faz com que questões entrem em destaque que agrupa os fluxos de problemas, soluções e política
cuja convergência produz a abertura de uma janela política que permite a transformação.

Tabela 2: Participantes ativos na Comissão de Políticas Culturais


Participantes dentro
Participantes fora do Governo
do Governo
Grupos de interesse: Representante do setor de produção, bens e
serviços; representante das Casas de Cultura e Centros Culturais,
representante das ONGs culturais.

Comissão Funcionários Pesquisadores: Representante do Conselho Distrital de Dança.


de Políticas públicos: Delegado Acadêmicos: Representante do setor de estabelecimentos de educação
Culturais do Prefeito, delegado superior.
2003 do Diretor do IDCT Movimentos sociais: Representante do setor das organizações
indígenas, representante das associações culturais de pessoas com
deficiência.
Público em geral: Representante da comunidade educativa.

Nomeados políticos: Pesquisadores: Representante do Conselho Distrital de Audiovisuais,


Comissão representante do Conselho Distrital de Artes Plásticas, representante
Diretor do IDCT,
de Políticas do Conselho Distrital de Música.
Subdiretor de
Culturais
Fomento às Artes e às
2005 Movimentos sociais: Representante das organizações camponesas.
Expressões Culturais.

Fonte: Elaboração própria baseado em INSTITUTO DISTRITAL DE CULTURA Y TURISMO, 2005.

Na análise do caso das políticas culturais em Bogotá se constatou como a convergência


dos três fluxos abriu a janela política em diferentes oportunidades possibilitando a entrada da
questão cultural na agenda decisória, de forma tal que gradualmente se obtiveram avanços até a
consolidação de um documento de política com visão de longo prazo. Neste sentido, vale a pena
fazer um exame mediante modelos incrementais ou de equilíbrio pontuado para determinar o
grado de variação das mudanças, dadas algumas reflexões encontradas em relação às diferenças

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entre os dois documentos de políticas culturais distritais desde 2001 e o impacto da participação
da comunidade.
Duas considerações sobre o processo são ressaltadas. Primeiro, uma observação sobre a
convergência dos fluxos se refere à importância da ativação do fluxo político sem o qual não se
abriria a janela política necessária para a mudança. Como se comentou, para que este fluxo se
acionasse, sempre foi preciso que participantes dentro do governo tivessem interesse nas trans-
formações. Nos quatro momentos identificados em que a cultura entrou na agenda decisória foi
determinante o papel do Prefeito distrital e/ou seus nomeados políticos, sendo estes quem, com
sua influência dentro do sistema político, impulsaram e puseram em destaque o fluxo de proble-
mas. Com isto não se pretende desconhecer ou menosprezar a atuação de grupos de interesse
ou movimentos sociais, só se busca questionar se a entrada na cultura na agenda decisória de
Bogotá não teria sido possível sem a vontade dos líderes do governo distrital em cada época.
Segundo, o Sistema Distrital de Cultura e suas distintas instâncias são uma forma de
organização que procura a participação dos cidadãos na tomada de decisões sobre o desenvol-
vimento cultural. Nestes se quer representar diversos setores da comunidade e os interesses e
prioridades dos grupos que atuam. Contudo, o sistema tem falências visto que a participação dos
conselheiros se concentra em um número mínimo de eleitores que resulta em baixa representa-
tividade e na busca de interesses individuais (quase que por desconhecimento dos interesses do
grupo que representa) (RUBIANO PINILLA, 2009). Igualmente,
[...] cabría recordar que en definitiva “La alcaldía local es quien toma las decisiones so-
bre cuáles son los proyectos que se ejecutan con un presupuesto local. Es el alcalde quien suscri-
be los actos administrativos. Todas las demás instancias y autoridades sólo ejercen presión sobre
él. Ni la JAL, ni el Consejo Local de Cultura, ni los Encuentros Ciudadanos toman decisiones
relevantes” (Bromberg, 2003 apud RUBIANO PINILLA, 2009, p. 94).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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POLÍTICAS CULTURALES EN LATINOAMÉRICA. ENTRE LOS LÍMITES DE


LA DEMOCRATIZACIÓN Y EL ANHELO DE LA DEMOCRACIA CULTURAL,
PENSANDO EN “POLÍTICAS DE BIENES COMUNES”.
Mónica Lacarrieu1
Mariana Cerdeira2

RESUMO: Las políticas culturales en el siglo XXI atraviesan la constante tensión entre el
ideario de cultura como trascendencia y la cultura en sentido antropológica. Esta tensión, llevada
al campo de la institucionalidad cultural, pone en escena discursos y prácticas, que conviven
muchas veces de modo contradictorio: políticas de democratización cultural guiadas por la
idea de acceso que no siempre es apropiación, políticas de democracia cultural que alientan la
creación y producción cultural desde las distintas territorialidades, pero que no necesariamente
se llevan a cabo en pos del desarrollo cultural y de una mayor participación ciudadana. Nos
interesa focalizar en aspectos problemáticos que se reproducen en el campo de lo cultural, a
pesar de los nuevos conceptos asociados a la cultura, y en el papel disputado que juegan algunos
agentes culturales y aquellos relacionados al ámbito de lo estatal.

PALAVRAS-CHAVE: políticas culturales-políticas de acceso-democratización cultural-


democracia cultural-inclusión-ciudadanía.

La idea fuerza de nuestra gestión es no restringir la noción de cultura a lo


que se llama una “política de las bellas artes”, sino incluir en ella lo que
uno podría denominar “el arte de vivir (…) Hay que reinstalar el impues-
to a la herencia para financiar la cultura (KOLESNICOV, 2006, p.37)
Este párrafo es parte del discurso pronunciado por el ex Secretario de Cultura de la
Nación Argentina, José Nun en el marco del Primer Congreso Argentino de Cultura que fuera
realizado en Mar del Plata en 2006. Dicho fragmento producido desde el campo de la institucio-
nalidad estatal, nos interpela con un discurso superador de la cultura como “trascendencia”, en
el sentido asociado a las bellas artes y el patrimonio, es decir de la “cultura universal” definida
por su calidad artística o por el componente conservacionista, ambos parámetros definitorios de

Dra. en Filosofía y Letras (Antropología Social-UBA), CONICET-UBA, monica.lacarrieu@gmail.com


1

Lic. en Sociología (UBA). Diplomada en Desarrollo Local y Territorial (FLACSO). Ministerio de Cultura de la
2

Nación. mcerdeira@outlook.com

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lo que han sido las políticas culturales durante buena parte del siglo XX. También es una bien-
venida a la “cultura antropológica” en tanto concepto que supone expansión y amplitud. Ese
desplazamiento retórico de la cultura de las bellas artes y la ilustración hacia la cultura antropo-
lógica, está estrechamente asociado al nuevo rol que tomaron algunos organismos de coopera-
ción internacional, como Unesco, los que colocaron en la “cuestión cultural una preocupación
global legítima”, fortaleciendo una “esfera pública cultural global” (ARANTES, 2007) en cuyo
seno, la cultura comenzó a pensarse como un recurso transversal a otras áreas de la vida social.
Esta visión expansionista proviene del intento de abrir el concepto estrecho de la cultura,
fuertemente asociado al campo de las políticas culturales, dentro del cual, siguiendo a Ramiro
Noriega3, «Lo bello, lo artístico y lo estético ha mantenido un tipo de relación con el poder”,
vinculado a una cultura estrictamente relacionada a determinados sectores sociales. El mismo
experto, quien fuera Ministro de Cultura de Ecuador, señala que «El siglo XX tuvo a la cultura
como un espacio parcelado. Hoy hay que fracturar esa parcela y pensar en que la cultura en
general es de interés general». Perspectiva ampliada que es posible visualizar en los discursos
inaugurales de otros Ministros latinoamericanos, brindados en los últimos años, como Gilberto
Gil (nombrado en cultura en el inicio del gobierno de Lula, 2003-08) y Teresa Parodi (Ministra
de Cultura de Argentina en el período 2014-2015 ).
Yo soy la elección práctica y simbólica de un hombre del pueblo, de
un negro mestizo…de un artista…sacar de la distancia el ministerio
para meterse en el día a día de los brasileros….que sea realmente la
casa de la cultura brasilera….Lo que entiendo por cultura va mucho
mas allá del ámbito restrictivo de las concepciones académicas o
de los ritos de una supuesta “clase artística e intelectual”. Cultura
no es solo una especie de ignorancia que distingue a los estudiosos (...)
Cultura mas allá del valor de uso, de lo técnico, cultura como usina
de símbolos del pueblo (…) Desde esta perspectiva, las acciones del
Ministerio de Cultura deberán ser entendidas como ejercicios de
antropología aplicada. (GIL, G., Discurso inaugural, 2003. El resalta-
do es nuestro).
Soy mujer, soy del interior, represento la diversidad musical de este
país, porque no solo soy del litoral, sino que tengo una formación de
folklorista….que la cultura llegue hasta el último rincón del país… hablé
con la gente, los escuché. A veces se usa la palabra “interior” peyorati-
vamente, pero para mi tiene un significado ser del interior profundo ¿por
qué no desaparecieron los pueblos originarios? Porque supieron conser-
var su cultura, traspasarla, oralmente de unos a otros. Eso demuestra que
la batalla cultural hay que pelearla, porque define un país….. (PARODI,
T. Discurso inaugural, 2014. (el resaltado es nuestro).

