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Espaço metropolitano,

política e economia global


R i ccaa rrdo
do C arlos Ga
Carlos Gass p
paa r

R e sumo A urbanização acelerada


e as mudanças tecnológicas verificadas nas
últimas décadas estão produzindo uma Abstr
Abstraa cctt The fast course of
nova geografia de poder no mundo, com urbanization and technological changes that
centros metropolitanos e regiões assumin- occurred throughout the last decades are
do crescente importância na economia e creating a new geography of power in the
política globais. O presente artigo aborda world, in which large cities and regions gain
essas transformações, postulando que a ên- increasing importance at global economic
fase nos governos locais e nos espaços ur- and political levels. The present article
banos não significa que o Estado-nação te- examines those transformations, arguing that
nha perdido sua centralidade, pois é ele a the focus on local governments or urban
instância de poder decisiva para dar supor- spaces does not necessarily mean that
te e sustentabilidade às estratégias regionais Nation-States are loosing importance.
e locais de desenvolvimento. Despite all changes, they remain the
A retomada da capacidade de ação do Es- fundamental support for regional policies,
tado nacional e das esferas públicas de hence giving sustainability to local
governabilidade em todas as escalas geo- development strategies.
gráficas – da local à global – é por fim des- To restoration capacity of the Nation-State,
tacada como condição para o desenvolvi- and also of the different public spheres of
mento socioeconômico integral, no Brasil governance at every geographic scale – from
ou no sistema-mundo. local to global – is highlighted here as
P ala
alavv rraa s -cha
-chavv e Estado-nação; nova geo- requirement towards comprehensive
grafia do poder mundial; cidades globais; economic development with social inclusion,
estruturas institucionais; escalas espaciais; either in Brazil or in the World-System.
políticas regionais de desenvolvimento. K ey-w
ey-woo rrdd s Nation-State; new geo-
graphy of world power ; global cities;
institutional structures; spatial scales;
regional development policies.

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Urbanização e cidades Atualmente, cada vez mais cidades as-


mundiais sumem o papel de liderança graças ao fe-
nômeno da globalização, compreendida
Na maioria dos países, a proporção do pro- como integração econômica dos espaços
duto econômico gerado pelas cidades é, nacionais. Com a liberalização da economia
com freqüência, maior que a participação mundial, recursos humanos, tecnológicos e
urbana no total da população nacional. Na financeiros estão se concentrando nos gran-
América Latina, a Cidade do México, com des centros urbanos. Cidades como Hong
14% da população do país, responde por Kong, Londres, Nova Iorque e Tóquio se tor-
34% do PIB mexicano. Lima possui menos naram núcleos mundiais de serviços financei-
de 30% da população do Peru, mas gera aci- ros, seguidos por pólos regionais como
ma de 40% do produto nacional. A Região Frankfurt, São Paulo, Shanghai e Singapura.
Metropolitana de São Paulo, com cerca de Cidades como Dubai e Rotterdam têm ca-
10% da população brasileira, produz 40% pitalizado ativos físicos e se transformaram
do PIB do Brasil. em nós da rede de transporte global. No
A Ásia também possui exemplos de mais, aglomerados urbanos como Bangalore,
cidades que atuam como motores do cres- Seattle e o Vale do Silício – e, mais recente-
cimento econômico. Shanghai, com apenas mente, os arredores de Washington D.C. –
32 1,2% dos habitantes da China, participa com emergiram como peças-chave no campo de
mais de 12% do seu PIB. Bangkok concen- tecnologia de informação.
tra somente 10% da população nacional, As informações e os estudos disponí-
mas responde por 40% do PIB da Tailândia. veis concluem que as cidades – em especial
Cidades na África contribuem com 60% do as maiores – provocam índices mais elevados
produto continental, embora apenas 34% de produtividade e maior renda per capita
dos povos africanos vivam em áreas urba- nos territórios em que estão inseridas, deten-
nas. Nos EUA, as cidades comandam a eco- do uma participação decisiva na contabili-
nomia nacional, superando Estados e mes- dade nacional dos seus respectivos países
mo nações no desempenho produtivo. O (UN-HABITAT, 2004, p. 15).
produto econômico bruto combinado das Nos EUA, se prevê que, entre os dias
dez primeiras áreas metropolitanas do país atuais e 2050, acima da metade do cresci-
em 2000 era de US$ 2,43 trilhões – um mento populacional do país, e dois terços
montante maior que o resultado conjunto do seu crescimento econômico, ocorre-
de 31 estados nos EUA. Se as cinco maiores rão em apenas oito áreas metropolitanas
metrópoles norte-americanas (Nova Iorque, emergentes, como a megalópole Boston-
Los Angeles, Chicago, Boston e Filadélfia) Washington (Carbonell e Yaro, 2005). Los
fossem tratadas como um único país, ele se Angeles, em particular, tem se transforma-
classificaria como a quarta economia do do no modelo da metrópole polinuclea-
mundo (UN-HABITAT, 2001, pp. 68-69). da, multicultural e pós-moderna, inspirando

