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IV Encontro Anual da ANPPAS

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade


4 a 6 de junho de 2008
Brasília - DF

Mercados e Meio Ambiente: o que têm em comum a Sociologia


Ambiental e a Nova Sociologia Econômica?

Luiz Carlos Beduschi Filho1

RESUMO

A literatura que trata dos conflitos socioambientais a partir dos aportes conceituais da sociologia
ambiental é bastante fértil no Brasil. De fato, são vários os autores nacionais que, a partir de
contribuições seminais como as de Hanningan (1995), tratam as questões ambientais a partir sob
uma abordagem construtivista.
A abordagem social construtivista da sociologia ambiental sugere que as questões ambientais são
socialmente construídas, a partir da interação e do embate entre os atores sociais. Elas só
passam a existir, de fato, quando a sociedade as reconhece como merecedoras de especial
atenção, por meio do processo, sempre dinâmico, de formulação do problema, convencimento a
respeito da sua importância e mobilização para o seu enfrentamento.
Já a Nova Sociologia Econômica, ao explicar a emergência e o desenvolvimento dos mercados,
também lança mão de uma abordagem construtivista, sugerindo que os mercados não devem ser
encarados simplesmente como um ponto neutro de encontro entre oferta e procura, mas devem
ser entendidos como verdadeiras construções sociais.
Mesmo havendo uma clara abordagem construtivista em ambas as correntes sociológicas, é ainda
bastante tênue o diálogo entre elas. São relativamente escassos os trabalhos que combinam as
contribuições destas duas correntes sociológicas para analisar, empiricamente, mercados que se
afirmam a partir de atributos socioambientais.
Verificar a fortaleza explicativa de ambos os corpos teóricos para a compreensão destes novos
mercados é o objetivo principal do artigo. Formulada de maneira direta, o artigo pretende
responder à seguinte pergunta: é possível estabelecer um quadro teórico que alie as
contribuições da sociologia ambiental e da nova sociologia econômica para a compreensão
dos novos mercados socioambientais?
A hipótese é que, para compreender de forma mais aprofundada esses novos mercados que se
apóiam nos singulares atributos socioambientais que a sociedade parece cada vez mais valorizar,
não apenas é possível articular tais contribuições, como é necessário fazê-lo.

Palavras-chave: sociologia ambiental; sociologia econômica; mercados e meio ambiente

1
Professor Doutor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência
Ambiental (PROCAM) da Universidade de São Paulo (USP). beduschi@usp.br
1- INTRODUÇÃO

Conflitos socioambientais podem ser entendidos como expressões das disputas entre diferentes
atores sociais sobre o uso e gestão de determinados recursos naturais. A literatura que trata dos
conflitos socioambientais a partir dos aportes conceituais da sociologia ambiental é bastante fértil
no Brasil. De fato, são vários os autores nacionais que, a partir de contribuições seminais como as
de Hanningan (1995), tratam as questões ambientais a partir sob uma abordagem construtivista.

Segundo tal abordagem, questões ambientais são socialmente construídas, a partir da interação e
do embate entre os atores sociais. Elas só passam a existir, de fato, quando a sociedade as
reconhece como merecedoras de especial atenção. É nesse sentido que podemos afirmar que a
emergência de uma determinada questão ambiental é fruto do processo, sempre dinâmico, de
formulação do problema, convencimento a respeito da sua importância e mobilização para o seu
enfrentamento.

Abordagem semelhante é, em grande medida, utilizada também pela Nova Sociologia Econômica
para explicar a emergência e o desenvolvimento dos mercados. Para os autores desta corrente da
sociologia contemporânea, mercados não devem ser encarados simplesmente como um ponto
neutro de encontro entre oferta e procura, mas devem ser entendidos como estruturas sociais
(Smelser e Swedberger, 2005; Callon, 1998)

A ação econômica dos agentes estaria, portanto, incrustrada (embededd), para utilizar a
expressão consagrada por Mark Granovetter (1985), em estruturas sociais que acabam por
moldar os mercados e influenciar o comportamento e a interação entre os agentes.

Olhar os mercados a partir desta perspectiva analítica permite incluir aspectos negligenciados
pela teoria econômica neoclássica, em especial aqueles relacionados às dotações desiguais de
poder, material e simbólico, de que dispõem os atores quando têm que se relacionar.

Esses dois objetos de análise – ambiente e mercados - foram incorporados apenas recentemente
no escopo dos programas de pesquisa da sociologia contemporânea2. A análise dos mercados foi,
por um bom tempo, domínio praticamente exclusivo dos economistas (Smelser e Swedberger,
2005), assim como o estudo das questões ambientais era uma seara restrita aos cientistas
naturais .

O que é interessante notar é que, mesmo havendo uma clara abordagem construtivista em ambas
as correntes sociológicas, é bastante tênue o diálogo entre elas. São relativamente poucos os
trabalhos que combinam as contribuições destas duas correntes sociológicas para analisar,
empiricamente, mercados que se afirmam a partir de atributos socioambientais.

2
Ainda que os principais fundadores da disciplina (Marx, Weber e Durkheim) tenham dedicado parte significativa de
sua produção intelectual ao entendimento das relações econômicas, o fato é que apenas recentemente os mercados
voltaram a despertar o interesse dos sociólogos, no que vem sendo chamado de Nova Sociologia Econômica.

