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Jessica
Kingsley Publishers. London and Philadelphia. 2010
p. (página) 13
Mulheres no espectro são uma subcultura dentro de uma subcultura. Nós temos muitas
das mesmas peculiaridades, desafios, hábitos, traços e aparência como ocorre com os
homens no espectro, mas do nosso jeito. […]
Quando eu leio as palavras de outras mulheres com Asperger tais como Liane Holliday
Willey, Donna Williams ou Mary Newport, eu fico muito entusiasmada, porque agora
finalmente posso me reconhecer em outras mulheres. Isso foi algo que eu nunca
consegui fazer antes. Eu nunca me identifiquei com minhas colegas de escola, pares e
certamente jamais com as representações da mídia de como uma mulher era ou deveria
ser. Eu também nunca me identifiquei com as imagens da mídia de crianças que são
muito mais comprometidas do que eu jamais fui. Essa é a questão de Asperger – nossos
desafios são muito reais, mas nem sempre óbvios para os outros. Portanto, nosso
comportamento não é compreendido.
p. 14
[…] Os homens com Asperger compartilham muitos dos nossos traços, mas acho que a
forma deles os experimentarem e manifestarem é diferente. Por exemplo, todos sabemos
que homens com Asperger gostam de se vestir confortavelmente e podem até comprar
suas roupas em lojas de segunda mão para conseguir que as roupas já estejam mais
‘surradas’. Mas, no caso das mulheres, o mesmo traço geralmente se manifesta em
vestir-se como adolescente, ou de maneira esportiva, ou com pouca maquiagem e um
estilo simples de cabelo. Enquanto pessoas com Asperger podem compartilhar uma
certa androginia, isso aparece em homens com Asperger como gentileza, docilidade; já
as mulheres com Asperger têm tendência a serem independentes e apresentarem um
estilo mais desafiador.
p.15
Este livro torna-se necessário por conta das diferenças sutis entre os gêneros no
espectro, mas também para elucidar as diferenças entre uma mulher com Asperger e
uma mulher que não esteja no espectro, geralmente referidas como NT ou neurotípicas.
Nós podemos ter objetivos similares, mas as mulheres sem autismo, por capacidade,
devotam mais de si mesmas a um círculo social maior. A mulher com Asperger, por
necessidade e exclusão, senão por escolha, se devota mais à vida interior e objetivos
pessoais. Mas nós não somos mais propensas a atingirmos nossos objetivos por isso,
pois não temos as habilidades sociais que são geralmente um requisito para nos
impulsionar ladeira acima na obtenção de sucesso em nosso campo de escolha.
Para a mulher com Asperger, tudo parece ser sobre objetivo e razão, o que nós muitas
vezes não encontramos nas armadilhas desse mundo barulhento, caótico e confuso.
Então, nós criamos nosso próprio mundo, onde possamos nos envolver com nossas
próprias coisas, e vivemos vidas isoladas, nunca nos engajando realmente com os outros
[…].
p. 15-16
Nem todo mundo que é autista é diagnosticado quando criança. Muitas mulheres jamais
seriam diagnosticadas se não tivessem tido um filho no espectro. Nesses casos, o
médico, então, olha para os pais para buscar a fonte genética do quadro da criança.
p. 19
É sabido que pessoas com Asperger adoram informação, mas por quê? Informação dá a
nossos pensamentos uma âncora, nos dá identidade e é algo que podemos controlar.
…autodidatas
…leitoras vorazes
p. 24
Atividades obsessivas são uma ilustração do incrível foco que possuímos […]. Quando
estamos na “zona de imersão”, nós realmente temos muita dificuldade em fazer uma
pausa, ir ao banheiro, comer, beber, se arrumar, tomar ar fresco, se exercitar. Tal força
obsessiva pode também se sobrepor à necessidade de conseguir um emprego, de ir para
o trabalho, e outras atividades cruciais.
Uma das diferenças entre homens e mulheres com Asperger parece ser que nossos
interesses incomuns não são tão incomuns assim e podem parecer mais ‘práticos’ para
um observador. Se uma garota lê vorazmente, isso não parecerá tão dissonante ou
estranho para os pais ou o médico como uma fascinação por diferentes tipos de motores
de aviões construídos entre 1940 e 1945. Mas o que pode não estar sendo percebido é
que, atrás na porta do nosso quarto, nós podemos estar lendo o mesmo livro pela 124ª
vez, porque estamos obcecadas com isso.
p. 28
(Na escola) Eu não tinha ninguém pra sentar comigo no recreio, então eu o passava me
escondendo em algum lugar.
p.54
p. 55
Eu vejo isso o tempo todo com adultos que têm Asperger em seus empregos. Eles
tentam não causar problemas, mas ainda assim acabam sendo acusados de coisas que
não entendem o motivo.
[…]
p. 56
Também sentimos culpa por que a condição de Asperger não é óbvia e grave ao ponto
de ameaçar a vida como o câncer ou alguma outra situação ou doença terrível, e
sabemos disso. Nós parecemos “normais”; nós somos geralmente inteligentes. Algumas
de nós nem terão qualquer déficit de aprendizado, outras terão, mas nada óbvio, como
dislexia, por exemplo. Quando os outros nos dizem para “dar um jeito no problema”,
nós desejamos que pudéssemos, e parte de nós acha que deveria. Mas dizer a alguém
com Asperger para simplesmente “dar um jeito nisso” é como dizer a alguém numa
cadeira de rodas para pegar as escadas se quiser chegar ao segundo andar.
