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Da gênese à crise do Estado de Bem-Estar

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Da gênese à crise do Estado de bem-estar


Ivanaldo Santos – UERN

RESUMO moralizado – e neoliberalismo de outro, o moderno


Levantamento histórico da evolução do Welfare State
sistema econômico que conduzirá a humanidade a
e da sua posterior crise financeira e de legitimidade. viver um paraíso na terra.
Evidencia-se que a partir da compreensão dos funda- Se o Estado de bem-estar é uma deformação na
mentos do Estado de bem-estar, como sendo uma so- política socioeconômica, por que então ele foi implan-
lução para a crise que o capital vivia na década de 1920 tado? Se o livre mercado é a única forma de garantir a
e o avanço das forças trabalhistas e socialistas, é perfei- estabilidade social, por que então a sociedade adotou
tamente possível entender a própria crise, vista, não so- o caminho do intervencionismo estatal? Para respon-
mente, como uma crise econômica do capitalismo, mas
der estas perguntas que povoam o imaginário aca-
principalmente como uma crise que atravessa essa forma
de Estado, pondo em xeque a sua forma de bem-estar e dêmico é necessário se realizar uma rigorosa análise
as alianças realizadas entre capital-trabalho. das origens, do desenvolvimento e da própria crise do
Welfare State (Estado do bem-estar).
Palavras-chave: Estado. Bem-Estar. Crise. O Welfare State é investidor econômico, em
parte regulador da economia e dos conflitos so-
ABSTRACT ciais, mas também “Estado benfeitor que procura
conciliar crescimento econômico com legitimidade
Short story of Welfare State evolution and its posterior
financial and legitimacy crisis. It shows that it totaly da ordem social” (LAURELL, 1997, p. 76). Ele per-
possible to realise its own crisis by the comprehension mitiu altas taxas de crescimento econômico, ordem
of Welfare State fundamentals. As beins the solution for social e uma alternativa aos triunfos do Socialismo
the crisis of capital during the 20`s and the advancement no leste europeu na primeira metade do século XX,
of employment and Socialist powers. That crisis wasn`t porém a crise finalmente chegou, “e o Estado so-
considered anly the economical cirsis of Capitalism but cial decompôs-se desde os anos 1970, tendendo a
the one which goes by that form os State, putting in ser subvertido pelo neoliberalismo, numa transição
cheque its way of welfare and the alliances between
que ainda não acabou” (LAURELL, 1997, p. 76). A
capital-work.
partir da compreensão dos fundamentos do Welfare
Key words: State. Welfare. Crisis. State – como sendo uma solução para a crise que o
capital vivia na década de 1920 e o avanço das forças
Vivemos um momento da história interessante. trabalhistas e populares – é perfeitamente possível
De um lado, o abandono das políticas keynesianas de entender a própria crise, vista, não somente, como
intervenção do Estado que são encaradas como “um uma crise econômica do Capitalismo, mas principal-
cachorro morto” (ANDERSON, 1995b, p. 149). De mente como uma crise que atravessa essa forma de
outro, o aparente triunfo das políticas neoliberais, as Estado, pondo em xeque a sua forma de bem-estar e
quais vêem o Estado de bem-estar como “uma força as alianças feitas entre capital-trabalho.
negativa” (LAURELL, 1997, p. 161). Keynesianis- A história do Estado de bem-estar é situada no
mo de um lado – visto como algo atrasado e des- pós-segunda guerra, embora algumas experiências

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estatistas sejam encontradas num período anterior. recer uma alternativa a todas as limitações e defici-
Podemos citar como antecedentes concretos das po- ências apontadas [...], parece representar um avanço
líticas de bem-estar o New Deal (Novo Acordo), na para as experiências de construção de tipologias do
Alemanha de Bismark, na lei dos pobres na Ingla- Welfare State”.
terra do século XVIII, na planificação da, extinta, Esping-Andersen não realiza um trabalho per-
União Soviética e nas demais experiências totalitá- feito que respondeu todas as questões sobre este
rias da primeira metade do século XX. problema, mas ao mostrar que o Estado de bem-es-
A bem da verdade, os fatores que originaram tar, durante o seu desenvolvimento, agrupou-se em
o Welfare State são variados e demais conturbados. três modelos diferentes, abriu espaço para a realiza-
Esses fatores são analisados por correntes de pen- ção de pesquisas específicas sobre cada modelo com
samento diferentes, sendo elas: a Teoria da Cida- seus referidos problemas e conquistas. Vale salientar,
dania, a Teoria da Convergência, o Funcionalismo, que o próprio Esping-Andersen (1991, p. 110), afir-
o Marxismo e a perspectiva do serviço social. Não ma: “que não existe um único caso puro”, ou seja,
optamos por uma corrente específica, por exemplo, sua análise é um tipo ideal que tem como finalidade
a Teoria da Cidadania ou o pensamento marxista. captar a realidade.
Pois, compreendemos que todas estas correntes pos- Qual é a tipologia de Esping-Andersen? Ele di-
suem argumentos que descrevem, com relativa se- vide o Welfare State em três modelos.
gurança, a gênese e o desenvolvimento do Estado 1) Modelo Liberal. Nesse regime, predominam
de bem-estar. Entretanto, adota-se uma perspectiva os benefícios proporcionais mediante comprovação
heurística frente a todas essas correntes, isto é, re- de carência, sendo as transferências universais mo-
alizamos um apanhado dos argumentos centrais de destas. Dessa forma, os benefícios, com raras exce-
cada teoria para possibilitar uma compreensão do ções, têm seu foco, sua destinação a uma clientela de
problema. baixa renda, formada, basicamente, por indivíduos
O motivo para se adotar tal postura é que da classe operária. O bem-estar público é mantido
qualquer teoria isolada não explica a totalidade dos em um nível mínimo, a fim de não se constituir em
problemas que envolvem o Welfare State. Tomemos, desestímulo à participação do cidadão no Mercado
como exemplo, o pensamento funcionalista que de Trabalho.
centra sua argumentação na constituição e desen-
volvimento da sociedade industrial, porém não faz Seus benefícios são freqüentemente estigmati-
qualquer menção ao pacto capital-trabalho realiza- zados, pois o Estado incentiva o Mercado a provir
do no pós-segunda guerra ou da necessidade que o e gerir o bem-estar, seja pelo fato de o Estado ga-
Estado possuía e possui de impedir rebeliões e insur- rantir, simplesmente, uma exígua provisão pública
reições por parte da população. direta ou pelo Mercado subsidiar mecanismos e po-
Para compreendermos o desenvolvimento do líticas privadas de bem-estar e de proteção social.
Estado de bem-estar utilizaremos a tipologia estabe- Assim, o grau de desmercadorização dos indivíduos
lecida por Esping-Andersen. Como afirma Aurélio resultante dessas políticas é muito baixo. Os direi-
(1998, p. 56) : “É certo que a tricotomia formulada tos sociais são limitados e o tipo de estratificação
por Esping-Andersen, embora não seja capaz de ofe- estabelecida é “um misto de uma relativa igualdade

 Esping-Andersen (1991, p. 102) conceitua “desmercadorização”,


 A expressão New Deal ficou consagrada na década de 1930 para como: “A introdução dos direitos sociais modernos, por sua vez,
designar um conjunto de reformas econômicas nos EUA sob a implica um afrouxamento do status de pura mercadoria. A
presidência de Franklin Roosevelt. Desmercadorização ocorre quando a prestação de um serviço é
 Este tipo de posição é adotado por outros analistas do Estado de vista como uma questão de direito ou quando uma pessoa pode
bem-estar. Cf. Silva (1999). manter-se sem depender do Mercado”.

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na pobreza entre os benefícios do sistema, proteção 3) Modelo Social-democrata. É o modelo que


