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Preparado pelo Pr.

Isaltino Gomes Coelho Filho para grupos de estudo bíblico

As duas cartas de Pedro não fazem parte dos livros prediletos dos cristãos, sendo
preteridas pelas epístolas paulinas. Elas fazem parte das epístolas católicas, que recebem
este nome porque não foram destinadas a igrejas em particular (como as de Paulo), mas
eram universais (este é o sentido da palavra “católico”). Nunca houve dúvida alguma na
história da igreja de que seu autor fosse o apóstolo Pedro. Ele não possuía grande
instrução acadêmica (At.4.13), mas suas cartas são bem escritas. Ele não freqüentou as
escolas gregas, como provavelmente o autor de Hebreus freqüentou, nem teve instrução
teologia, filosófica e jurídica, como Paulo, que era um doutor da lei. Mas não se deve
presumir que fosse analfabeto ou ignorante. Não conhecia a filosofia grega ou o direito
romano, mas como o grego era língua conhecida por todo o mundo, escreveu em grego.
Também falava o aramaico, que era sua língua natal, e talvez o hebraico, que era a
língua dos doutores da lei (como no passado, os padres falavam o latim). Não era um
doutor da lei, mas ouvia o hebraico, como freqüentador da sinagoga, onde a lei era
ensinada.

Ele escreve esta carta com autoridade, sem titubeios. Apresenta-se como “apóstolo”
(1.1) e “testemunha das aflições de Cristo” (5.1). Mas “apóstolo”, para ele (bem como
para os demais autores do Novo Testamento) não significava domínio sobre os demais.
Nem era sinal de superioridade eclesiástica ou título de nobreza espiritual. Era
conseqüência de terem vivido com Jesus e recebido uma missão da parte dele. Não era
uma carreira que se fazia na igreja, mas uma função que se desempenhava. E que não
levava à riqueza e à boa vida, mas trazia uma missão que levou todos os apóstolos
(exceção de João) à morte. Naquele momento, ser apóstolo não significa ser o “chefão”,
mas ser o primeiro na lista dos candidatos à execução.

Ele escreve de Roma, que chama de “Babilônia” (5.13). Acompanham-no mais dois
ilustres obreiros, Marcos e Silvano (5.12-13). Silvano era o nome romano de Silas, que
já é a forma aramaica de “Saul”. A provável data da carta fica entre 62 e 69 d.C. O ano
mais presumido é 64. Um dado para isto é que o autor ignora a destruição de Jerusalém,
no ano 70. Se tivesse escrito depois desta data, sem dúvida que teria comentado isto em
seu escrito, à luz das experiências que os discípulos viveram na cidade e da palavra de
Jesus de que ela seria destruída. Parece que Pedro tinha conhecimento da carta aos
romanos, e da epístola aos Hebreus, de autoria não sabida. Há uma grande afinidade de
pensamento entre esta epístola de Pedro e as outras duas citadas.

DESTINATÁRIOS

Ele encaminha sua carta aos cristãos de origem gentílica (2.10) a quem chama de
“peregrinos da Dispersão” (1.1). As cidades onde esses peregrinos estão são cidades
onde Paulo trabalhou e deixou igrejas organizadas. As pressões do Império Romano
eram mais fortes nesta região e ele se preocupa com os cristãos que lá viviam. Alguns
estudiosos presumem que, à luz disto, Paulo já teria morrido (o fato de Marcos e Silas
estarem com Pedro faz com que esta possibilidade seja mais considerada) e Pedro
assumira a responsabilidade por estes irmãos, principalmente porque, no princípio, ele
era contra a evangelização dos gentios (At 10.25-28, 47-48 e 11.17). Pedro, inclusive,
em 2.10, aplica aos cristãos gentios, quatro títulos que eram de Israel.

