Vous êtes sur la page 1sur 37

Revista Portuguesa de Educação, 2005, 18(2), pp.

7-43
© 2005, CIEd - Universidade do Minho

Educação em meio rural e desenvolvimento


local

Abílio Amiguinho
Escola Superior de Educação de Portalegre, Portugal

Resumo
Neste artigo problematiza-se e analisa-se um processo de territorialização
sócio-educativa em contexto rural. Corresponde a um desafio — assim o
entendemos — para que sobre ele reflectíssemos, tendo como eixo
estruturante a problemática da exclusão social ou a do desenvolvimento local.
Optámos por nos situar neste último campo de análise, por razões tanto de
natureza teórica como política que, numa primeira parte do artigo, explicitamos
e discutimos. De uma investigação que realizámos, ao longo de vários anos,
invocamos contributos que pretendem discutir e elucidar como pode a escola
ser uma instância promissora de desenvolvimento local. A sua identificação e
reconhecimento como instituição local, quer pelos que trabalham e vivem no
seu interior, quer pelos que actuam no contexto envolvente, são passos
decisivos para instituir a escola, progressivamente, em parceiro do
desenvolvimento. A promoção dos valores locais e das raízes, a reconstrução
de identidades sócio-pessoais e locais, a produção de sociabilidades e o
equacionamento e solução de problemas comuns, foram vertentes de uma
intervenção socioeducativa, assumidamente globalizante. Este quadro, como
se argumenta, foi também, intencionalmente, o de transformação e de
mudança deliberada da escola e da administração dos territórios educativos.

Palavras-chave
Exclusão social; Desenvolvimento local; Escola em meio rural; Identidades
locais; Redes

Este texto retoma, de forma revista e ampliada, a argumentação da


nossa intervenção, na Universidade do Minho, em Abril de 2004. Com o tema
8 Abílio Amiguinho

"Administração do Sistema Educativo e Territórios: desenvolvimento local ou


gestão da exclusão" lançava-se o desafio, assim o interpretámos, de discutir
e de debater, de forma inovadora, a territorialização do sistema, para além das
questões mais estritamente escolares.
Pareceu-nos tratar-se de uma oportunidade para vincar a acuidade
das questões sociais e políticas neste domínio e a sua relação com o
educativo e o escolar, inflectindo, assim, o rumo recente da reflexão e da
análise sobre os designados territórios educativos. Diferentemente, portanto,
da consideração de que nestes espaços se operaria num vazio social, o que,
em grande medida, legitimou a criação e o pretenso desenvolvimento de
meros territórios escolares.
Na altura, alertámos para que, pesem embora as justificadas intenções
do alargamento do âmbito do debate, tal significava convocar conceitos,
problemáticas e abordagens, cujas indefinições, ambiguidades e fluidez
tornavam esta tarefa particularmente difícil e complexa. No plano educativo
são controversas as questões teórico-práticas relacionadas com o conceito de
território. Também no mesmo âmbito, mas, sobretudo, nas suas implicações
sociais e políticas, não são menores as dificuldades, nem diminuem as
ambiguidades, que ensombram o uso dos conceitos de exclusão e de
desenvolvimento local. O mesmo se poderia dizer das referências às práticas
que visam combater a primeira e promover o segundo.
Por isso, se em relação à noção de território, optámos por deixar para
outros essa discussão, não poderíamos proceder de igual forma em relação
às problemáticas da exclusão e do desenvolvimento local. Assim, antes de
reflectirmos sobre o modo como na intervenção de que fizemos parte, ao
longo de quase vinte anos, e que investigámos mais aprofundadamente
(Amiguinho, 2004), problematizámos previamente os conceitos de exclusão e
de desenvolvimento local. Fizemo-lo para debater as potencialidades e
impossibilidades analíticas de tais conceitos, e demais pressupostos teóricos
que os relacionam, no que se refere às dinâmicas educativas em contexto
rural e à sua articulação e eventual impacto em mudanças mais globais, no
espaço social local. Recuperando essa ideia, neste texto essa discussão
preliminar será objecto de uma primeira parte, reservando para a segunda a
abordagem desta problemática, na intervenção sócio-educativa em que se
traduziu o Projecto das Escolas Rurais na Região do Nordeste Alentejano. Os
Educação em meio rural e desenvolvimento local 9

enquadramentos institucionais, os princípios da intervenção, os objectivos do


projecto, metodologia e acções concretas serão referidos a abrir a segunda
parte do texto.

Exclusão social: um conceito redutor


Num texto colectivo (Amiguinho, Correia & Valente, 2003)
interrogávamo-nos sobre as propriedades do conceito para descrever e
analisar o sentido das mudanças que, numa lógica de projecto,
deliberadamente se visavam introduzir em escolas e comunidades de meio
rural. Numa reflexão muito próxima da intervenção em que estávamos
envolvidos (e socialmente comprometidos como equipa de acompanhamento
e de mediação), pressentíamos a inapropriação da aplicação de uma espécie
de jargão sociológico (ou slogan) a uma realidade social que vivenciávamos
quotidianamente, pesem embora as diversas dificuldades dos contextos com
que, permanentemente, nos confrontávamos. Subscrevendo Fernandes
(1998), era a perspectiva que resultava de uma convivência continuada com
um objecto social, ou do "estar por dentro" dele, que ajuda a desvelar os seus
"diferentes planos e materialidades", como momento privilegiado da
construção de um objecto de estudo.
Uma análise mais metódica e sistemática, teoricamente apoiada,
afigurava-se pouco prometedora, se a entrada acontecesse pela problemática
da exclusão social. Assim parecia, de facto, quando confrontados com uma
noção de exclusão social que remete para "a fase extrema do processo de
"marginalização", entendido este como um processo "descendente" ao longo
do qual se verificavam sucessivas rupturas na relação do indivíduo com a
sociedade" (Fernandes & Carvalho, 2000, p. 70). Nessas rupturas é relevante
a que se verifica em relação ao mercado de trabalho, atingindo-se na sua fase
extrema a ruptura familiar e afectiva. É por uma espécie de "infortúnios da
época" que se "danam as articulações entre as diferentes esferas da vida
social", culminando com "a ruptura do laço social" (Autès, 2004, p. 17).
Ora, constatadas as dificuldades no emprego em meio rural, é certo,
afigurava-se-nos estarmos algo distantes de rupturas familiares e afectivas, em
espaços sociais onde, apesar de tudo, ainda pontuam as relações de
vizinhança e de proximidade, a entreajuda e a solidariedade. Se as
10 Abílio Amiguinho

dificuldades e o desfavor, que convém não ocultar (Lee, 2003), baixam os


níveis de densidade social (Reis, 1998a), principalmente os momentos de crise
continuam a avivar a coesão local e o recurso aos vizinhos mais próximos.
Reactivam-se solidariedades primárias e cadeias de auxílio mútuo, colocando,
momentaneamente, conflitos "entre aspas", criando pontes onde elas tendem
a faltar e gerando um efeito de almofada da própria crise (Albino, 2002;
Almeida, 1998). A crise e as dificuldades pareciam unir e refazer o laço social
e não acentuar as fracturas, como se considera ser próprio da exclusão social.
Por outras palavras, procurávamos os sintomas de uma
marginalização e de uma exclusão social e, com frequência, pressentíamos o
contrário. Assim nos apercebíamos das dificuldades e impossibilidades
analíticas de um conceito que mascara a natureza e a especificidade das
próprias dificuldades ou sensibilidades dos meios sociais e, em particular, das
colectividades rurais.

De uma exclusão que não encontrávamos a um objecto teórico


que empobrece a análise
Do mesmo modo, comprovávamos o uso "inflacionado" e
"heterogéneo" de um conceito que impede uma análise penetrante que desça
às causas dos fenómenos. Ao barrar esse caminho, dilui os problemas e
desvia as políticas de equações e soluções apropriadas e, por isso mesmo, a
exclusão social torna-se um conceito "perigoso" (Castel, 2004). Ao tudo
designar e nada discriminar produz um efeito de "amálgama" que
desproblematiza e naturaliza a questão social (Canário, 2003). Assim se
individualizam as novas fracturas e desigualdades sociais e se consideram os
sujeitos e grupos como responsáveis pela sua própria vulnerabilidade social e
que os aproxima da exclusão (Castel, 2004). As políticas são concebidas
tecnicamente, incrementando um "trabalho sobre os outros" que visa
"transformá-los" (Dubet, 2003), dissimulando os problemas de desemprego,
em vez de incidir sobre as reais causas do problema, por exemplo
promovendo o emprego (Castel, 2004).
Acontece com a exclusão social aquilo que sucede com palavras ou
referências, principalmente do campo político, mas também académico, como
globalização (Dubet, 2004). A argumentação transforma-se numa não
argumentação, as políticas redundam em meros paliativos.
Educação em meio rural e desenvolvimento local 11

A fluidez do conceito, mesmo no esforço para dilucidar os fenómenos


que quer modelizar ou tipificar, revela-se na ambivalência interpretativa que
sentimos perante as hipóteses conceptuais alternativas que Autès (2004)
enfatiza. Com a palavra "desligadura"1 que inventa para não empregar o
termo exclusão social, o autor coloca-se no plano do simbólico. Considera que
a "desligadura" tem como resultado "a incapacidade para produzir sentido e
para produzir sujeitos (ou actores)" (p. 31). Equacionada a questão nestes
termos, quase nos deixa tentados a concordar com a capacidade de leitura
desta perspectiva, sobretudo para perceber a crise de identidade dos espaços
rurais e as muitas dificuldades em instituir e em mobilizar os actores em meio
local. Mas, ao complementar a concepção, acrescenta: "Esta desligadura faz
com que a relação dos homens com as coisas e dos homens entre si deixem
de ter sentido" (p. 35). E aqui retornam as dúvidas.
Por um lado, o peso do interconhecimento e da proximidade, com o
desfavor parece, pelo menos, manter-se, senão mesmo reforçar-se. Na
periferização em que as colectividades rurais se sentem ameaçadas,
contraria-se o isolamento no seu interior, que as privações tendem a gerar,
produzindo sociabilidades de novo tipo: para cuidar dos mais velhos e das
(poucas) crianças, para resistir à supressão de serviços, etc. É a comunidade
que primeiramente se sente ameaçada, mais do que o indivíduo, em
particular. Por outro lado, estas comunidades, na medida das suas
possibilidades, continuam a ser os garantes da paisagem e de uma relação
sábia com a natureza, que, no uso que dela se faz, controla os abusos e
garante condições para a sua preservação.
São manifestações de um local rural que o campo político e o campo
académico frequentemente "escamotearam" (Mabileau, 1993). Por outras
palavras, constituem claros indícios de um local que mesmo o global, depois
do nacional, não apagou (Giddens, 1992). São, de resto, uma constante
histórica que remonta ao período da formação dos Estados-Nação, da
unificação nacional e da uniformização cultural, da promoção do geral e do
universal, contra o particular. Contrariam o suposto "nada ocorre" nas
comunidades rurais precisamente na resistência às pressões nacionais e
globais que, afinal, andou, pelo menos, lado a lado, com o mais
abundantemente referido, conservadorismo destes espaços sociais. Assim se
desenharam os contornos da sua autonomia relativa (Pinto, 2000) que
revelam um rural, embora, forçosamente, impuro.
12 Abílio Amiguinho

Eis uma via, porventura teórica e metodologicamente mais operativa e


produtiva, do que a da pretensa problemática da exclusão social. Sobretudo
para desvendar e caracterizar um espaço muito mal conhecido e reduzido a
um "silêncio social". Este silenciamento tornar-se-á ensurdecedor se as
baterias analíticas forem as da exclusão social que, pela suposta maior
visibilidade (e perigosidade) do fenómeno em meio urbano, fixa aí as
atenções, quer no domínio da produção do conhecimento, quer dos projectos
e das políticas.

