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Ano LVI
Nº 12
Dezembro de 2014
www.cidadenova.org.br
f r at e r n i d a d e e m r e v i s ta
fraternidade em revista
capa
2014 foi um ano
controverso, marcado
por avanços, retrocessos
22
e eventos para ficar na
história do país. Veja como
especialistas em diversas
áreas avaliam o período
que se encerra
© Djama86 | Dreamstime.com
18 internacional
Milhares de manifestantes
ocupam as ruas de Hong
Kong para exigir que o
futuro chefe do Executivo
local seja escolhido de
REUTERS | Tyrone Siu
forma democrática
32
Divulgação
tecnologia
6 entrevista – Piero Coda As apostas foram de que 2014 seria o ano dos
Um dos mais respeitados teólogos da pagamentos móveis. Entenda por que essa
atualidade conversa com Cidade Nova sobre popularização ficou para 2015
família, homossexualismo, aborto, celibato,
política e o papel da mulher na Igreja
10 brasil seções
No final de ano, as compras aumentam assim
como a produção de lixo no país. A reversão 4 Cartas 38 Espiritualidade em ato
deste quadro está nas mãos do consumidor, 5 Ponto de vista 39 Razão e fé
que, ao se tornar mais responsável, pode ajudar 13 Sustentabilidade 40 Ideias e ações
o meio ambiente, reduzir gastos e auxiliar 17 Outro olhar 42 Família em foco
quem precisa de assistência 20 Radar América Latina 43 Psicologia
14 cn em série – Saúde 21 Na ponta do lápis 44 Teen
A situação das Santas Casas, que, endividadas, 30 Imagem 46 Ponto, vírgula e conto
comprometem a saúde do sistema ao fecharem 34 Artefatos 48 Na estante
as portas, é o tema desta terceira e última 35 Bem-estar 49 Som na caixa
reportagem da série 36 Palavra de Vida 50 Claquete
Cidade Nova • Dezembro 2014 • nº 12 3
cartas cartas@cidadenova.org.br
Presidente
Klaus Brüschke
Hora do balanço
E
ste foi um ano cheio, em muitos sentidos. Por aqui tivemos Copa do Mundo, elei-
ções presidenciais, renovação da Câmara dos Deputados e de um terço do Sena-
do, além dos governos estaduais e Assembleias Legislativas. No mundo todo tam-
bém não faltou motivos para sobressaltos, com novos conflitos, incluindo uma
possível nova Intifada em Israel e Territórios Palestinos, e uma reedição da Guerra Fria à
espreita, pelas contínuas dissonâncias entre Washington e Moscou. Sem falar na irrup-
ção do grupo fundamentalista Estado Islâmico (Isis) e na epidemia de Ebola que castiga
parte da África.
Mas há também motivos para comemorar. Um dos mais recentes foi a bem-sucedida
Missão Rosetta, um marco da exploração espacial. A sonda Rosetta conseguiu a façanha
de pousar um módulo, projetado para se destacar dela, num cometa em movimento, o
“67P/Churyumov-Gerasimenko”, a 66 mil quilômetros por hora! A expedição é resultado de
um projeto em curso há dez anos, cujo êxito abrirá novas perspectivas para a compreensão
do Sistema Solar e da origem da vida na Terra.
Para refletir e celebrar, neste número passamos em revista o ano por meio da análise de
especialistas sobre quatro grandes temas – meio ambiente, política, economia e esporte –,
com acenos em nível mundial e foco principalmente na realidade brasileira (pp. 22 a 29).
Seguindo o ciclo da vida, em 2014 muitas pessoas nos deixaram. Entre elas, grandes
nomes das artes, da ciência, da política. Foram pessoas que escreveram a própria página
no livro da história da humanidade. Um livro que, inteiro, é escrito por todos nós, juntos.
Pouco antes do fechamento desta edição de Cidade Nova faleceu também o poeta ma-
to-grossense Manoel de Barros, aos 97 anos. Na “página” que ele escreveu com sua vida,
composta de milhares de páginas manuscritas em verso em seus 33 livros, encontra-se o
poema Retrato do artista quando coisa. Manoel de Barros encanta ao afirmar: “A maior rique-
za do homem é sua incompletude. (…) Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que
aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. (…)”.
Neste mundo em movimento, equilibrado entre picos de glórias e abismos de insuces-
sos, capaz até de “domar” um cometa, grande segredo é a alteridade, a humildade de admi-
tir que os “outros” são importantes, indispensáveis… são parte de nós mesmos.
O poeta declarou, há poucos anos: “A gente nasce, cresce, amadurece, envelhece,
morre. Pra não morrer, tem que amarrar o tempo no poste. Eis a ciência da poesia: amarrar
o tempo no poste”.
Muito além da poesia, é uma aula de humanidade. Que neste ano tenhamos crescido
em humanidade. Se não deu, 2015 está às portas, para começarmos de novo.
Antes o amor
e a misericórdia
Borges
Thiago
Q uando decidiu abrir mão
de assumir o posto de deca-
no – o mais alto que pode-
ria alcançar na sua carreira
acadêmica – em uma das prestigia-
cas suscitadas pelo recente Sínodo
Extraordinário sobre as Famílias.
Quais são as justificativas mo- cobrir também dentro de si aquela por muitos séculos. Mas nada impe-
rais e teológicas para a posi- dimensão que existe de feminili- de que situações diferentes abram
ção da Igreja em relação ao dade, assim como no feminino há outras possibilidades, porque o ce-
homossexualismo? uma dimensão de masculinidade. libato não é essencial ao ministério
O Evangelho tem uma visão po- Trata-se de exprimir essa diferença sacerdotal, não é parte intrínseca
sitiva da sexualidade, que é criada na igualdade, que implica um equi- do ministério presbiteral.
por Deus, e valoriza a riqueza da líbrio diferente. Certamente pode
diferença sexual entre o homem e haver desvios de caráter ético rela- Há no Brasil movimentos que
a mulher como algo muito positivo. tivístico, isso há sempre em todas defendem a ideia de que a mu-
Portanto não se trata tanto de con- as épocas da história, mas deve-se lher tem o direito escolher se
denar a homossexualidade, mas de saber ler também o que está ocor- quer ou não abortar. O que o sr.
mostrar a riqueza e também os de- rendo mais profundamente. pensa a respeito disso? Como
safios, a responsabilidade, que ad- avalia o discurso pró-aborto
vêm da relação sexual entre o mas- Durante o Sínodo sobre a famí- com base na autonomia da mu-
culino e o feminino. Essa me parece lia falou-se de reconhecer os lher sobre o próprio corpo?
a questão fundamental. dons dos homossexuais e o va- Antes de tudo parece-me neces-
A explosão da questão homos- lor das uniões estáveis homos- sário sublinhar que, se o direito de
sexual no nosso tempo indica ser sexuais em que haja um apoio cada um está em primeiro lugar, en-
necessário um aprofundamento recíproco. Isso pode se refletir tão em primeiro lugar também deve
cultural e espiritual vital do dom, numa mudança de doutrina? ser colocado o direito da criança. A
do mistério e da vocação da sexua Mudança doutrinal não, no sen- criança é uma criatura humana,
lidade. O que falta hoje, também tido de que a visão antropológica de também no ventre da mãe. Não é
por parte da Igreja, é justamente inspiração cristã é radicada na pala- possível dispor de uma vida, nem
descobrir o significado profundo vra de Deus e, portanto, a figura da mesmo por parte da mãe. Pode-se
da sexualidade, redescobrir o dom relação homem-mulher é fundamen- entender as razões pelas quais nas-
que o masculino é para o feminino tal, estruturante e tem uma grande cem posições como essa.
e que o feminino é para o masculi- relevância teológica. Portanto, trata- A mulher, em tantas situações,
no. E talvez ler a questão da homos- -se de uma abordagem pastoral e de na América Latina de modo espe-
sexualidade buscando compreender colher as instâncias positivas que cial, foi esmagada pelo machismo,
quais são as instâncias que emergem existem em todas as experiências. portanto reivindica sua autonomia
desse mundo, dessas experiências. A de decisão na gestão da própria
emancipação da mulher é uma ca- Existem tradições cristãs, cató- sexualidade etc. Mas isso não deve
racterística, uma qualidade do nosso licas, que estão em comunhão fazer esquecer das coisas funda-
tempo, que revoluciona a história da com Roma, que preveem o sa- mentais, porque o risco é que haja
humanidade. Não é uma coisa pe- cerdócio sem o celibato. O sr. um desvio subjetivista em que o
quena. Isso implica que o masculi- acha isso possível ou desejável primado é dado ao ponto de vista
no se encontra em uma situação de para toda a Igreja Católica? do indivíduo. Aquilo que deve cres-
objetiva dificuldade de conceber a Eu não falaria tanto da obriga- cer paralelamente é a consciência
si mesmo diante do feminino. Com ção do celibato, mas do fato que, de que uma nova criatura que é
a queda da concepção machista e na Igreja Católica de rito latino, a concebida no ventre de uma mãe
patriarcal padronizada, são desesta- lei do celibato é vista como profun- é responsabilidade também do ho-
bilizadas todas as relações homem- damente conveniente ao ministério mem que participou da concepção.
-mulher. Então se faz necessário re- presbiteral. Mas na Igreja Católica Sabemos que a consciência mas-
pensá-las, revivê-las, reestruturá-las. de rito Oriental existe o chamado culina sobre esse ponto é muito fra-
Além disso, ao longo dos séculos sacerdócio uxorato, ou seja, há sacer- ca, mas deveria ser, pelo contrário,
vieram à tona características que co- dotes católicos de rito oriental que uma consciência relacional, uma
notam o masculino e o feminino de podem se casar. Portanto, a Igreja consciência recíproca. Essa nova
modo unilateral, como é o caso do Católica já reconhece isso. Eviden- criatura é fruto do relacionamento
machismo. Parece-me que da cultu- temente não é uma lei intocável, e entre um homem e uma mulher, a
ra da homossexualidade emerge o sim uma práxis que a Igreja Católica responsabilidade é do homem e da
fato de que o masculino deve des- latina tem considerado conveniente mulher. O homem geralmente des-
“
rio ordenado sacerdotal. A questão na pluralidade de suas formas. diversidade, para ler as instâncias e
central é a presença da mulher nos João Paulo II dizia – e o papa as perspectivas de uma antropologia
momentos e espaços de elaboração Francisco reafirmou – que na histó- relacional. Porque é isso que signi-
da cultura e das decisões eclesiais. A ria houve grandes carismáticas, de fica antropologia trinitária, uma
antropologia da relação, uma antro-
pologia da valorização da diferença,
”
da dádiva recíproca das identidades,
em uma comunhão diferenciada. É
Um casal que tenha sido ferido profundamente uma proposta cultural de grande in-
pela ruptura, pela incompreensão entre teresse para a América Latina.
