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Resumo
15 1[2012 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do instituto de arquitetura e urbanismo iau-usp
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Tipo, indústria e produção habitacional
que o descreveram por esse ângulo crítico, sobretudo duas décadas do século XX –, além desta introdução,
pelo caráter experimental que ali se defendeu, o texto que se segue conta com outras duas partes:
desdobrando-se em projetos que, tanto por isso, a primeira delas, Sobre arte, tipo e indústria, enfoca
poderiam ser interpretados, no limite, como claramente as abordagens propostas pela Deutsche
provisórios ou mesmo incompletos. Werkbund e especialmente Hermann Muthesius
e seus partidários a respeito das noções de tipo
A aposta frustrada na emancipação pela técnica, e tipificação em sua relação com a indústria e a
a promessa mecanicista inconclusa, a idealização produção serializada, o alcance e a limitação das
equivocada do desenvolvimento material da propostas e o desnudamento da questão de síntese
humanidade, ou como se queira: a essência das que os atingia mais amplamente – a onipresença
manifestações utópicas daquilo que se procurou da economia capitalista e a inserção do artista num
praticar enquanto arte, arquitetura e urbanismo sistema cultural que a ela correspondia.
nas primeiras décadas do século XX, olhando para
o passado e orientando um estágio de modernidade A segunda parte, Sobre habitação, indústria e
posterior do qual não se nega o estado de crise, produção, trata-se de uma tentativa de problematizar
só merece ser assim interpretada sob o crivo da os contrapontos e as aproximações da discussão
história. anterior com as formulações de Walter Gropius a
respeito da fabricação industrial de moradia para
Abundam relatos sobre o modernismo tal como as massas, os avanços realmente alcançados, os
ele se desenvolveu em território alemão nos anos impasses inerentes, as experiências práticas realizadas
1910-20 que reconhecem aí excessos tanto quanto em solo europeu, sobretudo no entreguerras – e,
omissões, em discurso e prática, para fazer valer a a partir daí, alguma deixa para reflexões futuras a
aposta na perspectiva redentora da técnica, que, respeito daquilo que se empreendeu no Brasil, no
como se sabe, não se superou em seus próprios momento em que se propôs uma política habitacional
desajustes – o principal deles, o divórcio da política? de peso, já nos 1960, com base na produção
–, já que talvez não fosse mesmo possível lidar com em escala, racionalizada e com traços de alguma
2 Embora sejam feitas men- desequilíbrios, contradições e atrasos típicos da industrialização2.
ções aos fundamentos plurais
que ampliam a questão e
reorganização capitalista do mercado mundial e do
a tornam inesgotável, seria desenvolvimento produtivo (Tafuri, 1985) de forma As costuras discursivas propostas permitem uma
importante ressaltar que a
noção de “tipo” tratada no
contornável, encontrando uma zona de conforto reflexão para análises ainda abertas, de fato
texto é específica, focalizada capaz de acomodar consensualmente artistas, inesgotáveis: estruturar-se como arcabouço teórico
a partir de sua particular re-
lação com a indústria, a partir
produtores e consumidores. e analítico para maiores e futuros aprofundamentos
do referencial oferecido pela em relação ao tema da habitação no Brasil, apenas
Deutsche Werkbund.
No entanto, sob rigor analítico, não parece razoável introduzido neste artigo, com especial enfoque
subestimar o fato de que a reconhecida ambição das para a produção dos últimos cinquenta anos, muito
teorias de arte, arquitetura e design aí formuladas explorada pela historiografia em relação a suas
faz jus à ousadia de enfrentar um mundo cujas características como política pública, mas ainda
incongruências esses artistas claramente reconheciam, um tanto carente de investigações que tratem
imaginando, tanto por isso, como seria possível dar- mais especificamente de aspectos projetuais e de
lhe algum sentido naqueles novos tempos. Como produção, donde as discussões sobre a indústria
lembra Schwartz (1996, p.08) em relação aos e a serialização assumem, acredito, papel de
membros da Werkbund, burgueses que eram, “eles destaque.
