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domingo, 17 de fevereiro de 2013

18:40

Elas da favela
quarta-feira, janeiro 12, 2011
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| Por Equipe Inclusive

Vinte e sete de junho de 2007. A maior operação policial realizada no Complexo do Alemão, favela da
Zona Oeste do Rio de Janeiro, desde sua ocupação pela Força Nacional de Segurança Pública, que já
dura sete meses, deixou 19 mortos e 13 feridos.
Da fatalidade surgiu a inspiração para o documentário “Elas da Favela”, lançado no Dia Internacional dos
Direitos Humanos (10/12), na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e veiculado
simultaneamente na TV Alerj. O curta-metragem é resultado de quatro meses de pesquisa e entrevistas
com mulheres do Complexo do Alemão, que falam de suas experiências em uma comunidade ocupada
pela polícia.
“A intenção era fazer um curta para que o filme fosse instrumento de debate, para que fomentasse
discussões e servisse de material de apoio, apresentado antes de palestras e debates”, conta Dafne
Capella, diretora do filme, uma iniciativa do mandato do deputado estadual Marcelo Freixo.
“Escolhemos entrevistar mulheres pela importância de se dar voz a quem sofre mais com a questão da
‘insegurança pública.’ Ouve-se outros setores da sociedade, mas o morador da favela, de uma forma
geral, que é quem está no meio do fogo cruzado, não é ouvido.”, afirma Dafne. “E em não se dando voz
ao morador da favela, menos ainda à mulher.”
Na contramão dessa tendência, o documentário faz questão de ampliar essas vozes. São seis mulheres
que falam de ser mãe, filha, irmã, amiga e esposa em uma favela ocupada pela polícia, sem que
entretanto sua segurança esteja garantida. Em alguns casos, muito pelo contrário.
É o caso de Josicleide, que relata uma situação que pode parecer o pesadelo de qualquer mãe, mas ali se
tornou realidade. Seu filho, menor de idade, foi baleado dentro de casa e levado para o hospital. Após
receber cuidados médicos, o jovem foi preso injustamente e passou oito dias no Departamento Geral de
Ações Socioeducativas (Degase) sob alegação de que estaria envolvido com o tráfico de drogas. Quando
o engano foi confirmado, a família recebeu uma moção de desagravo do juiz Siro Darlan, titular da 1ª
Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro.
Josicleide conta que seu filho achou desnecessário buscar a moção, mas ela fez questão de guardar o
papel. “Caso a idoneidade do filho desta mulher fosse questionada novamente, ela poderia mostrar que
não era bem assim. Mas no final das contas, é muito pouco, porque ela sabe, o filho dela sabe, mas o
resto da sociedade e polícia continuam acreditando que ele é suspeito”, avalia Dafne.
Mães da favela
Se ser mãe é padecer no paraíso, no Complexo do Alemão isso se confirma pelos relatos das
entrevistadas. Dona Jacira, por exemplo, viu seus filhos serem levados para o lado de fora de sua casa
enquanto ela e as mulheres da família foram trancadas do lado de dentro. Neste momento ela conta

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enquanto ela e as mulheres da família foram trancadas do lado de dentro. Neste momento ela conta
que começou a chorar e foi verbalmente agredida por um policial.
Dona Jacira diz que nenhum filho dela jamais havia falado palavrão dentro de casa e se revolta com a
atitude do policial. “Por ela ter uma casa grande, com vista boa, viu sua residência invadida sem
mandado, seus filhos retirados à força e, porque se sensibilizou com a situação – o que é algo bem
feminino –, foi agredida por quem deveria ser um representante da lei, por quem deveria garantir a
segurança de todos, inclusive dela”, resume Dafne.
Recentemente, o governador Sérgio Cabral defendeu o aborto como um possível atenuante para a
violência no Rio de Janeiro. Em entrevista ao portal G1, o governador afirmou que “Tem tudo a ver com
violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e
Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de
produzir marginal.”
Dafne rechaça a desastrada declaração. “A mulher que tem um filho ou que está grávida sente que
esperam que o filho necessariamente se torne um criminoso, simplesmente porque nasceu na favela.
Uma criança que nasce na favela não está no caminho do tráfico, definitivamente”, avalia.
É o que a diretora pôde comprovar durante o tempo em que entrevistou mulheres no Complexo do
Alemão. Mães de cidadãos brasileiros, elas parecem ter que provar o tempo todo e antecipadamente a
sua inocência e de seus familiares. “Essas mulheres têm que trabalhar muito mais para garantir o que as
pessoas que não estão ali têm com menos dificuldade. É mais trabalhoso, é mais penoso e é sofrido”,
afirma Dafne.
As protagonistas do “Elas da Favela” se equilibram entre o conflito e a tentativa de restaurar a
normalidade de suas vidas. Para Dafne, ainda que o Complexo do Alemão seja o local onde essas
mulheres têm sua vida social, é ali também que vivem momentos de medo. “O fato de não estarem no
conflito armado explícito não impede seu envolvimento em todo esse processo. Elas e sua família não
ficam afastadas dessa realidade, mas ficam reféns sempre.”
Apesar da realidade de conflito, Dafne rejeita a utilização do termo “guerra” para definir a ocupação no
Complexo do Alemão. “Em uma guerra não há identidade ética com o inimigo, o assassinato é
legitimado porque acredita-se que o inimigo está pronto para fazer o mesmo. Essa visão de que temos
uma guerra só afasta ainda mais a favela do que se chama ‘sociedade’. E nesta guerra o inimigo é o
favelado e não o traficante. Então legitima-se uma política violenta, que não muda em absolutamente
nada a vida de quem está na favela e fora dela”, define.
Em uma cidade onde o corpo policial é essencialmente masculino, assim como as fileiras do tráfico de
drogas, são as mães, filhas, esposas, irmãs, amigas e namoradas que guardam a tristeza e o medo da
perda. Para a diretora, a questão ultrapassa a falta de recorte de gênero na política de segurança
pública. “O que falta é uma política de segurança pública. Ponto”, afirma categórica.

