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SIGNOS EM ROTAÇÃO
expediente Sumário
Comissão Editorial
Editorial
Danilo Cerqueira Almeida Informes
Fabrícia Maria Bezerra
Miguel Almir L. de Araújo (Coord.) 4ª Feira do Livro - p. 3
Weslley Moreira de Almeida IV Festival de Sanfoneiros de Feira de Santana - p. 3
V SETRANS - p. 3
Valéria Nancí de Macêdo Santana
Greve dos professores das UEBAs - p. 3
Colaboradora 5ª edição do Bando Anunciador - p. 3
Cleudinéte Ferreira dos Santos Souza Exposição de desenhos de Tomé - p. 3
Conselho Editorial Artigos
Dr. Eduardo Oliveira
(UFBA) Carta de um Nobel da Paz a Barack Obama Adolfo Pérez Esquivel - p. 4
Dr. Miguel Almir Lima de Araújo O Amador Susana Meirelles - p. 6
(UEFS) Os sentidos do educar Cleudinéte Ferreira dos Santos Souza página - p. 8
Dr. João Francisco Regis de Morais
Des-aforismos Washington dos Santos Oliveira - p. 11
(UNICAMP)
Drª. Mirela Figueredo Santos União homoafetiva e adoção de crianças por casais
(UEFS) homossexuais: sobrará para quem? Márcio Melo - p. 12
Drª. Sandra Simone Morais Pacheco
Poemas
(UNEB)
Dr. Roberval Alves Pereira Divagações sobre o nada Valéria Nancí - p. 15
(UEFS) Cartões postais Daniela Rocha - p. 15
“Venho por meio destas” Marília Sena - p. 15
Editoração Eletrônica
Pôr do Sol Renato Moss - p. 15
Danilo Cerqueira Almeida
Órum Ronaldo da Paixão - p. 15
Web designer Greve dos professores das UEBAs Miguel Almir - p. 16
Leonardo Nunes da Silva Rima de Menina Wicise Matos - p. 16
Paradoxo Danilo Carvalho - p. 16
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
FEIRA DE SANTANA
Reitor
editorial
José Carlos Barreto de Santana O Jornal Fuxico chega ao nº 20 aos mais profundos sentimentos
Diretor do Departamento de com o seu contínuo intento de da alma humana. No texto “Os
Educação reverberar saberes e incrementar sentidos do educar”, apreciamos a
Marco Antônio Leandro Barzano sabores no mundo dos seus leito- compreensão do fenômeno do e-
res. Ele vem com uma novidade: ducar nas sendas expressivas dos
Coordenador do NIT o sumário, ferramenta que possi- sentimentos e valores na cultura,
Miguel Almir L. de Araújo bilita uma melhor condução na a partir do olhar existencial do ser
leitura do periódico. Além disso, humano. Em “Des-aforismos”, o
Site do NIT: voltamos com as indicações de autor aborda o vicejamento da
ww.uefs.br/nit livros e filmes. sensibilidade para a vida através
No artigo “Carta de um Nobel do diálogo com um poema de Car-
da Paz a Barack Obama”, texto los Drummond de Andrade.
de Adolfo Pérez Esquivel, leremos Nas linhas de “União homoafeti-
Orientações para uma reflexão sobre o poder e a va e adoção de crianças por ca-
envio de artigo responsabilidade do governo es-
tadunidense na recente história,
sais homossexuais: sobrará para
quem?” o autor pondera sobre as
no sentido de agir eticamente pa- diversas formas de concepção da
- Recebemos artigos, poemas e ra garantir a vida do ser humano família, a partir de análises de ca-
imagens com temáticas que se- através da promoção da PAZ. sos relativos ao preconceito na a-
jam relevantes para a humanida- Em “O Amador” Susana Meirel- doção de crianças por casais ho-
de. les reflete sobre a relação amor– mossexuais.
- Texto de até três páginas; es- dor, pautada em obras consagra- O Jornal segue com imagens de
paço simples; fonte times new das como “Fragmentos de um instalação, telas, fotos, desenhos
roman 12; parágrafo com recuo; Discurso Amoroso” de Roland entrelaçando os textos; também,
Barthes e “Dom Casmurro” de com poemas e um cordel, os quais
colocar dados do autor após o
Machado de Assis. Do amor que transpiram uma sensação de estar
título.
provoca a dor. Da dor que trans- no mundo complexa, crítica e cria-
- Enviar o material via e-mail: borda amor: assim é o artigo “O tiva, singrando pela transversali-
jornalfuxico@yahoo.com.br Amador” - uma deliciosa viagem dade da caminhada da vida.
