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sombrias ficções futuristas (como a pelí- ças ocorridas a partir dos anos 1970, quan-
cula cinematográfica Blade Runner ). do a aceleração do trabalho sobre a infor-
Outra medição do mesmo fenômeno mação suplanta o aumento do trabalho
( urban sprawl ) dá conta da excepcional sobre a matéria (Marques, 1999, p. 197).
magnitude atingida pelas dez “áreas me- Mas eles são também espaços de pun-
gapolitanas” (a rede integrada de metró- gentes desequilíbrios, mesmo nos países
poles e “micrópoles”) na atualidade nor- ricos. Superpopulação, pobreza e desi-
te-americana: apesar de abarcarem apenas gualdade constituem o trinômio da desa-
19,8% do território do país, elas compre- gregação social. Nas regiões mais pobres,
endem uma população total de 197,0 mi- as características típicas de uma cidade
lhões de habitantes – contra 290,7 milhões global agudizam contradições próprias de
para o conjunto da nação, em 2003 – e uma estrutura econômica dualista perifé-
ostentam um ritmo de crescimento supe- rica e suas crônicas carências sociais, re-
rior: 3,89% ao ano, entre 2000 e 2003, presentando o reverso da medalha no in-
enquanto os EUA, como um todo, regis- terior de um mesmo processo de glo-
traram 3,33%, em igual período (Lang e balização, comandado pelas nações hege-
Dhavale, 2005). As implicações disso para mônicas e pelas corporações transnacio-
o planejamento local e regional são ex- nais líderes. Os desafios para as políticas
pressivas e ocuparão lugar central no con- urbanas saltam à vista: ante o agravamento das 33
junto de nossas reflexões. desigualdades, da fragmentação do tecido
Esses pólos urbanos direcionais, as urbano e da precarização do trabalho,
chamadas cidades mundiais ou cidades-re-
(...) como lidar com a implantação de
giões globais, com suas complexas redes
megaprojetos transnacionais sobre um
de empresas, são lugares estratégicos para território que nem sequer implementou
a produção de funções especializadas, um patamar básico de urbanização?
que já não podem ser executadas ou se- (Rolnik e Nakano, 2000, p. 116)
quer geridas diretamente pelas corpora-
ções multinacionais. As cidades deslocam
crescentemente sua atenção dos assuntos Visões metropolitanas
internos para atividades e locações exter-
nas, ganhando consciência da importância, Com o advento, há mais de cem anos, da
para seu desempenho, de decisões toma- era da industrialização em massa, os gran-
das fora de suas fronteiras (UN-HABITAT, des centros urbanos passaram a cumprir o
2004, p. 22). As grandes metrópoles são papel de provedores de alimentos manufa-
espaços estratégicos de poder da econo- turados, produzidos em larga escala, para
mia mundial, onde se maneja e coordena abastecer os contingentes de trabalhadores
o sistema global (Sassen, 2004, pp. 46-47). que acorriam em massa às fábricas fordistas,
Tais centros urbanos sumarizam as mudan- instaladas naquelas áreas metropolitanas.
material se acompanha de uma internalização crise dos Estados Nacionais – vitimados pela
da prestação de serviços que as firmas haviam ineficiência de suas burocracias, pelas polí-
anteriormente abandonado aos indepen- ticas neoliberais e pelas novas tecnologias de
dentes”, em decorrência da qual “os produ- informação –, bem como da inegável neces-
tos materiais se tornam finalmente os ‘vetores’ sidade de reformá-los a fundo, para alardear
dos serviços vendidos” (Gorz, 2005, p. 43). a pretensa falência dos projetos nacionais de
As cidades oferecem as economias de aglo- desenvolvimento, na esteira do discurso do
meração e os ambientes altamentes inova- fim do Estado.
dores que tais artividades exigem (Sassen, Assim é que as principais cidades e re-
1995, p. 67). O sistema urbano vive uma giões “se acham imersas dentro de uma
crescente desregionalização, em prol da in- competição neomercantilista para conquis-
tensificação dos vínculos com redes globais tar a vantagem nos mercados globais e con-
(Benko, 1996, pp. 58-59). tinentais” (Keating , 2004, p. 52).