diferenciada pelo mercado para as maiorias e um abarca o menor número de países. Caracteriza-se
dualismo político de classe entre os dois” (ESPING- pela predominância de princípios universais na pro-
ANDERSEN, 1991, p. 108). Os países que se agru- visão pública e pela extensão da desmercadorização
pam para formar essa modalidade de regime e que proporcionada pelos direitos sociais às novas clas-
podem ser considerados como seus arquétipos, são: ses médias. Este modelo é denominado a partir do
os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália. reconhecimento do papel crucial da social-demo-
2) Modelo Conservador ou Corporativista. cracia nas reformas sociais desses países. Evitando
Neste modelo, o Mercado não é visto como único o dualismo entre Mercado e Estado, e entre clas-
responsável pela provisão do bem-estar, e os direitos se operária e classe média, o Welfare State social-de-
sociais nunca foram contestados de maneira sistemá- mocrata teria promovido “uma igualdade nos mais
tica. Não existindo um radical propósito de estabe- elevados padrões, não uma igualdade nos padrões
lecimento do Mercado plenamente livre e por uma mínimos, como se procurou fazer em outros luga-
mercantilização quase obrigatória do indivíduo, tí- res” (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 109). Com
pica do modelo liberal. A herança corporativista e isso, tornou disponíveis serviços de alta qualidade
estatista que prevalece nos países que se agruparam e benefícios generosos, garantiu-se aos trabalhado-
para formar esse modelo fez da preservação das di- res a participação integral na qualidade dos direitos
ferenças de status uma questão central. A concessão desfrutados pelos grupos sociais de melhor situação
de direitos manteve, portanto um ethos de classe e e privilégio. A lógica do universalismo social-demo-
de status social. Como o Estado, ao incorporar as es- crata é sintetizada na seguinte frase: “todos se bene-
truturas corporativas, estava preparado para deslo- ficiam, todos são dependentes e todos supostamente
car o Mercado da posição de provedor do bem-estar, se sentirão no dever de contribuir [pagar imposto]”
a seguridade privada e os benefícios indiretos não (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 110).
se desenvolveram muito nesse modelo. Porém, não A predominância da provisão pública de bem-
existe o suposto de que a provisão pública do bem- estar dá-se, no Modelo Social-democrata, não só em
estar deva ser extensiva, de modo que a interven- detrimento do livre jogo das forças do Mercado, mas
ção estatal acentue a manutenção de diferenças de também em detrimento da família tradicional. Os
status e a família tenha um papel essencial. Logo, custos de manutenção de uma família e da criação
o impacto redistributivo da renda, desse modelo, é dos filhos também devem ser partilhados. O obje-
bastante pequeno. tivo é fomentar a capacidade de independência dos
Historicamente, os países que se agruparam indivíduos e não maximizar a dependência em re-
para formar o Modelo Conservador tiveram forte lação ao Mercado ou à família. A fim de minimizar
influência da Igreja Católica, mantendo o seu com- a dependência do Mercado e da família, o Estado
promisso de preservação dos valores tradicionais da de bem-estar Social-democrata compromete-se com
família. Tal fato implicou a exclusão das mulheres uma pesada carga de serviços sociais e tributárias.
casadas que não tinham emprego remunerado, do É justamente essa pesada carga tributária que os
acesso ao sistema público de bem-estar social. Desse críticos do Welfare State vão atacar de maneira mais
modo, não cabe esperar que serviços de assistência efusiva. Este modelo se estabeleceu nos países escan-
infantil, como creches, tenham prioridade na agen- dinavos (Suécia, Noruega, Dinamarca etc).
da política. São sobretudo países da Europa Central, Apesar da existência desses três modelos o Wel-
como Alemanha, França, Itália e Áustria, que for- fare State possui características semelhantes como,
mam esse modelo. por exemplo, o Estado adentrando na própria re-
lação salarial – fato altamente criticado pelo pensa-

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mento neoliberal – e na sociedade efetuando uma nados grupos de indivíduos, como do proletariado.
reconstrução da vida cotidiana e das dependências O Estado teria respondido, nem sempre com a ra-
entre as classes e o próprio Estado, assim como a pidez necessária, à emergência dessas novas deman-
dependência interclasse. das. Não obstante, as origens dos programas sociais
Fica, contudo uma pergunta no ar. Quais são – saúde, educação, habitação, etc – deve ser visto a
os fatores que levaram ao desenvolvimento do Wel- partir da complexidade da divisão social do trabalho,
fare State? fruto do processo de industrialização que se iniciou
É perfeitamente possível agrupar os fatores que na Inglaterra no século XVIII. Como o processo de
levaram ao desenvolvimento das políticas estatais industrialização acarretou a especialização dos tra-
de bem-estar em dois blocos de argumentos. 1) os balhadores, os indivíduos foram se tornando, cada
argumentos referentes à constituição do Estado de vez mais, dependentes da sociedade. Nesse sentido,
bem-estar e, 2) Os argumentos que tratam da difu- os serviços sociais seriam a resposta às necessidades
são internacional do Welfare State. individuais ou coletivas, garantindo a sobrevivência
tanto da sociedade como do Capitalismo.
ARGUMENTOS REFERENTES À CONSTITUI- O terceiro argumento é que a provisão públi-
ÇÃO DO ESTADO DE BEM-ESTAR ca de bem-estar teria sua origem na necessidade de
Serão desenvolvimento onze argumentos para dissolver o conflito de classes inerente a mercantili-
explicar a constituição do Estado de bem-estar so- zação do trabalho. O conflito de classes nas socie-
cial. dades industriais, da maneira como foi apreendido
O primeiro argumento é a própria dinâmica por Marx, em O Capital (1996), teria sido substituí-
da Modernidade que levou as instituições tradicio- do por um tipo de conflito de classes que progressi-
nais como a família e a Igreja a perderem a capaci- vamente se institucionalizou, tendo se concentrado
dade de suprir as necessidades dos indivíduos mais nas questões distributivas mais do que naquelas re-
vulneráveis. Com isto, o Estado foi convocado a as- lativas à produção.
sumir a função de garantir determinados padrões O quarto argumento coloca como ponto cen-
mínimos de vida à população. Sobre esta questão tral a natureza competitiva da dinâmica político-
Rosanvallon (1981, p. 22), afirma: “O Estado-pro- partidária das democracias de massa, pois produziu
vidência exprime a idéia de substituir a incerteza da importantes transformações no universo político.
providência religiosa pela certeza da providência es- Esse processo alterou o radicalismo político. Essa al-
tatal”. teração se deu, por um lado, devido à competição
O segundo argumento é a lógica da industria- partidária que exige o fortalecimento da burocracia
lização. Argumenta-se que todas as nações indus- dos partidos e a maximização do apoio eleitoral, es-
trializadas – independente de suas especificidades sencial na busca de uma maioria parlamentar. Por
históricas, políticas e culturais – teriam convergi- outro lado, a ampliação do eleitorado dos partidos
do para determinados aspectos básicos, seguindo os de esquerda – e na Escandinávia da social-demo-
passos do processo evolutivo guiado pelo impacto cracia – tendo como conseqüência o aumento da
do desenvolvimento econômico e tecnológico so- representatividade do operariado, gerou maior he-
bre a estrutura do emprego de uma forma geral. O terogeneidade dos grupos de apoio às políticas de
processo de industrialização teria criado novas de- bem-estar e diminuiu, e em alguns momentos até
mandas de gasto público, uma vez que a família e quebrou, o forte corporativismo dos partidos bur-
as outras instituições tradicionais não podiam mais gueses. O fato de o operariado ter conseguido uma
exercer suas funções de bem-estar e o novo processo maior representação no Parlamento levou ao estabe-
produtivo provocara a marginalização de determi-

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lecimento de acordos entre burgueses e proletariado necessários à expansão do setor monopolista são so-
visando à efetivação do Welfare State. cializados via Estado.
O quinto argumento vai dar conta da capa- O crescimento do setor monopolista tende a
cidade de revolta e insubordinação do proletariado. gerar, de um lado, um excedente de produtos, e,
Durante todo o século XIX e na primeira metade de outro lado, uma população excedente. Segundo
do XX o proletariado foi protagonista de grandes O´Connor (apud ARRETCHE, 1995), a população
revoltas no continente europeu. Revoltas essas que excedente no setor monopolista tende a ser absorvi-
provocaram grande prejuízo à burguesia, colocando da por empregos gerados pelo setor estatal e com-
em risco a taxa de lucro. Por esse motivo, o Estado petitivo, ao mesmo tempo em que a disponibilidade
providência é, desde sua origem, uma figura parti- de mão-de-obra tende a rebaixar os salários no inte-
cular da dominação social sobre as classes laboriosas. rior do setor competitivo, fazendo com que os traba-
Classes perigosas, cujos movimentos subversivos – lhadores desde setor sejam, gradualmente, cada vez
do ponto de vista burguês – estão sujeitos àquilo mais, pobres. Esse movimento implica o crescimen-
que Foucault , em Microfísica do poder (1979), classi- to das despesas sociais e do funcionalismo estatal,
ficou como sendo a normalização dos indivíduos ou porque, segundo O´Connor (apud ARRETCHE,
de medicalização, ou seja, as políticas de bem-estar 1995, p. 14) “tais operários [do setor monopolista]
têm a finalidade de disciplinar o operariado e, ao dependem cada vez mais do Estado para satisfazer
mesmo tempo, de leva-lo a colaborar voluntaria- suas necessidades”, que serão satisfeitas sob a forma
mente para o incremento da produção e do lucro de programas sociais – como a contratação de mais
dentro do Sistema Capitalista. funcionários públicos. Por sua vez, o problema do
O sexto argumento é a questão da acumula- excedente de produtos é solucionado pela expansão
ção de capital. Esta visão da crise é desenvolvida por do comércio e do investimento no exterior, inclu-
James O´Connor em seu livro USA: A crise do Esta- sive com o substancial aumento dos gastos milita-
do capitalista (apud ARRETCHE, 1995). Para ele o res. Esta evolução, segundo Rosanvallon (1981, p.
setor privado é o implusionador do crescimento da 22), “traduz, ao nível das representações do Estado,
economia. No interior do setor privado, o setor mo- o movimento no qual a sociedade deixa de se pensar
nopolista é o setor-chave. Entretanto, o setor mono- como um corpo para se conceber como um Merca-
polista não paga os custos do investimento social, do”.
ou seja, gastos necessários ao aumento da produ- O sétimo argumento é com relação à am-
ção. Custos esses necessários à sua expansão. O setor pliação da concepção de democracia. A democracia
monopolista, dado o incremento em produtividade, quando nasceu, na Atenas do século IV a.C., era um
tende a produzir mais produtos do que a capacida- privilégio de uma minoria formada pela aristocracia
de do Mercado para consumi-los. Do mesmo modo, agrária. Quando a democracia renasce com o adven-
este setor faz uso do emprego de tecnologias poupa- to da Revolução Francesa era um privilégio da elite
doras de mão-de-obra, ele tende a produzir formas burguesa. Porém, com o desenvolvimento da Revo-
progressivas de desemprego tecnológico e outras lução Industrial, o aperfeiçoamento da Sociedade
formas de desemprego, como a falência de pequenas Capitalista, da organização sindical, das lutas popu-
e médias empresas, que acompanham o crescimento lares, das pressões realizadas pelos socialistas e pelos
do Capitalismo. Logo, cria-se uma demanda social anarquistas; ela foi lentamente se expandindo. No
enorme e este gasto recai sobre o Estado. Uma vez início do século XIX só quem tinha direito a votar
que os recursos utilizados pelo Estado para custear eram os “homens bons”, isto é, os indivíduos do sexo
os investimentos sociais são arrecadados da popu- masculino e que possuíam uma situação financeira
lação, isto quer dizer que os investimentos sociais que os colocavam dentro do círculo composto pela

