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Resumo: Análise do papel da internet como elemento para a reorganização da sociedade. Considerando-se
que estamos na era da informação, muitos acreditam que a internet é elemento chave para a reorganização
da sociedade e a promoção do aumento da participação social nas decisões políticas. Concentra-se aqui
a discussão sobre algumas questões centrais relativas ao debate sobre o papel das novas tecnologias da
comunicação nesse fenômeno, bem como suas limitações.
Palavras-chave: Revolução Tecnológica. Ideologias. Emancipação. Capitalismo.
Abstract: Analysis about the role of the Internet as part of the reorganization of society. Considering
that we are in the information age, many people believe that the internet is the key element for the
reorganization of society and the promotion of the increase of social participation in policies decisions.
The discussion about some central issues concerning to the debate on the role of new communication
technologies in this phenomenon, as well as its limitations are presented.
Keywords: Technological Revolution. Ideologies, Emancipation. Capitalism.
Resumen: Análisis acerca del papel de la Internet como parte de reorganización de la sociedad. Teniendo
en cuenta que estamos em la era de la información, muchos creen que el la Internet es la clave para
la reorganización de la sociedad y de la promoción de una mayor participación social en las decisiones
políticas. Se centra la discusión aquí em algunas cuestiones fundamentales relativas al debate sobre el
papel de nuevas tecnologías de comunicación en este fenómeno, así como sus limitaciones.
Palabras clave: Revolución Tecnológica. Ideologías. Emancipación. Capitalismo.
1 INTRODUÇÃO
Recentemente fomos tomados pela notícia recebem apoio de grupos e países que ajuda-
de que alguns acontecimentos dramáticos en- ram a fortalecer o sistema ditatorial vigente
volvendo manifestações públicas e repressão e usam as tecnologias de informação (espe-
militar estavam se desenvolvendo nos países cialmente as redes sociais) para se organiza-
árabes. Espalhando-se a partir da Tunísia, no rem. No tocante ao último ponto, isso chama a
norte da África, com a derrubada do ditador nossa atenção pelo fato de que há alguns anos
Zine El Abidine Ben Ali, em 14 de janeiro de temos investigado os múltiplos usos dessas
2011, uma onda de insurreições juvenis e po- ferramentas, enquanto tecnologias da infor-
pulares despontaram por toda a região atin- mação, na reorganização da sociedade.
gindo o Oriente Médio. Tal movimento tem em O uso dessas tecnologias na condução do
comum alguns pontos que merecem a nossa processo de organização, mobilização e di-
atenção: envolve uma maioria de lideranças vulgação das insurreições apontadas é quase
com menos de trinta anos de idade, lutam óbvio. Tal uso provavelmente começou bem
contra ditadores que estão décadas no poder, antes, mas se tornou mais evidente com o
* Artigo recebido em abril 2011
Aprovado em maio 2011
apelo lançado na página We are all Khaled infinidade de atividades que seriam impen-
Said, no Facebook, criada para homenagear a sáveis em outra época.
memória e luta do jovem egípcio Khaled Said, No contexto do capitalismo contemporâ-
espancado até à morte por policiais na cidade neo, o domínio de novas tecnologias inter-
de Alexandria, em 2010. fere diretamente no nível de produtividade
A participação ativa do diretor de marke- obtido pelas pessoas e, portanto, é essencial
ting do Google para o Oriente Médio, Wael para o bom desempenho da maioria das ati-
Ghonim, tanto na construção da página no Fa- vidades – sejam elas econômicas, sociais ou
cebook quanto na veiculação de mensagens políticas – nesse mundo globalizado e com-
conclamando o povo a lutar, via Twitter, antes petitivo. Do mesmo modo, são muitos – so-
e depois de sua prisão no Egito, são outras bretudo entre os amantes da ciência e das
evidências de que a internet estava assumin- novas tecnologias – os que acreditam que a
do um papel preponderante nesses protestos. internet seja o instrumento ideal para ala-
Contudo, diferente do que costumava aconte- vancar a participação social nas decisões po-
cer, os protestos iniciados no mundo virtual não líticas. Tais crenças estão assentadas sobre
ficaram restritos a esse universo. Dessa vez eventos como os acontecidos recentemente
os jovens tomavam as ruas contra os regimes no norte da África e Oriente Médio, mas não
opressores, inicialmente de forma mais pontual são meramente circunstanciais.