2
Verificar a fortaleza explicativa de ambos os corpos teóricos para a compreensão destes novos
mercados é o objetivo principal do artigo. Formulada de outra maneira, o artigo pretende
responder à seguinte pergunta: é possível estabelecer um quadro teórico que alie as
contribuições da sociologia ambiental e da nova sociologia econômica para a compreensão
dos novos mercados socioambientais?

A hipótese é que não apenas é possível articular tais contribuições, como é necessário fazê-lo.

Em primeiro lugar, devido à constatação de que a emergência de tais mercados responde a


demandas que são socialmente construídas a partir da argumentação de atores sociais como
ONGs, movimentos sociais e cientistas naturais que, para usar a expressão de Latour (2000),
falam em nome da Natureza quando têm que exercer seu papel de negociador. Logo, a
compreensão da lógica da sua gênese, dos argumentos que os diferentes atores mobilizam para
convencer suas audiências e das articulações que estabelecem com outros atores pode ser
potencializada em um marco analítico oriundo da sociologia ambiental.

Por outro lado, para compreender como se estruturam os mercados que surgem desses embates
entre atores, e que são uma das formas possíveis de estabilização das relações entre eles, as
contribuições da nova sociologia econômica podem ser muito interessantes. Se tais mercados são
frutos da interação recorrente entre atores que se posicionam em um determinado campo, que
desfrutam de dotações desiguais de poder e que têm interesses diferenciados e muitas vezes
divergentes, é importante compreendê-los à luz de um referencial teórico que dê conta destes
aspectos constitutivos.

Em suma, sugere-se que é necessário, e muito bem-vindo, um processo de mútua fertilização


entre estas duas correntes da sociologia contemporânea para a análise empírica dos novos
mercados socioambientais que estão surgindo recentemente.

Dessa forma, são apresentadas e discutidas contribuições de autores que vêm ajudando a
conformar os campos específicos tanto da Sociologia Ambiental quanto da Nova Sociologia
Econômica.

Sempre que possível, o artigo ilustra, sempre que necessário, as discussões com exemplos de
novos mercados socioambientais, como são os mercados de biocombustíveis, de créditos de
carbono, de produtos agroflorestais certificados, de marcas territoriais de qualidade ou de
comércio justo.

O resultado esperado com o artigo é conseguir maior clareza sobre a potencialidade que têm
ambas as correntes teóricas para a compreensão deste novo fenômeno – a permeabilidade dos
mercados a pressões socioambientais – que é cercado tanto por grandes expectativas quanto por
ampla desconfiança por parte daqueles que estão diretamente relacionados à sua emergência.

Assim, no item 2, logo após esta breve introdução, o artigo explora as contribuições da Sociologia
Ambiental para o entendimento da emergência de novos comportamentos que passam a

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caracterizar parte cada vez mais significativa das organizações empresariais. Em seguida, no item
3, o artigo apresenta e discute algumas das contribuições mais importantes da nova sociologia
econômica que pretendem contribuir para o entendimento dos mercados como construções
sociais. No item 4, então, apresenta-se uma tentativa de relacionar as contribuições teóricas de
ambas as correntes, no sentido de elaborar um marco analítico que ajude na compreensão
empírica de diversos mercados que têm em atributos socioambientais uma das suas principais
características. O artigo conclui, no item 5, com algumas considerações de ordem metodológica
que podem ser úteis para a realização de trabalhos empíricos de investigação a respeito dos
novos “mercados verdes”.

2- A abordagem social construtivista da sociologia ambiental

“Quem cuidará do primo pobre?”. O título de um artigo do jornalista brasileiro Washington Novaes,
publicado em 14 de março de 2008 no jornal “O Estado de São Paulo”, discute as diferenças de
interesse da opinião pública sobre a conservação de dois biomas brasileiros – Amazônia e
Cerrado – e coloca em evidência uma das mais interessantes controvérsias da sociologia
ambiental.

Tal controvérsia, que contrapõe o “realismo ambiental”, que marca o surgimento do sub-campo da
sociologia do meio ambiente, ao “social construtivismo”, que sugere que os problemas ambientais
são construções sociais, é um dos assuntos que permeiam esta seção do artigo e que são de
grande utilidade para a compreensão dos processos que podem levar à emergência de
determinados mercados.

Nesta seção, o objetivo central é discutir como esta última abordagem (social construtivista) da
sociologia ambiental trata o processo de construção social dos problemas ambientais.

Para tanto, discute-se brevemente o dualismo entre objetivismo e subjetivismo no trato sociológico
da questão ambiental, para em seguida analisar, de forma mais criteriosa, a perspectiva social
construtivista, apoiado fundamentalmente nas contribuições de Hannigan (1995) e de autores
vinculados à sociologia da ciência e do conhecimento.

A idéia central deste item é explicitar como se dão os processos pelos quais são definidos,
negociados e legitimados determinados problemas ambientais em uma sociedade cada vez mais
reflexiva e marcada pela emergência e ampliação dos riscos (Guiddens, 1991; Beck, 1992).

Como forma de deixar mais claro o raciocínio desenvolvido no texto, serão utilizados alguns
exemplos que ilustram tais processos, mostrando que a abordagem pode ser útil tanto para a
compreensão de determinados processos, em uma perspectiva mais analítica, como para orientar
ações sociais que poderiam contribuir para a construção e alteração de determinadas situações.