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elite economicamente dominante. Com o passar do Com o advento da Modernidade e o lento proces-
tempo os direitos políticos, foram, lentamente, se so de formação das nações, o indivíduo passou a ter
universalizando. Tudo isso levou a um movimento um espaço mais amplo, o espaço público, onde ele
evolutivo dentro do campo dos direitos. Do direito pode discursar – fazer uso da palavra – e reivindi-
civil e jurídico – igualdade perante a lei – para o di- car melhores condições de vida. Neste ponto, cria-se
reito político e, finalmente, para o direito social. O um impasse: para quem o povo deve dirigir suas rei-
Welfare State seria a coroação desse movimento reali- vindicações? Visto que o senhor feudal perdeu seus
zado ao longo de mais de trezentos anos de lutas po- poderes, os reis tinham seus poderes enfraquecidos
pulares visando à conquista da plena emancipação. pelas guerras e pelos acordos políticos, a Igreja e os
O oitavo argumento é a questão das crises eco- demais organismos tradicionais tiveram seus poderes
nômicas dentro do Sistema Capitalista. O Capitalis- drasticamente reduzidos e o empreendedor – o capi-
mo tem como uma de suas características centrais talista do século XVIII e XIX – estava preocupado
o movimento cíclico: prosperidade X crise. Ele tem em auferir grandes lucros com a produção. O Estado
um período de crescimento produtivo e aumento na terminou sendo o único elemento disponível. Além
taxa de lucro e, logo em seguida, vem uma reces- do mais, ele era o único elemento capaz de unir os
são que coloca o lucro com uma propensão negativa. vários atores sociais (burguesia, proletariado, cam-
Este movimento vinha acontecendo até a década de pesinato, etc) em torno de interesses comuns como
1930, pois neste período houve a Grande Depres- levar ao pleno desenvolvimento os recursos de um
são, isto é, a maior crise vivida no Capitalismo até Mercado Nacional determinado e garantir a sobera-
aquele momento. Essa crise ameaçou levar a pro- nia nacional frente às investidas de outras nações.
dução e, por conseguinte, o lucro ao ponto zero. Se O décimo argumento é a lógica da burocra-
tal fato tivesse acontecido o Capitalismo Moderno cia estatal. A burocracia estatal tem dois objetivos
enquanto Sistema Econômico-Político estaria acaba- básicos. O primeiro objetivo é a expansão de sua
do. Para evitar e, ao mesmo tempo, prevenir futuras estrutura através da criação de novos cargos pú-
crises econômicas o Sistema Capitalista recorreu ao blicos, contratação de novos funcionários, presta-
Estado – justamente o que recomenda Keynes na ção de serviços os mais variados possíveis, que vão
Teoria geral do emprego, do juro e da moeda (1988) – en- desde o estabelecimento de uma força armada re-
quanto fonte financiadora das empresas em dificul- gular até os serviços básicos de saúde e educação.
dade. O Estado passou a ser uma empresa de porte O segundo objetivo é a melhoria do seu padrão de
capitalista para investir nas áreas onde o capital não vida. Essa melhoria se dá por meio de constantes
tinha recursos para adentrar e como mediador das aumentos de salários. Todavia, para que estes dois
crescentes reivindicações do Movimento Operário. mecanismos possam ter bom êxito é necessário que
Vale salientar que como mediador das reivindica- o Estado garanta as condições de ampliação do capi-
ções populares o Estado se comporta ora sendo uma tal, fundamentalmente porque a saúde financeira do
instância para garantir e efetivar direitos, ora como
guardião dos interesses dos empresários reprimindo,
 Na Atenas do século IV a.C. também existia um espaço públi-
duramente, as manifestações do povo. co. A prova disto são os discursos de Sócrates – descritos por
O nono argumento é a constituição do Es- Platão em seus diálogos – na Agora (praça central) ateniense.
Todavia, Sócrates estava infringindo a legislação que reservava
tado-nação. Na Antigüidade passando pela Idade os discursos para a elite política. Este foi um dos motivos dele
Média o indivíduo não tinha uma pátria, no sentido ter sido condenado à morte. Na Modernidade há um processo,
lento e gradual, de conquista do espaço público pela população.
de espaço territorial, para viver. O máximo que ele Ao contrário de Atenas, a praça deixa de ser um espaço privado
possuía era um espaço privado, onde podia estabe- de uma certa classe social e passa a ser o campo, público, de
lecer relações com sua família, parentes e amigos. discussão dos problemas sociais realizados por todas as classes
e grupos sociais.

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Estado depende do bom desempenho da economia. conferência de Bretton Woods. Nesta conferência
Faz parte do cálculo econômico da burocracia estatal foi criado o Fundo Monetário Internacional (FMI)
considerar que sua estabilidade e expansão depen- e o Banco Internacional de Reconstrução e De-
dem da manutenção do capital e também da presta- senvolvimento (BIRD). Ela realizou-se em New
ção de serviços de bem-estar social para a população. Hampshie, em 1945, nos Estados Unidos, no Hotel
Logo, na lógica da burocracia o Welfare State é um Monte Washington, em Bretton Woods. Os acordos
ente necessário para a manutenção do seu ethos so- estabelecidos possibilitaram, até a década de 1970
cial. Portanto, segundo Hayek (1983, p. 231) “os quando houve a grande crise do petróleo, a estabi-
burocratas se transformam nos principais represen- lização econômica dos países europeus e dos EUA e,
tantes do povo” para garantir a manutenção, e até a por conseguinte, do avanço das políticas de bem-es-
expansão, dos seus próprios privilégios de classe. tar. Pode-se sintetizar os aspectos fundamentais de
O décimo primeiro e último argumento é Bretton Woods em cinco itens.
a questão das guerras. A Revolução Russa de 1917, 1) O sistema de Bretton Woods proibia as ta-
as duas guerras mundiais bem como a depressão xas de câmbio flutuantes, expressava o valor das
econômica, a qual ocorreu no período entre ambas. moedas em ouro e, simultaneamente, em relação ao
Esses fatos históricos vieram a acelerar a evolução dólar, comprometia-se a manter a conversibilidade
lógica do sistema de bem-estar social, pois criaram do dólar em ouro.
um sentimento – tanto a nível nacional como a nível
do continente, neste caso a Europa – de solidarie- 2) Os Estados Unidos constituíam a única uni-
dade propício ao desenvolvimento de programas de dade política que conservava a liberdade de não ado-
proteção social. tar medidas restritivas em caso de déficit da balança
A Sociedade Européia ficou com medo de haver de pagamentos externos.
uma terceira guerra mundial causada pelo desem- 3) No caso dos Estados Unidos, como os dóla-
prego e pelo caos provocado pelas péssimas condi- res eram identificados com as reservas, o déficit da
ções de vida da população. Outro medo que reinava balança de pagamentos externos colocava à dispo-
na Europa era o do triunfo dos socialistas no leste sição dos bancos centrais – em particular da antiga
europeu, triunfo este que inicialmente esteve liga- República Feral Alemã (RFA) e do Japão – divisas
do, apenas, à Rússia, mas estendeu-se para vários excedentes que eles investiam no bônus do tesou-
países do leste como Polônia e Hungria. E depois ro americano. Assim, o déficit dos pagamentos não
se espalhou por outros continentes como a Ásia, a exercia influência alguma para neutralizar as causas
Revolução Chinesa, e a América Latina, a Revolu- do déficit.
ção Cubana. Então, para afastar o perigo de uma
4) Todos os países comprometiam-se a manter
terceira guerra mundial e do avanço crescente do
as suas moedas estáveis, sujeitas a uma pequena flu-
Socialismo o Estado, nos países europeus, foi inti-
tuação de 1%, em relação às dos demais. Se a moeda
mado a acelerar o estabelecimento das políticas de
de um país começasse a cair sob a pressão de impor-
bem-estar social.
tações excessivas e pequeno volume de exportações,
ARGUMENTOS QUE TRATAM DA DIFUSÃO IN- o seu banco central compraria essa moeda e apoiaria
TERNACIONAL DO ESTADO DE BEM-ESTAR o seu valor em relação às moedas dos outros países.
Caso as reservas do Banco Central, em termos de
Serão desenvolvidos nove argumentos para expli- moedas aceitáveis aos outros países não permitissem
car a difusão internacional do Estado de bem-estar. tais compras, o país poderia recorrer ao FMI para
O primeiro argumento é o Novo Sistema obter ouro, dólares, ou outras moedas aceitáveis a
Monetário, o qual foi acionado com os acordos da

