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Revista EDUC-Faculdade de Duque de Caxias/Vol.

2-Nº2/Jul-Dez 2015

A NECROFILIA DA DEFESA DA PENA DE MORTE

Renato Nunes Bittencourt


Doutor em Filosofia pelo PPGF-UFRJ/Professor da FACC-UFRJ
E-mail: renatonunesbittencourt@gmail.com

Resumo: O artigo apresenta argumentos críticos contra qualquer tipo de projeto jurídico ou
demagógico que chancele a aplicação da pena de morte, não importa sob qual motivação,
considerando-a ilegítima axiologicamente e moralmente.

Palavras-Chave: Pena de Morte. Violência. Punição. Fascismo.

Abstract: The article represents critical arguments against any kind of juridical or demagogic
project which seals the application of death penalty, it doesn’t matter under which motivation,
considering it axially and morally illegitimate

Keywords: Death Penalty. Violence. Punishment. Fascism.

INTRODUÇÃO
A defesa da legitimidade da pena de morte constantemente desponta na agenda social
da massa populacional, acuada pela percepção sensacional da violência endêmica que
perpassa a estrutura política da ordem pública atual do Estado Plutocrático, incapaz de
resolver seus crônicos problemas de exclusão social. A reflexão filosófica não pode descurar
da urgente tarefa de analisar essa ideia insana que permanece em estado latente nas
consciências de inúmeras pessoas, pacíficas até segunda ordem. Ao desmistificar algumas das
contradições axiológicas contido no projeto de aplicação da pena de morte, o ofício filosófico,
comprometido com a justiça social e com a dignidade da vida humana para além das alienadas
e reificadas demandas mercadológicas da sociedade capitalista, positivamente é capaz de
contribuir para a análise crítica dessa demanda. Para a realização de tal empreendimento
crítico, pautado na reflexão ética sobre a dignidade da vida humana para além do senso
vingativo presente no projeto de aplicação da abjeta pena de morte, as citações e as
referências bibliográficas não são metodologicamente necessárias, pois a consciência
emancipada de toda disposição necrófila é intrinsecamente soberana para denunciar o projeto
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homicida latente no reacionarismo público e na truculência parlamentar que faz do patíbulo


sua ágora política de virulência fascista.

O CARÁTER NECRÓFILO DA PENA DE MORTE


Um dos temas mais recorrentes em nossa agenda social consiste nos projetos de
aplicação da pena de morte para a punição de crimes hediondos. Seus defensores, inflamados
pela agitação nervosa do momento, suspendem momentaneamente a razão crítica em prol do
afloramento das disposições mais rudimentares de sua consciência atormentada, não
compreendendo que, se porventura a pena capital fosse efetivada em nosso país, apenas os
pobres, sujeitos excluídos da proteção cidadã, sofreriam na carne a punição extrema. Ora,
alguém acredita que um político corrupto ou um empresário salafrário sofreriam tal
condenação?

Os crimes praticados pelos plutocratas são muito mais deletérios para a ordem pública
do que os delitos violentos perpetrados pelos sujeitos que defendem seus próprios interesses
egoístas. Afinal, ao realizarem falcatruas que desfalcam o erário público, os plutocratas
impedem que verbas estatais sejam aplicadas na tentativa de saneamento dos problemas
sociais, fazendo assim com que inúmeros cidadãos caiam nas raias da miserabilidade. Nessas
condições, muitos desses sujeitos reduzidos ao estado de escória social reificada não
encontram alternativa, no seu desespero existencial, a lutarem pela sobrevivência senão
mediante inserção no crime, aumentando ainda mais sua marginalidade social. A mentalidade
obtusa da opinião pública reacionária não consegue perceber que grande parte da
criminalidade social decorre da má gestão da coisa pública pelos poderes estabelecidos, que
não governam em nome do bem comum, mas da satisfação dos interesses escusos de
empresas, corporações e grupos mafiosos.

A pena de morte nada mais é do que o assassinato legalizado pelo Estado, cumprindo
não apenas o propósito de punir exemplarmente o criminoso para que outrem não venha a
cometer ações similares, mantendo-se assim o tecido social sob um rígido controle moral, mas
também atuando como uma vingança judiciária do poder estabelecido contra a pessoa
delituosa. Ora, um Estado forte não necessita excluir a existência de um ser humano em
desajuste com as leis, mas pode convenientemente lutar por sua reabilitação moral, tornando-a
uma pessoa melhor e também consciente de seu papel criativo na transformação social.