Colado de <http://www.inclusive.org.br/?p=18318>

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domingo, 17 de fevereiro de 2013
18:43

A favela por ela mesma


• cultura destaque |
• Cultura
Jovens cineastas formados em comunidades carentes chegam ao Festival de Cannes com filme que
mostra suas vidas como elas realmente são

08/10/2010

Xandra Stefanel
Revista do Brasil

No verão de 1961, cinco jovens cineastas de classe média subiram morros cariocas e fizeram o filme “5x
Favela”. Lá estavam Cacá Diegues, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Marcos Farias e Miguel
Borges, integrantes do Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE). A
obra, hoje difícil de ser vista em locadoras ou cineclubes, tornou-se um marco do cinema nacional como
uma das precursoras do Cinema Novo, movimento cinematográfico brasileiro influenciado pelo
neorrealismo italiano e pela Nouvelle Vague (nova onda) francesa.

Quase 50 anos e muitos filmes depois, Cacá voltou a subir os morros cariocas. Agora como produtor e na
companhia de sete jovens cineastas moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro. O longa-
metragem “5x Favela, Agora por Nós Mesmos”, lançado em agosto, tem cinco episódios, assim como o
da década de 1960. A diferença é que o olhar dos atuais diretores não é “estrangeiro”: todos moram nos
ambientes onde filmaram.

A ideia nasceu na década de 1990, quando Cacá teve o primeiro contato com organizações culturais de
várias comunidades e passou a acompanhar os curtas-metragens dos participantes de cursos e oficinas,
feitos em câmeras domésticas, editados em programas acessíveis e que circulavam quase que
exclusivamente de um núcleo comunitário a outro. Ele e a produtora Renata Almeida Magalhães
perceberam que poderiam ajudar a lapidar diamantes e resolveram montar um projeto para
proporcionar a esses jovens as mesmas condições de produção de qualquer filme de médio porte e
permitir que tivessem acesso à economia formal do cinema.

“A principal diferença entre os dois filmes é que o primeiro foi feito por cinco jovens universitários
generosos e bacanas, mas de classe média, com um olhar de fora. E esse, não. Foi concebido, escrito,
criado e realizado por jovens moradores de favelas”, compara Cacá. “Essa é a primeira geração de
audiovisual das favelas cariocas e uma contribuição importante para a evolução do cinema brasileiro. Eu

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audiovisual das favelas cariocas e uma contribuição importante para a evolução do cinema brasileiro. Eu
sabia que estavam prontos para fazer o filme”.

Mais de três anos


Os episódios de “5x Favela, Agora por Nós Mesmos” trazem histórias do dia a dia no morro. Para chegar
ao formato final, foram necessários mais de três anos. Mas valeu a pena: o filme foi selecionado para
um dos mais importantes festivais de cinema do mundo, o de Cannes (França), e exibido em caráter hors
concours (fora da mostra competitiva). Levou também sete prêmios no Festival de Cinema de Paulínia,
em São Paulo: melhor filme de ficção (oficial e júri popular), ator coadjuvante (Márcio Vito, do episódio
Acende a Luz), atriz coadjuvante (Dila Guerra, idem), roteiro (Rafael Dragaud), montagem (Quito
Ribeiro) e trilha sonora (Guto Graça Mello).

Em 2007, a dupla de produtores organizou oficinas de roteiro para escolher as histórias que seriam
filmadas. Elas foram ministradas em cinco comunidades que já desenvolviam programas de audiovisual
em favelas: Nós do Morro, no Vidigal; AfroReggae, na Parada de Lucas; Cinemaneiro, que atende
moradores da Linha Amarela; Central Única das Favelas (Cufa), na Cidade de Deus; e o Observatório de
Favelas, no Complexo da Maré.