A segunda etapa da minha via-
os cônjuges, por exemplo, deve ser olhado gem foi esta, em São Paulo, num se-
minário de trabalho com cerca de
com um amor muito especial 50 pessoas, entre professores univer-
sitários e estudantes.
Foi um momento de discerni-
mento para introduzir-nos na com-
mulher deve assumir papeis de res- Catarina de Sena a Teresa d’Ávila até preensão de qual é a proposta cultu-
ponsabilidade no governo da Igreja chegar à madre Teresa de Calcutá ral gerada pelo Carisma da Unidade e
para aquilo que compete a uma ges- ou a Chiara Lubich, que certamen- que teve sua figura acadêmica criada
tão sinodal da vida da Igreja. te exerceram uma influência sobre há sete anos no Instituto Universitá-
A questão do ministério ordena- a Igreja e uma autoridade espiri rio Sophia de Loppiano (Florença/
do é outra, porque neste momento tual maior e mais fecunda do que Itália), com uma vocação que não é
histórico, o ministério ordenado, a daqueles que exerceram o minis- ligada à Itália ou à Europa, mas uma
que tem uma função específica no tério ordenado. vocação universal, porque o carisma
âmbito da economia eclesial, absor- é o Carisma da Unidade. Procura-
veu em si, ao longo dos séculos, toda O sr. está concluindo um pe- mos entender o que se pode fazer na
a autoridade. Isso, eclesiologicamen- ríodo de trabalho na América América Latina, levando em conta as
te, não é uma realidade pertinente, Latina. Poderia falar sobre o ricas experiências que já existem não
porque a autoridade vem de Cristo intuito dessa visita? só em várias partes do Brasil, mas
ressuscitado, que é o Senhor da co- Fiz uma viagem em duas etapas, do subcontinente. Foi uma oportu-
munidade, da Igreja e da História. E uma a Cochabamba, na Bolívia, nidade de intercâmbio, na qual se
essa autoridade se exprime de vários onde foi realizada a segunda seção de delinearam perspectivas de trabalho
modos: em nível sacramental, atra- um seminário organizado pelo Ce- e de pesquisa para o futuro que me
vés do ministério ordenado, mas há lam sobre a antropologia trinitária. parecem promissoras.
Final de ano
sem custos adicionais
Consumo Com a chegada do final de ano, as compras
aumentam assim como a produção de lixo no país.
A reversão deste quadro está nas mãos do consumidor,
que, ao se tornar mais responsável, pode ajudar
o meio ambiente, reduzir gastos e auxiliar quem
precisa de assistência
“S
e deixar para com- que poucos se perguntam é: “Preci-
prar o presente de so mesmo comprar?”. Confeccionar
última hora, vai o próprio presente, organizar uma
enfrentar fila!” A troca de objetos que estão parados
frase é típica de final de ano em casa ou visitar uma instituição
e as pessoas já sabem que, nes- social são algumas das dicas dadas
te período, as lojas vão estar cheias por Monica Pilz Borba, pedagoga,
e os preços, inflacionados. Não há fundadora e gestora do Instituto 5
dúvidas de que final de ano é o Elementos – Educação para a Sus-
momento perfeito para celebrar tentabilidade, para um final de ano
amizades, amores, grati- mais sustentável e responsável.
dão… E nada melhor do Para Borba, um dos problemas
que a troca de presen- relacionados à troca de presentes
tes para demonstrar é a quantidade de lixo produzida,
os sentimentos. O que chega a aumentar 30% nos ater-
ros sanitários no período do Natal.
De acordo com a Pesquisa Ciclosolf
2014, realizada pelo Compromisso
Empresarial para Reciclagem (Cem-
pre), apenas 13% dos cidadãos bra-
sileiros têm acesso à coleta seletiva.
Ao todo, 927 cidades praticam al-
gum tipo de coleta, ou seja, 17% dos
municípios, onde vivem 28 milhões
de pessoas com acesso ao serviço. A
maior taxa de municípios com cole-
© Kurhan | Dreamstime.com
O presente é necessário?
1
A presença e a troca de experiências e
emoções são sempre mais importantes do
que o presente. A máxima “Menos presen-
te e mais presença” é sempre atual e válida
para qualquer período do ano, principal-
mente para quem quer começar a pensar
em sustentabilidade.
Troca
Sabe aquela camisa que nunca foi usada ou
aquele brinco que está guardado há meses?
Eles podem ser excelentes presentes. “Se
no seu armário tem alguma coisa que
você não usa há oito meses, por que
você está guardando aquilo?”, pergunta
Monica Borba. Todo mês, o Cineclube Socioam-
biental, uma parceria da Sala Crisantempo com o
2
3
Instituto 5 Elementos, promove uma Feira de Tro-
cas, que além da troca de objetos, promove uma
reflexão sobre consumo.
Com este exemplo em mãos, a sugestão da peda-
goga é organizar feiras de trocas solidárias com
Mão na massa todos aqueles que você gostaria de presentear.
Os brinquedos das crianças nem sempre Cada um leva alguma coisa que não usa mais,
precisam ser comprados. Eles podem ser que está guardada e ainda em bom estado e, no
confeccionados com a ajuda dos peque- final, todos podem sair com algo novo e útil. “A
nos. E, com certeza, a diversão estará relação de troca e de ter algo novo gera felicidade
garantida. Sites como o da Pastoral nas pessoas. E, particularmente, não precisamos
da Criança (www.pastoraldacrian- comprar para ter algo novo”, diz.
ca.org.br/pt/fabrica-de-brinquedos)
podemajudar na organização da fabricação pró-
pria de brinquedos.
Valorizando o local
O consumo de produtos locais
tem algumas vantagens. Entre
elas, ajuda a fortalecer o desenvolvi-
mento da economia no lugar de origem e
possibilita um melhor acompanhamento
4
da cadeia produtiva e da qualidade do produto.
Além disso, contribui para a diminuição das emis-
sões de gases como o gás carbônico, por evitar as
longas viagens que o produto tem que fazer para
Presentes
beneficentes
Outra sugestão dada por Mo-
nica Borba é levantar as neces-
sidades de orfanatos, casas de
repouso e lugares de assistência
social e convidar os amigos, fami-
5
liares e vizinhos a darem de presente
chegar ao consumidor. Basta pensar, por exemplo, os produtos desta lista. “Devemos nos
em produtos fabricados na China. Para chegar ao preocupar um pouco mais com os ou-
consumidor brasileiro, é preciso utilizar algum tipo tros”, destaca Borba. “E se você precisa
de transporte – rodoviário, ferroviário, aéreo ou de alguma coisa por que não comprar
fluvial – que, inevitavelmente, precisa de combus- em janeiro, quando as coisas são mais
tível para funcionar. A queima de combustíveis, es- baratas?”, questiona.
pecialmente os derivados do petróleo, emite mui-
to gás carbônico e polui ainda mais a atmosfera.
6
se a fabricante do produto não está presente em uma das “listas sujas”
elaboradas por organizações, empresas e pessoas. A lista das empresas
que usam trabalho escravo na produção, por exemplo, pode ser con-
sultada no site da Repórter Brasil (http://reporterbrasil.org.br/lista-suja/).
Existem outras listas que também podem ser encontradas na internet. Ou-
tra sugestão é sempre estar atento aos rótulos e embalagens. Os selos de certifi-
cação ajudam neste processo. O ISO 14.000, por exemplo, verifica a utilização de
recursos naturais por empresas e/ou se causam algum dano ambiental decorren-
te de suas atividades.
Agência Estado
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E
m sua maior crise, as enti- para aquisição de materiais e medi- com mais atenção”, defende o presi-
dades filantrópicas de saúde camentos. Tida como o maior cen- dente da CMB, Edson Rogatti. “Sem
têm protagonizado desde pa tro médico filantrópico da América as entidades sem fins lucrativos, o
ralisações até o fechamento Latina, com 8 mil atendimentos diá sistema não daria conta de atender
total das portas devido ao grande rios em todas as suas unidades, a toda a demanda.”
endividamento, que já atinge 80% dívida da instituição é estimada em Para Rogatti, a causa do endivi
dos estabelecimentos, segundo da- R$ 400 milhões. damento é o subfinanciamento pú-
dos da Confederação das Santas A maioria das Santas Casas e dos blico. “A remuneração dos serviços
Casas de Misericórdia, Hospitais hospitais beneficentes destina de que prestam ao SUS está muito
e Entidades Filantrópicas (CMB). 80% a 100% da sua capacidade ao aquém dos custos gerados”, explica.
A situação dessas instituições que atendimento do Sistema Único de Segundo ele, a cada R$ 100 gastos
transitam entre o sistema público Saúde (SUS), ainda que a legislação em atendimento, a entidade recebe
e o privado é tema desta terceira e exija apenas 60%. É delas a respon- apenas R$ 60.
última reportagem da série sobre a sabilidade por mais de 50% dos aten- Em 2013, a dívida das filantrópi-
Saúde no Brasil. dimentos do SUS, 37% dos leitos e cas era estimada em R$ 15 bilhões.
O caso de maior projeção nacio- 60% dos atendimentos oncológicos Destes, R$ 5,4 bilhões eram referentes
nal foi o da Santa Casa da Miseri- e transplantes realizados no país. a débitos com a União e R$ 10 bilhões,
córdia de São Paulo, que, em julho “Esses números demonstram a acumulados com bancos e fornece
deste ano, interrompeu o atendi- importância da participação das dores. Em 2005, o déficit financeiro
mento de emergência por mais de entidades filantrópicas e a necessi- do setor era de R$ 1,5 bilhão – um
24 horas devido à falta de recursos dade de o governo olhar para elas aumento de dez vezes em oito anos.
