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O Rio de Janeiro de Machado de Assis

Pretendemos neste trabalho abordar os aspectos históricos pelos quais estão


submersos alguns contos de Machado de Assis. Podemos encontrar na obra machadiana
uma descrição detalhada e rica dos aspectos urbanos da cidade do Rio de Janeiro nos
finais do século de XIX. Um exemplo em que podemos compreender melhor alguns
desses aspectos são os contos “O Machete” e “O Homem Célebre”.
“O Machete” descreve a vida de um compositor e interprete de violoncelo que se
ilude com prática artística após o encontro com um tocador de machete, ou cavaquinho,
que foge com sua mulher e lhe deixa sozinho, melancólico e louco com seu pequeno filho.
As descrições sobre a prática do compositor de violoncelo, chamado Inácio, são
realizadas de forma a dar um caráter de obra artística e de trabalho profissional, gerando
autenticidade ao modo como o leitor pode compreender sua prática. Enquanto que seu
rival, o Barbosa, ganha a simpatia dos ouvintes por praticar um instrumento envolvido no
passatempo, num divertimento frívolo e sem alma nem requinte. Machado utiliza essa
alternância para ambientar ou demonstrar a vida social no Rio de Janeiro em que
começou-se a popularizar as danças e festas publicas em que se tocava os tipos de musica
envolvidos com o cavaquinho, chamadas, em outro conto “O Homem Célebre”, de polcas,
cujo efeito na população era visível nas praças da cidade.
Wisnik aponta a disseminação da polca como musica da massa e que se espalhou
pela cidade se misturando as musicas de salão e dando origem ao chamado “maxixe” cujo
resultado era devido a africanização da musica europeia presente no Brasil e no Rio de
Janeiro. Diante de certos recalques que a elite carioca mantem com o estilo da polca,
Machado de Assis parece manter as mesmas opiniões, embora, de modo mais sutil,
desvela o próprio recalque cultural promovido, aproximando-se e distanciando-se de um
tema presente e ausente de sua obra: a mestiçagem. É como se Machado estivesse
preocupado com a proliferação do gênero dançante e as transformações oblíquas e
imperceptíveis que ocorreram com a reinvenção da polca pelo maxixe nesse contexto do
Rio de Janeiro no fim de século.
Seguindo a interpretação de Antonio Candido, a obra de machado, em sua riqueza
particular, está ligada a mostrar os casos mais absurdos ou impressionantes numa
linguagem que evocam a neutralidade e despreocupação, de modo a não chocar a moral
familiar, como também ligado ao seu tom obliquo e deslocado. É evidente que sua obra,
além do caráter filosofante sobre as ações humanas ou as inquirições da existência, além
dos sentimentos mais profundos como o ciúme ou a inveja, retratou no interior da sua
prosa e no mais fino da analise da subjetividade, os modos pelos quais as pessoas e os
grupos habitavam o rio de janeiro. É esse o ponto de interseção deste trabalho. Mas,
segundo a analise que realizaremos de “O machete” e de “O homem célebre”, percebemos
que o tema das manifestações da chamada “cultura popular” também era de interesse a
Machado, escritor perspicaz que objetiva retratar as contradições urbanas em que vivia o
Rio de Janeiro, cidade coberta de populações escravizadas africanas cujas manifestações
musicais se aliavam e se combinavam com a erudição europeia.
“Temos assim, um fenomeno musical popular e urbano que ganha um espaço
real e também simbólico: ‘a polca’ é um indice de modos de modernização á
brasileira, decantando uma certa malícia inocente, galhofeira e às vezes
pomposa, no limite de uma gratuidade aliciante e de um ‘pouco-se-me-dá’ para
a inteligibidade estreita, que combina com a nova realidade do mercado em
que tudo se mistura como notícia, publicidade e produto, num alegreto vivaz
que afronta a seriedade das formas cultas e clássicas” (Wisnik, 2009, p. 42).