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sombrias ficções futuristas (como a pelí- ças ocorridas a partir dos anos 1970, quan-
cula cinematográfica Blade Runner ). do a aceleração do trabalho sobre a infor-
Outra medição do mesmo fenômeno mação suplanta o aumento do trabalho
( urban sprawl ) dá conta da excepcional sobre a matéria (Marques, 1999, p. 197).
magnitude atingida pelas dez “áreas me- Mas eles são também espaços de pun-
gapolitanas” (a rede integrada de metró- gentes desequilíbrios, mesmo nos países
poles e “micrópoles”) na atualidade nor- ricos. Superpopulação, pobreza e desi-
te-americana: apesar de abarcarem apenas gualdade constituem o trinômio da desa-
19,8% do território do país, elas compre- gregação social. Nas regiões mais pobres,
endem uma população total de 197,0 mi- as características típicas de uma cidade
lhões de habitantes – contra 290,7 milhões global agudizam contradições próprias de
para o conjunto da nação, em 2003 – e uma estrutura econômica dualista perifé-
ostentam um ritmo de crescimento supe- rica e suas crônicas carências sociais, re-
rior: 3,89% ao ano, entre 2000 e 2003, presentando o reverso da medalha no in-
enquanto os EUA, como um todo, regis- terior de um mesmo processo de glo-
traram 3,33%, em igual período (Lang e balização, comandado pelas nações hege-
Dhavale, 2005). As implicações disso para mônicas e pelas corporações transnacio-
o planejamento local e regional são ex- nais líderes. Os desafios para as políticas
pressivas e ocuparão lugar central no con- urbanas saltam à vista: ante o agravamento das 33
junto de nossas reflexões. desigualdades, da fragmentação do tecido
Esses pólos urbanos direcionais, as urbano e da precarização do trabalho,
chamadas cidades mundiais ou cidades-re-
(...) como lidar com a implantação de
giões globais, com suas complexas redes
megaprojetos transnacionais sobre um
de empresas, são lugares estratégicos para território que nem sequer implementou
a produção de funções especializadas, um patamar básico de urbanização?
que já não podem ser executadas ou se- (Rolnik e Nakano, 2000, p. 116)
quer geridas diretamente pelas corpora-
ções multinacionais. As cidades deslocam
crescentemente sua atenção dos assuntos Visões metropolitanas
internos para atividades e locações exter-
nas, ganhando consciência da importância, Com o advento, há mais de cem anos, da
para seu desempenho, de decisões toma- era da industrialização em massa, os gran-
das fora de suas fronteiras (UN-HABITAT, des centros urbanos passaram a cumprir o
2004, p. 22). As grandes metrópoles são papel de provedores de alimentos manufa-
espaços estratégicos de poder da econo- turados, produzidos em larga escala, para
mia mundial, onde se maneja e coordena abastecer os contingentes de trabalhadores
o sistema global (Sassen, 2004, pp. 46-47). que acorriam em massa às fábricas fordistas,
Tais centros urbanos sumarizam as mudan- instaladas naquelas áreas metropolitanas.

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É o período da “industrialização do comer” fria racionalidade instrumental dos meca-


(Fernández-Armesto, 2004, p. 289), asso- nismos de mercado.
ciado às transformações decorrentes da Para o cumprimento dessas funções,
chamada Segunda Revolução Industrial, as metrópoles assim vocacionadas vão se
entre o final do século XIX e as primeiras dé- nivelando em termos da dotação de recur-
cadas do século XX. sos básicos para o suporte estratégico da
A partir da década de 1950, o ritmo rede mundial de fluxos. Os sistemas de
de urbanização sofreu “uma aceleração que transporte (principalmente aeroviário), de
originou uma grande revolução ecológica, telecomunicações internacionais, de infor-
política, econômica e social na organização mática, os espaços para convenções e even-
espacial da população mundial”. (Harvey, tos, a infra-estrutura bancária e financeira e
2004, p. 93) os serviços de hotelaria, cultura e gastro-
Após um período de amarga desilu- nomia se destacam, muitas vezes, em nítido
são com os resultados do crescimento ace- contraste com as demais condições socio-
lerado depois da II Guerra Mundial e seus econômicas e ambientais prevalecentes no
impactos nas grandes cidades, tanto de paí- conjunto do aglomerado urbano. (Emplasa,
ses centrais quanto periféricos, e a avaliação 1994, p. 136)
marcadamente negativa dos efeitos danosos Tais cidades mundiais, por seu turno,
34 do fenômeno da metropolização dos gran- constituem verdadeiros pontos nodais da
des centros urbanos, as cidades mundiais pas- relação entre a economia global e o terri-
sam a ser encaradas sob uma ótica diferencia- tório nacional (Véras, 2000, p. 21). A fei-
da. A visão negativa foi especialmente for- ção pluralista e multicultural que ostentam
te no terceiro mundo, pois, nos países cen- representa seu ativo estratégico. Suas van-
trais os “circuitos de ramos industriais” inter- tagens competitivas estão nos serviços al-
regionais envolveram um conjunto de cida- tamente especializados e no talento profis-
des médias, ao contrário da concentração em sional que têm a oferecer.
apenas um ou dois centros polares do cres- Os vetores competitivos das cidades
cimento econômico nos países em desen- mundiais e de seus entornos regionais es-
volvimento. (Lipietz, 1996, p. 14) tão assim associados à proximidade de ino-
A reversão interpretativa ocorre – não vadores industriais e consumidores dentro
obstante o efeito das expressões negativas de uma região ou localidade, bem como ao
que as megalópoles acarretam, como resul- denso padrão de intercâmbios informais
tado da constatação de que esses grandes que ela encoraja (Keating , 2000, p. 373). A
núcleos populacionais são, sobretudo, la- própria natureza da cidade muda, pois
boratórios de novas sociabilidades, pontos (...) as metrópoles modernas deixam de
cardeais do mapa do mundo, cenários de ser sistemas autocentrados para se trans-
experiências inovadoras e de virtual afirma- formar em potentes entrecruzamentos de
ção da primazia do interesse público ante a redes múltiplas. (Mattos, 2004, p. 165)