Foram mais de 600 inscritos. Na primeira triagem, o número caiu para pouco mais de 240, que
participaram de oficinas técnicas de capacitação, como figurino e arte, entre outras. Só esse processo
consumiu cerca de 10% do orçamento total da obra, que foi de R$ 4 milhões. Todos tiveram aulas e
palestras com grandes nomes do cinema nacional, como Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Walter
Lima Jr., Walter Salles, Fernando Meirelles, João Moreira Salles e Lauro Escorel.

Dos 240, 90 trabalharam efetivamente no filme e os demais, segundo Cacá, ficaram aptos a alçar voo no
difícil mercado cinematográfico brasileiro. Ele explica que os sete diretores foram selecionados por meio
de três critérios: “O primeiro deles, obviamente, era o currículo: quem já tinha feito um filme e
demonstrado talento. O segundo foi o aproveitamento na oficina e o terceiro, nossa intuição”.

Concerto para Violino


O produtor conheceu Luciano Vidigal em 1993, quando filmava “Veja Essa Canção”, no qual o jovem
atuou. Luciano já trabalhou, entre outras coisas, como boleiro de tênis, trocador de van e carregador de
feira. “Comecei a fazer teatro e cinema aos 11 anos porque minha mãe era empregada doméstica na
casa do [ator] Otávio Müller. Soube do Nós do Morro e achei que era o passaporte para o mundo”,
lembra, aos 32 anos, o agora diretor do episódio Concerto para Violino. O episódio que dirigiu é o mais
dramático dos cinco, sobre três crianças que juram amizade eterna, mas que tomam caminhos
diferentes na vida: um vira policial, outro, traficante e uma, violinista.

“Quando eu recebi o argumento, senti o desafio. Ninguém queria filmar a violência porque isso é clichê,
mas eu, como gosto de drama, adorei. O fato de eu ter um irmão que foi traficante me permitiu colocar
elementos da minha vida pessoal na ficção”, comemora Luciano. Ele é morador do Vidigal e já teve seu
curta “Neguinho e Kika” premiado em vários festivais nacionais e no de Marselha (França), além de ter
trabalhado na preparação de atores de “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles) e “Tropa de Elite 2” (José
Padilha) e atuado em 13 longas, entre os quais “Orfeu” (Cacá Diegues), “O Primeiro Dia” (Walter Salles)

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Padilha) e atuado em 13 longas, entre os quais “Orfeu” (Cacá Diegues), “O Primeiro Dia” (Walter Salles)
e “Proibido Proibir” (Jorge Duran).

Acende a Luz
Luciana Bezerra, de 36 anos, também é atriz, trabalha com cinema há 17 anos e mora no Vidigal. O
episódio que dirigiu, Acende a Luz, retrata as dificuldades de vizinhos que estão sem luz às vésperas do
Natal. “O Vidigal vive essa história a cada dia. Ela é alegre, tem muito a ver com a minha família, em
como a gente encara a vida, mesmo com as dificuldades.” Foi esse o episódio que rendeu a Dila Guerra,
da Cia. de Emergência Teatral, que trabalha para o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, o prêmio
de melhor atriz coadjuvante.

Arroz com Feijão


Em Arroz com Feijão, Rodrigo Felha, 30 anos, e Cacau Amaral, de 38, dirigiram juntos a história do
menino Wesley, que ouve o pai confessando que estava cansado de comer o mesmo prato e tenta, com
a ajuda do hilário amigo Orelha, arrumar um frango para deixar o aniversário do pai mais saboroso.
Felha, que mora na Cidade de Deus, conhece de perto essa realidade, e por isso se sente orgulhoso do
trabalho em grupo. “Sempre fomos colocados nas telas sendo exibidos, nunca como exibidores. Esse é o
nosso ponto de vista, que contém, naturalmente, uma crítica social”, diz o diretor, ex-estoquista de loja
de calçados que virou estagiário na Globo e, depois, coordenador do Núcleo de Audiovisual na Cufa,
quando fez a direção de fotografia de “Falcão – Meninos do Tráfico” (MV Bill). “Já fazemos isso há muito
tempo. O que o Cacá fez foi nos dar visibilidade. Cannes foi bacana. Tem muito glamour, mas aquilo não
me encantou. Entrava no melhor hotel de lá e pensava: ‘Cara, eu sou da Cidade de Deus!’. Eu tinha de
ficar com os pés no chão.”

Manaíra Carneiro, de 23 anos, também estranhou as pompas do festival de cinema francês. “Foi um
choque. Saí de uma realidade muito pobre para uma muito rica, com gente ostentando, quase que
queimando dinheiro. Foi emocionante exibir nosso filme lá, mas era tudo muito estranho. Eu, por
exemplo, quase não vi criança lá [risos]! Quando vi, fotografei e fiquei mostrando para todo mundo. Tô
acostumada com a favela, cheia de criança e onde as famílias têm sete filhos”, brinca a jovem, que
sonha em continuar a trabalhar com audiovisual aliado a novas tecnologias para poder ajudar sua
família.