La experiencia en Ecuador. Entrevista a Ramiro Noriega en Cultura Pública y creativa. Ideas y Procesos, Maria
3

Elena Troncoso (Comp.). Ministerio de Cultura de la Nación. Argentina. 2014.

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Tanto Gil como Parodi –ambos músicos-, parten de un lugar similar: su posición perso-
nal asumida en torno de la diferencia –es evidente que no solo la música los ubica en el cargo (de
acuerdo a lo dicho por ellos mismos), sino el color, el género, e incluso el territorio y el pueblo
de donde provienen-. El color y el género remiten a los debates que en la contemporaneidad
atraviesan el campo de la cultura: la valorización de la diversidad, el multiculturalismo y/o la
interculturalidad. La territorialidad y el pueblo se vuelven parámetros de “llegada a las poblacio-
nes locales”, de una posible descentralización y democracia cultural. Si bien, ambos discursos
tienen “aires de familia”, es en el primero en que se expresa con mayor claridad la relación de
la cultura con el entramado simbólico que atraviesa la vida social en su conjunto y sobre todo,
la intención de involucrar el concepto “antropológico” de la cultura en la institucionalidad. Los
dos, aunque asociados al mundo de la música, ingresaron al campo de las políticas culturales,
si bien repesándolo como cultura y política –la “batalla cultural” que menciona la Ministra de
Argentina, es una metáfora de ese vínculo-.
El sentido expansionista de la cultura, introducido por el ex Secretario de Cultura de
nuestro país y mucho mas visible en el caso de Gilberto Gil, propone una superación del orden
asociado a la administración cultural, con el intento de apropiación de procesos espontáneos,
comportamientos y valores naturalizados de la vida cotidiana. Al mismo tiempo, supone un ac-
cionar institucional de la cultura desde el cual producir modelos subjetivos de la cultura, sumer-
giéndose en procesos de significación que circulan y disputan colectivamente en los entornos
de la cotidianeidad. No obstante, tal como fuera señalado por Ticio Escobar (2005: 167) “El
Estado no puede intervenir en las maneras de pensar, sentir, comer, vestir, etc., de los particula-
res. Las políticas culturales no pueden recaer sobre los mecanismos íntimos de la significación
colectiva ni pueden envolver las zonas subjetivas de la producción cultural”. Es decir que la
incorporación de la dimensión subjetiva-simbólica en el concepto “antropológico” de la cultura,
produce y reproduce una brecha entre el campo discursivo y la praxis de lo cultural vinculada a
la intervención que no compromete “el terreno de los microcircuitos en que cotidianamente se
trabaja el sentido” (Op.cit.), aún cuando nuevos espacios de las instituciones culturales postulen
programas y acciones de llegada a los territorios y de inserción en las poblaciones locales.
Entre las nuevas exploraciones teóricas y los desplazamientos de éstas hacia la praxis
institucional, diferentes y nuevos agentes han entrado en el campo de la cultura, poniendo en
juego nuevas lógicas y dinámicas que, aparentemente, trascienden la inercia institucional vin-
culada a la administración y las políticas culturales convencionales. Por este camino, la cultura,
que siempre fue un recurso, ahora se constituye como tal bajo nuevas modalidades, procurando
ir más allá de su carga estatalista y nacional. Gilberto Gil, nuevamente en su discurso inaugural,
logra sintetizarlo de este modo:

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No cabe al Estado hacer cultura, pero sí, crear las condiciones de acceso
universal a los bienes simbólicos (…) sí proporcionar las condiciones
necesarias para la creación y la producción de bienes culturales (…),
sí promover el desarrollo cultural general de la sociedad. En verdad, el
Estado nunca estuvo a la altura del hacer del pueblo, en las más varia-
das ramas del gran árbol de la creación simbólica brasilera (GIL, 2003,
p.230 en Almeida et.al, 2010)
Sin embargo, decir que estas nuevas concepciones ingresadas en el campo de las institu-
ciones culturales, han terminado con la visión de la cultura de excelencia, es obviar los escena-
rios de coexistencia e incluso los contextos de nuevos desplazamientos y de retornos a las ideas
convencionales. Basta con observar los cambios acontecidos recientemente en Argentina para
dar cuenta de ello. Los conceptos vertidos por Darío Lopérfido (actual Ministro de Cultura del
Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires) hablan de términos como “sociedad culta”, “incultura”,
“nivel cultural”:
Cuando en los ‘60 hubo corrientes antropológicas que con un buen fin
empezaron a ampliar el concepto de cultura. Decían “cultura no son
solo las bellas artes sino también la cultura indígena, todo es cultura”.
Si todo es cultura, nada es cultura. Desde ese concepto está mal la uti-
lización del término cultura….esa idea de que todo es cultura surgió en
los años 50. Se trató de ser inclusivo…Pero T.S. Eliot decía que si todo
es cultura, cultura no es nada. Para mí tomar mate y tocar la Novena de
Beethoven son cosas distintas4 . (LOPÉRFIDO, 2015)
Ahora bien, este retorno a concepciones “anquilosadas” ¿supone mayor des-politización
de la cultura? En los últimos años, la cultura visualizada como un recurso legítimo y ampliada
en su perspectiva, ha supuesto también un vínculo más estrecho con lo político, más allá de las
políticas culturales como campo específico. Pero, efectivamente ¿se trata de una nueva relación
entre cultura y política? O como señala Susan Wright (1998: 1-2), ¿este nuevo concepto solo
contribuye a una “politización de la cultura”, donde diferentes “tomadores de decisiones” foca-
lizan en los usos de la cultura como herramienta de resolución de otros espacios de la política
contemporánea? La respuesta al último interrogante, podríamos especular, que es relativamente
afirmativa, del mismo modo en que supone, probablemente, una nueva relación entre la cultura
y la política, sin por ello suponer que volver al concepto y campo de la cultura “culta”, nos lleva
inevitablemente a la “ausencia de política”. La aparente falta de política en la visión de trascen-
dencia, es un intento de barnizar de neutralidad el propio campo, asunto que puede vislumbrarse
en los nuevos discursos y en la perspectiva de políticas culturales despojadas de carácter público.
Así, si los artistas se autoconvocan –como en la actualidad- en el Parque Saavedra de la ciudad

4
Entrevista realizada en Diario La Nación. 6 de Diciembre de 2015. http://www.lanacion.com.ar/1851882-los-
-tres-nuevos-ministros-de-cultura-quieren-dejar-una-marca-de-pluralidad.

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de Buenos Aires, para desarrollar la “Plaza de los Artistas” (actores, músicos, escritores) junto
con algunos políticos, con el objetivo de denostar ciertas medidas del gobierno actual, la cultura
como arte parece aproximarse en un nuevo vínculo con lo político y volverse un problema social
de carácter público. Mientras que si los artistas son parte de planes, subsidios y financiamientos
que provienen del estado, tienen mayor riesgo de reproducir ese sentido estético de la cultura
que los alejaría del campo de lo político. En cualquier caso, deberíamos aceptar que los cambios
en los conceptos y las perspectivas no son para siempre, que pueden convivir con “viejas” ideas,
y que en cualquiera de los dos casos, la cultura es política –su forma de entenderla depende del
contexto político local en el que toma cuerpo-.
En el seno de estos asuntos, bien problemáticos, nos interesa analizar algunos ejes que
resultan claves en el campo de las políticas culturales contemporáneas. Si bien, en esta breve in-
troducción, damos cuenta de nuevos –y viejos- temas a través de una mirada en torno de algunos
discursos vinculados a agentes de los estados; resultaría impensable reflexionar críticamente so-
bre todos ellos. De allí, que nos interesa focalizar en aspectos problemáticos que se reproducen
en el campo de lo cultural, a pesar de los nuevos conceptos asociados a la cultura, y en el papel
disputado que juegan algunos agentes culturales y aquellos relacionados al ámbito de lo estatal.