estavam experimentando abertamente, tentando
definir seu próprio mundo antes de apresentá-lo Primeira parte - sobre arte, tipo e
a outras classes como um coerente conjunto de indústria
representações, como um único mundo, o verdadeiro
mundo, o mundo moderno”. A Deutsche Werkbund (DWB), organização fundada
em 1907, surgiu em meio a uma série de debates
Partindo de uma referência em especial – o debate enérgicos sobre a crise de cultura desencadeada
acerca dos temas da modernidade, da cultura e da pela indústria e pela urbanização, com o propósito
economia que movimentou a Alemanha nas primeiras de, fundamentalmente, aperfeiçoar a formação
Aqui, a discussão sobre o papel da indústria como “A maneira como os conceitos de tipo e marca se
vetor organizacional da sociedade encontraria sobrepõem sugere a crença de que, traçando seu
lugar, segundo Schwartz, numa tentativa (para ele, caminho reto e estreito através da economia, a
de antemão condenada) de equacionar a relação nova mercadoria com a marca de seu criador iria
espinhosa entre forma e economia, já que se entendia realizar o trabalho de higiene cultural que a facção
que essa era a solicitação aos artistas da época. de Muthesius na Werkbund havia sugerido. Eles
Esse o canal, conscientemente percebido diante da pareciam acreditar que a marca poderia funcionar
realidade, para que a arte efetivamente se dissolvesse como um tipo e representaria uma espécie de estilo
na vida – explorando a nova técnica em seus limites, aceitável para o grande capital, cujo apoio eles foram
tomando partido de seu caráter positivo, a-histórico, solicitar para mudar a face do mercado” (Schwartz,
objetivo e despojado: 1996, p.140).
“[Os] membros da Werkbund não estavam confort- Partindo de tais questões, mais do que tão somente
áveis com a noção de ‘arte’: eles frequentemente a ressaltar a argumentação do grupo opositor a
colocavam entre aspas, zombavam dela, e em geral Muthesius – que, de acordo com Schwartz, vem
reconheciam sua inadequação às preocupações que sendo comumente abordada de forma simplista pela
compartilhavam, preocupações estas que normal- historiografia como “uma tentativa da retaguarda
mente os levavam para longe do espaço do salão, de reviver uma estética artesanal em oposição
da galeria, ou do museu. Eles buscaram trocar o às demandas feitas aos artistas pelo mercado
tradicional acesso do artista a estes lugares pelo local capitalista” (p.11) –, o autor inglês pretende
de trabalho e pelo mercado. E fazendo assim, eles alertar para as limitações inerentes à própria
tornaram-se cientes de que não estavam lidando ideia do Typisierung tal como a formulara seus
apenas com ‘indústria’ ou produção, mas com forças partidários. Chamando a atenção para as ácidas
que levavam seus produtos a pontos muito distantes observações feitas à época pelo economista Karl
Bücher a respeito do Typisierung, Schwartz ressalta “A nova meta seria a produção em larga escala
seus dizeres: de casas de moradia, que seriam fabricadas, não
mais no canteiro de obras, mas dentro de fábricas
“Um mundo completamente especializado, tipi- especiais em partes isoladas passíveis de montagem.
ficado, normalizado, seria um mundo petrificado, As vantagens desse tipo de produção seriam tanto
em que se teria de aceitar produtos idênticos e fazê- maiores quanto mais possibilidades houvesse de
lo sem a estimulante condução para o progresso. montar as partes individuais pré-fabricadas no
Ele pressupõe que os consumidores não podem próprio canteiro de obra, por meio de processos de
transcender o dado. Estamos longe o suficiente ao construção a seco, como se fossem peças de uma
longo da nossa evolução industrial para trazê-la a máquina. [...] Semelhante processo de construção
um fim, fixando indefinidamente formas, dimensões industrial só é cogitável em larga base financeira.