Efeitos perversos da análise da exclusão social em meio rural


Apesar disso, há abordagens que insistem na extensão do conceito ao
mundo rural e numa análise dos seus problemas, com base nestes
parâmetros teóricos. Bastien (2003), aparentemente para retirar do silêncio os
problemas do rural, ao enveredar por esse caminho, deixa transparecer os
paradoxos, e mesmo alguma perversão, na sua tentativa. Pretendendo ser
um dos contributos para responder à questão "Le rural terre d’exclusion?",
lançada nesse número temático da revista Ville-École-Integration, Enjeux, o
autor denota o peso da própria interrogação, nas dimensões que com alguma
ambiguidade evoca, para a suposta exclusão dos jovens em meio rural.
A exclusão social, como objecto teórico, prevalece sobre a
problemática da colonização do espaço rural pela cidade ou da urbanização
do rural. Embora, a propósito da exclusão reflicta sobre a crise de sentido para
vida e a identidade dos jovens em espaço rural, é a influência nacional e
global que a justifica. Esta influência, como factor que repele, não é
devidamente contrastada com os factores comunitários que atraem. Porém,
no que refere como um paradoxo, na periferia urbana, considerada "terra de
excluídos", composta à custa, tanto física como social, do espaço rural,
reconhece a autenticidade das relações de dimensão humana, assim como a
sociabilidade de vizinhança e a solidariedade. Há nesta constatação uma
coincidência com a reflexão de Fernandes (1998) e de Fernandes & Carvalho
(2000). O seu material etnográfico, proveniente desses "espaços perigosos" e
que descrevia longamente a sua vida, evidenciava "redes sociais,
solidariedades, socializações, identidade de lugar e vinculações territoriais"
(p. 83), a par da constatação da origem social rural dos habitantes dos bairros
ditos problemáticos. Precisamente lá onde a cidade acaba e se diz faltar o
Educação em meio rural e desenvolvimento local 13

sentido da vida, há "ressocializações" do tecido social perante o que


"dessocializa".
Curiosamente, a análise enriquece-se quando são outros os referentes
teóricos que distinguem melhor o que o conceito de exclusão social
uniformiza. Como, por exemplo, quando pressupõe as dificuldades dos jovens
como dificuldades dos territórios, na sua relação com os espaços de
modernidade. Outro exemplo é o da abordagem de uma "desqualificação
integrada dos jovens", como uma espécie de decisão e de resignação
simultâneas, que leva a "ficar" para se "proteger" do sofrimento da cidade
(geralmente das suas periferias) que pode acrescer ao sofrimento do campo.
São estas inferências que conduzem a uma visão menos negativa da situação
da juventude nos campos: se existem situações preocupantes, "outras dão
razões para esperar" (Bastien, 2003, p. 58). Talvez por isso, as contribuições
de outros autores incidem sobre os "jovens rurais em dificuldade" e as
"intervenções para a inserção" para aceder às "especificidades dos contextos
territoriais" (Lafond & Mathieu, 2003). Assim, se hipoteticamente se confere
visibilidade social e política aos problemas desses espaços sociais,
especialmente dos jovens, falando de exclusão em meio rural pode tratar-se
de uma visibilidade distorcida, uma vez que a abordagem por esta via enfatiza
situações de perda ou de dificuldade, mas pode esconder, perversamente,
outras.
Em síntese, o uso do conceito e do termo exclusão social, para
supostamente captar e analisar a especificidade do mundo rural, à
semelhança do que sucede com outros mundos e fenómenos que configuram
a nova questão social, serve para uniformizar e homogeneizar o que é diverso
e possui outros e variados sentidos. Cataloga uma realidade — os sujeitos e
os colectivos —, sem a cartografar, diferenciar e contrastar tão
detalhadamente, como faria supor a diversidade das suas características. O
desfavor, as perdas e as dificuldades das colectividades rurais, que fazem a
sua "sensibilidade", são de um teor distinto, invocam outros fenómenos, que
no espaço social rural se combinam diferentemente do que sucede noutros
contextos sociais. Mesmo nesses, vários autores denunciam como a exclusão
social, primeiro como objecto mediático, depois como objecto político e, por
fim, como objecto teórico de uma notável insipiência, ofusca muito mais do
que esclarece ou elucida. Nessa medida, tornado lugar comum, constitui um
14 Abílio Amiguinho

daqueles "utensílios intelectuais" que nada acrescenta à leitura e


compreensão do mundo (Canário, 2003).
Por isso, pese embora, também, a imprecisão e fluidez do conceito de
desenvolvimento local, parece-nos haver nele uma superior operacionalidade
descritiva e analítica. À equação "desenvolvimento local ou gestão da
exclusão", como ponto de partida para a reflexão preferimos uma entrada
focalizada no desenvolvimento local e nas figuras que invoca. Apresenta-se-
nos mais apropriada a uma leitura e interpretação da implicação da escola em
dinâmicas sócio-educativas que visam, em reciprocidade, a mudança da
escola e do trabalho escolar e o desenvolvimento dos contextos.

Desenvolvimento local: princípios e práticas


Mais de 30 anos decorridos sobre o discurso e a prática do que se
convencionou designar por desenvolvimento local persistem as imprecisões
nas suas definições. A urgência das práticas parece ter retardado os esforços
de problematização teórica. Só mais tarde, o reconhecimento prático dos
problemas, senão mesmo da falência, em muitos aspectos, do modelo mais
tradicional de desenvolvimento (ou de crescimento), gerando dinâmicas de
base local, induziu preocupações conceptuais neste domínio. Foram,
essencialmente, as oportunidades que se abriram a um desenvolvimento
alternativo, entretanto em marcha, que fizeram emergir o conceito e a
problemática do desenvolvimento local (Roque Amaro, 1988). Assim, as
tentativas de definição partem de pressupostos de um modo de
desenvolvimento "ao contrário", ou de um "desfazer" do desenvolvimento, e,
por isso, não surpreende que os traços que lhe tendem a vincar sejam os que
o modelo tradicional de desenvolvimento ignorou ou negou. Deste modo, os
esforços por delimitar os contornos de uma ideia e de uma prática são
confrontados, criticamente, pelo facto de insistirem no que o desenvolvimento
local não é e não tanto naquilo que é ou pode ser.
Por isso, entre as características do desenvolvimento local que
suscitam maior consenso, destacam-se: actividades de bricolage; actividades
de muito compromisso social; implicação progressiva e participação;
parcerias e efeitos de sinergia; criação e gestão partilhada de capacidades e
de recursos; promoção da cidadania; contextualização territorial; auto-
organização; ….
Educação em meio rural e desenvolvimento local 15

Sintetizando, Reis (1998b) considera o desenvolvimento local como


"um impulso generoso, de carácter local e endógeno, assente na mobilização
voluntária, cujo objectivo é originar acções com as quais se produzem
sinergias entre agentes, tendo em vista qualificar os meios de vida e
assegurar bem-estar social".
Assim se salienta, em primeiro lugar, a dimensão socio-política e
territorial do desenvolvimento local: opção política que contrasta com a
tecnicização dos processos.
Em segundo lugar, fazem-se sobressair os seus aspectos humanos.
Normalmente, as apostas e os sucessos, as dificuldades e obstáculos,
derivam do modo como as pessoas, embora sempre por processos sociais,
se empenham no desenvolvimento, não se mobilizam ou a ele se opõem
(Prevóst, 2004).
Em terceiro lugar, releva-se o carácter educativo do desenvolvimento
local. Trata-se de um processo permanente de formação, predominantemente
de natureza informal, no "ombro a ombro" dos actores, enquanto agem sobre
os seus problemas. O lugar maioritário do "face a face" das formações formais
tende a ser ocupado por esta formação que tem como principal efeito
educativo o voltar a acreditar, o apostar nos recursos próprios e nas
potencialidades, em espaços onde domina o fatalismo e a resignação (Melo,
1988).
Por fim, enfatiza-se a forma como a melhoria do quotidiano se faz de
mudanças, como o resultado de um jogo, invariavelmente tenso, entre
tradição e modernidade (Fragoso, 2005), ou entre conservação e mudança;
jogo pelo qual se decidem, afinal, as potencialidades e os limites do
desenvolvimento local.

Escola e desenvolvimento local


A escola é, muitas vezes, particularmente em meio rural, o serviço que
resta depois de todos os outros terem desaparecido ou sido suprimidos pelo
Estado. Tal ocorre por razões que penalizam a comunidade no seu todo, as
instituições de uma forma geral e os actores. As ameaças à escola, que
fragilizam a sua existência ou ditam o seu encerramento, são uma das
dimensões do problema mais geral que afecta os meios rurais e daquilo que
16 Abílio Amiguinho

neles se reflecte como resultado das políticas públicas. Ora, normal seria que,
quer no domínio das práticas quer em termos conceptuais, outra atenção
fosse dada ao envolvimento da escola em dinâmicas de desenvolvimento
local, em contexto rural. Por um lado, tal significaria implicar e analisar o papel
de uma instituição importante para o processo de desenvolvimento, até pela
falta de outras. Por outro lado, equivaleria a admitir, teoricamente e na prática,
os contributos específicos que a escola poderia fornecer para a melhoria dos
contextos, assim como a procurar perceber como poderia a escola beneficiar
do desenvolvimento em que participasse, localmente tão necessitada dele
como outras instituições, tal como os actores que lhe dão corpo.
Não tem sido, efectivamente, por aí que se tem vindo a considerar e a
propor a necessidade de um relacionamento mais estreito entre escola e
comunidade, ou, pelo menos, não se tem conferido a esta perspectiva o
devido relevo. Mesmo na defesa de uma "lógica comunitária" para regular a
escola de outro modo, incrementando ou reforçando a participação das
famílias e da comunidade, tem havido, por um lado, dificuldades para superar
perspectivas mais estritas de contextualização do currículo; e, por outro lado,
a consideração de processos de transformação da escola, é certo, mas muito
em torno da sua missão mais tradicional ou arreigada, sem ousar no pôr à
prova da velha gramática escolar.
O entrosamento local da escola é uma alternativa válida para agarrar
e gerir as novas figuras e contornos da escolarização e que minam a
"sacralização" e a legitimação do velho "programa institucional" (Dubet, 2003;
2004). Assume-se esta defesa em nome do refazer (ou da "invenção") da
escola, dos projectos e das políticas educativas e de novas
profissionalidades. Estas cada vez mais tendem a configurar-se e a recompor-
se pelo quotidiano do seu exercício, num ambiente social onde a instituição
escola já não define a priori o que é ser professor (e, até mesmo, ser aluno).
As escolas deverão ser cada vez menos escola no sentido escolar, para
serem cada vez mais escolas no seu sentido educativo, como "lugares de
cultura comum". Por isso, nos projectos e nas políticas volta a defender-se
uma territorialização da escola, para a sua polivalência e para uma oferta
educativa local, como, de resto, noutros planos sociais, enquanto campo
indefinido, porventura contraditório, de possibilidades (Autès, 2004). Em
relação à gestão local da escola ela serve para devolver o poder educativo
Educação em meio rural e desenvolvimento local 17