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As ciências sociais “despertaram” mais tarde para as questões ambientais do que as ciências
naturais. Para Ferreira (2002), a iniciativa de introduzir o debate sobre a dimensão ambiental no
interior da sociologia pode ter sido uma das conseqüências do processo de redefinição da agenda
de pesquisa da sociologia empreendido a partir do Pós-Guerra. Mas também pode ter sido uma
resposta à intensificação dos impactos socioambientais negativos decorrentes da expansão
econômica ou à reação social deflagrada por essas evidências de degradação

Uma das explicações para esse despertar tardio da sociologia para a temática ambiental pode ter
sido o medo de “contaminar a disciplina” com objetos de investigação cuja exclusão foi deliberada
durante seu processo de institucionalização. Porém, na esteira dos movimentos sociais de
contestação e reivindicação por melhores condições ambientais - esses sim considerados como
objeto legítimo de investigação - a sociologia começou a incorporar em suas preocupações a
questão ambiental.

É somente a partir dos anos 1970, em grande parte como conseqüência do acelerado processo
de industrialização engendrado no pós-guerra, que alguns sociólogos passam a aproximar-se das
temáticas ambientais. Entre os trabalhos pioneiros que tentam construir uma sociologia do meio
ambiente destacam-se os trabalhos de Dunlap, Buttel e Catton, entre outros (Dunlap e Catton,
1979; Buttel, 1981 e 1992; Dunlap, 1991).

Vários autores advogam por um Novo Paradigma Ecológico, com ênfase na dependência das
sociedades humanas aos ecossistemas, considerando a dimensão biofísica como variável
independente, o que levaria a uma perspectiva mais “realista” da sociologia ambiental.

A principal crítica dos “realistas” ao social construtivismo é o risco do relativismo: “a flexibilidade


interpretativa teria um efeito corrosivo na utilidade e potencialidade crítica das considerações
sociológicas sobre os problemas e fenômenos” (Florit, 2000). Tal abordagem acabaria por
subestimar os problemas ambientais.

A resposta dos “construtivistas” é que o foco se desloca para os processos sociais que têm
implicações ambientais: não se trata de negar a existência objetiva de determinadas situações,
mas de entender o processo por meio do qual as situações são definidas, negociadas e
legitimadas como problemas.

Para entender como se dão os processos que levam as situações a serem encaradas como
problemas é necessário formular algumas perguntas básicas, como aquelas propostas por
Hannigan (1995):

- Quem são os formuladores dos problemas?

- O que está sendo dito dos problemas?

- Como o problema está sendo tipificado?

- Qual é a retórica utilizada pelos formuladores do problema?

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- A quem os formuladores do problema se dirigem?

A construção “bem sucedida” de um problema ambiental resultará, em grandes linhas, da


conjunção de alguns fatores como:

a) autoridade científica para a validação dos argumentos;

b) incentivos econômicos para o seu enfrentamento;

c) atenção dos meios de comunicação;

d) emergência de instituições que garantam legitimidade e continuidade de ações para


enfrentar o problema.

Nota-se aqui, portanto, que o papel da ciência é fundamental, assim como o das instituições.

Para Latour (2000), os cientistas representam seus objetos de estudo, falando em nome deles
quando têm que exercer seu papel de negociador.

A ciência, para Latour, se organiza em 5 horizontes fundamentais, que nos interessa conhecer:

a) mobilização do mundo: o pesquisador faz seu objeto de estudo falar;

b) autonomização da pesquisa: o que garante a autoridade científica;

c) mobilização da inteligência estratégica: alianças com outros atores e redes sociais;

d) encenação: que são as relações públicas com seus aliados;

e) laços e ligações: onde os conceitos e teorias têm papel fundamental.

De forma muito breve, nos limites impostos por um texto como este, podemos ilustrar tal
abordagem com alguns exemplos.

O primeiro deles, estudado por Beduschi (2003), na região do Pontal do Paranapanema em São
Paulo, mostra como um problema ambiental é formulado (a conservação biológica de espécies
animais), quem são os formuladores (cientistas vinculados a um sub-campo da biologia,
conhecido por biologia da conservação), que elementos retóricos utilizam e como mobilizam redes
estratégicas (ong´s, Universidades, movimentos sociais, jornalistas, governos, empresas, etc.)
para a estruturação de incentivos que convencem outros atores a se mobilizar para enfrentar o
problema que eles construíram. Neste caso, esses outros atores eram famílias que viviam em
assentamentos rurais vizinhas a uma Unidade de Conservação que abriga as espécies que os
cientistas pretendem preservar. O interessante neste estudo de caso é que ele mostra como é
possível refutar as previsões pessimistas que a própria ciência sugeria (Cullen Jr., 1997). Uma
das formas de incentivar os agricultores assentados a contribuir para a manutenção da integridade
da Unidade de Conservação foi por meio de incentivos econômicos que se materializavam na
forma de doação de mudas, assistência técnica e apoio para a comercialização de produtos
“ecológicos”. Um desses produtos, que já está no mercado há alguns anos, é um café produzido

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sob a sombra de espécies florestais nativas da região sem a utilização de agrotóxicos, o que faz
com que tenha um valor de mercado superior àquele alcançado por cafés produzidos de forma
convencional.