(ateando fogo contra o próprio corpo diante Graças à capacidade de interatividade que
dos parlamentos ou em locais públicos, cujas as redes oferecem, hoje já é possível que os
ações eram divulgadas em blogues, sites e mi- cidadãos solicitem informações, expressem
croblogues), depois de forma mais coletiva (a opiniões, fiscalizem as atividades de seus re-
primeira chamada para o protesto na página presentantes e cobrem os resultados prometi-
do Facebook obteve cerca de 90 mil respostas dos por eles sem sair de casa (ou da lanhouse2
dizendo que participariam do protesto contra que frequentam). Tudo isso com uma veloci-
Mubarak na praça Tahir Square, no Cairo, no dade e multiplicidade de olhares que os veícu-
dia 25 de janeiro). los anteriores não conseguiam fornecer. Além
O foco dos protestos tem sido a tortura disso, também é possível organizar redes de
(especialmente a tortura praticada pela ajuda mútua entre comunidades afins, incenti-
polícia), a pobreza (só no Egito, quase a var trocas de saberes e experiências, mobilizar
metade dos 80 milhões de habitantes vive pessoas com interesses comuns em torno das
abaixo ou pouco acima da linha de pobreza, mesmas causas e até mesmo utilizar o recurso
com cerca de dois dólares por dia), a corrup- da colaboração em massa3 para desenhar po-
ção (especialmente a fraude generalizada nas líticas públicas.
últimas eleições) e o desemprego. Em meio Para muitos, o que tem acontecido recen-
a isso, pede-se a queda do atual ditador e temente nos casos citados de lutas contra di-
novas eleições, que no caso do Egito, era a taduras faz parte das possibilidades trazidas
de Hosni Mubarak, há quase trinta anos no pelos avanços nas tecnologias da informação e
poder. A reação dos governantes foi a de, da comunicação. Elas teriam expandido e es-
imediatamente, revidar com a força policial, tariam consolidando, definitivamente, a demo-
usar a propaganda oficial, fazer desacreditar cracia, tornando-a, finalmente, um fenômeno
os protestos e cortar os meios de acesso à de massa. Para outros, esses mesmos avanços
internet, via computadores ou celulares. abrem espaço para uma reorganização revolu-
É verdade que não sabemos ao certo cionária da sociedade e permitem a construção
onde tudo isso vai terminar e como vai ter- de alternativas para além do capitalismo.
minar, mas já sabemos que essa é a pri- Seriam, mesmo, essas novas tecnologias
meira grande onda de protestos organizada tão poderosas? Sem dúvida elas abrem um
via redes sociais com o uso das tecnolo- novo espaço para a luta entre interesses con-
gias de informação, o que de certa forma flitantes: a rede. A dimensão, a velocidade e
já era esperado, afinal vivemos na era da o impacto que as ideias veiculadas via rede
informação1. Em todo o mundo, milhões tomam são verdadeiramente impressionantes.
de computadores interligam pessoas que Se isso vai facilitar – se é que é possível – a
trocam dados, se atualizam com as notícias, conciliação entre as partes divergentes é outra
debatem os mais variados assuntos, fazem história. Aqui, concentramos nossa atenção
compras, pesquisam preços, estudam, se em alguns aspectos peculiares trazidos pela
divertem, trabalham e realizam mais uma popularização da internet: a facilidade como as
ta ‘intelligentsia descomprometida’ continuaram a es- da realidade) não significa que sua consciên-
crever sobre a ‘igualização’, ‘a institucionalização do
conflito’, a ‘convergência’ e assim por diante.
cia real – ou seja, aquilo que realmente pensa
o proletário ou mesmo o proletariado em seu
Parece difícil conseguir encaixar a realida- conjunto – não sofra influências do meio. Isso
de contemporânea, onde os homens parecem porque, nas palavras de Löwy e Naïr (2002, p.
mais desiguais do que nunca, nesse modelo ge- 44), a consciência possível porta contradições
neralizador. O conflito fundamental da socieda- de ordens externas e internas:
de capitalista – aquele que de acordo Mészáros A consciência real pode se distanciar da consciência
(2004, p. 65) “[...] refere-se à própria estru- possível, sofrer influência da ideologia de outras clas-
tura social que proporciona o quadro regulador ses ou então se aproximar delas, sobretudo em situa-
ções de crise. É evidente que a relação entre as duas
das práticas produtivas e distributivas” – per- formas da consciência varia de acordo com as classes
manece o mesmo. Mas, se é assim, como se sociais e no interior delas.
sustenta o discurso dominante? Para Mészáros
Seriam, no entanto, todas essas consi-
(2004, p. 69), ele se vale de um quadro cate-
derações – pensadas para a era do capitalis-
gorial que atenua os conflitos existentes:
mo industrial – válidas na era da informação?