aos adultos, às famílias e às comunidades, que lhe havia sido confiscado,


reabilitando, por exemplo, movimentos de educação popular que
abandonámos durante mais de 30 anos2.
Há quem vá, no entanto, mais longe nas implicações de uma
relocalização da educação e da escola. Trata-se da consideração da defesa e
da promoção de uma "lógica do desenvolvimento local" mais do que de uma
"lógica comunitária". Os pontos de apoio, para o desenvolvimento e
concretização desta lógica, podem ser:
i) a "promoção dos valores e das comunidades locais", pelos
contributos das crianças na escrituralização das culturas locais
(Sarmento, 2000);
ii) a "reconstrução das identidades locais" por uma aliança estratégica
entre crianças e idosos (D’Espiney, 2003a; Amiguinho, 2004);
iii) a participação da escola, em parcerias, para o equacionamento,
visibilização e a solução de problemas locais (Amiguinho, 2004).
Esta última dimensão é, do nosso ponto de vista, uma das mais
pertinentes para instituir a escola num "elo de política social" mais
do que um "espaço de instrução" (Sarmento, 2003).
De forma semelhante, há também quem, explicitamente, em contexto
rural, institua a relação escola/comunidade como condição imprescindível
para transformar as ameaças (do encerramento das escolas) em
oportunidades (Prévost, 2004), de manutenção e promoção da escola e das
próprias comunidades. Fazer das ameaças oportunidades é, de resto, uma
das características basilares do desenvolvimento local, de grande
assertividade no mundo rural e, talvez por isso, a ideia e a prática do
desenvolvimento local aí tenham nascido (Vachon, 2000)3.
Enfaticamente, num processo de "reseautage" que significa "pôr os
actores em relação pelas redes", unindo-os em torno das ameaças para as
transformar em oportunidades para o desenvolvimento local, Prévost (2004)
distingue três tipos de redes: as "naturais" que se referem aos "laços
informais", ao "capital social" e à mobilização; as "funcionais", feitas de laços
formais entre organizações; e as "utilitárias" que pelos laços de proximidade,
pela mistura ou encadeado de entradas, completam o quadro para a
mobilização dos actores. Ora, é nas redes funcionais, com papel decisivo no
18 Abílio Amiguinho

quadro de desenvolvimento, que a escola joga a sua importância como


organização: uma espécie de polarizadora ou nó da rede, onde confluem
interesses à medida que se elevam as ameaças. As "colaborações" e a sua
natureza são outro dos elementos que completam uma matriz teórica
específica para analisar o papel da escola no desenvolvimento local. Elas
podem ir da mais simples "troca de informações", passando pela consulta, à
mais estreita colaboração de "concertação e partenariado". Esta
conceptualização tem alguma afinidade com a proposta de tipologia de
partenariado avançada por Demailly & Vidrière (1998). Para destacar os
contributos da escola também estes autores referem a troca de informações
e a comunicação; a capacidade de trabalhar conjuntamente; a concertação e
construção de acções comuns.
De qualquer dos modos, nestas perspectivas "mais ousadas" não está
ausente uma preocupação com a melhoria da escola. Antes pelo contrário,
pela complexidade que se considera acrescer à acção educativa, reforçam-se
as condições para a sua inovação. Ao mesmo tempo, densificam-se e
ampliam-se as fontes e modos de regulação educativa, na sua "dimensão
sócio-comunitária" (Barroso, 2005), designadamente produzindo novas
coligações e alianças, a nível local. Entre elas, as alianças entre famílias,
professores e comunidade local, ao mesmo tempo que permitem gerir uma
tradicional conflitualidade entre actores educativos, oferecem condições para
reivindicar do Estado (do Central ou até mesmo do "Local") políticas e modos
de governação educativa, de que este tende a "descartar-se".
Em síntese, se o desenvolvimento local é um conceito que não deixa
de ser difuso, há, pelo menos, uma certeza que atenua as ambiguidades ou
a sua polissemia: o seu ponto de apoio ou de partida é o das potencialidades,
das valias funcionais e o dos recursos, sem esquecer, ou melhor, lembrando
doutra forma, as privações, as necessidades, as perdas e os desfavores. A
participação, a implicação e a auto-organização de actores e instituições, a
nível local, completam uma abordagem mais politizada dos problemas e das
soluções, que convoca a mediação social. Diferentemente, portanto, de uma
tecnicização e instrumentalização das intervenções, associada aos
fenómenos de exclusão social, que transformam os sujeitos e os colectivos
em carentes de ajuda ou de assistência. Ora, como remata Autès (2004), o
que importa a "capacidade de criar, não actores, senão as condições, os
Educação em meio rural e desenvolvimento local 19

espaços, os lugares, as estruturas em que os actores possam eventualmente


produzir-se" (p. 39). Mas, não tem sido para aí que nos tem levado a
proliferação da temática da exclusão social: a mediatização do problema, a
sua vulgarização (e banalização) pelo discurso político, e a natureza de
algumas investigações na mesma linha, dão primazia ao discurso e à retórica;
agir sobre, em intervenções concebidas centralmente, em vez do agir com os
sujeitos, localmente pensado, gizado e implementado, tem sido a regra.
Enfim, duas razões estão subjacentes a esta preferência pelo enfoque
no desenvolvimento local: em primeiro lugar, tende-se a qualificar os actores
e as instituições nas suas potencialidades e capacidades em vez de os
desqualificar e desvalorizar nas suas fragilidades e carências. Em segundo
lugar, trata-se de uma análise que não esconde, antes enfatiza, mesmo os
seus propósitos políticos mais imediatos. O discurso da exclusão, na sua
visão redutora dos fenómenos, é o que legitima a supressão dos serviços
locais, nomeadamente o escolar, porque pretensamente exclui mais do que
integra. Ao invés, as referências ao desenvolvimento local e às possibilidades
e benefícios da escola neste quadro, justificam a aposta na manutenção e na
revitalização dos serviços4.

O projecto das Escolas Rurais: de obstáculo a recurso


Embora o projecto inicialmente se designasse por Projecto das
Escolas Isoladas, a intervenção a que se propunha não se confinava à
situação específica destas escolas. Procurava-se ampliar e complexificar a
perspectiva dos problemas, concebendo-se o isolamento da escola como a
face visível de um problema mais vasto que atinge as próprias comunidades.
Assim, era necessária uma acção pedagógica e sócio-educativa que
diversificasse e multiplicasse os pontos de entrada, restringidos pela
administração do sistema à questão — para ela muito sensível — da rede
escolar.
A sensibilidade que se contrapunha era a dos muitos desfavores em
que estas comunidades se encontram, entre as quais, a de maior significado
é, sem dúvida, a dificuldade em mobilizar recursos para, a partir de dentro,
reagir e contrariar o próprio desfavor. Previsto, em 1992, para um horizonte
temporal de 9 a 10 anos, o projecto visava, à partida, um desenvolvimento
20 Abílio Amiguinho

desdobrado por três momentos ou ciclos. Pretendia-se evoluir de uma


perspectiva de aproximação dos professores, das crianças e das escolas,
para um questionamento das problemáticas dos contextos das escolas e,
finalmente, para projectos integrados de desenvolvimento local (Amiguinho,
D’Espiney & Canário, 1994).
Um projecto que tinha o ponto de entrada na escola não era, afinal, um
projecto escolar. No caso da Região do Nordeste Alentejano, esta evolução
está patente, por exemplo, no modo como a aproximação e os encontros de
escolas, para trabalhar sobre os seus problemas, mas também das
comunidades, pela sua participação, fez emergir a falta de carteiro. Ir "à
procura" do carteiro e trazê-lo de volta (o que efectivamente aconteceu), fez o
primeiro projecto em três aldeias do Concelho de Monforte, com a escola
numa intervenção social e pedagógica, para a sua melhoria e para o
desenvolvimento dos contextos. Este pequeno projecto persiste ainda hoje
como um forte traço identitário da lógica e da prática de intervenção nesta
região (Amiguinho, 2004).
Assim, decorridos os primeiros anos, tornaram-se cada vez mais
visíveis os problemas das comunidades rurais, o que exigia projectos para
agir sobre situações globais de perda, de desfavor, de desestruturação e de
crise de identidade que afectam as comunidades, donde a posterior
designação de Projecto das Escolas Rurais. Manteve-se o princípio e a
prática genérica da transformação do "obstáculo" (do isolamento da escola e
das comunidades) em "recurso", para a colaboração, para o trabalho em rede
e para o estabelecimento de parcerias.
Estávamos, cada vez mais, perante um problema social, com a
conotação globalizante que o conceito pode ter. Muito mais, portanto, do que
um mero problema escolar ou educativo, revelava-se, na intervenção, a
pluridimensionalidade dos problemas das comunidades rurais. Requeria uma
acção global e integrada ao nível dos actores e das dimensões de trabalho.
A explicitação desta ideia pode ser feita a partir de um texto da equipa
de coordenação e de apoio inserido na Revista Aprender, sobre o
desenvolvimento da intervenção no concelho de Nisa:
Partindo dos problemas da escola e do mundo rural, como problemas sociais,
o projecto rege-se por princípios de globalização da acção educativa,
procurando integrar:
Educação em meio rural e desenvolvimento local 21

i) o trabalho sócio-educativo: promovendo a participação social útil de idosos e


a mobilização de actores e de associações locais, por exemplo no projecto de
criação de um "museu local";
ii) o trabalho pedagógico: diversificando as fontes do currículo e as
oportunidades de aprendizagem pela abordagem dos saberes e dos problemas
locais, promovendo o confronto da cultura escolar com a cultura local;
iii) animação e o desenvolvimento local: quando é a escola a promover
iniciativas como os encontros de alunos e de professores, mostras ou
exposições, ou quando se associa a outras iniciativas quer da autarquia ou de
outras estruturas e entidades locais, ou, ainda, quando é a escola a
desencadear as parcerias para uma candidatura ao programa "leader" (no
museu local) ou para uma candidatura ao programa Ciência Viva (com a Escola
Profissional local) (Amiguinho et al, 1999).

Eis o contexto onde uma lógica do desenvolvimento local visa


potenciar o trabalho da escola, conferindo-lhe outros sentidos onde eles
tendem a faltar, tanto para alunos como para professores.
Já nos referimos à Região do Nordeste Alentejano do projecto e é em
relação a ela que discutiremos a questão da escola e da educação em meio
rural num quadro de desenvolvimento local que se procurou gerar. O Projecto
das Escolas Rurais tem, ou teve, intervenção noutras oito Regiões de
Portugal, disseminadas pelo território nacional. O seu enquadramento
institucional é do Instituto das Comunidades Educativas, com sede em
Setúbal. Na região do Nordeste Alentejano, o enquadramento regional é da
Escola Superior de Educação de Portalegre, protocolado com o ICE, através,
fundamentalmente, de uma equipa de coordenação e de apoio, à qual
pertence o autor do texto.