É por uma ambivalencia e por uma contradição que a polca e o maxixe se


configuram como musicas populares que ganham a admiração da população carioca. Os
escritos de machado tendem a verter para o conteudo do texto e para o estilo de escrita
essa ambivalencia. É como se ele reconhece-se a importancia que tanto o mulato livre e
a musica africanizada estivessem adquirindo no interior da sociedade e quissesse aludi a
eles por meio de um estilo que dissesse pouco e mostrasse pouco.
Em uma cena no inicio do conto “o homem célebre”, o personagem compositor de
polcas, o Pestana, chega em casa e após ser servido pelo escravo doméstico, resmunga: “
– Não quero nada – bradou o Pestana –, faça-me café e vá dormir “ (Assis, 2009, p. 326).
A oposição, embora implicita, mostra o cotidiano da escravidão e de submissão, que se
retira para o sono, enquanto que o genio artistico e inspirador, após adentrar em sua sala
e observar o canone romantico da musica erudita pendura em quadros na sua parade,
senta-se para compor uma obra prima que o distancie das musicas populares que antes de
chegar em casa escutara na rua. As polcas que na rua ouvira são de sua autoria, e por mais
que componha com inspiração da arte popular, deseja, por impeto artistico, compor uma
obra verdadeiramente sublime, distante daquelas que ganharam a simpatia do público.
Por mais que componha polcas e por meio delas ganhe a fama de um compositor nato,
após o sucesso que elas adquirem, ele sente nojo e nausa de sua vocação e sente-se um
artista fracassado por não compor nada que soe ao som dos clássicos:
“Vexado e enfastiado, Pestana arremeteu contra aquela que o viera consolar
tantas vezes, musa de olhos marotos e gestos arredondados, fácil e graciosa
[referência a ultima polca composta]. E ai voltaram as nauses de si mesmo, o
ódio a quem lhe pedia a nova polca da moda, e juntamente o esforço de compor
alguma cousa ao sabor clássico, uma página que fosse, uma só, mas tal que
pudesse ser encardenada entre Bach e Schumann. Vão estudo, inútil esforço.
(...) Noites e noites, gastou-as assim, confiado e teimoso, certo de que a
vontade era tudo, e que, uma vez que abrisse mão da música fácil... “ (ASSIS,
2009, P. 330).

Essa situação de completa contradição, mostra um compositor popular, daquela


musica africanizada ao qual nos referiamos anteriormente, almejando tornar-se um
compositor clássico, erudito, sem sucesso. É também claro a demonstração de apreço e
avesso a musica popular que naquela epoca alcançava grande parte da população e
aparentemente desgostava enormemente as elites que desejavam se separar de tal musica
baixa e sem estilo, embora, o conto parece aludir a salões nobres onde a musica popular
conseguisse penetrar.
Como Wisnik aponta, a vinculação de Pestana a um padre que lhe outorgou os
ensinamentos musicais, aponta, no interior da historia brasileira, para a figura do
sacerdote, ao mesmo tempo como detentor e proliferador de cultura letrada, como aquele
que inclui no interior do catolicismo a figura do mulato sem perspectiva nem futuro no
pais recem libertado da escravidão. Este padre é promotor da miscigenação, ao
conceberem filhos com negras, e ao adotarem-nos no interior de uma cultura erudita, caso
que pode ser estendido ao Pestana numa referencia breve a um padre que lhe ensinou o
oficio da musica, embora Machado não seja nada explicito. Wisnik resume:
“Já a mulatice e a musica que a ela corresponde permanecem como segredos
que se debatem em niveis mais profundos, porque nelas está o proprio nó que
liga os termos formalmente impermeáveis da estrutura social – senhor e
escravo –, atraves do elo proliferante, obvio e oculto, entre escravidão e
sexualidade, que ‘inventa social e culturalmente, no brasil, o mulato. Esse nó,
diga-se, é ambivalencia pura, porque – mais além do senhor e da escrava e mais
do que o homem livre branco – o mulato, na propria borda do processo, está
na fronteira entre exclusão e inclusão, como a parte nem rejeitada nem
admitida que guarda o segredo inconfessável do todo. Esse lugar é homologo,
por sua vez, àquele ocupado pelas musicas populares africanizantes, entre
renegadas e sedutoras, indices irreprimiveis da vida brasileira, que se tornarão
depois icones festejados do brasil moderno, e via privilegiada de sua
simbolização. “ (WISNIK, 2009, p. 64)