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fim de manter o programa de sustentação. Ao fazer per este equilíbrio e assegurar o ressurgimento do
isto, depositaria um montante equivalente de sua pleno emprego”.
própria moeda como garantia. Ao bancar a reconstrução da Europa e o de-
5) O valor máximo que poderia ser empresta- senvolvimento de países da América Latina, como
do por um país junto ao FMI, estava limitado à sua o Brasil, México e Argentina, os EUA estavam ban-
quota (equivalente ao montante de sua contribui- cando, indiretamente, seu próprio desenvolvimen-
ção ao fundo). Uma escala de recursos crescentes to, pois estimulou a sua indústria a crescer, rompeu
com o montante, bem como a duração do emprés- com as altas taxas de desemprego e estabeleceu uma
timo, eram fatores que estimulam o país a eliminar política de pleno emprego alicerçada por medidas de
as circunstâncias que o conduziram á necessidade bem-estar. Para Galbraith (1989), os americanos vi-
de empréstimo pelo FMI quanto à conveniência de veram os trinta anos gloriosos (1944-1974) ou anos
tais medidas. As missões do FMI adquiriram, assim, de ouro, graças aos lucros auferidos com a Segunda
uma grande reputação no panorama internacional. Guerra e o financiamento do Welfare State no conti-
As políticas do FMI – que surgiram para estimu- nente europeu.
lar o crescimento de economias em crise, como, por O terceiro argumento é a Guerra Fria. Esta
exemplo, as do Brasil e Argentina – terminaram se guerra desenvolveu-se entre o Bloco de Países Ca-
transformando em um mecanismo para impedir o pitalista (EUA, Inglaterra, França etc) e o Bloco de
desenvolvimento dessas economias e perpetuar a Paises Socialista (Rússia, Polônia, Cuba etc). Não
submissão às potências capitalistas como, por exem- nos cabe realizar uma análise profunda desse acon-
plo, os EUA e a Inglaterra. tecimento histórico, todavia, de um lado, ele cons-
tituiu num movimento ideológico e militar para
O segundo argumento é o Plano Marshall que conquistar posições estratégicas em todo o planeta.
os americanos implementaram logo após a Segunda Um bom exemplo de como a Guerra Fria difundiu o
Guerra Mundial com a finalidade de sustentar a re- Estado de bem-estar é a guerra da Coréia em 1950,
construção das economias capitalistas européias. Se- justamente no momento em que o Plano Marshall
gundo Galbraith (1989), os EUA pouparam mais de estava sendo desativado. Esta guerra proporcionou
250 bilhões de dólares durante o período de 1939- aos Estados Unidos uma nova modernização no par-
1945. Os americanos foram os grandes vencedores que industrial, além de dar um ânimo às políticas de
da Segunda Guerra Mundial, pois reconstruíram a pleno emprego – o que Navarro (1991) conceitua
sua economia que estava debilitada devido à Gran- de “keynesianismo militar”. Por outro lado, os ame-
de Depressão de 1929, pouparam uma gigantesca ricanos auxiliaram no desenvolvimento do parque
soma em dinheiro que possibilitou o financiamento industrial do Japão, inicialmente por meio da indús-
da Guerra Fria e do Imperialismo na América La- tria bélica, para evitar que esse país aderisse ao Blo-
tina e na África. E, por último, a guerra destruiu co Socialista. Outro exemplo, entre tantos, que deve
as potências européias, Inglaterra, França, Itália e ser mencionado é a guerra do Vietnã. Esta guerra
Alemanha, que rivalizavam com os americanos. Eles proporcionou a continuação do crescimento da in-
implementaram o Pump Priming – gastos do Gover- dústria americana, entretanto quando o litígio foi
no Federal, cujo único objetivo era estimular a eco- encerrado em 1972 com a derrota americana, foram
nomia – a partir dos bilhões de dólares acumulados implementadas políticas para desenvolver aquela re-
durante o litígio. Para Galbraith (1989, p. 227): “O gião da Ásia e impedir o crescente avanço do Socia-
pressuposto passara a ser um equilíbrio de desem- lismo. Neste ponto, é que surgem as políticas que
prego, a intenção e obrigação do governo a ser rom- possibilitaram o crescimento econômico dos tigres
asiáticos como Singapura, Malásia e Taiwan.

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Da gênese à crise do Estado de Bem-Estar
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O quarto argumento é o neocolonialismo ocorreu um acordo entre aquelas duas classes funda-
estabelecido após a Segunda Guerra. Este pressu- mentais, e a classe trabalhadora, como conseqüên-
punha uma dependência constante dos produtos in- cia, incorporou-se aos benefícios de bem-estar social
dustrializados do centro do Capitalismo e, ao mesmo capitalista.
tempo, a disponibilidade de matérias-primas a baixo O sexto argumento é a necessidade, cada vez
custo. Isto possibilitou o incremento de políticas de mais crescente, de “socializar” os custos da produção
pleno emprego na Europa e na América do Norte, e de abaixar os custos de reprodução da força de tra-
pois a indústria dessas regiões crescia à medida que balho. Para que a população possa usufruir os bens
os países capitalistas exportavam seus produtos para produzidos pela indústria se faz necessário que esta
a África, Ásia e a América Latina. tenha condições para tanto. O Estado ao investir nos
O quinto argumento é o pacto capital e tra- serviços básicos, como saúde e educação, libera os
balho. No caso específico das políticas de bem-es- rendimentos da população para consumir os pro-
tar, isto implicou a coincidência de interesses entre dutos industrializados e evita ou afasta o perigo de
capital e trabalho, ainda que por diferentes razões. uma Revolução Socialista ou outra modalidade de
Ou seja, nos períodos de inovação e crescimento contestação do Sistema Capitalista. Além do mais,
das políticas sociais, ambas as classes fundamentais a taxa de lucro precisa ser mantida em equilíbrio,
– que naquele momento histórico eram a burguesia portanto quando o Estado investe em políticas de
e o proletariado – viam tais políticas como sendo bem-estar está poupando os recursos financeiros do
de seu interesse. A classe trabalhadora aderiu ba- capital e, por conseguinte, contribuindo para a ma-
seada no pressuposto de que qualquer política que nutenção da taxa de lucro.
atenue as dificuldades e modifique o jogo cego das O sétimo argumento é a cultura de massa.
forças de mercado é bem-vinda. A classe capitalis- Com o fim do período das grandes guerras (1914-
ta, porque isto reduz o descontentamento da classe 1945) e com a implantação de políticas de bem-
trabalhadora, provê novas modalidades de integra- estar, a população européia voltou a crescer. Além
ção e controle sobre esta classe, regula os salários, disso, no século XX, o Capitalismo se espalhou ra-
pois o Estado interventor impede que eles cresçam pidamente por regiões ainda inexploradas, como a
demasiadamente ameaçando a taxa de lucro e, por América Latina, um continente que até o início des-
último, oferece ainda benefícios ideológicos e econô- te século era predominantemente agrário, em busca
micos como um operário mais disposto para o traba- de novos mercados consumidores e de matérias-pri-
lho e mais qualificado para exercer sua função. mas mais baratas. Todo este movimento do capital
Em outros termos, em uma conjuntura polí- fez emergir multidões ávidas pelos produtos indus-
tico-ideológica específica, o pós-segunda guerra, a trializados, porém com grande potencial revolucio-
capacidade de pressão dos movimentos sociais, for- nário. Eram, e ainda são, multidões de pobres em
talecida pelo crescimento econômico, e a escassez busca de melhores condições de vida e que poderiam
de mão-de-obra na Europa, criou uma consciência acabar com o sonho de consumo dos americanos e
de classe entre os capitalistas, implicando a refor- europeus. A solução foi implementar, na periferia do
mulação do Estado. Reformulação esta que explica Sistema, as políticas de bem-estar e desenvolver, em
a emergência de um Estado com face social. Ainda todo o mundo, a Indústria Cultural – rádio, disco-
que o caráter contraditório das relações entre capital grafia, cinema, TV e as novas formas de construir a
e trabalho, no Capitalismo, implique que a harmo- arte – que gerou milhões de empregos e contribuiu,
nia aparente de interesses se rompa rapidamente – o segundo Cotrim (2000, p. 226), para “o processo de
que de fato aconteceu na década de 1970. É ine- narcotização da consciência das massas”. Com esse
gável o fato de que, no período entre 1945-1970, processo de narcotização a Cultura de Massa ganha