A escola como instituição local


Como em qualquer outro contexto social, a escola confronta-se ainda
com representações que a consideram como um lugar à parte. É olhada como
uma instituição para o fim específico de instruir as crianças, a partir do
trabalho dos professores, sem interferências no currículo, quer por parte das
famílias quer, mais genericamente, da comunidade. Esta desterritorialização
da escola foi particularmente dramática e violenta em meio rural: aí, os
particularismos, os valores comunitários e familiares, as sociabilidades, as
relações de trabalho e o seu exercício, os ritmos e a gestão do espaço e dos
tempos eram profundamente contrários aos universalismos, às culturas
nacionais, ao racionalismo e aos modernos modos de produção emergentes.
22 Abílio Amiguinho

É pois uma tarefa sem precedentes aquela que pode levar a um


reconhecimento do carácter local da instituição escola. Se, como escrevemos
(Amiguinho, 2004), as ameaças demográficas e políticas reforçam e
sustentam a defesa da instituição escolar pela comunidade, como derradeiro
sinal da sua existência, é, porventura, mais difícil "vê-la" a assumir outros
papéis e funções e intentar, colectivamente, a sua promoção como espaço e
parceiro para a intervenção sócio-comunitária.
O desafio dos projectos passa por aqui, ou seja, por esta visibilização
e legitimação local da escola, principalmente quando, politicamente, se nega
a sua existência e condição. Apesar das ambiguidades e contradições de um
processo que é vivido em tensão, vislumbram-se tendências no sentido da
afirmação da escola como instituição local.
É, em primeiro lugar, assim reconhecida pela comunidade em geral.
Por um lado, para reivindicar serviços que lhe retiraram, para defender
a sua manutenção ou para criar, instalar ou dinamizar outros. O exemplo do
projecto "Onde está o carteiro?" que abrangeu três aldeias é, a este propósito,
paradigmático. A Pré-primária de Degolados, o Centro Comunitário de
Ouguela e o Museu Local de Alpalhão, entre outros projectos noutras aldeias,
surgem na sequência.
Como apurou um dos professores do projecto, trazer o carteiro de
volta, revelou o significado de ter uma escola, particularmente nos mais
velhos, mais directamente prejudicados pela não distribuição de
correspondência, que assim os impedia de receber regularmente os vales de
correio com o valor das suas reformas (Mourato, 2000).
Travar a desqualificação das comunidades pela supressão de
serviços, ou requalificá-la pela criação de outros, contribuindo para a solução
de problemas locais, é o que aproxima a escola das populações locais,
reconhecendo-se-lhe um papel mais social.
Por outro lado, a promoção dos valores locais é também condição para
a visibilidade local da escola, principalmente pela escrituralização e
divulgação pelas crianças do seu património (Sarmento, 2003). Os momentos
de encontro de crianças e de comunidades, ao mesmo tempo que
exteriorizam esses valores, dão vida e animam as aldeias.
Educação em meio rural e desenvolvimento local 23

Eu acho bem. Apesar de eu dizer que os bonecos não eram de cá, que no meu
tempo não estavam cá, vinham ali de São Bento, era o (bonecreiro) Sandes. Ele
tinha cá família e vinha.... Puseram-lhe o nome de Santo Aleixo, mas depois, as
outras pessoas mais velhas dizem que sim, que sempre foram de cá, mas que
depois abalaram... Acho bem que isto não se perca. Tanto faz ser isso, como
outra coisa qualquer … Naquela altura ninguém dava apreço a essas coisas.
Era como tudo, eu ia à escola para aprender que era para saber alguma coisa,
nunca passei do que passei e poucos passaram... (Sra. Gracinda, Santo Aleixo
Julho de 2001).
Esses passeios que são acontecimentos culturais, não só para as crianças,
mas também para a própria população, porque vem tudo para a rua ver, é um
dia de festa. Quando é uma visita dos espanhóis aqui a Assumar isso é um dia
de festa na aldeia. Isto é muito importante para uma terra como esta que é
monótona se não existirem essas coisas. Isso tudo graças aos professores de
agora. Porque noutro tempo os professores não faziam isso (Sr. Moura,
Assumar, Junho de 1995).

Em segundo lugar, os autarcas são, mais especificamente, os que


tornam este reconhecimento da escola como instituição local mais explícito. É
o que se evidencia nesta proposta de criação de um serviço local — neste
caso um Centro Multi-usos — para reaproveitar um edifico público devoluto
que, na sequência de outras, foi novamente feita à escola:
E eu pensei que era tempo, até porque conseguimos também com outra obra
que a colectividade cá do sítio tivesse já a sua sede própria. E, entretanto, eu
queria que agora naquele Centro Multiusos, lhe déssemos uma vertente cultural
e eu aí, mais uma vez, o projecto ajudou-me, através de vocês, através de
conversas que vou tendo com outros professores, ligados também ao projecto
e pensei, que na verdade, aquele era, de longe, o melhor caminho. Já temos o
concurso aberto, penso que dentro do ano que vem estaremos, com certeza, a
inaugurar mais uma obra, que no fundo, acaba também por ser ela empurrada
pelo próprio projecto (Presidente da Câmara de Monforte, Setembro de 2002).

Os desafios que vêm de Nisa inserem-se, igualmente, num


reconhecimento progressivo das potencialidades de participação da escola no
desenvolvimento das comunidades.
Presidente da Câmara de Nisa: Proposta para Montalvão — o barro e o linho
para uma recolha sistemática. Seria um projecto de investigação com as
escolas a começar em Montalvão (uma das mais pequenas escolas do
concelho).
(...) acabou por avançar com mais duas propostas:
Tolosa — que fazer com espaço onde está o campo de futebol? Onde pôr o
campo de futebol? (É preciso) dar dignidade ao centro da vila. Apelar à
participação e ao contributo de todos. Como poderá a escola ajudar e participar
neste processo?
24 Abílio Amiguinho

Nisa — Praça da República — está em marcha um projecto de recuperação.


Importava para já saber um pouco das memórias e da história deste espaço
(Nota síntese da equipa de coordenação do projecto, Fevereiro de 2002).

Há um reconhecimento de papéis para a escola, se não novos pelo


menos diferentes, que são o resultado do desenrolar da intervenção. Em
consequência são lançados novos desafios à escola e aposta-se noutros
contributos e propostas de parcerias.
Em terceiro lugar, os professores são actores cuja implicação, neste
domínio, é decisiva. Tende a acrescer à medida que aquele reconhecimento
e a visibilidade da escola se tornam mais nítidos, participando assim os
professores num processo de institucionalização local da escola.
Uma escola que contextualizando as aprendizagens se põe ao serviço da
comunidade, estabelece parcerias com outros na tentativa de resolver
problemas, de melhorar as condições de vida da população, tem certamente
uma boa imagem aos olhos dos outros (Profª Júlia, Nisa, Junho de 2000).

Por um lado, a implicação dos professores faz-se no sentir dos


problemas de comunidades em perda, que exigem uma atitude mais activa da
sua parte e que transcende o trabalho escolar mais estrito.
A minha principal noção é assim: o professor numa terra onde havia uma escola
e poucos alunos, começou a trabalhar com esses alunos numa perspectiva de
dizermos assim: nós estamos aqui numa escola muito pequenina, muito
isolada, mas temos uma comunidade à volta, temos um mundo à nossa volta e
nós temos que conhecer e intervir nesse mundo. E, então, começou-se a criar
uma dinâmica, um trabalho de interacções entre as pessoas. Entre eu, os
alunos e as pessoas dali. Depois aquilo tornou-se uma bola de neve que nem
se imagina. E isso para mim, como professor, e para os próprios alunos.....
Desenvolvemos tanto com essas interacções com as pessoas… Os alunos
ganharam tanto em termos de formação que é difícil de medir. As próprias
pessoas que intervinham, as próprias instituições, com uma perspectiva boa
para se alcançarem objectivos, para se obter o tal desenvolvimento que se
pretende (Prof. Fernando, Ouguela, Julho de 2001).

A partir da escola, identificam-se necessidades e potencialidades,


mesmo no desfavor, diagnosticando a vida e os problemas da aldeia.
Por outro lado, tal significa integrar uma construção participada de
soluções e intervir na promoção de dinâmicas de desenvolvimento. O
depoimento anterior atesta já esse envolvimento, articuladamente com a
vivência e o sentir dos problemas, mas o seguinte é ainda mais incisivo.
Educação em meio rural e desenvolvimento local 25

E nós queríamos fazer de lá um pólo aqui do Museu, recolher brinquedos para


esse pólo do museu e até uma possível biblioteca, porque um dos senhores que
nos veio visitar, falou-nos nisso... Quis oferecer livros porque acha que faz muita
falta. Onde as pessoas possam estar um bocadinho e ler (Profª Vicência,
Alpalhão, Julho de 2001).

O Museu a que se alude é, mais propriamente, a "Casa Museu de


Alpalhão". Resultou de um trabalho com um ponto de entrada escolar, de
promoção do património local, pela mobilização dos mais velhos. Junta de
Freguesia, Câmara Municipal e população local, com o apoio do Programa
Leader, asseguraram os meios logísticos e técnicos para a musealização do
espaço. A continuidade que se visa aborda outros problemas e perspectiva
outras soluções. Memória e tradição no Museu conjugam-se com a
modernidade de outros espaços de cultura como pode ser a Biblioteca
(Fragoso, 2005).
Por fim, trata-se, muitas vezes, de potencializar a última instituição que
sobrevive à supressão de serviços e de equipamentos em meio local.
Nessa altura o Sr. Prof. Fernando, estava aqui a dar a escola, e surgiu a ideia,
a ele e ao Sr. Engenheiro (provedor da Santa Casa), de fazer esse Centro
Comunitário. Pediram as ajudas a nós, tínhamos que formar um grupo de
Ouguelenses, para eles poderem fazer esse Centro Comunitário. Nessa altura
explicaram-me como eram as dimensões do Centro Comunitário e para o que
serviam. Eu, por assim dizer, amante desta terra, aceitei logo com as duas
mãos porque era um projecto ambicioso que nós calculámos logo que o ia a ser
e como foi para desenvolver. Dar um bocadinho de desenvolvimento. Então fui
logo eu encarregado, nomeado como presidente, encarregado de convidar os
outros parceiros da Comissão, foi isso que se fez. Foi uma coisa que nós, entre
a Santa Casa e o Centro Comunitário, nós com o apoio jurídico da Santa Casa
conseguíssemos formar aqui este Centro Comunitário, dar-se apoio aos
velhotes e dar-se, quer dizer, conviver-se com as crianças (Sr. António,
Ouguela, Maio de 2002).