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Essas redes são mais eficientes do A urbanização global alcançava, em


ponto de vista econômico e social naque- 1975, 38% da população mundial. Ela sobe
les países que não enveredaram pelo cami- para 47% em 1998, estimando-se que deva
nho radical da flexibilização liberal e, pelo atingir 55%, em 2015, e, provavelmente, aci-
contrário, preservaram seus mecanismos de ma de 60%, em 2030, a maioria localizada
planejamento e concertação. Nesses casos em grandes concentrações demográficas
(como no atual eixo ao longo do Rio Reno, do chamado Terceiro Mundo. Ao final do
que abrange da Holanda e Bélgica, passan- século XX, a América Latina ostentava o
do pela Alemanha, até o norte da Itália, ou maior grau de urbanização no mundo em de-
como na Escandinávia, dentre outros exem- senvolvimento (Luco e Simioni, 2001, p. 7).
plos), assiste-se à multiplicação de distritos Como se pode observar na Tabela 1,
produtivos constituídos por cidades mé- o crescimento da população urbana nas
dias e as metrópoles não assumem a carac- áreas menos desenvolvidas atingirá, entre
terística explosiva verificada nos países 2000 e 2030, a marca de 2,67% ao ano,
anglo-saxões ou na maior parte do Tercei- enquanto, na média do planeta, o percen-
ro Mundo (Lipietz, 1996, p. 14). tual será de 0,97% ao ano. A face explosiva

Tabela 1 – Indicadores-chave globais 35


Ano Percentual-%
1970 36,8
População global vivendo em áreas urbanas 2000 47,2
2030 60,2
1970 25,1
População urbana em regiões menos desenvolvidas (nível de
2000 40,4
urbanização)
2030 56,4
População urbana em regiões mais desenvolvidas (nível de 1970 67,7
urbanização) 2000 75,4
2030 56,4
2000 0,97
Crescimento da população global
2030 ano
2000 1,8
Crescimento da população urbana global
2030 ano
Crescimento da população urbana nas regiões menos 2000 2,67
desenvolvidas 2030 ano
Crescimento populacional nas áreas rurais em regiões menos 2000 0,1
desenvolvidas 2030 ano
População vivendo com menos de 1 dólar por dia (extrema 1990 29
pobreza) 1999
Participação do quintil da população mais pobre
no consumo total 2000 2
Fontes: UNDP; World Bank; UN Population Division, apud UN-HABITAT, 2004, p. 108

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dessa evolução desigual fica evidente se to- A crescente urbanização do campo


marmos o exemplo de Lagos, capital da Ni- faz da pobreza urbana, “na maior parte dos
géria, uma megacidade com mais de 15 mi- casos, pobreza rural reorganizada dentro do
lhões de habitantes. Com uma taxa de cres- sistema urbano” (Harvey, 1980, p. 266).
cimento populacional entre 6% e 8% ao ano,
seu crescimento é mais de dez vezes supe- Cidades “pós-modernas”
rior ao de New York ou de Los Angeles. Suas
carências são monumentais, não havendo re- Fica evidenciada a vinculação das megaci-
cursos para atendê-las. Para se ter uma idéia, dades contemporâneas com a face globa-
Johannesburg , a maior cidade da África do lizada, “pós-moderna”, do capitalismo atual,
Sul, possui somente um sexto (2,5 milhões) na qual a especulação imobiliária do espa-
da população de Lagos, mas opera um or- ço urbano denota um grau sublimado de
çamento anual de U$1,2 bi, quatro vezes o desterritorialização, “a transformação dos
valor do orçamento da capital nigeriana terrenos e da terra em algo abstrato, a trans-
(U$ 300 mi) (UN-HABITAT, 2004, pp. 56-57). formação do pano de fundo ou contexto
A explicação para o extraordinário cres- da troca de mercadorias em uma mercado-
cimento das megacidades nos países em ria” (Jameson, 2001, pp. 163-164), isto é, a
desenvolvimento pode ser encontrada na mercantilização absoluta do mundo real,
36 dinâmica demográfica, relacionada à taxas com o capital dinheiro atingindo níveis
de mortalidade em queda e taxas de nata- máximos de desmaterialização (Debord,
lidade em alta, junto com migrações ma- 1997, p. 30).
ciças e persistentes do campo para cida- O que mudou, de modo crítico, no
de. O caráter da geografia histórica da ex- capitalismo contemporâneo, na fase da
pansão mundial capitalista (desigual e “acumulação flexível”, foram a posição e a
combinada) serve como pano de fundo. autonomia dos mercados financeiros, liga-
Por seu turno, as taxas de urbanização das à desmaterialização do dinheiro, impli-
no Brasil indicam que, de 61,1%, em 1975, e cando uma instabilidade sistêmica sem pre-
81,2%, em 2000, elas alcancem 88,9%, no cedentes, como afirma Perry Anderson
ano de 2025 (Wilheim, 2001, pp. 31-32), (1999, pp. 94-95), numa paráfrase ao traba-
muito embora tais magnitudes possam ser lho seminal de David Harvey (1992). No
contestadas, sem invalidar as conclusões aqui mesmo texto, mais adiante, Anderson – ago-
aportadas e os impactos sociais, políticos e ra comentando a obra do crítico cultural
culturais do fenômeno.1 Celso Furtado tra- norte-americano Fredric Jameson – pontua:
duz precisamente o cerne da questão: (...) é a estrutura especulativa das próprias
O problema maior do Brasil é o da po- finanças globalizadas – o reino do capi-
breza urbana, vale dizer, o das condições tal fictício, na expressão de Marx – que
de habitação e emprego da população encontra forma arquitetônica nas superfí-
de baixa renda. (Furtado, 2002, p. 14) cies fantasmas e nos volumes descarnados