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impulso e o Welfare State recebe mais uma missão: a Banco Central e o papel-moeda, em todos os países
de ser o instrumento de narcotização das multidões capitalistas. Instrumentos indispensáveis para con-
alienadas e empobrecidas do Terceiro Mundo. centrar nas mãos dos governos a direção dos capitais
O oitavo argumento é a crise da superpro- necessários para sustentar os investimentos e para
dução. Em 1929 manifestou-se uma forma de crise regular o ciclo econômico. A partir desse instante,
– a Grande Depressão – que não só teve uma difu- desenvolveram-se os gastos públicos, os aparelhos
são simultânea em quase todos os países capitalistas de reprodução, políticas de pleno emprego, enfim o
desenvolvidos, como também se apresentou como consumo individual e social.
uma crise de superprodução e de subconsumo. Em- Na década de 1970 houve a grande crise do
bora durante a crise se produzisse uma extraordiná- petróleo que levou a Europa, os Estados Unidos e
ria concentração de capital, como bem recomenda o outras áreas do planeta a viverem uma recessão.
pensamento econômico neoclássico, e se deu um po- Esta recessão foi causada pelo aumento de preço do
deroso salto tecnológico, além do desemprego difuso petróleo pela Organização dos Países Exportadores
que criava uma enorme disponibilidade de mão-de- de Petróleo (OPEP). Estes países – na sua grande
obra barata, os mecanismos de mercado, enquanto maioria árabes – queriam aumentar o seu Produ-
tais, não eram suficientes para a retomada dos in- to Interno Bruto (PIB) e, dessa forma, desfrutar do
vestimentos e da produção. A depressão é superada bem-estar dos países do centro do capitalismo. Vale
com a chegada da Segunda Guerra Mundial – pelo salientar que não vamos discutir a influência na cri-
menos nos EUA, pois na Europa só com o fim desta se do petróleo das guerras entre palestinos e israe-
guerra – entretanto, ficou o medo que tais aconte- lenses no Oriente Médio. Entretanto, o aumento do
cimentos viessem a acontecer novamente colocan- petróleo levou os países europeus e os EUA a com-
do em cheque a própria sobrevivência do Sistema prometerem o orçamento nacional com políticas de
Capitalista. Para que isto não voltasse a acontecer, reformulação de suas economias. Esta postura levou
o Estado de bem-estar foi estimulado a crescer por ao comprometimento de uma substancial parcela do
meio da ampliação do número de pessoas atendidas orçamento. A conseqüência disso foi uma crise fis-
por seus programas (saúde, educação, moradia etc) cal que colocou todas as políticas de bem-estar em
e, dessa forma, absorver grande parte da produção decadência. A explicação para a crise do Welfare Sta-
das indústrias. te parece muito simples: foi a crise do petróleo que
O nono e último argumento é o estímulo ao provocou este fato, afirmam os jornalistas nos tele-
consumo. Com o desenvolvimento da produção em jornais em horário nobre. Todavia, existem outros
massa, com a expansão do capital para o Terceiro mecanismos que precisam ser analisados.
Mundo e com o crescente papel dos grandes oligo-
pólios, a acumulação do capital dependia, cada vez FATORES QUE LEVARAM À CRISE DO ESTADO
menos, da possibilidade de atrair a população entre DE BEM-ESTAR
os investimentos e cada vez mais da possibilidade de Segundo Vacca (1991, p. 154), na década de
sustentar os investimentos mediante a expansão do 1970 manifestaram-se “formas de crise que parecem
consumo. Para a produção em série já existia, nas específicas do Estado de bem-estar”. Vamos apre-
grandes indústrias, durante a primeira metade do sentar estas “formas”, descritas por Vacca, em dez
século XX, a organização taylorista do trabalho, po- fatores.
rém não havia ainda uma organização da sociedade O primeiro fator é a crise fiscal, esta é muito
capaz de difundir o consumo. Para este fim foi amol- propagada pela Mídia (TV, rádio, jornal etc). O fato
dada a máquina do Estado. As suas funções se es- é que dentro das estruturas do Estado de bem-estar
tenderam. A conseqüência disso foi o nascimento do o primeiro gerador, visível, de crise é a estratifica-

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ção social. A extensão do trabalho dependente torna reúnem camadas intermediárias, corporativas e pro-
árduo comprimir os salários e isolar socialmente a tegidas, essenciais ao sistema de alianças do capital
classe trabalhadora. A conseqüência disso é que nas monopolista, e que por tal motivo obtém do Estado
relações entre salário e lucro desenvolvem-se tensões fluxos de recursos a vários títulos como, por exem-
e conflitos crescentes. As conquistas sociais dos tra- plo, maior facilidade de obtenção de crédito, isenção
balhadores não podem ser facilmente suprimidas e fiscal e transferência de renda. Todos esses arranjos
disto resulta uma crescente inflação de custos e um de classes contribuem apenas para agravar a crise
enrijecimento das bases fiscais do Estado. Ele tem, fiscal do Estado de bem-estar.
cada vez mais, de custear o preço da exclusão social, O terceiro fator é a crise de governabilidade
provocada, em grande parte, pelo crescimento dos que atinge as democracias. Há um forte redimen-
monopólios, e da incapacidade que o empresariado sionamento da soberania territorial. Esse redimen-
possui de bancar políticas de contenção da miséria. sionamento se dá pela crescente internacionalização
Somado a isto, existe o paternalismo e o clientelismo do capital e dos mercados, a invasão dos oligopólios,
dos governantes preocupados em se reeleger ou ele- a interdependência, cada vez maior, das economias
ger algum representante do seu Sistema Político, a ocidentais, promovem novas desigualdades entre
contratação sem critérios de funcionários públicos, a os próprios países capitalistas desenvolvidos e de-
corrupção dentro do Sistema de Arrecadação (fisco), terminam novas formas de dependência dos países
o superfaturamento de obras e os desvios de verbas. menos fortes em relação aos países sede do capital.
Com todos estes problemas, nasce uma crescente di- A manutenção do dólar como regulador do comér-
ficuldade de financiar a demanda, sempre mais difu- cio internacional – o que só beneficia os monopólios
sa, de serviços e de gastos públicos de caráter social. e os bancos que emprestam dinheiro aos países do
As arrecadações estatais se enrijecem, e além de um Terceiro Mundo – o peso crescente dos balanços de
certo limite não podem se multiplicar sem colocar pagamentos no desenvolvimento dos diferentes paí-
em risco a própria existência do Capitalismo. ses e as conseqüências que emergem da nova divisão
O segundo fator é a composição de classes internacional do trabalho que impõem novos víncu-
do Capitalismo Tardio, o Capitalismo da segunda los à relativa e estreita autonomia dos Estados e dos
metade do século XX. Esta composição alimenta mercados nacionais.
tensões contraditórias. De um lado, favorece o con- Todo este movimento leva a duas conseqüências.
sumo afluente de todo tipo de quinquilharia, para A primeira conseqüência é a crise da demo-
satisfazer as exigências de modernização da indús- cracia. Há um rompimento da unidade temporal
tria e dos grupos mais privilegiados em favor de e espacial entre a economia e a política que afeta,
um gasto social improdutivo. Por outro lado, para diretamente, o funcionamento da democracia. Nas
vir de encontro às necessidades elementares das ca- fases iniciais do Capitalismo, a democracia liberal
madas marginais, que são cada vez mais numerosas emergia como uma das mais relevantes expressões
– trabalhadores desempregados, jovens à procu- políticas do Capitalismo Nacional. Num segundo
ra do primeiro emprego, trabalhadores ocasionais, momento, na fase fordista, as lutas dos movimen-
emigrantes, mulheres expulsas do mercado de tra- tos sociais e políticos, e a expansão das forças pro-
balho, idosos, etc – devido ao aumento vertiginoso dutivas convergiram para a criação de uma forma
da população no século XX e das novas técnicas de de democracia mais inclusiva e participativa. Apesar
produção que dispensam mão-de-obra. Além disso, das contradições e de muitos abusos, os princípios
crescem os gastos públicos para sustentar os mé- democráticos tornaram-se presença obrigatória nas
dios e pequenos agricultores, empresas artesanais, sociedades avançadas. Entretanto, atualmente, ve-
pequenas empresas, os subsídios aos alimentos, que mos uma rápida e drástica mudança.

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Por causa do aumento da incapacidade do Estado ência direta disso é um processo de erosão da sobe-
de controlar o ambiente econômico e o não-eco- rania do Estado-nação, daqueles países que não são
nômico, sob o pós-Fordismo global as ordens [di-
os protagonistas da globalização, afetando a cida-
reções] que o Estado recebe de seus cidadãos não
podem ser totalmente implementadas conforme dania em suas várias formas. Enquanto as decisões
está previsto na moderna teoria da democracia. O que irão afetar a vida do cidadão são tomadas por
fracionamento da unidade temporal-espacial entre entidades internacionais, como o Clube de Roma, o
a política e a economia, portanto significa uma cri- FMI, o Banco Mundial, o Senado Americano, o Par-
se de representação política. O Estado está aumen-
lamento Europeu e outros, o governo central, des-
tando sua incapacidade de representar os desejos
dos seus cidadãos (BONANO, 1999, p. 65). ses países, vê seu papel profundamente alterado pela
própria aceleração das transformações econômicas e
A conseqüência direta dessa incapacidade é a sociais. Este fato conduz à deformação da racionali-
rejeição do Estado de bem-estar e a mudança de dade política – já não é mais necessário se investir na
suas preocupações básicas. O Estado de bem-estar ciência, mas na recuperação de bancos falidos – e da
é substituído pelo Estado “segurança”, o qual dá as degradação das políticas sociais.
costas para a periferia mergulhada na miséria e nas A segunda conseqüência é a crise da represen-
drogas. Tal fato pode ser percebido com facilidade tatividade dos partidos políticos. No interior dos Es-
pelas atuais preocupações do Estado, as quais são: tados, o crescente desenvolvimento da função dos
garantir aos investidores altos lucros na ciranda fi- partidos e o peso crescente das organizações de in-
nanceira, recuperar bancos falidos ou oferecer aos teresse contribuem para esvaziar as instituições de
oligopólios que se internacionalizaram a “cesta bá- representação. Nas democracias européias o Sistema
sica”, ou seja, isenção de impostos, terrenos doados Parlamentar coincide substancialmente com o sis-
pela União (Governo Federal), tarifas subsidiadas de tema dos partidos. Estes – para poderem ter peso
água, luz e telefone. no Mercado Eleitoral – tendem a penetrar, cada vez
Outro fator desta crise é a globalização. Ela é mais, nos órgãos do Estado e em suas células eco-
antidemocrática porque é hierarquizada, uma es- nômicas.
trutura vertical. Navegam com confiança na aldeia Por força desses processos se dilui a unidade da
global cerca de 500 a 600 grandes empresas que se burocracia. Os órgãos da administração pública e
internacionalizaram, as quais comandam 25% das do Estado são transformados em feudos dos parti-
atividades econômicas mundiais e controlam de 80 dos políticos. Vem daí uma crise sempre maior da
a 90% das inovações tecnológicas. Estas empresas burocracia: esgota-se a aparente neutralidade dos
pertencem aos Estados Unidos, Japão, Alemanha, órgãos e das técnicas administrativas, que consti-
Grã-Bretanha e aos demais países do G-7. Consti- tuía um elemento essencial da motivação, unidade e
tuindo-se um poderoso instrumento de elitização da identidade dos corpos burocráticos. A perda de ho-
economia mundial. mogeneidade incentiva os conflitos políticos no seu
Nessa elitização da economia, a democracia é interior. Perde-se, gradativamente, a noção do servi-
acusada de criar barreiras que impedem o fluxo e o dor da coletividade (servidor público) e a expectati-
crescimento dos capitais, pois ela é “problemática e va de comportamentos homogêneos e leais por parte
perigosamente ingovernável” (LAURELL, 1997, p. dos funcionários.
83), logo a democracia é desnecessária. A conseqü- Todo este movimento acarreta conseqüências
para os próprios partidos. Eles estendem o seu domí-
 Segundo o ideário neoliberal a democracia, em si mesma, não
é um valor central. A liberdade e a democracia podem “facil-
mente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática deci-
disse interferir com os direitos incondicionais de cada agente quisesse” (ANDERSON, 1995a, p. 20). Entre a democracia e a
econômico de dispor de sua renda e de sua propriedade como economia, o neoliberalismo fica com a economia.