[...] o que se espera das auto-imagens da ideolo-
Podem a ciência e a técnica se apresentar
gia dominante não é o verdadeiro reflexo do mundo
social, com a representação objetiva dos principais como neutras quando são fruto do investimen-
agentes sociais e seus conflitos hegemônicos. Antes to de determinada parcela da sociedade que
de tudo, elas devem fornecer apenas uma explicação
possui interesses bem determinados? A inter-
plausível, a partir da qual se possa projetar a estabi-
lidade da ordem estabelecida. É por isso que a ideo- net, como canal que permite disseminar ideo-
logia dominante tende a produzir um quadro catego- logias em alta velocidade e alcance, funciona
rial que atenua os conflitos existentes e eterniza os
parâmetros estruturais do mundo social estabelecido.
como instrumento de dominação ou é uma fer-
ramenta revolucionária capaz de transformar a
A ruptura com o pensamento dominante consciência social das pessoas?
não é fácil, e certamente não partiria de um Considerando que continuamos vivendo
membro da própria classe dominante. Para em uma sociedade dividida em classes – dos
Goldmann (apud LÖWY; NAÏR, 2002, p. 43), “que têm” e dos que “não têm” como colocou
“o proletariado” (ou a classe dominada) seria a Mészáros (1993, p. 89) – e que os interesses
única classe “[...] cuja consciência tem a pos- dessas classes continuam conflitantes, perma-
sibilidade objetiva de ultrapassar as catego- nece atual a crítica de Marx, Engels, Gramsci,
rias do pensamento burguês”, isso porque seu Mészáros e Goldmann. Entretanto, o aprofun-
ponto de vista “[...] é capaz de conhecer mais damento das contradições do capitalismo, em
objetivamente a realidade social”. Resumindo, sua etapa mais complexa, faz emergirem ins-
a classe dominada seria a única que poderia trumentos potencialmente revolucionários por
romper com a ordem estabelecida, porque é a mais que tenham sido criados para perpetuar o
única que não teria nada a perder. modelo existente. É importante destacar, como
A ordem desses argumentos está condi- bem o colocou Lojkine (2002, p. 21), que “as
cionada à categoria de consciência possível, mutações sócio-técnicas” devem ser “tomadas
que segundo Löwy e Naïr (2002, p. 43), com como potencialidades contraditórias”. Ou seja,
bases nas teorias de Goldmann, é associada tanto podem ser utilizadas para aprofundar o
ao máximo de consciência que uma classe controle do capital sobre a sociedade quanto
pode desenvolver: podem dar margem a novos arranjos.
A expressão ‘consciência possível’ é a tradução A rede é um desses instrumentos. Para en-
de Goldmann para o conceito de Zugerechnetes tender melhor as questões que envolvem seu
Bewusstsein (literalmente, ‘consciência adjudicada’
ou ‘consciência atribuída’), definido por Lukács em universo, convém analisar como ela funciona
História e consciência de classe como a consciência na prática.
que corresponde racionalmente à posição de uma
classe no processo de produção. Goldmann desenvol-
3 A CONSCIÊNCIA POSSÍVEL “DA”
ve e enriquece esse conceito ao demonstrar que ele
constitui o máximo de consciência possível de uma ERA DA INFORMAÇÃO
classe, o limite que sua consciência da realidade não
pode ultrapassar, o horizonte de seu ‘campo de visi- Atualmente, quando a tecnologia dispo-
bilidade’ social.
nível já permite operar educação em massa
Goldmann (apud LÖWY; NAÏR, 2002, p. e a difusão da informação ocorre por inúme-
43) ressalta, no entanto, que o fato da classe ros instrumentos diferentes, o debate sobre a
dominada ser aquela “[...] cuja consciência participação social volta à tona com enorme
possível está mais próxima da verdade” (ou intensidade. Temas como violência, habita-
papel de uma empresa como o Google na or- fundamental para a reprodução das condições “su-
perestruturais” da dominação burguesa. Além dis-
ganização da mobilização acontecida. Quais so, diferentes estatutos de cidadania terminam por
interesses estão por trás de países como EUA, transformá-la no oposto de si mesma, dilacerando-a
França e Inglaterra para fornecerem acesso em uma hierarquia de privilégios.