Kisil, da USP, elogia a iniciativa do funcionar por dificuldades finan- porque poderia ir à Santa Casa e ficar
governo em propor um plano de re- ceiras. Estima-se que 225 entidades mais confortável com ar-condicio-
cuperação, mas sustenta a insuficiên- filantrópicas tenham sido fechadas nado. A humanização da medicina
cia do programa, reafirmando a ne- no Brasil durante os últimos anos, passa por questões desse tipo, algo
cessidade de mudanças estruturais. principalmente nos municípios me- que não pode ser arcado pelo poder
“[O PROSUS] é empurrar o problema nores. A situação complica ainda público, mas que pode receber contri-
com a barriga, porque daqui a dois ou mais um problema crônico da saúde buições do usuário”, afirma.
três anos a Santa Casa pode estar na pública: a centralização de hospitais Além da importância do atendi-
mesma situação de endividamento. nas grandes cidades brasileiras. mento público, as entidades filantró-
Estamos em um momento em que é Segundo dados do Cadastro Na- picas cumprem um importante papel
necessário ter um plano nacional de cional de Estabelecimentos de Saúde, na formação de recursos humanos
saúde que envolva a participação dos do Ministério da Saúde, há cerca de para a saúde, com a criação de Esco-
agentes econômicos na aquisição de 990 municípios com um único esta- las de Medicina e de Enfermagem –
medicamentos, de tecnologia, na ra- belecimento hospitalar –Santa Casa foram pioneiras no Brasil! –, além da
cionalização de políticas de preven- ou hospital sem fins lucrativos. manutenção de hospitais-escolas e
ção que possam diminuir os custos, Fernando Facury Skaff, profes- residências médicas. Hoje, são mais
além da criação de uma hierarquia sor de Direito da USP, afirma que a de cem instituições de formação es-
de serviços”, enumera. descentralização protagonizada por palhadas pelo país. Reunindo gran-
Segundo o professor, em um hospitais pequenos é insuficiente. de parte dos hospitais de ponta, essa
país de dimensões continentais e “Em pequenas e médias cidades é formação é parte essencial para a
distinções locais imensas, é neces- difícil encontrar recursos médicos continuidade de atendimentos por
sário adotar políticas regionais para compatíveis com os grandes cen- profissionais qualificados e para a
tornar a gestão mais inteligente, tros. No Brasil, os dirigentes prefe- descoberta de novos tratamentos.
evitando desperdícios. “Com a mu- rem enviar pacientes de ambulân- De acordo com Marcos Kisil, é
nicipalização da saúde, o município cia a outra cidade a investir recursos necessário investigar as entidades fi-
passou a ser responsável pela aquisi- para melhorar o sistema de saúde lantrópicas mais qualificadas e apli-
ção de medicamentos. O resultado é em pequenas cidades”, critica. car às outras instituições as soluções
que uma cidade pequena e sem po- Se antes do SUS as entidades fi- encontradas por elas. Para o espe-
der de barganha tem gasto superior lantrópicas contavam com vultosas cialista, uma das práticas mais elo-
per capita em relação a uma cidade doações, hoje, o hábito da contribui- giáveis atualmente são os planos de
maior”, exemplifica. ção tornou-se insignificante dian- saúde oferecidos por algumas Santas
O especialista sugere a criação de te dos altos custos que demanda a Casas. “Com eles, as instituições po-
grupos de municípios com necessi- atividade hospitalar, afirma o presi- dem prever a entrada de pacientes,
dades semelhantes para uma distri- dente da CMB. calcular os custos e, consequente-
buição de verbas mais equânime e Para Kisil, uma das maneiras de mente, evitar endividamentos.”
um planejamento eficaz de gastos. ajudar as Santas Casas é resgatar a Kisil defende que tão importan
“No Canadá, por exemplo, em cada participação comunitária. “O Brasil te quanto controlar as dívidas é
província existe mesa de negociação está desenvolvendo de maneira for- poupar verba para garantir não só
composta por autoridade do local, te conceitos de responsabilidade so- a melhoria, como também a expan
pelo sindicato dos médicos, pela asso- cial. Se mobilizar uma comunidade são das entidades filantrópicas. Uma
ciação dos hospitais e pelas próprias de maneira correta e mostrar que há das ideias em estudo é oferecer um
empresas seguradoras, para definir melhoria para ela, você tem o apoio”, fundo de inovações como forma de
custos e gestão. O que o SUS faz hoje propõe. O especialista se impressio- premiar as Santas Casas que consi-
é pagar o mesmo [valor] para todo nou quando viu um outdoor em Votu- gam trabalhar com mais efetivida-
mundo. A diversidade tem de passar poranga (SP) em que uma Santa Casa de. “Isso vai resultar na melhoria
a ser contemplada pelo setor”, reitera. convocava a comunidade a doar di- do atendimento ao paciente e na
nheiro para a compra de ar-condicio- percepção de fontes de desperdício.
nado. O objetivo era melhorar a con- Foi exatamente o que a Santa Casa
Alternativas dição de espera de moradores de uma de Porto Alegre fez, por isso ela ga-
Pelos dados da CMB, a cada ano das cidades mais quentes do interior nhou um prêmio de qualidade. É
um hospital filantrópico deixa de de São Paulo. “A comunidade pagou um exemplo de que é possível.”
concedido pela Encore.org a pessoas com mais de 60 anos que usam seu
talento e suas habilidades para promover o bem social. E o norte-americano
não tem intenção de parar. “Meu objetivo é permanecer o mais altamente
efetivo possível na próxima fase da minha vida – para viver uma vida que o que já tá feito, tá feito!”, declarou
tenha um propósito”, disse ao site da premiação. em entrevista a um site noticioso.
“Querer é poder. Enquanto vida você
tiver, é sua obrigação correr atrás dos
objetivos”, disse.
Pela água do planeta Na verdade, Sila já se tornou bem
conhecido. Participou de programas
A escassez de água no Sudeste, que tem afetado não somente a distribuição de entrevista, foi personagem de
domiciliar mas também a geração de energia, está ajudando a fomentar várias matérias, tem um site com
ideias criativas para o uso da água. Entre elas está o recém-lançado aplicativo a sua história (silaconceicao.com)
Nossa Energia, para orientar as pessoas em relação ao consumo eficiente e, agora, pretende inspirar outras
da energia. A ideia nasceu da parceria entre o Instituto Akatu e a Federação pessoas a mudar de destino com
Brasileira de Bancos, dentro de seu programa de educação financeira. o livro “Danem-se os normais”
Disponível para Android, o aplicativo oferece uma calculadora que identifica (Ed. Casa da Palavra), recém-lançado
os gastos de acordo com os eletrodomésticos e o consumo da residência, em Belém. Escrito por João Estrella
o jogo Apagão e dicas práticas para um consumo consciente desse recurso de Bettencourt e Mariana Torres,
que tem relação direta com a água. o livro traz relatos de como Sila usou
Além do app, o programa da Febraban irá lançar outras ferramentas sobre os conhecimentos adquiridos ao
consumo consciente ainda este ano. longo de sua trajetória para se tornar
um empreendedor.
Hong Kong
clama por democracia
CHINA Milhares de manifestantes ocupam as ruas de Hong Kong para exigir
que o futuro chefe do Executivo local seja escolhido de forma democrática
A
s eleições em Hong Kong só cial e tentam barrar a divulgação dos de Relações Internacionais da FAAP,
acontecem em 2017, mas no protestos. Durante o final de sema- Marcus Vinicius de Freitas não vê o
final de agosto deste ano, as na das maiores manifestações, por movimento como uma futura ten-
manifestações contra o pro- exemplo, o acesso dos chineses ao tativa separatista. “Não seria vanta-
cesso eleitoral na ilha levaram picos Instagram, rede social de comparti- joso para Hong Kong se separar da
de cem mil pessoas para as ruas. lhamento de imagens, foi bloqueado. China, já que até a água consumida
Isso porque, em agosto, o gover- Na última semana, o governo da na ilha vem de lá. Além do mais, a
no chinês divulgou o plano para a China negou as permissões legais China é o principal investidor fi-
eleição do próximo chefe do territó- para que três representantes dos estu- nanceiro da região, que vive dos ne-
rio, marcada para 2017. Nele, é pre- dantes que participam dos protestos gócios empresariais”.
visto que os cidadãos de Hong Kong em Hong Kong viajassem a Pequim
poderão eleger, pela primeira vez, o para tentarem se reunir com mem- História que vem
seu próprio líder. Contudo, só serão bros do governo e apresentarem suas
aceitos candidatos pré-aprovados reivindicações. Para os estudantes, o
de longe
por um comitê de 1.200 pessoas, ocorrido tem um significado simbó- Junto com Macau, Hong Kong é
aliados de Pequim. lico. “Eles revogaram não apenas as considerada uma das duas regiões
Nas ruas, o que os que manifes- nossas autorizações, mas também os administrativas especiais da China,
tantes reivindicam é um verdadeiro direitos de toda uma geração. Isso o que implica um sistema político
sufrágio universal, sem que autori significa que o governo não está e legislativo diferentes da China
dades centrais tenham que escolher disposto a ouvir a voz desta geração continental, permitindo uma auto-
previamente os candidatos. Centenas de pessoas de Hong Kong”, afirmou nomia e liberdade que não existem
de pessoas continuam acampadas Alex Chow, um dos líderes estudan- no restante do país. No entanto, a
próximo às instalações governamen- tis. As autoridades de Pequim não população local quer ampliar ainda
tais em um movimento autodenomi- deram qualquer explicação sobre o mais esses direitos.
nado “OccupyCentral”, uma campa- fato ocorrido. Até 1997, o território de Hong
nha de desobediência civil em defesa Em entrevista coletiva no dia 12 Kong esteve sob o domínio britâni-
da democracia de Hong Kong. O de novembro junto com o presiden- co, o que torna a região peculiar sob
grupo usa o mesmo nome do movi- te dos Estados Unidos, Barack Oba- a égide de dois sistemas. Isso ocorre
mento “Occupy Wall Street”, lança- ma, o governante chinês, Xi Jinping, porque ficou estabelecido que até
do nos EUA em 2011 para protestar classificou o movimento Occupy 2047 a antiga colônia preservará o
contra a desigualdade social. Central, como “ilegal”, em sua pri- sistema capitalista, apesar estar vin-
Os ativistas querem, além das meira declaração pública a respeito. culada à China, de regime comunis-
eleições democráticas, uma reforma Apesar das grandes proporções e ta – ao menos oficialmente. Assim,
política que cumpra normas interna- das diferenças culturais existentes a Hong Kong é assegurada ampla
cionais. No entanto, as autoridades entre a população de Hong Kong e autonomia, exceto nas relações ex-
chinesas têm utilizado a força poli- a da China continental, o professor teriores e na defesa militar.
A verdade é que, quase 20 anos de- Especialistas estão de acordo em envolvimento de outros setores ex-
pois da reintegração, a população de dizer que a China não abrirá mão pressivos da sociedade”.