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de muito arranha-céu pós-moderno. aglomerações policêntricas, compactadas e


(Anderson, 1999, pp. 126-127) relativamente auto-suficientes. (Moreno,
Na etapa da financeirização global do 2002, pp. 103-104)
capitalismo contemporâneo, Mais do que isso, contudo, as gran-
des cidades mundiais têm que lidar com o
(...) o jogo e a especulação se tornaram fato de que as referências espaço-simbóli-
sistêmicos e não apenas um momento cas da maior parcela de sua população se
dos ‘ciclos’. (...) Eles são permanentes, identificam não apenas com um território
como que constituindo valores que for- imobilizado, com áreas e fronteiras fixas. O
jam um ‘estrato superior’ de riqueza so-
espaço indispensável à reprodução social
bre aquele que corresponde aos valores
inclui redes em constante mutação e de na-
dos bens e serviços. (Braga, 1997, p. 227 –
tureza instável, com fronteiras móveis. Assim,
grifos no original)
(...) territorializar-se significa também,
Assim, “as metrópoles, que antes fun-
hoje, construir e/ou controlar fluxos/re-
cionavam como centros de comércio e de
des e criar referenciais simbólicos num
produção industrial, operam agora de qua-
espaço em movimento, no e pelo movi-
tro maneiras diferentes: mento. (Haesbaert, 2004, pp. 279-280)
● como centros de comando e con-

trole da economia mundial; Uma das mais marcantes transforma-


37
● como ‘lugares-chave’ para as finan- ções operadas no alvorecer do mundo do
ças e as empresas de serviços transnacionais; século XX foi precisamente a ascensão de
● como locais de produção, aí incluí- cidades e regiões como relevantes espaços
da a produção de inovações e de tecno- e como atores na política nacional e glo-
logias; bal (Keating , 2000, p. 371). Essa ascensão,
● como mercados para os produtos das como vimos, está ligada ao predomínio da
inovações produzidas” (Sempla, 2000, p. 18). imagem e do espetáculo nas novas condi-
A transformação contemporânea do ções de um mercado crescentemente virtual,
contexto da ação política cria “um sistema desregulado, com predominância do blo-
de centros de poder múltiplos e esferas de co financeiro e globalmente conectado.
autoridade superpostas – uma ordem pós- O significado desse movimento não
Westfalia” (Held, 1999, p. 441), preservan- conduz à completa homogeneidade da cul-
do velhas hierarquias e gerando novos tura global. A lógica unilinear não funcio-
vínculos e subordinações. na em nenhum caso. Ao contrário, con-
Por seu turno, a revolução digital obri- tramovimentos reafirmam continuadamen-
ga a uma progressiva reinvenção dos espa- te a diversidade, ainda que, na maioria das
ços públicos, dos bairros e das próprias ci- vezes, no interior da dinâmica de mercado
dades, adequando-os aos novos imperati- (Harvey, 2004, p. 97).
vos de localização da moradia e do traba- Antes, a metropolização e a globali-
lho, além da necessária mistura de usos em zação produzem um duplo efeito: a homo-

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geneização e a diferenciação, que respondem lo polinucleado ainda em formação, mais


também àquela dialética do espaço material/ evidente nas cidades norte-americanas, e
espaço de fluxos, ou aos dilemas da nova de conotações ainda híbridas nas metró-
territorialidade, há pouco mencionados. A poles do terceiro mundo.
homogeneização tende a gerar processos e A economia de aglomeração renova
atores econômicos e políticos comuns para suas vantagens para a localização dos servi-
todos os países e cidades. A diferenciação, ços modernos auxiliares à produção, inten-
contudo, surge porque esses atores têm mais sivos em conhecimento. Já as atividades in-
êxito se são capazes de se adaptar às circuns- dustriais consumidoras de trabalho menos
tâncias particulares do lugar e do momento. especializado preferem cidades médias si-
Por essa última razão, a globalização estimula tuadas no território de influência das cida-
também, de forma paradoxal, o desenvolvi- des-regiões. De todo modo, a vantagem fí-
mento local (Lungo, 2004, p. 28). sica da proximidade e do contato reforça
O planejamento urbano também não seu poder de atração: “a aglomeração é, no
escapa dessa dualidade, mas, em última ins- espaço, o que a aprendizagem é para tem-
tância, os critérios da especialidade nos po” (Lipietz, 1994, p. 15).
quais está inserido falam mais forte. O es- De acordo com Harvey,
paço material ainda é uma referência mais
(...) com a diminuição do custo de trans-
38 forte do que o espaço de fluxos, ao menos
porte e a conseqüente redução nas bar-
para parcela expressiva da população. A reiras espaciais à circulação de bens,
cultura do planejamento, nesse sentido, pessoas, dinheiro e informação, a im-
(...) está inevitavelmente enraizada nas cul- portância da qualidade do espaço foi
turas políticas nacional e locais, as quais realçada e o vigor da competição inte-
mostram grande variação através de paí- rurbana para o desenvolvimento capita-
ses e regiões. (UN-HABITAT, 2004, p. 6) lista (investimento, emprego, turismo,
etc.) foi consideravelmente fortalecido.
É certo que se inicia o terceiro milê-
(1996, p. 56)
nio com uma megacidade polinucleada,
no tocante aos centros polarizadores de Esse fenômeno deu origem às múlti-
serviços, o que seria em si desejável plas estratégias de “empresariamento urba-
(Wilheim, 1982, p. 140), não fosse a extre- no”, pela qual as cidades se renovam para
ma disparidade e desigualdade imperantes competir entre si pela atração de recursos,
entre esses núcleos dispersos, fragilmente na era da acumulação flexível pós-fordista,
integrados. A escala ótima de localização muito mais aberta geograficamente e
e valorização das atividades econômicas baseada no mercado (ibid, p. 58).
nos espaços urbanos acompanha a trans- A configuração metropolitana em
formação da cidade na direção radio- curso, segundo Carlos Mattos, evolui con-
concêntrica, seguindo o tradicional pa- forme algumas tendências centrais, por ele
drão centro-periferia, para o atual mode- destacadas:

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●a constituição de sistemas produtivos diferentes níveis, assume particular relevân-


centrais, organizados de forma reticular, que cia (Banco Mundial, 1997, p. 177).
sustentam a formação de cidades-região; Outrossim, a nova estrutura geopo-
● a redução demográfica nas áreas lítica emergente dos processos de globa-
centrais e o forte crescimento rumo às bor- lização econômica confere às redes me-
das e ao periurbano; tropolitanas de cidades mundiais um pa-
● o policentrismo da estrutura e do pel estratégico, enquanto eixos de ar-
funcionamento metropolitano; ticulação dos interesses regional-nacionais
● a urbanização dos modos de vida e globais. Como tal, essas redes também
nas áreas intersticiais periurbanas, e espelham, em si, as supremacias de seus Es-
● a proliferação de equipamentos ur- tados-nação, que se produzem no espaço
banos (como modernos espaços comer- capitalista mundializado. O vetor deter-
ciais, prédios corporativos, hotéis de minante da hegemonia atual tende a fixar-
luxo e centros de eventos, complexos de se numa linha de direção Leste-Oeste,
lazer), que provocam impactos na estru- abarcando Nova Iorque / Toronto /Londres
tura e na imagem das cidades (Mattos, / Paris / Frankfurt / Milão e Tóquio (Emplasa,
2004, p. 179). 1994, p. 139).
As chamadas cidades mundiais es- As metrópoles subordinadas refle-
pelham, assim, uma das mais importantes tem, por seu turno, as vicissitudes de seus 39
tendências da economia contemporânea, Estados nacionais na divisão internacional
qual seja, a de centralizar os mecanismos do trabalho. Na ausência de estratégias na-
de decisão num número reduzido de pó- cionais consistentes de reação a essas ten-
los direcionais de elevada hierarquia na dências, as deseconomias e déficits crôni-
rede urbana global, pólos de serviços cos daí resultantes (sociais, de planejamen-
corporativos especializados, enquanto a to e gestão pública, financeiros, infra-estru-
produção passa a apresentar critérios turais), provavelmente, continuarão contri-
locacionais mais dispersos e descon- buindo para a manutenção dessa condição
centrados (Sassen, 1991 e 1998). Nunca é periférica. No quadro da integração passiva
demais repetir, porém, que nos fluxos hegemônicos internacionais, es-
sas metrópoles ficarão condicionadas a im-
(...) a maximização dos impactos positi- pulsos – amiúde exógenos, de efeitos errá-
vos sobre o nível da atividade da região ticos, efêmeros e sem sustentabilidade –
ou do país, onde se localizam os com- que permitam sua alavancagem no quadro
plexos típicos, depende, em grande me- estrutural vigente.
dida, da existência de políticas expressa- Ressalta do anterior a prevalência de
mente desenhadas para esse fim, (Tolosa,
fortes vínculos das cidades globais com os
1999, p. 111 - grifo nosso)
Estados nacionais, onde estão inseridas. Elas
para as quais a reestruturação e a legitima- não pairam no espaço vazio da globali-
ção do papel do setor público, nos seus zação. Dependem, sim, da posição que seus

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países ocupam na hierarquia da divisão in- bólicas, que dificultam a sociabilidade,