1. DE LAS “POLÍTICAS DE LOS OBJETOS” Y LAS “POLÍTICAS DE ACCESO”


AL “ACCESO/ACCESIBILIDAD EN LAS POLÍTICAS CULTURALES”
Y que sea de acceso libre y gratuito es algo importantísimo, porque se
van a dar aquí hechos culturales extraordinarios, y que todo el mundo
tenga acceso a ellos es una manera de democratizar la cultura. (PEDRO
AZNAR,músico, en inauguración del Centro Cultural Néstor Kirchner,
21 de mayo de 2015.)
El Centro Cultural Néstor Kirchner podría dejar de ser gratuito. Las co-
sas nunca son gratuitas. Todo el mundo paga por medio de sus impues-
tos. Es mejor cobrar menos impuestos y dejar que la gente haga lo que
quiera con su dinero. En el largo plazo no es posible sostener un lugar
de excelencia de manera gratuita, afirmó el nuevo Ministro de Cultura
Porteño. Dichos de Darío Lopérfido para el sitio de noticias de la BBC,
diciembre de 2015.
Quienes hemos sido y aún somos partícipes de la institucionalidad cultural, poseemos
un habitus de trabajo proveniente de un modelo de intervención gubernamental consolidado a lo
largo de casi todo el siglo XX. Un modelo basado en lo que algunos autores llaman la “política
de los objetos” (BRABIERI,N. 2014: 105), en el que la cultura es visualizada como sustantivo,
como cosa inerte y estática, vinculada a la trascendencia. Esta política, aún existente en nues-
tras instituciones y equipamientos culturales, tiene su correlato en las “artes eruditas” –no solo
vinculado a las áreas artísticas, sino también a la protección del patrimonio-. Es una política

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que se nutre de las primeras perspectivas antropológicas de la cultura, estrechamente asociadas


a visiones evolucionistas, particularistas y funcionalistas , en torno de las cuales se produje-
ron prácticas de “objetivación cultural”, extracción de piezas y restos de sus lugares de origen
y coleccionamiento, relacionados con los museos arqueológicos y etnológicos (cfr. Abreu, R.
2005: 39). En la institucionalidad del campo cultural se adoptó el formato reificado de esa vi-
sión. Retomando a Teixeira Coelho (2005: 45), es en el contexto de la inercia cultural en que
se ha hegemonizado el discurso y la práctica institucional de la cultura: se trata de la cultura
como “cosa”, asociada a la idea de la adquisición y conservación (nunca de “des-adquisición”)
(Teixeira Coelho 2008: 18-19), a la visión esencialista de carácter estatalista y nacional.
Durante casi todo el siglo XX, y particularmente desde que la cultura se institucionalizó
y profesionalizó, ha sido construida y activada entre “políticas de objetos” (Barbieri 2014), en
ausencia de sujetos y grupos sociales. Un modelo promotor de los grandes equipamientos cultu-
rales, de la monumentalización del patrimonio y como señala el mismo autor, de fabricación de
lo “lo mejor para la mayoría” (Op.cit: 103). En términos generales, el campo de las políticas de
la cultura se ha constituido en relación a ciertas convenciones y consensos: la idea de la cultura
como esencia o como elevación, la visión eventista y cuantitativista de la cultura. En relación
a los mismos cabe preguntarse: ¿Es posible desestructurar el sentido estático y esteticista del
sistema cultural? ¿Es posible y viable transcender (sin desestimar) el sentido difusionista de la
cultura? ¿Es factible superar el sentido “eventista” de la cultura?
Si bien en la etapa de conformación de las naciones primó dicha política, aún en la actua-
lidad, la administración, infraestructura y políticas ligadas a este campo reproducen ese sentido
de inercia cultural (un Estado que continua siendo de y para las “élites” ), aunque atravesado por
dilemas –no tan nuevos, sí persistentes- que no acaban de zanjarse: entre continuar con el sen-
tido estético y artístico o neutralizarlo mediante intermediaciones entre la producción y repro-
ducción institucional y las acciones relacionadas con la vida social y cotidiana que, de acuerdo a
las reflexiones de Barbieri (2014), conducirían a un desplazamiento de la cultura a “lo cultural”.
Pero en medio de ese dilema, aparentemente difícil de resolver, tampoco parece posible salirse
de esos modelos objetivistas asociables al impacto, la medición, el entretenimiento, el ocio y lo
artístico. Parece difícil trascender estas convenciones, cuando buena parte de las políticas estata-
les recurren a estos sentidos que el estado tiende a legitimar, pero no necesariamente en soledad,
sino también con algunos sectores que conforman el campo de la cultura.
Entre los años ´50-´60 en los países europeos, particularmente en Francia –modelo estre-
chamente vinculado a nuestra experiencia-, simultáneamente a un proceso de mayor instituciona-
lización de las políticas culturales, comenzaron a imponerse las “políticas de acceso” a la cultura,
con el objetivo de procurar una mayor democratización cultural. Esa visión primigenia del acceso
a la cultura, no suponía dejar de lado la cultura legitimada, sino más bien difundir la “alta cultura”

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en tanto cultura universalizada. Es decir el acceso se traducía en un acercamiento de los públicos


a las obras monumentales y de arte que se producían y se seleccionaban desde el poder central.
Como señalara Barbieri (2015:25, n/traducción), un modelo de “promoción de oferta cultural
considerada de mejor calidad….conciliar la promoción de la excelencia con la democratización”.
Este modelo se supuso perimido, luego de comprobar que el estado continuaba reprodu-
ciendo formatos en base a “calidad artística” y sujetos especializados de la cultura y que los mis-
mos eran llevados desde el centro hacia las periferias. ¿Qué clase de democratización cultural
se estaría forjando, cuando se impostaban selecciones realizadas y ejecutadas desde los poderes
centrales? No obstante, si miramos minuciosamente lo acontecido en Argentina, es posible es-
pecular con que esta visión ideal de hacer cultura se introdujo fuertemente en los ´80, reprodu-
ciéndose a través de la cultura “eventista” y difusionista de los ´90, encontrando un mayor auge
en los últimos años, cuando no solo en nuestras políticas, sino incluso en la de otros países de
América Latina, el acceso se volvió el horizonte desde el cual construir planes de cultura.
Podemos aventurar que, en primera instancia, son dos las cuestiones que contribuyen a
este retorno o puesta en valor del acceso a la cultura. La primera, quizás la de mayor relevancia,
es la expansión del concepto de cultura (tal como comentamos en la introducción): la perspec-
tiva asociada a la idea de “cultura para todos-la cultura está en todas partes”, vinculada a la vi-
sión planteada por Néstor García Canclini (2005), acerca de que hoy “todos tienen cultura”, en
consecuencia, todos podrían desarrollarse a través de la cultura , asociado a ello, la emergencia
de los términos creatividad y diversidad –estrechamente vinculado a determinados organismos
de cooperación internacional, como Unesco-, en tanto sustituto de la categoría de cultura, aún
vista como restrictiva. La segunda cuestión, vuelve sobre aspectos que atraviesan el campo de la
cultura institucionalizada desde sus comienzos: la cultura como estrategia de capacitación para
los sectores “incultos”, la cultura como ejercicio de consumo en sectores observados como “no
productores de cultura”, la cultura como objeto de medición, relevamiento y proximidad.
Por otro lado, aparece otro asunto, tal vez el que mayor presencia ha tenido y tiene aún
en la elaboración y aplicación de políticas culturales. El acceso, en este sentido, se constituye
entre la gratuidad, la masividad, el impacto cuantitativista, la apertura amplia de equipamientos
culturales –los eventos como La noche de los museos es un ejemplo de ello-, la diversificación
de infraestructura –como las Casas de la Historia y Cultura de Bicentenario y las Casas de la
Cultura que se construyeron en asentamientos populares del país, son casos de instalación de
equipamientos de proximidad, abiertos a todos, no obstante, con frecuencia sin contenidos, o
con contenidos similares a los de centros culturales afines, o bien redefinidas en función de
demandas locales-, la instauración de eventos, obras, muestras, festivales, etc. en contextos de
proximidad, y las políticas focalizadas en sectores vulnerables, visualizados como “carentes de
cultura” y con necesidad de capacitación –el ejemplo de las orquestas juveniles constituye un

