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Reflitamos, pois, sobre os três pontos que Wisnik elenca e que no conto são
facilmente encontráveis. Em primeiro lugar a crise politica que tem lugar no final do
império, idealizado por Machado na disputa entre conservadores e liberais, remetendo
talvez, a dicotomia entre monarquista e republicano encontrada na oposição entre Paulo
e Pedro em “Esau e Jacó”.
No momento final do conto, a narrativa parece finalizar uma irresoluta questão entre
a polca e os clássicos vivida por Pestana, porque o editor encontra-o no hospital, sem
saber de sua enfermidade, porque “ (...) ia dar-lhe notícia da subida dos conservadores, e
pedir-lhe uma polca de ocasião” (Assis, 2009, p. 334), mas o enfermeiro, conscio da
doença, avisou-o, embora Pestana não se importasse com seu estado e quissesse saber do
que se tratava. Após alguns minutos de conversa com Pestana, o editor dá adeus, após o
qual, Pertana diz: “ – Olhe –, como é provável que eu morra por estes dias, faço-lhe logo
duas polcas; a outra servirá para quando subirem os liberais. “ (Assis, 2009, p. 335). È
visivel a ironia fina que Machado utiliza nestes momentos para demonstrar a alternancia
ou a incoerencia da realidade politica que se colocava no congresso do imperio, e as
vitórias que se concretizavam não inspiravam salões nobres embebidos de música sacra,
mas fomentava a disseminação pelos bares da cidade o maxixe dançante, sinal de que
talvez, a politica também fosse, como a música, “passatempo” para aqueles que podiam
se divertir. Enquanto se podia “brincar” com a alternancia entre liberais e conservadores,
o problema da escravidão surgia sem que a resposta pudesse ser dada, e por isso, pode-se
recalcá-la na ausencia de um projeto e na permissão aos modos de vida, incluindo ai
modos de cultura, dos recem libertos.
O segundo aspecto envolve também a dimensão do recalcado pelo qual são
compreendidos e parecem vivenciados a experiencia da recem liberdade dos escravos e
sua mestiçagem no interior dos meandros sociais. A polca e a mestiçagem aparecem
como aquilo pelo qual as elites não “tem o que fazer”, ou seja, não possuem modalidades
institucionais de repressão ou de ajustamento para adequá-los de maneira correta. Isso
porque, uns e outros são frutos do próprio processo pelo qual o Rio de Janeiro experenciou
em seu contexto histórico por pertencer a um tipo de economica escravista, seguido pela
irrupção do liberalismo como ideologia e pelo capitalismo como economia.
A atitude de Pestana ao enojar-se de sua própria composição ocorre porque ela se
configurou como incontrolável, disseminada nas manifestações populares dos negros,
irradiando por toda a cidade, ultrapassando os salões fechados em que se cultivava a
erudição, assumindo outras formas nas praças, nas ruas, tal como mostrado no conto. A
pertubação gerada em Pestana é exemplar, após tocar repetidamente suas polcas num
salão e sair enojado pela popularidade obtida:
“(...) caminhou depressa, com medo de que ainda o chamassem; (...) De uma
casa modesta, à direita, a poucos metros de distância, saíam as notas da
composição do dia, sopradas em clarineta. Dançava-se. Pestana parou alguns
instantes, pensou em arrepiar caminho, mas dispôs-se a andar, estugou o passo,
atravessou a rua, e seguiu pelo lado oposto ao da casa do baile. (...) Já perto
de casa viu vir dous homens: um deles, passando rentezinho com o Pestana,
começou a assobiar a mesma polca, rijamente, com brio, e o outro pegou a
tempo na música, e aí foram os dous abaixo, ruidosos e alegres, enquanto o
autor da peça, desesperado, corria a meter-se em casa “ (Assis, 2009, p. 326).
Bibliografia
ASSIS, Machado de. Seus Trinta Melhores Contos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2009.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul,
2009. 9.ed. revisada pelo autor.
WISNIK, José Miguel. Machado Maxixe: o caso pestana In: Sem receita: ensaios
e canções. São Paulo: Publifolha, 2004. 15-104.