ternacional do trabalho, pois intensificam a fragmentação das identida-
des coletivas e inferiorizam certos seg-
(...) trazem de seus países, melhor, da in-
mentos sociais. (Ribeiro, 2004, p. 32)
serção internacional de seus países, pro-
blemas, soluções, características, diferen-
ças, dinâmicas, recursos estruturais muito
particulares e que refletem sua posição Nações e regiões na nova
na hierarquia das cidades globais. geografia do poder
(Pochmann et al., 2004, pp. 152-153) No interior da atual reflexão sobre o papel
De igual modo, formas urbanas ine- das administrações locais e a questão da
ficientes, potencializadoras dos problemas governabilidade, é importante tentar esta-
de desigualdade social e de colapso da belecer mediações precisas entre as esferas
infra-estrutura existente, afetam negativa- local, regional, nacional e global do desen-
mente a competitividade dos seus próprios volvimento socioeconômico, contempo-
países. (Carbonell e Yaro, 2005) raneamente demarcadas.
Assim, as metrópoles contemporâ- Os novos arranjos produtivos e
neas, articuladas com o mercado mundial, tecnológicos, as inovações financeiras, a
apresentam um quadro de crescente hete- abertura comercial dos países e o rápido
40
rogeneidade, abrigando ilhas de bem-es- avanço dos mecanismos de conectividade
tar e consumo suntuário, espaços elitizados global propiciaram a emergência de dife-
conectados com o mundo e verdadeiros rentes atores na arena mundial. A geopo-
“arquipélagos da modernidade global” lítica do planeta assume hoje uma feição
(Wilheim, 2001, p. 33), num mar de exclu- compósita, heterogênea. Nesse mosaico,
são social. A intensa conurbação exige, por destacam-se as grandes metrópoles globais
sua vez, modelos de gestão territorial que e o recorte regional, desde a escala micro,
ultrapassem os estreitos limites da localida- envolvendo áreas geográficas subnacionais,
de e envolvam espaços metropolitanos ex- até os blocos econômicos macro-regio-
pandidos, gerando efeitos econômicos de nais, de grandes dimensões espaciais, não
sinergia entre seus elementos componentes raro incluindo muitos países.
e permitindo maior grau de efetividade nos Os espaços virtuais abrigam fortes
esforços pela melhoria da qualidade de vínculos com suas contrapartidas materiais
vida (Carbonell e Yaro, 2005). e precisam ser também produzidos. As ci-
No modelo de organização espacial dades constituem locais estratégicos para a
em emergência nas grandes cidades – com instalação do complexo de serviços às em-
notória evidência nas metrópoles dos países presas que as atividades de ponta requerem.
em desenvolvimento – O essencial do sobrevalor (o excedente)
(...) a diferenciação das classes sociais é está crescentemente ligado a tais setores
transformada em separações físicas e sim- econômicos: “A externalização da produção

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material se acompanha de uma internalização crise dos Estados Nacionais – vitimados pela
da prestação de serviços que as firmas haviam ineficiência de suas burocracias, pelas polí-
anteriormente abandonado aos indepen- ticas neoliberais e pelas novas tecnologias de
dentes”, em decorrência da qual “os produ- informação –, bem como da inegável neces-
tos materiais se tornam finalmente os ‘vetores’ sidade de reformá-los a fundo, para alardear
dos serviços vendidos” (Gorz, 2005, p. 43). a pretensa falência dos projetos nacionais de
As cidades oferecem as economias de aglo- desenvolvimento, na esteira do discurso do
meração e os ambientes altamentes inova- fim do Estado.
dores que tais artividades exigem (Sassen, Assim é que as principais cidades e re-
1995, p. 67). O sistema urbano vive uma giões “se acham imersas dentro de uma
crescente desregionalização, em prol da in- competição neomercantilista para conquis-
tensificação dos vínculos com redes globais tar a vantagem nos mercados globais e con-
(Benko, 1996, pp. 58-59). tinentais” (Keating , 2004, p. 52).
A Agenda Habitat, espelhando os Na verdade, a agenda que se des-
compromissos assumidos pelos governos cortina para as cidades, partindo de um en-
participantes da Segunda Conferência das foque mais amplo da nova dinâmica regio-
Nações Unidas para os Assentamentos Hu- nal, impõe a reversão da ótica privatista
manos – Habitat II, realizada em Istambul, dominante, segundo a qual cabe a elas ape-
Turquia, no ano de 1996, encerra importan- nas competirem entre si para criar ambien- 41
tes objetivos e propostas de ação. Ela par- tes “saudáveis” à rentabilidade empresarial.
te do princípio básico de que a imple- O real desafio colocado para as me-
mentação da Agenda, inscrita na promoção trópoles é encontrar a relação ótima que
e proteção do direito humano ao desenvol- elas devem estabelecer, sob o prisma da de-
vimento, “é direito soberano e responsabi- mocracia e da perspectiva humanista-uni-
lidade de cada Estado” (UNCHS, 1997, versal, com as esferas regionais, nacionais e
Cap. II, pp. 23 e 24 - grifo nosso). internacionais de poder. Esse tema será cen-
A crescente autonomia das cidades tral ao longo deste trabalho, e aqui inicia-
para aplicar políticas econômicas próprias mos sua abordagem.
reflete, por um lado, aspectos positivos, A boa governança das cidades glo-
pois as necessidades da população, cuja bais implica construir uma rede de vínculos
maioria vive nos núcleos urbanos do plane- externos, envolvendo desde os limites me-
ta, foram, não raro, desprezadas nas déca- tropolitanos, até as regiões, a nação e as ins-
das desenvolvimentistas do pós-guerra. tâncias globais. Nesses diversos espaços
Por outro lado, essa mesma importân- políticos e econômicos, o Estado Nacional
cia esconde, por trás da retórica inovadora, seguirá relevante, enquanto articulador das
o outro lado da globalização. Seus promo- ações que dão substância às políticas de
tores, visando criar as condições ideais ao li- corte local e regional, ante os fenômenos
vre fluxo de capitais no mundo, se valem da de natureza mundial.