e tipos de mercadorias?” (K. Bücher, citado em O pequeno empreiteiro, o engenheiro ou arquiteto
Schwartz, 1996, p.145) nunca estarão em condições, individualmente de
pô-lo em prática. Uma iniciativa conjunta, para
Ou seja, fica claro que não se tratava apenas tal fim, de todos os ramos compreendidos, já deu
de reivindicar o estatuto autoral da obra, sua bons resultados econômicos também em outros
originalidade e o reconhecimento do artista e, campos. A compreensão de muitos chefes de firmas
ainda, se seria possível equacioná-los num cenário construtoras teria, pois, de preceder a formação de
de produção em massa, serializada. Tratava-se, mais organismos de consumidores e a organização vertical
além, de discutir também o papel da norma e sua de empresas com poder financeiro suficiente para
recepção num mundo contagiado pelo poder da assegurar a realização dos processos de produção em
tecnologia maquinista. larga escala. As vantagens econômicas desta forma
de construir seriam então enormes, sem dúvida”.
Por outro lado, esta talvez fosse uma forma de (Gropius, 1994, pp.191-192; grifos no original)
enfrentar pela via cultural um problema de base
econômica, suprimindo “uma avaliação realista da Não há dúvidas de que Gropius dialogava aberta-
produção e distribuição de mercadorias em grande mente com a cultura capitalista e a ela entrelaçava os
escala” (Schwartz, 1996, p.11). O desconcerto talvez propósitos de sua arquitetura, ecoando nitidamente
estivesse mais próximo, intrínseco à própria lógica o debate sobre a modernidade que animava os
imaginada para o funcionamento do Typisierung; anos 1920 na Alemanha. Schwartz chega mesmo
e o mesmo Bücher formulara a questão em sua a relacionar o racionalismo gropiusiano às teorias
dimensão crucial: do marxista Georg Lukács, na medida em que
ambos trabalham uma dialética difícil e “parecem
“Não apenas [Karl Bücher] questionava se os resul- convergir num problema central, fundamental:
tados que poderíamos esperar desta estandardização a relação entre a economia moderna e a vida da
seriam inteiramente positivos, mas também se mente, entre mercadoria e cultura” – ainda que
poderíamos esperar seriamente que a indústria o filósofo tenha dissertado sobre a produção de
voluntariamente se submeteria a tais planos de mercadorias em massa para estudar alienação e não
estandardização” (Schwartz, 1996, p.145). transcendência (Schwartz, 1996, p.05).
6 Paulo Bruna, em obra re- ao confiar ao liberalismo de mercado um papel quanto os artigos de consumo produzidos pela
cente, dedica uma passagem
importante à centralidade
de destaque no processo de transformação da máquina, que hoje dominam o mercado” (Gropius,
que a questão da habitação produção habitacional, ele expõe-se aos mesmos 1994, p.119).
mínima, produzida em série,
ocupou nos debates acerca
questionamentos que Bücher assinalara em relação
do “Neues Bauen”, sobretu- aos interesses aí envolvidos e, certamente, não os Gropius talvez tenha sido o arquiteto que mais
do no imediato pós-Primeira
ignora, já que também conclama o Estado a assumir- se comprometeu e deu visibilidade, dentre seus
Guerra, na Europa. O autor
elenca uma série de arquite- se responsável pela tarefa. contemporâneos, à problemática da pré-fabricação
tos envolvidos com esta pro-
e da industrialização de componentes da edificação
blemática, em países como a
Holanda, a Alemanha, a Áus- No que diz respeito à padronização, Gropius chega habitacional. Ainda que outros expoentes da época,
tria e a Inglaterra, e ressalta a
a lançar mão do termo “habitação típica” (Gropius, como o próprio Corbusier, também tenham dedicado
circulação de ideias e os tra-
ços comuns que os conectava 1994, p.189) e constrói uma abordagem coerente reflexões ao tema das casas em série6, o alemão foi um
a todos, muito embora diver-
em relação ao que ele chama de “expressão formal tanto além, estudando de forma mais aprofundada
gissem em alguns aspectos.