CIRCUNSTÂNCIA DA CARTA

O momento histórico em que a carta foi escrita era de perseguição imperial contra a
igreja, após o incêndio em Roma, que Nero atribuiu aos cristãos. No livro de Atos, os
perseguidores da igreja eram os judeus. Quando Pedro escreveu, os perseguidores eram
os gentios (4.3-4, 12). A igreja de Cristo deve ter em mente que este mundo é lugar de
testemunho e luta e que sua fidelidade a Cristo lhe custará perseguição. O texto chave
da carta é 4.1. O conceito chave, que domina a argumentação, é a idéia de sofrimento,
que aparece em 1.11; 2.20; 3.17; 4.19; 5.1,9-10. Estas passagens não apenas nos
mostram o que aqueles cristãos viviam, como nos mostram também o entendimento dos
primeiros cristãos do que significava seguir a Cristo. A carta busca confortar e estimular
os cristãos na sua caminhada, que naquela época tinha um preço muito alto. É uma carta
de conforto. Fala de sofrimento, mas não o varre para baixo do tapete nem diz que
cessará. O texto de 4.12-13 é bem claro: “Amados, não estranheis a ardente provação
que vem sobre vós para vos experimentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas
regozijai-vos por serdes participantes das aflições de Cristo; para que também na
revelação da sua glória vos regozijeis e exulteis”. O sofrimento existia e iria crescer.
Cabe aqui o comentário da Bíblia Século 21: “Agora a ira de Nero, o imperador louco,
estava prestes a derramar-se em Roma, para prejuízo da igreja. Por esse motivo, o
apóstolo Pedro procurou preparar a igreja da Ásia Menor para o desastre iminente
nessas províncias orientais, aonde a opressão sem dúvida chegaria, vinda do centro de
irradiação: Roma”.

OS GRANDES TEMAS DA CARTA

Podemos delinear uma seqüência de pensamento na epístola, embora os temas às vezes


se intercalem e se misturem.

1 – Natureza da salvação – 1.1-12. Salvos pela obra de Cristo

O assunto inicial da epístola é a salvação e a herança no céu. Aqueles que estavam


sofrendo perseguições poderiam questionar sobre o efeito de sua conversão. Talvez eles
esperassem uma herança na terra, uma vida tranqüila e próspera (como muitos hoje,
que pensam que seguir a Cristo é ter uma vidinha mansa, ou como Packer diz, “a
religião da banheira quente”). Deus pode nos dar este tipo de bênção material, mas isso
não é uma promessa de Cristo para todo aquele que creia. Isso depende da vontade de
Deus para cada pessoa. O que ele promete a todos é a vida eterna, uma herança nos
céus.

As conquistas materiais não são um desdobramento inevitável da aceitação do


evangelho. Mas nada impede que o cristão se esforce para conseguir o que lhe for lícito,
assim como também fazem os que não são salvos. Ele não foi chamado para ser um
miserável. Seguir a Cristo não implica em ser, necessariamente, um pobretão, sem ter
onde cair morto. Mas a busca de riqueza material não deve ser o objetivo principal da
nossa vida ou da nossa fé. A fé não é suporte para riqueza, mas é um compromisso com
Jesus.

2 – Crescimento espiritual – 1.13 – 2.10. O que somos e o que devemos ser

Agora que estamos salvos, precisamos do crescimento espiritual, que só é possível


mediante o legítimo alimento espiritual: a palavra de Deus (1.23-25; 2.1-2). A palavra
“portanto”, em 1.13, conecta as duas seções do texto. Ela indica que considerando tudo
o que foi dito antes, viriam, a seguir, admoestações relacionadas às conseqüências
naturais ou necessárias ao bom andamento da questão anterior. Pedro vale-se muito do
verbo “ser”. Vejamos principalmente as conjugações: “sois” e “sede” em referência ao
que já “somos” pelos méritos de Cristo. E, por nosso compromisso com ele, o que
devemos “ser”. Observe, no verbo “sede”, o modo imperativo indicando uma ordem.
Pedro já disse que somos salvos… portanto… precisamos ser:

- Santos (separados da corrupção do mundo) – 1.15-16.

- Sóbrios (conscientes, atentos e vigilantes) – 1.13.

- Obedientes – 1.14.

3 – Vida cristã prática – 2.11 – 3.22. O risco do pecado; vigilância; oração; serviço;
comportamento; sofrimento e glória.