Maio a julho de 2011 FUXICO Nº 20 3
Só dez por cento é mentira - Dir. Pedro Cezar Infância - Graciliano Ramos
Correspondências - Dir. Eugène Green Em alguma parte alguma - Ferreira Gullar
Kafka - Dir. Steven Soderbergh Crise: oportunidade para o crescimento - Leonardo Boff
Patch Adams: O Amor é Contagioso - Dir. Tom Shadyac Amor Líquido - Zigmunt Bauman
4 FUXICO Nº 20 Maio a julho de 2011
artigos
Carta de um Nobel da Paz a Barack Obama*
Por Adolfo Pérez Esquivel
Nobel da Paz (1980)
destino melhor. Você sabe que a cidade, no hospital pediátrico e povos quando viola ambos perma-
esperança é como o lótus que no refúgio de crianças que foram nentemente e bloqueia quem não
cresce no barro e floresce em todo vítimas desses “danos colate- compartilha tua ideologia, obrigan-
seu esplendor mostrando sua be- rais”. do-o a suportar teus abusos?
leza. A palavra é esvaziada de valo- Como pode enviar forças milita-
Leopoldo Marechal, esse grande res e conteúdo, razão pela qual res ao Haiti, depois do terremoto
escritor argentino, dizia que: “do chamas o assassinato de “morte” devastador, e não ajuda humani-
labirinto, se sai por cima”. e que, por fim, os EUA tária a esse povo sofrido?
E creio, Barack, que depois de “mataram” Bin Laden. Não trato Como pode falar de liberdade
seguir tua rota errando caminhos, de justificá-lo sob nenhum con- quando massacra povos no Orien-
você se encontra em um labirinto ceito, sou contra todas as formas te Médio e propaga guerras e tor-
sem poder encontrar a saída e te de terrorismo, desde a praticada tura, em conflitos intermináveis
enterra cada vez mais na violên- por esses grupos armados até o que sangram palestinos e israelen-
cia, na incerteza, devorado pelo terrorismo de Estado que o teu ses?
poder da dominação, arrastado país exerce em diversas partes Barack, olha para cima de teu
pelas grandes corporações, pelo do mundo apoiando ditadores, labirinto e poderá encontrar a es-
complexo industrial militar, e acre- impondo bases militares e inter- trela para te guiar, ainda que sai-
dita ter todo o poder e que o mun- venção armada, exercendo a vio- ba que nunca poderá alcançá-la,
do está aos pés dos EUA porque lência para manter-se pelo terror como bem diz Eduardo Galeano.
impõem a força das armas e inva- no eixo do poder mundial. Há um Busca a coerência entre o que diz
de países com total impunidade. É só eixo do mal? Como o chamari- e faz, essa é a única forma de não
uma realidade dolorosa, mas tam- as? perder o rumo. É um desafio da
bém existe a resistência dos povos Será que é por esse motivo vida.
que não claudicam frente aos po- que o povo dos EUA vive com O Nobel da Paz é um instru-
derosos. tanto medo de represálias daque- mento ao serviço dos povos, nun-
As atrocidades cometidas por les que chamam de “eixo do ca para a vaidade pessoal.
teu país no mundo são tão gran- mal”? É simplismo e hipocrisia Te desejo muita força e espe-
des que dariam assunto para mui- querer justificar o injustificável. rança e esperamos que tenha a
ta conversa. Isso é um desafio pa- A Paz é uma dinâmica de vida coragem de corrigir o caminho e
ra os historiadores que deverão nas relações entre as pessoas e encontrar a sabedoria da Paz.
investigar e saber dos comporta- os povos; é um desafio à consci-
mentos, políticas, grandezas e ência da humanidade, seu cami- Buenos Aires, 5 de maio de
mesquinharias que levaram os nho é trabalhoso, cotidiano e por- 2011.
