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DO “VÔO DA GALINHA” AO CRESCIMENTO

SUSTENTADO: POSSIBILIDADES E INCERTEZAS

1. Introdução
Esta nota técnica analisa, na seção 1, o desempenho da economia brasileira
após o Plano Real, contextualizado na nova série das Contas Nacionais (1995 a
2007, referência 2000). Ainda nessa seção, é comparado o desempenho do Brasil
em relação às economias avançadas e os países em desenvolvimento. Na seção 2,
discute-se a questão da sustentabilidade do crescimento econômico.

2. Evolução da Economia Brasileira após o Plano Real e Desempenho Recente da


Atividade Econômica
O contexto econômico do Brasil nos últimos doze anos caracterizou-se pela
oscilação da atividade produtiva, que refletiu, em certa medida, a vulnerabilidade
externa do país frente aos ciclos de liquidez do mercado financeiro internacional e
do comércio mundial. Analistas de diferentes vertentes cunharam ex-post a
expressão “vôo da galinha” para o desempenho da economia brasileira,
qualificando-o nos seguintes termos: nos períodos ascendentes do ciclo global, a
economia brasileira não conseguiu alçar patamares mais elevados de crescimento
e, quando ocorreu expansão, o dinamismo não se sustentou.
Ao longo dos anos, o “filme” da crise foi reprisado diversas vezes e cumpriu,
via de regra, um conhecido roteiro, qual seja: ao ser deflagrada a crise externa, com
redução do fluxo de capitais para os países em desenvolvimento, a política
monetária doméstica reagiu e elevou a taxa de juros para estimular a entrada de
capitais e controlar a escalada dos preços, dados a reduzida capacidade de
geração de dólares e o baixo patamar de reservas do país. O efeito colateral dessa
terapia recai sobre a atividade econômica, uma vez que o consumo doméstico
sofre restrição e os ciclos de investimentos são abortados.
Três períodos marcaram a trajetória recente do Brasil entre 1995 e 2007. O
primeiro abrange a gestão macroeconômica após o Plano Real até 1998 e é
pautado pelo controle do processo inflacionário mediante a âncora cambial no
âmbito do regime de bandas cambiais. O segundo inicia-se em 1999, com a
implantação do regime de câmbio flutuante e do sistema de metas de inflação, e se
estende até 2002. O terceiro período, entre 2003 e 2007, é caracterizado pelo
aprofundamento da política econômica do período anterior, baseada na busca de
três fundamentos básicos, quais sejam: (i) a obtenção de superávit primário nas
contas públicas, que dê sustentação a uma trajetória descendente da dívida
pública; (ii) a manutenção do câmbio flutuante com o viés, em 2007, de

1
intervenção do Banco Central na compra crescente de reversas internacionais; e
(iii) o cumprimento da meta de inflação por meio do uso da política monetária,
guiada pela expectativa do mercado ante a elevação futura dos preços ao
consumidor e pela medida do hiato do produto.
A insustentabilidade dos déficits em transações correntes, acumulados no
período de vigência da âncora cambial, foi trazida à tona com a crise cambial de
1998. As turbulências no mercado financeiro internacional (crises asiática e russa)
afetaram o Brasil, e o país foi obrigado a recorrer a empréstimos do FMI para
fechar as contas do balanço de pagamentos. Naquele ano, o déficit em transação
corrente atingiu 4,0% do PIB; a taxa de juros básica subiu, em outubro, para 42%
em termos anualizados, e a economia ficou estagnada depois de ter crescido em
média 3,3% entre 1995 e 1997. Nota-se, no Gráfico 1, o primeiro “pouso forçado”
da economia brasileira pós-Plano Real.

Gráfico 1. Taxa de Crescimento Anual do PIB, do Consumo das Famílias e da Formação


Bruta de Capital Fixo
13,4

10,0
8,7 9,1
8,6
7,3
6,5
5,7 5,4
5,0 4,6
4,3 4,0 4,5
4,2 3,8 3,6 3,8
3,2 3,4 3,0 3,2
2,7
2,2 1,9
1,5 1,3 1,1
0,7 0,4
0,0 0,3 0,4

-0,7 -0,3 -0,8

-4,6
-5,2

-8,2

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

PIB a preços de mercado Consumo das Famílias Formação Bruta de Capital Fixo

Fonte: IBGE. Contas Nacionais (referência 200). Elaboração Grupo de Conjuntura.