Ele se esforça em destacar o coletiva”, recuperando a ideia do tipo (ou do e pragmática os processos produtivos, arriscando-
papel da imprensa, também
ativa no debate, o papel do
standard, como ele prefere) como fator unificante, se, inclusive, em uma série de experiências práticas,
Estado como patrocinador de atemporal – o desejo de reproduzir uma boa sobretudo já nos tempos em que integrava a Bauhaus,
experimentos de construção
forma standard seria, segundo ele, uma função da admitidas pela historiografia como de fundamental
habitacional em massa, o
papel das publicações espe- sociedade humana e mesmo o homem pré-industrial relevância para a narrativa da arquitetura moderna,
cializadas, das exposições
aceitara naturalmente a repetição do standard como como o Törten Siedlung (Dessau, 1926-1928), as
e dos congressos (como é
o caso, evidentemente, do resultado de uma fusão do melhor, alcançado com duas casas pré-fabricadas na Weissenhofsiedlung
2° CIAM, em 1929) na di-
a colaboração de muitos indivíduos envolvidos na (Stuttgart, 1927) e as casas pré-fabricadas com
vulgação e na publicização
de tais experiências e ideias solução de um problema. O standard não estaria, revestimento de cobre (Berlim, 1931).
(Bruna, 2010). Do ponto de
pois, relacionado a um recurso de produção específico
vista historiográfico, em meio
a esta movimentação de am- – “sejam ferramentas ou máquinas”. Ele enfatiza Tal como conta Bruna (2010), na esteira das
plas proporções, certamen-
que as formas-padrão da arquitetura de gerações discussões sobre a tipificação da produção industrial
te alguns arquitetos foram
abordados e lembrados com passadas sintetizam e fazem concordar “técnica e despontada e encabeçada por Muthesius na
maior ênfase, em detrimento
de outros – é o caso de Gro-
fantasia”, e seria importante fazer reanimar outra Werkbund, como se viu aqui, a possibilidade de
pius e Corbusier (este, com vez esse mesmo espírito – “mas não em suas formas padronizar componentes destinados à produção
suas evidentes particularida-
des em relação à questão),
superadas – para que nosso atual ambiente pudesse em série e as condições econômicas vantajosas
não resta dúvida. De todo ser remoldado com o novo meio de produção, a que daí advinham passaram, aos poucos, a atrair a
modo, aqui, permito-me fo-
calizar Gropius, sobretudo
máquina” (p.119). indústria da construção na Alemanha – resultado
por sua ligação com a Werk- disso, ressalta Bruna, seriam, por exemplo, os
bund e com a Bauhaus, por
No entanto, no caso do desenvolvimento habita- grandiosos conjuntos habitacionais construídos
sua atividade de educador e
pela riqueza dos escritos que cional, afirmando sua preocupação com “o perigo por Ernest May em Frankfurt, no entreguerras, ou
legou às gerações seguintes,
da uniformidade total, nos termos da casa suburbana mesmo o bairro experimental Weissenhofsiedlung,
síntese também de sua busca
obstinada pelo sentido prá- inglesa” (p.193), o arquiteto alegava que não inaugurado também nesse mesmo período, em
tico de nossa profissão na
se deveria permitir que a padronização e a pré- julho de 1927, na cidade de Stuttgart, para a
sociedade industrial.
fabricação fossem responsáveis pela produção de exposição internacional da Werkbund, anunciando
7 Para situar o modo como a
casas estereotipadas. E, ao vislumbrar a armadilha, concretamente aquela que seria a chamada “nova
questão da industrialização
da construção vinha sendo ele mesmo apresenta a saída: habitação”, da qual eram partidários e projetistas
tratada na Alemanha dos diversos arquitetos, ligados ou não à Werkbund –
anos 1920-30, vale a pena
registrar que, conforme Bru- “[A organização industrial] deve ter como alvo produzir Mies van der Rohe na direção, seguido de Gropius,
na (2010, p.72), “boa parte não casas inteiras, em primeiro lugar, mas componentes Behrens, Poelzig, Taut, Hilberseimer, Corbusier, J.J.P.
dos fundos para a constru-
ção do Weissenhofsiedlung padronizados, fabricados em série, de modo, porém, Oud, dentre outros7.