EUA à monocultura das mentes tador de esperança, onde os po-
que não permite ver outras reali- vos são construtores de sua pró- *Texto publicado no Sítio Carta
dades. pria vida e de sua própria histó- Maior
A Bin Laden, suposto autor ide- ria. A Paz não é dada de pre-
ológico do ataque às torres gê- sente, ela se constrói e isso é
meas, o identificam como o Satã o que te falta meu caro, cora-
encarnado que aterrorizava o gem para assumir a responsa-
mundo e a propaganda do teu go- bilidade histórica com teu po-
verno o apontava como “o eixo do vo e a humanidade.
mal”. Isso serviu de pretexto para Não podes viver no labirin-
declarar as guerras desejadas que to do medo e da dominação
o complexo industrial militar ne- daqueles que governam os
cessitava para vender seus produ- EUA, desconhecendo os trata-
tos de morte. dos internacionais, os pactos
Você sabe que investigadores e protocolos, de governos que
do trágico 11 de setembro assina- assinam, mas não ratificam
lam que o atentado teve muito de nada e não cumprem nenhum
“auto golpe”, como o avião contra dos acordos, mas pretendem
o Pentágono e o esvaziamento falar em nome da liberdade e
prévios de escritórios das torres; do direito. Como pode falar de
atentado que deu motivo para de- Paz se não quer assumir ne-
satar a guerra contra o Iraque e o nhum compromisso, a não ser
Afeganistão, argumentando com a com os interesses de teu país?
mentira e a soberba do poder que Como pode falar da liber-
estão fazendo isso para salvar o dade quanto tem na prisão
povo, em nome da “liberdade e pessoas inocentes em Guan-
defesa da democracia”, com o ci- tánamo, nos EUA e nas pri-
nismo de dizer que a morte de sões do Iraque, como a de
mulheres e crianças são “danos Abu Graib e do Afeganistão?
colaterais”. Vivi isso no Iraque, em Como pode falar de direitos
Bagdá, com os bombardeios na humanos e da dignidade dos Danilo Cerqueira
6 FUXICO Nº 20 Maio a julho de 2011
O Amador
Susana Meirelles
Psicóloga e Psicanalista
Apesar das dificuldades da minha história, apesar das perturbações, das dúvidas, dos desesperos, apesar da
vontade de me livrar disso, não paro de afirmar em mim mesmo o amor como um valor; Todos os argumentos
que os sistemas mais diversos empregam para desmistificar, limitar, apagar, enfim depreciar o amor, eu os
escuto, mas me obstino: “sei, bem, mas, contudo” (...) Essa teimosia é o protesto de amor: debaixo do con-
certo de “boas razões” para amar de outro modo, amar melhor, amar sem estar apaixonado etc., uma voz tei-
mosa se faz ouvir que dura um pouco mais de tempo: a voz do intratável apaixonado. (Roland Barthes)¹
Quando alguém não domina numa entrega calculada. Ilude- Quantos minutos gastamos na-
uma técnica, uma arte ou um ofí- se, sim, pois não conquista o quele jogo? Só os relógios do céu
cio chamam-no amador. Ainda amor, já que este, sem cálculo, terão marcado esse tempo infini-
não profissional, é amador. Tam- surpreende em situações e pes- to e breve. A eternidade tem su-
bém, todo aquele que exerce u- soas que ele não prevê. Acredi- as pêndulas; nem por não acabar
ma profissão por gosto, por puro ta precisar ser muito para ter nunca deixa de querer saber a
prazer, é amador. Para o Amador um pouco de amor. duração das felicidades e dos su-
não tem ensaio, não tem acerto O avaliador não crê que ele plícios.²
nem erro, não tem salário nem (nem ninguém) seja o bastante:
cansaço. Por tudo isso, quem a- nunca tão belo ou tão atraente. A pessoa amada se torna em
ma é amador. Busca a si mesmo refletido no tudo original. Única. Por isso, en-
Há, porém, os profissionais. olhar do outro. Sua dor é a de gana-se aquele que acredita na
Profissionais de amor. acreditar que precisa mostrar-se forma perfeita para ser amado. O
O colecionador que enumera perfeito, para ter um pouco de amor não começa nem termina
suas conquistas, imaginando que amor. nas qualidades ou defeitos do
assim encontrará o seu valor. Eles colecionam, calculam, e outro. A escolha amorosa traduz
Sofre pelo que acredita: será que avaliam as dores. Do amor, im- a peculiaridade do desejo e, por
precisa ter tanto para ter um portam-se com as dores: a re- isso, pode-se relacionar com
pouco de amor? jeição, a vulnerabilidade, a des- muitas pessoas, mas amar ape-
O calculador, que, com a liber- valorização. nas uma.
dade medida por quanto pode São ama-dores.
ser declarado, revelado, dá-se O Amador entrega-se, sem Retórica dos namorados. Dá-me
temer. Pode sofrer por um uma comparação exata e poética
telefonema que não che- para dizer o que foram aqueles
ga, pela palavra que não olhos de Capitu. Não me acode
foi dita, pelo mal- imagem capaz de dizer, sem
entendido, pela interpre- quebra da dignidade de estilo, o
tação que foi feita, pelo que foram e me fizeram. Olhos
não esclarecido. Sofre por de ressaca? Vá, de ressaca. É o
seu tempo estar marcado que dá idéia daquela feição no-
no compasso das sístoles va... ³
e diástoles: tempo perdi-
do, tempo recuperado. A idealização, a supervaloriza-
Tempo de encontro, tem- ção da pessoa amada, o senti-
po de desencontro. Ele mento de ter pouco valor e o te-
bem conhece esse com- mor de onde isso irá levar parece
passo. ser a origem da dor do amor.