Os efeitos deletérios da elevação da taxa de juros espraiaram-se pela


economia brasileira. Em 1999, a taxa básica de juros permaneceu durante o
primeiro semestre acima de 25% aa., deprimindo a formação bruta de capital fixo,
que caiu 8,2% em relação ao ano anterior. A contribuição (em pontos percentuais)
da demanda interna ao crescimento do PIB foi negativa em 1,5%. A situação só não

2
foi pior em função da desvalorização do Real, que inibiu as importações e fez a
demanda externa contribuir positivamente (1,7 pontos percentuais) para a
expansão do PIB (ver Gráfico 2).

Gráfico 2. Contribuição da Demanda para o Crescimento Anual do PIB (em pontos


percentuais)

7,2
6,9

5,0 5,2
4,3
3,9

2,7 2,5 2,7

1,7 1,7
0,8 0,7
0,3 0,5 0,2 0,5
-0,5 -0,5 -0,3
-0,5
0,0 -1,4
-1,5 -1,5

-3,0

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Demanda Interna Demanda Externa

Fonte: IBGE. Contas Nacionais (referência 200). Elaboração Grupo de Conjuntura.

Os ajustes microeconômicos realizados pelas empresas privadas na década


de 90, em função do aumento da concorrência externa no contexto das aberturas
comercial e financeira, foram postos à prova após a desvalorização do Real, em
1999. Os custos industriais aumentaram e o mercado externo passou a ser
fundamental para as estratégias das grandes empresas nacionais e multinacionais.
O Quadro 1 traz as principais variáveis e preços-chave da economia nos dois
períodos de vigência do câmbio flutuante (1999-2002; 2003-2007), com destaque
para o ano de 2007. Em primeiro lugar, cabe destacar o quão fundamental é o
comportamento do cenário externo na definição do desempenho da economia
brasileira. No período desfavorável, entre 1999 e 2002, quando o fluxo de capitais
financeiros (portfólio e outros investimentos), juntamente com o Investimento
Direto Externo (IDE), retraíram-se num contexto de baixo crescimento dos países
centrais1, o PIB, o saldo em Transações Correntes e as reservas internacionais
apresentaram os piores resultados na comparação entre os períodos: em média, o
PIB cresceu apenas 2,2%, o saldo em transações correntes permaneceu deficitário

1Para ver análise detalhada sobre o panorama da inserção externa do Brasil, consultar PRATES, Daniela M. A
Supremacia dos Mercados e a Política Econômica do Governo Lula, capítulo 4: “A Inserção da Economia
Brasileira no Governo Lula”, p. 133. São Paulo : Editora Unesp.

3
em 3,5% como proporção do PIB e as reservas internacionais ficaram restritas ao
montante de U$ 36,4 bilhões de dólares, na média do período.

Quadro 1: Evolução das Principais Variáveis e Preços-chaves da Economia Brasileira por


Períodos: 1999 a 2007

Variáveis \ Períodos 1999 - 2002 2003 - 2006 2007


Favorável com
Cenário Externo Restritivo Benigno aumento da
volatilidade
Transações Correntes (em % do pib,
-3,5 1,4 0,3
média do período)
Reservas Internacionais (U$ bilhões,
36,4 56,1 142,7
média do período)

PIB Brasil (média do período) 2,2 3,4 5,4


1999 1,81 2003 3,08
2000 1,83 2004 2,93
Câmbio Nominal R$ / U$ - média 1,95
2001 2,35 2005 2,44
2002 2,92 2006 2,18
1999 26,80% 2003 23,10%
2000 17,80% 2004 16,40%
Juros (meta Selic, média anual) 2001 17,60% 2005 19,40%
11,90%

2002 19,50% 2006 15,40%


1999 8,94% 2003 9,30%
2000 5,97% 2004 7,60%
Inflação (IPCA, variação no ano) 7,67% 2005 5,69%
4,46%
2001
2002 12,53% 2006 3,14%