Em resumo, enquanto a situação ecológica da região era preocupação apenas dos cientistas
naturais, parcela ínfima da população local estava disposta a envidar esforços para a sua
preservação. Quando tal assunto passa a incorporar-se em outras esferas da vida social, em
especial na vida econômica das famílias assentadas, aumentam as chances de êxito de iniciativas
orientadas a garantir a preservação dos recursos naturais, entendida, então, não mais como um
entrave, mas como um verdadeiro trunfo para o desenvolvimento da região.

Outro exemplo, mais próximo ainda do objeto de interesse deste artigo, que está voltado para o
entendimento das relações entre mercados e meio ambiente, é o da construção social do mercado
de madeiras certificadas. O trabalho de Carneiro (2007) mostra que foi a partir da ampla
divulgação internacional de evidências científicas do ritmo acelerado da degradação florestal em
países tropicais que Ong´s como Greenpeace e WWF convenceram os compradores de madeira
dos países do Norte a boicotar as empresas madeireiras dos países do Sul. Essas organizações
mobilizaram conhecimento científico e redes sociais amplamente diversificadas para construir
socialmente o problema ambiental – devastação acelerada das florestas tropicais - que estava
sendo causado pela ação das empresas madeireiras.

Nesse caso, tal processo foi o estopim para o surgimento de um mecanismo institucional – a
certificação florestal – que tem a pretensão de minimizar e/ou resolver o problema por meio da
construção de um mercado diferenciado, como será visto mais adiante.

Um terceiro exemplo, muito conhecido, é o do “buraco na camada de ozônio”. Somente a partir do


momento em que os formuladores conseguiram “traduzir” um complexo conjunto de estudos
científicos em uma “imagem” – um buraco na camada protetora do planeta localizado bem em
cima do Pólo Sul – é que se mobilizaram diversos atores sociais para o seu enfrentamento.

O próprio mercado de créditos de carbono só pode ser entendido a partir da análise do processo
de construção social do aquecimento global como um verdadeiro problema ambiental global. As
evidências científicas em que se apóiam os formuladores do problema já estavam disponíveis
muito antes de o tema assumir as proporções atuais junto a governos e sociedade em geral.
Porém, apenas após a sua popularização por meio de filmes de alto impacto, da atribuição de um
Oscar e de um prêmio Nobel a um dos seus mais importantes formuladores e da ampla
divulgação de mensagens derivadas dos herméticos relatórios técnicos gerados pelo IPCC
(Intergovenmental Panel on Climate Change) é que a questão passa a ser assumida
verdadeiramente como um problema que merece atenção e esforços da sociedade.

O processo de construção social das questões ambientais depende, portanto, da capacidade que
têm os formuladores de mobilizar redes sociais extremamente diversificadas (locais e

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internacionais, públicas e privadas, governamentais e não governamentais). De tal capacidade
dependerá o “futuro” do problema ambiental formulado.

Uma das possibilidades de “futuro” de uma determinada questão ambiental é a sua transformação
de um “problema” em um novo mercado. E é desse processo que trata o próximo item do artigo ao
analisar as contribuições da nova sociologia econômica.

3- As contribuições da nova sociologia econômica para a compreensão dos


mercados

Na visão convencional da teoria econômica (clássica e neoclássica) o mercado é um mecanismo


de ajuste, por meio dos preços, das curvas de oferta e demanda. De forma quase “mágica”, os
interesses de alguns agentes em comprar determinados produtos ou serviços encontram-se com
os interesses de alguns agentes em vender determinados produtos ou serviços.

O interessante desta visão a respeito do mercado, que tem sua origem nos clássicos da
economia, é que não é preciso que os agentes “combinem” entre si as suas ações econômicas. A
partir da busca do auto-interesse, ensina Adam Smith, é que emergem as virtudes da ação
coletiva. Dessa forma, não resta mais do que deixar as livres forças do mercado agirem para que
algum tipo de equilíbrio surja de forma espontânea, acomodando os interesses de todos os atores.
Portanto, controle por parte do Estado, pressões sociais organizadas, sindicatos, ong´s,
associações de classe, entre outras formas de restrição da ação individual, devem ser evitadas,
sob o risco de distorcer o mecanismo de preço, por meio do qual se ajustam as demandas da
sociedade, entendida como a soma dos indivíduos autônomos e anônimos.

Uma forma alternativa de entender os mercados, contudo, pode ser fundamentada em uma
perspectiva social construtivista, segundo a qual os mercados devem ser entendidos como
construções sociais, permeáveis, portanto, às pressões de diferentes atores sociais que acabam
por moldá-los.

Eles estão incrustrados (embedded) em estruturas sociais que devem ser conhecidas para a sua
compreensão (Granovetter, 1985) e, eventualmente, sua transformação.

Para a nova sociologia econômica os mercados não surgem espontaneamente, mas como o
resultado de interações sociais que podem ser identificadas e analisadas empiricamente. O
Estado, nesta perspectiva teórica, volta a assumir importância relevante para o entendimento dos
caminhos pelos quais os mercados se estruturam. Ao contrário do que postulam os arautos do
liberalismo, para os autores da nova sociologia econômica o Estado, mesmo nas sociedades de
capitalismo mais avançado, nunca deixou de ser importante na configuração dos mercados.
Como entender, por exemplo, o surgimento da Internet, o desenvolvimento do Vale do Silício e a
evolução dos mercados de alta tecnologia a ela associados sem levar em conta o papel que
desempenhou o Departamento de Defesa americano?.