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modelo aparentemente exitoso pero que como se pregunta Ferreño (2014: 110) “¿cómo afecta
al chico pobre que integra la orquesta sinfónica del barrio marginal donde vive decodificar un
mundo al cual probablemente nunca pertenecerá?” -.
El acceso a la cultura continúa siendo una estrategia clave para la inclusión social. Planes
y programas recientes incorporan este eje como crucial –el Plan de Cultura elaborado para la
ciudad de Bogotá en 2010, colocaba en el acceso el objetivo primordial para superar la restric-
ción/restrictividad asociada a diversos bienes culturales-. Garantizar acceso, supone garantizar
accesibilidad para todos, promoviendo un deseo de igualación social a través de la cultura,
basado en derechos a la cultura constituidos en torno del derecho a acceder otorgado por la ins-
titucionalidad del estado bajo sus parámetros, por ende, en general desigualitarios. De hecho,
sorprende la complementariedad que Mestres establece entre la democratización cultural y la
necesidad de que las políticas culturales busquen la excelencia, sobre todo cuando la democra-
tización se piensa como objeto de inclusión. No obstante, ese vínculo que establece el autor,
da cuenta del límite de la misma democratización fundada en modelos estatales: el elitismo
y el etnocentrismo que interpelan acerca de qué es lo que se democratiza y quienes son parte
de dicha democratización. Como bien señala Barbieri (2015: 28), es un tipo de respuesta a la
cohesión social y a la proximidad, en tanto “políticas reparadoras” desde las cuales es posible
regenerar un “discurso de función social de la actividad cultural”, sin embargo, centrado en las
“externalidades de la cultura”.
Existen, al menos, dos déficits de las políticas de acceso/accesibilidad. Por un lado, las
diferencias potentes que pueden establecerse entre la idea de acceso y la de apropiación so-
cial. Acceder no significa necesariamente apropiarse, en tanto éste requiere de otras cuestiones:
comprensión, participación, incorporarse al reto de “lo cultural” en tanto, agentes de disputa de
sentidos. Por el otro, que el acceso/accesibilidad, como señala Barbieri (2016), no contribuye a
la equidad social y cultural, sino mas bien introduce selecciones y jerarquizaciones que mas bien
desiguala o promueve y fortalece desigualdades preexistentes.
Ahora bien, si recuperamos los testimonios con los que iniciamos este tópico, dentro de
los cuales uno pone el acento en un CCK accesible y gratuito y el otro, en la necesariedad de qui-
tarle esa cualidad de gratuidad para llegar a un CCK de excelencia, nos enfrentamos a un dilema
estéril y un conflicto sin solución. Está claro que el segundo, nos devuelve sobre la cultura de
trascendencia que solo parece obtenerse por vía de la “elitización” construida en base a entrada
selectiva, un asunto que parece caduco pero, como se observa en las nuevas discusiones en Ar-
gentina, no lo es. En ese sentido, no solo habría que preguntarse qué entendemos por acceso –si
consideramos el caso del CCK, el acceso libre, para las autoridades de cultura, suponía no solo
gratuidad, sino incluso realizar cambios en el edificio para que pudieran ingresar incluso los dis-
capacitados, mientras para los arquitectos que lo preservaron, no debía modificarse nada, pues la

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idea de accesibilidad no entraba en juego-, sino por la igualdad-desigualdad. Queda claro que en
la versión “paga” del acceso, la jerarquización toma protagonismo, no obstante, en la “gratuita”
del acceso, si bien es posible la “entrada libre para todos”, la desigualdad se construye en base
a asuntos de comprensión y apropiación.

2. DEL “ACCESO” A LA DEMOCRACIA CULTURAL: ENTRE LA


PARTICIPACIÓN COMUNITARIA Y LAS POLÍTICAS DE
BIENES COMUNES”
Este es un proyecto de inclusión y un gesto redistributivo de acceso a la
cultura….que el pueblo se tiene que apropiar para que no se privatice,
para que se mantenga y para que siga creciendo. El Centro Cultural Kir-
chner es un gesto redistributivo de acceso a la cultura (Página web del
Ministerio de Cultura de la Nación, noticia del día 21 de mayo de 2015.)
Como hemos observado en el punto anterior, este equipamiento se ha constituido entre
la cultura de la excelencia (ya que ha ofertado actividades y espectáculos de calidad artística) y
las políticas de acceso, bajo la idea romántica de que su carácter libre, gratuito y masivo, favo-
recerían la inclusión y la redistribución social. No obstante, esta forma de entender el acceso no
está disociado de la democratización cultural, a esta altura caduca.
Aun en la actualidad, este tipo de infraestructura y programación convive con el modelo
de la democracia cultural que, mucho tiempo atrás, promoviera el debate sobre la superación
de la democratización cultural. La mirada puesta sobre la territorialización de la cultura, o bien
sobre la puesta de la cultura en los territorios locales, bajo el parámetro del “hacer sociedad”
desde la perspectiva del relativismo y de la descentralización; ha sido parte de la visión asocia-
da a un tipo de políticas vinculadas a “la promoción de espacios de participación y expresión
sociocultural” (Barbieri Op.cit: 104). Es evidente que una mirada ampliada sobre lo que fue el
Ministerio de Cultura de la Nación hasta diciembre, permite observar un ámbito conformado por
áreas que, aunque separadas, coexisten entre estos diferentes modelos: la “política de los obje-
tos”, la política del acceso y la democratización cultural y las políticas de la democracia cultural
–particularmente ancladas en el ámbito de las políticas territoriales, vinculadas a programas
elaborados en relación con organizaciones sociales, con colectivos y colectividades diversos,
con asociaciones vinculadas puntos de cultura, entre otros-. No obstante, cabe preguntarse si
esta complementariedad favorece una mayor y amplia participación de los ciudadanos, particu-
larmente un incremento de su capacidad en la toma de decisiones.
En el relato construido alrededor del Centro Cultural Kirchner emerge el sentido de apro-
piación que se espera desarrollen los públicos, consumidores y espectadores a fin de convertirse
en ciudadanos que hagan suyo el espacio y ámbito de la cultura. No obstante, acceso no impli-
ca necesariamente producción, apropiación y transformación, apenas ingreso, uso y consumo,

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e incluso una reproducción del estado como productor cultural (Barbieri Op.cit.). Del mismo
modo, en que fortalecimiento de intervenciones locales mediante un mayor protagonismo dado
a los gobiernos locales, e incluso a la conformación de entes y/o asociaciones paralelos a los
gobiernos, generalmente constituidos por agentes culturales, antes asociados a las instancias
gubernamentales, procuran ganar terreno en el plano de la dinámica cultural local, no obstante,
generando procesos simultáneos entre la desconcentración y difusión de la cultura de calidad y
las lógicas territoriales que han sido asociadas a una aparente democracia cultural.
Aún en este contexto, en los últimos tiempos, se ha tendido a focalizar en la participación
comunitaria, procurando producir relevamientos de demandas –más que de necesidades, de las
que poco se habla en la cultura, y mas bien son creadas desde las instancias estatales-, otorgan-
do subsidios y/o financiamientos a organizaciones, asociaciones, colectivos sociales desde los
cuales concebir a la cultura como herramienta de transformación, inclusión y desarrollo, o bien
enfatizando el papel de la diversidad en el visualizado como derecho a la cultura. Sobre los pri-
meros ha habido muchos programas que mas que promover una activa participación, tendieron
a estabilizar regiones y culturas a partir de los cuales elaborar ofertas y demandas, pero siempre
desde los estados. En relación a los segundos, ha habido algunos planes de gran envergadura,
como Puntos de Cultura, un programa tendiente a fortalecer proyectos socioculturales preexis-
tentes. Aunque pueda mostrarse como puente entre estado y ciudadanía, no siempre quienes
participan son grupos organizados o movimientos sociales que se espera desestabilicen las lógi-
cas legítimas del campo cultural -tal como lo señala Ferreño (Op.cit. 111)-, sino que en muchas
ocasiones se reproducen esquemas conocidos: el subsidio o financiamiento induce a la recrea-
ción de modelos propios de la institucionalidad (talleres, capacitaciones, actividades y eventos,
festivales, etc.), si bien sobre la base de una relativa visibilización de aquellos que lo reciben. La
autora, por ende se pregunta si ese tipo de programas “¿tornan visibles los grupos subalternos
y los transforman en agentes de cambio o los reifican desde otras perspectivas?”, enfatizando
en la despolitización, en la reproducción de la desigualdad ya existente, eludiendo el trabajo
sobre el ejercicio del poder de estos colectivos (Ferreño Op.cit. 114), en consecuencia, con
escasa potencia de participación social. Celio Turino, activo coordinador del Programa Puntos
de Cultura en Brasil, lo concibió como un ámbito de generación de autonomía-protagonismo y
empoderamiento social en relación a las comunidades locales. Sin embargo, Rubim (2014:189)
ha observado que este tipo de nueva relación entre estado y sociedad, no ha contribuido en las
transformaciones del mismo estado. Por el contrario a lo que Turino considera, este autor asume
un “visible déficit de la ciudadanía cultural y de los derechos culturales” que, sin duda, exceden
el derecho de acceder.
En este sentido, la visión asociada a la democracia cultural –mayor descentralización/
federalismo, un aspecto potenciado en los discursos del gobierno actual de Argentina, aún a con-