Fonte: IBGE, Banco Central e Ipeadata. Elaboração Grupo de Conjuntura

Dois fatores foram cruciais para explicar essa trajetória. As sucessivas


desvalorizações do Real entre 1999 e 2002 – que, ao longo desses anos, foram-se
mostrando insuficientes para ajustar as contas externas – pressionaram a inflação
para cima, especialmente os preços dos bens comercializáveis e os preços
administrados, cujos contratos oriundos das privatizações foram indexados ao IGP,
índice mais sensível aos choques da taxa de câmbio. Além desse impacto
inflacionário, as desvalorizações não afetaram positivamente a balança comercial
como era de se esperar, especialmente em relação às exportações, que não se
expandiram em função do desempenho desfavorável do comércio mundial, tanto
em função dos baixos preços das commodities, como do pequeno dinamismo da
demanda externa.
A variável de ajuste, nesta fase, foi a atividade econômica, dado que o
cenário externo impôs restrições à gestão da política monetária. A política
monetária procurou reduzir a transferência dos choques exógenos para os índices
de preços, diminuindo o ritmo de crescimento da demanda doméstica mediante a

4
elevação da taxa de juros2. O Gráfico 2 mostra que a contribuição da demanda
interna para o crescimento real do PIB, entre 1999 e 2002, foi próxima de zero,
com exceção do ano 2000, quando a taxa de câmbio nominal ficou estável e a
inflação foi mais baixa. Em 2001 e 2002, o PIB só não caiu de forma mais intensa
devido ao recuo das importações, que determinou o aumento da contribuição da
demanda externa ao crescimento.
No final do período, o cenário econômico convivia, de um lado, com a
atividade econômica restringida pela política monetária e pelos efeitos negativos do
‘apagão’ elétrico e, de outro, com a aceleração dos índices de inflação, que
chegaram ao final de 2002 na casa de dois dígitos (12,5%, variação anual do IPCA).
A fase inaugurada na gestão do governo Lula, em 2003, caracteriza-se pela
mudança do cenário internacional, do ponto de vista tanto dos fluxos financeiros,
como do comércio mundial. O ciclo de liquidez no mercado financeiro internacional
ganhou força ao longo no período e abriu oportunidade para o Brasil atrair para si
um fluxo crescente de capitais (portfólio e aplicações em renda fixa) e de
Investimentos Direto Externo (IDE). Estados Unidos e Japão, que tinham passado
por forte desaceleração entre 2000 e 2001, retomaram rápida e expressivamente
o crescimento econômico. Os países que compõem o BRIC, especialmente a China
e a Índia, também aceleraram a taxa de crescimento do PIB a partir de 2002 (ver
Gráfico 3).
Os efeitos da aceleração da economia mundial rebateram no Brasil de forma
mais expressiva a partir de 2004. Nota-se um aumento nas exportações,
especialmente de manufaturados, devido à expansão do quantum e dos preços dos
bens exportados pelas indústrias. O ajuste microeconômico realizado pelas
empresas ao longo da abertura comercial (redução de custos, diferenciação de
produtos e inovações tecnológicas) e as desvalorizações ocorridas pós-crise
cambial de 1999 aumentaram a competitividade da estrutura produtiva brasileira.
Aliado a esses fatores, o baixo dinamismo do mercado interno até 2003 também
influenciou as estratégias das empresas no sentido de direcionarem ao mercado
externo parcela crescente da produção e do investimento.

2 O Quadro 1 indica certa estabilidade da taxa de juros na média do ano em 2001 e pequeno aumento em
2002. Todavia, houve aumentos mais pronunciados nesses anos (em julho de 2001 a taxa Selic alcançou 18%
aa. e, em dezembro 2002, a taxa chegou a 25% aa. Para maiores detalhes sobre os impactos dos ciclos de
liquidez no Brasil, consultar Farhi, Maryse. A Supremacia dos Mercados e a Política Econômica do Governo
Lula, capítulo 5: “O Impacto dos Ciclos de Liquidez no Brasil: mercados financeiros, preços e política
monetária”, p. 173. São Paulo : Editora Unesp.