Fonte de Renda
Ela dirigiu com Wagner Novais, de 25 anos, o episódio Fonte de Renda, em que Maicon, um jovem
padeiro, passa a levar drogas aos colegas para ter dinheiro para estudar Direito. “Esse é um filme muito
humano. Tem quem critique porque tem muita gente feliz, rindo. O que precisam entender é que as
pessoas da favela riem e são felizes como todo mundo”, critica Wavá, como é conhecido. “Há oito anos,
quando comecei as oficinas de cinema, chorei quando vi meu primeiro curta no campinho de terra
batida da Cidade de Deus. Soube que queria aquilo para a minha vida. Hoje posso dizer que fui para
Cannes. Eu nunca esperava”, emociona-se.

Wavá teve algumas experiências semelhantes às de Maicon quando entrou no curso de Cinema na
Estácio de Sá. “Passei por dificuldades para me locomover e não podia ficar além do período da aula
porque não tinha dinheiro para me alimentar. No episódio Fonte de Renda, falo na galhofa sobre o
conflito de classes que vi na minha faculdade.”

Deixa Voar
Deixa Voar mostra as barreiras imaginárias do Complexo da Maré, onde mora o diretor Cadu Barcellos.
Conta a história de Flávio, que, para buscar a pipa do amigo, é obrigado a ir para o “território” dominado
por uma facção rival. É um retrato singelo de uma cidade chamada Maré. “Aquilo é um grande
continente com vários países: 16 comunidades, 170 mil habitantes, todas as facções, polícia, milícias... É
um episódio sobre o desconhecido, o refugiado”, explica o diretor.
Para Cadu, “5x Favela, Agora por Nós Mesmos” é mais que um filme, “é um marco na história da
cinematografia brasileira”. “Nunca vi nada parecido. Um cara da favela falando sobre a sua realidade no
cinema é revolucionário. Além disso, tem a questão do ponto de encontro, porque jovens de várias

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cinema é revolucionário. Além disso, tem a questão do ponto de encontro, porque jovens de várias
comunidades fizeram o ‘tudo junto e misturado’ realmente acontecer e dar certo”, comemora.

O mais emocionante, para ele, é saber da importância disso para as pessoas que moram na favela.
“Viver de arte no Brasil é muito difícil, mas é muito legal ver sua família, os vizinhos e amigos dizendo
que se sentem representados naquilo que eu fiz, no jeito de falar, vestir, nas pequenas coisas. Isso não
acontece nas novelas, nem em outros filmes. Eu estava cansado de sentar em frente à televisão e
receber luz. Eu queria mudar de lado e reluzir.”

Cacá Diegues garante que todos conseguiram esse feito e que Leon Hirszman (1937-1987), idealizador
do primeiro “5x Favela”, está comemorando. “Onde quer que ele esteja, está felicíssimo. Leon sempre
foi um congraçador que trabalhou pela solidariedade e pela soma das pessoas.”

Colado de <http://www.brasildefato.com.br/node/4403>

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domingo, 17 de fevereiro de 2013
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Histórias de mulheres no Alemão viram filme


Documentarista conviveu com moradoras do complexo de favelas; ?
Encontrei guerreiras?, diz
11 de março de 2009 | 0h 00
• Notícia

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Clarissa Thomé, RIO - O Estadao de S.Paulo
A fotógrafa e documentarista Dafne Capella passou dois meses convivendo com mulheres do Complexo
do Alemão, conjunto de favelas na zona norte do Rio marcado pela guerra entre policiais e traficantes.
Ouviu a história de mulheres que cresceram ali, outras que conseguiram se mudar, mas ainda trabalham
no morro - e dramas como o da mãe que teve o filho atingido por bala perdida, preso como traficante e
que acabou recebendo pedido de desculpas judiciário, após provar ser inocente. O resultado é o
documentário Elas da Favela, que está sendo distribuído na Europa pela Anistia Internacional.
"Encontrei mulheres guerreiras, pessoas muito dignas, que se esforçam para garantir educação para os
filhos, para evitar que se envolvam com o tráfico." O fio condutor do Elas da Favela são duas líderes
comunitárias - Lúcia Cabral, de 42 anos, e Renata Trajano, de 29.
As duas enfrentam escadarias íngremes e entram em becos para apresentar as mulheres do Alemão.
Entre elas está a doméstica Josicleide Urbano, de 42. Ela conta que, certa vez, ao chegar do trabalho em
dia de tiroteio, entrou pelas vielas, apesar da ordem dos policiais de descer o morro. Quando chegou em
casa, viu o filho Ivo, de 17 anos, desmaiado, atingido por um tiro no braço. "Dos oito dias em que ficou
preso, dois foram em delegacia. Meu filho era inocente e estava no meio de adultos criminosos." Hoje,
Ivo não fala sobre o assunto nem deixa que toquem no braço. "Fiz questão que ele fosse receber o
pedido de desculpa por escrito."
O documentário não trata apenas da violência. Bruna, filha de Lúcia, aparece aos 18 anos, grávida. A
mãe é filmada distribuindo camisinhas como bolsista do projeto de saúde sexual da Fundação Ford.
"Minha filha tem informação, acesso ao preservativo, mas quis engravidar. Não adianta ter informação
se é o desejo da pessoa."
Dafne foi convidada pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), presidente da Comissão de Direitos
Humanos da Assembleia Legislativa, para fazer uma série de documentários. Elas da Favela foi o
primeiro. "A intenção é que o documentário seja apresentado antes de debates, em escolas,
associações", diz Dafne.
Os próximos trabalhos serão sobre o sistema educacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra
(MST) e o processo eleitoral.

