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Pensamento Totalitário nas Redes Sociais1

Henrique Mendes2

O totalitarismo, para Hannah Arendt, reside na tentativa de um governo em criar uma


ideologia universal, um sentimento de unidade galgado na intenção de domínio global apoiado pelas
massas com a força policial como elemento imprescindível para a manutenção efetiva de tal regime
em funcionamento, a partir da administração do Estado. Assim, para a filósofa, um amálgama
ficcional é criado pelos líderes totalitários para assegurar a manutenção do estado dos aspectos que
garantem a sua existência: que elimina as contradições de tal movimento e se apoia na propagação de
mentiras de forma sistemática e deliberada com a finalidade de se criar uma percepção de
normalidade sobre a realidade e de projeção para um projeto global de futuro. Na ação
pseudopacificadora das forças policiais secretas e na eliminação das pluralidades e de qualquer
movimento de oposição em detrimento de um perfil único de indivíduos, se constitui o mais nefasto
dos estágios do totalitarismo.
Arendt classifica e analisa como totalitaristas os regimes instalados na Alemanha nazista com
Hitler e na Rússia soviética com Stálin, pós primeira guerra mundial. Nesses movimentos
monopartidários, ela observa a existência conjunta do Estado e do Partido – na Alemanha a SS e na
Rússia o PCU – tornando a estrutura estatal amorfa, uma vez que ela seria apenas uma fina camada
de representação do poder real, o poder partidário, cuja organização consiste na duplicação dos
serviços do Estado não só para atender o desejo do líder, figura na qual o pensamento totalitário se
personaliza, mas para propiciar o distanciamento de possíveis dissidentes de funções importantes
dentro do partido, relegando-os a trabalhos meramente burocráticos e ilustrativos em órgão estatais –
no caso da Alemanha – ou ao trabalho forçado no campo, a deportação e até o extermínio – no caso
dos expurgos russos.
A ineficiência das práticas do Estado totalitário levou Hannah Arendt a constatar que não
havia nenhum caráter utilitário para fins administrativos econômicos ou agrários nesses regimes, na
verdade eles intuíam exclusivamente a perpetuação de um projeto de poder, ora calcado na
supremacia da raça, ora na universalidade ideológica.
O totalitarismo, como um percurso histórico, teria suas origens tanto no imperialismo com a
maneira expansionista de pensar as relações mundiais quanto no antissemitismo - mais tarde
convertido em racismo propriamente dito com o Holocausto - presente de forma embrionária nas
relações humanas desde, pelo menos, a criação dos Estados-nação na Idade média, onde surgem os
primeiros indícios do sentimento de nacionalidade que logo se oporia ao cosmopolitismo dos judeus.
Apartados dos movimentos propiciadores da ascensão da burguesia, em detrimento da preferência
pela monarquia nos movimentos políticos existentes na criação dos estados nacionais, emerge, da
Revolução Industrial, uma nova classe social da qual os judeus não faziam parte doravante sua
influência ligada às casas bancárias europeias, detentoras dos títulos de empréstimo das propriedades
agrícolas dos aristocratas rurais que passaram a pertencer ao Estado na nova configuração econômica
que se desenha com o advento do capitalismo. Então, as novas gerações judaicas tiveram que se
dedicar a outros ofícios, surgindo, na virada do século XX, uma inteira comunidade de profissionais
liberais, artistas e jornalistas judeus na Europa.
O que ocorre é que com a Primeira Guerra tem-se não só um desmantelamento dos Estados
Nacionais como também uma população de milhares de refugiados e apátridas por todos os
continentes. Essas pessoas, observou Hannah, não tiveram seus direitos contemplados pelas
legislações nacionais dos países em que se refugiaram, ao contrário, foram sistematicamente
invisibilizadas e tidas pelo senso-comum como parte dos problemas que assolaram as sociedades.
Acontece que, no alvorecer do século XX, o escândalo do pagamento de propina a
parlamentares franceses para a facilitação da liberação de verbas na construção do Canal do Panamá
descortinou um horizonte de profunda polarização na França - que vivia nesse momento a maior
crise política e econômica de sua história - pois atingia a cúpula política e industrial detentora do
poderio financeiro naquele contexto. O caso chamou a atenção mundial pelo alto teor de corrupção
envolvendo parlamentares tanto da esquerda quanto da direita que denunciava e também pela
infundada acusação de alta traição e espionagem contra Alfred Dreyfus, judeu, oficial do Ministério
da Defesa francês, com base em uma suposta carta sua enviada a um adido do exército da arquirrival
Alemanha contendo informações oficiais. A imprensa tem papel preponderante na formação da
opinião pública contra Dreyfus, dizendo ser evidente sua culpabilidade em razão de pertencer a uma
sociedade secreta formada por judeus empenhada em destruir o funcionamento de toda a estrutura
social. Arendt e outros pensadores assimilam a partir do caso Dreyfus que, naturalmente, em tempos
de crise as teorias da conspiração e a necessidade de se encontrar culpados emergem das profundezas
da própria condição humana.