Assim nasceu o GUDO (Gerações Unidas para o Desenvolvimento de


Ouguela) em Ouguela. Foi, porventura, um dos mais significativos exemplos
de autêntica e genuína congregação de esforços e vontades, conducente à
construção e ao desenvolvimento de parcerias, num ambiente de baixa
densidade demográfica e relacional. A referência que lhe é feita revela o papel
do professor e a emergência da escola como recurso e protagonista da
intervenção local.
26 Abílio Amiguinho

A um tempo, nesta valorização da escola sobressaem as dimensões


da acção comunitária e a presença de actores, próximas de uma globalização
da intervenção sócio-educativa. Vislumbram-se um trabalho sócio-educativo,
a animação comunitária e o desenvolvimento local mas, principalmente, um
conjunto de oportunidades para inovar, melhorando, o trabalho pedagógico. A
escola, num quadro de desenvolvimento local, não deixa de instruir, qualificar
e socializar (Prévost, 2004), mas pode fazê-lo enriquecidamente, num
contexto de promoção da cidadania e de instituição da escola num "elo de
política social" (Sarmento, 2003).
A outro tempo, a transformação da escola em espaço comunitário
ocorre à medida que a escola induz parcerias, ou é solicitada, ou reclamada,
para as integrar. Tal configura a participação da escola num processo de auto-
organização dos actores (Fragoso, 2005), ou de criação de grupos e de
instituições (Prévost, 2004), próprios do Desenvolvimento Local.

Reconstruir as identidades locais


O factor "pré-existência de identidades e de solidariedades de base
local e regional" pode ser encarado como um daqueles que, de âmbito geral,
permite compreender o "surto" do que se considera serem "as novas
oportunidades do nível local" (Roque Amaro, 1998). Contudo, nos espaços
rurais, é também de uma crise de identidades que se fala, como consequência
de múltiplas situações de desfavor ou de evolução na relação com o mundo
exterior: rural sem agricultura, êxodo rural, novos residentes, décalage espaço
de trabalho/espaço de residência, etc. (Jean, 2003). Importa, por isso, refazer
e reconstruir, traços que não tendo desaparecido, "para muitos já não são a
marca indelével de ligações ancestrais" (Pinto, 2000). A nosso ver, três razões
acrescem a esta necessidade: i) complexos de inferioridade em relação à
cultura local; ii) fatalismo e resignação perante os problemas e dificuldades;
iii) privações e desfavores que ofuscam recursos e potencialidades. Assim, há
uma dupla vertente neste empreendimento: por um lado, a da reconstrução
das identidades; por outro lado, a da construção das bases de um
desenvolvimento endógeno.
Tratava-se, porém, para a escola, de outra tarefa que não se afigurava
fácil, dado o papel que lhe foi reconhecido como instrumento de
"desvitalização simbólica" das comunidades (Pinto, 2000).
Educação em meio rural e desenvolvimento local 27

A descoberta das raízes, a escrituralização das culturas locais, a


criação de espaços de memória (como a Casa Museu de Alpalhão), os estudos
sobre o património local e a reconstituição de espaços de animação e de
sociabilidade foram pontos de apoio para a estratégia do projecto, no sentido
do refazer das identidades. O principal elemento dessa estratégia foi o da
intencional interacção entre crianças e idosos. Os mais velhos, em grande
número na maior parte das aldeias, são símbolos vivos da história local,
portadores de cultura e gestores de memória que as crianças podem recriar.
A estratégia de envolvimento dos mais velhos correspondeu ao
corolário de uma identificação progressiva dos seus problemas e da
participação da escola na criação de serviços para os ajudar a resolver, como,
por exemplo, no caso do Centro de Dia do Assumar. Daí que a relação da
escola com a comunidade tenha, frequentemente, equivalido ao
desenvolvimento de práticas intergeracionais — entre crianças e idosos — de
educação e de animação sócio-pedagógica. Há nestas práticas um propósito
de participação social útil, de reconhecimento pessoal e social dos mais
velhos. Muito mais, portanto, do que a valorização dos seus saberes.
O sentimento e o sentido deste trabalho estão expressos neste
depoimento:
Pois tenho (ido à escola). (Sinto-me) bem. Gosto da senhora (professora), gosto
de todos, gosto de lá ir e não vou mais vezes porque não posso [...] Porque a
gente não dura sempre. E então eles devem ficar com alguma ideia daquilo que
a gente faz. Então não é. Acho que é assim [...] Ora, então sei. Porque nunca
aprendi a ler mas sei das coisas da natureza melhor do que eles ainda. Por isso
é que eu lá vou. Porque eles sabem.... Não têm prática têm só teoria. E a gente
tem a prática das coisas. É por isso é que eu sei mais, se calhar! Por causa
disso. Mas cá os do campo sempre sabem mais do que os que sabem na
cidade não é! Mas pronto. Eu gosto de lá ir porque eu vejo que eles estão com
atenção a ver a gente [...] (Avó da Cristina, Abril de 2003).

Esta disponibilidade parece ter a ver com a sensação que o apelo da


escola provoca na reassunção de um papel de transmissores da cultura oral,
de saberes que percepcionavam como tendo perdido o sentido, o que lhes
permite, simultaneamente, reassumir-se como pessoas. A satisfação pela
participação é, certamente, um contributo positivo para a auto-estima e auto-
confiança. Podem conjugar-se com a afirmação de uma identidade sócio-
pessoal, no invocar e restituir do sentido da vida e das condições de
existência, não apenas pessoais mas de toda a comunidade. São referidas
28 Abílio Amiguinho

"materialidades" e "subjectividades", próprias de uma "unidade sócio-


ecológica", que se levam à escola de maneira a produzir representações
sobre ela, ou seja, ajudando a reconstruir uma "identidade sócio-espacial"
(Ferreira & Guerra, 1994).
A mediação pelos afectos, destas práticas intergeracionais,
transparece da parte final do testemunho. Mas há outras referências mais
explícitas:
Ainda têm mais este professor. E, quer dizer, lá para eles, o animador deles
porque, quer dizer, é carinhos, e eles também me acarinham a mim, que isso
tenho eu muito a agradecer aos garotos de ser tão acarinhado por eles. Eles,
também da minha parte, têm aquilo que eu lhes posso dar, que é o carinho e a
afeição.
Bom, isto para mim... isto é uma satisfação. Porque outra coisa não me atrai a
mim, mas a história aqui desta aldeia (...) Gosto de transmitir às pessoas aquilo
que eu sei e então é nesse sentido que eu me encontro até com um bocadinho
de orgulho em explicar às pessoas a história de Ouguela (Sr. António, Maio de
2002, Ouguela).

Na boca das crianças surge assim referida:


Eu tinha um amigo a que tinham posto a alcunha de Cascalho, mas o seu
verdadeiro nome era João Mendes Moacho. E gostava muito das pessoas. Na
terça-feira ele pôs-se doente e mandaram-no para Elvas. No outro dia, à 1h da
manhã, ele faleceu, tinha 80 anos. Mas ele nunca tinha andado à Escola. Ele
andava a trabalhar quando era pequenino. Casou aos 25 anos com a senhora
Cremilde Charais Amiguinho. Ele esforçou-se muito para fazer uma casa. Eu
gostava muito dele e quando ia à pesca, dava-me sempre peixinhos a mim e à
minha avó. Tinha dois filhos e quando ele ia à horta, a minha avó pedia-lhe
poejos. Quando ele faleceu deixou muitas marcas. A minha avó não pode ir ao
funeral porque se põe doente. Ele também gostava muito de brincar comigo,
com o Valter e com o João. Mas a Sra. Cremilde agora não vai estar sozinha,
pode vir para o Centro de Convívio. E a minha opinião é abrirmos o centro de
Convívio (Texto da Núria, aluna de Ouguela, 1993/94).

A afectividade torna-se um ingrediente fundamental do


reconhecimento pelas crianças dos actores e do seu papel nas relações
sociais comunitárias, dos valores e da intencionalidade que geram essas
relações e que constituem a especificidade de modos de vida, marcas e sinais
de identidade, identificados e em reconstrução.
A recuperação e a reabilitação da relação afectiva, institucionalmente
promovidas pela escola, afiguram-se-nos de extrema relevância no quadro da
construção de cenários alternativos e plurais para revitalização e
Educação em meio rural e desenvolvimento local 29

desenvolvimento das comunidades. Sobretudo se tivermos em conta, com


Roque Amaro (1993), que o que até aqui se convencionou designar por
"desenvolvimento" inscreveu entre os seus aspectos negativos, o êxodo rural,
o abandono da "terceira idade", os danos ao ambiente, sob um "racionalismo
absoluto" que menosprezou as suas dimensões afectiva, estética e
impressionista.
Manifestam-se deste modo os factores humanos de que o
desenvolvimento local se tece (Prévost, 2004). O processo relacional que os
faz emergir é também de grande significativo educativo e formativo, tal como
sublinha Melo (1988), traduzido numa mudança de representações sobre si
próprio, sobre os outros e sobre as coisas e os contextos. Acresce na
mobilização dos actores, quando se readquire a confiança nas capacidades,
nos recursos e nas potencialidades (Amiguinho, 2004):
Acho que (as crianças) se desenvolvem bem porque a gente também aprende
com eles e eles aprendem connosco (Avó da Cristina, Mosteiros, Abril de 2003).
E falou-se já aí noutra casa que é a da Santa Casa da Misericórdia, mas como
a Sra. ainda está viva, a que mora lá, que agora andam a arranjar a casa. Um
dia que a pessoa morra são capazes de lhes deitar as mãos, para se arranjar
também aquela casa. (…) as coisas do lavrador vão-se arranjar dentro daquela
casa também para ficarmos com duas Casa Museu, porque a casa é pequena
para tanta coisa que nós temos (Sra. Umbelina, animadora da Casa Museu de
Alpalhão).

Produção de sociabilidades
Actualmente, num envelhecimento progressivo da população local, na
exiguidade das pensões de reforma, na deficiente cobertura de saúde e de
assistência genérica aos mais velhos, como penalizações das comunidades
rurais (Lee, 2003), tornou "a situação local num ponto sem pontes para o
vizinho mais próximo" (Reis, 1998b, p. 77). É, pois, a consequência mais
directa, de uma transformação das "economias de proximidade" em
"deseconomias de distância" que insularizam os actores sociais, os recursos
e os factores de identidade" (Idem).
O depoimento que se segue faz da convivência e do relacionamento
entre os mais velhos e as crianças, uma condição para o refazer dos laços e
da vida comunitária.
30 Abílio Amiguinho

Então, achei que é uma coisa interessante porque é muito bom e, dizemos nós
noutras palavra, muito bonito, os idosos terem convivência com as crianças,
continuadamente. Foi o que aqui passou a haver. Ora se ali no Centro
Comunitário se começou a dar apoio aos idosos, que já ali eram servidas as
refeições às crianças, encontrámos uma coisa engraçada. Nós, os velhotes,
estávamos a conviver com as crianças, tanto ali dentro da escola, ali na escola,
como dentro do Centro Comunitário à hora das refeições. Os velhotes, uns
porque tinham os netos, outros porque tinham os sobrinhos e, quer dizer, atrair-
se mais assim uma parte de convivência nessa altura, dessa altura para cá,
porque quer dizer as crianças iam para a escola, os avôs estavam cá para cima
e era quando vinham lá da escola e iam para a escola é que o viam lá em casa.
E ali não, vimo-lo mais vezes durante o dia.
Ah! Pois sim. Sim, até porque, quer dizer, não só na parte do convívio que eles
têm uns com os outros, porque a aldeia está muito despovoada, e estão muito
dispersos os vizinhos uns dos outros. E ali é um sítio onde eles vão e que se
juntam todos. Têm uma ou outra convivência que não têm, se não tivessem
aquele sítio onde vir a comer (Sr. António, Maio de 2002, Ouguela).