5
Gráfico 3. Taxa de Crescimento Anual do PIB – EUA, Japão e BRIC (Brasil, Rússia, Índia e
China)

12,0

10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

0,0

-2,0

-4,0

-6,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
EUA 2,5 3,7 4,5 4,2 4,4 3,7 0,8 1,6 2,5 3,6 3,1 2,9 2,2
Japão 2 2,7 1,6 -2 -0,1 2,9 0,2 0,3 1,4 2,7 1,9 2,4 2,1
Brasil 4,2 2,2 3,4 0,0 0,3 4,3 1,3 2,7 1,1 5,7 2,9 3,7 5,4
China 10,9 10,0 9,3 7,8 7,6 8,4 8,3 9,1 10,0 10,1 10,4 11,1 11,5
Rússia -4,1 -3,6 1,4 -5,3 6,4 10,0 5,1 4,7 7,3 7,2 6,4 6,7 7,0
Índia 7,6 7,5 4,9 5,9 6,9 5,4 3,9 4,5 6,9 7,9 9,0 9,7 8,9

EUA Japão Brasil China Rússia Índia

Fonte: FMI e Word Outlook Economic, setembro de 2007.

De 2004 a 2007, a balança comercial brasileira também foi beneficiada


pela elevação dos preços das commodities, associada ao intenso crescimento da
China. Neste contexto, ocorreram superávits comerciais crescentes, a despeito do
processo de valorização do Real ocorrido ao longo do período3.
O cenário externo benigno, ao gerar entrada de divisas no país via saldos na
balança comercial e via a entrada de capital financeiro, permitiu que a política
monetária fosse flexibilizada. A apreciação cambial atuou no sentido de jogar para
baixo os preços e estabilizar as expectativas do mercado em relação à evolução
futura da inflação. Isto abriu espaço para a taxa de juros (Selic) cair e criou um ciclo
virtuoso entre demanda externa, demanda doméstica e investimentos. A taxa de
câmbio nominal (média do ano), entre 2003 e 2006, caiu de 3,08 para 2,18; e a
taxa anual da inflação (IPCA) diminuiu de 9,3% para 3,14%.
Os indicadores da economia brasileira, resumidos no Quadro 1, melhoraram

3 Um dos fatores explicativos, além dos já citados, desse fenômeno de aumento das exportações e apreciação
cambial é de natureza financeira. O elevado patamar de juros no Brasil, a despeito da trajetória cadente nos
últimos três anos, gera um mais alto diferencial em relação às taxas de juros cobradas no exterior. Neste
contexto, as empresas exportadoras antecipam os ACC (Adiantamento de Contratos de Crédito) e aplicam as
receitas em dólar convertidas em Real no mercado financeiro doméstico, conseguindo manter parcela da sua
rentabilidade.

6
entre 2003 e 2006: o PIB cresceu em média 3,4% e as transações correntes
tornaram-se superavitárias em 1,4%; como proporção do PIB e patamar de reservas
subiu para U$S 56,1 bilhões de dólares. Entretanto, cabe destacar que a economia
brasileira apresentou o menor crescimento do PIB dentre os países que compõem o
BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China, ver Gráfico 3) desde a vigência do câmbio
flutuante, fato que demonstra o baixo perfil da inserção externa do Brasil, mais
centrada em mercados de menor valor agregado com base em recursos naturais, a
despeito de o país ter sido escolhido como plataforma exportadora de alguns
segmentos (como, por exemplo, as montadoras).
O Gráfico 3 mostra a taxa de crescimento de dois principais componentes da
demanda interna e as variações do quantum das importações e das exportações
entre 2000 e 2007. Notam-se, do lado doméstico, a instabilidade da trajetória do
consumo e do investimento e, do lado do comércio exterior, a elasticidade da
importação em relação à taxa de câmbio e ao investimento, além da perda de
dinamismo das quantidades exportadas, especialmente em 2006 e 2007 (ver
Gráfico 4).

Gráfico 4. Taxa de Crescimento do Consumo Doméstico do Investimento e do Quantum das


Exportações e Importações

22,0

18,0
13,4
14,0
9,1 10,0
10,0
6,5
6,0 4,0 5,0 4,5 4,0
1,9 3,8 3,6
2,0 0,7 0,4

-2,0 -0,8

-6,0 -5,2 -4,9


2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
-10,0

-14,0
Consumo Doméstico Investimento
Exportação - quantum Importação - quantum

Fonte: IBGE. Contas Nacionais (referência 200). Funcex. Elaboração Grupo de Conjuntura.