Após a conversão, temos um caminho pela frente: a vida cristã prática. É a ética, que é
conseqüência da fé. Pedro menciona situações e relações do dia-a-dia do cristão. O
pecado é-lhe um risco constante (2.11-12; 4.1-6; 1.13-16). Pedro, que um dia disse que
não negaria a Cristo e o fez por três vezes, sabe que o pecado pode acontecer, embora
não deva. Diante desse risco real, o autor nos aconselha a orar e vigiar (4.7; 5.8-9).

Mas, com grande propriedade, Pedro nos apresenta a vida cristã como algo mais que
espiritual ou no momento do culto. Não se resume à oração e à vigilância. É isso
também, mas vai além. Há o serviço cristão, que ele exemplifica pela hospitalidade e
pelo ministério (4.9-11). Esta última palavra não significa o ministério pastoral, mas a
diaconía, isto é, o serviço aos irmãos. Não basta orar. Devemos agir e trabalhar para os
demais.

Outro item por ele abordado é o comportamento cristão. Do serviço se passa à


moralidade pessoal. Tratamos agora da ética pessoal. As falhas nesta área podem
invalidar nossas orações (3.7) e nosso serviço. Pedro menciona a vida social e civil
(2.12-17), familiar (3.1-7) e profissional (2.18). Aconselha maridos, esposas e servos.
Há uma grande ênfase em relacionamentos. Isto é muito significativo, porque vivemos
hoje um evangelho intimista, em que tudo se resume à pessoa e Deus. A vida cristã não
é intimista, mas relacional. Não acontece no templo, mas na vida social.

O sofrimento é o tema principal da epístola. Ele faz parte intrínseca da vida cristã. O
sofrimento era a situação vivida pelos destinatários da carta. O autor diz que não
devemos estranhá-lo, como se fosse algo anormal (4.12), ou seja, algo que não deveria
nos acontecer. Faz parte do plano de Deus para nós, pois ele assim o quer (3.17). Na
realidade, é algo necessário (1.6). Tais afirmações podem ser chocantes. Por quê Deus
quer que soframos? Não é que ele queira o sofrimento em si, mas sim o resultado do
processo do sofrimento. Existem virtudes que não serão adquiridas de outra forma. O
sofrimento tem grande força didática. “Te deixei ter fome… para te dar a entender que
nem só de pão viverá o homem...” (Dt 8.3), disse Deus. No sofrimento buscamos Deus e
nos deixamos em suas mãos. Alguém disse que o sofrimento é o microfone de Deus,
onde ele nos fala com grande veemência.

Pedro nos apresenta dois tipos de sofrimento que podemos enfrentar: (1) pelo evangelho
(perseguição, tentações e perseguições) e, (2) pelo pecado (conseqüências e punições).
Se sofrermos como cristãos, sem culpa, então somos bem-aventurados (Mt 5.11-12).
Mas se sofrermos merecidamente, então nenhuma honra receberemos (2.19-20; 4.14-
16). Lembremo-nos do Calvário. Nele havia dois tipos de homens em sofrimento. Um
dos tipos foi Jesus, que morria sofrendo mas inocente. O outro tipo é o dos ladrões, que
sofriam e morriam em conseqüência dos seus próprios erros.

O sofrimento pela causa do evangelho trará a glória como recompensa, no final. Esta é
outra palavra importante na epístola, indicando glória presente na vida do cristão, glória
futura e também a vanglória (1.24). O sofrimento é de pequena duração quando é
comparado com a glória eterna que nos aguarda (1.6; 5.10). A este propósito, veja
também Romanos 8.18.

Os crentes de hoje querem a glória (e, às vezes, a vanglória), mas sofrimento, nunca, em
hipótese alguma. Muitos querem colher o fruto sem plantar sua erva. Queremos
participar da glória de Cristo em sua vinda, mas não queremos participar dos seus
sofrimentos, enquanto vivemos aqui como sua igreja. Queremos o trono sem a cruz.
Pedro associa tais elementos (1.11; 4.13; 5.1). Para justificar a necessidade e a utilidade
do sofrimento, ele usa Cristo como exemplo (2.21; 3.18). O mesmo apóstolo se diz
testemunha das aflições de Cristo e participante da sua glória. Com isso, ele deixa
subentendida sua própria participação nos sofrimentos pelo evangelho. Seguir a Cristo é
aceitar a possibilidade de sofrer por Cristo.