Hong Kong se identifica muito mais do controle político de Hong Kong. Ávila complementa que muito
com os valores capitalistas, e ainda “Estamos diante de uma situação pa- provavelmente o governo chinês
vê o Partido Comunista Chinês com radoxal já que os estudantes pedem vai insistir em participar das elei-
desconfiança, acusando-o de inter- uma abertura democrática nas pró- ções de Hong Kong por meio de um
ferir em assuntos locais. Muitos pre- ximas eleições, mas sabem que, em comitê prévio, pois é de seu interes-
ferem se identificar como cidadãos um horizonte próximo, em 2047, se que o futuro governador da re-
de Hong Kong em vez de chineses, serão reincorporados ao governo chi- gião esteja alinhado às políticas de
enxergando a população continental nês, que não lhes concederá qual- Pequim. “Um candidato escolhido
como “pragas” que invadem a cidade quer espaço para manifestações de- diretamente do povo, sem qualquer
atrás de educação gratuita, serviço mocráticas. O futuro de Hong Kong vínculo com o Partido Comunis-
médico e outras vantagens, gerando ainda é incerto”, explica o professor ta Chinês, pode ser um complica-
grandes conflitos culturais. de Relações Internacionais Lauro dor para a política chinesa, prin-
Em contrapartida, a população de Ávila, da PUC de São Paulo. cipalmente se levarmos em conta
Hong Kong é vista por boa parte dos Enquanto isso não é decidido, que algumas outras regiões como
chineses como “bastardos” e “cães o governo chinês evita grandes re- Macau, Tibet ou Taiwan podem se
dos imperialistas britânicos”, como pressões às manifestações, o que inspirar e também se rebelar diante
afirmou o professor da Universidade poderia soar mal para investidores da situação”, explica.
de Pequim, Kong Qingdong, após a e prejudicar os negócios no país. De todo modo, o separatismo
circulação de um vídeo na internet de Para Freitas, o governo chinês tem, da região, altamente dependente da
um cidadão de Hong Kong brigando tradicionalmente, duas caracterís- China, ainda não é uma possibili-
com uma criança da China continen- ticas predominantes: o pragmatis- dade e, ao que parece, não é dese-
tal por estar comendo macarrão no mo e a manutenção da integridade jado nem pela população de Hong
trem, um costume proibido na região. territorial. “Talvez o governo até Kong – que sabe da importância
Os protestos atuais demonstram ceda em algum ponto para evitar de pertencer à segunda maior eco
que, para além de questões cultu- maiores manifestações, ou uma nomia do mundo e não quer perder
rais, parte da população, sobretudo possível revolução. Mas certamen- isso de vista.
a mais jovem, tem pressa e vontade te não cederá completamente ao
de ampliar a democracia na região, pedido das ruas. Pelo menos não
Fonte: Edilson Adão, autor de Geografia
o que, claramente, não é o interesse enquanto o movimento ainda esti- em Rede pela FTD e professor do curso de
de Pequim. ver centrado nos estudantes, sem o Relações Internacionais da Facamp.
13º salário:
Aplicar, gastar ou quitar dívidas?
E
stamos mais uma vez em dezembro e com ele em vez de hotéis… São muitas as possibilidades de festejar
“
chega o tão esperado 13º salário. Um dinheiro ex- e gastar menos. O que não dá é empurrar a ciranda do en-
tra que é bem-vindo num mês tão especial: Natal, dividamento para mais um ano.
Réveillon, férias, final de ano. É o mês das festas, Para quem está com a vida financeira equilibrada existe
das viagens, das trocas de presentes, dos “amigos secre- a possibilidade de uma pequena extravagância, pontual,
tos”, confraternizações de todos os tipos… são muitas as nesse período. Não significa torrar tudo com futilidades,
ocasiões de gastos. E aí, o que fazer? Gastar todo o 13º nas deve-se aproveitar o momento e reservar uma parte para
festas? Quitar dívidas? Aplicar? ser aplicada: poupança, aplicações
O 13º salário surgiu a partir de curto prazo, Títulos da Dívida
da ideia de algumas empresas de Pública, ações… não importa, o im-
Antes de comprar,
”
pagar, em dezembro, uma gratifi- portante é aplicar de acordo com
cação de Natal para ajudar os fun- não esqueça de fazer o seu perfil investidor e manter a
cionários nos festejos de fim de saúde financeira.
ano. Passou a ser obrigatório em as três famosas perguntas: Mesmo podendo ir às compras
13 de julho de 1962, através da Lei Eu preciso? Eu posso? não se deve deixar de pesquisar
4.090, regulamentada pelo Decre- preços, procurar bens que res-
to 57.155, de 3/11/1965. Apesar de, Tem que ser agora? peitem o meio-ambiente e, antes
na sua origem, ser destinado para de comprar, fazer as três famosas
as compras do período natalino, perguntas que os especialistas re-
isso não implica em dizer que deva comendam: Eu preciso? Eu posso?
ser usado somente para esse fim. É claro que dar presentes, Tem que ser agora? Quando possível, uma boa alternati-
viajar, festejar, é muito bom, desde que seja feito com res- va é deixar para comprar nas liquidações de janeiro, com
ponsabilidade financeira. De que adianta curtir alguns dias preços mais baixos.
e padecer um ano inteiro? Mas, muito além de gastar, quitar dívidas ou aplicar, o
Quando se tem dívidas a pagar não se pode desprezar que realmente importa neste período tão significativo?
esse dinheiro extra. É muito mais sensato reservá-lo para Será que não seria oportuno gastar o nosso tempo em atos
quitar as dívidas do que gastar com presentes, festas e de amor ao próximo, quitar dívidas de perdão a quem nos
viagens. Isso não quer dizer que não se deva comemorar magoou e aplicar a caridade em todas as ocasiões do nosso
datas tão significativas. Pode-se usar a criatividade e procu- dia a dia? Agindo assim certamente o Natal será mais Natal
rar meios econômicos para gastar menos, como promover e as festas de final de ano ganharão um sentido novo.
uma ceia de Natal compartilhada com a família e os amigos,
troca de cartões ao invés de presentes no amigo oculto,
viagens para lugares próximos, hospedagem em pousadas O autor é cientista contábil, perito, auditor e professor
O que o an
PERSPECTIVA 2014 foi um ano
controverso, marcado por avanços,
retrocessos e eventos para ficar
na história do país. Veja como
especialistas em diversas áreas
avaliam o período que se encerra
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© Djama86 | Dreamstime.com
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capa revista@cidadenova.org.br
G
tico, foi também o ano de manobras
eleitoreiras que prometem cobrar seu erar um mundo melhor não é tarefa fácil. Isso
preço em 2015. 2014 foi o ano da fal- se torna ainda mais complexo quando se perce-
ta d’água no Sudeste. O ano em que os ambientalistas be que práticas políticas e desenho institucio-
viram, com desgosto, suas previsões começarem a se nal mantêm raízes em valores e visões de mun-
confirmar. O ano de uma economia errante marcada do de tempos pregressos, buscando manter uma ordem
por pouco crescimento e inflação acima do previsto. social benéfica à minoria. Enquanto líderes globais e
Como os anteriores, o ano de 2014 também foi de des- ideais transformadores parecem estar em extinção, aqui
pedidas importantes, como as de Jair Rodrigues, José e acolá se descobre a beleza e a enorme capacidade de
Wilcker, Ariano Suassuna, Gabriel García Marquez, reinvenção do bem frente aos novos desafios humanos.
Luciano do Vale, Rubem Alves, Eduardo Campos, João O ano que passou trouxe alguns sinais de esperan-
Ubaldo Ribeiro e Manoel de Barros. 2014 ficou marca- ça e de fraternidade, perceptíveis ao baixar a poeira
do por um turbilhão de eventos desconexos, às vezes levantada pelas turbulências da História. Há 25 anos,
simultâneos, às vezes sucedendo-se rapidamente uns por exemplo, ruía o Muro de Berlim, sinal mais visível,
aos outros. Tivemos rolezinhos invadindo shopping feito de tijolos, concreto e ferro, da divisão causada pela
centers, o sumiço de um avião inteiro da Malasya Air- Guerra Fria. A reunificação alemã e, consequentemen-
lines e o abatimento de outro da mesma companhia te, a reaproximação entre Ocidente e Oriente, festejada
na Ucrânia, a crise da Crimeia (que ainda está longe neste ano em Berlim, foi apreciada por todo o mundo.
de chegar a bom termo), a irrupção do Estado Islâ-
mico, os escândalos de superfaturamento e desvio de
verba na Petrobras, o surto de Ebola que dominou
o oeste da África – mas só assustou o mun-
do quando chegou à Europa e aos Estados
Unidos. Enfim, 2014 foi um ano de com-
plexidade ímpar e, para tentar decifrá-
-lo ao menos parcialmente, Cidade
Nova solicitou a quatro especialis-
tas das áreas de meio ambiente,
política, economia e esporte
que fizessem um balanço
dos fatos mais relevantes
em cada uma dessas áre-
as. Veja como foi o ano
na ótica deles.
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2014 empurra
fator para a limitação do crescimento. De acordo com
o ranking do Banco Mundial, que classifica a facilidade
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de se obter crédito, a permissão para construção e os
Brasil está encerrando o ano com um cenário altos impostos. O quarto aspecto é o problema da infra-
econômico bastante desafiador. Em linhas ge- estrutura. Segundo o Relatório Global de Competitivi-
rais, estamos com baixo crescimento econômi- dade do Fórum Econômico Mundial, entre 2010 e 2014
co, queda da produção da indústria brasileira, a qualidade geral da infraestrutura brasileira recuou
piora do desempenho das contas externas e das contas 2,1%, diferentemente da média dos países emergentes,
públicas, perda de competitividade no comércio exter- cuja qualidade aumentou 10,2% no mesmo período.
no, manutenção do controle de preços administrados Por fim, o problema da corrupção institucionaliza-
(energia e combustíveis), alta da inflação e voltamos a da. Segundo o ranking de percepção da corrupção da
ter a maior taxa de juros real do mundo. Transparência Internacional, o Brasil ocupa a posição
Estima-se que a economia finalizará 2014 com um 72 dos 177 países pesquisados.
crescimento de 0,2%, retração de 2,3% da produção in-
dustrial e inflação em torno de 6,5%. De acordo com o
relatório World Economic Outlook, do FMI de outu-
bro, o crescimento brasileiro contrasta com o ce-
nário mundial, que retomou lentamente o cres-
cimento econômico, previsto para este ano algo
em torno de 3,3%, com os mercados emergentes
crescendo 4,4% e as economias avançadas 1,8%.