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A complexa rede que constitui o pro- da a partir da experiência positiva da Emilia-


cesso de mudança das relações internacio- Romagna, na Itália. O ativo apoio a esses ar-
nais é extremamente dinâmica e inclui múl- ranjos produtivos cobra seu pleno sentido e
tiplas possibilidades e diversos agentes, gera efeitos sinérgicos abrangentes no con-
condicionada às pressões da política em texto de uma ação de conjunto e de progra-
todos os níveis de suas manifestações, de- mas inclusivos e transformadores, sob coor-
sigualmente distribuídas ao longo do espa- denação pública (políticas industriais, estra-
ço global. Uma distintiva geografia de po- tégias nacionais e subcontinentais planifica-
der está se desenhando no mundo, de con- das de desenvolvimento), nas suas respecti-
tornos ainda imprecisos e de difícil pre- vas esferas de jurisdição. A criação de
visibilidade, mas integrada por lugares es- externalidades para o desenvolvimento e o
tratégicos (as cidades mundiais) que emer- fortalecimento do capital coletivo (Paiva,
gem como uma nova geografia de cen- 2002) cumpre seu potencial transformador
tralidade (Sassen, 1998 e 2004). na justa medida de sua articulação com po-
líticas territoriais integradas, mobilizadoras
Estados e territórios de atores e recursos regionais.
Tal constatação reforça, paralelamen-
Fortalecer o poder público em todos os te – a despeito de significativas alterações
planos – sobretudo no âmbito nacional – nas condições de operação –, o postulado
42
assume, assim, importância decisiva. Como da relevância de estratégias nacionais de
vimos, nos níveis local e regional não é di- desenvolvimento, pensando-se especifica-
ferente: a presença ativa do Estado é funda- mente seus condicionantes sistêmicos,
mental (Pochmann, 2004, p. 275). Nunca é cujos requisitos incidem direta ou indireta-
demais lembrar que fenômenos como o mente sobre a criação de vantagens com-
explosivo inchaço populacional das peri- petitivas locais e seu espraiamento nos pla-
ferias urbanas, só serão eficazmente equa- nos regional, nacional e global. Conforme
cionados através de programas de desen- assegura um estudioso do tema,
volvimento integral coordenados pelo cen-
tro político nacional. (...) o futuro desenho regional irá depen-
Um dos exemplos pertinentes da der em muito das possibilidades do Es-
oportunidade dessa articulação macroes- tado Nacional de patrocinar políticas
pacial em prol do desenvolvimento integra- estruturantes (...) que também continuam
do de países e regiões é fornecido pela ên- sendo imprescindíveis, ainda mais quan-
fase no papel dos agrupamentos produti- do parte das condições de competiti-
vos (clusters) para mobilizar forças e recur- vidade assume uma dimensão sistêmica e
sos endógenos latentes, adensando cadeias passa a depender destas “externalidades
construídas”. (Pacheco, 1998, pp. 246-247)
de valor econômico, considerando seu ca-
pital humano e organizacional disponível, Podemos ir além dessa última colo-
bastante destacado na literatura especializa- cação: embora as escolhas matriciais

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continuem fundamentais, a função nova e significativos deslocamentos estão ocor-


maior da política industrial e tecnológica rendo, das formas centradas nas cidades
deve ser a de liberar potenciais. A tradicio- para formas regionais de urbanização. (UN-
nal visão estruturalista requer atualização. A HABITAT, 2004, p. 65)
revisão das estruturas produtivas cede espa- Contrariamente à idéia convencional,
ço para a absorção de conhecimentos e a
exploração de possibilidades (Castro, (...) a globalização faz mais imperiosa a
2004, p. 167). Isso é particularmente rele- necessidade de desenhar esquemas de
vante para o Brasil de hoje. Na era da incer- planificação e gestão do desenvolvimen-
teza, o empreendedorismo e a criatividade, to, tomando em conta a dimensão re-
focados na inovação, necessitam do Esta- gional-territorial. (Wong-González,
do pela via das “políticas públicas destina- 2002, p. 128)
das a desinibir, a catalisar decisões, a ace- A vocação das esferas subnacionais em
lerar a absorção de velhos e a construção assumir papéis de sujeitos do desenvolvi-
de novos conhecimentos” (ibid . , p. 168; mento pressupõe a articulação regional com
Chang , 2003, pp. 69-70). Aí reside o di- seus respectivos Estados nacionais – até o
ferencial no desempenho econômico de presente, os mais importantes atores políti-
cidades, regiões e nações. cos da cena global.
No Brasil, a morfologia das cidades A dialética das múltiplas escalas geo-
reproduz o padrão de aglomerações urba- gráficas é particularmente relevante para a
43
nas existentes – de maneira diferenciada,
abordagem do planejamento urbano, cujo
porém guardando similaridades básicas –
escopo precisa incorporar uma lógica ter-
em todo o território, significando que
ritorial mais ampla. Quanto ao tema que di-
(...) a grande maioria dos centros não se retamente nos diz respeito,
restringe mais a uma unidade espacial cir-
(...) devemos cada vez mais encarar a nova
cunscrita aos seus limites político-admi-
metrópole regionalmente , como um
nistrativos, mas configura espacialidades
complexo mosaico geográfico, senão
integradas por mais de um município.
um caleidoscópio, de modelos de de-
(Moura, 2004, p. 277)
senvolvimento desigual em rápida muta-
Uma nova leitura da realidade se im- ção. (Soja, 1996, p. 158)
põe e requer práticas políticas inovadoras.
A decisiva importância do fenômeno A importância da prática política na
regional na atual globalização se revela tam- construção do desenvolvimento regional
bém através da análise das tendências do sustentável é hoje particularmente ressaltada
desenvolvimento espacial metropolitano em vários círculos, embora devamos alargar
no mundo. Nessa perspectiva mais ampla seu âmbito para incluir o Estado nacional
(imprescindível para superar as limitações como suporte estratégico desse arcabouço:
do “localismo”), a dinâmica urbano-regio- As regiões serão importantes tão-so-
nal mostra-se cada vez mais proeminente e mente na medida em que contem com