Os homens têm suas próprias pressões, mas as mulheres, que são cobradas pela
sociedade para que sejam capazes, multitarefas, usuárias de salto alto, representantes de
boas maneiras, etiqueta e da arte de bem se adequar ao padrão, sentirão essa pressão à
sua própria maneira.
p. 62
Papéis de gêneros têm me irritado desde a puberdade, […] tendemos à androginia – nos
maneirismos, comportamento e, sobretudo, na essência. Nosso anima e animus parecem
ter igual poder. Para algumas, isso se manifesta de forma óbvia – sendo elas o ganha-
pão da casa, ou permitindo que os filhos morem com o pai enquanto elas se dedicam à
carreira. Para outras, isso se manifesta sexualmente; embora a maioria das mulheres
com Asperger seja heterossexual, um número substancial de mulheres que entrevistei
disse que o gênero do parceiro não importava. Na maioria das vezes, isso se manifesta
como frustração e desinteresse nas expectativas sociais quanto ao que ser mulher
significa.
p. 63
As mulheres são geralmente avaliadas pelo quão bem conseguem ser multitarefas,
regular seus impulsos, agir ponderadamente diante de conflitos e apaziguar as emoções
dos outros. As pessoas dizem que as mulheres são iguais ao homens, mas ainda assim
esperam que a mulher carregue muito mais o fardo para manutenção da felicidade dos
outros do que têm consciência ou querem admitir – isso se torna gritante para mulheres
no espectro.
Não é somente com a identidade de gênero que lutamos – é com identidade em geral.
Parece muito comum que mulheres com Asperger tenham uma espécie de personalidade
mutável, ora baseada no nosso papel atual, ora em nossos interesses.
p. 137
Ter filhos nunca é algo em que se entre suavemente, independentemente de ser ter
Asperger ou não. Porém, quando se tem, todas as questões inerentes à experiência
tornam-se aumentadas. Ter filhos significa dizer adeus à paz, silêncio e solidão, nossas
coisas favoritas. Há funções sociais que teremos que atender, desde apresentações
escolares e receber os colegas dos filhos em casa para brincarem, a reuniões de pais.
Esperarão de nós que sejamos cuidadoras; que sejamos adultas maduras que tomam
decisões maduras, que não sejamos egoístas; todas coisas com as quais teremos
dificuldade. Nós não nos pareceremos com as outras mães, não agiremos como as outras
mães e não nos sentiremos particularmente maternais. O próprio nome “mãe” é algo que
veremos com relutância, por ser uma palavra que denota um modelo único de papel
feminino que não nos serve.
p. 138
Ela não me perguntou se eu amava minha filha. Se tivesse feito essa pergunta, eu teria
dito sim. Era ser mãe que eu não gostava, por achar esse papel absurdamente exigente.
Do momento em que minha filha saiu, gritando, apertando minha carne, quebrando a
calma do meu apartamento em São Francisco, enchendo-o de cheiros terríveis, meu
bebê era o pior pesadelo de uma mulher com Asperger.
p. 141
Uma das entrevistadas disse: “Eu nunca tinha estado numa casa em que a família toda
pertencesse ao espectro, mas eu deveria saber que seria um lugar muito bacana, cheio de
evidência de interesses esotéricos, modelos da nossa galáxia, livros até o teto e animais
correndo pela casa.”
p. 181-182
A injustiça é um gatilho poderoso. Ter uma crise por sermos acusadas de algo
injustamente nos faz parecer perigosas e fora de si, o que só reforça a opinião negativa
dos outros sobre nós.
Quanto mais ultrajante a acusação, maior a fúria na hora da crise. Infelizmente a raiva
só aumenta nossos problemas, nos fazendo parecer culpadas para a pessoa que não
entende a síndrome de Asperger.
p. 191
Eu fecho todas as portas, corto qualquer possibilidade de reatar relações. […] Quando
as coisas não davam certo no trabalho, com um amigo, com até mesmo com uma
cidade, eu ia embora. Deixar tudo pra trás e começar do zero é definitivamente uma
característica em minha vida […] e na vida das outras mulheres com Asperger que
entrevistei.
Agir desse modo é geralmente o resultado de crises depressivas. As nuvens não irão
embora, então procuramos novos horizontes, um novo palco onde possamos nos
apresentar.
É geralmente o resultado final das crises. Ficamos muito bravas com um lugar, pessoa
ou coisa e resolvemos nunca mais lidar com eles.
Riscar coisas e pessoas da lista definitivamente também pode afetar nossa vida familiar
– nós podemos deixar maridos ou pais; irmãos; amigos que nos magoaram […].
Eu geralmente vejo pessoas com Asperger que estão de saco cheio de suas vidas
colocarem a culpa somente nos outros, como se o mundo é que fosse o problema.
Curiosamente, as situações tendem a se repetir, em novos lugares, com novas pessoas,
caímos em situações similares às que deixamos para trás.