Alguns Amadores tor-
naram-se imortais através ...Traziam não sei que fluido mis-
da escrita. Talvez o amor terioso e enérgico, uma força que
lhes tenha ultrapassado e arrastava para dentro, como a
seus personagens atra- vaga que se retira da praia, nos
vessam o tempo. Alguns dias de ressaca. Para não ser ar-
cantaram a beleza do a- rastado, agarrei-me às outras
mor, outros as suas do- partes vizinhas, às orelhas, aos
res. E é desse tempo as- braços, aos cabelos espalhados
sim demarcado - tempo pelos ombros; mas tão depressa
da dor e do amor - que buscava as pupilas, a onda que
Machado de Assis fala, do saía delas vinha crescendo, cava
encontro com o amor, na e escura, ameaçando envolver-
Luiz Ramos voz de Dom Casmurro: me, puxar-me e tragar-me 5
Maio a julho de 2011 FUXICO Nº 20 7
O amor, descobrimos sem en- ...Continuei a alisar os cabelos, outro completaria a sua falta.
saio. Surpreende-nos. A sua bus- com muito cuidado, e dividi-os Compara-se com um ideal que
ca ansiosa mais o faz afastar-se, em duas porções iguais, para nunca poderá realizar. Insiste
mas espontâneo, ele se revela compor as duas tranças. Não as que algumas facetas suas não
onde não esperamos. A sua pre- fiz logo, nem assim depressa, podem ser conhecidas nem me-
sença transforma em futilidades como podem supor os cabelei- recem ser amadas. Por isso, a
os problemas do cotidiano. Tudo reiros de ofício, mas devagar, entrega é sentida como um risco,
o que gravita em torno do ser devagarinho, saboreando pelo um empobrecimento de si. Espe-
amado, adquire uma aura de en- tato aqueles fios grossos, que ra do outro o que ele não pode
cantamento. A alegria do encon- eram parte dela. O trabalho era oferecer. As suas conquistas na-
tro torna-se um marco no mapa atrapalhado, às vezes por desa- da preenchem. O ama-dor é fre-
que a partir daí se desenha. E zo, outras de propósito para qüentemente atormentado pelo
sua lembrança, tão intimamente desfazer o feito e refazê-lo. Os medo: de perder ou de perder-se
comemorada, torna-se uma his- dedos roçavam na nuca da pe- no amor. A idealização que cons-
tória frequentemente recontada quena ou nas espáduas vestidas trói a respeito de como deve ser
em seus acasos e encontros, co- de chita, e a sensação era um o amor e a pessoa amada impe-
mo um evento que segue uma deleite. Enfim, os cabelos iam de-o de enxergar que o ser hu-
destinação superior. acabando, por mais que eu os mano que está nesse momento
quisesse intermináveis... 8 ao seu lado é a pessoa perfeita,
Grande foi a sensação do beijo; por revelar quem ele é e por fa-
Capitu ergueu-se, rápida; eu re- zer parte da trama que é forma-
cuei até à parede com uma espé- da no caminho para amar.
cie de vertigem, sem fala, os o- O amador vive o amor que
lhos escuros. Não me atrevi a descobre no espelho que se situa
dizer nada; ainda que quisesse um pouco além do outro. Pois é
faltava-me língua. Preso atordoa- no encontro consigo, na aceita-
do, não achava gesto nem ímpe- ção da suas faltas jamais preen-
to que me descolasse da parede chidas pelo outro, que é possível
e me atirasse a ela com mil pala- descobrir como é amar verdadei-
vras cálidas e mimosas 6 ramente, trançando, diante do
amor, uma felicidade real, junto
Amar, para Roland Barthes, é com suas inevitáveis dores.
