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Psique - Voltando à questão forense, o que ocorre com um réu quando ele é considerado incapaz? Palomba - A
inimputabilidade implica que o delito que praticou não lhe é qualificado penalmente. Mas por ele apresentar periculosidade
social, não pode ir para a rua também. Não vai para a cadeia porque é absolvido do crime que praticou – pois só o cometeu
por ser doente mental, e se não fosse doente mental não o praticaria –, portanto, ele não é um criminoso, é um doente que
cometeu crime. Então, ele vai para uma casa de custódia e tratamento, que antigamente se chamava manicômio judicial. E
fica lá para salvaguarda da coletividade. Outra diferença: se ele cometesse aquele delito e fosse um indivíduo normal, seria
apenado, por exemplo, com 10 anos. Após cumprir os 10 anos, vai para a rua. No entanto, como doente mental, ele pega
medida de segurança, que é consistente em internação porque tem periculosidade, mas quando termina aquele prazo
mínimo decretado para ele ficar longe da sociedade e em tratamento, é submetido a um exame de verificação de cessação
de periculosidade. E só vai para a rua se porventura cessar sua periculosidade. Se não, permanece pelo tempo que for
necessário.
“Hoje, basta ir fazendo “xizinho” e já sai do outro lado
a receita com moduladores do humor.
Não sei aonde a Psiquiatria vai parar”
Psique - Como é possível aferir isso, especialmente se essa pessoa passou muitos anos no ambiente “artificial”, ou
protegido, da casa de custódia?
Palomba - O exame de verificação de cessação de periculosidade é, eminentemente, técnico. Então, são pesquisados
determinados sinais e sintomas, determinadas características que são absolutamente tranqüilas de ser vistas em um exame
como esse. São 34 itens. Eu vou dar alguns exemplos. Primeiro, o perito vai ponderar a forma como o crime foi praticado.
Se foi um crime brutal ou leve, se houve multiplicidade de golpes. Enfim, vai ponderar esse delito. Mas nada é totalmente
determinante. É visto um conjunto de sinais e sintomas. Depois, considera-se a reincidência, quantos delitos cometeu, em
que idade praticou e se existe na própria família criminalidade pregressa, uma tara heredodegenerativa qualquer. Em
seguida, como ele está fisicamente, que tipo de doença teve, como evoluiu, se houve recidiva do quadro clínico. Também
se verifica se houve muitos surtos, o tipo de medicação que toma, e assim por diante. Levam-se em conta, ainda, o exame
psíquico, o grau de arrependimento, como entende tudo o que praticou, a sua capacidade de crítica. As circunstâncias
também são importantes. Então, é preciso saber que meio social irá recebê-lo. Às vezes ele está muito bem, mas o meio é
péssimo. Outras vezes, ele não está muito bem, mas o meio é ótimo. Isso facilita a alta. Hoje existe uma instituição
chamada hospital- dia, onde a pessoa passa o dia trabalhando, fazendo laborterapia, por exemplo, e dorme em casa à
noite. É um recurso para a desinternação progressiva e o indivíduo não passa direto do sistema fechado para o aberto. A
desinternação progressiva é muito boa para a reinserção social daquele indivíduo na coletividade.
Psique - A crueldade de certos crimes, como ocorreu
com o menino João Hélio, no Rio, tem chocado a
sociedade e aumentado a sensação de insegurança.
Os praticantes desses crimes podem ser realmente
pessoas desequilibradas?
Palomba - É um fenômeno que ocorre de fato. E que
pode ser entendido como a grande banalização da
violência. Se nos anos 1980 ou 1990 houvesse um delito
desses que hoje são freqüentes, creio que causariam
mais comoção. Chocariam mais. Hoje, um pai mata um
filho jogando-o na parede e sai uma notinha pequena no
jornal. E são coisas extremamente graves, gravíssimas.
Existe uma banalização da violência, de tanto ser
veiculada pelos meios de comunicação – que cumprem o
seu papel. Existe também um aumento da velocidade de
veiculação das notícias via Internet, via celular, via
televisão, que pega tudo ao mesmo tempo e na hora. Está
acontecendo o crime e o repórter está lá. Se isso “Se nos anos 1980 ou 1990 houvesse um delito desses que hoje são
acontecer na China ou no Japão, também. Então, a freqüentes, creio que causariam mais comoção” diz Palomba
quantidade desse tipo de notícia é tanta que acaba quase
fazendo parte do dia-adia. Acho que isso acaba acostumando a psique. E acontece algo que se chama taquifilaxia – a
adaptação do organismo ao estímulo. Assim, para conseguir o mesmo resultado, o estímulo tem que ser maior; nós nos
acostumamos com a dose. E ela já não faz mais efeito. Mas não é só. O terceiro elemento, eu diria, é a banalização para
aqueles que estão na criminalidade. Antes, se pensava um pouquinho mais para tirar a vida. Hoje é tão simples pular por
cima de um cadáver que para o criminoso tanto faz. Outro componente é o consumo do crack, droga que deixa a pessoa
insensível. O crack insensibiliza, tira ressonância afetiva para com a sorte da vítima. E se custa dois reais uma pedra, então
a vida de uma pessoa vale dois reais.