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Adicionalmente, a tão propalada “eficiência” de determinadas rotas tecnológicas, que explicaria
porquê elas é que se consolidaram e não outras, é condição necessária mas, nem de longe,
suficiente para explicar a gênese e a permanência de determinados arranjos produtivos.

As instituições importam, assim como a história, para a compreensão dos mercados (North, 1990).
Mas, aqui também não se trata de tentar explicar os mercados apenas pela eficiência das
instituições, ou pelos processos de path dependence e/ou lock-in, como sugerem os autores
vinculados à Nova Economia Institucional. Determinadas instituições permanecem ao longo do
tempo não apenas porque são mais eficientes do que outras, mas porque são o resultado da
articulação de forças sociais que as respaldam e criam os incentivos para a sua própria
reprodução. Elas oferecem as condições para que se afirmem determinadas rotas tecnológicas
que são definidas, fundamentalmente, pela capacidade que têm determinados grupos sociais de
influenciar as decisões e capturar os incentivos gerados por determinadas escolhas.

Para a nova sociologia econômica, um determinado mercado vai surgir e estabilizar-se a partir da
interação, sempre conflituosa, entre atores sociais que dispõem de dotações assimétricas de
poder. É nesse sentido que se orienta a análise de Bourdieu sobre os mercados, principalmente
quando utiliza as noções de campo, habitus e interesse (Bourdieu, 2001; 2005).

Um campo é um conjunto de relações objetivas e históricas entre posições ancoradas em certas


formas de poder (ou capital), enquanto o habitus consiste em um conjunto de relações históricas
“depositadas” dentro dos corpos dos indivíduos sob a forma de esquemas mentais e corporais de
percepção, apreciação e ação.

Cada campo prescreve seus valores particulares e possui seus próprios princípios reguladores.
Esses princípios delimitam um espaço socialmente estruturado no qual os agentes lutam, segundo
a posição que ocupam nesse espaço, seja para alterar ou para preservar suas fronteiras e sua
forma. Assim, um campo pode ser entendido como um espaço de conflito e competição, no qual
os participantes disputam o monopólio sobre o capital específico associado ao campo e o poder
de decretar a hierarquia e as taxas de conversão entre todas as formas de autoridade do campo
de poder. No transcurso das lutas que travam os atores, a própria configuração do campo é
modificada pelas alterações na distribuição e no peso relativo das formas de capital, o que dá a
qualquer campo um dinamismo histórico e uma maleabilidade que descarta o inflexível
determinismo do estruturalismo clássico (Bourdieu e Wacquant, 1992/2005).

Nesse sentido, tal visão inclui na análise a perspectiva de que os conflitos, mais do que um
distúrbio na ordem social vigente, são inerentes aos sistemas sociais. A estabilização de um
mercado, portanto, é contingente, estando sempre sujeita a transformações que emergirão dos
embates entre os atores que se posicionam de forma desigual no campo.

Fligstein (2001;2005), ao adotar uma perspectiva político-cultural para o estudo dos mercados,
claramente inspirada nos trabalhos de Pierre Bourdieu, introduz na análise a preocupação com o

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poder de que dispõem os atores na configuração do campo em que se relacionam, assim como
com as habilidades sociais de que eles dispõem.

Segundo essa abordagem, os atores sociais dispõem de dotações desiguais de poder, e estão
permanentemente tensionando o campo em que atuam, utilizando para isso suas habilidades
sociais, entendidas como a capacidade de induzir os outros a cooperar (Fligstein, 2001).

Mais do que buscando maximizar lucros, os atores sociais que estão mais bem posicionados no
campo estão tentando manter sua posição, e para tanto utilizam diferentes estratégias ao se
relacionarem com os outros atores. Empresas líderes em seus segmentos de atuação pretendem
continuar em tal posição, nem que para isso tenham que diminuir seus lucros ou alterar práticas
de gestão, incorporando aspectos – sociais e ambientais, por exemplo – que, como sugerem os
trabalhos de Andrew Hoffman sobre o ambientalismo corporativo, estão deixando de ser uma
“heresia” para transformar-se em um novo “dogma”.

Se isso é realmente correto, abre-se uma nova e interessante perspectiva para a compreensão
dos processos pelos quais se estruturam novos mercados socioambientais. Os mercados deixam
de ser vistos como um ente abstrato, sobre o qual os atores sociais têm pouca ou nenhuma
capacidade de influência. Ao contrário, adotar uma perspectiva construtivista para a análise dos
mercados permite compreendê-los como estruturas sociais permeáveis a distintas formas de
pressão social, entre elas as pressões socioambientais.

4 – Uma sociologia dos mercados “verdes”: convergências entre a sociologia


ambiental e a nova sociologia econômica

Na sociologia ambiental está fundamentada grande parte da produção intelectual recente que
busca compreender as complexas relações entre ambiente e sociedade.

Contudo, na diversidade de tal produção, são poucos os trabalhos que devotam atenção científica
ao papel que cumprem os mercados em tal relação. Raros são os estudos em que os mercados
aparecem como um resultado de um processo de resolução de conflitos socioambientais.