Diversos fatores podem explicar a inibição
do crescimento do Brasil. Um dos principais
é a baixa produtividade. O país em 2011 pos-
suía a mesma produtividade do final dos
anos 1960 e, atualmente, não apresenta
Wilson Dias | Agência Brasil
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dos a mais do que admitidos. E a expectativa é de uma
tendência negativa na geração de vagas nos próximos meio óbvio dizer que 2014 é um ano que ficará
meses. Isso significa que 2015 será um ano difícil e se- na história. Todos os anos ficam, desde sempre.
rão necessários ajustes e reformas importantes para se Mas se me for permitido, asseguro: 2014 ficará
reverter esse quadro. Medidas que precisam se sobrepor na história. Aliás, já ficou.
à tentação do populismo e das fórmulas mágicas. O ano de 2014 já estava na história desde o fim de
2007, quando o Brasil foi escolhido para ser a sede da
Copa do Mundo deste ano que se encerra. Nos últimos
Mauricio C. Serafim é professor do Departamento de Adminis- sete anos, o noticiário esportivo olhou com atenção
tração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina –
UDESC para o que fizemos por todo o país. Os estádios, os ho-
téis, as obras viárias… Tudo foi observado, inclu-
sive os erros cometidos nesse período.
Temíamos uma vergonha mundial fora
de campo, mas o que se viu foi bem di-
ferente. Os estrangeiros que vieram fo-
ram bem recebidos e contribuíram de-
cisivamente para que fizéssemos uma
grande festa, o que já sabemos fazer.
Ponto positivo para nós nesse quesito.
Dentro de campo, por outro lado,
o vexame de 2014 jamais poderia
ser previsto lá em 2007. Quem iria
imaginar uma derrota por 7 a 1 na
semifinal de uma Copa do Mundo?
J.P.Engelbrecht | PCRJ
inadiáveis
de TV mais igualitária entre os clubes brasileiros. Não
se propõe um maior repasse de dinheiro da CBF para as
federações estaduais. Não se questiona a possibilidade
de jogar às quartas-feiras antes das 21h50. Nada…
2
Em 2014, tivemos momentos idênticos aos que vive-
mos em 2007. E nos outros anos. 014 foi um ano caótico para o meio ambien-
Mas (felizmente) nem só de futebol viveu o esporte te, com sérias consequências para a sociedade
brasileiro em 2014. No tênis, vimos os duplistas brasi- e a economia do Brasil. Mas o pior é ver que
leiros viverem mais um ano de brilho – Bruno Soares governos, empresas, ONGs e sociedade ainda
faturou o US Open nas duplas mistas ao lado da india- não compreenderam que no planeta existe um equi-
na Sania Mirza, enquanto Orlandinho Luz e Marcelo líbrio na relação entre os seres vivos e destes com o
Zormann levaram para casa o título juvenil nas duplas ambiente físico que habitam. E, se entenderam, ain-
masculinas em Wimbledon. No vôlei, a seleção femini- da não conseguiram transformar esse pensamento em
na conquistou o Grand Prix e a medalha de bronze no ações mais sustentáveis.
Mundial da categoria. Na Copa do Mundo masculina de Um bom exemplo dessa situação é a questão da água.
basquete, finalmente demos o troco na Argentina, mas Enquanto Norte e Sul sofrem com inundações, Centro-
caímos nas quartas de final. Na Fórmula 1, Felipe Massa -Oeste e Sudeste lutam contra a seca prolongada. Há al-
passou longe do título, mas viu sua carreira ressurgir na guns anos isso já era previsto por ambientalistas e es-
igualmente questionada equipe Williams. No atletismo, pecialistas em mudanças climáticas, levando em conta
na natação… Ufa, que ano! a importância da Floresta Amazônica na produção e
Estamos próximos de 2015, mas talvez não tenha- distribuição das chuvas em todo o país e a função do
mos um ano tão histórico quanto este tão cedo. Menti-
ra: 2016 está aí e os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro
mais uma vez colocarão o Brasil no centro do mun-
do esportivo. Você está pronto?
Chiara Lubich
(25 de dezembro de 1973)
AFP PHOTO | Luis Robayo
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Pagamentos móveis
MOBILIDADE As apostas foram de que 2014 seria o ano dos pagamentos
móveis. Entenda as últimas novidades e por que essa popularização parece
ter ficado para 2015
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rovavelmente muitos de vo- no mercado dos pagamentos mó- leitor em smartphone. Na hora do
cês, seguindo a tradição de veis, ou seja, num mercado onde pagamento, será preciso somente
presentear pessoas queridas, nossas transações monetárias são aproximar o celular do leitor. Uma
irão às compras neste Natal. realizadas por meio de dispositivos, tecnologia chamada Comunicação
Na hora do pagamento seguirão um como celulares, com seus aplicati- por Campo de Proximidade (NFC,
gesto corriqueiro: vão abrir a bolsa vos, sistemas de transferência de da- na sigla em inglês) transfere as infor-
ou o bolso, procurar uma carteira, de dos ou pagamentos com SMS, que mações entre os dois aparelhos. Para
dentro dela retirar um cartão, inseri- garantem a mobilidade de compra- autenticar a transação, você mantém
-lo ou deslizá-lo pela “maquininha”, dores e vendedores. São métodos de uma das digitais dos seus dedos em
digitar a senha, esperar a aprovação pagamentos que crescem dia após um botão específico do celular com
da transação e por fim escolher en- dia, especialmente com a populari- leitor biométrico que, ao reconhecer
tre “quer a sua via ou não precisa?”. zação dos smartphones. a autenticidade, fará seu celular vi-
Em pouco tempo todo esse pro- Um bom exemplo para essa his- brar. Pronto. Sua compra está feita.
cesso não fará mais parte das suas tória está no sistema de pagamentos Se você estiver comprando on-line,
compras ou você poderá escolher móveis da Apple, o Apple Pay, que basta colocar o dedo em um campo
entre ele e uma forma mais adap- pelo peso da fabricante, balançou indicado na tela do aplicativo e, mais
tada à realidade digital. Previsões o mercado no mundo inteiro na se- uma vez, pronto. Compra realizada.
mais drásticas preferem mesmo di- gunda metade deste ano. Para o diretor da empresa de so-
zer que o bom e prático cartão de Este exemplo pode deixar as coi- luções de pagamentos PagSeguro,
plástico que você usa para compras sas mais claras, vejam só. Pelo Apple Ricardo Dortas, “a grande mudança
no crédito ou no débito pode estar Pay, caberá aos consumidores cadas- [com os pagamentos móveis] deve
com os dias contados. trar os dados do cartão no sistema vir em soluções que mudam a ex-
Isso porque estamos vivencian- e aos estabelecimentos adotar uma periência de consumo”. Ele lembra
do um rápido processo de inclusão máquina que funciona como um que a Apple traz essa experiência
Eterno desafio
Divulgação
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este período de Advento, o tempo que nos prepa- Foi a experiência dos primeiros cristãos de Jerusalém:
ra para o Natal, é-nos proposta a figura de João “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Nin-
Batista. Ele tinha sido mandado por Deus a prepa- guém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo en-
rar os caminhos para a vinda do Messias, e exigia tre eles era posto em comum” (At 4,32). Comunhão de bens
uma profunda mudança de vida de todos os que acorriam: que, embora não sendo obrigatória, era de fato vivida inten-
“Produzi frutos que mostrem vossa conversão” (Lc 3,8). samente entre eles. Não se tratava, como haveria de explicar
E àqueles que lhe perguntavam: “Que devemos fazer?” o apóstolo Paulo, de “pôr em aperto uns para aliviar os ou-
(Lc 3,10), ele respondia: tros”, mas “o que se deseja é que haja igualdade” (2Cor 8,13).
São Basílio de Cesareia diz: “Ao faminto pertence o pão
“Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem que tu reténs. Ao homem nu, o manto que tu guardas nos
não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!” teus cofres; ao miserável, o dinheiro que guardas escondido”.
E Santo Agostinho: “Aquilo que é supérfluo para os ricos
Por que devo dar ao outro algo do que me pertence? pertence aos pobres”.
Porque o outro, criado por Deus como eu, é meu irmão, “Também os pobres têm a possibilidade de se ajudarem
minha irmã; portanto, é parte de mim. “Não te posso fazer uns aos outros: um pode colocar suas pernas a serviço do
mal sem me ferir”, dizia Gandhi. Fomos criados como dom, que é aleijado; o outro, seus olhos, para guiar o que é cego;
um para o outro, à imagem de Deus que é Amor. Temos a um outro, ainda, pode visitar os doentes”.
lei divina do amor inscrita no nosso sangue. Jesus, vindo
habitar entre nós, revelou-nos isso com clareza quando nos “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem
deu o seu mandamento novo: “Amai-vos uns aos outros não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!”
como eu vos amei” (cf. Jo 13,34). É a “lei do Céu”, a vida da
Santíssima Trindade trazida à terra, o coração do Evange- Também hoje podemos viver como os primeiros cris-
lho. Assim como no Céu o Pai, o Filho e o Espírito Santo vi- tãos. O Evangelho não é uma utopia. É o que demonstram,
vem na comunhão plena a tal ponto que são uma só coisa por exemplo, os novos Movimentos Eclesiais que o Espírito
(cf. Jo 17,11), também na terra nós realizamos o nosso eu na Santo suscitou na Igreja para fazer reviver, com exuberân-
medida em que vivemos a reciprocidade do amor. E assim cia, o radicalismo evangélico dos primeiros cristãos e para
como o Filho diz ao Pai: “Tudo o que é meu é teu, e tudo o responder aos grandes desafios da sociedade de hoje, na
que é teu é meu” (Jo 17,10), assim também entre nós o amor qual são tão marcantes as injustiças e a pobreza.
é atuado em plenitude lá onde se compartilham não só os Lembro-me dos primeiros tempos do Movimento dos
bens espirituais, mas também os bens materiais. Focolares, quando o novo carisma infundia nos nossos co-
As necessidades de um próximo nosso são como se fos- rações um amor muito especial pelos pobres. Quando os
sem necessidades de todos. Alguém está desempregado? encontrávamos na rua, tomávamos nota de seus endereços
Sou eu que estou. Alguém está com a mãe doente? Vou numa caderneta, para depois irmos visitá-los e ajudá-los;
ajudar como se fosse a minha mãe. Existe gente com fome? para nós, eram Jesus: “Foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).
É como se eu estivesse com fome: vou tentar providenciar Depois de tê-los visitado nos seus barracos, nós os convi-
comida para eles como faria para mim mesmo. dávamos para almoçar em nossas casas. Para eles colocáva-
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VITÓRIA (ES)
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espiritualidade em ato saad zogheib
saadzogheib@cidadenova.org.br
Verdade e misericórdia
se excluem?
© krasnevsky | Fotolia.com
O
papa Francisco toma iniciativas de grande impac-
to. Ele cunhou a expressão “periferias existenciais”
para esclarecer a presença materna da Igreja –
principalmente como lugar de esperança para os
mais abandonados e atribulados.