Curiosamente, na pequena dimensão dos lugares, que faz com que as


famílias tenham parentes entre si, se parecem definir as condições que
podem ajudar a superação dos isolamentos dentro do próprio isolamento,
tanto na família como na vizinhança. Polariza-se na escola, com a mediação
da família mais "chegada" das crianças, um processo de eventual
revitalização comunitária que pode arrastar outras participações,
eventualmente potencializadas em prol de outros desígnios de
desenvolvimento das comunidades. Pode ver-se nestes fenómenos uma
tendência para um designado "adensamento" para o desenvolvimento face,
sobretudo, aos baixos "limiares de densidade", principalmente no que diz
respeito às inter-relações dos actores locais (Reis, 1998b).
A produção de sociabilidades com frequência não é mais do que a
reabilitação/reconstrução, principalmente em relação aos idosos, de formas
tradicionais de relacionamento entre crianças e adultos, intentando restituir
aos idosos a legitimidade, a autoridade, o protagonismo e a visibilidade que
detinham.
Invocar a produção de sociabilidades é também uma forma de nos
referirmos à promoção do local. Significa situar, articuladamente, as acções
que enformam uma intervenção e animação comunitária de defesa e
"promoção dos valores e dos interesses das comunidades", de acordo com
uma "lógica de desenvolvimento local" (Sarmento, 2000). É, basicamente,
Educação em meio rural e desenvolvimento local 31

duma reabilitação das culturas locais que se trata que, na contemporaneidade


da consideração da escola como uma unidade local de mudança e da
emergência de perspectivas mais localizadas de promover o
desenvolvimento, acarreta a inevitabilidade, para ser consequente, de um
choque entre a cultura escolar e a cultura local. Esta dimensão corresponde
à descoberta e reviver das raízes, ao ressurgimento, reinvenção e
reconstrução das tradições, trazendo os mais velhos para o centro da
actividade social e educativa, em estreita interacção com as crianças, sob a
vigilância e atenção do resto da família, com maior ou menor implicação
desta, ainda que, grandemente, com a condução educativa dos professores5.
O apoio, com mais ou menos sentido, intenção e envolvimento das autarquias
e de outras estruturas locais, com significado político variável, está também
presente.
Assim sobressai a dimensão sócio-cultural (e afectiva) do
desenvolvimento. Isto é, a afirmação das especificidades, dos valores da
proximidade, da solidariedade e da entreajuda em "tempos cruzados" (Silva,
1994), em que a difusão mundial de padrões de vida e de cultura urbano-
centrada, tendem a relativizar ainda mais a autonomia (Pinto, 2000) do
espaço social rural. Complexifica a construção e torna compósitas as
identidades locais. Mas, "o confronto entre endogeneidade e exogeneidade
nas formas de enraizamento local parecem estar no centro das capacidades
de desenvolvimento dos territórios locais" (Ferreira & Guerra, 1994, p. 311) e,
simultaneamente, das suas "descontinuidades" e "contradições".
Neste contexto ganham relevância práticas educativas cujo sentido se
pode expressivamente detectar na afirmação de uma das crianças: "para que
a aldeia não vá à falência". Como modalidades de resistência ante um global
omnipresente, porventura impedindo a subjugação total do local, justificam
que, sob a supervisão e impulso da escola, se saiba mais das "suas avós,
vizinhas e velhotas" (Mauro, de Alpalhão), mesmo "velhinhas já assim muito
antigas" (Rui, de Nisa). O repor da memória e da sua escrituração pelas
crianças, num processo que tende a reconstruí-la, prefigura "a educação
como acto de cultura e processo de produção de sociabilidades" (D’Espiney,
2003a, p. 9). Sabe-se, por um lado, quão relevantes e decisivas estas se
tornam, na relação com os poderes instituídos e o mundo exterior. Por outro
lado, podem constituir preciosos elementos de diferenciação e
32 Abílio Amiguinho

heterogeneização do mundo rural e de afirmação da sua "valia funcional".


Integrando uma base "não directamente produtiva" do desenvolvimento rural,
estas valias emergentes podem promovê-lo efectivamente, através de acções
de valorização de "produtos tradicionais e recursos produzidos e irrepetíveis,
como são a paisagem, os modos de vida e sociabilidade e os recursos
patrimoniais de vária natureza" (Henriques, 2002, p. 154).

Solução de problemas locais e requalificação de serviços


Eu, por assim dizer, amante desta terra, aceitei logo com as duas mãos porque
era um projecto ambicioso que nós calculámos logo que o ia a ser, e como foi,
para desenvolver. Dar um bocadinho de desenvolvimento (Sr. António, Nota
vídeo, Junho de 2001).
Parecia-nos que ia ser bom, que a gente não tinha nada. Pronto! Sempre
poderia trazer aqui algumas melhorias para a nossa terra (Mãe da Inês,
Ouguela, Julho de 2001).
Com o texto em fundo sobre o Centro Comunitário de Ouguela, a professora
Elizabete refere que ele surge de uma ‘necessidade sentida pela população. Foi
criado um projecto em 1993/94 para combater algumas necessidades sentidas
pela população da aldeia. Criaram-se estruturas de atendimento para idosos e
um espaço de convívio para os jovens. Devido às necessidades das pessoas
da aldeia’ (Nota de campo de 25-06-01).

É da hipótese da criação do Centro Comunitário que falam, já invocado


para referir o reconhecimento local da escola. Emergiu como resposta a um
problema local, a uma necessidade sentida, de uma comunidade envelhecida,
isolada nos grupos domésticos e no isolamento da própria aldeia. O sentido
do desenvolvimento é, por assim dizer, de outro teor. Revela a escola não
tanto na promoção dos valores, mas num papel de recurso que pode ajudar
na satisfação de necessidades prementes e quase elementares em que se
expressa a pobreza, o desfavor e a periferização que afecta as comunidades.
Se há um sentido educativo e cultural num espaço de encontro de gerações,
que precede a criação do Centro e depois a prolonga e reproduz, a razão
primeira é outra: a das velhas assimetrias sociais de um país que penaliza as
comunidades do interior mais recôndito e, dentro delas, grupos sociais e
faixas etárias específicos.
Um ponto de entrada pedagógico, que toma os idosos como recurso,
revelou, na procura de valorização dos saberes e das culturas locais, numa
sociabilidade em renovação, as dificuldades que atormentam e afligem os
Educação em meio rural e desenvolvimento local 33

mais idosos. Foi assim a propósito da não distribuição de correspondência


nas Aldeias do Concelho de Monforte que impedia que as magras reformas
fossem atempadamente distribuídas, foi assim em Ouguela sem qualquer
espécie de estruturas de atendimento aos idosos, nem sequer para uma
refeição condigna, foi assim, ainda, em Assumar onde o Lar de Idosos não era
a solução para ocupar utilmente o tempo ou para aproveitar "a força
mobilizadora que a saudade de um passado pode gerar" (D’Espiney, 2003b,
p. 10).
Curiosamente, na convicção das possibilidades para contrariar um
presente de desfavor em relação aos idosos como parceiros da escola,
parecem descobrir-se as hipóteses de construção de um futuro para a
melhoria da educação escolar: no Projecto da Pré-Primária de Degolados, nos
Projectos da Cantina Escolar em Santo Aleixo ou em Urra, ou no embrião de
Projecto de Pré-escolar em Assumar. A par de uma construção progressiva do
sentido das articulações, da sequencialidade e da contaminação de
processos, numa rede de instituições e de actores germinaram as ideias,
concretizaram-se os projectos ou estão em curso acções orientadas para
outros serviços ou espaços educativos de usufruto comunitário: A Casa
Museu de Alpalhão, a Biblioteca Comunitária de Urra, O Centro Multi-usos de
Assumar, O Museu das marionetas e o Centro de Artesanato de Santo Aleixo,
O Centro de Interpretação das Pinturas Rupestres de Esperança6.
Parece que à vista dos serviços, que se vão criando e recriando ou que
resultam da reconfiguração dos próprios espaços educativos — com especial
destaque para salas (ou escolas inteiras) devolutas —, mobilizando os
poderes locais, genericamente falando, para a resolução dos (pequenos)
problemas e criação de serviços (D’Espiney, 2003b), se gera e sustenta a
convicção de que outros equipamentos ou outras estruturas ou serviços
podem ser criados. Esta tende a ser uma postura que integra uma cultura de
desenvolvimento local, designadamente no que se refere à construção de
"uma vontade colectiva de mudança" (Melo, 2002) e a uma progressiva
"capacitação política" (Moreno, 2002), numa espécie de movimento colectivo
de organização ascendente que é também de natureza cognitiva (Ferrão,
2002).
Esta dimensão da intervenção, em que a animação comunitária e
questões de desenvolvimento se parecem fundir, foi o fruto de um trabalho
34 Abílio Amiguinho

sócio-educativo de natureza vincadamente informal. Há como que um


envolvimento progressivo dos actores individualmente que, por passos, se
transpõe para grupos de pessoas e de instituições, criando malhas que tecem
uma rede:
Depois em 1995 é que se conseguiu então abrir o Centro. Depois, a partir daí,
tentei uma coisa: ninguém é imprescindível no projecto mas todos somos
imprescindíveis. Eu já sabia que não ia para lá e então pensava que o projecto
poderia voltar ao seu início. Mas as coisas estavam todas de tal maneira, penso
eu, e as pessoas sentiam que aquilo era deles, era dos alunos, era meu e das
próprias instituições... Teceu-se uma teia ou uma rede de tal maneira que as
pessoas apanharam-no.... Continuava a Camila, continuava o Zé Domingos,
continuava a Palmira, continuava o Sr. António, continuava.... A professora que
fosse para lá já.... A própria comunidade apanhava aquilo.... Era a escola, mas
a escola era só já um parceiro que tivesse, quem tivesse as coisas também
funcionavam... e continuaram (...) (Professor Fernando, Ouguela).

É possível constatar neste excerto a presença e o incremento das


redes que "põem os actores em relação" (Prévost, 2004). No caso vertente,
podemos falar tanto de redes "naturais", como de redes "funcionais" e de
redes "utilitárias".
Mas as malhas da rede são mais abrangentes. Estendem-se a outras
escolas e aldeias. Foi assim que, por um lado, o projecto, e uma visão de
intervenção educativa e de desenvolvimento, se foram disseminando pela
região do Nordeste Alentejano; por outro lado, no confronto de intenções e de
práticas, se instituiu uma instância de regulação social e educativa (Barroso,
2005); e, por fim, se promoveu uma horizontalização de relações, a
sustentabilidade das acções e uma afirmação local não mediada pelo centro.