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A despeito do arrogante sentimento de onipotência de muitos magistrados, o poder


judiciário, plutocrático e burocrático, não raro é falho, não apenas por questões morais, como
também por fatores epistemológicos, em decorrência da incerteza latente e dos erros que
acometem continuamente os juízos humanos, obscurecendo as suas decisões. Em caso de
dúvida é sempre mais sensato se manter uma posição moderada acerca dos julgamentos,
evitando-se assim prejuízos irremediáveis para terceiros.

Quantos homicídios travestidos como execuções legais praticadas pelo Estado detentor
do monopólio legítimo da violência (e da morte) não ocorreram contra pessoas inocentes, sem
que houvesse em tempo hábil revisão de pena, de modo a se evitar a efetivação dessa barbárie
legalizada contra a vida do condenado? A prepotência jurídica é tamanha que mesmo em
inúmeros casos nos quais se reconhecia a inocência do réu se mantinha incólume o
ordenamento de condenação capital, como forma de representar a solidez e a precisão dos
juízos judiciários, tal como ações divinas no plano concreto.

A opinião pública brasileira reacionária tripudiou o fato de a Presidenta Dilma


Rousseff solicitar comutação de pena ao presidente indonésio Joko Widodo em prol de Marco
Acher e Rodrigo Gularte, condenados a pena capital por narcotráfico, evidenciando mais uma
vez sua tacanha falta de conhecimento jurídico acerca do Direito Internacional, mais
precisamente, do conteúdo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela
XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, ratificado
inclusive pelo governo indonésio de então. PARTE III, ARTIGO 6, parágrafo 2: Nos países
em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta apenas nos casos de
crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na época em que o crime foi
cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto, nem com a
Convenção sobra a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa
pena apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal
competente. PARTE III, ARTIGO 6, parágrafo 4: Qualquer condenado à morte terá o direito
de pedir indulto ou comutação da pena. A anistia, o indulto ou a comutação da pena poderá
ser concedido em todos os casos. Em nome de sua pretensa soberania constitucional, o
governo indonésio cometeu crimes contra a humanidade, devendo, portanto, ser
responsabilizado juridicamente por isso. A presidenta Dilma Rousseff, nas prerrogativas
legais de seu cargo, fez o seu papel diplomático de interceder pela conservação da vida de

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cidadãos brasileiros submetidos a um processo jurídico prenhe de violações jurídicas, tal


como diversos outros governantes o fizeram em relação a seus cidadãos que sofriam de
mesma sorte.

Na pior das hipóteses, somente uma nação que possuísse uma constituição impecável,
e cuja casta política apresentasse plena probidade administrativa na gestão pública, poderia
talvez conquistar legitimidade moral se porventura aplicasse a pena capital aos seus
condenados. Um país que calcou sua história moderna através de corruptos governos tirânicos
e que exerceu políticas imperialistas sobre seus vizinhos geográficos não possui qualquer
legitimidade moral para aplicar a pena capital sob quaisquer circunstâncias. Entre 1975 a
1999, durante o controverso regime de Suharto, a Indonésia espoliou o Timor-Leste,
massacrando milhares de cidadãos em um regime de terror, destruição da qual até hoje essa
nação não se recuperou, sem receber qualquer indenização. Quando ocorreu o tsunami de
2004 que arrasou o território indonésio, seus governantes não hesitaram em solicitar e aceitar
ajuda humanitária internacional. As leis trabalhistas indonésias se submetem piamente ao
crivo neoliberal e permitem que seus trabalhadores sejam explorados até a última gota de
sangue por multinacionais consagradas pelo mercado consumidor. No modus operandi
jurídico indonésio, estupros são crimes que recebem mais condescendência legal do que o
narcotráfico, circunstância que evidencia os preconceitos patriarcalistas do país e suas
incoerências jurídicas que atentam contra a dignidade humana e contra a consciência
intelectual esclarecida.