Mas a cada nova expressão de Francisco há, também,
quem se apresse em distorcê-la, aplicando-a redutiva- eu para julgar a relação de um homossexual com Deus?”,
mente, com lentes ideologizantes e sectárias. Pesa muito disse claramente o papa Francisco. E, nessa mesma esteira,
o desconhecimento de questões importantes ligadas ao ele mostra que está ao lado de quem sofre, sem ignorar
magistério da Igreja, bem como à distinção dos seus fun- que possam existir questões de ordem moral. Ninguém fica
damentos teológicos e das mediações pastorais para cada indiferente quando se sente sinceramente amado.
necessidade do tempo e da história. Visitando uma comunidade terapêutica, sentei à mesa
É possível contemporizar princípios inegociáveis com com um jovem que foi logo dizendo ser travesti e estava lá
abertura pastoral? Sim, pois um “princípio inegociável” não para se recuperar das drogas. “Eu me sinto muito aceito e
exclui a compreensão e a misericórdia com quem se encon- amado aqui. Foi Deus mesmo quem me trouxe a esse lugar.
tra em estado de sofrimento e marginalização. Sofri muito ao longo da vida, pois desde o nascimento fui
A proposta ética do Evangelho é para a felicidade de criado por um homossexual. Parece que fui abandonado
todas as pessoas. Gosto muito de uma expressão usada logo depois de nascer”. Dentro de mim ecoaram as palavras
por um amigo: “Está na hora de recorrer ao sacramento da do papa: “Quem sou eu para julgar...”. Almoçamos juntos
reconciliação, pois vejo acumularem-se muitas pedras em e, ao final, com uma pureza incrível, ele me disse: “Obriga-
minhas mãos”. O mal prejudica principalmente a quem o do por esse momento, sinto que Deus está presente entre
comete. Faz mal cometer o mal, especialmente quando, na nós”. Jamais vou esquecer aqueles olhos límpidos que ema-
liberdade de escolha, podemos fazer o bem. navam uma luz que só podia ser do seu interior curado com
Nesse contexto, como fica a Verdade? Sem ela tudo se o bálsamo da misericórdia de Deus. O que vai acontecer
fragmenta em relativismos. A Verdade liberta e quem nela depois pode resultar em uma curiosidade moralizante, que
acredita, antes de tudo, a segue, procurando vivê-la e tes- corre o risco de querer desafiar a ação silenciosa da graça
temunhá-la, sem proselitismo ou exclusão. no coração de cada um.
De onde emana a infinita misericórdia para com to- Uma pessoa, pouco tempo antes de falecer, surpreen-
dos senão da Verdade? Eis a questão: viver a misericórdia deu a todos os presentes com uma expressão que jamais
não significa barganhar a Verdade. Ao contrário, significa esqueci. Tivemos algumas dificuldades quanto à lingua-
explicitá-la na sua dimensão mais amorosa, que encontra gem, aos métodos e ao processo que percorremos jun-
metáforas estupendas no filho pródigo, na ovelha perdida, tos na evangelização. Mas chocou-me a sua coragem em
ressaltando que o perdão tem um poder extraordinário de afirmar: “Se eu tivesse que procurar a misericórdia, com a
operar transformações. certeza de encontrá-la, eu procuraria o Saad”. Fiquei des-
Se examinarmos as causas de inúmeros dramas da con- concertado! A partir daquele momento eu assumi a miseri-
temporaneidade, identificaremos em muitas histórias um córdia como um programa de vida.
déficit enorme de amor. Como negar o batismo ao filho de
uma mãe solteira deixada sozinha que, vencendo mil obstá-
culos, chegou ao nascimento do próprio filho? “Quem sou O autor é bacharel em Direito e Pedagogia
A mediação
da filosofia
N
ão há uma forma indiscutível ou inequívoca de O diálogo autêntico é o discurso que nunca poderia existir
abordar questões relacionadas à ciência e à teo- sem a contribuição de ambos os interlocutores, ambos distin-
logia, devido à própria natureza dos problemas tos, mas também irredutíveis uns aos outros. Um espaço con-
referentes a essas duas áreas do conhecimento. ceitual adequado a tal objetivo deve ser buscado, portanto,
A relação entre elas não é uma questão científica, muito no âmbito filosófico. É preciso encontrar um espaço, no meio
menos teológica. Também não é histórica, mas diz respeito filosófico, que seja capaz de acolher e analisar as interpreta-
às relações entre afirmações pertencentes a diversos cam- ções da realidade que são constituídas pelas ciências naturais
“
pos do saber humano, por isso se apresenta antes de tudo e pela teologia distintamente. Nesse jogo, a filosofia da natu-
como uma questão epistemológica. reza e a filosofia da ciência terão importante função auxiliar.
Estamos diante da natureza do conhecimento humano No mais das vezes, o realismo filosófico foi reconhecido
em geral, de seus limites, de seus métodos e de sua justi- como esse espaço conceitual por muitos cultores das rela-
ficação. Apenas posteriormente dirá respeito aos conhe- ções entre ciência e teologia e tido como ponto de partida
cimentos específicos de para diversos estudos nes-
”
cada uma das disciplinas, se âmbito. Mas é preciso
às suas peculiaridades me um realismo filosófico “crí-
todológicas e aos respec- O diálogo autêntico é o discurso que nunca tico”, capaz de se qualificar
tivos objetivos. poderia existir sem a contribuição de no plano epistemológico
Se considerarmos o como alternativa tanto a
diálogo como uma con ambos os interlocutores, ambos distintos, um realismo ingênuo – que
sequência direta da pluri- interpreta o conhecimento
disciplinaridade da ques
mas também irredutíveis uns aos outros científico como uma apre-
tão, podemos esperar que sentação objetiva da rea-
tudo o que irá emergir lidade natural – quanto a
do diálogo não seja um simples agregado ou soma de re- um subjetivismo absoluto – por meio do qual o próprio co-
sultados da pesquisa teológica e científica colocados lado nhecimento impõe à realidade a forma com a qual ela está
a lado. Não estamos diante de uma simples tradução das presente na mente. Esse realismo também deve se distanciar
proposições de duas linguagens muito diferentes entre si, do instrumentalismo da filosofia da ciência que interpreta as
mas nos deparamos com a necessidade da busca de um es- teorias científicas pura e simplesmente como instrumentos
paço conceitual adequado a uma comunicação fértil que do cálculo, sem correspondência objetiva com a realidade.
não gere eventuais formas de reducionismo de modo en- Assim, a filosofia deveria ser capaz de fornecer uma
dógeno. Tal espaço conceitual não poderá ser identificado síntese unificadora, uma estrutura metafísica coerente e
nem com o científico nem com o teológico, mas deverá ser acessível a ambas as formas de conhecimento. Uma con-
necessariamente um “espaço neutro”, adequado à media- figuração do gênero permitirá ir além do puro trabalho
ção e capaz de interagir com ambas as disciplinas sem per- conceitual e alcançar uma formulação de questões gerais
tencer a nenhuma delas e sem ter a pretensão de resolver sobre a natureza de maneira a permitir a integração e as
os problemas específicos de cada um desses âmbitos do contribuições das diversas ciências envolvidas.
saber. Na tradição da cultura ocidental, uma tarefa do gê-
nero é confiada àquele exercício do amor pela sabedoria
que sempre chamamos de filosofia. O autor é professor de cosmologia e de filosofia da ciência
Mobilização à base
de esperança
PARAÍBA Mãe luta pelo direito do uso medicinal da maconha
para tratamento de filho com síndrome epiléptica
A
cordar cedo e correr para Justiça de João Pessoa conseguiu, tros, como Pedro, a adquirem. Para
acudir um filho que está por intermédio de uma lei estadual, Sheila, a demora no diagnóstico e o
tendo convulsões já é par- reduzir a jornada de trabalho para 3 fato de que faltou oxigênio duran-
te da rotina da paraibana horas e meia e hoje se dedica quase te muito tempo foram negligências
Sheila Dantas Geriz, mãe de Pedro, exclusivamente ao seu filho. médicas que levaram tempo para
de apenas 5 anos, que foi diagnosti- “É o meu presente de Deus!”, ex- serem perdoadas.
cado, aos três meses de idade, com clama. Por questões de saúde, Sheila Pedro já chegou a quase andar e
Síndrome de West. Deste então, o e Julio Américo Pinto Neto, seu ma- falar “mamãe”, mas as crises constan-
cotidiano da família se transformou rido à época, tinham poucas chan- tes fazem com que toda evolução seja
para que a criança pudesse receber ces de ter um filho biológico. Quan- sucedida por um retrocesso. “Com
os cuidados adequados. do, depois de dois anos casados, cinco anos, ele não fala, não anda,
Não tão comum, a Síndrome de Sheila engravidou, teve a certeza de não entende muito o que falamos, a
West se enquadra no rol das doenças que recebera um presente dos céus. interação é pouca”, desabafa a mãe.
epilépticas. A própria mãe explica O nascimento do bebê de quatro Ainda que ele consiga olhar nos olhos
que é como se os neurônios do cére- quilos, pele branca, cabelos casta- das pessoas, tem o chamado “espec-
bro fossem fios desencapados dan- nhos claros e olhos azuis foi muito tro autista”, que dificulta o contato
do choque o tempo todo. A camada comemorado. Mas, antes de chegar entre a criança e o mundo exterior.