O mercado aparece, em geral, ou como uma abstração que pode resolver todos os problemas
ambientais - já que o mecanismo de preço, um dos fundamentos principais da teoria econômica
neoclássica, acabaria alocando de forma eficiente os recursos escassos - ou como o grande vilão
culpado pela degradação ambiental, contra o qual devem ser envidados esforços que levem à sua
extinção, o que resolveria os principais problemas socioambientais da humanidade. São, nos
termos sugeridos por Abramovay (2004) entidades “ora endeusadas, ora demonizadas, mas
pouco estudadas e compreendidas”.

Podemos utilizar, como ilustração, o caso de iniciativas recentes de criação de um “mercado de


água”. É amplamente aceito, atualmente, que um dos principais dilemas que enfrentará a
humanidade diz respeito ao uso e gestão dos recursos hídricos (Jacobi, 2004). Uma das

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alternativas, obviamente cercada de ampla controvérsia, que está sendo fortemente estimulada
para a gestão da água diz respeito à criação de mercados que regulamentem e disciplinem o uso
de tal recurso entre os diferentes usuários. Assim, um conflito socioambiental – usos múltiplos da
água – que envolve um grande número e diversidade de atores sociais – agricultores, indústrias,
prefeituras, residências, etc. – poderá ser, em parte, equacionado pela utilização de mecanismos
que levarão à estruturação de “mercados de água”. Ainda associado a esse exemplo, também já é
possível identificar iniciativas (bastante recentes ainda, é bem verdade) de criação de
mecanismos financeiros de compensação pela prestação de serviços ambientais.

Por meio de pagamento a agricultores “conservadores de água”, que é como vem sendo
chamados esses prestadores de serviços em um projeto em andamento na bacia dos rios
Piracicaba-Capivari-Jundiaí3), a sociedade, por meio de um programa liderado pela prefeitura
municipal, transfere um quantidade previamente negociada de recursos para os agricultores que
participam do programa e assinam um contrato que estabelece os deveres e direitos das partes
envolvidas.

Ora, para entender como se dá o processo, complexo e potencialmente conflitivo por definição, de
construção social desses mercados se faz necessário um marco teórico que, como sugere a
hipótese que orienta o artigo, pode resultar da combinação das contribuições da sociologia
ambiental e da nova sociologia econômica.

A sociologia ambiental tem contribuído de maneira significativa para explicar como se alteram
determinadas formas de comportamento, individual e social, relacionadas à questão ambiental.
Ela ajuda a compreender como se dão as mudanças que fazem com que determinadas questões,
até certo momento preocupantes apenas para alguns poucos atores sociais (por exemplo,
cientistas, militantes de movimentos sociais ou organizações não governamentais), assumam
crescente papel na disputa política que pode levar ao seu equacionamento. No caso do mercado
de pagamentos por serviços ambientais, ela ajudaria a entender como se deu o processo por meio
do qual um grupo de atores sociais conseguiu convencer a sociedade, representada no caso
pelos vereadores da Câmara Municipal, a aprovar uma lei que repassa fundos públicos (oriundos
da arrecadação municipal de impostos e da cobrança pelo uso da água, recentemente
implementada no Brasil) para atores privados (agricultores), para o provimento de serviços que
são, ao mesmo tempo, privados e públicos (recomposição e proteção das áreas de preservação
permanente).

A sociologia econômica, por sua vez, pode auxiliar na compreensão das condições necessárias
para que tais mercados efetivamente sejam construídos. Para Fligstein (1996), os mercados se

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O projeto Conservador das Águas iniciou suas atividades no município de Extrema, em Minas Gerais. É resultado de
uma ampla articulação de atores, no âmbito de uma importante inovação institucional, que é o Comitê de Bacia
Hidrográfica dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Participam do projeto organizações como a The Nature
Conservance (TNC), Conservation International (CI), Prefeitura Municipal de Extrema, Instituto Estadual de Florestas
(IEF), Agência Nacional de Águas (ANA), entre outros.

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estabilizam a partir da emergência e afirmação dos direitos de propriedade, da estrutura de
governança, das regras de troca e de concepções de controle.

Distintos mercados se constituem, portanto, a partir de preferências dos atores que não podem
ser entendidas apenas pelo preço. Eles se fundamentam em singularidades que têm em atributos
socioambientais um de seus principais traços. Dessa forma, é preciso compreender tanto como
surgem essas preferências, quanto os formatos que assumem os mercados que delas resultam.
O exemplo apresentado no box 1, analisando os mercados de produtos agroecológicos, pode ser
bastante ilustrativo deste raciocínio.

