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PARTE I

NEGUIM
CAPÍTULO I –

Era mais uma das madrugadas frias no aglomerado, o vento soprava como uma navalha
bem afiada, nem o capuz segurava aquele corte gelado. Sentado no sofá velho, rasgado, com
marcas de queimado, deixado num canto escuro, somente a brasa do seu cigarro podia ser vista,
ela acendia e deixava nítida os traços negros do seu rosto, seu olhar cabreiro, seus traços
agressivos. O chiado do rádio indicava a cartografia da polícia e da favela, o ferro pesava em sua
cintura, o saco de mercadorias mais parecia um saco de cimento. “Até parece que isso é
diferente do trampo normal!”. O vento assobiava, levantava a poeira do campo, levava sacos
plásticos, papeis, fazia redemoinhos. Acendeu outro cigarro, o barulho do isqueiro quebrou o
silêncio da madrugada em um grande estalo. Deu um trago fundo, encheu os pulmões de fumaça
e fechou os olhos. Lembrou de quando era uma criança, corria pelos becos de sua favela natal,
brincava com seu primo de bolinhas de gude, policia e ladrão, sempre brigou pra ser o ladrão e
agora estava ali naquela situação, sem estudo, sem futuro. Abriu os olhos novamente, sua
audição aguçada percebeu barulho de passos, levantou a cabeça e esperou a sombra que subia
as escadas se aproximar pouco a pouco do seu escritório de trabalho. Era um homem alto, negro,
careca, vestia roupas sociais amarrotadas, estava com a feição preocupada, atormentado por
uma droga mortal. Suava muito e olhava para todos os lados, como se o perigo se aproximasse
sorrateiramente, aqui o perigo sempre espreita, por todos os cantos.

Nego como era chamado desde criança, foi diagnosticado hiperativo, tomava dezenas
de remédio que só o faziam dormir e babar na sala de aula. O deboche dos colegas fez ele ter
sua primeira briga com oito anos de idade, o rendeu em polícia, conselho tutelar, pois quase
tirara a vida do seu colega, não por ruindade, mas lhe subia subitamente uma raiva, como um
vulcão, e não conseguia controlar. Passou a guardar os remédios debaixo da língua e cuspi-los
quando a ausência da mãe. Com dez anos fora expulso de casa, foi para rua viver como os
moleques do centro, nunca quisera roubar, seu sonho era ser patrão de alguma boca, provar
para o mundo que poderia ser alguém. Roubar não tava com nada. Sua avó de tanto procurar
o achou e o trouxe para o aglomerado, mas seu amor e carinho, que eram recíprocos, não foi o
suficiente para tirar de sua cabeça a sua profissão desejada. Com 13 anos fugiu de casa, não
queria mais ver sua velha chorar, foi para outra quebrada, morava com seus supostos amigos,
até que um dia chegando em casa viu seus “parceiros” comendo a mulher do patrão, mesmo
nunca pensando em xisnovar, no outro dia fora comprar o pão com salame e a coca, com seu
próprio dinheiro. “Colé neguim!”. Olhou para trás sorrindo. “Isso é pra você!”. Sentiu queimar
sua boca, correu, sentiu queimar o seus pulmões, mas mesmo assim correu, sentiu queimar suas
coxas, mas não desistiu de correr, correu, uns três quarteirões, subiu a escada, tentou pegar seu
ferro, mas a escuridão tomou conta dos seus olhos. Acordou no hospital, dias depois com sua
velha do lado. “Oh meu filho, graças a Deus, Jesus Cristo existe e ele é pai!”. As lagrimas caiam
e se encontravam, o médico disse que foi por sorte, os dentes desviaram a bala que iria para no
cérebro, o coração contraiu antes de atingido, e por milímetros não pega na veia femoral. Deus
havia lhe dado outra chance, mas mesmo assim, ele ainda estava ali, sentado, fumando,
esperando a sua hora certa chegar.

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