[...] vieram de uma nova que permita montar diferentes tipos de casas, assim
organização federal, criada
pelo Ministério do Trabalho como na construção de máquinas certas partes Ali, Gropius realizara duas casas unifamiliares
[alemão], cujo objetivo era normadas [sic] encontram aplicação internacional totalmente pré-fabricadas, através de um sistema de
financiar experimentos em
métodos econômicos para a em diferentes máquinas” (Gropius, 1994, p.193). montagem a seco para uma estrutura composta por
construção em massa de ha- um esqueleto em aço e painéis divisórios de cortiça,
bitação. Foram financiados,
entre 1927 e 1931, uma série “[...] a competição natural, no mercado livre, cuidará revestidos com placas de cimento amianto (Berdini,
de projetos experimentais, para que as partes de construção pré-fabricadas 1986, p.81). Mais tarde, com a experiência das casas
dentre os quais uma parte do
... continua próxima página apresentem uma multiformidade tão individual desenvolvidas para a empresa Hirsch Kupfer und
continuação da nota 7... Messingwerke, de Berlim, que ademais apresentava das componentes não estabelece limites à criação
conjunto de Praunheim [de a possibilidade de futuras expansões conforme a individual, que todos nós almejamos, e a repetição
Ernest May, em Frankfurt].
Além disso, [a organização] necessidade do morador, o arquiteto ensaiou novas das partes individuais e dos materiais idênticos em
também publicava e distri- formas de pré-fabricação, esclarecendo aquilo que diferentes corpos de construção não dará uma
buía extensos relatórios de
todos esses projetos, bem lhe parecia vantajoso nesse tipo de construção: sensação de ordem e calma, tal como a uniformidade
como extratos de escritos de nossas roupas. Precisamente como neste caso,
de W. Gropius, Mies van der
Rohe e outros, relativos ao “Eliminação da umidade no processo de construção; a peculiaridade do indivíduo e da nação guarda
significado social e cultural leveza das distintas partes a construir; independência suficiente possibilidade de produzir seus efeitos,
da nova habitação”.
das condições atmosféricas ou das estações, dado mas tem o caráter de nossa época” (Gropius, 1994,
o caráter da montagem; redução dos custos de p.196; grifos no original; negritos meus).
manutenção graças à alta qualidade dos materiais que,
ao serem produzidos dum modo standard, apresentam A reafirmação do gênio autoral do arquiteto faz
também vantagens de tipo econômico; possibilidade claramente ecoar os debates de trincheira de anos
de fixar um preço não susceptível de incremento; antes, na Werkbund, de forma, no entanto, ainda
rapidez na entrega” (Berdini, 1986, p. 128). mais dramática e contraditória, como se se cavasse
espaço num mundo inteiramente mecanizado para
Novamente no texto “A indústria de casas pré- uma expressão que já não sabe bem qual sentido
fabricadas”, Gropius ocupa-se de fartas descrições pode continuar a ter diante do poder da indústria e
sobre aspectos técnicos e construtivos que estariam dos novos hábitos que ela imputa à sociedade.