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trapelo de la cultura de “elite”- no parece resolver la desestructuración inerte de los estados, ni el


rol que deben tomar las comunidades a fin de fortalecerse, por ende de ser incluidos mas allá de
relevamientos y censos en los que cada sujeto es cuantificado, del acceso a espacios culturales
gratuitos, del otorgamiento de subsidios, de equipamientos e infraestructuras.
Nicolás Barbieri asume una nueva alternativa que, de acuerdo a su perspectiva, permi-
tiría superar las políticas institucionales de la cultura oscilantes entre la alta cultura, la demo-
cratización cultural y la democracia cultural. Según el autor, solo podría reformularse la idea de
la cultura como sustantivo, enfatizando en lo cultural, en tanto ámbito de lo colectivo y desde
el cual los grupos sociales y los sujetos puedan volverse agentes protagonistas de sus prácticas
sociales. Esta perspectiva que Arjun Appadurai asoció a la concepción de la “diferencia situa-
da”, podría complementarse con una nueva mirada de la política cultural, esta vez vinculada a lo
común o como también Barbieri la llama, “política de los bienes comunes”.
Se trata de políticas no relacionadas a objetos, ni espacios, sino a recursos, normas y
maneras colectivas de organizarse y gestionar propios de las comunidades.
Para algunos gestores, técnicos y/o expertos en cultura, este desplazamiento hacia lo
común, implica colocan el énfasis en la diversidad e interculturalidad, por un lado, y en el reco-
nocimiento de las comunidades en tanto agentes con potencialidad para gestionar la cultura mas
allá de las instituciones. No obstante esta perspectiva no está exenta de ambigüedades y con-
tradicciones. Como hemos observado, ciertos programas creados en las instituciones culturales,
como por ejemplo el de Afrodescendientes del Ministerio de Cultura argentino, en el que su ex
coordinador llega al entramado de la institucionalidad en razón de su pertenencia colectiva, se
fundan en la idea de que incorporar un sujeto activista y líder de un colectivo, constituye una
forma de gestionar “lo común” en base a recursos y normas de la comunidad, pero desde el esta-
do. Es evidente que este mecanismo, es diferente del supuesto empoderamiento que se especula
se produce cuando es el estado el que otorga subsidios a organizaciones sociales que convierten
en Puntos de Cultura, es decir en “apéndices” de la institucionalidad cultural. Este, como señala
Barbieri (2016), es una especie de acuerdo entre colectivos asociativos y la institucionalidad
cultural, pero no comporta un “proyecto de gestión comunitaria”. Indudablemente estos colec-
tivos, en ocasiones vinculados a asociaciones, centros culturales, casas de la cultura, etc., llevan
adelante procesos de gestión comunitaria vinculados a esos ámbitos públicos, de acceso libre,
con recursos comunes que, en la medida en que no se entreveran con la institucionalidad estatal,
parecen generar mecanismos de auto-gestión compartida. No obstante, estos procesos omiten
las dinámicas y lógicas de inclusión-exclusión, los acuerdos y/o disensos, las desigualdades y
relaciones de poder, bajo el supuesto de que empoderar supone reconocer y visibilizar –por fue-
ra del estado- comunidades homogéneas que comparten bienes, recursos y normas. No se trata
de este formato, pero tampoco del acompañamiento que el estado puede hacer respecto de cier-

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tos colectivos, a los que ofrece financiamientos, equipamientos, etc., ni siquiera de situaciones
intermedias como en el caso del Centro Cultura Plaza Defensa, ubicado en San Telmo, donde un
grupo de afrodescendientes obtuvieron el lugar otorgado por el ministro de cultura de la ciudad,
pero luego dejaron de ocupar un rol de centralidad para el mismo gobierno que los acompañó en
esa primera instancia. Aunque dicho grupo ha continuado un proceso de gestión comunitaria por
fuera del estado, no por ello han conseguido fortalecer su centralidad como agentes culturales,
si bien sí han obtenido reconocimientos identitarios generados mas allá de dichos procesos de
gestión cultural.

3. PALABRAS DE CIERRE
Como señaló Alexandra Ockles (2014), construir “vocería política”, generando movi-
mientos sociales y culturales, mas allá de la danza, la música, pero también mas allá del reco-
nocimiento de la diversidad o de la promoción de la igualdad como ejercicio de valorización
de aquella, podríamos pensarlo como un camino intermedio, o siguiendo a Marcus como un
“entre-lugares” entre los cuales se profundice y potencie la repolitización de la institucionalidad
y de los agentes culturales.
Es evidente que no alcanza con la democracia cultural, o con la participación comunita-
ria, tampoco con la autogestión comunitaria, o con el empoderamiento de comunidades mediante
la intermediación y acompañamiento del entramado institucional. Es, efectivamente, un camino
mas sinuoso y complejo, que no acaba en el reforzamiento del acceso, ni en la configuración de
una nueva “arquitectura de la pertenencia” (Appadurai y Stenou 2001). Probablemente se trate
de repensar procesos colaborativos en los que los agentes comunitarios puedan acceder antes
que a infraestructuras culturales, a instancias de toma de decisiones (Barbieri 2016). Cabe pre-
guntarse hasta donde el estado puede convertirse en un agente de intermediación que acompañe
en la gestión de relaciones de poder que contribuyan en una mayor inclusión, sin desconsiderar
los acuerdos, los disensos, los conflictos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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“DESMATERIALIZAÇÃO” E DÉFICIT DE ATENÇÃO NA CULTURA ATUAL


Nina Reis Saroldi1
Andreia Ribeiro Ayres2

RESUMO: Este escrito trata do processo de digitalização da cultura e a consequente criação


dos mercados de “Cauda longa” em diversas áreas da criação artística. Além do exame de
fenômenos como o da gratuidade na internet, investigamos a relação entre o novo cenário e a
subjetividade contemporânea, marcada pelo déficit de atenção generalizado. Concluímos que as
políticas culturais devem considerar estratégias de formação de público que lidem com a tensão
entre o excesso de oferta de cultura, propiciada pela tecnologia, e a dificuldade de concentração
gerada por sem número de estímulos.

PALAVRAS-CHAVE: déficit de atenção; grátis; digitalização.

1. INTRODUÇÃO
Mesmo o cidadão mais resistente ao uso de novas tecnologias, menos aficcionado aos
aparelhos eletrônicos que fazem a alegria das gerações mais jovens, percebe o processo avassa-
lador de “desmaterialização” dos bens culturais. Um simples IPod pode armazenar muito mais
músicas do que as estantes de um colecionador de LPs dos anos 80. Um Kindle ou qualquer
outro aparelho análogo resolve de maneira eficaz o eterno problema da falta de espaço dos bibli-
ófilos. O Netflix ou o NOW causaram em muita gente o impulso irresistível de doar, ou mesmo
jogar fora, DVDs que se acumulavam pela sala e tornavam a faxina mais difícil.
Todos estes fenômenos são de conhecimento geral, mas merecem um exame mais acura-
do. Será este processo de “desmaterialização” unívoco, prático e inexorável? Como ele é perce-
bido e vivenciado pelas diferentes gerações? Você daria um Ebook de presente? O colecionador
tem o mesmo prazer ao contemplar uma biblioteca digital e as lombadas empoeiradas dos livros
nas estantes? Por que a produção de vinis, por exemplo, têm crescido ultimamente? Por que,
no mundo digital, a maioria das pessoas – e, sobretudo, as mais jovens – consideram normal ter
acesso gratuito aos bens culturais?
1
Doutorado em Teoria Psicanalítica, Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO),
nina.saroldi@uniriotec.br
2
Doutorado em Engenharia de Produção, Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO), andreia.ayres@uniriotec.br

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De todas as questões que suscitaram este pequeno escrito há uma, no entanto, que pre-
tendemos investigar mais detidamente: O que ocorre com a atenção disponível de cada um de
nós quando o fluxo de informação não pára de crescer? De início devemos adverti-los de que a
ideia é, antes, provocar o senso crítico em relação ao novo cenário da produção cultural do que
defender posições que se pretendam fechadas e definitivas.

