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vitruvius | resenhasonline 152.02


2013 vitruvius.com.br

como citar

TRIGUEIRO, Edja. Nem Alberti, nem Vitruvius, nem Moisés, mas mandamentos tão importantes quanto.
Resenhas Online, São Paulo, ano 13, n. 152.02, Vitruvius, ago. 2014
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/13.152/5270>.

Aplauso (ainda que tardio) para a publicação dos 10 mandamentos da arquitetura de Frederico de
Holanda, em 2013. Acrescenta uma contribuição mais que bem-vinda ao conhecimento da arquitetura,
esta desconhecida no Brasil, como bem lembra Ruth Verde Zein, no prefácio do livro. Aplauso pelo
esforço e coragem de discutir etiquetas epistemológicas tidas como herméticas (não de todo
gratuitamente), em uma escrita acessível para iniciantes e mesmo não iniciados nos meandros da
academia, sem reduzi-las a conceitos estanques, explorando proposições em perspectiva historiográfica e
delineando contornos entre fato e intenção, sintaxe e semântica. Situando a arquitetura como campo de
interesses sociais conflitantes, em sentido lato, escapa à equívoca fragmentação conceitual do nosso
campo disciplinar (tão valorizada nestes tempos de paixão por rótulos), sem evitar expor posicionamentos
ideológicos, inclusive os seus próprios. Aplauso, também, pela postura ética, ao creditar filiações,
contribuições (até as mais ligeiras) e inspirações, como a da mestra Julienne Hanson, maga no decifrar de
relações socioespaciais e no bem escrever, a quem o livro é dedicado, seguindo o mote de um dos seus
escritos – The ten commandments (for writing academic papers) – traduzido e anexado ao livro. Obra
sazonada, fruto de saberes bebidos nos campos da filosofia, sociologia, linguística, história, antropologia,
etnografia, da física até, mas cingidos por contornos próprios da arquitetura, principalmente quanto ao
modo como relações entre cheios e vazios do mundo real – construído ou natural – associam-se a
expressões próprias desses campos de conhecimento. Tais associações, além da grande serventia que
têm no plano didático, sustentam visões por vezes nada ortodoxas, abarcando um registro que vai da
reflexão sobre paradigmas habilmente apresentados pelo Holanda acadêmico e proposições
transgressoras próprias do Holanda polemista.

Diatribes que percorreram a trajetória acadêmica desta resenhista (e da professora que nasceu comigo) e
continuam a ser discutidas, dialogam com visões contemporâneas filtradas por muitas lentes, algumas
capazes de expor particularmente bem, distorções entre a doutrina e o real. No capitulo introdutório, que
trata do primeiro mandamento – Veja na arquitetura uma propriedade dos lugares – Holanda discute
definições de arquitetura, apontando inconsistências, mesmo em seus autores-guia, ampliando e
recortando sentidos para incluir todo o ambiente – construído e natural – desde que percebido por um
olhar disciplinado, focado na medida de satisfação de nosso corpo e de nossa mente. A proposição de
que o ambiente natural também pode ser entendido como arquitetura e de que toda construção é
arquitetura, oferece pano para muitas mangas de discussão em sala de aula e alhures, ainda que pareça
espantoso haver quem defenda ser possível traçar fronteiras entre edifícios que se qualificam e edifícios
que não se qualificam como arquitetura, e mais espantoso que o façam com base em valoração estética
(de quem? para quem? quando?). Existiriam artefatos cuja fatura tenha ocorrido isenta de decisões do
tipo assim fica melhor? Passadas não menos de quatro décadas, desde que pela primeira vez me deparei
com essa discussão, vejo-a retomada, felizmente, em perspectiva diacrônica, objetiva e morfológica.
Outras questões abordadas ao longo do texto tangenciam o debate, como, por exemplo, a referência a
mutações do sentido de “estético” com relação à dicotomia valor de uso / valor de troca, por Raymond
Williams, e sobre precedência ou originalidade (novidade diria eu) como critério de valor, por Antonio
Cicero.

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Nestes tempos em que a razão de ser do professor não é trazer informação para a sala de aula (que os
alunos fazem isso, em grandes partidas com seus i-pads, i-phones, e que-tais), mas buscar orientar
arquitetos/acadêmicos em construção no sentido de conceber um mundo que acreditamos melhor, os
temas abordados nos mandamentos 2 e 3 – Pense as causas e Pense os efeitos – são seminais para
entender o alcance da forma da arquitetura, tanto como repositório e reflexo, quanto como mecanismo
gerador de processos socioespaciais, direta e indiretamente relacionados ao seu potencial de facilitar,
dificultar ou impedir movimento e visibilidade. Referências e exemplos ancoram o axioma da arquitetura
como força atuante na sociedade, que, mediante a interação entre elementos-meio (os cheios) e
elementos-fim (os vazios), delineia estruturas mais ou menos rígidas, mais ou menos previsíveis, mais ou
menos controláveis, capazes de permitir ou coibir padrões distintos de encontros e esquivanças que estão
na raiz de modos distintos de solidariedade. Em escritos anteriores Holanda (2003) polarizou tais
estruturas nos conceitos de formalidade e urbanidade, que vêm sendo utilíssimos para nortear estudos
sobre relações arquitetura-sociedade, e para instigar o debate sobre natureza, variantes, caminhos e
descaminhos do que possa ser considerado o ser e o agir de modo "urbano", aberto à livre manifestação e
negociação de diferenças. N’Os 10 mandamentos, esses conceitos subjazem quase toda a argumentação
e são diretamente abordados nos capítulos finais, na perspectiva de conteúdos sintáticos, semânticos e
éticos.