Nos períodos de desvalorização cambial e de taxa de juros elevadas, as


quantidades importadas e os investimentos caíram de forma expressiva e as
exportações foram a válvula de escape para a atividade produtiva, especialmente
em 2003. Na fase de recuperação, na qual a apreciação cambial jogou papel

7
decisivo no controle da inflação e na queda da taxa de juros, a expansão das
quantidades exportadas perdeu dinamismo e ficou na faixa de 5% (2006 e 2007).
Já o consumo doméstico e o investimento cresceram neste período e estimularam
o aumento das importações.
Essa trajetória virtuosa foi tranqüila até meados de 2007 e teve como
indutor fundamental o momento especial da economia mundial. A manutenção
desse ciclo – caracterizado pela melhoria dos termos de troca da economia
brasileira, pela redução da taxa de juros doméstica, pelo aumento do investimento
produtivo, pela expansão do mercado interno e pela redução da inflação – foi
problematizada pela eclosão da crise financeira internacional, centrada nos
Estados Unidos, e levanta dúvidas sobre a capacidade desse ciclo manter-se nos
próximos anos.
Antes de discutirmos os desdobramentos desta crise, cabe destacar os
fatores que influenciaram a recuperação do mercado interno. A economia brasileira
vem passando por uma alteração do patamar de crescimento desde 2004 e por
uma mudança do seu eixo dinâmico. Excluindo o ano de 2005, quando o Banco
Central, pautado pelo descolamento das expectativas de elevação dos preços em
relação à meta de inflação, elevou a taxa de juros, os anos de 2006 e 2007 foram
de aceleração do crescimento econômico. Nestes dois anos, o principal vetor de
dinamismo foi a demanda doméstica, que contribuiu com, respectivamente, 5,2 e
6,9 pontos percentuais na expansão do PIB. A demanda externa passou a
contribuir negativamente neste período, devido ao incremento das importações
acima do patamar das exportações (ver Gráficos 1 e 2).
Três fatores impulsionaram a expansão do mercado interno. Como primeiro
fator, destacam-se as mudanças ocorridas no mercado de crédito, que foram
fundamentais para dar impulso ao consumo. O atual ciclo de crédito começou com
a implantação do sistema de empréstimos consignados em folha de pagamento
aos aposentados, o que deu acesso ao crédito “barato,” a um expressivo grupo
populacional. Os bancos sentiram-se seguros para aumentar a oferta de
financiamento e alongar os prazos, uma vez que a inadimplência não se elevou e a
taxa de juros foi-se reduzindo gradualmente. As empresas capitalizadas ampliaram
a utilização de empréstimos para alavancar os seus negócios. Estes fatores
propiciaram um crescimento do crédito acima de dois dígitos nos últimos dois anos.
O segundo fator foi que o mercado de trabalho voltou a crescer: a queda da
inflação e o aumento da oferta de emprego, aliados à política de recuperação do
valor real do salário mínimo, abriram espaço para a recuperação dos rendimentos
dos trabalhadores, que haviam perdido valor entre 1999 e 2003. Nota-se que, de
2004 a 2007, houve expansão da ocupação, tanto nas principais regiões
metropolitanas como no interior do país. Este crescimento ocorreu com tendência