Quando o sofrimento nos acomete, somos levados a procurar seus motivos.


Perguntamos: “Por que está acontecendo isso? O que eu fiz para merecer isso?”. Desta
maneira, olhamos para trás em busca de uma possível causa. O sofrimento pelo pecado
pode ser assim compreendido. Podemos olhar para trás e reconhecer nossa falha. Muitas
vezes, porém, não conseguimos ligar o fato presente ao erro cometido. No caso do
sofrimento permitido por Deus sem que tenhamos pecado, devemos olhar para frente e
perguntar: para que está acontecendo isso? Mesmo que não possamos, em muitos casos,
saber qual o propósito específico, de modo geral sabemos que toda adversidade que nos
ocorre vem para o nosso próprio crescimento. Todo exercício físico, quando é
corretamente realizado, contribui para o desenvolvimento da pessoa e a manutenção da
sua boa forma muscular. Tais exercícios não são leves nem suaves. Se assim fossem,
seriam inúteis. Assim são as provações e adversidades que enfrentamos. São exercícios
para o espírito e para o caráter. Por eles nossa fé cresce, nossa paciência e nossa
experiência se desenvolvem. O produto do sofrimento faz com que ele se justifique e
seja até mesmo valorizado por escritores bíblicos como Pedro (aqui, neste contexto) e
Paulo (Rm 5.3-5).

O ouro é extraído da jazida em estado bruto, cheio de sujeira e deformidades. Contudo,


não será rejeitado por isso. Pelo contrário. Pelo seu valor, deverá ser trabalhado e suas
impurezas deverão ser escoimadas, o que demanda um processo de purificação.
Podemos até lavar aquela pepita de ouro, mas isso não será suficiente. Algumas
impurezas estão incrustadas no metal. O ourives precisa levá-lo ao fogo (Ml 3.2). Da
mesma forma Deus nos resgata sujos e deformados. Ele não nos rejeita por mais sujos
que estejamos. Pedro compara as tribulações com o fogo e diz que assim como o ouro
precisa passar por ele, da mesma forma nossa fé precisa ser provada para sermos
aprovados (1.7). O fogo, por mais destruidor que seja, destrói as impurezas, não o ouro.
No final do processo, o metal está limpo, brilhante, e muito mais valorizado. Assim
acontece conosco. A propósito, veja 1Coríntios 10.13.

Nesta epístola, Pedro se vale de muitos termos negativos e de muitos outros positivos.
Pode parecer conflito ou paradoxo, mas não é. Nem mero estilo literário. A vida é
assim. Todos os elementos negativos do processo são necessários para que os positivos
se manifestem. É uma relação necessária. Sem morte não haverá ressurreição. Primeiro
vem o fogo, depois o brilho e o valor. Só não são necessários o pecado e o sofrimento
que ele traz, já que não produz nenhum benefício, exceto uma lição que poderia ter sido
aprendida de outra forma.

Muitas vezes, as experiências negativas são do presente, enquanto que o benefício está
projetado para o futuro (1.4-5; 4.13; 5.1, 4, 6,10). Contudo, já experimentamos
presentemente a esperança, a paz, a alegria, o amor, a misericórdia, etc. A glória, ou
exaltação, é o principal elemento localizado no futuro, ligado à segunda vinda de Cristo.

4 – Exortações diversas – 4.1-19

Neste bloco encontramos vários conselhos sobre comportamento, amor mútuo, serviço e
novamente sobre o sofrimento.

5 – Admoestações aos líderes – 5.1-14.

Neste bloco de versículos, Pedro se dirige de maneira especial aos anciãos, os


presbíteros da igreja, dizendo que eles deviam ser exemplo para o rebanho, e não líderes
dominadores. O líder não deve agir como se fosse dono das ovelhas, ou senhor de suas
vidas. Liderança não é manipulação nem opressão, mas orientação amável. A ovelha
deve ser vista como alvo de cuidado e proteção e não como se fosse fábrica de leite e lã,
embora ela os produza. O ministério pastoral é serviço aos crentes e não aproveitamento
deles em benefício pessoal. Ministério não é para enriquecimento do obreiro, mas para
serviço dele à igreja, isto é, a pessoas, mais que uma instituição.