que geralmente cobre os neurônios, em casa, Pedro passou cerca de um Ao longo do tempo e sem a eficá-
chamada mielina, é insuficiente ou mês na Unidade de Tratamento In- cia necessária dos medicamentos, a
inexistente. Como consequência, tensiva (UTI), com pneumonia que busca por outras opções se fez urgen-
as convulsões são frequentes e, no evoluiu para septicemia neonatal, te. Ao assistir a uma reportagem na
caso de seu filho, já chegaram a 30 uma infecção generalizada. “A falta TV, Sheila e seu ex-marido souberam
por dia. As crises se caracterizam de oxigênio tinha sido muito gran- da história de Anny Fischer, uma
pela projeção do corpo para frente, de. Na maternidade não nos foi in- menina de Brasília portadora de
acompanhada da respiração quase formado corretamente sobre o que, um tipo raro de epilepsia que come-
inexistente e de um forte soluço. de fato, estava acontecendo”, conta çou a se tratar com uma substância
Sheila é formada em Direito pela Sheila. Após as primeiras convul- chamada canabidiol (CBD) e obteve
Universidade Estadual da Paraíba, sões, os exames confirmaram a sus- avanços significativos. No entanto, a
tem mestrado em Direito Econômi peita do neurologista de que Pedro importação do componente é proibi-
co e sonhava em ser docente na teria a denominada epilepsia de pri- da no Brasil pelo fato de ser extraído
universidade, como seu pai. A che- meira infância devido a uma lesão da maconha, considerada uma dro-
gada do filho fez com que seus pla- na parte frontal do cérebro. ga ilegal no país. Para que o extrato,
nos mudassem completamente. A Alguns bebês já nascem com a em formato de pasta ou óleo, chegue
funcionária pública do Tribunal de Síndrome de West, enquanto ou- às mãos dos interessados para uso
Arquivo pessoal
medicinal, a Agência Nacional de fez com que as crises de Anny fossem (PDT-DF), relator da SUG 8/ 2014 –
Vigilância Sanitária (Anvisa) estabe- diminuindo e hoje, segundo sua mãe, sugestão popular para a regulamen-
lece uma série de procedimentos a Katiele Fischer, não ocorrem mais. tação do uso recreativo, medicinal
serem observados. Por meio de uma Ação Civil Pú- ou industrial da maconha. Buarque
O ofício mais complicado de ser blica junto ao Ministério Público afirmou, em entrevista ao site do Se-
obtido, segundo relatos, é a prescri- Federal, o filho de Sheila e outros nado, que pretende adiantar a parte
ção e um laudo médico que indi- 15 pacientes da Paraíba consegui- do relatório acerca do uso medicinal
quem a necessidade e os benefícios ram autorização para importação da droga até o fim de 2014.
do medicamento para o paciente. do CBD. Mesmo com somente três Até outubro, 167 pedidos excep
Na área médica, a justificativa para meses de uso, a servidora pública cionais de importação do CBD fo-
não assinar é a falta de “pesquisas afirma: “Já estou vendo os resulta- ram feitos e 113 autorizados pela
conclusivas” acerca da eficácia do dos. Ele dorme a noite inteira e tem Anvisa. Contudo, a substância vin-
canabinoide para quadros com- se alimentado bem, o que antes era da dos Estados Unidos, por exem-
plexos de doenças neurológicas. difícil”. A dosagem de 16% de CBD, plo, custa entre US$ 340 e US$
Sheila, no entanto, diz possuir um no entanto, não é a ideal para o fi- 400. Ou seja, por volta de R$ 1.000.
‘calhamaço’ de artigos e estudos de lho, pois as crises ainda não para- Como o tratamento não pode ser
outros países sobre o uso terapêu- ram. Após conversa com duas mães interrompido e o custo é altíssimo
tico da substância. Já na década de de Curitiba, Sheila acredita que pre- para a maioria das famílias, o pró-
1960, o cientista e médico brasileiro cisará aumentar para 35%. Mas a pa- ximo passo será a documentação da
Eduardo Carnili se debruçou sobre raibana não está sozinha em sua jor- melhora dos pacientes e a entrada
a Cannabis sativa e já ajudou a sal- nada pela vida do filho. Grupos nas de pedido, por meio do MPF, para
var muitas vidas. Por outro lado, a redes sociais para troca de experiên- que o Estado custeie o canabidiol
não legalização da droga para fins cias sobre a doença formaram uma aos que não têm outras alternativas.
medicinais inviabiliza que laborató- forte rede de ponta a ponta do Brasil. Enquanto o cenário não mudar,
rios e universidades nacionais pos- Representantes de um desses gru- pais como Sheila e Júlio e filhos
sam aprofundar o assunto. pos, a “Turminha do Bem”, do qual como o pequeno Pedro terão que
Ainda assim, a esperança se acen- Sheila faz parte, dirigiram-se em continuar se virando como podem.
deu para Sheila e tantas outras famí- agosto ao Senado para participar de Mais que a luta pelo acesso ao CBD,
lias que passam por situação seme- audiências públicas promovidas pela eles querem um futuro de esperan-
lhante. Um dos efeitos do canabidiol Comissão de Direitos Humanos a pe- ça e melhor qualidade de vida para
é sua ação anticonvulsionante, o que dido do senador Cristovam Buarque suas “joias raras”.
A morte
pode ser vida
“N
inguém tem maior amor do que aquele que
dá a vida por seus amigos.” Foi esta frase que
consolou e iluminou a experiência mais difícil
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que a nossa família viveu. Há 15 anos, meu
irmão, um jovem de 23 anos, recém-formado como oficial
da Força Aérea Brasileira (FAB) deixava esta vida para alçar
um voo eterno. E o fez salvando duas jovens no mar.
Perder um membro da família é uma grande dor, quem para se sobressair em relação aos outros de forma egoísta,
a experimentou sabe o que significa. A questão é o que fa- mas para ver os outros felizes e por consequência era feliz.
zer diante da dor? O que fazer com essa falta, com a sauda- Eis aí um modo de vida que, ainda hoje, nos interpe-
de, que mesmo depois de tantos anos ainda existe? la pelo seu exemplo: Para que empenho todas as minhas
Meu irmão era um jovem, como tantos, que amava a fa- energias? Que sentido dou para cada dia? Para satisfazer
mília, o esporte, o estudo e os amigos. Quando tinha 16 anos meus próprios desejos e vontades, fechado em mim mes-
saiu de casa, incentivado por um amigo, para estudar na mo, ou consigo olhar para fora e enxergar também as ne-
Academia da FAB. Queria defender o Brasil e se preciso dar a cessidades dos outros? Os primeiros cristãos viviam assim,
vida por ele. Dedicou-se incansavelmente e enfrentou gran- a ponto de Tertuliano (197 d.C.) afirmar “Vejam como se
des dificuldades para chegar a ser oficial. Tinha um espírito amam e estão prontos a morrer um pelo outro”.
altruísta que o levava a ser capaz de tirar a própria camisa Este exemplo e tantos outros nos ajudam a refletir e to-
para dar a quem precisasse. Todos os anos o esperávamos mar consciência de que temos uma vida só, que podemos
para as férias no Natal. Quinze anos atrás, ele estava moran- sobrevoá-la ou vivê-la na sua plenitude. A plenitude que
do no Nordeste e, antes de voltar ao Sul, quis visitar alguns está no amor a que todos nós fomos chamados a viver, a ca-
amigos numa cidade próxima. Estavam na praia e ele perce- ridade expressa no Mandamento Novo: “Amai-vos uns aos
beu um acidente que envolveu duas jovens no mar. Jogou-se outros como Eu vos amei”. É ali que devemos permanecer
na água para ajudá-las, não mediu esforços para sustentá-las e voltar sempre. Por outro lado, a dor, pequena ou grande,
até que conseguiu resgatá-las, porém já não tinha mais for- sempre nos acompanha e, diante dela, temos que tomar
ças para nadar e se afogou. No enterro, recebeu as honras uma decisão: “O que eu faço a partir desse sofrimento?”.
militares de um herói brasileiro, que no silêncio, como mui- Ele pode se transformar numa oportunidade para sermos
tos outros, dão suas vidas para que outros possam viver. mais humanos, sensíveis, solidários, capazes de amar mais.
Para a nossa família foi um choque, uma dor enorme! Ou pode nos levar à amargura, ao rancor, à agressividade.
Um “por quê?” infinito pairava no ar. Ao mesmo tempo, a Cabe a cada um fazer a própria escolha. Se conseguirmos
grandeza do seu último ato nos deu força e coragem para não ficar parados, analisando a dor, mas lançando-nos o
suportar e seguir em frente. Sentíamos, apesar de todo o mais rápido possível, como num trampolim, a amar as pes-
sofrimento, uma grande paz e a certeza de que ele tinha soas que passam pela nossa vida, será mais fácil ir além de
cumprido sua missão. Foi uma lição de vida para cada um toda a ausência, de toda saudade. E transformar a dor em
porque viveu seu último momento da mesma maneira que amor, a morte em vida.
procurou viver todos os outros: intensamente, com o cora-
ção aberto para amar e ser amado, procurando oferecer o
máximo que podia. Porém, ele não costumava agir assim Os autores são casados há 15 anos e têm três filhas
Reinventar-se
C hegamos ao final de mais um ano de nossa vida. É restaurador é uma atitude simples, humilde, corajosa e al-
um tempo propício para lançarmos um olhar em tamente transformadora: reinventar-se. É um olhar verda
retrospectiva e perceberemos quantas realidades deiro, sem autocomplacência, sem falso moralismo ou in-
experimentamos, seja na nossa história pessoal, sano remorso. É uma tomada de decisão que projeta luzes
seja na história da humanidade, com suas alegrias e seus sobre sombras antigas ou novas e faz com que a pessoa
dramas. Provavelmente hoje somos melhores de quanto assuma responsavelmente as consequências do mau uso
éramos neste mesmo período um ano atrás. que fez da própria liberdade, propondo-se, com nova
“
Se formos honestos, descobriremos que coisas muito consciência, a recomeçar com determinação e responsa-
boas nos aconteceram nesse tempo que passou: decisões bilidade. Uma reparação nem sempre é possível, mas é
importantes foram tomadas; sofrimentos inusitados foram importante ter um compromisso proporcional aos danos
enfrentados e, através deles, descobrimos a força interior eventualmente causados, assumir uma postura e um em-
que todos possuímos e que nos capacita, se soubermos penho verdadeiro em evitar o alargamento da ferida, bem
usá-la, para prosseguir com como favorecer sua cura e ci-
ânimo revigorado. catrização. Afinal, a vida nos
Para muitos, o enfrenta- mostrou que vale a pena ser
mento de uma doença, de Criar no presente uma história eterna
”
vivida e cada pessoa existe
uma dor inesperada, desper como um presente, como
e viver abertos a um futuro rico
tou, quem sabe até pela pri- uma dádiva para os outros,
meira vez, a necessidade de de possibilidades é uma sábia maneira mesmo com seus defeitos,
pedir auxílio a Deus e ele, com o seu mistério a ser des-
então, se mostrou como “o de viver o tempo que nos é dado velado na reciprocidade.