8
de formalização das relações de trabalho, especialmente a partir de 2007, quando
houve maior participação dos empregos com carteira assinada. O aumento da
atividade industrial e o contínuo crescimento das vendas no varejo deram
segurança para que os empresários formalizassem os novos empregos. As
sinergias do mercado de trabalho – queda da taxa de desocupação e aumento da
massa de rendimento e do emprego formal – realimentaram o ciclo de crédito e
deram sustentação ao consumo.
O terceiro fator foi que o mercado doméstico também se beneficiou da
consolidação de um conjunto de políticas sociais distributivas de renda, cujo
destaque é o programa Bolsa Família. Novos consumidores surgiram no país. As
condições socioeconômicas deste contexto deram acesso a uma cesta de consumo
mais ampla para a parcela mais desprotegida da população brasileira.
O atual ciclo de expansão, baseado nos elementos acima descritos, avançou
para uma etapa superior. O consumo lastreado no ciclo de crédito gerou demanda
para a indústria de transformação e ocasionou elevação do nível de utilização da
capacidade instalada. A apreciação do Real, embora tenha reduzido a
competitividade da indústria no mercado externo, barateou os preços dos bens de
capital importados e está contribuindo para a modernização do parque produtivo
instalado no Brasil. As empresas ampliaram as decisões de investir a partir de
2004, impulsionadas também pela elevação da rentabilidade corrente dos seus
negócios. Entre 2003 e 2007, a formação bruta de capital fixo cresceu 40,2% e a
taxa de investimento a preços correntes em proporção do PIB passou de 15,3%
(2003) para 17,6% (2007).
O ano de 2007 marca a divisão entre uma situação de tranqüilidade em
relação à condução da política econômica e de maior turbulência no cenário
internacional, num contexto de aceleração do crescimento doméstico. No ano
passado, a economia brasileira obteve desempenho mais robusto em relação à
média de crescimento observada entre 1995 e 2003: o PIB cresceu 5,4% e se
aproximou do resultado obtido em 2004 (5,7%, ver Gráfico 5).
Do lado da oferta, o destaque foi a expansão mais homogênea dos setores:
no acumulado em quatro trimestres, a indústria expandiu-se 4,9% e o segmento de
serviços avançou 4,7% na mesma base de comparação, com aceleração no último
trimestre do ano. Nota-se o expressivo aumento da produção de bens de capital
(líder da expansão) e de bens de consumo duráveis. No setor de serviços, as
maiores altas foram registradas nos segmentos de comércio (7,6%) e de
informações (8,0%). A agropecuária apresentou o melhor desempenho dos últimos
três anos, com crescimento de 5,3% em 2007.

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Gráfico 5. PIB (Volume) – Taxa de Crescimento Acumulada em Quatro Trimestres

20,6 20,7
20,4
19,4

13,4
12,2
11,0
9,3
8,0
5,4 6,96,0 6,5 6,4 6,6
5,1 5,7 5,3 4,7 5,6
4,8 4,7 4,94,9 4,4 4,9 5,2
3,9 4,2 4,3
3,9
2,9 3,1
2,8 2,7 2,8

PIB - Preços Agropecuária Indústria - Serviços - Consumo das Consumo do Formação Exportações Importações
de M ercado Total total Famílias Governo bruta de
capital fixo

I Trim-07 II Trim-07 III Trim-07 IVTrim-07

Fonte: IBGE. Contas Nacionais (referência 200). Elaboração Grupo de Conjuntura.

Do lado da demanda, os destaques são os resultados positivos do consumo


das famílias, da formação bruta de capital fixo e das importações, que cresceram
entre 2006 e 2007, respectivamente, 6,5%, 13,4% e 20,7%. O consumo do
governo apresentou um desempenho positivo, mas de menor intensidade (3,1%).
As exportações cresceram 6,6%, um terço da alta observada nas importações.

3. Perspectivas
Se, do ponto de vista do desempenho da economia, o ano de 2007 foi
virtuoso, os desdobramentos desse dinamismo num cenário externo mais restritivo,
devido à crise financeira dos EUA, já mostram sinais potenciais de desequilíbrio no
balanço de pagamentos. A apreciação cambial, que ajudou a deixar a inflação
abaixo da meta em 2006, agora cobra o seu preço. No final de 2007, a taxa de
câmbio nominal chegou ao patamar de 1,75, retirando competitividade das
exportações e estimulando um maior número de empresas a aderirem às
importações.
A diminuição do saldo da balança comercial, combinada com o aumento das
remessas de lucros e a maior volatilidade nos investimentos de portfólio, reduziu o
superávit das transações correntes para 0,3% do PIB, em 2007. As projeções do
saldo em transações correntes, para 2008, indicam um déficit na casa de 1% do
PIB (algo em torno de U$ 18 bilhões de dólares), o que impõe limites à condução
da política monetária.