implicados na pré-fabricação, detalhando alguns deles
e prescrevendo uma espécie de normativa genérica Por outro lado, somente a defesa inconteste da adoção
que pudesse ser seguida para que o aprimoramento de novos padrões de comportamento social poderia
da industrialização das partes alcançasse algum justificar a aceitação da “nova arquitetura”:
êxito. Os benefícios que ele esperava extrair dela
eram de fato inúmeros e ele acrescenta outros em “A maioria dos cidadãos dos povos civilizados têm
relação àqueles listados no excerto acima – exatidão necessidades análogas no que tange às necessidades
de medidas, encaixe perfeito das partes no canteiro de vida e morada. Daí não se entender por que
de obras, aceleração da montagem, rebaixamento as casas de moradia que construímos não podem
dos custos de mão-de-obra (que não necessitaria apresentar um caráter igualmente homogêneo, como
qualquer especialização ou qualificação), suspensão as nossas roupas, sapatos, malas e automóveis”
de atrasos e consequente perda de tempo e dinheiro (Gropius, 1994, p.193).
(Gropius, 1994).
O emprego dos tipos, como condição do corolário
O problema estético que envolve esta forma de moderno, aparece, mais uma vez, como uma prática
concepção e produção da casa, por outro lado, não enredada numa espécie de labirinto do qual não se
merece destaque neste mesmo texto – ao contrário: vê saída. E, não à toa os adeptos do pós-modernismo
Gropius o aborda já ao final e não dedica mais vão tomá-la como alvo para mirar algumas de suas
8 A respeito do emprego de que um parágrafo a ele, ainda assim, reafirmando críticas mais desafiadoras, ainda que vários deles
tipologias como metodologia
o comprometimento com o caráter harmonioso também a defendam, embora sob outra lógica8.
de projeto, Alan Colquhoun
(2006), em ensaio publica- das novas casas e bairros residenciais que surgirão Montaner (1999) é um dos autores que, agenciando
do originalmente em 1967,
do artefato industrial, mais uma vez citando o referências as mais diversas (algumas soando inclusive
argumenta, opondo-se ao
que ele chama de “determi- antiexemplo das casas inglesas de subúrbio. E, de um tanto deslocadas), citam o movimento moderno
nismo biotécnico” do mo-
forma quase inesperada, anuncia: como tomado de uma visão positivista do homem,
vimento moderno, sobre a
necessidade de que se utilize que seria encarado, do ponto de vista projetual,
o recurso de “modelos ti-
“A ‘beleza’ será garantida por materiais bem como puro, perfeito, genérico e total, contrapondo-o
pológicos” que orientem o
ato de projetar, porque eles trabalhados e uma edificação clara e simples [...]. à ideia do homem comum, concreto e imperfeito,
guardam camadas de signi-
Em que medida há de surgir de tais elementos de tradicionalmente, diversamente e contextualmente
ficação cultural que podem
e devem ser recuperadas. construção, desta ‘grande caixa de montagem’, inserido no mundo.
Essa teorização foi utilizada
um espaço bem plasmado na obra arquitetônica,
também por outros ícones
pós-modernos, como Aldo dependerá então do talento criador do arquiteto No entanto, às avaliações de corte culturalista
Rossi e Leon Krier.
construtor. De qualquer maneira, a padronização preconizadas por grande parte desta historiografia
de combate aos modernos, fortalecida a partir dos cavação de estacas ou perfuração do solo para
anos 1960, parece escapar a questão da produção execução de fundações, passando pela elevação
propriamente dita, de fundamental relevância de alvenarias, execução de formas e armaduras,
para que se possa perceber a complexidade desta até a aplicação de revestimentos e pinturas, todo
discussão em suas dimensões mais amplas. Se, como o processo construtivo completa-se por uma lógica
quer Schwartz (1996), os membros da Bauhaus, e fundamentalmente artesanal, embora possa ser
9 Veja-se o trabalho de Shim- especialmente Gropius, de certa forma reduziram sim altamente racionalizado9. Se a indústria de
bo (2010), a respeito dos
canteiros manufatureiros das
sua teoria à tecnologização da modernidade e do componentes não cresceu na escala imaginada
construtoras que hoje produ- capitalismo, tanto ignorando o sistema político por Gropius e não rendeu os progressos almejados,
zem, com largos incentivos
de programas como o Minha
quanto aceitando e se adaptando aos “imperativos em termos econômicos, sociais e mesmo culturais,
Casa Minha Vida, do governo econômicos definidos em termos de técnica de o Brasil seria um bom exemplo para entender
federal, conjuntos habita-
cionais para as classes baixa
produção” (p.02), por outro lado, há que se seus porquês, tal como tentou fazer Sérgio Ferro,
e média-baixa, altamente reconhecer que a reflexão que naquele momento iluminado pela doutrina marxista, na virada dos
racionalizados e controlados
para garantir rentabilidade.