Colado de <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,historias-de-mulheres-no-alemao-viram-filme,336705,0.htm>

Página 7 de Elas da Favela


domingo, 17 de fevereiro de 2013
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A favela escrita de Carolina Maria de Jesus

Sandra Azerêdo

CASTRO, Eliana de Moura; MACHADO, Marília Novais da Mata. Muito bem, Carolina!
Biografia de Carolina Maria de Jesus. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2007. 136 p.
Na pequena introdução da biografia de Carolina, Eliana de Moura Castro e Marília Novais da
Mata Machado sugerem que a escreveram com o objetivo de desvendar os mistérios
que cercam sua vida e, mais especificamente, de responder a perguntas relativas ao
sucesso de seu livro Quarto de despejo, editado oito vezes, em tiragens de 10 mil
exemplares cada , procurando saber também por que Carolina tinha uma necessidade
tão premente de escrever . Parece que o que intrigou as autoras foi sobretudo essa escrita
de uma mulher favelada. E negra. Escrita que, como elas relatam, teve muito sucesso, mas
um sucesso muito breve – no ano seguinte, ela já era carta fora do baralho (p. 11).
Para elas, é parte do mistério também Carolina ter sido mais bem aceita no exterior,
especialmente nos Estados Unidos. O livro busca entender como essa mulher negra,
favelada, pobre e semi-analfabeta (45), que catava papel nas ruas, escreveu um livro
publicado em 14 países, sendo as primeiras traduções curiosamente ... a dinamarquesa e
a holandesa .
Nessa busca de entender a escrita de Carolina, o livro se divide em nove capítulos, uma
parte deles refaz seu percurso, desde a infância em Sacramento, interior de Minas Gerais,
onde ela nasceu; passando por São Paulo, onde trabalhou como empregada doméstica;
depois a favela do Canindé, às margens do Tietê, onde viveu grande parte de sua vida
adulta e onde conheceu o repórter Audálio Dantas, que publicou Quarto de despejo; e,
finalmente, o sítio em Parelheiros, interior de São Paulo, onde Carolina morreu, em 1977,
aos 62 anos. Uma segunda parte dos capítulos se refere especificamente à escrita de
Carolina: Carolina e Audálio ; o sucesso de Carolina ; Carolina maldita ; a obra
de Carolina ; e Carolina redescoberta , que é o capítulo final.
As autoras fizeram um excelente trabalho de pesquisa, entrevistando uma série de pessoas
que tiveram contato com Carolina, visitando lugares pelos quais ela passou, buscando
documentos, inclusive fotos e manuscritos, produzindo assim um registro sociohistórico não
apenas do Brasil da época de Carolina, mas do Brasil de hoje, onde a desigualdade
permanece como uma questão urgente. Trata-se, pois, de um trabalho que deve ser lido,
sobretudo porque, como indica o professor Jacyntho Lins Brandão, que apre¬senta o livro,
faltam trabalhos sobre a biografada e o livro contém importan¬tes informações sobre
Carolina. Além disso, a abordagem que as autoras fazem do trabalho de Carolina é de
grande interesse, especialmente para a área de ciências humanas.
Essa abordagem, embora atenta ao contexto, privilegia os aspectos psico¬lógicos, e a
análise da escrita de Carolina busca entender sua motivação para escrever em vez de
considerar como a própria escrita funciona como um dado histórico, possibilitando o
entendimento de seu contexto. No livro de Eliana e Marília, o contexto aparece mais como
uma espécie de cenário que a personagem apenas registra em sua escrita. Isso fica
especialmente claro na seguinte passagem da biografia:
A amargura do seu discurso, o pessimismo em relação ao futuro, as incertezas sobre a
própria sobrevivência aparecem ao lado de uma apreciação lírica da paisagem, do céu
azul, da noite estrelada. Sua capacidade de apreciar a beleza a impulsiona em direção
à vida e à salvação. Brinca com suas próprias extravagâncias: O céu já está
salpicado de estrelas. Eu que sou exótica gostaria de recortar um pedaço do céu para
fazer um vestido (2007, p. 109).
Numa abordagem diferente, que considera o corpo como um artefato da escrita de Carolina,
Gizelda Melo lê essa frase como uma forma de superação do corpo subjugado das mulheres
da senzala, que, como escreve Gilberto Freire, servia para proporcionar aos jovens da casa

