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cerraDo
o fim da história ou uma nova história?
S
e pudéssemos voltar no tempo, antes da chegada dos primei-
ros colonizadores portugueses ao Brasil, encontraríamos uma
extensa e contínua área de savana (conhecida também por
cerrado), com pouco mais de 2 milhões de km2, contendo uma ve-
getação formada por campos, arbustos e árvores. Seria uma região
preservada em quase toda sua totalidade; algumas áreas apresen-
tariam, mesmo naquele ano de 1500, alterações causadas por povos
nômades (coletores e caçadores) que por aqui já viviam.
Por volta de 1700, os recursos minerais descobertos no cerrado,
em especial o ouro, despertaram o interesse de colonizadores e na-
tivos, dando origem à primeira atividade econômica a atrair popu-
lações litorâneas para o interior do país. A exploração do ouro, que
duraria até meados do século 19, acabou por atrair e desenvolver
outras atividades econômicas, como a pecuária bovina e a agricul-
tura. Tais atividades, inicialmente para subsistência, tinham o in-
tuito de suprir os novos grupos de habitantes que se fixaram na
região central do país em decorrência da mineração.
vimento, acelerou esse processo. A partir da fundação da A partir da década de 1990, a fronteira agrícola foi
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embra- expandida para quase todas as terras restantes no cerra-
pa), em 1973, foi possível fazer o melhoramento genético do, ainda a preços proporcionalmente baixos e com boas
de plantas e animais e a correção da fertilidade e acidez condições de mecanização e melhoramento da fertili-
dos solos no cerrado, bem como o treinamento e a forma- dade, destacando-se uma região hoje conhecida como
ção de profissionais envolvidos nessas pesquisas. MA-TO-PI-BA, formada pela confluência dos limites
Junto com o desenvolvimento do transporte rodoviário estaduais de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Essa
e o crescimento do mercado nacional e internacional de época foi marcada pela maior organização da agricultu-
bens e serviços agrícolas (entre eles, a exportação de al- ra, tanto com a formação de cooperativas de produto-
godão e de grãos, como soja e milho), essas transforma- res, apoiados pelos governos estaduais e federal (por
ções atraíram populações de outras regiões para o cerra- meio de políticas especiais de financiamento), quanto
do, levando ao rápido crescimento demográfico de algu- pela atuação direta de empresas multinacionais, impor-
mas cidades. A tecnologia chegou à região como uma tadoras e exportadoras de grãos e fibras ou produtoras
espécie de onda de transformação (delimitando o que de maquinário e suplementos agrícolas.
chamamos de ‘fronteira agrícola’), que partiu do oeste Já em meados da década de 2000, os plantios para a
paulista e seguiu pelo sul de Goiás, oeste do Mato Gros- produção de biocombustíveis (entre eles, o etanol da
so do Sul e oeste de Minas Gerais. cana-de-açúcar, que teve maior destaque no mercado
Na década de 1980, a economia agropecuária incor- nacional) foram expandidos para o interior do cerrado,
porou espaços ainda mais distantes, como o oeste da ampliando a força do agronegócio na região.
Bahia e a zona de transição com a Amazônia (no chama-
do arco do desmatamento – região que marca a fronteira Fronteira do desmatamento Atualmente, 1
política e econômica entre a floresta amazônica e o cer- milhão de km2 de cerrado já estão desmatados, transfor-
rado), ainda predominantemente caracterizada por ve- mados em cultivos agrícolas (cerca de 15% do bioma) e,
getação de cerrado (figura 1). Dessa vez, os novos produ- sobretudo, em pastagens (35%) (figura 2).
tores eram, sobretudo, migrantes do sul do país, vulgar- Considerando a área original de cerrado existente em
mente chamados de “gaúchos”, que vinham com suas cada estado até 2010, no norte e nordeste do bioma en-
famílias em busca de terras mais baratas, com bons atri- contram-se os estados mais preservados, com destaque
butos para a agricultura (em geral, relevo plano ou pou- para o Piauí (com 91% de sua área de cerrado), Mara-
co ondulado e clima estável, com períodos chuvosos bem nhão (89%), Tocantins (79%) e Bahia (74%) – todos es-
definidos). Em decorrência desse movimento, muitas ses em pleno processo de desmatamento desde o início
cidades foram estabelecidas nessas regiões, formando dos anos 2000. No outro extremo, mais ao centro e sul do
uma rede urbana que incluía tanto pequenas cidades, bioma, estão os estados onde o cerrado havia sido mais
que davam suporte à agricultura, quanto grandes centros desmatado até aquele momento: São Paulo (com apenas
urbanos, de onde os negócios eram geridos. 13% de seu cerrado), Mato Grosso do Sul (32%), Goiás
(44%), Minas Gerais (53%) e Mato Grosso (66%).
Nas áreas agrícolas de Goiás e Mato Grosso, a soja
figura 1. exemplo do processo de ocupação do cerrado pela
agricultura e pastagem no oeste da Bahia, entre 1975 e 2010
continua sendo o cultivo principal, seguido pelo milho e
algodão, voltados ao mercado externo, junto com a pas-
tagem cultivada, destinada, em geral, à produção de car-
ne (figura 3). Em São Paulo (sobretudo na região oeste),
ainda predominam os plantios de cana-de-açúcar. Nos
estados mais ao norte, o desmatamento tem ocorrido pa-
ra a expansão de plantios, principalmente o de soja (fi-
gura 4). Expandem-se também os projetos de explora-
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