2. A DIGITALIZAÇÃO DE TUDO
É conhecido o impacto das novas tecnologias nos processos de produção, distribuição e
consumo de bens culturais. Chris Anderson e Henry Jenkins são referências centrais neste deba-
te e, no que tange às novas formas de recepção que pretendemos comentar, o filósofo Christoph
Türcke, sobretudo nas obras Sociedade Excitada e Hyperaktiv!.
Segundo Chris Anderson (2006, p. 87), a Internet criou uma nova economia da abun-
dância, um ambiente que se afasta do mundo de “tijolo e argamassa” para o aprofundamento
no universo feito de bits. Este cenário – que graças ao livro homônimo ficou conhecido como A
Cauda Longa –, inverte a situação de oferta limitada de produtos para muitos consumidores em
oferta virtualmente ilimitada de produtos para alguns poucos. Nas palavras do autor, “cada vez
mais o mercado de massa se converte em massa de nichos” (2006, p. 6).
O digital tornou possível um incrível barateamento da produção cultural por conta da fa-
cilidade de acesso a câmeras, computadores, softwares e mesmo celulares que permitem a ama-
dores a realização de bens culturais com aparência – e às vezes qualidade artística – profissional.
Além disso, houve uma ampliação significativa dos canais de distribuição de conteúdo cultural,
outrora selecionado por empresas como editoras e gravadoras, e fadado a vir ao conhecimento
do público somente por meio da grande mídia: rádios, jornais e TV.
Serviços como Youtube e novos modelos de negócio como o da gigante Amazon tornam,
virtualmente, todos os produtos disponíveis ao alcance de um “click”. Tanto os vídeos de gatos
quanto as palestras caríssimas da conferência TED (Tecnologia, Entretenimento, Design) po-
dem ser assistidos de graça no primeiro e livros autopublicados, em outros tempos vistos como
suspeitos, tornam-se sucesso de vendas na Amazon, desbancando muitas vezes os autores de
editoras estabelecidas. O terceiro elemento, enumerado por Anderson como componente das
forças da Cauda Longa (2006, p. 55) são os dispositivos de filtragem do excesso de informação
disponível, tais como o Google e recomendações de blogs, bem como listas de best-sellers.
Este último elemento tem impacto, diretamente, nos critérios de seleção e de legitimação
dos bens culturais. Anteriormente, para chegar ao público, um romance precisava dar a sorte –
caso o autor não fosse conhecido, ou indicado por alguém conhecido do editor – de sobreviver à
“slush pile”, montanha de originais enviados todos os dias às editoras na esperança de serem lidos
e publicados. Até atrair a atenção sobrecarregada de uma assistente editorial, nem J. K. Rowling

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escapou das tristes e padronizadas cartas de rejeição dos editores. No caso das bandas, ou a fita
demo caía nas mãos certas ou o caçador de talentos da gravadora se entusiasmava com o show ou
elas ficariam ensaiando na garagem de um de seus membros para sempre. Hoje em dia, os profis-
sionais que selecionam escritos para publicação, músicas para gravação e programas de TV para
serem produzidos, precisam estar atentos ao que Anderson denomina “pós-filtros” (2006, p. 120):
blogs, listas de músicas disponibilizadas sem pretensão por amadores, número de visualizações
e comentários no Youtube, resenhas e recomendações de livros e filmes feitas por “pessoas co-
muns”, ou seja, sem diplomas ou credencias que as habilitem a indicar o bem cultural em questão
para alguém. Não é à toa que se fala tanto em “morte da crítica”, ao menos no sentido da crítica
especializada que ocupava lugar nos jornais e revistas do mundo pré-internet.
Neste sentido, é impossível negar que a rede é democrática, mas também perversa. A
Internet é um lugar sem “portaria”, onde todos podem falar e, o que se torna complicado quando
a disputa por atenção aumenta, (quase) todos querem ser ouvidos. Recentemente, no que ficou
conhecido como a “polêmica do Enem”, o verbete sobre Simone de Beauvoir na Wikipedia teve
que ser protegido (ou seja, só pode ser editado por editores certificados pelo site) no Brasil por-
que cidadãos nativos se deram ao direito de publicar todo tipo de insultos e mentiras, editando e
reeditando a página mais de trinta vezes. Não é preciso dizer que as “informações” – dentre elas,
a de que a autora estaria envolvida com pedofilia – tinham muito mais a ver com o incômodo
causado pelo suposto conteúdo “ideológico e tendencioso” da prova (a violência contra a mu-
lher!) do que com qualquer conhecimento legítimo acerca da vida e da obra da filósofa francesa.
Esse vexame para o nosso país revela, de maneira nua e crua, como um empreendimento bem-
-sucedido em utilizar a sabedoria coletiva pode ser prejudicado pela ignorância e má intenção
de uns poucos, tudo isso devido à liberdade de expressão pela qual tantos, inclusive a própria
Simone de Beauvoir, lutaram.
As grandes gravadoras perderam, definitivamente, o monopólio comercial da produção
musical desde o advento dos CDs regraváveis. O golpe de misericórdia foi dado com a possibi-
lidade de compartilhamento de arquivos na rede (ANDERSON, 2006, p. 30-31), processo que
afetou não somente os executivos da indústria fonográfica, mas também os compositores, elo
mais fraco da corrente complexa de recepção dos direitos autorais. Recentemente, serviços de
streaming como o Spotify resolvem, ao menos parcialmente, as questões levantadas pelo digital
no campo da música, oferecendo à maioria dos usuários acesso gratuito – com anúncios, modelo
semelhante ao do rádio – e, a uns poucos pagantes, o que Anderson denomina de serviço “free-
mium” (2009, p. 26-27, 257- 258), ou seja, uma versão Premium do produto ou serviço básico.
Na análise que faz do fenômeno do “grátis”, Anderson observa que por trás desta deno-
minação existe, na verdade, uma série de sentidos e modelos de negócio diferentes entre si. Em
boa parte deles como, por exemplo, em brindes e remessas gratuitas, o custo das “gentilezas” já

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foi devidamente incorporado ao preço do produto. Em outros, como no caso de jornais gratui-
tos, alguém está pagando pelo leitor, no caso, os anunciantes (2009, p. 18-20). Em princípio, os
serviços “freemium” não seriam muito diferentes da velha amostra grátis, que visava divulgar
um determinado produto e atrair maior demanda do que a pequena amostra oferecida. No en-
tanto, Anderson observa que no mundo digital a relação entre os que desfrutam da amostra e os
que demandam o produto pago é invertida: apenas 5% dos usuários sustentam todos os outros,
os que se contentam com a “amostra” (2009, p. 27). Todo cliente do Spotify é bombardeado
com promoções e incentivos para aderir ao serviço pago desde o primeiro momento em que se
inscreve como usuário. Mesmo assim, a se crer em Anderson, a maioria resiste ao bombardeio
impassível. A razão para explicar a sobrevivência do modelo é que o custo de atender aos clien-
tes gratuitamente, no mundo dos bits, é quase nulo em comparação com o que ocorre no mundo
de “tijolo e argamassa”. Uma loja física de discos jamais sobreviveria distribuindo boa parte de
seu acervo sem cobrança.
Como destaca Anderson (2009), quase tudo que é oferecido no mundo digital tende a
seguir o padrão descrito acima. Teoricamente, o serviço “freemium” seria suficiente não só para
sustentar o negócio, mas também, no caso específico de sites de música, filmes e livros, pagar os
direitos autorais dos criadores. O último ponto, no entanto, é alvo de controvérsias que, por sua
extensão, requereriam um artigo dedicado exclusivamente ao assunto.

3. A CULTURA DESATENTA
Em seu pequeno libelo Hyperaktiv!, o filósofo Christoph Türcke (2012) se dedica a
investigar o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), doença que nomeia a
dificuldade crônica de concentração, sobretudo entre crianças e jovens, e suscita, dentre outras
medidas, a prescrição intensiva do medicamento Ritalina para contornar o problema (e acabar
com o desespero de pais e professores mundo afora). Na contramão deste processo de medicali-
zação da infância, o filósofo defende a tese de que as crianças são, na verdade, apenas as vítimas
mais flagrantes e vulneráveis de um problema muito maior, e que nos envolve a todos: a cultura
do déficit de atenção. Para combater o mal, Türcke propõe a introdução de rituais na educação
infantil, chegando a propor uma espécie de disciplina dedicada ao assunto e que comporia de
maneira orgânica o currículo escolar.
O caminho que o leva a defender esta proposta é uma retomada histórica da importân-
cia tanto dos rituais quanto da repetição para o desenvolvimento humano. Para o autor, o qua-
dro que enfrentamos hoje é totalmente novo: a experiência da perda da capacidade de atenção
(TÜRCKE, 2012, p. 9). Vivemos, segundo expressão criada por ele, em um estado de “distração
concentrada” (2012, p.69. tradução nossa) que não pode deixar de causar efeitos em nossas fa-
culdades de pensamento e imaginação.