Página 8 de Elas da Favela


da senzala, que, como escreve Gilberto Freire, servia para proporcionar aos jovens da casa
grande as primeiras sensações de ser homem 1. Trata-se de um corpo que não é mero
organismo, servindo de suporte a um sujeito psicológico pronto e acabado, mas um corpo
que ultrapassa fronteiras no sentido de recriar formas de resistência à dominação.
Nessa biografia, no lugar do entendimento da escrita de Carolina fica apenas a certeza de
que Carolina Maria de Jesus foi uma pessoa corajosa, independente e sobretudo
fascinante , como as autoras afirmam já na primeira página (11). Na última página do livro
retornam à certeza: de que ela será lembrada sempre mais, e a razão disso é que ela
encanta e fascina seus leitores (128), certeza que é comprovada pelas mensagens de
adolescentes de uma pequena cidade do Kansas, no interior dos Estados Unidos, com as
quais as autoras finalizam o livro: Essa mulher Carolina Maria de Jesus foi
sensacional ; que pessoa forte e inteligente a Carolina Maria de Jesus foi ; que sorte
termos encontrado para nosso trabalho um assunto tão maravilhoso (128).
Nessa abordagem, ocorre uma cisão entre a escrita e o sujeito, que passa a ser o foco do
estudo, se tornando fascinante , termo que pode ser entendido como se referindo a
alguém inatingível, distante, do outro lado do rio (lembran¬do a belíssima cena do filme de
Walter Salles sobre Che Guevara), que separa duas classes sociais distintas. Em outras
palavras, o fascinante pode ser lido como o abjeto, que Judith Butler considera como
relacionando-se a todo tipo de corpos cujas vidas não são consideradas vidas e cuja
materiali¬dade é entendida como não importante .2
Essa separação de classe social aparece no próprio título que Eliana e Marília escolheram
para sua biografia: Muito bem, Carolina! Na escolha do título, como indicam as duas
citações que servem de epígrafe ao livro, elas se colocaram, por um lado, no lugar daquele
público imaginário (109), de uma classe social da qual [Carolina] não faz parte
(107), pessoas de uma classe privilegiada, que compram livros, para quem, segundo elas,
Carolina fala diretamente ... pedindo aprovação (109),
...Eu prefiro empregar o meu dinheiro em livros do que no álcool. Se você achar que
eu estou agindo acertadamente, peço-te para dizer:
- Muito bem, Carolina!
Por outro lado, colocaram-se também no lugar do abjeto, cuja escrita é rejeitada por
essas mesmas pessoas, que são as que não passam fome:
Quem não conhece a fome há de dizer: Quem escreve isto é louco . Mas quem
passa fome há de dizer:
- Muito bem, Carolina!
Ao tentarem ocupar simultaneamente lugares de privilégio e de abjeção, que se
constituem mutuamente através da separação, Eliana e Marília podem estar
expressando o conflito e o incômodo que o encontro com a diferença produz. Talvez
nesse aparente paradoxo esteja o maior interesse em ler o livro que escreveram sobre
Carolina.
Em sua apresentação das primeiras edições de Quarto de Despejo, Audálio Dantas
conta uma história sobre essa tensa relação com a diferença que tem a ver com nossa
dificuldade de entender a favela, esse lugar onde despejamos nossos próprios detritos,
produzindo os favelados, de modo a nos constituirmos como pessoas de bem , não
mais nos reconhecendo nesse exterior constitu¬tivo, passando a olhá-lo com
repugnância.
Ou não quer entender verdade verdadeira. Se a gente entendesse, a favela não
estava plantada lá na beira do Tietê. Já que está, o melhor é a gente fechar os
olhos e tampar os ouvidos. Convém.
São eles que entendem – os que moram lá e se degradam lá, na fome, na lama, no lixo, na
cama. Tem menino barrigudo que entende mais do que a gente. Tem. Até cachorro magro
entende mais. Só que eles não dizem nada. (...) Carolina Maria de Jesus é quem diz e
escreve3.
Quarenta e cinco anos depois, em entrevista com as autoras, Dantas critica essa
apresentação como tendo sido muito emocional . Mas ainda reafirma a importância
da escrita de Carolina sobre sua experiência da favela. Segundo elas, Dantas ainda
considera que o seu principal trabalho jornalístico foi o lançamento do livro Quarto
de despejo . E completa que o importante é o texto dela. Eu faço a introdução e o
restante é o texto dela. É o diário dela. Aí é que está a importância do trabalho
(2007, p. 52, grifos meus). Imagino que quando critica sua própria escrita, Dantas
esteja se referindo à ansiedade provocada pelo encontro com o abjeto, que o tornou