“a festa, não dos sentidos, mas Creio que os amadores já
do sentido”. É a felicidade de ter compreenderam o que digo. To-
encontrado alguém que, “por su- davia, para os ama-dores, reco-
cessivos e sempre bem - mendo que leiam devotadamente
sucedidos toques, acaba o qua- a história de Dom Casmurro.
dro da fantasia”, como um joga- Para amar, é preciso ter a co-
dor “cuja sorte se confirma fa- ragem de tornar-se alguém ca-
zendo com que ele pegue na pri- paz de aceitar as próprias faltas,
meira tentativa, o pedacinho que tornando-se uma pessoa não
vem completar o quebra-cabeça completa, mas inteira, como a-
do seu desejo”. 6 quela palavra que une amor e
Danilo Cerqueira
dor: Amador.
E se nada é mais belo do que É preciso saber que viver o
apaixonar-se, do mesmo modo amor é iniciar um caminho lon- Notas
nada parece despertar maior me- go para dentro de si.
do. Amar é uma viagem para ¹ BARTHES, Roland. Fragmentos
dentro de si, e entregar-se ao ...Não pedi ao céu que eles fos- de um Discurso Amoroso, Francis-
encontro é a coragem de ver-se sem tão longos como os da Au- co Alves Editora, São Paulo: 2000.
na sua verdade, como uma cena rora, porque não conhecia ainda 2, 3 e 4
diante do espelho. esta divindade que os velhos ASSIS, Machado - Obras
poetas me apresentaram de- Completas - Dom Casmurro
Capitu deu-me as costas, voltando pois; mas, desejei penteá-los (volume 7), W.M. Jackson Edito-
res, São Paulo: 1955.
-se para o espelhinho. Peguei-lhe por todos os séculos dos sécu-
dos cabelos, colhi-os todos e entrei los, tecer duas tranças que pu- 5 ,7, 8 e 9
ASSIS, Machado. Obras
a alisá-los com um pente, desde a dessem envolver o infinito por Completas - Dom Casmurro
testa até as ultimas pontas, que um número inominável de ve- (volume 7), W.M. Jackson Edito-
lhe desciam à cintura... 7 zes. 9 res, São Paulo: 1955.
O início do amor é o da desco- O ama-dor sai em busca do 6
BARTHES, Roland. Fragmentos de
berta maravilhada das afinida- amor tecendo duas tranças in- um Discurso Amoroso. Francisco
des, das trocas. Ambos querem termináveis: a fantasia do ro- Alves Editora, São Paulo: 2000.
se mostrar um ao outro. mance ideal e a ilusão de que o
8 FUXICO Nº 20 Maio a julho de 2011
Os sentidos do educar
Cleudinéte Ferreira dos Santos Souza
Graduanda em Pedagogia - UEFS
descobrir, criar e recriar nosso rios” (GUSDORF Apud, ARAÚJO, inteligência e sentimentos no
próprio mundo; é mobilizar a ca- 2008, p. 86). Ou seja, cumprem processo da construção do saber
pacidade de libertar o espírito. com eficiência seu papel de coletivo e individual.
Não é apenas transferir conheci- transmissores e reprodutores de De acordo com Araújo (1998)
mentos, mas produzir e construir uma pedagogia mecanicista, po- educar é se libertar dos modelos
nossos conhecimentos com os rém, não cuidam da sensibilida- opressores das posturas patriar-
outros atores sociais e educacio- de humana. Cumprem ordens cais e racistas na educação. Edu-
nais. estabelecidas, transmitem ape- ca-se no sentido de construir a
O bom educador desperta nos nas um conteúdo pronto e aca- individualidade humana por in-
seus alunos, através dos seus bado, não valorizam o ser hu- termédio da desconstrução de
conhecimentos, o desejo de ou- mano que sente, pensa e cria. pensamentos e sentires introdu-
sar, criar o novo para que pos- As formas ditatoriais que di- zidos pela sociedade consumista
sam ter dias melhores e vivenci- tam como deve ser o comporta- e opressora. Educar é fazer e-
em seus anseios, suas perspecti- mento do aluno, o que ele deve mergir de dentro de nós desejos,
vas, suas realizações, a partir da ter como conhecimento em rela- paixões e sonhos mais comple-
motivação própria. Durante o ção ao que lhe é imposto, levam xos. O entrelaçamento entre o
compartilhar de saberes o pro- o ambiente escolar a se tornar corpo e a mente na ação de pro-
fessor envolve os alunos na dinâ- uma “jaula de aula”. Precisamos duzir conhecimentos estimula a
mica poética e ética da vida, va- repensar nossas práticas e rea- sensibilidade, a imaginação, o
lorizando-o como indivíduo que prendermos a ensinar transfor- senso intuitivo e com-preensivo
vive em uma sociedade e produz mando o espaço da sala de aula para o entendimento da origem e
ciência, tecnologia e poesia, dan- em espaço de aprendizagens; significado de tudo que existe.