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Da gênese à crise do Estado de Bem-Estar
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nio sobre os órgãos públicos e estatais, porém mos- existe o ouro de Moscou para financiá-los – no leste
tram-se cada vez mais incapazes de conferir unidade europeu e a ascensão dos partidos verdes, que atra-
de objetivos e funcionalidade aos órgãos do Estado. em militantes tanto das causas ecológicas como de
Em sociedades complexas, como os EUA, a Inglater- outros setores sociais.
ra e a Alemanha, as decisões fundamentais, referen- Todo este movimento leva ao Welfare State a fi-
tes ao desenvolvimento, à produção, ao consumo, à car distante da população e, com isso, adentrar em
informação e outros, provém, em escala crescente, uma crise profunda.
dos vértices dos grandes aparelhos, os quais tendem O quarto fator de crise é a internacionalização
a se tornarem autônomos. Atingidos por conflitos do intelecto científico. Uma das formas do Estado
de poder cada vez mais acirrados, esses aparelhos bancar políticas de bem-estar encontra-se no incen-
decidem a não precisarem da orientação partidária. tivo e no patrocínio da pesquisa científica. E tam-
Continuidade e mudanças são determinadas sempre bém a partir da centralização do intelecto científico
mais por linhas internas, na base de conflitos de inte- dentro do espaço nacional e sua transformação em
resses, de culturas e de competências que percorrem potência política que o Capitalismo se consolidou,
os aparelhos do Estado. Os partidos se encontram a partir do século XVIII, e pode expandir-se como
envolvidos nesse movimento como membros, indi- uma verdadeira formação mundial graças à assimi-
retos, das estruturas tecno-administrativas e como lação das ciências pelo capital. Fundamentalmente,
mediadores entre os objetivos elaborados por elas e foi essencial a presença do Estado na formação e no
as reivindicações da própria base eleitoral. desenvolvimento do espírito científico. Entretanto,
Na crise dos partidos é preciso frisar que não na segunda metade do século XX verificou-se um
existem mais os partidos de classe estruturados, isto declínio acentuado do Estado na formação e con-
é, os partidos burgueses e os partidos do proleta- trole da inteligência científica. Resumidamente, há
riado. Quanto aos primeiros, a crise de representa- quatro motivos para isto acontecer.
ção se manifesta, sobretudo como impossibilidade O primeiro motivo para tal fato acontecer
de unificar sob a égide do próprio partido os setores são as características intrínsecas da própria ciência
fundamentais das classes economicamente domi- – metodologia, surgimento de novas teorias, novas
nantes e o seu conjunto de alianças. Nos diferentes tecnologias etc – que a conduz a se organizar em
países, os processos de internacionalização envolvem círculos cada vez mais transnacionais. O segundo é
segmentos cada vez maiores da burguesia e tornam a dinâmica dos monopólios que criam seus laborató-
difícil uma função unitária e nacional das classes rios, na maioria das vezes mais bem aparelhados do
dominantes, segundo os moldes e as figuras tradi- que os laboratórios estatais, pagam altos salários aos
cionais. Pelo contrário, percebe-se claramente a sua cientistas e não estão ligados ao espaço territorial de
crescente segmentação e concorrência ao recorrerem uma nação. O terceiro é a própria crise fiscal do Es-
a parceiros internacionais mais fortes para garantir tado que, conseqüentemente, sucateia os laborató-
o seu apoio em troca da imediata, e sempre maior, rios, promove um achatamento salarial e privatiza,
dependência do seu próprio país. em muitos casos, as estruturas científicas. O quarto
Quanto aos partidos trabalhistas e socialis- e último motivo é a crise ética vivida pela ciência em
tas, o elemento fundamental da sua crise vem da nossos dias, pois o que mais preocupa a comunida-
insuficiente capacidade de dominar ou amenizar as
transformações capitalistas no âmbito mundial e de  A expressão “ouro de Moscou” faz referência ao financiamen-
to que a extinta União Soviética e seus aliados realizavam
responder-lhes com um programa de propostas na- para que os grupos e partidos de esquerda se organizassem na
cionais e internacionais. Outro elemento da crise dos América Latina e em outros continentes para lutar tanto pela
partidos é a derrocada do Bloco socialista – já não implantação do Socialismo como por melhorias na condição de
vida da população.

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de científica internacional são os ganhos financeiros O sexto fator é a crise do Estado-nação. Po-
e não a solução de conflitos humanos. A ciência é demos claramente perceber que há uma ruptura no
regida, atualmente, pelo princípio maquiavélico de acordo entre o Estado-nação e as burguesias nacio-
que o importante são os fins e não os meios (méto- nais. Em primeiro lugar porque uma parcela des-
dos). Neste caso, o fim é o lucro advindo de alguma sa burguesia se internacionalizou e, segundo Lasch
descoberta científica. Expressões como: “cidadania”, (1995, p. 38), “já não aceita mais o lugar comum
“verdade”, “bem-estar social”, estão sendo banidas do espaço nacional”, vendo os “países apenas como
do receituário científico. municipalidade” (FORRESTER, 1997, p. 27). Em
O quinto fator de crise é o extraordinário de- segundo lugar, porque a parcela da burguesia que
senvolvimento das formas e dos meios de comuni- não conseguiu se internacionalizar – por fatores di-
cação. Os veículos de comunicação se integram em versos, como: sucateamento do parque industrial,
um inédito Sistema Planetário, caracterizado por falta de acesso à tecnologia de ponta, perda da con-
desequilíbrios e conflitos crescentes. Eles são, segun- corrência para os oligopólios, etc – tenta se adaptar
do Vacca (1991, p. 159),“o acelerador mais potente à nova ordem estabelecida. Uma das formas de tal
dos processos de unificação e internacionalização dos fato acontecer é negar o espaço nacional, como vem
intercâmbios e completa as polaridades que confi- acontecendo. Afirmam-se espaços como do Mercosul
guram o conjunto de modalidades do desenvolvi- e da União Européia, quando a maioria dos empresá-
mento desigual”. A crescente oferta de informação, rios não tem acesso nem ao Mercosul e nem à União
proveniente do desenvolvimento de uma rede mun- Européia. Fala-se em negócios transnacionais, ou
dial dominada por grandes oligopólios, constitui um vive-se, intensamente, o delírio das bolsas de valores.
dos fatores desagregadores da autonomia dos Esta- Portanto, é preciso ter a consciência de que “sobre o
dos. A informação se transformou no mais recente pano de fundo de todos os processos [...] destaca-se o
produto de consumo oferecido pela indústria, neste fim da economia nacional” (VACCA, 1991, p. 160).
caso a Indústria da Mídia, e também na mais eficaz Tradicionalmente o papel histórico do Estado-
forma de narcotizar a consciência tanto do operaria- nação, é:
do como do resto da população. A Mídia substitui a 1) Aumentar o processo de acumulação de capital;
religião no processo de controle da mente e de legi-
timação da exclusão social. 2) Legitimar a acumulação para aqueles seg-
A Indústria da Mídia se caracteriza por uma mentos da sociedade nacional que não eram bene-
espantosa vitalidade e capacidade de expansão da ficiados pelo Estado. O problema é que, em nossos
forma mercadoria, e pela inédita capacidade de pe- dias, esses dois fatores podem ser postos em práti-
netrar em âmbitos da vida cotidiana e privada do ca sem a participação do Estado. Os grandes oligo-
cidadão, até então subtraídos pela reprodução capi- pólios acumulam capital sem precisar da figura do
talista. O universo privado vai rapidamente desapa- Estado-nação e a burguesia, que não conseguiu se
recendo e, em seu lugar, surge a grande alucinação internacionalizar, vê no mesmo um obstáculo para
da audiência televisiva e dos modismos. Neste con- que tal fim se realize.
texto, o Estado não consegue captar as reais neces- Qual é a conseqüência desse movimento? A pri-
sidades do indivíduo porque tudo se transformou meira conseqüência é que, segundo Bonano (1999,
em mercadoria e o bem-estar social passou a ser um p. 60), uma “releitura completa do período de cres-
sonho distante. O bem-estar passa a ser visto como cimento do pós-segunda guerra nos dá a sensação de
desnecessário, pois o que preenche a existência são que as estruturas de acumulação fracassaram e que
os programas apresentados na Mídia. as políticas sociais precisam ser modificadas”.