Página 9 de Elas da Favela


esteja se referindo à ansiedade provocada pelo encontro com o abjeto, que o tornou
muito emocional . E quando, depois de todos esses anos, continua valorizando a
escrita de Carolina sobre sua experiência de abjeção, Dantas talvez esteja mostrando
que o abjeto não é mudo, que usa sim as palavras, que estão sempre disponíveis para
todo mundo, e que seu texto importa sim – tanto ou mais do que o próprio sujeito.
Sem dúvida, em sua busca de entender essa figura complexa que foi Carolina Maria de
Jesus, uma favelada negra que escrevia, Eliana e Marília foram corajosas, enfrentando
o desafio de ultrapassar fronteiras que nos separam do abjeto, abrindo assim mais um
caminho para quem está lutando contra a desigualdade em nosso país. Porém, ao se
restringirem aos aspectos psicológicos, as autoras muitas vezes analisam a relação
entre Carolina e Dantas em termos puramente motivacionais e racionais:
Talvez por ser repórter comprometido com as questões sociais, Dantas viu na
autora o desejo de denunciar e protestar contra a miséria em que vivia,
tornando-se porta-voz dos favelados.
Entretanto, as razões de Carolina não eram bem essas. Ela já vinha gritando e
ameaçando há anos, como forma de estar no mundo. Escrevia, entre outros
motivos, para suportar o cotidiano que a tornava nervosa , especialmente
quando a fome aumenta¬va... Escrevendo, afastava os problemas...
Além disso, Carolina vislumbrava o fim de suas agruras num possí¬vel sucesso
literário e pessoal: Se estou escrevendo é porque tenho pretensões: quero
comprar uma casinha (2007, p. 58, grifos meus).
Percebe-se na biografia a preocupação em explicar essa necessidade de escrever como
um caminho para o sucesso :
No registro puramente psicológico, escrever era para Carolina uma fonte de
prazer, da ordem da sublimação. Canalizando sua energia para essa atividade tão
criativa e valorizada socialmente, estruturava-se psiquicamente, reelaborava a
experiência traumática e talvez a superasse (...).
Escrever e publicar um livro lhe daria ainda a glória e o dinheiro para sair da
favela. Carolina buscava o reconhecimento e aspirava ao sucesso (2007, p. 108,
grifos meus).
No capítulo sobre o sucesso de Carolina , as autoras escrevem sobre os conflitos de
Carolina com a mídia:
Mas Carolina precisa da mídia para continuar na ribalta e, a partir de certo
momento, força a mão para que isso ocorra. Mas a novidade, como tudo mais,
passa, deixando um gosto amargo para quem já foi estrela. É patente a má
vontade da mídia, que trata de forma preconceituosa a tentativa patética de
Carolina de permanecer em evidência (2007, p. 76, grifos meus).
É essa atenção ao registro puramente psicológico que também leva as autoras a
interpretarem o período de 10 anos em que Carolina, tendo saído de Sacramento, não
encontra um lugar e perambula de casa em casa, traba¬lhando como doméstica, com
problemas de saúde, sendo explorada pelos patrões, como um período de
deambulação compulsiva (2007, p.i20), em que Carolina prossegue na sofreguidão
deambulatória (22).
A capa do livro reproduz um manuscrito do livro póstumo de Carolina, Diário de Bibita.
Um outro manuscrito desse mesmo livro ilustra também a capa do livro, Brasileiras:
voix, écrits du Brésil (Paris: des femmes, 1977), organizado por Maryvonne Lapouge e
Clélia Pisa, respectivamente uma francesa e uma brasileira vivendo há 25 anos na
França, que em 1975 entre¬vistaram algumas mulheres brasileiras, entre elas
Carolina. Além da inspiração para a capa, esse livro parece servir como importante
referência para as autoras em sua biografia de Carolina. Todas as mulheres
entrevistadas – com exceção de Carolina e uma boia-fria – pertenciam aos estratos
privilegiados da população, sendo todas brancas, com exceção de Carolina. Lapouge e
Pisa justificam a busca dessas mulheres – quase todas em análise (1977, p.i13) –
pelo tempo e meios limitados, que as fizeram ir direto àquelas que dispunham da
palavra (1977, p. 9. grifos meus). Por outro lado, mesmo tendo levado quase um
mês para recuperar os passos de Carolina, insistiram em vê-la, pois as lacunas e
incoerências de sua entrevista poderiam indicar as experiências ocultadas que [as
autoras] não puderam registrar e que são o cotidiano da maioria da população
brasileira (1977, p. 167). Em Brasileiras, Carolina não aparece entre as
Escritoras . Nem entre as de São Paulo (Lygia Fagundes Telles, Zulmira Ribeiro
Tavares, Julieta Godoy Ladeira e Hilda Hilst), nem entre as dos Rio (Maria Alice