Box 1 - A construção social do mercado de produtos agroecológicos

As primeiras tentativas modernas de produção de alimentos sem a utilização de agroquímicos


remontam às primeiras décadas do século XX, com as experiências realizadas por Sir Albert
Howard, Rudolf Steiner e Mokiti Okada, entre outros .
Contudo, é apenas a partir dos anos 1970 que tais procedimentos de manejo agrícola passam a
receber maior atenção, e somente na última década do século XX que passam a assumir um
crescente grau de maturidade para disputar a atenção dos consumidores. Uma boa pergunta de
investigação que emerge da análise dessa trajetória é: por que demorou tanto tempo para que os
produtos agroecológicos passassem a ser vistos como uma alternativa produtiva viável?
Uma primeira tentativa de explicação pode ser formulada a partir da idéia de eficiência
tecnológica. Quando comparado com os cultivos convencionais, altamente dependentes de
agroquímicos, mecanização, engenharia genética e grandes extensões de terra, os cultivos
agroecológicos mostravam-se menos eficientes, os produtos eram necessariamente mais caros, o
que fazia com que tal sistema de cultivo fosse preterido tanto por agricultores quanto por
consumidores. Quando a eficiência destes cultivos permitir que se igualem os preços de
convencionais e orgânicos, a mudança de hábito dos consumidores será praticamente automática,
condicionada pelo mecanismo de preço.
Outra explicação possível para essa emergência tardia dos mercados de produtos agroecológicos
pode ser formulada a partir da idéia de eficiência institucional. Como não existiam instituições que
permitissem aos consumidores diferenciar os produtos agroecológicos dos produtos
convencionais, não existiam os incentivos necessários para que os agricultores alterassem os
seus sistemas produtivos, já que a remuneração seria a mesma para ambos os produtos. Nesse
caso, a saída lógica está na construção de um arcabouço institucional que defina com clareza
para os consumidores as características dos produtos que estão comprando, e pelo qual podem,
inclusive, aceitar pagar um sobre-preço. Os sistemas de certificação agrícola, portanto, surgem
como uma resposta institucional para tenta suprir tal demanda.
Contudo, mesmo essa explicação parece ainda insuficiente, já que não incorpora uma dimensão
explicativa adicional que permite compreender como a demanda por esse tipo de produto vai
sendo construída entre os consumidores e, ao mesmo tempo, como influencia determinados
grupos de agricultores, comerciantes e consumidores.
Sugere-se, portanto, incorporar nos estudos empíricos um momento anterior ao surgimento dos
mercados, que é aquele relacionado fundamentalmente à construção social do problema que
poderá ser, posteriormente, enfrentado via mercados.
As alternativas agroecológicas de produção agrícola são mais do que simples opções
tecnológicas. Elas constituem-se em verdadeiros movimentos sociais, que buscam construir
socialmente uma nova agricultura (Almeida, 1999). Eles têm uma identidade (militam por um nova
agricultura), um adversário (as formas convencionais de praticar a atividade agropecuária, que
consideram amplamente prejudiciais à sociedade e ao meio ambiente) e partilham um ideal

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societário (uma sociedade em que todas as espécies vivem em harmonia), para utilizar as
principais categorias que permitem definir os movimentos sociais.
É somente a partir dessas características dos movimentos sociais que se torna possível
compreender a lógica e a evolução dos mercados de produtos agroecológicos. As categorias
propostas por Fligstein (2001) para o entendimento da estabilização dos mercados – direitos de
propriedade, estrutura de governança, regras de troca e concepções de controle – devem ser
analisadas, no caso dos mercados de produtos agroecológicos, à luz da identidade dos
movimentos sociais que deram origem a eles.
A estrutura de governança que permite a estabilização dos mercados é resultado, por exemplo, da
articulação dos movimentos de agricultura orgânica no IFOAM (Internacional Federation of
Organic Agriculture Movements). É essa federação de movimentos sociais vinculados à
agricultura ecológica que estabelece as normas e padrões que vão definir os direitos de
propriedade, as regras de troca e as concepções de controle. Os padrões aí definidos definem os
procedimentos produtivos necessários para o acesso a um tipo de direito de propriedade – o
direito de usar, por um tempo definido e renovável, um determinado selo de certificação. As regras
de troca que se estabelecem nos mercados agroecológicos indicam para os compradores que os
produtos comercializados sob um determinado selo têm características específicas que fazem jus,
por exemplo, a um sobre-preço. O valor do certificado passa a ser tão importante quanto o valor
do produto mesmo. Por último, as concepções de controle, no caso dos mercados de produtos
agroecológicos, passam por um controle social, entre as ong´s e movimentos que militam na
agroecologia, que pretende inibir comportamentos oportunistas. As sanções para os atores que
não cumprem as “regras do jogo”, sejam eles produtores, processadores ou comerciantes estão
estabelecidas a priori nos contratos estabelecidos com as certificadoras. Estão também
estabelecidos de forma implícita nas relações comerciais que os atores estabelecem entre si. Não
basta apenas que os produtores cumpram com o mínimo estabelecido nas regras de certificação:
a sua participação no movimento agroecológico é um fator adicional de credibilidade que pode
resultar em melhores posições no campo em que atuam.
Em resumo, a compreensão dos mercados de produtos agroecológicos passa tanto pela
necessidade de descrever e compreender o seu funcionamento, quanto pela necessidade de
analisar as origens e os condicionantes dos comportamentos dos diferentes atores sociais nos
quais eles têm origem.

Tais mercados demandam modalidades de coordenação econômica que a sociologia econômica


pode ajudar a explicar de forma mais precisa. As decisões dos agentes, mais do que simples
respostas racionais à sinalização dos preços, envolvem julgamentos que são feitos a partir de um
conjunto de crenças e valores que se estão continuamente em transformação. Não é por acaso,
portanto, que novos mercados que respondem de maneira mais satisfatória às exigências
socioambientais da sociedade estão ganhando cada vez mais espaço.