Assim, uma relação com o atual cenário político e econômico brasileiro permite fazer
acepção com as denúncias escandalosas que vem sendo a marca da vida nacional há alguns anos: o
julgamento do mensalão que prendeu altos dirigentes do principal partido de esquerda no país inicia
uma era de investigações do Ministério Público Brasileiro que hoje desenrola-se em denúncias que já
atingiram todos os presidentes da república vivos. A afirmação da identidade de um governo de
esquerda no poder em face da oposição da direita ao crescimento dos serviços ofertados pelo estado
levou a uma polarização que teve seu ápice nas eleições de 2014: após o resultado favorável à
candidata da esquerda, as forças direitistas derrotadas no pleito iniciam uma campanha de
deslegitimação das eleições e da governabilidade da presidenta eleita, acirrando os ânimos em torno
da disputa entre as classes mais pobres, beneficiadas pelos programas assistenciais e políticas
públicas do governo reeleito, e as classes mais ricas que reclamaram a crise econômica tirar-lhes o
poder de consumo.
Esse processo, que já passou pela controversa sentença de impeachment sem crime de
responsabilidade proferida pelo Senado Federal contra Dilma Rousseff e hoje caminha para um novo
processo de impedimento, ganha espaço central nos debates nas redes sociais e tem no principal
expoente da esquerda brasileira, Luís Inácio Lula da Silva, a sua principal figura: de um lado os que
culpam as práticas esquerdistas pelo caos econômico exorcizam seus demônios em Lula, acusam-no,
dentre outras coisas piores, de populismo e de alienação das massas pelo assistencialismo em
mancomunação com seus aliados comunistas da Venezuela e de Cuba, do outro as forças
progressistas que veem no governante petista uma liderança em direção à superação da desigualdade
social. Em tempos em que a mídia contribui diariamente para a instalação de um estado de terror na
população, é consequente que se abra espaço para tais pensamentos muito assemelhados a teorias da
conspiração baseada, principalmente, no ódio de classes tão latentes nas sociedades fruto da
colonização. O senso-comum vem costumeiramente atribuindo toda a gama de males de que sofre o
Brasil à esquerda, ao pensamento progressista e ao socialismo, projetado na mídia como ladainha de
malandros e desocupados, refletindo o pensamento das elites conservadoras do país. Assim já o fora
nos tempos do regime militar, que se sustentou com amplo apoio popular sobre a égide do combate
ao comunismo e com boa dose de moralismo religioso, sempre bem-vinda nos movimentos
autocráticos.
Assim, delineia-se no atual contexto um cenário de descrença nas instituições que
representam o Estado como um todo, oriunda de um sentimento de não-pertencimento a classe
alguma por parte daqueles que, em grossa comparação, Arendt define como a chusma ou turba da
sociedade, os que nem são elite, muito menos povo, mas um resíduo de todas as classes que não se
reconhecem nas bandeiras populares, tampouco sente-se representados pelo parlamento elitista. A
chusma brasileira estaria representada na classe média e seus self-made-man que, imbuídos da
certeza de seus méritos próprios na ascensão financeira, sobretudo os que logram ser pequenos ou
médios empresários, apoiam-se numa ideia falsa de aproximação com os ideais burgueses e
abandonam sua condição de proletário, muito embora continuem a padecer de problemas ainda bem
próximos aos do povo, uma vez que a máquina do capital continua a subjugá-lo como o faz a todos
que não são mandatários dos meios de produção. Assim, o Estado, que aumenta impostos, cria leis
que dificultam seu acesso a matéria-prima importada e regulamenta uma série de arbitrariedades para
o funcionamento de seu pequeno negócio é também um inimigo a ser combatido e a vingança estará
convertida na persona do líder antipolítico. A chusma na Europa de Hannah Arendt abarcava setores
da produção intelectual que legitimaram o racismo por meio de trabalhos científicos que serviram de
base para o nazismo e propiciaram a ascensão de discursos ideológicos ambivalentes como o
expresso na figura do ditador Benito Mussolini, na Itália.