A aplicação da pena de morte suprime toda possibilidade de aprimoramento moral do


condenado mediante arrependimento dos seus delitos, interrompendo esse processo de
transformação interior. Nos países democráticos em que ainda se aplica a pena capital, o
prisioneiro pode esperar por décadas para a efetivação da execução, que perde assim todo
sentido, pois após tantos anos, o efeito do crime, mesmo que talvez ainda ocasione problemas
para o tecido social atingido, já perdeu a sua intensidade moral. Se porventura o condenado
vivencia um processo positivo de transformação interior, não faz mais qualquer sentido
executá-lo, mesmo que não seja papel do Estado moralizar o cidadão, mas apenas impedi-lo
de atentar materialmente contra a ordem pública. Nessa lógica, a execução sumária de um
condenado é mais coerente, pois o poder executor não visa qualquer reparação moral da
pessoa, apenas lhe exercer o peso da justiça-vingança oficial do sistema jurídico em nome da

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manutenção do controle social e talvez da diminuição do índice de natalidade e do


investimento na manutenção física da massa carcerária. Em casos que a gravidade do crime
seja tão intensa e chocante, a prisão perpétua seria a melhor alternativa para manter o
condenado isolado do convívio social, independentemente da existência de qualquer processo
de aprimoramento moral do criminoso, e se porventura houvesse efetiva mudança de
comportamento do criminoso, o mesmo, após um período extenso de confinamento
penitenciário, poderia vir a ser libertado e reintegrado ao seio social.

Um Estado realmente forte não necessita apelar para a pena de morte em determinados
crimes, e se porventura recorre a tal expediente é porque ele não encontra capacidade
suficiente de assistência social racionalizada para estabelecer os preceitos civilizacionais em
sua jurisdição territorial protegendo seus cidadãos das intempéries da vida, evidenciando
assim sua decadência política, pois seu poder se consolida mediante os corpos profanados dos
mortos assassinados por suas mãos frias. Sociedades que eliminam as ações corruptas nos
quadros públicos apresentam taxas mais baixas de criminalidade, pois investimentos
fundamentais para a formação plena do cidadão não são desviados para satisfazer a sanha
privada dos plutocratas. Há ainda casos controversos de que alguns países que apresentam
elevado índice de execuções anuais fazem tráfico internacional de órgãos, um negócio
altamente lucrativo para esses governos corruptos, movimentando uma sórdida rede
empresarial que prospera mediante a anulação existência de uma massa de miseráveis que não
devem mais viver em prol da salvação das vidas de uma elite capaz de pagar altas taxas pela
aquisição de um coração, de um fígado, de um rim.

A aplicação da pena de morte, quando pune o homicídio, comete o erro de tentar


estabelecer justiça mediante o grave crime cometido pelo acusado, como se a execução dessa
pessoal anulasse o seu erro original. Em um sistema jurídico regido pelo espírito burocrático,
esperarmos pelo perdão é uma disposição talvez utópica, mas a clemência é a maior prova de
poder de um Estado, representando a sua capacidade de, mesmo nas ocasiões em que suas
instituições são atingidas pela ação da violência individual, permanecer incólume. Um Estado
que ousa portar em suas insígnias e constituições conceitos morais da religiosidade cristã
jamais pode coadunar com a execução capital, e se porventura assim o faz melhor seria que
fosse pulverizado. Comumente cristãos afastados do espírito evangélico primordial, quando
impressionados pelo impacto social de um crime hediondo, clamam pela pena de morte contra

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o agente da violência, dando vazão aos pecaminosos sentimentos de ira e de vingança,


totalmente incompatíveis com a beatitude crística; mais ainda, ousam julgar, quando em
verdade jamais deveriam julgar. Melhor seria se renunciassem efetivamente ao credo cristão,
pois moralmente já não fazem mais parte dessa comunhão religiosa.

A estupidez reacionária que clama pela aplicação da pena de morte em nome da


justiça, da ordem e da pureza social estabelece distinções de classe em suas aspirações,
criminalizando a pobreza como o vilipêndio jurídico por excelência, ainda que muitos sujeitos
defensores da pena de morte sejam eles mesmos economicamente desfavorecidos. Não vejo
essa gente clamar pela execução de políticos e mandatários corruptos, mas pela prisão destes,
ou seja, quando o crime é cometido pelos cidadãos de alto escalão, o sentimento de revolta se
afrouxa, bastando então que essas pessoas especiais sejam privadas de sua liberdade, não de
suas vidas. Esses discursos extremistas que apregoam a pena de morte para criminosos
comuns, que repetem palavras de ordem tais como “bandido bom é bandido morto” e que “os
direitos humanos são para os humanos direitos” são não apenas intelectualmente levianos
como socialmente perigosos, pois alimentam a sanha truculenta e fascista dos parlamentares
associados aos grupos sociais que chancelam a violência oficializada do Estado, como
policiais e forças armadas. Quem pode de fato afirmar que é um “humano direito”, isto é, uma
pessoa absolutamente proba, desprovida de qualquer maldade em seu âmago? Aliás, já não
deixa de existir uma espécie de pena de morte no Brasil, que atende pelo nome de auto de
resistência perpetrada pelas forças policiais contra os suspeitos que não possuem mais direito
de viver, onde o executor atua também como juiz, situação ainda mais absurda do que a
execução sumária praticada em alguns países, conforme destacamos anteriormente.