do-lhes igual valor na criação de um lugar prazeroso e produtivo Educar é desenvolver a solida-
um pensamento ao mesmo tem- onde educador e educando se- riedade utilizando-se da ética e a
po racional e imaginário, capaz jam partícipes do processo ensi- igualdade como nosso guia. É
de produzir transformações em no-aprendizagem. trabalhar a ludicidade nas brinca-
seus conhecimentos e no seu Educadores provocam nos deiras e jogos, no prazer das
próprio ser, tendo o cuidado com alunos o desejo de
os valores morais que lapidam aprender, de viver
nosso ser. a aventura da con-
Educar é dar sentido ao nosso quista do saber im-
estar no mundo. Aprendemos pregnado de vários
com a educação indígena que sentires, na sua in-
precisamos dar alimento ao cor- terioridade e exteri-
po, a alma e ao espírito, pois, oridade, na consci-
para eles, sem comida o corpo ência individual e
enfraquece, e sem sentido é a coletiva, nos encon-
alma que se entrega ao vazio da tros de tensões di-
existência. Para os indígenas nâmicas que consti-
não existe formatura, quem vive tuem e sustentam o
o presente está sempre em ser humano. Mais
processo de formação do que nunca, os
(MUNDURUKU, 2000). professores preci-
sam educar os afe-
2 Saberes essenciais no pro- tos no espaço de
cesso educacional vivência escolar. O
educador, ao ter o
Araújo (2008) compreende desejo de exercer
que as salas de aula têm se tor- cada vez melhor a
nado celas de aula, com carteiras profissão pela qual
enfileiradas e um discurso de re- optou, deve estar
lações disciplinares, que na ver- ciente da responsa-
dade só desperta em seus alunos bilidade que carre-
a apatia. Como fala Gusdorf: “a ga, pois não é ape-
maior parte dos professores não nas um mero ins-
são mestres. Dão aulas, se en- trutor, mas aquele
carregam de cursos, honesta- que auxiliará indiví-
mente, como bons funcioná- duos dotados de Danilo Cerqueira
10 FUXICO Nº 20 Maio a julho de 2011
Des-aforismos
Washington dos Santos Oliveira
Licenciado em Filosofia (UFBA)
Como num impasse de mágica paz que esmagava a “flor do as- raz-cidade prosaica. E às cuspara-
de um ilusionista cansado da ilu- falto” por não compreender sua das vou regando a flor do asfalto.
são das paredes que o encerram rude beleza e apressava-se, con- A flor do asfalto de Drummond
num palco, e tendo saído do palco vers-indo sozinho em direção à que outrora pisei e que hoje aflora
pra praça, ainda não sabendo di- multidão barulhenta. em minha consciência com outro
reito em qual primeira esquina à Esquecer o silêncio amargura- perfume, se ela pudesse dizer por
esquerda entrar... lanço-me eu a- do do lar-doce-lar de uma vez minha voz um desaforo para os
fobadamente em direção às ruas. por todas e gritar em vivos bra- encastelados poetas e um aforis-
“Lugar de poesia é na calçada!” dos: mo para os transeuntes da primei-
Pisando em titubeantes pala- “Mais luz, mas luz”... debaixo ra esquina, ela diria: “já não é
vras, construo meus passos e vou do sol, aqui e agora! E não na fri- mais tempo de cultivar jardins do-
me criando e me morrendo nos eza do quarto sombrio, como cla- mésticos!”
descaminhos prosaicos, sem elixir mou Goethe nos seus últimos es- Pois bem, é tempo já para dei-
da juventude, e sem fórmula e po- pasmos. xarmos, de algum modo, que essa
ção da eterna poesia. Sem tam- Novas páginas não posso/não flor, plantada por Drummond em
pouco ter a mínima intenção de quero escrever. Contento-me na seus versos, cresça no asfalto e
encontrá-los. contenda de escrevinhar nas en- em nosso peito e que cresçamos e
Confesso: queria eu, de algum trelinhas das brigas homéricas morramos também juntos com e-
modo e apesar de tudo, fazer poe- que os poetas travam com as pa- la. Como ela, rueiros e rudes. Mas,
sia como agia aquele estabanado lavras, mastigando versos de po- sobretudo, sujos de rudimentos de
rapaz que eu mesmo fui. Um ra- emas ensanguentados numa vo- beleza.