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Trocando em miúdos, Türcke (2012) considera que foi graças à capacidade de repetição
que o Homo Sapiens conseguiu desenvolver seu aparelho psíquico. Capaz de administrar um
sem número de excitações e impulsos, de transformá-los em imagens e formas, esse aparelho, de
alguma maneira, diminuiu o poder ameaçador dos estímulos externos sobre o sujeito. Os rituais
primitivos são, essencialmente, maneiras de minimizar e, no limite, dominar o contato trau-
mático do homem com a brutalidade da natureza. Ao compartilharem coletivamente a atenção
sobre um objeto ou um fenômeno, os homens conseguiram desenvolver seu modo particular de
exercer esta faculdade, auxiliando-se mutuamente a manter esta atenção por certo tempo (2012,
p. 56). Daí a importância, para o homem, de “segurar” as sensações, de demorar-se sobre elas.
Somente a partir daí é possível transformar os estímulos brutos em imagens.
No ambiente em que vivemos, marcado pelos milhares e minúsculos choques audiovi-
suais que recebemos o tempo todo, o TDAH não se destaca exatamente como uma doença em
um ambiente saudável e “atento”. Bem ao contrário, ele é uma exacerbação de toda uma cultura
desatenta. A cultura digital inverteu um processo que se perde nas brumas da história: excitação
traumática – construção de imagens – rituais e repetições que servem ao controle da excitação,
à busca do sossego (TÜRCKE, 2012, p.72).
Padecemos do que Türcke nomeia “compulsão à emissão” (2010, p. 65), uma forma
peculiar de compulsão criada pelo ambiente tecnológico. Não só recebemos choques o tempo
todo, fotos, mensagens, emoticons, como precisamos emiti-los de volta. É preciso “postar” toda
sorte de informações, comentar, fotografar e exibir sua própria existência; sem dar um passo
atrás e perguntar-se pelo porque, como ocorre, aliás, em toda compulsão. Não há experiência
que não possa ser invadida, interrompida por mensagens no whatsApp, pouco importa se se
trata de um trabalho de parto ou de um funeral. Vivenciamos, segundo o autor, uma inversão
da lógica da repetição (2012, p. 72): não se trata mais de garantir o controle sobre os estímulos,
controle este que, em última instância, conduz à capacidade de refletir, de pensar, de ligar uma
imagem mental à outra. Mas sim de interromper este processo sem pausa, de excitar-se sem
limites. Afinal, a rede funciona 24h, e desligar-se dela exige, cada vez mais, um esforço enorme
de nadar contra a corrente.
A cultura do déficit de atenção diagnosticada por Türcke parece, de alguma forma, servir
de adequado pano-de-fundo para o que Jenkins define como narrativa transmidiática:
Uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes
midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e va-
liosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada meio
faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida
num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu uni-
verso possa ser explorado em games ou experimentado como atração de
um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para

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que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. (...)
Oferecer novos níveis de revelação e experiência renova a franquia e sus-
tenta a fidelidade do consumidor. A lógica econômica de uma indústria
de entretenimento integrada horizontalmente – isto é, uma indústria onde
uma única empresa pode ter raízes em vários diferentes setores midiáti-
cos – dita o fluxo de conteúdos pelas mídias. (2008, p. 135)
É importante lembrar que no clássico ensaio sobre a indústria cultural, Theodor Adorno
e Max Horkheimer (1985) já apontavam a relação, acima descrita por Jenkins, entre o conteúdo
que circula na indústria e as necessidades econômicas das empresas que a compõem. Nos anos
quarenta do séc. XX, as revistas, o rádio e o cinema compunham o sistema e introduziam novas
fórmulas de sucesso em filmes, canções e programas. Hoje, é a necessidade de sustentar um pool
das mais variadas empresas, combinada ao comportamento do público diante da fragmentação
e multiplicação de informações, que impulsiona as narrativas transmidiáticas e todos os seus
produtos colaterais.
Outra questão interessante reside na receptividade das novidades digitais pelas diferentes
gerações. Jenkins observa que para os mais velhos a narrativa transmidiática – segundo ele, repre-
sentada de maneira exemplar na franquia Matrix – é cansativa e até mesmo desinteressante (2008,
p. 132-133). Para quem tem mais de quarenta anos, em geral, cada filme ou livro deve conter, em
si mesmo, uma história com começo, meio e fim, e não se dispersar em sequências intermináveis
(os filmes Harry Potter, Velozes e Furiosos 6, por exemplo), jogos e séries de TV. Não é à toa
que as crianças, tanto do “antigo” mundo analógico quanto nativas digitais, são entusiasmadas
consumidoras de franquias. Jenkins cogita, inclusive, que a forma mais bem acabada de narrativa
transmidiática esteja precisamente em uma franquia infantil como Pokémon (2008, p. 177).
Ao contrário de seus pais, as crianças dispõem de dois insumos necessários para a frui-
ção dos produtos: tempo e fantasia. Para adultos, o mergulho em um universo narrativo exige
uma otimização de seu escasso tempo e o apoio de comunidades que justifiquem a importância
de se dedicar a uma série de TV, por exemplo. O sucesso destas últimas, aliás, talvez tenha a ver
justamente com a possibilidade que nos dão de entrar e sair da narrativa quando quisermos, sem
nos prender tanto quanto uma novela tradicional. Ademais, as séries talvez tragam ao universo
fragmentado da pós-modernidade um determinado senso de pertencimento e identidade, outrora
provido pela família e pelas religiões. Dito de outro modo, na falta de resposta satisfatória à
pergunta “quem sou eu?”, ser um fã de House ou Game of Thrones talvez já indique algo sobre
nós mesmos.

4. CONCLUSÃO
Toda configuração da cultura ganha de um lado e perde de outro, como já nos adverti-
ram antropólogos, historiadores e o velho Freud. Sem dúvida, o que sobra na balança de nossa

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época é informação, compreendida aqui no sentido estrito de dados brutos, passíveis de serem
processados. Anderson chama a atenção para os motivos que impelem à digitalização de tudo:
Tudo o que os bits tocam também é tocado por suas propriedades econô-
micas únicas – mais barato, melhor, mais rápido. Transforme um alarme
contra ladrões em uma tecnologia digital e ele passa a ser apenas mais
um ponto sensor e de comunicações na Internet, com abundante armaze-
namento, largura de banda e processamento acrescentados praticamente
de graça. (2009, p. 94)
Mais adiante, Anderson cita o cientista social Herbert Simon, vindo ao encontro, por
outros caminhos, da tese de Türcke: “O que a informação consome é bastante óbvio: ela conso-
me a atenção de seus destinatários. Dessa forma, a abundância de informação gera carência de
atenção” (ANDERSON, 2009, p. 183). É por isso que cobrar por conteúdo, quando a atenção
se torna cada vez mais escassa, não é uma boa ideia e o fenômeno do grátis toma conta da rede,
segundo Anderson, de modo inexorável.
A tela dos celulares transformou-se em verdadeiro “presídio de segurança máxima” da
atenção da maioria, obrigando as autoridades competentes a proibir seu uso, por exemplo, ao
dirigir ou durante a operação de máquinas perigosas. Seu uso em sala de aula, apesar de todos
os apelos dos professores, mereceria um capítulo só seu.
“Multitarefa” é um dos adjetivos mágicos de nosso tempo. Seu significado profundo re-
pousa no credo fundamental da cultura tecnológica, obcecada por produtividade, pelo encanto de
fazer mais com menos, sempre mais. Quanto maior o número de coisas que se pode fazer ao mes-
mo tempo, mais versátil se é mais tempo se poupa (TÜRCKE, 2012, p. 54)! No entanto, como
observa Türcke, não é possível conciliar quaisquer tarefas: lavar louça e ouvir notícias no rádio é
possível, na medida em que a concentração fica focada no que se escuta e o ato de lavar louça já
está automatizado pelo hábito. Fazer yoga e lavar louça já não são conciliáveis (2012, p 54-55).
É claro que é possível manter a atenção focada em um ponto e ter alguma noção do
entorno, como fazemos em nossa experiência cotidiana, por exemplo, ao esperar um ônibus
olhando na direção em que ele vem e, ao mesmo tempo, ter noção das pessoas em volta e do
movimento dos carros. “Multitarefa” não designa a capacidade real de concentrar-se igualmente
em várias tarefas simultâneas. Quem participa de uma reunião e checa Emails deixa de dar aten-
ção, alternadamente, a uma ou outra coisa. O máximo que o termo “multitarefa” alcança é isso:
a possibilidade de alternar rapidamente a atenção de um objeto a outro (2012, p. 56).
Acidentes e mal-entendidos de toda ordem, para não falar do precário desempenho es-
colar, devem-se, a nosso ver, à captura do olhar pelas telas que nos rodeiam e pela facilidade
em encontrar “dados” sobre todos os assuntos. Impossível não lembrar, a propósito, da frase de
Adorno e Horkheimer no prefácio à Dialética do Esclarecimento: “A enxurrada de informações
precisas e diversões assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo” (1985, p. 15).