A Agenda Habitat, espelhando os Na verdade, a agenda que se des-
compromissos assumidos pelos governos cortina para as cidades, partindo de um en-
participantes da Segunda Conferência das foque mais amplo da nova dinâmica regio-
Nações Unidas para os Assentamentos Hu- nal, impõe a reversão da ótica privatista
manos – Habitat II, realizada em Istambul, dominante, segundo a qual cabe a elas ape-
Turquia, no ano de 1996, encerra importan- nas competirem entre si para criar ambien- 41
tes objetivos e propostas de ação. Ela par- tes “saudáveis” à rentabilidade empresarial.
te do princípio básico de que a imple- O real desafio colocado para as me-
mentação da Agenda, inscrita na promoção trópoles é encontrar a relação ótima que
e proteção do direito humano ao desenvol- elas devem estabelecer, sob o prisma da de-
vimento, “é direito soberano e responsabi- mocracia e da perspectiva humanista-uni-
lidade de cada Estado” (UNCHS, 1997, versal, com as esferas regionais, nacionais e
Cap. II, pp. 23 e 24 - grifo nosso). internacionais de poder. Esse tema será cen-
A crescente autonomia das cidades tral ao longo deste trabalho, e aqui inicia-
para aplicar políticas econômicas próprias mos sua abordagem.
reflete, por um lado, aspectos positivos, A boa governança das cidades glo-
pois as necessidades da população, cuja bais implica construir uma rede de vínculos
maioria vive nos núcleos urbanos do plane- externos, envolvendo desde os limites me-
ta, foram, não raro, desprezadas nas déca- tropolitanos, até as regiões, a nação e as ins-
das desenvolvimentistas do pós-guerra. tâncias globais. Nesses diversos espaços
Por outro lado, essa mesma importân- políticos e econômicos, o Estado Nacional
cia esconde, por trás da retórica inovadora, seguirá relevante, enquanto articulador das
o outro lado da globalização. Seus promo- ações que dão substância às políticas de
tores, visando criar as condições ideais ao li- corte local e regional, ante os fenômenos
vre fluxo de capitais no mundo, se valem da de natureza mundial.
À dimensão regional compete a arti- jos produtivos locais e políticas urbanas con-
culação política e institucional das diversas certadas, quanto é imperioso reconhecer
iniciativas locais, compatibilizando-as e que os municípios e as regiões sofrem mais
viabilizando-as à luz dos instrumentos de fi- em decorrência das decisões de política
nanciamento existentes ou a serem criados. econômica nacional que em conseqüência
Mas – voltamos a enfatizar –, ao con- das injunções globais, uma vez que, amiúde,
trário do que muitos insistem em fazer crer, seus efeitos são corroborados e poten-
a renovada importância das cidades (e, em cializados por aquelas. Essa é a razão pela
parte, das regiões) não fez desaparecer a qual a inversão de prioridades e a estru-
centralidade dos governos ou das fronteiras turação de um projeto nacional de desenvol-
nacionais na estruturação do sistema-mundo, vimento constituem condições inescapáveis
fortemente vincado por hegemonias estatais para a construção de uma nação próspera,
globalizadas – tendo à testa os EUA. aberta ao mundo e com justiça social.
Um país de proporções continentais
como o Brasil se ressente da ausência de
formulações integradas, que dêem conta da
dimensão espacial do desenvolvimento e a
vincule, organicamente, a seus recortes po-
líticos, econômicos e sociais, nas distintas 45
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Carlos Gass ppar
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escalas geográficas. Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e
Portanto, não somente o Brasil carece professor da FEA-PUC-SP. Autor do ensaio
de uma proposta de desenvolvimento eco- As fronteiras do possível: trabalho, lazer e
nômico com nítidos contornos espaciais, civilização , publicado pela Editora Ger-
capaz de fundamentar uma estratégia de minal, São Paulo (2003).
ordenamento territorial, fomentando arran- ricgaspar@gmail.com
Notas
(1) Uma releitura dos dados demográficos no Brasil relativiza o peso da urbanização e
advoga políticas específicas para a grande área rural do território nacional, confor-
me Veiga (2001). Independentemente da abrangência específica e das conseqüentes
ações públicas para o desenvolvimento das regiões rurais – de inegável atualidade –,
o fenômeno da urbanização é reconhecido e por nós interpretado como tendência
geral e universal.
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Recebido em out/2005
Aprovado em nov/2005