Sancho
12 FUXICO Nº 20 Maio a julho de 2011
Família é quem você escolhe pra viver/ Família é quem você escolhe pra você/ Não precisa ter conta sangu-
ínea/ É preciso ter sempre um pouco mais de sintonia.
(O Rappa)
Vi recentemente o filme parentes, afins ou naturais (CC. mum, como de qualquer outra
“Sobrou Pra Você” (The Next arts. 1591 e ss., Dec-Lei 32- família. A única diferença que
Best Thing), produção norte- 00/41 e Lei 883/49). Em senti- pude observar é que, até os sete
americana de 2000, dirigida por do restrito abrangeria apenas os anos, o pai do garoto havia omi-
John Schlesinger, com Madonna cônjuges ou conviventes e seus tido para ele o fato dele ser gay,
e Rupert Everett nos papéis prin- filhos (CC. arts 1567 e 1716), para preservar a criança. Não
cipais. É um filme interessante, ou a comunidade formada por podemos esquecer de lembrar
que está mais para o drama do qualquer dos pais e descenden- dos PRINCÍPIOS FUDAMENTAIS
que para a comédia. Vejamos a tes (CF. 226, §§ 3° 4°). Sendo da dignidade da pessoa humana
sinopse. Abbie (Madonna) e Ro- assim, considero que aquela fa- e da solidariedade. Aquela família
bert (Rupert Everett) são amigos mília seria conceituada como observou esses princípios, assim
com muita coisa em comum: jo- sendo uma família no sentido como também os GERAIS – i-
vens, têm uma visão não- amplíssimo. gualdade, liberdade, afetividade,
convencional da vida, inteligen- Os laços familiares encontra- convivência familiar e melhor in-
tes, impulsivos e um terrível azar dos no filme são os melhores teresse da criança. Aqui cabe ou-
no amor. Eles fariam um par per- possíveis, normais, como em tro comentário de Maria Helena
feito, se não houvesse um po- toda família normal. O cotidiano Diniz ao artigo 1.630 do Código
rém: Robert é gay. Um dia, da família era tranquilo, co- Civil, que define como sendo po-
quando muitos coquetéis e der familiar aquele exercido
martinis os levam a um novo pelos entes da família: “Um
nível de intimidade, eles se conjunto de direitos e obriga-
transformam “acidentalmente” ções, quanto à pessoa e bens
em pais. Um novo mundo en- do filho menor não emancipa-
tão se abre para ambos e do, exercido em igualdade de
também para Sam, seu filho, condições por ambos os pais,
que decidem criar como se para que possam desempe-
fossem uma família comum. nhar os encargos que a norma
Quando partimos para o jurídica lhes impõe, tendo em
estudo e uma análise mais a- vista o interesse e a proteção
profundada desse filme, recor- dos filhos.” Nesse sentido,
remos a alguns autores. A au- considero que o princípio da
tora Maria Helena Diniz aponta convivência familiar foi rompi-
três acepções para a palavra do e descumprido no momen-
família, que acabam designan- to em que o pai perdeu o di-
do três sentidos para a sua reito de ver o filho.
compreensão: sentido amplís- Quanto à orientação sexual do
simo, acepção lata e acepção indivíduo ser empecilho para
restrita. No que concerne ao a constituição de uma família,
sentido amplíssimo, abrange- vai depender de qual socieda-
ria todos aqueles que estive- de estamos nos referindo. Pa-
rem ligados pela consangüini- ra aquela família do filme, es-
dade ou pela afinidade (CC. pecificamente, era tranquilo,
art. 1412, § 2° e Lei n. 171- com uma celeuma aqui ou ali,
1/52 art. 241). Na acepção mas o casal e a criança
lata compreenderia os cônju- “tiravam de letra”, até o sur-
ges e seus filhos bem como os Sancho gimento do novo namorado
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rista Maria Berenice Dias, especi- gais. Por que não pega um des- casamento heterossexual, inclu-
alista em União Homoafetiva, so- ses para criar?”, declarou Nancy sive para fins de adoção conjun-
bre o tema: “Necessário é enca- Ribeiro, mãe de Cássia, que já ta”. Na verdade, o que conta
rar a realidade sem discrimina- estava separada há 17 anos, em muito é a forma como o casal
ção, pois a homoafetividade não entrevista para a revista Isto É lida com isso. Se a criança ques-
é uma doença nem uma opção Gente, na época do processo. tionar por que a família dela é
livre. Assim, descabe estigmati- Vários artistas assinaram mani- diferente da dos colegas, eles
zar a orientação homossexual de festos a favor de Eugênia. Ela têm que explicar. É preciso que
alguém, já que negar a realidade venceu a ação e criou jurispru- haja diálogo sempre.