se construiu a esse respeito de fato parece não ter anos 1960-70.
deixado muitos herdeiros a sua altura.
Quanto à tipificação, como já dito, parece certo
A baliza da norma universal, sem dúvida, merece que aquilo que no Brasil se pôs em curso guardou
atentas ressalvas, como o quiseram e o fizeram os enormes distâncias em relação às ideias originais
pós-estruturalistas, numa tentativa de aprofundar de Muthesius e Gropius: ainda que Carlos Comas,
criticamente a leitura do mundo contemporâneo. Por analisando a fórmula que permitira decalcar conjuntos
outro lado, para a arquitetura, o vácuo de reflexões habitacionais repetidamente ruins país afora, refira-
densas a respeito dos meios de produção – não em se a eles como “tipo arquitetônico”, como o tipo
oposição, mas de forma complementar ao debate “conjunto habitacional BNH” (Comas, 1986,
cultural – não permitiu avanços mais do que tímidos p.127), remetendo-se, logicamente, à insistente
em relação, por exemplo, à própria industrialização padronização arquitetônica e urbanística adotada,
da construção, em escala e com qualidade, tal como soaria impróprio estabelecer relações diretas entre
a vislumbrara Gropius e os seus. as concepções desenvolvidas pelos alemães e o
projeto da casa popular no Brasil (o que o autor
Veja-se o caso brasileiro: em termos de atendimento não faz, diga-se). Mesmo tratá-las em termos de
habitacional para as massas, quando se ensaiou deturpação, obliquidade, enviesamento, talvez
uma política de porte, com o Banco Nacional de seja ainda insuficiente para estabelecer uma leitura
Habitação, passamos a conviver com mares de correta daquilo que caracteriza a habitação em massa
conjuntos habitacionais, de longe e apenas inspirados no Brasil, porque uma questão em especial, que
em linguagem moderna, despidos de qualidade faço repetir, permaneceria aberta, carente mesmo
projetual, espraiados nas periferias de solo barato, de investigação: como entender, em suas dimensões
facilmente identificados por um padrão construtivo não apenas econômicas, mas também culturais, o
que passa a ser característico da promoção estatal ‘tipo’ e a série sem a presença da indústria.
a partir de então – e aqui localizamos o fenômeno
que nos particulariza: a série sem a indústria. A Os caminhos de reflexão a esse respeito podem
repetição de uma forma que em nada se assemelha ser inúmeros, mas me parece certo que um
ao tipo muthesiano, invertida em sua lógica de uma dos pontos de partida está nos sentidos que as
mercadoria que, em tese, primordialmente deveria vanguardas alemãs atribuíram às questões da técnica
apresentar qualidade (tipo mais adequado para a e da racionalidade produtiva – a meu juízo, temas
função específica do objeto). relativamente pouco explorados pela historiografia
da arquitetura moderna brasileira, mais afeita a
Em termos práticos, o que se verifica em relação tratar de licensiosidades formais, desvios positivos,
à produção do BNH (e ainda nos dias de hoje) anti-racionalismo e genialidade, atributos que, em
é, basicamente, a reprodução de tecnologias tese, nos caracterizariam –, e por isso o esforço de
construtivas tradicionais e manufatureiras, de todo aqui focalizá-los e tomá-los como fundamentais para
condizentes com a baixa composição orgânica de seguir estudando as complexidades que fortemente
capital na construção civil: desde os sistemas de caracterizam a produção habitacional no Brasil.
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