UM TEMA DISCUTIDO E NÃO DEFINIDO – A PREGAÇÃO AOS MORTOS

Um problema muito debatido nesta carta, talvez um dos mais debatidos no Novo
Testamento, é o texto de 3.18-20. As discussões sobre ele são variadas. Procurarei expor
sucintamente as principais linhas de interpretação do assunto em questão. Leiamos
também 1Pedro 4.5-6, Romanos 10.7, Salmo 16.10 e Efésios 4.9.

Jesus foi teria ido mesmo ao inferno? O texto de Pedro não está dizendo isso, mas esta
tem sido, muitas vezes, a interpretação adotada, principalmente por causa de outros
textos bíblicos, dos credos da Igreja Católica e dos livros apócrifos, alguns dos quais
mencionam explicitamente a descida de Cristo ao inferno entre sua morte e sua
ressurreição. Por exemplo, podemos citar o chamado “Credo dos Apóstolos” e os
apócrifos “Evangelho de Bartolomeu” e “Evangelho de Nicodemos”. Um paralelo entre
estes escritos e os textos bíblicos mencionados produz esta interpretação de que Cristo
foi ao inferno.

Questão Respostas encontradas nos comentários


Jesus foi ao inferno? Sim Não

Como ele foi? Em seu espírito humano em carne e espírito Através do Espírito Santo De jeito nenhum.

Aos ímpios (todos ou só aos da


A quem ele pregou? Aos justos A justos e ímpios. Aos anjos caídos. A ninguém
época de Noé)

O que ele pregou? O evangelho Sua vitória O evangelho e sua vitória Nada

Sofrer

Declarar sua
Com que objetivo? Salvar os justos Salvar os ímpios Salvar a todos
vitó-ria Nenhum
(batismo de

fogo?)

Salvação e ressurreição dos Salvação de Conde-nação


Qual foi o efeito? Salvação dos ímpios. Nenhum
justos. todos. dos ím-pios

Cada opção traz seus desdobramentos e suscita uma série de perguntas que recebem
respostas pouco claras e criam mais dúvidas. O próprio texto bíblico não é claro, e
assim é pouco provável que eu venha a ser no comentário. Mas pelo tentarei, sem fazer
de minhas palavras uma lei dos medos e persas.

Algumas respostas que são dadas podem ser refutadas pelo simples exame cuidadoso do
texto de 1Pedro. A passagem não diz que ele foi pregar aos justos e nem que teria sido a
todos os mortos ou a todos os ímpios. A rigor, são mencionados apenas os ímpios que
viveram nos dias de Noé. Alguns comentaristas estendem tal pregação a todos os
mortos, valendo-se para tal do texto de 1Pedro 4.5-6, onde isso se torna mais claro.

Dizer que Cristo foi em carne e espírito ao inferno é bastante problemático, pois
significa afirmar que ele estava vivo antes da ressurreição. Se ele foi em carne e espírito
ao inferno, estava vivo. Se ele estava vivo, que ressurreição foi essa? Se a carne e
espírito estão juntos, então não estamos falando de Cristo durante seus três dias em
estado de morte.

Dizer que o Espírito Santo foi ao inferno resgatar alguém é confundir as funções das
pessoas da Trindade. Vamos caminhar por aqui com cuidado, para não cairmos na
heresia do modalismo, mas é fácil observar que cada pessoa da Trindade desempenha
funções que as outras não exercem. O Espírito não foi crucificado. E o Pai não nasceu
de uma virgem. Mas o equívoco de afirmar que o Espírito foi ao inferno resgatar
pessoas se dá pelo fato de que algumas traduções usam equivocadamente a palavra
“Espírito”, com letra maiúscula em 1Pedro 3.18.

