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Guido Arturo Palomba

Os caminhos da Psiquiatria forense


Especialista conta os desafios dos profissionais que aliam a observação do comportamento humano à
aplicação das leis, e possíveis desdobramentos dos seus trabalhos

Psique - A “Década do Cérebro” – instituída assim pela


OMS, quando se enfatizou a importância das doenças
mentais no panorama mundial e se intensificaram os
estudos nessa área – tem alguma coisa a ver com isso?
Palomba - Não. É a classificação internacional das doenças,
que se tornou a bíblia dos psiquiatras e também de alguns
psicólogos. Foi a morte da Psicopatologia. Não existe mais
Psicopatologia. Hoje o diagnóstico é feito de modo
padronizado. Parece teste de marcar com “x”, como em revista
de adolescente. Marca-se “x” e vai pontuando. Um tanto disso
agora é aplicado à Psiquiatria. Isso não é mais Psiquiatria.
Esqueceram que a Psiquiatria é Psicopatologia, é fenômeno, é
uma arte. Não é possível reduzir a esse tipo de Psiquiatria que
hoje é ensinada, muito paparicada e que eu considero a
regressão da Psiquiatria. Um tsunami que matou a
Psicopatologia.

Psique - Há, então, certo exagero nisso?


Palomba - Muito médico com anel de grau, lustrado nos
Estados Unidos, endossa essa decadência doutrinária e
Para Palomba, a indústria farmacêutica estimula médicos a cultural que hoje toma conta da psiquiatria. Só para dar um
prescreverem indiscriminadamente os antidepressivos exemplo clássico: doença de Alzheimer. Até 1990 era um
diagnóstico raro, difícil de realizar. A doença foi descrita por
Alois Alzheimer em 1907, não foi agora. E a descreveu como uma doença pré-senil, jamais senil, rarissimamente senil. É
uma doença cujo quadro de degeneração mental acomete pessoas entre os 45 e 60 anos e que as faz parecerem pessoas
idosas. Agora, toda pessoa com distúrbio de memória que tenha mais de 70 já está com Alzheimer. Certamente esta
pessoa não está com a doença. Pode ter, talvez, uma aterosclerose cerebral, uma reação vivencial senil qualquer, ou
qualquer outro tipo de degeneração. Mas não Alzheimer. Outras duas doenças pré-senis não tiveram o mesmo “sucesso”,
por isso ninguém conhece, nem os médicos nem o povo: doença de Pick e doença de Creutzfeldt-Jakob. Eram as três
doenças pré-senis. No entanto Alzheimer foi alçada à condição de doença senil. Basta ter um distúrbio de memória e ter
idade. Os quadros clínicos de Alzheimer e de aterosclerose cerebral são semelhantes. Mas Alzheimer é degeneração
primária de neurônio. Já a aterosclerose cerebral é secundária, ocorre por falta de irrigação, falta “comida” no cérebro.
Então, as degenerações são diferentes. E conseqüentemente os tratamentos são diferentes. Mas para os laboratórios tudo
bem, o que interessa é vender.

Psique - Quer dizer que há uma dificuldade na formação profissional?


Palomba - Há. Hoje em dia o negócio está grave. Extremamente grave. E não sei aonde vai parar. A Psiquiatria brasileira
foi avançadíssima até 1990. Depois veio o domínio desses psiquiatras com “certo charme cibernético”. Basta ir fazendo
“xizinho” e já sai do outro lado a receita com moduladores do humor. E isso fica muito bonito perto do paciente. Mas eu
afirmo aqui: ele não sabe nada. Ele desaprendeu Psiquiatria e não sabe mais o que é Psicopatologia.

Psique - Voltando à questão forense, o que ocorre com um réu quando ele é considerado incapaz? Palomba - A
inimputabilidade implica que o delito que praticou não lhe é qualificado penalmente. Mas por ele apresentar periculosidade
social, não pode ir para a rua também. Não vai para a cadeia porque é absolvido do crime que praticou – pois só o cometeu
por ser doente mental, e se não fosse doente mental não o praticaria –, portanto, ele não é um criminoso, é um doente que
cometeu crime. Então, ele vai para uma casa de custódia e tratamento, que antigamente se chamava manicômio judicial. E
fica lá para salvaguarda da coletividade. Outra diferença: se ele cometesse aquele delito e fosse um indivíduo normal, seria
apenado, por exemplo, com 10 anos. Após cumprir os 10 anos, vai para a rua. No entanto, como doente mental, ele pega
medida de segurança, que é consistente em internação porque tem periculosidade, mas quando termina aquele prazo
mínimo decretado para ele ficar longe da sociedade e em tratamento, é submetido a um exame de verificação de cessação
de periculosidade. E só vai para a rua se porventura cessar sua periculosidade. Se não, permanece pelo tempo que for
necessário.
“Hoje, basta ir fazendo “xizinho” e já sai do outro lado
a receita com moduladores do humor.
Não sei aonde a Psiquiatria vai parar”