não irá solucionar as questões...” dência no país. Com isso, Cás- Agora falta a população deixar
Analisemos um relato de uma sia, Eugênia e Chicão abriram de ser preconceituosa e entender
das melhores amigas da cantora uma pequena janela para que que TODAS as pessoas têm direi-
Cássia Eller: “Cássia vivia ma- várias outras pessoas no Brasil tos. O que está em jogo é a DIG-
chucada. Seus joelhos estavam possam enxergar a própria feli- NIDADE DA PESSOA HUMANA!
sempre esfolados dos tombos cidade. Não sou homossexual, mas estou
que levava no palco. Jogava-se Quanto à adoção de crianças na luta com eles pelos seus direi-
no chão com força e não estava por casais homossexuais é pos- tos, assim como de todas as ou-
sível, sim. O nosso tras minorias: negros, índios etc.
ordenamento jurí-
Penso na mesma direção de um
dico já está sinali-
dos meus ídolos, o líder pacifista
zando positiva-
negro norte-americano Martin
mente nessa dire-
ção, concedendo Luther King Jr. que afirmou certa
adoção para casais vez: "O arco moral do Universo é
homossexuais. O longo, mas ele se inclina em di-
primeiro caso de reção à justiça". Sendo assim,
uma criança ado- concluindo, considero que já che-
tada oficialmente gou a hora de aprovar uma lei
por um casal ho- que permita o casamento dos
mossexual ocorreu homossexuais no Brasil, mesmo
em 2006, em Ca- porque o Direito não pode servir
tanduva, no interi- de cão-de-guarda da intolerância
or de São Paulo. religiosa alheia. Que os casais
Os riscos de crian- homossexuais também possam
ças adotadas por se casar e ser felizes para sem-
casais homossexu- pre, até que a morte – ou o di-
ais apresentarem vórcio – os separe.
problemas psicoló-
Luiz Ramos
gicos são os mes-
Referências
nem aí. Seu filho Francisco Ribei- mos de uma adotada por um
ro Eller, o Chicão, na época com casal heterossexual. Paulo Lôbo
DIAS, Maria Berenice. Manual de
dois anos, dispara: „mãe, você afirma que “diversos estudos de
Direito das Famílias. 4. ed.rev,
está machucado‟. Ela instantane- especialistas têm mostrado o
amente responde: „já te disse, fato de que uma criança criada atual. E ampl. 3.tir. – São Paulo:
não é machucado, é machucada. por pais de mesmo sexo não Ed. Revista dos Tribunais, 2007.
Machucado é homem, machuca- tem impacto negativo em rela-
da é mulher!‟ e o garoto: „mas ção à outra criada por pais he- DINIZ, Maria Helena. Curso de
mulher não namora mulher”, e terossexuais. Ao contrário, con- Direito Civil Brasileiro. Vol. V, Di-
ela prontamente: „claro que mu- sidera-se ser do melhor interes- reito de Família. 20. ed. São Pau-
lher namora mulher. Eu sou mu- se da criança sua adoção regu- lo: Saraiva, 2005.
lher e namoro a Eugênia‟. E esta- lar. Na Alemanha, a Lei de Par-
va feito, sem drama, elaboração ceria Registrada, de 2005, per- FORD, Debbie. O Efeito Sombra /
nem problema. Bastava a verda- mitiu que o parceiro homosse- Deepak Chopra, Debbie Ford,
de”. xual possa adotar o filho bioló- Marianne Williamson; tradução:
O filho de Cássia ficou com a gico do outro. O Canadá foi Alice Klesck. – São Paulo: Lua de
sua “segunda mãe”, Eugênia, mais longe, com a lei de julho Papel, 2010.
mas o processo que envolveu a de 2005 – ao lado de outros pa-
guarda de Chicão mobilizou os íses que enfrentaram o proble- LÔBO, Paulo. Direito civil: famí-
pais de Cássia. O avô do menino ma -, ao admitir o casamento lias. 3.ed. – São Paulo: Saraiva,
pediu na justiça a guarda dele. civil de pessoas do mesmo se- 2010.
“Ele tem 16 filhos extranconju- xo, com os mesmos efeitos do
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poemas
Divagações sobre o nada
Valéria Nancí
Feira de Santana - BA