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instituições e líderes capazes de chegar a Abre-se então uma perspectiva nova


definir o interesse regional, articulá-lo e de construção institucional, traduzido no
desenvolver políticas direcionadas a sua desafio da criação de estruturas de gover-
consecução. (Keating, 2004, p. 72) nança regional, envolvendo as “cidades-re-
Um projeto de desenvolvimento des- giões globais” (e, acrescentamos nós, a in-
sa natureza, que privilegie o enfoque terri- teração de todas as escalas de poder terri-
torial integrado e sustentável, cabe ao Esta- torial), capazes de sustentar o desenvolvi-
do central coordenar. mento econômico, instigar o sentido da
Aqui se introduz a estratégica presen- identidade regional cooperativa e promo-
ça de um ambiente institucional pautado ver caminhos inovadores para alcançar a de-
pela cooperação entre os agentes econô- mocracia social e a justiça econômica.
micos e por imaginativas formas coletivas de (Scott et al., 2001, p. 18)
coordenação (novas formas de governan- Lembramos que governança significa
ça), as quais assumem crescente centrali- muito mais do que governo, pois “o poder
dade na determinação contemporânea das de organizar o espaço advém de todo um
condições de competitividade em todos os complexo de forças mobilizadas por diver-
níveis da realidade e na contenção da ex- sos agentes sociais”. (Harvey, 1996, p. 52)
plosiva natureza dos mercados. (Boyer e Em suma, a dinâmica local-global, na
44 Hollingsworth, 2000) ótica do interesse público, necessita das es-
feras regionais e nacionais de regulação; a
O imperativo de uma diferenciada e
cidade precisa da região e da nação para
complexa institucionalidade mundial está em
alcançar um desenvolvimento sustentado, e
jogo. No caso de São Paulo e do Brasil, essa
todos requerem a visão e a prática univer-
nova moldura institucional deve prever a
sais para assegurar tais objetivos.
conquista de um marco regulatório para as
regiões metropolitanas, que reconheça sua
especificidade e sua condição de ente polí- Considerações finais
tico próprio, bem como sua interação orgâ- Na trama complexa das múltiplas dimensões
nica com os espaços e instituições regionais territoriais que buscamos delinear no presen-
(muitas delas carentes de reconstrução), no te artigo, cabem aos governos locais – em
quadro de uma ação nacional planificada particular, nas grandes cidades – novas e
para maximizar recursos, prevenir dese- irrenunciáveis tarefas na potencialização dos
conomias e promover o equilíbrio e o de- recursos autóctones, na conjunção de esfor-
senvolvimento. São essas as condições pe- ços para a promoção do crescimento, na
las quais as políticas públicas metropolita- criação de contrapartidas sociais, ambientais
nas podem gerar sinergia com outros níveis e urbanísticas aos investimentos e ao uso do
de planejamento, otimizando os resultados solo, bem como interferir, nos fóruns existen-
econômicos e sociais num horizonte tes, na definição de políticas em outros âm-
territorial muito mais amplo e inclusivo. bitos de governo, inclusive exteriores.

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À dimensão regional compete a arti- jos produtivos locais e políticas urbanas con-
culação política e institucional das diversas certadas, quanto é imperioso reconhecer
iniciativas locais, compatibilizando-as e que os municípios e as regiões sofrem mais
viabilizando-as à luz dos instrumentos de fi- em decorrência das decisões de política
nanciamento existentes ou a serem criados. econômica nacional que em conseqüência
Mas – voltamos a enfatizar –, ao con- das injunções globais, uma vez que, amiúde,
trário do que muitos insistem em fazer crer, seus efeitos são corroborados e poten-
a renovada importância das cidades (e, em cializados por aquelas. Essa é a razão pela
parte, das regiões) não fez desaparecer a qual a inversão de prioridades e a estru-
centralidade dos governos ou das fronteiras turação de um projeto nacional de desenvol-
nacionais na estruturação do sistema-mundo, vimento constituem condições inescapáveis
fortemente vincado por hegemonias estatais para a construção de uma nação próspera,
globalizadas – tendo à testa os EUA. aberta ao mundo e com justiça social.
Um país de proporções continentais
como o Brasil se ressente da ausência de
formulações integradas, que dêem conta da
dimensão espacial do desenvolvimento e a
vincule, organicamente, a seus recortes po-
líticos, econômicos e sociais, nas distintas 45
R ic ar
icar do C
ardo arlos Ga
Carlos Gass ppar
ar
escalas geográficas. Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e
Portanto, não somente o Brasil carece professor da FEA-PUC-SP. Autor do ensaio
de uma proposta de desenvolvimento eco- As fronteiras do possível: trabalho, lazer e
nômico com nítidos contornos espaciais, civilização , publicado pela Editora Ger-
capaz de fundamentar uma estratégia de minal, São Paulo (2003).
ordenamento territorial, fomentando arran- ricgaspar@gmail.com

Notas
(1) Uma releitura dos dados demográficos no Brasil relativiza o peso da urbanização e
advoga políticas específicas para a grande área rural do território nacional, confor-
me Veiga (2001). Independentemente da abrangência específica e das conseqüentes
ações públicas para o desenvolvimento das regiões rurais – de inegável atualidade –,
o fenômeno da urbanização é reconhecido e por nós interpretado como tendência
geral e universal.

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Recebido em out/2005
Aprovado em nov/2005

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