a internet naquela região durante os protes- A comunicação mediada por computador
tos? Por que Wael Ghonim foi mobilizado para (inclusive os portáteis), por seu caráter trans-
o Egito dois dias antes de iniciar os protes- nacional, afeta a participação social e exige
tos? Esse movimento é manobrado pelas po- a reconfiguração dos direitos para uma vida
tências capitalistas? Quem são os verdadeiros coletiva no ciberespaço. As megacorporações
atores sociais dos protestos do norte da África atuam para manter e ampliar em uma socie-
e Oriente Médio organizados via redes sociais? dade informacional os poderes que detinham
Em uma analogia histórica, Castells (2003, no capitalismo industrial. Para tanto, precisam
p. 115) compara a constituição do movimento conter a hipercomunicação pública e torná-la
operário na era industrial, que não poderia ser comunicação privadamente controlada, substi-
isolado da fábrica industrial como seu cenário tuindo a ideia de uma cultura livre pela cultura
organizacional, ao momento atual. A Internet, da submissão ou do licenciamento. É preciso
segundo ele, não é apenas um meio de co- lembrar que o ciberespaço não existe desco-
municação mas sim a infraestrutura material lado do mundo material e que a infraestrutura
de uma determinada forma de organização: a lógica e física da maioria das redes está sob o
rede. Assim, os movimentos sociais da era da controle das mesmas pessoas e empresas que
informação seriam, essencialmente, mobiliza- sempre controlaram o capital.
dos em torno de valores culturais e não ge- O problema da participação social, em
ográficos. Muito do entendimento e da forma um cenário de globalização e transnaciona-
como lidamos com os assuntos de natureza lidade, coloca-nos diante da necessidade de
política e social, no entanto, ainda está condi- enfrentarmos a discussão do papel das comu-
cionado por uma visão que tem suas raízes no nicações e das tecnologias da informação nos
espaço público clássico, racionalista, que enfa- processos de mudança e permanência das re-
tiza a possibilidade de reunião dos indivíduos lações sociais. De acordo com Sorj (2003, p.
numa situação de copresença para discutirem 37), não podemos separar o ciberespaço ou
assuntos acerca dos quais concentrem suas telemática das condições materiais nas quais
atenções. As novas mídias digitais, contudo, ele está fundado:
transformaram a organização espacial e tem- A Internet surge num momento em que o capitalismo
poral da vida social, criando novas formas de passava por uma profunda transformação do sistema
produtivo e social, na qual ela funciona como cata-
ação, de interação e de exercício do poder. lisador, acelerador, potencializador e reordenador. É
Em grande parte, as novas tecnologias da importante, contudo, enfatizar que a telemática, per
informação e da comunicação, associadas à si, não é condição suficiente para tais transformações
nem foi sua condição necessária. O esquecimento
globalização da economia, vêm contribuin- da história social recente do capitalismo tem leva-
do para pôr em xeque os valores do Estado- do vários autores a um determinismo tecnológico, à
-nação moderno, modificando a concepção de glamourização da Internet e a uma visão irrealista
das condições sociais dentro das quais a telemática
cidadania vinculada ao exercício de direitos funciona e impacta nas pessoas.
e deveres num território geográfico. A noção
de contrato social perde o sentido para dar Essas condições estão inseridas nas con-
lugar a sociabilidades eletivas. Ao invés dos tradições típicas de nossas sociedades. Não
laços comunitários tradicionais, surgem novas são à parte das outras estruturas, embora
formas do “estar-junto” associadas às mídias. possam evidenciá-las. Morgenthau (2002, p.
De acordo com Almeida (1997, p. 76), essas 187) destaca um aspecto que instiga questio-
formas redesenham e podem enfraquecer a namentos da ordem quando afirma:
noção de cidadania: A humanidade, ao longo de sua história, sempre es-
teve dividida por diferenças drásticas nos padrões
Na medida em que se enfraquece, nos termos já ex- de vida. O que torna distinta a situação presente é
plicitados, o papel do Estado burguês, parecem surgir a maior consciência dessas diferenças por parte de
(muitas vezes em aberta competição com ele) pre- todos os membros da humanidade, tanto os benefi-
tendentes a novos instituintes da cidadania, alguns ciados como os desfavorecidos, graças aos avanços
deles dotados de significativa margem de “extrater- das modernas tecnologias. Essa melhor consciência
ritorialidade” (como é o caso das empresas transna- coincide com a ascendência, em todo mundo, do prin-
cionais) e cada qual reivindicando uma legitimidade cípio de igualdade, tanto de oportunidades como de
específica. Trata-se – como se viu – de um processo condições. Daí as aspirações da parcela dos desfavo-
duplamente contraditório. O questionamento da cida- recidos, no sentido de que seja reduzida a distância
dania significa a problematização de uma categoria entre os ricos e os pobres, - e o desconforto moral
dos ricos diante dessas aspirações. Não seria neces- moção da inclusão digital em larga escala
sário acrescentar que essas aspirações e o decorrente
desconforto moral – nenhum dos dois passíveis de
assume caráter emergencial. Segundo o dis-
ser satisfeito ou atenuado em uma escala mundial curso Rondelli (2003), inclusão digital cor-
– são empregados amplamente como justificações e responde a alfabetização digital: “Inclusão
racionalizações ideológicas para fins políticos espe-
cíficos a serviço dos interesses nacionais concretos.