As possibilidades e os limites da escola no desenvolvi-


mento local
Depois dos contributos da escola para o Desenvolvimento Local já
invocados, justifica-se ainda uma referência à promoção de lideranças locais,
como mais uma das possibilidades do projecto. A criação ou a consolidação
de lideranças locais surge no projecto de uma forma que nos pareceu produzir
um duplo impacto: por um lado, num domínio mais estritamente educativo, por
outro lado, num âmbito sócio-político, a nível local. Na prática, ambos os
domínios se articulam ou quase se sobrepõem, confundindo-se mesmo, na
Educação em meio rural e desenvolvimento local 35

vida pessoal e profissional de muitos professores e na sua intervenção


educativa, cívica e política.
Poderíamos invocar, neste processo, tanto lideranças mais
individualizadas como colectivas. O testemunho que se segue é de uma das
líderes que a dinâmica gerou ou consolidou:
(...) à medida que fui amadurecendo, também a nível profissional, foi-se
tornando claro para mim que a escola pode ter um papel importante no
desenvolvimento do local e que cabe a nós professores contribuir para que
sejam verdadeiras instituições de desenvolvimento local, ajudem a reconstruir
a identidade dos espaços e a vencer o fatalismo próprio de comunidades
isoladas e envelhecidas.
O meu empenho como professora do meio rural tem sido nesse sentido e posso
afirmar que a metodologia ligada ao Projecto das Escolas Rurais, no fundo, todo
este percurso, foi decisivo para que me tornasse uma profissional mais
completa, uma cidadã mais interveniente e consciente dos problemas da
comunidade a que pertenço (...) foi um passo muito importante na minha vida
profissional e acabou por ter reflexos na minha vida pessoal. Apesar de ter sido
sempre uma pessoa preocupada com questões político-sociais, a adopção da
filosofia do projecto permitiu-me resolvê-los (ou tentar resolvê-los) a partir da
escola ou com a ajuda da escola (Profª Júlia, Nisa, Julho de 2000).

Uma lógica de desenvolvimento local parece mesclar-se com uma


lógica profissional, com base no princípio da profissionalidade implicada,
designadamente na mobilização de dinâmicas de intervenção comunitária
com origem no exterior da escola ou mesmo a partir dela (Sarmento, 2000). A
duplicidade de efeitos — educativos e sócio-políticos — parece estar bem
patente neste caso. A simultaneidade de ambos, no culminar de um processo
evolutivo, é igualmente de salientar. Teve concretização na integração da
docente citada, em terceiro lugar, na lista de vereadores eleita para a Câmara
Municipal.
Noutro caso, um dos professores foi eleito Presidente da Assembleia
Municipal num dos concelhos de intervenção. Mas foi também ele um dos
professores que alude às dificuldades e tensões de uma participação da
escola no desenvolvimento local:
Estou plenamente consciente que a pequena escola rural tem a obrigação de
contribuir quer para a animação da comunidade quer para a resolução de
problemas e de casos concretos que acontecem na comunidade. Mas, se isto
foi perfeitamente claro para mim e para as colegas que trabalharam comigo,
nomeadamente a Maria Leonor e a Tina, o grande projecto piloto que contribuiu
para que estas coisas se começassem a reflectir foi "Onde está o carteiro?".
36 Abílio Amiguinho

Isso foi claro e por ai percebi e entendi que a pequena escola rural é
extremamente importante quando articula as suas práticas com outros
parceiros. Mas depois no outro projecto que nós desenvolvemos que tinha por
título construir um Centro de Dia para Assumar, porque, de facto também era
um problema que aquela comunidade tinha — o de um envelhecimento muito
grande — e a comunidade não tinha alternativa para o lar que existe em
Assumar. Mas no desenvolver deste projecto um problema se me levantou que
é este: até que ponto é que a escola… não é bem isto, é: quando é que o
professor, quando é que nós devemos ter consciência que já não podemos ir
mais além Isto é, levantamos o problema tentamos contribuir para que, de facto,
esse problema se resolva — e posso informar que esse problema se vai
efectivamente resolver no próximo mês de Dezembro com a abertura do Centro
de Dia de Assumar. Mas a grande questão era esta: quando é que o professor,
a escola termina a sua função. Porque o que é que aconteceu no decorrer deste
projecto? É que os professores, no caso concreto eu e a Maria Leonor que ela
é a Presidente da Direcção do Centro de Dia e eu sou o Presidente da
Assembleia Geral. Não haverá um momento em que a escola e os professores
terão que devolver a direcção aos outros parceiros da comunidade? E os
professores "remeterem-se" à sua função? Não sei se estou a transmitir? (Prof.
David, Assumar).

Outros casos de professores existiram patenteando esta dificuldade


em reconhecer a sua acção, na interface entre as funções tradicionais do
professor e o trabalho de animação das comunidades e de desenvolvimento
local. A "racionalidade" ou a "lógica" escolar é, por vezes, mais forte, na
deliberação dos professores e no seu envolvimento nos projectos e nas
acções, assim como nas representações que se constroem dos processos.
Também as crianças são tocadas por esta racionalidade, quando
reconhecendo explicitamente a mobilização e a produção de saberes pelo
entrosamento comunitário da escola, ambiguamente os desvalorizam, em
favor do modelo escolar mais estrito. Finalmente, não são apenas os actores
escolares que quase sucumbem ao ferrete da lógica escolar. As próprias
comunidades também vacilam, ao reconhecer um papel à escola na
intervenção sócio-comunitária que tende a descentrá-la da gramática escolar
e das práticas que a concretizam.

Conclusão
Entre um passado, por vezes, mitificado e um futuro improvável, um
presente de projectos, deverá ser, para Bastien (2003), a referência
incontornável para enfrentar os problemas e dificuldades do mundo rural. Para
Educação em meio rural e desenvolvimento local 37

nós faz sentido que assim seja em função do modo como os projectos e as
acções permitem repensar "o social", o "educativo" e o "escolar", e as suas
relações, em contexto rural, e intervir sobre eles de forma integrada. É por
aqui que se pode desencadear um longo percurso de recusa do fatalismo, de
inflexão do desespero, de superação de sentimentos de incapacidade, de
aposta nas potencialidades e nos recursos.
Os projectos aqui analisados tiveram como uma das suas dimensões
mais promissoras a institucionalização dos idosos como interlocutores
privilegiados de uma intervenção sócio-educativa que visou o reequacionar da
"questão social" em meio rural. Na relação entre idosos e crianças,
contrariando concepções sobre o conservadorismo, imobilismo, apatia,
aversão às mudanças e à cooperação dos mais velhos e privilegiando o
sentido comunitário das aprendizagens, da socialização e da formação pelos
mais novos, no refazer das afectividades, se criaram as condições para uma
reconstrução identitária, como elemento estratégico de um processo
educativo e social em que se traduz o desenvolvimento.
Esta reposição de uma solidariedade intergeracional, na valorização
dos saberes e das culturas locais que promove, através de uma acção
educativa global, pode ter, em nosso entender, efeitos a dois níveis. Por um
lado, na mobilização dos actores necessária ao reconhecimento de um
património comum ou das raízes, num processo que é também de reabilitação
de uma identidade sócio-pessoal, e, por outro lado, na identificação do que
nesse património podem ser objectos ou plataformas de desenvolvimento,
nomeadamente no campo da produção, circulação e fruição de bens
simbólicos.
A consciência do relevo social e educativo destes contributos, entre
outros, está na base de projectos mais alargados, nos seus princípios,
finalidades, objectivos e acções que pretendem relançar a dinâmica sócio-
educativa que analisámos precedentemente. Um plano de intervenção
assumidamente intergeracional constitui, de novo, o seu eixo estruturante. Se
antes nos referimos a momentos e acções específicos da relação entre
crianças e idosos, visa-se, agora, um reforço da presença de outros adultos,
mas, principalmente, dos jovens. As parcerias institucionais, para além das
escolas e autarquias, estendem-se a associações de jovens, associações de
desenvolvimento local, IPSSs, etc. Trata-se de um quadro renovado de
38 Abílio Amiguinho

actores e de instituições para promover acções que vão desde a criação e


dinamização de serviços de proximidade, à implementação de oficinas
permanentes de saberes e fazeres tradicionais, de significado social e
económico, passando pela criação e dinamização de centros de interpretação
do património natural e construído. Tal circunstância parece-nos, ela própria,
o corolário do percurso de desenvolvimento social local que analisámos7.
Eis uma primeira nota conclusiva que expõe uma outra faceta. A do
pensamento positivo e a intervenção que dele decorre sobre os problemas do
mundo rural que, sem escamotear as dificuldades, aposta nas potencialidades
e nas valias funcionais de espaços que se diferenciam, como é o caso das
comunidades rurais. Ora esta abordagem, como recorrentemente
justificámos, não é a da "exclusão social" ou "dos territórios excluídos" mas a
do Desenvolvimento Local.
Uma segunda nota, é para acentuar o modo como a intervenção sobre
a qual reflectimos e investigámos, pode auxiliar no reemergir de um local rural
"escamoteado". A participação da escola no desenvolvimento local pode
constituir um significativo contributo para inflectir a periferização dos espaços
rurais e das escolas neste contexto, na medida em que tendem a
desempenhar outras funções educativas e a integrar uma política social.
Finalmente, remetendo para a temática da administração do sistema
educativo e dos territórios, uma breve referência à forma como o incremento
de uma lógica de desenvolvimento local pode induzir uma horizontalização
das relações no interior de um potencial território educativo. Pode favorecer,
assim, a base mais política da sua autonomia. Vem demonstrar, de outra
forma, que existem outras alternativas à administração centralizada,
planificada e hierarquizada do Estado e ao mercado descentralizado e
autónomo. Esta lógica tem potencialidades para reclamar um estado não
apenas avaliador e de controlo, mas regulador. Um Estado que efectivamente
regule, gerando unidade no sistema, mas sem uniformizar e homogeneizar,
garantindo o exercício da autonomia e assegurando condições e meios para
a manifestação das especificidades. O mesmo é dizer, que promova
condições para a emergência de projectos autónomos e não que imponha um
projecto único às escolas.
Educação em meio rural e desenvolvimento local 39

Notas
1 Não se trata de um conceito, como o próprio autor refere, mas de uma palavra, aliás
na sequência de tentativas de outros autores que falam de desqualificação e de
desafiliação.
2 Em Portugal, é praticamente o tempo que faz de abandono dessas práticas,
particularmente intensas no período imediatamente após o 25 de Abril de 1974.
3 Este primado histórico poderia ser outra das razões para abordar a intervenção pelo
lado do desenvolvimento local, ao passo que, só muito recentemente, e
pontualmente, se veio a falar de exclusão em meio rural.
4 O discurso da falta de condições e de meios das escolas mais pequenas de meio
rural, e, que por isso, "excluem", pode ser classificada como a fase extrema das
contradições da governação. As omissões ou as práticas políticas explícitas e as
ameaças permanentes às pequenas estruturas escolares constituem,
precisamente, o que mais as debilita e fragiliza, objectiva e subjectivamente — nas
expectativas negativas que se vão apoderando dos actores. É fácil, depois, invocar
as condições que faltam, mas que, contudo, jamais se explicam ou justificam.
5 D’Espiney acresce à participação dos idosos nesta dinâmica o simbolismo de sinal
contrário ao imobilismo e ao conservadorismo que se lhes atribui. Isto é, numa
"necessária transformação de afectos passados em afectos recriados" que entende
ainda "os idosos não como lastros do passado, mas como depositários da teia de
afectos, do acervo de saberes e de sentimentos de pertença que podem induzir
uma nova identidade com raízes na especificidade do rural" (2003, p. 10).
6 Para uma descrição mais detalhada de alguns destes projectos ver Amiguinho
(2004), anexo 1.
7 O horizonte temporal previsto é o de, pelo menos, mais dois anos (até finais de
2007), contando-se com o apoio institucional e financeiro da iniciativa comunitária
EQUAL.