Psique - Como é possível aferir isso, especialmente se essa pessoa passou muitos anos no ambiente “artificial”, ou
protegido, da casa de custódia?
Palomba - O exame de verificação de cessação de periculosidade é, eminentemente, técnico. Então, são pesquisados
determinados sinais e sintomas, determinadas características que são absolutamente tranqüilas de ser vistas em um exame
como esse. São 34 itens. Eu vou dar alguns exemplos. Primeiro, o perito vai ponderar a forma como o crime foi praticado.
Se foi um crime brutal ou leve, se houve multiplicidade de golpes. Enfim, vai ponderar esse delito. Mas nada é totalmente
determinante. É visto um conjunto de sinais e sintomas. Depois, considera-se a reincidência, quantos delitos cometeu, em
que idade praticou e se existe na própria família criminalidade pregressa, uma tara heredodegenerativa qualquer. Em
seguida, como ele está fisicamente, que tipo de doença teve, como evoluiu, se houve recidiva do quadro clínico. Também
se verifica se houve muitos surtos, o tipo de medicação que toma, e assim por diante. Levam-se em conta, ainda, o exame
psíquico, o grau de arrependimento, como entende tudo o que praticou, a sua capacidade de crítica. As circunstâncias
também são importantes. Então, é preciso saber que meio social irá recebê-lo. Às vezes ele está muito bem, mas o meio é
péssimo. Outras vezes, ele não está muito bem, mas o meio é ótimo. Isso facilita a alta. Hoje existe uma instituição
chamada hospital- dia, onde a pessoa passa o dia trabalhando, fazendo laborterapia, por exemplo, e dorme em casa à
noite. É um recurso para a desinternação progressiva e o indivíduo não passa direto do sistema fechado para o aberto. A
desinternação progressiva é muito boa para a reinserção social daquele indivíduo na coletividade.
Psique - A crueldade de certos crimes, como ocorreu
com o menino João Hélio, no Rio, tem chocado a
sociedade e aumentado a sensação de insegurança.
Os praticantes desses crimes podem ser realmente
pessoas desequilibradas?
Palomba - É um fenômeno que ocorre de fato. E que
pode ser entendido como a grande banalização da
violência. Se nos anos 1980 ou 1990 houvesse um delito
desses que hoje são freqüentes, creio que causariam
mais comoção. Chocariam mais. Hoje, um pai mata um
filho jogando-o na parede e sai uma notinha pequena no
jornal. E são coisas extremamente graves, gravíssimas.
Existe uma banalização da violência, de tanto ser
veiculada pelos meios de comunicação – que cumprem o
seu papel. Existe também um aumento da velocidade de
veiculação das notícias via Internet, via celular, via
televisão, que pega tudo ao mesmo tempo e na hora. Está
acontecendo o crime e o repórter está lá. Se isso “Se nos anos 1980 ou 1990 houvesse um delito desses que hoje são
acontecer na China ou no Japão, também. Então, a freqüentes, creio que causariam mais comoção” diz Palomba
quantidade desse tipo de notícia é tanta que acaba quase
fazendo parte do dia-adia. Acho que isso acaba acostumando a psique. E acontece algo que se chama taquifilaxia – a
adaptação do organismo ao estímulo. Assim, para conseguir o mesmo resultado, o estímulo tem que ser maior; nós nos
acostumamos com a dose. E ela já não faz mais efeito. Mas não é só. O terceiro elemento, eu diria, é a banalização para
aqueles que estão na criminalidade. Antes, se pensava um pouquinho mais para tirar a vida. Hoje é tão simples pular por
cima de um cadáver que para o criminoso tanto faz. Outro componente é o consumo do crack, droga que deixa a pessoa
insensível. O crack insensibiliza, tira ressonância afetiva para com a sorte da vítima. E se custa dois reais uma pedra, então
a vida de uma pessoa vale dois reais.

Psique - Há pouco tempo, depois de se noticiar a


morte de uma jovem em Curitiba que, depois de ser
seqüestrada, foi estuprada, morta e teve o corpo
queimado no próprio carro, aventou-se a
possibilidade de os jovens autores do bárbaro
crime terem usado drogas antes de praticá-lo.
Palomba - É um fenômeno que ocorre de fato. E uma
discussão séria, que eu acho que precisa ser feita, é
acerca dos limites da menoridade. Esse rapaz de
Curitiba praticou o crime num dia e quatro dias depois
se tornou maior de idade. Agora, com todo o respeito e
com toda a modéstia, nós temos a fórmula para resolver
tecnicamente esse problema da menoridade. E uma
hora vamos ter que debater. A fórmula é simples como
um ovo de Colombo. Esqueceram da semi-
imputabilidade. Hoje, com 17 anos e 364 dias, se
cometer crime, há inimputabilidade. Esse mesmo
elemento, se cometesse o crime com 18 anos, ou seja,
no dia seguinte, arcaria com a imputabilidade. Na primeira situação, com diferença de um dia, a conseqüência seria a
medida socioeducativa e a liberdade fácil – e ausência de qualquer tipo de marca criminal. Um dia depois, ele pode pegar
até 30 anos. Isso não pode. Esse maniqueísmo é absurdo. E tanto faz se o limite da menoridade cair para 14 ou 15 anos. O
maniqueísmo vai continuar existindo. Há um lema que diz: a natureza não dá pulos. O desenvolvimento mental da criança
vai se completando aos poucos. Qual é nossa idéia? Até os 12 anos, inimputabilidade. Dos 13 aos 18 a semi-
imputabilidade, e dos 18 em diante a imputabilidade. Significa, na prática, que até os 12 anos não se discute a
inimputabilidade. Dos 13 aos 18, o passo da lei definiria, com mudanças em poucos artigos da lei, que, ao cometer um
crime, iria a júri. Se fosse apenado, digamos, com 30 anos, o juiz converteria a pena corporal em medida de segurança, ou
medida socioeducativa, por um prazo máximo de 3 anos. E isso já existe no código. Porém, terminados esses três anos,
não iria para a rua. Submeterse- ia a uma verificação de cessação de periculosidade. E se, porventura, ele apresentar
periculosidade, e já tiver completado os 18 anos, vai para a cadeia cumprir a pena que lhe foi culminada à época que ele
cometeu o delito, diminuída de um a dois terços, porque na época era menor.

Rose Campos é jornalista e escreve sobre Psicologia.

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