Nestes mercados, os agentes, mais do que apenas maximizar lucros, buscam estabilizar relações
(Fligstein, 2001b). Para isso, eles lançam mão de suas habilidades sociais, entendidas como a
habilidade de induzir os outros a cooperar, para estruturar relações que priorizam os vínculos de
longo prazo que permitem reduzir as incertezas da interação social.

De fato, como afirmam Hommel e Godard (2001), o que explicaria determinadas mudanças de
comportamento das empresas é a tentativa de antecipar-se às contestações sociais que podem
colocar em risco a rentabilidade, presente e futura, de suas operações. Ora, para compreender
melhor essa passagem “da heresia ao dogma”, para utilizar a feliz expressão de Andrew Hoffman

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(2001), que está caracterizando grande parte do mundo corporativo contemporâneo que passa a
introduzir as questões socioambientais nos seus processos produtivos, é necessário avançar
ainda mais na formulação de um instrumental analítico que combine as contribuições da
sociologia ambiental e da sociologia econômica.

5 – Considerações finais

O que o artigo procurou demonstrar é que a abordagem social construtivista pode ser útil tanto
para a compreensão dos processos que levam determinadas situações a serem compreendidas
como problemas ambientais, assim como para a compreensão da emergência e estabilização de
determinados mercados a eles associados.

Os processos de construção social dos problemas ambientais demandam habilidades sociais dos
seus formuladores que permitam explorar aquilo que Granovetter (1983) chama de “laços fracos”,
ou seja, os vínculos sociais com outros atores estratégicos que transitam em outros universos
cognitivos. Ao explorar tais vínculos e ampliar os horizontes da ação social, os formuladores dos
problemas ambientais expõem seus argumentos a outras formas de subjetividade, o que pode
levar, a partir de processos de aprendizagem social (Pahl-Wostl, 2002), a novas possibilidades de
solução para os problemas por eles formulados. Tais possibilidades passam, em grande medida,
pela construção de novos mercados.

O que parece interessante e alentador é o fato de tal abordagem social construtivista evitar os
reducionismos tanto do individualismo metodológico quando das perspectivas supersocializadas
da sociologia.

Isso quer dizer que se reconhece o papel que podem jogar os diversos atores sociais na
construção não só dos problemas ambientais mas, fundamentalmente, na construção de
caminhos mais promissores para a sua superação. Se, conforme foi exposto anteriormente, um
caminho possível é a construção de novos mercados que se apóiam em atributos
socioambientais, então se faz ainda mais necessário conhecer e mapear a rota que eles trilham,
os arranjos que permitem que eles se estabilizem e as arenas em que os atores negociam suas
posições.

Além disso, ao aproximar as abordagens da sociologia ambiental e da nova sociologia econômica,


a compreensão dos mercados “verdes” passa a ser mais completa, já que passam a incluir a
explicação dos processos que levam a determinadas formulações dos problemas ambientais e a
transformações nos comportamentos dos atores sociais. Tais modificações acabam por demandar
mudanças de comportamento das empresas e das próprias “regras do jogo”, levando à
estruturação de novos mercados. Vistos desta forma, portanto, evita-se a dicotomia que em geral
se associa às análises dos mercados, entendidos ora como uma espécie de “caminho para a
redenção” para os problemas ambientais (como nas formulações de Grossman e Krueger (1995),

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por exemplo) ora como o “mecanismo monstruoso” que devora as florestas, polui os rios,
contamina o ar e destrói as relações entre os seres humanos.

Uma forma mais aprofundada de compreensão dos mercados, em especial daqueles mercados
que se apóiam em singulares atributos socioambientais, marcados por um componente de crença,
valores e visões particulares de mundo, demanda, portanto, a utilização das categorias de análise
que estão sendo formuladas e utilizadas em ambas as correntes teóricas. A sua articulação,
portanto, deve permitir uma compreensão mais completa do fenômeno.

Em linhas gerais, as perguntas sugeridas pela sociologia ambiental são de extrema importância
para iniciar a análise dos mercados socioambientais, já que permitem identificar as origens do
processo de formulação dos problemas ambientais e a retórica utilizada pelos distintos atores para
convencer a sociedade da importância da temática por eles discutida.

Em seguida, e de forma articulada, é de suma importância identificar os atores sociais envolvidos ,


descrever e analisar as relações que estabelecem entre si e com as instituições que ajudam a
moldar, identificar e mensurar as diferentes dotações de poder e capital que cada um deles
dispõe, verificar como eles exercitam as suas habilidades sociais e induzem os outros à cooperar.
As contribuições da teoria dos campos e das habilidades sociais (Bourdieu, 2001; 2005; Fligstein,
1996; 2001b) pode ser de extrema validade para tanto.

Por último, para compreender como se estabilizam os mercados socioambientais, vale a pena
utilizar as categorias sugeridas por Fligstein (2001a), que enfatizam a dimensão político-cultural
dos mercados.

Tal dimensão político-cultural articula-se diretamente com as formulações da sociologia ambiental,


que pretende compreender, fundamentalmente, como se dão as transformações culturais que
fazem com que a sociedade passe a preocupar-se, de forma cada vez mais intensa, com as
dimensões ambientais do desenvolvimento.

Na interface entre essas correntes teóricas da sociologia contemporânea pode estar uma
importante chave de leitura e interpretação do sentido que assumem, neste início de século, os
novos “mercados verdes”.

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