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Da gênese à crise do Estado de Bem-Estar
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A segunda conseqüência é a ruptura direta da Há um mito neste conceito. Segundo Coutinho


unidade temporal-espacial entre política e econo- (1995, p. 21), o mito é justamente pensar que “um
mia e o surgimento de uma nova aristocracia. Esta mundo econômico sem fronteiras resultaria de uma
nova aristocracia, conceituada, por Rifkin, em O fim suposta queda generalizada das barreiras comerciais
dos empregos (1995), como os cosmopolitas, é direta- e não-comerciais no intercâmbio internacional”. O
mente ligada à internacionalização dos oligopólios chamado “mundo globalizado” resume-se entre “12
e ao jogo financeiro realizado nas bolsas de valores, e 15 atores globais” (COUTINHO, 1995, p. 22),
por meio de computadores e telefones. Para Lasch isto é, os oligopólios mundiais ou globais caracteri-
(1995, p. 14), esta nova aristocracia “não mais pre- zam-se pela existência de poucos protagonistas. Um
vê uma progressiva igualdade de condições entre os bom exemplo do chamado “mundo globalizado” é
indivíduos, mas simplesmente a exclusão seletiva de o caso da indústria automobilística, onde não mais
tudo o que não é elite”. que dez produtores internacionalizados dominam e
Segundo Lasch (1995), o novo aristocrata com- competem por fatias de mercado em escala global.
porta-se fielmente como um turista. Ele sente-se à Outros exemplos são: a indústria farmacêutica, de
vontade a caminho de uma conferência importan- alguns setores de material elétrico pesado, informá-
te, da festa de inauguração de uma franquia, de um tica, eletrônica de consumo, cosméticos, química
festival internacional de cinema ou de um paraíso fina e metais não-ferrosos.
ecológico ainda inexplorado. Ele não conhece seu vi- Esse mito pode ser perfeitamente percebido
zinho e também não conhece os problemas enfren- pela natureza da globalização, a qual é:
tados por sua comunidade e por seu país. Para Lasch 1) Aceleração intensa e desigual da mudança
(1995, p. 14), a posição, do novo aristocrata, diante tecnológica entre as economias centrais;
dos problemas do país “não é uma perspectiva que
possa incentivar uma apaixonada dedicação à demo- 2) Reorganização dos padrões de gestão e de
cracia”. Pelo contrário, se por acaso a violência ou a produção de tal forma a combinar os movimentos
miséria rondar sua casa ele, simplesmente, muda- de globalização de algumas empresas;
rá para um balneário turístico em outra cidade ou 3) Difusão desigual da Revolução Tecnológica,
outro país. O fato determinante de todo este mo- reiterando os desequilíbrios comerciais e de balanço
vimento é que o Estado-nação perde, a cada instan- de pagamentos, resultando num policentrismo eco-
te, sua capacidade de investimento em projetos de nômico que substitui a bipolaridade nuclear do pós-
bem-estar por causa do agravamento da crise fiscal segunda guerra e se expressa na fragilidade do dólar,
e de legitimidade. no fortalecimento do euro e do marco;
O sétimo fator de crise é a avanço da globaliza-
4) Significativo aumento do número de oligo-
ção. Para iniciar a discussão vamos colocar o concei-
pólios globais, dos fluxos de capitais em busca de
to de globalização do modo como ele é transmitido
“mercados emergentes” que ofereçam taxas de juros
pela Mídia e pelos economistas. A globalização, em
elevadíssimas e da interpenetração patrimonial (in-
termos, é o fim ou a redução das barreiras de circu-
vestimentos cruzados e aplicações financeiras);
lação das mercadorias e do trabalho. Argumenta-se
que tal fato é, principalmente, o resultado dos avan- 5) A ausência de um padrão monetário mun-
ços na tecnologia e da implementação das políticas dial estável, no contexto de taxas cambiais flutuan-
neoliberais. Ou é o processo, inevitável, do avanço tes, gerando como conseqüência a impossibilidade
da internacionalização e da integração da economia de prevenir as rupturas no Sistema, como, por exem-
mundial capitalista. plo, a crise, em 1999, do México, do Brasil e a grave
crise, em 2001, da Argentina.

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A conclusão a que se chega, desses cinco itens, que são demandadas por outros atores sociais: go-
é que não há espaço para a tão badalada democracia vernos, trabalhadores, movimentos sociais, pacifis-
comercial entre todos os países e a conseqüente me- tas, organizações não-governamentais e outros. Em
lhoria do padrão de vida das populações marginali- síntese, as grandes corporações estão fugindo de
zadas de regiões como o Leste Europeu, a América suas responsabilidades sociais, com seus emprega-
Latina e a África. dos e com toda a sociedade. Uma das conseqüências
Outro argumento favorável a globalização são dessa fuga ou simplesmente da “ideologia da mobi-
as estruturas flexíveis, as quais nascem da privatiza- lidade” (BONANO, 1999, p. 58) é o desemprego
ção de empresas públicas, da reestruturação geren- em massa, justamente o contrário do discurso oficial
cial das empresas, do lançamento de novos produtos da globalização, e o agravamento da crise do Welfare
no mercado de consumo e de novas formas e con- State, pois com a queda crescente do índice de em-
dições de trabalho. O problema é que essa flexibi- pregabilidade o Estado arrecada menos impostos e
lidade é ilusória. Por exemplo, para se ter aceso às as políticas sociais, geridas por ele, são cada vez mais
empresas públicas privatizadas depende-se da capa- prejudicadas.
cidade de pagamento – e multidões foram alijadas O oitavo fator de crise é a ideologia. A questão
da prestação de serviços essenciais por não disporem ideológica do Welfare State é de suma importância,
de recursos financeiros – ou do lucro geral. Para Bo- pois existe uma redução das margens de manobra
nano (1999, p. 53), dos diferentes compromissos institucionais, dificul-
dades maiores no seio do movimento operário e nas
As novas estruturas flexíveis prestam-se à racio-
nalização financeira, á concentração de recursos, à políticas interclassistas. Encontra-se em jogo a es-
ultrapassagem de obstáculos, á alocação mais efi- trutura de organização das relações sociais, geradas
ciente das formas de produção, à proteção contra com o pós-segunda guerra, e que resultaram no Es-
possíveis mudanças econômicas e à obtenção de tado de bem-estar. Os antigos equilíbrios entre Es-
mais vantagem através de novos instrumentos fi-
tado e economia de mercado, entre acumulação e
nanceiros e fiscais.
consenso político, se decompõem. As limitações im-
As estruturas flexíveis concentram tanto poder, postas pela crise das políticas do Welfare State levam
como recursos financeiros, nas mãos dos oligopólios ao abandono dos compromissos econômicos e políti-
que se globalizaram na segunda metade do século cos que regulavam o seu funcionamento. Os confli-
XX. Entretanto, cria-se, por meio do constante dis- tos gerados, no próprio movimento operário, põem
curso da globalização, a ilusão que tais estruturas em jogo a sua forma de organização sindical e a sua
são universalizadas e democráticas, porém, segundo inadequação para incorporar, no seu campo de lu-
Dowbor (1995, p. 4), o que realmente existe de uni- tas, os novos movimentos sociais emergentes – gru-
versal e democrático nestas estruturas é o próprio pos ecológicos, movimentos feministas, anti-racista,
“discurso de que tudo se globalizou”. religiosos, os regionalismos, pacifistas, homossexu-
É importante ressaltar a capacidade que os ais, sem-terra, sem-teto, negros, índios, moradores
grupos empresariais adquiriram de movimentar de rua, juventude e menores abandonados, terceira
suas estruturas produtivas. As corporações mudam idade, imigrados, trabalhadores sem sindicato, pro-
suas plantas e seus ativos ao redor do mundo com fissionais do sexo, etc. Tudo isso causa uma crise da
o real objetivo de obterem condições de produção gestão política na sociedade.
mais desejáveis e evitarem limitações e restrições Outra parte fundamental da questão ideológi-
ca é que o padrão de crescimento econômico não se
limitou aos espaços nacionais do centro do Sistema
 Nos referimos a “privatização” em sentido geral e não com rela- Capitalista. Houve uma integração de toda a peri-
ção a um país especialmente como, por exemplo, o Brasil.