Por coerência axiológica, a massa reacionária deveria clamar acima de tudo pela
eliminação física dos plutocratas corruptos, pois é essa corja que atenta de maneira mais
terrível contra a ordem pública. Contudo, a melhor maneira de se resolver as injustiças sociais
é exigir dos mandatários governamentais e das elites plutocráticas, que violam o patrimônio
estatal, que trabalhem compulsoriamente para que saldem suas dívidas para com a coisa
pública. Além disso, caberia a desapropriação absoluta das suas posses e quantias financeiras
depositadas em bancos para que assim se tornasse razoavelmente possível sanar os prejuízos
materiais ocasionados por essa rapinagem elitista.

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Em minhas atividades docentes pregressas em instituições de fomento privado, não


raro ouvi estudantes de Direito e de Serviço Social, cursos cujas bases axiológicas estão
comprometidas com a dignidade incondicional da vida humana e da afirmação dos seus
direitos inalienáveis, defenderem, em casos de crimes violentos de grande comoção social, a
aplicação da pena de morte para os seus praticantes, mas jamais vi revoltas virulentas desses
estudantes alienados contra a corrupção na política, contra as arbitrariedades policiais, contra
as especulações bancárias, dentre outras situações, crimes tão hediondos como os
sanguinários. Em muitos oprimidos existe o sonho de se tornarem similares aos opressores,
circunstância que inclusive gera uma identificação patológica entre os marginalizados sociais
para com os plutocratas. A consciência oprimida reproduz piamente a ideologia das classes
dominantes, imputando-a como a verdadeira, a correta, a justa.

Há crimes terríveis que afetam particulares e talvez dezenas de vítimas, há crimes


ainda muito mais graves que afetam milhões de cidadãos, e nesses casos os meliantes sequer
sofrem os rigores legais na carne. A consciência massificada, reacionária, dejeta sua
virulência apenas nos crimes hediondos realizados pela base da pirâmide social, se
esquecendo de que os piores crimes são os praticados pelos meliantes de colarinho branco,
pois estes afetam diretamente todo o tecido social. Para que ocorra uma mudança radical na
ordem social, de modo a se promover o beneficiamento coletivo isonômico, é imprescindível
que se desenvolva a paulatina reeducação cultural das massas, estimulando-as a desenvolver a
compreensão dialética das relações de forças sociais e suas inerentes contradições, para além
da concepção unidimensional da mentalidade reativa vigente, congênita ao autoritarismo
fascista subjacente nas organizações políticas e nas corporações plutocráticas. Somente ao
compreender as bases imanentes da criminalidade marginal, os cidadãos poderão lutar pela
humanização do sistema jurídico, comprometido com a justiça social imanente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em tempos de insurgência do espírito fascista, é crucial que a consciência crítica
permaneça alerta para destruir essa força nefasta que ameaça as frágeis bases de nosso
combalido tecido social. O discurso necrófilo que assombra a dignidade humana e que exige o
derramamento de sangue para saciar sua sanha ressentida contra a vida apresenta
cotidianamente sua horrenda virulência, cada vez mais onipresente, e nesses quadros

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encontramos a figura dos hipócritas “homens de bem”, que nada fazem de efetivo para a
transformação radical das bases sociais em prol de uma vida comum mais justa, mais
solidária, mais feliz. Em nome da laicidade do Estado e de sua independência jurídica perante
a moral do ressentimento, cabe aos sujeitos imbuídos do senso revolucionário de luta pela
supressão da ordem plutocrática vigente em prol da instauração de uma organização
rigorosamente democrática a tomada constante de posição contra os discursos obscurantistas
dos assassinos travestidos de defensores da dita moral e dos bons costumes.

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