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0051
Disse a autora que com a ré pactuou promessa de compra e venda de imóvel, pelo pagou-lhe
R$ 281.105,81, e não pode continuar com os pagamentos, em razão do que quer rescindir o contrato e reaver o
que pagou.
Pediu restituição de 90% do valor pago, e indenização de benfeitoria feita, caso não possa
levantá-la (sic).
Respondeu a ré dizendo que a dívida da autora perfaz R$ 630.766,91, e desde 2012 está
inadimplente; disse de multa a 5% sobre o valor do contrato [313.848,00] e 10% sobre o valor pago; disse de
taxa de fruição a 1%/mês do valor do contrato, no caso de rescisão; repudiou a indenização por benfeitoria.
Findou com pedido de aplicação do contratado ou decote de 25% do valor pago e com pagamento de taxa de
fruição.
Relatei e decido.
A coisa é mais ou menos assim: quem tem telhado de vidro não deve jogar pedra no telhado
alheio.
Com um pouco mais de técnica pode-se dizer que deve-se, sempre, estar atento à essência
do que hoje nomina, efeito Barbara.
Obscuro? Esclareço.
A autora está na posse de imóvel da ré desde 2012, sem pagar-lhe qualquer valor; em
Divago.
Pense o seguinte: restituição das parcelas pagas, corrigidas pelo INPC desde o desembolso,
acrescidas de juros de mora desde a citação; desse resultado abate-se 10%: resultado: X Reais.
Taxa de fruição a 1% do valor do contrato (104 meses, 104%, ou, de 2012 a 2016, digamos
05 anos, 60%), corrigido pelo INPC desde o primeiro mês do inadimplemento, acrescido de juros de mora
desde a resposta. Resultado: Y Reais.
Fecho a divagação.
O contrato espelha ter sido elaborado pela ré. Por isso sua interpretação deve ser em favor
da outra parte.
A ré poderia ter promovido a rescisão do contrato. Mas não fez isso. Porque não fez isso,
também não tem, em princípio, direito a essas verbas.
(Poderia, ainda, cobrar as parcelas inadimplidas. Mas também isso não fez. Aliás, a autora
pediu liminar manutenção na posse do imóvel ao mesmo tempo em que pediu a rescisão, o que foi negado; a ré
não se incomodou com isso. É muito curiosa a postura de uma e outra parte, especialmente a da ré).
Mais adiante, no contrato, está prevista a rescisão por acordo, e nesse caso haveria o decote
das mesmas verbas, no produto da venda do imóvel. Acordo não houve.
Ora, se a ré não tomou iniciativa na rescisão, e não houve acordo das partes, então a
cláusula em comento não encontrou condição para efetivar seus efeitos.
Todavia, a autora disse na inicial que a ré lhe propôs pagar 90% do valor recebido, o que não
aceitou porque sem correção e em parcelas.
É certo que o TJGO tem como razoável o decote de 10% do valor pago, e o STJ o percentual
do contrato se não exorbitante, em caso concreto admitindo que 25% não é abusivo.
Não é a melhor expressão do direito modificar o contrato das partes, favorecendo aquele que
o elaborou, redigiu todos os seus termos. Logo, descabe inserir os 25% pretendidos pela ré.
Porque disse a autora que a ré ofereceu 10%, e esta não contestou que antes propôs essa
medida, e porque as cláusulas invocadas não se aperfeiçoaram, então o decote deve ser mesmo a 10% do
valor pago.
No contrato está que ocorrendo sua rescisão os compradores pagariam taxa de fruição a 1%
do valor do contrato, desde a conclusão até a devolução do imóvel.
É razoável que assim seja porque, segundo pedido, as parcelas serão devolvidas
integralmente (exceto a multa, que seja a que título for, no caso, certo é que não é indenização pelo uso do
imóvel), de modo que desde a posse a promitente compradora está usufruindo do imóvel sem nada retribuir.
É uma álea se mais vantajosa a taxa de fruição com base no contrato ou no valor do imóvel;
para saber isso dependeria de sua avaliação ao longo dos anos, para aquele basta o percentual sobre seu
valor, R$ 313.848,00, ou R$ 3.138,00/mês.
A taxa de fruição a 1% do valor do contrato está alinhado com a norma posta no art. 37-A, Lei
9.514/97, e, de outro lado, não pode o usufrutuário, a seu talante, por preço em direito alheio, especialmente
quando antes a respeito contrataram. Assim, não cabe à autora indenizar a ré com taxa de fruição a somente
0,5% do valor do contrato, como pôs em sua impugnação à resposta.
Quanto a indenização por benfeitorias, das quais dito que armários instalados no imóvel, tem-
se em princípio que sua retirada não o danifica, e que pelos anos de uso podem afinal não ter valor comercial.
O ideal quanto a isso é que as partes conversem e se alinhem quanto a retirar ou indenizar.
Mas, judicialmente não é, no caso, adequado impor a indenização e, claro, pode ser retirada.
Em que pese não pedido declaração de rescisão do contrato, o que foi pedido é sua
consequência.
Posto isto, em parte julgo procedentes os pedidos, declaro rescindido contrato; condeno a
restituir à autora as parcelas pagas, corrigidas pelo INPC desde o desembolso, e acrescidas de juros a 12% ao
ano, estes desde a citação; do valor a devolver decote-se 10% em favor da ré; deve a autora a pagar taxa
mensal de fruição a 1% do valor do contrato, desde o recebimento das chaves até a efetiva entrega; essa taxa
deve ser corrigida pelo INPC desde o fechamento do mês até a resposta da ré, desde então acrescido de juros
de mora a 12% ao ano.
Juiz de Direito