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feria capitalista por meio da internacionalização do Latina, Ásia e da África, os países do chamado Ter-
capital, da formação de um sistema de monopólios, ceiro Mundo. Por meio da cobrança de juros e taxas
dos avanços tecnológicos e do aperfeiçoamento da adicionais os EUA e os países capitalistas avançados
Sociedade de Massa. Essa integração gerou um du- da Europa, como, por exemplo, a Inglaterra, França
alismo sem precedentes – um crescimento rápido e e Alemanha, montaram um fundo para recompor
uma redistribuição da riqueza extremamente desi- suas economias em tempos de crise e de estimulá-las
gual. Desse modo, a crise do Welfare State pode ser quando esta passar.
atribuída a sua própria incapacidade de responder A dívida externa atinge diretamente as políti-
aos novos requisitos da sociedade pós-industrial. cas de bem-estar dos países subdesenvolvidos e em
De um lado, aos requisitos econômicos, políti- desenvolvimento, pois compromete mais de 50%
cos e ideológicos dos espaços social-democratas, de – e em alguns países, como o Brasil, chega a 56%
outro lado, as necessidades geradas pela integração – do orçamento nacional, inviabilizando a estabili-
desigual das periferias capitalistas. A conseqüência é dade social. Este processo coloca os países do Tercei-
a inadequação da estrutura institucional do Estado ro Mundo num círculo vicioso, pois eles precisam,
de bem-estar aos novos anseios da sociedade. Essa constantemente, recorrer aos países do núcleo capi-
inadequação tem dois níveis. O primeiro nível é o talista – para, por exemplo, pagar os juros da dívida
que Leal (1996, p. 24) classifica como o “incômo- – para realizar novos empréstimos e aumentar sua
do da burguesia”, pois no seio da burguesia cresce dívida. Isto abre espaço para as “missões do FMI”
um sentimento cada vez mais anti-estatista e luta-se que tem a finalidade de monitorar e até controlar as
contra a amplitude do Estado na regulação da vida economias endividadas. Essas “missões” não trazem
social. O segundo nível são os novos agentes sociais em seus projetos o estabelecimento do bem-estar
– os movimentos sociais emergentes – passam a in- social. Com isso, o Estado de bem-estar, no Tercei-
tervir diretamente no conjunto da sociedade ques- ro Mundo, entra em decadência. Vale salientar, que
tionando a prática política estatal e as estruturas não nos cabe realizar uma explanação se houve, ou
partidárias existentes. Recusa-se, por parte desses não, um Welfare State no Terceiro Mundo.
movimentos, a “participar e desempenhar os papéis O décimo e último fator é a crise de legi-
clássicos – base eleitoral de partidos políticos, gru- timidade. Esta crise tem dois níveis, o interno e o
pos de pressão corporativistas ou mecanismos de po- externo. A crise interna de legitimidade é apresen-
der” (LEAL, 1996, p. 26). tada por Brunhoff no livro A hora do mercado: crítica
O nono fator de crise é a dívida externa. Esta ao liberalismo (1991). Para ela a própria população,
forma está ligada aos países do Terceiro Mundo. No que se serve deste modelo de Estado, critica-o, pois
pós-segunda guerra os americanos emprestaram al- os serviços , como, por exemplo, saúde e educação,
tas somas de dinheiro para os países europeus e o oferecidos por ele são de má qualidade, muito dife-
Japão com a finalidade de reconstruir o patrimônio rentes da propaganda estatal que mostra serviços de
nacional destruído durante a Segunda Guerra Mun- excelente qualidade, rápido atendimento e profissio-
dial. Com o advento dos anos dourados, os quais nas- nais de alto nível. Essa má qualidade se dá devido
cem com o fim da guerra, em 1945, e vão até 1970, ao investimento equivocado que o Estado realiza.
a economia destes países cresce e a dívida vai sendo Vejamos: o empreguismo, o qual provoca um com-
paga. No entanto, com a chegada da crise do petró- prometimento maciço do orçamento estatal, milita-
leo em 1974 tanto os americanos como os europeus rização do Estado. A doutrina da “defesa do mundo
vão buscar novas formas de financiar o crescimento livre” leva aos Estados centrais do capitalismo a co-
econômico. Uma dessas formas é promover o endi- locar uma grande parcela do orçamento em gastos
vidamento sempre crescente dos países da América militares, deixando a população com serviços bási-

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cos sucateados. Desvios de verbas, má administra- consumo pessoal e supérfluo. Este tipo de postura
ção e outros fatores. colocou a legitimidade do Welfare State em cheque.
Outra crítica feita pela população é o cará- O outro nível desta crise é apresentado por
ter incontrolável de sua extensão. A fim de aten- Rosanvallon no livro A crise do Estado-providência
der a inúmeros compromissos eleitorais e interesses (1981). Para Spinelli (1993, p. 204), Rosanvallon é
empresariais, os governantes promovem um cres- o pensador que pode ser considerado como “o mais
cimento exagerado do Welfare State. Este crescimen- original, no sentido de que o seu pensamento dificil-
to acarreta uma redução do espaço privado e um mente pode ser enquadrado em alguma das linhas
avanço, das estruturas estatais, na vida íntima do de análises conhecidas”. De acordo com Rosanvallon
cidadão. Isto vai lentamente reduzindo o direito de (1981), não se deve procurar a chave explicativa do
escolha – a liberdade individual – sobre os assun- desenvolvimento do Estado-providência – esta é
tos referentes à vida, pois, o Estado, com sua rede a expressão que ele usa para designar o Estado de
de tecnocratas, vai decidindo o que é melhor para bem-estar social – na lógica do Capitalismo, porém
a existência do cidadão. A crise interna de legiti- na própria lógica inscrita no enredo do Estado Mo-
midade será um argumento usado pelo pensamento derno, pois ele é um “produto da cultura democráti-
neoliberal para defender uma redução drástica do ca e igualdade moderna” (ROSANVALLON, 1981,
tamanho do Estado – por meio das privatizações – e p. 25). O Estado de bem-estar teria a incumbência
um incremento da plena liberdade de Mercado. de libertar a sociedade da necessidade e do risco.
O nível externo desta crise é apresentado ini- Esta incumbência nasceu do compromisso so-
cialmente por Stewart no livro A moderna economia: cial, o pacto ético proposto por Keynes na Teoria
antes e depois de Keynes (1976). Para Stewart além do geral (1988), realizado no pós-segunda guerra en-
aumento do preço do barril de petróleo no Mercado tre o Estado, a classe patronal e os sindicatos – re-
Internacional existe outro fator, o qual determina presentantes da classe operária. Este pacto consistia
a crise do Estado de bem-estar na década de 1970. em que a classe operária aceitava não contestar as
Este outro fator é a nova geração – nascida a partir relações de produção, especialmente a propriedade
da década de 1960 – que não participou do pacto privada, e renunciava ao postulado da revolução ar-
realizado no pós-segunda guerra. Este pacto possibi- mada; em troca de um Estado social redistributivo
litou uma estabilidade social através da implantação e da existência de um espaço de negociações sociais
de políticas de Welfare. Por tal motivo todos os cida- que lhe permitisse ganhos reais. A partir da década
dãos do continente europeu – visto que a pesquisa de 1970 nascem os questionamentos. Segundo Ro-
foi realizada na Europa – tinham um compromisso sanvallon (1981, p. 26), “O que se coloca em cheque
ético com o pagamento de altos impostos. Estes al- quando se questiona o Estado-providência é o con-
tos impostos mantinham as estruturas de bem-estar trato social, o pacto: as relações da sociedade com o
social. Todavia, esta nova geração não participou de Estado que são objeto de uma indagação”.
todas as angústias e sofrimentos da primeira metade O pacto realizado no pós-segunda guerra – e
do século XX e, por causa disso, não se sente à von- que, teoricamente, perdurou entre 1945-1974 – é
tade com o pagamento de altos impostos. O que ela questionado pelas gerações e pela dinâmica do capi-
desejava – e deseja – era gastar seu dinheiro com um tal que deseja auferir maiores lucros a partir da reti-
rada parcial ou da pura eliminação das políticas de
 Hayek (1983, p.158) expressa o incômodo da burguesia refe- bem-estar. Neste contexto, para Rosanvallon (1981,
rente ao pagamento de altas taxas de impostos para manter
os serviços de bem-estar social, da seguinte forma: “Não deve-
mos esperar que algum dia se chegue à unanimidade quanto
a proporção desses serviços [saúde, educação, moradia, etc] e a execução de serviços com os quais eles não concordam seja
tampouco é evidente que coagir os indivíduos a contribuir para justificável do ponto de vista moral”.

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p. 44), “a eficácia econômica (a competitividade) e BONANO, Alessandro. A globalização da economia e da so-


o progresso social (redução das desigualdades e so- ciedade: fordismo e pós-fordismo no setor agroalimentar. In:
CAVALCANTE, Josefa S. Bárbara (Org.). Globalização, tra-
cialização crescente da procura) tornam-se contradi-
balho, meio ambiente: mudanças socioeconômicas em regi-
tarias”. Esta contradição é criada por um eventual ões frutíferas para exportação. Recife: Ed. da UFPE, 1999.
pleno emprego. Mesmo que os lucros permaneçam
elevados e a alta dos preços possa neutralizar o au- BRUNHOFF, Suzanne de. A hora do mercado: crítica ao
mento dos salários, a posição social do patronato liberalismo. Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP,
será afetada. O motivo disto é que a relativa segu- 1991.
rança no emprego dos trabalhadores ameaça minar COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e
a disciplina nas empresas e alimentar uma instabili- grandes temas. São Paulo: Saraiva, 2000.
dade sócio-política. Por estes motivos, o Welfare State
é conduzido para o conjunto de instituições sociais COUTINHO, Luciano G. Nota sobre a natureza da globaliza-
em decadência. ção. Economia & Sociedade, v.4, p.21-26,1995.
Depois de analisarmos as diversas formas de cri- DOWBOR, Ladislau. Da globalização ao poder local: a nova
se do Estado de bem-estar, resta-nos fazer algumas hierarquia dos espaços. São Paulo em Perspectiva, v. 91, p.
perguntas. Num contexto de crise, o que fazer? “O 3-10, 1995.
regresso do liberalismo?” (SPINELLI, 1993, p. 212).
Uma reformulação desse modelo de Estado? Uma ESPING-ANDERSEN, Gösta. As três economias políticas do
Welfare State. Lua Nova, v. 24, p. 85-116, 1991.
ampliação, mais democrática, de suas atribuições?
Atualmente, ganha força nos meios políticos e econô- FORRESTER, Viviane. O horror econômico. Tradução
micos o retorno ao liberalismo, ou melhor, a aplicação Álvaro Lorencini. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,
das premissas neoliberais. Será que o neoliberalismo 1997.
vai suplantar, definitivamente, o Welfare State? Essa
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