Os três capítulos (mandamentos) iniciais seriam já suficientes para sustentar uma obra de referência
sobre fundamentos da arquitetura, mas, fiel ao mote inspirador dos 10 mandamentos, e aproveitando para
dar vazão a saberes e inquietações muitas, nos demais capítulos Fred fecha o foco em um ou outro tema
na raiz das causas e efeitos da relação arquitetura/sociedade, trazendo referências e exemplos
complementares, tudo belamente ilustrado. Felizmente, em meu entender, porque aí se manifesta, com
mais transparência, o Holanda mestre. Embora recomendando iniciar a leitura na sequência
Apresentação, Prefácio, capítulos 1, 2, 3, penso que a partir do quarto capítulo qualquer esquema de
leitura é igualmente adequado. Daí que agora passo a mencionar os mandamentos seguindo a trilha das
ideias.

Retomando o axioma da forma atuante, o quarto mandamento reza que se Entenda a arquitetura como
possibilidades e restrições delineadas pela estrutura de cheios e vazios. Nesse contexto, a velhíssima
questão do determinismo arquitetônico é situada entre o sonho demiúrgico de uma nova arquitetura capaz
de engendrar uma nova sociedade, dos pioneiros do Movimento Moderno, e a visão de arquitetura como
artefato nem autoritário nem democrático, mas apenas suporte de meios autoritários ou democráticos de
produzi-la e usá-la, conforme Tafuri, Rossi e Krier. Esta proposição que subentende a crença em uma
arquitetura “neutra” em termos sociopolíticos, nega a evidente possibilidade de se decifrar na, e a partir da
arquitetura, nexos sobre modos de vida e práticas sociais, mesmo acontecidas há séculos (como
morfólogos têm feito desde há muito). Holanda a refuta, com base em farta evidência empírica, da qual
destaco, um dos exemplos elencados pelo autor no Plano Piloto: os Setores Comerciais.

Os Setores Comerciais Sul e Norte diferem quanto ao nível de resistência que suas estruturas espaciais
oferecem a apropriações dos espaços públicos por grupos sociais distintos. Enquanto no SCS, maior
acessibilidade e transporte público possibilitam diversidade de usos e presenças, de modo que "forças da
ordem" precisam estar em "estado de alerta" contra atos de subversão – i.é. comércio informal de
ambulantes – no SCN "o urbanismo poupa o trabalho", desfavorecendo a mistura de classes, um vez que
"trabalhadores manuais são limitados à demanda das firmas localizadas nos espaços internos",
agravando, como pontua Holanda, o que o urbanismo moderno tinha de pior. A menção dessa estrutura
“que auxilia as forças da ordem” evocou uma experiência que tivemos, a professora Sonia Marques e eu,
quando teimamos em ir do nosso hotel a um restaurante do SCS a pé. Conseguimos ir, após muitas e
muitas mudanças de direção, e tempos infinitos aguardando semáforos que abriam e fechavam antes que
chegássemos ao outro lado da via. Na volta decidimos observar o movimento de pessoas que pareciam

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estar retornando ao trabalho e o percurso pareceu mais fácil. Passamos diante de algumas paradas de
ônibus e nos beneficiamos de faixas de pedestres. Atravessada a última, já quase cantando vitória, nos
descobrimos na lavanderia do hotel vizinho (e mesmo vizinho renegociar o caminho para o nosso foi outro
martírio). O trajeto de pedestres levava das paradas de ônibus às áreas de serviço dos hotéis, traindo uma
ordem cujo desígnio parece ser a de conduzir pedestres – no caso, os usuários “naturais” de transportes
públicos – direto aos seus prováveis postos de trabalho.