Referências
ALBINO, José Carlos (2002). Há uma vitória brutal da cultura do Norte. Seara Nova, 76,
pp. 6-10.
ALMEIDA, João Ferreira (1998). Agricultura nos processos de desenvolvimento. In J. M.
Pinto & A. Dornelas, Perspectivas de Desenvolvimento do Interior. Lisboa:
Imprensa Nacional, pp. 23-30.
AMARO, Rogério R. (1993). As novas oportunidades do desenvolvimento local. A Rede,
8, pp. 15-22.
AMARO, Rogério R. (1998). Desenvolvimento local em Portugal: as lições do passado
e as exigências do futuro. A Rede, Edição Especial, pp. 60-64.
AMIGUINHO, Abílio (2004). A Escola e o Futuro do Mundo Rural. Lisboa: Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (tese de
doutoramento não editada).
40 Abílio Amiguinho

AMIGUINHO, Abílio; D’ESPINEY, Rui & CANÁRIO, Rui (1994). Escolas e processos de
desenvolvimento local: o exemplo do Projecto das Escolas Isoladas. In R.
D’Espiney (org.), Escolas Isoladas em Movimento. Setúbal: ICE, pp.10-33.
AMIGUINHO, Abílio; CORREIA, Hermenegildo; VALENTE, Amândio & MANDEIRO,
Maria José (1999). Da dinâmica educativa ao agrupamento de escolas,
Aprender, 23, pp. 78-87.
AMIGUINHO, Abílio; VALENTE, Amândio & CORREIA, Hermenegildo (2003). Projecto
das Escolas Rurais — Nordeste alentejano. In J. A. Correia & M. Matos (Orgs.),
Violência e Violências da e na Escola. Porto: Afrontamento, pp. 95-102.
AUTÈS, Michel (2004). Três formas de desligadura. In Saul Karsz (org.), La Exclusión:
Bordeando sus Fronteras. Definiciones y Matices. Barcelona: Gedisa, pp. 15-54.
BARROSO, João (2005). Políticas Educativas e Organização Escolar. Lisboa:
Universidade Aberta.
BASTIEN, Bernard (2003). Il n’y a pas seulement dans les grandes villes que l’exclusion
fleurit…. Ville-École-Intégration Enjeux. Le Rural: Terre d’Exclusion? 134, pp.
48-59.
CANÁRIO, Rui (2003). Exclusão social: um conceito pertinente? In J. A. Correia & M.
Matos (Orgs.), Violência e Violências da e na Escola. Porto: Afrontamento, pp.
91-93.
CASTEL, Robert (2004). Encuadre de la exclusión. In S. Karsz (org.), La Exclusión:
Bordeando sus Fronteras. Definiciones y Matices. Barcelona: Gedisa pp. 55-86.
DEMAILLY, Lise & VERDIÈRE, Juliette (1998). Les Limites de la Coopération dans les
Partenariats en ZEP. Mns. policopiado.
D’ESPINEY, Rui (2003a). Eixos estratégicos na intervenção do Projecto de Escolas
Rurais do ICE. Aprender, 28, pp. 38-43;
D’ESPINEY, Rui (2003b). Educação, desenvolvimento e cidadania: fundamentos de
uma intervenção alternativa em meio rural. Espacio para la infancia — Bernard
Van Leer Foundation, 20, pp. 6-11.
DUBET, François (2003). Le Travail sur Autrui en Mutation. Lovaina: Henac (Rentrée
académique 2003-2004).
DUBET, François (2004). Entretien avec François Dubet — par Marie Raynal. Ville-
École-Intégration Enjeux, 137, pp. 5-12.
FERNANDES, Luís (1998). O Sítio das Drogas. Lisboa: Editorial Notícias.
FERNANDES, Luís & CARVALHO, M. (2000). Problemas no estudo etnográfico de
objectos fluídos. Educação, Sociedade e Culturas, 14, pp. 38-59.
FERRÃO, João (2002). O papel das organizações cívicas e solidárias: um novo mapa
cognitivo para a acção social. Seara Nova, 76, pp. 14-16.
FERREIRA, Vitor & GUERRA, Isabel (1994). Identidades sociais e estratégias locais. In
Associação Portuguesa de Sociologia, Dinâmicas Culturais, Cidadania e
Desenvolvimento Local. Lisboa: APS, pp. 299-319.
FRAGOSO, António (2005). Contributos sobre o debate teórico para o desenvolvimento
local. Um ensaio baseado em experiências investigativas. Revista Lusófona de
Educação, 5, pp. 63-83.
Educação em meio rural e desenvolvimento local 41

GIDDENS, Anthony (1992). As Consequências da Modernidade. Oeiras: Celta Editora.


HENRIQUES, Maria Adosinda (2002). Globalização e integração diferenciadora dos
espaços rurais. In J. Reis & M. I. Baganha (Orgs.), A Economia em Curso:
Contextos e Mobilidades. Porto: Afrontamento, pp. 154-171.
JEAN, Yves (2003). Écoles rurales. Diversité sociale des structures scolaires et des
politiques municipales. Ville-École-Intégration, Enjeux — Migrations-
Formations, 134, pp. 112-128.
LAFOND, Viviane & MATHIEU, Nicole (2003). Jeunes ruraux en difficulté et
interventions pour l’insertion. Incidence et prise en compte des spécificités liées
aux contextes territoriaux. Ville-École-Intégration, Enjeux — Le rural terre
d’exclusion? 134, pp. 31-47.
LEE, Peter (2003). Cómo se "disfruta" de la vida rural en las Tierras Altas de Escocia.
Espacio para la infancia — Bernard Van Leer Foundation, 20, pp. 20-25.
MABILEAU, Albert (1993). Variations sur le local. In A. Mabileau (Dir.), A la Recherche
du "local". Paris: L’Harmattan, pp. 21-28.
MELO, Alberto (1988). O desenvolvimento local como processo educativo. Cadernos A
Rede, 2, pp.58-63.
MELO, Alberto (2002). O desenvolvimento local como movimento de resistência ao
domínio totalitário da globalização financeira. Seara Nova, 76, pp. 11-13.
MOURATO, Isilda (2000). O Centro de Recuperação de Menores do Assumar: de
Instituição Segregadora a Factor de Desenvolvimento Local. Portalegre: Escola
Superior de Educação (Dissertação de CESE).
MORENO, Luís (2002). Desenvolvimento Local em Meio Rural: Caminhos e
Caminhantes. Lisboa: Universidade de Lisboa/Faculdade de Letras.
PINTO, José Madureira (2000). Estruturas Sociais e Práticas Simbólico-ideológicas nos
Campos. Elementos de Teoria e de Pesquisa Empírica. Porto: Afrontamento.
PRÉVOST, Paul (2004). Projet L’École éloignée en réseau. Les collaborations école-
comunauté au Québec: Une perspective de développement local au moyen de
quatre études de cas. Québec: Cefrio (www.cefrio.qc.ca – consulta de Agosto
de 2005).
REIS, José (1998a). Uma nova política pública: o desenvolvimento local. A Rede,
Edição Especial, pp.32-33.
REIS, José (1998b). Interior, desenvolvimento e território. In J. M. Pinto & A. Dornelas,
Perspectivas de Desenvolvimento do Interior. Lisboa: Imprensa Nacional, pp.
77-86.
SARMENTO, Manuel (2000). As Lógicas de Acção nas Escolas. Lisboa: Instituto de
Inovação Educacional/Ministério de Educação.
SARMENTO, Manuel (2003). Educação em meio rural: lógicas de acção e
administração simbólica da infância. Aprender, 28, pp. 62-73.
SILVA, Augusto Santos (1994). Tempos Cruzados. Porto: Afrontamento.
VACHON, Bernard (2000). Desenvolvimento Local não é um produto, é um processo
que não acabará. A Rede, 15, pp. 22-26.
42 Abílio Amiguinho

EDUCATION IN RURAL AREAS AND LOCAL DEVELOPMENT

Abstract
The process of socio-educational territorialisation in rural contexts is the topic
of this text. The theme corresponds to a challenge to address it having as main
axis of discussion either the problem of social exclusion or that of local
development. The reasons to locate the discussion in this last field of analysis
are discussed in the first part of the text. Theoretical and political reasons are
there articulated because the question is about projects whose intentions and
practices call for the political both in the theoretical debate and in the choices
that anticipate intervention. From research conducted for several years, I use
contributions that aim at discuss and enlighten how school can be a potential
locus of local development. Its identification and recognition as local institution
(either because of those that work and live in it or because of those that act in
the surrounding context) are crucial steps to progressively constitute school as
a partner for development. The promotion of the local values and roots, the
reconstruction of socio-personal and local identities, the production of
sociabilities and the equation and solution of shared problems were the
dimensions of a socio-educative intervention, markedly globalising. This
scenario, as it is argued, was also, intentionally, one of transformation and of
deliberate change of school and of the administration of the educative
territoires.

Keywords
Social exclusion; Local development; Rural schools; Local identities; Networks
Educação em meio rural e desenvolvimento local 43

ÉDUCATION DANS LE MONDE RURAL ET DÉVELOPPEMENT LOCAL

Résumé
Ce texte discute un procès de territorialisation socio-éducative dans le
contexte rural. Il répond à un défi pour réfléchir sur ce thème ayant comme axe
la problématique de la exclusion sociale ou celle du développement local.
Nous avons choisi ce dernier champ d’analyse pour des motives expliqués
dans une première partie du texte. Ces motives sont, au même temps,
théoriques et politiques, dans une conjugaison a nos avis explicable, car ce
sont des projets donc les intentions et pratiques appellent au politique, soit
dans le débat théorique soit dans les choix avant l’intervention. D’une
recherche réalisée au long de plusieurs années, nous convoquons des
contributions qui visent discuter et élucider comme l’école peut être un
contexte promoteur du développement local. Sa identification et
reconnaissance comme institution locale (au même temps, a cause de ceux
qui y travaillent et vivent et de ceux qui sont des agents dans le contexte
entourant) sont des pas décisives pour instituer, progressivement, l’école
comme un pair du développement. La promotion des valeurs et racines
locales, la reconstruction des identités socio personnelles et locales, la
production de sociabilités et l’équation et solution des problèmes partagés ont
été les dimensions d’une intervention socio-éducative, explicitement
globalisante. Ce scénario a été aussi, volontairement, celui de la
transformation et de change délibérée de l’école et de l’administration des
territoires éducatives.

Mots-clé
Exclusion sociale; Développement local; École rurale; Identités locales;
Réseaux

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Abílio Amiguinho, Escola
Superior de Educação de Portalegre, Apartado 125, 7300 Portalegre, Portugal. e-mail:
abilio.amiguinho@mailesep.ipportalegre.pt

Vous aimerez peut-être aussi