único interlocutor que habi- a cada instante Se, durante o ano, muita
ta a existência nua e crua de coisa ficou sedimentada na
nossa interioridade”, como memória afetiva e emocio-
afirma o psiquiatra argenti- nal – com lembranças marca-
no Roberto Almada. Houve ainda quem realizou a viagem damente positivas e outras dolorosas, que deixaram cicatri-
dos sonhos para lugares e países deslumbrantes, quem ex- zes – o balanço que cada um é convidado a fazer deve ter
perimentou a alegria por um sucesso alcançado. Há ainda esse foco: não resignar-se com o que foi alcançado, pois a
quem tentou novos impulsos espirituais e (re)descobriu existência, com suas perguntas, continua a interpelar-nos a
a sua singularidade, vivenciando o paradoxo de sermos novas e criativas respostas. Quem se dá por satisfeito con-
matéria e espírito em total sinergia. sigo mesmo perde oportunidades. A vida propõe, a cada
Muitos fizeram a feliz descoberta de que cada um só se dia e a cada hora, a necessidade de novos feitos e abre a
realiza quando toma consciência de sua capacidade relacio- possibilidade de novas vivências. Habituar-se a criar no pre-
nal intrínseca e se mobiliza na doação de si e na abertura do sente uma história eterna e viver abertos a um futuro rico
próprio diafragma para deixar a luz entrar, na saída da reclu- de possibilidades é uma sábia maneira de viver o tempo
são para acolher o outro, evitando a atrofia do próprio eu. que nos é dado a cada instante.
Mas seríamos irresponsáveis se não olhássemos tam-
bém para os erros cometidos e se deles não tirássemos
lições e novos propósitos. De fato, o que mobiliza o olhar O autor é psicólogo clínico
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O PÃO ESPECIAL
— Mamãe, o que você tá fazendo?
— Um pão especial.
— Me espera, eu quero fazer com você!
Arrastou o banquinho até a mesa, subiu e olhou.
A mãe foi passando os ingredientes para a filha,
que ia jogando tudo, delicadamente, na bacia. As
duas amassaram bastante aquela farinha misturada
com pedacinhos de castanhas e frutas secas, água,
ovos, açúcar, manteiga e fermento. Enquanto
amassavam iam conversando e até cantaram
juntas. Finalmente deixaram a massa descansar,
enrolada em um pano de prato úmido.
A filha adorava cozinhar com a mãe. Cada
uma com seu avental, faziam biscoitos
especiais, tortas especiais, ovo especial,
sanduíche especial e muitas outras
receitas, todas especialíssimas. A
menininha já dava ideias:
— Vamos colocar baunilha? Posso
colocar canela? Um tico de sal?
Mais tarde, a mãe foi ver o pão,
que tinha crescido muito:
— Filha, vem cá, vamos colocar
o pão especial no forno!
A menina olhou de longe,
porque o forno estava quente,
a mãe colocando o pão
para assar.
Logo a casa começou
a cheirar, hummmm,
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homenagem aos seus esforços três disparos. Na sua autobiografia
em favor de educação para todos. a pequena paquistanesa da etnia
Mas Malala é muito mais do que isso. pachtum responde: Eu sou Malala – e
Ela não se preocupou apenas em revela vivências, episódios, fatos que fonte de amadurecimento precoce.
estudar, mas em garantir, por meio de pontilharam os seus 17 anos de vida. Tudo isso fez dela uma militante, uma
atitudes concretas no seu pequeno No Paquistão uma mulher é declarada guerreira, uma pessoa que desde
vilarejo do norte do Paquistão, no adulta ao completar 14 anos. Daí talvez criança sonhava em entrar na política
vale do rio Swat, que outras crianças, decorra a maturidade fora do comum para defender os direitos dos seus
principalmente meninas, tivessem de Malala Yousafzai, criada numa conterrâneos, entre eles o acesso à
acesso à educação. Malala teve a sociedade e numa cultura em que educação. No mundo há 57 milhões
coragem de exigir em público um tudo ocorre mais cedo e os embates de crianças fora da escola primária,
direito que lhes era negado por cotidianos com as agruras da vida são 32 milhões são meninas. No Paquistão
vivem 5,1 milhões dessas crianças e 50
milhões de adultos analfabetos – dois
terços são mulheres.
Queridos amigos, em 9 de outubro de 2012, o Talibã atirou no lado esquerdo Muito mais do que uma celebridade,
da minha cabeça. Atiraram nas minhas amigas também. Eles acharam que Malala hoje é uma pessoa a ser
aquelas balas nos silenciariam. Mas falharam e, então, do silêncio vieram conhecida e um exemplo a ser
milhares de vozes. Os terroristas pensaram que mudariam meus objetivos seguido. Foi por esse motivo
e eliminariam minhas ambições, mas nada mudou na minha vida, com ex- que ela recebeu o Prêmio Nobel
ceção disto: a fraqueza, o medo e a falta de esperança morreram; a força, da Paz deste ano, juntamente com
o poder e a coragem nasceram. Sou a mesma Malala, meus desejos são os o indiano Kailash Satyarthi, defensor
mesmos, minhas esperanças e sonhos também. (Do discurso na ONU, em dos direitos das crianças. Tornou-se,
12 de julho de 2013) assim, a pessoa mais jovem a ser
agraciada com o Nobel.
Rap-canção mantém
Criolo na crista da onda
Artista: Criolo
Álbum: Convoque Seu Buda
Lançamento: Oloko Records
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“Convoque seu Buda/ O clima tá tenso/ Mandaram avisar
que vão torrar o centro.” Ao abrir seu novo disco, o rapper
Criolo se mostra um cronista dos oprimidos. A realidade conhecido como Criolo Doido. O novo registro, financiado
mais cinzenta, essa que acomete quem mora na periferia via Proac (programa do governo paulista) e Petrobrás,
das grandes cidades, parece abastecer a verve irônica repete a parceria musical com Daniel Ganjaman e Marcelo
e sagaz do cantor nascido no Grajaú. Não é, porém, uma Cabral. Uma amálgama que coloca o lirismo afiado do
abordagem de militância, nem tão virulenta, como pregava cantor, de raiz rap, em contato com inúmeras linguagens
o rap dos anos 1980 e 1990 em São Paulo – cidade que e referências, como o reggae (Pé de Breque), o partido alto
imputou o heroísmo aos versos de Mano Brown, dos (Fermento Pra Massa) e a música de protesto (Pegue Pra Ela,
Racionais. Criolo é mais sutil: “O governo estimula e o ao reverenciar Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de
consumo acontece/ Mamãe de todo mal, a ignorância Barros). A voz mansa, as epifanias poéticas, a sofisticação
só cresce/ FGV me ajude nessa prece/ O salário mínimo estética dão à canção de Criolo uma vocação pop. Seus
com base no Dieese”, manda em Cartão de Visita, refrãos funcionam como mantras que entram em módulo
candidata a se tornar o principal hit do álbum. Também repeat na cabeça, de tão bons. “Hoje não tem boca pra
pudera, com um refrão poderoso e a participação da se beijar/ Não tem alma pra se lavar/ Não tem vida pra se
carismática Tulipa Ruiz, é natural que a música decole viver/ Mas tem dinheiro pra se contar/ De terno e gravata
nas paradas do YouTube. Convoque seu Buda é o sucessor teu pai agradar/ Levar o teu filho pro mundo perder/ É o
de Nó Na Orelha (2011), trabalho que projetou a figura de céu da boca do inferno esperando você”, canta em Esquiva
Kleber Gomes, 39, Brasil afora. Foram mais de 400 shows, da Esgrima. O título, Convoque seu Buda, é um sinal de
incluindo algumas etapas no exterior. Antes disso, ele havia esperança, um chamado à leveza do ser. “Ao trabalhador
lançado um primeiro disco solo, Ainda Há Tempo (2006), e que corre atrás do pão/ É humilhação demais que não cabe
feito um longo corre pelas batidas do hip hop, quando era nesse refrão”, sentencia a faixa-título. Criolo está ótimo.
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Diretor de Amélie faz
road-movie encantador
Título Original: The Young and perpétuo, máquina que utiliza Chicago, até chegar a Washington.
Prodigious T.S. Spive a própria energia gerada para se Junto à saga de um menino
Direção: Jean-Pierret Jeunet manter eternamente em movimento. determinado que vaga em solo
Produção: França, Canadá/2013 Ele opta por fazer a travessia norte-americano há também as
Com: Kyle Catlett, Helena Bonham sozinho, o que está longe de ser só cicatrizes de uma família castigada
Carter e Robert Maillet molecagem. A fuga solitária, como pelo isolamento, provocado pela
em grande parte dos road-movies, dor da perda. São todos adoráveis,
Cineasta habilidoso, Jean-Pierret responde por indagações de perfil mas quase não conversam mais.
Jeunet tem um estilo muito claro existencial. Em outras palavras, ele É um luto apenas imposto, jamais
na maneira de compor seus filmes: parte em direção ao desconhecido compartilhado. As relações se
personagens excêntricos, requinte para refletir melhor sobre sua fragilizam e as manifestações de afeto
visual, ângulos de câmera inusitados família e sua inserção nela. De fato, são raras. O sumiço de Pivet abre uma
e altas doses de fofura. Foi assim que o “pequeno Einstein” convive com possibilidade de reconstituição.
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain desajustados como ele. A mãe é uma O filme caminha bem, mas em sua
virou febre mundial. O sucesso foi aplicada pesquisadora de insetos; porção final contempla um assédio
tanto que virou uma pedra no sapato o pai é um caubói lacônico; e a irmã midiático ao pequeno gênio que
do cineasta francês. A cada nova adolescente só pensa em concursos pouco acrescenta à narrativa. Como
produção, os fãs esperavam por um de beleza. No meio de tudo isso, há se estivesse ali apenas para justificar
novo Amélie. Claro que ele não veio, uma tragédia que envolve seu irmão, um deboche do autor a programas
ainda que seus maneirismos tenham de personalidade diametralmente de TV sedentos por bizarrices
se mantido intactos. oposta à dele. e audiência fácil. É um pequeno
Uma Viagem Extraordinária pode não Apesar do ambiente que flerta com apêndice que chega a inviabilizar
ter o mesmo carisma, mas é um “filme o surreal, Jeunet consegue trazer uma autêntica redenção sentimental.
família” poderoso. A história foi tirada encantamento para o enredo, a partir Ao evitar o clichê e priorizar o humor,
do livro do autor norte-americano do humor que nasce do absurdo e, Jeunet correu o risco de perder
Reif Larsen, O Mundo Explicado por principalmente, das observações a mão desta bela história.
T.S. Pivet. Passa-se toda nos EUA e descobertas de um garoto genial. Ainda assim, Uma Viagem
e tem como protagonista um As crianças vão gostar pelo tom Extraordinária é um filme sensível
menino-prodígio que ganha um aventureiro da viagem – sempre e extremamente divertido. Aproximá-
prestigiado prêmio científico e fomentada por paisagens belíssimas, -lo de Amélie Poulain, mais uma vez,
precisa cruzar o país para recebê-lo. do ambiente rural de Montana, é inevitável. Se está à altura, só você
A invenção trata-se de um moto passando pelos arranha-céus de poderá dizer.