O séquito dos que se sentem não representados pelas instituições no Brasil, tem cada vez
mais mostrado sua frustração através de manifestações em grupos nas redes sociais. Organizações
com os mais diversos lemas conservadores - formadas em sua maioria por adolescentes, mas que
tem ampla ressonância do pensamento médio da sociedade- pedem intervenção militar no país,
defendem posições contrárias aos direitos das minorias e expressam, através da atuação de
parlamentares direitistas compartilhadas em milhares de vídeos, memes e gifs, discursos
homofóbicos, misóginos e racistas. Uma espécie de militância em manada que consiste basicamente
em atacar políticos da esquerda e movimentos sociais sob acusações nem sempre comprovadas de
roubalheira, vagabundagem ou corrupção, ignorando, muitas vezes, a presença recorrente de seus
próprios correligionários nos escandalosos casos de investigação em que apontam seus opositores.

O Sujeito produtor de (falso) conteúdo e a Mentalidade Violenta


No epicentro das questões inerentes à nova era da informação está o problema da criação e
veiculação de notícias falsas no espaço cibernético, as chamadas fake news. Grupos deliberadamente
se valem de elementos próprios do jornalismo como o formato da pirâmide invertida e a utilização de
fontes para produzir boatos com cara de verdade e repassar em grupos nas redes sociais. Os efeitos
de um fenômeno como esse ainda não podem ser medidos, porém é inegável que possa oferecer um
risco de proporções absurdas se se levar em conta a influência que a mídia, e na atualidade na forma
das mídias sociais, tem exercido no cenário político mundial atualmente. É verificado em vários
momentos históricos a produção de notícias falsas como tática para eliminar opositores políticos, no
entanto as novas plataformas de mídia expressas nas redes sociais exponenciam e barateiam a
disseminação de informações, fazendo a possibilidade de se tornar produtor de conteúdo um
processo de escala global e acessível a todos os indivíduos. O problema da pós -verdade já fez-se
sentir em escala mundial, portanto. A ponto de já existirem em França e Inglaterra forças-tarefa da
inteligência dos governos incumbidas de desmascarar grupos produtores de falsas notícias.
No Brasil, o grupo direitista Movimento Brasil Livre tem sido apontado em ligações com a
produção de notícias falaciosas envolvendo o blog comprovadamente produtor de notícias
distorcidas Jornalivre, com o intuito de desmoralizar e distorcer notícias a respeito de políticos e
personalidades ligadas à esquerda. Os integrantes do MBL lideraram a campanha pelo impeachment
de Dilma sob o lema de combate à corrupção praticada pelo governo do Partido dos Trabalhadores e
iniciaram grandes movimentos antiesquerdistas nas redes que abarcaram uma confluência de
parcelas e grupos sociais diversos e encontraram nas posições radicais do deputado Jair Bolsonaro
sua principal representação.
Diante de declarações um tanto polêmicas por suscitarem posições preconceituosas com
relação à condição das mulheres na sociedade, aos direitos da população homossexual e transgênero,
à condição das comunidades quilombolas e indígenas e por suscitar um estado de militarização da
sociedade propondo campanhas de armamento da população e intervenção militar no Estado
Brasileiro, o deputado Bolsonaro emerge das profundezas do pensamento fascista idealizado pelos
italianos no começo do século XX. Avesso a qualquer vertente marxista, desde o comunismo
totalitário até o socialismo democrático, esse movimento é descrito por historiadores com
características que poderiam constar de um perfil do parlamentar: ultranacionalismo, etnocentrismo e
militarismo. O mais curioso é que o posicionamento nada original do ex-soldado vem arrebatando
mentes Brasil afora e alavancando-o a um percentual próximo aos três vinte avos das intenções de
voto da população brasileira num possível cenário para as eleições presidenciais de 2018.
Um fenômeno que se destaca nessa onda conservadora da atualidade - já observada por
diferentes cientistas políticos- é o da tentativa de imposição do conceito de maioria através dos
discursos: parlamentares representantes das bancadas evangélica, empresarial e agro ruralista têm
proferido motes de prevalência dos conceitos morais intrínsecos à família tradicional, à propriedade e
à religião de forma constante nas tribunas do Congresso Nacional. Discursam contra um inimigo
virtual que intentaria subverter a ordem social, criando uma nova a partir de outros prismas. A mídia,
então, se encarrega de construir a imagem desse temido inimigo trabalhando sob o fomento do ódio
ao diferente e a eliminação das subjetividades do indivíduo, desumanizando-o, assim. A propaganda
midiática teve sempre papel preponderante na boa sucessão dos regimes totalitários, como salienta o
próprio pensamento de Hannah Arendt ao se referir ao nazismo.