Transgressões à ordem subjacente à estrutura espacial, também são discutidas no quinto mandamento:
Leia na arquitetura igualdades e desigualdades sociais. O surgimento de quiosques, lanchonetes,
lotéricas, bancas de revista, ambulantes e panfleteiros que compensam o isolamento e a aridez das
empenas cegas dos blocos dos ministérios; a animação da Rodoviária e da antiga feirinha da torre de TV,
depois deslocada para sítio menos favorável, são alguns dos exemplos citados como manobras criadas
para contornar efeitos de tipos de configuração espacial que levam à apartação de gentes, fenômenos e
tempos. Sugestões de reconfiguração, como nos casos da W3 ou do Eixo Rodoviário – o chamado “eixão
da morte” – para o qual Holanda e colaboradores recomendam semáforos e canteiro central calçado e
florido remetem a avenidas de cidades europeias como a Liberdade, em Lisboa, onde um comprido
espaço linear flanqueado pelas pistas de rolamento alberga cafés, jardins, playgrounds e gente que passa
e fica. Que inveja!!!! A recomendação Cuide a ordem sem descuidar a desordem – 7º mandamento –
retoma essa linha de discussão, mediante a abordagem de fissuras na ordem dominante, como
expressões de ações e trajetórias que dão resposta a necessidades negligenciadas por um modo de
planejamento excludente, muitas vezes (mal) entendidas e equivocamente consideradas como falta de
planejamento.

Filiações teóricas tornam-se mais explicitas no capítulo dedicado a recomendar que se Considere a
sintaxe e a semântica (6º mandamento), outro presente para professores que lidam com morfologia da
arquitetura, sobretudo nós, os “sintaqueiros”, à cata de meios e modos de transmitir o corpo
teórico-metodológico da Sintaxe do Espaço. Ainda que não seja bicho de sete cabeças desmistificar
falsas alegações de hermetismo que envolvem a metodologia quando se tem tempo para exposição e
discussão, como em um curso ou workshop, são raros os alunos que nos chegam com algum
conhecimento prévio, em parte pelo ranço acadêmico e sisudez da maior parte da literatura disponível.
Nessa medida, a linguagem d’Os 10 Mandamentos, permeada pelos princípios da Teoria da Lógica Social
do Espaço, mas sem carregar no jargão ou nas filigranas dos instrumentos analíticos, amplia as
probabilidades de leitores virarem novos morfólogos, sobretudo dentre os que creem ser o espaço, ao
mesmo tempo, função de práticas sociais e meio de viabilizá-los e reproduzi-los; e que se dispõem a
refletir sobre arquitetura como espaço percebido e sociedade como sistema de encontros.

No capítulo 8, cujo lema é Atente à história, os conceitos formalidade e urbanidade são retomados em
perspectiva diacrônica, de modo a estabelecer associações entre modos afins de configuração espacial
surgidos com séculos de afastamento, mas servindo a propósitos socioculturais também afins. “As
versões dos atributos mudam no tempo, mas se rasparmos a superfície do fenômeno (quase pleonasmo
pois fenômeno implica aparência) vemos parentescos insuspeitados” (Grifos de Holanda). Empenhado
também em advertir que por trás das “superfícies dos fenômenos” esconde-se, mais das vezes, o
conhecimento objetivo, no qual é preciso focar porque sem esse “conhecimento de muito longo prazo
somos presas fáceis da ideologia dominante”, o autor dedica seu 10º mandamento – Foque o
conhecimento objetivo – a explorar modos de pensar e produzir conhecimento. Sem medo de soar
mestre-escola define noções fundamentais como teoria (os pontos de partida para a discussão de fatos),
método (o conjunto de procedimentos para viabilizar a análise de um problema) e técnicas (os meios
investigativos), facilitando, mais uma vez, a vida de professores, sobretudo os que ministram cursos a
iniciantes de pós-graduação em arquitetura, muitos destes profissionais há anos afastados da academia.

Projete
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Projete a cidade sem ombros ou costas – só rostos, manda o capítulo 9, como ato de resistência à erosão
do espaço designado para o desenrolar da vida urbana. A obviedade da ideia faz a proposição parecer
pueril, não fosse a realidade de cidades com quadras e edifícios mais e mais de costas para o espaço
público, espaços públicos e privados mais e mais reféns da violência, nossas cidades mais e mais
distantes dos padrões de urbanidade que testemunhamos em outras tantas, inclusive da América do Sul.

Na apresentação, Frederico de Holanda lamenta não ter tido o tempo necessário para sintetizar o
conteúdo do livro para um tamanho compatível com o das coleções tipo “primeiros passos”, “uma
introdução a ...” etc. Talvez tenha sido uma benção em disfarce, com perdão do anglicismo. Teria perdido
um recheio de exemplos, analogias, narrativas, recorrências até, que oferecem uma multiplicidade de
motes e associações e fazem do texto – ao contrário do que pode acontecer em boas obras muito
condensadas (e do que se costuma pensar) – mais rico e mais acessível. Um presente para mestres e
discípulos em distintos estágios de formação, mesmo os bem verdes.

Eixo
Rodoviário,
sobre a autora
Brasília,
num
domingo Edja Trigueiro é professora na graduação e pós-graduação em arquitetura da UFRN, tendo recebido
comumformação acadêmica na UFPE e na University of London. Estuda relações entre forma e práticas
Foto
Frederico
socioculturais. Coordena o grupo de pesquisa Morfologia e Usos da Arquitetura-MUsA.
de
Holanda

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