A figura do mulato na cidade carioca e o maxixe como musica oriunda de certa


africanização da cultura são formas que se consolidarem ao mesmo tempo num ambiente
de exclusão e de inclusão. O caso do personagem Pestana, filho de um pai-padre que lhe
ensionou o oficio da musica, pode ser um caso entre outros do mulato que adentrou o
espaço da erudição carioca e ali consignou um lugar entre as elites. Podemos apontar
também que este é o lugar que Machado de Assis se colocava, pois, sendo negro,
aprendendo o latim e o francês por autodidatismo, conseguiu um lugar de prestigio e
erudição no interior da elite, mesmo com sua condição historica e sociologica
desprevilegiada.
É no interior da contradição entre pertencimento e exclusão cultural que podemos
identificar a presença e a ausencia da musica popular no final do século XIX na
disseminação pela qual ela sofreu no interior da cidade carioca. E também é por meio
deste exemplo da musica popular que podemos compreender como os escravos recém
libertos puderam manter e reinventar certas modalidades de sua cultura numa região
urbana altamente elitizada que, geralmente, reprimia suas manifestações culturais, e lhes
consignava apenas lugares isolados e a repressão da policia quando havia alguma
pertubação ou incomodo a dinamica urbana, o que era o caso também das práticas
religiosas que eram reprimidas e sufocadas até sua legalização com o governo Vargas.
A questão se coloca pois:
“ (...) na intricada textura contrapontística implicita, através da qual se
sobrepõem e se interferem no conto três ondas historicas de diferente duração
e alcance: a cena da crise politica em que o sistema escravista brasileiro
vislumbra seu fim sem admitir-se a propria superação, e sem projeto
consequente para fazê-lo; a emergencia irrefreável de uma experiência de
fundo, da escravidão e da mestiçagem, ligada a dispositivos inconscientes,
recalcados e irradiantes, que se manifesta difusamente em música e toma
forma nas polcas amaxixadas; a instauração recente e já voraz de um mercado
de bens simbólicos, com vocação totalizante, que visa ao efeito da
popularização e da vendabilidade, formantando as manifestações tradicionais
da cultura com vistas ao consumo imediato e de massa. “ (WISNIK, 2009, p.
73).

Reflitamos, pois, sobre os três pontos que Wisnik elenca e que no conto são
facilmente encontráveis. Em primeiro lugar a crise politica que tem lugar no final do
império, idealizado por Machado na disputa entre conservadores e liberais, remetendo
talvez, a dicotomia entre monarquista e republicano encontrada na oposição entre Paulo
e Pedro em “Esau e Jacó”.
No momento final do conto, a narrativa parece finalizar uma irresoluta questão entre
a polca e os clássicos vivida por Pestana, porque o editor encontra-o no hospital, sem
saber de sua enfermidade, porque “ (...) ia dar-lhe notícia da subida dos conservadores, e
pedir-lhe uma polca de ocasião” (Assis, 2009, p. 334), mas o enfermeiro, conscio da
doença, avisou-o, embora Pestana não se importasse com seu estado e quissesse saber do
que se tratava. Após alguns minutos de conversa com Pestana, o editor dá adeus, após o
qual, Pertana diz: “ – Olhe –, como é provável que eu morra por estes dias, faço-lhe logo
duas polcas; a outra servirá para quando subirem os liberais. “ (Assis, 2009, p. 335). È
visivel a ironia fina que Machado utiliza nestes momentos para demonstrar a alternancia
ou a incoerencia da realidade politica que se colocava no congresso do imperio, e as
vitórias que se concretizavam não inspiravam salões nobres embebidos de música sacra,
mas fomentava a disseminação pelos bares da cidade o maxixe dançante, sinal de que
talvez, a politica também fosse, como a música, “passatempo” para aqueles que podiam
se divertir. Enquanto se podia “brincar” com a alternancia entre liberais e conservadores,
o problema da escravidão surgia sem que a resposta pudesse ser dada, e por isso, pode-se
recalcá-la na ausencia de um projeto e na permissão aos modos de vida, incluindo ai
modos de cultura, dos recem libertos.
O segundo aspecto envolve também a dimensão do recalcado pelo qual são
compreendidos e parecem vivenciados a experiencia da recem liberdade dos escravos e
sua mestiçagem no interior dos meandros sociais. A polca e a mestiçagem aparecem
como aquilo pelo qual as elites não “tem o que fazer”, ou seja, não possuem modalidades
institucionais de repressão ou de ajustamento para adequá-los de maneira correta. Isso
porque, uns e outros são frutos do próprio processo pelo qual o Rio de Janeiro experenciou
em seu contexto histórico por pertencer a um tipo de economica escravista, seguido pela
irrupção do liberalismo como ideologia e pelo capitalismo como economia.
A atitude de Pestana ao enojar-se de sua própria composição ocorre porque ela se
configurou como incontrolável, disseminada nas manifestações populares dos negros,
irradiando por toda a cidade, ultrapassando os salões fechados em que se cultivava a
erudição, assumindo outras formas nas praças, nas ruas, tal como mostrado no conto. A
pertubação gerada em Pestana é exemplar, após tocar repetidamente suas polcas num
salão e sair enojado pela popularidade obtida:
“(...) caminhou depressa, com medo de que ainda o chamassem; (...) De uma
casa modesta, à direita, a poucos metros de distância, saíam as notas da
composição do dia, sopradas em clarineta. Dançava-se. Pestana parou alguns
instantes, pensou em arrepiar caminho, mas dispôs-se a andar, estugou o passo,
atravessou a rua, e seguiu pelo lado oposto ao da casa do baile. (...) Já perto
de casa viu vir dous homens: um deles, passando rentezinho com o Pestana,
começou a assobiar a mesma polca, rijamente, com brio, e o outro pegou a
tempo na música, e aí foram os dous abaixo, ruidosos e alegres, enquanto o
autor da peça, desesperado, corria a meter-se em casa “ (Assis, 2009, p. 326).