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Tavares, Julieta Godoy Ladeira e Hilda Hilst), nem entre as dos Rio (Maria Alice
Barroso, Clarice Lispector e Nélida Piñon). Em troca, ela fica como a única
representante de A Favela . Ironicamente, no final de sua vida, ao ser entrevistada
por duas mulheres feministas, que queriam ouvir as vozes das brasileiras, a letra
redonda de Carolina na capa do livro que elas produziram é o que resta da escritora,
que neste livro volta a seu lugar na favela. Ainda que, como relatam Eliana e Marília,
desse encontro tenha resultado a publicação do livro de Carolina Diário de Bibita, cujo
manuscrito ela havia dado às autoras, que o editaram e publicaram em 1982 na
França (somente em 1986 o livro foi traduzido e publicado no Brasil), é sintomático
que Carolina não ocupe um lugar entre as escritoras em Brasileiras, confirmando sua
imagem como alguém que, segundo Lapouge e Pisa, não dispõe da palavra .
Uma biografia é a (re)construção de uma personagem num determinado tempo e
espaço. Em sua biografia de Carolina, Eliana e Marília a constroem como uma figura
fragmentada [que] nunca chegou a formar um todo consis¬tente (27), uma
personagem instável , com contradições e incoerências (46), que
nunca se conformou com a vida na favela, nunca se identificou com os outros
favelados, cuja indolência e conformismo criticava. Percebia-se como
culturalmente mais bem aquinhoada que os vizinhos, mas só pela escrita podia
se afirmar como tal. Era cheia de contradições, em todos os níveis – social,
cultural, psicológico. Mulher negra, tinha preconceito contra negros. E contra
nordesti¬nos. Identificava-se mais com a classe dominante. Nutria ideais de
moralidade e exigências de comportamento, se não incompatí¬veis, pelo menos
em desacordo com a vida da favela. Sua visão de mundo era basicamente
conservadora. (...) Sair da favela é o sonho de Carolina, ir morar numa casa de
alvenaria, libertar os filhos e a si mesma da opressão e da miséria. Sair do
chiqueiro, sair do inferno (2007, p. 46, grifos meus).
Segundo as autoras, para Carolina, é muito claro o efeito nefasto da favela sobre
quem quer que vá aí morar (39). Carolina não se misturava com os vizinhos
(38). Era hostil à vida livre de algumas mulheres e condenava a bebida sem
apelação (40). Seus andrajos, sua cor, seu suor lhe causavam constrangimento,
sob o olhar do outro. Olhar de desprezo, que Carolina custava a suportar (41).
Como observa Clarice Lispector em A hora da estrela, não é fácil mesmo suportar o
olhar do outro. Assim, finalizo essa resenha, recorrendo a fragmentos de Quarto de
despejo para nos lembrarmos como Carolina, essa inapropriada outra ou mesma4,
suportava esse olhar.
Sobre o preconceito contra negros:
Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respon¬dia-me: É
pena você ser preta. Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu
cabelo rústico. ... Se é que existe reencarnações, eu quero voltar sempre preta
(65).
...Enfim, o mundo é como o branco quer. Eu não sou branca, não tenho nada
com estas desorganizações (70).
Sobre o olhar do outro: ... Os visinhos de alvenaria olha os favelados com
repugnância. Percebo seus olhares de ódio porque eles não quer a favela aqui.
Que a favela deturpou o bairro. Que tem nojo da pobresa. Esquecem eles que na
morte todos ficam pobres (56).
... o senhor que penetrou no elevador olhou-me com repugnância. Já estou
familiarisada com estes olhares. Não entristeço (108).
... Ela me olhava e olhava ele. Ele com seus sapatos reluzentes. E eu suja
parecendo um marginal de rua. Ela ficou horrorizada porque eu durmo com ele.
Ela me olhou com repugnância quando eu disse que ele vai me dar uma máquina
de costura e um radio. ... Dormi com ele. E a noite foi deliciosa (161).
Sobre cheiro e sujeira: ...Não fiquei revoltada com a observação do homem
desconhecido referindo-se a minha sujeira. Creio que devo andar com um cartas
nas costas: Se estou suja é porque não tenho sabão (97).
... Pensei nas palavras da mulher do Policarpo que disse que quando passa
perto de mim eu estou fedendo bacalhau. Disse-lhe que eu trabalho muito, que
havia carregado mais de 100 quilos de papel. E estava fazendo calor. E o corpo
humano não presta. Quem trabalha como eu tem que feder! (131).
Sobre a favela: ... O senhor Dario ficou horrorizado com a primitivi¬dade em
que eu vivo. Ele olhava tudo com assombro. Mas ele deve aprender que a favela

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que eu vivo. Ele olhava tudo com assombro. Mas ele deve aprender que a favela
é o quarto de despejo de São Paulo. E que eu sou uma despejada (141).
Percebo que todas as pessoas que residem na favela, não aprecia o lugar
(90).
O que se nota é que ninguém gosta da favela, mas precisa dela. Eu olhava o
pavor estampado nos rostos dos favelados (180).
... Há decência na favela (74).
... Quando alguém nos insulta é só falar que é da favela e pronto. Nos deixa
em paz. Percebi que nós da favela somos temido (83).
... A mulher que suicidou-se não tinha alma de favelado, que quando tem fome
recorre ao lixo, cata verduras nas feiras, pedem esmola e assim vão vivendo (...)
Pobre mulher! Quem sabe se de há muito ela vem pensando em eliminar-se,
porque as mães têm muito dó dos filhos. Mas é uma vergonha para uma nação.
Uma pessoa matar-se porque passa fome (63).

Belo Horizonte, outubro de 2008.

Artigo recebido em: 23/10/2008


Aprovado para publicação em: 18/11/2008

Colado de <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1679-44272008000200010&script=sci_arttext>

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