Os que dizem que Cristo não foi ao inferno, afirmam que ele foi se apresentar ao Pai
após sua morte. Seu argumento maior são as palavras de Jesus ao ladrão crucificado:
“Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43 e 46). Como explicariam então o texto de
Pedro? Calvino chegou a afirmar que a cruz foi o “inferno” experimentado por Cristo.
Para os anabatistas, este mundo foi o “inferno” ao qual Cristo desceu, quando da
encarnação.

Até o século IV se aceitava a idéia de que Cristo tivesse mesmo descido ao inferno,
assim identificado como o “lugar dos mortos”. Somente a partir do século V é que se
passou a questionar este sentido dado ao texto bíblico. Agostinho propôs a seguinte
explicação: o evangelho teria sido anunciado aos mortos no tempo em que estes
estavam vivos. Assim, os contemporâneos de Noé teriam ouvido sua pregação antes do
dilúvio. O espírito de Cristo, mencionado em 1Pedro 3.18, estaria agindo através de
Noé, o pregoeiro da justiça. Tal interpretação não explica o texto de 4.5-6, onde todos
os mortos parecem estar envolvidos. Além disso, o texto de 3.18-20 diz que a pregação
foi dirigida a “espíritos em prisão” e não a pessoas vivas.

É provável que Atos 2.27-31 seja o texto mais claro para que se infira que Cristo foi ao
inferno. O autor utiliza a palavra hades. Esta palavra estaria sendo usada em referência a
um lugar espiritual? Ou alude simplesmente à sepultura (At 2.29) ou apenas ao estado
de morte (At 2.31)? Algumas versões usam a palavra hades enquanto outras a traduzem
como “morte”. Uma outra versão menciona “região dos mortos”, o que não indica um
sentido estritamente físico ou espiritual. A Bíblia Loyola usa a expressão “mansão dos
mortos”. A versão antiga do Padre Figueiredo (que deixou marcas na tradição religiosa
brasileira) traduz hades como “inferno”. A Linguagem de Hoje traduziu, em Atos 2.27,
como “mundo dos mortos”. No seu “Vocabulário”, a LH diz que o mundo dos mortos
era “um abismo escuro e silencioso situado nas profundezas da terra, para onde todas as
pessoas iam depois de morrer”.

A palavra hades é de origem grega e vem da mitologia dos gregos, sendo utilizada para
identificar o lugar espiritual para onde vão os mortos. É um termo composto, com o “a”,
privativo, indicando ausência, e “des” (o visível). Hades é o “não visível”. O hades
estaria divido em duas partes: “Campos Elíseos”, para os bons e o “tártaro”, para os
maus. Os hebreus tinham uma concepção semelhante sobre a região dos mortos.
Chamavam-na de seol, ou sheol, também com um lugar para os justos e outro para os
ímpios. Entretanto, sheol também significa sepultura. Como o Novo Testamento foi
escrito em grego, então foram usadas as palavras gregas que mais se aproximavam do
conceito hebraico. Assim, a dúvida sobre lugar físico ou espiritual permanece, porque
ambos os termos têm sentido difuso.

Uma interpretação bem interessante, em outra linha, é a de Grudem, que alega que
Cristo estava “em espírito”, pregando através de Noé, durante a construção da arca.
Agostinho e Tomás de Aquino concordam com esta posição, bem como alguns
intérpretes modernos. Para outros intérpretes, o objetivo desta ida de Jesus aos espíritos
no Tártaro não foi a redenção, mas o anúncio de sua vitória.

E qual é a melhor explicação? Bem, qualquer afirmação definitiva seria temerária. Não
sendo matéria de fé, e sendo até mesmo questão circunstancial, o leitor pode formar sua
posição pessoal com base nas informações aqui registradas. E pode buscar outras mais.
Mas que não coloque todo o sentido e todo o valor da carta de Pedro nesta questão
periférica. A questão mais importante, do ponto de vista global, foi bem sintetizada em
2.21: “Porque para isso fostes chamados, porquanto também Cristo padeceu por vós,
deixando-vos exemplo, para que sigais as suas pisadas”. Somos chamados a um
compromisso com Cristo, aceitando viver seu exemplo. Ser cristão é viver Cristo e viver
como Cristo.

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