E o terceiro aspecto, um pouco secundário para o presente proprosito, é a


mercantilização da arte através de sua padronização e capilarização no tecido social,
formatando as formas mais originais da arte em produtos a serem consumidos pelas
massas habitantes dos centros urbanos. É também por isso que a polca e o maxixe são
elementos paradoxais nos finais do século XIX. O alastramento do capitalismo no brasil
por meio de ideias e capitais “liberais” tornaram a escravidão obsoleta e impuseram, além
de outros modelos economicos, outras formas de manifestações culturais, infligindo
transformações também nas chamadas “culturais populares”. Foi a tentativa também de
surgimento de uma certa cultura ou ambiente em que certos padroes europeus de arte
pudessem ser consumidos e valorizados no interior de quatro paredes bem decoradas. O
que nos mostra Machado neste contexto é o surgimento de certas formas musicais
afetadas por padrões mercantilizantes e disseminados, seja nas elites seja entre os
escravos libertos, porém, entre os segundos se coloca uma ambivalencia marcante.
Na sinuosidade da narrativa que citamos anteriorimente, em que se vê o nojo de
Pestana ao escutar sua obra nos becos e esquinas, percebe-se que a musica popular, como
fruto de certos generos eruditos e com sua africanização por meio de outros instrumentos
musicais, até mesmo a voz, é um processo de reinvenção da cultura popular por todo o
territorio da cidade.
É uma das formas obliquas e improvisadas dos recem libertos praticarem suas
modalidades culturais no interior da cidade, cujo carater de escravidão e dominação
representava um contexto hostil, mas, o que se vê é o “vazamento” destes tipos e formas
músicas em todos os espaços, em bares, esquinas, e no uso de instrumentos fora do
contexto europeu. É o caso do conto “O machete”. Quando Inácio se entristece porque o
rival Barbosa possui um machete cuja sonoridade é incrivelmente mais sedutora e popular
do que seu violoncelo, ele percebe como que o retorno do recalcado, em que se irrompe,
no seio da tentativa de erudição num ambiente privado, a irrupção dos contextos sociais
em que a musica popular atingisse certa popularidade. Em suma, é como se a presença de
tal música fosse imponderável e inexorável para a vida social da cidade do Rio de Janeiro
nos finais do século XIX.

Bibliografia
ASSIS, Machado de. Seus Trinta Melhores Contos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2009.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul,
2009. 9.ed. revisada pelo autor.
WISNIK, José Miguel. Machado Maxixe: o caso pestana In: Sem receita: ensaios
e canções. São Paulo: Publifolha, 2004. 15-104.

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