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O desafio da produção cultural contemporânea, portanto, é o de capturar a atenção do


público, fator este que, segundo Anderson, explica em boa parte o fenômeno do grátis na rede.
Um exemplo disso é o paradoxo da “pirataria lucrativa”, no qual bandas como a brasileira
Calypso deixam vazar CDs e DVDs para cativar a atenção do público para o seu próprio show
(ANDERSON, 2009, p.209- 210).
Neste trabalho tentamos unir dois diagnósticos diversos sobre a cultura contemporânea:
um que parte da filosofia, da história e do vasto campo da psicologia social (incluindo a psiquia-
tria e a psicanálise) e outro que faz uma análise centrada na história e na economia recentes,
utilizando estudos de caso de empresas ou mídias específicas, a saber, o de Türcke e o de An-
derson. Julgamos que, com o auxílio de dois teóricos de procedências e perfis tão diferentes seja
possível, no entanto, lançar luz sobre uma série de fenômenos constatáveis na atualidade, seja
no campo da produção cultural propriamente dita quanto na análise de sua fruição pelo público.
Como vimos anteriormente, Türcke propõe no currículo escolar uma disciplina que pro-
mova a realização de rituais para, em última instância, aumentar a capacidade de atenção das
crianças. Sob outro ponto de vista, o da análise das mídias e dos novos modelos de negócio na
internet, Anderson observa que, de fato, a falta de atenção é o que gera a disputa ferrenha por es-
paço e a necessidade de oferecer produtos gratuitos. No que tange à formulação de políticas cul-
turais públicas, consideramos fundamentais as contribuições destes dois autores para a formu-
lação de ações e eventos que consigam obter êxito neste terreno pantanoso do excesso de oferta
de conteúdos culturais, facilitado pela tecnologia, e a dificuldade do público de manter a atenção
sobre o que quer que seja por algum tempo. Além das observações de Türcke sobre a questão da
atenção, as considerações de Jenkins sobre a narrativa transmidiática também podem ser úteis
para formulação de estratégias de formação de público, por exemplo, em programas educativos
em museus, educação musical nas escolas, estímulo à leitura, dentre outras iniciativas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, Theodor. W., HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Tradução de Guido


Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
ANDERSON, Chris. A Cauda longa. Tradução de Afonso Celso da Cunha Serra. 5ª Edição. São Paulo:
Campus, 2006.
__________. Free. Tradução Cristina Yamagami. São Paulo: Campus, 2009.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Tradução de Susana Alexandria. São Paulo: editora
Aleph, 2008.

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TÜRCKE, Christoph. Sociedade Excitada. Tradução Antonio A. S. Zuin e outros. Campinas: editora
Unicamp, 2010.
__________. Hyperaktiv! – Kritik der Aufmerksamkeitsdefizitkultur. München: Beck, 2012.
Disponível em http://f5.folha.uol.com.br/voceviu/2015/10/1698601-apos-enem-verbete-de-simone-de-
beauvoir-na-wikipedia-e-editado-mais-de-30-vezes.shtml. Acessado em 28/12/2015.

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PARA SUAVIZAR A CIDADE HOSTIL:


ARTE E POLÍTICAS PÚBLICAS NO MEIO URBANO1
Pablo Gobira2
Adeilson William da Silva3
Karla Danitza de Almeida4

RESUMO: Este trabalho busca refletir sobre a relação entre a cidade e as políticas públicas
urbanas compreendendo estas como hostis. Com base na reflexão sobre as vanguardas históricas
do século XX, discutem-se as ações livres destas na cidade. O artigo também expõe como se
constrói a apropriação dessas ações “livres” e “artísticas/estéticas” pelo Poder Público desde o
momento das vanguardas históricas nas cidades. Desse modo, este trabalho pretende desvelar
a base estética comum a toda política pública voltada para a cidade, não limitando essa base
apenas às políticas culturais.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas públicas; política cultural; cidade; urbanismo; arte e vanguardas.

1. INTRODUÇÃO
É possível observar nos últimos anos uma tentativa do Poder Público, juntamente à ini-
ciativa privada, de criar uma cidade mais amigável e acolhedora para os munícipes e visitantes.
Na verdade isso é o que acontece mediante a demanda das pessoas que vivem nas cidades em
um movimento que acontece desde a Revolução Industrial.
Exemplarmente, cita-se o incentivo e a promoção de diversas iniciativas, tais como: a
ocupação de espaços públicos com atividades artísticas e culturais, manifestações populares e
outras que, antes, eram tidas como marginais. Recentemente, no caso brasileiro em específico,
essas ações entraram no circuito e agenda cultural das cidades brasileiras e em alguns casos pas-
saram a serem financiadas por políticas públicas tais como as leis de incentivo à cultura.

1
Este artigo é um dos resultados de projeto apoiado pela Pró-Reitoria de Extensão da UEMG à qual agradecemos.
2
Professor doutor da Escola Guignard (UEMG). Coordenador do Grupo de Pesquisa Laboratório de Poéticas
Fronteiriças (CNPq – www.labfront.tk). Pesquisador e gestor de serviços da Rede Brasileira de Serviços de Promo-
ção Digital (Rede Cariniana) do IBICT/MCTI. E-mail: pablo.o.gobira@gmail.com
3
Graduando na Licenciatura em Artes Plásticas da Escola Guignard/UEMG. - E-mail: froiid@hotmail.com
4
Graduada em Processos Gerenciais com ênfase em Gestão das Organizações do Terceiro Setor pela Faculdade
de Políticas Públicas/UEMG. Membro do Grupo de Pesquisa Laboratório de Poéticas Fronteiriças (CNPq – www.
labfront.tk) - E-mail: karladalmeida@gmail.com

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Neste artigo, enfocamos a faceta artística (ou “estética”, entendida como manifestação
do sensível para o ser humano) das manifestações que inspiram novas políticas públicas. Torna-
-se importante relembrar que essa cadeia de ações irônicas e provocantes teve sua origem – no
contexto contemporâneo – nas práticas vanguardistas do início do século XX, portanto vêm
sendo realizadas programaticamente por um século. Antes delas podemos ainda considerar as
ações de artistas do século XIX na Europa, tais como: Charles Baudelaire, Alfred Jarry ou Oscar
Wilde que, cada um a seu modo, escandalizaram as cidades e seu ambiente público.
Nas próximas páginas apresentaremos a relação entre a cidade e as políticas públicas
urbanas. Mostraremos a atuação livre das vanguardas no ambiente da cidade. Exporemos como
se constrói a apropriação dessas ações “livres” e “artísticas/estéticas” pelo Poder Público desde
o momento das vanguardas históricas. Será visto, principalmente, como todas as suas forças
estão voltadas para a construção de um imaginário baseado nas demandas dos cidadãos bus-
cando modificar a histórica ação hostil (QUINN, 2014; MILLS, 2015) contrária à manifestação
político-social na cidade. Desse modo, este trabalho pretende desvelar a base estética comum a
toda política pública voltada para a cidade, não limitando essa base apenas às políticas culturais.

2. A CIDADE: URBANISMO E INDÚSTRIA


Hoje reconhecemos que o entendimento da “cidade moderna” é resultado da soma de
vários desdobramentos econômicos, sociais e culturais decorrentes das revoluções do século
XVIII e XIX.
Para o filósofo e sociólogo Henri Lefebvre, a cidade é um objeto espacial que ocupa uma
situação e um espaço físico, onde convivem e coexistem uma grande variedade de costumes,
ideias, crenças e visão de mundo, dividindo o mesmo espaço físico “assim, define-se com uma
política comercial de projeção da sociedade sobre um local.” (LEFEBVRE, 2001, p. 56)
Para entender a análise do autor, é necessário compreender a separação entre o que é
cidade e o que é urbano. Para Lefebvre o urbano é a simultaneidade, “a reunião, é uma forma
social que se reafirma” (LEFEBVRE, 1986, p. 156), então o urbano se trata de um fenômeno
mundial, um conceito imposto e, por necessidade, uma articulação de teoria e prática.
O processo de urbanização – em suma, o estudo, planejamento e implementação de
características em uma localidade ou região – que consolida os traços urbanos das cidades, se
deu pelo estímulo do nascimento da indústria e pela necessidade de mais pessoas irem para as
cidades deixando o campo. Pode-se dizer que o desenvolvimento da cidade industrializada e o
capitalismo moderno são processos entrelaçados desde a sua gênese.
Com a industrialização, veio a negação da centralidade na cidade, o que a faz perder seu
conteúdo político e sua potência social. Com a perda dessa centralidade obtêm-se uma fragmen-
tação da malha urbana fazendo-a crescer por uma vasta região nas periferias.

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Desse modo, surge uma “não cidade”, que nega a cidade político-social. Caso compre-
endamos que a cidade era usada pela população, essa “não cidade” se sobrepôs ao valor de uso
e assim também substituiu a “obra” pelo “produto”. Essa transformação modificou as relações,
interações e costumes, levando a “cidade moderna” a uma significação meramente quantitativa e
comercial, ou seja, são esvaziadas de seu sentido original, que funcionaliza o cotidiano e o torna
vazio de ações espontâneas e autônomas.
Um exemplo muito conhecido da mudança são as festas populares, carnavais etc., que
eram ricos em significados em seus contextos e acabaram se transformando em mercadoria
numa constante “repetição de signos destinados ao consumo” (ARAUJO, 2012. p. 135). Desse
modo, a cidade acaba se

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