digital é, dentre outras coisas, alfabetização
digital. Ou seja, é a aprendizagem necessá-
Se, por um lado, parece claro que as tec- ria ao indivíduo para circular e interagir no
nologias da informação e da comunicação, por mundo das mídias digitais como consumidor
si só, não criam revoluções, por outro lado, e como produtor de seus conteúdos e pro-
não se deve cair no mito da neutralidade cien- cessos”. Assim, estar incluído digitalmente
tífica. As técnicas, quando inventadas, sempre significa, antes de tudo, ter acesso às tec-
guardam um pouco das intenções de quem as nologias da informação e da comunicação e
criou. Algumas podem ter seu uso desvirtuado poder adquirir, armazenar, processar e distri-
ou reconfigurado, mas raramente permane- buir informações eletronicamente.
cem neutras. Para Silveira (2005, p. 18), a relação entre
A concentração de poder comunicacio- cidadania, inclusão digital e acesso à informa-
nal, por exemplo, na sociedade da informação ção é basilar:
poderá ser muito maior do que a ocorrida com a Sem dúvida alguma, é possível crer que com a maci-
mídia de massas (imprensa escrita, rádio etc.) ça inclusão das pessoas na sociedade da informação
na sociedade industrial. Para se ter uma ideia, teremos uma explosão das possibilidades de cidada-
nia. E quanto mais cidadãs forem as pessoas, mais
no ano de 2002 mais de 90% dos computadores conscientes serão das necessidades de reinvenção da
pessoais do mundo utilizava o sistema opera- dinâmica social excludente e desigual.
cional de uma única empresa norte-americana,
Considerando quão diferentes são as pos-
a Microsoft. O sistema operacional é o princi-
turas dos países menos desenvolvidos com
pal programa de uma máquina para processar
relação à educação, incentivos à pesquisa, le-
informações. Ele define como a máquina deve
gislação de propriedade intelectual e também
agir, como deve alocar a memória, que tipos
levando em conta as diversas realidades de
de programas podem ou não ser instalados
seus mercados internos – que podem ser mais
nela, entre outras funções. Por dominar a lin-
ou menos propensos a sustentar processos de
guagem básica dos computadores, essa com-
inovação tecnológica – é complicado imagi-
panhia também passou a dominar o mercado
nar que as soluções ou os caminhos a serem
de navegadores web6, uma vez que passou a
adotados rumo à disseminação do progresso
vendê-lo junto com seu sistema operacional,
tecnológico seriam os mesmos para todos ou,
desbancando todos os outros existentes.
pelo menos, semelhantes.
Percebe-se, assim, que o problema de
quem pode participar das decisões na socie- 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
dade, e em que termos, não é apenas uma
questão de âmbito legal e da natureza formal Voltando à nossa reflexão inicial, afinal, a
dos direitos que ela implica. É também uma internet é um instrumento de dominação uti-
questão de capacidades não-políticas dos ci- lizado para disseminar a ideologia burguesa
dadãos derivadas dos recursos sociais e sim- ou é uma ferramenta revolucionária capaz de
bólicos que eles dominam e aos quais possuem transformar a consciência social das pessoas
acesso. Ou seja, todo esse progresso técnico e promover a emancipação humana7? Sem
observado nos últimos anos pode, de acordo dúvida, ela tem se prestado muito a divulgar
com Silveira (2005, p.41), acabar elevando a a ideologia dominante, entretanto, contradito-
desigualdade social ao assegurar um serviço riamente, também possui suas potencialidades
público mais completo e veloz somente para revolucionárias.
segmentos privilegiados da sociedade. A informação, ainda que disfarçada, fil-
O discurso atual, que divide as nações, trada e controlada, circula em volume muito
basicamente, segundo o seu grau de progres- mais significativo do que em qualquer outro
so tecnológico, prega, na ótica de Chesnais período da história. Registros públicos e mais
(1996, p. 37), a necessidade da modernização um amplo espectro de dados estão disponí-
como elemento indispensável à participação no veis on-line, podendo ser acessados por qual-
mundo globalizado. Sabendo-se que é indiscu- quer pessoa a qualquer tempo. É bem verdade
tível a importância da informação no mundo que para ter acesso a esse mundo, como já
em que se vive, fica fácil perceber que a pro- vimos, é preciso estar incluído digitalmente e
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