Definitivo para a análise do pensamento humano no episódio de genocídio contra os judeus é
o julgamento do tenente-coronel do exército nazista Adolf Eichmann, apontado pelo tribunal do
Estado de Israel como um dos principais articuladores do holocausto, declarou-se inocente de todas
as acusações que pesaram contra ele mas foi condenado por mais de quinze crimes contra o povo
judeus e contra a humanidade em associação a organização com fins criminosos. Arendt foi enviada
pela revista americana The New Yorker como correspondente ao julgamento, apresentando dois anos
depois os relatos do evento na obra Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal.
Ali, Arendt apresenta também uma análise do indivíduo Eichmann e estabelece que ao contrário do
que se supunha ele não era nada mais que um funcionário obediente, um burocrata limitado a
cumprir ordens sem refletir sobre o bem e o mal e almejando unicamente sucesso e reconhecimento
profissional. Ou seja, um sujeito ordinário como qualquer outro do cotidiano. Assim pareciam pensar
também os policiais do caso comunidade Nova Brasília, condenados recentemente pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos por crime de chacina ocorrido entre 1994 e 1995, envolvendo
estupro de crianças e tortura.
O que a polêmica análise de Arendt sobre o caso indica a respeito da condição humana, é que
processos tidos como decorrentes do mal- nisso ela revisita o conceito desenvolvido por Kant-
podem ser reproduzidos em qualquer circunstância histórica, bastando que haja vazio de pensamento
e espaço suficientes, pois são decorrentes de escolha política de indivíduos. Esse espaço propício
para a origem do mal é dado ao sujeito quando o estado dilui o conceito de pura violência homicida
em cumprimento de ordens oficiais. Tal pensamento pode ser observado nos dias atuais com o
episódio em que autointitulados justiceiros acorrentaram um morador de rua a um poste no Rio de
Janeiro sob a argumentação de estarem cumprindo com as regras do bem-estar social, neste caso,
segundo eles, abandonadas pelo estado. Na verdade, o que é vendido como promoção do bem-estar
social através da ação policialesca representativa do bem contra o mal nessa sociedade arquitetada de
forma maniqueísta não passa, portanto, de uma legitimação do estado ao genocídio das populações
pobres e eminentemente afrodescendentes por parte das polícias militares. O fato é que, disfarçada de
social democracia, a mente totalitarista, expressa em personalidades políticas fantasiadas de líder, se
faz reconhecer na forma truculenta com que o estado se apresenta aos que mais necessitam de sua
ação.
Assiste-se atônito Temer fazer uso das forças armadas para conter as manifestações contrárias
a sua permanência no poder, e ainda mais boquiaberto se fica ao acompanhar-se os ululantes apoios a
tal medida - ou a outras como a ação violenta da polícia paulista contra os dependentes químicos na
Cracolândia - sob argumentações que emprestam ao presidente a figura do legislador sábio descrito
em Montesquieu e analisado pela filósofa política. A ideia do legislador sábio foi a principal
referência do classicismo, uma forma de interpretar a história na volta aos modelos clássicos, em que
se supunha que as civilizações logravam elevar seu grau de desenvolvimento pela qualidade de suas
leis e não pela liberdade e oportunidades ofertadas ao povo. A centralidade da sabedoria das leis, a
genialidade transfigurada no legislador e a engenhosidade dos mestres foram conceitos difundidos
pelo totalitarismo no combate e dissolução da ideia democracia representativa parlamentar.
Neste sentido é que os estudos de Hannah Arendt constituem peça científica fundamental para
compreendermos os caminhos que nos trouxeram ao estado das coisas tal qual o conhecemos hoje no
que tange à estrutura social e sua capacidade em gerar crises dentro de si própria; bem como para nos
fazer entender que talvez estejamos repetindo processos históricos que levam, indubitavelmente, a
catástrofes. Não à toa tem se recorrido a Hannah Arendt para explicar os fenômenos Dória e Trump.
Diante da atualidade do pensamento arendtiano é de se preocupar que na era da informação a mentira
seja a principal protagonista.
1 Trabalho apresentado em exigência à disciplina Ideias Filosóficas Contemporâneas, sob a orientação do Prof. Dr.
Leonardo Freire
Referências Bibliográficas:
ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo. Ed. Companhia das Letras, 1989.
______________. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução José Rubens Siqueira. São
Paulo. Ed. Companhia das Letras, 1999.
2 Estudante do curso de Jornalismo da UFRN, turma 2017.1

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