10
Esse fato já é realidade. Desde setembro de 2007, o Banco Central manteve
a taxa de juros básica (Selic) na faixa de 11,25% aa. Na última Ata do Copom e no
relatório de inflação, os gestores da política econômica evidenciaram a
preocupação com as pressões inflacionárias oriundas de um aquecimento do
consumo avaliado como exagerado, e introduziram um viés “prudencial” de alta na
taxa de juros, mesmo com a expectativa do mercado (relatório Focus, do Banco
Central, de 28/3/2008) sobre a trajetória de o IPCA ficar dentro da meta de
inflação estipulada pelo Conselho Monetário Nacional.
Na primeira fase do boom no comércio mundial, após a recessão dos EUA
em 2001, a elevação dos preços das commodities não significou pressão adicional
na inflação dos países avançados e dos países em desenvolvimento. No período
recente, o crescimento da demanda mundial por matérias-primas (combustíveis,
minério de ferro e alimentos), devido ao dinamismo do conjunto de países em
desenvolvimento, especialmente a China e na Ásia, aliado ao aumento dos preços
das exportações oriundas destes países, estabeleceu um vetor altista na inflação
mundial. Essa tendência já se manifesta no Brasil: a inflação ao consumidor
terminou, em 2006, na casa de 3,1%, e em 2007 a taxa fechou em 4,46%. Os
índices de preços no atacado estão mais pressionados: o IPA-DI apresentou
variação de 6,7% no acumulado em doze meses findos em fevereiro de 2008.
Portanto, a gestão da política econômica entrou em uma fase mais difícil a
partir de 2008, devido ao aumento da volatilidade dos fluxos de capitais para o
país e à tendência de alta dos preços das matérias-primas, no mercado mundial. A
taxa de câmbio não deve contribuir mais para o cumprimento da meta de inflação,
uma vez que uma valorização mais forte do Real, que compensasse os choques
externos, afetaria sobremaneira as exportações e complicaria ainda mais o
financiamento do Balanço de Pagamentos. O governo já tomou, em março,
medidas para deter a apreciação do Real e aumentar a competitividade das
exportações: (i) cobrança de uma alíquota de 1,5% de IOF sobre os investimentos
estrangeiros de portfólio em renda fixa; (ii) fim da cobrança de IOF nas operações
de câmbio dos exportadores; (iii) autorização para que os exportadores
mantenham, em contas bancárias no exterior, sua receita em US$.
A sintonia fina dos preços-chave da economia – juros e câmbio –, ante o
desenrolar da crise internacional, irá fazer a diferença entre abortar a expansão do
investimento produtivo com uma eventual elevação mais forte da taxa de juros ou
esperar alguns meses para avaliar os desdobramentos do cenário externo e, aí sim,
decidir se o cenário doméstico, especialmente a trajetória da inflação e a evolução
do hiato do produto, estão ou não compatíveis com a meta de inflação.
Todavia, é notório que as condições de financiamento da economia
brasileira estão melhores. O atual volume de reservas internacionais, a situação

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patrimonial e o baixo endividamento da empresas, o ingresso de Investimento
Direto Externo num contexto de crescimento econômico e a desdolarização do
passivo externo do setor público dotaram o país de condições para enfrentar as
turbulências advindas da crise externa. Outro fator que está amortecendo os
impactos negativos dessa crise é o eventual descolamento do desempenho
produtivo das economias em desenvolvimento em relação à trajetória de
desaceleração dos países avançados. Segundo o FMI, a economia americana
perdeu participação no crescimento mundial e as economias em desenvolvimento,
especialmente a China, ganharam espaço na produção de riqueza global.
Se o cenário de desaceleração dos EUA não for de aprofundamento na
direção de uma recessão prolongada, e se as notícias sobre os prejuízos nos
balanços dos bancos não ultrapassarem os limites do razoável, são grandes as
condições de o Brasil conseguir passar por essa crise sem precisar interromper de
forma brusca o crescimento econômico doméstico, caso o Banco Central tenha
calma na condução da política monetária.
Se, ao contrário, a crise se alastrar e a desaceleração contaminar regiões
que ainda mostram dinamismo, o apetite dos investidores pelo risco tenderá a
refluir, e o fluxo de capitais não virá para o Brasil no volume necessário para
estabilizar a taxa de câmbio. Neste cenário, sobe consideravelmente a
probabilidade de a atividade econômica ser a variável de ajuste, pois a receita para
combater uma provável desvalorização cambial é conter a demanda, via aumento
da taxa de juros.

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